AVALIAÇÃO E MANEJO DE PACIENTES ADULTOS

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AVALIAÇÃO E MANEJO DE PACIENTES ADULTOS
Módulo 4
Patologias Constitucionais
Associadas ao HIV
Introdução ao Módulo 4
As patologias constitucionais associadas ao HIV constituem um dos problemas clínicos enfrentados nas
consultas pelos Técnicos de Medicina, não só pela frequência com que estas acontecem, mas também
pela necessidade de fazer diagnósticos diferenciais apropriados, já que são sinais muito comuns em
todos os doentes. Entretanto, nos doentes HIV+ estas patologias apresentam características especiais
e precisam de uma abordagem específica.
Os três sinais - febre, emagrecimento e anemia - que serão abordados neste módulo podem ser
condições para determinados estadios clínicos da OMS.
A febre é muito comum em doentes infectados pelo HIV. O diagnóstico diferencial da febre em doentes
seropositivos é mais complicado do que em indivíduos seronegativos. A febre no doente seropositivo
pode ser causada não só por reacções adversas a fármacos, por SIR, pelo HIV ou por doenças
oportunistas, mas também por doenças comuns que afectam a qualquer pessoa.
O emagrecimento ou perda de peso no doente seropositivo precisa de uma abordagem sistemática por
parte do clínico para que este possa avaliar, diagnosticar e tratar.
O emagrecimento pode ser um sinal de desenvolvimento de IO, falência terapêutica ou outra
complicação nestes doentes. Ao contrário, o ganho de peso pode ser um indicador positivo de resposta
aos diferentes tratamentos.
A anemia é um quadro clínico com uma prevalência muito elevada em pessoas infectadas pelo HIV. As
causas da anemia são várias nos doentes HIV+ em comparação com os doentes seronegativos. O
processo de avaliação e tratamento da anemia em pessoas infectadas pelo HIV é diferente do processo
utilizado para o manejo da anemia na população geral.
Este módulo está dividido em três unidades apresentadas a seguir:
•
•
•
4.1 Febre
4.2 Emagrecimento
4.3 Anemia
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Unidade 4.1 – Febre no Doente HIV+
Introdução
A febre é um quadro clínico comum na população geral, e ainda mais comum nas pessoas
seropositivas, que podem ter episódios múltiplos.
A febre é um dos principais motivos de consulta nos serviços de TARV. O diagnóstico diferencial em
doentes seropositivos é mais complicado do que em indivíduos seronegativos. A febre no doente HIV+
pode ser causada pelas doenças comuns que afectam a qualquer doente, mas também por doenças
oportunistas, reacções adversas a fármacos, SIR ou pelo HIV.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
•
•
Definições da febre no doente seropositivo
Diagnóstico diferencial da febre no doente seropositivo
Avaliação e tratamento do doente seropositivo com febre (uso dos algoritmos)
Definições e Classificações da Febre no Doente Seropositivo
A febre é o aumento da temperatura corporal acima do que se considera normal.
Segundo a definição de OMS, considera-se febre uma temperatura axilar superior a 37,0º C ou rectal
superior a 38,0º C.
Além da definição geral da febre, existem outras definições e classificações para a febre, que são
usadas em situações específicas, durante o manejo do paciente HIV+:
Para o diagnóstico e manejo do doente com febre, é preciso localizar a causa da febre, se possível.
Assim, muitas vezes classificamos a febre como “com causa localizada” ou “sem causa aparente”.
Alguns clínicos podem usar “febre com focalização” e “febre sem focalização” da mesma forma.
No estadiamento: A febre pode ser um sinal de uma condição de estadio III ou estadio IV. Mas como
nem todo caso de febre indica uma condição de estadio III ou IV, a febre precisa de características
específicas para ser considerada como tal, definidas pela OMS. 1
No manejo de reacções adversas a medicamentos: Quando a febre é causada por reacção adversa
a medicamentos, usamos outro esquema de classificação do “grau de reacção adversa”.
Nesta secção, vamos descrever os três esquemas de classificação com mais detalhe.
Definições da “Febre com Causa Localizada (Focalização)” e “Febre sem Causa (Focalização)
Aparente”:
•
•
Febre com causa localizada: Quando é possível identificar a causa ou a fonte anatómica da
febre. Por exemplo, a focalização ou a causa da febre pode estar nos pulmões (pneumonia,
tuberculose), nos ouvidos (otite), nos rins (pielonefrite), numa ferida infectada, na malária, ou na
tuberculose. Nestes casos, ao tratar a causa da febre, trata-se simultaneamente da febre.
Febre sem causa aparente ou sem uma causa determinada: É a febre sem causa localizada
depois de uma avaliação completa (anamnese, exame físico, estudos de laboratório e
radiografias).
A febre sem causa aparente ou sem uma determinada focalização é comum no doente
seropositivo, como mostram os diferentes estudos realizados nestes doentes. O Clinico que
atende doentes seropositivos será confrontado com muitos casos de febre sem causa aparente,
e terá de fazer uma abordagem sistemática do diagnóstico e do tratamento do problema.
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Definições da Febre em Relação ao Estadiamento:
Febre persistente sem focalização ou causa aparente pode ser uma condição de estadio III ou estadio
IV – se o doente reúne os critérios definidos pela OMS (veja tabela da unidade de estadiamento) 2.
Definições da Febre de Estadio III
Definição clínica: Febre ou suores nocturnos durante mais de um mês, intermitente ou constante, sem
resposta ao tratamento com antibióticos e antimaláricos, sem causa aparente na anamnese e no exame
físico.
Definição definitiva: Febre >37,5º C com cultura de sangue negativa, BK negativo, rastreio de malária
negativo, radiografia do tórax sem alteração; sem uma determinada focalização ou causa aparente na
anamnese e no exame físico.
Importante: Nem todo caso de febre é um caso de “febre de estadio III”. A pessoa com “febre de
estadio III” deve reunir todos os cinco critérios abaixo mencionados:
1. HIV+ (confirmado);
2. Febre ou suores nocturnos constantes ou intermitentes por mais de um mês;
3. Sem causa aparente detectada ao fazer avaliação completa (anamnese, exame físico, testes
laboratoriais, radiografias);
4. Sem resposta a antibióticos;
5. Sem resposta a antimaláricos.
Definições da Febre de Estadio IV: Síndrome de Caquexia
Definição clínica: Perda de peso involuntária > 10% com caquexia ou IMC < 18,5 kg/m2 e febre ou
suores nocturnos durante mais de um mês sem resposta a antibióticos e antimaláricos.
OU
Perda de peso involuntária> 10% com caquexia ou IMC <18,5 kg/m2 e diarreia crónica durante mais de
um mês sem resposta a antibióticos e antimaláricos
Definição definitiva: Perda de peso registada em> 10% e temperatura documentada > 37,5º C (ou
diarreia crónica) com cultura de sangue negativa, despiste de malária negativo, radiografia do tórax sem
alteração, e sem outra explicação.
Importante: Nem todo caso de perda de peso ou emagrecimento severo é um caso de “síndrome de
caquexia”. Às vezes, o emagrecimento tem outra causa identificável, por exemplo, tuberculose
extrapulmonar, câncer avançado, malnutrição severa relacionada à pobreza. A pessoa com “síndrome
de caquexia” tem que reunir todos os 6 critérios abaixo indicados:
1. HIV+ (confirmado);
2. Perda de peso > 10% ou Caquexia visível ou IMC<18,5 kg/m2;
3. Febre ou suores nocturnos durante mais de um mês (definição alternativa: ou diarreia por
mais de um mês, sem resposta a antibióticos);
4. Sem causa aparente detectada ao fazer avaliação completa (anamnese, exame físico, testes
laboratoriais, radiografias);
5. Sem resposta a antibióticos e antimaláricos;
6. Sem outra causa identificada além da infecção pelo HIV.
Lembre-se : Qualquer episódio de febre não é suficiente para mudar
o estadio para III ou para IV. É preciso usar a definição específica do
guião de estadiamento da OMS
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Definições da Febre Tendo em Conta as Reacções Adversas aos Medicamentos
Às vezes, a febre pode ser causada por uma reacção adversa a algum medicamento (RAM). Quando a
febre é causada por RAM, usamos o esquema abaixo para classificar o grau, ou nível de gravidade da
reacção adversa. O conceito mais importante aqui é que se o RAM é confirmado como causa (ou causa
mais provável) da febre, e é de grau III ou IV, provavelmente será preciso mudar ou suspender o TARV,
e o clínico deve consultar o médico urgentemente.
Mas nem sempre é fácil saber se a febre é ou não é um sinal de RAM. Por exemplo, se o doente não
está a tomar medicamentos ou não os tomou no último mês, uma reacção adversa a medicamentos é
pouco provável. É preciso fazer uma avaliação completa antes de determinar se a febre é realmente
uma RAM.
Na unidade sobre reacções adversas, será apresentado mais detalhadamente o diagnóstico e manejo
dos diferentes graus de RAM.
Graus de toxicidade a medicamentos:
•
•
•
•
Grau I: Temperatura (oral) 37,7-38,5oC x >12 horas, causada pelo medicamento;
Grau II: Temperatura (oral) 38,6-39,5oC x >12 horas – causada pelo medicamento;
Grau III: Temperatura (oral) 39,6-40,5oC x >12 horas – causada pelo medicamento;
Grau IV: Temperatura (oral) >40,5oC x >12 horas – causada pelo medicamento.
Diagnóstico Diferencial da Febre no Doente Seropositivo
Categorias de possíveis causas da febre no doente seropositivo:
• Febre directamente relacionada com o HIV

Infecção aguda pelo HIV (difícil de diagnosticar no país)

Condição de estadio III ou IV (veja definições específicas acima)
•
•
Infecções Oportunistas

Tuberculose

Micobactéria atípica

Criptococcose

Pneumocystis

Toxoplasmose

Herpes

Outros
Reacções Adversas a Medicamentos
Os medicamentos usados na atenção a pessoas seropositivas e mais comummente ligados a
RAM com febre são:



Nevirapina (às vezes com hepatite ou erupção cutânea);
Cotrimoxazol (às vezes com hepatite ou erupção cutânea);
Abacavir (normalmente com outros sintomas de reacção de hipersensibilidade, por
exemplo erupção cutânea, artralgias, dor abdominal, náuseas, ou fadiga).
Outros medicamentos usados pelo clínico (por exemplo, medicamentos usados para tratar a
tuberculose) também podem causar febre, mas a reacção febril é menos comum.
•
SIR (Sindrome de Imuno-Restauração)
Veja a explicação mais detalhada na unidade sobre o SIR, que é uma possível complicação de
TARV. O SIR pode apresentar-se com febre, com ou sem causa aparente, e deve-se suspeitar
nos casos do doente que piora nos primeiros meses de TARV.
•
Outras Causas:
Qualquer doença que provoca febre na pessoa seronegativa também pode provocar febre na
pessoa HIV+. As possibilidades incluem:

Malária;
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +







Bacteriemia (incluindo bacteriemia por micobactérias);
Febre tifóide;
Pneumonia;
Pielonefrite;
Doença inflamatória pélvica;
Prostatite;
Outros.
A Importância da Malária no Diagnóstico Diferencial da Febre no Doente Seropositivo
No doente seropositivo, a malária não é a única causa da febre nem a causa mais provável. Pesquisas
feitas em Malawi, Costa de Marfim, e outros países já demonstraram que outras doenças estão mais
relacionadas com a febre do que a malária. Por exemplo, veja os dados abaixo apresentados:
Dados da Costa de Marfim (adaptada de Anglaret et al): Causas da Febre em Doentes HIV+
60%
50%
40%
Infecções bacterianas
30%
Só malária
Outra doença
20%
Malária e outro diagnóstico
10%
0%
CD4<200
CD4 200-499
CD4>=500
No estudo de Anglaret (2002) 3, observou-se que as outras causas da febre foram mais frequentes
quanto menor foi a contagem de CD4 nos pacientes seropositivos. Ao contrário, a malária como única
causa da febre foi menos frequente quanto menor foi a contagem de CD4 nestes pacientes.
Outras pesquisas também descrevem infecções bacterianas do sangue, pneumonia, e TB como causas
importantes da febre (além da malária) na pessoa seropositiva.
Causas da Febre em Moçambique:
Num estudo realizado no Hospital Central de Maputo, foram avaliados 333 doentes internados na
enfermaria de medicina interna. 4 Destes, 69,1% eram HIV+, e 15% foram tratados por “malária
provável.” Mas, quando os pesquisadores avaliaram todos os dados clínicos e laboratoriais dos doentes
tratados por malária, o resultado foi o seguinte:
•
•
Dos doentes HIV negativos diagnosticados com “malária provável”, 80% realmente tinham
malária;
Dos doentes HIV positivos diagnosticados com “malária provável”, só 35,5% tinham malária
confirmada – a maioria tinham outras causas da febre, por exemplo, meningite ou tuberculose.
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
A Importância da Febre Causada por Infecções Bacterianas do Sangue (Bacteriemia)
Em muitas pesquisas realizadas em África, foi observado que as infecções bacterianas do sangue são
comuns em doentes seropositivos com febre sem causa aparente.
Por exemplo: Malawi 5,6: Duas pesquisas foram realizadas com doentes seropositivos com febre sem
causa aparente. Numa das pesquisas, 21% tinham infecções bacterianas do sangue (bacteriemia). Na
outra, 23% tinham bacteriemia e 12% tinham tuberculose.
Conclusão: Deve-se suspeitar de outras infecções principalmente as infecções bacterianas do sangue
(bacteriemia) no doente seropositivo com febre sem causa aparente.
Avaliação e Tratamento do Doente Seropositivo com Febre
Os dois algoritmos da febre (primeira consulta do doente seropositivo com febre, consulta de
seguimento do doente seropositivo com febre) devem ser usados para avaliação e tratamento do
doente seropositivo com febre.
Passos a Seguir na Avaliação e Tratamento do Doente Seropositivo com Febre (Primeira
Consulta; algoritmo “Febre I”):
1. Identificar Sinais de Perigo e Estabilizar Emergências: Caixas 1, 3, e 4 do Algoritmo da Febre I.
Sinais de perigo no doente com febre:
a. Convulsões;
b. Meningismo (rigidez do pescoço);
c. Coma/letargia ou outra mudança de comportamento ou do nível de consciência;
d. Cefaleia intensa;
e. Fraqueza (não pode ficar em pé sem ajuda);
f. Choque;
g. Incapacidade para comer ou beber;
h. Dispneia (dificuldade para respirar);
i. Dor abdominal severa.
Estabilização e Tratamento:
a. Proteger as vias aéreas;
b. Controlar as convulsões (se tiver);
c. Dar líquido endovenoso (rapidamente, se choque);
d. Antimaláricos (quinina ou artesunato injectável);
e. Antibióticos (penicilina + gentamicina);
f. Glucose ou dextrose;
g. Referir ou internar urgentemente.
No doente que não precisar de tratamento de emergência, siga o passo 2.
2. No Doente com Febre mas sem Emergência, Procure a Causa da Febre. Faça Avaliação
Completa (com Teste para Malária). (Caixa 5 do Algoritmo da Febre I).
Por que fazer a avaliação completa antes de prescrever antibióticos e antimaláricos?
• Porque a causa da febre pode ser uma doença que não vai responder nem aos antibióticos nem
aos antimaláricos. Exemplos: Meningite causada por criptococcos, tuberculose pulmonar,
pneumonia causada por toxoplasmose, hepatite causada por nevirapina, reacções adversas aos
anti-retrovirais.
• Porque o doente com febre causada por doenças que não respondem nem a antibióticos nem a
antimaláricos pode morrer se não lhe for dado o tratamento adequado.
• Porque a malária pode ocorrer em simultâneo com outra infecção que precisa de outro tipo de
tratamento; neste caso, é preciso tratar a malária mais a outra fonte da febre.
• Porque alguns antimaláricos podem provocar reacções adversas ou interacções
medicamentosas na pessoa que também está a fazer o TARV ou medicamentos para TB.
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Veja na Tabela 1 abaixo como se faz uma avaliação para identificar a causa da febre.
Tabela 1: Anamnese no Doente HIV+ com Febre
PERGUNTE
 Quando (há quanto tempo) começou a febre?
Interpretação de Possíveis Achados
Se > 2 semanas:
Faça perguntas de rastreio para TB;
Procure outra evidência de febre de estadio III ou IV;
A malária é menos provável.
 Com tosse crónica (>= 2 semanas), suores
nocturnos (>= 2 semanas), perda de peso (> 3 kg),
hemoptises, contacto com uma pessoa com TB?
Estas são as perguntas de rastreio para TB. Se o paciente tiver uma ou mais
respostas positivas, é preciso fazer BK e (se possível) radiografias do tórax.
 Uso de medicamentos? (Quando começou?)
Se está a tomar CTZ, os riscos de malária, pneumociste, e toxoplasmose são
mais baixos. Mas há risco de febre causado por reacção adversa.
Se iniciou TARV nos últimos 3 meses, os riscos de SIR e reacções adversas ao
TARV são mais altos.
Se não está a tomar medicamentos, e não tomou medicamentos no último
mês, uma reacção adversa à medicamentos é pouco provável.
 Sintomas específicos:
Cefaleia
Se cefaleia: Veja guião de problemas do sistema neurológico central.
Erupção cutânea ou feridas na pele,
Se erupção cutânea ou feridas na pele: É preciso suspeitar reacções adversas a
medicamentos além de infecção.
Dor de ouvidos ou garganta ou sinos
Se dor de ouvidos, garganta, ou sinos: procure evidência de otite ou infecção
respiratória.
Tosse, dispneia
Se tosse ou dispneia: Veja na unidade de problemas respiratórias.
Náuseas, vómitos, diarreia, dor abdominal,
Se náuseas, vómitos, diarreia, ou dor abdominal: Veja guiões e capítulos
relevantes.
Disúria, corrimento vaginal/uretral
Se disúria ou corrimento: Use algoritmo de ITS do MISAU.
Linfoadenopatia
Se linfadenopatia: Veja guião de linfadenopatia.
 Uso de rede mosquiteira?
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Se usa rede mosquiteira, o risco de malária é mais baixo.
Tabela 2: Exame Físico no Doente HIV+ com Febre
EXAMINE
Interpretação de Possíveis Achados
 Sinais vitais: T/A, FR, FC, Peso. Medir Se taquipnea, procure outra evidência de problemas respiratórios.
sempre a temperatura com o
Se taquicardia, procure outra evidência de anemia ou problemas
termómetro
cardíacos ou respiratórios.
Se perda de peso, procure outra evidência de TB ou perda de peso de
estadio III ou IV.
Se palidez, procure outra evidência de anemia.
 Estado Geral: Palidez? Icterícia?
Fraqueza?
Se icterícia, procure outra evidência de problemas do fígado.
 Boca: Síndrome Stevens-Johnson?
Infecção oportunista (candidíase,
outro) ? Infecção dentária?
 Pele e nódulos: Síndrome StevensJohnson? Sarcoma de Kaposi com
infecção secundária? Outra erupção
cutânea? Linfadenopatia? Feridas
infectadas?
 Cardiopulmonar: Evidência de
pneumonia, derrame pleural, outro?
 Abdómen: Hepatomegalia?
Esplenomegalia? Ascite? Dor?
Gravidez?
 Costas: Dor na coluna vertebral?
 Genitais: Corrimento? Úlceras?
 Neurológico: Mudanças de
comportamento ou nível de
consciência? Meningismus? Paresias?
Se fraqueza, faça exame neurológico completo.
Se Síndrome Stevens-Johnson, pergunte se toma Nevirapina,
Efavirenz, Cotrimoxazol e Fansidar; veja na unidade de RAM.
Se outra erupção cutânea, procure infecção e RAM.
Se linfadenopatia, veja guião de linfadenopatia.
Se anormal, veja guião de tosse/dispneia.
Se evidência de problemas do fígado, avalie reacções adversas e
infecções oportunistas além de outras causas comuns.
Se presente, é preciso pensar em TB óssea, além de outras causas
comuns.
Veja guião de ITS do MISAU.
Se anormal, veja guião de problemas do sistema neurológico central. A
presença de meningismo é uma emergência. Também são emergências
se apareceram mudanças de comportamento ou do grau de vigília ou
paresias nos últimos dias.
Tabela 3: Exames Complementares no Doente com Febre
Faça testes laboratoriais ou radiológicos:
 Teste rápido (ou hematozoário) para malária. Se o primeiro teste é negativo e há risco de malária, faça ou outro teste (se
disponível) para confirmar
 E, se disponíveis e indicados (depende dos sinais e sintomas do paciente):
•
•
•
•
•
•
•
BK
Exames de sangue: Bioquímica, Culturas de sangue, outros
Radiografia do tórax
CrAg (antígenio para criptococcose)
Punção lombar
Exame de urina
Ultra-son do abdómen
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
3. Se o Teste para Malária for Positivo (Caixas 6, 10):
Se o teste rápido e/ou hematozoário para malária for positivo (caixa 6 do algoritmo), trate a malária (veja
algoritmo da malária para selecção de antimaláricos no doente HIV+). Se o doente tiver outra causa
para a febre além da malária, trate as duas causas. Se o doente não estiver a melhorar em 48 horas,
deve voltar para ser reavaliado.
4. No Doente com febre sem Confirmação de Malária (Caixas 7, 8, 9, 11, 12): Doente que não tem
sinais de perigo (ou seja, doente estável), sem evidência de malária (teste rápido e hematozoário
negativo, se os dois testes estiverem disponíveis):
•
Se tiver outra causa para a febre (Caixas 8 e 11 do algoritmo), trate ou investigue a outra
causa. Por exemplo:

Se houver ferida infectada na pele, trate com antibióticos;

Se houver doença inflamatória pélvica, trate com antibióticos (veja guião ITS);

Se houver tosse crónica, perda de peso, e suores nocturnos, peça baciloscopia e, se
possível, radiografias do tórax (veja o algoritmo de tosse/dispneia);

Se houver rigidez do pescoço com dor de cabeça severa, encaminhe para punção
lombar (inicie antibióticos caso demore a transferir o doente). Veja o algoritmo de
problemas do sistema nervoso central;

