O ARTICULADOR TEXTUAL
Transcrição
O ARTICULADOR TEXTUAL
O ARTICULADOR TEXTUAL “E” E A PRODUÇÃO DE NARRATIVAS: UM OLHAR PARA OS SENTIDOS Gabriela Kloth (FURB) [email protected] RESUMO O presente artigo, decorrente das atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto de Letras da Universidade Regional de Blumenau (FURB), tem por objetivo analisar o uso do articulador textual e nas produções textuais de estudantes da 6a e 7a séries de uma escola pública, situada ao município de Guabiruba/SC. Para tanto, visitouse a escola e aplicou-se aos alunos um comando, visando à produção do texto escrito, constituído de cinco imagens nas quais se visualizava um menino plantando duas árvores, cuidando delas e, por fim, descansando em uma rede colocada entre elas. Depois de digitadas, respeitando a produção do aluno, as narrativas foram analisadas. Essa análise deu-se através da construção de tabelas que contemplavam as etapas de uma narrativa, de acordo com as regras de Stein-Glenn reformuladas por Scliar-Cabral e Grimm-Cabral. O diagnóstico foi organizado, primeiramente, por turmas, sendo constituídas, depois, duas tabelas gerais: uma para as narrativas dos alunos da 6a série e outra para os da 7a série. Apropriando-se de classificações das gramáticas normativas assinadas por Bechara e Cunha e Cintra e ancorando-se também em Ingedore Koch, teórica da Linguística Textual, procedeu-se à análise dos dados. Resultante disso, o artigo elenca as diversas situações de uso do conectivo e, bem como a relação de sentido estabelecida por ele no discurso, a presença ou não da coesão e ainda os elementos marcantes na ocorrência da progressão textual. Percebe-se, ao fim da análise, a recorrência do conectivo e assumindo diferentes significados ao longo das produções, o que, não tendo sido trabalhado em sala de aula, ocorre pelo conhecimento gramatical e linguístico dos alunos, garantindo, assim, a progressão e a coerência textual e trazendo agilidade ao desenvolver do discurso. Palavras-chave: Articulador textual. Linguística textual. Relações de sentido. 1.0 INTRODUÇÃO Percebe-se pelas narrativas coletadas que os estudantes utilizam em abundância o conectivo e para relacionar suas ideias no texto, estas que, muitas vezes, não estão baseadas na característica aditiva do articulador. A fim de analisar esse constante uso da conjunção, bem como as relações que ela vem estabelecer no contexto, deu-se a produção deste artigo, parte integrante do subprojeto desenvolvido pelos acadêmicos do curso de Letras vigente no período de 2011/II a 2013/II. As atividades realizadas, no tempo já decorrido do projeto, são de fundamental importância para o desenvolvimento e conclusão desse artigo. As escolas participantes do projeto (três, no total) foram escolhidas a partir do último IDEB divulgado. A escola na qual trabalho está situada ao município de Guabiruba/SC e tem o IDEB igual a 4,4. O subprojeto de Letras tem por objetivo a identificação e análise das dificuldades dos alunos no que tange a leitura e a produção textual. Para isso, aplicamos o comando, constituído de cinco imagens nas quais um garoto aparece plantando duas árvores e depois descansando entre elas, com alunos de cinco turmas: três turmas de 6a série (7o ano) e duas turmas de 7a série (8o ano). De posse das produções, o passo seguinte foi digitar as narrativas produzidas pelos alunos da maneira mais fiel possível1. Nosso primeiro semestre de trabalho teve como foco a análise da produção textual dos alunos, tendo como base a noção deles de itens como: relações de causa e consequência, anafóricos, constituição da narrativa por episódios, conectivos, entre outros. Ancorados, pois, no esquema para análise dos episódios das narrativas de Stein & Glenn, reformulado por Scliar-Cabral e Grimm-Cabral, analisamos as narrativas e através disso algumas peculiaridades foram apontadas. 2.0 APORTE TEÓRICO – A articulação e a coesão textual A articulação textual é, segundo Nascimento (2008), “o processo responsável pela concatenação dos componentes semântico-textuais no enunciado e, por conseguinte, colaborador na identificação do texto como um todo significativo”. Assim, podemos dizer que a articulação textual é a tessitura do texto. Através dela é possível estabelecermos ligações entre os diferentes enunciados que compõe o discurso, formando esse todo significativo. Dessa forma, “a articulação contribui no estabelecimento da coesão textual e indica o direcionamento da construção dos sentidos no texto” (NASCIMENTO, 2008, p. 42). Entre os elementos constituintes da articulação textual, Koch (2004b, p. 81) apresenta: “a reiteração de itens lexicais, paralelismos, paráfrases, recorrências de elementos fonológicos, de tempos verbais etc.”