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REVISTA DO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Intermeio, R. Mestrado Ed.,
Campo Grande,MS,
v.3
n.5
p. 1-68
1997
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
1
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Jorge João Chacha
Reitor
Amaury de Souza
Vice-reitor
Sônia da Cunha Urt
Coordenadora do Curso de Mestrado em Educação
Jesus Eurico Miranda Regina
Diretor do Centro de Ciências Humanas e Sociais
REVISTA DO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
Caixa Postal 649 - Fone (067)787.3311 - Ramal 2311
CEP 79.070-900 - Campo Grande-MS
Câmara Editorial
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Ana Maria Gomes
Elcia Esnarriaga de Arruda
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e Produção Gráfica
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Revisão
A revisão lingüística e ortográfica é de
responsabilidade dos autores
Impressão e Acabamento
Editora UFMS
2
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
4
Tendências de Privatização
na Educação Brasileira
Uma tentativa de mapeamento
Romualdo Portela de Oliveira
12
A Realidade da Educação
Infantil no Brasil sob a
Égide da Lesgislação
Educacional Vigente
Gisele Cristina Martins Real
24
A Educação Especial na Lei
de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira
Alexandra Ayach Anache
32
As Políticas Educacionais
do Estado na
Determinação das Funções
Sociais da Escola
Elisângela Alves da Silva
42
A Reforma Educacional no
Espaço Local
O Projeto Pedagógico da Escola
Dirce Nei Teixeira de Freitas
54
Educação Pública em
Mato Grosso do Sul na
Década de 80
Questões Globais e Locais
Ester Senna
64
74
Política Educacional
A Gestão Democrática na Rede
Estadual de Ensino em Mato
Grosso do Sul (1991 a 1994)
Maria Dilnéia Espíndola Fernandes
O "Novo" Reordenamento
do Capitalismo Mundial e a
Política Educacional em
Mato Grosso do Sul
Kátia Cristina Nascimento Figueira
84
Escola e Empresa:
95
Dissertações Defendidas no
Mestrado em Educação
Parceria de Futuro?
Sandra M. Zákia L. Sousa
ENCARTE
ESPECIAL
Apresentação
Coerente com a preocupação do Curso de
Mestrado em Educação - UFMS em
estabelecer um canal de intercâmbio entre
os pesquisadores para divulgar suas
pesquisas em Educação, bem como
considerando a necessidade de colocar na
ordem do dia reflexões que contribuam
para a materialização de uma escola que
responda aos desafios da Sociedade
Contemporânea, a Revista Intermeio lança
o primeiro número monotemático que
expressa as preocupações e temas que têm
sido eleitos pela linha de pesquisa Políticas
Públicas de Educação.
Contribuíram para a constituição deste
número docentes, mestrandos e mestres do
Curso de Mestrado em Educação e
doutorandos em outras instituições que
integram a linha de pesquisa. Contamos
ainda com a participação de docentes de
outras instituições que acolheram o convite
para enriquecer nosso debate.
Colocamos a Revista Intermeio à disposição
dos colegas e renovamos nossas
expectativas de que ela possa se
concretizar como veículo dos esforços
mobilizados por educadores para
compreensão da sociedade.
DESC
ARTES
DESCARTES
Campo Grande, novembro de 1999
A Procura da Verdade
por Meio da Luz Natural
Drª Elcia Esnarriaga de Arruda
Diretora
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
3
Este artigo procura discutir como as modificações sociais, econômicas e
políticas decorrentes da Revolução Informacional e da Globalização da
Economia têm alterado as demandas por educação, tentando realizar um
mapeamento sucinto das iniciativas de política educacional
implementadas nos últimos anos que procuram se adequar a estas
novas demandas. Conclui observando que estas, de uma forma ou de
outra, têm como característica um menor comprometimento do Estado
com a garantia da educação para todos e um entendimento, ainda que
não explicitado, que os mecanismos de mercado têm um forte poder de
induzir aperfeiçoamentos. Apesar destas iniciativas poderem ser
consideradas como tendentes a facilitar a privatização da educação, elas
não caracterizam uma alteração nas formas de propriedade, apenas
tornam mais plausível tal modificação no futuro.
Palavras-chave: Política Educacional, Reforma Educacional,
Globalização e Educação, Neo-liberalismo e educação,
Privatização.
Tendencies of Privatization in Brazilian Education: trying a survey
This paper address how the social, economic and political changes that
came with Informational Revolution and Economic Globalization have
modified educational policies in the last years ant tries to make a
survey of these new policies. Concludes that these policies, have as
characteristics lesser State support and lesser compromise with
education for all and understand that market mechanisms can induce
progress in school system. Although these initiatives can be considered
as pro-privatization, they still do not represent a change in property of
school system, but only make it easy in the further.
4
Key words: Educational Policy, School Reform, Globalization and
Education, Neoliberalism and Education, Privatization
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Tendências de Privatização
na Educação Brasileira
Romualdo Portela
de Oliveira
(FE-USP)
Versão revista e ampliada de
comunicação apresentada à
41ª Reunião Anual da
Comparative and International
Education Society (CIES),
Mexico City - 19 a 23 de março
de 1997, intitulada
“Neoliberalism and Educational
Policy in Brazil: Pressures on
the State to abandon support
for Public Schools” e trabalho
apresentado à XX Reunião
Anual da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (ANPEd),
Caxambu (MG), 20 a 25 de
setembro de 1997, sob o título
“Novas Tecnologias,
Neoliberalismo, e Política
Educacional no Brasil”.
*
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Uma tentativa de mapeamento
*
O transistor e posteriormente os microchips produziram impactos tão significativos na sociedade contemporânea que economistas e historiadores comparam-nas com a primeira e segunda Revoluções Industriais dos séculos XVIII e XIX. Tais modificações caracterizam uma Revolução que tem operado significativas mudanças na vida social, política e econômica. O recurso à metáfora da Revolução Industrial, se aplicável nos primeiros tempos, tornou-se insuficiente para explicar os fenômenos
hoje observáveis. Parece mais adequada a idéia de Revolução
Informacional, desenvolvida por Lojkine. (Cf. Mandel, 1982;
Lojkine, 1995; Rifkin,1995 e Santos, 1995)
Na vida social, as novas tecnologias ocupam crescente espaço e tempo na vida das pessoas através da utilização de produtos eletrônicos que automatizam praticamente tudo, das atividades domésticas às atividades públicas em serviços, bancos, comércio etc. em uma escala inimaginável trinta anos atrás.
Estas mudanças tecnológicas afetam as relações entre as
pessoas, do processo de socialização das crianças, ao dos adultos, tornando possível até mesmo relações “virtuais” através de
artefatos tecnológicos como telefone, computador etc1.
As novas tecnologias afetam a economia, pelo menos, de duas
maneiras:
a) redução do número total de empregos no setor produtivo;
b) crescente complexidade do posto de trabalho.
1
No filme canadense “Denise está chamando” (Denise Calls Up), há uma
crítica desse processo. Mais recentemente, o mesmo pode ser observado
em “Mens@gem para você” (You’ve got a mail).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
5
A redução do número global de empregos no
setor produtivo pode ser observada pelos dados
sobre desemprego em muitos setores industriais, sem a correspondente diminuição da produção. Ao contrário, em certos casos, a produção
aumenta como conseqüência dos ganhos de produtividade gerados pelas novas tecnologias. As
conclusões de Jeremy Rifkin (1995), para quem
as modificações no processo de trabalho causam uma diminuição do número total de empregos na economia, permanecem como um importante perigo social. No entanto, até o momento,
pelo menos nas economias com maiores taxas
de introdução de novas tecnologias, a Norte-Americana e a Japonesa, a diminuição do emprego
no setor produtivo tem sido compensada pelo
aumento do emprego no setor terciário, em serviços de segurança, assistência social etc. Ainda não está claro se, no longo prazo, a diminuição do emprego em um setor poderá ser compensada pelo aumento no outro.
Ao mesmo tempo que a revolução tecnológica
diminui o número total de empregos no setor
produtivo, os empregos restantes se tornam mais
complexos, demandando do trabalhador crescente capacidade de tomada de decisões. (Cf.
Kreuger, 1993)
Na vida política a diminuição do número
total de empregos, mesmo temporariamente, tem
duas importantes conseqüências:
as quais a mais conhecida é a “Front National”
Francesa. Isto ocorre também nos Estados Unidos, o que pode ser percebido pelo discurso de
grupos como a “Nação do Islã”, a “Coalizão Cristã”, os “Homens Livres” e outras organizações.
Do outro, complementarmente, a concepção
neoliberal de gestão do Estado, que defende o
fim do Estado de Bem-Estar Social e acredita
que o equilíbrio econômico pode ser alcançado
apenas pela livre ação do mercado, torna-se
uma opção plausível. (Cf. Gustafson, 1994; Santos, 1995)
No Brasil, apesar de nunca termos tido
um Estado de Bem-Estar Social típico (Cf.
Cignoli, 1985), o Estado suportou certos serviços sociais, como saúde, seguridade social e
educação. O país sempre teve uma parte importante de sua população economicamente
ativa fora do mercado formal de trabalho. Isso
comprimiu a remuneração da força de trabalho, mesmo em relação a outros países em
desenvolvimento. Assim, o efeito das políticas
que procuram reduzir o tamanho do Estado
na economia é mais perverso no caso brasileiro, pois a ação equalizadora do Estado já é
menor do que nos Estados Unidos e Europa
Ocidental, o que apenas agrava seu quadro
de aguda desigualdade.
O presente trabalho situa as modificações
ocorridas nas políticas educacionais nesse contexto de aceleradas
mudanças sociais, políticas e econômicas,
que alteram os objetivos a ser perseguidos
pelas políticas educacionais face às modificações decorrentes da
Revolução Tecnológica,
procurando responder
à seguinte questão:
Que políticas educacionais, implementadas
ou em discussão no Brasil nos últimos anos, se
enquadram dentro das demandas oriundas das
novas condições de produção, e quais suas características?
O efeito das políticas que procuram reduzir
o tamanho do Estado na economia é mais perverso
no caso brasileiro.
6
a) transforma o emprego, ou o desemprego,
em um problema político, além de econômico.
Isto é percebido pelas taxas de desemprego na
Europa Ocidental, com uma taxa média de 12%,
e em alguns países, como Espanha (16%) e
Alemanha, (12,5%) atingindo o maior índice
nos últimos trinta anos. (Cf. OECD, 1995)
b) Aumenta a crise do Estado de Bem-Estar
social, pois aumenta a demanda por serviços
públicos em um ritmo que o orçamento público
não pode suportar. (Cf. Pierson, 1991)
Dois fenômenos políticos decorrem desse processo. De um lado, propostas políticas que atribuem o desemprego a certa etnia, nacionalidade, classe ou gênero, especialmente imigrantes,
ganham espaço. Na Europa, particularmente na
França e Alemanha, este discurso tem fortalecido alternativas políticas neonazistas, entre
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
As Novas TTecnologias
ecnologias e a
Educação
Para a educação, as novas tecnologias significam a demanda por trabalhadores com mais qualificação. A combinação de redução do emprego no
setor produtivo, derrota da concepção do Estado
de Bem-Estar Social, e a demanda por uma força
de trabalho com mais qualificação, tem condicionado as políticas educacionais desde os anos 80.
A idéia de “igualdade de oportunidades”
através da educação, objetivo clássico da educação no pensamento liberal vem sendo substituída pela da “excelência” ou da “qualidade”.
(Cf. Gentili, 1995) Nos Estados Unidos, o ponto
de partida desta mudança foi a publicação,
em 1983, do ‘report’:
“A Nation at Risk: The
Imperative for Educational Reform”, que
condicionou o debate
educacional nos anos
seguintes. Desde sua
publicação, o objetivo
da melhoria da performance dos estudantes em
testes padronizados tornou-se a principal forma de legitimação e avaliação de políticas educacionais. No Brasil, a temática da qualidade
também está rapidamente se tornando a central. Entretanto, esta questão emerge de maneira diferente nos dois países, o que pode ser
compreendido pelas diferentes características
dos respectivos sistemas educacionais. Nos Estados Unidos, a conclusão de que o sistema escolar não satisfazia os novos requerimentos do
processo industrial veio da análise da
performance dos estudantes em testes padronizados, tais como o NAEP (National Assessment
of Educational Progress), SAT (Students Aptitude
Tests), e das comparações internacionais propiciadas por exames tipo IMSS (International
Math and Science Study).
No Brasil, este diagnóstico veio da análise do
fluxo dos estudantes dentro do sistema escolar,
particularmente durante o período de escolarização
compulsória. Os principais problemas decorriam
das altas taxas de evasão e repetência2. Nos últimos anos da década de oitenta, generalizou-se a
idéia de que o acesso estava garantido, e o problema era a “perda” dentro do sistema através de
reprovações sucessivas. Dessa forma, o principal
objetivo da política educacional transferiu-se da
busca da “equidade”, partindo da oportunidade
de acesso para todos, para a “qualidade” que pode
comportar o sentido de melhora do fluxo, mas
também o de melhora de performance. (Cf. Ribeiro, 1991; Helene, 1991)
crático, permitiu uma ofensiva ideológica muito
mais ampla, que rejeita todas as formas de socialismo, o marxismo e, até mesmo, a tentativa
de uma compreensão racional do mundo. Os
debates sobre o “Fim da História” (Fukuyama,
O principal objetivo da política educacional
transferiu-se da busca da "equidade"
para a "qualidade".
A marcha em direção à
privatização
A queda do Muro de Berlim, para além de
representar uma rejeição do socialismo buro2
1992; Anderson, 1992) e o pós-modernismo
(Lyotard, 1984; Jameson, 1991) são bons
exemplos desse processo.
Esta ofensiva tem um objetivo prático no
curto prazo, a erosão dos fundamentos do Estado de Bem-Estar Social. Procura-se criar na
opinião pública uma imagem negativa das diferentes formas de ação do Estado. Tal ação seria “ineficiente”, “corrupta”, “burocrática”, ao
mesmo tempo em que a iniciativa privada poderia administrar qualquer organização com
menor custo social, sem burocracia e sem desperdício de recursos. No setor educacional, esta
ofensiva associa as escolas privadas à melhor
qualidade de ensino e à flexibilidade de estratégias educacionais, não propiciadas pelas escolas públicas.
Apesar da privatização ser um componente
essencial da concepção neoliberal de gestão
do Estado, na educação brasileira esta não é
a principal proposta, ao menos se entendermos por “privatização” a transferência da propriedade das escolas do setor estatal para o
privado. O debate concentra-se em questões
como a concepção de gestão do sistema escolar, a distribuição de responsabilidades entre
os diferentes níveis da administração pública, e a transformação das escolas públicas
em unidades autônomas que, no longo prazo,
podem ter o sentido de privatização, mas que,
no curto prazo, apresentam como característica mais importante, a redução do suporte
estatal e o fortalecimento de formas privadas
de financiamento e gestão do sistema educacional.
Estas formas de Política Educacional no
Brasil podem ser classificadas, segundo suas
características, em quatro tipos: 1) importação
de mecanismos de gestão da empresa privada;
2) concentração de recursos, 3) transferência
Esta afirmação se assenta por exemplo nos índices de ingressantes no ensino fundamental que atingem a 5ª série
(39%) e dos que concluem a escola fundamental de oito anos (22%). (CF. UNICEF, 1998).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
7
de responsabilidades e 4) O Estado “abdica”
da gestão. Vejamos cada uma delas.
Importação de mecanismos de
gestão da empresa privada
Este tipo de política pode ser observado através de três diferentes tipos de ações. A primeira
é a proposta de introdução da cobrança de anuidades nas escolas públicas, principalmente nas
de ensino superior. Esta proposição, apesar de
não estar na “ordem do dia”, permanece como
parte da agenda educacional do atual governo.
Várias vezes o atual Ministro da Educação afirmou “não ser o momento para se discutir a
questão”, deixando em aberto a possibilidade de
que possa chegar o momento em que tal proposta se torne viável. É sempre bom lembrar que
ela faz parte, há anos, das recomendações de
organismos internacionais para a educação, tais
como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento3 (BID). (Cf.
World Bank, 1995; Birdsall & Sabot, 1996)
A segunda é a difusão das concepções da
qualidade total no sistema escolar, sem uma
diferenciação entre “qualidade de processo” e
“qualidade de produto”. Como a ênfase é colocada na redução de custos, este procedimento
não significa, necessariamente, melhor
performance. Nos últimos anos, várias administrações públicas têm implantado projetos de
“qualidade total em educação”, tais como a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (1991-1997) e a Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo (1993-1996). (Cf. Ramos, 1992, Drug & Ortiz, 1994)
quisadores para complementá-los com ganhos
externos. Isto faz com que as atividades na universidade se tornem orientadas pelo mercado,
sem que se preserve qualquer tipo de incentivo
para importantes atividades como ensino. Isto
significa que o “mercado” - expresso pelas demandas externas - é que regula a priorização
das atividades a serem desenvolvidas4.
Concentração de Recursos
Este tipo de política emerge da pressuposição que o setor educacional é politicamente
importante como elemento de legitimação. Se
alguém se notabiliza como administrador, ao
ocupar um posto político-administrativo na área
de educação, pode impulsionar sua carreira
política. Consequentemente, é necessário obter
resultados rápidos durante um único período
de governo. Esta situação induz tentativas de
“ações exemplares” que, eventualmente, podem
se mostrar adequadas para pequenas partes
do sistema, mas que são de difícil generalização para o sistema como um todo. O problema é
que como a generalização tem limitações objetivas, ou estas limitações não são confrontadas
pela política, o resultado é a exclusão das populações não atingidas pelos programas. Como
exemplos deste procedimento podemos citar as
experiências dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs.) - a escola de oito horas durante o primeiro governo Leonal Brizolla no
Estado do Rio de Janeiro5 (1983-1986) e a
“Escola Padrão” em São Paulo, durante o governo Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1994).
(Cf. Paro et alli, 1988) Estas políticas não são,
necessariamente, concebidas segundo uma ótica neoliberal, como no
caso dos CIEPs. É até
plausível a idéia, dentro de uma ação
equalizadora por parte do Poder Público, de
atendimento diferenciado, privilegiando-se
áreas mais necessitadas. O problema da
definição dos possíveis beneficiários de políticas diferenciadoras é complexo, mas justificável dentro de uma ótica de equalização. Entretanto, a concepção de concentração de recursos, ou da construção de “ilhas de excelência”,
O "mercado" - expresso pelas demandas externas é que regula a priorização das atividades educacionais
a serem desenvolvidas.
A terceira é a adoção de conceitos e práticas reguladoras do mercado no interior das escolas públicas. Este processo é mais observável
nas universidades públicas pela combinação da
limitação nos salários e pela indução aos pes3
4
8
5
Na mesma perspectiva podem ser citados os trabalhos de Plank (1996) e Barros & Mendonça, (1996).
Um efeito complementar a este processo é a migração de profissionais qualificados da rede pública de ensino
superior para universidades privadas, “estimulados” pelos baixos salários na rede pública e a ameaça permanente de modificação na legislação previdenciária.
E seus correspondentes nacionais, os CIACs., do Governo Collor e os CAICs., do Governo Itamar.
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pode, também, ser fundamentada segundo a
ótica neoliberal que assume, como inevitável
conseqüência, que uma parcela não será atendida pela política social. (Cf. Moraes, 1994)
Transferência de
Responsabilidades
Neste caso, a típica iniciativa é a “descentralização”, entendida como a transferência da gestão das escolas do nível estadual para
o nível local, a municipalização do ensino. Aqui,
opera-se uma confusão conceitual, pois assume-se que “municipalização” seja sinônimo de
“descentralização6”.
Tentativas de
transferência da administração das escolas para o nível local
não são novas no
Brasil, mas a mais
ambiciosa iniciativa
nesse sentido está
sendo implementada
pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Em
1996, o governo aprovou a criação do Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério
(FUNDEF). Apesar da importância de se aumentar a equalização dos salários dos professores do país, a proposta significa uma redução do gasto do Governo Federal na educação
elementar, induzindo a transferência do suporte deste nível de ensino para Estados e Municípios e, ao mesmo tempo, permitindo que o Governo Federal se desobrigue da suplementacão
financeira com este nível de ensino prevista
na legislação que foi substituída pelo Fundo7.
(Cf. Lei 9424/96)
Transformação da escola em cooperativa
A experiência de Maringá (PR), em 199192, consistiu em transformar as escolas municipais em cooperativas, nas quais os professores eram os “cotistas”. O Governo Municipal
transferia recursos para a cooperativa com base
no número de alunos atendidos e em um custoaluno estipulado previamente. Após um certo
tempo, a lógica das cooperativas tornou-se reduzir os custos e, consequentemente, a qualidade, para obter maiores lucros. A experiência
fracassou porque para obter maiores lucros as
cooperativas não observaram sequer as leis
trabalhistas e foram acionadas judicialmente
pelo sindicato dos professores, sendo abando-
O Estado "abdicar" da gestão é a mais ambiciosa
proposta para reduzir o suporte público para a educação
e a que é mais explícita na perspectiva da privatização.
O Estado “abdica” da gestão
Esta é a mais ambiciosa proposta para reduzir o suporte público para a educação e a
que é mais explícita na perspectiva da
privatização. A idéia é dar condições de cada
escola captar recursos de outras fontes que
não o Estado. Isto tem sido buscado de três
formas:
nada pela administração municipal seguinte. (Cf.
Perez, 1993; Azevedo, 1995)
Transformação da APM8 em organização
de direito privado
Esta é a principal idéia do processo de reforma educacional implementada no Estado de Minas Gerais. O governo transfere recursos diretamente para a Associação de Pais e Mestres
(Caixa Escolar), transformada em entidade de
direito privado, que o administra. O processo
não foi levado às últimas consequências, pois
partes importantes do projeto não foram
implementadas, como por exemplo a autonomia
para a escola contratar e demitir professores,
devido à resistência do Sindicatos dos Professores. Entretanto, conseguiu-se implantar a concepção de que o mecanismo de repasse de recursos para as escolas seria condicionado por
dois elementos, o número de alunos atendidos e
o desempenho destes em testes padronizados.
Estímulo para cada escola obter
recursos diretamente
A idéia é estimular cada escola a obter recursos de empresas e da comunidade em geral
para auxiliar no seu suporte. Este processo é
6
Pode-se ter um processo de “municipalização” e ao mesmo tempo não ocorrer nenhuma “descentralização”. (Cf.
Oliveira, 1997)
7
Nos termos em que foi aprovado o Fundo, o governo poderá aplicar recursos do Salário-Educação, que são
vinculados ao ensino fundamental, desobrigando-se, ou diminuindo significativamente a aplicação de recursos
orçamentários.
8
APM é sigla da Associação de Pais e Mestres, em alguns estados chamada de Caixa Escolar.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
9
relativamente comum em escolas inseridas em
comunidades mais ricas ou onde a escola encontra alguma empresa com disposição para
dar-lhe dinheiro.
Conclusão
As iniciativas aqui mencionadas trabalham
com dois “approachs”, que às vezes aparecem combinados: De um lado, buscam diminuir o suporte do Poder Público para a educação, seja utilizando mecanismos de
redistribuição de competências, como no caso
do FUNDEF e das Políticas de Municipalização
em geral, possibilitando a desobrigação de um
nível administrativo das responsabilidades
educacionais, seja através do recurso a fontes de financiamento privadas, em substituição a recursos públicos que passam a ser
investidos em outras áreas, que não a educação9. Como conseqüência desse tipo de política, aquelas escolas que desenvolverem mecanismos de captação de recursos terão vantagens relativas quando comparadas às demais.
seletividade no atendimento, como as políticas
de concentração de recursos.
Com este breve sumário das políticas, podemos ver que a concepção neoliberal de gestão
do Estado aparece no Brasil de diferentes formas, mas com a característica comum de reduzir o papel do Estado no suporte da educação
pública e aumentar o papel da sociedade ou legitimando e incorporando, na gestão das escolas
públicas, práticas típicas do mercado capitalista. Isto significa que o objetivo da “equidade”
educacional está sendo abandonado por algumas políticas aqui analisadas, se nem sempre
em termos de objetivo declarado, mas de fato.
Retomando-se a questão formulada no início, com a Revolução Tecnológica e a
Globalização há uma demanda por trabalhadores mais qualificados, o que explica o fato
da educação ter voltado a ocupar espaço importante no debate político mais geral. Ao mesmo tempo, a diminuição da demanda por empregos no setor produtivo possibilita a mudança de objetivos nas políticas educacionais, da
“equidade” para a “qualidade”. Esta mesma
mudança possibilita
ao Poder Público diminuir o suporte ao ensino público e expandirem-se práticas orientadas e legitimadas
pelos critérios do mercado.
Dessa forma, apesar do “programa” típico do neoliberalismo - a privatização - não
estar na “ordem do dia”, pode-se afirmar que
as políticas educacionais aqui descritas criam melhores condições para que isso venha
a ocorrer. Neste sentido, elas seriam uma “preparação de terreno”.
Resta verificar se, de fato, tais políticas têm
induzido a maiores ou menores níveis de desigualdade educacional.
Há uma demanda por trabalhadores mais qualificados,
o que explica o fato da educação ter voltado a ocupar
espaço importante no debate político mais geral.
Ao mesmo tempo o Estado, principalmente nos
níveis federal e estadual, diminui ou abandona o suporte da rede de ensino público fundamental, transferindo esta responsabilidade aos Municípios10.
De outro, temos as políticas que buscam incorporar a lógica do mercado, através de propostas como o ensino pago e a gestão de qualidade total, ou implantar procedimentos de
9
Um mecanismo importante de operar esta transferência de recursos do setor educacional para outras áreas, tem
sido o Fundo Social de Emergência e seu sucedâneo, Fundo de Estabilização Fiscal.
10
Esta municipalização “induzida” pelo FUNDEF tende a ter um limite, determinado, a meu ver, pelo ponto em que
o município (ou Estado em alguns casos) deixa de “perder” recursos para o Fundo.
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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
11
O artigo estuda a temática da educação infantil – política e
realidade – dando ênfase às determinações sócio-políticoeconômicas, bem como à relação entre políticas globais
nacionais e diretrizes internacionais.Toma como referência a
legislação educacional vigente, abarcando o período de 1988 a
1996.Verifica-se que o Estado tem se limitado a uma atuação
focalizada, não respondendo aos requerimentos de educadores
da área, ficando a educação infantil preterida em relação aos
outros níveis educacionias.
Palavras-chave: Educação infantil; Políticas públicas; Creches;
Política educacional.
The article is about child education in so far as
governamental and real (effective) policies, considering our
social economical and political determinations, according to
current educational legislation, embrancing the period from
1988 to 1996. Il verifies that state has limited its area of
attention, no replying to the requests of the region educators,
leaving child education behind related to other educatonal
levls.
12
Key words: Child education; Publics policies; Child care;
Education policies.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
A Realidade da
Educação Infantil no
Brasil sob a Égide da
Legislação Educacional
Vigente
Gisele Cristina
Martins Real
A autora é mestranda do
Programa de Mestrado em
Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso do
Sul/UFMS, e professora da
Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul/UEMS.
* Trabalho realizado sob
a orientação da Drª
Ester Senna
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
*
Este texto exterioriza algumas reflexões acerca da Política
Pública da Educação Infantil contemporânea no Brasil. O objetivo central do texto é identificar como a educação infantil está
contemplada na legislação educacional vigente, bem como indicar os embates importantes que foram travados no processo de
sua elaboração.
Toma-se o período de 1988 a 1996 como um ponto referencial que abrange toda a legislação recente que trata desta etapa da Educação Básica. Cumpre esclarecer ainda, que se optou
por uma análise da legislação por se tratar de uma das formas
como se materializa a política estatal em sua caracterização
expressa.
Selecionou-se os seguintes documentos legais para o presente estudo: 1. A Constituição da República Federativa do
Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, na qual vinculou-se o atendimento institucional em creches e pré-escolas ao
capítulo da Educação; 2. O Estatuto da criança e do adolescente, Lei nº 8.069/90, que atribuiu ao Poder Público absoluta prioridade na efetivação dos direitos da criança1; 3. A Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96 que define o termo Educação Infantil; 4. a Lei nº 9.424/96 – Lei do
“Fundão” – que se omite em relação à Educação Infantil, o
1
Parágrafo único e “caput” do art. 4º da lei n. 8.069/90.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
13
que permitiu a propositura das questões presentes neste texto.
A análise da educação infantil proposta
neste texto, fundamenta-se em dois pressupostos centrais. O primeiro, refere-se à importância da educação infantil no desenvolvimento intelectual, afetivo e motor da criança, principalmente na faixa etária de 0 a 3 anos, como já
ças abandonadas que eram atendidas por particulares sob a forma de “caridade”3. Em virtude do número crescente destas crianças, o movimento jesuítico-católico – respaldado no modelo português – com custeio financeiro de doações da monarquia ou de terceiros, criou a primeira instituição de atendimento infantil no
Brasil – a “Roda de Expostos” – no ano de
1726, sendo a primeira na cidade de Salvador, e depois se estendendo para outras
localidades (Marcílio,
1997).
Durante todo o Império a “Roda de Expostos” foi a principal instituição com a finalidade de assistência à infância, chegando a se
expandir para dezoito municípios. Nos municípios onde não havia a regulamentação da “Roda
de Expostos” as Câmaras Municipais eram as
responsáveis por este atendimento, mas alegando falta de recursos um número ínfimo de
crianças foi atendido (Ibid.).
No período que antecedeu à instalação da
Primeira República, alguns acontecimentos internos e externos contribuíram para engendrar um novo contexto na construção da concepção de educação infantil brasileira.
Estes acontecimentos possibilitaram modificações de várias ordens sobretudo nos aspectos sociais, políticos e culturais ocasionados pelo
iluminismo europeu que proporcionou a disseminação da importância da ciência e da técnica; pelos ideais da revolução francesa de liberdade, igualdade e fraternidade que já se faziam ressoar, e pelo modelo emergente de estado
liberal, que se efetivou com o advento da República. O discurso estatal neste momento apregoava o jargão da criança herdeira do novo
Brasil.
A educação infantil é a mais importante etapa da
educação pois ela é a estrutura sobre a qual se
sedimentará toda ação educativa posterior.
comprovado cientificamente pela neurobiologia2,
o que permite considerar a educação infantil
não apenas como a primeira etapa da educação, mas sim como a etapa mais importante.
Como corolário deste primeiro pressuposto
focaliza-se a democratização da educação infantil, o que equivale ao atendimento
institucional a todas as crianças pois, conforme já mencionado, a educação infantil é a estrutura sobre a qual se sedimentará toda ação
educativa posterior.
Breve história
da Educação Infantil
Para compreender a Política Pública da educação infantil contemporânea e suas implicações legais é interessante retomar a história,
observando a função do Estado brasileiro e da
sociedade em relação a esta etapa da educação.
Com o processo de colonização brasileira
iniciou-se as primeiras medidas de cuidado com
a infância das classes mais pobres. Estas medidas se materializavam em relação às crian-
14
2
Os resultados dessas pesquisas já estão sendo divulgados. Por exemplo: “O que essas pesquisas dizem é que o
cérebro se forma na relação da criança com o ambiente, e que isso ocorre principalmente dos 0 aos 10 anos – e de
forma ainda mais acentuada dos 0 aos 3 anos” (Folha de S. Paulo, 21.04.97, caderno cotidiano, p. 10). “Embora
a maioria das ligações neuronais que determinarão o futuro intelectual e emocional da criança se formem do zero
aos três anos, algumas conexões ainda estão sendo estabelecidas até os dez.” (Folha de S. Paulo, 03.02.98, caderno
cotidiano, p. 08).
3
Maria Luiza Marcílio (1997) menciona ainda o interesse em utilizar estas crianças como mão de obra doméstica
gratuita.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Este contexto histórico delineou o processo
de extinção da “Roda de Expostos” que foi impulsionado por um grupo de médicos, juristas e
higienistas empenhados em conter os altos índices de mortalidade infantil e criminalidade. O
ideário de educação passou a exigir mais do
que a caridade. Assim, a assistência caritativa,
intencionada pela “Roda de Expostos” passou
a ser assistência “científica”, pautada sobretudo nos aspectos de higiene, saúde e socialização (enquanto uma função modeladora), prevalecendo o intuito da educação do pobre para
a proteção do rico (Kuhlmann Jr, 1991).
Ainda, neste contexto, há a influência americana e européia dos “Kindergärten” de concepção froebeliana, os quais, no Brasil, vieram
atender os filhos da elite, inclusive nas iniciativas públicas, como é o caso, por exemplo, do
primeiro Jardim de Infância público instalado
anexo à Escola Caetano de Campos, em São
Paulo, no ano de 1896. (Kishimoto, 1990).
Estes fatos engendraram a efetivação de
um processo que estabeleceu a dicotomização
da educação das crianças de 0 a 6 anos em,
basicamente, duas formas de atendimento: as
creches e salas de asilo para atender os filhos de alguns operários, de empregadas
domésticas, crianças
carentes e abandonadas, com fins predominantemente assistenciais4; os jardins de infância para atender os filhos da elite com uma
metodologia froebelina. Assim, é possível afirmar que os jardins de infância contribuíram
para reforçar uma forma de discriminação social: educação do “pobre” diferenciada da educação do rico.
No aspecto político-jurídico havia muita controvérsia acerca da necessidade e da importância desta forma de atendimento educacio-
nal, inclusive por predominar no país o modo
de produção agrícola, que não exigia mão de
obra feminina, que se ocupava dos afazeres
domésticos e do cuidado com os filhos, diferindo dos países de capitalismo avançado onde as
mulheres eram incorporadas em grande escala pela indústria.
Até 1930 este foi o quadro da Educação
Infantil no país5. A modificação deste contexto
ocorreu, entre outras causas, em virtude da
crescente urbanização, conseqüência da industrialização e do êxodo rural, o que por sua vez
contribuiu com um relativo empobrecimento das
condições de vida do trabalhador, que passou a
exigir medidas assistenciais. A creche, desta
forma, fez parte de uma série de medidas implantadas pelo Estado dentre as quais pautava-se: saneamento básico, transporte rodoviário urbano, habitação, saúde pública e educação.
Contudo, em relação às creches o Estado
ainda se omitiu da responsabilidade de sua
manutenção. As medidas estatais se limitaram
a atribuir às indústrias esta tarefa, o que se
configurou na Consolidação das Leis Trabalhis-
É possível afirmar que os jardins de infância
contribuíram para reforçar uma forma de discriminação:
educação do "pobre" diferenciada da do rico.
tas (CLT) e na criação de várias entidades e
organismos públicos e não-governamentais destinados à assistência infantil, com ações muitas vezes descontínuas, sobrepostas e desarticuladas (Kramer, 1992).
Na década de 50 instalaram-se no Brasil
organismos internacionais como a OMEP (Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar) e o UNICEF6 (Fundo das Nações Unidas
4
Este atendimento se fazia revestido de um caráter filantrópico com vistas a diminuir os problemas sociais, mas
não eram tidos como direitos legalmente constituídos.
5
Interessante é o dado apresentado por Kishimoto (1990) que de 1896 a 1930 o único Jardim de Infância mantido
pelo poder público em São Paulo foi o anexo à Escola Caetano de Campos.
6
A primeira representação do UNICEF no Brasil foi em 1950 em João Pessoa e, a OMEP se constituiu em 1953,
segundo dados fornecidos pelos próprios institutos citados.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
15
para a Infância) que passaram a influenciar e
a direcionar a educação infantil, pois até aquele momento inexistia uma política de educação
infantil de caráter nacional7.
A implantação e a permanência destes organismos supra-governamentais no país fazia
Embora, o Projeto Casulo, tenha partido de
uma medida estatal que pretendia um atendimento global, reforçou a dicotomia entre as creches como instituição destinada aos pobres –
em virtude da precariedade de seu atendimento – e os jardins de infância que continuavam
a atender as crianças
ricas.
Nos anos 80 instalou-se no país um processo de transição democrática proporcionado pelo fim do governo militar. Esta
transição ficou conhecida como a Nova República que, embora não tendo realizado transformações político-econômicas, uma vez que as
medidas de tendência liberal já eram sinalizadas desde o governo Geisel, promoveu reorganizações nestas esferas, cujos reflexos se evidenciaram através da participação popular organizada em movimentos sociais, e ainda modificações na estrutura familiar ocasionada pela
aceleração e, principalmente, a generalização
do processo de urbanização, já evidenciadas
desde os anos 70.
As modificações na estrutura familiar brasileira foram proporcionadas pelo número crescente de separações dos casais e o aumento de
mulheres como “chefes de família” (Neves,
1994), que passaram a integrar em larga escala o mercado de trabalho, competindo diretamente com os homens.
Estes fatores passaram a delinear um novo
quadro para a educação infantil. Com as mulheres competindo no mercado de trabalho, evidenciou-se a necessidade de espaços para atender
às suas crianças, o que equivale a dizer que a
mobilização social, e principalmente a feminina,
passou a exigir escolas e creches do poder público. O que desta forma estaria contribuindo para
reforçar a produtividade do trabalho pretendida
pela sociedade capitalista ao viabilizar condições
de permanência das mulheres no trabalho.
Portanto, é compreensível o grande interesse que a educação infantil passou a ter duran-
A participação popular organizada em movimentos
sociais e modificada na estrutura familiar passou
a delinear um novo quadro para a educação infantil.
parte de uma estratégia mais ampla de
reordenação geo-política mundial dos países, de
uma forma geral, implementada como parte do
processo de reestruturação do pós-guerra. Neste sentido, também houve a configuração do
modelo de estado keynesiano de promoção do
bem-estar social que se impôs como alternativa para o próprio desenvolvimento capitalista,
através de investimento nas áreas sociais como
educação, saúde, habitação e alimentação.
Outra forte influência internacional sentida no Brasil foi a divisão dos países nos blocos
capitalista e socialista, engendrada pela guerra fria, que levou o Brasil a adotar uma política
respaldada no modelo americano.
