Aquisição de Poder por Via da Lei

Transcrição

Aquisição de Poder por Via da Lei
‘Acabar com a pobreza extrema é essencial não só por uma questão de
compaixão. A economia mundial beneficiará enormemente com as contribuições
daqueles que conseguem evoluir de situações de dependência para a participação
total. (…) O mandato da Comissão é intimidante mas também é essencial, pois a
aquisição do poder com base legal pode acrescentar muito em relação aos meios
mundiais existentes na luta constante para salvar e enriquecer vidas humanas.’
Comissão para a
Aquisição de Poder por Via da Lei
pelos Pobres
Pôr a Lei a Trabalhar para Todos
Madeleine Albright
‘A lei não é uma coisa que se inventa numa universidade; a lei é algo que se
descobre. As populações pobres já têm acordos entre si, contratos sociais, e
o que é necessário fazer é normalizar profissionalmente estes contratos para
criar um sistema jurídico reconhecido e respeitado por todos.’
Hernando de Soto
‘A nossa determinação e as aspirações de todos quantos lutam para transformar
os bens que possuem em propriedades valiosas, não pode deixar dúvidas.’
Benjamin Mkapa
Comissão para a Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres
‘Longe de ser um luxo sem o qual os pobres podem viver, direitos jurídicos
eficazes são uma necessidade para todos. A exclusão jurídica dos pobres
nega-lhes uma oportunidade de melhorarem as suas vidas – e impede o
desenvolvimento dos países pobres.’ Clotilde Medegan
A Comissão para a Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres foi a primeira iniciativa global com enfoque na ligação
entre exclusão, pobreza e a legislação. Lançada por um grupo de países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento
incluindo o Canadá, Dinamarca, Egipto, Finlândia, Guatemala, Noruega, Suécia, África do Sul, Tanzânia, e Reino Unido,
foi acolhida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) em Nova Iorque.
Co-presidida pela ex-secretária de Estado, Madeleine Albright, e o economista Peruano Hernando de Soto, juntou
governantes eminentes e médicos de todo o mundo.
A aquisição de poder por via da lei não se trata de ajuda, mas de ajudar as pessoas pobres a saírem da pobreza,
trabalhando nas reformas políticas e institucionais que aumentam as respectivas oportunidades e protecções jurídicas.
Aquisição de Poder por Via da Lei
pelos Pobres
http://www.undp.org/legalempowerment
concepção: cynthiaspence.com
Comissão para a
Pôr a
Lei ao
Serviço
de Todos
VOLUME I
Relatório da Comissão sobre a Aquisição de Poder por
Via da Lei pelos Pobres
Copyright © 2008
da Comissão sobre a Aquisição de Poder pelos Pobres por Via da Lei
e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
1 UN Plaza, Nova Iorque, Nova Iorque, 10017
As opiniões expressas nesta publicação são as dos respectivos autores e não representam
necessariamente as opiniões das Nações Unidas ou do PNUD.
PISBN: 978-92-1-126219-3
Impresso nos EUA pela Consolidated Graphics, empresa certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC).
O papel utilizado é basicamente isento de cloro e de ácidos e está certificado pelo Forest Stewardship Council.
Todas as tintas apresentam um baixo teor de COV e são de base vegetal.
Prólogo
No último mês de Julho em Nova Iorque, o Secretário-geral das Nações Unidas Ban
Ki-moon e eu falámos da necessidade de encorajar a comunidade internacional a
acelerar o progresso dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. A Chamada para
a Acção foca-se na mobilização não só de governos mas também do sector privado,
ONGs, sociedade civil e comunidades religiosas a fazerem mais para se atingirem
os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. O governo do Reino Unido continua a
pressionar com a necessidade de uma acção acelerada em todas as oportunidades
possíveis em 2008, incluindo através das intervenções ao nível do G8 e da União
Europeia.
Pôr a Lei ao Serviço de Todos examina as questões que terão uma influência profunda
no potencial humano e no progresso a caminho dos Objectivos de Desenvolvimentos
do Milénio. Há três anos, um distinto grupo de sábios, ex chefes de governo, governantes e pensadores juntaram-se para analisarem a questão da aquisição de poder
por via da lei pelos pobres.
Quero aplaudir o produto resultante do trabalho dos meus ex colegas. Concordo com
a conclusão global que expandindo e aprofundando a protecção jurídica universal, as
pessoas pobres terão mais possibilidades de se libertarem da pobreza.
Como o Relatório evidencia, as fontes para uma exclusão jurídica são numerosas e
muitas vezes específicas ao nível de cada país. Contudo, evidenciam-se quatro linhas
de força. Em primeiro lugar, a aquisição de poder por via da lei é impossível quando
às pessoas pobres lhes é negado o acesso a um sistema de justiça que funciona
bem. Em segundo lugar, a maioria dos pobres a nível mundial têm falta de direitos
de propriedade e o poder económico intrínseco dos respectivos bens mantém-se
por explorar. Em terceiro lugar, a pessoas pobres em particular mulheres e crianças,
sofrem de condições de trabalho pouco seguras porque os seus empregadores muitas
vezes operam fora do formalismo da legalidade. Em quarto lugar, às pessoas pobres
são-lhes negadas oportunidades económicas porque os seus patrimónios e negócios
não são reconhecidos legalmente. Não conseguem aceder ao crédito, ao investimento
nem aos mercados internos e externos.
O governo do Reino Unido está empenhado em trabalhar para reduzir a pobreza e
a vulnerabilidade entre os pobres deste mundo providenciando ajuda às nações em
desenvolvimento e defendendo questões tais como a redução da dívida. Colaboramos com parceiros para providenciar aconselhamento a governos e organizações
de doadores em políticas que facilitam a participação dos pobres no crescimento
económico e que têm impacte na redução da pobreza. Este Relatório, um produto da
investigação, análise e consultas feitas em mais de 20 países em desenvolvimento,
foi elaborado por peritos internacionais e por um corpo administrativo, estimulará
debates e diálogos que têm profunda importância no progresso em direcção ao
atingimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Em concreto já estamos a mais de meio entre o ano 2000 e o ano 2015. Mas, na
realidade ainda estamos a um milhão de milhas do sucesso. No início deste ano, o
Secretário-geral das NU Ban Ki-moon apelidou 2008 como o ano do “os milhões
que ficaram para trás” – um ano para uma acção crítica sobre os ODMs. Pôr a Lei
ao Serviços de Todos providencia uma opinião necessária e válida para mudanças
estruturais que darão aos pobres que trabalham uma ferramenta válida para se
eximirem das garras da pobreza.
Gordon Brown
Primeiro-ministro do Reino Unido
Ex Membro da Comissão
Prefácio
Em Novembro de 2006, uma delegação da Comissão para a Aquisição de Poder
pelos Pobres por Via da Lei visitou um exuberante mercado ao ar livre (conhecido por
‘Toi market’) num bairro pobre e degradado de Nairobi no Quénia. Para visualizar o
mercado, imaginem um centro comercial sem paredes – ou melhor ainda, sem um
tecto ou pavimento – onde cada negócio é representado por uma pequena mesa ou
por um cobertor estendido no chão. Imaginem também, uma zona circundante que é
notória pela falta de saneamento, pela poluição e pelo crime. As inundações são frequentes. Cerca de uma pessoa em cinco tem VIH-SIDA. A maior parte dos residentes
têm falta de um registo predial da barraca a que chamam casa ou do registo comercial do pequeno negócio do qual dependem para viver. Estes são homens e mulheres
que são vulneráveis e despojados em todos os sentidos – excepto numa coisa – estão
determinados a não serem vítimas.
Há cerca de uma década, os vendedores no mercado criaram um programa comum de
poupança para o qual cada um contribuiu com quinze cêntimos por dia. O dinheiro
foi usado para pequenos empréstimos aos negócios e para promover melhoramentos
cívicos, tais um balneário público. Quinze cêntimos por dia parece uma soma irrisória, mas nesse lugar e para aquelas pessoas o pagamento significou muitas vezes
a renúncia à compra de roupas novas para uma criança, alimentos para a família, ou
uma bicicleta usada para transporte. Isto foi a democracia na sua forma mais pura – a
vontade da comunidade como um todo, de trocar um benefício privado em prol da
construção de uma escapatória para fugir à pobreza. As propostas para empréstimos
e projectos eram aprovados aberta e colectivamente, com o consentimento expresso
pelo ondular dos dedos e o bater de palmas. Com o tempo, o fundo cresceu em
pequenos incrementos até um valor superior a $200,000.
Isto ainda não era muito num mercado com mais de 5000 bancas em aglomeração
compacta, vendendo tudo desde brinquedos e hortaliças a velas de ignição e jogos.
Mas o plano de poupança era uma fonte de esperança e de orgulho para as pessoas
que acreditaram na acção cooperativa, tendo percebido a importância do cumprimento de regras partilhadas e que fizeram tudo para se ajudarem uns aos outros. A
coragem deles deu ênfase à nossa convicção que aqueles que consideram a pobreza
como uma outra face da condição humana são ignorantes, pois os pobres não a
aceitam e quando têm uma oportunidade agarram-na para transformarem as suas
vidas. Pelo que vimos e pelas pessoas que encontrámos, a Comissão partiu de Nairobi
encorajada.
Então, em Dezembro de 2007, o Quénia realizou uma eleição presidencial. A votação
foi viciada e desencadearam-se lutas. Centenas de pessoas morreram e o mercado
que visitámos foi completamente destruído. Não existe praticamente nada.
i
Em resposta à expressão dos sentimentos de tristeza e de preocupação, a Comissão recebeu
uma carta de Joseph Muturi, um dos lideres do mercado. Ele contou que o tecido social construído durante décadas foi rasgado e que as pessoas foram forçadas ao exílio no seu próprio
país, simplesmente por razões étnicas. “Andámos para trás no tempo”, escreveu ele, e que
“demorará muitos anos a voltar ao nível onde estávamos tanto social como economicamente”.
Ele observou que foram os Quenianos que construíram o Quénia; agora foram os Quenianos que
destruíram o Quénia; mas que – tinha a certeza – recuperá-lo-iam novamente com dispêndio de
tempo e recursos que nunca podem ser recuperados na totalidade.
A lição é clara. Quando as regras democráticas são ignoradas e não existe lei capaz de providenciar um abrigo, as pessoas que sofrem mais são aquelas que não se podem dar ao luxo de
perder. A criação de uma infra-estrutura de legislação, direitos, imposição de cumprimento
e de decisão não é um projecto académico, com interesse apenas para cientistas políticos e
sociólogos. A fundação de tais instituições pode fazer a diferença entre a vulnerabilidade e a
segurança, o desespero e a dignidade para centenas de milhões de seres humanos.
Na sua carta escrita a partir das ruínas do Toi market, Joseph Muturi disse que “a maior tarefa
que me ocupou mais foi tentar juntar as pessoas de modo a podermos salvar o nosso sentido
de comunidade.” A criação de um sentido de responsabilidade mútua e de comunidade numa
base global é a chave da luta contra a pobreza e um desafio para todos nós. Temos esperança
que este relatório da Comissão, com as suas recomendações, possa ajudar a mostrar o caminho
para esse objectivo e para um futuro melhor e mais equitativo para nós todos.
Respeitosamente,
Co-Presidentes
Comissão para a Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres
ii
Agradecimentos
Uma tarefa desta magnitude e complexidade só pode ser levada a cabo com
sucesso através das inestimáveis contribuições de pessoas com um enorme leque
de competências e aptidões. Este relatório é o resultado de muito debate entre
os membros da Comissão. Enquanto tinham muitas e variadas opiniões, algumas
das quais ainda se mantêm, gostaríamos de expressar o nosso contentamento pela
convergência de opinião que aconteceu durante a nossa reunião de encerramento, e
que levou ao consenso agora apresentado.
O relatório beneficiou enormemente da orientação e do apoio intelectual que foi dado
pelos membros do Comité de Aconselhamento da Comissão a quem agradecemos as
suas contribuições. Agradecemos aos presidentes, relatores e membros dos grupos
de trabalho que forneceram uma base analítica e de conhecimento. O seu trabalho,
na forma de relatórios de cinco grupos de trabalho, é apresentado no Volume II do
relatório da Comissão. Os colaboradores individuais dos relatórios dos grupos de
trabalho são reconhecidos no Volume II.
Estamos agradecidos às autoridades nacionais e locais, que são inúmeras para
poderem ser todas mencionadas, as quais foram responsáveis pela condução com
sucesso das consultas nacionais em 22 países à volta do mundo.
Gostaríamos de estender os nossos agradecimentos aos doadores que fizeram
generosas contribuições para o trabalho da Comissão: Canadá, Dinamarca, Finlândia,
Islândia, Noruega, Suécia, Suíça, Irlanda, Espanha, Reino Unido, o Banco Africano
de Desenvolvimento e a Comissão Europeia.
Reconhecemos a instituição anfitriã, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), e especialmente Olav Kjørven pelo seu papel de liderança,
bem como a Maaike de Langen e Hugh Roberts que incansavelmente contribuíram
para o esboço do relatório. Mais ainda, queremos estender os nossos agradecimentos
todos aos Serviços da PNUD em cada País que apoiaram as consultas nacionais.
Mona Brøther, em representação do Governo da Noruega teve um papel especial na
coordenação dos doadores e em fazer contribuições substantivas ao nosso trabalho.
Joseph Muturi merece uma menção especial pelo seu trabalho que inspirou esta
Comissão. Estamos agradecidos ao Membro da Comissão Allan Larsson pela sua
contribuição dos primeiros esboços do relatório, e a Philip Legrain, Tim Mahoney
e Francis Cheneval pelas contribuições nas várias etapas do processo de redacção
do texto.
iii
Agradecimentos especiais vão também para a equipa de apoio à Comissão a qual é
composta pelo Secretariado em que os seus membros tanto actuais como passados
incluem Cate Ambrose, Martha Barrientos, Ove Bjerregaard, Timothy Dolan, Jill
Hannon, Sid Kane, Shara Kaplan, Paulina Kubiak, Mala Mathur, Parastoo Mesri,
Adriana Ruiz-Restrepo, Shomwa Shamapande, Harsh Singh, Veronique Verbruggen,
e Nu Nu Win, bem como os membros de apoio às co-presidências, especialmente
Kristin Cullison e Gabriel Daly. Todos deram incansável apoio aos desafios
operacionais multifacetados lançados pela Comissão, bem como à redacção e edição
do relatório.
Uma longa lista de pessoal interno e de voluntários apoiou a Comissão, incluindo
Sabiha Ahmed, Shailly Barnes, Camilo Alejandro Barrera, Wanning Chu, Francesco Di
Stefano, Fabio Gonzalez Florez, Patricia de Haan, Mario Daniel Gómez, Ruth Guevara,
Alena Herklotz, Brian Honermann, Emily Key, Rajju Malla-Dhakal, Diego Felipe
Otero,Farzana Ramzan, Alec Schierenbeck, Erica Salerno, Asrat Tesfayesus, Sebastián
Torres Luis Villanueva, e Tara Zapp.
Por último mas não menos importante, agradecemos a Jean-Luc Fiévet por contribuir
generosamente com várias fotografias a serem incluídas no relatório e a Cynthia
Spence pela concepção e arranjo gráfico desta publicação.
iv
Madeleine K. Albright Co-Presidente
Naresh C. Singh Director Executivo Hernando de Soto
Co-Presidente
A Comissão
Co-Presidentes
Madeleine K. Albright ex Secretária de Estado do Governo
dos Estados Unidos e ex Representante Permanente dos
Estados Unidos junto das Nações Unidas. É actualmente
a Administradora-Delegada do The Albright Group LLC e
Presidente e Administradora-Delegada da Albright Capital
Management LLC, uma empresa de consultoria financeira
de investimentos em mercados emergentes.
Hernando de Soto é Presidente do Instituto para a
Liberdade e Democracia e autor de obras fundamentais tais
como The Mystery of Capital e The Other Path.
Director Executivo
Naresh C. Singh é Director Geral de Governação e
Desenvolvimento Social na Agência para o Desenvolvimento
Internacional do Canadá (em licença sabática) e
ex Conselheiro Principal sobre Pobreza e Meios de
Subsistência Sustentáveis no PNUD.
Membros da Comissão
Fazle Hasan Abed fundador e presidente da BRAC, uma
das maiores organizações mundiais de Desenvolvimento
com base no Bangladesh.
Lloyd Axworthy é actualmente o Presidente e Vice-Reitor
da Universidade de Winnipeg. É ex Ministro dos Negócios
Estrangeiros do Canadá (entre 1996 e 2000) e actualmente
pertence aos conselhos de administração da MacArthur
Foundation, Human Rights Watch, Pacific Council, e outras.
El Hassan bin Talal está empenhado na criação de sociedades nas quais as pessoas possam viver e trabalhar em
liberdade e com dignidade. É o Presidente do Arab Thought
Forum e actualmente trabalha na construção de uma carta
de princípios tanto de cidadania como social que incorpore
um código de ética e promova odesenvolvimento societário
na região da Ásia Ocidental e Norte Africana.
Fernando Henrique Cardoso ex Presidente do Brasil
(de 1995 a 2002) e ex presidente do Clube de Madrid
(de 2003 a 2006).
Shirin Ebadi é um advogado iraniano e um activista dos
direitos humanos, que recebeu o Prémio Nobel em 2003.
Ashraf Ghani é o Presidente do Instituto para Eficácia
Governamental e é ex Ministro das Finanças do Afeganistão.
Medhat Hassanein é Professor de Finanças e Banca no
Departamento de Gestão da Escola de Negócios, Economia
e Comunicação da Universidade Americana do Cairo e é ex
Ministro das Finanças do Egipto.
Hilde Frafjord Johnson é ex Ministra de Desenvolvimento
Internacional da Noruega e Membro do Parlamento, tendo
servido em dois mandatos governamentais, sendo o primeiro também como Ministra dos Direitos Humanos. Numa
outra qualidade, Ms. Johnson é actualmente a Directora
Adjunta Executiva da UNICEF.
Anthony McLeod Kennedy é um Juiz Conselheiro do
Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos da
América. Durante a sua carreira como jurista foi professor
de Direito e deu aulas na Europa versando o tema dos
direitos fundamentais.
Allan Larsson é ex Ministro das Finanças da Suécia e
ex Membro do Parlamento Sueco. Foi Director Geral do
Conselho para o Mercado Nacional do Trabalho na Suécia
e como Director Geral na Comissão Europeia. É actualmente presidente da Universidade de Lund e conselheiro
do Presidente da Comissão Europeia sobre energia e
alterações climáticas.
Clotilde Aniouvi Médégan Nougbodé é Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça do Benin. Foi anteriormente
Chefe de gabinete do Ministro da Justiça do Benin e membro fundadora da Associação de Mulheres Juristas do Benin
(AFJB), uma organização sem fins lucrativos.
Benjamin Mkapa é ex Presidente da Tanzânia. É actualmente
o Presidente do South Centre, e Co-Presidente do Investment
Climate Facility para a África e um membro activo nas negociações de paz na Região do Grandes Lagos de África.
Mike Moore é ex Primeiro-ministro da Nova Zelândia e ex
Director Geral da Organização Mundial do Comércio (de
1999 a 2002). É um membro activo dos conselhos sobre
assuntos de comércio e foi também membro da Comissão
das Nações Unidas sobre Migrações Internacionais.
Milinda Moragoda é ex Ministro das Reformas Económicas,
Ciência e Tecnologia e ex Secretário de Estado do Ministério
do Plano e Desenvolvimento do Sri Lanka. Actualmente é
Ministro do Turismo.
v
S. Tanwir H. Naqvi é General Tenente na reforma do Exército
Paquistanês desde 1995, e serviu como Ministro Federal na
capacidade de Presidente da Agência para a Reconstrução
Nacional, uma organização que fundou e liderou durante
três anos (de 1999 a 2002) para restruturação das instituições de governo do Paquistão no sentido de as tornar mas
eficazes na resposta aos desafios do séc. XXI.
Mary Robinson é ex Presidente da Irlanda e ex Comissária
das Nações Unidas para os Direitos Humanos. É
actualmente a Presidente da Realizing Rights: The
Ethical Globalization Initiative (EGI).
Arjun Sengupta é ex Professor da escola de Estudos
Internacionais da Universidade Jawaharlal Nehru e
um Professor Auxiliar na Escola de Saúde Pública da
Universidade de Harvard. É actualmente Presidente do
Centro para o Desenvolvimento dos Direitos Humanos em
Nova Deli e preside, em Genebra, ao Grupo de Trabalho
Intergovernamental das Nações Unidas sobre o Direito ao
Desenvolvimento. É também membro do Parlamento Indiano.
Lindiwe Sisulu é actualmente Ministro da Habitação e
membro do Parlamento da República da África do Sul.
Lawrence H. Summers é ex Presidente da Universidade de
Harvard e ex Secretário de Estado do Tesouro dos Estados
Unidos. Actualmente é director executivo da D.E. Shaw, uma
firma de investimentos alternativos.
Erna Witoelar é ex Ministra do Povoamento e Desenvolvimento Regional e membro da Assembleia Nacional da
Indonésia. Foi Embaixadora especial das Nações Unidas
do ODM na Ásia e Pacífico até ao fim de 2007 e é membro
em vários Conselhos Executivos de Comités de Altos
Funcionários (CSO’s) que trabalham em projectos de desenvolvimento sustentável e nas reformas de governação.
Ernesto Zedillo é ex presidente do México e actualmente é Director do Centro para o Estudo da Globalização,
é Professor de Economia e Política Internacionais e
Professor Associado de Estudos Florestais e Ambientais da
Universidade de Yale.
vi
Membros do Comité de Aconselhamento
Robert Annibale, Director Mundial de Microcrédito, Citigroup
Marek Belka, Secretário Executivo, Comissão de Economia
para a Europa das Nações Unidas (UNECE)
Diego Hidalgo, Fundador, Clube de Madrid
Donald Kaberuka, Presidente, Grupo do Banco Africano de
Desenvolvimento
Jean Lemierre, Presidente, Banco Europeu de Reconstrução
e Desenvolvimento
Louis Michel, Comissário para o Desenvolvimento e Ajuda
Humanitária, Comissão Europeia
Luis Alberto Moreno, Presidente, Banco de Desenvolvimento Interamericano
Kumi Naidoo, Secretário-geral e CEO, CIVICUS
Sheela Patel, Director Fundador, Sociedade para
a Promoção de Recursos Locais (SPARC)
Jan Peterson, Fundador e Presidente, Comissão Huairou
Juan Somavia, Director Geral, Organização Internacional do
Trabalho (ILO)
Anna Tibaijuka, Director Executivo, NU-HABITAT
Victoria Tauli-Corpuz, Presidente, Fórum Permanente das
Nações Unidas para Assuntos Indígenas
John Watson, Ex Presidente, CARE do Canadá
Francisco Garza Zambrano, Presidente, Cemex América
do Norte
Robert Zoellick, Presidente, Banco Mundial
Índice
Prefácio
i
Agradecimentos
iii
Sumário Executivo
1
Capítulo 1: Pôr a Lei ao Serviço de Todos
13
A Importância da Lei
15
Progresso e Frustração
16
Dirigir-se aos Quatro Mil Milhões de Pobres e Excluídos
19
Consciencialização de Direitos pela Mudança Política
20
A Aquisição de Poder por Via da Lei é o Caminho
21
Fazer a Pobreza passar à História
29
Capítulo 2: Os Quatro Pilares da Aquisição de Poder por Via da Lei
25
O Conceito de Aquisição de Poder por Via da Lei
26
Direitos Humanos
29
Os Quatro Pilares da Aquisição de Poder por Via da Lei e a Dimensão do Problema
31
Capítulo 3: A Aquisição de Poder por Via da Lei é Politicamente Inteligente e
faz Bom Sentido Económico
43
A Aquisição de Poder equaciona com Políticas Inteligentes
43
Um Desafio Político com Recompensas
44
Um Papel Essencial para a Democracia
46
A Aquisição de Poder por Via da Lei faz Bom Sentido Económico
47
Capítulo 4: Agenda para a Mudança
59
Uma Agenda Para Acesso à Justiça
59
Uma Agenda sobre os Direitos de Propriedade
65
Uma Agenda sobre os Direitos do Trabalho
68
Uma Agenda sobre os Direitos de Comerciar
71
Capítulo 5: Estratégias de Implementação
75
Fazer Bem à Primeira Vez
76
Gestão das Partes Interessadas e Mobilização de Aliados
79
Acção ao Nível Internacional
81
Notas Finais
90
Bibliografia
93
Este é o primeiro de dois volumes do trabalho da Comissão. O segundo volume é publicado separadamente (disponível em www.undp.org/legalempowerment) e consiste nos
resultados de cinco grupos de trabalho formados para informar sobre as deliberações da Comissão. Poderá haver casos em que as afirmações neste relatório ultrapassam as dos
grupos de trabalho no volume II.
vii
No séc. XXI, a aquisição pelos quatro mil milhões
para desbloquear as
acabar com a pobreza e mais estável e pacífico. Sumário Executivo
de poder por via da lei
de excluídos é a chave
energias necessárias para
construir um mundo
O
espectro da pobreza e o sofrimento
resultante da necessidade e do medo
são realidades há muito existentes, de
tal maneira que a pobreza é muitas
vezes tida como sendo uma coisa natural e parte
inevitável da condição humana. No início, quando
apenas a luta pela sobrevivência era o principal
para a maioria das pessoas, esta conclusão
parecia tolerável, talvez até inevitável. No entanto,
na nossa era temos todas as possibilidades de
disponibilizar amplamente as oportunidades
económicas. Nos últimos sessenta anos, foi criada
mais riqueza do que jamais fora criada. Já não
se pode argumentar que a pobreza é natural ou
inevitável.
Embora muitos tenham partilhado esta prosperidade, uma fatia demasiado grande da população
humana foi deixada para trás, continuando a viver
em privação, desperdiçando os seus talentos com
a morte. A África subsaariana não está na via
para atingir qualquer dos Objectivos de Desenvol-
vimento do Milénio e a pobreza extrema persiste
em todos os continentes. Abundam as estatísticas
acerca do número de indivíduos que vivem com
um rendimento de pobreza extrema, independentemente de trabalharem muito ou pouco. E a falta
de rendimento é apenas uma das dimensões da
pobreza.
Esta Comissão argumenta que a quatro milhões
de pessoas em todo o mundo é-lhes sonegada a
possibilidade de melhorarem as suas condições
de vida e saíram da pobreza, porque são excluídas
dos enquadramentos legais.1 Quer vivam abaixo
ou ligeiramente acima da linha de pobreza, estes
homens, mulheres e crianças não gozam das
protecções e direitos atribuídos pela lei. Podem
ser cidadãos do país onde vivem, mas os seus
recursos, já de si modestos, não podem ser adequadamente protegidos nem alavancados. Assim,
não é a ausência de bens ou falta de trabalho que
os deixa para trás, mas o facto de esses bens e
trabalho serem inseguros, desprotegidos e muito
1
menos produtivos do que poderiam ser. Existem
também vulnerabilidades adicionais. As comunidades indígenas podem ser privadas de se fazerem
ouvir politicamente e podem ver os respectivos
direitos humanos violados. Além da exclusão
baseada na pobreza e sexo, às mulheres pobres
também lhes pode ser negado o direito a herdarem
bens. Assim, na nossa era, a pobreza alargada
tem de ser compreendida como sendo criada pela
própria sociedade.
Em demasiados países, a legislação, instituições
e política que governam os assuntos económicos,
sociais e estratégicos, negam a grande parte da
sociedade a possibilidade de participarem em
condições de igualdade. As regras do jogo são
injustas. Isto, não é só moralmente inaceitável;
impede o desenvolvimento económico e pode
minar rapidamente a estabilidade e a segurança.
Os resultados da governação – isto é, o efeito
cumulativo das estratégias e instituições sobre a
vida das pessoas – só mudarão se os processos de
governação forem profundamente alterados.
A Comissão …
A Comissão para a Aquisição de Poder por Via
da Lei pelos Pobres foi criada para tratar este
desafio. É constituída por 21 Comissários,
incluindo ex-chefes de estado e governantes,
ministros em funções, juristas, investigadores
económicos e outros decisores políticos do
Norte, Sul, Este e Oeste. Temos pontos de vista
diferentes relativamente aos pontos positivos e
negativos da globalização mas estamos de acordo
quanto aos imperativos de encontrarmos maneiras
melhores de lutar contra a pobreza e a exclusão.
Ao longo dos três últimos anos, levámos a cabo
22 processos de consulta nacional junto de representantes de governos locais, académicos, sociedade civil e movimentos de base. Lançámos cinco
grupos de trabalho técnico, que apresentaram
relatórios especializados. Utilizámos a nossa
própria experiência, analisámos publicações relevantes, falámos com pessoas de todas as áreas
e debatemos o assunto com decisores políticos
nacionais e internacionais bem como entre nós
2
próprios. Vimos e ouvimos histórias de sucesso, e
acreditamos que há provas convincentes de que
quando os pobres recebem protecção conforme o
estado de direito, eles podem prosperar.
… e a respectiva Avaliação:
Quatro Mil Milhões de
Vidas Excluídas
A
comissão acredita que a pobreza é provocada
pelo homem, pela acção e inacção e o insucesso das políticas públicas e dos mercados. A
Comissão vê que nos países ricos as pessoas têm
mais possibilidade de terem acesso à justiça e a
outros direitos – como trabalhadores, pessoas de
negócios e detentores de propriedades. A recente
e vasta criação de riqueza tem origem em várias
protecções legais, normas e instrumentos que
governam coisas tais como organizações de
negócios, grupos empresariais, bens comerciáveis, contratos laborais, associações de trabalhadores, capital de risco e propriedade intelectual.
Embora as mesmas protecções e instrumentos
existam em muitos países em vias de desenvolvimento, a grande maioria não tem maneira de
lhes ter acesso. Não obstante esta realidade, os
suportes legais do empreendedorismo, emprego
e interacção de mercados são muitas vezes
tidos como certos pelas abordagens tradicionais
ao desenvolvimento e pela teoria económica
clássica. Os contratos e os direitos de propriedade são tidos como estando implementados e
o que resulta da economia informal raramente é
tido em conta. Na verdade, a maioria das iniciativas de desenvolvimento tem tendência para
concentrar-se na economia oficial, no sistema
jurídico formal e nas instituições a nível nacional
em detrimento do nível local.
No entanto, a maioria das pessoas pobres não
vive ao abrigo da lei, mas bem afastados da protecção jurídica e das oportunidades que esta lhes
proporciona. As instituições e normas informais
locais governam as suas vidas e meios de subsistência, e nos casos em que não são excluídos
do sistema jurídico, são muitas vezes oprimidos
por ele. Porque os pobres não têm os seus
Cambodja © Jean-Luc Fievet 2007
direitos reconhecidos, são vulneráveis a abusos
por parte das autoridades que descriminam,
procuram subornos ou ficam do lado de interesses
poderosos que podem pretender impedir que os
pobres compitam economicamente ou procurem
desapossá-los das suas próprias terras. Este tipo
de discriminação tem consequências massivas.
A Comissão conclui que pelo menos quarto mil
milhões de pessoas estão excluídas do estado de
direito. É a minoria da população mundial que
pode tirar partido das normas e regulamentações
legais. A maioria da humanidade está de fora
a olhar para dentro, incapaz de contar com a
protecção da lei e incapaz de entrar nos mercados
nacionais e muito menos nos globais.
A Aquisição de Poder por
Via da Lei pelos Pobres como
Estratégia de Desenvolvimento
Quando o ordenamento jurídico funciona para
todos, define e impõe os direitos e obrigações
a todos. Isto permite que as pessoas interajam
entre si numa atmosfera certa e previsível. Assim,
o estado de direito não é um mero enfeite para
o desenvolvimento; é uma fonte essencial de
progresso. Cria um ambiente onde todo o espectro
da criatividade humana pode florescer e a prosperidade pode ser criada. A Comissão compreende
que a aquisição de poder por via da lei é um
processo de mudança orgânica através da qual
os pobres e excluídos passam a poder usar a lei,
o sistema e serviços jurídicos para proteger e
fazer avançar os seus direitos e interesses como
cidadãos e actores económicos.
O ordenamento jurídico é a plataforma na qual
assentam as instituições vitais da sociedade.
Nenhuma economia de mercado moderna pode
funcionar sem leis, e para ser legítimo, o próprio
poder tem de se submeter ao ordenamento
jurídico. Um mercado florescente e inclusivo pode
proporcionar o espaço fiscal que permite aos
governos nacionais um melhor desempenho das
respectivas responsabilidades. O relacionamento
entre a sociedade, o estado e o mercado é simbiótico. Por exemplo, o Mercado não só reflecte as
liberdades fundamentais tais como as liberdades
de associação e movimento, como também gera
recursos para providenciar, manter e impor todo
o conjunto de direitos humanos. São este tipo de
processos, em que os pobres concretizam os seus
direitos e colhem os benefícios de novas oportunidades, que permitem o gozo da cidadania –
resumindo, a aquisição de poder por via da lei.
Se a lei é uma barreira para os pobres que
desejam melhorar a sua situação, se é vista como
um obstáculo à dignidade e segurança, então a
3
ideia de lei como instituição legítima, em
breve será abandonada. Se a lei é aceite e
compreendida como oferecendo protecção e
igualdade de oportunidades e garantindo o
acesso a um processo justo e neutro, então a lei
será consagrada como a base da justiça.
O
desenvolvimento não tem soluções técnicas.
Para que os Estados garantam o direito à
protecção dos cidadãos, os sistemas podem e
têm de ser alterados e de forma sistémica. A
aquisição de poder por via da lei é uma força
central neste tipo de processos de reforma.
Isto implica que os Estados cumpram os seus
deveres para com o respeito, protecção e cumprimento dos direitos humanos e que os pobres
estejam cada vez mais conscientes dos seus
direitos, e colham as oportunidades que lhes
escapam, através dos seus próprios esforços,
assim como através dos esforços daqueles que
os apoiam, redes mais alargadas e governos. Os
elementos da aquisição de poder por via legal
têm os seus fundamentos no espírito e redacção
da legislação internacional dos direitos humanos
e especialmente no Artigo 1 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que declara,
‘Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e em direitos.’
Democracia: Meios
Indispensáveis, Fim Justo
As justas palavras da Declaração, escritas há
60 anos, são universalmente aceites mas
raramente cumpridas. Se os pobres fizerem
por via da lei a aquisição de poder, têm de ter
direitos eficazes e legalmente protegidos. Estes
incluem o direito ao voto, o direito à liberdade
de expressão e o direito à segurança jurídica.
É um objectivo essencial das sociedades
democráticas dar estes direitos, e um desafio
constante fazê-lo consistente e equitativamente.
As organizações internacionais, tanto regionais
como globais, podem ajudar a apoiar a
construção de instituições democráticas através
de uma variedade de meios.
4
Algumas avisaram contra a democratização
enquanto o estado de direito se mantém imperfeito. A Comissão não concorda. Democracia e
aquisição de poder por via da lei são almas gémeas
e resultam melhor se forem síncronas do que em
sequência. Na ausência da aquisição de poder
por via da lei, as sociedades perdem os benefícios
resultantes da livre circulação de informação, do
debate aberto e das novas ideias. Entretanto, os
governos não são responsabilizados pelas políticas
imprudentes. Há uma razão pela qual nenhuma
democracia conheceu a fome, e isso é visível ao
longo de várias décadas sugerindo que as democracias são menos propensas a desencadear conflitos.
Naturalmente que não há um único modelo de
democracia, mas as necessidades dos pobres
podem fazer-se ouvir melhor quando a tomada de
decisões é descentralizada para o nível local. O
princípio essencial subjacente à democracia, em
todos os seus modelos, é que o poder legítimo
tem a sua origem na vontade do povo livremente
expressa. Reforçar a democracia é essencial para a
aquisição de poder por via da lei.
Para os Reformadores:
Resistência e Recompensa
Transformar uma sociedade para incluir os pobres
exige reformas exaustivas a nível económico,
social, político e jurídico. A curto prazo, a reforma
não parece ser uma opção fácil. No entanto, há
uma recolha de resultados por parte da liderança.
Quando os pobres conseguem encontrar protecção
e oportunidades no sistema jurídico, os benefícios
práticos tornam-se visíveis. Conforme a economia
informal passa a estar documentada, a base fiscal
é alargada aumentando os rendimentos para o
desenvolvimento nacional. Os ganhos económicos
expandem os mercados locais e aumentam a
actividade financeira a todos os níveis. Conforme
o estado de direito se expande, as redes predatórias que exploram participantes vulneráveis
na economia informal começam a desaparecer, e
cada vez mais pessoas desenvolvem o interesse na
redução do crime e na manutenção de uma ordem
social pacífica. Conforme esta transformação
se desenvolve, as reformas ganham terreno e os
governos que aderiram a ideias reformistas ganham
credibilidade, especialmente entre o eleitorado
político cujas vozes anteriormente não eram
ouvidas. Deste modo, a aquisição de poder por via
da lei pode dar corpo e viver de acordo com uma
descrição apelativa para o progresso.
