11 DANIELA DADALTO AMBROZINE MISSAWA O JOGO

Transcrição

11 DANIELA DADALTO AMBROZINE MISSAWA O JOGO
11
DANIELA DADALTO AMBROZINE MISSAWA
O JOGO MANCALA COMO INSTRUMENTO DE AMPLIAÇÃO DA COMPREENSÃO
DAS DIFICULDADES DE ATENÇÃO
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia, sob a orientação da Prof.ª
Drª Claudia Broetto Rossetti.
CAPES
UFES,
Vitória, Junho de 2006
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
O JOGO MANCALA COMO INSTRUMENTO DE AMPLIAÇÃO DA COMPREENSÃO
DAS DIFICULDADES DE ATENÇÃO
Daniela Dadalto Ambrozine Missawa
CAPES
Vitória
2006
O JOGO MANCALA COMO INSTRUMENTO DE AMPLIAÇÃO DA COMPREENSÃO
DAS DIFICULDADES DE ATENÇÃO
DANIELA DADALTO AMBROZINE MISSAWA
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Psicologia.
Aprovada em 17/07/2006, por:
______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Claudia Broetto Rossetti – Orientadora - UFES
______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Thereza Costa Coelho de Souza - USP
______________________________________________________________
Prof. Dr. Sávio Silveira de Queiroz - UFES
AGRADECIMENTOS
À Deus, em primeiro lugar, pois é o Autor da minha vida, que me dá forças para
continuar a caminhar;
À minha mãe, Angelina, pelo esforço e dedicação durante todos esses anos para me
dar condições de poder chegar até aqui;
Aos meus avós pelo exemplo de honestidade, honradez e luta na conquista dos
seus ideais;
À Pedro, meu querido, pelo incentivo, amor, pela presença nos momentos de
fragilidade e por ter participado ativamente na conclusão desse trabalho;
À Marilda e Mere pelas orações e pelo cuidado comigo e com o Pedro;
À Claudia, minha orientadora, pela paciência e dedicação com que orientou os meus
passos até aqui;
À Carol e Miriam pelo apoio na coleta e tabulação dos dados;
À CAPES pelo incentivo financeiro, por meio de bolsa, fornecido no primeiro ano de
participação no PPGP – UFES.
Não há aqui espaço suficiente para falar de todas as pessoas que contribuíram e
ainda contribuem para o meu crescimento pessoal e profissional. Gostaria de deixar
então um agradecimento a todos que fizeram e fazem parte da minha vida e dizer
que serei eternamente grata a todos que um dia importou-se com o meu bem-estar e
com a minha formação enquanto pessoa.
RESUMO
As dificuldades de atenção constituem um tema largamente estudado no decorrer da
História. Essas dificuldades têm recebido denominações como: Transtorno do Déficit
de Atenção/Hiperatividade (TDAH), Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA). Torna-se
relevante a produção de conhecimento acerca dessas dificuldades no campo da
Psicologia, pois grande parte do que foi produzido encontra-se relacionado às bases
biológicas desse fenômeno. É importante analisar o papel dos jogos de regras como
recursos que auxiliem na avaliação e intervenção dessas dificuldades. O objetivo
deste trabalho é pesquisar a possibilidade de utilização de um jogo de regras como
instrumento de observação dessas dificuldades, por meio do estudo comparativo do
desempenho no jogo Mancala de crianças com e sem dificuldades de atenção.
Participaram desse estudo quatro crianças, entre nove e 11 anos (três meninos e
uma menina), três crianças estavam cursando a 4ª série e uma a 3ª série do Ensino
Fundamental à época em que ocorreu a pesquisa. A escolha foi realizada por
indicação de uma das professoras das crianças, sem determinação de gênero.
Foram aplicadas: Escala de TDAH – versão para professores e Tabela de
Diagnóstico de TDAH- versão para pais. Foram escolhidos nomes fictícios para os
participantes e estes foram divididos em dois grupos: Grupo A (André e Antônio) –
apresentavam traços de dificuldade de atenção, e não estavam tomando
medicamento específico e Grupo B (Beatriz e Bruno) – não apresentavam traços
dessa dificuldade. O jogo Mancala foi utilizado como instrumento para coleta dos
dados. Estes foram coletados por meio de dez oficinas (50 partidas) que ocorreram
na escola. Cada sujeito jogou 20 partidas (5 partidas por oficina). Após as oficinas
quatro situações-problema foram apresentadas para cada criança separadamente.
Os dados obtidos foram assim analisados: desempenho no decorrer das oficinas
(vitórias) e condutas de desatenção às regras do jogo. Considerou-se conduta de
desatenção: a) não jogar novamente quando a última semente da distribuição caía
no oásis (CDT -1) e b) não capturar as sementes do jogador adversário quando a
última semente da distribuição caía em uma cavidade vazia (CDT - 2). Essas
condutas são prejudiciais para que o objetivo do jogo (armazenar o maior número de
sementes no oásis) seja atingido. Os resultados obtidos apontam para o fato de que
há um prejuízo quanto ao desempenho nas partidas dos sujeitos do Grupo B quando
comparados aos sujeitos do Grupo A, contrariando a hipótese inicial. Com relação
às CDT-1 e CDT-2 as crianças do Grupo A (com dificuldades de atenção)
apresentaram um número maior das mesmas quando comparadas às crianças do
Grupo B (sem dificuldades de atenção). Em seguida os dados foram confrontados
com alguns aspectos da teoria de Piaget, com a questão dos processos de
equilibração e a função do erro. Os resultados encontrados permitem a ampliação
das discussões acerca do TDAH e a relativização das limitações que as crianças
com tais traços possuem.
Palavras-chave: Dificuldade de atenção, TDAH, jogos de regras, Mancala, infância,
Piaget
ABSTRACT
The difficulties to focus attention are a theme greatly studied along history. These
difficulties have been named: Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD),
Attention Deficit Disorder (ADD). It is relevant to generate knowledge about these
difficulties in the Psychology field because great part of the studies is related to the
biological facts of this phenomenon. It is relevant to analyze the role of rule games as
a resource to help the evaluation and interference of theses difficulties. The objective
of this work is to research the possibility of the use of a rule game as an observation
instrument through a comparative study of the performance of children with or
without attention disorder, in the Mancala board game. Four children, raging from
nine to eleven years old, took part in the study (three boys and one girl). Three
children were in the 4th and one in the 3rd grade of elementary school when the
research took place. The choice was made by one of the class teacher regardless of
gender. It was applied in the scale of ADHD – version for teachers and Table for
diagnoses of ADD- version for parents. Ficticious names were choosed to the
participants and they were split into two groups: Group A - André and Antônio who
showed some signs of attention deficit, but not taking specific medication and Group
B- Beatriz and Bruno who didn’t show any sign of deficit. The game Mancala used as
an instrument to collect data which were gathered through 10 workshops (50
matches) and took place at the children’s own school. Each individual played 20
matches (five in each workshop). After the workshops four problem-situations were
presented for each child separately. The data collected were analyzed: the
performance along the workshop (winning) and lack of attention behavior to the rules
of the game. The following were considered non-attention behavior: a) not playing
again when the last seed of the distribution falls on the oasis (NAB-1), and b) not
capturing the seed of the opponent when the last seed of the distribution falls in the
in an empty hole (CDT-2). These behaviors are harmful for the goal of the game
(gather the greatest number of seed in the oasis) is achieved. The results gained
points to the fact that there is a loss concerning the performance of the individuals of
Group B when compared the performance of the individuals of Group A, going
against the initial hypotheses. In relation to CDT-1 and CDT-2 the children from
Group A(with deficit of attention) have shown a greater number compared to the
children from Group B (without deficit of attention). Than the data was checked
against some aspects of Piaget’s Theory concerning the process of balancing and
the function of the error. The results found allow broader discussing about ADHA and
related limitation the children, with these traces, have.
Key-words: Deficit of attention, ADHD, rule games, Mancala, childhood, Piaget.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Número total de vitórias, derrotas e empates por participante ................60
Gráfico 2 - Desempenho do participante André (Grupo A) com relação à
experimentadora e aos demais participantes. ...........................................................62
Gráfico 3 - Desempenho do participante Antônio (Grupo A) com relação à
experimentadora e aos demais participantes. ...........................................................63
Gráfico 4 - Desempenho do participante Bruno (Grupo B) com relação à
experimentadora e aos demais participantes. ...........................................................65
Gráfico 5 - Desempenho da participante Beatriz (Grupo B) com relação à
experimentadora e aos demais participantes. ...........................................................67
Gráfico 6 - Vitórias, derrotas e empates dos Grupos A e B.......................................69
Gráfico 7 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por participante .....................71
Gráfico 8 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por grupo. .............................74
Gráfico 9 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por participante. ....................75
Gráfico 10 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por grupo. ...........................77
Gráfico 11 – Número de questões corretas e incorretas por sujeito..........................81
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/
Hiperatividade (TDAH) ..............................................................................................23
Quadro 2 - História de Pedro – Forma de Explicação do TDAH para Crianças .......26
Quadro 3 - Resumo do Desenvolvimento Cognitivo e Afetivo......Erro! Indicador não
definido.
Quadro 4 - Divisão dos Participantes por Grupos .....................................................51
Quadro 5 - Percentis de cada participante na escala de TDAH – Versão para
Professores ...............................................................................................................55
Quadro 6 - Etapas da Coleta de Dados ....................................................................56
Quadro 7 - Número total de vitórias, derrotas e empates por participante ................59
Quadro 8 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por participante....................72
Quadro 9 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por grupo. ............................73
Quadro 10 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por participante. .................75
Quadro 11 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por grupo. ..........................76
Quadro 12 - Questões corretas e incorretas de cada indivíduo nas situaçõesproblema ...................................................................................................................79
Quadro 13 – Número de questões corretas e incorretas por sujeitos nas situaçõesproblema ...................................................................................................................80
Quadro 14 - Situação-problema I ..............................................................................81
Quadro 15 - Situação-problema II .............................................................................82
Quadro 16 - Situação-problema III ............................................................................83
Quadro 17 - Situação-problema IV............................................................................85
Quadro 18 – Número de questões corretas e incorretas dos grupos A e B ..............87
LISTA DE SIGLAS
TDAH – Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade
DDA – Distúrbio do Déficit de Atenção
CID-10 - Classificação Internacional de Doenças
DSM-IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais
CDT-1 – Conduta de Desatenção Tipo 1
CDT-2 – Conduta de Desatenção Tipo 2
FG – Freqüência Geral
SUMÁRIO
1.
APRESENTAÇÃO .............................................................................................12
2.
O CONCEITO DE ATENÇÃO............................................................................15
3.
DIFICULDADES DE ATENÇÃO NO CONTEXTO ATUAL................................18
3.1. CARACTERIZAÇÃO E DIAGNÓSTICO DO TDAH............................................20
3.2. ALTERNATIVAS TRADICIONAIS PARA O TRATAMENTO DE CRIANÇAS
COM TDAH ...............................................................................................................27
3.3. O TDAH E A SOCIEDADE.................................................................................30
4.
TEORIA PIAGETIANA, COGNIÇÃO E JOGOS DE REGRAS..........................33
4.1. CONCEITOS BÁSICOS PARA ENTENDER PIAGET .......................................33
4.2. O LÚDICO E O DESENVOLVIMENTO NA TEORIA PIAGETIANA ...................41
4.3. O JOGO MANCALA, A ATENÇÃO E A CONCENTRAÇÃO ..............................44
5.
POSIÇÃO DO PROBLEMA...............................................................................48
5.1. OBJETIVO GERAL ............................................................................................48
5.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ..............................................................................48
6.
MÉTODO ...........................................................................................................50
6.1.
6.2.
6.3.
6.4.
PARTICIPANTES...............................................................................................50
INSTRUMENTOS ..............................................................................................51
PROCEDIMENTOS ...........................................................................................53
AVALIAÇÃO ÉTICA DE RISCOS E BENEFÍCIOS.............................................57
7.
RESULTADOS E DISCUSSÃO.........................................................................58
7.1. ANÁLISE DO DESEMPENHO E DAS ESTRATÉGIAS NO DECORRER DAS
PARTIDAS ................................................................................................................59
7.1.1. Desempenho do Participante André.........................................................61
7.1.2. Desempenho do Participante Antônio (Grupo A)......................................63
7.1.3. Desempenho do Participante Bruno (Grupo B) ........................................65
7.1.4. Desempenho da Participante Beatriz (Grupo B).......................................66
7.1.5. Desempenho dos Grupos A e B ...............................................................68
7.2. ANÁLISE DAS CONDUTAS DE DESATENÇÃO ...............................................70
7.3. ANÁLISE DA RESOLUÇÃO DAS SITUAÇÕES-PROBLEMA............................78
8.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................89
9.
REFERÊNCIAS .................................................................................................93
APÊNDICE I – Quadro de Características do TDAH para Entrevista com os Pais
...........................................................................................................................97
APÊNDICE II - Protocolo de instrução padrão para apresentação do jogo
Mancala aos participantes da pesquisa ................................................................98
APÊNDICE III – Protocolo de Registro de Jogadas por Partida ........................100
APÊNDICE IV: Respostas dadas pelos participantes às Situações-problema
propostas ...............................................................................................................101
APÊNDICE V – Modelo de Termo de Consentimento dos Participantes da
Pesquisa.................................................................................................................105
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1. APRESENTAÇÃO
As dificuldades de atenção têm sido estudadas e compreendidas de diversas formas
no decorrer dos períodos históricos. Na atualidade, essas dificuldades têm recebido
algumas
denominações
específicas
como
Transtorno
do
Déficit
de
Atenção/Hiperatividade (TDAH), Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA), entre outras.
As bases biológicas de tais transtornos e distúrbios têm sido largamente
pesquisadas, principalmente no campo da Medicina. Por outro lado, torna-se
relevante a produção de conhecimento e estratégias de intervenção que contribuam
para a ampliação dos estudos acerca de tais dificuldades também no campo da
Psicologia.
Os jogos de regras têm recebido especial atenção no que diz respeito a uma
possível contribuição para o desenvolvimento infantil saudável. A utilização de tais
jogos em diversos contextos (escolar, doméstico, etc) tem sido bastante estudada
pelos pesquisadores dessa área.
O interesse em aliar o estudo das dificuldades de atenção aos jogos de regras
adveio de uma experiência anterior com o TDAH. A participação, por um período de
tempo, como auxiliar em uma pesquisa que utilizava medicamentos para observar a
resposta dos pacientes diagnosticados como possuidores de TDAH suscitou
diversos questionamentos, tais como: os medicamentos são a única alternativa para
o tratamento do TDAH? Será que o TDAH é um transtorno apenas biológico ou é
também uma produção social? Que outras alternativas podem ser construídas para
a avaliação e o tratamento do mesmo?
Essa experiência com o estudo do TDAH produziu inquietações e incertezas. Dessa
forma, surgiu a necessidade em contribuir para a ampliação dos estudos acerca das
dificuldades de atenção, principalmente em crianças. A identificação e familiaridade
com o estudo dos jogos, especialmente os jogos de regras, foi a motivação para
analisar o papel dos mesmos como instrumentos alternativos e potencializadores na
construção dessa visão ampliada.
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Pode-se observar, a partir de programas veiculados pela mídia, que há a
necessidade em compreender de uma forma mais consistente o que vem a ser o
TDAH para evitar um “diagnóstico em massa”. Os transtornos de atenção são muito
complexos visto que muitas variáveis contribuem para que a criança ou o adulto seja
diagnosticado como possuidora de tais características comportamentais e, além
disso, algumas dessas características podem ser apresentadas, por um período de
tempo determinado, devido a outros problemas enfrentados pela criança ou pelo
adulto.
O TDAH tem sido estudado e discutido largamente, visto que é um dos grandes
problemas enfrentados por professores e pedagogos. O desconhecimento de tal
fenômeno faz com que o número de crianças diagnosticadas “informalmente” como
possuidoras de tal transtorno cresça consideravelmente. É importante ressaltar
ainda a dificuldade encontrada pelos profissionais da educação em lidar com essas
crianças em sala de aula e no convívio com os colegas, pois as escolas, geralmente,
não podem contar com a estrutura transdisciplinar necessária para trabalhar com
essas crianças.
A introdução do presente trabalho é composta por três capítulos onde são
apresentados os resultados das pesquisas acerca dos autores e das teorias que
trabalham a questão das dificuldades de atenção. São eles: O conceito de atenção,
Dificuldades de atenção no contexto atual e Teoria Piagetiana, Cognição e Jogos de
Regras onde serão discutidas questões acerca da importância e utilização dos
jogos, especialmente os jogos de regras, para o desenvolvimento infantil.
O capítulo acerca do conceito de atenção tem o intuito de esclarecer os mecanismos
da atenção para assim contribuir na ampliação da compreensão da mesma. O
objetivo deste capítulo será o de apresentar como esse conceito tem sido estudado
por diversos autores da Psicologia e da Filosofia.
Em Dificuldades de atenção no contexto atual são apresentadas, as caracterizações
e as diagnósticas do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), as
alternativas que têm sido utilizadas no tratamento do mesmo e a relação entre o
TDAH e a sociedade.
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No capítulo acerca da teoria Piagetiana e as dificuldades de aprendizagem foram
explicitados os conceitos básicos para entender a teoria de Piaget, especialmente a
questão do erro e a análise dos processos cognitivos. Há ainda a descrição do Jogo
Mancala que foi o jogo escolhido como principal instrumento para coleta dos dados.
Nos capítulos seguintes a presente pesquisa será apresentada de forma detalhada,
tanto em seus aspectos metodológicos, quanto em relação aos resultados obtidos,
bem como a discussão desses.
Espera-se que esse estudo contribua para que novas alternativas de avaliação das
dificuldades de atenção sejam construídas, a fim de que uma análise mais complexa
desse fenômeno possa ser realizada pelos profissionais que trabalham com tais
dificuldades e por aqueles que desejam ampliar conhecimento acerca do mesmo.
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2. O CONCEITO DE ATENÇÃO
O fenômeno da atenção é algo complexo no qual muitas variáveis estão envolvidas.
De acordo com Hallowell e Ratey (1999):
O sistema atencional envolve quase todas as estruturas do cérebro, de uma
forma ou de outra. Ele governa nossa consciência, nossa experiência na
vigília, nossas ações e reações. É o meio pelo qual interagimos com nosso
ambiente, seja esse ambiente composto de problemas de matemática, de
outras pessoas ou das montanhas nas quais estamos esquiando
(HALLOWELL E RATEY,1999, p.318).
Dessa forma, podemos compreender a importância desse fenômeno, visto que é por
meio dele que nos relacionamos com o mundo em redor. A realidade está subjugada
à forma como a percebemos e a percepção possui uma íntima relação com o
fenômeno atencional, pois percebemos as pessoas ou acontecimentos que nos
interessam, ou seja, que “prendem” a nossa atenção. Cada pessoa direciona a sua
atenção de forma particular de acordo com suas crenças, valores, cultura.
Uma infinidade de estímulos está presente em um mesmo ambiente e, portanto, é
necessário que os classifiquemos de acordo com nossos interesses e prioridades. A
característica de seletividade da atenção torna possível esse processo fazendo com
que consigamos elaborar um sistema lógico e coerente de atuação no mundo.
De acordo com Machado (1993, p.198),
Sabe-se que o sistema nervoso é, até certo ponto, capaz de selecionar as
informações sensoriais que lhe chegam, eliminando ou diminuindo algumas
e concentrando-se em outras, o que configura um fenômeno de atenção
seletiva (grifo do autor). (…) Isto se faz por um mecanismo ativo,
envolvendo fibras eferentes ou centrífugas capazes de modular a passagem
dos impulsos nervosos nas vias aferentes específicas.
William James (1842-1910), psicólogo americano, “(…) influiu amplamente sobre a
psicologia, em especial como observador da vida mental e como inspiração para
outros” (DAVIDOFF, 2001, p.11), pois
Sua psicologia mais prática tentava captar o “temperamento” da mente em
funcionamento. Ao caracterizar a consciência, usava frases como “pessoal
e única”, “em mudança contínua” e “modificando-se ao longo do tempo”.
Acima de tudo, achava notável como a consciência e outros processos
mentais ajudam as pessoas a se ajustar a suas experiências.
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Dentre os processos mentais estudados por James em seu compêndio The
Principles of Psychology (1952), está a atenção. Os itens para os quais a atenção é
direcionada são os responsáveis por modelarem a mente. Sem o interesse seletivo a
consciência seria um “caos”, algo indiscriminado e, portanto, impossível à
compreensão (JAMES, 1952).
De acordo com Davidoff (2001) alguns fatores exercem uma importante influência no
processo de atração da nossa atenção, tais como: dados novos, inesperados,
intensos ou mutantes, assim como necessidades, interesses e valores individuais.
Em um mesmo ambiente duas pessoas podem dirigir a sua atenção para estímulos
diversos, mesmo que estes estejam ocorrendo de forma simultânea. De fato, “O que
chama a atenção? Pessoas e outros animais geralmente voltam a atenção mais ao
ambiente externo do que ao interno. Além disso, focalizamos as informações mais
significativas (…)” (YARBUS, citado por DAVIDOFF, 2001, p.144).
Dessa forma,
A atenção depende de outras variáveis como a motivação, a hiperatividade,
a impulsividade, o biorritmo preferencial, a presença de estímulos
simultâneos, a função intraneurossensorial da figura-fundo e centroperiférica, a complexidade da tarefa, a sequencialização das operações em
causa, a observância de condições que ocorreram antes e durante as
situações, o tipo de reforço em causa, o nível da experiência anterior, o
estado emocional do momento, etc (FONSECA, 1995, p. 254).
É interessante observar a relação figura-fundo, segundo a Gestalt. Figura é tudo
aquilo que está no foco da atenção em um determinado momento. Fundo é tudo que
está ao redor da figura, o que pode ser chamado de plano de fundo ou plano
secundário. Aquilo que é figura em um determinado momento pode se tornar fundo
em outro, ou seja, a relação entre figura e fundo é dinâmica e mutável segundo as
modificações pelas quais passamos sejam elas temporárias ou permanentes
(BOCK, FURTADO E TEIXEIRA, 2001).
Na sociedade atual existe uma infinidade de estímulos sendo apresentados de forma
simultânea. A necessidade de absorver o maior número possível da informação é a
máxima do nosso cotidiano. As pessoas precisam trabalhar, assistir aos telejornais,
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ler os jornais e revistas impressos e saber o que acontece em sua comunidade ao
mesmo tempo para permanecerem no “fluxo social” e não estarem à “margem da
civilização”.
Em nossa sociedade,
A ocorrência de muitos estímulos, como acontece em muitas salas de aula
– permanente barulho exterior, proximidade de recreios e ruas agitadas,
várias classes a funcionar ao mesmo tempo, quadro repleto de informação
visual mal-estruturada espacialmente, salas carregadas de estímulos nas
paredes, ausência de rotinas etc. – tendem a desorganizar a criança. Em
muitos casos, é necessário minimizar os estímulos competitivos e
irrelevantes (FONSECA, 1995, p. 254).
Essa infinidade de estímulos dificulta o processo de concentração da atenção em
algum estímulo, especialmente para as crianças, pois começam a descobrir um
mundo novo cheio de possibilidades, de novas descobertas. As crianças são
impelidas a buscar e descobrir tudo aquilo que para o adulto já não é mais novidade.
