excelentíssimo senhor juiz federal da ____ vara da seção judiciária
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excelentíssimo senhor juiz federal da ____ vara da seção judiciária
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL D A ____ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE "Quem financia a Baixaria é Contra a Cidadania" Uma campanha da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e organizações da sociedade civil para promoção dos direitos humanos e da dignidade do cidadão na mídia. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da República infra-assinado, vem à presença de Vossa Excelência, com supedâneo na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 75/93, e de acordo com os preceitos em geral da legislação civil e processual civil, especialmente os da Lei n° 8.069/90(Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.078/90(Código de Defesa do Consumidor) e Lei n° 7.347/85(Lei da Ação Civil Pública), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de tutela antecipada, contra a REDE TV, Emissora de Televisão, pessoa jurídica de direito privado, representada por seu Presidente, AMILCARE DALLEVO, com endereço na Rua Bahia, nº 295, Bairro Alphaville, em Barueri/SP, com CEP. nº 06.465-120 e telefone/fax (11)7266-7000; SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., Emissora de Televisão, retransmissora local da programação da REDE TV, pessoa jurídica de direito privado, representada pelo seu Diretor-Geral, Sr. PAULO HENRIQUE MALAQUIAS, com endereço no Conjunto Xavier Maia, Quadra 01, nº 1-A, Bairro Placas, nesta Capital; e a UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, com endereço na Esplanada dos Ministérios, Bloco “T”, Sala 424, em Brasília/DF, CEP. nº 700064-900, com telefone (61)429-3145 e fax (61)226-5023, pessoa jurídica de direito público interno, representada judicialmente pelo Advogado da União no Estado do Acre, com endereço funcional na Rua Rui Barbosa, nº 142, Bairro Centro, nesta Capital; pelas razões que passa a expor. Endereço: Av. Epaminondas Jácome, nº 3017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (68) 224-4781 / 0321 Fax: (68)224-0673 - e-mail : [email protected] - Rio Branco - Acre. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 2 I. DO OBJETO DA LIDE : A presente demanda objetiva tutelar direitos do telespectador acreano violados pelas rés REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., como emissoras concessionárias de serviço público federal de radiodifusão de som e imagem no Estado do Acre, por estarem veiculando em horário inadequado nesta Unidade Federada os programas “EU VI NA TV”, com o quadro “Teste de Fidelidade”, e “BUTTMAN NA TV”, transmitido por aquela e retransmitido neste Estado por esta, programas esses que tem levado ao ar atrações cultural e socialmente indigentes, que mostram o ser humano em situações constrangedoras, exploram o sexo de maneira libidinosa, estimulando a erotização precoce do comportamento da criança e do adolescente, além de apresentarem humor grosseiro e vulgar. Destarte, se pretende que sejam as aludidas Emissoras, ora demandadas, condenadas a adequarem as suas respectivas programações diárias de forma que os citados programas sejam veiculados neste Estado no mesmo horário em que é veiculado na Capital do País, qual seja, a partir 11h15m e 02h, respectivamente. Esta Ação Civil Pública visa, ainda, à tutela pecuniária idônea, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, que possibilite a reparação do dano moral causado à coletividade em virtude dessa violação, acarretando, dentre outros, a agressão aos valores éticos e morais da sociedade acreana decorrente da veiculação de Programas Televisivos em horários não apropriados, em especial para crianças e adolescentes. Outrossim, pretende esta demanda a condenação da UNIÃO, mediante o Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, a exercer um controle efetivo sobre os programas veiculados pelas Emissoras-Demandadas, visando coibir a exibição daquele que esteja em desacordo com os princípios éticos e morais em horários não apropriados. O problema é sério porque a influência da televisão é avassaladora. E isso acontece não por seu mérito ou competência, mas porque ela está sozinha. No Estado do Acre, como de resto em qualquer lugar do Brasil, faltam escolas de qualidade para todos, bibliotecas, centros culturais ou vida comunitária, e a TV acaba sendo a principal fonte de informação e cultura. Sendo um veículo de comunicação de massas, ninguém está pedindo que a TV se transforme em baluarte da erudição, exibindo, em horário nobre, debates calorosos sobre Kant ou Nietzsche, mas, num País no qual tem poder de rolo compressor, tem de assumir responsabilidades. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 3 Enfim, é preciso exigir a mudança de postura dos que fazem TV e fortalecer a sociedade para o consumo crítico dos produtos televisivos. II. DOS FATOS : A televisão brasileira entra no século XXI comemorando seus 50(cinqüenta) anos, período ao longo do qual foi se desenvolvendo e ocupando cada vez mais espaços nos lares e na sociedade brasileira. Com efeito, devido à grande importância que adquiriu no dia-adia de cada família e de cada brasileiro, consolidou-se como o mais importante veículo de comunicação de massa do País. Seu poder sobre o público é tamanho que, em alguns lares, talvez a maioria deles, é a TV quem determina a organização do tempo e do espaço, estabelecendo toda a rotina da casa. É nesta realidade que se insere, como fato notório, a violação aos valores éticos e morais, a dignidade da pessoa humana, à imagem, à honra, etc., dos cidadãos acreanos pelo quadro “TESTE DE FIDELIDADE”, do programa ”EU VI NA TV”, e pelo programa “BUTTMAN NA TV”, transmitidos pela Emissora REDE TV e retransmitidos, em todo o Estado do Acre, pela SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., às 20h15m e 23h, às segundas-feiras e sextas-feiras, respectivamente, horário local, que necessita ser adequado para que seja transmitido em horário que não fira os direitos Constitucionais citados. O programa “EU VI NA TV” é apresentado por “JOÃO KLEBER” e o quadro chamado “TESTE DE FIDELIDADE”, que ocupa maior parte do tempo do programa, consiste em pegadinhas em que uma pessoa, geralmente uma mulher, põe à prova a integridade de seu parceiro - marido, namorado, companheiro - pedindo à produção que arme para seu parceiro(a) uma pegadinha que coloque à prova a sua fidelidade. Assim, a produção coloca-o(a) diante de um belo ou uma bela e convincente modelo e ator(atriz), dependendo da preferência do testado(a), sendo ele(ela) tentado(a) a cometer a traição. O tentador não só seduz, mas se joga em cima da presa, muitas vezes chegando a fazer “strip-teases” explícitos - chegam a se esfregar com a vítima, tirando-lhe a roupa e até levando-a para a cama - , tudo isso com intuito dela se render às tentações. No meio do papo sedutor, o ator (ou atriz) tenta ao máximo tirar informações picantes sobre o relacionamento da presa, induzindoa a revelar informações constrangedoras sobre sua relação com o(a) parceiro(a). Em princípio, a vítima não sabe que está sendo filmada por câmaras ocultas. A produção do programa registra tudo e o vídeo é transmitido ao vivo pela TV, com o parceiro(a) queixoso(a) no palco assistindo à gravação frente a uma platéia e às câmeras. O público, então, tem a oportunidade de acompanhar a vítima diante do ator ou atriz insinuante e também a reação do(a) outro(a) parceiro(a) assistindo à reação da vítima. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 4 Durante toda a apresentação da gravação o apresentador JOÃO KLEBER faz “piadinhas”, reforçando as barbáries que são ditas, deixando, assim, o(a) convidado(a) cada vez mais desequilibrado, forçando-o ao limite. Comentários desta natureza sempre ocorrem durante as gravações: " Seu namorado é tão gostoso quanto eu?" - dando tapas nas nádegas da presa. Enquanto isso, a pessoa que pediu o teste quase infarta no palco ao ouvir os comentários depreciativos feitos pelo(a) parceiro(a) e pela pessoa que o está seduzindo, se expondo, dessa forma, ao ridículo. Além disso, não bastasse tamanho desvirtuamento dos relacionamentos, após a exibição da gravação do adultério o casal é posto de frente para se degladiar juntamente com a platéia e o ator(ou atriz) envolvido(a) para colocar ainda mais lenha na fogueira. Resultado? Pancadaria, falta de senso, e total desrespeito com todo mundo, principalmente para com o telespectador! Realmente, como se vê da simples leitura do site da Emissora REDE TV, o quadro “TESTE DE FIDELIDADE”, apresentado pelo “EU VI NA TV”, se resume ao seguinte : “O polêmico Teste de Fidelidade é a sensação do programa. Ele serve para por em prova namorados e maridos que, sem saber de nada, são conduzidos pela produção a situações envolvendo belas mulheres. A sedução, é tamanha que dificilmente as vítimas não caem durante as gravações. Do palco, as namoradas e esposas roem as unhas diante do que assistem e no final quebram o pau com os infiéis, que aparecem para desculpar-se1.” grifei. Agora quanto ao programa “BUTTMAN NA TV”, apresentado por JULIANA PIRES e LANA STARCK, ambas atrizes pornôs, esse tem como objetivo principal a difusão descontrolada de assuntos de conteúdo estritamente sexual, sem nenhuma restrição a imagens de nudez e pornografia, que, exibidas como o são, de forma insinuantes e provocativa, tornam-se sabidamente ofensivas a personalidades que se encontram em formação. De fato, consiste esse programa em exibições de “strip-tease” explícito, no quadro “Estrela Pornô”, exibição de “traillers” de lançamentos de filmes pornôs, de bastidores das filmagens de filmes pornôs produzidos pela “BUTTMAN”, da capa da revista “BUTTMAN” do mês, leitura pelas apresentadoras dos comentários feitos pelos internautas sobre o programa, entre outras atrações, todas voltadas para a pornografia. 1 Extraído do site http://www.redetv.com.br/programas/euvinatv/index.aspx?pcd=8&pcdg=1. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE Por oportuno, transcrevemos comentários feitos telespectadores acreanos, referentes ao programa “BUTTMAN NA TV”: 2 5 por “postador por Italo 11/12/2004 às 22:53 ola juliana vc e muito bonita adoro vc assisto todas as sextas feiras o seu programa... eu to falando do acre ’CAPITAL’ rio branco adimiro muito sua beleza e os seus filmes adorao vc... bjao” “postador por Lusivan Araújo 06/12/2004 às 13:41 Lanna e Juliana, sou do Acre muito longe dai o fuso é de três horas de diferença, mas, não fico uma sexta feira sem assistir o programa. Quero dizer que vocês são duas belas mulheres que se a natureza me mandasse escolher duas coisas eu não me importaria com a segunda se a primeira fosse vocês. Beijos deliciosos !!!!!” No ponto, é importante dizer que embora não seja proibida no Brasil a veiculação de programas televisivos desse tipo, há expressa vedação por parte de nossas Autoridades Estatais para proteger nossas crianças e adolescentes, consoante se verifica das disposições contidas nos artigos 21, inciso XVI, e 220, parágrafo 3°, incisos I e II, da Constituição Federal, e artigo 254 da Lei n° 8.069/90(Estatuto da Criança e do Ado lescente). Pois bem, diante de tudo o que se disse, no Estado do Acre, em virtude da peculiar diferença - a menor e por causa do horário de verão - de fuso horário de 03(três) horas com relação à Capital Federal, e como as Empresas-Rés REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., não fazem a adequação de sua grade de programação diária, os Programas Televisivos em questão acabam sendo exibidos em horários inapropriados para as crianças e adolescentes acreanos. Realmente, diante dessa diferença exorbitante de horário a menor, o Programa Televisivo “EU VI NA TV”, cujo quadro “Teste de Fidelidade” ora se comenta, e o programa “BUTTMAN NA TV”, encontram-se sendo exibidos neste Estado às 20h15m e 23h, respectivamente, conforme documento anexo. Ora, como sabemos, a sociedade moderna de hoje praticamente bombardeia nossas mentes a todo instante, com elementos que possam interferir em nosso imaginário singular e pessoal, dimensionando-o para uma vida permeada de símbolos e ações que sedimentarão a nossa "personalidade" junto ao processo civilizatório no qual estaremos inseridos até o fim de nossas vidas. 2 Extraído do blog do programa “BUTTMAN NA TV”, no site http://www.forplay.com.br/blog/ blog_commento.asp?blog_id=30&month= 12&year=2004&giorno=&archivio=OK. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 6 Nessa realidade, o imaginário infantil numa sociedade dependente da mídia está sujeito a manipulações que transformam os seus estágios naturais de formação e crescimento e os direciona para uma existência servil e utilitária, num interesse agressivo de perpetuação do "modus vivendun" até então estabelecido. A atual organização social, que privilegia a linguagem e as atitudes transmitidas pela mídia, muitas vezes traz como conseqüência a inversão de valores morais e familiares. Atenta-se, desta forma, nesta Unidade Federada, contra a formação da família acreana, ofendendo os valores que lhe são assegurados pela Constituição Federal, notadamente aqueles instituídos em proteção às crianças e adolescentes, enquanto pessoas que se encontram em desenvolvimento físico, psicológico e emocional, que são, pois, passíveis de se deixar impressionar e desencadear atitudes de imitação, levando, não raro, a problemas tais como a estimulação precoce da libido, desarmonia familiar, desvalorização do corpo, e até a concretização de fantasias sexuais, com a sexualização e gravidez antecipadas. Ora, não se pode negar que os programas “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV”, com seus excessos desnecessários, sendo apresentados em horário em que estão acordados adolescentes e crianças, atiça precocemente a libido desses telespectadores, em nada contribuindo para a conservação dos valores éticos que sustentam a sociedade local, porque são pessoas que ainda atravessam, ou estão prestes a iniciar, a natural etapa do desenvolvimento inerente a todo ser humano, que é a formação do seu caráter e da personalidade. Cabe, aqui, considerar que os experts na área de psicologia infantil, em uníssono, apontam para o fato de que o excesso de cenas de sexo na televisão atua como fator decisivo nos desvios e abusos ocasionados na infância e na adolescência, posto que estimulam a libido e as fantasias sexuais, acarretando, dentre outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar, a sexualização e gravidez precoces. Neste diapasão, vale transcrever trecho extraído de estudos do Psiquiatra Infantil HAIM GRÜSPUN : 3 "(...) a televisão vem exercendo, cada vez mais, marcante influência sobre a imaginação, fantasia e comportamento da criança. Suas atitudes são freqüentemente passíveis de modificação sob a influência de filmes, novelas, programas variados, desses que se apresentem com uma linha mais ou menos constante de valores e padrões de comportamento: amor-sexoagressividade-medo-terror(...), suscitando reações emocionais". 