indicação geográfica e desenvolvimento territorial

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indicação geográfica e desenvolvimento territorial
 INDICAÇÃOGEOGRÁFICAE
DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL:
reflexõessobreotemaepotencialidadesno
EstadodeSantaCatarina
ComitêCientífico
AryBaddiniTavares(UNIMESP)
DanielArrudaNascimento(UFF)
DeyveRedyson(UFPB)
EduardoKickhofel(UNIFESP)
EduardoSaadDiniz(USP,RibeirãoPreto)
JorgeMirandadeAlmeida(UESB)
MarciaTiburi(Mackenzie)
MarceloMartinsBueno(Mackenzie)
MariaJ.Binetti(CONICET,ARG)
MaurícioCardoso(FFLCH–USP)
PatríciaC.Dip(UNGS/CONICET,ARG)
SalyWellausen(Mackenzie,Pres.)
ValdirRoqueDallabrida
(Organizador)
INDICAÇÃOGEOGRÁFICAE
DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL:
reflexõessobreotemaepotencialidadesno
EstadodeSantaCatarina
1ªedição
EditoraLiberArs
SãoPaulo
2015
INDICAÇÃOGEOGRÁFICAEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL:Reflexõessobreotemae
potencialidadesnoEstadodeSantaCatarina
©2015,Oorganizador
Direitosdeediçãoreservadosà
EditoraLiberArsLtda
ISBN978‐85‐64783‐58‐4
Editores
FransmarCostaLima
LauroFabianodeSouzaCarvalho
Revisãoesupervisãotécnicaeortográfica
AnaBeatrizLopesLancha
Editoração
CesarLima
ImagemdeCapa
FabioCosta
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação–CIP
Dallabrida,ValdirRoque D15dIndicaçãogeográficaedesenvolvimentoterritorial:reflexõessobre
otemaepotencialidadenoEstadodeSantaCatarina/Valdir
RoqueDallabrida(org.)‐SãoPaulo:LiberArs,2015.
ISBN978‐85‐64783‐58‐4 1. Desenvolvimento Regional
– Santa Catarina 2. Indicação
Geográfica – Santa Catarina
3. Desenvolvimento Territorial –
GovernançaTerritorialI.Título
CDD338.9
CDU 338
Bibliotecário responsável: Neuza Marcelino da Silva – CRB 8/8722
Todososdireitosreservados.Areprodução,aindaqueparcial,porqualquermeio,
daspáginasquecompõemestelivro,parausonãoindividual,mesmoparafinsdidáticos,
semautorizaçãoescritadoeditor,éilícitaeconstituiumacontrafaçãodanosaàcultura.
Foifeitoodepósitolegal.
EditoraLiberArsLtda
www.liberars.com.br
[email protected]
SUMÁRIO
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA: APRESENTAÇÃO DE COLETÂNEA
E INTRODUÇÃO AO TEMA...............................................................................................7
CAPÍTULO 1.........................................................................................................................23 GOVERNANÇA NOS TERRITÓRIOS, OU GOVERNANÇA TERRITORIAL:
DISTÂNCIA ENTRE CONCEPÇÕES TEÓRICAS E A PRÁTICA VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC JAIROMARCHESAN‐UNC ADRIANAMARQUESROSSETTO‐UFSC ELIANESALETEFILIPPIM‐UNOESC
CAPÍTULO 2.........................................................................................................................41 A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DE PRODUTOS: UM ESTUDO SOBRE
SUA CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL GIOVANEJOSÉMAIORKI‐UNC VALDIRROQUEDALLABRIDA–UNC
CAPÍTULO 3.........................................................................................................................57 A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO CONTRIBUTO PARA
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ANÁLISE A PARTIR DE
EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS NO SETOR VINÍCOLA SABRINADHIENIFFERSANDER‐UNC VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC
CAPÍTULO 4.........................................................................................................................73 O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO ATIVO TERRITORIAL
NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL MÁRCIAFERNANDESROSANEU‐UFPR PATRICIADEOLIVEIRAAREA‐UNIVILLE
CAPÍTULO 5.........................................................................................................................87 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS AGROPECUÁRIAS CRISTIANEDEMORAISRAMOS‐UFSC ADRIANAMARQUESROSSETTO‐UFSC
CAPÍTULO 6.......................................................................................................................105 ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO DE CANOINHAS (SC):
UM ESTUDO A PARTIR DO MANEJO DE FRAGMENTOS DE FLORESTA
OMBRÓFILA MISTA E SUA RELAÇÃO COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA LAUROWILLIAMPETRENTCHUK‐UNC JAIROMARCHESAN‐UNC VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC
CAPÍTULO 7 ...................................................................................................................... 117 SIGNOS DISTINTIVOS E POTENCIAIS BENEFÍCIOS
AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUELENCARLS‐UFSC LILIANALOCATELLI‐UFSC LUIZOTÁVIOPIMENTEL‐UFSC
CAPÍTULO 8 ...................................................................................................................... 135 PRODUTOS COM IDENTIDADE TERRITORIAL
NO ESTADO DE SANTA CATARINA: POTENCIAIS PARA
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA MAYARAROHRBACHERSAKR‐UNC NATANYZEITHAMMER‐UNC STAVROSWROBELABIB‐UNIVALI VALDIRROQUEDALLABRIDA‐UNC
CAPÍTULO 9 ...................................................................................................................... 173 CONTRIBUIÇÃO DO QUEIJO ARTESANAL SERRANO PARA O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E PRESERVAÇÃO DOS CAMPOS DE ALTITUDE
DO SUL DO BRASIL ULISSESDEARRUDACÓRDOVA‐EPAGRI‐LAGES‐SC ANDRÉIADEFÁTIMADEMEIRABATISTAFERREIRASCHLICKMANN‐EPAGRI‐LAGES‐SC CASSIANOEDUARDOPINTO‐EPAGRI‐LAGES‐SC
CAPÍTULO 10 .................................................................................................................... 187 DESAFIOS PARA O ASSOCIATIVISMO DE BASE TERRITORIAL:
O CASO DO PROJETO TRANÇAS DA TERRA ANALÚCIABEHRENDLISTONE‐UNOESC ELIANESALETEFILIPPIM‐UNOESC
CAPÍTULO 11 .................................................................................................................... 213 FORMAÇÃO HISTÓRICA, TERRITORIAL E ECONÔMICA
DA MESORREGIÃO OESTE CATARINENSE: LIMITES E POSSIBILIDADES DE
CONSTITUIÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS JAIROMARCHESAN‐UNC ROSANAMARIABADALOTTI‐UNOCHAPECÓ
CAPÍTULO 12 .................................................................................................................... 241 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DA ERVA-MATE NO
TERRITÓRIO DO CONTESTADO: REFLEXÕES E PROJEÇÕES VALDIRROQUEDALLABRIDA;FERNANDATEIXEIRASANTOS;LAUROWILLIAMPETRENTCHUK;MAYARA
ROHRBACHERSAKR;MURILOZELINSKIBARBOSA;NATANYZEITHAMMER;PAULOMOREIRA;TIAGOLUIZ
SCOLARO;JAIROMARCHESAN‐UNC
CAPÍTULO 13 .................................................................................................................... 273 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO POLÍITICAS PÚBLICAS
DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL - O CASO DOS VALES DA UVA
GOETHE ADRIANACARVALHOPINTOVIEIRA‐UNESC VALDINHOPELLIN‐FURB DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
EINDICAÇÃOGEOGRÁFICA:APRESENTAÇÃODE
COLETÂNEAEINTRODUÇÃOAOTEMA
Nestelivro,retoma‐seotemadaIndicaçãoGeográficacomoalternativa
paraodesenvolvimentoterritorial.Trata‐sedeumacoletâneadetextos,que
resumem os resultados do Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE
TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais
comoestratégiadedesenvolvimentonasregiõesdoEstadodeSantaCatarina,
oqualcontoucomoapoiofinanceirodaFundaçãodeAmparoàPesquisae
InovaçãodoEstadodeSantaCatarina(FAPESC).Contoucomacolaboração
de colegas de universidades catarinenses, membros da equipe de pesquisa
doreferidoprojeto,sejacomopesquisadoresoualunosdaPós‐Graduaçãoe
IniciaçãoCientífica.
Acoletânea,nasuaprimeiraparte,reúnetextosquerefletemquestões
relacionadas ao tema Indicação Geográfica (IG). Na segunda parte, são
apresentadasasprincipaispotencialidadesdeprodutosdoEstadodeSanta
Catarina que têm condições de serem reconhecidas como experiências de
Indicação Geográfica. Além da experiência de IG registrada, o caso do Vale
daUvaGoethe,outrosquatroprodutossãocontempladoscomumaanálise
maisaprofundada.
Indicação Geográfica, desde 2012, foi tema de investigação e de
publicações, das quais participei, seja como autor, coautor ou organizador
(DALLABRIDA, 2012a/b; 2013; 2014a/b/c; DALLABRIDA, et al., 2013;
2014a/b; DALLABRIDA e MARCHESAN, 2013; DALLABRIDA e FERRÃO,
2014).
Quantoàsinvestigações,IndicaçãoGeográficafoitemadeestudo,atéo
momento, em quatro projetos de pesquisa: o primeiro, iniciado em 2012 e
finalizado em 2014, Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a
especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas
regiõesdoEstadodeSantaCatarina,pormimcoordenado,naUniversidade
do Contestado (UnC), com financiamento da FAPESC; o segundo, Ativos
TerritoriaiscomoEstratégiadeDesenvolvimento:umestudosobreaeficácia
da estrutura de governança territorial, como contributo à sustentabilidade
social, econômica e ambiental dos territórios, o qual serviu de base aos
estudos realizados no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de
Lisboa,referentesaoPlanodeTrabalhodaBolsadoCNPq,PósDoutoradono
1
Exterior(PDE) ;oterceiro,EstratégiasdeespecificaçãodeAtivosTerritoriais
1
Está no prelo, na revista EURE (Chile), artigo com os resultados da investigação. Uma
primeira abordagem sobre o tema ativos territoriais foi realizada em Dallabrida e Ferrão
(2014).
7 comoalternativadeDesenvolvimento,queservirácomoreferênciaàsminhas
atividades de investigação, entre 2013 e 2016, relacionados à Bolsa
Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq); por fim, Signos Distintivos Territoriais e
Indicação Geográfica: um estudo sobre os desafios e perspectivas como
alternativa de Desenvolvimento Territorial, iniciado em dezembro de 2014,
comfinanciamentodoCNPq,devendoseestenderaté2016.
Asiniciativasdeinvestigaçãoepublicaçõesmencionadasconvergemno
debate sobre Indicação Geográfica, tendo como substrato o
desenvolvimento territorial e a governança territorial. Ou seja, partem do
entendimento da Indicação Geográfica como meio, o desenvolvimento
territorial como fim e a governança territorial como forma de gestão
societária,tendoporbaseumentendimentopessoaldasreferidascategorias
conceituais.
Agovernançaterritorialcorrespondeaumprocessodeplanejamentoegestão
de dinâmicas territoriais que prioriza uma ótica inovadora, partilhada e
colaborativa, por meio de relações horizontais. No entanto, esse processo
inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim, deliberações, entre
agentesestatais,representantesdossetoressociaiseempresariais,decentros
universitários ou de investigação. Processos desta natureza fundamentam‐se
num papel insubstituível do Estado, numa concepção qualificada de
democracia e no protagonismo da sociedade civil, objetivando harmonizar
uma visão para o futuro e um padrão qualificado de desenvolvimento
territorial. O desenvolvimento territorial é entendido como um processo de
mudança continuada, situado histórica e territorialmente, mas integrado em
dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na
potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e
específicos)existentesnolocal,comvistas àdinamizaçãosocioeconômicaeà
melhoriadaqualidadedevidadasuapopulação(DALLABRIDA,2014b,p.16).
O Projeto de Pesquisa do qual resulta esta coletânea contou com a
atuaçãodetrezeprofessorespesquisadores:AdrianaCarvalhoPintoSilveira
(UNESC), Adriana Marques Rossetto (UFSC), Cassiano Eduardo Pinto
(EPAGRI), Eliane Salete Filippim (UNOESC), Jairo Marchesan (UnC), Luiz
OtávioPimentel(UFSC),MárciaFernandesRosaNeu(UNESUL),Patríciade
OliveiraAreas(UNIVILLE),RosanaMariaBadalotti(UNOCHAPECÓ),Stavros
Wrobel Abib (UNIVALI), Ulisses de Arruda Córdova (EPAGRI), Valdinho
Pellin (FURB) e, como Coordenador, Valdir Roque Dallabrida (UnC). Além
dos pesquisadores, a investigação contou com a participação de quatro
mestrandos:trêsdaUnC(jáformados),LauroWilliamPetrentchuk,Giovane
José Maiorki e Sabrina Dhieniffer Sander; e Cristiane de Morais Ramos da
UFSC. Por fim, contou com a participação de três alunas de Iniciação
Científica: Mayara Rohrbacher Sakr (UnC); Natany Zeithammer (UnC); Ana
LúciaBehrendListo(UNOESC).
8 Olivroestádivididoemduaspartes.Naprimeira,sãotratadasquestões
atinentesaumdospropósitosdoprojetodepesquisa:oaprofundamentoda
compreensão sobre as potencialidades e limites de estratégias de
especificação de ativos territoriais, tais como a Indicação Geográfica, como
alternativadedesenvolvimentoterritorial.
O primeiro capítulo do livro faz referência à questão da governança
territorial, tema do artigo Governança nos Territórios, ou Governança
Territorial:distânciaentreconcepçõesteóricaseaprática,oqualcontempla
uma avaliação e análises sobre os sistemas de governança territorial
utilizados nas experiências de Indicação Geográfica, tendo como foco o
estudodeexperiênciasbrasileirasedePortugal.Concluiqueaindaháuma
grande distância entre as concepções teóricas e as práticas de governança
territorial.
O segundo e o terceiro capítulo, respectivamente, A Indicação
Geográfica de produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no
DesenvolvimentoTerritorialeAIndicaçãoGeográficacomocontributoparao
Desenvolvimento Sustentável: análise a partir de experiências brasileiras no
setor vinícola, resultam de duas dissertações realizadas no âmbito do
Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC, as quais estudaram os
possíveis impactos no desenvolvimento territorial de experiências de IG,
considerandoasdimensõeseconômica,social,culturaleambiental.Quantoà
dimensãoeconômica,osresultadosobtidosforamsuficientesparareafirmar
a importância da Indicação Geográfica como vetor do desenvolvimento de
territórioseregiões,salientando,noentanto,queissonãoocorredeforma
autônoma, mas, sim, pelo envolvimento integrado da sociedade civil e dos
setores da economia que fazem parte do objeto da IG. Já em relação às
dimensões social e cultural, conclui‐se que estão minimamente
contempladas.Noentanto,emrelaçãoàdimensãoambiental,apreocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários mais
avanços.
OPatrimônioCulturalcomoativoterritorialnodesenvolvimentoregional
é o título do quarto capítulo. Como o próprio título sugere, o objetivo foi
refletir sobre o papel que a educação patrimonial pode ocupar no
desenvolvimentoterritorial,namedidaemqueauxilianoreconhecimentoe
valorização do patrimônio cultural de uma comunidade. Esse
reconhecimentoevalorização,comoaautorapropõe,poderáelevaraauto‐
estima e, portanto, auxiliar na busca de soluções para o desenvolvimento
solidário.Trata‐se,ainda,deumareflexãoteórica,masqueversasobreuma
dimensãoimportanteaosereferirao processo de reconhecimentodeuma
IG.
O quinto capítulo ‐ Desenvolvimento, Sustentabilidade Ambiental e
Indicações Geográficas agropecuárias‐trazumareflexãosobreopapeldas
Indicações Geográficas na promoção do desenvolvimento regional, dando
9 ênfase ao aspecto ambiental. Inicia pela explicitação das premissas que
sustentamarelaçãointrínsecaentredesenvolvimentoeterritórioecomoa
demarcaçãodeumaIGpodeestarassociadaàsustentabilidade.Combasena
legislação brasileira e o Guia para a Solicitação e Registro das Indicações
Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo Ministério da
Agricultura,PecuáriaeAbastecimento(MAPA),expõealternativasparaque
oaspectodasustentabilidadeambientalsejainseridodeformamaisefetiva
naspremissasdasIG.
Reafirmandoadimensãodasustentabilidadeambientalantesreferida,
osextocapítulo‐AlternativasdedesenvolvimentonomunicípiodeCanoinhas
(SC):umestudoapartirdomanejodefragmentosdeflorestaombrófilamista
e sua relação com a indicação geográfica ‐ aborda o tema, demonstrando
como alternativas de desenvolvimento que utilizem ou não a estratégia da
IG,podemcontribuir,nãosóparageraçãodeempregoerenda,mastambém
comoumaestratégiadepreservaçãoeregeneraçãodefragmentosflorestais.
Aerva‐mateéumdosmuitosexemplosemquesuavalorizaçãopormeiodo
reconhecimento de uma IG pode contribuir para a preservação e
recuperaçãodasmatasnativas.
Já o último capítulo da primeira parte do livro ‐ Signos Distintivos e
potenciais benefícios ao Desenvolvimento Territorial ‐ apresenta trata da
gestão dos ativos intangíveis do território, focalizando os direitos de
propriedadeindustrialdasmarcasdeprodutoseserviços,marcascoletivas
edecertificaçãoeasIndicaçõesGeográficas,destacandoqueaformalização
dessesinstitutospotencializasuavalorizaçãoeosprotegejuridicamenteno
mercado,podendoalicerçaraeconomiadeumaregiãoecomporestratégias
depromoçãododesenvolvimentoterritorial.
A segunda parte do livro atende a um dos propósitos do projeto de
pesquisa em referência: mapear as principais potencialidades de
especificação de ativos territoriais situadas nas diferentes mesorregiões
catarinenses,naformadesignosdistintivoscompotencialderegistro,seja
na condição de Indicação Geográfica ou Marca Coletiva. Vai além do
mapeamento, contemplando a caracterização e apontamento de potenciais
emcincoregiõesdoEstadodeSantaCatarina.
Assim,ocapítulooito–ProdutoscomIdentidadeTerritorialnoEstadode
Santa Catarina: potenciais para a Indicação Geográfica ‐ identifica e
caracteriza os produtos catarinenses que apresentam potencialidades para
adquirirem o reconhecimento como IG, destacando sua localização,
possíveisimpactoseconômicoseasformasdevalorizaçãoassumidaslocale
regionalmente. Como ponto de partida, foi utilizado um estudo preliminar
realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
2
(SEBRAE) utilizando uma metodologia própria para tal . Além da
2
Um dos propósitos do projeto de pesquisa que resultou neste livro era propor indicativos
metodológicos que facilitassem a prospecção de ativos e recursos com especificidade
10 experiênciadeIGjáreconhecida,oValedaUvaGoethe,sãoapontadosvinte
e sete produtos com potencialidade de registro, distribuídos nas
mesorregiões catarinenses. Algumas experiências merecem uma atenção
especial,talcomoocasodaerva‐mate.
Na sequência, os capítulos nove, dez, onze e doze registram e
caracterizam experiências de produtos com potencialidade para o
reconhecimento de IG, em quatro regiões do Estado de SC: a Serra
Catarinense (queijo serrano); o Meio Oeste (tranças da terra); o Oeste
Catarinense (suinocultura); o Planalto Norte (erva‐mate). Os capítulos são,
respectivamente: (1) Contribuição do Queijo Artesanal Serrano para o
desenvolvimentoregionalepreservaçãodoscamposdealtitudedosuldoBrasil;
(2) Desafios para o associativismo de base territorial: o caso do Projeto
Tranças da Terra; (3) Formação histórica, territorial e econômica da
Mesorregião Oeste Catarinense: limites e possibilidades de constituição de
Indicações Geográficas; (4) Indicação Geográfica da erva‐mate no Território
doContestado:reflexõeseprojeções.Trata‐sedequatroexperiênciassobreas
quais já existem iniciativas em andamento, em especial, a primeira e a
quarta.
Oúltimocapítulo‐AutilizaçãodasIndicaçõesGeográficascomopolíticas
públicasdedesenvolvimentoterritorialrural:ocasodosValesdaUvaGoethe‐
dizrespeitoàúnicaexperiênciadeIGregistradanoEstadodeSC.Umadas
observaçõesfeitaspelosautoresnocapítulo,refere‐seaoqueseesperadas
experiências de IG: as IG podem ser entendidas, do ponto de vista
econômico,comoumaestratégiaparaagregarvaloraprodutosouserviços
que têm características próprias relacionadas ao território ao qual estão
inseridas, e, consequentemente, fortalecer o desenvolvimento territorial,
principalmenteemespaçosrurais.Assim,emrelaçãoàúnicaexperiênciade
IGcatarinense,osautoresafirmamoquetodosalmejamosconstatarquando
do registro de uma IG: após o reconhecimento, se observou importantes
vantagens,sobretudoeconômicas,comooaumentonasvendaseoacessoa
novosmercados.Alémdisso,identificou‐seodesenvolvimentodeatividades
complementares tais como o enoturismo e a preservação da identidade
local.
É importante lembrar os principais resultados esperados, quando da
elaboraçãodoprojetodepesquisa.Comoumaformadeprestaçãodecontas,
transcrevemosnoquadroaseguirosresultadosesperadoseumaavaliação
dasuaeficácia.
territorial. No entanto, apesar dos esforços, não foi possível concluir esta tarefa a tempo de
finalizar um texto possível de ser contemplado neste livro. Ficou como tarefa adicional às
atividades do projeto de pesquisa, assumida por três pesquisadores da equipe, a ser finalizada
até o primeiro semestre de 2015, que fará parte de outra publicação.
11 Quadro1‐Análisedosresultadosesperadoseavaliaçãodaeficácia
Resultadoesperado
Avaliaçãodaeficácia
‐Tomarconhecimentoesistematizaro
estadodaartesobreotematerritório,
identidade territorial e desenvol‐
vimento, especificação de ativos
territoriaiseIndicaçãoGeográfica.
A execução do projeto de pesquisa, para muitos dos
pesquisadoresenvolvidos,foiaprimeiraoportunidadede
tomar contato com o tema Indicação Geográfica. Sem
dúvida,pelasleiturasexigidasaosautoresparaelaboração
de seus textos, a experiência de muitos em analisar
práticas, a oportunidade de participar do debate sobre o
tema, seja em reuniões da equipe de trabalho, ou pela
participação em eventos, os temas território, identidade
territorial, ativos territoriais e Indicação Geográfica
passaram a fazer parte das leituras e da compreensão de
um grupo multidisciplinar de pesquisadores, atingindo a
quase totalidade das universidades catarinenses. A
qualidadeediversidadedeenfoquesqueostextoscontêm,
demonstram isso, além do interesse do grupo em
continuarestudandootemaemoutrasinvestigações.
‐Situarnocontextodotema,questões
como a concepção de território,
identidade territorial e desenvolvi‐
mento.
‐Tomarconhecimentoesistematizara
atual
situação,
funcionamento,
avançosedesafiosdasexperiênciasde
especificação de ativos, no sentido de
contribuírem para a qualificação de
processos de desenvolvimento (local,
regional,territorial).
Além do exercício da leitura, da escrita e da análise de
experiênciasregionaiscatarinenses,mesmoqueemgraus
diferenciados, a equipe tomou conhecimento da situação,
comsuaspotencialidades,mastambémcomseusdesafios,
em relação às experiências de IG brasileiras e
internacionais. Essas experiências, algumas visitadas pela
equipe,serviramparaaprofundamentodosestudossobre
otemanoEstadodeSC.
‐Elaboração de um quadro síntese,
demonstrando a situação da(s)
experiência(s) de especificação de
ativos territoriais catarinense, as
potencialidades que se apresentam e
suacontribuiçãonodesenvolvimento.
Osartigosdasegundapartedolivroatendemaopropósito
de elaboração de um quadro síntese sobre as
potencialidades de IG no Estado de SC. Além do
mapeamento, foram caracterizadas cinco experiências de
produtoscompotencialparaoreconhecimentodefuturas
IG.
Por outro lado, análises oportunizadas pelas visitas
realizadas em experiências brasileiras, seja pelos
pesquisadores, ou mesmo pelos alunos, quando da
realização de suas pesquisas de campo, foram da maior
importância. Servirão como reflexões e análises, que
poderãoservirdereferênciaparapensarpolíticaspúblicas
relacionadasàsIGnoEstadodeSC.
‐Apreender as principais lições que
podem ser retiradas das experiências
brasileiras já solidificadas de
Indicação Geográfica para a realidade
catarinense, as quais poderão servir
comorecomendaçõesparaaspolíticas
públicasestaduais.
É importante, ainda, salientar que, além dos estudos
realizados por ocasião da presente investigação, outros
projetos de pesquisa paralelos, já finalizados ou em
processo de execução, como os relacionados na parte
inicial deste texto, serviram para aprofundar temas aqui
previstos e até avançar na discussão da temática. Neste
sentido,umexemploéoprojetodepesquisarecentemente
aprovado no CNPq, o qual dará continuidade aos estudos
aquiiniciados.FazemosreferênciaaoProjetodePesquisa
Signos Distintivos Territoriais e Indicação Geográfica: um
estudosobreosdesafioseperspectivascomoalternativade
Desenvolvimento Territorial. A proposta de investigação é
ousada, pois reúne uma rede de pesquisadores do Brasil,
Argentina, Espanha e Portugal, propondo‐se avaliar
experiências destes países, por meio de estudos
documentais e bibliográficos, realização de reuniões de
12 trabalho com pesquisadores e especialistas, visitação de
experiências e entrevistas com atores dos territórios
envolvidos. Como questões orientadoras, que ao mesmo
tempo servirão como referencial metodológico nos
estudos, visitações e entrevistas, foram escolhidas as
seguintes: (1) Qual compreensão e o que ocorre na
realidade sobre a relação entre Indicação Geográfica e
Desenvolvimento Territorial? Meio, fim principal, relação
dialógico‐dialética? (2) Qual o papel das estruturas de
governança territorial, ou seja, das formas de
planejamento e gestão das dinâmicas territoriais, tais
como, as que ocorrem em experiências de associativismo
territorial no campo da Indicação Geográfica? (3) Os
processos de gestão de Indicações Geográficas em que
aspectosseassemelhamàconcepçãodegestãoestratégica
(ou empresarial), ou de gestão social, ou societária? Que
implicaçõespráticasdecorremdisso?(4)Atéquepontoa
dinâmica territorial constituída pelo processo de
estruturação e gestão da Indicação Geográfica tem se
constituído num programa integrado de desenvolvimento
territorial, ultrapassando a dimensão de territórios‐zona
aos territórios‐rede, rumo a uma nova inteligência
territorial? (5) Os recursos e ativos territoriais que
compõem o que chamamos de Capital Territorial até que
ponto são considerados na definição de uma experiência
deIndicaçãoGeográfica?Qualseupotencialparaservirde
referência para avaliar as condições necessárias para
proporumaexperiênciadeIndicaçãoGeográfica?(6)Qual
opapeldopatrimônioculturale dasrelações identitárias
para impulsionar a organização dos ativos ou recursos
territoriais, que possam resultar em Indicações
Geográficas?(7)Quaisosprincipaisdesafiosemrelaçãoàs
questões de ordem legal nas experiências de Indicação
Geográfica? (8) Qual o papel desempenhado pelas
atividades turísticas nas experiências de indicação
Geográfica?
Fator
impulsionador,
resultante,
complementar, ou ambos? (9) Como é internalizada na
prática das experiências de Indicação Geográfica a
concepção de sustentabilidade ambiental? Quais os
aspectos reais e potenciais e suas implicações? (10) Até
que ponto os benefícios oriundos de experiências de
Indicação Geográfica são socializados territorialmente?
(distribuição dos resultados entre os atores territoriais)
(11)Sistematizando,resumidamente,dequenaturezasão
osprincipaisdesafiosepotencialidadesdeexperiênciasde
Indicação Geográfica? O estudo, no final, resultará em
publicação de artigos científicos e de livros, com os
resultados da investigação. Com os estudos, pretende‐se
contribuirnaqualificaçãodaspolíticaspúblicasbrasileiras
voltadas ao apoio de novas e atuais iniciativas de
Indicação Geográfica, qualificando o debate acadêmico,
socialeinstitucional.Éimportantesalientarquearedede
pesquisadores tem um caráter multidisciplinar. A única
restriçãoemrelaçãoaoprojetoreferidoéquenecessitade
ummaioraportederecursosfinanceirosparaaexecução
na sua totalidade, problema que se espera que seja
equacionado pela sensibilização dos órgãos estatais
financiadores sobre a importância de estudos com essa
envergadura.
13 Propor indicativos de políticas
públicas para o Estado de Santa
Catarina, com vista à utilização dos
recursos e ativos com especificidade
territorial como apoiadoras das
estratégiasdedesenvolvimento(local,
regional,territorial).
Estepropósito,emboaparte,foiatingido,principalmente,
nas análises e indicativos propostos nos textos desta
coletânea.Acaracterizaçãoeanálisedeexperiências,seja
ajáconsolidada,ocasodoValedaUvaGoethe,oumesmo
as que estão em processo de discussão, contemplam
indicativosinteressantes.
Poroutrolado,partedospesquisadoresestáenvolvidaem
atividades acadêmicas (orientação de alunos, ou
realizando projetos de pesquisa ou extensão) ou de
participaçãocomunitária,assessorandoexperiências(caso
da Uva Goethe, Queijo Serrano, Tranças da Terra, Erva
mate, Suinocultura do Oeste Catarinense), outros
participando de fóruns formais ou oficiais. É o caso de
pesquisadoresdaequipedepesquisadopresenteprojeto,
que participam da Câmara Setorial de Certificação de
Qualidade dos Produtos Agropecuários de Santa Catarina,
daSecretariaEstadualdaAgriculturaePescadoEstadode
SC, fórum oficial no qual serão discutidas e propostas
políticas públicas para certificação territorial, como o
exemplo da IG. Como ação concreta, no caso da Câmara
Setorial,jáforamapresentados,aconvitedacoordenação,
os resultados preliminares do presente projeto de
pesquisa, ainda em 2014, além da disponibilização do
presente livro aos atores e instituições que compõem a
mesma.
Fonte:Elaboraçãoprópria
Reconhecemos que não é comum esta forma de prestação de contas à
sociedade, em relação aos resultados de investigações custeadas com
recursospúblicos.Comoequipe,entendemosserindispensável.
Por fim, este texto apresenta dois propósitos: primeiro, retomar
algumas categorias conceituais que se constituíram no referencial teórico
básico da presente investigação; segundo, reafirmar que a Indicação
Geográficanãodeveservistacomofime,sim,comoummeionoprocessode
desenvolvimentoterritorial.
Uma categoria conceitual que precisa ser lembrada é ativos e recursos
territoriais. Ativos são fatores em atividades, enquanto os recursos são
fatoresarevelar,adesenvolver,ouaindaaorganizar,comopotenciaisreais.
Tomemos como exemplo a existência de um tipo especial de solo, num
determinado território. Enquanto não aproveitado na sua totalidade,
permanece como recurso; na medida em que sua utilização é plena,
aproveitando suas potencialidades na produção de cereais, ou outros
possíveisusos,passaaserumativo.
Os recursos e ativos podem ser materiais ou imateriais. Materiais são
ativos ou recursos que uma determinada região ou território possuem,
possíveis de utilização e aproveitamento, tais como: matérias‐primas
vegetais e animais; rochas, solo e minérios; instalações, equipamentos e
máquinas utilizados no processo de produção; bens de consumo e uso;
14 tecnologia empregada na produção, etc. Imateriais, são ativos ou recursos
que uma determinada região ou território possuem, não necessariamente
possíveisdeseremmanipulados,noentanto,queinterferemnodinamismo
socioeconômico e cultural, tais como: saber‐fazer local, ou conhecimento
acumulado historicamente; propensão à cooperação, confiança,
associativismo, ou outras que contribuem para estimular o dinamismo
sociocultural e a agregação de valor material e imaterial local; nível de
escolaridade;culturalocal.
Ativos ou recursos, sejam eles materiais ou imateriais, podem ser
genéricos ou específicos. Ativos e recursos genéricos são totalmente
transferíveis e seu valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o
sistema de preços. Em geral, também são classificados como commodities.
Exemplos de ativos genéricos: matérias‐primas exploradas, equipamentos
emuso,conhecimentoscodificados;tecnologiageralutilizadanaprodução,
forçadetrabalhonãoqualificada,conhecimento,fatoresestesemutilização
noprocessodeprodução.Jáosativoserecursosespecíficos,possibilitamum
usoparticulareseuvalorconstitui‐seemfunçãodascondiçõesdeseuusoe
apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável.
Exemplosdeativosespecíficos:matérias‐primaslocaisraras, emutilização
ou passíveis de exploração e uso; força de trabalho qualificada;
conhecimentos e tecnologias raras ou inovadoras possíveis de serem
utilizadas na produção; conhecimentos acumulados que tenham
3
especificidadelocal;ambienteinstitucionalfavorável .
Tomando como exemplo a produção de queijo num determinado
território, ele será genérico quando o mesmo não tenha qualquer
diferenciaçãodoqueéproduzidoemoutroslugares.Noentanto,namedida
emqueomesmotenhaumdiferencial,resultantedosaberfazer,dacultura
oudatradiçãolocal,elepassaaserespecífico.
O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e
imateriais,constituemoquepodemoschamardecapitalterritorial,definido
em documento da LEADER (2009) como o conjunto dos elementos de que
dispõe o território ao nível material e imaterial e que podem construir
vantagens ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital
territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território
(atividades,paisagens,patrimônio,saber‐fazer,etc.),naperspectiva,nãode
um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades que
possamservalorizadas.
O debate sobre o tema Indicação Geográfica exige que se tenha um
entendimento aprofundado sobre a diferença entre ativos e recursos
materiais e imateriais, pois os processos de certificação de produtos dos
3
A abordagem sobre recursos e ativos é feita com base em Benko e Pecqueur (2001).
15 territóriosestarãosemprefocadosnosquetêmumcaráterdeespecificidade
territorial,ouseja,osespecíficos.Damesmaforma,paraoreconhecimento
deexperiênciasdeIGéindispensávelconsideraroconjuntodosfatoresque
constituem o capital territorial, abrangendo as dimensões do capital
produtivo, natural, humano, intelectual, cultural, social e institucional, na
perspectivadeumprojetointegradodedesenvolvimentoterritorial.
Sobre as categorias Desenvolvimento e Governança Territorial já
fizemos referência no início deste texto. Resta uma pergunta para
ampliarmos a reflexão: porque o uso da categoria conceitual
Desenvolvimento Territorial, ao se fazer referência ao tema Indicação
Geográfica?
Tanto autores como leitores, por vezes, utilizam as categorias
conceituaisDesenvolvimentoRegionaleTerritorial,comosinônimas.Ambas
têm um sentido comum: estarem se referindo a processos de mudança
continuada, situados histórica e territorialmente, que resultem na
dinamização socioeconômica e na melhoria da qualidade de vida de sua
população. No entanto, concordamos com Rallet (2007, p. 80), quando
afirmaquesetratadeduasnoçõesdistintas:
Desenvolvimento regional e desenvolvimento territorial são duas noções
distintas. Elas remetem a duas maneiras diferentes de apreender os espaços
geográficos na sua relação com o desenvolvimento [...]. O desenvolvimento
territorial faz referência a um espaço geográfico que não é dado, mas
construído. Construído pela história, por uma cultura e por redes sociais que
desenham suas fronteiras. O conteúdo define o recipiente: as fronteiras do
territóriosãooslimites(móveis)deredessocioeconômicas.Aliondearedese
extingue, termina o território. A iniciativa surge menos de uma instância de
planificaçãodoquedeumamobilizaçãodasforçasinternas.
ParaJean(2010),oconceitodedesenvolvimentoterritorialrompecom
tradições mais antigas sobre desenvolvimento regional, articulando duas
noções:territórioedesenvolvimento.Tomandocomoexemplooestudodas
regiões rurais, Abramovay (2010) afirma que a noção de território [e, por
extensão, desenvolvimento territorial] favorece o avanço em vários
aspectos. Primeiro, convida que se abandone um horizonte estritamente
setorial,queconsideraaagriculturacomoumúnicosetoreosagricultores
como os únicos atores. Segundo, a noção de território impede a confusão
entrecrescimentoeconômicoeoprocessodedesenvolvimento,noçõesque
sãodistintas.Terceiro,oestudoempíricodosatoresedesuasorganizações
torna‐se absolutamente crucial para compreender situações localizadas,
tendoacompreensãoqueessesatoresprovêmdeváriossetoreseconômicos
e possuem origens políticas e culturais diversificadas. Quarto, o território
coloca ênfase na maneira como uma sociedade utiliza os recursos de que
dispõeemsuaorganizaçãoprodutivae,portanto,narelaçãoentresistemas
sociaiseecológicos.
16 Reforçando essa linha de argumentação, Bonal, Cazella e Maluf (2008)
reafirmam a multifuncionalidade da agricultura contemporânea e sua
relaçãodiretacomodesenvolvimentoterritorial.
AargumentaçãodeAmbramovay(2010)éreforçada,ainda,poroutros
autores,taiscomo,FroehlicheDullius(2011,p.226):
A dimensão territorial do desenvolvimento enfatiza o estudo das redes,
convenções e instituições que permitem ações cooperativas capazes de
enriquecerotecidosocialdeumadeterminadaregião.Essaabordagemsupõe
adinamizaçãodeáreascontradizendoasteoriasquerelegamaomundorural
umpapelsecundárionodesenvolvimentocontemporâneo.Aruralidadedeixa
deserumaetapadodesenvolvimentosocialasersuperadacomoavançodo
progresso e urbanização, passando a ser um valor para as sociedades
contemporâneas.
Já Pecqueur (2009) é enfático ao situar os elementos constitutivos da
dinâmica territorial nos processos de desenvolvimento contemporâneo.
Para o autor, uma economia não situada é impensável. A ancoragem
territorial se tornou uma constante da organização econômica do mundo.
"Uma economia outra que não a geográfica [ou territorial] tem todas as
chances de parecer irreal da perspectiva atual gerada pelos processos de
globalização" (PECQUER, 2009, p. 105). Apesar da perspectiva otimista ou
indicativa apresentada pelo autor, da importância e indispensabilidade da
ancoragemterritorialdasfirmas,emmuitosterritóriosdoschamadospaíses
subdesenvolvidos predominam empresas multinacionais que, pelo
contrário, podem ser consideradas como "enclaves territoriais" (SANTOS e
SILVEIRA,2001),ouseja,direcionamsuaaçãonumaúnicalógica,qualseja
de usurpar riquezas dos territórios, sem enraizar‐se ou lhes proporcionar
vantagenssignificativas.
Masapráticadodesenvolvimentoterritorialtemdesafios.Assimsendo:
O desenvolvimento territorial pressupõe também que cada território deva
construir,pormeiodeumadinâmicainterna,seuprópriomodeloespecíficode
desenvolvimento.Poisomodeloqueobteveêxitonumdadoterritórioe,num
dadomomento,podemuitobemfracassaremoutroterritório...Promovercom
êxito o desenvolvimento territorial pressupõe um processo de aprendizagem
social[...](JEAN,2010,p.74‐75).
A acepção atribuída à categoria ancoragem territorial se aproxima ao
que outros autores se referem como territorialidade. Albagli (2004, p. 63)
ressaltaanecessidadederevalorizaçãodoterritórioedaterritorialidade,a
partir de suas diferenças e especificidades socioculturais, políticas e
econômicas,afirmandoqueconsiderapossível“fortalecerterritorialidades”,
estimulandolaçosdeidentidadeecooperaçãobaseadosnointeressecomum
deproteger,valorizarecapitalizaraquiloqueumdadoterritóriotemdeseu
17 – suas especificidades culturais, tipicidades, natureza enquanto recurso e
enquanto patrimônio ambiental, práticas produtivas e potencialidades
econômicas. No entanto, conclui: “Mas dificilmente será possível construir
territorialidadesapartirdoexternosemumabaseprévia,semumadotação
inicial de ‘capital socioterritorial’, acumulado e herdado a partir de
processoshistóricosdemaislongoprazo”.
Sintetizando a abordagem dos autores mencionados ‐ Rallet (2007);
Jean(2010);Bonal,CazellaeMaluf(2008);Ambramovay(2010);Froehlich
eDullius(2011);Pecqueur(2009);SantoseSilveira(2001);Albagli(2004)‐
,consideramosnecessáriososseguintesdestaques:(1)émaisadequadose
utilizar a acepção de desenvolvimento territorial, por esta ressaltar a
dimensão da intersetorialidade, da multifuncionalidade e da ação coletiva
territorializadanabuscadesoluçõesparaoterritórioeprojeçõesdofuturo
desejado; (2) só teremos produtos que tenham condições de serem
reconhecidos com o atributo da Indicação Geográfica, num entorno
territorial em que elementos, tais como a territorialidade e a identidade
territorial, com suas referidas acepções, estejam presentes de forma
significativa; (3) a Indicação Geográfica diz respeito ao reconhecimento de
produtoscomancoragemterritorial,produtosenraizadosnoterritório,que
resultemdosaberfazercoletivoerepresentemoselementosidentitários,a
cultura, as tradições e as técnicas das pessoas que habitam determinado
território.
Nonossoentendimento,essesindicativosteórico‐práticos,precisamser
referências indispensáveis, no debate sobre Indicação Geográfica e sua
relaçãocomGovernançaeDesenvolvimentoTerritorial.Desconsideraresses
indicativospodeimplicarnoinsucessodeexperiênciasdeIGereduzirseus
possíveisimpactosnodesenvolvimentodosterritóriosatingidos.
No entanto, é fundamental reconhecer que não se constroem
territorialidades, identidades, a partir do externo. Reconhecem‐se as
mesmas,desdequehajaumacumuloprévio,herdadoapartirdeprocessos
históricosdemaislongoprazo.Talvez,afaltadesseacúmulohistórico,sejaa
principal causa que explique o fato de que experiências de Indicação
Geográfica já reconhecidas no Brasil não tenham prosperado,
permanecendototalouparcialmenteinativas.Essaéumaquestãodamaior
importância,oqueexigeinvestigaçõesparaavaliaravalidadedestahipótese
e propor avanços que possam superar os desafios que motivam seu
insucesso.
Portanto, para finalizar este texto introdutório, queremos assumir um
posicionamento pessoal, entendendo que, integralmente ou em parte, seja
do conjunto dos pesquisadores que participaram da presente investigação,
sobre uma questão frequentemente discutida: a Indicação Geográfica deve
servistacomofimoumeionoprocessodedesenvolvimentoterritorial?
18 Oquestionamentoéoportuno,pois,mesmoqueatualmenteumnúmero
maiordepesquisadoresentendaaIndicaçãoGeográficacomoferramentaou
estratégianoprocessodedesenvolvimentoterritorial,épossívelinterpretar
ações práticas voltadas ao seu apoio, ainda, como demasiadamente
finalísticas.Ressaltamos:aIndicaçãoGeográficanãodeveservistacomofim
e, sim, como um meio no processo de desenvolvimento territorial. Essa
interpretação não restringe a importância do reconhecimento de produtos
comIndicaçãoGeográfica.Taxativamente,reafirmamosqueosprocessosde
certificação territorial de produtos, como a Indicação Geográfica, têm
maioreschancedeêxitoseestivereminseridosnumapropostaintegradade
desenvolvimentoterritorial.
Nãoimportaotamanhodorecorteterritorialaqueestejasereferindo,
podendoserumapequenalocalidade,umaregiãodefinidacomooexemplo
doPlanaltoNorteCatarinense,oumesmorecortesmacrorregionais,comoo
exemplo do Território do Contestado, que abrange parte dos estados de
SantaCatarinaedoParaná.
Para finalizar, um agradecimento especial à FAPESC, pela
disponibilização de recursos financeiros que viabilizaram o custeio das
atividades de investigação, bem como a impressão do presente livro. Da
mesma forma, como coordenador do projeto de pesquisa, agradeço o
empenho de todos os colegas pesquisadores das diversas universidades
catarinenses,osquaisesperocontarcomoparceirosemoutrosprojetosou
atividades.Também,nãosepoderiadeixardeexpressarumagradecimento
especial à direção e às coordenações de cursos das universidades
participantes,peloapoioedisponibilizaçãodenossostemposacadêmicos,o
quepermitiunosenvolvernasatividadesdepesquisa.Obrigadoatodos.
OOrganizador
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21 CAPÍTULO1
GOVERNANÇANOSTERRITÓRIOS,OU
GOVERNANÇATERRITORIAL:DISTÂNCIAENTRE
CONCEPÇÕESTEÓRICASEAPRÁTICA1
ValdirRoqueDallabrida‐UnC
JairoMarchesan‐UnC
AdrianaMarquesRossetto‐UFSC
ElianeSaleteFilippim‐UNOESC
INTRODUÇÃO
Umadasinovaçõesrecentesnosterritórioséautilizaçãodediferentes
estruturas de governança territorial. Utiliza‐se o conceito Governança
Territorial, apresentado em Dallabrida (2011), para referir‐se ao conjunto
de iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade
organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do
envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e
institucionais,incluindooEstadonassuasdiferentesinstâncias.
Os recortes territoriais podem ser regiões administrativas, regiões
metropolitanas,áreasdeabrangênciadecomitêsdebaciashidrográficas,um
município ou parte dele, um bairro, ou mesmo a área de abrangência de
2
experiências de Indicação Geográfica (Brasil ). No entanto, o recorte que
venhamosaidentificarcomoumterritóriopodeestardemarcadoporlaços
de identidade territorial, condição necessária a uma maior participação
democráticadoscidadãosnodestinodeseuentornoespacial.
Neste artigo pretendemos retomar reflexões teórico‐práticas sobre
governança,dandodestaqueàdimensãoterritorial.
Apósaintrodução,apresentamososprocedimentosmetodológicosque
orientaramotrabalho,para,nasequência,sintetizarodebateteóricosobre
território, identidade territorial e governança, destacando as principais
abordagens e os desafios da sua prática apontados por autores
1
Artigo com publicação na Revista Grifos da Unochapecó. Numa primeira versão, o texto foi
apresentado no 19º Congresso da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional
(APDR), na Universidade do Minho (Braga-Portugal), entre 20 e 22 de junho de 2013.
2
Indicação Geográfica aproxima-se em significado ao que se denomina Designação de Origem
Protegida em Portugal, ou experiências referidas por categorias conceituais correspondentes,
em outros países.
23 contemporâneos.Aanálisedepráticasdegovernançaafazemostendocomo
base o processo de descentralização político‐administrativa do estado de
Santa Catarina (Brasil) e cinco experiências de Indicação Geográfica (IG)
brasileiras.Porfim,fazemosalgumasconsideraçõesfinais.
1.PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS
Esteartigoresultadeestudosrealizadosemdoismomentos:primeiro,
3
emProjetodePesquisarealizadoentre2010e2012 ;osegundo,deestudos
4
de experiências brasileiras de IG, em 2013 . No primeiro, foram realizadas
entrevistas com atores de todas as macrorregiões do estado de Santa
Catarina, sobre a prática de governança que ocorrem nas SDR. Além disso,
foicitada,demaneiraaexemplificar,umapráticadegovernançaqueocorre
nos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CDR) do Estado de Santa
Catarina, por meio da consulta a artigos publicados em periódicos que se
referiam ao tema e com base em estudos anteriores dos autores. No
segundo,foramsistematizadasanálisesresultantesdeobservaçõesquando
davisitaçãodeexperiênciasbrasileirasdeIG’S,realizadasdejaneiroamaio
de 2013, em entrevistas a atores qualificados, por meio de questões
semiestruturadas.
Comocategoriasecritériosdeanáliseforamutilizadososseguintes:(1)
processodediscussão(canaisdeinclusão,qualidadedainformação,órgãos
de acompanhamento); (2) inclusão (abertura dos espaços de decisão,
aceitação social e valorização cidadã); (3) pluralismo (participação de
diferentes atores); (4) igualdade participativa (formas de escolha dos
representantes, valorização das intervenções dos atores envolvidos); (5)
autonomia (origem das proposições, perfil da liderança, possibilidade de
exercíciodavontadepolíticaindividualecoletiva);(6)bemcomum(alcance
5
dosobjetivoseaprovaçãodosresultadospelosatoresenvolvidos) .
3
Refere-se ao Projeto de Pesquisa GESTÃO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO:
Descentralização, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento, Capacidades
Estatais e Escalas Espaciais da Ação Pública, o qual contou com apoio financeiro da FAPESC
e da Universidade do Contestado (UnC).
4
Trata-se de atividades inseridas no Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE
TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, em realização entre
2013 e 2014, com o apoio financeiro da FAPESC, contando na sua equipe com pesquisadores
de universidade de todo o Estado de Santa Catarina.
5
Utilizou-se como referência Villela (2012), com adaptações. A aplicação destas categorias e
critérios de análise, no processo de investigação realizado em 2013 demonstrou a necessidade
de aperfeiçoamento metodológico.
24 2.ODEBATETEÓRICOSOBREGOVERNANÇATERRITORIALE
DESENVOLVIMENTO
Odebatesobregovernançaterritorialpressupõemnoçõesintrodutórias
sobreaconcepçãodeterritório,quesegundoHaesbaert(2007), naCiência
Geográficaconsideratrêsvertentesbásicas,sendoelasapolítica,aculturale
a econômica. Segundo o autor, a vertente política destaca as relações
espaço‐poder e concebe o território como espaço delimitado e controlado,
muitas vezes relacionado ao poder político do Estado, e que atualmente,
porém,incorporamúltiplospoderes.Avertenteculturalentendeoterritório
como produto da apropriação e da valorização simbólica de um grupo em
relaçãoaoespaçovivido,aocotidiano.Jáavertenteeconômicaoconsidera
comofontederecursosoucomoprodutodadivisãoterritorialdotrabalho.
Ainda,paraHaesbaert(1997),oterritórioprecisasercompreendidonuma
perspectiva integradora, ou seja, como um domínio politicamente
estruturado e também como apropriação simbólica, identitária, inerente a
certaclasse social,comoqueaidentidadeterritorialédefinidahistórica e
territorialmente.
Dallabrida(2011)sintetizaessasvertenteseconcebeoterritóriocomo
umafraçãodoespaçohistoricamenteconstruídaatravésdasinter‐relações
dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam no âmbito
espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em
motivaçõespolíticas,sociais,ambientais,econômicas,culturaisoureligiosas,
emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou
indivíduos.Portanto,talconcepçãoéconsideradanesteestudo.
Oestudodasespecificidadesdoterritório,segundoPecqueur(2009,p.
96‐97), exigiria tomar como unidade de análise o território, não o sistema
produtivonacional,oqueseconstituiumanovidadeessencialnapercepção
dossistemasdeorganizaçãodaeconomia.Oterritório,concebidocomo
[...]umespaçopostuladoepré‐delimitado,noqualsedesenvolvemdinâmicas
específicas sob a égide das autoridades locais. O território é, também, ou
sobretudo, o resultado de um processo de construção e de delimitação
efetivadopelosatores.
Tais atores locais têm interesses diferenciados, o que torna mais
desafiante qualquer intervenção. Em outra obra, Pecqueur (2005) afirma
queodesenvolvimentoterritorialconstituiummodelodedesenvolvimento
dotadodecaracterísticasbemprecisasquelhesãoprópriasequeseapoiam,
essencialmente, na dinâmica de “especificação” dos recursos por um
conjuntodeatoresconstituídonum“território”.
