excelentíssimo senhor juiz federal da ____ vara da seção judiciária

Transcrição

excelentíssimo senhor juiz federal da ____ vara da seção judiciária
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL D A ____
VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE
"Quem financia a Baixaria é Contra a Cidadania"
Uma campanha da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados e organizações da sociedade civil
para promoção dos direitos humanos e da dignidade do
cidadão na mídia.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da
República infra-assinado, vem à presença de Vossa Excelência, com
supedâneo na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 75/93, e de
acordo com os preceitos em geral da legislação civil e processual civil,
especialmente os da Lei n° 8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente),
Lei nº 8.078/90(Código de Defesa do Consumidor) e Lei n° 7.347/85(Lei da
Ação Civil Pública), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de
tutela antecipada, contra a
REDE TV, Emissora de Televisão, pessoa jurídica de direito
privado, representada por seu Presidente, AMILCARE
DALLEVO, com endereço na Rua Bahia, nº 295, Bairro
Alphaville, em Barueri/SP, com CEP. nº 06.465-120 e
telefone/fax (11)7266-7000;
SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., Emissora
de Televisão, retransmissora local da programação da REDE
TV, pessoa jurídica de direito privado, representada pelo seu
Diretor-Geral, Sr. PAULO HENRIQUE MALAQUIAS, com
endereço no Conjunto Xavier Maia, Quadra 01, nº 1-A, Bairro
Placas, nesta Capital; e a
UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa,
vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação,
Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do
Ministério da Justiça, com endereço na Esplanada dos
Ministérios, Bloco “T”, Sala 424, em Brasília/DF, CEP. nº
700064-900, com telefone (61)429-3145 e fax (61)226-5023,
pessoa jurídica de direito público interno, representada
judicialmente pelo Advogado da União no Estado do Acre,
com endereço funcional na Rua Rui Barbosa, nº 142, Bairro
Centro, nesta Capital; pelas razões que passa a expor.
Endereço: Av. Epaminondas Jácome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (68) 224-4781 / 0321
Fax: (68)224-0673 - e-mail : [email protected] - Rio Branco - Acre.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
2
I. DO OBJETO DA LIDE :
A presente demanda objetiva tutelar direitos do telespectador
acreano violados pelas rés REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO
NORTE LTDA., como emissoras concessionárias de serviço público federal de
radiodifusão de som e imagem no Estado do Acre, por estarem veiculando em
horário inadequado nesta Unidade Federada os programas “EU VI NA TV”,
com o quadro “Teste de Fidelidade”, e “BUTTMAN NA TV”, transmitido por
aquela e retransmitido neste Estado por esta, programas esses que tem levado
ao ar atrações cultural e socialmente indigentes, que mostram o ser humano
em situações constrangedoras, exploram o sexo de maneira libidinosa,
estimulando a erotização precoce do comportamento da criança e do
adolescente, além de apresentarem humor grosseiro e vulgar.
Destarte, se pretende que sejam as aludidas Emissoras, ora
demandadas, condenadas a adequarem as suas respectivas programações
diárias de forma que os citados programas sejam veiculados neste Estado no
mesmo horário em que é veiculado na Capital do País, qual seja, a partir
11h15m e 02h, respectivamente.
Esta Ação Civil Pública visa, ainda, à tutela pecuniária idônea,
em valor a ser arbitrado pelo Juízo, que possibilite a reparação do dano moral
causado à coletividade em virtude dessa violação, acarretando, dentre outros,
a agressão aos valores éticos e morais da sociedade acreana decorrente da
veiculação de Programas Televisivos em horários não apropriados, em
especial para crianças e adolescentes.
Outrossim, pretende esta demanda a condenação da UNIÃO,
mediante o Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à
Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da
Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, a exercer um controle
efetivo sobre os programas veiculados pelas Emissoras-Demandadas, visando
coibir a exibição daquele que esteja em desacordo com os princípios éticos e
morais em horários não apropriados.
O problema é sério porque a influência da televisão é
avassaladora. E isso acontece não por seu mérito ou competência, mas porque
ela está sozinha. No Estado do Acre, como de resto em qualquer lugar do
Brasil, faltam escolas de qualidade para todos, bibliotecas, centros culturais ou
vida comunitária, e a TV acaba sendo a principal fonte de informação e cultura.
Sendo um veículo de comunicação de massas, ninguém está
pedindo que a TV se transforme em baluarte da erudição, exibindo, em horário
nobre, debates calorosos sobre Kant ou Nietzsche, mas, num País no qual tem
poder de rolo compressor, tem de assumir responsabilidades.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
3
Enfim, é preciso exigir a mudança de postura dos que fazem
TV e fortalecer a sociedade para o consumo crítico dos produtos televisivos.
II. DOS FATOS :
A televisão brasileira entra no século XXI comemorando seus
50(cinqüenta) anos, período ao longo do qual foi se desenvolvendo e ocupando
cada vez mais espaços nos lares e na sociedade brasileira.
Com efeito, devido à grande importância que adquiriu no dia-adia de cada família e de cada brasileiro, consolidou-se como o mais importante
veículo de comunicação de massa do País. Seu poder sobre o público é
tamanho que, em alguns lares, talvez a maioria deles, é a TV quem determina
a organização do tempo e do espaço, estabelecendo toda a rotina da casa.
É nesta realidade que se insere, como fato notório, a violação
aos valores éticos e morais, a dignidade da pessoa humana, à imagem, à
honra, etc., dos cidadãos acreanos pelo quadro “TESTE DE FIDELIDADE”, do
programa ”EU VI NA TV”, e pelo programa “BUTTMAN NA TV”, transmitidos
pela Emissora REDE TV e retransmitidos, em todo o Estado do Acre, pela
SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., às 20h15m e 23h, às
segundas-feiras e sextas-feiras, respectivamente, horário local, que necessita
ser adequado para que seja transmitido em horário que não fira os direitos
Constitucionais citados.
O programa “EU VI NA TV” é apresentado por “JOÃO
KLEBER” e o quadro chamado “TESTE DE FIDELIDADE”, que ocupa maior
parte do tempo do programa, consiste em pegadinhas em que uma pessoa,
geralmente uma mulher, põe à prova a integridade de seu parceiro - marido,
namorado, companheiro - pedindo à produção que arme para seu parceiro(a)
uma pegadinha que coloque à prova a sua fidelidade. Assim, a produção
coloca-o(a) diante de um belo ou uma bela e convincente modelo e ator(atriz),
dependendo da preferência do testado(a), sendo ele(ela) tentado(a) a cometer
a traição. O tentador não só seduz, mas se joga em cima da presa, muitas
vezes chegando a fazer “strip-teases” explícitos - chegam a se esfregar com a
vítima, tirando-lhe a roupa e até levando-a para a cama - , tudo isso com intuito
dela se render às tentações. No meio do papo sedutor, o ator (ou atriz) tenta ao
máximo tirar informações picantes sobre o relacionamento da presa, induzindoa a revelar informações constrangedoras sobre sua relação com o(a)
parceiro(a).