No âmbito interno as medidas estatais visavam adequar o país ao padrão internacional de
modernização, o que contribuiu para viabilizar a
concepção compensatória da educação infantil,
implementada como uma medida de promoção
social que visasse suprir as deficiências sociais,
econômicas e culturais das crianças “carentes”,
o que revela nexo com os interesses dos organismos supra-governamentais presentes no Brasil.
Neste contexto foi planejado e implementado
o primeiro programa infantil de massa no Brasil, o Projeto Casulo, que se estendeu por todo
território nacional através da LBA (Legião Brasileira de Assistência). De acordo com
Rosemberg (1997), a tônica deste projeto era
de custo baixo, de aproveitamento de recursos
da comunidade, de informalidade.
7
16
Quando se mencionou a inexistência de uma política para a Educação Infantil, referiu-se a uma política expressa
e formalizada, pois sabe-se da existência de uma política tácita que vinha sendo implementada de forma fragmentária como já explicitado.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
te este período. Há alguns fatos que ilustram
esta afirmação, como por exemplo o aumento
do número de pesquisas nesta área, a criação
do GT de educação infantil na ANPED, os textos legais da Constituição Federal e do Estatuto
da Criança e do Adolescente, e ainda os dados
sobre a expansão do número de crianças atendidas em salas de educação infantil no Brasil,
todos fomentados na década de 80.8
Realizada esta breve história da educação
infantil, questiona-se: e hoje, qual é a concepção de educação infantil da sociedade brasileira? Quais as perspectivas da educação infantil
para o novo milênio?
Sem pretensões de uma resposta conclusiva, mas procurando posicionar a educação infantil dentro de um contexto social mais amplo, cumpre esclarecer que a concepção de
educação infantil vem sendo construída paulatinamente na mediação e na ação histórica do
homem. Não se pode estabelecê-la, nem mesmo
determiná-la “ex oficio” em documento próprio,
pois esta concepção vem desde a Roda de Expostos, de Froebel, da LBA etc, e se materializa
no pensar e no fazer dos profissionais da educação infantil.
Toma-se agora a realidade da educação infantil constante nas estatísticas, como uma forma de visualização da
situação atual. Neste
sentido, apresenta-se a
tabela 1 (veja na coluna ao lado).
Contudo, observa-se
que os dados apresentados se referem à préescola e não sobre a
educação infantil como um todo, mas optou-se
por utilizar estes números como forma
ilustrativa, em razão de duas causas centrais:
a primeira se refere à precariedade das estatísticas concernentes à educação infantil, fato
este já assumido pelo MEC no documento “Edu-
Tabela 1 - Evolução da matrícula por grau de
ensino (em mil)
Fonte
Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC, 1996, p. 11
cação Infantil no Brasil: situação atual”, e ainda, a divergência de denominações empregadas ao atendimento aos menores de sete anos,
o que só foi propriamente estabelecido com a
Emenda Constitucional n.º 14 de 13.09.96 e a
LDB sancionada em 20.12.96.
Assim, observando atentamente os dados
estatísticos apresentados, é possível constatar
que em 1970 o menor número de matrículas
se referia à pré-escola, comparado inclusive com
o ensino superior. De 1975 a 1980 houve um
aumento na ordem de 135,9%, de 1980 a 1985
o salto quantitativo foi de 85,9% o que coincide
com o período de transição do governo militar,
em que a pré-escola era vista como a redentora dos problemas de evasão e repetência do
A educação infantil vem sendo construída
paulatinamente na mediação e na
ação histórica do homem.
ensino fundamental. E ainda, um outro crescimento9 é sentido no período de 1985 a 1991, o
período da Nova República, perfazendo um
percentual de 112,9%.
Embora os dados não retratem de fato a
realidade da Educação Infantil, pois sabe-se
8
Segundo dados constantes no documento “Educação Infantil no Brasil: Situação atual” publicado pelo MEC em
1994, no ano de 1979 era atendido no Brasil 5,5% da população de 0 a 6, sendo este número crescente, a ponto de
em 1991 ser registrado um aumento no percentual de 15,5%, o que equivale a um atendimento triplicado numa
mesma década.
9
Não foi usada a palavra expansão, pois na verdade não é possível falar nestes termos, pois estando os dados em
números absolutos, não é verificável a quantidade de crianças fora da pré-escola, sabendo que a população desta
faixa etária teve crescimento demográfico de ordem diferente.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
17
que a população desta faixa etária também
aumentou, os números apresentados revelam
algumas “aparentes” incoerências, que não podem passar desapercebidas. Assim, é interessante se observar que de 1991 a 1994 o crescimento foi na casa de 7,6%, contra uma média de crescimento na década anterior de
111,6%.
Assim, pela primeira vez na história brasileira uma Constituição Federal atribuiu ao Estado o dever do atendimento institucional aos
menores de 7 anos (art. 208,IV), bem como
vinculou o atendimento em creches e pré-escolas ao capítulo da educação e, ainda, determinou aos municípios a atuação prioritária no
ensino fundamental e pré-escolar (art. 211, §
2º), o que foi considerado um avanço para
os profissionais da
área.
Contudo nem todas
as reivindicações dos
profissionais da área
foram contempladas
em virtude do embate dos interesses divergentes presentes durante o processo de sua elaboração.
Estas reivindicações que não foram contempladas no texto final se referem a uma denominação mais ampla e única que envolvesse tanto
a pré-escola como a creche, capaz de dirimir a
confusão semântica causada pelo termo Pré (antes da) escola, e assim prevalecer a função pedagógica própria desta etapa de ensino, e ainda,
evitar as diferentes denominações existentes o
que acabava por reforçar preconceitos sociais.
Outro aspecto não presente no texto constitucional se refere à não previsão de formas de
financiamento específico ao atendimento infantil
de 0 a 6 anos. Ainda, permanece a destinação
de verbas públicas para entidades que “comprovem finalidade não-lucrativa” (art. 213, I e
II) quer sejam comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, persistindo com a divisão no encaminhamento das verbas públicas estatais.
Também não se especificou regulamentação
e acompanhamento oficiais pelo Poder Público
às instituições de atendimento aos menores de
sete anos suficientes para garantir a qualidade pretendida a esta etapa da educação. Desta
forma continuaram com previsão de “cursos
livres”. Persiste, ainda, a atribuição do cuidado
à infância em várias instâncias como: MEC,
Ministério do Trabalho, Ministério da Previdência e Promoção Social, Ministério da Saúde e
Ministério da Justiça, o que dificultava a sistematização de todas estas ações no fazer do
profissional de educação infantil.
A Carta Magna foi promulgada em um período democrático
marcado pela transição político-administrativa e, neste
contexto, a criança passa a ser proclamada como cidadã.
O que isto significa? O que está subjacente
a este dado? Estes números ilustram o que vem
ocorrendo com a Educação Infantil nos anos
90. É a leitura já explícita do próprio número,
ou seja que de 1991 a 1994 houve um retrocesso em termos quantitativos no que se refere
à educação infantil.
E, a pergunta que se faz é: por que a partir
de 1991 os números apontam uma queda da
taxa de crescimento quantitativo da educação
infantil? Qual é a política estatal vigente neste
momento?
A Constituição Federal e a
educação infantil
18
Para subsidiar estas reflexões retoma-se a
Constituição Federal.
Ressalta-se, mais uma vez, que a Carta
Magna que rege este país foi processada e
promulgada na vigência de um período democrático marcado pela transição políticoadministrativa brasileira, gestacionado no
fim do governo militar. Assim, durante todo
o seu processo houve a participação dos movimentos sociais das diversas ordens. Houve a luta pela ampliação dos direitos e das
garantias individuais dos cidadãos (art. 5º
da CF), e neste contexto a criança passa a
ser proclamada como cidadã, não mais como
a futura cidadã, mas como a cidadã que já
é, desde o momento em que é gerada (art.
227 da CF).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
A discussão dos educadores passou a se mobilizar em torno do processo de elaboração do
texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Algumas expectativas foram geradas, principalmente em torno da elaboração da Política Nacional de Educação Infantil até então inexistente
sob a forma de documento formalizado.
Neste sentido, algumas propostas foram
viabilizadas, por exemplo, a denominação que
passou a ser definida por “Educação Infantil”,
o que pretendia com o único critério de diferenciação adotado - idade cronológica - evidenciar
o caráter educativo do atendimento, sem outras formas de discriminação, assim de 0 a 3
anos o atendimento se daria em creches, e de
4 a 6 anos em pré-escolas (Campos, Rosemberg,
Ferreira, 1993). Além desta proposta, estudos
e discussões ocorreram acerca da Educação
Infantil.
Portanto, uma análise da Lei nº 9.394/96
e do momento político-social de sua elaboração
e aprovação se faz necessária no intuito de
apontar hipóteses para a questão anteriormente
formulada, ou seja, de se determinar as razões,
a partir de 1991, da queda da taxa de crescimento quantitativo da educação infantil.
A LDB e a
educação infantil
No momento posterior à promulgação da
Constituição Federal, iniciou-se o processo de
formulação da LDB.
Constata-se, que embora o texto constitucional tenha procurado garantir medidas de bemestar social, o governo de Fernando Collor
de Melo, eleito pelo sufrágio popular em
1989, adotou medidas
de caráter liberal, que
já vinham sendo
apontadas de forma tênue nas gestões anteriores.
Estas medidas, também, já estavam sendo
adotadas por outros países como Inglaterra e
EUA, e ainda países da América Latina como
Chile e México, tendo em vista a crise que o
capitalismo enfrentava, sobretudo na América
Latina, onde o Estado não conseguia manter o
“Bem-Estar Social”, e a crise financeira determinava altas taxas de desemprego.
A adoção do ideário neoliberal 10 passou a
ser implementado de forma mais incisiva a
partir de Collor e continuam no governo FHC,
podendo ser evidenciadas nas privatizações
de algumas empresas estatais, nas demissões (PDV) do funcionalismo público, na redução do déficit fiscal e do gasto público,
entre outras.
Ainda, havia as determinações externas do
Banco Mundial e FMI propiciando a reordenação
da interferência estatal na consecução das medidas de assistência social, entre as quais se
encontram a educação e mais especificamente
as instituições de educação infantil.
Esta nova configuração do Estado brasileiro pode ser evidenciada na legislação e nas
medidas implementadas.
Assim, o primeiro projeto de LDB apresentado à Câmara dos Deputados foi o de nº 1.258A/88 pelo deputado Octávio Elísio. Neste projeto a educação infantil foi denominada como “Da
educação anterior ao primeiro grau”, havendo
uma priorização da faixa etária de 4 a 6 anos
(art. 27), o que denota a dúvida sobre o caráter pedagógico que se pretendia atribuir às creches, em outros aspectos não evidenciou avanços em relação ao texto constitucional, mas atribuiu aos Conselhos Estaduais de Educação medidas de fiscalização às instituições de atendi-
A denominação "Educação Infantil", com a idade
cronológica como único critério de diferenciação,
pretendia evidenciar o caráter educativo do atendimento.
10
mento aos menores de 7 anos (art. 31). No
título sobre os recursos para a educação aponta a prioridade para o “ensino de 1º grau”, e
O termo neoliberal vem sendo amplamente utilizado pela literatura recente para definir as ações que visam
a diminuição do intervencionismo estatal na economia e a valorização dos mecanismos de regulação do
mercado
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
19
não menciona a educação anterior ao “1º
grau”11.
Dentre as várias sugestões de alterações
ao projeto inicial e anexação de outros 7 projetos completos (Saviani, 1997), em junho de
1990, houve a apresentação de um substutivo
(em duas versões) ao projeto de LDB n.º 1.258/
88, conhecido como Subsititutivo Jorge Hage,
que se referiu à Educação Infantil de forma a
atender várias das questões propostas pelos
profissionais e estudiosos da educação infantil.
Estas questões se referem: a criação de um
sistema de financiamento próprio, o salário-creche (art. 118); a utilização da denominação
“Educação Infantil”, e a respectiva conceituação
como primeira etapa da educação básica, além
da diferenciação entre creche e pré-escola pelo
critério único da idade (arts. 43 e 44 caput);
também extinguiu as outras formas de denominações que passariam a ser todas definidas
como “Centros de Educação Infantil” (art.
44,§1º). Previa a participação e colaboração de forma específica - dos sistemas de saúde e
assistência social (art. 44, §§ 4º, 5º e 6º).
Atribuia aos municípios prioridade no atendimento à educação infantil (art. 45). Ainda, exigia a formação escolar em nível médio ou superior do profissional da área (art. 44 §9º). Con-
etapa da educação a qual o projeto não mencionou.
Outro projeto de LDB que merece ser destacado é o apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro à Comissão de Educação do Senado Federal (PL n.º 67/92), que embora utilizasse o
termo Educação Infantil, previa a diversidade
de designações, e ainda, não relevava o aspecto educacional do atendimento infantil de 0 a 3
anos, conforme se pode constatar pela leitura
do art. 71 que exigia formação preferencial em
nível superior para o docente da pré-escola, do
ensino fundamental, médio, regular ou especial, não mencionando a educação infantil, ou
nenhuma outra designação utilizada no art. 22.
Desta forma, pela análise de alguns dos projetos da LDB ficaram evidenciadas as divergências de tratamento dado à Educação Infantil, e por outro lado evidenciou-se a uniformidade na priorização ao ensino fundamental.
Por quê? Como ficou o texto sancionado12?
Em três artigos a LDB define a Educação
Infantil, condicionando-a como a primeira etapa da Educação Básica, e distinguindo creche e
pré-escola pelo critério de faixa etária, mas no
que se refere às formas designativas, embora
tenha adotado os termos creche e pré-escola
utilizou a expressão “ou entidades equivalentes” abrindo precedentes para outras designações de diversas ordens. Outro aspecto a
ressaltar é a inclusão
da comunidade como
uma co-responsável
pela educação infantil,
o que não se configurava nos textos anteriores.13
Ainda, no art. 89 estipulou o prazo de 3
anos para que as instituições de educação in-
Um aspecto a ressaltar no texto da LDB
é a inclusão da comunidade como co-responsável
pela educação infantil.
tudo, as discussões dos educadores visavam uma
formação que contemplasse em seu currículo a
específicidade da criança de 0 a 6 anos, qualificando o profissional para atuar junto a esta
20
11
Manteve-se, neste momento, a nomenclatura “ensino de 1º grau” por ser esta a denominação utilizada no Projeto
de Lei n. 1.258-A/88.
12
Antes da sanção da LDB o MEC publicou em 1994 o documento “Política Nacional de Educação Infantil”, texto já
divulgado em 1993 sob o nome de “Política de Educação Infantil: proposta”.
13
Trecho de texto da LDB (lei nº 9.394/96):
“Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando
a ação da família e da comunidade.
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;”
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
fantil passassem a integrar os sistemas de ensino, pois a grande maioria das creches brasileiras são vinculadas às instituições de promoção social.
Um outro aspecto que recebeu novo tratamento no texto da LDB se refere à omissão da
prioridade do atendimento institucional à criança de 0 a 6 anos que
passa a ser ressaltado
apenas para o ensino
fundamental (art. 11,
V), o que diverge do
texto constitucional
que previa a prioridade de atendimento tanto à educação infantil quanto para o ensino
fundamental (art. 211,§ 2º, de acordo com a
emenda constitucional nº 14)14
Neste sentido, é possível afirmar que a expectativa dos profissionais da educação infantil em relação ao texto da LDB ficou aquém do
esperado. A questão não é apenas ter retirado
– ou melhor ter colocado entre vírgulas – a
expressão “prioritariamente” atribuindo este
caráter apenas ao ensino fundamental, na verdade as próprias ações e medidas estatais apontam esta prioridade para o ensino fundamental, em detrimento das demais etapas da educação. O exemplo mais evidente é a Lei nº 9.424/
96 que focaliza o ensino fundamental ao estabelecer um Fundo próprio para o seu financiamento.
O que aconteceu entre 1988 a 1996 para
que a educação infantil deixasse de ser
prioritária? Este fato já foi evidenciado nos textos das leis citadas e nas estatísticas de atendimento já mostradas.
As hipóteses aqui apresentadas apontam
para uma configuração estatal cuja centralidade
está na adoção de reformas político-econômicas que têm por base as políticas neoliberais,
que vêm sendo implementadas pelas gestões
atuais, respaldadas nas diretrizes de organis-
mos supra-governamentais, como o Banco Mundial e que, por sua vez, se apoiam na globalização
das medidas de reestruturação do capitalismo
mundial.
Assim, a atuação do Banco Mundial (BM)
na América Latina prescreve a focalização
das medidas sociais nos mais “pobres”, com
A educação infantil, na concepção do Banco Mundial,
é um alicerce para o Ensino Fundamental e a
pré-escola é uma forma de "preparação".
14
o intuito de prevenção das “situações politicamente críticas” (Coraggio, 1996 a), procurando casar projetos focalizados e de baixo
custo.
Portanto é possível compreender a centralização dos recursos na Educação Básica, no
âmbito educacional, e mais especificamente no
ensino fundamental, pois numa análise econômica adotada pelo BM a relação custo X benefício é facilmente verificável, o que não acontece
nas demais etapas da educação.
Ressalta-se ainda, que embora o Banco Mundial empregue o binômio Educação Básica, a
intenção se projeta de forma quase restritiva
ao Ensino Fundamental, o que fere o conceito
de educação básica proposto na Conferência
de Jomtien (Torres, 1996).
A educação infantil, na concepção do Banco Mundial, é um alicerce para o Ensino Fundamental, predominando a pré-escola como
uma forma de “preparação” para o ensino
fundamental, e as creches se resumem ao
aspecto assistencial, sobretudo à saúde e à
nutrição. Contudo, esta concepção presente
nos anos 70 emerge aos 90 com o título de
“educação” infantil. Interessante notar que
quando o atendimento institucional aos menores de sete anos conquista para si o
Trecho de texto da LDB (lei nº 9.394/96):
“Art. 11. Os municípios incumbir-se-ão de: (...)
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a
atuação em outros níveis de ensino somente...”
Trecho de texto da Constituição Federal. Art. 211, § 2º a partir da Emenda Constitucional nº 14 de 112.09.96: “Os
municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (grifos meu).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
21
“status” de educação, a prioridade dos recursos está no “ensino”.
As creches neste sentido deixam de ser
prioritárias no texto da LDB, no texto constitucional é “letra morta”, confirmando a política educacional que vem sendo implementada
pelo estado brasileiro cujo centro incide na
focalização do ensino fundamental dentre as
demais etapas da Educação Básica. Estes dados de análise da legislação educacional vigente possibilitam identificar a fundamentação da política educacional brasileira nas questões de caráter econômico, respaldadas nas
prescrições dos organismos internacionais
como Banco Mundial, CEPAL, PNUD e UNICEF
– dentre os principais – os quais optam por
medidas focalizadoras nas questões educacionais partindo do nexo na relação “custo-benefício”, ou em outras palavras, na lógica do
desenvolvimento econômico gerado pelo desenvolvimento humano (Coraggio, 1996 b).
Ainda, de forma incipiente, no aspecto cultural, tem-se observado um movimento presente
nos meios de comunicação de massa que ressalta formas de trabalho informal, e ainda de
valorização da mulher com os cuidados domésticos. Estas questões apontam para uma
retirada gradual da mulher do mercado de trabalho, o que se configura como uma forma alternativa de estabilização dos índices de desemprego15. Este movimento gira no sentido
contrário àquele verificado no final dos anos
70, quando se viabilizava a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Caso se efetive esta tendência a expansão das creches
passará por uma estabilização, ou até por uma
diminuição.
Considerações finais
Procurando estabelecer o lugar e o papel
da educação infantil na sociedade contemporânea, tendo como ponto referencial a legislação
educacional brasileira, é possível tecer algumas afirmações.
15
22
A educação infantil na legislação vigente assume o caráter educacional, mas não
com o intuito de ensino, e sim, em grande
parte, como uma alternativa de adequação
da criança à escola, à sociedade e à vida.
Esta tendência sinaliza para uma problemática estrutural da Educação Infantil, e
não apenas conjuntural, uma vez que a História do atendimento institucional à criança de 0 a 6 anos, retratada brevemente na
primeira sessão deste artigo, confirma este
fato.
A centralidade que a criança passou a ter
nos anos 80 se configura num contexto em
que o Estado brasileiro se encontra num momento de crise de múltiplas dimensões. Esta
crise é sentida, sobretudo, na forma de financiamento do modelo de industrialização ainda
fundamentado no referencial fordista e
taylorista, implicando entre outros fatores na
caracterização da criança enquanto um consumidor em potencial de produtos industrializados, sendo a partir de então explorada pela
mídia, através de propagandas e programas
televisivos.
O Estado ainda não assumiu o dever de
efetivar a garantia de atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de
zero a seis anos, pois quando atribuiu a
prioridade para o ensino fundamental, resumiu a destinação das verbas públicas
para esta etapa da educação básica. A garantia de creches e pré-escolas passaria
necessariamente por uma previsão e dotação orçamentárias previstas em lei, o que
não ocorreu.
A adequação terminológica realizada pela
legislação educacional não dirimiu a questão
conceitual da educação infantil, pois esta é
uma questão de abordagem mais ampla. A
indefinição de nomenclatura reflete a contradição e a complexidade do atendimento
institucional na sociedade capitalista vigente, que ainda persiste, mas agora de forma
mais sutil.
No Brasil esta tendência do retorno da mulher ao trabalho doméstico e ao cuidado com os filhos ainda não é
percebida, mas em países de capitalismo avançado já tem se configurado sob um ponto de vista conjuntural.
Neste sentido há o estudo de Silvio Scanagatta, da universidade de Pádua (Itália) apresentado na 20ª Reunião da
ANPED sob o título “o trabalho em transformação e as tendências culturais dos jovens”.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
A educação infantil ainda não se efetivou
como uma ação concreta, apenas faz parte
do discurso político, o que se reflete na legislação citada. Neste sentido, o compromisso brasileiro com a educação básica é parcial. Anuncia uma amplitude negada com a prioridade
ao ensino fundamental. Entretanto, esta prioridade é anunciada como política para a Dé-
cada da Educação (art. 87 de LDB, Lei n.º
9.394).
As perspectivas para a educação infantil
não apontam para uma efetivação desta etapa da educação como foi idealizada nas discussões e mobilizações dos anos 80, pois estão faltando as bases materiais que a
viabilizem.
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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
23
Pretende-se com este artigo apresentar algumas considerações
sobre o espaço concedido à Educação Especial na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, visando observar
se as modificações ocorridas na Lei 9.394 de 1996 atendem
às exigências educativas dos alunos considerados especiais.
Palavras-chave: Educação Especial, Lei de Diretrizes e Bases
‘‘The present article presents a number of considerations
concerning the space given to Exceptional Education in the
Brazilian Law of Procedures and Directives for Education with a view to observing whether the modifications to Law
9.394 of 1996, attend the necessities of those considered as
excepcional students’’.
24
Key words: Excepcional Education, Law of Produceres and
Directives for Education
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Alexandra Ayach
Anache
Professora Adjunta do
Departamento de Ciências
Humanas do Centro de
Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
A Educação Especial na
Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira
A Educação Especial inscreve-se no contexto da Educação
geral, cujo objetivo principal é garantir o acesso e a permanência na escola de pessoas que apresentam características físicas,
sensoriais e mentais na escola. Esse direito tem sido assegurado
por Lei desde 1961, quando foi sancionada a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional 4.024, conforme consta o texto que
se segue,
“Da Educação de Excepcionais
art. 88 - A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de
integrá-los na comunidade.
art. 89 - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos
conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de
excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções” 1
Essa Lei previa a integração de Excepcionais2 no ensino
regular e assegurou o apoio financeiro às instituições particulares de atendimento a estas pessoas. No entanto, essa integração
não ocorreu de fato, pois o Estado não viabilizou tal proposta.
Seu apoio foi sempre no sentido de oferecer bolsas de estudos,
empréstimos, subvenções e convênios. Isso significa que o Estado continuava mascarando sua atuação, transferindo responsabilidades para instituições especializadas.
Embora essa Lei tenha tido a pretensão de garantir o direito
à escolarização ao excepcional, a mesma não esclarece a quem
1
BRASIL. Lei 4.024/61 de 21 de abril de 1961.
2
O termo excepcional está sendo empregado nesse texto para ser fiel à
legislação oficial da época.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
25
compete a Educação dos mesmos. Além disso,
quando entrou em vigor, não atendia mais às
exigências sociais e políticas da época, uma vez
que o processo de industrialização solicitava o
oferecimento de cursos de nível médio profissionalizante.
Em 1971, foi aprovada a Lei de Diretrizes e
Bases nº 5692/71, elaborada com a finalidade
12 de 1978, que assegurava a melhoria de
condição social ao excepcional. Neste mesmo
ano foi baixada a Portaria Interministerial
186, regulamentando a Portaria 477 de 1977,
que visava a integrar os Ministérios da Educação, Previdência Social e Assistência Social, objetivando o atendimento especializado
(médico, psicossocial e educacional) para essas pessoas, assim
como prevenção e garantia da qualidade e
continuidade desses
atendimentos.
Embora o CENESP
tenha somado esforços
para oferecer atendimentos especializados,
visando à integração
de excepcionais no ensino regular, enfrentou
alguns problemas, dentre eles, ausência de dados censitários; desequilíbrio entre demanda e
oferta; desigualdade na proporção de atendimento às diferentes categorias de excepcionais; concentração do atendimento na faixa de 7 a 14
anos; inadequação de metodologias instrucionais,
associada à carência de estudos e pesquisas;
insuficiência de recursos humanos; escassez de
recursos financeiros; desentrosamento entre os
setores público e particular; limitada participação da sociedade em geral.
O CENESP, sem autonomia suficiente para
resolver tais questões, tinha seus objetivos esvaziados, pois era necessário um órgão que tivesse maior mobilidade institucional junto ao
poder executivo. Assim, o Estado reestruturou,
no nível federal, órgãos responsáveis pela política ligada ao excepcional, e criou em 1986, a
Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, vinculada ao gabinete
da Presidência da República, visando a coordenar “assuntos, atividades e medidas que se refiram às pessoas com deficiências.”5
Nesse mesmo ano, foi criada a Secretaria
de Educação Especial (SESPE)6 em substituição ao CENESP. Este novo órgão tem como objetivo conseguir maior mobilidade institucional
junto às fontes de decisão, como o executivo, e
ainda maior poder de negociação com as secretarias de educação das unidades federadas, além
de uma ampla capacidade de articulação com
os órgãos públicos e privados, envolvidos com
atendimento aos intitulados excepcionais.
Em 1988, o artigo 208 da Constituição Brasileira atribuiu ao Estado o dever de oferecer,”...o
Embora a LDB tenha tido a pretensão de garantir
o direito à escolarização ao excepcional, ela
não esclarece a quem compete a Educação dos mesmos.
de “corrigir as inadequações do ensino médio
anterior, face a uma nova realidade (antes de
mais nada econômica), mas também, como decorrência da necessária reformulação do ensino superior, a fim de ajustar ideológica, estrutural e funcionalmente os três níveis de ensino.”3
Em relação à educação do excepcional podese dizer que houve mudanças face à lei anterior (4.024/61). As alterações afetaram mais
diretamente as disposições que tratam do Direito de Educação no Ensino Regular.
“Art. 9º - Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados
deverão receber tratamento especial, de
acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação.” 4
Segundo Ferreira (1989) a Lei 5692/71
representa avanços em relação à anterior à
medida que é mais afirmativa em relação aos
direitos à escolarização do excepcional e remete tal responsabilidade para o ensino regular.
Para garantir esse direito, foi criado, em
1973, o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), que ficou responsável pela expansão e melhoria do atendimento à pessoa com
deficiência. Esse órgão concentrou todas as atividades relacionadas à educação do deficiente
mental, visual, auditivo, múltiplos e superdotados, em todos os níveis (pré-escolar, 1º e
2º graus, superior e supletivo), visando à
integração dessas pessoas na sociedade.
A partir da criação do CENESP, algumas
conquistas legais foram efetivadas, sendo importante destacar a emenda constitucional nº
26
3
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade.
4
BRASIL. Lei 5.692/71. Diário Oficial, 12/08/71. p.15.
5
BRASIL. Decreto-lei nº 93.481, de 20 de outubro de 1986.
6
BRASIL. Decreto-lei nº 93.613 de 21 de novembro de 1986.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
6ª ed. São Paulo: Morais. 1986. p. 93-94.
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência na rede regular de ensino”
Visando cumprir ao proposto por essa Constituição, em 1990, a SESPE foi incorporada à
Secretaria Nacional de Educação Básica - SENEB.
Suas atribuições projetos e programas foram
delegados à Coordenadoria de Educação Especial. Tais modificações colocam a educação do
excepcional como parte integrante da estrutura educacional brasileira.
As mudanças da postura administrativa do
Ministério da Educação, visando à descentralização e ampliação de seu alunado, como
tentativa de assegurar oficialmente o direito à
educação a todos os cidadãos indiscriminadamente, foram contempladas na atual Lei de
Diretrizes e Bases 9.394, de 1996, as quais
pretendemos direcionar a nossa atenção. Desse modo, num primeiro momento apresentaremos o discurso oficial7 , que servirá de norte
para as reflexões sobre as mudanças asseguradas na Lei em questão.
Essa Lei traz algumas modificações em relação à Lei 5692/71, no que se refere ao termo
empregado para designar o seu alunado especial, denominado agora, Portador de Necessidades
Especiais, em substituição ao termo excepcional.
Sabemos que as palavras foram criadas
para designar idéias, conceitos, e além disso
representam a expressão do pensamento de
um povo em determinado momento da história.
Nesse sentido, consideramos pertinente observar se as mudanças de nomenclatura para designar a pessoa que
apresenta deficiência
física, sensorial, mental e outras características que exijam atenção especializada, conseguiram amenizar os
efeitos do termo excepcional.
A Lei 5692/71, em
seu artigo 9º considera como excepcional todas as pessoas que apresentam deficiências
físicas, mentais, atraso no desenvolvimento e
superdotados. Alguns autores, dentre eles Kirk
e Gallagher (1987) ampliam um pouco mais
esse conceito:
1. desvios mentais, incluindo crianças que
são:
(a) intelectualmente superiores e
(b) lentas quanto à capacidade de aprendizado mentalmente retardadas;
2. deficiências sensoriais, incluindo as
crianças com
(a) deficiências auditivas e
(b) deficiências visuais;
3. desordens de comunicação, incluindo as
crianças com
(a) distúrbios de aprendizagem e
(b) deficiências de fala e da linguagem;
4. desordens do comportamento, incluindo:
(a) distúrbio emocional e
(b) distúrbio social;
5. deficiências múltiplas e graves, incluindo
várias combinações: paralisia cerebral e
retardamento mental, surdez e cegueira,
deficiências físicas e intelectuais graves, etc.”
(p.5)
Embora a Lei 9.034/96, tenha tido a intenção de diminuir o peso do rótulo, sua abrangência conceitual, causou inúmeras confusões,
como, por exemplo, de considerar toda pessoa
com deficiência como sendo deficiente mental.
Tal definição será explicitada um pouco melhor na Política Nacional de Educação Especial
(1993), que define como Portador de Necessidades Especiais, o aluno
“(...) que por apresentar, em caráter permanente ou temporário alguma deficiência física, sensorial, cognitiva, múltipla, condutas típicas ou ainda altas habilidades,
necessita de recursos especializados para
desenvolver mais plenamente o seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades”
Mazzotta (1996) ao analisar a Política Nacional de Educação Especial acredita que essa
mudança de nomenclatura surgiu mais como
uma tentativa de suavizar a expressão aluno
Mais do que uma nova reflexão sobre sua clientela, a
nomenclatura "Educação Especial" teria surgido
para suavizar a expressão "aluno excepcional".
7
excepcional do que uma nova reflexão sobre o
alunado da educação especial. Além disso, em
pesquisa realizada recentemente, pudemos observar que a abrangência do termo Portador
de Necessidades Especiais tem contribuído para
que o sentido da deficiência e de suas especificidades sejam negados, comprometendo a qualidade dos serviços especiais prestados.
Acrescente-se ainda sobre a imprecisão
conceitual, que Mazzotta (1996) não considera apropriado o uso do termo Pessoa Portadora de Necessidades Especiais, porque as pessoas não portam necessidades, mas apresentam necessidades dependendo da situação em
que se encontram. Nesse sentido o mais ade-
Por discurso oficial entende-se aquele expresso através de Leis e documentos básicos das políticas oficiais.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
27
quado seria o termo educandos com necessidade educativas especiais, uma vez que a “necessidade especial” não é inerente à pessoa,
mas se concretiza na sua relação com o ambiente, e nesse caso específico, ambiente educacional.
Desse modo, é pertinente esclarecer a quem
se destina a Educação Especial segundo a Legislação oficial. Tais esclarecimentos serão realizados de forma sucinta, lembrando ao leitor
que os conceitos apresentados são os mais utilizados atualmente, o que não exclui a possibilidades de serem questionados ou mesmo revisados. São consideradas Pessoas com Necessidades Educativas Especiais aquelas que apresentam:
def
iciência mental: Termo empregado para
deficiência
fazer referência ao sujeito que apresenta potencial intelectual qualitativamente diferente,
cuja apropriação de fenômenos, objetos, conhecimentos, etc, também se diferencia em decorrência de um defeito dos processos naturais do
desenvolvimento do sujeito.
def
iciência visual: Termo empregado para
deficiência
designar pessoas que apresentam perda total
ou parcial da acuidade visual do melhor olho ou
após a correção ótica. Essa deficiência manifesta-se como cegueira e como visão reduzida.
A cegueira é a perda da visão em ambos os
olhos, e após a melhor correção ótica, necessitando do sistema Braille, como meio de leitura
e escrita e/ou outros métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para a sua educação.
A visão reduzida, segundo o enfoque médico-oftalmológico, refere-se à acuidade visual
entre 6/20 e 6/60 no melhor olho, após correção óptica. Para efeito educacional, é considerado aluno de visão reduzida aquele que apresenta visão residual em grau que lhe permita
bem como de perceber a voz humana, com ou
sem a utilização de aparelho.
A surdez severa/profunda é a perda auditiva acima de 70 decibéis que impede a pessoa
de entender, como ou sem aparelho auditivo, a
voz humana, através do ouvido, bem como de
adquirir, naturalmente, o código da língua oral.
(Política Nacional de Educação Especial, 1993,
p. 9)
deficiência física: caracteriza-se por uma
variedade de condições relacionadas à mobilidade, coordenação motora geral ou da fala, decorrente de lesões, neurológicas, neuromusculares, ortopédicas, ou ainda más formações
congênitas ou adquiridas.
deficiência múltipla: é associação de duas
ou mais deficiências primária (mental / visual
auditiva / física) comprometendo o desenvolvimento global da pessoa.
alta habilidade: desempenho notável, com
elevada potencialidade em qualquer um dos aspectos isolados ou combinados: intelectual, aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes e psicomotor.
condutas típicas: manifestações comportamentais típicas de pessoas com síndromes e
quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social.
crianças de alto risco: são as que apresentam condições de vulnerabilidade que ameaçam seu desenvolvimento, em decorrência de
fatores de natureza somática, como determinadas doenças adquiridas durante a gestação, de
alimentação inadequada, tanto na gestante
quanto na criança, ou ainda como conseqüência do nascimento prematuro (Organização dos
Estados Americanos, 1978).
Ainda com relação à abrangência
conceitual, vale ressaltar que encontramos crianças com
problemas de comportamento diagnosticadas como deficientes mentais e, portanto, matriculados em
classes especiais. O
mesmo equívoco ocorre com o alunado considerado grupo de risco,
uma vez que o texto da Política Nacional de
Educação Especial não explicita quais são as
condições de vulnerabilidade que a pessoa possa estar exposta, oferecendo margem para
que sejam considerados especiais, por exemplo crianças pertencentes à classe pobre, cuja
renda familiar limita-se a manter o mínimo
necessário para a sobrevivência de seus membros.
As pessoas não portam necessidades especiais
mas as apresentam dependendo da situação
em que se encontram.
28
ler impressos a tinta, desde que se empreguem
recursos didáticos e equipamentos especiais
para a sua educação.
deficiência auditiva: é a perda total ou
parcial, congênita ou adquirida, da capacidade
de compreender a fala através do ouvido. Ela
manifesta-se como: surdez leve/moderada e
surdez severa/profunda.
A surdez leve/moderada é a perda auditiva
até 70 decibéis, que dificulta a expressão oral,
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Sobre os serviços especiais prestados, a Lei
9.394/71, em seu Artigo 58, ao assegurar o
direito à educação especial às Pessoas com Necessidades Especiais, não esclarece o que se
designa como modalidade especial, conforme
consta no texto:
Art. 58. Entende-se por Educação Especial,
para efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para educandos
portadores de necessidades especiais.
O esclarecimento
sobre o conceito de
Educação Especial só
será fornecido pelo
texto da Política Nacional de Educação Especial, (1994) como
“(...)um processo que visa promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas
típicas ou de altas habilidades, e que abrange
os diferentes níveis e graus do sistema de
ensino. Fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu alunado. O processo deve ser integral, fluindo desde a
estimulação essencial até os graus superiores de ensino.” (p. 11)
Entende-se por modalidades de atendimento educacional, procedimentos didáticos alternativos e adequados às necessidades educativas
do alunado da educação especial e que implicam em espaços físicos, recursos humanos e
materiais diferenciados. Atualmente, as modalidades de atendimento especial são:
Atendimento Domiciliar: Quando o aluno especial, impossibilitado de ir à escola, recebe atendimento educacional em sua residência;
Classe Especial: Sala de aula em escolas
do ensino regular que são organizadas com recursos humanos e técnicos especializados, propiciando ao educando com necessidades especiais, condições para que possa escolarizar-se.
Existem no país classes especiais para deficiente mental auditivo e visual;
Classe Hospitalar: Classes organizadas
nos hospitais destinadas à escolarização das
pessoas que estejam realizando tratamento mais
intensivo e prolongado.