Se houver hepatomegalia, icterícia e dor abdominal no doente que estiver a tomar
nevirapina, avalie a possibilidade da reacção adversa (veja o algoritmo de RAM).
•
Se o teste rápido e a lâmina não revelam evidência de malária, e a avaliação clínica não
revela uma causa evidente para a febre, trate com antibióticos (Caixas 9 e 12).
Prescreva antibiótico. Avalie mais uma vez em 48 horas. Caso não haja melhoria após 48 horas,
e ainda não houver evidência da causa da febre, inicie o tratamento com antimaláricos além dos
antibióticos. Mas, se o doente vive longe e o risco de malária é alto (não toma Cotrimoxazol
diário, não usa rede mosquiteira, vive numa zona com alta taxa de transmissão da malária e
realmente não pode voltar em 48 horas para reavaliação), pode iniciar antibióticos e antimalárico
em simultâneo.
Lembre-se: Se o doente tiver sinais ou sintomas de malária severa ou complicada, é preciso
tratar com antibióticos e antimaláricos, em regime de internamento no hospital.
Por que dar antibióticos quando a avaliação completa não consegue identificar a causa?
Já foi mencionado que, no doente HIV+, a causa da febre pode ser uma infecção causada por
bactérias que circulam no sangue. Esta seria a razão para prescrever antibióticos para o doente
seropositivo com febre sem uma causa aparente ou evidente, já que os antibióticos podem tratar
desta bacteriemia.
5. Seguimento Depois de Tratamento com Antimaláricos e/ou Antibióticos (Algoritmo da Febre II):
Se o doente com febre não melhorar depois de dois dias de tratamento com antimaláricos ou 3 a 7 dias
de tratamento com antibióticos, deve ser reavaliado. Ou, se o doente com febre piorar em qualquer
momento, também deve ser reavaliado. O doente que melhora com o tratamento pode ficar em casa até
a próxima consulta de seguimento.
O primeiro passo na reavaliação do doente é procurar os sinais de perigo (Caixas 1, 3, 4 do Algoritmo
da Febre II; como nas primeiras caixas do Algoritmo da Febre I).
O segundo passo é procurar a causa da febre (Caixa 5, Algoritmo da Febre II):
• Repetir a avaliação clínica completa. Fazer hemograma, hematozoário (repetir teste rápido só se
antes for negativo);
• Repetir perguntas de rastreio de TB. BK e Rx tórax se indicado;
• Procure a causa da febre (infecção bacteriana focal, cryptococcose)
• Rever os resultados de qualquer estudo pedido antes;
• Rever os antibióticos e/ou antimaláricos já aprovados;
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
•
Pensar na possibilidade da reacção adversa a medicamentos ou SIR.
Se consegue identificar a causa da febre: Trate a causa.
Lembre-se: Se suspeitar malária resistente, é preciso avaliar o doente com o teste de gota
espessa ou esfregaço (hematozoário) e não com o teste rápido, porque este pode permanecer
positivo duas ou três semanas depois de tratar a malária devido à presença dos anticorpos
que permanecem no sangue durante este período. No doente que recentemente tinha malária
confirmada, e já tomou antimaláricos e tem o hematozoário ainda positivo, é preciso tratá-lo
com antimaláricos da segunda linha.
Se não consegue identificar a causa da febre:
•
No doente que já tomou antibióticos via oral: Encaminhar ao médico ou internar
para prova terapêutica com antibióticos endovenosos e mais estudos.
•
No doente que já tomou antimaláricos: Se não houver parasitemia no hematozoário,
inicie antibióticos via oral ou encaminhe ou interne (veja acima).
6. Reestadiar (Caixa 7 do Algoritmo da Febre II)
•
Se o doente ainda estiver no estadio I ou II e não houver nenhuma causa aparente ou evidente da
febre e tiver tido febre há um mês ou mais, proceda segundo os passos a seguir:
o Se ainda não tiver a causa identificada e tiver febre há um mês, e não tiver melhorado depois
do tratamento com antimaláricos e antibióticos, o doente pode precisar de TARV porque
pode apresentar febre de estadio III. Caso haja outra indicação para o TARV, inicie-o; se
não, encaminhe o doente ao médico para que este descarte outra causa da febre antes de
ser diagnosticada febre de estadio III.
o Se além da febre, tiver perda de peso involuntária> 10% com caquexia ou IMC<18,5 Kg/m2 e
febre ou suores nocturnos (ou diarreia) durante mais de um mês, sem resposta a antibióticos
e antimaláricos, e sem outra causa aparente, o diagnóstico pode ser “síndrome de caquexia”
(diagnóstico de estadio IV), o TARV pode ser iniciado. Se houver outra indicação para o
TARV, inicie-o; se não, encaminhe o doente ao médico. A tarefa do médico será de procurar
outra causa da febre e perda de peso antes de diagnosticar febre de estadio IV.
Pontos-Chave
A febre é muito comum no doente seropositivo; é preciso ter uma abordagem sistemática para
diagnosticá-la e tratá-la.
O clínico deve fazer sempre uma avaliação completa para procurar a causa da febre antes de tratá-la.
A malária não é a causa mais frequente da febre no doente seropositivo; é preciso considerar também
as bacteriemias, a tuberculose, e outras causas. O tratamento presuntivo (sem pesquisa laboratorial)
com antimalárico não é indicado; é preciso fazer o teste rápido ou lâmina para confirmar o diagnóstico
de malária antes de tratar. Também é preciso fazer a avaliação completa do doente, porque a malária e
a outra causa da febre podem existir em simultâneo.
A Consulta de Seguimento é indicada para o doente que piora ou que não melhora com o tratamento
inicial. A febre persistente sem causa identificável pode ser uma condição de estadio III ou estadio IV.
Porém nem toda febre significa uma condição de estadio III ou IV; é preciso usar e respeitar as
definições exactas da tabela de estadiamento da OMS.
Anexos
Em anexo a esta unidade encontram-se os seguintes documentos:
• Algoritmos da Febre I e II
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
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Staging and Immunological Classification of HIV-related Disease in Adults and Children.
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Peters R, Zijlstra E, Schijffelen M, Walsh A, Joaki G, Kumwenda J, Kublin J, Molyneux M,
Lewis D. A prospective study of bloodstream infections as a cause of fever in Malawi: clinical
predictors and implications for management. Trop Med Int Health 2004;9:928-934.
6
Archibald L, McDonald C, Nwanyanwu O, Kazembe P, Dobbie H, Tokars J, Reller L, Jarvis W.
A hospital-based prevalence survey of bloodstream infections in febrile patients in Malawi:
implications for diagnosis and therapy. J Infect Dis 2000;181:1414-20.
Manual de Referência do Clínico
Febre no Doente HIV +
Unidade 4.2 – Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
Introdução
A desnutrição ou perda de peso no doente HIV+ podem ser indicadores de uma condição de estadio II,
III, ou IV. O controlo do peso e do índice de massa corporal (IMC) são importantes porque o seu
aumento pode ser um indicador de uma resposta positiva ao tratamento (de SIDA, de IO, e/ou de
deficiências nutricionais) e a sua diminuição pode indicar o desenvolvimento de uma IO, falência
terapêutica ou outra complicação. O clínico deve seguir uma abordagem sistemática para avaliar,
diagnosticar e tratar da desnutrição e perda de peso no doente seropositivo.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
•
•
•
•
•
•
Desnutrição e mortalidade em doentes HIV+
Definições da desnutrição usadas na atenção às pessoas seropositivas
Componentes do Programa de Reabilitação Nutricional (PRN)
Causas da desnutrição no doente HIV+
Consequências da desnutrição no doente HIV+
Abordagem para avaliação e manejo da desnutrição e baixo peso
Uso do algoritmo de baixo peso e desnutrição
Desnutrição e Mortalidade em Doentes HIV+
A pessoa seropositiva com desnutrição grave corre mais risco
de morrer de SIDA, com ou sem tratamento anti-retroviral
A desnutrição é comum nos doentes seropositivos, e a presença de desnutrição grave aumenta o risco
de morte e de outras complicações do SIDA.
Em muitas pesquisas, as pessoas com desnutrição grave no momento de iniciar TARV morrem com
maior frequência do que as pessoas com melhor estado nutricional. Por exemplo, num estudo realizado
na Zâmbia, foi comparada a mortalidade nos doentes severamente malnutridos (ou seja, com IMC<16,0
kg/m2) e com a dos doentes sem desnutrição grave 1, após ambos grupos terem iniciado o TARV:
Fig. 1: Mortalidade dos doentes seropositivos e sua relação com IMC
% Óbitos/Ano de Observação
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
% Óbitos/Ano de Observação
20,00%
10,00%
0,00%
IMC<16.0
IMC>=16.0
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
141
Interpretação do gráfico sobre o estudo realizado na Zambia:
As pessoas com desnutrição grave e severa (IMC<16 kg/m2), apesar de terem iniciado o TARV o seu
risco de mortalidade foi aproximadamente quatro vezes mais alto do que o risco de mortalidade de
pessoas com melhor nutrição
(IMC >=16,0 kg/m2). Neste estudo, os doentes com desnutrição severa também correram mais risco de
falência terapêutica a ARVs.
A prevenção e tratamento da desnutrição são elementos chaves na atenção dos doentes seropositivos.
Definições de Desnutrição Usadas na Atenção às Pessoas Seropositivas
Definições usadas no estadiamento do SIDA:
Perda de Peso de Estadio II:
• Perda de peso inexplicada e moderada (<10% do peso corporal total), sem outra explicação,
além do HIV.
Perda de Peso de Estadio III
Duas definições alternativas:
• História de perda de peso involuntária e inexplicada com emagrecimento visível do rosto, cintura
e membros ou IMC <18,5 kg/m2, sem outra explicação além do HIV.
Ou
• Perda de peso documentada > 10% do peso corporal total, sem outra explicação além do HIV.
“Síndrome de Caquexia da SIDA”: Estadio IV
Duas definições alternativas:
• Perda de peso >10% de peso com emagrecimento visível, ou IMC<18,5 kg/m2, e diarreia 3x/dia
por mais de um mês, sem outra explicação além do HIV (a diarreia não responde ao tratamento
com antibióticos).
Ou
• Perda de peso >10% de peso com emagrecimento visível, ou IMC<18,5 kg/m2, e febre ou suores
nocturnos por mais de um mês, sem outra explicação além do HIV (a febre não responde ao
tratamento com antibióticos nem antimaláricos, e o doente não tem tuberculose).
Importante: “Síndrome de Caquexia do SIDA” é uma doença específica do estadio IV;
não é qualquer caso de caquexia. A pessoa com caquexia causada por cancro ou
tuberculose não reúne os critérios para “síndrome de caquexia”. A pessoa seropositiva
com IMC baixo mas sem febre, suores nocturnos, ou diarreia crónica não reúne os
critérios para “síndrome de caquexia do SIDA”.
Definições Usadas para Estabelecer Elegibilidade para Suplementação Alimentar
e/ou Reabilitaçao Nutricional
Através dos indicadores nutricionais, como mostra a Tabela 1 de Parâmetros de Classificação da
Desnutrição Aguda nos adolescentes e adultos pode ser classificada em moderada ou grave. A
desnutrição aguda grave pode apresentar-se sem complicações clínicas ou com complicações clínicas
e cada situação recebe um tratamento diferente, como será apresentado mais adiante.
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
142
Tabela 1: Parâmetros de Classificação da Desnutrição Aguda
Edema
Indicadores Nutricionais
IMC (Kg/m2) IMC/Idade
Bilateral
Desnutrição aguda grave
Presente
(DAG)
Desnutrição aguda moderada
Ausente
(DAM)
< 16,0
< -3 DP
Perímetro Braquial (PB)
(cm)
< 19,0
≥ 16,0 e < 18,5 ≥ -3 e < -2 DP ≥ 19,0 e < 22,0
Componentes do Programa e Reabilitação Nutricional (PRN):
A Reabilitação Nutricional para tratamento da desnutrição inclui os seguintes componentes:
• Envolvimento comunitário
• Tratamento da Desnutrição no Internamento (TDI)
• Tratamento da Desnutrição em Ambulatório (TDA)
• Suplementação alimentar
• Educação nutricional e demonstrações culinárias
Quando existe:
 Desnutrição Aguda Grave com complicações médicas ou em mulheres grávidas ou nos 6
meses pós-parto se fasse Tratamento da Desnutrição no Internamento (TDI).
 Desnutrição Aguda Grave sem complicações médicas (tem apetite, está alerta e consegue
engolir), pode-se fazer Tratamento da Desnutrição em Ambulatorio (TDA) com produtos
como Alimento Terapêutico Pronto para Uso ( ATPU) (PlumpyNut) em dose de acordo com
peso.
 Desnutrição Aguda Moderada (DAM) deve-se dar Suplementação Alimentar com Mistura
Alimentícia Enriquecida (MAE) (por exemplo “CSB + , uma mistura de milho e soja enriquecida
com vitaminas e minerais). Se MAE não existir dar ATPU (Plumpy`Nut) dose fixa diária
Todos os doentes com Desnutrição Aguda deverão se beneficiar da Educação nutricional
demonstrações culinárias para a prevenção da desnutrição
Causas de Desnutrição no Doente HIV+
Além dos problemas que afectam a população geral, existem outras duas categorias de causas de
desnutrição e perda de peso no doente infectado pelo HIV:
1. Aumento dos requisitos nutricionais do organismo: o doente seropositivo precisa de mais
energia e nutrientes para resistir à infecção pelo HIV, para resistir às IOs, e para reconstruir o
sistema imune (uma vez que inicia o TARV).
2. Redução na quantidade de nutrientes ingeridos pelo doente, ou perda de nutrientes já
ingeridos: na presença de IOs e outras complicações de SIDA (por exemplo, a depressão
psicológica, ou as reacções adversas a medicamentos), o doente pode perder o apetite, ou
pode ter dificuldade para mastigar, engolir ou digerir alimentos. O doente também pode
perder nutrientes já ingeridos devido a vómitos, diarreias, ou má absorção intestinal.
Aumento dos requisitos nutricionais do organismo
O aumento no requisito diário de energia e micronutrientes varia, dependendo do estado de saúde da
pessoa:
• A pessoa HIV+ assintomática precisa de 10% mais de energia (calorias) do que uma pessoa
HIV-;
• A pessoa HIV+ com sintomas ou em vias de recuperação após uma IO (ou outra complicação de
SIDA) precisa de 20-50% mais de energia.
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
143
Na presença de uma carga viral muito alta, o corpo precisa de mais energia, por um lado porque o vírus
usa a energia das células hospedeiras para sobreviver/reproduzir, e por outro, o corpo usa a mesma
energia para resistir à infecção.
A perda de peso e a desnutrição são mais comuns nos doentes com carga viral muito alta. Por exemplo,
num estudo realizado na Zâmbia, a percentagem de doentes seropositivos com desnutrição leve (IMC
17-18,49 kg/m2), moderada (IMC 16-16,99 kg/m2), e severa (IMC <16,0 kg/m2) foi mais alta em relação a
percentagem de doentes sem desnutrição (IMC >18,5 kg/m2), que foi baixa, apesar da carga viral
destes ser alta 2:
Figura 2: Relação entre carga viral e IMC. Estudo em Zâmbia
60,00%
50,00%
40,00%
% IMC >-18.5
30,00%
% IMC 17.0-18.49
% IMC 16.0-16.99
20,00%
% IMC < 16.0
10,00%
0,00%
Carga viral baixa
Carga viral mediana
Carga viral alta
Redução da quantidade de nutrientes ingeridos
Na presença de IOs e outras complicações, às vezes é difícil beber, comer, e/ou digerir os alimentos.
Isso pode acontecer por vários motivos, por exemplo:
• Feridas na boca, esófago ou estômago que podem provocar dor ao comer/engolir;
• O doente pode ter náuseas ou falta de apetite causada pelo HIV, por infecções oportunistas ou
por reacções adversas aos medicamentos;
• A absorção de alimentos pode ser diminuída, por exemplo, quando há diarreia crónica
• O doente pode perder nutrientes por vómitos e diarreia;
• O doente pode ter acesso inadequado aos alimentos por causa de estigma, pobreza, ou porque
está tão fraco que não pode trabalhar ou sair de casa para comprá-los;
• Alguns doentes não têm conhecimentos adequados sobre as boas práticas alimentares.
Consequências da Desnutrição no Doente HIV+
Além do risco elevado de mortalidade já discutido na primeira parte desta unidade, a desnutrição pode
ter outras consequências negativas na pessoa seropositiva, a saber:
•
Desenvolvimento mais rápido do SIDA;
•
Maior vulnerabilidade para contrair doenças ou infecções oportunistas (porque a desnutrição
interfere no funcionamento do sistema imune);
•
Dificuldade para a realização de trabalhos, causando redução dos recursos e agravamento das
condições do doente e da sua família;
•
Aumento de estigma;
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
144
•
Depressão, letargia, fraqueza;
•
Na criança: atrasos de crescimento, dificuldade para a aprendizagem;
•
Na mulher grávida: atrasos no crescimento do feto.
Lembre-se que:
 Uma boa nutrição é necessária para um bom funcionamento do sistema
imunológico
 Ter SIDA e desnutrição em simultâneo é uma “dose dupla” para acelerar a
imunodepressão.
Abordagem para Avaliação e Manejo da Desnutrição e Baixo Peso
1. Diagnóstico da Desnutrição
1.1 Anamnese
Fazer as seguintes perguntas ao doente:
• Está a perder peso? A roupa fica folgada?
Se o doente responde que sim, ou se o processo clínico documenta perda de peso ou IMC baixo,
também pergunte:
•
Tem febre, tosse, hemoptise, ou suores nocturnos? (Perguntas de rastreio para TB, e também
para síndrome de caquexia. Lembre-se que qualquer resposta positiva merece BK e radiografia
do tórax)
•
Como é o seu apetite?
•
Tem náuseas, vómitos ou diarreia? (Lembre-se: a diarreia pode ser infecciosa ou parte do
síndrome de caquexia)
•
Tem dificuldade ou dor ao engolir ou mastigar?
•
Tem dor de estômago?
•
Tem alimentos em casa?
•
Tem água potável em casa? (Ou seja, água mineral, fervida, clorada ou filtrada)
•
O que comeu ontem?
1.2 Exame Físico
•
•
•
•
•
•
Pesar o doente de cada vez que vem à consulta;
Na primeira consulta de um adulto, medir e documentar a altura (estatura). No doente internado
que não consegue ficar de pé, ou onde não há altímetro, pode ser preciso usar a estatura
registada no cartão de identidade como estimativa da altura; Calcular o IMC em cada visita,
verificar se está a baixar ou se é inferior à 18,5 kg/m2 (caso sim, é inferior também à 16,0
kg/m2?);
Comparar o peso actual ao peso anterior à infecção pelo HIV (se possível), e ao peso da última
visita – está a subir ou baixar? Se está a baixar, calcule a percentagem de perda de peso;
Observar a face e os membros e procurar sinais de emagrecimento;
Se o peso está a baixar, faça uma avaliação completa para procurar sinais e sintomas de IO.
Nas mulheres grávidas deve-se fazer medição do Perímetro Braquial e avaliação do ganho de
peso mensal.
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
145
Tabela 2: Classificação do estado nutricional das mulheres grávidas usando
o ganho de peso na gestação:
Ganho de peso
Classificação
< 1kg/mês
Desnutrição moderada
1-2 kg/mês
Normal
> 2kg/mês
Excesso de peso
Como calcular o IMC:
A fórmula para calcular o IMC é: peso (kg) / [altura (m)]2
1. Registe o peso em kilogramas e a estatura (altura) em metros.
2. Calcule: (peso em kilogramas) / (altura em metros)/(altura em metros) – ou
seja, divida o peso pela altura, e logo divida outra vez pela altura.
Se não tem calculadora, pode usar o gráfico abaixo para estimar o IMC.
Em crianças menores de 5 anos, não usamos o IMC. Usamos as normas de
diagnóstico e tratamento da desnutrição severa na criança pequena.
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
146
Tabela 3: Para Cálculo do IMC e o Grau de Desnutrição
IMC (adaptada de ICAP) 3
Peso, em kilogramas
40
42.5
45
47.5
50
52.5
55
Altura,
em
35
37.5
57.5
metros
1.50
15.6
16.7
17.8
18.9
20
21.1
22.2
23.4
24.4
25.6
1.52
15.1
16.2
17.3
18.4
19.5
20.6
21.6
22.7
23.8
24.9
1.54
14.8
15.8
16.9
17.9
19.0
20.0
21.1
22.1
23.2
24.3
1.56
14.4
15.4
16.4
17.5
18.5
19.5
20.5
21.6
22.6
23.6
1.58
14.0
15.0
16.0
17.0
18.0
19.0
20
21.0
22.0
23.0
1.60
13.7
14.6
15.6
16.6
17.6
18.6
19.5
20.4
21.5
22.4
1.62
13.3
14.3
15.2
16.2
17.1
18.1
19.1
20.0
21.0
21.9
1.64
13.0
13.9
14.9
15.8
16.7
17.7
18.6
19.5
20.4
21.4
1.66
12.7
13.6
14.5
15.4
16.3
17.2
18.1
19.1
20.0
20.9
1.68
12.4
13.3
14.2
15.1
15.9
16.8
17.7
18.6
19.5
20.4
1.70
12.1
13.0
13.8
14.7
15.6
16.4
17.3
18.2
19.0
19.9
1.72
11.8
12.7
13.5
14.4
15.2
16.1
16.9
17.8
18.6
19.5
1.74
11.6
12.4
13.2
14
14.9
15.7
16.5
17.4
18.2
19.0
1.76
11.3
12.1
12.9
13.7
14.5
15.3
16.1
17.0
17.8
18.6
1.78
11.0
11.8
12.6
13.4
14.2
15.0
15.7
16.6
17.4
18.2
1.80
10.8
11.6
12.3
13.1
13.9
14.7
15.4
16.2
17.0
17.8
1.82
10.6
11.3
12.1
12.8
13.6
14.3
15.1
15.9
16.6
17.4
1.84
10.3
11.1
11.8
12.6
13.3
14.0
14.7
15.6
16.2
17.0
1.86
10.1
10.8
11.6
12.3
13.0
13.7
14.4
15.2
15.9
16.7
1.88
9.9
10.6
11.3
12
12.7
13.4
14.1
14.9
15.6
16.3
1.90
9.7
10.4
11.1
11.8
12.5
13.2
13.9
14.6
15.2
16.0
IMC<=16,0; internar? Se não é preciso internar, dar Plumpy nut e avaliar para condições de estádio III ou IV.
IMC <18.5. Avalie para condições de estadio III ou IV. Pacote nutricional se disponível.
Manual de Referência do Clinico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
60
62.5
65
26.7
26.0
25.3
24.7
24.0
23.4
22.9
22.3
21.8
21.3
20.8
20.3
19.8
19.4
18.9
18.5
18.1
17.7
17.3
17.0
16.6
27.8
27.1
26.4
25.7
25.0
24.4
23.8
23.3
22.7
22.2
21.7
21.2
20.7
20.2
19.8
19.3
18.9
18.5
18.1
17.7
17.4
28.9
28.1
27.4
26.7
26.0
25.4
24.8
24.2
23.6
23.0
22.5
22.0
21.5
21.0
20.5
20.1
19.6
19.2
18.8
18.4
18.0
147
Tabela 4: Classificação do estado nutricional para indivíduos adultos (> 18
anos):
IMC
Classificação
< 16,0
Desnutrição grave
≥ 16,0 a < 18,5
Desnutrição moderada
≥ 18,5 a < 25,0
Normal
Fonte: Adaptado de WHO. 1999. Management of Severe Malnutrition: A Manual for Physicians
and Other Senior Health Workers. Geneva.
2.Tratamento da Desnutrição
O tratamento/suporte nutricional dos pacientes com desnutrição aguda é feito através da administração
de produtos terapêuticos (leites terapêuticos e ATPU) e de produtos suplementares (MAE/CSB+). Para
além do tratamento nutricional deve-se também providenciar um tratamento de rotina
I.
Desnutrição Aguda Grave e com edema bilateral, complicações médicas ou falta de
apetite (Doente com IMC <16,0 kg/m2, malnutrido que não pode comer nem beber, ou com outra
patologia importante associada, com sinais de perigo):
Independentemente da idade, todos pacientes diagnosticados com Desnutrição Aguda Grave e
que tenham complicações médicas, edema bilateral ou com falta de apetite devem ser
tratados no internamento:
II.
.
a) Tratamento inicial:
• Internar e tratar inicialmente com leites terapêuticos (F-75 seguido de F-100)
• Internar e iniciar a alimentação via oral (preferível) ou usando sonda nasogástrica;
•
Se for preciso fazer reidratação endovenosa, deve ser feita lentamente para evitar sobrehidratação e falência cardíaca. Lembre-se: a caquexia e a desidratação severa são fisicamente
parecidas - não se deve deixar confundir;
•
Os princípios de tratamento do adulto com desnutrição severa são os mesmos que os princípios
de tratamento da criança com desnutrição severa:

Inicialmente alimente com F-75, seguida da F-100 (quando voltar o apetite). Lembre-se
que a F-75 contém 75 quilocalorias/100 cc, e a F-100 contém 100 quilocalorias/100 cc.
Estime o número de cc da F-75 ou da F-100 que o doente precisa usando a tabela
abaixo e alimente o doente no início do tratamento a cada 1h ou 2h;

Dar antibióticos para tratar a infecção bacteriana oculta (como o protocolo das crianças);

Dar dose única da vitamina A (como o protocolo das crianças);

Tratar hipoglicemia, se presente (como o protocolo das crianças)
•
Diagnosticar e tratar infecções oportunistas e outras doenças;
•
Procurar sempre sinais e sintomas de tuberculose em qualquer doente com perda de peso e/ou
emagrecimento;
•
Diagnosticar e tratar condições que possam causar desconforto ao comer (dores na boca,
estômago e/ou esófago);
•
Em caso de síndrome de caquexia ou outra indicação para o TARV, prepare o doente para o
TARV, estabilize-o e, logo em seguida, inicie o TARV;
•
Se ainda não está a tomar Cotrimoxazol, avalie indicações para o efeito.
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
148
Veja na tabela 5 abaixo a estimativa da quantidade mínima da F-75 ou da F-100 que o doente
malnutrido e seropositivo precisa por hora, segundo o peso 1. De seguida, após a estabilização do
paciente e retorno do apetite, reabilitar com ATPU, podendo ser no internamento ou no ambulatório.
Tabela 5: Estimativas da Quantidade da F-75 ou da F-100
Peso do
adulto
malnutrido
Requisitos:
kilocalorias por 24
horas, adulto
seronegativo
F-75: mínimo
cc/hora para cumprir
todos os requisitos
(o doente HIV+ pode
requerer até 50%
mais)
F-100: mínimo cc/hora para cumprir
todos os requisitos (o doente HIV+
pode requerer até 50% mais)
30-39 kg
1400
80 cc/hora
60 cc/hora
40-49 kg
1800
100 cc/hora
75 cc/hora
50-59 kg
2200
120 cc/hora
90 cc/hora
60-69 kg
2600
140 cc/hora
115 cc/hora
I.
Desnutrição Aguda Grave e sem complicações (edema bilateral, complicações médicas,
falta de apetite)
• Tratar no ambulatório com ATPU (Plumpy` Nut) dose de acordo com peso. A prioridade na
distribuição do APTU é sempre dada as crianças, os adultos apenas receberão ATPU, se a
Unidade Sanitária tiver estoque suficiente para as crianças.
•
II.
Educação nutricional e aconselhamento
Desnutrição Aguda Moderada
Suplementação Alimentar com MAE (CSB+). Se MAE não existir dar ATPU (Plumpy`Nut) em dose fixa
diária.
Tabela 6: Critérios de suspensão da suplementação ou reabilitação nutricional
Grupo populacional
Crianças e Adolescentes até aos 14
anos
Adolescentes dos 15 aos 18 anos
Adultos
Critérios de Alta
• P/E ≥ -1 DP ou IMC/Idade ≥ -1 DP em 2 pesagens
sucessivas com intervalo mínimo de 1 mês.
• IMC/Idade ≥ -1 DP em 2 pesagens sucessivas com intervalo
mínimo de 1 mês.
• OU
• PB ≥ 23,0 cm
• IMC ≥ 18.5 kg/m2 ou PB ≥ 23,0 cm
• PB ≥ 23,0 cm OU
• Criança amamentada ter completado 6 meses
Nota: Par além dos critérios apresentados na tabela, todos os pacientes devem ter bom apetite
e não ter nenhuma complicação médica.
O paciente após a suspensão do alimento terapêutico deverá ser seguido adequadamente de
modo a prevenir o retorno a situação anterior.
Mulheres grávidas e lactantes
b) Educação Nutricional e Aconselhamento para a Pessoa HIV+
1
Adaptado da OMS
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
149
A educação nutricional e aconselhamento são parte integrante dos cuidados e suporte das pessoas
HIV positivas. Durante estas sessões os seguintes aspectos deverão ser enfatizados:
•
Necessidade de pesagem e medição da estatura regular (deve ser feita a cada visita clínica)
•
Necessidade de ter uma dieta adequada
•
Necessidade de aumentar o consumo energético e manter a ingestão recomendada do de
proteínas e micronutrientes
•
Necessidade de tratar as doenças oportunistas precocemente (pessoas com HIV positivo são
susceptíveis a infecções que podem afectar a ingestão de alimentos e do estado nutricional)
•
Manejo de sintomas que poderão afectar o consumo de alimentos e acelerar a progressão da
doença
•
Importância da higiene pessoal, dos alimentos e segurança da água.
•
Efeitos do álcool, cigarros e abuso de drogas na ingestão de alimentos, absorção e utilização.
•
A dieta do doente HIV+ deve conter “alimentos energéticos” (milho, arroz, mapira, etc.);
“alimentos construtores” (feijão, ervilhas, amendoim, peixe, etc.); “alimentos protectores”
(vegetais, frutas); óleo ou gordura e muitos líquidos.
•
O doente HIV+ tem que comer mais e bem para auxiliar o seu sistema imunológico na luta
contra o SIDA e as IOs. O doente HIV+ deve consumir alimentos ricos em hidratos de carbono e
gorduras para aumentar o teor de energia no organismo. Deve-se evitar comida açucarada ou
frita se o doente é realmente obeso, ou se tem problemas de diabetes ou alto nível de colesterol.
•
O doente HIV+ deve saber como alterar a sua dieta para responder aos sintomas como falta de
apetite, cansaço, náuseas, diarreias, feridas na boca, entre outros.
O que fazer, sempre que possível, quando a pessoa tem perda de apetite?
• Comer junto com a família e amigos;
•
Comer quando a pessoa tem vontade;
•
Comer pequenas porções mais vezes ao dia;
•
Comer alimentos que a pessoa goste;
•
Evitar o consumo de álcool (o álcool diminui o apetite);
•
Tomar bebidas energéticas (leite, maheu, papas fermentadas), que fornecem mais energia;
•
Use temperos que realcem o sabor da comida;
•
Evite refeições monótonas, dê vida ao seu prato ( ter alimentos de várias cores numa refeição);
•
Fazer actividade física (caminhadas) para abrir o apetite
O que fazer quando a pessoa tem feridas na boca e/ou na garganta?
• Comer alimentos leves, macios ou húmidos, como papas, puré, massas, sopas, sorvetes etc;
•
Evitar comer alimentos pegajosos (muito açucarados), duros (torradas, biscoitos),comidas
ásperas;
•
Evitar comer alimentos ácidos (tomate, ananás, sumo de fruta cítrica, etc.);
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
150
•
Prefira bebidas a temperatura ambiente ou geladas;
•
Tomar bebidas suaves (sumo de frutas, leite);
•
Se necessário usar uma palhinha para beber;
•
Mastigar pequenos pedaços de papaia para aliviar a dor;
•
Lavar a boca frequentemente ( para além de lavar a boca, deve bochechar com água salgada ou
bicarbonato);
•
Quando suportável beba sumos ricos em vitamina C (Laranja, lima, tangerina), ajudam na
cicatrização das feridas;
O que fazer quando a pessoa sofre mudanças no seu paladar?
• Melhorar o sabor dos alimentos através do uso de temperos (salsa, coentros, etc.)
•
Adicionar sumo de limão na comida, sempre que não tenha feridas na boca
•
Praticar uma boa higiene oral;
•
No caso particular da carne, se esta amargar, substitua por outras proteínas, como o feijão,
amendoim, leite, aves, etc.
•
Consumir líquidos ao longo do dia;
•
Umedecer os alimentos (pão, bolachas e outros) antes de consumir;.
O que fazer quando uma pessoa tem diarréia?
• Tomar muitos líquidos, entre as refeições e após cada evacuação;
•
Repor os sais minerais; para tal poderá comer banana, ananás, melão e batata (fontes de
potássio);
•
Comer alimentos a base de cereais (arroz, massas, banana), fruta e legumes descascados
cozidos;
•
Evitar comer determinados tipo de fibras (pão integral, legumes crus, peles de fruta, feijão
seco);
•
Evitar o leite e lacticínios;
•
Lave e cozinhe bem os alimentos;
•
Comer pequenas porções, mas com maior frequência;
•
Reduzir o consumo de gorduras e de açúcares durante o episódio de diarreia;
•
Evite o consumo de alimentos formadores de gases como: repolho, brócolis, couveflor, milho,
pepino, refrescos e cervejas;
•
Consumir ao longo do dia Água de Arroz ou soro de Reidratação Oral ( vide receitas abaixo)
Receita de soro caseiro para hidratação oral:
• 1 colher de sopa de açúcar (rasa)
• 1 colher de chá de sal (rasa)
• 1 copo de água filtrada ou fervida (200 ml).
Receita da Água de Arroz:
• 1 colher de sopa de farinha de arroz (cheia)
• 200 ml de água
• ½ colher de chá de açúcar (rasa)
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
151
• 1 colher de chá de óleo vegetal
Dilua a colher de farinha de arroz em 100 ml de água, leve
ao fogo e deixe a ferver por 3-4 minutos.
Deixe esfriar,e acrescente o restante da água, o açúcar e o óleo. Misture bem
até ficar homogêneo.
Deve Consumir ao longo do dia em pequenas porções.
O que fazer quando uma pessoa tem suores noturnos ou febre?
• Aumentar a ingestão de líquidos, como água, sumos de frutas frescas, sumos de vegetais ou
água de coco, para repor os minerais perdidos durante a sudorese intensa (suores) ou a
febre. Consuma pelo menos 3 litros de líquidos ao dia.
• Tenha uma alimentação variada, nos horários habituais,
• Aumente o consumo de alimentos energéticos como pães, massas, etc;
O que fazer quando uma pessoa tem lipodistrofia?
• Evitar consumir alimentos gordurosos, frituras e ovos (gemas). Tenha uma alimentação
saudável;
•
Cuide da saúde emocional;Incorpar aos hábitos de vida a actividade física regular (caminhar,
andar de bicicleta, corrida leve e outras).
O Uso do Algoritmo de Baixo Peso e Desnutrição
Orientação geral:
No diagnóstico e classificação da perda de peso ou desnutrição no doente seropositivo, é preciso tomar
6 decisões básicas:
1. Há emergência nutricional? (O doente precisa de internamento?)
2. O doente tem perda de peso confirmada (ou seja, registado no processo clínico) ou não?
3. Na presença de perda de peso documentada, é mais ou menos de 10%?
4. O IMC é mais ou menos de 18,5 kg/m2? Se menos, é menos de 16,0 kg/m2?
5. Na presença de perda de peso ou caquexia documentados, há uma causa provável? Por
exemplo, tuberculose, diarreia, falta de apetite, depressão psicológica? Muitas vezes, o doente
tem mais de uma causa provável.
6. Na presença de perda de peso ou caquexia documentado, os sinais e sintomas do doente são
critérios para diagnósticos de estádio II, III, ou IV?
Passos a seguir
1. Procurar sinais de perigo (caixas 2 e 3):
•
O doente com IMC <16,0 kg/m2 normalmente deve ser internado porque caquexia deste grau é
uma emergência médica;
•
O doente com qualquer grau de desnutrição que não consegue comer nem beber, ou cujo
estado geral é instável, precisa de internamento.
2. Confirmar perda de peso (se possível) e/ou emagrecimento (caixa 4):
•
Pesar o doente e medir a estatura;
•
Calcular IMC (veja material acima):
•
Comparar o peso actual ao peso anterior, ou ao peso do doente antes da infecção pelo HIV (se
possível);
•
Calcular a percentagem de perda de peso (se possível);
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
152
•
Procurar evidência de emagrecimento visível (da face ou membros, por exemplo).
3. Classificar (caixas 5, 6, 7, 8, 9):
•
Emagrecimento ou perda de peso importante: IMC <18,5 kg/m2 ou perda de peso confirmado>
10% ou perda de peso reportado com emagrecimento visível:
 Precisa de mais investigação, ou talvez de mudança de estadio e de aconselhamento
nutricional;
 Se o IMC <16,0 kg/m2, também inicie o tratamento para desnutrição severa;
•
Sem emagrecimento e sem perda de peso considerável: IMC >= 18,5 kg/m2 e sem perda de
peso de 10%.
4. Se o IMC <18,5 kg/m2 ou perda de peso for> 10% ou perda de peso não registada +
emagrecimento visível: Procurar a causa (caixas 10, 11, 12, 13):
•
Faça avaliação completa (anamnese, exame físico, testes laboratoriais se indicados);
•
Procure a causa do problema (pode precisar de duas ou mais visitas); focalizando TB (sempre
faça perguntas de rastreio para TB), outras IOs e deficiências nutricionais;
•
Procure evidência de Síndrome de Caquexia: diarreia, febre, ou suores nocturnos por mais de
um mês, sem outra explicação (por exemplo, não há TB), sem resposta a antibióticos e/ou
tratamento para malária (veja definições de Síndrome de Caquexia do SIDA, acima);
•
Se identificar a causa: trate e reavalie;
•
Faça aconselhamento nutricional;
•
Se o IMC <18,5 kg/m2, aplique o pacote de apoio nutricional, se disponível.
5. Se não consegue identificar a causa, ou o doente não responde ao tratamento (caixas 11, 1519):
 Avalie o estadio clínico e indicações para o TARV e Cotrimoxazol;
 Se já está a fazer o TARV mas continua a perder peso, ou o peso não aumenta com o
tratamento, deve encaminhar o doente.
Pontos-Chave
•
Perda de peso, emagrecimento, e desnutrição em doentes HIV+ são importantes porque podem
ser sinais de IO, de condições de estadio II, III ou IV, ou da carga viral alta; e porque o doente
malnutrido corre mais risco de morrer.
•
O clinico deve usar as variações de peso e IMC como indicadores da resposta ao TARV ou do
desenvolvimento de IOs em doentes seropositivos.
•
O clinico deve explicar a importância da nutrição adequada para a sobrevivência da pessoa
seropositiva.
•
“Caquexia” e “síndrome de caquexia do SIDA” não são a mesma coisa; o Clinicodeve dominar
estes conceitos.
Anexos
Em anexo a esta unidade encontra-se o seguinte documento:
• Fluxograma do Paciente HIV+ com Baixo Peso e Desnutrição
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
153
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
154
Referências Bibliográficas
1
Stringer J, Zulu I, Levy J, Stringer E, Mwango A, Chi B, Mtonga V, Reid S, Cantrell R, Bulterys M, Saag M,
Marlink R, Mwinga A, Ellerbrock T, Sinkala M. Rapid scale-up of antiretroviral therapy at primary care
sites in Zambia. JAMA 2006;296:782-793.
2
Van Lettow M et al. Micronutrient malnutrition and wasting in adults with pulmonary tuberculosis
with and without HIV co-infection in Malawi. BMC Infectious Diseases 2004; 4:61.
3
Rabkin M, El-Sadr W, Abrams E. O Manual Clinico MTCT-Plus. The MTCT-Plus Initiative, Mailman
School of Public Health, Columbia University, New York, New York: 2003.
4
Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora, Portugal, 2005
MISAU, Repartição de Nutrição, Guião de Orientação Nutricional para Pessoas vivendo com o HIV/SIDA:
dirigido aos gestores de programas, Maputo, 2003
MISAU. Manual de Tratamento e Reabilitação Nutricional Volume II, . Maputo 2011
Manual de Referência do Clínico
Perda de Peso, Emagrecimento e Desnutrição no Doente HIV+
155
Unidade 4.3 – Anemia no Doente HIV+
Introdução
Anemia é uma doença com um índice de prevalência muito elevado em pessoas infectadas pelo HIV.
As causas da anemia são diferentes e muito extensas em doentes HIV+ em comparação com os
seronegativos. Muitas vezes, a pessoa com HIV tem anemia causada por mais de um factor. Portanto, o
processo de avaliação e tratamento da anemia em pessoas infectadas pelo HIV é diferente do processo
utilizado para o manejo da mesma na população geral.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
• Epidemiologia da anemia
• Definições da anemia
• Factores que favorecem a anemia nos doentes HIV+
• Consequências da anemia no doente HIV+
• Diagnóstico diferencial: causas da anemia no doente HIV+
• Abordagem diagnóstica da anemia no doente HIV+
• Manejo do doente seropositivo com anemia
• Leucopenia e Neutropenia
• Trombocitopenia
Epidemiologia de Anemia
A anemia é uma condição comum na população geral de Moçambique e encontra-se distribuída em
toda a região da África Sub-Sahariana. As causas da anemia são várias destacando-se, de entre elas, a
deficiência de ferro e outros nutrientes e a perda ou destruição de glóbulos vermelhos por parasitas
intestinais ou malária. Nas pessoas vivendo com HIV/SIDA, a anemia é ainda mais frequente e
responde às mesmas causas e a outras específicas relacionadas com a infecção pelo HIV, ou com o
tratamento da mesma. Diferentes estudos mostram a sua prevalência aqui e noutros países da África.
Prevalência Geral da Anemia em Moçambique
Dados do MISAU e Helen Keller Internacional:
• Mulheres em idade reprodutiva (nível nacional, 2002): 48% tinham anemia
• Crianças com idade inferior a 5 anos de idade (nível nacional, 2002): 75% tinham anemia
• Homens (em quatro províncias de Moçambique, 1998): 19% tinham anemia
Prevalência da Anemia no doente HIV+ na Zâmbia
Estudo realizado por Stringer (2006):
A anemia foi comum nos doentes seropositivos que iniciaram o TARV:
Doentes HIV+ começando TARV:
o Hemoglobina (média): 10,8 g/dl
o Hemoglobina <8 g/dl: 10%
A anemia nos doentes seropositivos é muito frequente e está directamente relacionada com a
suasobrevivência. Quanto mais grave for a anemia no momento de iniciar o TARV, maior será o risco de
morte dos doentes.
Definições da Anemia
A anemia define-se como a diminuição abaixo do normal do número de glóbulos vermelhos e
hemoglobina no sangue. As causas de anemia são múltiplas, mas nesta unidade serão apresentadas
duas definições que interessam no caso dos doentes com infecção pelo HIV.
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
156
A. Definição usada no estadiamento de HIV:
Uma hemoglobina inferior a 8 g/dL, sem outra explicação (por exemplo, hemorragia pós-parto, malária
severa, tuberculose) é definitória do estádio III da OMS para a classificação do HIV para África (OMS,
2006).
A anemia do estádio III que não responde ao tratamento com Albendazol ou Mebendazol, sulfato
ferroso, ou antimaláricos. A definição de “não responde” quer dizer que a hemoglobina medida depois
de um mês de tratamento não aumenta ≥ 1 g/dL (o resultado é o mesmo ou mais baixo que o anterior).
B. Definições usadas pela OMS para avaliar os efeitos adversos dos anti-retrovirais e outros
medicamentos) quanto à toxicidade:
•
Toxicidade Grau 1: Hb 8,0 – 9,4 g/dL
•
Toxicidade Grau 2: Hb 7,0 – 7,9 g/dL
•
Toxicidade Grau 3: Hb 6,5 – 6,9 g/dL
•
Toxicidade Grau 4: Hb <=6,4 g/dL
A toxicidade grau I (toxicidade leve) implica uma hemoglobina entre 8,0 a 9,4 g/dl.
A toxicidade grau IV (o grau mais severo) implica uma hemoglobina inferior a 6,5 g/dl (sem outra
explicação para além do uso do medicamento).
NOTA: Ver a Unidade sobre Reacções adversas a medicamentos para mais informações.
Factores que Favorecem a Anemia no Doente HIV+
Muitos destes factores não são diferentes dos que apresenta a população geral seronegativa:
• Pobreza (dieta insuficiente);
• Parasitas intestinais, malária, hemorragia pós-parto, etc.
Outros são factores directamente relacionados com a infecção pelo HIV:
• Infecção avançada pelo HIV;
• Infecções oportunistas;
• Dificuldade para comer provocada por uma infecção oportunista;
• Reacções adversas a medicamentos usados no tratamento dos pacientes com HIV;
• SIR (síndrome de imuno-restauração).
Mecanismos de Desenvolvimento da Anemia no HIV/SIDA
•
•
•
Redução da produção de eritrócitos, causada por inflamação, infiltração ou toxicidade da medula
óssea (exemplos: tuberculose atípica com infiltração da medula óssea; toxicidade de
Zidovudina);
Perda de eritrócitos, por sangramento/hemorragia (exemplo: sangramento intestinal causado por
sarcoma de Kaposi intestinal);
Perda de eritrócitos, por destruição (exemplos: reacções adversas à Dapsona, malária).
A anemia provocada pelo HIV sem outra causa aparente é devida a uma depressão no funcionamento
da medula óssea, e constitui uma condição do estadio III.
Consequência da Anemia no Doente HIV+
Muitas das consequências da anemia são as mesmas que aparecem no doente HIV negativo:
dificuldade para trabalhar, diminuição do apetite, risco elevado de mortalidade materna, baixo peso ao
nascer nas crianças de mães com anemia, etc.
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
157
Para além dos riscos normais, o doente seropositivo com anemia tem um elevado risco de progressão
da doença para a morte. A anemia inexplicada (Hb < 8 g/dl) é condição definitória de estadio III da
OMS.
Diagnóstico Diferencial: Causas da Anemia no Doente HIV+
Como já foi referido, as causas da anemia na população geral se somam às causas específicas do
doente seropositivo. Neste grupo, as causas infecciosas da anemia são muito semelhantes as da
deficiência de ferro. Este facto muda a abordagem e o tratamento da anemia no doente com HIV, pois
nestes não basta administrar sal ferroso ou albendazol, mas é preciso investigar as causas da anemia.
A anemia nos doentes infectados pelo HIV e naqueles com infecção avançada pode ser provocada por
várias causas ao mesmo tempo.
Causas mais comuns da anemia no doente HIV+ com Hb <7.0 g/dl
Segundo o estudo realizado em Malawi em doentes internados com anemia grave, registaram-se
as seguintes causas associadas 1:
 Tuberculose 38%
 Malária
14%
 Ancylostoma 14%
 Salmonella
13%
Neste estudo, observou-se que a TB é a causa mais frequente da anemia nos doentes HIV + internados
com Hb <7 g/dl.
Prevalência da anemia provocada por deficiência de ferro em doentes internados com Hb <7,0
g/dl 2 :
• Doentes HIV- : 59,0%
• Doentes HIV+: 16,0%
Este estudo mostra que a falta de ferro é muitas vezes a explicação dada para a anemia nos doentes
sem HIV, mas não é a causa predominante nos doentes seropositivos.
Abordagem Diagnóstica da Anemia no Doente HIV+
A. Quando Suspeitar da Anemia no Doente HIV+
O CLINICO deve suspeitar e avaliar de forma sistemática a anemia no doente seropositivo. Perante as
situações a seguir apresentadas, o clínico deve desconfiar da anemia e recomendar o respectivo teste:
• Presença de sinais/sintomas como: cansaço, fadiga, palidez, tosse ou diarreia com sangue,
hemorragia, dificuldade para respirar que piora com exercício (sem outra explicação).
A anemia se manifesta nos casos mais graves, como um quadro de insuficiência cardíaca ou
respiratória (dispneia que piora com o exercício, edemas, etc.). Em casos muito severos a anemia pode
provocar choque com colapso cardio-respiratório.
Noutros casos, os sinais ou sintomas da anemia aparecem acompanhados aos sintomas da doença que
a provoca (febre e tosse no caso de tuberculose pulmonar, febre com cefaleia e artralgias no caso da
malária).
1
Fonte: Lewis D, Whitty C, Walsh A, Epino H, van den Broek N, Letsky E, Munthali C, Mukiibi J, Boeree M. Treatable factors
associated with severe anaemia in adults admitted to medical wards in Blantyre, Malawi, an area of high HIV seroprevalence.
Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene 2005; 99:561-567
2
Fonte: Lewis D, Whitty C, Epino H, Letsky E, Mukiibi J, van den Broek N. Interpreting tests for iron deficiency among adults in
a high HIV prevalence African setting: routine tests may lead to misdiagnosis. Transactions of the Royal Society of Tropical
Medicine and Hygiene 2007; 101:613-617
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
158
•
Presença de infecções oportunistas ou outras condições que muitas vezes se apresentam
com anemia: tuberculose pulmonar e extrapulmonar, malária, diarreia crónica, malnutrição,
candidíase oral prolongada com dificuldade para engolir ou qualquer outra condição de estadio
III ou IV.
Nos casos de infecções ou condições associadas ao HIV, a anemia pode ser somente uma
manifestação de doença. Em geral, os doentes com situação complicada, com sinais de doença
avançada, devem ser encaminhados para o médico.
• Doente seropositivo a fazer tratamento com algum dos seguintes medicamentos:

Zidovudina;

Cotrimoxazol;

Com menor frequência outros fármacos (ver guião de reacções adversas).
O Cotrimoxazol e particularmente a Zidovudina podem ser a causa da anemia, para alguns casos
graves. Os doentes que estejam a fazer o tratamento com ZDV devem seguir os controlos periódicos
estabelecidos no protocolo de seguimento do doente em TARV (ver Unidade sobre Avaliação clínica do
doente com HIV).
• Doente com evidência de condições de pobreza extrema (com dieta insuficiente), nestes
casos pode-se encontrar anemia grave por carência de nutrientes (ferro, vitaminas).
•
Se o doente for uma mulher grávida: o índice de prevalência de anemia é muito elevado entre
as mulheres em idade fértil, sobretudo nas seropositivas.
B. Como Diagnosticar a Anemia
A anemia pode ser diagnosticada preferencialmente através da hemoglobina, do hematócrito, ou do
hemograma.
Os testes de rotina programados no calendário de análise para o seguimento dos doentes devem ser
cumpridos:



Hemograma que acompanha a contagem de CD4 inicial e de rotina;
Hemograma, ao iniciar o TARV;
Repetir o hemograma nos seguintes intervalos: 1 mês, 2 meses e de 6 em 6 meses
depois de iniciar o TARV.
Para além dos testes programados, o clínico deve solicitar alguma prova para avaliar a anemia (Hb,
Hemograma) sempre que suspeitar haver a anemia.
Uso de Palidez para confirmar o diagnóstico da anemia: Não é recomendado.
Quando o doente está pálido, o profissional de saúde deve suspeitar anemia, mas sempre é preciso
pedir confirmação laboratorial antes de prescrever qualquer tratamento, e antes de suspender algum
medicamento por suspeita de reacção adversa.
A ausência da palidez não descarta a possibilidade da anemia.
Estudo desenvolvido com crianças na Uganda e em Bangladesh 3
• Palidez da conjuntiva identificou só 21-50% das crianças com anemia severa
• Palidez palmar identificou só 10-21% das crianças com anemia severa
Manejo do Doente Seropositivo com Anemia (Algoritmo)
•
Primeiro passo: Avalie sinais de perigo (Caixa 1). Como sempre, perante um doente com
algum sinal ou sintoma de anemia (fadiga, fraqueza, dispneia, palidez), o clínico deve avaliar a
3
Fonte: Kalter H, Burnham G, Kolstad P, Hossain M, Schillinger J, Khan N, Saha S, de Wit V, Kenya-Mugisha N, Schwartz B,
Black R. Evaluation of clinical signs to diagnose anemia in Uganda and Bangladesh, in areas with and without malaria. Bulletin
of the World Health Organization 1997(Suppl 1):103-111
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
159
presença de sinais de perigo. Se o doente mostrar algum sinal de perigo (shock, insuficiência
cardíaca ou respiratória, palidez severa, sangramento de qualquer tipo incluindo obstétrico,
abdómen cirúrgico ou valores de hemoglobina muito baixos) deve ser atendido conforme o
guião de emergências. (Ver Unidade sobre Emergências Médicas nos Doentes Seropositivos).
Se a situação do doente é estável, o clínico deve continuar com a avaliação. A anamnese e o exame
físico devem ser feitos de forma rotineira.
•
Passo 2. Confirmar a anemia: (caixa 5) A suspeita de anemia deve ser confirmada através do
hemograma ou determinação da Hemoglobina. Se a hemoglobina for superior a 10 g/dl, ou está
a aumentar em relação aos testes anteriores, o clínico deve procurar outras causas para explicar
os sintomas do doente. Nesses casos é provável que a anemia não seja a causa dos sintomas.
Passos a seguir, no doente com anemia confirmada (Hemoglobina <10 mg/dl que não está a
aumentar; ou Hemoglobina> = 10 mg/dl que está a baixar):
•
Passo 3. Procurar sinais ou sintomas de sangramento (caixa 4). Em caso de anemia,
qualquer sangramento pode ser a causa. O clínico deve perguntar ao doente se recentemente
teve sangramento, de gravidez ou aborto no caso particular das mulheres. Nas mulheres, a
gravidez pode ser a causa da anemia devido ao aumento das necessidades nutricionais. A
mulher em idade fértil deve ser sempre investigada para avaliar a possibilidade de gravidez. Se
houver evidência de sangramento, o clínico deve tratar ou encaminhar o doente, além de seguir
os outros passos deste algoritmo.
•
Passo 4. Pesquisar malária (caixa 6). O primeiro diagnóstico que o clínico deve procurar é a
malária (dada a sua elevada prevalência no país). Um teste rápido ou lâmina de malária deve
ser solicitado e se for positivo, deve ser prescrito o tratamento correspondente (veja guião de
malária).
•
Passo 5. Perguntar pelo uso de medicamentos que podem causar anemia (caixa 10). Se o
teste de malária for negativo, o clínico deve avaliar no processo clínico ou através do próprio
doente ou da farmácia everificar a sua história medicamentosa. Se o doente estiver a tomar CTZ
ou ZDV (AZT), estes fármacos podem ser a causa da anemia. O clínico deve consultar o guião
de manejo de reacções adversas a medicamentos.
•
Passo 6. Tratamento presuntivo (sindrómico) de anemia sem causa aparente (caixa 13). Se
nenhuma destas causas explica a presença da anemia (fármacos, malária, evidência de
sangramento ou gravidez) e a anemia não está relacionada com a leucopenia ou
trombocitopenia, nem por sinais ou sintomas de alguma doença associada ao HIV que possa
provocar anemia (por exemplo tuberculose), nestes casos, o clínico deve administrar a seguinte
combinação de medicamentos:
o Sal ferroso;
o Ácido fólico;
o Complexo B;
o Albendazol ou Mebendazol (se o doente não tiver recebido nos últimos 6 meses)
•
Passo 7. Avaliar a resposta ao tratamento (caixa 15). A seguir, deve avaliar a resposta com
hemograma ou hemoglobina um mês após o tratamento.
Uma resposta positiva é um aumento de 1 g/dL de hemoglobina, nestes casos, o tratamento
deve ser mantido pelo menos três meses até a recuperação da anemia (caixa 16).
Um aumento menor (de menos de 1 g/dL) sugere que há deficiência de ferro e o parasitismo
intestinal não explica a anemia completamente. Caso o doente não melhore ou piore, a anemia
pode ser devida a uma infecção ou doença oportunista ainda não diagnosticada (por exemplo
TB) ou a própria infecção pelo HIV (estadio III da OMS). Nestes casos, e também nos casos em
que a anemia é acompanha de trombocitopenia ou leucopenia, o clínico deve encaminhar o
doente ao médico (caixa 14 e 17).
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
160
TABELA 1: Anemia e Infecções
Tabela 1. Infecções oportunistas e outras infecções associadas à anemia em Moçambique
Infecção
HIV estadio clínico
Comentário
Prevalência: Helmintas são comuns em Moçambique.
Diagnóstico: submeter aos estudos para ovos e
parasitas.
Parasitas
Tratamento intermitente com dose única de albendazol é
intestinais:
importante para o controle de ancylostomia e trichuris,
Ancilostoma,
Qualquer
mas não para schistosomiasis.
schistosomiasis,
Prevenção: Bases a usar. Filtrar, ferver, ou tratar a água
trichuris
antes de beber. Lavagem das mãos.
Comentários: Outras causas de anemia são mais
comuns do que ancylostomiase em pacientes com SIDA.
Prevalência: Malária é endémica em todas as províncias
de Moçambique embora esteja agora em declínio no sul.
Diagnóstico: Teste rápido de Malária ou pesquisa da
lâmina (esfregado).
Tratamento: Padronizadas a primeira, segunda e terceira
linhas de tratamento da malária em pacientes que não
estejam a fazer cotrimoxazol ou TARV. Se estiverem a
fazer CTZ ou TARV ou rifampicina, siga guiões
Qualquer (grande
separados.
probabilidade em
Prevenção: Uso regular de redes mosquiteiras tratadas
Malária
estadios avançados
com insecticidas. Pulverização intradomiciliária. Uso de
da doença, e na
redes mosquiteiras nas janelas. Drenagem de águas
gravidez)
estagnadas. Profilaxia com cotrimoxazol.
Comentários : Hemoglobina poderá continuar a diminuir
por 7 a 21 dias depois do tratamento com sucesso para
malária e depois recupera-se.
Se o teste para a malária for negativo em pacientes que
estejam a tomar o CTZ e usando redes mosquiteiras, a
malária será muito improvável (embora não impossível) e
outras causas de anemia deverão ser consideradas.
Prevalência: Bactérias Gram-negativas são ubíquas.
Infecções
Diagnóstico: Por hemocultura (não comummente
bacterianas da
existente), Suspeita clínica.
sangue: Sepsis,
Tratamento: Antibióticos activos contra bactérias GramSalmonella
negativas.
particularmente
Qualquer
Comentário: No País actualmente é difícil confirmar a
não-tifóide, e
presença de bacteriemia. Mas, é importante que o clínico
outros
entenda
que as infecções bacterianas da sangue podem
organismos Gramcausar
anemia
e que as vezes é preciso tratar a febre
negativos
sem foco com antibióticos.
Incidência: Pode ocorrer no norte de Moçambique mas
considera-se pouco comum.
Diagnóstico: Esfregaço de sangue corada com Giemsa
Qualquer (mais
Leishmaniasis
frequente em muitos Tratamento: O clínico que suspeita Leishmaniase deve
visceral
estadios avançados consultar o médico
de doença)
Comentários: Anemia causada por leishmaniasis visceral
está intimamente associada com linfadenopatia, febre e
leucopenia.
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
161
Tabela 1 (Cont). Infecções oportunistas e outras infecções associadas à anemia em Moçambique
Infecção
HIV estádio clínico
Trypanosomiasis
africana
Qualquer
Amebíase crónica
Qualquer
Tuberculose
Pulmonar ou
extrapulmonar
estadios III ou IV
Sarcoma de
Kaposi
(disseminado)
IV
Linfoma
IV
Complexo
Mycobacterium
avium intracelular
IV
Infecção Fúngica
Disseminada
IV
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
Comentário
Incidência: Mais comum no Norte de Moçambique e áreas
florestais.
Diagnóstico e tratamento: O clínico que suspeita
Trypanosomiase deve consultar o médico
Comentários: Pode causar anemia hemolítica.
Incidência: está presente em todo Moçambique.
Diagnóstico: submeter a estudos dos ovos e parasitas.
Tratamento: Metronidazole
Prevenção: Consumo de água potável.
Incidência: Presente em todo Moçambique.
Diagnóstico: Detectado por esfregaço da expectoração
para BK ou cultura da expectoração ou de outras fontes
(aspirados dos linfónodulos, líquido peritoneal, líquido de
derrames pleurais, etc).
Tratamento: Pelas normas do PNCTL.
Prevenção: Pessoas com tosse devem cobrir a boca
durante os acessos de tosse. Terapia preventiva com
isoniazida em pacientes HIV positivos já seleccionados.
Medidas para prevenir transmissão dentro das unidades
sanitárias
Incidência: Comum no estadio IV de SIDA.
Diagnóstico: Biopsia, nas lesões superficiais depois do
diagnóstico clínico.
Tratamento: Pode melhorar só com TARV. Quimioterapia
sistémica + TARV para doença avançada (visceral ou
Kaposi cutâneo disseminado).
Comentários: Pode causar hemorragia gastrointestinal.
Inspeccione a boca para ver sinais de lesões de Kaposi.
Incidência: Difícil de diagnosticar em Moçambique;
incidência desconhecida.
Diagnóstico e tratamento: O técnico deve consultar o
médico.
Comentários: Pode causar hemorragia gastrointestinal.
Incidência: Difícil de diagnosticar em Moçambique;
incidência desconhecida
Diagnóstico e tratamento: O técnico deve consultar o
médico.
Comentários: Infiltrados na medula óssea interferindo com
a produção de células sanguíneas.
Difícil diagnosticar em Moçambique.
Diagnóstico e tratamento: O técnico deve consultar o
médico.
162
TABELA 2: Anemia e fármacos
Tabela 2. Medicamentos associados com a anemia em Moçambique. Uma Listagem parcial.
Medicação
Utilidade
Comentários
Zidovudina (AZT, ZDV)
TARV, PTV
Anemia é um efeito colateral comum;
Usualmente desenvolvida em poucas semanas
após o inicio da terapêutica. Num estudo
efectuado em Maputo, 20% de mulheres
grávidas que tinham hemoglobina normal no
início e começaram o TARV com zidovudina
desenvolveram anemia significativa.[i]
Estavudina
TARV
Muito pouco comum que seja causa da anemia
Cotrimoxazol
Prevenção de Infecções Causa mais neutropenia do que anemia
Oportunistas,
tratamento de infecções
comuns
SulfadoxinaPrevenção da Malária Alto risco de anemia se combinada com
pyrimethamina (Fansidar) (tratamento intermitente zidovudina
preventivo na Gravidez);
tratamento da malária
(combinado com outros
fármacos)
Lamivudina
TARV
Muito menos comum do que a zidovudina como
causa de anemia
Muito menos comum do que zidovudina como
causa de anemia
Indinavir
TARV
Rifampicina
Tratamento da TB
Causa rara de anemia
Pyrazinamida
Tratamento da TB
Causa rara de anemia
Quinina (Também
mefloquina, artemicinina,
halofantrina)
Tratamento da Malária Medicamento indutor de hemolise Imune (“febre
da agua negra”). Não comum
Dapsona, ácido
Várias
nalidixico, nitrofurantoina,
primaquina, sulfonamidas,
aspirina, cloroquina,
quinina, cloranfenicol.
Hemólise se dado a pacientes com deficiência
de G6PD. Não comum
Agentes
quimioterapêuticos
Possíveis causas de anemia. Controle a
hemoglobina antes do início da quimioterapia
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
Tratamento de
Sarcoma de Kaposi
disseminado
163
Leucopenia e Neutropenia
A leucopenia é uma diminuição do número de leucócitos no sangue. Os leucócitos fazem parte das
células de defesa do organismo. O seu valor normal varia entre 4.500 a 11.000 cels/mm3.
Por vezes, o doente HIV+ pode também ter uma deficiência de neutrófilos (que são uma porção dos
leucócitos). A diminuição na contagem de neutrófilos produz uma redução na contagem dos leucócitos
na sua totalidade. Por este motivo, às vezes os termos Leucopenia e Neutropenia são usados de forma
indistinta.
Causas comuns:
• Medicamentos (Cotrimoxazol, Zidovudina, Fansidar, Quimioterapia);
• Infecções oportunistas da medula óssea (micobactéria atípica); leishmaniasis visceral;
• HIV (afectando a medula óssea).
Neutropenia e estadiamento do HIV
A neutropenia (<500 cels/mm3) num doente HIV+ sem causa aparente por mais de um mês é indicativa
do estadio III.
Monitorização dos casos de Neutropenia ou Leucopenia
• Rever medicamentos (actuais e recentes);
• Procurar sinais e sintomas de infecção oportunista;
• Se a causa mais provável for uma reacção a um medicamento já suspenso, repita o hemograma
no prazo de uma semana;
• Se a causa mais provável for uma reacção a um medicamento que o doente está ainda a tomar,
use o quadro que aparece na unidade de Reacções adversas a medicamentos para determinar
o grau de toxicidade e o manejo da mesma;
• Se a causa for uma infecção oportunista, diagnostique e trate a infecção oportunista (ou
encaminhe o caso);
• Se a leucopenia/neutropenia for acompanhada por anemia e/ou trombocitopenia, encaminhe o
doente ao médico.
Lembre-se: As infecções oportunistas e as reacções adversas podem coexistir.
Trombocitopenia
A trombocitopenia é a diminuição do número de plaquetas no sangue.
As plaquetas são as células que tornam possível a coagulação do sangue. O seu valor normal varia
entre 150.000 a 450.000 cels/mm3.
O doente HIV+ também pode ter deficiência de plaquetas.
Uma anemia com trombocitopenia não é uma anemia simples e pode ter diversas origens:
• Infiltração da medula óssea por tumor ou infecção oportunista;
• Outras infecções (malária);
• Reacções adversas a medicamentos;
• HIV (leva à produção de anticorpos que atacam as plaquetas);
• Leucemia, linfoma, entre outras.
Trombocitopenia e estadiamento do doente com HIV
A trombocitopenia (<50,000 cels/mm3) sem outra explicação e persistente por mais de um mês num
doente HIV+ é indicativa do estadio III de HIV-SIDA.
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
164
Pontos-Chave
•
•
•
•
•
•
A anemia é uma doença com um índice de prevalência muito elevado entre os doentes
seropositivos, apresentando duas causas principais:
 Comuns: sem relação com o HIV (por exemplo, carência de ferro);
 Relacionadas com o HIV/IOs/reacções adversas a medicamentos
Nos doentes seropositivos, muitas vezes a anemia tem relação com algum processo relacionado
com a infecção pelo HIV (por exemplo TB, fármacos).
O clínico deve confirmar a anemia apoiando-se nas provas de laboratório correspondentes
(hemograma, Hb).
O uso de Palidez para confirmar o diagnóstico da anemia, não é recomendado, portanto, pois pode
levar a erros na avaliação da anemia.
A relação da anemia com infecções e com as condições que determinam o estádio avançado (III ou
IV) deve levar ao clínico a consultar o médico.
A anemia, a leucopenia e a trombocitopenia persistentes por mais de um mês sem explicação ou
causa aparente (infecções oportunistas, fármacos ou outras) podem ser definitórias de estadio III da
classificação da OMS para SIDA.
Anexos
Em anexo a esta unidade encontra-se o seguinte documento:
•
Algoritmo da anemia
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
165
Manual de Referência do Clínico
Anemia no Doente HIV+
166
Módulo 5
Doenças Respiratórias no
Doente HIV+
Unidade 5 – Doenças Respiratórias no Doente HIV+
Introdução
Nesta unidade, vai-se abordar a manifestação e o manuseamento das doenças respiratórias no doente
HIV+. As doenças respiratórias embora sejam comuns a todas as pessoas independentemente do seu
seroestado, são frequentes nos doentes com HIV+ e algumas delas aparecem exclusivamente nestes
doentes.
As doenças respiratórias são a causa mais frequente para as consultas de urgência dos doentes HIV+
em todo o mundo. Algumas, tais como a pneumonia e a TB, representam os primeiros sinais do SIDA
para mais da metade dos doentes.
As doenças respiratórias são a causa de morte para cerca de ¼ dos doentes seropositivos 1.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
• Diagnóstico diferencial das doenças respiratórias no doente HIV+
• Pneumonia bacteriana e outras
• Malária que se apresenta com sinais e sintomas respiratórios
• Tuberculose Pulmonar
• Pneumonia por Pneumocistis Jirovecii
• Sarcoma de Kaposi Pulmonar (SKP)
• Acidose láctica
• Uso do algoritmo para abordagem dos doentes seropositivos que se queixam de problemas
respiratórios agudos e crónicos
Diagnóstico Diferencial das Doenças Respiratórias no Doente HIV+
São várias as doenças respiratórias que os doentes seropositivos podem apresentar. Porém, não é
conhecida nenhuma patologia respiratória provocada pelo HIV.
Os sinais e sintomas mais comuns da doença respiratória são a tosse, a febre e a falta de ar (dispneia).
A duração das queixas ajuda a distinguir as prováveis causas da patologia pulmonar nos doentes HIV+.
As doenças respiratórias podem ser agudas (< 3 semanas) e subagudas ou crónicas (> 3 semanas) e
as mais frequentes, colocadas segundo a etiologia, são:
Infecções Oportunistas:
• Tuberculose;
• Pneumonia pneumocística jirovecii (PCP);
• Pneumonia criptocócica;
• Pneumonia toxoplasma.
Doenças Oportunistas associadas à infecção pelo HIV:
• Sarcoma de Kaposi (SK);
• Linfoma.
Complicações da terapia medicamentosa:
• SIR;
• Acidose láctica.
• Outras: Pneumonia bacteriana, bronquite, bronquiectasia, enfisema/DPOC (Doença Pulmonar
Obstrutiva Crónica), carcinoma broncogénica, asma, resfriados comuns, malária, infecções do
helminto, anemia e outras.
Devido à dificuldade existente no diagnóstico diferencial destas patologias em Moçambique, o clínico
deverá ser capaz de reconhecer a sintomatologia de todas doenças, para poder tratar algumas do
estadio I, II e III e encaminhar outras.
1
Relatório OMS 2007
Manual de Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
167
Pneumonia Bacteriana e Outras
As doenças respiratórias (ou que se apresentam com sintomas
respiratórios) mais frequentes no doente HIV+:
•
Pneumonia (Bacteriana e outras);
•
Malária que se apresenta com sinais e sintomas respiratórios;
•
Tuberculose pulmonar;
•
Pneumonia pneumocística jirovecii ( PCP);
•
Sarcoma de Kaposi Pulmonar(SKP);
•
Acidose láctica.
A pneumonia é uma doença pulmonar comum que afecta a todas as pessoas independentemente do
seu estado serológico, mas é mais frequente nos doentes com HIV+
• A pneumonia bacteriana severa (primeiro episódio) é uma doença que define o estadio III da
infecção pelo HIV.
• A pneumonia bacteriana severa e recorrente é mais comum nos doentes HIV+ e é uma doença
que define o estadio IV da infecção pelo HIV.
• A pneumonia bacteriana é mais frequente nos doentes com contagens de CD4 baixos, mas
pode ocorrer em qualquer altura da infecção pelo HIV.
A apresentação clínica da pneumonia bacteriana é similar a dos doentes sem HIV, no entanto:
• Existe uma tendência de progressão mais rápida e mais grave;
• Hospitalização mais frequente;
• A formação de cavitação, empiema ou de efusão parapneumática e septicemia são mais
frequentes nos doentes HIV+.
As características clínicas comuns da pneumonia bacteriana são: estado agudo, febre, tosse, fervores
crepitantes, infiltrações detectadas na radiografia do tórax.
A sintomatologia respiratória pode ter outras etiologias como a TB, a malária, a PCP e as complicações
das infecções por amebas ou helmintos (parasitoses). Por isso, deve-se suspeitar outra etiologia se o
tratamento com antibióticos não for bem sucedido.
As Causas infecciosas da Pneumonia no doente HIV+
Bacteriana
Viral
Parasitária/Fúngica
Micobacteriana
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
Streptococcus pneumoniae
Staphilococcus aureus
Haemophilus influenzae
Streptococcus viridans
Cytomegalovirus
Herpes simplex
Cryptococcus neoformans
Toxoplasma gondii
Mycobacterium tuberculosis
Micobactérias atípicas (Mycobacterium
avium complex ou MAC)
168
Malária que se Apresenta com Sinais e Sintomas Respiratórios
A malária deve ser incluída no diagnóstico diferencial das doenças que produzem tosse e febre;
diversos estudos revelaram que a malária pode apresentar os mesmos sintomas que as doenças
respiratórias:
•
Estudo da África de Sul 2: De entre os doentes HIV+ com malária aguda, 10% apresentavam
sintomas respiratórios, 4% tinham edema pulmonar.
•
Estudo da Uganda 3: De entre os doentes HIV+ com malária aguda, 18% apresentavam
sintomas respiratórios agudos compatíveis com a pneumonia, 29% com tosse persistente.
Os doentes que apresentam história de febre, sintomas ou falhas respiratórias +/- tosse, deverão ser
testados quanto há suspeita de malária.
Além disso, a Dispneia associada à malária grave pode ser confundida com pneumonia.
Tuberculose Pulmonar
A Tuberculose (TB) é uma doença endémica em Moçambique causada pelo Mycobacterium
tuberculosis ou bacilo de Koch (BK). É uma doença que se transmite facilmente de uma pessoa que
esteja doente para outra que esteja saudável. Geralmente ataca os pulmões mas pode afectar outras
partes do corpo.
A TB indica em que estadio clínico da infecção pelo HIV o doente está:
•
•
A TB pulmonar indica que o doente está no estadio III
A TB extrapulmonar indica que o doente está no estadio IV
Perguntas chaves de rastreio da TB activa a serem consideradas nas consultas dos
doentes HIV + :
•
Você tem tosse há mais de três semanas?
•
Já cuspiu sangue?
•
Tem suores nocturnos há mais de três semanas?
•
Tem febre há mais de três semanas?
•
Perdeu peso (>3 kg no último mês)?
•
Existe alguém no seu agregado familiar a receber tratamento para TB?
A pessoa que responde “sim” a 1 ou mais destas perguntas deverá fazer exame de BK
A apresentação da TB nos doentes com HIV/SIDA pode ser diferente comparando com a da população
em geral (ver mais informação no Módulo 6 do MR sobre TB e HIV).
2
Grimwade K, French N, Mbatha DD, Zungu D, Dedicoat M, Gilks CF. HIV infection as a cofactor for severe falciparum malaria
in adults living in a region of unstable malaria transmission in South Africa. AIDS 2004;18:547-554.
3
Müller O, Moser R. The clinical and parasitological presentation of Plasmodium falciparum malaria in Uganda is unaffected
by HIV-1 infection. Trans R Soc Trop Med Hyg 1990;84:336-338.
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
169
A TB nos doentes HIV+ : Estudos realizados em Moçambique
Distrito de Manhiça, 2001-4 4:
Aumento em 85% da incidência da TB (de 211/100,000 habitantes para 394/100.000). 56% dos
casos de TB foram HIV+ .
Distribuição dos casos:
• 66% Adultos, esfregaço pulmonar positivo (BK+)
• 11% Adultos, esfregaço pulmonar negativo (BK -)
• 12% Adultos, tuberculose extrapulmonar
• 10% Crianças
O Efeito da Infecção pelo HIV e os Sinais e Sintomas de TB5
Sintoma/sinal
HIV+(%)
HIV-(%)
Dispneia
97
81
Febres
79
62
Suores
83
64
Perda de peso
89
83
Diarreia
23
4
Hepatomegalia
41
21
Esplenomegalia
40
15
Linfadenopatia
35
13
Apesar de existir esta sintomatologia (tabela acima), pode ser difícil diagnosticar a TB pulmonar e
extrapulmonar nos doentes HIV+, visto que eles podem não apresentar estes sintomas ou ter outras
apresentações menos frequentes.
As apresentações atípicas são mais frequentes nas contagens CD4 mais baixas:
• Pode não haver tosse;
• O esfregaço da expectoração (BK) pode ser negativo com maior frequência;
• Ausência de cavitação pulmonar;
• Podem estar presentes efusões pleurais, doença pleural ou pericárdica;
• Adenopatias hiliares ou do mediastino;
• Infiltrações nos lobos inferiores.
TB- Derrames Pleurais
Os derrames pleurais são mais comuns nos doente com HIV e TB.
Apresentação dos derrames da TB:
• Doença aguda incluindo febres (85%), tosse (77%), dores no peito (36%), dispneia (23%);
• Perda de peso>2Kg (74%);
• TB extrapulmonar (14-42%);
• O derrame é unilateral em 90-95%, acompanhado por infiltrados pulmonares em 44-73% dos
doentes HIV+;
• Linfadenopatia hiliar vista em 5-13% no Rx do tórax.
4
David C, Espasa M, Sacarial J, Berenguera A, Juma I, Gascon J, Nachaque J, MacArthur A, Perdigao P, Alonso P. Análise
descritiva da tuberculose na área de vigilância demográfica no distrito de Manhiça. Resumo Qa22 (Jornadas, 2005).
5 Fonte: C Richter, R Perenboom, I Mtoni, J Kitinya, H Chande, AB Swai, RR Kazema, LM Chuwa. Clinical features of HIVseropositive and HIV-seronegative patients with tuberculous pleural effusion in Dar es Salaam, Tanzania. Chest. 994;106:14711475
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
170
Investigação e manejo dos pacientes com derrames da TB:
• Investigação
– Todos os doentes suspeitos de TB deverão efectuar testes BK expectoração, e um Rx de
Tórax.
– Se for detectada uma efusão pleural, o clínico deverá consultar o médico para considerar
uma toracocentese. O fluído pleural deverá ser examinado para detectar células, proteína,
glucose e efectuar testes BK.
•
Toracocentese, sem testes laboratoriais:
– Se o fluido pleural for purulento, o doente deverá receber tratamento para empiema;
– Se o fluido pleural não for purulento, mas coagular quando colocado num tubo de ensaio
sem coagulante, é provável que o doente tenha TB.
Tuberculose e Síndrome de Imuno-Reconstituição (SIR)
Este síndrome aparece quando um doente que tenha recentemente iniciado o TARV subitamente
desenvolve novos sintomas de uma infecção oportunista previamente não diagnosticada, ou agrava
repentinamente o seu estado apesar da IO previamente diagnosticada ter respondido ao tratamento. O
clínico que suspeitar haver SIR deve consultar o médico e/ou encaminhar o doente.
•
O SIR ocorre nos doentes cujo sistema imunitário está em recuperação (CD4 crescente, redução
da carga viral).
•
O SIR da TB é a forma mais comum do SIR e pode envolver locais pulmonares ou
extrapulmonares.
•
Normalmente, o SIR ocorre cerca de 2-12 semanas depois do início do TARV, mas pode
demorar, sobretudo se estiver envolvida uma TB extrapulmonar.
Diagnóstico de TB e SIR
O diagnóstico da TB no contexto do SIR é clínico, não existe nenhum teste laboratorial que ajude.
O clínico deve suspeitar o SIR num doente que:
•
•
Esteja a receber tratamento para TB com sucesso, mas que apresenta sintomas de TB pulmonar
ou extrapulmonar cada vez piores (incluindo agravamento de uma linfadenopatia) dentro de 2 a
12 semanas após o início do TARV;
Não foi previamente diagnosticado com TB mas desenvolve novos sintomas de TB pulmonar ou
extrapulmonar dentro de 2 a 12 semanas após o início do TARV.
Pneumonia por Pneumocistis Jirovecii (PCP)
A pneumonia chamada PCP é causada por um fungo chamado Pneumocistis jirovecii, que antes era
conhecido por Pneumocistis carinii. É comum encontrar este fungo nos pulmões de indivíduos
saudáveis, mas a sua presença pode provocar doenças em pessoas com problemas imunológicos
como o SIDA e malignidades hematológicas, como o linfoma.
Em alguns países, a PCP é a infecção oportunista mais comum em doentes HIV+. Por isso, os clínico
devem suspeitar esta infecção, apesar de ter que referir o doente se tal suspeita se confirmar. A
presença desta doença num doente HIV+ é definitória do estadio IV da OMS. Contudo, a PCP é
subestimada nos países com escassez de recursos, já que o diagnóstico definitivo é caro e
tecnicamente difícil.
Apresentação clínica da PCP:
Sintomas: Normalmente dispneia progressiva ao longo de dias ou semanas, tosse sem expectoração,
