excelentíssimo senhor juiz federal da ____ vara da seção judiciária

Transcrição

excelentíssimo senhor juiz federal da ____ vara da seção judiciária
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL D A ____
VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE
“A exploração da miséria, do sexo, do crime e da violência ganhou, há muito, o
horário nobre, em geral mesclando ficção com realidade - química que, muitas vezes,
produz belos romances, mas, freqüentemente, desastres jornalísticos.
Expressa abertamente por produtores de televisão, a lógica que orienta esses
programas é simples : as emissoras atendem ao gosto do freguês. E, na maior parte
das vezes, o “freguês” é inculto, suscetível ao sensacionalismo. Quem quer jogar o
jogo tem de aceitar essa regra - senão fica de fora.
Como a televisão, salvo em alguns poucos programas, não colabora para a
elevação da qualidade do espectador e como o nível de educação da maioria da
população é baixo, estabelece-se um círculo vicioso. (...)
Por trás do episódio GUGU-PCC, há um debate muito mais profundo do que a
entrevista fraudada. A mídia, no geral, ainda não se percebe como um instrumento de
formação, atendo-se à informação e ao entretenimento - e reflete nossa maior
fragilidade, que é a lógica da ignorância que gera ignorância, a mesma que fez de um
tipo como GUGU algoz e vítima de sí próprio.” (GILBERTO DIMENSTEIN, “Gugu e o
‘Domingo Ilegal’”, Folha de São Paulo, 21 de setembro de 2003, p. C6)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da
República infra-assinado, vem à presença de Vossa Excelência, com
supedâneo na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 75/93, e de
acordo com os preceitos em geral da legislação civil e processual civil,
especialmente os da Lei n° 8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente),
Lei nº 8.078/90(Código de Defesa do Consumidor) e Lei n° 7.347/85(Lei da
Ação Civil Pública), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de
tutela antecipada, contra a
REDE GLOBO DE TELEVISÃO, Emissora de Televisão,
pessoa jurídica de direito privado, representada por seu
Presidente, Sr. ROBERTO IRINEU MARINHO, com endereço
na Rua Lopes Quintas, nº 303, Bairro Jardim Botânico, na
Cidade do Rio de Janeiro/RJ, com CEP. nº 22460-010 e
telefone (21) 2540-2000;
Endereço: Av. Epaminondas Jácome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (68) 224-4781 / 0321
Fax: (68)224-0673 - e-mail : [email protected] - Rio Branco - Acre.
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TV ACRE, Emissora de Televisão, retransmissora local da
programação da REDE GLOBO DE TELEVISÃO, pessoa
jurídica de direito privado, representada pelo seu DiretorRegional, Sr. EVERTON BARBOSA, com endereço na Rua
Jatobá, nº 14, Loteamento Novo Horizonte, Bairro Tancredo
Neves, nesta Capital; e
UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa,
vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação,
Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do
Ministério da Justiça, com endereço na Esplanada dos
Ministérios, Bloco “T”, Sala 424, em Brasília/DF, CEP. nº
700064-900, com telefone (61)429-3145 e fax (61)226-5023,
pessoa jurídica de direito público interno, representada
judicialmente pelo Advogado da União no Estado do Acre,
com endereço funcional na Rua Rui Barbosa, nº 142, Bairro
Centro, nesta Capital; pelos fatos descritos a seguir.
I. DO OBJETO DA LIDE :
A presente demanda objetiva tutelar direitos do telespectador
acreano violados pelas Emissoras REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV
ACRE, por estarem veiculando em horário impróprio nesta Unidade da
Federação o Programa Televisivo “ZORRA TOTAL”, transmitido por aquela e
retransmitido neste Estado por esta.
Destarte, se pretende que sejam as aludidas Emissoras, ora
demandadas, condenadas a adequarem as suas respectivas programações
diárias aos ditames da Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do
Ministério da Justiça.
Esta Ação Civil Pública visa, ainda, à tutela pecuniária idônea,
em valor a ser arbitrado pelo Juízo, que possibilite a reparação do dano moral
causado à coletividade em virtude dessa violação, acarretando, dentre outros,
a agressão aos valores éticos e morais da sociedade acreana decorrente da
veiculação de Programas Televisivos em horário não permitido pela legislação,
em especial a crianças e adolescentes.
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Outrossim, pretende esta demanda a condenação da UNIÃO,
mediante o Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à
Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da
Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, a exercer um controle
efetivo sobre o programa veiculado pelas Emissoras-Demandadas, visando
coibir a exibição daquele que esteja em desacordo com a Portaria nº 796, de
08 de setembro de 2000, daquele Ministério.
A vinculação do Ministério da Justiça, através de seu
Departamento de Classificação Indicativa, à atividade administrativa em
questão, é conseqüência do estatuído na referida Portaria.
O problema é sério porque a influência da televisão é
avassaladora. E isso acontece não por seu mérito ou competência, mas porque
ela está sozinha. No Estado do Acre, como de resto em qualquer lugar do
Brasil, faltam escolas de qualidade para todos, bibliotecas, centros culturais ou
vida comunitária, e a TV acaba sendo a principal fonte de informação e cultura.