1 “Assuntos de Família”, SP/SP, Kairós-Livraria Editora, 1984. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 7 Ainda nesse sentido, oportuno é transcrever o artigo elaborado pela Psicóloga DANIELA LEVY : “A influência da televisão na formação das crianças (...) O que se vê com grande freqüência são programas fundamentados em falsos valores, voltados apenas para satisfazer audiência e que promovem a violência. Estes programas tem uma contribuição negativa no desenvolvimento das crianças que ficam mais expostas à TV, pois estas tendem a reproduzir atividades e práticas presentes na programação assistida. Isso ocorre principalmente quando a situação vivenciada aproxima-se das experiências de vida da própria criança. Cenas eróticas ou situações de violência são muito prevalentes nos programas assistidos pelo público infantil. Uma das consequências mais visíveis é a aceleração de algumas vivências, sem que tenha havido um amadurecimento para tal. Crianças que assistem a programas de televisão violentos podem se identificar com os personagens e acreditam que eles são realistas, o que aumenta as chances delas se tornarem adultos agressivos. (...)”.4 Neste sentido, tais programas forçam a criança a despertar a sexualidade prematuramente à idade em que surgiria tal aspecto de sua personalidade de forma natural. No caso em questão, em que os programas “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV” vêm sendo veiculados com 03(três) horas de diferença para menos - em relação ao resto do Brasil, comprovada está a ofensa à dignidade de milhares de pessoas, em especial crianças e adolescentes acreanos, refletindo-se negativamente em suas famílias, o que é moralmente reprovável, na medida em que, na falta de outros programas educativos, informativos ou culturais, tenham que se submeter à vexatória banalização do sexo, fato que ocorre ante a falta de um eficiente controle da programação veiculada pelas Emissoras-Rés. Ora, o entretenimento “mundo-cão”, apoiado numa sórdida manipulação do conceito de liberdade sexual, em que pese possa render bons pontos no Ibope, é proceder que deve ser coibido pelo poder público, pois a TV de qualidade, aquela a que os brasileiros têm direito, aí incluída a população acreana, está bem perfilada na Constituição e nas normas infraconstitucionais. No tocante, portanto, o que se presencia neste Estado é uma sistemática agressão aos valores éticos, à própria Constituição e às leis. 4 Dra. Daniela Levy (CRP 06/58195-8) - Pós-Graduada (Latu Senso) em Psicologia Clínica Hospitalar pelo Instituto do Coração - InCor do HC-FMUSP. E-mail: [email protected]. Extraído do site http://www.clubedobebe.com.br/Palavra%20dos%20Especialistas/ psicologiainfantil.htm. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 8 Nesta esteira, não cabem mais omissões num quadro de tamanha gravidade. É preciso que todos, sobretudo os que têm parcela de responsabilidade, cobrem a preservação dos valores éticos que sustentam a sociedade e exijam o cabal cumprimento das normas jurídicas deste País. As Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., ora demandadas, vêm, reiteradamente, não apenas desrespeitando dispositivos insertos no art. 5º da Carta Maior, em especial, o direito à honra e à imagem, e aviltando, por conseqüência, a dignidade da pessoa humana - artigo 1º, inciso III, da Carta Republicana - , como também têm infringido frontalmente as normas preventivas do Estatuto da Criança e do Adolescente, dando ensejo, por parte deste Parquet Federal, a promover a presente Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, objetivando que ambas sejam condenadas a adequar a sua grade de programação-diária para que os Programas Televisivos em referência sejam exibidos em horários que não firam os valores éticos e morais da sociedade acreana. E é nesse sentido que brilhantemente já decidiu o Excelentíssimo Senhor Juiz Federal Substituto, Dr. JAIR ARAÚJO FACUNDES, nos autos da Ação Civil Pública nº 2003.30.00.002140-1, com pedido de tutela antecipada, em curso na 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Acre, proposta por este Órgão Ministerial em face das Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., por estarem veiculando em horário impróprio nesta Unidade da Federação o Programa Televisivo “NOITE AFORA”, cujos trechos transcrevo abaixo, ipsis litteris : “(...) 10. É indiscutível a força exibida pela televisão como agente modelador de costumes e formador de opinião na sociedade contemporânea, sendo inegável os benefícios por ela proporcionados. Todavia, não há dúvida de que a indevida utilização desse importante veículo de comunicação social na divulgação de programa como o espelhado nestes autos viola a liberdade e direitos ínsitos no ordenamento constituído, exigindo providências efetivas e imediatas para a restauração das esferas jurídicas violadas. (...) 12. O pleito do Ministério Público Federal, antes de se constituir em ato de censura, objetiva oferecer às crianças e adolescentes do Acre, o mesmo tratamento a eles reservado nas regiões Sul, Centro e Centro-Sul do Brasil, onde tais programas adultos são veiculados em horário adiantado(acima das 23 horas em cumprimento), poupando aqueles infantes da exposição desnecessária às cenas totalmente eróticas. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 9 13. Não é razoável que em razão da diferença de fuso-horário própria do Brasil continental a criança e adolescente do Acre sejam expostas a cenas de sexo, as mais variadas possíveis, e não tenham a mesma proteção que a lei lhes garante naqueles Estados com horário adiantado. Portanto, mostra-se induvidosa a plausibilidade do direito cuja tutela é buscada na presente ação. 14. Por fim, a medida de urgência se justifica em face do início do horário de verão, que irá antecipar em 3(três) horas a programação veiculada no horário oficial (Brasília), de sorte que um programa repleto de forte apelo erótico veiculado em Brasília às 23 horas será transmitido, simultaneamente, às 20 horas no Acre, momento em que as famílias repousam e assistem televisão no recanto do lar.(...) 