Ensino Itinerante: É realizado por um
professor especializado, que tem a função de
desenvolver um trabalho educativo, tanto com
o aluno com Necessidades Educativas Especiais como com o seu professor. O professor atende várias escolas que prestam esses serviços.
Escolas Especiais: Instituições especializadas que prestam atendimento psicope-
dagógico aos educando com deficiências e condutas típicas.
Of
icina P
eda
gógica: Ambiente destinado
Oficina
Peda
edagógica:
ao desenvolvimento de atividades relacionadas
ao desempenho profissional. Esses ambientes
são equipados com recursos humanos e especiais. É mais comum encontrarmos essa modalidade de atendimento em Escolas Especiais.
Sala de Estimulação Essencial: Espaço
apropriado ao atendimento de crianças de 0 a
Cabe aos profissionais envolvidos procurar conhecer as
necessidades especiais de cada aluno,
para que possam encaminhá-lo adequadamente.
3 anos diagnosticadas como deficientes e àquelas consideradas de alto-risco, onde são desenvolvidas atividades terapêuticas e educacionais
voltadas para o desenvolvimento da criança.
Centro Integrado de Educação Especial: Trata-se de um local que possui uma equipe
interdisciplinar, que se utiliza de equipamentos
e recursos didáticos específico, prestando serviços de diagnóstico, estimulação essencial,
escolarização e preparação para o trabalho.
Sala de Recursos: Ambiente localizado no
ensino regular, que possui materiais e recursos pedagógicos específicos e visa a atender às
necessidades de cada educando, implementando
os trabalhos educativos realizados pelos alunos com necessidades educativas especiais no
ensino regular.
Assim, cabe aos profissionais envolvidos nessa área, procurar conhecer as necessidades
educativas especiais de cada aluno, para que possam encaminhá-lo adequadamente, possibilitando-lhe o desenvolvimento de suas potencialidades,
visando a sua integração social.
A legislação atual, em seu Artigo 59 coloca
em evidência que as pessoas que apresentam
necessidades educativas especiais sejam atendidas preferencialmente nas escolas de ensino
regular, e que estas ofereçam-lhes todas as condições necessárias para que seja possível o acesso, a matrícula e a permanência das mesmas.
Para que isso se viabilize, procura assegurar
“currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específicos, para
atender às suas necessidades” e (...) “ professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimentos
especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para integração
desses educandos nas classes comuns;”
(LDB, 1996, p. 23).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
29
Embora se tente assegurar que aluno com
necessidades educativas especiais, o direito à
escolarizar-se, preferencialmente no ensino regular, o que tem sido viabilizado é o ensino
especial, nas suas diferentes modalidades. Vale
lembrar que, Mazzotta (1996) realizou um estudo sobre as Políticas de Educação Especial
no Brasil, analisando-as sob dois vértices:
Ainda com relação ao citado artigo, vale
ressaltar as dificuldades de se especializar o
corpo docente para a Educação Especial, uma
vez que os cursos para esse fim são escassos,
e, só recentemente o Conselho Federal de Educação assegurou a inclusão de disciplinas e conteúdos dessa área nos diversos cursos de nível
médio e superior do país. Desse modo, coloca-se
como fundamental que
as Universidades brasileiras se esforcem
para atender às exigências legais.
Embora a Legislação oficial vise a minimizar os efeitos da
segregação, assegurando direitos à escolarização no sistema de ensino brasileiro, ainda
encontramos dificuldades para a efetivação
desses direitos, como ilustram as situações a
seguir:
1. apenas 2,3% da população de pessoas
com deficiência estão freqüentando o ensino
regular. Ilustra tal situação o fato de serem
diagnosticados como deficientes mentais alunos que não conseguem obter sucesso no processo ensino - aprendizagem. Questão essa que
nos remete à confusão conceitual a respeito da
deficiência mental e ao uso inadequado de instrumentos que visam a classificar e a encaminhar crianças para a classe especial.
2. as classes especiais e instituições
especializadas apresentam dificuldades para
garantir a qualidade dos serviços prestados.
Essas modalidades de atendimento têm seus
objetivos esvaziados, à medida em que acabam
sendo o depositário dos problemas de aprendizagem das escolas de ensino regular, demonstrando total desconhecimento dos profissionais
a respeito das funções do ensino especial;
3. faltam profissionais qualificados para o
exercício da função de professor tanto no ensino regular como no especial. Situação que se
agrava com as precárias condições de trabalho da carreira do magistério;
4. os educadores, bem como as autoridades
educacionais, não possuem informações suficientes sobre a educação de pessoas com necessidades educativas especiais;
5. as Classes Especiais e as Salas de Recursos não fazem parte do projeto pedagógico
da escola, dificultando o processo de integração
dos alunos.
6. emprego inadequado de recursos financeiros, prejudicam algumas medidas que poderiam
melhorar a qualificação dos profissionais que
atuam diretamente com os alunos nas escolas.
Interpretações equivocadas sobre o conceito e importância da Educação Especial fazem
Embora a Legislação oficial vise a minimizar os
efeitos da segregação, ainda encontramos dificuldades
para a efetivação desses direitos.
30
• uma visão estática, vinculando o educando que apresenta necessidades educativas especiais, com a educação especial por oposição
a sua participação na educação comum;
• uma visão dinâmica, que entende ser a
educação escolar um direito de todo e qualquer
cidadão, incluindo em educação escolar o oferecimento de espaços adequados para sujeitos com
necessidades educacionais especiais, quando
assim tornar-se indispensável.
Para esse autor, é o segundo vértice aquele
que melhor atende às necessidades dos educando especiais, porém é preciso ter cuidado para
que não se entenda que toda pessoa definida
como especial tenha que necessariamente freqüentar uma das modalidades de atendimento
oferecidas pela educação especial, ou ainda,
colocá-lo no ensino regular, sem que tenha condições para estar lá. Tal prática é também
segregadora, porque nega o direito dessas pessoas receberem atendimentos adequados. Diante disso, é preciso que sejam observadas as reais necessidades especiais desse alunado, para
que o seu direito à educação não seja cerceado.
Cabe, ainda, salientar que a nova LDB, ao
considerar a Educação Especial como parte integrante da Educação geral, deveria contemplála nos diferentes níveis de ensino e não apenas destacá-la num capítulo. Sobre isso Mazzotta
(1996)contribui afirmando que
“Uma tal política Nacional não se define
necessariamente por um documento oficial
específico, a não ser que se entenda a educação especial como à parte da política educacional geral. Subsídios relevantes podem
e devem compor um documento oficial de
educação especial. Entretanto, mais importante que um documento técnico específico,
é a coerência entre princípios gerais definidos nos textos legais e técnicos oficiais e os
planos e propostas para a implementação
de tais princípios.” (p. 201)
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
parte do cenário educacional, uma vez que alguns profissionais a identificam como o “depósito” de alunos que não conseguiram obter sucesso no processo ensino aprendizagem. Tratase de um recurso educacional que viabiliza, aos
educandos com necessidades especiais, o direito à educação. Os recursos educativos especiais
destinam-se aos alunos que, em alguns casos,
possam necessitar, temporariamente, ou de forma permanente, da mediação de terceiros para
equacionar suas dificuldades e possibilitar desenvolvimento de suas potencialidades.
Sobre isso, vale ressaltar que a Lei atual
tem tentado romper com o caráter
asssitencialista e terapêutico atribuído à Educação Especial até 1990. A partir dessa data,
ela tem sido interpretada como modalidade de
ensino, que implica em adoção de metodologias
e recursos didáticos especiais. Entendê-la dessa forma é também reduzi-la a uma simples
instância, que prepara o aluno para ingressar
no ensino comum.
Sabemos que a concretização do sucesso
escolar necessita ser estimulada através da
construção de uma escola comprometida politicamente com seus alunos, rompendo com a visão estática de que criança com necessidades
educativas especiais devam receber
escolarização apenas no ensino especial. Para
isso, é fundamental que se invista na formação
de profissionais da educação, oferecendo-lhes
oportunidades de estudos, com o objetivo de rom-
per com preconceitos que já foram cristalizados no cotidiano escolar em relação a essas
pessoas.
A aceitação e integração das Pessoas com
Necessidades Educativas Especiais é ainda objeto de discursos e racionalizações. A tese de
que “somos todos iguais” serve mais para ocultar o preconceito e justificar a exclusão do que
para reconhecer a diferença. A imposição e
exposição da deficiência / eficiência retrata
dicotomias e ambigüidades de ações e atitudes.
As intenções parecem claras e as melhores
possíveis. Obscuros são os afetos e desejos que
forjam uma imagem social negativa em torno
dessas pessoas, produzindo estereótipos e
rotulações.
Neste sentido, acreditamos que o processo
de integração precisa ser repensado, para que
não se incorra no erro de oferecer um trabalho educativo ortopédico, ou seja, voltado apenas para a correção das deficiências, ou ao
aumento de eficiência dos alunos com altas
habilidades em espaços diferenciados. É preciso construir junto com as Pessoas com Necessidades Educativas Especiais e demais envolvidos em sua escolarização propostas de trabalho que venham garantir que suas necessidades especiais sejam atendidas tanto pela
Educação Geral quanto pela Especial. Isso exige que as mudanças não fiquem restritas apenas aos termos, implica sim, em mudanças de
atitudes.
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1991. 133p. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
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MAZZOTTA, M. J. Educação Especial no Brasil - História e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez, 1996.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
31
Este estudo se propõe a analisar os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs, na sua versão lançada em 1996, com o objetivo de identificar o
papel das políticas educacionais do Estado na determinação das funções
sociais da escola. Através desta análise procura-se evidenciar em que
medida as funções atribuídas à escola, hoje, se relacionam com as
necessidades do mundo do trabalho. Demonstra que tem sido atribuída à
escola a função de capacitar a força de trabalho para se adaptar as
constantes mudanças no mundo do trabalho, contribuindo para a redução
de conflitos na sociedade, além de revelar aspectos contraditórios que
evidenciam a possibilidade de luta no contexto do movimento da
sociedade.
Palavras-chave: Política Educacional, Parâmetros Curriculares,
Funções da Escola.
This study intend to analyse the National Curricular Parameters - PCNs in their version released in 1996, with the objective of identify the role of
the educational politics of the State in the determination of the social
functions of the school. Through this analysis we seek to expose to what
extend the functions imputed to be the school’s, nowadays, relate to the
needs of the work reality. This studies show that it has imputed to the
school the function of preparing the work force to adapt itself to the
constant changes of the work reality, contributing to the reduction of
society conflict, besides reveal contradictory aspects which show the
possibility of clashes in the context of the social movement.
32
Key words: Educational Politics, Curricular Parameters,
School Functions.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Elisângela
Alves da Silva
Aluna do Curso de Mestrado
em Educação/UFMS - Bolsista
de Demanda Social da Capes.
*
Artigo elaborado a partir dos
estudos desenvolvidos no
Curso de Mestrado em
Educação/UFMS
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
As Políticas
Educacionais do Estado
na Determinação das
Funções Sociais da Escola
*
Introdução
Este estudo se propõe a analisar o papel das políticas educacionais do Estado na determinação das funções sociais da escola, procurando identificar quais as funções que o capital tem
atribuído à escola hoje, e em que medida essas funções se relacionam com o mundo do trabalho.
Parte-se do pressuposto de que o mundo do trabalho, na
sociedade contemporânea, tem passado por significativas transformações, ocasionadas pelo desenvolvimento tecnológico, pelo
crescente processo de desindustrialização e pela movimentação
do capital fictício. Todos esses aspectos têm influenciado na forma como se organizam as relações de trabalho e até mesmo no
questionamento da centralidade da categoria trabalho para o
trabalhador. Observando-se esses aspectos, procura-se abordar
as políticas educacionais do Estado no sentido de apreender sua
relação com as novas exigências do mundo do trabalho.
Inicialmente desenvolve-se uma análise das relações entre
escola e trabalho, procurando identificar as principais funções
que a escola desempenha no sentido de atender necessidades
do mundo do trabalho. As determinações sociais implícitas nas
políticas educacionais do Estado são contempladas na tentativa
de desvelar o papel dessas políticas na determinação das funções da escola.
Com base nessa discussão se segue a abordagem dos
“Parâmetros Curriculares Nacionais” - PCNs, na sua versão
lançada no ano de 1996, com vistas a identificar as funções da
escola que se encontram explícitas ou subjacentes ao mesmo.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
33
Relações entre a escola e o
mundo do trabalho
O trabalho da escola é analisado por Offe
(1989) como uma atividade constitutiva do setor de serviços. Segundo ele, as atividades desenvolvidas pelo setor de serviços têm uma função específica no contexto das relações capita-
sulta do fato de ele ser um ‘corpo estranho
indispensável’. Ele assegura e padroniza as
precondições e os limites de um tipo de trabalho ao qual ele próprio não pertence” (Ibid.:
181).
Quanto às funções que a escola vem assumindo na sociedade capitalista, Offe trata especificamente desta questão em um artigo, publicado em 1990. Nessa obra, ele afirma que uma
das funções objetivas
da escola, assumida
por ela de forma reflexa, é a redução de conflitos, sejam eles relativos a infração de
normas e virtudes
estabelecidas pelo capital ou relativos a
inutilização de grande
quantidade da força de trabalho devido às transformações tecnológicas e econômicas (Offe,
1990: 34).
Dessa forma, seria uma função da escola
capacitar a força de trabalho de forma que possua facilidade para se adaptar às transformações do mundo do trabalho, além de “formar
disposições de comportamento que correspondam aos interesses das instâncias dominantes do sistema ocupacional” (Ibid.: 34).
Esse posicionamento de Offe pode ser referendado pela seguinte citação de Marx:
O verdadeiro significado da educação, para
os economistas filantropos, é a formação de
cada operário no maior número possível de
actividades industriais possíveis, de tal forma que, se é afastado de um ramo pelo emprego de uma nova máquina ou por uma
mudança na divisão do trabalho, possa instalar-se noutro lado o mais facilmente possível (Marx & Engels, 1978: 74).
O trecho citado demonstra que Marx percebeu a função que a escola desempenhava para
o capital em seu tempo: oferecer ao trabalhador uma formação que possibilite maior facilidade para se adaptar às constantes mudanças
acarretadas pelo desenvolvimento das forças
produtivas. E qual seria essa formação?
Partindo do pressuposto de que a escola
nunca possibilitou a formação de habilidades
para o trabalhador manusear máquinas, até
porque essas habilidades podem ser adquiridas através de um treinamento muito simples
no próprio processo de produção, pode-se inferir que essa formação do operário se constituía, e se constitui até hoje, como mostra Offe,
na aquisição de hábitos e comportamentos que
o preparem para se adaptar ao mercado de
trabalho com o mínimo conflito possível. Dian-
A educação, como parte constitutiva do setor
de serviços possui o caráter "mediador, regulador,
ordenador e normalizante".
34
listas de produção: “são sempre orientadas para
a manutenção das ‘condições normais’ em uma
sociedade ou entre suas partes, isto é, para a
tarefa de defender e preservar os elementos
diferenciados da estrutura social, e para mediálos” (Offe, 1989: 136). A educação, como parte
constitutiva do setor de serviços possui o caráter “mediador, regulador, ordenador e
normalizante” (Ibid.: 180).
Essa característica do trabalho da escola,
bem como de outras atividades desenvolvidas
no setor de serviços, é perpassada pelo que
Offe (Ibid.: 138-9) chama de “duplo dilema”.
Para ele essa incumbência de originar um estado das coisas que esteja de acordo com certas regras e valores gerais entra em conflito
com a necessidade de reconhecimento da particularidade, a individualidade, a contingência
e a variabilidade das situações e necessidades
particulares de cada cliente, estudante, paciente, passageiro, etc.
O reconhecimento das particularidades individuais gera a necessidade de uma certa autonomia e flexibilidade, as quais são inconciliáveis com os critérios de racionalidade e organização (eficácia, eficiência, controle, padronização de relações, etc.), que são implícitas na
forma de organização do setor de serviços enquanto trabalho abstrato.
A análise de Offe evidencia o caráter contraditório das atividades desenvolvidas no âmbito do setor de serviços, no qual se localiza a
escola. Esse caráter ambivalente e ao mesmo
tempo independente desse tipo de trabalho resulta do fato de que apesar de não ser considerado produtivo, ele assegura as condições necessárias à sobrevivência do trabalho produtivo. Offe considera que “a ambivalência e a independência desse tipo de trabalho social reINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
te dessa constatação, uma questão ainda permanece: frente às constantes transformações
no mundo do trabalho que novas funções vêm
sendo atribuídas à escola?
As novas funções da escola
frente às transformações no
mundo do trabalho
Entre os teóricos que abordam as mudanças que vêm ocorrendo nas relações de trabalho hoje, destaca-se Jean Lojkine (1990/1995),
que compara essas mudanças ao momento da
Revolução Industrial, denominando-as de “Revolução Informacional”. Para este autor, se as
máquinas-ferramentas, impostas pela grande
industria, foram consideradas como o “melhor
método para dispensar o trabalho humano ou
reduzir seu preço”, as novas tecnologias, hoje,
são vistas como “métodos ideais para reduzir
os custos da mão-de-obra e controlar o trabalho dos operadores” (Lojkine, 1995: 308).
Acrescenta, ainda, que enquanto a máquinaferramenta marcava uma divisão entre produção e serviços, a Revolução Informacional exige a superação dessa divisão.
Dessa maneira, o autor aponta para uma
nova interpenetração entre informação e produção, permitindo o rompimento efetivo com as
divisões do trabalho e com a estrutura hierárquica do capital. Alerta, contudo, que,
A revolução informacional (...) está em seus
primórdios. Ela é, primeiramente, uma revolução tecnológica de conjunto, que se segue à revolução industrial em vias de terminar. Mas é muito mais que isto: constitui
o anúncio e a potencialidade de uma nova
civilização, pós-mercantil (Ibid.: 11).
Tendo em vista o
caráter embrionário
disso que Lojkine chama de revolução informacional, há que se
considerar que enquanto essa revolução não
se realiza completamente, a “revolução tecnológica de conjunto”,
que vem se instituindo na sociedade, tem deixado suas marcas na medida em que se reflete
em um alto nível de desemprego.
Tomando como exemplo a Alemanha, observa-se que as taxas de desemprego aumentaram de 0,6% em 1970 para 2,9% em 1980,
subindo para 6,4% em 1993. No Brasil, a última pesquisa mensal de emprego do IBGE, rela-
tiva ao mês de junho de 1998, demonstra que
a taxa de desemprego, nas regiões metropolitanas do país, se encontra numa média de 8,71%.
A esse respeito, Paul Singer (1998) afirma que
a Terceira Revolução Industrial afeta profundamente as relações de trabalho, expulsando
do emprego milhões de pessoas que cumprem
tarefas rotineiras. Porém, ao mesmo tempo, as
implicações da microeletrônica criam novos postos de trabalho, os quais, certamente, são em
menor número.
Lojkine (1990), por sua vez, afirma que a
automação não dispensa, em absoluto, a intervenção humana. Se no capitalismo industrial o
homem foi reduzido a um apêndice das máquinas, passa agora a exercer funções muito mais
“abstratas”, muito mais “intelectuais”, controlando a máquina, prevenindo defeitos e
otimizando o seu funcionamento.
Considerando-se que o trabalhador passa
apenas a regular o autômato, questiona-se, então: como fica aquela grande massa de trabalhadores que atuava no processo produtivo como
“apêndice” das máquinas? De fato, as indústrias de alta tecnologia têm um número de trabalhadores muito reduzido, tendo em vista a
automação instalada na sua produção. Segundo Apple, “As indústrias de alta tecnologia, que
manufaturam instrumentos técnicos, tais como
computadores, componentes eletrônicos e similares empregam atualmente menos de 15% da
força de trabalho remunerada dos Estados Unidos e de outras nações industrializadas” (Apple,
1995: 154).
Mészáros (1989: 83), analisando as mudanças que perpassam o mundo do trabalho
hoje, coloca que os avanços científicos vêm sendo cada vez mais incorporados ao processo
produtivo. A atividade científica é orientada “em
O reconhecimento das particularidades individuais gera
a necessidade de autonomia e flexibilidade, inconciliável
com critérios de racionalidade e organização.
consonância com sua posição dentro da estrutura da divisão capitalista de trabalho”.
Segundo Mészáros, a utilização da ciência
no processo produtivo visa uma dupla tarefa, a
saber: inventar maior quantidade de maquinaria produtiva, levando à redução de trabalho e
delinear métodos e processos adequados para
a produção lucrativa de mercadorias em massa. Os resultados dessa utilização se mostram
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
35
nas altas taxas de desemprego, na superprodução/subutilização das mercadorias, bem como
no uso cada vez mais dissipador da maquinaria produtiva.
As considerações de Mészáros revelam que
na medida em que a ciência passa a ter uma
participação maior na produção, aumentam as
taxas de desemprego, tendo em vista que o processo produtivo passa a ser, cada vez mais,
automatizado. Tendo em vista essa redução das
oportunidades de emprego, Singer (1998) considera que a denominação mais adequada para
o “desemprego”, nesse momento, seria “precarização do trabalho”, posto que,
Os novos postos de trabalho, que estão surgindo em função das tecnologias e da divisão internacional do trabalho, não oferecem, em sua maioria, ao seu eventual ocupante as compensações usuais que as leis e
contratos coletivos vinham garantindo. Para
começar, muitos destes postos são ocupações por conta própria, reais ou apenas formais (Singer, 1998: 24).
Para o autor, o que é necessário é a ocupação
- “atividade que proporciona sustento a quem a
exerce” - e não simplesmente emprego. “Emprego assalariado é um tipo de ocupação - nos países capitalistas o mais freqüente, mas não o único” (Ibid.: 14). A esse respeito, pode-se destacar
o posicionamento de Offe (1989), o qual enfatiza
que o mercado de trabalho é apenas um princípio de alocação da força de trabalho, e acrescenta, “No futuro, uma proporção crescente da população em idade produtiva terá de receber renda por meio de formas diferentes de venda de
sua força de trabalho” (Offe, 1989: 87). Para
ele, a chance em completar e ampliar o repertório de mecanismos alocativos está na instituição
de modos “informais” de atividade útil.
cresceu de 15,59% em março de 1989 para
20,21% no mesmo período de 1996. Esses
dados evidenciam o aumento das ocupações
informais e autônomas em detrimento do trabalho assalariado formal e apontam para uma
procura por novas alternativas de inserção
no mundo do trabalho, que pode ser interpretada como resultado do aumento das taxas de
desemprego.
Entre as novas alternativas de alocação da
força de trabalho, Offe (1989) destaca o crescimento do setor terciário, ou de serviços. Para
ele, esse setor vem crescendo continuamente
nas sociedades industriais, a partir da década
de 30. Mattoso e Pochmann (1995), apresentam dados que demonstram o crescimento da
indústria, em detrimento da agricultura, até a
década de 60. Observe-se que na Alemanha a
ocupação agrícola caiu de 33,5% em 1920 para
13,8% em 1960, chegando a 3,0% em 1993,
enquanto que o setor industrial, no período correspondente, teve um aumento de 38,9% para
48,2%, decaindo posteriormente para 37,0%,
momento em que se evidencia o aumento do
setor de serviços, o qual teve um crescimento
de 38,0% em 1960 para 60,0% em 1993.
É importante ressaltar, porém, que o aumento da oferta de trabalho em outros setores
não chega a satisfazer as necessidades da demanda de desempregados. Dessa maneira, fazse necessária a intervenção do Estado no sentido de gerir os conflitos ocasionados pelos
desequilíbrios do mercado.
Frente às mudanças que vêm perpassando
as relações de trabalho na sociedade contemporânea, Offe identifica algumas novas funções
que vêm sendo atribuídas ao sistema educacional, as quais denomina “tarefas substitutivas”,
pois visam substituir subsistemas que foram
deixando de exercêlas devido às mudanças nas relações de
trabalho na sociedade.
Um desses subsistemas que vem sofrendo mudanças e
deixando de exercer
funções que antes lhe
eram peculiares é a
família. O fato do Estado assumir algumas funções desse subsistema origina a tendência da
escola de tempo integral e, ao mesmo tempo,
contribui para a manutenção do modo de produção capitalista, criando condições para manter um grande número de força de trabalho
feminina no mercado.
Essa questão da manutenção da força de
trabalho feminina no mercado de trabalho como
Uma das funções da escola é capacitar a força de
trabalho de forma que possua facilidade para
se adaptar às transformações do mundo do trabalho.
36
Singer (1998) fornece dados relativos à
região metropolitana de São Paulo, demonstrando que a porcentagem de assalariados diminuiu de 72,06% em março de 1989 para
63,21% em março de 1996, enquanto que as
ocupações assalariadas informais cresceram
de 9,14% para 11,37% no mesmo período. No
que se refere aos trabalhadores autônomos, o
autor demonstra que esse tipo de ocupação
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
uma forma de contribuir com o modo de produção capitalista tem sido repensada frente às
mudanças que vem ocorrendo na sociedade
capitalista. Com o aumento do desemprego estrutural, causado, entre outros motivos, pelo alto
desenvolvimento tecnológico, há estudos que
apontam para uma volta da mulher ao exercício das atividades domésticas, com vistas a reduzir a demanda pelo mercado de trabalho.
Outra tarefa que
vem sendo atribuída à
escola refere-se à educação profissional, que
vinha se tornando
dispendiosa e ineficiente para os empresários. Nas mãos do
Estado, a educação profissional requer uma
terceira função substitutiva, que é a de “socialização momentânea”, ou seja, a organização
institucional da força de trabalho que não foi
assimilada pelo sistema ocupacional.
A análise desenvolvida aqui possibilita verificar que com as mudanças que vêm sendo
instituídas no mundo do trabalho na sociedade
capitalista, novas funções vem sendo atribuídas à escola, contudo, ela não perde uma de
suas principais características: a contribuição
para a redução de conflitos na sociedade.
Vale ressaltar, porém, que o interesse de
uma determinada classe em controlar as demais evidencia que existe luta de classes em
potencial. A escola, enquanto instituição inserida
nas relações sociais capitalistas é um espaço
de luta, de contradições que se evidenciam ou
se ocultam de acordo com o movimento histórico da sociedade.
uma sociedade que constantemente dissolve e
desacredita suas próprias premissas igualitárias” (Ibid.: 41).
Para ele, a política da educação poderia
ter a função de “tornar temporalmente contingentes as privações e frustrações experimentadas por indivíduos numa determinada
situação social num determinado momento”
(Ibid.: 41). Como exemplo ele cita instituições
A "revolução tecnológica de conjunto" que vem se
instituindo na sociedade tem deixado suas marcas na
medida em que se reflete em um alto nível de desemprego.
As determinações
implícitas nas políticas
educacionais do Estado.
Para Offe, (1990), a política educacional é
um dos exemplos mais patentes de como o Estado procura manter a aparência de igualdade
de oportunidades entre os indivíduos, com vistas a preservar sua própria legitimidade, prevenindo-se, assim, contra o desmascaramento
da sua aparência de neutralidade, “ou seja, que
ele seja identificado e combatido como parte da
classe dominante” (Offe, 1990: 40).
Baseado nessa premissa o autor levanta
algumas hipóteses a respeito dos motivos pelos
quais essas políticas se apresentam como “reação a problemas estruturais de legitimação de
que logram estabelecer a permanente possibilidade de revisão do caráter não definitivo do
status social como realidade subjetiva
(reciclagem, educação de adultos e educação
continuada).
Uma segunda função que poderia ser atribuída à política educacional refere-se ao fato de
colocar o esforço de aprendizagem individual no
lugar da discussão política coletiva e organizada. A absorção de conflitos seria uma terceira
função dessas políticas, na medida em que colocam a participação individual como estratégia
para a transformação da situação social, utilizando referências escolares e correspondentes
motivos e capacidades para interpretar o
insucesso dos indivíduos na situação social.
A quarta função atribuída às políticas educacionais refere-se à “segurança da base de
legitimação do sistema político, porque os encargos por ela impostos não podem ser considerados específicos de classes ou grupos”, tendo em vista a multifuncionalidade com que são
interpretadas.
Apesar de reconhecer a função de “formação ideológica” de estruturação da consciência
social das políticas educacionais do Estado, Offe
procura identificar suas contradições, considerando que:
É preciso perceber que os esforços empreendidos pelas escolas, as universidades e
suas instâncias de controle no plano da
política educacional no sentido de tomar
como tema e dar conta dos problemas estruturais do desenvolvimento social acima
indicados, liberam uma dinâmica que permite levantar a suposição de que ‘uma política educacional conseqüente pode conduzir a conflitos desestabilizadores para o sistema’ (Ibid.: 50).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
37
O autor, na medida em que procura entender as funções para as quais as políticas educacionais do Estado são formuladas, deixa claro as contradições implícitas nas mesmas, chegando a expor sua suposição de que, “...uma
outra função do sistema e das políticas educacionais consiste em infringir as próprias intenções, ou seja, em criar condições de conflito
onde elas as queiram evitar” (Ibid.: 51).
O estudo do caráter determinante das políticas educacionais passa pela análise de sua
inserção no contexto das políticas sociais, enquanto parte constitutiva das políticas públicas instituídas pelo Estado.
admitir (...) que, de um modo geral, o ritmo
e a direção do desenvolvimento das políticas educacionais, em determinada formação social concreta capitalista na atualidade, estão relacionados tanto com a consolidação dos níveis de participação popular
alcançados como também com o nível de
desenvolvimento das forças produtivas e das
relações de produção (Neves, 1994: 16).
O reconhecimento da política educacional
como uma fração da política social implica em
admitir que ela assume determinadas funções,
que são implícitas às políticas públicas como
um todo. Considerando-se sua inserção no contexto das políticas financiadas pelo Fundo
Público, se faz necessário ressaltar a importância do momento
contemporâneo, tendo
em vista que, “completado o ciclo intervencionista [do Estado],
(...) esgota-se seu papel de agente central desse processo” (Vieira, 1995: 32). Frente a essas dúvidas a respeito da necessidade da presença do Estado no setor produtivo, Vieira questiona se as premissas que sustentam os argumentos a favor da retirada de cena do Estadoempresário valeriam para o Estado-provedorde-bens-públicos. Segundo a autora,
Quaisquer que sejam as críticas que se possam fazer ao Estado no exercício de suas
atribuições sociais, é imperioso reconhecer
que, nas circunstâncias concretas do mundo contemporâneo, não se sustenta a concepção de uma sociedade sem Estado. De
um lado, há que se considerar os requerimentos de uma sociedade subdesenvolvida
à qual o Estado deve prover certos serviços
essenciais, até mesmo como regulador do
processo de redistribuição de renda. De outro, o próprio sentido da democratização
implica um redirecionamento do aparelho
estatal no sentido de promover serviços que,
pela sua própria natureza, não se subordinam às leis do mercado em sentido estrito
(Vieira, 1995: 37).
Diante da necessidade ressaltada por
Vieira, o Estado realiza sua intervenção, criando o que Offe denomina de “nichos”, “áreas
livres” e “zonas amortecedoras”. O autor cita
como exemplo a família, onde vivem pessoas
que não são proprietários nem assalariados e
são socialmente estabelecidos através de normas culturais e políticas. Para o autor, essas
“normas culturais e políticas” determinam
quais pessoas, vivendo em que condições, não
Frente às mudanças que vêm perpassando as relações
de trabalho, novas funções são atribuídas ao sistema
educacional, as quais denomina "tarefas substitutivas".
38
Algumas medidas sociais começam a ser implantadas no Brasil a partir dos anos 30 e vêm
se intensificando nas últimas décadas. Segundo
Neves (1994), a complexificação crescente das
relações intra e interclasses no capitalismo
monopolista exigiu do Estado uma intervenção
mais direta tanto no que se refere à valorizaçào
do capital quanto a adoção de mediação política
como estratégia de dominação. Para atender a
essas necessidades instituiu-se o Fundo Público
como financiador das políticas públicas.
Como uma fração das políticas públicas, as
políticas sociais visam responder a essa dupla
determinação. Para Neves (1994: 15), essas
políticas resultam tanto das necessidades estruturais de produção e reprodução da força
de trabalho como da ampliação dos mecanismos de controle social das decisões estatais.
Guimarães (1993) pondera que, no início
de sua implantação, as políticas sociais se restringiam à política previdenciária, desenvolvida como instrumento de controle dos segmentos assalariados. Já no período autoritário
(1964-1973), a política social é percebida como
um apêndice do desenvolvimento econômico. A
autora considera que só no governo Geisel
(1974-1979), a política social começa a ser
assumida não mais como um subproduto da
economia, mas como resultado das articulações
entre o Estado e a sociedade.
Tendo em vista essas características da
política social, vale ressaltar o posicionamento
de Neves (1994), que coloca:
Situar a educação como política social do
Estado capitalista significa, antes de tudo,
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
se requer (ou permite) que ofereçam sua força de trabalho nos mercados de trabalho (Offe,
1989: 38).
Tendo em vista essas considerações, é imperativo reconhecer que a escola, na medida
em que se localiza no contexto das políticas
educacionais, está inserida num rol mais amplo de políticas sociais, as quais se constituem
em produto das relações entre o Estado, as classes trabalhadoras e os interesses do capital,
constituindo-se em mecanismo legitimador da
ordem, na medida em que contribui para o barateamento da força de trabalho por meio da
socialização dos custos de sua produção
(Pastorini, 1997). Mais do que mecanismo de
controle social, contudo, essas políticas se constituem, também, na consolidação de níveis de
participação popular revelando o caráter contraditório e conflituoso desse processo. Uma análise das políticas educacionais do Estado e suas
determinações se faz necessária tendo em vista que a escola, seja ela pública ou privada,
está sujeita às implicações dessas políticas.
Os Parâmetros Curriculares
Nacionais e a determinação
das funções da escola
Tendo em vista o posicionamento de Offe
sobre as políticas educacionais, e suas hipóteses a respeito das funções que vêm sido atribuídas à escola e às políticas educacionais, este
trabalho se propõe a analisar o documento dos
“Parâmetros Curriculares Nacionais” - PCNs (1996), com vistas a identificar como o Estado
é configurado nesse
documento e quais as
funções que, implícita
ou explicitamente,
atribui à escola.
A opção pelos
PCNs se deve ao fato
de que são postulados
como “referência nacional” para a revisão
curricular de estados e municípios. Foram formulados com vistas a atender à solicitação do
Plano Decenal de Educação para Todos (19932003), coordenado pelo Ministério da Educação
e do Desporto (MEC), o qual defende que,
...em consonância com o que estabelece a
Constituição de 1998, afirma a necessidade e a obrigação do Estado elaborar
parâmetros claros no campo curricular, capazes de orientar as ações educativas do
ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos
ideais democráticos e à busca da melhoria
da qualidade do ensino nas escolas brasileiras. (Brasil, 1990: 21).
Dessa maneira, os PCNs se propõem a atender a necessidade de “...oferecer a toda a população brasileira, independente de etnia, credo, gênero, região de origem ou classe social, o
domínio de recursos culturais imprescindíveis
ao exercício da cidadania democrática” (Ibid.:
21-2).
Definem-se como o primeiro nível de
concretização curricular, como uma referência
nacional destinada a
...subsidiar a elaboração ou a revisão
curricular dos estados e municípios, dialogando com as propostas e experiências já
existentes, incentivando a discussão pedagógica interna às escolas e a elaboração de
projetos educativos, assim como servir de
material de reflexão para a prática de professores. (Ibid.: 24).
O trecho citado evidencia uma tentativa de
escamotear o caráter de determinação do trabalho do professor subjacente ao documento,
tendo em vista que postula “subsidiar a revisão curricular de estados e municípios” através de um diálogo com as propostas já existentes, servindo como material para reflexão do
professor. Entretanto, o que se evidencia ao longo
do documento é a falta de abertura para um
possível diálogo, apresentando conceitos fechados, embasados teoricamente, sem mostrar as
contradições.
Dessa maneira, o documento se apresenta
como um referencial para a formulação do currículo de Estados e Municípios, que pode servir
como instrumento para um maior controle do
Uma das tarefas que vem sendo atribuída à escola
refere-se à educação profissional, que vinha se
tornando dispendiosa e ineficiente para os empresários.
trabalho docente, tendo em vista que apresenta toda uma visão de sociedade e de escola,
embasadas por um aparato teórico consistente
que dificilmente será questionado pelo professor, o qual, mesmo que realize alguma interferência, incentivado pela “ilusão” de que está
“participando criativamente” do processo, não
encontra possibilidade de fazer qualquer alteração estrutural no projeto.
O incentivo à participação do professor no
processo de planejamento evidencia a tentatiINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
39
va do Estado em manter sua aparência de neutralidade. Esse aspecto pode ser identificado
na seguinte citação:
...na atual realidade brasileira, a profunda
segmentação social, decorrente da iníqua
distribuição de renda, tem funcionado como
um entrave para que uma parte considerável da população possa fazer valer os seus
direitos e interesses fundamentais. Cabe ao
governo o papel de assegurar que o processo democrático se desenvolva sem entraves
(Ibid.: 04).
A citação acima mostra o esforço do Estado
em manter sua aparência de neutralidade, o
que, para Offe, é imprescindível para que preserve sua legitimidade. Ele destaca a política
educacional como um dos exemplos mais patentes de como o Estado procura produzir uma
“aparência de igualdade de oportunidades”
(Offe, 1990: 41).
Nos PCNs essa questão se evidencia claramente quando enfatiza: “É papel do Estado
democrático investir na escola, para que esta
instrumentalize e prepare crianças e jovens
para o processo democrático , forçando a
equalização do acesso à educação e às possibilidades de participação social” (Brasil,
1996: 04).
na verdade não poderá ocorrer nos limites da
sociedade capitalista.
Para Senna (1994: 167), a questão da democracia não se enquadra “nos limites do requerimento do capitalismo e da administração
estatal”. Dessa maneira, a proposta de escola
democrática apresentada pelos PCNs não é viável e não expressa, verdadeiramente, os reais
interesses do Estado.
