POLÍTICA NA INTERNET E CONTROLE DIGITAL

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POLÍTICA NA INTERNET E CONTROLE DIGITAL
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Esta obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional
ISSN 2175-9596
RASTREAMENTO E VISUALIZAÇÃO DE REDES SOCIAIS:
INVESTIGANDO REDES INDIRETAS A PARTIR DE DADOS
GEORREFERENCIAIS
Tracking and visualization of social networks: Investigating indirect networks from
georeferential data
Paulo Victor Sousa a
Pablo Vieira Florentino b
(a)
UFBA, Salvador, Bahia – Brasil, e-mail: [email protected].
(b)
UFBA, Salvador, Bahia – Brasil, e-mail: [email protected]
Resumo
As redes sociais baseadas em localização são cada vez mais comuns e populares. Os rastros digitais
deixados nestas redes trazem informações locativas que podem ser modeladas em formato de redes
sociais. Este trabalho busca utilizar dados amostrais de uma destas redes para mostrar como outras redes
podem ser geradas, permitindo outras leituras sobre os relacionamentos indiretos que se formam a partir
das práticas no espaço urbano. Estas redes podem revelar práticas e relações não explícitas entre seus
usuários .
Palavras-chave: análise de redes sociais, dados georreferenciais, rastreamento.
Abstract
Location Based Social Networks are becoming more common and popular. The digital traces
left in such networks have locative information which can be modeled in social networks
formats. This work aims using amostral data from one of such networks to explain how other
networks can be generated, allowing different kinds of interpretation about indirect relations
formed along practices in urban space. These networks may reveal non explicit practices and
relations among their users.
Keywords: social network analysis, georreferential data, tracking.
3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios. 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil, p. 101117. ISSN 2175-9596
SOBRENOME, Inicial.
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INTRODUÇÃO
Sites de redes sociais são definidos como ambientes eletrônicos em que as pessoas, a partir de um
perfil individual, podem tecer articulações entre si, além de visualizar as conexões de outros
membros daquele site (Boyd e Ellisson, 2008). Compreendidas como espaços eletrônicos
(semi)públicos, redes como Twitter e Facebook têm sido objetos de investigação científica
quanto ao que diz respeito a conversações, interações, intercâmbio de mídias, modos de
apresentação individual, dentre outras abordagens. Mais possibilidades de pesquisa situam-se
alinhadas a um processo composto por coleta, manipulação, visualização e análise de dados
extraídos desses ambientes, compondo um banco de dados difuso de rastros digitais. Por meio de
APIs (Application Program Interface)1 e softwares de monitoramento e análise de redes sociais, é
possível realizar extrações e interpretações sobre os dados de alguns desses ambientes
eletrônicos. Essas técnicas compõem os procedimentos para aplicação de técnicas de Análise de
Redes Sociais (ARS), que permitem diferentes formas de investigar, visualizar e quantificar as
relações e os elementos que compõem uma rede a partir de medidas estatísticas, tomando por
base justamente essas relações e ligações entre os usuários que formam as redes analisadas
(Wasserman e Faust, 1994). Com estas medidas, é possível categorizar as redes e inferir sobre
sua estrutura e comportamento.
Além dos elos interpessoais, pode-se compreender os conteúdos diversos (textos, imagens,
vídeos) e as formas de interação como elementos de ação que deixam rastros nas redes digitais.
Por essa ótica, os rastros digitais são variados e correspondem a informações e práticas dos
usuários, sendo alguns disponibilizados publicamente e outros tendo natureza privativa (ou
semiprivativa, uma vez que alguns serviços podem oferecer opções de seleção em torno da
visibilidade do conteúdo). A partir do tratamento e da modelagem desses dados, é possível
visualizar manifestações dos usuários desses serviços bem como fazer inferências diversas sobre
eles: que elementos identitários carregam, o que publicam, que palavras-chave utilizam, quais
seus posicionamentos sobre determinadas controvérsias, com quais outros usuários interagem ou
ainda como se articulam em rede para consumir e repassar notícias ou demais atualizações de
1
Application Program Interface: são conjuntos de programas e bibliotecas que facilitam a programação para obter acesso a
determinados recursos computacionais, como por exemplo, os dados de uma rede social digital.