15. Desta forma, presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida, DEFIRO a liminar requerida para determinar que as emissoras demandadas ajustem sua grade de programação diária para que a transmissão do Programa Televisivo “NOITE AFORA” seja efetivamente veiculado neste Estado do Acre a partir das 23(vinte e três) horas, por se tratar de programas não-recomendado para menores de 18(dezoito) anos, consoante determinação contida na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, sob pena de multa cominatória diária no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais), sem prejuízo das sanções penais e administrativas decorrentes da desobediência.” Destarte, não resta outra alternativa ao Ministério Público Federal, no caso concreto, senão a de ajuizar a presente Ação Civil Pública, com pedido condenatório, para que o Poder Judiciário, mais uma vez, ordene a adequação dos Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV”, transmitidos pela REDE TV e retransmitidos neste Estado pela SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., para exibição em horário adequado, bem assim possa reparar a lesão sofrida pela coletividade, mediante o arbitramento de indenização pecuniária e mediante inserção diária de mensagens publicitárias de caráter informativo-pedagógico, condenando-se ainda a União, através de suas repartições próprias, a exercer um controle efetivo sobre os programas veiculados pelas referidas Emissoras. III. DA FUNDAMENTAÇÃO : 1. Do cabimento da Ação Civil Pública e da legitimidade do Ministério Público : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 10 A Constituição Federal, em seu artigo 221, inciso IV, estabelece que a programação das emissoras de televisão atenderá ao princípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de modo a propiciar uma educação saudável e a formar um cidadão consciente de seus deveres e direitos, respeitoso pelas leis e solidário para com os outros cidadãos, dando-se preferência a programas com finalidade educativas, artísticas, culturais e informativas. Assim, ao regular o direito à liberdade de expressão das emissoras de rádio e televisão, impôs claros e principiológicos critérios ao seu exercício, consoante se observa da prescrição de seu artigo 221, ad litteram : “Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios : I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive a sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (grifei). Isto porque, como não poderia deixar de ser, todo e qualquer direito é passível de sofrer restrições, a fim de se evitar que em nome da lei se cometam abusos dos quais decorrem invasões à esfera jurídica alheia - in casu, difusa -, não sendo inerente ao preceito de qualquer norma jurídica tal caráter absolutista ou intocável do direito que prevê, pois tal entendimento é senão proveniente da equivocada exegese ou mesmo de manipulações da legislação, as quais servem apenas ao interesse privado, o que se revela manifestamente contrário aos princípios norteadores da vida sob o manto de um Estado Democrático de Direito. Impende destacar, no tocante, a observação de LUIS GUSTAVO DE CARVALHO5, quando discorre acerca do interesse público e o interesse privado no direito de informação e de liberdade de expressão, in verbis : “(...) Nunca ouve, essencialmente, um interesse público em divulgar. A liberdade de imprensa e sua correlata liberdade de informação dos dias modernos sempre estiveram comprometidas com uma liberdade individual, uma liberdade do homem em divulgar o que queria e do modo como queria. Em outras palavras, nas duas pontas do conflito estavam duas liberdades individuais-liberais : o interesse privado do órgão de informação em divulgar o que queria, de um lado, e o interesse privado em não permitir a divulgação de outro lado (...). 5 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Direito de Informação e Liberdade de Expressão. Rio de Janeiro : Renovar, 1999. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 11 A provocação que hoje faz ruir as barreiras do direito público e do direito privado acaba por revelar que entre interesse público e interesse privado surge uma terceira via, um terceiro interesse, não reconduzível ao interesse público estatizante, nem ao interesse privado liberalizante um interesse comunitário, coletivo, social, difuso, que não é só público, nem só privado, mas que encerra características essenciais dos dois” (grifei). De se dizer, portanto, que a liberdade de expressão, a par de se tratar de uma liberdade individual-liberal, na nova ordem constitucional brasileira, deve ceder face ao interesse social, os interesses coletivos e difusos, mormente face ao interesse difuso dos menores atingidos pela produção e a programação das emissoras de televisão. No ponto, insigne é a lição de LUIS GUSTAVO DE CARVALHO , que rememora o dever constitucionalmente previsto dos órgãos de informação, ipsis verbis : 6 “(...) A mesma tênue linha entre público e privado impõe ao órgão informador, muito especialmente, mais uma tarefa, consistente em obedecer uma pauta ética. Desbordar esta pauta é desonrar a missão que lhe é atribuída. Como já se assinalou ‘los mayores enemigos de la libertad no son quienes la oprimem, sino quienes la desonran’”(grifei). De se destacar, ainda com fulcro no excerto acima transcrito, que o resultado da síntese entre o direito à liberdade de expressão dos órgãos de informação e o interesse difuso ou coletivo daqueles que consomem os serviços por eles prestados é justamente o dever de respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família, invariavelmente. Nesse sentido é que se afirma que os maiores inimigos da liberdade não são os que a oprimem, senão os que a desonram. Ora, na medida em que o direito à liberdade de expressão, importante conquista social, conferido constitucionalmente aos órgãos de informação, é exercido com abuso, de modo a ofender e desrespeitar o direito de outrem, em particular de crianças e adolescentes, deixa ele de ser direito para ser ilícito e como todo ilícito torna-se passível de receber a reprimenda estatal, a fim de que se lhe ponha dentro dos limites de seu exercício. Corrobora o entendimento acima supramencionado, quando afirma, ad litteram, que : 6 Idem nota 1. expendido o autor MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 12 “Advogar a livre expressão humana não equivale a afastar toda e qualquer possibilidade de reprovação. Como toda ação humana, a liberdade de expressão pode causar prejuízo a bem jurídico de outrem, material ou imaterial, e por ele pode responder. A ninguém é dado ofender outrem impunemente, ao argumento de que é livre a manifestação do pensamento. Se é livre a manifestação, também todos têm direito à honra, à intimidade, à imagem etc. Os direitos, portanto, devem se autolimitar, o que significa conviver harmonicamente e pressupõe incansáveis concessões recíprocas” (grifei). “Tanto a liberdade de expressão quanto a de informação encontram limites constitucionais. (...) Mas nenhuma delas é totalmente imune de controle, do mesmo modo que nenhum direito é absoluto. Vivemos em um Estado de Direito em que o exercício dos vários direitos devem ser harmônicos entre si e em relação ao ordenamento jurídico. Desse modo, a liberdade de expressão também se limita pela proteção assegurada constitucionalmente aos direitos da personalidade, como honra, imagem, intimidade, etc” (grifei). Infere-se, pois, que no exercício da liberdade de expressão as emissoras de televisão devem obedecer não só às regras que estejam previstas na legislação ordinária, mas principalmente à Constituição Federal e às balizas da esfera jurídica alheia, que podem ser percebidas por perfunctória análise realizada com fundamento na moral e no sentir do homem médio. Em outras palavras, ainda que não haja a legislação ordinária federal estabelecido os critérios para a classificação dos programas televisivos pelo Poder Público, a Constituição Federal indica como um dos princípios norteadores da produção e programação das emissoras de televisão o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. O aludido princípio estabelece claramente um comando às emissoras de