Os PCNs postulam como função social da
escola a socialização, sem deixar de considerar a importância do desenvolvimento individual, mas enfatizando a impossibilidade de um
“desenvolvimento individual à margem da sociedade, da cultura”. (Brasil, 1996: 32). A partir dessa consideração é possível identificar os
interesses de classe que perpassam o documento, pois, apesar de reconhecer a diversidade
cultural que caracteriza o país, identifica uma
cultura como dominante, sem a qual seria impossível ao indivíduo adaptar-se à vida na sociedade.
A questão da cultura é também enfatizada
por Carnoy (1992: 65), quando afirma que “A
educação básica é uma atividade cultural e um
elemento fundamental no processo de transformação cultural”. Essa consideração demonstra a subordinação do desenvolvimento individual à assimilação de
uma cultura, ora, se
postula uma necessidade de “transformação
cultural” realizada
pela escola, deve possuir uma concepção de
cultura preestabelecida
e diferente daquela que
o aluno possui.
Dessa maneira, a escola teria a função de
socialização do indivíduo, transmitindo “os valores e as normas da sociedade industrializada
e moderna” (Carnoy, 1992: 66), com vistas à
redução de conflitos na sociedade, como aparece no seguinte trecho dos PCNs:
Cabe ao campo educacional propiciar aos
alunos modos de vivenciar as diferenças de
inscrição sócio-político-cultural entre os cidadãos, questão particularmente relevante
num país como o nosso, marcado por uma
notável diversidade cultural, produto, inclusive, da extensão territorial e das peculiaridades históricas, étnicas e antropológicas
de cada região (Ibid.: 07).
Essa citação permite desvelar o caráter de
redutor de conflitos que se atribui à educação,
delegando a ela o papel de proporcionar aos
alunos modos de lidar com as diferenças sóciopolíticas-culturais, e atribuindo essas diferen-
O estudo do caráter determinante das políticas
educacionais passa pela análise de sua inserção no
contexto das políticas sociais.
40
Essa questão do Estado democrático tem sido
discutida com maior ênfase a partir da década
de 80, com o fim da ditadura militar. Tratando
particularmente da escola, Senna (1994) postula que esse
é um tema que se faz presente com mais
intensidade em 1983, devido a um momento
da vida brasileira de grande significação
histórica, ou seja, a presença no executivo
de diversos Estados e Municípios do país
de partidos que representavam a oposição
ao regime instaurado em 1964 (Senna,
1994: 108).
Mais de uma década depois observamos nos
PCNs a questão da democracia sendo destacada, evidenciando o caráter utópico da escola
proposta, tendo em vista que postula formar os
alunos para o “processo democrático”, um processo que vem sendo discutido desde a década
de 80 como uma meta a ser alcançada, o que,
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
ças às diversidades peculiares ao país e a cada
região. Deixa de considerar, entretanto, as gritantes diferenças entre as classes sociais,
marcadas por uma distribuição de renda desigual e pelo movimento de uma economia regulada pelos interesses do capital.
Outra função atribuída à escola, que é destacada por Offe, é explicitada nos PCNs nos
seguintes termos:
A escola busca a inserção dos jovens no
mundo do trabalho, da cultura, das relações sociais e políticas, através do desenvolvimento de capacidades que possibilitem
adaptações às complexas condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidar com rapidez na produção e na circulação de novos conhecimentos e informações,
que têm sido avassaladores e crescentes
(Ibid.: 33).
O trecho citado demonstra o papel que tem
sido atribuído à educação no sentido de preparar o indivíduo para se adaptar, com
maior agilidade, às transformações pelas quais
passa o mundo do trabalho; além de incorporar gradativamente novas funções que vêm
atender as mais recentes necessidades impostas por essas mudanças, contribuindo,
assim, para a redução dos conflitos advindos
desse processo.
Essa constatação permite concluir que os
PCNs, como documento elaborado por um órgão governamental (MEC), demonstram a atuação do Estado no sentido de determinar as
funções que devem ser assumidas pela escola.
Entretanto, cabe enfatizar que, enquanto instituição localizada no cerne da sociedade capitalista, a escola é permeada pelos mesmos conflitos de classe que perpassam essa sociedade.
Esses conflitos são revelados nos PCNs na medida em que se identifica as contradições implícitas em seu conteúdo, permitindo aventar
que, na tentativa de explicitar sua aparente
neutralidade, através desse documento, o Estado acaba deixando lacunas que podem ser utilizadas num sentido diferente do que aquele
para o qual foi formulado.
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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
41
O texto discute a reforma educacional brasileira/ anos 90 no espaço
local, visualizando o projeto pedagógico da escola como seu instrumento
estratégico. Considerando as relações entre a reforma educacional e a
reforma do Estado, busca explicitar a concepção de projeto pedagógico
presente na atual política educacional e apontar possibilidades de
apropriação desse instrumento de gestão pela instituição escolar.
Palavras-chave: Reforma educacional, Projeto pedagógico, Projeto
institucional.
This study discusses the Brazilian Educational Reform in the nineties
and the different Brazilian states have do adapt themselves to the
present pedagogic project as a strategic instrument in conformity to their
interest and necessities.
Key words: Reforms educational, Project pedagogic,
Project institucional.
42
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
A Reforma Educacional
no Espaço Local
Dirce Nei Teixeira
de Freitas
Mestre em
Educação - Departamento de
Educação/UFMS - Campus
de Dourados.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O Projeto Pedagógico da Escola
Anunciando o propósito de ruptura do paradigma educacional vigente — porque anacrônico e ineficiente — o Estado brasileiro vem perseguindo a construção de um novo modelo de educação escolar, para o que segue promovendo um amplo processo
de reforma. Esta reforma, tendo o projeto pedagógico da escola
como um de seus principais instrumentos estratégicos de realização no espaço local, é o que se discute neste trabalho. O propósito é o de explicitar como o mesmo é concebido, o seu caráter,
os seus propósitos e razão de ser, no âmbito de políticas do
Estado brasileiro e de diretrizes produzidas para o contexto
latino-americano.
A abordagem deste assunto parte do reconhecimento de sua
imbricação com o conjunto das políticas do Estado, centrando
na relação da reforma educacional brasileira dos anos 90 com
as problemáticas da crise e reconstrução do Estado (Cardoso,
1994 e 1998; Bresser Pereira, 1997). Para tanto, examina documentos oficiais brasileiros.
Como instrumento da reforma educacional, o projeto pedagógico deverá desencadear modificações na, da e pela instituição escolar, favorecendo a construção da autonomia desta mediante a promoção do engajamento responsável, dinâmico, contínuo, criativo e auto-regulável dos atores escolares, bem como da
mobilização da comunidade beneficiária do serviço público educacional para a co-participação e co-responsabilização nesse
processo.
Trata-se de um empreendimento cujo horizonte é, de um lado,
a efetividade da reforma do Estado brasileiro — segundo o projeINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
43
to federal em implantação (Mare, 1997) – no
que ela implica ao pólo executor da política educacional. De outro lado, o desafio da realização
de um “ajuste funcional” da educação escolar
a requerimentos sociais contemporâneos
(Ottone, 1993, Paiva e Warde, 1993; Mello,
1994), segundo uma visão que associa educa-
retrizes da reforma estatal. Assim, importa considerar as linhas gerais desta última.
Segundo Bresser Pereira (1997), a reforma estatal inclui: (a) a delimitação do tamanho do Estado; (b) a redefinição do seu papel regulador; (c) a recuperação da
governança – entendida como capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo
governo; (d) o aumento da governabilidade – tomada como
a capacidade política
do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade e
governar.
No tocante à reforma do aparelho de Estado, ela prevê “mudança nas leis, na organização, nas rotinas de trabalho e na cultura e
comportamento da administração pública, visando a melhoria da eficiência e do atendimento às necessidades da sociedade” (Ibid.,p. 15).
Assim, abrange as dimensões institucional-legal, cultural e de gestão.
Um aspecto destacado na reforma do Estado é a chamada reforma gerencial, cujo intento
seria o de eliminar a administração burocrática. Isto porque esta tendo como características
a centralização das decisões, a adoção de estruturas piramidais de poder, a rigidez e
impessoalidade das rotinas e a crescente falta
de flexibilidade administrativa estaria, segundo Pimenta (1998, p. 12 e 14), gerando o “afastamento das necessidades gerenciais inerentes aos novos papéis do estado”, que de produtor direto de bens e serviços teria passado a
indutor e regulador do desenvolvimento, com
participação mais direta dos cidadãos. Nesse
sentido, segundo Modesto (1997), os serviços
sociais devem ser financiados e assegurados
pelo Estado, mas não necessariamente realizados pelo aparato estatal.
O objetivo mais ambicioso da reforma estatal, segundo Azevedo e Andrade (1997), diz
respeito à “separação das políticas regulatórias
– que continuariam centralizadas – das atividades de execução e prestação de serviços que
passariam a ser descentralizadas” (p. 67). Para
Como instrumento da reforma educacional,
o projeto pedagógico deverá desencadear modificações
na, da e pela instituição escolar.
ção a desenvolvimento humano, porém, entendendo-o como fundamentalmente econômico,
ainda que reconheça o imperativo da eqüidade
e da democracia (Coraggio, 1996). Esta visão,
nos últimos anos, a propósito do paradigma econômico de desenvolvimento sustentável, contempla as questões ambiental (Agenda 21), cultural e de coesão social, acolhendo formulações
do paradigma de educação permanente (Delors,
1995).
Tais diretrizes políticas, assim como análises teóricas conservadoras,1 têm na base um
raciocínio de cunho econômico segundo o qual
as reformas são óbvias e indispensáveis, de
modo que o que se refere a elas está no centro
das atenções. “Bem menos se discute acerca
da natureza destas reformas e, principalmente, de suas alternativas possíveis” (Costa,1996,
p. 44).
1. Reforma do Estado e
Reforma Educacional
Basicamente, é o movimento na direção da
reforma do Estado brasileiro, intensificado nos
anos pós-1994, que fomenta e molda o processo de reforma educacional no país. A análise
da legislação, planos e programas da área educacional em confronto com documentos do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE evidenciou que a reforma educacional brasileira vem sendo orientada nos marcos das prioridades, objetivos, princípios e di-
44
1
Costa (1996) coloca entre essas análises conservadoras os trabalhos de Paiva (1990), Tedesco (1990), Barreto
(1990), Mello (1993).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
tanto, o Estado se propõe a empreender as reformas administrativa e gerencial.
A reforma gerencial tem como principais
campos: a desburocratização para a flexibilidade de gestão; a descentralização com coordenação estratégica centralizada; a transparência e controle social mediante disseminação de
informações; a avaliação de resultados, que supõe o estabelecimento de indicadores de desempenho e metas pactuadas; a ética, mediante
comportamento ético do funcionário público e
da redução de privilégios; o profissionalismo
que compreende capacitações específicas, mudanças de valores culturais e motivação para
o trabalho; a competitividade que prevê a competição administrada e um quase-mercado; o
enfoque no cidadão, o que significa conhecer e
ouvir os “clientes” internos e externos, estabelecendo mecanismos de parceria e satisfação
de expectativas.
Esses campos são claramente contemplados na reforma educacional em curso. É, pois,
dentro desse quadro que se pode compreender
por que a atual reforma educacional tem como
eixos principais a reordenação da gestão educacional, a ampliação do espaço político e o
ajuste funcional do projeto educacional. É, também, nesse contexto que adquire significado a
relevância atribuída ao projeto pedagógico na
mesma.
No eixo da reordenação da gestão educacional, a reforma educacional busca a construção
de um novo padrão de gestão na atuação dos
sistemas e das instituições escolares. Esse novo
padrão objetiva concorrer para a governança, o que significaria assegurar a eficiência na implantação
das medidas educacionais mediante o desenvolvimento das capacidades administrativa e financeira do espaço local. Para tanto,
propõe a renovação e a inovação institucional,
a distribuição de competências entre as esferas administrativas, uma forte regulação pela
esfera federal do Estado2, a flexibilização de
modelos e normas, a racionalização administrativa, a focalização em questões prioritárias
e emergenciais, a adoção de mecanismos de
otimização da gestão financeira e de estratégias de promoção da produtividade dos sistemas
(Freitas, 1997).
A construção de um novo padrão de gestão
pública deve ser, segundo Diniz (1997), um dos
principais desafios da reforma do Estado, porém esse padrão deve estar em conexão com a
dinâmica dos interesses sociais para que possa gerar capacidade de implementação de políticas, já que esta capacidade é um aspecto
crucial da eficácia do Estado. Para tanto, há
necessidade de ruptura com o enfoque
tecnocrático que “conduz a uma despolitização
artificial dos processos de formulação e execução de políticas”. Supõe, também, ruptura com
a postura neoliberal que “ignora a estreita relação entre a revitalização do aparelho estatal
e o êxito de suas políticas” (p. 44).
No eixo da ampliação do espaço político, o
objetivo em vista é o da governabilidade, o que
significa desenvolver competência política, assegurando a legitimidade e a capacidade de governo dos sistemas e instituições. Para isso, a
reforma inclui a organização de espaços políticos de negociação, de parcerias e de elaboração de consensos; o envolvimento da sociedade
com a problemática educacional; o incremento
da participação comunitária; a gestão democrática e o estímulo a redes promotoras de articulação, interação e trocas entre instituições e
atores sociais.
Segundo Lechner (1996), tanto a revisão
crítica do Estado desenvolvimentista como a
É o movimento na direção da reforma do Estado
brasileiro, intensificada nos anos pós-1994, que fomenta
e molda o processo de reforma educacioonal no país.
2
própria reforma do Estado na América Latina
sinalizam novas formas de regulação estatal
no sentido de um Estado “... autônomo com respeito às pressões sociais e simultaneamente
inserido na estrutura social mediante múltiplas
redes de interação”(p.37). Isto estaria se tornando possível com a emergência de uma “nova
Através de legislação, planos, formas de financiamento, programas, sistemas e processos avaliativos.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
45
consciência de cidadania” – ainda confusa –
que permite recriar a idéia de Estado com vistas ao desafio de integrar os planos: (a) da
complexa articulação de subsistemas internos
e externos e os planos macro e micro; (b) da
rearticulação dos atores sociais de modo a reconstruir padrões de integração social compatíveis com a eficiência econômica, concordantes com critérios de eqüidade social e politicamente viáveis; (c) da efetivação da democracia
tanto na arena política quanto no governo. Isto
porque o próprio desenvolvimento capitalista
exige um Estado que “ ... defenda a ordem coletiva contra as tendências à exclusão e fragmentação” (p.42).
Seria mediante “uma trama de vínculos
entre instâncias estatais e atores sociais” possível compartilhar capacidades e responsabilidades da condução necessária dentro de um
projeto de país. No entanto, o autor alerta para
o risco de que o Estado “operando na penumbra” assegure a tomada de decisões segundo
critérios técnicos. De outro lado, as redes políticas podem conformar uma “subestrutura
institucional” (Estado oculto) fora do alcance
dos cidadãos. Em ambos os casos ocorreria uma
cisão entre Estado e democracia, que
aprofundaria a rejeição das políticas públicas
e da própria política.
Fiori (1998), por sua vez, alerta para o
fato de que há uma ausência de projeto de
país, já que se persegue “... a manutenção
do status quo do ponto de vista dos interesses fundamentais das classes conservadoras e do nosso status internacinal de associado norte-americano leal, de alinhamento
No eixo do ajuste funcional do projeto educacional, frente ao novo paradigma do conhecimento que orienta as políticas educacionais latino-americanas (Miranda, 1996), a reforma
brasileira – dentro da lógica de regulação –
delineia o novo paradigma curricular, estabelecendo um conjunto de definições doutrinárias
(princípios, fundamentos e procedimentos) para
orientar a organização, a articulação, o desenvolvimento e a avaliação da proposta pedagógica escolar (Brasil, 1998b e 1998c).
Esses eixos da reforma educacional
explicitam os compromissos que o projeto pedagógico deverá considerar, se tomado como
instrumento estratégico de efetivação dessa
reforma, na instituição escolar. Revelam o nexo
entre as reformas da educação e do Estado.
Esse modelo de reforma parte de uma compreensão sobre o quadro caótico dos sistemas
escolares e de toda a máquina voltada para
políticas sociais que ignora as coalizões que o
produziram, o peso das opções realizadas e da
condução histórica dos processos. Assim, concentrando-se numa visão ahistórica de Estado, “... não consegue vislumbrar possibilidades de que novas orientações sobre ele emanadas produzam resultados substantivamente diferentes daqueles que vem repetindo” (Costa, 1996, p. 70).
2. Reforma Educacional e
Diretrizes do Espaço Regional
Em 1993, na V Reunião do Comitê
Intergovernamental do Projeto Principal de
Educação para a América Latina e o Caribe,
os Ministros de Educação e Chefes de Delegação, tendo analisado
documentos internacionais dos anos 90 referentes à educação,
firmaram a Declaração
de Santiago cuja proposta central é a de
profissionalizar a ação educativa para alcançar os objetivos pretendidos de renovação educacional.
Nessa ocasião, o objetivo geral consensual
fixado foi o de “melhorar os níveis globais de
qualidade das aprendizagens” e os objetivos
específicos de assegurar a qualidade das políti-
A transparência e controle social, a ética, o
profissionalismo e a competitividade são alguns dos
campos contemplados na reforma educacional.
46
automático em tudo” (p. 85). Nesse sentido,
vale lembrar que a reforma do Estado brasileiro “toma como referência valores como
eficiência, competição, qualidade e custo tirados de tríplice matriz: do setor privado,
da economia e das novas tendências da administração pública norte-americana” (Azevedo e Andrade, 1997, p. 73).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
cas, processos e resultados, dentre os quais o
de “desenvolver uma gestão responsável”.
(Promedlac V, 1993, p. 13-16). Elegeu-se como
uma das prioridades do eixo institucional a
profissionalização da ação da escola.
Prioridade essa fundada no reconhecimento de que a “capacidade das escolas para decidir sobre seus projetos de desenvolvimento pedagógico e institucional é um dos processos mais significativos que se iniciam
na transformação dos
sistemas educacionais”. Frente a isso, o
Comitê entende que profissionalizar a ação da
escola é “promover, nos estabelecimentos, maiores capacidades para regular seu funcionamento e fortalecer as funções técnicas e administrativas dos agentes para levar a cabo o
processo educativo, no marco das orientações
e das políticas nacionais” (Ibid., p. 15). Com
esse propósito, o Comitê estabeleceu o desenvolvimento de uma nova gestão dos estabelecimentos como uma das diretrizes de política educacional. Esta deveria engendrar uma
nova cultura organizacional na escola, que
consista no desenvolvimento de práticas de
gestão caracterizadas por: (a) objetivos de
aprendizagem compartilhados, por meio de
um processo de participação dos docentes
e dos demais segmentos da comunidade escolar; (b) definição de indicadores de resultados que fundamentem as decisões pedagógicas e de destinação de recursos; (c) incentivo de uma cultura que valorize o desempenho acadêmico e o desenvolvimento
de expectativas positivas para o êxito dos
alunos; (d) articulação dos objetivos compartilhados a este novo ‘ethos’, em um plano de desenvolvimento institucional, dentro
do qual se explicite o projeto pedagógico da
escola (Promedlac V, p. 20).
Em síntese, a reforma educacional não prescinde de que o estabelecimento de ensino leve
a cabo o processo educativo “com todas as condições de uma atividade profissional”, o que
significa se tornar “capaz de tomar decisões e
de estar disposto a assumir responsabilidades
pelos resultados” (Ibid., p. 32).
Vê-se que, na perspectiva do acordo regional oficial, o projeto pedagógico é estratégico
para a concretização da reforma educacional
no espaço local, na medida em que concorra
para a produção de identidades escolares calcadas numa cultura institucional favorável à
construção da autonomia institucional.
O exame dessas e de outras diretrizes de
reforma educacional evidenciam políticas e es-
Profissionalizar a ação educativa é a
proposta central para alcançar os objetivos
pretendidos de renovação educacional.
tratégias comuns às formulações regionais e
nacionais indicando que, na configuração dessa
reforma, entram em jogo constrangimentos internos e externos. Estes condicionam o próprio
nexo entre reforma educacional e reforma do
Estado. E, segundo Azevedo e Andrade (1997) ,
“um dos desafios nesta passagem de século é a
formação de um novo marco de regulação por
parte do Estado” capaz de “dar conta da profunda complexidade e idiossincrasias das sociedades contemporâneas”.
3. Reforma Educacional e
Projeto Pedagógico
3.1 - Institucionalização do
Projeto Pedagógico
A institucionalização do projeto pedagógico, pela Lei nº 9.394/96 (Brasil, 1996) e Plano Nacional de Educação/98 (Brasil, 1998a),
tem como conseqüente a inclusão desta matéria na pauta de prioridades dos sistemas e
das instituições escolares. Embora se trate de
um imperativo formulado num contexto externo à escola, não se pode dizer que a necessidade do mesmo já não tenha sido assinalada
a partir desta.
Desde os anos 80 a problemática do projeto
pedagógico tem comparecido na pauta de discussão dos educadores, contrapondo-se ao planejamento centralizado e tecnicista da década
de 70 e orientado-se para a institucionalização,
na educação, de espaços políticos formais. Como
proposição do Estado integrou, em 1993, as
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
47
formulações do Plano Decenal de Educação para
Todos e, em 1996, com a Lei nº 9.394/96 ganhou caráter compulsório e função estratégica
na convergência das reformas educacional e
do Estado.
A citada Lei determina aos sistemas a incumbência de integrar os órgãos e instituições
oficiais de seu sistema “... às políticas e planos
jetos pedagógicos (Brasil, 1998a, p. 32). É interessante observar que, neste Plano, o projeto
pedagógico não está incluído entre as metas de
gestão educacional, mas sim entre as do ensino fundamental. Isto, de certa forma, confirma
a relevância do expediente estratégico da reforma, já que inserido no âmbito prioritário da
atual política educacional: o ensino fundamental. Este nível de ensino consiste na educação básica que se pretende assegurar aos
brasileiros, como resposta “possível” às demandas do mundo de
hoje (Freitas, 1998).
A decisão das escolas sobre seus projetos pedagógico e
institucional é um dos processos mais significativos
na transformação dos sistemas educacionais.
educacionais da União e dos Estados” (Artigo
11, Inciso I). Ao estabelecer as incumbências
dos estabelecimentos de ensino, menciona diretamente a obrigatoriedade de que estes elaborem e executem sua proposta pedagógica (Art.
12, caput e Inciso I). Determina, ainda, aos
docentes a incumbência de “participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” e “elaborar e cumprir plano
de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino” (Art. 13, Inciso I e
II). Dispondo sobre a gestão democrática estabelece, como um de seus princípios, a “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” (Art.
14, Inciso I). Por fim, determina aos sistemas
de ensino assegurar “... às unidades escolares
públicas de educação básica que os integram
progressivos graus de autonomia pedagógica e
administrativa e de gestão financeira...” (Art.
15).
No Plano Nacional de Educação, a meta 18
do ensino fundamental menciona o compromisso de “assegurar autonomia das escolas tanto
no que diz respeito ao projeto pedagógico como
em termos de recursos financeiros públicos
suficientes para a manutenção do cotidiano
escolar” (Brasil, 1998b, p. 33).
O caráter compulsório do projeto pedagógico se evidencia, ainda, no Plano Nacional de
Educação quando, na meta 05 do ensino fundamental, fica previsto que, em 3 anos, os sistemas deverão assegurar que todas as instituições escolares tenham elaborado os seus pro-
48
3
3. 2 - Propósitos e
Opções Possíveis
De acordo com a lógica da reforma educacional brasileira, a existência de um projeto educacional institucional seria condição para a eliminação de problemas que geram um quadro
de baixa qualidade da gestão e da aprendizagem, entre os quais: o corporativismo, o
particularismo, o clientelismo, o burocratismo,
o autoritarismo, a fragmentação, a descontinuidade das ações e a falta de compromisso
quanto aos resultados. De outro lado, pode vir
a ser condição promotora de uma cultura
institucional aberta à direção de setores
hegemônicos, o que permitiria contemplar interesses, necessidades e urgências que imperem
nos diferentes espaços.
Segundo Jamil Cury (1997)3, trata-se de
conseguir instituições escolares que tenham sua
“marca registrada” em resposta a demandas
da sociedade e como resultante de um desempenho institucional produzido mediante a convergência e a conjugação de esforços e recursos dos sistemas, dos atores escolares e da comunidade (especialmente a beneficiária do serviço educacional). Neste sentido, o Plano Nacional de Educação / 1998 estabelece a meta de
“valorizar a participação da comunidade na
gestão, manutenção física e melhoria do funcionamento das escolas, incentivando o trabalho voluntário, sem eximir o Poder Público de
suas obrigações constitucionais” (Brasil, 1998b,
p. 33).
Então presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Tendo o projeto pedagógico como instrumento estratégico da reforma educacional no
espaço local, o Estado brasileiro visa conseguir: a mobilização dos atores; a participação
das famílias e da comunidade para o que estimula a gestão democrática; a autonomia da
escola de modo a promover a iniciativa e a
criatividade de seus atores; o compromisso
com a instituição e com o projeto educacional
nacional; a responsabilização dos atores pelos resultados obtidos, para o que prevê a
avaliação do desempenho da instituição, dos
docentes e dos alunos; uma significativa mudança curricular, para o que formula Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais; a
eficiência na gestão escolar, mediante a racionalização e a produtividade; a construção da
identidade institucional, o que implica diferenciação interescolar e heterogeneidade
intra-sistema em razão do surgimento de diversos tipos de escolas.
No entanto, na ótica dos educadores o projeto pedagógico é instrumento estratégico da
construção da escola pública democrática, cuja
qualidade tem como horizonte a cidadania plena. Como fonte de valores, esse horizonte
referencia uma cultura institucional comprometida com o homem (pessoa - cidadão - trabalhador) sujeito de sua história e orienta para a
busca da qualidade humano-social. Com esse
entendimento, o projeto pedagógico pode ser
encaminhado de modo que as dimensões política e educativa do fazer pedagógico se encontrem e se redefinam. As proposições do Fórum
em Defesa da Escola Pública, no documento “Plano Nacional de Educação - Uma proposta da
sociedade brasileira /
1998” (formulado
como alternativa ao
Plano Nacional de
Educação elaborado
pelo MEC), acenam
nessa direção.
Vê-se que o projeto pedagógico pode ser estratégico tanto para a reforma conduzida pelo
Estado como para a democratização efetiva da
escola. Cabe optar por uma ou outra possibilidade ou, ainda, fazer desse instituto uma mera
formalidade técnico-burocrática. Fazer uma opção consciente supõe clareza sobre o que pode
vir a ser um projeto pedagógico.
Primeiramente, o projeto pedagógico pode
delinear o novo que se pretende construir
no e pelo coletivo escolar. Neste sentido é
intenção e requer o assumir de um compromisso coletivo e institucional que se explicite
mediante uma proposta de ação educativa.
Intenção, compromisso e proposta comuns
aos envolvidos no processo educativo definem a própria identidade institucional. A
opção a fazer diz respeito a que identidade
se vai construir.
Em segundo lugar, pode vir a ser um
referencial institucional sinalizador da tarefa
social da escola. Como tal, se constitui em instrumento de orientação no tocante ao caráter/
propósito/ conteúdo/ forma do processo
educativo que, através de um conjunto de princípios, indica permanentemente o rumo da ação
escolar.
Esses princípios – referidos a valores – vão
indicar a direção que se vai imprimindo à prática, orientando o caminhar coletivo no tocante: (a) à organização e racionalização do trabalho escolar, tanto em termos de modelo
organizacional formal como em termos de sua
forma de operar; (b) à organização do ensino,
em termos da forma dada a este (seriada, em
ciclos, modular ou outras); (c) à definição/
operacionalização/ avaliação do currículo; (d)
ao planejamento/ realização/ avaliação da gestão escolar, do ensino e da aprendizagem; (e) à
regulação da ação a partir da avaliação interna e externa.
O processo de seleção dos valores que serão assumidos pela escola passa pela compreensão: (a) do caráter da sociedade contempo-
O projeto educacional institucional seria condição
para eliminação de problemas que geram a baixa
qualidade de gestão e aprendizagem.
rânea e de quais são os imperativos e necessidades históricas que despontam como urgências para os âmbitos mundial, regional, nacional
e local ; (b) da função social da educação (em
especial, da educação escolar) nessa sociedade, suas possibilidades e limites; (c) das necessidades educacionais do homem visto como pessoa/trabalhador/ cidadão sujeito de sua história; (d) dos projetos educacionais dos diversos
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
49
atores: família, escola, Estado, comunidade e
sociedade.
Esse referencial institucional além de instrumento de orientação pode vir a ser, também, um instrumento integrador da ação
educativa e da gestão escolar, na medida em
que assegure: (a) a articulação dos setores (administrativo, burocrático, pedagógico); (b) a
propriedade e articulação das estruturas
organizacional e de ensino; (c) a unidade das
propostas institucionais (planos, currículo, normas e regulamentos); (d) a ação coletiva, cooperativa e solidária nos âmbitos de decisão,
execução, controle e avaliação; (e) a coesão do
conjunto, mediante definição do significado do
mesmo.
Neste caso, a opção possível à escola diz
respeito a que lógica presidirá esse referencial
institucional, determinando seu papel instrumental de orientação e integração da ação educacional dessa instituição.
O projeto pedagógico pode vir a ser , também, um instrumento de descentralização interna e de produção da autonomia institucional
quer seja esta compreendida segundo a ótica
econômico-política da atual reforma educacional, ou segundo a ótica que a defende como
meio de democratização do poder, com vistas à
promoção da cidadania emancipada.
Como instrumento de descentralização interna, o projeto pedagógico intenta a revisão e
o aperfeiçoamento dos processos de trabalho
escolar, mediante a participação de todos na
programação e controle das atividades escolares. Como instrumento gerador da autonomia
institucional , se constitui em eixo de
instituição, orientando-a para a eficiência e
efetividade, segundo a lógica econômica da atual reforma educacional.
O projeto pedagógico compreende basicamente três propostas. A proposta pedagógica da
escola que explicita intenção e plano do desenvolvimento educacional. A proposta de desenvolvimento institucional, que estabelece a estrutura político-administrativa e o modo
operacional da instituição, explicitando o modelo organizacional, a organização do ensino, o
padrão de gestão e as formas de planejamento
e avaliação. A proposta de inserção social que,
a partir da integração intra-escolar, prevê formas de articulação intra-sistema educacional e
de coordenação com outros espaços educativos
da sociedade.
Mediante tais propostas o projeto pedagógico ordena, articula, dirige e regula a concepção, a execução e a avaliação do planejamento
escolar, do currículo e da própria organização
da instituição. Ao concorrer para a efetividade
destes, poderá suprimir o cunho autoritário e
meramente burocrático que os tem caracterizado na prática escolar.
3.3 - Regulação e
Autonomia
Se de um lado o projeto pedagógico favorece
a pluralidade de modelos institucionais, a diferenciação interescolar e a heterogeneidade
intra-sistemas, de outro lado a regulação federal promove certa homogeneidade e estabelece
claros limites à autonomia da instituição escolar. Isto ocorre na medida em que “molda” as
escolas através do delineamento de diretrizes e políticas nacionais, da regulamentação da legislação, do
planejamento educacional a partir do centro, da definição de
parâmetros curriculares, do controle direto de programas e da
realização de avaliação.
Ao estabelecer os limites da autonomia escolar, a Lei nº 9.394/96 determinou que, além
das incumbências próprias, os estabelecimentos de ensino respeitem “as normas comuns e
as do seu sistema de ensino” (Art. 12, caput).
Ao tratar especificamente dos currículos do
Na ótica dos educadores, o projeto pedagógico é
instrumento estratégico para a construção da escola
pública democrática cuja qualidade busca a cidadania.
50
criatividade, de controle, de responsabilização
e de convergência na atuação dos atores educacionais internos e externos, em torno de intenção comum (Cury, 1997).
Na construção da autonomia, revestido de
caráter político-administrativo, pode vir a ser
instrumento catalisador de esforços, iniciativas,
recursos e, ainda, disciplinador dos rumos da
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
ensino fundamental e médio – e esta é uma
questão central no projeto pedagógico da escola – a “autonomia pedagógica” fica delimitada
com o dispositivo sobre a obrigatoriedade de
“uma base comum nacional” (Art. 26, caput).
Essa base comum tem nas Diretrizes
Curriculares (Resolução 02/98 da Câmara de
Educação Básica do
Conselho Nacional de
Educação) sua concepção doutrinária e
nos
Parâmetros
Curriculares Nacionais do MEC os
indicativos operacionais, sendo este último reconhecido, pelo referido Conselho, como
os conteúdos mínimos a que faz menção o Art.
207 da Constituição Federal/ 88. Outros limites da autonomia escolar ficaram implícitos nos
princípios, fins, objetivos, organização do tempo e das estruturas dessa Lei.
Essa regulação estende-se ao projeto pedagógico da escola. Exemplo disso são as diretrizes inscritas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental/ 1998 que,
se levadas a sério pelas escolas, condicionarão
a definição de sua proposta pedagógica.
Tais diretrizes assinalam a urgência de que
a educação (escolar) brasileira: (a) “esteja na
linha de frente da luta contra a exclusão”, o que
significa a centralidade do combate ao “fracasso
escolar”; (b) “esteja voltada para a construção
de uma cidadania consciente e ativa não como
meta (...) mas como prática ...”; (c) “forneça aos
alunos bases culturais” associando “as ações
educativas às tecnologias da comunicação”; (d)
contribua para com o “desenvolvimento do ‘querer viver juntos’, elemento de base da coesão
social e da identidade nacional [ mediante a ]
cooperação entre comunidade e escola”; (e) suscite “o respeito ao pluralismo”; (f) atue nos planos “ético e cultural, científico e tecnológico, econômico e social” (Brasil, 1998, p. 7).
Os Parâmetros propõem que o processo
educativo, voltado para o atendimento dessas
urgências, tenha o aprender a conhecer, a fazer, a viver com os outros e a ser como pilares
de sustentação, visando instrumentalizar os
indivíduos para a autodeterminação e para sua
atuação na esfera da produção.
A seguir, delineiam o perfil da escola comprometida com a prioridade do ensino fun-
damental, enumerando requisitos que, se
levados a sério pela mesma, condicionarão
a sua proposta de desenvolvimento institucional e a sua proposta de inserção social.
Esse perfil institucional visado supõe: (a)
uma escola que não exclua e “cujo primeiro
Instaurar um processo de construção de
novo tipo de relações no âmbito escolar e no seu
entorno social é função do projeto pedagógico
objetivo é o de reduzir a vulnerabilidade social de crianças oriundas de meios desfavorecidos, marginalizados”; (b) uma escola
enraizada na comunidade e que interaja com
outras agências educativas sendo mais
mobilizadora, organizadora e integradora dos
espaços educacionais existentes na sociedade; (c) uma escola que promova (integralmente) as pessoas mediante ajuda intencional,
sistemática, planejada e continuada; (d) uma
escola que intervenha, efetivamente, na socialização de seus alunos, desenvolvendo atitudes e valores adequados aos novos tempos;
(e) uma escola inserida no mundo do trabalho, que capacite os educandos para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências em função de novos saberes e novo tipo
de profissional necessário, o que significa
preparo para a educação permanente; (f) uma
escola inserida no mundo das culturas, mediante aprendizagens essenciais (referidas ao
momento histórico) e desenvolvimento da capacidade crítica e criadora; uma escola que
ensine a aprender, imbuindo os educandos
de motivação e disciplina para o aprendizado
permanente.
Na seqüência, o documento afirma que, na
elaboração do seu projeto educativo, “a escola
discute e explicita, de forma clara, valores coletivos, delimita suas prioridades, define os resultados desejados e incorpora a auto-avaliação ao seu trabalho” (Ibid., p. 74). Logicamente,
espera-se que isto se dê nos marcos já estabelecidos.
Os Parâmetros mencionam, ainda, os aspectos que se destacam no processo de elaboração
e desenvolvimento do projeto pedagógico: (a) “reINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
51
52
pensar o papel e a função da educação escolar,
seu foco, sua finalidade, seus valores” considerando a comunidade e a sociedade em que esta
se insere; (b) fazer “antecipações sobre as formas de inserção dos alunos no mundo do trabalho e das relações sociais, no mundo da cultura”; (c) definir metas que assegurem a continuidade das propostas, prever recursos necessários, definir acompanhamento e avaliação sistemáticos; (d) assegurar a contribuição e o comprometimento de toda a comunidade escolar, com
vistas a garantir um projeto articulado, coerente e eficaz; (e) levantar dados, garantir a participação e organizar a escola como espaço de
exercício efetivo da cidadania; (g) ter contato
com outras experiências e bibliografia especializada “em especial, referências curriculares
oficiais”; (h) identificar nestas princípios referentes à “interação e cooperação, respeito à diversidade, desenvolvimento da autonomia, disponibilidade para a aprendizagem, organização
do tempo e do espaço escolar, seleção de material e avaliação” (Ibid., p. 75 - 89).
Como se vê, o documento Parâmetros
Curriculares Nacionais apresenta o molde dentro do qual a instituição escolar irá, por meio
do projeto pedagógico, forjar a sua própria identidade institucional.
Essa regulação fica ainda mais contundente no delineamento de metas do Plano Nacional
de Educação do MEC (Brasil, 1998b). No ensino fundamental, são alguns exemplos: redução
anual de 5% nas taxas de repetência e evasão;
regularização do fluxo escolar via programas
de aceleração da aprendizagem; apoio da comunidade para prover padrão mínimo de infraestrutura; participação da comunidade na gestão, manutenção física e melhoramento do funcionamento da escola, incluindo o trabalho voluntário; reorganização curricular e gradativa
eliminação do ensino noturno, substituindo-o por
aceleração e educação de jovens e adultos;
integração das funções de supervisão e inspeção ao sistema de avaliação e auto-avaliação
institucional.
