Sem título-4 - Lucy Berhends Romances

Transcrição

Sem título-4 - Lucy Berhends Romances
Destinada a Seduzir: A Rendição
Prólogo
Ela
Música do capítulo: Enquanto houver sol – interpretada pelos Titãs
Seis anos antes...
Felicidade.
Se alguém me pedisse para definir esta palavra, eu diria que Jéssica Katherine Rios seria a melhor
definição.
Eu era o protótipo do sentimento mais buscado pela humanidade. Minha vida não poderia estar mais
perfeita. No alto dos meus dezoito anos, tenho um namorado que amo e que corresponde ao que sinto com
muita intensidade.
Gabriel. Meu Gabi.
Nosso namoro já dura dois anos e ele é o homem que qualquer garota gostaria de ter ao lado. Lindo,
sexy e apaixonado. Vejo como todas babam quando saio com ele. Sinto que já encontrei o homem com
quem passarei o resto da minha vida.
Estou no segundo semestre de administração e estou realizada com o curso. Os meus planos são de
montar um ateliê de moda e fazê-lo prosperar através de um diferencial que ainda preciso descobrir. E irei
descobrir.
Além de lidar com números, gosto de desenhar, principalmente looks completos. Não consigo
visualizar em minha mente uma determinada roupa sem completar com o sapato perfeito.
Gosto de tudo por inteiro.
Além de estar realizada em vários sentidos da minha vida, tenho também um grande irmão com
quem posso contar. Maurício é quatro anos mais velho do que eu e a pessoa mais importante que tenho no
mundo.
A única coisa que me entristece é a nossa mãe. O meu pai faleceu quando eu tinha quatorze anos e
ela até agora não se conforma com a perda.
Ele era das Forças Armadas e precisou chefiar uma missão da ONU no Haiti. Alguns morreram e o
meu pai foi um deles. Eu havia lhe implorado para que não fosse, mas ele sempre dizia que nunca desistia
de uma missão.
Ele foi e nunca mais voltou.
Cada pessoa aprende a lidar com a dor de seu jeito. Eu busco estudar para dar orgulho à memória
dele, como sempre me pediu quando estava vivo. A minha mãe não soube reverter a sua dor para algo tão
positivo.
Ela recebe uma pensão vitalícia, o que lhe permite ficar sem trabalhar, e simplesmente resolveu
gastar quase todo o dinheiro com bebidas, jogos e, ultimamente, homens.
Homens, não, perdedores.
De vez em quando a pego com um deles em casa, ambos bêbados e sempre o coloco para fora. Ela
nunca discute comigo ou com Maurício e os caras acabam indo quando veem sua submissão aos filhos.
Ela chora depois que eles se vão e eu sei que não é pela perda de mais um traste. Ela chora porque
não consegue anestesiar a dor da saudade, dos momentos vividos com meu pai, das lembranças
felizes em família.
Eu também choro às vezes no meu cantinho, mas desde a morte dele, sempre soube que teria que
ser forte por mim e por ela, então sempre tento lhe consolar e passar ânimo.
Atualmente, apenas uma coisa está arranhando a minha redoma de mundinho perfeito: as dívidas
de jogos de dona Hortência. A grana tem entrado cada vez menos em casa e meu irmão tem trabalhado
muito para ajudar.
Eu já estou pensando em procurar algum trabalho de meio período para dar uma força também. Do
jeito que as coisas estão indo, provavelmente teremos que interditá-la ou nem mesmo teremos dinheiro
para comer.
A pensão daria mais que suficiente para ter uma boa vida, porém evapora antes mesmo de entrar na
conta.
Naquele dia, estava saindo da faculdade com minha amiga Clara Jensen. Nos tornamos mais que
colegas de turma e de vez em quando ela me dava uma carona para casa. Seus pais são donos de uma
grande empresa e ela seria a sucessora natural da família.
Já estava no sangue. Ela com certeza se tornaria uma grande administradora.
