inserção internacional de argentina e brasil entre 1990 e 2010

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inserção internacional de argentina e brasil entre 1990 e 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO (CSE)
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Leandro Wolpert dos Santos
INSERÇÃO INTERNACIONAL DE ARGENTINA E BRASIL ENTRE 1990 E 2010:
Uma Análise de Política Externa Comparada.
Florianópolis, 2013.
LEANDRO WOLPERT DOS SANTOS
INSERÇÃO INTERNACIONAL DE ARGENTINA E BRASIL ENTRE 1990 E 2010:
Uma Análise de Política Externa Comparada.
Monografia submetida ao curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito obrigatório para obtenção
do grau de Bacharelado.
Orientadora: Profa. Dra. Clarissa Franzoi Dri.
Florianópolis, novembro de 2013.
Leandro Wolpert dos Santos
INSERÇÃO INTERNACIONAL DE ARGENTINA E BRASIL ENTRE 1990 E 2010:
Uma Análise de Política Externa Comparada.
Monografia submetida ao curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito obrigatório para obtenção
do grau de Bacharelado.
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 10,0
ao acadêmico Leandro Wolpert dos Santos na
disciplina
CNM7280
–
Monografia,
pela
apresentação deste trabalho, em junho de 2013.
Banca Examinadora:
_______________________________
Profa. Dra. Clarissa Franzoi Dri.
Orientadora
_______________________________
Prof. Dr. Marcio Voigt
Membro
_______________________________
Prof. Dr. Marcelo Arend
Membro
A minha família, por sua presença indelével em minha vida;
A meu pai João V. dos Santos F., por sua sabedoria imensurável e
seus conselhos valiosíssimos;
A minha mãe Erika Wolpert, por seu apoio e carinho incondicionais;
A minha Tia Vitória, por seu legado valiosíssimo em minha formação
enquanto ser humano;
E aos meus amigos Daniel Ferraresi, Jonathan V. da Rosa e Thiago
Elert Soares, por seu companheirismo e suas brilhantes ideias que
muito me auxiliaram a desenvolver este trabalho.
RESUMO
Durante a década de 90, Argentina e Brasil implementaram estratégias de inserção internacional bastante
semelhantes. Ambos procuraram aproximar-se política e economicamente dos países centrais, sobretudo dos
EUA, através, entre outras iniciativas, do posicionamento comum no âmbito dos diversos organismos
multilaterais, a exemplo da ONU, bem como da adesão, muitas vezes de forma acrítica, aos inúmeros regimes de
governança global que, naquele momento, proliferavam-se prodigiosamente. Para dar coerência e racionalidade a
essa estratégia de inserção internacional, no âmbito interno, reformas econômicas liberalizantes foram
implementadas, visando a abertura da economia nacional, a desregulamentação financeira, a minimização do
Estado, a liberalização do comércio e o desenvolvimento econômico para fora, isto é, via poupança externa.
Entretanto, nos últimos dez anos, notadamente a partir de 2003, Argentina e Brasil passaram a percorrer distintas
trajetórias internacionais. Este manteve seu elevado perfil internacional, construindo alianças políticas
multilaterais particularmente com países emergentes, bem assim participando ativamente dos diversos regimes
de governança global. A primeira, diante de constrangimentos externos e internos ainda provenientes da crise
econômica-institucional de 2001, restringiu sua atuação internacional às demandas imediatas da política
doméstica, resultando, por vezes, em conflitos com países vizinhos do entorno regional. Em relação aos EUA, a
Argentina abandonou a política do alinhamento, e, em seu lugar, aproximou-se à Venezuela, com quem
compartilha a postura ideológica esquerdista de crítica àquele país, às práticas imperialistas, às agências e ao
mercado financeiro internacional. No âmbito interno, por sua vez, o Brasil manteve as reformas liberais da
década de 90, ao passo que a Argentina implementou uma estratégia de desenvolvimento econômico heterodoxa,
ancorada no intervencionismo estatal, nacionalismo econômico, políticas monetárias expansionistas e câmbio
flutuante desvalorizado. Diante do exposto, esta pesquisa busca responder a seguinte questão: uma vez tendo
percorrido trajetórias internacionais bastante semelhantes durante a década de 90, por que o Brasil apresentou
maior inserção internacional em comparação à Argentina durante os últimos dez anos (entre 2003 e 2010)? O
objeto de estudo consiste, pois, nas políticas exteriores de Argentina e Brasil e seus respectivos modelos de
inserção internacional. Para desenvolvê-lo, realizou-se uma revisão bibliográfica a partir da leitura e análise de
artigos científicos em periódicos acadêmicos e documentos de centros de estudo especializados em história das
relações internacionais e política externa argentina e brasileira. Uma incursão na literatura sobre análise de
política externa e política comparada também foi empreendida em busca do instrumental teórico necessário para
a correta avaliação comparativa da conduta exterior desses dois países durante o período. A hipótese aventada
pela pesquisa é a de que a diferença de inserção internacional entre Argentina e Brasil nos anos 2000 pode ser
explicada pelos distintos paradigmas de política exterior que caracterizaram a história das relações internacionais
destes dois países no início do século XXI.
Palavras-chave: análise de política externa comparada; estratégia de inserção internacional; paradigma
de política exterior; política externa argentina; política externa brasileira.
ABSTRACT
During the 90s, Argentina and Brazil have implemented international insertion strategies quite similar. Both
sought to approach politically and economically with central countries, especially the U.S., through, among other
initiatives, the common positioning within the various multilateral organizations like the UN, as well as
adhering, often uncritically, to the numerous regimes of global governance proliferating prodigiously at that
moment. To give coherence and rationality to this international insertion strategy, in the domestic ambit
liberalizing economic reforms were implemented, aimed at opening up the national economy, the financial
deregulation, the minimization of the state, the trade liberalization and the external economic development, this
is via foreign savings. However, in the past decade, especially since 2003, Argentina and Brazil began to go
separate international paths. The later kept its high international profile, building multilateral political alliances
particularly with emerging countries, as well as actively participating in the various regimes of global
governance. The first, in face of internal and external constraints from the further economic institutional crisis of
2001, restricted its international action to the immediate demands of domestic politics, sometimes resulting in
conflicts with neighboring countries in the regional environment. In respect to the U.S., Argentina abandoned the
political alignment and, in its place, came together with Venezuela, with whom she shares the ideological stance
of leftist critique to that country, to imperialist practices, to the agencies and the international financial market.
In the domestic ambit, in turn, Brazil maintained the liberal reforms of the 90s, while Argentina has implemented
a strategy of economic development heterodox, anchored in state interventionism, economic nationalism,
expansionary monetary policy and floating exchange undervalued. Given the above, this research seeks to
answer the following question: once having traversed international trajectories quite similar during the 90s, why
Brazil has had greater international insertion compared to Argentina during the last ten years (between 2003 and
2010)? The object of study is, therefore, in the foreign policies of Argentina and Brazil and their respectives
models of international integration. To develop it, we carried out a literature review from the reading and
analysis of scientific articles in academic journals and documents study centers specialized in the history of
international relations and foreign policy of Argentina and Brazil. A foray into the literature on foreign policy
analysis and comparative politics has also been undertaken in pursuit of the necessary theoretical tools to do the
correct comparative assessment of the external of these two countries over the period. The hypothesis for the
research is that the difference in international integration between Argentina and Brazil in the 2000s can be
explained by the different paradigms of foreign policy that characterized the history of international relations of
the two countries at the beginning of the XXI century.
Keywords: comparative foreign policy analysis; international insertion strategy; foreign policy paradigm;
Argentinean foreign policy; Brazilian foreign policy.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8
2 ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA (APE) ............................................................... 13
2.1 CONCEITOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA .................................... 13
2.2 DETERMINANTES DA POLÍTICA EXTERNA ....................................................... 15
2.3 POLÍTICA EXTERNA COMPARADA (PEC) .......................................................... 20
4.4 ANÁLISE PARADGMÁTICA DE POLÍTICA EXTERNA ....................................... 25
3. INSERÇÃO INTERNACIONAL DE ARGENTINA E BRASIL ENTRE O INÍCIO
DOS ANOS 90 E A VIRADA DO SÉCULO XX .............................................................. 27
3.1 OS CONDICIONANTES INTERNOS E EXTERNOS DO PÓS-GUERRA FRIA...... 28
3.2 NOVO PARADIGMA DE RELAÇÕES ESPECIAIS (1991-2001)............................. 31
3.2 PARADIGMA DO ESTADO NORMAL (1990-2000) ............................................... 39
4. TRANSIÇÃO DAS POLÍTICAS EXTERNAS NA VIRADA DO SÉCULO XX PARA
O SÉCULO XXI................................................................................................................. 52
4.1 CRISE ECONÔMICA DE 2001 E POLÍTICA EXTERNA EM TRANSIÇÃO NA
ARGENTINA. ................................................................................................................. 53
4.1.1 Défault e ruptura do currency board .................................................................. 53
4.1.2 Política Externa da Crise ................................................................................... 58
4.2. CRISE CAMBIAL DE 1999 E POLÍTICA EXTERNA EM TRANSIÇÃO NO
BRASIL ........................................................................................................................... 61
5. CONSOLIDAÇÃO DOS PARADIGMAS OMNIBALANCING E DO ESTADO
LOGÍSTICO ...................................................................................................................... 69
5.1 POLÍTICA EXTERNA DE KIRCHNER E FERNÁNDEZ (2003-2010)..................... 69
5.2 POLÍTIXA EXTERNA DE LULA (2003-2010) ......................................................... 87
7. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 106
8
1 INTRODUÇÃO
Para se adequar ao novo contexto mundial que se afigurou no pós-Guerra Fria,
Argentina e Brasil implementaram estratégias de inserção internacional bastante semelhantes.
Em suas relações exteriores, ambos os países procuraram, em menor e maior medida,
aproximar-se política e economicamente das nações desenvolvidas da Europa Ocidental e,
sobretudo, dos Estados Unidos da América. Tal aproximação significou, no plano externo, o
alinhamento político aos países centrais, expresso, entre outras iniciativas, no posicionamento
comum no âmbito dos diversos organismos multilaterais (a exemplo da ONU), bem como na
adesão, muitas vezes de forma acrítica, aos inúmeros regimes de governança global que,
naquele momento, proliferavam-se prodigiosamente. No plano interno, implicou a suposta
modernização dos Estados argentino e brasileiro à nova dinâmica da economia internacional
globalizada. Esse processo foi movido por reformas liberalizantes que preconizavam a
abertura da economia nacional ao capital estrangeiro, a desregulamentação financeira, o livre
mercado e o livre comércio, a minimização do Estado, a estabilidade macroeconômica e o
desenvolvimento para fora.
Entretanto, nos últimos dez anos, notadamente a partir de 2003, Argentina e Brasil
passaram a percorrer distintas trajetórias internacionais. Este não só manteve seu elevado
perfil no cenário internacional, como também buscou ampliar sua participação e influência na
confecção das normas e regras de governança, por intermédio da constituição de novos fóruns
de discussão, a exemplo do IBAS ou G-3 (Índia, Brasil e África do Sul) e do BRICS (Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul); da concertação de alianças políticas em diferentes
temas das negociações multilaterais, a exemplo do G-201 comercial e do G-4 (Alemanha,
Brasil, Japão e Índia); da tentativa tácita de projetar sua liderança no entorno regional e
assumir a imagem de representante legítimo da América do Sul na política internacional,
propondo para tanto iniciativas como a UNASUL e o Conselho de Defesa Sul-Americano. No
plano interno, as reformas liberais da década de 90 foram em boa medida preservadas, porém
se observou certa flexibilização das políticas contracionistas acompanhada do processo de
internacionalização de grandes empresas brasileiras que projetaram internacionalmente o
Brasil como uma economia emergente potencial.
A Argentina, por sua vez, apresentou uma postura externa muita mais tímida se
comparada à brasileira. Com efeito, diante dos constrangimentos externos e internos oriundos
1
A partir de 2007, o G-20 passou a ser composto por 23 países, quais sejam: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela (na América Latina), África do Sul,
Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue (na África), e China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia (na
Ásia).
9
da crise econômica institucional que assolou o Estado argentino em 2001, e que ainda se
fazem sentir na dificuldade do país em cumprir suas obrigações econômicas no cenário
internacional bem assim na incapacidade de projetar sua influência no entorno regional, a
política externa argentina assumiu um perfil mais defensivo e de desconfiança em relação às
forças e processos internacionais, incorporando uma atitude mais introspectiva e nacionalista,
voltada antes às demandas domésticas e imediatistas, e menos preocupada em traçar
estratégias assertivas de inserção internacional. Deveras, por priorizar os assuntos da política
doméstica em detrimento dos interesses externos, em nível regional, a Argentina acabou
entrando em atrito com alguns de seus países vizinhos: com o Brasil, em função do
protecionismo comercial à produção nacional; com o Chile, em razão dos reiterados cortes no
fornecimento de gás natural àquele país entre 2004 e 2009, gerando um impasse diplomático
que veio a ficar conhecido como a Crise do Gás; e com o Uruguai, notadamente a partir de
2007, com o desentendimento entorno da instalação de usinas de celulosa por parte deste país
nas margens do rio Uruguai, na região fronteiriça com a Argentina. No plano interno, em
contraposição aos anos 90, perseguiu-se uma estratégia de desenvolvimento econômico
heterodoxa, ancorada em forte intervencionismo estatal, nacionalismo econômico, políticas
monetárias expansionistas e câmbio flutuante desvalorizado. Diante dum quadro inflacionário
e de desaceleração da economia nacional com a crise internacional de 2008, atrelado às
obrigações econômicas externas pendentes, a Argentina esteve à margem do cenário
internacional.
Diante do exposto, este trabalho, de caráter explicativo 2, busca responder a seguinte
questão: uma vez tendo percorrido trajetórias internacionais bastante semelhantes durante a
década de 90, por que o Brasil apresentou maior inserção internacional em comparação à
Argentina durante os últimos dez anos (entre 2003 e 2010)? O objeto de estudo consiste, pois,
nas políticas exteriores de Argentina e Brasil e seus respectivos modelos de inserção
internacional3. Para desenvolvê-lo, realizou-se uma revisão bibliográfica a partir da leitura e
análise de artigos científicos em periódicos acadêmicos e documentos de centros de estudo
especializados em história das relações internacionais e política externa argentina e brasileira.
2
De acordo com Sampieri et. al. (1997, p.74), “Los estudios explicativos van más allá de la descripción de
conceptos o fenómenos o del establecimiento de relaciones entre conceptos; están dirigidos a responder a las
causas de los eventos físicos o sociales. Como su nombre lo indica, su interés se centra en explicar por qué
ocurre un fenómeno y en qué condiciones se da éste, o por qué dos o más variables están relacionadas”.
3
Segundo Carlsnaes (2008), a análise de política externa costuma apresentar dois objetos de estudo distintos
ainda que inter-relacionados: o processo de tomada de decisão (na formulação da política exterior) e a política
externa propriamente dita, acompanhada de seus resultados e reflexos na conduta exterior dum Estado. Como é
possível se deduzir, a presente monografia orienta-se pelo segundo objeto de estudo.
10
Uma incursão na literatura sobre análise de política externa e política comparada também foi
empreendida em busca do instrumental teórico necessário para a correta avaliação
comparativa da conduta exterior desses dois países durante o período.
A hipótese aventada pela pesquisa é a de que a diferença de inserção internacional
entre Argentina e Brasil nos anos 2000 poder ser explicada pelos distintos paradigmas de
política exterior que caracterizaram a história das relações internacionais destes países no
período em análise. Destarte, além dessa introdução e das considerações finais, a presente
monografia é composta ainda por cinco capítulos: no primeiro, ademais de definirem-se os
principais conceitos empregados na investigação, delineia-se o marco teórico a partir do qual
a mesma se assenta, valendo-se de estudos de análise de política externa, dos métodos de
política externa comparada e de modelos paradigmáticos de política exterior. Uma vez
delimitada a fundamentação teórica, no segundo capítulo, descreve-se comparativamente a
história das relações internacionais da Argentina e do Brasil no decorrer da década de 90,
procurando-se indicar os traços mais marcantes, as similitudes e diferenças de seus modelos
de inserção internacional, que possam ajudar a esclarecer como se conformaram os novos
paradigmas de política exterior destes países a partir dos anos 2000. A finalidade em se fazer
esse resgate histórico é observar em que medida as experiências vivenciadas durante os anos
90 influenciaram a mudança nas trajetórias internacionais de Argentina e Brasil no período
2003-10. No terceiro capítulo, procura-se retratar os principais fenômenos internacionais e
nacionais que concorreram para a reorientação da política externa de Argentina e Brasil na
virada do século XX para o século XXI. Finalmente, no quarto e no quinto capítulos, testa-se
a hipótese de pesquisa, por meio da descrição histórica das relações internacionais de
Argentina e Brasil entre 2003 e 2010, a partir da análise paradigmática de Corigliano (2007) e
Cervo e Bueno (2010), com o fito de identificar os elementos dos paradigmas de política
exterior de ambos os países que explicam a maior inserção internacional do segundo em
relação ao primeiro nos últimos dez anos.
Antes de dar prosseguimento ao trabalho, algumas observações epistemológicas
devem ser realizadas. Notadamente a partir de 1970, diante da observação do fenômeno
denominado por Keohane e Nye de interdependência complexa, as relações internacionais
passaram a sofrer profundas transformações, consubstanciadas após o fim da Guerra Fria sob
a insígnia de globalização, que implicaram a inclusão de novos temas (econômicos,
ambientais, de direitos humanos) na agenda mundial; o incremento da interconexão política,
econômica, social e cultural entre os diferentes países e sociedades nacionais,
consubstanciado pelos avanços tecnológicos em informação, nos meios de transporte e nas
11
telecomunicações; a consolidação de novos atores não estatais no cenário internacional, a
exemplo de organizações internacionais, ONGs e setores da sociedade civil, que reivindicam
parte das capacidades soberanas dos Estados no âmbito da política internacional; a
flexibilização da linha divisória, suposta por teóricos realistas, existente entre o âmbito da
política interna e da política internacional, e que também reflete a relativização, em certo
ponto, dos conceitos de soberania e de fronteiras geográficas.
Frente a essa nova e muito mais complexa realidade internacional, as tradicionais
abordagens teóricas de política internacional que prendiam sua atenção no nível sistêmico de
análise (nomeadamente a neo-realista e a neo-liberal), parecem não mais dar conta de explicar
as mudanças que perpassam as relações internacionais. Tampouco logram prever em sua
complexidade o comportamento dos Estados em reação a tais mudanças, comportamento esse
cada vez mais penetrado por determinantes internos. De fato,
[...] in the real word, we find a number of actors, both domestic and international
who are closely involved in foreign policy decision-making in one manner or
another; and equally, there a number of structures on both sides of the domesticinternational divide that decisively affect these actors in many different ways.
(CARLSNAES, Walter, 2008, p.86)
Nesse sentido, os estudos de análise de política externa se propõem, justamente, a
conciliar harmoniosamente essas duas esferas de análise (sistêmica e doméstica) para o
correto entendimento da conduta exterior dos Estados, buscando identificar tanto seus
determinantes internos quanto externos. Com efeito, a análise de política externa corresponde
a uma subdisciplina das relações internacionais (RI) 4 preocupada em entender a relação
existente entre os âmbitos doméstico e internacional e de que forma sua interação mútua afeta
o comportamento dos Estados. Como bem apontado por Kaarbo, Lantis e Beasley (2002)
[...] the study of foreign policy serves as a bridge by analyzing the impact of both
external and internal politics on states’ relations with each other. Contemporary
analyses focus on […] changes that states are facing. These changes are occurring at
the level of international relations and at the level of domestic politics. Perhaps most
interesting is that these changes are influencing the relationship between these two
levels as well. (KAARBO et. al. 2002, p. 3).
Assim pois, espera-se com esta monografia ser possível verificar de que forma
condicionantes internos e externos interagem entre si de modo a conformar as políticas
exteriores dos Estados em estudo (Argentina e Brasil), especialmente no que concerne as suas
4
O termo relações internacionais pode ser empregado de duas formas: para se referir às diversas relações
políticas, econômicas, culturais, sociais, etc., estabelecidas entre Estados, atores não-estatais e instituições
internacionais; ou para designar, geralmente abreviadas pela sigla RI, uma disciplina específica de investigação
acadêmica.
12
estratégias de inserção internacional. A ideia é de que as variáveis dependentes identificadas
neste trabalho que influenciam os resultados de política exterior possam, talvez, ser usadas
como parâmetro para o estudo comparado da conduta externa de outros Estados, em outras
regiões, semelhantes ou não. Por fim, essa pesquisa almeja também contribuir para o avanço
dos estudos de análise de política externa na medida em que aplica o seu instrumental teórico
de investigação na análise dum caso concreto, e, assim, testa e verifica suas premissas
empiricamente, confrontando-as à história das relações internacionais de Argentina e Brasil
entre 1990 e 2010.
13
2 ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA (APE)
Antes de dar início à análise comparada da política externa argentina e brasileira entre
1990 e 2010, faz-se mister uma definição prévia dos conceitos chaves sobre os quais esta
pesquisa se alicerça, de sorte a conferir-lhe coerência e precisão, assim como uma breve
porém suficiente incursão no campo de estudos de análise de política externa, que propiciará o
instrumental teórico necessário para o desenvolvimento e alcance dos objetivos deste
trabalho. É exatamente esta a finalidade deste capítulo.
2.1 CONCEITOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA
Quatro conceitos são basilares para os fins dessa pesquisa, quais sejam: política
externa (ou política exterior), comportamento exterior (ou conduta externa) do Estado,
reputação internacional e inserção internacional. Segundo Hudson (2008), política externa diz
respeito à estratégia implementada por um governo nacional para atingir seus objetivos em
suas relações com atores exteriores (i.e. em suas relações internacionais). Silva e Gonçalves
(2010, p. 216-217) definem política externa como “o canal através do qual as políticas e
estratégias internacionais de um Estado são formuladas, executadas e avaliadas”. Há de se
cuidar, portanto, em não confundir política externa com diplomacia. Esta, segundo os autores
supracitados, corresponde estritamente à “atividade por intermédio da qual os Estados se
relacionam entre si.” Nesse sentido, pode-se entender política externa como a estratégia da
diplomacia. Em outras palavras, a diplomacia consiste no meio, no instrumento, pelo qual a
política exerior se manifesta, pelo qual esta é exercida 1. Ademais, a política externa pode ser
considerada uma política pública, já que, contanto implementada fundamentalmente fora das
fronteiras do Estado, ela resulta e promove arranjos institucionais-burocráticos domésticos
diversos, bem como articulações políticas internas de variadas dimensões (SALOMÓN;
PINHEIRO, 2013). Seguindo esse raciocínio, o comportamento exterior do Estado, por
conseguinte, corresponde aos fatos, aos resultados concretos oriundos da política externa por
ele adotada e traduzida em ações específicas e em discursos ideológicos.
Entende-se por reputação internacional o que Medeiros (2011) classifica como
reputação cooperativa, expressa na capacidade dos Estados de agirem de acordo com os
compromissos
1
por
eles
firmados
internacionalmente,
transmitindo
confiança
e
. Encontra-se uma definição mais abrangente de política externa em Hermann (1990, p. 5), segundo quem esta
“is a goal-oriented or problem-oriented program by authorative policymakers (or their representatives) directed
toward entities outside the policymakers’ political jurisdiction. In other words, it is a program (plan) designed to
address some problem or pursue some goal that entails action toward foreign entities.”
14
respeitabilidade aos demais atores com quem se relacionam2. “Para efeito do que chamei de
reputação cooperativa, são relevantes a confiabilidade que o ator produz e os dados que,
observados pelo potencial parceiro, expressam o cumprimento do combinado por parte deste
(compliance).” (MEDEIROS, 2011, p. 439). A reputação internacional é determinada
historicamente, já que “a reputação de um Estado é tanto construída pelo seu valor histórico
como pelo seu comportamento no presente”, e baseia-se nos princípios do direito
internacional: “um ponto importante no debate a respeito da reputação internacional que um
Estado tem é a mensuração da capacidade de um tratado ou acordo informal ser efetivo. Esta
efetividade, traduzida pelo cumprimento (compliance), está amplamente relacionada à
reputação de um Estado.” (MEDEIROS, 2011, p. 440 e 445). Ainda conforme Medeiros
(2011), mas também em concordância com Brighi e Hill (2008), a reputação internacional
constitui uma importante ferramenta para o sucesso da diplomacia dum determinado país em
alcançar seus objetivos internacionais. Nesse sentido, inserção e reputação internacionais
estão vinculadas entre si na medida em que maior prestígio e maior confiabilidade implicam
também maiores chances de sucesso no estabelecimento de acordos internacionais (de
cooperação técnica e econômica), na formação de alianças políticas e no estreitamento e
expansão de suas relações diplomáticas com outras nações. De fato,
para efeito de uma reputação de tipo cooperativo, o valor essencial a ser observado é
o aumento da inserção do ator pela ampliação de sua confiança como parceiro no
sistema internacional. [...] é a reputação o condicionante do status quo, porque dela
deriva a confiança e a capacidade de manobra e barganha, antes e depois de um
acordo estratégico, formal ou informal, nas relações internacionais. (MEDEIROS,
2011, pp. 439, 440)
Finalmente, a inserção internacional dum país está relacionada ao nível e teor
(ativo/passivo, de contestação/de aceite) de sua participação política no cenário internacional,
seja por meio de fóruns de discussão dos temas da agenda global, na constituição de alianças e
coalizões políticas, na adesão a convenções internacionais e na formação de blocos regionais,
ou seja por meio de iniciativas multilaterais da ONU (a exemplo das operações de
manutenção da paz), em negociações de controvérsias e querelas internacionais, assim como
2
Para Medeiros (2011), existe ainda um segundo tipo de reputação internacional, denominada reputação por
liderança, a qual, diferentemente da reputação cooperativa, não está fundada na confiança, mas sim, na
autonomia decisória no sistema internacional que um Estado possui graças as suas capacidades materiais,
principalmente militares. “Enquanto a reputação cooperativa é baseada nos princípios regidos pelo direito
internacional, a reputação de liderança é orientada segundo a autonomia de que usufrui um determinado ator,
comumente alinhada a sua posição de força no sistema internacional” (MEDEIROS, 2011, p. 438-439). Todavia,
o conceito de reputação por liderança não é apropriado para os fins deste trabalho, uma vez que nem Argentina
nem Brasil podem ser considerados potências em termos de capacidades militares. Aliás, como bem sugerido
pela própria Medeiros, o Brasil, enquanto potência média e emergente, ampara-se muito mais na reputação
cooperativa no exercício de sua inserção internacional.
15
na expansão das relações diplomáticas com outras nações. Como no parágrafo anterior, a
inserção internacional também está relacionada à reputação e imagem do país assumida e
reconhecida pela comunidade internacional.
Dessa forma, um governo nacional pode adotar uma política externa mais “aberta” e
internacionalista, incrementando sua inserção e plasmando seus interesses de longo prazo no
cenário internacional; ou esposar uma política externa de caráter mais nacionalista, voltada
primeiramente às demandas imediatas provenientes do âmbito doméstico, conferindo ao
Estado uma postura mais introspectiva.
2.2 DETERMINANTES DA POLÍTICA EXTERNA
Consoante Hudson (2008), a análise de política externa consiste numa subdisciplina de
relações internacionais (RI) que almeja explicar a política exterior ou o comportamento
exterior dum determinado Estado3. A APE é assinalada por cinco premissas distintivas: 1pelo comprometimento em se investigar os determinantes do âmbito interno dos Estados
(abaixo do nível do Estado), observando-se a participação dos atores envolvidos na
formulação da política exterior; 2- pelo comprometimento em se criar (ou gerar subsídios para
criação de teorias ator-específico, como interface entre teorias ator-geral e a complexidade do
mundo real4; 3- pelo comprometimento em se buscar e abranger explicações multicausais que
perpassem diversos níveis de análise; 4- pelo comprometimento em se fazer uso de teorias e
aportes provenientes de outras ciências sociais (análise multidisciplinar); 5- e pelo
comprometimento em se conferir igual importância ao processo de tomada de decisão
tradicionalmente atribuída aos resultados (output) da política externa.
Segundo Kaarbo, Lantis e Beasley (2002), a análise de política externa inicia-se com a
identificação dos múltiplos fatores que influenciam a política exterior dum determinado
3
A análise de política externa pode ser considerada uma área de estudos dentro das relações internacionais pelo
fato de, assim como as abordagens teóricas destas últimas, a APE se ocupar em investigar e debater modelos
metodológicos para o entendimento dos determinantes e dos resultados da conduta exterior dos Estados. De
outro modo, a análise de política externa constitui um campo específico das RI por se valer de ampla literatura
relativa à política pública e à política doméstica. Entretanto, conforme apontado por Smith, Hadfield e Dunne
(2008), essa subdivisão parece ser em grande medida forjada, constituindo uma maneira de os intelectuais de RI
negligenciar os pontos-chave da APE em seus modelos teóricos.
4
De acordo com Hudson (2008, p. 12), teorias ator-geral, são teorias que explicam “o comportamento dos atores
em geral, tais como a teoria dos jogos”. Em outras palavras, as teorias ator-geral concebem o comportamento
dos Estados de maneira negativa e reativa, isto é, como fruto exclusivo dos imperativos da estrutura, seja ela
anárquica, conflitiva, interdependente, etc. Nelas, são descritos padrões gerais de comportamento em condições
também gerais. Teorias ator-específico, por outro lado, dizem respeito às teorias que explicam “o
comportamento de atores específicos, tais como teorias de análise de política externa”. Esse tipo de teoria pode
ser generalizável, porém apenas em condições específicas de aplicabilidade.
16
Estado. Esses múltiplos fatores, entretanto, podem ser agrupados em dois níveis de análise, já
mencionados acima: um exterior ao Estado, reunindo influências provenientes do ambiente
internacional, a exemplo da distribuição mundial de poder, do princípio ordenador do sistema
internacional (anárquico ou hierárquico), e das características das relações internacionais
contemporâneas (permeadas por efeitos de dependência e interdependência entre as nações); e
outro interior ao Estado, abarcando elementos de âmbito doméstico, tais como a opinião
pública e a cultura nacional, grupos sociais de interesses (ONGs, comunidades epistêmicas,
elites econômicas, partidos e frações de partidos políticos e até mesmo as forças militares), a
organização governamental (regime político e estrutura burocrática) e as crenças e
personalidades dos líderes políticos. A seguir, aborda-se rapidamente cada uma dessas
influências.
Na análise dos fatores externos ao Estado, os principais aportes provêm das teorias
tradicionais de RI. Em conformidade à abordagem teórica realista, por exemplo, não há como
desassociar a política exterior, seu escopo e efetividade, da estrutura mundial de poder. Com
efeito, um país terá maior ou menor margem de ação no sistema internacional conforme suas
relativas capacidades materiais de poder. Para Silva e Gonçalves (2010, p. 218):
a abrangência da política externa, de alcance regional ou global [...] resulta do poder
relativo que um país exerce em relação aos demais membros da comunidade
internacional. Tais capacidades podem incluir relevância geopolítica, grandeza
territorial, econômica e militar, além de níveis de maturidade político-institucional e
disponibilidade de recursos humanos adequados5.
De igual modo, na ausência dum governo supranacional (dum “Leviatã mundial”) que
garanta a existência e integridade de todos os Estados-Nação, o objetivo precípuo, tido como
interesse nacional, a ser perseguido pela política externa de qualquer e todo país, será, de
acordo com a perspectiva realista, o incremento de suas capacidades de poder e sua
sobrevivência (segurança nacional) dentro dum ambiente por definição altamente conflitivo e
competitivo, cujo princípio estipulador de regras é a anarquia internacional.
Já em consonância aos teóricos liberais das RI, as relações internacionais
contemporâneas se caracterizam pelo crescente processo de interdependência econômica
(globalização) entre as nações, em níveis jamais vistos na história, oriundos, entre outros
fatores, da cada vez maior internacionalização do comércio, da produção e das finanças, que
trazem consigo a abertura das economias nacionais, a privatização da produção e dos serviços,
bem como a desregulamentação do mercado em paralelo à inevitável perda da capacidade dos
5
Brighi e Hill (2008) destacam as seguintes capacidades materiais de política externa: forças armadas,
desenvolvimento industrial e tecnológico, reputação/prestígio, qualidade das instituições civis, força da moeda,
produtividade agrícola e força da sociedade civil.
17
Estados de intervir na economia. Diante desse contexto, os Estados passariam a ser afetados
cada vez mais por forças externas e, consequentemente, sua política exterior seria pautada por
esforços de adaptação (maior ou menor aceitação da) à nova realidade internacional. De outra
monta, para os neomarxistas, antes da interdependência econômica, as relações internacionais
contemporâneas são assinaladas por relações estruturais de dependência entre países ditos
periféricos, agrícolas, atrasados tecnologicamente, abundantes de mão de obra barata e,
portanto, subdesenvolvidos; e países ditos centrais, altamente industrializados, avançados em
termos tecnológicos e de qualificação de mão de obra e, por conseguinte, desenvolvidos.
Nesse panorama, o comportamento dos Estados seria determinado pela posição que ele ocupa
na divisão internacional do trabalho.
Carlsnaes (2008) acrescenta dois fatores estruturais à lista de Kaarbo, Lantis e
Beasley, quais sejam: os regimes internacionais e as estruturas de interação social entre os
Estados. O primeiro deles é contemplado pela teoria neoinstitucionalista de regimes.
Consoante essa teoria, ainda que se reconheça a anarquia do sistema internacional, as políticas
exteriores não são condicionadas apenas pela distribuição mundial de poder: cada vez mais, a
criação de regimes internacionais vem afetando positivamente as condutas externas dos
Estados no sentido de, ao propiciar transparência de informações na comunicação entre eles e
ao prover regras comuns de relacionamento, torná-las mais cooperativas e participativas na
discussão dos temas da agenda global.
O segundo fator estrutural é tratado pela abordagem construtivista das RI. Nela, as
relações internacionais, como toda interação humana, são social e historicamente construídas,
inexistindo, pois, aspectos imutáveis tidos como naturais (a semelhança da anarquia
internacional). Nesse sentido, o interesse nacional e, por conseguinte, a política exterior a ele
atrelado, não são concebidos como pré-existentes ou predeterminados, mas sim coconstituídos (co-construídos) durante o processo de interação dos Estados com seu entorno
social (socialização). O interesse nacional, portanto, se forma a partir das identidades
nacionais, também co-construídas socialmente, e que estão relacionadas à visão que um
determinado Estado e seu respectivo povo (sintetizada por líderes políticos) possuem de si e
de seu papel (“lugar”) no mundo, visão essa influenciada também, daí ser co-constituída, pela
visão e percepções de outros Estados e povos.
Opinião pública e cultura são algumas das forças domésticas que podem atuar sobre a
política exterior. Kaarbo, Lantis e Beasley (2002) afirmam que, no concernente à política
internacional, o termo opinião pública refere-se às atitudes e crenças que pessoas dum
determinado Estado nutrem a respeito de assuntos pontuais da política externa de seus países.
18
Assim, “the public may, for example, be for or against their state intervening militarily in
another country, or signing a particular trade agreement or public may agree on an issue or
may be deeply divided”. (KAARBO; LANTIS; BEASLEY.; 2002, p. 13-14.) Estes autores
argumentam ser lugar comum na literatura que investiga esse tema o fato de a opinião pública
influenciar quase nada a política exterior. No entanto, evidências apontam que há sim alguma
congruência entre mudanças na opinião pública e mudanças na política externa. Ademais,
como bem sabido, em muitas decisões específicas de política exterior, líderes políticos são
sensíveis às reações do público, a exemplo da decisão do governo dos EUA em 2011 de
retirar suas tropas militares do Iraque frente ao grande descontentamento de amplos setores
populares e de inúmeras famílias, gerado pelo crescente número de mortes de soldados
estadunidenses neste país.
A cultura nacional, em seu turno, pode abranger diversos valores como
individualismo, coletivismo, pragmatismo, moralismo, etc, que afetem na formulação da
política externa. “Cultures that place a premium on morality over practicality, for example,
may be more likely to pass moral judgment over the internal affairs and foreign policy.
(KAARBO; LANTIS; BEASLEY. 2002, p. 15). Todavia, ainda restam dificuldades entre os
estudiosos do assunto em se definir o conceito de cultura e mensurar seu real efeito sobre a
política exterior.
Por outro lado, segundo os estudos de Kaarbo, Lantis e Beasley (2002), líderes
políticos parecem estar muito mais sujeitos à influência das opiniões e interesses de grupos
sociais específicos e organizados do que do público tomado como um todo. Isso porque é
através desses grupos sociais específicos que os interesses da sociedade são canalizados e
transmitidos aos tomadores de decisão política. Para tanto, os grupos de interesse articulam-se
sobre uma determinada “bandeira social” (posição política) e mobilizam os atores envolvidos
para pressionar e persuadir o governo nacional. As reivindicações incluem desde assuntos
ético-culturais e demandas sociais específicas (trabalhista, migratória, etc.) até interesses
econômicos e aspectos de política internacional. A influência exercida por um determinado
grupo de interesse sobre a política exterior dum Estado varia de acordo com o nível de
importância do assunto em questão, da organização do grupo e da relação entre este e o
governo. (KAARBO; LANTIS; BEASLEY. 2002)
O regime político e a burocracia estatal constituem outras duas variáveis domésticas
da política exterior. Em Estados democráticos, os líderes políticos tendem a ser mais
constrangidos na formulação e implementação da política exterior do que em Estados não
democráticos (autoritários), haja visto que um maior número de atores tanto da sociedade civil
19
quanto do próprio aparato governamental supõe-se influenciar ou participar diretamente no
processo de tomada de decisão. Contudo, deve-se tomar certa cautela com essa generalização.
Além da polêmica discussão normativa sobre o que é democracia e onde se pode observar de
fato um regime democrático, ocorre que em muitos Estados ditos democráticos, a formulação
da política exterior é estritamente centralizada por um seleto e restrito grupo político,
sobrando pouco ou nenhum espaço para participação efetiva da sociedade civil, bem como de
outros órgãos governamentais e poderes políticos (legislativo, judiciário). Por outro lado, nem
sempre líderes autoritários atuam sem qualquer tipo de restrição ou constrangimento. Pelo
contrário, em muitas ocasiões, estes se vêm obrigados a consultar os diversos grupos de
interesses, facções políticas e até setores militares, em suas decisões de política exterior com o
fito de garantir a estabilidade política de seus governos e assim se perpetuarem no poder.