Segundo James (1952), nós conseguimos prestar atenção nas coisas que são de
nosso interesse. Segundo o autor a atenção pode ser dividida em vários tipos:
atenção sensorial (objetos dos sentidos); atenção intelectual (representação de
idéias ou objetos); atenção imediata (quando o estímulo é interessante a priori, ou
seja, não precisa ter relação com outra coisa qualquer); atenção derivada ou
“aperceptível” (quando o estímulo se torna interessante ao estar associado à outra
coisa imediatamente interessante); atenção passiva, reflexiva, não-voluntária, sem
esforço e por último, atenção ativa e voluntária. Portanto, enquanto estamos em
estado de vigília a nossa atenção está sendo utilizada por nós para nos
relacionarmos e agirmos diante dos estímulos que chegam até nós.
18
3. DIFICULDADES DE ATENÇÃO NO CONTEXTO ATUAL
No contexto atual as dificuldades de atenção têm sido abordadas de maneira
bastante peculiar quando vêm associadas a outras características, tais como a
impulsividade e a hiperatividade. A associação dessas três características tem sido
denominada, por médicos e estudiosos, como constituinte do Transtorno de Déficit
de Atenção/Hiperatividade (TDAH). O estudo deste tem sido feito de forma
sistemática, principalmente no campo da medicina, pois busca-se, prioritariamente,
explicações biológicas para a compreensão de tal fenômeno.
Na sociedade pós-moderna há um aumento expressivo do número de crianças que
estão sendo diagnosticadas como possuidoras das características do TDAH, e,
dessa forma, faz-se necessário entender a complexidade do mesmo para além de
uma explicação biológica de causa-efeito. Desse modo, torna-se imprescindível a
ampliação dos estudos acerca do TDAH no campo da Psicologia.
A nomenclatura do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade vêm sendo
modificadas desde meados do século XIX. A primeira referência foi feita com a
denominação de Transtornos Hipercinéticos. A partir daí surgiram outras
denominações como “lesão cerebral mínima” (década de 40) e “disfunção cerebral
mínima” (1962). No entanto, as características dessa síndrome foram relacionadas
menos a lesões cerebrais do que a disfunções em vias nervosas (ROHDE ET AL,
2000).
No entanto, os estudos realizados nos anos 70 contribuíram de forma significativa
para uma nova visão acerca do déficit de atenção (COES, 1999):
(...) os problemas de atenção passaram a ser vistos como déficits de
habilidade de manutenção da atenção, de habilidades de execução tais
como o manejo eficiente do tempo e a organização, e de habilidades de
auto-regulação do comportamento (COES, 1999, p.65).
Dessa forma, os modernos sistemas classificatórios utilizados em Psiquiatria, como
a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e o Manual de Diagnóstico e
Estatística das Doenças Mentais (DSM-IV), apresentam as seguintes nomenclaturas
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para a síndrome: Transtornos Hipercinéticos e Transtorno de Déficit de
Atenção/Hiperatividade (TDAH), respectivamente. Apesar de utilizarem-se de
nomenclaturas diferenciadas existem muitas similaridades no que diz respeito às
diretrizes diagnósticas (ROHDE ET AL, 2000).
De acordo com Cantwell e Copeland, citados por Coes (1999), houve uma variação
significativa das explicações acerca da natureza e etiologia do problema. “No
entanto, a personagem Fidgety Phil (Phil agitado), de contos infantis, criado pelo
médico alemão Heinrich Hoffman, em 1848, é citado na literatura como exemplo de
preocupação e familiaridade dos estudiosos da época com o problema (COES,
1999, p. 63).
Figura 1 - Fidgety Phil
Fonte: www.mynaleagues.com
Segundo Coes (1999) o médico inglês George Still foi um dos primeiros a conceituar
o déficit de atenção e de hiperatividade. O termo a que se referiu foi “déficit de
controle moral” para caracterizar um grupo de crianças que apresentavam
comportamentos de agressividade, de oposição e dificuldades de auto-controle.
Para o médico “(...) tais comportamentos seriam resultantes de fatores biológicos
herdados ou provocados por lesões, pré, peri ou pós-natais no sistema nervoso
central” (COES, 1999, p.64).
O TDAH recebe uma variedade de nomenclaturas de acordo com o manual adotado.
No caso dessa pesquisa adotaremos os critérios utilizados pelo DSM-IV para
caracterização desse transtorno, bem como os critérios que esse manual relaciona
para o diagnóstico do mesmo. No entanto, em alguns momentos será necessária a
alusão a nomenclaturas distintas da que o DSM-IV estabelece. Portanto, termos
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como DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção), Hiperatividade e TDAH serão utilizados
como sinônimos.
3.1.
CARACTERIZAÇÃO E DIAGNÓSTICO DO TDAH
O Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade é um fenômeno complexo e de
difícil diagnóstico. Para identificá-lo faz-se necessário uma avaliação minuciosa, pois
os sintomas do TDAH podem ser decorrentes de comorbidades associadas ao
mesmo ou até mesmo de outra síndrome.
O diagnóstico da hiperatividade não pode ser baseado em estudos superficiais e
fatos isolados encontrados no decorrer do estudo do caso da criança, visto que os
sintomas atribuídos ao TDAH podem estar associados a problemas emocionais e de
ajustamento social. Dessa forma, encontra-se freqüentemente na literatura o TDAH
como um quadro diagnóstico complexo, de início precoce e evolução crônica
(GOLDSTEIN E GOLDSTEIN, 2003).
Segundo Coes (1999) as pesquisas acerca da natureza neurobiológica do Déficit de
Atenção apontam para diversos fatores causais desse distúrbio, tais como: presença
de excesso de chumbo no sangue, fatores perinatais, alterações metabólicas (como
distúrbios da tireóide), entre outros. Entretanto, a variabilidade das condições
associadas ao Déficit de Atenção indica que não há uma causa única, mas que o
mesmo se dá na interação de diversos fatores biológicos e psicossociais.
De acordo com Goldstein e Goldstein (2003) um número grande de causas é
associado ao aparecimento da hiperatividade. Medicamentos, lesões cerebrais,
epilepsia, envenenamento por chumbo, hereditariedade são alguns exemplos de
situações produtoras do transtorno. Apesar da origem e desenvolvimento do TDAH
ainda serem um pouco obscuras, os autores acima citados consideram a
hereditariedade como a causa mais freqüente da hiperatividade.
Muitos estudos acerca do TDAH buscam encontrar causas biológicas para
explicação do mesmo, no entanto, ainda não foi possível comprovar tal afirmação
21
visto que os estudos demonstram cada vez mais a complexidade de tal fenômeno
(ANTONY E RIBEIRO, 2004).
As crianças diagnosticadas como hiperativas geralmente possuem problemas de
socialização, visto que as características comportamentais desse transtorno
concorrem para que tais dificuldades surjam (SILVA, 2003). A criança que apresenta
dificuldades na área da atenção, um dos sintomas componentes da tríade e foco do
presente trabalho, poderá desenvolver problemas nos relacionamentos com amigos
e parentes, principalmente se estes não souberem lidar e ajudá-la a conviver e a
vencer tais obstáculos.
Sob a égide de uma sociedade aberta às diferenças e sem preconceitos esconde-se
uma sociedade em que elas são aceitas desde que você não tenha que conviver
com elas. As crianças que estão fora daquilo que é estabelecido como norma são
rotuladas, limitadas em suas capacidades e vistas como inferiores com relação
àquelas que atendem tal padrão. Questionamentos como “Quem dita tais padrões?
Quem escreveu tais normas?” são imprescindíveis para que os obstáculos que são
colocados à frente das crianças que não atendem ao “perfil desejado” pela
sociedade possam ser transpostos e permitam a construção de uma sociedade em
que o ser humano em sua totalidade seja valorado e não apenas aos seus defeitos e
faltas.
Vivemos em uma sociedade em que é necessário TER para ser participante da
mesma. No entanto, esse TER é restrito àquilo que se considera digno de ser
possuído. Aqueles que possuem “itens fora dessa lista” são colocados à margem da
mesma maneira que aqueles que não possuem tais itens. Por isso, quando uma
criança apresenta dificuldade de atenção ela TEM algo que é inaceitável e que irá
camuflar e relegar a segundo plano todas as características positivas que possua.
Dessa forma, o nosso esforço deve ser direcionado para que o ser humano possa
ser visto enquanto uma pessoa total e indivisível e não seja reduzido a um portador
de doenças e incapacidades. É necessário iniciar um movimento contrário em que o
SER seja colocado no plano principal e definidor de alguém.
22
De acordo com o DSM-IV há três sintomas que podemos considerar como
característicos do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade: impulsividade,
desatenção e hiperatividade. Estes não estão presentes com a mesma intensidade
nos casos de TDAH. O DSM-IV subdivide essa síndrome em três tipos: 1. TDAH
com predomínio de sintomas de desatenção; 2. TDAH com predomínio de sintomas
de hiperatividade/impulsividade e 3. TDAH com os três sintomas combinados (DSM
IV, 2000).
O Quadro 1 apresenta a sintomatologia bem como os critérios diagnósticos do
Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH) de acordo com o DSM-IVTR (2002).
A. Ou (1) ou (2)
(1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram pelo período mínimo de 6
meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
Desatenção:
(a) freqüentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por omissão em atividades
escolares, de trabalho ou outras
(b) com freqüência tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas
(c) com freqüência parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra
(d) com freqüência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas
domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de
compreender instruções)
(e) com freqüência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades
(f) com freqüência evita, demonstra ojeriza ou reluta em envolver-se em tarefas que exijam esforço
mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa)
(g) com freqüência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (p. ex., brinquedos, tarefas
escolares, lápis, livros ou outros materiais)
(h) é facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa
(i) com freqüência apresenta esquecimento em atividades diárias
(2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram pelo período mínimo de 6
meses, em ¬grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
Hiperatividade:
(a) freqüentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira
(b) freqüentemente abandona sua cadeira na sala de aula ou outras situações nas quais se espera
que permaneça sentado
(c) freqüentemente corre ou escala em demasia, em situações impróprias (em adolescentes e
adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação)
(d) com freqüência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de
lazer
(e) está freqüentemente "a mil" ou muitas vezes age como se estivesse "a todo vapor”
(f) freqüentemente fala em demasia
Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (continuação)
lmpulsividade:
(g) freqüentemente dá respostas precipitadas antes que as perguntas terem sido completamente
formuladas
(h) com freqüência tem dificuldade para aguardar sua vez
(i) freqüentemente interrompe ou se intromete em assuntos alheios (p. ex., em conversas ou
23
brincadeiras)
B. Alguns sintomas de hiperatividade-impulsividade ou desatenção causadores de comprometimento
estavam presentes antes dos 7 anos de idade.
C. Algum comprometimento causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (p.
ex., na escola [ou trabalho] e em casa).
D. Deve haver claras evidências de um comprometimento clinicamente importante no funcionamento
social, acadêmico ou ocupacional.
E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um Transtorno Global do
Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico, nem são melhor explicados por outro
transtorno mental (p. ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo
ou Transtorno da Personalidade).
Quadro 1 - Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade
(TDAH)
Fonte: DSM-IV-TR, 2002, pp.118 e 119
Complementando a caracterização do TDAH, Silva (2003) afirma que a alteração da
atenção é considerada o sintoma mais importante para o entendimento do DDA visto
que é condição essencial para que o diagnóstico possa ser realizado. “Uma pessoa
com comportamento DDA pode ou não apresentar hiperatividade física, mas jamais
deixará de apresentar forte tendência à dispersão” (SILVA, 2003, p.20).
O mesmo autor ressalta que a impulsividade “(...) tem um significado próprio: 1) ação
de impelir; 2) força com que se impele; 3) estímulo, abalo; 4) ímpeto, impulsão”
(SILVA, 2003, p.23). Essas definições são importantes para descrever o
comportamento da criança com DDA. Esta poderá ter reações emocionais
desproporcionais frente às situações cotidianas (SILVA, 2003).
Ainda segundo Silva (2003) a hiperatividade poderá apresentar-se na forma física e
mental. A hiperatividade física pode ser facilmente identificada: a criança se mostra
agitada, não consegue ficar quieta e, por isso, move-se constantemente em casa, na
sala de aula e em outros ambientes que freqüenta. A hiperatividade mental
apresenta-se de forma mais sutil do que a física (SILVA, 2003). “Ela pode ser
entendida como um “chiado” cerebral, tal qual o motor de um automóvel desregulado
que acaba por provocar um desgaste bastante acentuado” (SILVA, 2003, p.27). De
acordo com o mesmo autor, essa agitação psíquica é muitas vezes responsável pela
dificuldade
que
muitas
pessoas
diagnosticadas
como
possuidoras
das
24
características do DDA apresentam em suas relações sociais, principalmente no que
diz respeito a fazer amigos e conservá-los. “O “chiado” de seus cérebros muitas
vezes os impede de interpretar corretamente as “deixas” sociais que são tão
necessárias no estabelecimento e na manutenção das relações humanas” (SILVA,
2003, p.27).
De acordo com Antony e Ribeiro (2004, p.127) o Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade “caracteriza-se por distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e
comportamentais, expressando dificuldades globais do desenvolvimento infantil”.
Pois,
(...) o que fala é o sujeito através do seu corpo, das variações tônicomotoras, do movimento, dos gestos e do esquema corporal que são
representantes de uma organização psíquica. Este é o desafio que nos
lança a criança hiperativa com o seu corpo em contínuo movimento”
(ANTONY E RIBEIRO, 2004, p. 129).
É importante ressaltar que o TDAH é um fenômeno complexo produzido na
interação de diversos fatores biológicos e psicossociais. Essa diversidade também é
encontrada no que diz respeito aos sintomas do transtorno. Portanto, o foco do
presente trabalho é a questão específica do Déficit de Atenção que é um dos três
principais sintomas descritos pelo DSM-IV.
Em alguns casos os sintomas do TDAH não são evidentes em um contato
superficial. Apenas quando há um contato mais profundo esses podem ser
identificados. “Em geral, estes indivíduos têm muitas outras habilidades e uma
capacidade intelectual que permite “driblar” o TDAH na maioria das situações”
(MATTOS, 2005, p. 31).
O TDAH não traz 100% de características negativas, por exemplo,
(...) muitos portadores de TDAH são vistos como intuitivos, com razoável
senso de humor e, talvez, criatividade. Imaginam diferentes projetos,
conseguem ver ângulos diferentes dos usuais. Muitos são pessoas com
sucesso social e profissional, apesar dos sintomas. Podem ser agradáveis
no convívio (ao menos num convívio social) e ter muitas idéias divertidas
(MATTOS, 2005, p.31).
25
Entretanto, as características negativas, como não levar as coisas até o final ou não
conseguir administrar os projetos em longo prazo, estarão presentes “atrapalhando”
a criança ou adulto com TDAH a colocar em prática as idéias e projetos imaginados
(MATTOS, 2005). Dessa forma é necessário que a pessoa diagnostica como
hiperativa encontre estratégias para “burlar” essas dificuldades e, assim, conseguir
adaptar-se satisfatoriamente ao convívio social.
De acordo com Antony e Ribeiro (2004, p.127) “a Gestalt-Terapia é uma abordagem
fenomenológico-existencial com uma visão holística de doença. Compreende o
adoecer como resultante de uma desarmonia relacional entre pessoa e ambiente
que formam uma unidade dialética e indivisível”.
Apesar de o presente estudo não estar fundamentado na Gestalt-Terapia o
entendimento acerca do conceito de doença é compartilhado com essa área de
estudo, visto que a busca que empreendemos é pela ampliação do entendimento do
TDAH e, principalmente a quebra das estereotipias que circundam tal fenômeno.
Tomando por base uma visão holística da hiperatividade entendemo-na aqui como
fruto do contexto social, político, econômico e cultural no qual estamos inseridos e
não como resultado de uma causa única e unilateral seja ela social, política,
econômica, cultural ou genética.
Existe ainda uma grande dificuldade que é explicar para a criança diagnosticada
como possuidora das características do TDAH, o que significa e como isso afetará
em sua vida. Rohde e Benczik (1999) no livro intitulado “Transtorno de Déficit de
Atenção Hiperatividade – O que é? Com ajudar?” descrevem “A história de Pedro”
como uma forma para explicar o TDAH á criança. Um fragmento desta história será
transcrito quadro a seguir:
Meu nome é Pedro e vou contar a minha história para você.
Quase nunca me sinto cansado... O mundo é muito grande e tem muita coisa para descobrir, mas
tenho que ir para a escola. Lá tenho que fazer coisas que, às vezes, não estou nem um pouco a fim.
Prefiro brincar no pátio ou na quadra.
Ninguém acredita, mas bem que eu quero e tento fazer as lições bem caprichadas, mas acontece
tanta coisa... De repente meu amigo conversa comigo, ou um carro buzina lá fora, ou até se eu
escuto alguém conversar, um lápis caindo no chão, eu me distraio e me perco. Quando olho de novo
para a lousa, demoro para achar onde parei, confundo tudo, e aí, todos já acabaram a tarefa, só eu
que não. Fico muito chateado... De novo não consegui.
26
A professora sempre fala: - Pedro, você já terminou sua lição? Eu preciso apagar a lousa!
Quase nunca presto atenção ao que minha professora diz, nem às lições. A professora sempre pede
que eu seja mais organizado com o meu material e mais caprichoso com as lições.
Na verdade, concordo que me mexo muito, levanto da cadeira a toda hora, faço barulho com o lápis
e às vezes até com a boca (uns barulhos que só eu sei fazer), falo muito e atrapalho a professora.
São dois grandes problemas: eu faço malfeito, pois quero acabar muito depressa, ou então quero
fazer tudo muito bem-feito e terminar tudo, mas... não consigo! Aí todos pensam que sou preguiçoso,
relaxado e vagabundo, ou ainda que sou bobo e não me esforço.
Parece que ninguém me entende. Por mais que eu tente, não consigo prestar atenção e terminar
toda a tarefa tão bem como as outras crianças.
Mas bem que eu gostaria... De verdade! Na classe, quando o assunto é lição, as crianças tiram sarro
de mim, fazem muitas gozações. Eles me chamam de “minhoca” e de “supertartaruga lerdinha”.
Todos acham engraçado, menos eu.
Quando estou sentado, ali sozinho, sem perceber, começo a morder o lápis, desmontar meu estojo,
rabiscar as folhas no caderno e a mexer com os pés sem parar. Acho que preciso me movimentar
mais do que os meus colegas porque assim me sinto mais ligado e esperto. Estou sempre mexendo
minhas mãos e balançando os pés. A professora vive me dizendo que parece que tenho o bichocarpinteiro no corpo. Ela pergunta também se tem formiga ou prego na cadeira, porque não tenho
parada nem sossego.
Percebo que quando a professora pergunta alguma coisa para mim eu respondo rapidinho. Muitas
vezes começo a responder antes de ouvir a pergunta inteira. Só quando estou falando é que me dou
conta de que não era nada daquilo...
E quando se trata de escrever... Hum! É tão mais complicado... Eu bem que gostaria não precisar
escrever tanto.
Sabe, acho bem mais interessante ver o que está se passando fora da sala de aula. Pela janela, vejo
a árvore a balançar, o passarinho a voar; e, pela porta, sempre vejo quem passa no corredor.
Fico triste, irritado e confuso porque sei que as pessoas ficam cansadas de mim. Outro, dia vi minha
mãe chorando. Também ouvi meus pais brigando por minha causa.
A professora vive mandando bilhetes para minha mãe. Ela avisou que minhas notas estão ruins, que
assim não vou passar de ano e que não sabe mais o que fazer comigo. Além do mais, falou que sou
distraído, que caminho pela escola sem olhar por onde ando, que derrubo com facilidade as coisas
da minha mão. Ela diz que parece que estou sempre voando, como se eu estivesse no mundo da
lua. Muitas vezes me chama de “rei do espaço”.
Fico triste. Às vezes tento disfarçar, finjo que não ligo, mas não é verdade. Queria que todos
dissessem: - Olha, o Pedro foi o melhor! Ah como eu gostaria que a minha tarefa fosse realmente a
melhor (Rohde and Benczik, 1999, p. 16-23).
Quadro 2 - História de Pedro – Forma de Explicação do TDAH para Crianças
Fonte: Rohde and Benczik (1999)
Essa história é uma maneira simplificada de explicar para a criança o TDAH e suas
conseqüências. É importante ressaltar que a mesma não deveria ser contada
apenas para as crianças que possuam tais características, mas também para
aquelas que não as possuam, para pais, professores e todos que mantenham
27
contato com essas crianças. Há uma grande necessidade em desnaturalizar o TDAH
e suas implicações, bem como compreendê-lo de forma ampliada, pois, atualmente,
há uma excessiva rotulação das crianças por parte de pais, professores e amigos,
devido ao pouco conhecimento desse fenômeno.
3.2.
ALTERNATIVAS TRADICIONAIS PARA O TRATAMENTO DE CRIANÇAS
COM TDAH
De acordo com a literatura revisada, para o tratamento do TDAH faz-se necessário
uma
abordagem
múltipla
que
envolva
intervenções
psicossociais
e
psicofarmacológicas. No entanto, o medicamento tem sido o ponto central nos
tratamentos, o que tem ocasionado um excesso de utilização dos mesmos,
principalmente na intervenção em crianças. Atualmente a saída medicamentosa é a
mais utilizada e o conhecimento produzido na área médica com relação à eficácia
dos mesmos é bastante amplo.
A intervenção psicofarmacológica para tratamento do TDAH tem sido realizada com
medicamentos estimulantes, com o intuito de melhorar a concentração e de controlar
o comportamento hiperativo, na maior parte das vezes. Com relação aos
estimulantes,
No Brasil, o único estimulante encontrado no mercado é o metilfenidato. A
dose terapêutica normalmente se situa na faixa de 20 a 60 mg/dia. Como a
meia-vida do metilfenidato é curta (de 3 a 4 horas), geralmente pode-se
utilizar o esquema de administração de três doses por dia: uma de manhã,
outra ao meio-dia e uma última ao final da tarde (ROHDE E HALPERN,
2004, p.S68).
De acordo com Rohde and Halpern (2004, p.S68), “cerca de 70% dos pacientes com
TDAH respondem adequadamente aos estimulantes, com redução de pelo menos
50% dos sintomas básicos do transtorno.
Segundo Filho e Pastura (2003), a maioria dos efeitos colaterais do metilfenidato é
transitória, leve e aparecem nos primeiros dias ou semanas de tratamento e pouco
depois desaparecem. Alguns efeitos adversos são: insônia, irritabilidade, ansiedade
e dores abdominais, entre outros.
28
Os medicamentos são tratados como a solução rápida e eficaz para todos os
problemas. Os remédios são vistos como o caminho para uma vida mais feliz e
segura em que o sofrimento é banido totalmente. No entanto com relação ao TDAH,
o tratamento medicamentoso agirá nos sintomas de hiperatividade, déficit de
atenção e impulsividade, mas dificilmente irá auxiliar a criança a compreender o que
está acontecendo com ela e a desenvolver estratégias para lidar de uma forma
menos danoso com tais sintomas. Dessa forma, concede-se uma solução para “a
parcela biológica” deixando de lado as questões afetivas e sociais que também
estão envolvidas.
De fato,
As promessas das novas medicações são cada vez mais sedutoras, pois ao
invés de anos de tratamentos em um processo psicoterapêutico, as novas
substâncias desenvolvidas acenam com a abolição dos sintomas em
poucas semanas (RODRIGUES, 2003, p.13).