Em princípio, a vítima não sabe que está sendo filmada por
câmaras ocultas. A produção do programa registra tudo e o vídeo é transmitido
ao vivo pela TV, com o parceiro(a) queixoso(a) no palco assistindo à gravação
frente a uma platéia e às câmeras. O público, então, tem a oportunidade de
acompanhar a vítima diante do ator ou atriz insinuante e também a reação
do(a) outro(a) parceiro(a) assistindo à reação da vítima.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
4
Durante toda a apresentação da gravação o apresentador
JOÃO KLEBER faz “piadinhas”, reforçando as barbáries que são ditas,
deixando, assim, o(a) convidado(a) cada vez mais desequilibrado, forçando-o
ao limite.
Comentários desta natureza sempre ocorrem durante as
gravações: " Seu namorado é tão gostoso quanto eu?" - dando tapas nas
nádegas da presa. Enquanto isso, a pessoa que pediu o teste quase infarta no
palco ao ouvir os comentários depreciativos feitos pelo(a) parceiro(a) e pela
pessoa que o está seduzindo, se expondo, dessa forma, ao ridículo.
Além disso, não bastasse tamanho desvirtuamento dos
relacionamentos, após a exibição da gravação do adultério o casal é posto de
frente para se degladiar juntamente com a platéia e o ator(ou atriz) envolvido(a)
para colocar ainda mais lenha na fogueira. Resultado? Pancadaria, falta de
senso, e total desrespeito com todo mundo, principalmente para com o
telespectador!
Realmente, como se vê da simples leitura do site da Emissora
REDE TV, o quadro “TESTE DE FIDELIDADE”, apresentado pelo “EU VI NA
TV”, se resume ao seguinte :
“O polêmico Teste de Fidelidade é a sensação do programa.
Ele serve para por em prova namorados e maridos que, sem saber
de nada, são conduzidos pela produção a situações envolvendo
belas mulheres. A sedução, é tamanha que dificilmente as vítimas
não caem durante as gravações. Do palco, as namoradas e esposas
roem as unhas diante do que assistem e no final quebram o pau
com os infiéis, que aparecem para desculpar-se1.” grifei.
Agora quanto ao programa “BUTTMAN NA TV”, apresentado
por JULIANA PIRES e LANA STARCK, ambas atrizes pornôs, esse tem como
objetivo principal a difusão descontrolada de assuntos de conteúdo
estritamente sexual, sem nenhuma restrição a imagens de nudez e pornografia,
que, exibidas como o são, de forma insinuantes e provocativa, tornam-se
sabidamente ofensivas a personalidades que se encontram em formação.
De fato, consiste esse programa em exibições de “strip-tease”
explícito, no quadro “Estrela Pornô”, exibição de “traillers” de lançamentos de
filmes pornôs, de bastidores das filmagens de filmes pornôs produzidos pela
“BUTTMAN”, da capa da revista “BUTTMAN” do mês, leitura pelas
apresentadoras dos comentários feitos pelos internautas sobre o programa,
entre outras atrações, todas voltadas para a pornografia.
1
Extraído do site http://www.redetv.com.br/programas/euvinatv/index.aspx?pcd=8&pcdg=1.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
Por oportuno, transcrevemos comentários feitos
telespectadores acreanos, referentes ao programa “BUTTMAN NA TV”: 2
5
por
“postador por Italo 11/12/2004 às 22:53
ola juliana vc e muito bonita adoro vc assisto todas as sextas feiras
o seu programa... eu to falando do acre ’CAPITAL’ rio branco
adimiro muito sua beleza e os seus filmes adorao vc... bjao”
“postador por Lusivan Araújo 06/12/2004 às 13:41
Lanna e Juliana, sou do Acre muito longe dai o fuso é de três
horas de diferença, mas, não fico uma sexta feira sem assistir o
programa. Quero dizer que vocês são duas belas mulheres que se
a natureza me mandasse escolher duas coisas eu não me
importaria com a segunda se a primeira fosse vocês.
Beijos deliciosos !!!!!”
No ponto, é importante dizer que embora não seja proibida no
Brasil a veiculação de programas televisivos desse tipo, há expressa vedação
por parte de nossas Autoridades Estatais para proteger nossas crianças e
adolescentes, consoante se verifica das disposições contidas nos artigos 21,
inciso XVI, e 220, parágrafo 3°, incisos I e II, da Constituição Federal, e artigo
254 da Lei n° 8.069/90(Estatuto da Criança e do Ado lescente).
Pois bem, diante de tudo o que se disse, no Estado do Acre,
em virtude da peculiar diferença - a menor e por causa do horário de verão - de
fuso horário de 03(três) horas com relação à Capital Federal, e como as
Empresas-Rés REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.,
não fazem a adequação de sua grade de programação diária, os Programas
Televisivos em questão acabam sendo exibidos em horários inapropriados para
as crianças e adolescentes acreanos.
Realmente, diante dessa diferença exorbitante de horário a
menor, o Programa Televisivo “EU VI NA TV”, cujo quadro “Teste de
Fidelidade” ora se comenta, e o programa “BUTTMAN NA TV”, encontram-se
sendo exibidos neste Estado às 20h15m e 23h, respectivamente, conforme
documento anexo.
Ora, como sabemos, a sociedade moderna de hoje
praticamente bombardeia nossas mentes a todo instante, com elementos que
possam interferir em nosso imaginário singular e pessoal, dimensionando-o
para uma vida permeada de símbolos e ações que sedimentarão a nossa
"personalidade" junto ao processo civilizatório no qual estaremos inseridos até
o fim de nossas vidas.
2
Extraído do blog do programa “BUTTMAN NA TV”, no site http://www.forplay.com.br/blog/
blog_commento.asp?blog_id=30&month= 12&year=2004&giorno=&archivio=OK.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
6
Nessa realidade, o imaginário infantil numa sociedade
dependente da mídia está sujeito a manipulações que transformam os seus
estágios naturais de formação e crescimento e os direciona para uma
existência servil e utilitária, num interesse agressivo de perpetuação do "modus
vivendun" até então estabelecido.
A atual organização social, que privilegia a linguagem e as
atitudes transmitidas pela mídia, muitas vezes traz como conseqüência a
inversão de valores morais e familiares.
Atenta-se, desta forma, nesta Unidade Federada, contra a
formação da família acreana, ofendendo os valores que lhe são assegurados
pela Constituição Federal, notadamente aqueles instituídos em proteção às
crianças e adolescentes, enquanto pessoas que se encontram em
desenvolvimento físico, psicológico e emocional, que são, pois, passíveis de se
deixar impressionar e desencadear atitudes de imitação, levando, não raro, a
problemas tais como a estimulação precoce da libido, desarmonia familiar,
desvalorização do corpo, e até a concretização de fantasias sexuais, com a
sexualização e gravidez antecipadas.
Ora, não se pode negar que os programas “EU VI NA TV” e
“BUTTMAN NA TV”, com seus excessos desnecessários, sendo apresentados
em horário em que estão acordados adolescentes e crianças, atiça
precocemente a libido desses telespectadores, em nada contribuindo para a
conservação dos valores éticos que sustentam a sociedade local, porque são
pessoas que ainda atravessam, ou estão prestes a iniciar, a natural etapa do
desenvolvimento inerente a todo ser humano, que é a formação do seu caráter
e da personalidade.
