O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da
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O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL D A ___ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE “A exploração da miséria, do sexo, do crime e da violência ganhou, há muito, o horário nobre, em geral mesclando ficção com realidade - química que, muitas vezes, produz belos romances, mas, freqüentemente, desastres jornalísticos. Expressa abertamente por produtores de televisão, a lógica que orienta esses programas é simples : as emissoras atendem ao gosto do freguês. E, na maior parte das vezes, o “freguês” é inculto, suscetível ao sensacionalismo. Quem quer jogar o jogo tem de aceitar essa regra - senão fica de fora. Como a televisão, salvo em alguns poucos programas, não colabora para a elevação da qualidade do espectador e como o nível de educação da maioria da população é baixo, estabelece-se um círculo vicioso. (...) Por trás do episódio GUGU-PCC, há um debate muito mais profundo do que a entrevista fraudada. A mídia, no geral, ainda não se percebe como um instrumento de formação, atendo-se à informação e ao entretenimento - e reflete nossa maior fragilidade, que é a lógica da ignorância que gera ignorância, a mesma que fez de um tipo como GUGU algoz e vítima de sí próprio.” (GILBERTO DIMENSTEIN, “Gugu e o ‘Domingo Ilegal’”, Folha de São Paulo, 21 de setembro de 2003, p. C6) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da República que esta subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, com supedâneo na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 75/93, e de acordo com os preceitos em geral da legislação civil e processual civil, especialmente os da Lei n° 8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.078/90(Código de Defesa do Consumidor) e Lei n° 7.347/85(Lei da Ação Civil Pública), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de tutela antecipada, contra a REDE TV, Emissora de Televisão, pessoa jurídica de direito privado, representada por seu Presidente, AMILCARE DALLEVO, com endereço na Rua Bahia, nº 295, Bairro Alphaville, em Barueri/SP, com CEP. nº 06.465-120 e telefone/fax (11)7266-7000; Endereço: Av. Epaminondas Jácome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (68) 224-4781 / 0321 Fax: (68)224-0673 - e-mail : [email protected] - Rio Branco - Acre. . MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 2 SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., Emissora de Televisão, retransmissora local da programação da REDE TV, pessoa jurídica de direito privado, representada pelo seu Diretor-Geral, Sr. PAULO HENRIQUE MALAQUIAS, com endereço no Conjunto Xavier Maia, Quadra 01, nº 1-A, Bairro Placas, nesta Capital; e a UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, com endereço na Esplanada dos Ministérios, Bloco “T”, Sala 424, em Brasília/DF, CEP. nº 700064900, com telefone (61)429-3145 e fax (61)226-5023, pessoa jurídica de direito público interno, representada judicialmente pelo Advogado da União no Estado do Acre, com endereço funcional na Rua Rui Barbosa, nº 142, Bairro Centro, nesta Capital; pelas razões que passa a expor. I. DO OBJETO DA LIDE : A presente demanda objetiva tutelar direitos do telespectador acreano violados pelas rés REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., como emissoras concessionárias de serviço público federal de radiodifusão de som e imagem no Estado do Acre, por estarem veiculando em horário impróprio nesta Unidade Federada o Programa Televisivo “NOITE AFORA”, obrigando-as a adequar a sua programação diária aos ditames da Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça(Documento IV). Esta Ação Civil Pública visa, ainda, à tutela pecuniária idônea, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, que possibilite a reparação do dano moral causado à coletividade em virtude dessa violação, acarretando, dentre outros, a agressão aos valores éticos e morais da sociedade acreana decorrente da veiculação do Programa “NOITE AFORA” em horário não permitido, em especial a crianças e adolescentes. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 3 Outrossim, pretende esta demanda a condenação da UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, a exercer um controle efetivo sobre os programas veiculados pelas emissoras-demandadas, visando coibir a exibição daqueles que estejam em desacordo com a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, daquele Ministério. A vinculação do Ministério da Justiça, através de seu Departamento de Classificação Indicativa, à atividade administrativa em questão, é conseqüência do estatuído na referida Portaria. O problema é sério porque a influência da televisão é avassaladora. E isso acontece não por seu mérito ou competência, mas porque ela está sozinha. No Estado do Acre, como de resto em qualquer lugar do Brasil, faltam escolas de qualidade para todos, bibliotecas, centros culturais, vida comunitária e a TV acaba sendo a principal fonte de informação e cultura. Sendo um veículo de comunicação de massas, ninguém está pedindo que a TV se transforme em baluarte da erudição exibindo, em horário nobre, debates calorosos sobre Kant ou Nietzsche, mas, num País no qual tem poder de rolo compressor, tem de assumir responsabilidades. Enfim, é preciso exigir a mudança de postura dos que fazem TV e fortalecer a sociedade para o consumo crítico dos produtos televisivos. II. DOS FATOS : A televisão brasileira entra no século XXI comemorando seus 50(cinqüenta) anos, período ao longo do qual foi se desenvolvendo e ocupando cada vez mais espaços nos lares e na sociedade brasileira. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 4 Com efeito, devido à grande importância que adquiriu no dia-a-dia de cada família e de cada brasileiro, consolidou-se como o mais importante veículo de comunicação de massa do País. Seu poder sobre o público é tamanho que, em alguns lares, talvez a maioria deles, é a TV quem determina a organização do tempo e do espaço, estabelecendo toda a rotina da casa. É nesta realidade que se insere, como fato notório, desde 24 de agosto de 2001, a veiculação no Estado do Acre do Programa “NOITE AFORA”, transmitido pela Emissora REDE TV e retransmitido, em todo o Estado do Acre, pela SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., nas noites de terça-feira a sábado, nos seguintes horários, consoante documentação em anexo(Documentos, I, II e III) : DIA DA SEMANA HORÁRIO DE BRASÍLIA HORÁRIO LOCAL Terça-feira à Sexta-feira a partir das 0h50min a partir das 23h15min a partir das 22h50min a partir das 21h15min Sábado O referido Programa Televisivo é apresentado pela conhecida modelo MONIQUE EVANS, tendo como tema principal a pura e simples exploração do sexo, sem nenhum despojamento, tendo inclusive como grande apelo a remissão a vídeos eróticos caseiros e comerciais, como se vê da própria resenha feita pela Emissora Rede TV acerca do Programa em referência, que se encontra no site www.redetv.com.br e é reproduzido abaixo : “O Noite Afora com apresentação de Monique Evans, é o programa que esquenta as madrugadas do telespectador. A produção traz como convidados mulheres e homens lindíssimos que esbanjam sensualidade e erotismo. O assunto em pauta é sempre SEXO! E para falar sobre o que todo mundo gosta de saber, Monique leva seus convidados para cama, com direito a uma esticadinha na banheira. O programa mostra matérias especiais sobre comportamento e o que rola na noite do país. Tudo temperado com muito bom humor e descontração. As personalidades que a apresentadora recebe não escapam de suas perguntas apimentadas e, desde a estréia, em junho de 2001, Monique já conseguiu arrancar inúmeras revelações dos famosos. A temperatura sobe na hora das performances das strippers no estúdio e dos clipes da Garota Noite Afora, produzidos pelo famoso coreógrafo Zé Reinaldo. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 5 E para o telespectador participar da produção, o Noite Afora criou o quadro Sonho Erótico. Nele, suas fantasias se tornam realidade, sejam elas quais forem! Com direção de Pedro Henrique Peixoto. O Noite Afora vai ao ar todas as noites(de terça a sexta às 00h50 e aos sábados às 11h15).” (grifou-se) Tal Programa Televisivo, é de se dizer, tem como “eixo central” entrevistas comandadas pela “âncora” MONIQUE EVANS com seus “convidados”, dividindo-se ordinariamente em diversos “quadros”, em que, incessantemente, são mostradas várias cenas “picantes” e eróticas, transmitindo na tevê o sexo da forma mais despojada possível, sendo desnecessário dizer que tal conteúdo - e muito mais ainda levando-se em conta a linguagem com que é apresentado - exige que a sua veiculação se restringisse tão-somente à população adulta, poupando-se crianças e adolescentes, cuja personalidade se encontra em formação. Realmente, como se vê da simples leitura do site da Emissora REDE TV, os “quadros” apresentados pelo Programa “NOITE AFORA” se resumem ao seguinte : “Quadros especiais compõem o Noite Afora, cada qual com características bem peculiares, variáveis de um mesmo tema, que contam inclusive com a participação do telespectador. São quadros gravados em cenas externas, exibidos alternadamente durante a semana. - SONHO ERÓTICO Fantasias eróticas todo mundo tem. Em "Sonho Erótico", o Noite Afora realiza definitivamente os mais diversos desejos do telespectador, mostrando em detalhes o tão esperado sonho se transformar em realidade. É só mandar um e-mail para [email protected]. - MINHA PRIMEIRA VEZ A primeira vez é sempre inesquecível, não só no sexo, mas também no trabalho e nas aventuras. Neste quadro, a gente pode sentir as sensações deste momento superespecial, acompanhando de perto a primeira vez de uma gata numa situação nova e excitante para ela. - MAKING OF Em Making Of, Noite Afora revela os bastidores e tudo que se passa por detrás das lentes dos ensaios fotográficos das melhores revistas masculinas e femininas, em que a nudez é tratada como verdadeira obra de arte. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 6 - BLITZ NOITE AFORA Os flagrantes mais engraçados e sensuais da noite são mostrados na blitz que a drag-repórter Léo Áquilla faz pelos quatro cantos das principais cidades do Brasil. Não adianta se esconder: a nossa blitz vai pegar você! - CASA DA MARIA FULANA Sensualidade, erotismo e diversão não faltam na "Casa da Mãe Fulana", um lugar muito louco onde garotas belíssimas recebem as suas vítimas e aprontam altas sacanagens. Ou, pelo menos, tentam. - GAROTA NOITE AFORA Clipe das mais belas gatas do país em poses sensuais e provocantes. Garotas com o mínimo de roupa fazem a temperatura do telespectador subir ao máximo. - NO BURRACO DA FECHADURA Muitas curiosidades à vista para quem olha "No Buraco da Fechadura", o quadro em que Monique Evans sai à rua e mostra tudo, ou quase tudo, o que acontece em lugares com a temática erótica, com total e livre acesso. - PELADA É MAIS