. É, também, através do emprego adequado dos articuladores que se garante a continuidade temática, ao passo que as relações entre os segmentos textuais ficam explícitas. Para Koch, tais articuladores podem relacionar elementos de conteúdo, ou seja, situar os estados de coisas de que o enunciado fala no espaço e/ou no tempo, bem como estabelecer entre eles relações de tipo lógico-semântico; podem estabelecer relações entre dois ou mais atos de fala, exercendo funções enunciativas ou discurso-argumentativas; e 1 Todos os excertos de dados presentes neste artigo são fiéis à ortografia dos seus autores. podem, ainda, desempenhar, no texto, funções de ordem meta-enunciativa. (2002, p. 133) Assim, podemos dizer que os articuladores são multifuncionais, pois desempenham as mais variadas funções no texto. Não são apenas responsáveis pela coesão textual, mas também por um grande número de indicações ou sinalizações destinadas a orientar a construção do sentido. Ao se falar de coesão e coerência, estamos falando de dois fatores importantes da textualidade. Fávero (1997, p. 08) considera o fato de existir autores que distinguem dois níveis de análise, correspondendo à coesão e à coerência; outros que não distinguem e outros ainda que fazem referência a apenas um desses fenômenos ou estudam os seus aspectos. Fávero (1997, p. 09) ainda aponta a “coesão como um conceito semântico referente às relações de sentido que se estabelecem entre os enunciados que compõem o texto; assim, a interpretação de um elemento depende da interpretação de outro”. É pelos recursos de coesão textual que conseguimos, na língua, estabelecer as relações de sentidos existentes entre os elementos que constituem o enunciado. Assim, segundo Koch (2004, p. 14) “um texto não é apenas uma soma ou sequência de frases isoladas”. Esse fenômeno, a coesão textual, dá-se, então, através de mecanismos que buscam assinalar e ressaltar, entre enunciados e parte deles, as relações de sentido que ali se encontram. Pertencendo a esses mecanismos, podemos citar a articulação textual. É chamado de conexão o recurso coesivo operado pelo uso dos conectores. Para Antunes (2005, p. 140), “a conexão se diferencia dos demais por envolver um tipo específico de ligação: aquela efetuada em pontos bem determinados do texto (entre orações e períodos, sobretudo) e sob determinações sintáticas mais rígidas”. Dessa forma, a conexão acontece por meio de conjunções, preposições e locuções conjuntivas e preposicionais, como ainda através de alguns advérbios e locuções adverbiais. 2.1 O articulador “e” A Gramática Tradicional, segundo Bechara (2009, p. 319), classifica como articulador ou conector as unidades que têm por missão reunir orações num mesmo enunciado. A essas unidades chamam-se conjunções, e podem ser divididas entre coordenadas e subordinadas. Atentando a essa divisão, é função das conjunções coordenadas reunirem orações pertencentes ao mesmo nível sintático, aquelas que se dizem independentes e que, por esse fator, podem aparecer em enunciados distintos, separados. Já Cunha e Cintra (2001, p. 579) afirmam que as “conjunções são os vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração”. Ao passo que as conjunções dividem-se em coordenadas e subordinadas, também as do tipo coordenativas separam-se em subgrupos. São eles: conjunções aditivas, conjunções alternativas e conjunções adversativas. (BECHARA, 2009, p. 320). Entre o grupo das aditivas, encontramos o conector e. Conforme Bechara (2009, p. 320), é função deste grupo “indicar que as unidades que une (palavras, grupos de palavras e orações) estão marcadas por uma relação de adição”. Contudo, algumas das conjunções coordenativas podem assumir diferentes significados, sempre de acordo com a relação que estabelecem entre as orações coordenadas. É o caso do conectivo e que, muitas vezes, norteado pelo significado das unidades envolvidas, permite-nos extrair relações diferentes a de adição em seu uso. Cunha & Cintra (2001, p. 584) também descrevem esse conectivo por sua propriedade de “facilitar a passagem de uma idéia a outra, mesmo que não relacionadas, quando vem repetindo ritmicamente em fórmulas paralelísticas que imitam o chamado estilo bíblico”. Dessa maneira, o conectivo e pode ser visto, além de um elemento de adição, como uma unidade de progressão textual, um elemento gerador da relação causa/efeito, um recurso para a produção da ênfase, uma característica de conclusão e finalização, e ainda como elemento de contrajunção, ou seja, como unidade de contraste. Na sequência, compreenderemos como cada um dos fatores acima relacionados apresentou-se na produção dos alunos. 