Cabe, aqui, considerar que os experts na área de psicologia
infantil, em uníssono, apontam para o fato de que o excesso de cenas de sexo
na televisão atua como fator decisivo nos desvios e abusos ocasionados na
infância e na adolescência, posto que estimulam a libido e as fantasias sexuais,
acarretando, dentre outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar,
a sexualização e gravidez precoces.
Neste diapasão, vale transcrever trecho extraído de estudos do
Psiquiatra Infantil HAIM GRÜSPUN :
3
"(...) a televisão vem exercendo, cada vez mais, marcante
influência sobre a imaginação, fantasia e comportamento da
criança. Suas atitudes são freqüentemente passíveis de
modificação sob a influência de filmes, novelas, programas
variados, desses que se apresentem com uma linha mais ou menos
constante de valores e padrões de comportamento: amor-sexoagressividade-medo-terror(...), suscitando reações emocionais".
1 “Assuntos de Família”, SP/SP, Kairós-Livraria Editora, 1984.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
7
Ainda nesse sentido, oportuno é transcrever o artigo elaborado
pela Psicóloga DANIELA LEVY :
“A influência da televisão na formação das crianças
(...)
O que se vê com grande freqüência são programas
fundamentados em falsos valores, voltados apenas para satisfazer
audiência e que promovem a violência. Estes programas tem uma
contribuição negativa no desenvolvimento das crianças que ficam
mais expostas à TV, pois estas tendem a reproduzir atividades e
práticas presentes na programação assistida. Isso ocorre
principalmente quando a situação vivenciada aproxima-se das
experiências de vida da própria criança.
Cenas eróticas ou situações de violência são muito
prevalentes nos programas assistidos pelo público infantil. Uma
das consequências mais visíveis é a aceleração de algumas
vivências, sem que tenha havido um amadurecimento para tal.
Crianças que assistem a programas de televisão violentos
podem se identificar com os personagens e acreditam que eles são
realistas, o que aumenta as chances delas se tornarem adultos
agressivos. (...)”.4
Neste sentido, tais programas forçam a criança a despertar a
sexualidade prematuramente à idade em que surgiria tal aspecto de sua
personalidade de forma natural.
No caso em questão, em que os programas “EU VI NA TV” e
“BUTTMAN NA TV” vêm sendo veiculados com 03(três) horas de diferença para menos - em relação ao resto do Brasil, comprovada está a ofensa à
dignidade de milhares de pessoas, em especial crianças e adolescentes
acreanos, refletindo-se negativamente em suas famílias, o que é moralmente
reprovável, na medida em que, na falta de outros programas educativos,
informativos ou culturais, tenham que se submeter à vexatória banalização do
sexo, fato que ocorre ante a falta de um eficiente controle da programação
veiculada pelas Emissoras-Rés.
Ora, o entretenimento “mundo-cão”, apoiado numa sórdida
manipulação do conceito de liberdade sexual, em que pese possa render bons
pontos no Ibope, é proceder que deve ser coibido pelo poder público, pois a TV
de qualidade, aquela a que os brasileiros têm direito, aí incluída a população
acreana, está bem perfilada na Constituição e nas normas infraconstitucionais.
No tocante, portanto, o que se presencia neste Estado é uma
sistemática agressão aos valores éticos, à própria Constituição e às leis.
4
Dra. Daniela Levy (CRP 06/58195-8) - Pós-Graduada (Latu Senso) em Psicologia Clínica
Hospitalar pelo Instituto do Coração - InCor do HC-FMUSP. E-mail: [email protected].
Extraído
do
site
http://www.clubedobebe.com.br/Palavra%20dos%20Especialistas/
psicologiainfantil.htm.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
8
Nesta esteira, não cabem mais omissões num quadro de
tamanha gravidade. É preciso que todos, sobretudo os que têm parcela de
responsabilidade, cobrem a preservação dos valores éticos que sustentam a
sociedade e exijam o cabal cumprimento das normas jurídicas deste País.
As Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO
NORTE LTDA., ora demandadas, vêm, reiteradamente, não apenas
desrespeitando dispositivos insertos no art. 5º da Carta Maior, em especial, o
direito à honra e à imagem, e aviltando, por conseqüência, a dignidade da
pessoa humana - artigo 1º, inciso III, da Carta Republicana - , como também
têm infringido frontalmente as normas preventivas do Estatuto da Criança e do
Adolescente, dando ensejo, por parte deste Parquet Federal, a promover a
presente Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, objetivando que
ambas sejam condenadas a adequar a sua grade de programação-diária para
que os Programas Televisivos em referência sejam exibidos em horários que
não firam os valores éticos e morais da sociedade acreana.
E é nesse sentido que brilhantemente já decidiu o
Excelentíssimo Senhor Juiz Federal Substituto, Dr. JAIR ARAÚJO FACUNDES,
nos autos da Ação Civil Pública nº 2003.30.00.002140-1, com pedido de tutela
antecipada, em curso na 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Acre,
proposta por este Órgão Ministerial em face das Emissoras REDE TV e
SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., por estarem veiculando em
horário impróprio nesta Unidade da Federação o Programa Televisivo “NOITE
AFORA”, cujos trechos transcrevo abaixo, ipsis litteris :
“(...)
10.
É
indiscutível
a
força
exibida
pela
televisão como agente modelador de costumes e
formador de opinião na sociedade contemporânea,
sendo
inegável
os
benefícios
por
ela
proporcionados. Todavia, não há dúvida de que a
indevida utilização desse importante veículo de
comunicação social na divulgação de programa como o
espelhado nestes autos viola a liberdade e direitos
ínsitos
no
ordenamento
constituído,
exigindo
providências
efetivas
e
imediatas
para
a
restauração das esferas jurídicas violadas.
(...)
12. O pleito do Ministério Público Federal,
antes de se constituir em ato de censura, objetiva
oferecer às crianças e adolescentes do Acre, o
mesmo tratamento a eles reservado nas regiões Sul,
Centro e Centro-Sul do Brasil, onde tais programas
adultos são veiculados em horário adiantado(acima
das 23 horas em cumprimento), poupando aqueles
infantes da exposição desnecessária às cenas
totalmente eróticas.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
9
13. Não é razoável que em razão da diferença de
fuso-horário própria do Brasil continental a
criança e adolescente do Acre sejam expostas a
cenas de sexo, as mais variadas possíveis, e não
tenham a mesma proteção que a lei lhes garante
naqueles Estados com horário adiantado. Portanto,
mostra-se induvidosa a plausibilidade do direito
cuja tutela é buscada na presente ação.
14. Por fim, a medida de urgência se justifica
em face do início do horário de verão, que irá
antecipar em 3(três) horas a programação veiculada
no horário oficial (Brasília), de sorte que um
programa repleto de forte apelo erótico veiculado
em
Brasília
às
23
horas
será
transmitido,
simultaneamente, às 20 horas no Acre, momento em
que as famílias repousam e assistem televisão no
recanto do lar.(...)
15.
