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15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental
Análise do Banco de Dados de Mortes por Deslizamentos do Instituto
de Pesquisas Tecnológicas (IPT)
Eduardo Soares de Macedo 1; Pedro Paulo Dipe Martins.2
Resumo – Em vista da crescente preocupação do poder público, do meio científico e da própria
sociedade civil com os desastres naturais, procuram-se meios para a redução dos riscos. O
conhecimento da maneira como os fenômenos naturais afetam a comunidade, determinando as
localidades mais perigosas, período em que ocorrem os eventos, número de afetados, etc., é uma
das informações primordiais para se estabelecer as medidas para a diminuição dos riscos. Este
artigo apresenta uma análise do Banco de Dados de Mortes por Deslizamentos do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), que desde 1988 se propõe a catalogar
eventos de movimentos de massa com fatalidades. Os dados utilizados neste banco foram
compilados por período em que ocorreram, e municípios e estados que apresentaram os maiores
números de óbitos. As análises foram realizadas e chegou-se a relações temporais, entre anos
que apresentaram maiores índices de mortes, e relações de localização geográfica entre as
cidades mais afetadas.
Abstract – Considering the growing concern of the Government, the scientific community, and the
society about natural disasters, one of the most important method about lowering risk is to know
how that the natural disasters occurs and affects the community. It’s important to acknowledge the
most affected places, the frequency of these episodes, etc. This paper presents an analysis of the
Instituto de Pesquisas Tecnológicas's database on death related casualties caused by landslides.
They have been cataloged since 1988. The data from database were compiled by occurrence
periods, stating cities with more casualties, and state/provinces which showed a major number of
fatalities. The analysis has shown that some relations can be made. Time related occurrences
were made, such as periods of time which had a higher amount of casualties. And also were made
relations between the geographical locations.
Palavras-Chave – Deslizamentos; Corridas; Mortes; Banco de Dados; IPT.
1
Geólogo, Dr., Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT, (11) 3767-4370, [email protected]
Estagiário de Geologia, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT, (11) 3767-4370, [email protected]
Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
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1. Introdução
Uma das etapas da gestão de riscos é a própria prevenção do risco, o que exige construir
uma base de dados atualizada sobre os eventos que já ocorreram, conhecendo a localização
geográfica, época/período em que ocorreram, número de fatalidades, dentre outros dados.
Sabendo desta necessidade o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
(IPT) começou em 1988 um projeto para catalogar os eventos de movimentos de massa com
fatalidades em nível nacional, com o objetivo de ter uma ideia da realidade brasileira e as
informações necessárias para a prevenção e gestão de riscos e desastres. Este banco de dados
de fatalidades em movimentos de massa é o pioneiro no país e ainda é o único nestes moldes
com uma quantidade relevante de dados inseridos, de tal maneira que é utilizado pelo Poder
Público para analisar a distribuição de recursos para a prevenção de desastres nos municípios.
Atualmente o banco de dados apresenta 773 eventos catalogados em 243 municípios, em
18 estados, constituindo um total de 3396 fatalidades entre 1988 e abril de 2015.
2. Caracterização do Banco de Dados
O Banco de dados foi concebido utilizando como fonte primária de informação a mídia
impressa, principalmente os jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, e também
jornais locais de regiões que foram atingidas pelos desastres, além de informações em órgãos
oficiais, Defesa Civil local (por exemplo) e artigos técnico-científicos.
Deve-se frisar a importância da mídia impressa, pois na época em que foi iniciado o projeto
de compilação de dados esta era a fonte primária e "confiável" de se obter dados. Após a difusão
da internet, a mídia digital se tornou a principal fonte de aquisição de dados.
O banco de dados utiliza a classificação de movimentos de massa em três tipologias:
deslizamentos, quedas de bloco e corridas de massa. Assim, além de se obter os dados dos
eventos com vítimas por meio de notícias jornalísticas, esse dado deve passar por uma triagem,
uma interpretação da notícia, para que se diferenciem os tipos de escorregamentos entre si, e,
também distinguir se o evento ocorreu de maneira natural associado a eventos climáticos (chuvas)
ou se foi causado exclusivamente pela ação humana. No caso em que a ação antrópica foi o
agente responsável pelo evento, como escavação em uma obra, por exemplo, o mesmo é
classificado como oriundo de uma falha humana ou de projeto, e este dado não é inserido no
banco. O banco somente apresenta dados de eventos catalogados que ocorreram como risco
natural, geológico e relacionado a causas climáticas, mesmo que com a intervenção humana.
Para melhor compilação dos dados, o banco de dados foi elaborado no software Microsoft
Access, uma vez que este software realiza relações diretas entre as tabelas (Figura 1). Assim,
uma vez o dado inserido, automaticamente as tabelas secundárias são preenchidas, facilitando a
procura de eventos e a visualização de forma mais rápida, contribuindo para trabalho de
interpretação dos dados, independentemente do conhecimento prévio do usuário.
