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204
BIODIESEL PELO USO
DA SOJA, CO2 A MENOS
E O QUÊ A MAIS?
Ambrogi, V. S.1 , Mourad, A. L.2
Guerra, S. M. G1.
RESUMO
A área de cultivo da soja no Brasil tem crescido ano a ano, conquistando cada vez mais
espaço nas exportações de produtos agrícolas brasileiros, sendo atualmente a cultura de maior
valor total de exportação. Paralelamente a esta realidade em 2002 foram retomados os interesses
federais em estudos para a utilização de óleos vegetais transesterificados, como combustível
para veículos automotores. Estes estudos têm se focado, em parte à produção do bioDiesel
exclusivamente a partir do óleo de soja. O presente trabalho procura avaliar de que forma vem
sendo planejada esta nova fonte energética e, para tanto, atem-se não apenas aos pontos positivos causados pela redução das emissões de CO2, ou mesmo pela segurança no manuseio de um
combustível de rápida biodegradação, mas também, procura contabilizar os efeitos sobre o
meio ambiente e a sociedade, advindos principalmente da expansão agrícola.
INTRODUÇÃO
Para avaliar o cultivo da soja sob o aspecto ambiental, colocou-se um breve resumo
sobre as necessidades climatológicas de seu cultivo.
“A soja adapta-se bem em uma ampla faixa de clima, sendo que as temperaturas ótimas para
o melhor desenvolvimento da soja estão entre 20 e 35° C. Suas requisições hídricas são: precipitações
pluviométricas anuais de 700 a 1.200 mm bem distribuídas, preenchem perfeitamente suas
necessidades hídricas. Regiões com excessiva umidade não são adequadas para o seu cultivo.”
(Diehl e Junquetti, 2004)
Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, SP/Brasil Tel.: 55-19-37883380 Fax.: 55-19-3289-3722 - [email protected]
1
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Centro de Tecnologia de Embalagem CETEA do Instituto de Tecnologia de Alimentos ITAL Campinas SP/Brasil
Tel.: 55-19-3743-1910 Fax.: 55-19-3241-8445 - [email protected]
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Além das necessidades climáticas, a cultura da soja somente é economicamente viável em áreas que possibilitam a mecanização, com infra-estrutura, recursos humanos e
financeiros disponíveis.
O plantio de soja exige como premissas básicas a correção da acidez do solo, a não
existência de solo compactado, a constante diminuição da infestação de ervas daninhas e a
cobertura do solo com alguma cultura de inverno. O controle das ervas daninhas que
infestam o solo é feito com o uso de herbicidas.
A maioria dos solos com a cultura da soja plantada constitui-se em solos ácidos e deficientes em alguns nutrientes. A correção da acidez é feita através da calagem, ou seja, adição
de calcário. A adubação requer adição de enxofre, fósforo e potássio. Em solos deficientes
em manganês, também é necessária sua correção.
Biocombustível
O uso de óleos vegetais in natura ou transesterificados em motores de combustão
interna ocorre há muito tempo em diversos paises e está em vias de ser definido por lei
também no Brasil. O Governo Federal, através do Decreto de 2 de julho de 2003 e, mais
recentemente, pelo Decreto de 23 de dezembro de 2003, vem estabelecendo esforços
para o aprimoramento nos estudos do uso de óleos vegetais como combustível. A Agência
Nacional de Petróleo em abril de 2003 iniciou o primeiro passo para a homologação
deste futuro combustível, através da abertura de sugestões para a definição das
especificações técnicas para a produção do Biodeisel, definido-a preliminarmente pela
Portaria ANP nº 255 de 15.9.2003.
Existem muitos estudos que apresentam e discutem os aspectos técnicos sobre a
produção de óleos transesterificados por diferentes vegetais e por diversas tecnologias
(Demirbas, 2000; Fangrui and Milford, 1999). Entretanto, muitos estudos no Brasil
têm se referido ao uso do óleo de soja em grande escala, na busca da possível autosuficiência no uso do óleo combustível pelo país a um custo competitivo ao do
Diesel (ABIOVE, 2002; MCT,2002).
A intenção do uso quase que exclusivo do óleo de soja para a produção de bioDiesel
no Brasil tem sido fortalecida pelo aumento do cultivo da soja nas regiões CentroOeste e Norte, o que em parte se dá pela disponibilidade de terras planas do cerrado
e da planície amazônica. Conforme Mueller e Bustamante (2002) apresentam, as terras
atualmente utilizadas para o plantio da soja na planície amazônica foram resultantes de
uma inicial devastação da mata para a criação de pastagens, sendo somente após este
processo utilizadas ao cultivo.
Bickel (2004), apresenta outro importante fator, senão o principal para a expansão agrícola da soja, causada pelo aumento da demanda internacional do grão, culminando em
sucessivos aumentos nos preços negociados pelas bolsas de comercio mundial.
A Tabela 1 apresenta o quadro de produção, rendimento por hectare e área total ocupada pela cultura da soja na América do Sul, como pode ser observado o Brasil já é responsável por mais de um quinto da produção mundial de soja. O fato de a soja possuir índices
de rendimento maiores que a media mundial, ainda não livra o país de possuir uma área de
quase um quinto da área mundial ocupada pela soja.
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7DEHOD
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8.180
8.638 10.280
2.445
2.339
2.549
20.000
20.207
26.200
13.061
13.640 13.935
2.372
2.400
2.704
30.987
32.735
37.675
1.165
1.176
1.209
2.605
2.533
2.965
3.035
2.980
3.585
9
9
11
2.110
764
2.408
19
7
28
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2004.
Para a construção de um estudo comparativo é apresentada na Tabela 2 uma lista das
principais culturas oleaginosas existentes no Brasil com algumas informações quantitativas.
Na Tabela 2, observa-se que espécies como o coco, a canola/colza, o girassol, a mamona
e o amendoim, possuem elevados conteúdos de óleo. Entretanto, o cruzamento dos dados
de meses de colheita e rendimento de grande importância na escolha de um combustível
(disponibilidade durante o ano, ou a necessidade de grandes estoques), tornam o coco
como a espécie que melhor se adaptaria às necessidades para se constituir como um
biocombustível. Esta melhor adequação do coco de forma alguma poderia o transformar
como única opção para um país de elevada diversidade de culturas vegetais como o Brasil.
7DEHOD
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&RQWH~GRGHyOHR 0HVHVGHFROKHLWD
15,0
40,0 – 43,0
66,0
55,0 – 60,0
40,0 – 48,0
20,0
38,0 – 48,0
43,0 – 45,0
17,0
3
3
12
12
3
12
3
3
3
5HQGLPHQWRWRQKD
0,8 – 3,0
2,1
0,15 – 0,45
6,5
1,25 – 2,25
9,1
1,3
0,95
2,7
Fontes: Meirelles, 2003 e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2004
Simulação do Uso da Soja como Combustível
O objetivo desta seção é fornecer parâmetros da expansão territorial da cultura da soja, no
caso de seu uso na proporção de 5% em v/v, ou seja BioDiesel B5. Para realizar esta estimativa foram utilizadas as informações disponibilizadas pelo BEN – Balanço Energético Nacional de 2003. A Tabela 3 apresenta o consumo de óleo Diesel no Brasil de para os diversos
meios de transporte, não foram utilizados os consumos: industrial, energético, comercial e
público; devido as pequenas parcelas de consumo final energético do óleo Diesel, uma vez
que o setor de transportes é responsável por mais de 97% do consumo total do país.
207
7DEHOD
²&RQVXPRGHyOHR'LHVHOSHODIURWDGHPRWRUHV'LHVHOEUDVLOHLUD
$JURSHFXiULR (103m3)
5.232
5.723
6.128
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474
538
535
+LGURYLiULR (103m3)
326
369
774
5RGRYLiULR (103m3)
27.511
28.372
29.069
7RWDl (103m3)
33.543
35.002
36.506
Fontes: BEN – Balanço Energético Nacional, 2003.
Usando-se o consumo de óleo Diesel pela frota de motores Diesel no Brasil no ano de
2002, tem-se:
Consumo de óleo Diesel (2002)
36.506 103 m3
Densidade média padrão (ANP)
0,84 kg/litro
Massa total de combustível (2002)
30.665 103 ton
Teor de óleo vegetal
17%
Rendimento no cultivo
2,7 ton/ha
Densidade óleo de soja (ABIOVE)
0,92 kg/litro
Massa de óleo vegetal para o B5
1.666 103 ton
Área de plantio necessária
4.498 103 ha
A área cultivada necessária ao B5 seria de 44.980 km2, o que é quase ¼ da área
ocupada atualmente pelo cultivo da soja no Brasil, isto desconsiderando qualquer tipo
de perda nas etapas de produção, transporte e distribuição do óleo vegetal/combustível. Para que o Brasil suprisse uma nova demanda como esta, assumindo os elevados
preços pagos à soja nas bolsas de comércio internacional, seria inevitavelmente necessária uma expansão agrícola da cultura.
Como exposto na introdução a expansão agrícola da soja já vem ocorrendo no país
desde a década de 70, sendo muito intensificada nos últimos anos. Este é o ponto de
partida para uma apresentação dos possíveis impactos da expansão agrícola da soja,
causados por um uso como combustível, em termos da necessidade de agroquímicos,
fertilizantes, água e uso do solo.
Aspecto Ambiental da Expansão da Cultura da Soja
A Tabela 4 apresenta alguns dados de utilização de insumos agroquímicos estimados
para as atuais necessidades do plantio da soja convencional.
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7DEHOD
²,QVXPRVXWLOL]DGRVQRSODQWLRGHVRMDFRQYHQFLRQDO
,QVXPRV
8QLGDGH
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kg
kg
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,QVHWLFLGD0RQRFURWRSKRV
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(VSDOKDQWH
8QLGDGH+HFWDUH
1000
350
0,15
0,80
0,40
1,80
0,63
0,20
0,50
0,50
2,00
Fonte: Agrobyte, 2004.
Como apresentado na Tabela 4 a produção de soja requer alta quantidade de calcário, para
exemplificar a produção de 2,7 tonelada de soja colhida (equivalente a produção da área de
um hectare de plantio) são utilizadas 1 tonelada de calcário e, aproximadamente, 350kg de
fertilizante. Sabe-se que parte destes insumos é aproveitada pela planta, mas uma quantidade
significativa permanece depositada no solo, que posteriormente, sofrerá alterações químicas,
além de uma outra parte acaba sendo carreado pelas chuvas até os cursos d´água mais próximos, o que inevitavelmente atinge os grandes rios. Neste caso, 70kg de fósforo e 70kg de
potássio são em média incorporados por hectare ao cultivo da soja. A adição de manganês e
enxofre é em geral da ordem de 15 kg/ha e 5 kg/ha, respectivamente.
Se considerada a composição mineral média do grão de soja divulgada pela
EMBRAPA (2004): (1,9% de potássio, 0,23% de cálcio; 0,22% de magnésio; 0,58% de
fósforo; 0,0094% de ferro; 0,001% de sódio dentre outros compostos) pode-se questionar: qual o destino do cálcio e do fósforo que não foram absorvidos pelos grãos: de
2,7 toneladas de soja apenas 51,3kg de potássio e 15,7kg de fósforo estão na composição do grão. Assim, tem-se um saldo de 18,7kg de potássio e 54,3kg de fósforo, não
utilizados pelo plantio, por hectare plantado. Este residual, sem dúvida, deve contribuir
para a eutroficação dos cursos d´água mais próximos.
Se considerarmos a expansão da soja, conforme a simulação apresentada no item anterior, onde a ocupação do solo seria e 4.498.103 ha, necessária para suprir o consumo
nacional gerado por uma mistura BioDiesel B5. Teríamos, portanto uma necessidade de
insumos químicos, da ordem de 4.498 103 t de calcário e 315 103 t de fósforo e a mesma
quantia de potássio. A participação dos herbicidas, fungicidas e inseticidas também não
deve ser negligenciada uma vez que atingiriam um total de mais de 16.300 toneladas, o que
daria uma quantia de 0,0363 g/m2 de área plantada anualmente, se fosse assumido que em
diversas regiões possa ocorrer o aporte destes agroquímicos às águas superficiais ou, até
mesmo, sua percolação nos solos atingindo as águas subterrâneas estaria penalizado sobremaneira a planície central do país, o que futuramente traria diversas problemas, provavelmente externalizados pelas empresas responsáveis pelo plantio.
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Apesar de todos os pontos citados possuírem efeitos sobre a sociedade como um todo,
deve ser ressalvada a retórica de que a expansão da soja possa se constituir como uma solução
para a fixação de mão de obra no campo como apresentam inúmeros trabalhos de incentivo
ao bioDiesel a partir da soja (ABIOVE, 2002; MCT, 2003). Em recente publicação do Jornal
da Unicamp (2004) foram apresentadas algumas considerações a este respeito, destacando-se:
“ O lucro maior fica com as empresas que dominam o circuito.” “ Há empregos para engenheiros, técnicos em
informática, pilotos de avião, gente que saiba lidar com máquinas de trezentos mil dólares. Ao contrário da
modernização ocorrida nas regiões tradicionais...no novo front o campo já nasce moderno.”
Portanto a suposta solução para a criação de empregos no campo também seria uma
suposição falsa uma vez que as novas áreas de expansão atingem apenas os solos planos,
favoráveis a maquinização, ao lucro maior e a especulação pela supervalorização das terras.
Nesta análise não foram considerados os custos ambientais da produção do óleo a
partir da soja, mas sem dúvida, eles também existem, e nem foram analisados as questões
de transporte dos grãos/combustível e o uso de energia pelo maquinário agropecuário.
Serão sempre bem vindas as rotas que utilizam fontes de energia renováveis. Entretanto,
qualquer atividade produtiva tem um custo ambiental e social, e este custo deve ser avaliado
de forma a contabilizá-los.
Conclusões
É inquestionável a necessidade de se procurar rotas alternativas de produção energética.
O uso de fontes renováveis como o BioDiesel reduz o efeito estufa pela redução da emissão de CO2 fóssil durante a sua combustão, mas em contrapartida eleva o potencial de
eutroficação dos nossos rios. Como citado anteriormente, a soja só se torna economicamente viável pela mecanização, o que traz uma intensiva compactação dos solos.
Outro ponto a se destacar está relacionado a grande quantidade de opções de frutos e
grãos que contém alto teor de óleos. Assim, o BioDiesel no Brasil, com toda a sua extensão
territorial, não deve ser planejado através da implementação de uma única cultura, o que,
como visto, desfavorece o crescimento regional e causa a monopolização da nova fonte
de energia pelas grandes empresas responsáveis pela compra, beneficiamento e venda dos
grãos e de seus produtos.
Os estudos no estabelecimento das normas dos novos biocombustíveis devem ser focados
nas diferentes possibilidades das fontes devendo se necessário ser regionalizado de acordo
com a cultura ou culturas local.
Os impactos que poderão ser causados pela expansão da soja carecem de mais estudos,
principalmente em relação ao uso de insumos agrícolas e de água para a irrigação, a qual
ainda é utilizada sem boa eficiência e que pode comprometer o abastecimento de diversas
áreas atualmente servidas por pequenos rios.
Talvez um aspecto primordial para a escolha de uma nova fonte energética deve passar
inicialmente por uma adequação das vias de transporte atual, o que sem dúvidas traria melhores eficiências nos transportes de carga, como a reestruturação e expansão das vias férreas
pelo país e do transporte hidroviário. Assim, ao invés de diminuição da dependência do óleo
Diesel externo pela aplicação do biocombustível, poderia se obter uma eficiência maior nos
transportes resultando nos mesmos resultados da diminuição do consumo no Brasil.
210
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABIOVE – Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal. Análise integrada dos custos de produção e
comercialização de bioDiesel no Brasil, Anais do Seminário Internacional de BioDiesel, 24 a 26 de outubro,
2002, Curitiba (PR, Brasil).
AGROBYTE – Quanto custa para produzir a soja. Disponível em: < http://www.agrobyte.com.br/soja_n.htm
>. Acessado em maio de 2004.
Balanço Energético Nacional – BEN (MME, 2003). Disponível em: < http://www.mme.gov.br/BEN/
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BICKEL, U. – Brasil expansão da soja, conflitos sócio- ecológicos e segurança alimentar. Tese (Mestrado em
Agronomia Tropical) – Universidade de Bonn, Alemanha, 2004.
DEMIRBAS, A. – BioDiesel fuel from vegetal oils via catalytic and non-catalytic supercritical
alcohol transesterifications and other methods: a sur vey. Energy Conversion and Manegment, nº
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DIEHL , S. R. L. e JUNQUETTI, M. T. de G. . SOJA, (Glycine max). Disponível em: <http://
www.agrobyte.com.br/soja.htm >. Acessado em maio de 2004.
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www.cnpso.embrapa.br/soja_alimentacao >. Acessado em maio de 2004.
FANGRUI, Ma.; MILFORD A. H. – BioDiesel production: a review. Bioresource Technology, nº 70, 1999, pp. 1-15.
JORNAL DA UNICAMP – Soja: perigo nos novos frontes. Universidade Estadual de Campinas, 26 de abril a
2 de maio de 2004.
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PROBIODIESEL. Disponível em: < http://dabdoub-labs.com.br/pdf/probioDiesel.pdf >. Acessado em
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Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT. BioDiesel poderá usar soja transgênica e gerar 200 mil empregos no
campo. Disponível em: < www.mct.gov.br >. Acessado em abril de 2003.
MUELLER, C. C.; BUSTAMANTE, M. – Análise da expansão da soja no Brasil – Programa Piloto para a
proteção das Florestas Tropicais do Brasil – Abril 2002. Disponível em: < http://www.worldbank.org/rfpp/
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Senado Federal – Disponível em: < http://wwwt.senado.gov.br/legbras/ >. Acessado em maio de 2004.
211
USO ENERGÉTICO DO BIOGÁS DE ATERRO
COMO OPÇÃO PARA REDUÇÃO DA
EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA ESTUDO DE CASO EM CAMPINAS-SP
Ensinas, Adriano Viana1
Bizzo, Waldir Antônio2
Sanchez, Caio Glauco 3
RESUMO
A emissão descontrolada do biogás produzido na decomposição anaeróbia da matéria
orgânica nos aterro pode ser uma ameaça ao ambiente local mas também um problema
global pois este é formado por mais de 50% de metano que é um gás causador do efeito
estufa. O uso do biogás produzido nos aterros pode promover vários benefícios para os
governos locais, estimulando a adoção de práticas de engenharia que maximizam a geração e a coleta do biogás, também reduzindo os riscos de contaminação do meio ambiente.
Neste estudo foi realizada uma avaliação do potencial de geração de energia elétrica de um
aterro a partir do biogás gerado, diminuindo assim o agravamento do efeito estufa. Para
isso foram, utilizados dados de um estudo de caso no Aterro Municipal Delta de Campinas-SP, adotando-se uma metodologia teórica presente na literatura para previsões de emissões futuras. Foi proposto um esquema de um possível projeto para o aterro para geração
de energia elétrica aliada ao objetivo de redução do efeito estufa.
INTRODUÇÃO
A disposição final do lixo urbano é um dos graves problemas ambientais enfrentados
pelos grandes centros urbanos em todo o mundo e tende a agravar-se com o aumento das
quantidades geradas pela população em todo o mundo.
Mestre em Engenharia Mecânica; Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas. Caixa
Postal: 6122; CEP: 13083-970; Campinas-SP, Brasil; Tel: 55-19-37883373; Fax:55-19-32893722; email:
[email protected]
2
email: [email protected]
3
email: [email protected]
1
212
Dentre as várias alternativas conhecidas, a prática de utilização de áreas para aterramento
do lixo ainda é a mais comum, devido principalmente ao seu baixo custo e a grande capacidade de absorção de resíduos quando comparada às outras formas de tratamento do lixo.
No aterramento do lixo, diversos problemas ambientais devem ser considerados, sendo
um deles a emissão de gases pela decomposição do material orgânico. Os principais constituintes desses gases são o dióxido de carbono e o gás metano, sendo este último um
combustível, possível de ser coletado e utilizado como fonte de energia.
O gás metano gerado em aterros, quando não devidamente controlado contribui
para o agravamento do efeito estufa, indicando que este representa não somente uma
preocupação para a integridade da região onde é gerado, como também está ligado às
questões ambientais globais.
Podem ser citados como uns dos principais problemas locais decorrentes da emissão
descontrolada de biogás advinda da decomposição do lixo, os prejuízos causados à
saúde humana e à vegetação. Há ainda o risco de incêndios e explosões em instalações
próximas aos aterros, uma vez que este gás é altamente inflamável. Outro efeito negativo
é o inconveniente causado por odores desagradáveis que podem gerar distúrbios emocionais em indivíduos que residem em áreas próximas aos aterros, além de favorecer a
desvalorização das propriedades.
O aterramento do lixo é apontado juntamente com o tratamento anaeróbio de esgotos
domésticos e efluentes industriais, como uma das maiores fontes de metano liberado para
a atmosfera, contribuindo assim para o agravamento do efeito estufa. Segundo IPCC
(1996) os aterros são responsáveis por cerca de 5 a 20% do total de metano liberado por
fontes com origem em atividade humanas.
Neste trabalho foram abordadas as questões que envolvem a utilização do biogás
em aterros como fonte energética promovendo assim a redução da emissão de gases
de efeito estufa. Para isto foram utilizados dados de um estudo de caso realizado no
aterro municipal da cidade de Campinas no Brasil descrito em detalhes em Ensinas
(2003), no qual foi determinada a quantidade de gás metano gerado no aterro. Com
a aplicação de metodologias teóricas presentes na literatura foi gerada uma estimativa futura da produção de biogás no aterro com a proposição de um projeto de
aproveitamento do biogás para geração de energia elétrica, bem como a redução da
emissão de gás metano resultante.
Aproveitamento do biogás
Os projetos de recuperação do biogás de aterro têm como finalidade principal o
aproveitamento da energia contida nesse produto da decomposição do lixo. A conversão desse gás pode ser feita de modo a atender diversas necessidades energéticas,
como a geração de eletricidade, a geração de vapor ou mesmo o uso direto como
combustível automotivo.
Cada instalação de aproveitamento dos gases em aterros tem suas particularidades,
dependendo da localização, das necessidades energéticas locais, do investimento financeiro
disponível e da legislação vigente, sendo importante a avaliação prévia das diversas possibilidades de aproveitamento antes de uma decisão final para o projeto.
213
Os aterros possuem geralmente sistemas de coleta do biogás gerado na decomposição
do lixo. Existem dois tipos básicos de sistemas de coleta: passivo e ativo. O sistema passivo
tem a finalidade de drenar os gases para a atmosfera evitando a emissão descontrolada pela
superfície, além de impedir que haja migração dos gases para as áreas vizinhas ao aterro,
evitando potencial risco de explosão. O sistema ativo inclui exaustores e compressores e é
usado em projetos de aproveitamento energético do biogás.
Diversos aproveitamentos do biogás podem ser realizados para geração de calor, trabalho mecânico e eletricidade, utilizando-se caldeiras, motores de combustão interna, turbinas
a gás e outros conversores de energia.
O uso direto do biogás de aterro pode ser realizado para abastecimento de uma rede local de gás
canalizado ou diretamente para alguma aplicação específica em processos industriais. Nesses casos o
biogás serve como combustível auxiliar ou como substituto de algum derivado de petróleo.
Estimativas teóricas de produção de biogás em aterros
Algumas metodologias para estimativas teórica da produção de gás metano em locais de
deposição de resíduos sólidos urbanos são encontradas na literatura. Esses métodos variam
em suas considerações, em sua complexidade e na quantidade de dados que necessitam.
USEPA (1996), Laquidara et al. (1986), Tchobanoglous, Theisen & Vinil (1993) e Oonk
& Boom (1995) apresentam metodologias teóricas para estimativas de produção de biogás
em aterros sanitários que foram consideradas inadequadas pois desconsideram ou utilizam
valores pré-estabelecidos para fatores importantes como o potencial de geração de metano
do lixo e a taxa de produção do biogás. Estas são variáveis dependentes da composição do
lixo de cada local e das condições de aterramento desse material, sendo de fundamental
importância na estimativa de produção futura de biogás.
Um método, denominado “Método de Decaimento de Primeira Ordem”, é apresentado
em USEPA (1991), no qual é considerado o fato do gás metano ser emitido por longos períodos de tempo, considerando assim vários fatores que influenciam a taxa de geração do mesmo.
Quanto há dados suficientes quanto a disposição dos resíduos sólidos urbanos nos
locais de destinação, uma derivação do método proposto em USEPA (1991) pode ser
empregada. A Equação 1 apresenta esse método que considera a quantidade de lixo
depositada em cada ano (IPCC, 1996).
QT,x = k Rx Lo e-k(T-x)
(1)
Sendo:
QT,x: quantidade de metano gerado no ano em vigência “T” pelo resíduos “Rx” (m3/ano)
k: constante de decaimento (ano-1)
Rx: quantidade de lixo depositado no ano x (t)
Lo: potencial de geração de metano do lixo (m3/t de lixo)
T: ano em vigência
x: ano de deposição do lixo no aterro
Para estimar a emissão total de metano pelo lixo depositado no aterro durante todos os
anos deve ser usada a Equação 2 (IPCC, 1996):
214
QT = S QT,x
(2)
Para x = ano inicial até T
Sendo:
QT: quantidade total de gás metano gerado (m3/ano)
Segundo USEPA (1991) o fator “Lo” depende da composição do lixo e das condições
do aterro para o processo de metanização, estando os valores encontrados na literatura
entre 6,2 e 270 m3 de CH4/ t de lixo para aterros americanos.
O potencial de geração de metano a partir do lixo (Lo) pode ser obtido pela metodologia
apresentada em IPCC (1996), que segue a Equação 3.
/R = )&0 × &2' × &2'I × ) × (16 / 12 )
(3)
Sendo:
Lo: potencial de geração de metano do lixo (t de CH4 / t de lixo);
FCM: fator de correção de metano;
COD: carbono orgânico degradável (t de C/ t lixo);
CODf: fração de COD dissociada;
F: fração em volume de metano no biogás;
(16/12): fator de conversão de carbono em metano (t de CH4/ t de C).
Estudo de caso
Com uma área total de 257.000 m2 destinados à deposição do lixo, o aterro Delta está
subdividido em três partes, contando com dois grandes maciços que correspondem as
áreas de deposição do lixo gerado desde 1993 e uma faixa central que recebe lixo desde
dezembro de 2001.
No projeto do aterro foi prevista a disposição do lixo por células
de 3 a 5 m com uma altura máxima de projeto de 30 m, contando com os seguintes
sistemas de controle ambiental: drenagem superficial, drenagem e remoção de percolados,
drenagem de gases, impermeabilização inferior e tratamento de líquidos percolados. Para
impermeabilização do solo na construção do aterro foi utilizado solo argiloso compactado.
Ao longo de sua vida útil foram destinados ao aterro resíduos de classe II e III, que
compreendiam o lixo residencial do município de Campinas, o lixo comum proveniente
de estabelecimentos comerciais e algumas indústrias, os resíduos dos serviços de poda de
árvores e capinação, os materiais diversos como entulho de construção que eram encaminhados pelas Administrações Regionais da Prefeitura de Campinas, além do lixo hospitalar
inertizado após ser tratado em aparelho de microondas localizados no próprio aterro.
A caracterização do lixo doméstico da cidade de Campinas realizada pelo Departamento de
Limpeza Urbana da Prefeitura Municipal no ano de 1995 estimou a seguinte composição do
lixo para a cidade: 29,8% de papel e papelão, 13,2% de plásticos, 4,9% de metais, 3,4% de vidro,
6,7% de madeira e tecidos, 2,5% de terra e entulho e 39,5% de matéria orgânica (PMC,1995).
215
O aterro possui 106 dutos verticais de captação dos gases do tipo “Ranzine”, constituídos
por um duto principal de concreto perfurado de 300 mm de diâmetro interno e furos de
cerca de 20 mm de diâmetro. O duto principal é envolto por pedregulhos (“Rachão”) com
dimensões aproximadas de 15 x 15 x 15 cm e uma tela de aço para contenção das pedras.
Estimativa do potencial energético do aterro
A partir das quantidades de lixo que ainda serão destinadas ao aterro até o esgotamento
de sua capacidade e da vazão de 1057,30 Nm3/h de gás metano produzido no local
apresentada em Ensinas (2003) para o ano de 2003 pode-se aplicar a metodologia teórica
de previsão de emissões dada pela Equação 1 estimando assim o potencial energético do
aterro para os próximos anos. Para isso foram calculados o potencial de geração de metano
do lixo de Campinas e o valor da taxa de decaimento (“k”).
Determinação do potencial de geração de metano (L0)
O potencial de geração de metano a partir do lixo foi obtido com a aplicação da Equação
3. A Tabela 1 apresenta os resultados dos diversos parâmetros que envolvem o cálculo do
potencial de geração de gás metano para o lixo da cidade de Campinas (Ensinas,2003).
Tabela 1. Parâmetros para o cálculo do potencial de geração de metano
3DUkPHWUR
9DORU
FCM
1,00
COD
198,8 ( kg de C / t de lixo)
CODf
0,77
F
0,55
/
3
156,9 (Nm de CH4/t de lixo)
Cálculo da taxa de decaimento (k)
A constante de decaimento (k) está relacionada com o tempo necessário para a fração
de carbono orgânico degradável (COD) do lixo decair para metade de sua massa inicial,
podendo ser obtida por processo iterativo quando são conhecidas a vazão de gás metano
do aterro, o valor de “Lo” e a quantidade e o tempo de deposição do lixo no local.
O valor de “k” segundo USEPA (1991), depende de vários fatores como o teor de
umidade do lixo, a disponibilidade de nutrientes para a metanogênese e o pH. Em geral,
teores de umidade até 60% e pH entre 6,6 e 7,4 promovem o aumento da taxa de geração
de metano. Os valores de “k” encontrados na literatura encontram-se dentro de uma faixa
de 0,003 a 0,21/ano (USEPA, 1991).
Para o Aterro Delta obteve-se o valor de “k” de 0,0283/ano por processo iterativo
até a obtenção do valor de produção de metano medido no décimo primeiro ano
de operação do aterro.
O valor de “k” encontrado para o aterro Delta é inferior àquele obtido no aterro Bandeirantes na cidade de São Paulo que foi de 0,0395/ano (USEPA, 1997). Essa diferença se
deve principalmente ao baixo potencial de geração de metano (Lo) adotado no aterro
216
Bandeirantes, que foi de 125 m3CH4/t de lixo, sendo este inferior àquele calculado para o
aterro Delta com 157 m3CH4/t de lixo. Uma diferença no fator “Lo” acaba provocando
uma variação significativa no valor final de “k” quando é realizado o processo de iteração.
Simulação de projeto de geração de energia elétrica no aterro Delta
O dimensionamento de um projeto de aproveitamento de biogás em aterros para
geração de energia elétrica deve considerar o fato da produção de biogás ser variável ao
longo do tempo, buscando assim uma maximização da produção de energia e do uso
do biogás. Além disso, devem ser considerados fatores como os custos dos equipamentos necessários, o preço de venda da eletricidade e as penalidades previstas em contrato
por interrupções na geração de energia.
Segundo USEPA (1996) dois cenários de produção opostos podem ser usados para
dimensionamento do projeto. O primeiro prevê equipamentos que atendam um fluxo
mínimo de biogás, garantindo o abastecimento de combustível e promovendo o funcionamento da planta a plena carga por mais tempo. Por outro lado isso ocasiona a perda de
parte do biogás em momentos de produção acima da capacidade de projeto. O segundo
cenário prevê equipamentos dimensionados para o máximo fluxo de biogás, considerando
assim que a planta funcione em carga parcial e consuma todo o biogás gerado pelo aterro,
mas com o risco de insuficiência de combustível e interrupção na geração de eletricidade.
Neste segundo caso o uso de motores de combustão interna é preferível em relação às
turbinas a gás, pois funcionam melhor em carga parcial.
Foi estimada a curva do potencial de geração de energia elétrica para o aterro Delta assumindo-se que praticamente todo o biogás fosse coletado sendo o metano separado do restante
após um processo de purificação do biogás. Considerou-se que o poder calorífico inferior do
gás metano fosse de 35,9 MJ/Nm3 e a conversão do combustível ocorresse em motores de
combustão interna acoplados a geradores elétricos com eficiência total de conversão de 33% e
uma capacidade de geração de eletricidade anual de 88% devido às perdas e paradas para
manutenção dos equipamentos (USEPA, 1996). Adotou-se unidades de geração de 1MW
modulares que podem ser arranjadas de acordo com a produção de biogás do aterro.
Para a eficiência de coleta de biogás de 100% devem ser realizadas diversas melhorias no
aterro Delta visando a implantação de um sistema de coleta ativo eficiente, que maximize a
sucção do biogás sem a penetração de ar no interior da massa de lixo. Dentre as medidas
que devem ser tomadas estão:
l
implantação de uma camada espessa de cobertura de solo argiloso ou manta sintética
de PEAD que impeça a penetração de ar no aterro;
l
redimensionamento da rede de coleta de biogás com perfuração de novos drenos de
biogás, garantindo assim que todas as camadas de lixo sejam atendidas e o escoamento do biogás realize-se sem obstruções;
l
modificações no sistema atual de coleta com fechamento de drenos não utilizados no
sistema ativo e melhoria dos demais para funcionem como extratores de biogás e não
simplesmente como dutos de alívio da pressão interna do aterro;
l
instalação de uma rede de dutos que interliguem os drenos ao sistema de exaustão.
217
Segundo Oonk & Boom (1995), que realizou estudos em aterros na Alemanha, sistemas
ativos de aproveitamento do biogás, com cobertura de terra, atingem entre 50 e 75% de
eficiência de coleta e aqueles com camadas de solo argiloso ou mantas de PEAD como
cobertura podem chegar próximo de 100% de coleta de biogás.
Devido à seqüência de deposição do lixo aleatória com várias partes do aterro ainda em
operação e com a necessidade de algumas medidas para maximização da coleta de biogás, o
funcionamento de uma planta de geração só poderia ocorrer após o fechamento do local. Sendo
assim para que o biogás seja aproveitado ao máximo, o projeto deve ter inicio em 2007, um ano
após o fechamento do aterro que ocorreria em 2006, quando atingirá a máxima vazão de biogás.
Uma simulação foi realizada com o uso dos motores funcionando em carga parcial
para que o máximo de biogás seja aproveitado. Assim teríamos uma produção de energia elétrica variável ao longo do tempo, dependendo da produção do aterro em cada
momento. Apesar das incertezas quanto ao fornecimento de energia serem consideráveis, pois dependem diretamente da taxa de produção de biogás, um projeto como esse
promove a conversão de todo o gás metano produzido no aterro, contribuindo assim
para a diminuição do efeito estufa. A Figura 1 mostra as etapas de funcionamento dos
motores para a curva de produção de biogás.
Figura 1. Simulação das etapas de aproveitamento do biogás do aterro para geração de
energia elétrica
5
4,5
:4
0
3,5
DF
ULW 3
pO 2,5
H
DL 2
FQ 1,5
HW
R 1
3 0,5
0:
0:
0:
0:
2108
2103
2098
2093
2088
2083
2078
2073
2068
2063
2058
2053
2048
2043
2038
2033
2028
2023
2018
2013
2008
2003
1998
1993
0
$QRV
Esta simulação também contou com o uso de motores de 1 MW prevendo que o último
estágio opere com até 50% de sua carga total. Segundo as previsões fornecidas pela curva de
produção, em 2080 se atingiria uma produção insuficiente para funcionamento do motor.
Realizando-se a integração da curva entre 2007 e 2080 obteve-se uma produção
total de 412.710.034 Nm3 de CH4 o que equivale a 327.649 tep (1 tonelada equivalente
de petróleo=45,22 GJ).
218
Observa-se que a produção de metano é prolongada para constantes de decaimento
menores, podendo perdurar por até mais de 100 anos após o fechamento do aterro. O
aproveitamento energético do metano gerado em aterros requer valores mínimos de produção para que seja viável economicamente, portanto muitas vezes é interessante que as
taxas de degradação do material sejam aumentadas, o que pode ser realizado, por exemplo,
com a re-injeção do chorume no aterro, que aumenta o teor de umidade da massa de lixo
e acelera as reações de degradação. Em Pohland & Al-Yousfi (1994) e Townsend et al.(1996)
são apresentados estudos que comprovam a aceleração no processo de biodegradação do
aterro com o uso da técnica de recirculação de chorume.
Dependendo da finalidade do uso do biogás, a produção mais prolongada é mais
interessante, tendo assim uma produção menor, mas que assegura o fluxo de metano por
mais tempo. Aplicações como a evaporação de chorume ou mesmo o fornecimento de
energia para o próprio aterro se enquadram neste caso.
A energia elétrica fornecida pelo aterro em um projeto como este seria suficiente por
exemplo para abastecer 8.200 residências com um consumo médio de 350 kWh/mês
durante os quatro primeiros anos de funcionamento da planta. Para uma média de 4 a 5
pessoas/residência, o aproveitamento do biogás do aterro poderia atender a uma população de 32.800 à 41.000 pessoas em sua primeira etapa, sendo este número reduzido posteriormente com a queda na produção de energia no aterro.
Redução do potencial de aquecimento global do aterro
A implantação de um projeto de aproveitamento energético do biogás no aterro sanitário Delta pode promover a redução do potencial de aquecimento global decorrente da
emissão descontrolada de gás metano.
Como o gás metano possui um potencial de aumento do efeito estufa 23 vezes maior que
o dióxido de carbono considerando um período de referência de 100 anos (IPCC, 2001) a
conversão desse gás em dióxido de carbono em sua combustão em motores ou outro conversor
de energia, ocasiona uma redução no potencial de aquecimento global do aterro. Isso possibilita que o uso energético ou mesmo uma queima controlada do biogás no aterro Delta seja
um projeto que se enquadre como possível candidato a um financiamento externo do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) previsto no Protocolo de Kyoto.
Sendo assim, calculou-se a equivalência em toneladas equivalentes de dióxido de carbono para o uso energético do biogás do aterro Delta prevendo o aproveitamento total do
biogás. Os resultados estão mostrados na Tabela 2.
Tabela 2. Quantidades de dióxido de carbono equivalente ao metano emitido pelo aterro
3HUtRGR
2007-2080
4XDQWLGDGHGH&+W 4XDQWLGDGH(TXLYDOHQWHGH&2W
295.789
6.803.153
219
Conclusões e comentários finais
O estudo mostrou que o aterro Delta possui um potencial de geração de energia elétrica
de aproximadamente 3 MW em 2003 podendo chegar a 4 MW um ano após o seu encerramento que foi previsto para 2006.
A metodologia utilizada para a previsão da geração futura de gás metano no aterro
utilizada mostrou-se adequada pois considera vários fatores importantes como as quantidades anuais de lixo recebido, o potencial de produção de metano de acordo com a
composição do lixo, além da taxa de decaimento da matéria orgânica, que é fator crucial
para a previsão futura de biogás.
A redução da emissão de gás metano em aterros pode ocorrer com a adoção de algumas medidas práticas, evitando assim o agravamento do efeito estufa e a melhoria nas
condições do ambiente local.
Primeiramente a minimização de resíduos orgânicos destinados aos aterros deve ser um
objetivo em todo o mundo, buscando-se uma destinação final mais nobre do ponto de
vista ambiental, que promova a reutilização e a reciclagem dos resíduos, diminuindo o uso
de aterros que por mais adequados que possam ser do ponto de vista de engenharia e
normas técnicas de construção e operação, sempre geram riscos de contaminação do meio
ambiente e do próprio homem.
Apesar do enfoque de aproveitamento energético do biogás para a redução da
emissão de gases de efeito estufa aqui demonstrado, devem ser ressaltadas outras
vantagens importantes do uso desse combustível como a melhoria das condições
sanitárias dos aterros onde se pretenda implantar um projeto de aproveitamento de
biogás, uma vez que são necessárias diversas modificações para o controle de emissões e maior eficiência de coleta.
Dentre estas modificações necessárias para a implantação de um projeto de biogás pode
ser citado o uso da camada de cobertura adequada que promove a redução da emissão
descontrolada pela superfície do aterro seja pela própria permeabilidade do material de
cobertura, seja pela constituição não homogênea dessa camada que ocasiona a ocorrência
de trincas e fissuras. O solo argiloso compactado e a manta sintética de PEAD são os
materiais considerados mais adequados para esta finalidade.
A implantação e a operação adequada de um sistema de coleta eficiente promove
a redução das fugas de gás metano pelas laterais ou pela camada superficial do aterro, possibilitando o direcionamento de grande parte do biogás para os sistemas de
geração de energia implantados ou para os equipamentos de queima controlada que
convertem o gás metano em dióxido de carbono, reduzindo assim o agravamento
do efeito estufa.
220
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, 2003. 129 p. Dissertação (Mestrado).
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Basis (Chapter 6). Disponível no site: http://www.grida.no/climate/ipcc_tar/wg1/. Acesso em: 15 jan.
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UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Feseability assessment for gasto-energy at selected landfills in São Paulo, Brazil. Public Review Draft. EPA 68-W6-004. January 1997.
221
O USO DO BIODIESEL E DO
GÁS NATURAL VEICULAR
EM ÔNIBUS URBANO
Prof. Dr. Edmilson Moutinho dos Santos*
Eduardo Macedo Ferraz e Souza
1. RESUMO
Os aumentos recentes no preço do petróleo, ampliam a necessidade de desenvolvimento
de alternativas de complementação aos combustíveis fósseis, especialmente para minimizar
a importação e desonerar o balanço de pagamentos, reduzindo a dependência energética
do nosso País e a saída de divisas.
A prática do livre mercado para combustíveis, a necessidade de se reduzir a poluição
ambiental, em particular nos grandes centros urbanos e o grande interesse e competitividade
da indústria local são temas abordados neste trabalho, que visa apresentar e discutir a aplicação
do gás natural veicular e do biodiesel no transporte em ônibus urbano.
Com o sucesso do pro-álcool, analisa-se o probiodiesel e o programa de massificação do
uso do gás natural, de um lado há necessidade de desenvolvimento para reduzir os custos
do combustível e de outro a necessidade não é mais de suprimento e sim de mercado,
transporte, distribuição e armazenamento.
2. INTRODUÇÃO
Tendo em vista o atual atingimento do platô de produção máxima do petróleo e a
estimativa de sua manutenção até 2010, seguida de uma queda abrupta em 2050 a menos de
um terço da produção atual e que o gás natural alcançará o pico de produção dentro de 15
anos, com reservas muito mais expressivas que o petróleo, este combustível é apontado
como uma alternativa energética importante para o futuro próximo nos países desenvolvidos,
com pressões para proteção ao meio ambiente. O uso do carvão aumentará substancialmente
*Universidade de São Paulo (Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia)
222
nos países em desenvolvimento (notadamente, na China e Índia). O desenvolvimento de
tecnologias deve ser condicionado pela segurança de suprimento e pelas restrições ambientais.
Em princípio, os países deverão buscar metas definidas por níveis muito baixos de poluição
local (ar) e emissões.
No que se refere ao uso da biomassa, a produção mundial de óleos vegetais obteve um
expressivo aumento nos últimos anos. Vários países estão produzindo biodiesel
comercialmente, estimulando o desenvolvimento em escala industrial, dentre eles destacamse: Argentina, EUA, Malásia, Alemanha, França, Itália, Áustria e outros.
O Brasil, cuja população estimada para o ano de 2020 é de 210 milhões, prevê a necessidade
de duplicar, nesse ano, o uso final de energia, não atingindo a auto-suficiência em petróleo.
O gás natural é responsável por cerca de 3% da produção de energia primária, enquanto o
petróleo é responsável por 34%. A política energética nacional prevê o uso de 12% deste
insumo na matriz energética brasileira até 2010, o que é muito pouco frente à média mundial
de 20%. Na Argentina, a atual participação do gás na matriz energética é de 47%.
Por outro lado, os usos de biomassa para fins de geração de energia são interessantes
para o nosso país, especialmente na direção de usos finais com maior conteúdo tecnológico
como geração de eletricidade, produção de vapor e combustíveis para transporte. A produção
mundial de óleos vegetais constitui uma base sólida para dar sustentação ao uso de biodiesel.
No mercado internacional, o biodiesel produzido tem sido usado em: veículos de passeio,
transporte de estrada e off road, frotas cativas, transporte público e geração de eletricidade.
Conforme o Ministério da Ciência e Tecnologia em seu Programa Brasileiro de
Biocombustíveis, o cenário atual se mostra também bastante oportuno, tendo em vista a
prática do livre mercado para combustíveis, a redução das barreiras, a política energética
praticada, o perfil de produção e consumo de diesel, a necessidade de se reduzir a poluição
atmosférica, em particular nos grandes centros urbanos, e o grande interesse e
competitividade da indústria local. Além destes aspectos trata de uma excelente oportunidade
para que o Brasil venha a ingressar no bloco de países detentores da tecnologia de
biocombustíveis, tornando-se efetivamente exportador de tecnologia e de produtos com
maior valor agregado.
O etanol da cana de açúcar representa um caso de sucesso tecnológico para o país. A
indústria da cana mantém o maior sistema de energia comercial de biomassa no mundo
através da produção de etanol e do uso quase total de bagaço para geração de eletricidade.
A competitividade da produção nacional de etanol em diferentes regiões do Brasil PROALCOOL, a infra-estrutura de produção e distribuição já existente, o know how e o
desempenho das tecnologias desenvolvidas para a cadeia produtiva da cana e setor
automotivo, a oportunidade de substituir o diesel importado e contribuir para a economia
de divisas, a geração de renda, as vantagens econômicas e sócio-ambientais decorrentes da
produção e consumo de combustível renovável, a segurança para provisão de combustível
produzido diretamente nas diferentes regiões do Brasil, as novas e alteradas políticas agrícolas
internacionais, o fortalecimento da indústria nacional de biocombustíveis, quer seja para
transporte pesado e de massa ou para geração de eletricidade, especialmente em sistemas
isolados, motivaram e recomendam iniciar de imediato Programa Nacional de biodiesel.
223
O setor de transporte é o segundo no ranking de consumo de energéticos no Estado de
São Paulo, perdendo somente para o setor industrial, e o gás natural tem uma participação
crescente neste setor. As vendas de gás para este setor subiram, chegando a passar o volume
distribuído para os segmentos comercial e residencial. O número de postos de abastecimento
de gás natural veicular (GNV) tem acompanhado esse crescimento.
Só nas metrópoles brasileiras circulam em torno de 50 mil ônibus, gerando crescentes
índices de poluição. De acordo com o Relatório de Qualidade do Ar do Estado de São
Paulo de 2001, elaborado pela Agência Ambiental do Estado de São Paulo, os transportes
são responsáveis por 76,6% da poluição atmosférica na região.
3. DESENVOLVIMENTO
Gás Natural
Registros antigos mostram que a descoberta do gás natural ocorreu no Irã, entre 6000 e
2000 a.C. Na China, o gás já era conhecido desde 900 a.C., mas foi em 211 AC que o país
começou a extrair a matéria-prima. Eram usadas varas de bambu para retirar o gás natural
de poços com profundidade aproximada de 1.000 metros. Na Europa, o gás natural só foi
“descoberto” em 1659, não despertando interesse por causa da grande aceitação do gás
resultante do carvão carbonizado, que foi o primeiro combustível responsável pela iluminação
de casas e ruas. Já nos Estados Unidos o primeiro gasoduto com finalidade comercial
entrou em operação em 1821, sendo utilizado para iluminação e preparação de alimentos.
O Brasil nunca foi um país com tradição em gás canalizado, iniciando o seu uso mais de
50 anos depois de Londres, onde o uso deste combustível se deu a partir de 1807; Dublin a
partir de 1818; Paris a partir de 1819.
Em 1991, o governo federal, por meio de portaria, autoriza o uso do Gás Natural em:
frotas de ônibus urbanos e interurbanos; frotas cativas de serviços públicos e veículos de
transporte de cargas, autoriza também, as companhias distribuidoras de combustíveis a
distribuição de Gás Natural, para fins automotivos. Outra medida que demonstrou a
preocupação, pelo governo, em explorar o potencial máximo deste combustível foi uma lei
da Prefeitura de São Paulo, do mesmo ano, que determinou a conversão ou substituição de
todos os ônibus do Município por Gás Natural até o ano 2001. Essa medida foi muito
questionada, na época, não estabeleceu cronograma de implantação e, não saiu do papel.
Até agosto de 1997, a Petrobrás tinha o monopólio sobre a exploração de petróleo e gás,
quando então foi aprovada a Lei 9.478 (Lei do Petróleo), que além de terminar com o monopólio,
criou a Agência Nacional de Petróleo (ANP). O foco de negócios da Petrobras sempre foi
exploração de campos produtores de petróleo, deixando em segundo plano o gás natural.
Atualmenete, baseado nos princípios do planejamento estratégico da Petrobrás, foi lançado
o programa de massificação do uso do gás natural no Brasil. O problema do gás natural não
é mais de suprimento e sim de mercado (desenvolvimento de mercado). A chegada do gás
natural da Bolívia é vista como a principal mola propulsora para ampliação do gás natural
na matriz energética. Do ponto de vista empresarial, a motivação da massificação do gás
reside na monetização das reservas, na geração de divisas, através da substituição de
energéticos atualmente importados, e no atendimento da questão ambiental. Do ponto de
vista social, a proposta é que o gás natural promova um salto no crescimento econômico, a
partir da modernização dos diversos setores da economia.
224
Uma estratégia de massificação do consumo consiste em ampliar o uso do gás em
carros de passeio, no transporte público e em veículos urbanos de carga leve. No
transporte público a substituição dos ônibus urbanos nas regiões metropolitanas das
grandes capitais proporcionaria um grande incremento no consumo.
Em função do aumento da oferta do gás natural proporcionado pela importação e
a nova reserva da Bacia de Santos e a ampliação da rede de gasodutos, a expectativa
é de que o consumo do gás natural torne o país menos dependente das flutuações do
mercado internacional de petróleo. A conversão das frotas de ônibus das grandes
cidades para o Gás Natutal Veicular (GNV) é um dos destaques atualmente, sendo
incentivado cada vez mais o uso do gás natural, tornando a inserção do GNV nos
transportes públicos cada vez mais atraente e diversificando a matriz energética
brasileira. Estas iniciativas também vão ao encontro das demandas econômicas e
ambientais cada vez mais urgentes. Adotado em diversos países como: Argentina,
Austrália, Itália, Canadá e demais países da Comunidade Européia, o GNV tem sido
objeto de estudos em diversas montadoras, principalmente européias, devido as
características de sua queima serem pouco agressivas ao meio ambiente, quando
comparadas aos combustíveis convencionais.
A dificuldade, porém, salientada sobre o programa veicular consiste na prática das
empresas de transporte urbano de vender seus ônibus para outras regiões. Esta prática
pode ser prejudicada se as regiões receptoras dos veículos usados não promoverem
acesso ao gás, inibindo o mercado secundário de veículos. Como pontos positivos,
além das vantagens ambientais, sugere-se vincular o preço do GNV ao do diesel
faz endo-o custar menos e f inanciar o veículo (pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES), tornando viável sua revenda. Outra
vantagem é que, por ser mais leve que o ar, o gás natural dissipa-se rapidamente na
atmosfera, em caso de vazamento.
Há boas perspectivas para o crescimento do mercado do gás natural no Brasil deste
que as barreiras sejam eliminadas. Mais do que isso , é necessário que o crescimento do
mercado do gás natural seja inserido realmente na política estratégica para o setor de
energia do país para garantir o crescimento deste combustível na matriz energética
brasileira. Ao mesmo tempo em que existe um enorme potencial da indústria do gás na
geração de empregos, na criação de novos negócios e no aumento da competitividade
nacional, existe ainda uma grande limitação no entendimento sobre a função da
tecnologia para superar os desafios na indústria do gás no Brasil e para promover os
benefícios ainda mais amplos. Caso estas barreiras não sejam superadas não será possível
alcançar a meta de 12% de participação deste combustível na matriz energética brasileira.
É preciso ter uma visão mais ampla do “negócio gás” promovendo sua utilização,
difundindo conceitos, criando estrutura industriais para fabricar equipamentos para a
queima direta do gás.
Nesse contexto, tendo em vista os grandes investimentos previstos no nosso país
no setor de gás natural, torna-se premente a exigência não só da atualização tecnológica
dos fornecedores de equipamentos, mas também mão de obra qualificada e capacitada
a exercer atividades, fator extremamente importante para a garantida da confiabilidade
e a redução dos riscos.
225
Biodiesel
O uso de óleos vegetais em motores Diesel tem sido testado desde o surgimento do
motor Diesel no final do século 19. Por ser mais barato que os demais combustíveis, o
Diesel passou a ser largamente utilizado. Foi esquecido, desta forma, o princípio básico que
levou à sua invenção, ou seja, um motor que funcionasse com óleo vegetal. Durante o
século 20 (segunda guerra mundial; choques de abastecimento de petróleo), o assunto voltou
a ser tratado em diversas situações. Inicialmente testando óleos vegetais puros, “in natura”,
as dificuldades com resíduos (gomas, depósitos de carbono) gradualmente levaram à
investigação do uso de ésteres derivados de óleos vegetais, e estas tecnologias predominam
até os dias de hoje. Estes ésteres, devido a suas propriedades, podem ser usados puros ou
em misturas com o diesel, nesse caso não exigindo quaisquer modificações nos motores.
É de consenso mundial utilizar-se uma nomenclatura para identificar a concentração do
biodiesel na mistura: biodiesel BX, onde X é a porcentagem em volume do biodiesel à
mistura, por exemplo, o B5, B20 e B100 são combustíveis com uma concentração de 5%,
20% e 100% de biodiesel (puro), respectivamente. No Brasil, a proposta de adoção inicial
do biodiesel como combustível é na fórmula B5, que permite a redução das importações de
óleo diesel e à economia anual de milhões de dolares.
O processo para a transformação do óleo vegetal em biodiesel chama-se transesterificação,
que é a separação da glicerina do óleo vegetal. Fazendo o biodiesel, você obtêm a glicerina
que tem diversos usos, como por exemplo:
- Cosméticos: na elaboração de sabonetes, cremes, shampoos, hidratantes etc;
- Fabricação de tintas, vernizes, resinas e lubrificantes;
- Produtos de limpeza: sabão, detergentes, etc.
Nos EUA o biodiesel está sendo usado em frotas de ônibus urbanos, serviços postais e
órgãos do governo e é considerado Diesel Premium para motores utilizados na mineração
subterrânea e embarcações. Em Minnesota há uma lei que estabelece 2% de mistura, de
imediato, e 5% de mistura com biodiesel daqui há 5 anos. Isto levará a um grande incremento
na produção de biodiesel naquele país.
O uso do biodiesel na União Européia - UE recebe incentivo a produção através de uma
forte desgravação tributária e alterações importantes na legislação do meio ambiente. Em
2005, 2% dos combustíveis consumidos na UE terão de ser renováveis e, em 2010, 5%. Os
fabricantes europeus de motores apoiam a mistura de 5% de biodiesel. Na mistura até 30%
ou Biodiesel puro (Alemanha) muitos fabricantes dão garantia: VW, Audi, Seat, Skoda,
PSA, Mercedes, Caterpillar e Man garantem alguns modelos. Na Alemanha, mais de 800
postos de combustíveis vendem biodiesel puro.
O biodiesel na Argentina tem estímulo através de decreto, propiciando a desoneração
tributária do biodiesel por 10 anos. A Resolução definiu as especificações do biodiesel.
Na Malásia está sendo implementado programa para a produção de biodiesel a partir de
óleo de palma (dendê). A primeira fábrica deve entrar em operação ainda este ano. A
perspectiva tecnológica de extração das vitaminas A e E permitirá reduzir os custos do
biodiesel produzido.
226
No Brasil, desde a década de 20 do século passado, o Instituto Nacional de Tecnologia
(INT) já estudava e testava combustíveis alternativos e renováveis, como por exemplo o
álcool da cana-de-açúcar. Mais recentemente, motivados pelas demandas da II Guerra
Mundial e das crises de petróleo os Governos de diferentes países em parceria com a iniciativa
privada e centros de pesquisa, vêm desenvolvendo e testando biocombustíveis em frotas
municipais, especialmente em grandes centros urbanos. Na década de 70 desenvolveu-se
projetos de óleos vegetais como combustíveis, destacando-se entre eles o DENDIESEL.
Em 1983, o Governo brasileiro motivado pela elevação desproporcional dos preços de
petróleo determinou a implementação do projeto no qual foi testada a utilização de biodiesel
e misturas combustíveis em veículos que rodaram mais de hum milhão de quilômetros. Foi
constatada a viabilidade técnica da utilização do combustível, aproveitando a logística de
distribuição existente. Entretanto, naquele momento, os custos do Biodiesel eram muito
mais elevados do que o Diesel, desta forma não foi implementado a produção do biodiesel
em escala comercial. Recentemente, novas iniciativas foram instaladas, projetos de
investigação foram conduzidos e vários testes foram realizados em ônibus de frota cativa.
Em 2002, o Ministério de Ciência de Tecnologia criou o Programa Brasileiro de
Desenvolvimento Tecnológico do biodiesel (PROBIODIESEL), visando “promover o
desenvolvimento científico e tecnológico de biodiesel, a partir de ésteres etílicos de óleos vegetais puros e/ou
residuais.” Sua meta é a “viabilidade técnica, sócio-ambiental e econômica do biodiesel, desenvolver e
homologar as especificações do novo combustível para o Brasil e atestar a viabilidade e competitividade
técnica, econômica, social e ambiental a partir da investigação em testes de laboratório, bancada e campo”.
A principal estratégia é a de desenvolver o biocombustível a partir da produção de oleaginosas
e etanol nacional, gerando emprego e renda nas diferentes regiões do País, assegurar maior
autonomia no suprimento de combustíveis líquidos, contribuir para melhorar a inserção
internacional do Brasil nas questões ambientais globais, estabelecer vanguarda no
desenvolvimento de mercados novos para produtos potenciais subaproveitados (agricultura),
criar mercados alternativos de expressão para commodities brasileiras (petróleo/gás,
complexo soja, setor sucro-alcooleiro) com excesso de ofertas no mercado externo e
desenvolver tecnologias nacionais para produção de combustíveis.
O conceito apresentado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia no Programa Brasileiro
de Biocombustíveis para o biodiesel é: combustível obtido a partir de misturas, em diferentes
proporções, de Diesel e éster de óleos vegetais. O biodiesel deve atender às especificações
técnicas como sendo um produto único, sem necessidade da definição da origem do óleo
vegetal ou qual o tipo de álcool a ser usado na produção, mas sim um conjunto de
propriedades físico-químicas para o produto final que garanta a sua adequação ao uso em
motores do ciclo diesel.
Objetivando tornar obrigatória a adição mínima de 2% de biodiesel ao óleo diesel vendido
ao consumidor brasileiro, o projeto de lei 3.368/04, de autoria do deputado federal Ariosto
Holanda (PSDB-CE), tramita na Câmara dos Deputados. O texto prevê ainda a isenção de
tributos federais para os agricultores familiares reunidos em associações ou cooperativas
que cultivarem oleaginosas, com capacidade de produzir até 100 toneladas por ano de
biodiesel. Outra característica do projeto é a criação de uma reserva de mercado, permitindo
a compra de pelo menos 50% do biodiesel.
227
Também serão criadas linhas de crédito do Banco do Brasil e do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social para o cultivo de oleaginosas pelos
agricultores familiares e para o financiamento das instalações das cooperativas ou
associações. A proposta remete à Agência Nacional de Petróleo a tarefa de fiscalizar o
percentual de adição do biodiesel ao óleo e a expedição de registro de funcionamento
para as cooperativas e associações.
Atualmente, o biodiesel é produzido de plantas típicas como: soja, dendê, pequi, girassol,
mamona, babaçu, milho, algodão e macaúba, em várias regiões do País:
l
Amazônia (as pequenas produções são localizadas nas chamadas ilhas energéticas e as
grandes produções nos dendezais. Como matérias primas, obtem-se: Óleos de Palmeiras
Nativas e Plantios de Dendê em áreas de reflorestamentos);
l
Pré-Amazônia (exploração dos babaçuais, através do aproveitamento integral do coco,
para fins químicos e energéticos. A geração de renda é através de lavouras associadas aos
babaçuais. Matérias primas: Óleo de Babaçu, Óleo de Amendoim e outros provenientes
de culturas consorciadas);
l Semi Árido Nordestino (geração de ocupação e renda objetivando a erradicação da miséria.
Lavouras familiares de plantas oleaginosas xerófilas, ricinocultura, mamona);
l
Cone Sul, Centro Sul e Centro Oeste (melhorias das emissões veiculares nos grandes
centros urbanos. Regulação nos preços do óleo de soja, ora em declínio. Soja e outras
possíveis culturas temporárias);
l
Em todas as Regiões (Melhor aproveitamento de certos desperdícios. Óleos residuais de
frituras e de resíduos industriais: sebo, borras e outros, matérias graxas extraídas de esgotos
industriais e municipais).