Meus planos eram de almoçar e depois passar a tarde na casa de Gabi. Ele já está com vinte e
quatro anos, é publicitário e já tem seu próprio apartamento. Me disse que talvez ficasse trabalhando em
casa hoje e decidi lhe fazer uma surpresa.
Espero que esteja em casa.
– Jel, por que não passa o dia comigo lá em casa? Nós poderíamos almoçar e depois pegarmos um
cineminha. O que acha? – Clara me perguntou.
– Hoje não vai dar, Clarinha. Tenho outros planos para esta tarde e tenho que terminar a pesquisa de
Teoria Geral. Fica para a próxima.
– Está certo. Sei que tem um namorado delicioso e provavelmente está me dispensando para ficar
com ele. Eu faria o mesmo, mas ache um tempinho para as amigas, ok? Às vezes me sinto tão só. Vamos
esticar por aí qualquer dia.
– Claro, vamos sim.
Paisagens bastante conhecidas passavam pela janela ao lado do carona. Eu já estava chegando ao
meu destino. Clara parou em frente à minha casa e se despediu de mim com um beijo no rosto.
– Obrigada, Clara. Fico te devendo mais essa.
Ela sorriu e piscou um olho.
– Você sabe como pagar. Até amanhã.
Seu carro foi se afastando da minha frente e eu fiquei de pé olhando até que ele sumisse.
Sorri comigo mesma com a ideia de uma garota tão rica e bonita se sentir sozinha como ela
afirmava. Sei que não é bem assim, pois ela tem uma amiga muito próxima chamada Brisa.
Clara sempre foi um pouco dramática.
Suspirei em saber que logo, logo estaria nos braços do homem que tanto amava e que fazia com
que me sentisse a mulher mais amada do mundo.
Meu. Aquele homem lindo é todo meu.
Me senti orgulhosa por essa conquista com um sorriso que não queria abandonar o meu rosto.
Caminhei em direção à minha casa.
Geralmente a minha mãe estava dormindo quando eu chegava, pois o seu estilo de vida fazia com que
dormisse de madrugada todos os dias. Às vezes, ia para a faculdade e ela estava chegando da farra.
Eu ou Maurício sempre fazíamos o almoço no dia anterior e já deixava pronto para quando eu
voltasse. Se não fizesse isso, não encontraria nada para comer. Nem ela.
Me aproximei da porta e ouvi o som do rádio tocando como acontecia todos os dias. Ela gostava de
dormir com o rádio ligado.
'Com certeza ainda dorme, não é, dona Hortência?'- Falei comigo mesma.
Abri a porta da sala e olhei para os lados na esperança de vê-la acordada. Eu preferia que estivesse,
pois a forçaria a se alimentar. Porém, não havia qualquer sinal dela e apenas o som de uma música
sertaneja enchia o ambiente. Dei dois passos para dentro e joguei a minha bolsa no sofá.
Fui até a cozinha e enchi um copo com água, entornado todo o conteúdo goela abaixo de uma vez só.
– Mãe? – Chamei esperando que já estivesse acordada na cama.
Ela não respondeu e resolvi ir até lá para conferir. À medida que caminhava, ouvia pequenos
sussurros como se os interlocutores não quisessem que lhes escutassem.
Será que a minha mãe já tinha chegado ao ponto de falar sozinha? Resolvi conferir com meus
próprios olhos.
As vozes foram tomando corpo a cada passo que eu dava e percebi que havia um homem no quarto.
Ah, que saco! Mais um que eu teria que botar pra fora de casa.
Alcancei a porta e parei, tentando ouvir sobre o que conversavam. Só consegui escutar palavras
soltas que não davam para formar uma ideia do que estava acontecendo ali.
Empurrei um pouco a porta e vi a minha mãe nua, ajoelhada na cama, com o rosto afogado em
lágrimas. Seus olhos ficaram arregalados quando ela viu que eu havia chegado e começou a balançar a
cabeça para os lados.