Desta
forma,
presentes
os
requisitos
autorizadores da concessão da medida, DEFIRO a
liminar requerida para determinar que as emissoras
demandadas ajustem sua grade de programação diária
para que a transmissão do Programa Televisivo
“NOITE AFORA” seja efetivamente veiculado neste
Estado do Acre a partir das 23(vinte e três) horas,
por se tratar de programas não-recomendado para
menores de 18(dezoito) anos, consoante determinação
contida na Portaria nº 796, de 08 de setembro de
2000, do Ministério da Justiça, sob pena de multa
cominatória diária no valor de R$ 10.000,00(dez mil
reais),
sem
prejuízo
das
sanções
penais
e
administrativas decorrentes da desobediência.”
Destarte, não resta outra alternativa ao Ministério Público
Federal, no caso concreto, senão a de ajuizar a presente Ação Civil Pública,
com pedido condenatório, para que o Poder Judiciário, mais uma vez, ordene a
adequação dos Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV”,
transmitidos pela REDE TV e retransmitidos neste Estado pela SOCIEDADE
DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., para exibição em horário adequado, bem
assim possa reparar a lesão sofrida pela coletividade, mediante o arbitramento
de indenização pecuniária e mediante inserção diária de mensagens
publicitárias de caráter informativo-pedagógico, condenando-se ainda a União,
através de suas repartições próprias, a exercer um controle efetivo sobre os
programas veiculados pelas referidas Emissoras.
III. DA FUNDAMENTAÇÃO :
1. Do cabimento da Ação Civil Pública e da legitimidade do
Ministério Público :
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
10
A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso IV,
estabelece que a programação das emissoras de televisão atenderá ao
princípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de
modo a propiciar uma educação saudável e a formar um cidadão consciente de
seus deveres e direitos, respeitoso pelas leis e solidário para com os outros
cidadãos, dando-se preferência a programas com finalidade educativas,
artísticas, culturais e informativas. Assim, ao regular o direito à liberdade de
expressão das emissoras de rádio e televisão, impôs claros e principiológicos
critérios ao seu exercício, consoante se observa da prescrição de seu artigo
221, ad litteram :
“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e
televisão atenderão aos seguintes princípios :
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção
independente que objetive a sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”
(grifei).
Isto porque, como não poderia deixar de ser, todo e qualquer
direito é passível de sofrer restrições, a fim de se evitar que em nome da lei se
cometam abusos dos quais decorrem invasões à esfera jurídica alheia - in
casu, difusa -, não sendo inerente ao preceito de qualquer norma jurídica tal
caráter absolutista ou intocável do direito que prevê, pois tal entendimento é
senão proveniente da equivocada exegese ou mesmo de manipulações da
legislação, as quais servem apenas ao interesse privado, o que se revela
manifestamente contrário aos princípios norteadores da vida sob o manto de
um Estado Democrático de Direito.
Impende destacar, no tocante, a observação de LUIS
GUSTAVO DE CARVALHO5, quando discorre acerca do interesse público e o
interesse privado no direito de informação e de liberdade de expressão, in
verbis :
“(...) Nunca ouve, essencialmente, um interesse
público em divulgar. A liberdade de imprensa e sua
correlata liberdade de informação dos dias modernos
sempre estiveram comprometidas com uma liberdade
individual, uma liberdade do homem em divulgar o
que queria e do modo como queria. Em outras
palavras, nas duas pontas do conflito estavam duas
liberdades individuais-liberais : o interesse privado do
órgão de informação em divulgar o que queria, de um
lado, e o interesse privado em não permitir a
divulgação de outro lado (...).
5
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de Informação e Liberdade de
Expressão. Rio de Janeiro : Renovar, 1999.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
11
A provocação que hoje faz ruir as barreiras do
direito público e do direito privado acaba por revelar
que entre interesse público e interesse privado surge
uma terceira via, um terceiro interesse, não
reconduzível ao interesse público estatizante, nem ao
interesse privado liberalizante
um interesse
comunitário, coletivo, social, difuso, que não é só
público, nem só privado, mas que encerra
características essenciais dos dois” (grifei).
De se dizer, portanto, que a liberdade de expressão, a par de
se tratar de uma liberdade individual-liberal, na nova ordem constitucional
brasileira, deve ceder face ao interesse social, os interesses coletivos e
difusos, mormente face ao interesse difuso dos menores atingidos pela
produção e a programação das emissoras de televisão.
No ponto, insigne é a lição de LUIS GUSTAVO DE
CARVALHO , que rememora o dever constitucionalmente previsto dos órgãos
de informação, ipsis verbis :
6
“(...) A mesma tênue linha entre público e privado
impõe ao órgão informador, muito especialmente, mais
uma tarefa, consistente em obedecer uma pauta ética.
Desbordar esta pauta é desonrar a missão que lhe é
atribuída. Como já se assinalou ‘los mayores enemigos
de la libertad no son quienes la oprimem, sino quienes la
desonran’”(grifei).
De se destacar, ainda com fulcro no excerto acima transcrito,
que o resultado da síntese entre o direito à liberdade de expressão dos órgãos
de informação e o interesse difuso ou coletivo daqueles que consomem os
serviços por eles prestados é justamente o dever de respeitar os valores
éticos e sociais da pessoa e da família, invariavelmente.
Nesse sentido é que se afirma que os maiores inimigos da
liberdade não são os que a oprimem, senão os que a desonram. Ora, na
medida em que o direito à liberdade de expressão, importante conquista social,
conferido constitucionalmente aos órgãos de informação, é exercido com
abuso, de modo a ofender e desrespeitar o direito de outrem, em particular de
crianças e adolescentes, deixa ele de ser direito para ser ilícito e como todo
ilícito torna-se passível de receber a reprimenda estatal, a fim de que se lhe
ponha dentro dos limites de seu exercício.
Corrobora o entendimento acima
supramencionado, quando afirma, ad litteram, que :
6
Idem nota 1.
expendido
o
autor
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
12
“Advogar a livre expressão humana não equivale a
afastar toda e qualquer possibilidade de reprovação.
Como toda ação humana, a liberdade de expressão
pode causar prejuízo a bem jurídico de outrem,
material ou imaterial, e por ele pode responder. A
ninguém é dado ofender outrem impunemente, ao
argumento de que é livre a manifestação do
pensamento. Se é livre a manifestação, também todos
têm direito à honra, à intimidade, à imagem etc. Os
direitos, portanto, devem se autolimitar, o que significa
conviver harmonicamente e pressupõe incansáveis
concessões recíprocas” (grifei).
“Tanto a liberdade de expressão quanto a de
informação encontram limites constitucionais. (...) Mas
nenhuma delas é totalmente imune de controle, do
mesmo modo que nenhum direito é absoluto. Vivemos
em um Estado de Direito em que o exercício dos vários
direitos devem ser harmônicos entre si e em relação ao
ordenamento jurídico.
Desse modo, a liberdade de expressão também se
limita pela proteção assegurada constitucionalmente
aos direitos da personalidade, como honra, imagem,
intimidade, etc” (grifei).
Infere-se, pois, que no exercício da liberdade de expressão as
emissoras de televisão devem obedecer não só às regras que estejam
previstas na legislação ordinária, mas principalmente à Constituição Federal e
às balizas da esfera jurídica alheia, que podem ser percebidas por perfunctória
análise realizada com fundamento na moral e no sentir do homem médio.