A aquisição de poder por via da lei não substitui
outras iniciativas importantes de desenvolvimento,
tais como investir mais na educação, serviços
públicos, e infra-estruturas, reforçar a participação
no comércio e atenuação e adaptação às alterações climáticas: em vez disso, complementa essas
iniciativas, multiplicando o respectivo impacto
criando as condições para o sucesso. As pessoas
que vivem em pobreza extrema necessitam de
assistência imediata e especialmente intervenções
direccionadas. O providenciar de educação de
qualidade, especialmente para as raparigas, não
podia ser mais urgente. A Comissão está convencida que os quatro mil milhões de excluídos a
nível mundial possuem capacidades significativas.
Se os Estados e a legislação forem reformados de
modo a reconhecerem adequadamente os pobres,
se a legislação for implementada para todos, os
que estão excluídos rapidamente começarão a
ultrapassar a situação actual e a contribuir para
a solução dos problemas sociais e económicos
crónicos.
Os Quatro Pilares da
Aquisição de Poder por
Via da Lei pelos Pobres
Durante as deliberações e com base no trabalho
dos respectivos grupos de trabalho temático, a
Comissão desenvolveu uma lista completa de
prioridades para a aquisição de poder por via da
lei abarcando quatro pilares cruciais que têm de
estar no centro dos esforços nacionais e internacionais para dar aos pobres protecção e oportunidades. A aquisição de poder por via da lei só pode
ser conseguida através de uma mudança sistémica dirigida ao desbloqueio do potencial cívico
e económico dos pobres. A lista de prioridades
da Comissão inclui: acesso à justiça e estado
de direito, direitos de propriedade, direitos de
trabalho e ‘direitos de negócios’.* Estes quatro
pilares reforçam-se e apoiam-se uns aos outros.
Na respectiva convergência e através da respectiva sinergia, a aquisição de poder por via da lei
pode ser conseguida.
Primeiro Pilar: Acesso à Justiça e
ao Estado de Direito
Em primeiro lugar entre os direitos encontra-se
aquele que garante todos os outros: acesso à
justiça e ao estado de direito. A aquisição de
poder por via da lei é impossível quando, de jure
ou de facto, é negado aos pobres o acesso a um
sistema jurídico que funcione bem. Onde leis
justas salvaguardam e fazem cumprir os direitos
e obrigações da sociedade, os benefícios para
todos, especialmente os pobres, são imensuráveis. Garantir igual acesso à justiça, embora
fundamental para o progresso, é difícil de conseguir. Mesmo se o sistema jurídico é tecnicamente
inclusivo e justo, o igual acesso à justiça só pode
ser conseguido com o empenho do estado e das
instituições públicas. As medidas da aquisição de
poder por via da lei nesta área têm de:
• Garantir que todos têm o direito fundamental à
personalidade jurídica, e a serem registados ao
nascer;
• Revogar ou alterar leis e regulamentações
parciais contra os direitos, interesses, e modo
de vida dos pobres;
• Facilitar a criação de organizações e coligações
da sociedade civil e do estado, incluindo paralegais que trabalhem em defesa dos excluídos;
• Estabelecer um monopólio estatal legítimo
sobre os meios de coacção através por exemplo,
policiamento eficaz e imparcial;
• Tornar o sistema judicial formal, os sistemas de
administração territorial, e instituições públicas
relevantes mais acessíveis através do reconhecimento e integração de procedimentos jurídicos
informais e tradicionais com os quais os pobres
já estão familiarizados;
* ‘Direitos de Comerciar’ não necessita de ser um novo termo jurídico, mas antes é resultante de direitos existentes relacionados com a prossecução
de negócio a nível individual, agora agregado a este termo na base da instrumentalidade vital desse processo na subsistência dos pobres.
5
Colômbia © Jean-Luc Fievet 2007
• Encorajar os tribunais a prestar a devida consideração aos interesses dos pobres;
• Apoiar mecanismos para a resolução alternativa
de conflitos;
• Encorajar e institucionalizar o acesso a serviços
jurídicos de modo a que os pobres conheçam a
legislação e possam tirar proveito dela;
• Apoiar medidas concretas para a aquisição de
poder por via da lei pelas mulheres, minorias,
refugiados e pessoas internamente deslocadas e
povos indígenas.
Segundo Pilar: Direitos de Propriedade
A
detenção da propriedade, individualmente
ou em associação com outros, é um direito
humano. Um regime de propriedade totalmente
implementado é composto por quatro blocos:
um sistema de regras que define o conjunto de
direitos e obrigações entre pessoas e bens que
reflectem a multiplicidade e diversidade dos
sistemas de regime de propriedade em todo o
mundo; um sistema de governação; um mercado
em funcionamento para a troca de bens; e um
instrumento de política social. Cada um destes
componentes pode ser disfuncional e funcionar
contra os pobres. Quando o sistema funciona no
seu todo, passa a ser um veículo para a inclusão
6
dos pobres na economia formal e um mecanismo
para a sua ascensão social. Quando todo o
sistema ou um único componente é disfuncional,
os pobres são privados da oportunidade ou
descriminados.
Uma vez que as reformas dos direitos de propriedade são inerentemente arriscadas, deve ser
prestada toda a atenção para garantir os direitos
dos pobres. As mulheres, que constituem metade
da população mundial, só detêm 10 por cento
dos bens a nível mundial. As populações indígenas e outras conhecem a descriminação activa.
Para garantir os direitos dos grupos, é necessário
um pensamento jurídico imaginativo. Dar aos
totalmente desprovidos o direito e acesso a bens
significa intervenções sociais directas.
Para serem totalmente produtivos, os bens têm de
ser formalmente reconhecidos por um sistema que
abarque tanto os direitos de propriedade individuais como os colectivos. Isto inclui o reconhecimento dos direitos tradicionais. Incorporá-los nos
registos normais, títulos e contratos, em conformidade com a lei, protege os agregados familiares
e os negócios. As expulsões só deveriam ser uma
opção em circunstâncias onde a segurança física
da vida e propriedade estivessem ameaçadas,
ou nos casos em que os contratos tenham sido
quebrados ou perante processos de expropriação
justos. Devem ser efectuadas através do respectivo processo jurídico, equitativamente aplicável,
contestável e independente, e sempre que o custo
da expulsão seja totalmente compensado. Os
direitos de propriedade, incluindo título de posse,
não só devem ser protegidos por lei, mas também
através da associação da propriedade dos pobres a
interesses mais amplos da sociedade (aumentando
o alcance da validação do respectivo título de
posse). A possibilidade está aberta para os pobres
utilizarem o bem como garantia para a obtenção
de crédito, tal como um empréstimo para negócio
ou uma hipoteca. Isso encoraja à conformidade,
ligando os proprietários aos bens, os bens a
endereços fixos e endereços fixos ao cumprimento,
isto é, à responsabilização das pessoas. Assim,
a reforma da propriedade pode reforçar o acesso
à personalidade jurídica e à justiça. Os registos
de propriedade unificam disposições dispersas
num sistema único, juridicamente compatível.
Isto integra os mercados locais fragmentados,
permitindo que os negócios procurem novas
oportunidades fora das imediações mais próximas
e colocando-os no contexto jurídico onde estarão
mais bem protegidos pela segurança jurídica e
associação de causa. As medidas da aquisição de
poder por via da lei nesta área têm de:
•Promover uma governação eficiente da propriedade individual e colectiva para integrar a
economia subterrânea na economia formal e
garantir que se mantém facilmente acessível a
todos os cidadãos;
•Garantir que em todas as nações é legalmente
obrigatório por lei o reconhecimento das
propriedades e que todos os proprietários têm
acesso aos mesmos direitos e normas;
•Criar um mercado funcional para a troca
de bens, que seja acessível, transparente,
e responsável;
•Alargar a disponibilidade dos direitos de propriedade, incluindo o título de posse, através de
políticas sociais e outras políticas públicas, tais
como o acesso ao alojamento, empréstimos a
juros bonificados e à distribuição de terras
do estado;
•Promover um sistema de direitos de propriedade
inclusivo que reconheça automaticamente a
propriedade de bens imóveis adquirida pelos
homens em co-propriedade com as respectivas
esposas ou parceiras de união de facto.
Terceiro Pilar: Direitos do Trabalho
Os pobres podem chegar a gastar a maioria das
horas que estão acordados no local de trabalho,
mal conseguindo sobreviver com o que ganham.
Mas o trabalho não é um bem essencial. Do
mesmo modo que a propriedade e os bens físicos
dos pobres são reconhecidos, também o seu
maior bem – o seu trabalho e capital humano –
deve ser eficazmente reconhecido. A legitimidade,
mesmo a aceitabilidade, da economia depende
de direitos básicos de trabalho, assim como o
desenvolvimento do capital humano necessário
para o crescimento sustentado. Por outro lado, o
melhoramento contínuo dos direitos de trabalho
e sociais depende de uma economia de mercado
funcional e bem-sucedida. O padrão típico e gasto
da baixa produtividade, salários baixos, e riscos
altos tem de ser substituído pelo cumprimento da
Agenda dos Princípios Fundamentais e Direitos
no Trabalho e doTrabalho Digno, e a estratégia
para dar protecção e oportunidade aos trabalhadores na economia informal, uma coligação
descrita como um contrato social global
emergente. Como:
•Respeitar, promover e implementar a liberdade
de associação para que a identidade, voz e
representação dos pobres que trabalham possa
ser reforçada no diálogo social e político acerca
da reforma e respectiva concepção;
•Melhorar a qualidade da regulamentação laboral
e o funcionamento das instituições do mercado
do trabalho, criando assim sinergia entre a protecção e a produtividade dos pobres;
•Garantir o cumprimento efectivo de um pacote
mínimo de direitos no trabalho para trabalhadores e empresas na economia informal que
apoia e vai mais além da Declaração dos Princípios Fundamentais e Direitos no Trabalho;
7
•Aumentar o acesso às oportunidades de
emprego na economia de mercado crescente e
mais inclusiva;
•Expandir a protecção social para os trabalhadores pobres no caso de choques económicos e
alterações estruturais;
•Promover medidas que garantam o acesso a
cuidados médicos, seguros de saúde e pensões;
•Garantir que a aquisição de poder por via da lei
dinamiza a igualdade de sexos, indo assim ao
encontro dos compromissos segundo as normas
da ILO (OIT) que promovem activamente a
eliminação da discriminação e igualdade de
oportunidade para, e o tratamento de, mulheres
que surgiram como uma força importante na
redução da pobreza nas comunidades pobres.
Quarto Pilar: Direitos nos Negócios2
A Comissão tem como evidente que os pobres
8
têm direito aos direitos,
não só quando trabalham
por conta de outrem, mas
também no desenvolvimento dos seus próprios
negócios. O acesso a
serviços financeiros
básicos é indispensável
para homens de negócios
em potencial ou emergentes. Igualmente
importante é o acesso à
protecção e oportunidade
tal como a possibilidade de
contratar, fazer negócios,
obter capital para investimento através de acções,
obrigações ou outros
meios, para conter o risco
financeiro pessoal através
da protecção dos bens e
responsabilidade limitada,
e passar a posse de bens
de geração em geração.
Estes direitos poderão não
Indonésia UNICEF/HQ07-0690/Josh Estey
ser igualmente importantes
para cada empresário mas
são essenciais na erradicação da pobreza e no
desenvolvimento económico. Têm de estar acessíveis a todas as inúmeras micro, pequenas e médias
empresas no mundo em vias de desenvolvimento
– muitas dirigidas por mulheres – que empregam
uma grande parte da força laboral. Muitas vezes
o sucesso ou fracasso deste sector económico
marcará a diferença entre o progresso económico
contra a estagnação, o aumento do emprego contra
o desemprego generalizado, e a criação de uma
sociedade de partes interessadas mais alargada
contra uma maior desigualdade que leva a um
contrato social mais fraco. As medidas da aquisição de poder por via da lei nesta área têm de:
•Garantir direitos de negócio básicos; incluindo
o direito à venda ambulante, a ter um local
de trabalho, e ter acesso às infra-estruturas e
serviços necessários (abrigo, electricidade, água
e instalações sanitárias);
• Reforçar a governação económica eficaz que
facilita e torna acessível a montagem e funcionamento de um negócio, o acesso aos mercados e
abandonar um negócio se necessário;
•Expandir a definição de ‘pessoa jurídica’ para
incluir as empresas de responsabilidade jurídica
que permitem que os detentores separem os
seus bens pessoais dos empresariais, permitindo
assim assumirem riscos de forma prudente;
•Promover serviços financeiros inclusivos que disponibilizam aos empresários no mundo em vias
de desenvolvimento aquilo que muitos dos seus
pares noutros locais têm garantido – poupanças,
crédito, seguros, pensões, e outras ferramentas
de gestão de risco;
•Expandir o acesso a novas oportunidades de
negócio através de programas especializados
para familiarizar os empresários com os novos
mercados e ajudá-los a cumprir as regulamentações e requisitos, e esse apoio com ligações a
jusante e a montante entre empresas maiores e
mais pequenas.
Impulso Institucional e
Implementação
Para ser bem-sucedido, a aquisição de poder
por via da lei tem de conduzir a uma mudança
sistémica, incluindo a reforma institucional. Numa
agenda completa, em vez de uma abordagem
faseada, os quatro pilares da aquisição de poder
por via da lei reforçam-se uns aos outros. Instituições e leis efectivas que explicam claramente
os direitos e obrigações, dão aos indivíduos a
confiança para cooperarem com outros no tempo e
à distância, criando assim riqueza com segurança.
Os ganhos da produtividade distribuídos através de
reformas numa área, conduzem a outros. Os mecanismos para a protecção social e os direitos no
trabalho estão ligados de perto ao desenvolvimento
de um ambiente empresarial produtivo e competitivo. Na aquisição de poder por via da lei, as coisas
boas andam de mãos dadas.
A
liderança política impõe-se. Uma agenda
completa será mais bem gerida não por
ministérios individuais, em competição para
ganhar apoios e atenção, mas por presidentes
e primeiros-ministros em cooperação com os
ministros das finanças, da justiça e do trabalho.
Através da sua autoridade política, presidentes
e primeiros-ministros podem fazer avançar a
agenda e criar impulso político essencial. Mas os
Altos Representantes não são uma pré-condição
para uma liderança eficaz. As organizações de
cidadãos e populares podem criar iniciativas
valiosas para a mudança através da educação
do público e reuniões sobre o tema da aquisição
de poder por via da lei. Muitas melhorias nas
vidas dos pobres foram conseguidas através da
inovação social. A Aquisição de Poder por Via da
Lei também tem de ser feita das bases para as
cúpulas.
A abordagem da aquisição de poder por via da
lei recomendada pela Comissão é diferente das
abordagens tradicionais às reformas jurídicas e
institucionais e não envolve planos estereotipados
para implementação. Os contextos nacionais e
locais diferem, criando uma grande variedade
de barreiras e oportunidades para reforma que
têm de ser tidas em conta. No entanto, é muito
provável que o sucesso partilhe características comuns. Coligações políticas alargadas,
trazendo líderes de outras áreas da sociedade e
empenhados em defender políticas, aplanarão o
caminho para a aquisição de poder por via da lei
e ajudarão a ultrapassar resistências, diversidades
e atrasos. É essencial o conhecimento e a sintonia
com, o contexto político e as reformas baseadas
numa compreensão profunda e partilhada das
condições locais tanto na economia formal como
na informal. O aspecto do sexo requer enorme
atenção nas quatro áreas, assim como os direitos
das populações indígenas e a lei tradicional. Os
pobres não são os objectos em si da aquisição de
poder por via da lei, mas sim os co-criadores e
facilitadores. Têm de participar e dar informação
em todas as fases da reforma, incluindo a monitorização apertada dos resultados. A reforma tem
de crescer a partir das realidades e necessidades
dos pobres. A Comissão está convencida que o
sucesso tem mais possibilidades onde a vontade
9
de atingir a democracia é maior.
Como Avançar no
Mundo Multilateral
Enquanto o governo é o actor chave e responsável,
o ‘portador das responsabilidades’ em termos de
direitos humanos, num processo de Aquisição
de Poder por Via da Lei pelos Pobres, as Nações
Unidas e o sistema multilateral alargado podem
ajudar dando-lhes o seu apoio total. A comunidade
internacional não-governamental pode fazer o
mesmo Mais especificamente:
•A agenda da aquisição de poder por via da lei
tem de estar integrada como uma preocupação
fulcral das agências multilaterais globais tais
como o Banco Mundial, o PNUD, o IOT, a FAO
e a NU-HABITAT. Nos seus aspectos distintos,
estas agências influenciam o modo como os
governos estabelecem e implementam as regras
que definem as protecções e oportunidades
económicas e sociais. As respectivas estratégias
e abordagens operacionais têm de mudar para
que possam disponibilizar um apoio forte, sustentado e coordenado à Aquisição de Poder por
Via da Lei pelos Pobres. O PNUD deve tomar a
liderança e trabalhar com outras agências das
NU para desenvolverem uma agenda multilateral e coerente para a aquisição de poder por
via da lei;
•A Aquisição de Poder por Via da Lei pelos
Pobres também tem de passar a ser uma missão
fulcral para as organizações políticas regionais, bancos regionais e instituições regionais
das NU. Estas organizações podem trabalhar
de perto com os líderes nacionais tanto para
ajudarem os governos empenhados na reforma
e exercerem uma influência normativa nos
governos menos dispostos a abraçarem a
reforma;
•A sociedade civil e as organizações com base
nas comunidades podem contribuir fazendo a
ligação entre os pobres e as instituições políticas a todos os níveis, advogando uma melhor
representação para os pobres, organizando
apoio para as agendas das reformas e trabalhando como auditores independentes para o
10
sistema político;
•A comunidade empresarial pode aplainar o
caminho para a aquisição de poder por via
da lei através do Compacto Global das NU, e
apoiando e participando em esforços de reforma
numa base local e nacional;
•As comunidades religiosas e as tradições
espirituais indígenas podem ter um papel único
e essencial em transpor os imperativos morais
da aquisição de poder por via da lei em acções
concretas;
•Várias associações profissionais, incluindo
juristas, advogados, entidades administrativas
territoriais, supervisores e urbanistas, também
podem ter um papel na reunião e disseminação
da informação nas respectivas comunidades e
redes de trabalho. Podem disponibilizar apoio
político para a aquisição de poder por via da
lei e acesso à reforma da justiça, assim como
aumentando o financiamento para o apoio
jurídico e outros serviços necessários.
Juntas, estas iniciativas devem dar:
•Apoio coerente para os esforços de aquisição de
poder por via da lei em cada país;
•Apoiar um consenso político para a aquisição de
poder por via da lei a nível global e regional;
•Criar novos instrumentos para apoio da aquisição de poder por via da lei, tais como:
oUm ‘Pacto Global para Aquisição de Poder por
Via da Lei” como primeiro passo na codificação
dos direitos essenciais e esclarecimento de
uma estrutura para a respectiva execução;
oMecanismos para acompanhamento do
progresso a todos os níveis;
oUm centro de informação para registo, armazenagem e disseminação de experiências e
lições aprendidas relativamente à aquisição
de poder por via legal;
oParcerias público privadas;
oUma iniciativa global para promover conhecimento e inovação das bases.
Em resumo, a vasta maioria da população mundial
vive à margem da lei. Esta é uma receita para a
estagnação nacional e global. Um estado cego
consigo próprio está destinado a fracassar. Quando
tantas pessoas à margem do estado de direito, as
sociedades não são capazes de atingir o seu potencial; todos os elementos do sistema económico
– da produtividade e poupanças ao investimento
e mercados ao planeamento e inovação – são
privados de energia e de bens. Esta exclusão faz
com que seja mais difícil para os governos irem ao
encontro das suas necessidades nacionais, e cria
problemas sociais que podem gerar agitação civil e
desintegração social.
A
solução para a exclusão está na inclusão
através da Aquisição de Poder por Via da
Lei pelos Pobres. Isto é económica, política,
social e moralmente importante. Um país
com leis e instituições que não calam os
pobres, beneficiará das contribuições de toda
a população e de uma ordem jurídica, social
e económica em que todos os segmentos da
sociedade têm voz e empenho. Esses países
terão maior facilidade em construir uma coesão
nacional, e mais probabilidade de encontrar
um nicho positivo no mercado competitivo
mundial. O mundo como um todo beneficiará
conforme cada vez mais estados implementam
as reformas necessárias para promover a aquisição de poder pelos pobres. Essas iniciativas
ajudarão a reduzir as pressões criadas pelas
migrações de refugiados, subdesenvolvimento,
fome, negligência ambiental, urgências de
saúde e conflitos. Num mundo interdependente,
todos estaremos melhor se os nossos vizinhos
puderem contar com a protecção jurídica e
puderem viver conforme as suas responsabilidades segundo essa mesma lei.
Afinal, a nossa época é uma época de mudanças
sísmicas, não só na área económica mas também
na criação de um domínio público global. Uma
miríade de interacções desgovernadas flui entre
estados, desde o óbvio ao quase invisível, do
maligno ao benfazejo. Algumas têm de ser restringidas, outras controladas e outras ainda facilitadas e encorajadas. No entanto, como acontece
a nível nacional, as nossas instituições globais
permanecem cegas à maioria da realidade, mais
equipadas para o passado do que para o presente,
prejudicando as nossas tentativas de lidar com
cada problema novo que enfrentamos. Quem
é que pode negar que todos partilhamos uma
responsabilidade para proteger: uma que estamos
longe de atingir? Quer relativamente às alterações
climáticas, comércio, migração, ou segurança,
o mundo esperará regras justas para o séc. 21,
regras que ofereçam protecção e oportunidades
para todos de acordo com as obrigações dos
direitos humanos.
Tempo para uma Agenda
Renovada Contra a Pobreza
É tempo para uma agenda renovada contra a
pobreza com enfoque na inclusão da grande
maioria da população mundial nos sistemas de
direitos e obrigações que já deram provas da sua
capacidade de encorajar a prosperidade durante
os últimos 60 anos. É da responsabilidade dos
líderes nacionais e globais, e de todos nós,
alargar esse círculo de oportunidade e aumentar o
alcance da protecção – não replicando a trajectória dos países ricos mas encontrando meios que
permitem que cada país encontre o seu próprio
percurso. Embora os métodos possam variar, o
objectivo é o mesmo – capacitar e promover a
aquisição de poder pelos pobres para serem bemsucedidos tanto como indivíduos como contribuidores para o bem-estar económico e social das
respectivas comunidades. Mais inacção e atraso
deixarão que os talentos humanos morram mais
cedo e por usar, e manchará as vidas que restam.
Fazer a pobreza passar à história não pode ser
conseguido apenas através da aquisição de poder
por via da lei, mas é difícil ver como se poderá
fazer sem ela. A Aquisição de Poder por Via da
Lei reconhece a complexidade da sociedade e o
rico potencial dos pobres. Dando livre curso à sua
criatividade, temos nas nossas mãos a possibilidade de forjar um mundo mais humano, mais
igual, mais próspero e melhor. Chegou o momento
de nos unirmos em apoio dessa tarefa essencial e
transformadora.
11
A Comissão constata que de pessoas, a maioria da estão excluídas do estado 1
Pôr a Lei ao Serviço
de Todos
cerca de 4 mil milhões
população mundial,
de direito.
A
té a violência começar, Margaret Atieno
Okoth vendia couves seis dias por semana
numa banca exígua no Mercado Toi de
Nairobi, juntamente com outros vendedores que apregoavam de tudo desde sapatos em
segunda mão a peças para bicicletas. Os seus
parcos rendimentos permitiam-lhe mandar apenas
três dos seus 12 filhos para a escola, enquanto o
marido, John, procurava trabalhos ocasionais nos
bairros da classe média onde pudesse ir a pé a
partir de casa. Mas por muito que Margaret trabalhasse, a família tinha de subsistir numa barraca
de lata de uma divisão, sem electricidade, água
ou instalações sanitárias. Estavam aprisionados
em Quibera, um bairro de lata miserável onde um
milhão de Quenianos se debate para sobreviver e
a pobreza é passada de geração em geração.
Em milhares de povoações como esta em todo
o mundo, pessoas pobres como a Margaret não
possuem personalidade jurídica – sem certidão de
nascimento, sem endereço jurídico, sem direitos
à respectiva barraca ou banca de mercado. Sem
documentos legais, a capacidade em tirar o maior
partido dos seus esforços e bens é limitada, e
vivem no medo permanente de serem despejados
pelas entidades oficiais ou senhorios. Os criminosos estão sempre à espreita; entidades oficiais
corruptas invadem-nos. E conforme testemunhado
na recente violência no Quénia, a segurança não
existe. Mesmo antes de a violência rebentar,
Joseph Muturi, que dirigia um pequeno negócio
de vestuário no Mercado Toi, disse a amigos e
colegas: ‘Sei que em poucas horas tudo isto pode
desaparecer.’ Estava especialmente preocupado
com a ameaça das escavadoras mecânicas arrasarem o mercado para dar lugar a interesses económicos mais poderosos. Afinal, a violência era
política, despoletada por uma eleição aguerrida.
Para milhares de pessoas no mercado Toi, o acontecimento apenas provou a verdade fundamental
das palavras de Joseph. Efectivamente tudo
desapareceu. Não havia segurança ou protecção
quando era mais necessária.
13
Estes problemas podem parecer difíceis. Mas a
mudança é possível. Basta visitar o mercado Sewa
Nagar de Deli.
‘Nunca esquecerei como a vida era difícil anteriormente,’ diz Mehboob, que vende plásticos em
Sewa Nagar. ‘Era uma luta para sobreviver com
um trabalho duro e honesto, mas era praticamente impossível. A polícia e as entidades oficiais
locais exigiam subornos, ameaçando despejar-me
ou confiscar-me a mercadoria. Eu tinha de pagar,
mas mesmo assim era ameaçado e batiam-me. O
meu produto foi confiscado e já perdi a conta de
quantas vezes fui despejado. Nunca imaginei que
alguma coisa pudesse mudar.’
U
m visitante de Sewa Nagar mal poderia
agora reconhecer as condições horríveis que
Mehboob tão dolorosamente recorda. O mercado
está repleto de compradores à procura de
pechinchas nas bancas limpas e bem mantidas
que rivalizam pela atenção dos compradores.
Madan Sal vende frutos secos, Santosh tenta a
clientela feminina com pulseiras e cosméticos,
Raju faz um comércio rápido barbeando homens
– e já nenhum tem medo.
A origem desta notável transformação é simples,
mas no entanto profunda. Enquanto anteriormente Santosh e os outros comerciantes legalmente não tinham direito a exercerem a sua
actividade comercial, agora obtiveram licenças
oficiais para o fazerem. No papel, isso poderá
não parecer revolucionário, mas na prática dá aos
comerciantes pobres do mercado a aquisição de
poder que faz com que o seu trabalho árduo valha
a pena. Em troca, mediante uma renda mensal
razoável, agora os comerciantes têm direitos
garantidos para as suas bancas. ‘Já não temos de
pagar subornos,’ explica Mehboob. ‘Sinto-me bem
porque ganho dinheiro de maneira honesta e pago
os meus impostos.’
A maioria dos vendedores ambulantes da Índia
não tem tanta sorte. A legislação municipal do
país proíbe a venda ambulante sem licença. No
14
entanto, Deli com uma população de mais de
15 milhões de pessoas, passou menos de 4.000
licenças. Estima-se que 99 por cento dos 10
milhões de vendedores ambulantes do país sejam
obrigados a trabalhar na ilegalidade. Em vez de
serem protegidos pela lei, são excluídos dela.
Parte do problema reside no facto de a voz dos
pobres não ser ouvida. A transformação de Sewa
Nagar deu-se porque um grupo de acção baseado
em Deli denominado Manushi dirigiu uma
campanha de base para influenciar entidades
governamentais para a mudança. Esta campanha
conseguiu o apoio das autoridades locais e
membros do parlamento, pelo menos publicamente.
‘Nos últimos meses, temos vindo a enfrentar uma
grande violência e ameaças,’ diz Madhu Kishwar da
Manushi. ‘Mas as boas notícias são que a Manushi
recebe um forte apoio para este trabalho aos mais
altos níveis, indo contra as linhas partidárias.’
‘O gabinete do Primeiro Ministro interveio acerca
do assunto e deu instruções para que este
projecto não fosse perturbado. O GovernadorTenente também dá o seu apoio, assim como o
Comissário Adjunto do Governo da área. Mas os
políticos locais perseguem-nos e a polícia local
tem um papel duvidoso por razões óbvias. Esta
é uma zona que estava livre de subornos – algo
que a polícia dos níveis mais baixos não consegue
tolerar. Também estão a ser fortemente pressionados por parte dos políticos que estão desesperados por manter os pontos de venda ambulante
sob controlo, não só porque lhes dá um forte
rendimento, mas também porque assim podem
obrigar estas pessoas a irem às reuniões políticas,
fazer o trabalho eleitoral deles e estarem disponíveis sempre que queiram fazer uma demonstração
de força.’
Para Madhu, a batalha ainda só começou. ‘Este
projecto-piloto faz parte de uma campanha muito
mais alargada que pretende libertar as vidas dos
pobres que trabalham por conta própria na Índia,
de controlos burocráticos desnecessários e das
máfias extorcionistas,’ afirma. ‘Reconhece que as
iniciativas dos pobres têm um papel essencial na
economia do país e que têm o direito de ganhar
a vida livre de perseguições, extorsões, espancamentos e outras violações dos direitos humanos.’
A transformação de Sewa Nagar prova uma
verdade básica, mas muitas vezes ignorada: a
exclusão e a pobreza provocadas pela legislação
andam de mãos dadas, e no entanto nenhuma é
inevitável. Se Sewa Nagar pode mudar, também
Quibera pode. Margaret também podia usufruir de
uma vida melhor. Mesmo depois da catástrofe, os
reinícios são possíveis.
A Importância da Lei
Longe de ser um luxo sem o qual os pobres
podem viver, direitos jurídicos eficazes são uma
necessidade para todos. A exclusão dos pobres
pela lei, não é apenas desesperadamente injusta,
como lhes nega uma oportunidade de melhorar
as suas vidas e impede o desenvolvimento dos
países pobres.
Cerca de metade da população de áreas urbanas
em todo o mundo vive em povoamentos ilegais
e trabalha em economias paralelas. Um número
absoluto ainda maior de pobres encontra-se
em áreas rurais isoladas com o acesso seguro
e limitado à terra e a outros recursos. Eles não
vivem dentro da lei, mas fora dela: iniciam
contratos de trabalho irregulares, gerem negócios
não registados, e muitas vezes ocupam terras às
quais não têm legalmente direito. Nas Filipinas,
65 por cento das habitações e negócios não estão
registadas, na Tanzânia 90 por cento. Em muitos
outros países, os números são superiores a 80 por
cento. Em termos de PIB, a economia informal é
responsável por mais de um terço – e a aumentar
– da economia do mundo em desenvolvimento.3
Quando os potenciais empresários se dispõem a
registar legalmente um negócio, as burocracias
e custos frustram os seus planos. Um estudo
recente do Banco para o Desenvolvimento Inter-
Americano de 12 países Latino-Americanos,
concluíram que apenas oito por cento de todas as
empresas estão legalmente registadas, e que cerca
de 23 milhões de negócios operam na ilegalidade.
Os proprietários destes negócios não conseguem
obter empréstimos bancários legais,4 nem conseguem implementar contratos ou expandir para
além de uma rede pessoal de clientes e parceiros
conhecidos. Uns estimados dois mil milhões de
pessoas não têm acesso a serviços financeiros
básicos.5 Assim, os pobres não têm outra escolha
senão aceitar a insegurança e a instabilidade
como modo de vida.
A exclusão dos pobres da legislação é um
problema crucial, mas no entanto tem recebido
pouca atenção prática – até ao presente.
Este relatório da Comissão de Aquisição de Poder
por Via da Lei pelos Pobres é a primeira a destacar
o modo como, dando às mulheres e homens
pobres do mundo acesso à justiça, e apoiando e
accionando os direitos à propriedade, trabalho e
negócio6 – os direitos jurídicos que a maioria das
pessoas nos países ricos têm garantidos – pode
dar-lhes a aquisição de poder para mudarem as
suas vidas para melhor.
A Comissão junta mulheres e homens ilustres de
diferentes origens, de diversas convicções políticas e uma grande variedade de especialização.
Passámos os três últimos anos a analisar uma
grande quantidade de provas, observando directamente a luta dos pobres e a procurar os pontos
de vista de uma variedade de pessoas em todo o
mundo – decisores políticos e cidadãos comuns,
ricos e pobres, homens e mulheres de negócios,
sociedade civil e organizações baseadas nas
comunidades, especialistas no desenvolvimento
internacional e representantes dos habitantes de
bairros de lata. Escutámos e aprendemos. Este
relatório reflecte muitas vozes, mas acima de
tudo as dos pobres. A mensagem que sobressai
claramente é que o mundo não compreendeu a
importância de fazer com que a lei trabalhe para
todos, para dar protecção e oportunidade. E a
15
COMISSÃO SOBRE A AQUISIÇÃO DE
PODER POR VIA DA LEI PELOS POBRES
A Comissão para a Aquisição de Poder por Via
da Lei pelos Pobres foi a primeira iniciativa
global com enfoque na ligação entre a exclusão, a
pobreza e a legislação. Lançada por um grupo de
países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento
incluindo o Canadá, Dinamarca, Egipto, Finlândia,
Guatemala, Noruega, Suécia, África do Sul, Tanzânia,
e o Reino Unido, foi acolhida pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP)
em Nova Iorque.
Co-presidida pela ex Secretária de Estado, Madeleine
Albright, e o economista Peruano Hernando de Soto,
juntou governantes eminentes e práticos do terreno
de todo o mundo. A lista completa dos membros da
Comissão encontra-se no início deste relatório.
Este progresso notável tem
avançado de mão dada com uma
evolução no pensamento e prática
da política de desenvolvimento.
Aprendemos lições importantes
acerca do que resulta e o que não
resulta. O que teve início nos anos
50, como uma diminuta agenda de
investimento na infra-estrutura para
incentivar o crescimento económico,
é agora muito mais amplo. Abarca
medidas para reforçar o desenvolvimento social e ir ao encontro das
necessidades dos pobres. Abrange a
reforma macroeconómica e o encorajamento do crescimento liderado
pelo sector privado. Tem em conta
problemas tais como o comércio,
dívidas, meio-ambiente e sexo. E
desde o início dos anos 90, propõe
uma governação democrática e uma
sociedade civil activa.
A aquisição de poder por via da lei não se trata de
ajuda a fundo perdido, mas de ajudar as pessoas pobres
a se erguerem e saírem da pobreza, trabalhando nas
reformas políticas e institucionais que aumentam as
respectivas oportunidades e protecções jurídicas.
consequência disto reflecte a verdade contida nas
palavras de Rousseau: ‘O homem nasceu livre e
em toda a parte vive acorrentado.’
Progresso e Frustração
A economia mundial torna-se ainda mais dicotómica. As décadas recentes são testemunho de
avanços inigualáveis no crescimento económico
e no desenvolvimento humano. Na maior parte
do mundo, os níveis de vida melhoraram, assim
como a expectativa de vida, a sobrevivência
infantil, o acesso a água limpa, as taxas de
escolaridade e o tratamento das mulheres. Cerca
de 500 milhões de pessoas sairam da pobreza
extrema nos últimos 25 anos.7
16
Na passagem para o séc. XXI a
cimeira do Milénio das Nações
Unidas adoptou a Declaração do
Milénio e estabeleceu oito ambiciosos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (MDGs). Estes
objectivos marcam um compromisso
global sem precedentes para reduzir
a pobreza e promover o desenvolvimento humano:
melhor segurança alimentar e cuidados de saúde,
acesso à instrução melhorado, menos discriminação e maior sustentabilidade ambiental.
A pobreza extrema diminuiu. E no entanto, a erradicação da pobreza global permanece um objectivo difícil de manter. A África subsaariana não
se encontra entre os objectivos num único dos
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.8 Em
todo o mundo, a desigualdade está a aumentar.
As soluções de mercado e o rigor macroeconómico
não cumpriram tudo o que prometeram. E embora
os esforços para um desenvolvimento mais
sustentado e governação democrática sejam sem
dúvida importantes, não
cumpriram os progressos
que muitos esperavam.
F
alhas no sistema
internacional
continuam a minar os
esforços de desenvolvimento. A imperfeição do
estado da legislação internacional e respectiva aplicação, deixa a segurança
internacional, já sem
mencionar a justiça,
numa quimera. Embora
o comércio internacional
seja essencial para o
desenvolvimento dos
países, as negociações da
Agenda para o Desenvolvimento em Doha na
Organização Mundial do
Comércio estão paradas.
Houve algum progresso
acerca do aligeiramento
da dívida, mas ainda fica
muito por fazer. A maioria
dos países doadores
continua longe dos seus compromissos internacionais, de dar em ajuda 0,7 por cento do respectivo rendimento nacional bruto. A ajuda externa
nem sempre é dirigida para o alívio da pobreza,
e muitas vezes é feita com fraca coordenação e
de maneira ineficaz.9
Os efeitos traiçoeiros das falhas da legislação
sobre as vidas dos pobres, desde há muito que
tem vindo a ser um assunto preferido dos grandes
comentadores – Charles Dickens, por exemplo,
em quase todas as suas novelas. Entre os economistas, Douglass North foi um dos primeiros a
fazer notar que as receitas da política associadas
à teoria económica tradicional não conseguiram
captar as nuances e complexidades da actividade
económica informal. North e outros economistas
mais recentes como Nicholas Stern mudaram
Zimbabué © UNICEF/HQ02-0344/Giacomo Pirozzi
o seu enfoque das teorias normalizadas sobre
o modo de funcionamento dos mercados, para
a importância das instituições do mercado tais
como os sistemas de propriedade, o ambiente
empresarial e o trabalho.10 Estas instituições
diziam, modelam a actividade económica das
pessoas normais e são altamente resistentes à
mudança devido a interesses entrincheirados.