Assumimos aqui a concepção de desenvolvimento territorial expressa
emDallabrida(2011,p.19):
25 O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido como um
processode mudança estruturalempreendidopor umasociedadeorganizada
territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e ativos
(materiaiseimateriais,genéricoseespecíficos)existentesnolocal,comvistas
àdinamizaçãoeconômicaeamelhoriadaqualidadedevidadesuapopulação.
Comisso,estamosreafirmandoqueadenominaçãodeterritório,trata‐
sedeumrecorteespacialondeconvivempessoascomidentidadeprópria,e
quepodeserumespaçodeconflitoedisputadepoder.Assim,necessitade
estruturas de governança para a gestão das demandas coletivas e para o
desenvolvimentoterritorial.
6
2.1ODEBATECONTEMPORÂNEOSOBREGOVERNANÇA Recorrendo à literatura internacional, é possível encontrar diferentes
concepções sobre governança, pois, como colocado por Romero e Farinós
(2011), governança é ainda um conceito polissêmico e ambíguo. Num
extremo, estão as que sobrevalorizam o caráter empresarial, como as
abordagens que versam sobre governança corporativa; no outro,
concepções que se referem a formas de governança democrática,
compartilhada entre os diferentes atores sociais, institucionais,
governamentaiseempresariais.
Entreasconcepçõesdegovernançaencontramosabordagenssobre:(1)
Governança Corporativa (COASE, 1967; ANDRADE E ROSSETI, 2004;
LORRAIN, 1998); (2) governança, como Nova Gestão Pública (BRESSER
PEREIRA e CUNILL, 1999; HOOD, 1991); (3) “Boa Governança” (WORLD
BANK, 1992); (4) governança, como Sistemas Sócio‐Cibernéticos
(KOOIMAN, 1993; 2003; 2004); (5) governança, como Redes Auto‐
Organizadas,
com
suas
variações
teóricas
‐
Governance/Gouvernance/Governança, Governança Moderna, Governança
Relacional (RHODES, 1996 E 1997; STOKER, 1998; MAYNTZ, 1998; 2001;
ROSENAU e CZEMPIEL, 1992; SORENSEN e TORFING, 2005; KAZANCIGIL,
2002; CZEMPIEL, 2000; HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011; WEALE, 2011;
MILANI e SOLINÍS, 2002; BLANCO e COMÀ, 2003; GRAÑA, 2005;
CHEVALLIER, 2003; KLINK, 2010); (6) Governança Urbana/Metropolitana
(LEGALÈS,1995;LEFÈVRE,2009);(7)GovernançaAmbiental(JACOBIetal.,
2012); (8) Governança Local/Regional/Territorial (FERRÃO, 2010, 2013;
JESSOP, 2002, 2006; FARINÓS, 2008; ROMERO e FARINÓS, 2011; FEIO E
CHORINCAS,2009);(9)GovernançaMultinível(RÓTULOeDAMIANI,2010).
6
O debate teórico sobre governança, bem como sobre os desafios apontados adiante, retoma
abordagem feita em Dallabrida (2013; 2014). Já em Dallabrida (2014), além de aprofundar o
debate teórico, são feitos indicativos metodológicos para a avaliação de práticas de governança
territorial.
26 As abordagens sobre governança não se esgotam com as referências
destacadas. No entanto, elas são representativas do conjunto de obras e
7
autoresqueabordamotemaatualmente .
Sobreaoquesejaagovernança,nosentidogeral,épossívelsintetizar:
(1) instrumento para conceber os problemas e as oportunidades em
contextosnafronteiraentreosocialeopolítico(KOOIMAN,2004);(2)jogo
de interações, enraizadas na confiança e reguladas por regras do jogo
negociadas e acordadas pelos participantes da rede (RHODES, 1996); (3)
conjunto complexo de instituições e atores, públicos e não‐públicos, que
agemnumprocessointerativo(STOKER,1998);(4)umaformadegovernar
mais cooperativa, diferente do antigo modelo hierárquico, no qual as
autoridades estatais exerciam um poder soberano sobre os grupos e
cidadãosqueconstituíamasociedadecivil(MAYNTZ,1998);(5)redesauto‐
organizadasenvolvendoconjuntoscomplexosdeorganizaçõesprovenientes
dossetorespúblicoeprivado(ROSENAUeCZEMPIEL,1992);(6)articulação
relativamente estável e horizontal de atores interdependentes, mas
funcionalmente autônoma (SORENSEN e TORFING, 2005); (7) processo de
tomada de decisão relativamente horizontal, como modo de fazer política,
envolvendoautoridadesestataiselocais,osetordenegócios,ossindicatos
de trabalhadores e os agentes da sociedade civil ‐ ONGs e movimentos
populares(KAZANCIGIL,2002);(8)novosmodosdeformulaçãodepolíticas
públicas que incluem atores privados e públicos, mas fora do domínio
legislativo e que têm como foco áreas setoriais ou funcionais específicas
(HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011); (9) espaços de prestação de contas ‐
accountability (WEALE, 2011); (10) novo modelo de regulação coletiva,
baseadonainteraçãoemrededeatorespúblicos,associativos,mercantise
comunitários(BLANCOeCOMÀ,2003);(11)processodetomadadedecisão
coletiva, baseado em uma ampla inclusão de atores atingidos, prática
fundada não mais na dominação nem na violência legítima, senão na
negociação e cooperação com base em certos princípios submetidos ao
consenso(GRAÑA,2005).
8
Sobre o que seja governança (local, regional, territorial) , é possível
uma síntese: (1) processo de planejamento e gestão de dinâmicas
territoriais, numa ótica inovadora, partilhada e colaborativa (FERRÃO,
2010); (2) novas formas de associação do Estado com entidades sindicais,
associações empresariais, centros universitários e de investigação,
municípioserepresentaçõesdasociedadecivil(JESSOP,2006);(3)relações
7
Alguns autores propõem a introdução do conceito governamentabilidade, como uma
concepção que poderia superar insuficiências explicativas da concepção sobre governança
territorial – ex. Vigil (2013).
8
Mesmo sendo minoria, alguns autores preferem o uso do termo ‘governação’ ao invés de
governança, com o mesmo sentido. Ex. Feio e Chorincas (2009).
27 voluntárias e não‐hierárquicas de associação entre atores públicos,
semipúblicos e privados (FERRÃO, 2013); (4) novo modo de gestão e
decisão dos assuntos públicos num território (FARINÓS, 2008); (5)
modalidade reforçada de bom governo, fundamentada num papel
insubstituível do Estado, uma concepção mais sofisticada de democracia e
maior protagonismo da sociedade civil (ROMERO e FARINÓS, 2011); (6)
capacidade de integrar e adaptar organizações, diferentes grupos e
interessesterritoriais(FEIOeCHORINCAS,2009).
O termo governança recebe várias adjetivações. Algumas delas apenas
indicam o contexto a que se refere o processo de governança: exemplo,
governança metropolitana. Outras adjetivações indicam uma forma
específica de governança. Por exemplo, governança corporativa. Outras
fazemreferênciaàescalaterritorial.Porexemplo,governançalocal/regional
ou governança mundial. Outras, ainda, referem‐se a um foco temático. Por
exemplo,governançaambiental.
Sobre os propósitos da governança no seu sentido geral, é possível
assim sintetizar: (1) a busca de propósitos comuns ao conjunto de atores
que interagem num determinado meio (KOOIMAN, 1993), (2) e pelo qual
definem‐se formas de regulação deste meio (RHODES, 1996); (3)
desempenhar um papel mais amplo do que o de governo (ROSENAU e
CZEMPIEL, 1992); (4) a interação social com o fim de produzir propósitos
públicos(SORENSENeTORFING,2005);(5)fazercoisassemacompetência
legal para ordenar que elas sejam feitas (CZEMPIEL, 2000); (6)
envolvimento da multiplicidade de autores em processos de regulação
(MILANI e SOLINÍS, 2002); (7) gestão cooperativa para a superação de
conflitosdeinteresses(Chevallier,2003).
Sobre os propósitos da governança (local, regional, territorial), é
possível assim sintetizar: (1) orientar e promover o desenvolvimento dos
recursos locais (JESSOP, 2006); (2) estabelecer voluntariamente relações
horizontais de cooperação e parceria (FERRÃO, 2013); (3) acordar uma
visão compartilhada para o futuro do território entre todos os níveis e
atoresenvolvidos(FARINÓS,2008);assegurararepresentaçãodediferentes
gruposeinteressesterritoriaisfaceaatoresexternoseodesenvolvimento
de estratégias (unificadas e unificadoras) em relação ao mercado e ao
Estado(FEIOeCHORINCAS,2009).
Associamo‐nos a autores, por exemplo, Dallabrida (2013), que
reivindicam uma adjetivação substantiva para o termo governança, o qual
inclui a dimensão de recorte territorial, como um processo protagonizado
por uma sociedade situada histórica e geograficamente, por meio de
relações estabelecidas entre os diferentes atores territoriais (sociais,
políticos e corporativos), na perspectiva de debater, pactuar decisões e
deliberartemasdeinteressecoletivo.
28 2.2.1DESAFIOSAPONTADOSNALITERATURASOBREAPRÁTICADA
GOVERNANÇA
Recorrendo à literatura aqui mencionada, é possível listar alguns
desafiosàpráticadagovernança:(1)necessidadedeavançarnacapacidade
paraafrontarnovastemáticasesatisfazernovasexpectativase,emtermos
de legitimidade, o aprofundamento democrático numa linha mais cidadã e
participativa (BLANCO e COMÀ, 2003); (2) necessidade de contemplar um
adequado equilíbrio entre esfera pública, mercado e sociedade civil
(ROMERO e FARINÓS, 2011); (3) necessidade de reforçar a prática da
democracia, pois, sem isso, processos de governança efetiva são inviáveis
(ROMERO e FARINÓS, 2011); (4) necessidade de empoderamento da
sociedade e uma reinterpretação de sua função (ROMERO e FARINÓS,
2011); (5) necessidade de obtenção de mecanismos de
cooperação/coordenação horizontal e vertical entre (a) vários níveis de
governo (governação multinível, relações verticais), (b) políticas setoriais
com impacto territorial e (c) organizações governamentais, organizações
nãogovernamentaisecidadãos(FEIOeCHORINCAS,2009);(6)necessidade
demelhoraraancoragemdemocráticanospolíticoseleitos,combasenuma
cidadaniaterritorialmentedefinidaeumacondutademocrática,envolvendo
as diferentes formas de organização da sociedade para melhorar o
desempenhodemocrático deredesde governança(SORENSENeTORFING,
2005);(7)necessidadedeintegrarpolíticasdeordenamentodoterritórioe
governança (FERRÃO, 2013) e (8) necessidade de conceitualmente,
governança superar seu caráter de imprecisão, polissemia e ambiguidade
(ROMEROeFARINÓS,2011).
As observações e análises realizadas recentemente no Brasil em
experiências intraestaduais de descentralização político‐administrativa,
sobretudo no estado de Santa Catariana (Brasil) e em experiências de IGS,
confirmam ao menos parte dos desafios apontados pela literatura
consultada.Taisanálisesserãoreferenciadasposteriormente.
3.PRÁTICASDEGOVERNANÇAEMEXPERIÊNCIASBRASILEIRASDEGESTÃODE
TERRITÓRIOS
O desenvolvimento incorpora a prerrogativa da existência de
protagonistas que, numa ação integrada, tracem e executem planejamento
capazdepromovê‐lo.Nocasobrasileiro,apartirdaConstituiçãode1988,o
planejamento para o desenvolvimento, antes ditado tradicionalmente pelo
governocentral,passouaobservarcompetênciaseatribuiçõeslegadasaos
municípios e regiões (Art. 30). O novo marco constitucional tirou do setor
público federal o monopólio na condução dos assuntos relacionados ao
desenvolvimento (PETERS, 2003). Além disso, reconhece a relevância de
29 outros atores e a pertinência de propostas formuladas a partir do espaço
local e da escala regional, demandando articulações e parcerias para a
construçãodeterritórios(BENKOeLIPIETZ,1994;PAIVA,2004),oqueviria
aatenderasprerrogativasconceituaisdegovernançaterritorial.
Essenovocenárioeasdemandasporumaorganizaçãomaiseficazdos
(e nos) territórios frente aos desafios do desenvolvimento motivam novas
práticas de governança, como as encontradas nas unidades federativas do
Brasil, particularmente no estado de Santa Catarina. Outras experiências,
taiscomoasdeIG,pelofatodearticularemprodutoresrurais,empresários
ou artesãos, são organizadas por associações e por Conselho Regulador.
Tanto as associações como o conselho podem ser consideradas estruturas
degovernançaterritorial.
Adiante, caracterizaremos uma experiência subnacional de
descentralizaçãopolítico‐administrativaeexperiênciasdeIG,nasequência,
fazendoanálisessobreapráticadagovernançaterritorialnasmesmas.
3.1AEXPERIÊNCIASUBNACIONALDEDESCENTRALIZAÇÃOPOLÍTICO‐
ADMINISTRATIVANOESTADODESANTACATARIANA(BRASIL)
Estudosefetuadossobreaexperiênciacatarinensededescentralização
político‐administrativaporFilippimeRossetto(2008),sintetizadosaseguir,
evidenciaram a forte relação entre os resultados obtidos no processo e os
aspectosdagovernançaterritorial.
No estado de Santa Catarina, intensificou‐se, a partir de 1990, um
movimento por maior participação de diferentes atores nos processos de
desenvolvimento, chegando a um conjunto de iniciativas cujo objetivo tem
sido a articulação entre a sociedade civil e o poder público. Entre as
iniciativasdeformaçãoderedesinterorganizacionaispelodesenvolvimento,
três alcançaram destaque, quais sejam: as Associações de Municípios, os
Fóruns de Desenvolvimento Regional e as Secretarias de Desenvolvimento
Regional,comseusrespectivosconselhos.
As Associações de municípios são entidades que congregam
municipalidadesdeacordocomcritériosdevizinhança,segundointeresses
políticoscomuns.Asfinalidadesessenciaisdessasassociaçõessãoarticular
osmunicípiosassociados emumfórumpermanentededebatesacercadas
questõescomunseprestar‐lhesserviçosdenaturezatécnicaespecializada,
para busca de soluções concertadas aos problemas que dificilmente os
municípiosconseguiriamfazerfrentedemaneiraisolada.
Além das associações dos municípios, outra iniciativa no sentido de
articulaçãodeesforçosparaaimplantaçãodepolíticasdedesenvolvimento
territorialfoiacriação,emSantaCatarina,dosFórunsdeDesenvolvimento
Regional em 1998. Estes surgiram em um contexto motivado pelas
limitações do governo central no debate sobre desenvolvimento, pelo
30 resgate da cidadania e pela necessidade do envolvimento de diferentes
atores na definição e implementação de políticas públicas. Surgidos da
iniciativadasociedadecivil,essesfóruns,propostoscomoespaçodediálogo
entreinstituiçõespúblicaseprivadas,representativasdeclasse,segmentos
organizados da sociedade, universidades e instituições financeiras, tinham
comopropósitoaqualificaçãodoprocessodedesenvolvimentodasdiversas
regiõescatarinenses.
Asatividadesdessesfórunsregionaisgeraramanecessidadedecriação
deummecanismoqueproporcionassesuporteoperacionalparaaexecução
das ações demandadas. Para tanto, criou‐se uma estrutura de governança
entre as instituições atuantes no território, denominada Agência de
Desenvolvimento Regional (ADR). Essas agências foram inspiradas nas
ADRs europeias e buscavam ser uma plataforma técnico‐institucional de
caráter operativo, que identificaria os problemas de desenvolvimento
setorial ou regional, selecionando as oportunidades para intervenção e
levantamento de recursos necessários ao desenvolvimento no âmbito do
território.
Alémdasassociaçõesdos municípios,dosfórunsedasagências, outra
formadearticulaçãoregionalfoiconduzidaeimplantadanoestadodeSanta
Catarinaporiniciativadogovernodoestado:acriaçãode29SDR,pelaLei
Complementarn.243,de30dejaneirode2003.AsSDRforamcriadascomo
objetivo de representar o governo do estado no âmbito de cada região,
articular as ações governamentais, promovendo a descentralização e a
integração regional dos diversos setores da administração pública, bem
como a coordenação das ações de desenvolvimento no território de sua
abrangência. Em 2005, com a Lei Complementar n. 284 as SDR foram
ampliadaspara30SDRepormeiodaLeiComplementarn.381,em2007,o
númerodeSDRfoielevadoa36.
OprocessodedescentralizaçãodogovernoestadualdeSantaCatarina
gerou, ainda, a criação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional, que
intencionavam, na sua criação, ser instância de governança para o
desenvolvimento regional. Congregando atores públicos e privados que
atuam no território das SDR, a composição do CDR ficou assim disposta:
prefeitos, presidentes dos legislativos municipais e dois representantes da
sociedadecivildecadamunicípiodaregiãodeabrangênciadasSDR.
3.2ASEXPERIÊNCIASDEINDICAÇÃOGEOGRÁFICABRASILEIRAS
Na concepção de território e de desenvolvimento territorial de
Dallabrida (2011), utilizadas neste estudo, ressalta‐se a importância dos
recursos e ativos materiais e imateriais específicos, num processo de
mudança de uma sociedade organizada territorialmente, remetendo ao
debatesobreIGeaquestãodagovernança.
31 NoBrasilacertificaçãodeprodutoscomespecificidadeterritorialéfeita
via uma IG. Essa consiste em dois estágios: a Indicação de Procedência e a
DenominaçãodeOrigem.AIndicaçãodeProcedênciafazreferênciaaonome
geográficodeumpaís,cidade,regiãoouterritórioquesetornouconhecido
como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto
ouprestaçãodeserviço.JáaDenominaçãodeOrigeméonomegeográfico
de um país, cidade, região ou território, que designe produto ou serviço
cujasqualidadesoucaracterísticassedevamexclusivaouessencialmenteao
meio geográfico específico, incluídos fatores naturais e humanos. Assim, a
diferençasingularentreasformasdeIGestá associadaàscaracterísticas e
peculiaridadesfísicasehumanaspotencializadaspeloterritórioquepossam
designar uma Denominação de Origem, enquanto que para a Indicação de
Procedência é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço
9
geográfico,independentedesuascaracterísticasequalidadesintrínsecas .
Por exigência da legislação brasileira, os produtores rurais, artesãos e
empresários envolvidos nas experiências de IGs organizam‐se em
associações.Alémdisso,háoutrainstânciadegestãoquesãoosConselhos
Reguladores. Nas associações são debatidas questões mais afins às
normatizações, estratégias relacionadas à produção, ao mercado e
relacionadas à organização coletiva. Já o Conselho Gestor é o órgão
responsável pela gestão, manutenção e preservação da IG regulamentada,
tendo como atribuições gerais de orientar e controlar a produção,
elaboração e a qualidade dos produtos amparados pela certificação. Em
geral os associados em IGs reúnem‐se com frequência semanal ou mensal
para discutir suas dificuldades, situações de produção, distribuição e
negócios.
3.3ANÁLISESSOBREPRÁTICASDEGOVERNANÇATERRITORIALNOBRASIL
Tomaremos como unidades de análise empírica a experiência de
descentralização político‐administrativa do estado de Santa Catariana
(Brasil)ecincoexperiênciasbrasileirasdeIG.
3.3.1LIMITAÇÕESQUANTOAOPROCESSODEGOVERNANÇANAEXPERIÊNCIA
CATARINENSEDEARTICULAÇÃOREGIONALPELODESENVOLVIMENTO
AstrêsformasdearticulaçãopelodesenvolvimentopresentesemSanta
Catarina─associaçõesdemunicípios,fóruns/agênciaseSDR─coexisteme,
porvezes,entrechocam‐se,jáquetêmobjetivosmuitosimilareseatuamem
9
Conf. Lei 9.279, de 14/05/1996 e Resolução Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI) 75/2000. A referida Lei regula os direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial, incluindo o registro de produtos ou serviços com especificidade territorial.
32 um mesmo território. Observa‐se nessas experiências um fenômeno muito
apontadopelaliteratura,odafragmentaçãodepolíticaspúblicaseaatuação
de diferentes atores e esquemas de gestão em uma mesma realidade, não
raro gerando o desperdício de recursos já escassos e a baixa concentração
deesforçosemtornodeumobjetivocomum.EmboraaimplantaçãodasSDR
tenha sido motivada, segundo seus protagonistas, por uma maior
aproximação do governo estadual com as demandas regionais, essas
secretarias ainda estão longe de se constituir em instância de governança
territorialintensivaeefetivaemparticipaçãocivilnadeliberaçãodosrumos
dodesenvolvimento.
Estudos realizados por Filippim e Abrucio (2010) observaram que a
demarcaçãodasSDRnãolevouemcontanemademarcaçãodasAssociações
de Municípios (em número de 21) nem a estrutura de governança pré‐
existentedosFórunsdeDesenvolvimentoRegional.Observa‐se,assim,nesse
campo empírico, os problemas de (falta de) governança apontados pela
literatura:afaltadecoordenação,abaixaparticipaçãopopularnatomadade
decisão e a sobreposição de estruturas e de políticas públicas para o
desenvolvimentonummesmoterritório.
O Conselho de Desenvolvimento Regional, órgão responsável pela
definição dos projetos de desenvolvimento regionais na estratégia de
descentralização em vigor em Santa Catarina, vê‐se, por vezes, sem a
perspectivadeefetivaçãodosprojetosporeleencaminhados,umavezque
há discrepância entre os pleitos apresentados pelo CDR de cada região e
aqueles efetivamente aprovados pelo governo do estado por meio da
Secretaria Central. Nesse sentido, esta estrutura de governança territorial,
concebidaeimplantadapelogovernodoestado,estimulaqueas36regiões
administrativas (SDR) nos seus Conselhos (CDR) tomem a decisão sobre
quais projetos de desenvolvimento são prioritários. Contudo, no momento
deexecutá‐los,adecisãoporqualexecutarounãoacabasendodaSecretaria
Central. Ou seja, embora os CDR contem com a presença de membros da
sociedadecivilorganizada,aindanãosãointensivosemparticipaçãosocial,
uma vez que os agentes públicos (especialmente agentes políticos) ainda
constituemomaiorgrupo.
A composição social dos CDR comporta pessoas originárias de
diferentes áreas do conhecimento, níveis de escolaridade e atividades
sociais, econômicas e políticas, configurando‐se em arena de disputa dos
diferentes interesses regionais. As pessoas indicadas (visto que não há
eleição) para comporem os CDR têm por objetivo, conforme consta no
regimentointernodosCDR,deliberar coletivamente,dar aconselhamentos,
orientaçõeseformulaçõesdenormasediretrizesgeraisparaaexecuçãode
programaseprojetosvoltadosparaodesenvolvimentoregional.Entretanto,
essesconselhosnãopossuemautonomiaparaogerenciamentodosrecursos
públicosdestinadosàregião.
33 Da mesma forma que os CDR, as SDR propostas como estruturas de
descentralização político‐administrativa têm cumprido muito mais o papel
de desconcentrar as atividades administrativas e burocráticas do governo
estadual do que se configurado em estruturas de governança territorial
capazdecooperardemocraticamenteparaodesenvolvimentoregional.
3.3.2LIMITAÇÕESQUANTOAOPROCESSODEGOVERNANÇANAS
10
EXPERIÊNCIASDEINDICAÇÃOGEOGRÁFICA As análises sobre as limitações do processo de governança nas
experiências de IGS ainda são preliminares, visto que o processo de
investigação ainda não está concluso. Por isso, neste momento, evitaremos
mencionar o nome das mesmas. Tratam‐se muito mais de percepções
iniciais, colhidas por meio de entrevistas semiestruturadas, que ainda
merecemumaanálisemaisapurada.
Nasentrevistasrealizadasfoipossívelobservaraspectoscríticosquanto
à governança nas experiências de IGs, tais como: (1) confunde‐se a função
das associações, atribuindo‐se pouca importância às mesmas, pelo fato de
não conseguirem aportar recursos financeiros para a manutenção das
atividadesdeproduçãoe/ouindustrialização,esquecendoqueseucaráteré
representativo e não financeiro; (2) existe dificuldade em articular os
associadosdeIGs,pelofatode,muitasvezes,tratar‐sedepessoascombaixa
formação social e acadêmica; (3) nas associações as decisões, com raras
exceções, são tomadas pela direção; tal procedimento tem dupla origem: a
baixa participação de associados nas reuniões ou comportamentos de
liderançaconcentradoradepartedadireção;(4)existeodescumprimento,
de forma eventual, de regras de controle de qualidade por parte de alguns
associados, o que faz com que produtos possam estar fora do padrão
estabelecido; (5) existem problemas administrativos na direção das
associações;(6)frequentementeocorremdisputasinternasporliderançae
domínio de mercado; (7) existe dependência demasiada da iniciativa
abnegada de alguns poucos associados, geralmente da direção, o que
fragilizaoprocessodegovernança;(8),ocorremconflitos,entreadimensão
representativaecomercialdasassociações,algunsdefendendoqueépreciso
ser criada uma empresa comercial porque só a associação não impulsiona
suficientementeàsIGs;(9)algunsprodutoresaindanãoentenderamcomoo
selo pode ajudá‐los e não reconhecem devidamente o papel da associação;
10AlemdoprocessodeinvestigaçãoobjetodoProjetodePesquisaantesmencionado,essas
análises foram aprofundadas em estudos de pós‐doutorado, realizados durante o segundo
semestre de 2013 noInstitutode Ciências Sociais da Universidade de Lisboa,por um dos
autores deste artigo (Valdir), contemplando estudos comparados com experiências
europeias.
34 (10)existedemoraemestruturarIGsealgunsprodutoresdesistemantesde
conseguiremoselo,demonstrandodesconfiançaeminiciativasqueexigem
associativismo e parceria; (11) a política partidária, nos processos de
governança gera muito conflito, sendo que a mesma influencia muito no
processo associativo; (12) ocorrem problemas de inadequações na
legislação que rege as IGs, dificultando o seu funcionamento; (13) a
existência de marcas próprias entre os associados dificulta a articulação
maisqualificadadosmesmos,alémdeinduziraformasvariadasdeacesso
ao mercado; (14) dificuldade em abandonar o individualismo e pensar
coletivamente.
Atéomomentooestudoconfirmoudiscussãoencontradanaliteratura
dequeaconsolidaçãodasIGsesbarranasquestõesdegovernançaedeseus
processos de articulação no território. Em livro recente publicado por
OrtegaeJeziorny(2011,p.149),dedicadoaestudaraexperiênciadeIGdo
Vale dos Vinhedos (Serra Gaúcha‐RS), os autores concluem que as IGs e o
território “[...] formam uma espécie de simbiose, pois não existe IG sem o
território, ao passo em que o próprio território pode se desenvolver por
meio da construção de uma IG”. Para tais autores, o território pressupõe
interação social, além de ser fonte de conhecimento, “[...] de geração e
difusãodeinovação”(p.113).
CONSIDERAÇÕESFINAIS
Odesenvolvimentoterritorialpressupõeumprocessodemelhoriadas
condições de vida da população a partir de mudança estrutural
empreendida por uma sociedade organizada territorialmente sustentada
pelosrecursoseativosexistentesnolocal(Dallabrida,2011).Esseprocesso
pressupõe governança territorial e, embora ainda seja um termo cuja
construção conceitual encontra‐se em debate, se constitui, ainda
referendando a concepção do mesmo autor, no conjunto de iniciativas ou
ações que expressam a capacidade dessa sociedade para gerir os assuntos
públicosapartirdoenvolvimentocoletivoecooperativodosatoressociais,
econômicos e institucionais, incluindo o Estado nas suas diferentes
instâncias.
A reflexão aqui colocada tem como intuito avançar na tentativa de
reduzir a polissemia e ambiguidade do termo governança territorial,
consolidandoseuconceitoe,sobretudo,identificandosuacontribuiçãopara
o desenvolvimento dos territórios, sem deixar de referir‐se aos seus
desafios. Estes, aqui abordados, confirmam indicativos apontados por
estudos, os quais destacam o problema da governança como o principal
fator que inviabiliza as iniciativas de articulação para o desenvolvimento
dosterritórios,comovistonasduasexperiênciasapresentadas.
35 Considerando que a prática de governança territorial, como
demonstrado nas experiências e como é reconhecido pelos próprios
envolvidos,aindatemdesafiosaenfrentar,entendemosqueumaassociação
ou outro tipo de entidade/instituição gestora do processo, precisa, dentre
outras condições, de lideranças e um conselho regulador atuante, do
envolvimento do poder público assessorando e/ou custeando despesas de
manutençãonecessárias,alémdeinstituiçõespúblicasousemipúblicasque
contribuam na coordenação e articulação dos atores. Portanto, tais
condições são fundamentais para a qualificação dos processos de
governança territorial. Por outro lado, a mobilização da população é
imprescindívelnesseprocesso.
A governança territorial, apesar dos propósitos inseridos em sua
concepção teórica, enfrenta desafios na sua prática originados pelo
desacordo de muitas ações dos atores envolvidos no processo, tanto os
públicosquantodasociedadecivil.Urgemedidasparasuperá‐los,pois,caso
contrário, algumas experiências de associativismo territorial tendem a se
inviabilizar ou conduzidas ao descrédito. Em outros estudos pretendemos
voltaraotema,aprofundando‐oeapontandopossíveisalternativas.
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39 CAPÍTULO2
AINDICAÇÃOGEOGRÁFICADEPRODUTOS:UM
ESTUDOSOBRESUACONTRIBUIÇÃOECONÔMICA
NODESENVOLVIMENTOTERRITORIAL1
GiovaneJoséMaiorki‐UnC
ValdirRoqueDallabrida–UnC
INTRODUÇÃO
A Indicação Geográfica (IG) refere‐se a uma qualidade atribuída a um
produtoorigináriodeumterritóriocujascaracterísticassãoinerentesasua
origem geográfica. Representa uma qualidade relacionada ao meio natural
ou a fatores humanos que lhes atribuem notoriedade e especificidade
territorial.
OregistrodeprodutoscomIGnoBrasiléfeitopeloInstitutoNacional
da Propriedade Industrial (INPI), e que vem crescendo nos últimos cinco
anos. Os fatores para que um produto adquira certa notoriedade estão
relacionadoscomolocaldeprodução,emfunçãodosolo,doclima,daforma
deprodução ecolheita,oucomoutrascaracterísticasquelheconfiramum
diferencial.Essaespecificidadetendeacontribuircomaagregaçãodevalor
a esses produtos, o que pode gerar maior retorno financeiro aos atores
envolvidos,compossíveisimpactosnodesenvolvimentoterritorial.
Nessesentido,eminvestigaçãoqueresultounopresenteartigo,buscou‐
se responder a seguinte questão: qual a contribuição econômica da
IndicaçãoGeográficadeprodutosnodesenvolvimentoterritorial?Partiu‐se
da hipótese de trabalho de que, se os produtos que possuem Indicação
Geográfica são capazes de gerar um incremento no preço de venda e com
isso contribuir para a agregação de renda, a Indicação Geográfica pode
contribuireconomicamentecomodesenvolvimentodeumterritório2.
O estudo realizado teve como campo de observação duas experiências
deIGdosetorvinícoladosuldoBrasil.Trata‐sedeumapesquisaaindade
1
O presente artigo tem publicação na Revista Interações (Campo Grande), Vol. 16, N. 1,
jan/jun /2015. Está integrado aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio
financeiro da FAPESC.
2
Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o
primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador.
41 caráterexploratório,sustentadanoestudodedoiscasos,atravésdevisitas
deobservaçãoeentrevistascomatoresenvolvidos.Complementarmente,a
consultaàbibliografiarecentetambémserviudereferência.
Estudos dessa natureza tornam‐se necessários, visto que no Brasil o
debatesobreprodutoscomIGérecenteemrelaçãoaospaísesdaEuropae
Ásia,tendoseusprimeirosregistrosocorridoshápoucomaisdedezanos.A
iniciativadoestudofoiumpontopositivo,poistrouxealgumasevidênciase
apontoudiferentesdesafios,osquais,porconseguinte,équeexigirãonovos
estudos.
Além desta introdução, o texto foi estruturado em cinco partes: (1)
retrospecto histórico sobre Indicação Geográfica; (2) aspectos teóricos e
conceituais dos temas relacionados ao objeto da pesquisa; (3) questões de
ordemmetodológicaecaracterizaçãodoobjetodeestudo;(4)resultadosda
pesquisa quanto à percepção dos entrevistados; (5) última parte, com
considerações finais sobre possíveis impactos de uma IG no
desenvolvimentodeumterritório,levando‐seemconsideraçãoadimensão
econômica,combasenasduasexperiênciasestudadas.
1.INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS:RETROSPECTOHISTÓRICOE
CONTEXTUALIZAÇÃO
Mundialmente a Indicação Geográfica, segundo Kakuta et al. (2006),
ocorre desde a era Romana e na antiga Grécia (século 4 A.C). Na primeira,
pela produção de vinhos e na segunda pelos mármores de Carrara, como
uma forma de proteger os produtos e atribuir punição aos que
descumprissem as normas. Para Pimentel (2013), ao utilizar o sistema de
propriedade intelectual as nações buscam por meio deste o crescimento e
desenvolvimento, através de recursos que podem ser explorados como
ativoseconômicos.
Segundo Gontijo (2005), foi o acordo de Paris um importante marco
regulatório. Mundialmente, no ano de 1994, foi instituído o marco legal,
quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheceu o conceito
de Indicação Geográfica, no acordo Trade‐Related Aspects of Intellectual
Property Rights (TRIPS). O Acordo TRIPS, segundo Ferreira et al. (2013, p.
128): "Tratava de questões ligadas ao comércio de bens cujo diferencial
competitivo pudesse estar protegido por mecanismos de propriedade
intelectualequefoisubscritoportodosospaísesquedesejavampertencerà
OMC,incluindooBrasil,contandoatualmentecom157países".
Na Europa, segundo Sacco dos Anjos et al. (2013), é através do
regulamentoCE2081/92quesãoapresentadososdoistiposdecertificação.
AprimeirareferenteàDenominaçãodeOrigemProtegida(DOP)easegunda
àIndicaçãoGeográficaProtegida(IGP).JáoregulamentoCE2082/92trata
42 da certificação de características específicas ou especialidades tradicionais
garantidas,sendoqueessascontemplamapenasprodutosagroalimentares.
Para tais autores, há diferenças entre as experiências de IG europeias e as
brasileiras.Enquantonospaíseseuropeusincluem‐seapenasalimentos,no
Brasil a certificação inclui vários produtos, como alimentos, calçados,
mármoreseatéserviços.
MasháoutrasdiferençasentreoBrasileaEuropaemrelaçãoàsIGs.A
primeiraestánofatodeexistirumaaprovaçãotransitóriae,somenteapós
esta,pelaComissãoEuropeiadeAgriculturaeDesenvolvimento,obtém‐seo
registro definitivo. No Brasil, ocorre em caráter definitivo peloINPI, sem a
necessidadedecertificaçãoprévia,sendoumprocessoúnico.ParaSaccodos
Anjosetal.(2013),asegundaéaexistênciadasempresasdosetorprivado
ou as autoridades públicas, que são entidades certificadoras de cada país
EuropeuresponsáveisporfiscalizarocumprimentodoCadernodeNormas.
Elas são igualmente subordinadas aos regimes de controle e fiscalização, o
quenãoexistenomodelobrasileiro.
OBrasil,mesmosendopaíssignatáriodaConvençãodaUniãodeParis
(CUP) desde 1883, somente após o acordo de Madrid, em 1975, passou a
repreenderasfalsasindicaçõesdeprocedência(FERREIRAetal.,2013).No
ano1967,épromulgadooCódigodePropriedadeIndustrial(CPI)brasileiro,
comoqualsepassaareconhecereaprotegeraproduçãonacionalcontraa
falsificaçãodosprodutosedaprocedênciadosmesmos.
Atualmente, no Brasil, a Lei nº 9279 de 14 de maio de 1996 é que
regulamenta os direitos e obrigações sobre propriedade intelectual. A
Indicação Geográfica está disciplinada no Título IV, nos Art. 176 a 182. O
parágrafo único do Art. 182 estabelece que o órgão responsável pela
concessãoeregistrodasIndicaçõesGeográficaséoINPI.
1.1AINDICAÇÃOGEOGRÁFICA(IG)NOBRASIL
AIndicaçãoGeográficaconstituiumprocesso,comoopróprionomediz,
de identificar um produto ou serviço de determinado território. É um
procedimento similar ao registro civil de uma pessoa, que lhe garante
direitoscivisestabelecidospelaconstituição.
A identificação de produtos e serviços com Indicação Geográfica
também garante a esses direitos civis. Ferreira et al. (2013) caracteriza IG
comoumdireitoexclusivoligadoàpropriedadeindustrial,comnatureza e
usocoletivoevinculadoaumaregiãoespecífica.
Outros autores também conceituam Indicação Geográfica. Para Gollo e
Castro(2006)éumprodutoorigináriodoterritóriocujascaracterísticassão
atribuídas à origem geográfica. Já Pimentel (2013) define como uma
propriedadeintelectualdotipoindustrial,coletivaeexclusivaaprodutores
43 de determinado local. Dentre os principais objetivos da Indicação
Geográfica, segundo o autor, está o desenvolvimento econômico do
territóriopormeiodevinculaçãodoproduto,suaqualidadeeespecificidade
emrelaçãoaoterritórioondeesteéproduzido.
BoechateAlves(2011)evidenciamaimportânciadaIGnavalorização
do patrimônio cultural edo turismo, o que, segundo eles, pode trazer uma
maior abertura de mercado, a padronização dos produtos e o estímulo ao
agroturismo. Para Kakuta et al. (2006), os benefícios do uso da Indicação
Geográfica são a proteção ao patrimônio, o desenvolvimento rural, a
promoção e facilidades de exportação e o desenvolvimento. O registro no
INPIéconsiderado,demodogeral,comoopontodechegada, masdeveria
servistocomopontodepartidaparafomentarnovasaliançasentreturismo,
serviços e demais setores. Nesse sentido, entende‐se que a certificação de
uma IG deve ter início com a intenção de transformar um recurso em um
ativo com especificidade territorial. Para tanto, é necessária a mobilização
depessoasparaformarumaassociaçãooucooperativae,assim,obteroato
declaratóriodeIG.
NoBrasil,asexperiênciasdeIGpodemserregistradascomoIndicação
deProcedênciaouDenominaçãodeOrigem.
1.1.1INDICAÇÃODEPROCEDÊNCIA
A definição de Indicação de Procedência (IP) está prevista no Art. 177
daLeinº9.279/1996.AIPserefereaolocal,oterritórioondefoiproduzido,
sem que este esteja relacionado especificamente com fatores de
diferenciação em relação à qualidade do produto com outros similares. O
seu diferencial é o modo de produção e o aspecto cultural que o fazem
reconhecido como de qualidade diferenciada em relação aos demais. Essa
diferenciaçãopodegerarumvalordevendamaior.
De acordo com o INPI, na data de 25 de janeiro de 2014, no Brasil
existiam 30 registros de Indicação de Procedências, todas nacionais. O
estadodeMinasGeraisaparececom7registros,oRioGrandedoSul,com6
eoestadodoEspíritoSanto,com3indicações.AsdemaisexperiênciasdeIG
são de outros estados brasileiros que possuem apenas uma Indicação de
Procedência.
1.1.2DENOMINAÇÃODEORIGEM
ORegistrodeDenominaçãodeOrigem(DO)estáprevistanoArt.178da
Leinº9.279/1996.ADOestárelacionadocomcomponentesfísico‐químicos
encontrados nos produtos, que devido às condições geográficas (solo e
clima)nãopoderãoserencontradasemoutrasregiões,ouseja,aDOindica
44 queoprodutosomentepodeserencontradoemdeterminadaregião,oque
lheconfereumapersonalíssimacaracterística.
DeacordocomoINPI(2014),emmaiode2014,noBrasilexistiam16
registrosdeDenominaçãodeOrigem,dasquais8eramnacionais.
2.INDICAÇÃOGEOGRÁFICA:CONCEPÇÕESTEÓRICASQUEFUNDAMENTAMO
TEMA
Dentre as concepções teóricas que fundamentam a discussão sobre o
tema Indicação Geográfica, algumas são fundamentais: a concepção de
território,identidadeedesenvolvimentoterritorial.
2.1TERRITÓRIOESUARELAÇÃOCOMAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA
Etimologicamente,territóriovemdolatimterritorium,pedaçodeterra
apropriado,quetransmiteaideiadepoder,identidadeedomínio.
Para Santos (1996, p. 51): “A configuração territorial é dada pelo
conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou
numa dada área e pelos acréscimos que os homens superpuseram a esses
sistemasnaturais”.Emoutraobra,Santos(2007,p.13),defineterritório:“O
lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os
poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do
homemplenamenteserealizaapartirdasmanifestaçõesdasuaexistência”.
NaconcepçãodeSaqueteSilva(2008,p.17):“Oterritóriocorresponde
aoscomplexosnaturaiseàsconstruções/obrasfeitaspelohomem:estradas,
plantações,fábricas,casas,cidades.Oterritórioéconstruídohistoricamente,
cadavezmais,comonegaçãodanaturezanatural”.JáParaPollice(2010,p.
8): “Em síntese, o território pode ser entendido como aquela porção do
espaçogeográficonaqualumadeterminadacomunidadesereconheceese
relacionanoseuagirindividualoucoletivo[...]”.Souza(2001,p.111)assim
conceituaterritório:“[...]todoespaçodefinidoedelimitadoporeapartirde
relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma
ganguedejovensatéoblococonstituídopelospaísesmembrosdaOTAN”.
Na concepção de Haesbaert (2004, p. 79), “[...] o território pode ser
conhecidoapartirdaimbricaçãodemúltiplasrelaçõesdepoder,dopoder
maismaterialdasrelaçõeseconômico‐políticasaopodermaissimbólicodas
relaçõesdeordemmaisestritamentecultural”.Emrelaçãoàformadepoder,
para Haesbaert (2010), deve‐se entender que não está se referindo a um
podermaterial,masosefeitosdesse.
Para Haesbaert (2007), o território também possui uma forte ligação
com a natureza e com os recursos nela existentes, configurando assim,
juntamentecomohomem,oscostumeseahistória,umdoselementospara
aformaçãodeumterritório.
45 Sobre a definição de território, assume‐se aqui uma conceituação
referenciadaemDallabridaeFernández(2008,p.40).Paraessesautoreso
territórioéentendidocomo:
Uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐relações
dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste âmbito
espacial,apropriadaapartirderelaçõesdepodersustentadasemmotivações
políticas,sociais,ambientais,econômicas,culturaisoureligiosas,emanadasdo
Estado,degrupossociaisoucorporativos,instituiçõesouindivíduos.
A relação entre Indicação Geográfica e território é apresentada por
Jeziorny (2009, p. 148): “Concluímos que as indicações geográficas e o
território formam uma espécie de simbiose, pois não existe indicação
geográfica sem o território, ao passo em que o próprio território pode se
desenvolverpormeiodaconstruçãodeumaindicaçãogeográfica”.
Considerando as definições sobre território, de forma especial o
argumento que esse se forma por uma relação de poder (SOUZA, 2011), e
que não existe Indicação Geográfica sem território (JEZIORNY, 2009), fica
implícito que a Indicação Geográfica é um processo de demarcação de um
território, pois a declaração expedida pelo INPI define quais pessoas e em
quelocaispodemsebeneficiardacertificaçãodeprodutosoraproduzidos.
2.2IDENTIDADEEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
Definido território como espaço delimitado pelas relações de poder, a
identidade territorial é a expressão cultural e do estoque de fatores
endógenosqueidentificamesseterritório.Aidentidadeterritorial,chamada
por Pollice (2010) de identidade geográfica, é aquela que nasce da
consciênciacoletivadaspessoasquehabitamdeterminadoterritório.Assim,
somentesepodeterumaidentidadeterritorialougeográficaquandoadvém
do desejo das pessoas de serem reconhecidas como atores desse processo
deidentificação.Quandoaidentidadeterritorialsedápeloaspectonegativo
de representação, essa identificação é feita por fontes externas, como, por
exemplo, pessoas que moram em regiões próximas à chamada
“Cracolândia”, em São Paulo. Os indivíduos que moram nessas regiões
jamaissesentirãocomopessoasquemoramnoterritórioda“Cracolândia”.
Por outro lado, quando a identificação é benéfica ou reforça o estoque
cultural e os fatores endógenos do lugar, essa recebe contornos de
notoriedade,como,porexemplo,oterritóriodoValedosVinhedosnoestado
doRioGrandedoSul.
Assume‐se uma concepção de desenvolvimento territorial pautada em
Dallabrida (2014): processo de mudança continuada, situado histórica e
territorialmente, mas integrado em dinâmicas intraterritoriais,
supraterritoriaiseglobais,sustentadonapotenciaçãodosrecursoseativos
46 (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com
vistasàdinamizaçãosocioeconômicaeàmelhoriadaqualidadedevidada
suapopulação.
Por fim, Pollice (2010) estabelece uma relação entre identidade e
desenvolvimentoterritorial,conformesintetizadonoQuadro1.
Quadro1‐Relaçõesentreidentidadeterritorialedesenvolvimento
Indicador
Relação
Identidadeevalores
sociais
Aidentidadeterritorialtendeareforçaropodernormativodosvalores
éticosecomportamentaislocalmentecompartilhados.Sobreoplano
socioeconômicoapresençadessesvalorese,sobretudo,oentrecruzamento
deles,consenteemmelhoraronívelderelaçãoprodutivaecomercial,
favorecendoamanifestaçãodaquelasformasdecolaboraçãocompetitiva
queconstituemofundamentodaseconomiasdistritais.
Identidadee
transferênciado
saber
Manifesta‐seum“apegoafetivo”aosaberlocalmentedeterminadoeuma
propensãomaisfortequeemoutrolugarparaaatualizaçãodesse
patrimôniocognitivo.
Identidadeesentido
depertença
Talvezessesejaoexemplomaisemblemáticodainteraçãovirtuosaentre
identidadeterritorialedesenvolvimentolocal.Osentidodepertença
constitui,defato,ocimentodosistemaeconômico‐territorialeimpeleos
atoreslocaisapreferir,tambémnapresençadealgumasdeseconomias,
conterrelaçõestransacionaisecolaborativasnointeriordoâmbitolocal.
Identidadee
autorreprodução
Melhoraronívelderelaçãoprodutivaecomercial,favorecendoa
manifestaçãodaquelasformasdecolaboraçãocompetitivaqueconstituemo
fundamentodaseconomiasdistritais.
Identidadeepolítica
Arelaçãoentreidentidadeepolíticaémuitoforte,tendeacrescer,no
âmbitodaarenapolítica,oníveldeconvergênciasobreostemaseo
desenvolvimentodeatoreslocaisadequando‐osàsexigênciasdoterritório
eevitandoqueresultenumadesorganizaçãodosequilíbrioslocais.
Identidadee
valorizaçãodos
recursosterritoriais
Odesenvolvimentoendógenosesubstancianacapacidadedacomunidade
localde“colocaremvalor”oterritórioe,emparticular,aquelesrecursos
nãolocalizáveisque,alémdeconstituirelementodediferenciação,podem
tornar‐se,emtermosprojetivos,certospluscompetitivosemtornodos
quaissepodeconstruiraestratégiadedesenvolvimentolocal.
Identidadee
sustentabilidade
Ossentimentosidentitáriosdeterminamemnívellocalumapegoafetivo
aosvalorespaisagísticoseculturaisdoterritórioquetende,porsuavez,a
traduzir‐senaadoçãodecomportamentosindividuaisecoletivosvoltadosà
tutelaeàvalorizaçãodaquelesvalores.Apresençadeumaforteidentidade
territorialfavoreceamaturaçãodemodelosdedesenvolvimento
sustentável,enquantoestesefundasobreavalorização,especificidadedos
lugares;valorizaçãoqueétantomaiseficazquantomaioréoenvolvimento
ativodacomunidadelocal.Alémdisso,a“sustentabilidade”dosprocessos
emescalalocalnãoéumobjetivomensurávelsomenteemtermos
ambientais,mastambémemtermoseconômicoseculturais.
Fonte:AdaptadodePollice(2010p.18‐20)
Considerandoasfortesrelaçõesentreanoçãodeterritório,identidadee
desenvolvimento territorial com o que se espera das experiências de IG, é
oportunoremeterestedebateàaveriguaçãodasuaprática.
47 3.QUESTÕESDEORDEMMETODOLÓGICAECARACTERIZAÇÃODOOBJETODE
ESTUDO
ParainvestigaraspossíveiscontribuiçõeseconômicasdeumaIndicação
Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial, foram estudadas
duasexperiênciasdeIGdosetorvinícola,aAsprovinho,localizadanoestado
do Rio Grande do Sul, e a Progoethe, localizada ao sul do estado de Santa
Catarina.
Inicialmente foram realizados estudos bibliográficos sobre a Indicação
Geográfica e demais temas conexos. Para a coleta de dados e informações
sobre os dois casos, foram realizadas pesquisas documentais nos arquivos
das associações, além de entrevistas com associados e dirigentes das duas
associações que detêm o ato declaratório do INPI. Foi aplicado um
questionário semiestruturado, ficando de fora apenas três associados de
umadasexperiênciaspornãoestarempresentesquandodavisitaaosdois
territóriosestudados,duranteosmesesdejulhode2013.
Nasequência,sãocaracterizadasasduasexperiênciasobjetodeestudo.
3.1TERRITÓRIODOVALEDAUVAGOETHE
A Indicação Geográfica da Uva Goethe está inserida na região sul do
estado de Santa Catarina. De acordo com os dados do INPI, o Vale da Uva
Goethe, está localizado entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul
catarinensenasBaciasdoRioUrussangaeRioTubarão.Segundodadosda
Progoethe,oslimitesnosvalesformadospelassub‐baciasdosriosAmérica,
Caeté, Cocal, Carvão e Maior, que são afluentes do rio Urussanga e o vale
principal desse mesmo rio, acrescidas das sub‐bacias dos rios Lajeado,
Molha, Armazém e Azambuja que fazem parte da bacia do rio Tubarão. A
delimitação da área geográfica são os municípios de Urussanga, Pedras
Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova
VenezaeIçaranoEstadodeSantaCatarina,conformeafigura1.
AfundaçãodaAssociaçãodosProdutoresdaUvaedoVinhoGoetheda
Região de Urussanga (Progoethe) ocorreu em 05 de setembro de 2007.
DentreascaracterísticasdovinhodaUvaGoethe,bemcomoosfatoresque
contribuíramparaquefossepossívelreceberoselodeIndicaçãoGeográfica,
destaca‐se,alémdasparticularidadestécnicasdoproduto,oaspectoligadoà
imigraçãoitaliananoséculoXIX,queconsolidoujuntoaoINPIaidentidade
dos"ValesdaUvaGoethe"comoumterritórioúnicodirecionadoàprodução
dos vinhos Goethe. Essa foi a primeira Indicação Geográfica do estado de
Santa Catarina, sendo considerado o único território a produzir tal
variedade de uva em escala comercial, no mundo. A uva Goethe não é
considerada uma uva fina ou uva vinífera. Classifica‐se como uma uva
americana. Seu conjunto é composto de uvas menos sofisticadas e, dessa
48 forma, o preço de venda do vinho produzido com elas é inferior ao dos
vinhosfinos.Porém,possuiumpúblicoconsumidorespecífico.
Figura1–MunicípiospertencentesàáreadelimitadadosValesdaUvaGoethe
Fonte:Silvaetal.(2011apudVIEIRA,WATABABEeBRUCH2012,p.336)(adaptado)
3.2TERRITÓRIODOVINHODEPINTOBANDEIRA
A Indicação Geográfica do Vinho de Pinto Bandeira, originalmente,
estava localizada no município de Bento Gonçalves, além de 9% em
Farroupilha,noestadodoRioGrandedoSul.Noiníciode2013,oDistritode
Pinto Bandeira emancipou‐se de Bento Gonçalves, sendo que, a partir de
então, a maior parte da IG se localiza neste novo município, conforme a
Figura2.