Sendo um veículo de comunicação de massas, ninguém está
pedindo que a TV se transforme em baluarte da erudição, exibindo, em horário
nobre, debates calorosos sobre Kant ou Nietzsche, mas, num País no qual tem
poder de rolo compressor, tem de assumir responsabilidades.
Enfim, é preciso exigir a mudança de postura dos que fazem
TV e fortalecer a sociedade para o consumo crítico dos produtos televisivos.
II. DOS FATOS :
A televisão brasileira entra no século XXI comemorando seus
50(cinqüenta) anos, período ao longo do qual foi se desenvolvendo e ocupando
cada vez mais espaços nos lares e na sociedade brasileira.
Com efeito, devido à grande importância que adquiriu no dia-adia de cada família e de cada brasileiro, consolidou-se como o mais importante
veículo de comunicação de massa do País. Seu poder sobre o público é
tamanho que, em alguns lares, talvez a maioria deles, é a TV quem determina
a organização do tempo e do espaço, estabelecendo toda a rotina da casa.
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É nesta realidade que se insere, como fato notório, a violação à
Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, pelo
Programa “ZORRA TOTAL”, transmitido pela REDE GLOBO DE TELEVISÃO
e retransmitido neste Estado pela TV ACRE, que merece ser adequado aos
ditames daquela norma do Ministério da Justiça.
Com efeito, o Programa “ZORRA TOTAL”, veiculado nas noites
de sábado, às 22h(horário de Brasília/DF), conforme Documento 01, é, de
acordo com o Sistema de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça,
publicado no Diário Oficial da União no dia 10 de novembro de 1999,
consoante Documento 02, classificado como programa não recomendado
para menores de 14(quatorze) anos e inadequado para transmissão antes
das 21h.
Tal classificação deve ao fato de que o aludido Programa traz
em seu bojo várias cenas relacionadas à temática sexual, além de um
vocabulário inadequado e incompatível para antes da 21h, apresentando-se,
portanto, com alto grau de desvirtuamento ético.
Nesta esteira, foi enviado à Emissora-Demandada TV ACRE o
Ofício nº 552/2003-PR/AC/MV, de 07 de novembro de 2003(Documento 03),
solicitando informasse a este Órgão Ministerial o horário e o dia da semana em
que aquela Emissora veicula, neste Estado, o Programa “ZORRA TOTAL”.
Em resposta(Documento 04), a referida Emissora informou que
o Programa “ZORRA TOTAL” é, de fato, veiculado semanalmente, aos
sábados, a partir das 19h05min, horário local.
Logo, a própria Emissora, ao dizer que o Programa “ZORRA
TOTAL” está sendo exibido no Estado do Acre a partir das 19h05min, confirma
estar infringindo as normas do Ministério da Justiça – em especial a Portaria nº
796, de 08 de setembro de 2000.
Pois bem, diante de tudo o que se disse, no Estado do Acre,
em virtude da peculiar diferença - a menor e por causa do horário de verão - de
fuso horário de 03(três) horas com relação à Capital Federal, e como as
Empresas-Rés REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV ACRE, não fazem a
adequação de sua grade de programação diária, o Programa Televisivo em
questão acaba sendo exibido antes do horário autorizado pela Portaria
mencionada.
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De fato, diante dessa diferença exorbitante de horário a menor,
o Programa Televisivo “ZORRA TOTAL” encontra-se sendo exibido neste
Estado às 19h05m, contrariando, flagrantemente, a Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, do Ministério da Justiça.
Atenta-se, desta forma, nesta Unidade Federada, contra a
formação da família acreana, ofendendo os valores que lhe são assegurados
pela Constituição Federal, notadamente aqueles instituídos em proteção às
crianças e adolescentes, enquanto pessoas que se encontram em
desenvolvimento físico, psicológico e emocional, sendo, pois, passíveis de se
deixar impressionar e desencadear atitudes de imitação, levando, não raro, a
problemas tais como a estimulação precoce da libido, desarmonia familiar,
desvalorização do corpo, e até a concretização de fantasias sexuais, com a
sexualização e gravidez antecipadas.
No tocante, portanto, o que se presencia neste Estado é uma
sistemática agressão aos valores éticos, à própria Constituição e às leis.
Nesta esteira, não cabem mais omissões num quadro de
tamanha gravidade. É preciso que todos, sobretudo os que têm parcela de
responsabilidade, cobrem a preservação dos valores éticos que sustentam a
sociedade e exijam o cabal cumprimento das normas jurídicas deste País.
As Emissoras REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV ACRE, ora
demandadas, vêm, reiteradamente, desrespeitando as normas estabelecidas
na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, bem
como a respectiva Classificação Indicativa do Programa Televisivo “ZORRA
TOTAL”, dando ensejo, por parte deste Parquet Federal, a promover a
presente Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, objetivando que
ambas sejam condenadas a adequar a sua grade de programação-diária para
que o Programa Televisivo em referência seja exibido no respectivo horário
permitido pela legislação vigente.