febre e dores no peito.
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
171
Exame físico: Febre, taquicardia, taquipneia, chiado. Ausência de crepitações pulmonares (auscultação
“limpa”).
Apesar de a tosse fazer muitas vezes parte da sintomatologia, o principal sintoma em doentes com PCP
pode ser a dispneia subaguda por esforço. Neste caso, a PCP pode ser confundida com:
•
•
•
TB (peça testes BK);
Pneumonias atípicas (podem responder à Eritromicina ou Doxiciclina);
Anemia grave associada a dispneia como consequência da insuficiência cardíaca. (verifique a
hemoglobina)
Testes de diagnóstico da PCP:
Rx do Tórax (para a sua interpretação, deverá consultar o médico): Às vezes pode ser normal, mas a
aparência clássica da radiografia são opacidades bilaterais simétricas do fundo, poupando a periferia e
sem linfadenopatia hiliar.
Onde existem broncoscopias ou indução da expectoração e serviços laboratoriais de ponta, a PCP
poderá ser detectada pela inspecção da lavagem da expectoração induzida ou da broncoscopia com
técnicas especiais.
Uma pesquisa realizada no HCM de Maputo em 2005 pela Dra Elizabeta Nunes, Médica Pneumologista
do Hospital Central de Maputo com 503 doentes, usando o lavado bronco-alveolar com fibroscopia,
revelou que 20% dos doentes estudados tinham infecção pelo PCP. É importante salientar que estes
testes actualmente não estão disponíveis na maioria das unidades sanitárias de Moçambique.
Tratamento
O tratamento da PCP deve ser feito em regime de internamento. O clínico deverá consultar o médico
para a confirmação da suspeita do diagnóstico:
Antibióticos:
Medicamento: Trimetoprim-Sulfamethoxazol (Cotrimoxazol)
Doses: Trimetoprim 15-20 mg/kg/dia + Sulfamethoxazol 75-100 mg/kg/dia em três ou quatro
tomas; geralmente a dose usual num doente de 50-60 kg é de 480 mg 4/4/4 x 14-21 dias.
Quando for possível documentar níveis baixos de oxigénio, ou se o doente estiver com dispneia
intensa, também se administram corticosteróides: Prednisolona 40mg 2x/dia durante 5 dias,
depois 1x/dia durante 5 dias, depois 20mg 1x/dia até a conclusão do tratamento com
Cotrimoxazol.
A resposta ao tratamento não é imediata (pode demorar 5 – 7 dias).
As doses elevadas de CTZ estão associadas com a elevada incidência das reacções adversas,
incluindo febre, lesões cutâneas, neutropenia, hepatite, pelo que é necessário assistir os
doentes de perto.
A dispneia grave, por exemplo dispneia em repouso, exige o encaminhamento para o hospital ou
unidade sanitária com disponibilidade de oxigénio.
PCP e TARV
• PCP é uma condição do estadio IV
• Doentes com PCP necessitam de TARV
• O TARV deveria ser iniciado na fase da doença moderada, quando possível, mas na maioria dos
casos deverá ser adiado até haver melhorias clínicas
• A PCP também pode se apresentar como SIR.
Sarcoma de Kaposi Pulmonar (SKP)
O SK Pulmonar ocorre em 18-47% dos doentes com SK cutânea:
•
Pode afectar a pleura, pulmões, ou a árvore traqueo-bronquial;
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
172
•
A aparência mais comum são os infiltrados pulmonares verticais, prolongando-se ao longo dos
brônquios quando observados pelo Rx.
O clínico deverá suspeitar SK pulmonar no doente HIV+ com lesões orais ou cutâneas de SK e
sintomas respiratórios que não respondem ao tratamento com antibiótico. Nesses casos, deverá referir
o doente ao médico.
Acidose Láctica
Os doentes que tomam ddI, d4T, ou com menor frequência outros anti-retrovirais, podem desenvolver
uma reacção adversa conhecida como acidose láctica. Um sintoma importante da acidose láctica é a
taquipneia.
O TM deve considerar esta possibilidade num paciente que esteja em TARV há alguns meses e que
apresenta um ou mais dos sintomas a seguir mencionados: taquipneia, fadiga, dores musculares,
náuseas, vómitos, diarreia e/ou perda de peso que não é explicável pelas IOs ou outros diagnósticos.
Se o clínico suspeitar a acidose láctica num doente com SIDA deve consultar o médico ou encaminhálo.
Uso do Algoritmo
A duração da tosse e dispneia no doente HIV+ é importante para se fazer o diagnóstico diferencial das
doenças respiratórias.
As principais causas de:
• Tosse de <3 semanas são: pneumonia bacteriana, malária, ocasionalmente TB, PCP, infecção
comum das vias respiratórias superiores, parasitoses, asma.
• Tosse de >3 semanas : TB, PCP, Pneumonia Criptocócica, linfoma, SK, asma, entre outras.
A seguir são apresentados os passos para a utilização dos dois algoritmos para a abordagem dos
doentes seropositivos que se queixam de problemas respiratórios, sendo um para doentes com
problema respiratório agudo e o outro para doentes com queixas respiratórias crónicas.
Passos:
1. Avaliar os sinais e sintomas de doença grave e/ou emergência médica. Se houver sinais de perigo
(Frequência Respiratória>30 c/min, Frequência Cardíaca > 120 b/min, Temperatura > 38° C, dispneia
e/ou cianose) estabilizar e internar ou transferir o doente.
2. Se o doente não apresentar sinais de perigo, determinar se as queixas respiratórias são agudas
(< ou =3 semanas) ou crónicas e escolher o algoritmo correspondente.
A. Algoritmo para doentes com queixas respiratórias agudas (<3 semanas de duração):
•
Neste algoritmo insiste-se no rastreio da Tuberculose através da anamnese (FESTA), exame
físico e teste para detectar bacilo de Koch (BK) na expectoração. (Ver documento anexo na
unidade sobre abordagem: “Questionário de rotina para rastreio de TB em doente HIV+”).
•
Se, ao longo desta pesquisa activa da TB (FESTA), o resultado do BK for positivo, tratar a TB.
•
Se o resultado for negativo em duas amostras e não aparece nenhum sinal de asma, parasitas,
resfriado, etc., trata-se da mesma forma como quando a exploração sugere uma Pneumonia
bacteriana:
o Dar antibióticos (Amoxicilina 1000mg 3x/dia/10 dias ou Amoxicilina + Ácido clavulânico
500/125mg 3x/dia/10 dias);
o Se o doente não tiver respondido ao tratamento com estes antibióticos, fazer o
tratamento com Eritromicina ou Doxiciclina por mais 10 dias por suspeita de micróbios
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
173
•
patogénicos atípicos. Para aqueles casos nos quais o doente já tenha sinais e sintomas
de TB (FESTA) e no doente exposto a TB na casa, deverão iniciar tratamento de
tuberculose sem mais demora logo que o tratamento com Amoxicilina tenha sido
cumprido, sem esperar a segunda leva de antibióticos.
Se nem a suspeita de Pneumonia nem a sintomatologia de TB com BK (-) tiverem sucesso
depois do tratamento com antibióticos, considere mais uma vez a TB e a PCP:
o Se o doente tiver dispneia de esforço, AP normal ou com fervores (+), CD4 <200
cels/mm3, suspeitar a PCP e consultar o médico ou referir;
o Se houver sinais ou sintomas de TB (FESTA) e fervores ou crepitações (+++) ou sopro
tubárico, tratar como TB;
o Se for outro sinal/sintoma não identificável (nem TB nem PCP), referir o doente.
B. Algoritmo para doentes com queixas respiratórias crónicas (mais de 2 – 3 semanas):
•
•
•
•
•
Depois da procura de sinais de perigo, mediante Anamnese e Exploração Clínica insiste-se no
rastreio para Tuberculose ao longo de todo algoritmo.
Se suspeitar de TB, fazer BK e se o resultado for positivo ou se houver Rx que sugere TB, tratar.
Se os resultados da pesquisa de TB forem negativos e não houver disponibilidade de Rx, dar
tratamento antibiótico: Amoxicilina 1000mg 3x/dia + Doxiciclina 100mg 2x/dia durante 10 dias
(pautas de tratamento consistentes com as recomendações da OMS para diagnóstico de TB
com teste negativo, que sugerem abrangência tanto das pneumonias típicas como das atípicas
em vez de 21 dias de tratamento com dose elevada de Cotrimoxazol);
Se o doente não melhorar em 10 dias ou piorar, pesquisar de novo a TB e se existirem sinais de
TB (FESTA), tratar seja o BK + assim como o BK-;
Se o doente não responder ao tratamento com antibiótico e não tiver sinais que sugiram TB e
tiver novos sinais de gravidade com dispneia +++, suspeitar a PCP e consultar o médico ou
referir.
Pontos-Chave
•
•
•
•
•
É necessário fazer um diagnóstico diferencial em doentes seropositivos que se queixam de
problemas respiratórios.
Pesquise sempre para conhecer a duração dos sintomas, porque pode ajudar a fazer o
diagnóstico da causa.
É importante adequar a abordagem clínica nos doentes HIV+ com queixas respiratórias
O clínico deve pesquisar sempre a tuberculose pulmonar com perguntas de rastreio, BK de
escarro e Rx do torax em doentes HIV+.
Fazer o diagnóstico diferencial das doenças respiratórias agudas e crónicas usando o algoritmo.
Anexos
Em anexo a esta unidade encontram-se os seguintes documentos:
• Algoritmo do Doente HIV+ Respiratório Agudo
• Algoritmo do Doente HIV + Respiratório Crónico
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
174
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
175
Manual do Referência do Clínico
Doenças Respiratórias no Doente HIV+
176
Módulo 6
Co-infecção HIV-TB
Unidade 6- Co-infecção HIV-TB
Introdução
A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa muito frequente nos países da África Sub-Sahariana, e
a sua incidência tem aumentado com o surgimento da epidemia do HIV/SIDA. A maioria dos doentes
co-infectados pelo HIV e TB encontram-se em África.
Cerca de um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da Tuberculose. Porém, como o
sistema imune ainda consegue controlar as infecções, a maioria destas pessoas não desenvolve a
doença tuberculosa.
As pessoas infectadas pelo HIV têm maior probabilidade de desenvolver a doença tuberculosa quando
também estão infectadas pelo bacilo da tuberculose devido à fraqueza do seu sistema imune. Além do
risco aumentado de sofrer de TB, as pessoas HIV+ também têm maior chance de recorrência e de
morrer de tuberculose.
Na África Sub-Sahariana e também em Moçambique, mais da metade dos doentes com TB são
seropositivos, e por isso, o clínico deve procurar a evidência da presença das duas doenças, TB e
HIV/SIDA.
A apresentação da TB nos doentes co-infectados pelo HIV não é sempre pulmonar e, se pulmonar, é
mais frequentemente com baciloscopia negativa (BK-). Na pessoa co-infectada, a ocorrência de TB
extrapulmonar ou com BK (-) pode complicar o diagnóstico da TB.
O tratamento da tuberculose é necessário, mas não é suficiente para responder à situação dos doentes
seropositivos co-infectados. O tratamento da tuberculose nos doentes seropositivos tem também
algumas particularidades, relacionadas principalmente com a necessidade e o momento de iniciar o
TARV, bem como as interacções entre os fármacos usados para tratar a TB e os ARVs.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
Prevalência da co-infecção TB-HIV e a relação entre as duas infecções
•
Diagnóstico precoce da TB no doente com HIV
•
Formas de apresentação clínica da TB
•
Coordenação do tratamento para TB e TARV no doente infectado pelo HIV
•
Introdução ao controle da transmissão da infecção por Tuberculose nas Unidades Sanitárias
Prevalência da Co-infecção TB-HIV em Moçambique
Moçambique é um dos países com maior peso de TB em todo o mundo, com mais de 30.000 casos
novos de TB reportados por ano. A notificação de casos de TB aumentou significativamente, de 22.636
em 2001 para 35.632 em 2006. A incidência da TB pulmonar com exame de escarro BK negativo e TB
extrapulmonar aumentou de 31% para 43% desde o início da epidemia do SIDA 1.
Diagnóstico Precoce da TB no Doente com HIV
Para garantir a detecção e tratamento atempados da TB no doente HIV+, deve-se fazer uma pesquisa
rotineira a cada três meses. O rastreio da TB é bem definido pelo MISAU (veja o Questionário de
Rotina para Rastreio da Tuberculose, em anexo na Unidade sobre Abordagem Clínica do Doente
com HIV). O doente que responde “sim” a qualquer pergunta do questionário deve ser avaliado (com
exame físico, BK, e Rx tórax se possível) para procurar a TB activa.
1
OMS; Relatório Global 2007
Manual de Referência do Clinico
Co-infecção HIV-TB
177
Formas de Apresentação Clínica da TB no Doente com HIV
A tuberculose na pessoa HIV+ é mais difícil de diagnosticar do que nas pessoas não infectadas pelo
HIV por três razões:
• Quanto maior for a imunossupressão dos doentes HIV+, menor será a probabilidade de ter
baciloscopia positiva (nos casos com CD4 baixo e/ou estadio clínico elevado). No doente com sinais
e sintomas de TB pulmonar e BK repetidamente negativos, é preciso usar o algoritmo de doenças
respiratórias crónicas para identificar indicações para o tratamento da TB (veja capítulo de doenças
respiratórias).
• O diagnóstico diferencial da tuberculose pulmonar (TBP) com outras doenças pulmonares
associadas ao HIV (pneumonia causada por pneumocistis, sarcoma de Kaposi pulmonar, etc.) é
difícil, já que a maioria destas doenças podem ter uma apresentação semelhante (tosse, febre,
dispneia, auscultação anormal dos pulmões, e/ou alterações no RX do tórax). A pneumonia
bacteriana pode também ocorrer em simultâneo com a TB. Em cada caso suspeito de TB pulmonar,
faça sempre o despiste BK e uma avaliação clínica detalhada (Veja o capítulo sobre doenças
respiratórias).
• Nos doentes HIV+, a apresentação extrapulmonar ou disseminada da tuberculose é mais frequente
do que na população geral (TB dos gânglios periféricos, pleura, ossos e meninges, peritoneu e
intestino, pericardite, genito-urinária e cutânea).
Tuberculose Pulmonar nos Doentes com HIV
A tuberculose pulmonar (TBP) é a forma mais frequente de apresentação desta doença, tanto nos
doentes HIV negativos como nos seropositivos. Nos casos em que os doentes ainda têm boa imunidade
(contagem de CD4 alta), a TBP se manifesta da mesma forma como nos doentes com TB e sem HIV.
Nos doentes com imunidade comprometida (contagens de CD4 baixa), a TBP pode ter uma menor
expressão clínica (menos sintomas ou menos intensos), de forma que resulta em maior dificuldadel de
fazer o diagnóstico. Neles é mais frequente que a baciloscopia seja negativa e o Rx não mostre sinais
claros de infecção tuberculosa.
Por estes motivos, a pesquisa contínua de sinais e sintomas de TB nos doentes com HIV é
imprescindível para evitar a detecção tardia da doença tuberculosa e dos casos avançados.
Tuberculose Extrapulmonar nos Doentes com HIV
A tuberculose extrapulmonar ou disseminada não é exclusiva dos doentes com HIV, mas nestes
acontece com maior frequência. O seu diagnóstico pode ser um desafio em Moçambique devido à
limitação de recursos para o diagnóstico (provas complementares). É frequente que os doentes tenham
infecção tuberculosa em várias localizações (por exemplo pulmonar, abdominal, ganglionar ou pleural).
A seguir mostramos a lista das possíveis localizações da TB:
• TB linfática: Ver na unidade sobre linfadenopatia no doente HIV+;
• TB disseminada ou miliar: Esta é a forma da tuberculose mais perigosa, já que supõe a
disseminação da infecção através do sangue. É mais frequente quanto maior for a imunossupressão
do doente e geralmente apresenta-se com um quadro de febre e sintomas constitucionais
acompanhados por um padrão intersticial no Rx do tórax. A mortalidade é elevada e não se deve
demorar para inicar o tratamento;
• TB pleural: Ver na unidade sobre patologia respiratória do doente HIV+;
• TB pericárdica: A infecção tuberculosa do pericárdio é associada muitas vezes à infecção pulmonar
ou hiliar (gânglios mediastinais). Sem tratamento, pode levar a tamponamento cardíaco e morte por
insuficiência cardíaca. O clínico deve suspeitar haver TB pericárdica perante um quadro clínico
sugestivo (febre, emagrecimento) e um Rx do tórax em que se observa cardiomegalia. As suspeitas
devem ser referidas ao médico;
• TB abdominal (peritoneal, hepática, intestinal, das glândulas supra-renais, rins, vias urinárias,
órgãos genitais): qualquer órgão abdominal pode estar afectado pela TB;
• TB óssea (da coluna vertebral, outros ossos como as falanges dos dedos);
• TB das meninges e/ou tuberculoma cerebral: Ver na unidade sobre manifestações neurológicas no
doente HIV+.
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
178
Num estudo realizado na Cidade do Cabo, 90% dos doentes com TB abdominal
tinham radiografias anormais dos pulmões1 (Fee M et al., 1995). O técnico,
sempre que suspeitar da TB abdominal, também deve procurar evidências de
TB pulmonar.
Devido à sua importância, nesta unidade serão tratadas com mais detalhe algumas formas de TB que
não aparecem em outras unidades.
Tuberculose Abdominal
Ainda que não existam estudos da sua prevalência no país, a tuberculose abdominal é uma forma de
tuberculose frequente em Moçambique.
A tuberculose abdominal pode afectar qualquer órgão do abdómen (peritoneu, fígado, baço, pâncreas,
intestino, glândulas supra-renais, rins, vias urinárias, órgãos genitais e nódulos linfáticos intraabdominais). Em certos casos, podem acontecer complicações que requerem cirurgia, por exemplo:
• Ascite abundante com sintomas severos (dor abdominal, dificuldade para consumir
alimentos, vómitos);
• Aumento dos linfonodos abdominais com obstrução ou perfuração intestinal ou hemorragia
digestiva;
• Abcesso intestinal ou retroperitoneal;
• Peritonite.
Diagnóstico da TB Abdominal
O clínico deve suspeitar a possibilidade da TB abdominal perante um doente com sinais/sintomas de
tuberculose (febre, suores nocturnos, perda de peso) e sintomas abdominais (dor abdominal, distensão,
diarreia). Nesses casos, deve consultar o médico ou encaminhar, já que o diagnóstico pode requerer
técnicas mais complexas, por exemplo paracentese, ultra-som do abdómen, ou biópsia.
TB Óssea
A tuberculose óssea é uma forma de tuberculose frequente em África. Embora possa afectar qualquer
osso do corpo, é mais frequente a infecção da coluna vertebral (Doença de Pott).
Clinicamente, a doença de Pott manifesta-se como um quadro de TB que se caracteriza por dor ao nível
da coluna vertebral (geralmente dorsal ou lombar) progressiva ao longo de dias ou semanas e que pode
produzir alterações da sensibilidade e mobilidade das pernas, incontinência urinária e/ou fecal, uma vez
que a medula espinhal é afectada. Quando isto acontece, inicialmente o doente apresenta uma paralisia
flácida, que com o tempo se transforma em espástica ou rígida.
O Rx de coluna pode mostrar uma destruição parcial ou total de uma ou mais vértebras. Quando isto
acontece, é necessária a cirurgia ortopédica. É importante o diagnóstico precoce porque a TB da coluna
vertebral produz grandes limitações da mobilidade (até a paraplegia).
A tuberculose óssea pode também afectar qualquer outro osso do corpo. É frequente encontrar osteíte
tuberculosa a nível das falanges dos dedos, geralmente associada a outras regiões (como pulmão ou
gânglios). Nestes casos, o doente apresenta uma ferida que fistuliza e não melhora com outros
tratamentos. Geralmente é uma lesão que não produz dor.
O tratamento da TB óssea é mais prolongado do que o tratamento da tuberculose em outras
localizações.
Tuberculose Pericárdica
A infecção tuberculosa do pericárdio é muitas vezes associada à infecção pulmonar ou hiliar (gânglios
mediastinais). Sem tratamento pode levar a tamponamento cardíaco e morte por insuficiência cardíaca.
O TM deve suspeitar da TB pericárdica na presença dum quadro clínico sugestivo (febre,
emagrecimento, suores nocturnos) acompanhado de dor do peito (geralmente retro esternal) e um Rx
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
179
tórax em que se aprecia cardiomegalia. As suspeitas devem ser referidas ao médico para mais
investigações, já que o diagnóstico da TB pericárdica é complexo e pode precisar de provas mais
agressivas (pericardiocentese).
Achados do Exame Físico nos Casos de TB Extrapulmonar
Quando há suspeita de TB extrapulmonar, o exame físico deve incluir:
 Temperatura;
 Índice de massa corporal (com base no peso/altura);
 Palidez, ou nível de hemoglobina baixo (anemia sugere TB);
 Gânglios linfáticos: inchaço dos gânglios no pescoço ou axilas (sugere adenite
tuberculosa);
 Tórax: crepitantes, ausência de sons na respiração, lentidão, movimentos reduzidos
da caixa torácica (sugere TB pulmonar ou TB com efusão pleural)
 Cardiovascular: sons cardíacos distantes, edema de ambos os pés, sinais de efusão
pericárdica ou tamponamento cardíaco (sugere pericardite tuberculosa)
 Neurológico: rigidez cervical, confusão, movimentos anormais dos olhos (sugere
meningite TB);
 Abdominal: ascite, hepato-esplenomegalia (sugere TB abdominal);
 Coluna vertebral: dor ou deformação nas vértebras, às vezes acompanhada por
fraqueza ou descoordenação dos membros inferiores, sugere TB óssea.
Provas Complementares para Apoiar o Diagnóstico da TB Extrapulmonar
Os exames complementares no doente com possível TB extrapulmonar podem incluir os
seguintes:
• Amostra/exame BK de escarro;
• Radiografia do tórax;
• Ultra-sons abdominais (para procurar linfadenopatia);
• Punção lombar (com BK do LCR);
• Toracocentese (com BK do líquido pleural);
• Paracentese (com BK do líquido ascítico);
• Aspirado ou biópsia dos gânglios linfáticos;
• Cultura das diferentes amostras para BK (escarro ou outras, actualmente só é
realizável em Maputo).
Muitos dos exames na lista acima não estão disponíveis nas Unidades Sanitárias periféricas.
Sempre que se suspeitar da TB extrapulmonar, deve-se consultar o médico ou encaminhar o
doente.
Coordenação do Tratamento para TB e do TARV no Doente Infectado pelo HIV
A tuberculose nas suas diversas formas (pulmonar ou extrapulmonar) é uma das doenças mais comuns
entre os doentes seropositivos que fazem seguimento nos serviços de TARV. Pode aparecer como a
doença que permite identificar a infecção pelo HIV (inicial) ou ao longo do seguimento naqueles doentes
que já conhecem o seu estado serológico.
Neste sentido, o clínico pode encontrar duas situações diferentes:
 Doente seropositivo recentemente diagnosticado e que apresenta tuberculose;
 Doente seropositivo já conhecido, que pode estar em TARV ou ainda não ter iniciado, e
que apresenta tuberculose.
Doentes HIV+ em Tratamento de TB: Critérios para Iniciar o TARV
O TARV deve ser prescrito para todos os doentes co-infectados TB/HIV. Os doentes com TB pulmonar
(estadio III) ou extrapulmonar (estadio IV) devem iniciar o TARV independentemente do valor de CD4.
Quando iniciar o TARV?
Nos doentes co-infectados TB/HIV, o TARV deve ser introduzido pelo menos duas semanas após o
inicio do tratamento para TB.
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
180
Como Iniciar o TARV em doentes com TB?
• Aqueles doentes com Co-infeçção TB-HIV, naíve para TARV e/ou pacientes que desenvolvem
TB nos primeiros 6 meses de TARV, deve ser prescrita a linha de TARV com TDF+3TC+EFV
• Assim mesmo, devem inicir com TDF+3TC+EFV os doentes com Co-infecção HIV-VHB
Os doentes que já estão a fazer TARV:
• Se a linha de tratamento utilizada é Tenofovir (TDF)+ Lamivudina (3TC)+Efavirenz (EFV) podem
inicia o tratamento da Tuberculose sem modificações no regime de TARV.
• Se a linha utilizada para TARV é Zidovudina (AZT)+ Lamivudina (3TC ) + Nevirapina (NVP)
oprincipal problema que aparece com o TARV nos doentes que recebem tratamento específico
para a TB é que a Nevirapina (NVP) não pode ser administrada em simultâneo com a
Rifampicina. Nos doentes co-infectados que fazem ambos tratamentos, o TARV deve conter
Efavirenz em substituição da Nevirapina.
O ESQUEMA ARV INDICADO:
TDF/AZT/D4T/ABC + 3TC + EFV
OU
TDF/AZT/d4T/ABC + 3TC + LPVr
 O tratamento da TB é prioritário em relação ao início do TARV;
 Se insuficiência renal , Hipertensão Arterial ou Diabetes Mellitus. deve ser escolhido o
AZT no lugar do TDF.
 Se insuficiência renal e hemoglobina< 8 g/dl deve ser escolhido o d4T/ABC no lugar do
TDF ou AZT.
 Sempre associar piridoxina 50 mg/dia para todos os pacientes em tratamento para TB
para prevenir o risco de neuropatia periférica associado ao uso de isoniazida;
 Dever-se-á utilizar o esquema com LPVr em doses maiores durante o período de uso da
Rifampicina, nos casos em que o EFV esteja contra-indicado (doente com intolerância ao
EFV ) ou nos casos de resistência ao EFV. No fim do tratamento da TB o LPVr deverá
ser ajustado à dose normal.);
LINHA DE TARV EM DOENTES COM
TB
TDF+3TC+EFV
AZT+3TC+EFV
MOTIVO
Novos doentes TB; doentes que desenvolvem TB nos
primeiros 6 meses de TARV; e doentes já em tratamento
com esta linha
Doente com insuficiencia renal, HTA, Diabetes mellitus
D4T+3TC+EFV
ABC+3TC+EFV
TDF/AZT/d4T/ABC + 3TC + LPVr
Doente com Insuficiencia renal e anemia (Hb < 8 g/dl)
Doente com Insuficiencia renal, anemia (Hb < 8 g/dl)
e polineuropatia periférica
Casos onde existe contraindicação a EFV
O clínico deve lembrar-se de associar Piridoxina (vitamina B6) ou Complexo B se a Piridoxina não
estiver disponível.
Depois da confirmação do diagnóstico, estabilização das IOs, preparação do doente, início do CTZ, e
avaliação e gestão de quaisquer efeitos secundários iniciais dos fármacos para TB: O TARV deve ser
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
181
iniciado na altura indicada (depois de pelo menos duas semanas após o inicio do tratamento para TB,
uma vez estabilizado o doente).
Doentes HIV+ já em TARV no momento de Diagnosticar TB: Como iniciar o tratamento para TB?
Nos doentes que já estão a fazer o TARV e que apresentam um quadro de TB, o clínico deve proceder
da seguinte forma:
 Confirme o diagnóstico e a classificação da TB (Pulmonar? Extrapulmonar? Nova? Recaída?
Resistente?);
 Caso não esteja a planear o regime da 1ª linha padrão para TB, encaminhe para gestão a ser
feita pelo médico;
 Caso o regime do TARV tenha que ser alterado, altere o regime do TARV antigo para o novo e
certifique-se que o doente está estável no novo regime antes de iniciar o tratamento para a TB.
Por exemplo: ZDV + 3TC + NVP  TDF + 3TC + EFV;
 Prepare o doente para a adesão ao tratamento para a TB;
 Inicie o tratamento para a TB;
 Inicie o Cotrimoxazol se o doente ainda não estiver a tomar.
Uso de Cotrimoxazol no Doente com TB e HIV
Todo doente com TB (pulmonar ou extrapulmonar) e HIV deveria receber profilaxia com Cotrimoxazol,
independentemente da contagem de CD4 (a TB activa define estadio III ou IV e, portanto, o CTZ é
sempre indicado).
O Cotrimoxazol pode ser iniciado em simultâneo com o tratamento para TB. Após o fim do tratamento
para TB, os critérios para suspender CTZ (aumento do CD4) são os mesmos para o resto de doentes.
Seguimento dos Doentes em TARV e Tratamento da TB
Quando estamos perante um doente que faz ao mesmo tempo o TARV e o tratamento para TB,
devemos proceder da seguinte forma:
 Monitorização de rotina do estado clínico e laboratorial de acordo com as directrizes nacionais
para o TARV;
 Monitorização de rotina do estado clínico e laboratorial de acordo com as directrizes nacionais
para a TB;
 Apoio duplo à adesão;
 Ter cuidado com os efeitos secundários associados as medicações para a TB e HIV (veja a
unidade sobre reacções adversas);
 Ter cuidado com o SIR. Se o quadro clínico da TB piora num doente que tiver iniciado
recentemente o TARV, o clínico deve suspeitar o SIR e consultar o médico (veja a unidade sobre
SIR);
 Coordenar o seguimento destes doentes com PNCTL;
 Avaliar as outras pessoas que vivem com o doente para a profilaxia com Isoniazida ou
tratamento para TB, e/ou para testagem para HIV.
Profilaxia com Isoniazida (INH) - Protocolo Nacional
O tratamento profiláctico com Isoniazida (TPI) faz parte do protocolo nacional em Moçambique. É uma
medida que tem como objectivo reduzir a ocorrência de tuberculose activa nas pessoas que são
“portadoras” do bacilo da tuberculose, isto é, que tem tuberculose latente. Como já foi referido na
introdução a este módulo, um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da tuberculose,
embora a maioria nunca chegue a desenvolver a doença tuberculosa. Nos doentes com HIV, a
possibilidade de desenvolver a TB é maior do que nas pessoas sem HIV.
Por estes motivos, os doentes com HIV devem ser avaliados para receber a profilaxia com Isoniazida no
intuito de reduzir as probabilidades de desenvolver a doença tuberculosa.
A seguir apresentamos os critérios para fazer TPI e as contra-indicações:
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
182
Elegibilidade para TPI, o doente deve reunir os dois critérios a seguir indicados:
 Doentes HIV+ sem TB activa (tenham ou não contacto com uma pessoa com tuberculose e
independentemente do resultado da reacção de Mantoux);
 Doentes HIV+ sem tratamento anterior de TB nos últimos dois anos (24 meses).
Não elegível para TPI: só com um destes critérios, o doente já não seria elegível para fazer a profilaxia:








Presença de sinais/sintomas de TB;
Doentes com doença hepática aguda ou crónica;
Alcoolismo;
Neuropatia periférica;
Tratamento da TB nos dois anos anteriores;
Doentes de SIDA no estadio IV da OMS;
Doentes com falta de adesão;
Intolerância à Isoniazida;
Dosagem: 5mg/kg/dia durante 6 meses (dose normal para adultos: 300 mg/dia), com 10 mg/dia de
Vitamina B6 (Piridoxina). A tabela abaixo mostra a dosagem de TPI de acordo com o MISAU para
pessoas vivendo com HIV/SIDA.
Tabela de Dosagem
Peso do doente
Comprimidos 300 mg
Comprimidos 100 mg
>60 Kg
1
3
50-60 Kg
-
21/2
40-50 Kg
-
2
30-40 Kg
½
11/2
O doente recolhe os comprimidos uma vez por mês e deve ser avaliado para possível toxicidade ou
sinais e sintomas de TB activa.
Nota importante: Antes de prescrever TPI, o clínico deve avaliar correctamente o doente à
procura de sinais/sintomas de TB activa. A prescrição de Isoniazida num doente com TB activa
pode ser a causa para aparição da TB resistente ao tratamento padrão.
Introdução ao Controlo da Transmissão da Infecção pelo Bacilo da Tuberculose nas
Unidades Sanitárias (US)
A prevenção da transmissão do bacilo da tuberculose nas unidades sanitárias (US), também
denominada prevenção da transmissão nosocomial, é muito importante para proteger a saúde dos
doentes, do pessoal de saúde, e da comunidade. Esta prevenção é ainda mais importante onde existe a
tuberculose resistente como em Moçambique e em alguns países vizinhos, onde tem sido reportados
surtos de tuberculose multiresistente e de extrema resistência. Um exemplo típico foi publicado em
2006, na África do Sul 2 onde ocorreu um surto de tuberculose de extrema resistência (TB -XDR), num
2
Gandhi N R, Moll A, Sturm W, et al. Extensively drug-resistant tuberculosis as a cause of death in patients coinfected with tuberculosis and HIV in a rural area of South Africa. Lancet 2006; 368: 1575–1580).
Manual de Referência do Clínico
183
Co-infecção HIV-TB
hospital rural de KwaZulu-Natal, o que revela que situações similares podem ocorrer no nosso país, daí
a necessidade de adoptar medidas de prevenção e controlo da infecção.
O MISAU estabelece politicas de controlo de transmissão da infecção nosocomial que devem ser
implementadas e monitoradas pelo Grupo de Prevenção e Controlo de Infecção (PCI) em colaboração
com o PNCT e o PNC ITS/HIV/SIDA.
Medidas de Protecção nas Unidades Sanitárias
As pessoas com TB não diagnosticada e não tratadas são potencialmente contagiosas e muitas vezes
frequentam as consultas nas Unidades Sanitárias que atendem as PVHS.
Os trabalhadores de saúde e os próprios doentes nas US têm um risco particularmente elevado de
contrair a infecção com o bacilo da TB por causa da combinação da supressão imunológica e a
exposição frequente a pessoas com a TB infecciosa.
Ainda não é possível implementar todas as estratégias de prevenção da TB em todas as Unidades
Sanitárias, mas é preciso começar a desenvolver um sistema eficaz. Existem três níveis de medidas
para o controlo da infecção, nomeadamente: medidas de controlo administrativo, ambiental e de
protecção respiratória individual.
Medidas de controlo administrativo: Refere-se a medidas que visam prevenir a formação de gotículas de
aerossóis de expectoração e, assim, reduzir a exposição do pessoal de saúde, doentes e seus
familiares ao Micobacterium tuberculosis . Estas medidas são de baixo custo e incluem:
• Rastreio, diagnóstico e tratamento precoce dos casos infecciosos
• Educação do paciente (etiqueta da tosse)
• Priorização do paciente com tosse
• Avaliação dos suspeitos em ambulatório
• Reduçãao da exposição no laboratório
• Elaboração de um plano de PCI, e formação do pessoal de saúde.
Medidas de Controlo Ambiental: Esta é a segunda linha de prevenção e deve ser associada ao controlo
administrativo para poder eliminar o risco de infecção. Inclui:
• A ventilação natural, mecânica ou a combinação das duas
• A radiação ultravioleta
Exemplos de ventilação natural são a abertura de janelas e portas nas Unidades Sanitárias para
permitir a renovação do ar. Os pacientes com tuberculose devem ser incentivados a receber
visitas de preferência ao ar livre e procurar sempre apanhar raios solares (ultravioleta), pois
estes destroem os bacilos em poucos minutos.
Medidas de Protecção Respiratória Individual: Estas medidas devem ser aplicadas em combinação com
as medidas administrativas e ambientais. Algumas medidas que podem ser tomadas são as seguintes:
• Sempre que possível, os doentes com TB activa (BK positivo) e todos os doentes com tosse
(incluindo aqueles com BK negativo) devem ser separados dos outros doentes, principalmente
dos pacientes HIV positivos;
• As pessoas com suspeita de TB devem usar máscaras cirúrgicas ou lenços e serem instruídas
para cobrir o nariz e a boca quando estiverem a tossir;
• Lencos, panos ou máscaras devem ser usados para conter secreções respiratórias;
• Os lenços, panos ou máscaras devem ser deitados nos recipientes de lixo mais próximos após o
uso;
Usar respiradores N95 para protecção do pessoal de saúde nas áreas de alto risco (enfermarias
com doentes com tosse, laboratório, salas de broncoscopia, durante a indução da expectoração,
etc)
Sempre que possível, os trabalhadores de saúde HIV positivos ou com imunodepressão de outra
causa não devem trabalhar junto aos pacientes com tuberculose multirresistente.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) a través da iniciativa Stop-TB definiu uma estratégia para o
controlo da epidemia , em concordância com os Objectivos de Desenvolviemento do Milenio. Uma
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
184
medida asumida pelo MISAU, além da introdução atempada do TARV nos pacientes elegiveis, é
conhecida como Estrategia dos 3 Is na luta contra a TB que consiste em:
•
Identificação precoce e intensiva dos casos de TB
•
Isoniazida profiláctica
•
Infecção de casos de TB controlada (Controlo da transmissão da infecção)
Pontos-Chave
•
A co-infecção TB-HIV é uma associação muito frequente. Perante um caso de TB, o clinico deve
sempre suspeitar de HIV. Perante um caso de HIV, o clínico deve avaliar sempre o doente à
procura de sinais ou sintomas de TB.
•
O clínico deve conhecer e aplicar as normas nacionais para o início do TARV nos doentes coinfectados com HIV e TB.
•
O tratamento da tuberculose exige mudanças na combinação de fármacos ARVs quando o
doente com TB/ HIV fizer o TARV. O clínico deve seguir os Protocolos Nacionais.
•
As interacções entre os fármacos para TB e TARV são frequentes, pelo que o clínico deve vigiar
o aparecimento de possíveis reacções adversas nos casos de tratamento combinado.
•
A terapia profiláctica com Isoniazida (TPI) visa reduzir a carga de TB nos doentes seropositivos.
O clínico deve conhecer a política nacional.
•
O controlo da transmissão nosocomial da infecção tuberculosa é uma questão de segurança do
pessoal da saúde, dos doentes e da comunidade. O clínico deve conhecer e aplicar estas
medidas na sua Unidade Sanitária.
Manual de Referência do Clínico
Co-infecção HIV-TB
185
Módulo 7
Patologia da Pele, Mucosas,
Nódulos, e Sarcoma de
Kaposi
Introdução ao Módulo 7
As lesões que afectam a pele, as mucosas, a boca, o esófago e os nódulos são muito frequentes nos
doentes HIV+. Às vezes estas lesões acontecem também nos doentes HIV-, mas nos doentes HIV+ são
mais persistentes ou graves e, às vezes, agravam o estado nutricional destes. Muitas vezes, são
condições de estadio clínico da OMS. Por estes motivos, é pertinente diagnosticá-las precocemente,
fazer o diagnóstico diferencial e o tratamento adequado para curá-las ou para evitar futuras
complicações.
O aumento dos nódulos linfáticos é consequência de diversas infecções agudas e comuns a todos os
doentes independentemente do seu seroestado ou devidas a algumas infecções oportunistas. Por isso,
o clínico deve saber fazer o diagnóstico diferencial dos diferentes tipos e manifestação das adenopatias.
O sarcoma de Kaposi (SK) faz parte das doenças oportunistas mais importantes dos doentes
seropositivos, o qual pode afectar a pele ou órgãos internos. Por isso, o CLINICO deverá conhecer as
lesões suspeitas de SK para fazer um diagnóstico precoce.
Este módulo está dividido em quatro unidades que serão apresentadas a seguir:
•
7.1. Doenças que afectam a Boca e Esófago
•
7.2. Doenças da Pele
•
7.3. Linfadenopatias
•
7.4. Sarcoma de Kaposi
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
186
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
187
Unidade 7.1- Doenças que Afectam a Boca e o Esófago no Doente HIV+
Introdução
As lesões que afectam a pele, boca e esófago são muito frequentes nos doentes HIV+ e, muitas vezes,
são condições de estadio clínico da OMS. O clínico deve fazer o diagnóstico precoce e diferencial
destas lesões assim como o seu tratamento. Nos doentes HIV+, estas lesões são mais persistentes e
graves e, em algumas situações, agravam o estado nutricional destes.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
•
•
•
•
•
Morfologia da boca e do esófago
Complicações da boca e esófago em doentes HIV(+)
Infecções oportunistas
Reacções adversas a medicamentos
Outras doenças
Abordagem do doente com problemas na boca ou com dificuldades para engolir
Morfologia da Boca e do Esófago
BOCA
. Figura 1: Morfologia da boca
Fonte: NETTER, Frank H.. Atlas de Anatomia Humana. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
http://www.anatomiaonline.com/esplancno/index.htm
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
188
ESÓFAGO
Figura 2: Morfologia do esófago
Fonte: http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/images/09_101_a.jpg
Complicações da Boca e do Esófago em Doentes com HIV/SIDA
As complicações da boca e do esófago são com frequência as primeiras doenças que surgem em
doentes com HIV, e indicam que a infecção pelo HIV progrediu para imunossupressão clinicamente
avançada. Por exemplo, a candidíase oral é muito comum nestes doentes.
Quer a candidíase oral, quer outras condições (leucoplasia oral pilosa) são frequentemente associadas
à imunossupressão e foram classificadas como doenças ligadas ao SIDA.
Não existe lesão oral específica que esteja exclusivamente associada à infecção pelo HIV, mas a
presença de uma ou mais lesões abordadas nesta unidade sugere que a principal infecção é o HIV.
As condições patológicas que aparecem na cavidade bocal podem ser de origem infecciosa,
inflamatória, benigna, neoplásica ou por processos degenerativos.
Etiologia das Complicações da Boca e do Esófago
São diversas as causas que podem provocar alterações patológicas da boca e do esófago:
• Pelo próprio HIV: não existem exemplos conhecidos
• Por infecção oportunista:
o Candida albicans
o (VHS) Vírus Herpes Simplex
o CMV (Citomegalovirus)
• Por doença associada à infecção
o Leucoplasia pilosa oral, sarcoma de Kaposi
o Linfoma associado ao SIDA
• Por efeitos adversos a medicamentos
o Efeitos adversos a medicamentos: Síndrome de Stevens-Johnson
• Por outras doenças:
o Gengivite necrótica, Periodontite necrótica
o Úlcera aftóide
o Parotidite
o Sífilis
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
189
o Esofagite de refluxo (Doença do refluxo gastresofágico)
Infecções Oportunistas
IOs Causadas por Cândidas
A cândida: é um fungo que, em geral, se encontra na orofaringe. Normalmente não causa doença a
não ser que o sistema imunológico da pessoa afetada esteja gravemente comprometido. Mais de 90%
dos doentes com HIV desenvolverão candidíase oral durante um certo período.
A candida albicans constitui uma das espécies que mais frequentemente causa doença em doentes
com HIV/SIDA.
Existe uma forte correlação entre o surgimento da candidíase oral e a redução da contagem das células
CD4; quanto mais baixa é a contagem de CD4, mais frequente é a aparição da candidíase.
A candidíase oral (infecção na boca e orofaringe) foi classificada como Estadio III da OMS.
Uma complicação muito comum é a candidíase do esófago (candidíase esofágica) que foi classificada
como Estadio IV OMS.
Tipos de Doenças Causadas por Cândidas
Existem 8 espécies de Cândidas, de entre as quais a candida albicans é a que frequentemente causa a
doença. Os tipos de doenças muco cutâneas causadas pela cândida são vários, a saber:
•
•
•
•
•
•
Candidíase oral (orofaríngea);
Candidíase do esófago;
Candidíase vulvovaginal;
Onicomicose (unhas);
Interdigital (entre os dedos);
Intertrigo (sob os seios, braços, pescoço).
Classificação da Candidíase Oral
Existem três tipos de candidíases encontradas na boca:
• Candidíase pseudo-membranosa: Surgem como placas cremosas brancas, facilmente
removíveis com um depressor da língua, que muitas vezes deixa as áreas afectadas
ensanguentadas. Pode-se observar em qualquer lugar da boca.
• Candidíase eritematosa: Muitas vezes esquecida ou pouco referida, este tipo de candidíase
surge como placas vermelhas sobre o palato e superfície dorsal da língua.
• Candidíase hipertrófica: Ocorre com pouca frequência no doente HIV/SIDA. Muitas vezes é
branca e cheia de hiperqueratose. Geralmente, não pode ser removida raspando. Muitas vezes
é confundida com leucoplasia pilosa oral (também não removível). O diagnóstico só é possível
com base em anatomia patológica.
Tipos de lesões de candidíase oral
Figura 3: Candidíase pseudo-membranosa
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
190
Figura 4: Candidíase eritematosa – palato
Figura 5: Candidíase eritematosa - língua
Fonte: Imagens do Dr. Rui Bastos (Moçambique) Namíbia OI guidelines-2006)
Queilite Angular
Outro tipo de lesão que pode aparecer é a Queilite Angular, que surge como uma fissura num ou em
ambos os lados da boca. Pode ocorrer com ou sem outros tipos de lesões.
A Queilite Angular pode ser uma manifestação da infecção por Cândida sp e é considerada como sendo
a fase III da doença. No entanto, a Queilite Angular também pode ser causada por deficiência da
Vitamina B e outras condições.
Figura 6: Queilite Angular
Fonte: hivdent.org
Candidíase Esofágica
A candidíase do esófago pode ser uma manifestação severa da infecção por cândida que se estende
para além da orofaringe. Também pode aparecer de forma isolada afectando somente o esófago, ainda
que cerca de 75% a 90% das candidíases do esófago estão associadas a lesões de candidíase oral.
É importante sublinhar que esta condição pode acontecer na ausência de qualquer prova de lesões de
candidíase oral.
Imagem colhida por endoscopia (isto é,
imagem do esófago visto por dentro).
As áreas cor-de-rosa são zonas do
esófago normais. As placas brancas
são cândidas.
Figura 7: Candidíase Esofágica
Manual de Referência do Clínico
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191
Características Clínicas
Muitas vezes, os doentes queixam-se de dores e/ou dificuldades para engolir e desconforto ou
sensação de dor retrosternal (atrás do esterno) como se os alimentos se tornassem pegajosos no fundo
da garganta e do esófago.
Às vezes, perante a candidíase esofágica, o doente é incapaz de comer ou beber devido aos sintomas
do esófago. Este caso deve ser considerado urgência médica e o doente deve ser internado.
Se existirem lesões de candidíase oral e o doente tiver sintomas de esofagite, o diagnóstico mais
provável será a infecção por cândida, que deverá ser tratado conforme os protocolos do MISAU.
O diagnóstico diferencial da candidíase do esófago inclui: sarcoma de Kaposi, linfoma, VHS e CMV,
úlcera aftóide e cancro do esófago.
Tratamento da Candidíase