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status. A análise em torno das ações e das relações em rede traz como resultados possíveis a
visualização de conversações e narrativas geradas a partir do uso de palavras-chave (Malini,
2010) ou ainda a mensuração e qualificação de aspectos diversos das redes formadas ao redor de
hashtags no Twitter (Recuero, 2014).
São poucas e recentes, contudo, investigações que lidem com redes sociais e dados
georreferenciais - que, em poucas palavras, atribuem às publicações uma localização geográfica
relacionada a um determinado instante utilizando um software social. Podemos destacar
iniciativas como as de Cranshaw, Schwartz, Hong e Sadeh (2012), que buscam visualizar a
complexidade da vida urbana tendo por base os rastros deixados em redes sociais baseadas na
localização; Bastos, Recuero e Zago (2014), que exploram a localização geográfica de tweets
durante protestos realizados no Brasil no ano de 2013; Silva, Melo, Almeida e Loureiro (2013),
que realizam um sensoriamento de fotografias no Instagram em relação às suas marcações
geográficas; Nabian, Ratti, Offenhuber e Vanky (2013), que exploram modos de produção de
dados relacionados à prática espacial urbana; e Florentino, Rocha e Corso (2014), que utilizam
análise de redes para compreender dinâmicas de conversações relacionadas a espaços públicos.
Notoriamente, o uso e produção de dados georreferenciais passou a ter uma relação mais direta
com as redes sociais a partir do surgimento e ampla adoção de location based social networks LBSN (Sutko, de Souza e Silva, 2011), o que tirou esse tipo de dado de uma posição restrita ao
campo da geografia e o colocou em conexão mais clara com as interações mediadas por
dispositivos eletrônicos, com a computação e com a cultura digital como um todo. As LBSN ou, em livre tradução, redes sociais baseadas em localização - são serviços que, a partir do uso de
aplicativos instalados em smartphones e tablets, permitem marcações e/ou buscas espaciais por
seus utilizadores. Nesse tipo de rede, a exemplo do Foursquare, serviço sobre o qual nos
debruçamos neste trabalho, os utilizadores podem dizer deliberadamente onde se encontram em
determinado momento, bem como realizar buscas por lugares ou categorias diversas (uma livraria
qualquer ou o restaurante chinês mais próximo dali, por exemplo). Dessa forma, além de
disponibilizar publicamente suas localizações temporárias, elas podem realizar e visualizar
avaliações de estabelecimentos e locais públicos, procurar e descobrir novos lugares para visitar e
até tecer articulações entre si, como encontrar-se com (ou evitar os) amigos ou estranhos pelas
proximidades. Essas marcações, geralmente chamadas de check-in, ficam alocadas em mapas e
históricos pessoais (mas muitas vezes visíveis publicamente), e não raro são também
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disponibilizadas automaticamente como atualizações de status em outros sites de redes sociais
(como os já citados Facebook ou Twitter), deixando públicos os rastros digitais de cada usuário.
Uma vez que as LBSN estão baseadas em movimentações no tempo e no espaço e tomam a
dimensão locativa como elemento-chave de utilização e de interação social, faz sentido percebêlas, tendo em vista seus usos e apropriações, como indicativos de práticas culturais diversas. Os
rastros digitais deixados publicamente nos sistemas e nas redes acabam sendo algumas das fontes
possíveis para a captura e observação de práticas sociais variadas e dos modos como as cidades e
suas populações se comportam ao longo de diferentes intervalos de tempo. Esse trabalho explora
essa oportunidade a fim de encontrar relações indiretas entre indivíduos criadas a partir da prática
espacial, tomando os lugares eletronicamente marcados como catalizador de mediações
socioculturais que atravessam distintas relações individuais, coletivas e não explícitas. Nossa
percepção é a de que o espaço, mais que um elemento dado a ser usufruído, preenchido ou
visitado, deve ser compreendido também como um mediador dessas relações, sendo, por distintas
qualidades (sua localização, sua função, suas conotações simbólicas etc.), um ponto de encontro
visualizável em uma rede de atores e de outros lugares.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Buscando encontrar relações específicas entre as pessoas que utilizam LBSN e suas práticas
espaciais, o presente artigo utiliza-se de parte da base de dados de mais de 3 GB extraída da
integração entre Twitter e Foursquare2 e disponibilizada publicamente (Cheng, Caverlee e Lee,
2011), envolvendo uma listagem de 22 milhões de check-ins realizados majoritariamente na rede
Foursquare. Os dados aqui utilizados dão conta de milhares de marcações georreferenciais
realizadas entre os anos de 2010 e 2011 espalhadas por países de diferentes continentes. Esse tipo
de dado em geral pode estar público, restrito aos próprios usuários ou no máximo, aos seus
contatos (amigos, conhecidos, seguidores), contudo não se encontram organizados sob qualquer
forma, e é importante ressaltar que algumas dessas informações acerca das movimentações pela
2
Base dados disponível em: http://infolab.tamu.edu/static/users/zhiyuan/icwsm_2011.zip. Agradecemos profundamente a
Zhiyuan Cheng, que, em comunicação pessoal via e-mail, assentiu no uso da base de dados e nos atualizou quanto ao endereço
eletrônico da mesma.