televisão, qual seja, o de respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família, dever do qual não podem se escusar de cumprir em razão de não haver ainda lei federal que regulamente a matéria. Outrossim, não há que se falar em censura no presente caso. Em palavras simples e argumentação enérgica, o educador português PAULO GERALDO7 enfrenta com propriedade o cerne da questão em texto entitulado “Censura...”, cujo trecho transcrevo a seguir, ipsis litteris : 7 http://paginaseducacao.no.sapo.pt/censura.htm MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 13 “O que sucede actualmente é que – para defender ‘a liberdade de expressão’ daqueles que produzem certos programas televisivos e dos que fabricam determinado gênero de revistas e filmes e livros – permitimos que as nossas crianças e os nossos jovens se sujem nos vômitos orgíacos dessa gente : pseudo-intelectuais, pseudoartistas, porque aquilo que produzem não é bom, nem verdadeiro, nem belo. Ora, a liberdade de expressão não é nada que dê a alguém o direito de sujar os outros. Neste ponto, ou entendemos mal, ou estamos a deixar-nos ir na cantiga de quem utiliza o termo ‘liberdade de expressão’ para defender a sua actividade, que não passa de um inaceitável negócio feito à custa do mal dos outros. Devíamos proteger os nossos – protegermo-nos a nós mesmos – desses negociantes de mãos sujas. Era preciso reduzi-los ao silêncio. Não porque pensem de uma forma diferente da nossa(como sucedia na censura que foi amaldiçoada), mas porque não entenderam que coisa é a liberdade. Reduzi-los ao silêncio até que entendam que ao direito de fazerem o que lhes passa pela cabeça não é permitido ultrapassar aquele limiar no qual começa a pisar o direito que as outras pessoas têm de não serem pisadas”(grifei). Destarte, o bom senso, a moral do homem médio e o apelo da sociedade estão a reclamar que se dê efetividade ao princípio constitucional insculpido no artigo 221, inciso IV, da Carta Federal. Trata-se de questão a ser enfrentada hoje pelo Poder Judiciário, como órgão autorizado a resolver conflitos entre direitos e a declarar os limites do exercício daqueles que outrora eram reprimidos e para os quais se receou ressaltar - por medo de abrir portas para o retorno à censura de outros tempos - que qualquer direito não pode esbarrar o direito de outrem. É o que ocorre hoje com a liberdade de expressão, que tem sido dissociada da responsabilidade inerente ao próprio exercício do direito e que sem ela deixa de sê-lo, tendo, porém, se sustentado ser ela um direito absoluto, amplo e irrestrito. O direito à liberdade de expressão não se confunde com o pretenso direito de emissoras de televisão transmitirem o que bem entenderem, da forma que quiserem, pois aquele direito, o legítimo direito à liberdade de expressão, traz em seu bojo a reverência aos direitos sociais, difusos e coletivos, que encerram o caráter de proeminência do interesse público, ao passo que este último, o ilegítimo direito à liberdade de expressão, tem sido exercício de forma egoísta, com finalidades econômicas. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 14 Ora, há um limite para o exercício de qualquer direito, ainda que elevado à categoria de direito fundamental, proveniente do jusnaturalismo : o direito de outrem de mesma categoria ou ainda de categoria superior. Portanto, não há regra que se sobreponha a esta fronteira imposta pelo direito natural ou que esteja legitimada a autorizar o exercício irrestrito de qualquer direito, pois mesmo o direito à vida é relativizado no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que prevê a possibilidade de pena de morte nos casos de guerra declarada. Nesta senda, embora a liberdade de expressão seja um direito fundamental consagrado constitucionalmente, também o princípio da dignidade humana o é, e mais : é princípio! Além disso, cumpre rememorar, princípio também é o respeito aos valores sociais da pessoa e da família, pelo qual deveriam se nortear as emissoras de televisão para a organizar a sua programação. Forçoso reconhecer, desta forma, que a permanência da situação do modo como se encontra hoje é um atentado violento à Constituição Federal, às crianças e adolescentes acreanos. Tenha-se presente o texto “Liberdade com Responsabilidade”, preparado para o Congresso Internacional de Jornalistas, realizado na Cidade de Recife/PE, em maio de 1988, sob o tema “Liberdade de Imprensa e Responsabilidade de Informar : os Limites da Comunicação”, do qual reproduzo trechos abaixo : “Comecemos pelo bordão que prega ‘Liberdade com responsabilidade’. É uma tautologia. É como falar de ‘ar com oxigênio’. A liberdade é irmã siamesa da responsabilidade. Uma está para outra como o selo está para o envelope : sem um o outro não segue o seu destino. Quem não é responsável, quem não maneja o senso de vida em sociedade, os confrontos entre instinto e cultura, não é livre, e muito menos responsável. Podemos ser grotescamente responsáveis sem ser livres, mas é impossível ser altivamente livre de forma irresponsável. Aí seremos, num exemplo fácil, criminosos, desrespeitadores, abusivos, invasivos e tudo o mais que nós jornalistas gostamos de ser. (...)Essas mercadorias não se regem pela lei da oferta e da procura. Como no tráfico de drogas, também no jornalismo a procura não dá legitimidade à oferta”8 (grifei). 8 http://www.igutemberg.org/jj32adocumento.html. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 15 É de se dizer o mesmo quanto à programação televisiva. Aqueles que dela tratam não devem se eximir do dever de o fazerem com responsabilidade, principalmente no que tange às crianças e adolescentes, haja vista que, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão“. No mesmo sentido é o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90 -, como se vê, in verbis : “Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (grifei). “Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. (...) Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (grifei). “Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente". Particularmente quanto à informação, cultura e espetáculos públicos, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que : “Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (...) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 16 Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibição.” (grifei) No que diz com o disposto no artigo 76, acima transcrito, temse que, apesar de haver apenas recomendação quanto aos horários de exibição dos programas, há ordem expressa na norma citada para que as emissoras de televisão somente exibam nesses horários programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e não se deva deixar de observar tal regra. Entretanto, em que pese, não haver norma legal regulamentando o assunto, há um bom senso que nos indica que tipo de programação não é adequada para o horário em que diversas crianças, no caso, as acreanas, já não mais estão na escola, visto que todos nós temos a capacidade de julgar, com esteio nos artigos 71 e 76 da Lei nº 8.069/90, se o conteúdo de determinado programa possui finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, enfim, em que se respeite a condição peculiar de crianças e adolescentes de pessoas em desenvolvimento. Outrossim, em se tratando de direitos de natureza fundamental deve sempre prevalecer o que melhor garantir a dignidade humana, como um verdadeiro sobreprincípio do ordenamento jurídico. Acerca da questão, observa CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO, in verbis: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”9 (grifei) 9 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12 ed, rev., atual., e ampl. Malheiros, São Paulo : 2000. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 17 Consciente de que é inútil impor deveres e proibições sem, ao mesmo tempo, facultar aos interessados meios processuais de promover a prevenção e a repressão de eventuais infrações, foi que a Constituição Federal assim dispôs, in verbis : “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (...) § 3.º Compete à lei federal : I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.” (grifou-se) E, ainda, o artigo 21, inciso XVI, da Carta Magna, determinou que compete à União “exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”. Não o bastasse, a Lei nº 8.069/90, que instituiu no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, em seu artigo 254 prevê o seguinte : “Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação. Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias. Todavia, como já se disse, no Estado do Acre, no que diz com o horário de exibição, há sistemática veiculação antecipada de 03(três) horas em relação ao resto do Brasil - do Programa Televisivo ora questionado, em clara afronta aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais retromencionados, sendo, portanto, a Ação Civil Pública, o instrumento legal adequado à vindicação dos interesses ora violados pelas EmissorasDemandadas, que se caracterizam como difusos, segundo os ensinamentos de BARBOSA MOREIRA10, citado abaixo : “O interesse (que o art. 220, § 3º, da Constituição visa a preservar) em defender-se ‘de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art 221’ enquadra-se com justeza no conceito de interesse difuso.” (grifou-se) 1 Temas de Direito Processual Civil, 1987, Ed. Saraiva, p. 239, “Ação Civil Pública e Programação na TV”. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 18 O mesmo autor assevera ainda que : “Se é certo, como se mostrou acima, que encontra lugar entre os interesses difusos o dirigido à observância, pelas emissoras de televisão dos preceitos constantes do art. 221 da Lei Maior, segue-se em lógica elementar, que a ação civil pública, disciplinada na Lei nº 7.347, é instrumento adequado á vindicação de semelhante em juízo.”11 E o Ministério Público é o órgão ao qual a Constituição Federal incumbiu a guarda dos interesses sociais e individuais que sejam indisponíveis, sendo que o meio judicial para o Parquet fazer isso é a Ação Civil Pública. É o que dispõe o artigo 5º da Lei nº 7.347/85, disposto in verbis : “Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou associação.” Vale lembrar o que diz a Lei Maior em relação às funções institucionais do Ministério Público : “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) II- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;” No mesmo sentido dispõem os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 75/93, como se vê : “Art. 1º O Ministério Público da União, organizado por esta Lei Complementar, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis. Art. 2º Incumbem ao Ministério Público as medidas necessárias para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Constituição Federal.” 2 Obra já citada, p. 245. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 19 Reitera-se : o direito à informação, à dignidade, à intimidade e à observação dos princípios constitucionais relativos à comunicação social são direitos sociais, difusos, de extrema relevância, a cuja defesa o Ministério Público não pode se abster. Especialmente se a ofensa a tais princípios é causada por meios de comunicação em massa, na linha do que prevê a referida Lei Complementar, ipsis litteris : “Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União: (...) IV - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social;”(grifou-se) Demonstrada a legitimidade do Ministério Público, resta ainda demonstrar a legitimidade do Ministério Público Federal. Para tanto, vale ressaltar que o caso específico tratado na presente Ação Civil Pública diz respeito a um serviço público federal, de competência da União Federal. É o que diz o artigo 21 da Constituição Federal : “Art. 21. Compete à União Federal : (...) XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;” Tanto é assim que existe a atuação administrativa do Ministério da Justiça no cumprimento de suas obrigações no tocante a tal serviço, qual seja, a fiscalização e classificação de programas, como o atacado nesta Ação Civil Pública, conforme o disposto na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000. Ora, se administrativamente quem atua é o Ministério da Justiça, representando a União, é certo que a guarda judicial dos direitos fundamentais em tela cabe ao Ministério Público Federal. Para espantar qualquer dúvida, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal é clara tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 75/93 : “Art. 39 – Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito : (...) III - pelos concessionários e permissionários de serviço público federal;” MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 20 Em face dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais acima transcritos, é o Ministério Público Federal, pois, parte legítima para propor a presente Ação Civil Pública, que objetiva a defesa dos direitos e interesses coletivos, em especial da família, da criança e do adolescente, bem como o efetivo respeito dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação aos ditames constitucionais. 2. Da competência da Justiça Federal : A competência da Justiça Federal é notória no caso em questão. Sustentam a competência dessa Justiça Especializada, no caso, tanto a Constituição da República quanto diversas normas infraconstitucionais, pois que o caso concreto não se resume a dano causado à criança, ao adolescente ou aos cidadãos que compõem a família como consumidores dos serviços de radiodifusão de som e imagens. É mais ampla, tendo como objeto serviço que tem sua veiculação no mercado, periculosidade e nocividade submetidas a consistente análise da União, mediante seu Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça A vinculação do Ministério da Justiça à atividade administrativa em questão é conseqüência do estatuído na Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, que, em cumprimento às determinações da Constituição Federal e de outras normas infraconstitucionais – em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente – , estabelece os parâmetros de classificação indicativa a serem observados na exibição de programas televisivos, em prol da proteção da coletividade. No caso, se por um lado temos uma atuação administrativa que deixa a desejar por parte do Ministério da Justiça no cumprimento das obrigações que lhe foram impostas constitucional e legalmente, qual seja, a classificação e a fiscalização da programação televisiva vinculada pelas Emissoras-Rés, tal como determinado pela Portaria nº 796, de 08 de setembro de 2000, a atuação jurisdicional em respeito aos direitos fundamentais em tela cabe, por conseguinte, à Justiça Federal. De fato, a presença do Ministério da Justiça, como órgão da União, na questão em tela, justifica, desta forma, a competência dessa Justiça, como se afere nos termos da nobre Constituição da República : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 21 "Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar: 1 - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho;"(grifou-se) Nestes termos, a lide em tela está sujeita à competência da Justiça Federal. 