paixão e jogo de cintura

Transcrição

paixão e jogo de cintura
MUNDO FAMÍLIA
A ideia da avozinha, de carrapito
e xaile aos ombros, ficou presa ao
passado ou encerrada no universo
dos contos infantis. As novas
avós são ativas, participativas e
desempenham um papel central
nas famílias de hoje. Pedimos
à avó Isabel Stilwell que
investigasse o assunto.
n
´
AVOS
118 | MÁXIMA | NOVEMBRO 2015
“PAIXÃO E JOGO DE CINTURA”
Volto à minha história, por momentos. Quando me
tornei mãe, passei a ver o mundo por outros olhos,
nunca mais dormi, nem comi, nem completei um pensamento da mesma forma, e não tive dúvida nenhuma →
FOTOGRAFIA: GETTY IMAGES
As novas
ovembro é o melhor mês para ser
avó, tenho a certeza disso. Folhas
de todas as cores e tamanhos cobrem os caminhos, e “caçamos”
castanhas, que libertamos dos ouriços, com todo o cuidado para
não nos picarmos, e enfiamos nos
bolsos dos casacos para assarmos quando chegarmos a
casa. É o mês das botas de borracha, e nós as três adoramos botas de borracha e chapinhar nas poças. Além
disso, em novembro os netos são mais nossos, porque os
pais andam cheios de trabalho, e quando os vamos buscar
à escola, só nos apetece correr a esconder-nos debaixo
de uma manta quentinha, a ver pela trigésima vez o
Frozen ou a Música no Coração, e depois cantamos o
Do-a-Dear no banho de espuma. E este ano, como cereja
em cima do bolo, temos a Marta, que guincha de alegria
se a deixamos entrar para a banheira com as irmãs.
Esta é a minha história de novembro, com duas netas
gémeas de cinco anos, e uma de sete meses, que ficam
comigo duas tardes por semana depois da escola, a
que se soma um fim de semana de vez em quando, mas
é também a história da maioria dos avós portugueses,
dos avós europeus.
Segundo o estudo A prestação de cuidados pelos avós
na Europa, apoiado pela Fundação Gulbenkian, o
King´s College London e a Beth Johnson Foundation,
40% dos avós envolvem-se de perto no cuidado dos
netos, subindo o número para 67% enquanto os netos
têm menos de 16 anos. E, segundo o estudo, o protagonismo dos avós cresce de dia para dia, porque os
avós vivem mais tempo, e estão mais saudáveis, há
mais mães a trabalhar e, agora a parte má, um número
crescente de divórcios litigiosos e ruturas de relações,
as medidas de austeridade e os cortes nos serviços
públicos levam-nos “a desempenhar um papel cada
vez mais significativo na vida familiar”.
QUEM SÃO OS AVÓS
de que a partir daí me definia, primeiro e acima de tudo, como mãe. Julguei que avó era só “ser mãe duas
AS AVÓS MAIS JOVENS, que se encontram em boa forma física,
vezes”, mas quando as gémeas nasceram percebi que
são saudáveis e têm netos mais novos, são as que apresentam
os ditados nem sempre acertam.
maiores probabilidades de prestar cuidados aos seus netos.
Quando a minha filha as levou para casa dela, depois
OS AVÔS AJUDAM, mas invariavelmente na presença ou sobre
de um mês em nossa casa (prematuras e duas!), senliderança das avós.
tei-me no sofá em lágrimas, e só me lembrava daquela
música da Ágata, leva-me o carro, os anéis mas deiA PROBABILIDADE DOS AVÓS CASADOS prestarem algum tipo de
xa-me o miúdo...
cuidados aos netos é superior uma vez e meia à probabilidade dos
Aprender a ser avó é difícil, demora tempo, exige jogo
avós não casados (ou seja, nunca casaram, viúvos ou divorciados)
de cintura, e a consciência de que podemos estar pero fazerem.
didamente apaixonados por aqueleas crianças, mas
OS AVÓS COM NÍVEIS DE ESCOLARIDADE mais baixos apresentam
não somos mães daqueles bebés! Nem deixámos de
significativamente menores probabilidades de prestar algum tipo
ser mães dos pais/mães daqueles bebés, esses, sim,
de cuidados infantis; no entanto, apresentam maiores probabilidades
nossos filhos. É um exercício por vezes doloroso, com
de fazê-lo de forma intensiva do que os avós com níveis de instrução
ciúmes e desentendimentos, em que entram também
mais elevados.
na equação noras e genros, mas que nos enche a alma
FONTE: A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS PELOS AVÓS NA EUROPA
e nos transforma em absoluto. E é por isso que, antes
de mais nada, os avós se definem como avós.