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cidade só são acessíveis caso um usuário específico tenha o perfil configurado com maior
abertura ou ainda se alguém possui um link direto para cada marcação georreferencial
individualmente. Assim, apreende-se que um dos esforços mais notáveis dos autores daquele
estudo foi a organização e sistematização de uma série de dados que se encontravam “perdidos”
no Twitter.
Utilizamos aqui a ARS como método voltado ao estudo das relações entre as pessoas e suas
práticas espaciais. Desse ponto de vista, os dados extraídos podem ser modelados como uma rede
de dois modos (ou duas categorias A e B) (LATAPY, MAGNIEN, VECCHIO, 2008), sendo (A)
a categoria dos usuários da rede e (B) a categoria formada pelos lugares visitados pelos usuários
(mapeados pelo Foursquare). Segundo os conceitos de ARS, nas redes de dois modos, elementos
de uma determinada categoria não estabelecem relações diretas entre si3, mas somente com a
categoria oposta. Por exemplo, consideremos uma rede de dois modos entre filmes e atores, nas
quais os atores estariam ligados aos filmes em que atuaram. Desta forma, atores não teriam
ligações diretas entre si, da mesma forma que filmes não possuiriam relações diretas entre si. No
entanto, poderíamos, a partir desta estrutura de rede de dois modos, extrair quais atores
participaram do mesmo filme, criando uma nova rede somente de usuários relacionados entre si.
O mesmo procedimento foi aplicado aos dados utilizados neste trabalho. No entanto, nosso
objetivo é, a partir desses dados, obter modelagens capazes de prover inferências sobre como as
pessoas que frequentam um mesmo lugar - ou seja, que possuem práticas espaciais similares podem estar relacionadas indiretamente entre si. A hipótese principal deste estudo é a de que,
uma vez com os dados em mãos, será possível visualizar uma rede de pessoas orientada pelos
lugares e pela prática espacial, e não pelos elos diretos entre os indivíduos.
Uma vez com a base de dados em mãos, alocamos os dados encontrados em um formato textual,
semi-estruturado, para um formato capaz de ser lido e processado por softwares voltados para a
ARS. Neste caso específico, convertemos a base textual para um formato de planilha de dados,
identificando qual informação continha cada uma das colunas descobertas. Assim, foram
identificados os seguintes tipos de dados referentes aos check-in:
3
No Foursquare, assim como em outras redes sociais digitais, as pessoas podem realizar conexões entre si, seguindo umas às
outras, a exemplo do funcionamento do Twitter, ou estabelecendo elos necessariamente recíprocos, como no Facebook, mas
essa não é nossa dimensão de análise.
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UserID: identificador do usuário;
tweetID: identificador da mensagem publicada no FourSquare e Tweeter informando a realização
de um check-in;
lat: informa a latitude do local onde aconteceu o check-in;
long: informa a longitude do local onde aconteceu o check-in;
time: data e hora da publicação;
venueID: identificador do local;
text: texto escrito pelo usuário para publicação nas redes sociais.
Na perspectiva da rede, quando um usuário realiza um check-in em determinada localização, ele
está criando uma conexão com aquele lugar, que será representada com uma ligação entre o nó do
usuário e o nó do local em que ele publicou o check-in.