(KAARBO; LANTIS; BEASLEY. 2002)
Já a influência da burocracia governamental sobre a conformação da política externa
ocorre de duas maneiras. Na primeira, assume-se que os organismos burocráticos envolvidos
no processo de tomada de decisão possuem procedimentos e rotinas próprias, responsáveis
por gerar respostas padronizadas aos desafios impostos pela política internacional (SILVA;
GONÇALVES. 2010). “Nesse sentido, o exercício de política externa não reflete um processo
contínuo de definição e redefinição de interesses e objetivos, mas a operacionalização de
reações-padrão a desafios cotidianos baseados em resultados previamente observados em
experiências passadas” (SILVA; GONÇALVES, 2010, p. 217). Isso quer dizer que
instituições burocráticas tendem a conferir um caráter conservador à política exterior,
oferecendo resistência a profundas reorientações de sua conduta. De outra maneira, assume-se
que a política externa em grande medida é fruto dum processo altamente politizado de
barganha e até mesmo de disputa entre as agências governamentais capazes de influir nos
processos decisórios, que agem motivadas por incrementar sua influência ou manter sua
importância relativa dentro do aparato estatal.
Por último, segundo abordagens cognitivas e psicológicas, líderes políticos com suas
personalidades, crenças, valores e experiências de vida também contribuem na conformação
da política exterior de Estados. Conforme Kaarbo, Lantis e Beasley (2002), essa correlação se
faz mais evidente em situações ambíguas e complexas, que impliquem incertezas e tensão, ou
quando os líderes políticos encontram-se diretamente envolvidos com a decisão a ser tomada,
não delegando sua autoridade a seus conselheiros. Os líderes políticos podem ser
categorizados em tipos de personalidade. Nesse sentido, existem aqueles motivados em
dominar (impor-se a) outros líderes e Estados, adotando uma política externa mais agressiva e
20
conflituosa, enquanto outros estão mais preocupados em serem aceitos internacionalmente,
esposando uma postura mais cooperativa. Há também líderes políticos de retórica
nacionalista, que vêm com desconfiança o ambiente internacional, por considerá-lo hostil,
competitivo e pouco propenso a soluções realmente cooperativas, e outros que expandem sua
inserção no cenário internacional, onde, apostando no princípio da multilateralidade, plasmam
os objetivos nacionais em longo prazo (KAARBO; LANTIS; BEASLEY. 2002).
Por se tratar dum trabalho de análise de política externa, esta monografia pautar-se-á
pelos compromissos aludidos por Hudson (2008), valendo-se dos aportes oferecidos por
outras disciplinas das ciências sociais na identificação e explicação tanto dos fatores externos
quantos internos mencionados acima que condicionaram as políticas exteriores de Argentina e
Brasil nos últimos dez anos. Contudo, porquanto se pretenda fazer essa análise de maneira
comparativa, reside a necessidade de se conhecer um pouco mais sobre métodos de política
externa comparada, uma subárea de estudos (ou linha de pesquisa dentro) da APE.
2.3 POLÍTICA EXTERNA COMPARADA (PEC)
Juntamente às linhas de pesquisa sobre o processo de tomada de decisão (organization
behavior) e de análise cognitiva e contextual das escolhas e decisões tomadas por indivíduos e
grupos na formulação da política exterior (psycho-milieu), os trabalhos de política externa
comparada capitaneados pelo cientista político James Rosenau deram forma no período pós 2°
Guerra Mundial ao campo de estudos então intitulado análise de política externa (HUDSON;
VORE. 1995). De fato, um dos primeiros esforços em se criar uma teoria propriamente dita de
análise de política externa partiu dos aportes de James Rosenau em seu livro Pre-theories and
Theories of Foreign Policy, publicado em 1966 6 . Nele, Rosenau propunha inferir
generalizações a respeito do comportamento dos Estados mediante à comprovação empírica
(teste) feita por meio da comparação estatística entre as políticas exteriores do maior número
de países (amostra) possível, de sorte a identificar determinantes (variáveis independentes)
recorrentes (padrões) que indicassem possíveis relações causais (correlação estatística) entre
estes e os resultados de política exterior (variáveis dependentes). De acordo com Hudson e
Vore (1995), o objetivo de Rosenau era, pois, elaborar uma teoria de análise de política
externa de médio alcance (middle-range), situada entre as grandes generalizações das teorias
6
Conforme Hudson (2008), é na PEC que se oberva mais claramente a influência do behaviorismo na APE. Vale
lembrar que o behaviorismo foi um movimento intelectual iniciado na psicologia em meados do século XX,
justamente a partir do desenvolvimento de análises cognitivas do comportamento humano, que buscava
transplantar os métodos de investigação das ciências naturais, notadamente quantitativos e experimentais, aos
estudos das ciências sociais.
21
tradicionais das RI e o elevado nível de complexidade da realidade, que reunissem
explicações multi-nível - desde personalidade de líderes políticos até aspectos estruturais do
sistema internacional - e multicausais – assimilando os conhecimentos oriundos de outras
ciências sociais – para as políticas exteriores e respectivos comportamentos externos dos
Estados7.
Observa-se, portanto, que PEC pode se referir tanto a uma corrente de estudo dentro
da sub-disciplina análise de política externa, como também a um método de investigação no
âmbito da ciência política8. Segundo Caporaso, Hermann e Kegley (1987),
The comparative method is interpreted to entail either cross-national comparisons or
the less common practice of examining one nation through time to determine the
effects of observed changes in key variables. In either case the researcher engages in
the systematic comparison of similar features in the entity (ies) studied. The
comparative foreign policy (CFP) researcher also views the comparative method as
a mode of scientific inquiry. Thus a share task is the development of falsifiable
generalizations and explanatory theory and subjecting them to empirical
investigation through systematic comparison.
Entre fins da década de 60 e fins da de 70, os estudos de PEC proliferaram
vigorosamente entre os internacionalistas. Em grande medida devido à diversificação dos
temas de investigação (antes restritos às implicâncias em termos políticos e de segurança da
bipolaridade do sistema internacional) que acompanharam o processo de distensão (détente)
da Guerra Fria em paralelo ao fenômeno já aludido de interdependência complexa entre as
nações, a ampliação da agenda mundial e a inclusão de novos atores internacionais. Também
contribuiu muito para o florescimento da PEC nesse momento, o aperfeiçoamento, propiciado
pelo desenvolvimento do setor de tecnologia da informação (processamento de dados) e
comunicação (internet), dos instrumentos metodológicos e operacionais para o tipo de
investigação a que se propunha o método comparativo. Nesse período:
A proliferação de estudos sistemáticos faz com que a comparação de algo
empiricamente verificável seja privilegiada em detrimento de divagações e
articulações normativas. Ademais, o aperfeiçoamento das técnicas de coleta e
análise de dados empíricos torna a comparação em larga escala, ou seja, de vários
objetos (políticos) de estudo, de maneira simultânea. [...] Até então [antes da
détente], a feitura de estudos comparativos dependia da capacidade individual do
7
Nesse procedimento, segundo Hudson (p. 20, 2008), “independent variables at several levels of analysis were
linked by theorical propositions (sometimes instantiated in statiscal and mathematical equations) to properties or
types of foreign policy behavior”.
8
Ainda que distintos, ambos os significados “convergem para o estudo dos sistemas, das relações e dos
processos políticos de dois ou mais países e suas evoluções no tempo a fim de identificar semelhanças e
particularidades entre eles. Assim sendo, representa [sic] uma atividade analítica instrumental para que se testem
e se obervem hipóteses empíricas e relações de causalidade e se produzam generalizações válidas acerca do
fenômeno político”. (SILVA; GONÇALVES. 2010, p. 214).
22
investigador em conhecer e ter acesso a fenômenos políticos distintos, o que é
sempre limitado. (SILVA; GONÇALVES, 2010, p. 215)
Contudo, não tardou muito para que as inovações metodológicas e o sucesso inicial
logrados nos trabalhos de PEC logo fossem barrados por sérias limitações entre fins da década
de 70 até meados da de 80, provocando até mesmo certo sentimento de desencanto entre os
estudiosos do assunto, conforme assevera Hudson (2008).
Para Hudson e Vore (1995), os principais obstáculos enfrentados pela PEC, naquele
período, foram:
a) parcimônia: o objetivo dos estudiosos da PEC em prover generalizações a partir da
análise comparativa duma ampla amostra de objetos, isto é, da análise do
comportamento de muitos países simultaneamente (large N-sizes), e, por outro
lado,
averiguar
pormenorizadamente cada categoria de fatores (análise
multicausal) em suas várias dimensões (análise multi-nível), representou um
esforço desumano, de difícil realização, mesmo para qualquer interessado em
produzir e estudar trabalhos de política comparada. Logo, colocava-se em xeque a
questão da parcimônia na teorização da análise de política externa. Impunha-se
então um trade-off entre se realizar uma detalhada e minuciosa pesquisa empírica a
partir duma amostra reduzida de casos, engendrando generalizações circunscritas e
de menor alcance, ou se forjar modelos matemáticos e estatísticos que
envolvessem o maior número de casos, porém pouco condizentes às realidades
específicas de cada país, justamente por não conseguirem abordar boa parte das
variáveis envolvidas9;
b) quantificação: o método empírico proposto na PEC baseava-se fundamentalmente
na quantificação de variáveis a partir das quais equações matemáticas, regressões
lineares e índices de correlação eram amplamente utilizados na criação de
generalizações bem como no processo de comprovação empírica. Acontece que,
justamente por se tratar duma ciência social, assinalada pela ação e interação
humanas, dinâmicas por excelência, muitas variáveis nas relações internacionais
são difíceis de serem operacionalizadas e principalmente mensuradas, tais como:
cultura, história, percepções e crenças de líderes políticos, identidades sociais, etc.;
9
“There was a desire to engage in aggregate empirical testing of cross-nationality applicable generalizations
across large N-sizes, but there was also a commitment to unpacking the black box of decision making and
uncovering the detail in the explanations of what was happening; CFP methods demanded parsimony in the
theories that guided research; CFP theories demanded nuance and detail in the method used”. (HUDSON;
VORE, 1995, p. 220).
23
c) relevância política (aplicabilidade): não obstante os avanços logrados na coleta e
processamento de dados internacionais (características de países e regiões,
codificação de ações e comportamentos políticos, entre outros), o conhecimento na
forma de proposições gerais (generalizações) produzido na PEC pouco contribuía
para o entendimento de situações específicas. Em outras palavras, embora
elogiável em termos de construção teórica, a PEC era de pouca utilidade prática na
orientação dos responsáveis pelo processo de tomada de decisão política.
Novamente, apresentava-se outro trade-off:
“Was the research goal to say something predictive about a specific nation in a
particular set of circumstances (which would be highly policy relevant, but which
might closely resemble information from a traditional country expert)? Or was the
goal a grand unified theory (which would be not highly policy relevant, but which
would add scientific understanding to the study of foreign policy)?” (HUDSON;
VORE, 1995, p. 221).
Acrescenta-se à lista de Hudson e Vore um quarto obstáculo muito bem pontuado por
Caporaso, Hermann e Kegley (1987), que corresponde ao fato de as análises de PEC, ao
tratarem as políticas exteriores e seus respectivos resultados como eventos e, portanto,
limitados temporalmente, acabavam, e ainda o fazem, negligenciando processos históricos,
transformações conjunturais ou até mesmo determinantes históricos que resultam influenciar
o comportamento das variáveis em estudo:
Because foreign policy analysis tend to confine their inquiries to policies as outputs,
they tend to ignore the dynamics of intereaction through time, making their studies
largely static. The incorporation of feedback loops within the domain of comparative
foreign policy does not, as some might think, confuse or otherwise erase the
important distinction between the fields of international politics and foreign policy.”
(CAPORASO, James A.; HERMANN, Charles F.; KEGLEY, Charles W. 1987, p.
34).
A partir da década de 90, os estudos de PEC buscaram adaptar-se a essas limitações,
reduzindo a amostra de investigação e o alcance de suas generalizações com a finalidade de
realmente construir uma teoria middle-range, sem pretensões em se edificar uma grand
unified theory, como em que acabou se transformando os objetivos da primeira geração de
estudiosos de PEC. Nesse sentido, o estudo de casos envolvendo dois ou no máximo três
países, antes menosprezados, assim como aspectos históricos passam a ser valorizados em
algumas análises contemporâneas de política externa comparada. Todavia, de acordo com
Caporaso, Hermann e Kegley (1987), um intenso debate metodológico permanece vivo na
PEC, consistindo numa das grandes áreas atuais de investigação.
O trabalho de della Porta (2008) está inserido nesse debate. Em seus estudos, a autora
argumenta que a análise comparativa possui três diferentes métodos: o experimental, o
24
estatístico e o comparativo propriamente dito. Destes, o comparativo corresponde ao mais
apropriado método científico, se não o único disponível, para o estudo de fenômenos
macrodimensionais e processos institucionais nos quais se disponha dum número bastante
reduzido de casos empíricos para a manipulação estatística e o estabelecimento de correlações
entre variáveis. “Dealing with a small number of cases – usually between two and twenty –
the comparative method is a preferred strategy for political and social scientists when they
investigate institutions or other macropolitical phenomena”. (della PORTA, 2008, p. 202)
Nesse sentido, este método de análise comparativa compensa a pequena quantidade de dados
estatísticos disponível para análise por meio duma racionalidade lógica advinda da
comparação sistemática dos objetos de estudo10.
Porém, para a autora, a escolha pelo método comparativo nem sempre é determinada
pelo “tamanho da amostra” a ser escrutinada. Muitas vezes, essa escolha é feita pelo interesse
do investigador em ir além da descrição e “comprovação” estatísticas, e aprofundar o
entendimento dos processos históricos e das motivações individuais que permeiam a
ocorrência dum fenômeno específico. Nessas circunstâncias, antes de estabelecer relações
entre variáveis independentes, dependentes e intervenientes, o método comparativo visa traçar
similaridades e diferenças entre os agentes envolvidos bem como interpretar, por intermédio
da descrição minuciosa e da narrativa histórica, o objeto de estudo em sua complexidade. Ou
seja, a finalidade primeira não consiste em se chegar, por indução, a generalizações sobre a
ocorrência de determinado evento, mas sim analisá-lo em sua unicidade histórica,
contemplando todas as suas características e dimensões quanto possível. De fato, nesse
método de análise, a compreensão das causas e motivações subjacentes ao objeto de estudo
não se dá de maneira prévia à investigação científica, ancorando-se na adoção de hipóteses
explicativas de modelos teóricos já existentes, mas sim durante mesmo o processo de
pesquisa, por meio de narrações longas e contextualizadas historicamente dos principais fatos
e fenômenos. No método comparativo de della Porta,
Macro-units (such as countries) are therefore considered as unique and complex
social configurations [...], even though concepts are build that transcend the validity
of individual cases […] In qualitative, historical comparison […], explanations are
genetic (i.e. based upon the reconstruction of the origins of a certain event), and
generalizations are historically concrete. (della PORTA, p. 206)
10
De acordo com della Porta (2008), os métodos experimental e estatístico correspondem à lógica “variable
oriented” nas análises comparativas, cujas principais características metodológicas estão agrupadas na obra de
Durkheim. O método comparativo, por sua vez, diz respeito à lógica “case oriented” e suas premissas estão
presentes no programa de pesquisa desenvolvido por Webber.
25
Nota-se que, para della Porta, o método comparativo propriamente dito é distinto
daquele proposto por Rosenau e seus seguidores, ancorado em estatísticas, comprovação
empírica, generalizações e extensa amostra de análise. Na verdade, o que a estudiosa faz é
propor uma metodologia alternativa que enfatiza os processos históricos de eventos
específicos, diferenciados em sua unicidade, em detrimento da tentativa de se elucubrar um
modelo teórico abrangente.
Sem abrir mão do instrumental teórico fornecido pelos estudos de análise de política
externa e baseando-se na investigação multicausal e multinível dos determinantes das
condutas exteriores, esta monografia valer-se-á, como sugerido por della Porta, da narrativa
histórica e comparada das relações internacionais de Argentina e Brasil com o intuito de
identificar os principais fatores históricos responsáveis pela maior inserção internacional do
segundo em relação ao primeiro.
4.4 ANÁLISE PARADGMÁTICA DE POLÍTICA EXTERNA
Como dito na introdução, para identificar os fatores que explicam a maior inserção
internacional brasileira recentemente, esta pesquisa confrontará comparativamente a história
das relações internacionais de Argentina e Brasil no período 1990-2010, valendo-se para tanto
da análise paradigmática de política externa proposta pelos autores Cervo (2003) e Corigliano
(2007). De acordo com Cervo (2003, p.8), “os países abrigam sempre suas políticas exteriores
e seu modelo de inserção internacional dentro de paradigmas”. Nas palavras do autor:
“um paradigma, em ciências humanas e sociais, equivale a uma explanação
compreensiva do real. O uso que dele fazem as ciências exatas e naturais é diferente.
Nessas últimas, o paradigma articula em uma teoria uma série de leis científicas que
estabelecem, em princípio, relações necessárias de causa e efeito. Quando uma lei é
rejeitada pela experiência, o paradigma cai. Nas ciências humanas, o paradigma
também desempenha a superior função de organizar a matéria objeto de observação,
porém não apresenta a mesma rigidez científica. Esse tido de análise, nas ciências
humanas, restringe-se à função de dar inteligibilidade ao objeto, iluminá-lo através
de conceitos, dar compreensão orgânica ao complexo mundo da vida humana (2003,
p. 6).
Um paradigma de política exterior, por sua vez, implica a ideia de nação concebida
por um povo e seus dirigentes assim como a visão que estes projetam do mundo e da relação
existente entre o último e a nação; comporta a percepção de interesses nacionais feita pelos
dirigentes políticos; e envolve a elaboração política no atuar externamente, abrangendo o
modo de relacionar o interno ao externo bem como a manipulação da informação para
estabelecer o cálculo estratégico e a tomada de decisão (CERVO, 2003).
Em outras palavras, um paradigma de política exterior é composto por três
componentes básicos: um conjunto de ideias e percepções nutridas por um povo e seus
26
dirigentes políticos a respeito do papel que sua nação possui no cenário internacional; um
conjunto de interesses nacionais delineado a partir das ideias e das percepções anteriores; uma
vez traçados os interesses nacionais, uma estratégia de inserção internacional concebida para
alcançá-los externamente.
Aproximando-se da abordagem de Cervo, Corigliano (2007) relaciona as estratégias
de inserção internacional com as fases de globalização e as estratégias de desenvolvimento
econômico. Desse modo, argumenta-se, o paradigma de política exterior seria composto por
mais um componente, a saber, a estratégia de desenvolvimento econômico. Porquanto os
conceitos que compõem um paradigma são apreendidos pela observação empírica das
experiências históricas (CERVO, 2003), as relações internacionais da Argentina no período
em estudo teriam sido assinalada por dois paradigmas de política externa: o Novo Paradigma
de Relações Especiais (1991-2001) e o Paradigma Omnibalancing (2001-2007
11
)
(CORIGLIANO, 2007). No Brasil, os paradigmas foram: o Estado Normal (1990-1998) e o
Estado Logístico (1999-2010) (CERVO; CLODOALDO, 2010).
Destarte, por entender que os paradigmas de política exterior são constituídos
historicamente, e que assim as origens das estratégias de inserção internacional são gestadas
no processo de superação da estratégia passada, este trabalho investiga não só os atuais
paradigmas de política exterior da Argentina (“omnibalancing”) e do Brasil (Estado
logístico), como também os paradigmas imediatamente anteriores (Novo Paradigma de
Relações Especiais e Paradigma do Estado Normal, respectivamente). Com efeito, fatores que
determinaram a substituição de um paradigma pelo outro muito ajudam a explicar de que
forma se estabeleceram as idéias, os interesses nacionais e a respectiva atuação externa que
projetaram os dois países internacionalmente na última década.
11
Porém, este paradigma pode ser estendido até 2010, já que a eleição à presidência de Cristina Fernández em
2007 não significou ruptura na condução da política externa argentina, mas antes continuidade.
27
3. INSERÇÃO INTERNACIONAL DE ARGENTINA E BRASIL ENTRE O INÍCIO
DOS ANOS 90 E A VIRADA DO SÉCULO XX
No capitulo 2, falou-se que a inserção internacional dum país está relacionada ao nível
e teor (ativo/passivo, de contestação/de aceite) de sua participação no cenário internacional,
seja por meio de fóruns de discussão dos temas da agenda global, na constituição de alianças e
coalizões políticas, na adesão a convenções internacionais e na formação de blocos
econômicos regionais, ou seja por meio de iniciativas multilaterais da ONU (a exemplo das
operações de manutenção da paz), em negociações de controvérsias e querelas internacionais,
assim como na expansão das relações diplomáticas com outras nações. Falou-se também que
a inserção internacional dum país está relacionada a sua reputação internacional, esta
entendida como a capacidade dos Estados de agirem de acordo com os compromissos por eles
firmados internacionalmente, transmitindo confiança e respeitabilidade aos demais atores com
quem se relacionam. A ideia é a de que maior prestígio e maior confiabilidade implicam
também maiores chances de sucesso no estabelecimento de acordos internacionais (de
cooperação técnica e econômica), na formação de alianças políticas e no estreitamento e
expansão de suas relações diplomáticas com outras nações.
Viu-se que a inserção internacional depende da estratégia concebida dentro de
paradigmas de política exterior formados historicamente e constituídos por percepções
identitárias, interesses nacionais e estratégias de desenvolvimento econômico. Destarte,
partindo-se dessa abordagem, deduziu-se, para entender corretamente as atuais estratégias de
inserção internacional de Argentina e Brasil, é também necessário avaliar os atuais
paradigmas de suas políticas exteriores, cujas bases foram construídas a partir da experiência
vivenciada por ambos os países no período que antecede a conformação de tais paradigmas. O
objetivo deste capítulo será, pois, analisar comparativamente a história das relações
internacionais de Argentina e Brasil nos anos 90, procurando-se indicar os traços mais
marcantes, as similitudes e diferenças de seus modelos de inserção internacional, que possam
ajudar a esclarecer como se conformaram os novos paradigmas de política exterior destes
países a partir dos anos 2000. A finalidade em se fazer esse resgate histórico é observar em
que medida as experiências vivenciadas durante os anos 90 influenciaram a mudança nas
trajetórias internacionais de Argentina e Brasil no período 2003-10.
28
3.1 OS CONDICIONANTES INTERNOS E EXTERNOS DO PÓS-GUERRA FRIA
A estratégia de inserção internacional implementada por Argentina e Brasil no
decorrer dos anos 90 foi concebida dentro de paradigmas de política exterior (Novo
Paradigma de Relações Especiais e Paradigma do Estado Normal, respectivamente) cujas
características basilares resultaram da concorrência de transformações sistêmicas e
condicionamentos internos que se desdobraram no contexto do pós Guerra Fria, mas que, na
verdade, já vinham sendo gestados durante as duas décadas anteriores. A nova ordem
internacional erigida a partir de 1990 pôs fim à bipolaridade mundial, configurando uma nova
economia política internacional centrada na hegemonia estadunidense assentada em sua
proeminência bélica e vigoroso produto interno bruto, que naquela época já ultrapassara os
cinco trilhões de dólares.
De acordo com Saraiva e Tedesco (2001), a decomposição súbita da União Soviética e
o fim da Guerra Fria deram espaço ao surgimento duma nova ordem internacional baseada,
em termos políticos, na defesa de valores vinculados à democracia e, em termos econômicos,
nos preceitos da economia liberal. De fato, assistiu-se na época o triunfo quase absoluto do
modelo capitalista de vida e de produção. A economia de mercado passou a ser o referencial
ideológico dominante no ordenamento das relações econômicas, sociais e até mesmo
políticas. Como observado por Cervo (2000), nesse período, estabeleceu-se um consenso em
esfera planetária, intitulado pela literatura sob os termos de globalização, nova
interdependência ou neoliberalismo, e cujos traços distintivos foram o acelerado processo de
internacionalização produtiva (empresas transnacionais), financeira (investimentos externos) e
comercial (redução de barreiras tarifárias), acompanhados de avanços tecnológicos,
nomeadamente no setor TIC (tecnologia de informação e comunicação) e de transporte, que
acentuaram as relações de dependência interdependência entre as nações. Nesse sentido,
fortaleceu-se a crença na capacidade do mercado de auto-regulação, segundo a qual, com
raras exceções, este dispensava qualquer tipo de intervenção estatal. Consubstanciou-se assim
o conceito de Estado-mínimo a partir do qual se justificava o fenômeno da privatização e da
terceirização econômicas, concebendo-se a livre concorrência como único instrumento
legítimo para se chegar à eficiência produtiva.
Sob o panorama da modernidade, dos “novos tempos”, vinculou-se a ideia de
desenvolvimento econômico a maior inserção econômica internacional, em que o crescimento
produtivo adviria dos ganhos de eficiência e especialização produtiva propiciados pela
concorrência internacional e pela distribuição estática das vantagens comparativas entre os
29
países. Nesse sentido, o comércio e o investimento internacional desempenhariam um papel
fundamental. A meta, pois, era desenvolver-se “para fora”, via fomento da poupança externa.
Daí a importância de políticas macroeconômicas adequadas que garantissem a estabilidade
política e financeira necessárias para uma melhor inserção econômica internacional (aumento
do volume comercial, atração de recursos externos na forma de empréstimos, crédito e
investimento).
Nesse sentido, passou-se a receitar como essenciais ao desenvolvimento nacional a
instituição do Estado de direito e da democracia como regime de governo; um arcabouço
jurídico-institucional consolidado capaz de garantir os direitos individuais, do capital nacional
e, precipuamente, do internacional; políticas de controle da inflação e do déficit público;
abertura da conta de capitais, desregulamentação financeira e a redução das barreiras
alfandegárias. Sob os auspícios da ideologia neoliberal instaurada por Regan e Thatcher,
resgatou-se a crença de que o progresso tecnológico seria transferido por todos os países,
desde que observadas as leis de proteção à propriedade intelectual e aos lucros e dividendos
das inversões estrangeiras.
Segundo Cervo (p. 6, 2000), foi exatamente dessa forma que os dirigentes políticos
latino-americanos vislumbraram o novo contexto das relações internacionais que se plasmava
no início dos anos noventa, e “que [dirigentes latino-americanos] o abraçaram de corpo e
alma, quase sempre de forma acrítica, diante de uma opinião pública dominada por pressões
da imprensa, cuja informação vinha impregnada com os novos princípios”.
Porém, a instável e problemática realidade nacional de Argentina e Brasil no pós
Guerra Fria, fruto de processos econômicos e desdobramentos políticos que haviam sido
encetados em fins da década 70, igualmente contribuiu para a adesão desses países ao apelo
do discurso modernista. Senão vejamos. No início da década de 90, tanto Argentina quanto
Brasil encontravam-se mergulhados numa grave crise econômica que vinha se arrastando
durante toda década de 80, fazendo com que a esta fosse denominada mais tarde como década
perdida. Após um período de ampla liquidez internacional financiada pelos euro e
petrodólares, seguida duma abrupta elevação da taxa de juros internacionais conjugada à
segunda crise do petróleo em 1979, os países latino-americanos se depararam com um
aumento exponencial de suas dívidas externas 1 acompanhado dum surto inflacionário
resultante da anterior expansão econômica engendrada pelo modelo de substituição de
1
Consoante Enge (2004), os contratos de endividamento dos países latino-americanos baseavam-se em juros
flutuantes, daí sua elevada vulnerabilidade externa.
30
importações2. A crise tornar-se-ia estrutural com a redução da capacidade de pagamento da
dívida provocada pela deterioração dos termos de troca e pelo estancamento do fluxo de
capital externo após a declaração da moratória mexicana em 1982, gerando um alto grau de
desconfiança por parte da comunidade internacional em relação às economias da América
Latina, de modo a perpetrar um quadro de recessão econômica na região. Rapidamente, os
desequilíbrios no balanço de pagamentos se avolumavam, novos empréstimos eram
solicitados, mais medidas monetaristas e ortodoxas eram exortadas por instituições
financeiras, a exemplo do FMI, e menores eram as possibilidades de solução da crise com a
retomada do crescimento econômico 3. Em 1986 e 1988, Brasil e Argentina, sob as respectivas
lideranças de Sarney e Alfonsín, igualmente declaram a moratória da dívida externa de seus
países.
Diante da possibilidade de a crise da dívida externa que se alastrara por toda América
Latina prejudicar os interesses políticos e econômicos dos EUA no subcontinente, e também
em razão da influência, ainda que pequena, exercida pela concertação política organizada por
alguns países latino-americanos sob o Grupo de Cartagena e o Grupo dos Oito4, o Instituto de
Economia Internacional promoveu uma conferência em que foram convidados economistas e
membros de governos latino-americanos com a finalidade de diagnosticar e prescrever
2
Aproveitando-se da elevada liquidez internacional alavancada pela alta do preço do petróleo em 1973 (primeiro
choque de petróleo), e cujos dividendos foram revertidos em créditos de baixo custo (reciclagem dos
petrodólares) com a expansão financeira e do sistema bancário estadunidense em direção à Europa, os governos
não só da Argentina e do Brasil, como também de grande parte dos demais países latino-americanos,
estimularam o crescimento de sua economia, por meio de incentivos e investimentos na produção,
principalmente industrial, fazendo uso, para tanto, do financiamento externo. Conforme Enge (p. 68, 2004), esse
“[...] processo só foi possível, é evidente, porque os bancos internacionais se mostraram dispostos a conceder
empréstimos de baixo custo aos países em desenvolvimento, com o endosso do FMI e dos governos dos países
credores, que apoiaram e encorajaram a estratégia terceiro-mundista de crescimento com recursos externos.”
3
De acordo com Enge (2004), a situação de inadiplênca vivenciada por Argentina e Brasil no início dos anos 80
os osobrigou a recorrer ao tesouro estadunidense e ao FMI para conseguir honrar seus compromissos
internacionais. Em troca de ajuda na forma de novos empréstismos, tais instituições passaram a exigir “políticas
de ajuste” que visavam a recuperação das economias nacionais: elevação daS taxas de juros internas, contenção
salarial, restrição dos gastos públicos, incremento do arrecadamento de impostos, controle das importações e
incentivo às exportações. No entanto, tais medidas não lograram controlar a inflação nem impediram que os
custos do serviço das dívidas externas incrementassem: a taxa anual de inflação de Argentina e Brasil subiram de
100,8% e 101,8% em 1980, a 3079,8% e 1427% em 1989, respectivamente; a dívida externa dos respectivos
países, por sua vez, também subiu (aproximadamente, em preços atuais) de US$27.322 milhões e US$ 71.984
milhões em 1980 a US$65.538 milhões e US$115.950 milhões em 1989 (BANCO MUNDIAL, 2013). Por outro
lado, as políticas de ajustes propugnadas pelo FMI acabaram por estrangular as economias de Argentina e Brasil
no período 1980-89, gerando baixo, se não negativo, crescimento médio dum produto altamente volátil: -1,4% e
1,6%, respectivamente (ENGE, 2004).
4
Deram origem ao Grupo dos 8, por meio da Declaração do Rio do Janeiro em 1986, os países: Brasil,
Argentina, Colômbia, México, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela. Para saber mais a respeito da cooperação
regional entorno da negociação da dívida externa, consultar MALLMANN, Maria Izabel. Os ganhos da década
perdida: democracia e diplomacia regional na América Latina. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 89-111.
31
políticas econômicas para superação da crise. Foi nessa ocasião em que o economista
britânico John Williamson apresentou um documento contendo dez propostas de reforma
econômica sobre o qual existiria um consenso entre Washington, instituições financeiras
internacionais e agência tecnocratas (BANDEIRA, 2002). Contudo, a situação só viria a
normalizar-se com a operação de resgate realizada pelos EUA com a implementação do Plano
Brady (securitização das dívidas externas) entre fins dos anos 80 e início dos 905, em que se
exigiu, em troca do auxílio, a promoção de reformas econômicas liberais por parte dos países
latino-americanos. Sob essa perspectiva, Guimarães (2006, p.75) afirma:
A vitória do neoliberalismo monetarista nos EUA e Reino Unido, apartir de Ronald
Reagan (1981-1989) e Margaret Thatcher (1979-1990), e a negociação da dívida
externa (Plano Brady) forçaram aos países subdesenvolvidos a adoção de políticas
de abertura comercial e financeira, desregulamentação e privatização, com base nos
princípios do chamado Consenso de Washington.
Assim pois, no início da década de 90, Argentina e Brasil sofriam pressões tanto
externas quanto internas no sentido de promover reformas políticas e econômicas com o fito
de adaptar-se aos novos tempos. Nas seções seguintes, tratar-se-ão as principais características
dos paradigmas de política exterior de Argentina e Brasil que se conformaram a partir do
imbricamento desses diferentes determinantes nacionais e internacionais.
3.2 NOVO PARADIGMA DE RELAÇÕES ESPECIAIS (1991-2001)
O quadro conceitual que edificou as bases cognitivas do Paradigma de Relações
Especiais, sobre o qual se plasmou a inserção internacional argentina na década de 90, foi
construído a partir da interpretação feita pelos formuladores da política exterior da Argentina
a respeito da realidade nacional e internacional por que este país passava no pós Guerra Fria.
Nesse sentido, exerceram grande influência as ideias e crenças do presidente Carlos Menem,
eleito em 1989 6 , dos chanceleres Domingo Cavallo (1989-1991) e Guido di Tella (19911999), nomeados por Menem para assumir a frente do Ministério de Relações Exteriores e
Culto (MRECIC), e das comunidades epistêmicas ou, fazendo-se uso das palavras de Arbilla
(2000), comunidades de analistas de política exterior, capitaneadas, em grande monta, pela
teoria do realismo periférico desenvolvida por Carlos Escudé7.
5
Argentina e Brasil aderiram ao plano em 1992 e 1990, respectivamente.
6
Menem assumiu o governo meses antes do esperado, tamanha a crise política e econômica por que Argentina
passava.
7
De acordo com Saraiva e Tedesco (2001, p. 247), “Carlos Escudé foi assessor do chanceler Di Tella e suas
idéias sobre o realismo periférico correspondiam e davam base conceitual à percepção do chanceler da estratégia
externa a ser seguida pela Argentina.”
32
A leitura feita por esse grupo de atores abarcava muitos pontos elencados até agora:
1- na ordem internacional que se inaugurava no pós Guerra Fria, liberal e
interdependente, os EUA despontavam como o país hegemônico que exerceria, a
longo prazo, um grande controle sobre a governança global. A Argentina, como um
país periférico e frágil, só teria a ganhar aproximando-se da superpotência, com a qual,
em troca de favores políticos, poderia obter a cooperação internacional necessária para
a restauração da estabilidade monetária e para o crescimento econômico;
2- na nova distribuição mundial de poder, a Argentina revelava-se um país fraco, sem
importância alguma na economia política internacional e altamente dependente e
vulnerável aos EUA. Isso porque sua economia era complementar a dos Estados
Unidos e a dos demais países desenvolvidos, porquanto produzisse bens agrícolas de
clima temperado já existentes nestes países. Ademais, não despertava interesse por
parte dos investidores estadunidense e britânicos, como outrora já o fizera. Tampouco
possuía a Argentina um recurso natural estratégico, a exemplo do petróleo na
Venezuela, ou do cobre no Chile. Em termos geopolíticos, segundo Escudé (1995), o
país encontrava-se no fim do mundo. Sequer detinha um aparato nuclear e missilístico
para representar alguma ameaça, a semelhança do Irã. Enfim, a visão sobre a
significância da Argentina era tão pessimista, inclusive em comparação com outras
nações periféricas, que assim se pronuncia Escudé (1995, p. 23): “Si [Argentina] fuera
limpiada del mapa sin daños ecológicos, si cayera en una violenta guerra civil, o si
cayera en la ruina económica absoluta, las vidas cotidianas de la gran mayoría de los
europeos o norteamericanos no se verían afectadas en lo más mínimo.”;
3- num contexto de relações internacionais menos conflitivo e mais cooperativo, como o
que se apresentava com a queda da URSS e triunfo do capitalismo, o interesse
nacional primordial a ser perseguido pelo Estado periférico é o crescimento
econômico e o incremento da qualidade de vida de seus cidadãos 8 . Nesse sentido,
excetuando-se o caso daqueles países periféricos que se encontram em áreas de
elevada instabilidade política ou de confronto militar com Estados vizinhos, a
preocupação com a segurança nacional e a autonomia política deve ser administrada e
relativizada num cálculo custo - benefício quanto ao poder econômico gerado na
8
Segundo Escudé (1995, p. 12), a conduta exterior dum Estado periférico deve ser pautada por interesses
materiais e não idealistas: “Un gobierno periférico debe dedicarse a la promoción de la democracia, la libertad, la
conservación ecológica y otras buenas causas en el exterior, sólo cuando puede hacerlo sin someterse a costos
materiales o a riesgos de costos eventuales para si mismo y su gente”.
33
forma de crescimento produtivo. Dessa monta, o sistema de segurança coletiva parecia
ser a melhor opção dos países débeis como a Argentina. De igual modo, para países
periféricos, a disputa de poder no cenário internacional e o antagonismo político
devem ser evitados, mormente quando se tratar de relações com grandes potências que
podem facilmente prejudicar o desenvolvimento econômico da nação periférica 9.;
4- se a política exterior dum Estado periférico deve ser orientada ao crescimento
econômico, a melhor forma de se alcançar esse objetivo seria através do
estabelecimento de relações de amizade e confiança com os países desenvolvidos, as
quais renderiam dividendos futuros na forma de investimentos e financiamentos. Para
tanto, era necessário construir uma boa imagem da Argentina internacionalmente, e
isso se daria por meio do alinhamento político com os EUA e demais países centrais
ocidentais 10 na discussão dos principais temas da agenda global bem como com a
promoção da estabilidade política e econômica no âmbito nacional. O risco país seria
um dos índices a serem utilizados para mensurar a credibilidade internacional
argentina, e que, segundo Escudé (1995), seria afetado positivamente se a Argentina
implementasse as medidas econômicas esposadas pelo governo estadunidense,
investidores estrangeiros e agências financeiras internacionais, promovesse o Estado
de Direito e o regime democrático assim como amparasse as inversões externas de
aparatos jurídicos de proteção à propriedade intelectual e remessa de lucros;
5- o modelo político e econômico implementado pelos governos anteriores, marcado pelo
isolacionismo e confrontamento aos EUA e pela estratégia de industrialização por
substituição de importações11, e que teve em Alfonsín seu último representante, foi
visto como o grande responsável pela situação de crise por que a Argentina passava
9
Conforme Escudé (1995), os Estados periféricos não devem se envolver em confrontamentos políticos com as
grandes potências, ainda quando esses confrontamentos não gerem custos imediatos. Para o autor, o antagonismo
às grandes potências somente se justifica quando os interesses materiais do Estado periférico estiverem em
questão.