3 . D a existência correspectivo dever de indenizar : do dano moral coletivo e do É sabido que uma considerável porção da população brasileira é constituída por analfabetos e semi-analfabetos e, dentre o restante, a leitura não é exatamente um hábito ou mesmo um dos principais passatempos. Por isso e por ser um meio bastante acessível, a televisão se tornou a principal fonte de informação da população brasileira e uma opção barata de lazer e entretenimento, sendo, dentro de uma casa, monopolizadora das atenções. De fato, nos lares brasileiros, não há rádio, livro, jornal ou revista que consiga superar ou se igualar à TV em se tratando de atrair e manter a atenção do público. Ela não é apenas um instrumento de informação e diversão, mas também um instrumento de identificação. Cada espectador, seja ele adulto ou criança, se identifica e se reconhece nas pessoas comuns, nos personagens e nas histórias que desfilam pelos diferentes programas, e, através da televisão, sente-se parte de um grupo e integrado ao mundo. Por tudo isso, a televisão incorporou-se de tal forma à vida social de cada pessoa e de cada família que muitos a consideram um verdadeiro membro da família, fazendo com que ocupe um lugar de honra na casa e na vida de cada família. Ora, nessa esteira, a exibição do quadro “TESTE DE FIDELIDADE”, do programa “EU VI NA TV”, e o programa “BUTTMAN NA TV” pelas Emissoras-Demandadas, em horário inapropriado para os telespectadores em formação, em toda a circunscrição territorial do Estado do Acre, viola profundamente os valores constitucionais e legais que deveriam ser cumpridos por uma concessionária pública de radiodifusão de som e imagem. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 22 Há, no caso, violação a interesse de titularidade de toda a coletividade, razão pela qual esse prejuízo há de ser ressarcido, enquanto dano moral, conforme o previsto no inciso V do artigo 1º da Lei n° 7.347/85, transcrito abaixo : "Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...).” (grifou-se) O Código de Defesa do Consumidor, consubstanciado na Lei nº 8.078/90, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incisos VI e VII de seu artigo 6º, escudado pela previsão de nossa Carta Magna, na dicção do inciso V do artigo 5º. Vejamos o que prevê o citado artigo do Código de Defesa do Consumidor : “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.”(grifou-se) Oportuno salientar que, em caso análogo, a necessidade de reparação do dano moral coletivo já foi reconhecida em outra Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, no Estado de São Paulo, perante a 4ª Vara da Seção Judiciária Federal daquele Estado, no Processo nº 98.0038893-1, consoante se verifica do trecho abaixo extraído da sentença preferida naquele autos : “O ataque aos valores de uma comunidade, além dos danos materiais que gera, provoca a irrefutável necessidade de reparação moral, na ação coletiva. Semelhantemente ao dano coletivo material, o dano moral coletivo somente virá a ser tutelado, se inserido nas lides coletivas. Dano moral coletivo indivisível produzido por ofensas aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade - ou divisível ocasionado por ofensa aos interesses individuais homogêneos – exigem tutela macro-individual, para salvaguarda de efetiva reparação do bem jurídico. Do exposto, constatamos que, à maneira do dano coletivo material, o dano moral coletivo clama, pela urgência de reparação, por instrumentos processuais novos. Se ignorados estes instrumentos, impossível a reparação ao dano moral coletivo. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 23 Permanecerá a afronta aos valores ideais à sociedade, reduzindo o sentimento de auto estima, que cada pessoa, dela integrante, abriga no íntimo. E daí advirão efeitos nocivos, para o progresso do país. Deparam-se, na doutrina, exemplos de dano moral coletivo. Esta refere-se a danos a interesses difusos ou coletivos, no caso dos consumidores, oriundos da publicidade abusiva, em relação a valores socialmente aceitos.(BITTAR FILHO, Carlos Alberto, ‘Pode a coletividade sofrer dano moral ?’, in IOB Repertório de Jurisprudência: civil, processual, penal e comercial, nº 15, São Paulo, agosto/96). O patrimônio moral não se restringe aos valores morais individuais da pessoa física. Assim, a dor psíquica, esteio da teoria do dano moral individual, alonga seu braço, até alcançar o dano moral coletivo : um sentimento de desapreço, que atinge, de maneira negativa, toda a coletividade. Ocorre, por exemplo, quando a boa imagem do serviço público, ou o conceito de cidadania de cada brasileiro é afetado. Difícil orçar a ofensa, desencadeada à sociedade, à credibilidade do Estado, quando não se empregam os instrumentos de reparação do patrimônio moral. Resulta no não reconhecimento de valores sociais essenciais. Ao sofrer a lesão moral, cabe à coletividade o justo ressarcimento. Do contrário, repentinamente, pode debilitar-se seu patrimônio imaterial. As indenizações, por dano moral coletivo, reputam-se essenciais, para confirmar, ao brasileiro, o verdadeiro valor do seu patrimônio moral, digno de proteção judicial. O preclaro Dr. Oscar Dias Corrêa assinala: “a reparação do dano moral enfatiza o valor e importância desse bem, que é a consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.” [RTJ 108/294]. A reparação do dano moral coletivo representa, para a coletividade, uma conquista. Trata-se do reconhecimento, pelo Direito, de valores sociais indispensáveis, como a imagem do serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que adentram a já aniquilada noção de cidadania do brasileiro. A reparação do dano moral coletivo traz, em seu âmago, a efetiva cidadania.(...)” (grifou-se) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 24 A doutrina também apoia a tese da reparação do dano moral coletivo, como lembra o estudioso CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, cujo trecho se transcreve : “ ...chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância , que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.”12 Assim, impossível deixar de reconhecer, no caso concreto, a responsabilidade das Emissoras-Rés pelos danos morais advindos da indevida exposição, a milhares de espectadores, a cenas impróprias veiculadas pelos Programas Televisivos acima citados, tudo em virtude do fato de que não se encarregaram elas de fazer a adequação de sua grade-horária às peculiaridades de fuso vigente no Estado do Acre. Ora, tal responsabilização gera, sem sombra de dúvidas, o direito à indenização por parte dos titulares dos direitos difusos lesados, que compõem um número indeterminado de pessoas, pela própria natureza da comunicação de massa. E isso, como já se disse, em virtude de que tais tipos de programas estimulam precocemente a libido e as fantasias sexuais dos telespectadores infantis e adolescentes, principalmente, acarretando, dentre outras conseqüências desastrosas, a desarmonia familiar e a sexualização e gravidez precoces. Desta forma, resta evidente a responsabilidade das Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. pelo dever de reparar os danos a que deram causa, especialmente àqueles de natureza moral que afetaram a todos os telespectadores - dentre eles, como já dito, crianças e adolescentes -, alcançados por várias cenas e vocabulário relacionados à temática sexual, que estimulam precocemente a libido e a desvalorização do corpo, que estão sendo transmitidas em horário inadequado, cujo respectivo quantum fica ao arbitramento desse Juízo. 