A tabela ACIDENTE contém todas as informações necessárias do evento inserido no banco
de dados. É composta dos seguintes dados:
• ACIDENTE_ID – código identificador do acidente, representado por números e letras como
se segue 19920123RJPET.01, onde xxxxxxxx( ano, mês e dia) xx (estado) xxx (código referente
ao COD_MUN da tabela Município).xx (número sequencial de eventos para aquele local e dia);
• ANO – ano de ocorrência do acidente;
• MÊS – mês de ocorrência do acidente;
• DIA – dia de ocorrência do acidente;
• MORTES – número de mortes registradas no acidente;
• PROCESSO – processo gerador do acidente (deslizamento, queda de blocos, etc.);
• CAR_MEIO – caracterização do meio físico (quando disponível)
• LOCALIZAÇÃO - complementação do local do acidente (rua, bairro, residência, rio, etc.);
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• FONTE - fonte de obtenção dos dados do acidente (jornal, link do website contendo a
notícia, etc.) e;
• IBGE_ID – código IBGE do município (para relacionamento com a tabela MUNICÍPIO).
Figura1: Relações criadas entre as tabelas no banco de dados, utilizando o software Microsoft
Access. Fonte: MACEDO et al. (1999)
3. Análise dos dados do Banco de Mortes
Para uma análise mais consistente do banco de dados, devem-se salientar algumas
características dos tipos de eventos que ocorrem. No caso dos deslizamentos, coexistem eventos
de caráter natural e eventos que foram induzidos pela ação antrópica. A maioria das grandes
cidades brasileiras, que convive com a falta de espaço e a ocupação desordenada, apresenta
casos de deslizamento induzido pela ação humana através de cortes de taludes e aterros
lançados, lançamento e concentração de água servida nas encostas, desmatamento e a
construção de moradias que aumentam as solicitações sobre as vertentes.
Desta maneira é relativamente comum a ocorrência de eventos de deslizamentos que foram
induzidos pela ação antrópica, entretanto este dado é contabilizado no banco de dados porque a
modificação causada pelo homem gerou instabilidade da encosta, porém não foi o agente
causador do deslizamento.
Deve-se lembrar que vários eventos não foram contabilizados no banco de mortes, pois este
se iniciou em 1988, assim alguns eventos extremos anteriores não estão inseridos no banco de
dados como o desastre na Serra das Araras em 1967, que segundo informações gerou mais de
1700 vítimas.
A seguir apresentam-se análises do banco de dados dos dez municípios que apresentam os
maiores números de fatalidades, da distribuição de mortes por ano, desde que o projeto de
compilação de dados foi criado, e, a quantidade de óbitos por estados.
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3.1 Análise dos dados do Banco de Mortes por Ano
A Figura 2 apresenta os dados cadastrados no Banco de Mortes por ano de ocorrência.
Percebe-se que há quatro grupos de dados, o grupo I, anos em que os eventos não passaram de
30 óbitos, equivalente a 17% da distribuição; o grupo II, que corresponde a um número de
fatalidades entre 31 e 100, 58%; o grupo III, que geraram entre 101 e 300 mortes, equivalente a
21%; e, um único ano, grupo IV, em que o número de vítimas passou de 301, proporcional a 4%
dos casos.
Figura 2: Gráfico de distribuição de mortes por deslizamentos no decorrer dos anos entre 1988 e abril
de 2015.
Observa-se que existem alguns casos anômalos ao longo dos anos, porém entre toda a
distribuição, o ano de 2011 apresenta maior destaque, pois possui um número de óbitos
extremamente maior que os outros anos. Isto se deve a um evento extremo que atingiu a Região
Serrana do Rio de Janeiro no verão de 2011, afetando principalmente os municípios de Nova
Friburgo, 429 mortes, Teresópolis, 382 mortes, e Petrópolis, 74 mortes. Entretanto, exceto por
este evento extremo, as outras anomalias se apresentam no grupo III, entre 101 a 300 mortes,
ocorrendo nos anos de 1988, 1996, 1996, 2003, 2008 e 2010.
Podem-se salientar outros eventos de grande porte, como o ocorrido no Valei do Itajaí, Santa
Catarina, em 2008, porém nenhum outro evento foi de tamanhas proporções.
Deve-se frisar que no ano de 2015 foram contabilizadas as mortes até o mês de abril, por
isso o número muito mais reduzido de fatalidades que nos anos anteriores.
3.2 Análise dos dados do Banco de Mortes por Estados
Observa-se na Figura 3, o gráfico de óbitos em deslizamentos por estados, sendo que
somente 18 das 27 unidades federativas do país apresentam dados de fatalidades por
deslizamentos no banco de dados.
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Figura 3: Gráfico de mortes por deslizamentos por estados entre 1988 e abril de 2015.
Analisando-se o gráfico percebe-se que os oitos estados que apresentam maior número de
óbitos de movimentos de massa são, respectivamente, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais,
Bahia, Santa Catarina, Pernambuco, Alagoas e Espírito Santo.
O estado que apresenta maior número de óbitos, Rio de Janeiro, possui um número muito
maior de fatalidades do que outros estados. Analisando os dados através de notícias da mídia
impressa ou não, isto se deve tanto pela presença de eventos extremos efêmeros quanto eventos
de menor porte, porém com maior periodicidade. Dentre as dez cidades com maior número de
fatalidades (Tabela 1), seis se localizam no estado do Rio de Janeiro.
O estado de São Paulo apresenta o segundo maior número de óbitos, sendo que as áreas
litorâneas paulistas apresentam, relativamente, um número baixo de fatalidades. Isso pode ser
devido à implementação desde 1988 do Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC), caracterizado
por monitoramento constante das chuvas e das áreas de risco e por um sistema de gestão de
defesa civil (Macedo et al., 1999).
Em terceiro lugar, o estado de Minas Gerais apresenta eventos mais constantes e com
menor número de fatalidades por ocorrência. O mesmo ocorre no estado da Bahia, que apresenta
eventos com maior frequência e menor número de vítimas por episódio, diferindo de Santa
Catarina, que em 2008 obteve uma série de eventos extremos, no Vale do Itajaí, que somente
naquele ano gerou 135 vítimas.
3.3 Análise dos dados do Banco de Mortes por Municípios
Analisando-se a Tabela 1, observa-se que dentre os 10 municípios com maior número de
óbitos, seis deles se localizam no estado do Rio de Janeiro, sendo que dentre estas localidades
Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis estão inseridas na região serrana do estado do Rio de
Janeiro, chegando a fazer fronteira entre si. Estes municípios sofreram um evento extremo em
2011, já comentado anteriormente.
Percebe-se também que quase todos os municípios apresentados na Tabela 1 são locais
em que há grande pressão para a ocupação de encostas, uma vez que áreas mais planas, de
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menor risco, já foram ocupadas. Além disso, muitas destas cidades se localizam em regiões
montanhosas e serranas que apresentam altas declividades, contribuindo para os eventos de
movimentos de massa, como em regiões serranas ou litorâneas, por exemplo. É de se esperar
então, um aumento no número de áreas de risco e mesmo do nível de risco dentro das áreas já
existentes.
Dentre as dez cidades com mais vítimas, cinco são capitais, ou seja, cidades de grande
importância para seus estados e algumas vezes a própria região, atraindo a migração de pessoas
e aumentando a pressão para ocupação de locais irregulares. Rio de Janeiro, São Paulo,
Salvador, Belo Horizonte e Recife apresentam ocorrências com vítimas com uma distribuição
temporal regular, tanto com eventos com grande número de fatalidades quanto eventos com
poucos óbitos.
Tabela 1: Relação dos 10 Municípios que apresentam maior número de fatalidades entre 1988 e abril de
2015.
4.
Município
Estado
Nova Friburgo
Teresópolis
Petrópolis
Rio de Janeiro
Salvador
São Paulo
Recife
Angra dos Reis
Niterói
Belo Horizonte
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Bahia
São Paulo
Pernambuco
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Minas Gerais
Nº de vítimas fatais
441
425
388
276
195
128
118
94
69
64
Conclusões
Os eventos de movimentos de massa que geram mortes apresentam certa distinção entre si,
como a frequência em que ocorrem em determinadas regiões. Por exemplo, em alguns estados os
eventos são frequentes mas com pequeno número de vítimas, como em Minas Gerais; e em
outros ocorrem eventos extremos de menor frequência e grande número de vítimas, como em
Santa Catarina. Em outras localidades ocorrem ambos os tipos de eventos, alta frequência e
poucas fatalidades e com grande número de vítimas e frequência menor, exemplificando o caso
do estado do Rio de Janeiro.
Outra característica dos eventos é a sua distribuição temporal aparentemente cíclica, com
exceção de eventos extremos. Observa-se uma tendência de a cada 6 ou 7 anos ocorrerem
eventos com número de mortes maior, talvez devido a variações climáticas, como por exemplo El
Niño ou La Niña.
Por fim, observa-se que as cidades que apresentam maior número de vítimas por
deslizamentos são cidades maiores, com maior pressão econômico-social para a ocupação de
encostas. Dentre as dez cidades com maior número de vítimas ao menos seis têm grande
população e alta suscetibilidade aos movimentos de massa. Outras cidades de menor porte, mas
que apresentam grande suscetibilidade natural a movimentos de massa, pois se localizam em
regiões serranas (Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, por exemplo) ou em regiões litorâneas
com áreas serranas, como a Serra do Mar.
5.
REFERÊNCIAS
MACEDO, E.S. de & AKIOSSI, A. Escorregamentos ocorridos no Brasil entre 1988 e 1996:
levantamento a partir de notícias de jornal. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA,
39, Salvador. Anais...Salvador, SBG (Núcleo Bahia-Sergipe): v. 4, p. 149-152. 1996.
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MACEDO, E. S.; ALBERTO, M. C.; SALLES, E. R. Informatização do cadastramento de acidentes
de escorregamentos com vítimas fatais ocorridos no Brasil, no período de 1988 a 1999. In: 9
CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA, 1999, São Pedro. Anais... São
Paulo: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA, 1999.
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