Em outras palavras, ainda que não haja a legislação ordinária
federal estabelecido os critérios para a classificação dos programas televisivos
pelo Poder Público, a Constituição Federal indica como um dos princípios
norteadores da produção e programação das emissoras de televisão o respeito
aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
O aludido princípio estabelece claramente um comando às
emissoras de televisão, qual seja, o de respeitar os valores éticos e sociais da
pessoa e da família, dever do qual não podem se escusar de cumprir em razão
de não haver ainda lei federal que regulamente a matéria.
Outrossim, não há que se falar em censura no presente caso.
Em palavras simples e argumentação enérgica, o educador português PAULO
GERALDO7 enfrenta com propriedade o cerne da questão em texto entitulado
“Censura...”, cujo trecho transcrevo a seguir, ipsis litteris :
7
http://paginaseducacao.no.sapo.pt/censura.htm
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
13
“O que sucede actualmente é que – para defender ‘a
liberdade de expressão’ daqueles que produzem certos
programas televisivos e dos que fabricam determinado
gênero de revistas e filmes e livros – permitimos que as
nossas crianças e os nossos jovens se sujem nos vômitos
orgíacos dessa gente : pseudo-intelectuais, pseudoartistas, porque aquilo que produzem não é bom, nem
verdadeiro, nem belo.
Ora, a liberdade de expressão não é nada que dê a
alguém o direito de sujar os outros. Neste ponto, ou
entendemos mal, ou estamos a deixar-nos ir na cantiga
de quem utiliza o termo ‘liberdade de expressão’ para
defender a sua actividade, que não passa de um
inaceitável negócio feito à custa do mal dos outros.
Devíamos proteger os nossos – protegermo-nos a nós
mesmos – desses negociantes de mãos sujas. Era
preciso reduzi-los ao silêncio. Não porque pensem de
uma forma diferente da nossa(como sucedia na
censura que foi amaldiçoada), mas porque não
entenderam que coisa é a liberdade. Reduzi-los ao
silêncio até que entendam que ao direito de fazerem o
que lhes passa pela cabeça não é permitido ultrapassar
aquele limiar no qual começa a pisar o direito que as
outras pessoas têm de não serem pisadas”(grifei).
Destarte, o bom senso, a moral do homem médio e o apelo da
sociedade estão a reclamar que se dê efetividade ao princípio constitucional
insculpido no artigo 221, inciso IV, da Carta Federal.
Trata-se de questão a ser enfrentada hoje pelo Poder
Judiciário, como órgão autorizado a resolver conflitos entre direitos e a declarar
os limites do exercício daqueles que outrora eram reprimidos e para os quais
se receou ressaltar - por medo de abrir portas para o retorno à censura de
outros tempos - que qualquer direito não pode esbarrar o direito de outrem.
É o que ocorre hoje com a liberdade de expressão, que tem
sido dissociada da responsabilidade inerente ao próprio exercício do direito e
que sem ela deixa de sê-lo, tendo, porém, se sustentado ser ela um direito
absoluto, amplo e irrestrito.
O direito à liberdade de expressão não se confunde com o
pretenso direito de emissoras de televisão transmitirem o que bem entenderem,
da forma que quiserem, pois aquele direito, o legítimo direito à liberdade de
expressão, traz em seu bojo a reverência aos direitos sociais, difusos e
coletivos, que encerram o caráter de proeminência do interesse público, ao
passo que este último, o ilegítimo direito à liberdade de expressão, tem sido
exercício de forma egoísta, com finalidades econômicas.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
14
Ora, há um limite para o exercício de qualquer direito, ainda
que elevado à categoria de direito fundamental, proveniente do jusnaturalismo :
o direito de outrem de mesma categoria ou ainda de categoria superior.
Portanto, não há regra que se sobreponha a esta fronteira imposta pelo direito
natural ou que esteja legitimada a autorizar o exercício irrestrito de qualquer
direito, pois mesmo o direito à vida é relativizado no ordenamento jurídico
brasileiro, na medida em que prevê a possibilidade de pena de morte nos
casos de guerra declarada.
Nesta senda, embora a liberdade de expressão seja um direito
fundamental consagrado constitucionalmente, também o princípio da dignidade
humana o é, e mais : é princípio! Além disso, cumpre rememorar, princípio
também é o respeito aos valores sociais da pessoa e da família, pelo qual
deveriam se nortear as emissoras de televisão para a organizar a sua
programação.
Forçoso reconhecer, desta forma, que a permanência da
situação do modo como se encontra hoje é um atentado violento à Constituição
Federal, às crianças e adolescentes acreanos.
Tenha-se presente o texto “Liberdade com Responsabilidade”,
preparado para o Congresso Internacional de Jornalistas, realizado na Cidade
de Recife/PE, em maio de 1988, sob o tema “Liberdade de Imprensa e
Responsabilidade de Informar : os Limites da Comunicação”, do qual reproduzo
trechos abaixo :
“Comecemos pelo bordão que prega ‘Liberdade com
responsabilidade’. É uma tautologia. É como falar de
‘ar com oxigênio’. A liberdade é irmã siamesa da
responsabilidade. Uma está para outra como o selo está
para o envelope : sem um o outro não segue o seu
destino. Quem não é responsável, quem não maneja o
senso de vida em sociedade, os confrontos entre
instinto e cultura, não é livre, e muito menos
responsável. Podemos ser grotescamente responsáveis
sem ser livres, mas é impossível ser altivamente livre de
forma irresponsável. Aí seremos, num exemplo fácil,
criminosos, desrespeitadores, abusivos, invasivos e
tudo o mais que nós jornalistas gostamos de ser.
(...)Essas mercadorias não se regem pela lei da
oferta e da procura. Como no tráfico de drogas,
também no jornalismo a procura não dá legitimidade à
oferta”8 (grifei).
8
http://www.igutemberg.org/jj32adocumento.html.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
15
É de se dizer o mesmo quanto à programação televisiva.
Aqueles que dela tratam não devem se eximir do dever de o fazerem com
responsabilidade, principalmente no que tange às crianças e adolescentes,
haja vista que, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, “é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, exploração, violência, crueldade e opressão“.
No mesmo sentido é o disposto no Estatuto da Criança e do
Adolescente - Lei nº 8.069/90 -, como se vê, in verbis :
“Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,
em condições de liberdade e de dignidade”.
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e
do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”
(grifei).
“Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis.
(...)
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente,
abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano,
violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (grifei).
“Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou
violação dos direitos da criança e do adolescente".
Particularmente quanto à informação, cultura e espetáculos
públicos, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que :
“Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação,
cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e
serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
(...)
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
16
Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão,
no horário recomendado para o público infanto-juvenil,
programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas.
Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado ou
anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua
transmissão, apresentação ou exibição.” (grifei)
No que diz com o disposto no artigo 76, acima transcrito, temse que, apesar de haver apenas recomendação quanto aos horários de
exibição dos programas, há ordem expressa na norma citada para que as
emissoras de televisão somente exibam nesses horários programas com
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e não se deva
deixar de observar tal regra.
Entretanto, em que pese, não haver norma legal
regulamentando o assunto, há um bom senso que nos indica que tipo de
programação não é adequada para o horário em que diversas crianças, no
caso, as acreanas, já não mais estão na escola, visto que todos nós temos a
capacidade de julgar, com esteio nos artigos 71 e 76 da Lei nº 8.069/90, se o
conteúdo de determinado programa possui finalidades educativas, artísticas,
culturais e informativas, enfim, em que se respeite a condição peculiar de
crianças e adolescentes de pessoas em desenvolvimento.
