O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da

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O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL D A ___
VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE
“A exploração da miséria, do sexo, do crime e da violência ganhou, há muito, o
horário nobre, em geral mesclando ficção com realidade - química que, muitas vezes, produz
belos romances, mas, freqüentemente, desastres jornalísticos.
Expressa abertamente por produtores de televisão, a lógica que orienta esses
programas é simples : as emissoras atendem ao gosto do freguês. E, na maior parte das
vezes, o “freguês” é inculto, suscetível ao sensacionalismo. Quem quer jogar o jogo tem de
aceitar essa regra - senão fica de fora.
Como a televisão, salvo em alguns poucos programas, não colabora para a elevação
da qualidade do espectador e como o nível de educação da maioria da população é baixo,
estabelece-se um círculo vicioso. (...)
Por trás do episódio GUGU-PCC, há um debate muito mais profundo do que a
entrevista fraudada. A mídia, no geral, ainda não se percebe como um instrumento de
formação, atendo-se à informação e ao entretenimento - e reflete nossa maior fragilidade,
que é a lógica da ignorância que gera ignorância, a mesma que fez de um tipo como GUGU
algoz e vítima de sí próprio.” (GILBERTO DIMENSTEIN, “Gugu e o ‘Domingo Ilegal’”, Folha
de São Paulo, 21 de setembro de 2003, p. C6)
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu
Procurador da República que esta subscreve, vem à presença de
Vossa Excelência, com supedâneo na Constituição Federal e na Lei
Complementar nº 75/93, e de acordo com os preceitos em geral da
legislação civil e processual civil, especialmente os da Lei n°
8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº
8.078/90(Código de Defesa do Consumidor) e Lei n° 7.347/85(Lei
da Ação Civil Pública), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
com pedido de tutela antecipada, contra a
REDE TV, Emissora de Televisão, pessoa jurídica de
direito privado, representada por seu Presidente,
AMILCARE DALLEVO, com endereço na Rua Bahia,
nº 295, Bairro Alphaville, em Barueri/SP, com CEP. nº
06.465-120 e telefone/fax (11)7266-7000;
Endereço: Av. Epaminondas Jácome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (68) 224-4781 / 0321
Fax: (68)224-0673 - e-mail : [email protected] - Rio Branco - Acre.
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SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.,
Emissora de Televisão, retransmissora local da
programação da REDE TV, pessoa jurídica de direito
privado, representada pelo seu Diretor-Geral, Sr.
PAULO HENRIQUE MALAQUIAS, com endereço no
Conjunto Xavier Maia, Quadra 01, nº 1-A, Bairro
Placas, nesta Capital; e a
UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação
Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de
Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da
Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da
Justiça, com endereço na Esplanada dos Ministérios,
Bloco “T”, Sala 424, em Brasília/DF, CEP. nº 700064900, com telefone (61)429-3145 e fax (61)226-5023,
pessoa jurídica de direito público interno,
representada judicialmente pelo Advogado da União
no Estado do Acre, com endereço funcional na Rua
Rui Barbosa, nº 142, Bairro Centro, nesta Capital;
pelas razões que passa a expor.
I. DO OBJETO DA LIDE :
A presente demanda objetiva tutelar direitos do
telespectador acreano violados pelas rés REDE TV e SOCIEDADE
DE
COMUNICAÇÃO
NORTE
LTDA.,
como
emissoras
concessionárias de serviço público federal de radiodifusão de som e
imagem no Estado do Acre, por estarem veiculando em horário
impróprio nesta Unidade Federada o Programa Televisivo “NOITE
AFORA”, obrigando-as a adequar a sua programação diária aos
ditames da Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do
Ministério da Justiça(Documento IV).
Esta Ação Civil Pública visa, ainda, à tutela pecuniária
idônea, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, que possibilite a
reparação do dano moral causado à coletividade em virtude dessa
violação, acarretando, dentre outros, a agressão aos valores éticos
e morais da sociedade acreana decorrente da veiculação do
Programa “NOITE AFORA” em horário não permitido, em especial a
crianças e adolescentes.
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Outrossim, pretende esta demanda a condenação da
UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa,
vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e
Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da
Justiça, a exercer um controle efetivo sobre os programas
veiculados pelas emissoras-demandadas, visando coibir a exibição
daqueles que estejam em desacordo com a Portaria nº 796, de 08
de setembro de 2000, daquele Ministério.
A vinculação do Ministério da Justiça, através de seu
Departamento de Classificação Indicativa, à atividade administrativa
em questão, é conseqüência do estatuído na referida Portaria.
O problema é sério porque a influência da televisão é
avassaladora. E isso acontece não por seu mérito ou competência,
mas porque ela está sozinha. No Estado do Acre, como de resto em
qualquer lugar do Brasil, faltam escolas de qualidade para todos,
bibliotecas, centros culturais, vida comunitária e a TV acaba sendo
a principal fonte de informação e cultura.
Sendo um veículo de comunicação de massas,
ninguém está pedindo que a TV se transforme em baluarte da
erudição exibindo, em horário nobre, debates calorosos sobre Kant
ou Nietzsche, mas, num País no qual tem poder de rolo
compressor, tem de assumir responsabilidades.
Enfim, é preciso exigir a mudança de postura dos que
fazem TV e fortalecer a sociedade para o consumo crítico dos
produtos televisivos.