As vantagens do uso do biodiesel são conhecidas, sendo as principais a redução dos
níveis de emissão local (enxofre e particulados, também de CO e HC, embora seja possível
um aumento em NOx), da poluição global e das importações de diesel (garantindo maior
segurança no suprimento), além de um aumento na geração de empregos e na melhoria na
qualidade do combustível.
4. CONCLUSÃO
É razoável dizer que o Brasil apresenta grande potencial e nível tecnológico adequado
para utilizar tanto o gás metano veicular, quanto o biodiesel em ônibus urbano, embora
ainda seja necessário muito trabalho para atingir bons níveis de competitividade comparandose com a Europa e os EUA, reduzindo assim, a dependência energética do nosso País e a
saída de divisas pela poupança feita na importação do petróleo bruto.
O PROBIODIESEL poderá contribuir para tornar o Brasil líder mundial em
biocombustível através da atualização das tecnologias atuais e do desenvolvimento de novas
em todos os elos da cadeia produtiva. O fato é que o êxito deste Programa depende do grau
de aceitação e da adoção continuada deste produto pelo consumidor e pelo mercado em
geral por este tipo de combustível.
O biodiesel apresenta inúmeras vantagens em relação ao diesel comum e outras em
relação ao gás natural veicular. Porém, há necessidade de desenvolvimento para reduzir os
228
custos do biodiesel. É importante ressaltar que, a rigor, qualquer alteração no combustível ou
mesmo a adoção de combustíveis alternativos, diferentes do óleo diesel, exige adaptações no
motor, mas em misturas do biodiesel com diesel, o motor não requer modificações, adaptandose bem a misturas com concentrações definidas de biodiesel. Assim, não seriam necessárias
alterações na tecnologia (peças e componentes) e de regulagem. Apenas é preciso que o biodiesel
tenha uma qualidade definida para a utilização do biocombustível. No caso do GNV, necessitase de um ônibus “dedicado” que custa em média US$ 10.000 a mais que um equivalente à diesel
ou seja, aproximadamente 20 % mais caro, além do peso “extra” dos cilindros.
De um modo geral, o crescimento econômico e a proteção ao meio ambiente serão os
principais motivadores de mudanças/crescimento no setor energético. Um fato que aparece
com grande importância, manter a concentração de carbono na atmosfera, exigirá que
grande parte da “nova” geração seja livre de carbono e que haja um forte aumento na
eficiência de uso de combustíveis fósseis, como uma evolução, utilizando-se o gás natural
como um combustível complementar que poderá auxiliar para reduzir a sazonalidade e/ou
de transição para, a partir daí, crescer significativamente a participação de novas tecnologias
destacando-se as “renováveis”, em geral baseadas nos benefícios ambientais (locais e globais),
na geração de empregos e na segurança de suprimento.
É neste contexto que o nosso território brasileiro tem, tanto na sua dimensão quanto na
diversidade natural, sua oportunidade de desenvolvimento e de se inserir no mundo
globalizado atual. Diversos tipos de solos brasileiros são ideais para o plantio de oleaginosas
sem necessidade de grandes adaptações. Por outro lado a história do Brasil mostra que a
produção de riqueza sempre esteve associada ao uso extensivo dos recursos naturais. A
“cultura do desperdício” e a degradação ambiental contribuem de forma negativa afetando
a sociedade. Não se trata, porém , de adicionarmos simplesmente o biodiesel, é necessário
atuar na sensibilização e motivação da sociedade para alternativas ecologicamente corretas,
entender a revolução que pode ocorrer no campo, na indústria, no ambiente, na geração de
renda, no nível de emprego, na oferta de alimentos e outros derivados de oleaginosas após
a extração do óleo, no impacto no preço internacional, entre outros aspectos.
Há necessidade de tecnologias, equipamentos, produtos e processo relacionados ao uso
de gás natural no país, transporte, distribuição e armazenamento, identificação de gargalos
tecnológicos para o desenvolvimento do mercado nacional e aumento de eficiência na
aplicação (equipamentos de uso final). Há necessidade de trabalhar com comunidades,
incentivando o trabalhador rural a produzir produtos para biomassa, já que a oferta de
matérias prima parece ser uma das principais dificuldades restritivas para a implementação
de um programa de produção extensiva de biodiesel.
Fica evidente a importância de se educar os futuros cidadãos brasileiros para que, como
empreendedores, venham a agir de modo responsável e com sensibilidade, conservando o
ambiente saudável no presente e para o futuro e, como participantes do governo, ou da
sociedade civil, saibam cumprir suas obrigações, exigir e respeitar os direitos próprios e os
de toda a comunidade, tanto local como internacional.
Por ocasião da Conferência Internacional Rio/92, cidadãos representando instituições
de mais de 170 países assinaram tratados nos quais se reconhece o papel central da educação
para a “construção de um mundo socialmente justo e ecologicamente equilibrado”, o
229
que requer “responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário”.
Dez anos depois, com a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável,
avaliaram-se os resultados, concluindo-se que grandes avanços foram obtidos. A
conscientização mundial jamais foi tão ampla. O Protocolo de Quioto ganhou um novo
impulso, assim como o conceito de compromissos nacionais reais e significativos em
termos de meio ambiente e justiça social.
É isso o que se espera da Educação. Uma das principais conclusões e proposições
assumidas internacionalmente é a recomendação de se investir numa mudança de
mentalidade, conscientizando os grupos humanos para a necessidade de se adotarem novos
pontos de vista e novas posturas diante dos dilemas e das constatações visando a equidade
social e sustentabilidade ambiental.
5. REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
1. Anotações de sala de aula do Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia da Universidade de
São Paulo, disciplinas:
- “Introdução ao Petróleo e Gás Natural” e “Regulação, Política e Análise Institucional do Petróleo e Gás
Natural”, prof. Edmilson Moutinho dos Santos e
- “Biomassa como fonte de Energia – Conversão e Utilização”, prof.a Suani T. Coelho;
2. Programa Brasileiro de Biocombustíveis - Rede Brasileira de Biodiesel - Ministério da Ciência e Tecnologia;
3. Proposta de Modelo Institucional do Setor Elétrico - “Vamos Cuidar do Brasil” –– Ministério de Minas e
Energia – Brasília – 2003;
4. Texto Base - “Vamos Cuidar do Brasil” – Fortalecendo o Sistema Nacional do Meio Ambiente - Conferência
Nacional do Meio Ambiente – Ministério do Meio Ambiente –Brasília – 2003;
5. Estado da arte e tendências das tecnologias para energia - Secretaria Técnica do Fundo Setorial de Energia
- CTEnerg 2003 janeiro;
6. CENBIO - Centro Nacional de Referência em Biomassa- IEE – USP;
7. Dissertação para o Programa de Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São
Paulo - USP - para obtenção do título de Mestre em Energia - O mercado de gás natural no Estado de São
Paulo - histórico, cenário, perspectivas e identificação de barreiras - Suzy Elaine Gasparini de Moraes Março de 2003.
Sites consultados:
1. www.biodieselecooleo.com.br/; 2. www.comgas.com.br; 3. www.ctgas.com.br; 4. www.tecbio.com.br;
5. www.tnpetroleo.com.br; 6. www.webonibus.com.br; 7. CanalEnergia
8. Jornais e Revistas:
Folha de São Paulo - 02 de maio de 2004; Gazeta Mercantil; 02 jan 1998; Gazeta de Alagoas;
Isto é 11/05/2003; O Estado de S. Paulo; 24 de maio de 2003; Veja Edição Especial Agronegócio,
Abril de 2004
“O motor a Diesel pode ser alimentado com óleos vegetais e ajudar o
desenvolvimento dos países que o utilizem”
Rudolf Diesel, durante a Exposição Mundial de Paris, em 1900, quando utilizou óleo de amendoim para
demonstração de seu novo motor.
230
MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO
COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DE
PROJETOS DE CAPTURA E DESTRUIÇÃO DO
METANO GERADO EM ATERROS SANITÁRIOS
NO BRASIL: ESTUDOS DE CASO
Cleci Schalemberger Streb1; Kamyla Borges da Cunha2
Arnaldo Walter3; Adriano Viana Ensinas4
Rodrigo Marcelo Leme5
RESUMO
A captura e destruição do metano oriundo da disposição de resíduos sólidos são consideradas atividades elegíveis como projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,
principalmente levando-se em conta que o metano é um dos mais agressivos gases precursores do efeito estufa, responsável por quase 10% das emissões antropogênicas desses
gases. Apesar da falta de dados sobre a situação da disposição dos resíduos sólidos no
Brasil, sabe-se que o país apresenta potencial de desenvolvimento de projetos de captura e
destruição do metano gerado na disposição final do resíduo. Três projetos de captura e
destruição de metano gerado em aterros sanitários foram submetidos à aprovação de
metodologias de linha de base perante o Meth Pannel do Conselho Executivo. São estes:
Novagerar (Rio de Janeiro), Onyx (São Paulo) e Vega da Bahia (Salvador). O objetivo deste
artigo é analisar, de forma crítica, se as metodologias de linha de base propostas por tais
projetos cumprem os objetivos prescritos na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC), quais sejam, a estabilização das concentrações de
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da
Unicamp
2
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da
Unicamp
3
Professor Doutor do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de
Engenharia Mecânica da Unicamp
4
Doutorando do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp
5
Mestrandos do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da
Unicamp
Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Caixa Postal 6122, CEP 13083-970.
Fone: (19) 3788 3285. Fax (19) 3289 3722. E-mail: [email protected]
1
231
gases precursores do efeito estufa (GEE) em níveis não ameaçadores ao equilíbrio climático e a consecução do desenvolvimento sustentável. Também, procurou-se analisar tais
atividades como alternativas de geração de eletricidade.
Palavras-chave: MDL, emissões de GEE, gás de aterro.
1 INTRODUÇÃO
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é o principal instrumento estabelecido no Protocolo de Quioto a permitir que os países em desenvolvimento participem na
consecução dos objetivos principais insertos na Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança do Clima (CQNUMC), quais sejam, a estabilização das concentrações de
gases precursores de efeito estufa (GEE) em níveis não ameaçadores ao equilíbrio climático e a promoção do desenvolvimento sustentável. Conforme o artigo 12 do Protocolo de
Quioto, o objetivo do MDL é assistir as Partes incluídas no Anexo I da CQNUMC (países
desenvolvidos) na consecução de suas metas quantificadas de redução de GEE e, também,
assistir as Partes não incluídas no Anexo I (países em desenvolvimento) na consecução de
práticas de desenvolvimento sustentável.
Dessa forma, o governo e/ou uma empresa sediada num país desenvolvido pertencente
ao Anexo I da CQNUMC, pretendendo utilizar o MDL como alternativa de consecução de
suas metas quantificadas, pode investir em um projeto de redução de emissões de GEE num
país em desenvolvimento, recebendo, em troca, reduções certificadas de emissões (RCEs). As
RCEs representam as reduções de emissões de GEE estimadas em cada projeto de MDL e
destinam-se a contabilizar o cumprimento das metas de cada país em “contas” que estes
mantêm perante os órgãos criados no âmbito da CQNUMC para gerir o MDL.
Apesar de o Protocolo de Quioto ainda não estar em vigor, algumas atividades de
MDL têm sido desenvolvidas em vários países, inclusive no Brasil. De fato, o país apresenta grande potencial para desenvolver projetos de MDL, especialmente em áreas como
reflorestamento e florestamento, transporte, fontes renováveis e gestão de resíduos sólidos.
Até o final do mês de maio de 2004, três projetos de MDL relacionados com a captura
e destruição do metano gerado nos aterros sanitários no Brasil haviam sido submetidos à
análise da metodologia de linha de base pelo Meth Pannel do Conselho Executivo: Novagerar,
Onyx e Vega da Bahia (UNFCCC, 1997). Tais projetos serão analisados na seqüência.
2 PROJETOS DE CAPTURA E DESTRUIÇÃO DO METANO DE ATERRO
Vega da Bahia S/A, empresa subsidiária da francesa SUEZ Environnement, propôs
projeto de captura e destruição do gás metano em implementação no aterro Metropolitano do Centro, localizado na cidade de Salvador, Bahia. Novagerar, joint venture formada
pelas empresas EcoSecurities e S/A Paulista, propôs projeto similar, mas prevendo o aproveitamento do metano para fins de geração de energia elétrica em implementação em duas
áreas localizadas no Estado do Rio de Janeiro: Lixão Marambaia e aterro sanitário
Adrianópolis. Por fim, a companhia francesa Onyx, através de sua subsidiária no Brasil,
SASA, propôs projeto de captura e destruição, bem como aproveitamento do metano
para fins de vaporização do chorume e geração elétrica, em implementação no aterro
Tremembé, no estado de São Paulo. As metodologias de linha de base dos três projetos
foram submetidas à análise do Meth Pannel do Conselho Executivo, tendo sido aprovadas.
232
No intuito de analisar em que medida tais metodologias se coadunam com os objetivos
propostos na CQNUMC, isto é, a estabilização das emissões de GEE em níveis não
ameaçadores do equilíbrio climático e a consecução do desenvolvimento sustentável, optou-se por uma abordagem comparativa, realizada na forma da tabela 2.
TABELA 2: Principais aspectos das metodologias de linha de base propostas
$63(&726
6$/9$'25'$%$+,$
129$*(5$5
21<;
A atividade do projeto consiste na
O gás de aterro
captura, recuperação e destruição
A atividade do projeto
do metano coletado. O gás de
coletado será
consiste na captura e
parcialment e usado na
aterro
será
usado
para
obter
'HVFULomRGD destruição do metano
evaporação do
el étrica a ser vendid a para
DWLYLGDGHGR coletado. O projeto propõe o energia
chorume gerado e na
o sistema interligado. Contudo, a
SURMHWR
aumento da eficiência do
obtenção de energia
energia produzida não será usad a
sistema de coleta do gás.
elétrica para usos
para fins de quanti ficação das
internos.
reduçõ es no primeiro período do
projeto.
Vega propõe a utilização dos
O aterro utilizará a tecnologia
O sistema de coleta
7HFQRORJLDD padrões europ eus
disponível para o aumento da
será aprimorado com
VHU
relacion ados a gestão de
eficiên cia do sistema de coleta do
a aquisição de
HPSUHJDGD
resíduos sólidos.
gás. A geração de eletricidade
equipamentos e
será feita por plantas modulares.
tecnologia disponível.
Novagerar propõe uma nova
interpretação do parág rafo 48 dos
Acordos de Marrakech,
direcionada para uma análise da
A linha de base é o cenário
O projeto diferenci a
viabilidade fin ancei ra da
baseado nas condiçõ es
metodologia para
atividade
sem
e
com
os
benefícios
firm adas no contrato de
estabelecimento de
do MDL. Dessa forma, a
concess ão realizado com a
linha de base e
metodologia
apresenta
três
Municipalidade de Salvador.
metodologia para
cenários alternativos: (1)
Este contrato estabelece
definição da
Continuação do business-aslimites mínimos de captura
adicionalidade. Para
usual, sem coleta adequada do
do gás de aterro.
estabelecer a
gás; (2) Investimento em
a inexistência
adicionalidade, a
$VSHFWRVGD Considerando
aprimoramento do sistema de
incentivos para a
metodologia baseia-se
PHWRGRORJLD de
coleta sem ter como objetivo a
companhia
recuperar
e
em análise
GHOLQKDGH
obtenção de energia elétrica para
capturar além do limite
econômico-financeira.
EDVH
ser
vendida
ao
grid;
(3)
A
O cenário de linha de
imposto pelo contrato de
empresa investe no
base adotado é aquele
concess ão, as reduções de
aprimoramento do sistema de
em que o metano
emissões adicionais serão o
coleta do gás para fins de
gerado não seri a
resultado da diferen ça entre o
obtenção de eletri cidade a ser
adequad amente
limite imposto no contrato e
vendida ao sistema interligado. A
coletado, sendo
a quantidade que se espera
metodologia optou pelo primeiro
livremente emitido na
recup erar, capturar e destruir
cenário, justificando a escolha
atmosfera.
com o projeto.
com base nos requerimentos
legais em vigor e na análise da
viabilidade fin ancei ra e
econômica do projeto sem os
recu rsos do MDL.
T odos os projetos apontam benefícios reais ao desenvolvimento sustentável, baseando-se em
&ULWpULRVGH dados sobre a situação da disposição de resíduos sólidos no Brasil. Todos os projetos
GHVHQYROYLPH afirmam sua consistência com relação a aspectos de bem estar social a comunidade
QWR
diretamente afetada e a cri ação de empregos. Vega afirma que 5% do valor líquido adquirido
VXVWHQWiYHOH com a venda dos RCEs será alocado na comunidade do entorno do projeto. Novagerar afirma
LPSDFWRV
que 10% da energia elétrica gerada será destinad a a autoridade municipal com o intuito de
DPELHQWDLV
prover luz elétri ca para as escol as, hospitais e prédios públicos do local do entorno. Onyx
menciona a trans ferên cia de tecnologia.
Fonte: baseado nos PDDs dos projetos - UNFCCC (2004).
233
Conforme demonstrado na tabela 1, as metodologias de linha de base propostas focam
dois aspectos: o critério da adicionalidade e a consecução de práticas de desenvolvimento
sustentável, razão pela qual cada um desses pontos será a seguir analisado.
2.1 Critério de adicionalidade
Para que uma atividade seja aprovada como projeto de MDL, deve antes passar por
todo um processo de validação, registro e certificação, no qual são aferidos critérios de
elegibilidade, definidos no item 5 do artigo 12 do Protocolo de Quioto, quais sejam: participação voluntária dos países-partes; benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo relacionados à mitigação da mudança do clima; e reduções de emissões que sejam adicionais as
que ocorreriam na ausência da atividade certificada de projeto.
O último critério, comumente chamado ADICIONALIDADE, consiste na redução de
emissões de GEE ou no aumento de remoções de CO2 de forma adicional ao que ocorreria na ausência de tal atividade (LOPES, 2002). Em outras palavras, para que um projeto
de MDL seja creditado e possa emitir reduções certificadas de emissões (RCEs), deve
comprovar que contribuiu, de forma adicional à determinada referência, para a redução de
emissões ou para o seqüestro de carbono da atmosfera.
Para averiguar se as reduções de emissões proporcionadas por um determinado projeto
de MDL são adicionais, torna-se necessário compará-las com um cenário de referência
previamente estabelecido, chamado linha de base.
A linha de base de um projeto é o cenário que representa, de forma razoável, as emissões antrópicas de GEE por fontes que ocorreriam na ausência da atividade do projeto
proposta, incluindo as emissões de todos os gases, setores e categorias de fontes listadas no
Anexo A do Protocolo de Quioto que ocorram dentro do limite do projeto. Serve de base
tanto para a verificação da adicionalidade quanto para a quantificação dos RCEs, que serão
calculadas justamente pela diferença entre emissões da linha de base e emissões verificadas
em decorrência dos projetos de MDL, incluindo as fugas (LOPES, 2002).
A análise da adicionalidade é feita por meio de um procedimento previsto e regulado
nos Acordos de Marrakech. Esse procedimento compõe-se de fases de validação-registro,
verificação-certificação e final obtenção das RCEs, que são, então, contabilizadas em contas
que cada país possui perante os órgãos criados no âmbito da CQNUMC.
Dessa forma, os proponentes de um projeto de MDL devem, primeiramente, elaborar
um documento de concepção do projeto, no qual conste a metodologia de análise da linha
de base. Essa metodologia deve ser previamente aprovada pelo Conselho Executivo, órgão criado no âmbito da CQNUMC com a principal atribuição de coordenar o processo
de cerificação de projetos de MDL.
Conforme previsto no parágrafo 48 dos Acordos de Marrakech, os participantes do
projeto devem adotar a abordagem que for considerada mais apropriada para a atividade
de projeto, tomando como base: (a) As emissões atuais ou históricas existentes, conforme
o caso; (b) As emissões de uma tecnologia que represente um curso economicamente
atrativo de ação, levando em conta as barreiras para o investimento; ou (c) A média das
emissões de atividades de projeto similares realizadas nos cinco anos anteriores, em circunstâncias sociais, econômicas, ambientais e tecnológicas similares, e cujo desempenho esteja
entre os primeiros 20 por cento de sua categoria.
234
Dada a dificuldade prática de se estabelecer metodologias de linha base suficientemente
coerentes e claras quanto ao cumprimento da adicionalidade, vivenciada nos primeiros
projetos submetidos ao Conselho Executivo, este órgão tem continuamente lançado notas
de esclarecimento, apontando formas e abordagens a serem utilizadas pelos proponentes
dos projetos. Merece destaque o esclarecimento feito no anexo 1 do relatório oriundo da
10a reunião do Conselho Executivo, realizada em agosto de 2003, o qual estabelece os
seguintes exemplos de ferramentas que podem ser usadas para demonstrar que a atividade
prevista no projeto de MDL é adicional (UNFCCC, 2004):
l
fluxograma ou série de questões que levam a estritas opções potenciais de linha de
base; e/ou
l
análise qualitativa ou quantitativa de diferentes opções potenciais e a indicação de
porque a opção diferente daquela do projeto é mais viável; e/ou
l
análise qualitativa ou quantitativa de uma ou mais barreiras enfrentadas pelo projeto
proposto; e/ou
l
indicação de que o projeto não é considerado uma prática comum (por exemplo, que
ocorre menos de x% em casos similares) na área de implementação do projeto, ou que
o projeto não faz parte de exigências legais.
No intuito de demonstrar o preenchimento do critério da adicionalidade e, tomando-se por
base os esclarecimentos feitos no âmbito do Conselho Executivo, os projetos aqui analisados
assentam-se em três principais aspectos: inexistência de legislação interna mandatória, requerimentos contratuais e análise econômico-financeira. Cada um desses aspectos será a seguir analisado.
2.1.1 Requerimentos legais e contratuais
As legislações federal e estaduais pertinentes prescrevem poucas normas respeitantes à
gestão dos resíduos sólidos domésticos, inexistindo previsão legal para coleta e queima do
gás de aterro, mas apenas a obrigação geral de prevenção da ocorrência de explosões e
incêndios (Cunha et. al., 2003). Desde meados da década de 90, projeto de lei sobre uma
Política Nacional de Resíduos Sólidos está em discussão no Congresso Nacional, sem quaisquer perspectivas de definição no curto e médio prazo.
Na ausência de requerimentos legais mandatórios, muitos municípios, nas suas atribuições legais de gestão dos resíduos sólidos municipais, impõem limites mínimos de captura
e destruição do metano por meio de cláusulas insertas nos contratos de concessão firmados com as empresas concessionárias. Mas mesmo tais requerimentos contratuais permanecem aquém da efetiva capacidade de coleta dos aterros.
Dessa forma, como proposto pelo projeto feito pela Vega da Bahia, os requerimentos contratuais,
ou seja, os limites mínimos de captura e destruição do metano, mostram-se alternativa para serem
usados como cenários de referência (linha de base) na estimativa das reduções de emissões propostas.
2.1.2 Barreiras ao investimento
Ao comparar os três projetos de MDL aqui analisados, apenas o proposto pela
NOVAGERAR afirma utilização do gás metano gerado para obter energia elétrica a ser vendida ao sistema interligado. Os outros dois, apesar de confirmarem o aproveitamento do gás para
geração elétrica, argumentam que esta terá como finalidade somente o suprimento interno.
235
Esta posição justifica-se, em parte, pela situação vivenciada atualmente no setor elétrico
brasileiro, caracterizada por grandes incertezas e riscos. Depois de uma séria crise que se
instaurou com o racionamento de energia ocorrido em 2001, este setor acaba por passar
por um processo de profunda reestruturação (MME, 2004), o que tem elevado as incertezas quanto à sua futura dinâmica.
Num tal cenário, a geração de eletricidade a partir de fontes renováveis, como o caso do
gás de aterro, enfrenta, além das dificuldades econômico-financeiras inerentes à implementação
das tecnologias, os riscos e incertezas do setor. Este fato corrobora a inviabilidade de
atividades de aproveitamento do gás de aterro para fins energéticos, ao menos, no que se
refere à possibilidade de venda da energia ao sistema interligado.
Por outro lado, o ponto mais importante a afetar a geração de eletricidade a partir do
gás de aterro refere-se a instituição do PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia), programa que visa ao fomento da obtenção de eletricidade para o
sistema interligado através de biomassa, eólicas e pequenas centrais hidrelétricas.
Dessa forma, levando-se em conta que a obtenção de energia a partir do gás de aterro
entra na categoria de biomassa, a instituição de um programa nacional de subsídio a tais
fontes de energia poderia significar, em termos de adicionalidade financeira, incentivo econômico a projetos que vislumbrassem tais atividades.
Contudo, considerando que esta fonte renovável irá competir com os resíduos da cana
de açúcar, do arroz e da madeira, mostra-se pouco provável que projetos de aproveitamento do gás de aterro serão amplamente beneficiados com os recursos do PROINFA.
Isso se justifica ao se vislumbrar que outros setores, como o de cana de açúcar, já estão mais
organizados e preparados para competir pelos subsídios do PROINFA.
A insuficiente regulação do setor de disposição final de resíduos sólidos domésticos
demonstra a negligência com que a questão é tratada no Brasil. As análises financeiras
realizadas nas metodologias de linha de base ilustram as incertezas e riscos inerentes ao
setor elétrico brasileiro.
Tais análises demonstram o importante papel que o MDL pode ter como potencial
fonte de investimento e melhoria da gestão dos resíduos sólidos domésticos no país, promovendo, ao mesmo tempo, ganhos de sustentabilidade.
2.2 Desenvolvimento sustentável
No intuito de analisar em que medida os projetos aqui analisados cumprem com o
requisito do desenvolvimento sustentável, este estudo tomou como base os critérios de
sustentabilidade previstos na Resolução n.1 de 01/12/2003, instituída pela Comissão
Interministerial de Mudança Global do Clima, órgão governamental brasileiro criado como
Autoridade Nacional Designada, nos termos dos Acordos de Marrakech. Segundo o Anexo III da Resolução n.1, para ser elegível como projeto de MDL no Brasil, a atividade deve
comprovar sua contribuição para os seguintes critérios de desenvolvimento sustentável:
a) contribuição para a sustentabilidade ambiental local:
De acordo com o Relatório Nacional de Saneamento Básico (IBGE, 2004), 76% dos
resíduos municipais gerados no Brasil são dispostos em lixões e apenas 13% em aterros
236
controlados (lugares onde o resíduo é disposto sem técnicas básicas de engenharia e gestão
ambiental). Os 10% restantes são dispostos em aterros sanitários que oferecem condições
mínimas de prevenção a danos ambientais.
A maior parte dos resíduos dispostos é composta de materiais orgânicos, o que leva a
um alto potencial de geração de chorume e emissão do metano. Estimativa realizada pelo
IPT/CEMPRE (2000) aponta que, para o Brasil, 50% dos resíduos sólidos domésticos são
formados por compostos orgânicos.
Além dos danos causados pelo agravamento do efeito estufa, a emissão de metano decorrente
da decomposição anaeróbica do resíduo pode representar riscos para o ambiente local quando
não controlado devidamente, podendo migrar lateralmente para áreas próximas ou mesmo emanar pela superfície, causando prejuízos à saúde humana e à vegetação, decorrentes da formação de
ozônio de baixa altitude ou da exposição a alguns constituintes do biogás que podem causar câncer
e outras doenças que atacam fígado, rins, pulmões e o sistema nervoso central (USEPA, 1991).
Outro problema, apontado por Braid (2004), refere-se à geração do chorume, líquido
resultante da decomposição da matéria orgânica presente no resíduo cuja composição
química apresenta elementos tóxicos e nocivos à saúde humana e ambiental. O tratamento
e disposição inadequados do chorume podem levar a que o líquido percole para os lençóis
freáticos, contaminando a água e o solo do entorno.
Dessa forma, a aplicação dos padrões exigidos no âmbito das normas da União Européia nos aterros considerados nos projetos de MDL em estudo pode levar à remediação
de possíveis impactos e à prevenção da ocorrência de mais danos ao meio ambiente local.
b) Contribuição ao desenvolvimento de condições de trabalho, para a criação líquida de emprego e para a
distribuição de renda
Nos últimos anos, o número de catadores de resíduo tem crescido no Brasil, particularmente
nos grandes centros urbanos, indicando degradação da qualidade de vida e aumento dos problemas sociais, como os relativos à distribuição de renda e criação de empregos (Streb, 2001). As
grandes cidades brasileiras apresentam 67% de catadores trabalhando nas ruas e 37% trabalhando e vivendo em lixões. De acordo com Firestone (2004), em média, 22% dessas pessoas têm
menos de 14 anos de idade. A maioria dos catadores trabalha em condições irregulares, sem
qualquer tipo de equipamentos de proteção e diretamente expostos a riscos.
A melhoria da condição dos aterros sanitários pode aliviar o número de pessoas morando
e vivendo do resíduo, incluindo crianças e adolescentes. Igualmente, a possibilidade de doação
de parte dos proveitos oriundos da venda dos RCEs à comunidade local pode levar a ganhos
de qualidade social, como auxílio e promoção de saúde e educação. Mesmo criando poucos
empregos diretos, as atividades dos projetos podem levar a novas formas de cooperação
entre os catadores e os administradores dos aterros, como criação de cooperativas de reciclagem.
c) Contribuição para treinamento e desenvolvimento tecnológico:
Os projetos de aproveitamento do metano gerado a partir da decomposição do resíduo em aterros dependem das condições técnicas de operação do aterro. No Brasil, observa-se que a maioria dos locais de disposição de resíduo possui controle ambiental inadequado e coleta ineficiente do metano gerado. Nesses casos, são necessários investimentos
na melhoria das instalações para que um projeto seja viável tecnicamente.
237
Segundo estudo realizado a pedido do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil possuía, em
2002, um potencial de 300 a 400 MW através do aproveitamento do biogás de aterro sanitário das
regiões metropolitanas. Foram levantados cerca de 110 municípios com mais de 300 mil habitantes, cujos aterros oferecem condições para a produção de eletricidade (RECICLÁVEIS, 2002).
Em outro estudo (IETEC, 2004) é apresentado um levantamento realizado em 37 aterros brasileiros que atendem cerca de 46,4 milhões de habitantes. O aproveitamento do
metano gerado nestes aterros seria capaz de gerar energia elétrica em 2005 com potência
total entre 278 e 344 MW, chegando em 2015 a potenciais entre 356 e 441 MW.
Esses levantamentos diferem devido às metodologias utilizadas e os parâmetros adotados,
mas indicam que o potencial a ser explorado não é desprezível, sendo, portanto esta uma
fonte de energia que poderia trazer benefícios locais, com a adequação ambiental dos
aterros, e globais, com a redução de emissão de gases de efeito estufa tanto no controle do
metano gerado como na substituição de fontes de energia fóssil.
3 CONCLUSÃO
A ausência de sistemas eficientes de coleta e destruição do metano no Brasil eleva as
emissões de gases precursores de efeito estufa, contribuindo também para a poluição local.
Dados a inexistência de arcabouço legal mandatório pertinente, bem como a falta de incentivos econômicos para a melhoria das condições da disposição e gestão dos resíduos sólidos no Brasil, essa situação tende a continuar, levando a maiores danos ambientais.
A implementação de projetos de aumento da eficiência do sistema de coleta e destruição
do gás metano por meio do MDL pode levar a melhores condições sanitárias e ambientais
dos aterros, promovendo melhoria da qualidade ambiental e social do entorno.
Tais contribuições levam a ganhos em desenvolvimento sustentável ao mesmo tempo
em que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas, através da redução de emissões dos gases precursores de efeito estufa.
REFERÊNCIAS
CUNHA, Kamyla Borges da; STREB, Cleci Schalemberger; BUZZO Elder Arnaldo; e, TEIXEIRA, Eglé Novaes. Resíduos
Sólidos: Legislação como Instrumento para Minimização. III Seminário de Economia do Meio Ambiente: Regulação Estatal
e Auto-Regulação Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Campinas, São Paulo, 13 e 14 de maio 2003. CD-Rom.
FIRESTONE, Laurel. Trash Scavengers in Brazil. Available at http://blogs.law.harvard.edu/lixo/stories/storyReader$7.
Accessed in April 20th, 2004.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico. Available at: http:/
/www.ibge.gov.br. Accessed in April 5th, 2004.
IPT/CEMPRE Lixo Municipal: manual de gerenciamento integrado. D’Almeida Maria Luiza O. e Vilhena, André.
(coord.) São Paulo: IPT/CEMPRE, 2000.
STREB, Cleci Schalemberger. A coleta informal de lixo no município de Campinas – SP: uma análise na perspectiva
das questões energéticas e da qualidade de vida. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em
Planejamento de Sistemas Energéticos, FEM-UNICAMP, 2001.
UNFCCC – UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE - CLEAN
DEVELOPMENT MECHANISM - CDM. Methodologies. Available at: http://cdm.unfccc.int/methodologies/
process?cases=ª Accessed in April 20th, 2004.
UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Air Emissions from Municipal Solid
Waste Landfills – Background Information for Proposed Standards and Guidelines. Emission Standards Division.
March 1991. EPA-450/3-90.
UNITED STATES ENVIRONMENT PROTECTION AGENGY (USEPA). Emerging technologies for the management
and utilization of landfill gas. Office of Research and Development. January, 1998. EPA 68-D30035.
238
ESTIMATIVA DOS COEFICIENTES DE
EMISSÃO DE CARBONO PARA O
CARVÃO MINERAL BRASILEIRO
Marçal Pires*
RESUMO
Fatores de emissão em base mássica e energética foram estimados para 95 carvões
minerais brasileiros. Os fatores de emissão em base mássica (CEFM) apresentaram maior
variabilidade e uma média de 1.475 kg CO2 por tonelada de carvão (base seca), valor
menor que o reportado para outros carvões no mundo. Os fatores em base energética
(CEFE) apresentaram valores médios de 26,15 tC TJ-1 (poder calorífico inferior, PCI) e
25,11 tC TJ-1 (poder calorífico superior, PCS) com baixa variabilidade e valores semelhantes aos CEF de carvões subetuminosos do mundo. Esses resultados indicam que o uso de
coeficientes de emissões globais, baseados no rank ou localizações geográficas, pode aumentar a incerteza no cálculo de inventários de emissão de CO2 pelo uso do carvão.
1. INTRODUÇÃO
Os diferentes usos do carvão mineral o tornam a principal fonte de emissão de carbono
à atmosfera, contribuindo com cerca de 35% das emissões antropogênicas globais (EIA
2000). Essa contribuição deve se tornar ainda maior devido ao aumento do consumo
previsto para as próximas décadas, sobretudo nos países em desenvolvimento (IEA, 1993).
As estimativas de emissão de dióxido de carbono pela queima de carvão são normalmente feitas a partir de Fatores de Emissão de Carbono (Carbon Emission Factors CEF). Esses CEFs são expressos via de regra pela relação entre a quantidade de CO2 ou C
emitida por unidade de massa de carvão queimado ou quantidade de energia utilizada ou
gerada por essa queima. Além da variedade de definições os CEF também são expressos
utilizando diferentes unidades de massa (gramas, kilogramas, toneladas) e energia
(megacalorias, terajoules, milhão de BTU, etc...). A inexistência de expressões e unidades de
referências pode causar confusão e erros no uso e na interpretação dos CEF.
Eng. Químico, Prof. Dr., Faculdade de Química, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga
6681, Predio 12B, 90619-900 Porto Alegre – RS, - Tel.: 51-332-3549, Fax: 51-332-3612, e-mail: [email protected]
239
O fator de emissão de carbono baseado na quantidade de CO2 emitida por unidade de
combustível consumido (CEFM) não é suficiente para avaliar e comparar resultados com
outros tipos de combustíveis e/ou fontes de energia. Nestes casos prefere-se utilizar CEFs
baseados na quantidade de carbono emitida por unidade de calor fornecida pelo carvão
queimado (CEFE). O calor fornecido é estimado através do poder calorífico superior
(PCS) ou inferior (PCI) do carvão em questão.
Segundo Houghton, et al (1997), para os inventários nacionais da emissão de Gases a
Efeito Estufa as quantidades de combustíveis fósseis devem ser expressas em unidades de
energia (terajoules - TJ, tonelada equivalente de petróleo -TEP, etc). Deve-se utilizar o poder calorífico inferior (PCI) do combustível em questão, por que esse valor corresponde
aos processos de troca térmica que efetivamente ocorrem durante a combustão. Quando
somente o Poder Calorífico Superior estiver disponível o IPCC recomenda utilizar um
fator de correção de 95% para combustíveis sólidos como o carvão (PCI = 0,95 x PCS).
Os principais parâmetros de caracterização do carvão necessários para estimar a emissão de CO2 durante a combustão são os teores de carbono e hidrogênio, e o poder calorífico.
Com exceção do poder calorífico, os demais parâmetros não são determinados de forma
rotineira para os carvões brasileiros, existindo um número muito pequeno de carvões para
os quais todos os parâmetros foram analisados simultaneamente. Entretanto, esses dados
são indispensáveis para uma caracterização mais detalhada dos carvões brasileiros.
O objetivo desse trabalho é estimar os Fatores de Emissão de Carbono para os principais carvões brasileiros utilizados em processos de combustão no país, expressando-os
tanto em base mássica como em base energética. Para tanto são utilizados dados de literatura sobre a caracterização desses carvões, incluindo além das análises imediata e elementar,
e o poder calorífico superior e inferior. Para várias amostras alguns desses parâmetros
tiveram também que ser estimados, a partir dos dados experimentais disponíveis, e a
aplicabilidade e os erros associados a estas estimativas são também discutidos. Finalmente
são apresentadas fórmulas para estimar os CEFs a partir de dados de qualidade dos carvões e os resultados obtidos são comparados com os valores internacionais.
2. Metodologia
2.1. Dados de Literatura
Foram examinados dados referentes a 95 amostras de carvões brasileiros analisadas
em diferentes estudos (Lau, 1971 ; Correa da Silva, 1980; CIENTEC , 1980; Pires, 1990;
DNPM , 1994; CGTEE, 1996; GERASUL, 1999; Dill, 2001). Os carvões brasileiros são
caracterizados pelo alto teor de cinzas e baixos teor de enxofre e poder calorífico, sendo
a maioria betuminosos alto voláteis ou subetuminosos segundo classificação americana
(ASTM D388-95, 1990). Cabe salientar as dificuldades normalmente encontradas para a
classificação desses carvões pelos padrões internacionais, em função das características
geoquímicas específicas (Correa da Silva, 1980; DNPM, 1994).
Na tabela 1 é mostrado um resumo das amostras de carvões estudados quanto à origem (estado, mina e camada de procedência) e tipo (beneficiado, ROM e furos de sondagem). Setenta e oito por cento das amostras é provenientes do estado do Rio Grande do
Sul (RS), 19% de Santa Catarina (SC) e o restante 3% do Paraná. Essa distribuição corresponde
240
de certa forma as reservas e a produção de carvão de cada estado. Carvões beneficiados e
ROM correspondem a 36 e 40% do total, respectivamente. Somente 9% das amostras não
puderam ser classificadas quanto ao tipo, enquanto que as 14 amostras restantes (15%) são
provenientes de furos de sondagem. Os carvões das minas de Candiota (n=19), Leão
(n=19) e Seival (n=6) no RS foram os mais analisados. A maioria das amostras de Candiota
corresponde ao run-of-mine (ROM) e aos furos de sondagens, fato esperado uma vez que
esse carvão é comercializado sem sofrer nenhum processo de beneficiamento. Por outro
lado nos dados das minas de Leão e Seival predominam os carvões beneficiados.
No calculo dos CEF foram utilizados dados das análises imediata e dos poder calorífico
superior (PCS) e inferior (PCI) para os 95 carvões brasileiros (não mostrado). Infelizmente para
somente 29 amostras são conhecidos todos os parâmetros citados. O teor de carbono elementar e o PCI são os menos freqüentemente. Entretanto esses parâmetros são indispensáveis para
o cálculo dos CEFs e deverão ser estão estimados através dos dados experimentais disponíveis.
2.2. Estimativa dos parâmetros de caracterização
As diversas correlações obtidas com os dados de caracterização de literatura são mostrados nas Figuras 1 a 3. Como esperado boas correlações lineares (R2 >0,98) foram obtidas para todos os parâmetros testados. A estimativa do PCS a partir dos teores de cinza e
de carbono fixo pode ser feita numa ampla faixa de valores com boa precisão (fig. 1).
Tabela 1 – Sumários dos dados referente a origem geográfica e tipo dos carvões estudados
)XURV 1mR
(V WDGR
%HQHILFLDGRV 52 0
6 RQ GDJHP
LGHQ WLILFDGRV 7RWDO
RS
21
29
12
13
SC
6
4
2
5
PR
2
0
0
1
Total
29
33
14
19
Por outro lado, o cálculo do teor de carbono elementar, a partir dos teores de cinzas e
de carbono fixo (fig.2), deve ser vista com precaução devido ao pequeno número de
amostras (n=11), a dispersão dos valores e a ampla faixa de valores para a qual não existem
dados experimentais (40 a 70% C). Já a estimativa desse parâmetro a partir do PCS tem
maior precisão numa faixa mais ampla de valores (20 a 80%), sendo a correlação preferencialmente utilizada na estimativa do teor de carbono nos cálculos posteriores.
Uma excelente correlação (R2 = 0,9999) foi obtida entre o PCS e o PCI (fig.3) numa faixa
relativamente ampla de valores (PCS entre 8 a 35 MJ kg-1). Através da comparação entre os valores
de PCI e PCS calculou-se um valor médio para a razão PCI/PCS = 0,96±0,01. Esse resultado é
levemente superior ao indicado pelo IPCC (0,95) porém valor idêntico (0,96±0,01) foi obtidos
através dados obtidos por Nahyus (1967) para outras 38 amostras de carvões brasileiros, não
avaliadas nesse trabalho. carvão analisado. Portanto, a utilização do coeficiente proposto pelo IPCC
subestima o valor de PCI para a maioria dos carvões brasileiros estudados.
241
Figura 1 – Relações entre Poder calorífico superior (MJ kg-1 base seca) e os teores de
cinzas e de carbono fixo, ambos expressos em base seca
Carbono elementar(%, bs)
100
♦CF
y = 1,27.x + 1,64
R2 = 0,9928, n = 11
PCS
y = 2,29x + 3,29
R2 = 0,9964, n=29
80
60
40
o Cinzas
y = -0,97. x + 85,03
R2 = 0,9967, n = 11
20
0
5
15
25
35
45
Teor de cinzas ou carbono fixo (%, bs) e
Poder calorífico superior (MJ kg-1, bs)
55
65
Poder calorífico inferior (MJ kg-1,bs)
Figura 2 – Relações entre o teor de carbono elementar e os conteúdos em cinzas,
carbono fixo e poder calorífico superior, todos os parâmetros em base seca
30
y = 0,9714x – 0,1458
R2 = 0,9999, n =
29
20
10
0
5
10
15
20
25
Poder calorífico superior (MJ kg-1, bs)
30
Poder calorífico inferior (MJ kg-1,bs)
Figura 3 – Relação entre os poderes caloríficos superior e inferior para os carvões estudados
30
y = 0,9714x – 0,1458
R2 = 0,9999, n =
29
20
10
0
5
10
15
20
25
Poder calorífico superior (MJ kg-1, bs)
242
30
As regressões lineares obtidas anteriormente foram utilizadas para estimar os parâmetros não
disponíveis para as amostras estudadas. Os resultados dessas estimativas bem como os Coeficientes de emissão de carbono calculados a partir deles serão discutidos na seção resultados.
2.3. Fatores de emissão
Os parâmetros de qualidade do carvão necessários para o cálculo direto dos Fatores de
emissão de carbono dependem da forma de expressão desse resultado e de inclusão ou
não da contribuição do carbono inorgânico. O cálculo generalizado do CEF mássico pode
ser feito pela seguinte expressão:
&()0 ,D = [10.&2D .3,664] + [10.&, D ]
(1)
onde CEFM é expresso em kilograma de CO2 gerado por tonelada de carvão queimado,
CO é o teor de carbono elementar (wt%) do carvão, CI o teor de carbonatos (% CO2) e
o número 3,664 é o fator gravimétrico que transforma toneladas de carbono em toneladas
de CO2 (44/12). O sub-índice a representa a base na qual esses parâmetros estão expressos:
úmida (bu), seca (bs) ou seca isenta de cinzas (bsic), úmida isenta de matéria mineral (u,
imm), etc. O cálculo do CEF energético pode ser feitos pela seguinte expressão:
&()( ,E = [10.&2]+ [10.&,.0,273]
&9E
(2)
onde CEFE, b é expresso em toneladas emitidas de carbono por Terajoule de carvão
queimado, CV é o poder calorífico do carvão, o número 0,273 é fator gravimétrico que
transforma toneladas CO2 em toneladas de carbono (12/44), o sub-índice b indica se o
poder calorífico inferior (net) ou superior (gross) é utilizado. Nesse caso não há necessidade
de se conhecer o teor de umidade ou cinzas da amostra, basta que os teores de carbono e
o poder calorífico estejam na mesma base. Quando o teor de carbonatos não for conhecido o termo CI nas equações 1 e 2 é zerado.
3. Resultados
Foram obtidos CEFM (base mássica) médios de 1.475 e 2.707 kg CO2/t coal, calculados
em base seca (bs) e base seca isenta de cinzas (bsic), respectivamente. A grande diferença
entre esses valores é devido ao alto teor de cinzas da maioria das amostras (76% com
Cinzas > 40%). Outro aspecto importante é a maior variação dos CEF expressos em base
seca comparados aos CEF expresso em base seca isenta de cinzas, indicados pelos desvios
padrão de 29 e 7%, respectivamente.
Os CEFE (base energética) por sua vez apresentaram médias de 26,15 e 25,11 tC TJ-1,
quando expressos utilizando o poder calorífico inferior e superior, respectivamente. Ambos coeficientes apresentam o mesmo desvio percentual (3%) devido, provavelmente a
relação linear existente entre o PCI e o PCS. A maior variabilidade dos CEFM, comparada
aos CEFE, pode estar relacionada ao cálculo desses coeficientes. Os CEFE são obtidos via
divisão dos CEFM pelos CVs e assim alguns erros, baseados em aproximações, podem se
cancelar pela operação aritmética. Ozdogan (1998) observou o mesmo comportamento
entre os CEF para os carvões turcos.
243
3.1. Carvões energéticos
Os carvões energéticos brasileiros são comercializados conforme especificações do teor
mínimo do poder calorífico superior (bs), sendo inclusive denominados por esse parâmetro.
Na Tabela 2 encontram-se listados valores médios de CEFs, obtidos nesse trabalho para as
21 amostras identificadas como carvão energético.
Como esperado, os carvões de maior poder calorífico apresentaram maiores CEF
em base mássica com valores variando entre 1.266 a 2.258 kgCO2/t coal para o CE3100
e CE6000, respectivamente. Comportamento inverso foi observado nos CEF base
energética (24,22 a 25,32 tC/TJ expresso em PCI) o que vem confirmar a melhor
adequação desse fator nas comparações entre carvões de diferentes qualidades. Observa-se uma baixa variabilidade nos valores nos coeficientes de emissão individuais (0,2
a 0,9% CEFE), calculados para os diferentes carvões energéticos. Dessa forma o uso
desses coeficientes genéricos podem ser recomendados, quando não se conhece dados
mais específicos de qualidade do carvão.
Tabela 2 – Fator de emissão de carbono médios para os principais carvões energéticos brasilieros
7LSR
(VSHFLILFDo}HV 3&6 &LQ]DV NFDONJ Q
%DVHPiVVLFD
%DVHHQHUJpWLFD
NJ&2SRUWFRDO
W&7-
3&6
3&,
PpGLD Pi[ PLQ PpGLD Pi[ PLQ
CE3100
2.950
57
4
1.266
1.395
1.220
26,37
25,32
25,44
24,97
CE3300
3.150
54
2
1.380
1.413
1.346
26,11
25,07
25,18
24,95
CE3700
3.700
47
2
1.334
1.409
1.259
26,27
25,22
25,35
25,08
CE4200
4.200
40
4
1.669
1.758
1.616
25,76
24,73
24,78
24,67
CE4500
4.500
43
3
1.726
1.732
1.722
25,68
24,65
24,65
24,64
CE4700
4.700
35
3
1.817
1.854
1.792
25,61
24,59
24,61
24,57
CE5200
5.200
35
1
1.968
25,44
24,42
CE6000
5.700
25
2
2.258
25,23
24,22
24,23
24,21
2.267
2.250
1 – Menor poder calorífico superior (PCS) e máximo teor de cinzas admissíveis para os carvões energéticos (Muller,
1987), 2 – Número de amostras analisadas para cada tipo de carvão, 3– Calculado utilizando o poder calorífico
superior (PCS) ou inferior (PCI). Todos os dados estão expressos em base seca
3.2. Comparação com a literatura
Na Tabela 3 são citados CEF, em base mássica e energética, obtidos para carvões de
diferentes regiões e países do mundo. Pode-se constatar que o CEFM dos carvões brasileiros é inferior ao reportado para outros carvões, o que reflete os teores mais baixos de
carbono dos primeiros. Verifica-se também que o CEFE médio para os carvões brasileiros
(26,2 tC/TJ) é semelhante aos de carvões sub-betuminous do resto do mundo. Entretanto,
vários carvões brasileiros são classificados como betuminosos (Correa, 1980; DNPM, 1994
), para os quais espera-se valores menores de CEFs.
244
Com o objetivo de verificar a influência do rank nos CEF os carvões brasileiros foram
classificados segundo a norma ASTM. Dos 45 carvões que apresentavam os dados analíticos necessários (teores de cinzas e umidade, poder calorífico superior) para essa classificação, 20 foram classificados como subetuminosos e apresentaram um CEFE de 26,4 tC TJ1
, os demais foram classificados como betuminosos com CEFE médio de 25,7 tC TJ-1.
Esses valores encontram-se dentro da faixa de valores observada para os CEF médios
de carvões subetuminosos (26,2 a 28,1 tC TJ-1) e bituminosos (25,5 a 27,8 tC TJ-1) do resto
do mundo, porém mais próximos dos menores valores. Esse fato indica uma menor contribuição relativa do carvão brasileiros às emissões de CO2 à atmosfera.
Os inventários de emissão de carbono feitos no Brasil (Rosa et al., 2000; SÃO PAULO,
1997, ECEN, ) não tem levado em conta as especificidades do carvão nacional. Em geral
tem-se utilizando o CEF genérico (25,8 tC MJ-1) recomendado pelo IPCC para carvões
betuminosos, que subestima a contribuição da maioria dos carvões nergéticos brasileiros.
Tabela 3 – Fatores de emissão de carbono (CEF) calculados para carvões de diferentes
país e regiões do mundo
$UHD
SDtV
7LSRGRFDUYmR
%DVHPiVVLFD
%DVHHQHUJpWLFD
NJ&2SRUWFDUYmR 7&7- 5HI
EV
3&, *DPD Mundo
Subetuminosos
Betuminoso
26,2
25,8
Europa
Carvão vapor
Subetuminosos
25,9
28,1
Turquia
EUA
Todos
Subetuminosos
Betuminoso
Todos
2.000
1.858
2.466
2.628
Subetuminosos
Brasil
Betuminoso
Todos
Subetuminosos
Betuminoso
1.475
1.268
1.714
1
25,1-26,7
24,8-31,4
25,4
26,8
27,8
25,4
22,3-28,4
26,5
25,5-27,4
25,5
26,2
26,4a
25,7 a
24,8-26,2
24,3-28,2
2
3
4
5
Este
trabalho
A – valores médios calculados para amostras de carvões brasileiros classificados preliminarmente como subetuminosos
(n=20) e betuminosos (n=25). Referências: 1 – Houghton (1997); 2 - European Environment Agency (1999); 3 –
Ozdogan (1998); 4 – Hong and Slatick (1994) and DOE/EPA (2002); 5 - Quick, J.C. and Glick (2000).
245
4. Conclusão
Fatores de emissão em base mássica e energética foram estimados para noventa e cinco
amostras de carvões minerais brasileiros das principais minas do país. Para várias amostras
alguns parâmetros de qualidade, como o teor de carbono elementar e o poder calorífico,
tiveram que ser estimados a partir dos dados experimentais disponíveis, utilizando regressões lineares desenvolvidas nesse estudo.
Os fatores de emissão em base mássica (CEFM), calculados a partir parâmetros de qualidade dos carvões, apresentaram maior variabilidade com uma média de 1.475 kg CO2
por tonelada de carvão (base seca), valor menor que o reportado para outros carvões
estrangeiros. Os fatores em base energética (CEFE) apresentaram valores médios de 26,15
tC TJ-1, expresso tomando como base o poder calorífico inferior e 25,11 tC TJ-1 (poder
calorífico superior) com baixa variabilidade e valores semelhantes aos CEF de carvões
subetuminosos no resto do mundo.
Esses resultados indicam que o uso de coeficientes de emissões globais, baseados no
rank ou regiões geográficas, no cálculo de inventários de gases a efeito estufa podem gerar
erros consideráveis. Quando os dados de qualidade do carvão não estiverem disponíveis,
sugere-se o uso de CEF para os carvão energéticos brasileiros, estimados nesse trabalho.
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247
MITIGAÇÃO DA EMISSÃO DE GASES
DE EFEITO ESTUFA DA ENTRADA
DE NOVAS UTES NO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO*
Joyce Maria Guimarães Monteiro1
Luciano Basto Oliveira2
RESUMO
O presente trabalho propõe e avalia alternativas de mitigação para os gases de efeito
estufa decorrentes das novas Usinas Termelétricas no Estado do Rio de Janeiro. As alternativas em foco são o reflorestamento com espécies nativas da mata Atlântica, reflorestamento para produção de carvão Vegetal de Eucalipto, plantio de oleaginosas para produção de
biodiesel, e aproveitamento energético do lixo urbano. São avaliados o potencial de mitigação
de cada alternativa e o custo deste abatimento.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é propor e avaliar alternativas, técnica e economicamente
viáveis, de mitigação das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) oriunda da entrada
em operação de Usinas Termelétricas (UTEs) no Estado do Rio de Janeiro. As alternativas
analisadas são o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica, o plantio de florestas energéticas
(Eucalipto), o plantio de oleaginosas e o aproveitamento energético de lixo urbano.
As emissões de GEE decorrentes da entrada de UTEs no Estado do Rio de Janeiro são
estimadas empregando a metodologia do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC), em suas Diretrizes para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa (IPCC,
1996). Utilizou-se, especificamente, para esse fim, a metodologia Top-Down”, na qual são
considerados os dados de produção, transformação e consumo de energia primária para
geração de energia elétrica através de UTEs.
*
“O Estudo para Estabelecimento de Políticas de Compensação de Emissões de Gases do Efeito Estufa do Rio de Janeiro
foi executado com recursos advindos da UTE NORTE FLUMINENSE, por meio do Convênio firmado com o Governo
do Estado do Rio de Janeiro, em cumprimento à Resolução CONAMA nº 02/96, ao artigo 30, § 1º da Lei 9.985/2000 e ao
item 19.8 das Restrições contidas na Licença de Instalação nº 305/2001. (SEMADUR Proc. Adm. E-07/500.011/02”
1
Doutorando em Planejamento Ambiental no PPE/COPPE e Pesquisadora do LIMA/COPPE
2
Doutorando em Planejamento Energético no PPE/COPPE e Pesquisador do IVIG/COPPE
248
Como uma parte das alternativas a serem analisadas refere-se ao plantio de espécies
vegetais, seja o reflorestamento com espécies nativas da Mata Atlântica ou o cultivo com
fins energéticos, faz-se necessário identificar qual parcela da área do estado do Rio de
Janeiro está disponível para tal fim.
Para o aproveitamento de lixo, na contabilização de redução das emissões de metano
através do seu aproveitamento na geração de energia, são analisados quatro processos:
BEM (processo de pré-hidrólise ácida), Incineração, GDL (gás de lixo) e Dranco (dry
anaerobic composting – compostagem seca anaeróbia).
Geração de energia elétrica
As emissões da geração de energia elétrica do Estado do Rio de Janeiro são representadas pelas usinas termelétricas que passaram a ganhar força na expansão do setor, em
virtude da adequação aos interesses de menor investimento e menor prazo de instalação
necessários para a construção de uma usina termelétrica em relação a outras formas de
geração de energia. O gás natural é o principal combustível a ser utilizado para o funcionamento das usinas termelétricas instaladas, em reforma e em implantação no Estado do
Rio de Janeiro. Como todos os combustíveis fósseis, o gás natural emite poluentes para
a atmosfera, entre eles o CO2 e o CH4. Tais emissões têm origem na descarga de material
particulado e gases resultantes da queima de combustível, além das emissões fugitivas do
transporte e utilização do combustível.
O cálculo das emissões de CO2 e CH4 das termelétricas foi efetuado a partir do levantamento das Usinas Termelétricas em operação, licenciamento, reforma e ampliação. As
emissões de CO2 foram calculadas com base na potência instalada, fator de capacidade,
combustível utilizado, coeficiente de emissão de carbono por fontes e nos fatores de conversão de unidades volumétricas para unidades energéticas.
Para o cálculo das emissões de GEE decorrentes da implantação de termelétricas
para geração de energia elétrica considerou-se o intervalo de fator de capacidade mínimo de 0,3 e máximo de 0,8. No caso da utilização de gás natural, principal combustível a ser utilizado para o funcionamento das usinas termelétricas instaladas, em reforma e em implantação no Estado do Rio de Janeiro, considerou-se que a densidade
média do gás natural é equivalente a 0,716 kg/m3, que a concentração média de CH4
no gás natural é equivalente a 90% e, ainda, que há conversão do metano para dióxido
de carbono durante a combustão, valor obtido através do cálculo estequiométrico
(multiplicando por 44 e dividindo por 16).
No ano de 2000, somente três usinas estavam em funcionamento no Estado: a CTE-CSN,
a UTE Santa Cruz e a UTE Campos. A potência total instalada das três usinas termelétricas
em operação no Estado do Rio de Janeiro em dezembro de 2000 era de 865 MW. A CTE
CSN de 235 MW cujo combustível era um mix de gases (gás de alto forno, gás de coqueria,
gás de aciaria e gás natural), a UTE Santa Cruz de 600 MW utilizando óleo B1, diesel e gás
natural e a UTE Campos de 30 MW utilizando gás natural como combustível.
A emissão das usinas em funcionamento no ano 2000 era de 2,16 Mt CO2/ano. No que
se refere às emissões fugitivas de gás natural, utilizando um percentual de 4,5% (La Rovere,
2000), chega-se a um valor total de 36 kt CH4.
249
No ano de 2002, a CTE CSN, aumentou o aproveitamento dos gases do processo
industrial, reduzindo a emissão, conseqüentemente a emissão do conjunto das unidades
termelétricas em funcionamento reduziu para 1,59 Mt CO2/ano. Porém, considerando-se
que neste ano houve a entrada em operação das duas unidades já licenciadas, a UTE
Eletrobolt e Macaé Merchant, ambas utilizando gás natural, a potencia total instalada passou para 2090 MW, o consumo de gás natural passou para 2,4 bilhões de m3 por ano e as
emissões anuais aumentaram entre 1,28 e 3,42 M t CO2, atingindo a quantidade de 2,87 a
5,01 Mt CO2 /ano.
A potência total a ser gerada pelo conjunto das usinas em fase de projeto no Estado do
Rio de Janeiro no ano 2000 era estimada em 6.068 MW, a partir de 2005. O consumo de
gás seria da ordem de 7,8 bilhões de m3 por ano.
A emissão de CO2 proveniente da UTE prevista para funcionar com a queima de carvão mineral foi estimada considerando-se os diferentes tipos de carvão mineral, cujo poder calorífico varia entre 4.500 a 5.200 kcal por kg e o coeficiente de emissão do carvão
mineral. Essas emissões foram calculadas entre 6,9 e 7,9 Mt CO2 por ano.
Considerando-se todos os empreendimentos funcionando a plena carga, a entrada em
operação dessas UTEs totalizaria a emissão estimada na faixa de 11,05 a 18,97 MtCO2/
ano, dependendo do fator de capacidade.
Além da construção de novas termelétricas, havia três usinas térmicas de Furnas em fase de
licenciamento ambiental para ampliação ou reforma. A potência total pelo conjunto das usinas
termelétricas em reforma ou ampliação no Estado do Rio de Janeiro a partir de 2004 é de 800
MW. Considerando-se todos estes empreendimentos funcionando a plena carga, o consumo de
gás natural é estimado em cerca de 1,7 bilhões de m3 por ano e as emissões atingiriam a quantidade na faixa de 1,41 a 2,53 Mt CO2/ano dependendo do fator de capacidade .
Calcula-se que a capacidade instalada no setor termelétrico do Estado do Rio de Janeiro,
como prevista no ano 2000 seria de 8.958 MW a partir de 2005. As emissões do setor
poderiam atingir a faixa de 14,81 a 27,14 Mt CO2 por ano, quando todos os empreendimentos estivessem em funcionamento e considerando as emissões da UTEs que já estavam
em funcionamento no ano 2000.