Desta nova compreensão dos desafios, associados ao desenvolvimento económico, surgiu um
enfoque na melhor governação destas instituições de mercado críticas. Foi dado uma ênfase
especial ao clima de investimento e às regras e
normas que afectam a propriedade e o trabalho.
Stern e outros também advogaram a criação de
mecanismos que permitissem que os homens
e mulheres pobres participassem nas tomadas
de decisão que afectam as respectivas vidas.
17
Pediram maior investimento nas
pessoas, através da instrução,
melhor acesso à informação e
capacidade de desenvolvimento em
instituições públicas-chave.11
‘Os pobres’ são o que sinteticamente apelidamos de
um conjunto enorme de pessoas que têm rendimentos
baixos e que lutam com problemas tais como a fome,
a doença e a habitação indigna. Vivem em zonas
rurais remotas, bem como em bairros degradados dos
subúrbios citadinos. Trabalham como fornecedores
de serviços domésticos, agricultores de subsistência,
trabalhadores indiferenciados temporários, vendedores ambulantes e recicladores de lixo. Muitos
pertencem a minorias étnicas sub-representadas –
muitas vezes são migrantes internos ou migrantes
internacionais que se deslocaram para uma zona
geográfica onde lhes falta de um estatuto legal
definido. Muitos foram deslocados pela guerra ou
por conflitos civis. Outros são populações indígenas
que foram excluídas da sociedade dominante. Os
pobres são na sua grande maioria mulheres.
O enfoque de Stern nos bens e
capacidades dos pobres e das
instituições funcionantes necessárias para libertar o seu potencial,
reflecte a ênfase de Amartya Sen na
liberdade dos pobres em modelarem
as suas próprias vidas. Sen identifica
a governação política e económica
– e a qualidade de instituições de
nota – como sendo intrínsecas e
instrumentais para a expansão do
desenvolvimento humano como
liberdade. Isto envolve o acesso a, e
a qualidade de, educação e saúde,
assim como a participação política
e de mercado. A agenda de desenvolvimento como
liberdade é virtualmente sinónimo da aquisição
de poder político, social e económico das pessoas
com base nos direitos humanos. O desenvolvimento assim compreendido é simultaneamente um
imperativo moral e, Segundo Sen, o caminho para
a prosperidade e redução da pobreza.
Com base nas lições dos últimos 50 anos, o
Directorado para a Cooperação e desenvolvimento
da OCDE estabeleceu directivas para aumentar
a eficácia da ajuda e cooperação no desenvolvimento que são semelhantemente abrangentes:
garantir a propriedade local e nacional do
processo de desenvolvimento; promover governação de qualidade, incluindo a democracia,
direitos humanos e o estado de direito; abandonar
os projectos de desenvolvimento tradicionais para
abordagens mais baseadas na política e apoio
orçamental directo; e encorajar a participação
activa da sociedade civil.12
Mas se isto aborda um sentido lato do que é
necessário, o desafio de como o atingir, é uma
viagem que acaba de ser iniciada. O apoio do
18
estado de direito é um exemplo: teve o seu
próprio declínio e circulação nos últimos 50 anos,
mas um corpo crescente de literatura torna a sua
prática incipiente.13 As abordagens antiquadas à
Lei e Desenvolvimento têm de ser revistas.
Muitos factores são simplesmente esquecidos.
A maioria das iniciativas de desenvolvimento
continua a ter tendência para enfoque na
economia oficial, o sistema jurídico formal, e
outras instituições estabelecidas e são completadas sobretudo a nível nacional em vez de local.
Por exemplo, os programas que promovem o
acesso à justiça e o estado de direito, geralmente
destacam as instituições formais tais como os
parlamentos, o sistema eleitoral, as delegações
judiciais e executivas do governo. A assistência
económica tem tendência a fazer o enfoque
na melhoria do clima de investimento para as
empresas registadas ou estrangeiros.
No entanto, a maioria das pessoas nos países
em vias de desenvolvimento, especialmente os
pobres, pouco interagem com as instituições
nacionais e o sistema jurídico formal. As suas
vidas são sobretudo moldadas pelas normas e
instituições informais, tais como as condições
do bairro de lata em que vivem ou o grau de corrupção das entidades locais. As grandes reformas
nacionais passam-lhes ao lado.
Dirigir-se aos Quatro Mil Milhões
de Pobres e Excluídos
que ficaram para trás é uma resposta com falhas
e insuficiente para a pobreza global. Collier argumenta que devemos ‘estreitar o objectivo e alargar
os instrumentos.’ Este relatório é uma parte
essencial do alargamento, mas nenhum estreitamento deverá acompanhar a sua aplicação.
Sabemos da existência de números deprimentes
quanto ao número de pessoas que vivem com
menos de um dólar por dia (os que vivem em
pobreza extrema)14 e os que vivem com menos
de dois dólares por dia (os que vivem em pobreza
moderada).15 Mas a Comissão vê que cerca de
quarto mil milhões de pessoas, a maioria da
população mundial, vivem excluídos do estado
de direito.16 Na melhor das hipóteses, vivem com
bens muito modestos e desprotegidos, que não
podem ser alavancados no mercado
devido a mecanismos cumulativos de
‘Acabar com a pobreza extrema é essencial não ó por
exclusão. A agenda da aquisição de
uma questão de compaixão. A economia mundial
poder por via da lei dirige-se à totabeneficiará enormemente com as contribuições
lidade destes quatro mil milhões de
daqueles que conseguem evoluir de situações de
pessoas. A sua pobreza em termos
dependência para a participação total. (…) O
de rendimento pode variar, mas o
mandato da Comissão é intimidante mas também
seu direito à protecção e oportunidade iguais, segundo o estado de
é essencial, pois a aquisição do poder por via da
direito não pode.
lei pode acrescentar muito em relação aos meios
Em Os Milhões que Ficaram Para Trás, Paul
Collier afirma que a comunidade internacional
deve concentrar os seus esforços de ajuda nos
países muito pobres do mundo, que possuem uma
população combinada de cerca de mil milhões
de pessoas, e que muitas vezes se encontram ou
acabam de sair de situações de conflito. Collier
afirma que a ajuda é especialmente necessária
e pode potencialmente ter resultados melhores
mundiais existentes na luta constante para salvar e
enriquecer vidas humanas.’ Madeleine Albright
nesses países. Mas, Collier acredita que a ajuda terá
relativamente poucos resultados no fortalecimento
do desenvolvimento e redução da pobreza noutros
países em vias de desenvolvimento, que têm outros
recursos para utilizar, tais como comércio, investimento directo estrangeiro e impostos.
A assistência internacional ao desenvolvimento
é efectivamente essencial para os países mais
pobres e para sociedades em recuperação após
um conflito. Os dadores devem dar prioridade
a estes países e dar enfoque ao financiamento
da redução efectiva da pobreza e recuperação
económica. Mas o enfoque apenas nos milhões
Q
uatro mil milhões de pessoas
não estão adequadamente
protegidos pela lei e por instituições abertas e funcionantes, e
por uma variedade de razões, são incapazes de
utilizar a lei eficazmente para melhorar o seu
modo de vida. No entanto, estes quatro mil
milhões não são um grupo rígido. Os que vivem
em pobreza extrema são tipicamente pobres de
bens e não serão capazes de sair da pobreza
apenas com reformas jurídicas. A sua situação
só pode ser melhorada com uma variedade de
medidas, desde a protecção do seu modo de vida
ao acesso aos recursos e serviços tradicionais, e
as reformas sistémicas para tornar as instituições
públicas acessíveis e justas. Os que vivem em
pobreza moderada possuem alguns bens e rendimento, o que lhes pode permitir tirar partido
19
da mudança institucional. Para todas estas
pessoas, a protecção dos seus bens é fundamental. Mas a protecção do que possuem não
é o suficiente, pois são pobres e as suas posses
são mínimas. Merecem uma oportunidade de
tornar os seus negócios, independentemente do
seu tamanho pequeno ou micro, mais produtivos
e têm o direito a condições de trabalho dignas.
As reformas das instituições com que lidam são
essenciais para a sua aquisição de poder. Apenas
através deste tipo de alteração sistémica, é que
os mais pobres serão capazes de tirar partido
das novas oportunidades e serão atraídos a
juntarem-se à economia formal.
Mas também temos de nos dirigir aos que,
embora não vivam em pobreza extrema ou
moderada, no entanto não conseguem utilizar a
lei para seu proveito e encontram-se em perigo
constante de passarem a engrossar as fileiras dos
muito pobres. A agenda da aquisição de poder
por via da lei procura evitar esta derrapagem
e fortalecer os pobres com mais capacidade
e recursos. A aquisição de poder deste grupo
também pode ter um impacto adicional positivo
no desenvolvimento, tanto por razões económicas como políticas. A razão económica é que
os pobres neste estrato social que adquiriram
poder, estimulam as interacções do mercado. Em
muitos países, reforçará a cadeia de aumento
de valor entre a classe dos pobres e da classe
média baixa, e finalmente no estrato social mais
alto. Politicamente, reforçar os interesses destes
pobres pode ganhar mais voz e capacidade para
auto-organização e finalmente para a autoaquisição de poder. Enquanto – felizmente – a
aquisição de poder por via legal desta maior
variedade de pobres poderá não consumir uma
grande parte dos parcos recursos de ajuda, é um
componente essencial para a redução eficaz da
pobreza e para o desenvolvimento socioeconómico. A aquisição de poder por via da lei é uma
agenda versátil para os quatro mil milhões de
excluídos.
20
Consciencialização de Direitos
pela Mudança Política
A aquisição de poder por via da lei está ancorada
nos princípios básicos dos direitos humanos
articulados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos – e nas subsequentes convenções
internacionais e regionais dos direitos humanos
– começando pelo Artigo 1: ‘Todo o ser humano
nasce livre e igual em dignidade e direitos.’ As
implicações desta simples afirmação não podiam
ser mais profundas. Na verdade, de princípios
familiares e estabelecidos, emerge uma agenda
radical de aquisição de poder por via da lei, não
uma solução técnica, mas uma agenda para uma
reforma fundamental. Todos os cidadãos devem
poder gozar de protecção eficaz dos seus direitos
básicos, bens e modo de vida, suportados pela lei.
Devem ser protegidos da injustiça, quer causada
pelos seus concidadãos ou entidades governamentais, todos os quais – seja qual for o posto que
ocupem – devem estar sujeitos à lei. A comunidade
internacional tem o dever de apoiar a aquisição de
poder por via da lei tanto como expressão destes
princípios, como estratégia principal para atingir os
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Isto está intimamente relacionado com a democracia, o mais recente processo das bases para as
cúpulas; simultaneamente os meios indispensáveis
para a expressão de numerosos direitos humanos e
a maneira menos má que os homens encontraram
para organizar os seus negócios. A aquisição de
poder por via da lei pode criar as bases para uma
democratização bem-sucedida, no entanto não
deve atrasá-la – as duas têm de trabalhar em
conjunto. Na maior parte do mundo, incluindo
as velhas democracias, o desenvolvimento da
democracia está parado e a procura de inovação
e renovação tem de ser redobrada. Onde a prática
democrática pode florescer, também a aquisição
de poder por via da lei, os indivíduos e respectivas
comunidades podem. É uma vantagem na prática
e em princípio que a aquisição de poder por via da
lei seja menos normativa para o desenvolvimento
do que outras abordagens, tendo como objectivo
a maior capacidade dos pobres, incluindo na área
pública, de modo que as decisões sobre o tipo de
desenvolvimento sejam deles, em vez de serem
determinadas por relatórios como este.
A Aquisição de Poder por Via da
Lei é o Caminho
A Comissão acredita que a pobreza pode ser
eliminada, mas apenas mediante uma mudança
radical no modo de pensar e abordagem por
parte dos governos e instituições internacionais.
Alguns argumentam que acabar com a pobreza
depende amplamente de libertar as forças de
mercado enquanto outros são mais favoráveis
a uma maior confiança na mão condutora do
governo. Mas estes dois pontos de vista tradicionais não estão a ter em conta uma parte essencial da situação. O desenvolvimento depende de
mais mercados e política económica; também
depende do modo como as leis e instituições
funcionam e se relacionam com os cidadãos.
Por sua vez, isso reflecte o modo como o poder
e a influência estão distribuídos na sociedade.
O problema para o mercado de Sewa Nagar não
era a ausência de empreendedorismo ou falta
jurídica e instituições que dêem protecção e
oportunidades genuínas para todos. As ferramentas
necessárias para agir estão disponíveis e deviam
ter ampla consternação política.
A Comissão acredita que a pobreza é fabricada
pelo homem, uma consequência das nossas acções
e da nossa inacção. Por concepção ou por defeito,
mercados, leis, instituições e políticas, muitas
vezes fracassam no seu serviço ao bem comum,
excluindo ou descriminando contra as mulheres
e homens pobres. A democracia é muitas vezes
mais um mantra do que realidade; na prática, o
estado de direito é muitas vezes governar segundo
a lei, aplicada arbitrariamente e em desigualdade.
Embora as pessoas nos países pobres possam
ter direitos no papel, a maior parte das vezes não
passam daí. Frequentemente, as únicas leis que
as populações conhecem são regras informais,
algumas tradicionais, outras mais recentes.
Na maioria dos países ricos, em contrate, a maioria
das pessoas tem direitos e obrigações efectivos,
quer como trabalhadores, homens e mulheres de
negócios, rendeiros, ou proprietários. Se os seus
direitos forem violados, podem
recorrer à lei; se não cumprirem as
‘Os funcionários do estado muitas vezes pensam que
suas obrigações, pode ser posta uma
a sua ajuda aos pobres é um favor que lhes prestam.
acção nos tribunais contra eles. O
Sentem-se totalmente distantes dos pobres e muitas
facto de se saber que, se necessário
vezes não se querem envolver com eles.’ os direitos e obrigações legais podem
Referendo Nacional no Uganda
ser impostos, guia as acções diárias
das pessoas, e sem dúvida que isso
lhes permite não abandonar as oportunidades
de regulamentação governamental; era a falta
económicas e outras. Na verdade, a prosperidade
de uma base protectora legal, politicamente
dos países ricos é criada através de uma variedade
acordada e apoiada.
de instrumentos e normas sofisticadas tais como as
empresas de responsabilidade limitada, parcerias
Acreditamos que chegou o momento de ultrapassar
e cooperativas, bens negociáveis, contratos de
as linhas de batalha ultrapassadas de outrora;
trabalho, capital de risco, seguros e propriedade
a esquerda contra a direita, o estado contra o
intelectual – todos eles baseados numa estrutura
mercado, local contra global. A nossa agenda
jurídica eficaz e instituições funcionantes. No
não se baseia em teorias abstractas ou compaientanto, mesmo os países mais desenvolvidos estão
xões utópicas; reflecte as realidades da pobreza
longe de erradicar a exclusão e a não aquisição de
e exclusão que os pobres conhecem. Tem um
poder por via da lei. Pode haver grandes problemas
enfoque na abolição das barreiras que impedem
proporcionando representação, ou sem estrutura
os pobres de avançar, e construir uma estrutura
21
Uganda Cate Ambrose, Aquisição de Poder por Via da Lei
jurídica para criar um banco de micro-crédito,17 e
os migrantes podem arrastar-se fora da sociedade,
envoltos por um mundo ao qual não podem aceder.
A Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres
não é uma prioridade que qualquer parte do mundo
possa ver com complacência.
Proporcionar a aquisição de poder por via de
lei aos pobres para realizarem o seu potencial
enorme, permitir-lhes-ia agarrar o seu próprio
destino tanto como cidadãos, como pioneiros
do desenvolvimento. Por sua vez, isso permitiria
aos países estarem mais bem equipados para
enfrentarem alguns dos desafios da globalização
– entre eles a competitividade comercial, sem
desemprego, sustentabilidade ambiental, e acesso
a tecnologias. Tudo isto não é um substituto para
outras iniciativas importantes, tais como investir
mais em serviços sociais e infra-estruturas,
melhorar a participação no comércio mundial, e
fazer esforços para mitigar e adaptar à alteração
climática; complementa-os. A aquisição de poder
por via de lei disponibiliza soluções para o séc.
XXI para o velho problema da pobreza e é um
componente crucial na abordagem dos novos
desafios do nosso tempo.
Fazer a Pobreza passar à História
Fazer a pobreza passar à história será difícil.
Exige pressão popular, liderança política a todos
22
os níveis, tempo e esforços enormes por parte das
próprias mulheres e homens pobres. No entanto,
os pobres só conseguirão escapar à pobreza se
tiverem o poder de se ajudarem a si próprios.
A aposta não poderia ser mais alta. O nosso
mundo em constante retracção, dilacerado entre
ricos e pobres, não é desesperadamente injusto;
é perigosamente instável. As nossas vidas estão
incontornavelmente interligadas; podemos prejudicar-nos ou ajudar-nos uns aos outros. Assim, a
globalização não só coloca um desafio; também
oferece uma escolha. Agir agora e construir um
mundo melhor para todos; ou não fazer nada e
colocar em risco tudo quando estimamos.
É por isso que devemos transformar a segurança e
oportunidade do privilégio de uns para a realidade
de todos. A justiça assim o exige, assim como o
desenvolvimento. A nossa mensagem fulcral é
simples: fazer com que a lei trabalhe para todos
oferece protecção e oportunidade para todos. Este
relatório apresenta em pormenor o modo como,
definindo os pilares da aquisição de poder por via
da lei, as suas vantagens políticas e económicas,
uma agenda para reforma, medidas políticas,
fases e tácticas e a acção necessária a nível
internacional.
As melhores práticas de constituir os melhores economia formal atraente jurídica inclusiva.
2
Os Quatro Pilares da
Aquisição de Poder
por Via da Lei
informalidade podem
alicerces para uma
e legitimar uma ordem
C
omo Margaret e John em Quibera, a
maioria dos pobres do mundo vivem fora
do âmbito da lei, a sua penúria é tanto
uma causa como uma consequência da
sua falta de direitos jurídicos eficazes. Lutam por
sobreviver, quanto mais para melhorarem a sua
vida, vivendo no medo e na insegurança, vendo os
seus esforços travados a cada momento. Porque
o sistema funciona contra eles, os pobres têm de
correr apenas para não saírem do mesmo sítio.
Sobrevivem inventando as suas próprias soluções.
Surgem com maneiras ‘informais’ de fazer as
coisas que misturam as práticas tradicionais com
a ingenuidade moderna (como os ricos fazem,
mas por vantagem e não por necessidade). Estas
estruturas informais e por vezes muito sofisticadas guiam o modo de viver dos pobres, de trabalhar, fazer comércio, obter serviços essenciais
tais como instrução, água e energia e proteger e
policiar as respectivas comunidades. Por exemplo,
os pobres criam meios informais de adjudicarem
as propriedades, documentar transacções, garantir
e obter crédito, criar associações comerciais,
dividir o trabalho e verificar a identidade.
Enquanto muitas vezes os pobres recorrem
a meios informais porque na verdade estão
excluídos da economia formal, por vezes eles
escolhem operar informalmente porque as instituições formais são disfuncionais ou corruptas.
Muitas vezes a formalidade e a informalidade
sobrepõem-se e interagem – muitos trabalhadores
e empresas decidem o volume que querem comprometer com as instituições estatais, pesando as
vantagens de o fazerem, contra os custos potenciais de não o fazerem.18 Na verdade, a distinção
entre economias formais e informais é muitas
vezes pouco clara: existe um vasto espectro de
disposições de vários graus de formalidade e
informalidade.
25
“As vidas de todas as pessoas que vivem numa cidade
formalmente organizada são servidas directa ou
indirectamente por milhares de trabalhadores
que labutam durante horas a fio, muitas vezes sob
condições degradadas, por salários que dificilmente
cobrem os respectivos custos de alimentação.
Também vivem sob a constante ameaça de despejo
dos seus locais informais de habitação.” Sheela Patel
M
as as instituições informais podem deixar
os pobres vulneráveis à corrupção, exploração, interferência burocrática, ao braço forte
da lei, e aos criminosos. A ordem de execução
de punição da justiça pode ser exemplar (os
países desenvolvidos podiam aprender muito
com alguns costumes antigos de restauração da
justiça), mas do mesmo modo é muitas vezes
brutal e discriminatória, e não menos contra as
mulheres. As transacções económicas permanecem imprevisíveis, inseguras e limitadas. O
alcance limitado das redes locais circunscreve a
oportunidade – sendo praticamente impossível a
utilização dos mercados nacionais ou internacionais. É portanto improvável que a informalidade
seja uma rampa de lançamento para o desenvolvimento. Dá poucas oportunidades para o crescimento económico e rendimentos limitados para
o investimento público em serviços essenciais
– tais como a saúde, instrução, infra-estrutura e
justiça – que beneficiariam os pobres.
No entanto, o objectivo da aquisição de poder
por via de lei não é ‘firmar’ a economia informal.
Isso equivaleria a tratar os sintomas em vez
das causas, e punir os esforços de lidar com o
assunto em vez de os apoiar. A causa principal da
informalidade generalizada é o fracasso das leis
formais, instituições e governação. Assim, muitas
pessoas afastam-se das instituições do estado e
públicas e permanecem na economia tradicional
e informal. Miríades de práticas informais locais
e soluções ajudam a suster estas comunidades.
Mas se as melhores práticas da informalidade
pudessem providenciar os elementos para cons-
26
truir uma economia formal atraente,
e uma ordem jurídica legítima e
inclusiva, os horizontes dos pobres
seriam amplamente expandidos. O
núcleo da agenda da aquisição de
poder por via de lei não é só incorporar estes elementos de construção
no sistema jurídico, mas também
reformar as instituições formais existentes tornando-as abertas, acessíveis e legítimas.
O Conceito de Aquisição de
Poder por Via da Lei
A aquisição de poder por via da lei é o processo
através do qual os pobres passam a estar protegidos e obtêm a capacidade de utilizar a lei para
promover os respectivos direitos e interesses,
em relação ao estado e no mercado. Implica que
os pobres tomem plena consciência de todos os
seus direitos, e colham as oportunidades que daí
lhes advêm, através do apoio público e dos seus
próprios esforços, assim como os esforços daqueles
que os apoiam e de redes mais alargadas. A
aquisição de poder por via da lei é a abordagem de
um país baseada no respectivo contexto que ocorre
tanto a nível nacional como local.
A abordagem da Comissão ao conceito de aquisição de poder por via da lei está descrita no
diagrama acima. Duas condições chave para a
Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres
são a identidade e a expressão. Os pobres necessitam de (prova de) uma identidade reconhecida que corresponde à sua actividade cívica e
económica como cidadãos, detentores de bens,
trabalhadores, e homens/mulheres de negócios.
Sem uma voz pelas populações pobres, um
processo de aquisição de poder por via da lei não
pode existir. Por um lado esta voz necessita crucialmente de se basear na informação e instrução
e por outro na organização e representação.
Começando pelo modo de vida dos pobres,
composto pelos seus bens e actividades, são
O Conceito de Aquisição de Poder por Via da Lei
Condições para a Aquisição de
Poder por Via da Lei
Identidade e
Estatuto Jurídico
como Cidadão
Identidade e
Estatuto Jurídico
como detentores
de Bens
Identidade
Informação
e
Instrução
Opinião
Identidade e
Estatuto Jurídico
Organização
comoTrabalhador
e
Identidade e Estatuto
Representação
Jurídico como
homem/mulher
detentora de Negócio
Pilares da Aquisição de
Poder por Via da Lei
O Estado de Direito e
o Acesso à Justiça
Direitos de
Propriedade
Direitos
Direitos do Trabalho
Direitos de Comerciar
M
U
D
A
N
Ç
A
S
I
S
T
É
M
I
C
A
Objectivos da Aquisição de
Poder por Via da Lei
Acesso à Justiça
Acesso aos Bens
Protecção
Acesso
Acesso a
Trabalho Digno
Oportunidade
Acesso a
Mercados
detentores de bens, trabalhadores e homens de
três as áreas de aquisição de poder consideradas
negócios. A aquisição de Poder por Via da Lei
como essenciais: direitos de propriedade, direitos
pelos Pobres exige uma mudança sistémica, mas
de trabalho e ‘direitos de comerciar.’19 Acesso à
se os pobres adquirirem verdadeiramente poder,
justiça e ao estado de direito devem ser consiisto melhora fundamentalmente o relacionamento
derados como fundamentais que permitem a
entre o estado e todos os cidadãos. Com idenestrutura que suporta a consciencialização destes
tidade nas suas diferentes funções, uma voz no
direitos. O conjunto nuclear destes direitos não
pode ser totalmente eficaz excepto
se houver uma opção realista de os
‘Para os pobres a face mais visível do estado são os
impor. Assim, a aquisição de poder
por via de lei é uma estrutura abranmembros da polícia que nas favelas se comportam
gente de quarto pilares, o acesso à
de tal forma que violam os seus direitos fundamentais.’
justiça e ao estado de direito, direitos
Referendo Nacional no Brasil
de propriedade, direitos do trabalho e
direitos de comerciar.
Como processo de reforma, a aquisição de poder
por via de lei exige intervenções paralelas e coordenadas. Todo o processo deve ser compreendido
como sendo iterativo e o relacionamento entre o
processo de aquisição de poder por via da lei e a
mudança sistémica é mutuamente consolidante.
Os pobres que adquirem poder por via da lei terão
mais voz e identidade; terão mais influência nas
reformas institucionais e jurídicas e políticas
sociais, que por sua vez melhorarão a consciencialização dos respectivos direitos como cidadãos,
processo de mudança e direitos melhorados nas
três áreas de aquisição de poder, os pobres terão
efectivamente mais acesso à justiça e ao estado
de direito, o acesso a bens melhorado, mais
acesso a um trabalho digno e melhor acesso aos
mercados.
As mulheres, os povos indígenas, e grupos
vulneráveis devem ser total e justamente incluídos em todas as fases do processo de aquisição
de poder por via da lei. For them ‘equal’ access
27
may not be enough; active
promotion and facilitation
of these groups’ meaningful
participation may also be
necessary to ensure just
outcomes and their full
participation in the process.
Os objectivos finais da
aquisição de poder por
via de lei são o aumento
da protecção e oportunidade para todos: proteger
os pobres da injustiça
– tal como despejos
injustos, expropriação,
extorsão e exploração – e
oferecer-lhes igualdade de
oportunidade de acesso ao
mercado local, nacional e
internacional.
Identidade e direito
de opinião como
condições-chave
da aquisição de
poder por via de lei
‘Todos têm o direito a serem reconhecidos
perante a lei’, é um dos principais direitos
humanos. Assim, o estado tem a obrigação
de reconhecer formal e legalmente que uma
pessoa existe. A aquisição de poder por via da
lei exige um documento acessível com o qual
o/a portador/a possa provar a sua identidade.
Sem este tipo de prova da respectiva identidade
jurídica, especialmente os pobres são muitas
Afeganistão © UNICEF/HQ07-1168/Shehzad Noorani
vezes excluídos das protecções formais do
sistema jurídico do estado e como beneficiários
dos bens e serviços públicos.
As pessoas também necessitam de informação
acerca dos respectivos direitos e do modo como
podem ajudar a moldar a tomada de decisões.
Necessitam de ter voz sobre o modo como a
respectiva sociedade e economia são organizadas.
A opinião exige a existência de
instrução, que tal como a informação
‘A Aquisição de Poder por Via da Lei tem também a
e identidade, está amiúde assimever com oportunidade: os pobres podem e conseguem
tricamente disponível para ricos e
receitas próprias e são extremamente engenhosos
pobres. E os pobres precisam de
em desenvencilharem a sua própria subsistência. Em
organizações que representem as
cidades e aldeias à volta do mundo desenvolvido,
suas próprias escolhas. Os números
vendem bens e serviços nas ruas e organizam mercados
têm força e protecção. As orgade rua que as entidades governamentais se recusam a
nizações podem exigir e negociar
Kumi Naidoo
reconhecer.’ reformas e tratar com o estado mais
28
seus bens excepto mediante pagamento de justa
amplamente. Quase todos os pobres têm acesso
compensação, por razões de utilidade pública
a grupos ou associações de algum tipo – cooou interesse social, e nos casos e de acordo com
perativas de pequenos trabalhadores agrícolas,
as formas estabelecidas por lei.’22 A mesma
sindicatos, associações de pequenas empresas,
organizações comunitárias, associações de mulheres, ou comunidades
religiosas – que podem disponibi‘Um debate sobre direitos humanos rapidamente
lizar plataformas mais eficazes a
trás à ideia as atrocidades de Darfur ou os senhores
partir das quais podem promover os
da Guerra no Congo que arrastam crianças para as
respectivos direitos.
Direitos Humanos
A aquisição de poder por via da
lei tem a sua base normativa
em normas globalmente aceites
dos direitos humanos e devem
ir sempre ao encontro ou ultrapassar estas normas globais. Os
direitos humanos devem guiar o
processo de aquisição de poder
por via da lei, especialmente as
reformas institucionais e jurídicas,
assim como as políticas sociais
que têm como objectivo reconfigurar a relação entre o estado e os
cidadãos a nível nacional e local.
suas fileiras, ou mulheres e crianças migrantes vendidas para escravatura sexual. (...) Mas enquanto estas crises chamam a atenção do mundo para alguns
dos exemplos mais dramáticos e visíveis de injustiça
humana, a falta de direitos humanos básicos suportados por milhões que vivem em pobreza absoluta,
tem origem nas estruturas subjacentes de sociedades
que sistematicamente separam os ricos dos pobres,
os poderosos dos desprovidos. Na verdade, mais de
metade da população mundial vive fora da legislação imposta ou reconhecida, sem meios jurídicos
eficazes para proteger as famílias, lares ou posses.’ Mary Robinson
Direitos de propriedade e
direitos humanos
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos estipula que ‘todos têm o direito a deter
bens individualmente, assim como em associação
com outros’ e que ‘ninguém será arbitrariamente
privado dos seus bens.”20 Segundo Convenção
Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos
e Liberdades Fundamentais, ‘todas as pessoas
naturais e jurídicas têm direito ao gozo pacífico
dos seus bens. Ninguém será privado das suas
posses, excepto se for no interesse público e
sujeito às condições providenciadas pela lei e
pelos princípios gerais da lei internacional.’21
A Convenção Americana dos Direitos Humanos
afirma que ‘todos têm o direito a utilizar e gozar
os seus bens. A lei pode subordinar essa utilização e gozo ao interesse da sociedade.’ Além
disso, estipula que ‘ninguém será privado dos
Tradução Inglesa do editorial do jornal madrileno
El Pais de 1 de Junho de 2007
intenção jurídica é expressa na Carta [Banjul]
Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que
afirma que ‘o direito à propriedade será garantido. Só podem ser prejudicados no interesse da
necessidade pública ou por interesse geral da
comunidade e de acordo com as provisões da
legislação adequada.’23 No contexto da construção da paz e lidando com a situação complexa
de refugiados e pessoas deslocadas internamente (IDPs), a restituição da propriedade é
considerada como uma questão importante dos
direitos humanos. Segundo textos representativos da comunidade internacional, não há paz
justa sem a instituição da propriedade privada
e sem a restituição de propriedade expropriada
arbitrariamente ou uma compensação equiva-
29
Turquia © UNICEF/HQ05-1217/Roger LeMoyne
lente dos bens expropriados.24 A Convenção
acerca da Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres, afirma no
Artigo 16: ‘Os Partidos Estatais implementarão
todas as medidas apropriadas para eliminar a
descriminação contra as mulheres em todos
os assuntos relativos ao casamento e relações
familiares, garantirá especialmente uma base
de igualdade entre homens e mulheres: (h) Os
mesmos direitos para ambos os esposos relativamente à detenção, aquisição, gestão, administração e gozo e disposição dos bens, tanto a
título gratuito como a título oneroso.’
Direitos de trabalho e direitos
humanos
Uma parte importante da lei internacional
dos direitos humanos abarca direitos de
trabalho fundamentais tais como a liberdade de associação e protecção do direito de
forma de aderir a sindicatos; eliminação de
trabalho forçado ou obrigatório em todas as
suas formas; condições de trabalho justas e
favoráveis; eliminação da descriminação no
acesso ao emprego, formação e condições
de trabalho; pagamento igual para homens
e mulheres para trabalho do mesmo valor; e
30
abolição do trabalho infantil, estipulando uma
idade mínima para admissão ao emprego.
Os direitos de comerciar como uma
nova era dos direitos humanos?
O
s direitos de comerciar ainda não necessitam de ser vistos como uma nova
expressão da lei. Mas sim com um conjunto
de direitos existentes de indivíduos e grupos
de pessoas para iniciarem uma actividade
económica e transacções comerciais. A
Comissão juntou estes direitos com base na
respectiva instrumentalidade essencial no modo
de vida e perspectivas económicas dos pobres.
Os direitos de comerciar incluem o direito
das pessoas iniciarem um negócio legalmente
reconhecido sem regulamentações arbitrariamente aplicadas ou descriminação na aplicação
de normas e procedimentos. Concentra-se em
eliminar barreiras desnecessárias que limitam
as oportunidades económicas e em proteger os
investimentos que as pessoas fazem nas suas
empresas, por muito pequenos que sejam. Os
direitos de comerciar têm origem nos direitos
políticos e civis, assim como nos económicos e
sociais. O direito a organizar e a liberdade de
associação, por exemplo, suportam o direito a
formar cooperativas de negócio, outras empresas
e associações de entidades patronais e de
trabalhadores. As actividades empresariais são
a expressão de toda uma classe de liberdades,
nomeadamente a liberdade de associação, liberdade de movimento, liberdade de desenvolver os
talentos de cada um e a liberdade de troca de
bens legitimamente adquiridos e serviços.
A lógica para a promoção dos direitos de comerciar é a sua ligação às liberdades fundamentais
do indivíduo, assim como a enorme importância
das pequenas e médias empresas para ultrapassarem a pobreza. Uma grande parte dos
pobres trabalha nesses negócios (e mesmo mais
se incluirmos a agricultura). Conforme essas
empresas crescem, dão mais trabalho e mais
salários. Memo um crescimento modesto dos
salários a este nível, faz uma grande diferença
para a segurança e qualidade de vida. Quanto
mais inclusivo o mercado formal se tornar,
melhores são as oportunidades para expandir a
abrangência e qualidade dos direitos de trabalho,
que por sua vez constrói o capital humano.
Uma agenda de direitos humanos
Propomos uma agenda ambiciosa para mudança
e uma estratégia eficaz para a implementar, em
que tudo terá de ser negociado e acordado a nível
local e nacional. Ao mesmo tempo, insistimos
veementemente que a comunidade internacional
expanda a base de aquisição de poder por via
da lei, na legislação internacional dos direitos
humanos. Os direitos essenciais da aquisição de
poder por via da lei merecem ser mais desenvolvidos em pactos de aquisição de poder por via
da lei regionais ou globais e eventualmente em
tratados internacionais de direitos humanos.
Tal estrutura pode reforçar a reforma nacional,
mas para que as reformas beneficiem os pobres,
têm de ser construídas a partir das bases e não
das cúpulas para as base ou de fora para dentro.
A participação e detenção de bens pelos próprios
pobres são essenciais para qualquer sucesso.
A campanha liderada pelos Anciãos, Todos os
Homens Têm Direitos, é um bom exemplo do
modo como a agenda dos direitos humanos pode
ser inserida na cultura e sociedade civil, um passo
para a aquisição de poder por via da lei.25 As
reformas que são impostas, independentemente
de serem muito bem-intencionadas, raramente
ganham raízes nas sociedades. Para serem reconhecidas como pertinentes e legítimas por uma
grande maioria de pessoas, as leis têm de ser ancoradas em valores existentes, tradições e estruturas,
assim como têm de ser consistentes com as obrigações internacionais dos direitos humanos. Isto é
especialmente verdade para a aquisição de poder
por via da lei, que trata de dar voz aos pobres e
tenacidade aos seus direitos. É uma vantagem na
prática e em princípio que a aquisição de poder
por via da lei é menos normativa para o desenvolvimento do que outras abordagens, tendo como
objectivo a maior capacidade dos pobres, incluindo
na área pública, de modo que as decisões sobre o
tipo de desenvolvimento sejam deles, em vez de
serem determinadas por relatórios como este.
Os Quatro Pilares da Aquisição
de Poder por Via da Lei e a
Dimensão do Problema
O acesso à justiça e o estado de direito como
estrutura fundamental e que dá habilitação
legal, é o primeiro pilar da aquisição de poder
por via da lei. Os três outros pilares são áreas da
aquisição de poder resultantes dos modos de vida
dos pobres: direitos de propriedade, direitos de
trabalho e direitos de comerciar. Em cada pilar, a
escala do problema que a Comissão está a tentar
abordar é estudada, antes de abordar as soluções
nos próximos capítulos.
Primeiro Pilar: Acesso à justiça e ao
Estado de Direito
O acesso à justiça e ao estado de direito são
essenciais para a aquisição de poder por via
da lei. Reformar a lei no papel não é suficiente
para mudar o modo como os pobres a vivem no
dia-a-dia. Mesmo as melhores leis são meras
ilusões se os pobres não puderem usar o sistema
31
jurídico para lhes dar força. Mesmo as melhores
regulamentações não ajudam os pobres se as
instituições que as impõem são ineficazes, corruptas, ou são controladas pelas elites. Por isso, é
absolutamente importante reformar as instituições
públicas e abolir as barreiras jurídicas e administrativas que impedem os pobres de garantir os
seus direitos e interesses.
mais de 20 milhões de casos pendentes, e alguns
casos civis demoram mais de 20 anos a chegarem
aos tribunais.28 No Quénia, estão pendentes cerca
de um milhão de casos, mais de 300.000 perante
o Supremo Tribunal de Justiça só em Nairobi.29
Um juiz médio nas Filipinas tem um atraso de
pelo menos 1.479 casos em atraso.30 As leis que
são essenciais para os pobres são muitas vezes
A
personalidade jurídica é a pedra
‘O sistema de justiça é caracterizado por atrasos no
angular para o acesso à justiça.
exercício da justiça, falta de capacidade institucional
Apesar da provisão inequívoca na
Declaração Universal dos Direitos
e sistemas ineficientes de imposição da lei e
dos Homens, dezenas de milhões de
congestionamento. Estes problemas existem devido
pessoas não possuem personalidade
à falta de pessoal com formação adequada e falta
jurídica formalmente documende equipamento essencial e instalações tanto a nível
tada. Estima-se que mais de sete
federal como regional.’
em cada dez crianças nos países
Referendo Nacional na Etiópia
menos desenvolvidos do mundo não
possuem certidão de nascimento ou
outro documento de registo.26 Isto impede muitas
pouco claras, contraditórias, desactualizadas
ou discriminatórias no respectivo impacto. Nas
delas de acederem à instrução e cuidados de
Filipinas, por exemplo, os colonos têm de provar
saúde. Dá-lhes mais vulnerabilidade à exploração,
que viviam naquela terra antes de 1992, para
tal como o trabalho infantil e tráfego humano. E
obterem direitos formais; os colonos informais
sem provas documentais da sua existência, os
raramente conseguem fazer prova disso, enquanto
respectivos pais terão dificuldade em interagir
os colonos posteriores a 1992 são simplesmente
política, económica e mesmo socialmente fora
excluídos por lei.
das respectivas comunidades locais. A ausência
de documentação legal pode ser utilizada para os
bloquear de tirarem partido de programas antiA existência de direitos processuais eficazes –
pobreza que lhes são especificamente destinados.
mecanismos funcionantes para implementar
direitos – também são importantes. Um estudo
recente de cinco países na América Central
Mesmo quando em posse de personalidade
mostra que legislação mal concebida ou legisjurídica, a maioria dos pobres continuam a
lação processual inexistente são uma razão
deparar-se com falta de acesso à justiça. As insimportante da legislação substantiva ineficaz. Isto
tituições estatais têm tendência a servir as redes
poderá explicar parcialmente a razão pela qual os
estabelecidas das elites políticas e económicas
direitos constitucionais permanecem apenas no
em vez dos pobres. Estatísticas globais compapapel, os impostos não são cobrados e o invesrativas acerca do acesso à justiça são difíceis
timento público em serviços sociais permanece
de obter; mesmo uma medição exacta é compli27
abaixo dos níveis ‘garantidos’.
cada. Um país que está repleto de advogados,
por exemplo, poderá não ter necessariamente
um sistema jurídico justo. Mas os números ainda
s pobres podem ser incapazes de
podem ser indicativos da dimensão do problema.
aceder ao sistema jurídico porque não o
Na Índia, por exemplo, onde se sabe que existem
compreendem, ou porque não o conhecem.
apenas 11 juízes para cada milhão de pessoas, há
Podem ser iletrados, o que prejudica gravemente
O
32
nos estudos das suas necessidades jurídicas
encontram-se em redor das mudanças nas
principais relações que governam as suas vidas e
bens. Por exemplo, uma vez que os pobres normalmente vivem em casas da família que nunca
foram formalmente documentadas e registadas, o
falecimento do chefe de família coloca a questão
de quem é o proprietário da casa e de quem tem
o direito de lá viver. Além disso, a terra é muitas
vezes preparada para o cultivo e depois utilizada
sem que os direitos formais alguma vez tenham
sido estabelecidos. A ausência de direitos formais
deixa os pobres vulneráveis ao despejo se o proprietário legal mudar, e faz com que a segurança
jurídica e compensação total sejam pouco prováveis nas tentativas de despejo pelas autoridades
públicas. Do mesmo modo, se os
direitos da mulher não tiverem sido
formalizados, uma mulher que ajude
‘Além do facto de a justiça não utilizar uma
a construir um negócio juntamente
linguagem facilmente compreensível, especialmente
com o seu marido, poderá perder
por parte dos pobres, a iliteracia da grande maioria
tudo em caso de divórcio. Quando
dos naturais do Benim constitui um obstáculo sério
as comunidades detêm pastos em
ao respectivo acesso à justiça. É amiúde uma fonte
conjunto, partilham água e usam as
de incompreensão e desconfiança: os pobres podem
mesmas áreas de pesca, é praticamente impossível para as pessoas
sentir que a justiça é distorcida a favor dos ricos,
que dali saem realizarem os seus
muitas decisões estão armadilhadas e que os juízes
bens, o que efectivamente limita a
são corruptíveis. O desconhecimento da justiça
sua liberdade de mudar de modo
reflecte-se em sentimentos de incompreensão,
de vida. Simultaneamente os que
frustração e desafeição.’
chegam de novo, podem ver-lhes
Referendo Nacional no Benim
negado o acesso aos recursos
colectivos.
a sua capacidade de interagir com o sistema
jurídico. Em muitos países, a lei é redigida
e administrada apenas na língua oficial, que
muitos dos pobres poderão não falar ou ler. Em
quase todos os países Africanos, por exemplo,
o sistema jurídico funciona apenas em Inglês,
Francês ou Português, excluindo assim a maioria
da população que apenas fala os idiomas locais.
Os tribunais podem ser muito distantes, sub-financiados, e demorarem anos a decidir os casos.
Levar um caso a tribunal com rapidez poderá
exigir subornos. Os processos judiciais podem
ser inacessíveis a todos quantos não têm representação jurídica, que em geral é demasiado
dispendiosa para os pobres. As restrições sobre
quem pode exercer a lei e disponibilizar serviços
jurídicos são outras barreiras que podem bloquear
formas mais acessíveis de serviços jurídicos tais
como clínicas jurídicas e para-jurídicas.
As dificuldades na obtenção de acesso à justiça
reforçam a pobreza e a exclusão. Conforme os
estudos das necessidades jurídicas, crime e
vítimas demonstram, os pobres necessitam de
melhor protecção jurídica. A sua segurança pessoal
é muitas vezes ameaçada. Muitos vivem no medo
constante de serem despejados e da expropriação.
Os problemas mais graves que os pobres reportam
A
dependência negativa é um risco grande. Os
parceiros estão ligados entre si por investimentos específicos, que se arriscam a perder
se abandonam o relacionamento. A pessoa mais
pobre na relação é em geral quem tem mais a
perder – rendeiros e empregados tendem a ter
investido mais num determinado lote de terra ou
negócio do que o senhorio ou a entidade empregadora investiu neles. Muitas vezes, a mulher
dedica mais tempo e esforço à família e os seus
bens do que os maridos, o que torna difícil para
elas escaparem a um casamento infeliz e a vulne-
33
rabilidade à exploração.
Apesar da sua necessidade
de um sistema jurídico,
muitos pobres mantêm-se
longe dele e das instituições do estado em geral.
Acreditam, a maioria das
vezes correctamente, que
estas instituições não
ajudarão a resolver os seus
problemas. Mesmo se o
sistema pudesse eventualmente disponibilizar
reparação adequada, poderá
demorar demasiado tempo,
custar demasiado e necessitar da especialização que
não têm.
O princípio da igualdade
perante a lei é fundamentalmente importante, no
entanto incrivelmente
difícil de conseguir. Mesmo
as democracias com
maturidade e instituições
do estado a funcionarem
bem, debatem-se para o conseguirem. Em países
onde a democracia é fraca, as instituições têm
mais probabilidades de serem controladas pelas
elites. Demasiadas vezes, a lei é uma ferramenta
do estado para as elites dirigentes usarem a seu
belo prazer – uma opção para alguns, e não uma
obrigação que se aplica igualmente para todos.
Segundo pilar: Direitos de propriedade
A importância dos direitos de propriedade vai
muito para além do seu papel como bens económicos. Direitos de propriedade seguros e acessíveis dão uma sensação de identidade, dignidade
e pertença. Criam laços fiáveis de direitos e
obrigações no seio de uma comunidade, e um
sistema de reconhecimento mútuo de direitos e
responsabilidades para além dele. Para muitos
indivíduos e comunidades pobres, a terra é mais
do que apenas um agregado de lotes utilizados e
34
Haiti UNICEF/HQ94-0806/ NICOLE TOUTOUNJI
ocupados. É a expressão de um modo de vida, a
qual devem ter a oportunidade de melhorar através
dos seus próprios esforços.
Começando pela propriedade de baldios, as
disposições da propriedade evoluíram enormemente abrangendo a terra, outros bens concretos
e conceitos em expansão constante tais como as
quotas de poluição, produtos financeiros, invenções e ideias. Uma prova esmagadora a nível
mundial, prova que as relações da propriedade
funcional estão associadas ao crescimento estável
e a contratos sociais, ao passo que as relações de
propriedade disfuncionais estão associadas a sociedades pobres, desiguais e instáveis. Quando os
direitos de propriedade estão fora do alcance das
pessoas, ou os direitos estão sujeitos a pretensões
concorrentes, os respectivos bens muitas vezes não
estão garantidos e o potencial económico permanece severamente inibido.
No entanto, a maioria dos pobres do mundo não
tem direitos de propriedade eficazes – não tem
uma posse garantida, não tem consciência dos
seus direitos jurídicos, ou não os consegue exercer.
Isto é verdade nos estados mais pobres, mas
também noutros mais prósperos tais como o Brasil,
China, e Rússia. Este poder económico intrínseco
da respectiva propriedade permanece por explorar,
e os pobres incapazes, por exemplo, de dar um
colateral para um empréstimo para aumentar os
rendimentos ou melhorar os negócios. Insegurança
atinge fortemente os pobres. Podem estar sujeitos
a despejos arbitrários, forçados a abandonar as
suas terras a qualquer momento sem indemnização, e não têm qualquer poder em disputas
acerca de bens perante actores poderosos. Os seus
modos de vida estão constantemente ameaçados, e
há pouco que os encoraje a fazer futuros investimentos nas suas terras ou negócios de pequena
escala. Em muitos países, as instituições estatais
não dão a protecção que os pobres necessitam e a
que têm direito.
apenas cinco dos 76 países em vias de desenvolvimento estudados em 2005 tinham direitos
de propriedade e governação baseada em regras,
tiveram uma classificação de 4 ou superior – e
todos os cinco são estados em pequenas ilhas.31
Isto significa que os direitos de propriedade da
maioria das pessoas nos países em vias de desenvolvimento não estão protegidos, que os contratos
não são obrigatórios, e que os registos e outras instituições necessárias para proteger a propriedade,
funcionam mal ou não funcionam de todo.32
O
sbens dos pobres podem ser documentados
através de disposições informais locais que
dão alguma protecção e liquidez. Mas estes raramente são reconhecidos pelas instituições nacionais e não permitem que o capital seja alavancado
mais amplamente. Quaisquer que sejam os seus
bens económicos, as pessoas têm o direito a
permanecerem em subemprego. Os proprietários
utilizam os seus bens para obterem empréstimos,
impor contratos ou expandirem-se para além de
uma rede de trabalho pessoal de clientes familiares
A análise do Banco Mundial sobre o Desempenho
ou parceiros. A sua propriedade está muitas vezes
dos Países e Avaliações Institucionais (CPIA)
vulnerável a ser confiscada através da força ou
mostra a extensão do problema. Com base numa
da lei. Além disso, o capital informal é invisível e
classificação de 1 (mais baixo) a 6 (mais alto),
improdutivo para a economia nacional. E uma vez
que os pobres não podem participar
na economia para lá das suas
As mulheres são metade da população mundial,
proximidades imediatas, as possibiliproduzem 60 a 80 por cento dos alimentos nos países
dades comerciais são reduzidas.
em vias de desenvolvimento, e são cada vez mais
responsáveis pelos agregados familiares rurais, mas
no entanto detêm menos de 10 por cento dos bens
a nível mundial. Grande parte da miséria no mundo
em vias de desenvolvimento deve-se a sistemas de
propriedade tradicionais e estatutários que privam as
mulheres dos direitos civis. Muitas vezes as mulheres
enfrentam barreiras para poderem deter bens, usálos e transferi-los ou herdá-los. Amiúde, as mulheres
enfrentam despejos forçados das suas casas e terras
(terras sobre as quais tinham direitos tradicionais
ou outros) por membros da família, autoridades
tradicionais e/ou vizinhos. Fontes: ONU 1980; FAO 1999 Direito das Mulheres à
Terra e Recursos Naturais: algumas implicações para uma abordagem baseada nos direitos humanos.
Isto é uma enorme perda de oportunidade. No Perú, por exemplo, o capital
informal está estimado em 74 mil
milhões de USD. Os números para o
Haiti são superiores a 5.4 mil milhões
de USD; nas Honduras, perto de 13
mil milhões de USD; na Albânia,
perto de 16 mil milhões de USD; na
Tanzânia, mais de 29 mil milhões
de USD; nas Filipinas, mais de 32
mil milhões de USD; no Egipto, mais
de 248 mil milhões de USD; e no
México, mais de 310 mil milhões
de USD.33 O facto de este capital
35
informal não poder ser colocado em utilização na
sua totalidade é especialmente humilhante porque
já se encontra onde é mais necessário – nas mãos
dos pobres e respectivas comunidades. As fontes
externas de capital, tais como a ajuda oficial e o
investimento estrangeiro, são menos abundantes e
nem sempre chegam aos pobres.
A
posse de propriedades, na verdade o seu controlo
das terras poder ser muito vago, uma vez que são
os homens quem negoceiam o acesso.
Terceiro pilar: Direitos do trabalho
Um sistema de direitos de trabalho bem concebido deverá providenciar protecção e oportunidade. A Declaração Universal dos Direitos
dos Homens estabelece uma série de direitos
de trabalho, assim como uma longa tradição de
normas de trabalho internacionalmente acordadas. As leis devem proteger os trabalhadores
vulneráveis da exploração, sem diminuírem as
suas oportunidades de emprego formal (regulamentações excessivas ou ineficazes podem ser
incerteza acerca da propriedade jurídica de
florestas, terras de pasto, terras pantanosas e
fontes de água doce – de cujo acesso a maior parte
dos pobres de zonas agrícolas depende para o seu
modo de vida – é outro problema enorme. Mesmo
agora, quase um terço da população mundial sofre
de escassez moderada a grande falta de água. A
Comissão Mundial da Água estima que o
aumento das populações e o crescimento
económico aumentará as necessidades
Depois de ter sido dada como tendo erradicado
de água em cinquenta por cento nos
a mosca tsé-tsé e criado terra de cultivo e área
próximos 30 anos, e que cerca de quatro
para a sua população em crescimento, a região de
mil milhões de pessoas sofrerão de grave
Shinyanga passou a ser o Deserto da Tanzânia.
escassez de água até 2025.34 O valor
Em 1986, uma iniciativa governamental conhecida
da terra e do imobiliário muitas vezes
como projecto de Hashi, deu poder ao povo Sukuma
depende directamente da existência de
de tradição agrícola e pastorícia, que utilizaram os
direitos sobre a água adequados. Nesta
seus conhecimentos ecológicos e fortes instituições
situação, os direitos de propriedade terão
tradicionais para repor a produtividade da sua
um papel-chave na definição de quem
terra. Restabeleceram as áreas cercadas protegidas,
tem acesso à água.
Os grupos vulneráveis sofrem sobretudo
de ausência de direitos de propriedade.
As populações indígenas são frequentemente vítimas de descriminação
de propriedade; as terras indígenas
detidas colectivamente muitas vezes já
foram declaradas como bens fundiários
públicos ou baldios (e colectivamente
podem ser retidos na formalização de
direitos de propriedade). As mulheres,
que constituem metade da população
mundial, detêm muito pouco das propriedades mundiais – em alguns países,
tão pouco quanto dois por cento.
Raramente detêm mais de 15 por cento
das propriedades.35 Mesmo quando
as mulheres têm direitos jurídicos de
36
conhecidas como ‘ngitili’. Não demorou muito para
a natureza responder. Com as acácias e as miombos
novamente a desenvolverem-se, vegetação rasteira e
variedades de erva, os pássaros e espécies de mamíferos
voltaram e claro, o gado – um bem comerciável no
seio desta comunidade rural. Outras terras passaram
a ser propriedade de famílias individuais. Trabalho
árduo e um investimento modesto restauraram a
fertilidade do solo e aumentaram a produtividade
agrícola. Os rendimentos dos agregados familiares, a
dieta e a segurança melhoraram significativamente.
Ao mesmo tempo, o rendimento das áreas cercadas
ajudou cada vez mais as comunidades a pagarem os
serviços públicos tais como melhor instrução, serviços
de saúde e acesso a mercados para os seus produtos.
Hashi é a prova que a atribuição de poder, a redução
da pobreza e a sustentabilidade ambiental andam de
Fonte: A Riqueza dos Recursos do Mundo Pobre 2005
mãos dadas.
Federal of)
da) ©
© UNICEF/HQ98-0446/Roger
UNICEF/HQ98-0446/Roger LeMoyne
LeMoyne
FormerJugoslávia
Yugoslavia(República
(Federal Republic
mais prejudiciais do que vantajosas). O nosso
ponto de vista tem de mudar de ver o trabalho
como um recurso natural a ser extraído, para ver
o trabalho como resultante de seres humanos que
têm de passar a ser o assunto de investimento se
pretendemos construir a prosperidade.
A maioria dos pobres do mundo arrasta-se na
insegurança de trabalhos mal pagos na economia
informal. São vendedores ambulantes, varredores
de lixo, trabalhadores da construção, pequenos
fabricantes de mobílias, trabalhadores têxteis que
trabalham a partir de casa, pescadores, pequenos
agricultores e cantoneiros florestais. Praticamente
todos os 500 milhões de trabalhadores pobres que
ganham menos de um dólar por dia, trabalham na
economia paralela. O trabalho informal é responsável por mais de metade do total dos postos de
trabalho nos países em vias de desenvolvimento,
e chega a 90 por cento em alguns países Sul
Asiáticos e Sul-africanos.36 Mais ou menos metade
de todos os trabalhadores informais trabalha por
conta própria, muitas vezes em relações salariais
disfarçadas; as empresas informais ou agregados
familiares empregam outro quarto; e o outro quarto
é empregue informalmente por empresas formais.
P
or muito duramente que trabalhem, estes
trabalhadores por conta própria, jornaleiros casuais e trabalhadores no domicílio não
conseguem fugir à pobreza. Em teoria, têm
direitos básicos e protecções, mas na prática
isso não acontece. Não têm benefícios da
legislação laboral e disposições de negociação
colectiva, porque a sua relação de emprego não
está definida. Suportam condições de trabalho
inferiores e insegurança laboral. Normalmente
é-lhes negado o acesso aos benefícios do estado
ou da entidade patronal e da segurança social.37
O reconhecimento e cumprimento dos direitos
dos trabalhadores individuais e das respectivas
organizações são essenciais para quebrar o ciclo
da pobreza.38
O emprego informal muitas vezes expande-se
tanto positiva como negativamente. Enquanto a
recessão atira as pessoas para o trabalho informal
para sobreviverem, a recuperação pode também
dar incremento ao emprego informal em pequenas
empresas empreendedoras e actividades subcontratadas e contratadas externamente no sistema
de produção global.39
37
As mulheres têm mais probabilidade de trabalharem na economia informal. Nos países em vias
de desenvolvimento, excluindo o Norte de África,
mais de três em cada cinco mulheres no trabalho
não-agrícola, têm empregos informais. Nos países
em que podem trabalhar, as mulheres perfazem
entre 30 a 90 por cento dos vendedores ambulantes e 35 a 80 por cento dos trabalhadores no
domicílio.40 Mais de quatro quintos dos trabalhadores industriais no domicílio no mundo em
vias de desenvolvimento são mulheres. Além
disso, as mulheres predominam nas categorias
mais baixas do trabalho informal e tipicamente
ganham menos do que os homens.
As duas últimas décadas viram um
aumento notório na participação
das mulheres na força laboral. A
segmentação global dos mercados
de trabalho pelo género, sugere
que o trabalho das mulheres não
veio simplesmente substituir o dos
homens. Em vez disso, um processo
paralelo criou oportunidades de
emprego informal pobre e mal pago,
principalmente para as mulheres.41
A maioria dos cidadãos mexicanos não tem acesso
a serviços bancários e apenas 13 por cento tem
uma hipoteca a pagar. Na ausência de instituições
financeiras, os pobres e as classes médias baixas
apoiam-se em casas de penhores. A taxa de juros anual
cobradas vai de 48 por cento em casas de penhor não
lucrativas a 160 por cento nas lucrativas.
As populações indígenas também
foram amiúde forçadas ao trabalho informal
devido à perda das suas terras tradicionais, relocalização sem compensação e serviços de apoio
básicos, sub-investimento na instrução e saúde, e
sistemas e materiais educacionais mal adaptados.
Mais amplamente, o aumento da competição
global, regulamentações laborais ineficazes,
desactualizadas ou mal concebidas, e a informalidade crescente, quando em conjunto, alargam as
distâncias entre a legislação laboral e a realidade
do local de trabalho.
Quarto pilar: Direitos de comerciar
A maioria dos empresários pobres do mundo
opera informalmente, e como consequência uma
parte impressionante da economia nos países em
vias de desenvolvimento é informal.42 Garantir
38
os respectivos direitos de comerciar e a ter um
local de trabalho e a infra-estrutura respectiva
e serviços (abrigo, electricidade, água, instalações sanitárias), facilitando assim o sucesso
das pequenas e médias empresas, seria um
passo inestimável no caminho para a redução
da pobreza. Os pobres ocupam terra da qual não
possuem um título de propriedade, trabalham em
pequenos negócios que não estão registados e
apoiam-se na família e amigos para empréstimos
ou para partilharem o risco. São especialmente
vulneráveis a vicissitudes, corrupção e violência
de criminosos e entidades oficiais. Possuem
poucos meios de resolução de disputas, excepto
através de subornos ou violência.
Fonte: La Crónica de Hoy, 9 de Outubro de 2006.
As oportunidades económicas dos pobres são
limitadas. Têm dificuldade em ter acesso a
financiamento e a mercados e raramente obtêm
benefícios fiscais e outros incentivos empresariais. Têm de trabalhar contornando as regulamentações das zonas urbanas que os proíbem
de exercer a actividade comercial. Muitas vezes
é-lhes negado o direito à utilização dos recursos
públicos e comuns. E podem ser obrigados a
regras onerosas de saúde pública e sanitária,
nomeadamente na produção de comida nas ruas.
Conforme as coisas se apresentam, os quatro mil
milhões de excluídos não têm prospectos de obter
as ferramentas legais que os países desenvolvidos
utilizaram para criarem riqueza. Provavelmente,
eles não conseguirão criar uma personalidade
jurídica, obter responsabilidade limitada,
associarem-se com outros empresários para
‘As ligações aos serviços públicos (água, electricidade
e telefone) exigem um título de posse de propriedade
juridicamente reconhecido ou contrato como forma
de garantia. Assim, muitas vezes os comerciantes
informais são privados destes serviços.’
Referendo Nacional no Sri Lanka
integrar capital, aceder a mecanismos financeiros
para obter liquidez, extensão de crédito, contratar
empregados, fornecedores e clientes, aceder a
oportunidades de exportação e muito mais.
Quando a legislação que regula os pequenos
negócios é redigida, implementada ou imposta
injustamente, ou simplesmente é demasiado fraca
e ineficiente, deixa os pobres com poucas opções
senão fazer negócio na economia informal. Obter
uma licença, o primeiro passo para registar um
negócio, é muitas vezes proibitivamente dispendioso e difícil. No Quénia, por exemplo, mais de
1.000 licenças governam as novas empresas;
mais de 130 leis separadas regulam só a agri-
cultura. Regulamentações onerosas
e pesadas impedem os pobres de
melhorarem as suas vidas através de
iniciativas, e asfixiam o desenvolvimento da economia.
A dimensão do problema
O problema que a Comissão aborda
é de proporções enormes. Em cada
um dos quarto pilares os problemas são profundos e afectam os pobres em todo o globo.
Quatro mil milhões de pessoas estão excluídas
do estado de direito. Repetimos: Quatro mil
milhões de pessoas estão excluídas do estado
de direito. Esta Comissão tem uma agenda para
mudar esta situação e acreditamos que abordar o
problema da aquisição de poder por via da lei é
uma política inteligente e também economia de
qualidade.
Promover a Sustentabilidade Ambiental e Abordar a Mudança Climática
G
arantir a terra e direitos aos recursos para os pobres,
pode combater a pobreza, assim como a degradação
ambiental. Os pobres dependem mais directamente do respectivo meio-ambiente local para a sobrevivência do dia-a-dia
do que os ricos. Eles suportam o impacto imediato quando os
recursos ecológicos e serviços colapsam. No entanto, provas
em todo o mundo mostram que a inversão dos danos ambientais tais como a sobrepesca, poluição aquática, degradação
da terra e desflorestação está intimamente associada com
o garantir que as populações locais e comunidades detêm a
propriedade ou manutenção dos recursos ambientais de que
dependem.43
Vejamos a Namíbia. As reformas jurídicas de 1996 criaram
uma estrutura para a gestão dos recursos naturais com base
na comunidade, dando aos Namibianos que formam áreas
de conservação, direitos jurídicos para gerir reservas de vida
selvagem. Estes direitos garantidos permitiram aos Namibianos
rurais reduzirem a caça furtiva e fizeram com que os números
de animais selvagens e os ecossistemas recuperassem. Os
Namibianos pobres também ganharam novas oportunidades
empresariais baseadas no ecoturismo e actividades relacionadas. Estes negócios dão uma nova fonte de rendimento e
trabalho, assim como uma noção mais ampla de objectivo e
dignidade. A experiência da Namíbia prova que desenvolver
direitos jurídicos garantidos para as populações locais pode
promover a conservação e o desenvolvimento económico.44
As alterações climáticas são um desafio ainda maior – e os
pobres estão mais vulneráveis. Conforme o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas esclarece, é necessário um corte enérgico nas emissões de gases que provocam
o efeito de estufa para afastar consequências globais desastrosas. Mas o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH)
2007 do PNUD prova como os pobres já estão afectados. As
mulheres e homens pobres são os mais vulneráveis porque
vivem em ambientes marginais: as áreas com tendência para
seca e desertificação, áreas em risco de inundações, países
e comunidades com pouca possibilidade para evitar ou gerir
desastres ou adaptar-se às alterações ambientais. Quando
os desastres acontecem, as disputas acerca da terra e outros
direitos de propriedade são especialmente conten- (cont.)
39
Promover a Sustentabilidade Ambiental e Abordar a Mudança Climática cont.
ciosos e difíceis, sobretudo quando as populações estão deslocadas. A destruição ou falta de um sistema válido reconhecido
de títulos de posse pode dar lugar a conflitos e à paragem da
recuperação e reconstrução. Durante o ciclone no Bangladesh
em 2006, muitas terras de agricultores simplesmente desapareceram debaixo das águas, obrigando-os a mudarem-se.
As alterações climáticas poderão no futuro despoletar novas
crises de refugiados, uma vez que determinadas áreas ficam
inabitáveis.
‘‘Agora há mais inundações e as margens dos rios são levadas
pelas águas mais rapidamente. Não há para onde ir. A minha
terra está no rio. Agora, não tenho nada.’
Intsar Husain, Antar Para, noroeste do Bangladesh,
2007 (in HDR 2007/2008)
Negociações conducentes à Convenção sobre as Alterações
Climáticas globais disponibilizam oportunidades de abordar
a vulnerabilidade crescente dos pobres através da cooperação
internacional crescente na adaptação à alteração climática,
assim como os esforços para a limitar. Um acordo global teria
de incluir compromissos para implementar o financiamento
para ajudar as pessoas dos países pobres a adaptarem-se. A
aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres deve fazer parte
do debate, uma vez que sem acesso a ferramentas jurídicas
e protecções, as populações pobres continuarão vulneráveis.
Infra-estruturas à prova de clima e melhoria da preparação
para catástrofes não são suficientes.
Insistimos junto da ONU para incluir a agenda de aquisição
de poder por via da lei como elemento central nas estratégias
para adaptação nas negociações sobre as alterações climáticas pós-2012. A Convenção de Estruturas sobre Alterações
Climáticas da ONU reconhece o direito dos países pobres em
receberem apoio na adaptação à alteração climática. Desde
2006 existe um acordo sobre um Programa de Trabalho de
Nairobi sobre Impactos, Vulnerabilidade e Adaptação à Alteração Climática. A Aquisição de Poder por Via da Lei pelos
Pobres deverá ser incluída nestas negociações como elemento
base de estratégias de adaptação e políticas.
Num mundo em que as emissões de carbono têm urgentemente de ser reduzidas, os limites e mercados das licenças
de emissões de carbono darão incentivos importantes para
as reduções de emissão e a transição para tecnologias mais
limpas e mais sustentáveis. Estes incentivos também deviam
gerar uma muito maior procura de projectos de redução de
carbono, incluindo de países em vias de desenvolvimento.
Mas o potencial para os pobres acederem e beneficiarem deste
financiamento através da venda dos direitos das emissões
40
de carbono, nomeadamente para projectos que abordam a
gestão sustentável de terras, sem dúvida que dependerá de
maneira muito importante da respectiva aquisição de poder
por via da lei.
G
raças ao Protocolo de Kyoto, foram gerados milhares de
milhões de dólares para investimentos em soluções mais
sustentáveis em países em vias de desenvolvimento, tais como
energias renováveis. Esses mecanismos têm de ser expandidos
para que possam financiar investimentos mais alargados na
redução da pobreza de maneira amiga do ambiente. Associar
inovações nas finanças ambientais e reformas jurídicas favoráveis aos pobres, podia apresentar um modelo novo de finanças
de desenvolvimento capaz de chegar às comunidades pobres
mais directamente do que o apoio convencional.
A reabilitação das florestas degradadas, pastagens e terras
agrícolas é uma parte importante da minimização da alteração
climática. Essas terras, que têm o potencial de reter quantidades significativas de carbono da atmosfera, encontram-se
em grande parte na África subsaariana e em muitas outras
regiões em vias de desenvolvimento. Através de esforços para
aumentar a produtividade do solo, a retenção de água e cobertura de vegetação, estas terras degradadas podem contribuir
para ir ao encontro dos objectivos climatéricos globais, ao
mesmo tempo que ajudam os pobres e as comunidades vulneráveis. Esses investimentos deverão portanto qualificar-se para
financiamento do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo ou
outros instrumentos associados ao crescimento dos mercados
de venda dos direitos de emissões do carbono.
O Protocolo de Kyoto ofereceu muito poucas oportunidades para
o financiamento através da venda dos direitos de emissão de
carbono relacionado com as terras. A nova ronda de negociações, despoletada pela conferência climática de Bali em
Dezembro de 2007, dá a nova oportunidade para abordar esta
insuficiência. No entanto, igualmente importantes são os principais assuntos relacionados com uma falta de direitos transparentes quanto à posse e utilização da terra e outros recursos
naturais. A falta de direitos de garantia sobre a terra das comunidades agrícolas pobres nega-lhes o acesso ao mercado de
venda dos direitos de emissão de carbono, assim como a outras
formas de financiamento e serviços.
O financiamento através da venda dos direitos de emissão de
carbono podia ajudar a abordar tanto as alterações climáticas
como a pobreza rural. É uma grande oportunidade para trazer
investimento desesperadamente necessário para áreas rurais
fortemente afectadas pela pobreza. Mas sem direitos de posse
de terras eficazes, isso não acontecerá.46
A aquisição de poder por
uma questão de emancipar grande prosperidade sociedade como um todo.
3
A Aquisição de Poder por Via da
Lei é Politicamente Inteligente e
faz Bom Sentido Económico
via da lei não é apenas
os pobres; também oferece
e segurança para a
N
a maioria dos países, as elites ricas
e poderosas dominam a política
e a esfera económica. A política
pública e os respectivos resultados
estão moldados pelos respectivos
interesses, em vez dos interesses da maioria
pobre que luta para sobreviver. Estas desigualdades económicas e políticas têm tendência a
serem reforçadas por leis e instituições injustas
e disfuncionais, e a incapacidade dos pobres em
acederem à justiça. Isto não é apenas injusto; é
falta de visão. Por agora poderá permitir aos ricos
manterem-se no topo da pirâmide, mas a um
custo enorme. Desgasta os poderes do estado,
impede o crescimento económico e alimenta a
instabilidade. A corrupção e a procura de rendas47
são especialmente onerosas. Nos casos piores,
os estados fracassados vão até ao conflito. Mas
mesmo nos países onde os problemas não se
deterioraram tanto, os sistemas injustos que
minam e restringem as oportunidades, em último
caso prejudicam não só os pobres, mas a sociedade no seu todo, e mesmo as elites.
Aquisição de Poder por Via da
Lei nas Políticas Inteligentes
Nos casos onde a legislação e instituições formais
não servem as necessidades dos pobres, a
política gravita para os canais informais. Quando
os governos não conseguem ou não querem dar
protecção e oportunidades a todos, a legitimidade
e relevância do sistema formal são desgastados.
Desenvolve-se um ciclo vicioso, com a decadência
das instituições jurídicas e o crescimento das disposições informais improvisadas, alimentando-se
uma na outra. O estado esvazia-se. A sociedade
fragmenta-se. Nos casos piores, a economia
estagna. A agitação prepara-se. A legitimidade e
autoridade dos líderes políticos estão minadas.
Na melhor das situações, isto resulta num estado
precário de desenvolvimento bloqueado e nas
piores no colapso.
A governação é importante, e mais amiúde
do que o contrário, os países pobres têm uma
governação menos eficaz. A respectiva população
43
contribuirão para mercados de bens
funcionantes, que melhorarão a
produtividade da terra e outros bens,
colhendo assim dividendos económicos para os pobres. Os direitos de
propriedade são ferramentas jurídicas
cruciais para os pobres e como tais podem ser um
instrumento para melhor inclusão e igualdade, em
vez de aumentarem a marginalização.
‘Muitas pessoas não sabem quais são os seus direitos
humanos e não estão cientes do que significa ter um
direito.’ Referendo Nacional em Moçambique
obtém menos justiça por parte dos tribunais e está
mais sujeita aos crimes, à corrupção e interferência
governamental nas suas vidas. Uma boa governação
– sob a forma de instituições que estabelecem
um conjunto de regras previsíveis, imparciais e
consistentemente impostas – é crucial para atingir
uma sociedade mais justa, mais próspera e mais
sustentável.
A aquisição de poder por via da lei não é apenas
uma questão de emancipar os pobres; também
oferece grande prosperidade e segurança para a
sociedade como um todo. A aquisição de poder
por via da lei reforça a eficácia e legitimidade do
A Aquisição de Poder por Via da Lei Pelos Pobres
estado, e assim a das suas entidades oficiais e
não tem de ser um jogo de tudo ou nada onde
representantes a todos os níveis.
Líderes corajosos que defendem a
‘Combater a corrupção exige a consciencialização
Aquisição de Poder por Vias da Lei
pelos Pobres, ganharão apoio a todos
acerca das consequências destrutivas da corrupção,
os níveis.
destacando o papel de instituições de monitorização
governamentais e não-governamentais, fazendo valer
o papel dos media e criando um poder judiciário
independente e imparcial.’ Referendo Nacional na Jordânia
uns ganharão e outros perderão. Conforme se
frisou, a aquisição de poder por via da lei começa
com a identidade e a expressão. Uma estratégia
bem-sucedida para dar a todas as pessoas essa
identidade torna mais difícil explorar os pobres,
mas não reduz a identidade de mais ninguém.
Expressão e representação para os pobres não nega
o mesmo a outros. No entanto, nas reformas de
aquisição de poder por via da lei, é essencial que
as vozes dos pobres não sejam diluídas. Quando
a reforma institucional dá realce ao acesso à
justiça pelos pobres, a sociedade como um todo
fica melhor. Direitos de propriedade funcionantes
Um Desafio Político
com Recompensa
No entanto, sem dúvida que as
reformas são difíceis. Qualquer líder
– quer seja um presidente, um líder parlamentar
de um partido político, o líder de uma organização
com base na sociedade ou comunidade civil, um
chefe de aldeia ou um chefe de um bairro de lata
– que queira enfrentar este desafio enfrenta várias
dificuldades concretas.
Para começar, em geral os pobres desconfiam
das instituições governamentais e o sistema
jurídico, e com boas razões. São estas instituições que têm o poder de estabelecer e manter
as regras que governam a actividade económica,
que muitas vezes perpetuam a desigualdade
económica. Têm de ser reformadas
para trabalharem no interesse de
‘Os pobres continuam a ver a lei como sendo sobretudo
todos. Num estudo da era soviética
para os ricos, reconhecendo a realidade pouco
num país do leste europeu, 82 por
democrática que a lei é a expressão da ideologia da
cento dos proprietários de comércios
elite dominante.’ Referendo Nacional nas Filipinas
informais afirmou que era neces-
44
Albânia © UNICEF/HQ97-0695/Roger LeMoyne
sário subornar as entidades oficiais para que os
seus negócios pudessem continuar a operar.48 A
experiência ensinou aos pobres a serem prudentes
relativamente aos políticos que prometem reformas.
Eles necessitam de ver resultados tangíveis para que
se deixem convencer. Os políticos têm de provar que
o sistema formal está a mudar para prepararem as
suas necessidades. O mercado de Sewa Nagar prova
que isso é possível.
T
ambém existe uma ampla percepção que
promover os direitos de propriedade aumentará
os interesses da elite. Isto não é necessariamente
verdade. Tudo depende do modo como essas
reformas são implementadas e se os interesses dos
pobres são consistentemente salvaguardados desde
o início. Eficazmente implementado, um sistema
de direitos de propriedade inclusivo e que funcione
bem é tão importante, se não o mais importante
para os pobres.
Muitíssimos especialistas convencionais em
assuntos jurídicos e de desenvolvimento que
perdem tempo com ninharias de soluções técnicas
para cada problema possível também têm de ser
evitados. As soluções técnicas rápidas podem
parecer atraentes, mas excepto se as reformas forem
baseadas nas necessidades e condições locais forem
negociadas e implementadas colocando os pobres
na boa posição, eles não conseguirão criar raízes e
marcar realmente a diferença.
Talvez mais importante, uma maioria da sociedade
tem de ser convencida que a construção de uma
ordem jurídica eficaz e mais inclusiva é exequível e
em última instância preferível para todos. Propostas
utópicas desencadeiam o cinismo, e as revolucionárias desencadeiam o medo e a resistência. Os
pobres necessitam de ter expressão, uma organização e informação; os ricos e os poderosos necessitam de serem persuadidos e terem confiança. Não
é possível fingir que a política não existe. Actores
poderosos têm de co-optar, e serem conquistados. A
liderança nacional e as coligações alargadas para a
mudança são essenciais.
No entanto, a aquisição de poder por via da lei,
não exige que os respectivos defensores políticos sejam santos (embora isso pudesse ajudar)
mas apenas que reconheçam um auto-interesse
esclarecido. Um capital político significativo será
um benefício para o reformador. Conforme a actividade económica informal vê oportunidades no
sistema formal, a base fiscal é alargada. Activi-
45
dade económica extra resultante da aquisição de poder
por via da lei aumenta
ainda mais as receitas
públicas. Conforme cada
vez mais pessoas desenvolvem um interesse na
redução da criminalidade
e na manutenção da paz,
a base política daqueles
que advogam a reforma
é alargada. Além disso,
a liderança exige uma
visão credível do futuro. A
aquisição de poder por via
da lei tem por base noções
fortes de liberdade, justeza
e solidariedade e pode
por isso moldar uma visão
convincente. As pessoas
compreendem a linguagem
da inclusão, especialmente
se no dia-a-dia forem alvo
de exclusão. E que melhor
legado político do que ter
feito uma contribuição
duradoura para o desenvolvimento do seu país,
ter dado às pessoas uma oportunidade real para
melhorarem as suas vidas? Institucionalizado em
leis e práticas, a aquisição de poder por via da lei
é um legado que permanece.
Um Papel Essencial para
a Democracia
A
luta dos pobres tem muitas vezes as suas
raízes em sistemas políticos em que os
cidadãos se vêem negado o direito à expressão;
as instituições governamentais não têm
obrigação de responder às pessoas, e interesses especiais exploram os recursos sem
medo de serem escrutinados. A democracia
‘Os sistemas jurídicos e judiciais
46
Brasil © Moisés Moraes
pode encorajar o desenvolvimento de políticas
e prestação de programas que abordam as
exigências das pessoas. Disponibiliza incentivos e salvaguardas que permitem que todos
os cidadãos, mesmo os mais pobres, recompensem entidades oficiais que agem no interesse
público e responsabilizem quem não trata das
suas necessidades. Como é sabido, nunca uma
democracia conheceu a fome.
Enquanto os governos não democráticos podem
conseguir providenciar segurança e serviços
básicos, os democráticos têm mais possibilidade
de dar resposta às necessidades das pessoas
conforme é tido como legítimo. Existem provas
empíricas que sugerem que as democracias têm
um melhor desempenho do que as
autocracias relativamente ao crescinão são responsáveis.’
mento per capita do PIB e outros
Referendo Nacional na Tanzânia
indicadores de bem-estar social.49
Existe também uma forte associação junto dos
países em vias de desenvolvimento entre democracia e bem-estar (conforme concluído no Índice
de Desenvolvimento Humano).
O
smecanismos de autocorrecção da democracia, resultantes de mecanismos de controlo
impostos pelas agências governamentais, também
apoiam a responsabilização, reduz o abuso de
poder e promove a receptividade aos problemas
da maioria do eleitorado. Não existe substituto
para um processo verdadeiramente inclusivo,
participativo e deliberativo, onde pontos de vista
alternativos são considerados e os interesses dos
cidadãos pobres e marginalizados são tidos em
conta. Ninguém é tão sensato como todos.
Quase invariavelmente, os pobres sofrem mais
de falta de expressão, representação e influência
– mesmo em sistemas de governação aberta e
competitiva. A exclusão política duradoura endurece
na resignação e fatalismo vis-à-vis das instituições
formais e processos de tomada de decisões do
estado. São necessários esforços vigorosos para
ajudar os cidadãos a organizarem-se e participarem
eficazmente na influência de decisões que afectam
as suas vidas, assim como para permitir que os
partidos políticos e parlamentos representem melhor
as necessidades dos eleitores. O poder demasiado
centralizado é frequentemente um impedimento
para a participação significativa dos cidadãos. A
descentralização e a aquisição de poder por via
da lei podem reforçar-se mutuamente, porque um
governo que está próximo da população tem mais
probabilidade de ser um governo pelo e para o povo.
Mas mesmo nos sistemas mais descentralizados,
a exclusão pode existir, pelo que é necessário que
estejam implementados mecanismos de responsabilização que funcionem bem.
Muitas democracias são frágeis. Herdaram problemas endémicos tais como dívidas, doenças,
divisões étnicas, pobreza e corrupção. Em muitos
países, mecanismos de controlo do próprio poder
permanecem fracos. Mas enquanto a controvérsia
envolve se a democratização facilita o estado de
direito, não há desacordo em que o progresso
feito no estabelecimento do estado de direito
facilita a democratização.50 Seria mais exacto
dizer que a democratização e a aquisição de
poder por via da lei têm de estar sincronizados
em vez de sequenciados: pois são espíritos irmãos
que não devem poder dispersar-se. A democracia
também pode ajudar a accionar a aquisição de
poder por via da lei, e ambos são intrínsecos e
instrumentais para o desenvolvimento.
A Aquisição de Poder por
Via da Lei é sinónimo de
Economia de Qualidade
Durante anos, Venâncio Andrade sobreviveu com
dificuldade vendendo tachos e panelas nas ruas
poeirentas de Lima, a capital do Perú e cidades
vizinhas. Acabou por aprender sozinho como
fabricar utensílios de cozinha em alumínio, e em
1985 juntou dinheiro suficiente para comprar
um lote de terreno num parque industrial vazio
nas redondezas de Lima. O facto de deter uma
propriedade qualificou Andrade para empréstimos
bancários que ajudaram a que a sua empresa
de utensílios de cozinha se desenvolvesse, e
agora dirige a associação empresarial da Villa El
Salvador, um bairro de lata em crescimento com
400.000 habitantes que surgiu nas imediações
do parque industrial. Andrade, de 62 anos de
idade tem cinco funcionários a tempo inteiro na
sua folha de salários, e nos períodos de picos de
produção, emprega até 30 pessoas. Ele próprio
reconhece que foi o facto de ter adquirido formalmente uma propriedade que os tornou a ele e
outros pequenos empresários na Villa El Salvador
clientes viáveis aos olhos de possíveis emprestadores. ‘O crédito permitiu-me dar resposta ao
aumento de procura dos meus produtos quando
preciso de produzir mais,’ explica Andrade.51
Muitas investigações confirmam que boas instituições são essenciais para o sucesso a longo prazo
das economias. Na verdade, alguns pretendem
que a segurança dos direitos de propriedade
tem sido historicamente o mais importante
47
determinante da razão pela qual
alguns países enriquecem e outros
permanecem pobres.52 Isto não quer
dizer que os direitos de propriedade
sejam o ovo de ouro. Pelo contrário é
um ingrediente-chave muitas vezes
ignorado de uma aquisição de poder
por via da lei mais ampla e uma
agenda de desenvolvimento que
permitirá aos países desenvolverem
economias modernas. Fazer com que
as instituições e as regras funcionem
para o bem do público mais alargado
está no cerne desta agenda.
Após uma greve nos serviços públicos de gestão
e limpeza urbana de Bogotá em meados dos
anos 90, o governo local pediu a ajuda dos
trapeiros. Respondendo à chamada da cidade,
eles eliminaram mais de 700 toneladas de lixo por
dia. Detectando uma oportunidade de negócio,
organizaram-se na Associação de Recicladores de
Bogotá (ARB), uma associação de 25 cooperativas
de apanhadores de lixo. Mas quando o contrato
para fornecer serviços sólidos de gestão de lixos
foi posteriormente apresentada a concurso,
a legislação governamental e as condições do
concurso impediram-nos de participar. Ajudados
por advogados pro bono, a ARB exigiu uma
revisão constitucional desta provisão injusta e
uma citação de protecção dos direitos humanos.
O Tribunal Constitucional da Colômbia aceitou
os argumentos e concedeu-lhes uma acção de
declaração para a respectiva inclusão em processos
de concursos públicos ligados à gestão de lixos.
Legislação efectiva e inclusiva,
imposta através de instituições que
funcionam bem, dá lugar a uma quantidade de benefícios económicos que
são tão fundamentais que por vezes
são esquecidos. Facilitam as transacções e fazem com que sejam mais
baratas. Apoiam a predictabilidade,
segurança e confiança. Possibilitam a
imposição de contratos a longo prazo
entre estranhos. Por sua vez, isso permite uma
maior especialização e divisão do trabalho, economias de escala, comércio à distância, e funções
financeiras essenciais tais como crédito e seguros.
Este tipo de características marcam a diferença
entre uma economia rudimentar com um modelo
simples de produção e troca e uma economia
desenvolvida muito mais complexa e produtiva.
Legislação bem concebida e razoavelmente
implementada também pode promover competitividade, investimento e inovação. O que realmente
é importante não é tanto a regulamentação ou
desregulamentação per se, mas a qualidade da
legislação, regulamentação e instituições.
Equidade – pela qual queremos dizer igualdade de protecção e oportunidade – exige que
os pobres tenham segurança e uma hipótese
razoável de participar na economia formal. Mas o
mesmo acontece com a eficiência: Se os pobres
não conseguirem fazer render os seus talentos, o
48
Fonte: Ruiz-Restrepo 2007
crescimento recente-se. Ideias brilhantes e investimentos rentáveis não são utilizados, a pobreza
entrincheira-se, o potencial das populações é
desperdiçado, e o crescimento da economia
abranda.53
A aquisição de poder por via da lei pode marcar
uma diferença no desenvolvimento. Mas não
é uma panaceia. Condições macroeconómicas
fortes também são importantes, assim como a
abertura ao comércio e investimento estrangeiro.
Investimento na instrução, formação, infraestruturas e serviços essenciais é vital. Suportado
pela aquisição de poder por via da lei, tudo isto
promoverá um crescimento com uma base ampla
e a redução da pobreza.
As vantagens do acesso à justiça e o
estado de direito
Para colher os benefícios da atribuição dos
direitos de propriedade na sua totalidade, defi-
nindo relacionamentos de emprego e o registo
legal de empresas, os direitos têm de poder ser
impostos e as instituições funcionantes têm de os
implementar. Enquanto a medição do valor económico do acesso à justiça é notoriamente difícil,
a maioria dos estudos concluem que o estado
de direito tem uma contribuição significativa
para o crescimento e para a redução da pobreza.
No entanto, estudos que se centram sobretudo
no impacto do estado de direito na segurança
do investimento estrangeiro, reduzem os seus
verdadeiros benefícios económicos. Esses estudos
negligenciam o valor para os pobres de puderem
obter reparação legal devido a injustiças.54
Omitem os benefícios mais amplos de fazer com
que todas as transacções e relações económicas
sejam previsíveis, transparentes, e justas.
O acesso à justiça e ao estado de direito também
facilita a resolução de disputas. A determinação da propriedade de bens, tais como terras,
direitos de mineração e água é muitas vezes
difícil. A obrigação de desempenhar serviços e
bens intangíveis tais como relações com clientes
podem ser difíceis de definir. As relações nas
quais estes bens se acumulam são muitas vezes
difíceis de regular num contrato, e especialmente
para os pobres. É inevitável que surjam disputas,
especialmente quando as relações se alteram.
Um tribunal ou árbitro imparcial podem ajudar a
resolver conflitos, reduzir abusos e permitir aos
pobres a obtenção de reparação legal. Embora
seja extremamente valioso o facto de impor
contratos justos, o legalismo não verificado pode
provocar defensiva e incerteza. Os arguidos têm
de ser protegidos contra a ameaça de reivindicações pouco sólidas, que representam custos
enormes e que na verdade são uma forma de
extorsão. É necessário obter um equilíbrio.
As vantagens dos direitos de
propriedade
Os direitos de propriedade devem ser compreendidos como um conjunto de direitos e obrigações
entre pessoas e bens, reflectindo a multiplicidade
e diversidade dos sistemas de propriedade em
todo o mundo. Em todos os sistemas de propriedade, criar segurança e previsibilidade é fundamental. Os sistemas de propriedade são uma
faceta central da funcionalidade do estado e são
indicadores importantes da respectiva eficácia.
Os direitos das populações indígenas
dependem de e interagem com uma grande variedade
de medidas e políticas tais como as que abrangem o
título de posse fundiária; a protecção das espécies em
vias de extinção; saúde, alimentos e agricultura; água
de qualidade; acesso a, e a exploração dos recursos
naturais; gestão ambiental; conservação dos solos;
e a protecção do património cultural. Neste amplo
horizonte, os direitos de propriedade intelectual
podem ajudar a criar ou a proteger os direitos
indígenas. Um exemplo que ilustra a utilização dos
direitos de propriedade intelectual está relacionado
com as medicinas tradicionais na República Popular
da China, relativamente às quais vários milhares de
patentes foram atribuídos nos últimos anos.
Fonte: OMPI 2005
Em termos económicos, para ser
totalmente produtivo, os bens têm
de ser formalmente reconhecidos
por um sistema jurídico de direitos
de propriedade. Dar-lhes corpo em
registos padrão, títulos e contratos
em conformidade com a lei, dá aos
agregados familiares e negócios
um título de posse seguro que os
protege de supressão involuntária.
Os despejos só deviam ser possíveis
em circunstâncias excepcionais,
através de processos legais, os
quais têm de ser aplicados em
termos de igualdade, contestáveis
e independentes, e nos casos em
que os custos de despejo sejam
totalmente compensados, apenas
em circunstâncias onde a segurança
física da vida e propriedade estejam
49
ameaçadas, em que os acordos de contratos não
tenham sido cumpridos, e nos casos de processos
de expropriação justos.
Os direitos de propriedade, incluindo a segurança
de título de posse, não só devem ser protegidos
por lei, mas também associando a propriedade
dos pobres a interesses societários mais amplos
(aumentando o leque de validação da segurança
do título de posse) tal como abrindo a possibilidade de os utilizar como colateral para obtenção
de crédito, tal como um empréstimo para negócio
ou uma hipoteca. Esses sistemas encorajam o
cumprimento ligando os proprietários e detentores
de bens aos bens, os bens aos endereços e os
endereços ao cumprimento. Assim, a reforma da
propriedade, se implementada correctamente,
pode fortalecer o acesso à personalidade jurídica
e à justiça. Os registos de propriedade unificam
disposições dispersas num sistema único,
juridicamente compatível. Isto pode integrar os
mercados locais fragmentados, permitindo que os
negócios procurem novas oportunidades fora das
respectivas proximidades imediatas.
Sem direitos de propriedade eficazes, geridos
por instituições funcionantes, as economias
avançadas deveriam retroceder. Reciprocamente,
a respectiva introdução podia permitir que as
economias em vias de desenvolvimento dessem
um enorme passo em frente. Vejam a China.
Mantém-se um desafio colossal de pobreza e
desigualdade, assim como um grande debate
histórico acerca do tipo e vastidão da reforma
da propriedade, mas a experiência da China
demonstra sem sombra de dúvida a instrumentalização dos direitos de propriedade na criação da
riqueza. A securização da propriedade de facto,
após a economia ter começado a ser liberalizada
nos anos 80, gerou 7,4 triliões de USD em capital
para a expansão económica do país. Isto impede
o crescimento do investimento directo estrangeiro de 611 mil milhões de USD e quase 46 mil
milhões de ajuda estrangeira que recebeu.55
Abundam as provas que os direitos de proprie-
50
dade garantidos desenvolvem o investimento.
Estudos levados a cabo na Polónia, Roménia,
Rússia, Eslováquia, e Ucrânia revelam que os
homens de negócios que acreditam que os seus
direitos de propriedade estão garantidos, reinvestem até 40 por cento mais dos seus rendimentos do que os que não acreditam.
A
gricultores também investem mais nas suas
terras. No Gana e na Nicarágua, concluiu-se
que os agricultores que possuem títulos de
posse investem mais nas respectivas terras.56
As terras rurais no Brasil, Indonésia, Filipinas e
Tailândia dispararam de valor entre 43 e 81 por
cento depois de lhes ter sido atribuído o título
de posse. O aumento do valor das terras reflecte
um aumento de investimento e alimenta uma
maior produtividade, produção e rendimentos.
Na China, o efeito combinado da atribuição
de títulos de posse e a liberalização de preços
aumentou a produção das quintas em 42 por
cento entre 1978 e 1984.57 Os agricultores da
Tailândia que receberam título de posse das suas
terras produzem um quarto mais do que os que
não o possuem.
O valor da terra urbana aumentou dramaticamente depois de lhe ter sido atribuído o título
de posse – 14 por cento em Manila, em 25 por
cento em Guayaquil e Lima, e em 58 por cento
em Davao.58 Também encoraja as populações a
refazerem as suas casas. Um estudo de um bairro
de lata na Argentina concluiu que quando os ocupantes ilegais de terrenos públicos receberam o
título de posse das suas casas, o número de casas
com paredes de boa qualidade aumentou em
40 por cento, enquanto as que tinham telhados
bons aumentaram em 47 por cento.59 A provisão
dos direitos de garantia sobre a terra em Lima
aumentou as despesas na renovação das habitações em 68 por cento.60
Quando os direitos das populações sobre as
suas terras não estão garantidos, têm de dedicar
recursos valiosos na protecção física da mesma
e muitas vezes acabam envolvidos em conflitos
escola. Uma vez que têm
um rendimento superior
devido ao trabalho de
longas horas fora de suas
casas, recorrem menos ao
trabalho infantil.62
A aquisição de poder
por via da lei por parte
das mulheres, com
direitos de propriedade faz uma grande
diferença na pobreza e
malnutrição. Como as
mulheres ganham mais,
têm tendência a gastar
uma parte maior dos seus
rendimentos em manter os
filhos saudáveis e bem alimentados. Garantir que as
mulheres tinham direitos
de propriedade eficazes
apoiaria assim famílias e
negócios mais fortes.
Proteger quaisquer que
fossem os bens existentes,
é a primeira preocupação dos pobres. Medidas para conseguir essa
protecção em si mesma, dar poder por via da lei
aos pobres, garantir os seus modos de vida e fazer
investimentos para o futuro mais atraentes. Os
direitos de propriedade são fundamentais para a
vida e funcionamento da sociedade assim como
a respectiva reforma não pode ser negligenciada.
Por esta mesma razão, a reforma acarreta riscos,
pelo que é necessário ter um cuidado especial
em aprender com os erros anteriores em que os
benefícios foram abarcados pelas elites locais em
vez de pelos pobres. Garantir que as reformas de
propriedades não enfraquecem os direitos das
mulheres e direitos comunitários das populações
indígenas ou de pastoreio é especialmente difícil.
Os beneficiários têm de ser consultados, pelo que
a aquisição de poder por via da lei garante que os
pobres participam voluntariamente nos sistemas
República Centro-Africana / Foto ONU
acerca dos limites dos lotes. Um estudo no
Perú concluiu que perto de metade (47%) de
quem não possuía um título de posse tinha de
pagar a sentinelas para vigiarem os seus lotes.
As famílias com título de posse mais garantido
podiam dedicar mais tempo a procurar melhores
oportunidades de trabalho. No total, os membros
dos agregados familiares despendiam mais 45
horas por semana em emprego produtivo – o
equivalente a juntar o salário de mais uma pessoa
ao agregado familiar. As mulheres, que de outro
modo ficariam em casa para a proteger, são quem
mais beneficiou.61
A
s crianças também ganharam com isso. As
famílias no programa Peruano, por exemplo,
têm menos probabilidade de mandar os filhos
pequenos trabalhar e mais de os mandar à
51
de direitos de propriedade conforme compreendem que as vantagens ultrapassam os custos.
É um programa que baseia as reformas nas
realidades locais e nas necessidades e interesses
dos vulneráveis.
funções económicas essenciais de um sistema
formal de direitos de propriedade. No entanto,
é extremamente importante garantir que os
direitos das mulheres são salvaguardados. Os
sistemas tradicionais têm de passar o teste das
obrigações dos direitos humanos fundamentais.
Sempre que os bens possam ser representados
em forma normalizada, os horizontes da actividade económica dos pobres serão alargados em
conformidade. Quando o sistema de propriedade
local passa a estar documentado e protegido por
lei, pode ser integrado na economia de mercado
nacional e internacional, quaisquer que sejam
as suas características.
Muitas terras indígenas foram e ainda são, declaradas públicas ou baldios, porque são detidas
colectivamente conforme a concepção de propriedade e acesso que não se encaixam adequadamente em sistemas de propriedade importados.
Esta falta de estatuto, reconhecimento e registo
de direitos de utilização colectiva ou propriedade
detida por grupos, tem consequências enormes
para os proprietários de bens indígenas e sociedade em geral. É um
Para retirar crianças do trabalho, é necessário
problema crítico para a reforma dos
direitos de propriedade, na sua gloultrapassar preconceitos sociais, construir boas escolas
balidade. Ao abordar estes assuntos
em número suficiente e compensar as famílias pobres
em regiões onde a definição e
pela perda do salário de uma criança. Enquanto
identificação dos povos indígenas
estes custos não são de desprezar, as vantagens
é difícil e contestada, é melhor
económicas da eliminação do trabalho infantil – a
concentrar-se em garantir que os
maior produtividade e rendimentos gerados por uma
sistemas de terras indígenas são
maior escolaridade e melhor saúde – ultrapassava-as
reconhecidos, normalizados e documentados em conformidade com a
em muito. Fonte: PDNU CPI In Focus; Crianças na Pobreza; Março de 2004
lei. Isto contorna a perturbada definição de quem é ou não ‘indígena,’
e tem a vantagem acrescida de partir do zero nos
Quer através de posse tradicional, direitos colecassuntos sistémicos dos regimes indígenas ou de
tivos, ou atribuição de títulos de posse individuais,
posse tradicional.
os pobres necessitam de poder utilizar os respectivos bens eficazmente. Se o venderem para fazer
face a uma crise, poderão acabar por ficar em
s sistemas de posse tradicionais, pensasituação mais difícil do que anteriormente. As áreas
va-se que não davam segurança suficiente,
resultantes de trabalho e de direitos de comerciar
mas estudos mostram que podem ser flexíveis
para os pobres são críticas para os pobres para
e receptivos às circunstâncias económicas
ganharem um rendimento suficiente através de
em mudança.63 Em muitos países em vias de
trabalho digno e empreendedorismo para serem
desenvolvimento, especialmente na África
capazes de alavancar os bens de sua propriedade.
subsaariana, os sistemas de posse tradicional
representam uma maneira adequada e pouco
As vantagens dos direitos de trabalho
custosa para os rurais pobres garantirem o
acesso à terra. Um agregado familiar, aldeia, ou
É amplamente aceite que o trabalho não é
grupo com laços familiares muitas vezes é uma
um bem essencial.64 O mercado de trabalho é
garantia contra riscos, assim como o acesso a
diferente de outros mercados porque não só cria
crédito informal e segurança. Os sistemas tradivalor, mas também molda a distribuição dos
cionais podem assim disponibilizar algumas das
rendimentos e prosperidade. Enquanto o pro-
O
52
gresso necessita que a competitividade elimine os
negócios fracassados, as pessoas não podem ser
atiradas para o lixo.
Questões ideológicas acerca de regulamentação
ou desregulamentação têm vindo a ser debatidas
exaustivamente. No entanto, mais importante
é a questão do modo como a regulamentação
pode ser utilizada para promover o trabalho digno
para os trabalhadores pobres. O enfoque deverá
estar em encontrar o equilíbrio correcto entre
segurança, estruturas de apoio e flexibilidade
para empresas, tanto na economia formal como
na informal, enquanto se trabalha em reformas
que farão baixar os custos de entrar na economia
formal para os negócios pequenos para que os
direitos de trabalho possam ser impostos mais
eficazmente. Trabalho digno e produtivo pode tirar
os indivíduos da pobreza.65
P
ara promover o trabalho digno, é necessário
eliminar os aspectos negativos da informalidade enquanto que simultaneamente se
Em geral, trabalhadores seguros estão mais
motivados. Têm mais probabilidade de investir
no seu futuro e no dos filhos. Se sentirem que
têm expressão na sociedade, contribuirão mais
para ela. Assim, direitos de trabalho eficazes
não tratam apenas de proteger os trabalhadores;
também reforçam a economia e a sociedade.
Enquanto regulamentações de trabalho inadequadas puderem travar a produtividade e o acesso
ao trabalho digno, a desregulamentação pode ser
contra produtiva e deixar os trabalhadores vulneráveis e sem segurança. A quadratura do círculo
não é impossível – as regulamentações laborais
deviam promover emprego digno sem desencorajar as empresas a contratar trabalhadores
legalmente. A aquisição de poder por via da lei
pode assim melhorar a produtividade, assim como
condições de trabalho dignas.
As vantagens dos direitos de
comerciar
O registo jurídico pode melhorar dramaticamente
a produtividade e rentabilidade
dos negócios informais. O registo
‘Ugandeses receiam a bancarrota e a perda da
permite-lhes criar hierarquias que
propriedade pessoal daí resultante.’
permitem a divisão e especialização
Referendo Nacional no Uganda
laboral. Ajuda-os a obter capital
fresco e acumular o capital que
geram. Permite-lhes tomar riscos
garante que as oportunidades do modo de vida
maiores, e assim tirar vantagem de oportunie empreendedorismo não são destruídas, e
dades novas e potencialmente rentáveis. Assim,
se promove a protecção dos trabalhadores e
enquanto os negócios tradicionais e informais
unidades económicas na economia informal e
sem dúvida que têm as suas vantagens, os pobres
respectiva incorporação no fluxo principal da
devem ter a oportunidade de registar juridicaeconomia.66
mente os seus negócios se assim o quiserem.
Dar aos trabalhadores direitos de trabalho
Empresas de responsabilidade limitada encongarantidos encoraja-os (e à respectiva entidade
tram-se entre as instituições jurídicas de melhor
patronal) a investir em novas aptidões que
produtividade. Permitem que um negócio consmelhoram a produtividade. Dar-lhes-ia mais poder
titua uma personalidade jurídica diferente da dos
negocial e consequentemente salários mais altos
proprietários. Isto separa as finanças pessoais
em proporção com o aumento de produtividade.
dos empresários das do respectivo negócio. Se
Também lhes permitiria obter uma parte mais
o negócio fracassar, a família do empresário não
justa dos lucros num negócio, protegê-los-ia
perderá tudo; se o empresário passar tempos
da exploração e garantir-lhes-ia condições de
difíceis, o negócio ainda pode sobreviver, ou ser
trabalho dignas.
53
Cambodja © Jean-Luc Fievet 2007
vendido. Isto encoraja os homens e
mulheres de negócios a arriscarem
mais, e assim ganharem mais
proveitos.
A maioria dos negócios informais
tem de operar apenas com um
montante limitado do capital da
família. Os empresários podem
por vezes fazer empréstimos de
pequenos montantes de prestamistas informais, mas apenas
por curtos períodos de tempo e a
taxas de juros punitivamente altas.
Estes constrangimentos de créditos
impedem que os negócios informais se expandam e expõem-nos
a riscos operacionais e financeiros
maiores. As empresas juridicamente
registadas têm muito mais facilidade em obter capital. Em vez de
se apoiarem financeiramente em
amigos e família, podem emitir
acções a um grupo mais amplo de
investidores e fazer empréstimos
junto de instituições de micro-
54
As políticas de investimento público que promovem
a utilização de tecnologias de trabalho intensivo
melhoraram o acesso a contratos de aprovisionamentos
públicos para pequenos empreiteiros locais em países
Andinos. As actividades vão desde microempresas
para manutenção de rotina das estradas em áreas
rurais ao envolvimento de microempresas na recolha
de lixos e limpeza de ruas em áreas urbanas. No
entanto, um estudo da OIT mostra que o acesso
ao aprovisionamento público para pequenos
empreiteiros locais ainda é muito limitado devido
a barreiras jurídicas e institucionais. Por exemplo,
alguns países podem restringir os contratos a empresas
registadas no registo nacional de empreiteiros ou com
engenheiros civis ou arquitectos certificados. Por isso,
algumas regiões introduziram um ’cartão de pequeno
empreiteiro’ e um registo para empreiteiros locais,
permitindo que pequenos empreiteiros executem
obras de pequeno a médio âmbito na área local,
sujeitos a determinados requisitos mínimos.
Fonte: Yeng e Cartier van Dissel 2004. OIT
Tornar o Comércio Justo e Inclusivo
O
comércio a nível mundial aumentou nas últimas
décadas, beneficiando grandemente uma grande parte
da população mundial. Mas é possível fazer muito mais para
reduzir a pobreza e melhorar as oportunidades para todos.
Os mercados abertos governados por regras previsíveis
permitem um negócio mais justo aos novos aderentes e aos
que se iniciam, disponibilizando assim mais oportunidades,
incluindo para todos quantos vivem na pobreza mas que
anteriormente foram deixados de fora. Um sistema comercial
interna e internacionalmente baseado em regras é portanto
uma ferramenta niveladora útil de desenvolvimento.
Infelizmente, a Ronda para o Desenvolvimento da OMC em
Doha, chegou a um impasse. Os assuntos mais prementes
para um melhor acesso ao mercado para os países em
vias de desenvolvimento e melhores oportunidades para os
países mais pobres, não conheceram qualquer progresso
apesar dos louváveis esforços para construírem capacidade
relativa ao comércio. Em muitos países, as políticas económicas internas não conseguiram estimular a criação de
postos de trabalho e crescimento em termos de igualdade.
Por exemplo, muitos países apoiam-se na extracção intensiva dos recursos naturais para conseguirem divisas, mas
não a associaram a políticas para criarem novos negócios
e postos de trabalho com ela relacionados. A abertura de
mercados deve ser complementada pela gestão de mudança
adequada. Da abertura dos mercados resultam ganhadores
e perdedores, embora as medidas que os acompanham que
expandem as aptidões, as infra-estruturas e redes de segurança podem ajudar a mitigar os efeitos negativos. Assim,
as políticas relativas ao comércio são estimuladores importantes na promoção da mudança e da produtividade.
crédito, bancos, e eventualmente, mercados
de capital. O custo do capital é muito inferior,
porque podem usar uma variedade maior de
produtos financeiros, os prestamistas têm maior
certeza de serem pagos e os investidores podem
comercializar as suas acções mais facilmente.
Quando as restrições de capital são menos duras,
subitamente os novos investimentos passam a
ser possíveis. Os empresários podem diversificar
os seus riscos, e oportunidades que não seriam
aproveitadas podem agora sê-lo.
As empresas formais também têm maior possibilidade de empenhar-se em contratos e fazer
A aquisição de poder por via da lei podia desempenhar
um papel. A exclusão da propriedade, de negócios e dos
direitos de trabalho restringem severamente as oportunidades para as pessoas e negócios de beneficiarem do
comércio internacional. No México, por exemplo, apenas
sete por cento dos negócios possuem estatuto jurídico e
os documentos necessários para fazer negócios com os
Estados Unidos e o Canadá segundo a NAFTA (Acordo Norte
Americano para o Livre Comércio). Para o Perú, apenas dois
por cento podem comerciar internacionalmente. Expandir
o acesso aos direitos jurídicos permitiria que muitos mais
negócios locais tivessem a oportunidade de beneficiarem
do comércio.
O
snegócios registados têm maior sucesso, não só
para outros mercados mas também nos recursos
necessários para crescerem e receberem economias de
escala e assim tornarem-se mais competitivos. O acesso
ao financiamento é importante, mas o acesso à partilha de
riscos também o é, assim como à informação e formação.
A maioria dos pequenos agricultores e produtores industriais tem dificuldade em exportar. A sua incapacidade em
penetrar nos mercados estrangeiros, muitas vezes reforça
as desigualdades entre sexos, uma vez que as mulheres
estão desproporcionadamente representadas nestas categorias. Necessitam de reformas de trabalho, empresariais e
de propriedade para terem uma oportunidade para comerciar. Necessitam de produtos financeiros inovativos, assim
como de serviços e medidas que protejam os trabalhadores
informais no trabalho juridicamente garantido e regulamentado, assim como esquemas de seguros de saúde.
com que outros entrem neles. Não necessitam de
dedicar tanto tempo e recursos à monitorização
dos respectivos agentes e parceiros. Acham mais
barato e fácil fazer negócios com estranhos,
mesmo distantes e não precisam de se apoiar em
familiares, amigos chegados e contactos locais.
Abrem-se-lhes novos mercados.
As empresas formais também são mais fortes
e adaptáveis. Uma vez que o capital de uma
empresa consiste em bens tangíveis e intangíveis, tais como um bom relacionamento com os
clientes, o seu valor é maior do que a soma das
partes. Se o proprietário de um negócio formal-
55
mente registado decidir
sair vendendo as suas
acções, o valor destas
pode ser imediatamente
transferido. Num negócio
informal, isto é impossível. Os bens da empresa
são propriedade pessoal
do proprietário, assim
como as suas relações
comerciais. Em resultado
disso, empresas informais viáveis são amiúde
dissolvidas e o capital
acumulado é perdido.
Por exemplo, quando
o proprietário de uma
empresa legalmente
registada falece, os herdeiros herdam as acções
na empresa. No caso de
um negócio informal,
os herdeiros herdam os
bens físicos do negócio.
Surpreendentemente, os
negócios informais, quase
sempre têm uma vida
muito curta, e a maior parte do respectivo capital
acumulado perde-se.
Outro ponto fraco dos negócios informais é
que normalmente não possuem uma hierarquia
clara e funções especializadas. Porque contratar trabalhadores é oneroso e os contratos são
impossíveis de impor, a maioria das tarefas tem
tendência a ser concentrada nas mãos da família
ou amigos próximos. A hierarquia familiar muitas
vezes suplanta a do negócio e a eficiência tende
a sofrer. Porque as empresas jurídicas podem
impor contratos, podem contratar estranhos.
Isto dá-lhes acesso a um leque muito maior de
talentos. O registo jurídico também permite que
as empresas dividam as responsabilidades entre
trabalhadores especializados organizados através
de hierarquias empresariais que tiram o maior
partido dos talentos dos seus funcionários. Isto
56
México © Maaike de Langen
aumenta substancialmente a produtividade. Os
funcionários especializam-se no que sabem fazer
melhor, enquanto os custos de processamento de
informação, comunicação, coordenação de actividades de produção e aquisição e distribuição de
conhecimentos são reduzidos.
Vantagens da Aquisição de Poder
por Via da Lei pelos Pobres
As vantagens da aquisição de poder por via da
lei são amplas e profundas, deixando florescer
o potencial humano em resultantes espantosos. Esta é uma correspondência à escala do
problema. E mais ainda, em troca a Comissão tem
uma agenda abrangente.
O desenvolvimento não Uma vez que os contextos é essencial que o programa a partir das condições e necessidades dos pobres.
4
Agenda para a
Mudança
tem soluções técnicas.
nacionais e locais diferem,
de reformas cresça
realidade locais e das
O
estado tem o dever de proteger e os
cidadãos o direito à protecção. Portanto,
os ordenamentos jurídicos devem ser
modificados, e esta modificação deve
ser sistémica de modo a estabelecer um
novo equilíbrio entre a autoridade dos governos
e os direitos dos cidadãos. As condições das
estruturas básicas das sociedades – ordenamento
jurídico, o poder legislativo e o poder executivo –
têm de ser reformadas.
Este capítulo define um programa para a
mudança, com uma série de medidas reformadoras para os quatro pilares da aquisição do
poder por via da lei. Tem por base o trabalho de
grupos de trabalho temáticos da Comissão, cujos
relatórios são publicados separadamente. Apresenta alternativas viáveis para agências governamentais, para o sector privado, a sociedade civil
(incluindo o mundo académico), e as organizações comunitárias de base. Uma agenda de
reforma extensiva terá o maior impacte nas vidas
das pessoas pobres. Contudo, como a situação
difere de país para país, tanto no que diz respeito
ao contexto nacional como aos desafios que são
enfrentados pelas pessoas pobres, é crítico que
a agenda reformadora cresça a partir das condições locais. Não existe uma única forma correcta
de percorrer este caminho. Em alguns países,
algumas políticas são mais urgente do que outras,
e a calendarização e sequência das reformas irá
variar. Cada país e as comunidades precisam
de encontrar o respectivo caminho no processo
da aquisição de poder por via da lei. Os pobres
precisam de melhorar as suas vidas de forma
incremental; a cada passo, uma combinação de
reformas de aquisição de poder por via da lei deve
estar disponível para eles.
Uma Agenda Para Acesso à Justiça
De modo a que o ordenamento jurídico tenha um
papel significativo na aquisição de poder pelos
pobres de modo a poderem escapar à pobreza,
leis que conferem um misto de direitos, poderes,
59
Opções de Reforma
Justiça
• Sistemas de registo de identidade melhorados, gratuitos.
• Sistemas alternativos acessíveis, financeiramente possíveis e eficazes de resolução de disputas.
• Simplificação jurídica e normalização e campanhas de informação jurídica direccionadas para os pobres.
• Sistemas de apoio jurídico mais fortes e quadros jurídicos alargados com para-jurídicos e estudantes de direito.
• Reforma estrutural que permita que os grupos baseados nas comunidades repartam os riscos jurídicos entre si.
Propriedade
• Institucionalizar um sistema de governação de direitos de propriedade eficiente, que sistemática e massivamente
conduza a economia fora do contexto jurídico para a economia formal e que garanta que permanece facilmente acessível
a todos os cidadãos.
• Promover um sistema de direitos de propriedade inclusivo, que reconheça automaticamente a propriedade de bens
imóveis adquirida pelos homens em co-propriedade com as respectivas esposas ou parceiras de união de facto, assim
como regras de herança transparentes.
• Criar um mercado funcional para a troca de bens, que seja acessível, transparente e responsável.
• Garantir que em todas as nações é legalmente obrigatório por lei o reconhecimento das propriedades e que todos os
proprietários têm acesso aos mesmos direitos e normas.
• Reforçar os direitos de propriedade, incluindo o título de posse, através de políticas sociais e outras políticas públicas,
tais como o acesso ao alojamento, empréstimos a juros bonificados e à distribuição de bens fundiários do estado.
• Directivas jurídicas para relocalização forçada, incluindo compensação justa.
• Reconhecimento de uma variedade de títulos de posse fundiária, incluindo direitos tradicionais, direitos das populações
indígenas, direitos de grupos, certidões, etc., incluindo a respectiva normalização e integração destas práticas no
sistema jurídico.
• Auditorias sobre propriedade fundiária pública com publicação das respectivas conclusões para desencorajar a tomada
de posse ilegal de bens fundiários públicos.
• Procedimentos simplificados para registo e transferência de propriedades fundiárias e bens.
Labour
• Direitos fundamentais no trabalho, especialmente liberdade de associação, negociação colectiva e não descriminação.
• Melhoria da qualidade da regulação laboral e respectiva aplicação.
• Abordagens inclusivas à protecção social, independentes da relação laboral. Direitos do trabalho (saúde e segurança,
horas de trabalho, salário mínimo) abrangendo os trabalhadores na economia informal.
• Mais oportunidades para instrução, formação e reciclagem.
Empresas
• Estruturas reguladoras e jurídicas adequadas, incluindo contratos comerciais obrigatórios, direitos sobre propriedade
privada, utilização dos espaços públicos.
• Transacções comerciais justas entre empresas informais e formais. Desenvolvimento financeiro e empresarial e serviços
de marketing para as empresas informais.
• Incentivos às microempresas, incluindo aprovisionamento governamental, redução fiscal e subsídios. Protecção social
para os empresários informais.
60
remoto e se necessário a conjugação dos
serviços de registo com
outros serviços sociais
ou práticas tradicionais. Requer também
a criação de incentivos
para o registo pessoal de
identidade com o estado
providenciando informação, trabalhando com
intermediários locais de
confiança e minimizando
quaisquer condições
adversas ao registo formal.
O objectivo último não
é aumentar o volume de
registos mas sim melhorar
o acesso a protecções e
oportunidades. Apesar de,
por si só, a distribuição de
certidões de nascimento
não conduzir a estes
Ex-Jugoslávia (República Federal da) © UNICEF/HQ95-0848/Roger LeMoyne
objectivos, é claramente
um elemento de um
programa reformador alargado de aquisição de
privilégios, e imunidades são necessárias – tanto
poder por via da lei.
assim como as reformas das instituições públicas e
um sistema jurídico e judicial que possam fazer com
Melhorar o acesso à justiça através
que essas atribuições legais tenham sentido prático.
dos meandros da burocracia
Tal como parte do acesso ao esforço da justiça é
governamental
necessário auditar todas as leis, regulamentos, e
configurações institucionais. Leis que descriminam
Muitas pessoas apoiam-se no sistema burocrático,
contra os direitos, interesses e as vidas dos pobres
seja ele relacionada com a administração territoprecisam de avaliação e de revisão.
rial ou com o planeamento urbanístico, ou com
o registo de bens e negócios, ou esquemas de
Garantir que todos têm uma
acesso a créditos púbicos, etc. Estes sistemas
identificação legal
A identificação legal é a pedra
angular do acesso à justiça Uma
identidade legal para todos requer
que um determinado número de
problemas seja endereçado. Estes
incluem a falta de capacidade dos
sistemas de registo de identificação dos países, a eliminação de
taxas associadas ao sistema, apoio
‘A lei não é uma coisa que se inventa numa
universidade; a lei é algo que se descobre. As
populações pobres já têm acordos entre si, contratos
sociais, e o que é necessário fazer é normalizar
profissionalmente estes contratos para criar um
sistema jurídico reconhecido e respeitado por
todos.’ Hernando de Soto
61
Levando em consideração o papel das Ordens de
podem parecer abertos a abuso por aqueles que
Advogados tanto a nível nacional como internaestão no poder, servindo os interesses de poucos,
cional, encorajar uma relação de trabalho eficaz
através da corrupção e falta de transparência,
com a Ordem é importante no desenvolvimento
em vez de actuarem, para muitos, como uma
de programas de apoio judiciário direccionados e
estrutura de aquisição de poder. Portanto, a
que funcionem. As Ordens de Advogados podem
reforma tem de incluir tanto o melhoramento
ajudar a agregar e disseminar informação pela
do acesso aos sistemas de justiça bem como ao
comunidade forense sobre os problemas do
tratamento justo dentro da burocracia governaacesso à justiça, podem ser úteis na vigilância
mental. Endereçar os problemas do sistema buroe na promoção do apoio político à reforma do
crático pode levar a reformas na administração
acesso à justiça e ao aumento de financiamento
pública tais como a melhoria nas adjudicações
para os serviços de apoio judiciário necessários.
públicas e nos casos de reclamação de direitos,
Podem também ajudar a identificar os candicom a prossecução da reforma do funcionalismo
datos mais adequados para o apoio judiciário e
público de modo a expandir as oportunidades
para incentivos de desempenho na
administração pública, e o aumento
No Bangladesh, por exemplo, o divórcio oral
da descentralização e da duplicação
é proibido pela constituição, mas continua
na prestação de serviços. A reforma
predominante nas comunidades rurais pobres.
do enquadramento jurídico-administrativo, incluindo as extensões bem
Uma ONG do Bangladesh concluiu que a simples
enquadradas das leis da liberdade
informação dos membros dos tribunais tradicionais
de informação, têm incidência
locais que o divórcio oral não era permitido, reduziu
sobre os relatórios de impacte e a
substancialmente esta prática. Também foi possível
protecção de informadores, bem
introduzir normas da legislação nacional nas
como a revisão jurídica cirúrgica
deliberações da comunidade, práticas de mediação e
do processo administrativo, podem
normas tradicionais.
Fonte: Golub 2000
também ser factores importantes no
acesso à justiça administrativa.
eventualmente patrocinar programas de formação
Alargamento do âmbito dos serviços
judiciária com o objectivo de ir ao encontro das
de apoio judiciário para os pobres
necessidades dos pobres.
O acesso à justiça baseia-se em grande medida
As reformas relacionadas incluem o aumento da
num acesso, dentro de critérios de razoabilidade,
capacidade dos pobres de assegurar financiaaos serviços de apoio judiciário. Isto pode ser
mento para acções judiciais com decisão favoconseguido de várias maneiras. Uma delas é, de
rável positiva e mais oportunidades para acções
forma gradual, a liberalização do mercado dos
judiciais em representação ou conjuntas tais como
serviços de apoio judiciário reduzindo barreiras
acções populares. A última requer a liberalização
regulamentares de acesso – tais como “práticas
adequada do mercado para tal financiamento, o
de serviços de apoio judiciário não autorizadas” –
qual pode incluir mais oportunidades para acordos
para prestadores de serviços, incluindo os que não
de honorários condicionados, investimento de tersendo advogados, estão interessados em oferecer
ceiras partes em acções judiciais e sub-rogação de
apoio judiciário aos pobres. Uma outra é conceber
acções judiciais. Porquanto que as acções popusistemas de apoio judiciário, os quais podem
lares têm as suas limitações, as situações em que
dar mais ênfase à prestação de para-jurídicos67
um grande número de vítimas do mesmo caso ou
e estudantes de direito, e a agregação do apoio
de casos semelhantes (muitas vezes de pequena
judiciário com outros serviços.
62
monta) poderem dar seguimento a essas acções
de forma colectiva, têm vantagens em termos de
acessibilidade para as vítimas e consequentemente
o respectivo acesso à justiça.
Gestão dos tribunais
fiabilidade dos serviços judiciais.
Incentivar os tribunais a prestar a
devida consideração aos interesses
dos pobres
Os tribunais em países com ordenamentos jurídicos consuetudinários (comum) e civis encontraram novas formas abordar a injustiça. Os juízes
são capazes de fazer com que todos os direitos
humanos – tanto do campo civil como político,
bem como do económico, social e cultural –
sejam sujeitos à lei. Acções de litígio social e de
interesse público no Sul da Ásia e na África do
Sul mostraram como os tribunais adquiriam o
poder de se transformarem na voz institucional
dos pobres. Estas inovações devem ser reconhecidas e incorporadas em políticas de melhoramento do acesso à justiça em todos os países.68
Permitir às organizações judiciárias a aplicação
de preceitos e normas de direitos humanos
internacionalmente consagrados no julgamento de
litígios sob o enquadramento legal nacional será
muito importante para fazerem com
que o sistema jurídico seja mais
Em 2004, o Governo da Sérvia começou a introdução
capaz na aquisição de poder pelos
de um sistema de gestão automatizado no sistema dos
pobres.
T
odas as pessoas, principalmente os pobres,
devem ter um acesso significativo aos tribunais para resolver acções litigiosas e garantir
os seus direitos contra abusos pelo estado ou
por interesses privados. Em primeiro lugar isto
requer um número suficiente e geograficamente
disperso de tribunais para a população os poder
aceder e condições para que todos os cidadãos
compreendam o andamento processual. Melhoramentos na gestão e na organização dos tribunais podem ir longe no que toca à facilitação
da utilização dos próprios tribunais, incluindo
centros de apoio e quiosques de informação
que permitam aos cidadãos o acesso à informação sobre os seus casos e sobre o andamento
processual dos mesmos. O trabalho necessário
tribunais comerciais, que há muito era um bastião
de corrupção. O novo sistema selecciona os juízes
aleatoriamente, cobra aos litigantes honorários
normalizados, e permite aos cidadãos acompanhar
em linha o desenvolvimento dos respectivos casos.
O respectivo aumento em transparência, eficiência
e justeza teve como resultado uma diminuição de
24 por cento no inventário de casos pendentes
durante o ano de 2006, e entre 2004 e 2006 uma
redução de 38 por cento no tempo necessário para
fazer cumprir um contrato.
para criar ou melhorar a rede de tribunais a nível
nacional é difícil e longo, e muitos projectos
anteriores não tiveram resultados favoráveis para
os pobres. Contudo, um número de projectos de
sucesso foi levado a cabo, especialmente em
países de rendimentos médios, os quais serviram
para incrementar a imparcialidade, rapidez e
Melhorar a resolução
informal e consuetudinária
de litígios
Embora muito do enfoque da
agenda da aquisição de poder por
via da lei estar centrada em como
atingir essa capacitação através
das instituições formais do estado,
a grande maioria dos pobres no
mundo apoia-se em sistemas de
justiça fora do âmbito do estado
ou seja em sistemas informais.
Portanto, é vital considerar os processos de
justiça fora do âmbito do estado. Estruturar de
forma apropriada a relação entre o sistema estatal
e o não estatal é crucial. As reformas em sistemas
jurídicos pluralistas podem incluir a combinação
formal ou o reconhecimento tácito do sistema de
justiça fora do âmbito do estado com campanhas
63
Iraque © UNICEF/HQ03-0488/Shehzad Noorani
de consciencialização e instrução que promovam
a evolução do sistema informal de justiça.
Condicionantes objectivas no sistema não estatal
são também importantes, em particular no que
concerne aos limites de práticas que perpetuam
a subordinação das mulheres. Estes sistemas
podem também ser reforçados com o apoio da
sociedade civil e de organizações comunitárias
de base.
Em muitos contextos, os Tribunais Arbitrais
(TAs) podem ser considerados um sucesso.
Estes mecanismos oferecem protecção eficaz
dos direitos e/ou resolução eficaz das contestações de litígios resultantes de disposições sobre
atribuição de propriedades, especialmente para
mulheres privadas de direitos civis. Em geral, o
sucesso de métodos alternativos de resolução de
conflitos depende de certas práticas e normas,
tais como o direito de pessoas pobres nomearem
um juiz árbitro da sua escolha para a resolução
do conflito. Mas é igualmente imperativo que
os mecanismos alternativos de resolução de
conflitos sejam reconhecidos com legítimos e
ligados ao cumprimento formal da lei e que não
funcionem completamente fora do âmbito do
sistema judicial formal.69
64
Promover a auto-ajuda com
informação e organização das
comunidades
Enquanto existe uma certa tendência para
equacionar o acesso ao sistema de justiça como
o acesso aos serviços de apoio judiciário, na
premissa que o único caminho para a justiça é
através de causídicos e dos tribunais, muitas
vezes a primeira (e algumas vezes a única)
opção que resta a uma pessoa pobre é ver o que
consegue fazer por ela própria. A aquisição de
poder pelos pobres através da disseminação de
informação jurídica e da formação de grupos de
pares (auto-ajuda) são as primeiras estratégias
em direcção à justiça. Os pobres podem não
receber a protecção ou ter as oportunidades
às quais têm legalmente direito porque não
conhecem a lei ou porque não sabem como fazer
para assegurar o apoio de alguém que lhes possa
dar a ajuda necessária. As tecnologias de comunicação e informação estão particularmente bem
posicionadas para apoiar intervenções orientadas
para o fortalecimento de grupo de partilha de
informação, ensinando os pobres acerca dos
respectivos direitos, e incentivando a formação
jurídica não formal.
Uma Agenda sobre os Direitos
de Propriedade
Promoção de um sistema inclusivo
de direitos de propriedade
Um sistema inclusivo de direitos de propriedade
em prol dos pobres requer regras que definam
claramente o conjunto de direitos e obrigações
entre as pessoas e os bens. O direito de propriedade deve oferecer opções claras e simples de
personalidade jurídica e de propriedade societária
para pequenos negócios e para as associações
tradicionais de pobres. A protecção jurídica
de limitação de responsabilidade tem de ser
ampliada aos micro empresários e os direitos de
protecção contra posse indevida devem ser reconhecidos tanto apara os bens tangíveis como para
os intangíveis. Os enquadramentos jurídicos que
permitem a associação de habitação própria e de
posse fundiária devem ser promovidos, permitindo
que a propriedade individual e co-propriedade
sejam combinadas por pessoas com recursos
limitados. Registos de propriedade oficialmente
reconhecidos devem ter a forma de certificados
simples que conferem reconhecimento formal a
práticas sociais e posse tradicional.
O
estado deve valorizar a base de bens dos
pobres permitindo co-propriedade comunitária. Em alguns ordenamentos jurídicos a
co-propriedade comunitária de recursos naturais
tais como pastos, terras, florestas, recursos
hídricos, recursos piscícolas e minérios de
superfície são meios tradicionais eficazes de
garantirem controlo e direitos de propriedade
a pessoas que têm poucos ou mesmo nenhuns
bens. Estes sistemas devem ser ambos reconhecidos e totalmente protegidos contra apreensão
arbitrária. Ao mesmo tempo, às comunidades
deve ser-lhes dada a opção de reconhecerem
direitos de propriedade individual dentro da
comunidade e alargando-os a pessoas alheias.
Mas dependendo do contexto, se operadores
privados quiserem explorar estes recursos, e/
ou colocá-los fora do controlo comunitário, com
a comunidade afectada a depender para as
suas vidas e destino desses recursos, o estado
pode ter interesse em intervir, a pedido ou em
representação desta comunidade. Em geral a
utilização de recursos naturais deve ser regulamentada por regras e normas claras e previsíveis,
que são aplicáveis não só à comunidade como
também aos proprietários privados.
Devem ser feitos esforços para garantir os direitos
de propriedade a moradores em habitação urbana
degradada e a ocupantes ilegais de terrenos
públicos rurais usando um conjunto de medidas
que incluem mecanismos de financiamento,
providenciando-lhes documentação adequada
relativa às propriedades já ocupadas, ou dandolhes alternativas adequadas. Os mercados do
arrendamento muitas vezes dão o primeiro passo
em colmatar a falta, pelos pobres, de bens fundiários. Garantias mais fortes e transparentes devem
reforçar a posição dos pobres nas zonas rurais e
urbanas em termos de arrendamento. Por meio do
casamento ou da união de facto, a propriedade
imobiliária e a propriedade pessoal detida pelo
parceiro masculino deve ser automaticamente
considerada como co-propriedade da mulher. As
regras sucessórias devem abranger tanto os herdeiros masculinos como os femininos recebendo
equitativamente as disposições testamentárias de
modo a evitar que os elementos femininos sejam
deserdados. As leis do divórcio devem tratar equitativamente tanto homens como mulheres.
A promoção de um sistema de direitos de propriedade inclusivo que incorpore medidas para
fortalecimento da posse requer aprendizagem
através de experiências múltiplas com base em
programas individuais de registo de propriedade.
Para garantir protecção e a inclusão dos mais
pobres, um conjunto alargado de políticas deve
ser considerado. Estas incluem o reconhecimento
formal, a representação oficiosa e a integração de
um conjunto de formas de posse fundiária tais
como direitos consuetudinários, direitos de populações indígenas, direitos de grupos e certificados.
O sucesso depende em grande medida de reforma
extensiva do sistema de governo que regula os
65
direitos de propriedade, como é
analisado a seguir. Estes sistemas
têm de ser de fácil acesso, baratos,
transparentes e libertos de complexidades. Acima de tudo, os pobres
têm de estar protegidos de despejos
arbitrários por devido processo
legal e ter direito a compensação
integral. As reformas devem ser
acompanhadas por mecanismos inovadores de política social, incluindo
disposições para dar financiamento
acessível para habitação própria,
meios de subsistência, infra-estruturas e serviços básicos. A condução
de auditorias sobre propriedade
fundiária pública e a publicação dos
resultados pode reduzir o número
de apropriações indevidas de bens
fundiários públicos.
Nas terras baixas da Bolívia oriental, os direitos de posse
de terras estão no centro de um acordo pioneiro para
preservar tanto o modo de vida de populações indígenas
como uma extensão única de floresta tropical seca.
Negociações entre o Governo e os Guarani-Izoceno
tiveram como resultado duas decisões marcantes. A
primeira preservou 3,4 milhões de hectares de floresta
desabitada do Gran Chaco como parque nacional. A
segunda atribuiu o título de posse de Guarani-Izoceno
a 1,5 milhões de hectares como território indígena
comunitariamente detido. Para os Guarani-Izoceno,
o resultado foi um compromisso pragmático, segundo
o qual desistem de qualquer pretensão de posse da
floresta do Gran Chaco mas adquiriram os direitos
únicos de explorarem a terra e florestas do território
de que têm posse.
Fonte: A Riqueza dos Pobres 2005
A institucionalização de um sistema
de governação eficaz dos direitos de
propriedade
O funcionamento das agências de administração
de propriedades e da administração fundiária é
crucial para os pobres. As regras são recursos que
podem ser facilmente subvertidos para servirem
interesses de minorias, por exemplo através da
corrupção e da falta de transparência. Portanto,
a estrutura de governação e o desempenho de
tais sistemas deve ser analisado e se necessário
reformado. A separação dos poderes do registo
de propriedade fundiária e da gestão fundiária
é uma reforma que reduzirá o risco de práticas
abusivas. Adicionalmente, as agências de administração devem ter repartições de fácil acesso
para os pobres e em geral descentralizadas, os
sistemas responsáveis de governação e de gestão
fundiária devem ser desenvolvidos, especialmente
onde possam acrescentar valor aos mecanismos
tradicionais tais como os da resolução de conflitos.
O tempo e o custo do registo de propriedade formal
deve ser diminuído. Para garantir que as propriedades de uma nação são reconhecidas e legalmente garantidas pelo ordenamento jurídico, todos
66
os proprietários devem ter acesso aos mesmos
direitos e normas. Isto permite que a economia
paralela possa ser deslocada de forma massiva e
sistemática no sentido da economia formal.
Os números de passos que os compradores e
os vendedores devem seguir para formalmente
executarem a transferência propriedade devem ser
mínimos. As responsabilidades dos vários escalões
do governo na gestão de bens fundiários públicos
devem ser claramente definidas. Limites estritos
devem ser impostos na capacidade do estado
poder expropriar terra. A estrutura jurídica deve
ser imposta de forma adequada e ser suficientemente coerente para que não entre em conflito
com outras leis relacionadas com a propriedade
as quais possam privar grupos vulneráveis dos
respectivos direitos civis. Entre as leis e códigos
que devem ser revistos, quanto à respectiva consistência, são as leis da propriedade, leis de garantias
adicionais, leis do código civil, leis de família, leis
sucessórias e legislação relativa ao casamento.
Os sistemas manuais de registo de propriedade
fundiária requerem um aturado trabalho manual e
induzem erros e duplicações. Os custos do registo
de propriedade podem ser consideravelmente
reduzidos e a respectiva transparência aumentada, através de sistemas informáticos e de GPS,
especialmente onde registos completos ainda não
existem. Contudo há três advertências a fazer.
A corrupção pode facilmente aumentar a fase
inicial da digitalização, embora possa ser drasticamente reduzida uma vez que os sistemas estejam
implementados e a funcionar. Um passo crucial é a
validação dos dados, ao nível local, com as pessoas
a quem lhes dizem respeito. Em segundo lugar
existe o perigo de sobre dotação tecnológica. As
soluções técnicas só são sustentáveis se estiverem
alinhadas com as infra-estruturas, os recursos e as
capacidades disponíveis localmente. A administração fundiária só será independente das pressões
das partes socialmente poderosas se puderem
manter o seu funcionamento permanente de forma
financeiramente independente. Em terceiro lugar, a
informatização e as correcções de base tecnológica
não farão qualquer diferença se o sistema de governação da propriedade no seu sentido lato continuar
sem reformas e inacessível aos pobres. As soluções
tecnológicas na falta de reformas institucionais e
jurídicas a favor dos pobres podem perturbar mais
do que serem benéficas.
O
registo de propriedade tem de ser complementado com a definição de zonas e com
planeamento. A formação de guetos pode ser
evitada impondo a utilização da terra de modo
misto. Nos casos onde zonas degradadas ocorreram, é essencial criar um ambiente protector
e capacitante de residência e actividade laboral
para os pobres, através de zonas especiais de
interesse social. A elevação do nível de bairros
degradados deve incluir os registos de propriedade para as parcelas, com um mínimo de
desenvolvimento do serviços e condições para
a melhoria incremental da infra-estrutura. Isto
ajuda a dar aos pobres a posse sustentada e a
participação no valor incremental da propriedade.
Desenvolver mercados de
propriedade e de crédito acessíveis
aos pobres
Um sistema de propriedades e de negócios
integral e funcional permite que bens fundiários,
imobiliários, pessoais, mobiliários e ideias sejam
transformados em bens que sendo alavancados
podem ser comprados e vendidos, a valores
determinados pelas forças do mercado, de modo
transparente e explicável. Deve permitir o desenvolvimento de mecanismos financeiros – incluindo
o crédito e seguros – para facilitar transacções e
melhorar os resultados económicos.
O mercado deve ser estruturado para permitir aos
pobres tirar o máximo partido dos seus bens. Deve
ser dada orientação para a elaboração dos contratos, com a minimização de pré-requisitos para
compra de bens fundiários que excluam os pobres
– tais como o requisito de formação escolar
agrícola formal – e a elaboração de contratos
de compra e venda em que os pobres possam
confiar. Regras de Leasing devem ser simples
e claras, serviços notariais e emolumentos para
pequenas transacções devem ser eliminados e
os pequenos ou novos proprietários isentos de
impostos e emolumentos de registo. Os direitos
de preferência dados a co-proprietários, vizinhos,
ou rendeiros devem ser considerados desde que
não resultem daí apropriações arbitrárias. Adicionalmente, tectos na aquisição de propriedade ou
prazos alargados de pagamento das vendas são
consideradas práticas protectoras com sucesso,
desde que sejam limitadas no tempo e que esse
tempo seja utilizado para formação jurídica e
financeira.
Considerar os bens pessoais como
garantia financeira
Existe um crescendo de prova que aumentando o
número de itens que podem ser utilizados legalmente como garantia financeira reduz o custo do
crédito. Mais pessoas podem aceder ao crédito se
mais tipos de propriedade puderem ser utilizados
como garantia e se os mercados do crédito se
tornarem mais concorrenciais. Um maior número
de pobres teria acesso a criar historiais de crédito
sem por em risco as suas terras e as suas casas.
O sistema de crédito não se transforma automa-
67
ticamente a partir da formalização dos registos
dos bens. Uma acção catalisada e consertada do
estado e das instituições financeiras é necessária de modo a promover o acesso ao crédito
para famílias pobres e para pequenos produtores
urbanos e rurais. Um meio complementar de
apoio aos mercados de crédito direccionados
aos pobres deve ser feito através da criação de
registos de bens pessoais.
Reforçar direitos de propriedade
através de políticas sociais e outras
O estado pode fazer muito para dotar os seus
cidadãos com bens imóveis – por exemplo, dando
acesso aos pobres à posse de habitação, oferecendo crédito imobiliário de baixa taxa de juro e
distribuindo bens fundiários do estado. A reforma
de redistribuição agrária necessita de ser complementada, para os novos proprietários, com
o acesso a serviços básicos, tecnologia, crédito
e mercados. Como alternativa a relocalizações
forçadas de terras, o projecto de reforma de bens
fundiários com base na comunidade providenciam
aos grupos de beneficiários fundos para a compra
desses bens. O suprimento de fundos é disponibilizado sob a condição de terem um fim produtivo e
quando os mercados de bens fundiários estiverem
suficientemente desenvolvidos. O procedimento é
juridicamente menos complicado e menos sensível
do ponto de vista político do que os programas de
aquisição compulsiva. Condicionantes legais relativos aos beneficiários permitem a busca de outros
fins sociais, tais como a distribuição de bens
fundiários comprados em nome de mulheres.
A dimensão da consciencialização da posse de
habitação própria e da informação sobre direitos
tem um impacte significativo nos investimentos em
bens fundiários e na produtividade. Somente uma
minoria de trabalhadores agrícolas está ciente das
disposições legais relevantes. Isto implica que a
maior fatia dos ganhos de produtividade associados
com o registo de bens fundiários terá de ser objectivada através da formação e da informação.
Consultas múltiplas e o envolvimento de organi-
68
zações sociais contribuem para uma mudança
na equação do poder e no aumento da satisfação
e eficiência da reforma da propriedade. Em
particular a comunicação e participação activas
da sociedade civil, são factores importantes para
garantir a qualidade de mudança sistémica no
regime de direitos de propriedade. Num âmbito
mais alargado, tais medidas contribuem para
alimentar tanto a coesão social como a cidadania.
A indústria da construção emprega mão-de-obra
local, faz recircular os rendimentos pela economia
local e contribui para o desenvolvimento de
trabalho especializado. O governo pode ter um
papel catalisador na promoção da habitação proporcionando crédito e juntando o sector privado
e outras organizações de pobres da sociedade
civil para criar condições favoráveis ao desenvolvimento de esquemas de habitação social e em
última análise de posse pelos pobres.
P
or último, o governo pode também ter um
papel de intermediário nas negociações
entre o proprietário do bem fundiário e os seus
ocupantes de baixos recursos em situações
em que os legítimos proprietários têm pouca
esperança de recuperar a propriedade ocupada
sem contencioso prolongado e onde recuperar
parcialmente o bem tem muitas vantagens.
Uma Agenda sobre os
Direitos do Trabalho
Em última análise, o objectivo dos direitos
laborais é garantir a livre escolha de trabalho produtivo, realizado em condições de liberdade, dignidade e igualdade – em suma uma ‘uma agenda
de trabalho digno’. O conteúdo específico de um
programa de trabalho digno, que foi reconhecido
como um objectivo global,70 é mais bem definido
ao nível de cada país através do diálogo social. O
objectivo é tornar o emprego como um objectivo
central das políticas económicas, e dar melhorias
graduais na qualidade do trabalho e proveitos
para os trabalhadores, incluindo a imposição dos
direitos do trabalho como sendo a via principal
para sair da pobreza.
Índia © OIT / M. Crozet
Muitos códigos de conduta de voluntariado
bebem dos princípios fundamentais e direitos
do trabalho, tais como a proibição de trabalho
forçado, trabalho infantil, e discriminação laboral,
e têm por base os normativos da OIT. São ferramentas importantes para motivarem as corporações multinacionais a melhorarem o respectivo
desempenho e estão actualmente a ter um papel
importante no fortalecimento dos direitos do
trabalho, no momento em que as empresas estão
mais sensíveis às reacções éticas
dos consumidores. Esforços para
No Quénia, tanto as transferências de dinheiro como
fortalecerem os direitos do trabalho
os programas de emprego ajudam a melhorar as
devem ter enfoque no seguinte:
As instituições que ajudam a criar emprego,
melhores regulamentações laborais e impõem
princípios fundamentais e direitos no trabalho,
precisam de ser fortalecidas de modo a criarem
sinergias entre a protecção dos trabalhadores
pobres, a sua produtividade e a dos seus bens.
Instituições e regulamentos devem ser revistos
examinando os respectivos impactes na criação
de riqueza e na protecção laboral.
capacidades das pessoas, especialmente das crianças.
As transferências de dinheiro que aumentam o
rendimento dos agregados familiares pobres podem
ser suficientes para melhorar a instrução e saúde das
crianças se houver um fornecimento adequado desses
mesmos serviços. Mas é possível que um programa
de emprego tenha um impacto de multiplicação
mais forte do que as prestações familiares se ajudar
a desenvolver a infra-estrutura económica e social.
Se esse tipo de programa incluir a construção de
clínicas e escolas por exemplo, pode dar um impulso
ao fornecimento dos serviços sociais.
Fonte: Centro Internacional para a Pobreza 2007
Fortalecimento da
identidade, da voz, da
representação e do diálogo
O processo de aquisição de poder
por via da lei inicia-se com a
identidade. Do mesmo modo que
a propriedade e os bens físicos
dos pobres são reconhecidos,
também o seu maior bem, o seu
trabalho e capital humano, deve ser
eficazmente reconhecido. Existe
uma necessidade específica de
garantir que os trabalhadores e os
empresários na economia informal
69
têm o direito de liberdade de associação através
de organizações da sua livre escolha e direito à
negociação colectiva, em particular as mulheres
e os jovens que estão sobre representados na
economia informal. Deve ser dada ênfase ao crescimento de organizações de representação dos
trabalhadores pobres, em particular de trabalhadores assalariados e por conta própria que operam
na economia informal, para terem voz, representação e diálogo com os operadores da economia
formal e com as autoridades públicas, de modo a
poderem defender os seus direitos.
O fortalecimento da qualidade
dos regulamentos do trabalho a
imposição eficaz dos princípios
fundamentais e direitos do trabalho
O objectivo é criar sinergia entre a protecção e
a produtividade dos trabalhadores pobres e os
respectivos bens. A análise da qualidade das
instituições e das regulamentações deve envolver
uma revisão crítica e autocrítica dos instrumentos
legais do ponto de vista dos impactes sobre a
produtividade e a protecção do trabalho.
Apoiar, na economia informal, um
pacote mínimo de direitos do trabalho
Um pacote mínimo de direitos do trabalho deve
ser estabelecido e imposto para os trabalhadores
pobres na economia informal com uma convergência gradual e progressiva para os direitos do
trabalho da lei geral. Isto deve sustentar e ultrapassar a Declaração de Princípios Fundamentais
e Direitos do Trabalho com três aspectos adicionais relacionados com as condições do trabalho:
higiene e segurança no trabalho, horários de
trabalho e salário mínimo. Tal plataforma mínima
para a aquisição de poder deve ser realista e
de imposição exequível. O progresso no sentido
de um conjunto mais completo de direitos do
trabalho deve ser esperado.
Fortalecimento do acesso às
oportunidades
Políticas para criação e promoção de acesso
melhorado dos pobres a melhores oportunidades
70
de emprego a tempo inteiro produtivo e de livre
escolha, como promovido pela Convenção 122 da
OIT, podem fornecer um mecanismo chave para
a aquisição de poder pelos pobres na economia
informal e facilitar a sua transição para o mundo
formal. As oportunidades para instrução e para
a aquisição de competências, bem como as
medidas para combater a discriminação, ajudam
a aumentar o reconhecimento legal dos pobres
e também a conduzi-los para mais próximo das
novas oportunidades económicas.
Apoiar protecção social inclusiva
O reconhecimento do direito à segurança social
foi desenvolvido através de instrumentos universalmente aceites, tais como A Declaração
Universal dos Direitos do Homem e o Convénio
Internacional sobre Direitos Económicos Sociais
e Culturais, os quais proclamam que a segurança
social é um direito fundamental da sociedade
a que todos os seres humanos têm direito. Isto
deve ser garantido em todos os países através de
legislação, instituições, e mecanismos que dêem
resposta, os quais podem proteger os pobres
de abalos e contingências que os podem fazer
empobrecer e de medidas que garantam o acesso
a cuidados médicos, seguros de saúde, pensões
de velhice e serviços sociais. Estes mecanismos
não devem apenas estar dependentes da prova
do status do emprego mas devem estar abertos a
todos os tipos de trabalhadores. De uma perspectiva sistémica os direitos a pensões e à protecção
na doença devem ser dados às pessoas como
cidadãos e não como trabalhadores e conferidos
com base nos princípios universais.
Promover a igualdade dos sexos
A pobreza tem uma dimensão de género e a
aquisição de poder por via da lei pode ajudar
a promover a igualdade dos sexos. Um desafio
chave é garantir que os padrões laborais da OIT, os
quais promovem a igualdade de oportunidades e
tratamento, são eficazmente ampliados aos trabalhadores do sector informal.71 O ponto de partida
para este processo está situado na igualdade de
género dos padrões essenciais do trabalho. Uma
Mais de 90 por cento dos trabalhadores na Índia,
encontram-se na economia informal (incluindo os
trabalhadores agrícolas), com pouca – se alguma
– segurança social estatutária. A maioria são
trabalhadores ocasionais, trabalhadores a contrato
e à peça e trabalhadores independentes por conta
própria. Recentemente, o Governo Indiano lançou o
Esquema de Segurança Social dos Trabalhadores do
Sector Não Organizado em 50 distritos, numa base
piloto. O esquema disponibiliza três protecções básicas:
pensão de velhice, seguro de acidentes pessoais e seguro
médico. É obrigatório para os empregados registados e é
voluntário para os trabalhadores por conta própria. Os
trabalhadores contribuem para o esquema, assim como
a entidade empregadora. Nos casos dos trabalhadores
por conta própria que pretendem aderir ao esquema,
estes pagam a contribuição do trabalhador e da
entidade empregadora. O governo também contribui.
Centros de Apoio aos Trabalhadores estão a ser
instalados para apoiar os trabalhadores (ver acima em
Direitos de Segurança dos Trabalhadores Informais).
O esquema será implementado através dos gabinetes
da Organização da Previdência dos Trabalhadores, já
Fonte: Governo da Índia, 2004
existentes em todo o país.
orientação útil pode ser encontrada na Convenção
do Trabalho em Casa da OIT do ano de 1966,72 a
qual confere a extensão da protecção legal e da
aquisição de poder por via da lei a trabalhadores
que trabalham a partir de casa (subcontratados da
indústria que trabalham a partir das respectivas
casas), que são predominantemente mulheres.
Uma Agenda sobre os Direitos
de Comerciar
Muitos países desenvolvidos emergem de uma
história carregada de regulamentações muito
rigorosas, com aprovações necessárias memos
para as actividades menores e com uma sobre
centralização e inflexibilidade das autoridades.
Com uma produção legislativa de fraca qualidade
durante muitos anos foi criada uma teia complexa
e inconsistente de legislação que impõe uma
barreira regulatória assustadora para a criação
formal de futuras empresas. Assim,
tais sistemas regulatórios nesses
países não estão desenvolvidos para
apoiar uma economia de mercado
florescente que criará crescimento e
empregos na economia formal.
Sob este enquadramento, os
pequenos negócios informais devem
muitas vezes assumir maiores riscos
do que as empresas normalmente
maiores e formais e gastam mais
tempo e recursos em controlar
agentes e sócios, o que explica
a razão de normalmente empregarem parentes e amigos próximos.
Escolhem com frequência negócios
de baixo risco que muitas vezes lhes
dão retornos baixos. Operam com
um montante limitado de capital e
como resultado disso, são forçados
a fazerem negócios numa pequena
escala. Uma vez que dificilmente
conseguem a acumulação de capital,
é muitas vezes muito difícil para estes
empresários vender os respectivos
negócios e lucrar dos activos tanto
tangíveis como intangíveis que acumularam.73
A política económica e o código comercial e das
sociedades comerciais, os quais estão vocacionados, na maioria dos países pobres, para as
grandes empresas, têm se ser alterados para
incluírem o número vastíssimo de detentores de
negócios que se situam na base da pirâmide económica. A reforma destas políticas e das estruturas
jurídicas devem focar-se em ajudar os negócios
informais a utilizarem todos os seus activos de
modo a que funcionem como empresas produtivas
e rentáveis. Os elementos chave relativos aos
esforços em atingir tais objectivos incluem:
Um conjunto de direitos de
comerciar sustentados em políticas
e institucionalizados e impostos
através de organismos reguladores.
71
São Tomé e Príncipe © UNICEF/HQ97-1186/Giacomo Pirozzi
Independentemente da respectiva dimensão ou
potencial de crescimento, os direitos de todos
esses negócios informais devem ser reconhecidos.
Estes incluem o direito ao trabalho e à criação e
registo de sociedades comerciais, os quais necessitam de competências comerciais, de ocupar
um espaço físico e acesso a infra-estruturas
básicas tais como um tecto, electricidade, água
e saneamento. Com o crescimento dos negócios
informais, estes irão precisar de protecções e
direitos jurídicos adicionais, tais como a capacidade para obterem benefícios fiscais, licenças
de exportação e acesso a serviços logísticos e
de comunicações. Esforços para fortalecer os
direitos básicos de comerciar devem ser baseados
num conhecimento profundo das práticas locais,
e onde for possível, devem ser incorporados na
estrutura legal. É também importante a criação
de mecanismos e de financiamento que providenciem protecção social a empresários informais, tal
como existem mecanismos jurídicos que ajudam
as pessoas a operarem e a expandirem os respectivos negócios uma vez que entrem no mercado.
A ausência de direitos das sociedades comerciais,
incluindo regras relativas a blindagem de entidades, responsabilidade limitada e blindagem do
72
capital e sucessão perpétua da firma bem como
direitos de responsabilização de gestores e funcionários e a protecção dos pequenos accionistas,
aumenta a probabilidade dos negócios evoluírem
para a informalidade.
Procedimentos administrativos mais
optimizados
As barreiras administrativas são os requisitos
burocráticos que emanam dos regulamentos, da
respectiva implementação e imposição. Um regulamento pode estar bem concebido, ser equilibrado e eficiente, mas o seu verdadeiro efeito nas
empresas advém do modo como é implementado.
As barreiras administrativas são um incómodo
que dissuade as empresas informais de interagirem com as autoridades governamentais74. As
regulamentações impostas às empresas incidem
sobre várias categorias. Alguns regulamentos que
governam os negócios na sua infância aumentam
os custos de entrada na economia formal.
Outros regulamentos governam a actividade das
empresas em fase de cruzeiro e outras ainda
estão afectas ao fecho das empresas. As autoridades centrais ditam alguns destes regulamentos
enquanto as autoridades autárquicas e regionais
ditam outras. Mais ainda, as pequenas empresas
enfrentam os custos impostos pelo governo nas
áreas laborais, custos salariais, normas de higiene
e segurança, impostos e custos com a exportação.
Os recursos financeiros e de tempo gastos no
cumprimento das regulamentações governamentais
impõem sobre as empresas custos por transacção
onerosos. Adicionalmente o custo directo de pagamentos, tais como o de licenciamentos, representa
também um custo significativo de fazer negócio.
Inversamente, os pagamentos feitos para evitar a
detecção de não conformidades ou os subornos a
representantes governamentais, são os custos de
operação no sector informal.
O formalismo administrativo e os custos envolvidos
no registo ou na obtenção de licenças para uma
empresa precisam de ser reduzidos e que a todos
os empresários lhes seja dado o acesso facilitado.
Um acesso mais abrangente aos
serviços financeiros e apoio à
inovação em produtos financeiros
O acesso ao financiamento é crucial para as
empresas. Contudo, as empresas na economia
informal têm falta de acesso aos mercados
financeiros e falta de capacidade para competir
em mercados de produtos. O acesso melhorado
aos serviços financeiros básicos consistindo em
poupança, crédito, seguros, pensões e ferramentas para gestão do risco, são um dado crítico
para empresários emergentes ou potenciais
alavancarem oportunidades económicas e
melhorarem a respectiva qualidade de vida.
Mercados financeiros mais inclusivos necessitam
que haja sensibilização dos sistemas de crédito
formal e informal quanto ao modo como os trabalhadores pobres usam o crédito e as barreiras
e regras desajustadas dos procedimentos dos
empréstimos formais. Precisam também de terem
instalado processos legais e administrativos que
tornem o processamento das garantias – incluindo
bens pessoais bem como garantias sociais – mais
baratas, transparentes e rápidas. È também
necessário dar apoio à inovação nos produtos e
serviços financeiros, com o objectivo de
aprofundar o seu âmbito.
Consulta, participação e definição de
regras inclusivas
Os negócios informais e os respectivos representantes precisam de ser consultados bem como
participarem na elaboração de políticas relevantes
bem como em organismos que definem as regras
de funcionamento. Precisam de ser mantidos
informados dos seus direitos legais de modo a
que possam negociar com eficácia, fazer cumprir
contratos e buscar reparação. O programa da
aquisição de poder por via da lei relativa aos
direitos de comerciar enfatiza as reformas que
providenciam um ordenamento jurídico e institucional bem como o estado de direito, o qual
permitirá aos proprietários pobres de negócios
o desenvolvimento das respectivas capacidades
e de utilizar o talento, energia e iniciativa para
fazerem crescer os seus bens e gerar empresas
que sejam eficientes e produtivas.
As reformas dos negócios combinadas com as
reformas da propriedade podem trazer segurança,
recursos e aumento de competitividade a todas
as empresas mas particularmente às empresas
micro, pequenas e médias. O crescimento destas
empresas aumenta significativamente as possibilidades de fortalecimento dos direitos laborais.
Quando mais inclusivo e mais atraente o mercado
formal se torna, maior é a probabilidade de regulação dos direitos laborais, os quais por sua vez
constroem o capital humano para a nova geração.
Tal como a Irlanda ou a Espanha mostraram no
passado recente, existe um potencial enorme ao
juntar os governantes e os empresários das PME
para desenvolverem estratégias que sigam estas
linhas de força.
73
Dar corpo à aquisição de estratégia astuciosa e com base no conhecimento… abordagem construída nos direitos humanos para lhes vidas dos pobres.
5
Estratégias de
Implementação
poder por via da lei exige uma politicamente importante,
É o momento para uma nova
fundamentos jurídicos e
dar um significado real nas
A
Aquisição de Poder por Via da Lei pelos
Pobres é uma visão arrojada e a sua
implementação desafiante. Este capítulo
elabora sobre o modo como pode ser
feito. São indicadas linhas de orientação
para a implementação, fases, políticas e tácticas
para acção a nível nacional. Isto é seguido de um
programa para a comunidade internacional.
Quatro mil milhões de pessoas vivem arredadas
do estado de direito. Instituições políticas, administrativas e judiciais não estão orientadas para a
protecção dos direitos dos pobres. Grande parte
da comunidade humanitária está em crise ao
chegar à conclusão que as abordagens passadas
não são suficientes. Agora é tempo de avaliar
com realismo, e de lutar por novas soluções. Tal
como Albert Einstein comentou, “Não podemos
resolver os problemas utilizando o mesmo tipo
de raciocínios que usámos quando os criámos.”.
As soluções do séc. XXI são chamadas a complementar ou mesmo substituir as estratégias
desenvolvidas no século passado, para a redução
da pobreza e a criação de riqueza.
A Comissão acredita que são necessárias
mudanças significativas nas relações entre o
estado e os pobres bem como entre o poder
público e o privado. A tomada de consciência
do potencial integral da aquisição de poder por
via da lei, em última análise, requer o estabelecimento de instituições mais abertas, inclusivas
e responsáveis por todo o espectro político e
económico. Mas tudo não precisa de acontecer ao
mesmo tempo. A aquisição de poder por via da lei
pode iniciar-se com mudanças de políticas específicas para determinadas áreas. Com o aumento
de proveitos, bens e poder, os pobres encontrarse-ão numa posição mais forte para exigirem
reformas institucionais adicionais.
As estruturas envolventes da Aquisição de Poder
por Via da Lei pelos Pobres, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem e outros
75
convénios jurídicos internacionais, já existem.75
Os governos do mundo estão empenhados neles.
O que falta são a miríade de regulamentos
nacionais e locais deste jogo e estão em falta as
políticas que dão substância, na vida do dia-a-dia
dos pobres, a essas grandes declarações. Colocar
em prática as reformas necessárias requer uma
análise discreta do que é possível fazer, mas
também precisa de uma prontidão para arriscar
quando o tempo for o adequado. Governantes
pragmáticos procuram janelas de oportunidade
para as políticas usando-as para criarem espaço
para avançarem, de modo a resolverem problemas
particulares que os pobres enfrentam. É importante
reconhecer que enquanto muitas vezes faz sentido
ligar o programa da aquisição de poder por via da
lei a processos de desenvolvimento existentes, tais
como as Estratégia para a Redução da Pobreza,
a aquisição de poder por via da lei não deve ser
manietada por processos que possam estar
bloqueados ou não sejam funcionais.
São necessárias coligações políticas alargadas
favoráveis a mudanças em prol dos pobres que
envolvam líderes de todos os quadrantes da sociedade para galvanizarem e manterem as reformas
e para evitarem que essas reformas sejam
desviadas, diluídas ou atrasadas. Os contextos
nacionais são peculiares portanto não existe um
único modelo para atingir este objectivo. Mas
determinadas condições e regras chave devem
orientar a implementação da aquisição de poder
por via da lei. Como o Capítulo 2 indica, as quatro
condições chave para a aquisição de poder por via
da lei são identidade, informação, opinião e organização. As cinco regras de orientação indicam
que o processo deve seguir de baixo para cima,
ser financeiramente exequível, realista, libertador
e atento ao risco.
Existem experiências comparativas entre países
que levaram a cabo reformas jurídicas e de
regulamentação em prol dos pobres que são
ilustrativas. Os grupos de trabalho da Comissão
angariaram a muito custo provas com origem em
muitas partes do mundo acerca do que na rea-
76
lidade funciona e do que não funciona. Os seus
relatórios analisam o porquê e o como, e apontam
abordagens que envolvem governos, parcerias
publico privados, organizações da sociedade civil
e movimentos sociais inovadores, os quais podem
ser modificados e aplicados a uma ampla gama
de condições.76 Os erros mais frequentes são
subestimar os impedimentos à implementação
e não prever consequências indesejadas para
os pobres. O sucesso, por outro lado, envolve
invariavelmente a compreensão das barreiras
e como ultrapassá-las, escutando os pobres e
aprendendo com essa actuação. Porque este
processo não funciona da mesma forma quando
é aplicado transversalmente nas sociedades, os
governantes têm de estar atentos e com apetência
para experimentarem. Independentemente do tipo
de reforma escolhida esta deve ser faseada para
se mesclar com o passado único da sociedade e a
prontidão desta para aceitar a mudança.
Para arrancar com uma mudança tão controversa e profunda como é a aquisição de poder
por via da lei – uma abordagem que ameaça
muitos interesses instalados – o papel positivo
da liderança política nacional não pode deixar de
ser sublinhado. A prossecução de uma determinada política, tal como o alargamento do acesso
à justiça, requer um conjunto lato de líderes cuja
opinião concorre no que diz respeito à natureza
do problema e como o resolver. Alguns destes
indivíduos podem emergir como “defensores da
política” os quais levam para a frente a reforma
por meio da angariação de coligações amplas para
a mudança no seio do governo, e por ultrapassarem objectivos e obstáculos.
Fazer Bem à Primeira Vez
Antes de se prosseguir muito profundamente
com actividades de aquisição de poder por via
da lei, uma análise de contexto deve ser feita
para se estabelecerem quais as reformas que são
mais necessárias e aquelas que terão a maior
probabilidade de sucesso. Tal análise também dá
orientação quanto ao processo de implementação
e indica aos reformadores os riscos que precisam
Implementação da Aquisição de Poder por Via da Lei
O
modo como a aquisição de poder por via da lei está
concebida, é implementada e monitorizada, é distinto.
Trata-se de uma abordagem das bases para as cúpulas
no sentido que está baseada nas realidades da pobreza
e exclusão conforme vivido pelos pobres, e exige a respectiva participação activa e aceitação. Simultaneamente, a
aquisição de poder por via da lei exige liderança política e
empenho das cúpulas e alianças com os interessados-chave.
É uma abordagem política baseada em coligações alargadas
para a mudança, em vez de uma abordagem técnica ou burocrática que implica apenas funcionários públicos internacionais, líderes governamentais e elites. Acima de tudo, ao
mesmo tempo que a aquisição de poder por via da lei é suportada pelos princípios internacionais dos direitos humanos, as
respectivas prioridades são estabelecidas pelos pobres e
baseadas nas necessidades e condições locais. Serão necessários novos indicadores, índices e protocolos de monitorização e avaliação para ir ao encontro da natureza distinta da
Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres.
A Comissão identificou cinco características, que em conjunto
distinguem a aquisição de poder por via da lei das abordagens tradicionais às reformas jurídicas e institucionais:
Das bases para as cúpulas e favoráveis aos pobres
O processo da aquisição de poder por via da lei deve basear-se
nas necessidades dos pobres, conforme eles próprios as vivem
e exprimem. As reformas têm de ser concebidas e implementadas de modo inclusivo e participativo e accionadas para
ajudar os pobres a organizarem-se a sair da pobreza.
de ser mitigados e quais os desafios que devem
ser atendidos. Isto aumenta a probabilidade de
sucesso. O foco deve ser nos factores sociais e
culturais que potencialmente afectam a implementação dentro do contexto económico – os
quais tanto podem ajudar como inibir – bem
como na abertura e capacidade do estado. A
juntar ao inventário destas preocupações deve ser
acrescentada uma análise cuidada do alcance e
apoio que estas instituições informais têm sobre
os pobres. A análise contextual integral é a base
para um estudo de exequibilidade dos vários
cenários de aquisição de poder por via da lei. Os
elementos mais importantes dessa análise são:
Financeiramente exequível
As medidas propostas, os procedimentos acordados e requisitos impostos, tudo tem de estar ao alcance dos pobres que
pretendem beneficiar.
Realista
As reformas devem basear-se numa compreensão realista
dos mecanismos formais e informais, normas, e instituições
e o modo como se inter-relacionam e interagem. Os governos
necessitam de se envolver com os pobres para conhecerem
o modo como as instituições das bases trabalham, assim
como os respectivos pontos fortes e fracos. Poderão ser
necessários mecanismos menos convencionais para recolha
de informação.
Libertadora
A aquisição de poder por via da lei deve concentrar-se na eliminação das barreiras jurídicas que atrasam as actividades
económicas dos pobres. Uma vez que isto está inextrincavelmente associado a uma estrutura institucional e regulamentadora funcionante, o ónus da prova para tais requisitos
está com o estado.
Consciencialização do risco
É necessário que sejam tomadas todas as providências na
concepção, implementação e monitorização das reformas
locais. No entanto, inevitavelmente as reformas ambiciosas
podem sem intenção prejudicar algumas populações pobres
e vulneráveis. Estes riscos devem ser escrupulosamente
monitorizados durante o processo.
•A estrutura social doméstica, em especial o
respectivo género, classe e agregação étnica e
ainda as atitudes culturais em prol da participação e da igualdade;
•O contexto económico – incluindo a distribuição
da riqueza e do rendimento e o nível e ritmo de
crescimento económico;
•As características do estado – tanto do sistema
político como do administrativo;
•A amplitude da informalidade política e económica e das tensões com os sistemas formais e
oficialmente reconhecidos.
77
A análise contextual e o conhecimento do ambiente da política
são essenciais para prever se as
condições estão no ponto para
reformas mais ou menos extensas
de aquisição de poder por via da
lei, quais as opções de implementação que parecem ser as mais
prováveis, que sequenciação e quais
os melhores marcos temporais, o
como da concepção das reformas,
que alternativas necessitam de ser
consideradas, que mecanismos
de limitação de riscos valerá a
pena experimentar e que variáveis
precisam de ser monitorizadas
durante a implementação.
M
A indústria de minibus e táxis na África do Sul é prova
de como as instituições informais que surgem na
ausência de regulamentação governamental eficaz
podem acabar por ser prejudiciais. Na África do Sul,
os minibuses e os táxis são o principal meio de transporte
dos pobres. Uma lacuna na lei do trânsito permitiu este
sector amplamente não regulamentado, que surgisse
no fim da era do apartheid. Com o tempo, os operadores
de microempresas independentes acabaram por
dominar o sector. Na ausência de regulamentação
governamental, taxistas proprietários individuais
caíram sobre as associações industriais privadas em
início de vida para a atribuição de percursos e praças
de táxis e resolver disputas entre a concorrência. Estas
associações rapidamente se tornaram muito poderosas
por direito próprio e iniciaram disputas de território.
Em meados dos anos 90, uma guerra de táxis virtual
custavam anualmente a vida a centenas de taxistas e
passageiros.
Fonte: Barrett 2003
uitas sociedades e culturas
têm estruturas hierárquicas
e patriarcais que dificultam a
prossecução da aquisição de poder
por via da lei. O envolvimento dos
pobres no processo de tomada de decisão dando
direitos iguais ás mulheres pode ser particularmente desafiante. Em alguns contextos, o
uso e costume pode ser contrário à visão dos
direitos humanos consagrada na constituição
nacional, particularmente no que concerne ao
tratamento das mulheres e das minorias. Um
dilema semelhante emerge quando se tentam
garantir níveis mínimos de responsabilização e
de transparência no interior das estruturas tradicionais. Felizmente, os usos e costumes não são
rígidos nem imutáveis. É pois possível objectivar
um processo em que as práticas tradicionais
evoluem em resposta ao desenvolvimento social
e aos princípios dos direitos humanos. 77
Estes mecanismos informais evolutivos existem em
parte porque são muitas vezes mais acessíveis e
prestam mais auxílio às pessoas pobres que muitas
das vezes as instituições oficiais. Eles promovem a
flexibilidade e o compromisso dentro das normas
comunitárias. Em outros casos, o sistema informal
nem é eficiente nem justo. O contexto é crítico.
78
Importa também a distribuição do poder e da
riqueza para a aquisição de poder por via da
lei. Se a posse da terra, capital e outros activos
produtivos estão altamente concentrados, os reformadores têm de ter cuidado com a regularização
do sistema de direitos económicos. A manutenção
de desigualdades existentes no que toca à posse
negará o valor da reforma para os pobres e pode
mesmo levar a maior marginalização. Por outro
lado, perpetuar a exclusão da posse formal devido
a desigualdade de distribuição de bens fundiários
e outros activos pode ser uma pior opção.
O discernimento deve ser unido ao contexto.
A eficácia das instituições do estado é um outro
factor contextual. Quão capaz é a administração
pública? Isto está relacionado com a corrupção, a
capacidade para realizar e a aptidão para proteger
os cidadãos e os seus bens. Em muitos países
existem leis favoráveis de apoio aos pobres, mas
não estão implementadas. Onde o estado não é
eficaz, os seus residentes devem proteger eles
próprios os respectivos bens, juntando-se por
Cambodja © Jean-Luc Fievet 2007
exemplo a um patrono político. Muitas vezes, isto
dificulta a aquisição de poder por via da lei. Em
estados frágeis a capacidade ainda é mais fraca.
O ordenamento jurídico em particular é ineficaz
em tais sociedades. As boas novas são que uma
vez que haja a compreensão das reformas jurídicas
e das funções da governação para a aquisição de
poder por via da lei, o investimento necessário para
fortalecer essas funções pode ser muitas vezes
mobilizado. A intensidade necessária pode ser a do
esforço mais do que a do dinheiro.
Gestão das Partes Interessadas e
Mobilização de Aliados
Juntamente com o conhecimento
do contexto, uma tarefa inicial e
importante na implementação é o
estudo das partes interessadas. As
partes interessadas são os participantes que têm a capacidade
para fazer avançar uma política
de mudança. A respectiva posição
é determinada pelos interesses
percepcionados que podem ou não
estar formalmente ou deliberadamente organizados.78 É crucial dife-
renciar entre grupos, para melhor compreender
as divisões, alianças e necessidades particulares.
As partes interessadas que se opõem ou dão
assistência à aquisição de poder por via da lei
precisam de ser escrutinadas para se estabelecer
com é que se podem transformar em apoiantes do
processo. O objectivo é obter maior solidez quanto
à probabilidade de sucesso das reformas da aquisição de poder por via da lei, gerindo as partes
interessadas e estabelecendo o que é necessário
para construir uma coligação ganhadora mínima
para a aquisição de poder por via da lei no país.
Em Pequim, as entidades executivas e autoridades
locais fecham os olhos quando empresários migrantes
urbano-rurais que não cumprem totalmente
os requisitos de licenciamento, obtêm licenças
ilegalmente junto de residentes locais. Este comércio
ilícito sobrevive porque os burocratas obtêm proveitos
com isso. Optimizar o registo de empresas, em linha
com os objectivos da aquisição de poder por via da
lei, ameaçaria o rendimento rotineiro mas ilegal na
capital chinesa.
Fonte: He 2005
79
Os pobres são os beneficiários a quem se
destinam as políticas da aquisição de poder
por via da lei. Uma alteração organizacional ou
jurídica que do ponto de vista externo parece em
si benéfica aos olhos dos peritos pode ser vista
como demasiado arriscada ou de pouco valor da
perspectiva de alguém que está dentro da comunidade pobre. É por isso mesmo que os pobres
também têm de ter algo a dizer sobre a implementação. As estratégias de aquisição de poder
por via da lei dependem das partes interessadas
beneficiárias querem participar. Se os pobres
resistirem à mudança, as políticas mais bem-intencionadas de nada valem. Os aliados principais
dos pobres são as associações comunitárias e os
activistas da sociedade civil que trabalham em
prol dos pobres. Podem ser mobilizados para a
reforma e transformarem-se em aliados fortes.
Alguns podem ser grupos de acção social local ou
de apoio judicial a causas, tais como a Fundação
para Ajuda Judiciária da Indonésia (Indonesian
Legal Aid Foundation), cuja missão é defender em
tribunal as pessoas pobres e ampliar os respectivos direitos. Outros incluem as associações
profissionais apoiantes da causa dos excluídos.
Por exemplo, a Associação dos Presidentes dos
Conselhos Directivos das Faculdades de Direito
(Association of Law School Deans) do Equador
promove o apoio judiciário para a população indigente desse país.
A aquisição de poder por via da lei será uma
política desfavorável para alguns. Um exemplo
é a redistribuição de um direito ou benefício na
posse de uma parte interessada para outra e que
reclamam a posse, que é mutuamente exclusiva, de um mesmo recurso escasso tal como
terra fértil ou minérios. Os senhorios, lojistas,
prestamistas e outras elites locais podem ver
uma ameaça no exercício de novos direitos ou
de direitos latentes por pessoas que se encontram privadas dos direitos civis. Os profissionais
liberais podem ter interesse em manter o status
quo da não aquisição de poder por via da lei, tais
como os causídicos que ficam a perder se as leis
forem traduzidas numa linguagem corrente ou se
80
meios menos onerosos de resolução de conflito
forem mais prevalentes. Os governantes podem
esforçar-se por minimizar os conflitos redistributivos expandindo as oportunidades económicas
de modo a que diferentes interesses possam
ser negociados para ir ao encontro das necessidades de todas as partes, mas existe um amplo
potencial de confrontação desde que partes
interessadas mais importantes considerem que
os ganhos dos outros são obtidos às suas custas.
Isto pode estar ligado ao facto de que o retorno
da aquisição de poder por via da lei é futuro e não
imediato.
A
resistência pode advir de funcionários
públicos, funcionários judiciais, e de outros
que interpretam e administram as leis, regimentos e regulamentos. Passes, licenciamentos
comerciais, cálculo de impostos, e similares são
origens de poder e potencialmente de rendimentos ilegais através de subornos, “luvas”
e outros comportamentos de saque ilegal.
Funcionários públicos que obtêm ganhos a partir
desses instrumentos legais podem sabotar a
reforma. Onde for possível, devem ser-lhes dados
incentivos positivos para apoiarem as políticas
de aquisição de poder por via da lei em vez de
resistirem a elas – por exemplo a promoção dos
funcionários públicos, responsabilidades novas
e interessantes, oportunidades de formação ou
outras regalias se ajudarem na implementação
da reforma.
Em vez de tentarem à partida o bloqueio das
reformas, as partes economicamente fortes
podem subtilmente manipulá-las para as bloquear
segundo a sua conveniência – um fenómeno
conhecido como “captura pelas elites”.79 Em
muitos países, por exemplo, especuladores
imobiliários antecipam os programas de registo
fundiário comprando terras aos ocupantes ilegais
a preços mais elevados que os existentes no
mercado informal. Os ocupantes ilegais beneficiam no curto prazo, mas perdem os benefícios
dos programas de registo fundiário, os quais se
vão acumular nas pessoas com os bolsos mais
fundos.80 A libertação parcelar e condicional
de fundos é uma estratégia para contrariar a
problema persistente da captura pelas elites.
É difícil a oposição colectiva pelos pobres, para
garantirem os seus direitos face a esse tipo de
resistências. Mesmo se os potenciais perdedores
da política representarem uma minoria, tais como
os grandes proprietários ou burocratas governamentais, tendem a organizar-se eficazmente para
defenderem os seus interesses instalados. Os
potenciais ganhadores poderão não estar cientes
do que podem auferir e podem correctamente ter
medo das perdas se a mudança não ocorrer rapidamente. É portanto fundamental, a mobilização
de aliados e das partes interessadas apoiantes
e o encontrar de caminhos para gerir os passos
foram apoiados no aumento das respectivas capacidades para providenciarem mais bens e serviços
públicos, incluindo serviços de saúde e instrução,
segurança e estabilidade e um ambiente macroeconómico que estimule o crescimento e o investimento. Isto continua a ser necessário, mas não
é suficiente. Uma distribuição mais equitativa de
oportunidades para a participação dos pobres no
crescimento é uma aspiração, mas mantém-se em
larga medida por cumprir. Isto é o resultado de
configurações estruturais e institucionais que não
funcionaram para a grande maioria das pessoas,
a maior parte das quais teve que se refugiar no
sector informal para sobreviver com dificuldades.
Enquanto esforços meritórios foram feitos e estão
em marcha para melhorar a eficácia da ajuda ao
desenvolvimento, tais como a Declaração de Paris, são lentos a materialiO Pacto Global da ONU
zarem-se no terreno. Uma acção mais
forte de harmonização e alinhamento
Algumas empresas de maiores dimensões e
de objectivos é necessária. A Aid
corporações multinacionais fazem menos oposição
Effectiveness e a Aquisição de Poder
acerca da aquisição de poder por via da lei e por
por Via da Lei pelos Pobres devem-se
vezes poderão mesmo ser aliados desta política. Mais
complementar. Portanto, o programa
de 3.000 empresas em mais de 100 países aderiram
da Aquisição de Poder por Via da Lei
deve ser prosseguido nos fóruns de
ao Pacto Global da ONU, que faz com que se
cooperação para o desenvolvimento
empenhem no apoio de padrões exigentes em áreas
tais como a OCDE-CAD, o Fórum da
tais como os direitos humanos e o trabalho. Amiúde,
Cooperação para o Desenvolvimento
estas empresas dizem que gostariam de lançar
da ONU e nas reuniões anuais das
parcerias com comunidades pobres no mundo em
instituições subscritoras do acordo de
vias de desenvolvimento a fim de criarem modelos
Bretton Woods. O rápido crescimento
de negócios sustentáveis, equitativos e inseridos na
na cooperação Sul-Sul apresenta
oportunidades promissoras e novas
cultura local.
Fontes: ONU 2007 e Hart 2005
arenas para a aquisição de poder por
via da lei.
críticos. O sucesso é ganho com mais segurança
É agora inegável o crescente alcance dos parquando os benefícios que se produzem são menticipantes privados transnacionais, tais como
suráveis e com significado para os beneficiários.
as grandes corporações e a sociedade civil e as
Acção ao Nível Internacional
organizações com base comunitária. Durante
muito tempo, a comunidade internacional falhou
Tanto as estratégias mais recentes como as mais
em reconhecer a verdadeira extensão da sua
antigas de redução da pobreza foram concebidas
influência, particularmente no tocante a normas e
na base do crescimento e desdobramento econópadrões. Cativar os participantes do sector privado
micos ou por via da redistribuição. Os governos
81
Fases no Processo de Aquisição de Poder por Via da Lei
O
ambiente da política num país devia informar a estratégia e concepção da implementação da reforma. A
fim de poder tornar a aquisição de poder por via da lei uma
realidade para os pobres, são necessárias reformas compreensivas. Essas reformas podem ter início na mudança em
algumas áreas políticas e serem sequenciadas e implementadas por fases. As lições aprendidas com a implementação
de outras reformas complexas mostram que as fases genéricas listadas nas caixas de texto que se seguem, são ferramentas especialmente úteis.
A aquisição de poder por via da lei envolve uma combinação
complexa de alterações técnicas, institucionais e políticas.
Os conjuntos de tarefas que se seguem são importantes
– o sequenciamento específico variará conforme o país
e contexto, mas a concepção de cada componente devia
basear-se nos princípios de adaptação às necessidades
do utilizador e disponibilidade de recursos, participação do
utilizador, parcimónia (a menor quantidade de informação e
custos necessário para concluir a tarefa), e simplicidade.
Definição da Agenda: Apoiar a mudança, desenvolver
os assuntos da política e tomar decisões que lançam as
reformas políticas. Os políticos e os grupos de interesse têm
tendência a tomar a liderança nestas actividades, mas raramente serão bem-sucedidos sem a mobilização dos pobres.
Devia ser incluída uma avaliação detalhada dos assuntos
a serem abordados. A análise identificará os problemas de
política, jurídicos e institucionais, assim como falhas nos
recursos, capacidade e ferramentas.
Formulação e legitimação de políticas: Abordar o conteúdo
técnico das medidas das reformas. No entanto, independentemente do conteúdo técnico, as medidas das reformas
necessitam serem aceites e vistas como necessárias e
importantes. Através dos seus representantes, os pobres
deviam ser parte do processo de concepção da reforma. Os
problemas críticos incluem sequenciamento e temporização,
é crucial dado que têm a capacidade para actuar
a um ritmo e escala que nem os governos nem
as agências internacionais podem igualar.81 Mas
tais vantagens têm também riscos associados;
por exemplo o respeito pelos direitos humanos,
económicos e sociais não deve ficar a saque de
ponderações resultantes da obtenção de lucros a
curto prazo.
82
condicionalismos de recursos, estabelecimento de uma
estrutura de monitorização e avaliação, e garantir um equilíbrio entre o processo e os produtos para manter a iniciativa.
Construir a circunscrição: Convencer os beneficiários das
vantagens das reformas e provar que as vantagens a longo
prazo valem os custos a curto prazo. Os problemas-chave
incluem mecanismos de coordenação, adopção de um protocolo ou acordo, esclarecimento das funções e responsabilidades, e acordo num amplo processo para a reforma.
Mobilização de recursos: Garantir o fluxo de recursos adequados, abordando os incentivos e exercendo liderança na
galvanização das circunscrições. É necessário o comprometimento de recursos financeiros, técnicos e humanos.
Concepção de implementação e desenvolvimento da capacidade organizacional: Os reformadores necessitam de criar
e alimentar redes de trabalho e parcerias para cooperação
e coordenação, e acompanhar o desenvolvimento de nossas
aptidões organizacionais e capacidade nos sectores público,
privado e não governamental. Velhos procedimentos, rotinas
de funcionamento e padrões de comunicação são difíceis de
fazer desaparecer; a mudança poderá enfrentar muita resistência de várias sectores. Planear acção e monitorizar o progresso: Estabelecer
sistemas e procedimentos para obter informação de modo
a que a implementação esteja relacionada com a aprendizagem e adaptação, a fim de produzir resultados e ter
impacto. Comprometer as partes interessadas na implementação e os respectivos beneficiários no estabelecimento
de sistemas de monitorização e metodologias, e obter informação. Assim, simplificar-se-á o processo de acompanhar
indicadores previamente identificados. Concentrar debates
de grupo, workshops, e métodos semelhantes pode ser utilizado para garantir a participação.
Do mesmo modo, a esfera de influência da sociedade civil e das organizações de base comunitária
está a crescer. Uma aproximação ao problema
digna do séc. XXI deve reconhecer as larguíssimas
contribuições para a mudança que tais organizações trouxeram. É pouco sensato pensar-se que
a mudança necessária pode ser conseguida sem
estes participantes.
em dignidade e direitos” soa a vazio para alguém
como Margaret no bairro degradado de Kibera.
A aquisição de poder por via da lei pode fazê-la
ressoar mais alto e mais límpida. É tempo para
uma nova abordagem que assenta nas bases
das leis existentes e no amplo apoio aos direitos
humanos dando-lhes significado na vida quotiA Declaração tem sido extraordinariamente bemdiana dos pobres. Com o seu enfoque no trabalho
sucedida. Poucas ideias são agora tão potentes
a partir da base e construindo uma ampla
como as dos direitos humanos. Milhares juntam-se
coligação para a mudança política formatada às
para os exigir, milhões correspondem-se em apoio,
necessidades locais, a aquisição de poder por
alguns arriscam a própria vida por elas e mesmo
via da lei dá um complemento
essencial à abordagem tradicional
Embora não defenda uma ‘Abordagem Maquiavélica’
aos direitos humanos da cúpula
à aquisição de poder por via da lei, os antigos ainda
para a base.
Este ano marca o 60º aniversário da Declaração
Universal dos Direitos do Homem. É uma ocasião
importante e uma oportunidade excepcional para
explorar o potencial do momento para fazer uma
diferença duradoura.
nos podem dar importantes pontos de vista para este
desafio: ‘É necessário ter em conta que não há nada
mais difícil de executar, nem mais duvidoso de ter
sucesso, nem mais perigoso de tratar, do que iniciar
uma ordem nova das coisas. Pois o reformador tem
inimigos em todos aqueles que beneficiam da velha
ordem e apenas defensores pouco empenhados em
todos os que beneficiariam com a nova ordem, este
empenho pouco comprometido que surge em parte
do medo dos respectivos adversários que têm a lei
a favor deles; e em parte da incredulidade da raça
humana que não acredita verdadeiramente em
nada até o ter efectivamente experimentado. Assim,
acontece que em todas as oportunidades para atacar
o reformador, os respectivos oponentes fazem-no com
o zelo dos patriotas, os outros apenas o defendem
com pouco empenho, pelo que entre uns e outros o
reformador corre grande perigo.’
Niccolo Machiavelli
déspotas adulam-nas. Virtualmente todos os
estados sobrescreveram a Declaração, os dois Convénios e a Convenção de Genebra e a maior parte
faz um esforço significativo para as cumprir.
Porém, em muitos aspectos, a promessa dos
direitos humanos não está cumprida. As elegantes
palavras do Artigo 1 da Declaração Universal,
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais
A
Comissão pede às Nações
Unidas e ao sistema multilateral alargado ao nível global,
regional e de país, para considerar
a Aquisição de Poder por Via da Lei
pelos Pobres uma missão central na
próxima década. Longe de substituir
a agenda para os direitos humanos,
pode dar-lhe mais força e promover
avanços que de outro modo não
estariam ao seu alcance. Nem é
um substituto para o programa dos
ODMs e da demanda para erradicar
a pobreza; bem ao contrário,
enriquece esses esforços com ferramentas e abordagens que atacam
fundo as causas estruturais da
pobreza e da exclusão. Um esforço
internacional concertado para atingir
os ODMs juntamente com um
programa dinâmico para um assalto
acelerado contra a pobreza mundial, entre hoje e
2015, bem como para além dessa data.