Outrossim, em se tratando de direitos de natureza fundamental
deve sempre prevalecer o que melhor garantir a dignidade humana, como
um verdadeiro sobreprincípio do ordenamento jurídico.
Acerca da questão, observa CELSO ANTONIO BANDEIRA DE
MELO, in verbis:
“Violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o
sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e
corrosão de sua estrutura mestra”9 (grifei)
9
MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12 ed, rev., atual., e ampl.
Malheiros, São Paulo : 2000.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
17
Consciente de que é inútil impor deveres e proibições sem, ao
mesmo tempo, facultar aos interessados meios processuais de promover a
prevenção e a repressão de eventuais infrações, foi que a Constituição Federal
assim dispôs, in verbis :
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e
a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 3.º Compete à lei federal :
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder
Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não
se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se
mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como
da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser
nocivos à saúde e ao meio ambiente.” (grifou-se)
E, ainda, o artigo 21, inciso XVI, da Carta Magna, determinou
que compete à União “exercer a classificação, para efeito indicativo, de
diversões públicas e de programas de rádio e televisão”.
Não o bastasse, a Lei nº 8.069/90, que instituiu no Brasil o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, em seu artigo
254 prevê o seguinte :
“Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em
horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação.
Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em
caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a
suspensão da programação da emissora por até dois dias.
Todavia, como já se disse, no Estado do Acre, no que diz com
o horário de exibição, há sistemática veiculação antecipada de 03(três) horas em relação ao resto do Brasil - do Programa Televisivo ora questionado, em
clara afronta aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
retromencionados, sendo, portanto, a Ação Civil Pública, o instrumento legal
adequado à vindicação dos interesses ora violados pelas EmissorasDemandadas, que se caracterizam como difusos, segundo os ensinamentos de
BARBOSA MOREIRA10, citado abaixo :
“O interesse (que o art. 220, § 3º, da Constituição
visa a preservar) em defender-se ‘de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o
disposto no art 221’ enquadra-se com justeza no
conceito de interesse difuso.” (grifou-se)
1 Temas de Direito Processual Civil, 1987, Ed. Saraiva, p. 239, “Ação Civil Pública e Programação na TV”.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
18
O mesmo autor assevera ainda que :
“Se é certo, como se mostrou acima, que encontra
lugar entre os interesses difusos o dirigido à
observância, pelas emissoras de televisão dos preceitos
constantes do art. 221 da Lei Maior, segue-se em lógica
elementar, que a ação civil pública, disciplinada na Lei
nº 7.347, é instrumento adequado á vindicação de
semelhante em juízo.”11
E o Ministério Público é o órgão ao qual a Constituição Federal
incumbiu a guarda dos interesses sociais e individuais que sejam indisponíveis,
sendo que o meio judicial para o Parquet fazer isso é a Ação Civil Pública. É o
que dispõe o artigo 5º da Lei nº 7.347/85, disposto in verbis :
“Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão
também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação,
sociedade de economia mista ou associação.”
Vale lembrar o que diz a Lei Maior em relação às funções
institucionais do Ministério Público :
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos;”
No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei
Complementar nº 75/93, como se vê :
“Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta Lei
Complementar, é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses
individuais indisponíveis.
Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias
para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição
Federal.”
2 Obra já citada, p. 245.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
19
Reitera-se : o direito à informação, à dignidade, à intimidade e
à observação dos princípios constitucionais relativos à comunicação social são
direitos sociais, difusos, de extrema relevância, a cuja defesa o Ministério
Público não pode se abster. Especialmente se a ofensa a tais princípios é
causada por meios de comunicação em massa, na linha do que prevê a
referida Lei Complementar, ipsis litteris :
“Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
(...)
IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos
serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social
aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações
previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação
social;”(grifou-se)
Demonstrada a legitimidade do Ministério Público, resta ainda
demonstrar a legitimidade do Ministério Público Federal. Para tanto, vale
ressaltar que o caso específico tratado na presente Ação Civil Pública diz
respeito a um serviço público federal, de competência da União Federal.
É o que diz o artigo 21 da Constituição Federal :
“Art. 21. Compete à União Federal :
(...)
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;”
Tanto é assim que existe a atuação administrativa do Ministério
da Justiça no cumprimento de suas obrigações no tocante a tal serviço, qual
seja, a fiscalização e classificação de programas, como o atacado nesta Ação
Civil Pública, conforme o disposto na Portaria nº 796, de 08 de setembro de
2000. Ora, se administrativamente quem atua é o Ministério da Justiça,
representando a União, é certo que a guarda judicial dos direitos fundamentais
em tela cabe ao Ministério Público Federal.
Para espantar qualquer dúvida, a legitimidade ativa do
Ministério Público Federal é clara tendo em vista o disposto na Lei
Complementar nº 75/93 :
“Art. 39 – Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos
direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de
garantir-lhes o respeito :
(...)
III - pelos concessionários e permissionários de serviço público
federal;”
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
20
Em face dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais
acima transcritos, é o Ministério Público Federal, pois, parte legítima para
propor a presente Ação Civil Pública, que objetiva a defesa dos direitos e
interesses coletivos, em especial da família, da criança e do adolescente, bem
como o efetivo respeito dos serviços de relevância pública e dos meios de
comunicação aos ditames constitucionais.
2. Da competência da Justiça Federal :
A competência da Justiça Federal é notória no caso em
questão.
Sustentam a competência dessa Justiça Especializada, no
caso, tanto a Constituição da República quanto diversas normas
infraconstitucionais, pois que o caso concreto não se resume a dano causado à
criança, ao adolescente ou aos cidadãos que compõem a família como
consumidores dos serviços de radiodifusão de som e imagens.
É mais ampla, tendo como objeto serviço que tem sua
veiculação no mercado, periculosidade e nocividade submetidas a consistente
análise da União, mediante seu Departamento de Classificação Indicativa,
vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e
Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça
A vinculação do Ministério da Justiça à atividade administrativa
em questão é conseqüência do estatuído na Portaria nº 796, de 08 de
setembro de 2000, que, em cumprimento às determinações da Constituição
Federal e de outras normas infraconstitucionais – em especial o Estatuto da
Criança e do Adolescente – , estabelece os parâmetros de classificação
indicativa a serem observados na exibição de programas televisivos, em prol
da proteção da coletividade.
No caso, se por um lado temos uma atuação administrativa que
deixa a desejar por parte do Ministério da Justiça no cumprimento das
obrigações que lhe foram impostas constitucional e legalmente, qual seja, a
classificação e a fiscalização da programação televisiva vinculada pelas
Emissoras-Rés, tal como determinado pela Portaria nº 796, de 08 de setembro
de 2000, a atuação jurisdicional em respeito aos direitos fundamentais em tela
cabe, por conseguinte, à Justiça Federal.
De fato, a presença do Ministério da Justiça, como órgão da
União, na questão em tela, justifica, desta forma, a competência dessa Justiça,
como se afere nos termos da nobre Constituição da República :
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
21
"Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar:
1 - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa
pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do
Trabalho;"(grifou-se)
Nestes termos, a lide em tela está sujeita à competência da
Justiça Federal.