10
Com efeito, conforme Arbilla (2000, p. 364): “Era fundamental a convicção, entre os membros da equipe de
governo, de que a retomada de um processo sustentado de crescimento econômico dependia da capacidade de
garantir um fluxo constante de investimentos no longo prazo. Dessa maneira, o chanceler Cavallo definiu como
objetivo de sua gestão à frente do Ministério de Relações Exteriores, a geração do marco político que permitisse
equacionar, no longo prazo, o tema da dívida externa e eliminar as inibições ao ingresso de capitais. Claramente,
estes objetivos pretendiam priorizar os vínculos com os Estados Unidos e a Europa Ocidental.”
11
Embora possa se dizer, para fins didáticos, que tal paradigma tenha se estendido durante os anos de 1945 a
1990, a verdade é que durante esse período as políticas exteriores de muitos governos de perfil liberal, a
semelhança dos líderes militares do regime ditatorial, destoaram das linhas gerais traçadas pelo
desenvolvimentismo,.
34
naquele momento 12 . Por outro lado, o antigo paradigma de relações especiais
estabelecido a partir da segunda metade do século XIX até a primeira Guerra Mundial,
de alto perfil liberal e agroexportador, foi concebido como o modelo a ser copiado e
reimplantado no contexto pós Guerra Fria 13.
Essa leitura da realidade doméstica e internacional, que definiu a identidade e os
interesses nacionais da Argentina no exterior, sofreu pouca resistência por parte de setores do
governo, de intelectuais e acadêmicos e até da opinião pública. Isso porque: 1° durante a
década 90, a formulação da política externa ficou centralizada nas decisões de Carlos Menem
e de seus dois chanceleres Cavallo e di Tella, restando pouco ou nenhum espaço para a
participação de outros integrantes do MRECIC14 ou mesmo de outros órgãos governamentais
e poderes constitucionais no processo de tomada de decisão; 2° embora não tenham logrado
produzir um consenso absoluto (CERVO, 2000; Da SILVA, 2008), os especialistas e analistas
argentinos de política exterior, congregados numa verdadeira comunidade acadêmica,
dedicados à racionalização e legitimação do novo modelo de inserção internacional
encabeçado por Menem, tornaram-se maioria e passaram a exercer grande influência sobre a
opinião pública, burocratas, diplomatas e acadêmicos; 3° o aperfeiçoamento dos meios de
comunicação e o fortalecimento de grandes grupos midiáticos nacionais, a exemplo do Clarín,
que une jornais e televisão, entre outros dispositivos, facilitaram a importação de ideias
liberais e modernistas que deram sustento ao projeto de Menem (VÁZQUEZ, 2004).
Ademais, segundo Ferrari e Cunha, estava arraigada no imaginário nacional a associação
12
A política exterior do governo Alfonsín (1983-1989) foi extremamente condicionada por determinantes
internos econômicos e políticos. Os primeiros dizem respeito à crise da dívida externa e da hiperinflação, já
mencionados no início deste capítulo. Os segundos estão relacionados à instabilidade sociopolítica verificada no
período de transição do regime militar (processo de reorganização nacional: 1976-1983) para a democracia e o
governo civil. Em seu mandato, Alfonsín teve de administrar e atender as inúmeras demandas sociais, na forma
de passeatas e protestos populares, por justiça às mortes e punição aos diversos crimes aos direitos humanos
perpetrados durante uma das consideradas mais violentas ditaduras militares na América do Sul. Demandavamse também direitos políticos e sociais tais como o direito ao voto e à liberdade de expressão. A instabilidade
política se acentuava na proporção em que pioravam os índices econômicos (saques e roubos em lojas e
supermercados se alastraram durante o período). Nesse panorama, a política exterior de Alfonsín apresentou um
baixo perfil.
13
De acordo com Ferrari e Cunha (2007), entre 1880 e 1916, a Argentina tornara-se, para muitos, “uma
promessa destinada a ocupar na América do Sul o lugar que os Estados Unidos tinham na América do Norte.”
Sob essa ótica, o país teria vivenciado seu apogeu econômico nesse período através do atamento de fortes
relações com a Grã Bretanha e por meio da exportação diversificada de produtos agropecuários de alto interesse
para os países desenvolvidos.
14
Na Argentina, “a lógica de formulação de política externa concentra-se sobretudo no vínculo entre a
presidência e a cúpula da Chancelaria, integrada basicamente por funcionários de origem política, enquanto o
corpo diplomático de carreira fica mais afastado deste núcleo.” (SARAIVA e TEDESCO, 2001, p. 130) De fato,
esse traço da diplomacia argentina contribui para o baixo padrão institucional do MRECIC, o qual não consegue
conferir uma linha de continuidade ao quadro cognitivo que molda a política exterior argentina.
35
entre o modelo liberal agroexportador e a ideia de progresso advinda da época áurea do início
do século XX. Nesse sentido:
[...] o sucesso material que havia feito da Argentina uma das nações mais ricas do
mundo na primeira metade do século XX afirmou a hegemonia de uma visão liberal
dos fenômenos econômicos. A industrialização do pós-guerra não garantiu a
superação ideológica do modelo primário exportador. A (re)introdução do
liberalismo nos anos 1990 foi viabilizado pelo desgaste provocado pela fragilização
do Estado, o longo convívio com a inflação alta e o passado de tensão social e
política provocada, dentre outras coisas, pelo conflito distributivo. (FERRARI;
CUNHA, 2007).
Uma vez delineados o interesse nacional (crescimento econômico) e os objetivos
(reinserção na economia internacional e recuperação do prestígio internacional do país),
Menem e sua equipe, liderada por Cavallo e di Tella, sob assessoria de Escudé, lançaram-se
sobre os dois principais campos de ação do novo paradigma de política exterior argentina: a
estabilização da economia nacional e o alinhamento político com os EUA15.
Após assumir o governo num quadro de hiperinflação e distúrbio social 16 , e ter
aplicado dois planos de estabilização econômica que fracassaram (Plano BB/1989 e Plano
BONEX/1990), Menem finalmente pareceu encontrar, em abril de 1991, a fórmula que lhe
renderia a recuperação da economia nacional: o plano de conversibilidade (currency board)17,
ou plano Cavallo, em homenagem ao recém empossado ministro da economia e idealizador
do programa Domingo Cavallo.
De acordo com Enge (2004), os principais pontos do plano de conversibilidade eram:
1- fixação da taxa de câmbio nominal em 10.000 austrais (moeda circulante naquele
momento) por dólar norte-americano (estabelecimento de câmbio fixo – currency
board);
2- livre conversibilidade da moeda nacional com relação ao dólar, o que permitiu a
circulação simultânea de duas moedas distintas (nacional e dólar) no país;
3- Proibição da emissão de moeda sem o respaldo de 100% em reservas de livre
disponibilidade em divisas estrangeiras ou ouro;
4- Cancelamento da indexação para debelar a inércia inflacionária;
15
Segundo Vadell (2006, p. 198), “relações carnais” foi o termo cunhado por di Tella em entrevista ao jornal
Página12, em 9 de dezembro de 1990, para exprimir o objetivo argentino de alinhar-se politicamente com os
EUA: “Yo quiero tener una relación cordial con Estados Unidos y no queremos un amor platónico. Nosotros
queremos un amor carnal con Estados Unidos, nos interesa porque podemos sacar un beneficio.”
16
17
Ver notas de rodapé 3 e 10 deste capítulo.
Para alguns estudiosos, a implantação do plano de conversibilidade em 1991 é o marco de nascimento do novo
paradigma de relações especiais.
36
5- Autorização para a celebração de contratos em moeda estrangeira, a qual, juntamente
ao item 2, incentivou a dolarização da economia nacional;
6- Autorização ao poder executivo para substituir o austral por nova moeda nacional,
com denominação diferente e expressão numérica traduzindo a relação de conversão
de 10 mil austrais para uma unidade da nova moeda, que, em janeiro de 1992, foi
intitulada peso18.
Segundo Ferrari e Cunha (2008), a restrição monetária imposta pelo plano era aliviada
pela expansão da dívida pública denominada em dólares, que poderia, a partir de elevadas
taxas de juros relativos, lastrear a expansão monetária em pesos. Todavia, a autonomia do país
na condução de sua política monetária seguiu severamente limitada.
Para conseguir manter a âncora cambial do controle inflacionário bem como obter
recursos para o pagamento e financiamento de sua dívida externa, o governo argentino
realizou uma ampla e irrestrita liberalização financeira, comercial e econômica, tão
preconizada pelas agências econômicas estadunidenses e internacionais. Destarte, além do
regime cambial fixo estabelecido pelo Plano de Conversibilidade, uma série de outras
medidas econômicas foram tomadas: privatização de empresas públicas por firmas nacionais e
principalmente estrangeiras, a exemplo da aquisição da YPF (Yacimientos Petrolíferos
Fiscales) pela empresa espanhola Repsol em 1992; rígido controle das contas públicas, de
modo a reduzir os gastos do governo e garantir o superávit primário para o pagamento do
serviço da dívida pública; desregulamentação do mercado de capitais, que permitiu a emissão
de papéis em moeda estrangeira por empresas e bancos, extinguiu os impostos sobre
operações bursáteis (ENGE, 2004) e assegurou o retorno de lucros e dividendos aos
investidores estrangeiros; abertura comercial, com a redução generalizada das tarifas
alfandegárias, eliminação total da lista de produtos com importação restrita e extinção da
consulta prévia para importação (ENGE, 2004).
Com o intuito de racionalizar e maximizar os resultados das ações descritas acima e
ainda promover o crescimento econômico por meio de maior inserção na economia mundial,
Menem e sua equipe engendraram uma política de alinhamento aos EUA e países europeus
em menor medida, no debate dos temas de maior visibilidade da agenda global19 . Quanto
18
19
A nova relação de paridade era, pois, um peso = dez mil austrais = um dólar. (ENGE, 2004)
Nesse sentido, Menem teria apostado na construção duma imagem renovada para seu país através de grandes
atitudes, atribuindo baixa prioridade a temas de pouca visibilidade internacional, ou que serviam para reforçar
uma imagem negativa do país. Nesse sentido, os denominados novos temas das RI, tais quais meio ambiente, e
cláusula trabalhista, não chamaram muita atenção da diplomacia argentina. (ONUKI, 2003) Seja como for, o fato
é que o governo argentino sabia da limitação à participação ativa do país no reordenamento do sistema
37
maior fosse a evidência de aproximação com os países ricos do ocidente, maior também a
participação e exposição do governo argentino nos fóruns de discussão internacionais
(ONUKI, J. 2003). Porém, não se pode dizer que, nesse período, a Argentina tenha adotado
uma postura realmente ativa, conferindo um caráter mais propositivo a sua política exterior.
Na verdade, a diplomacia argentina aumentou sua atuação no cenário mundial, defendendo as
regras e instituições internacionais, com o fito de elevar seu prestígio perante os EUA e as
demais nações ricas. Segundo Onuki (2003, p. 15), “esse modelo de política externa visava,
num primeiro momento, menos à uma inserção internacional efetiva (menos a se tornar um
ator ativo do sistema), e mais a concretizar seu objetivo de se tornar um país mais confiável
aos olhos do mundo”.
Nesse sentido, dois âmbitos de ação estratégica foram definidos: os regimes de
segurança internacional e as conferências diplomáticas nas Nações Unidas. Com efeito, a
segurança internacional foi o tema em que mais investiu a diplomacia argentina, ocupando,
durante a década de 90, o maior posto na hierarquia da agenda de política exterior do país:
Para conquistar a “confiança” dos norte-americanos, era preciso eliminar todos os
elementos que representassem obstáculos ao aprofundamento de uma possível
relação positiva. E, para a Argentina, a questão da segurança parecia ser
fundamental. Isso porque as arestas da política externa argentina eram até então,
definidas pela postura de enfrentamento que o país vinha adotando, culminando na
Guerra das Malvinas, considerada pelos policy makers do governo Menem, o
aspecto mais negativo da história recente da política externa argentina. (ONUKI,
2003, p. 2)
Uma das primeiras manifestações de apoio da Argentina aos EUA foi o envio de duas
fragatas à Guerra do Golfo em 1990 20 e o posterior aumento de sua participação nas operações
de paz21. Em 1991, alegando incompatibilidade à nova imagem transmitida pela Argentina, de
país estável e confiável, e o elevado custo de manutenção em descompasso ao perfil mais
cooperativo da ordem internacional pós Guerra Fria, o governo argentino anunciou o
cancelamento do projeto missilístico Cóndor II. Nesse mesmo ano, em parceria com o
internacional, como também à atração de interesse por parte das grandes potências, daí a necessidade de
alinhamento com os EUA (ibidem).
20
Conforme Escudé (1995, p. 28), os resultados positivos advindos dessa iniciativa argentina foram: 1° los
columnistas especializados en América latina de medios como The Wall Street Journal comenzaron a escribir en
términos mucho más positivos respecto de la Argentina; 2° los mismos columnistas comenzaron a criticar las
políticas duras del Fondo Monetario Internacional hacia la Argentina; 3° los consultores bajaron el coeficiente de
riesgo político de la Argentina (a la vez que los coeficientes de riesgo económico ya estaban bajando como
consecuencia del éxito del plan de estabilización); 4° el costo del dinero para la Argentina bajó; y 5°, la
probabilidad de inversiones aumentó […]”
21
Para se ter uma ideia, segundo Onuki (2003), em setembro de 1994, a Argentina mantinha 1765 participantes
em operações multilaterais de paz, enquanto o Brasil apenas 138.
38
governo brasileiro, criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de
Materiais Nucleares (ABACC), para logo em seguida assinar o Acordo Nuclear Quadripartite
de Salvaguardas com a AIEA. Fruto dessas iniciativas, em 1993, o país é convidado
formalmente a integrar o MTCR (Missile Technology Control Rregime), sendo este convite
considerado uma vitória, um reconhecimento da credibilidade argentina perante às grandes
potências (ONUKI, 2003). Em 1994, o país ratifica o Tratado de Tlatelolco para, em 1995,
concluir a ratificação do Tratado de Não-Proliferação (TNP), um dos principais clamores
estadunidenses22. Seguindo a orientação pacifista e não confrontacionista, a Argentina reatou
os laços diplomáticos com a Grã Bretanha, desradicalizando a contenda em torno das Ilhas
Malvinas. Na esfera regional, o governo argentino esposou uma postura mais cooperativa com
Brasil 23 e Chile, incentivou o mecanismo de segurança coletiva, e apoiou o Comitê de
Segurança Hemisférica e a reforma da Junta Interamericana de Defesa. A coroação da
estratégia no tocante à segurança internacional viria em 1998, com a outorga por parte dos
EUA da categoria de “aliado extra OTAN”, outorga essa que foi interpretada pelos dirigentes
políticos argentinos como um reconhecimento político do papel e da importância que o país
vinha desempenhando na região.
No que toca às Nações Unidas, em consonância com Onuki (2003), a Assembléia
Geral foi o espaço escolhido pelo governo argentino para demonstrar seu apoio e fazer
coincidir sua posição com a dos Estados Unidos através dos votos, isso porque consistia no
ambiente em que as questões de maior visibilidade eram tratadas. Assim pois, a Argentina
oferece respaldo quase que irrestrito às iniciativas estadunidenses no concernente aos direitos
humanos, a semelhança do voto favorável à investigação de crimes cometidos aos direitos
humanos em Cuba, outrossim às intervenções internacionais, a semelhança do apoio argentino
dado à política dos EUA no Oriente Médio e o envio, em 1993, de navios de guerra para
cobrir o embargo naval ao Haiti, estabelecido pelo governo estadunidense, para pressionar o
regime militar ao retorno da democracia neste país. É também no âmbito da ONU, que a
Argentina se desvinculou do Movimento dos Países Não-Alinhados, em 1991, do que fazia
parte desde 1973. A saída do país da associação foi embasada por seus dirigentes políticos em
22
A Argentina recusava-se a assinar o TNP desde 1968, por considerá-lo discriminatório em relação aos países
em desenvolvimento (ibidem).
23
Em 1991, juntamente a Paraguai e Uruguai, Brasil e Argentina assinam o Tratado de Assunção, dando origem
ao MERCOSUL. Conforme Onuki (2003), conforme aumentava a interdependência entre as economias
argentina e brasileira, maior prioridade era dada ao Brasil durante o segundo mandato de Menem chegando
mesmo a, neste período, contrabalanceara a importância econômica relativa dos EUA.
39
três justificativas: 1° conferida por di Tella, a de que a existência do Movimento, criado em
pleno desenrolar da Guerra Fria, não fazia mais sentido na nova ordem internacional que se
plasmava sob a liderança dos EUA; 2° a defendida por Menem, de que a Argentina
necessitava inserir-se no grupo das nações do primeiro mundo, pois era lá que se encontravam
as grandes oportunidades; 3° o fato de a Argentina permanecer na associação ainda durante o
governo de Alfonsín, indicava um viés confrontacionista aos EUA e demais países
desenvolvidos do Ocidente, viés esse que deveria ser superado e substituído por “relações
carnais” com os estadunidenses24.
Essas foram as principais características do Novo Paradigma de Relações Especiais
que condicionou a política exterior e respectiva inserção internacional argentina durante a
década de 90. Na seção seguinte, será descrito o Paradigma do Estado Normal implementado
pelo Brasil no mesmo período, o qual, como se verá, guarda algumas semelhanças com o
modelo argentino.
3.2 PARADIGMA DO ESTADO NORMAL (1990-2000)
O termo Paradigma do Estado Normal foi cunhado por Cervo (2000) para designar a
política exterior de todos aqueles Estados latino-americanos que, assim como a Argentina,
aspiraram tornar-se “normais” durante os anos 90. A expressão Estado Normal, de acordo
com Cervo (2000), teria sido uma invenção dos dirigentes políticos argentinos à época de
Menem (nomeadamente Domingo Cavallo), utilizada para reconhecer aqueles Estados
modernos, atualizados, que já se haviam adaptado interna (reformas econômicas) e
externamente (política exterior) ao novo contexto internacional globalizado, interdependente e
neoliberal.
Porém, diferentemente do que ocorrera na Argentina, o processo de implantação do
Paradigma do Estado Normal no Brasil não aconteceu de maneira linear e progressiva, devido
à maior resistência interna imposta por setores da sociedade e, principalmente, em razão da
troca de chefes de governo nos anos 90. Desse modo, a orientação e coerência da política
externa brasileira pareceram titubear nesse período: Collor deu os primeiros passos rumo à
nova inserção internacional, Itamar Franco desacelerou o processo, e Fernando Henrique
Cardoso veio a consolidar o Paradigma do Estado Normal a partir de 1995.
24
Além dos regimes e tratados citados acima, em compasso à estratégia de inserção internacional traçada por
Menem, a Argentina também aderiu ao Regime de Propriedade Intelectual em 1996, ao Tribunal Penal
Internacional e ao Protocolo de Kyoto em 1998, entre outros dispositivos internacionais.
40
Segundo Cervo (2010), de maneira geral, o Paradigma do Estado Normal brasileiro
assentou-se em dois eixos: em termos econômicos, substituiu o modelo desenvolvimentista
industrialista, operante até os anos 90, pelo modelo liberal de mercado, este caraterizado pela
abertura econômica, estabilidade fiscal e monetária (macroeconômica), desregulamentação
financeira, liberalização comercial, privatizações, investimento via poupança externa, etc.; em
termos de política externa, promoveu maior presença brasileira nos fóruns multilaterais,
engendrando uma postura mais passiva e de aceitamento às regras dos regimes internacionais,
e a ampliação da agenda externa para os novos temas que compunham a chamada
globalização – fluxo de capitais, direitos humanos, meio ambiente, etc. A seguir, desenrola-se
em pormenores como este paradigma conformou a política externa brasileira.
No início da década de 1990, a política exterior e a inserção internacional brasileiras
apresentaram características semelhantes ao modelo argentino. A leitura das realidades
nacional e internacional feita pelo governo de Fernando Collor (1990-1992) foi muito
parecida àquela feita por Menem e sua equipe:
1- a nova ordem internacional era caracterizada pela unipolaridade e hegemonia
estadunidense. Dessa forma, o Brasil, um Estado fraco e vulnerável, deveria abster-se
da confrontação política com os EUA (MEZA, 2002), tornando-os, isso sim, sua
agenda prioritária e seus principais parceiros na reinserção política e econômica do
país no cenário internacional;
2- num contexto internacional de interdependência complexa e economia de mercado, a
política exterior se tornava uma extensão da economia nacional. Nesse sentido, a
principal tarefa da política externa brasileira seria incrementar a competitividade
internacional do país e angariar os recursos necessários para a estabilização monetária
e pagamento da dívida externa;
3- o modelo desenvolvimentista de política exterior implementado nas duas décadas
anteriores, cuja expressão máxima fora o pragmatismo responsável e ecumênico de
Geisel, teria sido o responsável pelo isolamento do Brasil no cenário mundial bem
assim pelos problemas econômicos (hiperinflação e crise da dívida) por que o país
passava naquele momento. Sendo assim, esposou-se um discurso modernista,
assinalado pelo abandono da noção de autossuficiência e do perfil terceiro-mundista25.
25
Consoante Cervo (2010, p. 458), “a emergência do Estado normal – subserviente, destrutivo e regressivo - nas
estratégias de relações internacionais do Brasil teve como impulso conceitual a idéia de mudança. Não se trata de
uma leviandade mental, mas de uma convicção profundamente arraigada na mentalidade de dirigentes
brasileiros, capaz de provocar: a) o revisionismo histórico e a condenação das estratégias internacionais do
41
Preconizava-se, isso sim, o ingresso do Brasil entre os países do primeiro mundo, local
onde se vislumbravam novas oportunidades (acesso a mercados, créditos e
tecnologia). E para ser “bem recebido” entre o grupo de nações ricas, o país deveria
investir na recuperação de sua credibilidade externa, e isso seria feito pela maior
participação da diplomacia brasileira no cenário internacional por meio da ampliação
da agenda e atualização das posições frente aos novos temas globais (meio ambiente e
direitos humanos).
Assim como Menem, acreditando na possibilidade de crescimento econômico via
poupança externa, Collor empreendeu uma série de reformas de liberalização da economia
nacional, promovendo a desregulamentação do mercado de capitais, a privatização de
empresas estatais e a abertura comercial.
26
Para debelar a inflação, dois planos de
estabilização foram lançados, ambos de corte fortemente contracionista em termos fiscais e
monetários: o Plano Collor I, que, dentre outras medidas, estabeleceu o confisco de depósitos
à vista e a demissão massiva de funcionários públicos; e o Plano Collor II, estribado no
congelamento de preços e salários.
No plano externo, o governo Collor mostrava-se bem menos defensivo com relação às
discussões de meio ambiente. Em relação à propriedade intelectual, sinalizou a intenção de
alcançar uma rápida negociação sobre a legislação do tema. Em termos de segurança
internacional, indicou a adesão aos regimes de não proliferação nuclear. Assim, em 1991, o
Brasil assinou o acordo de criação da ABACC e o Acordo Quadripartite de Salvaguardas, e,
em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, o governo brasileiro ocupou uma posição protagonista na organização e
condução diplomática do evento (HIRST; PINHEIRO, 1995). No âmbito regional, com a
finalidade de racionalizar as reformas liberais internas e inserir o Brasil na economia mundial,
foi assinado o Tratado de Assunção juntamente a Argentina, Paraguai e Uruguai.
Entretanto, diferentemente do que ocorrera na Argentina, o diagnóstico realizado
acima por Collor e sua equipe assim como a introdução do Paradigma do Estado Normal na
política exterior brasileira contaram com forte oposição por parte de burocratas, diplomáticos
passado; b) a adoção acrítica de uma ideologia imposta pelos centros hegemônicos de poder; c) a eliminação das
idéias de projeto e de interesse nacionais. d) a correção do movimento da diplomacia”.
26
De acordo com Hirst e Pinheiro (1995), “foram introduzidos critérios de redução progressiva de níveis de
proteção tarifária, eliminação de incentivos e subsídios, supressão de controles quantitativos e fim da proibição
de importação de determinados produtos. Com relação aos produtos sem equivalência nacional, produtos com
produção natural e produtos com que o país considerasse ter vantagem comparativa, foi estabelecida alíquota
zero”.
42
e acadêmicos. (CERVO, 2000). No imaginário cognitivo destes atores políticos, muito deles
funcionários do MRE 27, estava arraigada uma visão positiva da política externa de cunho
desenvolvimentista implementada nos sessenta anos anteriores a Collor. Quadro bastante
distinto do da Argentina, onde o modelo liberal agroexportador e o Antigo Paradigma de
Relações Especiais eram valorizados e associados à ideia de progresso:
[...] os historiadores [brasileiros] refletiram, de modo geral, uma interpretação
valorativa dos sessenta anos que precederam o Governo neoliberal de Fernando
Collor de Melo. Promoveram uma espécie de apologia do modelo de política
exterior cujo vetor era o desenvolvimento nacional. Esta visão positiva do passado,
em contraposição à visão argentina da decadência, foi hegemônica no Brasil.
Os resultados desiguais do modelo de desenvolvimento, adotado com maior
racionalidade e continuidade no Brasil do que na Argentina e em outros países da
América Latina, entre 1930 e 1989, explicam por certo a reação dos intelectuais e
essas divergências de avaliação da experiência do passado em ambos os países.
(CERVO, 2000, p. 14)
Para contornar a resistência oferecida pelas agências burocráticas e pelo Itamaraty,
Collor marginalizou-os do processo de formulação da política exterior, tomando muitas
decisões importantes, inclusive em áreas sensíveis como a nuclear, sem nenhuma negociação
anterior no seio do governo. Segundo Arbilla (2004, p. 351), esse estilo de governar de
Collor, chamado “presidencialismo imperial”,
que debilitou o papel da corporação diplomática como formuladora de política
externa, [...] ia de encontro aos valores e estilo estabelecidos no Itamaraty:
moderação, gradualismo e tendência a operar dentro das margens do consenso
político no interior da burocracia estatal e das elites políticas.
Porém, uma conjugação de fatores econômicos e políticos concorreram para a
estagnação da mudança do perfil internacional do país: o fracasso dos dois planos de
estabilização monetária, o desgaste do governo provocado pela impopularidade do confisco
realizado durante o primeiro plano, a crise ética que se instaurou com o escândalo de
corrupção que envolvia o presidente da república e seu consequente impeachment afetaram
negativamente a imagem do Brasil na comunidade internacional, particularmente perante às
nações industrializadas e agências de negócios. (HIRST e PINHEIRO, 1995). Igualmente o
ideário
neoliberal
das
elites
brasileiras
foi
comprometido
e
as
posturas
neodesenvolvimentistas recrudesceram com a posse de Itamar Franco em outubro de 199228.
27
Talvez um dos maiores representantes do pensamento crítico ao novo modelo de inserção internacional que
estava sendo implementado no Brasil naquele momento tenha sido o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães,
então diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do MRE.
28
Para Saraiva e Tedesco (2001, p. 139), “A ascensão de Itamar Franco à presidência teve impacto na política
externa, pois esta recuperou em parte a preponderância de seus pressupostos anteriores dando um fôlego maior à
43
Entretanto, o governo de Franco não chegou a significar uma transformação de
paradigmas, mas antes, de indefinição: “A indefinição da estratégia de desenvolvimento a ser
adotada, que não se situava no espectro da substituição de importações, mas tampouco se
tratava exatamente da ideologia econômica do neoliberalismo, dificultou a formulação do
comportamento externo”. (SARAIVA e TEDESCO, 2001, p. 137). Nesse sentido, apesar de
prosseguirem, as reformas econômicas perderam seu ímpeto, ora avançando ora recuando,
dependendo do nível de resistência imposto pelo empresariado nacional.
No imaginário político, as mudanças foram mais visíveis. A imagem de país fraco e
débil foi substituída pela ideia de país continental, global trader. Resgatando dos anos 70 a
vocação de potência média ou potência regional29, e libertando o MRE das amarras que lhe
haviam sido impostas no período anterior 30 , o governo brasileiro passou a atuar mais
ativamente nos fóruns políticos multilaterais, abandonando a postura também participativa,
porém de caráter reativo do governo Collor. De fato, na gestão de Franco, a política exterior
brasileira envidou esforços no sentido de assegurar voz e voto no processo de reforma
institucional da ordem internacional (HIRST e PINHEIRO, 1995). No âmbito da ONU, por
exemplo, a diplomacia brasileira buscou atrelar um viés econômico ao debate de política e
segurança internacionais, propondo que se fosse coordenada, em paralelo à Agenda para a
Paz, uma Agenda para o Desenvolvimento. Ancorado no princípio da não ingerência em
assuntos internos, tradicionalmente propalado pelo Itamaraty e justificado em raríssimas
situações, o Brasil procurou posicionar-se na discussão de temas globais, tais quais direitos
humanos, ecologia, terrorismo e narcotráfico, sempre em oposição a conceitos de perfil
intervencionista. Por fim, o governo de Franco propôs a expansão do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, alegando seu déficit de legitimidade e eficácia frente ao novo contexto
internacional que se plasmava no pós Guerra Fria. Dessa forma, buscando o reconhecimento
de sua liderança, o Brasil lançou sua candidatura, enquanto representante da América Latina,
a um lugar permanente no Conselho.
vertente mais desenvolvimentista. Abre assim um fosso em relação ao comportamento da Argentina frente aos
Estados Unidos.”
29
Essa percepção brasileira de potência média foi forjada precipuamente durante o milagre econômico
(crescimento médio anual do PIB entre 9 e 10%) que o país viveu entre 1968 e 1973, aproximadamente. Mas
outros atributos de poder (hard power) contribuem para essa visão: extensão territorial, tamanho populacional,
abundância de recursos naturais estratégicos, nível de produção interna, etc.
30
De acordo com Hirst e Pinheiro (1995, p. 10), diferentemente do tom personalista de Collor, Franco
demonstrou pouco interesse na condução da diplomacia presidencial. De sorte que, durante sua gestão, política
externa foi “delegada a atores de reconhecido prestígio de fora ou de dentro da corporação diplomática.”
44
Sob os auspícios da solidariedade e cooperação sul-americana, a diplomacia brasileira
dedicou-se ao aprofundamento da integração regional, conferindo ao MERCOSUL um
sentido prioritário na agenda externa. Também lançou o projeto de construção duma Área de
Livre Comércio Sul-Americana (ALCSA) e buscou fortalecer as relações diplomáticas com
países emergentes de fora do continente, a exemplo da China, Índia e Rússia. No continente
africano, o Brasil objetivou revitalizar os laços políticos e históricos, ao reativar a Zona de
Paz e Cooperação do Atlântico (ZOPACS), criada ainda em 1986, e que possui como fim a
promoção do uso pacífico pelos Estados ribeirinhos do hidroespaço atlântico. Ademais, a
diplomacia brasileira realizou o Encontro de Chanceleres de Língua Portuguesa em Brasília e
apoiou, bilateral e multilateralmente, via ONU, o processo de paz e de reconstrução de alguns
países do continente (FERREIRA, 2009).
No tocante aos EUA, o alinhamento político da época de Collor foi abrandado, porém
Franco seguiu com o objetivo de “desdramatizar” as relações entre Brasília e Washington,
aparando as arestas de tensionamento. Exemplo disso foi a continuidade e consolidação das
medidas ensejadas por Collor em direção à não proliferação nuclear: ratificação do Acordo
Tripartite com a AIEA e do Tratado para Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e
no Caribe (Tlatelolco). De igual modo, no âmbito comercial, particularmente durante a
Rodada Uruguai, este governo endossou a iniciativa de Collor no sentido de ampliação da
agenda internacional da política externa brasileira, abarcando novos temas e prezando-se a
institucionalização dum regime de comércio multilateral.
Não obstante o objetivo de “desdramatização”, durante o governo de Franco as
relações Brasil-EUA estiveram tensionadas por uma série de razões: 1° diferentemente da
Argentina, o Brasil buscou preservar, em alguma medida, sua autonomia frente aos Estados
Unidos, adotando posições externas que muito desagradaram os dirigentes políticos deste
país, a exemplo da oposição à intervenção militar no Haiti em 1994, e da defesa, por parte do
governo brasileiro, da reintegração de Cuba ao Sistema Interamericano (nomeadamente
OEA); 2° mais uma vez, diferentemente do vizinho platino, o Brasil ainda não havia
estabilizado sua economia e, por outro lado, mostrava-se reticente no aprofundamento de
certas reformas liberais31; 3° a iniciativa brasileira de criação da ALCSA em contrapeso ao
projeto estadunidense da ALCA (Área de Livre-Comécio das Américas); 4° a politização da
31
Consoante Hirst e Pinheiro (1995, pp. 16-17), “[...] as novas circunstâncias do contexto interamericano,
marcado por um processo de crescente convergência ideológica entre os países latino-americanos com o governo
norte-americano – especialmente o México, a Argentina e o Chile – haviam indiretamente reforçado a imagem
do Brasil como o país problemático da região.”
45
tramitação no Congresso Nacional da Lei de Propriedade Intelectual marcada por intensa
pressão diplomática por parte dos EUA.
No final da gestão de Itamar Franco e sob os auspícios do então Ministro da Fazenda
Fernando Henrique Cardoso, que assumiria a presidência em 1995, foi lançado o Plano Real,
que finalmente conseguiu promover a estabilização monetária perseguida desde inícios dos
anos 80, e que consolidou as reformas de liberealização da economia que haviam sido
ensejadas durante os governos anteriores 32 . Inspirado nos aportes teóricos fornecidos por
Pérsio Arida e André Lara Resende (proposta Larida), a inflação foi diagnosticada pela equipe
econômica do governo como sendo fruto de choques de oferta e de demanda, que atuavam
pontualmente acelerando a inflação, bem como dos efeitos da inércia inflacionária, oriundos
da conjugação entre a indexação da economia e o constante conflito distributivo (entre
trabalhadores, empresas privadas e empresas estatais) na participação da renda, fazendo com
que também os preços variassem constantemente. Para fazer frente a esses problemas, foi
introduzida em março de 1994, ao lado da então moeda oficial (cruzeiro real), uma moeda
indexada pelo governo e reajustada diariamente com base na variação do dólar, denominada
unidade real de valor (URV), para qual foi relegada a função de unidade de conta e reserva de
valor, permanecendo a moeda oficial apenas para uso de troca. Esgotada a atualização de
preços e salários na variação da moeda oficial, a URV assumiu a função de meio circulante e,
em julho de 1994, transformou-se no real, nova moeda oficial, obedecendo à paridade CR$
2.750,00 = R$1,00. (ENGE, 2004)
Para dar sustentação ao plano de correção inflacionária, foram estabelecidas a âncora
cambial e a âncora monetária 33. Na primeira, diferentemente do que ocorrera na Argentina
com o currency board, foi estipulado um sistema de bandas cambiais no qual se permitia a
flutuação do real dentro de limites pré-estabelecidos (e sobrevalorizados) pelo governo. Ou
seja, naquele período, o Brasil nem adotou um regime cambial fixo (como a Argentina) nem
flutuante, mas uma mescla dos dois. Isso permitiu uma maior flexibilização tanto da política
cambial, que poderia ser ajustada ou para estimular as exportações ou para inibir as
32
“No entanto, mesmo com o êxito do Plano, continuaram no Brasil as divergências internas sobre a aplicação
de uma nova estratégia de desenvolvimento”. (SARAIVA e TEDESCO, 2001, p. 143)
33
No âmbito fiscal, algumas medidas contracionistas e de aumento da arrecadação também foram tomadas, a
exemplo do Plano de Ação Imediata (PAI), com corte de gastos nas despesas de investimento e pessoal, da
criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) e da criação do Fundo Social de
Emergência (FSE), que incrementava a quantidade de recursos fiscais recolhidos pela União (ENGE, 2004). Para
também contribuir com o saldo positivo das contas públicas, novas privatizações de empresas estatais foram
levadas à cabo, a semelhança dos bancos estaduais (e.g. Banco do Estado de São Paulo – BANESPA, em 1999),
a Telebrás e a Anatel, entre outras importantes empresas brasileiras.
46
importações, quanto da política monetária, em o governo podendo emitir mais ou menos
moeda de acordo com a atualização da paridade real-dólar dentro das bandas cambiais. No
que tange à âncora monetária, foram mantidas elevadas taxas de juros para evitar possível
superaquecimento da demanda. Mais tarde, em 1999, esse controle monetário foi fortalecido
por meio do estabelecimento do sistema de metas de inflação e da autonomia do banco central
em relação ao tesouro nacional.
Como na Argentina, a manutenção desse tipo de regime cambial intermediário
dependia do fluxo constante de reservas estrangeiras, o que implicava elevada vulnerabilidade
externa. Com intuito de incentivar o fluxo de capital externo, ao assumir o governo, FHC
aprofundou o processo de liberalização da economia, a desregulamentação do mercado, as
privatizações e a abertura comercial, extinguindo, por exemplo, as restrições à transferência
de recursos por parte dos investidores estrangeiros e liberalizando parcialmente a
conversibilidade interna da moeda. (ENGE, 2004)34
Na política externa do novo governo, também marcada pelo alto perfil de Fernando
Henrique na condução da diplomacia presidencial, a visão do Brasil como potência média da
gestão de Itamar Franco foi mantida, contanto em menor grau, de sorte que a diplomacia
brasileira seguiu pleiteando lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. Nesse
sentido, o MERCOSUL, enquanto plataforma política de lançamento da liderança brasileira
na região, passou a ocupar um lugar de destaque na agenda externa do país, tornando-se
mesmo uma prioridade durante a segunda gestão de FHC35.