Dessa forma, houve uma supervalorização da reação clínica às substâncias
farmacológicas de forma que a mesma passou a fazer parte na caracterização do
quadro nosológico de cada doença. Nesse sentido, a compreensão neuroquímica
dos fenômenos psíquicos ganhou significativa importância na definição dos mesmos
(RODRIGUES, 2003).
É importante ressaltar que a medicação torna-se um importante instrumento no
tratamento de doenças e distúrbios, desde que utilizada de forma ética e
responsável. No entanto, a compreensão do ser humano não pode ser reduzida a
uma única abordagem, seja ela biológica, psicológica ou social. O homem é muito
mais amplo e complexo.
Contudo,
(...) a medicação vem sendo utilizada não somente como forma de alívio ou
de cura de uma determinada síndrome, mas também como parte de um
sistema que produz subjetividades privatizadas, desinvestidas de qualquer
cogitação social ou política, alicerçadas na crença de uma suposta natureza
humana normal, que ela promete restaurar (RODRIGUES, 2003, p.21).
29
É acerca dessa forma de utilização despotencializadora dos medicamentos que
queremos refletir, pois os efeitos dessa prática são danosos para a sociedade como
um todo e, sobretudo, aos indivíduos como sujeitos capazes de positivar modos de
existência que privilegiam a vida e sua capacidade de adaptação e superação dos
obstáculos.
Quando um diagnóstico minucioso é concluído, e a avaliação é de que a criança
apresenta o TDAH, é necessário que intervenções na família e na escola sejam
iniciadas. A intervenção com os pais possui a finalidade de, principalmente, fornecer
informações acerca da hiperatividade para que os mesmos conheçam o transtorno
de forma a poder contribuir potencializando as habilidades da criança e, para que
não apresentem dúvidas e receios ao tratamento prescrito para a criança. O trabalho
desenvolvido na escola tem como objetivo preparar o professor para lidar com a
criança diagnosticada como hiperativa, pois sabendo das dificuldades da mesma o
profissional terá condições de trabalhar efetivamente para desenvolver as
habilidades e competências dessa criança (GOLDSTEIN E GOLDSTEIN, 2003).
A presença dos sintomas básicos (hiperatividade, impulsividade e desatenção) do
TDAH por curtos períodos de tempo apontam para a possibilidade de que estes
estejam associados a outros problemas (emocionais, sociais ou até mesmo um outro
tipo de distúrbio) decorrentes de situações que a criança esteja vivendo. Para que a
possibilidade da criança apresentar o TDAH seja aventada é necessário que esses
sintomas básicos apresentem-se de forma sistemática, contínua e prolongada.
Segundo Rohde e outros (2000), existem algumas pistas que indicam a presença da
hiperatividade: os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade se
apresentam de forma duradoura, sejam freqüentes e intensos, persistam em vários
locais e ao longo do tempo e haja um prejuízo clínico significativo na vida da criança.
De acordo com Andrade e Scheuer (2004), 3% a 5% das crianças em idade escolar
apresentam esse transtorno, e nos EUA, dos encaminhamentos para serviços de
saúde mental, de 30% a 50% são determinados por sintomas de TDAH.
30
Considerando as discussões desta seção foi possível perceber que a compreensão,
bem como o tratamento das dificuldades de atenção, especialmente com relação ao
TDAH, estão centralizadas no campo da medicina. Portanto, torna-se necessário a
relativização e ampliação do entendimento acerca das dificuldades de atenção para
que novas estratégias de abordagem sejam construídas no intuito de fornecer
alternativas àqueles que possuem tais dificuldades.
3.3.
O TDAH E A SOCIEDADE
A aceleração que o mundo globalizado nos impõe, bem como o excesso de
estimulação e o volume de informação a que somos submetidos, contribuem de
forma significativa na produção de tais problemas.
É possível observar em nossa sociedade a diminuição dos espaços públicos e o
conseqüente aumento dos espaços privados. A cada dia os espaços de moradia e
de convivência coletiva são diminuídos e as crianças, bem como os adultos, tem
refletido essa “falta de espaço” em suas condutas cotidianas. Em muitos casos, a
escola é o único lugar de convivência entre as crianças e onde elas podem
extravasar a energia acumulada nos apartamentos.
Se considerarmos tais exemplos como participantes no processo de produção das
dificuldades de atenção, vislumbramos a necessidade de que outras áreas do
conhecimento participem no diagnóstico e, principalmente, na intervenção de tais
problemas. O objetivo não é negar a existência de tais dificuldades e, sim, ampliar a
compreensão e as alternativas de abordagem das mesmas.
O termo estigma foi criado pelos gregos “para se referirem a sinais corporais com os
quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status
moral de quem os apresentava” (GOFFMAN, 1998, p.11). Na Era Cristã dois
significados foram agregados a esse termo: sinais de graça divina, expressos no
corpo com a forma de flores em erupção sobre a pele e sinais corporais de distúrbio
físico (alusão médica a essa alusão religiosa) (GOFFMAN, 1998).
31
De acordo com Macedo (2005), para conhecermos o mundo é necessário
transformarmos o desconhecido em algo conhecido e comum, pois este se
apresenta como ameaçador. Esta é a lógica da semelhança que consiste em
organizar as coisas pelo conhecido. Tendemos a organizar aquilo que é
desconhecido em algo conhecido, pois agindo assim temos a impressão de que
podemos controlar o mundo, ao preço de excluirmos ou negarmos o que cai fora ou
escapa.
Cada sociedade estabelece categorias, com seus respectivos atributos, para
classificar as pessoas que dela fazem parte. Em nossa sociedade possuímos uma
série de categorias, tais como: classe média, classe baixa, classe alta,
trabalhadores, desempregados, “normais1“, deficientes físicos, deficientes auditivos,
hiperativos. As pessoas podem ser alojadas em uma, ou mais, dessas categorias a
partir de uma rápida avaliação por meio do observador, o que ocasiona, em algumas
situações, mal-entendidos e situações desagradáveis. O termo estigma é usado em
referência a algum atributo depreciativo. O estigma é uma relação entre o atributo e
o estereótipo, sob duas perspectivas a do desacreditado e a do desacreditável
(GOFFMAN,1998). A do desacreditado enquanto aquele que já deu mostras das
suas limitações e a do desacreditável enquanto aquele que, mesmo sem dar
mostras dessas, deve ser considerado a priori como tal devido a características que
não estão de acordo com o padrão de normalidade da sociedade e, portanto, são
responsáveis por conferir uma parcela de descrédito “natural” àqueles que as
possuam.
Características sociológicas do estigma: “um indivíduo que poderia ter sido
facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode-se impor
à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção
para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da
que havíamos previsto” (GOFFMAN, 1998, p.14).
Assim,
1
As aspas são para questionar esse termo, largamente utilizado, pois a normalidade é algo complexo
e que deve ser cautelosamente discutido e utilizado.
32
Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja
completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de
discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem
pensar, reduzimos suas chances de vida. Construímos uma teoria do
estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do
perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade
baseada em outras diferenças, tais como as de classe social (GOFFMAN,
1998, p.15).
No entanto, existe uma outra lógica, a da diferença, que se apresenta como
(...) uma forma de organizar as coisas quanto à sua dimensão
desconhecida, daquilo que está entre nós e dentro de nós, mas que não
reconhecemos ou não sabemos como encaixar. Daí, como conseqüência,
às vezes temos o vazio, o pânico, o êxtase que este vazio nos provoca ou
produz (MACEDO, 2005, p. 13).
As considerações feitas acerca das crianças que possuem um diagnóstico de TDAH
são muito similares as das crianças que possuem indícios de tal síndrome. Os
professores e pais passam a enxergar essas crianças através da “lente do TDAH”,
limitando suas habilidades, competências e, por fim, as suas perspectivas de vida. O
TDAH se configura, em muitos casos, como um pesado fardo para o portador que o
torna “predestinado” ao fracasso em sua vida social, afetiva, psicológica, familiar.
Dessa forma, a busca neste trabalho é pela compreensão das crianças com
dificuldades de atenção de acordo com a lógica da diferença, ou seja, apreender as
particularidades das mesmas, de modo a construir uma visão menos estigmatizada
e reducionista, no intuito de resgatar a possibilidade de nos surpreendermos,
positivamente, com essas crianças ao olharmos para elas como sujeitos capazes de
vencer os obstáculos que lhe são apresentados pela vida.
33
4. TEORIA PIAGETIANA, COGNIÇÃO E JOGOS DE REGRAS
4.1.
CONCEITOS BÁSICOS PARA ENTENDER PIAGET
De acordo com a pesquisa realizada nas obras de Jean Piaget, não há trabalhos
desse autor que abordem diretamente a questão da atenção. Portanto as
considerações a seguir foram construídas com base nos conceitos mais gerais de
sua obra.
Piaget (1962) explicita a existência de uma íntima relação entre afeto e inteligência.
Pois, para o mesmo
É incontestável que o afeto exerce um papel essencial no funcionamento da
inteligência. Sem afeto não haveria interesse, necessidade, motivação; e
conseqüentemente, não haveria inteligência. A afetividade é uma condição
necessária na constituição da inteligência, mas, em minha opinião, não é
suficiente (PIAGET, 1962, p.01).
Dessa forma, em algumas situações o afeto pode levar ao erro, mas apenas os
fatores
cognitivos
poderiam
corrigir
tal
estrutura.
O
afeto
participa
no
desenvolvimento da inteligência, no entanto, não é a causa da formação da mesma.
Portanto, a afetividade não é a única condição necessária para o desenvolvimento
estrutural (PIAGET, 1962).
A atenção é também regulada pela afetividade, pois a mesma é motivada e
direcionada segundo as necessidades e interesses do indivíduo. Assim, “Não há
atos de inteligência, mesmo de inteligência prática, sem interesse no ponto de
partida e regulação afetiva durante todo o processo de uma ação, sem prazer do
sucesso ou tristeza no caso do fracasso” (PIAGET, 1962, p.03). Até mesmo a
criança diagnosticada como possuidora do TDAH tem a capacidade de direcionar e
focar a atenção naquilo que é do seu interesse.
Dessa maneira,
(...) a construção do conhecimento, segundo a abordagem piagetiana,
implica em momentos de equilíbrio – ou seja, de estabilidade provisória no
funcionamento intelectual – e momentos de desequilíbrios, onde os
esquemas disponíveis ao sujeito não são suficientes para assimilar os
objetos” (DAVIS E ESPÓSITO, 1990, p.73).
34
Os sucessivos equilíbrios e desequilíbrios fazem com que a relação do sujeito com o
ambiente esteja em constante modificação, pois os esquemas vão sendo
aperfeiçoados a partir da vivência de novas experiências (PIAGET, 1976).
Um conceito importante para entender como Piaget compreende o processo do
desenvolvimento cognitivo é o da Equilibração. Pois, para esse autor esse é um
problema central no desenvolvimento. Para Piaget (1976),
(...) a equilibração progressiva é um processo indispensável do
desenvolvimento e um processo cujas manifestações se modificarão, de
estágio em estágio, no sentido de um melhor equilíbrio em sua estrutura
qualitativa como em seu campo de aplicação, (...) (PIAGET, 1976, p.23).
Na equilibração o indivíduo se encontra em sucessivos equilíbrios e desequilíbrios,
pois é dessa forma que ele conseguirá avançar no que diz respeito ao
desenvolvimento de suas estruturas cognitivas. Portanto, o esse processo é central
para a compreensão das etapas e das estruturas que se formam no decorrer do
desenvolvimento do indivíduo. Esse processo envolverá processos de acomodação
e assimilação.
Os processos de assimilação e acomodação estão dialeticamente relacionados, pois
participam ativamente na construção de novos sistemas de ação. Dessa forma,
define-se assimilação como “(...) incorporação de um elemento exterior (objeto,
acontecimento, etc.) em um esquema sensorimotor ou conceitual do sujeito”
(PIAGET, 1976, p.13). A acomodação é “(...) a necessidade em que se acha a
assimilação de levar em conta as particularidades próprias dos elementos a
assimilar” (PIAGET, 1976, p.14).
Piaget (1976) postula acerca da acomodação e da assimilação: 1) todo esquema de
assimilação tende a incorporar elementos novos e 2) os elementos assimilados
serão acomodados ao esquema de assimilação, ou seja, este irá se modificar em
função desses novos elementos, mas sem perder a sua continuidade. Dessa forma,
Piaget (1976) demonstra a necessidade de que exista um equilíbrio entre os
esquemas de assimilação e acomodação.
A definição do termo conduta é algo complexo, no entanto, entender a conduta como
um recorte de um campo mais amplo que é a afetividade faz com que a importância
35
do mesmo seja clarificada. Portanto, a conduta está intimamente relacionada à
afetividade e a compreensão dessa relação é fundamental para a compreensão do
desenvolvimento da inteligência. Com o intuito de esclarecer um pouco mais essa
relação entre conduta, afetividade e inteligência nos remetemos a Queiroz (2000):
Piaget pôde novamente criticar sua hipótese de partida, assim enunciada:
se a afetividade constitui a energética da conduta e se a inteligência ou a
percepção constituem a estrutura, então muito naturalmente, cada
transformação da conduta será simultaneamente uma transformação de
estrutura (transformação intelectual) e uma transformação nas regulações
energéticas (transformação afetiva) (QUEIROZ, 2000, p. 41).
Dessa forma, a afetividade se constitui enquanto o centro direcionador da conduta e
a relação entre ambas influencia no desenvolvimento das estruturas intelectuais
(inteligência). Portanto, as transformações afetivas culminam na transformação do
comportamento do indivíduo que, por sua vez, reverbera no desenvolvimento
intelectual do mesmo.
De acordo com Piaget (1976) há três tipos de conduta que estão relacionadas ao
nível de desenvolvimento estrutural desenvolvido pelo indivíduo. Essas condutas
são denominadas: alfa, beta e gama.
Na conduta alfa os elementos novos que aparecem não produzem modificações no
sistema ou constituem uma perturbação. No primeiro caso, o indivíduo negligenciará
o fato novo e no segundo caso o mesmo irá rejeitar o elemento novo. Portanto, as
compensações nesse tipo de conduta são parciais e o equilíbrio resultante
permanece instável (PIAGET, 1976).
A conduta beta consiste em modificar o sistema até tornar o fato novo como uma
variável do mesmo. A estrutura é então reorganizada para incorporar o elemento
novo aos que participavam da antiga organização. Nesse tipo de conduta considerase a existência de uma forma de compensação ainda parcial, mas bem superior à
conduta alfa (PIAGET, 1976).
A conduta gama, superior às duas primeiras, consiste em antecipar as variações
possíveis para que elas deixem de ser perturbadoras e sejam inseridas nas
36
transformações virtuais do sistema. A compensação não tem mais o sentido de
eliminar as perturbarções do sistema e sim o de uma simetria que é inerente à
organização do mesmo (PIAGET, 1976).
Para continuarmos essa discussão é necessário esclarecer um ponto ainda obscuro.
Utilizamo-nos com frequência o termo conduta, mas como defini-la de forma clara?
Para tanto, recorreu-se a um dicionário comum para obter a definição desse que é
um tema bastante utilizado em nossa linguagem cotidiana. De acordo com o Novo
Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1986) o termo conduta possui as
seguintes definições: 1. Procedimento moral (bom ou mau); 2. Comportamento.
Tomando como referência essa definição o que podemos apreender do significado
do termo conduta? Será que esse é também o significado do termo conduta na
teoria de Piaget?
Para Piaget (1980/ 1996), o desenvolvimento ocorre de forma dialética, e para
compreendê-lo
faz-se
necessário
aprofundar
o
conhecimento
acerca
das
implicações entre ações e operações, pois é por meio de tais implicações que o
processo de transformação é desencadeado. As implicações entre as ações e
operações configuram-se enquanto um processo de construção de significações
para as experiências vividas, ou seja, é como damos significados a tudo aquilo que
se constitui enquanto foco da nossa atenção.
Dessa forma,
(,,,) a dialética consistirá essencialmente em construir novas
interdependências entre significações, as mais simples sendo solidárias e
indissociáveis desde o início, e o mais geral dos círculos dialéticos sendo,
sem dúvida, aquele que liga as implicações e as significações (PIAGET,
1980/ 1996, p. 13).
Portanto, a formação da dialética de se dá a partir da construção de tais
interdependências “(...) que constituem o aspecto inferencial de equilibração e que
procedem por implicações entre ações enquanto portadoras de significações”
(PIAGET, 1980/1996, p. 14). Dessa forma, observa-se a íntima relação entre a
formação da dialética e o processo de equilibração.
37
Ainda de acordo com Piaget (1962), o desenvolvimento infantil das estruturas
cognitivas se dá por meio de quatro estádios: sensório-motor, pré-operatório,
operatório-concreto e operatório-formal.
Em cada estádio o indivíduo desenvolverá noções que serão utilizadas pelo
indivíduo nos estádios subseqüentes para que esse avance até o último estádio do
desenvolvimento – o operatório formal. Os estádios não são fixos, ou seja, um
indivíduo não estará totalmente em um único estádio; ele estará prioritariamente em
um estádio, mas poderá apresentar condutas referentes a estádios anteriores.
De acordo com Piaget (1973), o desenvolvimento intelectual é dividido em três
grandes períodos: período da inteligência sensório-motor, período de preparação e
de organização das operações concretas de classes, relações e números e o
período das operações formais. A seguir os períodos serão explicitados de forma
mais detalhada. O período mais importante para presente pesquisa é o período das
operações concretas, visto que os participantes da pesquisa encontram-se na faixa
etária dos nove aos onze anos.
A principal noção desenvolvida no período sensório-motor é a de objeto permanente.
Pois, “O estado inicial é caracterizado pela ausência de objetos permanentes. O
universo consiste numa série de figuras momentâneas e em movimento” (PIAGET,
1962, p.5).
Portanto, se um chaveiro, ou até mesmo uma pessoa, for retirada da frente da
criança deixará de existir para a mesma. Dessa forma, a cada vez que um brinquedo
for apresentado à criança é como se ela o visse, novamente, pela primeira vez. No
início do estádio sensório-motor é como se a criança visse os objetos sempre pela
primeira vez. No entanto, “No final, acontece a descentração, onde há um universo
de objetos permanentes, de um espaço e uma causalidade entre os objetos”
(PIAGET, 1962, p.5).
De acordo com Piaget (1973) o período sensório-motor vai do nascimento ao
aparecimento da linguagem e é subdividido em seis estágios. Estes estão descritos
no Quadro 3.
38
O período de preparação e de organização das operações concretas de classes,
relações e número é subdividido em duas partes: subperíodo das representações
pré-operatórias ( 2 a 7- 8 anos) e subperíodo das operações concretas ( 7- 8 a 11 –
12 anos). São consideradas
operações concretas as que se dirigem sobre objetos manipuláveis
(manipulações efetivas ou imediatamente imagináveis), por oposição ás
operações se dirigindo sobre hipóteses ou enunciados simplesmente
verbais (lógica das proposições) (PIAGET, 1973, p.55).
No subperíodo das representações pré-operatórias ocorre o aparecimento da função
simbólica (linguagem, jogo simbólico (ou de imaginação) em oposição aos jogos de
exercício do período sensório-motor e o começo da interiorização dos esquemas de
ações em representações, ou seja, “Plano de representação nascente: dificuldades
de aplicação ao espaço não próximo e ao tempo não presente dos esquemas de
objeto, de espaço, de tempo e de causalidade já utilizados na ação efetiva (PIAGET,
1973, p. 56).
De acordo com Piaget (1973), o subperíodo das operações concretas é formado por
várias estruturas em vias de consolidação: “tais são as classificações, as seriações,
as correspondências termo a termo, as correspondências simples ou seriais, as
operações multiplicativas (matrizes), etc” (PIAGET, 1973, p.57). Portanto, nesse
subperíodo a criança desenvolve tais noções, pois é uma preparação para chegar
ao último estádio – o operatório formal.
Ainda com relação a esse subperíodo das operações concretas,
(...) pode ser subdividido e dois estágios: um, das operações simples e o
outro, do acabamento de certos sistemas de conjunto no domínio do espaço
e do tempo, em particular. No domínio do espaço, é o período onde a
criança atinge, aos 9-10 anos somente, os sistemas de coordenadas ou de
referências (representação das verticais e das horizontais em relação a
essas referências (PIAGET, 1973, p.57).
Portanto, neste subperíodo a criança desenvolve a capacidade de resolver
problemas, entretanto, essa capacidade encontra-se limitada ao concreto, ou seja,
39
ela precisa que as situações sejam apresentadas concretamente (ou representadas)
para que consiga resolvê-las.
O período das operações formais é marcado por diversas transfomações e pela
consolidação das estruturas necessárias para o desenvolvimento do raciocínio
lógico-matemático. O que aparece, principalmente nesse nível “é a lógica das
proposições, a capacidade de raciocinar sobre enunciados, sobre hipóteses e não
mais somente sobre objetos postos sobre a mesa ou imediatamente representados”
(PIAGET, 1973 p.59).
Esse é período em que a criança desenvolve o pensamento abstrato e,
diferentemente do subperíodo das operações concretas, não e resolução de
problemas não está restrita à representação concreta do mesmo, pois ela
desenvolveu a capacidade de representar mentalmente os problemas, bem como os
objetos e as situações a serem resolvidas.
De acordo com Piaget, os estágios são interdependentes e indispensáveis para o
desenvolvimento, ou seja, a criança não poderá “pular” os mesmos. A ordem
apresentada de sucessão é fixa, no entanto, um estágio não desaparece
completamente quando a criança passa para o seguinte, eles se interpenetram em
uma relação dialética. Pois, de acordo com Piaget (1980/ 1996, p.12)
(...) toda dialética comporta processos circulares entre os passos proativos
e retroativos, e são estes que dão conta da formação das aparências de
necessidades pré-formadas, enquanto a necessidade autêntica só se
constitui ao longo e no final de todo desenvolvimento dialético.
Dessa forma, há um contínuo movimentar da criança pelos estágios que acompanha
as experiências que vão sendo experimentadas a cada instante da vida, ou seja,
enquanto há vida, há movimento e desenvolvimento e vice-versa.
Para finalizar, de acordo com Piaget (1973, p. 59),
(...) esses três grandes períodos, com seus estágios particulares,
constituem processos de equilibração sucessivos, marchas para o
equilíbrio. Desde que o equilíbrio seja atingido num ponto, a estrutura está
40
integrada num novo sistema em formação, até um novo equilíbrio sempre
mais estável e de campo sempre mais extenso.
Portanto, durante todo o desenvolvimento o indivíduo passará por sucessivos
equilíbrios e desequilíbrios, pois apenas dessa forma é que novas estruturas e
novos
esquemas
serão
construídos
e
incorporados
possibilitando
um
desenvolvimento permanente. Esses novos esquemas que serão construídos não
estão pré-determinados e, portanto, estão passíveis de se configurarem de forma
diferente do esperado. O diferente é muitas vezes considerado com errado e na
sociedade em que vivemos não há espaço para o que “sai da norma”, pois o intuito é
padronizar os indivíduos nos modos de agir, de pensar, enfim, de existir.
Em nossa sociedade erro é o contrário de acerto e, portanto, precisa ser castigado
para que não venha a ocorrer novamente. É fonte de culpa, sofrimento, angústia,
especialmente no contexto escolar. Neste o erro é sinônimo de fracasso. No entanto,
para Piaget, citado por Macedo (1994, p.64), o erro deve ser interpretado de uma
outra forma, pois para a teoria construtivista “(...) a questão é a de invenção e
descoberta e não necessariamente de acerto ou erro, como considera, muitas
vezes, uma visão formal ou do adulto”. O erro pode ser considerado como uma
alternativa que não se enquadra na visão padronizada ou formal, mas isso não
significa que, necessariamente, será algo ruim ou negativo.
