Sentença - Ministério Público Federal
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Sentença - Ministério Público Federal
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre SENTENÇA Processo n. 2003.30.00.002600-0/1ª Vara Classe 7100 – Ação Civil Pública Requerente: Ministério Público Federal Requeridos: Tv Globo Ltda e Outros assinada Cuida-se de ação civil pública, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL com a finalidade de que as emissoras TV GLOBO LTDA e TV ACRE modifiquem a sua grade de programação diária para que a transmissão do programa televisivo “Z ZORRA TOTAL”, no Estado do Acre, ocorra em horários que respeitem as disposições contidas na Portaria nº 796/2000 do Ministério da Justiça. 2. A demanda dirige-se, outrossim, contra a UNIÃO, a fim de que este ente público promova o efetivo controle e fiscalização, através do Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Título e Classificação da Secretaria Nacional da Justiça do Ministério da Justiça, sobre o aludido programa veiculado pelas Emissoras Requeridas. 3. Não tendo sido apresentado pedido liminar em face da UNIÃO, esta não se opôs à concessão da antecipação postulada (fls. 37/38), ao manifestar-se no prazo do artigo 2° da Lei n. 8.437/92. 4. Presentes os pressupostos descritos no artigo 273 do CPC, às fls. 40/43 foi concedida a medida antecipatória requerida, tendo sido determinado o ajustamento da programação diária para que o programa em questão fosse exibido a partir das 21 (vinte uma) horas. 5. Inconformada com a decisão antecipatória, a TV ACRE interpôs Agravo de Instrumento com pedido de atribuição de efeito suspensivo (fls. 51/78) e, posteriormente, apresentou Reclamação junto ao STJ, no qual conseguiu liminar para suspender o ato impugnado judicial até deliberação final (fls. 81/82). TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-04 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença 6. Fl. 2 Em Contestação de fls. 88/145, a TV ACRE alegou, em síntese, que a censura prévia está proibida pelo nosso ordenamento e que o ajuste nos horários de programação irá provocar danos de grande monta para a emissora. Por sua vez, a TV GLOBO (fls. 147/218) alegou, preliminarmente, a perda do objeto da ação, tendo em vista o término do horário de verão e, no mérito, argüiu a sustação pelo STJ dos efeitos da Portaria n. 796/2000 e que esta tem apenas efeitos indicativos sobre a classificação dos programas de rádio e televisão. 7. A União aduziu, às fls. 226/232, sua ilegitimidade passiva ad causam e, por outro lado, asseverou não restar dúvidas quanto a legitimidade ativa ad causam, tendo em vista ser parte interessada em que as emissoras de televisão cumpram a mencionada portaria do Ministério da Justiça. 8. O Ministério Público Federal, às fls. 241/252, requereu a transposição da União para o pólo ativo da presente demanda. Intimadas as partes para dizer se têm provas a produzir, o Autor requereu o julgamento antecipado da lide. A TV GLOBO pediu fosse coletado o depoimento pessoal do Representante da parte Autora. 9. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO 10. INDEFIRO o pedido da TV GLOBO para produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal do Representante da parte Autora, pois esta espécie de prova visa à obtenção de confissão, inviável neste processo. Destarte, versa a causa sobre direitos indisponíveis. Além disso, não há controvérsia sobre questões de fato, como será referido mais adiante, razão pela qual se torna dispensável a dilação probatória, não havendo, portanto, necessidade de produzir prova em audiência. De modo que passo a conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença (artigo 330, I, CPC). 11. REJEITO a preliminar de perda do objeto levantada pelo TV GLOBO LTDA., na contestação de fls. 147/175, pois, se por um lado é verdade que já findou o horário de verão, também é correto observar que o programa televisivo “ZORRA TOTAL”, classificado pelo Ministério da Justiça como recomendado para depois das 21:00 horas, continua sendo apresentado atualmente às 20:05 horas. Isso significa cerca de uma hora antes do horário recomendado pelo Ministério da Justiça, permanecendo o interesse do Autor em ver proferido provimento de mérito. Outrossim, com o atual retorno do horário de verão, novamente referido programa televisivo passou a ser exibido às 19:05 horas. 12. ACOLHO a preliminar a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam argüida pela UNIÃO e, por não restar dúvidas quanto a legitimidade ativa ad causam, TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença Fl. 3 tendo em vista ser parte interessada, deve a mesma ser incluída no pólo ativo da presente demanda. 