Definem-se como avós, cada vez mais tarde, e de cada
vez menos netos, sobretudo em Portugal, onde a taxa de fertilidade é das mais conversarem sobre as suas principais dúvidas, e por
baixas do mundo, situada em 1,23 (filhos por mulher em idade fértil), e já 56% onde já passaram pelo menos cinco mil avós.
dos nascimentos são de mães entre os 35 e 44 anos (46% entre os 35 e os 39 anos Numa sala do Hotel Altis estão, num sábado de setembro, cerca de 250 avós, alguns quase avós, outros
e 9,8% entre os 40 e os 44).
Joana é o retrato fiel das “novas avós”: fez há dias 68 anos e tem uma primeira neta já avós mas que, apesar disso, querem aqui estar. Uma
de dois anos. “A longa espera (a minha filha só engravidou quase aos 40) e a sensação psicóloga primeiro e uma enfermeira a seguir dão-lhes
de que já não tinha muito tempo à minha frente criaram em mim, e no meu marido, conta do que “mudou” nos cuidados com os bebés, nas
uma ansiedade enorme quando a Matilde nasceu”, conta. Mas a ansiedade não era técnicas de amamentação e banho, entre muitas outras
só sua: “Para a minha filha este era o bebé projetado há muito tempo, e tanto ela como coisas, e alertam-nos para as inseguranças dos novos
o marido tinham tudo planeado ao detalhe, cheios de teorias novas, entre elas que o pais, para os desentendimentos entre gerações, sobrebebé não podia andar em muitos colos, que não podia sair à rua, etc., etc. Confesso tudo num momento em que as hormonas estão ao salque os primeiros tempos foram muito difíceis. Não a queria confrontar, mas doía-me tos. “Sabe de que tamanho é o estômago de um recém-nascido? De uma avelã! Por isso, por favor, não
que não me deixasse aproximar-me mais do bebé, participar mais...”, conta.
Aos poucos os avós foram aprendendo a respeitar a vontade dos pais da Matilde: diga à sua filha: ‘Será que ele tem fome?’ Parece uma
“Engolia sapos, quer dizer rãs”, diz a rir, enquanto conta que deixou de protestar pergunta inocente, mas pode minar a confiança, pode
quando lhe diziam que o bebé não podia fazer isto e aquilo, que lhe estava a pegar mal, pôr em risco a amamentação”, apela a enfermeira. E
que agora já não comem banana com laranja e outras coisas do género. Aos poucos, a psicóloga recorda: “Lembrem-se que para os vossos
também, a filha começou a confiar mais. “Até porque estava exausta!”, diz Joana com filhos isto é uma primeira vez. Qualquer comentário
vosso pode soar como um ‘deixa lá que a mãe faz, porum sorriso, sem conseguir disfarçar que o cansaço da filha foi uma oportunidade!
Miguel Bastos, da Clínica Pré e Pós-Parto, em Lisboa, conhece bem estes primeiros que tu não és capaz!’”
desencontros entre pais, agora avós, e filhos, agora pais. Tão bem, que há nove Terreno minado, de facto, sorri Miguel Bastos, enquananos introduziu nos cursos de preparação para o parto uma sessão para os avós, to me explica: “É importante que oiçam o mesmo que
um “compacto” da “matéria” que foi dada aos seus filhos, e uma oportunidade para os filhos ouviram durante estes meses, para estarem
em sintonia. Para perceberem a razão de ser das coisas,
os avanços científicos que entretanto se fizeram. A nossa experiência é que esta sessão ajuda a diminuir em
muito os conflitos”, explica-me Miguel Bastos.