RESULTADOS
A partir do histórico de check-Ins, foi criada a a rede de dois modos entre usuários do Foursquare
e locais onde estes usuários fizeram check-in. A mesma é apresentada na Figura 1. Com as
relações diretas entre as pessoas e os lugares que elas frequentam, ou seja, as relações geradas a
partir da prática espacial, buscamos explorar as relações não explícitas entre as diversas pessoas
por frequentarem um dado lugar, mesmo que elas não possuam elos imediatos entre si (elas
podem não se conhecer, por exemplo, ou apenas não ter estabelecido laços sociotécnicos nos
diversos ambientes digitais).
Na mesma, os usuários são representados pelos nós vermelhos, enquanto os locais em que
fizeram registro são representados pelos pontos azulados. As ligações somente acontecem entre
vermelhos e azulados, mas nunca entre nós da mesma cor. Isso nos mostra como alguns lugares
atuam nessa aglutinação social e, potencialmente, como essa informação pode ser utilizada para a
observação sistemática de pessoas e/ou grupos de pessoas. Este estudo, assim, assume uma
abordagem empírica até dado ponto e lida com dimensões inferenciais ou especulativas a partir
de outro.
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Figura
1.
Rede
de
dois
modos
entre
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usuários
(nós
vermelhos)
e locais em que fizeram registro (pontos azulados ) (Fonte: autores).
A partir desta visualização, foi possível extrair a rede de um modo composta somente por
usuários, e relacionando somente os usuários que frequentaram os mesmos locais que registraram
presença. Esta rede é apresentada na figura 2.
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Figura
2.
Rede
de
um
modo
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somente
com
usuários.
As linhas conectam usuários que fizeram check-in no mesmo local (Fonte: autores).
Na mesma, os elementos maiores apresentam maior grau de relações. Isso significa que estes
usuários registraram suas passagem por mais locações que também foram visitadas por outros
usuários. Já os elementos que estão desconectados representam um subgrupo daqueles que
realizaram check-in em locais que não foram visitados por outros usuários (dentro da amostra
estudada). Por isso, geramos uma terceira rede, somente com os usuários conectados na rede de
um modo (Fig. 2), a qual é apresentada na figura 3.
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Figura 3. Rede de um modo somente com usuários conectados (Fonte: autores).
Nesta rede, em que existe um caminho possível entre qualquer par de elementos, é possível
levantar algumas métricas. Por exemplo, a média do número de relações por usuário é de 2,5 isso significa que, em média, os usuários realizam check-in em 2,5 lugares iguais. A distância
média entre todos os elementos é de 2,66 caminhos, ou seja, em média, são necessários 2,66 elos
de ligação (neste caso, check-ins no mesmo local) para encontrar pessoas frequentando o mesmo
local. Por fim, as arestas mais grossas representam ligações entre dois usuários que realizaram
check-ins em mais de um mesmo lugar, demonstrando que as práticas de uso locativo são ainda
mais fortes entre estes dois usuários.
DISCUSSÃO
Com esse estudo de caráter experimental e especulativo, buscamos evidenciar a formação de
redes baseadas na localização dos usuários, caracterizadas por serem redes indiretas entre seus
elementos participantes, geradas a partir dos dados de check-in realizados pelos mesmos. Os
dados coletados por Cheng, Caverlee e Lee (2011) poderiam ser utilizados para outros propósitos,
como o de saber quais lugares mais marcados ou como se davam as dinâmicas de movimentação
espacial em certas cidades. Contudo, o objetivo aqui traçado, bem especificamente, foi o de obter
modelagens, a partir da base de dados em questão, que nos pudessem dar inferências sobre como
as pessoas que frequentam os mesmos lugares podem estar relacionadas indiretamente entre si.
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Numa instância mais avançada, esse tipo de visualização pode dar luz a métodos diversos
voltados ao monitoramento e à vigilância de atores numa determinada rede, bem como às
relações possíveis entre eles e que características (tais como indicadores demográficos ou
socioeconômicos) partilham entre si.
Nossa hipótese principal nos dizia que, com os rastros digitais coletados, poderíamos visualizar
uma rede de pessoas orientada pelos lugares e pela prática espacial, e não pelos elos diretos entre
os indivíduos. Essa noção basicamente coloca as movimentações pela cidade e as marcações
georreferenciais dispostas em rede como um tipo de rastro a partir do qual se podem tecer
estratégias de cruzamento e visualização de ações em uma dada rede digital. Buscamos, assim,
sistematizar um procedimento que esclareça, com maior rigor metodológico, impressões
cotidianas sobre determinadas práticas espaciais4.