Contudo, em nossa sociedade há uma forma paradoxal de lidar com o erro, pois
este é expurgado na linguagem escrita e aceito na linguagem coloquial. Existe um
verdadeiro abismo entre essas duas formas de linguagem no que tange à aceitação
do erro.
De acordo com Davis e Espósito (1990) para uma proposta de ensino-aprendizagem
derivada da teoria psicogenética a conduta apropriada deveria ser a seguinte:
(...) partir dos conhecimentos que os alunos já possuem, ou seja, de seus
sistemas de significação; apresentar problemas que gerem conflitos
cognitivos; dar ênfase à maximização do desenvolvimento e não apenas à
busca de resultados, centrando-se no processo de construção do
conhecimento; aceitar soluções “erradas” como pertinentes, desde que
indicadoras de progressos na atividade cognitiva; fazer com que os alunos
tomem consciência dos erros cometidos, percebendo-os como problemas a
41
serem enfrentados, sem que se lhes imponham caminhos previamente
traçados (p.73).
Dessa forma o erro seria uma fonte de novas possibilidades e de aprendizado e não
um símbolo do fracasso individual. O erro é tido como algo que pertence,
intrinsecamente, a alguém, ou seja, é fruto da incapacidade da própria pessoa. No
entanto, para que o erro seja estuda de forma construtiva faz-se necessário analisálo em toda a sua complexidade, buscando a compreensão dos múltiplos fatores que
estão envolvidos nesse processo.
4.2.
O LÚDICO E O DESENVOLVIMENTO NA TEORIA PIAGETIANA
Atualmente, o brincar tem sido considerado de fundamental importância para o
desenvolvimento da criança.
Dessa forma,
Fatores como a entrada da mulher no mercado de trabalho, alterações nas
concepções de família e o ritmo frenético da vida nas grandes cidades
contribuíram para realçar a importância do lúdico no contexto do
desenvolvimento humano, na medida em que cada vez mais, nos dias
atuais, o tempo e o espaço do brincar encontram-se ameaçados,
acarretando conseqüências funestas para o desenvolvimento da criança,
tais como o isolamento e a falta de solidariedade, que sinalizam uma
diminuição exacerbada da dimensão humana, a qual floresce nas relações
com o outro” (VECTORE, 2003, p.106).
As características dos jogos em geral permitem a construção de uma situação
prazerosa para a criança, fazendo com que ela se sinta à vontade para partilhar o
seu universo com os demais. O jogo motiva a criança e a torna receptiva com
relação à colaboração na situação de pesquisa. É necessário ressaltar que “o jogo
proporciona o treino das capacidades deficitárias das crianças hiperativas e,
conseqüentemente, conduz a resultados satisfatórios em outras habilidades de
desenvolvimento” (BARROS, 2002, p. 74).
Os conceitos de Jogo, Brinquedo e Brincadeira são muitas vezes confundidos, pois
possuem uma relação muito próxima, no entanto, faz-se necessário diferenciá-los
para que possam ser entendidos de forma mais aprofundada. “No Brasil, termos
42
como jogo, brinquedo e brincadeira ainda são empregados de forma indistinta,
demonstrando um nível baixo de conceituação deste campo”(KISHIMOTO, 1997,
p.17).
Definir o conceito de jogo é algo complexo, pois pode ser entendido de diversas
formas por diferentes pessoas. Há vários tipos de jogos: amarelinha, faz-de-conta,
xadrez, dama, jogos políticos. Apesar de todos serem denominados como jogo, cada
um possui a sua especificidade (KISHIMOTO, 1997).
Portanto,
Uma mesma conduta pode ser jogo ou não-jogo em diferentes culturas,
dependendo do significado a ela atribuído. Por tais razões fica difícil
elaborar uma definição de jogo que englobe a multiplicidade de suas
manifestações concretas. Todos os jogos possuem peculiaridades que os
aproximam ou distanciam (KISHIMOTO, 1997, p.15).
Dessa forma, podemos considerar o jogo como algo variável e que o significado que
receberá está intimamente relacionado com os valores e os costumes de cada
sociedade. Algumas atividades podem ser consideradas como jogo em uma
determinada cultura e como não-jogo em uma outra.
De acordo com Huizinga, citado por Rossetti (2001),
(...)para ser jogo, uma atividade tem que ser não-séria, livre (no sentido de
que só joga quem quer jogar), diferente e separada da vida cotidiana,
desvinculada de qualquer interesse material, tem que apresentar regras que
sejam partilhadas por todos os jogadores, tem que ser uma atividade fictícia
e com começo meio e fim (ROSSETTI, 2001, p.24).
Diferentemente do jogo, “o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e
uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras
que organizam sua utilização” (KISHIMOTO, 1997, p.18). O brinquedo permite à
criança representar a realidade em que ela vive (KISHIMOTO, 1997). É uma forma
de a criança exercitar os valores e as regras que ela terá que apreender no decorrer
da sua vida em sociedade.
A brincadeira,
43
É a ação que a criança desempenha ao concretizar as regras do jogo, ao
mergulhar na ação lúdica. Pode-se dizer que é o lúdico em ação. Desta
forma, brinquedo e brincadeira relacionam-se diretamente com a criança e
não se confundem com o jogo (KISHIMOTO, 1997, p.2, grifo do autor).
Segundo Piaget (1978) os jogos são caracterizados em três grupos principais: os
jogos de Exercício, os Jogos Simbólicos e os Jogos de Regras. Os dois primeiros
grupos surgem em um período anterior ao do terceiro grupo. Cada tipo aparece em
período determinado do desenvolvimento. Estes são assim caracterizados:
Os Jogos de Exercício, “(...) não supõem qualquer técnica particular: simples
exercícios, põem em ação um conjunto variado de condutas, mas sem modificar as
respectivas estruturas, tal como se apresentam no estado de adaptação atual”
(PIAGET, 1978, p.144).
Portanto, os jogos de exercício proporcionam à criança o prazer da repetição. É
como se essa repetição a ajudasse a fixar as estruturas que estão em fase de
consolidação. A criança executa a tarefa que se propõe não por necessidade, mas
por mero divertimento (PIAGET, 1978).
Os Jogos de Exercício são atividades lúdicas típicas do período sensório-motor (0 a
2 anos) em que as ações são repetidas pelo prazer funcional que proporcionam
(ROSSETTI, 2001). É um período em que a criança está conhecendo a si e ao
mundo que a cerca, portanto é uma atividade que visa a exploração com a finalidade
de conhecer os mesmos.
Quanto aos Jogos Simbólicos,
Ao invés do jogo de exercício, que não supõe o pensamento nem qualquer
estrutura representativa especificamente lúdica, o símbolo implica a
representação de um objeto ausente, visto ser comparação entre um
elemento dado e um elemento imaginado, e uma representação fictícia,
porquanto essa comparação consiste numa assimilação deformante
(PIAGET, 1978, p. 146).
Portanto, os Jogos Simbólicos são típicos do período pré-operatório (2 a 7 anos) e
caracteriza-se pela capacidade de presentificar coisas, pessoas e objetos por meio
44
da representação dos mesmos. São exemplos destes os jogos de faz-de-conta, as
fantasias, entre outros (ROSSETTI, 2001).
E os Jogos de Regras que
(...) caracterizam a atividade lúdica da criança a partir do período de
desenvolvimento cognitivo operatório concreto, que se inicia, em geral,
entre sete ou oito anos, tendo como particularidade principal a presença e a
utilização de regras que regulam as ações durante o jogo. Em lugar do
símbolo que é puramente individual e específico para cada criança, as
regras supõem, necessariamente, relações sociais ou interindividuais.
Assim, a regra é uma regularidade imposta pelo grupo e a sua violação
representa uma falta (ROSSETTI, 2001, p.29-30).
O jogo de regras pode ter os mesmos componentes do jogo de exercício e do jogo
simbólico, no entanto, apresenta um elemento novo que é a regra (PIAGET, 1978).
“A regra é uma regularidade imposta pelo grupo, e de tal sorte que a sua violação
representa uma falta” (PIAGET, 1978, p. 148), portanto, ela é responsável pelo
desenvolvimento do senso de limites, tão imprescindível para a convivência em
sociedade.
Dessa forma, a importância do jogo é ressaltada constantemente, tanto pela sua
fonte de divertimento, descontração, integração como pelo seu importante papel no
desenvolvimento cognitivo não só do indivíduo no período da infância, mas durante
toda sua vida.
4.3.
O JOGO MANCALA, A ATENÇÃO E A CONCENTRAÇÃO
De acordo com Ribeiro (2001),
O jogo e a brincadeira têm sido tema de reflexão de vários pensadores por
sua importância para o ser humano e para o desenvolvimento da criança.
Na área das disciplinas aplicadas, têm sido propostos como recursos
pedagógicos, de diagnóstico psicológico ou psicopedagógico e como forma
de psicoterapia (RIBEIRO, 2001, p.28).
Portanto, a escolha do jogo como instrumento de intervenção se deve,
principalmente, ao seu importante papel na produção de “(...) uma experiência
significativa para as crianças tanto em termos de conteúdos escolares como do
45
desenvolvimento de competências e de habilidades.” (MACEDO, PETTY E
PASSOS, 2000, p.06). Dessa maneira, o jogo pode tornar-se um instrumento
bastante eficaz no trabalho com crianças que apresentam traços de déficit de
atenção, em ambiente escolar, pois podem ajudar a controlar os sintomas típicos
com esforço voluntário ou em atividades de interesse (ROHDE ET AL, 2000).
Considerando que os participantes do presente trabalho estarão na faixa etária que
corresponde ao período operatório-concreto o jogo escolhido como forma de
intervenção será o jogo de regra denominado Mancala.
Segundo Retschitzki, Assandé e Loesch-Berger (1986), no Mancala,
No que concerne à natureza das atividades colocadas em ação quando de
uma partida, podemos afirmar que são os aspectos intelectuais que
dominam. Com efeito, o acaso não tem qualquer influência sobre o
desenrolar do jogo” (RETSCHITZKI, ASSANDÉ E LOESCH-BERGER,
1986, p. 308).
O Mancala é um jogo de regra que possui cerca de 200 diferentes modalidades de
realização. Estima-se que o Mancala tenha entre 3500 e 7000 anos e que seja
originário do antigo Egito já que vestígios de tabuleiros foram encontrados na
pirâmide de Keops, nos templos de Luxor e Kamak e nos desertos da Arábia e que
tenha sido jogado por diversas culturas ao longo dos anos. Cada cultura possui uma
forma particular de jogar o Mancala e concede ao mesmo uma significação social
específica.
A particularidade comum do Mancala,
(...) é de se jogar com grãos (ou pedregulhos ou pequenas conchas) que
são semeados nas casas escavadas geralmente num tabuleiro de madeira
(às vezes no solo). Essas casas são dispostas em várias fileiras e um,
sentido de percurso das sementes é fixado. O objetivo do jogo é colher o
máximo de grãos segundo as regras que se referem à repartição numérica
dos grãos nas casas (RETSCHITZKI; ASSANDÉ E LOESCH-BERGER,
1986, p .308).
O Mancala recebe diferentes denominações de acordo com a região em que é
jogado. No Sudão, Gâmbia, Senegal e Haiti é conhecido como Wari, na Nigéria
como Ayo e no Brasil era chamado de Adi pelos escravos que o trouxeram da África
(Neto,1989). Além disso, “Existem múltiplas variantes que se apresentam com
46
nomes muito diversos: Kalah, Mancala, Serata, Palankuli, Wari, Solo, etc...”
(RETSCHITZKI; ASSANDÉ E LOESCH-BERGER, 1986, p.308).
Segundo Retschitzki (1990), a particularidade dos jogos de sementes está no fato de
que as peças (sementes) não pertencem a nenhum dos jogadores. A posição das
mesmas (o território do jogador em que ela se encontra) é que determinará quem
poderá manipulá-las.
Como o Mancala é uma reunião de diversos jogos (com regras e tabuleiros distintos)
faz-se necessário que uma das diferenciadas formas de jogar seja escolhida. A
descrição do jogo que será utilizado, bem como as regras do mesmo serão
apresentadas nos tópicos que se seguem (MACEDO, PETTY E PASSOS, 2000;
ZASLAVSKY, 2000).
Na modalidade escolhida o jogo é composto por um tabuleiro retangular de madeira
com 14 cavidades divididas em duas fileiras de 6 casas cada uma em que as duas
casas restantes serão utilizadas como reservatório (denominado oásis) e 36
sementes que serão distribuídas no mesmo.
Figura 2 – Tabuleiro e Peças do Jogo Mancala
Podemos descrever as suas regras da seguinte forma: é um jogo para apenas dois
jogadores; são colocadas 3 sementes em cada uma das 12 cavidades, com exceção
dos oásis; a área de cada jogador é composta por uma fileira e o oásis que está à
sua direita (que só será utilizado pelo proprietário); para jogar o participante deverá
distribuir todas as sementes, de uma de suas 6 casas (exceto o oásis), uma a uma
nas casas subseqüentes, em sentido anti-horário; o jogador nunca colocará
sementes no oásis adversário; toda vez que o jogador passar pelo seu próprio oásis
uma semente será colocada no mesmo, sendo que as sementes que forem
47
colocadas não poderão ser utilizadas novamente no jogo; quando a última semente
da distribuição (semeadura) parar em uma casa vazia pertencente ao jogador, ele
poderá capturar todas as sementes que estiverem na casa adversária em frente,
colocando-as em seu oásis; ao terminar a semeadura o jogador passa a vez, exceto
quando a última semente distribuída for colocada no próprio oásis (nesse caso, ele
poderá jogar novamente, selecionando uma casa do próprio campo para realizar a
distribuição); o jogo será encerrado quando todas as casas estiverem vazias, ou
quando o número de sementes não for suficiente para alcançar o lado do adversário;
o vencedor será aquele que tiver um maior número de sementes em seu oásis; as
sementes que restarem no tabuleiro não participarão na contagem final.
A simplicidade das regras apresentadas acima possibilita uma rápida aprendizagem
das mesmas. O bom desempenho no jogo é adquirido por meio da experiência
prática do jogador com o mesmo. Essas facilidades fazem com que o estudo das
práticas de crianças com dificuldades de atenção em comparação com crianças que
não possuem indícios das mesmas no que diz respeito a estratégias e condutas no
decorrer do jogo sejam possíveis e repletos de ensinamentos (RETSCHITZKI;
ASSANDÉ E LOESCH-BERGER, 1986).
O Jogo Mancala é um instrumento que possibilitará a análise dos elementos:
atenção nas próprias jogadas e nas jogadas do adversário, construção de
estratégias,
observação das
estratégias
do
outro jogador,
antecipação
e
relacionamento interpessoal. A possibilidade de observação desses elementos no
jogo Mancala torna-o adequado para a utilização no presente trabalho, visto que são
essas características, ou a ausência delas, que objetivamos observar nos
participantes com indícios de déficit de atenção.
48
5. POSIÇÃO DO PROBLEMA
Diante do exposto, torna-se pertinente o questionamento: As crianças com indícios
de dificuldade de atenção têm um desempenho geral inferior às crianças que não
possuem tais indícios com relação ao desempenho no Jogo Mancala?
Para tanto, foi realizado um estudo comparativo entre crianças com indícios de
dificuldades de atenção e crianças que não possuem os mesmos, com respeito ao
desempenho no jogo Mancala. O presente trabalho visa avaliar se traços referentes
à dificuldade de atenção são apresentados, no decorrer do jogo Mancala, pelas
crianças apontadas pelos professores como possuidoras de tais indícios no contexto
escolar e se o desempenho das crianças que possuem tais indícios é discrepante
com relação ao desempenho das crianças ditas “normais”.
5.1.
OBJETIVO GERAL
Esse trabalho tem como objetivo avaliar a possibilidade de utilização do jogo
Mancala, como uma forma de ampliar a compreensão acerca das dificuldades de
atenção, seus sintomas e efeitos e para favorecer a construção de estratégias de
diagnóstico dessa dificuldade.
5.2.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Discutir questões teóricas acerca do Transtorno de Déficit de Atenção/
Hiperatividade (TDAH);
b) Identificar especificidades acerca da prática dos Jogos de regras, em especial
o Jogo Mancala;
c) Identificar, no contexto escolar, crianças que possuem indícios do TDAH e
crianças que não possuem tais indícios;
d) Realizar um estudo comparativo entre essas crianças por meio de oficinas,
utilizando o Jogo Mancala para observar as diferenças no desempenho das
mesmas, bem como as condutas de desatenção ocorridas durante a prática
do jogo;
49
e) Observar o desempenho dos dois grupos de crianças quando expostas a
situações-problema relacionadas ao Jogo Mancala;
f) Verificar a possibilidade de utilizar o jogo Mancala como alternativa para
avaliação de crianças com dificuldades de atenção.
50
6. MÉTODO
6.1.
PARTICIPANTES
Para que a presente pesquisa fosse viabilizada duas escolas foram contatadas: uma
de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Vitória e uma Escola Privada de
Ensino Fundamental, ambas em Vitória, ES. O contato foi realizado no intuito de que
as mesmas participassem e colaborassem com a pesquisa. Foi solicitado, à Escola
da Rede Pública, permissão para que as oficinas entre os participantes das duas
escolas fossem realizadas em suas dependências.
Não houve resistência por parte da escola em permitir a realização das oficinas e,
portanto, a maior parte da coleta de dados foi realizada na escola de ensino
fundamental da rede pública, e na escola da rede privada foi realizado o contato com
a professora. Os participantes foram indicados pelas professoras das mesmas. As
crianças que participaram da pesquisa se encontravam na faixa etária de 09 – 11
anos, três crianças estavam cursando a 4a. série e uma cursava a 3a. série à época
em que a pesquisa foi realizada. Três dos participantes estudavam na mesma
escola, portanto, apenas uma professora, que lecionava nas duas classes, participou
da seleção. O outro participante foi selecionado pela professora da escola onde
estudava.
A escolha dessa faixa etária baseou-se nos escritos de Piaget (1978) sobre a
evolução dos jogos infantis, no que diz respeito ao período de constituição dos jogos
de regras. Segundo esse autor, os jogos de regras só se constituem no decorrer da
fase II (dos quatro (4) aos sete (7) anos), mas principalmente no decorrer da fase III
(sete (7) aos onze (11) anos).
O gênero não foi utilizado como critério para a seleção dos participantes. A escolha
dos participantes deu-se de acordo com a indicação da professora. Os participantes
dos dois grupos passaram pelas mesmas etapas para que a seleção fosse
efetivada.
51
Para a seleção dos participantes foi utilizado o método da escolha “cega”, ou seja, a
pesquisadora não teve conhecimento acerca de quais eram as crianças que
possuíam os traços de TDAH e quais as que não possuíam tais traços. As
entrevistas com a professora e com os pais foram realizadas por duas monitoras,
sem a participação da pesquisadora. Esse método foi utilizado no decorrer de toda
coleta de dados a fim de que conceitos e expectativas não fossem construídos antes
do contato com os participantes. A pesquisadora foi informada acerca do grupo (com
ou sem dificuldades de atenção) das crianças apenas ao final da coleta de dados.
Os participantes foram divididos em dois grupos: os do Grupo A foram indicados
pelas professoras como possuidores de traços de TDAH. Portanto, essas crianças
não possuem um diagnóstico fechado e, conseqüentemente, não estavam fazendo
uso de medicação no decorrer da coleta de dados. Essa medida visa eliminar a
variável medicamento, pois a mesma poderia interferir de forma significativa no
resultado final da pesquisa. Há ainda um Grupo B formado por crianças que também
foram indicadas pelas professoras como não possuidoras de traços de TDAH. Cada
grupo foi formado por 02 participantes, dessa forma a pesquisa foi realizada com um
total de 04 participantes. Para garantir o anonimato dos participantes os nomes
originais foram trocados por nomes fictícios.
Grupo A Fem/Masc
Idade Grupo B Fem/Masc
Idade
André
M
10
Bruno
M
9
Antônio
M
9
Beatriz
F
10
Quadro 3 - Divisão dos Participantes por Grupos
6.2.
INSTRUMENTOS
Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram o jogo Mancala, a Escala
de TDAH – versão para professores (BENCZIK, 2000) e a tabela de diagnóstico
utilizada para pais. A confirmação das indicações das professoras foi efetivada por
meio da aplicação da escala de TDAH – versão para professores (BENCZIK, 2000).
Após essa etapa uma tabela2 diagnóstica para pais foi utilizada.
2
A escala encontra-se disponível em: www.tdah.org.br. Acesso em 12/08/2004. Página eletrônica da
Associação Brasileira do Déficit de Atenção - ABDA.
52
O Jogo Mancala foi descrito na seção introdutória (VER PÁG.44) do presente
trabalho.
A Escala de TDAH – versão para professores foi construída, validada e padronizada
no Brasil e, portanto, considera questões sociais e políticas da nossa realidade.
Essa
é
composta
por
49
itens
agrupados
em
três
fatores:
déficit
de
atenção/problemas de aprendizagem; hiperatividade/impulsividade e comportamento
anti-social. O número de itens ficou assim distribuído: déficit de atenção (itens 1 a 16
da escala, sendo que 6 são positivos para o TDAH e 10 negativos);
hiperatividade/impulsividade (itens 17 a 28, sendo 9 positivos e 3 negativos);
problemas de aprendizagem (itens 29 a 42, sendo 6 positivos e 8 negativos) e
comportamento anti-social (itens 43 a 49, sendo 4 positivos e 3 negativos). Os itens
positivos o são para a presença do TDAH e os negativos para ausência do TDAH. A
escala é do tipo Likert de 6 pontos em que a professora deve assinalar: DT (discordo
totalmente), D (discordo), DP (discordo parcialmente), CP (concordo parcialmente),
C (concordo) e CT (concordo totalmente)
de acordo com as afirmações
apresentadas em cada item (BENCZIK, 2000).
O objetivo dessa escala é avaliar sintomas comportamentais do TDAH em ambiente
escolar considerando, para tanto, as informações apresentadas pelo professor
(BENCZIK, 2000). Não se pretende traçar um quadro completo das condutas da
criança, mas sim obter informações relativas às impressões dos professores acerca
da mesma já que “Certamente, há outros métodos para avaliar a resposta da criança
ao tratamento, mas as escalas de verificação de comportamentos são uma
ferramenta de valor na identificação e na avaliação da eficácia das intervenções”
(BENCZIK, 2000, p. 22).
A tabela utilizada com os pais possui 18 itens em que 09 estão relacionados ao
déficit de atenção e 09 a hiperatividade/impulsividade. Essa está organizada para
que os pais assinalem: Nunca ou raramente, Pouco, Bastante ou Quase sempre, de
acordo com a freqüência em que os filhos apresentam os comportamentos descritos
na tabela. Essa tabela pode ser visualizada no APÊNDICE I.
53
6.3.
PROCEDIMENTOS
Após a permissão por parte das escolas para efetivação da coleta em seus
respectivos espaços físicos e com seus alunos, foi realizada uma entrevista com as
professoras de crianças na faixa etária de 09 a 11 anos de idade, no intuito de que
os possíveis participantes fossem identificados. Assim, solicitou-se à professora que
identificasse dois alunos com indícios de dificuldade de atenção e dois alunos que
não possuíssem tais indícios. Após a indicação dos participantes, as professoras
responderam à Escala de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade – versão
para professores, com a finalidade de confirmar as indicações feitas. As professoras
preencheram uma escala para cada criança, analisando-as individualmente.
Após essa etapa inicial, foi realizada uma entrevista de anamnese com os
responsáveis pelos participantes. Nesse encontro foi aplicada uma outra tabela de
diagnóstico TDAH – versão para pais e um termo de consentimento informado foi
assinado pelos mesmos.
Portanto, antes que as oficinas fossem iniciadas realizou-se uma reunião com as
professoras para identificar os possíveis participantes e, posteriormente, com os pais
para que pudessem assinar o termo de consentimento e, dessa forma, permitir a
participação do filho na coleta de dados.
Os dados foram coletados por meio de oficinas de jogos que ocorreram nas de
pendências da própria escola. As oficinas iniciais ocorreram no primeiro tempo de
aula e as finais, por solicitação da própria escola, ocorreram no horário do recreio.
Cada criança participou de um total de 04 (quatro) oficinas, sendo que em cada uma
foram jogadas cinco (05) partidas, totalizando vinte partidas para cada participante.
A primeira oficina foi realizada com a participação da criança, do pesquisador e de
um monitor (para auxiliar no registro das informações coletadas), e teve como
objetivo apresentar, por meio de um protocolo de instrução padrão (APÊNDICE II),
as regras do jogo Mancala, utilizado como instrumento no presente trabalho. Esse
protocolo tem como finalidade padronizar a forma de apresentação das regras do
54
jogo para os participantes fazendo com que isso não se converta em variável capaz
de modificar significativamente o resultado final desse trabalho.
Durante o processo de seleção dos participantes foi utilizado como instrumento
principal a Escala de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – versão
para professores (BENCZIK, 2000). Nesse período, doze (12) crianças foram
indicadas pelas professoras. Portanto, esta preencheu doze (12) escalas – uma para
cada criança. O número elevado de crianças no processo de seleção foi necessário,
pois a indicação da professora deveria ser confirmada na referida Escala por meio
da apresentação de, no mínimo, um percentil 95 no item “Déficit de Atenção”. De
acordo com o manual da referida Escala no percentil 95 encontra-se a região onde
há maior probabilidade de ocorrer esse transtorno (BENCZIK, 2000, p.56). Houve
ainda um caso em que os pais não autorizaram a participação da criança na
pesquisa. Em um outro caso, a mãe revelou, previamente, para a experimentadora
que a criança possuía tais problemas. Devido a técnica da “experimentação cega” os
dados, acerca desse participante, não foram utilizados.
A correção da Escala de TDAH – versão para professores (BENCZIK, 2000) se dá
por meio de um somatório entre os sub-itens de cada grupo (Déficit de atenção,
Hiperatividade/Impulsividade, Problemas de Aprendizagem e Comportamento Antisocial), após faz-se a correspondência desses números em uma tabela contendo
percentis. Estes são os responsáveis pela localização do indivíduo que está sendo
avaliado em uma das quatro regiões descritas como: abaixo da expectativa –
apresenta menos problemas que a maioria das crianças (até percentil 25); média
e/ou dentro da expectativa (percentis de 26 a 75); acima da expectativa – apresenta
mais problemas que a maioria das crianças (percentis de 76 a 94) e região onde há
maior probabilidade de apresentar o transtorno (percentil 95) (BENCZIK, 2000). Os
percentis apresentados por cada participante de acordo com a escala preenchida
pela professora serão apresentados no quadro a seguir:
55
Déficit de
Hiperatividade/
Problemas de
Comportamento
Atenção
Impulsividade
aprendizagem
anti-social
André
95
65
80
40
Antônio
99
95
99
85
Bruno
5
45
10
1
Beatriz
5
10
10
35
Quadro 4 - Percentis de cada participante na escala de TDAH – Versão para Professores
Participante
O critério de seleção adotado foi de que o participante, com dificuldade de atenção,
deveria apresentar um percentil 95 no item “Déficit de Atenção” na Escala de TDAH
– versão para professores. Para os participantes que não possuíssem tais
dificuldades o percentil deveria estar classificado como “abaixo da expectativa ou
média e/ou dentro da expectativa” (até o percentil 75).
Assim, após o processo de seleção apenas três crianças puderam participar da
coleta de dados, pois cumpriram os requisitos da escala. Devido a essa dificuldade
foi necessário buscar uma outra escola para que o último participante fosse
selecionado. Dessa forma foi estabelecido contato com uma escola de ensino
fundamental do setor privado e o número de participantes foi então completado.
Ao final do processo de seleção, das 12 crianças indicadas inicialmente pelas
professoras, apenas quatro participantes atenderam aos critérios preestabelecidos.
Realizou-se então uma entrevista com os pais para confirmação da indicação das
professoras. Nas entrevistas, os pais corroboraram a avaliação da professora por
meio do preenchimento da tabela de TDAH – versão para pais.
De acordo com os dados apresentados no quadro acima, os participantes ficaram
assim organizados: André e Antônio no grupo das crianças com dificuldade de
atenção e Bruno e Beatriz no grupo das crianças sem dificuldade de atenção. Por
meio dessa análise pode-se concluir que o preenchimento da Escala pelas
professoras foi o instrumento-chave para a seleção dos participantes.
Após a certificação de que cada participante havia compreendido as regras do jogo,
na primeira oficina que foi realizada apenas com o participante e o pesquisador, as
oficinas em que os participantes jogariam em duplas foram iniciadas. Nenhum
participante apresentou dificuldade significativa com relação ao entendimento das
56
regras do jogo e, portanto, não foi necessário repetir o procedimento inicial de
explicação do mesmo.
As demais oficinas ocorreram com a presença de dois participantes, o pesquisador e
o monitor, com exceção da última oficina de cada participante que foi realizada de
forma semelhante a primeira com a finalidade de possibilitar uma análise mais
aprofundada, por parte do pesquisador, da evolução do participante durante a
intervenção. Na última oficina foram apresentadas às crianças situações-problema
relacionadas ao Mancala, a fim de observar a evolução dos participantes no que diz
respeito à busca da melhor jogada possível para cada situação. As situaçõesproblema utilizadas foram propostas por Macedo; Petty e Passos (2000).
Foi
realizado um rodízio entre os jogadores de forma que todos jogaram contra todos.
As oficinas foram filmadas, com o prévio assentimento dos pais dos participantes, a
fim de possibilitar uma análise mais detalhada dos dados coletados e as partidas
foram registradas por meio de um protocolo de registro, como um instrumento
complementar de fornecimento de informações acerca das partidas. O protocolo de
registro das partidas encontra-se no APÊNDICE III. A análise do desempenho dos
participantes, bem como as condutas de desatenção foram analisadas por meio das
filmagens. No entanto, as situações-problema foram registradas em protocolo e os
dados de cada participante encontram-se no APÊNDICE IV.
Portanto, a coleta de dados foi realizada em seis etapas que se encontram descritas
de forma resumida no Quadro 6.
Etapas
1a
2
Participantes
Pesquisador e Diretor ou
Coordenador
Pesquisador e Professores
3a
Pesquisador e Pais
a
a
4
a
5
Pesquisador, um Participante e
o monitor
Pesquisador, dois participantes
e o monitor
a
6
Pesquisador, um participante e
o monitor
Quadro 5 - Etapas da Coleta de Dados
Atividade
Contato com a escola.
Entrevista com as professoras para indicação dos
participantes e aplicação da Escala de TDAH – versão
para professores.
Entrevista com os pais para assinatura do Termo de
Consentimento e aplicação da tabela de TDAH – versão
para pais.
1a Oficina – apresentação do Mancala para cada
participante em particular.
2a a 6a oficinas – os participantes jogarão entre si
(haverá um rodízio para que todos joguem com todos) e o
pesquisador participará como observador.
7a oficina e apresentação das situações-problema para
cada participante em particular.
57
6.4.
AVALIAÇÃO ÉTICA DE RISCOS E BENEFÍCIOS
A Resolução Nº 196/96 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde e
a Resolução Nº 016/2000 de 20 de dezembro de 2002 do Conselho Federal de
Psicologia estabelecem uma série de normas para que se possam realizar
pesquisas que envolvem seres humanos no Brasil.
De acordo com as regras firmadas nessas resoluções, a presente pesquisa é de
risco mínimo, já que os procedimentos realizados não representam riscos físicos ou
psíquicos, além dos já existentes na vida cotidiana dos participantes. Entre os
procedimentos adotados junto aos participantes e responsáveis pelos mesmos,
nenhum contém assunto de foro íntimo que pudesse expor o indivíduo a alguma
situação desconfortável. Todo o material utilizado ficará a cargo da pesquisadora, e
quaisquer outros custos advindos da pesquisa são de sua responsabilidade.
Como a pesquisa foi realizada com crianças entre 09 e 11 anos, foi proposto ao
responsável legal pelas mesmas, como condição para participação, que assinem um
termo de consentimento, visando deixar claros os fins da pesquisa e a livre vontade
do indivíduo em colaborar com o presente trabalho. O modelo desse termo consta
no APÊNDICE V.
A análise dos dados coletados nas entrevistas será divulgada por meio de
participação em congressos e publicação de artigos em periódicos especializados,
contribuindo para a ampliação do corpo de conhecimentos acerca da temática em
questão. Contudo fica assegurado aos participantes o anonimato.
O questionário e as escalas a que se respondeu, bem como o relatório solicitado,
depois de analisados, serão guardados por um prazo mínimo de cinco anos pela
pesquisadora.
No caso de os participantes desejarem ter conhecimento dos resultados, estes serão
fornecidos de acordo com a disponibilidade de ambos – pesquisadora e participante.
58
7. RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com Piaget, citado por Ribeiro (2001),
(...) toda conduta cognitiva comporta sempre dois aspectos solidários e
aparentemente antitéticos, os procedimentos e as estruturas. Ambos
implicam transformações na atividade cognitiva. Nos procedimentos, essas
transformações visam alcançar objetivos particulares ou variáveis, como,
por exemplo, os envolvidos na tentativa de resolução de um problema
prático e, nesse sentido, tem um caráter temporal (RIBEIRO, 2001, p. 23).
Os aspectos da conduta dos participantes estudados no presente trabalho foram os
procedimentos, ou seja, as ações de cada um com vistas a atingir o objetivo
principal que é o de vencer o jogo. Dessa forma, os dados foram analisados
buscando-se um aprofundamento na compreensão das condutas dos participantes
com indícios de dificuldades de atenção por meio de um estudo comparativo entre
estes e participantes sem tais indícios e por meio do estudo das estratégias
utilizadas pelos mesmos no jogo Mancala, visando apreender as transformações
ocorridas na atividade cognitiva, na tentativa de resolução do problema colocado
pelo mesmo. Assim, duas categorias denominadas “condutas de desatenção” foram
formuladas com a finalidade de que tais análises pudessem ser realizadas.
Portanto, os estilos de jogar de cada participante foram analisados de forma a
fornecer dados para que um estudo inter-grupos e inter-participantes
fosse
realizado, no que concerne ao estudo das dificuldades de atenção.
Para tanto, os dados obtidos por meio da coleta de dados foram analisados sob três
aspectos: desempenho no decorrer das partidas, as condutas de desatenção nas
regras do jogo e as principais estratégias utilizadas no jogo.
A análise do desempenho no decorrer das partidas foi realizada por meio da
observação do resultado final das oficinas (sendo considerado como vencedor
aquele que obteve o maior número de vitórias sob o número total de partidas de
cada oficina), também da observação do participante que mais venceu sob o número
total de partidas (somando-se todas as oficinas). A análise das estratégias
construídas pelos participantes para vencerem o jogo foi realizada por meio do
estudo das situações-problema apresentadas ao participante ao final das oficinas.
59
Após esse levantamento foi realizada uma comparação entre os participantes dos
dois grupos (A e B), bem como entre os quatro participantes.
7.1.
ANÁLISE DO DESEMPENHO E DAS ESTRATÉGIAS NO DECORRER DAS
PARTIDAS
A análise do desempenho dos participantes foi realizada a partir da tabulação do
número de vitórias, derrotas e empates: a) dos jogadores; b) de cada jogador com
os demais participantes e c) entre o Grupo A (participantes com dificuldade de
atenção) e o Grupo B (participantes sem dificuldade de atenção).
Os dados de cada jogador encontram-se no Quadro 7 e serão discutidos a seguir.
GRUPO
PARTICIPANTE
André
A
Antônio
Bruno
B
Beatriz
Abs.
%
Abs.
%
Abs.
%
Abs.
%
VITÓRIAS
12
60,00
6
30,00
9
45,00
4
20,00
DERROTAS
7
35,00
13
65,00
10
50,00
15
75,00
EMPATES
1
5,00
1
5,00
1
5,00
1
5,00
TOTAL DE
PARTIDAS
20
100
20
100
20
100
20
100
Quadro 6 - Número total de vitórias, derrotas e empates por participante
O jogador André foi o que obteve a maior percentagem de vitórias (60%), e a
jogadora Beatriz foi a que obteve a maior percentagem de derrotas (75%). A
percentagem de empates foi a mesma para todos os quatro participantes (5%). É
importante ressaltar que os valores foram medidos para cada jogador em particular e
não inter-jogadores.
Considerando uma ordem decrescente da percentagem de vitórias ficaria assim
configurado: André (60%), Bruno (45%), Antônio (30%) e Beatriz (20%). A ordem
decrescente de derrotas seria a seguinte: Beatriz (75%), Antônio (65%), Bruno
(50%) e André (35%). Considerando esses dados pode-se perceber que houve um
intercalamento entre os participantes dos Grupos A e B, com uma pequena
vantagem para os participantes que possuem dificuldades de atenção.
60
Observa-se que o jogador que obteve o melhor desempenho no decorrer das
oficinas foi o André, participante do grupo com indícios de TDAH, e o que obteve o
pior desempenho foi a Beatriz, participante do grupo que não possuía traços de
TDAH. Diante dessas informações podemos observar que a questão de possuir ou
não dificuldades de atenção não pode ser entendida enquanto garantia de fracasso
ou de sucesso a priori. Todos os seres humanos possuem limitações, a questão é
que as de alguns são mais evidentes e menos compreendidas do que a de outros.
Para uma melhor visualização da relação entre vitórias, empates e derrotas de cada
jogador será apresentado a seguir o Gráfico 1.
16
15
14
12
13
12
10
9
8
6
7
10
VITÓRIAS
DERROTAS
EMPATES
6
4
4
2
1
0
André
1
Antônio
1
Bruno
1
Beatriz
Gráfico 1 - Número total de vitórias, derrotas e empates por participante
O Gráfico 1 explicita que apesar de Beatriz ter apresentado uma percentagem
superior de derrotas com relação aos demais jogadores, em números absolutos,
este não foi significativamente superior ao número de derrotas apresentados por
Antônio. É válido ressaltar que a mesma diferença, em números absolutos, existente
entre o número de derrotas apareceu com relação ao número de vitórias, só que em
ordem inversa, ou seja, Antônio apresentou um número superior de vitórias.
Antônio e Beatriz foram os dois jogadores que apresentaram o número de derrotas
maior do que o número de vitórias. É importante ressaltar que eles possuíam
características diferentes durante o jogo. Antônio foi um jogador mais agitado, falava
bastante enquanto Beatriz jogava em silêncio, aparentemente mais centrada no
jogo.
61
Pode-se observar que houve uma significativa discrepância entre os números de
vitórias e derrotas de Beatriz. O que não ocorreu com Bruno, pois apresentou uma
diferença mínima (igual a 1, em números absolutos) entre vitórias e derrotas.
É importante ressaltar que o menor número de vitórias foi igual a 4, ou seja, nenhum
participante perdeu todas as 20 (vinte) partidas disputadas. Esse é um resultado
importante, pois demonstra que as diferenças com relação à presença ou ausência
das dificuldades de atenção não afetaram de forma significativa o desempenho dos
jogadores.
Em seguida serão analisados os números de vitórias, derrotas e empates de cada
jogador em particular.
7.1.1. Desempenho do Participante André (Grupo A)
O participante André mostrava-se bastante tranqüilo, falava pouco e aparentava
estar concentrado no jogo como um todo no decorrer das oficinas. Mostrou-se
competitivo apenas quando jogou contra Antônio, pois este competia o tempo todo
com os adversários e chegava a incitá-los a competirem também. Durante essa
oficina André e Antônio ficavam apontando os erros alheios e este, mesmo quando
estava perdendo criticava as jogadas de André. Em determinado momento André
começou a apresentar comportamento semelhante ao de Antônio.
O Gráfico 2 apresenta o desempenho do jogador André no decorrer das oficinas
com a experimentadora e com os demais participantes.
62
5
5
4
4
4
3
VITÓRIAS
2
1
0
DERROTAS
EMPATES
2 2
1
0
DANIELA
0 0
BRUNO
0
1
ANTÔNIO
BEATRIZ
1
Gráfico 2 - Desempenho do participante André (Grupo A) com relação à experimentadora e aos
demais participantes.
Com relação aos jogadores Bruno e Antônio, André obteve um número de vitórias
significativas, perdendo apenas uma partida para o jogador Antônio. Nas oficinas
com a participante Beatriz, ambos apresentaram o mesmo número de vitórias e
derrotas. A única vez em que o jogador André empatou também foi com Beatriz. O
pior desempenho de André foi quando jogou com a experimentadora, no entanto, é
válido ressaltar que foi nessa oficina em que ele aprendeu as regras do jogo, pois
não possuía conhecimento prévio acerca do mesmo. Essa foi oficina de
apresentação do Mancala e, portanto, o número elevado de derrotas não deve ser
considerado tão expressivo tendo em vista o objetivo da mesma.
Deve-se ainda ressaltar que o jogador André, que obteve um desempenho superior
aos demais, encontrou maiores dificuldades na oficina que participou com Beatriz,
jogadora que obteve o menor desempenho dos quatro participantes.
Durante a coleta de dados, em que a pesquisadora não tinha conhecimento de
quem eram as crianças com dificuldades de atenção, em nenhum momento foi
cogitada a possibilidade do jogador André pertencer a esse grupo. Pelo contrário, o
pensamento foi de que ele pertencia ao grupo das crianças sem dificuldades de
atenção devido à forma segura e à ampla visão que demonstrava possuir do jogo no
decorrer das oficinas. Essa visão mostra como os julgamentos a priori baseados em
conceitos pré-concebidos, ou seja, baseado naquilo que a sociedade considera
como normal pode gerar uma série de erros de análise e dificultar o relacionamento
com os demais.
63
7.1.2. Desempenho do Participante Antônio (Grupo A)
Antônio apresentou uma certa dificuldade em apreender as regras do jogo quando
este lhe foi apresentado pela pesquisadora. Mostrou-se impaciente ao escutar as
regras do mesmo e se distraiu algumas vezes, durante a explicação, com as peças
do jogo. Fazia erros de distribuição das peças no tabuleiro regularmente. Este foi o
jogador que apresentou mais claramente os “sintomas” da dificuldade de atenção.
O Gráfico 3 apresenta o desempenho do jogador Antônio no decorrer das oficinas.
5
5
5
4
4
4
VITÓRIAS
3
DERROTAS
2
1
0
EMPATES
1
0
0
DANIELA
0
BRUNO
1
ANDRÉ
0
0 0
BEATRIZ
Gráfico 3 - Desempenho do participante Antônio (Grupo A) com relação à experimentadora e
aos demais participantes.
De acordo com a sua forma de jogar aparentava não possuir uma estratégia definida
para vencer o jogo. Ele repetia freqüentemente que tinha conhecimento da jogada
do outro, no entanto, nunca fazia as mesmas jogadas. Aparentemente a sua
estratégia de jogo estava ligada à desestabilização do jogador adversário muito mais
do que à construção de estratégias no tabuleiro do mesmo. Ele fazia um “jogo
psicológico” com os adversários, muito mais do que prático. Em alguns momentos
Antônio tenta burlar algumas regras do jogo para capturar sementes. Ele mostravase impaciente, conversava muito durante o jogo dando a impressão de que a sua
estratégia era incomodar o jogador adversário para tirar a sua concentração.
No decorrer das oficinas foram observadas duas situações bastante peculiares:
quando jogou com a experimentadora perdeu todas as partidas e quando jogou com
Beatriz venceu todas as partidas. Antônio perdeu o mesmo número de partidas para
64
o jogador André e para Bruno – quatro partidas para cada adversário. Ainda com
relação ao Bruno ele empatou uma partida e venceu uma partida do jogador André.
Na oficina em que jogou contra Beatriz, Antônio mostrou-se mais competitivo do que
nas outras. Fez comentários em quase todas as jogadas de Beatriz. Ela parecia tão
incomodada e irritada que começou a jogar rapidamente sem parar para pensar no
que estava fazendo. É importante ressaltar que Beatriz era a que demorava mais a
efetivar suas jogadas. Nessa oficina, ela fazia as suas jogadas quase que
instantaneamente após as jogadas de Antônio. Foi uma oficina bastante peculiar,
pois até mesmo a monitora e a pesquisadora sentiram-se incomodadas com a
situação.
Portanto, Antônio demonstrou uma estratégia muito peculiar ao jogar. Estratégia
essa que nem sempre estava ligada diretamente ao jogo propriamente dito. A
relação entre afetividade e inteligência pode ser observada de forma mais simples
ao analisar a conduta de Antônio. Pois, considerando que esse “jogo psicológico” é
fruto de uma grande dificuldade em lidar com perdas e fracassos, pode-se observar
o nível elevado de influência que a mesma exerceu na determinação das
estratégias, ligadas à movimentação das peças no tabuleiro, para vencer o jogo,
dificultando ainda mais a concentração desse participante no mesmo e se
sobrepondo à construção de estratégias mais efetivas. No caso de Antônio percebese que a afetividade exerceu uma influência muito significativa sobre a inteligência.
Dessa forma, deve-se ressaltar a importância da afetividade no desenvolvimento
cognitivo, inclusive, no desenvolvimento da inteligência, da capacidade de
concentração e da implementação dos conhecimentos adquiridos nas estratégias
construídas.
A análise do desempenho de cada participante mostrou que Antônio não foi o que
apresentou o pior desempenho, apesar das dificuldades acima discutidas, no
entanto, o seu desempenho poderia ter sido superior se essa relação entre
afetividade e inteligência estivesse mais equilibrada, no que diz respeito ao papel de
cada uma na determinação da conduta do indivíduo. De acordo com as
considerações realizadas, observa-se o que a afetividade não é o único fator de
65
determinação da inteligência, entretanto, é um fator que influencia significativamente
no desenvolvimento da mesma.
7.1.3. Desempenho do Participante Bruno (Grupo B)
No decorrer das oficinas Bruno demonstrou uma característica muito peculiar:
chamar a atenção do jogador adversário quando ele esquecia de jogar novamente
após colocar a última semente da distribuição no oásis e para capturar as suas
próprias sementes quando o jogador adversário colocava a última semente da
distribuição em uma casa vazia. Ele ainda “concerta” as jogadas do adversário
quando esse esquece uma semente na casa que foi escolhida para a distribuição.
Bruno foi o único jogador que apresentou esse comportamento de cooperação com
os jogadores adversários.
O Gráfico 4 apresenta o desempenho do jogador Bruno com relação ao número de
vitórias, derrotas e empates no decorrer das oficinas.