GOSTOSO Se com roupa já é bom, pelada então... Gatas maravilhosas se aventuram nas mais diferentes situações, desde esportes radicais até trabalhos mais corriqueiros. Tudo isso, com um atrativo: a garota está sempre seminua, deixando as suas curvas ainda mais belas e insinuantes.” Pelo que se constata, pois, o objetivo principal do Programa “NOITE AFORA” é a difusão descontrolada de assuntos de conteúdo estritamente sexual, sem nenhuma restrição a imagens de nudez e pornografia, que, exibidas como o são, de forma insinuante e provocativa, tornam-se sabidamente ofensivas a personalidades que se encontram sob formação. No ponto, é importante dizer que embora não seja proibida no Brasil a veiculação de programas televisivos desse tipo, há expressa vedação por parte de nossas Autoridades Estatais para a sua exibição em certos horários, notadamente com o fito de proteger nossas crianças e adolescentes, consoante se verifica das disposições contidas nos artigos 21, inciso XVI, e 220, parágrafo 3º, incisos I e II, da Constituição Federal, e artigo 254 da Lei nº 8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente). MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 7 Assim, por força da Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça(Documento IV), bem como da Classificação Indicativa do Programa “NOITE AFORA”(Documento V), publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de maio de 2003(Documento VI), o Programa Televisivo em referência não é recomendado para menores de 18(dezoito) anos, sendo inadequado, portanto, para apresentação antes das 23h(vinte e três horas). No entanto, como é sabido, no Estado do Acre, em virtude da peculiar diferença - a menor - de fuso horário de 02(duas) horas com relação à Capital Federal, e como as empresas-rés não fazem a adequação de sua grade de programação diária, o Programa Televisivo “NOITE AFORA” acaba sendo exibido antes do período autorizado pela aludida Portaria. Atenta-se, desta forma, nesta Unidade Federada, contra a formação da família acreana, em especial de seus adolescentes e crianças, que são passíveis de se deixar impressionar e desencadear atitudes de imitação, situação esta que tende a se tornar mais crítica nos próximos dias, quando for implementado o “horário de verão”, momento em que a programação das emissoras acaba sendo adiantada no Estado do Acre em mais 01(uma) hora, perfazendo um total de 03(três) horas de diferença - a menor - com o restante do Brasil. Ora, não se pode negar que o Programa “NOITE AFORA”, com seus excessos desnecessários, sendo apresentado em horário em que estão acordados adolescentes e crianças, atiça precocemente a libido desses espectadores, em nada contribuindo para a conservação dos valores éticos que sustentam a sociedade local, porque são pessoas que ainda atravessam, ou estão prestes a iniciar, a natural etapa do desenvolvimento inerente a todo ser humano, que é a formação do caráter e da personalidade. Conclui-se, daí, que a emissoras-demandadas vêm, reiteradamente, desrespeitando as normas estabelecidas na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, bem como a Classificação Indicativa do referido Programa, dando ensejo, por parte deste Parquet Federal, à propositura da presente Ação Civil Pública. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 8 Cabe, aqui, considerar que os experts na área de psicologia infantil, em uníssono, apontam para o fato de que o excesso de cenas de sexo na televisão atua como fator decisivo nos desvios e abusos ocasionados na infância e na adolescência, posto que estimulam a libido e as fantasias sexuais, acarretando, dentre outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar, a sexualização e gravidez precoces. Neste diapasão, vale transcrever trecho extraído de estudos do Psiquiatra Infantil HAIM GRÜSPUN : 1 "(...) a televisão vem exercendo, cada vez mais, marcante influência sobre a imaginação, fantasia e comportamento da criança. Suas atitudes são freqüentemente passíveis de modificação sob a influência de filmes, novelas, programas variados, desses que se apresentem com uma linha mais ou menos constante de valores e padrões de comportamento: amor-sexoagressividade-medo-terror(...), suscitando reações emocionais". Neste sentido, tais programas forçam a criança a despertar a sexualidade prematuramente à idade em que surgiria tal aspecto de sua personalidade de forma natural. No caso em questão, em que o Programa “NOITE AFORA” vem sendo veiculado com 02(duas) horas de diferença – para menos – em relação ao resto do Brasil, comprovada está a ofensa à dignidade de milhares pessoas, em especial crianças e adolescentes acreanos, refletindo-se negativamente em suas famílias, o que é moralmente reprovável, na medida em que, na falta de outros programas educativos, informativos ou culturais, tenham que se submeter à vexatória banalização do sexo, fato que ocorre ante a falta de um eficiente controle da programação veiculada pelas emissoras-rés. Ora, o entretenimento “mundo-cão”, apoiado numa sórdida manipulação do conceito de liberdade sexual, em que pese possa render bons pontos no Ibope, é proceder que deve ser coibido pelo poder público, pois a TV de qualidade, aquela a que os brasileiros têm direito, aí incluída a população acreana, está bem perfilada na Constituição e nas normas infraconstitucionais. 1 “Assuntos de Família”, SP/SP, Kairós-Livraria Editora, 1984. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 9 No tocante, portanto, o que estamos presenciando, neste Estado é uma sistemática agressão aos valores éticos, à própria Constituição e às leis. Nesta esteira, não cabem mais omissões num quadro de tamanha gravidade. É preciso que todos, sobretudo os que têm parcela de responsabilidade, cobrem a preservação dos valores éticos que sustentam a sociedade e exijam o cabal cumprimento das normas jurídicas deste País. Não resta outra alternativa ao Ministério Público Federal, então, senão a de ajuizar a presente Ação Civil Pública, com pedido condenatório, para que o Poder Judiciário ordene a adequação do Programa Televisivo “NOITE AFORA” para exibição no horário permitido pela legislação vigente, bem assim possa reparar a lesão sofrida pela coletividade, mediante o arbitramento de indenização pecuniária, condenando-se ainda a União, através de suas repartições próprias, a exercer um controle efetivo sobre os programas veiculados pelas emissoras-demandadas, visando coibir a exibição de quaisquer outros eventos que estejam em desacordo com a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça. III. DA FUNDAMENTAÇÃO : 1. Do cabimento da Ação Civil Pública e da legitimidade do Ministério Público : A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso IV, estabelece que a programação das emissoras de televisão atenderá ao princípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de modo a propiciar uma educação saudável e a formar um cidadão consciente de seus deveres e direitos, respeitoso pelas leis e solidário para com os outros cidadãos, dando-se preferência a programas com finalidade educativas, artísticas, culturais e informativas, senão vejamos : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 10 “Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios : I - preferência a finalidade educativas, artísticas, culturais e informativas; (...) IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;” Consciente de que é inútil impor deveres e proibições sem, ao mesmo tempo, facultar aos interessados meios processuais de promover a prevenção e a repressão de eventuais infrações, foi que a Constituição Federal assim dispôs, in verbis : “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (...) § 3.º Compete à lei federal : I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.”(grifou-se) E, ainda, o artigo 21, inciso XVI, da Carta Magna, determinou que compete à União “exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”. Não o bastasse, a Lei nº 8.069/90, que instituiu no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, em seu artigo 254 prevê o seguinte : “Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação. Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias. Nessa esteira, a fim de regulamentar a matéria, o Ministério da Justiça expediu a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça(Documento IV), que vedou a exibição de programas em determinados horários, visando proteger principalmente crianças e adolescentes, cujos trechos transcrevo abaixo : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 11 “O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições, e Considerando que compete à União exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão, de acordo com os arts. 21, inciso XVI, e 220, § 3o, inciso I, da Constituição; Considerando a urgência de se estabelecer a uniformização dos critérios classificatórios das diversões públicas e de programas de rádio e televisão; Considerando ser dever do Poder Público informar sobre a natureza das diversões e espetáculos públicos, as faixas etárias às quais não se recomendem, bem como os locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; Considerando, ainda, que o artigo 254 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - proíbe a transmissão, por intermédio de rádio ou televisão, de espetáculos em horários diversos do autorizado ou sem aviso de sua classificação; Considerando a necessidade de adaptar os novos parâmetros de classificação indicativa à legislação superveniente, resolve: Art. 1o As diversões e espetáculos públicos são classificados previamente como livres ou inadequados para menores de doze, quatorze, dezesseis e dezoito anos. Parágrafo único. Os espetáculos públicos, com bilheterias, estão sujeitos à classificação prévia. Art. 2o Os programas para emissão de televisão, inclusive "trailers", têm a seguinte classificação, sendo-lhes terminantemente vedada a exibição em horário diverso do permitido : I - veiculação em qualquer horário: livre; II - programa não recomendado para menores de doze anos: inadequado para antes das vinte horas; III - programa não recomendado para menores de quatorze anos: inadequado para antes das vinte e uma horas; IV - programa não recomendado para menores de dezesseis anos: inadequado para antes das vinte e duas horas; V - programa não recomendado para menores de dezoito anos: inadequado para antes das vinte e três horas. Art. 4o Sujeitam-se à responsabilidade pelo descumprimento à legislação e às normas regulamentares vigentes os programas classificados apenas pela sinopse, principalmente as telenovelas, minisséries e outros do mesmo gênero. Art. 5o A classificação informará a natureza das diversões e espetáculos públicos, considerando-se, para restrições de horários e faixa etária, cenas de violência ou de prática de atos sexuais e desvirtuamento dos valores éticos e morais. Art. 6o A classificação indicativa, atribuída em portaria do Ministério da Justiça, será publicada no Diário Oficial da União. (...) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 12 Parágrafo único. Nenhum programa de televisão será apresentado sem aviso de sua classificação, exposto de maneira visível, antes e durante a transmissão. Art. 11. A classificação etária e horária deve ser apresentada, com destaque de fácil visualização, na publicidade impressa ou televisiva de filmes ou vídeos/DVD e em outros espetáculos públicos. Art. 12. As chamadas dos programas sujeitos à presente portaria devem obedecer à respectiva classificação. Art. 13. O certificado de que trata o parágrafo único do art. 74 da Lei no 8.069, de 1990, assumirá a forma de portaria publicada no Diário Oficial da União. Art. 14. Cabe à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça, zelar pelo fiel cumprimento da classificação atribuída a cada produto a ser exibido. (...) Art. 16. O descumprimento do disposto nesta Portaria sujeita o infrator às penalidades previstas na legislação pertinente. (...)” (grifou-se) Todavia, como já se disse, no Estado do Acre, no que diz com o horário de exibição, há sistemática veiculação antecipada - em relação ao resto do Brasil - do Programa Televisivo “NOITE AFORA”, em clara afronta aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais retromencionados, sendo, portanto, a Ação Civil Pública, o instrumento legal adequado à vindicação dos interesses ora violados pelas emissoras-demandadas, que se caracterizam como difusos, segundo os ensinamentos de BARBOSA MOREIRA2, citado abaixo : “O interesse (que o art. 220, § 3º, da Constituição visa a preservar) em defender-se ‘de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221’ enquadrase com justeza no conceito de interesse difuso.”(grifou-se) O mesmo autor assevera ainda que : “Se é certo, como se mostrou acima, que encontra lugar entre os interesses difusos o dirigido à observância, pelas emissoras de televisão dos preceitos constantes do art. 221 da Lei Maior, segue-se em lógica elementar, que a ação civil pública, disciplinada na Lei nº 7.347, é instrumento adequado á vindicação de semelhante em juízo.”3 2 Temas de Direito Processual Civil, 1987, Ed. Saraiva, p. 239, “Ação Civil Pública e Programação na TV”. 3 Obra já citada, p. 245. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 13 E o Ministério Público é o órgão ao qual a Constituição Federal incumbiu a guarda dos interesses sociais e individuais que sejam indisponíveis, sendo que o meio judicial para o Parquet fazer isso é a Ação Civil Pública. É o que dispõe o artigo 5º da Lei nº 7.347/85, disposto in verbis : “Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou associação.” Vale lembrar o que diz a Lei Maior em relação às funções institucionais do Ministério Público : “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;” No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 75/93, como se vê : “Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta Lei Complementar, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis. Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.” Reitera-se : o direito à informação, à dignidade, à intimidade e à observação dos princípios constitucionais relativos à comunicação social são direitos sociais, difusos, de extrema relevância, a cuja defesa o Ministério Público não pode se abster. Especialmente se a ofensa a tais princípios é causada por meios de comunicação em massa, na linha do que prevê a referida Lei Complementar, ipsis litteris : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 14 “Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: (...) IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;”(grifou-se) Demonstrada a legitimidade do Ministério Público, resta ainda demonstrar a legitimidade do Ministério Público Federal. Para tanto, vale ressaltar que o caso específico tratado na presente Ação Civil Pública diz respeito a um serviço público federal, de competência da União Federal. É o que diz o artigo 21 da Constituição Federal : “Art. 21. Compete à União Federal : (...) XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;” Tanto é assim que existe a atuação administrativa do Ministério da Justiça no cumprimento de suas obrigações no tocante a tal serviço, qual seja, a fiscalização e classificação de programas, como o atacado nesta Ação Civil Pública, conforme o disposto na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000. Ora, se administrativamente quem atua é o Ministério da Justiça, representando a União, é certo que a guarda judicial dos direitos fundamentais em tela cabe ao Ministério Público Federal. Para espancar qualquer dúvida, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal é clara tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 75/93 : “Art. 39 – Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito : (...) III - pelos concessionários e permissionários de serviço público federal;” MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 15 Em face dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais acima transcritos, é o Ministério Público Federal, pois, parte legítima para propor a presente Ação Civil Pública, que objetiva a defesa dos direitos e interesses coletivos, em especial da família, da criança e do adolescente, bem como o efetivo respeito dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação aos ditames constitucionais. 