A instância federal do Estado, buscando regular a ação da escola, pretende pôr sob seu controle o pólo executor do processo de reforma: o espaço local. Com isto, revela-se o caráter da
descentralização educacional e da autonomia da
escola intencionadas e desencadeadas a partir
dessa instância, cujo instrumento estratégico principal é o projeto pedagógico. Através deste, essa
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
instância intenta fomentar, no espaço local, avanços na direção da governança e da governabilidade
pretendidas pela reforma do Estado.
4. Finalizando
Em síntese, como instrumento estratégico da
reforma educacional no interior da escola, o projeto pedagógico tem a função de instaurar um
processo de construção de relações de novo tipo
no âmbito escolar e no âmbito da relação escola
e entorno social. Função que se orienta pela lógica da reforma do Estado, cujo intento é estabelecer nova relação entre Estado e sociedade.
Pretende provocar o surgimento de uma
cultura institucional segundo a qual a autonomia coletiva implica em ética assumida por todos, em consciência e compromisso com os objetivos maiores da educação, e em mobilização
coletiva para a atuação voluntária e engajada,
superando a postura de espera e dependência
da intervenção do Estado. Isto significa avançar na construção de um novo modelo de escola, nos marcos da “publicização”. Fica, assim,
contemplada a reforma do Estado em suas linhas mais gerais.
Entretanto, será a natureza da apropriação desse instrumento pela instituição escolar
que definirá, em grande parte, os desdobramentos da reforma educacional no espaço local
e, conseqüentemente, o grau de efetivação da
reforma estatal no que ela diz respeito à esfera
da educação escolar pública.
De todo modo, no tocante ao processo de
reformas, há que se considerar dois pontos importantes. O primeiro, refere-se a um “total
descasamento entre as causas da crise e as
reformas em curso...” de modo que, segundo Fiori
(1997) estas não “darão conta das verdadeiras raízes da nossa crise de Estado” ( p. 152).
O segundo diz respeito a um modelo de reformas no qual não se objetiva a intervenção
estatal no problema maior e possível raiz de
muitas mazelas: a profunda desigualdade. Isto
porque, segundo Costa (1996) “a lógica instrumental, típica do economicismo, tem dificuldade de lidar com a educação como um direito
substantivo e não como meio para se atingir
algum objetivo de engenharia social”. Frente a
isso, tem razão este autor: “... é doloroso que
não consigamos pensar distribuição (de riqueza e de direitos) como algo autônomo do crescimento (p. 68).
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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
53
O artigo discute as políticas educacionais do Estado de Mato Grosso do
Sul nos anos 80, em um momento em que a sociedade brasileira reagia
aos problemas de crise econômica e social. Assim, o Estado prioriza nos
Planos a gestão democrática da escola, mas contraditoriamente, ao
enfatizar os projetos econômicos, termina por dissolver e desacreditar
sua política de gerir o conflito social através da participação
comunitária de características “eminentemente democráticas”.
Palavras-chave: Educação pública, Plano governamental,
Democracia.
The article discusses Mato Grosso do Sul state educational policies in the
80’s at a moment in which Brazilian society reacted to problems of
economical and social crisis. In this way, the State gives priority in the
Plans to the school democratic management but, contradictorily, as it
emphasises the economic projects it ends up dissolving and discrediting
its policy of managing the social conflict through comunity participation
with “eminently democratic” characteristics.
54
Key words: Public education, Governmental plan,
Democracy.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Educação Pública em
Mato Grosso do Sul
na Década de 80
Questões Globais e Locais
Ester Senna
Professora do Curso de
Pedagogia e do Mestrado em
Educação da UFMS
*Versão resumida do trabalho
apresentado ao GT –
Influencia del Estado en El
Desarrollo Educativo –, no IV
Congresso Iberoamericano de
História de la Educacion
Latinoamericana, realizado
em Santiago de Chile, no
período de 24 al 29 de mayo
de 1998.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
*
Introdução
Este artigo traz uma breve análise da situação do Estado de
Mato Grosso do Sul quanto à gestão dos serviços públicos na
área social, dando centralidade às políticas de intervenção na
área de educação realizadas nos anos 80.
Assim, pretende-se discutir como em Mato Grosso do Sul a
educação pública, uma das instituições estruturadoras das relações sociais, se desenvolveu num momento em que o governo
central assinalava para a construção de uma esfera pública
democrática.
No Brasil, nos anos 80, a política social passou a ser considerada pelos governos não mais como subproduto da economia,
mas como resultado das novas relações entre Estado e sociedade. Esta perspectiva, pelo menos no âmbito do discurso oficial,
procurava seguir a tendência internacional em curso, que considerava o bem-estar social como parte integrante e constitutiva
das sociedades contemporâneas, voltado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais “extramercado”.
Neste contexto, percebe-se no Estado de Mato Grosso do Sul,
a necessidade governamental de se articular educação e desenvolvimento econômico e social, por meio de uma proposta de gestão racional e eficiente. Em conseqüência, no campo educacional,
defende-se a necessidade de um planejamento educacional realista e eficaz, segundo a concepção dos organismos internacionais
que debatiam as questões educacionais da América Latina.
O Estado de Mato Grosso do Sul, tendo como parâmetro a
política do governo central, tentou implementar a proposta de
construção de uma política educacional para uma sociedade deINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
55
mocrática. Porém, a socialização do poder político e o movimento contraditório do capital foram dois fatores difíceis de conciliar.
Considerando-se esta questão primordial,
tem-se aqui como pressuposto que o processo
democrático não poderia seguir seu curso realizando apenas alguns “acertos” na economia
deveriam considerar a “espetacular explosão
educacional” que vinha acontecendo. Segundo
a avaliação da UNESCO, os responsáveis pela
política econômica deveriam considerar a educação não apenas como um serviço social desejável, mas como elemento essencial para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, recomendou-se um plano nacional de educação, subdividido em programas
particulares criteriosamente concebidos,
adaptados às diversas
atividades e regiões geográficas, coerentes com
o plano geral e a partir
da base, mas circunscritos pelos limites dos recursos, pelos objetivos e
prioridades (UNESCO, 1975:9).
A educação, no documento da UNESCO, foi
concebida como um pré-investimento indispensável à globalização do desenvolvimento econômico e social. Os governos, conforme esta política, passaram a utilizar o planejamento como
instrumento para assegurar a rentabilidade e
a adaptação em um mundo em permanente mudança.
Na Conferência Internacional sobre Planejamento educacional, realizada no período de 6
a 14 de agosto de 1968 em Paris2, aparece em
primeiro plano a preocupação com o “futuro
próximo” e a ênfase na necessidade do planejamento educacional, tendo-se em vista as seguintes prospectivas: 1. A demanda social por
educação aumentaria rapidamente, sem que os
sistemas educacionais estivessem em condições
de formar e empregar um número de jovens
que aumentaria mais de 10% ao ano; 2. A pressão econômica sobre os sistemas educacionais
aumentaria em razão do decréscimo provável
dos recursos disponíveis para educação e o aumento dos custos unitários; 3. Os sistemas educacionais tornar-se-iam incompatíveis com as
mudanças no mercado de trabalho; 4. Nos países em desenvolvimento, as pessoas instruídas
enfrentariam o desemprego devido ao sistema
econômico insuficiente e aos profissionais
Nos anos 80 a política social passou a ser considerada
não mais como subproduto da economia mas como
resultado das novas relações entre Estado e sociedade.
e na administração estatal. No campo da educação, a sociedade civil organizada
desconsiderou a tensão entre capitalismo e democracia , dando prioridade à reivindicação de
universalização da educação básica e gestão
democrática da escola. Como resultado desse
posicionamento, não se realizou uma oposição
efetiva ao caráter conservador da proposta de
democratização da educação brasileira.
Este texto procura enfocar, inicialmente, as
discussões da UNESCO1 que contribuíram para
delinear a política econômica e social do Estado brasileiro, num momento em que este enfrentava uma estagnação econômica e aceleração inflacionária recorrente. Em seguida, discute-se a situação da política social, especialmente a política educacional, que foi forjada em
Mato Grosso do Sul, tendo em vista legitimar as
ações estatais, mas que contraditoriamente, pelo
seu caráter residual , não contribuiu para esvaziar as tensões sociais.
Política educacional brasileira
e os parâmetros da UNESCO
No final dos anos 60 já se discutia a necessidade de articular educação e desenvolvimento econômico e social, por meio de uma gestão
racional e eficiente. Nesta direção, os governos
56
1
Considerou-se neste artigo as contribuições da UNESCO em razão da ênfase dessa instituição internacional no
Planejamento educacional nos anos 70. Esta ênfase no campo educacional tem a marca do processo de
reestruturação tecnológica e produtiva desencadeados nos países industrializados, bem como a emergência do
processo de globalização que se intensificaria nas décadas seguintes, exigindo dos países em desenvolvimento,
políticas de inserção neste processo. Em termos de investimento para a área social, outros organismos multilaterais contribuiram com os programas de ajuste do Estado brasileiro. No início do regime militar, “o Banco
Mundial foi progressivamente ampliando seus empréstimos para o país, e o Brasil tornou-se, nos anos 70, o maior
tomador de recursos do BIRD (Tommasi, Warde e Haddad (org.) 1996:32). Entretanto, nos anos 80, “o Brasil teve
uma relação difícil com o Banco Mundial, cedendo e recuando parcialmente às suas pressões e às do FMI para
adotar as políticas de ajuste” (Ibid:33).
2
Desta Conferência Internacional, participaram noventa e cinco países, oito organismos internacionais, oito organizações intergovernamentais.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
despreparados, entre outros problemas (Senna
e Hamdan, 1996:4).
Em resumo, o planejamento sob a égide da
racionalidade seria o instrumento mais adequado e eficaz para adequar os países “em desenvolvimento” às mudanças gestadas no âmbito do capitalismo internacional. Nessa direção, os sistemas educacionais deveriam considerar, além da expansão quantitativa, as inovações de qualidade.
A próxima [década] deverá ser colocada sob
o signo de um crescimento seletivo, acompanhado de adaptações, modificações e inovações mais amplas - tudo isto fortalecido
por uma cooperação ainda maior. Assim,
parece indispensável, paralelamente às estratégias nacionais, uma estratégia mundial que oriente os países nos esforços comuns para o desenvolvimento da educação
(UNESCO:30).
Verificou-se então, que a partir do final dos
anos 60, foram gestadas as transformações radicais no âmbito do capitalismo internacional.
Observou-se assim, na década de 80, verdadeira revolução nas bases tecnológica, produtiva,
comercial e financeira do capitalismo. Nessa direção, a meta da educação para a democracia
entra no bojo do processo de globalização, cujo
movimento de integração dos mercados de bens,
de serviços e de capitais tem confirmado a tese
de que os sistemas educacionais, no capitalismo
contemporâneo, respondem de modo específico
às necessidades de valorização do capital e ao
mesmo tempo se concretizam numa demanda
popular efetiva de acesso ao saber socialmente
produzido (cf. Neves, 1994).
Tendo em vista as modificações globais iniciadas nos finais dos anos 60, o governo brasileiro delineou uma política econômica e social
no II Plano Nacional de Desenvolvimento de
1975 a 1979 (IIPND), que teve por finalidade
promover profundas mudanças estruturais na
economia. A prioridade do Plano era enfrentar
o atraso nos setores de
bens de produção e alimentos, a dependência
do petróleo e uma tendência a um elevado
desequilíbrio externo.
O II PND situava as
regiões periféricas no
centro do novo projeto
de expansão da economia. Outro destaque importante do Plano diz respeito à política social,
que foi considerada como decisiva ao processo
de racionalização. Segundo o governo de Ernesto
Geisel, a política a ser executada deveria assegurar:
Aumento substancial de renda real para
todas as classes. É importante que as classes trabalhadora e média sejam amplamente
atendidas no processo de expansão, inclusive pela ampla abertura de oportunidades
econômicas e sociais (que, inclusive, determinam também o nível de renda futura).
Assim se poderá estabelecer uma sociedade em que, econômica e socialmente, as bases se estejam sempre movendo para cima.
Redução substancial da ‘pobreza absoluta’,
ou seja, do contingente de famílias com nível de renda abaixo do mínimo admissível
quanto a alimentação, saúde, educação, habitação. Para atender esses objetivos, será
executada, no próximo estágio, política social articulada, que não se constitua simples conseqüência da política econômica,
mas objetivo próprio (Brasil, 1974:71, grifo
nosso).
Dando continuidade a estas metas importantes, mas insuficientes, pois não superaram
a destinação preferencial dos recursos públicos ao desenvolvimento econômico, o III PND
(1980-1985) destacou a meta de redistribuição
de renda como uma das medidas de
reestruturação interna para enfrentar os estrangulamentos externos. Contudo, segundo alguns analistas, estes Planos não reverteram a
posição tecnológica atrasada do Brasil. Ou seja,
o Estado brasileiro, com um padrão de financiamento vulnerável, não foi capaz de ampliar
suas políticas públicas de corte social (habitação, educação, saúde, seguridade social e outras), não realizando, portanto, o desejado equilíbrio entre capital e trabalho.
Na tentativa de mudar o retrato da situação, a Constituição de 1988 acenou para a construção de um sistema de proteção social
universalizante e desmercantilizado. No campo
educacional, seus dispositivos sinalizaram um
considerável adensamento do direito à educação básica. Nesse sentido, estabeleceu a oferta
Em Mato Grosso do Sul, a socialização do poder
político e o movimento contraditório do
capital foram dois fatores difíceis de conciliar.
de creche e pré-escola como um direito de cidadania da criança de zero a seis anos; o ensino
fundamental gratuito e obrigatório, não limitado a uma faixa etária específica; a extensão
gradativa da obrigatoriedade do ensino básico
ao nível médio; a destinação de 50% dos recurINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
57
sos públicos da área educacional para o ensino
fundamental e para a eliminação do analfabetismo e, ainda, a gratuidade do ensino público
em todos os níveis (Senna e Freitas, 1997:7).
No entanto, estas disposições constitucionais
teriam como limites objetivos as realidades social, econômica, política e cultural engendradas pelo desenvolvimento brasileiro nos últimos 50 anos, bem como pela crise econômica
No III Plano Setorial de Educação, Cultura e
Desporto - 1980/1985 (III PSECD) aparece
definido que as ações nacionais e regionais,
que seriam implementadas no período de 1980/
85, nas áreas de Educação, Cultura e Desporto, teriam como diretriz fundamental “a
integração das atividades deste Ministério com
as atividades correlatas de outros Ministérios,
numa perspectiva de inter-relacionamento entre os diferentes setores sociais e econômicos” (Brasil, 1983:9).
Analisando esta
diretriz , percebe-se
uma mudança que
atingiria diretamente
a organização do fundo público , que nos
países desenvolvidos,
se distribui entre as necessidades do capital e
as necessidades de reprodução da força de trabalho. Assim, com relação ao setor educacional
o Plano diz:
Nesta perspectiva, o esforço educacional faz
parte de um esforço geral, não somente dentro da área social, mas também dentro da
área econômica, porque não há solução
satisfatória dos problemas, se não houver
suficiente convergência entre as áreas sociais e as áreas econômicas (Idem:11, grifo
nosso).
Quer dizer, pretendia-se superar as políticas que atendem à reprodução apenas da subsistência da força de trabalho. Segundo o Plano, o problema do aproveitamento escolar depende do atendimento a outras necessidades
dos trabalhadores: renda adequada, nutrição,
saúde, higiene, saneamento, transporte e outras. Enfim, tem-se aqui, pelo menos em termos
de Plano, a compreensão da política social em
seu sentido estrito.
Antes de apresentar as metas regionais o
Plano discute as Linhas Prioritárias Nacionais.
Com relação à educação no meio rural , a ênfase foi dada visando alcançar focos mais acentuados de pobreza no País. A educação formal
constituia-se em um problema de grandes dimensões. Necessitava-se aumentar as taxas de
escolarização, diminuir os índices de evasão e
repetência, adequar a educação às particularidades da clientela e da região (Ibid:12).
Em 1990, os resultados dessa política evidenciam que as necessidades da educação rural constatadas no III PSECD, ainda precisariam ser consideradas com atenção (ver gráfico 1), pois as taxas de escolarização de 5 a
17 anos, no período de 1981-1990, além de
reduzidas, apresentam uma “involução” em
1990.
Os sistemas educacionais deveriam
considerar, além da expansão quantitativa,
as inovações de qualidade.
mundial, pelo acelerado processo de globalização
econômico-financeira, pelo avanço tecnológico
e pela hegemonização do ideário neoliberal
(Idem:7).
A tensão entre capitalismo e democracia é
evidenciada, indicando que, ao traçar suas políticas públicas o Estado, em sua agenda democrática de reforma dos programas sociais, tem
dificuldades de lidar com os interesses, exigências e necessidades políticas da classe trabalhadora e também com os interesses do capital
e suas necessidades de pacificar os conflitos.
Fiori (1995:xviii) diz que a batalha pela
democratização encobriu um longo período de
luta e incerteza, e que na verdade o Estato
estaria definindo as regras da gestão política e
econômica de um novo ciclo de crescimento industrial que ocorreria inevitavelmente, aproveitando as fronteiras abertas pelos novos horizontes tecnológicos.
A partir dessas transformações, que políticas educacionais o Estado de Mato Grosso do
Sul definiu e priorizou na agenda política de
democratização?
Política educacional dos anos
80 para a Região Centro-Oeste,
e, em especial, a situação de
Mato Grosso do Sul
58
Antes de discutir a situação da educação
em Mato Grosso do Sul, faz-se necessário, como
elemento de análise, discutir o III PSECD (19801985) e o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República – 1986-89, do governo
de José Sarney.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Gráfico 1 – TAXAS DE ESCOLARIZAÇÃO DE 5 A 17 ANOS
1981–1990
R
Z
U
O
R
N
A
A
L
1990
1981
0%
25%
50%
75%
100%
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1994
No que diz respeito à educação nas periferias
urbanas, o Plano chama atenção para o aspecto
economicamente seletivo dos serviços educacionais. Considerou-se importante, no sentido de atender a população urbana mais carente, investir
em educação pré-escolar e educação supletiva
(Ibid:12). Quanto às taxas de escolarização da
zona urbana, em 1991, observa-se uma melhoria,
ainda que de forma não expressiva, conforme o
gráfico 2.
Gráfico 2 – TAXAS DE ESCOLARIZAÇÃO DE 5 A 17 ANOS
1980–1991
Z
O
N
A
U
R
B
A
N
A
1980
1991
0%
25%
50%
75%
100%
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1994
Na seqüência, outro aspecto importante discutido no Plano diz respeito ao desenvolvimento
cultural. Propunha-se a ampliação do acesso à
cultura, bem como a
promoção das diferentes manifestações culturais, sob a ótica da
identidade nacional
(Ibid:12). Na realidade,
nesse momento histórico, a ênfase na identidade nacional no III
PSECD, tem por finalidade a organização e disciplina dos indivíduos,
como uma forma de dar coesão ao todo social, tão
fundamental para se promover a liberalização
política. Segundo Lúcia Lippi Oliveira,
A consciência da questão nacional foi sempre expressa por grupos de elite, por lideran-
ças intelectuais que assumem a aventura de
pensar em termos nacionais. Cosmopolitismo
e localismo têm funcionado alternativamente
como guias das propostas de construção de
identidades nacionais (1990:50).
Quanto à meta da qualidade do ensino, outra prioridade foi a valorização dos recursos
humanos ligados à educação, à cultura e ao
desporto, particularmente daqueles engajados
na educação básica. Tinha-se presente, que não
se tratava apenas de precariedade na formação do professor. Devia-se, segundo o Plano, considerar as condições sociais, econômicas e políticas dos profissionais em educação. Contudo, a
situação dos professores não tem se alterado
ao longo da década. Carnoy em um documento
apresentado à UNICEF diz:
É impressionante como os governos prestam pouco atenção na seleção, preparação
e situação social dos professores responsáveis pela educação básica, quando tanto
depende de suas aptidões como mensageiros da cultura e administradores da transformação cultural. Nos países onde os sistemas educacionais são considerados excelentes - no Japão, na Alemanha e na
Escandinávia, por exemplo -, os professores
que ministram educação básica são altamente respeitados, treinados em nível universitário e com cursos de especialização e
têm elevada posição social. A qualidade da
educação melhora na mesma proporção em
que os professores responsáveis pela educação básica são valorizados pelo papel
crucial que desempenham como administrador da transformação cultural (1992:74).
A avaliação realizada por Carnoy, sobre a
condição social do professor é pertinente, mas
a ênfase no papel do professor como agente de
mudança faz parte de um discurso governamental que vem sendo retomado nos anos 90 e
que considera a educação como uma “via privi-
O Estado, em sua agenda democrática de reforma,
tem dificuldades de conciliar os interesses e
exigências da classe trabalhadora com as do capital.
legiada de construção da própria pessoa, das
relações entre indivíduos, grupos e nações”
(UNESCO, 1998:12). A educação é a “utopia
necessária” na concepção da UNESCO.
Voltando à análise III PSECD, verifica-se que,
no discurso, as políticas públicas de educação
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
59
60
são formuladas, segundo Offe, “como reação a
problemas estruturais de legitimação de uma
sociedade que constantemente dissolve e desacredita suas próprias premissas igualitárias”
(1990:41).
Registre-se que, para concretizar a Política
Nacional de Educação, Cultura e Desporto, o Plano delineou as estratégias regionais. Para a Região Centro-Oeste, a estratégia específica para a
Educação na Área Rural teve preocupação com
a população de 7 a 14 anos, mais especificamente com a oferta de oportunidades a adolescentes e adultos, apelando para a utilização de
tecnologia educacional acessível e para a assistência efetiva do educando (Brasil 1983:21).
Para as Periferias Urbanas, esta Região de
acordo com o Plano apresenta como necessidades a integração do ensino regular com o supletivo, objetivando propiciar um melhor atendimento e regularização do fluxo escolar e a
reorganização da rede física.
As estratégias específicas para o Desenvolvimento Cultural da Região Centro-Oeste tinham
como meta integrar as propostas fundamentais de educação no meio rural e nas periferias
urbanas com as características culturais locais da comunidade e da região. “A Região Centro-Oeste propõe incrementar estudos, diagnósticos e pesquisas da realidade regional cultural, fundamentando tais iniciativas numa ação
institucional e comunitária, que leve em conta
a organização do acervo cultural” (Idem,
1983:22).
O III PSECD, ainda em suas prioridades regionais para o Centro-Oeste, destacou o papel
da Universidade, “comprometida com a problemática, as potencialidades, as perspectivas e
as características da realidade circundante, e
preocupada com o homem que tenta viver, produzir e evoluir nas sub-regiões” (Idem:25).
Em resumo, o Estado brasileiro se pauta no
planejamento, na modernização técnico-administrativa e no sistema de captação e alocação de
recursos. Quanto à política social, no Plano, esta
tem por base o modelo universalizante, mas as
concretizações dessa política dar-se-iam de forma descentralizada. Para a administração da
educação se propõe o planejamento participativo,
acrescentando: “é dever do estado oferecê-la a
todos, em igualdade de condições e com padrão
qualitativo defensável” (Ibid:14).
No I Plano Nacional de Desenvolvimento da
Nova República - 1986-89, do governo de José
Sarney, admite-se que o Estado deveria tomar
como meta a garantia dos direitos sociais. Essa
garantia resultaria em benefícios, em primeiro
lugar, em termos de renda e emprego e em segundo lugar, estabelecer-se-ia forte correlação
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
entre investimentos em setores sociais básicos,
como educação, saúde e saneamento, e acréscimos de produtividade e rendimento da mão-deobra (Brasil, 1896:52).
Avaliando a implementação das políticas
sociais no Brasil Draibe constata que o Estado
atua, através das políticas sociais para de um
lado, ampliar as oportunidades básicas (educação e saúde) e, de outro, corrigir parcialmente
as ações do mercado. O resultado é que o gasto
social público sustentado por recursos fiscais
assumiu caráter residual. As distorções na organização do sistema de proteção social que se
verificam em todos os Estados brasileiros, inclusive em Mato Grosso do Sul, podem ser assim registradas:
1. ênfase na centralização política e financeira no nível federal, tanto dos recursos como
do poder decisório;
2. grande fragmentação institucional em
razão de práticas decisórias corporativistas,
clientelistas e particularistas;
3. permanência de práticas decisórias autoritárias, inibindo os mecanismos de participação e controle;
4. forte privatização, tanto pela crescente
presença do setor privado produtor dos serviços sociais (muito alavancado pelo investimento público) quanto pela introdução da lógica e
dos interesses privados e particularistas nas
arenas decisórias (Draibe, 1995:203).
Constata-se portanto, retrocedendo ao início dos anos 80, que o governo central tinha
como objetivo incluir o Estado de Mato Grosso
do Sul no projeto de modernização da sociedade e realinhamento do capital, como forma de
enfrentar o esgotamento do “milagre econômico” brasileiro. Nesse contexto, a política social
do governo atende de forma emergencial e pontual tanto as necessidades do setor econômico
de Mato Grosso do Sul, visto que o governo central havia lhe reservado papel fundamental no
II PND, como também, as necessidades de controle e legitimação das decisões estatais.
A educação, como parte desse projeto de
governo, enfrentou uma política de desmando e
arrocho salarial, demonstrando-se que a prioridade do fundo público para Mato Grosso do
Sul era o setor agropecuário, visto como capaz
de se constituir em uma das alternativas para
a saída da crise brasileira.
A situação mais grave, no início dos anos
80, para a educação foi o arrocho salarial, conforme constata Fernandes, devido à política do
governo Pedro Pedrossian (1980-1983) que
priorizou investimentos em grandes obras. Esta
política levou o magistério, através das associações municipais de professores e especialistas
em educação, a reagir, organizando grandes
greves no período para denunciar os problemas com o ensino público do Estado (1996:86).
Contudo, o governo continua com as distorções
em termos de investimentos, desviando-se da
política do governo central
que investia nas políticas sociais como mecanismo de esvaziamento das tensões sociais. Esse estilo de governo desmantelou o
projeto de Estado modelo reservado para
Mato Grosso do Sul, e que havia sido
estruturado de forma sistêmica conforme os
ditames da tecnocracia (Idem:89).
Ainda com relação aos governos, no período de 1982 a 1990, os governadores Wilson
Barbosa Martins, Ramez Tebet e Marcelo
Miranda, pertenciam ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que se caracterizava como o maior partido de oposição e
que no momento tinha como objetivo a luta pela
democracia (Oliveira, 1997:40). Entretanto, entre hesitações políticas e desacertos econômicos, estes governos terminaram por aprofundar
os problemas na área da educação, saúde e
segurança, entre outras.
A situação geral do sistema educacional brasileiro também apresentava-se problemática. O
I PND da Nova República apontou, em 1986,
baixo índice de escolarização, serviços educacionais que não correspondiam às necessidades
da população, dificuldades de acesso ao sistema
escolar , queda da qualidade do ensino, desvalorização dos profissionais da educação e um contingente significativo de analfabetos (Brasil,1986:59). Estes problemas demonstravam
que o Estado continuava intervindo na educação de forma residual, desacreditando na própria premissa de que o investimento em educação resultaria em cidadãos capazes de concorrer no mercado global. Neste caso, o fundo público não realiza totalmente a socialização do
excedente, nem se torna espaço de gestão do
conflito social, tendo em vista que atua com prioridade na reprodução do capital, mais especificamente no financiamento do capital privado
(cf. Oliveira, F. 1989 e Cipolla,1997).
Os governos de Mato Grosso do Sul não fogem à regra, transformando a população carente em “clientes” de uma política social residual.3 No final dos anos 80, os serviços sociais
3
continuavam sendo oferecidos de forma fragmentada, aprofundando a dicotomia existente
entre política econômica e política social. Assim, a situação dos serviços sociais indica que,
neste Estado, a política social não ganhou
centralidade na agenda política de reformas
democráticas , colidindo com a proposta governamental divulgada amplamente. Este acontecimento reafirma a tese da incompatibilidade
entre capitalismo e democracia. Para
exemplificar, pode-se sinteticamente, verificar
já na metade da década de 80, a situação da
educação e dos principais serviços sociais do
Estado de Mato Grosso do Sul, conforme quadro da página seguinte.
A educação, como se depreende deste quadro, assim como os outros serviços sociais básicos, dada a precariedade, está longe do projeto do governo central de contribuir com a desejada racionalidade e produtividade. Percebe-se
que o Estado optou por uma política que manteve a presença mínima dos fundos públicos na
reprodução da força de trabalho, reproduzindo
como consequência, na educação, os problemas
de acesso, repetência, evasão, formação deficiente de professores e condições materiais inadequadas; na saúde, problemas de atendimento, instalações, distribuição de remédios e recursos humanos; no setor de habitação, ainda
é grande o número de pessoas de renda baixa
excluídas do benefício da casa própria; no setor de saneamento básico, destacam-se altos
índices de doenças infecciosas, bem como as
precárias condições de esgotamento sanitário
e da coleta de lixos. Registre-se que, no Brasil,
as informações oriundas do Censo Demográfico
de 1991 mostram que havia no País, um expressivo número de crianças menores de 5 anos
de idade vivendo em domicílios urbanos sem
saneamento adequado (IBGE, 1991:51); no setor de segurança pública, os problemas oriundos do crescimento urbano, e, ainda os problemas de fronteira, necessitavam de adequação
quantitativa e qualitativa; por fim, no setor de
assistência social, chama atenção que, além de
crianças e adolescentes, os idosos têm sido excluídos da sociedade.
Resulta, pois, importante, verificar quanto ao
setor educacional, como o Estado lidou com os
problemas apontados. Tudo indica que, a “parti-
No período de 1979-1982, o Estado de Mato Grosso do Sul apresenta-se atrasado em seu desenvolvimento econômico,
limitando-se basicamente a fornecer matéria-prima. Somente em 1981, o Estado começa a dar os primeiros passos
na direção da industrialização. De 1983-1986, contata-se o crescimento de demandas produtivas e sociais, fato que
levou o governo a planejar medidas de melhoria do aparelho arrecadador. Em consequência, o Estado procurou o
aprimoramento da estrutura fisco-arrecadadora, justificando esta ação no sentido de elevar os níveis da receita
estadual a patamares mais condizentes com o estágio alcançado pela economia do Estado (governo do Estado de
Mato Grosso do Sul, 1984:117). De 1986-1990, o Estado deu prioridade ao crescimento e modernização da economia.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
61
62
cipação da comunidade” nas resolu- Quadro 1 - Educação e Serviços Sociais em Mato Grosso do
ções dos problemas educacionais, foi
Sul/1985
o que norteou as ações do governo.
Assim, no II Plano Estadual de Educação Para a Democracia (19851987), do governo de Wilson Barbosa
Martins do PMDB, a participação comunitária de características “eminentemente democráticas” e voltadas
para a gestão racional dos negócios
públicos, sustentou a política do governo. Convém aqui, ressaltar o equívoco de compreender a democracia
como um projeto que se esgota na
“normalização” das instituições políticas. As contradições do processo de
acumulação, os problemas entre capital e trabalho, bem como os conflitos
sociais que emergem desse processo
são questões de fundo, mas que foram reduzidas a problemas de
governabilidade e eficácia administrativa (Senna, 1994).
Compreende-se, então, que o planejamento participativo adquiriu relevância para o Poder Executivo estadual num momento de transformações
econômicas e de concentração urbana que punham em evidência a precariedade dos serviços sociais (Freitas,
1997:107). Esta forma de administrar não resolve a contradição entre
Fonte: Adaptado a partir das informações da SEPLAN/FLIPAN/MS apud MATO GROSSO DO SUL
democracia política e autocracia eco1988/91:65-84.
nômica. Diante disso, o planejamento
mocratização’ e de ‘modernização’ da sociparticipativo, no campo educacional, legitimou a
política dos governos, sem contudo, possibilitar a
edade brasileira (1997:107).
participação da sociedade civil em questões funPortanto, constata-se nesse processo que
os diferentes interesses da sociedade estão
damentais, visto que a meta era a construção de
permeados de contradições, dando ao Estado
estratégias de estabilização econômica.
Verifica-se que, mesmo com a proposta de
uma face ambígua. Assim, os governos do Esinclusão, nas escolas estaduais de Mato Grosso
tado de Mato Grosso do Sul, da década de 80,
do Sul as condições básicas de ensino eram
ao tentarem interlocução com as demandas
desfavoráveis, destacando-se a precariedade na
sociais, atuavam no sentido de regular a dinâformação de professores e nos programas de
mica geral da sociedade. No campo educacioassistência ao educando. Quanto à gestão da
nal, o Estado procurou dar garantia de
escola, não se verifica um acompanhamento e
concretização do processo democrático. Assim,
avaliação dos projetos implantados. Em
no período de 1982-1986 se implantou a políara a Democracia
consequência, constata-se o desvio apontado por
tica de Educação P
Para
Democracia. EmFreitas,
bora os dois últimos Planos Estaduais de EduTrata-se menos de uma intencionalidade de
cação da década de 80, contemplassem a nedemocratização política, de inclusão da pocessidade urgente de participação, o governo
pulação em processos de gestão da coisa
de Marcelo Miranda, governador eleito em
pública, do que dos velhos artifícios de bus1986, não deu continuidade à política educaara a Democracia
ca de consenso e de contemporização das
cional Educação P
Para
Democracia, ainda
demandas populares, assim como a adesão
que defendesse a democracia na escola. Os edua um discurso que esteve presente desde o
cadores que defendiam a democratização da
momento da abertura política, no Regime
educação, a melhoria da qualidade de ensino
Militar, sendo retomado em termos de ‘dee participação sindical perceberam e denunciINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
aram a quebra da política educacional proposta (cf. Fernandes, 1996).
Não se tratava, é claro, simplesmente de
traduzir e articular as demandas por democracia na escola.Tudo indica que, esperava-se
que o Estado representasse o conjunto da sociedade, e, diante dessa “coletividade ilusória”
verificou-se que as desigualdades sociais não
poderiam ser resolvidas com a “fórmula da
democracia”, sob a égide de uma administração racional. A não compreensão das relações
históricas entre capital e trabalho, principalmente pela intelectualidade progressista, acabou por inviabilizar um aprofundamento mais
global das questões educacionais. Este dilema
ainda persiste nos anos 90.
Concluindo, convém lembrar, que a articulação das políticas governamentais, especialmente as políticas educativas, aos parâmetros internacionais, não é recente. Hoje, estas políticas
têm encontrado limites para sua concretização.
Segundo Kurz (1997), na era do One World,
o que propriamente foi internacionalizado e
globalizado, foram única e exclusivamente as
formas econômicas de circulação do dinheiro
e do mercado. Na medida, contudo, em que o
nível civilizatório da modernidade está associado ao Estado, esse padrão permaneceu limitado aos Estados nacionais, ou melhor, aos
blocos econômicos. Só o ‘burguês’ (o sujeito
econômico ou mercantil puro) se tornou um
cidadão do mundo, ao passo que o ‘cidadão’
(o sujeito estatal ou jurídico) se ateve à esfera nacional dos Estados e, por sua própria
natureza, não pode se globalizar (p.59).
Sabe-se que no Brasil, na década de 80, a
ênfase na luta pela democratização, não permitiu que se discutisse com mais profundidade
os limites da democracia em uma situação de
crise econômica mundial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC
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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
63
O trabalho analisa, à luz de um referencial teórico, a articulação entre
educação e democracia e de como a mesma vem se transformando em
políticas educcionais no que concerne à gestão da escola pública, a partir
do caso específico no Estado de Mato Grosso do Sul, quando foi instituído
pelo governo Pedro Pedrossian na rede estadual de ensino o programa
Uma Proposta de Educação para Mato Grosso do Sul - Escola Pública Democrática - Gratuita - no período de 1991 a 1994.
Palavras-chave: gestão da escola pública, gestão democrática,
política educacional.
This paper analyses, under a theoretical approach, the articulation
between education and democracy and how this articulation generates
educational policies concerning the public school management,
particularly the case of Mato Grosso do Sul State, where Pedro
Pedrossian governement has created the program ‘‘An Educational
Proposal For Mato Grosso do Sul Free, Democratic Public School’’, at
1991 to 1994.
Key words: Public School Management, Democratic Management,
Educational Policy.
64
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Política Educacional
A Gestão Democrática na Rede
Estadual de Ensino em Mato Grosso
do Sul (1991 A 1994)
Maria Dilnéia
Espíndola
F ernandes
Professora-assistente da
UFMS/CEUD/DED e doutoranda
da UNICAMP/FE/DASE.
*
Trabalho integrante da
dissertação de mestrado
intitulada Políticas públicas de
educação: a gestão democrática
na rede estadual de ensino em
Mato Grosso do Sul (19911994), UFMS/CCHS, 1996 e
apresentado na 20ª Reunião
Anual da ANPED em CaxambuMG, no período de 21 a 25 de
setembro de 1997, no Grupo de
Trabalho nº 05 - Estado e
Política Educacional, com
alterações de forma, mas não
de conteúdo.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
*
Introdução
Este estudo tem como objeto de investigação o ponto um do
Programa I - Democratização das Escolas - 1. Eleição de Diretor
e Colegiado Escolar - 2. Autonomia da Escola 1 - considerado
pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul
como o programa central de sua política educacional para o
período de 1991 a 1994.
Este programa decretado2 foi realizado no Estado de Mato
Grosso do Sul no mandato de Pedro Pedrossian, governador eleito no período citado acima. Na prática escolar, culminou com a
eleição para diretor de escola e a eleição do colegiado escolar
como órgão consultor e executor do processo administrativo e
pedagógico da escola, e ainda desconcentrou3 os órgãos inter1
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Uma proposta de educação para Mato
Grosso do Sul. Relatório Final. Campo Grande: Secretaria de Estado de
Educação, 1991-1994, p. 07.
2
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Decreto 5.868 de 17 de abril de 1991
- Dispõe sobre a estrutura básica das Unidades Escolares e dá outras
providências.