– Não, porra, saia daqui agora. Por que você tem que ser tão pontual? Corra, Jéssica. – Ela gritava.
Não iria fazer o que me pedia. Eu precisava saber o que a deixava tão assustada. Dei mais um passo
para dentro do quarto e naquele momento acabei me deparando com a imagem que mais temia na vida.
Havia um homem de meia idade, barbudo e de aparência suja com uma arma apontada para a minha
mãe. Ele olhou para mim, a princípio assustado por ter sido flagrado, mas logo abriu um sorriso cheio de
dentes podres.
– Então, a princesinha da mamãe chegou, hein? Você está com o dinheiro?
Dei dois passos para trás e me bati contra a parede.
– Dinheiro? Eu não sei do que está falando. Não tenho qualquer dinheiro.
Ele esticou a mão que estava com a arma com mais firmeza em direção a ela.
– Eu quero a porra do dinheiro que essa puta me deve. Eu te disse que só aceitaria até hoje.
Comecei a chorar e a suplicar.
– Por favor, não faça nada. Nos dê mais um tempo, prometo que vou conseguir.
Ele deu uma gargalhada alta, fazendo com que o fedor de álcool e nicotina misturados tomassem
todo o quarto.
– Você não deve saber nada sobre a vida que sua mãe leva. Nesse mundo, princesinha, as dívidas são
pagas no prazo. O pagamento pode ser em espécie ou com a própria vida.
– Não, por favor. – Implorei.
Ele me olhou de cima a baixo e parou fixando os meus olhos. Baixei a vista, pois não queria
memorizar aquele rosto em minha mente. Queria esquecer tudo o que estava vendo naquele momento.
– Às vezes, há outra forma de pagar dívidas.
Me senti esperançosa e caí na besteira de lhe fazer a pergunta cuja resposta eu não queria ouvir.
– O que posso fazer? Me diga e eu farei. Eu preciso que nos dê mais tempo.
A minha mãe gritou na hora:
– Não! Não ouse tocar na minha menina.
O desgraçado sorriu e voltou sua atenção para mim.
– Tire a roupa. Se quer um prazo, eu posso te dar, mas você terá que ser muito boazinha para me
convencer. Vou te foder agora na frente de sua mãe e se eu gostar, te dou um prazo pra arrumar a grana.
Então, esse era o preço? Oh, meu Deus, eu não teria coragem de fazer isso.
Senti a dúvida tomar a minha mente, comecei a pensar em meu namorado e nos planos que
fazíamos para o futuro. Olhei para aquela mulher acabada e nua em cima da cama e percebi que ela estava
horrorizada, sacudindo a cabeça o tempo todo em sinal de negação.
Mirei uma lágrima após a outra descendo de seu rosto e juntei coragem para dar o próximo passo.
Comecei a baixar uma alça da blusa e minha mãe se aproximou ainda mais da arma, sacudindo a mão que a
segurava.
– Não! Me mate. Pode me matar. Ela não vai ser sua, seu verme. Ela é melhor do que todos nós
juntos e vai se tornar uma grande mulher como o seu pai queria. Deixe-a em paz!
Fechei os olhos, buscando valentia no íntimo do meu ser para continuar me despindo para aquele
homem. Decidi fazer o que fosse necessário para livrar a minha mãe daquela arma apontada para sua
cabeça.
Desci a outra alça da blusa, expondo a ponta do meu sutiã rendado. Respirei fundo e comecei a baixar
a roupa quando ouvi um estrondo tão alto que me fez pular.
Abri os olhos e vi diante de mim a cena que mais temia ter que presenciar algum dia em minha vida. A
minha mãe... a minha mãezinha, estava jogada na cama, com a cabeça pendurada, jorrando sangue no
chão do quarto.
Olhei para o assassino e ele parecia também assustado. Eu não podia acreditar que ela havia
tomado a arma e atirado em si mesma.
Minha pequena e frágil mãezinha.