II. DOS FATOS :
A televisão brasileira entra no século XXI
comemorando seus 50(cinqüenta) anos, período ao longo do qual
foi se desenvolvendo e ocupando cada vez mais espaços nos lares
e na sociedade brasileira.
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Com efeito, devido à grande importância que adquiriu
no dia-a-dia de cada família e de cada brasileiro, consolidou-se
como o mais importante veículo de comunicação de massa do País.
Seu poder sobre o público é tamanho que, em alguns lares, talvez a
maioria deles, é a TV quem determina a organização do tempo e do
espaço, estabelecendo toda a rotina da casa.
É nesta realidade que se insere, como fato notório,
desde 24 de agosto de 2001, a veiculação no Estado do Acre do
Programa “NOITE AFORA”, transmitido pela Emissora REDE TV e
retransmitido, em todo o Estado do Acre, pela SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., nas noites de terça-feira a
sábado, nos seguintes horários, consoante documentação em
anexo(Documentos, I, II e III) :
DIA DA SEMANA
HORÁRIO DE BRASÍLIA
HORÁRIO LOCAL
Terça-feira à
Sexta-feira
a partir das
0h50min
a partir das
23h15min
a partir das
22h50min
a partir das
21h15min
Sábado
O referido Programa Televisivo é apresentado pela
conhecida modelo MONIQUE EVANS, tendo como tema principal a
pura e simples exploração do sexo, sem nenhum despojamento,
tendo inclusive como grande apelo a remissão a vídeos eróticos
caseiros e comerciais, como se vê da própria resenha feita pela
Emissora Rede TV acerca do Programa em referência, que se
encontra no site www.redetv.com.br e é reproduzido abaixo :
“O Noite Afora com apresentação de Monique Evans, é
o programa que esquenta as madrugadas do telespectador.
A produção traz como convidados mulheres e homens
lindíssimos que esbanjam sensualidade e erotismo. O
assunto em pauta é sempre SEXO! E para falar sobre o que
todo mundo gosta de saber, Monique leva seus convidados
para cama, com direito a uma esticadinha na banheira. O
programa mostra matérias especiais sobre comportamento e
o que rola na noite do país. Tudo temperado com muito bom
humor e descontração. As personalidades que a
apresentadora recebe não escapam de suas perguntas
apimentadas e, desde a estréia, em junho de 2001, Monique
já conseguiu arrancar inúmeras revelações dos famosos. A
temperatura sobe na hora das performances das strippers
no estúdio e dos clipes da Garota Noite Afora, produzidos
pelo famoso coreógrafo Zé Reinaldo.
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E para o telespectador participar da produção, o Noite
Afora criou o quadro Sonho Erótico. Nele, suas fantasias se
tornam realidade, sejam elas quais forem! Com direção de
Pedro Henrique Peixoto. O Noite Afora vai ao ar todas as
noites(de terça a sexta às 00h50 e aos sábados às 11h15).”
(grifou-se)
Tal Programa Televisivo, é de se dizer, tem como
“eixo central” entrevistas comandadas pela “âncora” MONIQUE
EVANS com seus “convidados”, dividindo-se ordinariamente em
diversos “quadros”, em que, incessantemente, são mostradas várias
cenas “picantes” e eróticas, transmitindo na tevê o sexo da forma
mais despojada possível, sendo desnecessário dizer que tal
conteúdo - e muito mais ainda levando-se em conta a linguagem
com que é apresentado - exige que a sua veiculação se restringisse
tão-somente à população adulta, poupando-se crianças e
adolescentes, cuja personalidade se encontra em formação.
Realmente, como se vê da simples leitura do site da
Emissora REDE TV, os “quadros” apresentados pelo Programa
“NOITE AFORA” se resumem ao seguinte :
“Quadros especiais compõem o Noite Afora, cada qual com
características bem peculiares, variáveis de um mesmo tema, que
contam inclusive com a participação do telespectador. São
quadros gravados em cenas externas, exibidos alternadamente
durante a semana.
- SONHO ERÓTICO
Fantasias eróticas todo mundo tem. Em "Sonho Erótico", o
Noite Afora realiza definitivamente os mais diversos desejos do
telespectador, mostrando em detalhes o tão esperado sonho se
transformar em realidade. É só mandar um e-mail para
[email protected].
- MINHA PRIMEIRA VEZ
A primeira vez é sempre inesquecível, não só no sexo, mas
também no trabalho e nas aventuras. Neste quadro, a gente pode
sentir as sensações deste momento superespecial, acompanhando
de perto a primeira vez de uma gata numa situação nova e
excitante para ela.
- MAKING OF
Em Making Of, Noite Afora revela os bastidores e tudo que
se passa por detrás das lentes dos ensaios fotográficos das
melhores revistas masculinas e femininas, em que a nudez é
tratada como verdadeira obra de arte.
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- BLITZ NOITE AFORA
Os flagrantes mais engraçados e sensuais da noite são
mostrados na blitz que a drag-repórter Léo Áquilla faz pelos
quatro cantos das principais cidades do Brasil. Não adianta se
esconder: a nossa blitz vai pegar você!
- CASA DA MARIA FULANA
Sensualidade, erotismo e diversão não faltam na "Casa da
Mãe Fulana", um lugar muito louco onde garotas belíssimas
recebem as suas vítimas e aprontam altas sacanagens. Ou, pelo
menos, tentam.