As modelagens que efetuamos corroboram essa hipótese na medida em que mostram indivíduos
que se desconhecem (ou pelo menos não são necessariamente ou explicitamente possuidores de
algum tipo de laço social, por exemplo) com conexões indiretas entre si. Muitos dos estudos
iniciais relativos à análises de redes sociais tinham por base a métrica básica de distância entre os
pontos de uma rede, especialmente em relação a quantas pessoas havia entre um indivíduo e
outro, o que resultava numa distância medida em elos: quantas pessoas deveria conhecer o sujeito
A até que ele viesse a ter contato com o sujeito B? Este trabalho agrega outra perspectiva ao
adotar a informação geográfica como ponto de problematização das possíveis relações indiretas
entre distintas pessoas. São essas relações indiretas que nos levam, a posteriori, ao conhecimento
de quais informações, perfis sociodemográficos ou posicionamentos ideológicos (Malini, 2010)
partilham os sujeitos visualizados nas redes sociais digitais.
Essas conexões são resultado do modo como se movimentam, realizam suas marcações e as
distribuem em rede, tornando-as públicas (mas, em geral, bastante desorganizadas). Os dados que
temos em mãos não mostram as razões desse comportamento, nem a frequência com que uma
dada pessoa realiza check-in num tipo de rede como o Foursquare. No entanto, ao correlacionar
atores distintos e que aparentemente não possuem relações diretas nas redes sociais (digitais ou
não), é possível inferir algumas possíveis implicações e similaridades de perfil tendo em vista as
conexões criadas despropositadamente entre eles. Vejamos oportunidades e implicações.
4
Esse procedimento pode corroborar ou refutar impressões iniciais sobre certos lugares.
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Marketing
A área da propaganda e do marketing como um todo podem utilizar alguns dos procedimentos
que efetuamos de modo a traçar perfis de consumidores (ou de consumidores em potencial) em
relação a lugares específicos. Em geral, coletas e análises de dados se alinham quanto à marca de
empresas ou de produtos, buscando entender que discursos são dispostos nas redes digitais e sob
quais enquadramentos. Um exemplo possível se dá quanto ao gerenciamento de crises sobre
marcas: ao coletar e analisar reclamações ou elogios do público, as agências de publicidade
podem tomar estratégias mais eficientes para melhorar a imagem do seu cliente. Por outro lado,
uma observação empírica da dimensão espacial pode mostrar outras dinâmicas e formas de
posicionamento quanto às práticas dos lugares em si, e não apenas das marcas (algumas vezes,
lugares por si só já constituem marcas simbólicas fortes, como estabelecimentos comerciais, mas
sempre há a possibilidade de mudanças futuras). Trabalhos como o de Cranshaw, Toch, Hong,
Kittur e Sadeh (2010) mostram empiricamente que lugares altamente povoados acolhem pessoas
com maior probabilidade de não se conhecerem, o que se dá inversamente com lugares pouco
conhecidos. Mas as relações indiretas entre as pessoas que não se conhecem não fica esclarecida,
e é presumível que existam características em comum entre distintos frequentadores. Esses elos
indiretos podem ser úteis para a visualização de perfis coletivos formados a partir de dados
individuais, mas também oferece riscos em relação à privacidade de indivíduos específicos. Além
disso, da mesma forma que redes de dois modos podem ser formatadas a partir de elementos
como marcas ou produtos, igualmente tais redes podem ser tomadas a partir de dados
georreferenciais e analisadas segundo o ponto de vista da prática espacial: que marca ou produto
aparece em qual local?
Controle estatal
É presumível que, para agências de inteligência, vigilância e controle estatais, redes indiretas
entre atores diversos sejam de maior utilidade quando possam mostrar seus posicionamentos
ideológicos e os diálogos em torno deles (obtidos, por exemplo, ao se captar e visualizar dados
em torno de discursos e controvérsias em rede; hashtags podem constituir um bom exemplo sobre
como as pessoas as tomam como demarcadores simbólicos de territórios discursivos). Ainda
assim, a tomada do dado georreferencial pode ser de interesse estatal à medida que revele práticas
espaciais similares entre distintas pessoas ou grupos de pessoas. Essa pode ser uma implicação
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severa quanto às liberdades individuais, especialmente quando nos lembramos que o dado
georreferencial não é exclusivamente de origem deliberada: telefones celulares, por exemplo,
trabalham com transferências de dados ininterruptas, as quais, uma vez interceptadas, podem
revelar posições e movimentações no espaço de indivíduos específicos. Nosso estudo mostra o
procedimento lógico por trás de uma investigação dessa natureza e aponta para preocupações
possíveis em torno desse tipo de vigilância.