Eu não queria perder mais uma pessoa que amo. Não, aquilo não estava acontecendo comigo. Olhei
para o traste com todo ódio e saí correndo do quarto, pegando a minha bolsa em cima do sofá.
Para minha sorte, estava passando um táxi naquele exato momento, acenei e ele parou, me tirando
do inferno onde estava.
– Para onde, senhorita?
Eu soluçava, tentando controlar o bolo preso em minha garganta, buscando pronunciar uma palavra ao
menos.
– Senhorita, para onde gostaria de ir?
– Bairro de Ondina, por favor.
Dei-lhe o endereço e tentei encher meus pulmões de ar para buscar as forças que já se esgotavam
dentro de mim. Eu tinha que fazer alguns telefonemas e não poderia deixar para depois.
Liguei para o SAMU e expliquei toda a situação, omitindo algumas informações. Eu lhes disse que
havia encontrado a minha mãe sangrando sobre a cama e, por medo, saí de casa.
Disseram que estariam lá o mais rápido possível, porém levariam a polícia com eles. Eu concordei e
lhes passei o endereço.
Olhei para o meu celular por alguns segundos e tomei coragem pra ligar para o meu irmão. Eu nunca
conseguia mentir para ele, pois me conhecia melhor que ninguém.
No segundo toque, ele atendeu.
– Jess?
– Oi, Mau. Onde você está?
– Estou indo para casa. Tem comida pronta? Se não tiver, levo alguma coisa.
Minhas emoções falaram mais alto e comecei a soluçar ao telefone. Se minha mãe não
sobrevivesse, Maurício seria a minha única família. Ele e uma tia que tenho pouco contato.
– Jess, o que está acontecendo? Jéssica, fale comigo. – Meu irmão implorava.
– Não vá para casa, Mau, por favor, apenas confie em mim. Não vá até lá.
– Por que, querida? Me diga onde está agora, vou te encontrar e você me explica pessoalmente
porque não devo ir para lá, irmãzinha. Não chore, o problema é com mamãe?
– Estou indo para o apartamento de Gabriel. Me encontre lá. Prometa que vai me ouvir, Mau, você
não vai para a nossa casa.
– Prometo, meu amorzinho. Estou indo ao seu encontro. Logo estarei chegando.
Me senti mais confortada em saber que tinha meu irmão para me segurar nesse momento. Não sei o
que seria de mim se eu não o tivesse ao meu lado.
O táxi chegou ao destino, paguei a corrida e me identifiquei na recepção. O porteiro já me conhecia e
nem conferiu a minha autorização para entrar no prédio. Ele percebeu as lágrimas em meu rosto e
gentilmente ofereceu um copo com água e me convidou a sentar. Tomei o líquido, mas recusei a segunda
oferta.
Eu precisava desabar nos braços do meu namorado o mais rápido possível.
– Você sabe dizer se Gabriel está em casa, Sr. Silva?
– Ele chegou há pouco, querida. Não percebi se saiu novamente.
– Obrigada pela água. Vou ver se está lá.
Caminhei em direção ao elevador que já estava sendo esperado por mais duas pessoas. Entrei, apertei
o botão do décimo segundo andar e me encostei no canto, torcendo para que o equipamento andasse
mais rápido hoje do que em outros dias.
A senhora ficou olhando para o meu rosto e reconheci o sentimento de pena nos olhos dela. Lhe ofereci
um pequeno sorriso e baixei a cabeça novamente, não me importando que me observasse.
Não abriria o meu coração para um desconhecido. Essa dor não podia ser compartilhada com
qualquer um, apenas com dois homens que estariam próximos a mim logo, logo.
Cheguei ao meu andar e quando estava saindo, a senhora agarrou o meu braço, me fazendo parar.
Ela olhou para mim e abriu um sorriso afetuoso nos lábios.
– O que seja que esteja vivendo agora, vai passar, querida. Quando estiver com problemas, olhe
para o mar. As ondas vão e vem, levando tudo o que estiver à sua frente para outros oceanos. Nunca de
volta para o mesmo lugar. Às vezes, deixam marcas quando batem muito forte nas pedras, mas depois
abrandam, deixando-as ainda inteiras. Assim será com você. Acredite.