3
O termo desconcentrar é utilizado aqui já como resultado da pesquisa, em
substituição ao termo descentralizar colocado pela Secretaria de Estado
de Educação. Nessa perspectiva, o termo desconcentrar reflete o que definiu Casassus. Segundo este autor: a desconcentração, reflete processos
cujo objetivo é assegurar a eficiência do poder central enquanto que o
outro, a descentralização, é um processo que procura assegurar a eficiência do poder local (Caetano et.al., 1988). Assim, a desconcentração
refletiria um movimento ‘de cima para baixo’ e a descentralização um
movimento ‘de baixo para cima’. Nesta perspectiva, salvo poucas exceções, hoje praticamente todos os processos de descentralização na América Latina, são processos de desconcentração. (1990:17).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
65
mediários da Secretaria de Estado de Educação quando criou os Núcleos Educacionais em
substituição às Agencias Regionais de Educação.
Segundo a Secretaria de Estado de Educação, a criação dos Núcleos Educacionais teriam
como objetivo:
tornar as decisões mais próximas, facilitar
o acesso às informações e agilizar o fluxo
da tramitação burocrática, oferecendo maior presteza de atendimento às comunidades escolares {...} Vale registrar que essas
representações municipais da Secretaria de
Estado de Educação, (sic) favorecem a
integração com os municípios, o acompanhamento das atividades pedagógicas, administrativas e financeiras realizadas pelas Escolas, e representam, ainda, uma divisão de trabalho que racionaliza o número
de servidores para o atendimento à comunidade 4 .
Para a construção deste objeto buscou-se
em um primeiro momento a análise teórica de
categorias tais como democracia e estado via
fontes bibliográficas; em seguida, a análise dos
documentos da política educacional produzida
pela Secretaria de Estado de Educação e, por
último, entrevistas com os diretores eleitos, preferencialmente aqueles que eram professores
antes da eleição, em uma escola de cada Núcleo
Educacional, considerando a divisão geográficoespacial criada pela própria Secretaria de Estado de Educação, quando da desconcentração de
seus órgãos intermediários.
A decisão pela entrevista com diretores, preferencialmente aqueles que eram professores
antes da eleição, justificou-se pela representação social que, historicamente, este cargo tem
produzido nas relações de poder do aparato
educacional. E por se entender que estes foram
o sujeito principal no processo de gestão democrática em Mato Grosso do Sul.
Ainda neste Programa, os diretores eleitos
passaram a ser, em um primeiro momento, Secretário-Nato e depois Secretário-Executivo do
Colegiado Escolar cuja função: além de representante oficial da Unidade Escolar, deve ser
entendida como a de coordenador do funcionamento geral da unidade e de executor das deliberações coletivas do Colegiado Escolar, respeitados os dispositivos contidos no Decreto 5.868.5
66
O território geográfico eleito para campo de
investigação foi a cidade de Campo Grande, capital e maior cidade do Estado que, pelo grau de
desenvolvimento de suas forças produtivas e
sociais, apresenta totalidades e peculiaridades
nas tensões de seu tecido social que perpassam
por todo o Estado de Mato Grosso do Sul.
Sendo assim, Campo Grande possui onze
Núcleos Educacionais6 , sendo que cada um deles comporta determinado número de escolas
em uma determinada região da cidade. A decisão pela escolha da escola obedeceu ao mesmo
critério válido para a cidade de Campo Grande,
qual seja, as tensões geradas no tecido social
em seu interior.
Nessa perspectiva, o estudo em questão
objetivou, a partir dos documentos oficiais publicados pela Secretaria de Estado de Educação e
pelas entrevistas com os diretores eleitos, analisar como o programa central da política educacional do período efetivou-se na escola, local da
realização da democracia na educação.
O pressuposto foi de que a Secretaria de
Estado de Educação, se, por um lado, colocou
em prática uma das principais reivindicações
da categoria do magistério na década de 80,
isto é, a democratização da escola via eleição
para diretor e colegiado escolar, por outro, efetivou algo que vem sendo questionado e combatido pelos pesquisadores em educação e pela
comunidade educacional em geral: a centralização no planejamento de programas, políticas
e recursos enquanto, na prática, desconcentra
a gestão e a execução dos mesmos para a comunidade alvo.
1. Democracia e Educação:
qual seu conteúdo?
Em se tratando da questão da democracia,
necessita-se atualmente colocá-la em seu
referencial histórico, desvelando suas relações
com as práticas sociais dadas no capitalismo, e
permitindo demonstrar suas concepções que tem
sustentado projetos políticos de sociedade, calcadas nas matrizes ideológicas dos governos.
Sendo assim, um dos eixos para compreensão da historicidade da democracia pode ser
encontrado no caráter conotativo/valorativo da
palavra, que ganha espaço em vários contex-
4
MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Uma proposta de educação para MS - relatório final, p. 14.
5
MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Uma proposta de educação para Mato Grosso do Sul educação pública e democrática - direção colegiada - gerenciamento escolar, p. 25.
6
No Estado todo foram criados oitenta e cinco Núcleos Educacionais, onze em Campo Grande, três em Dourados, e
o restante, um em cada município.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
tos econômicos, políticos, sociais e culturais,
principalmente após a 2ª guerra mundial, quando a corrida em torno da palavra democracia,
ao mesmo tempo que legitima regimes de governos, os escamoteia.
Nessa perspectiva, pode-se entender por que
a democracia, enquanto projeto político de sociedade na atualidade, é realizado sob processos
de exclusão de contingentes populacionais, sendo
ainda objeto de disputa por setores organizados da sociedade, cuja correlação de força sustenta a viabilidade do mesmo.
É essa análise que permite compreender a
articulação entre educação e democracia na
sociedade capitalista, particularmente no Brasil, cuja demanda na década de 80 marca significativamente a sociedade, pois esta (a democracia) é absorvida por vários governos municipais e estaduais enquanto forma prioritária
de governo.
De fato, no caso brasileiro, a articulação
mais recente entre educação e democracia tem
sua matriz nos Planos Nacionais de Desenvolvimento 7 do Governo Federal durante os períodos de distensão e de transição do regime militar e também no movimento dos educadores
na década de 80.
O que diferenciava um e outro projeto era
que, para o Governo Federal, democratizar a
educação significava dar saída às tensões sociais produzidas no período pela exaustão do
milagre econômico brasileiro (Senna, 1995),
cuja dívida social estava insuportável para o
conjunto da população. As políticas sociais, neste
projeto, entendidas como subproduto da política econômica, seriam o mecanismo de frear
resistências da sociedade. Já para o movimento dos educadores, democratizar a educação
significava escola pública de qualidade, mais
verbas para a escola pública, verbas públicas
para a escola pública, gestão democrática nas
escolas, garantindo o acesso e a permanência
do aluno na escola. (Sposito, 1994).
Assim, o movimento dos educadores e grande parte de sua produção teórica no período,
bem como os regimes e partidos políticos, apropriaram-se do termo democracia. Para a grande maioria dos educadores e sua produção essa
apropriação trouxe mais um agravante além
do valor conotativo da palavra; a apropriação
do termo deu-se somente pelo seu conteúdo político (Senna, 1995).
Essa apropriação histórica do termo democracia em finais da década de 90, traz novos
elementos para o debate: o surto democrático
que chegou à América Latina em meados da
década de 80, paradoxalmente, foi ajustado pelo
projeto neoconservador na onda do
neoliberalismo, em que se trava até o momento
duas lutas: a primeira pela consolidação da
democracia; a segunda, envolvendo a esfera
pública, frágil ainda, busca garantir as parcas
conquistas oriundas das politícas sociais que,
em muitos casos, antes de serem conquistas,
foram/são tutelas de governos em claro processo de cooptação de classe.
2. Educação e Democracia em
Mato Grosso do Sul
2. 1 A consolidação do Estado de
Mato Grosso do Sul e suas elites
políticas e econômicas
Mato Grosso do Sul, Estado há pouco tempo consolidado8 , coloca em prática a articulação entre educação e democracia, a partir do
ponto um do Programa I - Democratização das
Escolas - 1. Eleição de Diretor e Colegiado Escolar - 2. Autonomia da Escola - o que se chamou de gestão democrática, instituída pela política educacional no mandato de governador
eleito de Pedro Pedrossian, no período de 1991
a 1994.
Compreender, entretanto, o que foi a gestão
democrática enquanto programa central da
política educacional do período no Estado de
Mato Grosso do Sul, requer antes a compreensão do projeto político de sua sociedade combinado à gênese da formação desse Estado e sua
consolidação, assim como a história de suas
elites políticas9 e a influência dos educadores
do Estado no processo de democratização da
escola pública.
De fato, o movimento dos educadores em
Mato Grosso do Sul, na tentativa de responder
7
BRASIL. Secretaria de Planejamento. II Plano Nacional de Desenvolvimento(1975-1979).
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. II Plano Setorial de Educação e Cultura (1975-1979).
BRASIL. Secretaria de Planejamento. III Plano Nacional de Desenvolvimento - 1980/85.
8
O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado pela Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977.
9
O termo elites política foi utilizado por Maria Manoela R. de Novis NEVES em seu trabalho: Elites Políticas:
competição e dinâmica partidário-eleitoral (caso de Mato Grosso).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
67
aos desafios colocados pela conjuntura estadual, tem demonstrado uma organização via seus
sindicatos e federação articulados com o movimento nacional dos educadores. Assim, os educadores do Estado, principalmente na década
de 80, se somaram ao movimento mais geral
dos educadores, quando, entre outras reivindicações, se exigia uma escola democrática10 . Este
movimento, entretanto, deve ser compreendido
no processo de consolidação do Estado de Mato
Grosso do Sul, como se coloca a seguir.
O Estado de Mato Grosso do Sul, em que
pesem as tensões separatistas no seu interior,
desde o final do século passado, é criado no
contexto de distensão e transição do regime
militar, momento em que a democracia deveria ser lenta, gradual e controlada para que
não ferisse interesses já consolidados, período
em que, pelo projeto do Governo Federal, se
reservava um papel fundamental para o setor
agro, sendo este o responsável pelo equilíbrio
da balança de pagamento, bem como gerador
de divisas, o que justificou na época o slogan
cunhado para o Estado de Celeiro do CentroOeste.
Para tanto, segundo Rocha11, o modelo para
o Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do
Sul deveria obedecer às seguintes diretrizes:
planejamento participativo e sistêmico, fortalecimento do setor privado, descentralização e,
ainda, modernização permanente dos órgãos,
das entidades dos instrumentos e dos procedimentos da administração pública.
Para consolidar esta estrutura sistêmica de
estado, o Governo Federal nomeou governador
o Engenheiro Civil gaúcho Harry Amorim Costa, portanto, alguém de fora do Estado, fato que
provocou descontentamento entre as elites políticas do Estado, pois estas se preparavam e
disputavam entre si o novo aparato estatal,
apesar de naquele momento estarem
aglutinados na mesma sigla partidária, qual seja,
a ARENA - Aliança Renovadora Nacional. Ainda conforme Rocha (1992), as elites políticas
68
do Estado se dividiam em dois grupos: a ala
ortodoxa, assim chamada por ser fiel aos objetivos de 1964, ligada ao setor da pecuária extensiva e comandada por Mendes Canale, José
Fragelli e Rachid Saldanha Derzi; a ala dos
independentes , representada por Pedro
Pedrossian, que defendia transformações na
agropecuária, tais como racionalidade e uso de
tecnologias.
Mas, de fato, o que acirrou a disputa no
Estado muito mais que um governador de fora,
foi o modelo que se implantava pelo Governo
Federal, pois a proposta de descentralização
das ações do poder executivo, implementadas
por Harry Amorim Costa, chocavam-se com a
prática clientelista e personalista das elites
políticas que perdiam o controle de seus aparatos eleitorais, à medida que a nova forma de
gestão deste poder negociava diretamente com
os prefeitos e comunidade local.
Esse quadro levou o Estado a uma situação
de ascensão e queda de governadores, sempre
articuladas por Pedro Pedrossian, quando este
exercia, no período, o cargo de Senador do Estado. De 1979 a 1982, portanto, o Estado teve
três governadores, sendo o último o próprio
Pedro Pedrossian. Este marca seu governo pelo
estilo das grandes obras, arrocho salarial12 e
descaso para com o setor público, cujas políticas sociais deram-se em caráter emergencial13 .
Em 1982 é eleito Wilson Barbosa Martins,
candidato da oposição, pelo MDB - Movimento
Democrático Brasileiro. Embora o MDB fosse a
oposição no Estado e estudos14 apontem o quanto
foi inusitado o mesmo ganhar as eleições e reeleger novamente o governo em 1986, o fato é
que o MDB, depois PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro - não alterou as condições de vida da população que se agravavam
a cada dia. Isso fortaleceu a conjuntura para
que voltasse à cena em 1991, desta vez eleito
pela coligação encabeçada pelo PTB - Partido
Trabalhista Brasileiro - já no primeiro turno
com 68% dos votos válidos, Pedro Pedrossian.
10
Conforme Wilson BIASOTTO & Laerte TETILA. O movimento reivindicatório da magistério público estadual de
Mato Grosso do Sul.
11
As diretrizes citadas por Rocha (1992) foram extraídas de BRASIL, Decreto-Lei nº 8 de 1º de janeiro de 1979, que
dispõe sobre o Sistema Executivo para o Desenvolvimento de Recursos Humanos. O Decreto autoriza a criação das
entidades que menciona e dá outras providências. Ver Dorothy ROCHA. A gestão da educação pública em Mato
Grosso do Sul - práticas racionalizadoras e clientelismo.
12
Quando Pedro Pedrossian chega ao governo em 1981, o piso salarial do magistério era de 2.9 salários mínimos;
quando deixa o governo, este piso era de 0.8 salário mínimo. Ver Wilson BIASOTTO & Laerte TETILA. O movimento reivindicatório do magistério público estadual de Mato Grosso do Sul.
13
As políticas sociais desse período eram estabelecidas e executadas por programas, cuja existência se resumia ao
Panelão, programa destinado ao subsídio da cesta básica para a população de baixa renda na periferia de Campo
Grande e o Guatambu, programa que visava assistir ao homem do campo.
14
Marisa BITTAR. Estado e política educacional em Mato Grosso do Sul (1983-1986): limites de uma proposta
democrática.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Nesse mesmo ano, Pedro Pedrossian, de forma inusitada15 , convida para comandar a Secretaria de Estado de Educação, um grupo de
professores identificado com as bandeiras de
lutas do magistério, de caráter progressista16 e
com inserção no movimento sindical. É esse
grupo que, a partir de então, vai instituir na
rede estadual de ensino a gestão democrática
via eleição de diretor e colegiado escolar.
2. 2 Gestão Democrática : o
programa central da política
educacional do período.
Para entender o que foi o programa central
da política educacional, gestão democrática,
realizada no período de 1991 a 1994 no mandato de Pedro Pedrossian como governador eleito, foi necessário, além do exame dos materiais
produzidos pela Secretaria de Estado de Educação que nortearam o programa, a verificação nas escolas através de entrevistas com os
diretores, locus privilegiado do exercício das
políticas educacionais, receptora e executora,
nem sempre (ou nunca) idealizadora e
planejadora das mesmas.
Em se tratando da especificidade da educação, procurou-se saber em que medida o programa central da política educacional do período atingira concretamente suas finalidades,
dando autonomia para que as escolas
implementassem um projeto pedagógico que
desse conta de resolver os graves problemas
que as assolavam no que tange a um ensino de
qualidade.
De fato, a análise do programa central da
política educacional do período, a gestão democrática, demonstrou pelos documentos produzidos pela Secretaria de Estado de Educação e
pela fala dos atores envolvidos nas unidades
escolares, que a mesma veio revestida de um
discurso inovador, no sentido de que se propunha mudar a estrutura organizacional tanto
dos órgãos intermediários da Secretaria de Estado de Educação quanto das escolas, via gestão desses órgãos.
A implementação do programa, todavia, provocou olhares diferenciados entre Secretaria
de Estado de Educação e Unidades Escolares.
Para a Secretaria de Estado de Educação, o
programa se sustentava por ser uma reivindicação do movimento dos educadores e como
tal, deveria ser balizado pela escola à medida
que cabia a esta sua consolidação uma vez que
estava no gerenciamento democrático a resolução dos problemas da escola. Para a escola, a
implementação do programa ocasionou aumento da jornada de trabalho: o diretor deveria
permanecer nela em todos os seus períodos de
funcionamento e, ainda, o colegiado escolar só
poderia se reunir fora do período de aula. Outro dado do olhar depreendido pela escola foi
que esta, a partir do programa, poderia levar a
efeito seus projetos pensados no seu interior.
Estes entendimentos diferenciados entre um
e outro acabaram gerando providências e atitudes também diferenciadas. A Secretaria de
Estado de Educação trabalhava as diferenças
através de resoluções e normas via CGE Coordenadoria de Gerenciamento Escolar - enquanto a escola questionava se era aquela a
democracia da educação que tanto havia lutado e reivindicado.
Na realidade, o paradoxo era a partilha da
gestão escolar com a comunidade, mas de forma tutelada pelo Estado. O exemplo mais significativo da tutela dava-se quando os colegiados
escolares tentavam mudar a legislação, preferencialmente quando esta emperrava a busca
e a liberação de verbas e esbarravam na intervenção da Secretaria de Estado de Educação.
Das onze escolas em que foram feitas entrevistas, nove confirmaram que, na busca imediata de manter a escola com um nível mínimo
de funcionamento, acabavam pedindo socorro
à comunidade, através de festas, bingos, rifas,
entre outras promoções.
O estudo apontou que essa forma de tratar
as questões de verba para a escola pública faz
parte de uma estratégia deliberada na elaboração das políticas sociais, em particular, a política educacional, muito a gosto do atual momento de reforma do Estado na pauta neoliberal,
que planeja/intervém e deixa para a população o saldo da conta. Sendo assim, a gestão
democrática não fugiu à regra.
Como as entrevistas evidenciaram, o exercício de uma prática mais comprometida com a
população no interior da escola requer tempo de
aprendizado, e a eleição poderia tornar-se um
elemento fundamental do processo. Nesse sentido, a escola, enquanto simples executora de políticas educacionais, poderia passar a ser também
planejadora. Planejar na escola, entretanto, poderia significar fugir à tutela do Estado.
15
Conforme o documento ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Uma proposta de educação para Mato Grosso do Sul.
Relatório Final.
16
O termo progressista aqui se refere a professores identificados e atuantes no movimento dos educadores que
defenderam a escola pública, democracia na educação, entre outras.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
69
2. 3 A primeira eleição
Em 22.06.91, aconteceu a primeira eleição
para diretor com voto secreto. Em 03.07.91,
foram eleitos os membros do colegiado escolar
cujo voto poderia ser secreto ou por aclamação
em assembléia. Caberia à escola decidir qual a
melhor forma. Segundo as entrevistas realizadas, o período que antecedeu às eleições foi
marcado inicialmente pela surpresa. O que se
perguntava nas escolas era se deveriam ou não
apostar na proposta e articular-se para a eleição. Passado esse momento e a inevitabilidade
das eleições decretada, o clima estabelecido nas
escolas revelou grupos de caráter fisiológico,
ideológico e quebrou tabus como o do mito da
comunidade17 que clamava a democratização e
a participação como algo inerente; assim, a comunidade era vista como algo homogêneo e livre de disputas, de forma que se fosse garantido o exercício da democracia, todos os problemas estariam resolvidos.
Desmistificando, a eleição para diretor e
colegiado escolar no interior da escola, trouxe
à tona muito mais a disputa pelos cargos do
que a disputa por uma concepção de educação,
embora esta estivesse presente.
Sobre este aspecto é esclarecedora a fala
de uma diretora:
Democracia e educação são coisas
inseparáveis. Só podemos pensar em educação hoje se ela estiver de acordo com um
projeto de democracia e para isso a escola
tem que se preparar tanto como a Secretaria de Educação. Temos que ser mais abertos e menos rançosos com nossos alunos,
principalmente na avaliação. Você vê: a Secretaria quer democracia, só que aplicou
uns provões nos alunos para avaliar o que
eles sabem, e não discutiu com a escola os
resultados dessa prova. Ou será que democracia é só eleição?
Ainda na avaliação da Secretaria de Estado de Educação18 o momento da eleição lembrou as tradicionais campanhas políticas para
o parlamento e o executivo, pois as propostas
dos candidatos a diretor priorizavam as grandes obras ou obras que aparecem na escola.
As propostas dos candidatos a diretor, todavia, se por um lado revelaram o conteúdo
ideológico inculcado pela forma tradicional de
se fazer política na sociedade, quando o bom
17
18
70
19
político é confundido com as obras de vulto que
faz, por outro, revelaram o descaso com que o
poder público, historicamente, tem tratado a
educação; a má condição física dos prédios escolares em Mato Grosso do Sul tem sido objeto
constante de reclamações e reivindicações da
população do Estado.
Entender as propostas dos candidatos a diretor para a educação demonstra que o dia-adia vivido no local de trabalho faz com que o
imediato das condições deste se sobreponha a
uma concepção de educação mais elaborada.
Passado o impacto da primeira eleição, as
escolas partiram rumo à concretude de suas
propostas e, segundo os entrevistados sinalizaram, pôde-se perceber o ponto de estrangulamento dos colegiados escolares e a mão amarrada do diretor. Da esperança de ver a escola
democratizada e com isso seus problemas resolvidos, adveio a percepção do significado da
impossibilidade do novo gerenciamento escolar
ser de fato eficiente.
Essa percepção, porém, não se deu de forma imediata e nem com a clareza merecida.
Paira ainda sobre a escola a crença de que
existe uma incompetência inerente a ela e da
qual não consegue se desvincular. É comum que
as escolas atribuam a elas mesmas seu
insucesso, sem conseguir chegar à essência do
problema qual seja, a democratização da gestão não leva necessariamente à democratização dos recursos públicos.
A falta de percepção da realidade dos recursos públicos na educação levou a comunidade escolar a centrar os limites de sua ação
nela própria, gerando visões do tipo o colegiado
não funciona porque as pessoas não participam como deveriam19 .
Considera-se ainda nesta análise que a concepção de gestão democrática da Secretaria de
Estado de Educação, vislumbrada em seus documentos, ficou restrita a uma sociedade participativa
que se encerrou nos limites do muro da escola,
cuja participação se reduziu a devolver para a
comunidade o financiamento da escola.
2. 4 A segunda eleição
A segunda eleição para diretores e colegiados
escolares ocorreu em 03.07.93. Conforme os
dados coletados mostraram, a experiência adquirida nos dois anos anteriores pelos embates
Ver Inah PASSOS et alii. Uma experiência de gestão colegiada. in: Cadernos de Pesquisa, p. 66:86.
Conforme palestra proferida pela Coordenadora de Gerenciamento Escolar da Secretaria de Estado de Educação
em Seminário de Extensão promovido em outubro de 1994 pela UFMS/CEUD/DED.
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Colegiado escolar, 5º boletim.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
travados tanto interno quanto externamente na
e pela escola, deixou como saldo um desgaste
que incidiu diretamente no pleito eleitoral.
Se na primeira eleição pairava sobre a comunidade escolar a oportunidade de resolver
seus problemas via democratização da gestão,
na segunda, o que se vivenciou estava fortemente marcado pela paralisia inerente à burocracia técnico-administrativa e às relações de
poder estabelecidas pela Secretaria de Estado
de Educação.
Nesse sentido, é esclarecedor o estudo de
Sposito quando analisa em São Paulo a luta dos
movimentos sociais por educação na década de
80, o que pode corresponder aos resultados do
programa central da política educacional em
Mato Grosso do Sul no início da década de 90:
No decorrer da análise foi possível perceber
que as formas participativas propostas pelo
poder público {...} não contribuíram para que
ocorresse, de modo substantivo, qualquer processo de democratização das unidades escolares ou da educação pública como um todo. Ao
conviverem com orientações burocratizantes
e centralizadoras do sistema de ensino, retiraram qualquer possibilidade de autonomia
por parte das escolas. (1993:249).
Nesse sentido, o desgaste da gestão democrática em Mato Grosso do Sul é computado
principalmente à articulação entre educação e
democracia, exatamente por não se ter o entendimento de que a democracia não é somente um fator de igualdade política em que todos
participam, mas antes de tudo, um estado que
permite a igualdade econômica e política.
De fato, para a gestão democrática na rede
estadual de ensino de Mato Grosso do Sul, o
elemento que mais demarcou a sua existência
foi a participação tanto do segmento interno
quanto do externo da escola20 , demonstrada
na diminuição de votantes da primeira para a
segunda eleição, assim como no nível de participação e substituição entre os membros dos
colegiados escolares21.
Conclusões
Compreender a lógica da articulação entre
sociedade, educação e democracia e sua viabilidade na gestão democrática na rede estadual
de ensino em Mato Grosso do Sul fez com que
se pudesse aproximar dos reais problemas vi20
21
vidos pelas escolas onde a gestão é problemática porque é ela que coloca em disputa projetos
distintos de educação no seu dia-a-dia, e a luta
interna revela o corporativismo dos segmentos
principalmente os do interior da escola; por
sua vez, a tutela do Estado impõe mecanismos
de controle via legislação deixando-a de mão
amarrada e sem conhecimento de causa no
que concerne ao seu financiamento.
Nesse sentido, para a rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul, depois de decretada a democracia para geri-la, evidenciou-se o
que vem ocorrendo de forma geral com as políticas públicas e, em particular, com a educação: democratizar e desconcentrar sistemas
estão sendo fórmulas habituais de se planejar
nos gabinetes governamentais e jogar para a
população-alvo a execução e o financiamento
de tais sistemas.
Da luta por uma escola democrática
reivindicada na década de 80, construiu-se uma
política educacional que deixou para as escolas e suas comunidades o saldo de gerenciá-las
de forma controlada e financiá-las duplamente
em uma clara demonstração de que a cidadania, a representatividade, a participação e a
democracia na sociedade capitalista ainda são
ônus para a população.
Minto e Muranaka registraram a respeito
do financiamento da educação no Brasil:
Comparando os percentuais gastos só com
educação pelo Brasil e pelos demais países
da América do Sul e Caribe (dados do
UNICEF) veremos que todos destinam no
mínimo 10% de seus gastos totais para com
o setor, com exceção de Nicarágua (9%) e
Uruguai (7%), bem maiores que os nossos
3%; boa parte destes países chega a destinar perto de 20%.
Entender nossa realidade educacional exige pertinácia e cuidado. As dificuldades iniciam-se com a obtenção de dados confiáveis;
os oficiais, quando a eles se tem acesso, são
incompletos, pulverizados e/ou divulgados
tempos após serem colhidos. (1995:65-6).
Assim, a democratização da educação, enquanto instrumento político de descentralização
de poder e decisões no interior da escola, configura-se como um elemento que não consegue
ultrapassar as barreiras impostas pelo financiamento da educação, estipulado e decidido
além da escola.
Comunidade interna: professores, coordenadores pedagógicos, diretores e funcionários técnico-administrativos
da escola. Comunidade externa: pais, alunos ou os responsáveis pelo aluno na escola. Conforme ESTADO DE
MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 7.227 de 26 de maio de 1993 - Altera dispositivos do Decreto 5.868, de 17 de
abril de 1991, e dá outras providências.
Ver José Carlos PESENTE. O colegiado escolar: avanço e limites na construção de uma escola democrática.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
71
No que concerne ao aspecto gestor da escola em Mato Grosso do Sul, o elemento central
da política educacional em curso tentou superar a divisão do trabalho no interior da escola
quando mudou o quadro funcional desta substituindo o especialista em educação pelo coordenador pedagógico; o que se obteve, entretanto, foi apenas uma mudança de nomenclatura
no plano funcional, pois o trabalhador continuou o mesmo, com os mesmos valores, práticas e idéia de educação, o que deu motivo para
o corporativismo da categoria manifestar-se,
pois mostraram-se agredidos e destituídos de
seu exercício. Poder-se-ia argumentar, todavia,
que pelo modelo em que se tentou superar a
divisão do trabalho no interior da escola, este
esteve coerente com o novo paradigma da
globalização e da internacionalização da economia que busca um novo trabalhador capaz
de dominar o processo de seu trabalho, em uma
visão saudosista do velho artesão.
As condições concretas, portanto, de se
pensar uma política educacional para Mato
Grosso do Sul não podem deixar de levar em
consideração a função do Estado na atual
fase transnacional do capital, a educação cunhada na contradição capital versus trabalho e a escola, enquanto prática social,
inserida em uma sociedade de classes, sob
pena de se cair em uma concepção romântica da educação e da escola que por si só se
bastam.
Nesse sentido, o estado que se vislumbra
no país e consequentemente em Mato Grosso
do Sul é um Estado do Bem-estar incompleto,
truncado (Oliveira, 1991:80), cujas políticas
educacionais remetem ao equacionamento das
políticas sociais quando estas se dão como procedimentos governamentais de emergências
acontecendo de formas descontinuas, pulverizadas, conforme se apresenta a situação social
e econômica da população.
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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
73
Este artigo analisa a política educacional de Mato Grosso do Sul, no
período compreendido entre 1991 – 1994, relacionando-a com as
mudanças em curso no capitalismo mundial.
Palavras-chave: Educação, Globalização.
This article analyzes the educational politics of Mato Grosso of the
South, in the period understood among 1991 - 1994, relating it
with the changes in course in the world capitalism.
74
Key words: Education, Globalization.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Kátia Cristina
Nascimento
Figueira
Professora na graduação e na
pós-graduação da
Universidade para o
Desenvolvimento do Estado e
da Região do Pantanal.
Coordenadora do Arquivo
Público Estadual - MS.
*
Reflexão apresentada na
dissertação de mestrado em
Educação - UFMS.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
O ‘‘Novo’’ Reordenamento
do Capitalismo Mundial
e a Política Educacional
*
em Mato Grosso do Sul
Procuraremos, ao longo deste trabalho, identificar como se
deu no Estado de Mato Grosso do Sul a proposta de educação no
ano de 1991 - 1994, articulando-a com as mudanças que vêm
ocorrendo no modo de produção capitalista.
Antes de adentrarmos na análise sobre o processo conhecido como globalização, convém explicarmos a origem deste adjetivo que qualifica a atual fase do capitalismo. O termo “globalização”
foi cunhado no começo dos anos 80 nas “business management
school”, as escolas americanas de administração de empresas,
e difundiu-se através de obras e artigos dos consultores formados nessas escolas, publicados na imprensa econômica e financeira e, posteriormente, tomou conta dos discursos políticos e
econômicos. Com produção literária destinada inicialmente aos
grandes grupos empresariais, os autores apontavam que a revolução tecnológica e informacional possibilitava maior eficiência
no controle e na comunicação. Afirmavam, ainda, que a
erradicação dos obstáculos, graças às políticas de liberalização
e desregulamentação adotadas, principalmente na era Reagan e
Tatcher, indicavam necessidades de redefinição nas estratégias
internacionais das empresas. Estes novos liberais foram caracterizados por N. Schneider (1990) como liberais pragmáticos,
pois difundiam idéias práticas, se propunham a ser solucionadores
de problemas e depositavam grande fé em dois princípios: crescimento econômico e educação. Desta forma, os problemas seriam resolvidos por técnicos com formação e informação necessárias para resolvê-los. Por esta razão, considerando que o termo
“globalização” não possui neutralidade, François Chesnais (1996)
propõe a utilização de “mundialização”, por ser esta a palavra
que introduziria a idéia de que a economia se mundializou e
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
75
romperia, de certa forma, com o veículo
linguístico por excelência do capitalismo.
Deixando de lado as discussões semânticas,
pode-se dizer que as tendências principais da
globalização foram apontadas no primeiro terço
do século XX quando o capitalismo atingiu a sua
fase monopólica ou imperialista. Contudo, uma
nova configuração histórico-social deste modo
de produção foi impulsionada a partir da Segunda Guerra Mundial (1939 - 45), acelerando-se
o Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) e a Agência
de Garantia de Investimentos Multilaterais
(MIGA). O Banco Mundial exerce, ainda, a função de principal gestor dos recursos para o
meio ambiente através do Fundo Mundial para
o Meio Ambiente (GEF).
É, portanto, tomando os países desenvolvidos como referencial a ser alcançado pelos países que não atingiram este patamar, que algumas medidas de ajustes estruturais são
propostas. As reformas implementadas
desde 1987 incluem
questões relativas à
proteção ao meio ambiente e, a partir de
1990, o reforço ao
combate à pobreza. A
redução da pobreza dar-se-ia através do chamado “uso produtivo do trabalho”, alcançado
por meio de incentivos de mercado, infra-estrutura física e inovações tecnológicas e, uma outra estratégia, o oferecimento aos pobres de
alguns serviços sociais essenciais, principalmente nas áreas de saúde, planejamento familiar e
educação básica. As propostas focalizadas para
a escola de primeiro grau como forma de reduzir a pobreza datam de 1973, na gestão de
Robert McNamara, e o reforço a esta ênfase
sobre a educação, que se traduz em apoio na
concessão de empréstimos para o nível básico,
veio com a Conferência Mundial de Educação
Para Todos, realizada em Jontiem, Tailândia,
em março de 1990. Desta forma, os sistemas
educativos deverão, na ótica do Banco Mundial,
melhorar o acesso, garantir a eqüidade e a qualidade.
Para melhor compreendermos porque os
organismos multilaterais atualmente possuem
este enfoque em sua análise da realidade, convém deter-nos no processo de consolidação dos
Estados de Bem-Estar Social. Ao final da Segunda Guerra Mundial as décadas seguintes
passaram por um intenso desenvolvimento da
economia capitalista. Entre 1950 e 1970 as
taxas médias de crescimento anual nos países
desenvolvidos estava na ordem de 5,3% e a
elevação do comércio mundial deu-se de 60 para
300 bilhões de dólares. Neste período, o Estado
desempenhou papel fundamental, através da
intervenção em larga escala na economia, garantindo com o fundo público o financiamento
da reprodução da força de trabalho e a continuidade da acumulação do capital. Ao lado desses fatores, a generalização do contrato coletivo de trabalho, estabelecendo uma estreita ar-
Tomando os países desenvolvidos como referencial, a
redução da pobreza dar-se-ia através do "uso produtivo
do trabalho" e da oferta de serviços sociais essenciais.
76
com a Guerra Fria (1946 - 89) e aumentando
sobremaneira após o término desta.
François Chesnais (1997: 4) aponta que
a atual hegemonia do capital financeiro está
próxima do imperialismo clássico, ou seja, alguns aspectos “novos” caminham na direção
do aprofundamento desses traços. Para este
autor, o capital financeiro “vive das retiradas sobre a riqueza criada na produção,
transferidas por meio de circuitos que podem
ser diretos (dividendos sobre os lucros de
empresas) ou indiretos (juros de obrigações
públicas e empréstimos aos Estados, que por
sua vez representam retiradas sobre a renda primária circulando no sistema de impostos).” Assim, há nesta configuração um alto
grau de concentração do capital financeiro,
p r i n c i p a l m e n t e a t r av é s d e a t i v i d a d e s
especulativas que dão rendimentos maiores
do que os investimentos produtivos, bem como
a permanência da relação de parasitismo. Este
autor identifica que os apologistas deste regime encontram-se nos mais diversos setores
da sociedade civil, seja em universidades, bancos ou grandes organismos econômicos e financeiros.
Um desses organismos pode ser identificado como o Banco Mundial. Definido por Maria
Clara Couto Soares (1996), como uma organização que exerce grande influência nos países
que hoje procuram reestruturar-se ao moldes
do neoliberalismo, atualmente é composto por
um conjunto de instituições sob liderança do
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) que, por sua vez, abrange as seguintes agências: a Associação Financeira Internacional de Desenvolvimento (IDA),
a Corporação Financeira Internacional (IFC),
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
ticulação entre Estado e sindicatos, também foi
responsável pela elevação dos padrões de consumo.
O Welfare State é melhor compreendido a
partir da teoria de John M. Keynes que defendia, em linhas gerais, a intervenção do Estado
na economia a fim de que se adotasse políticas
de estímulo ao consumo, controle da produção e
dos juros, bem como de criação de empregos
através de obras públicas e manutenção da igualdade através da construção de uma estrutura
de serviços sociais, que serviriam como fatores
de moderação das desigualdades sociais.
Integrado ao Keynesianismo, o Fordismo
estabelecia a participação empresarial diretamente na esfera sócio-política. A ampliação do
mercado era vista por Ford como uma incumbência direta do empresariado, o que resultava
na adoção de política salarial que garantiria
aquisição de bens de consumo e, por conseguinte, exigiria maior produção para atender a
esta demanda.
No período da Guerra Fria, em que os Estados Unidos e países europeus participavam dessa política econômica, a América Latina ingressava no processo de decolagem industrial ligado tanto aos fluxos internacionais de investimento, quanto aos esforços industrializantes
internos. Também ali verificava-se a forte presença do Estado na economia.
O keynesianismo só foi possível até os anos
60, uma vez que a partir desse período apresentou uma série de problemas, conforme identifica Chesnais os dois fatores na origem da
crise fordista:
O primeiro foi a
reaparição, em
1974-75, da primeira crise “clássica” de superacumulação depois
da Segunda Guerra Mundial. O segundo foi a reconstituição das
bases econômicas e sociais de um capital
financeiro poderoso, a quem pareceu intolerável a força dos trabalhadores assalariados e de seus sindicatos, o nível de gastos
com o “Welfare State” e a taxação sobre o
capital e as altas rendas pessoais.
(CHESNAIS, 02.11.1997 : 4).
A crise recessiva iniciada na década de 70,
simbolizada na elevação dos preços dos barris
de petróleo (1973 e 1979), prenunciava transformações estruturais no modelo industrial das
décadas anteriores. A década de 80 foi marcada,
nos países latino-americanos, pelo crescente
endividamento externo e processo inflacionário resultantes da elevação das taxas de juros
no mercado internacional, queda dos preços
dos produtos agrícolas e minerais, bem como,
redução dos investimentos das empresas
transnacionais e crescimento da riqueza inferior ao crescimento demográfico.