Em termos de inserção internacional, Cardoso reviveu os padrões que haviam sido
delineados
no
governo
Collor
(SARAIVA
e
TEDESCO,
2001).
Orientado
ao
desenvolvimento econômico como interesse nacional precípuo, e baseado no conceito de
desenvolvimento dependente-associado, de autoria própria, FHC buscou estabelecer e
expandir parcerias estratégicas36 com um grupo de países ricos do norte - mormente os EUA,
34
Entretanto, de modo distinto a Argentina, no Brasil não ocorreu a dolarização da economia, isto é, o dólar não
substituiu o real nacionalmente.
35
No entanto, não consistia, como até hoje não consiste, objetivo da diplomacia brasileira imprimir um perfil
supranacional a essa instituição. Pelo contrário, o Brasil, prezando pelo intergovernamentalismo, buscou evitar
qualquer tipo de concessão de sua autonomia no âmbito regional.
36
Segundo Lessa (1998, p. 31), parcerias estratégicas “são relações políticas e econômicas prioritárias
reciprocamente remuneradoras, constituídas a partir de um patrimônio de relações bilaterais universalmente
configurado. A construção de parcerias estratégicas é fruto da compatibilização da vocação histórica do Brasil
para a universalidade com a necessidade de aproximações seletivas, o que abre a possibilidade para movimentos
de adaptação aos nichos de oportunidade e aos constrangimentos internacionais que se apresentam
conjunturalmente.”
47
a Comunidade Europeia, o Japão e os demais integrantes da OCDE - das quais acreditava
surgiriam oportunidades na forma de investimentos e outros subsídios externos ao
desenvolvimento da economia nacional. Com efeito, de acordo com Cardoso, o contexto
internacional contemporâneo engendra consigo novas formas de dependência, assinaladas,
entre outras características: 1- pela internacionalização do mercado interno, em que as
empresas estrangeiras se expandem em direção aos países periféricos incentivando, assim, sua
industrialização; 2- pela mudança no tipo de relação de dependência, que deixa de ser uma
dependência do mercado externo para ser uma dependência dos investimentos e da tecnologia
estrangeiros; 3- pela rearticulação dos laços entre as elites domésticas e os grupos
estrangeiros, de forma que a burguesia doméstica se torna sócio-menor dos interesses do
capital estrangeiro no país; 4- e pela superação da relação existente entre dependência e
subdesenvolvimento como preconizada pela CEPAL e pelas teorias imperialistas, de sorte
que, em algumas ocasiões, a aproximação a um grupo seleto de países desenvolvidos pode
significar ganhos ao desenvolvimento das nações periféricas (TEIXEIRA e PINTO, 2012).
Alicerçavam-se assim as bases do que ficou conhecido como universalismo seletivo.
No que tange os Estados Unidos, então principal parceiro comercial do Brasil,
Cardoso buscou aproximar ambos os países política e economicamente. Para tanto, o governo
brasileiro abandonou a proposta de criação da ALCSA, vista pelos estadunidenses como
opositora ao ALCA37 (como de fato o era) e, em conformidade às orientações de Washington
e do FMI, consolidou as reformas liberais na economia nacional, cuja estabilidade monetária
propiciada pelo Plano Real repercutiu positivamente na credibilidade internacional do país.
Porém, diferentemente de seu conterrâneo Fernando Collor e de seu vizinho platino Menem,
Cardoso não esposou um alinhamento automático aos EUA. Deveras, de acordo com
Bandeira (2005) e Saraiva e Tedesco (2001), sobretudo durante a segunda gestão de FHC, a
diplomacia brasileira adotou uma postura reticente frente à ideia da ALCA. Além disso, o
Brasil buscou diversificar suas relações econômicas com outras nações desenvolvidas, como
as europeias e o Japão, de modo a atenuar sua dependência em relação aos EUA.
37
De acordo com Messa (2002), no início do governo de FHC, o Brasil mudou sua posição em relação à ALCA,
passando da rejeição das negociações para um ponto de convergência com os Estados Unidos, em razão: 1- do
risco dum eventual isolamento no entorno regional, caso outros países sul-americanos, destacadamente do cone
sul, que igualmente se encontravam num intenso processo de liberalização econômica, aderissem à proposta
estadunidense e estabelecessem acordos bilaterais com os EUA de modo a eivar o poder de barganha propiciado
ao Brasil pelo MERCOSUL; 2- da consolidação do processo liberalizante da economia brasileira, com o qual a
criação duma área de livre comércio hemisférica parecia bastante coerente; 3- da intensificação das relações
econômicas e consequente dependência brasileira em relação aos EUA durante a década de 90.
48
Igualmente aos governos anteriores, Cardoso procurou aumentar a participação do
Brasil no cenário internacional, intensificando sua presença nos diversos regimes
internacionais e fóruns de discussão das novas questões da agenda global, tais como meio
ambiente e direitos humanos (PINHEIRO, 2010). Segundo Saraiva e Tedesco (2001), o
conceito de soberania e autonomia são resignificados nesse momento, em detrimento da
soberania clássica e duma autonomia que visasse o isolamento ou a autossuficiência,
respectivamente. Delineava-se assim o conceito autonomia pela participação cunhado pelo
chanceler Lampréia (1995-2001), no qual, pelo fato de o Brasil ser um país intermediário
(potência média) com recursos limitados de poder, concebia-se a preservação de espaços de
autonomia como sendo apenas possível através do fortalecimento das instituições
multilaterais internacionais (PINHEIRO, 2010). Ademais, a negociação de adesão aos
regimes internacionais criava a possibilidade, ainda que idealista, de se angariar recursos
financeiros e tecnológicos ao país.
Destarte, pautando-se na visão kantiana da paz e da justiça global (CERVO; BUENO,
2010), e caucado na teoria neoliberal institucional ao acreditar nas vantagens utilitárias
propiciadas pelos regimes internacionais - sob a forma de diminuição dos custos de transação,
redução das incertezas e estímulos à cooperação - para solução dos problemas de ação
coletiva, o governo de FHC: 1- colaborou na criação da OMC em 1995, a qual, juntamente ao
GATT, deixou de ser vista como instrumento dos Estados industrializados para abertura
forçada de mercados em seu benefício, passando então a ser encarada como ambiente propício
à realização de negócios entre países exportadores e importadores que visem o interesse
mútuo (MEZA, 2002); 2- aprovou a lei de Patentes em 1996, para se conformar à normas do
regime de propriedade intelectual (TRIPS) do qual já era parte desde 1994; 3- aderiu ao
MTCR em 1995 e ao TNP em 199638; 4- apoiou a instauração do Tribunal Penal Internacional
em 1998.
38
Consoante Cervo (2010), durante os anos 90, o Brasil inspirou-se na visão idealista da vertente grotiana e
kantiana da doutrina de segurança e da política de defesa, deprimindo o papel das Forças Armadas nessa área.
Nesse sentido, a política exterior do Brasil desqualificou a força como meio de ação em favor da persuasão,
reforçou seu pacifismo e renunciou ao projeto de construção de potência militar, firmando, assim, pactos
internacionais de desarmamento e erradicação de armas de destruição em massa. Ou seja, aplicou a mesma visão
multilateralista no trato das questões econômica-comerciais e de segurança. Em temos de segurança
propriamente dita, direcionou seus esforços em garantir a manutenção duma zona de paz e cooperação na
América do Sul. Para Pecequilo (2008, p. 138), deurante quase uma década, as Forças Armadas foram colocadas
como baixa prioridade. “Esta situação somente começou a mudar em 1998 com a criação do Ministério da
Defesa no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) dando-se início a discussões mais substantivas sobre
uma política de defesa, a questão das relações civis-militares e o reaparelhamento das Forças Armadas.
49
Apesar da maior participação nos regimes de governança global, a inserção brasileira
no cenário internacional promovida por Cardoso, do mesmo modo que Collor e Menem na
Argentina, e destoando de Franco, apresentou um perfil muito mais passivo, de
aceitação/adesão às instituições internacionais, que ativo, de crítica e contestação aos
anteriores. Tanto foi assim que, de acordo com Cervo (2010), após lançar sua candidatura a
membro permanente do Conselho de Segurança da ONU ainda em 1994, o Brasil logo abriu
mão dessa pretensão em favor duma reforma que desse ao órgão representatividade e
legitimidade 39 . Ademais, como assinalado por Meza (2002), o caráter predominantemente
econômico/comercial da agenda externa
40
acabou turvando os objetivos políticos de
influência no ordenamento internacional.
Enfim, em linhas gerais, da mesma forma que Menem e o Novo Paradigma de
Relações Especiais na Argentina, Fernando Henrique consolidou as bases do Paradigma do
Estado Normal implantadas por Collor no início dos anos 90 41 . Porém, ao contrário do
presidente argentino, que manteve arraigadamente o paradigma então vigente até o final de
sua gestão 42 , Fernando Henrique Cardoso, em seus dois últimos anos de mandato, sob
influência de determinantes internacionais e internos da virada do século XX para o XXI,
39
De acordo com Visentini e Silva (2010, p. 63), a estratégia desenvolvida por FHC para alcançar um lugar
permanente no Conselho de Segurança foi caucada em ações domésticas e internacionais que visavam aprimorar
a credibilidade brasileira perante às grandes potências. Essas ações teriam se resumido, basicamente, à adesão
aos regimes multilaterais e à promoção de reformas liberalizantes na economia nacional. Assim, dando
continuidade aos anseios de Itamar Franco, “the following President, Fernando Henrique Cardoso, also
embraced the task during his two terms in office, although adopting a distinct perspective. By subscribing
entirely to a new globalized international agenda and complying with the economic openness model, he believed
it would be possible to qualify the country for such a position, with the recognition by the five permanent
members of Brazil’s legitimacy. It was nevertheless a slight delusional hope since politics is not a game where
people voluntarily share what is theirs; it is necessary to conquer one’s share. In order to conquer it, one needs to
increase one’s power, not renounce to it as the former president had done”.
40
Um dos maiores exemplos desse fato se verificou no tratamento estritamente comercial dado ao MERCOSUL
e à integração regional como um todo durante a gestão de FHC. Em 2000, contudo, esse viés começou a ser
relativizado com o lançamento do projeto IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana).
41
Amado Cervo esposa uma posição bastante crítica a respeito dos resultados negativos oriundos do Paradigma
do Estado Normal para o Brasil. Conforme o autor, (2010, pp 459 e 464) “a subserviência do Estado normal [...]
engendrou graves incoerências, ao confundir democracia com imperialismo de mercado, competitividade com
abertura econômica e desenvolvimento com estabilidade monetária. Completou-se com o desmonte da segurança
nacional e a adesão a todos os atos de renúncia à construção de potência dissuasória. Na vigências dessas novas
condições políticas, o Estado normal encaminhou no Brasil a destruição do patrimônio e do poder nacionais.
Utilizou, conscientemente, os mecanismos das privatizações para transferir ativos nacionais a empresas
estrangeiras, abrindo desse modo nova via de transferência de renda ao exterior por meio dos lucros e
aprofundando a dependência estrutural da nação. Sujeitou-se à especulação financeira internacional que também
absorveu renda interna. [...] [Gerou] a conversão do comércio exterior de instrumento estratégico de
desenvolvimento em variável de estabilidade monetária, a regressão do processo de desenvolvimento para
dentro, o aumento da desigualdade social, o desemprego, a desnacionalização e a desindustrialização”
42
O Novo Paradigma de Relações Especiais e, por conseguinte, o alinhamento automático aos EUA, só veio a
ser concluído mediante a gravíssima crise econômica institucional que assolou o Estado argentino em 2001.
50
ensejou uma reorientação da inserção internacional do Brasil baseado no conceito da
globalização assimétrica, no qual se reconhecia que, sem os devidos cuidados, o processo
crescente de internacionalização econômica poderia implicar resultados desiguais entre países
ricos e periféricos.
Assim pois, neste capítulo, viu-se que, durante a década de 90, os paradigmas de
política externa da Argentina e do Brasil apresentaram muitas características semelhantes.
Nesse período, ambos os países adotaram as proscrições da teoria liberal das RI, buscando
adequar-se ao novo contexto de interdependência complexa do pós Guerra Fria, assinalado
pela inclusão de novos temas na agenda global e pelo compartilhamento das capacidades
soberanas com outros atores internacionais. Nesse sentido, tanto Argentina quanto Brasil
realçaram sua inserção no sistema internacional, participando cada vez mais dos diversos
regimes e organizações multilaterais. Entretanto, essa inserção deve ser qualificada: como já
demonstrado pela revisão bibliográfica, no que tange à política internacional, o
comportamento externo de ambos os Estados foi muito mais passivo do que ativo, ou seja,
Argentina e Brasil esposaram uma postura mais de aceitação do que de crítica e influência na
tomada de decisão das instituições de governança global, seja por seus líderes objetivarem
recuperar e reafirmar sua credibilidade externa, seja por acreditarem ser esse o único
instrumento plausível para países periféricos usufruírem das vantagens e minimizarem os
efeitos negativos oriundos do cenário internacional globalizado, ou seja por apostarem na
possibilidade de cooperação e solidariedade entre as nações num contexto global pós-Guerra
Fria mais pacífico.
Intimamente atrelado à estratégia de inserção “internacionalista”, durante os anos 90,
Argentina e Brasil, assim como quase toda América Latina, adequaram sua economia
nacional ao modelo neoliberal sintetizado no Consenso de Washington: políticas
macroeconômicas de estabilidade
fiscal e
monetária,
liberalização
do
comércio,
desregulamentação da economia e do mercado, minimização do Estado através de
privatizações, etc. De fato, naquele momento, as reformas liberais foram concebidas por
dirigentes políticos argentinos e brasileiros como o único mecanismo capaz de debelar a crise
econômica que ambos os países amarguravam desde finais da década de 70, e, assim,
recuperar a credibilidade obliterada perante os agentes econômicos internacionais.
A despeito das semelhanças citadas, as trajetórias internacionais de Argentina e Brasil
no período em estudo também revelaram divergências, sendo que a principal delas pra os fins
deste trabalho está no fato de a Argentina ter levado ao extremo a política de alinhamento aos
EUA e demais países desenvolvidos (PECEQUILO, 2008), bem como em haver incorporado
51
fielmente, quase sem resistência interna alguma, as recomendações neoliberais preconizadas
por FMI, Banco Mundial e outros agentes financeiros internacionais. Com efeito, nos termos
usados por Cervo (2000), durante a década de 90, a Argentina era considerada o país mais
“normal” da América Latina diante dos padrões do novo contexto mundial que então se
afigurava. Como bem lembrado por Ferrari e Cunha (2008), naquela época, a nação portenha
era tida pelo mainstream do pensamento econômico como exemplo a ser seguido pelos
demais países emergentes em função do sucesso logrado na implementação de reformas
econômicas monetaristas que garantiram a estabilização macroeconômica do país.
No Brasil, por outro lado, sempre houve uma grande resistência à adoção de medidas
extremadas tanto em relação ao envolvimento com a potência hegemônica quanto em relação
à promoção de reformas neoliberais. Com efeito, a passagem de três diferentes presidentes
pela condução da política exterior do país, atrelada à inexistência duma base cognitiva tão
bem delineada como a Teoria do Realismo Periférico na Argentina, concorreu para que, nos
anos 90, o Brasil não implementasse de maneira tão coerente e eficaz o modelo neoliberal de
inserção internacional (BERNAL-MEZA, 2008). Por essa razão, em alguns momentos,
notadamente durante o governo de Itamar Franco, o Brasil foi visto como um país
problemático na região (HIRST; PINHEIRO, 1995). Em outras palavras, a transformação (dos
paradigmas) da política externa argentina no pós Guerra Fria liberal, em relação ao período
anterior desenvolvimentista, foi muito mais abrupta do que a da política externa brasileira.
Poder-se-ia dizer, pois, que, nesse período, a Argentina foi mais liberal que o Brasil em
termos de política e economia internacionais.
Diante do exposto, o próximo capítulo analisará o processo de transformação de
paradigmas que caracterizou a política externa de Argentina e Brasil no início século XXI,
determinando mudanças nas estratégias de inserção internacional adotadas por ambos os
países, e que explica em grande medida a maior inserção internacional do segundo em relação
ao primeiro nos últimos anos.
52
4. TRANSIÇÃO DAS POLÍTICAS EXTERNAS NA VIRADA DO SÉCULO XX PARA
O SÉCULO XXI.
No capítulo anterior, viu-se que transformações internas e externas ocorridas no
contexto do pós Guerra Fria acarretaram grandes mudanças na política externa de Argentina e
Brasil. De igual modo, a virada do século XX para o XXI não poderia deixar de influenciar a
conduta externa destes países. Nesse período, algumas tendências iniciadas na década de 90
foram aprofundadas, tais quais: incremento da globalização econômica em paralelo à
intensificação da competição internacional plasmada na formação de grandes blocos regionais
na Europa, América do Norte e na Ásia; aumento da concentração do capital e da
oligopolização de mercados; intensificação do processo de financeirização da economia, com
a riqueza financeira ultrapassando significativamente a riqueza produtiva; e aumento da
clivagem existente entre os países mais pobres e mais ricos (GUIMARÃES, S. P. 2006).
Todavia, o evento internacional que realmente marcou a virada do século foi o ataque
terrorista aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. A partir de então, não só a política
externa estadunidense se tornou mais unilateral e securitizada, restando pouca ou nenhuma
atenção aos problemas socioeconômicos dos países latino-americanos, outrossim, diante da
conseguinte perda relativa de poder estadunidense frente os altos custos políticos e
econômicos provenientes da ocupação militar do Afeganistão e do Iraque, a ordem unipolar
centrada na hegemonia inabalável dos EUA passou a ser questionada. De fato, um mundo
multipolar passou a se afigurar a partir do melhor delineamento das zonas de influência
capitaneadas pela União Europeia na Europa Ocidental, pela Rússia na Ásia Central e pela
China e Japão no sudeste e leste asiáticos, respectivamente. Parecia haver uma relativa
restribuição mundial de poder com a ascensão política e econômica de grandes países
emergentes, a exemplo de Brasil, Índia, África do Sul e China.
Na economia internacional, frente às sucessivas crises financeiras do sudeste asiático
em 1997 e da Rússia em 1998, em adição ao estouro da bolha especulativa de Nasdaq em
2000, esmaeceu-se a crença indelével na economia de mercado. Como resultado, em
princípios do novo século, observou-se a reversão do processo de expansão da liberalização
comercial no âmbito da OMC - claramente constatada na paralisação das negociações
internacionais da Rodada de Doha - acompanhada do ressurgimento do nacionalismo e
protecionismo
econômicos
nos
países
desenvolvidos,
especialmente
europeus
(GUIMARÃES, S. P. 2006). Na América Latina, como diligentemente descrito por Bandeira
53
(2002), quase nenhuma nação passou incólume às consequências nefastas da crise financeira
internacional que acabou por desnudar as fragilidades inerentes aos programas liberalizantes
pró-mercado da década de 90. O desencantamento geral no subcontinente pelo modelo
econômico neoliberal de desenvolvimento em acréscimo ao relativo afastamento geopolítico
dos EUA na região se traduziram na ascensão de governos esquerdistas na Venezuela,
Bolívia, Equador, Nicarágua, etc., bem como no “esvaziamento de poder” na América Latina,
ensejando o surgimento de projetos de liderança regional capitaneados por Brasil e Venezuela
(PECEQUILO, 2008).
A crise do Currency Board em 2001 na Argentina e a crise do Real em 1999 no Brasil,
plasmadas no novo contexto regional e internacional descrito acima, provocaram mudanças
nas estratégias de inserção internacional destes Estados. É justamente a finalidade deste
capítulo verificar as características dos atuais paradigmas de política exterior de Argentina e
Brasil que se conformaram a partir dessas transformações internas e externas na virada do
século XX para o XXI.
4.1 CRISE ECONÔMICA DE 2001 E POLÍTICA EXTERNA EM TRANSIÇÃO NA
ARGENTINA.
4.1.1 Défault e ruptura do currency board
Ainda que bastante limitado e efêmero, o Novo Paradigma de Relações Especiais
implementado por Carlos Menem na Argentina logrou algum sucesso: o país recuperou, em
parte, sua credibilidade internacional ao ser considerado, por exemplo, um caso bem sucedido
entre as nações periféricas de estabilidade política e econômica. De fato, segundo Ferrari e
Cunha (2008), pelo menos nos primeiros anos de funcionamento do Plano de
Conversibilidade, um dos alicerces em que o paradigma se assentava, a economia argentina
viveu um momento de crescimento econômico, numa média de 6,3% ao ano entre 1991 e
1998 (BANCO MUNDIAL, 2013), e inflação controlada, cujas taxas anuais haviam abaixado
de 171,7% em 1991 para 0,9% em 1998 (CEPALSTAT, 2013)1. Os bons resultados inclusive
garantiram a reeleição de Menem em 1995. Porém, é importante frisar, como já mencionado
no capítulo anterior, que boa parte desse crescimento e estabilidade foi financiada via
poupança externa, principalmente através da atração de investimentos em carteira e
1
Na verdade, outras variáveis também contribuíram para a retomada do crescimento do PIB argentino, dentre
elas o reaproveitamento da capacidade ociosa no período pós crise da “década perdida”; a política monetária
expansionista adotada pelos EUA que, além de tornar mais competitivas as taxas de juros e cambial argentinas,
proveu liquidez internacional; a renegociação da dívida externa argentina por meio do Plano Brady ainda em
1992; o reequilíbrio nos valores dos termos de troca com o aumento do preço das commodities; e a valorização
cambial da moeda brasileira com a implementação do Plano Real em 1994 (ENGE, L. 2004).
54
empréstimos estrangeiros. Tal dependência por capital externo, inclusive para garantir a
paridade cambial peso-dólar, resultou na extrema vulnerabilidade da economia argentina à
dinâmica da economia mundial. Deveras, para sustentar esse modelo, o governo argentino
teve de manter taxas de juros elevadas que, além de inflar o endividamento do setor público,
oneravam substancialmente a conta de juros e negativavam o saldo nas transações correntes.
Da mesma forma, o câmbio valorizado servia de estímulo às importações e tornava os
produtos argentinos menos competitivos no mercado internacional, o que dificultava a
obtenção de superávits comerciais e concorria para desequilíbrios no balanço de pagamentos.
Para financiar esses passivos, o governo tinha de incorrer em novos empréstimos e atrair
maiores investimentos por meio de maiores acréscimos na taxa de juros.
Já em 1994, o modelo currency board revelou os primeiros sinais de
insustentabilidade diante da crise financeira no México conhecida como “Crise Tequila”.
Nesse momento, a desconfiança por parte dos principais credores internacionais quanto à
solvência das economias emergentes espraiou-se pelos demais países latino-americanos,
estancando o fluxo externo de capitais de modo a suscitar pressões especulativas nas
economias da região.
Para fazer frente à redução da arrecadação tributária com a perda do monopólio
estatal do sistema previdenciário a partir da criação do Fundo de Pensão Privada em 1994 e,
sobretudo, assegurar ao mercado internacional sua capacidade de honrar seus compromissos
financeiros, a fim de reavivar a entrada de recursos estrangeiros, o governo argentino adotou
uma política fiscal e monetária contracionista, enxugando os gastos públicos (principalmente
por meio do acréscimo de impostos e de cortes nos salários do funcionalismo público) e
elevando ainda mais a taxa de juros (o que logicamente agravou a posição deficitária na conta
transações correntes). Após a tomada dum empréstimo do FMI no valor aproximado de US$
11 bilhões (DAMIL, FRENKEL, RAPETI. 2005), o resultado foi a conformação dum quadro
recessivo em 1995.
Em menos de três anos, quando a economia argentina ainda amargurava a ressaca do
“Efeito Tequila”, três outras crises financeiras consecutivas engatilharam o desencadeamento
de processos que viriam a por um fim ao regime de conversibilidade: a crise asiática em 1997,
a crise russa em 1998 e a crise do real brasileiro em 1999. As duas primeiras aguçaram a
desconfiança dos investidores internacionais, encetada com a crise mexicana, em relação aos
riscos envolvidos com a aplicação de recursos em países emergentes, gerando novo
estancamento do fluxo externo de capitais. Para piorar a situação, a liquidez internacional foi
ainda mais restringida com a elevação da taxa de juros estadunidense no início de 1998. A
55
desvalorização do real, por sua vez, impactou drasticamente o equilíbrio da balança comercial
argentina ao incrementar as importações deste país e lotar seu mercado nacional de produtos
brasileiros que vieram a concorrer intensamente com a produção industrial argentina, gerando
um forte abalo no setor produtivo 2. Outro agravante ao desempenho do comércio exterior do
país platino foi a valorização do dólar, e, portanto, do peso, ante o euro e demais moedas
europeias, eivando a competitividade dos produtos argentinos naquela região, aliada ao
retorno da trajetória internacional de desvalorização das commodities(ENGE, 2004).
Novamente, a solução encontrada pelo governo argentino, em grande medida
pressionado pelos consultores do FMI (DAMIL, FRENKEL, RAPETI. 2005), para debelar a
fuga de capitais e conseguir novos financiamentos da dívida externa, foi a aplicação de
políticas fiscais e monetárias contracionistas ainda mais rígidas, engendrando, uma vez mais,
um quadro recessivo na economia nacional. Entre 1999 e 2001, a falta de credibilidade da
Argentina perante os investidores internacionais tornou-se irreversível, a despeito de e em
função das sucessivas operações de resgate realizadas pelo FMI 3 . Este, em troca da ajuda
concedida, exigia a adoção de novas políticas ortodoxas que só faziam aprofundar o
retraimento da economia. De fato, naquele momento, não só as obrigações financeiras
internacionais cresciam e atingiam níveis alarmantes, como a capacidade do governo
argentino em honrá-las revelava-se cada vez menos provável. Os dados a esse respeito são
bastante elucidativos: a conta juros no balanço de pagamentos passou duma posição
deficitária de US$ 361 milhões em 1992 para uma média superior a US$ 7 bilhões entre 1999
e 2001; a dívida externa total da Argentina, predominantemente pública (56% em 2001),
saltou de US$ 63 bilhões em 1992, equivalentes a 30% do PIB daquele ano, para US$ 166,2
bilhões em 2001, equivalentes a 61,8% do PIB; durante todo período de 1992 a 2001,
manteve-se o déficit em transações correntes, o qual, em 1999, atingiu o valor aproximado de
US$ 12 bilhões 4 ; em 2001, as contas externas argentinas fecharam no negativo com a
estarrecedora perda de US$ 21,4 bilhões, que implicou na redução quase pela metade das
2
Na verdade, a crise cambial brasileira igualmente contribuiu para eivar a confiança dos credores internacionais
em relação à solvência dos países emergentes, notadamente Argentina, por ser país vizinho e altamente
dependente do comércio exterior com o Brasil.
3
Segundo Ferrari e Cunha (2008), entre 1991 e 2001, foram firmados cinco acordos de resgate com o FMI:
1991, 1992, 1996, 1998 e 200-2001. No total, os montantes desembolsados pelo Fundo chegaram a US$ 42
bilhões em valores correntes. Para um maior detalhamento sobre as tentativas de resgate da economia argentina,
ver: DAMILL, M.; FRENKEL, R.; RAPETTI, M. 2005.
4
Enquanto isso, a conta financeira, que aufere o fluxo de capital externo, a partir de 1998, segue uma abrupta
trajetória declinante culminando num saldo negativo de US$ 15 bilhões em 2001 (CEPALSTAT, 2013).
56
reservas internacionais do país em apenas um ano5; e, para concluir a delicada conjuntura
econômica da Argentina na virada do século, entre 1999 e 2002, o país malogrou um
crescimento negativo do PIB numa taxa média de 5% anuais 6 (BANCO MUNDIAL, 2013.
CEPALSTAT, 2013).
Entre 2000 e 2001, a crise econômica argentina avançou inexoravelmente em direção a
outras esferas nacionais, abrangendo aspectos políticos e sociais até se transformar numa crise
institucional do Estado argentino em dezembro de 2001. De acordo com Santoro (2008), o
sucessor de Menem, Fernando de la Rúa, assumiu a liderança da Casa Rosada em dezembro
de 1999 com o compromisso de recuperar o equilíbrio macroeconômico, resolver os
problemas sociais do país e combater a corrupção que havia se enquistado em setores do
governo nos últimos anos. Entretanto, durante sua gestão, nenhum desses objetivos foi
alcançado. Primeiro porque, apesar do respaldo eleitoral, De La Rua não possuía sustentação
política alguma, nem no congresso, nem entre seus próprios correligionários. Com efeito, para
vencer o candidato da posição, o justicialista Eduarde Duhalde, na disputa eleitoral, Fernando
de la Rua, partidário da União Cívica Radical (UCR), teve de costurar uma ampla coligação
política com diversos partidos de esquerda e dissidentes do peronismo reunidos na Frente País
Solidário (Frepaso), constituindo assim a chamada Aliança pelo Trabalho, Justiça e Educação
(Aliança). Acontece que não só De La Rua era distante do grupo hegemônico da UCR,
liderado pelo ex-presidente Raul Alfonsín, como também havia sérias divergências entre os
integrantes da UCR e seus aliados da Frepaso.
Além disso, conforme Santoro (2008), a Aliança estava em minoria tanto na Câmera
dos Deputados (39,7%) quanto no Senado (30,6%), o mesmo ocorrendo nos governos das
províncias (29,2%). Diante de tamanha fragilidade política, qualquer tentativa de se
implementar um plano ou estratégia nacional de reestruturação da economia revelava-se, se
não impossível, uma tarefa bastante ardilosa.
Da mesma forma que De La Rua não possuía apoio político dentro do governo, nas
ruas, o respaldo popular se esvaneceu na medida em que o então presidente, como pedido pelo
FMI em troca da liberação de outro empréstimo para “blindar a economia argentina” (US$
39,7 bilhões), promovia medidas retracionistas e antipopulares: aumento da idade da
aposentadoria das mulheres, revogação de leis trabalhistas, diminuição dos salários no serviço
5
As reservas internacionais baixaram de US$ 25,1 bilhões em 2000 para US$ 14,5 bilhões em 2001. (BANCO
MUNDIAL, 2013)
6
Em 2002, o PIB argentino apresentou um crescimento negativo de 10,90% (BANCO MUNDIAL, 2013).
57
público e dos vencimentos da aposentadoria, etc (SANTORO, M.; 2008). A trajetória
ascendente da taxa de desemprego, que em 2001 atingiu 18% da população, e declinante do
valor do salário mínimo real (caindo de US$ 101,10 em 2001 para US$ 81,3 em 2002)
associada ao aumento da linha de pobreza (14,91%), de indigência (8,27%)7 e da disparidade
de renda (índice de gini 53,4)8, ensejaram a organização de movimentos sociais e a realização
de inúmeras manifestações e protestos sociais.
Durante a gestão de De La Rua, dois eventos em particular contribuíram sobremaneira
para o acirramento da indignação popular: i) em consonância com José Torres, Santamarina e
Cecilia Torres (2011), em meados de 2000, foi revelado um escândalo de corrupção que
envolvia o vice-presidente argentino com o suborno de senadores da nação em troca de votos
favoráveis à lei de Reforma Laboral, que buscava enxugar os gastos do governo a custa dos
trabalhadores (esse acontecimento acabou levando à renúncia do vice-presidente).; ii) diante
do fracasso da tentativa de “blindagem” da economia argentina e de vários pacotes
econômicos que se seguiram entre julho e dezembro de 2001, do crescimento acentuado do
risco-país e da queda dos depósitos bancários em quase um terço (FERRARI e CUNHA,
2008), o governo instituiu o chamada “corralito”, que correspondia a medidas de restrição ao
saque dos depósitos bancários e de proibição das transferências ao exterior com o fito de
evitar uma possível corrida bancária para trocar pesos por dólares.
Depois de os EUA e o FMI deixaram a Argentina à própria sorte, suspendendo a
liberação de novos recursos à nação platino, em finais de dezembro de 2001 estalou no país
uma verdadeira convulsão social com saques e depredações, violentos protestos populares e
intensa repressão policial que culminaram na morte de quatros pessoas e em dezenas de
7
Em 2002, esses índices atingiram as porcentagens 23% e 12,5%, respectivamente (BANCO MUNDIAL, 2013).
Por índice de pobreza, entende-se à porcentagem da população nacional que vive com menos de US$ 2,50 por
dia. Índice de indigência refere-se à porcentagem da população nacional que vive com menos de US$ 1,25 por
dia. Os dados trazidos por Vadell (2006, p. 202) são ainda mais alarmantes. Segundo ele: “O impacto social das
crises da segunda metade dos anos 90 foi dramático para a sociedade argentina. [...] O desemprego aberto
superou, em 2002, 20% da população ativa, o PIB tinha declinado numa taxa anual de 16,3% durante o primeiro
trimestre de 2002, o que representou um recorde. Os salários reais abaixaram 18% durante o decorrer desse ano.
As taxas de pobreza e de indigência chegaram a níveis nunca antes vistos: os dados do governo indicam que 53%
dos argentinos viviam abaixo da linha de pobreza, sendo 25% da população indigente (necessidades básicas não
satisfeitas). Entre 1998 e 2002, elevou-se a pobreza extrema em 223% na Argentina. Um fato único num espaço
de tempo tão reduzido. Em 2001, a participação dos trabalhadores no PIB caiu ao nível mais baixo da história
argentina.
8
Para se ter uma ideia, em 1992 o índice de gini era de apenas 45,5 (BANCO MUNDIAL, 2013). Realmente,
como bem observado por Ferrari e Cunha (2008), para uma sociedade desacostumada a viver com tamanhas
disparidades, esse panorama socioeconômico parece bastante desolador.
58
feridos9. Impedido de sair pelo portão de entrada da Casa Rosada, que havia sido cercada por
diversos grupos de manifestantes (entre eles os cacerolazos, bocinazos e piqueteos), Fernando
de la Rua abdicou de seu cargo tendo de fugir do palácio presidencial num helicóptero.
Instaurava-se a crise político-institucional do Estado argentino: em doze dias, a Argentina
teve cinco presidentes. O peronista Adolfo Rodriguez Saá, que sucedeu o então presidente
interino após a queda de De La Rua, Ramón Puerta, declarou a moratória da dívida externa
argentina em função da escassez de reservas. Na prática, isso significou o calote de US$ 61,8
bilhões em títulos públicos e US$ 8 bilhões em outras obrigações financeiras, gerando
enormes prejuízos a investidores nacionais e estrangeiros. (DAMILL, FRENKEL, RAPETTI.
2005) No dia um de janeiro de 2002, Eduardo Duhalde assumiu a presidência e, cinco dias
depois, com o apoio do congresso, pôs fim ao regime da conversibilidade, realizando assim a
“pesificação da economia” que resultou na falência de bancos e empresas tanto nacionais
quanto internacionais e cujos desdobramentos socavaram ainda mais o desempenho da
economia nacional. No que se refere à política externa, Duhalde enterrava junto com o
currency board os últimos resquícios do Novo Paradigma de Relações Especiais10.
4.1.2 Política Externa da Crise
Em conformidade a Eissa (2011), a política externa do governo de De La Rua manteve
as premissas centrais do Novo Paradigma de Relações Especiais: de fato, neste momento, o
apoio dos EUA era fundamental para o estabelecimento de negociações com o FMI e demais
credores internacionais. Nesse sentido, Fernando de la Rua sinalizou a vontade do Estado
argentino em participar do projeto ALCA, apoiou firmemente o governo estadunidense
quando do atentado terrorista de onze de setembro de 2001, aliando-se às propostas do
Departamento de Estado nas votações da ONU, bem como endossou a posição dos EUA,
nesta organização, de condenação à Cuba pela violação de direitos humanos.
Porém, já se observavam nessa época algumas mudanças em relação à política exterior
de Menem ao se rebaixar o grau de “relações carnais” para “relações maduras” com os
Estados Unidos, ao se buscar a cooperação bilateral com o Brasil, e ao se reaproximar dos
9
O desgosto e a descrença do povo argentino com a representação política eram tão grandes que, durante as
manifestações sociais, pedia-se que a classe política simplesmente deixasse o país, já que todos os líderes e
partidos políticos eram iguais: corruptos e incapazes de administrar devidamente a cousa público. Não a toa que
a frase de protesto que mais marcou a crise político-institucional na Argentina foi: “Que se vayan todos!”.
10
Para uma narração mais detalhada dos fatos que assinalaram esse delicado período da política argentina,
consultar: ENGE, Leonardo de A. C. (2004) e SANTORO, Maurício. (2008)
59
demais países latino-americanos, especialmente do Mercosul11 (EISSA, S. 2011). Na ocasião
da I Cúpula de Presidentes da América do Sul em 2000, o presidente argentino condenou o
Plano Colômbia, patrocinado pelos EUA, e defendeu a não intervenção no conflito
colombiano (SANTORO, M. 2008). Na questão das Malvinas, De La Rua abandonou a
postura consensiosa e retomou a disputa não tão amistosa pela soberania da ilha com o Reino
Unido na Assembleia Geral da ONU.
A despeito dessa rematização da política externa de Menem, quem realmente iniciou
um processo de transformação de paradigmas foi Eduardo Duhalde, sendo o término do
regime de conversibilidade e a “pesificação” da economia apenas o início deste processo.
Com efeito, durante seu governo, Duhalde buscou resgatar os princípios da Terceira Posição,
doutrina e prática das relações externas idealizadas por Perón durante a Guerra Fria que
caracterizou o paradigma globalista ou desenvolvimentista da política exterior argentina (até
este ser totalmente substituído pelo Novo Paradigma de Relações Especiais, como visto no
capítulo anterior).
Em termos econômicos, de acordo com Candeas (2011), Duhalde priorizou os
interesses urbano-industriais em detrimento dos interesses agropecuários do interior.
Estabelecia-se assim uma aliança com o setor produtivo nacional, tanto com os setores
empresariais quanto sindicais, rompendo-se com o establishment financeiro que predominava
no governo de Menem.