O município de Pinto Bandeira possui as vinícolas que fazem parte da
IG,alémdesedestacarnaproduçãodepêssego.Trata‐sedeummunicípio
essencialmenteagrícolaecompotencialparaoturismoruralouecoturismo.
No setor vinícola, além da tradição na produção de vinhos de regiões de
altitude, a região detentora da IG destaca‐se na industrialização de
espumantesdequalidade.
AAssociaçãodosProdutoresdeVinhosdePintoBandeira(Asprovinho)
foi criada em 29 de junho de 2001 e, segundo seus estatutos, tem com o
objetivo proteger a natureza, a cultura local, os produtores de vinho e,
sobretudo, preservar a qualidade e afirmar a identidade dos vinhos e
espumantes produzidos no local. Os vinhos produzidos no território que
detémoselodeIPsãodenominados“VinhosPintoBandeira”.Ocontrolede
49 qualidade é realizado pela Asprovinho, a qual contempla desde o
cadastramento dos vinhedos e vinícolas, análises químicas, degustação e
selodecontrole.
Figura2–LimitesdaregiãodelimitadadaIGPintoBandeira
Fonte:SitedaAsprovinho(2013,Adaptado)
4.RESULTADOSDAINVESTIGAÇÃO
Paraesteestudo,aavaliaçãodasexperiênciasdeIGemreferência,além
de todo arcabouço teórico, contou com a análise de informações
documentais. Neste artigo, fazemos um recorte, considerando a percepção
que os associados e dirigentes têm sobre a IG, a partir da análise do
conteúdodasentrevistas,conformeasíntesequeconstanosQuadros2e3.
Àesquerdadosquadrosestãoosaspectosfocadospelasperguntasdas
entrevistas,tendo,àdireita,umasíntesedasrespostas.
Quadro02–Síntesedasobservaçõeseanálisesdasentrevistascomassociados
Aspecto
Principaisobservaçõesouanálisespermitidaspela
investigação
Oscustosdeprodução
apósadeclaraçãode
IG
ParaasvinícolasqueestavamproduzindoforadoCadernode
Normas,houveocustodeadequação,alémdofatodeseobter
umaconversãomenordelitrosdevinhoporkgdeuva,paraobter
umamelhorqualidade.
Preçodevendaapósa
IG
Foipossívelperceberumaelevaçãodopreçodevenda,
principalmenteemUrussanga.
AutilizaçãodoMark‐
upparaafixaçãodo
preçodevenda
EmPintoBandeira,alémdoscustosdeprodução,impostoseo
lucro,quecompõemoMark‐up,sãoaliadosaosfatoresde
mercado,nocasoapercepçãodequalidadecomparadaaoutros
produtos,principalmenteaosimportados.Emrelaçãoaovinho
50 Goethe,alémdadefiniçãodopreçopeloMark‐up,éobservadoo
valordemercado.
Participaçãodos
produtoscomIGem
relaçãoàprodução
total
Identificou‐seumapequenaparceladaproduçãocomselodeIGe
emalgunscasosnenhumprodutocomselo.
Impactodoprojetode
IndicaçãoGeográfica
NoterritóriodaProgoethe,constatou‐seumaexpectativade
retornofinanceirocomaagregaçãodevaloraosprodutosea
padronizaçãodaqualidade.NoterritóriodePintoBandeira,o
principalargumentoéavisibilidade,aforçadoconjuntoeo
objetivodeobterumaDO.
Odiferencialparaos
produtoscomIG
Paragrandepartedosassociados,omaiorproblemaestáno
aspectodoconsumidorbrasileiroterpoucainformaçãosobreo
quesignificaumselodeIGecomosãocontroladososprodutos
quereceberãoesseselo.
Aimportânciado
turismonaIndicação
Geográfica
Oturismoétidocomoumpontodeextremarelevânciaparao
sucessodaIG,umaestratégiademarketingedivulgaçãodos
produtos.Épeloturistaqueosprodutossãolevadosaoutros
centrosconsumidores,queseinteressampeloprodutoepela
região,indicando‐osaoutraspessoas.
Aimportânciadas
Associações
Naopiniãodosprodutores,ficaevidentequefoipelauniãode
esforçosemumaassociaçãoqueoprocessodaobtençãodaIGse
consolidou.
AIGeo
desenvolvimentode
umterritório
ApesquisapermitiuconcluirquesóaestruturaçãodaIGnão
conseguedesenvolveroterritório,dependedeoutrosfatores
associados,comdestaqueparaoturismocomoformade
divulgaçãodoproduto.Odesenvolvimentoécomplexoenecessita
deumconjuntodeaçõesporpartedasociedadeedopoder
públiconabuscadevetoresdedesenvolvimentoecertamentea
IGéumdessesvetores,nãooúnico.
Omercadoparao
ramodavinicultura
Emgeral,existeumexcedentedeuvanomercado.Essefazcom
queopreçopagoaoprodutorsejabaixo.Paraasvinícolas,o
maiorproblemasãoosvinhosimportadoscomtributação
diferenciada.AsubstituiçãotributáriadoICMStambémgeraum
desequilíbriodecaixa,poisoimpostoserárecolhidoporocasião
davenda.
Fonte:Dadosdapesquisa(2013)
No Quadro 3 está uma síntese das entrevistas com os dirigentes das
associações.
Quadro03–Observaçõeseanálisesdasentrevistascomdirigentesdasassociações
Aspecto
Principaisobservaçõesouanálisespermitidaspela
investigação
AIGeo
desenvolvimentode
umterritório
Aopiniãodetodoséunânime,queaIGé,sim,uma
alternativaparaodesenvolvimentodoterritório,
contribuindoparaaagregaçãodevaloràcadeia
produtivaeaocomérciolocal,masqueaIGsozinhanãoé
capazdedesenvolverumterritório,dependedeoutros
51 fatoresedeveestaraliadaaoturismo,poiscomporáa
cestadeserviçosoferecidosaoturista.
Asestratégiasde
marketingdas
Associaçõespara
divulgaraIG
Asassociaçõesvêmparticipandodeeventosefeiras,
firmandoparceriascomorganizaçõesdeformaa
demonstraroqueéumaIndicaçãoGeográfica.
Oturismodaregião
comofatorde
divulgaçãodos
produtoscom
certificaçãodeIG
Aimportânciadoturismonoprocessodedivulgaçãode
umaIGtambémévozcorrenteentreasassociaçõesenão
apenasumaopiniãodosvinicultores.
Interessedeoutras
pessoasemfazer
partedaassociação
apósadeclaraçãode
IG
Houveinteressedeoutrosempreendimentos,
principalmenteosligadosaoturismo,oquedemonstra
deformaclaraqueaIGéumaalternativaparao
desenvolvimentoterritorialeparaocrescimentodo
comérciolocal.
Açõesparamotivar
osassociadosa
buscaracertificação
deIG
AvisibilidadedoprodutoeosbenefíciosdeumaIGforam
osprincipaisaspectosutilizadospelasassociações.
Registrosquantoao
volumedeprodução
dosassociados
Atualmenteocontrolesobreaproduçãoeosbenefícios
geradoséreduzido,poishaveráapenasocontrolesobre
ovolumedeproduçãocomselodeIG.
Perspectivasde
exportaçãodos
produtoscomIG
Nãoexisteprevisão,enavisãodaAsprovinhoofator
limitadoréacargatributáriadoproduto,queotorna
muitocaronomercadointernacional.
Fonte:Dadosdapesquisa(2013)
Os dois quadros resumem as principais percepções dos entrevistados
quanto à interrogação que originou a presente investigação. Para finalizar,
são feitas algumas considerações finais, sintetizando as principais análises
permitidaspeloestudorealizado.
5.CONSIDERAÇÕESFINAIS
O objetivo desta pesquisa foi analisar a contribuição econômica da
Indicação Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial, pela
realização de estudos bibliográficos e documentais, a visitação às
experiênciaserealizaçãodeentrevistas.
A dimensão econômica foi tratada no universo do desenvolvimento
territorial,umavezqueaIndicaçãoGeográficarepresentaadelimitaçãode
um espaço territorial com especificidade. Assim, a IG se constitui, segundo
as normas brasileiras, em um ato declaratório que, de acordo com sua
tipologia, será uma Indicação de Procedência ou uma Denominação de
Origem.
52 A IG no Brasil está em um processo de expansão e ao mesmo tempo
estruturação, pois muitas delas estão se constituindo no decorrer dos
últimos cinco anos. Nos dois territórios estudados, foram encontradas
situações diversas, pois uma das experiências já está comercializando os
produtos e a outra iniciará em 2014 a comercialização da primeira safra.
Nesse contexto, os aspectos econômicos precisaram ser analisados não
apenaspeloganhoemescaladeprodução,mastambémpelasexpectativas
depossíveisimpactoseconômicosnodesenvolvimentoterritorial.
Aoanalisarovolumedeprodução,verificou‐sequeosprodutoscomIG
apresentamvalorespoucorepresentativosemrelaçãoaototaldasreceitas.
A pouca relevância entre o volume de produção com certificação de IG em
relaçãoaototalproduzido,nãochegaaserumarestriçãoàimportânciada
IG, mas, sim, uma questão de mercado, pois nas regiões pesquisadas os
produtoscomIGsãovinhosbrancoseespumantes,aopassoqueomercado
consome mais vinhos tintos. Assim, verifica‐se que os produtos com IG
compõem o mix de produtos da vinícola, onde existem produtos de menor
valor e com maior volume de vendas e produtos diferenciados com valor
maior,nocasoosprodutoscomIG.Nasvinícolaspesquisadas,ficouevidente
que os produtos com IG são destinados a um público mais seletivo, sendo
que são mais significativos os reflexos indiretos, favorecendo aos demais
produtosemfunçãodavisibilidadequeaIGproporciona.
Aanálisedosdoiscasosestudadosrevelaqueépeloturismoaprincipal
forma através da qual os produtos com IG são reconhecidos fora de seu
território. Da mesma forma, uma região que pensa em desenvolver o
turismo, ao buscar evidenciar seus atributos, deve considerar que estes
podem estar associados a produtos com IG. Desse modo, observa‐se uma
relaçãomuitopróximaentreaIGeoturismo,oquecertamentefavoreceráo
desenvolvimentodoterritório,comaintegraçãodessasduasestratégiasde
desenvolvimento territorial. A relação intrínseca entre turismo e IG é
descritaporNascimento,NuneseBandeira(2012,p.380):“Aaliançaentre
turismo e Indicação Geográfica propicia o reconhecimento de culturas
tradicionais, a valorização da gastronomia típica, produção sustentável de
alimentos,proteçãodosmanuseiosartesanalecultural”.
Outroaspectoadestacar,estárelacionadoàidentidadeterritorial,queé
abuscadeatributosdoterritório,quepodemestarassociadoscomaspectos
geográficos,históricosouporumtipodeprodutoousaborespecial.Abusca
naidentificaçãodessesatributoséoesforçodosatoressociaisdoterritório
na trajetória do seu desenvolvimento. Em ambas as experiências visitadas,
foipossívelobservarnoaspectopráticoaimportânciadessesatoressociais.
Os resultados obtidos dão conta de um considerável entrosamento
entre a existência de uma IG e a promoção socioeconômica e cultural do
territórioatingido,comoumprocessodebenefíciomútuo.Esseargumento
foievidenciadoquandoperguntadosobreointeressedeoutraspessoasem
53 seassociaremapósacertificaçãodeIG.Verificou‐sequehouveaintegração
de empresas e pessoas ligadas ao setor de serviço, mais precisamente, os
serviços de atendimento aos turistas. Constatou‐se, então, que os turistas
vêmembuscadoprodutocomIGe,porconseguinte,consomemdiferentes
produtos e serviços, trazendo benefícios econômicos para outros
empreendimentoslocais.Entende‐se,então,queaIGéumaestratégiaque,
mesmosendoexclusividadedaspessoasquedetêmodireitoaousodoselo,
torna‐se inclusiva, pois gera benefícios indiretos a outros setores da
economia.
A Indicação Geográfica, como já fora citada na revisão bibliográfica, é
umprocessodeconstruçãocoletivaquevisabeneficiaraumterritório,seja
diretamenteaosprodutoresenvolvidosnaIG,sejapelobenefícioindiretoao
comérciolocal.Comosestudosrealizados,ficouevidenciadoqueaIGgera
maisbenefíciosindiretosparaodesenvolvimentoterritorialdoquediretos,
implicandoanecessidadedaintegraçãocomosoutrossetoresdaeconomia
local.Dessaforma,oprimeiropassodaIGéauniãodepessoasemtornode
umobjetivocoletivo.
Portanto,pode‐sedizerqueaIGgeraencadeamentosparafrenteepara
traz, impactando no desenvolvimento territorial. No caso do vinho, essa
cadeia produtiva envolve de forma descendente, a partir das vinícolas, os
produtores e, estes, as empresas, principalmente as que comercializam
insumosagrícolas.Deformaascendente,partindodavinícolaparaosetorde
transportee,deste,paraosetordeserviços(combustíveis,autopeças,etc.).
De forma lateral, tem‐se o turismo, este capaz de gerar um novo
desencadeamento. Poderia, ainda, se dizer que os produtos com IG,
conforme propõe a teoria dos polos de crescimento, seriam a indústria
motriz,capazdedesenvolveroutrasatividadesemseuentorno.
Épossívelconcluir,então,que,quandoumterritóriopossuiumproduto
ou serviço com diferencial e que este possa ser declarado como IG, são
gerados impactos não somente para os produtores e à cadeira produtiva
ligada ao produto com IG, mas para todo território circundante. Assim, a
hipótese levantada: se os produtos que possuem Indicação Geográfica são
capazes de gerar um incremento no preço de venda e com isso contribuir
para a agregação de renda e ainda corroborar economicamente o
desenvolvimentoterritorial.Conclui‐sequeessahipóteseseconfirmou.No
entanto, os benefícios não estão simplesmente relacionados a um
incremento de preço, pois os resultados econômicos para o território são
bemsuperiores.AlémdaelevaçãodospreçosdevendadosprodutoscomIG,
os demais produtos similares também obtêm um ganho econômico, além
dosdemaissetoresdasociedade.
Porfim,comorecomendação,entende‐sequeadivulgaçãonamídiade
massasobreoqueéumaIG,representariaumgrandeimpulsoparaabusca
de produtos e serviços com diferencial, com contributos no
54 desenvolvimentodosterritórios.Oconsumidor,nocasodovinho,temuma
preferência pelos importados, principalmente pela fama de vinhos de
qualidadesuperior,discursoconstruídopelamídiademassa.Utilizaresses
mesmosmeiosparaevidenciarqueosprodutosnacionaiscomselodeIGsão
produtosdequalidadeequesãocertificadosfariacomqueavisibilidadetão
pretendidapelosprodutoresdevinhodasduasregiõespudesseseratingida.
Os estudos nas duas regiões devem ser ampliados, por exemplo, para
avaliar se com o passar do tempo as expectativas dos produtores da Uva
Goetheseconfirmamcomoaumentodaproduçãoeagregaçãodevalorao
produto, assim podendo gerar maior renda aos produtores e vinícolas. Da
mesma forma, em Pinto Bandeira, avaliar a aspiração de, se for declarada,
umaDO,trarámaioresimpactosterritoriaisdoqueadeclaraçãodeIP.São
estudosquemerecemserrealizadosnofuturo.
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56 CAPÍTULO3
AINDICAÇÃOGEOGRÁFICACOMOCONTRIBUTO
PARAODESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL:
ANÁLISEAPARTIRDEEXPERIÊNCIAS
BRASILEIRASNOSETORVINÍCOLA1
SabrinaDhienifferSander‐UnC
ValdirRoqueDallabrida‐UnC
1.INTRODUÇÃO
AIndicação Geográficatemsidoumtemadiscutidoporpesquisadores
como um instrumento que valoriza territórios através do resgate de sua
cultura, história ou então da tipicidade de produtos ou serviços prestados.
Juntoaessavalorizaçãodosterritórioseseusprodutos,surgeumacorrente
amparada na sustentabilidade e na preservação de diferentes ambientes.
Consumidoresatentosataisquestõeseexigentesnoconsumodeprodutos
passamaparticiparcadavezmaisdomercado,aumentandoademandade
produtoscomqualidadeegarantiadeprocedência,comoocasodeprodutos
comIndicaçãodeProcedênciaeDenominaçãodeOrigem.
Nessecontexto,asdiscussõesemprojetosdeIndicaçãoGeográfica(IG)
edesenvolvimentosustentávelapresentammuitosdesafios.Deumlado,os
deassociareincluirsuasdiferentesdimensões(social,cultural,ambientale
econômica). De outro, promover a homogeneidade social, direito à
educação, à saúde, renda justa, manutenção das tradições e o respeito à
capacidadederesiliênciadosecossistemas.
De acordo com Paula (2004), o Brasil tem experimentado diversas
formasdedesenvolvimentonosterritórios.Noentanto,asexperiênciassão
recentes e precisam se tornar em observatórios para não se desperdiçar a
oportunidadedetestarasalternativasedesbravarnovoscaminhosparaum
desenvolvimentohumano,socialesustentável.
Dentro desse contexto, Sacco dos Anjos (2013) salienta o notável
crescimento de Indicações Geográficas (IGs) no Brasil. Ao abordar duas
1
Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o
primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador. Está integrado aos estudos
do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação
de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa
Catarina, o qual contou com o apoio financeiro da FAPESC.
57 experiênciasdoRioGrandedoSul,oValedosVinhedoseaCarnedoPampa
Gaúcho, e fazer análises com base em suas pesquisas sobre as diversas
situaçõesqueasenvolvem,chegaàconclusãoqueasIGspodemseconverter
numinstrumentodedesenvolvimentoterritorial.Noentanto,nãodevemser
vistas como destino final, mas, sim, como ponto de partida em uma longa
caminhadadeconstruçãosocialdaqualidadeedadiferenciação.
Diante dessa incerteza quanto ao impacto de diferentes experiências
brasileiras no desenvolvimento, a presente pesquisa tem o intuito de
responder o seguinte questionamento: qual a contribuição de experiências
de Indicação Geográfica do setor vinícola no desenvolvimento dos
territórios em que estão inseridos, considerando as dimensões social,
culturaleambiental?
Para responder a esse questionamento, parte‐se da premissa de que
algumas regiões ou territórios possuem produtos ou serviços que
apresentam fortes traços de especificidade territorial, condição necessária
para o registro de uma Indicação Geográfica, o que, em geral, resulta na
agregação de valor e valorização econômica dos mesmos no mercado.
Entende‐se, então, que a Indicação Geográfica é um dos instrumentos de
valorização dos produtos com especificidade territorial e que pode, ainda,
contribuir para o desenvolvimento das regiões ou territórios atingidos,
principalmentenasdimensõessocial,culturaleambiental.
Assim, teoricamente a pesquisa justificou‐se pela possibilidade de
realçar a importância da Indicação Geográfica para o desenvolvimento de
regiõeseterritóriosatingidos,considerandoasdimensõessocial,culturale
ambiental do desenvolvimento. Sob o aspecto prático, foi possível levar a
conhecimento o impacto das duas experiências brasileiras de Indicação
Geográfica no setor vinícola já implantada, traçando particularidades e
necessidades para um efetivo avanço em relação ao desenvolvimento dos
territóriosdeformasustentável.
Com esse propósito, foram analisadas duas experiências de Indicação
Geográfica já implantadas, ambas do setor vinícola, a Associação dos
ProdutoresdeVinhosdePintoBandeira(Asprovinho),localizadanaregião
serrana do estado do Rio Grande do Sul e a Associação dos Produtores da
Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga (Progoethe), localizada ao
suldoestadodeSantaCatarina,sendoqueemambasoprodutoéovinho,
analisandopormeiodelasoimpactonodesenvolvimentodeterritóriosem
queestãoinseridos,considerandoasdimensõessocial,culturaleambiental.
Emespecífico,buscou‐se:arevisãobibliográficasobreIndicaçãoGeográfica
e temas conexos (espaço geográfico, território, identidade territorial,
sustentabilidade e desenvolvimento regional); a investigação da realidade
de Indicações Geográficas do setor vinícola focando as dimensões social,
cultural e ambiental; e a sistematização das principais evidências quanto à
58 sustentabilidade do desenvolvimento de territórios abrangidos por
experiênciasdessetiponosetorvinícola.
Tomandocomoreferênciaasexperiênciasanalisadas,observou‐seque
asvariáveisrelacionadasàsdimensõessocialeculturalestãominimamente
contempladas.Noentanto,emrelaçãoàdimensãoambiental,apreocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, fazendo‐se necessários
maisavanços.
2.IDENTIDADETERRITORIAL,INDICAÇÃOGEOGRÁFICAESUSTENTABILIDADE
Noâmbitodasdiscussõessobredesenvolvimentoterritorialeprojetos
de Indicação Geográfica, destaca‐se a perspectiva territorial, possibilidade
quelevaemcontaaproduçãodeprodutoseserviçoseapermanênciados
traços históricos e culturais. Junto a isso, debate‐se sobre a capacidade de
organização da sociedade e a gestão de seu território, amparado em um
desenvolvimentoquesustenteasdimensõessociais,culturaiseambientais.
A sociedade está intimamente ligada ao espaço. É através dele que é
possível observar e perceber as constantes mudanças nas relações
econômicas, políticas ou culturais e identificar suas particularidades. Já o
territórioéapresentadoaquicomogeradorderaízeseidentidades,ouseja,
singularidade e diferenciação, indispensáveis às regiões e territórios com
projetosdeIndicaçãoGeográfica.
AdiscussãosobreIndicaçãoGeográfica,alémdesuarelaçãoconceitual
com espaço e território, remete à necessidade de referenciar a questão do
enfoqueterritorial.
As questões territoriais, conforme Silva e Silva (2001), vêm se
destacando,refletindoointeressedasociedadecomoumtodopelatemática,
como resultado da crescente e competitiva integração global de lugares e
regiões.Paraosautores,oterritóriocareceser entendidosobasseguintes
perspectivas:(a)Oterritórioexpressaumcomplexoedinâmicoconjuntode
relações socioeconômicas, culturais e políticas, historicamente
desenvolvidas e contextualmente espacializadas, incluindo sua perspectiva
ambiental;(b)emfunção dasdiferentesformasde combinaçãotemporal e
espacial das relações acima citadas, por conseguinte os territórios
apresentamgrandediversidade,comfortescaracterísticasidentitáriaseisto
envolvendodiferentesescalas;(c)osterritóriosassimidentificadostendem,
potencialmente, a apresentar laços de coesão e solidariedade também
estimulados e dinamizados pelo crescimento das competitivas relações
entre diferentes unidades territoriais no contexto da globalização; (d) os
territórios tendem a valorizar agora suas vantagens (e possibilidades)
comparativasatravésdeformasorganizacionaissociais,institucionalmente
territorializadas, capazes de promover uma inserção competitiva e bem
59 sucedida nas novas e dinâmicas relações socioeconômicas, culturais e
políticasdenossostempos,emumaescalaglobal.Convémdestacarqueisto
érelativamenterecente.
As relações entre o homem e o meio, segundo Chelotti (2010),
possibilitaram que as sociedades historicamente construíssem identidades
territoriais com símbolos, signos e marcas. Com isso, as economias locais
expostasaprocessoscorrosivosdesuadinâmicaeconômicaedeseutecido
socialpoderiamengendrarformasderelacionamentocapazesdefomentar
identidades, territorial ou histórico‐cultural, que tenham como resultado a
construção de caminhos alternativos para o desenvolvimento, o que de
formaexpressaremeteàdiscussãodotemaidentidadeterritorial.
Aonotarqueosprocessosatuaisdeglobalizaçãonãoforamcapazesde
adentrarcertasregiõesouterritórios,épossívelperceberaconservaçãode
diferentes características ligadas à história e cultura em determinados
espaçosouterritórios.Atualmente,essascaracterísticastêmsetornadouma
alternativadedesenvolvimentoregional.
A identidade territorial é um elemento diferenciador, seus traços e
características estão ligados ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao
patrimônio ambiental, elementos essenciais à Indicação Geográfica e ao
desenvolvimento regional. Nas palavras de Albagli (2004), tais elementos
sãochamadosdedimensõesesãoelasasresponsáveispelaparticularidade
dosterritórios,osquaispassamaseremmoldadosapartir dacombinação
de forças internas e externas, tais sejam: a dimensão física (clima, solo,
relevo, vegetação e a resultante do uso e práticas dos atores sociais), a
dimensão econômica (consumo e comercialização), a dimensão simbólica
(lugaresparticulares,relaçõesculturais,afetivas)eadimensãosociopolítica
(dominaçãoepoder).
A identidade territorial na definição de Haesbaert (1999) é uma
identidade social definida através do território, dentro de uma relação de
apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto na realidade
concreta. Assim, a relação construída entre determinada sociedade e seu
espaço geográfico produzem a identidade territorial. Para Cuche (1999), a
identidadeexprimearesultantedasdiversasinteraçõesentreoindivíduoe
seuambientesocial,próximooudistante.
SaqueteBriskievicz(2009)salientamqueasidentidadesresultamdos
processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num
patrimônioterritorialaserpreservadoevalorizadopelosatoresenvolvidos.
Para os autores, o território envolve o patrimônio identitário, ou seja, o
saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as
crenças,osarquivoshistóricos,asrelaçõessociaisdasfamílias,asempresas,
as organizações políticas. Esses podem ser potencializados em projetos e
programas de desenvolvimento. Na mesma linha de raciocínio, Fonte et al.
60 (2006) afirmam que a identidade expressa‐se pelos sinais materiais e
imateriais, como os sítios arqueológicos, a música, literatura e artes e,
também, através de sua arquitetura, paisagem, tradição, folclore,
biodiversidadeeosprodutosalimentarestípicoseosprodutosartesanais.
Uma forte identidade territorial, para Pollice (2010), não contribui
apenas para estimular processos de desenvolvimento (endógeno e
autocentrado),masparapredeterminarobjetivoseestratégias.
Saquet e Briskievicz (2009) contemplam a ideia de que o território, a
territorialidade e identidade acontecem simultaneamente e há uma
dependência mútua também entre território ‐ identidade –
desenvolvimento.
Uma comunidade local, como já se indicou, tende a atribuir um valor
simbólico a alguns elementos da paisagem, reconhecendo‐os como
expressão tangível da própria identidade territorial. A atribuição desses
valores simbólicos se funda quase sempre sobre a imagem que a
comunidadelocal(insiders)possuidesimesmaedaprópriaespecificidade
territorial(POLLICE,2010,p.13).
De acordo com Flores (2006), uma gama de novos conceitos
relacionados ao espaço rural vem sendo debatida em nível internacional.
Esses conceitos passam pela agricultura familiar, pluriatividade,
multifuncionalidade da agricultura, atividades não agrícolas rurais,
agroecologia, certificação de origem e qualidade de produtos e
territorialidade,entreoutros.Todaessadiscussão,segundooautor,buscaa
reaproximação do processo de desenvolvimento rural às expectativas dos
atoreslocaiseoconfrontoàsquestõesculturaislocaise,comoprocessode
globalização, no intento de se pensar e programar uma nova lógica de
desenvolvimento.
Naglobalização,aproduçãoemmassatemproporcionadoaaberturade
um mercado a produtos diferenciados com garantia de qualidade,
procedência e características específicas. “Os ventos da globalização e da
transformação da base técnico‐produtiva trouxeram, em contrapartida, a
revalorização do território e alçaram a territorialidade a fator de
dinamismo,diferenciaçãoecompetitividade”(ALBAGLI,2004,p.62).
As Indicações Geográficas representam, assim, uma alternativa para
regiõesqueseencontramforadoprocessocompetitivodaglobalização.Tal
processoconstitui‐senuminstrumentodeproteçãointelectualquevaloriza
elementos sociais, culturais e históricos, apresentando‐se também como
uma forma de integrar a conservação de ambientes característicos e
ameaçadospeloshabituaismodosdehomogeneizaçãodomercado.
Portanto, na implementação de uma Indicação Geográfica voltada aos
princípios do desenvolvimento sustentável se deve buscar a inclusão de
produtoreslocais,adiversidadeculturalehistórica,amelhoriadaqualidade
de vida, econômica, social e ambientalmente, ou seja, deve promover o
61 crescimentocomequidade,ainclusãoeajustiçasociale,também,agestão
dosrecursosnaturais.
De modo geral, de acordo com Sachs (2009), o objetivo para o
desenvolvimento deveria ser o estabelecimento de um aproveitamento
racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das
populações, como um componente de estratégia. Outra maneira, ainda, de
encararodesenvolvimento,segundooautor,consisteemreconceituá‐lose
apropriando de três gerações dos direitos humanos: os direitos políticos,
civis e cívicos; os direitos econômicos, sociais e culturais; e os direitos
coletivosaomeioambienteedesenvolvimento.
O envolvimento entre território, fatores naturais e humanos
desencadeia a formação de uma identidade territorial que, ao longo do
tempo, vem se destacando como uma possibilidade estratégica, singular e
competitiva de inserção de regiões e territórios no mercado globalizado,
além da possibilidade de acesso a bens e serviços. Para Sacco dos Anjos
(2011),aIndicaçãoGeográficaéumaformadefomentarodesenvolvimento
de zonas rurais que sofrem com o isolamento e crise de perspectivas em
relaçãoaoseufuturo.
O conceito de Indicação Geográfica passou a existir quando
determinados produtos apresentavam qualidade ímpar e eram nominados
pelasuaorigemgeográfica.EssecostumesurgiunaEuropa,hámaisde150
anos, com produtos como queijos e vinhos. No entanto, tal conceito vem
sendo difundido no meio acadêmico e também em propostas de
desenvolvimento. Para Froehlich e Dullius (2011), no mundo
contemporâneo, onde o mercado valoriza produtos diferenciados, estas
estratégias baseadas em qualidade tornaram‐se um vetor de alto poder de
agregaçãodevalorterritorial.
No Brasil, o órgão responsável pela Indicação Geográfica é o Instituto
NacionaldaPropriedadeIndustrial(INPI),queadefinecomoaidentificação
deumprodutoouumserviçoorigináriodeumlocal,regiãooupaís,quando
determinada reputação, característica e/ou qualidade possam ser
vinculadasessencialmenteasuaorigemparticular.Éumagarantiarelativaà
origemdeumprodutoquantoàssuasqualidadesecaracterísticasregionais.
Ouseja,aIndicaçãoGeográficanãopodesercriada,apenasreconhecida.
ALeinº9.729,de14demaiode1996,regulaaPropriedadeIndustrial
brasileira e apresenta, em seus artigos 177 a 182, as definições para a
indicação de procedência e denominação de origem, bem como as
modalidades da Indicação Geográfica. Para a Indicação de Procedência,
considera‐seonomegeográficodepaís,cidade,regiãooulocalidadedeseu
território que se tenha tornado conhecido, para Denominação de Origem.
Além do nome geográfico, deve‐se se levar em conta qualidades ou
características vinculadas essencialmente ao respectivo meio geográfico,
incluindoosfatoresnaturaisehumanos.
62 A normatização jurídica favoreceu a efetivação de um mercado
diferenciador,cujosprodutoscomespecificidadesegarantiadosmodosde
produção têm atraído um maior número de consumidores que, segundo
Glass e Castro (2009), estão cada vez mais motivados em consumir esses
produtos, pela sua singularidade e tradição. Bruch (2008) aponta a
IndicaçãoGeográficacomoabuscadeproteçãoaoconsumidor,assegurando
uma informação correta sobre o produto e a garantia de procedência e
genuinidade.
Ainda quanto aos aspectos jurídicos do reconhecimento de uma
Indicação Geográfica no Brasil, Pimentel (2013) destaca requisitos
essenciais para o pedido de registro e sua concessão tais como: a
organizaçãodosprodutores,instituiçõespúblicas,associações,empresários,
entre outros, e a comprovação dos produtores estabelecidos na área
geográfica em questão; a comprovação de notoriedade de produtos; as
normasdecontrole,ouseja,requisitosaosparticipantesdecomumacordo
para serem cumpridos; o design dos sinais distintivos ou logos; o
instrumento oficial que delimita a área geográfica. O autor conclui que, a
partir desses elementos, a Indicação Geográfica se mostra como uma
estratégiacoletivaparapromoçãoecomercializaçãodosprodutos.
ParaFroehlicheDullius(2011),recentementepropaladasnoBrasil,as
IndicaçõesGeográficas(IGs)sãoumdesafioaserenfrentado,poissãoainda
incipientes as articulações e os investimentos, dadas as potencialidades da
ampla diversidade biocultural do país e o diferencial de mercado que se
pode atingir. Ainda, para os autores, uma das principais estratégias que
articulaidentidadeterritorialedesenvolvimentosãoasIGs,poispermitea
valorizaçãodeatributoslocaisespecíficos,buscandoassociar,noimaginário
doconsumidor,relaçõesdetipicidade,culturaetradição,alémdeprotegero
patrimônioagrícolanacionaleagerarrenda.
Assim, as IGs são vistas como instrumentos importantes para o
desenvolvimentoterritorialesustentável.ParaSaccodosAnjos(2011),nos
encontramos diante de um novo discurso sobre a ruralidade em favor dos
produtos, processos e serviços com identidade cultural. O autor expõe o
papel das IGs para o dinamismo, a inovação e a diversificação de áreas
rurais.
3.DESCRIÇÃOMETODOLÓGICA
Foram analisadas duas experiências de Indicação Geográfica do setor
vinícola, já implantadas: a Associação dos Produtores de Vinhos de Pinto
Bandeira (RS) (Asprovinho) e a Associação dos Produtores da Uva e do
Vinho Goethe da Região de Urussanga (SC) (Progoethe). Aplicou‐se um
questionárioaempresários,agricultoresetécnicosenvolvidos,tendocomo
referencialoselementosteórico‐metodológicoselencadosnoQuadro1.
63 Quadro1–Questões‐chaveparainvestigaçãodasexperiências
Critério
Componentes
Questõesparaasentrevistas
(Sachs,2009)
*Alcancedeumpatamar
razoáveldehomogeneidade
social.
*ComoaIndicaçãoGeográficaelevaas
oportunidadessociais?
*ComoaIndicaçãoGeográficaaumentaa
viabilidadeeconômicalocaleamelhor
distribuiçãoderenda?
Social
*Distribuiçãoderendajusta.
*Autonomia,comqualidadede
vidadescente.
*DequeformaaIndicaçãoGeográficasetorna
inclusivacomosindivíduosenvolvidosdiretae
indiretamente?
*Acessoarecursoseserviços.
*Melhoriadoambienteurbano.
*ComoaIndicaçãoGeográficaorganizaos
grupossociaisequaisosreflexosparaa
qualidadedevida?
Cultural
*Equilíbrioentreinovaçãoe
tradição.
*ComoaIndicaçãoGeográficamantémo
equilíbrioentreinovaçãoetradição?Ouseja,
emqueinova,semdesconsiderarosaspectos
ligadosàtradiçãolocal?
*Autoconfiançacomabertura
paraomundo.
*ComoaIndicaçãoGeográficapossibilitaa
permanênciadaculturanoterritório?
*Respeitoàformaçãocultural.
Ambiental
*Quaisaçõesaassociaçãoquecoordenaa
IndicaçãoGeográficarealizaparapreservare
valorizaraculturadoterritórioesuagente?
*Preservaçãodopotencialde
capitalnaturalnaproduçãode
recursosrenováveis.
*ComoaIndicaçãoGeográficaconservaa
paisagemnaturaldoterritório?
*Limitaçãodousodosrecursos
não‐renováveis.
*ComoaIndicaçãoGeográficautilizaos
recursosnaturaisenvolvidosnaproduçãodos
produtos?
*Estratégiasdedesenvolvimento
ambientalsegurasparaasáreas
ecologicamentefrágeis.
*DequeformaaIndicaçãoGeográfica
contribuiparaodesenvolvimentosustentável
ecologicamente?
Fonte:Elaboraçãoprópria.
Em contato com as associações responsáveis, foi solicitado o
agendamento de visitas in loco a todas as vinícolas das duas experiências
para aplicação das questões‐chave, observações e coleta de material
disponível. De um total de dezessete vinícolas ou instituições, 82% (13)
participaramdapesquisa.
3.1VALESDAUVAGOETHE
AIndicaçãoGeográficadenominadaValesdaUvaGoethe(Mapa1)está
estruturadanaformadeIndicaçãodeProcedência.Integraosmunicípiosde
Urussanga,PedrasGrandes,CocaldoSul,TrezedeMaio,NovaVeneza,Içara,
Orleans e Morro da Fumaça, localizados entre a Serra Geral e o Litoral Sul
64 Catarinense, a qual ficou popularmente conhecida como Região de
Urussanga.
Mapa1–MapadaRegiãodaIndicaçãoGeografiadaUvaGoethe
Fonte:Silvaetal.(2011apudVIEIRA;WATABABE;BRUCH.2012,p.336,adaptado)
AregiãodeUrussangafoicolonizadaporimigrantesitalianoscomforte
cultura vitivinícola. A história do vinho está presente há mais de 130 anos
nestaregiãoedetémrelevanteimportânciasocioeconômica.
A Indicação Geográfica em referência é articulada pela Associação dos
Produtores da Uva e do Vinho Goethe (Progoethe), fundada em 2005, que
abrange os produtores de uva e vinho Goethe, além dos prestadores de
serviçosdeenoturismo,comohotéis,pousadas, restaurantesdaregiãodos
Vales da Uva Goethe. Com grande importância cultural, os Vales das Uvas
Goethe possuem uma identidade única em relação à produção de vinho já
que sua paisagem é característica, seu clima agradável e o patrimônio
históricomantêm‐sepreservado.Aculturaeatradiçãoestãopresentesem
todasasvinícolasefamíliasqueintegramosVales.
3.2VINHOSDEPINTOBANDEIRA
AáreaGeográficadelimitadaéde81,38km²;aproximadamente91%da
regiãoestálocalizadaemBentoGonçalvese9%emFarroupilha,noEstado
doRioGrandedoSul.(Figura1).
Antigo distrito do município de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira foi
reinstaladonomunicípioem2013,depoisdeváriasdiscussõesjudiciais.
65 Figura1–LocalizaçãodaIndicaçãodeProcedênciaVinhosdePintoBandeira
Fonte:ASPROVINHO(2014,adaptado).
Pinto Bandeira é dotado de identidade territorial e cultural, possui
particularidadesnassuaspaisagenscomoasextensasplantaçõesdefrutase
seus parreirais. A característica cultural é a produção de vinhos em
pequenas propriedades familiares. Atualmente, os associados da
ASPROVINHO são: Dom Diovane, Vinícola Valmarino, Vinícola Pompéia,
VinícolaGeisse,VinícolaAuroraeVinícolaTerraças.
4.ANÁLISEDOSDADOS
Os dados coletados foram analisados e interpretados, conforme o
Quadro 1, pelas dimensões social, cultural e ambiental e suas respectivas
questões‐chave.
Na análise da dimensão social, buscaram‐se respostas quanto às
oportunidadessociais,aviabilidadeeconômica,ainclusãodosindivíduosea
qualidadedevida.Nasrespostasdasentrevistas,percebeu‐sequeamaioria
nãoconsiderousignificativooaumentodeoportunidadessociaisapartirda
IG. No entanto, destacaram o turismo como estratégia para a melhoria das
oportunidades de acesso a novos serviços e empreendimentos
mercadológicos, pois a Indicação Geográfica trouxe a valorização do meio
local,daculturaedasfamíliasenvolvidas.
Alguns entrevistados afirmam que o preço do produto com IG vem
sendodiluídoaolongodotempoparaquenãohajaumgrandeimpactono
mercado.Então,verifica‐seumprocessocontínuodemelhora.Emsuma,os
66 entrevistados assumem o posicionamento de que a Indicação Geográfica
facilita o turismo, o qual dá mais visibilidade ao território e,
consequentemente, favorece a implantação de novos empreendimentos e
novasalternativasdedesenvolvimento.
Logo, segundo os entrevistados, o valor agregado no produto não se
apresenta como principal conquista, mas, sim, a maior visibilidade dos
produtos, facilitando o acesso aos mercados nacional e internacional.
Argumentaram que a IG possibilitou o acesso de um maior número de
visitantes à região no território, o que, por sua vez, proporciona maiores
ganhos, já que atinge outros empreendimentos e possibilita a venda de
produtos que não possuem selo de IG. A principal reclamação dos
entrevistadosestánadificuldadedeconseguirinserirprodutosnasgrandes
redes de mercado no território nacional. Outro fato interessante a ser
considerado é que os entrevistados não colocaram o retorno financeiro
comoprincipalquesito,mas,sim,avalorizaçãodoseuproduto.
A Indicação Geográfica apresenta‐se como socialmente inclusiva nas
duas experiências. Além da conquista de muitas parcerias e melhoria nas
relações entre empresários, houve também a possibilidade de criar uma
rede que divulga e atrai diferentes públicos, além dos que produzem e
comercializamosprodutoscomIG,taiscomohotéis,restaurantes,artesãos,
todos,mesmoqueindiretamente,beneficiando‐senoterritório.
Um deles resume o fato, afirmando que pode ser considerada “uma
cestadeprodutos–turismo,IG,cultura,valorizaçãodoterritório,visitação.
Pousadas e restaurantes usam o selo também para divulgação e atrativo”.
Outra importante contribuição é o fato de que o turismo proporciona essa
inclusão das pessoas envolvidas direta ou indiretamente. “A IG incluiu não
sóosprodutoresevinícolas,comooutrosempreendimentos,artesão,etc.Só
nãoestáinclusoquemnãooptoupelotipodeprodução”.
Paraumdosentrevistados:“devidoaoturismo,éinclusivo.Quandose
falaemcooperativa,émaisfácilainclusão;trouxeoportunidadedetrabalho
naregião”.Complementa‐secomoutraresposta:“oturistafazquilômetros
para conhecer o vinho”. Ou seja, a região começa a ser inserida em um
cenário mais amplo de produtos diferenciados e começa a ganhar
notoriedade.
A forma de inclusão é específica para cada produtor vinícola ou
empreendimento. Um dos entrevistados contou: “para me incluir tive que
colocarvendedoresnarua,diferentedeoutrasvinícolasquetêmoturistana
porta”. É possível observar o esforço e a particularidade de cada
vitivinicultor, já que estão localizados em diferentes localidades dentro da
região.
Dois entrevistados apontam situações de exclusão. Para um, “a
legislação brasileira não existe para vinho colonial, isso bloqueia algumas
possibilidadedemercado”;paraoutro,“alegislaçãoexclui,poissópodeter
67 selo aqueles que tiverem inscrição no Ministérios da Agricultura, o que
necessita de uma infraestrutura”; em contrapartida, um dos entrevistados
considera que “o produtor não precisa investir muito para produzir vinho
comselo”.
Osentrevistadossereferiramàmelhoriadaqualidadedevida,descrita
nasrelaçõescomacomunidade,valorizaçãodaculturaedapopulaçãolocal,
interaçãocomopoderpúblico,alémdesituaçõesmaisespecíficas,comono
acesso aos serviços básicos, tais como água, luz, coleta de lixo e avanços
positivos na infraestrutura. De maneira geral, a Indicação Geográfica
possibilitou o bem‐estar a partir da melhoria das relações e parcerias nos
diferentessetores,noacessoarecursoseserviços.
Na dimensão cultural se questionou sobre a relação entre inovação e
tradição, a permanência da cultura no território e as ações locais de
preservação e valorização cultural. Essa foi a dimensão que teve maior
expressãonasrespostasdosinquiridosnasduasexperiênciasdeIndicação
Geográfica. Os entrevistados demonstraram preocupação e zelo com a
história e cultura do meio e relação com os produtos. Deixaram clara a
intenção de preservar o território e a paisagem. Foi possível observar o
respeito à tradição e à inovação, além da ampliação da capacidade de
mobilização endógena na busca por objetivos comuns. Em geral, as
inovações não indicam desconfiguração do produto, apenas facilitam o
trabalho dos colaboradores e proprietários, com avanços tecnológicos no
processo produtivo. A tradição é mantida dentro da vinícola como um
acervoparaoturista.
As respostas permitem observar que a longa história e a cultura
presente nos territórios são o ponto‐chave para o turismo, sendo esse
concebido na perspectiva da conservação e manutenção das paisagens. A
IndicaçãoGeográficasetornariaumrecursoimportanteparaamanutenção
e permanência dessa cultura no território. No entanto, a falta de mais
projetosporpartedopoderpúblicoéconsideradapelosentrevistadoscomo
preocupante, pois consideram que seria fundamental para o sucesso da
IndicaçãoGeográfica.
NasduasexperiênciasdeIG,houveconcordânciaquantoàimportância
dasAssociaçõesquecoordenamasatividadesdaIGs.Nessacategoria,todos
osposicionamentosforampositivos.
Nasrespostasdosentrevistadosaassociaçãotemumpapelimportante,
pois,emsuma:“incentivaemelhoraascondiçõesdevenda,oquepossibilita
uma maior visibilidade da região e do vinho”; “realiza festas regionais,
participaçãodefeiraseeventos,parceriascomEPAGRI”;“responsabilidade
sobre o selo da IG, marketing e atrativos turísticos”; “sinalização, folders,
contatocomjornalistas,parceriasparafortalecimento,aumentodonúmero
de visitantes; assuntos sobre turismo e vinhos são levados para reuniões,
68 palestras para a comunidade, ações com escolas, artesanato como
valorização”.
A dimensão ambiental envolve a sustentabilidade ambiental, a
conservação da paisagem natural, a utilização dos recursos naturais e a
contribuição da atividade com o desenvolvimento sustentável
ecologicamente. Nas experiências de IG analisadas, essa dimensão não é
vista como prioridade. Além disso, não há preocupação aparente dos
produtoresouproprietáriosvinícolascomasquestõesecológicas.Aracional
utilização de recursos naturais não é levada em conta na produção de
produtoscomselodeIndicaçãoGeográfica.
Paraosentrevistadosháumgrandeinteresseemconservarapaisagem
naturalatualdoterritório.Notou‐seduranteosquestionamentosque,como
as vinícolas já estão instaladas e já conseguem fazer uma projeção de
produção/plantio,nãohápreocupaçãonadesconfiguraçãodoterritóriocom
o aumento de parreirais. Para um entrevistado, “há preocupação com a
especulaçãoimobiliáriaeamigraçãodointeriorparacidade”.
Como a indicação geográfica está diretamente ligada ao turismo, para
eles o turismo tem relação com a paisagem natural. Os entrevistados
demonstraram “grande preocupação com a paisagem; a paisagem vai no
nosso rótulo”; “a IG está estritamente relacionada ao território e sua
paisagem. Sua manutenção é fundamental para a consolidação da IG”;
também vale ressaltar que “a intenção é que as pessoas venham para cá
conhecer a paisagem”. Ratifica‐se nas palavras de outro entrevistado, “a
vinícolaestáinseridaemroteirosturísticos.Estarentreaserraeomarfaz
com que seja especial. A paisagem tem causado curiosidade e está sendo
inseridanomapaturísticobrasileiro”.
Quantoàutilizaçãodosrecursosnaturaisnãohádistinçãodautilização
antesoudepoisdaimplantaçãodaIG.Deacordocomumdosentrevistados,
“a IG para vinhos está relacionada ao “terroir”, que envolve o clima, solo,
inclinação do terreno e até mesmo o manejo do vinhedo”, mas, de modo
geral,nãoéumfatordominanteparaaIndicaçãoGeográfica.
Outroentrevistadoafirma:“Nuncafizestarelação.Existeumlimitede
produção por hectare, mas não por região, poderia plantar vinhedos por
todaaregião.Istoéumaescolhadavinícolaemutilizarosrecursosnaturais
econservarapaisagem”.
Não se percebe uma preocupação dos produtores ou vinícolas com a
ecologia. Doze, dos treze entrevistados se posicionaram negativamente
quantoàcontribuiçõesparaodesenvolvimentosustentávelecologicamente.
Oqueosprodutoresouvinícolasrealizamsãoocontrolederecolhimentode
embalagens, o cadastro vitícola, referente à produção familiar e o
atendimentoàslegislaçõesambientaisexistentes.
Somente um entrevistado posicionou‐se positivamente afirmando que
69 na sua vinícola tem instalado o TPC (sistema Thermal Pest Control), um
processodeimunizaçãodeculturasagrícolasàbasedoarquente.
Noentanto,osentrevistadosafirmaramqueháumgrandeinteresseem
conservarapaisagemnaturalatualdoterritório.Ouseja,apaisagemnatural
é vista como atrativo, tem relação direta com a venda do produto e o
turismo.Noentanto,nãoéconsideradaumativodiferencial.
5.CONSIDERAÇÕESFINAIS
O propósito desta pesquisa foi investigar acerca da contribuição das
experiênciasdeIndicaçãoGeográficadosetorvinícolanodesenvolvimento
dos territórios atingidos, considerando as dimensões social, cultural e
ambiental. Para o presente estudo, foram tomadas como referência duas
experiências do setor vinícola, a Associação dos Produtores de Vinhos de
PintoBandeira,localizadanaregiãoserranadoestadodoRioGrandedoSul.
e a Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região de
Urussanga, localizada ao sul do estado de Santa Catarina. Como
procedimentometodológico,foramutilizadasentrevistas,observaçãodireta,
pesquisadocumentalebibliográfica.
Nesta investigação, partiu‐se da hipótese de que algumas regiões ou
territórios possuem produtos ou serviços com especificidade territorial e
que a Indicação Geográfica poderia contribuir para o desenvolvimento
sustentável dos territórios atingidos, em especial, nas dimensões social,
culturaleambiental.
Finalizando,retoma‐seaquestãocentralquemotivouestainvestigação:
qual a contribuição de experiências de Indicação Geográfica no
desenvolvimento dos territórios em que estão inseridas, considerando as
dimensõessocial,culturaleambiental?
A investigação dessa temática é fundamental, pois o Brasil possui um
extensoterritório,comdiferentesespecificidades,oqueseapresentacomo
potencialidadeparaainstituiçãodeumgrandenúmerodeexperiênciasde
Indicação Geográfica, valorizando os ativos naturais e culturais, além de
surgimentodenovosprodutosturísticos,osquaisalongoprazo,pelomenos
em tese, poderiam estimular o desenvolvimento territorial com destaque
paraasdimensõessocioeconômica,culturaleambiental.
Considerando as análises permitidas pela presente investigação,
entende‐se que a Indicação Geográfica pode contribuir para potenciar
estratégias de desenvolvimento territorial sustentável. No entanto,
deveriamconsiderarregrasparaaproduçãodeprodutosquelevassemem
conta as dimensões social, cultural e ambiental, além da econômica.
Entende‐se que a efetividade dessa perspectiva implicaria em que o
planejamento de experiências de IG considerasse aspectos tais como: (1) a
valorização da economia local, com apoio aos empreendimentos já
existentes;(2)amanutençãodatradiçãoeculturalocal,oquecontribuiria,
70 porexemplo,nasustentaçãodosetorturístico;(3)incentivoàconservação
dapaisagem,comopatrimônioculturaleambientaldacomunidadelocal;(4)
facilitaçãodasrelaçõesentreempresários,sociedadelocalepoderpúblico;
(5)criaçãodeestratégiasquefavorecessemacompetitividadedosprodutos
locais frente ao mercado nacional e internacional. Especificamente em
relação à dimensão ambiental, implicaria em uma alternativa de
desenvolvimento gerada por experiências de Indicação Geográfica que
atentasseaousoracionaldaágua,ousoeconservaçãodosolo,preservação
de áreas naturais existentes e aplicação de práticas agrícolas sustentáveis
comodiferencialnaproduçãodosprodutos.