Com relação às emissões fugitivas do gás natural a ser consumido pelas novas usinas
termelétricas, estas devem ficar em torno de 3% a 4,5%, patamar internacional do setor.
Caso isto se confirme, as emissões fugitivas das novas usinas termelétricas ficarão entre 85
kt CH4 por ano e 229 kt CH4 por ano.
Área disponível para plantio
A área apta a ser reflorestada seria igual à área desmatada no período de 1990 a 2000
(SOS Mata Atlântica/INPE/ISA, 1998, 2001). Cerca de 28.000 ha de florestas foram
suprimidas no Estado do Rio de Janeiro no período de 1990 a 2000, o que corresponde a
um total de 280.000 ha (2.800 km2) em 10 anos.
Uma vez que nem toda a área desmatada estaria disponível ao plantio, devendo-se inclusive
considerar a dinâmica de recuperação dessas áreas desmatadas, pode-se supor que no mínimo
40% da área total desmatada no Estado nos últimos dez anos (cerca de 1.120 km2 ou 112.000
250
ha) poderiam ser disponibilizados para os plantios propostos (reflorestamento com espécies nativas, Eucalipto e espécies oleaginosas). Assim, metade da área estimada como disponível foi destinada ao florestamento com espécies nativas, ou seja 56.000 ha. Da outra metade da área, 50% foi
destinada ao plantio de Eucalipto (28.000 ha) e 50% ao plantio de oleaginosas (28.000 ha).
Plantio de Espécies Nativas para estoque de carbono
Assumiu-se que a ocupação da área total necessária para o plantio de espécies nativas da
Mata Atlântica ocorre ao longo de 9 anos a partir do início de implantação do projeto (ano 0).
O período de análise considerado foi de 30 anos.
Considerando o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica em uma área de 56.000 ha
(560 km2) com um incremento médio de 4 t ms/ha/ano (2tC/ha/ano), pode-se estimar
que, ao final de 30 anos, a floresta implantada tenha um estoque bruto de cerca de 2,9 Mt C,
correspondente a 10,6 Mt CO2. O estoque de carbono da regeneração natural dessa área
deveria ser descontado do estoque bruto de carbono pelo plantio de espécies nativas, para o
cálculo de estoque líquido de carbono. Assim, caso assuma-se que pela regeneração natural da
área haveria um incremento médio de 2,5 tms/ha/ano (1,5 tC/ha/ano) haveria ao final de 30
anos um estoque de cerca de 1,8 Mt C (4,6 MtCO2) e um estoque líquido de cerca de 4
MtCO2 pelo plantio de espécies nativas em 56.000 ha em um período de 30 anos.
Os gastos necessários para a recuperação da floresta podem ser estimados com base em
um projeto de recuperação específico. Porém, no caso desse trabalho, será considerado
apenas um valor de referência, provavelmente otimista, como se toda a área desmatada de
Mata Atlântica estivesse em condições ideais para receber o plantio de mudas, sem considerar a aquisição de terra e sem entrar no mérito das características físicas, químicas, de relevo
e de solo, que demandariam projetos específicos.
O custo de reflorestamento poderia estar na faixa de US$ 1.000 a U$ 2.000 por hectare (cerca de
R$ 3.000,00 a R$6.000 na taxa R$3,00/U$), incluindo o preço das mudas, plantio e tratos culturais.
Conclui-se, que ao final de 30 anos haveria uma área plantada de 56.000 ha (560 km2),
com estoque líquido de cerca de 4,0 Mt CO2, a um custo equivalente entre 56 a 112 milhões
de dólares, considerando os valores atuais, sem aplicar nenhuma taxa de desconto para
valores presentes, o que significaria um custo de abatimento de U$ 13,97 a U$ 27,94 por
tonelada adicional de CO2 estocado.
Plantio de Eucalipto e a Produção de Carvão Vegetal (CV)
Para a região Sudeste do Brasil é razoável considerar a formação de florestas de Eucalipto
com o plantio de cerca de 1.660 árvores por hectare, com espaçamento médio entre as
mudas de 3 x 2 metros, uma perda média de 300 árvores por hectare no primeiro ano e
um ciclo de corte de 7 anos (Simões, 1989; Pinaud, 1997; Couto & Dubé, 2001).
Neste trabalho, foi adotado o valor de 25 t CV por ha de Eucalipto colhido (7, 14 e 21
anos), correspondendo a uma produção de cerca de 3,5 t/ha/ano de carvão vegetal, o que
corresponde à faixa de produtividade citada por MEDEIROS (1993).
A análise das emissões evitadas pelo uso de carvão vegetal em substituição aos combustíveis fósseis selecionados foi realizada a partir da produção de carvão vegetal oriunda do
plantio de Eucalipto em 28.000 hectares (280 Km2). Essa área seria totalmente plantada em
251
9 anos, ou seja, a cada ano seria plantada uma área de cerca de 3.100 hectares. A colheita
ocorreria até 30 anos após o plantio inicial (ano 30), com três cortes rasos no ano 7, ano 14
e ano 21 e o replantio da área que já teria sofrido os três cortes, dentro dos 30 anos
previstos para análise. Assim, desses replantios somente seriam incluídas nos cálculos as
colheitas do primeiro corte, haja vista esse primeiro corte ocorrer nos anos 28, 29 e 30.
A partir desses dados foi estimada a emissão evitada pelo uso do carvão vegetal em
substituição ao óleo combustível, ao gás natural e ao carvão mineral na geração de calor
industrial e geração elétrica. A substituição do coque para uso siderúrgico também é analisada.
Considerando-se a produtividade de 25 toneladas de carvão vegetal por hectare de
Eucalipto colhido e o poder calorífico inferior do carvão vegetal de 6460 k cal/kg ou
27,06 MJ/kg, pode-se calcular a energia fornecida pelo carvão vegetal obtido do plantio
de um hectare de Eucalipto como igual a 677 GJ/ha.
Os fatores de emissão líquida de dióxido de carbono (CO2) liberados pelo uso da
energia dos combustíveis fósseis selecionados, extraídos do MCT (1999), são: o óleo combustível cerca de 77,4 kg CO2/GJ, gás natural 56,2 kg CO2/GJ e Carvão mineral e coque
de carvão mineral cerca de 108,3 kg CO2/GJ
A emissão líquida de CO2 do carvão vegetal é igual a zero, pois se considerou que
todo o carbono emitido durante o uso do carvão vegetal é assimilado durante o crescimento da floresta energética.
A Tabela 1 apresenta a emissão evitada pela utilização de carvão vegetal produzido por
hectare de Eucalipto colhido, em substituição aos combustíveis fósseis selecionados e a emissão evitada pela implantação do projeto em 30 anos (plantio de 28.000 ha de Eucalipto) .
Tabela 1 - Emissão evitada pela utilização de carvão vegetal produzido
por hectare de Eucalipto
3URFHVVR
&RPEXVWtYHO
Óleo combustível 1
Geração de calor 1
Geração elétrica 2
1RWDV
1
2
Gás natural 1
Carvão mineral 1
Coque 1
Óleo combustível 2
Gás natural 2
Carvão mineral 2
)DWRUGH
(QHUJLD
(PLVV}HV
HPLVVmR IRUQHFLGDSHOR HYLWDGDVSRU
NJ&2 FDUYmRYHJHWDO KHFWDUHGH
*- SRUKHFWDUHGH (XFDOLSWR
(XFDOLSWR
FROKLGR
*-KD
W&2
(PLVV}HV
HYLWDGDV
HP
DQRVGR
SURMHWR
0W&2
77,4
677
52
4,69
56,2
108,3
108,3
77,4
56,2
108,3
677
677
677
677
677
677
38
73
73
60
30
73
3,43
6,59
6,59
5,41
2,71
6,59
Assumindo-se que o carvão vegetal substitui o óleo combustível, o gás natural, o carvão
mineral e o coque na proporção de 1J para 1 J.
Assumindo-se uma eficiência de 1ª Lei de 40% para carvão vegetal e carvão mineral, de 35%
para óleo combustível e 50% para gás natural.
252
Assumindo-se que na geração de calor o carvão vegetal substitui o óleo combustível, o
gás natural, o carvão mineral e o coque na proporção de 1J para 1 J e uma eficiência para
geração elétrica de 40% para carvão vegetal e carvão mineral, de 35% para óleo combustível e 50% para gás natural e considerando-se os fatores de emissão líquida de CO2, o
poder calorífico, os coeficientes de equivalência e o preço dos combustíveis selecionados, é
possível calcular o custo de abatimento para cada alternativa de substituição de combustíveis fósseis, seja para a geração de calor industrial seja para geração elétrica.
O custo da emissão evitada de CO2 por substituição de combustíveis fósseis pelo
carvão vegetal varia de um valor negativo correspondente a cerca de trinta dólares por
tonelada de CO2 evitada (- U$30/t CO2), quando considera-se a opção de substituir o
óleo combustível por carvão vegetal na geração de calor ou elétrica, a um valor positivo
em torno de U$ 10/t CO2 evitado, para o caso de substituição de carvão mineral e
coque por carvão vegetal na geração de calor e na opção de substituir carvão mineral
por carvão vegetal na geração elétrica. No caso de substituição de gás natural por carvão
vegetal, os custos de abatimento ficaram em torno de U$1/t CO2 positivo. Os custos
negativos podem ser interpretados como uma escolha sem possibilidade de arrependimento (“no regrets”). Já os custos positivos estão associados a investimentos adicionais
necessários para se evitar a emissão.
Nas opções de substituição de combustíveis fósseis não se considerou o custo das
mudanças tecnológicas necessárias para substituição dos combustíveis fósseis por
carvão vegetal. A substituição é avaliada com base somente na substituição de
energéticos, considerando-se que a tecnologia de geração continue a mesma. Também não foram considerados os valores presentes líquidos desses custos de abatimento. Essas considerações tenderiam a aumentar os custos apresentados. Por outro
lado, a adoção de mecanismos para viabilizar a implementação de programas de
redução de gases de efeito estufa, como mecanismos institucionais (preços mínimos,
legislação ambiental) fiscais (isenção de impostos) ou financeiros (linhas de financiamentos diferenciadas), poderia beneficiar projetos de aproveitamento da biomassa,
tornando mais competitivas as opções apresentadas.
Plantio de espécies oleaginosas visando produção de biodiesel
Várias são as espécies vegetais oleaginosas passíveis de produzir óleo visando à produção de biodiesel. Neste trabalho optou-se pelo uso de três espécies vegetais: a soja, a mamona
e o dendê para representar o potencial de emissões de CO2 evitadas e seu custo por tonelada de dióxido de carbono evitado.
Sabendo que a área disponível para o plantio de oleaginosas visando a produção de
biodiesel é de vinte e oito mil hectares (28.000 ha) e que a duração do projeto é de
trinta anos (30 anos), definiu-se que o plantio se daria em nove anos (9 anos) para
cobrir toda a área estipulada. No caso da soja e da mamona seus ciclos são anuais, e no
caso do dendê o seu ciclo é perene.
Portanto, o plantio da soja e da mamona se dá em nove parcelas, uma a cada ano e por
se tratar de uma planta de ciclo curto (anual) cada parcela é replantada, a cada ano, a partir
de sua primeira produção. De forma conservadora, foi considerado que a parcela plantada
em um determinado ano será colhida no ano seguinte, e a partir daí produzido o óleo.
253
A estimativa de produção de óleo pelo plantio de soja ao longo de trinta anos, no Estado do
Rio de Janeiro é de 244.999.913 litros, essa produção de óleo de soja é resultado de uma
consideração conservadora em que cada hectare produz em média, por ano, 350 litros de óleo.
Quanto à estimativa da quantidade da produção em óleo da mamona, pelo mesmo
período de trinta anos, no Estado do Rio de Janeiro, a produção é estimada em
489.999.825 litros/ha. Este resultado deriva de uma consideração conservadora onde
o intervalo de produção varia de 409 a 1066 litros por hectare e é assumindo uma
média produtiva de 700 litros/ha.
O dendezeiro, diferente da soja e da mamona, é uma planta de ciclo longo, ou perene,
com um ciclo de vida separado em três etapas bem demarcadas: os sete primeiros anos
para o seu amadurecimento, iniciando a produção do fruto (dendê); vinte (20) anos de
produção do fruto; e a partir daí podendo ser considerado uma fonte de fixação de
carbono. No entanto, o cálculo da fixação de carbono do dendezeiro não foi desenvolvido
neste estudo pela falta de informações disponíveis para estimar o estoque de carbono na
biomassa do dendê. Assim, apresenta-se aqui apenas a forma e a quantidade de sua produção dentro do projeto de trinta anos.
Na distribuição do plantio e produção do dendê ao longo das nove parcelas, uma a
cada ano, durante trinta anos, têm-se que a partir do plantio da parcela 4 (ano 4), o
tempo do projeto não é suficiente para aproveitar a produção das demais parcelas. Esta
configuração de plantio em nove parcelas, uma a cada ano, foi uma opção conservadora
tencionando concordar com os plantios das outras espécies citadas. Tal estudo não invalida outras configurações em tempos e parcelas diferentes que tencionem aproveitar a
produção total dentro do prazo de trinta anos
A quantidade de produção de óleo de dendê é de 1.567.999.440 de litros por hectare
em trinta anos, considerando que a cultura do dendê produz 3000 litros de óleo vegetal por
hectare a partir do sétimo ano.
Para saber as emissões evitadas por hectare de cultivo de oleaginosas para a obtenção de biodiesel, multiplica-se o fator de emissão evitada de cada tipo de biodiesel
pelo fator de produção de cada óleo vegetal por hectare e, em seguida, pelo fator de
rendimento da conversão química.
Como a produção de biodiesel pode ser tanto etílica, de origem renovável (cana-deaçúcar), quanto metílica, de origem fóssil (gás metano), então o cálculo das emissões evitadas foi feito para cada tipo de biodiesel (metílico e etílico) e para cada espécie.
Uma vez obtidos os dados referentes às emissões evitadas por hectare (Kg CO2/ha),
passa-se a analisar a quantidade de emissão evitada em um programa de plantio para cada
oleaginosa (soja, mamona e dendê) voltada para a produção de óleo, para a produção de
biodiesel em um projeto de 30 anos.
A Tabela 2 apresenta os valores estimados de emissão evitada pelo uso do biodiesel em
substituição ao diesel e o custo de abatimento para cada tipo de biodiesel utilizado.
Para estimar o custo de abatimento considerou-se o preço de produção de cada tipo de
biodiesel produzido (Investimento + matéria-prima + reagente), o preço do diesel e a
equivalência energética entre o diesel e o biodiesel.
254
Tabela 2 – Emissão evitada pelo uso do biodiesel em substituição ao diesel e custo de
abatimento por tonelada de emissão evitada.
7LSRGH (PLVVmRHYLWDGDHP &XVWRGHDEDWLPHQWRSRUFDGD
7LSRGH
WLSRGHROHDJLQRVD
ELRGLHVHO
ROHDJLQRVD SURGX]LGR DQRVGHSURMHWR
W&2
86W&2
5W&2
6RMD
Metílico
556.150
183,70
61,23
Etílico
617.400
169,45
56,48
0DPRQD
Metílico
1.112.300
55,95
18,65
Etílico
1.234.800
54,36
18,12
'HQGr
Metílico
3.559.359
11,89
3,96
Etílico
3.951.359
14,68
4,89
* Nota: Taxa de câmbio utilizada: 1 US$ = R$ 3,00.
Aproveitamento energético de lixo
No caso do Estado do Rio de Janeiro, a produção de lixo urbano foi de 17.447 toneladas diárias no ano 2000, sendo 35% composto por papéis, plásticos, vidros e metais,
enquanto que a outra parcela tem mais de 90% de restos orgânicos.
Foram considerados os potenciais do Estado do Rio de Janeiro de gerar energia com
resíduos no ano 2000. Nestes casos, as potências instaladas atingem cerca de 216 MW, com
a tecnologia GDL (gás de lixo), de 324 MW com a tecnologia de digestão acelerada, de
395 MW com a tecnologia B.E.M. e de 698 MW com a tecnologia de incineração.
Utilizando o fator de capacidade de 80% e aplicados os valores da Tabela 3, este aproveitamento energético do lixo permitiria compensar as emissões anuais de gases do efeito estufa,
traduzidos em dióxido de carbono equivalente, de 8,9Mt CO2 Eq para o GDL, 9,2Mt CO2
Eq para a DRANCO, 3,1Mt CO2 Eq para a B.E.M. e 9,5Mt CO2 Eq para a Incineração.
Tabela 3 - Emissões evitadas por cada tecnologia
*
*'/
,QFLQHUDomR
'UDQFR
%(0 t lixo/ MWh
4,2
1,3
2,8
2,3
Emissão evitada pelo consumo do lixo
(t CO2 eq/MWh)
5,41
1,50
3,61
0,67
Emissão evitada pela substituição do
gás natural (t CO2/MWh)
0,449
0,449
0,449
0,449
(PLVVmRHYLWDGDW&20:K7RWDO
5,87
1,95
4,06
1,12
*Nota: só 20% da matéria-prima é transformada em celulignina
O total de emissões evitadas durante os trinta anos do projeto seriam de 257Mt CO2 Eq
para o GDL, 267Mt CO2 Eq para a DRANCO, 276Mt CO2 Eq para a Incineração e 90Mt
CO2 Eq para a BEM. Os custos de abatimento são apresentados na Tabela 5.
255
Tabela 5 - Custos de Abatimento
7HFQRORJLD
&XVWRGHDEDWLPHQWR
86W&2(T
(PLVVmRHYLWDGDWRWDOHP
DQRVW&2(T
*'/
0.52
267.007.642
'5$1&2
0.59
277.014.743
,1&,1(5$d­2
0.15
286.566.975
%(0
-13,23
90.973.642
As três tecnologias já consolidadas em nível internacional (GDL, Dranco e incineração)
contam com custos de abatimento inferiores a US$ 0,60 por tonelada de dióxido de carbono equivalente, além de terem potencial para evitar mais de 260 Mt CO2 Eq durante os
trinta anos de vida útil dos empreendimentos. A tecnologia BEM., ainda em fase de testes,
sinaliza para a possibilidade de apresentar um custo de abatimento negativo e seu potencial
de evitar emissões é da ordem de 90 Mt CO2 Eq nos trinta anos do empreendimento
Conclusões
As emissões das novas UTEs (implantação, reforma e ampliação), poderão alcançar um
faixa entre 15 a 30 MtCO2 eq./ano quando se incluem as emissões fugitivas do uso do gás
natural e considerando a operação de todas as novas UTEs com o mínimo ou máximo
fator de capacidade adotado (respectivamente 30% e 80%).
Na Tabela 6, é apresentada a potencialidade de mitigação de CO2 das alternativas propostas. Conforme apresentado na Tabela 6, várias são as oportunidades que se colocam
para o Estado do Rio de Janeiro liderar o Brasil na proposição de alternativas técnicas e
economicamente viáveis de mitigação do dióxido de carbono emitido por usinas
termelétricas no Estado do Rio de Janeiro, desde o plantio de espécies nativas da Mata
Atlântica para estocar carbono, como o plantio de florestas energéticas para a produção de
combustíveis como o carvão vegetal e o biodiesel em substituição a combustíveis fósseis
convencionais, com destaque para o aproveitamento energético de lixo. Todas estas alternativas pode contribuir com inúmeros benefícios ecológicos e sociais paralelos.
256
Tabela 6 - Potencial de mitigação de CO2 em alternativas de projeto e custo de abatimento
$OWHUQDWLYD
0W&2
&XVWRGH
(THP DEDWLPHQWR86W
DQRV
&2 (T
5HIORUHVWDPHQWR.P ÏOHR
&DORU
OD FRPEXVWtYHO
(OpWULFD
WH JH P &DUYmR
&DORU
9
PLQHUDO
R .
(OpWULFD
mY *iVQDWXUDO &DORU
UD (OpWULFD
&
&RTXH
&DORU
6RMD
0HWtOLFR
(WtOLFR
0HWtOLFR
OH P 0DPRQD
(WtOLFR
VHL .
GR 0HWtOLFR
'HQGr
L% (WtOLFR
*'/
'UDQFR
R
,QFLQHUDomR
[L
/
%(0
4,0*
4,7
5,4
6,6
6,6
3,4
2,7
6,6
0,5
0,6
1,1
1,2
3,6
4,0
267
277
286
90
13,97 a 27,94
-33,18
-36,26
9,82
9,82
0,73
9,22
-9,84
61,23
56,48
18,65
18,12
3,96
4,89
0,52
0,59
0,15
-13,23
*Refere-se ao estoque líquido de carbono.
É necessário, portanto, realizar uma análise das peculiaridades de uso do solo das regiões
do estado. Com isto, é possível verificar que a região metropolitana congrega a indisponibilidade
de áreas para plantio de oleaginosas e para plantio florestal, à grande geração de resíduos,
ressalta a oportunidade dos insumos residuais, seja para a produção de biodiesel como para
o aproveitamento energético de lixo. Já as regiões norte e o noroeste do estado devem
privilegiar o cultivo, uma vez que existem áreas ociosas e pouca geração de resíduos.
BIBLIOGRAFIA
COUTO, L.; DUBÉ, F. 2001. The Status and Practice of Forestry in Brasil at the Beginning of the 21
A review. The Forestry Chronicle 77(5): 817 – 830.
st
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MCT, 1999. Comunicação Nacional. In Convenção sobre a Mudança do Clima. www.mct.gov.br/clima/comunic/
MEDEIROS, J. X. 1993. Suprimento energético de carvão vegetal no Brasil: Aspectos técnicos, econômicos e
ambientais. Anais do VI Congresso Brasileiro de Energia. Vol I, pp 107-12. Rio de Janeiro.
PINAUD, R. Z. 1997. Avaliação do Potencial Brasileiro de Florestas Plantadas na Redução da Concentração do
Carbono Atmosférico: O caso do Pólo Guseiro de Grande Carajás. Tese Mestrado. PPE/ COPPE/UFRJ.
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SOS Mata Atlântica/INPE/ISA, 1998. Atlas da evolução dos Remanescentes Florestais e ecossistemas associados
da Mata Atlântica no período 1990 1995.
257
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA,
NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS
SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O
SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
Maria Silvia Muylaert*
Christiano Pires de Campos*
Luiz Pinguelli Rosa*
RESUMO
O presente trabalho visa discutir o tema da transferência de tecnologia (TT) no âmbito
das negociações internacionais sobre mudanças climáticas. São abordados os aspectos
positivos (aporte de recursos para países em desenvolvimento) assim como os negativos
(favorecimento de interesses de grupos internacionais específicos) que dizem respeito ao
desenvolvimento de tecnologia nacional, presentes nos documentos dos acordos internacionais sobre mudança do clima. O estudo se refere ao desenvolvimento de produtos ou
processos no setor elétrico brasileiro de modo a ilustrar o quanto a TT pode ser um tema
polêmico no que diz respeito ao comércio internacional.
1 INTRODUÇÃO
A Transferência de Tecnologia (TT) envolve aspectos complexos, até mesmo no que diz
respeito à própria definição de tecnologia e no que diz respeito ao que se considera “transferência” da mesma. O termo transferência abrange todos os processos e etapas envolvidos na difusão de tecnologias, principalmente o desenvolvimento da capacidade local para
a replicação e adaptação da tecnologia. O termo tecnologia1 tem aqui um sentido muito
amplo: refere-se a técnicas, métodos, procedimentos, ferramentas, equipamentos, processos e instalação que podem ser aplicados na obtenção de um resultado desejado.
*([email protected]); ([email protected]); ([email protected])
1
Definição retirada da página do Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia, www.critt.ufjf.br.
258
Em geral, projetos que contemplam Transferência de Tecnologia são invariavelmente
muito mais caros, dificultando o processo de planejamento e viabilidade do processo,
podendo, até mesmo, invalidá-lo. Pode-se levantar inúmeras questões relativas à transferência de tecnologia no contexto da discussão sobre as Mudanças Climáticas e o setor elétrico,
tais como a especificação e o tipo de Transferência de Tecnologia a ser aceita, os instrumentos para assegurar que os projetos MDL realmente incorporem a TT e como garantir que
a TT seja realmente efetiva.
É importante destacar que em todas as atividades que incluam a Transferência de
Tecnologia, existe uma “transferência de cultura”. A compreensão de tecnologias em nível
é fundamental para que sejam previstos problemas tais como os relativos à resistência para
que novas tecnologias sejam incorporadas.
2 Transferência de Tecnologia, Acordos Internacionais sobre mudanças climáticas e o setor elétrico.
A Conferência das Partes, COP5, através da Decisão 9/CP.52, convida as Partes não
incluídas no Anexo I da Convenção, que ainda não o fizeram, a relatar, nas suas comunicações nacionais, suas necessidades tecnológicas, na medida do possível. Tanto o Protocolo de Quioto quanto a Convenção do Clima utilizam a expressão Tecnologias
Ambientalmente Saudáveis3 e tratam a Transferência de Tecnologia como sendo uma
das ferramentas contra o aquecimento global. É importante destacar que os mecanismos do Protocolo podem ter um importante papel no desenvolvimento da TT, tais
como o MDL. De acordo com a Agenda 21, “há uma necessidade para acesso favorável para Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis4, em particular para
Países em Desenvolvimento através de medidas que suportem e promovam a cooperação tecnológica e que assegure a transferência necessária de know-how tanto quanto
aprimoramento da economia, técnica e capacidades gerenciais para o uso eficiente e
para futuro desenvolvimento da tecnologia transferida” 5.
2.1
Tecnologias Ambientalmente Saudáveis
Tecnologias Ambientalmente Saudáveis são tecnologias que procuram minimizar os seus
impactos ambientais. Também pode ser definido, segundo a Agenda 21, como: “não apenas tecnologias individuais, mas um sistema que inclui o know-how, procedimentos e serviços, equipamentos e procedimentos institucionais e gerenciais. Isto implica que, na discussão da Transferência de Tecnologia, o desenvolvimento de recursos humanos e os aspectos
relativos à construção de capacidade local também devem ser considerados. Tecnologias
ambientalmente saudáveis deverão ser compatíveis com as prioridades nacionais
socioeconômicas, culturais e ambientais” 6.
2
Decisão 9/CP.5 - Desenvolvimento e transferência de tecnologias: situação do processo consultivo
3
Tradução adotado pelo MCT e MRE para Environmental Sound Technologies do Convenção do Clima.
4
EST – Environmental Sound Technologies.
Parágrafos 34.1,34.2, 34.3 e 34.4, Agenda 21.
5
Parágrafos 34.1,34.2, 34.3 e 34.4, Agenda 21.
6
259
2.2 Convenção do Clima
Diversas etapas da Transferência de Tecnologia (TT) são tratadas na Convenção do
Clima, entre elas a promoção, cooperação, aplicação, difusão, treinamento, custeio, financiamento, propriedade da tecnologia, etc. Entre as obrigações previstas pelo Artigo 4, destaca-se claramente que todas as Partes (Países Desenvolvidos, Países em Transição para uma
Economia de Mercado e Países em Desenvolvimento) devem “promover e cooperar para
o desenvolvimento, aplicação e difusão, inclusive transferência, de tecnologias, práticas e
processos que controlem, reduzam ou previnam as emissões antrópicas de GEE”.7 Os
Países Desenvolvidos “devem adotar todas as medidas possíveis para promover, facilitar,
e financiar, conforme o caso, a Transferência de Tecnologias e de conhecimentos técnicos
ambientalmente seguros, ou o acesso aos mesmos, a outras partes, particularmente às Partes Países em Desenvolvimento”.8 Conforme podemos observar, a Convenção do Clima
reforça a importância dos países desenvolvidos no que se refere ao seu papel de promotor
de um processo de TT aos demais países. A seguir, serão abordados alguns dos principais
aspectos tratados na Convenção do Clima com respeito ao tema.
2.2.1 Recursos Financeiros
A baixa taxa de desenvolvimento econômico dos Países em Desenvolvimento comprometem a viabilidade dos fundos com os quais as tecnologias são adquiridas. “As Partes
devem levar plenamente em conta as necessidades específicas e a situação especial dos países
de menor desenvolvimento relativo em suas medidas relativas a financiamentos e Transferência de Tecnologia”.9 Segundo o parágrafo 7, Artigo 4, o grau de cumprimento dos compromissos assumidos pelos Países em Desenvolvimento dependerá do grau de cumprimento
dos Países Desenvolvidos, no que se refere a recursos financeiros e Transferência de Tecnologia, e
levará plenamente em conta o fato de que o desenvolvimento econômico e social e a erradicação
da pobreza são prioridades primordiais e absolutas dos Países em Desenvolvimento.
O parágrafo 8, do Artigo 4, diz que as Partes devem examinar “plenamente que medidas são
necessárias (...) relacionadas a financiamento, seguro e Transferência de Tecnologias, para atender necessidades e preocupações dos Países em Desenvolvimento resultantes dos efeitos negativos da
mudança do clima e/ou do impacto da implementação de medidas de resposta, em especial”:
v
nos pequenos países insulares;
v
nos países com zonas costeiras de baixa altitude;
v
nos países com regiões áridas e semi-áridas, áreas de florestas e áreas sujeitas à degradação de florestas;
v
nos países com regiões propensas a desastres naturais;
v
nos países com regiões sujeitas à seca e desertificação;
Parágrafo 1.c, Artigo 4, Convenção do Clima.
7
Parágrafo 5, Artigo 4, Convenção do Clima.
8
Parágrafo 9, Artigo 4, Convenção do Clima.
9
260
v
nos países com regiões de alta poluição atmosférica urbana;
v
nos países com regiões de ecossistemas frágeis, inclusive ecossistemas montanhosos;
v
nos países cujas economias dependem fortemente da renda gerada pela produção,
processamento, exportação e/ou consumo de combustíveis fósseis e de produtos
afins com elevado coeficiente energético; e
v
nos países mediterrâneos e países de trânsito.
O Brasil enquadra-se em mais da metade destas classes especiais. No contexto do atual
programa emergencial brasileiro não existe prioridade no que se refere ao tema das mudanças climáticas. Em caso de implementação de algum programa à luz do MDL, deve ser
dada preferência à instalação de UTE’s a gás natural em lugar do uso de carvão mineral ou
xisto como combustível. Isto porque, além de motivos ambientais locais, o gás natural é o
menor emissor de GEE dentre as fontes citadas.
No parágrafo 1, Artigo 11, definiu-se um mecanismo para provisão de recursos financeiros a título de doação ou em base de concessão para fins de Transferência de
Tecnologia. Além disto, os Países Desenvolvidos “devem prover os recursos financeiros,
inclusive para fins de Transferência de Tecnologias, de que necessitem os Países em Desenvolvimento para cobrir integralmente os custos adicionais” no cumprimento de suas
obrigações previstas.10 O termo custo adicional é obscuro. Ainda assim, percebe-se que
as Partes do Anexo I assumem certa responsabilidade no financiamento da Transferência
de Tecnologia para Países em Desenvolvimento.
2.2.2 Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico - SBSTA
O Artigo 9 estabelece o Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e
Tecnológico (SBSTA 11), o qual fica encarregado de assessoramento científico e
tecnológico à Conferência das Partes. Este órgão deve “identificar tecnologias e conhecimentos técnicos inovadores, eficientes e mais avançados, bem como prestar
assessoramento sobre as formas e meios de promover o desenvolvimento e/ou a
transferência dessas tecnologias”.12 Além disto, o SBSTA deve prestar assessoria sobre
programas científicos e cooperação internacional em pesquisa e desenvolvimento, relativos à mudança do clima, bem como sobre formas e meios de apoiar a capacitação
endógena em Países em Desenvolvimento13.
É importante a participação de representantes brasileiros em cooperação direta com o
SBSTA para assessoramento sob tecnologia no setor elétrico.
10
Parágrafo 3, Artigo 4, Convenção do Clima.
11
SUBSIDIARY BODY FOR SCIENTIFIC AND TECHNOLOGICAL ADVICE.
12
Parágrafo 2.c, Artigo 9, Convenção do Clima.
13
Parágrafo 2.d, Artigo 9, Idem.
261
2.2.3 Tipo da Tecnologia
Uma outra questão importante apontada na Convenção do Clima é a recomendação
aos Países em Desenvolvimento em se manifestar no sentido de adquirir financiamento
para novas tecnologias: “os Países em Desenvolvimento podem, voluntariamente, propor projetos para
financiamento, inclusive especificando tecnologias, materiais, equipamentos, técnicas ou práticas necessárias à
execução desses projetos14, juntamente, se possível, com estimativa de todos os custos adicionais,
de reduções de emissões e aumento de remoções de gases de efeito estufa, bem como
estimativas dos benefícios resultantes”.15 É importante que haja iniciativa por parte dos
Países em Desenvolvimento, ou seja, que não haja passividade neste sentido, pois a formulação de novos projetos em Países em Desenvolvimento não virá sem a participação expressiva destes países. Para tal fim, certas medidas precisam ser tomadas, tais como estudos
de viabilidade e projetos pilotos para o desenvolvimento da capacidade local; requerimentos de habilidade, construção de capacidade e infra-estrutura tecnológica; prazo a ser executado; custos e suporte financeiro para todo ciclo de vida da tecnologia; mecanismos de
financiamento, incluindo considerações de propriedade intelectual, entre outros.
2.3 Protocolo de Quioto
O Protocolo de Quioto destaca em muitos trechos a importância da Transferência de
Tecnologias Ambientalmente Saudáveis (Environmental Sound Tecnhologies). A TT é considerada um instrumento efetivo para o Protocolo, com ferramentas previstas especificamente para este fim, como um mecanismo de financiamento para a promoção, facilitação
e difusão de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis. O SBSTA convidou as Partes da
Convenção para a submissão de suas propostas e sobre como as questões listadas no
anexo da decisão 4 da COP 4 deveriam ser enviadas para a formulação de documento
sobre o tema. A Transferência de Tecnologia no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
deverá ser adicional às obrigações dos Países Industrializados, respeitando as medidas que
a Convenção prevê para a TT. (SBSTA 1, 2000)
Cada Parte incluída no Anexo I, deve implementar e/ou aprimorar a pesquisa, promoção e desenvolvimento de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis.16 As Partes do Anexo I
devem amenizar os efeitos adversos, tanto sociais como ambientais e econômicos, sobre as
Partes Países em Desenvolvimento. A primeira seção da Conferência das Partes deve considerar que ações se fazem necessárias para minimizar os efeitos adversos da mudança do
clima e/ou os impactos de medidas de resposta sobre as Partes mencionadas nesses parágrafos. Entre as questões a serem consideradas devem estar a obtenção de fundos, seguro
e Transferência de Tecnologia.17
Grifo dos autores.
14
15
Parágrafo 4, Artigo 12, Convenção do Clima.
16
Parágrafo 1.a.iv, Artigo 2, Protocolo de Quioto.
17
Parágrafo 14, Artigo 3, Idem.
262
2.3.1 Tecnologias Públicas & Privadas
Todas as Partes, sem a introdução de qualquer novo compromisso para as Partes não
incluídas no Anexo I, devem “cooperar na promoção de modalidades efetivas para promover, facilitar e financiar, conforme o caso, a transferência ou o acesso a tecnologias,
know-how, práticas e processos ambientalmente seguros relativos à mudança do clima, em
particular para os Países em Desenvolvimento, incluindo a formulação de políticas e programas para a transferência efetiva de tecnologias ambientalmente saudáveis que sejam de propriedade
pública ou de domínio público18 e a criação, no setor privado, de um ambiente propício para
promover e melhorar a Transferência de Tecnologias ambientalmente saudáveis e o acesso
a elas”.19 Como um primeiro passo para possibilitar o acesso a tecnologias públicas a serem
transferidas para Países em Desenvolvimento, os Países Industrializados devem prover
uma lista de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis, e o know-how relacionado à adaptação e à mitigação da mudança do clima, que são de domínio público. É difícil definir o
termo tecnologias públicas. Mesmo tecnologias de domínio público – e.g. aquecimento
solar para água, precisam de um veículo comercial para o desenvolvimento, comercialização
e difusão. Segundo o relatório da China para a SBSTA, uma certa parte das tecnologias são
sustentadas ou possuídas pelos governos dos Países Industrializados e suas instituições públicas. Tais tecnologias também incluem aquelas que são fruto de pesquisas públicas e atividades afins desenvolvidas. Cabe observar que o relatório chama atenção para o fato de que
os governos da OECD possuem as categorias importantes de tecnologia. (SBSTA 1, 2000)
Ainda de acordo com a China, a transferência de tecnologias privadas, em comparação
com a tecnologia pública apresente menos barreiras e, a principal e dominante barreira, é a
falta de esforço político dos Países Industrializados para honrar seus compromissos da
Convenção. (SBSTA 1, 2000)
Entretanto, muitas Tecnologias Ambientalmente Saudáveis são dominadas pelo setor
privado dos Países Desenvolvidos. Logo, estes têm um papel proeminente na TT. A falta
de fundos para a maioria das indústrias locais para aquisição de tecnologias limpas e modernas continua sendo a maior barreira à TT. Neste sentido, o governo brasileiro precisa
criar um ambiente propício para receber estas tecnologias incentivando o desenvolvimento
da transferência e difusão de tecnologias “limpas”.
Segundo o relatório desenvolvido pelo Quênia sobre TT para o SBSTA, existem diversas barreiras que atrapalham a participação do setor privado na Transferência de Tecnologia.
Entre elas destacamos:
v
medo de reações de mercado;
v novas tecnologias necessitam de grandes investimentos quando comparadas àquelas que
já estão sedimentadas, impondo uma desvantagem para aqueles que adquiram novas tecnologias;
v
falta de políticas claras ou, em alguns casos, multiciplidade destas, com áreas
que se confundem.
18
Grifo dos autores.
19
Item c, Artigo 10, Protocolo de Quioto.
263
Uma outra questão importante de ser ressaltada é o papel do setor privado no que se
refere a incentivos à TT. Este setor precisa de incentivos sem restrições por parte dos
governos dos Países Desenvolvidos para assegurar que suas tecnologias sejam transferidas
para Países em Desenvolvimento, tais como20:
v
Criação e aprimoramento dos Países Desenvolvidos, tanto quanto outros países, de
incentivos apropriados, fiscais e outros para estimular a transferência por tecnologias,
em particular para Países em Desenvolvimento;
v
Aprimoramento do acesso e transferência de patentes protegidas de Tecnologias
Ambientalmente Saudáveis, em particular para Países em Desenvolvimento;
v
Compra de patentes e licenças nos termos comerciais para sua transferência
para Países em Desenvolvimento em termos não comerciais como parte da
cooperação para o desenvolvimento sustentável, incluindo a necessidade dos
direitos da propriedade intelectual;
v
Provisão de recursos financeiros para a aquisição de tecnologias ambientalmente saudáveis para assegurar particularmente aos Países em Desenvolvimento a implementação
de medidas que promovam o desenvolvimento sustentável.
Segundo a Agenda 21, “projetos do tipo Joint Ventures deverão ser promovidos entre
os fornecedores e os receptadores de tecnologias, levando em consideração os objetivos e
prioridades políticas dos Países em Desenvolvimento. Junto com investimentos estrangeiros diretos, estes projetos poderão constituir um importante canal de Transferência de
Tecnologias Ambientalmente Saudáveis”. No que se refere ao setor elétrico brasileiro cabe
estudar esta afirmação mais detalhadamente.
2.3.2 Construção de capacidade21
A construção de capacidade deverá ser o primeiro passo para o processo de TT. Ela
representa um requisito para o sucesso das atividades da TT. A construção de capacidade
para Países em Desenvolvimento deverá passar por todo processo da Transferência de
Tecnologia, a qual inclui a necessidade tecnológica, treinamento de pessoas, aprendendo e
entendendo a fundamentação da tecnologia e o know-how, alternativa tecnológica, projeto,
instalação, operação e produção dos equipamentos, etc. A construção de capacidade é uma
medida com retorno a longo termo, a qual deve ser iniciada agora.
É dever de todas as Partes “cooperar e promover em nível internacional a elaboração e
a execução de programas de educação e treinamento, incluindo o fortalecimento da
capacitação nacional, em particular a capacitação humana e institucional e o intercâmbio ou
cessão de pessoal para treinar especialistas nessas áreas, em particular para os Países em
Desenvolvimento, e facilitar em nível nacional a conscientização pública e o acesso público
a informações sobre a mudança do clima”.22
20
Capítulo 34 da Agenda 21, parágrafo 34.18.
Capacity Building, termo usado na Convenção e no Protocolo de Quioto.
21
22
Item e, Artigo 10, Protocolo de Quioto.
264
O treinamento e sensibilização de funcionários do setor público (meio ambiente, indústria, comércio, etc.) para a metodologia de Transferência de Tecnologia são necessários
assim como o fomento e o treinamento técnico do setor privado, antes que estes procurem
por novas tecnologias. A construção de capacidade deverá inicialmente enfocar setores
industriais específicos com necessidades específicas para a mudança de suas tecnologias
para Tecnologias Ambientalmente Saudáveis. Entre os indicadores que promovam a construção de capacidade, destacam-se: programas formais de treinamento; execução de programas em Pesquisa e Desenvolvimento; habilitação de projetos pilotos e demonstração de
programas que utilizem as capacidades locais; desenvolvimento de infra-estrutura local,
incluindo capacidade acadêmica e de Pesquisa e Desenvolvimento.
2.3.3 Relatório do IPCC sobre Transferência de Tecnologia
A decisão 3/CP.323 solicitou ao SBSTA que iniciasse um processo de identificação e
determinação de ações necessárias para suprir as necessidades específicas das Partes Países
em Desenvolvimento, devendo incluir ações relacionadas com a obtenção de fundos, seguro e Transferência de Tecnologia. O mais recente trabalho do IPCC, de junho de 2000, é o
relatório “Methodological and Technological Issues in Technology Transfer”, onde existe
um estudo que contempla todo o processo de TT, desde barreiras à TT, análises setoriais
para a TT e inúmeros estudos de casos por todo mundo.
Este relatório é um documento base de pesquisa para todos os setores interessados na
Transferência de Tecnologia. Recomenda-se que este sirva de parâmetro para adequar o
setor elétrico brasileiro em programas que envolvam o tema das mudanças climáticas.
2.4 Transferência de Tecnologia no Brasil
Segundo o relatório da China para o IPCC, informações de tecnologias novas estão
disponíveis em alguns países, porém o acesso a tais informações é difícil. Também ressaltam que, internacionalmente deverá configurar-se um Painel Intergovernamental para a
Transferência de Tecnologia. Além disto, deverá ser estabelecido um fundo específico para
a TT. As fontes poderão ser os países industrializados do Anexo I, organizações internacionais, bancos de desenvolvimento, etc. (China, SBSTA 1, 2000)
Um arranjo institucional nacional é necessário para monitorar o progresso da Transferência de Tecnologias Ambientalmente Saudáveis e o seu know-how. Será necessário estabelecer
um comitê que assegure a Transferência de Tecnologia gradualmente. Por meio deste, os
Países não-Anexo I irão identificar suas necessidades tecnológicas e vinculá-las aos seus programas prioritários, expondo suas dificuldades financeiras e tecnológicas. Tal tipo de informação deverá ser relatada a Conferência das Partes, se necessário. (China, SBSTA 1, 2000)
Em nível nacional, as legislações brasileiras necessitam mudanças para a facilitação de
Transferência de Tecnologia e para promovê-las. A prioridade é conceder diversos meios
de financiamentos no país, com o respaldo dos compromissos internacionais, para que as
novas tecnologias possam se inserir no cenário brasileiro. Entretanto, as negociações precisam ser muito criteriosas. Caso contrário tais medidas poderão aumentar, sem uma relação
de custo/benefício positivo, o endividamento externo brasileiro.
23
12ª sessão plenária, 11 de dezembro de 1997 - Implementação do Artigo 4, parágrafos, 8 e 9 da Convenção.
265
As áreas prioritárias à Transferência de Tecnologia deverão ser aqueles setores que oferecem o maior potencial de redução e abatimento de emissões e o aumento da produtividade econômica. Logo, o setor elétrico brasileiro é um candidato natural.
É importante identificar, em cada fase de atuação do setor elétrico brasileiro, o tipo de
tecnologia adotado e sua origem, de modo a avaliar o grau de dependência de importação
de máquinas, equipamentos ou peças. A submissão aos preços internacionais é uma realidade em diversos setores da economia de países em desenvolvimento. Somente quando estes
preços alcançam patamares que inviabilizam, por algum período, o processo de importação, é que surgem as antigas propostas de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento de
tecnologias nacionais.
Além disso, um mecanismo de Transferência de Tecnologia poderá ser apresentado
num capítulo onde sejam divulgados os pedidos de financiamento para TT, baseados nas
tecnologias mais populares.
2.4.1 Tecnologias
Tanto o Protocolo quanto a Convenção destacam que todas as Partes devem fortalecer a capacidade e os recursos endógenos das Partes, onde o Brasil possui experiências interessantes e diversos recursos endógenos para o aproveitamento energético, tais
como o bagaço de cana, óleo de dendê, palma, bagaço de cana, etc., além de possuir
uma grande Rede de Centros de Tecnologia24 por todo seu território, que estudam suas
potencialidades. Estes centros tecnológicos desempenharão importante papel na TT e
até poderão configurar uma rede de Centros Nacionais de Tecnologia Ambientalmente
Saudáveis. Cooperações internacionais para o desenvolvimento de tecnologias devem
ser assinadas, onde o próprio Brasil poderá repassar tecnologias que já domina. A
ANEEL poderá ter o papel de promover o contato entre o SBSTA com os centros de
tecnologia brasileiros e outros centros internacionais.
A gama de tecnologias envolvidas no setor elétrico é muito vasta. O setor elétrico também deve ter o compromisso de investir e valorizar as tecnologias brasileiras endógenas
capazes de serem transmitidas e replicadas tanto nacionalmente quanto internacionalmente.
A principal barreira para a Transferência Tecnologia de turbinas Ciclo Combinado é que
esta tecnologia pertence ao setor privado, mais precisamente, a poucas e grandes empresas
multinacionais. Esforços para promover parcerias com companhias que comercializam
mundialmente tecnologia de Turbinas Ciclo Combinado podem ser lançadas, tais como a
General Eletric25, ABB ALSTOM POWER26, ROLLS ROYCE27, entre outras.
24
EMBRAPA, www.embrapa.br; Centro Brasileiro de Testes de Turbinas Eólicas & Centro Brasileiro de Energia
Eólica, www.eolica.com.br, em Pernambuco; Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, www.cepel.br, e Instituto
Virtual Internacional de Mudanças Globais, www.ivig.coppe.ufrj.br, ambos no Rio de Janeiro; Centro Nacional de
Referência em Biomassa, www.cenbio.org, em São Paulo; Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia,
www.critt.ufjf.br, em Minas Gerais; LabSolar, www.labsolar.ufsc.br, em Santa Catarina; Núcleo de Energia, www.nerg.ufpb.br,
na Paraíba, entre diversos outros.
25
www.gepower.com
26
www.alstom.com
27
www.rolls-royce.com/energy
266
Pode-se citar em especial a tecnologia do Ciclo Combinado Integrado de
Gaseificação. É uma tecnologia extremamente eficiente, como todas as tecnologias de
geração elétrica que consistem nos processos relacionados ao Ciclo Combinado Integrado de Gaseificação. Cada processo tecnológico é único, mas todos são derivados
da tecnologia desenvolvida pelas primeiras plantas de Ciclo Combinado Integrado de
Gaseificação. O importante desta tecnologia é que diferentes tipos de produtos agrícolas e uma variedade de rejeitos co-produzidos, agora são considerados de utilidade
comercial para o processo e plantas de geração de energia. Estes processos normalmente utilizam combustíveis de baixo custo, dando-lhes uma vantagem competitiva
sobre as tecnologias convencionais, principalmente num país com uma produção agrícola muito diversificada como o Brasil28. É o caso de plantas de geração elétrica movidas a casca de arroz, que já existem no Rio Grande do Sul29.
A importação de projetos tecnológicos a serem executados no Brasil, não caracteriza
uma situação mais favorável em termos de dependência tecnológica do país, mas pode vir
a gerar emprego e renda para o Brasil.
Cabe observar que, a importação parcial de máquinas, equipamentos, peças, ou projetos, além de apresentar as mesmas características e problemas da importação total destes
itens, pode causar maiores entraves. Isto porque pode ocorrer um desperdício em se investir em peças nacionais que dependem, para o seu funcionamento, de outras peças importadas, uma vez que, isoladamente, as mesmas não têm utilidade.
3 Conclusões
No que se refere à Transferência de Tecnologia, sugere-se a elaboração de publicações
com a divulgação da situação de dependência em tecnologia. Estas publicações servirão
para nortear empresas, demais organismos reguladores estaduais, empreendedores do
setor e população, que desejem usufruir dos incentivos à Transferência de Tecnologia na
Geração, Transmissão, Distribuição e Consumo de energia elétrica. Estes deverão ser alvo
de publicação específica, assim como cada setor de produção e consumo de energia elétrica, tais como os setores residencial, comercial, institucional, industrial e outros.
Sugere-se também o estudo de resoluções que incentivem as empresas a investirem em
Pesquisa e Desenvolvimento de tecnologias nacionais, semelhantes à resolução 242 da
ANEEL que estimula a eficiência energética no setor elétrico.
Entre os indicadores que promovam a construção de capacidade, destacam-se: programas formais de treinamento; execução de programas em Pesquisa e Desenvolvimento; habilitação de projetos pilotos e demonstração de programas que utilizem as
capacidades locais; desenvolvimento de infra-estrutura local, incluindo capacidade acadêmica e de Pesquisa e Desenvolvimento.
A ANEEL poderia conceber um relatório do estado da arte das tecnologias brasileiras
Ambientalmente Saudáveis no setor elétrico, e em especial as companhias de energia deverão investir em tais estudos.
Ver mais em: http://www.gepower.com/en_us/expl/html/by_prod/combinecycle/igcc/igcc.html
28
Ver exemplos no relatório referente ao estudo de caso da biomassa desenvolvido para a ANEEL no âmbito
deste projeto.
29
267
Ainda com a idéia do Relatório Síntese sobre Cooperação Tecnológica, um mecanismo
de Transferência de Tecnologia poderá ser apresentado num capítulo onde sejam divulgados os pedidos de financiamento para TT, baseados nas tecnologias mais populares.
A ANEEL poderá ter o papel de promover o contato entre o Órgão Subsidiário de
Assessoramento Científico e Tecnológico (SBSTA) da Conferência das Partes, criado na
Convenção do Clima, e os centros de tecnologia brasileiros e outros centros internacionais.
4 BIBLIOGRAFIA
ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica, www.aneel.gov.br, julho de 2000.
Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia, www.critt.ufjf.br, 2000.
Convenção do Clima Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, editado e traduzido pelo MCT e MRE.
IPCC, Methodological and Technological Issues in Technology Transfer, junho 2000.
MCT www.mct.gov.br/clima, julho de 2000.
Protocolo de Quioto Protocolo de Quioto à Convenção do Clima, editado e traduzido pelo MCT e MRE.
SBSTA 1 Development and Transfer of Technologies – Status of the Consultative Process (Decision 4/CP.4) – Submissions from Parties, junho
2000.
SBSTA 2 Development and Transfer of Technologies – Status of the Consultative Process (Decision 4/CP.4) – Possible elements of a
framework for meaningful and effective actions to enhance the implementation of Article 4.5 of the Convention, junho 2000.
268
EMISSÕES HISTÓRICAS DE
GASES DE EFEITO ESTUFA (GEE)
POR PAÍS RELATIVOS AO
SETOR DE ENERGIA1 E O
CONCEITO DE EQUIDADE
Maria Silvia Muylaert2
Christiano Pires de Campos 3
Luiz Pinguelli Rosa4
1 RESUMO
O presente trabalho é baseado em um projeto iniciado em 2001 em parceria com o
MCT até 2002 sob a coordenação de Luiz Pinguelli Rosa5 tendo sido desenvolvido por
pesquisadores do IVIG/COPPE/UFRJ: Maria Silvia Muylaert6, Christiano Pires de Campos7, Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro. A partir de 2003 sua continuidade tem sido
apoiada pela equipe de Meio Ambiente da Eletrobrás e conta com os seguintes pesquisadores: Maria Silvia Muylaert, Christiano Pires de Campos, Leonardo Cardoso8 e Corbiniano
Silva9. Trata-se de um levantamento de dados históricos mundiais de emissões de gases de
efeito estufa em diversos setores por países desde 1750. O objeto do presente trabalho é
uma análise do setor de energia à luz do conceito de equidade. A análise é feita através da
comparação dos diferentes tipos de desenvolvimento entre grupos de países. O indicador
considerado para análise é a emissão de GEE.
Parte do presente paper foi baseada no Relatório de 2001 do Projeto IVIG/COPPE/UFRJ - 2747- A
desenvolvido entre 2001 e 2002 pela equipe: Maria Silvia Muylaert 2 , Christiano Pires de Campos 3 , Luiz
Pinguelli Rosa 4 , Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro e parte foi baseada na tese de doutorado de Maria Silvia
Muylaert, PPE/COPPE/UFRJ, 2000.
1
Doutora em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070,
[email protected].
2
Doutorando em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070,
[email protected].
3
Professor do Programa de Planejamento Energético, Ilha do Fundão, Bloco C 211, Sala 129, +55-21-2562-7028,
[email protected].
4
5
[email protected]
6
[email protected]
269
2 Gases Estudados do Efeito Estufa Antrópico
O óxido nitroso – N2O, gás metano – CH4 e o dióxido de carbono – CO2 são os três
gases estudados neste trabalho no setor de energia.
2.1
Óxido Nitroso – N2O
A concentração atmosférica de óxido nitroso aumentou cerca de 46 ppb (17%) desde
1750 e continua a aumentar. Cerca de um terço das emissões de N2O são antropogênicas
(TAR WG1, 2001). Na tabela 1 tem-se os dados de concentração do CO2, N2O e CH4 .
Tabela 1- Dados de concentração de GEE relativos às atividades humanas
&2
12
&+
Concentração pré-industrial
Cerca de 280
ppm
Cerca de
270 ppb
Cerca de
700 ppb
Concentração em 1998
365 pp m
314 ppb
1745 ppb
Taxa de mudança na concentração 1.5 pp m/ano
0.8
ppb/ano
7.0 ppb/ano
Tempo de vida na atmosfera
114 anos
12 anos
5 to 200 anos
Fonte: elaboração própria a partir do TAR WG1 (2001).
Desde 1993, a taxa de crescimento da concentração de N2O aproximou-se das observadas na década de 80. Algumas causas possíveis são: o decréscimo no uso de fertilizantes
baseados em nitrogênio e emissões biogênicas menores.
Figura 1 - Emissões Percentuais de N2O por setor. Elaboração própria
(PLVV}HVGH12GRV3DtVHVGR$QH[R,SRUVHWRUHP
Totais de resíduos
1.32%
Outros
0.11% TOTAL dos Bunkers
Internacionais
0.27%
Totais da mudança
do uso do solo e
sivicultura
0.80%
Consumo total de
combustíveis fósseis
(Abordagem setorial)
Totais de emissões
14.67%
fugitivas dos
combustíveis fósseis
0.03%
Totais de processos
industriais
17.24%
Totais dos solvente
e uso de outros
produtos
0.43%
Totais da agricultura
65.13%
Fonte: CQNUMC (2001
270
2.1.1 Energia
A contribuição da combustão e das emissões fugitivas para as emissões globais de óxido
nitroso é pequena e a incerteza é grande. Por isso, as emissões deste gás no setor em questão
não serão consideradas.
2.2 Metano – CH4
A concentração atmosférica de metano aumentou cerca de 1060 ppb (151%) desde
1750 e continua a aumentar. Mais do que a metade das emissões correntes de CH4 são
antropogênicas (TAR WG1, 2001).
As mais importantes e conhecidas fontes antropogênicas de metano atmosférico são
apresentadas na tabela 2 abaixo.
Tabela 2 - contribuição de diferentes fontes antropogênicas para as emissões
globais de metano (Tg CH4 )
5HIHUrQFLD
)XQJHWDO
+HLQHWDO
/HYLHYHOG +RXZHOLQJHWDO
HWDO
Ano base
Década de 80
sem informação 1992
sem informação
Energia
75 (21%)
97 (28%)
110 (33%)
89 (28%)
Aterro sanitário
40 (11%)
35 (10%)
40 (12%)
73 (23%)
Ruminantes
80 (23%)
90 (26%)
115 (35%)
93 (30%)
Tratamento de
resíduos
25 (8%)
Cultivo de arroz
100 (29%)
88 (25%)
Queima de
biomassa
55 (16%)
40 (11%)
40 (12%)
Outros
Total
antropogênico
40 (13%)
20 (6%)
350 (100%)
350 (100%)
330 (100%)
315 (100%)
Fonte: elaboração própria a partir do TAR WG1 (2001) pg. 250.
As emissões de CH4 por setor de acordo com o banco de dados de gases de efeito
estufa da Convenção do Clima estão no gráfico 2.
271
Figura 2 - Emissões percentuais de CH4 por setor. Elaboração própria
(PLVV}HVGH&+GRV3DtVHVGR$QH[R,SRUVHWRUHP
Totais de resíduos
22.73%
TOTAL dos Bunkers
Internacionais
Outros
0.014%
0.0002%
Totais da mudança
do uso do solo e
sivicultura
0.82%
Totais da agricultura
31.72%
Consumo total de
combustíveis fósseis
(Abordagem setorial)
2.16%
Totais de emissões
fugitivas dos
combustíveis fósseis
42.40%
Totais dos solvente
e uso de outros
produtos
0.0018%
Totais de processos
industriais
0.16%
Fonte: CQNUMC (2001)
2.2.1 Energia
Do gráfico 2 percebe-se que as emissões de CH4 do consumo de combustíveis fósseis
são pequenas. Desta forma, as emissões de CH4 deste setor não serão consideradas.
Para efeito de contabilização de emissões de metano, serão consideradas as emissões fugitivas que ocorrem durante a extração, produção, transporte e processamento
de combustíveis fósseis.
As emissões de metano provenientes de mineração do carvão mineral, em 1990, contribuíram com cerca de 23 a 39 Tg das emissões globais. A Tabela 2 apresenta como
média anual de emissão de metano no setor energético, na década de 80, o valor de 75
Tg por ano. Tomando-se esse valor como base, as emissões fugitivas de CH4 da mineração do carvão mineral seriam da ordem de 31 a 52% do setor energético, em 1990.
Segundo o IPCC (1996), as emissões fugitivas de metano provenientes das atividades que envolvem petróleo e gás natural estão em torno de 30 a 60 Tg por ano. AsAs
emissões fugitivas referentes às minas de superfície (0,3 a 2 m3 de CH 4 / ton de carvão)
não foram estimadas porque pouco ocorrem, restando as emissões referentes às minas
subterrâneas. A média aritmética dos fatores alto (25 m3/ton de carvão) e baixo (10m3/
ton de carvão) de emissão de metano é 17,5 m3/ton, e poderá ser utilizada como uma
primeira aproximação para o cálculo das emissões totais.
272
Tabela 3 - Estimativa de emissões fugitivas de CH4 provenientes da extração de
carvão mineral subterrâneo
3DtV
)DWRUGHHPLVVmRP WRQ
Antiga União Soviética
USA
Alemanha
Reino Unido
Polônia
Tchecoslováquia
Austrália
17,8-22,2
11,0-15,3
22,4
15,3
6,8-12,0
23,9
15,6
Fonte: IPCC (1996), Tabela 1-54, pág. 1.105.
A média de emissões de metano para minas subterrâneas de carvão (E) é o fator de
emissão de CH4, m3 CH4 / t de carvão minerado (f), vezes a produção do carvão subterrâneo, em Mt (P), vezes o fator de Conversão (0.67 Gg / 10 6 m3). Com as emissões
provenientes do consumo de carvão da base de dados OAKRIDGE (2002) será estimado
as quantidades de carvão extraídas para ser aplicada na Equação:
( = I × 3 × 0,67
2.3 Dióxido de Carbono – CO2
O CO2, dióxido de carbono, ou gás carbônico, é o gás de efeito estufa mais importante
dentre as emissões de origem antrópica. As emissões de CO2 atmosféricas das atividades
humanas no ano de 1990 foram de 6 e 13 vezes superiores às emissões de CH4 e N2O
(CQNUMC, 2001) em termos de CO2 equivalente7. O Gráfico 3 ilustra as emissões percentuais
de gases de efeito estufa nos países do Anexo I em CO2 equivalente para o ano de 1990.
Figura 3 – Emissões percentuais de CO2, CH4 e N2O em CO2 equivalente
( P LV V } H V G H & 2 & + H 1 2 G R V S D tV H V $ Q H [ R ,H P & 2
H T X LY D OH Q WH Q R D Q R G H CH4
13%
N 2O
6%
CO2
81%
Elaboração própria. Fonte: CQNUMC (2001).
