Libro Publicacion Oficial A4

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44º CONGRESO ESPAÑOL DE ACÚSTICA
ENCUENTRO IBÉRICO DE ACÚSTICA
EAA EUROPEAN SYMPOSIUM ON ENVIRONMENTAL
ACOUSTICS AND NOISE MAPPING
UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR DA ACÚSTICA MUSICAL
PACS: 43.75.-z
Maria Lúcia Grillo e Luiz Roberto Baptista
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rua São Francisco Xavier 524, sala 3034 D,
Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 20.550-013,
Tel.: 55-21-23340844, Fax: 55-21-23340379,
E-mail: [email protected] e [email protected]
ABSTRACT
Music in general is heard as fun and hobby, but behind it there is much more than that. It is
itself the object of intense scientific observation and we have Mathematics and Physics
hovering over one of the art forms that most enchant the human being. We propose the
interdisciplinary study of Musical Acoustics, mainly from bowed string instruments, and thus we
can contribute to the improvement in education and culture, creating new horizons in the labor
market in the fields of Physics, Mathematics, History, Philosophy, Biology and Music, thus
helping to combat the problems of a globalized economy.
RESUMO
A Música, em geral, é escutada como divertimento e passatempo, mas por trás dela
há muito mais que isso. Ela é em si objeto intenso de observação científica e temos
Matemática e Física pairando sobre uma das formas de arte que mais encantam o ser
humano. Propomos então o estudo interdisciplinar da Acústica Musical, principalmente
dos cordofones friccionados, e dessa forma podemos colaborar com a melhora na
educação e na cultura, gerando novos horizontes no mercado de trabalho nas áreas
de Física, Matemática, História, Filosofia, Biologia e Música, ajudando a combater
assim os problemas de uma economia globalizada.
ORIGENS DA ACÙSTICA MUSICAL
A música, como a consideramos (com suas regras e convenções), é uma invenção humana
que envolve muitas áreas do conhecimento: Física (o fenômeno sonoro), Matemática (o ritmo e
regras em geral), História (posicionamento do fenômeno no tempo), Antropologia (as origens
do homem e sua música), Línguas (nas Óperas), Geografia (cada lugar do planeta propicia um
tipo de música), Química (as substâncias que o cérebro produz), Psicologia (como influencia
nosso comportamento individual e social), Biologia (pode alterar nossa musculatura por
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exemplo na escolha do instrumento musical), Medicina (na Musicoterapia), Filosofia (como as
ideias musicais alteram nossa forma de ver o mundo), Engenharia (construção de instrumentos
musicais e salas de concertos e teatros) e Arquitetura (acústica de salas e formas musicais)
estão envolvidas como elemento componente ou como resultante da música.
É graças ao ar que respiramos que as ondas sonoras chegam até nossos ouvidos. A acústica
musical é um vasto campo de pesquisa que vai desde os espaços, através dos tempos,
utilizados para se ouvir música (anfiteatros, igrejas, salas de concerto e mesmo ao ar livre) até
a construção e desenvolvimento dos instrumentos musicais e a própria evolução da voz
humana (com a técnica vocal e projeção sonora). Os instrumentos musicais podem ser de 3
espécies: Cordas, Sopros e Percussão. Os espaços para a prática da música podem ser de 2
espécies: os que envolvem a propagação sonora (teatros, igrejas, salas de concerto, etc) e os
que precisam inibir a propagação sonora para não perturbar o meio ambiente (locais de ensaio
de bandas e boates) ou não serem perturbados por ele (estúdios de gravação, salas de
concerto, etc).
A Acústica, entendida como Ciência que estuda o som, tem suas origens no estudo da Música.
Então foi a Acústica Musical a primeira área da Acústica a ser sistematizada. Os teóricos da
Acústica Musical eram músicos e em geral foram alunos de eminentes músicos. Um importante
centro de desenvolvimento foi a Igreja de São Marcos, em Veneza, onde alguns foram mestres
de capela. Muitos personagens ao longo de muitos séculos contribuíram para o seu
desenvolvimento. Podemos considerar que sua origem ocorreu no final do século XVI e início
do século XVII, no período conhecido como Renascimento, com importantes contribuições
principalmente de Gioseffe Zarlino (1517-1590), Vincenzo Galilei (1520-1591), Marin Mersenne
(1588-1648), Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630), René Decartes (15961650), Christian Huygens (1629-1695) e Joseph Saveur (1653-1716).