3.0 O ARTICULADOR “E” COMO ELEMENTO DE ADIÇÃO Quando utilizado com a função de adicionar elementos do texto, o conectivo relaciona duas unidades semânticas de importâncias equivalentes. Nascimento ainda ressalta que a alteração da ordem entre os segmentos relacionados pelo elemento articulador, em si, não apresenta relevância de sentido, uma vez que o e aditivo só se instaura em contextos que nenhuma noção de hierarquia esteja instituída entre as partes relacionadas. (2008, p. 57) A conjunção e como elemento de adição é encontrada no seguinte trecho: “Quando voltou, com uma rede e cordas em suas mãos, amarrou cada ponta da rede em cada árvore...” Nesta produção de um estudante de 11 anos, matriculado na 6a série, notamos a não existência de hierarquia uma vez que o protagonista poderia ter voltado com cordas e uma rede em mãos, sem que houvesse a alteração de sentido. Encontramos a ideia de adição também na escrita de uma aluna, 13 anos, da 7a série: “Um menino querendo se divertir e ao mesmo tempo ajudar a natureza.” O sujeito poderia querer ajudar a natureza e se divertir e o valor semântico da oração seria o mesmo. Ao utilizar a expressão “ao mesmo tempo”, vinculada ao conectivo e, a estudante cria uma simultaneidade que leva, então, a uma ideia de tempo, de progressão temporal. 3.1 Progressão temporal Ao ser utilizado como indicador de progressão temporal, o articulador textual e assumirá, no discurso, um valor semelhante ao dos articuladores então e aí, com a característica de inserir uma expectativa de continuidade. Para Nascimento (2008, p. 58), “sob a função de progressão temporal, o componente e marca uma hierarquia cronológicodiscursiva entre as unidades semânticas relacionadas, o que impede o intercâmbio entre os segmentos conectados”. Esse efeito é visto na produção de uma estudante de 11 anos, da 6a série: “A mãe de Pedro pegou a rede e foi ajudá-lo a amarrar sua rede nas árvores”. A progressão temporal está presente no fato que não é possível amarrar a rede sem antes tê-la pegado. Assim, o conectivo e poderia ser substituído pelos articuladores então ou aí: A mãe de Pedro pegou a rede, então foi ajudá-lo a amarrar sua rede nas árvores, e o sentido inicial do discurso ainda seria mantido. O mesmo efeito é percebido em: “Alguns meses depois a árvore já estava grande, e ele pode coloca uma rede para descansar”. Mantendo o sentido inicial da produção desta aluna da 7a série, porém utilizando outro articulador, o excerto poderia ser reescrito utilizando o conectivo assim. 3.2 Relações de causa e efeito O conectivo e é também utilizado para indicar uma motivação e uma consequência de atos gerados no discurso. Nessa relação, o articulador e torna-se equivalente a porque ou a por isso. Tal efeito é percebido em: “Um dia Fernando aprendeu na escola como se planta uma árvore, e resolveu colocar o que aprendeu em prática”. A estudante de 11 anos, matriculada na 6a série, poderia reescrever este trecho da seguinte maneira: Um dia Fernando aprendeu na escola como se planta uma árvore, por isso, resolveu colocar o que aprendeu em prática. Essa troca, sem alteração de sentido, caracteriza, pois, a existência da relação de causa e efeito através do uso do conectivo e. A relação de causa e efeito é notada também na produção de uma aluna da 7a série, hoje com 15 anos: “... vou plantar mais árvores, ele plantou, molhou, e elas cresceram...” Ainda percebemos causa e efeito substituindo o conectivo e pelo articulador por isso. 3.3 Conclusão e finalização O articulador textual e pode, também, indicar que o discurso está para ser finalizado, concluído. Quando utilizado com este propósito, terá um valor semântico próximo ao dos articuladores assim e então. Conforme Nascimento (2008, p. 65) “outros articuladores com significado conclusivo podem-lhe ser conjugados, a fim de lhe realçar esse valor”. Percebemos o sentido de conclusão no trecho de uma estudante, 11 anos, da 6a série: “Passaran-se três meses e as árvores estavão grandes...” A característica conclusiva também seria observada caso utilizássemos o conectivo assim. Outro exemplo do uso do conectivo como sinal de conclusão é percebido em: “Marcos ficou tão feliz com o que tinha feito que resouveu estender uma rede entre as duas árvores, e descansou feliz...” A idéia de conclusão da aluna de 13 anos, da 7a série, seria mantida caso escrevêssemos: Marcos ficou tão feliz com o que tinha feito que resolveu estender uma rede entre as duas árvores. Assim, descansou feliz. Em outros casos, o articulador e aparece acompanhado de um conectivo com característica conclusiva, muitas vezes o então, como nos exemplos de duas alunas, ambas de 13 anos, matriculadas na 6a e na 7a série, respectivamente: “... começou a rir e então teve uma idéia”; “... para pode colocar minha rede. E então plantou, regou...” 