Tomandocomoreferênciaasexperiênciasanalisadas,conclui‐sequeas
variáveis relacionadas às dimensões social e cultural estão minimamente
contempladas.Noentanto,emrelaçãoàdimensãoambiental,apreocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários novos
avanços.
Tem‐se consciência das limitações do presente estudo, principalmente
por terem sido observadas apenas duas experiências de um único setor.
Alémdisso,setratamdeexperiênciasaindarecentes,sendoqueaanáliseda
sua prática atinge um período muito curto, não permitindo análises mais
aprofundadas. Mesmo em se tratando da análise dessas ou outras
experiências, sugere‐se para pesquisas futuras envolver um maior número
de entrevistados, atingindo os demais setores produtivos locais, ou seja,
pousadas, restaurantes, hotéis e a comunidade, com a intenção de melhor
perceberoimpactodaIndicaçãoGeográficaemtodooterritório.
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72 CAPÍTULO4
OPATRIMÔNIOCULTURALCOMOATIVO
TERRITORIALNODESENVOLVIMENTO
REGIONAL1
MárciaFernandesRosaNeu‐UFPR
PatriciadeOliveiraArea–UNIVILLE
INTRODUÇÃO
Aproduçãodesteartigosefundamentanasreflexõesrealizadasdurante
a participação na execução de um Projeto de Pesquisa, financiado pela
FAPESC,coordenadopeloProf.ValdirRoqueDallabrida,daUniversidadedo
Contestado, nas reuniões com a equipe de pesquisa do referido projeto e
quando da participação na Rede Iberoamericana de Estudos sobre
DesenvolvimentoTerritorialeGovernança2.
Durante as pesquisas e os debates sobre desenvolvimento regional e
Indicações Geográficas, um problema se apresentava recorrente entre os
pesquisadores: a participação ou adesão da população na implantação e
implementação de uma Indicação de Procedência ou de uma Denominação
de Origem. A participação da comunidade em geral é o que garante o seu
próprio reconhecimento. A exemplo dos países europeus que, de modo
geral, possuem uma grande experiência de desenvolvimento regional
fundamentado nos pequenos produtores, no associativismo e nas ações
cooperadas para a valorização das Indicações Geográficas (IGs), no Brasil
têm surgido vários movimentos, inclusive por meio de políticas públicas,
paragerarodesenvolvimentoregionalcomoreconhecimentodospróprios
produtoresdoseupotencial.3
1
O texto resume reflexões realizadas durante a execução do Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, financiado pela
FAPESC, Chamada Pública Nº04/ 2012/Universal.
2
A Rede resultou de encontro que reuniu professores de universidades brasileiras, de Portugal
e Espanha, no dia 17 de agosto de 2014, na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Propõe o estudo comparado de práticas de desenvolvimento territorial e governança,
envolvendo pesquisadores universitários, técnicos profissionais ou gestores públicos e
privados que estudam ou estão envolvidos em experiências de desenvolvimento territorial e
governança. Na objetivação de seu propósito básico propõe-se realizar parcerias com
pesquisadores universitários e estudiosos de países iberoamericanos. O endereço provisório de
contato é: [email protected].
3
Sobre o assunto, é interessante mencionar a publicação de Krone e Menasche (2010) na qual
é analisada o uso de ferramenas como patrimonialização e indicações geográficas para gerar
desenvolvimento regional com base em produtos tradicionais.
73 Apesar do patrimônio cultural não ser especificamente o objeto
tutelado pelas Indicações Geográficas, a exclusividade sobre o signo
distintivo vinculado a uma região geográfica está intrinsecamente
relacionada à tradição e identidade cultural da comunidade dessa região.
Essa relação impacta direta e indiretamente a comunidade local e sua
participaçãoepertencimentoàexploraçãoeconômicadosprodutorese/ou
serviçoscomosignodistintivoprotegidoporindicaçõesgeográficas.
Portanto, para que esse processo de desenvolvimento regional ocorra,
se faz necessária a reflexão sobre o patrimônio cultural das comunidades
envolvidas. É imprescindível que a comunidade, mais especificamente, os
agentes da cadeia produtiva, reconheça o potencial que uma integração
cooperadapodegerarparatodos.Emais,quesetomemosdevidoscuidados
paraquenãoexistaumesvaziamentosimbólicodessepatrimôniocultural,o
que tornaria determinado produto e/ou serviço apenas uma commodity a
ser consumida, desassociado da trajetória histórica e patrimonial da
comunidade.
Nesse esforço, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA),associadoaoInstitutoNacionaldePropriedadeIndustrial(INPI)e
com o apoio de membros da Rede Iberoamericana de Estudos sobre
Desenvolvimento Territorial e Governança, elaborou um curso com o
objetivodegerarempoderamentosobreopotencialdasIGs,cujapropostaé
formar gestores locais para promover as Indicações Geográficas e sua
relaçãodiretacomopatrimônioculturaldeumacomunidade.Essamesma
comunidade precisa ser envolvida num amplo trabalho de Educação
Patrimonialparaquepossareconhecerevalorizarsuacultura.Nãoétarefa
fácil, haja vista que a fase atual do capitalismo remete para os grandes
monopólioseosoligopólios,quetentamdominaromercadoeimpor,dessa
forma,umauniformizaçãoculturalparaumamassificaçãodoconsumo.
2.PATRIMÔNIOCULTURALEOSATIVOSDODESENVOLVIMENTOREGIONAL
“Ocapitalismoéumprocesso,nãoéumacoisa”,jádisseDavidHarvey
(1989,p.307).Contudo,continuaoautor,éumprocessodereproduçãoda
vida social por meio da produção de mercadorias, envolvendo todas as
pessoas no mundo capitalista. Enquanto o capital mascara. fetichiza e
alcança crescimento mediante a destruição criativa, cria novos desejos
humanosenecessidades,transformaespaçoseaceleraoritmodavida.Ou
seja,mudaculturas(HARVEY,1989).
O fordismo, modelo de desenvolvimento e regime de acumulação
implantadoemmeadosdoséculoXX,sefundamentounaproduçãoemsérie
eapoiou‐senoconsumodemassa.Acrisedessemodelodeproduçãolevou
ao que muitos autores chamaram de fase pós‐fordista, ou fase flexível de
74 produção, criada no final da IIª Guerra Mundial na indústria Toyota, no
Japão(BENKO,1999).Oconsumodemassaalteravahábitosecostumes(ou
seja,alteravaasculturas)principalmenteentreosmaisjovens.
A cultura aqui discutida se baseia no conceito criado por Tylor (1877,
apudMINTZ2009)noqualbusca“[...]refletirosprodutoscomportamentais,
espirituais e materiais da vida social humana”. A cultura é inerente ao ser
humanoemsociedade.
Nosistemamaisflexível,Benko(1999,p29)destacouqueapassagem
para o novo regime de acumulação é acompanhado de mudanças
importantes nos modos de produção e de consumo. O consumo em massa
continuacomoimportanteformadeacumulaçãoparaasindústriasdemodo
geral. Entretanto, como resistência involuntária, há a valorização de
produtoscomreferênciasculturaisdistintas.
Essasociedadedeconsumoemassificaçãoestávinculadaàprópriapós‐
modernidade, que tem como principais critérios a performatividade e
funcionalidade. Segundo Westphal (2004, p. 20), “[...] para a filosofia pós‐
moderna, não há um poder regulamentador ou umponto de convergência,
poisocritérionãoéodajustiçaoudeautoridadeenemdeverdade,masde
performatividade (desempenho)”. Em outras palavras, a principal questão
hoje é: para que serve, qual sua função, qual retorno deste objeto? Ainda
conformeWestphal(2004,p.21),“[...]oquesebuscanãoestámaisligadoao
falso ou verdadeiro, ao justo ou injusto, mas ao critério da competência e
performatividade,ouseja,daeficiênciaedalucratividade”.
Ao se aplicar a lógica da performatividade e funcionalidade (produção
emmassa)paraessesprodutose/ouserviçostradicionais,poderáhaverum
esvaziamentodoprópriosentidodopatrimônioculturalexistentenaforma
de fazer tradicional. Esvaziado o ativo cultural, essa comunidade local não
conseguirá sobreviver à lógica de mercado das grandes corporações, por
nãoterescalarilidadesuficienteparasuprirasdemandasdemercado.Com
isto, haverá uma desvalorização da comunidade local e uma exclusão e
desempoderamentodessesagentestradicionais.
Portanto, auxiliar uma comunidade no reconhecimento de sua
identidade cultural e, a partir daí, do seu potencial econômico é uma
estratégia fundamental para o processo de criação das Indicações
Geográficas como promotoras do desenvolvimento regional, tendo sempre
emcontaqueaidentidadeculturalemsiéumdosprincipaisativos.
2.1OPAPELDOSATIVOSNODESENVOLVIMENTODOSTERRITÓRIOSESUA
RELAÇÃOCOMACULTURALOCAL
Oprocessodemundializaçãoemcursodestróiasidentidadesculturais
das comunidades locais. Para Camargo (2009, p. 41) “[...] um dos grandes
75 debatesdaatualidadequesemanifestamcomoelemento‐chavedocombate
à globalização é a questão da territorialidade do lugar e da identidade”. O
reconhecimentodopatrimônioculturaldeumacomunidadeéfundamental
paraposicionarocidadãoemseucontexto,tornarsuavisãodemundomais
ampla e destituir as suas amarras políticas e ideológicas. Repensar a
identidade à luz da complexidade significa perceber o constante
renascimento do cidadão, significa a integração do local e do global num
intensofluxodeconexão(CAMARGO,2009,p.41a43).
ParaCastells(1996),aspessoasaindavivememlugaresondeafunçãoe
opodersãoorganizadosnoespaçoeondealógicadadominaçãoestrutural
altera essencialmente o significado e a dinâmica do lugar. A construção da
identidadedeumpovoestánabasecultural,afirmaoautor.Oprocessode
globalizaçãoocorrenolugar,masquandoaidentidadeculturalébasilarela
podeserodiferencialnosistemaprodutivo(CASTELLS,1996,p.458).
Poressarazão,aprópriaConstituiçãoFederalBrasileirade1988sofreu
uma alteração em 2012, pela Emenda Constitucional nº 71, a qual, dentre
outras alterações, acrescentou o art. 216‐A, que destaca a importância da
culturaparaodesenvolvimentonacionaleaimportânciadaparticipaçãode
todos, de forma descentralizada e participativa, envolvendo tanto os entes
da federação como a própria sociedade. E no Art. 216, manteve o conceito
amplo de patrimônio cultural, englobando bens de natureza material ou
imaterial,conformesevêabaixo:
Art. 216‐A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de
colaboração,deformadescentralizadaeparticipativa,instituiumprocessode
gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes,pactuadasentreosentesdaFederaçãoeasociedade,tendopor
objetivopromoverodesenvolvimentohumano,socialeeconômicocompleno
exercíciodosdireitosculturais.(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº71,de
2012)[...].
Portanto, patrimônio cultural é um conceito complexo, que reflete em
seu conteúdo não só a construção histórica da sociedade, mas
principalmentearelaçãoqueestaspossuemcomaspessoasquefazemparte
de manifestações culturais. Está relacionado a pertencimento, memória,
identidade cultural, o que está vinculado necessariamente a pessoas, à
coletividade. Veloso (2006, p. 440 et seq) destaca tal relação com a
coletividade: “[...] o importante a destacar é a intrínseca relação existente
entrepatrimônioculturaleexperiênciacoletiva,ouseja,ossaberesefazeres
tradicionaisegenuínossãoconhecimentoscompartilhadosquefazemparte
do repertório cultural comum de um determinado grupo”. A tradição
cultural, por sua vez, “[...] é fruto de uma tessitura muito complexo que os
indivíduos tecem com base em elementos da história, da memória e do
76 cotidiano”. Daí a importante relação entre Indicação Geográfica, ativos
territoriais e patrimônio cultural. Para Guia (2010), o debate sobre o
ordenamentoterritorialeodesenvolvimentoregionalbrasileiroprecisaser
discutido à luz da temática social, ambiental e econômica. Nesse sentido, o
patrimônio cultural é uma referência pouco utilizada quando se trata do
desenvolvimento do Brasil. Já quando se trata de agências internacionais,
Unesco, Banco Mundial, entre outros, como lembrou o autor, o elemento
cultural é fundamental para discutir o desenvolvimento econômico de
diversas atividades, dentre elas o turismo. No Brasil, país com enorme
diversidade cultural, o conteúdo cultural de seu território sofre de um
“processodeanomiageneralizada”.
SegundooGuia,
[…] a agenda de desenvolvimento econômico do país desconsidera o
patrimônio cultural ou pelo desconhecimento acerca do conteúdocultural do
território brasileiro, ou pela resistência, em suas políticas nacionais e
subnacionais,deconsiderarosinstrumentosdeproteção(inventário,chancela,
tombamento, registro) como medidas eficazes de promoção do
desenvolvimentonacional(GUIA,2010,p.4).
O Brasil sofre de grande desconsideração do patrimônio cultural
brasileiro, lembrou o autor, já que oBrasil dispõe de “[...] mais 1.125 bens
tombados pelo Governo Federal, incluindo igrejas, terreiros, jardins
históricos, paisagens naturais, lugares sagrados" [...], dentre outros bens e
manifestações culturais (GUIA, 2010, p. 5). Esses patrimônios culturais e
diversosoutrosqueaindanãoforaminventariadosjánãoseriamsuficiente
parasepromoverarranjosprodutivoslocais?
Algumastentativastêmsidorealizadasafimdeestimularaorganização
da base produtiva local em torno da identidade cultural, mas com pouca
adesão da população4. Qual o motivo para esse distanciamento? Como
aproximaraspessoasparaconstruiralternativasprodutivasquepromovam
o desenvolvimento regional? Uma hipótese plausível para esse
distanciamentoéafaseatualdaorganizaçãododesenvolvimentocapitalista,
existentenapós‐modernidade,quereforçaoindividualismo,compequenas
participações em associações, sindicatos, entre outras iniciativas de
organizaçãodasociedadecivil.Westphal(2010,p.11)afirmaque"[...]oeu
passaaseroeixoeocritérioparaoagirmoral.Aperguntafundamentalé:O
queeuganhoaoseréticonarelaçãocomooutro?”
Singer (2004) diferenciou o desenvolvimento capitalista do
4
Exemplos dessas tentativas são as associações que se organizam para pedir IGs com base no
saber-fazer tradicional local de, principalmente, produtos. Contudo, dessas IGs registradas,
poucas efetivamente estão atuantes no mercado, gerando renda e desenvolvimento regional
para as comunidades.
77 desenvolvimento solidário. Para ele, o desenvolvimento capitalista é
realizado com os valores da competição, do individualismo e do Estado
mínimo. Já o desenvolvimento solidário é realizado com pequenas
comunidades, por meio de cooperativas ou associações de trabalhadores,
que,mesmocompetindoentresipelomercado,estabelecemumaespéciede
ajudamútua.
Nessesentido,apropostadasindicaçõesgeográficaséadeestabelecer
um desenvolvimento solidário, já que se faz necessário gerar na cadeia
produtiva ações coletivas com benefícios para todos os produtores, ainda
mais considerando que a titularidade da indicação geográfica é coletiva5.
Ainda segundo Singer (2004), uma das características do desenvolvimento
capitalista é o seu caráter excludente. Nos últimos anos os consumidores
têmsebeneficiadocomoportunidadedesatisfazerassuasnecessidadesde
novos bens e serviços com preços mais reduzidos. No entanto, reforçou
Singer (2004, p.10), o “[…] desenvolvimento capitalista é seletivo, tanto
socialcomogeograficamente”.Hajavistaocomérciointernacional,noqual
os países do Atlântico Norte apresentam comércio externo com
movimentação portuária muito mais intensa se comparado aos países do
AtlânticoSul.Aslocalidadesexcluídasperdemparticipaçãonarendaglobal,
perdem vigor econômico, reduzindo as possibilidades de novos
investimentos em infraestruturas, educação, saúde, entre outros. Cria‐se o
círculoviciosodosubdesenvolvimento.
O surgimento das reflexões e de diversas iniciativas baseadas no
desenvolvimento solidário pode gerar alternativas de renda a partir do
patrimônioculturaldacomunidade.Aparececomoumaformaderesistência
à“economiadodinheiro”,aqualMarxacusavadedissolverascomunidades
tradicionais(apudHARVEY,2001,p.98).
2.2RISCOSEDESAFIOSDAMERCANTILIZAÇÃODOPATRIMÔNIOCULTURAL
Como se observou, o uso das Indicações Geográficas se estabelecem
comoumaimportanteferramentaparaodesenvolvimentoregionalapartir
da exploração econômica de produtos e/ou serviços, com identidade
cultural,vinculando‐osasignosdistintivosbaseadosemnomesgeográficos.
Emoutraspalavras,éutilizar‐sedaprópriaorigemtradicionaldosprodutos
e/ou serviços como diferencial competitivo no mercado, gerando renda e
espaçonomercadoparaosprodutorestradicionais.
Yudice (2013, p. 26‐27), tratando a cultura como recurso, também
5
Essa é, inclusive, uma exigência legal, consubstanciada no art. 182, da Lei nº 9.279/1996: “O
uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no
local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos
de qualidade”.
78 destaca essa instrumentalização da arte e da cultura, fruto da própria
desmaterialização das várias fontes de crescimento. Esta ocorre ora para
legitimardiferençasculturais,oraparaestimularocrescimentoeconômico.
[...] hoje em dia é quase impossível encontrar declarações públicas que não
arregimentemainstrumentalizaçãodaarteedacultura,oraparamelhoraras
condições sociais, como na criação de tolerância multicultural e participação
cívica através de defesas como as da UNESCO pela cidadania cultural e por
direito culturais, ora para estimular o crescimento econômico através de
projetosdedesenvolvimentoculturalurbanoeaconcomitanteproliferaçãode
museus para o turismo cultural, culminados pelo crescente número de
franquiasdeGuggenheim.
Podeserumaimportanteferramentaparaodesenvolvimentoregional
e empoderamento da comunidade, coordenando crescimento econômico
com preservação sustentável do patrimônio cultural local. Contudo, a
exploração econômica, por si só, não é garantidora de desenvolvimento
sustentável de uma comunidade e seu patrimônio cultural. Muito pelo
contrário, ela pode trazer consequências prejudiciais no que tange à
preservaçãodopatrimôniocultural.Aexposiçãoesubmissãodopatrimônio
cultural à lógica do mercado, do consumo próprio da pós‐modernidade,
pode provocar externalidades negativas, na medida em que transforma o
bem cultural em uma simples commodity, provocando um “esvaziamento”
do conteúdo patrimonial desse bem. Veloso (2006, p. 439) destaca esse
perigo:
Operigoquesecorreéodetransformarosbensculturaisemmerosobjetosde
consumo,emtransformaropatrimôniomaterialemexpressãodeumahistória
rasa;ou,ainda,transformarasmanifestaçõesculturaisdopatrimônioimaterial
emfetiche,ouseja,privilegiaroprodutotransformadoemobjetodeconsumo
comoqualqueroutramercadoriaquecirculanasociedadeatual.
Veloso (2006) chama essa situação de “fetiche do patrimônio”, que é
transformá‐lo em produto customizado para consumo, promovendo uma
distinçãosocialdaquelesqueoconsomem.NaspalavrasdeVeloso(2006,p.
438):
O chamado capitalismo tardio, marcado pela internacionalização do capital e
flexibilidadedotrabalho,entreoutrasconsequências,provocouumaprofunda
mercantilização da cultura, introduzindo a noção de que o consumo cultural
promove distinção social. O patrimônio cultural, tanto o material quanto o
imaterial,extraisuasingularidadeporexpressar‘marcasdedistinção’que,por
sua vez, remetem a situações específicas vividas por uma determinada
comunidade[...]
[…] Portanto, tornar o patrimônio um fetiche, considerar apenas o seu
produtoobjetivadoéumriscopalpáveldiantedasociedadedeconsumoeda
79 ‘modernidade liquida’ (BAUMAN, 2001). Nela o fragmento, a aparência e o
individualismoimperam.
Assim, a maior riqueza do patrimônio cultural é a ideia de
pertencimento (VELOSO 2006) e é através dele que se poderá efetivar o
empoderamentodapopulaçãosobreaexploraçãoeconômicadosprodutos
e/ou serviços tradicionais vinculados ao território. Ademais, há que se
atentarparaosriscosqueoconsumodessesativosterritoriaispodemtrazer
paraaprópriareferênciaculturaldopatrimônioculturaldascomunidades.
Os ativos do território existem em todas as localidades, mas precisam
serdescobertosjáquemuitasvezesaspessoas,individualmenteenvolvidas
em suas rotinas, não identificam novas possibilidades. Para esse despertar
da valorização cultural da comunidade, acredita‐se que é necessário
empregarasmetodologiasdaEducaçãoPatrimonial.
A Educação Patrimonial é um processo que precisa atuar baseado nos
princípios de Paulo Freire, de uma educação libertadora. A Educação
Patrimonialnãopodeatuarcomoacumulaçãodeconhecimentos,nemcomo
disciplinaescolar,masdevesercapazdeajudarnaestruturaçãodotempoe
doespaço,desenvolvendoossentidose,maisparticularmente,acapacidade
dever,dedesvelar.
2.3EDUCAÇÃOPATRIMONIALEACULTURALOCAL
Aculturadascomunidadesestáencobertapormuitasinvestidasda
industrialculturaldemassa.SegundoMorin(2002):
[...]achegadadocinema,dagrandeimprensaedepoisdorádioedatelevisão
no século XX conduziram ao desenvolvimento da industrialização e da
comercialização da cultura com o auxílio dos seguintes fatores: da divisão
especializada do trabalho, da padronização do produto e sua mensuração
cronométrica,dabuscadarentabilidadeedolucro(MORIN,2002,p.02).
Aculturadecadacomunidadeseintegraàcomplexidadeepermiteao
serhumanosereconhecernogrupo,nasociedade.Osmeiosdecomunicação
de massa tendem a homogeneizar as culturas, garantindo, assim, a
lucratividade. No desenvolvimento capitalista, segundo Singer (2004),
somentealgunsconseguemrealmenteganhar.
A proposta de desenvolvimento solidário parte da cultura local,
permitindo o reconhecimento das potencialidades das comunidades e
constituindo, em toda a cadeia produtiva, um processo de ajuda e de
cooperação.
É outra lógica, fora dos padrões reproduzidos pela população.
Entretanto, as estratégias que envolvem a educação patrimonial tornam
possíveloestabelecimentodovínculocomacomunidadee,apartirdaí,uma
propostadedesenvolvimentosolidário.
80 ParaPeregrino(2012):
[...] a forma de garantir a preservação dos valores culturais da sociedade e a
inserção do patrimônio cultural no cotidiano das comunidades passa
necessariamente por ações voltadas para a sensibilização dos cidadãos,
sujeitos da transformação social e importantes agentes para se alcançar o
desenvolvimentosociocultural(PEREGRINO,2012,p.5).
Nesse sentido, segundo o autor, a palavra patrimônio carrega a noção
debenscarregadosdememória,aquiloqueherdamos,queseacumulacom
opassardotempo,podendoassumirvaloreconômico,masqueprecisaestar
relacionado ao “[…] vínculo do apoderamento, de pertencimento”
(PEREGRINO, 2012, p. 5). O patrimônio cultural referencia a identidade de
umacomunidade,criaformaepermiteacriaçãodasindicaçõesGeográfica,
pois,namaioriadoscasos,aculturatemvaloreconômico.
Avalorizaçãodopatrimônioculturalbrasileiroprecisapassarporações
pedagógicas,noslembrouPeregrino(2012),jáqueprecisadesenvolverum
processo permanente de conhecimento junto à comunidade. A Educação
Patrimonial pode ser uma das formas de gerar a formação cidadã, pois
auxiliaosujeitonoprocessodesolidariedade,que,demodocoletivo,possa
buscarosentidodepertencimentoeapoderamento.Taissentidos,navisão
doautor,sãoessenciaisparaaauto‐estimacomunitáriaecontribuemparaa
preservaçãodopatrimôniocultural.
Para Londres (2012), a valorização do patrimônio cultural se
fundamenta na transmissão, difusão e apropriação dos cidadãos que, em
comunidade, preservarão seus bens. Os produtos regionais passam a
apresentar‐se com especificidades da cultura, fortalecendo os vínculos
identitários. A educação patrimonial remete a um caminho de preservação
dosbenscomopráticasocial,inseridanavidadaspessoas,eminterlocução
comasociedadeeosserviçospúblicos(LONDRES,2012,p.15).
2.4DESENVOLVIMENTOSOLIDÁRIOOUSEMI‐SOLIDÁRIO‐CASODAFLUSS
HAUSEMSÃOMARTINHO‐SC
Singer (2004, p. 15) refletiu sobre o “[…] desenvolvimento semi‐
capitalistas ou semi‐solidário”, que na fase do capitalismo flexível aparece
com mais evidência. O aumento das pequenas e médias empresas propicia
aos trabalhadores atuar junto com os proprietários e até auxiliar na
conduçãodaempresa.
Segundooautor,
[…] Neste ambiente, não há segredo do negócio. Os empregados em geral
conhecemosclienteseovalordobemouserviçoquelhesévendido.Podem
calcularovalorqueproduzemeoquelhesépago(SINGER,2004,p.15).
81 Ooperáriotemmaisflexibilidadeparaauxiliaremdiversastarefasnas
pequenasemédiasempresas,inclusiveaprendendosobreonegócio,oque
lhe permite criar, em algumas condições, seu próprio negócio ou crescer
comaempresa.
Nesse sentido, trazemos como exemplo um empreendimento criado
numacomunidaderuraldeorigemalemã,noMunicípiodeSãoMartinhoSC.
AempresaFlussHaus,ouCasadoRio,cujolemaserespaldanastradições
culturais quando diz logo na entrada: pensando no futuro, sem perder as
tradiçõesdopassado(figura1).
Figura1:PlacanaentradadaFlussHausnaComunidadedeVargemdoCedro,SãoMartinho.
Fonte:autora.
Essa empresa atua há 18 anos e representa para os moradores a
alternativa ao êxodo rural. Na história da empresa, segundo os
proprietários, há um misto de superação, trabalho em família e tradição.
Segundo eles, uma grande crise na lavoura forçou a busca de soluções:
fabricarpequenoslotesdepães,roscas,bolachasdecoradascomreceitasda
famíliaevendernaregião.
Quando as pessoas conheceram os produtos começaram a comprar,
enfrentadoestradadechãocompontesdemadeira,passandopordiversas
áreras rurais, até uma pequena comunidade com pouco mais de 30 casas
espalhadasnaspropriedadesruraisecercadasporplantaçãodemilho,soja,
fumo, feijão entre outros. Durante o trajeto, os compradores já tinham
iniciadoseumergulhonaculturalocal,algunsseidentificandomais,outros,
estranhando.Mashavia,demodogeral,oencantamentodoingressoemuma
cultura diferente. Ao chegar lá, optavam por comer os produtos no local e
pediamaosproprietárioscaféecháparaacompanharasbolachas,roscase
pãescaseiros.Apartirdessademanda,montarumcafécolonial,comampla
áreadelazerealmoçonosfinsdesemana,foiumpequenopasso(figura2).
82 Figura2:AcessoaFlussHaus‐naComunidadedeVargemdoCedroemSãoMartinhoSC.
Fonte:sitewww.flusshaus.com.br.
Atualmente, a comunidade gira em torno desse empreendimento, que
emprega mais de 80 trabalhadores fixos e terceiriza parte da produção de
salgados e tortas, gerando novos empreendimentos no entorno. Alguns
vendem artesanato em pequenas lojas, outros instalaram uma pousada,
todospróximoaFlussHaus,sem contar aindarestaurantesnotrajeto,que
aproveitam as belezas naturais das quedas d’agua e o constante fluxo de
turistas pele estrada. A comunidade, e mais especificamente a Fluss Haus,
recebe em torno de 5 mil pessoas por mês, o que supera em muito toda a
população de São Martinho que, segundo o IBGE 2010, é de 3.323
habitantes.
No entanto, é necessário que os moradores e os empreendimentos
formem uma comunidade organizada onde, segundo Singer, (2004, P. 16)
“[…]oprogressodeledependedoprogressodacomunidadee,portanto,do
progresso de cada um dos outros membros dela […]”. Essa região poderia
ser condenada ao esvaziamento e a saída dos jovens para a cidade, como
tantas outras realidades brasileiras. Atualmente, porém, muitos jovens
retornam,poisconseguemempregosnasuacomunidade.
A Indicação Geográfica dos produtos de Vargem do Cedro (São
Martinho) poderia ser uma sequência natural, poisa comunidade já teve o
seudespertardaEducaçãoPatrimonial,quenãochegoupormeiodepessoas
alheias à comunidade, mas partir de iniciativa criada numa situação de
extremanecessidade,combinadaàculturadacomunidade.
83 Manter o ambiente sustentável e sensibilizar os demais moradores do
Município,pormeiodaEducaçãoPatrimonial,podeauxiliarnapreservação
dastradiçõesculturaiseprojetarofuturo.Essasindicaçõespermitirãoque
outrosexemploscomoestepossamsurgiremtantosmunicípiosbrasileiros
que carecem de alternativas geradoras de renda, apesar de estarem
sentados sobre o "pote de ouro", a sua riqueza cultural, mas que não a
reconhecerem.
CONSIDERAÇÕESFINAIS
As Indicações Geográficas constituem mecanismo de geração de renda
num modelo de desenvolvimento solidário. No entanto, nossa cultura
econômicaderivadocapitalismo,quepressupõecompetição,exclusão.Para
essemodeloquesepropõe,sefaznecessáriaacooperação,demodoqueem
todosnacomunidadepossamcrescerjuntos.
Contudo, os produtores e a própria população da respectiva
comunidade participarão quanto maior for sua consciência de
pertencimento com o empreendimento da indicação geográfica. E essa
consciência está intrínsecamente relacionada com o patrimônio cultural
local.
Para isso, se fazem necessários o reconhecimento e a valorização da
riqueza cultural das comunidades. A globalização no processo fordista de
produção gerou a massificação tanto do consumo como da produção. No
entanto, a crise desse modelo permite o surgimento de modelos
alternativos, maiscooperativos,centradosnaculturalocal.Essediferencial
deproduçãonãoencontraconcorrência,poiséúnico,nãoexisteoutroigual.
Noentanto, asensibilizaçãodacomunidaderequeraçõesdeEducação
Patrimonial, envolvendo as escolas e outras associações para o
empreendedorismo solidário, coletivo, capaz de gerar, a partir da cultura
local,renda.Paraisso,énecessárioqueacomunidadetenhasuaautoestima
elevada,percebendocondiçõesculturaisqueadiferenciamdeoutras.
A educação patrimonial também pode ser uma importante ferramenta
para evitar a “fetichização” do patrimônio cultural, na medida em que
possibilita que tanto a comunidade local como as pessoas que a visitam
tenham pleno conhecimento da história, memória, identidade cultural e o
cotidianoquegerouosaberfazerdarespectivacomunidade.
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85 CAPÍTULO5
DESENVOLVIMENTO,SUSTENTABILIDADE
AMBIENTALEINDICAÇÕESGEOGRÁFICAS
AGROPECUÁRIAS1
CristianedeMoraisRamos‐UFSC
AdrianaMarquesRossetto‐UFSC
INTRODUÇÃO
Uma das premissas atribuídas à existência das Indicações Geográficas
no Brasil é que estas atuam como promotoras do desenvolvimento
sustentáveldoterritórioondeestãoinseridas(BRASIL,2008).
No entanto, essa premissa torna‐se ilusória, em parte, à medida que
existeumacarênciadeorientaçãorelativaà promoçãodasustentabilidade
ambiental, um dos aspectos do desenvolvimento sustentável, ou falta de
apoio por parte do governo aos produtores desses territórios, durante o
processoderegistro,implantaçãoemanutençãodasIndicaçõesGeográficas.
Apesardaobrigatoriedadedocumprimentodalegislaçãoambiental(e
demaispertinentes)paraobtençãodoregistrodasIndicaçõesGeográficas,a
carência de normativas, leis e diretrizes específicas para o alcance dessa
premissa faz com que recaia sobre os produtores a responsabilidade pelo
próprio estabelecimento e definição de ações, de forma individual ou
coletiva, que objetivem a promoção da sustentabilidade ambiental de seus
respectivos territórios. Ações que, no entanto, têm ocorrido de forma
voluntária, não abrangendo a totalidade das IG’s brasileiras e de seus
produtores.
Reconhecer e entender o vínculo existente entre as Indicações
Geográficasesuaorigemgeográficaédeextremaimportância,poisapartir
desse entendimento será possível compreender sua influência no
desenvolvimento de um território, em seus aspectos sociais, ambientais e
econômicos.
Assim,paraacompreensãodaproblemáticaexpostaanteriormente,faz‐
se necessário, primeiramente, uma breve descrição de alguns conceitos
essenciais,taiscomoterritório,desenvolvimentoeIndicaçõesGeográficas,a
qualseráapresentadaaseguir.Apósaapresentaçãodessesconceitos‐chave,
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal.
87 será feita uma reflexão acerca de como o aspecto ambiental tem sido
incluído no tema das Indicações Geográficas, partindo da legislação que
trata sobre o tema, da instrução normativa que rege o registro das
IndicaçõesGeográficas(nº25/2013)edoGuiaparaaSolicitaçãoeRegistro
das Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo
MinistériodaAgricultura,PecuáriaeAbastecimento(MAPA).Porfim,serão
propostasalternativasesugestõesparaqueoaspectoambientalsejamelhor
consideradonesseprocesso.
1.TERRITÓRIOEDESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL
Umdosprincipaisautoresbrasileirosatratarsobreoterritório,Milton
Santos(2000),odefinenãoapenascomooresultadodasuperposiçãodeum
conjuntodesistemasnaturaiseumconjuntodesistemasdecoisascriadas
pelo homem. Para o autor, o território é o chão acrescido da população. É
uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que pertence a
nós. O território também é base do trabalho, da residência, das trocas
materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele exerce influência e é
influenciado. Ao falar‐se em território, subentende‐se a área utilizada por
umadeterminadapopulação.
Albagli (2004, p. 28), ao definir o território, relembra a origem do
termo.Esteseoriginoudotermoemlatimterritorium,quederivadeterrae
significa pedaço de terra apropriado. O autor também cita que, na língua
francesa, a palavra territorium deu origem às palavras terroir e territoire.
Para Abagli (2004, p. 26), “[...] o território é o espaço apropriado por um
ator, sendo definido e delimitado a partir de relações de poder, em suas
múltiplasdimensões.Cadaterritórioéprodutodaintervençãoedotrabalho
deumoumaisatoressobredeterminadoespaço”.
Albagli (2004) não reduz o território à sua dimensão material e
concreta, considerando‐o uma teia de relações sociais projetadas em um
espaçodefinido.Eleapontaeexplica,ainda,quatrodimensõesdoterritório,
a saber: física, política/organizacional, simbólica/cultural e econômica. A
dimensão física do território está relacionada à sua materialidade. Nesse
sentido, os elementos naturais de um território são transformados em
potencialidades, no momento em que a sociedade reconhece sua
importância,transformando‐osemrecursoseosincluindoematividadesde
seusterritórios,podendoserpredatóriasousustentáveisparaoambiente.
A dimensão político/organizacional, levantada por Albagli (2004), diz
respeito ao sistema político, e este, por sua vez, integra outras duas
dimensões: os conflitos e alianças entre grupos socialmente distintos e a
cooperação entre grupos espacialmente diferenciados. O domínio desse
espaçootornaterritórioeéfontedepodersocial.Nessesentido,oatorou
88 grupo social, ao apropriarem‐se de um dado território, decidem quais
intervenções realizarão. Intervenções essas que, por sua vez, estão
relacionadasàssuasconcepçõeséticas,opçõespolíticaseníveltecnológico.
Com relação à dimensão simbólica/cultural, ao se definir uma
identidade coletiva, também se define a relação que será estabelecida com
os outros, criando‐se a imagem de quem é o “amigo” e “inimigo”, “rival” e
“aliado”.Adimensãoculturalatua,nessecontexto,comoum“umfioinvisível
que vincula os indivíduos ao espaço”, diferenciando as comunidades
(ALBAGLI,2004).
Por fim, para Albagli (2004), a dimensão econômica também possui
uma forte dimensão espacial. Segundo o autor, os territórios possuem
diferentes capacidades de oferecer competitividade e rentabilidade para
empreendimentos e investimentos, o que traz diversas vantagens de
localização. Há uma divisão do trabalho e do processo de acumulação de
capital que pode ser identificada na hierarquização e diferenciação das
atividadespredominantesdoslugares.
O território não pode ser confundido, simplesmente com uma
materialidade do espaço construído socialmente, e tampouco com um
“conjunto de forças mediadas por esta materialidade” (HAESBAERT;
LIMONAD,2007,p.42).Paraosautores,oterritórioésempreapropriaçãoe
domíniodeumespaçosocialmentecompartilhado.Enquantoaapropriação
possui um sentido mais simbólico, o domínio apresenta uma acepção mais
políticaeeconômica.Oterritórioéumaconstruçãohistórica,social,eparte
de relações de poder que incluem, concomitantemente, a sociedade e o
espaçogeográfico.
Para Dallabrida (2011, Apud MARCHESAN e DALLABRIDA, 2013, p.
205),territóriocorresponde
“[...] a uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐
relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste
âmbito espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em
motivações políticas, sociais, ambientais, econômicas, culturais ou religiosas,
emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou
indivíduos”.
Saquet (2006, p. 82) reitera que a natureza está na sociedade, como a
natureza inorgânica do homem, e por outro lado, “a sociedade está na
naturezaatravésdohomemcomosergenérico”,eassimilaarelaçãoentrea
dinâmica econômica e processos políticos e culturais. Para o autor, “a
dinâmica econômica está, na constituição do território, nos processos
políticos e culturais, identitários, e estes estão ligados ao movimento
mercantil”,ressaltandoqueosarranjoseasrelaçõesentreoselementosdas
territorialização variam de lugar para lugar, de momento e período
histórico.
89 Aindasegundooautor,oterritórioénaturezaesociedade,nãohavendo
separação entre eles. O território é “[...] economia, política e cultura;
edificaçõeserelaçõessociais;des‐continuidades;conexãoeredes;domínio
esubordinação;degradaçãoeproteçãoambiental,etc”.Elerepresenta
[...] heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação
historicamentecondicionadas;éprodutoecondiçãohistóricaetrans‐escalar;
com múltiplas variáveis, determinações, relações e unidade. É espaço de
moradia,deprodução,deserviços,demobilidade,dedes‐organização,dearte,
desonhos,enfim,devida(objetivaesubjetivamente).Oterritórioéprocessual
e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente
(SAQUET,2006,p.83).
1.1DESENVOLVIMENTOTERRITORIALSUSTENTÁVEL
Após a apresentação de algumas das definições acerca do território,
podemos seguir para as considerações sobre o desenvolvimento e, em
seguida, sua relação com o território, chegando a um dos pontos centrais
destetrabalho,odesenvolvimentoterritorialsustentável.
O desenvolvimento dito como sustentável se diferencia fortemente do
crescimento econômico, que tem o produto interno bruto (PIB) como seu
mais importante indicador, e está restrito aos aspectos econômicos de um
território.Porém,pormuitotempo(eatéhojeemalgunscasos),foitratado
comsinônimodotermodesenvolvimento.
Para o entendimento das dinâmicas de um território e da medição da
qualidade de vida de sua população, o crescimento econômico e o PIB se
tornam insuficientes, fazendo com que outras formas de desenvolvimento
sejam consideradas necessárias, e também outros tipos de indicadores.
Nessesentido,CelsoFurtado,jáem1974,emseulivrointitulado“Omitodo
desenvolvimentoeconômico”,traziaà tonaaquestãodaincompatibilidade
entre a busca pelo crescimento econômico, em si, e o desenvolvimento, à
medida que apontava a impossibilidade de países periféricos atingirem o
mesmograudepressãosobreosrecursos,quefoicaracterísticodospaíses
capitalistascentrais.Estefato,apressãosobreosrecursosocasionadapela
buscadospaísesperiféricosemalcançaremumconsumoequivalenteaoda
população dos países centrais, acarretaria em uma exaustão desses
recursos,assimcomoimpactosnegativosnoambienteenasociedade.
Nesse contexto, dois grandes autores se destacam: Amartya Sen e
IgnacySachs.Sen,ganhadordoprêmioNobelemeconomia,emseutrabalho
“Desenvolvimento como liberdade” (2000) entende o desenvolvimento
como um processo de ampliação das liberdades dos indivíduos,
contrastando essa visão àquela que limita a compreensão do
desenvolvimentocomocrescimentodoprodutointernobruto(PIB).
Sachs, um dos pioneiros a trabalhar com o tema desenvolvimento
90 sustentável, publicou diversos trabalhos com essa temática, dentre eles:
CapitalismodeEstadoeSubdesenvolvimento:Padrõesdesetorpúblicoem
economias subdesenvolvidas, 1969; Ecodesenvolvimento: crescer sem
destruir, 1981; Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento, 1986;
Rumo à Ecossocioeconomia ‐ teoria e prática do desenvolvimento, 2007;
Caminhos para o desenvolvimento sustentável, 2006; Desenvolvimento
includente,sustentávelesustentado,2006.
SegundoSachs(2004),odesenvolvimentosedistinguedocrescimento
econômico à medida que os objetivos do desenvolvimento transpassam o
objetivo de aumento de riqueza material. O autor considera o crescimento
umacondiçãonecessária,porém,nãoobastanteparaalcançarumamelhor
qualidadedevida,maiscompletaemaisfelizparatodosenãoumobjetivo
emsi.
Sachs (2004) compreende que a igualdade, equidade e solidariedade
fazempartedoqueéentendidopordesenvolvimento,eque,aoinvésdese
buscar o aumento do PIB, o objetivo deve tornar‐se a promoção da
igualdade e maximização das vantagens dos que possuem as piores
condições, buscando‐se diminuir a pobreza, que é desnecessária e
vergonhosaemummundonoqualexisteaabundância.Oautorressaltaque
o desenvolvimento sustentável acrescenta a dimensão da sustentabilidade
ambientalesustentabilidadesocial,queébaseadaemsolidariedadecomas
geraçõesfuturas.
O desenvolvimento sustentável, assim, prima pela solidariedade das
gerações presentes e futuras e também requer que estejam claros os
critérios para sustentabilidade social e ambiental e para a viabilidade
econômica. Nesse sentido, somente soluções que resultem em crescimento
econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais,
merecemreceberadenominaçãodedesenvolvimento(SACHS,2004).
Para o autor, o desenvolvimento sustentável está firmado sobre cinco
pilares, a saber: social, ambiental, territorial, econômico e político. O pilar
socialéfundamentaldevidoà“perspectivadadisrupçãosocial”,presentede
forma ameaçadora em muitos lugares do planeta. O pilar ambiental possui
outrasduasdimensões,ossistemasdesustentaçãodavidacomoprovedor
de recursos e como “recipientes” para a disposição de resíduos. O pilar
econômico, com relação a sua viabilidade, é entendido como condictio sine
qua non para que as coisas aconteçam. Por fim, o pilar territorial está “[...]
relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das
atividades”; e o pilar político está relacionado à “[...] governança
democrática como valor fundador e um instrumento necessário para fazer
as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença” (SACHS, 2004, p.
15).
Partindo, então, para a relação entre o território e o desenvolvimento
91 (sustentável), os autores Cazella e Carrière (2006, p. 25), apontam que a
corrente de pensamento sobre o desenvolvimento que abarca a noção de
território, “[...] representa uma tomada de consciência dos limites da
capacidadedoEstadocentraldeordenareplanejardemaneiraadequadao
território”.
Pecqueur (2004 apud CAZELLA; CARRIÈRE, 2006), ressalta que se há
quinzeanossefalavadedesenvolvimentolocal,atualmenteépreferívelfalar
em desenvolvimento territorial, já que esse estilo de desenvolvimento não
sereduzàpequenadimensão.
Para Cazella e Carrière (2006), espaço‐território é diferenciado do
espaço‐lugar pela sua “construção” a partir da dinâmica entre indivíduos
que o habitam. Nesse sentido, o território é definido como o resultado da
confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas dimensões
econômicas, socioculturais e ambientais. O território, assim, não está em
oposiçãoaoespaço‐lugarfuncional,e,sim,oexemplifica.
SegundoPecqueur(2004apudCAZELLA;CARRIÈRE,2006),aformação
deumterritórioéassumida,porváriosatoresatuais,comoumresultadodo
encontro,damobilizaçãoedainteraçãodeseusatoressociaiscomumdado
espaço geográfico, com vistas a encontrarem soluções para um problema
comum. Em outro sentido, um “território dado”, com delimitação política‐
administrativa,podeabrigarvários“territóriosconstruídos”.Nessesentido,
asdinâmicasterritoriaisapresentamcomocaracterísticasseremmúltiplase
sobrepostas,nãopossuíremlimitesnítidosebuscaremvalorizaropotencial
derecursoslatentes.
Nesse momento, então, faz‐se necessária a diferenciação entre os
termos“ativo”e“recursos”.SegundoCazellaeCarrière(2006),oativopode
ser definido como um fator “em atividade”, que já possui valorização no
mercado.Jáorecursopodeserentendidocomoumareserva,umpotencial
latentee/ouvirtual,quepodevirasetransformarfuturamenteemumativo.
Segundo Bonnal et al. (2014), o desenvolvimento territorial pode ser
considerado como uma metodologia, sendo, assim, uma forma de pensar e
de fazer o desenvolvimento, correspondendo, então a um processo de
articulação entre os atores sociais e entre os setores relacionados à
perspectiva da descentralização. Segundo os autores, o desenvolvimento
territorial passa pelo inventário de seus recursos locais, capaz de
transformaraspectosnegativosemnovosprojetosdedesenvolvimento,em
que valores meramente simbólicos passam a desempenhar um papel de
recursossocioeconômicos.Adinâmicadedesenvolvimentoterritorialnãose
instala sem a criação ou cooperação. Precisam existir estruturas de troca
entre os pesquisadores, associações civis, empresas privadas, órgãos
públicos, passo que é essencial para estimular uma reflexão para novos
projetos.
O desenvolvimento territorial deriva, então, da negociação entre os
92 atoresdoterritório,mesmoqueseusinteressesnãosejamosmesmos,mas
queencontremumpontoemcomumemnovosprojetos.Eletambémpode
ser considerado “[...] um processo tributário da descentralização político‐
administrativa do Estado”, sendo que seu sucesso pode depender da
qualidade das atitudes cívicas de iniciativas locais. Esse fato decorre da
premissa do modelo de desenvolvimento de requalificar o “saber‐fazer”
local,fazendoousodenovastecnologias(BONNALetal.,2008,p.204).
2.DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELEINDICAÇÕESGEOGRÁFICAS
NoBrasil,asIndicaçõesGeográficas(IG)sãodefinidaseregulamentadas
pela Lei nº 9.279/96, conhecida como Lei de Propriedade Industrial (LPI).
Estão as IG enquadradas como figura da propriedade intelectual, e está a
cargo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o
estabelecimentodascondiçõesdeseuregistro.
Deacordocomoartigo176daleinº9.279/96(LPI),constitui‐secomo
indicação geográfica a “indicação de procedência ou a denominação de
origem”.Deacordocomosartigos177e178daLPIbrasileira,asIndicações
Geográficas podem ocorrer de duas maneiras distintas: as indicações de
procedênciaeasdenominaçõesdeorigem.
A Indicação de Procedência é o nome geográfico de um país, cidade,
região ou uma localidade de seu território que se tornou conhecido como
centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou
prestação de determinado serviço. Nesse caso, para provar a Indicação de
Procedência, é necessária a apresentação de documentos para comprovar
que o nome geográfico é conhecido como centro de extração, produção ou
fabricaçãodoprodutoouprestaçãodoserviço.ADenominaçãodeOrigemé
onomegeográficodepaís,cidade,regiãooulocalidadedeseuterritório,que
designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam
exclusivaouessencialmenteaomeiogeográfico,incluídosfatoresnaturaise
humanos. Para a solicitação da denominação de origem, deverá ser
apresentada a descrição completa das qualidades e as características do
produtoouserviçoquesedestacam,deformaexclusiva,ouessencialmente,
por causa do meio geográfico, ou também devido aos fatores naturais e
humanos(INPI,2014).
O nome geográfico, que deverá ser registrado junto ao Instituto
NacionaldePropriedadeIndustrial(INPI)é,assim,oelementodedistinção
do produto ou serviço específico. Esse nome pode ser o nome oficial,
tradicional ou costumeiro que identifica a área geográfica onde é
desenvolvidaaatividadereferenteàindicaçãogeográfica.Ressalta‐sequeas
Indicações Geográficas não possuem prazo de validade e o interesse
nacionalporessacertificaçãotorna‐secadavezmaior.
Atualmente(novembro/2014),sãoreconhecidaspeloInstitutoNacional
da Propriedade Industrial (INPI) 49 Indicações Geográficas: 41 nacionais,
93 sendo 33 Indicações de Procedência e 8 Denominações de Origem; e 8
estrangeiras, todas Denominações de Origem. Destaca‐se, no Brasil, pelo
númerodeIndicaçõesGeográficas,aproduçãodevinhos(ValedosVinhedos
‐ RS, Altos Montes ‐ RS, Monte Belo‐RS, Pinto Bandeira‐RS, , Vales da Uva
Goethe – SC) e a produção de café (Região do Cerrado Mineiro‐ MG, Alta
Mogiana – SP, Norte Pioneiro do Paraná – PR, Região da Serra da
Mantiqueira–MG)(INPI,2014).
2.1INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS:ADIMENSÃOAMBIENTALDO
DESENVOLVIMENTO
Neste tópico serão apresentados os documentos que, atualmente,
fornecemasdiretrizesparaopedidoderegistrodasIndicaçõesGeográficas,
buscando‐serefletirsobrecomooaspectoambientaldodesenvolvimentoé
abordado por esses documentos, à medida que se constituem como a base
para todo o processo de implantação das Indicações Geográficas pelos
produtores/requerentesdasIndicaçõesGeográficas.
Como mencionado anteriormente, o desenvolvimento se distingue do
crescimento econômico por incluir as dimensões ambiental e social.
Partindo desse entendimento, é importante relembrar que uma das
premissas atribuídas às Indicações Geográficas é a promoção do
desenvolvimento sustentável de seu território. Tal desenvolvimento, no
entanto, para ocorrer de forma efetiva, deverá englobar aspectos sociais,
econômicosetambémambientais(BRASIL,2008;SACHS,2004).
Ouseja,énecessárioquehajaumequilíbrioentreessesaspectoseque
todos sejam incluídos e considerados no momento do registro,
implementação e manutenção de uma indicação geográfica, para que haja
garantia de sua consecução. Porém, é na etapa de registro que ocorrerá o
estabelecimento,pelosprópriosrequerentesdaIG,doregulamentodeusoe
dasformasdecontrolequeserãoutilizadas,conformeexigidopelainstrução
normativa INPI nº25/2015, que será abordada mais detalhadamente
posteriormente.
Com relação ao registro das IG’s, podem ser encontrados os seguintes
documentos e legislação que fornecem orientação para o mesmo: o Guia
para Solicitação de Registro de Indicação Geográfica para Produtos
Agropecuários; a Instrução Normativa Nº 25/2013, estabelecida pelo
InstitutoNacionaldePropriedadeIndustrial(INPI).