A MÚSICA NA ANTIGUIDADE
“Observando as nossas origens podemos classificar os instrumentos musicais das culturas
primitivas como:
- Idiófonos - feitos com material que por si só produzem som. Não têm cordas ou peles
esticadas. Um simples pedaço de madeira vira uma placa do futuro Xilofone.
- Membranófonos - também são de percussão, mas têm uma pele esticada, num crânio
humano ou num vaso.
- Cordófonos - têm cordas esticadas. Podiam ser de tripas de macacos ou de baleia.
- Aerófonos - a flauta (de cana, osso humano ou chifre de veado) e a trombeta (feita de
madeira e uma concha de caracol como bocal).
Os primitivos aprenderam que a flauta feita com um tubo pequeno de cana produzia um som
agudo. Um tubo maior produzia um som mais grave. Depois descobriram que o mesmo
acontecia quando se batia num pedaço de madeira e mais tarde numa lâmina de metal. A
descoberta se estendeu em relação ao tamanho das cordas esticadas. Daí aumentou-se o
número de sons dos instrumentos, colocando-se mais cordas na Lira, amarrando-se mais
pedaços de cana de tamanhos diferentes na Flauta ou juntando-se pedaços de madeira de
tamanhos e sons diferentes para fazer um Xilofone (Xilo, em grego, significa madeira). Os
instrumentos eram fabricados para se obter ‘fins mágicos’”. (FREDERICO, 1999)
Desde a Antiguidade já há sinais do uso da música e seus instrumentos. Conforme
Maslinkiewicz e Coelho (2012), “As primeiras evidências da música foram transmitidas por
representações pictóricas em pedras, nas quais foram gravadas figuras de instrumentos
musicais. Esse material foi encontrado de modo particular na Grécia”. No final do século V a
música teve importantes contribuições de Pitágoras e Platão.
Para os gregos da Antiguidade a música estava ligada à disseminação de sua cultura social e
moralidade, ligada aos deuses e aos escritos de grandes filósofos. Pitágoras, filósofo nascido
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na ilha grega de Samos, por volta do século VI a. C., buscava expressões matemáticas que
seriam então expressão da própria divindade. Segundo Grillo e outros (2012): “O número um,
por exemplo, refletia a razão e seria gerador dos demais. O número dois era o primeiro par,
feminino. O três é o primeiro com propriedades masculinas verdadeiras, o da harmonia. O
algarismo quatro representava a justiça ou o ajuste de contas, e o cinco era a união entre os
primeiros números, feminino e masculino. Seis, o número da criação. Assim, os ímpares eram
masculinos em suas qualidades, e os elementos pares, femininos (conceito muito em voga até
a Idade Média).” O Filósofo de Samos estabeleceu, assim, uma relação entre o tamanho da
corda e a nota emitida por ela quando vibrada. Acreditava que a mesma relação entre o som
obtido em seus instrumentos de corda e o tamanho dessa corda valeria para qualquer outro
corpo, conclusão mais tarde confrontada por Vincenzo Galilei. As proporções eram:
Nome
Quarta
Quinta
Oitava
Tônica
Proporção do tamanho da corda
3:4
2:3
1:2
1:1
O Renascimento viria muito tempo depois confrontar a validade da universalização dessa
proposta. Porém, evidencia-se a importância de Pitágoras pelo grande intervalo de tempo entre
a sua época e a época pós-Idade Média. A matemática era mais importante que o som e
determinava todas as relações musicais, inclusive os intervalos.
“A canção antiga era monódica ou monófona. Monofonia é a melodia de uma só voz, ou
uníssona, sem harmonização. Discute-se a prática da Polifonia (várias vozes diferentes
executadas simultaneamente) em antigas civilizações. A Tonalidade só começou a se
manifestar com as culturas agrícolas primárias. Com as culturas agrícolas mais adiantadas
surgiram as canções de trabalho e a formação das escalas e dos modos. Ao alcançar um
intervalo de cinco notas (dó-ré-mi-fá-sol) o ser humano conseguiu o que se considera o maior
avanço da percepção sonora”. (KÁROLYI, 2002)
“Hoje sabemos que existem 4 aptidões musicais (por enquanto): 1) capacidade de reconhecer
as sensações auditivas (timbres); 2) capacidade de reter a música escutada (memória musical);
3) capacidade de reproduzir o que se ouviu (provar a capacidade de memória); 4) capacidade
de combinar as imagens sonoras (como na fuga ou na orquestração)”. (DE LA GUARDIA,
1945).