5
5
4
4
4
4
3
VITÓRIAS
DERROTAS
2
1
0
EMPATES
1
1
0
DANIELA
0
ANDRÉ
0
0
ANTÔNIO
1
0
BEATRIZ
Gráfico 4 - Desempenho do participante Bruno (Grupo B) com relação à experimentadora e aos
demais participantes.
Quando indagado acerca da melhor forma de jogar respondeu que era “tapar os
buracos dele (jogador adversário) e esvaziar o meu, pra poder capturar”. Ele ainda
verbalizou que “observa os erros do outro jogador pra aproveitar”. Bruno disse a
Antônio: - “Você tem que prestar mais atenção na minha estratégia”.
O jogador Bruno apresentou um desempenho significativamente superior ao de
Antônio e Beatriz – venceu quatro partidas de cada um, empatou uma com Antônio e
perdeu uma para Beatriz. Nas partidas com a experimentadora e com André o
66
jogador Bruno perdeu a maior parte das partidas – quatro para Daniela e cinco para
André. Ainda com relação à experimentadora, Bruno venceu uma partida.
O desempenho de tal jogador foi equilibrado no que diz respeito ao número de
vitórias e derrotas, sendo a diferença de apenas uma partida – oito partidas vencidas
e nove perdidas.
Bruno demonstrou possuir a habilidade de cooperar em um ambiente de competição
(ambiente do jogo). Em nenhum momento ele demonstrou a vontade de perder o
jogo, pelo contrário ele desenvolvia suas estratégias com o intuito de ganhá-lo. No
entanto, isso não o impedia de mostrar ao jogador adversário os erros que este
estava cometendo.
Bruno aparentava estar bastante concentrado no jogo, não verbalizava muito
durante as partidas e demonstrou tranqüilidade ao efetivar as jogadas escolhidas.
Foi um dos jogadores que, aparentemente, possuía estratégias bem delimitadas
para vencer o jogo, direcionando suas jogadas de acordo com tais estratégias.
A conduta, apresentada por Bruno, cooperar com o aprendizado e com a construção
de estratégias do jogador adversário é algo que pode ser analisado considerando a
questão do erro, descrito na seção introdutória deste trabalho, pois observa-se que,
nos momentos em que apresentou tal comportamento, Bruno estava transformando
o erro em algo construtivo, ou seja, fazendo com que este passasse de sinônimo de
fracasso para tornar-se fonte de aprendizagem.
Esse comportamento apresentado por Bruno é muito interessante, visto ser uma
conduta não esperada em um ambiente de competição como o do jogo proposto,
pois esta ação implicava em um prejuízo direto (perdendo peças do jogo) ou indireto
(chamando a atenção do jogador adversário para as regras do jogo).
7.1.4. Desempenho da Participante Beatriz (Grupo B)
67
Durante as primeiras oficinas, Beatriz cometeu erros de movimentação das
sementes no tabuleiro, geralmente, movimentava as sementes para trás e não na
direção do seu oásis. Tentava burlar algumas regras quando percebia que estava
perdendo o jogo. Demorava em jogar e aparentava analisar as possibilidades de
jogadas. A oficina em que jogaram Beatriz e Antônio foi bastante conturbada, pois
ele falou durante toda oficina, o que tornou o ambiente bastante desagradável até
mesmo para a pesquisadora e a monitora. Nas últimas partidas dessa oficina,
Beatriz estava visivelmente incomodada e pareceu jogar de qualquer maneira como
que para terminar logo a mesma.
Apesar de Beatriz apresentar uma grande aversão pela possibilidade de perder no
jogo, à medida em que isso se concretizava ela parecia “desestabilizada” não
conseguindo construir estratégias que surtissem efeito no sentido de reverter a
situação que se configurava, nesse momento ela passava a burlar algumas regras
do jogo. Não tentava fazer isso constantemente, apenas esporadicamente. Dessa
forma, novamente percebe-se a relação entre afetividade e desenvolvimento
cognitivo. Desse modo pode-se observar como os sentimentos desestabilizam os
indivíduos a ponto de influenciar significativamente o comportamento que será
apresentado. Portanto, no momento em que isso acontece mesmo que o indivíduo
esteja em uma determinada fase do desenvolvimento cognitivo poderá apresentar
um comportamento não condizente com tal fase, pois ligado a uma fase anterior.
Os dados acerca das vitórias, derrotas e empates estão apresentados no Gráfico 5.
5
5
4
4
4
3
2
2
1
0
1
1
0
DANIELA
2
0
BRUNO
0
1
VITÓRIAS
DERROTAS
EMPATES
0
ANTÔNIO
ANDRÉ
Gráfico 5 - Desempenho da participante Beatriz (Grupo B) com relação à experimentadora e
aos demais participantes.
68
O desempenho da jogadora Beatriz foi significativamente inferior se considerado aos
demais participantes, pois a mesma não venceu nenhuma oficina. A oficina em que
apresentou o melhor desempenho foi contra André, em que obteve duas vitórias,
duas derrotas e um empate. Com relação aos demais jogadores: uma vitória e
quatro derrotas contra Daniela, o mesmo resultado quando jogou com Bruno e cinco
derrotas quando jogou contra Antônio. Apesar do desempenho negativo Beatriz
apresentava uma grande necessidade de vencer.
Dois
jogadores
apresentaram
desempenho
que
podem
ser
considerados
surpreendentes: Beatriz (do Grupo B – crianças sem dificuldades de atenção) e
André pertencente ao grupo das crianças com dificuldades de atenção (Grupo A).
Beatriz apresentou o pior desempenho dos quatro participantes enquanto André
apresentou o melhor desempenho. De acordo com a hipótese inicial os
desempenhos esperados seriam os opostos. O outro jogador do Grupo A, Antônio,
obteve um desempenho inferior a Bruno e André e superior apenas à Beatriz.
Diante das informações até aqui apresentadas pode-se perceber um equilíbrio entre
as crianças que possuem dificuldades de atenção e as que não possuem tais
dificuldades. O que pôde ser observado é que a dificuldade de atenção não foi o
único fator responsável pela derrota da criança que possuía as mesmas. O resultado
do jogo não estava definido a priori. As oficinas mistas, entre crianças com
dificuldades de atenção e crianças sem estas dificuldades, foram importantes
momentos de superação de barreiras, de obstáculos e de estereótipos.
Em seguida, serão apresentados dados relativos às vitórias, derrotas e empates dos
Grupos A (com dificuldade de atenção) e B (sem dificuldade de atenção).
7.1.5. Desempenho dos Grupos A e B
Observa-se no gráfico 6 que o desempenho dos participantes do Grupo A (crianças
com dificuldades de atenção) foi superior ao desempenho dos participantes do
Grupo B (crianças sem indícios de dificuldade de atenção), pois o primeiro grupo
venceu um número maior de partidas do que o segundo. Importante ressaltar que a
69
diferença entre o número de vitórias (18 – Grupo A e 13 – Grupo B) e o número de
derrotas (20 – Grupo A e 25 – Grupo B) foi igual a cinco, em ambos os casos. Cada
grupo apresentou o mesmo número de empates (dois).
25
25
20
15
10
20
18
A
13
B
5
0
2
VITÓRIAS
DERROTAS
2
EMPATES
Gráfico 6 - Vitórias, derrotas e empates dos Grupos A e B
Os números acerca das vitórias, derrotas e empates dos Grupos A e B apresentados
no Gráfico 6 explicitam dados surpreendentes que alimentam a reabertura das
discussões acerca da conduta e das limitações dos indivíduos considerados
hiperativos. Pois o Grupo A que, teoricamente, deveria apresentar um desempenho
inferior, demonstrou o contrário. Em contrapartida, o Grupo B que, teoricamente,
seria mais apto, por não possuir dificuldades de atenção, apresentou um
desempenho inferior ao primeiro grupo.
O ser humano possui uma capacidade impressionante de se adaptar às situações
mais adversas encontradas no decorrer da vida. Desde os primórdios a sociedade,
sob a ótica da exclusão, vem produzindo identidades e catalogando pessoas. Essa
produção é incorporada por nós durante todo o processo educacional. São inúmeras
as categorias: os pobres e os ricos, os feios e os bonitos, os normais e os
deficientes, os que possuem dificuldades de atenção e aqueles que não possuem. A
utilização dessas categorias como se fossem naturais faz com que as pessoas
esqueçam da impressionante capacidade de adaptação citada no início do
parágrafo. Nesse ínterim, a pessoa como um todo é secundarizada e reduzida
àquela parte ou capacidade que está ausente.
70
Os resultados apresentados até aqui nos fazem refletir acerca da hipótese que nós
mesmos construímos (de que as crianças com dificuldades de atenção
apresentariam um desempenho inferior àquelas que não possuem tais dificuldades),
pois o que nos fez acreditar que as crianças apresentariam um desempenho inferior
somente pelo fato de possuírem dificuldades de atenção, senão a crença de que
aqueles que não possuem tais dificuldades são superiores, a priori? Está claro que
não podemos negar que a existência de tais dificuldades exige uma capacidade de
adaptação e superação muito maior do indivíduo que a possui. No entanto, isso não
o faz melhor ou pior do que os outros e, sim, diferente, ou seja, os métodos que ele
precisará utilizar serão diferentes dos que aqueles que não possuem tais
dificuldades utilizam. Tais sujeitos poderão encontrar barreiras maiores, mas isso
não significa que serão inferiores ou menos capazes.
Os resultados apresentados remetem-nos novamente à teoria de Piaget, quando
este afirma que os estágios de desenvolvimento não são fixos e que há um
constante movimento de inda e vinda nos processos cognitivos. Portanto, o fato de
não possuir dificuldade de atenção não significa que essa criança estará em uma
fase mais adiantada do desenvolvimento com relação àquela que possui tal
dificuldade. O desenvolvimento cognitivo é complexo e envolve uma combinação de
diferentes aspectos a qual ainda não foi totalmente desvendada.
7.2.
ANÁLISE DAS CONDUTAS DE DESATENÇÃO
Para analisar as diferenças com relação à atenção dos participantes com indícios de
TDAH (Grupo A) e aqueles sem indícios de TDAH (Grupo B) foram construídas duas
categorias denominadas “Condutas de Desatenção Tipo-1 e Tipo-2”.
Considerou-se conduta de desatenção a não execução de duas regras do jogo: a)
jogar novamente quando a última semente da distribuição cair no oásis (Conduta de
Desatenção Tipo 1 – CDT-1) e b) capturar as sementes do jogador adversário
quando a última semente da distribuição cair em uma cavidade vazia – serão
capturadas as sementes que estiverem na casa em frente à que estava vazia e que
recebeu a última semente da distribuição – (Conduta de Desatenção Tipo 2 – CDT2). As regras acima descritas foram consideradas como as mais eficientes, no que
concerne ao alcance do objetivo final do jogo, que é o de armazenar o maior número
71
de sementes no oásis. As condutas descritas foram prejudiciais para o alcance da
meta estabelecida pelas regras do jogo. Realizou-se uma análise da freqüência em
que esses episódios foram apresentados pelos sujeitos em particular, e em seguida,
uma comparação inter-grupos.
Cada uma dessas categorias foi confrontada com o número de vezes em que o
participante poderia ter apresentado a Conduta de Desatenção, tal possibilidade foi
denominada de “Freqüência Geral”. Na CDT-1 a Freqüência Geral significa o
número de vezes em que a última semente da distribuição caiu no oásis; na CDT-2 a
Freqüência Geral representa o número de vezes em que a última semente da
distribuição caiu em uma casa vazia. Portanto, a Freqüência Geral em ambos os
casos representa a possibilidade de exibição das Condutas de Desatenção (Tipos 1
e 2).
O Gráfico 7 apresenta a relação entre a Freqüência Geral e a CDT-1 de cada
participante.
120
115
100
80
94
91
84
CDT-1
60
FREQUÊNCIA GERAL
40
20
0
3
ANDRÉ
8
2
1
BRUNO
Gráfico 7 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por participante
Considerando a freqüência geral pode-se observar que a freqüência do CDT-1 não
foi significativa. O jogador Antônio (Grupo A) foi o que apresentou o menor número
relativo à freqüência geral (número de vezes em que a última semente da
distribuição caiu no oásis) e o maior número relativo ao CDT-1.
A simples visualização do Gráfico 07 permite observar que nenhum dos quatro
participantes apresentou um número elevado de Condutas de Desatenção Tipo1
quando comparados à freqüência geral.
72
Abaixo (Quadro 8) estão explicitadas as porcentagens entre a freqüência geral e a
freqüência do CDT-1.
GRUPO
A
B
CDT-1
Abs.
%
FREQÜÊNCIA
GERAL
André
3
2,61
115
Antônio
8
9,52
84
Bruno
2
2,20
91
Beatriz
1
1,06
94
SUJEITO
Quadro 7 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por participante.
A partir dos dados apresentados acima, pode-se perceber que os dois jogadores do
Grupo A (crianças com dificuldades de atenção), Antônio e André apresentaram a
maior porcentagem do CDT-1 (9,52% e 2,61%, respectivamente) com relação à
freqüência geral. Apesar de que a porcentagem apresentada por Bruno (2,20%)
esteve bem próxima à apresentada por André (2,61%). Beatriz apresentou a menor
porcentagem (1,06%) de apresentação do CDT-1.
A Conduta de Desatenção Tipo 1 – esquecer de jogar novamente quando a última
semente da distribuição cair no oásis – é algo que pode vir a prejudicar o alcance do
objetivo do jogo – acumular o maior número de sementes no oásis. Dessa forma, é
válido ressaltar que a participante que obteve a menor porcentagem de
apresentação do CDT-1 (Beatriz – 1,06%), ou seja, a que menos esqueceu de jogar
novamente quando a última semente da distribuição caiu no oásis foi a que
apresentou o pior desempenho com relação ao número de vitórias (venceu apenas
quatro em um total de 20 partidas) no decorrer das oficinas.
Com isso, percebe-se que apesar dos participantes do Grupo A terem apresentado
um número maior de CDT-1, que era de se esperar visto que ambos possuem
indícios de dificuldade de atenção, o jogador André conseguiu superar essa
dificuldade apresentando um desempenho superior aos demais participantes.
Apesar de o jogador Antônio não ter tido um desempenho tão bom quanto o do outro
jogador do seu grupo, também não apresentou o pior desempenho com relação aos
demais.
73
Considerando os dados apresentados acima pode-se observar que a estratégia de
jogar a última semente da distribuição no oásis para jogar novamente foi bastante
utilizada pelos quatro participantes, sendo que André (115) e Beatriz (94) foram os
que mais se utilizaram de tal estratégia, seguidos por Bruno (91) e Antônio (84).
Grupo A, Grupo B, Grupo B e Grupo A, respectivamente O jogador que utilizou essa
estratégia o maior número de vezes (André) e o que apresentou a mesma o menor
número de vezes (Antônio) pertencem ao Grupo A. A seqüência de apresentação da
freqüência geral explicita um equilíbrio entre os grupos com relação à mesma.
Dessa forma, percebe-se que não houve uma discrepância significativa no que diz
respeito à utilização dessa estratégia entre os quatro participantes.
Entretanto, o Quadro 9 apresenta um diferença significativa quanto à apresentação
da CDT-1 entre os Grupos A e B, apesar de a freqüência geral não ter sido tão
discrepante. Esse resultado vem confirmar a idéia inicial de que as crianças com
dificuldades de atenção apresentariam um maior número de condutas de
desatenção no jogo. Considerando que a situação de jogo como um momento
agradável, descontraído e de divertimento, em que a pressão sobre a criança é
menor esse resultado vem fortalecer a idéia de que os jogos de regras, nesse caso o
Mancala, são importantes e eficazes na avaliação das dificuldades de atenção em
crianças. As dificuldades apresentadas pelas crianças continuaram aparecendo só
que de uma forma menos frustrante para as mesmas.
GRUPO
CDT-1
FREQÜÊNCIA
Abs.
%
GERAL
A
11
5,53
199
B
3
1,62
185
Quadro 8 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por grupo.
O Quadro 9 explicita a relação entre os números absolutos de apresentação da
CDT-1 e as porcentagens de cada grupo. O Grupo A obteve uma maior número de
freqüência geral, ou seja, teve o maior número de possibilidades de apresentar a
estratégia de jogar a última semente da distribuição mais vezes no oásis, no intuito
de vencer o jogo. Percentualmente o Grupo A apresentou 5,53% de vezes o CDT-1,
enquanto o Grupo B apresentou 1,62% das vezes tal comportamento. Pode-se
74
perceber que mesmo tendo apresentado uma freqüência geral maior do que o Grupo
B, o Grupo A apresentou a porcentagem de CDT-1 superior.
200
199
150
185
A
100
50
0
B
11
CDT-1
3
FREQUÊNCIA
GERAL
Gráfico 8 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-1 por grupo.
Observando o Gráfico 8 pode-se perceber que o número de CDTs-1 apresentado
pelos participantes do Grupo A foi maior do que o apresentado pelos participantes
do Grupo B. No entanto, faz-se necessário ressaltar que o Grupo A obteve uma
maior freqüência geral, ou seja, da possibilidade de apresentar o comportamento de
jogar novamente quando a última semente da distribuição cair no oásis.
O grupo de crianças que possuem indícios de dificuldade de atenção (Grupo A)
apresentou um maior número de Condutas de Desatenção Tipo 1 do que as
crianças que não possuem tais indícios (Grupo B). Apesar de André (Grupo A) ter
sido o segundo a apresentar o maior número do CDT-1, ele obteve o melhor
desempenho dos quatro participantes. O participante Antônio que obteve um número
bem elevado de CDT-1 se comparado aos demais (8 ou 9,52%) não foi o que
apresentou o pior desempenho, pois este foi apresentado por Beatriz que, em
contrapartida, apresentou o menor número de CDT-1(apenas uma vez). Portanto,
podemos perceber que a CDT-1 não foi a causa determinante para o sucesso ou
fracasso dos jogadores.
Quanto a Conduta de Desatenção Tipo 2 (CDT-2) a apresentação da mesma pelos
quatro participantes está explicitada no Quadro 10.
75
GRUPO
CDT-2
Abs.
%
FREQÜÊNCIA
GERAL
André
5
4,63
108
Antônio
10
8,06
124
Bruno
3
2,56
117
Beatriz
2
1,74
115
SUJEITO
A
B
Quadro 9 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por participante.
A ordem decrescente de apresentação da CDT-2 foi a seguinte: Antônio, André,
Bruno e Beatriz. Esta foi exatamente igual à ordem de apresentação da CDT-1. O
participante que apresentou o maior número absoluto da CDT-2, bem como a
porcentagem da mesma (8,06%) foi, novamente, Antônio. No entanto, o número de
CDT-2 apresentado por André foi mais elevado se considerado ao CDT-1 e a
porcentagem com relação à freqüência geral também se apresentou mais elevada.
Diferentemente da CDT-1, Antônio foi quem teve o maior número de possibilidades
de apresentar tal comportamento. A seguir, o Gráfico 11 será apresentado para uma
melhor visualização da relação de apresentação da CDT-2 de cada participante.
140
120
124
117
108
100
115
80
CDT-2
FREQUÊNCIA GERAL
60
40
20
0
5
10
3
ANDRÉ
ANTÔNIO
BRUNO
2
BEATRIZ
Gráfico 9 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por participante.
Apesar de os participantes Antônio e André, pertencentes ao Grupo A – de crianças
com dificuldade de atenção, apresentarem o maior número de CDT-2, pode-se
observar que a freqüência geral, ou seja, as possibilidades de apresentação de tal
comportamento foram significativamente superiores do que o comportamento
efetivamente apresentado (Antônio: FG=124 e CDT-2=10 e André FG=108 e CDT2=05).
76
O número absoluto apresentado por André (05) não foi significativamente superior
aos apresentados por Bruno (03) e Beatriz (02), ambos pertencentes ao Grupo B de
crianças que não possuem dificuldade de atenção. A freqüência geral, ou seja,
possibilidade de apresentação da CDT-2, do participante André foi a menor quando
relacionada aos demais participantes.
O Quadro 11 explicita a apresentação da CDT-2 dos Grupos A e B.
GRUPO
CDT-1
FREQÜÊNCIA
Abs.
%
GERAL
A
15
6,47
232
B
5
2,16
232
Quadro 10 – Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por grupo.
Analisando o quadro acima se pode observar que o número absoluto de
apresentações da CDT-2 foi três vezes maior para o Grupo A com relação ao Grupo
B. Quanto à porcentagem o Grupo A também demonstrou um número mais elevado,
6,47% contra 2,16% do Grupo B. É válido ressaltar que a freqüência geral foi igual
para ambos os grupos.
Esses resultados novamente confirmam a idéia inicial de que as crianças com
dificuldades de atenção apresentariam um número maior de tais condutas do que as
crianças que não possuem tais indícios. No entanto, é válido ressaltar que tais
condutas não foram apresentadas apenas pelas crianças do Grupo A. Todas as
crianças apresentaram um certo índice tanto da CDT-1 como da CDT-2. Dessa
forma, percebe-se que um certo limiar de desatenção é “normal” em todas as
pessoas, visto que a manutenção da atenção concentrada consome bastante
energia dos indivíduos. Isso nos faz pensar que os períodos de desatenção
poderiam ser uma forma de “descansar” o cérebro do excesso de informações a que
somos expostos.
Se todos possuímos um certo grau de desatenção a diferença entre as crianças que
possuem tais dificuldades das que não possuem será quantitativa e não qualitativa.
Os que não são considerados como possuidores de dificuldade de atenção
conseguem lidar com o limiar de desatenção como algo natural, portanto, isso nos
77
leva a crer que para as crianças que possuem um limiar de desatenção em um nível
que prejudica a convivência e a realização de tarefas a questão é encontrar
alternativas de superar tais dificuldades.
O Gráfico 10 explicita a relação entre os dois grupos de forma a facilitar a
visualização.
250
232 232
200
150
A
100
B
50
0
15
5
CDT-2
FREQUÊNCIA
GERAL
Gráfico 10 - Freqüência Geral e Freqüência da CDT-2 por grupo.
Dessa forma, conclui-se que com relação às condutas de desatenção tanto nos
participantes considerados individualmente quanto no desempenho por grupo quem
obteve maior índice de apresentação de tais condutas foram os participantes com
dificuldade de atenção (Grupo A). Confirmando, portanto, a hipótese inicial de que
os participantes com dificuldades de atenção apresentariam um número superior de
condutas de desatenção. No entanto, é importante ressaltar que essas condutas não
prejudicaram significativamente o desempenho de André (Grupo A), pois foi quem
obteve o melhor desempenho dos quatro participantes.
A freqüência geral total dos Grupos (A e B) na CDT-1 e na CDT-2 ficou assim
definida: CDT-1=384 e CDT-2=464. Esses resultados dão pistas acerca da
estratégia montada pelos jogadores no decorrer das oficinas, pois observando os
resultados apresentados pode-se perceber que a estratégia de jogar uma semente
na casa vazia para capturar as sementes do adversário foi preferida por todos eles
se comparada com a utilização da estratégia de jogar novamente quando a última
semente da distribuição cair no oásis.
78
A análise das condutas de desatenção (CDT-1 e CDT-2) é senão a análise dos erros
apresentados pelos participantes no decorrer das oficinas. É importante ressaltar
que o participante Bruno lidou de forma diferenciada com relação ao erro
apresentado pelo jogador adversário. Enquanto alguns torciam para que o outro
cometesse algum tipo de erro no jogo, em alguns momentos o Bruno mostrava o
erro que havia sido apresentado e permitia que o mesmo fosse corrigido.
É importante ressaltar que o erro não foi o único responsável pelo sucesso ou
fracasso dos jogadores, como pôde ser observado nos índices de conduta de
desatenção apresentados pelos mesmos. O maior exemplo disso foi o jogador
André, pois apesar de ter apresentado o segundo maior número de condutas de
desatenção (CDT-1 e CDT-2) foi o que apresentou o melhor desempenho no que diz
respeito ao número de vitórias, derrotas e empates quando comparado aos demais
jogadores.
7.3.
ANÁLISE DA RESOLUÇÃO DAS SITUAÇÕES-PROBLEMA
As situações-problema foram apresentadas a cada sujeito individualmente, ao final
das oficinas. Portanto, participou dessa etapa apenas um dos sujeitos por vez, a
pesquisadora e a monitora. Nesta, as crianças foram questionadas acerca de qual
seria a melhor jogada para cada uma das sete situações apresentadas, ou seja, foi
requerido dos mesmos pensar acerca da melhor estratégia a ser utilizada em cada
situação proposta. As questões utilizadas foram propostas por Macedo, Petty e
Passos (2000), as quais serão apresentadas durante a exposição dos resultados.
Os sujeitos não apresentaram dificuldade em compreender e responderam com
certa velocidade às questões propostas. Pressupõe-se que cada criança adote
estratégias para resolver as situações-problema que são colocadas. Essas
estratégias envolvem,
Dois aspectos centrais: uma idéia a respeito do objetivo a ser alcançado e
uma noção acerca dos meios para atingi-lo. A resolução da tarefa envolve,
assim, de um lado, compreensão do problema e, de outro, procedimentos
para resolvê-lo. O nível estrutural fixa os limites dentro dos quais a criança
pode assimilar a situação problema e oferece a gama de procedimentos
possíveis de serem empregados para resolvê-la (DAVIS E ESPÓSITO,
1990, p.73).
79
Dessa forma, os três níveis de conduta propostos por Piaget (1976) e apresentados
na seção introdutória do presente trabalho serão utilizados no intuito de identificar o
nível e, portanto, o limite dentro do qual a criança se encontra para que haja uma
maior compreensão das respostas apresentadas pela mesma. No entanto, fez-se
necessário uma adaptação dessas condutas para o jogo Mancala, especialmente
para a análise das situações-problema. Portanto, as condutas foram assim
adaptadas:
•
Alfa: respostas incorretas às situações-problema (ressaltando que as
respostas consideradas corretas foram as descritas por Macedo; Petty e
Passos (2000);
•
Beta: respostas corretas, que não infringiam as regras do jogo, mas que não
estavam de acordo com a resposta proposta por Macedo; Petty e Passos
(2000);
•
Gama: repostas e justificativas de acordo com o proposto por Macedo; Petty e
Passos (2000).
As questões apresentadas nas situações-problema possuíam um nível crescente de
dificuldade, sendo as últimas (IVA e IVB) as que exigiam um maior nível de atenção
no território do jogador e do adversário. Em todas as situações apresentava-se uma
determinada configuração do jogo e, em seguida, fazia-se perguntas ao participante.
Nenhum dos quatro participantes acertou a questão IV por completo, o que implica
em que nenhum dos participantes acertou a todas as questões propostas.
Inicialmente foi realizado um levantamento acerca de quais questões foram
respondidas de forma correta por cada sujeito e quantas questões cada sujeito
acertou. Os dados dessa análise estão explicitados a seguir (Quadro 12).
SITUAÇÕES
Beatriz
Antônio
Bruno
André
I
CORRETA
CORRETA
CORRETA
CORRETA
IIA
INCORRETA
INCORRETA
INCORRETA
CORRETA
IIB
CORRETA
CORRETA
CORRETA
CORRETA
IIIA
INCORRETA
INCORRETA
INCORRETA
CORRETA
IIIB
INCORRETA
INCORRETA
INCORRETA
CORRETA
IVA
INCORRETA
CORRETA
INCORRETA
INCORRETA
IVB
INCORRETA
INCORRETA
CORRETA
INCORRETA
Quadro 11 - Questões corretas e incorretas de cada indivíduo nas situações-problema
80
Todos os quatro participantes acertaram as questões I e IIB. Antônio (Grupo A) foi o
único participante que acertou a questão IVA. Bruno (Grupo B) foi o único que
acertou a questão IVB. André (Grupo A) foi quem apresentou melhor desempenho
na resolução das questões, apresentou apenas dois erros (questões IVA e IVB) e foi
o único jogador que acertou as questões IIA, IIIA e IIIB.
A seguir será apresentado, no Quadro 13, o total de questões corretas e incorretas
de cada sujeito, bem como o percentual de erros e acertos de cada um.
GRUPO
N° DE
QUESTÕES
CORRETAS
N° DE
QUESTÕES
INCORRETAS
TOTAL
Abs..
5
2
7
%
71,43
28,57
100
Abs..
3
4
7
%
42,86
57,14
100
Abs..
3
4
7
%
42,86
57,14
100
Abs..
2
5
7
%
28,57
71,43
100
SUJEITO
André
A
Antônio
Bruno
B
Beatriz
Quadro 12 – Número de questões corretas e incorretas por sujeitos nas situações-problema
Beatriz (Grupo B) obteve 28,57% de acertos e 71,43% de erros, foi a participante
com a maior porcentagem de respostas incorretas e a menor de respostas corretas.
André (Grupo A) obteve números exatamente contrários aos de Beatriz, ou seja,
71,43% de acertos e 28,57% de erros. Dessa forma, ele foi o participante com o
maior número de respostas corretas e com o menor número de respostas incorretas.
Os participantes Antônio (Grupo A) e Bruno (Grupo B) obtiveram a mesma
porcentagem de questões corretas (42,86%) e incorretas (57,14%).
O Gráfico 11 demonstra de forma mais clara a relação entre erros e acertos de cada
participante que foi discutida acima.
81
5
5
5
4
3
2
4
4
3
QUEST.
CORRETAS
3
2
QUEST.
INCORRETAS
2
1
0
BEATRIZ
ANTÔNIO
BRUNO
ANDRÉ
Gráfico 11 – Número de questões corretas e incorretas por sujeito
A seguir serão apresentadas as situações-problema individualmente, de acordo com
o modelo proposto por Macedo; Petty e Passos (2000, pgs. 74 e 75). A situaçãoproblema I está apresentada no Quadro 14.
1. Observe a situação ao lado.
A partida será iniciada pelo jogador A.
Qual a melhor casa para começar o jogo?
Justifique.
12
(3)
(0)
(3)
B
1
A
11
(3)
(3)
2
10
(3)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(0)
(3)
6
Quadro 13 - Situação-problema I
Fonte: Macedo, 2000, p.74
Como observado no Quadro 14, nessa situação-problema apresentava-se o
tabuleiro pronto para iniciar uma partida e era dada a seguinte instrução “Observe a
situação ao lado. A partida será iniciada pelo jogador A. Qual a melhor casa para
começar o jogo? Justifique”. De acordo com Macedo; Petty e Passos (2000, p.115) a
resposta correta para essa situação seria: “começar pela casa 10, porque permite
mais uma jogada”. Os quatro participantes não tiveram dúvidas para responder e
justificar corretamente à questão.
Diante de tal resultado pode-se perceber que nessa situação-problema todos os
participantes puderam analisar de maneira bastante eficaz a configuração geral do
jogo para poder tomar a decisão mais vantajosa quanto ao início do mesmo. Dessa
forma, observa-se que os jogadores apresentaram a conduta gama, descrita por
Piaget (1976), pois realizaram as antecipações e análises necessárias para
equilibrar a situação que lhes foi proposta.
82
A seguir será apresentada a situação-problema II no Quadro 15.
2. O jogo está como mostra a situação ao lado.
a) Se você fosse o jogador A, em qual casa
mexeria? Por quê?
b) Suponha que o jogador A mexeu na
casa 7 e ganhou, portanto, 3 sementes.
O que B poderia fazer para ganhar mais
que essa quantia de sementes já na
próxima vez?
A
(1)
B
12
(4)
(3)
1
11
(4)
(3)
2
10
(0)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
Quadro 14 - Situação-problema II
Fonte: Macedo, 2000, p.75
Na situação-problema II (Figura 4) havia duas questões IIA e IIB. Apenas André
(Grupo A) respondeu corretamente a questão IIA “Se você fosse o jogador A, em
qual casa mexeria? Por quê?”, no entanto, a resposta estava incompleta
considerando que a resposta esperada seria: “Mexeria as casas 9 ou 11 para se
defender de B” (MACEDO; PETTY E
PASSOS, 2000, p.115). André respondeu
apenas a casa 11. Os demais jogadores dirigiram a atenção para a possibilidade
imediata de capturar sementes, ou seja, de atacar o adversário, enquanto a resposta
correta seria a de movimentar as sementes de uma forma defensiva, pois de outra
maneira o número de sementes perdidas seria superior ao de sementes adquiridas.
É importante ressaltar que a resposta desses jogadores não infringia nenhuma das
regras do jogo, a questão é que foi uma resposta isolada, baseada apenas no
momento presente e não uma resposta visando um resultado positivo no jogo em
longo prazo. Portanto, a noção de implicação entre as ações, essencial para o
desenvolvimento do pensamento dialético, já pode ser observada, embora
acompanhada pelas limitações estruturais de cada participante.
Considerando as condutas alfa, beta e gama com relação ao jogador André (Grupo
A) a conduta apresentada foi do tipo gama, visto que ele continua incorporando ao
sistema todas as informações necessárias para resolver o problema que lhe foi
proposto. Ele apresenta um equilíbrio no momento de resolver o mesmo, apesar de
não responder a questão de forma completa. A questão foi considerada correta, pois
83
na pergunta proposta ao jogador se faz referência a apenas uma casa (Se você
fosse o jogador A, em qual casa mexeria?)
O tipo de conduta dos demais participantes (Beatriz (Grupo B), Antônio (Grupo A) e
Bruno (Grupo B) pode ser classificado como beta, visto que eles conseguem
incorporar o novo ao sistema, no entanto, não apresentam a resposta mais
equilibrada para o jogo, estando limitados a algumas percepções imediatistas.
A questão IIB era a seguinte: “Suponha que o jogador A mexeu na casa 7 e ganhou,
portanto, 3 sementes. O que B poderia fazer para ganhar mais que essa quantia de
sementes já na próxima vez?” Os quatro participantes responderam a questão como
esperado: “Deve mexer a casa 4 e jogar novamente saindo da casa 1 para capturar
4 sementes que estão na casa 9 do adversário” (MACEDO; PETTY E PASSOS,
2000, p.115). No entanto, Beatriz e Bruno (Grupo B) e André (Grupo A)
apresentaram o número total de sementes que seriam colocadas no oásis (1- que foi
colocada no oásis para jogar novamente + 4 da casa 9 = 5 sementes), enquanto
Antônio (Grupo A) se limitou a contar as 4 sementes adquiridas na casa 9.
Nessa questão podemos observar que os quatro participantes apresentaram a
conduta do tipo gama ao resolverem o problema proposto, no entanto, apesar de
todos terem respondido corretamente à questão o jogador Antônio apresentou uma
resposta diferenciada, no sentido de menos abrangente, que os demais.
O Quadro 16 ilustra a situação-problema n°III.
3. Observe a figura ao lado.
a) Descreva a seqüência de movimentos que
o jogador A deve fazer para colocar o
maior número de sementes em seu oásis.
A
(9)
B
12
(1)
(0)
1
11
(2)
(0)
2
10
(3)
(0)
3
9
(0)
(1)
4
8
(0)
(3)
5
7
(0)
(4)
6
(13)
b) Quantas sementes ganhou?
Quadro 15 - Situação-problema III
Fonte: Macedo, 2000, p.75
Na situação III também havia duas questões: na IIIA foi solicitado ao jogador que
descrevesse a seqüência de movimentos que o jogador A deveria fazer para colocar
84
o maior número de sementes em seu oásis. A resposta esperada: “A sequência de
movimentos é 12, 11, 12, 10, 12” (MACEDO; PETTY E PASSOS, 2000, p.115). Os
jogadores que ficaram mais longe da resposta correta foram Antônio (Grupo A) e
Bruno (Grupo B). Beatriz (Grupo B) conseguiu resolver a questão após três
tentativas e André (Grupo A) foi o único que conseguiu descrever a seqüência
corretamente. Para responder corretamente a essa questão era necessário ter uma
visão geral do próprio tabuleiro e antecipar as jogadas, pois era necessário contar o
número de sementes que havia em cada casa (principalmente as que ficam
próximas ao seu oásis) e contar quantas haveria após a movimentação; só assim
seria possível realizar toda a seqüência.
Com relação aos tipos de conduta Beatriz (Grupo B) e André (Grupo A)
apresentaram a conduta gama, no entanto, a primeira necessitou de um tempo
maior para equilibrar os elementos necessários para a resolução do problema. Os
demais jogadores, Antônio (Grupo A) e Bruno (Grupo B), apresentaram uma conduta
do tipo alfa, pois não conseguiram equilibrar os elementos propostos na situaçãoproblema para resolvê-la corretamente e, além disso, não puderam perceber aonde
estava a incoerência.
A questão IIIB é continuação da IIIA, nessa pede-se para que a criança conte
quantas sementes ganhou após a resolução da questão anterior (IIIA). Mais uma vez
apenas André (Grupo A) respondeu corretamente (“O jogador ganhará 5 sementes”),
pois Beatriz mesmo tendo conseguido resolver a questão IIIA corretamente, após
algumas tentativas, não conseguiu contar de forma correta as sementes que haviam
sido colocadas no oásis.
Considerando essa questão em particular apenas o jogador André (Grupo A)
apresentou a conduta do tipo gama, enquanto os demais apresentaram uma
conduta do tipo alfa. No entanto, analisando a situação-problema III como um todo a
conduta de Beatriz (Grupo B), que havia inicialmente sido classificada como gama e
alfa, respectivamente, seria classificada como conduta beta, pois como não
apresentou a justificativa correta para a questão inicial, respondida corretamente,
pode significar que o acerto foi por acaso e não fruto de uma equilibração dos
85
elementos. Isso leva a considerar que ela percebeu os novos elementos e os
incorporou, de maneira parcial, ao sistema.
O Quadro 17 apresenta a situação-problema IV.
4. Analise a situação ao lado e responda às
questões a seguir:
a) Qual jogador você gostaria de ser? Justifique.
A
b) Suponhamos que A seja o próximo a jogar.
Descreva a seqüência necessária para ele
conseguir 12 sementes nesta jogada.
Quadro 16 - Situação-problema IV
Fonte: Macedo, 2000, p.75
B
(5)
12
(1)
(1)
1
11
(2)
(1)
2
10
(10)
(0)
3
9
(3)
(2)
4
8
(0)
(1)
5
7
(0)
(7)
6
(3)
A quarta e última situação-problema foi a que exigiu uma visão mais completa do
tabuleiro, tanto do território próprio quanto do território do adversário. Na questão
IVA perguntava-se ao participante qual jogador ele gostaria de ser, sendo
necessário justificar a resposta. De acordo com Macedo; Petty e Passos (2000,
p.115) a resolução correta seria: “O jogador A, porque resgata 12 sementes. O
jogador B consegue, no máximo, 10 sementes, movimentando sua semente de 2
para 3”. Os participantes Bruno (Grupo B), Beatriz (Grupo B) e André (Grupo A)
responderam da mesma forma, e a resposta esta estava ligada à visualização da
captura imediata de sementes no território do jogador B. Apenas Antônio (Grupo A)
observou os dois territórios e percebeu que no território do jogador A ele poderia
primeiramente jogar a última semente da distribuição no oásis, para jogar
novamente, e então poderia capturar mais sementes do que o jogador B. É
importante ressaltar que o jogador Antônio (Grupo A) que até então não havia
demonstrado um grande desempenho na resolução das situações-problema
conseguiu resolver corretamente, esta que foi considerada a questão mais difícil,
pois exigia mais atenção, abstração e percepção do jogo.
Na primeira parte dessa situação-problema pôde-se observar resultados bastante
peculiares, visto que apenas o jogador Antônio (Grupo A) apresentou conduta do
tipo gama, enquanto André (Grupo A), que até então só havia apresentado esse tipo
de conduta, apresentou uma conduta beta, da mesma forma Beatriz e Bruno (ambos
do Grupo B). Esses três participantes conseguiram equilibrar os elementos apenas
86
de forma parcial, pois não apresentaram as antecipações necessárias para perceber
a melhor forma de combinar os elementos para que o sistema fosse equilibrado de
forma total.
Apenas Bruno (Grupo B) respondeu corretamente a questão IVB “Suponhamos que
A seja o próximo a jogar. Descreva a seqüência necessária para ele conseguir 12
sementes nesta jogada” – resposta esperada “seqüência de movimentos 12-11-1210” (MACEDO; PETTY E PASSOS, 2000, p.115). Esta pode ser considerada a
questão com maior grau de dificuldade e de antecipação, raciocínio e atenção nos
dois territórios. Beatriz (Grupo B) realizou quatro tentativas, mas o maior número de
sementes que conseguiu reunir foram quatro. André (Grupo A) realizou três
tentativas e conseguiu reunir o mesmo número de sementes que Beatriz (quatro).
Antônio (Grupo A) chegou bem próximo, conseguiu reunir 10 sementes nas duas
tentativas que realizou.
Nessa questão todos os participantes apresentaram uma conduta do tipo alfa, pois
não conseguiram equilibrar os elementos que foram propostos para resolução
correta da situação-problema proposta.
Analisando as condutas apresentadas pelos sujeitos ao longo das quatro situações
apresentadas pode-se perceber a dialética do desenvolvimento cognitivo, pois não
há uma seqüência linear na apresentação das condutas, da menos equilibrada, alfa,
para a mais equilibrada, beta, o que podemos perceber é que estas vão se
alternando no decorrer do desenvolvimento das estruturas cognitivas.
No entanto, comparando-se os dois grupos (A e B) observa-se que o grupo A,
especialmente o jogador André, apresentou um número maior de condutas do tipo
gama do que os demais. Com isso pode-se observar a complexidade que envolve o
desenvolvimento cognitivo, pois o Grupo A, de crianças com dificuldades de atenção
obteve o melhor desempenho com relação ao número de vitórias, derrotas e
empates, em contrapartida apresentou o maior índice de condutas de desatenção e,
por último, apresentou o maior número de condutas gama. No Mancala a conduta
gama significa que o jogador apresentou o nível mais elevado de desenvolvimento
no jogo. Dessa forma observa-se que a dialética do desenvolvimento envolve uma
87
sucessão contínua de equilíbrios e desequilíbrios, de idas e vindas. Para que o
desenvolvimento não recue ao invés de progredir existem os processos de
compensação que buscam restaurar o equilíbrio momentaneamente perdido. A
existência de tais processos torna possível ao indivíduo superar-se e evoluir
constantemente no seu processo de desenvolvimento, percebendo as implicações
entre as ações e, dessa forma, o significado das mesmas para o alcance dos
objetivos desejados; é por isso que os indivíduos do Grupo A, mesmo apresentando
condutas aparentemente contraditórias, puderam apresentar um desempenho geral
superior, com relação ao número de vitórias, derrotas e empates e resolução das
situações-problema, ao desempenho do Grupo B (crianças que não apresentam
dificuldade de atenção).
A seguir será realizada análise acerca das questões corretas e incorretas
apresentadas no decorrer da resolução das situações-problema com relação aos
Grupos A e B. As questões corretas e incorretas encontram-se no Quadro 18.
N° DE
QUESTÕES
CORRETAS
N° DE QUESTÕES
INCORRETAS
TOTAL
Abs.
8
6
14
%
57,14
42,86
100
Abs.
5
9
14
%
35,71
64,29
100
GRUPO
A
B
Quadro 17 – Número de questões corretas e incorretas dos grupos A e B
De acordo com Quadro 18 pode-se observar que o Grupo A obteve o maior número
absoluto de questões corretas (8) e o menor número absoluto de questões
incorretas (6). Com relação Grupo B, este obteve cinco questões corretas e nove
incorretas. Dessa forma, o Grupo A obteve desempenho superior na resolução das
situações-problema com relação ao Grupo B. Portanto, assim corroborando o melhor
desempenho com relação ao número de vitórias, derrotas e empates no decorrer
das oficinas o Grupo A atingiu um melhor índice geral, com relação ao número de
questões corretas e incorretas nas situações-problema, do que o Grupo B. Mais uma
vez podemos perceber que as dificuldades de atenção apresentadas pelos sujeitos
do Grupo A não foram suficientes para prejudicar significativamente o raciocínio, a
percepção e a antecipação necessários para atingir o êxito no jogo.
88
Por meio da análise das situações-problema, bem como das condutas de
desatenção e do desempenho dos participantes observa-se as significações que
cada um vai construindo no decorrer do jogo. Dessa forma, a relação dialética entre
as implicações entre as ações e a construção de significados é explicitada quando
se observa a construção das estratégias para vencer o jogo e quando a criança
fornece uma justificativa para as mesmas.
89
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Dificuldade de Atenção é um tema complexo e inquietante, visto que possui muitas
variáveis a serem consideradas. Para entender com maior profundidade a mesma
faz-se necessário considerar tanto questões de ordem biológica como questões
relacionadas às produções na sociedade capitalista em que vivemos.
Espera-se que os questionamentos levantados pelas discussões aqui iniciadas
sejam úteis para a quebra de paradigmas excludentes e limitantes e para a mudança
das
posturas
preconceituosas
com
relação
às
pessoas
que
apresentam
características do TDAH nos diversos ambientes em que elas estiverem inseridas.
Com relação à escola,
(...) é importante que o professor faça uso, em sua prática docente, dos
3
desequilíbrios apresentados por seus alunos, de forma a lhes propiciar
condições para construírem novas estruturas cognitivas e chegar a novos
estados de equilíbrios, maiores e superiores aos precedentes (DAVIS E
ESPÓSITO, 1990, p.74).
A forma como o TDAH é abordado, especialmente nas escolas, precisa ser revista,
pois a educação recebida pelas crianças na escola tem um papel muito importante,
no que diz respeito, a como elas enxergarão e enfrentarão o mundo. O sistema de
ensino precisa tornar-se menos excludente e limitante para que as diferenças sejam
aceitas, respeitadas e devidamente trabalhadas.
O processo educacional é longo e cheio de percalços, em que
O ideal da educação, não é aprender ao máximo, maximalizar os
resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender; é aprender a se
desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola
(PIAGET, 1973, p.32).
Portanto, o maior desafio para a criança com dificuldade de atenção é desenvolver a
sua forma particular de aprender e é nesse momento em que ela precisa do
educador para apontar as possibilidades. No entanto, o processo de formatação do
3
Os termos desequilíbrios e equilíbrios são utilizados segundo a teoria piagetiana
90
conhecimento e da forma de conhecer impetrado pela escola tem feito com que esta
seja transformada em um ambiente de exclusão onde quem não se adapta é
marginalizado e desrespeitado em sua singularidade. A lógica adaptativa não
permite que as diferenças sejam expostas e trabalhadas; essa lógica tem produzido
“indivíduos em série”, programados para atender ao regime capitalista vigente.