Planejamento urbano
Saber razões e modos das movimentações dos citadinos são algumas das questões que envolvem
um bom planejamento do cotidiano urbano. Um passo seguinte à coleta de dados seria a devida
oferta de soluções que abarquem uma parte considerável dos moradores de uma cidade e que
apostem na coletividade como uma perspectiva de melhoria do transporte. Os dados deixados em
redes como Foursquare são, em essência, uma fonte considerável para a devida compreensão da
mobilidade de grandes cidades, especialmente se lembrarmos que tais informações estão nas
várias redes sociais digitais de forma gratuita e semi-aberta para quem quiser utilizá-las. Um
exemplo interesse se encontra no trabalho de Noulas, Scellato, Mascolo e Pontil (2011), no qual
se apresentam análises e padrões de check-ins dispostos ao longo do tempo e do espaço. Os
autores, em suas considerações, mostram diferenças de movimentação quanto aos dias úteis e aos
finais de semana, às faixas de horários ao longo do dia (início da manhã, intervalo para almoço,
retorno para casa) e quanto às categorias de lugares visitados (estabelecimentos comerciais,
trabalho, estudo). Outros trabalhos como os de Bawa-Cavia (2011) e Silva, Melo, Almeida e
Loureiro (2013) exploram a dimensão da localização, mas sem indicar desdobramentos entre as
redes indiretas de usuários a partir de suas locações.
Esse é um exemplo prático bastante contundente quanto ao planejamento do transporte e uma
clara oportunidade de redução de gastos em relação às pesquisas que devem anteceder qualquer
obra dessa natureza. Visualizar atores indiretamente ligados entre si pode não nos dizer
exatamente por que ou como eles se locomovem, mas essa seria, a priori, uma modelagem que
mostraria interesses espaciais em comum entre essas pessoas. Uma vez que esse interesse se
demonstre claro e forte na visualização da rede, encontra-se aí uma oportunidade de perceber que
pontos da cidade carecem de melhor planejamento de trânsito, bem como outros equipamentos e
facilidades urbanos.
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Inovação tecnológica
A cultura de aplicativos para celulares e tablets bebe, em geral, numa fonte de criatividade e
criação de potencialidades que não se limitam às necessidades mais fundamentais. Redes como
Tinder5 e Grindr6 lidam com a possibilidade de encontro entre desconhecidos, tendo a
localização como um dos parâmetros para essa correlação entre indivíduos que não estão ligados
diretamente (ou seja, precisamente, neste caso, eles realmente não se conhecem, e os aplicativos
em questão servem para promover a sociabilidade entre essas pessoas). Esta acaba sendo uma
oportunidade de negócio para empreendedores, embora traga consigo possíveis implicações
quanto à privacidade dos indivíduos que resolvem fazer parte dessas redes. Outros aplicativos,
como o Uber7, prometem conectar pessoas que precisam de transporte rápido e fácil àqueles que
possuem carro disponível para tanto. Mais uma vez, ainda que a utilização de rastros digitais
ofereça oportunidades de negócios diversas, problemas quanto à legislação têm sido recorrentes,
dando origem a querelas entre a empresa controladora deste aplicativo e taxistas do mundo todo.
CONCLUSÃO
A partir da modelagem efetuada, podemos perceber como as pessoas se relacionam indiretamente
entre si pela mediação informacional do lugar.
O espaço geralmente é apreendido como um elemento dado e aberto, sobre o qual assentamos
nossas construções, enquanto o lugar teria algo de natureza mais fechada, pontual, o qual
visitamos. A discussão em torno dessas questões são verdadeiramente amplas mas, no geral,
compreendemos a questão espacial mais que um elemento dado e passível de fruição: a partir da
interferência de uma camada de dados georreferenciais, nosso trabalho mostra que o espaço e o
lugar atravessam (mais do que são atravessados por) distintos indivíduos, atuando como um elo
entre eles. Além de ser um ponto de visitação ou de encontro, um mesmo lugar interliga
diferentes atores, servindo de ponte ou eixo sociocultural entre eles. Essa dinâmica pode ser,
claro, perfeitamente deduzível diante de lugares com grandes aglomerados humanos. O que
5
Disponível em http://www.gotinder.com.