Em relação à política exterior propriamente dita, em consonância a Torres (2011),
Eduardo Duhalde reintroduziu um conteúdo político à inserção internacional da Argentina,
atenuando o teor economicista impresso por Menem. Destarte, em sua gestão, Duhalde
procurou recuperar a autonomia externa do Estado argentino frente os Estados Unidos. De
acordo com Correa (2011), para indicar esse novo momento da política externa argentina, o
então chanceler Carlos Ruckauf teria substituído a expressão “relações carnais” com os EUA
por “relações poligâmicas”. De fato, uma das formas pensadas pela diplomacia argentina para
se alcançar a autonomia foi universalizar as relações exteriores do país, aproximando-se das
nações europeias (nomeadamente a Espanha), africanas e asiáticas, assim como, sobretudo,
estreitando os laços com os países sul-americanos, Brasil e Chile em particular. Foi assim
que, quando da tentativa de golpe de Estado contra Chávez em 2002, Duhalde deu apoio, em
11
Entretanto, também é verdade que, durante o governo de De La Rua, a Argentina teve suas relações com os
países mercosulinos bastante desgastadas, especialmente com o Brasil, em virtude de adotar medidas comerciais
que desrespeitavam os acordos do Mercosul, como por exemplo, o aumento da tarifa de bens de consumo a 35%,
máximo permitido pela OMC, ou a concessão de benefícios tributários a exportadores nacionais. (SANTORO,
M. 2008)
60
coordenação com as demais nações latino-americanos reunidas no Grupo do Rio, à
preservação da democracia na Venezuela por meio da manutenção do governo chavista
(SANTORO, M. 2008). Foi assim também que, pouco depois do acordo com o FMI em 2003,
o presidente argentino decidiu abandonar a postura de condenação à Cuba nas Nações Unidas
(SILVA, V. L. C. 2011). Igualmente no ano de 2003, Duhalde se posicionou contra à invasão
militar do Iraque, não obstante Argentina ser considerada uma aliada extra OTAN dos EUA.
No entanto, o objetivo precípuo da política externa de Duhalde foi recuperar a
credibilidade e promover a reinserção internacional da Argentina, que havia sido
marginalizada do sistema internacional depois da declaração da moratória em 2001. Com
efeito, conforme Candeas (2011, p. 231), “o défault, a crise política e social e a
desvalorização mergulharam a Argentina num período de ostracismo comparado ao da Guerra
das Malvinas. A Argentina viria a ser ‘pária’ internacional”. Assim sendo, para lograr o
objetivo de reinserir a Argentina no sistema financeiro internacional, Duhalde concentrou
seus esforços na reestruturação da dívida externa através de tratativas com o FMI. Para tanto,
buscou o apoio fundamental dos países do entorno regional - procurando estabelecer uma
relação estratégica com o Brasil - e, principalmente, do governo estadunidense. Portanto,
apesar do desejo de se tornar mais autônoma em relação aos EUA, a diplomacia argentina
teve de adotar uma postura pragmática. Por isso, antes do estabelecimento do acordo com o
FMI, em resposta às pressões estadunidenses, Duhalde apoiou em 2002 (retirando o apoio
mais tarde como descrito acima) a resolução que condenava Cuba por violações dos direitos
humanos (SILVA, V. L. C. 2011).
Não obstante a negociação da dívida externa não ter avançado durante o seu governo,
Duhalde conseguiu firmar um acordo com o FMI em 2003 em troca da adoção de medidas
controversas que estipulavam cortes fiscais nas províncias assim como drásticas mudanças
nas leis de falência e subvenção financeira que facilitavam a aquisição de empresas argentinas
por credores internacionais (SANTORO, M. 2008)12.
O governo de Eduardo Duhalde teve curta duração, principalmente porque lhe faltou
capacidade em lidar com os movimentos sociais que seguiram fortemente atuantes, mais ainda
quando a repressão policial foi responsável pela morte de dois manifestantes piqueteros
(SANTORO, M. 2008). De fato, em função da instabilidade político-social, Duhalde teve de
12
Consoante Eissa (2011), além de facilitar a aquisição de empresas argentinas por credores internacionais, as
alterações legislativas implementadas permitiam a impunidade dos diretores dos bancos que foram coniventes à
fuga de capitais durante 2001.
61
antecipar o fim de sua gestão em seis meses, quando então assumiu o peronista Néstor
Kirchner em meados de 2003.
4.2. CRISE CAMBIAL DE 1999 E POLÍTICA EXTERNA EM TRANSIÇÃO NO BRASIL
Consoante Enge (2004), de igual modo que com o Plano de Conversibilidade na
Argentina, os primeiros resultados do Plano Real no Brasil foram bastante animadores, sendo
expressos na queda abrupta da inflação ao lado de significativo crescimento econômico: na
primeira gestão de FHC, a taxa de inflação decaiu dos alarmantes 2.105,6% a.a. em 1994 para
6,9 a.a. em 1997; nesse mesmo período, a média anual do crescimento do PIB foi de 4%
(CEPALSTAT). Assim como ocorrera com Menem, a melhora no desempenho da economia
nacional rendeu à FHC sua reeleição em 1998. Entretanto, como já discutido nos capítulos
anteriores, o modelo econômico implantado por Collor e consubstanciado no governo de
Cardoso, engendrava consigo elevada vulnerabilidade externa 13 , porquanto dependia da
entrada de recursos externos para manutenção da âncora cambial bem assim para o fomento
do investimento produtivo na economia nacional 14 . Essa dependência financeira deixava o
país deveras exposto aos choques externos na economia internacional. Conforme Enge
(2004), num primeiro momento, os desequilíbrios verificados na balança comercial em
virtude do câmbio sobrevalorizado puderam ser compensados pela maciça entrada de capital
estrangeiro. No entanto, com a ocorrência de duas crises cambiais em dois anos seguidos
acabou por solapar a estabilidade macroeconômica brasileira após o estalo da crise do real em
1999.
Da mesma forma como ocorrera na Argentina, o desencanto com o modelo neoliberal
no Brasil, desencadeado pela crise cambial em 1999, também contribuiu para a reorientação
da política externa brasileira ainda em meados do segundo mandato de Fernando Henrique
Cardoso (PECEQUILO, C. S. 2010). Com efeito, de acordo com Enge (2004), a crise do
Plano Real, à semelhança da crise do Plano de Conversibilidade, corresponde à história de
outras três crises: a mexicana (1994), a asiática (1997) e a russa (1998). Como já foi revelado
13
Assim como na Argentina, o câmbio sobrevalorizado no Brasil exercia grande pressão sobre o saldo da
balança comercial ao baratear e estimular as importações e diminuir a competitividade das exportações. Por sua
vez, a elevada taxa de juros, então principal instrumento utilizado para atrair os recursos externos necessários
para a manutenção do regime de bandas cambiais, aumentava os valores das remessas de lucros e dividendos,
encarecia a conta juros e, assim, contribuía sobremaneira para o endividamento externo do país, o que, em seu
turno, fazia aumentar o risco-país.
14
Embora essa tenha sido a intenção inicial, ou seja, promover o investimento produtivo via poupança externa,
na verdade, os recursos externos foram direcionados em boa medida para o financiamento do consumo. (ENGE,
L. A. C. 2004).
62
acima, essas três crises financeiras internacionais provocaram o estancamento do fluxo
externo de capital nos países emergentes, produzindo, assim, desequilíbrios em suas contas
externas de modo a acentuar sua vulnerabilidade exterior. Destarte, no Brasil, o aumento do
risco-país e a compensação de prejuízos pelos investidores internacionais levaram à fuga de
capitais, ao crescimento do déficit em transações correntes 15 e à diminuição das reservas
internacionais 16 , obrigando o governo brasileiro a adotar medidas emergenciais - algumas
bastante parecidas àquelas tomadas pelo governo argentino no mesmo período - dentre as
quais se destacam: alargamento da banda cambial, de modo a se permitirem pequenas
desvalorizações cambiais com o intuito de estimular as exportações; elevação de alíquotas e
estabelecimento de quotas para importação; políticas fiscais e monetárias contracionistas,
estribadas em cortes das despesas públicas e do investimento, elevação da taxa de juros e
aprofundamento da abertura financeira com a redução da tributação sobre a entrada de
capitais estrangeiros, visando-se, assim, tornar a economia brasileira mais atrativa e confiável
aos olhos dos investidores internacionais (ENGE, L. A. C. 2004). Esse conjunto de medidas
revelou-se apenas um paliativo: embora em curto prazo (crise mexicana e crise asiática) tenha
conseguido reverter a fuga de capitais, a médio prazo contribuiu para acentuar a fragilidade
financeira brasileira ao reduzir o crescimento econômico do país e aumentar o endividamento
externo17.
Em 1998, antes que a economia brasileira pudesse se recuperar dos efeitos deletérios
oriundos da crise asiática, o default russo implicou nova fuga de capitais no Brasil, fazendo
com que as reservas internacionais deste país perdessem mais de US$ 30 bilhões em apenas
três meses (ENGE, L. A. C. 2004). As circunstâncias adversas, plasmadas em níveis
insignificantes de crescimento econômico18 ao lado de taxas de desemprego preocupantes19,
obrigaram o Brasil, ao final deste ano, a recorrer a um empréstimo no FMI no valor de R$
15
Entre 1994 e 1999, o saldo negativo nas transações correntes brasileiras saltou de US$ 1,81 bilhões para US$
25,33 bilhões. (CEPALSTAT, 2013)
16
De 1996 a 1999, as reservas internacionais brasileiras seguiram uma tendência declinante, despencando de
US$ 59,685 bilhões no primeiro ano para US$ 36,342 bilhões no último. Ou seja, um decréscimo
aproximadamente de 39% em 4 anos. (BANCO MUNDIAL, 2013)
17
Entre 1994 e 1999, a dívida externa brasileira em relação ao PIB saltou de 25,8% para 38,4%. (CEPALSTAT,
2013).
18
Em 1998 e 1999, o PIB brasileiro praticamente estagnou, crescendo nesses anos 0% e 0,3%, respectivamente.
(BANCO MUNDIAL, 2013)
19
A taxa média anual de desemprego entre 1998 e 1999 foi de 7,6%, ao passo que nos anos anteriores não
passava de 5,5% (CEPALSTAT, 2013).
63
41,5 bilhões, sob as condições de maiores esforços fiscais e reformas liberalizantes. Porém,
nem este acordo com o Fundo nem as políticas fiscais e monetárias descritas acima foram
suficientes para conter o ataque especulativo à moeda brasileira e preservar o regime de
bandas cambiais implementado com Plano Real. De fato, em janeiro de 1999, com a
desvalorização de 64% da moeda brasileira, o Brasil passou a adotar o câmbio flutuante.
Os resultados previstos oriundos da mudança de regime cambial eram desalentadores:
deterioração do patrimônio do capital nacional, queda de consumo e do investimento,
falências de empresas e liquidação bancária, pressão inflacionário em razão da perda da
âncora cambial e do aumento das exportações, etc. Contudo, de acordo com Gremaud,
Vasconcellos e Toneto (2007), no Brasil, a mudança cambial não provocou tal processo
disruptivo. E isso em boa medida devido à prévia intervenção estatal que amorteceu o impacto
da desvalorização cambial sobre os agentes econômicos privados através do endividamento
público 20 . Para evitar que a pressão cambial se transformasse em processo inflacionário,
adotou-se uma política monetária bastante rígida e restritiva, por intermédio da criação do
sistema de Metas de Inflação gerido pelo Banco Central sob o comando do Conselho
Monetário Nacional, pelo qual a inflação passou a ser controlada principalmente a partir de
elevadas taxas de juros para restringir a demanda. (GREMAUD; VASCONCELLOS;
TONETO, 2007). Por último, após a crise de 1999, o governo brasileiro reforçou seu
compromisso celado com o FMI de promover superávits primários suficientes para garantir o
pagamento dos serviços da dívida pública e, assim, poder fazer uso da taxa de juros como
política de controle da inflação. Novamente, embora em curto prazo se tenha logrado
estabilizar a economia, a elevada taxa de juros acompanhada de rígida restrição fiscal
contribuíram para o incremento da dívida pública e estagnação do crescimento econômico nos
anos subsequentes21.
20
Segundo Gremaud, Vasconcellos e Toneto (2007), antes da desvalorização do real em 1999, o governo
brasileiro proveu proteção cambial ao setor privado através de operações de hedge, nas quais os agentes
econômicos trocaram seus ativos na moeda ameaçada de hiperdesvalorização (real) por moeda estrangeira
(dólar) ou outros ativos a ela atrelados. Para os autores, essas operações foram feitas por meio da venda
antecipada de moeda estrangeira (com valores bem inferiores àqueles que seriam verificados após a
desvalorização) e pela alteração na composição da dívida pública por tipo de indexador, cambiando títulos
prefixados por títulos posfixados (ao over) ou títulos indexados à própria taxa de câmbio.
21
Entre 1999 e 2002, isto é, segunda gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso, a dívida do setor
público em relação ao PIB cresceu de 38,3% para 60,4% (CEPALSTAT, 2013). De acordo com Fonseca, Cunha
e Bichara (2012), em 2002, sozinho o valor dos juros nominais sobre a dívida alcançava 8% do PIB. Enquanto
isso, nesse mesmo período, a média anual do crescimento econômico foi de apenas 2,15% (BANCO MUNDIAL,
2013).
64
Enfim, conquanto tenha gerado significativos prejuízos econômicos ao Brasil
precipuamente na forma do elevado endividamento público e do decréscimo da taxa de
crescimento do produto, a crise cambial de 99 não produziu tantos efeitos deletérios em
termos de recessão econômica, desemprego, aumento da pobreza, convulsão social e
instabilidade política, nem obrigou o governo brasileiro a declarar moratória da dívida externa
como aconteceu na Argentina 22. Argumenta-se aqui que essa diferença se deu em virtude: i)
do maior volume de reservas internacionais no Brasil, que permitiu ao governo brasileiro
melhor manejo dos efeitos causados pelo estancamento da liquidez internacional; ii) do
regime cambial semi-fixo (de bandas) adotado no Brasil, o qual, diferentemente do regime de
câmbio fixo na Argentina (currency board), não engessou a política cambial brasileira,
possibilitando maior margem de ação frente o influxo externo de capitais; iii) o Plano Real
não promoveu a dolarização da economia nacional, como o fez o Plano de Conversibilidade,
fato que amorteceu (ao lado do crescente endividamento público) o impacto da desvalorização
do real no setor privado da economia, evitando assim um quadro generalizado de recessão
econômica; iv) o Brasil não perseguiu por tanto tempo quanto a Argentina a sobrevalorização
da moeda nacional frente os constantes ataques especulativos, poupando desse modo maiores
esforços fiscais na forma de políticas contracionistas e incremento da dívida externa a fim de
manter a âncora cambial.
Todavia, parece não haver dúvidas de que a crise do real em 1999, num contexto de
crises cambiais na América Latina, contribuiu para que os dirigentes políticos brasileiros,
nomeadamente o presidente Fernando Henrique Cardoso, mudassem de percepção quanto à
verdadeira disposição das nações ricas em cooperar para a estabilidade e o desenvolvimento
econômicos dos países emergentes. De fato, conforme Cervo e Clodoaldo (2010), durante a
crise cambial, a diplomacia de FHC cobrou dos dirigentes do G7 as medidas prometidas pelo
grupo de controle e salvaguardas para os efeitos predatórios dos capitais especulativos, de
modo a criar regras estáveis e justas para a regulamentação das finanças internacionais. Não
obstante essa reivindicação, consoante os autores, pouco ou quase nada foi feito nesse sentido.
De igual modo, outros processos internacionais incentivaram a reorientação da política
externa brasileira nesse período. De acordo com Cervo e Clodoaldo (2010), muito embora
22
Consoante Pecequilo (2008, p. 141), os efeitos advindos das crises cambiais que atingiram os países latinoamericanos no final dos anos 90 variaram em intensidade conforme o grau de liberalização (“normalização”)
impresso. Desse modo: “Argentina, México, Bolívia, Equador, dentre os mais alinhados, sofreram a exacerbação
de problemas sociais e econômicos, culminando em fragmentação política e rupturas institucionais. Países como
o Brasil que matizaram a agenda neoliberal passaram por dificuldades (estagnação, desemprego), mas sem
quebra da ordem vigente”.
65
tenha aderido voluntariosamente a uma série de regimes internacionais na década de 90,
particularmente ao firmar o Acordo TRIPS em 1994 e promulgar a Lei de Patentes nacional
em 1996, o Brasil seguiu sendo acusado de não respeitar esse direito pelos países
desenvolvidos, nomeadamente pelos EUA, que ameaçavam acionar a arbitragem da OMC
para solucionar a questão. Tais denúncias logo se revestiram de práticas comerciais
protecionistas na forma de barreiras fitossanitárias, cláusulas trabalhistas e apelos
ambientalistas. Um exemplo emblemático dessas práticas ocorreu na ocasião do fracasso da
Rodada do Milênio de negociações comerciais, ocorrida em Seatle, ainda em 1999: nesse
evento, conforme Pecequilo (2010), os países emergentes foram largamente criticados por
auferirem ganhos de competitividade a custa do desrespeito aos padrões ambientalistas e
trabalhistas de produção.
Enfim, a tendência verificada nas negociações multilaterais de comércio no âmbito da
OMC foi a de que, a despeito de os países sulinos, em especial os latino-americanos, terem
promovido ampla abertura de sua economia aos produtos industrializados do norte, o inverso
não ocorreu, isto é, não houve reciprocidade por parte dos países desenvolvidos, uma vez que
estes seguiram impondo barreiras aos produtos primários dos países agroexportadores 23 .
Deveras, em muitas ocasiões, as negociações comerciais na OMC pareceram tender muito
mais aos interesses dos países centrais do que a favor dos emergentes. Nesse sentido:
quando os litígios de comércio, particularmente os processos antidumping, eram
levados aos mecanismos de solução de controvérsias da OMC, os julgamentos
padeciam de vício político e davam ganho de causa aos ricos. Desde a criação da
OMC, em 1995, até 2000, 90% dos julgamentos foram favoráveis aos ricos. Em
poucos deles, o Brasil levou vantagem [...] (CERVO; CLODOALDO, 2010, p. 473).
As dificuldades que obliteravam o comércio exterior brasileiro se reproduziam em
nível regional. No âmbito da ALCA, a partir do segundo mandato de FHC, o Brasil passou a
adotar uma postura mais reticente em relação ao projeto de liberalização comercial no
hemisfério, de sorte a retardar as negociações multilaterais como resposta às constantes
barreiras estadunidenses impostas às exportações brasileiras de produtos primários e
manufaturadas (e.g. laranja e algodão, e suco de laranja). Também houve atritos com o
Canadá. Após o imbróglio na OMC envolvendo as empresas fabricantes de aviões Embraer,
23
Consoante Pecequilo (2010, p. 139), “Since the creation of the WTO in 1995 and its First Ministerial Meeting,
in Singapore, a clear pattern of talks emerged after the General Agreement on Trade and Tariffs Uruguay Round
(GATT) represented by developed nations’lack of compromise in discussing agricultural issues (also supported
by the Peace Clause, that imposed restrictions on agricultural panels till 2003), added to new pressures on
developing countries to open their services markets. There was relative frustration since many nations such as
Brazil, at the height of its alignment agenda, opened their markets for industrial good and were still unable to sell
their agricultural products due to tariffary and non-tariffary barriers, subsidies and protectionism from the
North.”
66
brasileira, e Bombardie, canadense, em 2001, o Canadá suspendeu a importação de carne
brasileira, alegando razões fitossanitárias que acusavam estar o produto brasileiro
contaminado com a chamada doença da vaca louca, sem, no entanto, haver sido noticiado
caso algum de contaminação no Brasil. O episódio gerou grande desconforto entre os
produtores de carne brasileiros e, sobretudo, para a diplomacia brasileira, que considerou a
questão de séria relevância para as relações exteriores entre Brasil e Canadá. Assim,
conquanto a União Europeia de igual modo não abrisse mão dos subsídios agrícolas, o
governo brasileiro decidiu investir na negociação de acordos comerciais com o bloco,
objetivando, com isso, aumentar seu poder de barganha frente os EUA e, dessa sorte, atenuar
sua relação de dependência para com os mesmos (BANDEIRA, L. A. M. 2005).
Segundo Pecequilo (2010), outra variável que contribuiu para a reorientação da
política externa brasileira em meados da segunda gestão de FHC foi a política de segurança
dos EUA sinalizada ainda no governo Clinton com o Plano Colômbia, mas que atingiu
expressão máxima a partir da elaboração da Doutrina Bush, após os ataques terroristas de 11
de setembro. A partir desse momento, a política externa dos Estados Unidos assumiu uma
postura unilateral e pouco cooperativa, colocando a segurança nacional como assunto central
e dominante de sua agenda externa. O foco de atenção foi direcionado sobremaneira aos
países do Oriente Médio, Golfo Pérsico e leste asiático. Para a América Latina, esse
movimento da política externa estadunidense significou, por um lado, a marginalização de
projetos de cooperação e assistência econômica para a região (na verdade, as negociações
nesse sentido ficaram restritas à ALCA), e, por outro lado, o recrudescimento da securitização
da região expresso na ampliação do Plano Colômbia de combate ao “narcoterrorismo”
perpetrado pelas FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), estudando-se para
tanto a possibilidade de instalação de bases militares dos EUA na região; bem como na
classificação da Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai como região fonte de
ameaça, onde então estariam concentradas atividades ilícitas tidas ou como terroristas ou
como crime organizado. Conforme Pecequilo (2010), essa ingerência estadunidense teria
causado grande desconforto à diplomacia de FHC, a qual, como reposta, teria se recusado a
definir as FARCs como grupo terrorista bem assim reconhecer a Tríplice Aliança como região
de instabilidade política.
De fato, consoante Bandeira (2005), o descontentamento brasileiro em relação ao
unilateralismo da política externa do presidente Bush também se verificou em diversas outras
ocasiões: quando os EUA se recusaram a ratificar o Protocolo de Kyoto, quando denunciaram
o Tratado Anti-Míssil Balístico, quando retiraram a adesão ao Tratado do Tribunal Penal
67
Internacional, ou quando intensificaram as pressões sobre outros países para conferir
imunidade jurídica aos cidadãos estadunidenses em solo estrangeiro.
Assim pois, esse conjunto de constrangimentos 24 incentivou a transformação da
política externa brasileira ainda no segundo governo de FHC. Segundo Silva (2010, p. 19),
No segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, a política externa
brasileira sofreu uma nova correção de rumos, mostrando o esgotamento da matriz
neoliberal, em especial após a crise financeira de 1999, que denunciou a
vulnerabilidade externa do país. Mas outros acontecimentos também estavam
articulados, como o fracasso da Reunião de Seattle, o esvaziamento da ONU e o
unilateralismo norte-americano, a securitização da agenda internacional pós-11 de
Setembro de 2001 e as sucessivas crises financeiras e volatilidade, bem como o
protecionismo econômico.
Diante disso, a diplomacia de Cardoso passou a ter outro entendimento sobre a
dinâmica do processo de globalização. Abandonou-se, portanto, a visão um tanto quanto
otimista, porém dita pragmática, sobre a possibilidade em se obter benefícios dos países
centrais a partir do alinhamento político-econômico e do estabelecimento de parcerias
estratégicas com os mesmos, e forjou-se em seu lugar o conceito de globalização assimétrica,
no qual se reconhecia que, sem o devido controle, o processo crescente de internacionalização
econômica e financeira poderia implicar ganhos desiguais entre países ricos e periféricos,
acentuando a fragilidade dos últimos ao passo que os primeiros saiam fortalecidos. Assumiase, pois, uma postura mais crítica em relação à estruturação do sistema internacional 25
(SILVA, A. L. R. da. 2010).
Fruto da reorientação da estratégia de inserção internacional, o Brasil passou a conferir
mais importância ao entorno regional como alternativa às relações norte-sul. Nesse sentido,
nos últimos anos de seu governo, FHC procurou revitalizar o MERCOSUL. Depauperado
diante das crises cambiais que varreram o subcontinente, bem como promover a integração
regional do subcontinente sul-americano por meio do lançamento, na ocasião da primeira
reunião de cúpula dos países da América do Sul ocorrido em Brasília no ano 2000, do projeto
24
Sem falar no baixo retorno em termos de benefícios concretos ao Brasil da política de alinhamento às grandes
nações (PECEQUILO, 2008).
25
Consoante Silva (2010), “Embora sem retomar o discurso terceiro-mundista, ocorreu um empenho da política
externa em recuperar a idéia de que o sistema mundial está condicionado por assimetrias que conduzem a uma
distribuição desigual de poder, em especial nas negociações comerciais.
68
IIRSA 26 (Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), que almeja justamente
aperfeiçoar a integração energética, de transporte e de comunicação da região 27.
Destarte, nos últimos anos do governo de FHC, a política externa brasileira adentrou
num processo transformativo que, de acordo com Cervo (2003), desembocaria no paradigma
do Estado Logístico brasileiro. Pecequilo (2010, p. 135) parece concordar com a ideia de que
nesse momento a inserção internacional brasileira passava por uma mudança:
In 1999, still during Fernando Henrique Cardoso’s (FHC) administration
(1995/2002) and the last couple of years of Bill Clinton’s (1993/2000) Presidency
and the beginning of George W. Bush´s term (2001/2008), the Brazilian nation had
slowly begin to adjust its agenda of foreign policy. This adjustment was symbolized
by “asymmetric globalization” and projects of regional integration in South
America. These policies were a break from the pattern of alignment that prevailed in
the previous decade.
Entretanto, como se verá nos capítulos seguintes, essa transformação de paradigmas na
política externa brasileira não foi tão abrupta como aconteceu na Argentina. E isso em grande
monta em virtude da magnitude alcançada pela crise econômica institucional deste Estado em
2001.
26
De acordo com Bernal-Meza (2008), a IIRSA teria sido o primeiro passo da diplomacia brasileira no sentido
de delimitar o continente sul-americano, e não mais toda a América Latina, como a plataforma regional para a
projeção internacional do Brasil.
27
A esse respeito, assim se refere Pecequilo (2010, p. 136): "In the last year of FHC’s government, a division
that would gain significant ideological weight in the next administration of Luis Inacio Lula da Silva was to
begin. This group viewed South American integration, asymmetric globalization and new partnerships in the
South as a break in the nation’s commitment towards modernization and the First World (i.e alignment)”.
69
5. CONSOLIDAÇÃO DOS PARADIGMAS OMNIBALANCING E DO ESTADO
LOGÍSTICO
No capítulo anterior, viu-se que a crise econômica-institucional de 2001 na Argentina,
e a crise cambial de 1999, no Brasil, atreladas a um contexto internacional multipolar e mais
competitivo, impactaram sobremaneira as políticas externas de ambos os países, levando-os a
reorientar suas estratégias de inserção internacional. Neste capítulo e no capítulo 6, os efeitos
desses condicionantes serão melhor retratados a partir da descrição dos paradigmas
Omnibalancing e do Estado Logístico, que se consolidaram no governo de Néstor Kirchner e
Cristina Fernández na Argentina, e no governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil,
respectivamente. Nesses capítulos, a hipótese de pesquisa também será testada, qual seja, a
de que a diferença de inserção internacional entre Argentina e Brasil nos anos 2000 poder ser
explicada pelos distintos paradigmas de política exterior que caracterizaram a história das
relações internacionais destes países entre 2003 e 2010.
5.1 POLÍTICA EXTERNA DE KIRCHNER E FERNÁNDEZ (2003-2010)
Nas eleições presidenciais do dia 25 de maio de 2003, Kirchner foi leito com o menor
porcentual de votos da história do país (22,2%)28. Assim, segundo Santoro (2008) e Candeas
(2010), diante dum contexto bastante problemático assinalado pelos efeitos da crise
econômica (recessão), pela fragmentação política (incidente dentro da própria base partidária
do então presidente) e pela frágil coesão social, a gestão de Néstor Kirchner 29, especialmente
seus dois primeiros anos 30 , foi marcada por luta constante pela liderança, legitimidade e
autoridade políticas.
28
No processo eleitoral de 2003, o partido justicialista se fragmentou e lançou três diferentes candidaturas à
presidência: Néstor Kirchner, Carlos Menem e Adolfo Rodriguez Saá. Menem saiu vitorioso no primeiro turno
com 24% dos votos. Entrementes, como as pesquisas de opinião refletiam uma enorme rejeição popular ao expresidente, indicando uma vitória contundente de Kirchner no segundo turno (entre 65% e 78%), Menem acabou
desistindo da candidatura a fim de evitar maior desgaste político (SANTORO, M. 2008).
29
Sobre ese contexto assim se pronuncia Palermo (2010, p. 2), “en cierto sentido las condiciones de la llegada de
Kirchner a la Presidencia no podrían haber sido peores. Los terribles efectos de la crisis económica del 2001
todavía se hacían sentir en la pobreza y en el desempleo elevadísimos. La crisis política no era menor: el
fantasma de la ingobernabilidad reinaba en las calles y los partidos políticos parecían arrasados por el
descontento popular (inclusive el peronismo, que había conservado su caudal electoral, se encontraba dividido en
varios fragmentos).”
30
Todavia, como bem lembrado por Vicente (2010), ainda que os efeitos econômicos, políticos e sociais da crise
de 2001 ainda se fizessem sentir no condicionamento do governo Kirchner, na verdade, quando este assumiu a
presidência em 2003, a economia nacional já dava alguns sinais de recuperação graças às medidas tomadas no
governo de Saá e Duhalde, nomeadamente, a declaração da moratória e a pesificação da economia. Em outras
palavras, no momento em que Néstor sobe ao poder, o pior da crise já havia passado. De acordo com Damill,
Frenkel e Rapetti (2005), o alívio nas contas externas oriundo da suspensão do pagamento dos serviços e do
juros da dívida atrelado à recuperação dos instrumentos de política macroeconômica antes engessados com o
70
Para lograr esse objetivo, uma série de medidas de grande impacto político e de forte
apelo popular foram adotadas, merecendo ser nomeadas: i) a renovação da Corte Suprema de
Justiça, removendo os juízes dos anos menemistas intitulados “mayoría automática” por
votarem incondicionalmente com o governo durante a década de 90, prejudicando assim a
imagem de imparcialidade e independência do terceiro poder. Em seu lugar, teriam sido
introduzidos juízes de renomada competência e intocáveis credencias profissionais sugeridos
pela Presidência e aprovados pelo parlamento. (VICENTE, P. 2010); ii) com a reforma do
judiciário, Kirchner conseguiu colocar em prática uma política voltada ao resgate da verdade
e de defesa dos direitos humanos através da revogação das leis do “Ponto Final” e da
“Obediência Devida”, que permitiu a anulação de indultos e a reabertura de casos de tortura e
violação aos direitos humanos; iii) a reconstrução do pacto social de modo a conter a
convulsão popular que assinalara os governos pós-crise, por meio, entre outras medidas, da
reintrodução de convenções coletivas de trabalho no procedimento regular de negociação dos
salários, possibilitando, assim, a recomposição da renda dos trabalhadores. Além disso,
Néstor Kirchner reforçou os planos de ajuda social implantados na gestão de Duhalde, e,
principalmente, criou vínculos até mesmo institucionais com os movimentos sociais dos
trabalhadores (Central de Trabajadores Argentinos e Confederación General del Trabajo),
grupos estudantis e organizações populares de elevado engajamento político a exemplo dos
piqueteros. (VICENTE, P. 2010).
Enquanto política pública, a política externa seguiu essa mesma tendência, isto é,
também serviu de instrumento para o restabelecimento da coesão nacional, da legitimidade e
da autoridade da classe de dirigentes políticos do país, desacreditados que estavam perante o
povo argentino com o desatar da crise de representatividade descrita nas páginas acima.
Assim pois, como resultado dos diversos condicionamentos impostos ao seu governo, “a
fragilidade doméstica [herdada por] de Kirchner o levou a adotar posições intransigentes em
política externa, para afirmar-se diante da opinião pública como nacionalista e defensor firme
dos interesses argentinos” 31 (SANTORO, M. 2008, p. 107). De fato, conforme Malamud
(2011), os dois objetivos precípuos da política externa argentina durante o governo de Néstor
currency board foram os principais fatores responsáveis pela retomada do equilíbrio fiscal e do crescimento
econômico na Argentina.
31
Assim como Menem na década de 90, a política externa na gestão de Kirchner foi assinalada por acentuada
diplomacia presidencial. De fato, segundo de la Balze (2010) e Corigliano (2011), Kirchner conferiu um perfil
bastante personalista à conduta externa da Argentina, concentrando em suas mãos e nas de seus assessores mais
próximos o processo de formulação de política exterior. Como resultado, mais uma vez, o corpo diplomático do
MRECIC manteve-se aleijado no planejamento de estratégias de inserção internacional.
71
Kirchner (e também o de Cristina Fernández) foram reativar a economia nacional corrigindo
os desequilíbrios fiscais e recuperar a estabilidade política doméstica através do apoio
eleitoral.
Destarte, Kirchner deu continuidade ao processo de transformação paradigmática da
política exterior argentina iniciado por Duhalde, introduzindo um novo modelo intitulado por
Corigliano (2007) de Paradigma Omnibalancing, cuja racionalidade precípua consistia em
diferenciar-se, tanto em termos de modelo econômico, quanto de inserção internacional, do
paradigma implementado durante o governo de Menem, o qual, após a crise de 2001, resultou
bastante desgastado. Com efeito, tanto para dirigentes políticos quanto para setores populares,
teriam sido as políticas neoliberais e de alinhamento automático aos EUA implementadas na
década de 90 as responsáveis pela falência do Estado argentino no início do século XXI 32
(BORON, 2004).
Dessa maneira, em termos econômicos, Kirchner promoveu uma estratégia heterodoxa
de desenvolvimento33, seguida mais tarde por Cristina Fernández, que se caracterizava pelas
seguintes diretrizes: i) elevado nacionalismo econômico expresso na proteção da produção
nacional e na reestatização de empresas estrangeiras, a exemplo da empresa de aviação
Aerolíneas Argentina; ii) recomposição do papel do Estado na regulação da economia e como
provedor de investimentos34; iii) câmbio flutuante depreciado com o intuito de fomentar a
competitividade das exportações argentinas; iv) taxa de juros35 reduzidas como incentivo à
atividade produtiva interna, tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda, na forma de
crédito ao consumo e investimento36; v) controle da entrada e saída de capital e recomposição
32
A percepção reinante que permeava entre os dirigentes políticos e boa parte do povo argentino nesse
momento era a de que a Argentina havia sido injustiçada e menosprezada pela comunidade internacional. Nesse
sentido, qualquer projeto de política exterior teria que passar necessariamente pela recuperação da imagem e
reputação internacional da Argentina.
33
Existem aqueles que acreditam que Kirchner tenha introduzido um modelo econômico do tipo novodesenvolvimentista. Para uma discussão a esse respeito, consultar: CUNHA e FERRARI (2009); SCHORR, M.
(2012) e BERNAL-MEZA (2010)
34
Em 2009, o governo de Cristina reestatizou os fundos privados de capitalização das Administradoras de
Fondos de Jubilaciones y Pensiones (AFJP), alegando ineficiência das seguradoras privadas na gestão dos
recursos dos aposentados de maneira justa e transparente (ALONSO, J. F. 2010)
35
Entre 2004 e 2010, a taxa de juros anual média foi de 8,8%, sendo que antes de 2007 sempre esteve abaixo de
7% (CEPALSTAT, 2013)
36
Entre 2005 e 2010 o investimento bruto em capital fixo sempre esteve acima de 20% do PIB (BANCO
MUNDIAL, 2013).
72
das reservas internacionais de modo a tornar o câmbio mais competitivo e atenuar a
vulnerabilidade externa37.
Entre 2003 e 2007, a Argentina viveu um processo de recuperação econômica: o PIB
voltou a crescer numa média de 8,7% aa.; as taxas de desemprego recuaram, variando de
17,3% em 2003 para 8,5% em 2007; o valor do salário mínimo real aumentou de US$ 84,00
em 2003 para US$ 219,6 em 2007; os níveis de pobreza e de indigência abaixaram, de 17,9%
em 2003 para 5,5% em 2007 e de 9,8% em 2003 para 2,7% em 2007, respectivamente38.
Todos esses resultados certamente contribuíram para a mitigação da indignação social e
alavancagem do apoio popular a Néstor Kirchner e à candidatura de Cristina Fernández em
2007.
Consoante Damill, Frenkel e Rapetti (2005), inicialmente, a recuperação econômica
argentina ocorreu em função do incremento das exportações - principalmente de soja,
produtos industrializados de origem agropecuária e do setor de energia39 – fruto sobretudo da
expansão da economia internacional verificada entre 2003 e 200740. Todavia, num segundo
momento, este fator isolado não foi suficiente para explicar o crescimento argentino. Segundo
os autores, o governo de Néstor Kirchiner também teve seu mérito ao saber fazer uso da
conjuntura internacional favorável adotando medidas que transferiam os recursos externos
auferidos no comércio exterior para o fomento e diversificação da atividade produtiva
nacional, notadamente do setor industrial. Uma das medidas mais exemplares nesse sentido
foi o estabelecimento de tributos alfandegários, denominados retenções, sobre os produtos
agrícolas e energéticos. De acordo com Alonso (2010, p. 65), essa política comercial tinha
como fim:
37
Em conformidade com Schorr (2012), os itens iv) e v) são exemplos da reorientação econômica impressa por
Kirchener ao priorizar o setor real da economia em relação ao financeiro.
38
Dados retirados em BANCO MUNDIAL, 2013 e CEPALSTAT, 2013.
39
Entre 2003 e 2007, as exportações de bens argentinas cresceram 38,6%, o que ajudou que o país apresentasse
saldos positivos na conta corrente durante esse período (BANCO MUNDIAL, 2013). Situação bastante diferente
daquela vivida na década de 90.
40
Nesse período, principalmente a partir de 2002, a conjuntura econômica internacional era bastante propícia: a
política fiscal e monetária expansionista levada a cabo pelos EUA, para fazer frente à crise de confiança
posterior aos atentados terroristas de 11 de setembro, estimulou a redução da taxa de juros internacionais, o
incremento da liquidez e o dinamismo do comércio mundial. Nesse contexto, o crescimento econômico do Japão
e da Europa, ao lado da exuberância da economia chinesa e indiana, pressionaram a demanda e o preço das
commodities. Ademais, em meio a essa bonança econômica e portanto maior sentimento de confiança por parte
dos investidores, o risco país de alguns países emergentes reduziram (DAMILL; FRENKEL; RAPETTI. 2005).
A congruência de todos esses fatores positivos favoreceram bastante as economias emergentes, tanto para a
exportação de seus produtos quanto para a entrada de capital externo.