Diante da crise do Estado de Bem-Estar Social e, ainda, da crise vivida na América Latina na década de 80, definiu-se nos países desenvolvidos da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OECD), o chamado Consenso de Washington sobre a crise
da América Latina, com as recomendações necessárias para superá-la. Este Consenso apontava que as causas da crise seriam:
1. O excessivo crescimento do Estado, traduzido em protecionismo (o modelo de substituição de importações), excesso de
regulação e empresas estatais ineficientes
e em número excessivo; e 2. O populismo
econômico, definido pela incapacidade de se
controlar as demandas salariais tanto do
setor privado quanto do setor público. (PEREIRA, 1992:15).
A resposta a este diagnóstico seria apontada na redução do papel do Estado através, den-
Face às inovações tecnológicas, à educação caberia a
função de instruir e desenvolver a capacidade para
compreender os mecanismos de gestão e de produção.
1
tre outras, da política de privatizações 1 ,
liberalização do comércio internacional e na
promoção de exportações. O mercado desempenharia, assim, papel fundamental na condução
da economia.
Concepções sobre privatizações: “ a) Transferência (incluindo a venda) para a propriedade privada de estabelecimentos públicos; b) Cessação de programas públicos e o desengajamento do governo de algumas responsabilidades específicas (privatização implícita); c) Reduções (em volume, capacidade, qualidade) de serviços publicamente produzidos conduzindo a demanda para o setor privado (privatização por atribuição); d) Financiamento
público do consumo de serviços privados - através de contratação e terceirização - reembolso ou “indenização”
dos consumidores, ticketes, vales com pagamento direto aos provisores privados; e) Formas de desregulação ou
desregulamentação que permitem a entrada de firmas privadas em setores antes monopolizados pelo governo.”
(STARR. Apud DRAIBE, Sônia, 1993: 98).
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
77
A década de 80, portanto, reflexo da crise
estrutural dos anos 70, indicava o esgotamento do padrão de financiamento que não dava
respostas a problemas, tais como a crescente
inflação, endividamento e redução da capacidade de investimento do Estado, aumento dos
gastos sociais e redução das taxas de crescimentos setoriais. A crise estrutural assinalada
acima implicou em profunda ruptura do modo
taylorista-fordista de desenvolvimento nos países industrialmente avançados2.
Paralelo ao esgotamento do modelo
taylorista-fordista de produção, alterou-se o
padrão de industrialização. Este processo conhecido como toyotismo foi desenvolvido, inicialmente, no ano de 1955, na fábrica da Toyota,
no Japão. Empreendido pelo governo, empresas e trabalhadores, o referido processo destinava-se a acelerar a recuperação do país após
a Segunda Guerra Mundial. Utilizava, para tanto, algumas inovações, tais como a focalização
da produção, isto é, as empresas não mais utilizavam a política de verticalização que reunia
na mesma empresa todo o ciclo da produção,
antes, concentravam seus esforços na atividade-foco e contratavam outras empresas para a
execução de serviços e fornecimento de componentes. Este mecanismo poderia ser feito através do sistema de parcerias ou de terceirização.
Aliado a esta alteração gerencial, estabelecia a
participação de todos trabalhadores tanto nas
mudanças organizacionais, quanto nas
tecnológicas, contrapondo-se àquela divisão
existente entre trabalho intelectual e manual.
Desta forma, a exigência de mão-de-obra especializada seria, sob sua ótica, obtida através de
investimentos governamentais, principalmente
nos setores de educação e saúde.
Essas mudanças, entretanto, produziram
alterações no mundo do trabalho que se viu às
voltas com o desemprego estrutural. Segundo
ça do que foi os Estados Unidos da América
após a Segunda Guerra Mundial, bem como pela
obsolescência dos organismos econômicos internacionais. A este movimento de intensas
transformações econômicas e sociais, o autor
denominou de “modernização conservadora”,
pois “resultou em mudanças estruturais,
tecnológicas e organizacionais em meio ao colapso da velha ordem econômica internacional
e das instituições que articulavam os diferentes Estados e interesses nacionais”. (idem: 3).
Estas mudanças, portanto, produziram um alargamento dos problemas relativos ao mundo do
trabalho, agravados pelos efeitos da concorrência desregulada. Assim, de acordo com esse
autor, a transformação tecno-científica em curso nos países desenvolvidos dá nova configuração ao mercado mundial, reduzindo a necessidade de mão-de-obra, ampliando sua capacidade produtiva. Disso resulta a concentração e a
centralização de capitais, mais notadamente
através de fusões e integrações de empresas
transnacionais, voltadas para a competição no
mercado global através da utilização de
tecnologia de ponta. Outros efeitos podem ser
contabilizados, tais como a diminuição do emprego e alteração nos modelos de gestão empresarial dos recursos humanos, tanto pela eliminação de alguns quadros e terceirização de
serviços, quanto pela mobilidade no exercício
de funções, o que pressupõe maior especialização dos funcionários. A partir desse momento
histórico, identificamos que a tese da “necessidade de qualificação” do trabalhador repercute grandemente no trabalho de vários autores,
que apontam como causa desta exigência a configuração contemporânea do capitalismo e seus
novos requisitos. A argumentação corrente é
construída a partir da constatação das mudanças no processo produtivo que tem como matéria-prima fundamental a informação.
Desta forma, para
estes autores, neste rol
de prescrições, à educação caberia importante papel, uma vez
que face às inovações
tecnológicas, organizacionais e financeiras nos países de economia mais avançada,
a ela caberia a função de instruir e desenvolver a capacidade lógico-abstrata para compreender os mecanismos de aproximação de gestão e controle de fluxos de produção. Ou seja, a
A noção da qualidade do ensino subjaz à noção de
qualidade total, amplamente apontada como
necessária ao aumento da produtividade.
Jorge Mattoso (1995 : 2-9), a Terceira Revolução Industrial trouxe problemas ao mercado
de trabalho, agravados pela ausência de uma
“máquina global de crescimento” à semelhan-
78
2
Surgindo inicialmente nos Estados Unidos, com Henry Ford, o fordismo expandiu-se para os países europeus e
Japão no período pós-guerra.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
mão-de-obra deveria ter capacidade de assimilar rapidamente as inovações tecnológicas e,
para tanto, deveria ser educada para este fim.
Esta formação que a ordem econômica exige,
implica relações com o ensino básico e secundário, com a saúde, enfim, com a erradicação
de entraves que impossibilitam o pleno funcionamento e reorganização do mundo do trabalho. A necessidade de
formação de mão-deobra voltada para as
condições exigidas
pela introdução das
modernizações gerenciais e técnicas, reforçariam as atribuições
do Estado. Assim, a política educacional assentada nesta orientação
parte do pressuposto de que as condições históricas “estão dadas” e se constituem em inclinações inexoráveis no quadro contemporâneo.
Isto significa que para existir em um mundo
onde o avanço da tecnologia está presente no
cotidiano e nas operações simples que as tarefas do dia-a-dia exigem, faz-se necessário possuir capacidades gerais que permitirão o uso
das informações e instruções disponíveis para
a utilização de equipamentos os mais diversos
com rapidez e eficiência. Assim, a tendência
que desloca a ênfase da qualidade para o ensino básico está presente nas discussões intelectuais, no discurso político e nas estratégias educacionais.
A noção da qualidade do ensino subjaz à
noção de qualidade total, amplamente apontada
como necessária ao aumento da produtividade.
Esta proposição, que não é neutra, possui
codificações que se relacionam com as exigências impostas pela nova ordem econômica mundial, indicando mudanças nas relações de trabalho, inovações tecnológicas e gerenciais. Implica, também, preparar o trabalhador, não mais
para a estrutura rigidamente hierarquizada e
centralizada das empresas, onde os processos
decisórios ficavam restritos aos ocupantes dos
altos cargos da diretoria, mas prepará-lo para
adaptar-se às crescentes mudanças tecnológicas,
desenvolvendo habilidades que caracterizam
uma especialização flexível. Neste sentido, a preparação para a qualidade total é dirigida ao desenvolvimento de capacidades cognitivas com
vistas à resolução de problemas e tomadas de
decisões, uso da criatividade, bem como, do espírito de iniciativa. Para atingir esses pressupostos, a educação básica universal com qualidade
de ensino seria primordial.
Nesses discursos, a “qualificação”, portanto, seria determinada pela exigência de
setores mais dinâmicos da economia que,
para alcançar melhores índices de produtividade, redefinem o perfil da força de trabalho rumo à polivalência e multifuncionalidade:
O que se verifica é que apesar de refutarem a hipótese da visão redentora da educação, o que se espera do papel que a educa-
Ao Estado caberia a função de coordenador
e formulador do processo educativo, tendo por
interlocutores entidades como o Consed e a Undime.
ção viria a desempenhar é certamente
permeado por um certo “otimismo”. Apesar
de existir a preocupação com as parcelas
mais desfavorecidas da sociedade, os autores ao associarem educação e desenvolvimento econômico, caem no engodo de que o progresso técnico implica a necessidade de qualificação sem considerar que o capital, ao
simplificar o trabalho, prescinde desta propagada qualificação. Esta problemática remete ao conceito de qualificação que possui,
para vário autores, diversos sentidos: treinamento, escolarização, despertar de subjetividades inerentes à personalidade, etc.
Explicitando o uso errôneo desta expressão
entre os educadores, Alves (1998: 64-8) afirma que a qualificação era imanente ao trabalho artesanal em que se possuía o domínio
de todo o processo de trabalho. Após a especialização ocorrida no interior do processo
de trabalho, este ruma, na realidade, à
desqualificação do trabalhador, na medida
em que a especialização é provocada pela
divisão, simplificação e objetivação do trab a l h o. Po r t a n t o, a s t r a n s fo r m a ç õ e s
provocadas pela Terceira Revolução Industrial, tendem a especialização aguda do trabalhador.
Assim, o capitalismo contemporâneo, ao estabelecer novos parâmetros para a estrutura
ocupacional, acaba por atingir a centralidade
nos discursos educacionais. No Brasil, isto tem
início em dois programas de governo elaborados na gestão de Fernando Collor de Mello. O
primeiro documento oficial, lançado em dezembro de 1990, “Programa Setorial de Ação do
Governo Collor para o Período 1991/1995”,
diagnosticava a situação atual do país e
enfatizava como principal problema da educação brasileira a baixa qualidade do ensino oferecido, bem como apontava como pontos crítiINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
79
cos a evasão escolar e a repetência. Situava,
também, a educação como elemento fundamental que permitiria a entrada do país no desenvolvimento tecnológico. Apesar de realizar este
diagnóstico, o programa não definia claramente as prioridades em que seriam concentradas
as ações do governo.
O segundo programa lançado em fevereiro
de 1991 denominava-se “Brasil, um Projeto de
Reconstrução Nacional” e, além de identificar
a necessidade de atingir a modernidade atra-
o preço das mensalidades e melhoraria sua
qualidade do ensino.
Esses princípios e proposições também seriam contemplados, mais tarde, no Plano Decenal
de Educação para Todos, lançado em 1993, e
reafirmado em 1994 pela Conferência Nacional
de Educação Para Todos no documento-síntese
“Acordo Nacional de Educação para Todos”.
Estas são questões que também estavam
postas na proposta educacional para o Mato
Grosso do Sul, no período de 1990 - 1994.
À frente da Pasta, a Secretária de
Educação, Leocádia P.
Leme, buscou implementar a proposta da
equipe tendo como
eixo principal a gestão democrática, entendida como eleições
diretas para os diretores escolares e constituição dos Colegiados, como mecanismo
possibilitador de maior participação da comunidade nas questões relativas à escola. Entretanto, na prática, a autonomia pretendida não
se efetivou totalmente, pois o governo adotava
medidas que sinalizavam em direção contrária, como a centralização de recursos financeiros através da criação do Sistema de CaixaÚnico. Este fato é mais facilmente compreendido se o entendermos enquanto estratégia do
Estado que, em uma relação dialética, por um
lado apropria-se de reivindicações de organizações da sociedade civil, mas, também, por
outro, possibilita a esta sociedade civil a conquista de posições no bloco histórico. Assim, a
demanda por eleições diretas nas escolas foi
atendida, significando um ganho para a categoria, porém a democracia almejada não se concretizou em sua plenitude, haja vista que a participação foi limitada pela centralização de recursos, o que relativizava a autonomia dos educadores à frente da Secretaria de Educação.
Fundamentando a proposta educacional sulmato-grossense nos princípios da “integração,
descentralização e participação” , os conceitos que lhes davam suporte faziam eco aos
mesmos conceitos apontados e advogados por
organismos como o Banco Mundial e que tomaram corpo, no governo brasileiro, com as
discussões acerca do novo papel pensado para
a educação, presentes quando da formulação
do “Plano Decenal de Educação Para Todos”.
Este Plano criado pelo Fórum Permanente do
Magistério do qual o CONSED era membro,
serve como indicativo da participação do Estado de Mato Grosso do Sul nas discussões
que se travavam. O Plano Decenal incorpora-
Estabelecendo correlação entre os sistemas educacional
e de mercado, a função do Estado se redefine e a
educação pode ser considerada um bem semi-público.
80
vés de avanços tecnológicos, reconhecia que
estes avanços deveriam ser seguidos de justiça
social, liberdade política e distribuição igualitária de renda. Avaliava que o Estado deveria
ser reformulado e voltado apenas às áreas essenciais - saúde, educação e infra-estrutura - e,
ainda, para apoiar a transformação da estrutura produtiva e corrigir os desequilíbrios sociais e regionais.
Para desempenhar esta função, o Estado
deveria ser reduzido em tamanho e possuir
mais agilidade, o que aumentaria sua capacidade de articulação e flexibilização para ajustar as políticas e, assim, atingir a modernização da economia tendo como elemento principal o setor privado.
O documento analisa a crise do Brasil como
decorrente das transformações e do reordenamento do mercado mundial, enfatizando a
educação como mola propulsora na formação e
preparação do indivíduo para a competitividade
da economia. Dito de outro modo, a educação
desloca-se do quadro de instrumentos de resgate das políticas sociais e passa a ser considerada como área estratégica, inserindo-se no
amplo programa de reformas estruturais necessárias para, na ótica do Planalto, atingir a
elevação da competitividade.
Com este preceitos, ao Estado caberia a função de coordenador e formulador do processo
educativo, tendo por interlocutores entidades
como o Conselho dos Secretários de Educação
(CONSED) e a União dos Dirigentes Municipais
de Ensino (UNDIME). Ao mesmo tempo em que
reconhecia como fundamental a presença do
Estado no oferecimento da educação à população, defendia a liberdade para o setor privado
que, competindo entre si, acabaria por reduzir
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
va vários elementos presentes na “Conferência de Educação Para Todos”, realizada em
1990 em Jontiem, e patrocinada por vários
organismos mundiais, tais como UNESCO,
UNICEF, PNUD e Banco Mundial. Daí infere-se
que na Conferência Mundial definiam-se novos critérios para a educação que se relacionavam com as mudanças em curso no processo conhecido como globalização ou
mundialização, a partir da constatação de necessidade de mudanças no sistema educacional e no estabelecimento de conceitos
economicistas, como forma de adequação do referido sistema às exigências de mercado. Estes
mesmos critérios desembocavam no Brasil e foram presentificados no Plano Nacional. Mato
Grosso do Sul também incorporava em seus programas alguns desses conceitos como, dentre
outros, a defesa por novos padrões de gestão:
Em essência, o Plano ao traçar o ramo da
Educação Nacional, traça o rumo da Educação Sul-Mato-Grossense. Para felicidade de
nosso Estado, os programas viabilizados
pela proposta de Educação Para MS estão
amplamente contemplados no Plano Decenal
de Educação para Todos. Implementá-los
tornou-se ordem do dia e compromisso oficialmente firmado em nome da qualidade
do padrão educacional que o Brasil deverá
atingir na próxima década. (RELATÓRIO
FINAL, 1994 : 40).
A proposta educacional de Mato Grosso do
Sul incorporava alguns dos elementos do Plano
Decenal ao pensar em novos padrões de gestão. Enfatizava a descentralização administrativa e dos serviços através dos Programas de
Descentralização das Agências de Educação e
Descentralização e Fortalecimento do Ensino
de 1º Grau. O primeiro previa a transformação
da estrutura administrativa anterior, com a
transformação de Agências de Educação em
Núcleos Educacionais:
O sistema existente, então, composto por
13 Agências de Educação, às quais cabia
executar o assessoramento a 389 unidades escolares, não possibilitava a gerência
democrática e descentralizada que se pretendia.
Com o objetivo de tornar as decisões mais
próximas, facilitar o acesso às informações
e agilizar o fluxo da tramitação burocrática, oferecendo maior presteza de atendimento às comunidades escolares, executou-se o
Programa de Descentralização das Agências Regionais de Educação.
Para promover um atendimento linear de
qualidade a todos os Municípios do Estado,
foram criados 85 núcleos Educacionais:
onze desses Núcleos atendem à cidade de
Campo Grande, três, à cidade de Dourados
e os demais, aos Municípios em que se localizam. (RELATÓRIO FINAL, 1994: 14).
Com esta iniciativa, a Secretaria de Educação se propunha a “uma divisão de trabalho
que racionaliza o número de servidores para o
atendimento à comunidade” (id., ibid.: 14).
No Estado de Mato Grosso do Sul, partindo
do pressuposto de que o ensino profissionalizante seria caracterizado “pelo descompasso
entre a qualificação profissional oferecida nas
Escolas e as atuais exigências do avanço
tecnológico do mercado de trabalho” (Relatório
Final, 1994: 27), esta proposta foi posta em
prática através da progressiva redução dos
cursos profissionalizantes de segundo grau e
envolvimento dos que existiam em parcerias
com órgãos de serviços, tais como o Serviço
Nacional da Indústria (SENAI), o Serviço Nacional do Comércio (SENAC), e o Serviço Nacional Rural (SENAR). A estas instituições caberia o oferecimento do conteúdo específico e ao
Estado o conteúdo comum. Portanto, as ações
consorciadas com Municípios e órgãos de serviços responderia à diretriz proposta de
integração entre escola e outros setores da sociedade civil. Na ótica da Secretaria de Educação “para a escola engajar-se no processo de
implementação dos cursos profissionalizantes
conveniados, torna-se indispensável a articulação com o sistema produtivo da região em que
está inserida.”(Relatório Final, 1994:28). Cabe
pontuar, entretanto, que ao se tentar esta
integração, a Secretaria de Educação voltavase para órgãos de treinamento que, historicamente, têm a finalidade de adequar o trabalhador ao mercado de trabalho havendo, desta forma, um descompasso entre o que informava o
atual estágio do capitalismo e o singular.
Como já foi dito, o reordenamento do modo
de produção capitalista implicou mudanças nas
propostas para as políticas sociais, mais
notadamente a educação. Ao analisar as propostas do Banco Mundial para a educação, Luís
Coraggio (1996) aponta que a expressão “para
todos” é a característica das novas proposições para as políticas sociais. Assim, deveriam
ser destinados saúde, saneamento e educação
para todos sem que, entretanto, incluíssem
emprego nem renda. Ou seja, caberia ao Estado a função de focalizar os recursos públicos
assegurando serviços básicos (ou “para todos”)
àqueles que não teriam condições de obter esses serviços no mercado. Isto provocaria uma
segmentação da sociedade em dois setores: 1)
Os que só disporiam dos serviços básicos subsidiados de baixa qualidade e 2) Os que, atraINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
81
82
vés do mercado, obteriam serviços amplos e
básicos de melhor qualidade. Para o autor este
deslocamento desvelaria o dualismo existente:
Nesse caso, a aparência do “para todos”
esvai-se, e torna-se evidente a dualização
do modelo, em que um direito pretendidamente universal é exercido de um modo
por um cidadão de primeira (se obtido via
renda) e de outro por um cidadão de segunda (se alcançado via ação pública).
(CORAGGIO, 1996: 90).
Assim, com as propostas para a educação
fundamentadas no princípio econômico da
competitividade, reacende-se a teoria do investimento no capital humano. O viés economicista
seria traduzido em algumas medidas, tais como
descentralização dos sistemas educacionais,
oferta do ensino básico com vistas ao desenvolvimento cognitivo necessário à polivalência e
flexibilização; saneamento imediato de carências através de merenda escolar; capacitação
do corpo docente com programas paliativos, como
aula à distância, etc.
É, portanto, estabelecendo correlação entre
sistema educacional e sistema de mercado que
a função do Estado se redefine. Nessa perspectiva, o Banco Mundial orienta as políticas educacionais considerando-as um bem semi-público. Isto significa admitir que ao Estado caberia
o papel de garantir a educação a todos, porém,
tendo por parâmetro que alguns mecanismos
de alocação de recursos públicos deveriam seguir as normas de mercado como, por exemplo,
concessão de empréstimos aos estudantes, substituindo as bolsas de estudo, a focalização precisa de subsídios como forma de minimizar a
gratuidade. Estes mecanismos responderiam às
necessidades do novo modelo por força de trabalho flexível, uma vez que as incertezas do
curso da economia não permitem
previsibilidades a longo prazo. Assim, o investimento seguro dar-se-ia na educação básica entendida “tanto à sua posição lógica de base de
conhecimentos (leitura, escrita, matemática,
solução de problemas) como à sua identificação com os primeiros anos da educação, nos
quais não é preciso ainda definir orientações
mais específicas”(CORAGGIO, 1996: 105).
Com esta assertiva, conclui-se que o investimento principal se daria na escola primária a fim
de obter a formação de um “trabalhador
polivalente”. Para Coraggio, a falácia conceitual
de quem possuir melhor educação terá mais oportunidades, identifica-se na composição do macro a
partir do micro, pois grande parte da população
estará concorrendo entre si e os salários resultarão antes de uma negociação sob condições desfavoráveis do que devido à produtividade:
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
...não podemos deduzir que um investimento massivo na educação básica irá melhorar as oportunidades dos setores populares
em seu conjunto. As pessoas logo concorreriam entre si, especialmente em um mercado cuja demanda por força de trabalho
tende a se reduzir em relação a outros fatores (conhecimento científico, informação).
Os trabalhadores terão de competir não só
com seus compatriotas como também com
os milhões de trabalhadores de outras regiões do mercado de trabalho global.
(CORAGGIO, 1996: 112).
Assim, para este autor, o discurso tecnoeconomicista revela que os excluídos continuarão excluídos. Concordando com esta
constatação e procurando compreendê-la no
processo da globalização, Ana Lúcia Valente (no
prelo) parte do pressuposto de que as mudanças em curso agudizam tendências apontadas
na fase monopólica do capitalismo. Para a autora, em que pesem as constatações dos teóricos sobre as trasformações ocorridas no modo
de produção capitalista, estas mudanças relacionar-se-iam com a fase monopólica do capitalismo, pois é nessa fase que se consolida a
hegemonia do capital financeiro e o controle
da economia mundial pelos bancos, bem como
a concentração da produção, resultando em
associações empresariais monopólicas (cartéis,
trusts) que controlam as fontes de matériasprimas e repartem o mercado entre si. O monopólio é, neste sentido, o resultado da concentração em grau elevado da produção e do capital.
Na fase monopólica, a produção de excedentes como resultado do desenvolvimento
tecnológico, conduz ao crescimento do exército
industrial de reserva, que engrossará as fileiras de ociosos, formado por mão-de-obra liberada pelas empresas. Estes, apesar de não estarem diretamente ligados ao processo produtivo, consumirão as mercadorias necessárias à
sua sobrevivência, o que levará ao estabelecimento de uma relação de parasitismo com os
trabalhadores geradores de riqueza social. Controlando esta relação, o Estado organiza o
parasitismo através dos ganhos dos capitalistas aos que não exercem atividades produtivas.
Para a autora, o crescente desemprego provocado, hoje, pela Terceira Revolução Industrial e o parcelamento do processo produtivo provocado pela terceirização de serviços se, por
um lado, dificultam a compreensão do todo no
processo de produção, por outro, indicam a intensificação das tendências apontadas na fase
monopólica. Assim, as reformas propostas ser-
viriam como fator de acomodação das tensões
existentes.
Seguindo esta linha de raciocínio, poderíamos pensar na contradição que se coloca em
relação ao Estado, porque se a ele cabe organizar e controlar o parasitismo, o que o receituário neoliberal advoga é a tese da redução de
seu papel. Em relação à educação, esta
contraditoriedade poderia ser explicada ao voltarmos à análise de Coraggio sobre as propostas do Banco Mundial para a educação: o autor
constata que se o modelo proposto não guardar
correspondência com a realidade, uma das causas detectadas pelo referido Banco estaria nas
imperfeições do “mercado” educativo. Como forma de corrigí-las, além da instituição de mecanismos como privatização e descentralização,
deveriam ser realizadas reformas, a partir do
Estado, para que os novos padrões de comportamento fossem introduzidos aos agentes
educativos e que se aproximassem do modelo
de concorrência vista como perfeita, ou seja,
responsabiliza-se a educação e não se admite a
não correspondência proposta com a realidade. Assim, conforme vimos, considerando a educação um bem público, a intervenção estatal é
admitida por ser este um setor ao qual o mercado não poderá dar todas as respostas.
Desse modo, se ao Estado ainda é admitido
intervir na educação e as mudanças do processo de globalização agudizam as tendências
apontadas na fase do capitalismo monopolista,
é de se supor que a análise de Gilberto Luiz
Alves sobre as funções improdutivas da escola
continuariam a ter validade.
Partindo do pressuposto, já enunciado, que
o parasitismo é controlado pelo Estado, Alves
vê, nesse contexto, a educação como atividade
improdutiva que se manifesta também nas camadas médias. Isto se dá pelo aproveitamento
de significativa parcela dos próprios contingentes que produz, ou seja, a escola forma e mantém no seu interior os filhos de seus integrantes. Assim, a escola “é um mecanismo cujo funcionamento viabiliza a realocação de trabalhadores produtivos para as camadas médias, assim como a permanência de seus descendentes no interior dessas mesmas camadas”
(ALVES, s/d: 106).
Desta forma, absorvendo esse contingente
através da criação de novos empregos,
minimizaria, em parte, a crescente onda de
desemprego, bem como a permanência do oferecimento de merenda escolar serviria como
resposta às políticas focalizadas e imediatas
para suprir as necessidades dos mais pobres.
O Estado, assim, estaria acomodando as tensões conforme a análise de Valente. A
“multiqualificação” seria um ajustamento do
aparato escolar frente às exigências do capital
por uma força de trabalho necessária ao modelo “informacional” que ora se desenvolve.
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VALENTE, Ana Lúcia E. F. Educação e diversidade cultural. No prelo.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
83
Tendo como foco apreciar as possíveis implicações da parceria
escola e empresa para o sistema público de ensino, são explorados
matérias e artigos que abordam esta relação, particularmente
aqueles divulgados na grande imprensa. Também são caracterizadas
as propostas voltadas para o incentivo da parceria escola – empresa
elaboradas no âmbito dos governos do estado de São Paulo
(1987-1999). Questiona-se a conveniência social da adoção dessa
parceria, enquanto linha de política educacional.
Palavras-chave: Parceria escola - empresa - Política educacional Relação público-privado
This work attempts at focussing on possible implications of
patnerships between schools and enterprises within the government
school circuit. Printed material and articles, especially those
divulged in the press that treat this theme were explored as were
proposals elaborated by the governments of the State of São Paulo
(Brazil) that deal with school-enterprise partnerships.
84
Key words: School-enterprise partnerships Educational policy
Public/private relatiuonship.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Escola e Empresa
Sandra M. Zákia
L. Sousa
Professora da Faculdade de
Educação da USP
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Parceria de Futuro?
A partir do suposto de que o Poder Público é incapaz de
gerenciar e financiar a educação e em nome da busca de maior
eficiência e produtividade do sistema educacional, assistimos,
nos anos 90, a propostas governamentais que, pretensamente,
visam o aprimoramento da gestão. Uma dessas iniciativas diz
respeito a mobilizar a sociedade para participar da construção
de um sistema público de melhor qualidade. Tal participação tem
se traduzido, por um lado, na implantação de mecanismos de
gestão colegiada nos sistemas de ensino e nas unidades escolares e, por outro lado, na solicitação de provisão direta ou indireta de recursos financeiros, materiais e/ou humanos.
A sociedade e particularmente o empresariado vêm sendo
convocados pelo Estado para contribuirem na melhoria do sistema público de ensino, como condição para viabilizar o seu ajustamento à globalização da economia e às novas formas de organização da produção e dos processos de trabalho. À educação é atribuído papel estratégico, constituindo-se como fator produtivo.
No Brasil, assim como em outros países da América Latina,
os governantes têm estimulado, diversas formas de colaboração
das empresas com a educação, que vão desde a oferta de escolaridade inicial ou complementar aos empregados e/ou aos seus
filhos, até o desenvolvimento de ações, esporádicas ou não, no
sistema público de ensino.
Também os empresários vêm expressando um crescente interesse pela educação, o que pode ser notado em manifestações
na imprensa ou mesmo em propostas mais estruturadas que
são divulgadas por meio de documentos especificamente voltaINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
85
dos para a questão educacional, como o elaborado pelo Instituto Herbert Levy, da Gazeta
Mercantil, com o apoio da Fundação Bradesco,
intitulado “Educação Fundamental e Competitividade Empresarial - uma proposta para a
ação do governo.
A constatação desse movimento, tanto por
parte dos governos federal e estaduais, quanto
do empresariado, estimulou o desenvolvimento
de uma investigação, no âmbito do estado de
São Paulo, com o objetivo de mapear e caracte-
cação escolar, que têm tido maior visibilidade
junto aos educadores e àqueles que têm acesso
à imprensa escrita, retomando algumas matérias e artigos divulgados em anos recentes.
Estes têm, em geral, como foco o clamor ao
empresariado para ser co-responsável pela
viabilização da qualidade do ensino, bem como
a divulgação de experiências em realização.
Embora de modo sucinto, as matérias mencionadas a seguir são ilustrativas.
Em novembro de 1993, a Folha de S.Paulo
publica duas extensas
matérias sob os títulos “Investir em educação alavanca lucros” e “Projeto mostra como ‘adotar’ escola”. A primeira afirma, no início, que “um
punhado de empresas
brasileiras decidiu aderir ao credo que já
orienta corporações do Primeiro Mundo, segundo
o qual cada dólar aplicado em educação reverte em US$100 de lucro quando se qualifica a
mão-de-obra”. No decorrer do texto argumenta-se que “investir em educação é estratégico
porque o país hoje enfrenta a concorrência
internacional”. A partir de considerações dessa natureza, descrevem-se ações já em desenvolvimento por algumas empresas, e os resultados considerados positivos. A segunda matéria destaca a iniciativa de Oscar Motomura,
sócio de uma empresa de consultoria, que decidiu, em 1988, “levar à prática suas idéias de
como consertar as mazelas da educação”. Informa sobre como o empresário procedeu para
adotar uma escola municipal de São Paulo e
divulga um quadro, elaborado pela empresa de
consultoria, com recomendações aos empresários sobre “como adotar uma escola”. (F.S.P.,
14 nov./93, p.1-16 e 1-17).
Em artigo intitulado “Educação: exigência
da economia contemporânea” o deputado federal Aloisio Mercadante (PT/SP) destaca, no
parágrafo final, que “precisamos de uma revolução na educação, novos instrumentos de financiamento do ensino público, onde as empresas privadas assumam com maior responsabilidade o desafio histórico de universalizar
A sociedade e particularmente o empresariado
vêm sendo convocados pelo Estado para contribuirem
na melhoria do sistema público de ensino.
rizar parcerias entre escolas públicas estaduais e empresas1. Além do levantamento das
experiências de parceria ocorridas em 1996 e
1997, também foram identificadas iniciativas
desencadeadas pelo governo estadual, a partir
de 1987, quando constatamos uma proposta
sistematizada de chamamento do empresariado
a realizar ações voltadas para a melhoria do
sistema público de ensino.
O propósito deste texto é explorar alguns
argumentos que têm tido maior visibilidade junto
aos educadores e àqueles que têm acesso à imprensa escrita, quanto à participação do
empresariado na educação escolar. Matérias e
artigos divulgados em anos recentes são retomados, bem como faz-se uma caracterização
das propostas governamentais, que vêm sendo
elaboradas no âmbito estadual, voltadas para o
incentivo da parceria escola-empresa. Alguns
argumentos sobre possíveis implicações desta
prática para o sistema público de ensino são
apresentados.2
O Empresariado e a Educação:
Manifestações Recentes
Procuramos identificar os argumentos, relativos à participação do empresariado na edu1
2
86
Esta pesquisa contou com o apoio financeiro da FAPESP.
Considerando os limites deste texto, não exploramos todos resultados obtidos com o mapeamento e caracterização
das parcerias escola-empresa no estado de São Paulo. O Relatório desse estudo encontra-se disponível na biblioteca da FEUSP. Trabalho apresentado na ANPEd/98 contempla alguns desses resultados.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
o ensino fundamental” (Folha de S.Paulo, 25
ago./93, p.1-3).
Carlos Estevam Martins, em março de 1994,
então Secretário de Educação do Estado de São
Paulo, divulga o artigo “Três idéias para a escola pública”, no qual destaca a parceria empresa-escola, afirmando: “A consciência de que
a crise do ensino público não nasceu nem se
resolverá exclusivamente no âmbito do Estado
fundamenta o conceito de parceria com o setor
privado - que já vem despertando o interesse,
quando não iniciativas espontâneas, de empresários preocupados com o reerguimento da educação pública”(Folha de S.Paulo. 24 mar./94,
p.1-3).
“Empresas ‘adotam’ escolas públicas” é o
título de reportagem que divulga resultados obtidos com a parceria entre empresas privadas
e escolas públicas do Estado de São Paulo, apontadas como “excelente opção para salvar o ensino público da falência”(Folha de S.Paulo,12
jul./94, Especial p.A1). Na mesma reportagem,
matéria intitulada “PNBE orienta interessados”
informa que o “grupo de Educação do PNBE
(Pensamento Nacional de Bases Empresariais)
criou um projeto de parceria entre empresas e
escolas públicas para orientar os empresários
interessados em adotar uma escola”.
Integrando matéria sobre educação, a Revista Veja, em fevereiro de 1995, apresenta
considerações sobre formas de financiamento e gestão da escola implementadas por poderes públicos, dentre as quais a parceria
empresa-escola, apresentada com o subtítulo
“Privatização Branca”. Embora este subtítulo sugira uma abordagem da parceria empresa-escola divergente
da até aqui evidenciada, isto não se concretizou no texto, que
procurou destacar
quão “longe da escola” estão os empresários, relatando iniciativa do governo de
São Paulo, desencadeada há quatro anos, por
meio da Secretaria de Educação. Na ocasião,
a Secretaria “estabeleceu um cardápio com
vinte propostas de parceria”, distribuído a
5.000 empresários com uma ficha para que
assinassem a proposta que lhes parecesse
mais conveniente: o “nível de adesão dos empresários paulistas foi zero”. Após tal informação, há referências a “bons exemplos isolados” de empresas que desenvolveram ações
em parceria com o poder público (Veja, 15
fev./1995,p.23-4).
Gilberto Dimenstein, a partir do entendimento de que “só o governo não vai conseguir elevar o nível de ensino”, afirma que “a grande
missão do empresariado, hoje, é montar esquemas de adoção de escolas em parceria com o
poder público. Isso se quiser ter bons trabalhadores e aumentar seus lucros” (Folha de S.
Paulo, 29/mar./95).
Sobre a parceria da Câmara Americana do
Comércio e escolas públicas, Cristiane Barbieri,
destaca no Jornal O Globo (13/mar./95, p.12)
que a parceria de escolas com a iniciativa privada é um meio para melhorar a qualidade de
ensino, observando que nas escolas onde se
desenvolvia o projeto da Câmara as reprovações diminuíram.
Ainda sobre as ações da Câmara Americana, matéria da Gazeta Mercantil (06/jan./95),
sobre “Um programa pela qualidade no ensino”, informa que o custo-aluno neste programa
era cerca de “12% do que o Estado gasta por
aluno ao ano”.
A atuação da Câmara Americana tem grande divulgação na imprensa,3 tendo sido inclusive citada em entrevista de Paulo Renato Souza,
Ministro da Educação, em que afirma: “há escolas quebradas, mas há experiências em que
a própria sociedade ensina que se pode melhorar”. Cita como exemplos a “adoção” de esco-
Várias empresas brasileiras aderiram ao credo
de que cada dólar aplicado em educação reverte em
US$100 de lucro quando se qualifica a mão-de-obra.
3
las pela Câmara, com envolvimento de grandes
empresas, e a adoção de escolas pelo comércio
local -padeiro, dono de oficina mecânica, pelo
supermercado- referindo-se a uma escola de
Campinas/SP (O Estado de S. Paulo, 05/fev./
Localizamos mais de quarenta artigos, em jornais e revistas de circulação nacional, que fazem referência à
atuação da Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
87
95,p.A-19). Vale lembrar que a proposta de
governo do presidente Fernando Henrique Cardoso prevê, dentre as medidas anunciadas para
a educação, uma atuação “junto ao Congresso
Nacional para que a legislação educacional possa prever mecanismos flexíveis, que permitam
(...) a criação de canais de participação e formação de parcerias e alianças em torno de
compromissos efetivos da sociedade civil com a
gestão de um ensino de qualidade” (p.117).
Embora não se referindo exclusivamente
à educação, cabe mencionar o artigo “Empresa pública e cidadã”, de Herbert de Souza,
publicado na Folha de S.Paulo (26/mar./
97,p.2-2), por sua repercussão, provocando,
inclusive, a reação de empresários. Herbert
de Souza chama a atenção das empresas brasileiras para sua “dimensão social”, propondo que passem a publicar um balanço social,
entendido como “um instrumento colocado na
mão de empresários para que possam refletir, medir, sentir como vai tal empresa, o seu
empreendimento no campo social”. Embora
registre o fato de várias empresas no Brasil
já desenvolverem programas sócio-culturais,
observa que “para a grande maioria dos empresários (...) o conceito de balanço social
ainda é novo.