2. Da competência da Justiça Federal : A competência da Justiça Federal é notória no caso em questão. Sustentam a competência dessa Justiça Especializada, no caso, tanto a Constituição da República quanto diversas normas infraconstitucionais, pois que o caso concreto não se resume a dano causado à criança, ao adolescente ou aos cidadãos que compõem família como consumidores dos serviços de radiodifusão de som e imagens. É mais ampla, tendo como objeto serviço que tem sua veiculação no mercado, periculosidade e nocividade submetidas a consistente análise da União, mediante seu Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça A vinculação do Ministério da Justiça à atividade administrativa em questão, é conseqüência do estatuído na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, que, em cumprimento às determinações da Constituição Federal e de outras normas infraconstitucionais – em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente – , estabelece os parâmetros de classificação indicativa a serem observados na exibição de programas televisivos, em prol da proteção da coletividade. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 16 No caso, se por um lado temos uma atuação administrativa que deixa a desejar por parte do Ministério da Justiça no cumprimento das obrigações que lhe foram impostas constitucional e legalmente, qual seja, a classificação e a fiscalização da programação televisiva vinculada pelas emissorasrés, tal como determinado pela Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, a atuação jurisdicional em respeito aos direitos fundamentais em tela cabe, por conseguinte, à Justiça Federal. De fato, a presença do Ministério da Justiça, como órgão da União, na questão em tela, justifica, desta forma, a competência dessa Justiça, como se afere nos termos da nobre Constituição da República : "Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar: 1 - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho;"(grifou-se) Nestes termos, a lide em tela está sujeita à competência da Justiça Federal. 3 . D a existência do dano moral coletivo e do correspectivo dever de indenizar : É sabido que uma considerável porção da população brasileira é constituída por analfabetos e semi-analfabetos e, dentre o restante, a leitura não é exatamente um hábito ou mesmo um dos principais passatempos. Por isso e por ser um meio bastante acessível, a televisão se tornou a principal fonte de informação da população brasileira e uma opção barata de lazer e entretenimento, sendo, dentro de uma casa, monopolizadora das atenções. De fato, nos lares brasileiros, não há rádio, livro, jornal ou revista que consiga superar ou se igualar à TV em se tratando de atrair e manter a atenção do público. Ela não é apenas um instrumento de informação e diversão, mas também um instrumento de identificação. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 17 Cada espectador, seja ele adulto ou criança, se identifica e se reconhece nas pessoas comuns, nos personagens e nas histórias que desfilam pelos diferentes programas, e, através da televisão, sente-se parte de um grupo e integrado ao mundo. Por tudo isso, a televisão incorporou-se de tal forma à vida social de cada pessoa e de cada família que muitos a consideram um verdadeiro membro da família, fazendo com que ocupe um lugar de honra na casa e na vida de cada família. Ora, nessa esteira, a exibição do Programa “NOITE AFORA”, pelas emissoras-demandadas, em horário não-permitido, em toda a circunscrição territorial do Estado do Acre, que vem ocorrendo desde 24 de agosto de 2001, viola profundamente os valores constitucionais e legais que deveriam ser cumpridos por uma concessionária pública de radiodifusão de som e imagem. Há, no caso, violação a interesse de titularidade de toda a coletividade, razão pela qual esse prejuízo há de ser ressarcido, enquanto dano moral, conforme o previsto no inciso V do artigo 1º da Lei n° 7.347/85, transcrito abaixo : "Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...)”(grifou-se) O Código de Defesa do Consumidor, consubstanciado na Lei nº 8.078/90, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incisos VI e VII de seu artigo 6º, escudado pela previsão de nossa Carta Magna, na dicção do inciso V do artigo 5º. Vejamos o que prevê o citado artigo do Código de Defesa do Consumidor : “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.”(grifou-se) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 18 Oportuno salientar que, em caso análogo, a necessidade de reparação do dano moral coletivo já foi reconhecida em outra Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, no Estado de São Paulo, perante a 4ª Vara da Seção Judiciária Federal daquele Estado, no Processo nº 98.0038893-1, consoante se verifica do trecho abaixo extraído da sentença preferida naquele autos : “O ataque aos valores de uma comunidade, além dos danos materiais que gera, provoca a irrefutável necessidade de reparação moral, na ação coletiva. Semelhantemente ao dano coletivo material, o dano moral coletivo somente virá a ser tutelado, se inserido nas lides coletivas. Dano moral coletivo indivisível - produzido por ofensas aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade - ou divisível ocasionado por ofensa aos interesses individuais homogêneos – exigem tutela macro-individual, para salvaguarda de efetiva reparação do bem jurídico. Do exposto, constatamos que, à maneira do dano coletivo material, o dano moral coletivo clama, pela urgência de reparação, por instrumentos processuais novos. Se ignorados estes instrumentos, impossível a reparação ao dano moral coletivo. Permanecerá a afronta aos valores ideais à sociedade, reduzindo o sentimento de auto estima, que cada pessoa, dela integrante, abriga no íntimo. E daí advirão efeitos nocivos, para o progresso do país. Deparam-se, na doutrina, exemplos de dano moral coletivo. Esta refere-se a danos a interesses difusos ou coletivos, no caso dos consumidores, oriundos da publicidade abusiva, em relação a valores socialmente aceitos.