13. Quanto ao mérito, retomo inicialmente o que já anotado na decisão de fls. 40/43, quando afirmei que, nos termos do documento de fl. 26, o Programa Televisivo “ZORRA TOTAL”, transmitido pelas Emissoras Requeridas TV GLOBO e TV ACRE, foi classificado como programa não recomendado para menores de 14 anos, pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, sendo inadequado para antes das 21 (vinte e uma) horas, sob o argumento de “desvirtuamento de valores éticos”. 14. Segundo informado pela própria Emissora Requerida TV ACRE, por meio do expediente de fl. 35, o Programa “ZORRA TOTAL” vai ao ar nas noites de sábado, a partir das 19 (dezenove) horas e 05 (cinco) minutos, no Estado do Acre, no período do horário de verão. Mesmo quando este não vigora, o aludido programa é exibido a partir das 20 (vinte) horas e 05 (cinco) minutos, dessa forma restando provado o fato de que, em qualquer das hipóteses, as Requeridas não observam a classificação realizada pelo Ministério da Justiça. 15. De modo que não há controvérsia quanto à questão do horário de veiculação do referido programa. Nem se controverte sobre o fato de que este foi classificado como programa não recomendado para menores de 14 anos. A controvérsia presente nos autos é eminentemente de direito, envolvendo a alegada suspensão dos efeitos da Portaria do Ministério da Justiça n. 296/2000 por decisão do Senhor Presidente do STJ, nos autos do Mandado de Segurança n. 7282/DF, bem como a aplicação dos princípios constitucionais que protegem a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, (art. 5º, inciso IX, CF) e dos princípios igualmente constitucionais que outorgam preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e protegem os valores éticos e sociais da pessoa e da família, na produção e na programação das emissoras de rádio e de televisão (artigo 221, incisos I e IV, CF). 16. A Portaria nº 796/2000 do Ministério da Justiça, que em seus artigos 1° e 2° dispõe sobre a indicação do horário de transmissão de programas de televisão, veda a exibição em horário diverso do permitido. Ao fazê-lo, invoca expressamente o permissivo constitucional fixado no artigo 220, § 3°, inciso I, acrescentando a disposição contida no artigo 21, inciso XVI, ambos da Constituição Federal. Do mesmo modo é invocado o artigo 254 da Lei nº 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. 17. Não desconheço que nos autos do Mandado de Segurança n. 7.282/DF (2000/0131264-2), em trâmite no STJ, foi concedida medida liminar sustando os efeitos da Portaria n. 796/2000, quanto ao comando da parte final do seu artigo 2°. A decisão foi TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença Fl. 4 exarada pelo Senhor Ministro Paulo Costa Leite, então Presidente do STJ, em 27.12.2000, não havendo decisão final até a presente data. No entanto, ainda que a Requerida TV GLOBO LTDA. seja associada à Impetrante daquele mandamus, gozando, portanto, dos efeitos da decisão do STJ, o certo é que a liminar ali exarada tornou ineficaz apenas a parte final do artigo 2º da Portaria n. 796/2000, que vedava terminantemente a exibição de programas em horário diverso do permitido. As regras classificatórias não foram atingidas pelo ato judicial singular. Referidas regras classificatórias constituem o parâmetro oficial na fixação dos horários de veiculação. 18. Entendo que tais regras classificatórias encontram fundamento direto no Texto Constitucional de 1988, especialmente no seu artigo 221, incisos I e IV. Se fosse facultado às emissoras de televisão exibir qualquer espécie de programa em horário diferente daquele oficialmente classificado, estar-se-ia colocando em absoluto desprestígio o comando constitucional que ordena ao Estado proteger os valores éticos e sociais da pessoa e da família e que outorgam preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, na produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão. 19. A formação e o bem estar das crianças e adolescentes foram priorizados pela mesma Carta Magna de 1988, em seu art. 227, e reforçados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, artigo 75, que determina que toda criança ou adolescente terá acesso a diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária. Nesse contexto normativo, compete à União a classificação de diversões públicas e programas de rádio e televisão (art. 21, da CF), valendo dizer que essa competência não é uma faculdade da Administração, mas um dever, diante das normas insertas no artigo 220 da CF e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 20. Nesse sentido, a observância pelas redes de televisão e rádio, que exercem suas atividades mediante concessão e/ou permissão do Poder Público, das normas a respeito da classificação dos programas que visam à proteção das crianças e adolescentes não implica censura ou retorno à censura. Há, sim, a prevalência do interesse público, consoante a observância dos princípios constitucionais e dos valores éticos consubstanciados em referidos princípios. Há censura quando há impedimento à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. A fixação de horário certo para veiculação de determinadas obras intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação encontra justificativa razoável nas disposições constitucionais supracitadas. 