Se considerarmos o poder de aquecimento do CO2 em 100 anos como sendo igual a 1, o do CH4 é 23 e o poder de
aquecimento do N2O é igual a 296 (TAR WG1, 2001).
7
273
As emissões de dióxido de carbono estão diretamente envolvidas na maioria das
atividades humanas, sendo a principal preocupação das intervenções humanas no
sentido de mitigação do efeito estufa. Segundo o Manual de Inventários de Gases de
Efeito Estufa do IPCC (IPCC, 1996), considera-se que no presente o gás carbônico
de origem antrópica é principalmente emitido pela combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) e seus processos industriais, pela queima de combustíveis renováveis (álcool, bagaço de cana, óleos vegetais etc.), por processos industriais (produção de cimento e cal, uso de pedra calcária, produção e uso do
carbonato de sódio, amônia, carbonetos, aço e ferro, alumínio e magnésio, principalmente), mudança do uso do solo e silvicultura (o CO 2 é o gás mais importante nesta
atividade). As emissões de CO 2 dos resíduos e agricultura são pequenas ou com
balanço líquido das emissões igual a zero.
Figura 4 – Emissões percentuais de CO2 por setor
Emissões de CO2 dos países do Anexo I por setor (%)
Mudança do uso do
solo e sivicultura
Solvente e uso de
12%
outros produtos
Outros
0.04%
0.01%
Agricultura
0.05%
Resíduos
0.18%
TOTAL dos Bunkers
Internacionais
2%
Processos industriais
3%
Emissões fugitivas
dos combustíveis
fósseis
0.49%
Consumo total de
combustíveis fósseis
(Abordagem setorial)
83%
Elaboração própria. Fonte: CQNUMC (2001)
As concentrações pré-industriais do CO2 eram de 280 partes por milhão (ppm),
enquanto em 1999 eram em 367 ppm (TAR WG-1, 2001). A unidade partes por
milhão também indica a maior responsabilidade do CO 2 na regulação do efeito
estufa em relação ao CH 4 e N2O, pois estes dois últimos estão em concentrações de
partes por bilhão, ppb.
Até a Revolução Industrial as intervenções humanas no ciclo do carbono eram
maiores no uso do solo e mudança no uso do solo, através da agropecuária (aragem,
fertilizantes, extração vegetal, desmatamento etc.), uso combustíveis renováveis (lenha, carvão vegetal, gordura animal etc.). O uso de alguns combustíveis fósseis (carvão, xisto etc.) era pequeno, somente para o fornecimento de energias essenciais para
a manutenção das civilizações.
274
Até a revolução industrial, a grande parte dos insumos energéticos extraídos8 um local
eram consumidos pelas populações regionais. Depois da industrialização, com a produção
mais eficiente devido ao advento do motor a vapor, maior alcance dos meios de transporte, as energias produzidas num local passaram a ser consumidas em locais distantes, abastecendo populações cada vez maiores. Desta forma, a produção local, abastecedora de um
sistema global, passou a ter mais responsabilidade no efeito estufa.
A industrialização fica muito caracterizada nos países atualmente chamados de industrializados. A Europa, ex-União Soviética, Austrália e a América do Norte lideram o domínio
destas tecnologias até a segunda guerra mundial (1945). A partir de então outros países9
adotam cada vez mais este modelo de produção muito eficiente, que envolve o consumo
de grandes quantidades de recursos naturais e a produção de rejeitos, caso dos gases de
efeito estufa controlados pela Convenção do Clima.
A industrialização multiplicou a produção, utilizando maior número de máquinas que
consumem muita energia. Com a industrialização, a locomotiva a vapor teve importante
papel no deslocamento de grandes massas por grandes distâncias consumindo grandes
quantidades de energia do carvão e derivados do petróleo. Os navios rapidamente passaram a utilizar o motor a vapor e, assim como a locomotiva, aumentando a dependência humana dos combustíveis fósseis e das tecnologias adjuntas. Na segunda metade do
século XIX passou-se a utilizar o petróleo e seus derivados, que tinham a vantagem de
serem líquidos, barateando a logística de distribuição e produção dos combustíveis fósseis. Da mesma forma que a industrialização multiplicou milhares de vezes as capacidades humanas de transporte e alcance, ela multiplicou os impactos humanos sobre a natureza e sua influência no ciclo do carbono.
A invenção do avião foi outro importante passo para os transportes e no consumo de combustíveis fósseis. Com poucos anos de experiência, a aviação desenvolveu-se rapidamente durante as Guerras Mundiais, passando a ser intensamente usada
no transporte de passageiros, de cargas valiosas e produtos perecíveis, destacadamente
nos países industrializados.
Como explicado anteriormente, a revolução industrial tornou as atividades humanas muito intensivas, liberando, em curtos espaços de tempo, grandes quantidades de
carbono. A liberação do carbono estocado nas rochas (combustíveis fósseis) como
rejeito da força motriz de origem fóssil alterou o equilíbrio das concentrações de carbono na atmosfera terrestre.
2.3.1 Energia
As emissões de CO2 na combustão de combustíveis fósseis é discutida detalhadamente
no Manual de Inventários de Gases de Efeito Estufa do IPCC (IPCC, 1996) e a emissão de dióxido de carbono é a mais detalhada e compreendida (dentre todos gases
controlados pela Convenção do Clima).
Aqui, o conceito de energia envolve as energias necessárias para a produção de comida, além da energia para
iluminação, aquecimento e cozimento.
8
Destacam-se: Japão, “Tigres Asiáticos” e China.
9
275
As emissões de CO2 relativas aos combustíveis fósseis dependem do teor de carbono de cada combustível e podem ser estimadas através de dados energéticos nacionais.
Por exemplo, existem bases de dados internacionais de consumo de combustíveis para
cada país, que multiplicados por fatores de emissão, estimam as emissões do dióxido
de carbono no setor (IPCC, 1996).
Entretanto, existem diferenças entre fatores de emissão do mesmo combustível
para países diferentes. Neste sentido, o IPCC estimula o uso de fatores nacionais,
quando existentes. A diferença de fatores de emissão de CO 2 entre combustíveis
iguais de países diferentes e nas estatísticas de consumo de combustíveis fósseis,
geram incertezas de +/- 10%, fato que se pode notar nas emissões anuais globais de
CO 2 na década de 1990 (6,7 +/- 0,6 Gt C) (SR-LULUCF, 2000). Com respeito ao
comércio internacional de produtos, os inventários nacionais, quando contabilizam
as emissões de CO 2, utilizam o princípio de que a fonte emissora encontra-se no país
que vende o produto. Outra abordagem possível é a de que a fonte emissora encontra-se no país onde consumo foi registrado.
Além das emissões de CO2 relativas à queima de combustíveis fósseis, existem emissões “fugitivas”. Estas emissões aparecem na produção, processamento, transmissão,
estocagem e uso dos combustíveis (ex. queima de gases nas plantas de óleo e gás).
Neste caso, o CO2 o tem emissões fugitivas nas torres de queima (“flares”) dos rejeitos
gasosos dos processos energéticos.
Cabe destacar que as emissões de CO2 devido ao uso de combustíveis renováveis,
do uso da biomassa, não é contabilizado nas emissões de energia, e sim na categoria de
fontes diversas e que suas emissões são consideradas nulas. Nestes casos o CO2 emitido em sua combustão é absorvido na produção da biomassa (IPCC, 1996).
De acordo com o levantamento de dados efetuado pelo IVIG/COPPE/UFRJ a
lista dos países que mais contribuíram (no ano de 1998) para o aquecimento global
devido à emissão de gases do setor de energia e produção de cimento entre 1700 e
1998 encontra-se na tabela 4.
276
Tabela 4 - Contribuição percentuais à mudança do clima relativas à emissão de CO2
devido ao consumo de combustíveis fósseis e produção de cimento
$QR
UNITED STATES OF AMERICA
32,71%
USSR
11,71%
UNITED KINGDOM
9,82%
GERMANY
4,87%
CHINA (MAINLAND)
4,65%
FRA NCE (INCLUDING MONA CO)
3,74%
JAPAN
3,34%
FEDERA L REPUBLIC OF GERMANY
3,02%
POLAND
2,28%
CANADA
2,11%
INDIA
1,54%
CZECHOSLOVAKIA
1,40%
ITALY (INCLUDING SAN MA RINO)
1,36%
BELGIUM
1,31%
FORM ER GERMAN DEM OCRATIC REPUBLIC
1,18%
SOUTH AFRICA
0,99%
AUSTRA LIA
0,90%
NETHERLANDS
0,81%
SPAIN
0,72%
MEXICO
0,70%
ROMANIA
0,58%
BRAZIL
0,52%
AUSTRIA
0,49%
SWEDEN
0,44%
ARGENTINA
0,44%
ISLAMIC REPUBLIC OF IRAN
0,42%
HUNGA RY
0,41%
VENEZUELA
0,38%
Fonte: Rosa et al., 2004.
277
3 Equidade
Este capítulo introduzirá o conceito de equidade no direito onde tem boa sedimentação.
No capítulo conclusivo o conceito de equidade será trabalhado com o tema da Mudança
do Clima resgatando os conceitos aqui introduzidos.
Um autor recente que vem desenvolvendo discussões sobre teoria da argumentação
em Direito é Chaim Perelman (Perelman, 1996) para quem a “noção de equidade é
assemelhada à noção de justiça”. Segundo Perelman (1996), quando aparecem as
antinomias da justiça e quando a aplicação da justiça nos força a transgredir a justiça
formal, recorremos à equidade. Esta, que poderíamos considerar a muleta da justiça, é o
complemento indispensável da justiça formal, todas as vezes que a aplicação desta se
mostra impossível. Consiste ela numa tendência a não tratar de forma por demais desigual os seres
que fazem parte de uma mesma categoria essencial.
Contrariamente à justiça formal, cujas exigências são bem precisas, a equidade consistiria apenas numa tendência oposta a todo formalismo, do qual ela deve ser complementar. Ela intervém quando dois formalismos entram em choque: para desempenhar
seu papel de equidade, ela própria só pode ser, pois, não-formal. A vida social apresentaria uma contínua oscilação entre a justiça e a equidade. Recorre-se a esta todas as
vezes que, na elaboração de uma lei ou de uma regulamentação, não se teve a menor
consideração por certas características essenciais, às quais importantes camadas da população – a chamada opinião pública – atribuem importância. Vê-se imediatamente
que o apelo à equidade, condicionado pela introdução de novas categorias essenciais,
será mais freqüente nas épocas de transição, em que certa escala de valores está sendo
substituída por outra. Seria mais comum o apelo à equidade nas épocas de conturbação econômica e monetária, em que as condições que existiram no momento da fixação das regras se modificaram a tal ponto que se percebe uma diferença grande demais entre as regras anteriormente adotadas e aquelas que se teriam admitido atualmente. Nessa eventualidade, o conflito não é entre fórmulas diferentes de justiça, mas
entre as regras que delas se deduzem hoje e as que se deduziriam anteriormente, em
vista de um estado de coisas profundamente modificado.
Para concluir, apela-se à equidade todas as vezes que a aplicação simultânea de mais de
uma fórmula da justiça concreta ou a aplicação da mesma fórmula em circunstâncias
diferentes conduz à não-conformidade com exigências da justiça formal. Serve-se da
equidade como “muleta da justiça”. Para que esta não fique manca, para poder dispensar
a equidade, é fundamental desejar aplicar uma única fórmula da justiça concreta, sem que
se deva levar em conta mudanças que as modificações imprevistas da situação são capazes de determinar. Isto só é possível se nossa concepção da justiça for muito estreita ou
se a fórmula da justiça utilizada for suficientemente complexa para levar em conta todas
as características consideradas essenciais.
4 Conclusão: Equidade e Mudanças Climáticas
Alguns comentários podem ser feitos sobre a relação entre equidade e acordos sobre a
mudança do clima. De que forma a discussão contempla o conceito de igualdade? Conforme Estrada-Oyuela (2000), usa-se o conceito de Equidade como forma de evitar o
278
conceito de Igualdade. Segundo o autor, os princípios de Igualdade formulados em 1972
na Declaração do Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (o princípio 1 referia-se à
igualdade entre os seres humanos), foram substituídos, 20 anos após, pelo conceito de Equidade,
na Reunião Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio 92 (o princípio 3 da
Rio 92 refere-se à equidade entre gerações presentes e futuras), e também na mesma ocasião, na
Convenção Mundial do Clima. Segundo Estrada-Oyuela (2000), a Equidade tem diferentes
significados em diferentes contextos, enquanto que a Igualdade teria somente um significado.
O motivo, ainda segundo Estrada-Oyuela (2000), que levou, por exemplo, o grupo III
do IPCC a utilizar este princípio de Equidade em lugar do princípio de Igualdade seria a
dificuldade de lidar com os muitos interesses específicos envolvendo o problema. Tais
interesses já são fortes o suficiente para serem acomodados sob a ótica da Equidade, e não
teriam nenhum progresso sob a ótica da Igualdade.
No debate sobre Mudanças Climáticas podemos identificar o uso da Equidade definida
pelos diversos autores citados acima, como “muleta da Justiça”, própria de períodos transitórios, onde a Justiça formal não oferece instrumentos fortes e definitivos para apontar
soluções. A Teoria da Argumentação de Perelman (1996) também pode ser útil para a
compreensão das formulações dos Acordos Internacionais envolvendo o debate do Clima
Mundial. É muito presente a força da retórica dos blocos dos países procurando definir as
regras a serem seguidas, assim como na definição dos conceitos, do que se entende por
equidade, pelo que é justo. O maior exemplo disto são os dois grandes blocos de Países
definidos como as Partes da Convenção do Clima: as Partes Países Anexo I, envolvendo os
países desenvolvidos e os chamados Países com economia em transição, e as Partes Países
não Anexo I, envolvendo os Países em desenvolvimento. A quantificação das responsabilidades dos diferentes países é o ponto mais importante a ser explorado neste estudo. Como
gerenciar as responsabilidades de todos os países do mundo de modo eqüitativo (Tabela 4)
no que diz respeito à contribuição à Mudança do Clima? Através de uma análise da renda
per capita e das emissões per capita? Ou através de uma análise das demandas do desenvolvimento que envolvem crescimento populacional e crescimento econômico?
É o poder econômico e cultural dos Países Anexo I, e o maior número de representantes destes países nos grupos temáticos, que vêm determinando o rumo das
negociações. Cabe observar que a Proposta Brasileira para a Convenção do Clima,
de 28 de maio de 1997, foi bastante impactante em dois aspectos: a contabilização
das emissões passadas dos diversos países, incorporando uma componente histórica
dos modelos de crescimento dos mesmos e, em segundo lugar, uma “penalização”,
através de um Fundo financeiro, aos países que não cumprissem suas metas de redução de emissões de gases. Mesmo dentro do Anexo I, existem blocos de Países
disputando peso nos acordos do Clima, à semelhança do que podemos observar,
por exemplo, em outros acordos internacionais como os de comércio externo. Dentro dos Países Anexo I, podemos perceber dois blocos principais de poder, um da
Comunidade Européia e outro liderado pelos Estados Unidos. E nos Países não
Anexo I, existe um grupo identificado como grande emissor de gases de efeito estufa, formado pela China, Brasil e Índia, que vêm sendo alvo de pressões dos EUA
para que se comprometam com redução nestas emissões.
279
Uma outra forma de equidade é a que se refere à adaptação à mudança do clima. Para
alguns países, como os Países Baixos e as ilhas oceânicas, as conseqüências de mudanças
climáticas que dizem respeito à elevação dos mares, são de enfrentamento mais difícil do
que para outros países. Por exemplo, existe um problema de equidade quanto aos países
que contribuem muito pouco com emissões de gases de efeito estufa, mas os quais são
mais vulneráveis à mudança do clima, como as ilhas oceânicas.
O conceito de Equidade está intimamente relacionado ao tema do Clima Mundial.
A equidade é um dos princípios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (CQNUMC). Estes princípios visam assegurar o chamado Desenvolvimento Sustentável (Rosa, 1998). O Artigo 3 da CQNUMC diz que “as Partes
devem proteger o sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras da
humanidade com base na eqüidade e em conformidade com suas responsabilidades
comuns, mas diferenciadas, e respectivas capacidades”. Em decorrência, as Partes Países Desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e a seus
efeitos. As diferenças sócio-econômicas entre países é um assunto que remete diretamente à questão da equidade. A forma como se pretende amenizar estas diferenças é
um dos problemas mais importantes a serem enfrentados pelos articuladores de políticas para enfrentar as mudanças climáticas.
A equidade é um conceito que envolve decisões políticas importantes. A compreensão
da equidade varia entre os diversos autores (Gutierrez, M.B.S. 1998 e Rose, A, 1992) que
estão debruçados sobre o tema e não há consenso sobre sua definição, principalmente
no assunto do clima mundial que envolve fronteiras entre nações. Vale lembrar EstradaOuyela, presidente do Protocolo de Quioto, em 1997, segundo o qual, não devemos
esquecer que os seres humanos nascem iguais, apesar do caráter utópico desta afirmação.
Para o autor, entretanto, a utopia é necessária para o avanço de idéias políticas (EstradaOyuela, 2000). As diferenças entre as nações, neste caso, não se dão somente na polarização norte-sul, a qual reflete países ricos e pobres, argumento bastante utilizado nas discussões internacionais. O aspecto físico-geográfico de algumas nações coloca de um
mesmo lado países com diferentes graus de desenvolvimento, devido à fragilidade de
sua localização. Os riscos e vulnerabilidades resultantes da Mudança do Clima implicam
em conseqüências negativas tanto para Países Desenvolvidos quanto para Países em Desenvolvimento. (Rosa e Ribeiro,1997)
No que diz respeito às diferenças de níveis de riqueza entre populações de diversos grupos de países, a Figura 5 ilustra as diferenças socio-econômicas entre os Países Desenvolvidos e os Países em Desenvolvimento, através do indicador PIB/hab.
Os países foram assim agrupados: Países Industrializados, Leste Europeu/Ex-União
Soviética (EL/UES), Países em Desenvolvimento (PeD), Todos os Países do Mundo (Mundial) e Países do Anexo I (países comprometidos com a redução de emissões de gases de efeito estufa, incluindo os países industrializados e os países do
Leste Europeu/União dos Estados Soviéticos). Observa-se que os Países Industrializados e o grupo de Países do Anexo I apresentam um PIB/hab muito mais elevado
do que os referentes aos Países em Desenvolvimento, os do Leste Europeu/União
dos Estados Soviéticos e do que a média Mundial.
280
Figura 5 – Relação PIB/população
3,%3RSXODomR0LOKmRGH86KDELWDQWH
40.0
35.0
30.0
25.0
20.0
15.0
10.0
5.0
0.0
1990
1996
Industrializados
1997
2005
EL/UES
PeD
2010
2015
Mundial
2020
Anexo I
Fonte: Campos e Muylaert, 2000.
Segundo o Protocolo de Quioto, entre 2008 e 2012, as partes Países do Anexo I reduziriam suas emissões de seis gases de efeito estufa (GEE) até pelo menos 5,2% menos do
que os níveis de 1990. Este protocolo prevê, ainda, alguns mecanismos flexíveis para facilitar o abatimento de GEE entre diferentes Países. O primeiro dos mecanismos previstos é
o Mercado de Emissões, seguido do mecanismo JI (joint implementation), e da “bolha”,
todos estabelecidos para países desenvolvidos. Além destes, originário da proposta brasileira de um Fundo de Desenvolvimento Limpo, está previsto o mecanismo CDM (Clean
Development Mechanism) ou MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) para encorajar projetos de redução de emissões conjuntos entre países desenvolvidos e países em
desenvolvimento. Conforme as diretrizes do MDL, ainda não ratificadas, os Países Desenvolvidos devem reduzir GEE no presente, ou seja devem reduzir seu consumo energético/
capita, por terem alto PIB/capita e alto consumo energético/capita. E os países em desenvolvimento devem reduzir as emissões de GEE somente no futuro, ou seja, devem reduzir
a intensidade energética/PIB (tCarb/PIB), devem aumentar seu PIB/capita e podem aumentar seu consumo energético/capita.
Algumas categorias de Equidade envolvem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,
MDL. A tendência é que a obtenção de acesso a este mecanismo, dentre os Países não Anexo
I, seja mais fácil para os países maiores e para os países com grau de desenvolvimento mais
avançado. Segundo Zhang (2000), a maior parte dos recursos financeiros estimados para que
os Países Anexo I reduzam suas emissões de gases de efeito estufa através do MDL sejam
direcionados à India (60%) e à China (16%). É recomendável que se encontre uma Equidade
na busca desses recursos. Nem sempre os países que mais sofrem com as mudanças do
clima são os que se beneficiariam “naturalmente” dos recursos do MDL.
281
5 BIBLIOGRAFIA
Campos, C.P. e Muylaert, M.S. Relatório de Análise do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: Equidade e Transferência de Tecnologia
no Brasil. ANEEL/IVIG/MCT/PNUD. 2000.
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Estrada-Oyuela, R.A. Climate Change Mitigation and Equity, IPCC 2nd Regional Experts’ Meeting on Development, Equity and
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Gutierrez, M.B.S. A Equidade nas Negociações Internacionais entre Países Desenvolvidos e em desenvolvimento para a redução dos Gases
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Zhang, Z.X. Estimating the Size of the Potential Market for the Kyoto Flexibility Mechanisms. Mimeo, Universidade de
Groningen. Feveriro de 2000.
282
EMISSÕES DE GASES DE
EFEITO ESTUFA (GEE) 1 - UMA
ABORDAGEM HISTÓRICA
Maria Silvia Muylaert2
Christiano Pires de Campos 3
Luiz Pinguelli Rosa4
RESUMO
O presente trabalho é baseado em um projeto iniciado em 2001 em parceria com o
MCT até 2002 sob a coordenação de Luiz Pinguelli Rosa1 tendo sido desenvolvido por
pesquisadores do IVIG/COPPE/UFRJ: Maria Silvia Muylaert1, Christiano Pires de Campos1, Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro. A partir de 2003 sua continuidade tem sido
apoiada pela equipe de Meio Ambiente da Eletrobrás e conta com os seguintes pesquisadores: Maria Silvia Muylaert, Christiano Pires de Campos, Leonardo Cardoso5 e Corbiniano
Silva6. Trata-se de um levantamento de dados históricos mundiais de emissões de gases de
efeito estufa em diversos setores por países desde 1750. O objeto do presente trabalho é
uma apresentação do tema sob uma perspectiva histórica.
1 INTRODUÇÃO
Marcos Históricos Mundiais apresentam mudanças significativas nas emissões de gases
de efeito estufa (GEE), desde a Revolução Industrial aos dias de hoje. A pesquisa bibliográfica em desenvolvimento pelo grupo do IVIG/COPPE/UFRJ tem por objetivo avaliar diferentes padrões de desenvolvimento de diferentes regiões e países desde a RevoluParte do presente paper foi baseada no Relatório de 2001 do Projeto IVIG/COPPE/UFRJ - 2747- A desenvolvido
entre 2001 e 2002 pela equipe: Maria Silvia Muylaert 2, Christiano Pires de Campos 3 , Luiz Pinguelli Rosa 4 ,
Adriano Santiago e Leonardo Ribeiro e parte foi baseada na tese de doutorado de Maria Silvia Muylaert, PPE/
COPPE/UFRJ, 2000.
2
Doutora em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070,
[email protected].
3
Doutorando em Planejamento Energético e Ambiental, Ilha do Fundão, Bloco I, Sala 129, +55-21-2562-7070,
[email protected].
4
Professor do Programa de Planejamento Energético, Ilha do Fundão, Bloco C 211, Sala 129, +55-21-2562-7028,
[email protected].
5
[email protected]
6
[email protected]
1
283
ção industrial a partir do levantamento dos dados históricos de emissões de 3 gases de
efeito estufa: N2O, CH4 e CO2 nos seguintes setores: Energia, Mudança de uso do solo e
florestas, Processos industriais, Agricultura e pastagem e Resíduos. O presente trabalho se
refere somente ao setor de Energia.
O desenvolvimento do trabalho compreendeu a seleção de itens e setores a serem considerados para a estimativa de emissões mundiais por países desde 1700 a 1990 dos seguintes gases de efeito estufa: N2O, CH4 e CO2. Dos seis setores constantes do Manual de
Referência e do Manual de Trabalho do IPCC para Inventários de Gases de Efeito Estufa
(GEE), foram escolhidos cinco, onde foi descartado o setor relativo aos Solventes7.
2 Breve Histórico sobre as emissões de GEE
A poluição do ar e a emissão de gases de efeito estufa, em menores proporções, é muito
anterior à Revolução Industrial (RI) (Boubel et al., 1994). No setor energético, por exemplo,
a emissão de CO2 através da queima de lenha e carvão é bastante antiga. As principais
indústrias ligadas à poluição do ar e à emissão de CO2 durante os séculos que precederam
a RI foram a metalúrgica, a cerâmica e a de conservação de alimentos. Peças de cerâmica e
tijolos datam de antes de 4.000 a.c. A maior parte das técnicas metalúrgicas já era conhecida
antes de Cristo. Contudo, elas se baseavam muito mais no uso do carvão vegetal do que no
uso do carvão mineral ou coque. Após o ano 1000 a mineração ampliou-se fortemente e
600 anos depois o carvão passou a ser transformado em coque, e este só entrou na prática
metalúrgica corrente mais ou menos em 1700.
A Revolução Industrial foi marcada pelo aproveitamento do vapor para geração de
energia para bombeamento de água e para energia motriz. Teve início nos primeiros
anos do Século XVIII com Savery, Papin e Newcomen e o motor de bombeamento
culminando em 1784 com a máquina a vapor de J. Watt, que foi soberana até a invenção
da turbina a vapor no Século XX.
Máquinas e turbinas a vapor dependem de caldeiras de vapor que, até o advento do
reator nuclear, eram alimentadas por combustíveis vegetais ou fósseis. Ao longo do Século XIX, o combustível mais usado foi o carvão mineral. Posteriormente, este aumento
seria fortalecido pela utilização de derivados do petróleo como fonte energética para
iluminação através da sua combustão em lampiões, seguindo-se uma ampliação do uso
de derivados de petróleo e de gás natural em motores de combustão, cujas finalidades
foram se diversificando à medida que o processo de industrialização seguia seu curso.
Desta forma, foi intenso o aumento do uso de combustíveis fósseis a partir da Revolução Industrial. No que diz respeito ao tema de escassez de recursos, o homem, historicamente, tem apresentado soluções para problemas de recursos naturais onde o avanço
técnico pode ser visto como favorável à ‘natureza’, como por ex: a madeira que até o séc.
XIX era a única fonte de energia térmica, e matéria prima para construções, foi substituPor sua importância não muito significativa em termos quantitativos de emissões de GEE, além da inexistência de
metodologia no IPCC para os cálculos relativos à produção de solventes. A metodologia disponível no CORINAIR
para os países europeus deverá ser objeto de futuros estudos para a quantificação deste setor em termos mundiais.
7
284
ída pelo ferro, reorientando o processo de devastação a que estavam submetidas as
florestas. Um outro exemplo, foi a substituição do uso de óleos animais (de baleia) por
petróleo, por volta de 1860 (Benjamin, 1990, pág.12 e 15).8
Segundo Christianson (1999), o efeito estufa foi observado, pela primeira vez, por Fourier9
durante a Revolução Francesa, século 18. Para o autor, Fourier foi o primeiro a conceber a
Terra como uma estufa gigante viabilizando a vida de plantas e animais na superfície da
Terra. Em 1896, Svante Arrenius criou um modelo para estudar a influência do gás carbônico
residente na atmosfera sobre a temperatura da Terra. Arrenius usou as medições de emissão de calor no espectro lunar, realizadas por Samuel P. Langley, para calcular os coeficientes de absorção de H2O e CO2, pontos chave para a construção do modelo que concebera.
As causas das Eras Glaciais, atual objeto de estudo em alguns centros de pesquisa, como o
Stockholm Physics Society, era uma das perguntas que Arrenius buscava responder. Os
experimentos de Arrenius foram muito bem sucedidos e seus resultados (Ramanathan e
Vogelmann, 1997), têm sido comprovados por modernas simulações de computador. Os
gases de efeito estufa, chamados por Arrenius de “hothouse gases” e não “greenhouse
gases”, como nos dias de hoje, devem ser estudados em conjunto com os “aerossóis”10 que
são outras substâncias ativas radiativamente e emitidas antropicamente à atmosfera, com
efeito de resfriamento, contrário ao dos GEE.
A ciência da atmosfera é considerada por alguns autores (Graedel e Crutzen 1997) como
a mais completa para a compreensão do conceito de Sistema Terra por envolver a história
da formação e evolução da atmosfera do planeta, além da biologia, da geologia, e da
hidrologia. Aquecimento global é um termo usado para nomear uma possível intensificação do efeito estufa do planeta. A visão dominante entre os cientistas estudiosos do clima
é que ocorre um aquecimento global no século XX e o mesmo tem sido causado, em parte,
por emissões antrópicas de gases, como o dióxido de carbono, que retém calor e, em
excesso, provocam o efeito estufa. Entretanto, apesar de minoritárias, algumas dúvidas de
caráter científico ainda envolvem o assunto. Grupos de estudiosos divergem, entre outras
coisas, quanto à própria existência ou importância do incremento do referido fenômeno
climático de aquecimento global. É o caso de alguns pesquisadores do Lamont-Doherty
Earth Observatory da Universidade de Columbia. Estes afirmam que surtos seculares de
frio, similares à chamada pequena era glacial11, vêm ocorrendo com certa regularidade,
mais ou menos a cada 1450 ou 1500 anos, e que no fim do século XIX e início do século
XX, a temperatura voltou a subir cerca de 0,46 graus Celsius, sugerindo que o mundo esteja
no início de um longo ciclo secular de aquecimento natural. Pesquisadores do Woods Hole
Oceanographic Institute de Massachussets, ao contrário, dizem que tais variações não são
9
Filósofo natural Jean-Baptiste-Joseph Fourier, (tornou-se popular pela invenção da guilhotina).
O Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério das Relações Exteriores elaborou o “Inventário Brasileiro das
Emissões Antrópicas por Fontes e Remoções por Sumidouros de Gases de Efeito Estufa não controlados pelo
Protocolo de Montreal” onde o estudo de dois gases de resfriamento estão contemplados, o HFC e o SF6. Este estudo
é subdividido nos seguintes itens: setor energético, indústria, solventes, setor agropecuário, mudança no uso da terra
e florestas e tratamento de resíduos sólidos, conforme definido pelo IPCC.
10
Trata-se de estudos sobre as alterações climáticas naturais no chamado Holoceno, o período a partir do qual
começaram a desaparecer os vestígios da última era glacial, há dez mil anos.
11
285
tão simples de serem determinadas. Ou seja, não seriam variações perfeitamente periódicas impossibilitando que se saiba realmente onde nos situamos no detalhamento destes
períodos. Um outro grupo de pesquisa, o National Oceanic and Atmospheric
Administration’s Geophysical Data Center, do Colorado, argumenta que, mesmo que o
mundo esteja no início de um aquecimento natural, qualquer emissão de gases que causem o efeito estufa deve ser vista como problema adicional, pois provocaria uma elevação ainda maior das temperaturas, devendo-se adotar uma postura de prevenção.
De fato, algumas perguntas como “os períodos atuais de calor, frio, seca e enchente podem ser
comparados às variações que ocorreram no passado?” ou “de que forma os ciclos naturais vão interagir com
as alterações ambientais provocadas pelo homem no futuro?” ainda não estão respondidas, mas a
maioria dos estudos vem apontando para a necessidade de articulação entre os dirigentes
dos diversos países no sentido de adoção de medidas cautelosas quanto ao assunto. O
termo “precautionary investment” é utilizado para expressar a postura de que deve-se
prevenir quanto ao problema, apesar das incertezas, uma vez que existe o risco de que suas
conseqüências sejam catastróficas. Um outro termo associado às medidas de precaução é o
“no regrets” policies, que é a adoção de medidas que não sejam motivo de arrependimento, caso venha a se comprovar que tais problemas não existam, pelo menos na magnitude
esperada. Medidas “no regret” seriam aquelas que repercutem positivamente segundo algum outro indicador que não as mudanças climáticas12.
A ocorrência de aquecimento da temperatura da Terra já apresenta resultados menos
incertos. Segundo uma pesquisa de Houghton (2000), que analisou e sintetizou diversos
estudos feitos sobre os últimos 100 anos, os últimos 1000 anos e os últimos um milhão
de anos do clima da Terra, as mudanças relativas à temperatura, são de 0,3 a 0,6 graus
Celsius desde 1860, faixa de variação considerada bastante representativa pelo autor. Em
uma outra publicação13, “nos últimos 70 anos registrou-se aumento médio de 0,6 graus
Celsius na temperatura da superfície do globo e para os próximos 100 anos, segundo
projeção do IPCC, espera-se aumento entre 1 e 3,5 graus Celsius na superfície terrestre.”
As discussões quanto às causas do aumento da temperatura envolvem, ainda, algumas
dúvidas, que incorrem em questões políticas. Além das dúvidas no que se refere às responsabilidades diferentes de cada país ou grupos de países, um dos assuntos mais importantes diz
respeito à diferença de ênfase dada às causas. Alguns estudos14, majoritariamente advindos
dos países desenvolvidos, enfatizam que as emissões de gases de efeito estufa ocorridas no
presente estão se acelerando nos países em desenvolvimento e este seria o ponto central a ser
focado. Outros estudos15 enfatizam a importância da concentração desses gases para o entenSobre os termos “precautionary investment”, “no regret” policies e “risco”, ver IPCC, 1995, pgs10-15.
12
13
BNDES/MCT, 1999.
E Gutierrez, M. B. S., 1998, pg 7. World Resources Institute, 1992. Segundo o WRI, o Brasil ocupa o quarto lugar
mundial nas emissões per capita de CO2 (ano base 1989) relativas a Processos Industriais somados a Mudanças do Uso
da Terra. Estes dados precisam ser melhor avaliados e o Brasil está elaborando seu inventário de emissões, com
cautela, devido às repercussões políticas relativas aos dados de desmatamento florestal. Muitas incertezas envolvem
tais medições.
14
A COPPE/UFRJ desenvolveu um estudo sobre a contribuição da concentração de gases para o aumento da
temperatura global, em conformidade com a Proposta Brasileira para a Convenção do Clima, de Gilvan Meira e
J.D.G.Miguez. Ver Rosa e Ribeiro, 2000 e Rosa et al., 2004.
15
286
dimento do processo de aquecimento do clima, o que envolve uma análise histórica do
desenvolvimento econômico desses países. A permanência desses gases na atmosfera é de
muitos anos. Considera-se, por exemplo, que o dióxido de carbono emitido permanece em
média, 140 anos na atmosfera. Segundo Seinfeld e Pandis (1998, pág. 1077), no entanto, este
tempo é de 200 anos, estimativa que combina o tempo de vida deste gás na atmosfera, na
biosfera e nos oceanos.
Historicamente, as mudanças no clima têm afetado o destino da humanidade (Christianson,
1999). As respostas a essas mudanças variaram entre adaptação, migração ou crescimento
de modo mais racional. Durante as últimas eras glaciais, o nível dos mares elevou-se e as
pessoas se mudaram da Ásia para as Américas e para ilhas do Pacífico. Muitas catástrofes
ocorreram na Terra, algumas com menores flutuações climáticas, algumas durante décadas
ou séculos de variações da temperatura e outras com períodos longos de secas. A mais
conhecida é a Pequena Era Glacial que afetou a Europa na Idade Média que acarretou
fome e migração das colônias do norte. As pessoas não tinham capacidade de influir em
tais eventos naturais, tendo que se adaptar ou sucumbir a eles. Atualmente, da forma que o
problema tem sido colocado, parece que as ações humanas estão afetando o clima, e não
mais o clima afetando as pessoas, como no passado. Algumas opiniões mais alarmistas
sugerem que estas serão as mudanças mais severas que a Terra receberá, devido às alterações recentemente verificadas nas emissões antrópicas de CO2, CH4 e N2O, principalmente.
Em resumo, apesar dos gases de efeito estufa representarem menos de um décimo
de um por cento do total da atmosfera, a qual consiste basicamente de oxigênio (21%)
e nitrogênio (78%), são vitais, devido a seu papel de manter o clima na Terra adequado
à vida. Sem esses gases, a superfície da Terra seria cerca de 30 graus Celsius mais fria
do que é hoje.
O dióxido de carbono está diretamente envolvido na maioria das atividades humanas, sendo
a principal preocupação das intervenções humanas no sentido de mitigação do efeito estufa.
Segundo o Manual de Inventários de Gases de Efeito Estufa do IPCC (IPCC, 1996), considerase que no presente o gás carbônico de origem antrópica é principalmente emitido: pela combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) e seus processos industriais, pela
queima de combustíveis renováveis (álcool, bagaço de cana, óleos vegetais etc.), por processos
industriais (produção de cimento e cal, uso de pedra calcária, produção e uso do carbonato de
sódio, amônia, carbonetos, aço e ferro, alumínio, magnésio, principalmente), mudança do uso
do solo e silvicultura (o CO2 é o gás mais importante nesta atividade). As emissões de CO2 dos
resíduos e agricultura são pequenas ou com balanço líquido das emissões igual a zero.
Até a Revolução Industrial as intervenções humanas no ciclo do carbono eram maiores no uso do solo e mudança no uso do solo, através da agropecuária (aragem,
fertilizantes, extração vegetal, mudança no uso do solo etc.), uso combustíveis renováveis
(lenha, carvão vegetal, gordura animal etc.). Por outro lado o uso de alguns combustíveis fósseis (carvão, xisto etc.) era pequeno, somente para o fornecimento de energias
essenciais para a manutenção das civilizações.
Aqui, o conceito de energia envolve as energias necessárias para a produção de comida, além da energia para
iluminação, aquecimento e cozimento.
16
287
Até a revolução industrial, a grande parte da energia16 produzida num local era consumida
em locais próximos e para as populações regionais. Depois da industrialização, com a
produção muito eficiente devido ao advento do motor a vapor, com o aumento da eficiência e alcance dos meios de transporte, as energias produzidas num local passaram a ser
consumidas em locais cada vez mais longe, abastecendo um número de populações cada
vez maiores. Desta forma, a produção local, abastecedora de um sistema global, passou a
ter mais responsabilidade no efeito estufa.
A industrialização fica muito caracterizada nos países atualmente chamados de industrializados. A Europa, ex-União Soviética, Austrália e a América do Norte lideram o domínio
destas tecnologias até a segunda guerra mundial (1945). A partir de então outros países17
adotam cada vez mais este modelo de produção muito eficiente, que envolve enormes
quantidades de recursos naturais e seus respectivos rejeitos, caso dos gases de efeito estufa
controlados pela Convenção do Clima.
A industrialização intensificou a produção, utilizando cada vez maior número de
máquinas que consumem muita energia, além de mais eficientemente do que o trabalho
humano. Com a industrialização, a locomotiva a vapor teve importante papel no deslocamento de grandes massas por grandes distâncias consumindo grandes quantidades
de energia do carvão e derivados do petróleo, principalmente o óleo diesel. Os navios
rapidamente passaram a utilizar o motor a vapor e, assim como a locomotiva, aumentou a dependência humana dos combustíveis fósseis e das tecnologias adjuntas. A conseqüência foi a intensificação do consumo de petróleo, que teve a vantagem de ser
líquido, barateando a logística de distribuição e produção dos combustíveis fósseis. Da
mesma forma que a industrialização multiplicou milhares de vezes as capacidades humanas de transporte e alcance, ela multiplicou os impactos humanos sobre a natureza
e sua influência no ciclo do carbono.
A invenção do avião foi outro importante passo para os transportes e no consumo
de combustíveis fósseis. Com poucos anos de experiência, a aviação desenvolveu-se
rapidamente durante as Guerras Mundiais, passando a ser intensamente usada no transporte de passageiros, de cargas valiosas e produtos perecíveis, destacadamente nos
países industrializados.
Como explicado anteriormente, a revolução industrial tornou as atividades humanas
muito intensivas, liberando, em curtos espaços de tempo, grandes quantidades de carbono.
A liberação do carbono estocado nas rochas (combustíveis fósseis) foi a força motriz que
alterou drasticamente o equilíbrio das concentrações de carbono na atmosfera terrestre e a
maior parte é liberada na forma do CO2.
3 Conclusão
Conforme discutido no presente trabalho foi intenso o aumento de emissões de GEE
relativo ao uso de combustíveis fósseis a partir da Revolução Industrial, como visto nas
emissões históricas do uso de combustíveis fósseis das Figuras 1 e 2.
17
Destacam-se: Japão, “Tigres Asiáticos” e China.
288
Figura 1 e Figura 2 – Emissões absolutas e percentuais de CO2 devido ao uso de
combustível fóssil por região. (Regiões do IPCC: OECD90 - Países da Organização para
Cooperação Econômica e de Desenvolvimento em 1990, REF - Países da Antiga União
Soviética e leste europeu, ALM – América Latina, África e Oriente Médio, ASIA, Ásia)
(PLVV}HVGH&2GRXVRGHFRPEXVWtYHOIyVVLOSRUUHJLmR
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10
0
2.50E+07
2.00E+07
21.50E+07
&J1.00E+07
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5.00E+06
1790
1830
1870
1910
1950
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6
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8
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9
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0
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1
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2
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3
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4
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5
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6
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7
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9
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0
19 0
1
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5
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6
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7
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8
19 0
90
0.00E+00
1750
$QR
OECD90
REF
ALM
$QR
ASIA
Total
ALM
ASIA
REF OECD90
Fonte: Marland et al. (1999).
A importância da concentração desses gases na atmosfera é fundamental para o entendimento do processo do aumento da temperatura, o que envolve uma análise histórica do desenvolvimento econômico desses países, conforme ilustrado nas Figuras 3 e 4. O trabalho mostrou
que existem algumas controvérsias no que diz respeito à própria existência do problema e
também no que se refere às relações de causa e efeito no tema das mudanças climáticas.
Figura 3 e Figura 4 – Concentrações de CO2 absolutas e percentuais de CO2 devido ao
uso de combustível fóssil por região. (Regiões do IPCC: OECD90 - Países da Organização
para Cooperação Econômica e de Desenvolvimento em 1990, REF - Países da Antiga União
Soviética e leste europeu, ALM – América Latina, África e Oriente Médio, ASIA, Ásia)
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OECD90
REF
ALM
70
50
30
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19
19
19
19
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10
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270
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280
90
$QR
ASIA
Total
ALM
ASIA
REF
OECD90
Fonte: IVIG, 2004.
Entretanto, partindo-se do princípio de que existe um aquecimento global, mesmo
que o mundo esteja no início de um aquecimento natural, qualquer emissão antropogênica
de gases que causem o efeito estufa deve ser vista como problema adicional, pois
provocaria uma elevação ainda maior das temperaturas, devendo-se adotar uma postura de prevenção (Figuras 5 e 6).
289
Figura 5 e Figura 6 – Aumento da temperatura média superficial absolutas e
percentuais de CO2 devido ao uso de combustível fóssil por região devido às emissões
de CO2. (Regiões do IPCC: OECD90 - Países da Organização para Cooperação
Econômica e de Desenvolvimento em 1990, REF - Países da Antiga União Soviética e
leste europeu, ALM – América Latina, África e Oriente Médio, ASIA, Ásia)
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OECD90
REF
ALM
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19
19
30
10
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50
19
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17
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1750
70
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R 2.00E-01
$QR
ASIA
Total
ALM
ASIA
REF
OECD90
Fonte: IVIG, 2004.
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290
MARCO REGULATÓRIO
INTERNACIONAL DA
PROTEÇÃO DO CLIMA
Kamyla Borges da Cunha*
Arnaldo Walter**
Fernando Cardozo
Fernandez Rei ***
RESUMO
O enfrentamento das mudanças climáticas, ocasionadas pela intensificação do efeito estufa
adicional, tem-se tornado um desafio aos dirigentes e organizações internacionais em todo
mundo. A instituição de um sistema internacional legal, instaurado pela Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) e seu Protocolo de Quioto, tem
permitido vislumbrar-se alguns instrumentos de mitigação, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A adequada implementação de tais ferramentas jurídicas pressupõe não somente sua abordagem econômica, social ou política, mas, sobretudo, sua compreensão jurídica. Sob um tal enfoque, o presente artigo tem como objetivo identificar as principais normas pertinentes ao MDL. Para tanto, optou-se por apontar as normas criadas no
âmbito da CQNUMC, destacando-se os aspectos jurídicos de relevância.
Palavras-chave: mudanças climáticas – MDL – sistema jurídico internacional
INTRODUÇÃO
As mudanças climáticas, ocasionadas pela intensificação do efeito estufa adicional, há mais
de uma década, é tema central da agenda internacional dos Estados. Suas origens, relacionadas
com causas naturais e com a atividade humana, principalmente o uso intensivo de combustíveis fósseis, são um desafio para os países e as organizações internacionais que buscam enconMestranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia
Mecânica da Unicamp
**
Professor Doutor do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de
Engenharia Mecânica da Unicamp
***
Professor Doutor da Faculdade de Direito – USP
Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Campinas –UNICAMP, Caixa Postal 6122, CEP 13083-970.
Fone: (19) 3788 3285 - Fax (19) 3289 3722. E-mail: [email protected]
*
291
trar alternativas para o gerenciamento do problema. A instituição de um sistema internacional
legal, instaurado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(CQNUMC) e seu Protocolo de Quioto, tem permitido considerar a oportunidade de alguns instrumentos de mitigação, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
A adequada implementação de tais ferramentas jurídicas pressupõe não somente sua
abordagem econômica, social ou política, mas, sobretudo, sua compreensão jurídica. Sem
uma tal abordagem, corre-se o risco de surgirem importantes barreiras legais, e, com estas,
aumento de custos de transação, o que pode dificultar ou até inviabilizar a adequada
implementação dos tratados internacionais, bem como o desenvolvimento de projetos de
MDL. Daí a importância na identificação desse marco regulatório internacional e seus
aspectos jurídicos de relevância.
O presente artigo tem, pois, como objetivo identificar as principais normas pertinentes
ao MDL e, para tanto, optou-se por apontar as normas criadas no âmbito da CQNUMC,
destacando os aspectos legais pertinentes. Dessa forma, procurou-se, primeiramente,
contextualizar o problema das mudanças climáticas, delineando-lhe suas características essenciais. Posteriormente, buscou-se explicitar como o direito foi chamado a intervir e os
instrumentos jurídicos então criados para enfrentar o problema. Feito isso, buscou-se destacar as principais normas relativas ao MDL e, por fim, procurou-se apenas apontar a
exigibilidade dessas normas no contexto internacional.
1 MUDANÇAS CLIMÁTICAS: PROBLEMA GLOBAL / SOLUÇÃO GLOBAL
A vida no planeta Terra, tal qual a conhecemos, tornou-se possível apenas em função
dos mecanismos de regulação do clima, como o efeito estufa, ou seja, a retenção da radiação solar provocada por certos gases, notadamente o dióxido de carbono, ozônio, metano,
óxido nitroso, e halocarbonos (FBMC, 2002). Contudo, as emissões crescentes desses gases, principalmente do dióxido de carbono, têm contribuído para a intensificação do efeito
estufa, provocando mudanças no clima.
As evidências das mudanças climáticas, também conhecidas como aquecimento global, mostram-se irrefutáveis. A temperatura global aumentou em média 0,2 a 0,6ºC no século XX, sendo
essa elevação mais intensa nos continentes do que nos oceanos. No Hemisfério Norte, a década
de 90 foi a mais quente nos últimos 1000 anos. Ainda no Hemisfério Norte, a precipitação de
chuvas aumentou em torno de 5 a 10%, no século XX, enquanto decresceu em outras regiões,
como no Mediterrâneo e na África. Ao mesmo tempo, o nível médio dos mares elevou-se de
10 a 20 cm (IPCC, 2001). Esse aumento das emissões de gases precursores do efeito estufa,
mais do que decorrência da própria transformação natural do clima, deve-se à atividade antrópica.
Com efeito, grande parte das emissões resulta do uso intensivo de combustíveis fósseis, da
crescente alteração dos usos da terra e da consolidação de um modo de vida baseado no
consumo abusivo de bens naturais e na evolução tecnológica sem precedentes.
As mudanças climáticas, hoje sob profundo e intenso estudo, despontam, em pleno
século XXI, como um dos principais problemas mundiais a ser enfrentado pela humanidade. Sem dúvida, os possíveis efeitos do aquecimento global poderão afetar profundamente
os ecossistemas naturais, bem como as relações sociais, econômicas e políticas da sociedade
contemporânea. O que está em jogo, assim, é a capacidade adaptativa dos seres vivos e, em
especial, do homem, às alterações provocadas pelo aquecimento global.
292
Tais constatações levaram MATEO (1992) a destacar três características principais da ameaça
do aquecimento global: a) universalidade: o clima é um elemento difuso, que atinge de forma
dinâmica e integrada, todo o planeta; b) inter-relação: o clima age em dinâmica interconexão com
os demais elementos da biosfera, não conhecendo, essa dinâmica, fronteiras; c) gravidade das
conseqüências: a alteração do clima ameaça a todos os seres humanos de forma comum. É que,
como afirma RUIZ (1999), assim como outros elementos do meio ambiente, o clima constitui um
continuum ecológico, que se projeta tanto nos espaços submetidos à soberania dos Estados, como
mais além destes. Dessa forma, a atmosfera e os mecanismos de regulação do clima, por ignorarem divisões político-jurídicas, pressupõem uma regulação eminentemente supranacional.
2 REGULAÇÃO INTERNACIONAL DA PROTEÇÃO DO CLIMA
O reconhecimento do papel das atividades antrópicas como principal causa das mudanças
climáticas inaugura, na sociedade contemporânea, um conflito totalmente novo e de imensurável
proporção: a contrariedade entre a manutenção do equilíbrio das condições de vida sobre a
Terra e o próprio sistema de produção vigente. Face à concreta ameaça contra suas bases de
equilíbrio vital, a sociedade começa a vislumbrar novos valores, notadamente, a necessidade de
restauração do equilíbrio do sistema climático. Assim sendo, o clima (ou o equilíbrio climático
mínimo) passa a ser percebido pelo direito como um valor social que precisa ser tutelado. De
elemento meramente físico, e, portanto estranho às relações jurídicas, o clima passa a ser objeto
de direito (Rei 1993-4). E, numa perspectiva muito mais abrangente, o clima (ou o equilíbrio
climático mínimo) eleva-se a patrimônio comum da humanidade (REI 1993-4).
Ao ser assim juridicamente qualificado, o clima ganha toda uma conotação especial, intimamente associada à noção de direito fundamental da pessoa humana. Sob um tal enfoque, o
clima (ou o equilíbrio climático), como fator essencial à qualidade de vida, passa a ser também
tipificado como legítimo direito de terceira geração, cuja característica marcante é exatamente
sua natureza difusa. A proteção do clima, agora, ao adentrar no âmbito dos direitos humanos,
ganha significação ímpar. Segundo REI (1993-4, p.121), o clima passa a ter novos imperativos,
já que, como um bem comum, há de ser utilizado por todos os seres humanos de forma
eqüitativa, submetendo-se a uma gestão racional, necessariamente pacífica. O novo status de
patrimônio comum da humanidade, igualmente, permite, ao sistema internacional, a formulação de normas jurídicas reguladoras, imprescindíveis à compatibilização do seu uso.
2.1 Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas CQNUMC
Como visto no item anterior, a dimensão global das mudanças climáticas, mesmo que já
percebida como um problema que requer solução urgente, ainda desafia uma reação mais
efetiva e igualmente global da sociedade humana.
A preocupação com o aquecimento global somente começou a ganhar foros internacionais
na década de 70, através das Conferências promovidas pela Organização Metereológica Mundial em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA.
Apesar de já na 1ª Conferência Mundial do Clima, realizada em 1979 na cidade de Genebra,
haver-se reconhecido a seriedade do problema do aquecimento global, somente 11 anos depois, na 2ª Conferência Mundial do Clima, realizada na mesma cidade, chegou-se à conclusão de
que os Estados deveriam adotar medidas nacionais e regionais destinadas a reduzir as fontes
emissoras e também negociar um tratado internacional sobre o tema (REI, 1993-1994, p.59).
293
A partir de então, iniciaram-se os trabalhos de negociação, sob o comando da ONU,
culminando num texto legal que, posteriormente, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO/92, foi assinado por 153 países,
transformando-se na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(CQNUMC). A CQNUMC, destarte, formaliza, no âmbito internacional, a proteção legal
do clima, advindo daí novas e originais implicações jurídicas.
O reconhecimento da importância do equilíbrio do clima como novo valor social a ser
tutelado pelo direito teve, na CQNUMC, sua maior e mais significativa expressão. Todo o
conteúdo da CQNUMC explicita a preocupação da sociedade mundial com as mudanças
climáticas e a necessidade de proteger o sistema climático em benefício das presentes e
futuras gerações da humanidade (Artigo 3 princípio 1).
A CQNUMC surge, nesse contexto, como ato jurídico internacional que, assimilando os
novos valores e preocupações sociais, toma o clima como objeto de tutela jurídica,
estruturando-lhe todo um sistema jurídico de gestão. Em outras palavras, a CQNUMC
inaugura o regime jurídico internacional de proteção do clima que tem como principais
objetivos a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível
que impeça a interferência antrópica perigosa no sistema climático e a promoção do desenvolvimento sustentável (Artigo 2).
Para tanto, lança mão de princípios do direito internacional do meio ambiente, como a
responsabilidade comum mas diferenciada, a precaução, a participação, a informação e a cooperação internacional. Reconhecendo que a maior parte das emissões globais de gases precursores do efeito estufa, atuais e globais, é originária dos países desenvolvidos e industrializados, e que
os países em desenvolvimento ainda precisam expandir suas economias para atingir o desenvolvimento, a CQNUMC adotou o princípio da responsabilidade comum mas diferenciada no
seu Artigo 3, itens 1 e 3. A adoção desse princípio permitiu que se definissem, posteriormente
no Protocolo de Quioto, metas concretas de redução das emissões para cada país desenvolvido,
protelando-se igual medida para os países em desenvolvimento até 2008.
O princípio da precaução, tal qual previsto no Princípio 15 da Declaração do Rio de
Janeiro de 92, abarca duas noções elementares: a de risco e a de incerteza científica. Assim,
proclama que, diante de uma incerteza científica, deve-se evitar o risco de danos ao meio
ambiente. Esse princípio foi acolhido pela CQNUMC, no seu artigo 3º, alínea 3. Igualmente, os princípios da participação e a da informação, expressos na CQNUMC, também
adquiriram função elementar no funcionamento do sistema climático, posto que consagraram o acesso livre às informações e a participação pública no processo decisório.
FRANGETTO e GAZANI (2002, p.37) ressaltam a importância deste último princípio
como agente legitimador da crescente participação efetiva da sociedade civil e, principalmente, das ONGs, na dinâmica do sistema jurídico climático.
A idéia de patrimônio comum da humanidade, ao remeter à noção de interesse comum
a todos os seres humanos, cria a obrigatoriedade de cooperação entre os Estados. Para
RUIZ (1999, p.15-6), esse princípio deve ser posto não no sentido de cooperação utilitarista,
circunscrita à idéia de vantagem mútua, mas, num nível além, de satisfação cooperada e
solidária de objetivos de caráter coletivo. Desta feita, como defende SOARES (2002, p.478
e sgts), nascem novas condutas de cooperação, atinentes a deveres de intercâmbio de informações científicas e tecnológicas, de notificação, de assistência e tratamento eqüitativo.
294
Importante também destacar o papel da noção de desenvolvimento sustentável, trazida
pela CQNUMC como um de seus objetivos principais. Dessa forma, o desenvolvimento
sustentável aparece, em todo o texto da CQNUMC, também como um elemento condutor das ações a serem implementadas.
Deve-se reconhecer, por fim, que os princípios aqui consignados, como todos os demais,
ilustram a progressiva ingerência das normas de soft law no direito internacional, notadamente
na regulação das questões relativas ao meio ambiente. O predomínio da soft law no direito
internacional do meio ambiente dá a este ramo um caráter muito mais flexível, fluido e até
mesmo democrático, já que permite à sociedade participação mais efetiva na sua construção.
Essa característica pode ser vista na estruturação do regime jurídico instituído pela CQNUMC,
que, ao criar um sistema concatenado de ações, permite o surgimento de órgãos subsidiários
e, com eles, uma série de textos normativos tipicamente de soft law.
Isso decorre, em parte, também da própria natureza de convenção “quadro”, ou, como
prefere a doutrina,“moldura”, da CQNUMC. SOARES (2002, p.63) ensina que essa espécie de
tratado caracteriza-se por traçar uma moldura normativa de direitos e deveres de natureza vaga,
que, por isso, pedem uma regulamentação mais pormenorizada. Essa se dá com a criação de
um órgão composto por representantes dos Estados-partes, a quem são delegados poderes de
complementar e expedir normas de especificação. A cada reunião desse órgão, chamado Conferência das Partes (COP), são discutidos e normatizados pontos ainda indefinidos da convenção-quadro. Surge, assim, continuamente, um corpo normativo direcionado a uma gestão integrada e harmônica do objeto jurídico tutelado pela convenção-quadro.
De 1994 até hoje, foram realizadas 9 Conferências das Partes, destacando-se, dentre estas,
duas de elementar importância: a COP 3, realizada na cidade de Quioto/Japão e a COP 7,
realizada em Marraqueche/Marrocos. Como resultado da primeira, instituiu-se o Protocolo
de Quioto, primeiro ato de direito internacional, com efeito vinculante, a efetivamente prever
medidas concretas de redução de emissões e mecanismos para tanto. Na segunda, foram
firmados os Acordos de Marraqueche, uma série de normas reguladoras dos mecanismos
criados pelo Protocolo, em especial, do MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
2.2 Protocolo de Quioto
O Protocolo de Quioto é o primeiro tratado a efetivamente prever medidas de redução
das emissões de gases causadores do efeito estufa. Assim, os Estados-partes desenvolvidos, discriminados no Anexo B do Protocolo, comprometeram-se a diminuir a emissão
dos seis principais gases causadores do efeito estufa (CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs, SF6) em
5% em relação aos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012.
Essa obrigação assumida no Protocolo rendeu sérias discussões e a dissidência do principal responsável pelas emissões – os EUA. Para este país e outros Estados (como a Austrália),
que até hoje se negam a ratificar o Protocolo, a meta quantitativa estabelecida no texto internacional mostra-se inaplicável e, por ser geral a todos os países insertos no Anexo B, ignora a
realidade e o contexto de cada um dos Estados. Outra crítica tecida por aquele país diz
respeito ao fato de que o Protocolo excluiu do compromisso de redução países como Brasil,
China e Índia, cujas emissões, a médio e longo prazo, tendem a superar as de muitos países
desenvolvidos. Este questionamento liga-se à crítica ao sistema de avaliação histórica das
emissões, base do princípio da responsabilidade comum mas diferenciada (FRENCH, 1998).
295
A negativa de ratificação do Protocolo por parte dos EUA (e outros países, como Austrália) impediu, até o momento, que o tratado entre em vigor. Isso porquê, para que possa
plenamente viger, o Protocolo precisa ter a ratificação de pelo menos 55 Partes da CQNUMC,
cujas emissões somadas devem contabilizar, no mínimo, 55% das emissões totais de carbono
emitidas em 1990 (artigo 25). A esperança de que o texto internacional possa entrar em vigor
o quanto antes reside na promessa da Rússia em ratificá-lo ainda este ano.
A indefinição quanto ao futuro do Protocolo de Quioto talvez seja o maior e mais sério
óbice enfrentado pela sistemática jurídica criada pela CQNUMC. Sem a plena vigência das
normas insertas no Protocolo, as necessárias medidas de redução das emissões perdem
espaço de atuação legal e, com isso, importante instrumento de combate às mudanças
climáticas fica diferido para segundo plano.
Entretanto, não se pode deixar de atribuir ao Protocolo um valor normativo. Apesar de
não estar em vigor, produz efeitos jurídicos, criando situações jurídicas novas. Em termos
estritamente jurídicos, o Protocolo de Quioto já possui existência e validade jurídica para os
países que o ratificaram, mas, por não estar em vigor, prescinde de eficácia jurídico-formal.
Porém, as iniciativas espontâneas dos países que já subscreveram e ratificaram o Protocolo
de Quioto em, independentemente dos aspectos jurídico-formais, cumprir os ditames legais nele insertos comprova a existência de atos de vontade capazes de fazer valer o texto
jurídico ainda formalmente ineficaz. A eficácia dita social do Protocolo de Quioto pode
ser comprovada pelo surgimento progressivo de inúmeras atividades conjuntamente
implementadas, no âmbito da EU e dos países em transição, a proliferação de projetos de
MDL nos países em desenvolvimento, e a crescente regulamentação, no âmbito do Conselho Executivo e das COPs, de todos os mecanismos nele previstos.