3 Direito do Consumidor, Vol. 12- Ed. RT, “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 25 4. Do cabimento da antecipação de tutela : A tutela antecipada, necessidade do pleno exercício do direito de ação, em prol da defesa de toda e qualquer ameaça ou lesão a direito, encontra-se prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, bem assim no artigo 84, parágrafo 3º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Visa a tutela antecipada garantir o resultado efetivo do provimento jurisdicional, sendo de particular necessidade nas ações relativas à defesa do cidadão, as quais exigem a celeridade e eficiência como condições para o resguardo de tais direitos difusos, tendo como requisitos a verossimilhança das alegações constantes na inicial e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação caso a medida só venha a concretizarse ao final da lide. Necessária, portanto, se faz a concessão, liminarmente, da antecipação de tutela ora pretendida, em virtude de já se ter iniciado o horário de verão, que adiantou o horário neste Estado em 3(três) horas em relação ao resto do Brasil. No caso, estão plenamente configuradas nesta Ação Civil Pública os requisitos para a obtenção da tutela antecipada, pois que não admiti-la seria perpetrar o dano causado pela veiculação em horário inadequado dos Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV” numa amplitude indeterminada. IV. DO PEDIDO : Ante o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : 1. Liminarmente : a) determine Vossa Excelência, sem audiência de justificação prévia, seja concedida a tutela antecipada, inaudita altera parte, eis que presentes os requisitos relativos ao periculum in mora e fumus boni juris, para compelir a REDE TV e a SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. a adequarem a sua grade de programação-diária para que a transmissão dos Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV” seja efetivamente exibida neste Estado a partir das 23h15m(vinte e três horas e quinze minutos) e 02h (duas horas), como o é na Capital do País; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 26 b) na adequação da grade horária solicitada acima, ordene esse Juízo à REDE TV e a SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. que passem a veicular, de forma nítida e suficiente para seu correto entendimento, anteriormente às próximas 05(cinco) edições dos referidos Programas Televisivos por elas exibidos e ora questionados por suas exibições no Estado do Acre em horários inapropriados, um aviso nos seguintes termos : “Este Programa está sendo veiculado neste horário em virtude de decisão da Seção Acreana da Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal”; e c) tendo em vista que não há pedido liminar em face da UNIÃO, requer seja dispensada a sua manifestação no prazo previsto no artigo 2º da Lei nº 8.437/92. 2. No mérito : a) a procedência da presente Ação Civil Pública para condenar as Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. a adequarem a sua grade de programação-diária, a fim de que os programas sejam exibidos neste Estado nos mesmos horários em que são veiculados na Capital do País, para que a transmissão dos Programas Televisivos “EU VI NA TV” e “BUTTMAN NA TV” seja efetivamente exibida neste Estado a partir das 23h15m(vinte e três horas e quinze minutos) e 02h (duas horas); b) sejam condenadas a REDE TV e a SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., de forma solidária, ao pagamento de multa diária de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais), no caso do descumprimento da obrigação de fazer determinada, tanto em tutela antecipada quanto no provimento judicial definitivo, devendo o numerário arrecadado a esse título ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis, inclusive a suspensão dos aludidos Programas Televisivos por elas exibidos pelo prazo de 30(trinta) dias, nos termos da Lei nº 4.117/62, que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações; c) sejam as Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. condenadas, também de forma solidária, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, ao pagamento de indenização por dano moral causado à coletividade, em face das veiculações dos Programas acima citados no território acreano em horários inadequados; d) ainda a título de reparação do dano causado, ordene esse Juízo à SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA. disponibilize ela a veiculação em sua regular programação, durante 06(seis) meses, mediante inserção diária de 05(cinco) minutos, de mensagens publicitárias de caráter informativo-pedagógico - editadas pelo próprio Ministério Público Federal com seus parceiros institucionais, precipuamente as Secretarias Estaduais de Educação e Saúde -, atinentes à prevenção da gravidez precoce e das doenças sexualmente transmissíveis, após aprovação de seu conteúdo por esse Juízo, nelas se fazendo constar a seguinte observação : “A presente mensagem publicitária está sendo veiculada neste horário em virtude de decisão da Seção Acreana da Justiça Federal, atendendo a pedido do Ministério Público Federal.”; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE 27 e) seja a UNIÃO, através do Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, condenada a promover um efetivo controle e fiscalização sobre os programas veiculados pelas Emissoras REDE TV e SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO NORTE LTDA., exercendo as atividades de polícia a ela inerentes, visando coibir a radiodifusão futura de sons e imagens que contribuam para o desvirtuamento dos valores tão resguardados pela Constituição Federal, quais sejam, os valores éticos e morais; f) sejam citadas todas as Demandadas, na pessoa de seus representantes legais, para, querendo, contestar a presente Ação Civil Pública, no prazo legal, cientificando-lhes que a ausência de contestação implicará em revelia e em reputar-se como verdadeiros os fatos alegados na inicial. Por derradeiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL comunica que pretende provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos - embora a matéria seja eminentemente jurídica - , pedindo sejam as rés condenadas, de forma pro rata, ao pagamento de todas despesas processuais decorrentes da presente lide, dando-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais), por se tratar de Ação Civil Pública que visa à defesa dos interesses coletivos, os quais, por natureza, são indisponíveis e inestimáveis. Pede deferimento. Rio Branco/AC, 13 de dezembro de 2004. Marcus Vinicius Aguiar Macedo PROCURADOR DA REPÚBLICA
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