3 . D a existência
correspectivo dever de indenizar :
do
dano
moral
coletivo
e
do
É sabido que uma considerável porção da população brasileira
é constituída por analfabetos e semi-analfabetos e, dentre o restante, a leitura
não é exatamente um hábito ou mesmo um dos principais passatempos. Por
isso e por ser um meio bastante acessível, a televisão se tornou a principal
fonte de informação da população brasileira e uma opção barata de lazer e
entretenimento, sendo, dentro de uma casa, monopolizadora das atenções.
De fato, nos lares brasileiros, não há rádio, livro, jornal ou
revista que consiga superar ou se igualar à TV em se tratando de atrair e
manter a atenção do público. Ela não é apenas um instrumento de informação
e diversão, mas também um instrumento de identificação.
Cada espectador, seja ele adulto ou criança, se identifica e se
reconhece nas pessoas comuns, nos personagens e nas histórias que desfilam
pelos diferentes programas, e, através da televisão, sente-se parte de um
grupo e integrado ao mundo.
Por tudo isso, a televisão incorporou-se de tal forma à vida
social de cada pessoa e de cada família que muitos a consideram um
verdadeiro membro da família, fazendo com que ocupe um lugar de honra na
casa e na vida de cada família.
Ora, nessa esteira, a exibição do quadro “TESTE DE
FIDELIDADE”, do programa “EU VI NA TV”, e o programa “BUTTMAN NA TV”
pelas Emissoras-Demandadas, em horário inapropriado para os
telespectadores em formação, em toda a circunscrição territorial do Estado do
Acre, viola profundamente os valores constitucionais e legais que deveriam ser
cumpridos por uma concessionária pública de radiodifusão de som e imagem.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
22
Há, no caso, violação a interesse de titularidade de toda a
coletividade, razão pela qual esse prejuízo há de ser ressarcido, enquanto
dano moral, conforme o previsto no inciso V do artigo 1º da Lei n° 7.347/85,
transcrito abaixo :
"Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: (...).” (grifou-se)
O Código de Defesa do Consumidor, consubstanciado na Lei
nº 8.078/90, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral,
nos incisos VI e VII de seu artigo 6º, escudado pela previsão de nossa Carta
Magna, na dicção do inciso V do artigo 5º.
Vejamos o que prevê o citado artigo do Código de Defesa do
Consumidor :
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais,
individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas
à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,
administrativa e técnica aos necessitados.”(grifou-se)
Oportuno salientar que, em caso análogo, a necessidade de
reparação do dano moral coletivo já foi reconhecida em outra Ação Civil
Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, no Estado de São Paulo,
perante a 4ª Vara da Seção Judiciária Federal daquele Estado, no Processo nº
98.0038893-1, consoante se verifica do trecho abaixo extraído da sentença
preferida naquele autos :
“O ataque aos valores de uma comunidade,
além dos danos materiais que gera, provoca a
irrefutável necessidade de reparação moral,
na ação coletiva.
Semelhantemente
ao
dano
coletivo
material, o dano moral coletivo somente virá
a ser tutelado, se inserido nas lides
coletivas.
Dano
moral
coletivo
indivisível
produzido por ofensas aos interesses difusos
e coletivos de uma comunidade - ou divisível
ocasionado por ofensa aos interesses
individuais
homogêneos
–
exigem
tutela
macro-individual,
para
salvaguarda
de
efetiva reparação do bem jurídico.
Do exposto, constatamos que, à maneira
do dano coletivo material, o dano moral
coletivo clama, pela urgência de reparação,
por
instrumentos
processuais
novos.
Se
ignorados estes instrumentos, impossível a
reparação ao dano moral coletivo.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
23
Permanecerá a afronta aos valores ideais
à sociedade, reduzindo o sentimento de auto
estima, que cada pessoa, dela integrante,
abriga no íntimo. E daí advirão efeitos
nocivos, para o progresso do país.
Deparam-se, na doutrina, exemplos de
dano moral coletivo. Esta refere-se a danos
a interesses difusos ou coletivos, no caso
dos consumidores, oriundos da publicidade
abusiva, em relação a valores socialmente
aceitos.(BITTAR FILHO, Carlos Alberto, ‘Pode
a coletividade sofrer dano moral ?’, in IOB
Repertório
de
Jurisprudência:
civil,
processual, penal e comercial, nº 15, São
Paulo, agosto/96).
O patrimônio moral não se restringe aos
valores morais individuais da pessoa física.
Assim, a dor psíquica, esteio da teoria do
dano moral individual,
alonga seu braço,
até alcançar o dano moral coletivo : um
sentimento de desapreço, que atinge, de
maneira
negativa,
toda
a
coletividade.
Ocorre, por exemplo, quando a boa imagem do
serviço público, ou o conceito de cidadania
de cada brasileiro é afetado.
Difícil orçar a ofensa, desencadeada à
sociedade, à credibilidade do Estado, quando
não se empregam os instrumentos de reparação
do
patrimônio
moral.
Resulta
no
não
reconhecimento
de
valores
sociais
essenciais.
Ao
sofrer
a
lesão
moral,
cabe
à
coletividade
o
justo
ressarcimento.
Do
contrário, repentinamente, pode debilitar-se
seu patrimônio imaterial.
As
indenizações,
por
dano
moral
coletivo,
reputam-se
essenciais,
para
confirmar, ao brasileiro, o verdadeiro valor
do seu patrimônio moral, digno de proteção
judicial.
O
preclaro
Dr.
Oscar
Dias
Corrêa
assinala:
“a
reparação
do
dano
moral
enfatiza o valor e importância desse bem,
que é a consideração moral, que se deve
proteger tanto quanto, senão mais do que os
bens materiais e interesses que a lei
protege.” [RTJ 108/294].
A reparação do dano moral coletivo
representa,
para
a
coletividade,
uma
conquista. Trata-se do reconhecimento, pelo
Direito, de valores sociais indispensáveis,
como
a
imagem
do
serviço
público,
a
integridade de nossas leis e outros, que
adentram a já aniquilada noção de cidadania
do brasileiro.
A reparação do dano moral coletivo traz,
em seu âmago, a efetiva cidadania.(...)”
(grifou-se)
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
24
A doutrina também apoia a tese da reparação do dano moral
coletivo, como lembra o estudioso CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, cujo
trecho se transcreve :
“ ...chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a
injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é
a violação antijurídica de um determinado círculo de valores
coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo
menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi
agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de
vista jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a
própria cultura, em seu aspecto imaterial.”12
Assim, impossível deixar de reconhecer, no caso concreto, a
responsabilidade das Emissoras-Rés pelos danos morais advindos da indevida
exposição, a milhares de espectadores, a cenas impróprias veiculadas pelos
Programas Televisivos acima citados, tudo em virtude do fato de que não se
encarregaram elas de fazer a adequação de sua grade-horária às
peculiaridades de fuso vigente no Estado do Acre.
Ora, tal responsabilização gera, sem sombra de dúvidas, o
direito à indenização por parte dos titulares dos direitos difusos lesados, que
compõem um número indeterminado de pessoas, pela própria natureza da
comunicação de massa.