“A música se desenvolveu na China (o império chinês durou mais de 5.000 anos), no Japão, na
Índia, no Egito, na Mesopotâmia, na Pérsia, na Fenícia, na Síria, na Palestina, na Arábia, na
Grécia (mãe da nossa civilização ocidental) onde viveu Pitágoras (585-500 a.C.) que criou a
escola Matemática da Música, Euclides - geômetra, foi o primeiro a supor que o som era um
fenômeno vibratório, Platão (427-347 a.C.) primeiro filósofo grego a se tornar um teórico da
música e Aristóteles (383-320 a. C.) - filósofo e músico ‘harmonicista’ (anti-pitagórico e não
matemático).” (FREDERICO, 1999)
A MÙSICA NA IDADE MÉDIA
A Música da Idade Média teve seu desenvolvimento principalmente na Igreja Católica, com o
cantochão. Segundo Riemann (1913): “No ano de 476 começou a Idade Média, com o término,
no Ocidente, do Império Romano. O Órgâo passou a ser considerado o instrumento-rei de
todos os instrumentos musicais da Idade Média. O som se adequava ao ambiente religioso
dando a sensação confortável de segurança sonora e equilíbrio”. O Papa Gregório I (Magno)
(540-604) foi a autoridade suprema, na época, do canto eclesiástico. Reformou a música
Sacra. Ele juntou o Antifonário com os cantos Ambrosianos e daí surgiram os novos cantos
que, segundo Chaim (2006), em 1903 foram chamados de Cantos Gregorianos pelo Papa Pio
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X. “Os mosteiros passam a ser verdadeiros centros culturais e dentro deles vivem os monges
mais eruditos da Idade Média. Guido d´Arezzo (990-1050), monge, teórico, é considerado o pai
da música na Idade Média. Dá nome às notas musicais (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) a partir do
Hino a São João Batista de Pablo Diácono. O órgão é o único instrumento musical admitido
dentro da igreja”. (RIEMANN, 1913)
Os principais estilos musicais ficaram conhecidos mais tarde como “ars antiqua” e “ars nova”. O
primeiro consistia de uma única voz (monotônico) e era caracterizado pelo imobilismo. Usavam
4 linhas na notação musical e não havia distinção de valores. A música seguia o texto. Ainda
nessa época surgiram os melismos, que não seguiam exatamente os textos. Surgiram as
primeiras músicas a duas vozes, onde uma seguia fielmente o texto e a outra era um pouco
independente, como um ornamento.
A ars nova teve início por volta do século XII, com notas longas e curtas, e foi muito
influenciada pela Música profana. Guillaume de Machaut (1310-1377) foi um importante
compositor da época e escolheu 5 partes fixas do texto da missa e colocou em música. Esse
estilo musical ficou conhecido por Missa, primeiro conhecido do Ocidente, e já introduzia certas
características desenvolvidas no período seguinte da história, o Renascimento. Esse estilo é
conhecido até nossos dias e é composto de: Senhor tende piedade – o kyrie, o glória, o credo,
o santo e o cordeiro de Deus – o agnus dei. Nas outras partes da missa eram cantados os
motetos, com textos tirados da Bíblia.
O RENASCIMENTO
O Renascimento na Europa é considerado como tendo seu início no século XIV, porém o
Renascimento da Música teve início nos séculos XV e XVI. O início de um maior
desenvolvimento se deu na região flamenga: “de Paris e Dijon, através de Reims e Cambrai e
Mons até Bruxelas, Bruges e Antuérpia, quer dizer, a Bélgica e o norte da França”
(CARPEAUX, 2009:23). Segundo Chaim (2006) a palavra Renascença foi criada por Jules
Michelet, no ano de 1855.