E é nesse sentido que brilhantemente já decidiu o
Excelentíssimo Senhor Juiz Federal Substituto, Dr. JAIR ARAÚJO FACUNDES,
nos autos da Ação Civil Pública nº 2003.30.00.002140-1, com pedido de tutela
antecipada, em curso na 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Acre,
proposta por este Órgão Ministerial em face das Emissoras REDE TV e
SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., por estarem veiculando em
horário impróprio nesta Unidade da Federação o Programa Televisivo “NOITE
AFORA”, cujos trechos transcrevo abaixo, ipsis litteris :
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“(...)
10. É indiscutível a força exibida pela televisão
como agente modelador de costumes e formador de
opinião na sociedade contemporânea, sendo inegável os
benefícios por ela proporcionados. Todavia, não há
dúvida de que a indevida utilização desse importante
veículo de comunicação social na divulgação de
programa como o espelhado nestes autos viola a
liberdade
e
direitos
ínsitos
no
ordenamento
constituído,
exigindo
providências
efetivas
e
imediatas para a restauração das esferas jurídicas
violadas.
(...)
12. O pleito do Ministério Público Federal, antes
de se constituir em ato de censura, objetiva oferecer
às
crianças
e
adolescentes
do
Acre,
o
mesmo
tratamento a eles reservado nas regiões Sul, Centro e
Centro-Sul do Brasil, onde tais programas adultos são
veiculados em horário adiantado(acima das 23 horas em
cumprimento), poupando aqueles infantes da exposição
desnecessária às cenas totalmente eróticas.
13. Não é razoável que em razão da diferença de
fuso-horário própria do Brasil continental a criança
e adolescente do Acre sejam expostas a cenas de sexo,
as mais variadas possíveis, e não tenham a mesma
proteção que a lei lhes garante naqueles Estados com
horário adiantado. Portanto, mostra-se induvidosa a
plausibilidade do direito cuja tutela é buscada na
presente ação.
14. Por fim, a medida de urgência se justifica em
face do início do horário de verão, que irá antecipar
em 3(três) horas a programação veiculada no horário
oficial (Brasília), de sorte que um programa repleto
de forte apelo erótico veiculado em Brasília às 23
horas será transmitido, simultaneamente, às 20 horas
no Acre, momento em que as famílias repousam e
assistem televisão no recanto do lar.(...)
15.
Desta
forma,
presentes
os
requisitos
autorizadores da concessão da medida, DEFIRO a
liminar requerida para determinar que as emissoras
demandadas ajustem sua grade de programação diária
para que a transmissão do Programa Televisivo “NOITE
AFORA” seja efetivamente veiculado neste Estado do
Acre a partir das 23(vinte e três) horas, por se
tratar de programas não-recomendado para menores de
18(dezoito) anos, consoante determinação contida na
Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do
Ministério da Justiça, sob pena de multa cominatória
diária no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais), sem
prejuízo
das
sanções
penais
e
administrativas
decorrentes da desobediência.”(Documento 05)
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Na mesma linha, foi a decisão proferida pelo Excelentíssimo
Senhor Juiz Federal da 1ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Acre, Dr.
DAVID WILSON DE ABREU PARDO, nos autos da Ação Civil Pública nº
2003.30.00.002477-0, ajuizada em face da REDE GLOBO DE TELEVISÃO, TV
ACRE, SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO-SBT, TV RIO BRANCO, TV
BANDEIRANTES e TV UNIÃO, que deferiu parcialmente o pedido de
antecipação de tutela para “ordenar que as Requeridas procedam o
ajustamento de sua programação diária, no sentido de que os programas
CELEBRIDADE, PROGRAMA DO RATINHO e CINE PRIVÉ, sejam
transmitidos, respectivamente, a partir das 20(vinte), 21(vinte e uma) e 24(vinte
e quatro) horas, em estrita observância às diretrizes contidas na Portaria nº
796/2000, de lavra do Ministério da Justiça”(Documento 06).
Destarte, não resta outra alternativa ao Ministério Público
Federal, no caso concreto, senão a de ajuizar a presente Ação Civil Pública,
com pedido condenatório, para que o Poder Judiciário, mais uma vez, ordene a
adequação do Programa Televisivo “ZORRA TOTAL”, transmitido pela REDE
GLOBO DE TELEVISÃO e retransmitido neste Estado pela TV ACRE, para
exibição no horário respectivo permitido pela Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, do Ministério da Justiça, bem assim possa reparar a lesão
sofrida pela coletividade, mediante o arbitramento de indenização pecuniária,
condenando-se ainda a União, através de suas repartições próprias, a exercer
um controle efetivo sobre o programa veiculado pelas referidas Emissoras.
III. DA FUNDAMENTAÇÃO :
1. Do cabimento da Ação Civil Pública e da legitimidade do
Ministério Público :
A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso IV,
estabelece que a programação das emissoras de televisão atenderá ao
princípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de
modo a propiciar uma educação saudável e a formar um cidadão consciente de
seus deveres e direitos, respeitoso pelas leis e solidário para com os outros
cidadãos, dando-se preferência a programas com finalidade educativas,
artísticas, culturais e informativas, senão vejamos :
“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e
televisão atenderão aos seguintes princípios :
I - preferência a finalidade educativas, artísticas, culturais e
informativas;
(...)