- GAROTA NOITE AFORA
Clipe das mais belas gatas do país em poses sensuais e
provocantes. Garotas com o mínimo de roupa fazem a
temperatura do telespectador subir ao máximo.
- NO BURRACO DA FECHADURA
Muitas curiosidades à vista para quem olha "No Buraco da
Fechadura", o quadro em que Monique Evans sai à rua e mostra
tudo, ou quase tudo, o que acontece em lugares com a temática
erótica, com total e livre acesso.
- PELADA É MAIS GOSTOSO
Se com roupa já é bom, pelada então... Gatas maravilhosas
se aventuram nas mais diferentes situações, desde esportes
radicais até trabalhos mais corriqueiros. Tudo isso, com um
atrativo: a garota está sempre seminua, deixando as suas curvas
ainda mais belas e insinuantes.”
Pelo que se constata, pois, o objetivo principal do
Programa “NOITE AFORA” é a difusão descontrolada de assuntos
de conteúdo estritamente sexual, sem nenhuma restrição a imagens
de nudez e pornografia, que, exibidas como o são, de forma
insinuante e provocativa, tornam-se sabidamente ofensivas a
personalidades que se encontram sob formação.
No ponto, é importante dizer que embora não seja
proibida no Brasil a veiculação de programas televisivos desse tipo,
há expressa vedação por parte de nossas Autoridades Estatais para
a sua exibição em certos horários, notadamente com o fito de
proteger nossas crianças e adolescentes, consoante se verifica das
disposições contidas nos artigos 21, inciso XVI, e 220, parágrafo 3º,
incisos I e II, da Constituição Federal, e artigo 254 da Lei nº
8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente).
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Assim, por força da Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, do Ministério da Justiça(Documento IV), bem
como da Classificação Indicativa do Programa “NOITE
AFORA”(Documento V), publicada no Diário Oficial da União no dia
23 de maio de 2003(Documento VI), o Programa Televisivo em
referência não é recomendado para menores de 18(dezoito) anos,
sendo inadequado, portanto, para apresentação antes das 23h(vinte
e três horas).
No entanto, como é sabido, no Estado do Acre, em
virtude da peculiar diferença - a menor - de fuso horário de 02(duas)
horas com relação à Capital Federal, e como as empresas-rés não
fazem a adequação de sua grade de programação diária, o
Programa Televisivo “NOITE AFORA” acaba sendo exibido antes
do período autorizado pela aludida Portaria.
Atenta-se, desta forma, nesta Unidade Federada,
contra a formação da família acreana, em especial de seus
adolescentes e crianças, que são passíveis de se deixar
impressionar e desencadear atitudes de imitação, situação esta que
tende a se tornar mais crítica nos próximos dias, quando for
implementado o “horário de verão”, momento em que a
programação das emissoras acaba sendo adiantada no Estado do
Acre em mais 01(uma) hora, perfazendo um total de 03(três) horas
de diferença - a menor - com o restante do Brasil.
Ora, não se pode negar que o Programa “NOITE
AFORA”, com seus excessos desnecessários, sendo apresentado
em horário em que estão acordados adolescentes e crianças, atiça
precocemente a libido desses espectadores, em nada contribuindo
para a conservação dos valores éticos que sustentam a sociedade
local, porque são pessoas que ainda atravessam, ou estão prestes
a iniciar, a natural etapa do desenvolvimento inerente a todo ser
humano, que é a formação do caráter e da personalidade.
Conclui-se, daí, que a emissoras-demandadas vêm,
reiteradamente, desrespeitando as normas estabelecidas na
Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da
Justiça, bem como a Classificação Indicativa do referido Programa,
dando ensejo, por parte deste Parquet Federal, à propositura da
presente Ação Civil Pública.
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Cabe, aqui, considerar que os experts na área de
psicologia infantil, em uníssono, apontam para o fato de que o
excesso de cenas de sexo na televisão atua como fator decisivo
nos desvios e abusos ocasionados na infância e na adolescência,
posto que estimulam a libido e as fantasias sexuais, acarretando,
dentre outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar, a
sexualização e gravidez precoces.
Neste diapasão, vale transcrever trecho extraído de
estudos do Psiquiatra Infantil HAIM GRÜSPUN :
1
"(...) a televisão vem exercendo, cada vez mais, marcante
influência sobre a imaginação, fantasia e comportamento da
criança. Suas atitudes são freqüentemente passíveis de
modificação sob a influência de filmes, novelas, programas
variados, desses que se apresentem com uma linha mais ou menos
constante de valores e padrões de comportamento: amor-sexoagressividade-medo-terror(...), suscitando reações emocionais".
Neste sentido, tais programas forçam a criança a
despertar a sexualidade prematuramente à idade em que surgiria tal
aspecto de sua personalidade de forma natural.
No caso em questão, em que o Programa “NOITE
AFORA” vem sendo veiculado com 02(duas) horas de diferença –
para menos – em relação ao resto do Brasil, comprovada está a
ofensa à dignidade de milhares pessoas, em especial crianças e
adolescentes acreanos, refletindo-se negativamente em suas
famílias, o que é moralmente reprovável, na medida em que, na
falta de outros programas educativos, informativos ou culturais,
tenham que se submeter à vexatória banalização do sexo, fato que
ocorre ante a falta de um eficiente controle da programação
veiculada pelas emissoras-rés.