21. Apenas para ilustrar melhor essa posição, considere que, invocando a liberdade de expressão de sua atividade, determinado artista decidisse pintar um quadro em pleno cruzamento da Avenida Brasil com a Avenida Rebouças, na cidade de São Paulo, ao TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença Fl. 5 meio dia, em uma quarta-feira normal de trabalho. Considere ainda que ele resolvesse fazer do local seu lugar de trabalho, lá instalando suas telas, molduras, pincéis, tintas, rascunhos, estudos, cavaletes, espátulas etc. Parece claro, até de um ponto de vista puramente intuitivo, que a decisão do artista não é correta, ainda que invocando a ampla liberdade de expressão da atividade artística. Excepcionalmente, em razão de um trabalho especial e temporário, algo do gênero poderia ser permitido. Mas não se concebe que a regulação do trânsito, que impede o artista de fazer do cruzamento das avenidas seu lugar de trabalho, implique algo como censura ou restrição indevida na liberdade artística. 22. De fato, ao artista é garantida a mais ampla liberdade de atuação, inclusive quanto a locais e horários de sua atividade, respeitadas certas regras em determinados casos. O respeito às regras de coordenação das liberdades não implica restrição injustificável do direito de manifestação artística, como no caso acima delineado, muito menos censura, definida como impedimento à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. No caso acima imaginado, não ocorre impedimento à referida liberdade, pois o artista pode continuar a desenvolver livremente sua atividade em local e horário próprios, sem qualquer controle e restrição quanto ao conteúdo por parte de quem quer que seja, especialmente do Poder Público. 23. Pode-se argumentar que a hipótese acima é claramente exagerada, não servindo como ilustração pertinente da necessidade de coordenação da liberdade de expressão artística e de comunicação com os outros direitos. Se for assim, considere então o caso de as Requeridas, invocando sua liberdade, passassem a pretender exibir, às 9:00 horas (manhã), algum filme pornográfico na sua grade de programação. Mais que isso, pretendessem criar programa fixo de veiculação de filmes do gênero, diariamente, no aludido horário. Segundo os argumentos expendidos pelas Requeridas, o Poder Público não poderia interferir em tal empreitada, sob pena de estar ferindo a liberdade de expressão artística e de comunicação. Por que não o fazem? Por que não aceitamos que o façam? 24. Na verdade, desse último exemplo emerge a idéia de que se deve combinar, razoavelmente, a liberdade de manifestação artística e de comunicação com a proteção dos valores éticos e sociais da família e da pessoa. Não se trata de buscar restringir qualquer dos direitos a ponto de afetar seu núcleo essencial, mas de perceber que a fixação de horários próprios à veiculação de certos conteúdos protege os valores éticos e sociais da família e da pessoa sem obstar que o programa televisivo livremente criado seja efetivamente exibido, na sua integralidade. Estipular a obrigatoriedade dessa coordenação não impede ninguém, muito menos as Requeridas, de criar, produzir e exibir o programa televisivo que bem entender, ainda que alguém tenha a opinião de que ele, no final das contas, é de péssimo gosto. TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença 25. Fl. 6 O que se retira, portanto, da avaliação desses argumentos é a constatação de que há uma norma amplamente aceita de que certos programas de televisão, em razão de seus conteúdos, devem ser exibidos apenas em horários apropriados. Referida norma é respeitada pela própria emissora de televisão que produz o Programa ZORRA TOTAL, que reconhece ser ele impróprio para crianças menores de 14 anos, pela circunstância de não ter impugnado a portaria que o classificou como tal, e considerando que tem veiculado o dito programa, nas diversas regiões do país (menos no Acre!), em obediência a dita portaria classificatória. Cuida-se de norma que se sustenta em boas razões e não afeta o conteúdo essencial da liberdade de manifestação artística e de comunicação, conforme já se explicitou. 