Engoli em seco, martelando suas palavras em minha mente. Senti que não eram apenas frases prontas.
Aquela mulher foi tocada pelo desejo de me falar aquilo.
– Obrigada. – Falei.
Ela assentiu, folgando sua mão do meu braço.
Caminhei pelo corredor, passando por várias portas de apartamento e contando seus números como
se eu estivesse perdida. Parei diante do 1204 e bati, mas ninguém atendeu.
Será que ele tinha saído sem ser visto?
Mexi na maçaneta e ela estava aberta. Estranho, Gabi nunca deixava a porta destrancada. Entrei e dei
uma olhada pela sala e na cozinha. Não havia ninguém à vista. Droga, logo agora que eu precisava
tanto dele?
Já andava em direção à porta para deixar o apartamento, quando ouvi um gemido. Claro, ele deve
estar no quarto – pensei.
Andei em direção ao quarto que estava com a porta escancarada. Dei dois passos para a frente e,
pela segunda vez no mesmo dia, fui surpreendida. E não era uma boa surpresa. Havia uma calcinha
vermelha no chão.
Meu mundo caiu.
Meu castelo de conto de fadas estava desabando sobre a minha própria cabeça e não havia nada
que eu pudesse fazer.
Peguei a calcinha na mão tentando me convencer de que não era minha e sua imagem logo ficou
borrada, pois minha visão ficou nublada de lágrimas.
Não, Gabi. Você, não.
Olhei para a cama que estava desforrada e todas as evidências caminhavam para comprovar que
meus olhos não estavam enganados.
Eu estava sendo traída.
Ouvi um barulho de chuveiro ligado e, com o coração em tempo de sair pela boca, obriguei minhas
pernas a dar passos em direção ao banheiro. Entrei no lavabo e parei, tentando engolir o bolo formado em
minha garganta.
Se era para o mundo desabar em minha cabeça, que fosse de vez. Não me pouparia mais essa dor.
Olhei para o chão do banheiro e havia pelo menos dois preservativos usados. Ali estava a prova e eu
não precisaria de mais para constatar que o ato havia sido consumado, contudo eu iria até o fim.
Se estava na chuva era para me molhar.
Ouvi gemidos de prazer e senti vontade de vomitar, porém a frase que ouvi em seguida foi o que me
deixou em transe.
– Abre as pernas, putinha. Hoje eu vou te foder toda.
Tapei minha boca assustada e, nesse momento, as lágrimas já rolavam livremente pelo meu rosto.
Andei com determinação até o box, aflorando o meu lado masoquista, pois sabia que formaria mais um
registro que não fazia questão nenhuma de guardar em minha mente.
Abri com tudo e flagrei o meu namorado com o pau todo enfiado por trás em uma loira peituda. Ele se
assustou, arregalando os olhos e saiu de dentro dela, caminhando em minha direção.
Eu não saí do lugar, permanecendo parada, olhando para a mulher que tinha meu namorado dentro
dela agora há pouco.
– Jess, amor, calma. Não faça nenhuma besteira, eu posso explicar. – Ele falou, agarrando o meu
braço.
Olhei para ele como se estivesse num filme em câmera lenta.
– Você pode explicar. – Repeti sua última frase entre soluços.
– Sim, eu posso. Samanta já está de saída, me escute, por favor.
A garota passou por mim rebolando, parecendo indiferente ao que estava acontecendo ali.
– Minha bonequinha... – Ele implorou.
Me chamar pelo apelido que sempre usou de forma carinhosa foi a gota d´água. Puxei o meu braço
com força de sua mão e dei um passo longo em direção à porta.
Parei antes de sair, olhei para trás e li seus lábios quando sussurrou baixinho:
– Me desculpe.
Não lhe dei qualquer resposta e deixei o apartamento no qual já fui tão feliz, mas que havia se
tornado mais um lugar que iria enterrar bem longe da minha vida.