Ora, o entretenimento “mundo-cão”, apoiado numa
sórdida manipulação do conceito de liberdade sexual, em que pese
possa render bons pontos no Ibope, é proceder que deve ser
coibido pelo poder público, pois a TV de qualidade, aquela a que os
brasileiros têm direito, aí incluída a população acreana, está bem
perfilada na Constituição e nas normas infraconstitucionais.
1 “Assuntos de Família”, SP/SP, Kairós-Livraria Editora, 1984.
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No tocante, portanto, o que estamos presenciando,
neste Estado é uma sistemática agressão aos valores éticos, à
própria Constituição e às leis.
Nesta esteira, não cabem mais omissões num quadro
de tamanha gravidade. É preciso que todos, sobretudo os que têm
parcela de responsabilidade, cobrem a preservação dos valores
éticos que sustentam a sociedade e exijam o cabal cumprimento
das normas jurídicas deste País.
Não resta outra alternativa ao Ministério Público
Federal, então, senão a de ajuizar a presente Ação Civil Pública,
com pedido condenatório, para que o Poder Judiciário ordene a
adequação do Programa Televisivo “NOITE AFORA” para exibição
no horário permitido pela legislação vigente, bem assim possa
reparar a lesão sofrida pela coletividade, mediante o arbitramento
de indenização pecuniária, condenando-se ainda a União, através
de suas repartições próprias, a exercer um controle efetivo sobre os
programas veiculados pelas emissoras-demandadas, visando coibir
a exibição de quaisquer outros eventos que estejam em desacordo
com a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da
Justiça.
III. DA FUNDAMENTAÇÃO :
1. Do cabimento da Ação Civil Pública e da
legitimidade do Ministério Público :
A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso IV,
estabelece que a programação das emissoras de televisão atenderá
ao princípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da
família, de modo a propiciar uma educação saudável e a formar um
cidadão consciente de seus deveres e direitos, respeitoso pelas leis
e solidário para com os outros cidadãos, dando-se preferência a
programas com finalidade educativas, artísticas, culturais e
informativas, senão vejamos :
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“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e
televisão atenderão aos seguintes princípios :
I - preferência a finalidade educativas, artísticas, culturais e
informativas;
(...)
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família;”
Consciente de que é inútil impor deveres e proibições
sem, ao mesmo tempo, facultar aos interessados meios
processuais de promover a prevenção e a repressão de eventuais
infrações, foi que a Constituição Federal assim dispôs, in verbis :
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e
a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3.º Compete à lei federal :
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder
Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não
se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se
mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como
da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente.”(grifou-se)
E, ainda, o artigo 21, inciso XVI, da Carta Magna,
determinou que compete à União “exercer a classificação, para
efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e
televisão”.
Não o bastasse, a Lei nº 8.069/90, que instituiu no
Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências, em seu artigo 254 prevê o seguinte :
“Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em
horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação.
Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em
caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a
suspensão da programação da emissora por até dois dias.
Nessa esteira, a fim de regulamentar a matéria, o
Ministério da Justiça expediu a Portaria nº 796, de 08 de setembro
de 2000, do Ministério da Justiça(Documento IV), que vedou a
exibição de programas em determinados horários, visando proteger
principalmente crianças e adolescentes, cujos trechos transcrevo
abaixo :
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“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas
atribuições, e
Considerando que compete à União exercer a classificação, para
efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e
televisão, de acordo com os arts. 21, inciso XVI, e 220, § 3o, inciso I, da
Constituição;
Considerando a urgência de se estabelecer a uniformização dos
critérios classificatórios das diversões públicas e de programas de rádio e
televisão;
Considerando ser dever do Poder Público informar sobre a natureza
das diversões e espetáculos públicos, as faixas etárias às quais não se
recomendem, bem como os locais e horários em que sua apresentação se
mostre inadequada;
Considerando, ainda, que o artigo 254 da Lei no 8.069, de 13 de
julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - proíbe a
transmissão, por intermédio de rádio ou televisão, de espetáculos em
horários diversos do autorizado ou sem aviso de sua classificação;
Considerando a necessidade de adaptar os novos parâmetros de
classificação indicativa à legislação superveniente, resolve:
Art. 1o As diversões e espetáculos públicos são classificados
previamente como livres ou inadequados para menores de doze, quatorze,
dezesseis e dezoito anos.
Parágrafo único. Os espetáculos públicos, com bilheterias, estão
sujeitos à classificação prévia.
Art. 2o Os programas para emissão de televisão, inclusive
"trailers", têm a seguinte classificação, sendo-lhes terminantemente
vedada a exibição em horário diverso do permitido :
I - veiculação em qualquer horário: livre;
II - programa não recomendado para menores de doze anos:
inadequado para antes das vinte horas;
III - programa não recomendado para menores de quatorze anos:
inadequado para antes das vinte e uma horas;
IV - programa não recomendado para menores de dezesseis anos:
inadequado para antes das vinte e duas horas;
V - programa não recomendado para menores de dezoito anos:
inadequado para antes das vinte e três horas.
Art. 4o Sujeitam-se à responsabilidade pelo descumprimento à
legislação e às normas regulamentares vigentes os programas
classificados apenas pela sinopse, principalmente as telenovelas,
minisséries e outros do mesmo gênero.