“Tendo em conta que as avós com idades entre os 50 e os 69 anos que
Olho em redor e penso em como estes avós são dedicanão exercem empregos remunerados são as que apresentam maiores
dos, na vontade imensa que têm de fazer tudo certo, da
probabilidades de prestar cuidados infantis, os planos dos governos
forma humilde como aceitam aprender de novo. Os filhos
europeus para o aumento das idades de reforma são suscetíveis de entrar
devem estar gratos, penso. O estudo (Re)Conhecer as
em conflito com o papel dos avós no que se refere à prestação de cuidados
Famílias, da C - Consumer Intelligence Lab, confirma
infantis. Esta realidade terá implicações significativas ao nível da participação
que sim: 56% dos inquiridos com filhos com menos de
das mães mais jovens no mercado de trabalho e na obtenção de pensões
12 anos reconhecem a ajuda fundamental de pais e soe de segurança financeira por parte das mulheres de meia-idade.”
gros nos cuidados dos filhos. Consideram-nos, mesmo,
os grandes pilares das suas famílias. →
1
2
3
FONTE: A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS PELOS AVÓS NA EUROPA
4
A GRANDE QUESTÃO
WWW.MAXIMA.PT | 119
EM TERMOS
GLOBAIS
“UM OUTSOURCING
ASSUMIDO!”
55%
Escolho um saco e sorrio para mim mesdos netos com
ma enquanto arrumo lá dentro as coisas
para passar uma noite em casa da Ana.
idades entre os 0 e
permitindo que as mães trabalhem fora (ver caixa).
Ofereci-me para tomar contar das
Madalena, avó de quatro rapazes, sabe bem o que é
os 2 anos recebem
crianças, enquanto ela vai ao cinema, e
“prestar cuidados intensivos”. Três anos depois de
cuidados prestados
ela ofereceu-se para me dar guarida o
uma reforma antecipada, confessa, bem-disresto da noite, porque sabe que estou sopelos avós
posta, que nunca trabalhou tanto, sobretudo
zinha em casa. Disse-lhe que levava o jantar.
nas férias das crianças ou quando alguma
Quando chego digo às crianças: “Aposto que
delas fica doente: “A minha nora e o meu
,
na minha mala há um candeeiro gigante, um
filho têm profissões muito exigentes, por
espelho e um vaso de flores.” E elas inquando têm
isso vou buscá-los à escola todos os dias,
terrompem às gargalhadas: “E uma fita
entre 3 e 5
nalguns levo-os depois ao judo e ao fumétrica, Mary Poppins!” Abraçamotebol e ainda acabo por ajudar nos TPC.
anos
-nos, felizes, têm cinco anos mas já
Nas férias, eu e o meu marido levamo-los
,
partilhamos uma base de dados coconnosco para todo o lado. Às vezes, custa
mum. E nós, avós, sentimos que a
quando têm entre
muito a sensação de que não temos tempo para
imortalidade está ganha: vamos ficar
nós, mas por outro lado tenho a certeza de que são o
6 e 11 anos
para sempre no coração de uma nova
melhor antidepressivo à face da Terra: sinto-me muito
geração.
útil e adoro-os e eles adoram-me a mim!”
A maioria dos avós europeus que se enMadalena mora relativamente perto da casa do filho, o
volve mais no cuidado dos netos, diz o estuque, segundo os dados do (Re)Conhecer as Famílias, é
do da Gulbenkian, são avós saudáveis, que ainda
,
verdade para 61% dos entrevistados que moram a metêm uma vida profissional ativa. É a avó que, prionos de dez minutos ou dos pais ou dos sogros, sendo
com idades
ritariamente, lidera o tempo com os netos, porque
que em 18,4% dos casos estão a essa distância de ambos.
superiores
embora os avôs se envolvam muito no cuidado
O inquérito revela que os avós são o “familiar de serdos seus descendentes mais pequeninos, fazema 12 anos
viço”, num “outsourcing assumido”, colmatando sono invariavelmente na presença da mulher ou sob
bretudo a falta de tempo: “O protagonismo que os sea sua orientação.
niores capazes ganham perante os seus filhos com
Curiosamente, ou talvez não, Portugal é dos paífamília já formadas decorre essencialmente de trocas
ses onde os avós, em média, estão menos com os netos, o que no primeiro embate
de tempo. Esses possuem esse bem valioso e escasso
é uma surpresa porque pensamos sempre que isto da rede familiar de apoio é
para famílias com filhos pequenos em que ambos os
uma coisa muito latina. Mas ao olhar com mais cuidado para os dados, o que se
pais trabalham fora de casa.”