73
(1) desacoplar los precios domésticos de los internacionales para así controlar los
niveles de inflación, (2) recaudar recursos extras para el Estado, a semejanza de
cualquier otro impuesto y, finalmente, (3) incentivar la diversificación de la
estructura productiva doméstica al propiciar el traslado de factores de producción
desde sectores y/o actividades alcanzados por estos instrumentos hacia aquellos
otros en los que la carga impositiva sea menor o nula, inclusive.
Porém, com a crise econômica de 2008, agora no governo de Cristina Fernández, a
economia argentina voltou a enfrentar problemas: primeiro em função do enxugamento do
fluxo de capital externo e segundo pela desaceleração da economia nacional atrelada ao
crescente processo inflacionário fruto da expansão monetária dos anos anteriores 41 e da
manipulação das estatísticas econômicas oficiais por parte do governo42. Em 2009, a receita
fiscal proveniente das retenções de exportações foi interrompida após a árdua disputa entre o
governo e grupos agroexportadores que se sentiam lesados com a tentativa de o primeiro
passar uma lei que onerava ainda mais as obrigações tributárias do setor. (ALONSO, J. F.
2010). Conforme Silva (2012), a crise interna com o setor agropecuário paralisou o governo e
afetou inclusive a política externa do país, fazendo com que a presidenta Cristina Fernández
cancelasse vários compromissos externos programados.
No que tange ao modelo de inserção internacional, Kirchner igualmente procurou
distanciar-se da estratégia perseguida por Menem. Assim como Duhalde, o novo presidente
argentino fortaleceu o conteúdo político da inserção internacional do país, por um lado
sepultando de vez o alinhamento automático aos EUA e, por outro lado, rechaçando o perfil
demasiado econômico conferido à política externa argentina na década de 90: “en este
sentido, [Kirchner] sostuvo que era ‘la política que arrastra a la economia y no al revés, como
nos hicieron creer durante años’” (RAPOPORT, M. 2007, apud EISSA, S. 2011, p. 19). Dessa
forma, a diplomacia argentina reestabeleceu a autonomia política, ao lado do desenvolvimento
econômico, como legítimo interesse nacional43. Tal autonomia, principalmente em relação aos
EUA, seria lograda através da preconização do multilateralismo e da diversificação das
relações diplomáticas. Nesse sentido, o governo argentino adotou uma postura crítica ao
41
Segundo Alonso (2010), desde 2004, a inflação argentina tem variado entre 25% e 28%.
42
Em 2007, foi revelado que o governo de Néstor Kirchber manipulava as estatísticas econômicas, entre elas a
referente à taxa de inflação, por meio da intervenção no Instituto Nacional de Estadísticas y Censo (INDEC).
Inicialmente, a manipulação das estatísticas oficiais afetou os detentores de título da dívida pública indexado no
nível da inflação, mas logo seus efeitos se espalharam, abarcando um número maior de agentes econômicos de
modo a perpetrar um quadro de desconfiança generalizada e pressionar ainda mais o processo inflacionário. A
medida também atingiu a credibilidade internacional argentina, pressionando os indicadores de risco do país
(ALONSO J. F. 2010).
43
Sob essa nova visão, que inverte a relação de causalidade concebida no Realismo Periférico de Carlos Escudé,
o desenvolvimento econômico só seria alcançado uma vez garantida a autonomia política da nação.
74
unilateralismo nas relações internacionais que ensejara a política externa estadunidense pós 11
de setembro. Por esses motivos, a Argentina repudiou a invasão ao Iraque em 2003, bem
como, ancorada no ideário continental da Terceira Posição, buscou aproximar-se dos países
do entorno regional, particularmente o Brasil, a Venezuela e do MERCOSUL como um todo.
Em relação ao Brasil, em 2003, ambos os países assumiram posições comuns durante
a conferência da Rodada Doha da OMC em Cancún, quando as nações emergentes reuniramse em contra as práticas protecionistas impostas pelos países desenvolvidos. A coordenação
política também se verificou em 2005, na ocasião do encontro de Estados americanos em Mar
del Plata, expressa na comum rejeição à implementação do acordo ALCA no hemisfério. Em
2007, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula e a presidenta argentina e Cristina Fernández
Kirchner criaram o Mecanismo de Integração e Coordenação Bilateral-Brasil Argentina
(MICBA), coordenado pelo Itamaraty e pelo San Martín (CANDEAS, A. 2010). Não menos
importante, a Argentina participou ao lado do Brasil da Missão de Paz das Nações Unidas
para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), lançada em 2004 (SANTORO, M. 2008). Por
último, o Brasil se tornou um dos maiores investidores na economia argentina, aumentando
consideravelmente a participação de empresas brasileiras neste país. Segundo Bernal-Meza
(2008), em 2005, com a presença de cerca de 250 empresas brasileiras, 20% dos
investimentos estrangeiros diretos na Argentina provieram do Brasil.
Em relação à Venezuela, a cooperação se deu na área financeira - compra de títulos da
dívida pública argentina pela Venezuela -, energética - fornecimento de petróleo e derivados,
além da instalação de estações de venda de combustível e plantas de produção e distribuição
energética venezuelanas em território argentino – e agroalimentícia – envio de leite, carne,
entre outros alimentos argentinos à Venezuela. (RUIZ, J. B. 2010). Finalmente, no que
concerne ao MERCOSUL, em junho de 2003, Kirchner se reuniu com Lula em Brasília e,
juntos, relançaram o projeto de integração mercosulino através da Declaração de Brasília na
qual se preconiza a expansão geográfica e a ampliação temática do processo integracionista,
com reformas em âmbito comercial, institucional, social, de complementaridade produtiva e
de infraestrutura44 (RUIZ, J. B. 2010). Assim, partiu da Argentina a iniciativa de convidar a
Venezuela para compor o bloco regional.
Contudo, como bem pontuado por Natalia e Victoria (2007), os condicionamentos
internos e externos, ambos oriundos em grande medida dos efeitos deletérios e permanentes
44
Consoante Malamud (2011), o discurso integracionista esposado tanto por Kirchner quanto por Fernández
seria pautado primariamente pelo objetivo “pragmático” de reforçar o apoio político doméstico, haja visto o
apelo popular embutido na defesa do regionalismo.
75
da crise econômica-institucional de 2001, impediram que os governos de Kirchner e Cristina
lograssem planejar políticas de longo prazo e estratégias coerentes de inserção internacional45.
Pelo contrário, segundo as autoras, a recente política exterior argentina carece de iniciativas,
revelando-se antes um conjunto de decisões reativas46. Para de la Balze (2010) e Malamud
(2011), em diversas circunstâncias, as demandas imediatistas da política doméstica argentina
exerceram primazia sobre os interesses externos de longo prazo, resultando numa política
exterior isolacionista e introspectiva. Ou seja, nesse período, o governo argentino pareceu
estar muito mais preocupado em solucionar os problemas de âmbito interno do que
incrementar sua projeção no cenário internacional, participando ativamente dos fóruns
multilaterais e regimes de governança (NATALIA, T.; VICTORIA, P. 2007; CANDEAS, A.
2010). E isso porque, reitera-se, a política externa argentina nesse período foi concebida como
mais um instrumento para se alcançar a normalização da economia nacional e o apoio e
legitimação política dos grupos populares, objetivos esses que, desde o estalar da convulsão
social de 2001, vem sendo mantidos a duras penas.
Talvez, um dos casos mais emblemáticos de como a política exterior argentina foi
posta a serviço das demandas da política doméstica tenha sido o processo de renegociação da
dívida externa após o default de 2001. Durante esse processo, a ação externa argentina foi
pautada por objetivos domésticos: por um lado, lograr recursos financeiros para reconstruir a
economia nacional e, por outro lado, angariar apoio eleitoral e promover a coesão nacional47.
Nesse sentido, consoante Santoro (2008) e Candeas (2011), a estratégia utilizada por
Kirchner foi adotar uma postura firme e apresentar-se como defensor intransigente dos
interesses da Argentina. Assim, após um árduo período de conversações marcado por elevada
resistência e oposição por parte do mercado financeiro internacional, em 2005, o presidente
argentino logrou o que pode ser considerado um dos casos de maior sucesso de renegociação
de dívidas soberanas: o estabelecimento dum acordo com 76,15% de aceitação entre os
credores privados, prevendo a redução entre 63% e 68% do valor dos bonos da dívida, com o
45
Nas palavras de Torres (p. 9, 2007): “La crisis de fines del 2001 y comienzos del 2002 inauguró un escenario
caracterizado por la presencia de desafíos y contingencias que condicionaron el accionar externo del país. Estos
factores, tanto de origen interno como provenientes del contexto internacional, determinaron, en buena medida,
el contenido de la agenda externa del gobierno de Néstor Kirchner”.
46
Com efeito, de acordo com Lechini e Ciaccaglia (2010, p. 65), “durante los últimos años los gobiernos
argentinos no han podido desarrollar estrategias coherentes y activas de inserción internacional, limitándose en la
mayoría de los casos a políticas reactivas”.
47
Consoante Candeas (2010, p. 242), “A política externa, entretanto, não constituiu área prioritária na agenda
presidencial de Néstor Kirchner: a ênfase de sua gestão foi, de fato, a reconstrução da Argentina. As ações
externas se subordinaram à lógica interna de poder (guiada pelas pesquisas de opinião).
76
alargamento do prazo de pagamento e menores taxas de juros (VADELL, 2006; ALONSO, J.
F. 2010). O saldo de toda operação significou uma redução do estoque da dívida pública na
ordem de US$ 67,3 bilhões. 48 Em 2010, agora no governo de Cristina, a negociação da dívida
externa foi reaberta, com poucos credores (13%), em sua maioria pequenos investidores,
negando-se a aceitar a nova proposta do governo que abateu 66,3% do monto restante devido
e estipulou um prazo de pagamento de 25 anos. ( ALONSO, J. F. 2010).
No entanto, a Argentina seguiu sendo acionada e pressionada em instituições de
arbitragem, nomeadamente o CIADI (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre
Investimentos)49, por investidores estrangeiros e agências financeiras que não aceitaram as
propostas do governo argentino de 2005 e 2010, assim como por países credores,
destacadamente do continente europeu, reunidos no Clube de Paris50. Até 2010, a República
Argentina possuía obrigações econômicas pendentes com credores de diversas nacionalidades
que somavam quase US$ 20 bilhões51. Certamente, esse dado contribuiu para que a Argentina
figurasse como o Estado com maior número de demandas no CIADI naquele ano, a maioria
delas sendo feitas por investidores europeus, particularmente italianos. Como reconhece
Alonso (2010), essa situação de coisas não só restringiu significativamente o acesso do país
48
Concluída a reestruturação da dívida externa, foi promulgada na Argentina a “ley cerrojo”, em fevereiro de
2005, que proibia a reabertura da renegociação da dívida pelo Poder Executivo Nacional, sem o prévio
consentimento concedido pelo Congresso da Nação (ALONSO, J. F. 2010). Além disso, por essa lei,
estabeleceu-se que, em eventuais reaberturas da negociação da dívida, não poderiam ser concedidas condições
mais favoráveis que aquelas ofertadas em 2005.
49
“Instituido por el «Convenio sobre Arreglo de Diferencias Relativas a Inversiones entre Estados y Nacionales
de otros Estados» –firmado el 18 de marzo de 1965 y entrado en vigor el 14 de octubre de 1966–, el Centro
Internacional de Arreglo de Diferencias relativas a Inversiones […] constituye uno de los organismos del
denominado Grupo Banco Mundial. Cual foro específico para la resolución de disputas entre Estados e
Inversores extranjeros, el CIADI agenció relevancia creciente durante las últimas dos décadas en concomitancia
con la proliferación de los acuerdos internacionales de inversión (Tratados bilaterales de inversión, tratados de
libre comercio con capítulos sobre inversiones, acuerdos regionales específicos) y la expansión de los flujos
internacionales de inversión”. (ALONSO, J. F. 2010, p. 74-75)
50
Até junho de 2008, a Argentina tinha uma dívida com o Cube de Paris de US$ 5,589 bilhões. “En términos
porcentuales, el monto adeudado se desagregaba de la siguiente manera: Alemania (30,18%); Japón (25,28%);
Países Bajos (9,37 %); España (7,78%); Italia (7,78%); Estados Unidos (6,26%); Suiza (4,95%); Austria
(1,06%); Francia (2,74%); Canadá (2,59%); Reino Unido (1,15%); Suecia (0,25%); Bélgica (0,22%); Dinamarca
(0,21%); Finlandia (0,12%); Israel (0,05%)”. (ALONSO, J. F. 2010, p. 87)
51
“En el caso particular de los títulos públicos defaulteados por la República Argentina en 2001, ocho eran las
jurisdicciones alcanzadas. En conformidad con su plaza de emisión, el 34,23% de la deuda argentina en cesación
de pagos tras la reestructuración (6.705 millones de dólares) remitía a la jurisdicción de Nueva York, Estados
Unidos; el 24,60% (4.817 millones de dólares) a Londres, Reino Unido; el 31,55% (6.180 millones de dólares) a
Frankfurt, Alemania; el 7,6% (1.489 millones de dólares) a Argentina, el 0,51% (100 millones de dólares) a
Tokio, Japón. El 1,5% restante se dividía en otras juridicciones. En total, la deuda argentina en situación
irregular sumaba 19.587 millones de dólares”. (ALONSO, J. F. 2010, p. 76)
77
ao capital produtivo e financeiro externos, como também, maculou a credibilidade e
conseguinte projeção internacional argentina.
Com efeito, segundo de la Balze (2010), dentre os países credores, os europeus
(notadamente Alemanha, Itália, França e Espanha) foram os mais afetados pelo default de
2001 e pela posterior política de nacionalização de firmas estrangeiras levadas a cabo pelo
governo Kirchner. Isso porque as empresas europeias lideraram o processo de privatização
dos serviços públicos argentinos durante a década de 90. Dentre as mais afetadas, encontramse as agências de crédito à exportação e as empresas petroleiras, que também sofreram com as
políticas de taxação sobre a agroexportação e de controle dos preços internos de combustível
para controlar a inflação, respectivamente. Consoante de la Balze (2010), essa junção de
fatores abalou as relações diplomáticas entre a Argentina e os países europeus. Um exemplo
disso foi a obstacularização por parte das autoridades francesas, do projeto encabeçado pelo
governo argentino em parceira com empresas francesas de construção e financiamento para a
elaboração duma linha de trem de alta velocidade que ligaria as cidades de Buenos Aires,
Rosário e Cordoba (ALONSO, J. F. 2010).
Aproveitando-se da inclinação ao desprezo e até mesmo repúdio, incitado mormente
nos anos imediatos ao pós default52 , de boa parte da população argentina em relação aos
grandes monopólios, empresas privatizadas, investidores estrangeiros53, burocratas do FMI e
do Banco Mundial, e governo estadunidense, Néstor Kirchner em maior grau, mas também
Cristina Fernández, ainda que em menor medida, esposaram um discurso ideológico
nacionalista, antimercado e esquerdista, responsabilizando tais agentes pela crise econômica
de 2001 e pelos prejuízos permanentes dela advindos. A Grã Bretanha e a Espanha também
foram culpadas por práticas imperialistas: esta, por extrair os recursos naturais estratégicos
argentinos através de suas multinacionais (e.g. YPF Repsol); aquela por manter um enclave
neocolonial no Atlântico Sul, abrangendo as Ilhas Malvinas, as Ilhas Sandwich do Sul e a Ilha
Georgetown do Sul54. Assim, o governo argentino passou a adotar uma retórica antiamericana
52
A esse respeito, assim se referia Boron em 2004: “ [...]Kirchner ha capitalizado muy bien su enfrentamiento,
por cierto hasta ahora más retórico que sustantivo, con los grandes monopolios, con las empresas privatizadas,
con los opulentos burócratas del FMI y el Banco Mundial, con el gobierno norteamericano, con […] ahora
difunto gobierno de José M. Aznar y varios ministros del gobierno español y con los inversionistas extranjeros,
todo lo cual le granjeó las simpatías de la inmensa mayoría de la población que mayoritariamente detesta a - o al
menos recela de - esos personajes ligados en mayor o menor medida al saqueo de la nación. (BORON, A. A.
2004, p. 189-190).
53
54
Estes são correntemente chamados por Fernández de abutres.
Assim como Duhalde, Néstor Kirchner e Cristina Fernández trocaram a “política de sedução” do menemismo
dos anos 90, por um tratamento mais assertivo e ideológico da questão das Malvinas, exortando a soberania
78
e anti-imperialista, aproximando-se bastante do projeto político e econômico proposto pelo
então presidente venezuelano Hugo Chávez .
Contudo, apesar de seu fundo de verdade e justa reivindicação histórica, esse discurso
ideológico é em grande medida pragmático (MALAMUD, A. 2011), por vários razões.
Primeiro porque, designando um inimigo externo comum, principalmente nos primeiros anos
pós crise do currency board, Kirchiner e Fernández procuraram amainar e esquivar-se do
descontentamento popular com a situação política e econômica do país invocando um
sentimento nacionalista e patriota.
Segundo porque a aproximação com Caracas seu deu mormente em função do governo
venezuelano se tornar o principal comprador dos títulos da dívida externa argentina, num
momento em que quase nenhum país ou investidor se dispunha a sê-lo. (RUIZ, J. B. 2010). Só
para se ter uma ideia, até 2007, o governo venezuelano já tinha gasto US$ 4,25 bilhões em
títulos da dívida pública argentina. Ademais, como sublinhado anteriormente, a Argentina
mantém uma larga cooperação energética e agroalimentícia com a Venezuela. Sugestivos
nesse sentido são os dados trazidos por Malamud (2011): durante a gestão de Néstor Kirchner,
a maioria dos acordos internacionais firmados pela Argentina foi com a Venezuela,
totalizando cerca de 62, mais do que com Chile (41), Bolívia (39), Brasil (22), Equador (19),
Paraguai (17) e Estados Unidos, com apenas 10 acordos firmados. E essa tendência seguiu
após a saída de Kirchner da presidência: em apenas um ano e meio de governo de Cristina, 61
acordos foram assinados com Caracas. A cooperação entre os países também se verificou no
suporte político venezuelano ao governo de Kirchner e de Cristina, bem como na iniciativa
argentina de propor a entrada da Venezuela no MERCOSUL 55.
Terceiro, apesar da acirrada disputa travada com o FMI, o governo argentino fez
questão de pagar a totalidade de sua dívida com a instituição, como forma de recuperar sua
credibilidade internacional e, sobretudo, sua autonomia em termos de política econômica
(MALAMUD, A. 2011). Para tanto, valeu-se de parcela significativa das reservas
argentina sobre a Ilha em eventos simbólicos e comemorativos nacionais, negociações bilaterais com a Grã
Bretanha, encontros regionais de chefes de Estado, nomeadamente latino-americanos, e, sobretudo, em
deliberações, resoluções e declarações dos mais diversos organismos multilaterais, particularmente Assembleia
Geral da ONU. (SILVA, V. L. C. 2012; BOLOGNA, A. B. 2010). Conforme Silva (2012), a questão das Ilhas
Malvinas, Sandwich e Georgetown constituem, ao lado da reestruturação econômica pós default, é um dos eixos
centrais da política externa argentina dos últimos anos. Tanto é assim que alguns críticos argentinos anunciam a
hipermalvinização da política exterior do país.
55
Assim, ainda que possa ter havido alguma interface entre o Bolivarianismo de Chávez e o Peronimo de
Kirchner e Fernández, motivações ideológicas “did not determine foreign alignments or policy outcomes. It was
mutual benefit rather than ideology proximity that brought both countries ever closer, although […] Argentina
never came to be seen as a follower, even less a client state, of Caracas”. (MALAMUD, A. 2011, p. 95)
79
internacionais existentes no Banco Central da República Argentina (BCRA) 56, e antecipou a
finalização do pagamento em finais de dezembro de 2005, economizando, assim, US$ 1
bilhão destinados aos juros da dívida que venceria mais tarde. Além disso, o governo
argentino parece buscar a desdramatização das relações até então conturbadas com o FMI, por
meio, entre outros exemplos, de declarações como a do ministro de economia argentino
Amado Boudou em 2009, em que o mesmo reconheceu que o Fundo havia se conscientizado
dos seus erros passados, especialmente com a Argentina, e que, agora, ajustava-se
corretamente às novas tendências da economia internacional. Na visão de Malamud (2011, p.
97-98):
[…] yet, the underlying reason of the policy reversal was that Argentina’s economic
surplus had been dried out by the crisis [of 2008] at the same time as Venezuela had
run out of cash for financing large countries. Consequently, the Kirchners decided
that the need for funds justified inviting the IMF back to visit Argentina. Once more,
financial pragmatism prevaild over ideological stance: skillfull rethoric
accomplished the mission to hide the fact from view.
Todavia, é preciso reconhecer o grau de desentendimento genuíno que permeou as
relações entre a Argentina e o Fundo após o default de 2001. De fato, após a alteração de
dirigentes de cúpula na organização, que se seguiu à posse do candidato republicano (George
W. Bush) na presidência estadunidense, o FMI, que antes era um dos maiores apologistas do
modelo reformista implantado na Argentina durante a década de 90, chegando mesmo a
considerá-lo um exemplo a ser seguido entre os países emergentes (ver capítulo 3), tornou-se
o maior crítico do governo argentino, acusando-o de não ter tomado as medidas necessárias
para a prevenção da crise e, depois que essa irrompeu, de haver conduzido erroneamente o
processo de recuperação econômica: para o Fundo, foram a inconsistência da política fiscal e
a rigidez do regime cambial que levaram ao colapso o Estado argentino. (FERRARI, A.;
CUNHA, A. M. 2008). Nesse sentido, de caso bem sucedido, a Argentina passou a ser o
exemplo a não ser copiado 57. O desgaste do relacionamento entre a Argentina e o Fundo
56
Conforme Alonso (2010), o pagamento antecipado das obrigações argentinas para com o FMI, que totalizavam
US$ 9,81 bilhões, comprometeu 32% das resevas internacionais do BCRA. Tal operação, segundo o autor, não
teria deixado de motivar inquietudes e desconfiança em relação à autonomia e solvência do BCRA naquele
momento.
57
Além disso, outros fatores contribuíram para a debilitação do relacionamento entre o FMI e a Argentina: 1° de
acordo com DAMILL, FRENKEL e RAPETTI (2005), caucado no discurso de que a crise consistia nos próprios
erros da Argentina, o Fundo pouco fez para ajudá-la no processo de estabilização e recuperação econômica,
revelando-se bastante reticente em conceder novos empréstimos. As únicas negociações sobre as quais a
instituição se debruçava eram aquelas concernentes ao pagamento das obrigações pendentes com o Fundo; 2° no
imediato pós default, o FMI exerceu grande pressão para que o governo argentino deixasse que a taxa de câmbio
flutuasse (desvalorizasse) livremente, ao passo que o governo argentino defendia o controle da desvalorização
acentuada do câmbio como forma de amenizar os prejuízos econômicos ao setor privado, em particular o sistema
80
resultou na exclusão do último do processo de reestruturação da dívida externa argentina em
2005 e 2010, bem como na recusa do governo argentino em negociar o cumprimento de suas
obrigações econômicas com o Clube de Paris na presença do FMI.
Quarto e último, não obstante a retórica anti-estadunidense e o relativo afastamento
entre as nações, a Argentina não rompeu as relações diplomáticas nem comerciais com os
EUA. De fato, durante as gestões de Kirchner e Fernández, ambos os países mantiveram
cooperação no combate ao terrorismo, proliferação de armas de destruição em massa e
narcotráfico (CORIGLIANO, F. 2011). Em sua administração, Néstor Kirchner revigorou os
esforços na perseguição dos responsáveis pelos atentados cometidos à comunidade judia
(AMIA – Associação Mutual Israelita Argentina) em Buenos Aires, em 1992 e 1994. A
iniciativa resultou numa ação judicial que ordenava a prisão de diversas autoridades do Irã,
incluindo o ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani. Em discurso oficial na Assembleia
Geral da ONU, em 2009, Cristina Fernández acusou o governo de Teerã de cumplicidade nos
referidos ataques, criticando-o por falta de cooperação nas investigações e na captura dos
responsáveis (MALAMUD, A. 2011). De igual modo, Kirchner cooperou com os EUA em
relação ao suposto foco narco-terrorista existente na Tríplice-Fronteira, dando suporte à ação
policial e de inteligência na área (SANTORO, M. 2008).
Em termos econômicos, as relações comerciais entre Argentina e EUA se
intensificaram, com a primeira revertendo a tendência de balança deficitária verificada
durante a década de 90 (SANTORO, M. 2008). Mais importante que as relações comerciais,
os EUA, a pedido de Néstor Kirchner, ofereceu suporte ao governo argentino na renegociação
da dívida externa em 2005, pressionando o então presidente do FMI, Horst Köhler, para que a
instituição fosse mais branda e flexível com Argentina no processo de reestruturação
econômica. (MALAMUD, A. 2011)
No entanto, não se pode ignorar os entraves que assinalaram as relações bilaterais de
Argentina e EUA. De acordo com Silva (2012, p. 22), este país segue desconfiando do real
bancário, e conter a pressão inflacionária. Como a Argentina se negou a adotar as recomendações do Fundo, este
igualmente se negou a discutir um programa de resgate antes que suas propostas fossem implementadas; 3° após
o default, ao contrário da posição do governo argentino, que buscava uma solução gradual da crise de modo a
evitar novos choques na economia nacional, o FMI preconizava soluções radicais de resultados duvidosos, como
liquidação de bancos e reestruturação do sistema público bancário. A contenda entre as diferentes posições
desembocou na criação duma comissão arbitrária compost, mormente por presidentes de bancos europeus
(DAMILL; FRENKEL; RAPETTI. 2005); 4° por último, e talvez mais importante, após um longo período de
resistência, o FMI finalmente decidiu conceder um empréstimo a Argentina em 2003, não sem antes, porém,
exigir a adoção de medidas controversas que estipulavam cortes fiscais e contenção da moeda, assim como
drásticas mudanças nas leis de falência e subvenção financeira que facilitavam a aquisição de empresas
argentinas por credores internacionais (ver nota de rodapé 12).
81
comprometimento do governo argentino em honrar suas obrigações internacionais: “os
conflitos entre os dois países ainda persistem em razão da percepção norte-americana sobre a
pouca credibilidade internacional da Argentina”. Ademais, alguns incidentes diplomáticos
contribuíram para o distanciamento entre Argentina e Estados Unidos, tais quais: o assertivo
rechaço argentino alinhado ao discurso anticapitalista venezuelano, na ocasião da IV Cúpula
das Américas em 2005, da proposta estadunidense de criação da ALCA, coroado por um
discurso antiliberal e antiamericano bastante inflamado por parte do governo argentino; o
suporte argentino, em 2006, á candidatura da Venezuela a membro rotatória do Conselho de
Segurança, em contraste à candidatura da Guatemala, candidata favorita dos EUA
(MLAMUD, A. 2011); a aproximação política e ideológica entre Argentina e Venezuela58,
refletida em 2007, quando Chávez discursou em evento num estádio de futebol em Buenos
Aires criticando os Estados Unidos e defendendo a construção duma alternativa socialista
para o século XXI, no mesmo dia em que o presidente George Bush se encontrava em visita
diplomática no Uruguai; a ausência de visitas dos principais líderes estadunidenses a Buenos
Aires, conquanto tenham estado em países do entorno regional, a exemplo do Paraguai e do
Uruguai (SANTORO, M. 2008); o incidente diplomático denominado por Corigliano (2011)
de “valijagate”, em que uma mala de dólares (US$ 800 mil) foi apreendida no aeroporto
internacional de Buenos Aires junto com o empresário venezuelano-americano Antonini
Wilson, num avião vindo da Venezuela, sob a suspeita de financiamento clandestino da
campanha presidencial de Cristina Fernández59; e a tentativa de reativação da IV Frota Naval
dos Estados Unidos em julho de 2008, com o objetivo de realizar exercícios no limite das
águas territoriais da América Latina e do Caribe, e que causou grande desagrado a Fernández,
crítica fervorosa da postura unilateral de Bush (SILVA, V. L. C. 2012)60.
58
De acordo com Silva (2011), essa aproximação também ocorreu entre Kirchner e Cuba e foi expressa, dentre
outras formas, na participação de Fidel Castro na posse de Néstor em 2003, em visitações do ministro de
relações exteriores argentino a Havana e na não condenação argentina do Estado caribenho por violações aos
direitos humanos no âmbito da ONU, como correntemente era feito durante a gestão de Menem.
59
Após a prisão de Wilson, membros do governo estadunidense denunciaram que a quantia de dinheiro
transportada ilegalmente se destinava ao financiamento da campanha de Cristina à presidência em 2007. Diante
dessa acusação, Néstor e Cristina, ao lado do presidente venezuelano Hugo Chávez, chamaram esse evento de
“trashing operation”, afirmando que tudo não passava duma conspiração impetrada pelos EUA em contra os
países latinoamericanos. Como resultado, no fim daquele ano, o governo argentino restringiu o âmbito de
atuação do embaixador estadunidense e limitou seu diálogo diplomático a oficiais subalternos do serviço
exterior. (MALAMUD, A. 2011)
60
Portanto, “in sum, the Kirchners’ relations with the United States were mixed and variable but not bad at
overall. They were marked by a degree of tacity reciprocity, in the form of low-profile Argentina support for the
‘War on Terror’ in exchange for US support in foreign debt renegotiation […] With an eye on their domestic
audiences, the Kirchner retained their rethorical gestures. Yet, aware of their country’s financial fragility and of
82
Mais uma vez, apresentando-se como defensores intransigentes dos interesses
nacionais da Argentina, sem disposição para negociar e fazer concessões, Néstor Kirchner e
Cristina Fernández acabaram gerando atritos com alguns de seus países vizinhos, o que,
consequentemente, também contribuiu para o desgaste da reputação internacional do país. Em
relação ao Brasil, os desentendimentos surgiram com a política protecionista às indústrias
nacionais levada a cabo pelo governo argentino em contraposição às regras alfandegárias do
MERCOSUL. Desse modo, alegando acentuados déficits comerciais com o Brasil (o que de
fato se verificava), a Argentina se viu imbuída do direito de impor salvaguardas comerciais
para fazer frente à “invasão” dos produtos brasileiros. Durante a gestão de Kirchner, as
vítimas de tais medidas foram os bens eletrodomésticos da linha branca. No governo de
Fernández, a aplicação de licenças não automáticas se estenderam a variados produtos vindos
não só do Brasil, mas também dos demais países mercosulinos (SILVA, V. L. C. 2012).
Porém, os desentendimentos diplomáticos não se restringiram a aspectos comerciais.
Consoante Candeas (2010), o realçamento do perfil político da inserção internacional
argentina por Néstor Kirchner implicou a tentativa do país de contrabalancear a projeção
internacional do Brasil na região, conquanto não significasse uma aspiração de protagonismos
semelhante à buscada pela equipe de Menem. Assim pois, o mandatário argentino não apoiou
a iniciativa brasileira de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), não
comparecendo à 3° Reunião de Presidentes Sul-Americanos, em 2004 no Peru, quando a
instituição em apreço foi estabelecida. De igual modo, Kirchner ofereceu resistência à criação
da UNASUL, argumentando que os esforços antes deveriam ser direcionados ao
fortalecimento institucional do MERCOSUL. No âmbito multilateral, o desconforto
diplomático surgiu da negação argentina em respaldar a candidatura brasileira a membro
permanente do Conselho de Segurança, preconizando, isso sim, a eliminação da categoria de
membro permanente e o fim do direito a veto (SILVA, V. L. C. 2012)61.
Com o Chile, as relações diplomáticas foram postas à prova quando, a partir de março
de 2004, o governo argentino passou a restringir e até mesmo interromper unilateralmente a
exportação de gás natural àquele país. Conforme Lorenzini e Ceppi (2010), o problema em si
não foi a (legalidade ou ilegalidade da) redução da quantia de combustível enviada, porquanto
the shared interest of the United States in bringing the Iranian-sponsored terrorists to justice, they were able to
step back from open hostility and maintain bilateral relations”. (MALAMUD, A. 2011, p. 97)
61
De acordo com Malamud (2011), para fazer frente aos quatro países que pleiteiam assento permanente no
Conselho de Segurança, reunidos sob o G4 (Brasil, Alemanha, Japão e Índia), a Argentina juntou-se à Itália,
Coréia do Sul e Paquistão, formando o chamado Grupo Café ou União para Consenso.
83
o Protocolo nº 2 do Acordo de Complementação Econômica n° 16 (ACE16), firmado ente
Argentina e Chile em 1995 no âmbito da ALADI e que regula a interconexão e o ministro de
gás natural argentino, condiciona sua exportação ao Chile ao seu completo abastecimento
doméstico na Argentina. Com efeito, o que gerou desavenças foi o fato de a Argentina
restringir o fornecimento de gás de modo arbitrário e sem prévia comunicação às autoridades
chilenas, surpreendendo o governo, as empresas, as indústrias, os conjuntos residenciais, entre
outros setores chilenos. E isso poucos dias depois de ocorrido um encontro presidencial entre
Néstor Kircner e Ricardo Lagos, onde o primeiro poderia ter avisado o último das limitações
domésticas que Argentina enfrentava no que concerne à produção energética 62.
O governo argentino negou-se a reconhecer que seu país passava por uma crise
energética, e justificou seu ato argumentando que, na verdade, o Protocolo n° 2 não consistia
num tratado entre nações, mas antes num acordo privado entre empresas de ambos os países.
Portanto, a responsabilidade pelo alegado não cumprimento do acordo não seria do governo
argentino, e sim, das empresas geradoras e distribuidoras de gás natural63. Estas, asseverava
Kirchner, não haviam realizado os investimentos necessários para abastecer a demanda
argentina e chilena simultaneamente. Entre 2005 e 2007, os cortes no fornecimento eram cada
vez mais profundos e frequentes. A partir de 2006, o aumento nos preços das exportações de
gás também passou a ser uma constante. Em 2008, a Argentina suspendeu totalmente o
suprimento energético ao Chile durante alguns dias de maio e junho. Em 2009, em pleno
rigoroso inverno chileno, as restrições à venda chegaram a 90% da quantia acordada
(LORENZINI, M. E; CEPPI, N. 2010).
Esses incidentes geraram grande repercussão nas relações diplomáticas de Argentina e
Chile em virtude da elevada dependência do último pelo gás natural argentino. Com efeito, de
acordo com Lorenzini e Ceppi (2010), a principal fonte da matriz energética chilena
corresponde ao gás natural, do qual cerca de 80%, entre 2004 e 2007, provinha da
62
Segundo Lorenzini e Ceppi (2010), a produção e o fornecimento de gás natural argentino sofreram pressão em
duas frentes: do lado da demanda, pelo incremento prodigioso do consumo interno alavancado com o processo
de recuperação da economia argentina, cuja média de crescimento anual foi de 8,7% entre 2003 e 2007 (BANCO
MUNDIAL, 2013); do lado da oferta, pela política de controle das tarifas de energia para controlar a inflação e
que desestimulou inversões privadas no setor, atrelada à política de corte dos gastos públicos que incluía a
redução do investimento estatal na extração energética, implementadas por Duhalde e Kirchner no período de
reestruturação econômica pós default.
63
Nomeadamente a YPF (Yacimiento Petroléferos Fiscales), empresa que havia participado das conversações
que estabeleceram o ACE16 e que durante a administração de Menem foi vendida ao grupo petrolífero espanhol
Repsol.
84
Argentina 64 . Assim pois, os sucessivos cortes de fornecimento e o aumento das tarifas
trouxeram enormes prejuízos ao Chile: diminuição da produtividade das empresas chilenas,
afetando tanto os setores industrial e comercial, quanto o residencial-domiciliar, o que
impactou negativamente o ritmo de crescimento do PIB no período; geração de alto custo
político ao governo chileno, devido ao aumento das tarifas domésticas de energia elétrica e de
combustível; incremento dos custos de oportunidade em se buscar novos provedores regionais
(o que é bastante complicado em razão da delicada relação diplomática com o Perú e do
problemático diálogo político com a Bolívia) ou reestruturar a composição da matriz
energética nacional; ameaça à sustentabilidade ambiental do país, particularmente, à
qualidade do ar na região metropolitana de Santiago, ao impulsionar a exploração de fontes
nacionais de energia, no caso as hidroelétricas e os combustíveis fósseis.
Consoante de la Balze (2010), a crise do gás natural, como ficou conhecido esse
imbróglio diplomático, ao reavivar rivalidades históricas, acabou gerando desconfiança e
inimizades entre as opiniões públicas de ambos países. Surgiram especulações, em 2004, de
que, quando Kirchner ainda era governador da província de Santa Cruz e Fernández senadora
pela mesma província, o casal desferia críticas contundentes à decisão dos presidentes
Alfonsín e Menem de resolver definitivamente e de maneira desvantajosa à Argentina os
conflitos territoriais com o Chile. Outrossim, em 2005, foi divulgado extraoficialmente um
comentário inoportuno que Cristina Fernández teria feito para o presidente do Senado chileno,
Gabriel Valdez: “que en caso de que Chile iniciara alguna acción judicial, ella recomendaría
al gobierno argentino el corte total del suministro de gas” (LORENZINI, M. E; CEPPI, N.
2010, p. 419). A situação só vei a se complicar quando o governo argentino estreitou os laços
com a Bolívia e firmou um tratado de cooperação energética de importação dos gás natural
boliviano. Todavia, para a concretização do acordo, o governo da Bolívia impôs a condição de
que nenhuma molécula de gás boliviano fosse transplantada pela Argentina ao Chile.
No que diz respeito ao Uruguai, as desavenças não foram menos complexas, de modo
que até hoje as relações diplomáticas entre os dois países encontram-se desgastadas.
Consoante Almeida (2007), nos inícios dos anos 2000, o governo uruguaio autorizou a
construção de duas usinas de celulose às margens do Rio Uruguai, na região fronteiriça com a
64
Ademais, o Estado andino possui séria deficiência na produção nacional de energia, sendo este problema um
dos maiores empecilhos à sustentabilidade de seu crescimento econômico: as reservas existentes de gás natural
localizam-se, em sua grande maioria, no extremo sul do país, próximas ao Estreito de Magalhães, o que dificulta
sobremaneira sua extração; a capital nacional, Santiago, enfrenta sérios problemas ambientais, particularmente
de poluição do ar, o que dificulta a instalação de plantas energéticas de combustível fóssil; o potencial
hidroelétrico é bastante limitado pela geografia do país bem como pelas estações de seca (LORENZINI, M. E;
CEPPI, N. 2010).