Art. 5o A classificação informará a natureza das diversões e
espetáculos públicos, considerando-se, para restrições de horários e faixa
etária, cenas de violência ou de prática de atos sexuais e desvirtuamento
dos valores éticos e morais.
Art. 6o A classificação indicativa, atribuída em portaria do
Ministério da Justiça, será publicada no Diário Oficial da União.
(...)
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Parágrafo único. Nenhum programa de televisão será apresentado
sem aviso de sua classificação, exposto de maneira visível, antes e
durante a transmissão.
Art. 11. A classificação etária e horária deve ser apresentada, com
destaque de fácil visualização, na publicidade impressa ou televisiva de
filmes ou vídeos/DVD e em outros espetáculos públicos.
Art. 12. As chamadas dos programas sujeitos à presente portaria
devem obedecer à respectiva classificação.
Art. 13. O certificado de que trata o parágrafo único do art. 74 da
Lei no 8.069, de 1990, assumirá a forma de portaria publicada no Diário
Oficial da União.
Art. 14. Cabe à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação,
Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça, zelar pelo fiel
cumprimento da classificação atribuída a cada produto a ser exibido.
(...)
Art. 16. O descumprimento do disposto nesta Portaria sujeita o
infrator às penalidades previstas na legislação pertinente.
(...)” (grifou-se)
Todavia, como já se disse, no Estado do Acre, no que
diz com o horário de exibição, há sistemática veiculação antecipada
- em relação ao resto do Brasil - do Programa Televisivo “NOITE
AFORA”, em clara afronta aos dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais retromencionados, sendo, portanto, a Ação Civil
Pública, o instrumento legal adequado à vindicação dos interesses
ora violados pelas emissoras-demandadas, que se caracterizam
como difusos, segundo os ensinamentos de BARBOSA MOREIRA2,
citado abaixo :
“O interesse (que o art. 220, § 3º, da Constituição visa a
preservar) em defender-se ‘de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221’ enquadrase com justeza no conceito de interesse difuso.”(grifou-se)
O mesmo autor assevera ainda que :
“Se é certo, como se mostrou acima, que encontra lugar
entre os interesses difusos o dirigido à observância, pelas
emissoras de televisão dos preceitos constantes do art. 221 da Lei
Maior, segue-se em lógica elementar, que a ação civil pública,
disciplinada na Lei nº 7.347, é instrumento adequado á vindicação
de semelhante em juízo.”3
2 Temas de Direito Processual Civil, 1987, Ed. Saraiva, p. 239, “Ação Civil Pública e Programação na TV”.
3 Obra já citada, p. 245.
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E o
Ministério Público é o órgão ao qual a
Constituição Federal incumbiu a guarda dos interesses sociais e
individuais que sejam indisponíveis, sendo que o meio judicial para
o Parquet fazer isso é a Ação Civil Pública. É o que dispõe o artigo
5º da Lei nº 7.347/85, disposto in verbis :
“Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão
também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação,
sociedade de economia mista ou associação.”
Vale lembrar o que diz a Lei Maior em relação às
funções institucionais do Ministério Público :
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos;”
No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei
Complementar nº 75/93, como se vê :
“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta Lei
Complementar, é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses
individuais indisponíveis.
Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias
para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição
Federal.”
Reitera-se : o direito à informação, à dignidade, à
intimidade e à observação dos princípios constitucionais relativos à
comunicação social são direitos sociais, difusos, de extrema
relevância, a cuja defesa o Ministério Público não pode se abster.
Especialmente se a ofensa a tais princípios é causada por meios de
comunicação em massa, na linha do que prevê a referida Lei
Complementar, ipsis litteris :
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“Art. 5º São funções institucionais do Ministério
Público da União:
(...)
IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos
da União, dos serviços de relevância pública e dos
meios de comunicação social aos princípios, garantias,
condições, direitos, deveres e vedações previstos na
Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação
social;”(grifou-se)
Demonstrada a legitimidade do Ministério Público,
resta ainda demonstrar a legitimidade do Ministério Público Federal.
Para tanto, vale ressaltar que o caso específico tratado na presente
Ação Civil Pública diz respeito a um serviço público federal, de
competência da União Federal.
É o que diz o artigo 21 da Constituição Federal :
“Art. 21. Compete à União Federal :
(...)
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”
Tanto é assim que existe a atuação administrativa do
Ministério da Justiça no cumprimento de suas obrigações no
tocante a tal serviço, qual seja, a fiscalização e classificação de
programas, como o atacado nesta Ação Civil Pública, conforme o
disposto na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000. Ora, se
administrativamente quem atua é o Ministério da Justiça,
representando a União, é certo que a guarda judicial dos direitos
fundamentais em tela cabe ao Ministério Público Federal.
Para espancar qualquer dúvida, a legitimidade ativa
do Ministério Público Federal é clara tendo em vista o disposto na
Lei Complementar nº 75/93 :
“Art. 39 – Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos
direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de
garantir-lhes o respeito :
(...)
III - pelos concessionários e permissionários de serviço público
federal;”
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15
Em face dos dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais acima transcritos, é o Ministério Público Federal,
pois, parte legítima para propor a presente Ação Civil Pública, que
objetiva a defesa dos direitos e interesses coletivos, em especial da
família, da criança e do adolescente, bem como o efetivo respeito
dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação aos
ditames constitucionais.