A Comissão chegou a consenso num conjunto de
recomendações e princípios em que acredita serem
capazes de guiar e inspirar os esforços globais,
regionais e nacionais para o avanço da Aquisição
de Poder por Via da Lei, com um foco importante
na acção localizada, principalmente a nível local e
83
nacional. Pretendemos alcançar o despertar para a
sua importância e mobilizar para a acção governos,
instituições intergovernamentais, o sector privado
e a sociedade civil, mas não podemos – nem
queremos – ditar o que deve ser feito. O sucesso
em políticas públicas passa pela posse plena por
quem as tem em custódia, principalmente governantes e líderes políticos. A aquisição de poder por
via da lei requer uma base alargada, uma abordagem das bases para as cúpulas.
O programa global que a Comissão propõe foca
a construção da posse política e apoio nacional
e local aos processos de reforma, com base
em conhecimento sólido tanto analítico como
empírico. Fazer da aquisição de poder por via
da lei uma prioridade política necessita de uma
estratégia politicamente relevante e inteligente.
Uma coligação de países do Norte e do Sul deve
oferecer-se para defender empenhadamente a
agenda da aquisição de poder por via da lei na
ONU conduzindo depois para o debate e resolução
na 63ª sessão da Assembleia Geral da ONU que se
inicia em Setembro de 2008.
Estabelecer uma arena de “acesso
aberto” sobre a aquisição de poder
por via da lei
A Comissão pede às agências multilaterais,
fundações, movimentos de base e outras organizações da sociedade civil, empresas de informação
e de comunicação e outras entidades do sector
privado, para conjuntamente estabelecerem um
fórum global e uma arena virtual para a Aquisição
de Poder por Via da Lei pelos Pobres. Tal fórum,
modelado nas redes web sociais e profissionais e
nas comunidades virtuais, procuraria ser verdadeiramente acessível e inclusiva, permitindo a
interacção a nível global dos interessados. Deveria
ser estabelecida uma reunião global, a intervalos
definidos, combinando com um grande encontro
num local físico em simultâneo com participação
virtual global, para elevar a consciencialização e
fazer um ponto de situação do progresso atingido a
nível mundial.
84
Desenvolver consensos políticos a
nível regional – Um Pacto Regional
sobre a Aquisição de Poder por Via
da Lei pelos Pobres
A Comissão acredita que as entidades políticas
regionais e sub-regionais (tais como a União
Africana, CEDEAO/ECOWAS, ANSA/ASEAN,
ALCSA/SAFTA; OEA/OAS e o Mercosul) são nucleares para o processo da aquisição de poder por via
da lei. Pedimos a estes vários organismos para iniciarem um diálogo entre os respectivos membros,
utilizando os princípios e recomendações emitidas
pela Comissão como um enquadramento de
referência. Apoio pode ser dado por agências
relevantes da ONU e membros da Comissão com
localização regional numa base de necessidade
e a pedido. A Politica de Proximidade da União
Europeia, que oferece aos vizinhos da UE uma
relação privilegiada, com base num compromisso
mútuo em valores comuns, pode servir como uma
inspiração para tal pacto regional.
Os organismos regionais devem ser incentivados a
desenvolverem os seus próprios resultados:
•Documentos de orientação e de melhorespráticas para os seus membros;
•Documentos mandatórios da política com padrões
e critérios para implementação ao nível nacional;
•Programas de cooperação regional;
•Padrões estatísticos comuns, conjuntos de
indicadores e objectivos.
Estes possivelmente variam de região para região,
mas seriam baseados num consenso alargado
dentro de cada região, construindo a partir dos
direitos universais económicos e sociais. As regiões
poderiam buscar a formulação de um Pacto
Regional para a Aquisição de Poder por Via da Lei
que envolva as principais partes interessadas da
região, comprometendo alguns ou mesmo todos
para os quatro elementos acima indicados.
Dar apoio coerente aos esforços de
aquisição de poder por via da lei ao
nível de país
Alguns países já estão a ensaiar um ordenamento jurídico mais inclusivo que providencia
oportunidades para os pobres e os excluídos. A
Comissão insiste com as agências multilaterais
relevantes e com outros participantes a providenciarem um política mais célere e apoio técnico a
tais iniciativas quando lhes for solicitado. Como
um primeiro passo, as agências multilaterais
devem pôr à discussão os princípios e recomendações deste relatório com o fim de gerar uma
agenda global partilhada da política (permitindo
opiniões diferentes e abordagens dentro de tal
contexto). Uma agenda global coerente da política
pode levar ao estabelecimento de programas de
investimento conjugados com assistência técnica,
baseado num clara atribuição de funções e
responsabilidades. Um processo semelhante pode
ser concebido entre países doadores interessados
e organizações internacionais não governamentais. O processo deve beber das complementaridades dos programas da Aid Effectiveness, Financing for Development e da Aquisição de Poder
por Via da Lei pelos Pobres. As políticas devem
evoluir com o tempo, com base nas experiências
decorrentes da implementação e com as lições
aprendidas.
A
Comissão recomenda que mecanismos
de financiamento sejam estabelecidos
para apoio à política regional e específica de
países e para trabalho de desenvolvimento de
competências. Adicionalmente, critérios claros
de aquisição de poder por via da lei devem
ser introduzidos nos mecanismos apropriados
existentes. Dados os mandatos abrangentes
relativos às políticas de apoio ao desenvolvimento, a Comissão pede ao PNUD e ao Banco
Mundial para desenvolverem propostas concretas
relativas as estes temas, em consulta com outros
departamentos relevantes da ONU – tais como
a ONU-HABITAT, FAO, e OIT – com organismos
da sociedade civil e com doadores bilaterais.
Actividades da Aquisição de Poder por Via da Lei
I
mplementar reformas legais através da aquisição de poder
por via da lei utilizando tal abordagem faseada, requer
uma variedade de acções diferentes e medidas políticas. As
actividades concretas que se seguem estão entre elas:
Mobilizar as partes interessadas: Assim que as principais
partes interessadas tenham sido identificadas, as mais
importantes necessitam de serem juntas para acordarem
um processo e um conjunto de princípios-guia para a agenda
de aquisição de poder por via da lei. Os problemas-chave
incluem o estabelecimento de mecanismos de coordenação,
adopção de um protocolo ou acordo, esclarecimento das
funções e responsabilidades, e acordo num amplo processo
para a reforma.
Diagnóstico da aquisição de poder por via da lei: Com
base na análise inicial do ambiente e na análise contextual,
deverá ser efectuada uma avaliação pormenorizada. Este
diagnóstico deve centrar-se tanto nas instituições formais
como informais, na maneira como trabalham e nas respectivas interacções. A análise identificará os assuntos de
política, jurídicos e institucionais, assim como falhas nos
recursos, capacidade e ferramentas.
Planear a acção: Exige o desenvolvimento de um marco,
objectivos, estratégias e intervenções específicas que contribuirão para os objectivos da aquisição de poder por via da
lei. Os problemas críticos incluem sequenciamento e temporização, condicionalismos de recursos, estabelecimento
de uma estrutura de monitorização e avaliação, e garantir
um equilíbrio entre o processo e os produtos para manter
a iniciativa.
Actividades piloto: Devem ser construídas em volta da ideia
de ‘ganhos rápidos’ em áreas onde sejam exequíveis. Desta
maneira é possível provar algum sucesso inicial e construir a
credibilidade da agenda da aquisição de poder por via da lei.
Concertação: Expandir o leque de actividades e aceitar
desafios mais complicados, será suportado pelo aumento
da consciencialização de sucessos anteriores, sensibilização
adicional, e reforço do processo de consulta.
Institucionalizar a mudança e o processo de mudança:
Avançar algumas das reformas fundamentais, construindo
sobre as experiências na fase piloto e fase de concertação
para reformar as organizações e regras que moldam o
contexto institucional.
85
O PNUD e o Banco Mundial desenvolverão
propostas nas quais incentivarão, através de um
processo de auto candidatura, um conjunto de
países piloto. A Comissão pede ao PNUD para
estabelecer e liderar uma comissão de direcção
ou um “grupo de apoiantes” para garantir a mais
ampla tomada de responsabilidade e seguimento
da agenda da aquisição de poder por via da lei.
Os participantes internacionais também precisam
de apoiar a acumulação de saber e aquisição de
conhecimentos ao nível global, com base nas
experiências decorrentes da implementação e das
avaliações de resultados e impactes. Um componente importante são os programas de troca
entre pares, que devem ocorrer transversalmente
ao conjunto de países que buscam a aquisição
de poder por via da lei. De modo a construir
um portfólio de características partilhadas e de
oportunidades para comparação e troca, tais
iniciativas têm de cumprir determinados critérios
de elegibilidade.
A Comissão incentiva a criação de pequenos
núcleos de secretariado para a coordenação e a
gestão do conhecimento, as serem acolhidos pelo
PNUD. A inclusão de um vasto conjunto de participantes será facilitada através da criação de uma
rede de conhecimento ou de uma comunidade de
práticos. A política global e a agenda do programa
de implementação para a aquisição de poder por
via da lei devem ser cada vez mais inspirados e
guiados pelos processos políticos regionais como
os acima descritos, bem como por iniciativas e
avanços ao nível dos países.
Providenciar uma reflexão
sustentada sobre a aquisição de
poder por via da lei
Nuclear ao progresso humano, e embebido nas
mais duradouras preocupações da humanidade,
a aquisição de poder por via da lei precisa não
só de pessoas que exerçam essa reflexão mas
também do conhecimento institucionalizado.
Nos níveis escolares mais básicos, os programas
escolares que iniciam as crianças nos rudimentos
86
de vida cívica e dos direitos humanos, sustentarão
a sensibilidade infantil relativa a elas próprias e a
cidadania futura. Ao nível internacional e universitário, os programas, ensino e redes de investigação sobre desenvolvimento precisam de manter
a vivência intelectual da aquisição de poder por
via da lei e abrir a mentes dos futuros governantes. Mas isto não é uma actividade corrente,
mas sim uma outra especialização. A academia
profissionalizada é propensa à dispersão e um
conceito misto tal como é o da aquisição de poder
por via da lei, deve ser uma pequena componente do processo de união das partes e para as
universidades, o recapturar das suas opiniões no
domínio público. Para isto, tanto fundos como
mentes serão necessárias.
Criação de mecanismos inovadores
para apoio à aquisição de poder por
via da lei
U
m conjunto de instrumentos globais deve
ser criado, partindo das iniciativas normativas até à colaboração operacional e partilha
de conhecimento. Tais iniciativas precisam de
reflectir a natureza política das iniciativas da
aquisição de poder por via da lei a alimentar
a posse genuína. Em vez da criação de novas
instituições ou estruturas, estes instrumentos
devem ser acolhidos pelas organizações existentes. As iniciativas normativas globais devem
ser sequenciadas relativamente aos processos
políticos regionais e aos esforços reformadores
levados a cabo pelos países e serem directamente inspiradas por esses resultados, de modo
a que qualquer envolvente normativa deva estar
firmemente ancorada em experiências e políticas
regionais correntes.
a) D
efinição de Normas através do Pacto de
Aquisição de Poder por Via da Lei.
Enquanto os direitos do trabalho foram, de certa
forma, claramente consagrados nos acordos e
convenções internacionais através da OIT, os
direitos de propriedade, os direitos de negociar
e o acesso à justiça nunca foram enunciados
em pormenor para além de meras referências ou
princípios. A Comissão recomenda que seja dado
início a um diálogo alargado sobre a envolvente
dos direitos humanos na aquisição de poder por
via da lei. Um resultado final poderia ser um
Pacto de Aquisição de Poder por Via da Lei, idealmente baseado em pactos regionais como é acima
descrito. Tal pacto deveria ter uma compreensão
ampla, tornando claro para o leitor médio que
os direitos centrais da aquisição de poder por
via da lei são direitos humanos tão importantes
como a liberdade de expressão, o direito ao voto
e outros direitos básicos. Tal pacto definiria os
princípios centrais que os países subscreveriam e
daria linhas de orientação sobre a maneira como
deveriam ser postos em prática. Adicionalmente
a um Pacto ou como alternativa, uma Declaração
de Aquisição de Poder por Via da Lei poderia ser
preparada para análise pela Assembleia Geral
da ONU. Contudo, a Comissão recomenda que
tal declaração seja posposta tendo por base as
experiências decorrentes da implementação das
iniciativas ao nível nacional, regional e global
como indicado neste capítulo de modo a garantir
apoio e adesão políticas.
b) Defensores dos Pobres
A nomeação de “Defensores dos Pobres” pode
lançar sinais fortes às pessoas pobres em todo
o mundo sinalizando que as suas preocupações
sobre a aquisição de poder por via da lei podem
ser ouvidas. Podia ajudar a ligar os níveis globais
aos locais num modo de acção direccionado.
Ao nível local ou nacional, os “Defensores do
Pobres” poderiam ter um papel importante em
dar voz às pessoas pobres e apoiarem a respectiva
aquisição de poder por via da lei. A comunidade
internacional poderia tomar a decisão de que tais
Defensores dos Pobres estariam incluídos sob
o conceito de defensores dos direitos humanos,
como pormenorizado na Declaração sobre
Direitos e Responsabilidades Individuais, Grupos
e Organismos da Sociedade para a Promoção e
Protecção de Direitos Humanos Universalmente
Reconhecidos e Liberdades Fundamentais.82
Isto mostraria um compromisso muito forte da
comunidade internacional em apoio dos Defen-
sores do Pobres e por outro lado protegê-los-ia
das violações dos direitos humanos. Mas também,
ao nível Global, poderiam existir Defensores dos
Pobres. Seriam funções honoríficas sem autoridade formal e sem outras tarefas que não as de
chamar a atenção para a causa dos pobres e a
perspectiva que oferece a aquisição de poder por
via da lei para o melhoramento das suas vidas. Os
Defensores Globais dos Pobres poderiam trabalhar
a pedido de organizações de pessoas pobres para
a inserção de questões pertinentes nas agendas
políticas nacionais ou internacionais, e apoiarem
e publicitarem as soluções para problemas e
obstáculos que as pessoas pobres encontram nas
áreas do direito à propriedade, trabalho e direito
de negociar. O processo teria como objectivo
identificar e construir sobre as iniciativas locais
e encontrar soluções inovadoras. Inicialmente,
alguns membros da Comissão poder-lhes-ia ser
pedido para servirem como defensores globais dos
pobres.
c) C
entro coordenador de conhecimento sobre a
aquisição de poder por via da lei
A uma instituição poder-se-ia conferir o mandato
de estabelecer um centro coordenador para o
conhecimento e experiências adquiridas, com
total disponibilidade para todas as partes interessadas. Este centro coordenador obteria conteúdos
a partir da investigação sobre políticas, relatórios
de projecto e outras peças relevantes. Ligações
com redes académicas existentes ou a criar sobre
a aquisição de poder por via da lei deveriam
promover a investigação académica e planear em
conjunto os programas de investigação.
d) Parcerias público privadas para a aquisição de
poder por via da lei
Reconhecendo as complexidades da reforma e o
amplo leque de funções e serviços que estariam
envolvidos, a Comissão recomenda que parcerias
imaginativas público privadas sejam estabelecidas tanto ao nível global como regional. Estas
congregariam entidades com recursos importantes
e competências para apoio a governos e outros
participantes nos esforços destes em promoverem
87
Tácticas para Defensores e Agentes de Mudança
P
ara ser bem sucedido na implementação de reformas de
aquisição de poder por via da lei, os agentes de mudança
têm de ser mobilizados e capazes de ter ideias criativas sobre
o modo como disponibilizar as políticas, torná-las financeiramente possíveis e aceitáveis no contexto específico em que
trabalham. As opções estratégicas e considerações tácticas
que se seguem poderão ajudar a atingir esse marco:
Encontrar o seu próprio percurso: Existe uma base rica de
experiência internacional comparativa, mas não há fórmulas
feitas para conseguir a aquisição de poder por via da lei.
Soluções correctas para um determinado contexto podem ser
completamente erradas para outro.
Pensar sistemicamente, agir de forma incremental: A
aquisição de poder por via da lei exige mudanças sistémicas
– abordagens tipo big bang são raras e amiúde perdem a
força quando implementadas.
Pensar a longo prazo, avançar aos poucos: Justiça,
trabalho e problemas fundiários são complicados e não se
prestam facilmente a uma abordagem tradicional de projectos a três anos. No entanto, as reformas têm de disponibilizar melhorias tangíveis com bastante celeridade para
manter a iniciativa para a aquisição de poder por via da lei.
Apoiar associações de pobres, mas não comprometer a
respectiva independência: O perigo está em que, ajudar
estes grupos, pode fazer com que fiquem mais responsáveis
perante a agência de financiamento externa do que perante
a sua participação na associação.
Dedicar recursos para apoiar processos de participação e
coordenação: Enquanto muitas vezes as soluções técnicas
atraem interesse suficiente por parte de dadores e governos,
a aquisição de poder por via da lei. Tais parcerias poderiam englobar agências multilaterais,
instituições financeiras, entidades envolvidas em
sistemas de cadastro geográfico, prestadores de
serviços jurídicos, organizações comunitárias e da
sociedade civil, fundações e outros.
e) Empresas a promoverem programas de
aquisição de poder por via da lei
Cada vez mais as empresas influenciam as
normas e os padrões adoptados e consequentemente têm um importante papel na promoção dos
88
a capacidade de desenvolvimento para mecanismos de participação e coordenação é muitas vezes subavaliada e por
isso sub-financiada.
Dar suporte remoto eficaz: Sem uma campanha de
promoção dedicada, os beneficiários não podem tirar
partido das reformas.
Dar acesso à informação: O acesso à informação ajuda as
pessoas a compreenderem melhor e a avançarem para os
seus direitos, por exemplo na garantia de títulos de posse ou
na abordagem da descriminação no trabalho.
Utilizar linguagem simples e local: Um dos elementos-chave
para o controlo nacional da reforma é a linguagem: diálogo,
debate, e partilha de informação têm de ser conduzidos nos
idiomas locais, e os documentos legais desmistificados
reproduzindo-os em termos correntes.
Trabalhar com para-profissionais: Há muitas oportunidades
para criar uma nova geração de para-profissionais com
formação e possivelmente certificados para darem resposta
aos requisitos do serviço diário dos pobres. Os para-profissionais não necessitam de ter os estudos avançados dos
actuais profissionais, que amiúde são inadequadamente
organizados, dispendiosos e incluem assuntos de interesse
limitado para o possível cliente base.
Prestação de serviço em grupo: Esta é uma estratégia
pouco custosa para prestação de benefícios tangíveis aos
pobres. Um exemplo é o fornecimento de bilhetes de identidade com programas de vacinação.
Ser flexível. Aproveitar as vantagens tácticas das oportunidades conforme estas surgem e não ficar constrangido por
um calendário programado de serviços.
programas da aquisição de poder por via da lei. O
Pacto Global da ONU, sendo a maior iniciativa do
mundo em congregar as empresas transnacionais
e a sociedade civil, pode ter um papel nuclear
na construção do apoio a partir do mundo dos
negócios, para se obter uma mudança sistémica
na aquisição de poder por via da lei.
f) Iniciativa para promover o conhecimento das
bases e a inovação social
A Comissão recomenda que uma iniciativa a
nível global seja lançada para apoiar a promoção
de conhecimento das bases e a expansão da
informação sobre inovações na área da aquisição de poder por via da lei. Tal iniciativa deve
ter um alcance alargado a um amplo conjunto
de organizações e redes nas quais as pessoas
pobres tomem parte, desde instituições religiosas
a associações de agricultores a redes de apoio
feminino. O reconhecimento poderia vir sob várias
formas, tais como prémios, publicações, fundos
e apoio técnico. Isto pode estar ligado à iniciativa
proposta da Global Open Access Arena para a
Aquisição de Poder por Via da Lei.
g) Observar um Dia Internacional sobre a Aquisição de Poder por Via da Lei pelos Pobres
Um dia especial sobre a Aquisição de Poder por
Via da Lei podia ser introduzido no Calendário
anual da ONU dos dias especiais a comemorar.
Serviria para promover a Aquisição de Poder por
Via da Lei, a nível mundial, enfatizando, em cada
ano, os direitos essenciais da aquisição de poder
por via da lei. Adicionalmente, poderia sublinhar
em particular um tema que fosse próximo da
aquisição de poder por via da lei.
Os que buscam a aquisição de poder por via da lei
pelos pobres e pelas comunidades terão a sempre
presente admiração e apoio desta Comissão e a
de um número diariamente crescente de pessoas
e instituições que, após escutarem as opiniões
emitidas neste relatório, passam a partilhar
delas. Mas muito mais importante, é o facto de
ganharem a admiração daqueles cujas vidas são
tocadas por eles e terem a satisfação de ajudar a
garantir, no meio de um sem número de alternativas desesperadas, um futuro humano mais
sorridente.
89
Notas Finais
5
DFID Press Release, 18 de Junho de 2007 (http://www.dfid.
gov.uk/News/files/pressreleases/bank-billion-benefit.asp).
Em estudos conduzidos no terreno desde 1998 em 20 países a
pedido dos governos da Guatemala, Bolívia, Panamá, Honduras,
Argentina, México, Haiti, República Dominicana, El Salvador,
Equador, Colômbia, Peru, Tanzânia, Egipto, Albânia, Filipinas,
Etiópia, Geórgia, Gana e Paquistão, o Instituto para a Liberdade
e Democracia (ILD) estimou em baixa que entre 70 a 90 por cento
das populações rurais e urbanas vivem fora do enquadramento
legal dos respectivos países. Aplicando estes resultados às 179
nações em desenvolvimento e às repúblicas da ex União Soviética,
de acordo com o grau de envolvimento da respectiva estrutura
institucional, foi calculado que 85 por cento da população vivia
em zonas à margem do enquadramento legal. Estimando uma
população de 4,9 mil milhões de pessoas nesses 179 países,
conclui-se que 4,1 mil milhões vivem em zonas à margem do
enquadramento legal.
6
“Direitos de Comerciar” ainda não necessita de ser um
novo termo jurídico, mas antes é resultante de direitos individuais
que bebem do direito consuetudinário escrito, agora agregados a
este termo na base da instrumentalidade vital desse processo na
subsistência dos pobres.
7
WDI 2007
Estudos feitos por um conjunto de outras organizações
confirmam este número. A Organização Mundial do Trabalho, na
edição de 2002 dos Key Indicators of the Labour Market estimou
que “mais de 70 por cento da população activa nos países em
desenvolvimento opera na economia informal.”. Levando em
conta os dependentes destes trabalhadores, significa que pelo
menos 4,3 mil milhões de pessoas nesses países se apoiam em
actividades informais para a sua subsistência diária. O Instituto
do Banco Mundial (WBI), utilizando definições convencionais de
subemprego e pobreza, encontrou estimativas semelhantes. O
WBI organizou o programa “Inclusive and Sustainable Business:
Opening Markets to the Poor”, com o objectivo de apoiar estratégias concebidas por executivos do sector privado e líderes do
sector público para criarem oportunidades “para os quatro mil
milhões de pobres do mundo.”.
11
Stern, Dethier, e Rogers: Growth and Empowerment Making Development Happen, MIT Press, 2005
A estimativa do ILD tornou-se num padrão internacional,
como é exemplo, um estudo apoiado pelo Banco Interamericano
de Desenvolvimento, a Sociedade Financeira Internacional (IFC), o
Grupo Banco Mundial, a Microsoft e a Fundação Shell bem como
o livro que se seguiu The Next 4 Billion: Market Size and Business
Strategy at the Base of the Pyramid (Março de 2007) por A.
Hammond.
90
8
The Millennium Development Goals Report 2007, ONU,
2007.
9
Banco Mundial: Economic Growth in the 1990s: Learning
from a Decade of Reform, 2005.
10
North, D.C., Institutions, Institutional Change and
Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press,
1990.
12
Harmonising Donor Practices for Effective Aid Delivery
Volume 2; DAC Guidelines and Reference Series; OECD-DAC 2006
(http://www.oecd.org/dataoecd/53/7/34583142.pdf).
13
Thomas Carothers, Promoting the Rule of Law Abroad:
The Problem of Knowledge, Carnegie Endowment Working Paper
No. 34, Rule of Law Series, Democracy and Rule of Law Project, 3.
Washington, D.C.: Carnegie Endowment for International Peace,
Janeiro de 2003.
14
De acordo com os WDI 2007, existiam 985 milhões de
pessoas a viver em extrema pobreza, i.e. a viver com menos de um
USD por dia em 2004. Cerca de 500 milhões dos quais sobreviviam com menos de um USD por dia mas que apesar das longas
horas de trabalho árduo, em condições muitas vezes inimagináveis, não podem escapar à pobreza. OIT, World Employment Report
2004-05; ILO, Working out of Poverty, 2003.
15
De acordo com os WDI 2007, uma estimativa de 2,6
mil milhões de pessoas, quase metade de toda a população do
mundo em desenvolvimento, continuavam a viver abaixo do nível
de pobreza de dois USD por dia.
2
“Direitos de Comerciar” ainda não necessita de ser um
novo termo jurídico, mas antes é resultante de direitos existentes
relacionados com a prossecução de negócio a nível individual,
agora agregado a este termo na base da instrumentalidade vital
desse processo na subsistência dos pobres.
3
Schneider, Friedrich. “Shadow Economies and Corruption
all over the World: New Estimates for 145 Countries”, Julho de
2007, publicado em: Economics, The Open-Access, Open-Assessment E-Journal, No. 2007-9. Disponível em http://www.econ.jku.
at/Schneider/publik.html
16
4
As populações rurais e de baixos recursos têm muitas vezes
dificuldades em aceder aos bancos comerciais. Podem ser analfabetos, a agência local do banco pode ser muito distante e os custos
dos serviços bancários e a imposição de saldos em conta podem ser
excessivos. Uma estimativa indica que dois mil milhões de pessoas
não têm acesso a serviços financeiros básicos. Números baseados
no DFID Press Release, 18 de Junho de 2007 (http://www.dfid.gov.
uk/News/files/pressreleases/bank-billion-benefit.asp).
20
Artigo 17, The Universal Declaration of Human Rights, UN
Doc. G.A. res. 217A (III), U.N. Doc A/810 em 71 (1948).
Consultar nota de rodapé 1.
17
Muhammad Yunus: “Yunus takes microfinance to New
York”, Financial Times, 15 de Fevereiro de 2008
18
World Bank (2007) Informality: Exit and Exclusion.
19
“Direitos de Comerciar” não necessita de ser um novo
termo jurídico, mas antes resultante de direitos existentesrelacionados com a prossecução de negócio a nível individual, agora
agregado a este termo na base da da instrumentalidade vital
desse processo na subsistência dos pobres.
21
A Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos
Humanos e Liberdades Fundamentais, (ETS No. 5), 213 U.N.T.S.
222, entrou em vigor a 3 de Setembro de 1953, Protocolo I sobre
a imposição de alguns direitos e liberdades não incluídos no
Capítulo I da Convenção, 20 de Março de 1952.
22
Artigo 21, American Convention on Human Rights, O.A.S.
Treaty Series No. 36, 1144 U.N.T.S. 123 entrou em vigor em 18 de
Julho de 1978, em: Basic Documents Pertaining to Human Rights
in the Inter-American System, OEA/Ser.L.V/II.82 doc.6 rev.1 at 25
(1992).
36
OIT, Women and Men in the Informal Economy: A Statistical Picture, 2002
23
Artigo 14, African [Banjul] Charter on Human and Peoples’
Rights, adoptado a 27 de Junho de 1981, OAU Doc. CAB/LEG/67/3
rev. 5, 21 I.L.M. 58 (1982), entrou em vigor a 21 de Outubro de
1986.
24
Economic and Social Council, Commission on Human
Rights, Sub-Commission on the Promotion and Protection of
Human Rights, 56th session, Economic, Social and Cultural Rights.
“Housing and property restitution in the context of the return of
refugees and internally displaced persons”. Relatório final do
Relator Especial, Paulo Sérgio Pinheiro. E/CN.4/Sub.2/2005/1 28
de Junho de 2005. Consultar Artºs. 7; 15.
25
Disponível em http://www.everyhumanhasrights.org/
read_it/ (25 de Janeiro de 2008). Consultar em especial os Artºs.
2, 6, 7, 8, 17, 20, 23.
26
UNICEF. 2005. The “Rights” Start to Life: A Statistical
Analysis of Birth Registration, disponível em http://www.childinfo.
org/areas/birthregistration/docs/Full%20text%20English.pdf. (23
de Janeiro de 2008)
27
Barendrecht, Maurits, Mulder, José and Giesen, Ivo, “How
to Measure the Price and Quality of Access to Justice?” (Novembro
de 2006). http://ssrn.com/abstract=949209
28
Disponível em http://www.hrdc.net/sahrdc/hrfeatures/HRF154.htm and http://www.icj.org/news.php3?id_
article=2684&lang=en
29
Disponível em http://allafrica.com/stories/200710021003.
html and http://allafrica.com/stories/200708071187.html
30
American Bar Association, “Judicial Reform Index for the
Philippines”, Março de 2006. Disponível em http://www.abanet.
org/rol/publications/philippines_jri_2006.pdf
31
Os cinco países foram a Domínica, Granada, Samoa,
Santa Lúcia e São Vicente e as Granadinas, todas ilhas muito
pequenas. Dos 76 países analisados pela CPIA, apenas Samoa
pontuou um agregado de 4 pontos no máximo de 6 do total dos 16
indicadores de governação. 2005 IDA Resource Allocation Index,
disponível em www.worldbank.org
32
Banco Mundial, CPIA 2005 Assessment Questionnaire: 33,
disponível em www.worldbank.org
33
Disponível em http://www.ild.org.pe/en/whatwedo/diagnostics
34
As condições são especialmente graves em África, no
Médio Oriente e no Sul da Ásia. Consultar Banco Mundial, Water
Resources Sector Strategy: Strategic Directions for World Bank
Engagement. Banco Mundial, Washington D.C. (2003) p. 1
35
Disponível em at http://www.icrw.org/. Também consultar
FAO 1999. “Women’s right to land and natural resources: some
implications for a human rights based approach”. SD Dimensions.
Disponível em: FAO: http://www.fao.org/sd/LTdirect/LTan0025.htm
(23 de Janeiro de 2008).
37
OIT, Resolução da 90ª Sessão da Conferência Geral, 2002
38
OIT: Working out of Poverty, 2003
39
Chen et al. 2005.
40
OIT, Women and Men in the Informal Economy: A Statistical Picture, 2002
41
ibid.
42
A economia informal de 96 países em desenvolvimento
é responsável por 37 por cento da economia ou do PIB oficial.
(Schneider, Friedrich. “Shadow Economies and Corruption all
over the World: New Estimates for 145 Countries”, Julho de 2007,
publicado em: Economics, The Open-Access, Open-Assessment
E-Journal, No. 2007-9. Disponível em http://www.econ.jku.at/
Schneider/publik.html
A economia informal produz 27 por cento da produção não
agrícola no Norte de África, 29 por cento na América Latina e 31
por cento na África sub Saariana e na Ásia. Na Tailândia e na
Nigéria excede 70 por cento da economia. (OIT, Women and Men in
the Informal Economy: A Statistical Picture, 2002).
43
WRI Report 2005.
44
Boudreaux 2007.
45
HDR 2007/2008.
46
HDR 2007/2008. P Gutman “From Goodwill to Payments
for Environmental Services: A Survey of Financing Options
for Sustainable Natural Resource Management in Developing
Countries 2004.”
47
“Renda económica” é uma mais-valia que não existiria
numa economia de mercado competitiva. O comportamento de
“Busca de renda” refere-se aos esforços para que o governo
gere rendas económicas, as quais poderiam ser absorvidas pelo
sector privado a expensas da sociedade para obtenção de maisvalias como resultado das ineficiências que criam.
48
De Soto, Hernando. 1989. The Other Path (New York:
Basic Books).
49
Morton H. Halperin, Joseph T. Siegle, Michael M. Weinstein, “The Democracy Advantage: How Democracies Promote
Prosperity and Peace”. Routledge, 2005.
50
Journal of Democracy, Julho de 2007, Volume 18,
Número 3 (o qual é dedicado a este debate e oferece um resumo
incluindo Snyder, Carothers, e Fukuyama).
51
Latin America: The Search for Good Jobs, Newsweek, 23
de Outubro de 2007.
52
Dani Rodrik in Goodbye, Washington Consensus,
Hello, Washington Confusion, Harvard, 2006 com referência
a Acemoglu, Johnson, and Robinson, “The Colonial Origins of
Comparative Development”, American Economic Review, 2001.
53
2006 World Development Report: Equity and Development, Setembro de 2005.
91
54
Danielle Resnick and Regina Birner, Does Good Governance Contribute to Pro-poor Growth? A Conceptual Framework
and Empirical Evidence from Cross-Country Studies, 2005.
55
World Development Indicators 2007.
56
Banco Mundial: World Development Report 2005. A
Better Investment Climate for Everyone. p.79.
57
Op. Cit. pp. 80-81.
58
Op. Cit. p. 80.
59
Galiani, Sebastián y Ernesto Schargrodsky. Property
Rights for the Poor: Effects of Land Titling. En: Disponível em
http://economics.uchicago.edu/pdf/Galiani_022706.pdf.
60
Field, Erica. Property Rights and Investment in Urban
Slums. Disponível em http://www.economics.harvard.edu/
faculty/field/papers/FieldinvestJEEA.pdf.
61
Field, Erica. “Entitled to Work: Urban Property Rights and
Labour Supply in Peru”, pág. 24.
62
Ibid.
63
Place and Hazell 1993; Bruce and Migot-Adholla 1994;
Harrison 1990; Mighot-Adholla et al. 1994a; Collier and Gunning
1999.
64
Article I of the Declaration of Philadelphia, 1944, Annex
to the Constitution, Convention of the International Labour
Organisation.
65
Consultar Report of Working Group 3 no Capítulo 3 do
Volume II.
66
Resolução sobre trabalho digno na economia informal,
OIT, 2002.
67
O termo “para-jurídico” pode ser de algum modo
enganador dado que sugere um assistente que executa tarefas
de natureza jurídico-legal. Os para-jurídicos enquadrados em
programas existentes em muitos países em desenvolvimento
podem ser vistos como activistas comunitários que para além
de terem uma sólida formação jurídica, estão também familiarizados com as normas e práticas das comunidades locais e têm
competência para dar conselho em apoio judicial e irem mais
além do que apenas o conselho jurídico no sentido estrito do
termo.
68
Casos provados em Angola, Brasil, Colômbia e outros
países da América Latina, Hungria, Índia e África do Sul que
mostram como pode ser feito estão documentados em Courts
and Social Transformation in New Democracies: An Institutional
Voice for the Poor? Eds. Roberto Gargella, Pilar Domingo, e
Theunis Roux, Ashgate: Reino Unido, 2007.
69
Brustinow 2006.
70
Documento Final, parágrafo 47. Cimeira Mundial da
ONU, Nova Iorque, Setembro de 2005; ECOSOC Documento
Ministerial sobre a Criação de um ambiente que conduza a
emprego produtivo e trabalho digno, Genebra, Julho de 2006;
71
Consultar também Convention 156, Workers with Family
Responsibilities.
72
92
Nº. 177, 1966.
73
ILD artigo sobre Legal Tools to Empower Informal Businesses, apresentado ao WG4. 2006.
74
USAID, Removing Barriers to Formalization: The Case for
Reform and Emerging Best Practice, 2005.
75
Estes acordos internacionais incluem a Declaração
Universal dos Direitos do Homem (UDHR), o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos (ICCPR) e o Pacto Internacional dos
Direitos Económicos e Sociais (ICESR), Declaração da OIT sobre
Princípios e Direitos Fundamentais no trabalho incluindo convenções essenciais sobre liberdade de associação e de negociação
colectiva bem como a proibição de trabalho forçado, a eliminação
do trabalho infantil e a não discriminação na promoção da
igualdade de oportunidades e tratamento bem como a Convenção
dos Povo Indígenas e Tribais, 1989 (Convenção OIT Nº. 169).
Adicionalmente, existe um direito que é reconhecido internacionalmente “Direito a Habitação Digna”, o qual inclui a segurança
da posse como uma das suas seis componentes.
76
A lista completa dos grupos de trabalho está disponível
no Volume II deste relatório.
77
Cotula 2007.
78
Duas abordagens úteis para analisar os interesses das
partes interessadas no desenvolvimento sãos os impulsionadores
da mudança DFIDs, disponíveis em http://www.gsdrc.org/go/
topic-guides/drivers-of-change, e a análise sobre o poder feita
pela Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (SIDA) disponível em http://www.sida.se/sida/jsp/sida.
jsp?d=118&a=24300&language=en_US.
79
Decker 2005.
80
Platteau 2004.
81
Relatório interino do Enviado Especial do Secretário-geral
sobre o problema dos direitos humanos e as corporações transnacionais e outras grandes empresas, E/CN.4/2006/97.
82
Resolução da Assembleia Geral; A/RES/53/144.
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