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;”
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Consciente de que é inútil impor deveres e proibições sem, ao
mesmo tempo, facultar aos interessados meios processuais de promover a
prevenção e a repressão de eventuais infrações, foi que a Constituição Federal
assim dispôs, in verbis :
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e
a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3.º Compete à lei federal :
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder
Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não
se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se
mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como
da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente.”(grifou-se)
E, ainda, o artigo 21, inciso XVI, da Carta Magna, determinou
que compete à União “exercer a classificação, para efeito indicativo, de
diversões públicas e de programas de rádio e televisão”.
Não o bastasse, a Lei nº 8.069/90, que instituiu no Brasil o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, em seu artigo
254 prevê o seguinte :
“Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em
horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação.
Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em
caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a
suspensão da programação da emissora por até dois dias.
Nessa esteira, a fim de regulamentar a matéria, o Ministério da
Justiça expediu a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000(Documento 07),
do Ministério da Justiça, que vedou a exibição de programas em determinados
horários, visando proteger principalmente crianças e adolescentes, cujos
trechos transcrevo abaixo :
“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas
atribuições, e
Considerando que compete à União exercer a classificação, para
efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e
televisão, de acordo com os arts. 21, inciso XVI, e 220, § 3o, inciso I, da
Constituição;
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Considerando a urgência de se estabelecer a uniformização dos
critérios classificatórios das diversões públicas e de programas de rádio e
televisão;
Considerando ser dever do Poder Público informar sobre a natureza
das diversões e espetáculos públicos, as faixas etárias às quais não se
recomendem, bem como os locais e horários em que sua apresentação se
mostre inadequada;
Considerando, ainda, que o artigo 254 da Lei no 8.069, de 13 de
julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - proíbe a
transmissão, por intermédio de rádio ou televisão, de espetáculos em
horários diversos do autorizado ou sem aviso de sua classificação;
Considerando a necessidade de adaptar os novos parâmetros de
classificação indicativa à legislação superveniente, resolve:
Art. 1o As diversões e espetáculos públicos são classificados
previamente como livres ou inadequados para menores de doze, quatorze,
dezesseis e dezoito anos.
Parágrafo único. Os espetáculos públicos, com bilheterias, estão
sujeitos à classificação prévia.
Art. 2o Os programas para emissão de televisão, inclusive
"trailers", têm a seguinte classificação, sendo-lhes terminantemente
vedada a exibição em horário diverso do permitido :
I - veiculação em qualquer horário: livre;
II - programa não recomendado para menores de doze anos:
inadequado para antes das vinte horas;
III - programa não recomendado para menores de quatorze anos:
inadequado para antes das vinte e uma horas;
IV - programa não recomendado para menores de dezesseis anos:
inadequado para antes das vinte e duas horas;
V - programa não recomendado para menores de dezoito anos:
inadequado para antes das vinte e três horas.
Parágrafo único. Os programas de indução de sexo, tais como
“tele-sexo” e outros afins, somente poderão ser veiculados entre zero
hora e cinco horas.
Art. 4o Sujeitam-se à responsabilidade pelo descumprimento à
legislação e às normas regulamentares vigentes os programas
classificados apenas pela sinopse, principalmente as telenovelas,
minisséries e outros do mesmo gênero.
Art. 5o A classificação informará a natureza das diversões e
espetáculos públicos, considerando-se, para restrições de horários e faixa
etária, cenas de violência ou de prática de atos sexuais e desvirtuamento
dos valores éticos e morais.
Art. 6o A classificação indicativa, atribuída em portaria do
Ministério da Justiça, será publicada no Diário Oficial da União.
(...)
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Parágrafo único. Nenhum programa de televisão será apresentado
sem aviso de sua classificação, exposto de maneira visível, antes e
durante a transmissão.
Art. 11. A classificação etária e horária deve ser apresentada, com
destaque de fácil visualização, na publicidade impressa ou televisiva de
filmes ou vídeos/DVD e em outros espetáculos públicos.
Art. 12. As chamadas dos programas sujeitos à presente portaria
devem obedecer à respectiva classificação.
Art. 13. O certificado de que trata o parágrafo único do art. 74 da
Lei no 8.069, de 1990, assumirá a forma de portaria publicada no Diário
Oficial da União.
Art. 14. Cabe à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação,
Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça, zelar pelo fiel
cumprimento da classificação atribuída a cada produto a ser exibido.
(...)
Art. 16. O descumprimento do disposto nesta Portaria sujeita o
infrator às penalidades previstas na legislação pertinente.