2. Da competência da Justiça Federal :
A competência da Justiça Federal é notória no caso
em questão.
Sustentam
a
competência
dessa
Justiça
Especializada, no caso, tanto a Constituição da República quanto
diversas normas infraconstitucionais, pois que o caso concreto não
se resume a dano causado à criança, ao adolescente ou aos
cidadãos que compõem família como consumidores dos serviços de
radiodifusão de som e imagens.
É mais ampla, tendo como objeto serviço que tem sua
veiculação no mercado, periculosidade e nocividade submetidas a
consistente análise da União, mediante seu Departamento de
Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça,
Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de
Justiça do Ministério da Justiça
A vinculação do Ministério da Justiça à atividade
administrativa em questão, é conseqüência do estatuído na Portaria
nº 796, de 08 de setembro de 2000, que, em cumprimento às
determinações da Constituição Federal e de outras normas
infraconstitucionais – em especial o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ,
estabelece os parâmetros de classificação
indicativa a serem observados na exibição de programas
televisivos, em prol da proteção da coletividade.
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16
No caso, se por um lado temos uma atuação
administrativa que deixa a desejar por parte do Ministério da Justiça
no cumprimento das obrigações que lhe foram impostas
constitucional e legalmente, qual seja, a classificação e a
fiscalização da programação televisiva vinculada pelas emissorasrés, tal como determinado pela Portaria nº 796, de 08 de setembro
de 2000, a atuação jurisdicional em respeito aos direitos
fundamentais em tela cabe, por conseguinte, à Justiça Federal.
De fato, a presença do Ministério da Justiça, como
órgão da União, na questão em tela, justifica, desta forma, a
competência dessa Justiça, como se afere nos termos da nobre
Constituição da República :
"Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar:
1 - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do
Trabalho;"(grifou-se)
Nestes termos, a lide em tela está sujeita à
competência da Justiça Federal.
3 . D a existência do dano moral coletivo e do
correspectivo dever de indenizar :
É sabido que uma considerável porção da população
brasileira é constituída por analfabetos e semi-analfabetos e, dentre
o restante, a leitura não é exatamente um hábito ou mesmo um dos
principais passatempos. Por isso e por ser um meio bastante
acessível, a televisão se tornou a principal fonte de informação da
população brasileira e uma opção barata de lazer e entretenimento,
sendo, dentro de uma casa, monopolizadora das atenções.
De fato, nos lares brasileiros, não há rádio, livro, jornal
ou revista que consiga superar ou se igualar à TV em se tratando
de atrair e manter a atenção do público. Ela não é apenas um
instrumento de informação e diversão, mas também um instrumento
de identificação.
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17
Cada espectador, seja ele adulto ou criança, se
identifica e se reconhece nas pessoas comuns, nos personagens e
nas histórias que desfilam pelos diferentes programas, e, através da
televisão, sente-se parte de um grupo e integrado ao mundo.
Por tudo isso, a televisão incorporou-se de tal forma à
vida social de cada pessoa e de cada família que muitos a
consideram um verdadeiro membro da família, fazendo com que
ocupe um lugar de honra na casa e na vida de cada família.
Ora, nessa esteira, a exibição do Programa “NOITE
AFORA”, pelas emissoras-demandadas, em horário não-permitido,
em toda a circunscrição territorial do Estado do Acre, que vem
ocorrendo desde 24 de agosto de 2001, viola profundamente os
valores constitucionais e legais que deveriam ser cumpridos por
uma concessionária pública de radiodifusão de som e imagem.
Há, no caso, violação a interesse de titularidade de
toda a coletividade, razão pela qual esse prejuízo há de ser
ressarcido, enquanto dano moral, conforme o previsto no inciso V
do artigo 1º da Lei n° 7.347/85, transcrito abaixo :
"Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: (...)”(grifou-se)
O Código de Defesa do Consumidor, consubstanciado
na Lei nº 8.078/90, por seu turno, também contempla a indenização
por dano moral, nos incisos VI e VII de seu artigo 6º, escudado pela
previsão de nossa Carta Magna, na dicção do inciso V do artigo 5º.
Vejamos o que prevê o citado artigo do Código de
Defesa do Consumidor :
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais,
individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas
à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,
administrativa e técnica aos necessitados.”(grifou-se)
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18
Oportuno salientar que, em caso análogo, a
necessidade de reparação do dano moral coletivo já foi reconhecida
em outra Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público
Federal, no Estado de São Paulo, perante a 4ª Vara da Seção
Judiciária Federal daquele Estado, no Processo nº 98.0038893-1,
consoante se verifica do trecho abaixo extraído da sentença
preferida naquele autos :
“O ataque aos valores de uma comunidade, além dos danos
materiais que gera, provoca a irrefutável necessidade de
reparação moral, na ação coletiva.
Semelhantemente ao dano coletivo material, o dano moral
coletivo somente virá a ser tutelado, se inserido nas lides coletivas.
Dano moral coletivo indivisível - produzido por ofensas aos
interesses difusos e coletivos de uma comunidade - ou divisível ocasionado por ofensa aos interesses individuais homogêneos –
exigem tutela macro-individual, para salvaguarda de efetiva
reparação do bem jurídico.
Do exposto, constatamos que, à maneira do dano coletivo
material, o dano moral coletivo clama, pela urgência de
reparação, por instrumentos processuais novos. Se ignorados estes
instrumentos, impossível a reparação ao dano moral coletivo.