O Guia para Registro de Indicações Geográficas para Produtos
Agropecuários é um manual para a orientação para os
produtores/requerentesdeIGessencialmenteagropecuárias.Neleconstam
ositensexigidospelainstruçãonormativadoINPI(órgãoresponsávelpelo
registrodasIG’s),nº25/2013,demaneiramaisdetalhada,deformaaservir
94 como uma orientação aos requerentes do registro. Portanto, esse guia não
tem a função de acrescentar regras ao processo de registro de IG’s e, sim,
esclarecerasregrasjáexistentes.
Porém, analisando o Guia elaborado pelo MAPA, encontramos a
seguinteafirmação:
O objetivo da concessão de IG apoiada pelo MAPA é o desenvolvimento
sustentável,viaagregaçãodevaloraosprodutosagropecuários,ressaltandoas
diferençaseidentidadesculturaispróprias,organizandoascadeiasprodutivas
e assegurando inocuidade e qualidade aos produtos agropecuários (BRASIL,
2008,p.4).
Nota‐seque,apesardeoMAPA,apartirdessaafirmação,colocarqueo
objetivo da concessão de IG apoiada por ele é o desenvolvimento
sustentável, há pouca referência ao aspecto ambiental do desenvolvimento
nodecorrerdodocumento.Omesmopodeserobservadonalegislaçãoque
rege as IG (LPI), apresentada anteriormente, e na instrução normativa do
INPInº25/2013.
A partir dessa afirmação, pode ser subentendido que a principal
maneira da indicação geográfica contribuir para o desenvolvimento
sustentável, apoiada pelo MAPA é por meio da agregação de valor aos
produtos agropecuários, uma característica que é, essencialmente,
econômica.Noentanto,talguia,dizqueasformasdeagregarvaloraesses
produtossão:
1. Ressaltarasdiferençaseidentidadesculturaispróprias;
2. Organizarcadeiasprodutivas;
3. Assegurar a inocuidade e qualidade aos produtos
agropecuários.
Relacionando esaas três formas aos três aspectos gerais do
desenvolvimento (social, econômico e ambiental), observa‐se que é
apresentada referência clara ao aspecto ambiental. Embora esse aspecto
possasertrabalhadoemcadaumasdasmaneirasdeagregaçãodevalorao
produtocitadasanteriormente,omesmonãoéclaramenteexplicitadonessa
afirmação inicial do guia, contrariamente ao que ocorre com os demais
aspectos, econômico e social. Tendo em vista a prevalência, no atual
paradigma economicista da sociedade contemporânea, do aspecto
econômicoemdetrimentoaoutrosaspectosdodesenvolvimento,ainclusão
decritériosrelativosapráticasambientaisadequadasseriadeterminanteà
efetivasustentabilidadedoterritório.
Seria importante citar claramente e objetivamente a relação da
IndicaçãoGeográficaedodesenvolvimento,incluindoaimportânciadoseu
95 aspectoambientalnessaafirmação,paraqueomesmofosseconsideradoe
entendidopelosprodutoresrequerentesdasIG’seleitoresdesseguia,como
umaparteintrínsecaaodesenvolvimentodeseusrespectivosterritórios.
Ainda no texto do Guia para Solicitação de Registro de Indicação
GeográficaparaProdutosAgropecuários,encontra‐seaseguinteafirmação:
Objetivos da IG: As indicações geográficas são uma ferramenta coletiva de
promoção comercial de produtos onde qualidade, reputação ou outras
características devem‐se essencialmente à origem geográfica. As IG podem
proteger produtos/ regiões de falsificações e usurpações indevidas, servem
como garantia para o consumidor, indicando que se trata de um produto
especial e diferenciado. No Brasil, o MAPA tem fomentado que, para IG
agropecuárias, o ideal seria a combinação da qualidade do produto com a
ocupação harmoniosa do espaço rural, sendo também, uma ferramenta de
preservaçãodabiodiversidadealiadaaodesenvolvimentoepromoçãoregional”
(BRASIL,2008,grifodoautor).
Nessa afirmação, definida como “objetivos da IG”, encontramos uma
primeiramençãoaoaspectoambientaldodesenvolvimento,onderessalta‐
se que, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seria
ideal que nas Indicações Geográficas agropecuárias houvesse uma
combinação entre a qualidade do produto e a ocupação harmoniosa do
espaço rural, e que as IG’s também poderiam ser utilizadas como uma
ferramentaparaapreservaçãodabiodiversidadealiadaaodesenvolvimento
regional.
O texto, porém, limita‐se a essa afirmação, não fornecendo indicações
mais específicas aos produtores e requerentes das IG’s de como realizar a
ocupação harmoniosa do espaço rural e de como utilizar as IG’s como
ferramentaparaapreservaçãodabiodiversidadealiadaaodesenvolvimento
regional.Esseobjetivo,então,torna‐seapenasumasugestão,àmedidaque
nãoécondiçãoobrigatóriaparaoregistrodasIG’s.Pois,paradeixardeser
sugestão, deveria ser incluída na instrução normativa que regulamenta o
registro.
Partimos, então, para uma análise da Instrução Normativa nº25/2013,
editada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e
responsável pela regulamentação do registro da IG no Brasil. A referida
instrução normativa regulamenta as exigências para que se solicite o
registro das Indicações Geográficas junto ao INPI, conforme pode ser
observadoaseguirnoartigo6º:
Art. 6º. O pedido de registro de Indicação Geográfica deverá referir‐se a um
úniconomegeográficoenascondiçõesestabelecidasematoprópriodoINPI,
conterá:
I–requerimento(modeloI),noqualconste:
96 a)onomegeográfico;
b)adescriçãodoprodutoouserviço;
II–instrumentohábilacomprovaralegitimidadedorequerente,naformado
art.5º;
III–regulamentodeusodonomegeográfico.
IV–instrumentooficialquedelimitaaáreageográfica;
V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da
IndicaçãoGeográficaouderepresentaçãodepaís,cidade,regiãooulocalidade
doterritório,bemcomosuaversãoemarquivoeletrônicodeimagem;
VI–procuração,seforocaso,observandoodispostonosart.20e21;
VII–comprovantedopagamentodaretribuiçãocorrespondente.
Também diferencia os requisitos necessários para as duas formas de
indicação geográfica, a indicação de procedência e a denominação de
origem,conformepodeserobservadonosartigos8ºe9º:
Art. 8º. Em se tratando de pedido de registro de Indicação de Procedência,
alémdascondiçõesestabelecidasnoArt.6º,opedidodeveráconter:
a) documentos que comprovem ter o nome geográfico se tornado conhecido
comocentrodeextração,produçãooufabricaçãodoprodutooudeprestação
deserviço;
b)documentoquecomproveaexistênciadeumaestruturadecontrolesobre
os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso
exclusivo da Indicação de Procedência, bem como sobre o produto ou a
prestaçãodoserviçodistinguidocomaIndicaçãodeProcedência;
c) documento que comprove estar os produtores ou prestadores de serviços
estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as
atividadesdeproduçãoouprestaçãodoserviço.
Art.9ºEmsetratandodepedidoderegistrodeDenominaçãodeOrigem,além
dascondiçõesestabelecidasnoArt.6º,opedidodeveráconter:
a) elementos que identifiquem a influência do meio geográfico, na qualidade
ou características do produto ou serviço que se devam exclusivamente ou
essencialmenteaomeiogeográfico,incluindofatoresnaturaisehumanos.
b) descrição do processo ou método de obtenção do produto ou serviço, que
devemserlocais,leaiseconstantes;
c)documento quecomproveaexistênciadeumaestruturadecontrolesobre
os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso
97 exclusivodadenominaçãodeorigem,bemcomosobreoprodutoouprestação
doserviçodistinguidocomaDenominaçãodeOrigem;
d) documento que comprove estar os produtores ou prestadores de serviços
estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as
atividadesdeproduçãooudeprestaçãodoserviço.
Na instrução normativa apresentada, nº25/2013, podem ser
encontrados alguns indícios do aspecto ambiental do desenvolvimento,
comonoseuartigo9º:“a)elementosqueidentifiquemainfluênciadomeio
geográfico, na qualidade ou características do produto ou serviço que se
devam exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo
fatores naturais e humanos”. Aqui, pode ser subentendido que os fatores
naturais(quepodemserpercebidoscomosinônimodefatoresambientais)
são importantes na relação entre o produto e o meio geográfico, portanto,
paraaprópriaexistênciaequalidadedoproduto.
Já nos trechos “b” e “c”, do mesmo artigo, observa‐se a exigência da
elaboração do Regulamento de Uso (b) e da comprovação da existência de
estruturadecontrolepelosrequerentesdoregistrodaIndicaçãoGeográfica.
Nesse sentido, “As normas de produção são uma etapa chave no
processo de implementação de uma Indicação Geográfica. Elas devem ser
claramente descritas e passíveis de ser objeto de controle; elas são o
resultado de acordos coletivos entre os membros da região e da cadeia
produtiva (representado pela entidade requerente)”. A afirmação está
contidanolivroreferenteaoCursodepropriedadeindustrialeinovaçãono
2
agronegócio,módulo2–IndicaçõesGeográficas (BRASIL,2014,p.165).
Deacordocomosautores,
A legislação em si não estabelece minimamente os requisitos ou o que deve
conterounãoumregulamentodeuso,mas,atravésdasprópriasdefiniçõesde
IP e DO que ela apresenta, temos “dicas” sobre o que deve constar nele. O
regulamento de uso, na verdade, servirá para o controle dos produtores (ou
servidores) sobre a qualidade de seu produto (ou serviço). O que (quais os
fatores),paracadacaso,promoveaqualidadedesejada(reconhecidapelaIG)
no produto? Essa é a pergunta norteadora para a construção de um
regulamento de uso, que deverá ser definido pelas pessoas envolvidas no
processo produtivo (produtores, consumidores, pesquisadores, etc.) (BRASIL,
2014,p.167).
Assim,caberiaaosprópriossolicitantesdosregistrosdeIGestabelecer
critérios,noregulamentodeusooucontrole,porexemplo,queincluíssemo
2
Esse livro traz maiores informações acerca dos procedimentos para obtenção de registro,
dentre outras informações, que são objeto de estudo destes pesquisadores, portanto, trazem um
melhor detalhamento sobre o que deve contar no regulamento de uso e controle das indicações
geográficas.
98 aspectoambiental.
Nesse sentido, outra informação contida no livro referente ao Curso
sobreIndicaçõesGeográficaséque:
OrespeitoaoregulamentodeusodeumprodutoIGnãoliberaosprodutoresa
cumprir as regras mínimas exigidas pelos órgãos responsáveis. Também o
regulamento de uso de uma IG não pode ser apenas um resumo ou uma
enumeração das legislações em vigor. O respeito às regras exigidas pela
legislação federal, estadual ou municipal é obrigatório e não constitui um
diferencial(BRASIL,2014,p.168).
O aspecto ambiental, tanto com relação ao desenvolvimento quanto à
sua própria importância, para si e para o território, não é demonstrado e
solicitado na instrução normativa 25/2013. Conforme dito anteriormente,
talaspecto,apartirdomomentoquenãoéespecificadonalegislaçãoouem
documentooficialdeórgãosgovernamentais,seresumeaocumprimentoda
legislaçãoambientalvigente3.Nessesentido,oseupapelenquantopartedo
desenvolvimentodoterritóriodasIG’sseencontralimitado.
Emboraodocumento(dossiê)geradopelossolicitantesdasIndicações
Geográficas, como integrante do pedido de registro das IG’s junto ao INPI,
sejanormalmenteextenso,contendoemsuamaioriamaisde100páginas,as
orientações aos requerentes para pedido do registro são gerais e trazem
pouca informação específica sobre o que deve ser conteúdo do dossiê,
conforme pode ser observado no Guia (apresentado anteriormente), e
também na instrução normativa citada acima. Nota‐se que as exigências
solicitadas por essa normativa são apresentadas de forma genérica,
podendo trazer dificuldades na preparação dos documentos solicitados, se
os mesmos não forem elaborados de forma conjunta e em parceria com
especialistas e/ou institutos de pesquisa que trabalhem e tenham grande
conhecimentosobreotema.
2.2INDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOCAMINHOPARAASUSTENTABILIDADE
AMBIENTAL
Apesardafaltadenorteamentogovernamental,naformadelegislação
e/ou guias específicos, para o alcance do desenvolvimento sustentável dos
territórios,noquedizrespeitoàsIndicaçõesGeográficas,algunsterritórios
têmsedestacadoaoincorporaraspectosdasustentabilidadeambiental,de
forma voluntária ou para suprir a própria exigência de novos mercados
consumidores. Alguns autores (LOPES, 2011; SOUZA, 2006; BOWENA;
ZAPATA, 2008; SANTILLI, 2009; TRENTINE, 2009) têm se dedicado ao
3
Ver conclusões de estudo sobre a questão ambiental e IG, constantes no texto do Capítulo 3
deste livro.
99 estudodasIndicaçõesGeográficasesuarelaçãocomomeioambienteeao
desenvolvimento sustentável. Assim como também tem sido de extrema
importância as parcerias realizadas entre produtores, Universidades e
Institutos de Pesquisa, surgindo comouma das alternativas para a falta de
norteamentooferecidopelasdiretrizesgovernamentaisexistentes.
Como sugestão e alternativa à falta de norteamento para o alcance do
desenvolvimento do território, e no caso específico da sustentabilidade
ambiental,seriaincorporar,dentrodalegislaçãoe/ounoguia referente ao
registrodasIndicaçõesGeográficasalgosemelhanteaoqueseconhecepor
indicadoresdedesenvolvimentosustentável.
Um exemplo existente de indicadores de desenvolvimento sustentável
no Brasil é o elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE),cujaúltimaversãocorrespondeaoanode2012,eéchamadodeIDS
2012. Esse documento possui 350 páginas e elenca indicadores nas
dimensões:ambiental,social,econômicaeinstitucional.
No documento, os indicadores são entendidos como ferramentas que
contém duas ou mais variáveis que, ao serem associadas de várias formas,
mostram significados sobre os fenômenos a que se referem. Já os
indicadoresdedesenvolvimentosustentável,porsuavez,sãoinstrumentos
capazes de guiar ações e subsidiar o monitoramento e avaliação de um
progresso rumo ao desenvolvimento sustentável. Assim, dever ser vistos
como um meio para alcançarem o desenvolvimento sustentável, e não um
fimemsimesmo(IBGE,2012).
Nesse documento (IDS‐2012), a dimensão ambiental está relacionada
ao uso dos recursos naturais, à degradação ambiental e também aos
objetivos de preservação e conservação do meio ambiente, fundamentais
paraaqualidadedevidadasgeraçõesatuaisefuturas.Essasquestõesestão
apresentadasnostemasatmosfera;terra;águadoce;oceanos,mareseáreas
costeiras; biodiversidade e saneamento, como pode ser observado no
Quadro 1 (IBGE, 2012). Além do IDS‐2012, existem outros sistemas de
indicadoresdedesenvolvimentosustentável,como,porexemplo,oSistema
de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável do Estado de
Santa Catarina, o SIDMS. Esse sistema tem por objetivo central “facilitar o
acesso dos agentes públicos à imensa quantidade de informações
espalhadas pelas bases de dados dos órgãos públicos federais e estaduais,
além das pesquisas da própria FECAM, tratando e consolidando os
conteúdosmaisestratégicosparaosmunicípios,associaçõesdemunicípios
e aos diversos recortes territoriais usados em Santa Catarina” (SIDMS,
2014).
A incorporação de indicadores de sustentabilidade, no entanto, não
viria de forma a tornar a fase de registro “engessada” ou trazer mais
empecilhos à mesma. Ela poderia atuar esclarecendo aos próprios
100 requerentes das IG’s, quais aspectos da sustentabilidade ambiental (e
tambémeconômicaesocial),deveriamserconsideradosparaqueoproduto
pudesse colaborar de forma mais efetiva para o desenvolvimento de seu
respectivoterritório.
Quadro1.Indicadoresdedesenvolvimentosustentável(IDS‐2012)
Dimensãoambiental
Emissõesdeorigemantrópicadosgasesassociadosaoefeitoestufa
Consumoindustrialdesubstânciasdestruidorasdacamadadeozônio
Concentraçãodepoluentesnoaremáreasurbanas
Terra
Usodefertilizantes
Atmosfera
Usodeagrotóxicos
Terrasemusoagrossilvipastoril
Queimadaseincêndiosflorestais
DesflorestamentodaAmazôniaLegal
Desmatamentonosbiomasextra‐amazônicos
Águadoce
Qualidadedeáguasinteriores
Oceanos, mares e áreas
costeiras
Balneabilidade
Populaçãoresidenteemáreascosteiras
Espéciesextintaseameaçadasdeextinção
Biodiversidade
Áreasprotegidas
Espéciesinvasoras
Acessoasistemadeabastecimentodeágua
Acessoaesgotamentosanitário
Saneamento
Acessoaserviçodecoletadelixodoméstico
Tratamentodeesgoto
Destinaçãofinaldolixo
Fonte:IBGE,2012
Paraqueissoocorra,noentanto,énecessáriaaescolhadeindicadores
quetenhamrelaçãocomasIndicaçõesGeográficas,ouseja,queconsiderem
asingularidadedessesprodutos,queporsuavezpossuemforterelaçãocom
oseumeiogeográficoesocial.
101 CONSIDERAÇÕESFINAIS
A relação entre o aspecto ambiental e o desenvolvimento dos
territórios, aos quais pertencem as IG’s, não é claramente exposta na
legislação e demais documentos elaborados por órgãos governamentais
responsáveis pela orientação e normatização do registro das Indicações
Geográficas.
Muitas vezes, existem informações referentes ao aspecto ambiental
nesses documentos, mas as mesmas se encontram dispersas, não havendo
conectividade com o desenvolvimento como um todo e com as próprias
Indicações Geográficas. Nota‐se falta de clareza na demonstração da
importância deste aspecto para o desenvolvimento do território a que
pertencem essas IG’s, e também pouca informação acerca de quais são os
reais potenciais das IG’s enquanto promotoras do desenvolvimento
sustentável.Paraisso,éimportantehaverestudosquerelacionemoaspecto
ambientaldodesenvolvimentocomodesenvolvimentoemsieasIndicações
Geográficas, tendo como referência as Indicações Geográficas já existentes
noBrasil.
Também é importante que continuem sendo levantados, tendo como
referência IG’s já estabelecidas (nacionalmente ou internacionalmente), os
reais potenciais das IG’s como promotoras do desenvolvimento do
território, relacionando‐os com o aspecto ambiental do desenvolvimento,
paraqueosresultadosdessesestudospossamserutilizadoscomosubsídios
para elaboração de legislação e documentos relacionados às Indicações
Geográficas.
Osindicadoresdedesenvolvimentosustentávelpoderiamsurgir,então,
comoumaalternativaàfaltadeclarezadasexigênciasatuaisdoINPIparao
registro das IG’s. Esses indicadores teriam a função de nortear os
requerentesdaIGnabuscaportransformá‐la,efetivamente,emferramenta
potencializadoradodesenvolvimentodeseuterritório.
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.
104 CAPÍTULO6
ALTERNATIVASDEDESENVOLVIMENTONO
MUNICÍPIODECANOINHAS(SC):UMESTUDOA
PARTIRDOMANEJODEFRAGMENTOSDE
FLORESTAOMBRÓFILAMISTAESUARELAÇÃO
COMAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA1
LauroWilliamPetrentchuk‐UnC
JairoMarchesan‐UnC
ValdirRoqueDallabrida‐UnC
INTRODUÇÃO
As discussões formadas em estudos de Indicações Geográficas (IG’s) e
de desenvolvimento sustentável possuem desafios imensuráveis,
envolvendo múltiplas faces, com o dever de agregar diferentes grandezas
como a social, ambiental, cultural e econômica Conforme Sander (2014, p.
12):“Aindicaçãogeográficatemsidoumtemadiscutidoporpesquisadores
como instrumento que valoriza territórios [...]. Junto a essa valorização[...]
surge uma corrente amparada na sustentabilidade e na preservação de
diferentesambientes”.
Otextotemopropósitodeapresentarapaisagemnaturaldoterritório
deCanoinhas‐SC,ondeaFlorestaOmbrófilaMistasedesenvolve,propondo
a valorização dessa paisagem para os processos de IG da erva‐mate, por
meio de potenciais fontes de desenvolvimento econômico oriundos do
manejo florestal, que consiste em “administrar a floresta” para a obtenção
de seus serviços nos âmbitos sociais, econômicos e ambientais, dando
respaldoaosmecanismosdesustentaçãodoecossistema.
Diariamente, observa‐se uma crescente necessidade de programas e
políticas públicas que ajustem a conservação das florestas aos anseios da
sociedade, por produtos e serviços ou, ainda, pelo espaço que as florestas
ocupamconcorrendocomoutrosusosdaterra.Aproduçãodeinformações
sobrerecursosflorestaisémuitoimportanteparaindicarasformulaçõesde
políticas que incidem sobre regiões agrícolas, influenciando os padrões de
usodaterrapelapopulação.Nestetextopretendemosfazeralgunsaportes
sobreotemaemreferência,alémdeindicativosdepolíticaspúblicas.
1
Texto apresentado no II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. Faz
parte também dos estudos realizados quando da execução do Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, com financiamento
da FAPESC.
105 CARACTERIZAÇÃODAMATAATLÂNTICA
A Mata Atlântica abrange um conjunto de formações florestais,
constituído de campos naturais, manguezais, restingas e outros tipos de
vegetação de grande biodiversidade. “Quando os primeiros europeus
chegaram ao Brasil em 1500, a mata atlântica cobria 15% do território
brasileiro; [...] existem hoje [apenas] 27% de remanescentes, incluindo
vários estágios de regeneração [...]” (CAMPANILI e SCHAFFER, 2010).
Mesmofragmentadaecomumareduçãoconsideráveldesuaáreaoriginal,
estima‐se que a Mata Atlântica possua algo entre 33% e 36% de todas as
espéciesvegetaisexistentesnoBrasil.ComparadacomaAmazônia,aMata
Atlântica oferece, proporcionalmente ao seu tamanho, maior diversidade
biológica. Campanili e Schaffer (2010, p.05) lembram que “[...] a Mata
AtlânticaéumHotspot,umaáreadealtabiodiversidadeeendemismoeao
mesmotempoaltamenteameaçadadeextinção”.
AFLORESTAOMBRÓFILAMISTA(FOM)
A Floresta Ombrófila Mista (FOM) é também conhecida como mata de
araucária, mata de pinhais ou floresta com araucária, perfazendo um
ecossistema que acolhe grande variedade de espécies. É um ecossistema
oriundo de uma formação florestal integrante do bioma Mata Atlântica.
Medeiros(2002,apudSCHAFFERePROCHNOW,2002,p.15)assimadefine:
“Sua feição é caracterizada por dois estratos arbóreos ‐ um superior,
dominado pelo [...] pinheiro brasileiro, que confere à floresta um desenho
exclusivo, e outro inferior, dominado por variedades como a canela e a
imbuia”.Emboraaindasejacaracterísticaaexistênciadeestratosarbustivos
no sub‐bosque (Figura 01) com predominância de espécies como a Ilex
paraguariensis(erva‐mate),aDiksoniasellowiana(xaxim)entreoutras.
Figura01–PerfilesquemáticodestacandoaestruturadeumsegmentodeFlorestaOmbrófilaMista
Fonte:Fupef(1990).
106 Asquasedizimadaseextensasáreasdessesistemaflorestal,quesefazia
presente no planalto sul‐brasileiro, eram mescladas por áreas de campos.
Segundo o IBGE (2012), atualmente existem quatro formações da FOM.
Aluvial: em terraços antigos associados à rede hidrográfica; Submontana:
constituindo disjunções em altitudes inferiores a 400 metros; Montana:
situada aproximadamente entre 400 e 1000 metros de altitude; e
Altomontana:compreendendoasaltitudessuperioresa1000metros.
FLORESTAOMBRÓFILAMISTAMONTANA
Essa formação está preservada em poucos locais, principalmente no
planalto acima de 500 metros de altitude (Figura 02), nos estados do
Paraná,SantaCatarinaeRioGrandedoSul(IBGE,2012.p83).
AonortedoEstadodeSantaCatarinaeaosuldoEstadodoParaná,opinheiro‐
brasileiro ou pinheiro‐do‐paraná estava associado à imbuia (Ocotea porosa),
formandoagrupamentosbemcaracterísticos;atualmentegrandesagrupamen‐
tos gregários foram substituídos pelas monoculturas de soja e trigo,
intercaladas(IBGE,2012,p.83).
É nessa formação que se encontra inserido o município de Canoinhas
(SC) e onde os remanescentes florestais são de interesse principal desta
pesquisa.
Figura02‐PerfilesquemáticodaFOM
Fonte:IBGE(2012)apudVeloso,RangelFilhoeLima(1991).
Distribui‐se, portanto, sobre o Planalto catarinense, em altitudes que
variamde500a1.800metros.Caracteriza‐seprincipalmentepelapresença
do pinheiro brasileiro, destacando‐se no dossel, formando uma paisagem
muito peculiar. Existem hoje 27% de remanescentes, incluindo vários
estágiosderegeneração[...](CAMPANILIeSCHAFFER,2010).
107 Os estudos dos remanescentes florestais da FOM do Estado de Santa
Catarina (Figura 03) são decorrentes do mapeamento da Fundação SOS
Mata Atlântica realizado no ano de 2008, registrando uma cobertura
florestal remanescente da Floresta Ombrófila Mista de 13.741,03 Km², ou
seja,24,4%dasuaáreaoriginal5.2
Figura03–MapadosremanescentesflorestaisdaFOMemSC.
Fonte:IFFSC(2013)adaptadodeSOSMataAtlântica(2009).
DEGRADAÇÃODAFLORESTAOMBRÓFILAMISTA
A crescente colonização do sul do país por europeus e o avanço da
fronteira econômica sobre muitas áreas cobertas da Floresta Ombrófila
Mista e, consequentemente, a sua destruição aconteceu com maior
intensidade durante todo o século passado, motivada por questões
comerciaisdeexploraçãodopinheirobrasileiro.SegundoVibrasetal.(2012,
p.158),“emrazãodesuamadeiradeótimaqualidadeevaloreconômico,[...]
juntamente com outras espécies, como canela e cedro, foram exploradas
pelaindústriamadeireiraduranteboapartedoséculoXX”.ConformeIBAMA
(2003;THOMÉ,1995apudMARQUES2007,p.53), “[...]noiníciodoséculo
passado,[...]foiinstaladanonortecatarinense,nomunicípiodeTrêsBarras,
5 Considerando um conjunto de parâmetros estatísticos e os trabalhos de campo do Inventário
Florístico e Florestal de Santa Catarina (IFFSC), é possível afirmar, baseado no mapeamento
do Atlas 2008 (Fundação SOS Mata Atlântica, 2009) e com probabilidade de 95%, que a
cobertura florestal era de 13.741.03Km² (equivalente a 24,4% da área original) com intervalo
de confiança entre 12.350,40 e 15.170,13Km² (equivalente a uma cobertura florestal entre
21,9% e 26,9%) para um nível de probabilidade de 95%). Fonte: Vibrans et al (2013).
108 a serraria da Souther Brazil Lumber & Colonization Company’ (Lumber) na
épocaconsideradaamaiorserrariadaAméricadoSul,quechegouaserrar
aproximadamentetrezentosmetroscúbicosdearaucáriapordia”.Marques
(2007,p.53)complementa:
A ação desta empresa foi uma das principais causas do desencadeamento da
“GuerradoContestado”,umdosmaioresemaisviolentosconflitosbrasileiros.
A exploração madeireira pela Lumber durou até 1940, quando o governo
federalincorporouaempresaepartedesuasáreasdeterras,masaexploração
predatória da Floresta com Araucárias continuou através de inúmeras
serrariasnacionais.
Aindústriaervateiramovimentoucomgrandeintensidadeaeconomia
desseterritórioduranteasprimeirasdécadasdeemancipaçãopolítica,entre
1911 e 1930, juntamente com a exploração madeireira. Nessa situação, a
base econômica do município de Canoinhas era fundamentada em dois
principais produtos oriundos da floresta nativa: um produto florestal não
madeireiro, a erva‐mate, e outro produto florestal, as madeiras nobres de
araucária,imbuia(Ocoteaporosa),canelapreta(Ocoteacatharinensis),cedro
rosa (Cedrela fissilis) e bracatinga (Mimosa scabrella), as quais eram
utilizadasparafabricaçãodemóveis,pisosetambémparaaconstruçãocivil.
Outras espécies não‐madeiráveis comuns nesse território, como o Xaxim
(Diksonia sellowiana), exploradas como produtos secundários, sofreram
uma grande redução em suas reservas naturais (NASCIMENTO et al., 2001
apudVIBRANSetal.,2013,p.146).
Portanto, a extração de madeiras nativas regionais ocorreu de forma
intensivaesistemáticadesdeoiníciodoséculopassado.Consequentemente,
oterritóriodoPlanaltoNorteCatarinense,maisespecificamenteomunicípio
deCanoinhas,sofreuumretrocessoeconômiconasdécadasde1980e1990.
Após a estagnação desse ciclo econômico‐florestal, o espaço rural regional
foi alvo de atividades agrícolas em larga escala, predominantemente de
monoculturas, especialmente a fumageira, de grãos e de reflorestamentos
comespéciesexóticas(pinuseeucaliptos),alterando,assim,maisumavez,o
cenáriodapaisagemregional.
As causas da mudança desse cenário podem ser consideradas como
consequências da globalização política econômica em curso, calcada em
mercadoscompetitivos,economiadeextrativismo,entreoutros.Entende‐se
porglobalizaçãoomovimentopolítico‐econômicoqueabrangeváriasáreas
do globo terrestre impondo regras e sistemas de produção, circulação,
acumulação e dominação através da lógica capitalista. Essa lógica destrói
identidades físicas, sociais, políticas e econômicas, impactando
negativamente sobre as diferentes formas de vida, principalmente na
destruiçãodosrecursosnaturais.
A globalização propõe pseudomaneiras de “integração” das mais
109 diferentes áreas do globo terrestre, atuando na perspectiva que melhor
convenhaaosinteressesdecirculação,acumulaçãoedominaçãocapitalista.
Portanto, de maneira geral, pode‐se afirmar que o processo relatado
interferiunaidentidadefísica,ambiental,políticaeeconômicaregional.
Superado esse ciclo, torna‐se necessário investigar novas alternativas
para o município, resgatando os restos genéticos dos remanescentes da
floresta e analisar as possíveis potencialidades econômicas para esse
território.
AFLORESTAEALEGISLAÇÃO
O Código Florestal, Lei Federal 4.771 de 1965, atualmente revogado
pelo novo Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651, de 2012, dispõe sobre a
proteção da vegetação nativa e obriga a recompor e/ou preservar 20% de
suas propriedades como reserva florestal legal, além das áreas de
preservação permanente (APP's). Essa “obrigação” é, por vezes, rejeitada
pelos proprietários rurais, pois, aparentemente, torna improdutiva uma
parceladeáreasignificativaemsuaspropriedades.
A legislação prevê, também, uma determinada área da propriedade,
paraapreservaçãoambiental.TaláreaédenominadadeReservaLegal(RL),
que é a área pertencente a cada propriedade particular onde não é
permitidoodesmatamento,masquepodeserutilizadaemformademanejo
sustentado.
A Reserva Legal é uma área prescrita na legislação ao uso sustentável
dosrecursosnaturais,destinadaàconservaçãoereabilitaçãodosprocessos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo da fauna e flora
nativa.NaregiãosuldoBrasil,ondeexisteaMataAtlântica,areservalegalé
de20%decadapropriedade.ConformeaLei12.651,de25demaiode2012,
tem‐se:
[...] Art. 20. No manejo sustentável da vegetação florestal da Reserva Legal,
serão adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo
sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo
sustentávelparaexploraçãoflorestalcompropósitocomercial.
Conforme Blum e Oliveira (s.d. apud SANTOS, 2008, p. 09), “[...] é de
grande importância a busca de meios para transformar a conservação de
fragmentos florestais na forma de reserva legal em atividades que gerem
benefíciosdiretoseindiretosaosproprietáriosrurais,tornando‐adesejável
paraestes”.
110 ALTERNATIVASDEUSODAFLORESTA
Ao se considerar apenas a superfície florestal da propriedade, surgem
limitesdaculturarural,privilegiandoatividadesagrícolasepecuáriaseem
escalaaflorestaéconsideradaumobstáculo,poucoounadaacrescentando
à renda familiar. Para mudar esse cenário, algumas ações podem ser
adotadasnointuitodemelhorarascondiçõesdeproduçãoereproduçãodos
proprietários no espaço rural. As áreas de Reserva Legal e Preservação
Permanente garantem o patrimônio florestal nativo dentro das
propriedades rurais, com seus múltiplos benefícios. Nessas áreas o
proprietárioruralouagricultorpoderáobternovasfontesderendaatravés
de vários produtos provenientes desses remanescentes, podendo manejar
osrecursosnaturaisdapropriedaderuralcomadiversificaçãoderenda.
Paraquesejapossívelmanejaraflorestanatural,énecessárioincrementarsua
rentabilidade,oquedepende,basicamente,dequatrofatores:a)produtividade
da floresta (sítio, estado de conservação, estágio de desenvolvimento); b)
produtividadedasatividadesdecolheita,sejaeladeprodutosmadeiráveisou
não madeiráveis (organização e planejamento, habilidade, força); c)
infraestrutura (caminhos, acessos, rotas, equipamentos); d) mercados
(produtosepreços)(ROSOT,2007,p.80).
Rosot (2007, p. 80) afirma que “[...] a floresta funcional precisa de
manejosilvicultural".Omanejopossibilitaamelhoriadaflorestaemtermos
de estrutura e, consequentemente, pode gerar benefícios às famílias que
sobrevivem no espaço rural, oportunizando novas dinâmicas e ganhos
ambientais,econômicosesociais.Umadasalternativasdedesenvolvimento
daspropriedadesruraiscomintençãodevaloraçãodaflorestaéautilização
dosrecursosouprodutosflorestaisnãomadeireiros(PFNM).OsPFNMsão
os diversos recursos naturais disponíveis em todas as formações florestais
existentes.Historicamente,foramextraídoseutilizadosparadiferentesfins:
econômicos, saúde, ornamental, entre outros. Entre os produtos florestais
não madeiráveis, destacam‐se as plantas medicinais, extratos, frutas,
sementes,cipós,cortiças,fibras,resinas,taninos,óleos,etc.Muitosdelessão
amplamente utilizados em processos de produção industrial ou artesanal,
cujademandaécrescente.
ConformeBentes‐Gama(2006,p.11):
A possibilidade de gerar bens e serviços ambientais e econômicos com a
conservação das florestas naturais vem incentivando novos mercados. Um
exemplo disso está na demanda das indústrias nacionais de cosméticos que
procuramutilizarmatérias‐primasvegetaisinovadorasemseusprodutos,cuja
produção, além de estar vinculada ao compromisso de conservação da
biodiversidade, também proporciona a geração de trabalho e renda em
comunidadesenvolvidascomoextrativismo.
111 Segundo Nasser (2000, apud BENTES‐GAMA et al., 2006, p. 11),
“estudos em economia regional estão ligados à necessidade de
conhecimento das especificidades regionais enquanto bases produtivas ou
dinâmicas”. Essas novas bases produtivas referem‐se aos produtos não
madeiráveis que podem ser extraídos da floresta como possibilidades de
manejo florestal sustentado. Apesar de a Floresta Ombrófila Mista possuir
grandepartedessesprodutos,muitosnãosãodisseminadosnaculturalocal
e, de maneira geral, são desconhecidos por muitos proprietários rurais.
Embora se conheça a erva‐mate, o pinhão, entre outros produtos não
madeiráveis utilizáveis, existem muitos mais, possivelmente ainda
desconhecidos,quepodemguardarenormespotenciaiseconômicos,sociais
eambientais.
Alémdisso,taisprodutos naturais(PFNM)podemsuprirnecessidades
desobrevivênciaeproduçãoeconômicadohabitanterural.ParaItto(1988,
apudBRAZetal.,2005,p19),“[...]osprodutosnãomadeiráveisgeralmente
sãobaseparaaproduçãoartesanaleindustrialdepequenaescala,alémde
gerar empregos, considerando que a exploração requerida exige intensa
mãodeobra”.
Várias são as espécies nativas que fornecem algum tipo de alimento,
entreelasasdafamíliaMyrtaceae,quesãoasmaisencontradasnasáreasde
Floresta Ombrófila Mista no Planalto Norte Catarinense: pitanga (Eugenia
uniflora), guabiju (Myrcianthes pungens), guabiroba (Campomanesia
xanthocarpa), cerejeira (Eugenia involucrata), araçá (Psidium cattleianum),
jaboticaba (Myrciaria trunciflora), uvaia (Eugenia pyriformis), grumixama
(Eugeniabrasiliensis),araticum(Annonacacans),ingá‐feijão(Ingácapitata),
entreoutras.Alémdessas,outrassãopotenciaisparaodesenvolvimentode
PFNM como a guaçatunga (Casearia decandra), a araucária, através dos
pinhões,eapalmeirajerivá(Syagrusromanzoffiana).
Aflorabrasileira,demodogeral,nãoproduzmuitasespéciesdefrutas
comercialmente viáveis. Por isso, muitas espécies frutíferas somente são
conhecidas na sua região de origem, embora possam gerar uma demanda
local pelos produtos e subprodutos delas advindos. Determinadas plantas
são ricas fontes de substâncias orgânicas de interesse científico e
tecnológico.Taissubstânciassãoconhecidascomometabólicossecundários
e encontram‐se distribuídas por toda a planta. Muitas delas desempenham
importantepapelreguladordedesenvolvimentodomecanismodedefesado
corpo humano e na reprodução da espécie para fins comerciais
farmacêuticos. Quanto maior a diversidade biológica de uma determinada
floresta, maior será a sua diversidade química, podendo‐se citar a Mata
Atlânticacomoumdosmaisricossistemasbiológicosdomundo.
112 CONSIDERAÇÕESFINAIS
AFlorestaOmbrófilaMistaregionalsofreugrandeintervençãohumana
eintensaexploraçãoeconômicadesdeoiníciodoséculopassadoatravésdo
processodecolonização,extraçãoebeneficiamentodamadeira.
A implantação de Unidades de Conservação (UC), o controle da
expansão de espécies exóticas, a criação de políticas públicas específicas
voltadas ao manejo múltiplo de recursos florestais não madeiráveis e o
incentivo a novas pesquisas de tecnologias para melhor uso e conservação
dessafloresta,entreoutras,sãoaçõesesugestõesquepodemserpensadas,
articuladaseatéimplantadas,nointuitodeproteçãodosremanescentesda
florestanativaregional.
No âmbito das IG’s, o contraste com o desenvolvimento sustentável
devebuscarinclusãodefatorescomoadiversidadesculturalehistóricado
local, resgatando o valor do “Contestado”, além de promover um
crescimento equilibradocomajustiçasocial,egestãode recursosnaturais
dapaisagemlocallançadostambémaparticipardaaçãodeIG.Aestratégia
primordialparaumbomaproveitamentodapaisagemnaturaldomateesua
valorização no processo de IG deve primar o estabelecimento de um
aproveitamento inteligente e sustentável da floresta em benefício das
populaçõesresidentesnoterritório.
A valorização de espécies endêmicas e produtos associados erva‐mate
sãodetalhesquesefazemessenciaisparavalorizaçãodessapaisagemúnica.
Algumas delas, como o Caraguatá (Bromelia antiacantha), desempenham
uma papel fundamental na paisagem com grande apelo paisagístico e
também potencial medicinal, além de muitas outras espécies que são
associadas a erva‐mate na fitossociologia florestal e também podem servir
desubsídiosnavalorizaçãodapaisagemenaconquistadaIGdaerva‐mate
através do aproveitamento dos frutos para fabricação de sucos, geleias,
polpacongeladaeatémesmoacomercializaçãodofrutoinnaturanocaso
dopinhão.
Sugere‐seautilizaçãosustentáveldaFlorestaOmbrófilaMista,istoé,o
manejoadequadodosprodutosflorestaisnãomadeireiros.Éindispensável
também considerar futuras investigações sobre a temática, além de
fortaleceraspolíticaspúblicasruraiscomincentivosàadoçãodeprodução
agrícola no modelo de Sistemas Agroflorestais, aliando a produção de
alimentos. Outra possibilidade a ser considerada nas estratégias de
desenvolvimento são os pagamentos por serviços ambientais oferecidos
pelos fragmentos da FOM, tais como o sequestro de CO², a polinização e a
manutençãoderecursoshídricos.Esseressarcimentoaosprodutoresrurais
estáprevistonoatualcódigoflorestaleasuaexecução(ounão)dependedo
poderpúblico.
113 Os remanescentes florestais na forma de Reserva Legal e Áreas de
Preservação Permanentes podem viabilizar economicamente as
propriedades rurais através da produção de bens e serviços, além da
conservação da biodiversidade. Por essa razão, os fragmentos de
remanescentes da floresta nativa regional em forma de Reserva Legal e
Áreas de Preservação Permanente não podem ser considerados áreas
“improdutivas”,ou,porvezes,entendidosemantidosapenasporexigência
da legislação ambiental, mas como possibilidade de exploração econômica
sustentável.
Em estudos3já realizados anteriormente (SANDER, 2014), a dimensão
ambientaldeconservaçãodapaisagemnaturalnãoévistacomoprioridade,
alémdemostrarqueanãopreocupaçãoeacorretautilizaçãodosrecursos
naturaisnãoévalorizadanaproduçãodosprodutoscomselodeIG.Ofatoé
que não faz sentindo a conquista de um registro de IG para um produto
exclusivo oriundo de uma paisagem singular e de uma espécie endêmica
sem a conservação e valorização desta paisagem da qual a rica matéria‐
primachamadaerva‐matefazparte.
Assim,deve‐sezelarpelapreservaçãodocapitalnatural,nãolimitando
os usos da floresta, mas desenvolvendo estratégias seguras para as suas
fragilidadescomooavançodaagricultura,oumonoculturassilvícolas.AIG
pode ser um excelente recurso de integração entre desenvolvimento e
sustentabilidadeambientalpara aflorestaombrófilamista,desdequeatue
intrinsicamente com os atores locais, a sua capacidade de resiliência,
atividadeseconômicasevalorizaçãoculturalehistórica.
REFERÊNCIAS
BENTES‐GAMA, M. DE M.; LIMA, P.T. N. A.; OLIVEIRA, V.B.V. Recursos florestais não
madeireiros – experiência e novos rumos em Rondônia. Porto Velho‐RO: Embrapa
Rondônia,2006.16p.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Institui o Novo Código Florestal
Brasileiro. Diário Oficial da União ‐ Seção 1 ‐ 28/5/2012, Página 1. Brasília – DF.
Disponívelem:2012.Acessoem20dejan.de2013.Ás18he06m.
CAMPANILI, M.e SCHAFFER, W.B. Mata Atlântica: Manual de adequação ambiental.
Brasília‐DF:MMA/SBF,2010.
FUPEF. Levantamento Fitossociológico das Principais Associações Arbóreas da
FlorestaNacionaldeTrêsbarras.Curitiba:ConvênioIBAMA‐FUPEF,1990.
IBGE‐ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual Técnico da Vegetação
Brasileira. V. 1, 2.ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. (Série Manuais Técnicos em
Geociências)
114 MARQUES,A.PlanejamentodapaisagemdaflorestanacionaldeTrêsBarras(Três
Barras – SC): Subsídios ao plano de Manejo. Curitiba: UFPR, 2007 (Dissertação de
Mestrado).
ROSOT, M. A. D. Manejo florestal de uso múltiplo: uma alternativa contra a extinção
comflorestacomaraucária?Colombo–PR:Embrapa,2007.
SANDER, S. D. A Indicação Geográfica como contributo para o desenvolvimento
Sustentável: Uma análise a partir de experiências brasileiras no setor vinícola.
2014. Canoinhas‐SC: Universidade do Contestado, 2014 (Dissertação de Mestrado.
ProgramadeMestradoemDesenvolvimentoRegional).
SANTOS, F. B. Estudo e caracterização de essências nativas para utilização em
sistemas silvipastoris nas pequenas propriedades familiares do Bioma Mata
Atlântica.Florianópolis–SC:2008
SCHAFFER,W.B;PROCHNOW,M.AMataAtlânticaeVocê:comopreservar,recuperare
sebeneficiardamaisameaçadaflorestabrasileira.Brasília:Apremavi,2002.156p.
VIBRANS,A.C;etal.InventárioFlorísticoeFlorestaldeSantaCatarina:diversidadee
conservaçãodosremanescentesflorestais.Vol.1.Blumenau‐SC:Edifurb,2012.
VIBRANS, A.C; et al. Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina: Floresta
OmbrófilaMista.Vol.3.Blumenau‐SC:Edifurb,2013.
115 CAPÍTULO7
SIGNOSDISTINTIVOSEPOTENCIAISBENEFÍCIOS
AODESENVOLVIMENTOTERRITORIAL1
SuelenCarls‐UFSC
LilianaLocatelli‐UFSC
LuizOtávioPimentel‐UFSC
1.INTRODUÇÃO
A gestão do território, com todos os elementos que o compõem, pode
gerarativostangíveiseintangíveis.Considerandoanaturezajurídicadesses
ativos, comumente, os indivíduos tendem a valorizar e a reconhecer com
maior facilidade os ativos tangíveis, os quais ainda representam a forma
preponderantedefomentaraeconomiaegarantirosustentodasfamíliasali
inseridas.
Diantedeumatendênciacrescentedevalorizaropatrimônioimaterial
vinculado aos territórios, especialmente por influência europeia,
vislumbram‐se novas perspectivas sobre instrumentos que possam
fomentarodesenvolvimentoterritorial.
Dentre esses instrumentos, estão os signos distintivos, institutos que
permitemumamaiordiferenciaçãodosprodutoseserviçosnomercadode
consumo, bem como podem propiciar a gestão coletiva dos ativos
intangíveis advindos da exploração de atividades econômicas ligadas ao
território.Portanto,aabrangênciadoestudofoidelimitadacomointuitode
secompreenderessessignosdistintivosapartirdesuanaturezajurídicae
formas de proteção, perpassando exemplos estabelecidos na realidade
brasileira, até mesmo a possibilidade de coexistência de mais de um signo
paraamesmaatividadeouprodutoesuaspotencialidadeseconômicas,sem
esquecerdosaspectosrelevantesvinculadosàquestãoterritorial.
Paraaconstruçãodosargumentos,foirealizadaintroduçãorelacionada
aoterritório,seguidadeumaanálisenormativaedasmarcasdeprodutose
serviços, marcas coletivas e de certificação e indicações geográficas,
finalizada com uma apreciação formal desses institutos como potenciais
instrumentos de valorização e proteção dos respectivos ativos intangíveis
1
O presente texto se integra aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio
financeiro da FAPESC.
117 com vistas a fomentar a economia de determinadas regiões e promover o
desenvolvimentoterritorial.
A metodologia utilizada adota a abordagem qualitativa, com enfoque
indutivo na análise das informações, baseada em pesquisa bibliográfica
secundária de livros, artigos, legislação, dados estatísticos disponibilizados
por órgãos governamentais ou privados e outros materiais pertinentes
sobreotema.
2.TERRITÓRIO
A ideia de localidade assumiu, nas últimas décadas, um papel de
protagonista nas questões vinculadas ao desenvolvimento da atividade
produtiva, inclusive no que diz respeito às estratégias utilizadas pelas
próprias empresas, individual ou coletivamente (CALDAS; CERQUEIRA;
PERIN,2005).
Issoconduzaconsiderarqueodesenvolvimentoditoterritorializadose
torna ponto de partida para a construção de uma nova dimensão do setor
produtivo: a dimensão espacial, de um desenvolvimento localizado no
território, cujo referencial é pensado justamente a partir da delimitação
territorial.
Trata‐se de desenvolvimento a partir da utilização dos ativos
disponíveis em determinado ponto do território: ativos tangíveis e
intangíveisque,umavezutilizadosporempresas,individualouemconjunto
com a comunidade, permitem uma requalificação (positiva) do território,
gerandodesenvolvimento.
Nessecontexto,oterritório,évistocomoberçoehabitatdareprodução
dasrelaçõessociaisdeprodução.Dessaforma,Santos(1977,p.87),aponta
que:
Os modos de produção tornam‐se concretos sobre uma base territorial
historicamentedeterminada.Destepontodevista,asformasespaciaisseriam
umalinguagemdosmodosdeprodução.Daí,nasuadeterminaçãogeográfica,
seremelesseletivos,reforçandodessamaneiraaespecificidadedoslugares.
Dallabrida(2006,p.161),aseutempo,afirma:
O conceito território refere‐se a uma fração do espaço historicamente
construída através das interrelações dos atores sociais, econômicos e
institucionaisqueatuamnesseâmbitoespacial,apropriadaapartirderelações
de poder sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais
ou religiosas, emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos,
instituiçõesouindivíduos.
Nessaseara,aconcepçãodedesenvolvimentoterritorialéamaisampla
concepção de desenvolvimento entre aquelas que se coadunam com a
118 2
perspectiva do espaço geográfico, ou seja, a dimensão espacial . É um
conceitoqueseassociaaideiadecontinenteenãodeconteúdo.Enele,no
território,“[...]équalquerrecortedasuperfícieterrestre,masnemtodosos
territórios são de interesse igual a partir da perspectiva do
desenvolvimento”(BOISER,2006).
É nesse sentido que Franco (2002, p. 72) observa que: “[...] o
desenvolvimento de uma localidade depende de, entre inumeráveis outros
fatores, sempre de dois fatores: o capital social e humano existentes no
ambientedassuasrelações”.
Anjos et al. (2013) compartilham pensamento semelhante e afirmam
que o território exige interação social para se desenvolver. Logo não deve
ser entendido apenas como um conjunto de recursos materiais, mas,
principalmente, a partir da forma como pessoas e organizações nesse
território se comportam em relação aos recursos e os utilizam. Portanto, é
peremptório estabelecer pactos para a geração de benefícios, do
desenvolvimento.
3
Assim é que a ideia do capital social faz enxergar que indivíduos não
agem de maneira isolada, nem independentes são seus objetivos e seu
comportamento nem sempre se traduz em egoísmo. É por isso que “[...] as
estruturassociaisdevemservistascomorecursos,comoumativodecapital
queosindivíduospodemdispor”(ABRAMOVAY,2003,p.86).
Nessecenário,açõesparaodesenvolvimentoegestãodoterritóriosão
pensadastantoapartirdeativostangíveiscomodeintangíveis,sejameles
utilizados isolada ou conjuntamente. Particularmente em um país de
dimensõescontinentaiscomooBrasil,noqualsepercebeumavariadacarga
cultural,autilizaçãodessesrecursos,segeridoscomobjetivosclaros,pode
render frutos nos mais diversos campos, como o econômico, o social e o
cultural,propriamentedito,apartirdoestímuloàpreservaçãoepromoção
dasidentidades.
É nesse horizonte que se encontram, entre outras possibilidades, os
signosdistintivos,partedosdireitosdapropriedadeintelectualqueobjetiva
diferenciar empresas, produtos e serviços a partir de marcas, marcas
coletivas, marcas de certificações e indicações geográficas, a depender do
caso. A utilização desses signos, combinada a um projeto de gestão
abrangente do território, é capaz de gerar benefícios e promover a
2
Incluídas nesse contexto também as concepções de desenvolvimento local e regional.
Conforme Bourdieu (1989) pode-se dizer a respeito do capital econômico que, sob a forma
dos diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens
econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais) é acumulado, reproduzido e ampliado por
meio de estratégias específicas de investimento econômico e de outras relacionadas a
investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de relações sociais que podem possibilitar
o estabelecimento de vínculos economicamente úteis, a curto e longo prazo.
3
119 cooperaçãoentreempresas,pessoasecoletividades.Essaideiaseresumeà
capacidade de articulação das forças produtivas, culturais e sociais de um
território, guiada por um mesmo propósito: o desenvolvimento do
território.
3.SIGNOSDISTINTIVOSESUAREGULAMENTAÇÃOJURÍDICA
Para uma gestão apropriada dos signos distintivos compreendidos em
determinado território, é imprescindível conhecer a regulamentação
jurídicadosinstitutos.Aexistênciaderegrasclaraseodomíniodasmesmas
setraduzememconfiançanaproteçãodapropriedadeintelectualefazcom
que se forme um ciclo de aprendizado e desenvolvimento, no qual os
vínculos se fortalecem. Nesse sentido, a existência de normas nacionais
coerentes em matéria de propriedade intelectual é de elevada importância
paraofomentododesenvolvimentoapartirdaproteçãojurídicadosativos
intangíveiscompreendidosnessaespéciedepropriedade.
3.1MARCAS
As marcas representam uma categoria múltipla de signos distintivos
compreendidos nos direitos de propriedade intelectual: podem ser marcas
deprodutoouserviços,marcasdecertificaçãooumarcascoletivas.
ALein.9.279/1996prescrevequesãoregistráveiscomomarcaos“[...]
sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas
proibiçõeslegais”,eespecifica(BRASIL,1996):
Art.123.ParaosefeitosdestaLei,considera‐se:
I ‐ marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou
serviçodeoutroidêntico,semelhanteouafim,deorigemdiversa;
II ‐ marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um
produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas,
notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia
empregada;e
III ‐ marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços
provindosdemembrosdeumadeterminadaentidade.
Conceitualmente,Bruchetal.(2014,p.80)esclareceque:
Marcas são signos nominativos, figurativos, mistos ou tridimensionais,
destinados a identificar e distinguir determinados produtos ou serviços de
outros, de procedência diversa. Para que o signo possa ser registrado como
marcaénecessárioqueosrequisitosdanovidade,distinguibilidade,aindaque
relativa,edalicitudeestejampresentes.
120 As marcas têm por função precípua diferenciar visualmente produtos
ou serviços de outros, semelhantes ou idênticos, disponíveis no mercado
consumidor.Nessacategoriaatitularidadepodepertencerapessoafísicaou
4
jurídica,estaúltimadedireitopúblicoouprivado .
Já as marcas de certificação são signos distintivos cuja titularidade
pertence à pessoa física ou jurídica obrigatoriamente sem relação e/ou
5
interesse com o produto ou serviço a ser certificado . A origem desses
produtos ou serviços não guarda, necessariamente, vínculo geográfico
específico, apenas exige‐se que se atenda aos padrões estabelecidos pela
entidadecertificadora.
Emdiferentestermos,asmarcasdecertificação:
[...] são usadas para atestar a conformidade de um produto ou serviço com
determinadas normas, especificações técnicas ou padrões de identidade e
qualidade.Otitulardamarcadecertificaçãoéumterceiroqueverificaseum
produto ou serviço foi elaborado conforme o regulamento por ele criado. Se
aprovado,permiteautilizaçãodosignoqueidentificaestacertificação(BRUCH
etal.,2014,p.83).
Diferentesituaçãoéverificadanoquedizrespeitoàsmarcascoletivas.
Nessa espécie, a titularidade pertence a uma entidade coletiva
representativadeumgrupodeprodutoresouprestadoresdeserviçoquese
6
unem com um propósito comum . Nesse caso, apenas os que estiverem na
condição de associados e que respeitarem as normas coletivamente
estabelecidas poderão se utilizar da marca coletiva e sua representação
gráfica.
SegundoexpõemBruchetal.(2014,p.82):
A marca coletiva identifica produtos ou serviços provindos de membros de
uma determinada entidade. Esse tipo de marca também tem uma função
diferenciadora. Ela pode ser utilizada por Associações ou Cooperativas, por
exemplo, cujos associados ou cooperados elaboram produtos que são
disponibilizadosnomercadocomumamesmamarca.Issopodegarantiruma
maior visibilidade e força à marca, o que não aconteceria se cada um dos
associadosoucooperadosutilizasseumamarcaprópria.
Oportuno mencionar que a marca (de produto ou serviço), a marca
coletiva,amarcadecertificaçãoeaIndicaçãoGeográficapodemcoexistirem
4
Artigo 128. [...] § 1º As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca
relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas
que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição,
sob as penas da lei.
5
Artigo 128. [...] § 3º O registro da marca de certificação só poderá ser requerido por pessoa
sem interesse comercial ou industrial direto no produto ou serviço atestado.
6
Artigo 128. [...] § 2º O registro de marca coletiva só poderá ser requerido por pessoa jurídica
representativa de coletividade, a qual poderá exercer atividade distinta da de seus membros.
121 um mesmo produto ou serviço, sem que exista qualquer tipo de conflito
apresentado pelo conjunto normativo nacional. Além disso, muitas vezes a
utilização de mais de um signo distintivo representa um avanço na
diferenciação e promoção do produto ou serviço no mercado, podendo
impactarpositivamentenagestãodosativosegeraçãodedesenvolvimento.
Mas, antes que se pense em acumular signos distintivos, é preciso
conhecer a legislação que os regulamenta. Nesse sentido, a começar pelas
marcas (de produto ou serviço), uma lista de 23 incisos especificando os
sinais não registráveis está contida no artigo 124 de Lei n. 9.279/1996
(BRASIL,1996).
Osartigosseguintes(125,126e127)tratamdamarcadealtorenome,
da marca notoriamente conhecida e do direito de prioridade relativo a
depósitosfeitoempaísquemantenhaacordocomoBrasil.
No que se refere ao pedido, “[...] deverá referir‐se a um único sinal
distintivo e, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá: I ‐
requerimento; II ‐ etiquetas, quando for o caso; e III ‐ comprovante do
pagamento da retribuição relativa ao depósito”. Ademais, todos os
documentos que acompanharem o pedido deverão estar em língua
portuguesa,sejanooriginalouemtraduçãosimples(BRASIL,1996).
A aquisição da propriedade da marca se concretiza pelo registro
validamenteexpedidoequeasseguraaotitularaexclusividadedeutilização
em todo o território nacional pelo período de 10 anos a partir da data da
concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos e “[...]
abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos
relativos à atividade do titular”, observadas as restrições do artigo 132 e
incisos(BRASIL,1996).Alémdisso:
Art.130.Aotitulardamarcaouaodepositanteéaindaasseguradoodireitode:
I‐cederseuregistrooupedidoderegistro;
II‐licenciarseuuso;
III‐zelarpelasuaintegridadematerialoureputação(BRASIL,1996).
Da mesma forma, a lei também prevê os casos em que o registro da
marcaseextingueeosdireitossobreelasãoperdidos:expiraçãodoprazo
devigênciasemquehajarenovação,renúnciatotalouparcial,caducidadeou
ausênciadeprocuradorconstituídonoBrasilnocasodetitularresidenteno
exterior(BRASIL,1996).
Acerca das marcas coletivas e das marcas de certificação, a Lei n.
9.279/1996 reserva os artigos 147 a 154 para tratar das particularidades
dessascategorias.
Osdispositivosalertamque:“[...]opedidoderegistrodemarcacoletiva
conterá regulamento de utilização, dispondo sobre condições e proibições
de uso da marca”, devendo ser protocolizado no máximo 60 dias após o
122 depósito,casonãoacompanheopedido,sobpenadearquivamento(BRASIL,
1996).
O pedido de registro de marca de certificação, por sua vez, deverá
contemplar: “I ‐ as características do produto ou serviço objeto de
certificação; e II ‐ as medidas de controle que serão adotadas pelo titular”,
estas devendo, da mesma forma como ocorre na marca coletiva, serem
apresentadasemnomáximo60dias,casonãofaçampartedadocumentação
entreguecomopedido,sobpenadearquivamento(BRASIL,1996).
Casosejamempreendidasmodificaçõesnoregulamentodeutilizaçãoda
marca, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) deverá ser
comunicadopormeiodepetiçãocomtodososdetalhesdasmudanças.
Alémdoscasosdeextinçãodamarcadeprodutoouserviço,aplicam‐se
tambémàsmarcascoletivasedecertificaçãoasseguintescausas:“Art.151
[...]I‐aentidadedeixardeexistir;ouII‐amarcaforutilizadaemcondições
outras que não aquelas previstas no regulamento de utilização” (BRASIL,
1996).
Osdispositivosseguintesestabelecem:
Art. 152. Só será admitida a renúncia ao registro de marca coletiva quando
requerida nos termos do contrato social ou estatuto da própria entidade, ou,
ainda,conformeoregulamentodeutilização.
Art. 153.Acaducidadedoregistroserádeclaradase a marcacoletivanãofor
usadapormaisdeumapessoaautorizada,observadoodispostonosarts.143
a146.
Art.154.Amarcacoletivaeadecertificaçãoquejátenhamsidousadasecujos
registros tenham sido extintos não poderão ser registradas em nome de
terceiro,antesdeexpiradooprazode5(cinco)anos,contadosdaextinçãodo
registro(BRASIL,1996).
Feita essa revisão de conceitos, usos e regulamentação, é possível
perceber que a marca, em todas as suas variantes, tem potencial para a
valorizaçãoterritorial.Issoconsideradoemconjuntocomosapontamentos
realizados acima a respeito do território e da cooperação entre pessoas,
empresas e coletividade em prol da valorização dos ativos presentes em
determinadoespaçoterritorial.
3.2INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS
A Lei n. 9.279/1996 prescreve que as Indicações Geográficas (IG)
podemserreconhecidascomoIndicaçãodeProcedênciaouDenominaçãode
Origem. Assim, ao analisar os requisitos legais para o reconhecimento de
umaIG,importaobservarasdiferençasentreaIndicaçãodeProcedênciaea
DenominaçãodeOrigem.
123 Alegislação brasileiradefineque:“Art.177.Considera‐seindicaçãode
procedênciaonomegeográficodepaís,cidade,regiãooulocalidadedeseu
território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração,
produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de
determinadoserviço”(BRASIL,1996).
Observa‐sequealeiexigecomorequisitoparaoreconhecimentodesse
signoanotoriedadedomeiogeográficodeorigemdosprodutosouserviços.
Quando se fala em indicações geográficas, tendo em vista sua origem
europeia,aideiaquevemàtonaéjustamenteadetradiçãoequalidadeem
produtosouserviçosqueutilizamessesigno.Atradição,porsuavez,nãofoi
expressanaLein.9.279/1996,emboratallegislaçãonãoaexclua.
Adiferençaentreessasduascaracterísticas–notoriedadeetradição–
pode ser tênue em alguns casos e significativa em outros. A tradição
pressupõe práticas reiteradas que se consolidam no decurso do
tempo/história,passandodegeraçõesparagerações.Anotoriedade,porsua
vez, pressupõe o reconhecimento, o tornar público. Nesses termos, a
notoriedade do meio geográfico de origem pode advir da sua tradição na
produção de bens ou serviços, mas também pode ser alcançada a curto
prazocomestratégiasdemarketing.
É possível exemplificar essa distinção imaginando que determinada
localidade resolva explorar novos produtos, não característicos ou
tradicionais da região. Os novos produtores investem em publicidade,
eventosdedivulgaçãoeemcurtotempoalocalidadeéreconhecidaregional
ounacionalmentepelaproduçãodeseusbens.Nessecaso,independenteda
tradição, está preenchido o requisito legal para o reconhecimento de uma
IndicaçãodeProcedência.Aqui,atradiçãonãofoiopressupostoparaqueo
meiogeográficodeorigemdosprodutossetornasseconhecido.
Como exemplo de Indicação de Procedência, não se pode deixar de
mencionaroValedosVinhedos,portersidoaprimeiraIGnacional,aqualse
refereavinhostintos,brancoseespumantes,tendooseuregistrodeferido
emnovembrode2002(BRASIL,2014),maisdeseisanosapósoadventoda
7
atuallegislaçãodepropriedadeindustrial .
No Estado de Santa Catarina, a primeira Indicação de Procedência
também está vinculada a vinhos (da uva Goethe), e teve seu registro
deferido em fevereiro de 2012 – Vales da Uva Goethe. Trata‐se de uma
microrregião localizada entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul
catarinense nas bacias do rio Urussanga e rio Tubarão, compreendendo
vários municípios (Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da
Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara) que se tornou
reconhecidanaproduçãodessesvinhos(BRASIL,2014).
7
Mais tarde, reconheceu-se também a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, para uma
gama menor de variedades de vinhos e espumantes.
124 Nãoobstantealgunsexemplospioneiros,asIndicaçõesdeProcedência
nacionaisnãoserestringemavinhos,tendodiversosoutrosprodutostanto
dosegmentoagroalimentar,comonãoagroalimentares,comoosartesanais
e industriais. Citam‐se como exemplos: o Vale do Submédio São Francisco,
parauvasdemesaemangas,em2009;aRegiãodaSerradaMantiqueirade
Minas Gerais, para o café, em 2011; a Região do Jalapão do Estado do
Tocantins,paraoartesanatoemcapimdourado,tambémem2011;Franca,
paracalçados,em2012;Canastra,paraqueijo,tambémem2012;Mossoró,
para o melão, em 2013; Rio Negro, para peixes ornamentais, em 2014;
Microrregião de Abaíra, para cachaça, também em 2014. De 41 IGs
8
nacionais,têm‐se33indicaçõesdeprocedência (BRASIL,2014).
Esses exemplos aleatórios evidenciam a diversidade de produtos e
regiões brasileiras que obtiveram o registro de uma Indicação de
Procedência, agregando à sua produção tradicional um reconhecimento
vinculadoaopatrimônioimaterialdessasregiõesesuarespectivaprodução.
No que se refere às Denominações de Origem, por outro lado, a Lei n.
9.279/1996, em seu artigo 178, aduz que: “Considera‐se denominação de
origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou
características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico,
incluídos fatores naturais e humanos” (BRASIL, 1996). Aqui, as qualidades
ou características do produto, vinculadas ao meio geográfico de origem,
constituemorequisitoessencialparaoreconhecimentodaindicação.
Nesses casos, mais do que tradição ou notoriedade são relevantes,
sendo exigida uma comprovação de características que relacionem o
produto/serviço à sua origem geográfica, tornando‐o peculiar ou único em
razãodela.
Alémdesserequisito,aLein.9.279/1996,noartigo182,dispõequea
titularidadeouodireitodeusodaIGérestritoaosprodutoreseprestadores
estabelecidos no local, inferindo‐se que estes explorem a atividade
característica da IG. No caso da Denominação de Origem, a lei
expressamente exige o cumprimento dos requisitos de qualidade que a
determinam. Tal distinção se faz relevante no momento da elaboração do
Regulamento de Uso da indicação, bem como no momento de verificar a
legitimidadedoprodutor/prestadorparaseutilizardosignogeográfico.
NoBrasil,das41IGsregistradas,oitosãoDenominaçõesdeOrigem.A
primeira Denominação de Origem nacional registrada no INPI foi o Litoral
NorteGaúcho,paraoarroz,em2010.Nestecaso,
8
Dados atualizados pelo INPI até 14 de outubro de 2014 e disponíveis no link contido na lista
de referências.
125 As características climáticas da região do Litoral Norte Gaúcho são
determinantes sobre a lavoura de arroz irrigado e isto é fartamente
comprovado na literatura existente. O grão produzido tem características de
alto rendimento de grãos inteiros, aparência vítrea e baixo percentual de
gessamento mantendo uma constância ao longo de diferentes safras. Isto
caracteriza um arroz diferenciado, valorizado não somente pela indústria
beneficiadora, mas também pelos consumidores finais que buscam além da
melhor aparência do grão um maior rendimento de panela e melhores
características de cocção que permitam servir um arroz “solto”, não
“empapado”edefácilpreparo(APROARROZ,2010).
O maior rendimento é decorrência, então, desses fatores naturais que
resultam na característica sui generis do produto. Evidencia‐se, neste
exemplopioneiro,umprodutoquesofreinfluênciasdomeiogeográficode
origem,agregandocaracterísticaspeculiaresquesedevemexclusivamentea
ele. Diferente das Indicações de Procedência, como mencionado
anteriormente,nãosetratasomentedereputaçãoounotoriedadedoLitoral
Norte Gaúcho, mas de qualidades do produto originário daquele território,
que podem ser comprovadas cientificamente e vinculadas a essa origem,
decorrentesdefatoresnaturaisehumanos.
Háoutrosexemplosnacionaisqueobtiveramreconhecimentoposterior
como Denominação de Origem, como a Costa Negra, para o camarão, em
2011, e os Manguezais de Alagoas, para a Própolis vermelha e extrato de
própolisvermelha,em2012.Aototal,têm‐seatualmenteoitodenominações
nacionaisregistradas.(BRASIL,2014)
Importa mencionar, ainda, o caso de uma mesma região ter sido
reconhecida como Indicação de Procedência e posteriormente ter seu
registro também como Denominação de Origem. No Brasil, o Vale dos
Vinhedos e o Cerrado Mineiro estão nessa situação. Trata‐se de uma
possibilidadenãoprevistanalegislaçãonacional,nemvedada, motivopelo
qualpermiteinterpretaçõesdiversas.
Faz‐senecessárioobservarqueaIndicaçãodeProcedêncianãodeveser
vista como uma etapa prévia da Denominação de Origem, uma vez que o
9
objetotuteladoporambasédistinto. Talconcepçãopodeensejarconfusão
ao consumidor quando se tratar do mesmo produto, por não saber
diferenciartaissignos,oqueacarretariaumamenorvalorizaçãodoproduto
e, consequentemente, a falta de retorno aos investimentos dos produtores,
especialmente na Denominação que, em tese, gera mais custos,
especialmentenocontrole.
Na regulamentação das IGs há muitas lacunas e omissões, bem como
situações em que os casos práticos e a interpretação do INPI têm dado o
alcancedosdispositivoslegais.
9
Sobre o tema, sugere-se consultar ANJOS et al., 2013.
126 Nesse mesmo contexto, a generalização do nome geográfico merece
especialatençãoaqui,motivopeloqualtambémfoiabordadapelolegislador
nacional.Assim,consolidou‐sequeestãoexcluídosdaproteçãocomoIGos
nomesquetenhamsetornadodeusocomum(artigo180).Observa‐seuma
questãocomplexa,considerandoqueoINPI,órgãoresponsávelpeloregistro
dasIGsnoBrasil,acabourelativizandoaexigênciaaodeferiroregistropara
IGs,especialmenteestrangeiras,quesetornaramdeusocomumnoBrasil.
Entende‐se que uma das funções precípuas das IGs é informar ao
consumidor, relacionando o produto à sua origem geográfica. Quando o
nome geográfico se generaliza, sua proteção como IG, além de confundir o
consumidor,podegerar restriçõesinjustificadas aosdemaisprodutoresou
prestadores que se utilizavam desse nome genérico de boa‐fé. Resta a tais
produtores,dependendodocaso,recorreraoPoderJudiciárioparaverseus
direitosresguardados.
AregulamentaçãodoconflitoentreIGsemarcastambéméprevistana
Lein.9.279/1996(artigo181).Aproblemáticaaquiestácentradanofatode
inúmeros nomes geográficos nacionais já terem sido registrados como
marcas, não obstante possuírem características próprias das IGs. Tal fato
causatranstornosaosprodutoreseprestadoresdasindicações,tornandoo
processodereconhecimentomoroso,caroeincerto.
A mesma Lei n. 9.279/1996 (artigo 182, parágrafo único) dispõe, por
fim,quecabeaoINPIdeterminarascondiçõesparaoregistrodasIGs,órgão
que, no intuito de regulamentar a matéria, editou normas próprias. A
recente Instrução Normativa (IN) n. 25/2013 trouxe poucas alterações em
relaçãoàResoluçãon.75/2000queregulamentouamatériaapós aedição
da Lei n. 9.279/1996, não refletindo em quaisquer modificações
substanciais nos requisitos e documentos exigidos para o deferimento do
pedido.
AprimeiraeimportantedisposiçãodoINPIrefere‐seànaturezajurídica
doregistrodeumaIG,qualseja,declaratória.Taldisposiçãoimplicanofato
de que o registro não constitui nenhuma nova situação, apenas reconhece
umdireitojáexistente(BRASIL,2013b).
Alegitimidadepararequereroregistro,porsuavez,nostermosdaINn.
25/2013, artigo 5º, é atribuída, no caso das indicações nacionais, às
associações, aos institutos e às pessoas jurídicas que representem o grupo
de produtores ou prestadores legitimados ao uso do nome geográfico (na
qualidade de substitutos processuais), quando não se tratar de
produtor/prestadorúnico(BRASIL,2013b).Interessaobservarqueanorma
do INPI designa a legitimidade como requerente ao registro, o que não
determinaatitularidadedodireitodeuso,jáprevistanaLein.9.279/1996.
Opedidoderegistrodeveráconter,nostermosdaINn.25/2013,artigo
6º:
127 I–requerimento(modeloI),noqualconste:
a)onomegeográfico;
b)adescriçãodoprodutoouserviço;
II–instrumentohábilacomprovaralegitimidadedorequerente,naformado
art.5º;
III–regulamentodeusodonomegeográfico.
IV–instrumentooficialquedelimitaaáreageográfica;
V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da
IndicaçãoGeográficaouderepresentaçãodepaís,cidade,regiãooulocalidade
doterritório,bemcomosuaversãoemarquivoeletrônicodeimagem;
VI–procuração,seforocaso,observandoodispostonosart.20e21;
VII – comprovante do pagamento da retribuição correspondente (BRASIL,
2013b).
No caso da Indicação de Procedência, o nome geográfico deve ser
reconhecido e sua notoriedade/reputação comprovada, juntamente com a
demarcação da área geográfica, cujo documento deve ser expedido pelo
órgão competente de cada Estado, nos termos da IN n. 25/2013, artigo 7º,
quedispõecomoórgãoscompetentes,
[...] no Brasil, no âmbito específico de suas competências, a União Federal,
representadapelosMinistériosafinsaoprodutoouserviçodistinguindocomo
nome geográfico, e os Estados, representados pelas Secretarias afins ao
produtoouserviçodistinguidocomonomegeográfico.
Os produtos ou serviços que poderão se utilizar da IG deverão ser
determinadosedevidamentecaracterizados,sendoqueodireitodeusodo
signo não é extensivo a todo e qualquer produto ou serviço originado na
respectivaregião/localidade.
O Regulamento de Uso, por sua vez, estabelecerá essa caracterização,
bemcomotodasasdemaisregrasquenortearãoousodaIG.Nessesentido,
oRegulamentopodepreverosprocessosprodutivosesuaspeculiaridades;
forma de gestão e controle da IG; mecanismo de deliberação dos
produtores/prestadores; custos do selo; regras quanto à matéria prima,
produtividade, armazenamento e embalagem; publicidade e divulgação do
selo;entreoutras.
AINn.25/2013,artigo8º,solicita,ainda,documentosquecomprovem:
a notoriedade do nome geográfico ‐ relacionada à produção ou prestação
característica; a existência de uma estrutura de controle; e que os
produtores/prestadores autorizados a utilizar o selo estejam estabelecidos
naáreageográficademarcadaeexploremaatividaderespectiva.Sendoessa
última exigência também aplicável às Denominações de Origem (BRASIL,
2013b).
No caso da Denominação de Origem, o pedido deve conter também a
comprovação dos elementos que determinam a influência do meio
128 geográfico no produto, bem como a descrição dos processos e métodos de
obtenção, caracterizando a influência de fatores humanos. Nesse último
caso,destaca‐sequetaismétodosdevemserlocais,leaiseconstantes,afim
de garantir ao consumidor o diferencial que o referido produto promete.
Para a verificação de todos esses elementos, há, ainda, que se apresentar
uma estrutura de controle que fiscalize produtores/prestadores e
produtos/serviços(BRASIL,2013b).
As demais exigências do INPI são de natureza burocrática para
instrumentalizar o pedido, como o formulário de requerimento,
comprovante de pagamento, procuração quando pertinente e documento
queatestealegitimidadedainstituiçãorequerente.
Observa‐sequedentreosmaioresdesafiosenfrentadosnaformalização
dopedidodereconhecimentodeumaIGestáaorganizaçãodosprodutores,
considerando os diferentes interesses envolvidos, bem como as práticas
individualizadasquerequeremumaharmonizaçãoeaestruturadecontrole
que é umimportante instrumento para garantir a credibilidade perante os
consumidores, mas que traz custos e, por vezes, conflitos entre os
produtores,especialmentequandoaregrasnãoestãoadequadasàspráticas
10
consolidadas .
4.ASPOTENCIALIDADESECONÔMICASADVINDASDAUTILIZAÇÃODOSSIGNOS
DISTINTIVOSEOIMPACTONODESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
Como mencionado anteriormente, os signos distintivos possibilitam a
diferenciação e valorização dos produtos, bem como quanto aos coletivos,
novas formas de organização/gestão e melhor aproveitamento dos ativos
intangíveisnosterritórios.Ospotenciaisbenefíciosadvindosdesseprocesso
sãovariadosevãodesdeaproduçãoatéainserçãonomercadoconsumidor.
Nesse sentido, faz‐se pertinente mencionar alguns exemplos nos quais
essessignosdistintivostrouxerambenefíciosaosprodutoresecomunidade
envolvidos,traduzidosemvalorizaçãoterritorial,alémdeestabelecernovo
diálogocomosconsumidores.
No primeiro exemplo, estão as marcas de certificação Rastro do Boi
CertificadoraeArrobaCertificadora.Comointuitodeatenderexigênciasdo
mercado interno e externo, produtores mineiros apostaram na
rastreabilidadedorebanhoparagarantiraofertadecarnedequalidade.Os
produtores contaram (e contam) com apoio do IMA (Instituto Mineiro de
Agropecuária) nessas questões e a certificação tem sido uma estratégia
rentável. Em 2009, Minas Gerais já possuía o “[...] maior número de
propriedades capazes de fornecer animais para frigoríficos exportadores
paraaUniãoEuropeia:das1.371fazendasaptasemtodoopaís,530[eram]
10
Sobre o tema, sugere-se consultar Claire et al. (2014).
129 localizadasemterritóriomineiro”(IMA,2009).
Como benefícios da adoção da certificação, podem ser citados: a
diferençaobtidaporarroba,queem2009eradeR$6,00,chegouaR$18,00
amaisdoqueadeanimaisnãocertificados.
Outro benefício que a certificação trouxe foi a profissionalização da
gestão da propriedade. A responsável técnica da Arroba Certificadora
explica o primeiro obstáculo para os produtores que se interessam pela
certificação é a documentação. “Acostumados a tocar a propriedade de
maneirainformal,aobuscararastreabilidadeoprodutorsedácontadeque
precisaterinformaçõesprecisaseidênticasnosórgãosestaduaisefederais”
eassimapropriedadeeproduçãosetornammaisorganizadas(IMA,2009).
No cenário mineiro, em especial em virtude das experiências bem
sucedidas,acertificaçãotendeaalcançarmaispropriedades.E,aindaqueo
pequenoprodutortenhaumgastocercadequatrovezesmaiorqueogrande
paragarantiracertificação,elecontinuainteressado,jáqueéumaexigência
domercadoexternoeagregavaloraoproduto(IMA,2009).
A partir da certificação, os produtores obtiveram melhoria em sua
gestão e no produto que oferecem ao consumidor, promovendo
positivamente,ainda,oterritórionoqualestãoestabelecidos.
OsegundocasodizrespeitoàmarcacoletivaAmorango,quetemcomo
slogan “Cultivados com amor” e pertence à Associação dos agricultores fa‐
miliares de produtores de morango de Nova Friburgo (Amorango). A marca
foidesenvolvidanoâmbitodoprojetoABREdoServiçoBrasileirodeApoio
àsMicroePequenasEmpresas(SEBRAE)comopartedeumaestratégiapara
fortalecer a região produtora e a cooperação entre os produtores e a
comunidade(BARBOSA,2014,p.277‐278).
Entre as vantagens que uma marca coletiva pode trazer, são citados:
“[...] redução dos gastos com propaganda e marketing e a facilidade de
entradaemnovosmercados”(BRASIL,2013a).AAmorangovemapostando
nessas e noutras questões e os produtores a ela vinculados estão bastante
otimistas.
FernandoHottz,produtorepresidentedaAmorango,afirmaque“[...]o
produto identificado pela Marca Coletiva ganha maior credibilidade do
mercadoe,comotempo,dosconsumidores,oquefacilitaacomercialização”
(BRASIL,2013a).
A marca ainda é recente, posto que seu certificado de registro foi
entregue aos produtores em setembro de 2013, mas as expectativas são
boas. O agricultor José Luiz Brantes é um dos beneficiados pelas ações de
fortalecimento do cultivo do morango na região de Friburgo, no Rio de
Janeiro. Para ele, “a marca coletiva chegou em um ótimo momento. Nosso
diferencialdemercadosãoosmorangosselecionados”(GOVERNO...,2013,p.
2).
130 Em contextos como esse, a marca coletiva é um ativo promissor no
fortalecimentodacooperaçãoepromoçãodoterritório,compossibilidades
de geração de desenvolvimento. Reúne esforços, divide responsabilidades,
otimizainvestimentosecompartilhadiferentesexperiênciasnabuscadeum
objetivocomum.
De outro lado, as marcas de produtos ou serviços também são
instrumentos importantes de diferenciação dos produtos, especialmente
quando existem qualidades ou características especiais relacionadas a um
ou outro produtor individualmente. Elas podem coexistir com as demais
marcas e fortalecer estas potencialidades individuais, gerando um
reconhecimentoperanteomercadoconsumidor.
NocasodasIGs,aspotencialidadeseconômicasjásãoreconhecidasem
vários aspectos, podendo citar: o aumento da demanda; a valorização do
produto no mercado consumidor (valor agregado); geração de empregos;
inserção no mercado internacional; fomento às atividades lucrativas
indiretas;valorizaçãoimobiliáriadaáreademarcada(LOCATELLI,2007).
Corroborando com as potencialidades referidas, DULLIUS (2009, p.
123) aduz, ainda, que as IGs possuem aptidão para instrumentalizar o
desenvolvimento territorial “[...] conferindo originalidade à produção
brasileira e fortalecendo a competitividade no mercado externo e interno
através dos produtos da agricultura familiar, que possuem fortes vínculos
com o território de origem e com as tradições e modos de fazer
diferenciados.”Destacaquetalestratégiadeveriaserobservadatambémpor
territóriosruraismarginalizadosedesfavorecidos.
Umdosexemplosdeconsolidaçãodemuitasdaspotencialidadesacima
citadaséaIGpioneiranoBrasil–oValedosVinhedos.Alémdosbenefícios
mercadológicos, vislumbra‐se nesta experiência, em adição, a satisfação do
produtordiantedavalorizaçãodoseuproduto,oestímuloainvestimentose
melhorias na produção e na qualidade dos produtos e, em especial, a
preservação da tipicidade dos produtos, enquanto patrimônio daquela
região(APROVALE).
Não obstante se destaquem as potencialidades econômicas, essa é
apenasumadasfacetasdodesenvolvimentoterritorial.Importareferirque
no que tange aos signos distintivos, as indicações geográficas assumem
especial relevância, uma vez que permitem concretizar além dessas
potencialidades, permitindo a preservação da identidade e cultura destas
regiões, novas formas de governança e um estímulo a que as famílias
reencontrem sua fonte de subsistência no campo aliada à possibilidade de
preservarsuahistória.
Contudo,oreconhecimentoouregistrodequalquersignodistintivo,por
si só, não é capaz de consolidar os benefícios acima descritos nem mesmo
outros que também podem ser alcançados. Para tanto, faz‐se necessária a
131 adequada gestão desses ativos, o que envolve uma participação direta dos
produtores/prestadores em todo o processo. Com a união dos envolvidos
emproldointeressecomum,benefíciosdasmaisvariadasordenspodemser
obtidos, impactando positivamente na produção, na comunidade e na
promoção territorial sob as perspectivas econômica, social e cultural
(CARLS,2013).
5.CONSIDERAÇÕESFINAIS
Comoobservado,oterritórioenvolvemaisdoqueosfatoresmateriais
que o integram, como a interação desses recursos com os atores sociais
envolvidos naquele espaço. Por essa perspectiva, há diferentes formas de
gestão ou governança desses espaços, bem como de interação entre os
diversos atores envolvidos. Os instrumentos que permitem o melhor
aproveitamentodessesrecursossãoinúmeros,dentreosquaissedestacam
ossignosdistintivos.
AsmarcaseasIndicaçõesGeográficasseapresentamcomoferramentas
quepermitemqueaproduçãoadvindadosterritóriospossaserreconhecida
por seus diferenciais, tanto de qualidade quanto culturais. A partir da
utilizaçãodessessignos,épossívelconsolidarcaracterísticaspeculiaresdos
produtoseserviços,alcançandonovosmercadoseumamaiordemanda.
Emrelaçãoaossignoscoletivos,porvez,visualiza‐seapossibilidadeda
gestão compartilhada dos ativos, buscando soluções conjuntas, dividindo
investimentos e estratégias que fomentem o desenvolvimento territorial.
Maisespecificamente,nocasodasIGs,sepermite,alémdeobterbenefícios
econômicos, garantir a preservação da história, tradição e diversidade
culturaldasdiferentesregiõesdopaís.
Contudo,aformalizaçãoeproteçãodessessignosdevemestaratrelada
a ações conjuntas de planejamento e gestão, com a efetiva inserção e o
protagonismo da comunidade envolvida, para que os potenciais benefícios
venhamaseconsolidarrespeitandoàrealidadeeàsnecessidadeslocais.
REFERÊNCIAS
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desenvolvimento territorial. In: DALLABRIDA, Valdir Roque (Org.). Território,
identidade territorial e desenvolvimento regional: reflexões sobre indicação
geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com
especificidadeterritorial.SãoPaulo:LiberArs,p.159‐196,2013.
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134 CAPÍTULO8
PRODUTOSCOMIDENTIDADETERRITORIAL
NOESTADODESANTACATARINA:POTENCIAIS
PARAAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA 1
MayaraRohrbacherSakr‐UnC
NatanyZeithammer‐UnC
StavrosWrobelAbib‐UNIVALI ValdirRoqueDallabrida‐Un
INTRODUÇÃO
Os produtos com identidade territorial no Brasil podem ser alvo de
certificação territorial, sendo denominados, genericamente, de Indicação
Geográfica (IG). As Indicações Geográficas (IGs) podem ser de dois tipos
(BRASIL, 1996): Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem
(DO).Noprimeirocaso,refere‐seaonomegeográficodeumalocalidadeque
se tornou conhecida como centro de produção, fabricação ou extração de
determinado produto ou prestação de determinado serviço. No segundo
caso, estão envolvidas as qualidades ou características que se devam
exclusivaouessencialmenteaomeiogeográfico,incluindofatoresnaturaise
humanos.
O Estado de Santa Catarine possui uma única experiência de IG, uma
Indicação de Procedência – “Vales da Uva Goethe”, em Urussanga ‐ e mais
duasemprocessodeencaminhamentoparacertificação‐QueijoSerrano e
Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense. Estudos preliminares realizados
pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Microempresa (SEBRAE)
apontaram,alémdaexperiênciadeIGexistente–ValedaUvaGoethe‐,27
produtoscompotencialidadesparaadquiriremessereconhecimentoe,com
isso,contribuirnodesenvolvimentodosterritóriosemquesesituam.
Este capítulo procura explorar brevemente alguns conceitos
recorrentesdocampoteóricorelativoaotema,propondo,nasequênciaum
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal, estando
também integrado a dois projetos de Iniciação Científica, desenvolvidos na UnC, pelas alunas
Mayara - Valorização dos produtos com identidade territorial como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina - e Natany - Valorização dos
produtos com identidade territorial como estratégia de desenvolvimento: um estudo sobre as
potencialidades da erva-mate no Planalto Norte Catarinense -, coautoras.
135 exercício de avaliação acerca dos 27 produtos territoriais que possuem
potenciaisdeobtençãodeIGemSantaCatarina,aprofundandoaanáliseno
caso da Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense (produto que já busca a
certificaçãoterritorial).
Temosnestecapítuloumobjetivocentral:tendocomoreferênciainicial
oestudodoSEBRAE,caracterizarosprodutoscomespecificidadeterritorial
das diferentes regiões do estado de Santa Catarina, apresentados como
potencialparafuturaIG.Tendoemvistaopropósitomaiordestacoletânea,
acaracterizaçãoserábreve.Comopropósitocomplementar,aprofundamos
acaracterizaçãodeumadasexperiênciasapresentadas,ocasodaerva‐mate,
mais no sentido de demonstrar as ações necessárias para se chegar a um
registrodeprodutocomIG,alémdeexporalgunsdesafios.OtemadaIGda
erva‐mateseráretomadonumdoscapítulosdestelivro,quando,então,além
dacaracterização,mereceráumaanálisepropositiva.
Naprimeirapartedestetrabalhosefazumaconstruçãoteórica,naqual
se destacam os seguintes conceitos recorrentes na bibliografia relativa ao
assunto: Identidade territorial, Especificidade territorial, Indicação
GeográficaeDesenvolvimentoTerritorial.
Na segunda parte se elabora uma rápida apresentação dos
procedimentosdepesquisaempregados.
Naterceiraparteseapresentaoresultadodeumapesquisanomotética
emqueos27produtoscatarinensessãocondensadosemumtextosucinto
destacandosualocalizaçãoeformasdevalorizaçãoeconômicaeregional.
Naquartaparteseapresentaoresultadodeumapesquisaidiográfica,o
estudo de caso da erva‐mate (Ilexparaguariensis St. Hil), abordando suas
potencialidades socioeconômicas para a obtenção da IG, bem como as
perspectivasdeimpactonodesenvolvimentoterritorial.
Na quinta parte se fazem as considerações finais e se propõem alguns
encaminhamentos para pesquisas futuras. Também se discorre sobre as
limitaçõesencontradasnapesquisa.
1.REVISÃOTEÓRICA
Para fundamentar teoricamente o debate sobre Indicação Geográfica
(IG) e seu potencial de desenvolvimento territorial, faz‐se o emprego de
categorias analíticas. Tais categorias não são definitivas e exclusivas, são
construções baseadas nas discussões acerca do tema localizadas em uma
revisãodeliteraturaelaboradasobreoassunto,bemcomosãooresultado
da seleção feita a partir de um critério. O critério escolhido tem a
responsabilidade de ser capaz de estabelecer uma relação intrínseca entre
as temáticas centrais Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial.
Nesse sentido, as próprias temáticas centrais participam da revisão.
136 Tambémseelencouoconceito“CapitalSocial”afimderelacioná‐las,jáque
participada raizdalógicadoargumentoemqueasIndicaçõesGeográficas
podem desencadear processos que promovem o desenvolvimento
territorial.
Anjosetal.(2013)descrevemoCapitalSocialcomonãopertencenteàs
categorias de Capital Físico (terra e capital) e Capital Humano (nível de
escolaridade), uma vez que esses dois, por si só, não seriam capazes de
explicar os diferentes processos que provocam o desenvolvimento nas
sociedadese,devidoaessaaparentenecessidade,oCapitalSocialveioaser
ofatordepreenchimentodaslacunasqueformamoroteirodecrescimento,
avançosocial,tecnológico,econômicoepolíticodentreascomunidades.
O capital social, como vaticinou Abramovay (2003), corresponde ao ethos de
certasociedadee,aonossoentendimento,aumaidentidademoldadaapartir
de um conjunto de valores compartilhados, os quais não são transferíveis de
umcontextoparaooutro.[...]umacapacidadedearticulaçãoquefaçaafloraras
forças produtivas de um território em torno a uma determinada ideia‐ guia
(ANJOSetal.,2013,p.168).
Complementarmente,Niederle(2014,p.245)afirma:“Teoriasrecentes
também têm destacado o papel das ideias como fator determinante do
desenvolvimento nas sociedades do conhecimento”. Portanto entende‐se
que “[...] são novas ideias capazes de produzir combinações inovadoras de
recursos que fundamentam o sucesso das economias avançadas”. Sendo
assim, o Capital Social conduz à necessidade de avaliar a categoria
Identidade Territorial, que é pautada em recursos intangíveis, histórias e
culturas promotoras do desenvolvimento de um território ou uma região.
EntendemosqueapromoçãodeumaIG,numéumbomexemplode"novas
ideias capazes de produzir combinações inovadoras", nos territórios que
possuamprodutoscomespecificidadeterritorial.
É nesse cenário que surge o conceito de IG visando reconhecer as
especificidades e agregar valor a produtos com potencialidades de
adquirirem identidade territorial para, consequentemente, promoverem o
citadodesenvolvimento.
Apresentamosaseguirumarelaçãosintéticaentrevariáveisqueserão
observadasquandodaapresentaçãodosresultadosdapesquisa.
1.1IDENTIDADETERRITORIAL
Aidentidadeterritorialestáenraizadanocontextosocialehistóricode
cada localidade, ressaltando as características e valores próprios de cada
lugar.Sãoessascaracterísticasidentitáriasquegeramostraçostípicosdos
lugaresdentrodeumcontextoglobal.
Segundo Vela (2013), a identidade, em um contexto de concorrência
137 emergenteentreosterritórios,passaaseroelementodereconhecimentoe
diferenciação no processo de posicionamento comunicativo de cidades,
regiões e países. Complementando a argumentação sobre o tema, Chelotti
(2010)destacaqueaidentidadeéconstruídaporsubjetividadesindividuais
ecoletivasoupodeestarrelacionadaagrupossociaisouaopertencimento
territorial.
Para fins deste trabalho, se compreende que a identidade territorial
desempenha umpapelestratégiconodesenvolvimentoterritorial,umavez
que o pertencer a determinado local representa fator determinante no
processo de desenvolvimento como um todo. Em geral, a atenção de
pesquisaemumacategoriacomoestarecairásobrevariáveisquetenhamo
potencial de apresentar como se identifica no contexto específico de uma
Indicação Geográfica subjetividades individuais e coletivas ou pode estar
relacionadaagrupossociaisouaopertencimentoterritorial.
Pollice (2010) afirma que a identidade territorial nasce por um
processo autorreferencial colocado em ação por uma comunidade que se
apropria culturalmente de um âmbito espacial predefinido, gerando e
orientandoosprocessosdeterritorialização,poisoterritórioéinterpretado
como fonte de criação dos valores, estes desempenhando um papel
importante na constituição e na gestão dos territórios. O autor ainda
complementa que a identidade territorial pode ser interpretada como
sentido de pertença, identificação social, representação partilhada de um
coletivo, sendo que, de modo algum pode ser identificada seguindo uma
visãoreduzida,nassuasmanifestaçõesexteriores,nossinaisdeixadossobre
oterritório.Tambémérelacionadaaoagirpolítico,quandodeveriatendera
preservar não somente as expressões identitárias da cultura dos lugares,
mas também os valores identitários que tais expressões contribuíram a
plasmar.
Comessabreverevisão,argumentamosqueaidentidadeterritorialtem
potencialmente a capacidade de ser operacionalizada enquanto categoria
analítica,portanto,prática.
Complementando o debate sobre o tema, Pecqueur (2005) cita os
recursoseativosterritoriaiscomoreferênciadaidentidadeterritorial.Para
ele, o desafio das estratégias de desenvolvimento constitui‐se em se
apropriar dos recursos específicos e buscar o que possa se constituir no
potencial identificável de um território. Para tal, segundo o autor, deve
ocorrer um processo de especificação ou ativação de recursos, ou seja,
transformar recursos em ativos específicos. O autor faz uma diferenciação
entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos específicos,
descrevendoqueosprimeirossãototalmentetransferíveiseseuvaloréum
valordetroca,estipuladonomercadoviasistemadepreços.Essesativose
recursosnãopermitemqueumterritóriosediferenciedeformaconsistente
138 deoutros,umavezqueelessãotransferíveis,ouseja,sãotransacionadosno
mercado.Jáosativoserecursosespecíficospossibilitamumusoparticulare
seuvalorconstitui‐seemfunçãodascondiçõesdeseuuso.Alémdisso,eles
apresentamumcustodetransferênciaquepodeseraltoeirrecuperável.
Os recursos específicos merecem maior atenção, já que possibilitam a
construção de uma argumentação que destaca a importância dos produtos
comidentidadeterritorial,paraodesenvolvimento,sendoqueesserecorteé
assumidonoqueserefereàcategoriadeIdentidadeTerritorial.
1.2ESPECIFICIDADETERRITORIAL
Emtrabalhoanterior,Dallabrida(2012)identificaque,naatualidade,o
ambiente mercadológico valoriza produtos diferenciados. Argumenta o
autor que a elaboração de estratégias de desenvolvimento baseadas nas
especificidades territoriais tornou‐se um vetor de alto poder de agregação
devaloraosprodutosouserviços.Pelalegislaçãobrasileiraeinternacional,
os produtos ou serviços que apresentem uma especificidade e que se
identificam com o entorno territorial onde estão localizados podem
requerer sua certificação territorial. A partir da certificação territorial, os
produtos adquirem notoriedade, facilitando o acesso ao mercado, tendo
como resultado principal a agregação de valor, contribuindo assim para o
desenvolvimentoterritorial.
Dullius et al. (2008) considera que o reconhecimento notório de um
produto se atribui às características do território e do saber fazer dos
produtores, como a originalidade criativa, um bem imaterial que pode ser
exploradopelosatoresterritoriais.
Já,segundoPecqueur(2009),cadaprodutodeveserdiferenciadopara
que ele se torne específico de cada território e, assim, escape da
concorrência.Justificasuaposição,afirmandoqueasproduçõesencontram‐
seentreguesaumaconcorrêncianaqualsomenteaseconomiascombaixo
custo de produção (com domínio equivalente das tecnologias) podem
triunfar. Assim, segundo o autor, para os territórios, trata‐se então de não
mais se especializar segundo a lógica do esquema comparativo, mas de
preferência escapar das leis da concorrência quando elas tornam‐se
impossíveis de serem seguidas, visando a produção para a qual eles
estariam(nomodeloideal)emsituaçãodemonopólio.
AquiretomamosoargumentodesenvolvidoporDallabridaeMarchesan
(2013)emquesereforçaaideiadaespecificidadedosprodutosterritoriais
e sua importância estratégica, afirmando que os territórios geram
competênciasquepodemserusadasparaqualificarosprodutosdaregião.
Então, pode‐se dizer que esse processo de especificação é o que diferencia
umterritóriodooutro.
139 Para fins desta pesquisa, a especificidade territorial não apenas é um
indíciodequeépossívelobterdesenvolvimentoterritorialapartirdeuma
Indicação Geográfica, como também, aponta para que a identificação da
especificidadeterritorial emumcontextoparticularpodeserdadaapartir
daobservânciadavariávelnotoriedadedeumrecursoespecífico.
1.3INDICAÇÃOGEOGRÁFICA
Relembrando o texto apresentado na introdução, recupera‐se a noção
dequeaIGnoBrasilpodeconstituir‐seemIndicaçãodeProcedência(IP)ou
DenominaçãodeOrigem(DO).AIPfazreferênciaaonomegeográficodeum
país, cidade, região ou território, que se tornou conhecida como centro de
produção,fabricaçãoouextraçãodedeterminadoprodutoouprestaçãode
serviço.JáaDOéonomegeográficodeumpaís,cidade,regiãoouterritório,
quedesigneprodutoouserviçocujasqualidadesoucaracterísticassedevam
exclusivaouessencialmenteaomeiogeográficoespecífico,incluídosfatores
naturaisehumanos.Detalmodo,adiferençasingularentreasformasdeIG
está associada às características e peculiaridades físicas e humanas,
potencializadaspeloterritório,quepodemdesignarumaDO,enquantoque
para a IP é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço
geográfico, independentemente de suas características e qualidades
intrínsecas.
Aprofundando a discussão para além da definição geral do que é uma
Indicação Geográfica, Souza (2010, p. 09) acrescenta, ainda, que há
possibilidade de valorização econômica e competitividade em termos de
mercadoparaumprodutoadvindodeumaIG:
A Indicação Geográfica é uma das formas mais efetivas de valorização
econômicaedevantagemcompetitivanosmercados.Elaéumadasmaisantigas
formas de diferenciação de produtos e foi ratificada pelo Brasil nos recentes
acordoscomerciaispromovidospelaOrganizaçãoMundialdoComercio(OMC),
assim como as patentes, os direitos autorais, as marcas, os desenhos
industriais,oscultivaresdeplantas.
Em Dallabrida (2012) se encontra uma concepção mais abrangente da
IG.OautorelaboraqueaIGéumadasformasdevalorizaçãoeconômica,de
proteção do conhecimento e dos processos de produção e transformação
locais, uma vez que é propriedade coletiva da população de uma
determinada área geográfica, bem como um processo gerado pelos atores
locais, motivado pela criação de um monopólio baseado nos atributos
geográficos dos produtos, conferindo ao produto ou ao serviço uma
identidadeprópria,ligandosuascaracterísticasesuaorigem.
Relacionando a visão que enfatiza as questões econômica e
mercadológica das IG, em Souza (2010), com o postulado mais abrangente
de Dallabrida (2012), constrói‐se um entendimento sintético da questão
140 pelo qual se compreende que, na perspectiva apresentada, existe uma
relação intrínseca entre o território e a cultura de um local, assim como
entre esses e o contexto econômico global, algo que tem como agente
integradoroprodutoouserviçolocalsingular.
1.4DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
A categoria desenvolvimento territorial ainda é confundida como
sinônimadeoutras,comooexemplodedesenvolvimentoregionaloulocal.
Não aprofundaremos aqui o tema, mas lembramos de que tais categorias,
apesardeaproximarem‐senoseusentido,têmacepçõesdiferenciadas.
Pecqueur(2005)definedesenvolvimentoterritorialafirmandoqueele
secaracterizaapartirdaconstituiçãodeumaentidadeprodutivaenraizada
num espaço geográfico. Já Dullius et al. (2008) argumenta que, a partir de
variados e persistentes estímulos e articulações socioeconômicas,
determinadasregiõesrespondempositivamenteaosdesafiosterritoriaisda
globalização, conseguindo construir seus próprios modelos de
desenvolvimento.
Dallabrida (2011) conclui que o desenvolvimento refere‐se a um
processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade
organizada territorialmente, sustentado na potenciação dos recursos e
ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local,
comvistasàdinamizaçãosocioeconômicaeàmelhoriadaqualidadedevida
desuapopulação.
Estas concepções parecem suficientes para sustentar a relação
pretendidaentredesenvolvimentoterritorialeIG.
Niederle (2014, p. 245) pondera sobre a relação entre a IG e o
desenvolvimento. Para tanto, expõe três interpretações de autores que
questionam as implicações econômicas, políticas e socioculturais advindas
desse registro2. Uma das interpretações coloca o papel da IG como
mecanismosdemercado“[...]quetransmiteminformaçõesessenciaissobre
oproduto–geralmentepelointermédiodeumselo,oquepossibilitareduzir
assimetrias entre produtores e consumidores”. A outra interpretação
envolve arranjos institucionais, ou seja, coloca a IG como estratégias
competitivas para controlar os mercados. A terceira interpretação “[...]
destaca a contribuição da IG na construção de sistemas produtivos locais
fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos”. O
mesmoautorenfatizaqueasIGfundamentamoenraizamentosociocultural
em relação ao produto, produtor, consumidores e territórios. Portanto,
2
Dois capítulos desta coletânea, em especial, resultaram de estudos que tiveram como
propósito avaliar a relação entre uma IG e o desenvolvimento dos territórios atingidos pela
mesma. São os capítulos 2 e 3.
141 considerando as três interpretações destacadas por Niederle (2014),
parece‐nosqueaterceiratemumamaiorproximidadecomopapelessencial
deumaIG.
Dallabrida e Marchesan (2013) ressaltam a ideia de que as
potencialidades locais, definidas como IG, podem converter‐se,
decididamente,numinstrumentodedesenvolvimentoterritorialdesdeque
outras condições e circunstâncias estejam presentes, e reafirma que a
criaçãodeumaIGnãodeveserodestinofinaldeumprocesso,mas,sim,um
meio para se atingir o fim maior que é o desenvolvimento dos territórios
atingidos.
Dullius et al. (2008, p. 6), resumindo contribuições de autores que
abordam o tema (a exemplo de Albagli (2004) e Lagares, Lages e Braga
(2006), considera o território como uma relação entre raízes históricas,
configurações políticas e identidades, preponderantes para o
desenvolvimento. Seguindo essa perspectiva, ele afirma que o território é
construído através da memória coletiva e das relações sociais formadas
pelastrocaslocaiseexternas(DULLIUSetal.,2008).
Este argumento acaba por alinhar‐se com a terceira interpretação
listadaporNiederle(2014)ecomaobservaçãodeDallabridaeMarchesan
(2013)acercadametaqueultrapassaaIGeapontaparaaconstruçãosocial
da qualidade, além de compartilhar com Dullius et al. (2008) e Dallabrida
(2011),anoçãodequeoobjetivododesenvolvimentoterritorialenvolveo
crescimentosocioeconômicoemelhoriadaqualidadedevida.
1.5SÍNTESEDOREFERENCIALTEÓRICO
Ao terminar a revisão teórica e a construção de categorias analíticas,
avalia‐se que há evidências na literatura sobre a Indicação Geográfica
potencialmenteseconstituiremvetordeDesenvolvimentoTerritorial.Além
disso, as categorias analisadas permitem construir um marco teórico, um
recortepossível,paracompreenderaconstituiçãodecomoessa relaçãose
estabelece. Nesse tópico são apresentadas as sínteses de cada categoria e
suasarticulações.
Da categoria Identidade Territorial se obteve a variável recursos
específicos como central da categoria já que destaca a importância dos
produtoscomidentidadeterritorialparaodesenvolvimento.
DacategoriaEspecificidadeTerritorialseobteveavariávelnotoriedade
deumrecursoespecífico,bemcomosuacapacidadedetransferi‐laparauma
localidadeparticular.
Relativo às denominadas grandes categorias, como o caso das
Indicações Geográficas, podemos cotejar que existe uma relação intrínseca
entreoterritórioeaculturadeumlocal,assimcomoentreesseseocontexto
econômicoglobal,algoquetemcomoagenteintegradoroprodutoouserviço
142 localsingular.Nessetocante,reforça‐seaimportânciadapesquisasobreas
variáveisrecursoespecíficoesuanotoriedade.
No caso da grande categoria Desenvolvimento Territorial se
compreendeanecessidadedeidentificaraconstruçãodesistemasprodutivos
locais fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos,
além da busca por identificar a construção social da qualidade, e os efeitos
das IG em termos de desenvolvimento socioeconômico e melhoria da
qualidade de vida (avaliando inclusive os recursos e ativos genéricos e
específicos,materiaiseimateriais).
As variáveis listadas no caso da categoria Desenvolvimento Territorial
podemseridentificadasemtermosdepotencialidadeparaaproposiçãode
uma IG. Ressaltamos que a grande maioria dessas variáveis possui alta
complexidadeenãoseráfocodeaprofundamentonestetrabalho.
2.PROCEDIMENTOS
No intuito de atingir os objetivos traçados para esta pesquisa, a
primeira fase refere‐se à elaboração da revisão de literatura na qual
buscamos articular conceitos que respondam se há evidências teóricas da
relação entre a Indicação Geográfica e a possibilidade potencial do
DesenvolvimentoTerritorialadvindodessa,bemcomodequemodopoderia
se dar um caminho possível caso provada a relação. Disso resultariam
categoriasanalíticasaseremempregadasemfasesubsequentedapesquisa.
A segunda fase da pesquisa empregamos as categorias e variáveis
desenvolvidasanteriormenteemumcontextoparticular:oestadodeSanta
Catarina. Nessa fase privilegiamos o desenvolvimento de uma pesquisa
documental de orientação nomotética e um estudo de caso (também com
baseempesquisadocumental)comorientaçãoidiográfica.
Apesquisanomotéticaempregapoucasvariáveisebuscacomparações
gerais entre diversas manifestações do fenômeno estudado. Seu propósito
será,prioritariamente,contextualizaros27produtoslistadospeloSEBRAE
comotendopotencialparaobtençãodeIGnoestadodeSantaCatarina.
As categorias analíticas empregadas são Identidade Territorial e
Especificidade Territorial, respeitadas as variáveis recursos (específicos
prioritariamente) e notoriedade, respectivamente. Como se está
empregando o universo da pesquisa do SEBRAE, a variável recurso é
assumida como dada. A questão fica por conta da notoriedade, da
especialização do produto. Diante disso, propõe‐se tratar de cada produto
enquanto recurso especializado e descrevê‐los em termos dos aspectos
localizaçãoeformasdevalorizaçãoeconômicaeregional.
Após a contextualização do fenômeno no estado de Santa Catarina o
trabalho passa a explorar um segundo nível de profundidade e especial‐
zaçãodaquestão‐fazemosapropostadeumapesquisaidiográficaemum
estudodecaso.
143 Por sua natureza, a pesquisa idiográfica é predominantemente
qualitativa, centrada em um estudo aprofundado acerca da essência do
fenômeno, tendo como referencial literatura regional que trata do tema.
Com base nisso, volta‐se à pesquisa nomotética, avaliando os casos mais
significativosdofenômenodeestudo.Douniversodapesquisa,duasforam
as possibilidades aventadas em função de constituírem‐se nos casos mais
adiantadosnoprocessodesolicitaçãodacertificaçãoterritorial,sãoeles:o
QueijoSerranoeaErva‐Mate.
Tanto o Queijo Serrano quanto a Erva‐Mate apresentam o mesmo
potencialdepesquisa.NocasodaErva‐Mate,aprofundamosnestetextoseu
estudo.OcasodoQueijoSerrano,édedicadoumcapítuloespecial3.
Ressalvamosquenoestudodecasoascategoriasanalíticasempregadas
foram a Indicação Geográfica e o Desenvolvimento Territorial, mais
precisamente as variáveis que as vinculam: a autenticidade, tipicidade e
originalidade do produto, bem como a construção social da qualidade e o
desenvolvimento socioeconômico. Está preservada também a construção
anterior na qual se vinculam a Indicação Geográfica e as categorias
Identidade Territorial e Especificidade Territorial, envolvendo a variável
recursoespecífico.
Noqueserefereàcoletadedados,tratamentoeobtençãoderesultados
houve uma orientação fenomenológica que resultou na condensação dos
resultadosemtornodasvariáveisedascategoriaselencadas.Optamospor
apresentar, a seguir, apenas os textos dos resultados já com as discussões
feitas,deumaformasintética.
Mesmoquesetratedeumtextoelaboradoaquatromãos,éimportante
salientar que os autores, em específico, tiveram funções diferenciadas. As
alunasdeIniciaçãoCientíficaMayaraeNatanyativeram‐semais,aprimeira,
à pesquisa sobre as potencialidades de IG nas regiões do estado de Santa
Catarina,enquantoasegundaseocupou,emespecial,nacaracterizaçãoda
experiência da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense. Os dois outros
autores supervisionaram o processo de escrita das alunas de graduação,
além disso, contribuindo, em especial, na estruturação do referencial
teórico.
3.RECURSOSESPECIALIZADOSEPOTENCIALIDADESDEINDICAÇÃOGEOGRÁFICA
NOESTADODESANTACATARINA:PRODUTOS,LOCALIZAÇÃOECARACTERIZAÇÃO
Aseguirsãoapresentadososresultadosdapesquisanomotética.Cada
recurso específico será apresentado com suas respectivas localizações e
rápida caracterização. São apontados como potenciais candidatos à
3
Fazemos menção ao Capítulo 9. Já o Capítulo 10, apresenta uma outra potencialidade, o caso
do artesanato Tranças da Terra, que, apesar de ainda não haver ações a esse respeito,
apresenta-se, em especial, como uma futura experiência de IG.
144 obtençãodaIndicaçãoGeográficadevidoassuasespecificidadesterritoriais.
Aofimdestetópicoháumafigura(Figura01)identificandoomapeamento
decadaprodutonoestadodeSantaCatarina.
3.1ALHODOPLANALTONORTEESERRACATARINENSE:REGIÃODASERRAE
PLANALTO NORTE CATARINENSE, TENDO O MUNICÍPIO DE CORREIA PINTO
COMOREFERÊNCIA
Nadécadade1970,TakashiChonancomeçouomelhoramentogenético
doalhobrasileiro.Apartirde1977,aEmpresadePesquisaAgropecuáriade
Santa Catarina transformou sua propriedade em campo experimental.
Durantemaisdeumadécadaelerecebeuvisitasquasediáriasdetécnicose
agrônomos que pesquisavam o desenvolvimento desse produto. Chonan
criou uma variedade especial de alho: branco por fora, roxo por dentro, e
comnomáximo15dentesnobulbo.Em1975,umtécnicodoMinistérioda
Agricultura foi ao município de Frei Rogério conhecer o tal alho. No ato,
garantiuàvariedadeonomedocriadoreoincentivoparaamultiplicaçãodo
experimento. Desde então, o cultivo da hortaliça é feito artesanalmente, o
plantiosedádentepordenteeacolheita,bulboporbulbo.
A importância desse cultivo para o desenvolvimento regional do
PlanaltoCatarinense,eSerraCatarinense(compreendidapelomunicípiode
CorreiaPintoeseuentorno),podeserexemplificadacitando‐seaexistência
de empresas de beneficiamento de alho que ali executam suas atividades,
comoaEmpresaAlhoPlanalto,quebeneficiaoalhoinnatura,embalando‐o
emdiversostamanhosparasercomercializado.
3.2 ARROZ DO ALTO VALE DO ITAJAÍ: REGIÃO DO ALTO VALE DO ITAJAÍ,
TENDOCOMOMUNICÍPIOPOLORIODOSULEIBIRAMA
A região do Alto Vale do Itajaí é caracterizada por propriedades de
pequeno porte, cultivadas na forma de agricultura familiar. O relevo
relativamente acidentado contribui para a eficácia das plantações. Essa
regiãopossuiumaáreacultivadadearrozirrigadode10.697hectarescom
umrendimentode8,5t/ha,acimadamédiageral,tornando‐seumproduto
de tradição regional, com forte preocupação acerca de novas tecnologias e
aumentododesempenhodoscultivares.
Os benefícios do cultivo do arroz trouxeram para essa região
oportunidades de emprego e renda, através de Unidades de Recebimento,
Classificação,BeneficiamentoeArmazenagemdeCereais‐respondendoao
anseiodepequenosagricultoresquebuscavamalternativasderendaparao
trabalhoagrícola.
145 3.3 BANANA DE CORUPÁ: MUNICÍPIO DE CORUPÁ E ENTORNO, SITUADO NA
REGIÃONORTEDOESTADODESANTACATARINA
Trata‐se de um território envolto pela cadeia montanhosa da Serra do
Mar e pela Mata Atlântica, em áreas colonizadas por suíços, austríacos e
alemães.OmunicípiodeCorupáéconhecidocomoa"CapitalCatarinenseda
Banana", possuindo a maior produção do estado. Sua base econômica
principalestánaagricultura,especificamentenocultivodabananaenoseu
beneficiamento industrial. Com essa fruta, é possível elaborar uma gama
diversadeprodutosesubprodutos,comoexemplopode‐secitarabanana‐
passa, as cachaças, os doces e as geléias. A culinária local é famosa pelos
pratostípicos,docesesalgadoselaboradoscomabanana.
Alémdautilizaçãodabananeiracomocomplementoàalimentação,ela
pode ser utilizada para confeccionar produtos artesanais, como bolsas,
cestos, chapéus e enfeites, sendo que do seu caule são extraídas as fibras
necessáriasparaessaatividade.
Anualmente, em outubro, o município festeja a Bananafest (festa da
banana), promovida pela Associação dos Bananicultores de Corupá, com o
intuito de divulgar a cultura desse município, com enfoque para a
importânciadaprodução advinda dabananeira,seuusoeaproveitamento,
osmanejosadequadosparaaproduçãodessafruta,astradições,aculinária
eprodutosartesanais.CommunicípioscomoLuísAlves,SãoJoãoeCorupá,
SantaCatarinaéoquartomaiorprodutordebananasdopaís.
3.4BANANADELUÍSALVES:MUNICÍPIODELUÍSALVESEENTORNO,NAREGIÃODO
VALEDOITAJAÍ,CORUPÁEENTORNO,SITUADONAREGIÃONORTEDOESTADODE
SANTACATARINA
Luís Alves é conhecido como “O Paraíso do Verde Vale” devido a sua
exuberante natureza. Em meados da década de 1970 que os luisalvenses
iniciaram o cultivo da banana, tornando‐se um fator decisivo para a
diminuição do êxodo rural e para o seu desenvolvimento. A banana é
utilizada como matéria‐prima para a confecção de cachaças, produto pelo
qualomunicípioéreconhecidoemescalanacional.Alémdessaaplicação,a
fruta apresenta funções culinárias e artesanais, juntamente com o seu
consumoinnatura.
A geração de melhores oportunidades, econômicas e sociais nesse
município se deve, em grande parte, ao cultivo da banana. Como exemplo
dosestabelecimentosquecomprovamageraçãodeempregoerenda,além
dos fornecedores das sementes e insumos para o cultivo dessa fruta,
poderíamos mencionar várias empresas regionais que se dedicam à
comercialização da banana. A entidade representativa dos produtores de
146 bananas desse município é a Associação dos Bananicultores de Luís Alves
(ABLA)4.
3.5CACHAÇADELUÍSALVES:MUNICÍPIODELUÍSALVES,NOVALEDOITAJAÍ
OmunicípiodeLuísAlves,localizadoentreBlumenau,JoinvilleeItajaí,é
reconhecido por sua aguardente produzida de forma artesanal, o que lhe
confere o título de “Capital Catarinense da Cachaça”. Considerado um dos
maiores produtores de cachaça de Santa Catarina, a aguardente do
município leva a classificação nobre de estar entre as melhores do país. A
bandeira do município traz a imagem de uma moenda, representando a
grandeproduçãodacachaçaeageraçãoderiquezasqueelaproporciona.
A "Festa Nacional da Cachaça" ocorre no mês de julho, quando os
luisalvenses celebram a safra da cana‐de‐açúcar e a produção da cachaça.
Essa festividade atrai um número considerável de turistas e se concretiza
como uma ferramenta para difundir a cultura popular da região, sendo a
movimentação econômica importante para impulsionar as atividades
comerciais.
Pode‐se citar os Alambiques Wrück, Delmonego, Momm, SACCA e
IndústriaeComérciodeAguardenteMorauercomoempresasqueexploram
aatividadedocultivodacanaeaelaboraçãodaaguardentenomunicípiode
LuísAlves.
3.6 CALÇADOS FEMININOS DE SÃO JOÃO BATISTA: MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO
BATISTA,NOVALEDORIOTIJUCAS
Inicialmente,abaseeconômicadomunicípioeraaagriculturae,apartir
da instalação de indústrias calçadistas, a economia de São João Batista
passou a se sustentar no ramo dos calçados femininos, sendo hoje
considerada a "Capital Catarinense dos Calçados". Em âmbito nacional o
município destaca‐se por ser um dos que mais cresceram em termos
populacionais nos últimos cinco anos. Aproximadamente 80% de sua
economiaestáfundamentadanaproduçãodesapatos.
Anualmente,nosmesesdejaneiroefevereiro,SãoJoãoBatistapromove
a"FeiradeCalçadosCatarinense",atraindomilharesdeturistasdoestadoe
deoutrasregiõesdoBrasil,movimentandotodosossetoreseconômicos.O
municípioéconsideradoumaótimarotadeturismodecompras,devidoao
preço baixo e à qualidade dos produtos que oferece. Juntamente é
4
Apesar de apresentarmos em separado os casos da banana de Curupá e Luís Alves, é possível
pressupor que as duas experiências poderiam compor uma única IG, pela sua proximidade e
semelhança nas características climáticas e de paisagem. No entanto, é importante ressaltar que
são processos próximos, que se assemelham, mas que têm características identitárias
diferenciadas.
147 considerado o terceiro maior polo industrial de calçados do país, com
movimentações mercadológicas também voltadas às empresas fabricantes
decomponenteseacessóriosparaessesprodutos.
São João Batista possui hoje cerca de 150 indústrias voltadas para o
setor calçadista, oferecendo milhares de empregos e melhores
oportunidadeseconômico‐financeirasparasuapopulação.
3.7 CARNE SUÍNA DO OESTE CATARINENSE: OESTE DO ESTADO DE SC,
MUNICÍPIOSDECONCÓRDIA,CHAPECÓ,FRAIBURGOESEARA
OEstadodeSantaCatarinaéconsideradoomaiorprodutornacionalde
frangos e suínos, sediando empresas como a Sadia e a Perdigão, além da
Seara e Cooperativa Aurora. Na pecuária, a região responde por 82% da
produção de carne de frango e 67% da carne suína de todo o estado.
Provando sua importância no cenário nacional, a região é considerada o
“CeleirodeSantaCatarina”.
Aimportânciadasuinoculturapodesercomprovada,porexemplo,por
sediarempresasdeinovaçãoemtecnologiaparamelhoramentosgenéticos
em suínos. Os produtos cárneos de suínos da região, como defumados,
embutidos, recheados, temperados, entre outros, possuem características
específicasquelhesatribuemumaidentidadesingular.
Eventos, tais como a Exposição Feira Agropecuária, Industrial e
Comercial, o Salão Brasileiro da Suinocultura, a Feira Internacional de
Processamento e Industrialização da Carne, o Simpósio Brasil Sul de
Suinocultura,ea"FestaNacionaldoLeitãoAssado",ocorremnosmunicípios
de Concórdia e Chapecó, tornando evidente a importância da carne suína
para essa região. As festividades envolvem a exposição da suinocultura, a
forma de criação do animal e do preparo dos alimentos – advindo dos
saberes populares dessa região – e expressam efetivamente a cultura do
OestedoEstado.
3.8CEBOLADEITUPORANGA:MUNICÍPIODEITUPORANGA,
NOVALEDOITAJAÍ
O município de Ituporanga é o responsável por abastecer,
aproximadamente,12%domercado nacionaldeconsumodecebola,além
de exportar esse vegetal, usufruindo, dessa forma, do título de “Capital
Nacional da Cebola”. Tem sua economia voltada para a agricultura,
destacando‐se também no turismo rural relacionado à produção desse
vegetal, onde é sanada a necessidade de divulgar os produtos, já que suas
qualidadessãoreconhecidasnacionalmente.
Anualmenteocorrea"FestaNacionaldaCebola",queatraivisitantesde
148 todo o país e também estrangeiros. Esse evento busca maneiras de
aprimorarastecnologiasempregadasnaproduçãoagrícoladacebola,além
de divulgar investimentos e melhorias no cultivo, beneficiando todos os
ramos empresariais do município. Conjuntamente, são realizados outros
programasdenaturezaculturalerecreativanoeventocomemorativo.
Importanteressaltarqueexistemnomunicípiodiversasempresasque
utilizamaprodução,ocomércio,aarmazenagemeaexportaçãodecebolas
comobaseparasuasatividadeseconômicas.
3.9 CERVEJAS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE
BLUMENAUEENTORNO
Blumenau,pertencenteàregiãodoValedoItajaí,éoterceiromunicípio
mais populoso do Estado de Santa Catarina. Um setor tradicional e
altamente promissor da economia do município e região próxima é o da
produçãodecervejasartesanais,comoasmarcasEisenbahneaBierland.O
município leva o título de “Capital Nacional da Cerveja”, possuindo fortes
herançasculturaisdospovosgermânicos,seusprincipaiscolonizadores.
Na região de Blumenau existem mais de 10 microcervejarias, quase
todasrespeitandoachamadaLeidaPurezaAlemã(Reinheitsgebot),queimpôs
a essa bebida apenas quatro ingredientes para sua confecção: água, lúpulo,
malte(decevadaoudetrigo)efermento.Anualmente,emoutubro,Blumenau
promoveaOktoberfest,cujatradiçãoconfiguraasegundamaiorfestasobre
cervejas do mundo (após Munique, na Alemanha), sendo uma das maiores
atraçõesculturaisdopaís.
Uma das principais atrações turísticas da região é o Roteiro das
CervejasArtesanais,queocorreanualmenteeéomaiorencontrocervejeiro
doBrasil.EsseRoteiroexpõeumagrandediversidadedearomas,texturase
saboresdecervejas,afimdedemonstraraqualidadeeasingularidadedas
mesmas que, nesses moldes de confecção, são encontradas somente nessa
região do país. O evento conta com shows, palestras e feiras com atrações
artísticas e gastronômicas; Sendo um dos seus principais objetivos fazer
com que os produtores nacionais de cerveja (fornecedores, bares,
cervejeiros) tenham oportunidades de maior crescimento no mercado
através do contato com o público consumidor, de modo a consolidar a
identificaçãodacidadeedaregiãocomessabebida.Nacidadeencontra‐seo
MuseudaCerveja,únicodogênerodopaís.
3.10CRISTAISDEBLUMENAU:MUNICÍPIODEBLUMENAU,NOVALEDOITAJAÍ
O município de Blumenau, predominantemente de origem germânica,
tem como base de sua economia o setor industrial e, dentre as principais
indústrias,sedestacamasdecristais.Omunicípioapresentacaracterísticas
própriasnaproduçãodecristais,tendoassuasvariedades,cores,formasde
confecções e utilidades como motivo de atração turística na região, sendo
149 possível contemplar ao vivo o processo de produção em determinados
roteiros. Além do Roteiro Industrial dos Cristais, a cidade conta, também,
comoMuseudoCristal,quereúneumacervodedocumentos,fotografiase
informações das indústrias produtoras dessas peças que ajudaram a
construir as manifestações históricas e culturais da região. Conhecer as
fábricaseseusprocessoséumpasseioencantadorparamuitaspessoasque
participam dessa rota turística, onde é possível observar a tecnologia
empregada, os recursos humanos qualificados e o cuidado detalhista com
quecadamaterialéproduzido.
Importanteressaltarqueessaproduçãoé,predominantemente,manual,
a fim de manter intactas a cultura e a tradição da região ao produzir
produtos de qualidade inigualável. Entre as empresas de cristais da região
estão a Cristais Blumenau, Cristallerie Strauss e Glas Park. Essas abrem às
portas ao turismo industrial e contribuem com as manifestações culturais
desse município, além de promoverem empregos e fontes de renda para a
população. Blumenau é, portanto, referência nacional na produção de
cristais.
3.11 ERVA‐MATE DO PLANALTO NORTE CATARINENSE: PLANALTO NORTE
CATARINENSE,TENDOCANOINHASCOMOMUNICÍPIOPOLO
A erva‐mate é famosa pela sua utilização no chimarrão, bebida
saboreada nas reuniões com amigos e confraternizações com o típico
churrasco e fogo de chão, configurando‐se como uma característica
originária da Região Sul do Brasil. Utilizada, também, para elaboração de
chás, adquirindo os mais variados aromas e sabores, o produto possui
potencialidades naturais com características de fazerem bem à saúde –
englobando um segmento de mercado em franca expansão. Atualmente, o
EstadodeSantaCatarinaéosegundomaiorprodutordeerva‐matedopaís.
OPlanaltoNorteCatarinensedestaca‐senaproduçãodaerva,emespecialo
município de Canoinhas, que teve sua origem no cultivo e na extração da
erva‐matenativa.
Osimigrantes,comoosdeorigemalemã,polonesa,italianaeucraniana,
nopassado,foramatraídosàregiãodevidoàproduçãodaerva‐mateesuas
potencialidades. Esse município possui o Museu da Erva‐Mate, com
fotografias,imagens eobjetosque refletemaproduçãoda erva‐mateeseu
beneficiamentoartesanaleindustrial.
ÉtradiçãoemCanoinhas,nomêsdesetembro,apromoçãoda"Festada
Erva‐Mate", configurando‐se a maior festividade do município,
apresentandoshows,leilõeseexposiçãodeprodutostípicosdaregião,além
da gastronomia regional. Canoinhas declara‐se a “Capital Mundial da Erva‐
Mate”.
150 3.12FRESCALDESÃOJOAQUIM:MUNICÍPIODESÃOJOAQUIM,NAREGIÃODA
SERRACATARINENSE
OmunicípiodeSãoJoaquiméfamosoporumamodalidadedepreparo
dacarnebovina,salgadaecurtidaaorelento(naausênciadoSol,geralmente
ànoite),ofamosoFrescal.Comosefosseumavariantedocharque,adaptada
àculturaregional,oFrescaléfeitoapartirdecarnesbovinasdaregião,de
qualidade nobre. Esse produto é genuinamente de São Joaquim, não
existindosuafabricação,comasmesmascaracterísticas,emnenhumoutro
localdopaís.EstudiososacreditamqueogostosingularexistentenoFrescal
de São Joaquim é devido ao fato de o gado se alimentar de pastagens
naturaisprópriasdaregião,quelheconfereosabordiferenciadoedignode
destaque.
O Frescal é procurado por muitos turistas que visitam essa região em
busca da carne típica joaquinense, com fama de "derreter na boca" e ter
gosto de uma carne cuidadosamente curtida. A procura por esse alimento
aumentanasestaçõesdeoutonoeinverno,quandooturismodomunicípioé
maisacentuadopelofriointensoeatépelapresençadeneve.
Como exemplo de investimentos voltados para esse produto pode‐se
citar os realizados pela empresa Frigozan, que possui o Frescal como uma
marca registrada, e o comercializa há cerca de 40 anos. Em muitos
supermercados e açougues catarinenses é possível conferir o Frescal
produzido no Planalto Serrano, com as devidas especificações que
comprovamsuaprocedência.
3.13KOCHKAESEDOVALEDOITAJAÍ:MUNICÍPIOSDOVALEDOITAJAÍ,TENDO
OSMUNICÍPIOSDEBLUMENAU,INDAIALEPOMERODECOMOPOLO
O queijo Kochkaese é elaborado de modo caseiro e não há a
pasteurização do leite no seu processo de confecção, razão pela qual essa
modalidade de queijo branco ainda está em processo de regulamentação
junto ao Ministério da Agricultura, sendo realizadas vendas em pequena
escala na região. O Kochkaese é vendido em feiras, por produtores que
confeccionam o produto isoladamente, sem a utilização de equipamentos
tecnológicos. Dessa forma se preserva a cultura popular e traz fonte de
renda para muitas famílias. A confecção desse alimento demora cerca de
setediaseosmuitosapreciadoresdizemquepossuiumsaborinigualável.
Existem expectativas de que pesquisas que estão sendo realizadas
contribuamparaumaposteriorregulamentaçãodoprodutoe,dessaforma,
se difunda a cultura gastronômica típica presente no Kochkaese. Como um
queijo cremoso, na forma atual de produção do Kochkaese, o processo de
envelhecimentoéprovocado,sendoque,antigamente,erausadooleiteque
não mais seria consumido por estar envelhecido. Os produtores dos
151 municípiosdessaregião,predominantementedeorigemalemã,lideramum
forte movimento que busca o tombamento imaterial desse alimento,
tornando‐o patrimônio histórico e cultural. É certo que esse tipo de queijo
nãopossuireferênciaedestaqueemnenhumaoutraregiãodopaís,porisso
osturistassãoatraídosporessepratosingularaovisitaremaregiãodoVale
doItajaí.
3.14LARANJAESUCODOVALEDORIOURUGUAI:VALEDORIOURUGUAI
O Vale do Rio Uruguai engloba municípios catarinenses como
Concórdia, Chapecó e Itapiranga, e municípios do Rio Grande do Sul como
Erechim,Iraí,TrêsPassoseSantaRosa5.
Segundo estudos, nessas regiões se concentra a laranja de melhor
qualidadedopaís,comummenorgraudeacidez,agradávelaopaladar,um
tamanho adequado e uma coloração chamativa e vivaz, atraindo os
consumidoresdeformasignificativa.Essasqualidadesespecíficassedevem
a um microclima regional configurado pela presença de um vale nas
proximidades do Rio Uruguai e seus afluentes, que banham essa grande
área. Esse microclima possibilita a produção de cítricos, mesmo sendo em
áreasdeclimasubtropical.
A cadeia produtiva do Oeste catarinense é abrangida pela Associação
Catarinense de Citricultura (Acacitros), já tendo atingido cerca de 1.700
estabelecimentos rurais cultivando mais de três milhões de laranjeiras. O
aumento da área plantada nessa região é constante, e é altamente
promissor. No entanto, apesar da potencialidade que a laranja apresenta
nestaregião,nosúltimosanos,têmocorridocrisesdemercado,interferindo
naáreadeprodução.
Mesmoassim,noValedoRioUruguaiexistefestividadesqueexpõema
ricaproduçãocítricadosmunicípios,alaranjaeseusderivados,produzidos
de forma artesanal pelas famílias locais, demonstrando a cultura típica da
região.
3.15 LINGUIÇA DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE BLUMENAU, NA REGIÃO DO
VALEDOITAJAÍ
A Linguiça de Blumenau é um embutido famoso, no entanto, sua
produção ocorre em todo o estado catarinense. Em especial, esse produto
expressa a cultura e a singularidade da produção blumenauense, com
qualidadereconhecidaesaborresultantedautilizaçãodecarnesnobresda
região.
As origens dessa receita expressam as raízes da colonização alemã,
5
Ou seja, no caso de se pensar numa IG, a mesma poderia estender sua área de abrangência
também para áreas daquele estado.
152 fortemente presente nessa região. Inúmeras receitas culinárias utilizam a
Linguiça Blumenau como matéria‐prima, desde aperitivos até pratos
principais,sendoquepossuiummercadoconsumidorconsolidado.Existem
blumenauenses, produtores isolados, que até hoje usam os ensinamentos
dos seus antepassados para o preparo da Linguiça Blumenau, muito
apreciadacompãopretoemostardaforte.
Esseeoutrosprodutosdaregiãooportunizameventos,comoo"Festival
Gastronômico", com a participação de restaurantes que elaboram pratos
exclusivos para o festival utilizando‐se de produtos específicos regionais.
Eventoscomoessedifundemaculturaregionalemovimentamaeconomia
do município de Blumenau e região, nas áreas industrial, comercial e de
serviços.
3.16 MAÇÃ DE SÃO JOAQUIM: MUNICÍPIO DE SÃO JOAQUIM, NA SERRA
CATARINENSE
O município de São Joaquim, além de ser famoso pelas suas mais de 800
horas de frio ao ano, com presença eventual de neve, é reconhecido pela sua
produção de maçãs, principalmente as da qualidade Fuji, tanto que possui o
título de maior produtor dessa fruta no Estado de SC. Cerca de 70% da base
econômicadeSãoJoaquimgiraemtornodaproduçãoecomercializaçãodessa
fruta,consideradapormuitosdesabor,aparência,coretexturaincomparáveis.
A cada dois anos, o município promove a "Festa Nacional da Maçã",
realizada entre ofinaldo mês deabril e início de maio, a qual possui atrações
turísticas tradicionais, como camping, cancha de laço e palco para shows,
atraindomilharesdeturistasemantendoumatradiçãoquejáexisteacercade
50 anos. Envolvendo a culinária, trajes típicos, shows, palestras e seminários,
esseeventocontribuiparaadivulgaçãodaculturatípicaregionaleclassificama
maçãcomoumprodutoessencialparaomunicípiodeSãoJoaquim.
Hoje,SãoJoaquimcontacommaisdemilpequenosprodutoresecoma
Associação de Produtores de Maçã e Pera (AMAP). Essa fruta atrai
investimentos tecnológicos para sua produção, no que diz respeito à sua
industrializaçãoenavariedadedesubprodutoscomodoces,balasegeléias.
Comoexemplodeempresasqueproporcionamfontesdeempregoerendas
para a população utilizando‐se da maçã como matéria‐prima econômica,
pode‐secitaraSANJO‐CooperativaAgrícoladeSãoJoaquim,quehojeconta
com cerca de 330 funcionários e produz, colhe e comercializa essa fruta
durantetodasasépocasdoano.
3.17 MEL DE MELATO DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA REGIÃO DA
SERRACATARINENSE
O Mel de Melato se diferencia do mel tradicional, este último
confeccionadopelasabelhasapartirdopólendevariadasespéciesdeflores.
O Melato é resultante da utilização, pelas abelhas, de um líquido expelido
153 pelaárvore Mimosa Scabrella(apopularbracatinga),apartirdoataqueda
cochonilha,umparasitaquepossuitempodevidadedoisanos.Portantoo
augedaproduçãodessemelocorreacadadoisanos.
Essa modalidade de mel configura‐se como único, menos açucarado e
comumacormaisescuraqueomelobtidodonéctarfloral.Esseprodutopor
muito tempo foi desconhecido e desvalorizado pelos apicultores. Na época
deseusurgimento,retiravamsuasabelhasdoslocaisdeorigemparaquea
produçãodomeltradicionalnãofossecomprometida.
NaSerraCatarinense‐compreendidapelosmunicípiosdeUrubici,Bom
Retiro, Rio Rufino, Bocaina do Sul, Palmeira, Lages e entorno ‐ o Mel de
Melato produzido é "puro" devido à grande quantidade de bracatingas
existentes,oquenãoocorreemoutrasregiõesdosul,emqueaproduçãose
misturacomadeoutrasflores.
OMeldeMelatojárecebeupremiaçõesqueoconfiguramcomomelhor
mel do mundo e, por possuir certificações de produção com origem em
florestas nativas, respeita a regulamentação para orgânicos da União
Europeia, o que facilita a sua exportação. A Alemanha é a principal
importadora desse produto Estima‐se que existam cerca de 1.800
apicultoresnaSerraCatarinense,osquaisfocamsuasproduçõesnoMelde
Melato.
3.18 MÓVEIS DE SÃO BENTO DO SUL: MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO SUL,
NORTEDOESTADODESC
A economia de São Bento do Sul é essencialmente industrial, com
empresas de cerâmica, metalúrgicas, têxteis e, principalmente, moveleiras.
Pode‐se citar o ramo moveleiro do município como fundamental para a
movimentação econômica e financeira dos setores primário (extração das
matérias‐primas, as madeiras), secundário (fabricação dos móveis) e
terciário(comercializaçãoeprestaçãodeserviços).
São Bento conta com extensos parques fabris para a confecção de
móveiscustomizados,comdesignsdiferenciadosedealtopadrão.Osmóveis
produzidos adquiriram reconhecimento em caráter nacional, compondo,
também, o principal produto de exportação da cidade (a maior exportação
moveleiradopaís).
São Bento do Sul é reconhecido como "Capital dos Móveis" sendo,
semestralmente, realizada a feira FEISTOCK, com o intuito de promover o
comércioeoreconhecimentodaregiãocomopolodefabricaçãodemóveis
diferenciados, customizados e de alta qualidade. Essa feira impulsiona o
turismoconsideravelmente,comapromoçãodeeventosqueenvolvemtoda
aregiãonortecatarinense,movimentandoaeconomiadomunicípiodurante
suaexecução,alémdepromovercontratosentreindústriasecomércioscom
154 o consumidor final. O polo moveleiro se estende aos municípios próximos,
comoodeRioNegrinho.
3.19 OSTRAS DE FLORIANÓPOLIS: ,
FLORIANÓPOLIS,CAPITALDOESTADODESC
As ostras alimentam‐se de detritos marinhos e operam como filtros
subaquáticos. A criação de ostras em Florianópolis começou a partir de
1990, sendo que foi implantada como alternativa de renda aos pescadores
artesanais.AparteinsulardeFlorianópolispossuicercade100hectaresdas
suas águas ocupadas pela maricultura, a criação de mariscos. No bairro
RibeirãodaIlhaaproximadamente5.000pessoastiramseusustentodessa
atividade.
Florianópolis possui as águas consideradas ideais para o cultivo desse
marisco, são rasas de até um metro e meio, calmas e possuem nutrientes
advindosdachuvaqueocorrenaSerradoMar,napartecontinental.Assim,
a ostra da capital catarinense desenvolve‐se completamente em cerca de
seismeses,enquantoaostrafrancesa,referênciamundial,demoraseisvezes
mais.
Entre os principais eventos de Florianópolis, destaca‐se a "Festa
Nacional da Ostra", única festividade do gênero do Brasil, que reúne a
gastronomiatípica,pratosexóticosediferenciadosfeitoscomfrutosdomar,
tendocomobaseprincipalaostra.Esseeventoapresentashows,palestras,
atividadestécnicas,econômicas,científicas,artísticaseculturaisfocadosna
produção desse marisco, trazendo oportunidades aos produtores para
consolidarem seu público consumidor e divulgarem a qualidade dos seus
produtos. Florianópolis detém 80% da produção nacional de ostras. A
Fazenda Marinha Ostra Viva é um exemplo de empresa produtora desse
marisco,desde1998.
3.20 QUEIJO SERRANO: MUNICÍPIOS DA SERRA CATARINENSE E REGIÃO
SERRANADONORDESTEDORIOGRANDEDOSUL
A Serra Catarinense, que se estende desde o município de Lages e
entorno, com extensão até a região serrana do nordeste do Rio Grande do
Sul, possui altitudes superiores a 1.000 metros e invernos rigorosos. Essa
região é famosa pela produção de queijos artesanais e coloniais, típicos
desse território, conhecidos como Queijo Serrano e intitulados pelo
patrimônioculturalterritorial6.
Aproduçãodessequeijoéfontederendademuitasfamíliasdaregião,
produtores isolados e pequenos pecuaristas. Cerca de 50% da renda
6
O Capítulo 9 desta coletânea trata com mais profundidade o tema.
155 inerente à Serra Catarinense vem da produção desse queijo artesanal que
remontaprocessosseculares,tradiçõespassadasdegeraçãoageração.
AqualidadedoQueijoSerranoresultadastécnicasartesanaisutilizadas
naregião,comooleitedasvacasquesealimentamdaspastagensnaturaise
oclimatípico,que,segundoestudos,atribuemaesseprodutocaracterísticas
únicas e reconhecidas nacionalmente. Com o objetivo de qualificar os
produtores,aEmpresadePesquisaAgropecuáriaeExtensãoRuraldeSanta
Catarina(Epagri),emparceriacomoConsórcioSerraCatarinense(Cisama),
promove a Capacitação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Queijo
Artesanal Serrano. Em Lages, visando promover a melhor organização das
estratégias da cadeia produtiva do Queijo Serrano, foi realizada a
constituição da Associação de Produtores de Queijo Artesanal Serrano da
SerraCatarinense(Aproserra).
No município de Laurentino (SC) ocorre a "Festa Estadual do Queijo",
contribuindo no fortalecimento da cultura regional, promovendo maior
integração e divulgação dos potenciais econômicos da região, juntamente
comaculturaeatradiçãodasociedadeserrana.
3.21 QUIRERA: TERRITÓRIO DO CONTESTADO, DE CONCÓRDIA, IRANI E
JOAÇABA,ATÉCANOINHASESULDOPARANÁ
Quireraéonomepopularatribuídoaomilhotrituradoempilão.Cozido
misturadocomcarnesuínatorna‐seumalimentonutritivoedebaixocusto.
Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do
Contestado.Assim,adietaalimentardasociedaderegional,duranteeapósa
Guerra do Contestado era, basicamente, a quirera. Nesse sentido, esse
alimento típico do homem do Contestado poderia constituir‐se uma
especificidadeterritorial.
Atualmente, a quirera ainda é consumida na culinária da região. No
entanto, diferentemente da sua origem, hoje o milho é triturado
mecanicamente,oquenãolheatribuiamesmaqualidade,aliadoaofatode
quenãonecessariamenteháumapreocupaçãodaindústriacomaqualidade
damatériaprima.
3.22 RENDA DE BILRO DE FLORIANÓPOLIS: FLORIANÓPOLIS, CAPITAL DO
ESTADODESC
Originalmente, a economia de Florianópolis esteve relacionada com
atividades ligadas à pesca, usualmente feita por homens. Já as mulheres,
desdeséculospassados,utilizavam‐sedeatividadesmanuais,comoofeitio
daRendadeBilroparaajudarnasdespesasdacasa.Sendoassim,aRendade
Bilrorefleteaculturaeatradiçãoseculardasociedadequehabitaessailha,
expressadaspeloditado“ondehárede,hárenda”,referindo‐seàsredesde
pescaeasRendasdeBilro.
156 Trazidanaépocadacolonizaçãoaçoriana,emmeadosdoséculoXVIII,
são tranças de fios que desenham rendas com pequenas peças de madeira
(os bilros) e é muito famosa na ilha catarinense, principalmente nas
localidades de Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa e Lagoa da
Conceição.
Na localidade de Pântano do Sul existe a Casa das Rendeiras, que
preservaaculturaeatradiçãodessaatividade.Nesselocal,diversaspessoas
se reúnem, desde rendeiras até turistas e curiosos, se configurando uma
modalidade de oficina de renda que funciona como uma cooperativa de
artes manuais. As técnicas para a confecção das Rendas de Bilros foram
passadasdegeraçãoageração.Adiferenciaçãodessemododeconfecçãoé
que é necessário utilizar um tecido como base. A “Maria Morena” e a
“Tramoia” são denominações de algumas das rendas mais conhecidas na
região,tidascomoprodutostípicoseespecíficosdacapitalcatarinense.
3.23 RENDAS DE CRIVO CATARINENSE: FLORIANÓPOLIS E MUNICÍPIOS DA
REGIÃOMETROPOLITANADEFLORIANÓPOLIS
A Renda de Crivo constitui‐se em uma modalidade de bordado
elaborado a partir da preparação de um determinado tecido de onde são
retiradosalgunsfiosafimdeformarespaços.Essesespaçossãopreenchidos
comfiosdecoresdiversas,delineandoodesenhodesejadopelarendeira.
Essa atividade, típica da Capital Catarinense, possui raízes na
colonização açoriana e, assim como a famosa Renda de Bilro, constitui a
culturaeatradiçãoseculardessaregião.
Mulheres que praticam essa arte são denominadas “criveiras”. Elas se
reúnememlocaiscomoaCasadaCulturaeaGaleriadoArtesanato,também
na casa particular das amigas e companheiras, a fim de bordarem a Renda
deCrivo,sendoessapráticapassadadegeraçãoemgeração.
No mês de agosto, na região da Grande Florianópolis, ocorrem
celebrações e atividades culturais no denominado Dia do Folclore, evento
criado para divulgar os produtos artesanais da região, englobando, na
relação das artes manuais, a Renda de Bilro e a Renda de Crivo.
Investimentos são aplicados para que haja o resgate e o incentivo à
comercialização dessa modalidade de artesanato catarinense, considerado
umaidentidadeculturaldoEstado.Asgaleriasdearte,destinadasparaesse
fim,recebemmuitosvisitantesquecontemplamastécnicasempregadasna
confecção dessas artes em tecido, prestigiando os artesãos e a bagagem
históricaexistente.
157 3.24 TRANÇAS DA TERRA DO MEIO OESTE CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA
REGIÃOMEIOOESTECATARINENSE,TENDOJOAÇABACOMOPOLO
OMeioOestedeSantaCatarinafoicolonizadoporalemãeseitalianose
jáfoiconsideradoa“CapitaldoTrigo”dopaísnadécadade50.AsTranças
da Terra configuram uma modalidade de artesanato feito com a palha do
trigo, muito praticado na região montanhosa e colonial do Meio Oeste
Catarinense,quepossuiessaatividadetípicacomespecificidadeterritorial.
Essas tranças refletem culturas históricas, sendo que os artesãos detêm os
saberes relacionados às tradições dessas localidades, além de se
constituíremfontederendaparainúmerasfamíliasqueláhabitam.
Temendo que essa tradição seja perdida, existem projetos que visam
resgatar aculturadessa artemanualnaregião,comooProjetoTrançasda
Terra.Essefoicriadoporumgrupodemulheresehojecontacomdezenas
de artesãos e produtores de trigo, espalhados entre os municípios de
Joaçaba,Catanduvas,Lacerdopólis,LuzernaeOuro.
Essa modalidade de investimento cultural agrega valor à identidade dos
municípios, pois o número de pessoas que passam a se interessar pela arte
aumentagradativamente,naproporçãoemqueosprodutossãoexpostoseas
técnicasdivulgadas,tornando‐seumarotadecomprasatrativaaosturistas.Esse
projeto, respeitando as raízes culturais da sociedade e possuindo como
perspectivaodesenvolvimento,envolvemaisdecemfamíliasdaregião,tendojá
alcançado certificação e reconhecimento da qualidade dos produtos
confeccionados,comoo"PrêmioSEBRAETOP100deArtesanato".
3.25TRUTADASERRACATARINENSE: MUNICÍPIOS DE BOMJESUSDASERRA,
PAINEL,LAGES,SÃOJOAQUIM,URUPEMAEURIBICI
Os municípios da Serra Catarinense possuem diversas atrações
turísticas relacionadas à truta, peixe famoso da região. Santa Catarina
encontra‐se entre principais estados produtores, graças à produção da
região serrana, onde a truticultura foi implantada em meados de 1970. Os
piscicultores,objetivandoalavancarsuasatividades,investiramemtanques
paratruticultura.Atrutamovimentaaeconomia,comapresençadepesque‐
pagues,culináriastípicasepousadasespecializadas.
No município de Painel, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) administra a Estação Nacional de
Truticultura.JáaAssociaçãoBrasileiradeTruticultores(Abrat)investeem
projetoseinovação,comoacriaçãoda"RotadaTruta",roteiroqueengloba
osmunicípiosdaregiãoserrana,sedesdascriaçõesdepeixesmaisantigas
do estado. Sendo assim, é grande a expectativa quanto à integração da
truticultura com o setor turístico e na criação de um potencial “roteiro
temático”focadonapescaesportivadessepeixe.
158 3.26VIMEDERIORUFINO:RIORUFINO,NASERRACATARINENSE
A economia do município de Rio Rufino é baseada na agricultura
familiarenacriaçãodebovinosparacorteeproduçãoleiteira.Porém,nas
últimas décadas, uma nova alternativa de desenvolvimento vem
despontandonaregião,aproduçãodovime.
Comovimesãoelaboradosinúmerosprodutosartesanais,comocestos
emóveis.RioRufinoeregiãopossuemascondiçõesambientaisideais,como
o clima, temperatura, relevo e altitude para o cultivo desse arbusto, com
vimeiros que atingem cerca de dez metros de altura, adquirindo porte de
árvore frondosa de tamanho três vezes maior que o convencional. O
município é considerado a “Capital Nacional do Vime”, sendo responsável
por90%daproduçãonacional,juntamentecomBomRetiro,BocainadoSul,
UrubiciePalmeira,municípiospróximos.
NomunicípiodeRioRufinoexisteadenominadaCentraldasCestas,que
reúneaproduçãodecercade25artesãosecontacomaconfecçãodecerca
de20milpeçaspormês,vendidasparaentidadeseempresasdentroefora
do Estado, as quais realizam encomendas de cestas para os mais variados
fins,comocestasparacafédamanhãeflores.Dessaformaamãodeobrada
região éabsorvidapeloartesanato,configurandofontederendaparamais
decemfamílias.
Aregiãopromove,anualmente,aFestaNacionaldoVime,queexpõemas
produções e atividades dos agricultores e artesãos típicas dessas
localidades,contandocomshows,palestrasegastronomia.
3.27 VINHOS DE ALTITUDE DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DE SÃO
JOAQUIM,CAMPOSNOVOSECAÇADOR
Os Vinhos de Altitude são produzidos em áreas situadas entre 900 e
1.400metros.Ainfraestruturaquealgunsmunicípioscatarinensespossuem
para produzi‐los reflete potencialidades de uma nova especificidade
territorial,oVinhodeAltitude,sendoessaregiãodetentoradecercade180
qualidades dessa bebida. Em São Joaquim existe a famosa Villa Francioni,
maiorvinícoladaregiãoeconsideradaumaobradearte,atraindoturistase
contempladoresdaatividadevinícola.
O centro comercial Casa dos Vinhos, sediado em São Joaquim e com
filiais em outros municípios, aderiu à venda dos vinhos de altitude
produzidosnaSerraCatarinense.JáaAssociaçãoCatarinensedeProdutores
de Vinhos Finos de Altitude atua na divulgação dos vinhos dessa região
catarinense promovendo a feira "EXPOVINIS". Dessa forma, é possível
divulgaraqualidadecertificadadosvinhoscatarinenses,comaroma,textura
epaladarsingulares.Outrofatoquemerecedestaqueéaformadaprodução
e do cultivo da uva na região, plantadas em fileiras para captar mais luz
159 solar,compequenaproduçãoporparreira,afimdegarantirasuaqualidade.
A "Vindima de Vinhos Finos de Altitude" é um evento que ocorre nos
municípiosserranoscatarinensesprodutoresdessabebida,comarealização
do enoturismo, visitação das vinícolas, passeios, palestras, degustações e
almoçostípicosdaculinária,comtraçosculturaisdaregião.ComoInstituto
CatarinensedeTecnologiaemVitivinicultura,estãosendoelaboradosselos
de qualidade que distinguem os vinhos dessas localidades. Muitas famílias
serranas sobrevivem do plantio da uva, da sua colheita, da confecção do
vinhoedacomercializaçãodessabebidanomercado.
Estes são os 27 produtos que, segundo estudos já realizados,
apresentam especificidade territorial, a qual poderá contribuir no
reconhecimento de futuras experiências de IG nas diferentes regiões do
estadodeSC.NaFigura1,estãomapeadasessasexperiências,incluindoaIG
ValedaUvaGoethe.
4.ERVA‐MATENOPLANALTONORTECATARINENSE
Nestetópicoiniciamoscomumabrevecontextualizaçãodohistóricoem
torno do recurso específico da erva‐mate, bem como empregamos as
categoriasevariáveisadvindasdarevisãodeliteraturaafimdecaracterizar
esse produto em termos de seu potencial de obtenção de Indicação
Geográfica.
Figura01‐PotencialidadesdeIndicaçãoGeográficadoEstadodeSC:
produtoselocalização
Fonte:Elaboraçãoprópria,combasenosdadosdapesquisa
160 4.1RESGATEHISTÓRICO
A erva‐mate foi a atividade econômica extrativa mais importante do
final do século XIX até por volta de 1970 para a chamada Região do
Contestado, estendendo‐se por todo o sul do vale do Rio Negro, que serve
como divisor físico entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, na sua
porção central. Essa região corresponde, aproximadamente, ao Planalto
Norte Catarinense e Centro Sul do Paraná (DALLABRIDA, 2012; MAFRA,
2008).
Sendo ela o motivo principal de disputa entre os territórios de Santa
Catarina e Paraná, podemos destacar a construção da estrada de ferro São
Paulo–RioGrandedoSuleoramalqueligavaPortoUniãoaoportodeSão
Francisco do Sul. Para tal obra, o governo federal contratou a empresa
americana Brazil Railway Company, subsidiária da Southern Brazil Lumber
andColonizationCompany.Comopartedopagamentoaempresarecebeua
concessãodaexploraçãodamadeiraematé15kmdecadaladodaestradaa
serconstruída.Muitasdessasáreaseramocupadasporposseiros,amaioria,
oschamadoscaboclos,osquaisforamsendoexpulsos(MARQUES,2014).