26. Ora, a afirmação do Justice Hugo Black de que “não é difícil, a mentes engenhosas, cogitar e inventar meios de fugir até das categóricas proibições da Primeira Emenda (...). A censura, mesmo sob o pretexto de proteger o povo contra livros, peças teatrais e filmes obscenos por outras pessoas, demonstra um receio de que o povo não seja capaz de julgar por si”, contida no voto do Ministro Celso de Mello do STF (conforme transcrito na contestação da Requerida TV Globo, fl. 158), faz referência ao ato de obstar a divulgação de certos conteúdos pelos meios de comunicação. Não é o caso do processo em julgamento, pois aqui não se cogita de impedir as Requeridas de veicularem o programa televisivo que produzem. 27. Destarte, não se está fazendo controle e nem restrição do conteúdo do referido programa. Apenas se está afirmando que, do ponto de vista constitucional, a veiculação do programa não é permitida antes das 21 horas. As normas constitucionais que outorgam preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e que protegem os valores éticos e sociais da pessoa e da família, na produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão (artigo 221, incisos I e IV, da CF) exigem que a veiculação em horário adequado do programa televisivo “ZORRA TOTAL”. Portanto, não é o caso de proibir-se a transmissão do programa, mas, tão-somente, situar sua exibição em horário compatível com o seu público-alvo. 28. Além disso, é importante anotar que a Constituição de 1988 também faz referência ao estabelecimento de meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221 (artigo 220, § 3º, inciso II), reconhecendo a exigibilidade judicial dos direitos decorrentes dos princípios ali estampados. Não poderia ser diferente, inclusive porque a criança e o adolescente têm direito constitucional a proteção especial (artigo 227, CF). 29. TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 Aliás, o princípio da proteção especial é reconhecido em nível de direito PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença Fl. 7 internacional, por meio da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1989, a qual proclama que “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal”. O artigo 17 da Convenção dispõe que os Estados Partes reconhecem a função importante desempenhada pelos meios de comunicação e zelarão para que a criança tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente informações e materiais que visem a promover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental. Para tanto, os Estados Partes, entre outras providências, promoverão a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar. 30. Apresento um argumento adicional para que se decida por ordenar a exibição do Programa ZORRA TOTAL em horário compatível com o seu público-alvo. É que o procedimento atual das Requeridas implica uma consideração profundamente desigual das crianças e dos adolescentes que residem neste Estado e daqueles outras que moral nas outras Regiões do país. Afinal, é a própria Emissora de Televisão produtora do Programa que admite ser ele impróprio para crianças menores de 14 anos. Assim sendo, se a referida Emissora obedece à portaria classificatória nas demais localidades, porquê também não a obedece aqui? Entendo que os horários fixados na portaria ministerial devem ser observados levando em conta o local de exibição dos programas, não o de sua geração/transmissão, sob pena de configurar-se a desigualdade na proteção dos menores. 31. O que quero realçar, desse modo, é a existência de verdadeira discriminação na observância dos parâmetros de classificação dos horários dos programas, no proceder das Requeridas. Não é razoável que apenas no Estado do Acre a exibição do programa ZORRA TOTAL ocorra em horário incompatível com o previsto na Portaria Ministerial. Claro o tratamento desigual dispensado pelas Requeridas a pessoas da mesma nacionalidade, que gozam dos mesmos direitos constitucionais e legais. E isso porque considera “intocável” a grade sua programação diária, na medida em que muito dispendiosa a sua modificação local. No ponto, basta dizer que argumentos de ordem estritamente financeira não têm o condão de afastar a aplicação correta de direitos de ordem constitucional, notadamente quando as Requeridas gozam de concessões do Poder Público, estando sujeitas a sua regulamentação estrita. 32. De modo que o princípio da isonomia, insculpido lapidarmente no artigo 5º, caput, da Constituição de 1988, é o argumento adicional para concessão do pedido do autor, quanto à adequação do horário de veiculação do programa “ZORRA TOTAL”. Como dito pelo Senhor Desembargador Federal Fagundes de Deus, nos autos do Agravo de Instrumento n. 2003.01.00.038508-1/AC, “parece desrevestido de razoabilidade TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença Fl. 8 permitir-se, apenas no estado do Acre, sua exibição em horário incompatível com o enquadramento regulamentar, até porque é injustificável dar-se tratamento diferenciado a crianças e adolescentes domiciliados em diferentes estados da federação”. 