(BITTAR FILHO, Carlos Alberto, ‘Pode a coletividade sofrer dano moral ?’, in IOB - Repertório de Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, nº 15, São Paulo, agosto/96). O patrimônio moral não se restringe aos valores morais individuais da pessoa física. Assim, a dor psíquica, esteio da teoria do dano moral individual, alonga seu braço, até alcançar o dano moral coletivo : um sentimento de desapreço, que atinge, de maneira negativa, toda a coletividade. Ocorre, por exemplo, quando a boa imagem do serviço público, ou o conceito de cidadania de cada brasileiro é afetado. Difícil orçar a ofensa, desencadeada à sociedade, à credibilidade do Estado, quando não se empregam os instrumentos de reparação do patrimônio moral. Resulta no não reconhecimento de valores sociais essenciais. Ao sofrer a lesão moral, cabe à coletividade o justo ressarcimento. Do contrário, repentinamente, pode debilitar-se seu patrimônio imaterial. As indenizações, por dano moral coletivo, reputam-se essenciais, para confirmar, ao brasileiro, o verdadeiro valor do seu patrimônio moral, digno de proteção judicial. O preclaro Dr. Oscar Dias Corrêa assinala: “a reparação do dano moral enfatiza o valor e importância desse bem, que é a MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 19 consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.” [RTJ 108/294]. A reparação do dano moral coletivo representa, para a coletividade, uma conquista. Trata-se do reconhecimento, pelo Direito, de valores sociais indispensáveis, como a imagem do serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que adentram a já aniquilada noção de cidadania do brasileiro. A reparação do dano moral coletivo traz, em seu âmago, a efetiva cidadania.(...)”(grifou-se) A doutrina também apoia a tese da reparação do dano moral coletivo, como lembra o estudioso CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, cujo trecho se transcreve : “ ...chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.”4 Assim, impossível deixar de reconhecer, no caso concreto, a responsabilidade das emissoras-rés pelos danos morais advindos da indevida exposição, a milhares de espectadores, a cenas impróprias veiculadas pelo Programa Televisivo “NOITE AFORA”, tudo em virtude do fato de que, reitere-se, desde 24 de agosto de 2001, quando começou a ser apresentado no Estado do Acre, não se encarregaram elas de fazer a adequação de sua grade-horária às peculiaridades de fuso aqui vigente, como o estava a exigir Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça. Ora, tal responsabilização gera, sem sombra de dúvidas, o direito à indenização por parte dos titulares dos direitos difusos lesados, que compõem um número indeterminado de pessoas, pela própria natureza da comunicação de massa. E isso, como já se disse, em virtude de que tais tipos de programas estimulam a libido e as fantasias sexuais dos 4 Direito do Consumidor, Vol. 12- Ed. RT, “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 20 telespectadores infantis e adolescentes, principalmente, acarretando, dentre outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar, a sexualização e gravidez precoces. Desta forma, resta evidente a responsabilidade das rés “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” pelo dever de reparar os danos a que deram causa, especialmente àqueles de natureza moral que afetaram a todos os telespectadores - dentre eles, como já dito, crianças e adolescentes -, alcançados por imagens eróticas e cenas pornográficas transmitidas em horário inadequado, cujo respectivo quantum fica ao arbitramento desse Juízo. 4. Do cabimento da antecipação de tutela : A tutela antecipada, necessidade do pleno exercício do direito de ação, em prol da defesa de toda e qualquer ameaça ou lesão a direito, encontra-se prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, bem assim no artigo 84, parágrafo 3º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Visa a tutela antecipada garantir o resultado efetivo do provimento jurisdicional, sendo de particular necessidade nas ações relativas à defesa do cidadão, as quais exigem a celeridade e eficiência como condições para o resguardo de tais direitos difusos, tendo como requisitos a verossimilhança das alegações constantes na inicial e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação caso a medida só venha a concretizar-se ao final da lide. No caso, estão plenamente configuradas nesta Ação Civil Pública os requisitos para a obtenção da tutela antecipada, pois que não admiti-la seria perpetrar o dano causado pela veiculação em horário inadequado do Programa Televisivo “NOITE AFORA”, numa amplitude indeterminada, em contrariedade ao que estatui a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça. IV. DO PEDIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 21 Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer : 1. Liminarmente : a) determine Vossa Excelência, sem audiência de justificação prévia, seja concedida a tutela antecipada, inaudita altera parte, já que comprovados o periculum in mora e o fumus