3.4 Contrajunção Neste contexto, ao articulador e capta o valor adversativo existente entre as unidades por ele relacionadas. É empregado, então, com o valor de mas interligando duas unidades semânticas postas em contraste. Para Nascimento (2008, p. 68) “expressa, em grau máximo de oposição, uma relação adversativa”. Percebemos isso na produção de um estudante de 14 anos, matriculado na 6a série: “Ele plantou 2 arvores e molhou, e demorou bastante tempo para nascer...” Poderíamos substituir o conectivo e pelo articulador mas e obteríamos o sentido que, embora ele tenha cuidado e regado, as árvores demoraram a crescer. 3.5 Substituição do sinal de pontuação Cunha e Cintra (2001, p. 644) afirmam que “a vírgula marca uma pausa de pequena duração. Emprega-se não só para separar elementos de uma oração, mas também orações de um só período”. Contudo, alguns alunos abdicaram da vírgula, como elemento indicador de pausa, e uniram todos os períodos da produção com o conectivo e. A ausência do sinal de pontuação foi percebida na produção de um aluno, 14 anos, da 6a série: “... ele viu a Árvore crescer e ficou todo feliz com isso e ele foi dormir e ficou dormindo...” Caso o aluno optasse pelo sinal de pontuação, o mesmo período poderia ser escrito da seguinte forma: ... ele viu a árvore crescer, ficou todo feliz com isso, foi dormir e ficou dormindo”. Notamos nesse excerto a utilização do articulador como um conector de sentenças, de forma que sua presença não implicou em mudanças de sentido, como as citadas acima. 4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelas análises desses fragmentos, podemos observar que a articulação e a coesão textual, por meio da conexão, são características recorrentes na produção escrita dos alunos. O articulador textual e, neste caso, deixa a sua posição como somente uma conjunção coordenativa aditiva e passa a assumir diferentes significados, dependendo sempre da sua relação de sentido com o texto. As diferentes facetas do conectivo e não foram trabalhadas em sala de aula, ainda assim, os alunos, através do conhecimento gramatical e linguístico inatos a eles, souberam recorrer a esses efeitos em suas produções, utilizando o articulador e como: elemento de progressão textual, onde há uma hierarquia discursiva entre os elementos do texto; indicador de causa e efeito, quando toda ação gera uma reação; gerador de conclusão ou finalização, onde interliga as orações finais do discurso; elemento de contrajunção, utilizado para contrastar ideias e, por vezes, é utilizado para substituir o sinal de pontuação. Assim, depreendemos que, o que poderia ser visto como um empobrecimento textual, a recorrência do conectivo e, ao ser olhado sob uma perspectiva teórica e ser analisado em seu contexto, passou a ser um elemento importante na garantia da progressão e da coesão textual, ao passo em que o seu uso trouxe agilidade no desenvolver do discurso. Os resultados até aqui apontados trazem uma nova perspectiva de trabalho para a continuidade do projeto. Têm-se, através deles, a oportunidade de estudar, além dos objetivos iniciais, características da escrita que, mesmo não apresentadas na sala de aula, tornam-se recorrentes nas produções. As análises e conclusões aqui apontadas também podem ser utilizadas para a elaboração de um trabalho específico sobre conjunções. Assim, os apontamentos desse artigo mostram vertentes que podem ser abordadas em sala de aula, de forma a enriquecer o trabalho de professores e dando nova visão aos acadêmicos iniciantes na docência. 5.0 REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerências textuais. 4. ed. São Paulo: Ática, 1997. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, 2004. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004b. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. NASCIMENTO, Sylvia Jussara Silva do. Articulação textual: uma visita à poesia de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro, 2008. 85 fl. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa – UFRJ, Faculdade de Letras. Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/NascimentoSJS.pdf>. Acesso em: 09 Janeiro 2012