6
Disponível em http://grindr.com.
7
Disponível em https://www.uber.com.
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fizemos, efetivamente, foi modelar relações indiretas entre atores que não se conhecem,
necessariamente.
Temos daí a possibilidade de conhecer e/ou inferir informações sobre grupos de usuários com
hábitos urbanos semelhantes, tanto quanto podemos perceber como as práticas no espaço são
postas em circulação em distintas redes de pessoas. Uma vez que temos redes definidas, é
possível identificar e investigar os perfis que se aproximam pela prática locativa na cidade e
explorar traços em comum dos mesmos, como por exemplo: sexo, idade, cidade onde residem,
temas de interesse, entre outros. Esse procedimento expõe o dado geográfico como um elemento
de aglutinação e correlações entre distintas pessoas e mostra, parcialmente, como os lugares e a
prática espacial estão sendo complexificados, ampliados e expandidos com o uso de tecnologias
comunicacionais eletrônicas: se antes eram só pontos aos quais se ia, agora os lugares passam a
constituir camadas informacionais ao ligarem diferentes atores. Sublinhamos, assim, a
importância da informação geográfica como elemento de aglutinação social e produtor potencial
de sociabilidade, bem como um dado de grande relevância na cultura digital contemporânea a
perpassar transversalmente outros tipos de dados - ou seja, a ser incorporado como metadados em
conteúdos diversos.
O nosso ponto último de discussão busca apontar o potencial de rastreamento de dados digitais,
fazendo notar a possibilidade de práticas de vigilância por meio da identificação indireta de
relações entre os usuários, representadas e modeladas pelos dados dos softwares de redes sociais.
Com estes dados, é possível correlacionar usuários destas redes através dos locais que os mesmos
frequentam e realizam check-in. O que nos interessa, nesse ponto, é colocar em evidência as
particularidades e possibilidades de análise da informação geográfica posta em rede, bem como
seu caráter social, e não exatamente como ela é produzida ou apreendida pelas pessoas. Há
implicações possíveis quanto à privacidade dos usuários, por exemplo: ainda que estejamos
lidando com dados postos a público a partir da própria iniciativa dos indivíduos, nossa
experiência mostra, a posteriori, como o uso de dados georreferenciais pode estar implicado em
um processo de identificação de perfis previamente anonimizados - o que pode ser virtualmente
efetuado tanto por órgãos ou agências de inteligência com caráter investigativo ou policial quanto
por empresas particulares. Isso é possível através dos dados disponibilizados, que permitem
acessar as publicações dos usuários, assim como, o identificador de cada usuário na rede social de
que participa. Com aplicações computacionais específicas, é possível recuperar estes dados
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acessando as redes e organizá-los de forma estruturada em uma base de dados contendo
possivelmente informações como nome, sexo, ocupação, entre outras.
Estas bases permitem que processos computacionais de mineração de dados gerem inferências
sobre perfis e comportamentos a partir das práticas de uso do espaço. Por exemplo, caso um
indivíduo X que frequenta (e realiza ckeck-ins em) uma determinada área urbana caracterizada
por um determinado comportamento considerado ilegal, a polícia pode vir a inferir que X seria
também suspeito de práticas ilegais, mesmo que não o seja de fato. No caso das Manifestações
acontecidas em diversas cidades do Brasil, de Junho de 2013 até Junho de 2014, houve extenso
monitoramento policial dos perfis que organizavam e divulgavam virtualmente os atos. A
localização geográfica compartilhada forma rastros que podem servir para inferir, muitas vezes
de forma precipitada, perfis de comportamento em determinados locais. A discussão subjacente
indica que, sendo um elemento conceitual praticado e construído no cotidiano, a localização
espacial encontra-se atrelada a indivíduos e coletivos e, como tal, atravessa redes de camadas
sociais e técnicas. Trabalhos futuros possíveis seriam no sentido de ampliar a amostra
investigada, prover a sua visualização em um mapa e desenvolver aplicações que consigam
recuperar os dados dos perfis, a fim de encontrar semelhanças entre os mesmos.
REFERÊNCIAS
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