Não obstante enfrentar obstáculos jurídicos e políticos, o Protocolo ainda representa
um marco no trato das questões climáticas, principalmente porque previu, mais que metas
bem definidas de redução de emissões, mecanismos de implementação, como o mercado
de carbono, as joint implementations e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os
dois primeiros destinam-se apenas aos países desenvolvidos e o último tem como escopo
a participação dos países em desenvolvimento no enfrentamento da mudança do clima.
O artigo 12 do Protocolo de Quioto institui o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo- MDL como o único instrumento de flexibilização a permitir a participação dos países
em desenvolvimento nas metas de redução de emissões de gases precursores de efeito
estufa (GEE) impostas aos países desenvolvidos. O objetivo do MDL é, assim, assistir as
Partes incluídas no Anexo I da CQNUMC – países desenvolvidos – na consecução de suas
metas quantificadas de GEE, e, por outro lado, assistir as Partes não incluídas no Anexo I
– países em desenvolvimento – na consecução de práticas de desenvolvimento sustentável.
Para ser considerado como uma atividade de MDL, qualquer projeto necessita antes
preencher os requisitos insertos no artigo 12 do Protocolo de Quioto, chamados critérios
de elegibilidade. São eles: a) a participação dos países envolvidos com o projeto deve ser
voluntária e aprovada pelos órgãos governamentais competentes de cada país; b) a atividade do projeto deve resultar em benefícios reais, mensuráveis e de longo prazo, relacionados
com a mitigação das mudanças climáticas; c) as reduções de emissões de GEE devem ser
adicionais ao que ocorreria na ausência da atividade do projeto; d) a atividade do projeto
296
deve contribuir para o desenvolvimento sustentável, segundo as diretrizes do país anfitrião
do projeto. A aferição desses critérios de elegibilidade é feita por meio de um complexo
processo, instituído nos Acordos de Marraqueche.
2.3 Acordos de Marraqueche
Vinculados ao quadro regulador e instituídos durante a COP-7, os Acordos de
Marraqueche formam um conjunto de normas que, entre outras questões, regula o procedimento de certificação de projetos de MDL. Esse procedimento é composto por etapas:
concepção do projeto; validação e registro; verificação e monitoramento; certificação.
No intuito de fornecer a estrutura institucional internacional necessária ao acompanhamento do procedimento de certificação, os Acordos de Marraqueche criam alguns órgãos,
como o Conselho Executivo (CE: tem como principais atribuições coordenar todo o
processo, acreditar EOD, aprovar metodologias de linha de base), as Entidades Operacionais
Designadas (EOD: têm a principal função de validar, verificar e monitorar e certificar as
reduções de emissões de projetos e MDL) e as Autoridades Nacionais Designadas (AND:
são os órgãos instituídos em cada país com as atribuições de coordenar a implementação
do MDL em nível nacional e definir os critérios de desenvolvimento sustentável).
2.4 Outras Decisões: Decisão 21/COP-8 e Decisão COP-9
Como resultado da COP-8, ocorrida em Nova Delhi, foram instituídas as modalidades
e procedimentos para projetos de pequena escala. Essa norma tem como escopo possibilitar o desenvolvimento de pequenos projetos, através da diminuição dos custos de transação envolvidos no processo de certificação. Dessa forma, o procedimento de certificação,
apesar de manter as mesmas etapas previstas no ciclo do projeto previsto nos Acordos de
Marraqueche, estipula requerimentos menos rígidos e mais simplificados.
Dadas essas características, apenas as atividades previstas no Anexo I da Decisão 21/
COP-8, podem ser incluídas como projetos de pequena escala. São elas: a) energia renovável
com capacidade instalada de no máximo 15MW; b) eficiência energética que reduzam o
consumo de energia no lado da demanda/suprimento até o equivalente de 15GWh por
ano; c) qualquer outra atividade que reduza emissões antropogênicas de GEE por fontes e
diretamente emita menos de 15kt de CO2 equivalente anualmente.
Como resultado da COP-9, ocorrida em Milão, foram aprovados os procedimentos
e modalidades para projetos de MDL referentes a atividades de reflorestamento e
florestamento. Tais normas inovam em diferentes aspectos, criando dois novos “tipos” de
Reduções Certificadas de Emissões (RCEs): temporárias e de longo prazo; estabelecendo
a necessidade de avaliação não só ambiental, mas também sócio-econômica dos projetos;
priorizando atividades que envolvam comunidades tradicionais e de baixa renda, etc.
2.5 Exigibilidade do cumprimento das normas internacionais de proteção do
equilíbrio climático
Questão que se levanta diz respeito à existência de medidas legais em hipóteses de
descumprimento das obrigações assumidas pelos Estados-partes quando de suas adesões
aos textos jurídicos internacionais de proteção do equilíbrio climático. Sabe-se que o
descumprimento de um tratado implica responsabilidade internacional do Estado
transgressor e sua obrigação de reparar o ilícito.
297
É tema de delicada abordagem, a exigibilidade do cumprimento dos tratados internacionais pelos Estados-partes e revela-se um desafio aos juristas e internacionalistas, principalmente porque implica a aceitação de sanções internacionais imputáveis a Estados soberanos. Afinal o direito internacional é um direito diferente, aplicável a uma sociedade muito peculiar.
A CQNUMC não especifica hipóteses de sanções em caso de descumprimento das
obrigações de conduta impostas no artigo 4º. Os únicos mecanismos previstos de discussão da implementação das normas contidas na convenção estão contidos nos artigos 13 e
14, relativos à criação de um processo de consultas multilaterais e solução de disputas,
respectivamente. Tais processos respondem à evolução do sistema internacional, da
interdependência crescente e da necessária regulação normativa da vida internacional assentada no princípio da cooperação.
O artigo 13 ainda tem sido objeto de discussão, tendo sido elaborado um termo de
referência durante a COP 4. Esse termo de referência sugere a instituição de um Comitê de
Consultas Multilaterais com o objetivo resolver questões sobre a implementação da convenção, podendo prover decisões sobre: a) dúvidas de uma Parte a respeito de algum
aspecto relacionado às suas atividades de implementação da convenção; b) dúvidas de um
grupo de estados a respeito de suas atividades de implementação da convenção; ou c)
requerimento de uma Parte ou grupo de Partes a respeito da implementação da convenção
por outra Parte. O artigo 14 disciplina a hipótese de surgimento de controvérsia entre as
Partes quanto à interpretação ou aplicação da Convenção, determinando os mecanismos
apropriados para a solução do impasse.
Apesar de conexo à CQNUMC, o Protocolo de Quioto mantém sua autonomia como
tratado internacional, podendo, assim, estipular mecanismos de sanção apropriados às normas que disciplina. Dessa forma, no seu artigo 18, incumbiu-se à COP a atribuição de
“aprovar procedimentos e mecanismos adequados e eficazes para determinar e tratar casos de não-cumprimento das disposições do tratado”. Não obstante o Protocolo haver ordenado a criação de tais
mecanismos já na primeira sessão da COP posterior à sua aprovação, até o momento, o
artigo 18 não foi regulado pela COP, persistindo a inexistência de qualquer mecanismo de
sanção dos Estados-partes pelo não-cumprimento das obrigações nele insertas.
Independentemente de outros argumentos de que Protocolo ainda não entrou em vigor
e suas normas ainda não são juridicamente vinculantes, tendo em vista a intensa regulamentação de outros aspectos igualmente previstos no Protocolo, como o caso dos mecanismos
de flexibilização, permite-se indagar os reais motivos da ausência de regulamentação do
mencionado artigo 18. De fato, a questão não pode ser respondida de maneira simplista.
Existe uma relação de mútua influência entre o sistema político internacional e as questões globais. O direito internacional do meio ambiente será transformado na sua produção,
nos seus conteúdos e na sua efetividade segundo o avanço do conhecimento científico e a
configuração momentânea do sistema. Mas, ao mesmo tempo, segundo NASSER (2004,
p.46), o direito é um dos elementos que dão à configuração do sistema suas características,
e influi nas relações entre os seus membros. Não há, portanto, como imaginar uma evolução de um sem a evolução do outro. E assim, a exemplo dos instrumentos da soft law, restanos considerar que o Protocolo produz efeitos, cria determinadas obrigações e influencia o
comportamento dos Estados antes mesmo de passar a viger.
298
CONCLUSÃO
A universalidade, a inter-relação e gravidade das conseqüências – características das
mudanças climáticas, por um lado, e a qualidade difusa do direito ao equilíbrio climático e sua elevação a direito fundamental da pessoa humana, por outro, impuseram
medidas de enfrentamento internacionais, como a CQNUMC e o Protocolo de Quioto.
Tais normas internacionais apresentam aspectos eminentemente jurídicos, cuja análise
mostra-se de relevância à plena compreensão de sua aplicabilidade, com profundas
implicações políticas e econômicas.
Com efeito, o formato jurídico dado à CQNUMC permite compreender a estrutura
organizacional momentânea criada para implementar esse tratado, bem como o valor jurídico das normas criadas por tais órgãos. A identificação dos princípios de direito internacional existentes tanto na CQNUMC como no Protocolo de Quioto fornece as bases
sobre as quais se assentam os mecanismos criados para enfrentar as mudanças climáticas,
apesar da variabilidade das configurações do sistema político da sociedade internacional.
Por isso, a análise jurídica também demonstra como o direito não foge aos aspectos
econômicos, políticos e sociais, ao vislumbrar-se a ausência de mecanismos efetivos de
penalização dos Estados-partes em caso de não-cumprimento das obrigações internacionalmente assumidas. No entanto, não se pode dizer que a estrutura do sistema e seu marco
regulatório estejam desprovidos de mecanismos de cumprimento, que só podem de fato
resultar das interações entre os Estados.
REFERÊNCIAS
FBMC - FÓRUM BRASILEIRO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS. Guia de Informação. Brasília: Fórum Brasileiro de
Mudanças Climáticas, 2002. Disponível em: <http://www.forumclimabr.org.br>.
FRANGETTO, Flávia Witkowski, GAZANI, Flávio Rufino. Viabilização jurídica do mecanismo de desenvolvimento
limpo (MDL) no Brasil: O Protocolo de Kyoto e a cooperação internacional. São Paulo: Peirópolis; Brasília: IIEB Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2002.
FRENCH, Duncan. 1997 Kyoto Protocol to the 1992 UN Framework Convention on Climate Change. Journal of
Environmental Law, vol.10, n.2., p. 227-39, 1998.
IPCC. Climate Change 2001: Synthesis Report. UK: Cambridge University Press, 2001. Disponível em: <http://
www.grida.no/climate/ipcc_tar/vol4/english/pdf/front.pdf>. Acesso em 09 mar 2003.
MATEO, Ramón Martín. Tratado de derecho ambiental. Vol II . Madrid: 1992.
NASSER, Salem Hikmat. Soft Law. Um Estudo sobre as normas e as fontes do Direito Internacional. Tese de
doutorado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2004
REI, Fernando Cardozo Fernandes. Los aspectos jurídico-internacionales de los câmbios climáticos. Tese de doutorado
apresentada à Faculdad de Derecho de la Universidade de Alicante. 1993-1994
RUIZ, José Juste. Derecho Internacional del medio ambiente. Madrid: 1999.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2002.
299
IMPACTOS DA VARIABILIDADE
GEOGRÁFICA NA ANÁLISE DE CICLO DE
VIDA DE UM SISTEMA ENERGÉTICO:
O EXEMPLO DE UMA TURBINA EÓLICA
Ulrike Wachsmann *
RESUMO
A análise de ciclo de vida de um certo produto pode chegar a resultados bastante diferentes, dependendo da localização da sua produção. É o objetivo desse estudo fornecer
um exemplo de variabilidade geográfica examinando a energia e o CO2 embutidos em
uma turbina eólica particular produzida no Brasil e na Alemanha. Os resultados demonstram a importância de uma consideração adequada do sistema econômico local.
INTRODUÇÃO
A análise de ciclo de vida (ACV) de um produto ou processo tem como objetivo capturar
impactos ambientais que se acumulam ao longo do período berço-ao-túmulo. Em geral,
esses impactos ocorrem ou diretamente durante a produção do produto, ou durante o processo (on-site), ou são causados indiretamente durante o fornecimento dos insumos à produção ou ao processo (off-site). Enquanto os impactos diretos são características únicas de cada
produto ou processo, os impactos indiretos podem variar com a estrutura e o desempenho
do sistema fornecedor, ou seja, da economia da localização da produção.
O objetivo deste trabalho é obter uma idéia da variabilidade das contribuições indiretas
a um inventário de ciclo de vida (ICV) para produtos nominalmente idênticos, causada por
variações geográficas do sistema fornecedor. No estudo examina-se o ciclo de vida de uma
turbina eólica específica, produzida no Brasil e na Alemanha. Esses países foram escolhidos, por um lado, por causa da disponibilidade de dados e, por outro lado, pelas diferenças significativas nas estruturas econômicas e nas suas características de geração de energia.
A análise é feita em termos de energia e de CO2.
Doutoranda do Programa de Planejamento Energético – COPPE – UFRJ; Pesquisadora do CENERGIA – Centro de
Economia Energética e Ambiental; E-mail: [email protected].
CENERGIA – Centro de Economia Energética e Ambiental PPE/COPPE/UFRJ, Centro de Tecnologia, Bloco I, Sala
I-034, Ilha do Fundão, 21945-970 Rio de Janeiro, Brasil
*
300
O trabalho é estruturado da forma seguinte: a próxima seção apresenta a turbina
eólica E-40 e descreve a estrutura econômica brasileira e alemã, enfocando o sistema de
geração de energia. Em seguida, se introduz brevemente a metodologia da ICV híbrida
- utilizada neste estudo -, e as fontes de dados. Por fim, serão apresentados os resultados
de uma forma comparativa.1
A turbina eólica E-40 no Brasil e na Alemanha
A turbina eólica modelo E-40 produzida pela empresa alemã ENERCON é caracterizada
por um rotor de 3 pás, controlado por ângulo de passo com uma potência nominal de 600
kW. O diâmetro do rotor e a altura do eixo são variáveis, podendo ser ajustados às condições
prevalentes em qualquer local. A turbina não tem caixa de engrenagens e o rotor está acoplado
direto ao gerador. As pás do rotor (diâmetro de 40 ou 44 m) são feitas de fibra de vidro
reforçado com epoxy. A torre pode ser de aço tubular ou de concreto armado.
Em 1996, a ENERCON fundou uma subsidiária no Brasil. Desde então, a E-40 foi
montada inicialmente com pás, fundação e torre produzidas no Brasil, e gerador e nacele
importados da Alemanha. A produção completa da E-40 no Brasil começou em 2000. No
início do ano 2001, a subsidiária tinha instalado 35 turbinas eólicas nos Estados do Ceará e do
Paraná com uma potência nominal de 17,5 MW (81% da capacidade eólica instalada total). [2]
Como a ênfase desse trabalho encontra-se nos sistemas fornecedores econômicos, a
seguir apresenta-se uma visão geral da estrutura econômica e energética do Brasil e da
Alemanha (Fig. 1 e 2). No Brasil, todos os setores, exceto serviços, são mais importantes
para a geração do PIB. A Alemanha, como país industrializado, naturalmente conta com
uma extensão maior do setor terciário. Em 1995, o PIB per capita foi equivalente a 5928
U$PPP no Brasil e 20.370 U$PPP na Alemanha.
Figura 1 - Participação dos setores na geração do PIB:
Brasil (na esquerda) e Alemanha (na direita) [3], [4]
Agricultura 5.8%
Agricultura 1.4%
Mineração 1.0%
Mineração 0.5%
Serviços
27.9%
Fabricação
29.5%
Serviços
42.2%
Fabricação
33.8%
Transporte/
Comércio
9.5%
Utilidades públicas/
Construção
9.6%
Alimentos 3.9%
Alimentos 12.3%
Transporte/
Comércio
13.3%
Utilidades
públicas/
Construção
9.3%
1
Para informações mais detalhadas, consultar o trabalho de LENZEN e WACHSMANN (2004) [1], no qual este
trabalho é baseado.
301
Figura 2 - Participação do uso de energia primária nos setores industriais:
Brasil (na esquerda) e Alemanha (na direita) [5],[6]
Mineração2 1.9%
Agricultura 1.3%
Serviços1 1.9%
123
Utilidades públicas
20.3%
Utilidades públicas
37.4%
Alimentos
6.3%
Fabricação
56.6%
Fabricação
71.8%
Transporte 1.1%
Combustíveis fósseis
sólidos
Petróleo
Energia nuclear
Energia hidráulica
Lenha
Outras
Ambos os países são caracterizados por um alto consumo de combustíveis líquidos derivados no petróleo. Enquanto o gás natural e a energia nuclear a são apenas importantes nas
indústrias alemãs, a energia hidráulica, o bagaço, a lenha e o álcool da cana-de-açúcar são
importantes unicamente para o caso Brasil. Dado que todas essas últimas fontes energéticas
são renováveis, espera-se que o balanço de carbono dos produtos brasileiros seja consideravelmente mais baixo que no caso dos produtos alemães. Vale ressaltar que, o setor utilities
(principalmente a geração de eletricidade) consome bem menos energia no Brasil, devido à
eficiência de conversão da energia hidráulica ser muito maior que a do carvão.
Metodologia: a ACV baseada nas tabelas de insumo-produto com unidades híbridas
A análise de insumo-produto é uma técnica econômica “top-down”, que utiliza dados das
transações monetárias intersetoriais para contabilizar as interdependências complexas entre
as indústrias das economias modernas. O resultado da análise de insumo-produto generalizada é um multiplicador fatorial de formato 1×n, que representa a quantidade embutida
do fator de produção (como água, trabalho, energia, recursos e poluentes) por unidade do
consumo final dos bens e serviços produzidos por n setores industriais. Um multiplicador
m pode ser calculado a partir de um vetor f (1×n) contendo o uso setorial do fator de
produção, e da matriz dos requerimentos diretos A (n×n) conforme com
m = f (I-A)-1,
(1)
onde: I é a matriz de identidade (n×n).
Neste trabalho, m é expressado em preços de consumidor, incluindo margens, mas não
302
taxas de venda. [7] O inventario Φ (escalar) de um dado produto ou processo, representado por um vetor de insumos de bens y (n×1) e um escalar Φd do uso direto do fator é
calculado da forma seguinte:
Φ = my + Φd.
(2)
my representa o uso indireto dos fatores embutidos em todos os insumos aos produtos
e processos.
Fontes de dados
Este trabalho é baseado no estudo de ciclo de vida da turbina eólica E-40 elaborado
por PICK e WAGNER [8,9]. Todos os detalhes técnicos, as condições do local e os custos
são adotados do exemplo alemão e transferidos ao contexto brasileiro. Isso significa que
uma turbina eólica idêntica àquela que está operando na Alemanha é examinada, mas agora
produzida e operando (em parte ou inteiramente) no Brasil.
Considerando as equações 1 e 2, três tipos de dados são requeridos para a realização
deste estudo, a saber: (1) as estatísticas do uso dos fatores energia e CO2, (2) a matriz de
requerimentos diretos A, e (3) um vetor dos insumos à turbina (componentes) y, preferivelmente da mesma moeda (aqui: U$).
Para o Brasil, os dados do uso energético industrial e residencial são regularmente publicados pelo Ministério de Minas e Energia para 24 fontes de energia primária e secundária [5].
Hidroeletricidade é valorada como potencial hídrico e não é convertida para o equivalente
térmico. A matriz de requerimentos diretos faz parte das tabelas de insumo-produto publicadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [3], detalhando 80 commodities e 43 setores. Finalmente, o conteúdo de CO2 é baseado no trabalho de SCHECHTMAN et al. [10].
Para a Alemanha, os dados de energia e CO2 são extraídos das tabelas de insumoproduto publicadas por [4,6], onde são distinguidos 59 commodities e setores.
Todo transporte de carga é examinado com base nas distâncias entre e dentro dos
países, utilizando intensidades de energia e carbono calculadas para Austrália [11]. O impacto dos rejeitos da turbina é assumido como desprezível (conforme [12,13]). Finalmente, os
custos dos insumos y da E-40 em 1995 DM são derivados dos dados documentados por
PICK e WAGNER [9]. Esses custos foram convertidos para dólares de 1995 utilizando a
taxa de câmbio de 1,5 1995DM/1995U$ [14]. Os custos da produção brasileira são obtidos pelo ajuste dos custos da Alemanha, considerando uma porcentagem mais baixa dos
insumos primários (como salários e capital) no Brasil.3 Em 1995, um Real brasileiro (R$)
foi cotado a aproximadamente um dólar americano (U$) [15].
Resultados
Quatro cenários são examinados:
1. Produção e operação na Alemanha;
2. Produção (exceto fundação) na Alemanha, operação no Brasil;4
Os insumos primários no Brasil e na Alemanha, representam 40% e 60% do insumo total, respectivamente. [18,19]
3
A operação brasileira ocorre no Paraná ou no Ceará.
4
303
3. 1999: Produção do gerador e da nacele na Alemanha, outras partes e operação no Brasil; 4,3
4. Produção e operação no Brasil; 4,5
Para cada cenário, são consideradas 5 opções de instalações caracterizadas por diferentes
locais (com diferenças nas alturas da torre e na massa da fundação, Tab. 1). A energia gerada
por ano é calculada com base nos dados da Alemanha do relatório de PICK e WAGNER
[9], mas para o caso brasileiro utiliza-se uma velocidade média do vento de 7 m/s (em vez
de 5 m/s para locais alemães). Outros detalhes técnicos podem ser encontrados em [9].
Tabela 1 - Características técnicas da turbina eólica examinada e opções da localização
de instalação (segundo [9]), (litoral = estado de Ceará, interior = estado de Paraná)
/LWRUDO
/LWRUDO
3HUWROLWRUDO
,QWHULRU
,QWHULRU
44
55
55
55
65
Massa da
fundação (t)
132.7
163.8
163.8
150.2
185.8
Distância,
terraa (km)
3,000 /100
3,000/100
3,000/200
500/800
500/800
Distância,
marb (km)
8,000/10,130
8,000/10,130
8,000/10,130
8,000/10,130
8,000/10,130
Energia
anual
(kWh) Brasil
3,558,926
3,748,666
2,910,409
2,196,404
2,420,131
Energia
anual (kWh)
Alemanha
1,296,985
1,366,132
1,060,645
800,439
881,972
Altura da
torre (m)
Os dois números representam a distância do local da produção até o local da instalação (primeiro número –
transporte por terra dentro do Brasil do local da produção Sorocaba ou até o Paraná (500 km; I-55, I-65) ou até o Ceará
(3000km; C-44, C-55, NC-55); segundo número – transporte por terra do porto marítimo mais perto do Paraná (800km;
I-55, I-65) ou do Ceará (100km, C-44, C-55; 200km, NC-55)).
b
Esses dois números representam as distâncias entre Alemanha e o porto marítimo no Ceará (8000km; C-44, C-55, NC55) ou de Santos (10130km; I-55, I-65).
a
As diferenças entre a energia primária embutida nas turbinas eólicas produzidas no Brasil
e na Alemanha são consideráveis (Tab. 2). A razão principal é a maior eficiência de conversão de geração de eletricidade do sistema brasileiro (mais que 90%). Uma avaliação de
todos os cenários utilizando um equivalente de combustíveis fósseis para a energia hidráulica brasileira resulta em valores de energia embutida similares às das turbinas produzidas na
Alemanha (aproximadamente 12.000 GJ).
A produção brasileira ocorre em Sorocaba, estado de São Paulo, aproximadamente 500km do Paraná e 3000
km do Ceará.
5
304
Tabela 2 - Requisitos de energia totais e específicos (GJ e MJ/kWhel) na produção e na
operação da E-40 sob cenários diferentes no Brasil e na Alemanha. Notação: L = litoral
(Ceará); I = interior (Paraná); PL = perto litoral; O = operação; P = produção.
&HQiULR
/ / 3/ ,
, / / 3/ , ,
>*-@
P&O na
Alemanha
>0-N:KHO@
11263 12568 12326 12330 12938
0,43
0,46
0,58
0,77
0,73
P Alemanha
11627 13029 12835 13055 13797
O Brasil
0,16
0,17
0,22
0,30
0,29
P Alemanha
e Brasil,
O Brasil
9525
10607 10326 10147 10733
0,13
0,14
0,18
0,23
0,22
P&O
no Brasil
8094
8827
0,11
0,12
0,15
0,19
0,19
8547
8486
9214
Vale ressaltar que a energia embutida varia mais com o cenário de produção do que com
as condições do local (altura da torre, massa da fundação) e com as distâncias de transporte. Observando os requisitos específicos de energia (bloco ao lado direito da Tab. 2), as
diferenças são ainda mais acentuadas: na comparação do melhor e do pior caso os valores
variam por um fator maior que 8. Tal fato ocorre, porque a geração anual de energia é
bem maior, na média, no Brasil (Tab. 1).
Em geral, a maior quantidade de energia é consumida pela torre (aproximadamente de 30
a 40% do total), seguida pelo gerador (25-30%) e os nacele (10-15%). A energia de transporte
é menor que 5% dos requisitos energéticos totais. (Fig. 3, gráfico esquerdo). As parcelas dos
componentes variam apenas levemente com a opção da instalação e o país de produção.
Figura 3 - Parcela de cada componente nos requisitos específicos de energia primária
e de CO2; Dados para a opção L-44 (1 - P&O na Alemanha; 2 - P Alemanha, O Brasil;
3 – Case 1999; 4 - P&O no Brasil).
100%
100%
80%
K
:
N0
HO
K
:
N
2&
JN
OH
60%
80%
60%
40%
20%
0%
40%
20%
0%
1
2
3
4
5
1
Rotor
Gerador e
conexões
elétricas
Nacele
Fundação
Transporte
Instalação e
operação
305
2
3
4
Torre
5
Enquanto a parcela do transporte parece surpreendentemente baixa, os resultados
deste trabalho são suportados por WENZEL [16] e GÜRZENICH et al. [17]. No
último estudo, o transporte entre a Alemanha e a Índia representa entre 4% e 5,4% dos
requisitos totais de energia das turbinas eólicas.
O CO2 embutido varia consideravelmente com a localização da produção (Tab. 3): quanto
mais componentes são produzidos no Brasil, mais favorável o balanço de CO2. As turbinas
completamente produzidas no Brasil, chegam a emissões de CO2 de, no mínimo, 5 vezes
menos que no caso alemão. Essa diferença notável se explica inteiramente pelas diferenças
entre os sistemas de geração de energia nas economias respectivas, como retratado na Fig. 2.
Tabela 3 - Requisitos totais e específicos de CO2 (t e kg/kWhel) na produção e operação
da E-40 sob cenários diferentes no Brasil e na Alemanha. Notação: L = litoral (Ceará);
I = interior (Paraná); PL = perto litoral; O = operação; P = produção.
&HQiULR
/ / 3/ , , / / 3/ , ,
>7RQHODGDVGH&2@
P&O na
Alemanha
P Alemanha
O Brasil
P Alemanha
e Brasil,
O Brasil
P&O
no Brasil
>NJGH&2N:KHO@
1176
1315
1290
1291
1358
0,045
0,048
0,061
0,081
0,077
1053
1183
1178
1186
1244
0,015
0,016
0,020
0,027
0,026
599
628
588
580
564
0,008
0,008
0,010
0,013
0,012
204
202
196
195
212
0,003
0,003
0,003
0,004
0,004
Novamente vale ressaltar que essas diferenças se tornam mais pronunciadas ainda em
termos dos requisitos específicos de CO2. Mesmo se as velocidades médias do vento
fossem invertidas, os melhores locais na Alemanha não seriam capazes de compensar as
vantagens do sistema brasileiro de produção.
As parcelas dos componentes nos requisitos específicos variam muito segundo seu
cenário de produção. Mudando a produção dos componentes da Alemanha (1,2) para o
Brasil (3), cada parcela é reduzida, exceto as da nacele e do gerador, os quais, em 1999,
ainda eram produzidos na Alemanha. Uma vez que a produção é totalmente transferida
para o Brasil (4), transporte, instalação e operação assumem uma parcela maior, porque
esses itens dependem mais dos combustíveis fósseis.
Conclusões
Durante os últimos 20 anos, a demanda de eletricidade no Brasil aumentou mais rápido que o
PIB e que a demanda de energia total. Especialmente o setor residencial é caracterizado por um
alto potencial de aumento futuro, por causa de uma demanda ainda não satisfeita. Ao mesmo
tempo, as usinas hidrelétricas – que atualmente fornecem mais que 90% da eletricidade no Brasil –
são percebidas pelos investidores como cada dia mais caras, controversas e arriscadas [18].
Neste contexto, SCHAEFFER e SZKLO [18] e WACHSMANN e TOLMASQUIM [19]
concluem que uma matriz futura da geração de eletricidade – com o objetivo de cumprir dois
critérios: custo mais baixo (“least-cost”) e proteção ambiental – será caracterizada por uma grande
306
participação de energia eólica. Os requisitos indiretos de energia para uma possível transição em
direção a esse mix podem ser responsáveis por uma parte substancial do consumo nacional de
energia [20]. Os resultados deste trabalho podem ajudar a responder a pergunta de até que
ponto os níveis projetados de energia disponível são sobreestimados para esta fase de transição,
caso a energia embutida nas usinas a serem construídas não seja levada em conta.
Numa observação mais hipotética, diferenças no CO2 embutido poderiam causar o
deslocamento da produção de turbinas eólicas (ou de outros produtos) para economias
mais eficientes na emissão de carbono, como no exemplo do Brasil, se as emissões fossem
penalizadas suficientemente. A variabilidade geográfica das emissões embutidas é, no mínimo, comparável à variabilidade no desenho técnico das turbinas eólicas, assim que uma
mudança do local da produção chega a ser uma alternativa séria à melhoria do desenho
técnico em economias menos limpas para atingir as metas de redução de CO2.
O trabalho demonstrou que um produto idêntico como a E-40 pode apresentar diferenças consideráveis nos recursos e poluentes embutidos, causadas por influências de efeitos em
cadeia no fornecimento “upstream”. Esses efeitos só podem ser avaliados abrangentemente se
o sistema de fornecimento da economia respectiva for levada em conta adequadamente.
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applications”; Renewable Energy, 26 (3), pp. 339-362.
307
BIOTRADE: IMPLEMENTAÇÃO
DO ÁLCOOL NO COMÉRCIO
MUNDIAL DE ENERGIA
Erik Augusto Piacente1
RESUMO
O sistema energético atual está ameaçando a segurança global, desde o perigo de depender
do petróleo do Oriente Médio até os perigos ecológicos de continuarmos a poluir a atmosfera. O principal elemento propulsor do efeito estufa é o paradigma da produção e de
consumo energético adotado como base do processo produtivo a nível mundial. Paradigma
esse baseado no uso intensivo de recursos fósseis não renováveis. Identificado o problema
iniciou-se uma série de encontros mundiais com fóruns de discussões, a fim de, encontrar
alternativas para a redução das emissões causadoras das mudanças climáticas. A UNCTAD
lançou a iniciativa de Biotrade com a missão de estimular o comércio e o investimento em
recursos biológicos a um desenvolvimento sustentável mais adicional, buscando a conservação da diversidade biológica, uso sustentável de seus componentes, e compartilhar benefícios
que surgem da utilização de recursos naturais. O etanol é provavelmente hoje o combustível
de biomassa mais atraente e viável no mundo a curto e médio prazo, sendo o combustível
adequado para substituição dos combustíveis fósseis em veículos leves. O Brasil apresenta
enorme potencial para produção do etanol e, facilidades estruturais que permitem que esta
energia ofertada seja produzida em bases sustentáveis e menos emissoras.
INTRODUÇÃO
A sociedade está experimentando hoje o resultado de todos os progressos técnico científicos ocorridos nos últimos anos. Atrelado a esse desenvolvimento, surgiram os problemas relacionados à poluição e aos prejuízos causados ao meio ambiente.
É pacificamente aceito em nossos dias, ao menos entre pessoas que exercitam o
discernimento, que preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico é questão de vida ou
morte. Os riscos globais, a extinção gradativa de espécies animais e vegetais, seja ela decorrente de causas naturais ou de ações antrópicas degradadoras, assim como a satisfação de
novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixa claro que o fenômeno biológico
e suas manifestações sobre a Terra estão perigosamente alterados (MILARÉ, 2002).
Mestrando em Planejamento de Sistemas Energéticos - FEM/UNICAMP. E-mail: [email protected] - Endereço:
Rua Regina Nogueira, 286, Jd. São Gabriel – Campinas (SP), Fone (19) 3276-0987
1
308
O alerta para a gravidade desses riscos foi dado em 1972, em Estocolmo, na Conferência Das
Nações Unidas Sobre O Meio Ambiente Humano, ao resgatar as questões levantadas pelo relatório do Clube de Roma, o secretário geral Maurice Strong lançou o termo ecodesenvolvimento,
que teve em Ignacy Sachs e equipe seu aperfeiçoamento e a formulação dos princípios que norteariam,
a partir daí, a idéia de um outro padrão de desenvolvimento. Esta conferência foi resultado da
percepção das nações ricas e industrializadas da degradação ambiental causada pelos seus processos de crescimento econômico e progressiva escassez de recursos naturais.
Mais recentemente, em 1987, a publicação do relatório da Comissão Mundial Sobre
Meio Ambiente E Desenvolvimento, presidida pela primeira ministra da Noruega Sra.
Brundtland, denominado Nosso Futuro Comum, cunhou o termo desenvolvimento sustentável, que muito embora retome os critérios na definição de ecodesenvolvimento, ou
seja, respeito incondicional, solidariedade e responsabilidade para assegurar às gerações
atuais e futuras possibilidades para se desenvolverem, passou a figurar sistematicamente na
semântica de linguagem internacional, servindo de eixo central de pesquisas realizadas por
organismos multilaterais e mesmo por grandes empresas (MAIMON,1992).
Em seu sentido mais amplo, portanto, a perspectiva do desenvolvimento sustentável, ao
propor o ideal de harmonização a partir da tríade economia-natureza-sociedade requer:
um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório;
um sistema econômico capaz de gerar excedentes e um knowhow técnico em bases confiáveis
e constantes; um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado; um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a
base ecológica do desenvolvimento; um sistema tecnológico que busque constantemente
novas soluções; um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e
financiamento; um sistema administrativo flexível e capaz de auto corrigir-se.
IMPLEMENTAÇÃO DO ÁLCOOL NO COMÉRCIO MUNDIAL DE
ENERGIA
Foi principalmente a partir da década de 1980 que as questões relativas às mudanças
climáticas, aquecimento global e efeito estufa passaram a ocupar um lugar de destaque no
rol das ameaças ambientais que mais colocam em risco a integridade do planeta. E, desde
então, a cada ano, evidências científicas cada vez mais fortes indicam que são as atividades
humanas, as chamadas ações antrópicas, decorrentes do modelo de produção em vigor,
um dos fatores mais decisivos para o agravamento dessas ameaças.
Desde a revolução industrial o homem tem provocado um crescimento dramático das
emissões, para atmosfera da Terra, de gases que provocam o chamado efeito estufa, ou
seja, gases que possuem a capacidade de reter o calor e desequilibrar tanto o equilíbrio
térmico quanto o equilíbrio climático do nosso planeta.
Os imensos e crescentes volumes de emissões de CO2, que vêm acumulando-se na
atmosfera terrestre, em muito decorrem da destruição de florestas e ecossistemas que funcionam como “sumidouros” e “reservatórios” naturais de absorção de CO2. Contudo, o
principal elemento propulsor do efeito estufa é o paradigma da produção e de consumo
energético adotado como base do processo produtivo a nível mundial. Paradigma esse
baseado no uso intensivo de recursos fósseis não renováveis: carvão mineral, petróleo, gás.
309
Não é difícil perceber que qualquer tentativa de alteração no paradigma atual de consumo energético, baseado em fontes fósseis e tão enraizado no processo produtivo, acaba
sendo dificultada por suas enormes implicações econômicas. Entretanto, de outro lado, as
evidências científicas, a respeito do vínculo do efeito estufa com as mudanças climáticas,
conseqüentes necessidades de reduções das emissões de CO2 e, ainda, as crescentes demandas da sociedade por qualidade ambiental e por maior sustentabilidade do processo
produtivo, fazem com que o problema comece a ser enfrentado.
Uma vez identificado o problema e sua causa iniciou-se uma série de encontros mundiais com fóruns de discussões envolvendo grandes nomes do meio científico e autoridades
internacionais, a fim de, conjuntamente, encontrar alternativas para a redução das emissões
dos gases causadores das mudanças climáticas.
A Conferência Das Nações Unidas Sobre O Comércio E O Desenvolvimento (UNCTAD)
lançou a iniciativa de Biotrade na terceira conferência dos partidos da Convenção Da Diversidade Biológica (CBD). A missão de Biotrade é estimular o comércio e o investimento em
recursos biológicos a um desenvolvimento sustentável mais adicional, na linha com os três
objetivos do CBD, a conservação da diversidade biológica, uso sustentável de seus componentes, e compartilhar os benefícios que surgem da utilização de recursos naturais.
A biomassa oferece as melhores perspectivas entre todas as fontes de energia renovável.
Cana-de-açúcar, florestas cultivadas, soja, dendê, girassol, colza, milho, mandioca, palha de
arroz, lascas ou serragem de madeira, dejetos de criação animal, são bons exemplos de
biomassa. Seu valor energético é alto, pois uma tonelada de matéria seca gera 19 GJ, um
hectare de cana produz 980 GJ e a mesma área reflorestada gera 400 GJ.
A lógica da busca de combustíveis renováveis está assentada sobre três aspectos fundamentais: a realidade do aquecimento global e o aumento do consumo em face do crescimento da frota de veículos no planeta (mobilidade e menores emissões), políticas agrícolas
protecionistas e manutenção de uma agroindústria com renda e empregos rurais, e a
resposta positiva da área de P&D (CARVALHO, 2001).
O etanol é provavelmente hoje o combustível mais atraente e viável no mundo a curto
e médio prazo para veículos e caminhões leves. Numa escala mundial, diferentes países
consideram hoje o etanol como o combustível adequado para substituir os aditivos
oxigenantes, e em diferentes proporções, a própria gasolina.
A evolução dos acordos internacionais, apesar das barreiras comerciais existentes e da
falta de mecanismos reguladores, têm sido alicerçada em algumas diretrizes essenciais: na
diminuição da dependência da importação de petróleo promovendo a auto-suficiência
energética de combustíveis líquidos, e redefinindo uma geopolítica na área energética, tão
importante estrategicamente nos dias de hoje; na existência de políticas ambientais visando
diminuir as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa (principalmente CO2); e na
melhoria da qualidade ambiental, principalmente nas grandes cidades, fato este que tem
mobilizado a opinião pública, notadamente nos países de maior renda per capta. Diversas
iniciativas têm sido implementadas em diferentes países do mundo, Brasil, Holanda, Suécia,
França, Espanha, Estados Unidos, Canadá, China, Japão, Austrália, estimulando a produção e exportação ou importação de bioenergia.
310
O Brasil apresenta enorme potencial para a conservação de energia e, da mesma forma,
facilidades estruturais que permitem que a nova energia a ser ofertada seja produzida em
bases sustentáveis e menos emissoras. A competitividade e a excelência brasileira nas atividades de agribusiness e, nesse caso, com grande e especial destaque, na atividade canavieira,
formam um quadro positivo no mercado de bioenergia, no promissor mercado dos Certificados De Emissões Reduzidas (CERs), e para o Biotrade que se origina de uma iniciativa
das Nações Unidas para melhoria ao meio ambiente, na forma de redução das emissões de
gases geradores do efeito estufa, aliada à questão da qualidade e da sustentabilidade, no
sentido amplo dos termos: social, ambiental, econômico e tecnológico.
O comércio internacional de bioenergia incluirá produtos primários (lenha, restos de
processamento de madeira), produtos com alto valor energético (álcool, biodiesel, carvão
vegetal), hidrogênio e eletricidade. O balanço energético e a sustentabilidade da produção
serão as variáveis diretrizes das cadeias da agricultura energética.
PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE ENERGIA: A INDÚSTRIA
SUCROALCOOLEIRA DO BRASIL
O Brasil é um país reconhecido internacionalmente pelo fato de possuir uma das matrizes
energéticas mais “limpas” e renováveis do mundo. Embora isso não tenha sido, no decorrer
da história, uma escolha resultante de preocupações ambientais, o fato é que, por ter seu
abastecimento de eletricidade baseado em recursos hídrico e por possuir um volumoso programa de uso de combustíveis de biomassa (álcool) em substituição aos derivados do petróleo, este país se encontra em situação privilegiada em se tratando de energia de biomassa.
É o maior e mais competitivo produtor mundial de cana-de-açúcar, e derivados: açúcar,
álcool (combustível, industrial), bagaço (para cogeração de energia) etc. Devido a uma
conjunção favoráveis de fatores de solo e clima. Além de distribuir-se por várias regiões do
território a cultura da cana de açúcar apresenta uma performance especialmente harmoniosa
de convivência com o meio ambiente, é a atividade agrícola que apresenta um dos mais
baixos índices mundiais de erosão de solos (tendo o mais baixos índices de erosão do
hemisfério americano), apresenta também um dos mais baixos índices mundiais de uso de
defensivos e insumos químicos resultado do controle biológico de pragas e fertirrigação
do solo com os resíduos do processamento industrial da cana.
Atualmente, o Brasil colhe 360 milhões de toneladas/ano de cana-de-açúcar, em uma área
de plantio de 5 milhões de ha. Sua produtividade pode duplicar em 15 anos. Se, hipoteticamente, plantasse cana em metade da terra arável não utilizada atualmente (50 milhões de ha),
produziria 16,5 EJ de energia do álcool, além de 25 EJ de energia elétrica. Isso equivale a 1
bilhão de toneladas de petróleo ou 10% da demanda mundial de energia. Nesse caso, exportaria mais energia renovável que o petróleo vendido, atualmente, pela Arábia Saudita.
Um pouco mais da metade de toda a cana produzida no Brasil, cerca de 52%, é direcionada
para a produção do álcool combustível (anidro e hidratado). Dado o bom desempenho de
produtividade e das peculiaridades agrícolas da cana de açúcar no Brasil, cada tonelada de
cana-de-açúcar direcionada para a produção de álcool combustível sendo anidro ou hidratado,
substitui o uso de combustíveis fósseis em termos de CO2 gerador do efeito estufa, apresentando um saldo positivo médio da ordem de 0,17 tonelada de CO2, ou seja, computadas já
todas as emissões realizadas no processo de produção do álcool (fase agrícola e industrial) e
311
as emissões resultantes da queima final do álcool como combustível nos veículos, a “absorção” realizada pela cana em sua fase de crescimento apresenta um saldo de eliminação de
CO2 da atmosfera de 0,17 tonelada por tonelada de cana cultivada (GOLDEMBERG,1999).
Como números gerais, temos um resultado mais do que expressivo: por praticar um
consumo anual na faixa de 13 bilhões de litros de álcool (substituindo proporções equivalentes de consumo de petróleo), o Brasil, mitiga e neutraliza mais de 30% das emissões
causadoras de efeito estufa, provocadas pelo conjunto da frota nacional de veículos. Isto
tem um significado extra pelo fato de se passar na área de transportes, que é em todo o
mundo, uma das principais fontes de poluição urbana, altamente dependente do petróleo e muito pouco dinâmica quanto a mudanças e melhorias.
Os números e os fatos, a tradição, e o knowhow, que o Brasil desenvolveu no uso de
combustível de biomassa agrícola, que além das cadeias produtivas diretamente ligadas ao
agribusiness da cana, acumulam-se também em importantes e sensíveis setores da economia,
tais como, a indústria automobilística, logística de distribuição e comercialização de combustíveis. Constituem um incontestável e altamente positivo currículo para as ações de redução do efeito estufa e de contribuição para o combate às mudanças climáticas.
A agroindústria de cana-de-açúcar do Brasil é um exemplo importante de sistema de
produção sustentável de energia, em larga escala, a partir da biomassa. Na maioria dos
aspectos relevantes para a sustentabilidade, a situação hoje é em geral muito boa, e não se
observa problemas que não possam ser resolvidos com tecnologia existente.
A relação output/input de energia (renovável/fóssil) varia de 08 a 11, levando a um
valor extraordinário de redução nas emissões de CO2 (quase 20% de todas as emissões de combustíveis fósseis no Brasil). O uso do etanol trouxe benefícios importantes
na redução da poluição em centros urbanos com menor toxicidade e reatividade. Do
ponto de vista ambiental, são pacificamente reconhecidas as vantagens do álcool, seja
quando empregado isoladamente sob a forma de álcool hidratado, seja quando misturado à gasolina sob forma de álcool anidro. Em ambos os casos, apresentam a imensa
vantagem de reduzir a emissão de monóxido de carbono e de dispensar o emprego
do MTBE e do chumbo tetraetila como aditivos.
O uso de fertilizantes minerais é menor do que nas culturas de milho e soja, o
melhor gerenciamento do reciclo praticado hoje de resíduos (torta de filtro, vinhoto e
palhas) pode levar ainda a uma substancial redução. O uso de pesticidas e herbicidas é
relativamente baixo, em função dos programas de controle biológico, a utilização da
cobertura de palhas em locais adequados, o uso de doses específicas para cada local, e
técnicas derivadas dos cultivos orgânicos poderão melhorar ainda mais este quadro.
Na proteção de solos e águas, os problemas iniciais são atenuados pelo crescimento
rápido da cultura, pelo uso de culturas de rotação e de vários cortes.
Uma das características notáveis da atividade relacionada à produção do álcool no
Brasil está na sua capacidade de absorção de mão-de-obra. Vastas regiões do país ganharam vida nova, oferecendo oportunidade de trabalho a centenas de milhares de pessoas,
contribuindo assim para a fixação do trabalhador rural no campo, ajudam a conter o
fluxo migratório para as grandes cidades brasileiras.
312
A cana-de-açúcar é o carro-chefe da bioenergia no Brasil e no mundo. Com o intensivo
uso de mão-de-obra o setor sucroalcooleiro é relevante para um país com as dimensões e
os problemas sociais do Brasil, o fato de que a atividade canavieira emprega na maioria da
vezes com remuneração digna, assistência social e garantias trabalhistas, milhares de trabalhadores, dentre os quais, um grande contingente com menor qualificação profissional que
teriam enormes dificuldades de empregos em outros setores (indústria/serviços). A criação de emprego ganha importância, também, em função de seus custos de geração serem
muito mais modestos do que os empregos equivalentes gerados em outros ramos e atividades da economia brasileira. Segue abaixo relação de investimento por emprego permanente nos principais setores da industria brasileira:
6(725
,19(67,0(172
HP86SRUHPSUHJR
5(/$d­2FRPiOFRRO
Química e Petroquímica
220.000,00
20,1
Metalúrgica
145.000,00
13,3
Bens de Capital
98.000,00
9
Ind. Automobilística
91.000,00
8,3
Bens Intermediários
70.000,00
6,4
Bens de Consumo
44.000,00
4
Etanol
10.918,00
1
Fonte: Luís Carlos Carvalho, 1997
A produção em larga escala de álcool combustível, a partir da década de 70, estabeleceu
um gigantesco agronegócio canavieiro, cuja prosperidade se tornou fundamental para a economia brasileira e para a melhoria das condições sociais no campo, deste 1976, até o ano de
2000, com o Programa Nacional do Álcool, obteve-se cerca de US$ 43,4 bilhões em divisas
estrangeiras, com a substituição de importações de derivados de petróleo. A sustentabilidade
econômica foi atingida, com o açúcar apresentando (Centro-Sul) o menor custo de produção
do mundo e o etanol chegando aos níveis de custo da gasolina (petróleo a US$ 25/barril).
No caso do álcool carburante, podemos desenhar uma hipótese dessa contribuição, tendo
como exemplo a produção e o consumo adicional de 1 bilhão de litros de álcool/ano. Esses
1 bilhão de litros seriam o volume de álcool necessário para abastecer uma frota de 200.000 carros
movidos a etanol hidratado, ou em termos de álcool anidro, a quantidade necessária para substituir
o tóxico e problemático MTBE em uma frota de aproximadamente 2 milhão de carros movidos
à gasolina usando a proporção de 20% a 26% de etanol anidro na gasolina; ou em uma frota de 4
milhões de carros usando a faixa de 10% de etanol anidro, conforme já acontece nos E.U.A., ou
ainda uma frota de 8 milhões de veículos utilizando a proporção de 5% de etanol anidro acrescentado à gasolina conforme padrão previsto para U.E.
A produção nacional de adicionais 1 bilhão de litros/ano de álcool e seu consumo, que
substitui o uso de combustíveis fósseis, resultariam em um ganho de redução de emissão
da ordem de 7 milhões de toneladas/ano de CO2. Em termos de benefícios sociais,
econômicos e de desenvolvimento, os efeitos desta produção adicional resultaria na criação de aproximadamente 40.000 novos empregos diretos, com valor médio de remune313
ração de R$ 500,00 mensais (valor acima da média salarial brasileira atual) e 120.000
novos empregos indiretos, por conseguinte, colaborando diretamente para a fixação do
trabalhador rural no campo e na melhoria da qualidade de vida dessa população. O
cultivo da cana para a produção desta quantidade de álcool ampliaria a área da lavoura
em cerca de 160.000 hectares, não comprometendo as áreas de cultivo de outras espécies
agrícolas, promovendo um aumento da circulação econômica na faixa de US$ 300 milhões/ano e considerando a carga tributária atual haveria um aumento de arrecadação da
ordem de US$ 168 milhões/ano.
O PROMISSOR MERCADO MUNDIAL DE ETANOL
Diversas iniciativas têm sido implementadas em diferentes países do mundo, Brasil,
Holanda, Suécia, França, Espanha, Estados Unidos, Canadá, China, Japão, Austrália, estimulando a produção e exportação ou importação de etanol. O aumento do uso do etanol
pode reduzir as importações e o preço do petróleo, visto que, a cada litro de etanol produzido no Brasil, nos EUA, ou em qualquer outro país, contribui para reduzir o consumo
global, com impacto favorável na diminuição do aquecimento global, e também a reduzir
o preço internacional do petróleo.
O etanol é um combustível renovável que pode ser produzido com uma ampla
variedade de matérias primas incluindo sacarose, de cana-de-açúcar como é feito no
Brasil e a partir de grãos como milho como é feito nos EUA, mas também pode ser
produzido a partir de materiais ligno-celulósicos como fibra de cana e outros resíduos
agrícolas. No caso do álcool, é nítida a grande capacidade competitiva da cana-deaçúcar principalmente por sua auto-suficiência energética e riqueza em açúcar. Custos
médios verificados, etanol de biomassa:
3$Ë6
È/&22/$1,'52
86O
0$7e5,$35,0$
Centro - Sul
0,19
Cana de Açucar
Norte - Nordeste
0,23
Cana de Açucar
E.U.A.
0,33
Milho
U.E.
0,55
Beterraba, Trigo
Brasil:
Fonte: Governors‘ Ethanol Coalition, 2001
A tendência dos investimentos em tecnologia no campo da matéria prima é, via
biotecnologia, viabilizar para um futuro próximo, a produção de álcool das celuloses vegetais, a custos menores, isso deverá expandir tremendamente a oferta de álcool, traduzindose em maior competição entre produtores, com inúmeros benefícios aos consumidores.
A expansão da produção e do uso do álcool dependerá, certamente, de políticas públicas
essenciais, principalmente nos campos: da logística, política de abastecimento; dos preços,
referências e competição; das tarifas de importação; da competitividade do álcool em relação
a outras fontes energéticas. É fundamental que exista um mercado internacional livre para o
álcool como válvula de escape, balanceando superávits ou déficits de curto prazo.
314
O álcool precisa passar pelo teste do mercado mundial; o mercado precisa de regulamentação; estes itens são fundamentais para gerar credibilidade entre todos os atores que
participam da cadeia produtiva e, principalmente, confiança para o consumidor.
Instituições internacionais e agências governamentais bilaterais subsidiaram generosamente
a exportação e desenvolvimento de combustíveis fósseis e tecnologias nucleares, ao longo das
últimas cinco décadas. Mesmo hoje, grande parte deste financiamento se destina a fontes de
energia consolidadas e, em muitos casos, insustentáveis. Agências financiadoras, como a Global
Environment Facility, dedicam-se ao apoio de renováveis, porém em nível muito menor.
É essencial que haja mudanças das prioridades de financiamento energético em nível
internacional, a fim de acelerar o crescimento do mercado de bioenergia. A GLOBE, uma
organização de parlamentares de todo o mundo, propôs a meta de realocar 10% do apoio
aos financiamentos energéticos para exportações dos países industrializados, para pesquisa
e desenvolvimento em fontes renováveis de energia até 2010. Organizações como o Banco
Mundial e bancos regionais de desenvolvimento também deveriam incrementar seus compromissos com fontes renováveis. A mudança de perfil da matriz energética é inevitável, a
taxa de incremento anual dependerá da consciência dos cidadãos e do embate dos “lobbies”
que pugnam pelos diferentes modelos energéticos.
Conforme o Biotrade se consolida, capitais e tecnologia migrarão para assegurar densidade ao mesmo. O mercado internacional começa a crescer para o álcool e precisa de uma
referência. Os contratos futuros e de opções de álcool passaram a fazer parte, a partir de
maio de 2004, do “casting” da New York Board of Trade (Nybot), elevando o produto à
categoria de commodity internacional, estes contratos vão dar maior transparência às negociações do produto e serão instrumentos com capacidade de administrar e garantir o crescimento das exportações no mercado internacional. Abrangerão qualquer etanol nãodesnaturado feito com biomassa - cana, milho, entre outros produtos - e terá valor FOB,
com pontos de entrega em vários países produtores. Os contratos foram comemorados
pelos produtores e traders no Brasil, que enxergam na novidade uma possibilidade de hedge
e um estímulo à demanda internacional pelo produto.
A oportunidade que se descortina é de um mercado fabuloso de bioenergia, que crescerá a altas taxas e que movimentará centenas de bilhões de dólares, a cada ano. Em 2050,
estima-se que a biomassa envolverá recursos financeiros superiores ao valor do comércio
internacional de petróleo deste início de século. O Brasil pode ser o grande beneficiário do
negócio “Agricultura de Energia”, bem como o responsável maior por evitar uma catástrofe climática. Compete às lideranças do agronegócio e às autoridades, traçar de imediato
a rota que permitirá liderar o comércio de biomassa.
CONCLUSÃO
O sistema energético atual está ameaçando a segurança global, desde o perigo de depender do petróleo do Oriente Médio até os perigos ecológicos de continuarmos a poluir a
atmosfera. A redução da dependência mundial nos combustíveis fósseis, antes que uma
crise maior force uma transição não planejada, dever ser considerada como prioridade de
segurança. Portanto é preciso pensar além do domínio dos energéticos não renováveis,
visto que os combustíveis renováveis formam-se continuamente e podem ser imediatamente usados como dividendos, ao contrário dos fósseis, estes são formados ao longo de
315
eras geológicas e, ao serem usados de modo extensivo, se exaurem em poucas gerações. A
utilização de recursos energéticos renováveis e de baixo custo é algo muito distinto da
busca de indenizações constantes mantendo situações poluentes, mas plenamente possível.
O potencial da energia renovável está sendo cada vez mais reconhecido, tanto nas
esferas governamentais quanto empresariais. Isto se vê no fluxo crescente de capital para
os renováveis por parte de grandes empresas de petróleo e de energia, como também no
setor de capital de risco. Leis sobre energia renovável começam a proliferar em níveis
nacionais e estaduais. E.U.A, Alemanha, Suécia, Holanda, Brasil, China e Índia estão entre
os países que recentemente fortaleceram a legislação sobre energia renovável, objetivando
acelerar o crescimento do mercado.
Embora disponha de vantagens comparativas como a grande disponibilidade de terra
não utilizada, adequação de condições climáticas, diversidade de espécies vegetais produtoras de biomassa, tecnologia para obtenção de biomassa e para sua conversão em energia, não há garantia de que o Brasil venha a liderar o mercado de energia verde. O
protecionismo da agricultura de alimentos deve repetir-se na produção de bioenergéticos,
o cenário mais provável será uma dura disputa pelo mercado acirrando-se com o decorrer do tempo, conforme a agricultura de energia tornar-se compensadora financeiramente e importante estrategicamente.
Sem uma forte ação pró-ativa e uma visão de futuro focada na oportunidade, o Brasil
perderá anos preciosos, cederá espaço para concorrentes e, especialmente, deixará de exportar dezenas de bilhões de dólares anuais, não desfrutando da exploração do promissor
mercado mundial de biomassa.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, L. C. Álcool combustível e mercado internacional. In: REUNIÃO DA FRENTE PARLAMENTAR PELA ENERGIA
LIMPA E RENOVÁVEL, 1, Sertãozinho, São Paulo, nov. 2001.
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UNICA, 1999.
MAIMON, D. Ensaios sobre economia do meio ambiente. Rio de Janeiro: ANPED, 1992.
MILARÉ, É. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
316
METODOLOGIA PARA AVALIAÇÃO
DA SUSTENTABILIDADE ENERGÉTICA E
AMBIENTAL NO AMBIENTE CONSTRUÍDO
Andréa Borges de Souza Cruz1
Jardel Gonçalves2
Luciano Basto Oliveira3
Romildo Toledo4
Eduardo Fairbairn5
Luiz Pinguelli Rosa6
Alessandra Magrini7
Andressa Carmo Pena Martinez8
1. RESUMO
A Construção Civil, apesar compreender um mercado extremamente significativo, possui um processo produtivo pouco adequado aos atuais critérios de sustentabilidade. Com
o objetivo de realizar uma análise que permita verificar a sustentabilidade energética e ambiental
do processo de produção e reprodução do ambiente construído foi desenvolvida uma
ferramenta, tendo como parâmetro dois indicadores: energético – representado pela intensidade energética (kWh/m2) e ambiental – emissões de CO2 (tCO2/m2).
Os valores utilizados para o cálculo foram adquiridos no Balanço Energético Nacional
2002, sendo contemplados os insumos energéticos do processo produtivo de cada material, enquanto para o cálculo dos indicadores ambientais consideraram-se os indicies de
emissões de carbono do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - 2002).
IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected]
Labest/COPPE/UFRJ, [email protected]
3
IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected]
4
Labest/COPPE/UFRJ, [email protected]
5
Labest/COPPE/UFRJ, [email protected]
6
IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected]
7
PPE/COPPE/UFRJ, [email protected]
8
IVIG/COPPE/UFRJ, [email protected]
1
2
317
Por sua vez, a identificação dos materiais que participam mais ativamente na produção
baseou-se na seleção dos setores mais significativos: a Indústria do Cimento, Aço, Cerâmica
e Agregados, analisadas segundo as fontes de energia utilizadas na produção e o seu respectivo consumo energético.
Esta metodologia permite a mensuração do dispêndio energético e o nível das emissões de CO2 dos materiais tradicionais, o que viabiliza a comparação com a produção de
produtos alternativos, e assegura cientificamente a eficiência energética e redução de emissões de CO2 no ambiente construído.
2.
Introdução
O final do século XX e o início do século XXI vem presenciando o desenrolar de uma
nova era aonde os meios de produção industriais, característicos da sociedade moderna, vêm
sendo gradualmente substituídos por novas tecnologias e novas formas de organização e
pensamento1 , caracterizados pelo movimento atualmente denominado de pós-industrial.
Este período se caracteriza pela consciência de que o modo de produção industrial está
sendo substituído, porém ainda não é possível compreender claramente que fator ou processo ocupará a posição determinante ocupada pela industria por duzentos anos. O momento atual é de transição, onde são repensados os conceitos, e propostas novas formas de
criação do ambiente.
Existe, atualmente, um desequilíbrio entre o espaço construído e os fatores sociais e
ambientais que vêem sendo discutidos nas transformações paradigmáticas inerentes à sociedade. São sentidos de forma mais marcante os impactos decorrentes do uso inadequado
dos recursos, agravados pelo momento em que a sociedade faz uma critica ao seu próprio
modo de relação e apropriação do espaço.
Tais fatores, entretanto, além de representarem uma alteração na sociedade, tanto no que
diz respeito à economia quanto à mentalidade, traduzem a necessidade de uma nova organização espacial do homem no meio ambiente em que está inserido, indicando para novos
critérios de utilização dos recursos naturais. Assim, novas mentalidades, anseios e critérios
serão despertados e o ambiente deverá ser planejado de acordo com essas necessidades.
O desenvolvimento do presente trabalho tem como ponto de partida a observação de que a
permanência do modo de produção do ambiente construído segundo padrões decorrentes da
revolução industrial, é totalmente insustentável e muitas vezes desnecessária nos dias atuais2 , onde
tanto o desenvolvimento técnico quanto o tecnológico permitem uma melhor adequação e
performance tanto dos materiais quanto das tecnologias empregadas na produção das cidades.
O enfoque principal deste artigo recai sobre a aplicação de um método que possibilite calcular
os indicadores de consumo energético e de emissões de CO2 dos principais insumos referentes à
produção da construção civil, permitindo assim, analisar a sustentabilidade energética e ambiental
decorrente de sua disseminação, em particular os rebatimentos no uso do espaço urbano.