Na candidíase oral, a primeira linha é o Miconazol 1 comprimido muco adesivo/dia, durante 7
dias.
Também pode ser usada comprimidos de Nistatina para diluir na boca (1 comprimido, 4x/dia,
durante 7 dias).
Se o tratamento anterior não teve sucesso, usar Fluconazol: 100mg: 1 comprimido/dia durante
10 dias.
Em caso de resistência ao Fluconazol, o tratamento será com Anfotericina B.
O tratamento da candidíase esofágica com Fluconazol possui um alto índice de sucesso.
Administra-se o Fluconazol em doses de 200mg/dia durante 14-21 dias. Se houver resistência,
deve-se usar Anfotericina B.
A esofagite aguda (inflamação e irritação das paredes do esófago) provocada pela presença de
cândidas no esófago pode exigir o encaminhamento do doente ao médico para diagnóstico ou
internamento e administração de líquidos endovenosos.
Para todos os casos de candidíase, é fundamental a higiene bucal rigorosa e constante.
Infecções Oportunistas Causadas pelo Vírus Herpes Simplex (VHS)
O vírus do Herpes Simplex pode causar lesões na cavidade oral e, numa fase mais avançada, causa a
doença do esófago.
O herpes oral recorrente e a esofagite provocada pelo Herpes Simplex são consideradas doenças do
Estadio IV da OMS e pode acontecer em qualquer contagem de CD4 e potencialmente como resultado
de imunidade melhorada após o TARV.
Sintomas e Sinais do Herpes Simplex
Sintomas: Os doentes queixam-se de dores, ardores nos lábios, em redor da boca ou dentro da
cavidade oral. As lesões podem-se alargar através da orofaringe e estender-se até ao esófago.
Sinais: Lesões vesiculares múltiplas, dano e eritema à volta das lesões e/ou úlceras (algumas com
crosta) são muitas vezes observadas ao longo do limite dos lábios, às vezes com extensão à cavidade
oral sobre as superfícies mucosas. O carácter persistente e a propensão para a extensão e necrose são
característicos do herpes no doente imunodeprimido.
Figura 8: Herpes Simplex
Fonte: hivdent.org
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
192
É necessária a observação cuidadosa de lesões dolorosas na parte oral externa e interna.
Figura 9: Herpes Simplex
Fonte: hivdent.org
Diagnóstico e Tratamento
Diagnóstico:
• Fazer o diagnóstico diferencial com a sífilis (não doloroso), CMV e úlceras aftosas (abordados
nesta unidade);
• Se o doente tem sintomas de esofagite e o exame físico revela lesões de Herpes Simplex na
boca, mas não revela candidíase oral, é provável que o doente tenha esofagite causada por
Herpes Simplex.
Tratamento:
• Lavagem regular com água e sabão;
• O tratamento de eleição é Aciclovir, 400mg via oral de 8/8 horas durante 7 a 10 dias.
Antibioterapia se existe infecção secundária;
• Analgésicos;
• Se o doente é um candidato para o TARV, uma melhoria do estado imunológico pode reduzir as
recorrências (tenha em atenção que a infecção pelo VHS [Vírus Herpes Simplex] é uma infecção
crónica e incurável, com múltiplas recorrências);
• As apresentações severas (tais como esofagite) que limitam a entrada de alimentos exigem
notificação, consultar e/ou referir ao médico.
Infecções Oportunistas Causadas pelo Citomegalovirus (CMV)
A infecção pelo CMV é comum, afectando tanto a população seropositiva como a seronegativa. Nos
doentes infectados pelo HIV, normalmente aparece quando estão severamente imunodeprimidos, nos
casos em que a contagem de CD4 é muito baixa (< 50 cels/mm3).
A doença causada pelo CMV na cavidade oral e no esófago é difícil de diferenciar do Herpes Simplex.
Não existe disponibilidade de teste laboratorial para o CMV em Moçambique; os oftalmologistas podem
ser capazes de reconhecer CMV ocular (este vírus provoca às vezes doença na retina dos olhos).
Actualmente em Moçambique não existe tratamento disponível (o CMV está relacionado com Herpes,
mas não responde ao tratamento com aciclovir; responde a ganciclovir ou valganciclovir), porém os
doentes devem receber o TARV.
Doenças Oportunistas Associadas ao HIV
Leucoplasia Pilosa Oral
A leucoplasia pilosa oral está associada à infecção pelo Vírus Epstein Barr (VEB). Cerca de 90% da
população mundial está infectada pelo VEB.
A infecção inicial ocorre na orofaringe, onde continua a replicar-se e é distribuída na saliva. A
leucoplasia pilosa está associada à infecção pelo HIV, sobretudo nas fases avançadas da doença. Em
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
193
geral, surge quando a contagem de CD4 é <500 cels/mm3 e a carga viral aumentada. Constitui uma
doença do Estadio III da OMS 1.
Sintomas e Sinais
É frequente que os doentes apresentem placas brancas não dolorosas ao longo da lateral da língua.
Estas placas podem ser eliminadas e reaparecerem em intervalos curtos e com frequência. Em certos
casos, os doentes não se apercebem da sua presença.
Sinais: Observe as seguintes imagens. As placas brancas podem ser vistas sobre o dorso (superior) ou
nas margens laterais da língua, podem também surgir na mucosa bucal. Surgem como lesões pilosas
ou amontoadas, ou em pequenas lesões. Em muitos casos, é difícil remover manualmente.
Leucoplasia Pilosa Oral
Figura 10: Leucoplasia Pilosa Oral
Fonte: www hivdent.org
Figura 11: Leucoplasia Pilosa Oral
Fonte: www hivdent.org
Diagnóstico e Tratamento
Diagnóstico: Em Moçambique, o diagnóstico é clínico. Esta é uma lesão benigna com baixa morbilidade,
mas o aparecimento pode, por vezes, causar dor no doente.
Tratamento: O TARV pode levar à cura das lesões num espaço de semanas. Por isso, deve iniciá-lo
imediatamente.
Pode ser usado aciclovir para o controlo do VEB, mas muitas vezes a leucoplasia pilosa oral irá
regressar após terminada a terapia.
A candidíase oral pode estar presente ao mesmo tempo em noutras áreas da boca e deve ser tratada
em simultâneo com a Leucoplasia Pilosa Oral.
1
Fonte: http://www.emedicine.com/med/topic938.htm
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
194
Sarcoma de Kaposi
As lesões orais do Sarcoma de Kaposi serão abordadas na unidade 4 deste módulo.
Figura 12: Sarcoma de Kaposi
Fonte: ©Wellcome Trust, 2003
Síndrome de Stevens-Johnson
Também conhecido como Eritema Multiforme e a sua forma mais severa como Necrose (necrólise)
Epidérmica Tóxica.
O síndrome de Stevens-Johnson é uma complicação que, quando severa, causa alta morbilidade e
mortalidade. É uma complicação muco cutânea, que na maioria dos casos é devida à incapacidade de
metabolizar devidamente certos medicamentos.
Descrição do Síndrome de Stevens-Johnson
A descrição original do síndrome inclui o seguinte:
• Estomatite aguda erosiva;
• Conjuntivite severa aguda;
• Erupção cutânea disseminada.
A diferença entre o Síndrome de Stevens-Johnson e a Necrose Epidérmica Tóxica baseia-se na área de
superfície do corpo afectada:
• Se a superfície do corpo afectada é <10%, falamos de Sindrome de Stevens-Johnson;
• Se a superfície corporal afectada é >30%, estamos diante de um caso de Necrose Epidérmica
Tóxica;
• Quando a superfície corporal afectada tem um tamanho intermediário entre as duas
modalidades acima apresentadas, falamos de uma sobreposição do Síndrome de StevensJohnson e da Necrose Epidérmica Tóxica;
Quanto maior for a superfície corporal afectada, maior será a mortalidade.
Etiologia do Síndrome de Stevens-Johnson
São vários os grupos com alto risco para desenvolver o síndrome de Stevens-Johnson, de entre os
quais estão os doentes de HIV/SIDA. Mais de 50% dos episódios podem estar ligados ao uso de novos
medicamentos. Em geral, as reacções manifestam-se em menos de 14 dias (e inclusivamente mais
tempo se for Fansidar) após o início de tratamento com os novos medicamentos:
• Medicamentos da família das sulfamidas que estão implicados no aparecimento da reacção em
até cerca de 30% dos casos são: Fansidar, Trimetroprim-sulfametoxazol (Cotrimoxazol),
Sulfadoxina, Sulfadiazine;
• Anti-convulsivantes: Carbamazepine, Fenitoina;
• Anti-retrovirais: Nevirapina, Efavirenz;
• Outros: Ver na unidade sobre RAM (Reacções adversas a medicação).
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Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
195
História e Características Físicas do Síndrome de Stevens-Johnson
Características Físicas: Ver imagens abaixo.
As lesões começam na face e tronco como máculas vermelhas, depois estendem-se até aos membros
e se generalizam. As membranas mucosas são características em 90% dos doentes, é preciso
examinar todas as áreas do corpo com membranas mucosas.
Sinais e Sintomas:
Máculas discretas, irregulares, sem relevo, de cor vermelho escuro, começam por ser lesões
distribuídas na face e tronco. Após horas ou dias, as lesões progridem rapidamente de forma a envolver
o abdómen, costas, e extremidades proximais.
Por definição, o síndrome de Stevens-Johnson caracteriza-se por lesões que cobrem menos de 10% da
superfície corporal. O centro de cada lesão pode revelar uma ferida ou a derme vermelha, descamada e
com perda de líquido.
O envolvimento da membrana mucosa é observado em 90% dos doentes. Os locais mais comuns, por
ordem de frequência, são a orofaringe, conjuntiva, genitais, ânus, árvore brônquica, esófago e cólon.
Episódios de hiperventilação e hipoxias ligeiras podem acontecer como resultado da ansiedade ou do
envolvimento traqueo-bronquial. Normalmente se observa uma elevação ligeira da temperatura.
A desidratação pode variar de ligeira a grave como resultado da presença dos seguintes factores:
• Evaporação através das lesões abertas na pele;
• Fraca ingestão oral devido ao envolvimento da membrana mucosa orofaríngea;
• Diarreia abundante devido ao envolvimento da mucosa do cólon;
• Perdas aumentadas devido à elevada temperatura corporal.
Figura 13: Síndrome de Stevens-Johnson
Fonte: © Wellcome Trust 2000
Diagnóstico e Tratamento
Diagnóstico: É principalmente clínico. Cursa com leucopenia e trombocitopenia.
Tratamento: Suspender a medicação envolvida e internar imediatamente o doente para administração
endovenosa de líquidos. Todas as áreas afectadas deverão ser tratadas como se fossem queimaduras.
(Ver/Consultar as unidades sobre Emergências e Reacções adversas). Deverá suspender o TARV e
consultar o médico.
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196
Outras Doenças
Gengivite e Periodontite Necrótica
A gengivite e periodontite necrótica constituem dois processos destrutivos severos que afectam o tecido
gengival ou a parte óssea respectivamente, e indicam imunossupressão severa. Ambos são
reconhecidos como doenças do Estadio III da OMS e geralmente ocorrem em contagens de CD4 abaixo
de 200 cels/mm3.
Desconhece-se o processo infeccioso destas doenças, para além de bactérias anaeróbias 2 que
provocam a infecção em doentes imunodeprimidos, nenhum outro factor foi identificado. A dor pode ser
intensa e provocar problemas durante a mastigação dos alimentos e, como consequência, o doente
ficará com malnutrição, portanto, o diagnóstico e a gestão destas doenças são importantes.
Anamnese e Exame Físico
Anamnese: Muitas vezes, os doentes queixam-se de dores nas gengivas, “dores profundas no maxilar”,
dentes e ulceração nas mesmas áreas.
Exame físico: ver imagens abaixo.
Grande destruição da gengiva com características ulcerativa e enfraquecimento dos dentes, exposição
extensiva dos ossos e necrose.
Figura 14: Gengivite ulcerativa ligeira
Figura 15: Gengivite ulcerativa aguda
Fonte: www.hivdent.org
Figura 16: Periodontite Ulcerativa Necrótica
Fonte: www.hivdent.org
Diagnóstico e Tratamento
Diagnóstico: O diagnóstico é feito pela clínica.
Tratamento: Sempre que for possível, encaminhar o doente ao dentista para intervenção cirúrgica e
remoção dos dentes fracos, no caso da periodontite ulcerativa necrótica severa, ou se existir dificuldade
para consumir alimentos.
• Nos casos da periodontite ulcerativa necrótica (para interromper a infecção do tecido morto),
pode ser recomendável dar Metronidazol 500mg via oral a cada 8 horas durante 10 dias.
2
Bartlett JG, Gallant JE. Medical Management of HIV Infection. 2006
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
197
•
Recomendar alimentos suaves e líquidos; Uma solução de gluconato de clorhexidina (0,12%) ou
povidona iodada (1,0 %) pode ajudar a retirar o tecido morto.
Úlceras Aftosas
São doenças ulcerosas da boca de etiologia desconhecida. Estão associadas a estados de
imunossupressão, particularmente se a imunossupressão é recorrente.
As ulcerações aftosas orais recorrentes são identificadas como uma doença do Estadio II da OMS e são
diferentes das úlceras crónicas provocadas pelo vírus Herpes Simplex, que é uma doença do Estadio IV
(ulceração progressiva e dolorosa orolabial ou ânus genital causada por infecção recorrente do Herpes
Simplex e presente por mais de 1 mês).
Anamnese e Exame físico
Anamnese: Um ou dois dias antes da aparição da lesão, os doentes geralmente queixam-se de dores,
ardores e/ou sensação de dormência no local onde a úlcera surge; podem existir antecedentes de
trauma (alimentos, líquidos quentes). As dores podem limitar a ingestão de alimentos, em particular, se
existirem úlceras grandes ou várias úlceras, ou se houver expansão para a orofaringe e esófago.
Exame físico: É notável o aparecimento de úlceras locais, sem danos em redor, não destrutivas e
podem ser localizadas em toda região da orofaringe. O seu tamanho varia entre 3mm a 1cm de
diâmetro.
Figura 17: Úlceras aftosas
Fonte: hivdent.org
Diagnóstico e tratamento
Diagnóstico: É clínico. Os doentes com Úlceras Aftosas Recorrentes referem frequentemente factores
precipitantes, tais como trauma local ou hipersensibilidade a alimentos.
Tratamento:
• A aplicação de Lidocaína gel e antissépticos pode aliviar a sintomatologia dolorosa;
• As dores devido a úlceras aftosas podem ser bastante intensas e podem dificultar a entrada oral
de alimentos ou líquidos. Nestes casos será preciso iniciar a reidratação endovenosa do doente;
• Nos casos de úlceras aftosas recorrentes e/ou severas pode ser necessário o internamento do
doente.
Parotidite do HIV
A parotidite é uma inflamação da glândula parótida que é uma glândula salivar exócrina. O aumento da
glândula parótida, com comprometimento da sua função, é comum em doentes com HIV/SIDA. A
parotidite é mais frequente em crianças infectadas pelo HIV, mas pode estar também presente em
adultos.
Anamnese e Exame físico
Anamnese: O doente queixa-se da sensação da boca seca e inchaço, pode manifestar-se durante
semanas a meses e não é dolorosa.
Exame físico: Muitas vezes o inchaço é aparente sob inspecção visual, não dolorosa sob apalpação, as
dores indicam infecção.
Manual de Referência do Clínico
Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
198
Deve se examinar o canal de saída da parótida (dentro da boca) e fazer uma massagem da glândula
várias vezes, observando se aparece uma descarga purulenta na abertura do canal.
Diagnóstico e tratamento
Diagnóstico: É um diagnóstico clínico. O ponto mais importante é a eliminação da infecção bacteriana,
se existir.
Tratamento: Não existe tratamento específico para a parotidite causada pelo HIV, contudo o TARV pode
ser um factor importante para a melhorar.
Diagnóstico Diferencial
A glândula parótida é ocasionalmente um local para o desenvolvimento da TB extra
pulmonar, pelo que deve-se fazer um historial cuidadoso do doente para se descartar uma
possível história de TB.
A parotidite pode ser também o resultado de uma infecção bacteriana/viral, conhecida
como Papeiras, e a diferença entre a parotidite causada pelo HIV é que esta caracteriza-se
pela presença de um inchaço de rápida evolução, dores e febre. Neste caso, é importante
questionar o doente sobre a orquite (inflamação do testículo), já que às vezes com a
parotidite estes órgãos podem ficar afectados.
Sífilis
As lesões primárias da sífilis podem ocorrer na boca dependendo da via de exposição.
As lesões da sífilis secundária são muitas vezes cutâneas. No entanto, entre 10 e 15% dos casos de
lesão podem surgir na orofaringe como erosões superficiais, “manchas mucosas” que são evidentes
quando surgem e são altamente contagiosas.
Figura 18: Sífilis Oral
Fonte: http://uic; http://www.pitt.edu
É importante referir que a sífilis primária (cancro - figura acima esquerda) e secundária (pontos mucosos
- acima direita) podem aparecer em simultâneo.
Anamnese e Exame físico
É frequente que os doentes relatem uma história de erupção cutânea. Examine todos os doentes
suspeitos de sífilis.
Diagnóstico e Tratamento
Diagnóstico: O diagnóstico é clínico e de laboratório, teste de VDRL/RPR.
Tratamento: Penicilina administrada conforme o protocolo do MISAU.
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Patologia da Pele, Mucosas, Nódulos e Sarcoma de Kaposi
199
Inflamação do Esófago, Esofagite por refluxo
A inflamação do esófago (esofagite) causada por refluxo gástrico é uma complicação comum na
população em geral. É causada pelo relaxamento do esfíncter inferior do esófago, que resulta no refluxo
do ácido gástrico para dentro do esófago, dando origem a inflamação e ulceração do esófago. A
esofagite por refluxo é muito frequente na população e é preciso fazer o diagnóstico diferencial com as
outras causas de inflamação. O tratamento da esofagite por refluxo é com antiácidos (hidróxido de
alumínio, cimetidina, ranitidina, omeprazol, etc.).
Abordagem do Doente com Problemas na Boca ou com Dificuldades para Engolir
Em todas as consultas do doente pergunte:
• Tem problemas na boca?
• Tem algum problema ou dor para engolir?
Na primeira consulta, e sempre que houver sintomas, faça um exame completo da boca usando um
foco de luz e uma espátula para a língua. Observe também por baixo da língua, em ambos os lados da
boca e o mais profundo possível na boca.
Lembre-se:
• Que as lesões orais e do esófago podem interferir com a nutrição; providencie o
aconselhamento apropriado e quando for possível apoio nutricional.
Pontos-Chave
•
•
•
As lesões orais e do esófago podem interferir com a nutrição e, portanto, agravam o estado
nutricional do doente.
As lesões oroesofágicas constituem uma condição para o estadiamento do doente conforme a
classificação da OMS.
É importante fazer o diagnóstico diferencial das infecções oportunistas e das reacções adversas
a medicamentos que podem se manifestar como patologias da boca e do esófago.
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200
Unidade 7.2 - Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
Introdução
As doenças dermatológicas são muito frequentes nos doentes HIV+. Estas lesões são também comuns
nos doentes seronegativos, mas nos doentes HIV+ são mais persistentes ou graves, sendo que a
frequência e o número dessas manifestações correlacionam-se com o estado imunológico do doente e
com a progressão da doença. Muitas vezes, são condições de estadio clínico da OMS. Deste modo, o
clínico deve ser capaz de diagnosticá-las precocemente, fazer o diagnóstico diferencial e o tratamento
adequado para curá-las e/ou para evitar complicações.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
Causas das doenças dermatológicas no doente com HIV/SIDA:
• Doenças dermatológicas causadas pelo HIV
• Doenças causadas por infecções oportunistas
• Doenças associadas à infecção
• Complicações da medicação
• Outras doenças
Problemas Dermatológicos no Doente com HIV/SIDA
Alguns problemas dermatológicos são descritos a seguir:
Causados pelo HIV
• Erupção cutânea generalizada associada à seroconversão
Causados por infecções oportunistas
• Infecção criptocócica disseminada
Doenças associadas a infecção
• Sarcoma de Kaposi
Complicações da medicação
• Reacção Adversa a Medicamentos (RAM): Sulfamidas, NVP, EFV, ABC
• SIR (Síndrome de Imuno-Reconstituição)
Outras Doenças
• Dermatite seborreica
• Prurigo nodularis
• Psoríase
• Lepra
• Herpes Zóster
• Sífilis
• Verrugas genitais
• Escabiose
• Infecções bacterianas: celulite, impetigo, abcesso
• Angiomatose Bacilar
• Molluscum contagiosum
Problemas Causados pelo HIV
Erupção Cutânea Generalizada
É uma erupção eritematosa, maculopapular que se localiza na face, tronco, extremidades, pode
envolver as palmas das mãos e planta dos pés, ocorre na fase aguda da infecção pelo HIV.
Também pode incluir: lesões muco cutâneas (incluindo úlceras) da boca, genitália, e/ou esófago.
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
201
Problemas Causados por Infecções Oportunistas
Infecção Criptocócica Disseminada
•
•
•
•
•
A infecção criptocócica disseminada não é exclusivamente uma infecção que afecta a pele, pode
também afectar os pulmões e as meninges.
É uma doença causada pelo Cryptococcus neoformans.
A infecção inicial ocorre no pulmão. A infecção disseminada pode resultar em foco meníngeo,
lesões ósseas e alergia cutânea (disseminação similar ao molluscum contagiosum).
A infecção criptocócica disseminada é uma doença que define o estadio IV da OMS, geralmente
ocorre com contagens de CD4 <100 cels/mm3.
Se aparecem lesões suspeitas de criptococose e o doente está iniciando o TARV, deverá
suspeitar-se do SIR (Síndrome de Imuno-Restauração)
Anamnese e Exame Físico
Anamnese: Perguntar ao doente pelo tempo de duração e aparecimento da erupção cutânea e sobre
quaisquer sintomas neurológicos.
Exame Físico: Erupção papular disseminada, lesões ulcerosas, umbilicadas em alguns casos
(semelhantes ao molluscum).
Figura 1: Infecção Criptococócica disseminada
©Wellcome Trust, 2003
Diagnóstico e Tratamento
Diagnóstico clínico: Diferenciar do molluscum contagiousum e do sarcoma de Kaposi. Verificar CD4.
Tratamento: O doente deve ser referido para a confirmação do diagnóstico pelo médico. O tratamento é
com antifúngicos de acordo com as directrizes nacionais.
Doenças Associadas à Infecção pelo HIV
Sarcoma de Kaposi
É tratado na unidade 4 deste módulo.
Problemas Causados por Complicações das Medicações
As Reacções Adversas a Medicamentos (RAM) e o Síndrome de Imuno-Reconstituição (SIR) serão
tratados nas respectivas unidades.
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
202
Problemas Dermatológicos Causados por Outras Doenças
Dermatite seborreica
A dermatite seborreica é um distúrbio papulo-eritematoso caracterizado por escamas gordurosas
predominantemente encontradas nas áreas da pele ricas em sebo (escalpe, face, tronco). É comum no
doente com SIDA, e a forma generalizada (eritrodermia esfoliativa) pode ocorrer com maior frequência
nestes doentes.
A dermatite seborreica é uma das primeiras manifestações da infecção pelo HIV. Esta doença define o
estadio II da OMS, e geralmente ocorre em contagens de CD4 <500.
A dermatite seborreica pode ser a manifestação cutânea inicial da doença por HIV.
Figura 2: Dermatite Seborreica
Fonte: I-TECH Namíbia Parte II do curso sobre IO
Diagnóstico e Conduta a Seguir:
O diagnóstico é primariamente clínico, apresenta-se com pele rosada e edematosa, com escamas
gordurosas.
Conduta a Seguir:
Interromper o uso de vaselina, usar um creme aquoso ou não usar nada.
Usar cremes imidazólicos com ou sem esteróide tópico 1. A administração dum esteróide tópico 1% pode
acelerar as recorrências, pelo que será útil fazer primeiramente um ensaio.
Outros remédios tópicos são: alcatrão de hulha, cremes calmantes, champô antifúngico ou hulha.
Prurigo Nodularis:
É uma das primeiras manifestações da infecção pelo HIV. Dermatose muito pruriginosa, de carácter
crónico e recidivante. É caracterizado por erupção de pápulas ou nódulos, centrados por vesícula ou
crosta, localizados simetricamente sobre as faces de extensão dos membros, dorso e, por vezes, na
face, e que provocam muita coceira. É uma condição do estadio II da OMS.
Normalmente evolui com cicatriz hiperpigmentada. Às vezes complica-se com infecção bacteriana.
O tratamento é com anti-histamínicos via oral e administram-se loções de Calamina e esteróides
tópicos. Se for muito intenso e resistente, referir ao médico. Muitas vezes o tratamento não tem sucesso
e só acaba melhorando com o TARV.
1
Referência: Colette van Hees & Ben Naafs, Doenças de Pele Comuns na África, 2001
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Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
203
Figura 3: Prurigo Nodularis
Fonte das imagens: www.AIDS-HOSPICE.com
Psoríase
A psoríase é tão comum nos doentes com HIV como nos doentes não infectados pelo HIV. No entanto,
as apresentações tendem a ser mais graves nos primeiros, e são difíceis de tratar. O tratamento antiretroviral pode melhorar a psoríase, mas a doença pode não estar curada.
Em Moçambique não estão disponíveis tratamentos avançados para esta doença, e os casos
complicados/graves devem ser encaminhados.
Imagens com a permissão do Dr. Rui Bastos. Maputo.
Figura 4: Psoríase
Imagens com a permissão do Dr. Rui Bastos, Maputo, Moçambique
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Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
204
Figura 5: Psoríase
Imagens com a permissão do Dr. Rui Bastos, Maputo, Moçambique
As lesões podem ser grandes e numerosas e espalhadas por todas as partes do corpo.
Herpes Zóster (zona ou lume da noite)
Esta patologia é uma das primeiras manifestações da infecção pelo HIV. O agente causador é o vírus
da varicela herpes zóster, pertencente à família dos herpes vírus. Apresenta-se como uma erupção de
vesículas e bolhas, normalmente aparece só de um lado (unilateral), muitas vezes associada a dor local
intensa e distribuída ao longo do trajecto dum nervo cutâneo. É comum no peito, mas também ocorre
nas pernas, nos braços ou no rosto.
As vesículas podem transformar-se em lesões e, mais tarde, em crostas que deixam cicatrizes.
As complicações associadas podem ser:
• Infecção bacteriana secundária; ulceração e necrose;
• Neuralgia pós herpética.
Figura 5: Infecção viral por Varicela Zóster – infecção primária (varicela)
Fonte: ©Wellcome Trust, 2003
Figura 6: Herpes Zóster
Fonte: ©Wellcome Trust, 2003
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Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
205
Tratamento:
• Limpeza e desinfecção do local com anti-sépticos;
• Analgésicos: AAS, Paracetamol, Diclofenac ou Ibuprofeno;
• Aciclovir oral (entre 72 horas da aparição das vesículas) 2: 800mg por via oral, de 4/4 horas (5
vezes ao dia) durante 7 a 10 dias, se grave ou lesão de órgão nobre;
• Antibioterapia se houver infecção secundária.
Atenção:
•
•
Recomenda-se cautela quando existir o envolvimento do olho ou dermatoses
em volta dos olhos. Caso ocorra, deve-se proceder o encaminhamento
imediato do doente.
A queratite herpética pode-se desenvolver e pôr em perigo a visão do olho
afectado.
É importante lembrar que:
 Nos doentes imunodeprimidos, o herpes Zóster é frequentemente grave,
hemorrágico e necrótico.
 A neuralgia pós-herpética pode ser grave, intolerante e de difícil controlo,
sendo por vezes necessário utilizar opiáceos fracos (codeína) e/ou
neurolépticos (amitriptilina, carbamazepina)
 Consulte o médico se a lesão é muito grave
Sífilis
A sífilis pode apresentar-se com lesões primárias (chaga) nas áreas de exposição inicial (genitália,
lábios), ou como manifestações secundárias, mas largamente dispersas (condiloma lata, manchas
mucosas).
Sífilis Secundária: Caracterizada por lesões cutâneas, que envolvem muitas vezes as palmas e as
plantas dos pés, simétricas que podem imitar quase todas as doenças da pele. Tipicamente não
provocam coceira.
Uma forma característica da sífilis secundária é o condiloma lata. As lesões do condiloma lata são
indolores, altamente infecciosas e podem ser elevadas, planas, semelhantes às verrugas, de cor rosada
a cinzenta pálida com superfície aparentemente lisa; as lesões são frequentemente associadas a outros
sinais de sífilis secundária (febre, dor de garganta, erupção cutânea e adenopatia, etc.).
Figura 7: Condiloma lata: lesões da mucosa na sífilis secundária
Fonte: ©Wellcome Trust, 2003
2
Referência: The Sandford Guide to HIV/AIDS Therapy
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
206
Diagnóstico: clínico e de laboratório.
Tratamento: Penicilina Benzatínica, conforme as normas nacionais.
Verrugas Genitais (Condiloma Acuminado)
As verrugas genitais são sinais de uma infecção transmitida por via sexual causada pelo vírus do
papiloma humano (HPV).
O contacto sexual é a rota de exposição mais comum, mas no entanto também pode ocorrer a
transmissão de uma verruga activa para outras superfícies corporais.
O tratamento local (Podofilina, ácido tricloroacetico, crioterapia com nitrogénio líquido etc.) pode
controlar as lesões de pequenas dimensões, enquanto os condilomas grandes e/ou recidivantes são de
difícil controlo em doentes com imunossupressão 3.
Escabiose
A escabiose é uma infecção dermatológica causada pelo Sarcoptes scabiei. O ácaro da pele é
transmitido por via do contacto prolongado e ocasionalmente pela roupa de cama, etc.
Os principais sintomas são coceira (dia e noite) e as resultantes escoriações da pele e do corpo
(normalmente poupando a face nos adultos). Uma constatação comum são as lesões em cova que
ocorrem nos espaços entre os dedos.
O diagnóstico é clínico, o tratamento inclui o uso de loções que contêm Permetrina.
A escabiose pode afectar pessoas
infectadas pelo HIV. Esta imagem
mostra a doença grave nas
localizações típicas. Há buracos e
pápulas sobre o caminho do ácaro
da escabiose. As lesões são muito
pruriginosas, os ácaros podem ser
transmitidos a outras pessoas.
Figura 8: Escabiose
Fonte: Imagem com a permissão do Dr. Rui Bastos, Maputo, Moçambique
A escabiose pode apresentar prurido difuso com alguns buracos nos dedos, pulsos, mamilos, abdómen,
genitais, nádegas e tornozelos.
Nas pessoas imunodeprimidas, pode ocorrer de forma grave com lesões difusas e incrustadas
envolvendo a parte superior do pescoço, esta forma chama-se escabiose norueguesa ou incrustada.
Normalmente somente alguns ácaros causam esta condição; pessoas com escabiose norueguesa
podem possuir milhares de ácaros
Figura 9: Escabiose
Fonte: Imagem com a permissão do Dr. Rui Bastos, Maputo, Moçambique
3
Referência: Colette van Hees & Ben Naafs, Doenças de Pele Comuns na África, 2001
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
207
Figura 10: Imagens da incrustação extensa da escabiose
Fonte: Imagens com a permissão do Dr. Rui Bastos, Dermatologista Faculdade de Medicina, Maputo Moçambique.
Figura 11: Imagem do envolvimento grave nos locais típicos.
Fonte: Imagem com a permissão do Dr. Rui Bastos, Dermatologista Faculdade de Medicina, Maputo Moçambique.
Tratamento Tópico para a Escabiose
• Emulsão com 20-25% de benzoato de benzilo. Aplicar nas zonas afectadas do pescoço para
baixo e deixar actuar durante 12-24 horas e enxugar. Repetir após uma semana.
• Loção 1% de gammabenzeno hexaclorado (Scabine, Lindane). Aplicar nas zonas afectadas do
pescoço para baixo e lavar depois de 8-12 horas. Repetir após uma semana se permanecerem
organismos vivos;
o É muito eficaz mas apresenta um pequeno risco de toxicidade.
o Evitar em crianças <2 anos de idade e nas mulheres grávidas
• Creme 5% de permetrina (Elimite, Acitin). Aplicar nas zonas afectadas do pescoço para baixo e
lavar depois de 8-12 horas. Repetir depois de uma semana se permanecerem organismos vivos.
• 10% de crotamiton (Eurax) é menos eficaz. Aplicar nas zonas afectadas do pescoço para baixo
em cada 24 horas durante 1-3 dias e lavar bem 48 horas após a última aplicação. Repetir após
uma semana, se necessário.
Além do doente, é preciso tratar todas as pessoas que tiveram contacto íntimo com ele. Em caso de
escabiose com infecções secundárias, os doentes devem ser tratados com antibióticos antes de aplicar
o tratamento tópico.
Para poder evitar a transmissão posterior da escabiose, as roupas e artigos pessoais devem ser
lavados e isolados (os ácaros e os seus ovos e larvas morrem em 10 dias):
• Lavagem com água quente e secar ao sol toda a roupa;
• Colocar os artigos pessoais em sacos plásticos durante 10 dias.
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
208
Apesar de matarem os ácaros de forma eficaz com a terapia tópica ou oral, são frequentemente
necessários esteróides tópicos para controlar o prurido.
Infecções Bacterianas
São infecções dermatológicas tão comuns no doente HIV+ como no HIV-. No entanto, as infecções
graves, especialmente as profundas tais como a piomiosite, constituem doenças que definem o estadio
III da OMS. Clinicamente aparecem como foliculite, impetigos, eczemas, erisipela, abcessos
subcutâneos, celulites, piomiosites e hidrosadenites supurativas.
Os agentes que a provocam são principalmente Estafilococos, mas quaisquer outras bactérias podem
ser responsáveis por estas infecções.
Tratamento:
• Limpeza e desinfecção das lesões;
• Pomada antibiótica;
• Antibioterapia com “eritromicina, amoxicilina ou amoxicilina + ácido clavulânico, doxiciclina,
tetraciclina ou cotrimoxazol”.
Molluscum contagiousum
O Molluscum contagiousum provoca uma infecção dermatológica viral benigna (Poxvirus).
Diagnóstico diferencial com:
• Lesões cutâneas por Criptococcus (em contagens de CD4 <100 cels/mm3, e aparecimento de
sinais meníngeos);
• Raramente o histoplasma causa lesões dermatológicas semelhantes.
Tratamento:
Geralmente não precisa de nenhuma intervenção, às vezes pode-se considerar a remoção do núcleo. O
TARV melhora a infecção.
Figura 12: Molluscum Contagiousum
Fonte: ©Wellcome Trust, 2003
Dermatofitoses (tínea)
Os dermatófitos são um grupo de fungos conhecidos como tínea. As várias espécies pertencem aos
grupos Epidermophyton, Microsporum, e Tricophyton genera. A dermatofitose, ou ‘tínea’, é uma
infecção causada por estes fungos. Dependendo da sua localização, chamamos a tínea de diferentes
formas:
• Tínea capitis: infecção do cabelo e escalpe;
• Tínea corporis: infecção do tronco e extremidades;
• Tínea manuum/Tínea pedis: infecção das palmas, plantas, e redes interdigitais;
• Tínea cruris: infecção da virilha;
• Tínea barbae: infecção da área da barba e pescoço;
• Tínea faciale: infecção da face;
• Tínea unguium (onicomicose): infecção da unha.
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
209
Anamnese e Exame Físico
Anamnese: O principal sintoma é o prurido. Pode-se verificar a queda de cabelo na infecção do escalpe.
Exame Físico:
• Na Tínea capitis, a aparência clínica da infecção fúngica do escalpe varia dependendo do tipo de
invasão capilar. A alopecia (queda de cabelo) normalmente está presente quando os cabelos se
partem na superfície do escalpe.
• Na Tínea corporis, a infecção localiza-se especialmente na pele exposta do tronco e nas
extremidades. Caracteriza-se por placas anulares escamosas com bordas levantadas, pústulas
e vesículas.
• Tínea pedis é uma infecção fúngica dos interdígitos dos pés e da superfície da planta, e ocorre
frequentemente afectando somente um dos pés. Aparece escamação, fissuração e maceração
dos interdígitos dos pés. Podem estar presentes escamações das plantas e superfícies laterais,
eritema, vesículas, pústulas e bolhas.
• Tínea manuum é uma infecção fúngica das palmas e dos interdígitos das mãos que
normalmente ocorre em associação com a Tínea pedis. Normalmente só ocorre numa das mãos.
Podem estar presentes a escamação e o eritema.
• Tínea cruris é uma infecção dermatófita da região púbica e da virilha, e caracteriza-se por lesões
eritematosas.
• Na Tínea barbae, são afectadas as áreas da barba e pescoço, estão presentes o eritema,
escamação e pústulas.
• Tínea unguium, também chamada de onicomicose, é uma infecção da unha, caracterizada por
onicólise (separação da unha do leito ungueal) e por unhas mais espessas, descoloradas
(brancas, amarelas, castanhas, pretas), partidas e distróficas. A unha branca dermatofítica é
muito característica da infecção pelo HIV.
•
Figura 13: Unha branca dermatofítica
Fonte: © 2001-2009, DermAtlas. http://www.dermatlas.org/derm/IndexDisplay.cfm?ImageID=-1797656110
Diagnóstico e Tratamento das Tíneas:
O diagnóstico é principalmente clínico.
Para grande parte das infecções, o tratamento é com Ketoconazol creme.
A infecção da unha e do escalpe pode ser mais difícil de tratar. Nestes casos, é preciso recorrer ao
tratamento oral prolongado com Griseofulvina, Fluconazol ou Itraconazol.
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
210
Figura: 14: Tíneas
Fonte: Imagens © DermAtlas; http://www.DermAtlas.org
Tínea versicolor
A Tínea versicolor é uma infecção dermatológica fúngica causada pelo Pityrosporum, provocando
máculas hipopigmentadas (lesões planas) em vez de lesões escuras hiperpigmentadas. Os antifúngicos
tópicos (ketoconazol creme) são geralmente eficazes.
Figura 15: Tínea versicolor
Fonte: © DermAtlas; http://www.DermAtlas.org
Pontos-Chave
•
•
•
As lesões dermatológicas são frequentes nos doentes seropositivos e podem ser um sinal de:

Doença comum semelhante a que podem apresentar os doentes seronegativos;

Lesões definitórias de um estadio clínico da OMS;

Doença relacionada com o HIV (IO, sarcoma de Kaposi);
O conhecimento das características clínicas das lesões pode ajudar o clínico no diagnóstico
diferencial.
Nos casos em que a lesão dermatológica seja consequência da presença de doença de estadio
avançado, o clínico deverá encaminhar o doente ao médico.
Manual de Referência do Clínico
Doenças Dermatológicas do Doente com HIV/SIDA
211
Unidade 7.3 - Linfadenopatias
Introdução
A infecção aguda pelo HIV e algumas infecções e doenças oportunistas podem resultar em
linfadenopatia generalizada, ou no inchaço de alguns nódulos linfáticos. Do mesmo modo, as infecções
bacterianas comuns (não específicas aos doentes seropositivos) podem produzir o aumento do
tamanho dos nódulos linfáticos.
O exame cuidadoso é útil para a determinação da extensão e das características da linfadenopatia,
reduzindo deste modo o diagnóstico diferencial.
Esta unidade pretende descrever as causas mais frequentes da linfadenopatia no doente seropositivo e
ajudar ao clínico no seu manejo.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
•
•
Significado da linfadenopatia no doente HIV+
Exame físico e características dos nódulos linfáticos
Diagnóstico diferencial da linfadenopatia
Significado da Linfadenopatia no Doente HIV+
Os nódulos linfáticos fazem parte do sistema de defesa do corpo, e o seu inchaço pode ser um sinal da
existência de uma infecção ou outro processo (por exemplo, tumor) presente no organismo.
O conhecimento das doenças frequentemente associadas à linfadenopatia no doente seropositivo vai
ajudar o CLINICO a fazer um diagnóstico diferencial durante a avaliação destes doentes.
A partir de algumas características clínicas dos nódulos linfáticos, o clínico pode determinar as causas
que produzem as linfodenopatias. Em certos casos, serão necessárias determinadas técnicas, como a
punção ou a biópsia para chegar a um diagnóstico e, nestes casos, o doente deverá ser encaminhado
ao médico.
Exame Físico dos Nódulos Linfáticos
O exame das áreas linfáticas faz-se com o doente posicionado em frente do técnico e de forma bilateral
(por exemplo, ambas axilas ao mesmo tempo), o que permite a comparação dos dois lados do corpo.
Sempre que o doente apresentar um nódulo anormal, o técnico deve avaliar os demais nódulos.
Quando se examinam as adenopatias, deve-se ter em conta as seguintes características:
a. Distribuição: O primeiro passo é averiguar se a adenopatia afecta somente uma área linfática
(por exemplo, uma axila) ou a várias regiões do corpo. A linfadenopatia generalizada é
frequente nos doentes seropositivos e pode resultar da própria infecção pelo HIV.
b. Tamanho: Geralmente os nódulos que medem mais de 1cm são anormais.
c. Consistência: Duros (podem ser cancerosos), macios (pouco específicos) ou esponjosos
(pode ser linfoma).
d. Dor: Os nódulos dolorosos podem implicar infecção ou inflamação. Os nódulos produzidos por
linfoma ou TB não doem.
e. Fixação: Os nódulos linfáticos quando são apalpados, deve-se verificar se estes aderem às
estruturas mais profundas (ou seja, estão fixos) ou se são móveis.
f.
Flutuação: A presença de flutuação (o centro do nódulo é mais macio, sugerindo a presença
de pus ou sangue) ou supuração activa na região dos nódulos linfáticos é indicativa de
abcesso, e deve ser drenado.
g. Associação com hepatomegalia ou esplenomegalia: Quando a linfadenopatia periférica
(pescoço, axilas ou virilhas) é acompanhada de aumento do fígado ou baço, ou da presença
de outras adenopatias abdominais (a apalpação profunda abdominal pode algumas vezes
Manual de Referência do Clínico
Linfadenopatias
212
revelar inchaço dos nódulos), podemos estar frente a um caso de linfoma ou TB
extrapulmonar.
h. Associado com infecção localizada (pele, orofaringe, ouvidos): As adenopatias podem
inchar por causa de uma infecção bacteriana próxima (linfadenopatia reactiva). Por exemplo,
uma ferida numa perna pode produzir inchaço dos linfónodos da virilha correspondente.
Algumas vezes a ferida, ou o ponto de entrada da infecção podem não estar visíveis.
Diagnóstico Diferencial das Linfadenopatia
Quando um doente apresenta-se na consulta com queixa de inchaço numa das seguintes regiões
ganglionares, o CLINICO deve avaliar o seguinte:
A. Sinais de perigo: Sempre que encontrar sinais de perigo (por exemplo, uma insuficiência
respiratória), o clínico deve actuar conforme o guião de emergências. Na ausência de sinais de
perigo, deve ser realizada uma avaliação completa. Os sinais de perigo a ter em conta são:
• Nódulos tão grandes que interferem com a respiração ou com outra função;
• Nódulos com alto grau de necrose (que podem precisar de intervenção cirúrgica de
urgência);
• Nódulos associados ao edema relevante dos membros ou com lesões de sarcoma de
Kaposi (podem precisar de quimioterapia e/ou intervenção cirúrgica);
• Linfadenopatia que piora rapidamente depois de iniciar o TARV (sugere SIR).
B. Localização e distribuição: Podemos diferenciar os casos com uma única região afectada
(linfadenopatia localizada) perante os casos de linfadenopatia generalizada.
Linfadenopatia localizada ou que afecta a um só grupo de nódulos ou de evolução rápida:
• Infecção bacteriana: No caso de linfadenopatia localizada, o clínico deve pensar num
problema local, geralmente uma infecção bacteriana (por exemplo, amigdalite com linfadenite
reactiva dos nódulos cervicais, ou ferida na mão ou pé com adenopatia na axila ou virilha,
respectivamente). Nestes casos, a evolução do quadro clínico é aguda, apenas uns dias, e o
doente manifesta febre e sintomas locais como dor e calor. Estas adenopatias podem chegar a
formar um abcesso que requer drenagem. O tratamento nestes casos é com antibiótico oral
(amoxicilina, flucoxacilina).
Linfadenopatia que afecta muitos grupos ganglionares ou de evolução crónica: Caso o exame
físico revele a presença de adenopatias em várias localizações (linfadenopatia generalizada), sem
características infecciosas (sem dor ou aumento da temperatura local) ou ainda quando estas são muito
duras ou têm muito tempo de evolução (geralmente semanas ou meses), o clínico deve pensar em
outras possibilidades, nomeadamente:
•
TB ganglionar: A tuberculose pode afectar os nódulos linfáticos. Neste caso, a evolução é mais
lenta, e normalmente não há dor. Os nódulos podem ser muito grandes com supuração e
formação de fístulas. As mais comuns são as adenopatias cervicais, mas outros nódulos podem
também ser afectados. A metade dos doentes terá outros sintomas de TB (febre, suores
nocturnos, perda de peso).
Figura 1: TB ganglionar
Fonte: www.monografias.com/trabajos39/tuberculosis-ganglionar/I
Manual de Referência do Clínico
Linfadenopatias
213
•
Sífilis: A sífilis é uma ITS muito frequente em Moçambique. Ainda que não seja a manifestação
mais habitual, na sua fase secundária (após o desaparecimento da úlcera sifilítica ou cancro
mole) pode se manifestar por um quadro de linfadenopatia generalizada. O clínico deve
examinar a pele do doente à procura de outros sinais de sífilis (por exemplo, exantema nas
palmas ou plantas) e perguntar ao doente se há antecedentes de úlcera genital. O teste da sífilis
(RPR ou outros) deve ser solicitado e, se for positivo, o doente deve ser tratado segundo o
protocolo habitual.
Figura 2: Sífilis
Fonte: www.lookfordiagnosis.com/mesh_info.php?term=Sífilis&lang=2
•
Linfadenopatia generalizada persistente (LGP): Esta é uma manifestação directamente
relacionada com a própria infecção pelo HIV. A LGP é uma condição definitória de estadio I da
OMS e, portanto aparece em doentes que normalmente ainda têm contagens de CD4 elevadas.
A LGP define-se como:
Aumento de linfónodos (> 1cm) em 2 ou mais cadeias não contíguas (excluindo a
cadeia inguinal) persistente por três ou mais meses, sem dor, sem causa conhecida.
O doente geralmente está assintomático (além dos linfónodos). O diagnóstico é clínico e antes de se
falar de LGP devem ser eliminadas outras possíveis causas. Se o doente tiver alguma condição de
estadio III ou IV, a LGP não é um diagnóstico apropriado e o clínico deve procurar outra causa da
linfadenopatia.
•
Outras causas de linfadenopatia localizada ou generalizada: Outras doenças como o linfoma
ou o sarcoma de Kaposi podem manifestar-se como linfadenopatias. Nestes casos, o clínico
deve referir o doente ao médico por tratar-se de doenças que definem o estadio avançado.
Manual de Referência do Clínico
Linfadenopatias
214
Tabela 1: Características da linfadenopatia em função da doença
Tamanho
Consistência
Dor
Fixação Flutuação
Associação com Sintomatologia
HEM
associada
Outro
Linfadenopatia causada 1 Área ganglionar
por infecção bacteriana
local
Médio ou
grande
Mole
Sim
Não
Pode
Não
Sim (as vezes adenite
bacteriana sem outra
infecção detectável)
Evolução rápida
TB ganglionar
1 ou várias áreas
ganglionares (mais
comum: pescoço)
Médio ou
grande
Mole média
Não
Não
Pode;
também
pode formar
fístulas com
drenagem
Sim/não (se sim,
procure TB
disseminada ou
abdominal)
Outros sinais ou sintomas
de TB
Evolução lenta;
perguntas de rastreio
de TB podem ser
positivas mas não
sempre
Sífilis
Várias áreas
ganglionares
(generalizada)
Pequenas
Mole
Não
Não
Não
Não
Pode associar sinais ou
sintomas de sifilis
secundária
Faça RPR
Linfadenopatia
2 ou mais cadeias não
generalizada persistente contíguas (excluindo as
inguinais)
Pequenas, Mole
maiores de
1 cm
Não
Não
Não
Não
Não
Só no estádio I (se
estádio avançado,
procure outra causa)
Sarcoma de Kaposi
1 ou mais áreas
ganglionares (mais
comum: virilhas)
Médio ou
grande
Média/duro
Não
Não/sim Não
Não
Lesões de Sarcoma de
Pode apresentar
Kaposi na pele ou mucosas ulcerações, necrose,
ou infecção bacteriana
linfoma
1 Ou várias áreas
ganglionares
Grande
Muito dura
Não
sim
Não
sim
Pode associar sintomas
constitucionais (febre,
perda de peso, suores
nocturnos)
Síndrome de imunoreconstituição (SIR)
1 Ou várias áreas
ganglionares
Grande
Média
Pode
Não
Pode
Distribuição
Manual de Referência do Clínico
Linfadenopatias
215
Difícil de diagnosticar
Sim ( dependendo do tipo No paciente que
de doença envolvida)
iniciou TARV
recentemente
Pontos-Chave
•
•
•
A linfadenopatia é frequente nos doentes seropositivos e pode ser um sinal de:

Doença comum (infecção bacteriana) semelhante a que podem apresentar os doentes
seronegativos;

Doença relacionada com HIV (IO, sarcoma de Kaposi).
O conhecimento das características clínicas como localização e distribuição, tamanho, consistência
das linfadenopatias em cada uma das doenças pode ajudar o clínico no diagnóstico diferencial.
Nos casos em que a linfadenopatia seja consequência da presença de doença de estadio avançado,
o clínico deverá encaminhar o doente ao médico
Anexos
Em anexo a esta unidade encontra-se o seguinte documento:
•
Algoritmo da Linfadenopatia
Manual de Referência do Clínico
Linfadenopatias
216
Manual de Referência do Clínico
Linfadenopatias
217
Unidade 7.4 - Sarcoma de Kaposi
Introdução
O sarcoma de Kaposi (SK) faz parte das doenças oportunistas mais importantes nos doentes
seropositivos, pois pode afectar a pele ou órgãos internos. O SK está associado aos estadios
avançados da infecção pelo HIV e, segundo as categorias atribuídas pela OMS, enquadra-se no estadio
IV. Os casos ligeiros de SK podem responder somente ao TARV e os casos mais complicados podem
precisar de quimioterapia específica para além do TARV. A quimioterapia pode prolongar e melhorar a
qualidade de vida do doente com SIDA.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
•
•
•
•
•
Etiologia do sarcoma de Kaposi (SK)
Manifestações clínicas do sarcoma de Kaposi
História clínica do sarcoma de Kaposi
Exploração física do doente com sarcoma de Kaposi
Abordagem e gestão do sarcoma de Kaposi
Etiologia do Sarcoma de Kaposi (SK)
O sarcoma de Kaposi no doente com HIV/SIDA é uma doença que define o Estadio IV do SIDA, de
acordo com a OMS. Geralmente ocorre como doença desenvolvida onde os níveis de CD4 são
<100cel/mm3, mas também pode ocorrer em doentes com um nível de CD4 relativamente alto.
O sarcoma de Kaposi é um tumor associado à infecção pelo herpes vírus humano-8 (HHV-8). O SK
também pode ocorrer nas pessoas seronegativas, normalmente sem complicações.
Manifestações Clínicas do Sarcoma de Kaposi
Normalmente, as lesões de SK são escuras, de
cor violácea ou negra, mas nem todas as lesões
que apresentam estas características são SK.
No início da infecção, as lesões são planas e
podem evoluir, podendo ser nodulares
(tumoração) e às vezes com ulceração ou
edema.
Atenção:
• São muitas as lesões parecidas ao
Sarcoma de Kaposi.
• Muitas vezes, não é possível
identificar o Sarcoma de Kaposi só
através do exame físico, é preciso
fazer biópsia.
As manifestações cutâneas e orais são os sinais
de apresentação mais comuns. O SK também
pode envolver órgãos internos (pulmão, intestino) e nódulos linfáticos.
O SK, ao nível da boca, pode interferir na alimentação do doente piorando a situação nutricional e
causando maior emagracimento.
Figura 1:Sarcoma de Kaposi
Fonte: Imagens cortesia do Dr. Rui Bastos
Manual de Referência do Clínico
Sarcoma de Kaposi
218
Uma das complicações frequentes do SK é o edema, que pode surgir na perna e que se manifesta da
seguinte maneira:
•
O linfedema geralmente sente-se ‘amadeirado’ (duro), geralmente localizado com as lesões.
•
A doença avançada pode resultar em edema grave, pode ser dolorosa e pode interferir com o
funcionamento do órgão.
•
O linfedema localizado pode ser encontrado com lesões em qualquer local.
Figura 2: Edema do membro inferior
Fonte: Imagens cortesia do Dr. Rui Bastos
História Clínica do Sarcoma de Kaposi
História:
•
•
•
•
Anote o tempo do aparecimento e da progressão;
Avalie a limitação da ingestão oral e da extensão das lesões orais;
Investigue sobre inchaços localizados;
Investigue sobre queixas abdominais ou respiratórias.
Exame Físico:
•
Exame cutâneo, oral, linfático, respiratório, e abdominal. O exame deve ser cuidadoso e as
constatações devem ser documentadas.
•
Anotar se encontrar lesões características na pele.
Abordagem e Gestão do Sarcoma de Kaposi
O SK pode ter uma progressão muito rápida e fatal para o doente, por isso é preciso fazer o diagnóstico
o mais cedo possível. O TARV, mais a quimioterapia, podem ajudar na regressão parcial das lesões.
1° Passo: Identifique Sinais de Perigo
•
•
•
Lesões que interferem com a alimentação ou respiração
Lesões das extremidades com dor, necrose extensiva, ou edema que infiltra e que altera a
função do órgão
Caso existam estes sinais, encaminhe para ao médico ou ao hospital de referência.
2° Passo: Avalie o Historial e o Exame Completo da Pele, Nódulos e Boca
•
Procure lesões com ulcerações ou lesões sobre a infecção.
Manual de Referência do Clínico
Sarcoma de Kaposi
219
•
Se existirem, trate com pensos regulares e com antibióticos, se for necessário.
3° Passo: Avalie a Necessidade para Iniciar o TARV
•
Caso haja suspeita de SK e o doente é elegível para iniciar o TARV (CD4 for = ou < 350
cel/mm3, e/ou outros critérios clínicos), deverá iniciar o tratamento o mais cedo possível e
encaminhar o doente ao médico para confirmar o diagnóstico.
4° Passo:
•
•
Se há suspeita de SK e não há outras indicações para iniciar o TARV, deverá encaminhar o
doente ao médico para reconfirmar o diagnóstico.
Se ainda existirem dúvidas, deverá encaminhar o doente ao médico patologista para confirmar o
diagnóstico com biópsia.
Em Moçambique, existem centros para quimioterapia do SK. A quimioterapia é um tratamento
complicado e, às vezes, tóxico, por isso aconselha-se que seja feita num centro especializado.
Os casos recomendados para o encaminhamento são:
•
SK visceral, com envolvimento dos vasos linfáticos que afectam a função dos membros;
•
SK com edema infiltrativo e lesões locais que interferem com o funcionamento normal de
qualquer órgão afectado, por exemplo, grandes lesões orais que não permitem comer e/ou
lesões das pernas que não permitem caminhar.
Pontos-Chave
•
O SK faz parte dos estadios avançados da doença, o clínico deve relacionar as lesões de SK e o
estadio IV da OMS e a indicação para o TARV.
•
O clínico deve fazer uma correcta anamnese e exploração clínica para poder detectar as lesões
suspeitas de SK precocemente, para tratar ou referir.
Anexos
Em anexo a esta unidade encontram-se os seguintes documentos:
•
•
Algoritmo do Sarcoma de Kaposi
Ficha Clínica de Sarcoma de Kaposi do MISAU
Manual de Referência do Clínico
Sarcoma de Kaposi
220
Manual de Referência do Clínico
Sarcoma de Kaposi
221
Manual de Referência do Clínico
Sarcoma de Kaposi
222
Manual de Referência do Clínico
Sarcoma de Kaposi
223
Módulo 8
Patologia Digestiva
Associada ao HIV
Introdução ao Módulo 8
Os problemas gastrointestinais (diarreia, parasitose intestinal, dor abdominal, hepatite e outros) são
comuns tanto na população seropositivas como seronegativa. Porém, o diagnóstico diferencial destas
patologias é diferente na presença do HIV/SIDA.
O doente HIV+ pode ter qualquer tipo de problema gastrointestinal, incluindo a diarreia causada por
amebas ou vibrião colérico (cólera), dor abdominal causada por apendicite ou complicações obstétricas,
bem como hemorragia causada por úlcera gástrica. Mas, para além dos problemas “correntes”, os
doentes seropositivos podem contrair doenças gastrointestinais causadas por infecções oportunistas,
reacções adversas a medicamentos (anti-retrovirais e outros), Síndrome de Imuno-reconstituição (SIR),
ou pelo próprio HIV. De referir que, nos doentes com CD4 baixo (< 200 cels/mm3), as causas
oportunistas mais frequentes podem incluir parasitas intestinais do estadio IV que são difíceis de
diagnosticar em Moçambique.
O clínico deve fazer uma abordagem sistemática para avaliar os problemas gastrointestinais nas
pessoas seropositivas, tendo em conta os factores acima mencionados para além dos problemas
correntes que também ocorrem na população em geral.
O diagnóstico dos problemas gastrointestinais no doente com SIDA tem sido muito difícil em
Moçambique devido à escassez de técnicos especializados e de meios apropriados para diagnóstico.
No presente módulo serão abordados alguns problemas gastrointestinais relacionados apenas à
infecção pelo HIV e às complicações do tratamento do SIDA.
Este módulo está dividido em duas unidades, que serão apresentadas a seguir:
• 8.1 - Diarreia no doente HIV+
• 8.2 - Dor abdominal no doente HIV+
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
224
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
225
Unidade 8.1 – Diarreia no Doente HIV+
Introdução
A diarreia é um problema comum em Moçambique, que afecta tanto as pessoas seronegativas como as
seropositivas. Contudo, nos doentes infectados pelo HIV, ocorre com mais frequência e é mais
complicada.
O clínico, além de manejar correctamente a técnica de reidratação oral e endovenosa, deve saber
quando suspeitar da diarreia oportunista ou da diarreia que pode indicar uma reacção adversa a
medicamentos ou da diarreia como condição de estadio III ou IV.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
• Incidência da diarreia em pessoas HIV+
• Possíveis causas da diarreia no doente HIV+
• Abordagem da diarreia
• Medidas para a prevenção da diarreia
Incidência da Diarreia na Pessoa Seropositiva
Alguns estudos realizados em certos países africanos mostram que os episódios da diarreia afectam
mais da metade dos doentes seropositivos por ano, por exemplo:
a) Num estudo realizado em Nairobi (Quénia) em pessoas seropositivas, a incidência da diarreia foi
de 529,5/1000 pessoas/ano, ou seja, mais ou menos 1 caso de diarreia em cada 2 pessoas por
ano. 1
b) Num estudo realizado em Uganda em pessoas seropositivas, a incidência da diarreia foi
semelhante à incidência reportada em Quénia: 661/1000 pessoas/ano 2
A incidência da diarreia pode ser ainda mais alta se não houver água potável, ou durante surtes de
cólera ou outra doença contagiosa.
Muitas vezes a diarreia pode ser acompanhada de náuseas, vómitos, febre e/ou dor abdominal.
Possíveis Causas da Diarreia no Doente Seropositivo
As possíveis causas da diarreia (com ou sem náuseas ou vómitos ou dor abdominal) no doente
seropositivo são múltiplas e de categorias distintas. As categorias importantes das causas da diarreia
são:
• Diarreia causada por infecções oportunistas (Cryptosporidium, microsporidium, Isospora, etc);
• Diarreia causada por reacções adversas a medicamentos;
• Diarreia causada pelo Síndrome de Imuno-Restauração (SIR);
• Diarreia causada pelo próprio HIV;
• Diarreia causada por outras doenças que também afectam pessoas não infectadas pelo HIV.
Por exemplo, num estudo realizado na cidade de Lima no Peru sobre as causas da diarreia em doentes
seropositivos, foi constatado que existe uma variedade de causas infecciosas, nomeadamente,
oportunistas, não oportunistas, parasitas, vírus, bactérias, vermes, etc. 3:
1
Mwachari et al. Nairobi, Quénia
Brink A-K et al. Diarrhoea, CD4 Counts and Enteric Infections in a Community-Based Cohort of HIV-Infected Adults in
Uganda. Journal of Infection 2002;45:99-106.
3
Carcamo C et al. Etiologies and Manifestations of Persistent Diarrhea in Adults with HIV-1 Infection: A Case-Control
Study in Lima, Peru. Journal of Infectious Diseases 2005:191:11-19.
Manual de Referência do Clínico
226
Patologia Digestiva Associada ao HIV
2
% Casos de Diarreia Infecciosa, Pacientes
Seropositivos, Lima, Peru (* Causas
Oportunistas)
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
% Casos de Diarreia
Infecciosa, Pacientes
Seropositivos, Lima, Peru (*
Causas Oportunistas)
Numa pesquisa realizada em Uganda, também encontrou-se uma mistura de causas infecciosas
oportunistas e não oportunistas em doentes seropositivos com diarreia 4:
% Causas de Diarreia Infecciosa, Uganda (*
Causas Oportunistas)
35,00%
30,00%
25,00%
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
% Causas de Diarreia
Infecciosa, Uganda (* Causas
Oportunistas)
Além da classificação etiológica das causas acima descritas, nos locais com poucos meios diagnósticos
como em Moçambique, existe a possibilidade de classificar a diarreia segundo a forma de apresentação
clínica. As categorias mais comuns são:
• Diarreia com febre ou com sangue;
• Diarreia sem febre e sem sangue.
A tabela abaixo mostra as possíveis causas da diarreia em relação à sua apresentação clínica.
4
Brink A-K, Mahe C, Watera C, Lugada E, Gilks C, Whitworth J, French N. Diarrhoea, CD4 Counts, and Enteric Infections
in a Community-Based Cohort of HIV-Infected Adults in Uganda. Journal of Infection 2002;45:99-106.
Manual de Referência do Clínico
227
Patologia Digestiva Associada ao HIV
Tabela 1: Classificação Clínica da Diarreia e Possíveis Causas
Características
mais comuns da
diarreia
Diarreia com
febre ou com
sangue
Diarreia sem
sangue e sem
febre
Doenças e infecções
oportunistas; ou causadas
pelo próprio HIV
Oportunistas: CMV*
Cryptosporidium*
Isospora*
MAC*
TB*
Causada pelo próprio HIV:
Síndrome de caquexia de
SIDA*
Oportunistas:
Cryptosporidium*,
Isospora*, Microsporidia*,
Cyclospora*;
Exemplos de possíveis causas
Reacções adversas a
Outras causas (por exemplo,
medicamentos
causas que também afectam as
pessoas seronegativas)
Infecção com C. difficile
causada pelo tratamento
com antibióticos*.
Campylobacter, Clostridium
difficile*
Shigella, Salmonella
E. histolytica*, Malária
Schistosomiase
Strongyloides stercoralis
Antibióticos (muitos) Antiretrovirais: nelfinavir*,
outros IP, abacavir (com
outros sinais de
hipersensibilidade).
Cólera
Giardia lamblia*, Schistosomiase,
vírus intestinal (adenovírus,
astrovirus, rotavirus etc);
E. Coli, Clostridium dificile
Causada pelo próprio HIV:
Síndrome de caquexia*,
Diarreia de estádio III*
*Pode ser crónica.
** Qualquer causa da diarreia pode apresentar-se com ou sem febre ou com ou sem sangue; a tabela aqui só
descreve as características típicas.
Diarreia Causada pelo HIV
Alguns doentes HIV+ têm diarreia sem causa identificável além da própria infecção pelo HIV, havendo
melhoria com o tratamento anti-retroviral.
Antes de chegar ao diagnóstico da diarreia causada pelo HIV, o CLINICO deve investigar outras
possíveis causas. As definições da diarreia de estadio III ou IV são:
•
Diarreia como condição de estadio III tem de reunir todos os critérios abaixo:
 Diarreia > ou = 3x por dia por mais de um mês;
 Não há outra causa aparente (estudo de fezes normais, se disponível);
 Não responde aos antibióticos (veja algoritmo).
•
Diarreia como condição de estadio IV (Síndrome de caquexia de SIDA). Tem que reunir todos
os critérios abaixo:




Perda >10% de peso com emagrecimento visível, ou IMC <18,5 kg/m2;
Diarreia > ou = 3 x por dia por mais de um mês;
Não há outra causa aparente (estudo de fezes normais, se disponível);
Não responde aos antibióticos (veja algoritmo).
Além dos critérios acima mencionados, o doente com Síndrome da caquexia de SIDA pode ter febre ou
suores nocturnos (veja unidades de estadiamento e perda de peso).
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
228
Diarreia Causada por Infecções Oportunistas
São muitas as infecções oportunistas do estadio IV que podem causar diarreia (geralmente crónica) na
pessoa seropositiva. No entanto, ainda não é possível fazer testes específicos para diagnosticá-la na
maioria das Unidades Sanitárias da rede nacional. O clínico que suspeitar a diarreia causada por uma
infecção do estadio IV deverá referir o doente se a mesma não responder aos tratamentos com os
antibióticos recomendados (veja algoritmo de diarreia).
Os parasitas oportunistas que podem causar diarreia de estadio IV pertencem às famílias de
Cryptosporidium, Isospora, Cyclospora, e Microsporidia.
A tuberculose extrapulmonar e as infecções causadas por micobactéria atípica podem causar diarreia.
Estas são infecções de estadio IV e não respondem ao tratamento com antibióticos comuns nem a
albendazol em dose única. Às vezes, os parasitas intestinais oportunistas respondem ao TARV, ou ao
tratamento de longo prazo com outros antibióticos ou com albendazol em dose alta. A tuberculose
intestinal só responde ao tratamento para TB (veja na secção abaixo).
Diarreia Causada por Medicamentos
Alguns medicamentos anti-retrovirais frequentemente causam diarreia mais do que os outros. Os antiretrovirais mais usados e as percentagens aproximadas de doentes afectados são:
 Abacavir (7%),
 Didanosina (28%),
 Lamivudina (18%),
 Estavudina, Indinavir (5%),
 Lopinavir/Ritonavir (14-24%),
 Nelfinavir (20%).
A diarreia causada por anti-retrovirais pode ser ligeira ou grave, transitória ou crónica. Se o doente tiver
diarreia que possa ter sido causada por anti-retrovirais, o técnico deve tratar os sintomas (reidratação,
etc.), investigar outras possíveis causas (veja o algoritmo da diarreia e as tabelas de reacções
adversas) e determinar o grau da reacção adversa. (Veja o quadro abaixo) 5.
Na presença de uma possível reacção de grau I ou II, o doente deve receber reidratação oral, nutrição
adequada e seguimento clínico. O doente deve ser reavaliado uma semana depois ou antes, caso não
registe melhoria ou piore. Na presença de uma possível reacção de grau III ou IV, o doente deve ser
reidratado e encaminhado, ou em caso de sinais de perigo, deve ser internado urgentemente.
Antibióticos – Quase todos podem originar diarreia. Muitas vezes, a diarreia causada por antibióticos
resolve-se quando o doente suspende o medicamento implicado. Porém, se a diarreia continuar após a
suspensão do antibiótico e/ou se for acompanhada de febre, sangue, e/ou dor abdominal pode ser
causada por Clostridium difficile.
5
Guia de Bolso: TARV e IOS em Adultos e Adolescentes, p.30, MISAU
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
229
O C. difficile é uma bactéria anaeróbica que muitas vezes multiplica-se no intestino quando o doente
toma antibióticos que matam a flora (bactérias comensais) do tracto gastrointestinal. Neste caso, é
preciso suspender o antibiótico que está a causar o problema e dar metronidazol para tratar o C.
difficile.
O Cotrimoxazol (CTZ) também pode causar diarreia. Existe um esquema diferente de classificação do
grau da reacção adversa à CTZ.
Grau I
Dejecções
moles
Esquema de classificação da diarreia causada por reacções adversas a CTZ
Grau 2
Grau 3
Grau 4
Dejecções
Dejecções líquidas com
Shock hipotensivo ou
líquidas
desidratação ligeira; diarreia com
hospitalização necessária para o
sangue
tratamento endovenoso (EV)
Outras Possíveis causas da Diarreia:
• Giardia lamblia
• Entamoeba histolytica
• Schistosomiase
• Cólera
• Rotavirus, norovirus
• E. coli
• Malária
• Shigella
• Salmonella
• Campylobacter
• Estrongyloides stercoralis
Abordagem da Diarreia: Uso do Algoritmo da Diarreia
1. Identificar sinais de perigo (caixa 2) - Desidratação severa e shock:
•
Taquicardia (FC>120b/m), hipotensão
oligúria/anúria, hemorragia gastrointestinal.
•
Na presença de sinais de perigo, comece com a reidratação endovenosa e o tratamento
endevenoso com antibióticos conforme as normas nacionais e encaminhe o doente.
(T/A<90/60mmHg),
coma,
letargia,
fraqueza,
2. Na ausência de sinais de perigo, faça avaliação completa (caixa 3):
•
Procure a causa da diarreia. Se a diarreia for aguda com suspeita de malária, faça despiste para
plasmódio.
•
Se identificar a causa da diarreia na avaliação inicial (por exemplo, cólera ou malária confirmada
com teste rápido e/ou hematozoário positivo), trate a causa e faça o seguimento indicado pelo
diagnóstico (caixa 4).
•
Todo doente com diarreia deve receber: reidratação, dose única de Albendazol (se não tomou
nos últimos 6 meses), reabilitação ou apoio nutricional, se indicado.
3. Na ausência de outra causa confirmada, classificar (caixas 5, 8, 9, 11 e 12):
• Diarreia com febre ou com sangue
• Diarreia sem febre e sem sangue
 Aguda
 Crónica
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
230
Diarreia com febre ou com sangue, sem sinais de perigo (caixa 8):
•
Tratar com Cotrimoxazol ou Ciprofloxacina. (No doente que está a tomar Cotrimoxazol diário,
de preferência tratar com Ciprofloxacina se disponível e na mulher não grávida) (caixa 10)
•
Se o doente não responder ao CTZ ou Ciprofloxacina + Abendazol + reidratação oral, trate
com Metronidazol (caixa 15)
•
Se o doente não responder a CTZ/Ciprofloxacina, Metronidazol, Albendazol, e reidratação
(caixa 18):
• Avalie a reacção adversa se estiver a fazer o TARV;
• Se a diarreia tiver um mês ou mais de duração, e o doente ainda não estiver a fazer o
TARV, avalie indicações para começar o TARV. (Doente com critérios para diarreia
de estadio III ou síndrome de caquexia de estadio IV);
• Considere Loperamida e/ou Codeína para controlar sintomas;
• Se possível, realize estudo de fezes para procurar parasitas;
• Encaminhar ou referir se indicado.
Diarreia sem febre e sem sangue, sem sinais de perigo (caixa 9)
Na ausência de febre e de sangue, e na ausência de outra causa confirmada, é importante classificar a
diarreia como crónica ou aguda. Normalmente, a diarreia crónica é diarreia com cinco dias ou mais de
duração, mas as definições variam:
1. Aguda (normalmente, cinco dias ou menos) (caixa 11):
•
Reidratação oral, dose única de Albendazol (se não tiver tomado recentemente – nos últimos 6
meses)
•
Se não houver melhoria em cinco dias: (Ciprofloxacina ou Cotrimoxazol) + Metronidazol – ou
seja, dois antibióticos: Metronidazol+Ciprofloxacina, ou Metronidazol+Cotrimoxazol. Na mulher
grávida, deve-se evitar o uso da Ciprofloxacina. Para as pessoas que estão a tomar o
Cotrimoxazol diariamente, é mais aconselhável o uso de Ciprofloxacina, se estiver disponível.
2. Crónica (normalmente, cinco dias ou mais) (caixa 12):
Reidratação oral, dose única de Albendazol (se não tiver tomado nos últimos 6 meses), e dois
antibióticos: Metronidazol + Ciprofloxacina (evitar na mulher grávida) ou Cotrimoxazol (evitar na pessoa
que está a tomar CTZ profiláctico, se a Ciprofloxacina estiver disponível). Em ambos casos, se o doente
não responder a CTZ/Ciprofloxacina, Metronidazol, Albendazol, e reidratação (caixa 14):
• Avalie a reacção adversa se estiver a fazer o TARV;
• Se a diarreia tiver um mês ou mais de duração, e o doente ainda não estiver a fazer o TARV,
avalie indicações para começar o TARV. (Doente com critérios para diarreia de estadio III, ou
síndrome de caquexia de estadio IV) (caixa 18);
• Considere Loperamida e/ou codeína para controlar sintomas;
• Se possível, realize estudo de fezes para procurar parasitas;
• Encaminhar ou referir, se indicado.
Indicações para o TARV no doente com diarreia - No doente preparado para a adesão, na ausência
de contra-indicações
• Diarreia crónica com outra indicação para o TARV (CD4 <350 cel/mm3, Estadios III ou IV, etc);
• Diarreia crónica por mais de um mês de duração sem causa aparente, sem critérios para
síndrome de caquexia, sem resposta a reidratação oral, CTZ ou Ciprofloxacina, Metronidazol,
Albendazol
• Síndrome de caquexia (veja os capítulos de estadiamento e perda de peso).
Posologia de medicamentos usados no tratamento da diarreia:

Cotrimoxazol 480mg 2/0/2 x 10 dias

Ciprofloxicina 500mg 1/0/1 x 10 dias

Eritromicina 500mg 1/1/1/1 x 5 dias
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
231


Metronidazol 250mg 2/2/2 x 10 dias
Albendazol 400mg dose única
Outras medidas de tratamento sintomático da diarreia (não tratam a causa, só aliviam o
desconforto):

Loperamida 2 mg: 2/1/1/1(max 16mg/dia)

Difenoxilato de atropina 5 mg 1/1/1/1 6*

Codeína 30 mg 1/1/1/1 (max 240 mg)*
Diarreia e nutrição:
Lembre-se que o doente com diarreia crónica está a perder nutrientes. Estes doentes precisam de mais
aporte alimentar, para além da reidratação. O aconselhamento sobre nutrição é recomendável.
O técnico deve avaliar a indicação para apoio nutricional, se disponível, ou reabilitação nutricional se o
doente reunir critérios de elegibilidade. (Veja mais informação na unidade sobre malnutrição).
Medidas para a Prevenção da Diarreia
Os princípios da prevenção da diarreia (e também da parasitose intestinal) são idênticos nas pessoas
seropositivas como nas seronegativas. Contudo, na pessoa com CD4 baixo e no estadio avançado da
doença, a profilaxia com Cotrimoxazol também ajuda a prevenir a diarreia causada por parasitas
oportunistas. As medidas a seguir mencionadas podem ajudar na prevenção da diarreia:
1.
2.
3.
4.
5.
Medidas de higiene
Lavagem das mãos
Isolamento das fezes dos doentes
Água potável
Profilaxia com Cotrimoxazol no doente com critérios
Parasitas Intestinais no Doente HIV+
Os parasitas intestinais (oportunistas e não oportunistas) são comuns nas pessoas seropositivas. Por
exemplo, um estudo realizado na Tanzânia revelou que 59% dos doentes seropositivos avaliados
tinham algum tipo de parasita intestinal comum, no mesmo estudo foram detectados 15 parasitas
diferentes. 1
Este estudo também mostrou que mais da metade destes doentes tinham algum tipo de parasita
oportunista (principalmente Cryptosporidium). Portanto, podemos observar que a parasitose oportunista
comum na população seronegativa é também frequente nos doentes HIV+, mas o seu diagnóstico em
países com recursos limitados, como é o caso de Moçambique, é difícil.
6
* Ref. British National Formulary, September 2006
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
232
Tabela 2: Causas da parasitose intestinal no doente HIV+ na Tanzânia (adaptado de Atzori et al)
Parasita Detectado
Parasita oportunista
Cryptosporidium
parvum
Oportunista (de estadio IV,
normalmente com CD4 <
200 cels/mm3)
Isospora belli
Oportunista (de estadio IV,
normalmente com CD4 <
200 cels/mm3)
Strongyloides stercoralis Não oportunista, mas mais
comum nas pessoas
seropositivas
Entamoeba coli
Não oportunista
% doentes HIV+ com
parasitose intestinal
55,3%
Detectável no exame
usual das fezes
Não (precisa de
técnicas especiais)
27,7%
Não (precisa de
técnicas especiais)
14,9%
Sim
40,4%
Sim
Blastocystis hominis
Não oportunista
36,2%
Sim
Entamoeba histolytica
Não oportunista
19,1%
Sim
Ancylostoma
Não oportunista
17,0%
Sim
Iodameba butschlii
Não oportunista
12,8%
Sim
Giardia
Não oportunista
6,4%
Sim
Schistosoma mansonii
Não oportunista
4,3%
Sim
Ascaris lumbricoides
Não oportunista
2.1%
Sim
Trichuris trichiura
Não oportunista
2.1%
Sim
Enterobius vermicularis
Não oportunista
2,1%
Sim
Taenia
Não oportunista
2,1%
Sim
É possível que a presença de parasitas intestinais afecte o nível dos CD4, carga viral, ou sintomas de
SIDA. Numa pesquisa realizada em Quénia, o CD4 subiu para 109 cels/mm3 e a carga viral baixou em
doentes seropositivos infectados com Ascaris e tratados com Albendazol. 2
Como já foi referido acima, o diagnóstico e o tratamento dos parasitas intestinais oportunistas
(Cryptosporidium, Isospora, Cyclospora, etc) ainda é complicado no país, porque os testes laboratoriais
relevantes não estão disponíveis na maioria das unidades sanitárias. O clínico que suspeita de alguma
parasitose oportunista no doente que não responde ao tratamento com antibióticos ou antiparasitários
indicados para cada caso deve encaminhar o doente.
A higiene e o uso de água potável são importantes como medida profiláctica.
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
233
Pontos-Chave
•
A diarreia é frequente e pode ser oportunista ou não no doente HIV+.
•
É preciso ter uma abordagem sistemática para avaliar a diarreia nas pessoas seropositivas. A
abordagem sistemática deve ter em conta com a possibilidade de infecções oportunistas,
reacções adversas a medicamentos, SIR, e condições causadas pelo HIV (condições de estadio
III e IV), além de problemas comuns da população geral.
•
No doente com CD4 baixo (<200 cel/mm3), as causas oportunistas da diarreia e outras
condições gastrointestinais são mais frequentes, e podem incluir parasitas intestinais
oportunistas do estadio IV que são difíceis de diagnosticar em Moçambique.
•
A diarreia crónica que não responde ao tratamento pode ser uma condição de estadio III ou IV
mas nem todo caso de diarreia indica que o doente já está no estadio III.
•
É preciso incentivar o uso da água potável e a aplicação de medidas higiénicas para prevenir a
diarreia e os parasitas intestinais no doente seropositivo.
Anexos
Em anexo a esta unidade encontra-se o seguinte documento:
1. Algoritmo da Diarreia
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
234
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
235
Referências Bibliográficas
1
Atzori C et al. HIV-1 and Parasitic Infections in Rural Tanzania. Annals of Tropical Medicine and Parasitology
1993;87:585-593.
2
Walson JL et al. Albendazole Treatment of HIV-1 and Helminth Co-infection: A Randomized, Double-Blind, PlaceboControlled Trial. AIDS 2008;22:1601-9.
Manual de Referência do Clínico
Patologia Digestiva Associada ao HIV
236
Unidade 8.2 – Dor Abdominal no Doente HIV+
Introdução
A dor abdominal é uma queixa frequente dos doentes seropositivos, sendo muitas vezes o motivo de
consulta. Também nos doentes que iniciam o TARV ou outros tratamentos, a dor abdominal pode
aparecer como consequência de uma reacção adversa aos mesmos, ou pode ser causada pelo
Síndrome de Imuno-Restauração (SIR). O clínico deve ter uma abordagem sistemática do diagnóstico e
tratamento da dor abdominal no doente seropositivo para facilitar o reconhecimento e o tratamento das
complicações específicas do SIDA, para além do diagnóstico e tratamento dos problemas comuns.
Nesta unidade serão apresentados os seguintes conteúdos:
1.
Epidemiologia da dor abdominal
• Dor abdominal: possíveis causas
• Infecções Oportunistas que podem provocar dor abdominal
Dor abdominal e reacções adversas
Abordagem da dor abdominal
Outros quadros hepáticos
Hemorragia gastrointestinal
2.
3.
4.
5.
Epidemiologia da Dor Abdominal no Doente HIV+
As doenças que provocam a dor abdominal no doente seronegativo são as mesmas que no
seropositivo, nomeadamente: apendicite, gastrite, parasitas intestinais, complicações da gravidez, entre
outras.
Além das complicações comuns, os doentes seropositivos podem ter problemas abdominais causados
por infecções oportunistas, Síndrome de Imuno-Restauração (SIR), ou reacções adversas aos
medicamentos usados para tratar o HIV.
A dor abdominal por si só não é um critério para estadiamento, diferentemente da febre, perda de peso,
diarreia, ou a anemia.
No doente com SIDA e com contagem de CD4 baixa, as causas da dor abdominal relacionadas ao HIV
são mais frequentes do que as causas “normais”, por exemplo:
Na Cidade do Cabo (África do Sul), antes da introdução do TARV, 45% dos doentes HIV+ reportaram
dor abdominal um mês antes da consulta à clínica 1.
•
De entre 44 doentes com CD4<200 cels/mm3, a causa da dor abdominal foi identificada em 37
(84%). Destes casos, a maior parte foi causada por infecções ou outras doenças oportunistas
(72%):
o
Tuberculose disseminada (14 casos, 32%),
o
Outras IOs do estadio IV (17 casos, 40%,),
o
Enterite bacteriana (3 casos, 7%),
o
Outros parasitas (2 casos, 5%),
o Úlceras (2 casos, 5%).
1
O’Keefe E, Wood R, Van Zyl A, Cariem A. Human Immunodeficiency Virus-Related Abdominal Pain in South Africa. Scand J
Gastroenterol 1998;33:212-217.
Manual do Referência do Clínico
Dor Abdominal no Doente HIV+
237
Dor Abdominal: Possíveis Causas
Infecções ou Doenças Oportunistas:
•
•
•
•
•
•
•
Tuberculose abdominal (ou disseminada), micobactérias atípicas;
Pancreatite (causada por outras IOs difíceis de diagnosticar em Moçambique, por exemplo CMV,
toxoplasmose, pneumociste e também por TB);
Hepatite causada por CMV, vírus da hepatite B, C;
Linfoma;
Sarcoma de Kaposi;
Úlceras gástricas ou gastrite causada por Estrongyloides, Citomegalovirus ou Angiomatose
bacilar (as últimas duas são doenças difíceis de diagnosticar em Moçambique);
Perfuração ou obstrução intestinal causada por TB, CMV, S. de Kaposi, linfoma.
Reacções Adversas a Medicamentos
• Hepatite causada por NVP, EFV, INH, outros;
• Pancreatite causada por ddI, d4T;
• Dor abdominal geral causada por acidose láctica (d4T, outros) ou reacção de hipersensibilidade
a Abacavir;
• Dor abdominal não específica causada por ZDV, ddI, CTZ, Ketoconazol, Fluconazol, outros;
• Nefrolitíase (cólicas renais) causada por Indinavir.
Síndrome de Imuno-restauração (SIR):
• Tuberculose;
• Hepatite B e C;
• Outros.
Algumas causas importantes da dor abdominal sem relação directa ao HIV:
• Úlcera;
• Parasitas não oportunistas, intestinais ou urinárias;
• Malária (simples ou grave);
• Apendicite;
• Colecistite;
• Complicações de gravidez ou puerpério;
• Trauma;
Doenças Oportunistas que Podem Provocar Dor Abdominal
A. Tuberculose abdominal (Micobacterium tuberculose)
Apesar de não existirem estudos sobre a sua prevalência no país, a tuberculose abdominal é também
uma forma da tuberculose extrapulmonar, muito frequente em Moçambique, definitória do estadio IV da
OMS.
A tuberculose abdominal no doente seropositivo pode afectar qualquer órgão e estrutura do abdómen, e
o sintoma característico é a dor abdominal (consultar a Unidade sobre TB e HIV para mais
informações).
A seguir apresentam-se os resultados de um estudo americano que descreve os sinais e sintomas mais
comuns da TB abdominal:
Los Angeles, Califórnia (Fee, 1995):
Sintomas da TB abdominal nos doentes HIV+:
1.
2.
3.
4.
5.
Febre (81%);
Perda de apetite, perda de peso (63%);
Dor abdominal (49%);
Diarreia (42%);
Suores nocturnos (19%);
Manual do Referência do Clínico
Dor Abdominal no Doente HIV+
238
6. Inchaço abdominal (5%)
Sinais da TB abdominal nos doentes HIV+:
1.
2.
3.
4.
linfadenopatia,
abdominal ou outra (30%),
Ascite (12%),
Icterícia (7%).
Complicações da TB Abdominal:
A tuberculose abdominal pode apresentar complicações que requerem cirurgia, por exemplo:
• Ascite abundante com sintomas severos (dor abdominal, dificuldade para consumir
alimentos, vómitos);
• Aumento dos linfónodos abdominais com obstrução ou perfuração intestinal ou hemorragia
digestiva;
• Abcesso intestinal ou retroperitoneal;
• Peritonite.
Diagnóstico da TB Abdominal:
O CLINICO deve suspeitar a TB abdominal perante um doente com os sinais/sintomas referidos
anteriormente. Nesses casos, deve-se consultar o médico ou encaminhar, já que o diagnóstico pode
requerer técnicas mais complexas, por exemplo paracentese, ultra-som do abdómen, ou biópsia.
O técnico, sempre que suspeitar a TB abdominal, também deve procurar evidências da TB pulmonar.
Num estudo realizado na Cidade do Cabo, 90% dos doentes com TB abdominal tinham radiografias
anormais dos pulmões. 1 (Fee M et al., 1995)
Tratamento da TB Abdominal
O doente HIV+ com tuberculose abdominal deve iniciar o tratamento para tuberculose primeiro, e adiar
o TARV até que esteja “estabilizado”. O Cotrimoxazol deve ser iniciado antes do TARV (TARV com
Efavirenz). (Veja a unidade sobre TB/HIV).
Se houver complicação cirúrgica, o doente deve ser referido com urgência para avaliação e cirurgia, se
indicada (por exemplo, caso haja suspeita de perfuração ou obstrução).
O clínico deve consultar o médico sempre que suspeitar a TB abdominal.
TB abdominal e SIR
A tuberculose abdominal pode apresentar-se como SIR no doente que iniciou o tratamento antiretroviral recentemente. (Veja na unidade sobre SIR.)
B. Outras Infecções Oportunistas ou Condições que Podem Provocar Dor Abdominal
Existem muitas IOs que podem provocar sintomas abdominais, mas que geralmente não podem ser
diagnosticadas em Moçambique. As síndromes de dor abdominal que podem ser causadas por
complicações da SIDA incluem pancreatite, colecistite, dor abdominal geral e hemorragia
gastrointestinal.
As infecções ou condições oportunistas aparecem com frequência nos doentes com contagem de CD4
baixas (<200 cels/mm3). O clínico, caso suspeite de uma destas infecções ou doenças, deve
encaminhar o doente ao médico. Alguns dos agentes etiológicos das doenças oportunistas que se
manifestam com dor abdominal são:
•
Micobacterium avium/intracellulare (MAC): Organismo oportunista, mais comum do grupo das
micobactérias atípicas; mas, provavelmente não é uma infecção comum em Moçambique.
Clinicamente, pode ser parecida a TB abdominal. Para diagnosticar, é preciso fazer culturas do
líquido peritoneal ou sangue, ou de amostras obtidas por biópsia.
Manual do Referência do Clínico
Dor Abdominal no Doente HIV+
239
•
Citomegalovírus (CMV): O CMV é um vírus oportunista que pode provocar pancreatite e/ou
úlceras do esófago, estômago ou intestino, às vezes com hemorragia ou perfuração visceral. Pode
afectar também os olhos e provocar perda da vista. Às vezes afecta a vesícula biliar.
Presentemente, não existem testes para CMV no país, e a sua ocorrência em Moçambique é
desconhecida.
•
Isospora, Cryptosporidia, Microsporidia, Cyclospora. (Previamente mencionados na unidade de
diarreia): Além da dor abdominal que pode ser acompanhada de diarreia, a maioria destes
parasitas oportunistas podem provocar patologias dos ductos biliares e pancreáticos. São
complicações pouco frequentes.
•
Linfoma: tumor maligno do sistema hematológico;
 Sintomas: Febre, suores nocturnos, perda de peso (pode parecer TB), às vezes com
linfadenopatia e/ou tumor visível ou apalpável. O linfoma pode aparecer no fígado,
estômago ou intestino, como pode aparecer fora do sistema gastrointestinal, por exemplo
no cérebro. A sua ocorrência em Moçambique ainda não é conhecida.
 Diagnóstico: Biópsia. Encaminhar o doente ao médico;

•
Tratamento: TARV, quimioterapia. Encaminhar o doente ao médico ou à US de referência.
Sarcoma de Kaposi: As lesões de SK que facilmente podem ser diagnosticadas são as que
aparecem na pele e mucosas. Para além destas lesões, o doente pode ter lesões de Kaposi
viscerais (estômago e/ou intestino), que podem provocar hemorragia e/ou obstrução.
 Diagnóstico: Biópsia (referir);
 Tratamento: TARV + quimioterapia (referir o caso a um centro especializado).
Dor Abdominal e Reações Adversas a Medicamentos
Os doentes seropositivos que fazem o TARV (ou outros medicamentos) podem apresentar quadros de
dor abdominal relacionados com os fármacos. Às vezes, estes quadros podem ser graves e precisarem
de uma avaliação pelo médico. O CLINICO deve ser capaz de reconhecer o problema e referir. As
reacções adversas que podem apresentar-se como dor abdominal são:
A.
B.
C.
D.
Hepatite
Pancreatite
Acidose láctica
Reacção de hipersensibilidade
Diversos fármacos podem estar implicados na produção destas reacções.
As manifestações clínicas e o manejo destas reacções podem ser consultados na unidade sobre
Reacções Adversas neste manual.
A.
Medicamentos que Podem Causar Hepatite
Ainda que não seja o sintoma mais frequente nos casos de hepatite, a dor abdominal associada à
hepatite pode aparecer acompanhada de outros sinais/sintomas. Geralmente, o doente apresenta febre,
astenia, falta de apetite e pode ter vómitos ou diarreia associada. A dor, quando presente, localiza-se no
quadrante superior direito do abdómen e, na apalpação, às vezes pode-se constatar que o fígado
aumentou de tamanho. O doente também pode ter icterícia.
Nevirapina, Efavirenz, Isoniazida, Rifampicina, Cotrimoxazol, e Sulfadoxina-Pirimetamina podem
causar hepatite, às vezes acompanhada de febre e/ou erupção cutânea. Dos medicamentos que podem
causar hepatite, a nevirapina e a isoniazida são os mais frequentes.
Diagnóstico:
•
Anamnese: Além da dor abdominal, pergunte por náuseas, vómitos, astenia, confusão, falta de
apetite, e erupções cutâneas. Averigue a lista de medicamentos que o doente está a tomar ou
Manual do Referência do Clínico
Dor Abdominal no Doente HIV+
240
que tomou no último mês. Pergunte pela data de início de qualquer medicamento que pode ter
causado os problemas hepáticos, e pela data de início dos sintomas.
•
Exame físico: Procure febre, icterícia, erupção cutânea (Stevens-Johnson? Outra erupção?),
hepatomegalia, e dor ao apalpar o fígado.
•
Avaliação laboratorial do doente com sintomas de hepatite: Medir transaminases e bilirrubina.
Fazer outros estudos conforme o calendário de exames de rotina. Se disponíveis, fazer testes
para hepatite viral (hepatite A, B, e/ou C).
•
Determinar o grau de toxicidade: (Ver tabela na unidade sobre as reacções adversas).
Tratamento:
Depende dos sinais e sintomas, dos medicamentos implicados e do grau de toxicidade. Ver unidade de
reacções adversas.
B.
Medicamentos que Podem Causar Pancreatite: Cotrimoxazol, Didanosina (ddI), Estavudina
(d4T) e Pentamidina podem causar pancreatite, mas não é uma reacção adversa comum.
Diagnóstico: A pancreatite caracteriza-se por dor intensa ao nível do epigástrio que se manifesta com
vómitos, e pode ser grave. Deve-se medir a amílase ou a lípase. Os graus de anormalidade da amilase
e da lipase no doente que está a tomar anti-retrovirais aparecem na unidade sobre reacções adversas a
medicamentos.
Tratamento: Se houver suspeita de pancreatite causada por medicamentos ou por qualquer outra
doença, consultar o médico urgentemente e/ou internar o doente. Se a pancreatite causada por RAM for
confirmada, será preciso suspender o anti-retroviral implicado e trocar por outro.
C.
Medicamentos que Podem Causar Acidose Láctica Com Dor Abdominal: Os INTR
(principalmente d4T ou Estavudina) podem causar uma complicação metabólica chamada acidose
láctica, que pode apresentar-se com dor abdominal severa.
Quando Suspeitar de Acidose Láctica
Suspeita-se a acidose láctica no doente que toma Estavudina (d4T) ou Didanosina (ddI) ou AZT por
mais de quatro meses e que apresenta três ou mais dos seguintes sintomas durante mais de três dias:
dor abdominal, fadiga, mal-estar, debilidade, dispneia/hiperventilação, náuseas, vómitos, perda de peso,
sem outra causa aparente: Ou seja, doentes em TARV com problemas abdominais persistentes (três
dias ou mais) e> ou =2 sintomas adicionais sem outra explicação.
Diagnóstico Definitivo:
Necessita de exames de sangue que geralmente não estão disponíveis em Moçambique. O Clinico que
suspeitar a acidose láctica deve consultar o médico e/ou internar o doente (se grave). Ver na unidade
sobre RAM.
D.
Medicamentos que Podem Causar Reacções de Hipersensibilidade com Dor Abdominal
Abacavir é pouco usado em Moçambique, mas existe.
Nas primeiras semanas (entre 8-11 dias) após iniciar o Abacavir, cerca de 2% a 9% dos doentes
implicados podem apresentar síndrome de hipersensibilidade. (Dellitt T. et al., 2007)
Os sintomas da reacção de hipersensibilidade podem incluir febre, dor muscular, cefaleia, erupção
cutânea, náuseas, vómitos e diarreia. Muitas vezes, os sintomas pioram poucas horas depois de ter
tomado o remédio. Caso não haja tratamento, pode ser fatal.
Diagnóstico Clínico: Não há teste de laboratório para confirmar. Consultar o médico.
Manual do Referência do Clínico
Dor Abdominal no Doente HIV+
241
Abordagem da Dor Abdominal no Doente HIV+
Passo 1
Sinais de perigo: Há abdómen agudo/cirúrgico ou complicações da gravidez?

Se sim, encaminhar ao cirurgião ou à maternidade.
Passo 2
Se não houver emergência cirúrgica ou obstétrica, houve evidência de algum problema comum e
tratável (por exemplo: gastrite, malária, infecção urinária, ITS)?


Se sim, trate.
Se não, ou se não responde ao tratamento, procure evidência de reacção adversa.
Passo 3
O doente tem sinais/sintomas de hepatite, pancreatite, acidose láctica ou reacção de hipersensibilidade,
e está a tomar algum medicamento que possa causar dor abdominal (nevirapina, medicamentos para
tuberculose, d4T, abacavir, outros)?


Se sim, avalie reacções adversas. (Ver unidade e guiões de reacções adversas)
Lembre-se: Nos primeiros meses de tratamento com anti-retrovirais, o doente também
corre risco de manifestar o SIR. O SIR (associado a hepatite B ou a tuberculose, por
exemplo) pode parecer uma reacção adversa ao TARV.
Outros Quadros Hepáticos no Doente HIV+
Os doentes infectados pelo HIV também podem apresentar outras infecções hepáticas que são
frequentes em Moçambique. É o caso da esquistossomíase, que pode afectar o fígado, ou das
infecções por vírus da hepatite (A, B ou C). O técnico deve ter em conta que a hepatite provocada por
álcool bem como a cirrose hepática também podem estar presente no doente com HIV.
O manejo dos quadros hepáticos no doente com HIV é o mesmo que na população sem HIV. O doente
com patologias hepáticas não relacionadas com o HIV corre mais risco de ter reacções adversas a
medicamentos hepatotóxicos (nevirapina, isoniazida, etc). Por isso, é preciso solicitar e analisar a
bioquímica (transamínases, etc) antes de iniciar o TARV, e fazer um seguimento clínico e laboratorial
ajustado ao doente com factores de risco para hepatotoxicidade.
Hemorragia Gastrointestinal
Os doentes seropositivos também podem ter hemorragia gastrointestinal causada por úlceras pépticas,
cancro do cólon, ou outras doenças comuns, como nos seronegativos. Contudo, neles é provável que
estas hemorragias sejam consequência de complicações relacionadas com o HIV. Por exemplo, quando
afecta o tracto intestinal, o sarcoma de Kaposi pode manifestar-se como hemorragia intestinal.
Nos doentes seropositivos que apresentam hemorragia intestinal, depois do tratamento da urgência
médica, é necessário investigar a existência das condições que definem o estadio IV avaliar as
indicações para o TARV.
Pontos-Chave
•
A dor abdominal é frequente e pode ser oportunista ou não no doente HIV+.
•
É preciso ter uma abordagem sistemática para a avaliação da dor abdominal nas pessoas
seropositivas.
•
A abordagem sistemática da dor abdominal deve ter em conta a possibilidade de infecções
oportunistas, reacções adversas a medicamentos, SIR e condições causadas pelo HIV
(condições de estadio III e IV) além dos problemas comuns da população geral.
•
No doente com CD4 baixo (<200 cel/mm3), as causas oportunistas de dor abdominal são muito
mais frequentes e complicadas.
•
O diagnóstico diferencial da dor abdominal no doente com SIDA tem sido muito difícil em
Moçambique.
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Dor Abdominal no Doente HIV+
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