percebe é que embora menos em média, entre nós há mais avós que tomam o cuiOs novos avós ajudam em tudo: da preparação de redado dos netos em regime intensivo, ou seja, mais de dez horas por semana sem
feições às compras do dia a dia, no transporte das criana presença dos pais. A explicação do fenómeno fica clara numa leitura atenta do
ças e até no tratamento da roupa. E isto, em muitos caestudo da Fundação Gulbenkian: por um lado, a média tem de ser mais baixa porsos, sem que eles próprios tenham deixado de trabalhar.
que as mulheres portuguesas são as que mais horas trabalham fora de casa na
Mas o apoio vai para além dos serviços, sobretudo em
Europa, uma realidade que começou nos anos 60, com a guerra no Ultramar, e,
tempos em que a crise económica deixou pais jovens
por outro lado, somos um país com poucas creches e jardins de infância públicos,
sem emprego ou com ordenados escandalosamente
o que significa que, em muitos casos, os avós são requisitados para substituí-los,
baixos. O inquérito do Consumer Intelligence Lab indica que 32% recebe ajuda financeira dos seus pais,
30% de forma regular.
E, mais uma vez, ao contrário do que talvez imaginássemos, não somos dos mais generosos, até porque não
→ Em França, Dinamarca, Suécia, Holanda, 50 a 60% dos avós prestam alguns
temos rendimentos que o permitam. No Reino Unido,
cuidados infantis aos netos, contra apenas 40% dos países do sul.
por exemplo, segundo o estudo Grandparents In → Quando o que está em causa são os cuidados regulares e intensivos então é o sul
vesting in Grandchildren, citado pelo Lab C, são 68%
que ganha (14% em Portugal). Explicação? Os países nórdicos têm mais formas
os avós que ajudam os netos, e a ajuda aos netos é, em
de acolhimento estruturadas e têm mais apoio às mães que ficam em casa.
média, de mais de dez mil euros por ano: dez horas
por semana de babysitting, calculado a 1840 libras/ano,
→ Portugal apresenta a mais elevada percentagem de mães com filhos com idades
e o resto em apoio com propinas da escola, férias, ajuda
inferiores aos seis anos que trabalham a tempo inteiro. Trabalham mais de 40 horas
por semana. A pouca oferta de creches e jardins de infância a preços acessíveis leva para tirar a carta de condução, etc., etc.”
Quando inquiridos, os avós ouvidos pelo C - Consumer
a uma maior dependência dos cuidados intensivos prestados pelas avós.
Lab afirmam que ajudam porque gostam de ajudar →
FONTE: A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS PELOS AVÓS NA EUROPA
59%
11%
QUEM AJUDA MAIS
120 | MÁXIMA | NOVEMBRO 2015
FONTE: A PRESTAÇÃO DE CUIDADOS PELOS AVÓS NA EUROPA
48%
(70%), 60% para que os filhos possam trabalhar, 38% para ajudar filho/a, mãe ou
pai solteiro, 38% para poupar na creche. Mas esta interajuda pode deixar de ser
uma troca com vantagens para ambas as partes, para se tornar uma forma de “exploração de mão-de-obra barata”, ou mesmo não chegando a tais extremos, a uma
exigência que priva os pais de uma vida própria, de investirem nos seus próprios
projetos, do direito de uma reforma ao sol.
É essa a queixa de Lurdes, de 69 anos, com quatro netos, dois de cada um dos filhos:
“Deixam-me os netos durante a semana, e às vezes ao fim de semana, porque estão
tão cansados, que precisam de dormir. Quando era mais nova aceitei que assim fosse,
para pouparem no dinheiro da creche, mas agora cansam-me, não tenho tempo para
mim. Mas não consigo dizer-lhes que é um abuso, são meus filhos, tenho pena da
vida que levam, tenho pena dos miúdos que pelo menos aqui estão com a família. E
não posso dizer que fico com os de um e não fico com os de outro... O meu marido
queixa-se, resmunga, mas também não tem coragem de lhes dizer nada.”
Pediatras e psicólogos constantemente alertam para o abuso destas soluções e
defendem que os pais não devem desistir de educar os filhos até morrer e estes
filhos decididamente precisam de ser educados a assumir as suas responsabilidades.
Além do mais, dizem, dão um péssimo exemplo – pais e avós, bem entendido.
“COMIGO NÃO FAZEM BIRRAS”
Tudo é completamente diferente quando é voluntário e não uma obrigação.