E isso, como já se disse, em virtude de que tais tipos de
programas estimulam precocemente a libido e as fantasias sexuais dos
telespectadores infantis e adolescentes, principalmente, acarretando, dentre
outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar e a sexualização e
gravidez precoces.
Desta forma, resta evidente a responsabilidade das Emissoras
REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. pelo dever de
reparar os danos a que deram causa, especialmente àqueles de natureza
moral que afetaram a todos os telespectadores - dentre eles, como já dito,
crianças e adolescentes -, alcançados por várias cenas e vocabulário
relacionados à temática sexual, que estimulam precocemente a libido e a
desvalorização do corpo, que estão sendo transmitidas em horário inadequado,
cujo respectivo quantum fica ao arbitramento desse Juízo.
3 Direito do Consumidor, Vol. 12- Ed. RT, “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico
Brasileiro”.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
25
4. Do cabimento da antecipação de tutela :
A tutela antecipada, necessidade do pleno exercício do direito
de ação, em prol da defesa de toda e qualquer ameaça ou lesão a direito,
encontra-se prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, bem assim no
artigo 84, parágrafo 3º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
Visa a tutela antecipada garantir o resultado efetivo do
provimento jurisdicional, sendo de particular necessidade nas ações relativas à
defesa do cidadão, as quais exigem a celeridade e eficiência como condições
para o resguardo de tais direitos difusos, tendo como requisitos a
verossimilhança das alegações constantes na inicial e o fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação caso a medida só venha a concretizarse ao final da lide.
Necessária, portanto, se faz a concessão, liminarmente, da
antecipação de tutela ora pretendida, em virtude de já se ter iniciado o horário
de verão, que adiantou o horário neste Estado em 3(três) horas em relação ao
resto do Brasil.
No caso, estão plenamente configuradas nesta Ação Civil
Pública os requisitos para a obtenção da tutela antecipada, pois que não
admiti-la seria perpetrar o dano causado pela veiculação em horário
inadequado dos Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV”
numa amplitude indeterminada.
IV. DO PEDIDO :
Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL :
1. Liminarmente :
a) determine Vossa Excelência, sem audiência de justificação
prévia, seja concedida a tutela antecipada, inaudita altera parte, eis que
presentes os requisitos relativos ao periculum in mora e fumus boni juris, para
compelir a REDE TV e a SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. a
adequarem a sua grade de programação-diária para que a transmissão dos
Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV” seja
efetivamente exibida neste Estado a partir das 23h15m(vinte e três horas e
quinze minutos) e 02h (duas horas), como o é na Capital do País;
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
26
b) na adequação da grade horária solicitada acima, ordene
esse Juízo à REDE TV e a SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA.
que passem a veicular, de forma nítida e suficiente para seu correto
entendimento, anteriormente às próximas 05(cinco) edições dos referidos
Programas Televisivos por elas exibidos e ora questionados por suas exibições
no Estado do Acre em horários inapropriados, um aviso nos seguintes termos :
“Este Programa está sendo veiculado neste horário em virtude de
decisão da Seção Acreana da Justiça Federal, atendendo a pedido do
Ministério Público Federal”; e
c) tendo em vista que não há pedido liminar em face da
UNIÃO, requer seja dispensada a sua manifestação no prazo previsto no artigo
2º da Lei nº 8.437/92.
2. No mérito :
a) a procedência da presente Ação Civil Pública para condenar
as Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. a
adequarem a sua grade de programação-diária, a fim de que os programas
sejam exibidos neste Estado nos mesmos horários em que são veiculados na
Capital do País, para que a transmissão dos Programas Televisivos “EU VI NA
TV” e “BUTTMAN NA TV” seja efetivamente exibida neste Estado a partir das
23h15m(vinte e três horas e quinze minutos) e 02h (duas horas);
b) sejam condenadas a REDE TV e a SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., de forma solidária, ao pagamento de multa
diária de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais), no caso do descumprimento da
obrigação de fazer determinada, tanto em tutela antecipada quanto no
provimento judicial definitivo, devendo o numerário arrecadado a esse título ser
revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo das
demais penalidades cabíveis, inclusive a suspensão dos aludidos Programas
Televisivos por elas exibidos pelo prazo de 30(trinta) dias, nos termos da Lei nº
4.117/62, que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações;
c) sejam as Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE
COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. condenadas, também de forma solidária, em
valor a ser arbitrado pelo Juízo, ao pagamento de indenização por dano moral
causado à coletividade, em face das veiculações dos Programas acima citados
no território acreano em horários inadequados;
d) ainda a título de reparação do dano causado, ordene esse
Juízo à SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. disponibilize ela a
veiculação em sua regular programação, durante 06(seis) meses, mediante
inserção diária de 05(cinco) minutos, de mensagens publicitárias de caráter
informativo-pedagógico - editadas pelo próprio Ministério Público Federal
com seus parceiros institucionais, precipuamente as Secretarias Estaduais de
Educação e Saúde -, atinentes à prevenção da gravidez precoce e das
doenças sexualmente transmissíveis, após aprovação de seu conteúdo por
esse Juízo, nelas se fazendo constar a seguinte observação : “A presente
mensagem publicitária está sendo veiculada neste horário em virtude de
decisão da Seção Acreana da Justiça Federal, atendendo a pedido do
Ministério Público Federal.”;
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE
27
e) seja a UNIÃO, através do Departamento de Classificação
Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e
Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça,
condenada a promover um efetivo controle e fiscalização sobre os programas
veiculados pelas Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO
NORTE LTDA., exercendo as atividades de polícia a ela inerentes, visando
coibir a radiodifusão futura de sons e imagens que contribuam para o
desvirtuamento dos valores tão resguardados pela Constituição Federal, quais
sejam, os valores éticos e morais;
f) sejam citadas todas as Demandadas, na pessoa de seus
representantes legais, para, querendo, contestar a presente Ação Civil Pública,
no prazo legal, cientificando-lhes que a ausência de contestação implicará em
revelia e em reputar-se como verdadeiros os fatos alegados na inicial.
Por derradeiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL comunica
que pretende provar o alegado por todos os meios de prova em direito
admitidos - embora a matéria seja eminentemente jurídica - , pedindo sejam as
rés condenadas, de forma pro rata, ao pagamento de todas despesas
processuais decorrentes da presente lide, dando-se à causa, para efeitos
fiscais, o valor de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais), por se tratar de Ação Civil
Pública que visa à defesa dos interesses coletivos, os quais, por natureza, são
indisponíveis e inestimáveis.
Pede deferimento.
Rio Branco/AC, 13 de dezembro de 2004.
Marcus Vinicius Aguiar Macedo
PROCURADOR DA REPÚBLICA

Documentos relacionados

urgente - Ministério Público Federal

urgente - Ministério Público Federal Salienta-se, assim, que o Código de Defesa do Consumidor estabelece, em seu artigo 6º, inciso I, que são direitos do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por...

Leia mais

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da Bloco “T”, Sala 424, em Brasília/DF, CEP. nº 700064900, com telefone (61)429-3145 e fax (61)226-5023, pessoa jurídica de direito público interno, representada judicialmente pelo Advogado da União n...

Leia mais