Permanecerá a afronta aos valores ideais à sociedade, reduzindo o
sentimento de auto estima, que cada pessoa, dela integrante,
abriga no íntimo. E daí advirão efeitos nocivos, para o progresso
do país.
Deparam-se, na doutrina, exemplos de dano moral coletivo.
Esta refere-se a danos a interesses difusos ou coletivos, no caso dos
consumidores, oriundos da publicidade abusiva, em relação a
valores socialmente aceitos.(BITTAR FILHO, Carlos Alberto,
‘Pode a coletividade sofrer dano moral ?’, in IOB - Repertório de
Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, nº 15, São
Paulo, agosto/96).
O patrimônio moral não se restringe aos valores morais
individuais da pessoa física. Assim, a dor psíquica, esteio da teoria
do dano moral individual, alonga seu braço, até alcançar o dano
moral coletivo : um sentimento de desapreço, que atinge, de
maneira negativa, toda a coletividade. Ocorre, por exemplo,
quando a boa imagem do serviço público, ou o conceito de
cidadania de cada brasileiro é afetado.
Difícil orçar a ofensa, desencadeada à sociedade, à
credibilidade do Estado, quando não se empregam os
instrumentos de reparação do patrimônio moral. Resulta no não
reconhecimento de valores sociais essenciais.
Ao sofrer a lesão moral, cabe à coletividade o justo
ressarcimento. Do contrário, repentinamente, pode debilitar-se
seu patrimônio imaterial.
As indenizações, por dano moral coletivo, reputam-se
essenciais, para confirmar, ao brasileiro, o verdadeiro valor do
seu patrimônio moral, digno de proteção judicial.
O preclaro Dr. Oscar Dias Corrêa assinala: “a reparação do
dano moral enfatiza o valor e importância desse bem, que é a
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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19
consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão
mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.” [RTJ
108/294].
A reparação do dano moral coletivo representa, para a
coletividade, uma conquista. Trata-se do reconhecimento, pelo
Direito, de valores sociais indispensáveis, como a imagem do
serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que
adentram a já aniquilada noção de cidadania do brasileiro.
A reparação do dano moral coletivo traz, em seu âmago, a
efetiva cidadania.(...)”(grifou-se)
A doutrina também apoia a tese da reparação do dano
moral coletivo, como lembra o estudioso CARLOS ALBERTO
BITTAR FILHO, cujo trecho se transcreve :
“ ...chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a
injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é
a violação antijurídica de um determinado círculo de valores
coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo
menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial.”4
Assim, impossível deixar de reconhecer, no caso
concreto, a responsabilidade das emissoras-rés pelos danos morais
advindos da indevida exposição, a milhares de espectadores, a
cenas impróprias veiculadas pelo Programa Televisivo “NOITE
AFORA”, tudo em virtude do fato de que, reitere-se, desde 24 de
agosto de 2001, quando começou a ser apresentado no Estado do
Acre, não se encarregaram elas de fazer a adequação de sua
grade-horária às peculiaridades de fuso aqui vigente, como o estava
a exigir Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério
da Justiça.
Ora, tal responsabilização gera, sem sombra de
dúvidas, o direito à indenização por parte dos titulares dos direitos
difusos lesados, que compõem um número indeterminado de
pessoas, pela própria natureza da comunicação de massa.
E isso, como já se disse, em virtude de que tais tipos
de programas estimulam a libido e as fantasias sexuais dos
4 Direito do Consumidor, Vol. 12- Ed. RT, “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”.
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20
telespectadores
infantis
e
adolescentes,
principalmente,
acarretando, dentre outras conseqüências desastrosas, a
desarmonia familiar, a sexualização e gravidez precoces.
Desta forma, resta evidente a responsabilidade das
rés “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE
LTDA.” pelo dever de reparar os danos a que deram causa,
especialmente àqueles de natureza moral que afetaram a todos os
telespectadores - dentre eles, como já dito, crianças e
adolescentes -,
alcançados por imagens eróticas e cenas
pornográficas transmitidas em horário inadequado, cujo respectivo
quantum fica ao arbitramento desse Juízo.
4. Do cabimento da antecipação de tutela :
A tutela antecipada, necessidade do pleno exercício
do direito de ação, em prol da defesa de toda e qualquer ameaça ou
lesão a direito, encontra-se prevista no artigo 273 do Código de
Processo Civil, bem assim no artigo 84, parágrafo 3º, do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor.
Visa a tutela antecipada garantir o resultado efetivo do
provimento jurisdicional, sendo de particular necessidade nas ações
relativas à defesa do cidadão, as quais exigem a celeridade e
eficiência como condições para o resguardo de tais direitos difusos,
tendo como requisitos a verossimilhança das alegações constantes
na inicial e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação caso a medida só venha a concretizar-se ao final da lide.
No caso, estão plenamente configuradas nesta Ação
Civil Pública os requisitos para a obtenção da tutela antecipada,
pois que não admiti-la seria perpetrar o dano causado pela
veiculação em horário inadequado do Programa Televisivo “NOITE
AFORA”, numa amplitude indeterminada, em contrariedade ao que
estatui a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério
da Justiça.