Aos prantos saí sem saber que destino tomaria. Lembrei da senhora que falou sobre as ondas do mar e
foi para onde decidi ir. Parei um táxi na rua e pedi para que me conduzisse para o Porto da Barra.
Meu celular começou a tocar e quando olhei o visor, vi que era Gabriel. Rejeitei a chamada e guardei
o aparelho no fundo da minha bolsa. Cheguei ao Porto da Barra e sentei no quebra-mar para fazer o que a
senhora me aconselhou. Queria admirar as ondas e chorar.
Precisava botar pra fora toda aquela vontade de morrer, de mandar tudo e todos irem para o inferno.
Doía mais do que eu poderia suportar. A minha mãe poderia estar morta naquele momento e meu
namorado estava me corneando pelas costas enquanto fazia mil juras de amor.
Comecei a jogar pedras na água, ouvindo o meu celular tocar desesperadamente. De repente ouvi
um toque diferente, que era exclusivo para as ligações de Maurício. Atendi, pois sabia que estava
preocupado.
– Jess, querida, onde você está? – Falou em alta voz, confirmando que estava nervoso.
– Estou no Porto da Barra, naquele lugar que gostamos de vir de vez em quando. Por favor, não conte
a ninguém que estou aqui. Não quero ver mais ninguém além de você.
– Gabriel está preocupado, querida. Não quer ver seu namorado?
– Não, Mau, apenas você. Quando chegar, vai entender tudo.
– Está bem, estou chegando, minha pequena. Tente se acalmar um pouco.
– Ok.
Continuei jogando pedras no mar e, em pouco tempo, meu irmão chegou e sentou-se ao meu lado.
Olhei para ele com a cara inchada e dei um pequeno sorriso que não foi retribuído. Encostou minha cabeça
em seu ombro e a torneira em meus olhos se abriu novamente.
Ele respeitou o meu tempo e ajudou a me acalmar. Contei tudo o que tinha acontecido em nossa
casa e sua primeira reação foi de levantar para ir até lá, mas o segurei e convenci que o melhor a fazer
naquela hora era esperar.
No calor da emoção, o seu desejo era de ir atrás do filho da puta que apontava uma arma para a nossa
mãe, porém precisava lembrá-lo de que se tratava de gente muito perigosa.
Decidimos que o certo seria deixar por conta da polícia.
Maurício sentou novamente e eu pedi para que me escutasse, pois precisava desabafar tudo o que
estava preso dentro de mim. Contei-lhe sobre a cena que tinha presenciado no apartamento de Gabriel e
ele deu um soco na pedra, ferindo sua pele.
– Eu mato aquele desgraçado. Estava comigo agora há pouco e se fez de namorado preocupado.
Vou fazer pedacinhos dele. – Meu irmão bradou.
Fiquei calada por um tempo, mas depois soltei a pergunta que estava me corroendo.
– Você acha que eu não mereço ser amada, Mau? Por que todas as pessoas que amo acabam
saindo da minha vida? Tenho tanto medo de perder você também.
Ele me abraçou apertado.
– É claro que você merece ser amada, querida. Nunca duvide disso, e eu não vou a lugar algum.
– Não faça promessas que você não pode cumprir, meu irmão. A vida tem seus próprios planos. Meu
pai dizia que me amava e se foi. O amor que minha mãe tinha por mim não foi suficiente para superar a
perda de papai e ela pode estar morta agora. Quanto ao meu namorado? Dizia me amar, mas me traiu
na primeira oportunidade que teve. O amor não é para mim, Mau. Eu nunca mais quero dar meu
coração a alguém. Amar dói demais.
– Oh, minha pequena, deixe de falar besteiras. Um dia você encontrará alguém que te valorize como
merece.
Assenti e permaneci em silêncio jogando pedrinhas no mar e Maurício passou a fazer o mesmo. No
final da tarde, decidimos voltar para casa e conferir o que havia acontecido. Estava rezando para que a
minha mãe tivesse sobrevivido.