85
Argentina. Alegando descumprimento aos dispositivos jurídicos do Estatuto do Rio Uruguai,
os quais, em linhas gerais, obrigam as partes contratantes (Argentina e Uruguai) a estabelecer
comunicação prévia acerca da realização de eventuais obras que possam prejudicar a
navegação, o regime ou a qualidade das águas deste rio, o governo argentino questionou a
iniciativa uruguaia, acusando-a de perpetrar danos ambientais à região. Diante da quase
indiferença por parte das autoridades políticas do Uruguai e do prosseguimento das obras de
instalação das usinas, grupos de cidadãos argentinos 65 , com o apoio de movimentos
ambientalistas, como o Greenpeace, e de figuras políticas do governo da Argentina (entre eles
o governador da Província de Entre Ríos, Jorge Busti), passaram a bloquear, com frequência,
o acesso às pontes internacionais que interligam importantes cidades argentinas e uruguaias.
As intermitentes obstruções ao tráfego acabaram ocasionando prejuízos econômicos
ao Uruguai, ao comprometer sua atividade produtiva, o comércio regional e o turismo
internacional, o que motivou este país, uma vez esgotadas as negociações bilaterais, a recorrer
ao mecanismo de solução de controvérsias no âmbito do MERCOSUL, bem como de outras
instâncias internacionais, a exemplo da OEA e da Corte Internacional de Justiça (CIJ). A
Argentina, por sua vez, seguiu os mesmos passos de seu vizinho, demandando-o
juridicamente também perante à CIJ. A decisão judicial de tal Corte foi pautada pelo princípio
da proporcionalidade,
exigindo,
por
um lado,
que os manifestantes argentinos
desbloqueassem as pontes de acesso entre os países e cobrando, por outro lado, que as usinas
químicas instaladas não Uruguai realizassem o devido controle da poluição por elas gerada.
A querela política entre Argentina e Uruguai, que ficou conhecida como “caso das
papeleiras”, seguiu num impasse diplomático nos anos subsequentes. Em 2008, por exemplo,
após ameaçar sair do MERCOSUL, o presidente uruguaio, Tabaré Vasquez, anunciou que
vetaria a candidatura de Néstor Kirchner a secretário geral da UNASUL. Porém, com a
redução dos protestos argentinos na região fronteiriça e a transição de governo no Uruguai, o
novo presidente deste país, José Mujica, suspendeu o veto à candidatura do ex-mandatário
argentino.
Diante de todo o exposto neste capítulo, argumenta-se que uma explicação possível
para a menor inserção internacional da Argentina nos últimos dez anos encontra-se, pois, no
atual paradigma das relações exteriores deste país, em cuja constituição a crise econômica
65
Críticos do governo de Kirchner como Carlos Escudé afirma que esses grupos eram compostos em sua maioria
por manifestante piqueteros. (SANTORO, M. 2008) Assim, por ser aliado desses movimentos sociais desde o
início de sua administração, Kirchner teria dado respaldo aos protestos contra a instalação das papeleiras.
Consoante Malamud (2011), a motivação precípua para esse suporte seria o angario de apoio político e eleitoral.
86
institucional de 2001 teve um papel fundamental. Esse paradigma, intitulado Omnibalancing
por Corigliano (2007), possui as seguintes características: i) percepção das elites dirigentes
argentinas de que o país encontra-se depauperado em função da adoção, na década de 90, de
políticas neoliberais exortadas pelos EUA e pelas agências financeiras internacionais
lideradas pelo FMI e pelo Banco Mundial, responsáveis por levar o Estado argentino à beira
do penhasco em 2001; ii) percepção das elites dirigentes de que a política de alinhamento aos
EUA trouxe baixo retorno ao país, e que, face o declínio relativo da hegemonia estadunidense
bem assim a reorientação do foco de sua política exterior à Eurásia, a Argentina deveria
buscar novas alternativas de aliança política e econômica no cenário internacional; iii)
politização do interesse nacional, em fervorosa crítica ao tom economicista impresso nos anos
90, buscando-se, sobretudo, maior autonomia política e recuperação da reputação argentina no
cenário internacional. No entorno regional, almeja-se o contrabalanceamento da liderança
brasileira. Todavia, em razão dos diversos constrangimentos externos e internos, o interesse
nacional argentino não mais se projeta internacionalmente, restringindo-se às demandas
imediatistas da política doméstica, restando pouca atenção para o planejamento em longo
prazo de estratégias coerentes de inserção internacional; iv) em termos de estratégia de
inserção internacional, abandono da política de alinhamento automático aos EUA e ênfase na
aproximação
com os países sul-americanos,
nomeadamente Venezuela,
Brasil
e
MERCOSUL; elevada retórica antiamericana, anti-imperialista, anti-mercado, esquerdista e
nacionalista, adotando-se uma postura mais defensiva e introspectiva, em paralelo a
pragmatismo na conduta exterior, ao manter o diálogo e as relações diplomáticas e comercias
com os EUA e potências europeias, buscando com isso renegociar seus compromissos
econômicos e reinserir-se no sistema financeiro internacional66. v) estratégia heterodoxa de
desenvolvimento econômico, que, conquanto tenha logrado prodigiosa recuperação
econômica no pós-crise 2001, esgotou-se diante do persistente constrangimento externo
consubstanciado com a crise econômica internacional de 2008, resultando num quadro de
elevada instabilidade monetária 67.
66
É justamente devido a esse movimento pendular da política externa argentina entre ideologia e pragmatismo
que Corigliano denomina o paradigma de suas relações exteriores como Omnibalancing.
67
Nas palavras de Corigliano (2007, p. 15), esta seria a definição do Paradigma Omnibalancing: un modelo
basado en el quiebre de la relación financiera con el Fondo, la exportación de commodities (soja) y retención de
exportaciones y, como conducta de política exterior, el omnibalancing. Esta última condiciona la política
exterior a lãs necesidades políticas internas de corto plazo, exacerbando las tácticas pendulares propias de la
“Tercera Posición” peronista. Pero, a diferencia de esta última, el omnibalancing renuncia momentáneamente a
la tradicional vocación argentina de liderazgo regional, y juega entre dos ejes externos: el encabezado por
Washington y el protagonizado por La Habana y Caracas”.
87
5.2 POLÍTIXA EXTERNA DE LULA (2003-2010)
Em 2003, Lula assumiu a presidência brasileira numa conjuntura econômica delicada,
marcada pelo que alguns estudiosos chamam de “crise de credibilidade” (FONSECA;
CUNHA; BICHARA, 2012). Tal crise plasmou-se na elevação abrupta da taxa de câmbio,
provocada pela retirada maciça de capitais especulativos do país por parte de investidores
estrangeiros temerosos de que a eleição dum candidato do partido de esquerda (Partido dos
Trabalhadores – PT) viesse a significar uma ruptura com o modelo macroeconômico
neoliberal que até aquele momento vinha sendo implementado. De fato, conquanto ainda
durante a campanha eleitoral Lula tenha dado sinais que indicavam mais continuidade do que
mudança no que tange à condução da política econômica 68, até sua posse em janeiro de 2003,
estudantes, trabalhadores, parte da intelectualidade e da classe média brasileiras nutriam
alguma esperança de que a eleição do novo presidente traria consigo reformas econômicas e
sociais que revertessem a concentração de renda e de poder no setor financeiro (privilegiado
com a política de juros altos), em favor do setor produtivo nacional e das classes populares.
Não à toa, historicamente o PT sempre esposou um discurso de crítica às políticas neoliberais,
as quais o partido costumava denunciar como políticas de/para banqueiros. Assim pois, o
receio de que o novo governo, por razões ideológicas e em busca do apoio eleitoral, adotasse
medidas ditas populistas que contrariassem as leis do mercado gerou grande desconfiança no
sistema financeiro internacional69.
Condicionado em boa medida pela possibilidade de que uma nova crise cambial
estalasse, colocando em risco a estabilidade econômica e política nos primeiros anos de
governo, Lula deu continuidade ao chamado tripé macroeconômico que caracterizara a gestão
de Fernando Henrique Cardoso nos anos pós-crise do real, em haver: manutenção de robusto
superávit primário 70 , metas de inflação caucadas em elevadas taxas de juros 71 e câmbio
68
A exemplo da Carta ao Povo Brasileiro, escrita na reta final da campanha, onde Lula se compromete a manter
a estabilidade econômica e o respeito aos contratos nacionais e internacionais (FONSECA; CUNHA;
BICHARA, 2012).
69
Na verdade, já se verificavam ataques especulativos à moeda brasileira durante todo o processo eleitoral de
2002. De acordo com Fonseca, Cunha e Bichara (2012), entre os meses de janeiro e outubro deste ano, a taxa de
câmbio sofreu uma desvalorização nominal de 60%.
70
Em conformidade a Teixeiro e Pinto (2012), entre 2003 e 2010, os superávits primários somaram um montante
de R$ 758,8 bilhões.
71
Apesar de mostrar uma tendência declinante (de 23,79% para 9,9%), entre 2003 e 2010, a média anual da taxa
de juros foi aproximadamente 15% (CEPALSTAT, 2013). Essa elevada taxa de juros impactou negativamente a
88
flutuante levemente sobrevalorizado 72 em razão do intenso fluxo externo de capital 73 .
Argumenta-se aqui que, pelo fato de a crise financeira de 1999 não ter produzido tamanha
repercussão econômica e política como ocorrera na Argentina (isto é, elevada recessão e
desemprego, aumento da pobreza e da miséria e crise de governabilidade), a percepção das
massas, das elites e da maior parte dos dirigentes políticos brasileiros não foi tão afetada a
ponto de induzir um descontentamento geral que implicasse a negação total das políticas do
governo anterior. Com efeito, diferentemente do forte sentimento antimenemista verificado na
Argentina, que obrigou o novo governo a diferenciar-se onde possível fosse do anterior, no
Brasil, a estabilidade monetária lograda pelo real foi concebida como um legado do governo
FHC a ser preservado74.
Porém, também é verdade que a crise do real na virada do século atrelada ao forte
protecionismo comercial por parte dos países centrais fizeram com que o governo brasileiro
assumisse uma postura mias crítica em relação à globalização e à livre regulação do mercado.
Conforme Cervo e Clodoaldo (2010), enquanto assumiu a pasta do Ministério de Relações
Exteriores (2003-2010), o chanceler Celso Amorim preconizou a ideia segundo a qual a fé
cega na abertura dos mercados e na retração do Estado é incapaz de induzir o
desenvolvimento e a igualdade entre as nações. Deixando de lado o viés governista, parece
razoável dizer, em consonância a Teixeira e Pinto (2012), que o governo Lula, ao menos em
seu segundo mandato, promoveu certa flexibilização da política econômica, constituindo
exemplos disso: i) a adoção de medidas voltadas à ampliação do crédito ao consumidor e ao
mutuário; ii) o aumento real no salário mínimo, que, em conformidade a Fonseca, Cunha e
Bichara, foi de 57% entre 2002 e 2010, atingindo o maior patamar desde o começo dos anos
1970; iii) a adoção de programas de transferência de renda direta, a exemplo do bolsa família,
dívida líquida interna do setor público, que saltou de 43,5% do PIB em dezembro de 2003 para 48,7% do PIB em
dezembro de 2010. Nesse período, o montante pago com juros foi de R$ 1,49 trilhões (TEIXEIRA; PINTO,
2012).
72
Entre 2003 e 2010, a moeda brasileira sofreu apreciação de 42,8% (TEIXEIRA; PINTO, 2012).
73
Sobre a condicionalidade externa imposta a Lula, Fonseca, Cunha e Bichara (2012, p. 13) afirmam: “Qualquer
novo governo que assumisse em tais condições muito provavelmente teria como prioridade, ao menos no curto
prazo, o retorno à ‘normalidade’, mesmo que isso implicasse na adoção de medidas fiscais e monetárias
fortemente contracionistas. No caso concreto do Brasil, o governo recém eleito contava com uma significativa
desconfiança do mercado financeiro internacional”. Nesse sentido, “é no contexto de uma transição complexa e
em meio às pressões financeiras geradas pela desconfiança dos credores é que se deve analisar as opções e
estratégias de ‘continuidade’ [...]”
74
Assim, enquanto que na Argentina a estratégia de desenvolvimento econômico foi alterada a partir da
mudança de governo em 2002, voltada ao setor produtivo-industrial e ungindo-se de traços heterodoxos, no
Brasil, a estratégia manteve-se praticamente a mesma, ortodoxa, orientada ao setor financeiro, somente
apresentando algumas nuanças a partir do segundo governo de Luiz Inácio.
89
que alcançou cerca de 11 milhões de famílias (FONSECA; CUNHA; BICHARA, 2012); iv) a
criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a ampliação da atuação do
BNDES para estimular o investimento público e privado bem como auxiliar a
internacionalização das empresas nacionais; e v) as medidas anticíclicas de combate a crise
internacional, a partir de 2009, estribadas em menores taxas de juros e incentivos fiscais
destinados ao incremento da demanda interna. (TEIXEIRA; PINTO, 2012).
Enfim, o fato é que os bons resultados econômicos logrados entre 2003 e 2010
contribuíram sobremaneira para aumentar a projeção internacional do Brasil75. De acordo com
Teixeira e Pinto (2012), no período em apreço, o Brasil atravessou o seu maior ciclo de
crescimento desde a malograda “década perdida” (1980): a média anual do crescimento do
PIB foi de 4,1%76; o consumo das famílias e os investimentos públicos e privados elevaramse em 4,5% e 7,5% ao ano em média, respectivamente, ao passo que a formação bruta do
capital fixo em relação ao produto subiu de 15,3% em 2003 para 19,5% em 2010; entre 2003
e 2010, o salário mínimo real ascendeu de US$117,4 para US$182,1; não obstante a expansão
da renda, a inflação (IPC) caiu de 14,7% para 5%77; entre 2003 e 2009, decresceram as taxas
de desemprego (12,3% - 6,7%), pobreza (20,60% - 10,82%), indigência (11,21% - 6,14%) e o
índice de gini78 (58,8 – 54,7) (CEPALSTAT, 2013 e BANCO MUNDIAL, 2013).
No setor externo, alguns resultados igualmente foram alentadores. Entre 2003 e 2010,
a média anual do saldo da balança comercial foi de aproximadamente US$32,5 bilhões e o
montante agregado de US$259,8 bilhões 79 . Por sua vez, a média anual do saldo na conta
capital e financeira foi de US$39,6 bilhões, com montante agregado de US$316,9 bilhões.
Com esses valores, verificou-se superávit na balança de pagamentos durante todo o período
em análise, numa média anual de US$ 31,8 bilhões, responsável pela soma em dez anos de
75
Uma visão bastante diferente e crítica a esse respeito deve ser consultada em Gonçalves (2011).
76
Consoante Teixeira e Pinto (2012, p. 18), “as taxas médias de crescimento do PIB nos dois governos Lula
(3,5% entre 2003 e 2006; 4,6% entre 2007 e 2010) foram maiores do que as dos dois governos FHC (2,4% entre
1995 e 1998; 2,1% entre 1999 e 2002)”.
77
Conforme Teixeira e Pinto (2012, p. 18), “[...] a inflação (IPCA) durante o governo Lula ficou quase sempre
próxima ao centro da meta. Em 2006, 2007 e 2009, por exemplo, a inflação foi menor do que a meta”.
78
De acordo Fonseca, Cunha e Bichara (2012), desde 2002, cerca de 25 milhões de brasileiros ascenderam aos
estratos médios da pirâmide social.
79
Os volumosos superávits comerciais permitiram que, entre 2003 e 2007, o sinal da conta de transações
correntes, caracteristicamente negativo durante toda década de 90, fosse revertido, apresentando pequenos
superávits que chegaram a ordem de US$15 bilhões em 2005 (CEPALSTAT, 2013). Mais, a tendência
superavitária do comércio exterior brasileiro entre 2003 e 2010 reverteu também a tendência a déficits
comerciais verificada na segunda metade dos anos 90 (BAUMANN, R. 2010).
90
US$254,7 bilhões. Nesse panorama, as reservas internacionais brasileiras saltaram de
US$49,3 bilhões em 2003, para US$288,6 bilhões em 2010, ou seja, um incremento de 5,8
vezes o valor inicial. No que tange a dívida líquida externa total e a dívida líquida pública
total, ambas foram reduzidas: 38,9%/PIB – 12%/PIB e 54,8%/PIB – 39,6%/PIB,
respectivamente80 (CEPALSTAT, 2013 e BANCO MUNDIAL, 2013).
Paralelamente à vultosa entrada de capital externo, verificou-se um processo
significativo de internacionalização de grandes empresas nacionais, acompanhado do
aumento, em níveis até então inéditos, de investimento externo brasileiro que, segundo
Baumann (2010), atingiu record em 2006, com US$28 bilhões em inversões. Nesse sentido,
em muito contribuiu a política do governo brasileiro de estímulo e financiamento, através
principalmente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para a
associação a e aquisição de grandes companhias81, como forma de fortalecer e consolidar o
grande capital nacional, de sorte a torná-lo páreo à intensa competição internacional
(BAUMANN, R. 2010). Nesse tocante, as firmas que mais se destacam são aquelas ligadas à
mineração, energia e bens primários, merecendo ser nomeadas a Gerdau (presente em 13
países), Vale (25 países), Petrobrás (26 países), Votorantim (14 países), Camargo Correa (13
países) e JBS (14 países) 82 . Também alguns bancos comerciais e de desenvolvimento
brasileiros expandiram suas operações de créditos internacionalmente, destacando-se,
respectivamente, o Itaú e, novamente, o BNDES em financiamentos a países sul-americanos83
(BAUMANN, R. 2010).
Assim como no governo de Kirchner na Argentina, as externalidades positivas
provenientes da favorável conjuntura econômica internacional84 foram fundamentais para o
80
Além disso, em 2005, o governo brasileiro antecipou o pagamento da dívida (em vencimento) com o FMI,
cujo montante era de aproximadamente US$15,5 bilhões. Dois dias depois, Kichiner fez o mesmo com a dívida
argentina. A partir de então, consoante Bernal-Meza (2010), o Brasil abandonou o discurso de crítica ao FMI e
passou a atuar no sentido fortalecer a instituição, tornando-se um país credor.
81
Conforme Clodoaldo e Cervo (2010), na América do Sul, o principal destino para os investimentos brasileiros
são a Argentina. Várias empresas daquele país foram adquiridas por transnacionais brasileiras, tais quais: a
Qilmes pela Ambev (setor de bebidas), a Swift Armour pela Friboi (setor de alimentos) e a Loma Negra pela
Camargo Corrêa (setor de cimento), sem falar na intensa atividade desenvolvida pela Petrobrás na distribuição
local de combustível.
82
Além dessas companhias, vale à pena mencionar ainda a Embraer, Odebrecht, Braskem e WEG (CERVO;
CLODOALDO, 2010).
83
Segundo Fonseca, Cunha e Bichara (2012), o fato de essas grandes empresas e bancos brasileiros terem
passado quase incólumes pela crise econômica de 2008 consiste numa prova de sua solidez.
84
Como já mencionado no capítulo anterior, a conjuntura econômica internacional que se estendeu mais ou
menos de 2003 a 2008 caracterizou-se, em linhas gerais, por elevada liquidez internacional oriunda da política
expansionista (e.g. redução da taxa de juros) estadunidense pós 11 de setembro e do intenso crescimento do
91
bom desempenho da economia brasileira, mormente durante a primeira gestão de Lula.
Destarte, consoante Teixeira e Pinto (2012), entre 2003 e 2006, o motor do crescimento
brasileiro foi principalmente o acentuado aumento das exportações brasileiras. No entanto,
entre 2007 e 2010, sobretudo quando os efeitos da crise econômica se fizeram sentir a partir
de 2008, a economia brasileira foi puxada pela expansão do mercado interno, que foi o
responsável pela recuperação da atividade produtiva nacional e pela abertura de oportunidades
rentáveis aos investidores estrangeiros que, num contexto internacional de estagnação
econômica em mercados tradicionais (EUA e Europa), transferiram volumosa quantia de
capitais à economia brasileira.
Nesse segundo momento, conforme Teixeira e Pinto (2012), a flexibilização da
orientação contracionista da política econômica levada a cabo pelo presidente Lula exerceu
um papel chave. De fato, teriam sido o incremento dos investimentos e do consumo privado
(especialmente das famílias), alavancados por i) políticas de renda e distributivas, ii) pela
expansão dos créditos85, e iii) por medidas contracíclicas de combate à crise internacional,
plasmadas sobretudo em reduções de imposto público 86 , os grandes responsáveis pela
expansão da demanda interna e conseguinte reaquecimento econômico.
De acordo com Baumann (2010), o conjunto desses resultados positivos passou a
indicar, por um lado, uma menor vulnerabilidade, e por outro lado, uma maior solvência da
economia brasileira, repercutindo favoravelmente à reputação externa do país, de modo a
reduzir o risco-país e projetar o Brasil internacionalmente. Nas palavras do autor: “this set of
characteristics, on its turn, has helped to foster the country’s external image and has given
support to a more pro-active positioning in the international scenario” (BAUMANN, R. 2010,
p. 34). Com efeito, no início dos anos 2000, economistas do departamento de pesquisa do
banco Goldman Sachs elaboraram o acrônimo BRIC (referindo-se a Brasil, Rússia, Índia e
China) para designar os quatro países cujo potencial de crescimento econômico os projetaria,
em médio prazo, entre as maiores economias do mundo. Desde então, consoante Fonseca,
Cunha e Bichara (2012), acadêmicos, analistas de mercado e tomadores de decisão viriam,
cada vez mais, concentrando sua atenção nas potências emergentes do século XXI. Como
produto chinês e indiano. Acrescente a essas condições favoráveis o incremento da demanda mundial por bens
primários que pressionou os preços das commodities e fêz com que os termos de troca do Brasil crescessem
39,9% entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010 (TEIXEIRA; PINTO, 2012)
85
86
De 26,1% do PIB em 2003 para 45,2% do PIB em 2010.
Dentre eles, o imposto de renda (IR), o IPI em carros novos, material de construção e eletrodomésticos, o IOF
na concessão de crédito para as pessoas físicas e o COFINS sobre moto (TEIXEIRA; PINTO, 2012).
92
consequência, mesmo enfrentando uma pequena recessão em 2009 (-0,3% do PIB), o Brasil
recebeu o status de grau de investimento pelas principais agências financeiras de rating.
É baseando-se nessa dinâmica da economia brasileira nos últimos dez anos que Cervo
e Clodoaldo (2010) dão o nome de Estado Logístico ao paradigma da política exterior do
Brasil que, a despeito de implantado ainda sob a liderança de FHC, só teria sido consolidado
no governo de Lula. Portanto, segundo a definição dos autores:
Logístico é aquele Estado que não se reduz a prestar serviço, como fazia á época do
desenvolvimentismo, nem a assistir passivamente às forças do mercado e do poder
hegemônico, como se portava à época do neoliberalismo. Logístico porque exerce a
função de apoio e legitimação das iniciativas de outros atores econômicos e sociais.
Contrariamente à presunção da literatura acerca da globalização, esse novo
paradigma introduzido por Cardoso e consolidado por Lula não admite que diante
das forças internacionais os governos sejam incapazes de governar. Visto que o
Brasil se apresenta como sociedade organizada, com suas federações de classe
articulando industriais, agricultores, banqueiros, operários comerciantes e
consumidores, cabe ao Estado apoiar a realização dos interesses desses segmentos
da sociedade [...] Como tudo isso depende do interno e do externo, entra com o peso
do nacional sobre a política exterior e torna-se agente da governança global. Essa
evolução permite tomar a política exterior da era Lula como passo firme rumo à
maturidade. (CERVO; CLODOALDO, 2010, pp. 494, 495).
Assim pois, para Clodoaldo e Cervo (2010), o paradigma do Estado Logístico i)
procura combinar o liberalismo ao desenvolvimentismo, o capitalismo ao estruturalismo
latino-americano; ii) estimula parcerias entre o Estado e a iniciativa privada, de forma que
esta exerça o papel empreendedor, e aquele, além de regulamentar e prover a estabilidade
macroeconômica, secunde a sociedade no fornecimento de apoio logístico e na defesa de seus
interesses 87; iii) favorece o capital nacional, incentiva a formação de grandes empresas de
matriz brasileira em setores em que a competitividade sistêmica é possível, e promove a
internacionalização do capital nacional estribando-se no funcionamento estratégico do
BNDES; iv) administra o processo de privatização para evitar o risco de consumar a
destruição do patrimônio nacional a cargo do Estado normal; v) e busca exercer maior
controle governamental sobre o processo de interdependência econômica, de maneira a
atenuar a dependência tecnológica e a vulnerabilidade externe do país88.
Em termos de política externa propriamente dita, as percepções dos líderes brasileiros
a respeito do contexto internacional e da importância do país, o interesse nacional e a
estratégia de inserção internacional foram ou modificados ou complementados durante o
87
Nesse sentido, a percepção de interesse nacional passa a ser setorial, em conformidade aos interesses concretos
dos diferentes grupos sociais. Contudo, a autonomia política do Estado, que durante os anos 90 fora relegada ao
segundo plano, volta a constituir um objetivo precípuo da política externa brasileira.
88
Novamente, para uma posição oposta e interessante à proposta de Cervo, deve ser consultado Gonçalves
(2011)
93
governo Lula. A partir de então, de acordo com Bernal-Meza (2010), a diplomacia brasileira
passou a ser pautada pela corrente de pensamento realista das relações internacionais, em
substituição ao alegado idealismo kantiano ou neo-institucionalismo que caracterizara
sobretudo a primeira gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso 89 . Sob essa nova
perspectiva, as relações interestatais voltaram a ser concebidas como primordialmente
relações de poder, e o novo contexto internacional pós 11 de setembro como um palco de
acirrada disputa e competição entre grandes potências preocupadas em manter o status quo na
hierarquia da ordem internacional e as ditas médias, emergentes ou novas potências que
pressionam o reordenamento na distribuição mundial de poder e na estrutura relativa de
ganhos.
Portanto, a unipolaridade alicerçada na proeminência estadunidense, simbolicamente
contestada nos ataques terroristas de 2001 e materialmente desgastada frente os elevados
custos da guerra no Iraque encetada em 2003, transitou para um cenário multipolar, com o
surgimento de novos centros de poder, sobretudo na Ásia, capitaneados pelas gigantes China e
Índia90. O Brasil, ao solidificar sua visão de país forte, potência média ou nação emergente,
durante o governo Lula91, buscou a aproximação com esses países, e sepultou de uma vez a
política de alinhamento aos Estados Unidos, largamente perseguida durante boa parte dos
anos 90. Nesse sentido, o interesse nacional voltou a ser politizado (amenizando-se o teor
demasiado economicista do governo anterior), e a autonomia nacional, a liderança regional, o
reconhecimento enquanto global player bem assim a ascensão na hierarquia mundial de poder
se tornaram objetivos latentes da política externa brasileira 92.
89
Conforme Bernal-Meza (2010, p. 198), “FH Cardoso’s and Lula da Silva’s views on world politics and
globalization were confronted and opposed. The first adhered to neoliberalism, while Lula and his colleagues
adhered to neo-realism. Thus, while Cardoso confided in the ideal configuration of a new multipolar order with
the progressive development of more just and harmonious international relations, Lula kept a hierarchical view
of world power and was skeptical about the idealistic vision of a world overall more peaceful, cooperative and
harmonious”. Discordamos em parte da assertiva de Bernal-Meza, já que, como discutido nas páginas anteriores,
em sua segunda gestão, FHC mudou sua percepção a respeito do contexto internacional ao cunhar o conceito de
globalização assimétrica. Porém, concordamos que, apenas no governo Lula, essa postura mais crítica tornou-se
sólida.
90
Potências tradicionais, tais como os países reunidos na União Europeia, a Rússia e o Japão, também começam
a recuperar sua posição de poder, antes obnubilada pela hegemonia dos EUA, contribuindo para ensejar a
diversificação dos polos da ordem internacional.
91
Nas palavras do então chanceler brasileiro Celso Amorim: “Temos consciência de que a afirmação dos valores
e interesses brasileiros no mundo é- e sempre será- global em seu alcance. Sem entrar no mérito de saber se isso
é uma vantagem ou desvantagem, o Brasil não é um país pequeno. Não tem e nem pode ter uma política externa
de país pequeno” (AMORIM, 2007. Apud PECEQUILO, 2008, p. 143).
92
O embaixador brasileiro Souto Maior (2006, p. 54) descreve o objetivo da política externa brasileira desse
período nos seguintes termos: “simplificadamente, pode-se dizer que a ideia-chave subjacente à nossa atual
política regional é a construção de uma base subcontinental tão ampla e sólida quanto possível, de modo a firmar
94
Segundo Bernal-Meza (2010), o corolário dessa nova estratégia de inserção
internacional teria sido o estabelecimento pela diplomacia brasileira de linhas divisórias entre
as supostas zonas de influência no continente americano. Sob a liderança direta dos EUA,
estariam toda América do Norte e América Central. O MERCOSUL, tendo o Brasil a sua
frente, exerceria, pois, o contrabalanceamento à hegemonia estadunidense através de sua
crescente influência sobre a região sul-americana. Enfim, parecia que o Brasil aprendera com
as experiências históricas recentes e aperfeiçoara sua estratégia de inserção internacional,
substituindo a tática do “bom comportamento”, esposado na gestão de FHC, pela barganha de
alto perfil, a partir do governo Lula (PECEQUILO, 2008). O Brasil se colocava, pois, não
mais como um novo país a ser inserido no primeiro mundo, mas sim como uma potência
média supostamente líder das nações emergentes.
Inevitavelmente, a reorientação da política exterior brasileira acabou gerando algum
atrito com os EUA, embora, diferentemente de Kirchner na Argentina, Lula não tenha
esposado um discurso hostil anti-estadunidense (VISENTINI; SILVA, 2010). Em 2003, a
diplomacia de Lula condenou a postura unilateral dos EUA ao iniciar a guerra contra o Iraque
sem o necessário respaldo da ONU. Já naquele momento, o Brasil preconizava, ao lado de
França, Rússia e Alemanha, o multilateralismo na condução da política internacional. De
acordo com Bandeira (2005, p. 8), estas teriam sido as palavras do mandatário brasileiro em
crítica ao presidente estadunidense George W. Bush: “El presidente Bush (…) le falta el
respeto a la ONU, no tiene en cuenta al Consejo de Seguridad y lo que piensa el resto del
mundo. Creo que esto es grave. Grave para el futuro de la ONU, que es una referencia de
comportamiento para las naciones del mundo entero”.
No mesmo ano, as divergências se acentuaram quando o Brasil intensificou sua
posição contrária às práticas comerciais protecionistas dos países europeus e dos EUA. Desse
modo, na Conferência da OMC ocorrida em Cancún (México), no âmbito da Rodada Doha de
negociações multilaterais, o Brasil articulou a formação do bloco G-20 comercial93, coalizão
política em que vinte países emergentes unem-se em torno da reivindicação pela eliminação
ou redução dos subsídios à produção e à exportação de bens agrícolas, além da supressão de
barreiras à importação destes produtos por parte dos países centrais (CERVO; BUENO,
a liderança brasileira na América do Sul, o que deveria facilitar, no âmbito mundial, o exercício de uma política
de potência emergente”.
93
Desde 2007, o G-20 passou a ser composto por 23 países, quais sejam: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba,
Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela (na América Latina); África do Sul, Egito,
Nigéria, Tanzânia e Zimbábue (na África); e China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia (na Ásia).
95
2010)94 . Segundo Pecequilo (2010), após o evento, o Brasil foi criticado pela diplomacia
estadunidense, sendo intitulado pelo representante comercial (USTR) Robert Zoelick como “o
país que só diz não”95.
Ainda em 2003, Lula ensejou um movimento de reaproximação com o governo de
Cuba, firmando com este país acordos de cooperação em matéria financeira, turismo, saúde,
agricultura, pesca, meio ambiente, educação e intercâmbio comercial (BANDEIRA, 2005).
Tal iniciativa causou certa apreensão por parte dos líderes políticos estadunidenses, receosos
que o Brasil igualmente descambasse para aliança esquerdista que se afigurava no
subcontinente sul-americano sob a liderança de Caracas.
Dois anos depois, a diplomacia brasileira assumiu a mesma posição crítica defendida
em Cancún com relação aos termos de negociação propostos pelos EUA para o projeto
ALCA. Consoante Bandeira (2005), este projeto incluía temas que transcendiam os aspectos
estritamente comerciais: também estavam presentes normas para regulamentação de serviços,
investimentos,
compras
governamentais
e
propriedade
intelectual,
limitando
significativamente a autonomia e a capacidade regulatória dos governos nacionais 96. Além
disso, os Estados Unidos insistiam em limitar o livre acesso a seu mercado de produtos nos
quais o Brasil possuía vantagens comparativas (nomeadamente bens primários, e.g. açúcar,
aço e suco de laranja), assim como excluíam das negociações temas de importância prioritária
a este país, como os subsídios agrícolas e as medidas anti-dumping. Mais, o governo
estadunidense condicionava a eliminação dos subsídios agrícolas à suspensão dos mesmos por
94
Conforme Ferrari (2009, pp. 107-108), após a falta de resultados concretos no encontro de Cancun, o G-20
dedicou-se a intensas consultas técnicas e políticas, visando injetar dinamismo nas negociações. Foram
realizadas diversas reuniões ministeriais do grupo, além de frequentes reuniões entre chefes de delegação e altos
funcionários dos países. O grupo promoveu, ainda, reuniões técnicas com vistas a discutir propostas específicas
no contexto das negociações sobre agricultura da OMC e a preparar documentos técnicos, em apoio à posição
comum adotada pelo grupo.
95
Para uma leitura crítica da postura brasileira no âmbito do G-20 comercial, consultar: Bernal-Meza (2008).
Conforme o autor, com o desenrolar das negociações de Doha nos anos subsequentes, o Brasil acabou aderindo à
pressão exercida pelos EUA e pela União Europeia, de modo a contrariar os interesses daqueles países que
outrora, quando os interesses brasileiros ainda não tinha sido alcançados, foram seus aliados, tais quais,
precipuamente: Argentina, Venezuela, Índia e China. Consoante o autor (p. 27): “ [...] en la Ronda de Doha cada
país está negociando independientemente – a pesar de que intercambian ideas y posiciones -, aún cuando todo el
bloque forma parte Del G-20 liderado por Brasil e India. Todo indica que Brasil [...] se va apartando de la
posición más proteccionista de la Argentina, pero que fúe la común entre las grandes economías emergentes
(China, India, Brasil, África del Sur, Argentina) en el origen de las negociaciones”.
96
De acordo com Bandeira (2005, p. 14), no que tange às compras governamentais, “el interés de Brasil
consistía, sobre todo, en preservar su capacidad de seguir con una política de desarrollo, como en el caso de
Petrobrás, que priorizaba las industrias brasileñas en la adquisición de equipamientos para las plataformas de
petróleo, lo que no podría hacer más, si este sector fuese abierto a las competencias de las corporaciones
americanas”.
96
parte da União Europeia, assunto que deveria ser resolvido no âmbito da Rodada de Doha
(BANDEIRA, 2005).
Além da discussão relativa ao escopo e à abrangência, os desentendimentos entre
Brasil e EUA no âmbito da ALCA se deram em outras duas frentes: na estrutura e no
procedimento de implementação das normas de liberalização do projeto. Segundo Pecequilo
(2008), enquanto os Estados Unidos pretendiam abarcar todos os arranjos regionais do
hemisfério americano sob o guarda-chuva da ALCA, o que na prática significava o
desaparecimento de blocos como o MERCOSUL e a CAN (Comunidade Andina de Nações),
o Brasil advogava pela manutenção desses arranjos, concebendo-se a ALCA como o
somatório dos mesmos. Em acréscimo, “there was a clash regarding the pattern of talks and
implementation of decisions: Brazil preferred single harvest, that meant that all issues and
resolutions should be implemented at the end of all talks, and the US the early harvest, with
the gradual provision of rules” (PECEQUILO, 2010, p. 140). Assim, após os EUA, Canadá,
México, Chile e países da América Central e Caribe rejeitarem a proposta brasileira de iniciar
a integração hemisférica através duma versão “light” da ALCA, excluindo-se os temas não
comerciais tão preconizados pelos EUA, o malogrado projeto integracionista, que já vinha
sendo gestado desde 1994, foi finalmente sepultado durante a IV Cúpula das Américas de
2005, em Mar Del Plata, Argentina.
Nessa mesma época, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sob forte
estímulo do Departamento de Estado dos EUA, passou a pressionar o Brasil para que este
assinasse um acordo de salvaguardas para a inspeção do programa nuclear que estava sendo
desenvolvido pelo grupo de empresas estatal Indústrias Nucleares do Brasil, instalado em
Resende, Rio de Janeiro. Além disso, em parceria com os EUA, a AIEA também pressionava
para que o Brasil aderisse ao Protocolo Adicional ao TNP de 2005, exigindo que o governo
brasileiro suspendesse todos os programas de enriquecimento de urânio ou de
reprocessamento, e que permitisse a realização de inspeções internacionais, tanto nas
instalações nucleares, quanto em outras partes do território nacional consideradas suspeitas
(BANDEIRA, 2005). O Brasil não aderiu ao Protocolo Adicional de 2005 e continuou
restringindo o acesso dos inspetores da AIEA às instalações de enriquecimento de urânio até
2010, quando, mais uma vez, recusou-se em aderir ao Protocolo Adicional ao TNP de 2010,
alegando não ter intenções de desenvolver armas nucleares, mas que, ao mesmo tempo, visa
proteger a tecnologia nacional97.