(...)” (grifou-se)
Todavia, como já se disse, no Estado do Acre, no que diz com
o horário de exibição, há sistemática veiculação antecipada de 03(três) horas em relação ao resto do Brasil - do Programa Televisivo ora questionado, em
clara afronta aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
retromencionados, sendo, portanto, a Ação Civil Pública, o instrumento legal
adequado à vindicação dos interesses ora violados pelas EmissorasDemandadas, que se caracterizam como difusos, segundo os ensinamentos de
BARBOSA MOREIRA1, citado abaixo :
“O interesse (que o art. 220, § 3º, da Constituição visa a
preservar) em defender-se ‘de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221’ enquadrase com justeza no conceito de interesse difuso.”(grifou-se)
O mesmo autor assevera ainda que :
“Se é certo, como se mostrou acima, que encontra lugar
entre os interesses difusos o dirigido à observância, pelas
emissoras de televisão dos preceitos constantes do art. 221 da Lei
Maior, segue-se em lógica elementar, que a ação civil pública,
disciplinada na Lei nº 7.347, é instrumento adequado á vindicação
de semelhante em juízo.”2
1 Temas de Direito Processual Civil, 1987, Ed. Saraiva, p. 239, “Ação Civil Pública e Programação na TV”.
2 Obra já citada, p. 245.
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E o Ministério Público é o órgão ao qual a Constituição Federal
incumbiu a guarda dos interesses sociais e individuais que sejam indisponíveis,
sendo que o meio judicial para o Parquet fazer isso é a Ação Civil Pública. É o
que dispõe o artigo 5º da Lei nº 7.347/85, disposto in verbis :
“Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão
também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação,
sociedade de economia mista ou associação.”
Vale lembrar o que diz a Lei Maior em relação às funções
institucionais do Ministério Público :
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos;”
No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei
Complementar nº 75/93, como se vê :
“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta Lei
Complementar, é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses
individuais indisponíveis.
Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias
para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição
Federal.”
Reitera-se : o direito à informação, à dignidade, à intimidade e
à observação dos princípios constitucionais relativos à comunicação social são
direitos sociais, difusos, de extrema relevância, a cuja defesa o Ministério
Público não pode se abster. Especialmente se a ofensa a tais princípios é
causada por meios de comunicação em massa, na linha do que prevê a
referida Lei Complementar, ipsis litteris :
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“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
(...)
IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos
serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social
aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações
previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação
social;”(grifou-se)
Demonstrada a legitimidade do Ministério Público, resta ainda
demonstrar a legitimidade do Ministério Público Federal. Para tanto, vale
ressaltar que o caso específico tratado na presente Ação Civil Pública diz
respeito a um serviço público federal, de competência da União Federal.
É o que diz o artigo 21 da Constituição Federal :
“Art. 21. Compete à União Federal :
(...)
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”
Tanto é assim que existe a atuação administrativa do Ministério
da Justiça no cumprimento de suas obrigações no tocante a tal serviço, qual
seja, a fiscalização e classificação de programas, como o atacado nesta Ação
Civil Pública, conforme o disposto na Portaria nº 796, de 08 de setembro de
2000. Ora, se administrativamente quem atua é o Ministério da Justiça,
representando a União, é certo que a guarda judicial dos direitos fundamentais
em tela cabe ao Ministério Público Federal.
Para espancar qualquer dúvida, a legitimidade ativa do
Ministério Público Federal é clara tendo em vista o disposto na Lei
Complementar nº 75/93 :
“Art. 39 – Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos
direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de
garantir-lhes o respeito :
(...)
III - pelos concessionários e permissionários de serviço público
federal;”
Em face dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
acima transcritos, é o Ministério Público Federal, pois, parte legítima para
propor a presente Ação Civil Pública, que objetiva a defesa dos direitos e
interesses coletivos, em especial da família, da criança e do adolescente, bem
como o efetivo respeito dos serviços de relevância pública e dos meios de
comunicação aos ditames constitucionais.
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2. Da competência da Justiça Federal :
A competência da Justiça Federal é notória no caso em
questão.
Sustentam a competência dessa Justiça Especializada, no
caso, tanto a Constituição da República quanto diversas normas
infraconstitucionais, pois que o caso concreto não se resume a dano causado à
criança, ao adolescente ou aos cidadãos que compõem a família como
consumidores dos serviços de radiodifusão de som e imagens.
É mais ampla, tendo como objeto serviço que tem sua
veiculação no mercado, periculosidade e nocividade submetidas a consistente
análise da União, mediante seu Departamento de Classificação Indicativa,
vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e
Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça
A vinculação do Ministério da Justiça à atividade administrativa
em questão é conseqüência do estatuído na Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, que, em cumprimento às determinações da Constituição
Federal e de outras normas infraconstitucionais – em especial o Estatuto da
Criança e do Adolescente – , estabelece os parâmetros de classificação
indicativa a serem observados na exibição de programas televisivos, em prol
da proteção da coletividade.
No caso, se por um lado temos uma atuação administrativa que
deixa a desejar por parte do Ministério da Justiça no cumprimento das
obrigações que lhe foram impostas constitucional e legalmente, qual seja, a
classificação e a fiscalização da programação televisiva vinculada pelas
Emissoras-Rés, tal como determinado pela Portaria nº 796, de 08 de setembro
de 2000, a atuação jurisdicional em respeito aos direitos fundamentais em tela
cabe, por conseguinte, à Justiça Federal.
De fato, a presença do Ministério da Justiça, como órgão da
União, na questão em tela, justifica, desta forma, a competência dessa Justiça,
como se afere nos termos da nobre Constituição da República :
"Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar:
1 - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do
Trabalho;"(grifou-se)
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Nestes termos, a lide em tela está sujeita à competência da
Justiça Federal.
3 . D a existência
correspectivo dever de indenizar :
do
dano
moral
coletivo
e
do
É sabido que uma considerável porção da população brasileira
é constituída por analfabetos e semi-analfabetos e, dentre o restante, a leitura
não é exatamente um hábito ou mesmo um dos principais passatempos. Por
isso e por ser um meio bastante acessível, a televisão se tornou a principal
fonte de informação da população brasileira e uma opção barata de lazer e
entretenimento, sendo, dentro de uma casa, monopolizadora das atenções.
De fato, nos lares brasileiros, não há rádio, livro, jornal ou
revista que consiga superar ou se igualar à TV em se tratando de atrair e
manter a atenção do público. Ela não é apenas um instrumento de informação
e diversão, mas também um instrumento de identificação.
Cada espectador, seja ele adulto ou criança, se identifica e se
reconhece nas pessoas comuns, nos personagens e nas histórias que desfilam
pelos diferentes programas, e, através da televisão, sente-se parte de um
grupo e integrado ao mundo.
Por tudo isso, a televisão incorporou-se de tal forma à vida
social de cada pessoa e de cada família que muitos a consideram um
verdadeiro membro da família, fazendo com que ocupe um lugar de honra na
casa e na vida de cada família.
Ora, nessa esteira, a exibição do Programa “ZORRA TOTAL”
pelas Emissoras-Demandadas, em horário não-permitido pela Portaria nº 796,
de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, em toda a circunscrição
territorial do Estado do Acre, viola profundamente os valores constitucionais e
legais que deveriam ser cumpridos por uma concessionária pública de
radiodifusão de som e imagem.
Há, no caso, violação a interesse de titularidade de toda a
coletividade, razão pela qual esse prejuízo há de ser ressarcido, enquanto
dano moral, conforme o previsto no inciso V do artigo 1º da Lei n° 7.347/85,
transcrito abaixo :
"Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: (...)”(grifou-se)
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O Código de Defesa do Consumidor, consubstanciado na Lei
nº 8.078/90, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral,
nos incisos VI e VII de seu artigo 6º, escudado pela previsão de nossa Carta
Magna, na dicção do inciso V do artigo 5º.
Vejamos o que prevê o citado artigo do Código de Defesa do
Consumidor :
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais,
individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas
à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,
administrativa e técnica aos necessitados.”(grifou-se)
Oportuno salientar que, em caso análogo, a necessidade de
reparação do dano moral coletivo já foi reconhecida em outra Ação Civil
Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, no Estado de São Paulo,
perante a 4ª Vara da Seção Judiciária Federal daquele Estado, no Processo nº
98.0038893-1, consoante se verifica do trecho abaixo extraído da sentença
preferida naquele autos :
“O ataque aos valores de uma comunidade, além dos danos
materiais que gera, provoca a irrefutável necessidade de
reparação moral, na ação coletiva.
Semelhantemente ao dano coletivo material, o dano moral
coletivo somente virá a ser tutelado, se inserido nas lides coletivas.
Dano moral coletivo indivisível - produzido por ofensas aos
interesses difusos e coletivos de uma comunidade - ou divisível ocasionado por ofensa aos interesses individuais homogêneos –
exigem tutela macro-individual, para salvaguarda de efetiva
reparação do bem jurídico.
Do exposto, constatamos que, à maneira do dano coletivo
material, o dano moral coletivo clama, pela urgência de
reparação, por instrumentos processuais novos. Se ignorados estes
instrumentos, impossível a reparação ao dano moral coletivo.
Permanecerá a afronta aos valores ideais à sociedade, reduzindo o
sentimento de auto estima, que cada pessoa, dela integrante,
abriga no íntimo. E daí advirão efeitos nocivos, para o progresso
do país.
Deparam-se, na doutrina, exemplos de dano moral coletivo.
Esta refere-se a danos a interesses difusos ou coletivos, no caso dos
consumidores, oriundos da publicidade abusiva, em relação a
valores socialmente aceitos.(BITTAR FILHO, Carlos Alberto,
‘Pode a coletividade sofrer dano moral ?’, in IOB - Repertório de
Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, nº 15, São
Paulo, agosto/96).
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O patrimônio moral não se restringe aos valores morais
individuais da pessoa física. Assim, a dor psíquica, esteio da teoria
do dano moral individual, alonga seu braço, até alcançar o dano
moral coletivo : um sentimento de desapreço, que atinge, de
maneira negativa, toda a coletividade. Ocorre, por exemplo,
quando a boa imagem do serviço público, ou o conceito de
cidadania de cada brasileiro é afetado.
Difícil orçar a ofensa, desencadeada à sociedade, à
credibilidade do Estado, quando não se empregam os
instrumentos de reparação do patrimônio moral. Resulta no não
reconhecimento de valores sociais essenciais.
Ao sofrer a lesão moral, cabe à coletividade o justo
ressarcimento. Do contrário, repentinamente, pode debilitar-se
seu patrimônio imaterial.
As indenizações, por dano moral coletivo, reputam-se
essenciais, para confirmar, ao brasileiro, o verdadeiro valor do
seu patrimônio moral, digno de proteção judicial.
O preclaro Dr. Oscar Dias Corrêa assinala: “a reparação do
dano moral enfatiza o valor e importância desse bem, que é a
consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão
mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.” [RTJ
108/294].
A reparação do dano moral coletivo representa, para a
coletividade, uma conquista. Trata-se do reconhecimento, pelo
Direito, de valores sociais indispensáveis, como a imagem do
serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que
adentram a já aniquilada noção de cidadania do brasileiro.
A reparação do dano moral coletivo traz, em seu âmago, a
efetiva cidadania.(...)” (grifou-se)
A doutrina também apoia a tese da reparação do dano moral
coletivo, como lembra o estudioso CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, cujo
trecho se transcreve :
“ ...chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a
injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é
a violação antijurídica de um determinado círculo de valores
coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo
menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial.”3
3 Direito do Consumidor, Vol. 12- Ed. RT, “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”.
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Assim, impossível deixar de reconhecer, no caso concreto, a
responsabilidade das Emissoras-Rés pelos danos morais advindos da indevida
exposição, a milhares de espectadores, a cenas impróprias veiculadas pelo
Programas Televisivos acima citados, tudo em virtude do fato de que não se
encarregaram elas de fazer a adequação de sua grade-horária às
peculiaridades de fuso vigente no Estado do Acre, como o estava a exigir
Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, que
disciplina regras para a exibição de programas em todo o território nacional.
Ora, tal responsabilização gera, sem sombra de dúvidas, o
direito à indenização por parte dos titulares dos direitos difusos lesados, que
compõem um número indeterminado de pessoas, pela própria natureza da
comunicação de massa.
E isso, como já se disse, em virtude de que tais tipos de
programas estimulam precocemente a libido e as fantasias sexuais dos
telespectadores infantis e adolescentes, principalmente, acarretando, dentre
outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar e a sexualização e
gravidez precoces.
Desta forma, resta evidente a responsabilidade das Emissoras
REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV ACRE pelo dever de reparar os danos a
que deram causa, especialmente àqueles de natureza moral que afetaram a
todos os telespectadores - dentre eles, como já dito, crianças e adolescentes -,
alcançados por várias cenas e vocabulário relacionados à temática sexual, que
estimulam precocemente a libido e a desvalorização do corpo, que estão sendo
transmitidas em horário inadequado, cujo respectivo quantum fica ao
arbitramento desse Juízo.
4. Do cabimento da antecipação de tutela :
A tutela antecipada, necessidade do pleno exercício do direito
de ação, em prol da defesa de toda e qualquer ameaça ou lesão a direito,
encontra-se prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, bem assim no
artigo 84, parágrafo 3º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Visa a tutela antecipada garantir o resultado efetivo do
provimento jurisdicional, sendo de particular necessidade nas ações relativas à
defesa do cidadão, as quais exigem a celeridade e eficiência como condições
para o resguardo de tais direitos difusos, tendo como requisitos a
verossimilhança das alegações constantes na inicial e o fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação caso a medida só venha a concretizarse ao final da lide.
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Necessária, portanto, se faz a concessão, liminarmente, da
antecipação de tutela ora pretendida, em virtude de já se ter iniciado o horário
de verão, que adiantou o horário neste Estado em 3(três) horas em relação ao
resto do Brasil.
No caso, estão plenamente configuradas nesta Ação Civil
Pública os requisitos para a obtenção da tutela antecipada, pois que não
admiti-la seria perpetrar o dano causado pela veiculação em horário
inadequado do Programa Televisivo “ZORRA TOTAL”, numa amplitude
indeterminada, em contrariedade ao que estatui a Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, do Ministério da Justiça.
IV. DO PEDIDO :
Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL :
1. Liminarmente :
a) determine Vossa Excelência, sem audiência de justificação
prévia, seja concedida a tutela antecipada, inaudita altera parte, eis que
presentes os requisitos relativos ao periculum in mora e fumus boni juris, para
compelir a REDE GLOBO DE TELEVISÃO e a TV ACRE a adequarem a sua
grade de programação-diária para que a transmissão do Programa Televisivo
“ZORRA TOTAL” seja efetivamente exibido neste Estado a partir das
21h(vinte e uma horas), conforme o Sistema de Classificação Indicativa do
Ministério da Justiça, publicado no Diário Oficial da União no dia 10 de
novembro de 1999(Documento 02);
b) na adequação da grade horária solicitada acima, ordene
esse Juízo à REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV ACRE que passem a
veicular, de forma nítida e suficiente para seu correto entendimento,
anteriormente às próximas 05(cinco) edições do referido Programa Televisivo
por elas exibido e ora questionado por sua exibição no Estado do Acre em
horário não permitido pela Portaria nº 796/2000, do Ministério da Justiça, um
aviso nos seguintes termos : “Este Programa está sendo veiculado neste
horário em virtude de decisão da Seção Acreana da Justiça Federal,
atendendo a pedido do Ministério Público Federal”; e
c) tendo em vista que não há pedido liminar em face da
UNIÃO, requer seja dispensada a sua manifestação no prazo previsto no artigo
2º da Lei nº 8.437/92.