33. Por outro lado, na doutrina jurídica pátria, já há manifestações no sentido do acerto da medida. Faço referência ao artigo Ação Civil Pública e Programação de TV do Professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA1, no qual afirma que: “a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Significa isso que, procedente o pedido, tem o órgão judicial a possibilidade de proibir a exibição do programa incompatível com a Constituição, e bem assim, em termos gerais, a de impor à emissora que adapte sua programação às diretrizes do art. 221. (...) Não é por acaso que o art. 220, caput, contém a expressa ressalva “observado o disposto nesta Constituição”. A liberdade de criação artística e de difusão de idéias e conhecimento não é absoluta; obrigatoriamente há de respeitar outras liberdade e direitos também consagrados na Lei Maior”. (grifei) 34. Valho-me, mais uma vez, das palavras do Senhor Desembargador Fagundes de Deus, para realçar novamente que essa conclusão “não se contrapõe à decisão monocrática proferida pelo então Ministro-presidente do egrégio STJ, no MS 7282. O fato de ter sido concedido liminar, tornando ineficaz a parte final do art. 2º da Portaria 796/2000, que veda terminantemente a exibição de programas em horário diverso do permitido, não significa que as regras classificatórias tenham sido atingidas por tal ato judicial singular. Deve-se, pois, valer-se, caso a caso, do bom senso e do princípio da razoabilidade, para fazer prevalecer os princípios maiores do ordenamento jurídico, atinentes à proteção da família, da criança e do adolescente, sem que, com isso, se esteja comprometendo a liberdade de expressão, comunicação ou, até mesmo, impondo qualquer censura ao programa em si (vedada esta, como se sabe, pelo texto constitucional – CF, art. 5º, IX), uma vez que não se está a impedir a sua transmissão, mas, apenas, situando sua exibição em horário compatível com o seu público-alvo”. 35. De outra parte, quanto ao pedido de indenização por danos morais, entendo caber razão à Requerida TV GLOBO quando afirma que não há provas de sua ocorrência. É que deveria ter sido provado não só a conduta ilegal das Requeridas, mas que essa conduta tivesse acarretado conseqüência clara e determinada: a afetação do patrimônio valorativo de uma certa comunidade. Não vejo qualquer contradição entre essa afirmação (não prova da ocorrência de determinada conseqüência) e a assertiva de que o proceder das Requeridas é ilegal, quando veiculam o programa “ZORRA TOTAL” em 1 MOREIRA, Barbosa. Ação Civil Pública e Programação de TV. In: Ação Civil Pública – Coordenador Edis Milaré, Ed. Revista dos Tribunais, p. 277. TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA Seção Judiciária do Estado do Acre Autos n. 2003.30.00.002600-0– Ação Civil Pública - Sentença Fl. 9 horário diverso do permitido. Obrigar que se respeitem os valores éticos e sociais da pessoa e da família não implica necessariamente indenizar por conduta anterior. 36. Necessário, portanto, apenas que o referido programa televisivo seja transmitido em obediência ao regulamento ministerial, o qual encontra amparo e sustentação em disposições constitucionais e legais. Não pode tal programa ser veiculado em horário não permitido apenas no Estado do Acre, como decorrência da diferença de fuso horário, sob pena de violação de princípios constitucionais que protegem os valores éticos e sociais da família e dos menores e do princípio da igualdade entre pessoas do Norte e do Sul. DISPOSITIVO 37. Por ser assim, ACOLHO PARCIALMENTE o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da TV GLOBO LTDA e TV ACRE, ordenando às Requeridas que procedam, no prazo de 30 (trinta) dias, ao ajustamento de sua programação diária no Estado do Acre, passando a exibir o programa ZORRA TOTAL a partir das 21 (vinte e uma) horas, horário local, em estrita observância às diretrizes contidas na Portaria nº 796/2000, de lavra do Ministério da Justiça. 38. Fixo multa diária (artigo 461, §§ 3º e 4º, do CPC e artigo 213, §2º do ECA) de R$ 10.000,00 (dez mil reais), incidente na hipótese de descumprimento da determinação contida nesta sentença. 39. Declaro EXTINTO o processo com exame do mérito (artigo 269, I, CPC). 40. Oficie-se a Relatora do Agravo n. 2003.01.00.038501-1/AC, Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida. 41. Retifique-se a autuação para fazer constar a UNIÃO no pólo ativo da presente demanda. 42. Cópias, por ofícios, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e à Rádio Câmara, daquele Órgão Legislativo, que promovem a Campanha Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania. P. R. I. Rio Branco (AC), 12 de novembro de 2004. David Wilson de Abreu Pardo JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA TRF-1ª REGIÃO/IMP. 15-02-05
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