Nosso futuro comum. Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
2
idem
318
3.
Cotextualização do problema
3.1
A indústria da construção civil no Brasil
O modo atual de produção das cidades é tão intensivo no uso da energia quanto na
utilização dos recursos naturais, causando potenciais impactos ao meio ambiente e comprometendo sobremaneira a sua sustentabilidade. O enfoque em questão analisa o conceito
de meio ambiente humano – cenário das relações sociais e palco principal das intervenções
decorrentes de suas transformações, considerando a Indústria da Construção Civil como
uma das principais responsáveis pelo consumo energético no ambiente construído.
Cerca de 70% de todos os investimentos feitos no País passam pela cadeia da construção civil, sendo que em 2001 esse valor atingiu a cifra de R,006 bilhões, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (2004). A atividade definida como
construbusiness participa na formação do Produto Interno Bruto (PIB) do País com cifras
significativas da ordem de 13,5%, dos quais 8% são da construção propriamente dita. O
setor de “Construbusiness” abrange desde o segmento de Materiais de Construção, passando pela construção propriamente dita de Edificações e Construções Pesadas, até os
diversos serviços de Imobiliária, Serviços Técnicos de Construção e Atividades de Manutenção de Imóveis. A atividade definida dentro deste moderno conceito gera expressivo efeito multiplicador na economia.
No que diz respeito ao subsetor de materiais de construção, a indústria brasileira desses
materiais é bastante diversificada quando comparada à indústria congênere em vários outros países. A abundância de matérias-primas disponíveis no Brasil coloca o país em vantagem no panorama internacional, tornando-o pouco dependente de importações e possibilitando o ingresso em mercados carentes desses produtos.
Esse subsetor se caracteriza pela segmentação e pela estrutura de consumo e contempla os segmentos de cimento, madeira, aço, produtos de cimento, vidro plano,
metais e louças sanitárias, cal, PVC, condutores elétricos, cerâmica, alumínio, pedras
ornamentais e tintas e vernizes.
Para a avaliar a sustentabilidade no setor das edificações foi desenvolvida uma metodologia
de cálculo apresentada no presente estudo, onde foram analisadas as principias industrias que
contribuem para o consumo energético no subsetor de materiais de construção - industrias
cimentícea, cerâmica, aço e agregados. Segundo dados fornecidos pelo Balanço Energético
(BEN 2002), o consumo total dessas industrias contabilizou um total de 23440 x 103 tEP,
correspondendo a uma parcela de 39,5 % no consumo industrial nacional (idem).
No caso do cimento, 80% é destinado ao consumo final, ou seja, construtoras, órgãos
públicos, empresas privadas e consumidor individual, sendo que 61% do consumo é realizado pela autoconstrução. Já no que diz respeito ao segmento de cerâmica, o perfil da
demanda impacta sobremaneira as características do produto ofertado, sendo que 16% são
exportados, num mercado caracterizado pela exigência de produtos de alta qualidade. O
mercado interno consome 84%, distribuídos em novas construções (elevado mercado potencial) e reformas, que absorvem produtos de preço e qualidade inferiores.
319
Gráfico 1 - Produção em tonelada de material dos principais
setores da Construção Civil em 2001
&LPHQWR
$oR
&HUkPLFD
0LQHUDomR
Fonte: elaboração dos autores
3.2 Consumo Energético na Indústria da Construção Civil.
Gráfico 2 - Consumo por fonte na Industria do Cimento
,QG~VWULDGR&LPHQWR
Óleo diesel
Óleo combustível
Coque de petróleo
Carvão vegetal
Carvão mineral
Lenha
Gás Natural
Eletricidade
Outras não especificadas
Fonte: BEN 2002
Gráfico 3 - Consumo por fonte na Industria do Aço
,QG~VWULDGR$oR
Óleo diesel
Óleo combustível
Coque de carvão mineral
Carvão vegetal
Carvão mineral
Gás Natural
Eletricidade
Gás liquefeito de petróleo
Querosene
Gás de coqueria
Alcatrão/ outras séc. petróleo
Fonte: BEN 2002
320
Gráfico 4 - Consumo por fonte na Industria da Mineração
,QG~VWULDGD0 LQHUDomR
Óleo diesel
Óleo combustível
Coque de petróleo
Carvão mineral
Gás Natural
Gás liquefeito de petróleo
Querosene
Fonte: BEN 2002
Gráfico 5 - Consumo por fonte na Industria Cerâmica
,QG~VWULDGD&HUkPLFD
Óleo diesel
Óleo combustível
Carvão vapor
Lenha
Gás Natural
Gás liquefeito de petróleo
Alcatrão/ outras séc. petróleo
Outras recuperações
Outras não especificadas
Fonte: BEN 2002
4.
ESCOLHA DOS INDICADORES PARA A ANÁLISE DA SUSTENTABILIDADE
Avaliar a sustentabilidade das práticas sociais é um pré-requisito essencial para promover
uma sociedade sustentável, sendo importante para a formulação de políticas e tomada de
decisões (World Resources Institute - WRI, 1998). Para atender a essa necessidade, durante
a década de 90 houve uma preocupação com o desenvolvimento de indicadores de
sustentabilidade, nas mais diversas áreas relacionadas ao desenvolvimento das sociedades.
Segundo Mitchell “um indicador é uma ferramenta que permite a obtenção de informações sobre uma dada realidade” (1997). A principal característica de um indicador é permitir a síntese de um conjunto complexo de informações, retendo apenas o significado essencial dos aspectos analisados, representam a medida da condição, processos, reação ou
comportamento que fornecem confiável resumo de sistemas complexos.
Para a avaliação da sustentabilidade em edificações foram escolhidos dois indicadores
que possibilitam uma análise objetiva e direta da produção do ambiente construído, ou seja,
os indicadores em análise permitem avaliar o consumo energético e as emissões de CO2
decorrentes do processo produtivo dos principais materiais de construção utilizados na
produção das cidades.
321
O cálculo do consumo energético na industria dos materiais tradicionalmente utilizados
na construção civil permite a análise do cenário de referência do ambiente construído e a
sua comparação com os possíveis cenários decorrentes de alterações de procedimentos ou
processos que compreendam uma maior eficiência energética e conseqüente sustentabilidade
ao sistema estudado.
No que tange ao indicador ambiental, a contabilização das emissões de CO2 permite a análise
do cenário ambiental consolidado pela produção na industria da construção civil e a sua comparação com cenários onde seja possível a implementação de práticas sustentáveis onde a produção
das cidades seja diretamente proporcional a redução de emissões de GEE (Gás de Efeito Estufa).
5.
metodologia de cálculo dos indicadores
Para a elaboração da metodologia de cálculo dos indicadores energético e ambiental
foram considerado o consumo de energia no setor da construção civil, em especial as
industrias que participam de forma mais representativa no balanço energético para a
produção do material, na unidade tEP/t.
Posteriormente foram identificados os insumos energéticos utilizados no processo de produção de cada uma das industrias estudadas e contabilizados os consumos em tEP de cada
energético. Após a obtenção do consumo de energia em tEP por insumo para cada setor foi
aplicado o fator de emissão (tab. 03) sendo contabilizado o valor de emissão de CO2 total de
cada setor.
5.1
Descrição da Metodologia de Cálculo do Consumo Energético
O consumo de energia (C) de um setor qualquer da indústria pode ser calculado como
o somatório do consumo de cada fonte energética (Cf (i)) utilizada pelo setor (Ex. carvão
vegetal, coque de petróleo, etc.).– Forma geral:
L
&
= ∑ &I (L )
(1)
1
A partir da equação (1) pode-se calcular o consumo de energia no subsetor de
materiais de construção da indústria da Construção Civil (Ccc), que é a soma do consumo energético dos seus principais setores (cimento, aço, cerâmica e mineração), que
pode ser calculado conforme a equação (2).
Q
&FF = N.∑ &Q =. .(&F + &D + &FH + &P)
1
(2)
A partir do consumo energético e produção de cada setor da construção civil pode-se
calcular o fator de consumo energético no setor de materiais de construção (FCcc – tEP/
ton), que é a energia requerida para produção unitária (uma tonelada) em cada setor, que
pode ser calculada através da equação (3).
)&FF =
&F &D &FH &P
+
+
+
= )&F + )&D + )&FH + )&P
3F 3D 3FH 3P
322
(3)
O fator de consumo de cada setor pode ser reescrito em função das fontes energéticas,
conforme equação (4),
Q
L
1
1
)& (Q, L) = ∑∑
&I (Q, L)
3Q
FC(n,i) – fator de consumo do setor n para cada fonte energética i (tEP/Ton)
(4)
A partir do fator de consumo energético por fonte de cada setor da Construção Civil,
pode-se calcular a energia (E – KWh) para produzir uma quantidade qualquer Q (ton) por
fonte em qualquer setor, através da equação (5).
( = )& (Q, L).4
(5)
onde:
Ccc - Consumo energético da Construção Civil (tEP)
n – qtde de indústrias dentro do setor de Construção Civil
Cc – Consumo energético da indústria de cimento (tEP)
Ca – Consumo energético da indústria de aço (tEP)
Cce – Consumo energético da indústria cerâmica (tEP)
Cm – Consumo energético da indústria de mineração (agregados) (tEP)
K – Constante de conversão tEP – KWh
Ct – Consumo energético da indústria nacional (tEP)
FCcc - Fator de consumo de energia da Construção Civil (tEP/ton)
FCc - Fator de consumo de energia da Ind. cimento
FCa – Fator de consumo de energia da Ind. aço
Fcce - Fator de consumo de energia da Ind. cerâmica
FCm - Fator de consumo de energia da Ind. agregados
Cef – consumo de energia por fonte
Pn – produção de cada setor (ton)
1.1
Descrição da Metodologia de Cálculo das Emissões de CO2
As emissões de CO2 na indústria de construção civil (EC) estão associadas ao consumo
de energia (combustão) de cada setor (cimento – Ecom (c), aço – Ecom (a), cerâmica
Ecom (ce) e mineração – Ecom (m)) no seu processo de fabricação. No caso da indústria
de cimento ainda há também as emissões associadas com o processo de calcinação do
carbonato de cálcio (CaCO3) (Ecal). Então as emissões associadas na Construção Civil (EC)
podem ser calculadas pela equação (6).
323
Q
(& = ∑ ( FRP( Q) = (FRP(F) + ( FRP( D) + (FRP(FH) +( FRP( P)
(6)
1
ou de forma geral, conforme a equação (7),
Q
b
1
1
EC = ∑∑ .C b .ConFac b . EmFbCO 2 .FCO b .K
(7)
Como a indústria de cimento, onde
EC FRPF = E cal + E com
Onde as emissões relativas a calcinação do CaCO3 (Ecal) podem ser calculadas conforme a equação (8).
E Cal = K c .CaO clinker . Clinquer cimento . Produção de cimento
1 4 4 4 44 2 4 4 4 4 43
(8)
fator de emissãoCal
onde:
ECal - emissão de CO2 devido a calcinação do calcário (toneladas)
EComb - emissão anual de CO2 devido ao combustível b (ex., diesel, carvão, etc.) devido
à combustão no setor cimentíceo (toneladas)
KC - constante igual a 0.785 (g/mol de CO2)/(g/mol de CaO)
CaOclnquer - relação óxido de cálcio/clínquer (igual a 0,632 para o cimento brasileiro)
Clinkercimento - relação clínquer/cimento (igual a 0,80 para o cimento brasileiro)
Produção de cimento - produção de cimento portland (toneladas)
Fator de emissão
Cal
= Ecal correspondente à calcinação
b - tipos de combustíveis usados na produção de cimento
Cb - consumo anual do combustível b (1000 tEP)
ConFacb - fator de conversão (TJ/1000 tEP)
EmFbC02 = fator de emissão de CO2 do combustível b (toneladas de C/TJ)
FCOb - fração de carbono oxidado no processo de combustão
K - constante igual a 44/12 (g/mol de CO2)/(g/mol de C)
Os fatores de emissão de CO2 de cada combustível e a fração de carbono oxidado são
dados pelo Intergovernmental Painel on Climate Change (IPCC, 2001), enquanto que o consumo
anual de combustíveis é dado pelo Ministério das Minas e Energia (MME, 2003).
6. CALCULO DO CONSUMO ENERGÉTICO E DAS EMISSÕES DE CO2
NO CENÁRIO REFERÊNCIA
A metodologia apresentada permite o cálculo do consumo energético diretamente relacionado ao setor industrial, de cada tonelada de material produzido por fonte energética utilizada, sendo os mesmos calculados de acordo com o insumo energético referente a cada fase
do processo industrial do material. O resultado obtido é referente a um fator de consumo
que após transformado em TJ/ton será aplicado no fator de emissão tC/TJ.
324
6.1
Cálculo do Consumo Energético por Setor em tEP/ton
Após a identificação do consumo energético por fonte em cada setor da industria
da construção civil, é aplicada a formulação desenvolvida sendo o resultado obtido
em tEP por tonelada de material produzido.
6.2
Cálculo do consumo energético e das emissões de CO2 por m2 em edificações
padrão popular - método aplicado
Para a aplicação de metodologia de cálculo no cenário urbano, foram identificados os
quantitativos referentes aos materiais de construção em análise, tanto no cenário referência
(convencional), quanto no canário alternativo (ecológico), o que permitiu o cálculo do consumo energético e das emissões de CO2 por m2 na construção civil padrão popular.
O presente estudo contempla o padrão de construção popular como base de cálculo para
os quantitativos visando permitir a extrapolação da análise comparativa entre a produção da
construção civil no cenário referência (convencional) e no cenário alternativo (ecológico).
A metodologia permite ainda a análise da redução percentual entre os cenários energético
e ambiental com a substituição parcial e/ou total dos materiais empregados nos setores estudados. Os resultados parciais em kWh/t e tCO2/t estão apresentados na tabela 1.
Tabela 1 - Tabela de conteúdo energético e emissões de CO2 por tonelada
de material Eco-Materiais X Materiais Convencionais
0DWHULDLV ,QWHQVLGDGH
(PLVV}HV&2 (FRPDWHULDLV ,QWHQVLGDGH
HQHUJpWLFD &2(PLVV}HV
HQHUJpWLFD
W&2 W
&RQYHQFLRQDLV N:KW W&2 W
N:KW
Cerâmica
62,13
191811 x 10-6
Cimento
124,93
380031 x 10-6
Aço
Telha Plana
Agregados
333,96
62,13
6,98
1083041 x 10-6
191811 x 10-6
14615 x 10-6
Solo-Cimento
Cimento–Eco
40%
Bambu
Telha Fibra
Eco-Agregado
25,64
76112 x 10-6
74,96
228019 x 10-6
0,00
14,48
0,18
0
2339 x 10-6
638 x 10-6
Fonte: elaboração dos autores
Conforme demonstrado na tabela 1 apresentada acima, o percentual de redução no consumo de energia e emissões de CO2 oriundos da substituição de materiais convencionais pelos
eco-materiais utilizados para a área construída de uma edificação padrão popular, ou seja, cimento ecológico, tijolo de solo-cimento, eco-agregados, bambu e telha de fibras vegetais, variam entre 40% e 100%, o que indica ganhos representativos nos cenários energético e ambiental.
7.
Conclusão
Na atualidade a sociedade vem presenciando uma alteração no modo de pensar a sua convivência com o ambiente natural. Entretanto, essa transformação vem sendo timidamente assimilada pela industria da construção civil, onde os tradicionais mecanismos de mercado permanecem como ponto primordial das iniciativas que orientam os investimentos no setor.
Embora tímidas, as iniciativas voltadas para a otimização e/ou substituição dos processos de
produção nos setores cimentíceo, aço, mineração e cerâmico, que interferem diretamente na
redução do consumo energético e na conseqüente redução das emissões de CO2 e GEE (gases
de efeito estufa) em geral, vêm sendo reconhecidas como procedimentos indispensáveis quando são considerados os impactos ambientais inerentes à produção das cidades.
325
O estudo apresentado indica que os setores de produção de aço e cimento compreendem os processos mais energointensivos, sendo seguidos pelos setores de produção de
cerâmica e mineração respectivamente. Tal análise permite considerar que a busca de alternativas inovadoras e / ou ações voltadas para eficiência energética e desenvolvimento de
materiais substitutos nestes setores permitirá ganhos ambientais relevantes, consolidando
um comportamento pró-ativo na produção do ambiente construído.
A aplicação da metodologia permite constatar que o cenário atual do ambiente citadino
é altamente intensivo no consumo de energia, principalmente fóssil, o que corresponde a
índices de emissões representativos quando considerado o crescimento potencial na industria
da construção civil. Para tanto os indicadores utilizados consideram medidas de unidade
representativas do processo de urbanização, ou seja, volume produzido por área construída.
A comparação do cenário de referência com um cenário substitutivo no setor cerâmico, por
exemplo, permite observar que para a consolidação de um cenário sustentável na produção das
cidades é necessário e urgente o desenvolvimento, a prospecção e a implementação de tecnologias
menos intensivas no uso de energia e conseqüentemente menos emissoras de GEE.
Neste sentido a metodologia apresentada permite mensurar e analisar os ganhos e impactos energéticos e ambientais referentes ao planejamento do ambiente construído, sendo
uma ferramenta auxiliar na especificação dos materiais mais empregados na sua produção.
O cálculo por setor possibilita ao planejador opções de substituições parciais ou totais,
sendo os ganhos calculados de acordo com o projeto.
Por fim a extrapolação numérica permite mensurar a geração de energia virtual e a contabilização
de créditos de carbono oriundos de projetos na área da construção civil em escala nacional.
8. BIBLIOGRAFIA
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326
AVALIAÇÃO ENERGÉTICA
COMPLETA DO BIOGAS
RESULTANTE DO TRATAMENTO
DOS DETRITOS URBANOS
Francisco de Aragão Antunes Maciel*
Miguel Edgar Morales Udaeta*
Paulo Helio Kanayama*
Geraldo Francisco Burani**
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar as possibilidades de aplicação energética a partir do lodo residual obtido pelo tratamento de águas de esgotos urbanos para reuso da
água. Para atingir esse objetivo, é analisada a possibilidade de geração de energia elétrica através do bombeamento das águas do Rio Pinheiros para a represa Billings e geração posterior na Usina de Henry Borden, onde há grande quantidade de lodo produzido. Neste trabalho, faz-se um estudo para tratar essa grande quantidade de matéria
orgânica da melhor forma possível, bem como uma análise do acúmulo de créditos
carbono devido à redução de emissão de carbono à atmosfera, decorrente do uso
adequado do gás metano produzido, que é altamente poluente causador do efeito
estufa. Através da análise feita a respeito da utilização do lodo residual do tratamento
de esgoto para a geração de energia elétrica, pode-se constatar a necessidade deste
tratamento e os benefícios que este projeto pode trazer para a sociedade e ao meio
ambiente. A produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis que produzam
menos poluentes que as fontes convencionais está inserida no contexto de desenvolvimento sustentável e dos mecanismos de desenvolvimento limpo. Benefícios que geram
conseqüências imediatas, como a geração de energia, desenvolvimento de tecnologias
FRANCISCO DE ARAGÃO ANTUNES M ACIEL / eMail: [email protected]
MIGUEL EDGAR MORALES UDAETA / eMail: [email protected]
*
PAULO HELIO KANAYAMA / eMail: [email protected]
**
G ERALDO FRANCISCO BURANI / eMail: [email protected]
*
GEPEA – USP - Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo - Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. 3, 158; CEP: 05508-900; São Paulo-SP, Brasil
**
IEE/USP - Instituto de Energia e Eletricidade da Universidade de São Paulo - Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289
– CEP 05508-010 São Paulo, SP
*
*
327
alternativas e também benefícios em longo prazo como a conscientização em relação a
preservação do meio ambiente contribuem para que futuras gerações possam aproveitar os recursos que o meio ambiente oferece.
1. INTRODUÇÃO
A água é um elemento fundamental à vida, seus múltiplos usos são indispensáveis às
atividades humanas, devendo assim ser utilizada de forma consciente e eficiente. Uma das
formas de uso da água, sem ser o uso de água destinada ao consumo humano, é a utilização
de água de reuso produzida dentro de estações de tratamento de esgoto para fins tais
como agricultura, lavagem de ruas e pátios, lavagem de veículos, geração de energia, etc.
Assim como é importante o uso sustentado da água, deve-se despertar para a importância
do uso sustentado de toda e qualquer forma de energia. Torna-se cada vez mais importante
o desenvolvimento de tecnologias que possam ser empregadas na geração de energia elétrica
a partir de fontes renováveis, como por exemplo, a biomassa, a energia solar e eólica.
Uma das formas de biomassa que pode ser utilizada como fonte de combustível é a
matéria orgânica denominada lodo residual, produzida juntamente com a água de reuso no
tratamento de águas de esgotos.
Com o processamento do lodo residual através dos processos de Pirólise Rápida, Tocha
de Plasma e Biodigestão torna-se possível a geração de energia elétrica e a adequada eliminação dos resíduos. Com a correta utilização do lodo gera-se uma importante fonte de
matéria prima para a geração de energia e conseqüentemente uma perspectiva de desenvolvimento sustentado, devido à renovação e constante produção de lodo.
Nesse âmbito um fator relevante é a contribuição dos mecanismos de desenvolvimento
limpo, que derivados das potencialidades apontadas a partir do Protocolo de Quioto, permitem a países responsabilizados reduzir a emissão de gases que contribuam para o efeito estufa
através do patrocínio de implementações de projetos em países em desenvolvimento, obtendo uma redução equivalente de emissões globais de gases poluentes a este efeito.
2.
OPÇÕES ENERGÉTICAS
As formas de aproveitamento energético para as águas tratadas de esgoto, são:
1a) Direta: utilizando diretamente a água tratada como forma de geração em hidrelétricas (aproveitando a energia potencial na queda);
2a) Indireta: em termelétricas, utilizando o lodo residual do esgoto tratado como
fonte de energia de biomassa.
Esta segunda forma será o foco deste trabalho, mas a utilização da água também será
estudada como forma de incrementar a receita de empresas que venham a implementar as
soluções que serão apresentadas e tornar o balanço energético positivo, caso não seja, minimizar
os custos de geração, já que será utilizada uma fonte que a princípio seria descartada.
O tratamento do lodo residual pode ser feito através da Pirólise Rápida, Tocha de
Plasma e Biodigestão.
328
2.1
. Tocha de Plama
Quando um gás é aquecido a temperaturas elevadas há mudanças significativas em
suas propriedades. A 3.000 oC, os átomos são ionizados pela perda de parte dos elétrons. Este gás ionizado é chamado de plasma. No estado de plasma o gás atinge temperaturas extremamente elevadas que podem variar de 5.000 - 50.000 °C de acordo
com as condições de geração.
Um gerador de plasma (tocha de plasma) é um dispositivo que transforma energia
elétrica em calor transportado por um gás. As tochas de plasma já estão em uso há anos
na indústria metalúrgica e siderúrgica e estão sendo utilizadas também para dar fim a
substâncias perigosas e poluentes como, por exemplo, lixo hospitalar, drogas e outros
materiais. Por meio da tocha de plasma, o conversor de resíduos a plasma (CRP) produz
eletricamente um campo de energia radiante de altíssima intensidade que aplicado sobre
os resíduos produz a dissociação das ligações moleculares existentes nos compostos
sólidos, líquidos, sejam eles perigosos ou não, orgânicos ou inorgânicos.
O jato de plasma é gerado pela formação de um arco elétrico, através da passagem de
corrente entre o catodo e anodo, e a injeção de um gás (qualquer gás) que é ionizado e
projetado sobre os resíduos. É importante notar que no processo a plasma não há combustão ou queima dos componentes do resíduo, não gerando compostos perigosos provenientes da combustão como dioxinas, furanos e outros. Na Fig. (1) pode ser observado o esquema da tocha de plasma.
Figura 1 - Esquema da Tocha de Plasma
329
A redução de volume de materiais sólidos obtidos em um conversor de resíduos a plasma
pode atingir 300 para 1 ou mais, virtualmente eliminando todo o material processado.
Quando os resíduos carregados são de alto poder calorífico o sistema poderá ter balanço energético positivo, permitindo a recuperação de energia em quantidade superior à
despendida no processo.
Algumas vantagens da utilização da tocha de plasma são:
l
Processo é ambientalmente correto, pois o nível de emissão de gases poluentes é
muito inferior às exigências das leis ambientais.
l
Elimina qualquer necessidade de tratamento subseqüente, estocagem ou disposição
em aterros especiais. O material residual resultante é um material inerte e vitrificado
podendo ser utilizado, por exemplo, em pavimentações.
l
Redução de volume extremamente elevada, alcançando a frações que podem ser
inferiores a 1%.
l
Possibilita a cogeração de energia, com a produção de energia elétrica, vapor e/ou frio.
l
Eliminação de substâncias perigosas ou poluentes.
A princípio, o processo da tocha de plasma apresenta diversas vantagens com relação ao
meio ambiente, porém do ponto de vista energético deve-se fazer um estudo maior devido a forte dependência do poder calorífico do material processado e da energia produzida, pois dependendo do material usado, o balanço energético pode ser negativo.
2.2. Pirólise Rápida
Pirólise Rápida é, por definição, uma decomposição térmica que ocorre na ausência de
oxigênio. É também o primeiro passo nos processos de combustão e gaseificação, onde é
seguido por uma oxidação total ou parcial dos produtos principais.
Temperaturas de processo mais baixas e períodos mais longos de permanência de vapor favorecem a produção de carvão vegetal. Altas temperaturas e períodos mais longos
de permanência de vapor aumentam a conversão de biomassa em gás, e temperaturas de
processo moderadas e períodos curtos de permanência de vapor são ótimos para a produção de líquidos. Após o resfriamento e condensação, é formado um líquido marrom
escuro que tem a metade do poder calorífico do óleo combustível convencional.
A Pirólise Rápida é um dos mais recentes processos dentre uma família de tecnologias que
converte biomassa – na forma de lenha ou resíduos agrícolas – em produtos de alto valor energético
incluindo gases, líquidos e sólidos. A pirólise rápida é a única em que o produto principal é líquido,
com vantagens de armazenamento e transporte. Este método de pirólise rápida possui apenas 20
anos de desenvolvimento, comparado com centenas de anos para a gaseificação e milhares de anos
para a combustão, mesmo assim já está sendo vista como candidata a líder no setor de energia
renovável à medida que passar das pesquisas para usinas em escala comercial.
Qualquer forma de biomassa pode ser considerada para a pirólise rápida. A maior
parte do trabalho tem sido feita com a lenha, porém aproximadamente 100 diferentes
tipos de biomassa estão sendo testados por vários laboratórios, dentre eles resíduos
agrícolas como palha, caroço de azeitonas e casca de nozes, e resíduos sólidos como
lodo de esgoto e resíduos de couro.
330
O bio-óleo produzido a partir da pirólise rápida pode substituir o óleo combustível
ou o diesel em muitas aplicações estáticas incluindo caldeiras, fornos, motores e turbinas para geração de eletricidade. No caso da produção de energia elétrica temos um
exemplo de aplicação onde pelo menos 500 horas de operação foram alcançadas nos
últimos anos em vários motores de unidades de testes laboratoriais, motores modificados de duplo óleo combustível de 1,4 MW. Um dos motores é de 250KW de duplo
combustível que chegou a aproximadamente 400 horas, incluindo várias jornadas de 9
horas, e com energia sendo gerada por 320 horas. Uma turbina a gás foi modificada e
funcionou com sucesso com o bio-óleo.
Algumas vantagens da pirólise rápida são: a facilidade de armazenamento e locomoção
devido a maior quantidade de produto produzido ser na forma líquida e; a utilização de
várias formas de biomassa
Algumas desvantagens são: o custo do bio-óleo, que é de 10% a 100% maior que combustíveis fósseis; a falta de padrões para uso e distribuição do bio-óleo, e imprevisibilidade
de uma qualidade de produção consistente, impedindo o seu uso mais abrangente. Além
do mais, o bio-óleo é incompatível com combustíveis convencionais, necessitando de sistemas dedicados de manuseio, impedindo sua implementação gradual por miscigenação,
como no caso do eco-diesel.
2.3. BIODIGESTÃO
O biogás é uma mistura gasosa combustível, produzida através da digestão anaeróbia, ou
seja, pela biodegradação de matéria orgânica pela ação de bactérias na ausência de oxigênio.
Esse é um processo natural que ocorre em pântanos, mangues, lagos e rios, e é uma
parte importante do ciclo biogeoquímico do carbono. Produzido dessa maneira, o biogás
não é utilizado como fonte de energia.
A produção de biogás também é possível a partir de diversos resíduos orgânicos, como
estercos de animais, lodo de esgoto, lixo doméstico, resíduos agrícolas, efluentes industriais e
plantas aquáticas. Nesse caso, quando a digestão anaeróbia é realizada em biodigestores especialmente planejados, a mistura gasosa produzida pode ser usada como combustível, o qual,
além de seu alto poder calorífico, de não produzir gases tóxicos durante a queima e de ser
uma ótima alternativa para o aproveitamento do lixo orgânico, ainda deixa como resíduo um
lodo que pode vir a ser usado como biofertilizante, salvas algumas restrições qualitativas.
Um exemplo de utilização de biodigestores é a produção de biogás pela Sabesp na estação
de tratamento do Barueri, este gás produzido é utilizado na geração de energia elétrica através
de motores e microturbinas que suprem parte da energia elétrica consumida na Estação.
O biogás, em condições normais e valores médios, pode-se dizer que é uma mistura
gasosa composta principalmente de:
l
Metano (CH4): 40 – 70% do volume de gás produzido.
l
Dióxido de carbono (gás carbônico, CO2): 30 – 60% do volume de gás produzido.
l
Hidrogênio (H2): 0 – 1% do volume.
l
Sulfeto de hidrogênio (gás sulfídrico, H2S): 0 – 3% do volume.
331
O poder calorífico do biogás é aproximadamente 6,0 kWh/m3, o que corresponde a
aproximadamente meio litro de óleo diesel. O principal componente do biogás, quando se
pensa em usá-lo como combustível, é o metano.
As vantagens da utilização do processo de Biodigestão são:
l
É um processo natural para se tratar rejeitos (resíduos) orgânicos.
l
Requer menos espaço que aterros sanitários ou compostagem.
l
Diminui o volume de resíduo a ser descartado.
l
É uma fonte de energia renovável.
l
O gás produz um combustível de alta qualidade, que é o metano.
l
Maximiza os benefícios da reciclagem/reaproveitamento da matéria orgânica.
l
Produz como resíduo o biofertilizante, rico em nutrientes e livres de microorganismos
patogênicos.
l
Reduz significativamente a quantidade emitida de dióxido de carbono (CO2) e de
metano (CH4), gases causadores do efeito estufa, e é bom lembrar que o metano é
cerca de 23 vezes mais danoso do que o dióxido de carbono quando do efeito
estufa se trata.
As desvantagens da utilização do processo de Biodigestão são:
l
Controle dos níveis ótimos das variáveis de operação dos biodigestores como:
tem peratura, teor de água, pH, nutrientes e impermeabilidade ao ar.
l
Formação de gás sulfídrico (H2S), um gás tóxico.
l
Necessidade de tratamento do gás obtido, dependendo da quantidade de gás sulfídrico.
l
Necessidade de observação da presença de metais pesados residuais no lodo.
l
Escolha do material na construção do biodigestor devido a formação de gases corrosivos.
3. Opção de Aproveitamento energético do Esgoto
Os estudos desenvolvidos revelaram que se os três processos analisados forem viáveis
individualmente, os mesmos podem apresentar uma ainda melhor alternativa se trabalharem complementarmente.
Todavia, analisando os três processos pré-selecionados, a biodigestão do lodo residual
apresenta um balanço energético positivo, como era de se esperar. Pois, se o metano que é
produzido naturalmente não for expelido diretamente na atmosfera, será queimado sem
nenhuma forma de aproveitamento energético. A tocha de plasma que aparentemente
poderia ser utilizada como uma outra maneira de obtenção de energia elétrica, também se
mostrou inviável para essa finalidade, apesar de boa alternativa para eliminação de rejeitos
indesejados para a sociedade; e a pirólise rápida, por ser um processo relativamente novo,
não está disponível em escala comercial, inviabilizando assim a sua utilização.
332
Portanto no contexto deste trabalho, a melhor opção para aproveitar a energia contida nos resíduos do processo de reuso da água, e com isso possibilitar a produção de
energia além de viabilizar o projeto hidroelétrico, é a utilização da biodigestão
complementada com a utilização da tocha de plasma. Cabe lembrar que o projeto
hidroelétrico aqui se refere a avaliação inicial que envolve a proposta de reaproveitamento
das águas do Rio Pinheiros em São Paulo, uma vez limpas, através da usina de Henry
Borden (passando pela represa Billings).
3.1. ASPECTOS DA IMPLEMENTAÇÃO
A implementação dessa solução na cidade de São Paulo, mais especificamente no Rio
Pinheiros, será feita através da utilização das Estações de Flotação e Remoção de Flutuantes
(EFRF) que estão no curso do rio. Essas EFRF‘s farão o tratamento da água do rio e o
lodo resultante receberá um tratamento físico-químico, pela adição de polímero que facilitará sua desidratação e sua centrifugação. Dessa forma, obtém-se ao final desse processo o
lodo a uma concentração de 30%. A Figura 2 ilustra o processo de desidratação do lodo.
Figura 2 - Desidratação do Lodo
A composição do lodo tem um comportamento sazonal, podendo variar em um curto
período de tempo. Conforme estudos realizados através de informações colhidas diretamente das águas do Pinheiros pode ser verificado que em questão de horas, a concentração
de compostos orgânicos e inorgânicos podem ter seus valores alternando-se relativamente,
dificultando o cálculo tanto do poder calorífico como da densidade aparente.
Para estimar o poder calorífico do lodo, utilizou-se o valor de 900 kcal/kg e uma
densidade de 0,780g/cm³ (Tab. 1).
Tabela 1 - Valores do Lodo
Densidade aparente:
Volume de Lodo produzido
Massa do lodo produzido:
Poder calorífico:
Poder calorífico total do lodo (por dia)
1 kW
780 kg/m³
1080 m³/dia
842.400 kg/dia
900 kcal/kg
758.160.000 kcal
860 kcal/h
Potência média disponível para geração
36,7 MW
333
3.2. ENERGIA DO LODO
A potência que será transformada em energia elétrica dependerá do processo e das
máquinas que serão utilizadas, levando-se em conta o rendimento de cada máquina e a
utilização de ciclo combinado ou não no processo. Em termelétricas tradicionais, de
uma maneira geral, o rendimento médio é em torno de 38%. Se atingíssemos esse valor,
o lodo poderia produzir cerca de 14MW de potência elétrica média.
3.3. ANÁLISE ECONÔMICA
Para se conhecer os benefícios do processo proposto, além de benefícios intangíveis que
serão citados posteriormente, deve ser feita também uma análise econômica comparando
os dois processos: atual e proposto.
Atualmente existem três etapas que representam custos altos para a despoluição do
Pinheiros. O tratamento em si da água necessita de uma energia de 0,117 kWh/m³, sabendo-se que a vazão do Pinheiros é de 47m³/s, seria necessário mais de 14 GWh/mês.
Depois disso, o lodo resultante passa por um processo de inertização o que possibilitará sua
destinação em aterros sanitários. Para cada m³ de água tratada, são adicionados 30g de cal virgem,
assim, serão necessários 3.654 toneladas de cal por mês a um custo de R$ 240/ ton, totalizando um
custo com cal de R$ 877.132/mês. Depois de desidratado e inertizado, o lodo deverá ser transportado em carretas para aterros sanitários. O custo desse transporte está estimado em R$ 20,00/m³
de lodo produzido. Atualmente o lodo inertizado produzido é cerca de 1080 m³/dia, dessa
forma, o custo total de transporte do lodo seria em torno de R$ 646.800/mês.
Para finalizar a análise atual, basta saber o custo da energia gasta e para isso é necessário
saber a curva de carga de todo tratamento, verificar o tipo de tarifa que se enquadra e
calcular mais precisamente todo o custo energético, considerando a demanda e a energia,
contudo para simplificar nosso cálculo estimamos o custo da energia em R$ 150/MWh,
portanto a energia gasta por mês custaria R$ 2.150.000, totalizando um custo total de mais
de R$ 3.673.000/mês, lembrando que esse custo está sendo estimado e que para deixá-lo
mais fiel à realidade seria necessário verificar o custo real pela tarifa em que se enquadra.
No modelo proposto, o custo e a energia do tratamento se manterão (R$ 2.150.000
para 14GWh/mês), mas o lodo não deverá ser inertizado, muito pelo contrário, o lodo
deverá manter suas propriedades bacteriológicas e entrar no processo de biodigestão onde
produzirá os gases utilizados na produção de energia.
Como visto anteriormente, a potência média útil produzida pelo biogás é de 14 MW, podendo num mês produzir cerca de 10 GWh correspondendo a uma receita de R$ 1,5 milhão/mês.
Para essa etapa, os dados foram obtidos para o lodo a uma concentração de 60%,
assim, seria necessário conhecer também a energia gasta para desidratar ainda mais o lodo
até a concentração de 60%. A secagem deverá ser térmica, portanto é necessário calcular a
energia para evaporar esta quantidade de água considerando-se um determinado rendimento em função do processo a ser adotado.
Após a produção do gás, o lodo passará pelo processo de vitrificação através da tocha de
plasma. Nesse processo o lodo pode ter seu volume reduzido a 1%, como o volume era de
1080m³/dia a uma concentração de 60%, após passar pela tocha de plasma seu volume se reduzirá a 5m³/dia ou 150m³/mês, e o custo de transporte do lodo é estimado em R$ 6.000,00/mês.
334
Novamente, nos faltou nessa etapa conhecer a energia consumida pela tocha o que pode
comprometer a viabilidade econômica sensivelmente, mas essa conclusão só poderá ser
tomada depois de conhecida essa energia.
Depois que toda água do Pinheiros estiver tratada, poderá se rebombear 10m³/s (vazão
natural do rio) em direção à represa Billings com a finalidade de geração extra na Usina de
Henry Borden. Esse rebombeamento terá um gasto de 0,1035kWh/m³ e, portanto será
necessário uma energia de 2,68GWh/mês. Em contrapartida, na usina de Henry Borden,
cada 10m³ de água representa a geração de 1,639kWh, com a vazão de 10m³/s, serão
quase 2.600.000m³/mês e, portanto será possível gerar mais de 42 GWh/mês. A diferença
de energia produzida e consumida representará uma receita de quase R$ 6.300.000,00/
mês, se adotarmos o custo da energia em R$ 150/MWh.
Ficará a critério da empresa utilizar a energia gerada, abatendo-se da energia contratada
bilateralmente do fornecedor ou vende-la no mercado em momentos de crise energética aonde
seu valor já chegou a R$ 600,00/MWh. Atualmente o valor nesse mercado é de R$ 4,00/MWh.
Uma maneira alternativa de gerar mais receitas é a venda de créditos carbonos pela
emissão evitada de gases estufa no processo, para isso, como a maior parte dos gases
produzidos é o metano, e o crédito carbono é dado em 4 US$/ton de CO2, podendo-se
considerar a relação de equivalência de efeito estufa de 23 vezes mais pernicioso do metano
com relação a unidade de dióxido de carbono equivalente.
Verifica-se pela Tabela 2 que o processo proposto tem balanço positivo de cerca de R$
4.000.000,00, obviamente negligenciando o processo de secagem, a tocha de plasma e os
créditos carbonos, mas considerando novamente o custo da energia a R$150/MWh, ainda
será possível gastar 42GWh/mês para esses dois processos, de forma que o processo total
não deixe de ser autônomo, e ainda sem contar com a receita dos créditos de carbono.
Tabela 2 - Balanço Energético e Financeiro
tratamento da água
inertização (cal)
Secagem do lodo
energia do lodo
tocha de plasma
transporte do lodo
bombeamento da água
Geração em Henry Borden
crédito carbono (CO2)
TOTAL (em R$1000,00/mês)
&XVWR
3URSRVWR
$WXDO
0,117kWh/m³
R$ 240/ton
(1290,00)
(1290,00)
(877,00)
900kcal/kg
686,00
R$ 20/m³
0,1035kWh/m³
1,639kWh/m³
US$ 4/ton
(6,00)
(241,00)
3.823,00
128,00
3200
(646,00)
-2813
3.4. Créditos Carbono
Com o processo de tratamento do lodo residual e a conseqüente utilização do biogás
como combustível na geração de energia, deixa-se de emitir na atmosfera o gás metano
(CH4), o principal componente do biogás, que é altamente poluente, chegando a contribuir
cerca de 23 vezes mais para o efeito estufa que o gás carbônico (CO2).
335
De acordo com o Protocolo de Quioto que visa contribuir para o desenvolvimento
sustentável, também através da produção de energia por meio de fontes renováveis e que
agridam menos o meio ambiente, os países desenvolvidos teriam que reduzir a emissão de
gases poluentes e causadores do efeito estufa, ou então viabilizar e implementar projetos
em outros países (subdesenvolvidos) nesta direção.
Deve ficar claro que, atualmente, a não-ratificação do Protocolo de Quioto não foi
suficiente para inibir o aparecimento de mercados voluntários de carbono com processos
de abatimento de emissões similares aos estipulados previamente.
Desse modo, a potencialidade de geração de receita a partir de emissões reduzidas se
conforma como realidade, dentro de uma perspectiva direcionada aos entendimentos de
cada sistema de mercado, acompanhando com isso também a percepção de preço.
No caso abrangido, as potencialidades de emissões reduzidas observáveis sobre esses
critérios ficam representadas pela evitabilidade de emissão direta de metano gerado em
processos anaeróbicos no tratamento de esgotos, a evitabilidade de geração de metano
indireta na destinação do lodo residual a aterros, evitabilidade indireta na mitigação de
emissões decorrentes do processo energointensivo de fertilizantes (caso da biofertilização)
e da evitabilidade por mitigação de geração de energia renovável substituta à rede interligada em determinados horários de carga.
Para o último caso, há que se investigar a correta equivalência de energia substituída pelo
posicionamento do consumo de energia versus tipicidade de curva de despacho de geração. Uma alternativa rasa a esse método cabal, resultaria na utilização direta da taxa de
emissão da matriz energética brasileira, o que diminuiria em muito a quantidade de emissões evitadas, haja a vista a sua composição de predominância hidrelétrica.
No escopo do trabalho aqui relatado, foi considerada apenas a redução direta de emissão de gás metano na atmosfera, a partir da utilização do lodo residual de esgoto, caracterizando a evitabilidade de 135.305m3/dia de biogás (composição estimada de metano de
56%) remunerados a 4 U$/tonCO2eq (valor conservativo).
Na iminência da ratificação do Protocolo de Quioto (sem previsão), ou na entrada em
operação do sistema de liquidação europeu (ETS entra em vigor em 01/01/2005), devese considerar a possível elevação dos valores pagos por tonelada de emissão evitada, alterando a expectativa de receita.
4. Benefícios Indiretos
Na análise de obtenção de energia a partir do uso do lodo residual de esgoto tratado, é
totalmente relevante considerar outras questões que podem influenciar a decisão de investimento na implementação de qualquer solução que venha a ser escolhida. Através dessa análise poderse-ão observar benefícios indiretos, mesmo que o balanço energético do processo não seja
positivo, ou seja, ganhos em qualidade de vida, tanto ambientalmente quanto socialmente.
4.1. Meio Ambiente
Um aspecto imediato e local quanto à questão ambiental é a diminuição da poluição do
Rio Pinheiros ou até mesmo a sua inteira recuperação que permitiria o retorno da vida
aquática e a retomada de ciclos biológicos.
336
Considerando-se a problemática dos dois principais aterros que atendem a região
metropolitana, ambos em fim de vida útil e sem substitutos imediatos, a diminuição de
seu carregamento de resíduos vem por significar também importante ganho ambiental
conseqüente para um futuro próximo.
No âmbito da poluição global, a contribuição para a redução das emissões de gases
contribuintes ao efeito estufa merece apontamento, pois é um caminho claro para uma
identidade com o desenvolvimento sustentável.
4.2. Transporte e Atividade Pesqueira
O transporte fluvial além de representar uma alternativa para o caótico trânsito urbano,
seria uma solução de baixo custo de operação e manutenção. Construção de marinas para
barcos de pequeno porte, parques aquáticos próximo ao rio e talvez até utilizando sua água,
construção de locais para atividade pesqueira tanto esportiva como comercial.
5. CONCLUSÃO
Através desta análise feita a respeito da utilização do lodo residual do tratamento de esgoto
para a geração de energia elétrica, pode-se constatar a necessidade deste tratamento e os benefícios que este projeto pode trazer para a sociedade e ao meio ambiente. Benefícios, vinculados
fundamentalmente ao reuso da água, pois é água o bem que cada vez mais se torna escasso.
Benefícios que geram conseqüências imediatas, como a geração de energia, desenvolvimento de
tecnologias alternativas e também benefícios a longo prazo como a conscientização em relação a
preservação do meio ambiente e principalmente gerar um desenvolvimento sustentável e limpo
para que futuras gerações possam aproveitar os recursos que o meio ambiente oferece.
Finalmente deve-se ressaltar que a possibilidade de implementar mecanismos de desenvolvimento limpo, quer vinculados ou não a mandato global via Quioto, concretizam a
possibilidade de um consumo sustentável realista que implica efeitos diretos na redução de
resíduos e materializam sempre o desenvolvimento sustentável. Ou mais ainda fazem credível
a exeqüibilidade de um desenvolvimento sustentável onde as gerações futuras tenham tantas possibilidades quanto as atuais de habitar o planeta.
6. BIBLIOGRAFIA
Takabatake, A. Nishio, N.M. Produção de Energia Elétrica a partir dos Resíduos da Água, Relatório Final do Projeto de
Formatura. PEA – EPUSP, Sao Paulo 2002.
Hespanhol, Ivanildo. et at. Proposta de reuso de esgotos tratados pela usina de geração de energia Carioba – II, CTH, maio de 2001.
Kanayama, P.H. Minimização de resíduos sólidos urbanos e conservação de energia. São Paulo. 1999
Martins, Osvaldo Stella. et al. Produção de energia elétrica a partir do biogás resultante do tratamento de esgoto.
CENBIO, abril de 2002.
Menezes, Marco Antônio. et al. O Plasma Térmico – solução final para resíduos perigosos. Kompac, outubro de 1999
Pereira, Carlo Roberto. Sistema de flotação e remoção de flutuantes para a melhoria das Águas do Rio Pinheiros.
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Reis, L.B. dos. Energia Elétrica para o Desenvolvimento Sustentável. EDUSP. São Paulo. 2001.
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Site da EMAE (http://www.emae.sp.gov.br)
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Site da Sabesp (http://www.sabesp.com.br)
Site da USP (06/06/2002) (http://www.usp.br/jorusp)
337
O USO DE INDICADORES DE
SUSTENTABILIDADE PARA UM PROJETO
DE UMA USINA TERMELÉTRICA MOVIDA
A BIOMASSA ACOPLADA A UMA PEQUENA
CENTRAL HIDRELÉTRICA EM RONDÔNIA
Alexandre d’Avignon
Maria Silvia Muylaert
Christiano Pires de Campos
Tereza Mousinho
Emilio Lebre La Rovere
Osvaldo Soliano
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto da parceria do Centro Clima, sediado na COPPE/UFRJ, com a
Universidade de Salvador (UNIFACS) para realizar, com apoio do Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA), a análise de viabilidade de um projeto de uma termelétrica movida a
biomassa florestal voltado à adoção do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Os técnicos da empresa empreendedora, ELETROGOES, com sede em Salvador,
procuraram os pesquisadores da UNIFACS e COPPE/UFRJ para discutir a possibilidade
da construção de uma pequena usina termelétrica (PCT) de 4MW de potência instalada
para utilizar a madeira que seria retirada do local a ser inundado por uma hidrelétrica em
vias de construção do Grupo ELETROGOES. Deste primeiro contato surgiu a possibilidade de se verificar a viabilidade deste tipo de projeto gerar um Documento de Concepção de Projeto (DCP) para o Conselho Executivo do MDL da Convenção Quadro de
Mudanças Climática das Nações Unidas (UNFCCC - sigla em Inglês).
Este trabalho, portanto, foi o resultado de entendimentos entre os pesquisadores e o
empreendedor, assumindo-se o desafio de buscar tecnologias cada vez mais limpas para
mitigar a emissão de gases de efeito estufa. Ao empreendedor ficou a tarefa de prover aos
pesquisadores o maior número possível de informações sobre os seus empreendimentos
na região e a sinergia que poderia ser obtida entre eles. Aos pesquisadores ficou a execução
do Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica.
338
O projeto em estudo pode se tornar um projeto candidato ao MDL por meio da
apresentação do DCP. O plano de monitoramento deverá ser feito com atenção especial
aos “vazamentos” como o uso de florestas nativas para manutenção de funcionamento da
PCT. Deverão ser implementados cuidados durante o terceiro, quarto, quinto e sexto anos
de funcionamento da PCT, pois nestes anos a floresta energética ainda não estará madura e
a biomassa fornecida pela região inundada já terá sido consumida. Neste caso, a PCT
contará apenas com os resíduos de madeira de serrarias e alguma biomassa da floresta
energética resultante da manutenção da mesma.
O projeto analisado será implantado a 55 km da Cidade de Vilhena, situado ao sul do
Estado de Rondônia, no mesmo local onde funciona a PCH Cachoeira Porteira, de propriedade da ELETROGOES, que tem como condicionante a sazonalidade das chuvas na
região, pois, além de firmar a energia para a cidade de Vilhena, o local conta com estrutura
de transmissão para receber o aumento de carga.
Para o cálculo da estimativa das emissões reduzidas e absorções foram elaborados um cenário
de referência e um cenário com a implantação do projeto. A diferença entre os dois cenários
permite o cálculo das emissões reduzidas e absorvidas de CO2 ao longo de 21 anos de atividades
do projeto. Para a escolha do cenário deve ser feito um estudo mais detalhado em um futuro DCP.
Para a estimativa da contribuição do projeto para o desenvolvimento sustentável será
utilizada a metodologia dos Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade
(La Rovere se al.-1999) do projeto, que foi desenvolvida pelo Centro Clima, aprovada pelo
MMA e enviada à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima.
2. O Projeto
No decorrer da elaboração do estudo de viabilidade ocorreram modificações nos
parâmetros originais da proposta inicial, em razão de ajustes relacionados a economia de
escala e características locacionais da pequena central termelétrica. Os técnicos da
ELETROGOES ponderaram que a PCT de potência instalada de 4 MW não seria viável
economicamente em razão do custo por MWh produzido. Tendo feito a opção pela
tecnologia de queima convencional e consultando as empresas fabricantes dos equipamentos constituintes da PCT, os técnicos da ELETROGOES verificaram que a melhor razão
de custo-beneficio em relação ao investimento de implantação e o MWh produzido estava
com a configuração de 10 MW(Koblitz-2003) de potência instalada.
A PCT utilizará como combustível, nos dois primeiros anos, a madeira oriunda do lago a ser
inundado na construção da Usina Hidrelétrica de Rondon II, do terceiro ao sexto ano resíduos
agrícolas e de serrarias da região em torno da PCT e, a partir do sétimo ano , (aguardado o ciclo
de crescimento da floresta energética) madeira de reflorestamento a ser implantado em áreas
desmatadas antes de 1990 e/ou degradadas. Os cálculos do consumo da madeira do lago
foram estimados em dois anos a dois anos e meio, dependendo do poder calorífico da madeira
retirada do local. As primeiras análises encomendas pelos técnicos da ELETROGOES ao IPT
foram promissoras, mostrando baixa umidade e poder calorífico alto da amostra da madeira
do local. De forma conservadora, adotou-se neste trabalho que a PCT funcionará com fator de
carga de 100% com toda madeira disponível nos primeiros dois anos e depois teria que utilizar
resíduos de serrarias da região para funcionar com 30% de fator de carga até que a floresta
energética fornecesse de forma contínua o combustível para PCT.
339
Um aspecto importante do projeto a ser destacado refere-se à provável inovação constituída pela construção associada de uma PCT a uma UHE e para aproveitamento da biomassa
existente na área que será inundada para geração de energia ao invés de simplesmente queimála depois de aproveitamento da madeira nobre. A prática de queimada é comum na região e
esta seria a opção da empresa, já que existe determinação da retirada da floresta no local
inundado. A opção pela queima convencional se justifica porque existem outros parâmetros
como a umidade da madeira, tipologia e desenvolvimento da floresta energética que podem
alterar a performance destes equipamentos que utilizam normalmente bagaço de cana.
Quanto mais ágil a construção da PCT, rapidamente pode-se combinar a retirada da
madeira da área que será inundada na UHE de Rondon-II sem que haja necessidade de
estocagem e perdas com a decomposição da biomassa. Uma ressalva que deve ser feita é
a distância entre a UHE de Rondon-II e a PCH de Cachoeira, cerca de 80km, pois o
transporte da madeira deverá percorrer este percurso.
3. Estimativa das Emissões Reduzidas e Absorvidas de CO2 e a Contribuição do
Projeto para o Desenvolvimento Sustentável
3.1 Metodologia
O projeto envolve duas atividades que contribuem para a mitigação da mudança do
clima: a geração de energia elétrica renovável a partir da biomassa do reflorestamento e o
estabelecimento de um reflorestamento energético em áreas desmatadas antes de 1990
(critério para que créditos de absorção sejam aceitos no MDL). Por meio desta configuração, a PCT deslocará o óleo diesel utilizado para firmar energia, contribuirá para recuperação de áreas degradadas/desmatadas e a fixação de carbono com o manejo da floresta
energética que ocupará aproximadamente 6 mil hectares. O projeto desta maneira contribuirá para promover a redução dos gases de efeito estufa e da poluição ambiental local
devido a emissão de gases em razão da queima de óleo diesel nos geradores em operação.
As emissões reduzidas e absorções de gases de efeito estufa anuais de um projeto para o
âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deve ser a diferença entre as emissões e
absorções de gases de efeito estufa do cenário de referência e do cenário com o projeto. Na 18a
reunião do SBSTA (Subsidiary Board on Scientific and Techonological Aspects) da Convenção
Quadro de Mudanças Climáticas ficou o indicativo que existirão créditos de absorção diferenciados dos créditos de emissões reduzidas. Os créditos de carbono deste projeto no âmbito do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo deverão ser diferenciados da seguinte forma:
1) Créditos das Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) das emissões Reduzidas de
CO2 devido a substituição de combustível fóssil por fonte renovável;
2) Créditos Temporários Certificados de Absorção (CTCA) do seqüestro de CO2 do
estoque de madeira presente no reflorestamento
Os CTCA expiram compulsoriamente e deverão ser renovados periodicamente com a verificação em campo. Supõe-se, para efeito de cálculo, que o período de renovação é de 7 anos.
3.2. Indicação dos Cenários de Referência (Linha de Base)
Foram estimadas as emissões e absorções em cenário de referência R2. As emissões do
cenário de referência R2 são: 1) a geração termoelétrica a óleo diesel de 10 MW emite
340
48.148.460 kg CO2 / ano (10 MW x 365 dias x 24 horas x 0,7 x 103 kWh/MWh x 0,302
l/kWh x 2,6 Kg CO2/l1 ); 2) as emissões de CO2 de resíduos de serraria, de acordo com a
metodologia do IPCC, são nulas (caso esta madeira venha de atividades de mudança no
uso da terra, estas emissões devem ser consideradas); 3) as emissões de CO2 da madeira
removida do lago da UHE de Rondon II serão iguais à quantidade de madeira usada pela
PCT, ou seja, 112.420 t CO2 (10 t madeira úmida /hora x 365 dias x 24 horas x 0,7 x 0,5 t
seca/úmida x 3,667 t CO2 / t C) e; 4) as absorções do cenário de referência sugerem que a
floresta não iria se regenerar em 80 anos pois a área do reflorestamento seria uma área
degradada (o cenário Ab2, somente para as a absorções, estima as absorções com a regeneração natural de uma área que não estivesse degradada e foram apresentadas no relatório ao
FNMA). As emissões e absorções de CO2 do cenário de referência R2 estão na Tabela 1.
A estimativa das emissões das atividades do projeto refere-se ao deslocamento do diesel que se
dá quando substitui-se 10 MW de potência a partir de uma termelétrica convencional a óleo diesel.
3.3. Indicação do Cenário com o Projeto
Foram estimadas as emissões e absorções no cenário com o Projeto. Espera-se que com
a operação da PCT de 10 MW pare de se operar uma termelétrica a óleo diesel de 10 MW
no período de 1 à 2 anos com madeira do reservatório da UTE de Rondon II e 7 à 21
com madeira do reflorestamento. Neste períodos a UTE a óleo diesel não irá operar. Nos
anos 3, 4, 5 e 6 espera-se que a PCT funcione com 30 % de sua carga devido a restrição de
madeira que será atendida por resíduos de serrarias. Neste período espera-se que se deixe
de operar uma termelétrica a óleo diesel de 3 MW. Entretanto, de acordo com a metodologia
do IPCC (IPCC-1996), a queima de resíduos de biomassa é considerada como emissões
nulas. Caso esta madeira venha de atividades de mudança no uso da terra, estas emissões
devem ser consideradas. As emissões do uso da madeira da área inundada pela UHE
Rondon II utilizada para gerar energia elétrica foram estimadas em 112.420 t CO2.
O estabelecimento do reflorestamento energético de 6760 ha com Eucalyptus no sistema
de 3 manejos de 7 anos, terá um estoque médio de carbono correspondente ao Gráfico 1,
utilizando-se fatores médios de biomassa de troncos das plantações de Eucalyptus brasileiras
(Primeiro Inventário Brasileiro de Emissões de Gases de Efeito Estufa, www.mct.gov.br/
clima, 2002). Se for contabilizado a carbono dos galhos e folhas estes números são maiores.
Gráfico 1 - Estoques de CO2 dos troncos de um reflorestamento energético de
Eucalyptus com manejo de 7 anos.
(VWRTXHGHFDUERQRHPWHUPRVGH&2GHXPUHIORUHVWDPHQWR
HQHUJpWLFRGH(XFDO\SWXVW&2
900.000
800.000
700.000
600.000
500.000
400.000
300.000
200.000
Estoque total
Estoque médio Acumulado
341
Estoque médio do projeto
21
20
19
18
17
16
15
14
13
12
11
9
10
8
7
6
5
4
3
2
-
1
100.000
0
2
&
W
3.4. Estimativa de Emissões Reduzidas e Absorções de CO2, em 21 Anos, por
meio das atividades de projeto
As Reduções Certificados de Emissões (RCEs) do projeto seguirão o seguinte cálculo:
emissões de CO2 dos cenários de referência menos as emissões de CO2 dos cenários com
o projeto. Os Créditos Temporários Certificados de Absorção (CTCA) do projeto seguirão o seguinte cálculo: absorções de CO2 no anos 7, 14 e 21 do cenário com o projeto
menos as absorções nos cenários de referência sem o projeto (Tabela 1).
Tabela 1 - Emissões e absorções do cenário de referência R2 (t CO2)
(PLVV}HV
GHXPD
87(
$QR 0:D
yOHR
GLHVHO
(PLVV}HV (PLVV}HV
GD
(PLVV}HV $EVRUo}HV
TXHLPD GR&HQiULR
GH
GR&HQiULR
5&(
GD 5HIHUrQFLD GR3URMHWR GR&HQiULR
GH3URMHWR
PDGHLUD
5
GRODJR
1
48 . 14 8
112 . 42 0
1 60. 5 68
112. 4 20
-
48 . 14 8
2
48 . 14 8
112 . 42 0
1 60. 5 68
112. 4 20
-
48 . 14 8
3
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
14 . 44 5
4
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
14 . 44 5
5
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
14 . 44 5
6
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
14 . 44 5
7
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
78 2. 55 0
48 . 14 8
8
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
9
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
10
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
11
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
12
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
13
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
14
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
54 1. 76 6
48 . 14 8
15
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
16
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
17
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
18
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
19
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
20
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
-
48 . 14 8
21
48 . 14 8
0
4 8. 1 48
0
46 6. 69 8
48 . 14 8
Fonte: elaboração própria
342
&7&$
782 . 55 0
541 . 76 6
466 . 69 8
3.4. Aplicação dos Indicadores de Sustentabilidade para o projeto1
Com base na tabela abaixo, foi feita a análise do projeto. Os indicadores de sustentabilidade
avaliam as proposições de acordo com os seguintes critérios:
Tabela 2 - Indicarores
0HOKRULDDFLPDGH
0HOKRULDHQWUHH
0HOKRULDHQWUHH 0HOKRULDRXSLRUDHQWUH±
3LRUDHQWUH H 3LRUDHQWUH H 3LRUDDFLPDGH
Avaliação da aplicação dos Indicadores de Sustentabilidade ao projeto
1) Contribuição à Mudança do Clima Global – Independente da possibilidade a ser
considerada base da geração termelétrica em Rondônia a óleo diesel ou a gás natural, a nota
deste indicador é +3, pois em ambos os casos o projeto está trocando uma fonte de energia
fóssil por energia renovável. Algumas outras considerações devem ser feitas, pois ainda há a
possibilidade da geração ser oriunda de alguma hidrelétrica. Neste caso, talvez o indicador seja
reavaliado e outra nota deva ser considerada. Esta alternativa é remota, pois Rondônia não está
ligada ao sistema interligado de energia elétrica brasileiro, mas existem planos de ligar os sistemas.
A floresta que dará insumos para consumo de madeira não pode ter outra alternativa que não
seja ser alagada para formação de um lago hidrelétrico e com ou sem projeto haverá estas
emissões. Dependendo da origem da madeira no período de crescimento da floresta energética
a nota pode variar. Caso venha do replantio de árvores em áreas degradadas, como está sendo
considerado, será positivo; caso venha de floresta nativa, será feita uma outra análise. A opção
adotada pela empresa é crucial para a análise (e a nota final) deste indicador. Nota: +3
2) Indicador de Sustentabilidade Local – A nota deste indicador é o resultado de
vários aspectos ambientais. Haverá melhoria da área degradada, pois será plantada uma
floresta energética. Por outro lado, se houver consumo de floresta nativa para a geração de
energia é negativo. As emissões oriundas da queima de madeira são melhores que o diesel
quando comparados as de SOx e material particulado emitido. A emissão de NOx aumenta, porém não muito além do que já era feito para o diesel.As emissões desses elementos
também acontecem no transporte da madeira. Nota: +1
3) Geração de Emprego – Na situação atual, não existe atividade empregando a
mão de obra local. Haverá geração de emprego para manejar a área degradada onde será
plantada uma nova floresta, instalar e operar a usina termelétrica. Ao mesmo tempo, deve
ser considerado que haverá um deslocamento de pessoas que trabalham nas usinas térmicas
que serão desativadas em função da operação de uma nova usina com biomassa. A operação da usina à biomassa gerará empregos, mas em geral mão de obra não especializada.
Nota: +3
4) Impacto Distributivo do Projeto – Este indicador avalia quanto a população local de baixa renda será beneficiada pelo empreendimento. A população local
343
será pouco impactada por este projeto de forma positiva. Haverá melhor distribuição
de energia local para a população e por isso pode-se considerar uma melhoria para
essas pessoas. Isto pode estimulara a atividade econômica. De qualquer forma, só
haverá geração de emprego formal.Nota: +1
5) Contribuição para o Balanço de Pagamento Nacional – Considerando que o
diesel é um derivado de petróleo importado em larga escala no Brasil, qualquer alternativa
ao seu uso será encarado de forma positiva. Neste caso, a geração de energia será feria de
forma a substituir o diesel. Além disso, gasta-se muito combustível fóssil para que o diesel
chegue onde estão as usinas térmicas. Ainda assim, caso este projeto seja implementado,
haverá diminuição marginal na demanda nacional de diesel, mas de qualquer maneira todo
ele será substituído. Nota: +1
6) Contribuição para a Sustentabilidade Macroeconômica – Este empreendimento está sendo feito com subsídios da Conta de Consumo Combustíveis Fosseis (CCC)
e com a CDE. O recurso público seria utilizado de qualquer maneira e neste caso é bom
que sejam empreendimentos que propiciem a geração de fontes alternativas de energia,
gerem empregos e fomentem a diminuição da desigualdade nacional. Este fator é muito
positivo, mas a escala do projeto não faz com que o impacto no Brasil não seja muito
grande, se restringindo a localidade onde ele será implantado.Nota: 0
7) Contribuição para a Auto-suficiência Tecnológica – O empreendimento será
executado com mão de obra nacional e os equipamentos virão várias partes do país. Essa
contribuição é importante para a indústria nacional se consolidar como potencial fornecedora de equipamentos para a geração de energia com biomassa e fortalecer e potencializar
a competitividade destas tecnologias com outras no plano internacional. Ao utilizar mão e
obra nacional, esta pode capacitar pessoas e assim o Brasil poderá ter pessoal capaz de
viabilizar e operar empreendimentos deste tipo. Nota: +3
8) Replicabilidade e Integração Regional – Este projeto é replicável, entretanto,
poucas vezes ocorrerá uma floresta prestes a ser alagada associada a uma usina pronta para
consumir a madeira. Apesar da ocorrência de projeto similar ser pouco provável, existe um
potencial bastante grande de utilizar-se a experiência de queima de resíduos agrícolas e de
serrarias. A integração regional pode ser considerada pequena, pois o sistema é pequeno.
Este indicador fica então com um caráter positivo, uma vez que pode ser replicado, mas
fornece relativa integração regional. Nota: +1
Tabela 3
,W
'HVFULomR
1RW
Co nt r ibu ição à Mudança do Clima G lo bal
Ind icado r de Sust ent abilidade Lo cal
Geração de Empr ego
I mpact o Dist ribut ivo do Pro jet o
Co nt r ibu ição para o Balanço de Pagament o Nacio nal
Co nt r ibu ição para a Sust ent abilid ade Macro eco nô mica
Co nt r ibu ição para a Aut o -sufic iência Tecnológica
Replicabilid ade e I nt egração Reg io nal
7RWDO
344
+3
+1
+3
+1
+1
+0
+3
+1
13
4. Avaliação do potencial do projeto como candidato ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
As simulações da receita auferida por tonelada de carbono das emissões reduzidas pelo
projeto por meio dos Redução Certificadas de Emissões s(RCEs) parecem, na ótica do
empresário, bastante promissora. Apesar da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis
(CCC) proporcionar maior taxa interna de retorno, a complementaridade dos RCEs e a
visibilidade ganha com um projeto pioneiro no setor elétrico, como esta associação, são
elementos de atração significativa. Vale lembrar que o estímulo a concepção do projeto só
se deu em razão do empresário despertar para a possibilidade de se ver enquadrado em
um projeto MDL. A adicionalidade neste caso é flagrante. Se não houvesse no Protocolo
de Quito o Artigo 12 que define o MDL, certamente este projeto não seria concebido.
Esta análise preliminar da qualificação do projeto ao Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo identificou, tanto no ponto de vista econômico, como no ponto de vista de mitigação
de emissão de GEEs e sustentabilidade possibilidades concretas da ocorrência do mesmo.
Há interesse sólido demonstrado pelo empreendedor e este pode ser uma planta de demonstração em uma região ainda carente deste tipo de projeto, Rondônia3 , na Região Norte.
Apesar do claro o potencial do projeto em estudo se tornar um projeto candidato ao
MDL por meio da apresentação do DCP, o que concerne ao monitoramento terá que ser
feito com muito cuidado para se evitar “vazamentos” como o uso de florestas nativas para
manutenção de funcionamento da PCT.
Do ponto de vista macroeconômico os resultados mostraram-se também bastante
satisfatórios, comparando-se com os números apresentados pela UTE a diesel. A PCT de
Rondônia é mais competitiva, considerando-se os principais itens de custo com O&M,
custo do capital da energia e custo do combustível. Em conseqüência, o custo incremental
das emissões reduzidas de CO2 é negativo, indicando que para qualquer valor da tonelada
de carbono no mercado, os recursos oriundos das emissões certificadas representarão um
ganho líquido em relação a construção e operação de uma UTE movida a diesel.
A contribuição das receitas oriundas das emissões reduzidas certificadas no âmbito do
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) revelou-se também significativa, elevando em 3 pontos percentuais a taxa interna de retorno do investimento da alternativa que
não considera as receitas da CCC, e em pouco mais de 4 pontos para a alternativa que leva
em conta as receitas da CCC.
Fazendo-se um breve comentário da análise econômica, que não é o objetivo deste
trabalho, também se concentrou na avaliação do custo incremental de abatimento, definido pela diferença entre o custo anual total da alternativa de construção e operação da
PCT em Rondônia em relação ao custo de geração de energia elétrica associado a uma
UTE a diesel. Supôs-se que na ausência do projeto da PCT movida à biomassa, a alternativa de suprimento da energia elétrica necessária para o atendimento do mercado do
Município de Vilhena é a operação de uma termelétrica a diesel para fornecer a mesma
quantidade de energia ofertada pela PCT de Rondônia.
Lei do Zoneamento Socioeconômico-Ecológico do Estado de Rondônia, LEI COMPLEMENTAR Nº 233, DE 06
DE JUNHO DE 2000.
3
345
Os resultados do estudo mostraram que a viabilidade para quatro alternativas estudadas, apresentando taxa de retorno do investimento superior a 28%, quando são considerados os benefícios auferidos pela CCC e MDL. Destaca-se que esses resultados são
preliminares, na medida emque custos relacionados com despesas financeiras e imposto
de renda não foram considerados. Além disso, não foi possível identificar aspectos relativos ao arranjo financeiro do negócio (empréstimo, custo do capital, carência, amortização etc.). Dependendo das condições de financiamento, provavelmente a taxa de retorno efetiva do empreendimento seja ainda mais elevada.
Observa-se ainda, que as informações sobre o valor do investimento inicial e dos custos
de O&M e do combustível (biomassa) foram fornecidas pelo empreendedor. O custo do
combustível apesar de ser um elemento muito importante na formação do preço da energia produzida pela PCT de Rondônia, e, conseqüentemente, influenciar significativamente a
taxa interna de retorno do empreendimento, permanece sujeito a correções no seu valor,
na medida que os novos estudos ainda em realização pelo empreendedor, sejam concluídos. Basicamente três questões seguem indefinidas:
1. o custo da conservação da madeira submersa no lago e seu o poder calorífico médio;
2. custo real de plantio e coleta da madeira da floresta de eucalipto que será responsável
pelo suprimento da biomassa a PCT após o 6o ano de operação do projeto e
3. o preço e a quantidade de resíduos de madeira existentes nas serrarias da região.
No ponto de vista dos indicadores de sustentabilidade o projeto teve uma nota global
bastante alta considerando-se tratar-se de uso de biomassa florestal para produção de
energia. A contribuição à mudança do clima global com o deslocamento de combustíveis fósseis, seja diesel ou a gás natural, é muito significativa diante dos critérios adotados
e mereceu nota máxima. O Indicador de Sustentabilidade Local mereceu nota positiva
devido a melhoria propiciada para área degradada, pois será plantada uma floresta
energética. A geração de emprego situação atual, não existe atividade empregando a mão
de obra local. Haverá geração de emprego para manejar a floresta plantada na área
degradada e para operação da usina à biomassa, mas em geral mão de obra não especializada. Sem o projeto não haveria nenhuma geração de emprego.
O Indicador de Impacto Distributivo do Projeto também foi positivo. Haverá melhor distribuição de energia local para a população e por isso pode-se considerar uma melhoria para
essas pessoas. Isto pode estimular também a atividade econômica. A contribuição para o balanço de pagamento nacional é também positiva já que substitui o diesel um combustível importado no país. A contribuição para a sustentabilidade macroeconômica não é significativa, pois
apesar deste fator ser positivo a escala do projeto não faz com que o impacto no Brasil seja
grande, se restringindo a localidade onde ele será implantado. O indicador de Contribuição para
a Auto-Suficiência Tecnológica ganhou também nota máxima segundo os critérios, adotados já
que empreendimento será executado com mão de obra nacional e os equipamentos virão várias
partes do país. A replicabilidade e integração regional promovidas pelo projeto são razoáveis,
entretanto, é pouco provável a ocorrência de condições semelhante aquela analisada.
A menos do “vazamento” que pode ocorrer para manutenção da PCT em plena carga
nos 3º, 4º, 5º e 6º anos, o projeto em análise tem condições consideráveis para submeter
um Documento de Concepção de Projeto ao Conselho Executivo para MDL da UNFCCC.
346
7. BIBLIOGRAFIA
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347
PEQUENA CENTRAL TÉRMICA (PCT)
UTILIZANDO CASCA DE ARROZ COMO
COMBUSTÍVEL E SEU POTENCIAL DE
ADEQUAÇÃO AO MECANISMO DE
DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL)
Cícero Augusto Pimenteira1
Alexandre DÁvignon2
Maria Silvia Muylaert de Araújo3
Emílio L. La Rovere4
Rachel Enriques5
RESUMO
O presente trabalho é resultado de estudos desenvolvidos pela COPPE/UFRJ entre 1999 e
2003 de análise do potencial de redução de gases de efeito estufa (GEE) a partir de uso de
resíduos para geração termelétrica. Trata-se de uma análise de viabilidade do projeto de uma
termelétrica a biomassa residual agrícola proveniente de processo produtivo voltada à adoção
do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). A empresa empreendedora é a Urbano
Agroindustrial, com sede em Jaraguá do Sul, Santa Catarina. Estudou-se a possibilidade do
enquadramento da pequena central termelétrica de cogeração (PCT), de 3 MW de potência
instalada, como um projeto MDL. Já havia 3 anos que a PCT entrara em funcionamento
compartilhando o espaço ocupado pela planta de beneficiamento de arroz da empresa. A
geração de energia elétrica a partir de resíduos de casca de arroz já fora estudada em pesquisa
desenvolvida para a ANEEL/MCT/PNUD6 nos anos de 1999 e 2000. Nesta pesquisa, buscou-se estabelecer o potencial existente no setor elétrico brasileiro de redução de emissões de
gases de efeito estufa. Posteriormente, este empreendimento foi avaliado no âmbito do projeto
SSN7 e do FNMA, Fundo Nacional de Meio Ambiente do Ministério de Meio Ambiente.
[email protected]
[email protected]
[email protected]
4
[email protected]
5
[email protected]
6
projeto desenvolvido pelo IVIG/COPPE/UFRJ (www.ivig.coppe.ufrj.br) para a Agência Nacional de Energia
Elétrica, em convênio com o Ministério da Ciência e Tecnologia e com o Programa da Nações Unidas para o
Desenvolvimento.
7
(www.southsouthnorth.org).
1
2
3
348
INTRODUÇÃO:
O principal objetivo do presente trabalho foi verificar a viabilidade de uma Pequena
Central Termelétrica de Co-geração se tornar um projeto MDL. O estudo de caso é uma
PCT, utilizando como combustível o resíduo casca de arroz, em processo de ajuste na
unidade de Jaraguá do Sul da empresa Urbano Agroindustrial. Avaliaram-se as emissões de
gases de efeito estufa que ocorreriam em um cenário de referência, comparando-as com as
emissões relativas ao projeto implantado. Ou seja, avaliou-se o que ocorreria sem a implantação da Pequena Central Térmica de Cogeração de Energia.
Como cenário de referência, consideraram-se os elementos a seguir:
a) A emissão de metano proveniente da disposição dos resíduos em aterro.
b) Emissão de CO2 proveniente da queima de combustível fóssil para a geração elétrica.
Como cenário de projeto, consideraram-se os seguintes elementos:
a) A redução da emissão de metano proveniente da disposição dos resíduos em aterro.
b) A redução de parte da emissão de CO2 proveniente da queima de combustível fóssil
para a geração elétrica.
Apesar do projeto apresentar claro potencial como candidato ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a precisa identificação da sua adicionalidade é essencial, assim
como a análise de possível “vazamento” como resultado do projeto. Este elemento deve ser
tratado com maior cuidado no desenvolvimento do Documento de Desenho do projeto
(PDD) para o Conselho Executivo da Convenção Quadro das Nações Unidas. Cabe observar que as modificações físicas propostas pelos técnicos da empresa só estão sendo contempladas devido à perspectiva de obtenção de RCEs – Reduções Certificadas de Emissões.
As estimativas das emissões de gases de efeito estufa foram calculadas para o cenário de referência e para o cenário de implantação do projeto, permitindo o cálculo das emissões evitadas ao
longo de 21 anos de atividades do projeto. Também são discutidas todas as informações para a
aplicação de Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade no projeto em questão.
Estes são desenvolvidos segundo a metodologia elaborada pelo Centro Clima, aprovada pelo
MMA e enviada à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima.
No decorrer da elaboração do estudo de viabilidade detectou-se que a PCT instalada na
planta industrial necessitava ainda de algumas modificações para funcionar a plena carga. Verificou-se, em razão disto, um procedimento de ajuste configurando o que pode ser chamado no
processo de inovação tecnológica como “aprendendo-fazendo” (learning by doing). Valorizase, portanto, o caráter empreendedor e pioneiro dos empresários em adotar uma tecnologia de
co-geração de energia com um equipamento de queima de biomassa ainda em evolução.
Devido à tarifa horo - sazonal verde adotada junto à concessionária Centrais Elétricas de
Santa Catarina S.A. (CELESC), a empresa conta ainda com moto-geradores movidos a
diesel. Estes moto-geradores são usados no horário de ponta, momento no qual a tarifa
praticada pela concessionária é muito alta e permite o uso competitivo do diesel. Esta
prática de uso de moto-geradores diesel é comum na região, o que acentua ainda mais o
caráter empreendedor dos empresários ao adotarem tecnologias de geração de energias
renováveis, já que a rota tecnológica convencional para produção de energia elétrica na
região em horário de ponta é via moto gerador diesel.
349
Outro fator importante detectado foi à qualidade da energia fornecida pela concessionária. Como a planta de beneficiamento da Urbano Agroindustrial fica distante do alimentador
da CELESC mais próximo, a empresa tinha problemas consideráveis com a regularidade
do fornecimento e manutenção da tensão.
Descrição Sintética do Projeto em Análise
A pequena central térmica é utilizada para co-geração de energia elétrica e térmica para
uma indústria de beneficiamento de arroz da empresa Urbano Agroindustrial, em Jaraguá do
Sul. A Central Térmica, com potência instalada de 3 MW, dispõe de fornalha com grelhas,
tecnologia desenvolvida no país, para queima de biomassa. Inicialmente, a primeira instalação
da unidade em questão somente gerava energia térmica para a planta de beneficiamento de
arroz, já que nesta fábrica do grupo havia necessidade de vapor para a parbolização do arroz.
Este processo carreia da casca do arroz parte da mesma tornando-o mais rico do ponto de
vista nutricional. Como a casca apresentava valores médios significativos de poder calorífico,
3200 Kcal /kg, associou-se a geração de energia elétrica ao sistema, pois a produção de casca
no processo de beneficiamento ultrapassa muitas vezes os 22,5% da quantidade de arroz
produzido (informação da empresa), gerando excedente em casca. A planta em questão tem
capacidade de produção de 20 ton/hora de arroz o que gera 4,5 ton/hora de casca e 1,6 t /
hora de farelo. O consumo de uma planta de 2MW de potência instalada é da ordem de 1,7
ton/hora de casca, o que dá uma idéia do potencial deste combustível.
A produção de energia, portanto, supre as necessidades de energia térmica e parte daquelas de energia elétrica. Além disso, a queima da casca de arroz tem como subproduto a
cinza. Esta, sendo rica em sílica, pode ser usada em cimenteiras e espumas de cerâmica, se
for apropriadamente produzida na usina de cogeração, pois o ajuste da queima influencia
significativamente a qualidade desta cinza para este tipo de utilização.
Outra decorrência do uso da casca para produção de energia elétrica é a substituição
progressiva dos moto-geradores a diesel utilizados no horário de ponta para abatimento do
valor das contas de energia elétrica da beneficiadora de arroz. Neste caso, há o imediato
deslocamento do diesel usado neste sistema que vem se viabilizando devido ao valor das
tarifas de energia elétrica neste período do dia. A empresa conta com 4 moto-geradores os
quais consomem aproximadamente 0,3 litros de diesel por kWh produzido. Objetiva-se,
portanto, evitar o consumo deste combustível fóssil na planta industrial, consolidando a
tecnologia de queima de casca do arroz. A PCT proporciona, ainda, negociação do contrato
com a concessionária de fornecimento de energia elétrica, já que esta se beneficia com a
produção da energia para o auto consumo na Urbano Agroindustrial. A CELESC passa a ter
uma distribuição mais adequada na área atendida pelo alimentador disponível no local, não
necessitando de investimentos para incremento de carga. Além disso, como se trata de produção de eletricidade produzida por meio de biomassa, esta deve ter tratamento diferenciado.
A análise do projeto em questão foi executada no Rio de Janeiro, pela equipe do Centro
de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima8 ),
COPPE, UFRJ com trabalho de campo na Usina de Beneficiamento Jaraguá do Sul, em
Santa Catarina. Os parâmetros metodológicos adotados foram os seguintes:
8
www.centroclima.org
350
Avaliou-se a emissão de gases de efeito estufa, que ocorreriam no cenário de referência, contrastando com o projeto implantado, ou seja, o que ocorreria sem a implantação da Pequena Central Térmica de Cogeração de Energia. Foi feita a estimativa da
emissão de metano proveniente do lançamento em aterro de resíduos de casca de
arroz pela empresa de acordo com sua produção anual utilizando-se a metodologia
do IPCC (Greenhouse Gas Inventory Workbook-1996).
A empresa Urbano Agroindustrial é considerada pioneira na utilização do dejeto
agrícola casca de arroz para produzir energia elétrica. O insumo casca de arroz proveniente do beneficiamento do arroz na unidade atende parte das necessidades de combustíveis da PCT de cogeração com potência de 3MW, consumindo cerca de 4,5t/h de
casca de arroz. Além disso, este insumo é usado para a cogeração, ao utilizar-se 15t/h
de vapor de baixa pressão no processo de parboilização.
A Urbano Agroindustrial possui 2 usinas de geração elétrica a casca de arroz em
funcionamento, uma em São Gabriel, e outra, em Meleiro e pretende ampliar esta iniciativa de modo a se tornar auto suficiente em energia elétrica e produtor independente
para comercializar a energia excedente. Assim, a empresa é referência para o setor e pode
vir a se tornar um modelo para multiplicação desta opção de geração de energia.
A emissão de metano é proveniente do lançamento em aterro da metade dos resíduos de casca de arroz derivada de 2.241.847 fardos de arroz produzidos por ano.
Aproximadamente 2.241.847 fardos X 30kg/fardo divididos por 1000 Kg/t multiplicados por 22,5% de casca em peso = 15.133 t/ano de casca associada ao complemento de casca que vem da usina de Meleiro dividido por dois pela opção conservadora.
De forma conservadora9 foi considerado que metade da casca de arroz utilizada na
planta de co-geração, caso esta não existisse, seria utilizada numa caldeira convencional
para produzir vapor. Esta conduta é comum no setor quando se necessita de vapor para
o processo. Assim sendo, para a análise em questão considerou-se somente 50% das
cascas utilizadas pela unidade industrial como aquelas que seriam dispostas em aterro
sanitário, cuja decomposição resultaria em emissões de metano para a atmosfera.
A emissão de CO2 é proveniente da queima de combustível fóssil para a geração da
energia elétrica consumida pela planta no Município de Jaraguá do Sul, tanto no horário de
ponta (diesel) como aquela fornecida pelo sistema elétrico interligado brasileiro10 .
A estimativa de redução das emissões de gases de efeito estufa após implantação do
projeto é de 42.170 t CO2eq/ano, sendo:
a) cerca de 38.500 t CO2eq/ano referentes ao metano evitado com a disposição da casca
em aterro;
b) cerca de 3.613 t CO2eq/ ano referentes à troca de combustível fóssil por renovável.
O percentual de casca disposta em aterro pode ser bem maior que 50%.
O cálculo da quantidade de emissões evitadas em caso da rede interligada segue a metodologia desenvolvida por
La Rovere e Americano (1997) para a Eletrobrás (aceita pelo GEF).
9
10
351
Para o cálculo do diesel, usou a hipótese de substituição de diesel (25% de térmicas
existentes no Estado de Santa Catarina) que equivalem a 985,5 tC/ano (25%de 0,25tC/
MWh) relativos à emissão de diesel como mostra tabela abaixo, o que representa, convertendo-se para t CO2, cerca de 3613 t CO2/ano.
P ot ên cia in s tala da
3
MW
h or a s/an o
876 0 h s
fator ca pacidad e
0, 6
en ergia ger ada (3 X 87 60 x 0, 6)
157 68 MWh /an o emis s ões evi t. an uais (15 768 X . 25 x 0, 25)
W& DQR
C on v er sã o ( 985, 5 x 44/ 12)
W &2 DQ R
Análise de viabilidade Técnico-Econômica do Projeto.
A estimativa de custos e os cálculos de custo nivelado serão apresentados em dólares.
Para efeito de cálculos utilizou-se a conversão de US$ 1,00 = R$ 3,00.
A Termoelétrica a Casca de Arroz, em Jaraguá do Sul, na empresa Urbano Agroindustrial
tem potência de 3 MW. Esta planta consome as 42.800 t/ano de casca de arroz oriundas de
Jaraguá do Sul e de Meleiro gerando energia para abastecer parcialmente a indústria. O
investimento inicial na planta foi de US$ 2.500.000,00 e o custo de operação e manutenção
é de US$12,00/MWh.
Para obter a análise de viabilidade econômica da planta, foi utilizado o cálculo do custo
nivelado e aplicada a taxa de desconto (considerando o dólar como moeda) de 18% aa,
conforme fluxo de caixa apresentado em anexo. Conforme informações obtidas com a
Urbano Agroindustrial, com o poder público local e com a Companhia de Eletricidade de
Santa Catarina, observou-se que a Empresa beneficiadora tem uma demanda contratada
com a concessionária local de 2.200 kW e o custo da energia paga pela empresa enquadrase na tarifa Horo-sazonal verde. Os valores considerados e os indicadores contemplados
são apresentados a seguir:
1 . Ta xa de C âm bi o
2 . Va lor d e Ven da da C in za ao an o
3 . Recei ta Tota l obt ida c om en er gi a
elétr i ca evita da /an o
4 . Recei ta de cust o evi ta do com
d is posi çã o em aterr o/an o
5 . In ves tim en to
3, 00
US$ 2. 28 2, 6 7
US$ 2 . 50 0. 00 0, 0 0
6 . Ta xa de op er ação e Ma n u ten ção
7 . Fa tor d e Cap acida de
Val or Pr es en te Lí qu ido
Tem p o d e r et or n o em an os
Tax a In ter n a de Ret or n o
US$ 12 /MWh
60 %
US$ 2 . 64 7. 96 2, 3 0
An os 5 e 6
42 %
US$ 5 55 . 7 56 , 55
US$ 7 13 . 3 33 , 33
352
Verifica-se a viabilidade econômica do projeto, pois a TIR foi de 42% e o tempo de
retorno do investimento é de apenas 6 anos em projeto cuja planta tem uma vida útil de 20
anos. Segundo informações da Urbano Agroindustrial, o custo de disposição da casca em
aterro antes do projeto era de R$ 50,00 por tonelada disposta. Cabe ressaltar que na análise
de viabilidade do projeto foi considerado o custo do transporte da casca de arroz produzida em Meleiro até Jaraguá do Sul.
Além da viabilidade econômica, tal projeto também se destaca por apresentar características de projeto MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), tanto por reduzir a
emissão de CO2 ao substituir parte de um combustível fóssil por um combustível renovável,
quanto por evitar emissão de CH4 ao não mais dispor o resíduo em aterro.
Aplicação e Avaliação dos Indicadores de Sustentabilidade.
A avaliação do projeto quanto a sua sustentabilidade levou em consideração uma
metodologia desenvolvida pelo Centro Clima/ MMA a partir da qual foi realizado um
workshop interno da equipe de modo a estabelecer pontuações aos diversos indicadores
de desenvolvimento sustentável. Os indicadores estão descritos a abaixo com a respectiva
análise do projeto e sua pontuação que varia de -3 a +3:
1 – CONTRIBUIÇÃO À MUDANÇA DO CLIMA GLOBAL : Este indicador está fracionado, pois
há duas contribuições à Mudança do Clima Global. Primeiro deve-se considerar que toda
a casca de arroz poderia estar sendo destinada ao aterro sanitário. Desta forma, ela serviria
de insumo para a produção de metano (CH4). Isso seria um agravante para a Mudança do
Clima Global. Caso somente parte dela fosse para o aterro, já seria uma vantagem, pois
alguma parte já estaria sendo fonte de energia, e assim seria visto como um atenuante para
o aquecimento global.
A outra fração deste indicador diz respeito à geração de energia quando a usina de
biomassa (casca de arroz) não está em funcionamento. Quando a usina está operando de
forma normal, há uma substituição da energia da rede por cerca de 21 horas, tendo assim
o indicador uma nota máxima. Caso a casca só seja responsável pela substituição do diesel
por 3 horas, embora o indicador seja positivo a sua nota não será máxima, pois contribuirá
em menor escala para evitar o aquecimento global. - Notas: +1,5/+2
2 – INDICADOR DE SUSTENTABILIDADE LOCAL: Neste caso não haverá mudança significativa na sustentabilidade local com a implantação do projeto. A usina de casca é próxima à
indústria de beneficiamento de arroz, URBANO AGROINDUSTRIAL, e a geração da
casca de arroz se dará independente da utilização desta para a geração de energia ou não.
Haverá uma pequena contribuição quando a casca estiver substituindo o diesel, pois serão
emitidos menos NOx, SOx e particulados. - Nota: +1
3 – GERAÇÃO DE EMPREGO: Como a geração de energia se dá dentro das instalações da
empresa, não houve uma demanda de mão de obra para operar especificamente a caldeira,
pois esta passou a ser um dos equipamentos da indústria. Embora possa ter havido algumas contratações, dentro do quadro de funcionários da empresa (150) este número foi
insignificante. Da mesma forma não houve demissões em função desta geração. - Nota: 0
4 – IMPACTO DISTRIBUTIVO DO PROJETO: Este indicador avalia quanto a população local
de baixa renda será beneficiada pelo empreendimento. A população local será pouco
353
impactada por este projeto de forma positiva. O pequeno agricultor não será beneficiado
diretamente pela geração de energia na indústria. A casca de arroz não tem ligação direta
com a venda do arroz, nem o subproduto da queima (cinzas) terá algum impacto para o
agricultor. Mas também não há nenhum impacto negativo. Baixando os custos de produção possivelmente haja reflexo em uma pequena diminuição de preço do produto. Apesar
de gerar um impacto, este é pouco significativo. - Nota: 0
5 – CONTRIBUIÇÃO PARA O BALANÇO DE PAGAMENTO NACIONAL: A substituição do diesel
em alguns momentos será positivo para a balança de pagamentos, visto que parte do diesel
consumido no país é de origem internacional. - Nota: +1
6 – CONTRIBUIÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE MACROECONÔMICA: Este empreendimento
está sendo realizado com recursos do próprio grupo URBANO, sem qualquer incentivo
do órgão público, sendo este na esfera federal, estadual ou municipal. Considerando que a
empresa está tomando esta atitude por sua própria iniciativa, sem nenhuma condicionante
à isenção fiscal de qualquer espécie, o indicador é positivo. - Nota: +3
7 – CONTRIBUIÇÃO PARA A AUTO-SUFICIÊNCIA TECNOLÓGICA: A tecnologia utilizada para a
construção da caldeira e do gerador é de origem alemã, embora com mão de obra nacional. Essa contribuição é importante para a indústria nacional se consolidar como potencial
fornecedora de equipamentos para a geração de energia com biomassa e fortalecer e
potencializar a competitividade destas tecnologias no plano internacional futuramente. Ao
utilizar mão e obra nacional treinem-se outras pessoas e assim o Brasil poderá ter profissionais capazes de operar empreendimentos deste tipo. Desta forma, há uma transferência
de tecnologia e possibilita que outras empresas utilizem este conhecimento. Há estímulo
para a auto-eficiência nacional para novos projetos com a mesma tecnologia. - Nota: +3
8 – REPLICABILIDADE E INTEGRAÇÃO REGIONAL: Este projeto é pioneiro no Brasil e poderá se replicado dentro do próprio grupo ou em outras usinas beneficiadoras de arroz.
Esta idéia pode ser adaptada para outras indústrias que tenham rejeitos com potencial para
gerar energia. O empreendimento é integrado regionalmente a outras empresas do grupo
e pode estimular a integração de outros grupos. - Nota: +3
Os indicadores de sustentabilidade recebem pontuação entre -3 e +3 de acordo com a
seguinte tabela:
+3
Mel h or i a a ci m a de 100%
+2
Mel h or i a en tr e + 60% e 100%
+1
Mel h or i a en tr e + 20% e + 60%
0
Mel h or i a ou pi or a en tr e –20% - 0 - + 20%
-1
Pi or a en tr e + 20% e + 60%
-2
Pi or a en tr e + 60% e 100%
-3
Pi or a a ci m a de 100%
354
Segue abaixo o resultado da análise de sustentabilidade do projeto PCT casca de arroz
em Jaraguá do Sul.
, 7( 0 ' ( 6 & 5,d ­ 2 1 2 7$ 1
2
3
Con tr ibu içã o à Mudan ça do C lima Global
In dicador d e S ust en tabi lida de Lo cal
Ger ação de Em pr ego
4
Im pacto Dis tr i but ivo do Pr ojeto
5
Con tr ibu içã o p ara o Bal an ço
de Pa gam en to Nacion al
Con tr ibu içã o p ara a
Su sten ta bili dad e Macr oecon ôm ica
Con tr ibu içã o p ara a
Au to- su fi ci ên cia Tecn ol ógi ca
Repli cabilid ad e e In t egr açã o Reg i on al
6
7
8
72 7$ /
Conclusão
A biomassa constitui uma alternativa economicamente viável aos projetos tradicionais.
As grandes centrais hidrelétricas no Brasil têm causado, nas últimas décadas, impactos sócio-ambientais irreparáveis. A geração de energia a partir dos combustíveis fósseis também
se apresenta como opção insustentável, com efeitos ambientais adversos nos níveis local e
global, considerando-se o quadro atual das mudanças climáticas. O Estudo de Viabilidade para adoção de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo(MDL)
através da geração de energia a partir de resíduos de casca de arroz busca estabelecer o potencial
deste empreendimento na redução de emissões de gases de efeito estufa(GEE) bem como no
que diz respeito ao seu potencial de atender a critérios de desenvolvimento sustentável.
Além de proporcionar um envolvimento com a comunidade, pois são realizadas parcerias com os produtores locais, estima-se que cada usina vai gerar de 25 a 30 empregos
diretos. Até 95% da mão de obra é local na montagem e na operação das usinas, oferecendo uma oportunidade de empregos e desenvolvimento para a metade sul do Estado, onde
se concentram os municípios e a população de mais baixa renda. O reaproveitamento do
resíduo e a geração da sílica, como subproduto residual da queima da casca, significam,
ainda, uma receita adicional para os produtores rurais e para as empresas.
O aproveitamento da sílica poderá ser em fábricas de cristais, cerâmicas e componentes
de informática na Europa e nos Estados Unidos. Estima-se que diariamente sejam produzidas entre 35 e 40 toneladas de sílica.
O uso deste resíduo como combustível evita a emissão de metano para atmosfera, já
que, ao invés de deixá-lo em aterros, passa-se a consumi-lo para geração de energia elétrica
e térmica. Resolve-se, portanto, problemas como a disposição incorreta de grande quantidade de resíduos gerados pela agroindústria do arroz e problemas relativos ao uso de
fontes de energia emissoras de Gases de efeito estufa (GEE), aproximadamente 42.170
tCO2 eq/ano, no caso da unidade industrial estudada.
355
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356
AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE DO
USO DE BIODIESEL COMO COMBUSTÍVEL
VEICULAR: ANÁLISE DOS
ASPECTOS TÉCNICOS, SOCIAIS,
ECONÔMICOS E AMBIENTAIS
Angela Oliveira da Costaa,b
Leonardo da Silva Ribeiroa
Luciano Basto Oliveiraa,b
1. RESUMO
O trabalho busca avaliar os impactos técnicos, sociais, econômicos e ambientais da utilização de biodiesel de óleo residual pelo Setor de Transportes da cidade do Rio de Janeiro.
2. INTRODUÇÃO
Segundo o estudo “GEO-2000 Global Environmental Outlook” desenvolvido pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a questão do aquecimento global
será uma das maiores preocupações do século XXI, tanto nos países desenvolvidos quanto
nos países em desenvolvimento (UNEP, 2000). O Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC
(2001) afirma que existem novas e fortes evidências de que a maior parte do aquecimento
da Terra nos últimos 50 anos é atribuível às atividades humanas.
Os resultados mostram que a real variação da temperatura nos últimos 140 anos somente consegue ser simulada contemplando-se os forçamentos naturais e antropogênicos. Esta
é a maior evidência da responsabilidade antrópica nas mudanças climáticas.
Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais – IVIG-COPPE/UFRJ
a
Programa de Planejamento Energético – PPE/COPPE/UFRJ - Caixa Postal 68565 CEP 21945 – 970 Rio de Janeiro –
Brasil
b
e-mail: [email protected], [email protected], [email protected]
357
As maiores fontes antropogênicas de emissão de dióxido de carbono, o principal gás
de efeito estufa, são: a queima de combustíveis fósseis e a mudança no uso da terra. Nos
últimos 20 anos, a queima de combustíveis fósseis representou de 70 a 90% das emissões
antrópicas totais do CO2.
Neste contexto de alta relevância do consumo de fósseis como agente causador das
mudanças climáticas de origem antrópica, se destaca o setor de transportes, que ocupa o
segundo lugar das emissões mundiais de CO2 decorrentes das atividades energéticas.
Por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (RIO 92), 154 países assinaram a Convenção Quadro sobre Mudança do Clima,
visando a estabilização da concentração de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera,
com o comprometimento voluntário dos países do Anexo I1 em reduzir suas emissões em
2000 para os níveis de 1990 (meta prorrogada nos acordos posteriores). Este primeiro
momento representou uma formalização da preocupação internacional com os efeitos
negativos acarretados pelo aumento das emissões de GEE.
Em 1997, na Terceira Conferência das Partes (COP-3) da Convenção do Clima ocorrida em
Quioto, foi aprovado o Protocolo de Quioto, o qual determina o estabelecimento de compromissos por parte dos países desenvolvidos (Anexo I) de atingir uma meta de redução média de
5,2% das emissões do Anexo I, em relação ao ano de 1990, durante o período de 2008 – 2012.
O Protocolo de Quioto prevê três mecanismos de Flexibilidade para auxiliar o alcance das
metas de redução de emissão, destacando-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
O MDL tem como objetivo assistir tanto às Partes incluídas, como as não incluídas no
Anexo I (países que não têm compromissos quantificados de redução de emissão). Assim,
este mecanismo está relacionado aos interesses do Brasil e, diferentemente dos outros mecanismos, busca promover o desenvolvimento sustentável nos países não incluídos no Anexo I, os quais seriam os hospedeiros dos projetos. Os países incluídos no Anexo I podem
utilizar as Reduções Certificadas de Emissão (RCE’s, também conhecidas como créditos de
carbono) resultantes das atividades de projeto (hospedadas nos países não Anexo I) para
cumprir os seus compromissos de redução quantificada de emissão estabelecidos no Protocolo de Quioto.
Mesmo que ainda não tenham sido atendidas as exigências para a entrada em vigor do
Protocolo, as atividades de projeto do MDL já podem ser implementadas, pois as suas
respectivas RCE’s obtidas a partir de 2000 poderão ser usadas para o atendimento do
primeiro compromisso de redução referente ao período de 2008 a 2012.
O avanço das definições e regras de como o MDL deve funcionar na prática foram
sendo discutidos nas reuniões anuais das COP’s e de seus órgãos subsidiários que têm por
finalidade subsidiar a COP no que diz respeito às suas Conclusões e Decisões.
Somente em 2001, na COP-7 ocorrida em Marrocos, foi alcançada uma regulamentação mais bem definida do Protocolo de Quioto por meio do Acordo de Marraqueche. Na
COP-8 (2002), em Nova Delhi-Índia, foram formatadas decisões que complementam o
Acordo de Marraqueche em seus procedimentos e modalidades, contemplando especialmente os setores relacionados à energia no MDL, incluindo o setor de transportes.
(Países industrializados membros da OCDE, exceto México e Coréia do Sul, além de países industrializados em
processo de transição para uma economia de mercado)
1
358
Neste contexto, a utilização de um combustível renovável capaz de substituir o diesel mineral - o biodiesel - no setor de transportes do Brasil pode permitir ao país
assumir um papel de destaque na mitigação das mudanças climáticas. A curto e médio
prazo, com a redução das emissões de GEE e um conseqüente possível incremento da
participação do país no mercado internacional de carbono a partir do setor de transportes (envolvendo tanto o MDL como as demais oportunidades de recursos que este
mercado também oferece fora do Protocolo de Quioto). A longo prazo, como futuro
provedor de biodiesel para o mundo, dada a sua vocação extraordinária para combustíveis de biomassa, em virtude de sua grande extensão territorial e clima favorável para
a produção agrícola. A penetração do biodiesel na matriz energética brasileira reduzirá
as externalidades negativas para o sistema econômico que o uso do diesel mineral
provoca, tanto em relação aos impactos locais quanto aos globais, além das oportunidades de inclusão social que o biodiesel representa.
O projeto de desenvolvimento tecnológico “Produção de Biodiesel para Uso como
Combustível Veicular” vem sendo desenvolvido pelo Instituto Virtual Internacional de
Mudanças Globais da Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia
da UFRJ (IVIG-COPPE/UFRJ). O projeto vem testando o uso de biodiesel como
combustível renovável alternativo ao óleo diesel mineral, sendo coordenado pelo IVIG
e contando com a participação da Hidroveg Indústrias Químicas Ltda., a Companhia
Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB) e a rede McDonalds
Comércio de Alimentos Ltda.
O trabalho pretende identificar os demais benefícios que este projeto representa, buscando as sinergias entre os esforços de mitigação das mudanças climáticas e a promoção
do desenvolvimento sustentável, o que converge com os objetivos do MDL.
O objetivo principal do projeto é substituir parcialmente o uso de combustíveis fósseis
no setor de transportes, utilizando-se, para isto, o biodiesel proveniente da transesterificação
de óleos vegetais residuais.
O volume total de biocombustível a ser produzido pelo projeto é de 150 m3 por mês.
A planta de produção de biodiesel utilizará o óleo vegetal usado doado pela rede McDonalds,
complementado por óleo usado adquirido no mercado carioca. A Hidroveg ficará encarregada de realizar o processo de transesterificação. O biodiesel produzido neste projeto
será utilizado em frotas cativas, dentre as quais a da COMLURB, que concordou em experimentar o biodiesel no abastecimento de alguns veículos de sua frota. Na ausência do
projeto, o Setor de Transportes da cidade do Rio de Janeiro utilizaria o diesel mineral,
combustível fóssil derivado do petróleo, cuja emissão de GEE é cerca de 11 vezes maior
do que a do biocombustível, como será descrito a seguir.
O Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas
(CentroClima-COPPE/UFRJ) analisou como pertinente a candidatura deste projeto às
RCE’s do MDL e elaborou a documentação necessária ao atendimento dos requisitos
exigidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto está sendo apreciado
pela Comissão Interministerial de Mudança do Clima do governo brasileiro, simultaneamente à avaliação da metodologia utilizada pelo Painel Metodológico da ONU.
359
3 – Aspectos Tecnológicos do Projeto
Na reação de transesterificação, o óleo proveniente de biomassa é transformado em éster2 (o
biodiesel) e em glicerol. O biocombustível obtido é plenamente compatível com todas as novas
tecnologias de motores do ciclo Diesel, com desempenho similar. O uso do biodiesel não requer
ajustes ou adaptação dos motores, podendo substituir o diesel mineral em quaisquer proporções.
No Brasil, desde a década de 70 existem diversas experiências acerca do uso de biodiesel,
oriundo de óleos novos e usados, tanto puros quanto misturados ao óleo diesel. Testes
realizados com ônibus, caminhões e tratores de diversos fabricantes produziram resultados
plenamente positivos, assim como os ensaios de laboratório têm indicado que as propriedades dos ésteres são bastante semelhantes às do óleo diesel.
A tecnologia de produção de biodiesel proposta é perfeitamente dominada pelos executores do projeto, a qual vem sendo testada na COPPE/UFRJ desde 2000, não sendo
necessária qualquer transferência de tecnologia. É importante ressaltar que este projeto retoma a experiência da COPPE, que vem desde 1982 estudando aspectos técnicos, econômicos, sociais, climáticos e ambientais do processo de transesterificação.
Embora as atividades do projeto evitem a ocorrência da emissão de metano proveniente da decomposição anaeróbica do óleo residual em aterro, optou-se por apresentar uma
hipótese conservadora para a solicitação de RCE’s. Devido às incertezas existentes sobre o
valor desta parcela de óleo que seria disposta indevidamente, o cálculo da redução de
emissões considerou somente a emissão de GEE da queima dos combustíveis, supondose nula a emissão de metano no aterro.
O Biodiesel Como Combustível Veicular
O biodiesel é obtido através da reação de óleos vegetais virgens ou usados, ou de
gordura animal, com um intermediário ativo formado pela reação de um álcool com um
catalisador, processo conhecido como transesterificação. Os produtos da reação química
são um éster (o biodiesel) e glicerol. Os ésteres têm características físico-químicas muito
semelhantes às do óleo diesel, conforme demonstram as experiências realizadas em diversos países, o que possibilita a sua utilização em motores de ignição por compressão (ciclo
Diesel). O glicerol é um produto com diversas aplicações, como insumo para a indústria de
cosméticos, matéria-prima para a produção de lama de perfuração, ou para a geração de
energia elétrica através de pilha a combustível (Brandão, 2002).
A reação de transesterificação pode empregar diversos tipos de álcoois, sendo os mais
estudados os álcoois metílico e etílico. Freedman (1986) e colaboradores demonstraram
que a reação com metanol tem rendimento superior à realizada com etanol, principalmente
se este for hidratado. A separação da glicerina obtida como subproduto, no caso da síntese
do éster metílico é resolvida mediante simples decantação, bem mais facilmente do que
com o éster etílico, processo que requer um maior número de etapas.
Quanto ao catalisador, a reação de síntese pode utilizar os do tipo ácido ou básico.
Entretanto, geralmente a reação empregada na indústria é feita em meio básico, uma vez
que esta apresenta melhor rendimento e menor duração do que em meio ácido.
Derivado da reação química entre um ácido carboxílico e um álcool, na qual o hidrogênio do grupamento carboxila
é substituído pela cadeia carbônica do álcool, formando o éster.
2
360
Pelos motivos expostos, o projeto optou por empregar, em um primeiro momento,
álcool metílico e hidróxido de potássio (catalisador alcalino) para a reação de transesterificação
do óleo vegetal usado. Entretanto, cabe ressaltar que a planta construída pela indústria Hidroveg
possibilita o emprego de outros tipos de álcool ou de catalisador básico, como o álcool etílico
oriundo de fonte renovável, ou o hidróxido de sódio, respectivamente.
Esquema 1 – Reação de Transterificação
H2C-O-CO-R1
O-CO-R’
HC-O-CO-R2
H+/OH-
+
3R’-OH
H2COH
HCOH
H2C-O-CO-R3
+
CH2OH
Triglicerídeos
Ésteres
R
Álcool
1
-
R2-O-CO-R’
R3-O-CO-R’
Glicerol
Onde R1, R2 e R3 representam as cadeias carbônicas dos ácidos graxos e R’ a cadeia
carbônica do álcool reagente.
Segundo os dados de reação obtidos na planta piloto de produção de biodiesel, em
operação na UFRJ, a transformação de óleo vegetal usado em biodiesel tem aproveitamento de 98% em volume. Com relação à eficiência energética do biodiesel, esta corresponde
a cerca de 90% do diesel mineral, resultado de um balanço entre o maior número de cetano
e menor poder calorífico do biodiesel. Considerando-se estes dados, pode-se dizer que,
em média, 1 litro de óleo vegetal corresponde a aproximadamente 0,88 litros de diesel.
O fluxograma da Figura 1, a seguir, apresenta o esquema da reação de transesterificação.
Em um tanque com agitação magnética, o catalisador (hidróxido de potássio) é adicionado
ao álcool metílico. Esta mistura é transferida, com agitação contínua, ao reator contendo o
óleo vegetal, onde se processa a transesterificação. Findo o tempo de reação, a mistura é
transferida a um tanque de decantação, onde ocorre a separação da glicerina.
Figura 1 -Fluxograma do Processo de Transesterificação em Batelada
Misturador
KOH (catalisador)
CH3OH (metanol)
Reator
Metanol+KOH
Óleo de rejeito
H2COOCR’
HCOOCR”
H2COOCR’”
Óleo transesterificado
Óleo transesterificado
glicerina
glicerina
Tanques de decantação
361
H3COOCR’
H3COOCR” (ÉSTERES)
H3COOCR’”
H2COHCHOHCH2OH
(glicerina)
Esta técnica contribui para aumentar a oferta de energia de fonte renovável, uma
vez que parte dos reagentes é oriunda da biomassa. A reação que utiliza metanol consome, no máximo, 22% em volume deste álcool oriundo de fonte fóssil (gás natural),
sendo 10% o valor mais utilizado. Há, portanto, uma grande redução nos volumes de
combustível fóssil consumido.
4 - Análise de Sustentabilidade do Projeto
A primeira avaliação da sustentabilidade do projeto foi elaborada a partir do documento “Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade para Avaliação de Projetos que
Contribuam para a Mitigação das Mudanças Climáticas e para a Promoção do Desenvolvimento
Sustentável”, desenvolvido por pesquisadores do CentroClima-COPPE/UFRJ e da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos do Ministério do Meio
Ambiente - SQA/MMA- (RIBEIRO, 2002).
Estes critérios e indicadores, por sua vez, foram desenvolvidos tendo como base o
estudo realizado por Emilio Lèbre La Rovere e Steve Thorne que resultou na publicação
de “Criteria and Indicators for Appraising Clean Development Mechanism (CDM) Projects”. Os indicadores propostos dão igual importância aos aspectos de desenvolvimento ambiental, social, econômico, tecnológico e de operacionalização.
O Protocolo de Quioto define a necessidade da elegibilidade de um projeto MDL não
se basear apenas na redução das emissões de GEE. Os projetos precisam estar em consonância com os propósitos das políticas de desenvolvimento regional e nacional sustentável.
Neste sentido, o objetivo destes indicadores é o de possibilitar estabelecer uma avaliação da
sustentabilidade dos projetos candidatos, auxiliando na tomada de decisão.
Posteriormente a esta avaliação da sustentabilidade do projeto, elaborou-se uma segunda análise, tendo como base a matriz de indicadores de sustentabilidade do padrão Gold
Standard da WWF contida no formulário de elaboração de projetos MDL, cuja escala de
pontuação varia de –3 a +3. Esta permite ao projeto obter o selo de qualidade desta
renomada instituição, com o objetivo de elevar sua credibilidade junto ao mercado de
carbono. A matriz aplicada a este projeto, é apresentada na tabela 1 a seguir e descreve os
principais impactos sociais, econômicos e ambientais do projeto.
362
Tabela 1 - Matriz de Indicadores de Sustentabilidade de WWF Aplicada ao Projeto
$±6XVWHQWDELOLGDGH
DPELHQWDOORFDOHJOREDO
1RWD
Quantidade de água
0
Qualidade de água
0
Redução de efluentes
Qualidade do ar
2
NOx, SOx, material particulado, aromáticos.
Outros poluentes
0
Condições do solo
0
Contribuição para a biodiversidade
0
%±6XVWHQWDELOLGDGH
6RFLDOH'HVHQYROYLPHQWR
1RWD
Qualidade do emprego
0
Habitação para baixa renda
0
Diminuição da pobreza
0
Acesso a serviços essenciais (água,
saúde educação, etc.)
0
Acesso a energia de fontes limpas
0
-XVWLILFDWLYD
-XVWLILFDWLYD
Capacitação humana e institucional
&±'HVHQYROYLPHQWR
HFRQ{PLFRHWHFQROyJLFR
Número de empregos
1
Sustentabilidade do
balanço de pagamentos
1
Despesas significativas em
tecnologia com moeda corrente,
replicabilidade e contribuição para
a autonomia tecnológica
2
7RWDO
A geração de novos empregos na região
metropolitana é proporcional ao aumento da
quantidade coletada de óleo usado, passando de
500m3 mensais atuais para 628m3
mensais (26%).
A importação de óleo diesel no Brasil é de 4
bilhões de litros por ano, sendo outros 8 bilhões
de litros refinados aqui com petróleo
importado, o que corresponde a 33% do
consumo nacional. Pode-se extrapolar que
qualquer litro de diesel detém esta proporção de
importado. Como o biodiesel substitui 90% do
óleo diesel, este fator corresponde a 30%.
A produção de biodiesel será feita com
tecnologia 100% nacional. Como o índice de
nacionalização dos equipamentos usados na
produção de petróleo e da obtenção do óleo
diesel é de aproximadamente 70%, esta
diferença será de 30%. A disponibilidade de
replicação da experiência nas grandes cidades
pode incentivar a ampliação nas áreas de
atuação de cooperativas, incorporando mais
coletores de óleo usado.
363
5 - Os Impactos da Tecnologia na Redução das Emissões de Gases de Efeito
Estufa e Receita Potencial dos Créditos de Carbono
Este projeto usa técnica que contribui para aumentar a oferta de energia de fonte renovável
para o setor de transportes, uma vez que grande parte dos reagentes é proveniente da
biomassa. O projeto trata especificamente de substituição de óleo diesel - combustível
fóssil utilizado em frota de ônibus e de caminhões no Município do Rio de Janeiro.
A reação que utiliza metanol consome este álcool oriundo de fonte fóssil (gás natural)
em participação nunca superior a 22% em volume do total de reagentes, sendo 10% o
valor mais utilizado. Há, portanto, uma grande redução nos volumes de combustível fóssil
consumido. Caso o biodiesel metílico obtido em reação que consome metanol totalmente
oriundo de fonte fóssil fosse utilizado puro (B100), as emissões de GEE seriam reduzidas
em cerca de 90%, comparativamente com o diesel mineral. No caso do biodiesel etílico,
totalmente oriundo de biomassa, esta redução poderia chegar a 100%, assim como o éster
obtido utilizando-se metanol proveniente da destilação da madeira.
A emissão de dióxido de carbono da queima da parcela do biodiesel referente ao óleo
residual é reabsorvida pela nova safra, o que permite considerá-la renovável. Como o
biodiesel estará substituindo parte do diesel mineral combustível para transportes coletivos
e de carga da cidade do Rio de Janeiro, será reduzido o consumo de combustíveis fósseis,
pois somente as emissões devidas ao metanol são contabilizadas.
Apesar da ocorrência da emissão de metano proveniente da decomposição anaeróbica
do óleo residual em aterro, devido às incertezas existentes sobre o valor desta parcela de
óleo que seria disposta indevidamente, optou-se por calcular a quantidade de redução de
emissões para uma hipótese conservadora: considerando somente a emissão de GEE da
queima dos combustíveis e supondo nula a emissão de metano no aterro.
O cálculo da redução de emissões é realizado comparando-se a situação em que haveria
consumo de diesel mineral pelos veículos (linha de base) versus a situação resultante das
atividades do projeto, em que haverá a utilização deste biocombustível no setor de transportes. Desta forma, a quantidade de carbono não emitida que poderá ser negociada no
mercado internacional é encontrada subtraindo-se as emissões deste biocombustível, considerado como cenário alternativo, das emissões devidas ao combustível fóssil utilizado
para o setor de transportes, considerado como cenário de referência.
Segundo a 7a Conferência das Partes, o projeto biodiesel se enquadra na categoria de
pequena escala3 , não se configurando a necessidade de contabilizar as emissões geradas no
ciclo de vida dos combustíveis, mas tão somente as geradas na combustão. Ademais, somente as emissões ocorridas dentro da fronteira física do projeto devem ser computadas.
A COP-7 estabelece regras para os projetos candidatos ao MDL. “Definição dos projetos de pequena escala:... iii)
outros projetos que reduzam emissões e que diretamente emitam menos de 15.000 toneladas equivalentes de gás
carbônico equivalente por ano...”
3
364
As atividades de projeto possibilitaram um acordo com a PETROBRAS que receberá a
glicerina - subproduto da produção de biodiesel - para usar como fluido de perfuração
para substituir parcialmente o fluido atualmente usado. Portanto, não haverá emissões de
metano decorrentes deste subproduto. A tabela 2 a seguir sintetiza as fontes de emissão
computadas bem como as não computadas, na linha de base e nas atividades do projeto.
A redução de emissões de GEE para um período de 10 anos totaliza 38.500tCO2.
Em termos de cálculo de emissões, as emissões de GEE da combustão do biodiesel de
óleo residual (cenário do projeto) totalizam 244,5gCO2/L. O cálculo da emissão de CO2
por litro de biodiesel compreende a estequiometria e o rendimento da reação de
transesterificação, bem como da combustão do metanol. Por outro lado, as emissões de
GEE da combustão do diesel mineral (cenário de referência) totalizam 2.698gCO2/L. O
cálculo da emissão de CO2 por litro de diesel compreende os fatores de conversão definidos pelo IPCC (tEP/m3; TJ/tEP; tC/TJ) e a combustão do diesel.
Tabela 2 - Origens das Emissões
(PLVV}HVGD/LQKDGH%DVH
(PLVV}HVGDV$WLYLGDGHVGR3URMHWR
2ULJHPGDV
(PLVV}HV &RQWDELOL]DGDV 1mR&RQWDELOL]DGDV &RQWDELOL]DGDV
1mR&RQWDELOL]DGDV
Biodiesel
Diesel
Óleo vegetal
usado (matériaprima da
produção do
biodiesel)
Glicerina
(subproduto da
produção de
biodiesel)
-
Emissão de CO2 Emissão de CO2 proveniente
do metanol usado do ciclo de vida do biodiesel
na produção de
(coleta, produção,
biodiesel
distribuição, etc...)
-
Emissão de CO2 Emissão de CO2 do
proveniente da ciclo de vida do Diesel
combustão do
(extração, produção,
diesel
distribuição, etc...)
-
-
Emissão de CH4 da
disposição inadequada
de óleo vegetal
-
-
-
-
De fonte renovável, será
usada como fluido de
perfuração em poços de
petróleo, substituindo o
fluido sintético usado
atualmente, sem emissões
computáveis.
-
As atividades do projeto permitem que 150m3 de biodiesel substituam 135m3 mensais
de diesel, possibilitando uma redução significativa das emissões dos veículos. Ainda que as
emissões evitadas pelo projeto em pequena escala sejam de pequena monta, quando comparadas aos projetos de grande escala, podem render recursos importantes no mercado
internacional que contribuam para o desenvolvimento sustentável no país. A tabela 3, a
seguir, apresenta as emissões evitadas com o projeto de pequena escala em teste e utiliza um
valor de US$10/tCO2 em uma hipótese de médio prazo plausível, para simular a receita
potencial devido à venda dos créditos de carbono4.
O Edital do Programa Holandês CERUPT (2002) fixou em US$ 5/t CO2 eq o preço máximo a ser pago, enquanto a
Carbon Market (2004) estima em torno de £ 6/t CO2 eq.
4
365
Tabela 3 - Emissões evitadas com o projeto e receita potencial
(PLVV}HVGD/LQKDGH%DVH (PLVV}HV(YLWDGDV 3RWHQFLDOGH5HFHLWD
$QR (PLVV}HVGR3URMHWR
W&2HTXLYDOHQWH
W&2HTXLYDOHQWH
W&2HTXLYDOHQWH 86W&2HTXLYDOHQWH
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
440.04
4,370.82
3,930.8
39,307.8
7RWDO
Desta forma, pode-se então estimar que o uso desta tecnologia permite uma redução
no custo de cada unidade energética gerada por esta rota, de cerca de US$0,02/L. Este
exercício serve apenas como um indicador aproximado do potencial da tecnologia no
mercado internacional de carbono, pois cada projeto tem uma linha de base e características particulares e outras fontes de emissão devem ser consideradas quando se passa de
pequena para grande escala, como é possível observar na tabela 2.
6 - Conclusões
O presente trabalho identificou que o uso de biodiesel de óleos residuais no setor de
transportes da cidade do Rio de Janeiro converge com os objetivos do MDL, uma vez que
busca as sinergias entre os esforços de mitigação das mudanças climáticas e a promoção do
desenvolvimento sustentável. A análise de suas características técnicas, sociais, econômicas e
ambientais demonstra que a adoção desta prática pode resultar em ganhos importantes.
O projeto contribui para o desenvolvimento sustentável do país, em seus principais
alicerces, quais sejam a sustentabilidade social, econômica e ambiental, podendo ser considerado um projeto experimental de utilização de resíduos, na medida em que:
- Diminui a pressão sobre os recursos naturais;
- Substitui o uso de combustíveis fósseis no setor de transportes que contribuem para o
aumento do efeito estufa.
- Desenvolve tecnologia de utilização e aproveitamento de resíduos, permitindo a valorização de um rejeito, normalmente a baixo custo, através da regionalização de sua transformação em recurso energético;
- Evita a emissão de metano, um poderoso gás de efeito estufa, que compõe grande
parte do biogás produzido em aterro sanitário;
- Diminui a poluição atmosférica local e outros impactos ambientais locais. Como, por
exemplo, na possibilidade de vazamento, devido a sua biodegradabilidade, o impacto é
reduzido quando comparado ao óleo diesel;
366
- Gera empregos na coleta de óleos usados para a produção de biodiesel ou, no caso de
biodiesel de óleos virgens, gera empregos na cultura agrícola.
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COSTA, A.O., OLIVEIRA, L. B., HENRIQUES, R.M., 2003, Análise de Viabilidade Econômica da Produção e Uso do
Biodiesel no Brasil, V ECOECO, Rio Grande do Sul;
FREEDMAN, B.; BUTTERFIED, R. O.; PRYDE, E. H.; 1986. J. Am. Oil Chem. Soc. 63, 1375
IPCC, 2001, Climate Change 2001: The Scientific Basis. Contribution of Working Group I to the Third Assessment
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USA, Cambridge University Press;
OLIVEIRA, L.B., COSTA, A.O., (2002). “Biodiesel: Uma Experiência de Desenvolvimento Sustentável”. IX CBE, vol.
4, pg. 1772, Rio de Janeiro
RIBEIRO, L.; OLIVEIRA, A., et al. (2002). Critérios de Elegibilidade e Indicadores de Sustentabilidade para Avaliação
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Zahedi, K. (coordinating team), United Nations Environment Program, Nairobi, Kenya.
367
OBTENÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEL EM
UNIDADE PILOTO UTILIZANDO A
TECNOLOGIA DE CONVERSÃO
A BAIXA TEMPERATURA
Roberto Guimarães Pereira1
Gilberto Alves Romeiro2
Raimundo Nonato Damasceno2
Paulo Maurício de Albuquerque Senra3
RESUMO
O presente trabalho refere-se à obtenção de óleo em uma Unidade Piloto, através do
Processo de Conversão a Baixa Temperatura aplicado a resíduo industrial gerado em
estação de tratamento de efluente de indústria petroquímica. Parâmetros físico-químicos,
tais como: viscosidade; densidade; teor de enxofre; ponto de fulgor; ponto de fluidez e
poder calorífico foram obtidos. A caracterização do óleo obtido indica a possibilidade
de classificá-lo como óleo combustível.
INTRODUÇÃO
Atualmente, os resíduos das mais variadas atividades econômicas vêm se tornando um problema com a crescente produção de produtos e serviços. Simultaneamente, ocorre um aumento na demanda de Energia. O presente trabalho visa desenvolver soluções para esses dois problemas cruciais: o crescente aumento de resíduos e a
crescente demanda de Energia.
1
Universidade Federal Fluminense, D.Sc., Departamento de Engenharia Mecânica e Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Mecânica, Rua Passo da Pátria 156, Niterói, RJ, Brasil, CEP 24210-240, tel.: (21)2629-5418, fax: (21)2629-5417,
e.mail: [email protected]
Universidade Federal Fluminense, D.Sc., Departamento de Química Orgânica e Programa de Pós-Graduação em
Química Orgânica, [email protected]
2
Light Serviços de Eletricidade S. A., M.Sc., Gerência de Estudos e Gestão de Geração, [email protected]
3
368
A alternativa proposta é a Geração de Energia Elétrica a partir de Biomassas e Resíduos,
utilizando principalmente a tecnologia de Conversão a Baixa Temperatura. Essa tecnologia
permite o aproveitamento integral de biomassas e resíduos transformando-os em óleo, gás
e carvão, para posterior aproveitamento energético.
Com a aplicação da tecnologia de Conversão a Baixa Temperatura, o resíduo torna-se a
matéria prima do processo, deixa de ser um problema e passa a ser uma solução econômica, eliminando possibilidades de contaminação do solo e das águas subterrâneas.
Foi estabelecido o resíduo proveniente de Estação de Tratamento de Resíduos Industriais (ETRI) para os estudos de Conversão. Este resíduo proveniente da Indústria
Petroquímica é encaminhado para a Plastimassa Industria e Comércio Ltda localizada
em Magé - RJ, local onde está implantada a Unidade Piloto utilizada para a obtenção
de combustível alternativo.
FUNDAMENTAÇÃO
Conversão a Baixa Temperatura
Desenvolvida a partir de estudos sobre a viabilidade da produção de biodiesel a partir
de lodo de estações de tratamento de esgotos na Alemanha na década de 80, a técnica de
Conversão a Baixa Temperatura (Low Temperature Conversion – LTC) é um processo
termoquímico, cujo principal objetivo é o de ampliar o ciclo de vida de passivos ambientais.
A LTC vem sendo aplicada à diversas biomassas de origem urbana, industrial e agrícola
procurando-se, por meio da conversão térmica, transformá-los em produtos de potencial
valor comercial. Dependendo do tipo de biomassa empregada no processo, são obtidas
uma fração lipofílica e um resíduo carbonáceo sólido em proporções variáveis, além de
uma fração hidrofílica e gases de conversão. A fração lipofílica é direcionada para estudos
sobre a viabilidade de sua aplicação como combustível ou outros compostos de possível
aplicação comercial (como graxas, lubrificantes, resinas, etc.) enquanto o resíduo carbonáceo
é direcionado a estudos de sua ativação para que possa ser empregado como carvão ativo,
além da possível utilização direta como energético (Vieira et al. 2001; Vieira et al. 1999;
Santos. et al., 1999; Brandão et al., 1999).
Unidade Piloto
Implantou-se uma Unidade Piloto na Plastimassa Industria e Comércio Ltda situada em
Magé – RJ que opera em modo continuo, com fluxo direto, aquecimento elétrico, funcionando em atmosfera inerte utilizando o gás nitrogênio. A planta piloto tem capacidade para
processar 50 kg/h de amostra de lodo residual desidratado em estufa e/ou secador solar.
A Figura 1 mostra um esquema simplificado do funcionamento da Unidade Piloto.
369
Figura 1. Representação esquemática da Unidade Piloto
Resíduo Industrial
Petroquímico
6(&$*(0
gases
não−condensáveis
vapor d’água
Gás nitrogênio
(Atmosfera inerte)
&219(56­2
R
3DWP & Fração
Líquida
(Combustível)
Fração Sólida
(Carvão)
A Unidade Piloto é constituída, basicamente, dos seguintes componentes: tubo de conversão; sistema de estanqueidade; sistema de acionamento e apoio e unidade motriz; sistema de alimentação do conversor; condensador; tanque para recolher o produto condensado
(óleo); tanque para recolher o produto sólido (carvão); válvulas dosadoras; cilindro de
nitrogênio; sistema de aquecimento; painéis de controle.
A Unidade Piloto (Figura 2) encontra-se em funcionamento e está apta a processar
biomassas e resíduos gerando óleo e carvão, para posterior aproveitamento, por exemplo
em grupo gerador de energia elétrica.
Figura 2. Unidade Piloto.
370
Classificação dos combustíveis
Os combustíveis podem ser classificados segundo suas características físico-químicas
(ANP portaria no 80 de 30 de Abril de 1999 - regulamento técnico ANP no 3/99), sendo
especificados os seguintes parâmetros:
- Teor de Enxofre - O teor de enxofre de um óleo combustível depende da origem do
petróleo, da matéria prima e do processo pelo qual foi produzido. É limitado por
provocar processos de corrosão e causar emissões poluentes. Segundo a resolução em
questão, ficam vedadas a comercialização e a utilização de óleos combustíveis em todo
território Nacional com teores de enxofre superiores ao estabelecido a seguir:
- 1,0 % em massa: nas regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre;
- 2,5 % em massa nas demais regiões do Brasil.
Esses limites podem ser ultrapassados, respeitando um valor máximo de 4 % em massa, caso
a utilização do óleo combustível produza emissões de poluentes que atendam aos limites
estabelecidos pelo órgão ambiental da jurisdição, casos que deverão ser informados à ANP.
- Ponto de Fulgor – é definido como a menor temperatura na qual o produto se vaporiza em quantidades suficientes para formar com o ar uma mistura capaz de inflamar–
se momentaneamente quando se aplica uma centelha sobre a mesma. É um dado de
segurança para o manuseio do produto.
- Ponto de Fluidez – é a menor temperatura na qual o óleo combustível flui quando
sujeito a resfriamento sob condições determinadas de teste. Ele estabelece as condições de
manuseio e estocagem do produto. Normalmente são estabelecidos limites variados, dependendo das condições climáticas das regiões, a fim de facilitar o uso do produto.
- Densidade Relativa a 20/4o C – é a relação entre a massa específica do produto a 20o
C e a massa especifica da água a 4 oC.
- Vanádio - Metal encontrado com frequência no petróleo, tem especificado seu limite no
óleo combustível para prevenir a formação de depósitos por incrustação nas superfícies externas de tubos aquecidos. Esses depósitos causam a corrosão e a perda da eficiência térmica dos equipamentos.
- Viscosidade – a viscosidade de um fluido é a medida da sua resistência ao escoamento
a uma determinada temperatura, uma das características mais importantes do óleo combustível, que determinará as condições de manuseio e utilização do produto.
- Água e Sedimentos – o excesso desses contaminantes poderá causar problemas nos
filtros e queimadores bem como formar emulsões de difícil remoção. A presença de
água é também uma das responsáveis pela corrosão nos tanques de estocagem.
Segundo o referido regulamento técnico da ANP, a verificação das características do
óleo combustível deverá ser realizada mediante o emprego das normas Brasileiras NBR
e métodos brasileiros – MB da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e
dos métodos da American Society for Testing and Materials – ASTM, observando-se sempre
os de publicação mais recente.
371
3 - RESULTADOS
Óleo Gerado na Unidade Piloto
A produção do combustível alternativo vem sendo feita na Unidade Piloto, em um
Processo de Conversão a Baixa Temperatura a partir de resíduo proveniente de Estação de
Tratamento de Resíduos de Indústrias Petroquímicas.
A Unidade Piloto opera em processo contínuo processando atualmente 30 kg/h de
resíduo seco. A quantidade de óleo gerado no processo depende do tipo de resíduo ou
biomassa utilizada. No caso de resíduo proveniente de Estação de Tratamento de Resíduos
de Indústrias Petroquímicas, o rendimento médio do óleo gerado é da ordem 30%. Os
outros produtos obtidos no processo são gás, e carvão. O gás é aproveitado no próprio
processo em co-geração. Já o carvão pode ser utilizado como combustível ou encaminhado para a ativação podendo ser utilizado como filtro.
A Figura 3 mostra o óleo gerado na Unidade Piloto.
Figura 3: Óleo gerado na Unidade Piloto
Caracterização Reológica
Investigou-se a reologia do óleo gerado na Unidade Piloto obtido através da LTC
objetivando estudar o comportamento da viscosidade com as variações de temperatura e
taxa de cisalhamento, para avaliar a possível aplicação como combustível, por exemplo.
Os testes reológicos foram realizados no Laboratório de Reologia da UFF (LARE) em um
reômetro rotativo RS-50 interligado a um banho termostático K20-DC5, fabricado pela
HAAKE. As amostras do óleo obtido através da tecnologia LTC foram ensaiadas em
diferentes temperaturas analisando-se o comportamento do fluido mediante o cisalhamento,
obtendo-se assim curvas de escoamento e viscosidade.
A amostra ensaiada nas temperaturas de 30ºC, 45ºC e 65 ºC apresentou comportamento similar a fluidos newtonianos, verificando-se uma relação linear entre a tensão de
cisalhamento e a taxa de cisalhamento conforme evidenciado na Figura 4.
372
Figura 4: Relação entre tensão e taxa de cisalhamento para o óleo gerado na Unidade
Piloto
&RPSRUWDPHQWR1HZWRQLDQR%LRGLHVHO/7&
6,0E-01
Tensão Cisalhamento(Pa)
5,0E-01
4,0E-01
3,0E-01
30 oC
45 oC
2,0E-01
65 oC
1,0E-01
0,0E+00
0,00E+00
5,00E+01
1,00E+02
1,50E+02
2,00E+02
2,50E+02
Taxa Cisalhamento(1/s)
Em relação à viscosidade, observou-se que nas taxas de cisalhamento estudadas manteve-se constante, o que pode ser visto como um fator positivo quanto a sua aplicação como
combustível, na medida que a lubricidade de componentes de um motor não será alterada
devido a variações nas taxas de cisalhamento impostas.
Caracterização Físico-Química
Para a realização deste estudo foram caracterizadas amostras de óleo de LTC. Os resultados
de caracterização físico-química estão listados na Tabela 1, bem como os métodos utilizados e as
especificações para óleos combustíveis fornecidas pelo Regulamento Técnico ANP No 3/99.
Tabela 1- Análise fisico-quimicas realizadas nas amostras de óleo obtida a partir da
LTC.
Parâmetros/amostras
A1
A2
A3
S % (m/m)
0,18
0,70
0,20
H2O (% v/v)
3,5
3,8
3,3
Ponto de fulgor
73
70
70
Ponto de fluidez
-9
-9
-9
Densidade (20/40C)
0,9700
0,9600
0,9700
Vanádio (ppm)
5
5
5
Poder Calorífico Superior
(kcal/kg)
9600
9500
10000
Viscosidade a
40o C (cSt)
4,37
4,54
4,58
MÉTODO
ASTM
D 4294
ASTM
D 1744
ASTM
D 93
ASTM
D 97
ASTM
D 4052
ASTM
D 5863
ASTM
3286-6
ASTM
D 445
ANP
2,5 (máximo)
2 (máximo de água
e sedimentos)
66 (mínimo)
15 - 27 (máximo)
200
(máximo)
620 - 960
a 60o C
(máximo)
Comparando os valores especificados pela ANP com os resultados de caracterização
físico-química para as amostras em estudo, observa-se uma relativa proximidade. Ressaltam-se os seguintes aspectos:
373
(i) o baixo teor de enxofre nas amostras quando comparado com o valor máximo estabelecido pela ANP 03/99 na faixa de 2,5 %, dependendo do estado de comercialização
dos óleos combustíveis;
(ii) a baixa temperatura para o ponto de fluidez na faixa entre -9oC e -11oC, bem abaixo do
valor máximo permitido de 15 a 27oC, dependendo da região e da época do ano;
(iii) a viscosidade cinemática a 40oC na faixa de 4,5 cSt, bem abaixo do valor máximo
permitido na faixa de 620 a 900 cSt , a temperatura de 60o C;
(iv) o poder calorífico das amostras obtidas que fica na faixa dos óleos combustíveis
comercializados no país, entre 9000 e 10000 kcal/kg;
(v) o ponto de fulgor determinado nas amostras em estudo está de acordo com o valor
estabelecido pela portaria ANP 03/99, sendo uma característica importante para os
fatores de armazenamento do produto;
(vi) o teor de água determinado no óleo em estudo ficou em torno de 3,5%, podendo ser
otimizado a partir de uma separação mais eficiente desta fração aquosa utilizando-se
um sistema de centrifugação, por exemplo.
A proximidade entre as características físico-químicas das amostras em estudo, com os óleos
combustíveis derivados do petróleo deve-se provavelmente a origem do lodo residual utilizado
como matéria prima no processo. Como o lodo residual é gerado continuamente no tratamento do efluente líquido de uma indústria petroquímica, confere-se ao óleo combustível obtido no
Processo de Conversão a Baixa Temperatura um caráter de combustível alternativo.
4 - CONCLUSÕES
Os resultados do presente trabalho indicam uma nova opção de fontes alternativas de
energia, considerando que em todo mundo existem centenas de indústrias petroquímicas e
refinarias de petróleo, principalmente no Brasil, que poderiam em um futuro próximo
produzir, óleo combustível e provavelmente sucedâneos como a gasolina, a partir do lodo
residual industrial gerado no tratamento do efluente líquido, transformando o lodo residual
em matéria prima e em fonte alternativa para obtenção de combustíveis.
5 - AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ e à LIGHT pelo apoio financeiro prestado.
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brazil-Germany for Environmental Sciences and Technology Exchange. Rio de Janeiro, Mar, 8-10, 1999. p. 52-53.
Santos, T. H. et al. Low Temperature Conversion of Corn Feedstocks: evaluation amd quantification of oil, water, char
and gases. In: IV Workshop Brazil-Germany for Environmental Sciences and Technology Exchange. Rio de Janeiro,
Mar, 8-10, 1999. p. 51-52.
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Indústria Petroflex. Rio de Janeiro: IBP, 2001.
Vieira, G. E. G. et al. Low Temperature Conversion of Industrial Residue – Analysis of preliminary yelds of obtained
products by continuous and bench-scale process. In: IV Workshop Brazil-Germany for Environmental Sciences and
Technology Exchange. Rio de Janeiro, Mar, 8-10, 1999. p. 50-51.
374
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E MEIO
AMBIENTE: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE A INSERÇÃO DE
CÉLULAS A COMBUSTÍVEL
Ana Maria Resende Santos*
Gheisa Roberta Telles Esteves*
Paula Duarte*
Cristiane Peres Marques Bergamini*
RESUMO
Vive-se atualmente, em um contexto onde as inovações tecnológicas ocorrem de forma
rápida e dinâmica. Inovações essas que, dependendo das características intrínsecas a mesma, ocasionarão efeitos diversos sob a conjuntura existente antes de sua introdução. Algumas inovações representam somente um aprimoramento de uma tecnologia outrora existente, não provocando, por esta razão, descontinuidades. No entanto quando as inovações
possuem caráter radical ou genérico, tal como a introdução de um novo processo produtivo ou de um novo combustível, pode-se provocar uma ruptura ou quebra de paradigma.
Com base no exposto acima, este artigo se propõe a abordar a tecnologia de células a
combustível para aplicação na indústria automobilística como alternativa de uma proposta
tecnológica para minimizar os impactos ambientais decorrentes dos veículos de combustão interna. Assim, o objetivo deste artigo é utilizar algumas das principais fontes renováveis
de energia: hidráulica, eólica, solar e biomassa, para atender a demanda por hidrogênio. A
análise será efetuada a partir de um estudo de caso, onde será introduzido um percentual de
automóveis movidos a célula combustível na frota da cidade de São Paulo.
Doutorandas do Programa de Pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos da Faculdade de Engenharia
Mecânica da Unicamp - Endereço para correspondência: Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Caixa
Postal 6039, CEP 13083-970. Fone: (19) 3788 2073. Fax (19) 3289 1860. E-mail: [email protected]
*
375
1 INTRODUÇÃO
É sabido que a contínua urbanização e industrialização da sociedade gera novas e crescentes
demandas por serviços de energia. Aumenta-se a demanda por transporte de pessoas e produtos, de construção e de operação da infra-estrutura urbana, de serviços industriais e comerciais.
Em especial, observa-se que aumenta o consumo de combustíveis fósseis para transporte e para
a produção de eletricidade, causando sérios problemas ambientais às cidades. Dentre estes problemas encontra-se a poluição atmosférica, que é fruto direto do aumento sistemático do número de veículos em circulação e da produção industrial (HOGAN, 2000).
Nos dias atuais, os grandes centros urbanos do mundo enfrentam o problema da emissão de poluentes por fontes estacionárias e por fontes móveis. O desenvolvimento econômico existente nesses centros provoca uma série de custos à humanidade, dentre as quais
pode-se citar a degradação ambiental e a poluição atmosférica (Motta,1998). Particularmente, o problema da poluição atmosférica deteriora a qualidade do ar, promovendo
quedas consideráveis na qualidade de vida da população.
Dentre as metrópoles mundias, São Paulo, objeto de estudo do presente artigo, ocupa a
5 posição no que se refere à poluição do ar Se levarmos em conta somente as metrópoles
latino-americanas, São Paulo é a 3a, no ranking. Sabe-se que 70% dessa poluição é oriunda
de fontes móveis, devido à existência de uma grande frota circulante na cidade, principalmente de automóveis. A atual frota licenciada é da ordem de 4 milhões, o que corresponde
a 78% do total de veículos licenciados na cidade (CETESB, 2003). Vale ressaltar que não
estão inclusos os automóveis que circulam na cidade, porém licenciados em outros municípios da Grande São Paulo, o que elevaria ainda esse número.
a
Assim, a substituição dos atuais veículos de combustão interna por veículos “limpos”
movidos por células a combustível (hidrogênio) proporcionaria uma significativa melhoria
nos índices de poluição do ar, sem a necessidade de, pelo menos no médio prazo, uma
redução na frota circulante. No entanto, é necessários determinar de onde será retirado o
hidrogênio para suprir a frota veicular, seus custos sociais, ambientais e econômicos e ainda
a capacidade de retorno do investimento.
Motivado pela importância estratégica da questão, o artigo fará um estudo das fontes
renováveis de energia como fornecedoras de hidrogênio, determinando seus custos e impactos sociais, econômicos e ambientais.
A metodologia empregada irá inicialmente analisar as características, o comportamento
e, por fim, determinar o crescimento da frota circulante para que as hipóteses possam ser
estabelecidas. Em seguida será quantificado o volume de hidrogênio necessário para o
abastecimento dessa frota, bem como os custos e impactos de cada uma das fontes do
combustível. Como base de comparação, será mensurado o gasto com gasolina. E, finalmente, serão expostas as conclusões do artigo.
2 FROTA DE VEÍCULOS: ASPECTOS E CARACTERÍSTICAS
Nos últimos anos a frota de veículos da cidade de São Paulo passou de 4.529.929 em
1995, para 5.535.055 em 2003, tendo uma taxa média de crescimento anual no período de
2,74% . Como já mencionado, aproximadamente 78% dessa frota é composta por automóveis, sendo 82% automóveis movidos a gasolina e 18% a álcool. Em 2003, também passaram
376
a circular os veículos “flex” (híbridos). No entanto, eles serão somente incorporados no
estudo para a mensuração do crescimento futuro da frota de automóveis, não sendo calculado o custo do seu combustível. Na Figura 1 e Figura 2, abaixo, estão dispostos os dados de
evolução da frota e a taxa anual média de crescimento no período, respectivamente.
Figura 1 – Evolução da Frota de Veículos da Cidade de São Paulo
Movidos a Álcool e Gasolina.
9HtFXORV
São Paulo
Automóvel
Ônibus
Caminhão
Utilitário
Moto/
Motonetas
Outros**
4.529.929
3.670.308
46.279
156.793
329.847
4.671.362
3.768.891
50.395
159.198
353.841
4.735.229
3.785.646
48.719
162.185
380.468
271.469
282.515
297.460
321.324
345.632
374.558 403.615
434.897 455.064
Nd.
Nd.
71.584
73.605
79.367
75.536
80.178
4.848.284 4.943.602 5.109.717 5.301.528 5.474.018 5.535.055
3.854.974 3.907.393 4.014.708 4.153.188 4.277.326 4.317.990
53.060
55.529
58.499
Nd.
Nd.
64.005
162.427 163.675 165.361 167.424 168.774 168.485
398.635 411.228 443.504 462.652 475.177 454.965
78.144
74.546
Fonte: Detran/PRODESP
*até setembro de 2003
**Reboques e semi Reboques
Figura 2 – Evolução da Taxa de Crescimento Anual da Frota
de Veículos da Cidade de São Paulo.
9(Ë&8/26
Município de
São Paulo
Automóvel
Ônibus
Caminhão
Utilitário
Moto/Moton.
Outros
7D[DVGH&UHVFLPHQWR$QXDO
3,1
1,4
2,4
1,9
3,3
3,7
3,2
1,1
2,7
8,8
1,5
7,3
4,1
-
0,4
-3,
1,9
7,5
5,3
-
1,8
8,9
0,1
4,8
8,0
2,8
1,4
4,6
0,8
3,1
7,6
7,8
2,7
5,3
1,0
7,8
8,4
-4,8
3,4
1,2
4,3
7,7
3,4
2,9
0,8
2,7
7,7
2,6
0,9
-0,2
-4,2
4,6
-7,0
Fonte: DETRAN/PRODESP; Elaboração Própria.
Supõe-se que nos próximos anos o número de automóveis novos siga a evolução apresentada nas Figuras 1 e 2, a taxa de crescimento dos anos seguintes será equivalente à taxa de
crescimento anual média de todo o período analisado (2,2%). Com isso, o número de
automóveis novos circulando será de 95.652 veículos.
3 QUALIDADE DO AR
Entre os temas discutidos referente a busca por um desenvolvimento sustentável, a
qualidade do ar certamente está entre os mais preocupantes, uma vez que a poluição do ar
é a causa de milhares de mortes prematuras e de prejuízos anuais em gastos médicos e em
perdas de produtividade de bilhões de dólares em todo o continente. A discussão acerca
do ar e sua complexidade ganha importância a partir de números divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), revelando os malefícios da poluição do ar para o homem.
De acordo com a OMS (2000) cerca de três milhões de pessoas morreram em decorrência
da má qualidade do ar, número superior aos óbitos registrados entre portadores de HIV
377
no mesmo ano: 2,7 milhões. Muitas cidades da América Latina enfrentam graves problemas relacionados à crescente contaminação do ar e entre elas inúmeros centros urbanos
brasileiros. No Brasil, São Paulo é a cidade mais afetada, com uma estimativa de cerca de
20 mil mortes adicionais por ano em função do descontrole da poluição (OMS, 2000). Em
outras capitais do país também o drama tem crescido e a maior fonte desses poluentes originase da emissão de veículos automotivos (77% das concentrações), sendo 82% desses veículos
movidos a gasolina e 18% a álcool, enquanto que as grandes indústrias são responsáveis por
21% das emissões. Assim, os veículos são considerados os maiores poluentes nos grandes centros urbanos, já que emitem em grande quantidade gases como o monóxido e o dióxido de
carbono, o óxido de nitrogênio, o dióxido de enxofre e derivados de hidrocarbonetos. A
emissão de poluentes, entretanto, varia de acordo com o tipo de veículo (leve ou pesado), ano/
modelo, combustível utilizado, relação ar/combustível do processo de combustão, velocidade
do motor, geometria da câmara de combustão e catalisador (CETESB, 2002).
Através da realização dos inventários de emissões do ano de 2002 e 2003 foi constatado que
as emissões de CO, HC e NOx estão dentro dos limites estabelecidos pela legislação governamental, através do PROCONVE (1998). Pode-se observar até uma significativa redução das
emissões de monóxido de carbono (12,41%) e dos hidrocarbonetos (15,60%) nos combustíveis movidos à gasolina, e os óxidos de nitrogênio (1,87%) apresentado pequenas reduções
quando comparado com os outros dois poluentes. No caso dos automóveis movidos a álcool
houve reduções mínimas desses valores: monóxido de carbono - 0,62%; hidrocarbonetos 0,74%; e óxidos de nitrogênio - 1,17%. A Figura 3 mostra os limites de emissão impostos pelo
PROCONVE, e as emissões dos anos de 2002 e de 2003, para os veículos a gasolina e álcool.
Figura 3 – Limites de Emissão Impostos e Alcançados
pela Frota de Automóveis de São Paulo
Emissões dos Automóveis Emissões dos Automóveis a Quanto está abaixo em
à Gasolina (t/ano)
Álcool (t/ano)
2003? (%)
PROCONVE 2002 2003 PROCONVE 2002 2003 Gasolina
Álcool
Monóxido de Carbono (CO)
472,3
449 393
160,8
102,7 102
-16,7
-36,5
Poluentes
Hidrocarbonetos (HC)
45,3
Óxidos de Nitrogênio (NOx)
50,2
44
37,1
14,3
9,4
9,4
-18,1
-34,7
28,2 27,7
13,6
8,5
8,4
-44,9
-38,1
Fonte: CETESB; Elaboração Própria.
Com base no exposto acima, no que se refere a legislação vigente, não há necessidade de substituir a atual frota circulante. Contudo, quando observado os danos que a
poluição do ar tem causado na saúde da população, o cálculo é feito sob outra ótica. É
preciso ressaltar ainda que boa parte da frota de veículos da cidade de São Paulo é
composta por veículos de 15 anos ou mais, ou seja, àqueles licenciados antes do ano de
1988, que são justamente mais poluentes.
É necessário considerar também que o poder aquisitivo da população proprietária
desses automóveis não contribui para a troca dos seus atuais veículos por outros mais
recentes com tecnologias menos poluentes. A legislação brasileira é um outro fator que
contribui para que os veículos mais antigos não sejam trocados, já que taxa com um
IPVA mais baixo ou mesmo isenta do pagamento do imposto os tais veículos,
desestimulando assim a aquisição e/ou troca de um veículo de ano-modelo mais recente.
378
3.1 EFEITOS DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA SOBRE A SAÚDE HUMANA
A poluição atmosférica gera uma enorme degradação da qualidade de vida da população, provocando uma série de doenças respiratórias, cardiovasculares e neoplasias. Deve-se
ressaltar que as três categorias de morbidade compõem as principais causas de morte nos
grandes centros urbanos (Barbosa, 1990). Além disso, ainda acarretam um decréscimo no
sistema imunológico dos indivíduos, tornando-os mais suscetíveis às infecções agudas.
Os mais afetados pela baixa qualidade do ar são as crianças, os idosos e as pessoas com
problemas respiratórios, sendo 15% do total da população do município de São Paulo
composto pelo grupo mais suscetível aos efeitos nocivos da poluição (Miráglia, 2002). Em
crianças, a poluição atmosférica pode resultar em ausências escolares, diminuição da taxa
de “peak flow” e aumento do uso de medicamentos, quando acometidas de asma. Nas
pessoas normais, sejam elas adultas, crianças ou idosos, a poluição certamente ocasionará
mudança no sistema imunológico (Martins, 2002).
A deterioração da saúde da população residente em metrópoles com características
semelhantes à de São Paulo tem, dentre as várias conseqüências, um aumento do custo dos
atendimentos à população nos serviços de saúde pública, dado que os altos níveis que
poluição do ar ocasionam um aumento da procura pelos prontos socorros, unidades básicas de saúde e hospitais, tanto na cidade quando na região metropolitana. Também tem
reflexos num incremento do consumo de medicamentos, nas faltas a escolas e trabalho,
além de restringirem a prática de atividades físicas pela população afetada.
4 DIMENSIONAMENTO DAS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA
Apesar do hidrogênio ser o elemento mais abundante no universo, o grande problema
é de onde obtê-lo, já que não se encontra disponível na natureza na sua forma pura. Sendo
assim, é necessário retirá-lo de alguma fonte que pode ser renovável, como a biomassa, ou
através do uso de energia hidráulica, solar, eólica ou ainda através de combustíveis fósseis
como o petróleo, carvão e gás natural. Mas caso seja esta última a opção escolhida o
problema das emissões não estaria sendo resolvido. Assim neste trabalho será estimada a
quantidade necessária de hidrogênio para substituir a frota de veículos novos da cidade de
São Paulo, a ser obtido a partir das fontes renováveis de energia.
Traçando um cenário onde os 95.652 automóveis pertencentes à nova frota são compostos por veículos movidos a hidrogênio, pode-se estimar a quantidade de matéria prima
necessária e os seus custos.
A partir da hipótese de que um veículo novo circula em média 22.000km por ano
(Monteiro, 1998) será utilizado como referência de automóvel um protótipo desenvolvido
pela Honda, o P2000 FCX, o primeiro veículo com célula a combustível a ser certificado
pela US Eviromental Protection Agency (EPA, 2003) como veículo sem emissão (emission
free) em novembro de 2002 (Araújo, 2004). O protótipo utiliza para sua locomoção hidrogênio comprimido a 345 bar em um tanque de 3,75kg de gás, possuindo uma autonomia
de 355 km. A nova frota consumiria 3,59 x 105 H2/ano para abastecer a frota de forma
que ela tenha uma autonomia de 355km. Com base nas hipóteses formuladas temos que
essa frota nova circulará 2,10 x 109 km/ano, sendo 2,45 x 108 Nm3 de H2/ano a quantidade
de hidrogênio mínima para mantê-la circulando ao longo de um ano.
379
Em posse desses dados pode-se, então calcular a quantidade de energia proveniente das
fontes renováveis bem como o custo e impactos do combustível.
4.1 Energia Hidráulica
Com base nesses dados, o cálculo da quantidade de energia hidráulica necessária para
obtenção do volume anual de hidrogênio, tendo como referência um eletrolisador com
um consumo específico de energia de 4,4 kWh/Nm3 (Souza, 1998), indica um consumo de
1076 GWh, com uma potência média de 123MW, o que equivale à potência gerada na
Usina Hidroelétrica de Ibitinga, AES Tietê S/A, localizada em Ibitinga/SP.
Mais do que estimar a quantidade necessária de energia hidráulica para substituir a frota
de veículos novos da cidade de São Paulo vale considerar a quantidade de energia hidráulica e ainda o tempo necessário para substituir toda a frota de veículos da cidade, levando
em conta os cálculos anteriores. Assim, para substituir os 4.317.990 de veículos que
corresponde à frota total da cidade, sendo aproximadamente 95.652 veículos novos a cada
ano, seriam necessários 45 anos e um total de 5.544MW de energia hidráulica, o que equivale ao potencial de energia gerado pela Usina Itaipú, da Companhia Itaipú Binacional, localizada em Foz do Iguaçú/PR.
Sabendo também que o preço médio do MWh, no sudeste do país, está em torno de
R$ 164,88 (Aneel, 2004), observa-se que seriam gastos, anualmente R$ 177.391.576 com
o uso de hidrogênio proveniente da energia hidráulica para abastecer esta frota. Caso seja
considerado somente um automóvel, tem-se um gasto da ordem de R$1.854,55.
O principal impacto ambiental da construção das hidrelétricas é a inundação de grandes
áreas para a formação do reservatório de água. E como, a potência calculada para abastecer a frota proposta se encontra dento do limite para Grandes Centras Hidroelétricas
(5.544Wh), seria necessária a inundação de grandes áreas para a formação de reservatório.
4.2 Biomassa
No que se refre à biomassa, o combustível utilizado para a obtenção de hidrogênio é o
etanol. Por isso, é importante estabelecer a quantidade de etanol necessária para produzir o
hidrogênio que abastecerá a frota.
Com isso, o volume de 2,45 x 108 Nm3 de H2/ano equivale a aproximadamente 1,09 x
10 mols de H2/ano. Visto que se utiliza 1 mol de etanol para obter 6 mols de H2, tem-se,
então, a necessidade de 1,82 x 106 mols de etanol/ano para fazer a reforma e obter, desta
forma, o hidrogênio. Esse valor, quando transformado em kg de etanol/ano é equivalente
a 8,37 x 107 kg de etanol/ano, pois o peso molecular do etanol é de 46 gramas.
7
Para que seja calculado o custo do combustível e a área utilizada para o plantio de canade-açúcar, precisa-se da quantidade de etanol medida em litros. Como a densidade do
etanol é de 0,79 kg/l são necessários 1,27 x 108 litros/ano de álcool. A reforma do etanol
é um processo com eficiência de 80%. A partir daí, inclui-se, portanto, um gasto superior
em 20% no total de litros de álcool necessários.
1
1 hectare corresponde a 10.000 m
380
Sabe-se que 1 hectare1 de cana produz aproximadamente 70 toneladas de cana e que
uma tonelada de cana produz 80 litros de álcool. Assim, para se produzir 1,27 x 108
litros/ano de etanol serão necessárias 1.589.041 toneladas/ano de cana. Como 1 hectare de terra produz aproximadamente 80 toneladas de cana, tem-se que a área necessária para suprir a frota de veículos seja de 19.863 hectares.
O Brasil possui uma área territorial de 850 milhões de hectares, sendo que 5 milhões de hectares desta área é usada para o plantio de cana. Já o Estado de São Paulo
possui uma área territorial de 24,82 milhões de hectares, sendo 20 milhões de terras
potencialmente agrícolas. Atualmente 2,89 milhões de hectares desta área são usadas
para o plantio de cana, divididas entre 70.111 propriedades, que representam 13%
do total de 537.829 propriedades dispersas por todo o Estado (CATI, 2003). No
que se refere a área necessária para incrementar o plantio de cana destinada a produção de etanol para o abastecimento da frota de veículos com células a combustível,
cabe ressaltar que esta área equivalendo a aproximadamente 484 propriedades rurais
de produção de cana do Estado de São Paulo, é de 198,63km2 haja visto que essas
propriedades rurais possuem em média 41 hectares (CATI, 2003).
Ainda no que tange a área agrícola do Estado de São Paulo, mesmo excluindo as áreas
que ocupadas por outras culturas, vegetação nativa, pastagens, reflorestamentos e ainda
excluindo-se as áreas inaproveitáveis agricolamente, ainda têm-se uma área agrícola não
aproveitada de 324.132,20 hectares, o que representa uma proporção de 16,1 vezes a área
necessária para produção de cana para a obtenção de etanol.
Com relação ao gasto de combustível, sabe-se que, o litro do álcool custava, na cidade
de São Paulo, em 2002, R$ 0,911 (IBGE, 2002), tendo, portanto, um custo anual R$
125.979.160, custo esse inferior ao do hidrogênio proveniente da energia hidráulica. Caso
consideremos somente um automóvel, teremos um gasto da ordem de 1.317,06 reais.
A biomassa também tem o seu maior impacto na ocupação de terras, gerando a
criação de monoculturas, a perda da biodiversidade, o uso intensivo de defensivos
agrícolas, etc. Por outro lado é importante ressaltar que o seu uso tende a promover
o desenvolvimento de regiões menos favorecidas, pois incentiva a criação de empregos e a geração de receitas.
4.3 Energia Solar
Para o dimensionamento da quantidade de energia elétrica gerada por painéis
fotovoltáicos considera-se para a região de Campinas, interior de São Paulo, o período
de 3,4 horas diárias (Camargo, 2000) para o fator de insolação I = 1000 W/m2. Utilizado
o painel KC45 com potência máxima (Pmáx) de 225 Wp (Solar Brasil,2004), tem-se para
cada painel uma produção diária de 765 Wh e uma produção anual de 279 kWh.
Portanto, para a geração anual dos 1076 GWh necessários serão utilizados 3.853.104
painéis KC45, totalizando uma área de 1,44 km2 a região especificada, uma vez que cada
painel tem uma área de 0,37 m2.
A baixa eficiência dos painéis exige que uma grande área seja ocupada para a produção
necessária de energia. Para este tipo de energia o principal impacto é a ocupação de grandes
381
extensões de terra. A área necessária para a produção de energia necessária, para a frota
proposta, é de 1,44 km2.
4.4 Energia Eólica
Para dimensionar quantidade de energia elétrica que é gerada a partir da energia eólica considerase para os cálculos os ventos existentes na região sul do país que, segundos dados da SEMC-RS
(2002), possuem uma velocidade média anual de 7 m/s e o aerogerador fabricado pela Vestas
modelo V47-660 kW (Vestas, 2002). A curva de energia fornecida pelo fabricante para este modelo e para ventos de 7 m/s indica uma potência de aproximadamente 300 kW. Tem-se então para
um aerogerador a produção diária de 7.200 kWh e a produção anual de 2.628.000 kWh. Assim,
serão necessários para a geração anual dos 1076 GWh, 410 aerogeradores V-47.
5 ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA DO USO DO HIDROGÊNIO
Conforme já verificado neste artigo a frota, em 2003, era composta por 18% de
automóveis movidos a álcool e 82% movidos à gasolina. Apesar disso, os dados do
PRODESP evidenciaram que os veículos movidos a álcool eram pertencentes a frota antiga da cidade. Com base nessa informação, supõe-se que a composição da
frota seja somente de veículos movidos à gasolina, a análise da viabilidade do combustível e do retorno do investimento ao consumidor será feita com base no preço
e nas informações de um veículo de porte médio, objetivando determinar o tempo
necessário para que um consumidor que adquira o veículo a hidrogênio obtenha
retorno desse investimento.Supõe-se ainda que um veículo a hidrogênio custe aproximadamente três vezes mais que o veículo utilizado para a análise, uma vez que os
automóveis escolhidos para a análise foram o Honda Civic LX 1.7, o Astra 2.0 CD
e o Toyota Corolla XEI por serem os modelos de automóveis capazes de representar o mercado consumidor potencial dos veículos movidos a hidrogênio; mercado
esse composto por indivíduos que estão dispostos a pagar um pouco mais caro pelo
benefício de trafegar com um veículo de emissão zero. Os três modelos escolhidos
percorrem 11, 9.8 e 8.6 quilômetros com 1 litro de gasolina (Revista Carsale, 2003)
respectivamente, necessitando o Honda Civic de 2.000,0 litros/ano, o Astra de 2.268
litros/ano e o Toyota Corolla de 2.558 litros/ano de gasolina para manter um automóvel circulando, tendo um gasto anual de 3.376 reais, 3.828,5 reais e 4.318,1 reais
com combustível, visto que o preço médio do litro da gasolina, em São Paulo, é de
1,68 reais (IBGE,2002). Se comparado com o gasto das duas fontes de hidrogênio2
temos, com o uso da gasolina, um gasto mais que cinco vezes superior no caso da
biomassa e de três vezes no caso da energia hidráulica.
Visto que o preço dos combustíveis necessários para a abastecer a frota movida a
hidrogênio seria menor que os combustíveis atualmente utilizados, resta saber se o preço
dessa nova tecnologia é viável, pois apesar do combustível ser mais barato, o preço do
automóvel, por ser uma tecnologia nova e de vanguarda é mais caro que o do processo
de produção de veículos à gasolina, por ter sua tecnologia mais disseminada no mundo.
Não foi efetuado o cálculo dos custos, e por conseguinte, da viabilidade econômica da energia eólica, devido a
dificuldade de obtenção de dados de preços dos aerogeradores. No caso da energia solar, apesar dos custos teremo
sido calculados, não houve necessidade de se calcular a viabilidade, pois o mesmo se mostrou inviável por ter
apresentado valores de custo superiores ao de todos os outros combustiveis
2
382
Tendo como base o preço dos automóveis utilizados na análise - Honda Civic LX 1.7, preço de
45.279 reais; Astra 2.0 CD, preço de 45.882 reais; e Toyota Corolla XEI, preço de 40.477 reais
(Revista Carsale, 2003) -, supomos que o veículo a hidrogênio custe três vezes o valor dos respectivos veículos. Ou seja, 135.837 reais, 137.646 reais e 121.431 reais, respectivamente. Com isso
temos que os tempos de reposição do investimento seriam os apresentados na tabela abaixo.
Figura 4 – Tempo de Reposição do Investimento
Modelo
Honda Civic LX 1.7
Astra 2.0 CD
Toyota Corolla XEI
Tempo de Reposição do Investimento (em anos)
Álcool
44
37
27
Energia Hidráulica
60
46
33
Fonte: Carsale, 2003; Elaboração Própria.
O uso das fontes alternativas de energia como combustível não seria mais custosa que o uso da
e gasolina, teria, na verdade, um custo menor. No entanto, quando se analisa o retorno do investimento, é que observamos a dificuldade da inserção de uma frota de veículos limpos. Tendo em
vista que a vida útil de um veículo é de, aproximadamente, 20 anos, adquirir um automóvel que
além de ser três vezes mais caro que os atuais, e que, apesar de ser movido por combustíveis mais
baratos, demore, em média, 57 anos no caso da biomassa e 73 anos no caso da energia hidráulica
para o retorno desse investimento, não é algo economicamente viável, visto que o investidor
passaria de 2 a 4 vezes da vida útil do bem pagando o bem pagando por esse diferencial. Os
resultados mostram a necessidade da disseminação do processo de produção de veículos movidos a hidrogênio, para que o preço desse tipo de automóvel, extremamente útil para a redução das
emissões e para a conseqüente melhoria da qualidade de vida e da saúde de população residente
dos grandes centros urbanos, seja reduzido, podendo assim, ser adquirido pela população.
6 CONCLUSÃO
Adotando-se a metodologia para o cálculo do inventário de emissão veicular para os anos de
2002 e 2003, constatou-se que as emissões de poluentes advindos da frota veicular de combustão interna da cidade de São Paulo, particularmente os poluentes monóxido de carbono (CO),
hidrocarbonetos (HC) e óxido de nitrogênio (NOx), encontram-se abaixo do limite estipulado
pelo PROCONVE, tanto para veículos leves a gasolina como para os veículos leves a álcool.
Entretanto, é importante ressaltar que mesmo que estes resultados tenham apresentado reduções
de emissões, eles estão próximos aos valores estipulados pela legislação governamental. Portanto, melhores resultados, a longo prazo, serão obtidos pela renovação da frota veicular, visto que
os veículos antigos são os responsáveis por grande parte das emissões.
Neste contexto, a inserção de uma frota de veículos com células a combustível, apresenta-se como uma alternativa significativa no sentido de reduzir a emissão de poluentes decorrentes do uso de veículos com combustão interna.
No que diz respeito ao uso do etanol como recurso energético para a geração de hidrogênio, verificou-se pelo levantamento efetuado que existe uma grande área disponível para
o plantio de cana, muito além do que foi dimensionado para suprir a frota veicular em
estudo, ou seja, uma área 26,5 vezes maior do que a necessária. O uso da energia hidráulica,
383
apesar de também viável, ocasionaria impactos ambientais, tais como a inundação de grandes áreas de terra. Já o uso a energia solar, além de ocupar grandes áreas devido a baixa
produtividade dos painéis fotovoltáicos, também seria inviável devido o custo dos painéis,
que tornam a obtenção de hidrogênio por essa fonte muito cara.
Os resultados obtidos através da análise de viabilidade econômica mostram a necessidade da disseminação do processo de produção de veículos movidos a hidrogênio, para que
o preço desse tipo de automóvel, extremamente útil para a redução das emissões e para a
conseqüente melhoria da qualidade de vida e da saúde de população residente dos grandes
centros urbanos, seja reduzido, podendo assim, ser adquirido pela população.
REFERÊNCIAS
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VESTAS – Disponível em: <http://www.vestas.com>. Acesso em 20 nov 2002.
384
VALORES DE INSOLAÇÃO, MEDIDOS EM RIO
BRANCO - AC, COMO CONTRIBUIÇÃO PARA
O ATLAS SOLARIMETRICO DA AMAZONIA
Alejandro Fonseca Duarte 1
Francisco E. Alves dos Santos2
Eduardo E. Vieira Guedes3
Abdom Calid4
RESUMO
O banco de dados solarimétricos da Amazônia, uma obra de grande importância,
enfrenta a insuficiente continuidade e regularidade dos registros tanto no tempo quanto
no espaço, devido à falta de estações de monitoramento. Embora existam registros de
irradiação solar há décadas, os dados compilados geralmente procedem de sítios cuja
localização espacial não permite uma conveniente interpolação dos dados. Por outro
lado, regiões como a Amazônia Ocidental não têm sido privilegiadas com a instalação de
equipamentos medidores da radiação; grande parte desta região, em particular o Acre,
está desprovida dos instrumentos adequados. Em geral, os dados existentes, muitos
deles estimados, como base em heliógrafos, actinógrafos e piranômetros. No presente
trabalho se oferecem dados medidos em terra, em Rio Branco, mediante sensores de
radiação global para todo o espectro solar e para sua parte visível. A partir dessas medições diretas se calculam a insolação diária média para cada mês para os anos 2000 a 2003.
Os resultados se comparam com estimativas anteriores e poderiam ser considerados
como fontes de informação solarimétrica para a região.
(Tema: Energia e Mudanças Climáticas. Perspectiva: Ambiental)
Doutor em Ciências Físicas, professor adjunto da UFAC - [email protected] - Fone: (68) 9984 1766
Doutor em Planejamento Energético, professor adjunto da UFAC
3
Engenheiro Agrônomo, bolsista CNPq, UFAC
4
Técnico em eletrônica, UFAC
Universidade Federal do Acre (UFAC) - Dpto. de Ciências da Natureza, BR 364, CEP 69.915-900. Rio Branco - AC., Brasil
1
2
385
INTRODUÇÃO
O trabalho de aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo das informações do Atlas
Solarimétrico do Brasil (Chigueru, 2000), deve constituir uma dedicação permanente de
instituições de pesquisa e outros órgãos envolvidos no assunto. É importante para o conhecimento do potencial de energia solar disponível, sua distribuição espacial, em particular na
Amazônia; e temporal, ao longo dos anos. Esses dados são de interesse para a energética
(fontes alternativas) e também para a climatologia.
Em Rio Branco, as medições sobre radiação solar se iniciam no ano de 1968 mediante a
utilização de heliógrafos, instalados pelo Instituto Nacional de Meteorologia como partes
de uma estação meteorológica. No mencionado Atlas Solarimétrico do Brasil, aparecem,
dentre outras informações, estimativas da insolação em Rio Branco (Latitude S: 9° 57’ ;
Longitude W: 67° 52’ ; Altitude: 185 m) com base nas medições dos heliógrafos. Como é
sabido as leituras de insolação diária ou brilho solar se realizam mediante esse instrumento
a partir da ocorrência da queima, pelos raios solares, de uma faixa de papel, o que acontece
quando a radiação solar direta supera o valor aproximado de 100 W m-2. Os erros dessas
medições são da ordem de 10 % ou mais.
Desde o ano 2000, na Universidade Federal do Acre, em Rio Branco, realizam-se medições
de radiação solar global mediante o uso de piranômetros, tanto para radiação em todo o
espectro solar (PYR) como na região visível (radiação de ação fotossintética, PAR). O cuidado e
a calibração anual desses piranômetros garante um erro das medições inferior a 5 %.
A composição da atmosfera local e sua dinâmica podem se descrever pela presença de
ventos geralmente fracos com médias mensais de 3 m s-1, uma cobertura de nuvens média
mensal entre 4/10 e 9/10; e presença de fumaça (aerossóis) oriunda das queimas de biomassa
que acontecem anualmente durante a época da seca na Amazônia. Na época de chuvas
(entre setembro e maio) a maior parte da absorção e do espalhamento da radiação solar
acontece pelas nuvens, enquanto durante o período da seca acontece tanto em nuvens
quanto em aerossóis atmosféricos.
Instrumentos e Medições
Vários são os instrumentos e meios de observação e medição que se utilizam para o
monitoramento da radiação solar e da presença de nuvens e aerossóis atmosféricos com os
quais a radiação interage. Os dados e informações para o presente trabalho foram
monitorados com a ajuda de:
a) Dois piranômetros fabricados pela Kipp & Zonen modelos CM21 e sensores de radiação
de ação fotossintética fabricados por Skye e Kipp & Zonen; os primeiro são destinados às
medições da radiação solar para comprimentos de onda (l) entre 320 nm e 2800 nm (radiação
PYR) e os segundos para medições na região visível do espectro eletromagnético (radiação PAR).
Através destes instrumentos foram feitas as medições de irradiância global (radiação direta +
difusa) ao nível da superfície da terra, durante todo o ano, com medições a cada 2 minutos;
b) Um fotômetro solar (Cimel CE 318) da estação de Rio Branco, que pertence à rede
mundial AERONET (AErosol RObotic NETwork) da NASA. Este instrumento permite
a derivação dos valores de profundidade ótica dos aerossóis (AOT) para diferentes comprimentos de onda, em particular 500 nm e também derivações do conteúdo de vapor de
386
água (WV) em toda a coluna atmosférica. Os valores de AOT utilizados foram os de nível
2.0, corrigidos segundo Smirnov et al. (2000) assegurando estarem livres do efeito de absorção e espalhamento por nuvens;
c) Um nefelômetro (Ecotech M903), que possibilitou as medições do coeficiente de espalhamento
ótico (bs) como resultado da interação entre a luz no comprimento de onda de 530 nm e os
aerossóis na atmosfera local. Estas medições forneceram resultados complementares;
d) Um aetalômetro (Magee AE-31), que foi utilizado para medições da concentração de
black carbon (BC) na atmosfera local. Como no caso do nefelômetro, as medições obtidas
pelo aetalômetro ofereceram informações complementares relativas às variações diárias e
sazonais da concentração de BC, ao longo do ano.
A observação do transporte de fumaça na atmosfera de Rio Branco, também foi acompanhada através dos resultados do modelo de transporte de gases e aerossóis acoplado ao
modelo regional ETA do CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos)
do INPE (Trosnikov & Nobre, 1998).
Irradiação solar em Rio Branco
Segundo estimativas para a latitude de Rio Branco (- 9° 57’), realizadas com base nas
medições locais de irradiância para céu claro, sem nuvens e aerossóis, a irradiância PYR no
topo da atmosfera ao meio-dia varia aproximadamente entre 1,4 kW m-2 (na estação chuvosa) e 1,1 kW m-2 (na estação seca). Como conseqüência, a insolação no topo da atmosfera local (acúmulo de energia desde o nascer até o pôr-do-sol) varia entre 34 MJ m-2 d-1 (na
estação chuvosa) e 27 MJ m-2 d-1 (na estação seca).
A duração do dia ao longo do ano, em Rio Branco, varia entre 11,53 h e 12,67 h.
Assim mesmo, o ângulo solar zenital medido ao meio-dia varia entre 0° (em torno do
23 de fevereiro e 19 de outubro) e 33° (durante junho e julho).
Resultados de cálculos do potencial de insolação PYR por mês e outros dados da
meteorologia local (precipitação e cobertura de nuvens) estão dados na Tabela 1. Os cálculos da insolação máxima foram feitos com base nos dados dos anos 2000 a 2003, aproximando-se o perfil da irradiância a uma curva parabólica, em dias sem nuvens, com baixos
valores de vapor d’água (WV) e aerossóis .
Os dias foram caracterizados, em média, pelas seguintes condições: cobertura de nuvens =
4/10, WV = 4 cm, e AOT = 0,15. A insolação foi obtida integrando-se no tempo o perfil de
irradiância, desprezando-se a primeira meia hora do dia após o nascer do sol e a última meia
hora antes do pôr-do-sol. Como exemplo de cálculo da insolação máxima se dão as expressões usadas no caso dos meses de janeiro (Expressão 1) e de junho (Expressão 2):
∫ (− 0,00910⋅ W
2
+ 6,93 ⋅ W − 374,0 ⋅ GW = 32 MJ m -2 day -1
∫ (− 0,00822 ⋅ W
2
+ 6,43 ⋅ W − 429,0 ⋅ GW = 21 MJ m -2 day -1
675
60 ⋅
)
(1)
)
(2)
0
636
60 ⋅
0
387
Tabela 1. Valores da insolação PYR diária máxima (MJ m-2 d-1) e valores médios mensais
da precipitação (dados climatológicos) e cobertura de nuvens (ano 2002), em Rio Branco.
Jan
Insolação PYR
32
Precipitação (mm)
289
Cobertura de nuvens 8,0/10
Fev
31
299
8,3/10
Mar
29
250
7,6/10
Abr
28
182
7,4/10
Mai
22
94
6,6/10
Jun
21
32
4,9/10
Jul
22
42
5,2/10
Ago
23
49
5,6/10
Set
25
103
6,4/10
Out
27
154
6,8/10
Nov
28
201
7,0/10
Dez
30
249
8,2/10
Insolação PYR
Precipitação (mm)
Cobertura de nuvens
As medições da irradiância máxima descendente na superfície, ao meio-dia, comparados com os valores da irradiância descendente no topo da atmosfera, mostram o efeito da
absorção e do espalhamento da radiação solar na coluna atmosférica. Isto pode ser visto na
Tabela 2, como uma queda característica da irradiância.
Tabela 2. Irradiância PYR ao meio-dia, em Rio Branco. Valor médio calculado para o
topo da atmosfera e valor médio medido na superfície.
Estação chuvosa
Estação seca
No topo da atmosfera (W m-2)
1400
1100
Na superfície (W m-2)
1200
900
A distribuição dos valores médios diários da insolação PYR foi obtida a partir da integração
numérica dos perfis de irradiância para cada dia (desde o nascer até o pôr-do-sol) determinados mediante os pirômetros. Os resultados se mostram na Tabela 3.
Tabela 3. Insolação PYR, em Rio Branco. Valores médios diários por mês e ano.
Insolação
PYR
(MJ m-2)
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Ano
17
16
15
13
15
16
14
17
18
18
17
20
16
Os dados fornecidos pelo Atlas Solarimétrico do Brasil, no caso de Rio Branco são os
valores de insolação PYR, em MJ m-2 d-1, estimados a partir de medições heliográficas
(Tabela 4). Na Figura 1 se mostram os gráficos correspondentes aos dados das Tabelas 3
e 4. Com isso se faz possível a comparação da insolação a partir das medições heliográficas
e mediante os piranômetros.
Tabela 4. Valores de insolação diária média, em MJ m-2 d-1, para Rio Branco, estimados
a partir de medições heliográficas.
Jan Fev Mar
Villanova,
21,6 21,6 22
1977
Funari,
21,8 21,6 21,6
1983
PROGENSA,
15,3 14,8 16
1993
Abr Mai Jun
Jul Ago Set Out Nov Dez Ano
22 22,7 22,7 20,5 20,5 20,2 20,2 18,4 18,4 21,8
22,1 22,1 23,7 23,7 21,9 21,9 21,6 21,6 21,5 21,5
15
15 14,2 17,3 17,8 16,4 18,3 17,6 15,2 16,1
388
Figura 1. Aparentemente os resultados de Funari (1993) e Villanova (1977),
sobreestimam a insolação, em Rio Branco.
,QVRODomRVHJXQGRHVWLPDWLYDVKHOLRJUiILFDVHPHGLo}HV
SLUDQRPpWULFDVHP5LR%UDQFR$&
,QVRODomR0-P Funari, 1983
Villanova,1977
PYR, presente trabalho
PROGENSA, 1993
-DQ )HY
0DU
$EU
0DL
-XQ
-XO
$JR
6HW
2XW 1RY 'H]
As medições reportadas no presente trabalho se correspondem com as de PROGENSA
(1993), o que significa que os resultados de Funari (1983) e de Villanova (1977) sobreestimam
a insolação, para Rio Branco, entre 20 e 40 %. Assim, os valores de insolação diária média
variam aproximadamente entre 14 e 18 MJ m-2, enquanto os valores para determinados
dias podem estar entre 3 e 28 MJ m-2, devido à maior ou menor absorção e espalhamento
da radiação solar em nuvens, aerossóis e outros componentes da atmosfera, além das
modificações da irradiância motivadas pelo movimento aparente do sol durante o ano.
Aplicações
Entre as aplicações das características da insolação, na região, estão as instalações de
energia solar em comunidades isoladas do Acre (Fonseca et al. 1999 e 2002), que atualmente
abrangem 19 municípios e mais de 250 unidades em funcionamento. O programa
PRODEEM no Acre é uma iniciativa da UFAC, mantido com a sua assistência técnica e
conta com a parceria do Governo do Estado do Acre e ELETRONORTE.
CONCLUSÃO
Os valores de insolação PYR medidos em terra mediante o uso de piranômetros, na
Universidade Federal do Acre, Rio Branco – AC, um sitio da Amazônia Ocidental, poderiam ser considerados para integrar o Atlas Solarimétrico do Brasil. Os valores obtidos são
relativamente mais baixos entre Abril e Julho, média de 14,5 MJ m-2, durante a seca; e mais
altos no restante do ano, período de chuvas, 17 MJ m-2, em média. Os resultados mostrados podem ser aprimorados com a continuidade das observações. Os valores para cada
389
dia têm estado no intervalo entre 3 e 28 MJ m-2. Essa variação deve-se aos efeitos de
absorção e espalhamento em nuvens e aerossóis atmosféricos: a cobertura de nuvens em
Rio Branco pode chegar a ser até de 9/10 durante a época de chuvas; durante a seca a
cobertura de nuvens está em torno de 4/10, por outro lado durante esta época acontecem
todos os anos as queimadas de biomassa florestal na Amazônia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Chigueru, T. (Coordenador). Atlas Solarimétrico do Brasil, Banco de dados terrestres. Ed. Universitária da UFPE, Recife, 2000.
Fonseca Duarte, A.; Alves dos Santos, F. E. Implementação do uso de fontes alternativas de energia em comunidades
rurais no Estado do Acre. VIII CBE, Anais, v.3, p.1431-1438, COPPE/UFRJ, 1999.
Fonseca Duarte, A.; Alves dos Santos, F. E.; Calid, A. Avanços no programa de desenvolvimento energético alternativo
no Estado do Acre. IX CBE, Anais, v.4, p.1742-1747, COPPE/UFRJ, 2002.
Funari, F. L., Insolação, Radiação Solar Global e Radiação Líquida no Brasil, São Paulo. Dissertação de Mestrado do
Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, 1983.
Normais Climatológicas (1961-1990), Departamento Nacional de Meteorologia, Ministério da Agricultura e
Reforma Agrária, Brasília, DF, 1992.
PROGENSA. Valores Medios de Irradiación Solar sobre Suelo Horizontal, Centro de Estudios de la Energía Solar,
Argentina, 1993.
Smirnov, A., Holben, B.N., Eck, T.F., Dubovik, O., Slutsker, I. 2000. Cloud screening and quality control algorithms for
the AERONET database. Rem.Sens.Env. v.73, p.337-349 http://aeronet.gsfc.nasa.gov/PDF/Screening_paper_final.pdf
Trosnikov, I.V; Nobre, C.A. Estimation of aerosol transport from biomass burning areas during the SCAR-B experiment.
Journal of Geophysical Research, v.103 (D24), p.32129-32137, 1998.
Villanova, N. A. e Sallati, E., Radiação Solar no Brasil, Anais do I Simpósio Anual da Academia de Ciências do Estado
de São Paulo, p.27-61, 1977.
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