Comentando tal proposta, neste mesmo dia,
o jornal informa sobre encomenda de estudos
visando um balanço sobre a filantropia empresarial, feita pelo programa Comunidade Solidá-
nal e regional divididos por temas como saúde,
educação e meio ambiente” (Folha de S. Paulo,
p.2-16).
Dois artigos foram escritos, no mesmo jornal, em reação à proposta de criação do “balanço social”. O primeiro, em 29 de março/97,
de Ricardo Young, empresário e coordenador
do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais)4 , cobra “transparência do governo”, observando que “a iniciativa privada, obrigada pelo governo, já está contribuindo compulsoriamente com uma série de ações das
quais, infelizmente, não vem recebendo a mínima satisfação”. Acrescenta que não se pode
colocar o empresariado como “bode expiatório
da omissão de ações sociais que não são de sua
responsabilidade”.
O outro artigo, publicado em 01 de abril/
97, p.1-3, é de Evelyn Berg Ioschpe, diretora
da Fundação Iochpe e presidente do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), que
reúne quarenta “empresas-cidadãs”5 . Comenta que a importância de propor o balanço social das empresas “está em reconhecer esse novo
ordenamento do processo social, em que o Estado se encolhe e abre espaço para que os cidadãos tomem parte da construção social”. Observa, no entanto: “claro está que, se o Estado
reconhecesse esse encolhimento e criasse as
necessárias facilidades para transferir o ônus
à sociedade civil, estaríamos diante de uma forte
decisão pelo desenvolvimento social sustentado”. Alega que os empresários vêm sendo
duplamente taxados e
informa sobre investimentos que as empresas têm feito em
educação, saúde, moradia, cultura e meio
ambiente. Diz, ainda:
“Estamos tateando nesse know-how específico,
que é como transferir capacitação empresarial
para a realidade social, mas avançamos - e
muito rapidamente”.
Empresários expressam já estar contribuindo
compulsoriamente para viabilizar ações no âmbitro
social que são de responsabilidade do governo.
ria, do governo federal. Seu objetivo “é publicar
essa base de dados na Internet”, informações
essas que “podem evoluir para a formação de
um balanço anual e daí para rankings nacio-
88
4
O PNBE foi criado em 1987, por um grupo de empresários que se colocavam como oposição à orientação assumida
pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), como expressão “de uma nova consciência do
empresariado”, tendo como vocação básica “a luta pelo desenvolvimento econômico, social e cultural do país”
(Documento PNBE/1995).É hoje uma associação de abrangência nacional.
5
Integram o Gife: Fundação Abrinq, Acesita, Bradesco, Brascan, Cargill, Clemente Mariani, Educar, Esquel, Ford,
Feac, Iochpe, Jaime Câmara, José Elias Tajra, José Silveira, Kellogg, Macarthur, Maurício Sirotsky Sobrinho,
Santista, O Boticário, Orsa, Odebrecht, Patrícia Buildner, Projeto Pescar, Roberto Marinho, Romi, Rômulo Maiorana,
Varga, Victor Civita, Instituto Abrasso, Alfa-Real, Ayrton Senna, Alcoa, Ashoca, C&A, Equatorial, Herbert Lewy,
Itaú, Vitae, IBM, Xerox.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Procuramos registrar, mesmo que de modo
resumido, a polêmica criada a partir da proposta do “balanço social” porque entendemos
que, no limite, ela sugere um embate quanto ao
papel do Estado no atendimento dos direitos
sociais, e, mais nitidamente, expressa como os
empresários tendem a ver sua atuação nesta
área. As manifestações dos empresários
mostram o entendimento de já estar contribuindo, compulsoriamente, e em alguns
casos por iniciativa
própria, para viabilizar ações no âmbito
social, que são de responsabilidade do governo. Ao que parece, a perspectiva é não intensificar os investimentos nesta área, mas transferir a lógica da economia
privada para a realidade social, como sugere
Ioschpe.
Os aspectos evidenciados, por meio das
matérias destacadas, explicitam posições tais
como: investir em educação básica gera maior
produtividade, educação é exigência da economia contemporânea, ineficácia e ineficiência das
ações governamentais, necessidade de novas
fontes de financiamento do ensino público, transferência de critérios de eficiência da economia
privada para a gestão da área social.
Alguns desses aspectos constam do documento elaborado pelo Instituto Herbert Levy,
“Ensino Fundamental & Competitividade Empresarial: uma proposta para a ação do governo” (1993), no qual há um capítulo intitulado
“As empresas que ajudam as escolas e a educação”. São três as razões apontadas para a
participação do empresário no trato das questões da educação e da escola fundamental: a)
“familiarizar o empresário com essa importante questão”, b)“no estado atual da educação
brasileira, é importante complementar a ação
do governo, criar formas alternativas de solução e experimentar novas idéias”; c) “é a empresa quem mais ganha quando a sociedade
em geral e a comunidade onde se insere melhoram o seu padrão educacional (...) é, ao
mesmo tempo, filantropia e defesa dos seus próprios interesses econômicos”. Tal documento
inclui também uma série de proposições relativas à gestão educacional, com vistas a um “sistema de controle de qualidade das escola”, que
se traduz em medidas como: sistema nacional
de avaliação, testes de avaliação das competências básicas dos alunos, garantia de um padrão mínimo de recursos e insumos às escolas.
A aproximação empresa e escola vem gradualmente
se fortalecendo em âmbito internacional,
podendo significar "um prenúncio de coisas por vir".
6
Manifestações do empresariado quanto a
questões educacionais, em especial sobre o ensino básico, aqui mencionadas de modo
ilustrativo, podem ser compreendidas como expressão de um movimento internacional. Particularmente nos anos 90, a educação tem sido
considerada central nas proposições de organismos internacionais, como o Banco Mundial,
UNESCO, UNICEF, a partir do reconhecimento
do caráter nuclear da educação e da produção
de conhecimento no processo de desenvolvimento, em um contexto de competitividade internacional.
Expressão desse movimento, na América
Latina, é a proposta da CEPAL e UNESCO para
o continente, “Transformação Produtiva com
Eqüidade”6 , onde são delineados os “contornos
da ação política e institucional capaz de favorecer o vínculo sistêmico entre educação, conhecimento e desenvolvimento”.
Dentre as diversas ações elencadas para
implementação da estratégia e políticas propostas, destacamos uma: “compromisso financeiro
da sociedade com a educação”, pois aí se expressa de modo claro a perspectiva de
mobilização de fontes privadas para financiamento do ensino. Veja-se esta afirmação: “Uma
solução para aumentar, de uma só vez, o montante e a estabilidade do financiamento da educação é a diversificação de fontes. Na América
Latina e Caribe os recursos públicos são responsáveis pela maior parte do financiamento
da educação e capacitação técnico-profissional,
O documento CEPAL / UNESCO, Equidad y transformación productiva: um enfoque integrado, Santiago do Chile,
1992, foi traduzido e publicado pelo IPEA/INEP em 1995.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
89
havendo portanto espaço para que cresça a
contribuição do setor privado (famílias e
empresas)”.(p.302).
Observando que, embora “a educação básica e média continuará sendo realizada com
recursos públicos”, constata a existência de
exemplos, em vários países, de contribuições
do setor produtivo. É reproduzido no documento em questão um Projeto de Lei do Uruguai,
sistirão às emissões por 90% do tempo previsto. Os dez minutos de ‘notícias’ e os dois minutos de comerciais deverão ser assistidos todos
os dias letivos, por três a cinco anos, como parte do contrato” - estes selecionados pelos critérios da empresa “Forma-se uma parceria empresa/escola, na qual as empresas alcançam
lucro e legitimidade, enquanto as escolas conseguem equipamento e os alunos/as se tornam
‘cidadãos infomados’”(Apple, 1997,
p.144/168).
Esta iniciativa evidencia que, para além
da possibilidade de
obtenção de isenção
de impostos, é possível ao empresariado
investir no sistema
escolar como espaço lucrativo.
Reconhecendo que no Brasil as parcerias
escola-empresa tendem a ganhar importância
no âmbito das políticas educacionais, entendemos ser necessário o desenvolvimento de estudos que possibilitem compreender como vêm se
delineando as propostas governamentais e que
tipo de respostas vêm sendo dadas pelo
empresariado, buscando apreender se estas se
configuram como uma das estratégias capazes
de redefinir o público e o privado na educação.
Nessa direção, caracterizamos a seguir iniciativas desencadeadas por governos do estado de São Paulo, com vistas a incentivar a aproximação escola-empresa.
Além da possibilidade de obtenção de isenção de
impostos, é possível ao empresariado investir no
sistema escolar como espaço lucrativo.
que dispõe sobre mecanismos de estímulo às
empresas para “patrocinarem escolas públicas
da áreas pobres, mediante doações passíveis
de dedução de determinados impostos” (p.303).
Também no Chile há uma lei que permite
aos empresários realizarem descontos tributários caso financiem projetos educativos7 . Comentando o seu impacto, após dois anos e meio
de sua promulgação, Martinic (1996,p.13) observa que esta lei permitiu um fluxo importante de recursos, no entanto menor que o esperado.
Em realidade, a aproximação entre empresa e escola é um movimento que vem gradualmente se fortalecendo em âmbito internacional, podendo significar “um prenúncio de coisas por vir”, como a “ ‘ética’ da privatização e
da educação redirecionada para o lucro”(Apple,
1997, p.26). Apple faz este comentário ao analisar como vem se dando nos Estados Unidos a
“cooperação” entre a escola e a indústria, quando relata um programa de notícias de televisão, produzido comercialmente, que está sendo
veiculado em milhares de escolas. A Whittle
Communications, assina um contrato com sistemas escolares que “assegura às escolas o
recebimento ‘grátis’ de equipamento - uma antena parabólica, dois aparelhos de videocassete
e em média um televisor colorido para cada
sala de aula - que lhes possibilitará receber os
programas veiculados. Ao mesmo tempo as escolas devem garantir que 90% dos alunos as-
90
7
Propostas Governamentais de
Estímulo à Parceria no
Estado de São Paulo
A partir do final da década de 80, os governos estimularam as parcerias entre as escolas da rede estadual e empresas. Inicialmente,
a idéia era a de “adoção de escolas”, posteriormente a de parceria, sugerindo uma relação
mais igualitária entre as partes.
Durante o governo Quércia /PMDB (19871990), foi lançado o Programa “Adote uma Escola”, destinado a incentivar empresas a apoiar financeiramente escolas públicas, contribu-
Lei nº19.247, publicada no Diário Oficial (Chile), de 15 de setembro de 1993.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
indo com recursos materiais para reparos e
manutenção do prédio escolar, com
complementação do quadro de funcionários e,
até mesmo, complementação salarial de professores.
Em 1994, no governo Fleury /PMDB (19911994), é divulgado o documento “Programa de
Parceria Empresa-Escola Pública”, que apresenta objetivos e premissas dessa parceria,
sugere formas de atuação e divulga quatro experiências existentes, na época, de parcerias
entre empresas e escolas.
Os objetivos expressos indicam que um caminho a ser fortalecido, na busca da melhoria
da qualidade de ensino, é a parceria, visando
a:
• “Facilitar e ampliar a participação de empresários e agentes da comunidade na gestão do ensino público.
• Captar recursos financeiros e aprimorar
seu gerenciamento em benefício da Escola
Pública.
• Regionalizar ações e desenvolver mecanismos que facilitem a interação Escola-Comunidade”.
As premissas que orientaram a organização desse Programa foram: a necessidade de
descentralização da gestão educacional, frente
ao gigantismo da Secretaria da Educação; a
busca de um modelo de gestão mais adequado
às necessidades do país e o estímulo à participação da comunidade na gestão dos recursos
alocados na educação.
Também no governo Covas /PSDB (19951998, com continuidade a partir de 99) há
iniciativas na direção
do fortalecimento de
ações de parceria
empresa-escola. Um
documento informativo registra as proposições sobre o Programa, posteriormente
normatizado na Resolução SE-234, publicada em 02/10/95, no Diário Oficial do Estado.
Os motivos que levaram à Resolução SE234/95, que dispõe sobre “Escola em Parceria”, são apresentados a seguir:
“a responsabilidade do Estado em definir
formas para mobilizar parceiros com o objetivo de desencadear um processo efetivo
de recuperação da qualidade de ensino;
• a importância da educação para o desenvolvimento social e econômico do Estado;
a importância da participação da sociedade no processo de recuperação e melhoria
da qualidade do ensino público paulista;
• a necessidade de descentralizar e
desconcentrar ações de forma a propiciar
a autonomia da gestão a nível local.”
Tal Resolução define também parâmetros e
uma sistemática para a formalização da parceria, indicando:
- quem são os interlocutores na escola: Associação de Pais e Mestres (APM) e Conselho de Escola;
- natureza de ações que poderão ser
desencadeadas, que vão desde a conservação do prédio e equipamentos escolares até
programa de capacitação da equipe escolar;
- previsão de coordenação do Programa pela
ATPCE (Assessoria Técnica de Planejamento e Controle Educacional);
- competências das entidades da sociedade
civil que firmarem parceria.
Acompanha a Resolução um modelo de Protocolo de Intenções para formalizar a Parceria
entre a APM e a entidade parceira.
Antecedendo a publicação da Resolução SE
234/95, a Secretaria de Educação divulgou, em
setembro de 1995, um documento sobre o Programa “Escola em Parceria” que informa seus
objetivos, descreve as competências da Secretaria da Educação e dos Parceiros, sugere formas de atuação, registra alguns exemplos de
parcerias e indica os passos para a realização
Gradualmente vem se explicitando uma perspectiva
de delegar, a cada escola, a responsabilidade de
viabilizar recursos para melhoria de suas condições.
da parceria. Este documento expressa os pressupostos e a sistemática do Programa, o que foi
posteriormente normatizado na Resolução SE
234/95.
Considerando as iniciativas desses governos paulistas, observa-se a tendência de estimular o fortalecimento de ações em parceria
com entidades da sociedade civil para o provimento de recursos e a participação da gestão
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
91
do sistema público de ensino, como forma de
construção de uma escola de qualidade. Comparando-se as proposições elaboradas, observa-se que a perspectiva de parceria, por parte
do governo, vem sendo ampliada e articulada,
por meio de um discurso sobre a necessidade
de autonomia da escola.
No governo Quércia a proposição era
direcionada para empresas, com o objetivo de
angariar recursos financeiros para melhorar
educação que enfatizam a importância da autonomia administrativa e financeira da escola.
É o empresariado o segmento social mais diretamente convocado para prover auxílios financeiros, com o agravante de abrir, também, a
possibilidade de virem a trazer para as instituições educacionais os critérios de organização empresariais, visando torná-las mais eficientes e produtivas.
Veja-se que a privatização se coloca, ao
menos no caso do ensino fundamental,
não na perspectiva de
retirada do financiamento público e
transferência para o
âmbito privado mas
sim
na
de
complementação de
recursos. Além desta, também fica evidente a
perspectiva de adoção de uma lógica privada
na gestão educacional; por um lado, ao pretender a apropriação dos critérios de organização
empresariais pela escola, por outro, ao prever
um mecanismo de gestão do sistema que potencialmente gerador de uma diferenciação entre
as escolas, fragmentando o sistema de ensino
e acirrando as desigualdades.
A proposta de parceria por parte do governo, enquanto linha de política educacional, assentada no propósito de descentralização do
ensino, é expressão de uma nova concepção
sobre o papel do Estado na educação. Sob o
argumento da necessidade de “autonomia da
escola” esta é estimulada a buscar recursos
que possibilitem uma alteração em suas condições de funcionamento. Se olharmos esta proposta simultaneamente com a sistemática de
avaliação do ensino público, em implementação
no Estado de São Paulo, potencialmente
estimuladora da competição entre as escolas,
notamos que elas se articulam para responsabilizar individualmente as escolas pelo sucesso
ou fracasso que se constate.
Outro aspecto a observar é o destaque dado
pela Resolução SE- 234/95 à importância da
educação para o desenvolvimento social e econômico da sociedade. Também no discurso do
empresariado fica evidente a valorização da
educação básica como meio de preparação do
trabalhador frente aos atuais requisitos do processo produtivo.
Sem dúvida, as transformações no proces-
A proposição da parceria por parte do governo, assentada
na propósito de descentralização, é expressão de uma
nova concepção sobre o papel do Estado na educação.
92
as condições do prédio escolar, ou mesmo, salariais dos professores. Esta linha de atuação apontava para a adoção da escola pela empresa, visando o suprimento de recursos financeiros,
colocando para a escola a necessidade de tomar
iniciativas com vistas a buscar recursos para
melhorar suas condições de funcionamento.
O programa de parceria empresa-escola
pública, no governo Fleury, mantém a finalidade de captação de recursos junto a empresas,
mas amplia o escopo desta parceria. Apresentado como uma das estratégias de
descentralização da gestão educacional, aponta para a possibilidade da participação de empresários na gestão do ensino público, abrindose assim a possibilidade de virem a intervir na
organização do trabalho escolar.
As proposições divulgadas no governo Covas direcionam-se não especificamente ao
empresariado mas à sociedade, embora os exemplos citados no documento “Escolas em Parceria” centrem-se em ações de empresas. Assim
como no documento do governo Fleury, esta iniciativa é justificada pela necessidade de descentralizar ações, acrescida da intenção de
“propiciar autonomia da gestão a nível local”,
bem como do destaque à “importância da educação para o desenvolvimento social e econômico do Estado”.
Nota-se que, gradualmente, vem se
explicitando uma perspectiva de delegar, a cada
escola, a responsabilidade de viabilizar recursos junto à sociedade para a melhoria de suas
condições, apoiada em padrões de gestão da
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
so produtivo, que decorrem das mudanças
tecnológicas e organizacionais no trabalho, no
contexto de uma nova ordem mundial caracterizada sobretudo pela globalização da economia, refletem-se na qualificação exigida do trabalhador para sua inserção no mercado de trabalho. No entanto, este mercado de trabalho
está cada vez mais excludente e certamente
demanda uma educação de qualidade para parcela reduzida de trabalhadores, comportando,
portanto, a idéia de diferenciação da qualidade
de ensino a ser oferecida pelas escolas de um
mesmo sistema de ensino.
Resta saber se é essa “parceria de futuro”
que a sociedade brasileira necessita e almeja.
Quer nos parecer o contrário.
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93
RIBEIRO,S.C. A educação e a inserção do Brasil na modernidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,
n.84,1993.
SÃO PAULO, Resolução SE 234 de 2/10/95, Dispõe sobre Escola em Parceria.
SÃO PAULO, Secretaria de Estado de Educação, Escola em parceria. São Paulo, 1995.
SÃO PAULO, Secretaria de Estado de Educação, Programa de Parceria Empresa-Escola Pública. São Paulo,
1994.
SCHWARTZMAN.S. Educação Básica no Brasil: agenda da modernidade. Estudos Avançados, São Paulo,
v.5,n.3set./dez. 1991.
XAVIER, A., SOBRINHO,J.A. & MARRA, F. (orgs.) Gestão Escolar: desafios e tendências. IPEA, Brasília,
1994.
94
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
RESUMO DAS DISSERTAÇÕES
DEFENDIDAS
SETEMBRO DE 1995 A ABRIL DE 1997
Autora
MICHELENI MÁRCIA DE
SOUZA
Data da Defesa
04/98
Orientadora
Profª. Dr.ª Sônia da Cunha Urt
(UFMS)
Banca Examinadora
Prof. Dr. Sebastião Jorge
Chammé (UNESP)
Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS)
Prof. Dr. Antônio Carlos do
Nascimento Osório (UFMS)
“O cotidiano das crianças do Assentamento
Taquaral - Corumbá-MS:
As representações acerca da Escola e do Trabalho”
Resumo
Este trabalho investiga as práticas cotidianas das crianças do Assentamento
Taquaral - Corumbá - MS, para compreender as suas representações sobre a
escola e o trabalho. A concepção de infância que permeia as investigações está
baseada na concepção da criança como um ser que está em constante trocas
com o seu meio social, uma criança histórica, social e, que participa das produções culturais. Parte-se do pressuposto que trabalho é o elemento fundamental
para o desenvolvimento do psiquismo humano, é através dele que os homens
agem sobre a natureza, realizando neste processo uma transformação de si e do
mundo. Foram utilizados como instrumentos de investigação, a observação e a
entrevista, como referencial teórico, a Psicologia Sócio-Histórica. As representações das crianças do Assentamento Taquaral são extraídas de suas próprias
condições de vida e marcam a existência de dois mundos distintos: o mundo da
educação e o mundo do trabalho. O trabalho para elas é a negação de sua
infância, estando relacionado à dor, ao sofrimento, enquanto que a escola é o
espaço segundo elas, para aquisição do conhecimento que as auxiliarão a superarem suas condições de vida. Há que se repensar numa política de formação de
professores em que a fundamentação teórica e a prática pedagógica esteja voltada para a população rural, com cursos de atualização profissional, que lhes possam instrumentalizá-los com conhecimentos teórico-metodólogicos para a reflexão-ação, contribuindo para a busca de novas formas de superação da sua condição de oprimido, transmitindo-as para os seus alunos.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
95
Autora
ANA LÚCIA FERRA
FINOCCHIO
Data da Defesa
04/98
Orientadora
Profª. Dr.ª Sônia da Cunha Urt
(UFMS)
Banca Examinadora
Profª. Dr.ª Mériti de Souza
(UNESP)
Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS)
Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves
(UFMS)
“O processo de constituição da identidade: As apreensões e mediações sociais e o ato educativo: Um estudo do homem do Paiaguás
no Pantanal mato-grossense”
Resumo
O presente estudo teve como objetivo compreender e verificar o processo de
constituição da Identidade do homem, mais especificamente de homens e
mulheres que vivem ou viveram na sub-região do Paiaguás, no Pantanal matogrossense, sob o referencial da Psicologia Sócio-Histórica. Nessa perspectiva a identidade é vista como uma construção dinâmica, constituída nas relações sociais à partir do processo educativo, ou seja, das apreensões e mediações feitas ao longo da trajetória de vida de um indivíduo. O trabalho baseouse em uma análise bibliográfica e documental da região. O meio utilizado
para atingir o nosso objetivo, foi a realização de entrevistas semi-estruturadas,
gravadas, transcritas e, posteriormente, analisadas. Estabeleceu-se um roteiro, fundamental no referencial teórico, observando-se as concepções e significações sobre o homem do Paiaguás, articuladas nos seus discursos. A
análise foi feita em duas dimensões: a externa (Grupo l), composta por indivíduos que estabeleceram um íntimo relacionamento na região e, a interna
(Grupo II), composta pelos próprios paiaguenses que lá vivem ou viveram.
Nessa análise constatou-se que o processo de constituição identitária do
homem do Paiaguás não é um processo individualizado, mas sim um processo que se constrói a partir de referenciais criados e estabelecidos segundo
as necessidades e os interesses do grupo ou sociedade no qual o indivíduo
está inserido, variando conforme o momento histórico e a posição que o indivíduo ocupa nessa sociedade.
“Festa - Lugar de Educação:
O Divino na Pontinha do Cocho”
Autora
MARLEI SIGRIST
Data da Defesa
04/98
Orientadora
Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS)
Banca Examinadora
Prof. Dr. Eron Brum (UFMS)
Prof. Dr. José Maria Paiva
(UNIMEP)
96
Resumo
A presente dissertação é produto da pesquisa intitulada, Festa - Lugar de
Educação: O Divino na Pontinha do Cocho, desenvolvida no quadro do
Mestrado em Educação UFMS. A tradição da Festa do Divino foi investigada
em todo o seu ritual, com o propósito de explicitar a dimensão alcançada
pela Festa em âmbito cultural e educativo. A pesquisa inclui uma reflexão
sobre os conceitos de cultura e sua abrangência enquanto processo de socialização, e como tal, processo educativo. A cultura, criada pela sociedade e
tecida na rede simbólica do imaginário social, é um processo de construção,
no qual a sociedade estabelece seu próprio mundo, sua maneira de ser, institui a linguagem, as normas, os valores, os instrumentos e métodos. O imaginário presente na religião, e no caso estudado, na religiosidade popular,
interelaciona-se com o imaginário social, criando a tradição cultural da Festa
do Divino. Na interpretação do processo socializador da Festa e da legitimação
do imaginário social da comunidade, a educação, transmitida através das
gerações, aparece como elemento necessário para ordenar a ação social e
torná-la comunicável, a partir de sua própria lógica. Descobre-se uma transmissão de conhecimentos através de gestos, falas, expressões artísticas e
ações carregadas de significações, implícitas nas diversas linguagens utilizadas durante a festa. Concluímos então, que a Festa do Divino é um dos
canais privilegiados de transmissão de significados e de expressão da forma
de ser/viver/ conhecer em sociedade.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Autor
CONSTANTINA
XAVIER FILHA
Data da Defesa
10/98
Orientadora
Profª. Dr.ª Ana Maria Gomes
(UFMS)
Banca Examinadora
Profª. Dr.ª Ana Maria Gomes
(UFMS)
Profª. Dr.ª Sônia da Cunha Urt
(UFMS)
Profª. Dr.ª Isaura Rocha F.
Guimarães (UNICAMP)
Autora
KÁTIA CRISTINA
NASCIMENTO FIGUEIRA
Data da Defesa
10/98
Orientadora
Profª. Dr.ª Ana Lúcia Eduardo
Farah Valente
Banca Examinadora
Profª. Dr.ª Ana Lúcia Eduardo
Farah Valente (UFMS)
Profª. Dr.ª Valeska Maria Fortes de Oliveira (UFSM)
Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves
(UFMS)
“Educação Sexual na Escola:
O dito e o não-dito na relação cotidiana”
Resumo
Esta dissertação analisa a educação sexual tal como ocorre no currículo em
ação das escolas. A pesquisa empírica esteve centrada nas ações de educadores/as que atuam no ensino fundamental. O olhar investigativo foi o das
Relações de Gênero, através do qual analisamos o impacto da educação
sexual para alunos e alunas. Para desvendar as tramas da educação sexual,
imbuída de papéis diferenciados para meninos e meninas, utilizamos os estudos da Representação Social, que possibilitaram um melhor entendimento
dos discursos dos/as educadores/as e também dos/as adolescentes das
escolas pesquisadas. Através da apreensão das representações de sexualidade, que os/as educadores/as possuem, pudemos compreender melhor as
ações educativas no cotidiano escolar. O currículo em ação permite-nos desvendar a educação sexual que ocorre nas escolas, naquilo que extrapola os
conteúdos curriculares. A educação se processa de inúmeras maneiras através de silêncios, omissões e ações de todos/as os/as profissionais da escola (que chamamos de educadores/as), educando em suas respectivas funções. Foi nessa trama de interações e troca que procuramos desvelar a educação sexual em duas escolas do município de Campo Grande (MS).
“A Política Educacional de
Mato Grosso do Sul (1991 - 1994)
e os novos paradigmas de produção”.
Resumo
O presente trabalho analisa a política educacional de Mato Grosso do Sul, no
período compreendido entre 1991 - 1994, relacionando-a com as mudanças
em curso no capitalismo mundial. Privilegia, como foco, as mudanças adotadas
pelo governo estadual na condução da política educacional, que tinha como
eixos norteadores a democratização para o cargo de diretores escolares, a
descentralização do sistema escolar e a busca pela qualidade. Este são
pressupostos que são analisados à luz das mudanças no capitalismo, pois
esta nova configuração faz com que a educação seja entendida pelo viés
economicista, em que a educação é pensada como investimento em que
devem ser adotados vários conceitos, tais como, a qualidade total,
multiqualificação, descentralização, dentre outros.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
97
Autora
MARA ALINE
RIBEIRO GALÍCIA
Data da Defesa
10/98
Orientadora
Prof. Dr. Sandino Hoff
Banca Examinadora
Prof. Dr. Sandino Hoff
(UFMS)
Profª. Dr.ª Maria de Lourdes
Barreto de Oliveira (UEPB)
Profª. Dr.ª Alda Maria
Quadros do Couto (UFMS)
Autor
JÚLIO DA
COSTA FELIZ
Data da Defesa
10/98
Orientadora
Profª. Dr.ª Eurize Caldas
Pessanha
Banca Examinadora
Profª. Dr.ª Eurize Caldas
Pessanha (UFMS)
Profª. Dr.ª Mirian Jorge Warde
(PUC/SP)
Prof. Dr. Sandino Hoff (UFMS)
98
“O Som da Educação”
Resumo
Esta dissertação tem por objeto de estudo a origem e o desenvolvimento do
Instituto Musical de Aquidauna- IMA. Os personagens deste itinerário são os
alunos e professores do IMA, componentes relevantes para a compreensão
da música como um fenômeno educacional. A ciência da história contribuiu
no resgate da historicidade da educação musical que permeou sociedade
brasileira e aquidauanense nas décadas de 70 e 80. Um mergulho na Antigüidade, no Renascimento e no Iluminismo foi de suma importância para o desenvolvimento da pesquisa, que, também, se embasou na arte grega por
obter uma explicação imediata do fenômeno artístico e nas concepções marxistas que explicavam as artes a partir do desenvolvimento das forças produtivas. Evidenciam-se nesse processo, em primeiro plano, os conflitos entre
as propostas da Escola Nova e o ensino que ocorria no interior dos conservatórios de música que insistiam em manter-se calcados numa educação tradicional e classista. Busca-se também em Comte a explicação para a
feminização do ensino que, consequentemente, trazia moralidade e sentimento à educação. Analisando-se a educação musical como um fenômeno
histórico, investigou-se, por meio de três aspectos - o ontológico, o ético e o
estético - a importância da música no desenvolvimento do ser humano.
“Consonâncias e Dissonâncias de um canto coletivo:
A história da disciplina Canto Orfeônico no Brasil”
Resumo
O objetivo deste trabalho foi analisar como nos manuais de Canto Orfeônico a
função dessa disciplina como disciplina “estratégica” no Brasil dos anos 30 e
40. Para alcançar este objetivo, foram analisados três manuais da disciplina
Canto Orfeônico publicados nas décadas de 30 e 40, observando se esses
manuais contêm interiormente, elementos que os caracterizam como uma
das formas de controle social durante o período Vargas (1930-1945). Foram
analisados dois manuais de Heitor Villa-Lobos, encarregado oficial do governo federal pela implantação, coordenação e difusão da disciplina Canto
Orfeônico no Rio de Janeiro e, posteriormente, em todo o Brasil, e um manual
de Ceição de Barros Barreto, professora de música e Canto Orfeônico do
Instituto de Educação do Rio de Janeiro durante a década de 30 e que não
ocupava cargo ligado ao governo central. O resultado dessa análise mostrou
que os manuais de Villa-Lobos podem ser considerados como “manuais oficiais” por evidenciarem a utilização da música como “controle social”, enquanto o manual de Ceição Barros Barreto mostra que havia uma outra concepção
da disciplina: mais musical e menos “estratégica”, deixando claro que embora fosse hegemônica e imposta um visão da disciplina, havia, na sociedade
brasileira da época, concepções opostas não só de música como de sociedade. As duas posições mostram as “faces” que essas disciplina assumiu no
período estudado. Visto de frente, o rosto mostra algumas características
que são observadas de perfil, mas não há dúvida de que é o mesmo rosto.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
Autora
TAIANA
BRANCHER COELHO
Data da Defesa
10/98
Orientador
Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro
Banca Examinadora
Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS)
Prof. Dr. Antônio Quinet
(UFRJ)
Profª. Dr.ª Márcia Simões
Corrêa Neder Bacha (UFMS)
Autora
MARIA DE FÁTIMA
VIEGAS JOSGRILBERT
Data da Defesa
10/98
Orientadora
Profª. Dr.ª Eurize Caldas
Pessanha
Banca Examinadora
Profª. Dr.ª Eurize Caldas
Pessanha (UFMS)
Prof. Dr. José Silvério Bahia
Horta (UFF)
Profª. Dr.ª Ester Senna
(UFMS)
“Psicanálise e Educação no Contexto
da Formação do Psicanalista”
Resumo
Este trabalho pretende discutir a formação do psicanalista visando verificar a
possibilidade de interseção entre os campos da psicanálise e da educação.
Para este fim, realizamos uma pesquisa bibliográfica, destacando as obras
de Freud e Lacan referentes a formação, e comparado-as com texto
institucionais acerca de sua regulamentação até 1967. Nossa hipótese inicial
é que a possível oposição entre psicanálise e educação não abarca a complexidade da questão quando confunde educação com pedagogia moderna e
desconsidera o âmbito institucional na formação do psicanalista. A partir de
um histórico que situa as principais idéias de Freud sobre a formação paralelamente ao que foi instituído sob a égide da Associação Psicanalística Internacional, pudemos compreender a crítica lacaniana à esta formação, no contexto do movimento de Retorno à Freud. Coerente com sua leitura dos conceitos freudianos e da ética da psicanálise, Lacan propôs novos parâmetros
para a formação do psicanalista, aonde destaca-se a Escola, o cartel e o
passe. Nossa conclusão aponta que a formação do psicanalista a partir de
Lacan, abre uma nova via de compreensão da formação do psicanalista como
um processo educativo.
“A História da Educação Moral e Cívica:
Um Álbum de fotografias da Sociedade Brasileira”
Resumo
O objetivo dessa dissertação é verificar como a Educação Moral e Cívica
efetivou sua função de disciplina estratégica dos governos militares pós-64,
nas escolas brasileiras de primeiro grau. A disciplina apresentou duas características divergentes: ao mesmo tempo que era controladora, era também
controlada pelo CNMC - Comissão Nacional de Moral e Civismo que, entre
várias funções, aprovava os livros didáticos que deveriam ser utilizados pela
escola. Para atingir os objetivos propostos, esta pesquisa seguiu os seguintes passos: primeiramente, foram analisados os decretos e pareceres pertinentes à disciplina, além de discursos e palestras dos militares; 23 manuais
didáticos, dos quais apenas 1 não apresentou o carimbo de aprovação da
CNMC; e 12 diários de classe. Após a coleta deste dados, foi feita uma
análise comparativa, separando-os por décadas, para verificar o que a disciplina tinha a revelar. Os manuais didáticos demonstraram conter ricas informações sobre a sociedade brasileira do período em questão e os diários de
classe demonstraram que o professor não interfiria no processo repetindo as
mensagem do livro didático que estava em consonância com a legislação,
permitindo a entrada na escola do discurso do governo. Concluindo, percebeu-se que, através da história da disciplina Educação Moral e Cívica , foi
possível reconstruir um álbum de fotografias da sociedade brasileira no período de sua existência.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS
99
Autora
REGINA APARECIDA
MARQUES DE SOUZA
Data da Defesa
02/99
Orientadora
Prof. Dr. Jesus Eurico
Miranda Regina
Banca Examinadora
Prof. Dr. Jesus Eurico
Miranda Regina (UFMS)
Prof. Dr. Sírio Lopes Velasco
(FURG)
Profª Drª Helena Faria de Barros (UCDB)
Autora
EUNICE
BRANDÃO DA SILVA
Data da Defesa
02/99
Orientadora
Prof. Dr. Dercir Pedro de Oliveira
Banca Examinadora
Prof. Dr. Dercir Pedro de Oliveira (UFMS)
Prof. Dr. Kanavillil
Rajagopalan (UNICAMP)
Profª Drª Élcia Esnarriaga de
Arruda (UFMS)
100
100
“A Relação professor/aluno diante do erro:
a visão dos professores das séries
iniciais do ensino fundamental”
Resumo
Este estudo como objetivo desvendar as facetas do fenômeno pedagógico da relação professor/aluno diante do “erro” no processo ensino-aprendizagem das séries iniciais do ensino fundamental, norteado pelos pressupostos teóricos histórico-cultural e da educação
libertadora que evidenciam a importância da dialogicidade como vínculo indissociável para a
construção do conhecimento. Este trabalho surgiu das experências acumuladas ao longo de
nossa trajetória acadêmica e profissional, observando os “erros” cometidos pelos alunos na
construção de seus conhecimento e as tentativas de implementação de novos modelos
educacionais no trabalho pedagógicos. A pesquisa qualitativa foi norteadora do processo
metodológico, onde ultilizei entrevistas com roteiro como instrumento necessário para mais
adiante realizar as análises destas entrevistas feitas com professores das primeiras séries
do ensino fundamental de uma escola municipal, focalizando o discurso do professor que
retrata a visão da relação professor/aluno diante do “erro” na construção social do conhecimento no cotidiano da sala de aula, que possibilitou o repensar dos processos de formação
e aperfeiçoamento docente, no sentido de aproximar cada vez mais a teoria da prática
pedagógica. Os dados permitiram identificar que a relação professor/aluno diante do “erro”
ainda continua sendo praticada pelos professores sob uma postura definida na educação
bancária, priorizadas na formas vigentes da correção e no tratamento do “erro”, relevando
em última instância, que para se chegar a uma prática construtiva-liberadora deve-se conceder uma nova postura de educador sob a luz da teorias estudadas requerendo uma maior
profundidade e melhor ultilização dos espaços de formação continuada dos professores em
busca das inovações para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.
“A Formação do Professor do Ensino fundamental:
Uma visão histórico-descritiva”
Resumo
O presente trabalho teve por objetivo de apresentar um histórico da profissão
docente, em nível de ensino fundamental, no que concerne a formação; descrever o projeto CEFAM, observando as transformações político-educacionais e, por fim, valendo-se de alguns dados verificar o conceito que tinham os
educandos de um bom professor. Para atingir nossos propósitos, embasamonos em leituras que dessem informações sobre as diferentes fases por que
passou a profissão de professor do ensino fundamental; em documentos fornecidos pela Agência Regional de Educação sobre o projeto CEFAM e, finalmente, entrevistas com alunos do magistério sobre o desempenho do professor na sala de aula. Em termos concludentes, fizemos um estudo históricodescritivo sobre a fomação do professor do ensino fundamental, para tentar a
valiar um dos percalços por que passa a educação no país.
INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS