evangelho do dia e homilia - Padre Lucas Peregrinações

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evangelho do dia e homilia - Padre Lucas Peregrinações
EVANGELHO DO DIA E HOMILIA
(LECTIO DIVINA)
REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM
XV DOMINGO DO TEMPO COMUM -ANO C
QUEM É O MEU PRÓXIMO?
Um doutor da Lei aproximou-se de Jesus e lhe perguntou: "Mestre, que devo fazer
para alcançar a vida eterna?" (Lc 10' 25). Jesus, no melhor estilo do mundo rabínico,
devolveu-lhe a pergunta: "Que é que está escrito na Lei? Como é que lês?"
E o doutor respondeu, citando o "Shemá, a oração que os israelitas rezam duas
vezes por dia: "Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma,
com toda a tua força e com todo o teu espírito, e ao teu próximo como a ti mesmo"(lbid. ,
v 27). Era tudo tão claro! E não ficou bem para o doutor da Lei ter feito a pergunta. Ele,
porém, não se deu por vencido, e acrescentou uma nova pergunta: "E quem é meu
próximo?"(v29).
Foi quando Jesus pronunciou uma de suas mais belas parábolas, que será lembrada
até os confins da terra e se contará ainda no último dia da História. É a parábola do Bom
Samaritano. Ela fala do homem que descia de Jerusalém para Jerico, e no caminho foi
assaltado pelos ladrões, que lhe roubaram tudo e o cobriram de pancadas, deixando-o
meio morto à beira da estrada.
A estrada naquele tempo era mais do que perigosa e as viagens eram arriscadas.
Passou por ali pouco depois um sacerdote, viu o homem ferido, mas não quis se envolver
no caso.
Passou de longe e prosseguiu seu caminho. Passou também um levita, e teve o
mesmo procedimento. Mas um viajante Samaritano, que ia passando em seguida, teve
pena do pobre homem. Parou, apeou de sua cavalgadura, aproximou-se do pobre ferido, e
lhe prestou os primeiros cuidados que pôde. Derramou óleo e vinho nas feridas. Vinho,
como anti-séptico, e óleo como suavizante da dor.
Colocou em seguida o homem em sua própria cavalgadura e o levou para uma
próxima estalagem. Cuidou dele até o dia seguinte, e se despediu, deixando dois denários
ao estalajadeiro para que fizesse tudo o mais que fosse necessário. E acrescentou que na
volta pagaria tudo o mais que tivesse sido gasto. E aí vem a pergunta de Jesus ao doutor
da Lei: "Qual desses três, na tua opinião, foi o próximo desse homem atacado pelos
ladrões?" É claro que foi o que se compadeceu dele, respondeu o doutor. "Pois bem concluiu Jesus -vai, e faze o mesmo" (v. 37).
À beira da bela estrada de asfalto que hoje liga Jerusalém à região da depressão do mar
Morto, onde fica Jericó, há um hotel com o sugestivo nome de "Hotel do Bom Samaritano",
em oportuna homenagem à parábola de Jesus. E a lição ficou para todos nós. Socorrer os
necessitados, mesmo que isso nos custe sacrifício e perturbe nossos planos de atender
tranquilamente a nossos negócios.
Só assim poderemos dizer que amamos ao próximo "como a nós mesmos". Neste
nosso século de negocismo e de visão de lucro, há muita gente que só faz algum benefício,
quando tem um retorno lucrativo.
Só ajudam, por exemplo, alguma instituição assistencial, que garanta desconto no
imposto de renda. E quantos há, que só ajudam a um pobre para se verem livres dele!
Bem diferente de muitos abnegados enfermeiros que tratam de pobres nos hospitais e
daqueles que gastam sua vida socorrendo a toda classe de necessitados. Sobre eles se
projeta amável a sombra do Bom Samaritano.
Jesus foi, por excelência, o Bom Samaritano. Desceu da Jerusalém celeste para a
Jericó que é esta terra, onde o pecado havia ferido o homem mortalmente e o prostrara à
beira da estrada da vida. Jesus nos socorreu com todo o amor; embora isso lhe custasse a
morte de cruz no suplício do Calvário.
Fez tudo por nós. E, - se quisermos insistir na aplicação da parábola, - confiou-nos à
hospedaria da Igreja, para que ela cuidasse de nós.
E os próprios dois denários seriam a figuração dos dois sacramentos - o Batismo e a
Eucaristia - que estão na base dos meios da santificação que temos nesta terra. Divino
Bom Samaritano!
LEITURAS do xv Domingo do Tempo Comum - Ano c:
1a) Dt 30,10-14
2a) Cl 1,15-20
3a) Lc 10, 25-37
EVANGELHO DO DIA E HOMILIA
(LECTIO DIVINA)
REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM
O BOM SAMARITANO
XV DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C
1) Oração
Ó Deus eterno e todo-poderoso, que nos concedeis no vosso imenso amor de Pai mais do
que merecemos e pedimos, derramai sobre nós a vossa misericórdia, perdoando o que
nos pesa na consciência e dando-nos mais do que ousamos pedir. Por nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
2) Leitura do Evangelho (Lucas 10,25-37)
25
Levantou-se um doutor da lei e, para pô-lo à prova, perguntou: Mestre, que devo fazer
para possuir a vida eterna? 26Disse-lhe Jesus: Que está escrito na lei? Como é que lês?
27
Respondeu ele: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma,
de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Dt 6,5); e a teu próximo como a ti
mesmo (Lv 19,18). 28Falou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isto e viverás.29Mas ele,
querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? 30Jesus então
contou: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões, que o
despojaram; e depois de o terem maltratado com muitos ferimentos, retiraram-se,
deixando-o meio morto. 31Por acaso desceu pelo mesmo caminho um sacerdote, viu-o e
passou adiante.
32
Igualmente um levita, chegando àquele lugar, viu-o e passou também adiante. 33Mas um
samaritano que viajava, chegando àquele lugar, viu-o e moveu-se de compaixão.
34
Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; colocou-o sobre a
sua própria montaria e levou-o a uma hospedaria e tratou dele. 35No dia seguinte, tirou
dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo-lhe: Trata dele e, quanto gastares a mais,
na volta to pagarei. 36Qual destes três parece ter sido o próximo daquele que caiu nas
mãos dos ladrões? 37Respondeu o doutor: Aquele que usou de misericórdia para com ele.
Então
Jesus
lhe
disse:
Vai,
e
faze
tu
o
mesmo.
3)Reflexão
* O evangelho de hoje traz a parábola do Bom Samaritano. Meditar uma parábola é o
mesmo que aprofundar a vida, a fim de descobrir dentro dela os apelos de Deus. Ao
descrever a longa viagem de Jesus a Jerusalém (Lc 9,51 a 19,28), Lucas ajuda as
comunidades a entender melhor em que consiste a Boa Nova do Reino. Ele faz isto
apresentando pessoas que vêm falar com Jesus e lhe fazem perguntas. Eram perguntas
reais do povo do tempo de Jesus e eram também perguntas reais das comunidades do
tempo de Lucas. Assim, no evangelho de hoje, um doutor da lei pergunta: "O que devo
fazer para obter a vida eterna?" A resposta, tanto do doutor como de Jesus, ajuda a
entender
melhor
o
objetivo
da
Lei
de
Deus.
Lucas 10,25-26: "O que devo fazer para herdar a vida eterna?"
*
Um doutor, conhecedor da lei, quer provocar Jesus e pergunta: "O que devo fazer
para herdar a vida eterna?" O doutor acha que deve fazer algo para poder herdar. Ele
quer garantir a herança pelo seu próprio esforço. Mas uma herança não se merece.
Herança, nós a recebemos pelo simples fato de sermos filho ou filha.”Você já não é
escravo, mas filho; e se é filho, é também herdeiro por vontade de Deus”. (Gal 4,7).
Como filhos e filhas não podemos fazer nada para merecer a herança. Podemos é
perdê-la!
* Lucas 10,27-28: A resposta do doutor
Jesus responde com uma nova pergunta: "O que diz a lei?" O doutor responde
corretamente. Juntando duas frases da Lei, ele diz: "Amar a Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento e ao
próximo como a ti mesmo!" A frase vem do Deuteronômio (Dt 6,5) e do Levítico (Lv
19,18). Jesus aprova a resposta e diz: "Faz isto e viverás!" O importante, o principal, é
amar a Deus! Mas Deus vem até mim no próximo. O próximo é a revelação de Deus para
mim. Por isso, devo amar também o próximo de todo o meu coração, de toda a minha
alma, com toda a minha força e com todo o meu entendimento!
* Lucas
10,29:
"E
quem
é
o
meu
próximo?"
Querendo justificar-se, o doutor pergunta: "E quem é o meu próximo?" Ele quer saber
para si mesmo: "Em que próximo Deus vem até mim?" Ou seja, qual é a pessoa humana
próxima de mim que é revelação de Deus para mim? Para os judeus, a expressão
próximo estava ligada ao clã. Quem não era do clã, não era próximo. Conforme o
Deuteronômio, eles podiam explorar ao “estrangeiro”, mas não ao “próximo” (Dt 15,13). A proximidade era baseada nos laços de raça e de sangue. Jesus tem outra maneira
de ver, que ele expressa na parábola do Bom Samaritano.
4. Lucas 10,30-36: A parábola
1.
Lucas
10,30:
O
assalto
na
estrada
de
Jerusalém
para
Jericó
Entre Jerusalém e Jericó encontra-se o deserto de Judá, refúgio de revoltosos,
marginais e assaltantes. Jesus conta um caso real que deve ter acontecido muitas
vezes. “Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó, e caiu na mão de
assaltantes, que lhe arrancaram tudo, e o espancaram. Depois foram embora, e o
deixaram quase morto”.
2. Lucas 10,31-32: Passa um sacerdote, passa um levita
Casualmente, passa um sacerdote e, em seguida, um levita. São funcionários do
Templo, da religião oficial. Os dois viram o assaltado, mas passaram adiante. Não
fizeram nada. Por que não fizeram nada? Jesus não o diz. Ele deixa você supor ou se
identificar. Deve ter acontecido muitas vezes, tanto no tempo de Jesus como no
tempo de Lucas. Acontece também hoje: uma pessoa de igreja passa perto de um
pobre sem dar-lhe ajuda. Pode até ser que o sacerdote e o levita tenham tido a
justificativa: "Ele não é meu próximo!" ou: "Ele está impuro e se eu tocar nele,
ficarei impuro também!" E hoje: "Se eu ajudar, perco a missa do domingo e faço
pecado mortal!"
3.
Lucas
10,33-35:
Passa
um
samaritano
Em seguida, chega um samaritano que estava de viagem. Ele vê, move-se de
compaixão, aproxima-se, cuida das chagas, coloca o homem no seu próprio animal,
leva-o até a hospedaria, cuida dele durante a noite e, no dia seguinte, dá ao dono da
hospedaria dois denários, o salário de dois dias, dizendo: "Cuida dele e o que
gastares a mais no meu regresso te pago!" É ação concreta e eficiente. É ação
progressiva: chegar, ver, mover-se de compaixão, aproximar-se e partir para a ação.
A parábola diz "um samaritano que estava de viagem". Jesus também estava em
viagem até Jerusalém. Jesus é o bom samaritano. As comunidades devem ser o bom
samaritano.
* Lucas 10,36-37: Quem dos três foi o próximo do homem assaltado?
No início, o doutor tinha perguntado: "Quem é o meu próximo?" Por de trás da
pergunta estava a preocupação consigo mesmo. Ele queria saber: "A quem Deus me
manda amar, para que eu possa ter a consciência em paz e dizer: Fiz tudo que Deus
pede de mim!" Jesus faz outra pergunta: "Quem dos três foi o próximo do homem
assaltado?" A condição de próximo não depende da raça, do parentesco, da simpatia,
da vizinhança ou da religião. A humanidade não está dividida em próximos e nãopróximos. Para você saber quem é o seu próximo, isto depende de você chegar, ver,
mover-se de compaixão e se aproximar. Se você se aproximar, o outro será o seu
próximo! Depende de você e não do outro! Jesus inverteu tudo e tirou a segurança que
a observância da lei poderia dar ao doutor.
* Os Samaritanos.
A palavra samaritano vem de Samaria, capital do reino de Israel no Norte. Depois da
morte de Salomão, em 931 antes de Cristo, as dez tribos do Norte se separaram do
reino de Judá no Sul e formaram um reino independente (1 Rs 12,1-33).
O Reino do Norte sobreviveu durante uns 200 anos. Em 722, o seu território foi
invadido pela Assíria. Grande parte da sua população foi deportada (2 Rs 17,5-6) e
gente de outros povos foram trazidos para Samaria (2 Rs 17,24).
Houve mistura de raça e de religião (2 Rs 17,25-33). Desta mistura nasceram os
samaritanos. Os judeus do Sul desprezavam os samaritanos como infiéis e adoradores
de falsos deuses (2 Rs 17,34-41). Havia muito preconceito contra os samaritanos. Eles
eram mal vistos. Dizia-se deles que tinham uma doutrina errada e que não faziam parte
do povo de Deus. Alguns chegaram ao ponto de dizer que ser samaritano era coisa do
diabo (Jo 8,48). Muito provavelmente, a causa deste ódio não era só a raça e a religião.
Era também um problema político-econômico, ligado à posse da terra. Esta rivalidade
perdurava ate o tempo de Jesus. Mesmo assim Jesus coloca os samaritanos como
exemplo e modelo para os outros.
4) Para um confronto pessoal
1. O samaritano da parábola não era do povo judeu, mas era ele que fazia o que
Jesus pede. Isto acontece hoje? Você conhece gente que não freqüenta a igreja
mas vive o que evangelho pede? Quem são hoje o sacerdote, o levita e o
samaritano?
3. O doutor perguntou: “Quem é o meu próximo?” Jesus perguntou: “Quem foi
próximo do homem assaltado?” São duas perspectivas diferentes: o doutor
pergunta a partir de si mesmo. Jesus pergunta a partir das necessidades do
outro. Qual é a minha perspectiva?
5) Oração final
Louvarei o Senhor de todo o coração, na assembléia dos justos e em seu conselho.
Grandes são as obras do Senhor, dignas de admiração de todos os que as amam. (Sl 110,
1-2)
LEITURAS do xv Domingo do Tempo Comum - Ano c:
1a) Dt 30,10-14
2a) Cl 1 , 15-20
3a) Lc 10, 25-37
EVANGELHO DO DIA E HOMILIA
(LECTIO DIVINA)
REFLEXÕES E ILUSTRAÇÕES DE PE. LUCAS DE PAULA ALMEIDA, CM
QUEM É O MEU PRÓXIMO? UMA PERGUNTA QUE NÃO SE FAZ…
O POR QUE DA PERGUNTA DO DOUTOR?
QUEM É O MEU PRÓXIMO? Foi o doutor da Lei que fez a pergunta. Ele a fez,
foi mais para justificar-se (Lc 10,29). Diante da reação de Jesus à sua pergunta
anterior, ele ficou com vergonha. Perguntara: Mestre, o que devo fazer para
obter a vida eterna? (Lc 10, 25). E Jesus, em vez de responder diretamente,
disse: O que está escrito na lei? O que você lê ali? (Lc 10,26). Foi como se
dissesse: Você, então, não sabe uma coisa tão evidente, você que se diz
conhecedor da lei! E, querendo ou não, ele mesmo teve que dar a resposta:
amar a Deus e amar ao próximo (Lc 10,27). Perguntara uma coisa já sabida de
todos. Parecia uma desonestidade da sua parte. Por isso, para justificar-se,
tornou a perguntar: E quem é o meu próximo?.
Mas não foi só para justificar-se e para salvar a sua reputação de doutor da Lei.
Para ele, doutor da Lei, aquela pergunta era importante mesmo. Já imaginou: se
o pagão não fosse próximo, se o romano, o pobre, o operário, a empregada em
casa, não caíssem na categoria de próximo, isso faria uma diferença muito
grande e tiraria da vida uma grande preocupação. Estaria livre de prestar-Ihes
um serviço por amor. A miséria do mundo e a injustiça generalizada já não
seriam uma acusação contra ele. Passaria tranquilo ao lado dos pobres e das
favelas, sem que a consciência lhe mordesse e lhe fizesse aqueles apelos
incômodos. Pois a Lei, isto é, Deus, mandava amar somente os próximos, e
aquela gente não era próximo. Já não haveria motivo para preocupar-se tanto.
Saber direitinho quem era o próximo daria mais tranqüilidade. Realmente, para
ele, o doutor, aquilo era uma pergunta muito importante, mas muito importante
mesmo.
A RESPOSTA DE JESUS
Jesus respondeu, mas respondeu a seu modo, como sempre, por meio de um
exemplo tirado da vida. Tais exemplos ou histórias falam mesmo a quem não
quer ouvir, pois da vida todos entendem ao menos alguma coisa. Jesus falou de
um homem que desceu de Jerusalém para Jericó (Lc 10, 30), uns vinte
quilômetros de viagem, pelo deserto perigoso de Judá, cheio de bandidos e
ladrões, fugidos da polícia, e de subversivos e guerrilheiros, dispostos a
matarem qualquer romano que passasse por lá. Esse homem passou por lá, e
aconteceu o que se podia esperar. Caiu na mão de ladrões que o roubaram e o
deixaram meio morto, ao lado da estrada, de tanta pancada que deram nele.
Fugiram com o dinheiro (Lc 10,30). Quem sabe, naqueles dias mesmo tivesse
ocorrido um assalto desse tipo. Estaria ainda bem vivo na lembrança de todos.
Nada mais eficiente do que fazer um sermão com fatos da vida.
Passa um sacerdote no local onde agonizava a vítima. Era o doutor da Lei,
passando ao lado da miséria do povo, agonizante, devido às feridas, feitas pela
sociedade sem amor. O sacerdote era alguém que estava por dentro das coisas
da religião, conhecia teologia, sabia situar-se, com a sua fé, neste mundo
complicado. Chega lá olha e percebe o fulano indefeso que necessitava de ajuda
urgente. Mas, na história que Jesus estava contando, o sacerdote olhou e
passou, desviando para o outro lado da estrada. Deixou o homem ali. Não
ajudou. Era o doutor da lei, passando ao lado da miséria do mundo e
raciocinando consigo mesmo: Aquela gente não cai dentro da categoria de
próximo. Portanto, não tenho nenhuma obrigação para com ela. Deus, aqui,
nada me pede. Posso passar tranquilo, sem correr o risco de perder a
recompensa que Ele prometeu àqueles que observam fielmente a sua Lei. Estou
dentro da Lei. A Lei está do meu lado! O sacerdote passou, como o doutor
passava pela vida, tranquilo, sem que a consciência lhe acusasse. O doutor,
porém, pelo que parece, já não andava de todo tranquilo, pois, do contrário, não
teria feito aquela pergunta. Alguma coisa, lá dentro dele, o devia estar
incomodando.
Passa, em seguida, um levita, um sacerdote de segunda categoria (Lc 10,32).
Seria como um sacristão de hoje, alguém que, como o sacerdote e o doutor,
estava por dentro das coisas da religião. Sabia aplicar as distinções necessárias,
para não se sentir angustiado, neste mundo tão confuso, com tantos apelos.
Também ele chegou, olhou e passou, pelo outro lado da estrada, tranqüilo com
Deus e consigo. Não ajudou. O homem continuou estendido no chão, sangrando,
meio morto. O mundo com a sua miséria continuava aí, sangrando pelas feridas
aplicadas pela falta de justiça e não curadas por falta de amor entre os homens.
E eram precisamente os que professavam sua fé no Deus justo e bondoso, os
que deveriam protestar, reagir, ajudar, esses nada faziam:o doutor, o
sacerdote, o levita. A esses, o outro não importava nem um pouco. Importava
ter a consciência tranquila, juridicamente tranquila.
Chega um samaritano (Lc 10, 33). Na opinião do doutor, um samaritano era um
energúmeno, um herege, um renegado, um bandido, um comunista ateu. O que
é que esse samaritano vinha a fazer na história que Jesus estava contando? Até
agora o doutor pôde segui-lo perfeitamente. Identificou-se com o sacerdote e o
levita. Gente direita. Mas agora? Onde é que esse Jesus queria chegar? O
samaritano chega, olha, pára, fica com dó, desce do cavalo, se aproxima, aplica
curativo, joga azeite e vinho nas feridas, coloca o homem no seu próprio cavalo,
vai a pé ao lado dele, leva-o até à hospedaria, recomenda o caso ao dono, cuida
dele, paga pelos gastos e deixa ainda o aviso: Cuide bem desse homem. Caso as
despesas forem mais, eu, na volta, pagarei tudo (Lc 10, 33-35). Depois
continuou a sua viagem, também ele, tranqüilo. E para o samaritano, Deus não
entrou, nem a lei. Foi o bom senso de um homem que não pode ver o outro
sofrer.
A NOVA PERGUNTA LANÇADA POR JESUS
Foi essa a história que Jesus contou como resposta àquela pergunta do
doutor: Quem é o meu próximo? A história de um assalto. Não tirou nenhuma
conclusão. Aliás, o doutor nem via como se poderia tirar alguma conclusão
dessa história estranha. O que é que tudo isso tinha a ver com a pergunta que
ele fizera? Também não era do interesse de Jesus dar uma resposta. Em vez de
tirar uma conclusão e de dar uma resposta, ele prefere formular, ele por sua
vez, uma nova pergunta. Perguntas incomodam mais do que respostas, porque
forçam o outro a pensar: Jesus termina a história: Qual dos três lhe parece ter
sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões? Era, novamente, a vez
do doutor de falar. A pergunta de Jesus era bem diferente daquela que o doutor
tinha feito. O doutor queria saber: Quem é o meu próximo?.
Jesus nada respondeu, mas perguntou: Quem dos três se mostrou mais
próximo? E o doutor teve que responder, querendo ou não: Aquele que usou de
misericórdia para com ele (Lc 10, 37). De tanta raiva que tinha dos samaritanos,
dos comunistas, nem sequer o identificou, e disse simplesmente: Aquele que
usou de misericórdia. Então, Jesus encerra o assunto: Vai e faça o mesmo! (Lc
10,37). Terminou a conversa. O que será que o doutor pensou? Encontrou ou
não encontrou uma resposta para a sua pergunta?
Jesus inverteu tudo. O doutor queria saber: Quem é o meu próximo? Queria ter
um critério mais seguro para poder distinguir nos outros quem era e quem não
era o seu próximo. Queria viver com a consciência mais tranqüila. Queria ficar
livre do medo de não ter cumprido a Lei de Deus. Queria enquadrar os outros
nos esquemas do seu próprio pensamento. Estava preocupado com o seu
problema. Pouco ligava os outros. Mas, em vez de receber um critério nesse
sentido, acaba de receber exatamente o contrário: um conselho de como ele
mesmo devia fazer para tornar-se próximo dos outros. Não recebe um critério
para poder julgar e classificar os outros, mas um estímulo para agir eaproximarse dos outros. Caso, no futuro, não ajudasse o fulano caído nas mãos de ladrões
e dele não se aproximasse, ele é que não estaria amando o próximo como Deus,
isto é, a Lei, o mandava. Ele estaria fora da Lei. Em vez de tranqüilo, ficou mais
angustiado ainda.
Pela história do assalto, Jesus fez saber que o erro do doutor estava na pergunta
dele.Não se deve perguntar: Quem é o meu próximo? Isto é fuga! Isso é querer
colocar em segurança a sua própria consciência, ao abrigo das exigências de
Deus, que chegam até nós, em todas as esquinas da vida. Isso é querer obter
mérito diante de Deus à custa do outro, identificado como próximo. O outro a
quem se ama, por ser ele próximo, já não é amado por ele mesmo; mas é
amado apenas porque eu, para poder salvar-me, devo amar o outro, o próximo.
O outro, então, já não interessa mais. Já não interessa aquele que é amado nem
aquele que não é amado. Interessa só eu que devo amar. Tal atitude é matar o
amor na raiz. Faz cair o homem num egoísmo fechado, que já não permite
abertura. A preocupação de saber quem é o próximo que deve ser amado, mata,
na raiz, o amor ao próximo.
Próximo? Jesus o faz saber: isso depende de você mesmo. Se você se
aproximar, você é que faz com que o outro fique mais próximo. Se você não se
aproximar, ele jamais será o seu próximo. Não existe gente com rótulo na
cabeça: Eu sou próximo! Então, vai depender de mim mesmo decidir quem é o
meu próximo? Certo! E se eu não me aproximar dos outros, não terei próximo e
não terei ninguém para amar e a Lei não se aplica a mim. Estarei dentro da Lei,
sem fazer nada! Sem dúvida!, a aplicação e a execução da Lei fica a seu critério,
fica a critério da sua aproximação do outro. Nesse caso, sobra ainda uma outra
pergunta: Quando é que devo aproximar-me do outro? Leia a história do assalto
que Jesus contou, veja quem cruza o seu caminho. Se ele precisar dos seus
cuidados, então: Vá e faze o mesmo que o samaritano fez. Depende de sua
generosidade e criatividade. Se esse outro é bom ou mau, ateu ou crente,
protestante ou católico, comunista ou capitalista, terrorista ou cidadão
cumpridor da Lei, samaritano ou herege, homossexual ou heterossexual, isso
não vem ao caso. É homem? Precisa de você? Então, vá, e faça o mesmo. Em
outro lugar, Jesus deu o seguinte critério: Tudo aquilo que você gostaria que o
outro lhe fizesse, faça-o você a ele: isso é, em resumo, toda a Lei e os
Profetas (Mt 7,12).
CONCLUSÃO
Próximo é todo aquele que cruzar o seu caminho, seja ele quem for, e do qual
você se aproxima. Ou melhor, próximo não existe. Existe é você, com a sua
obrigação de fazer-se próximo do outro. Fazer-se próximo, como o samaritano o
fez, já é amar o outro como Jesus o quer. Com isso, tudo mudou totalmente.
A sociedade do doutor da Lei estava baseada no principio de que alguns
são próximos, outros não. Hoje, na sociedade, existe a mesma coisa. Existem os
que estão por dentro e os que estão por fora. Existem os que são aceitos,
porque se adaptam aos critérios vigentes, e existem os que são marginalizados,
porque não se adaptam ou porque não querem ou porque não podem. E todo
mundo acha isso normal. Nós nos identificamos perfeitamente com o sacerdote
e o levita da história do assalto. Se nós fôssemos hoje aplicar a parábola do bom
samaritano, muita coisa iria mudar. Seria a revolução mais radical que jamais
houve na história.
Seria a coisa mais subversiva que a gente se possa imaginar. Somos todos como
os doutores da Lei, querendo saber quem é o próximo. Tratar e conviver com
alguém que a sociedade não aceita, que a Lei declara como não-próximo, isso
poderia comprometer a nossa vida. E isso, nós não o queremos. Teremos que
ouvir de novo que tais perguntas não se fazem. Seria querer esconder, debaixo
da capa de uma suposta caridade, o apego que temos à segurança que a
sociedade nos dá. Mas a miséria do mundo nos acusa, como ao doutor. Ninguém
fica realmente tranquilo. De vez em quando, incomodado pela realidade, todo o
homem honesto faz como o doutor: quer saber quem é mesmo o próximo. E
nesse sentido, a intranquilidade da qual nasce a pergunta, essa é boa.
LEITURAS do xv Domingo do Tempo Comum - Ano c:
1a) Dt 30,10-14 - 2a) Cl 1 ,15-20 - 3a) Lc 10,25-37

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