Todas as áreas de conhecimento ganharam uma nova abordagem no Renascimento, uma
nova epistemologia, caracterizada por processos de matematização, experimentação e
mecanização. O Renascimento conheceu 3 grandes escolas: de Borgonha, franco-flamenga e
de Veneza.
escola de Borgonha: predomínio da composição vocal a 3 vozes; maior liberdade rítmica e
melódica da voz superior; intervalo consonante de terça prevalece no contraponto; imitação de
fragmentos melódicos por outras vozes; cadência ao final de uma frase - determinada
sequência harmônica; poucos fragmentos musicais básicos já existentes, extraídos do canto
gregoriano; compositores: Guillaume Dufay, Gilles Binchois, Henry V (rei da Inglaterra), Camett,
Lionel Power e John Dunstable
escola franco-flamenga: (final do século XV) apoio à composição religiosa; verdadeiros
matemáticos da música, malabaristas do contraponto; estabeleceram as bases estruturais da
criação renascentista; usavam contrapontos às vezes de dezenas de vozes autônomas
superpostas; pouco desenvolvimento da música profana - cantada geralmente em uníssono,
sem acompanhamento, chanson na França, villota, canzonetta e balletto na Itália - influência de
ritmos dançantes; na Alemanha surgiu a canção polifônica profana; compositores: Jacob
Obrecht, Pierre de la Rue, Heinrich Isaac, Jean Ockeghem e Josquin Deprez
escola de Veneza: considerada de criação bastante ousada que, de certa forma, previa o
brilho da música da região no estilo seguinte, o barroco; faziam uso constante de diversas
massas corais espalhadas pelas naves da igreja e criaram efeitos antifonais, ou seja, a prática
de coros e de vozes isoladas dialogarem entre si nos diversos pontos do templo. Criava-se
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uma estereofonia musical; compositores: Adrian Willaert, Andrea Gabrieli e seu sobrinho
Giovanni Gabrieli. Essa influência foi importante no final do século XVI e início do séc. XVII.
“No Renascimento, em 1500, Otaviano Petrucci emprega pela primeira vez a invenção de
Gutenberg na impressão das notas musicais. O grande nome da Renascença Musical e
inovador na acústica musical foi Cláudio Monteverdi (1567-1643). (Foi dirigente da Basílica de
São Marcos, em Veneza – autor de Vespro dela Beata Vergine, um conjunto de obras de
música sacra publicado em 1610). Ele usa efeitos de eco e distanciamento dos instrumentos
(um trompete longe do grupo musical) que provoca sonoridades novas e inusitadas tanto na
intensidade como no timbre. É considerado o criador do Drama Musical (Ópera) e também o
primeiro músico barroco. Começa a haver uma preocupação maior com a construção dos
instrumentos musicais, com medidas mais precisas na construção, busca por sonoridades mais
equilibradas e ricas. A figura do Luthier começa a aparecer. Temos Marin Mersenne (15881648), músico e teórico em acústica”. (FREDERICO, 1999)
No século XVI a liderança na Música desloca-se da escola franco-flamenga para a Itália. É
considerado o auge do Renascimento, a “época de ouro” da polifonia. O contraponto e a
música profana ganham mais importância, surge um estilo próprio na música instrumental, a
linguagem tonal se aperfeiçoa com a criação das 2 escalas: maior e menor. A música foi
divulgada por toda a Europa através da edição musical. A fuga torna-se o estilo mais comum.
As composições tornam-se horizontais e verticais, evitando as dissonâncias. São compostas
muitas músicas religiosas para coro a capela. Os grandes compositores, ainda “vivos” hoje,
são: Giovanni Pierluigi da Palestrina (Roma - 1525-1594), Orlando di Lasso (Alemanha - escola
franco-flamenga - 1532-1594) e Thomás Luis de Victoria (Espanha - 1548-1611). (CARPEAUX,
2009)
Um dos maiores teóricos musicais da época foi Gioseffo Zarlino (1517-1590). Baseado nos
trabalhos de Ludovico Fogliani (1470-1539) publicou um livro em 1558, que, segundo Abdounur
(2003), foi a base da educação científico-cultural em toda a Europa durante 2 séculos. Foi
aluno de Adrian Willaert, então mestre de capela da Igreja de São Marcos, em Veneza e mais
tarde tornou-se também mestre de capela dessa igreja, até sua morte. Vincenzo Galilei foi seu
aluno. O espanhol Francisco Salinas e um pouco depois Marin Mersenne, padre e matemático
francês e René Descartes, filósofo francês (1596-1650) continuaram e aprimoraram seus
trabalhos.