IV. DO PEDIDO :
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21
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
requer :
1. Liminarmente :
a) determine Vossa Excelência, sem audiência de
justificação prévia, seja concedida a tutela antecipada, inaudita
altera parte, já que comprovados o periculum in mora e o fumus
boni juris, para compelir as emissoras-demandadas “REDE TV” e
“SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” a adequarem a
sua grade de programação-diária para que a transmissão do
Programa Televisivo “NOITE AFORA” seja efetivamente veiculado
neste Estado partir da 23h(vinte e três horas), por se tratar de
programa não-recomendado para menores de 18(dezoito) anos,
consoante determinação contida a Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, do Ministério da Justiça;
b) após a adequação da grade horária solicitada
acima, ordene esse Juízo à emissora-demandada “SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” que passe a veicular, de forma
nítida e suficiente para seu correto entendimento, anteriormente às
próximas 05(cinco) edições do Programa Televisivo “NOITE
AFORA” retransmitidas no Estado do Acre, um aviso nos seguintes
termos : “O Programa “NOITE AFORA” está sendo veiculado
neste horário em virtude de decisão da Seção Acreana da
Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público
Federal.”
2. No mérito :
a) a procedência da presente Ação Civil Pública, com
a manutenção da liminar deferida e a condenação das emissorasdemandadas “REDE TV” e “SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO
NORTE LTDA.” a transmitirem o Programa “NOITE AFORA” neste
Estado, em caráter definitivo, a partir da 23h(vinte e três horas), por
se tratar de programa não-recomendado para menores de
18(dezoito) anos, consoante determinação contida na Portaria nº
796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça;
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22
b) sejam condenadas as rés “REDE TV” e
“SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.”, de forma
solidária, ao pagamento de multa diária de R$ 50.000,00(cinqüenta
mil reais) no caso do descumprimento da obrigação de fazer
determinada, tanto em tutela antecipada, quanto no provimento
judicial definitivo, devendo o numerário arrecadado a esse título ser
revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem
prejuízo das demais penalidades cabíveis, inclusive a suspensão do
Programa Televisivo “NOITE AFORA” pelo prazo de 30(trinta) dias,
nos termos da Lei nº 4.117/62, que institui o Código Brasileiro de
Telecomunicações;
c) sejam as emissoras-demandadas “REDE TV” e
“SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” condenadas,
também de forma solidária, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, ao
pagamento de indenização por dano moral causado à coletividade,
em face da veiculação do Programa “NOITE AFORA” em horário
não-recomendado para menores de 18(dezoito) anos, desde 24 de
agosto de 2001, para todo o Estado do Acre, em desacordo ao que
determina a Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do
Ministério da Justiça, e a sua respectiva Classificação Indicativa;
d) ainda a título de reparação do dano causado,
ordene esse Juízo à emissora-demandada “SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” disponibilize a veiculação em sua
regular programação, durante 06(seis) meses, mediante inserção
diária de 05(cinco) minutos, de mensagens publicitárias de caráter
informativo-pedagógico - editadas pelo próprio Ministério Público
Federal com seus parceiros institucionais, precipuamente as
Secretarias Estadual de Educação e Saúde - , atinentes à
prevenção da gravidez precoce e das doenças sexualmente
transmissíveis, após aprovação de seu conteúdo por esse Juízo,
nelas se fazendo constar a seguinte observação : “A presente
mensagem publicitária está sendo veiculada neste horário em
virtude de decisão da Seção Acreana da Justiça Federal,
atendendo a pedido do Ministério Público Federal.”
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23
e) seja a UNIÃO, através do Departamento de
Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça,
Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de
Justiça do Ministério da Justiça, condenada a promover um efetivo
controle e fiscalização sobre os programas veiculados pelas
emissoras-demandadas “REDE TV” e “SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.”, exercendo as atividades de
polícia a ela inerentes, visando coibir a radiodifusão futura de sons
e imagens que estejam em desacordo com a Portaria nº 796, de 08
de setembro de 2000, do Ministério da Justiça;
f) sejam citadas todas as demandadas, na pessoa de
seus representantes legais, para, querendo, contestar a presente
Ação Civil Pública, no prazo legal, cientificando-lhes que a ausência
de contestação implicará em contumácia e em reputar-se como
verdadeiros os fatos alegados na inicial;
Por derradeiro, o Ministério Público Federal
comunica que pretende provar o alegado por todos os meios de
prova em direito admitidos - embora a matéria seja eminentemente
jurídica - , pedindo sejam as rés condenadas, de forma “pro rata”,
ao pagamento de todas despesas processuais decorrentes da
presente lide, dando-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$
50.000,00(cinqüenta mil reais), por se tratar de Ação Civil Pública
que visa à defesa dos interesses coletivos, os quais, por natureza,
são indisponíveis e inestimáveis.
Pede deferimento.
Rio Branco/AC, 1º de outubro de 2003.
Marcus Vinicius Aguiar Macedo
PROCURADOR DA REPÚBLICA
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DOCUMENTOS ANEXOS :
• Documentos I e II – Ofícios provenientes da “SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.” sobre os fatos-objetos da
presente lide;
• Documento III - Programação da “Rede TV”;
• Documento IV - Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do
Ministério da Justiça;
• Documento V - Classificação Indicativa do Programa Televisivo
“NOITE AFORA”; e
• Documento VI - Cópia do Diário Oficial da União no dia 23 de
maio de 2003, referente à publicação da Classificação Indicativa do
Programa Televisivo “NOITE AFORA”.

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