Levamo-las connosco a passar o fim de semana. Quando as temos por nossa conta
é tudo mais fácil. Elas tornam-se cordeirinhos obedientes, mas sobretudo muito
bem-dispostas, sem birras, e, quanto a nós, estamos em modo totalmente disponível, o que
faz toda a diferença de
quando éramos pais e
precisávamos de conjugar
Ajuda
trabalho, pôr a casa em
ordem, cozinhar e engofinanceira
mar, por cima de noites
mal dormidas. São dias
memoráveis, mas que tornam mais difícil, depois,
assistir às inevitáveis birras que fazem com os
pais. E lá sai a odiosa fraAjuda a tomar
se: “Estranho, comigo
conta dos filhos
nunca fazem birras.”
Consolo-me por saber
que não estou sozinha e já
Ajuda
vi inclusivamente uma
refeições
placa, daquelas de pendurar na porta que diz “Netos bem-vindos, filhos à
porta”, mas não deixa de
me perturbar. Carmo tem
Ajuda
55 anos, trabalha como
psicológica
advogada num grande ese emocional
critório, e quando lhe pergunto se a cena é familiar,
encolhe os ombros, despachada como sempre: “Claro! Ouvi-a à minha mãe,
jurei não a repetir, mas di-
QUE TIPO DE AJUDA
(INTERGERACIONAL) COSTUMA
RECEBER?
38%
36%
21%
FONTE: (RE)CONHECER AS FAMÍLIAS
30%
122 | MÁXIMA | NOVEMBRO 2015
QUER
NETOS?
A DIVERTIDA
CAMPANHA
DE UMA AGÊNCIA
DE VIAGENS
DINAMARQUESA.
(DOITFORMOM.DK)
Se os seus filhos
nunca mais lhe
dão netos, talvez
queira aceitar a sugestão de uma agência de
viagens dinamarquesa, que pretende incentivar
a natalidade. A ideia é simples: as férias ao sol
tornam mais prováveis as relações sexuais, as
endorfinas, o calor e coisa e tal. Por isso, em
lugar de se sentar num sofá a ver álbuns de
fotografias antigas, trate mas é de lhe oferecer
uma viagem para os trópicos e recolha os frutos
dali a nove meses. Por cá a fórmula não resulta?
Pois, mas isso agora não interessa nada.
go na mesma. É desesperante ver uma criança que come
à mesa toda direitinha e sem problema, de repente a
choramingar para que os pais lhe deem de comer na
boca, a atirar-se para o chão porque não quer aqueles
sapatos, exatamente quando a mãe chegou morta do
trabalho, não há paciência.” Mas ajuda alguém? Dá uma
gargalhada: “A ninguém! A minha filha fica furiosa, coitada. O que é que a pobre há de fazer? Deixá-lo sempre
comigo, era o que eu estava a pedir! Eu fico cheia de
remorsos! E os miúdos quando nos veem zangadas, afligem-se. Não ganha ninguém.”
Mas a pergunta de fundo fica por responder: porque
é que, de facto, se transmutam assim? Sem sombra
de dúvida, dizem os especialistas, porque o amor dos
avós lhes importa bem menos do que o dos pais.
Lindo! O balde de água fria lançado sobre a vaidade
dos avós funciona. Afinal, os netos não são um exemplo de virtudes porque os avós os sabem “levar”, mas
porque guardam todas as munições para quando os
pais chegarem, e aí, sim, vale tudo para atrair e manter
a sua atenção. E se houver irmãos, há ainda que fazê-los desaparecer do campo de batalha. Sem apelo,
nem agravo.
Maria tem 72 anos, doze netos e uma imensa sabedoria.
Não a espanta esta interpretação dos factos. Há anos
que a vida lhe ensinou que “quando entram os pais, eu
saio. E se não saio, finjo que não oiço e não vejo, não
tenho a ingenuidade de lá ir dizer ‘Ó querido, anda cá
com a avó!’, como vejo fazer. Alguma vez a criança cai
nessa? É preciso algum treino, mas consegue-se. O meu
marido é muito pior do que eu: arma-se em grande
educador da classe operária e acaba sempre mal”. E
sorrindo, acrescenta: “Treino e humildade. Sou só avó.
Já fui mãe, mas agora é a vez deles.”