Como o Renascimento era uma retomada dos documentos clássicos da Antiguidade, dentre
eles encontram-se os trabalhos de Pitágoras. Apesar de Pitágoras não ter deixado nada
escrito, seus trabalhos são conhecidos através das obras de Aristóteles (384-322 a.C.) e Platão
(c. 429-347 a.C.) e pelo filósofo romano Boécio (480-524), que traduziu e comentou as obras
de Aristóteles (HENRIQUE, 2007:15-16).
Segundo Bromberg e Alfonso-Goldfarb (2009), o repertório do século XIV na Europa Ocidental
foi alargado por composições com intervalos de terças e sextas, que não eram considerados
consonantes nas teorias de Pitágoras. Zarlino então amplia o conceito pitagórico integrando
esses dois intervalos e introduzindo 2 números inteiros na Música. Cria assim o chamado
senário, o conjunto dos números inteiros de um a seis (HENRIQUE, 2007:19). Apesar da
novidade dos novos intervalos, Zarlino manteve a visão antiga sobre a Música como número e
razão (BROMBERG e ALFONSO-GOLDFARB, 2009:2). A Camerata Florentina, dirigida por
Vincenzo Galilei, trouxe uma nova visão e interpretação do que é Música, levando em conta
não apenas a Matemática e a fonte sonora, mas o som emitido e como era ouvido e aceito de
formas diferentes por diferentes povos.
Vincenzo adotou uma postura crítica com relação aos comprimentos de corda e os intervalos
musicais estabelecidos como consonantes pelos pitagóricos, ele fez experimentos e provou
que “as relações variavam não somente segundo o parâmetro medido na corda – tensão,
densidade linear, etc – mas também de maneira geral, segundo o parâmetro medido em
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qualquer fonte sonora.” (PEREIRA, 2010:28) Tal postura, foi significativa para o
desenvolvimento da acústica musical posteriormente, pois, o experimento ganhava destaque,
bem ao encontro do processo da Revolução Cientifica. “A crítica de Vincenzo Galilei é
representativa de um novo paradigma científico, no qual o dogmatismo aritmético presente na
tradição pitagórica é substituído por uma prática científica vinculada à análise experimental.”
(Ibidem)
Vincenzo teve uma importância fundamental para o desenvolvimento no estudo dos fenômenos
sonoros, tanto que “no século XVII o desenvolvimento da acústica deu um salto qualitativo na
medida em que a visão da ciência mudou sua perspectiva, deixando mais de lado os dogmas
aritméticos e dando mais enfoque às evidências experimentais.” (PEREIRA, 2010:28) Dentre
os que contribuíram está inclusive seu filho Galileu, que talvez influenciado pelo pai, tomou
gosto por experimentos. Galileu descobriu que a altura musical se relacionava com o conceito
de frequência e segundo Abdounur, “marca o inicio da física da música em sua concepção
atual.” (ABDOUNUR, 2003:29) A partir daí a Acústica teve um desenvolvimento significativo,
com isso, afirmamos que a importância de Vincenzo é muito maior do que a dada até então.
Sua atitude de contestação em relação ao dogmatismo dos pitagóricos é sem dúvida um
espírito que remete à Revolução Cientifica tornando-se um dos paradigmas para a Ciência
Moderna. Segundo Abdounur (2007), Marin Mersenne, matemático francês, diante do mistério
dos harmônicos do som, estabelece o paradoxo: "Como poderia uma corda - portanto um
comprimento de corda - produzir mais que uma altura ao mesmo tempo?", que foi explicado
por Joseph Sauveur (1653-1716), matemático francês, que conseguiu calcular a frequência dos
batimentos resultantes de duas notas.