boni juris, para compelir as emissoras-demandadas “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” a adequarem a sua grade de programação-diária para que a transmissão do Programa Televisivo “NOITE AFORA” seja efetivamente veiculado neste Estado partir da 23h(vinte e três horas), por se tratar de programa não-recomendado para menores de 18(dezoito) anos, consoante determinação contida a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça; b) após a adequação da grade horária solicitada acima, ordene esse Juízo à emissora-demandada “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” que passe a veicular, de forma nítida e suficiente para seu correto entendimento, anteriormente às próximas 05(cinco) edições do Programa Televisivo “NOITE AFORA” retransmitidas no Estado do Acre, um aviso nos seguintes termos : “O Programa “NOITE AFORA” está sendo veiculado neste horário em virtude de decisão da Seção Acreana da Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal.” 2. No mérito : a) a procedência da presente Ação Civil Pública, com a manutenção da liminar deferida e a condenação das emissorasdemandadas “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” a transmitirem o Programa “NOITE AFORA” neste Estado, em caráter definitivo, a partir da 23h(vinte e três horas), por se tratar de programa não-recomendado para menores de 18(dezoito) anos, consoante determinação contida na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 22 b) sejam condenadas as rés “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.”, de forma solidária, ao pagamento de multa diária de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais) no caso do descumprimento da obrigação de fazer determinada, tanto em tutela antecipada, quanto no provimento judicial definitivo, devendo o numerário arrecadado a esse título ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis, inclusive a suspensão do Programa Televisivo “NOITE AFORA” pelo prazo de 30(trinta) dias, nos termos da Lei nº 4.117/62, que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações; c) sejam as emissoras-demandadas “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” condenadas, também de forma solidária, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, ao pagamento de indenização por dano moral causado à coletividade, em face da veiculação do Programa “NOITE AFORA” em horário não-recomendado para menores de 18(dezoito) anos, desde 24 de agosto de 2001, para todo o Estado do Acre, em desacordo ao que determina a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, e a sua respectiva Classificação Indicativa; d) ainda a título de reparação do dano causado, ordene esse Juízo à emissora-demandada “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” disponibilize a veiculação em sua regular programação, durante 06(seis) meses, mediante inserção diária de 05(cinco) minutos, de mensagens publicitárias de caráter informativo-pedagógico - editadas pelo próprio Ministério Público Federal com seus parceiros institucionais, precipuamente as Secretarias Estadual de Educação e Saúde - , atinentes à prevenção da gravidez precoce e das doenças sexualmente transmissíveis, após aprovação de seu conteúdo por esse Juízo, nelas se fazendo constar a seguinte observação : “A presente mensagem publicitária está sendo veiculada neste horário em virtude de decisão da Seção Acreana da Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal.” MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 23 e) seja a UNIÃO, através do Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, condenada a promover um efetivo controle e fiscalização sobre os programas veiculados pelas emissoras-demandadas “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.”, exercendo as atividades de polícia a ela inerentes, visando coibir a radiodifusão futura de sons e imagens que estejam em desacordo com a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça; f) sejam citadas todas as demandadas, na pessoa de seus representantes legais, para, querendo, contestar a presente Ação Civil Pública, no prazo legal, cientificando-lhes que a ausência de contestação implicará em contumácia e em reputar-se como verdadeiros os fatos alegados na inicial; Por derradeiro, o Ministério Público Federal comunica que pretende provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos - embora a matéria seja eminentemente jurídica - , pedindo sejam as rés condenadas, de forma “pro rata”, ao pagamento de todas despesas processuais decorrentes da presente lide, dando-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais), por se tratar de Ação Civil Pública que visa à defesa dos interesses coletivos, os quais, por natureza, são indisponíveis e inestimáveis. Pede deferimento. Rio Branco/AC, 1º de outubro de 2003. Marcus Vinicius Aguiar Macedo PROCURADOR DA REPÚBLICA MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 24 DOCUMENTOS ANEXOS : • Documentos I e II – Ofícios provenientes da “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” sobre os fatos-objetos da presente lide; • Documento III - Programação da “Rede TV”; • Documento IV - Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça; • Documento V - Classificação Indicativa do Programa Televisivo “NOITE AFORA”; e • Documento VI - Cópia do Diário Oficial da União no dia 23 de maio de 2003, referente à publicação da Classificação Indicativa do Programa Televisivo “NOITE AFORA”.
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