Entrei no carro do meu irmão e partimos em silêncio. Chegamos à casa que já não chamaria mais de
lar e havia alguns carros de polícia em frente e bastantes vizinhos ao redor sussurrando quando nos viu
chegar.
– Fique aqui, Jess. Vou tomar informações. – Maurício pediu.
Fiquei parada olhando atentamente cada gesto dele, buscando qualquer coisa que pudesse me dar
esperanças de que minha mãe estava viva. Ele balançou a cabeça em concordância com o policial e voltou
em minha direção de cabeça baixa. Naquele momento eu já sabia.
Minha mãe estava morta.
Caí de joelhos sobre a grama e baixei a cabeça para chorar. Dessa vez solucei alto como se pudesse
expulsar a dor que estava sentindo.
Maurício encurtou a distância e me abraçou soluçando. Meu irmão, que também era de carne e osso,
não tentou ser forte. Ele desabou em meus braços.
– Por que, Jess? Por que ela fez isso?
– Ela estava sofrendo, Mau. Vamos pensar que ela está em um bom lugar agora, ao lado de papai
como ela sempre quis.
– Eles disseram que ela já estava morta quando chegaram. Não podemos ficar aqui esta noite, pois a
casa está interditada para a perícia. Vamos para um hotel e amanhã viremos pegar umas roupas para
passar uns dias na casa de tia Graça.
– Vamos. Eu acho que nunca mais vou querer voltar a esse lugar.
Ele me levantou e começamos a caminhar em direção ao carro quando fui parada por uma mão forte.
Era o traíra do Gabriel.
– Jess, fiquei sabendo o que aconteceu. Quero que saiba que estou muito sentido por vocês. Se tiver
algo que eu possa fazer para ajudar...
Ele não viu o que estava chegando.
Maurício deu um murro cheio em seu rosto e só não conseguiu cumprir a promessa que havia feito de
que acabaria com ele, porque foi agarrado por dois policiais.
– Fique longe dela, filho da puta. Você acha pouco o que já fez? – Meu irmão gritava, entre lágrimas.
– Sim, Maurício está certo, Gabriel. Tudo o que você pode fazer por mim agora é manter toda a
distância possível. Eu não quero mais te ver. Nunca mais. – Emendei.
Ele baixou a cabeça e só levantou para dizer uma última frase antes de sair:
– Vou respeitar esse momento, Jess, mas ainda precisamos conversar. Vou esperar o seu tempo.
Virei o rosto e deixei que as lágrimas se derramassem ainda com mais força. Os policiais soltaram o
meu irmão e nos dirigimos para o carro.
Aquele dia estava marcado como um divisor de águas na minha vida.
Amor.
Essa palavra estava definitivamente fora do meu dicionário a partir de agora. Eu desaprenderia a amar.
Capítulo 1
Ele
Música do capítulo: Primeiros erros – interpretada por Capital Inicial
Dias atuais...
– Zeus Melino! Zeus Melino! Zeus Melino!
Eu estava no camarim de mais um show prestes a pisar no palco e toda adrenalina que precisava
para dar o melhor de mim era essa. Ouvir o meu nome sendo gritado, sentir a expectativa do público era
tudo o que me impulsionava a entrar em cena a todo vapor.
A banda de abertura tinha acabado de sair e os caras do staff estavam terminando de arrumar os
instrumentos e testar. Só entrávamos quando tudo estava perfeito, pois o nosso público merecia ouvir um
som de qualidade.
Entornei uma dose de uísque cowboy e senti a bebida queimar a minha garganta. Todos estavam na
correria para fazer os últimos ajustes, mas eu não. Apenas tentava relaxar, economizando todas as
energias para serem gastas no palco.
Ou quase todas. Tinha que guardar um pouco para mais tarde.
– Dez minutos, entendeu, Zeus? – Ben, nosso produtor e meu grande amigo, passou por mim
alertando.