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2. No mérito :
a) a procedência da presente Ação Civil Pública para condenar
as Emissoras REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV ACRE a adequarem a sua
grade de programação-diária, nos termos da Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, do Ministério da Justiça, para que a transmissão do
Programa Televisivo “ZORRA TOTAL” seja efetivamente exibido neste Estado
a partir das 21h(vinte e uma horas), conforme determina o Sistema de
Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, publicado no Diário Oficial da
União no dia 10 de novembro de 1999(Documento 02);
b) sejam condenadas a REDE GLOBO DE TELEVISÃO e a TV
ACRE, de forma solidária, ao pagamento de multa diária de R$ 20.000,00(vinte
mil reais), no caso do descumprimento da obrigação de fazer determinada,
tanto em tutela antecipada quanto no provimento judicial definitivo, devendo o
numerário arrecadado a esse título ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13
da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis, inclusive a
suspensão do aludido Programa Televisivo por elas exibido pelo prazo de
30(trinta) dias, nos termos da Lei nº 4.117/62, que institui o Código Brasileiro
de Telecomunicações;
c) sejam as Emissoras REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV
ACRE condenadas, também de forma solidária, em valor a ser arbitrado pelo
Juízo, ao pagamento de indenização por dano moral causado à coletividade,
em face da veiculação do Programa acima citado no território acreano em
horário contrário à Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, realizada
com base na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, daquele Ministério;
d) ainda a título de reparação do dano causado, ordene esse
Juízo à TV ACRE disponibilize ela a veiculação em sua regular programação,
durante 06(seis) meses, mediante inserção diária de 05(cinco) minutos, de
mensagens publicitárias de caráter informativo-pedagógico - editadas pelo
próprio Ministério Público Federal com seus parceiros institucionais,
precipuamente as Secretarias Estaduais de Educação e Saúde -, atinentes à
prevenção da gravidez precoce e das doenças sexualmente transmissíveis,
após aprovação de seu conteúdo por esse Juízo, nelas se fazendo constar a
seguinte observação : “A presente mensagem publicitária está sendo
veiculada neste horário em virtude de decisão da Seção Acreana da
Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal.”;
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e) seja a UNIÃO, através do Departamento de Classificação
Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e
Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça,
condenada a promover um efetivo controle e fiscalização sobre os programas
veiculados pelas Emissoras REDE GLOBO DE TELEVISÃO e TV ACRE,
exercendo as atividades de polícia a ela inerentes, visando coibir a radiodifusão
futura de sons e imagens que estejam em desacordo com a Portaria nº 796, de
08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça;
f) sejam citadas todas as Demandadas, na pessoa de seus
representantes legais, para, querendo, contestar a presente Ação Civil Pública,
no prazo legal, cientificando-lhes que a ausência de contestação implicará em
contumácia e em reputar-se como verdadeiros os fatos alegados na inicial;
Por derradeiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL comunica
que pretende provar o alegado por todos os meios de prova em direito
admitidos - embora a matéria seja eminentemente jurídica - , pedindo sejam as
rés condenadas, de forma pro rata, ao pagamento de todas despesas
processuais decorrentes da presente lide, dando-se à causa, para efeitos
fiscais, o valor de R$ 20.000,00(vinte mil reais), por se tratar de Ação Civil
Pública que visa à defesa dos interesses coletivos, os quais, por natureza, são
indisponíveis e inestimáveis.
Pede deferimento.
Rio Branco/AC, 10 de novembro de 2003.
Marcus Vinicius Aguiar Macedo
PROCURADOR DA REPÚBLICA
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DOCUMENTOS ANEXOS :
• Documento 01 – Grade de Programação da Emissora REDE GLOBO DE
TELEVISÃO;
• Documento 02 – Classificação Indicativa do Ministério da Justiça referente
ao Programa “ZORRA TOTAL”, transmitida pela Emissora REDE GLOBO DE
TELEVISÃO e retransmitida, em todo o Estado do Acre, pela TV ACRE;
• Documento 03 – Ofício nº 552/2003-PR/AC/MV, de 07 de novembro de
2003, encaminhado à Emissora TV ACRE;
• Documento 04 – Resposta da Emissora TV ACRE;
• Documento 05 – Cópia da decisão liminar proferida nos autos da Ação Civil
Pública nº 2003.30.00.002140-1, em curso na 2ª Vara da Seção Judiciária do
Estado do Acre;
• Documento 06 – Cópia da decisão liminar proferida nos autos da Ação Civil
Pública nº 2003.30.00.002477-0, em curso na 1ª Vara da Seção Judiciária do
Estado do Acre; e
• Documento 07 – Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério
da Justiça.
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