O BARROCO
“O Barroco (termo que só aparece no Romantismo) na música vai até 1750, com a morte de
J.S.Bach (1685-1750). É o primeiro compositor a escrever um concerto para Cravo e
Orquestra. A afinação dos cravos e teclados ganha o cromatismo temperado, igual. As 7 notas
da escala (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) são somadas às 5 alterações cromáticas (sustenidos e
bemóis) formando uma escala de 12 graus iguais. A divisão matematicamente exata dessas 12
notas mantém o valor constante de 1,0594 para semitom diatônico natural (a distância de um
Si-Dó, por exemplo), uma diferença de 0,0072 da antiga (escala natural). Exigindo a nova
afinação, Bach escreve ‘Das Wohltemperierte Klavier’ (O cravo bem temperado). O italiano
Cristófori, em 1711, constrói o Forte Piano (forte suave em italiano) que tem um ataque forte ou
piano de acordo com a energia empregada pelo executante que o tornava diferente do cravo. O
instrumento é aperfeiçoado por Silbermann em Dresden e fica conhecido como Piano Forte e
logo passa a ser chamado de Piano”. (DE LA GUARDIA, 1945)
Conforme Frederico (1999) a partir do século XVI, na Europa, formam-se orquestras imensas
para determinados eventos, o que acaba resultando numa “massa sonora” que não combina
com o estilo. Em geral a Orquestra Barroca tem cerca de 17 músicos. Em Leipzig, 1730, Bach
usa uma formação com 5 violinos, 2 violas, 2 violoncelos, 2 oboés, 2 fagotes, 3 trombones e 1
par de tímpanos. Em 1749, Rameau e Gluck introduzem o clarinete, derivado do antigo
Chalumeau, na orquestra de Ópera. Há também o surgimento dos famosos até hoje luthiers
como: Guarnierius (1600-1650), Stradivarius (1645-1704), ambos de Cremona na Itália.
Suspeitava-se que o segredo dos violinos Stradivarius fosse, o verniz o que é certamente um
grande equívoco. Os segredos acústicos nunca foram revelados, mas sabe-se que é um
conjunto de fatores que dão a sonoridade penetrante e suave do afamado violino Stradivarius.
Há construtores de instrumentos de cordas friccionadas atualmente que fazem ótimos
instrumentos, mas não têm o tempo de uso nas mãos de grandes instrumentistas como os
antigos instrumentos. Os segredos acústicos nunca revelados tornaram os violinos,
principalmente, valiosíssimos.
“O Barroco tem figuras importantes como: Luly (1632-1687), Corelli (1653-1713), Purcell (16581695), Couperin (1668-1733) - sua técnica inclui o uso do polegar, uma inovação revolucionária
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para a época, pois até então são usados 4 dedos das mãos nos teclados, Vivaldi (1675-1743)
e o mais importante de todos J.S.Bach (1685-1750 ) - órfão de mãe e pai aos 10 anos de
idade, abraçou a música e a religião luterana como ideal de vida. Todos eles sabiam usar as
vantagens acústicas do ambiente de igreja que possuíam um grau avantajado de
reverberação” (SADIE, 1994)
O CLASSICISMO
“O Classicismo na música começa em 1750 e termina em 1830. É considerado o gênero
galante que, por ser elegante e propiciar o fazer a corte, agrada e faz muito sucesso com as
damas da época. A Arquitetura é Rococó, a estética criada por Baumgartem. Temos o
Enciclopedismo francês e o Iluminismo alemão (Aufklärung - luzes). Na Filosofia surge
Montesquieu (1689-1755), na Pintura, Hogarth (1697-1764) e na Literatura, Goeth (1749-1832).