Como sempre, não lhe respondi. Na verdade, era eu quem precisava de respostas.
– Já liberou a entrada das meninas para o final do show, Benito? Você sabe de que forma gosto de
liberar adrenalina depois do palco. Espero que as vadias já estejam aqui quando eu retornar.
– Vá se foder com suas ordens, Zeus. Se as putinhas não estiverem aqui te esperando, basta
escolher uma ou duas nos bastidores que elas virão correndo. Sempre foi assim, não?
– É, pode ser.
Esse sou eu. Apesar de ser muito amigo de Ben, sou completamente o seu oposto. Ele se apaixona
muito fácil e tem planos de ser um cara fiel, casar e todas essas coisas.
Eu não.
Apesar de já estar com vinte e sete anos, não quero essa coisa para mim. Sou filho de pais que viveram
juntos por conveniência durante muitos anos, apenas para manterem as aparências e cuidar dos filhos.
Na primeira oportunidade que tinha, meu pai traia minha mãe e ela sempre acabava descobrindo e
sofrendo. Eu só não entendia porque não acabavam com aquela palhaçada de uma vez.
Não havia amor entre eles e eu e meu irmão não éramos bobos, sabíamos disso. Acho que ela seria
mais feliz se tivesse ficado sozinha.
Quando saímos de casa, eles finalmente se separaram, mas meu pai teve um câncer de próstata e
acabou voltando para os cuidados da minha mãe. Ele morreu já faz cinco anos. Ela tem apenas dois que se
foi.
Nunca quis esse tipo de relação para mim e, como a vida tem sido generosa, aproveito e curto as
mulheres. Para quê ter apenas uma quando se pode ter várias?
Dizem que sou um cara frio. Talvez isso seja verdade, mas até agora não tenho do que me queixar.
Loira, morena, ruiva, não tenho preferências. Dou um pouco de mim a cada uma delas e, muitas vezes,
para mais de uma.
Gosto de dar prazer e gosto de sentir prazer. Sem amarras, sem amanhã, sem planos futuros. Elas já
entram no camarim sabendo de tudo isso e lhes dou o que estão procurando: uma noite com um cara
famoso.
– Cinco minutos, Zeus! – Mais uma vez Ben gritou.
Sim, já estava preparado para ouvir a convocação do publico e arrasar naquele palco. Nenhum
show era igual a outro e a minha expectativa só aumentava a cada cidade que passávamos.
– Rick! Rick! Rick!
Os caras já estavam começando a se posicionar e era incrível ver como a galera sabia os nomes de
cada componente da banda. Aquilo me deixava arrepiado.
À medida que cada integrante entrava, o público explodia, gritando seus nomes.
– Bob! Bob!
– Led! Led!
E por último, antes da minha entrada:
– Shy! Shy!
O nosso guitarrista sempre arrasava no solo, aquecendo o público, deixando margem para que a
minha entrada fosse triunfal.
– Está na hora, Zeus, se posicione.
Entornei a última dose de uísque antes de começar a cantar e passei a me mover. Enquanto
caminhava, ouvi o apresentador anunciar: 'com vocês, a banda No Return'.
Uma chuva de aplausos e gritos tomou a casa de show e me senti privilegiado por saber que
faríamos mais uma apresentação com casa lotada.
Respirei fundo e entrei no palco, saudando a todos. As mulheres foram ao delírio, algumas tentando
driblar os seguranças e chegar até mim, mas as tentativas sempre falhavam.
Comecei cantando o nosso maior sucesso 'Nunca mais serei o mesmo' e um coral me acompanhou.
Vez ou outra, eu estendia o microfone para o público e eles cantavam com ainda mais empolgação.
“Você se foi, nem disse adeus
Aqui estou sem saber o que aconteceu
Até pensei que éramos um
Hoje eu sei que nunca me pertenceu
Nunca mais serei o mesmo
Depois de te conhecer,
Nunca mais serei o mesmo...”
Que artista não se sentiria realizado?