De acordo com Piaget (1962) o afeto é essencial na constituição da inteligência, no
entanto, não é a única causa dessa constituição. Pois,
(...) o afeto explica a aceleração ou retardamento da formação das
estruturas – a aceleração no caso de referir-se ao interesse e necessidade;
retardamento quando os estados afetivos atuam como obstáculos para o
desenvolvimento intelectual (PIAGET, 1962, p.02).
Considerando essa íntima participação da afetividade no processo de constituição
da inteligência, bem como sua importância no que diz respeito à produção e
manutenção dos interesses e necessidades de cada indivíduo, é necessário
ressaltar que cada pessoa possui interesses e necessidades diferenciadas e que,
portanto, elas poderão responder de forma diferenciada a um mesmo estímulo.
Dessa forma as crianças que possuem traços de TDAH poderão responder aos
estímulos, tanto em casa como na escola ou em outro ambiente em que esteja, de
forma diferenciada daqueles que não possuem traços de tais dificuldades. Não
significa dizer que as primeiras são inferiores ou menos capazes e, sim que
necessitarão de estímulos e alternativas, em alguns momentos diferentes das que
não possuem tais dificuldades, que as toquem afetivamente.
Construindo um paralelo entre a utilização das escalas para diagnóstico do TDAH e
a utilização do jogo Mancala para observação das características do mesmo, podese observar, novamente, a complexidade de tal processo diagnóstico e, além disso,
que tal diagnóstico não deve ser visto como um “limitador natural” das capacidades
da criança ou do adulto. Fato que pode ser visualizado pelo desempenho das
crianças com traços de TDAH, segunda as escalas utilizadas, nas oficinas
realizadas. Dessa forma, a partir dos dados obtidos possibilitaram a produção de
um novo olhar sobre o TDAH, olhar mais amplo, menos limitador, menos
estigmatizado. E também a necessidade de construção de meios mais dinâmicos
91
para realizar o diagnóstico, visto que as escalas não são detentoras de verdades
absolutas e inquestionáveis. Portanto, é necessário repensar o TDAH, bem como o
processo diagnóstico realizado correntemente.
O TDAH tem sido utilizado para produzir um rótulo permanente para a pessoa que
possui tais características. No entanto, faz-se necessário que essa limitação
impetrada pela sociedade seja desnaturalizada, possibilitando à criança a
construção do conhecimento de forma ativa e responsável.
Para que isso se torne possível é necessário que seja realizada uma flexibilização
dos sistemas de avaliação para que estes passem a procurar e trabalhar com os
erros construtivos que possibilitam um desenvolvimento mais participativo e menos
doloroso para o indivíduo.
Considerando os resultados das análises do desempenho dos participantes, das
CDT-1, da CDT-2 e das situações-problema pode-se observar que houve um relativo
equilíbrio entre o Grupo A (crianças com indícios de dificuldade de atenção) e o
Grupo B (crianças que não possuem tais indícios). Dessa forma, os resultados
encontrados possibilitam a desnaturalização das limitações e incapacidades
atribuídas previamente às pessoas diagnosticadas como TDAH. O intuito não é
negar que existam algumas particularidades e, sim dar a essas crianças o direito de
ultrapassarem as barreiras, vencendo os desafios que lhe são colocados pelas suas
dificuldades para que, dessa forma, possam lutar pelos seus sonhos e construírem
uma vida de satisfação pessoal. Portanto, a busca aqui é para que as crianças com
dificuldades de atenção não sejam vistas apenas pela lente do estereótipo, mas
como pessoas com qualidades e defeitos aptas a aprender a lidar com eles da
melhor forma possível.
As discussões acerca desse tema não serão encerradas aqui, pois este trabalho é
apenas o ponto de partida para que novos conhecimentos sejam produzidos
contribuindo, dessa forma, para uma compreensão menos limitada acerca das
dificuldades de atenção e do próprio TDAH. Esse é apenas o início de uma longa
jornada em busca de uma visão mais positiva acerca da vida e de suas
peculiaridades, em que a superação deve ser a palavra-chave.
92
De acordo com os resultados apresentados, pode-se considerar que o objetivo
principal da pesquisa de investigar a possibilidade de utilização do jogo Mancala
como instrumento de avaliação de crianças com dificuldade de atenção foi
alcançado, visto que as condutas de desatenção das crianças que haviam sido
diagnosticadas como possuidoras de tal dificuldade puderam ser observadas no
decorrer das oficinas com o referido jogo. Os resultados aqui apresentados não
devem ser considerados verdades absolutas, mas um direcionador de novos
caminhos a serem percorridos.
No entanto, no estudo comparativo entre crianças com dificuldades de atenção e
crianças sem tais dificuldades observou-se que os dois grupos de crianças
apresentaram condutas de desatenção. Entretanto, o número de tais condutas
apresentadas pelas primeiras foi superior ao apresentado pelas do segundo grupo.
Esses resultados exprimem a complexidade e dificuldade quanto ao diagnóstico de
tais dificuldades, pois, como pôde ser observado, não existe uma separação radical
entre os indivíduos que, teoricamente, possuem tais dificuldades e aqueles que não
as possuem.
Dessa forma, faz-se necessário buscar novos instrumentos para o diagnóstico para
que este propicie uma visão ampliada das dificuldades de atenção. É importante
ressaltar que o diagnóstico de tais dificuldades é complexo e deve ser realizado
apenas por profissionais qualificados, pois dessa forma evita-se o rótulo e o excesso
de crianças e adultos diagnosticados, de forma assistemática, como possuidoras
dessas dificuldades. A promoção de discussões e de informação acerca dessa tema
para a sociedade como um todo seria de grande valia na busca por uma melhor
convivência com as diferenças apresentadas pelas pessoas que possuem
dificuldades de atenção.
93
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crianças e adolescentes São Paulo: s.n. 176p. Tese (Doutorado) – Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia da
Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade.
SILVA, A. B. B. (2003). Mentes Inquietas – Entendendo melhor o mundo das
pessoas Distraídas, Impulsivas e Hiperativas. São Paulo: Editora Gente.
VECTORE, C. (2003). O Brincar e a Intervenção Mediacional na Formação
Continuada de Professores de Educação Infantil. Psicologia USP, vol.14, no.3,
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WADSWORTH, B. J. (1997). Inteligência e Afetividade da Criança na Teoria de
Jean Piaget. 5. ed., São Paulo: Pioneira.
ZASLAVSKY, C. (2000). Jogos e Atividades Matemáticas do Mundo Inteiro.
Porto Alegre: Artmed.
96
APÊNDICES
97
Ele presta pouca atenção em detalhes e faz erros por falta de atenção nos deveres?
Ele mexe com as mãos e pés quando está sentado ou se mexe muito na cadeira?
Ele tem dificuldade de ficar concentrado nos deveres e também nos jogos?
Ele sai do lugar na sala de aula ou em outras situações (ex: mesa de jantar) quando deveria
ficar sentado?
Ele parece estar prestando atenção em outras coisas quando se fala com ele?
Ele corre ou sobe nas coisas quando deveria ficar tranqüilo?
Ele tem dificuldade em seguir instruções até o fim ou deixa os deveres sem terminar?
Ele tem dificuldade de ficar em silêncio enquanto brinca?
Ele é desorganizado com os deveres e outras atividades no dia-a-dia?
Ele é "elétrico" e fica "a mil por hora"?
Ele evita ou antipatiza com deveres ou atividades que exijam concentração?
Ele fala demais?
Ele perde material da escola ou coisas do dia-a-dia?
Ele responde às perguntas antes dos outros terminarem de falar?
Ele se distrai com facilidade com coisas fora daquilo que está fazendo?
Ele tem dificuldade de esperar a vez?
Ele se esquece de coisas que deveria fazer no dia-a-dia?
Ele interrompe os outros ou se mete na conversa dos outros?
Quase
Sempre
Bastante
Pouco
Nunca ou
Raramente
APÊNDICE I – QUADRO DE CARACTERÍSTICAS DO TDAH PARA
ENTREVISTA COM OS PAIS
98
APÊNDICE II - PROTOCOLO DE INSTRUÇÃO PADRÃO PARA
APRESENTAÇÃO DO JOGO MANCALA AOS PARTICIPANTES DA
PESQUISA
“Você conhece esse jogo? Já jogou alguma vez?
O nome desse jogo é Mancala. Como você pode ver ele possui um tabuleiro com 14
cavidades – buracos - (6 em cada lado e um, que chamamos oásis, em cada
extremidade e essas 36 peças para jogarmos). Apenas dois jogadores participam do
jogo. Para aprendermos a jogar o Mancala vamos fazer o seguinte: eu vou falar uma
regra de cada vez e toda vez em que eu falar uma regra nova vamos jogar uma
partida para entendermos melhor como funciona esse jogo. As seis cavidades
(buracos) que estão na sua frente e mais o oásis que está à sua direita são o seu
território. Só você poderá utilizar o seu oásis. O restante das cavidades e o outro
oásis fazem parte do meu território. Colocaremos 3 sementes em cada uma das 12
cavidades, com exceção dos oásis. Para jogarmos devemos distribuir todas
as
sementes, de uma de suas 6 casas (exceto o oásis), uma a uma nas casas
subseqüentes, em sentido anti-horário. Você sabe o que é sentido anti-horário? Ë
quando nos movimentamos da esquerda para a direita. Outra regra importante: toda
vez que terminarmos de distribuir as sementes de uma de nossas cavidades
passaremos a vez para o jogador adversário. Vamos movimentar um pouco nossas
sementes!!
Agora que você já entendeu as primeiras regras vou ensinar mais algumas: toda vez
que passar pelo oásis você vai colocar uma semente nele, e essa semente não
poderá ser utilizada novamente no jogo. O vencedor é o jogador que conseguir
colocar o maior número de sementes do adversário em seu oásis. Agora uma regra
importante: o jogador nunca colocará sementes no oásis do adversário. Vamos jogar
mais uma partida para ver se você entendeu as novas regras.
Muito bem... preste bastante atenção: quando a última semente da distribuição
(semeadura) parar em uma casa sua que estiver vazia, você poderá capturar todas
as sementes que estiverem na casa adversária em frente, colocando-as em seu
99
oásis. Vou lhe mostrar um exemplo... . Agora quero que você me mostre um
exemplo.
Vamos agora aprender as últimas regras do Mancala. Quando a última semente que
você distribuir for colocada em seu oásis, você poderá jogar novamente,
selecionando uma de suas casas para fazer uma nova distribuição. Por exemplo...
entendeu? Então me mostre um exemplo.
O jogo termina quando todas as casas, as minhas e as suas, estiverem vazias, ou
quando o número de sementes não for suficiente para chegar até o lado do
adversário. As sementes que restarem no tabuleiro não participarão na contagem
final.
Você entendeu todas as regras? Então vamos recapitular. Quantas sementes você
coloca em cada cavidade? Como distribui as suas sementes no tabuleiro? Qual é o
seu território no tabuleiro? Quando você passa a vez para o adversário? Como
captura sementes para o seu oásis? Quando você poderá jogar novamente? Você
pode colocar sementes no oásis do adversário? Como termina a partida? Como os
pontos são contados? Quem vence o jogo? (Macedo; Petty e Passos, 2000)
Agora que você entendeu as regras vamos jogar uma partida com todas as regras
que aprendemos...
100
APÊNDICE III – PROTOCOLO DE REGISTRO DE JOGADAS POR
PARTIDA
Partida nº ___________
Data da partida _____/_____/______
Jogadores: (A) _________________, (B) ________________
Pesquisador atuou como _____________________________
12
Jogador B ( )
Jogador A ( )
1
JOGADAS
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
JOGADOR A
11
( )
( )
2
10
( )
( )
3
9
( )
( )
4
JOGADOR B
8
( )
( )
5
7
( )
( )
6
101
APÊNDICE IV: RESPOSTAS DADAS PELOS PARTICIPANTES ÀS
SITUAÇÕES-PROBLEMA PROPOSTAS
Jogador: André
1. Observe a situação ao lado.
A partida será iniciada pelo jogador A.
Qual a melhor casa para começar o jogo? Justifique.
R. Casa 10. Pode jogar novamente.
(0)
12
(3)
(3)
1
11
(3)
(3)
2
10
(3)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(1)
12
(4)
(3)
1
11
(4)
(3)
2
10
(0)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(9)
12
(1)
(0)
1
11
(2)
(0)
2
10
(3)
(0)
3
9
(0)
(1)
4
8
(0)
(3)
5
7
(0)
(4)
6
(13)
(5)
12
(1)
(1)
1
11
(2)
(1)
2
10
(10)
(0)
3
9
(3)
(2)
4
8
(0)
(1)
5
7
(0)
(7)
6
(3)
A
B
2. O jogo está como mostra a situação ao lado.
a) Se você fosse o jogador A, em qual casa mexeria?
Por quê?
R. Na casa 11. Para se defender.
A
b) Suponha que o jogador A mexeu na casa 7 e ganhou,
portanto, 3 sementes. O que B poderia fazer para ganhar
mais que essa quantia de sementes já na próxima vez?
R. Jogar com as sementes da casa 4 e depois com as
sementes da casa 1 para ganhar 5 sementes.
B
3. Observe a figura ao lado.
a) Descreva a seqüência de movimentos que o jogador A
deve fazer para colocar o maior número de sementes em
seu oásis.
R. Casa 12, casa 11, casa 12, casa 10 e casa 12.
A
B
b) Quantas sementes ganhou?
R. 5 sementes
4. Analise a situação ao lado e responda às questões a
seguir:
a) Qual jogador você gostaria de ser? Justifique.
R. O jogador B. Jogando da casa 2 para a casa 3 posso
ganhar 10 peças.
A
b) Suponhamos que A seja o próximo a jogar. Descreva a
seqüência necessária para ele conseguir 12 sementes
nesta jogada.
R. 1ª tentativa: casa 12, casa 11, casa 12 e casa 09;
2ª tentativa: casa 12, casa 11, casa 12 e casa 10;
3ª tentativa: casa 12, casa 11, casa 12 e casa 09;
B
102
Jogador: Antônio
1. Observe a situação ao lado.
A partida será iniciada pelo jogador A.
Qual a melhor casa para começar o jogo? Justifique.
R. Casa 10. Joga novamente.
(0)
12
(3)
(3)
1
11
(3)
(3)
2
10
(3)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(1)
12
(4)
(3)
1
11
(4)
(3)
2
10
(0)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(9)
12
(1)
(0)
1
11
(2)
(0)
2
10
(3)
(0)
3
9
(0)
(1)
4
8
(0)
(3)
5
7
(0)
(4)
6
(13)
(5)
12
(1)
(1)
1
11
(2)
(1)
2
10
(10)
(0)
3
9
(3)
(2)
4
8
(0)
(1)
5
7
(0)
(7)
6
(3)
A
B
2. O jogo está como mostra a situação ao lado.
a) Se você fosse o jogador A, em qual casa mexeria? Por
quê?
R. Na casa 7. Para capturar 3 sementes do jogador B.
A
b) Suponha que o jogador A mexeu na casa 7 e ganhou,
portanto, 3 sementes. O que B poderia fazer para ganhar
mais que essa quantia de sementes já na próxima vez?
R. Jogar com as sementes da casa 4 e depois com as
sementes da casa 1 para ganhar 4 sementes.
B
3. Observe a figura ao lado.
a) Descreva a seqüência de movimentos que o jogador A
deve fazer para colocar o maior número de sementes em
seu oásis.
R. Casa 10 e casa 12.
A
B
b) Quantas sementes ganhou?
R. 4 sementes
4. Analise a situação ao lado e responda às questões a
seguir:
a) Qual jogador você gostaria de ser? Justifique.
R. O jogador A. Porque vai poder jogar de novo e ficar
com mais peças do que o B.
b) Suponhamos que A seja o próximo a jogar. Descreva a
seqüência necessária para ele conseguir 12 sementes
nesta jogada.
R. 1ª tentativa: casa 11 e casa 10;
2ª tentativa: casa 11 e casa 10;
A
B
103
Jogador: Bruno
1. Observe a situação ao lado.
A partida será iniciada pelo jogador A.
Qual a melhor casa para começar o jogo? Justifique.
R. Casa 10. Porque você pode repetir a jogada.
(0)
12
(3)
(3)
1
11
(3)
(3)
2
10
(3)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(1)
12
(4)
(3)
1
11
(4)
(3)
2
10
(0)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(9)
12
(1)
(0)
1
11
(2)
(0)
2
10
(3)
(0)
3
9
(0)
(1)
4
8
(0)
(3)
5
7
(0)
(4)
6
(13)
(5)
12
(1)
(1)
1
11
(2)
(1)
2
10
(10)
(0)
3
9
(3)
(2)
4
8
(0)
(1)
5
7
(0)
(7)
6
(3)
A
B
2. O jogo está como mostra a situação ao lado.
a) Se você fosse o jogador A, em qual casa mexeria? Por
quê?
R. Na casa 7. Para capturar 3 sementes do jogador B.
b) Suponha que o jogador A mexeu na casa 7 e ganhou,
portanto, 3 sementes. O que B poderia fazer para ganhar
mais que essa quantia de sementes já na próxima vez?
R. Jogar com as sementes da casa 4 e depois com as
sementes da casa 1 para ganhar 5 sementes.
A
B
3. Observe a figura ao lado.
a) Descreva a seqüência de movimentos que o jogador A
deve fazer para colocar o maior número de sementes em
seu oásis.
R. 1ª tentativa: Casa 11, casa 10 e casa 12;
2ª tentativa: Casa 11, casa 10 e casa 12.
A
B
b) Quantas sementes ganhou?
R. 3 sementes
4. Analise a situação ao lado e responda às questões a
seguir:
a) Qual jogador você gostaria de ser? Justifique.
R. O jogador B. Porque pode capturar 10 sementes do
Jogador A.
A
B
b) Suponhamos que A seja o próximo a jogar. Descreva a
seqüência necessária para ele conseguir 12 sementes
nesta jogada.
R. Casa 12, casa 11, casa 12 e casa 10.
104
Jogador: Beatriz
1. Observe a situação ao lado.
A partida será iniciada pelo jogador A.
Qual a melhor casa para começar o jogo? Justifique.
R. Casa 10. Porque vai colocar no oásis e vai poder jogar
de novo.
(0)
12
(3)
(3)
1
11
(3)
(3)
2
10
(3)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(1)
12
(4)
(3)
1
11
(4)
(3)
2
10
(0)
(3)
3
9
(3)
(3)
4
8
(3)
(3)
5
7
(3)
(3)
6
(0)
(9)
12
(1)
(0)
1
11
(2)
(0)
2
10
(3)
(0)
3
9
(0)
(1)
4
8
(0)
(3)
5
7
(0)
(4)
6
(13)
(5)
12
(1)
(1)
1
11
(2)
(1)
2
10
(10)
(0)
3
9
(3)
(2)
4
8
(0)
(1)
5
7
(0)
(7)
6
(3)
A
B
2. O jogo está como mostra a situação ao lado.
a) Se você fosse o jogador A, em qual casa mexeria? Por
quê?
R. Na casa 7. Porque vai capturar as sementes da Casa
10.
A
b) Suponha que o jogador A mexeu na casa 7 e ganhou,
portanto, 3 sementes. O que B poderia fazer para ganhar
mais que essa quantia de sementes já na próxima vez?
R. Jogar com as sementes da casa 4 e depois com as
sementes da casa 1 para ganhar 5 sementes.
B
3. Observe a figura ao lado.
a) Descreva a seqüência de movimentos que o jogador A
deve fazer para colocar o maior número de sementes em
seu oásis.
R. 1ª tentativa: casa 10 e casa 12;
2ª tentativa: casa 11, casa 10 e casa 12;
3ª tentativa: casa 12, casa 11, casa 12, casa 10, casa 12 e
casa 11.
A
B
b) Quantas sementes ganhou?
R. 4 sementes
4. Analise a situação ao lado e responda às questões a
seguir:
a) Qual jogador você gostaria de ser? Justifique.
R. O jogador B. Porque pode capturar 10 sementes do
Jogador A.
b) Suponhamos que A seja o próximo a jogar. Descreva a
seqüência necessária para ele conseguir 12 sementes
nesta jogada.
R. 1ª tentativa: casa 12, casa 11, casa 12 e casa 12;
2ª tentativa: casa 10 e casa 07;
3ª tentativa: casa 12, casa 11 e casa 09;
4ª tentativa: casa 12, casa 11, casa 12 e casa 09.
A
B
105
APÊNDICE V – MODELO DE TERMO DE CONSENTIMENTO DOS
PARTICIPANTES DA PESQUISA
“Concordo que meu filho participe do projeto de pesquisa abaixo discriminado, nos
seguintes termos:
Projeto: O jogo Mancala como instrumento de ampliação da compreensão das
dificuldades de atenção.
Responsável: Daniela Dadalto Ambrozine Missawa
Orientadora: Profa. Dra. Claudia Broetto Rossetti
Instituição: Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – Programa de Pósgraduação em Psicologia
Justificativa e objetivo da pesquisa:
Tendo em vista a ampliação dos estudos acerca do Transtorno de Déficit de
Atenção/ Hiperatividade (TDAH), principalmente em crianças, e a necessidade em
pesquisar instrumentos que auxiliem no tratatamento desse transtorno, torna-se
importante estudar e analisar o papel do jogo Mancala como instrumento de
intervenção e diagnóstico das dificuldades de atenção. O presente trabalho visa
avaliar a possibilidade de utilização de jogos de regras como uma forma de
intervenção e diagnóstico das dificuldades de atenção, em crianças que apresentem
indícios de tais dificuldades.
Para tanto, participarão da pesquisa crianças que
possuam indícios do Transtorno do Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH).
Descrição dos procedimentos a que o participante será submetido:
Considerando que o sujeito da presente pesquisa possui entre 09 e 11 anos de
idade, será realizada uma entrevista de anamnese com os pais ou responsável, uma
escala de TDAH para pais será aplicada e será realizada uma entrevista com o
professor do sujeito em que uma escala de TDAH – versão para professores, será
aplicada. O responsável dará as devidas instruções, e cada pai/ responsável ou
professor preencherá os campos destinados a esse fim, sempre tendo em vista os
limites impostos pelo trabalho ou pelo estudo dos (as) respondentes. Após essa
106
etapa os sujeitos participarão de 08 oficinas em que realizarão partidas do jogo
Mancala. Finalizando, haverá nova entrevista com pais e professores para reaplicação dos respectivos instrumentos de coleta de informações para avaliação dos
resultados da intervenção. Todos os dados obtidos deverão ser analisados e
utilizados somente para fins acadêmicos. As oficinas serão filmadas para a obtenção
de dados complementares. Fica assegurado o anonimato.
Benefícios esperados:
Os resultados da pesquisa serão divulgados em congressos e artigos em periódicos
especializados, contribuindo para a ampliação do corpo de conhecimentos que se
têm produzido sobre os instrumentos utilizados na intervenção das dificuldades de
atenção. Espera-se que os resultados possam gerar subsídios, contribuindo para
que se confira a devida importância aos jogos de regras como instrumento na
intervenção das mesmas.
Análise de Riscos:
Fica assegurado à criança o direito de desistir de participar da pesquisa, em
qualquer momento, e acompanhamento em caso de problemas decorrentes da sua
participação nas mesmas.
Identificação do responsável legal do sujeito:
Nome:______________________________________________________________
RG:____________________________________Órgão Emissor:______________
Estando assim de acordo, assinam o presente termo de compromisso em duas vias.”
_________________________________
Responsável Legal
______________________________
Daniela Dadalto Ambrozine Missawa
_______________________, _______ de _________________________ de 2005.

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