Neste período se cultiva a música de Câmara: Duos, Trios, Quartetos, etc. Na Alemanha, a
Sonata Clássica de Felipe Manuel Bach (filho de J.S. Bach) tem no máximo 4 movimentos e
abandona a obrigação de que sejam escritas na mesma tonalidade, com exceção do primeiro
movimento e do último. É escrita no estilo galante. Surgem o Minueto de Sonata (Mozart) e o
Rondó de Sonata (Beethoven). J. Haydn cria a Sonata Orquestral (Sinfonia), com 4
movimentos e introduz nela o Minueto (que sempre foi uma dança)”. (RIEMANN, 1913)
Sob o ponto de vista da Acústica Musical houve avanços consideráveis nos instrumentos
musicais e nas vozes, através dos corais. Havia mais investimentos por parte dos nobres, pois
lhes trazia diversão ou prestígio e quanto ao clero atraía as pessoas para as igrejas com as
Missas e Cantatas. Os cordofones friccionados que conhecemos hoje foram aperfeiçoados
nessa época. Apresentamos, alguns espectros do violino e da viola, que possuem 3 cordas
com frequências em comum, porém os timbres são claramente diferentes: a relação de
intensidades é diferente, a vibração de oitava ocorre mais na corda sol do violino, a vibração de
torção é mais significativa na viola, na corda lá. Os modos de ressonância das caixas dos dois
instrumentos são diferentes uma vez que a viola é maior e não acompanha a proporção das
medidas do violino. A corda lá da viola apresenta sons parciais de pouca intensidade, não
presentes no violino.
Figura 1: corda sol viola
Figura 2: corda sol violino
Figura 3: corda ré viola
Figura 4: corda ré violino
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Figura 5: corda lá viola
Figura 6: corda lá violino
“O Protestantismo alemão continua cantando o coral de Bach, mas sua música é golpeada pela
ópera italiana que começa a reinar em toda a Europa. Veneza já conta com 7 teatros líricos,
Nápoles com 5 e Roma com 8. A orquestra clássica tem cerca de 46 músicos. A Escola de
Música de Mannheim, em 1756, trabalha com a formação de: 20 violinos, 4 violas, 4
violoncelos, 2 contrabaixos, 4 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 1 trombone e
1 par de tímpanos. Para a estreia de uma Ópera de Mozart em Milão, 1770, é usada uma
orquestra de 57 músicos: 28 violinos, 6 violas, 2 violoncelos, 2 contrabaixos, 6 flautas, 2 oboés,
2 clarinetes, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trombones, 1 par de tímpanos. Haydn, em 1783, trabalha
com uma orquestra de 24 figuras: 11 violinos, 2 violas, 2 violoncelos, 2 flautas, 2 oboés, 2
fagotes, 2 trompas e 1 par de tímpanos. Como podemos observar o número de músicos varia
bastante e isso influencia diretamente na forma como os ouvintes percebem a música, ou seja
há efeitos acústicos diferentes não só no sentido de massa sonora mas privilégio de um ou
outro timbre. Na realidade a causa disto é mais oportunista que outra qualquer, pois os
músicos corriam para onde se pagava mais dignamente então num momento e outro se fazia
música com o que tinham em mãos naturalmente.” (FREDERICO, 1999)
Como forma de exemplificar o período clássico selecionamos um aspecto acústico importante:
0
a Orquestração. No caso a orquestração de W. A. Mozart (1756-1791) na Sinfonia n 41
o
(Köchel n 551) em Dó Maior, denominada mais tarde como Sinfonia Júpiter (uma obra prima
do período clássico composta no verão de 1788 e sendo a última sinfonia dele) onde faremos
uma breve análise e escuta abordando forma e instrumentação, demonstrando o estilo galante
e sofisticado de Mozart no 1º Movimento Allegro Vivace (reprodução sonora no local).
A Forma é Sonata (Exposição com 2 temas /do compasso 1 ao 120, Desenvolvimento do 121
o
ao 188 e Re-exposição do 189 ao 313). A tonalidade é Dó Maior com 2 temas: o 1 em Dó
o
Maior e o 2 em Sol Maior começando no compasso 101. Este movimento Allegro Vivace, em
compasso 4/4 com dinâmica Forte, abre com um desenho pomposo de: semínima, pausa de
colcheia, tercina de semicolcheias, semínima, pausa de colcheia e tercina de semicolcheias,
levando à conclusão no compasso seguinte numa semínima (afirmando Dó Maior). A isto se dá
uma resposta, em dinâmica Piano nas cordas, que responde ao motivo principal. Mozart então
faz o mesmo motivo, agora em Sol Maior e com um ritmo diferente executa uma cadência
perfeita (T, Sd, D e T). Ele trabalha com motivos secundários que enriquecem este movimento
da Sinfonia. Para completar só ouvindo a obra numa gravação de 1988, com a orquestra
Filarmônica de Berlin e regência de Riccardo Muti.
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