97
O programa nuclear brasileiro se consolidou com o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa em 2008,
documento no qual o Brasil reitera seu compromisso com o uso pacífico da energia nuclear, mas, ao mesmo
97
Mais recentemente, a diplomacia brasileira entrou em atrito com o governo
estadunidense entorno da crise política em Honduras, em 2009, e na tentativa de mediar, em
2010, um acordo entre o Irã e a comunidade internacional sobre o processo de enriquecimento
de urânio neste país. Em 28 de junho de 2009, o Brasil, os Estados Unidos e a comunidade
internacional como um todo condenaram o golpe de estado que derrubara o então presidente
hondurenho Manuel Zelaya, exigindo o retorno do regime democrático naquele país. Após
ficar por algum tempo exilado na Costa Rica, e impossibilitado pelos militares golpistas de
retornar a Honduras, Zelaya conseguiu refugiar-se na embaixada brasileira em Tegucigalpa.
Enquanto isso, o governo interino, liderado por Roberto Micheletti, manteve o calendário
eleitoral que estabelecia eleições presidenciais para novembro de 2009. Foi a partir desse
momento que as posições de Brasil e EUA passaram a divergir: o primeiro cobrava o
cancelamento do processo eleitoral, antes que Zelaya reassumisse a presidência e pudesse
concorrer às eleições normalmente; o segundo aceitou que as eleições ocorressem na ausência
do mandatário deposto, o que de fato aconteceu, com a posse de Perfírio Lobo em 27 de
janeiro de 2010 98 . De acordo com Pecequilo (2010), uma vez consumada, o governo
estadunidense logo reconheceu a nova administração presidencial, ao passo que o Brasil se
recusou em fazê-lo. Na ocasião, surgiram especulações de que os EUA não teriam se
esmerado realmente em garantir o retorno de Zelaya ao poder em virtude de sua aproximação
com os líderes venezuelano Hugo Chávez e cubano Fidel Castro.
Em maio de 2010, após o fracasso da tentativa de acordo entre as autoridades de Teerã
e o intitulado Grupo de Viena (composto por Estados Unidos, Grã Bretanha, Rússia, França e
Alemanha), que preconizava transferir para França, sob os auspícios dos inspetores da AIEA,
o processo iraniano de enriquecimento de urânio, Brasil e Turquia assinaram um acordo
tripartite com o Irã, sob o suporte inicial de Washington, que previa o desenvolvimento do
tempo, ratifica a necessidade estratégica do desenvolvimento da tecnologia nuclear em sua matriz energética, na
saúde e na agricultura, invocando, para tanto, a autonomia nacional na produção e enriquecimento de urânio.
Conforme Bertonha (2009), o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa também significou uma iniciativa do
governo Lula, ainda que bastante limitada, de reestruturar as forças armadas do país, provendo, sobretudo,
maiores investimentos públicos no setor. De modo distinto, não se verificou na Argentina essa tentativa de
revitalizar e recuperar o defasado aparato militar, haja vista a tendência crescente de marginalização das forças
armadas a partir da redemocratização do país. “What is remarkable is that President Lula, an ex-trade union
leader and victim of the military dictatorship, is the president who has led the recovery of the nation’s military
power, in a situation that is almost the opposite of that in Argentina. There, the military lost their political power
and subsequent democratic governments have tended to assume a confrontation posture in relation to the Armed
Forces, which almost explains how they arrived at the critical operative, logistic and moral situation in which
they find themselves” (BERTONHA, 2009, p. 118).
98
Para saber mais sobre a crise política em Honduras, ver: Entenda a crise política em Honduras Manuel Zelaya
foi derrubado por um golpe militar em 28 de junho: Lobo venceu eleições em novembro; Congresso foi contra
volta de Zelaya. Informação postada no portal de notícia G1 Globo, 2010.
98
programa nuclear de Teerã em solo turco. Entretanto, apesar das declarações feitas antes e
depois do Acordo de Teerã, de que apreciavam o esforço brasileiro-turco e que encorajavam
os dois países a continuarem seus bons ofícios, líderes políticos dos EUA e das demais
potências, desconfiados da suposta possibilidade de manobra iraniana 99, rejeitaram a iniciativa
diplomática e optaram por impor mais uma rodada de sanções contra o regime dos ayatolás
(BIATO, 2010), sem falar nas ameaças de invasão militar feitas altos escalões das forças
armadas estadunidenses (PECEQUILO, 2010)100.
A despeito de todo o exposto acima, e como bem pontuado por Bandeira (2005), as
divergências entre o Brasil e os EUA não eram marcadamente ideológicas, como eram com a
Argentina e a Venezuela, por exemplo. O que houve, sim, foi o atrito de interesses entre as
nações, tanto políticos quanto econômicos, que se traduziram basicamente no intuito
brasileiro de se tornar um global player e aumentar sua influência no subcontinente latinoamericano. Reitera-se, mais uma vez, que o presidente Lula, diferentemente de Kirchner e
Fernández na Argentina, não incorporou um discurso antiamericano. De fato, de acordo com
Pecequilo (2008), a diplomacia de Lula teria se caracterizado pela coadunação dos eixos
Norte-Sul, horizontal-vertical, objetivando pragmaticamente incrementar a projeção
internacional do país enquanto potência emergente. Nesse sentido, o então chanceler
brasileiro, Celso Amorim, advogava que: “O grande diferencial é que deixamos de lado a
velha dicotomia (…): melhoramos nossas articulações com África, China, Índia- mas sem
hostilizar os EUA e a União Europeia que tem tido conosco um diálogo muito privilegiado
(...)” (PECEQUILO, 2008, p. 151).
Em relação aos Estados Unidos, por exemplo, conquanto a China tenha se tornado o
principal parceiro comercial do Brasil em 2009, e apesar da permanência de barreiras
estadunidenses às exportações brasileiras, as relações comerciais e econômicas entre os países
continuam bastante densas (PECEQUILO, 2008). Com efeito, os EUA seguem sendo o país
99
Segundo Biato (2010, p. 3), “Os setores mais conservadores nos EUA e na Europa não hesitaram em insinuar
publicamente que a iniciativa de Brasil e Turquia, mesmo se motivada por boa fé, era ingênua. Serviria na
prática aos propósitos iranianos de postergar indefinidamente um acerto de contas com a AIEA. Dar-se-ia assim
tempo a Teerã para ultimar uma suposta bomba secreta e criar um fato consumado irreversível no tabuleiro
estratégico do Oriente Médio. Brasília e Ancara estariam assim encorajando o Irã a burlar o regime de não
proliferação e fortalecendo a mão dos setores linha-dura dentro da Guarda Revolucionária iraniana”.
100
Conforme Souza Neto (2011), essa tentativa da diplomacia brasileira de mediar um acordo entre Irã e a
comunidade internacional se enquadra numa política mais ampla do governo Lula de aproximação diplomática e
econômica com Teerã, refletida na troca de viagens presidenciais e grupos de empresários entre os dois países ao
longo de 2009 e 2010, bem assim na posição brasileira favorável ao desenvolvimento iraniano de tecnologia
nuclear para fins pacíficos. Tal aproximação gerou grande desconforto não só em Israel e nos Estados Unidos,
mas principalmente na Argentina que, sob a liderança de Cristina Fernández naquele momento, esforçava-se por
penalizar os responsáveis iranianos pelos ataques terroristas de 1992 e 1994 (ver p. 69).
99
que mais investe no Brasil, além de ser o segundo maior parceiro em termos de comércio
exterior. Ademais, segundo Pecequilo (2010), a partir de 2005, Lula estreitou os laços
pessoais com Bush, mantendo uma relação cordial semelhante àquela nutrida por FHC e
Clinton. Nesse mesmo ano, fruto da política estadunidense de reaproximação aos aliados
regionais, Brasil e EUA estabeleceram uma parceria estratégica 101 que visava, entre outros
fins, incrementar a cooperação interestatal no que concerne à produção de biodiesel. Porém,
conforme a autora, a verdadeira motivação por trás dessa política de reaproximação dos EUA
era geopolítica, porquanto traduzida no receio de Washington de que o Brasil se inclinasse em
favor do projeto bolivariano protagonizado por Caracas. Nesse sentido, este país passou a ser
reconhecido pelos líderes políticos estadunidenses como um importante poder estabilizador da
região, e Lula, como o líder esquerdista responsável, ao contrário de Chávez, tido como
representante da esquerda má. Assim pois, na visão de Washington, “it was Brazil, the most
relevant power pole in South America, the one that could work as a regional balancer and an
honest broker” (PECEQUILO, 2010, p. 142).
Também com a União Europeia o Brasil estabeleceu uma parceria estratégica em
2007, na ocasião da Conferência de Cúpula Brasil-União Europeia, em Lisboa. A partir desse
momento, conforme Lessa (2010), a UE teria desistido, em razão das assimetrias estruturais e
da divergência de posições existentes intrabloco, de levar adiante as negociações comerciais
com os arranjos regionais a exemplo do MERCOSUL, optando por privilegiar o Brasil
enquanto representante da região 102. Além disso, a parceria estratégica de igual modo visou
promover maior cooperação política, principalmente em áreas de interesse comum, como a
reforma da ONU, o combate aos efeitos das mudanças climáticas, a produção e o comércio de
agrocombustíveis (SOUZA NETO, 2011). Por último, vale mencionar ainda que, em três
ocasiões diferentes, o presidente Lula foi convidado pelos membros do G-8 a participar de
suas reuniões. No último “diálogo ampliado”, em 2007, ocorrido em Berlim, a pauta de
discussão foi composta pelos temas de promoção de investimentos internacionais, proteção à
propriedade intelectual, cooperação no setor de energia e combate às mudanças climáticas e à
101
Consoante Pecequilo (2010, p. 142), “To stress the meaning of “Strategic Dialogue”, it should be remembered
that the US only shares this kind of dialogue with nations such as China, India and Great Britain”.
102
Essa aproximação com a União Europeia constitui uma evidência para aqueles que criticam a falta de
interesse concreto por parte do Brasil no fortalecimento da coesão política do MERCOSUL e outras instituições
do entorno regional. Para essa leitura, consultar (BERNAL-MEZA, 2008).
100
pobreza na África. O encontro contou com a presença dos presidentes do “G-5”: China, Índia,
África do Sul, México e Brasil (CERVO; BUENO, 2010)103.
Contudo, é bem verdade que o traço distintivo da política externa de Lula foi a grande
ênfase dada à cooperação horizontal e à projeção do Brasil no entorno regional (VISENTINI;
SILVA, 2010). A expansão e a diversificação das relações diplomáticas com países dos quatro
continentes almejaram não só lograr maior autonomia no contexto mundial - como bem
retrata o conceito de autonomia pela diversificação elaborado por Vigevani e Cepaluni (2007),
mas também alavancar a projeção internacional do país enquanto global player. Para Cervo e
Bueno (2010), nesse período, a atuação da diplomacia brasileira estribou-se no conceito de
multilateralismo da reciprocidade, uma espécie de aperfeiçoamento do conceito de
globalização assimétrica elaborado no governo anterior, a partir do qual o Brasil passou a
preconizar o respeito e o fortalecimento das regras e instituições internacionais de governança
global de sorte a se atenuar as relações assimétricas de poder na política internacional
outrossim possibilitar aos países subdesenvolvidos tratamento recíproco e maior participação
no processo de tomada de decisão internacional104. Destarte, a diplomacia de Lula manteve o
alto perfil internacional do país inaugurado ainda na gestão de FHC. A diferença é que agora,
conforme Souza Neto (2011), o Brasil teria qualificado sua inserção nos regimes de
governança global, assumindo uma postura de crítica mais do que de aceitação, como
prevalecera no primeiro governo de Cardoso105.
Dessa maneira, em 2003, a convite da diplomacia brasileira, os ministros das relações
exteriores do Brasil, da África do Sul e da Índia encontraram-se em Brasília e, através duma
declaração conjunta, constituíram o fórum de diálogo IBAS, também conhecido como G-3.
Entre os objetivos do grupo estão: promover o diálogo Sul-Sul, a cooperação e posições
comuns em assuntos de importância internacional, nomeadamente aqueles relativos à
segurança e ao comércio exterior; engendrar oportunidades de comércio e investimento entre
103
Consoante Cervo e Bueno (2010), “o convite feito ao G-5 não corresponde a uma cortesia, mas ao peso
desses emergentes para o encaminhamento dos temas e a solução dos problemas em âmbito global”.
104
Assim, de acordo com Cervo e Bueno (2010, p. 497), durante o governo Lula, “a diplomacia brasileira
elabora o conceito de multilateralismo da reciprocidade a partir do comércio e da segurança, por[em o estende a
todos os domínios das relações internacionais. O conceito envolve dois pressupostos: a existência de regras para
compor o ordenamento internacional sem as quais irá prevalecer a disparidade de poder em benefício das
grandes potências; e a elaboração conjunta dessas regras a fim de garantir reciprocidade de efeitos para que não
realizem interesses de uns em detrimento de outros”.
105
Segundo Souza Neto (2011, p. 101), “podemos identificar uma diferença entre os governos FHC e Lula em
relação ao posicionamento brasileiro a respeito do multilateralismo. O governo FHC seria caracterizado por uma
ênfase na obediência às regras (representada, por exemplo, pela adesão aos regimes internacionais), e o governo
Lula enfatizaria a participação ativa na produção dessas mesmas regras.
101
as três regiões das quais os países fazem parte; fomentar a redução internacional da pobreza e
o desenvolvimento social 106 ; estimular a cooperação em diversas áreas, como agricultura,
mudança climática, cultura, defesa, educação, energia, saúde, sociedade de informação,
ciência e tecnologia, desenvolvimento social, comércio e investimento, turismo e transporte
(FERREIRA, 2009).
Em 2004, juntamente à Alemanha, Índia e Japão, a diplomacia brasileira envidou
esforços em torno da ideia de reforma do Conselho de Segurança da ONU, mirando expandir
o número de membros permanentes e não permanentes da instituição, de modo a conferir
maior representatividade e transparência as suas decisões. A principal justificativa, no
entanto, foi a de que o contexto das relações internacionais contemporâneo é bastante
diferente daquele em que a ONU fora criada. Desde então, uma série de transformações
teriam ocorrido, notadamente na distribuição mundial de poder, tornando-se necessário que a
instituição se adaptasse aos tempos hodiernos. Em sendo assim, em 2005, esses quatro países,
sob o título de G-4, chegaram a apresentar um projeto específico de resolução que propunha a
inclusão de dez novos membros, sendo seis deles permanentes (dois da África, dois da Ásia,
um da Europa e um da América Latina) 107. Inicialmente, os novos membros agregados não
teriam direito a veto, o que poderia ser mudado quinze anos depois por uma resolução de
revisão.
Para dar racionalidade a sua candidatura ao posto de membro permanente do Conselho
de Segurança, ainda em 2004, o Brasil assumiu a liderança da Missão de Paz das Nações
Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), buscando exercer maior influência
discussões sobre planejamento e formulação das missões de paz no âmbito da ONU. Após o
terremoto que sacudiu o país em 12 de janeiro de 2010, o Brasil reforçou seu compromisso
com o Haiti, dobrando o contingente brasileiro na MINUSTAH (totalizando 2.400 homens) e
tornando-se um dos primeiros países a desembolsar os recursos prometidos para o processo de
106
Com o objetivo promover a cooperação intra-grupo bem como a assistência aos países menos desenvolvidos,
o G-3 possui como reserva de recursos o chamado Fundo IBAS de Combate à Fome e à Pobreza. Consoante
Visentini e Silva (2010, p. 60), “the fiduciary fund is used to implement scalable projects to be disseminated in
developing countries which may show interest in it. The projects are seen as instances of positive practice in the
fight against poverty and hunger, as well as actions in health, education, sanitary safety, and food security
improvement”.
107
De acordo com o Itamaraty (2010), 89 dos 192 membros da ONU declararam apoio à candidatura brasileira
ao posto de membro permanente da ONU, dentre os quais França e Reino Unido. Entretanto, é interessante notar
que nem China e Argentina, maiores parceiros econômicos do Brasil em nível mundial e regional,
respectivamente, respaldam a aspiração brasileira. No mínimo, esse fato revela que o Brasil não vem
conseguindo alcançar o nível de influência que almejara. Para uma abordagem crítica da política de projeção
internacional do Brasil, ler Malamud (2011b).
102
reconstrução. Diante da visibilidade que a tragédia alcançou na comunidade internacional, o
Brasil tem procurado manter a posição de destaque na mitigação do problema de fragilidade
estatal naquele país (SOUZA NETO, 2011).
À margem da 61° Assembleia Geral das Nações Unidas em 2006, os chanceleres de
Brasil, Rússia, Índia e China, iniciaram efetivamente um processo de aproximação política e
econômica entre seus países. O grupo passou a existir como uma plataforma internacional em
2009, com a I Cúpula de Chefes de Estado realizada em Ecaterimburgo. Os principais
objetivos do grupo consistem em promover a coordenação econômica e financeira entre seus
integrantes, assim como a reforma da governança global, de sorte a permitir a maior
participação dos países emergentes nos principais fóruns de decisão internacional.
O governo brasileiro também procurou sobremaneira estreitar os laços político,
culturais e econômicos com o continente africano. De fato, até junho de 2010, o presidente
Lula da Silva realizou 11 visitas ao continente. Das 43 novas embaixadas brasileiras
instaladas durante a gestão 2003-2010108, 19 foram na África (somando-se às 18 já existentes
anteriormente). Esse processo foi acompanhado pela inauguração de 17 missões de países
africanos em Brasília (somando-se as 16 que já existiam). Esses números credenciaram o
Brasil, no final do governo Lula, como a quinta maior presença diplomática no continente
africano, atrás apenas de EUA, China, França e Rússia 109. Essa expansão de representações
diplomáticas reflete o interesse brasileiro em adquirir respaldo político ao seu projeto de
projeção internacional e de maior influência no processo de governança global, porquanto 54
dos 192 membros da ONU são países africanos (SOUZA NETO, 2011). Também existe o
interesse econômico do Brasil na internacionalização de suas empresas, a semelhança da
Petrobrás e da Vale, bem assim no incremento das exportações para os países africanos 110. Por
último e não menos importante, a diplomacia de Lula desenvolveu estreita cooperação técnica
com a África, especialmente no que diz respeito ao combate à AIDs, com a vitória brasileira
na quebra dos direitos de patente de alguns medicamentos da doença. Com a Comunidade dos
108
A poucos meses de deixar cargo, Lula cria mais quatro embaixadas. Folha de São Paulo, 02 set. 2010.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/793218-a-poucos-meses-de-deixar-cargo-lula-cria-maisquatro-embaixadas.shtml. Acesso em: 18/03/2013.
109
FELLET, João. Brasil tem 5° maior presença diplomática na África. Jornal BBC Brasil, Brasília, 17 out.
2011. Disponível em: http://www.bbc. co.uk/ portuguese/noticias/2011/ 10 /111017_ diplomacia _
africa_br_jf.shtml. Acesso em: 18/03/2013.
110
Através, entre outros meios, do estabelecimento do acordo preferencial de comércio entre o MERCOSUL e a
União Aduaneira da África Austral (FERREIRA, 2009).
103
Países de Língua Portuguesa (CPLP)111, a cooperação se deu na área de segurança, ensino e
educação, negócios e política eleitoral. Merecem destaque a abertura de centros de ensino
técnico brasileiros no Timor Leste e em Angola, a disposição de urnas eletrônicas para o
pleito presidencial de Guiné-Bissau em 2008 (que no fim acabou adiado por conta do golpe
militar), bem como a instalação de uma fábrica de medicamentos antirretrovirais em
Moçambique (FERRARI, 2009).
Em nível regional, aproveitando-se do vácuo de poder produzido pela reorientação da
política externa estadunidense rumo à Eurásia no pós 11 de setembro e, sobretudo, com o
fracasso do projeto ALCA (PECEQUILO, 2008), o Brasil procurou exercer liderança no
processo de integração sul-americano. Daí a tentativa de revitalizar, a despeito das inúmeras
limitações, o MERCOSUL em 2003, incorporando novos temas ao projeto integracionista
(que não apenas os comerciais, característicos da década de 90) tais como integração da
infraestrutura energética e de transporte (continuidade e aprimoramento do IIRSA),
representatividade política do bloco e inclusão da sociedade civil (Parlamento do
MERCOSUL - PARLASUL), cooperação técnica em educação e ensino (Universidade
Federal de Integração Latino-Americana – UNILA) e complementação da estrutura produtiva
(Fundo para Convergência Estrutural do MERCOSUL – FOCEM), sem falar na inclusão de
aspectos, sociais, culturais, etc,
Daí também a proposta de criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA)
por parte da diplomacia brasileira, quando da III Cúpula da América do Sul realizada em
2004, na cidade de Cuzco. Em 2007, a CSAN se transformou na União das Nações SulAmericanas (UNASUL), abrangendo todos os países do subcontinente, com exceção da
Guiana Francesa. A União visa promover a integração da infraestrutura da região,
nomeadamente energética, produtiva e industrial, a cooperação setorial (saúde, educação,
cultura, ciência, etc.), assim como a edificação dum sistema de defesa regional. Nesse tocante,
cabe frisar novamente a iniciativa brasileira de criação do Conselho de Defesa SulAmericana, cujos objetivos são, longe de constituir uma aliança militar,
[...] articular uma posição comum entre os países sul-americanos a respeito de
operações de paz e crises humanitárias, promover o intercâmbio de experiências
entre os Estados nessa área, realizar exercícios militares que simulem crises
humanitárias, estimular a integração e o fortalecimento da indústria de defesa na
região, fomentar a confiança mútua entre os membros e contribuir para a cooperação
frente a desastres naturais [...] (SOUZA NETO, 2011, p. 106).
111
Compõem a CPLP os países Brasil, Portugal, Timor Leste, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe,
Moçambique e Angola.
104
Entretanto, é importante ter em mente as limitações da diplomacia brasileira em
projetar sua proeminência no entorno regional. Por um lado, conforme afirma Caballero
(2011), a atuação e a liderança regional brasileira foram questionadas em diversas ocasiões
por países vizinhos, a exemplo da Bolívia em 2006, quando filiais da Petrobrás neste país
foram nacionalizadas pelo governo boliviano, em pleno desacordo às condições dos contratos
energéticos bilaterais; do Uruguai, quando este ameaçou se retirar do MERCOSUL e
estabelecer um acordo de livre-comércio com os EUA, como forma de protesto frente à
indiferença brasileira em 2007 em relação à solução do “caso das papeleiras” dentro do
âmbito mercosulino; da pressão paraguaia a partir de 2008, com a eleição do presidente
Fernando Lugo, em renegociar os preços e a quantidade vendida ao Brasil da energia
sobressalente produzida pela hidrelétrica de Itaipu; e até mesmo a já citada reticência
argentina em apoiar o projeto da CASA, assim como a oposição à candidatura brasileira ao
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU112.
Portanto, argumenta-se aqui que uma possível explicação para a maior inserção
internacional do Brasil nos últimos dez anos encontra-se, pois, no atual paradigma das
relações exteriores deste país (Paradigma do Estado Logístico), caracterizado: i) pela
percepção das elites dirigentes brasileiras de que o país é uma potência média, uma nação
emergente, que procura melhorar sua posição, em compasso com outras potências
emergentes, no sistema internacional do início do século XXI, assinalado pela acirrada
disputa e competição interestatal; ii) pela percepção das elites dirigentes duma ordem
internacional unipolar em transição para uma ordem multipolar, diante do relativo desgaste da
hegemonia estadunidense em paralelo ao surgimento de novos centros de poder, sobretudo na
Ásia, capitaneados por China e Índia; iii) pela politização do interesse nacional,
contrabalanceando o teor econômico da década de 90, de sorte que, ao lado do
desenvolvimento econômico, o Brasil passou a preconizar a autonomia nacional, a liderança
regional, o reconhecimento enquanto global player, bem assim a ascensão na hierarquia
mundial de poder como objetivos legítimos da política externa brasileira; iv) em termos de
estratégia de inserção internacional, pelo abandono da política de alinhamento aos Estados
Unidos em paralelo à revitalização do multilateralismo, pela diversificação das relações
exteriores (autonomia pela diversificação), pela manutenção de boas relações com os países
desenvolvidos e pela ênfase na cooperação sul-sul (combinação dos dois eixos), buscando
112
Para saber mais a respeito dessas e de outras limitações, consultar Lechini e Giaccaglia (2010) e Malamud
(2011b).
105
aproximar-se de países emergentes dos quatro continentes, destacadamente China, Índia,
Rússia e África do Sul; v) por fim, pela estratégia ortodoxa de desenvolvimento econômico
que, apesar de bastante limitada em termos de crescimento do PIB e redução da
vulnerabilidade externa, logrou, em grande medida graças à conjuntura internacional
extremamente favorável, promover o crescimento econômico com estabilidade monetária, o
que credenciou o Brasil como potência emergente do século XXI113.
113
Para uma análise critica da política externa de Lula, ver Ricupero (2010).
106
7. CONCLUSÃO
A presente pesquisa buscou explicar porque o Brasil apresentou maior inserção
internacional do que a Argentina nos últimos dez anos (mais precisamente, entre 2003 e
2010). Para tanto, valendo-se do conceito de paradigma de política exterior desenvolvido por
Cervo (2003) e Corigliano (2007), buscou-se analisar comparativamente a história das
relações internacionais de ambos os países entre 1990 e 2010. Ampliou-se o período de estudo
até 1990, pois, para se entender a inserção internacional de Argentina e Brasil no início do
século XXI, foi necessário averiguar os constrangimentos externos e, frente a eles, as escolhas
feitas pelos dirigentes políticos argentinos e brasileiros para conformar seus países ao novo
contexto mundial que se afigurava no pós-Guerra Fria.
Dessa maneira, observou-se que, durante a década de 90, Argentina e Brasil
implementaram estratégias de inserção internacional bastante semelhantes. Em suas relações
exteriores, ambos os países procuraram, em menor e maior medida, aproximar-se política e
economicamente das nações desenvolvidas da Europa Ocidental e, sobretudo, dos Estados
Unidos da América. Tal aproximação significou, no plano externo, o alinhamento político aos
países centrais, expresso, entre outras iniciativas, no posicionamento comum no âmbito dos
diversos organismos multilaterais, a exemplo da ONU, bem como na adesão, muitas vezes de
forma acrítica, aos inúmeros regimes de governança global que, naquele momento,
proliferavam-se prodigiosamente. No plano interno, para dar coerência e racionalidade à
estratégia de inserção internacional, foram realizadas uma série de reformas neoliberais, sob
forte pressão e assessoria de autoridades políticas e econômicas estadunidenses, agências
financeiras internacionais lideradas pelo FMI e pelo Banco Mundial, e, de forma geral, pelo
dito mainstream do pensamento econômico internacional. Tais reformas implicaram a
liberalização do comércio exterior, a abertura da economia nacional, a desregulamentação
financeira, a minimização do intervencionismo estatal, privatizações, políticas ortodoxas de
estabilização macroeconômica e estratégias de desenvolvimento econômico voltadas para
fora, isto é, via poupança externa. Como o desenrolar da história iria comprovar anos depois,
esse conjunto de medidas acentuou sobremaneira a vulnerabilidade externa de Argentina e
Brasil, expondo suas economias nacionais à dinâmica e choques da economia internacional.
Porém, a despeito das semelhanças verificadas nesse período, algumas divergências
entre os modelos de política exterior argentino e brasileiro foram fundamentais para explicar
as distintas trajetórias internacionais destes países na virada do século XX. De fato, a revisão
bibliográfica do tema sugere que, nos anos 1990, a Argentina tenha levado ao extremo tanto a
107
política de alinhamento aos EUA, quanto as reformas econômicas liberalizantes preconizadas
por Washington. No âmbito externo, o país praticamente abdicou de seus atributos de
autonomia política em troca dum suposto retorno econômico, ao procurar estabelecer
“relações carnais” com os Estados Unidos. No âmbito interno, o governo argentino atrelou
sua política monetária e cambial aos ditames do FED e do tesouro estadunidense, ao instituir
um regime cambial fixo (currency board) que, na prática, significou a dolarização da
economia argentina.
Muito embora o Brasil tenha seguido um caminho bastante parecido ao argentino,
sobretudo durante o governo Collor e na primeira gestão de FHC, o alinhamento político aos
EUA não ocorreu de forma tão intensa, nem o regime cambial semi-fixo (de bandas cambiais)
implantado implicou a dolarização da economia brasileira, permitindo até mesmo certa
flexibilização na condução da política monetária e cambial. Com efeito, não se observou no
Brasil tamanho consenso político, envernizado por uma fundamentada (ou pretensamente
fundamentada) base cognitiva, a respeito do modelo de inserção internacional a ser executado.
Basta ver que durante o governo de Itamar Franco, buscou-se desacelerar o processo crescente
de liberalização econômica, bem assim oferecer certa resistência à hegemonia estadunidense
na América do Sul. Não à toa alguns estudiosos classificam esse governo como um período de
indefinição da política externa brasileira, ou até mesmo de crise interparadigmática.
Na virada do século XX para o XXI, uma série de transformações internacionais
incidiu diametralmente sobre as políticas exteriores de Argentina e Brasil. A partir do ataque
terrorista aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, a política externa deste país se
tornou mais unilateral e securitizada, deslegitimando as instituições internacionais de
governança global (especialmente o Conselho de Segurança da ONU). O foco de atenção do
governo estadunidense debruçou-se, em particular após o fracasso das negociações entorno da
ALCA, quase que exclusivamente sobre os assuntos de segurança internacional, em sua saga
pelo combate ao eixo-do-mal, circunscrito sobretudo no oriente médio e no leste asiático
(Iraque, Irã, Afeganistão e Coréia do Norte). Nesse sentido, pouca ou nenhuma atenção restou
aos problemas socioeconômicos dos países latino-americanos, produzindo uma espécie de
“vácuo de poder” na região, o que engendrou o surgimento de projetos esquerdistas
alternativos à tutela estadunidense, capitaneados, em grande monta, pela Venezuela.
Destarte, o relativo desgaste da hegemonia dos EUA, frente os altos custos políticos e
econômicos provenientes da ocupação militar do Afeganistão e do Iraque a partir de 2003,
parecia indicar uma transição da ordem internacional multipolar para uma ordem multipolar
108
alicerçada na revitalização de tradicionais potências, outrossim, na ascensão de novos centros
de poder na Europa (UE e Rússia) e no sul e leste asiático (Índia, China e Japão).
Na economia internacional, frente às sucessivas crises financeiras do sudeste asiático
em 1997 e da Rússia em 1998, em adição ao estouro da bolha especulativa de Nasdaq em
2000, esmaeceu-se a crença indelével na economia de mercado. A concorrência interestatal, o
nacionalismo econômico e o protecionismo comercial acirraram-se. Tudo apontava para que
aquele contexto internacional pós-Guerra Fria tido como caracteristicamente pacífico e
cooperativo havia sido transmutado para um contexto em que prevalecia as relações
assimétricas de poder. Na América Latina, quase nenhuma nação passou incólume às
consequências nefastas da crise financeira internacional que acabou por desnudar as
fragilidades inerentes aos programas liberalizantes pró-mercado da década de 90. O
desencantamento
geral
no
subcontinente
pelo
modelo
econômico
neoliberal
de
desenvolvimento, atrelado ao baixo retorno de alinhamento político às nações desenvolvidas,
incentivou a reorientação das políticas externas argentina e brasileira.
Na Argentina, esse processo aconteceu de forma abrupta, através duma crise
econômica institucional que, pode-se dizer, chegou a ameaçar a existência do Estado platino.
Assim, depois de enfrentar um difícil período de depressão econômica, endividamento
externo, ingovernabilidade política e convulsão social, e sem ter contado com muita ajuda dos
EUA e do FMI para a superação da crise, a Argentina modificou radicalmente seu modelo de
inserção internacional a partir da ruptura do currency board, em inícios de 2002. A política de
alinhamento aos Estados Unidos foi sepultada. Em se lugar, as elites dirigentes argentinas
aproximaram-se dos países do entorno regional, sobretudo Brasil e Venezuela. Com a última,
compartilhou a postura ideológica antiamericana, anti-imperialista e anti-mercado financeiro,
incorporando nuanças esquerdistas e nacionalistas. Porém, não se ateve aos aspectos
ideológicos, apresentando mesmo certo grau de pragmatismo ao procurar negociar suas
obrigações econômicas internacionais com os diversos credores e investidores estrangeiros, de
modo a remover a imagem de país inadimplente e, assim, recuperar sua credibilidade
internacional. Sejam como for, o fato é que as estratégias de inserção internacional, diante dos
persistentes constrangimentos externos e internos ainda provenientes da crise 2001, tiveram
pouca importância perante as demandas da política doméstica e imperativos dos grupos
sociais que dão sustentação política ao governo argentino. Nesse sentido, a Argentina acabou
se indispondo seriamente com seus vizinhos regionais, a exemplo do Chile e do Uruguai, fato
que atesta a dificuldade das elites dirigentes argentinas em traçar política de longo prazo e
estratégias coerentes de inserção internacional. No que diz respeito à estratégia de
109
desenvolvimento econômico, foram implementadas políticas heterodoxas ancoradas em taxas
de juros relativamente baixas, câmbio flutuante desvalorizado, controles e taxação das
exportações, protecionismo econômico, forte intervencionismo estatal e nacionalização de
empresas estrangeiras. Por não seguir o receituário neoliberal do maimstream do pensamento
econômico internacional, e frente aos efeitos deletérios da crise econômica de 2008 atrelados
a um quadro de forte instabilidade monetária na economia nacional, a Argentina seguiu sendo
mal vista como um país atrasado, populista, e cerceados das liberdades econômicas
individuais.
No Brasil, diferentemente da Argentina, a mudança do modelo de inserção
internacional ocorreu de forma mais gradual. Abandonou-se a política de alinhamento aos
EUA, mas se mantiveram relações amistosas com os países centrais, sem se assumir uma
postura hostil e abertamente confrontacionista para com os centros de poder. Manteve-se o
elevado perfil internacional que havia sido impresso durante os anos 90, porém a participação
nos regimes de governança global foi qualificada, adotando-se uma conduta mais crítica
quanto às relações assimétricas de poder e o elevado protecionismo econômico das nações
desenvolvidas. Preservou-se a aspiração à liderança regional e à projeção internacional do
Brasil como global player ou potência média, entretanto os meios foram modificados,
renunciando-se a tática do bom comportamento ao se adotar a tática da barganha, a partir da
articulação de coalizões políticas com outras potências emergentes e também tradicionais, e,
no âmbito regional, da rematização do projeto integracionista sem, contudo, comprometer-se
os atributos da autonomia política. No que tange à estratégia de desenvolvimento econômico,
conservou-se o tripé macroeconômico neoliberal estribado no elevado superávit primário,
altas taxas de juros e câmbio flutuante valorizado, sem falar nas demais políticas ortodoxas de
manutenção da estabilidade monetária. Flexibilizando-se essas políticas contracionistas nos
últimos anos, ao implementar medidas de distribuição de renda e anticíclicas, o Brasil
despontou como uma economia emergente internacionalizada em potencial.
Em termos metodológicos, conclui-se que o instrumental teórico fornecido pela
subdisciplina de análise de política externa comprovou-se de extrema valia. Realmente, foi
possível verificar nessa pesquisa de que maneira os condicionantes externos e internos
concorreram para a conformação da história das relações internacionais de Argentina e Brasil
no período 1990-2010. Os contextos internacionais pós-Guerra Fria e pós 11 de setembro
influenciaram tanto um quanto o outro país, entretanto, a maneira e a intensidade como
impactaram a inserção internacional argentina e brasileira foi diferente, em conformidade ao
modo com que cada país, através de suas percepções e crenças, interesses nacionais,
110
estratégias de inserção internacional e de desenvolvimento econômico próprias, administrou
os condicionantes externos e procurou a eles se adaptar. A análise multidisciplinar
(Economia, História e Relações Internacionais) igualmente se demonstrou fundamental,
permitindo um entendimento mais complexo e coerente dos processos históricos que
caracterizaram a política exterior de Argentina e Brasil no período em estudo.
A modo de encerramento, cabem ainda algumas últimas reflexões. A despeito de ter
focado apenas com uma hipótese para explicar a diferença de inserção internacional entre
Argentina e Brasil nos últimos anos, qual seja, a hipótese que denominamos aqui de
paradigmática, esta pesquisa ancora-se no instrumental metodológico e teórico da área de
estudos de análise de política externa e, portanto, reconhece a existência e a importância de
outras variáveis na conformação dos resultados de política exterior. Por exemplo, não se pode
deixar de levar em conta que as dotações de recursos de poder, ou seja, a posição ocupada na
distribuição mundial de poder, influenciam a capacidade dos Estados de projetar-se em menor
ou maior medida no cenário internacional. Ora, a superioridade brasileira em termos de
tamanho populacional, extensão geográfica, abundância de recursos naturais e nível de
produção econômica deveras contribuem para a percepção do Brasil como país forte, potência
emergente ou global player por parte das elites dirigentes brasileiras. Na realidade, com esses
atributos de poder, o Brasil chega a ter mesmo maior poder de barganha em suas relações
internacionais, permitindo-lhe a realização de políticas e estratégias mais assertivas. Com
efeito, parece difícil supor que a diplomacia brasileira lograria tecer tantas coalizões políticas
e fóruns de diálogo multilaterais se o Brasil não fosse a sétima maior economia mundial e o
quinto maior país em termos de área geográfica.
Outra variável importante que esta pesquisa não alcançou abordar foi a participação
dos ministérios de relações exteriores de Argentina e Brasil no processo de reorientação de
suas políticas exteriores no início do século XXI. De fato, algumas fontes da revisão
bibliográfica (MIRANDA, 2007; NATALIA; VICTORIA, 2007; SILVA, 2007, SILVA, 2011
e SCHENONI, 2012) chegaram a sugerir que a menor inserção internacional da Argentina no
período se deu em função da falta de autonomia e pequena participação do MRECIC na
formulação da política exterior argentina, o que dificultaria a institucionalização e a
continuidade das ideias, percepções, interesses e diretrizes na condução do atuar externo do
Estado argentino. Por outro lado, o Brasil não sofreria desse mal, porquanto o amplo
reconhecimento nacional e internacional do profissionalismo e da autonomia institucional do
MRE (PECEQUILO, 2008; PECEQUILO, 2010; VISENTINI; SILVA, 2010, CERVO;
BUENO, 2010 e SCHENONI, 2012). Destarte, como proposta para futura pesquisa, sugere-se
111
uma análise comparativa entre as estruturas institucionais de relações exteriores de Argentina
e Brasil e seu respectivo impacto sobre a inserção internacional destes países.
112
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