A Lumber, além de explorar a madeira, ainda loteava os terrenos e os
repassavaaimigranteseuropeus.Essasituaçãodeexclusãoeabandonodas
populações locais, em áreas sem a ação efetiva do governo catarinense ou
paranaense, gerou um ambiente propício para o desenvolvimento de um
movimento messiânico, liderado pelo monge José Maria, que agregou
milharesdefamíliasnalutapelaterraemelhorescondiçõesdevidaparaas
populaçõeslocais,desencadeandoaGuerradoContestado,umdosmaiores
conflitosdahistóriabrasileira(MARQUES,2014).
A área de disputa de territórios ficou conhecida como Território do
Contestado.Aáreademaiorincidênciadaerva‐matecorrespondeàsterras
próximas ao município de Canoinhas, na região do Planalto Norte
CatarinenseeCentroSuldoParaná,sendoesseumdosmunicípiosquetem
maioridentificaçãocomaproduçãodeerva‐mate(DALLABRIDA,2012).
Nessa região viviam pessoas simples e humildes, que dependiam da
extração da erva‐mate para sobreviver. Durante muitos anos, extraíam e
produziam para seu próprio consumo e vendiam como forma de biscate.
EssapassouaserumaatividadeeconômicatratadacomoquestãodeEstado,
poisoservaiscatarinensesaosuldoRioNegrodespertavaminteressedos
empresáriosdomateedasempresasexportadorasnoParanáe,maistarde,
emSantaCatarina(MAFRA,2008).
Mafra(2008)destacaaimportânciaeconômicaqueteveapartirdoano
de1902.Comojácitado,aerva‐matepassouaserexploradaporempresas
de grande porte, de uma forma empresarial, substituindo formas de
exploração originais feita por posseiros. As empresas ervateiras, de forma
161 monopolística, passaram a receber do Estado a concessão de terras para
exploraroproduto.Comisso,segundooautor,osantigosmoradoresforam
expropriados de suas terras e dos ervais, sua tradicional fonte de renda,
transformando‐se,então,emassalariadosdasempresaservateiras.
Podesedizerqueessaregiãofoimarcadaporconflitosqueimpactaram
na economia local, na forma de exploração dos habitantes nativos. Sendo
assim, desde o século XIX até a década de 1930, o principal produto de
exportação do Paraná e de Santa Catarina, embora perdendo a primazia
econômica,foiaerva‐mateparachimarrão,oquecontinuaatéosdiasatuais,
mesmoquecommenorimportânciaeconômica(MAFRA,2008).
4.2IMPORTÂNCIAECONÔMICA
No Planalto Norte Catarinense (PNC) existe uma aglomeração de
empresas dedicadas à atividade ervateira, o que marcou profundamente a
história socioeconômica do território. Na atualidade, esse aglomerado de
empresasnecessitadeatençãoparamantersuacompetitividade,sendoque
aexportaçãoestápresentedesdeoséculoXIX,tendograndeimportânciano
desenvolvimentosocioeconômicodoterritório(SOUZA,2009).
Omesmoautormencionadocitaque:
Desde o terço final do século XIX até meados anos 1980 este território foi a
principal região catarinense de produção e transformação de erva‐mate. Nos
anos 1960 chegou a constituir mais de 93% de toda a produção estadual
(SOUZA,2009,p.02).
Souza (2009) relata que a competitividade das empresas ervateiras
desse território tem diminuído, tendo em vista, por um lado, os maiores
custos de produção da erva‐mate nesses ambientes manejados, em
comparação aos menores custos de produção de outras regiões ervateiras,
incluindo a dificuldade crescente de manutenção de mercados e da
diferenciaçãodepreçosfrenteàoutrasregiõesprodutoras.
Quanto aos sistemas tradicionais de produção de erva‐mate em
propriedades de agricultores familiares, tanto Paraná como Santa Catarina
têmgrandeimportânciaeconômica,socialeambiental,pois,alémdessaser
uma fonte de renda, contribui para a conservação da floresta de Araucária
(DALLABRIDA,2012).Segundoessemesmoautor,aerva‐mateéoprincipal
produtoflorestalnãomadeirávelemordemdevalordogrupodeprodutos
florestais, citando que em 2011 essa extração dos ervais nativos foi de
229.681toneladasdeerva‐matecancheada.
Marques (2014) e Dallabrida (2012) salientam que a erva‐mate
constitui a atividade que produz uma renda segura, com poucos
investimentos assume importante função de reserva de valor e de
estabilizaçãodasunidadesfamiliares,pois,éfortementeligadaàstradições
162 e as historias das famílias, além de contribuir para a conservação dos
remanescentesflorestaisedeespéciesarbóreasameaçadasdeextinção.
Dessa forma, os processos de reconhecimento e registro de uma IG, é
umaformaefetivadevalorizaroterritório,atravésdareputaçãodoproduto
ou através do diferencial no produto que essa região incorpora. É uma
vantagem decisiva para as pequenas e médias empresas e para os
agricultorescompetirnomundoglobalizado(DALLABRIDA,2012).
4.3PERSPECTIVAS
A seguir fazemos referências quanto às perspectivas socioeconômicas
deumapossívelIGdaerva‐mate.
4.3.1SOCIOECONÔMICAS
De acordo com o censo de 2010, o PNC possui 364.206 habitantes
(MARQUES, 2014).Desses,24%nomeiorurale76%nomeiourbano.Essa
porcentagem da população rural é maior do que a média brasileira e
catarinense, ambas de 16%. Apesar da impressão de que se trata de uma
regiãocompoucarelevância,omeioruralédegrandeimportância,umavez
que a distribuição da população é desigual, concentrando a população
urbanaemapenasseismunicípios,osmaisindustrializados:Canoinhas,Três
Barras, Mafra, Porto União, Rio Negrinho e São Bento do Sul. Destaca‐se,
ainda, que os municípios de Monte Castelo, Itaiópolis, Papanduva, Timbó
GrandeeMatosCostapossuemmaisde40%dapopulaçãovivendonomeio
ruraleesseíndiceatinge60%emMajorVieira,66%emIrineópolise86%
emBelaVistadoToldo.
A principal atividade econômica da região está ligada à indústria
madeireira,seconstituindoemumimportantepolodemóveisedemadeira
emtoraparapapel,celuloseeoutrosfins,concentrandoaindaumagrande
áreadereflorestamentodepinuseeucalipto.Aagriculturatambémassume
grandeimportânciaondesedestacamasculturasdasoja,milho,fumo,além
daextraçãodaerva‐mate.
SegundoTokarski(2014):
Na economia de Canoinhas, a erva‐mate não representa mais que 2,5% da
receitamunicipale2%dototaldasindústriaslocais.Mesmoassim,aprodução
regionaltemaumentadotalvezdecorrentedadiminuiçãodointervaloentreas
colheitas, a exploração de novos ervais nativos e as melhorias de manejo e a
adoção de novas tecnologias de produção. Dados de 1995 dão conta que a
produção ervateira do Planalto Norte Catarinense foi de 27.054 toneladas de
erva cancheada, de um total de 79.350 toneladas produzidas nesse ano em
SantaCatarina7.
7
Dados obtidos do site erva mate Canoinhas http://ervamatecanoinhas.com.br/reportagem.php?id=261.
163 SegundodadosdoInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE)
(2012),acidadedeCanoinhaséoprincipalpoloprodutordeerva‐mateda
regiãoedoEstadodeSantaCatarina(Figura1).Apesardeaproduçãoestar
enraizada na história da região, essa atividade enfrenta dificuldades. Os
dadosqueenvolvemacadeiaprodutivadaerva‐matesãodifíceisdeserem
levantados devido à amplitude de formas como a erva‐mate é cultivada,
extraída,processadaecomercializada(LOPES,2011).
Dessa forma, para este texto, foi possível identificar apenas o volume
anualdeerva‐mateproduzida,naformadefolhaverdeecancheada.Mesmo
assim, esses dados são aproximados, pois, as fontes de informação são
imprecisas,servindoapenascomoumreferencial.Apartirdisso,sentimosa
necessidade de busca de informações junto às prefeituras, órgãos públicos
deextensãoruralouervateiros.
Na figura 2 estão listados os municípios do PNC e seus volumes de
produção. Esses dados foram obtidos somando os informados como erva‐
mate verde e cancheada, sendo os dados em folha verde convertido para
erva‐mate cancheada. Portanto, há uma grande fragilidade estatística nos
dados, pois as informações são aproximadas. Mesmo assim, podemos ter
umaideiasobreaimportânciadaerva‐matenaregiãodoPNC.Noentanto,
exigindoaorganizaçãoebuscadeinformaçõesmaisprecisas,porexemplo,
pelarealizaçãodeuminventário.
Figura2–Mapadelocalizaçãodomaiorvolumedeproduçãodeerva‐mate
noPlanaltoNorteCatarinense
Fonte:IBGE–Somatórioemtoneladasdaerva‐mateemfolhaverdeecancheada
164 Souza (2009), em estudo realizado, fez uma entrevista com 23
indústriaservateiras,naregiãodoPNC,diretoresdecooperativasdematee
representantes de associações de classe da indústria ervateira, entre
novembro de 2009 e março de 2010, referente às perspectivas quanto ao
futuro da atividade ervateira. O autor demonstra que os entrevistados
dedicados ao mercado interno, expressam a preocupação com a forte
concorrência do mercado gaúcho, pois eles têm menores preços e fazem a
utilizaçãodeaçúcar,hojepermitido,desdequeinformado.Osentrevistados
que se dedicam ao mercado externo, especialmente o mercado Uruguaio,
expressam preocupação com concorrências da erva‐mate argentina, pois
temmenospreço(SOUZA,2009).
Em síntese, a valorização do produto erva‐mate tem significativa
importância,tantoeconômicaquantosocial,paramilharesdeagricultorese
suas famílias, além de muitas outras pessoas envolvidas nessa cadeia de
produção.
4.3.2INDICAÇÃOGEOGRÁFICADAERVA‐MATE
Em artigo publicado recentemente, Dallabrida e Marchesan (2013)
referem‐se à importância da erva‐mate, nos últimos anos, abrindo
perspectivas para a oficialização da IG, pois se trata de um produto com
históricodiferenciado(notoriedade)equepodeserfacilmentereconhecido
pelosmercadosconsumidores,lembrandoqueessetrabalhoestáemfasede
debate regional, com vistas ao futuro registro junto aos órgãos oficiais
brasileiro. Entretanto, para que se concretize, essa possibilidade está
diretamente ligada à mobilização dos atores sociais e econômicos,
juntamentecomaexecuçãodeestudosestruturadores(SOUZAetal.,2013).
Marques (2014) complementa citando que, em novembro de 2009 foi
fundada a Associação da Erva‐Mate do Planalto do Ouro Verde
(APROMATE), com a participação de representantes do Sindicato da Erva‐
Mate de Santa Catarina, das cooperativas de mate, de várias empresas
ervateiras, da associação de ervateiros, da Associação dos Trabalhadores
Rurais da Região da Erva‐Mate (Astramate), do Sindicado da Agricultura
Familiar Planalto Norte (Sintraf‐PN), técnicos da Epagri e UFSC, com a
finalidade de promover e apoiar o desenvolvimento do processo de IG da
erva‐matedosmunicípiosdoPNC.
Não podendo deixar de lado a importância desse produto, Dallabrida
(2012) afirma que a erva‐mate é uma das principais riquezas naturais da
regiãodoPNCeCentro‐SuldoParaná.
Percebe‐se o grande potencial que a atividade ervateira tem no PNC,
conformeMarques(2014,p.145‐146):
 A atividade comercial de erva‐mate ocorre há pelo menos 152
anosnoPlanaltoNorteCatarinense;
165 





A produção, em quase sua totalidade, é oriunda de “ervais
nativos”,abarcando95%dototalem2008;
Mais de 20 empresas com marcas próprias na região, sendo a
maisantigadatadadoanode1918;
Dentre as empresas, estão as Cooperativas de Mate de
Canoinhas e de Campo Alegre, datadas de 1932 e 1938,
respectivamente;
São produzidos diversos tipos de produtos da erva‐mate para
consumointernoeparaexportação,dochimarrãoachásverdes
etostados;
Em1960e1970,oterritórioeraresponsávelpor97%e81%da
erva‐mate produzida em Santa Catarina; hoje ainda responde
por41%,sendoqueaoredorde4.000famíliasestãoenvolvidas
naatividade(CensoAgropecuário1996);
Em2009,31%daexportaçãobrasileirademateteveorigemdo
territórioemreferência,gerandoUS$13.989.535,00emdivisas.
Não há dúvidas sobre a identificação da erva‐mate com a história de
ocupação territorial, o que dá destaque à questão da Indicação Geográfica,
pois,semdúvida,éumamarcaqueoterritórioexercedurantetodosesses
anoseumaestratégiaparaavançarregionalmentecombasenosprincípios
dodesenvolvimento,sendo,principalmente,produtodaagriculturafamiliar.
Muitojáestásendofeitoalgoparaqueissoseconcretize.Nessesentido,
destacam‐se trabalhos já realizados como aporte para dar origem e
consolidarapropostadeIGnoterritórioemreferência,paraosprodutosda
erva‐mate. No momento, estão ocorrendo discussões em vários fóruns,
seminários e reuniões, dos quais participam técnicos, produtores e
empresários do setor agropecuário, voltado para a possibilidade de
revitalização de sistemas tradicionais de produção de erva‐mate e dos
processosdeproduçãoetransformaçãoartesanalnaspropriedades.
Entreosanosde1999e2003,foramrealizadosreuniõeseseminários
de apresentação da proposta. Já em 2006, houve um trabalho de
constituiçãodoprimeiroprojetodeIGparaprodutosdeerva‐mate,masnão
pode seguir, pois ainda faltava um grau de mobilização adequado e apoio
mínimo do setor ervateiro. Contudo, em 2007, esse grau de mobilização
mínima foi atingido para o avanço da proposta. Isso só ocorreu através da
realização de reuniões para atualização técnica sobre produção e mercado
de erva‐mate, como alternativa de renda e conservação ambiental em
sistemasdeproduçãodeagriculturafamiliar(NEPPEL,2013).
A partir disso, a EPAGRI visualizou a possibilidade de parceria e
obtenção de recursos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), sendo deflagrado, então, um processo de busca
dessa parceria, no projeto denominado “Ações de apoio à estruturação da
Indicação Geográfica Planalto Norte Catarinense para produtos da Erva
166 Mate”.Assim,estáemfaseexecuçãooreferidoprojeto,visandoseuobjetivo
principal, que é promover todas as ações de apoio à estruturação e a
constituiçãodaIndicaçãoGeográficaparaprodutosderivadosdaerva‐mate
regional(NEPPEL,2013).
5.ESTUDOSEINVESTIGAÇÕESSOBREASPOTENCIALIDADESDAERVAMATE
Como citado, há vários estudos já realizados com o intuito de pensar
uma Indicação Geográfica para a região em estudo, estando vários em
andamento.Dentreeles,podemosdestacaroProjetodePesquisaTerritório,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos
territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de
SantaCatarina8.
Neppel(2013)destacaaçõesrealizadasnoâmbitodaEpagri(Regional
deCanoinhas)emrelaçãoàIndicaçãoGeográficadaerva‐materegional,em
especialasqueforaminiciadasoanode2013,seestendendoatéoanode
20159.Aprincipalaçãorefere‐seaoProjetoIGMAPA10,quetemporobjetivo
a sensibilização através de reuniões com líderes dos municípios(prefeitos,
presidentes de sindicatos, clubes de serviço, vereadores, secretários
municipais, gerentes de bancos, cooperativas, universidades etc), reuniões
para técnicos, industriais, produtores de erva e sindicatos, reuniões com
ConselhosMunicipaisdeDesenvolvimentoRuraleacapacitação,atravésde
viagens de intercâmbio para técnicos, agentes de desenvolvimento,
indústrias e agricultores ervateiros, além de formatar os estatutos e
regulamentosdaIG,viabilizarestudosdeinformaçõeshistóricaseprovasde
reputação/ notoriedade para a IG, levantar e propor delimitação para IG,
pesquisar, estudar e difundir práticas de manejo utilizadas pelos
agricultoresparaapoioaIG,realizarSeminárioEstadual.
OutroéoProjetoIGFapesc11,quetemoobjetivoderealizarestudosde
identificação e caracterização morfogenética de árvores matrizes para
implantação de área de produção de sementes e banco ativo de
germoplasma.
Com isso, apresenta‐se uma situação com ações que representam
avançosnodesenvolvimentodaregião.Namedidaemqueoprodutoerva‐
8
Sob a coordenação do Prof. Dr. Valdir Roque Dallabrida, com financiamento da FAPESC,
executado no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado.
9
Perspectivas apresentadas em palestra proferida no II Workshop sobre Desenvolvimento
Regional na Região do Contestado, representando a EPAGRI.
10
Título do projeto em execução: Ações de apoio à estruturação da Indicação Geográfica
Planalto Norte Catarinense para produtos da erva mate.
11
Título do projeto: Identificação e caracterização morfogenéticas de árvores matrizes de erva
mate para implantação de área de produção de sementes e banco ativo de germoplasma na
mesorregião Norte Catarinense com vistas a Indicação Geográfica.
167 mate seja valorizado, contribuirá também para a ampliação da cobertura
vegetal,poishaveráinteresseemampliaraáreaplantadacomerva‐matena
região (DALLABRIDA, 2012). Assim, o reconhecimento da IG da erva‐mate
produzirá a valorização econômica dos ervais nativos, que é um dos
elementos característicos das matas de araucária. Dessa forma a IG para
erva‐mate, além dos possíveis impactos socioeconômicos, será um meio
decisivo para a manutenção e reprodução das matas de araucárias
(DALLABRIDAetal.,2014).
CONSIDERAÇÕESFINAIS
A proposta central deste capítulo foi caracterizar os produtos com
especificidadeterritorialdasdiferentesregiõesdoestadodeSantaCatarina,
apresentados como potencial para futura IG, por meio de um estudo
exploratóriobaseadonaliteraturaeembasesdocumentais.
Pelarevisãoteórica,foipossívelconstruirummarcoteóriconoqualas
Indicações Geográficas aparecem como potenciais articuladoras de
estratégias inovadoras de desenvolvimento dos territórios. De fato,
construíram‐se e articularam‐se categorias analíticas e suas variáveis, de
modo a obter categorias específicas (como Identidade Territorial e
Especificidade Territorial) ligadas à categoria Indicação Geográfica (IG),
maisampla.Essaarticulaçãofoigradualmenteaproximandoodebatequese
travava com o tema do desenvolvimento territorial. Ao fim foi possível
avançar para uma relação entre IG e Desenvolvimento Territorial,
vinculando as categorias analíticas específicas com as gerais e construindo
umcaminhoparapesquisarespecificamenteocontextodeSantaCatarina.
Umsegundopassofoidadonocasodereforçarapercepçãodapesquisa
do SEBRAE acerca dos 27 recursos específicos com potenciais para
tornarem‐se IG em Santa Catarina, agora diante das categorias analíticas
produzidas.Apesardaafirmativaencontradapararespostadestaquestão,a
pesquisa nomotética e as categorias e variáveis empregadas precisam ser
complementadas para um resultado mais seguro, portanto, merecendo
estudosfuturosmaisaprofundados.
Na pesquisa, se identificou uma dificuldade na operacionalização das
categorias analíticas e variáveis desenvolvidas, bem como se percebeu a
necessidade de incrementação do exercício teórico‐metodológico. Por
exemplo, em relação aos produtos, precisam ser adicionadas as
especificidadesnaformadeserviços,taiscomoroteirosturísticosdesdeas
praias às áreas de serra (como Serra do Rio do Rastro), estâncias
hidrominerais e de águas termais e/ou sulforosas, além de cidades
históricas (como Laguna). Os produtos das áreas do setor de serviços, se
somado à lista de 27 potencialidades aqui referidas, conseguirão construir
168 umquadromaisrepresentativodaspotencialidadescatarinensesemrelação
a futuras experiências de Indicação Geográfica, ou Marcas Coletivas12,
quandoforocaso.
O passo final procurou analisar especificamente um caso significativo,
em termos da própria construção teórico‐metodológica central deste
trabalho,ocasodaerva‐matedoPlanaltoNorteCatarinense.
Aabordagemdocasoserveparaconhecermospossíveistrajetóriaspara
o reconhecimento de um produto com IG, além dos desafios que os
processos impõem. Assim sendo, os resultados mostraram que o produto
erva‐mate ainda terá desafios a serem superados, não apenas para a
obtençãodaIG,masparaqueessaestratégiapossacontribuirefetivamente
no desenvolvimento territorial. Entre os desafios, ressaltamos que falta a
caracterização dos componentes do capital territorial do Planalto Norte
Catarinense, o que só será possível pela realização de um inventário. Falta
também a conscientização e comprometimento dos produtores rurais,
técnicos, autoridades, agentes de desenvolvimento (em geral, todos os
atores da cadeia produtiva envolvidos com o desenvolvimento do projeto
IG). Ou seja, ainda que se consiga parcialmente identificar a construção de
sistemas produtivos locais fundados na autenticidade, tipicidade e
originalidadedosprodutos,háumlongotrajetoatésepoderafirmarquese
obteveaconstruçãosocialdaqualidadeeodesenvolvimentosocioeconômico
emelhoriadaqualidadedevida,comometafinalística.
Por fim, considera‐se ser necessário muito trabalho, pesquisas e
estudos, empenho, negociação e fortificação de parcerias para que o
potencial latente de desenvolvimento territorial advindo de uma IG se
realizenocontextoestudado,emespecialalgoqueficaevidentequandose
aprofundaaanálisenoestudodecasodaerva‐mate13.Noentanto,também
seidentificaquehágrandesoportunidadeseganhoscasoseconsigasuperar
osobstáculosencontrados.
A notoriedade de algumas cidades e regiões advém de produtos e
serviços que se destacam pela qualidade e tradição dos mesmos. Quando
esses fatores estão contidos em um mesmo espaço físico (território), a IG
torna‐se um fator decisivo para garantir as suas diferenciações. Se
atribuirmos este indicativo às diferentes regiões do estado de Santa
Catarina, pelas potencialidades apontadas neste capítulo, somado à
contribuiçãodoconjuntodoscapítulosdestacoletânea,épossívelpensaro
desenvolvimentoterritorialdeumaformaotimista.Noentanto,salientamos
que a dinamização socioeconômica necessária com vistas ao reconhe‐
12
O Capítulo 7 desta coletânea aborda o tema das Marcas Coletivas, como alternativa para
reconhecimento das especificidades territoriais, abordando, em especial, a questão da
legislação sobre o tema.
13
Ressaltamos, novamente, que o Capítulo 12 retoma e aprofunda o estudo do caso da ervamate. Recomendamos a leitura.
169 cimento de uma IG precisa ser considerada como um processo complexo,
que exige estudos multidisciplinares especializados, articulação, negocia‐
çõesentretodososatoresenvolvidos,semtempopré‐definido.
Nãoépossívelesquecerque,noBrasil,osprocessosdeconstituiçãode
IGsãorecentes.Nosúltimos20anos,passamosdepoucasexperiências,para
mais de 40 atualmente. Avançamos, então. No entanto, em função da falta
prévia de estudos multidisciplinares mais avançados, o despreparo técnico
dos agentes governamentais e institucionais para articulação de formas
especiaisdeassociativismoterritorial‐comosãoasIndicaçõesGeográficas‐
,aexcessivavisãomercadológica,semconsideraraspectossociais,culturais,
históricosrelacionadoscomoprocessodeconstituiçãodeumaIG,fezcom
que muitas experiências que têm registro, estejam pouco ativas, ou até
totalmenteparalisadas.
O desafio é avançarmos. O estado de Santa Catarina tem vantagens
diferenciais que poderão evitar casos futuros de insucesso. Destaco três
delas: (1) estamos ainda no estágio inicial, o que evita que a falta de
experiênciadopassadopossatercontribuídoparafracassos,comoocorreu
emoutrosestadosbrasileiros;(2)temospesquisadoresdedentroeforadas
universidades, executando projetos de investigação, formando grupos de
pesquisa, realizando eventos sobre IG, produzindo material informativo e
reflexivo (boletins, artigos e livros), proporcionando conhecimento,
formação e reflexão sobre o tema, atingindo técnicos, produtores,
empresários e população em geral; (3) recentemente, o estado brasileiro,
tanto na esfera federal como na estadual, tem despertado para rever as
práticas iniciais, qualificar e melhor articular sua atuação, com o fim de
pensarpolíticaspúblicasquesirvamdeapoioaosprocessosdeconstituição
deexperiênciasdeIndicaçãoGeográfica.
Para referendar a melhora na ação governamental, destacamos duas
iniciativas.Noâmbitofederal,oMAPA,hámaisdetrêsanostemexecutadoa
realização de cursos de formação gratuitos, na modalidade à distância,
atingindo técnicos, produtores, empresários e população em geral.
Adicionalmente, a partir de 2014, o MAPA passou a articular um grupo de
especialistasdoBrasiledaAméricaLatina,comofimdecolocaremprática
umnovocursodeformação,tendocomotemaDesenvolvimentoTerritorial
e Indicações Geográficas. Além disso, o MAPA tem disponibilizado equipes
técnicas especializadas no apoio às iniciativas de IG, seja financiando as
mesmas,prestandoassessoria,ouapoiandoapublicaçãodelivroseoutros
materiais14. No âmbito estadual, o Governo do Estado de SC tem se
14Umexemploéapublicação,em2014,deumlivrosobreIndicaçãoGeográfica,com
artigosdeespecialistasnacionaiseinternacionais,comfinanciamentodoMAPA.Olivro
estádisponívelparadownloadgratuitoem:
http://www.unc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2421.
170 envolvido diretamente no tema Signos Distintivos Territoriais e Indicação
Geográfica. A principal iniciativa, além do aporte de recursos para
investigações,foiaconstituição,em2014,daCâmaraSetorialdeCertificação
deQualidadedosProdutosAgropecuários,aqualjáestáemfuncionamento,
contando com a participação colegiada de agentes governamentais e
institucionais, universidades e representantes dos setores produtivos. A
articulaçãoéfeitapelaSecretariadeEstadodaAgriculturaedaPesca.
São iniciativas que deixa, a nós investigadores, otimistas quando aos
avanços futuros.
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172 CAPÍTULO9
CONTRIBUIÇÃODOQUEIJOARTESANALSERRANO
PARAODESENVOLVIMENTOREGIONALE
PRESERVAÇÃODOSCAMPOSDEALTITUDEDO
SULDOBRASIL1
UlissesdeArrudaCórdova‐EPAGRI‐Lages‐SC
AndréiadeFátimadeMeiraBatistaFerreiraSchlickmann‐EPAGRI‐Lages‐SC
CassianoEduardoPinto‐EPAGRI‐Lages‐SC
INTRODUÇÃO
Opresenteartigo éresultantedeváriostrabalhosdecamporealizados
por técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Difusão Tecnológica
(Epagri) na Serra Catarinense nos últimos anos. A metodologia inclui
pesquisa de campo com centenas de produtores de queijo artesanal
serrano (QAS), com o objetivo de resgatar a história desse produto
2
centenário,numvastoterritóriode16.000km ,ondeéproduzidohámaisde
doisséculoseondeapecuáriadecortesemprefoiumadasprincipaisfontes
de renda. Esses trabalhos de campo tiveram como objetivo buscar
conhecimentos para legalizar a produção e comercialização do QAS,
registrá‐ lo como patrimônio cultural de natureza imaterial e buscar uma
Indicação Geográfica na modalidade de Denominação de Origem (DO)
(CÓRDOVA et al., 2010; CÓRDOVA et al.,2011;CÓRDOVA;SCHLICKMANN,
2012a;CÓRDOVA;SCHLICKMANN,2012b).
O objetivo deste estudo foi contextualizar o estado da arte do queijo
artesanal serrano, bem como demonstrar a sua importância econômica,
social e cultural para a população que sobrevive da produção e
comercialização desse produto, para a sociedade serrana de modo geral.
Sobretudo, propôs‐se evidenciar o potencial para se tornar um signo
distintivo coletivo e consequentemente, agregar valor ao mesmo,
permitindoquemilharesdefamíliasdepecuaristasfamiliarespermaneçam
nomeioruralatravésdesuaprodução.
Na Serra Catarinense, as práticas e os saberes relacionados à
1
Os estudos que resultaram no presente artigo estão integrados ao projeto de pesquisa
Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com financiamento da FAPESC.
Versão deste artigo foi publicada em Desenvolvimento Regional em debate, V. 4, N.
2/2014.
173 produção do queijo artesanal serrano ultrapassam séculos e perpassam
gerações,conferindoacondiçãodeumprodutotípicodaregião,apreciadoe
valorizado além dos limites da sua área de fabricação. O queijo serrano,
mais que um produto, representa um modo de vida, reconhecido por sua
identidade territorial de relevância histórica, social, cultural e econômica
paramilharesdepecuaristasfamiliares(Figura1).
Figura1–Queijoartesanalserrano,patrimôniodos
povosserranosdeSCeRS.
Fonte:Equipedepesquisa.
Assim,apartirdessecontexto,desde2009,aEpagriemconjuntocoma
Associação Rio‐Grandense de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Emater), mantém uma equipe de extensionistas e pesquisadores atuando
noProjetoQueijoArtesanalSerrano,queabrangeos18municípiosdaSerra
Catarinense emais11municípiosnosCamposde CimadaSerradonoRio
GrandedoSul.
Nesse período, diversas pesquisas de campo, publicação dos livros
“Queijoartesanalserrano:séculosdetravessiademares,serrasevales–A
histórianoscamposdaSerraCatarinense”e“OQueijoartesanalserranonos
campos do Planalto das Araucárias Catarinense”, além de outros meios de
divulgação(folders,pôsterestécnicosededivulgação,relatóriosematérias
na imprensa), representaram avanços significativos, que fortaleceram e
tornaramoProjetoreconhecido.
OProjetoQueijoArtesanalSerrano,formadoporumarededeparcerias
com entidades, poder público, sociedade civil, associações e produtores,
promoveu,nesseperíodo,oresgatehistóricoeculturaldessesaberfazer,a
delimitação da região produtora, a descrição do sistema e do processo de
produção, a capacitação de produtores e buscou a caracterização do QAS
atravésdediversostiposdeanáliseslaboratoriais.
Alicerçadonumtripécompostopelavalorizaçãodoproduto,capacitação
de produtores e legalização do QAS, o Projeto possui como objetivo final a
concessãodeumaIndicaçãoGeográficaeoregistrodoprodutonoLivrodos
174 Saberes do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan),
como patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil, além da
legalização da produção e comercialização em toda a região produtora.
Esses reconhecimentos contribuirão para que se tenha uma legislação
própriaparaoQAS,permitindoqueasfamíliasquepossuemnessaatividade
uma importante fonte de renda e, mais do que isso, um modo de vida
carregado de simbolismo e identidade cultural, venham a legitimar a sua
comercialização e possam contribuir ainda mais para o desenvolvimento
regional.
No texto a seguir, inicialmente é feito um resgate histórico sobre o
recorte territorial onde se produz o QAS. Em seguida são apresentadas as
principais características da produção do QAS, em relação ao ambiente de
produção, o sistema e o processo de fabricação, além de fazer referência à
sua relação com a identidade de um povo, situando‐o não somente como
produto, mas como patrimônio. Finalizando, são feitas considerações
destacando aspectos econômicos e culturais, apontando a possibilidade do
QASbuscarnofuturoseuregistrocomoumaIndicaçãoGeográfica.
HISTÓRIA:DOSTROPEIROSEAÇORIANOSÀCONSTRUÇÃODACULTURA
SERRANA
O QAS é um produto vinculado aos altiplanos do Sul do Brasil, onde
ocorrem as maiores altitudes não andinas da América Meridional,
especialmente os municípios que compreendem a Serra Catarinense e os
CamposdeCimadaSerranoRioGrandedoSul.
Ressalta‐se que não por acaso a produção do queijo artesanal serrano
abrange as áreas limítrofes dos dois estados, devido às características
assemelhadas de clima, relevo, povoamento e cultura. Região conhecida
como o “Continente das Lajens”, por muito tempo, foi considerada um
prolongamento dos campos sul‐brasileiros e uruguaios, sendo assim,
pertencenteaoestadodoRioGrandedoSul,comodescrevePireseCorrea
(1991,p.17).
Porvoltade1767,aCâmaradeViamão,noRioGrandedoSul(RS),tinha
estabelecidocomodivisacomSãoPaulooRioCanoas,enquantoospaulistas
consideravamadivisadacapitaniadeSãoPaulocomoRSoRioPelotas.O
objetivo era demarcar o Rio Pelotas como divisa, para frear as pretensões
dos castelhanos, instalados na região das missões, e já na sua margem
esquerda,poistinhamgrandeinteressenoterritórioporestaremaserviço
da Coroa Espanhola. Isso, aliada à vontade dos próprios pioneiros desses
vastoscampos,foiumdosmotivosquelevaramoGovernadordaCapitania
de São Paulo a determinar que Antônio Correia Pinto de Macedo tomasse
possedaregiãoefundasseumpovoado,oqueseconcretizouem1766.
AhistóriadoQASnasregiõesdealtitudedoSuldoBrasilcertamentese
175 iniciou quando os portugueses vieram ocupar essa vasta região, mais
precisamente,defevereirode1728aoutubrode1730,quandofoiabertoo
CaminhodosConventos,ligandooConeSuldaAméricaàprovínciadeSão
Paulo, e, alguns anos mais tarde quando o traçado foi retificado por
Cristóvão Pereira de Abreu, ficando conhecido como Caminho das Tropas
(Figura2).Apartirdesseperíodoteminícioumdosmaisimportantesciclos
da economia brasileira, o tropeirismo e assim, o futuro povoamento das
Lagenspassaaserumdoslocaisdepouso:“[...]fazia‐sesempreumaparada
prolongada nos campos de Lages” (DEFFONTAINES, citado COSTA, 1982,
p.170).
Figura2–Tropeirismo:CaminhodasTropasetransportedequeijoemmulasarrreadas
Fonte:Fotosde1912,dedomíniopúblico
Na mesma época, chegaram ao Planalto Sul Catarinense famílias de
açorianos que vieram ocupar as imensidões de campos naturais, nos quais
se encontravam milhares de bovinos, chamados popularmente de
chimarrões.Comaintensificaçãodotropeirismoeachegadadosaçorianos
começam a se formar as primeiras propriedades no “Continente das
Lagens”,asquaistinhanapecuáriaaúnicafontederenda.
É bastante provável que nessa época se tenha iniciado a fabricação de
QASporpessoasquevieramformarapátriaeaquerêncianoamanhecerda
formaçãodo Sul.Especialmenteosaçorianosjátinhamtradição secular na
fabricação de queijos, aperfeiçoada com a ajuda dos flamengos e,
provavelmente,esse saberfazerfoidecisivoparaosurgimento doQAS,há
maisdedoisséculos.Porém,pode‐sepresumirqueostropeirospaulistas,de
origem portuguesa, que também se fixaram na região já tivessem
conhecimento do processo de fabricação de queijo, pois muitos eram
oriundos da Serra da Estrela em Portugal, onde há séculos se produz um
queijodeleitedeovelhamuitosemelhante.
Assim,aorigemdoQASéportuguesa,sendoaindaaprincipaletniaque
o produz. Por aproximadamente dois séculos o QAS foi transportado em
lombodemuaresparacomercialização(Figura2),servindocomomoedade
176 trocapormercadoriasquenãopodiamserproduzidasnaSerraCatarinense,
comoaçúcar,farinha,café,sal,entreoutros.Essecomércioeraintensocom
as regiões litorâneas, transpondo serras, que somente os cascos afiados e
firmes das mulas conseguiam vencer. Segundo Krone (2006), citando
produtoresentrevistados“oqueijodesciaeomantimentosubia”[...];“eram
duasviagens,paraabastecernoinvernoenoverão”.Esseregistroevidencia
oqueijoserranocomomoedabásicautilizadanatrocadeprodutosentrea
serraeolitoralcatarinense.
AMBIENTEDEPRODUÇÃO:LUGARPRIVILEGIADOESINGULAR
A alimentação típica de um povo vai além do objetivo de nutrição e
envolve diversosfatores que a tornam única e demarcam fronteiras de
identidade. O queijo serrano é umprodutoque,independentedereceita,
inclui outros fatores fundamentais para sua produção, como clima,
temperatura, solo, altitude, vegetação, enfim, características que tornam a
regiãoserranadeSantaCatarina(SC)eosCamposdeCimadaSerradoRio
GrandedoSul (RS),ambientessingularesnafabricaçãodoqueijoartesanal
serrano.
OclimadaSerraCatarinenseéclassificadocomoCfb,segundoKöeppen.
Ouseja,temperadoconstantementeúmido,semestaçãosecadefinidaecom
verão fresco. A temperatura média anual varia de 11,3 a 15,8°C. A
precipitação pluviométrica anual pode variar de 1.360 a 1.650 mm, com o
totaldediasdechuvaentre123e140,sendoqueaumidaderelativadoar
oscilaentre80a83%.
Outro fenômeno típico desse ambiente são as geadas, que podem
ocorrerde20a36vezesporanoemesmonevesfortes(Figura3).Onúmero
de horas de frio abaixo ou iguais a 7,2°C varia de 642 a 1.120 horas
acumuladas por ano. A insolação total anual pode variar de 1.824 a 2.083
horas.
Os solos são originários de rochas sedimentares e de efusivas.
Apresentam baixa fertilidade natural, com teores elevados de matéria
orgânicaealumínio,pHefósforomuitobaixos.Oteordepotássiovariade
médio a alto. Ocorre afloramento de rochas em grande escala, por essa
razão, aliada a declividade acentuada, estima‐se que somente 30% da
áreatotalapresentepossibilidadedemecanização.
A altitude mais comumestá em torno de 900a 1.200m acima do
nível do mar, podendo ultrapassar, 1.800m, com declividade sempre em
direção ao oeste. Referente à vegetação há predominância dos campos
naturais entremeados com a Floresta Ombrófila Mista (Mata de
Araucária). Esses campos são o produto de uma vasta história de
mudanças evolutivas que iniciaram há milhões de anos e são
remanescentes de um clima semiárido,maisantigodoqueaselvapluvial.
177 Figura3–Geadaeneve:fenômenoscomunsnaSerraCatarinensenoinverno
Fonte:Registrosfeitospormoradoresdolocal
São poucas as regiões do mundo que apresentam uma diversidade de
espécies campestres como as encontradas no subtrópico brasileiro. Essa
riqueza florística traz um fato pouco comum ao registrado no restante do
mundo, que é a associação de espécies C4, de crescimento estival, com
espéciesC3,decrescimentohibernal.
QuantoàáreageográficadaregiãoprodutoradeQASemSC,encontra‐
senosCamposdasAraucáriassituadosnaSerraCatarinense,comumaárea
geográficade16.000km²,abrangendo18municípios,querepresentam17%
da área total do Estado. A produção de QAS ocorre em toda essa vasta
região,realizada,nasuamaioria,poragricultoresfamiliares,estendendo‐se
atéoRS.
SISTEMADEPRODUÇÃO:PARTICULARIDADESQUETORNAMOQASUM
PRODUTOÚNICO
O Sistema de produção do queijo artesanal serrano apresenta
característicaspeculiaresquantoaraças,alimentação,ordenhaemanejo.Os
dadosqueserãocitadostêmcomobaseapesquisadecamporealizadacom
centenasdeprodutoresemtodososmunicípiosdaSerraCatarinense.
São utilizadas diversas raças bovinas para produzir o leite usado
na fabricação doQAS,sendoque75%dorebanhoécompostoporraçasde
corte e seus cruzamentos. 8,5% são raças de corte cruzadas com raças
leiteiras e 16,5% têm aptidão leiteira. Outro ponto característico é a
alimentação do rebanho com base em pastagens naturais, melhoradas e
cultivadas, principalmente de inverno. Em proporção bem menor, a dieta
inclui também silagem de milho e uso de milho em espigas moídas.
Todos os produtores fornecem salminerale/ousalcomume,empoucas
propriedades, se usa ração concentrada. Quanto ao sistema de ordenha,
86,6% dos produtores utiliza a ordenha manual e somente 13,4%, a
ordenhamecânica.
178 Em se tratando do manejo do gado, na maioria das propriedades os
terneiros ficamcomasvacasduranteodiaesãoapartadosnofimdatarde.
São criados de duas maneiras: a) nos rebanhos de aptidão leiteira são
separados das vacas e amamentados em baldes ou mamadeiras com o
desmamefeitoentre60e90dias,sendosuplementadoscomraçãofeitana
propriedade; b) nos rebanhos de corte os terneiros são criados ao pé da
vacaeamamentadosporcercade7a10meses,sendodepoisvendidospara
seremrecriadosparaabate.Nessecaso,aordenhadasvacasnãotemcomo
finalidade única a obtenção da matéria‐prima para a fabricação do queijo
serrano,mas,sim,omanejodogado(KRONE,2006).
Quanto ao manejo reprodutivo, 63,1% dos produtores usam monta
natural o ano todo e 36,9% usam inseminação artificial; somente 21%
(principalmente as propriedades maiores) usam a estação de monta
definidaparaconcentrarapariçãonaprimavera‐verão,quandoaoferta de
alimentos é maior. Nos pecuaristas familiares o touro permanece o tempo
todocomasmatrizes.
Devidoàimportânciadarendaparaafamília,atualmenteamaioriados
pequenos produtores de QAS, 71,3%, produzem durante o ano todo, e
28,7% produzem o queijo somente na primavera‐verão quando há maior
ofertadepastagensnaturaiseounaturalizadas.
Os produtores, em sua maioria, utilizam produtos convencionais
(alopáticos) para o controle dos ecto e endoparasitos, mas cerca de 14%
opta pela homeopatia e 14,4 % usam algumas plantas medicinais para
combateressaspragas.
Para50%dosprodutores,oQASrepresentaaprincipalfontederenda.
Estima‐se que na Serra Catarinense existem aproximadamente 2.000
produtores que comercializam o QAS, gerando uma renda bruta estimada
em aproximadamente R$ 21 milhões por ano, possibilitando uma renda
média familiar superior a R$ 10.360,00 por ano, o que representa mais de
um salário mínimo por mês. Referente à comercialização, 53% dos queijos
produzidossãovendidosdiretamenteparaosconsumidores,enquanto47%
paravarejistas.
PROCESSODEFABRICAÇÃO:MAISQUEUMARECEITA,AARTEDEUMSABER
FAZER
De acordo com dados históricos e os relatos obtidos na pesquisa de
campo,osaberenvolvidonapráticadefazeroQASésecular,repassadode
geraçãoageraçãoesuareceitaseguepraticamenteinalteradaeinfluenciada
sempre pelo ambiente, a alimentação do gado e o trabalho artesanal do
manipuladore,porisso,nãoéumalimentopadronizadoapesardepoderser
identificadopeloseusaborparticular.
179 Sendo o queijo serrano um produto artesanal, de pequena escala,
fabricadocomoleitecruintegraldapropriedade,emsuamaioriadevacas
de corte, tendo como base de alimentação as pastagens nativas, é um
alimentoregional,podendoserconsideradoidentitáriodeumdeterminado
grupo.ConformeMacieleMenachem(2003,p.5),citadoporKrone(2006):
"São quase desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples
fato de que os ingredientes necessários são exclusivos do lugar de origem,
mastambémporrazõesdeordemcultural,quedeterminamcertoshábitos
alimentares".
Uma das poucas alterações no processo de fabricação é a substituição
de coalho animal pelo coalho industrial usado para coagulação da massa,
sendo que outras modificações estão relacionadas com a adequação de
utensílios,comoformaeprensa,conformeexigênciadalegislação.
A primeira prática para fabricar o queijo começa na tarde do dia
anterior,quandoasvacassãorecolhidaseosterneirossãoapartadosatéa
ordenhadodiaseguinte(Figura4).
Figura4–RecolhendoasvacasparafazerQASnodiaseguinte
Fonte:Fotoregistradapelaequipedepesquisa.
Quantoaoprocessamentodoleite,asprincipaisetapasqueenvolvema
fabricação do QAS, podendo ocorrer pequenas variações de acordo com o
produtor: a) medição do leite e filtragem; b) salga realizada junto com a
filtragem do leite; c) coagulação feita com adição do coalho ao leite, para
formar a coalhada; d) corte da coalhada, divisão da massa em cubos com
180 auxíliodefacaoupá;e)dessorarem,retiradadosorocompressãomanual
sobre a massa; f) enformagem, moldagem da massa com auxílio de um
tecidofino;g)prensagem,retiradadoexcessodesoro,deixandonaprensa
por aproximadamente oito horas com três a quatro viragens; h) cura, feita
em temperatura ambiente sobre prateleiras de madeira, fórmica ou sob
refrigeração; i) embalagem, em filme plástico; j) armazenamento em
temperaturaambiente.
O tempo de cura varia em média 15 dias e a venda é realizada pelos
própriosprodutores.Apesardasrestriçõesimpostaspelalegislaçãovigente,
o QAS ainda é muito procurado e consumido e toda a produção é
comercializada.
GENTEETERRITÓRIO:MAISQUEUMPRODUTO,UMPATRIMÔNIO
O Planalto Catarinense foi ocupado por bandeirantes paulistas e
açorianos. Esses pioneiros, por séculos, viveram em permanentes
dessemelhançaseatémesmocontrastescomoshabitantesdolitoral.
Disto tudo [...] ocupando o planalto, resultou o serrano. Tipo físico definido.
Atividades econômicas semelhantes, em toda a Serra Catarinense. Uma
linguagem própria nas suas corruptelas [...]. Até em seus costumes e sua
cultura,ummundopróprio[...](MARTORANO,1982,p.173).
A identidade serrana está envolvida no processo de trabalho nas
propriedadesrurais,queincluitodaafamíliaeinfluenciaarotinadiáriados
envolvidos, com papéis definidos dependendo da idade e sexo. Entretanto,
as pesquisas evidenciaram o papel da mulher no contexto do QAS como a
principal envolvida, especialmente no processamento do leite. Conforme
MenascheeBelem(1996),citadoporKrone(2006,p.34),“[...]deummodo
geral, pode‐se perceber claramente uma divisão sexual do trabalho na
execução e planejamento das atividades que ao longo do ano envolvem a
produçãodeleitenumaunidadefamiliar”.Mesmoquenamaioriadoscasos
seja o marido o reconhecido pela comercialização do produto, o
desenvolvimento dessa atividade pelas mulheres representa a importância
do seu trabalho, sua profissão e sua contribuição na geração de renda
familiar.
Portanto, produzir o queijo está intimamente ligado à afirmação da
identidadetrabalhadoradamulher.ParaKroneeMenasche(2007),maisdo
que produtor de alimentos, o pecuarista familiar é um produtor de
significados, pois, além de produzir cultivos, o trabalho produz cultura
(WOORTMANN;WOORTMANN,1997).
É inegável a necessidade da legalização do Queijo Artesanal Serrano
pela sua importância histórica, social e econômica, mas precisa de um
181 trabalho educativo, que requer tempo, persistência, união e parceria com
produtor, consumidor, comerciantes, instituições de pesquisa e extensão
rural, bem como com os órgãos fiscalizadores. Para isso, é fundamental
trabalhar na lógica territorial, num processo que vincula as pessoas a um
lugar, o seu lugar. E, nessa perspectiva, o queijo artesanal serrano é um
produto típico de terroir, ou seja, suas características particulares são
determinadas por influências do ambiente, mas também do ser humano
(saber fazer tradicional, origem histórica, características típicas). Assim,
passaaexprimirainteraçãoentreomeionaturaleosfatoreshumanos.
Figura5–SeverinaMotade84anosaprendeuafazerqueijocomaavóerepassouaseus
descendentes(esquerda)Filhadeprodutordequeijo(direita)
Fonte:Fotoregistradapelaequipedepesquisa
Assim, o saber fazer, historicamente repassado de geração a geração
(Figura 5), mais que uma receita, é a representação de uma cultura
específica, desenvolvida num contexto peculiar e protagonizada por um
grupo identitário que faz dessa atividade um modo de vida e de
estabelecimentoderelaçõessociais,econômicaseculturais.
CONSIDERAÇÕESFINAIS
A tradiçãodeproduçãoecomercializaçãodoQASreporta‐sealémdos
aspectos econômicos; remete também a um simbolismo e identidade que
por mais de dois séculos vêm perpetuando uma cultura notoriamente
reconhecida, mas que precisa ser valorizada e, principalmente, ter seu
produtoregulamentado,sobriscodeseperderumatradiçãosecular.
Apesar de ser um produto secular e quase que totalmente na
informalidade,oqueijoartesanalserrano,éa principalfonteformadorada
rendaparamilharesdepecuaristasfamiliares.Possuihistória,notoriedadee
faz parte do cotidiano e da cultura de um povo com etnia definida, a
portuguesa,eestáligadoaumambienteúnico,oscamposdearaucária.
Dessa forma, o QAS possui grande potencial para legalização de sua
produção e comercialização, agregando valor à mesma. Mas, sobretudo,
182 podeobter,nomédioprazo,ostatusdesignodistintivocoletivo,oquepode
torná‐lo um produto ainda mais reconhecido e com identidade territorial,
peloregistro,comoumaIndicaçãoGeográfica,nacategoriadeDenominação
deOrigem,tornando‐sepatrimônioculturaldenaturezaimaterialdoBrasil.
Para isso, é necessário aprofundar os estudos e pesquisas, organizar
melhor a cadeia produtiva e buscar a padronização e segurança alimentar
para conquistar mercados mais exigentes. Esses objetivos somente serão
conseguidos com a conjugação de esforços entre produtores e instituições
parceiraspertencentesaoscamposdaextensão,pesquisaeensino.
REFERÊNCIAS
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Araucáriascatarinense.Florianópolis,SC:Epagri,2011.
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e vales: a história nos campos da Serra Catarinense. Florianópolis: Epagri, 2010
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WOORTMANN,E.;WOORTIMANN,K.Otrabalhoeaterra:alógicaeasimbólicada
lavouracamponesa.Brasília:EdUnB,1997.
183 CARTADEFORTALEZA
Os queijos artesanais brasileiros são valiosas expressões da nossa
cultura e tradição. Suas qualidades estão intimamente ligadas ao ambiente
ondesãoproduzidos,àculturalocaleàhistóriadasfamíliasqueháséculos
oselaboram.
No Brasil, estimam‐se em 100 mil propriedades que praticam a
agricultura familiar que depende, basicamente, da produção de queijos de
leitecru.Entretanto,aproduçãodessesqueijos,associadaaomododevidae
identidade dos produtores artesanais, encontra‐se ameaçada pela
incompreensão das autoridades públicas em relação à importância dos
queijosartesanaisnavidadosbrasileiros.
Um produto incorporado há séculos como um componente da
alimentação de produtores e consumidores do Brasil inteiro não pode ser
objeto de ações persecutórias, violando, ainda, as escolhas alimentares
saudáveisdeumimensouniversodeconsumidores.
O1°SimpósiodeQueijosArtesanaisdoBrasil,realizadoemFortaleza,
tevecomoobjetivoprincipalchamaraatençãodasautoridadesdoPaíspara
a diversidade de queijos artesanais produzidos em nosso território. Além
disso, teve também o objetivo de mostrar para a sociedade brasileira a
situação de abandono em que estão vivendo os produtores de queijos
artesanais no Brasil, devido à imposição de uma legislação higiênico‐
sanitária inadequada e inatingível, que foi concebida, em 1953, para
produçãoindustrialdequeijos.
Assim, vivemos uma situação paradoxal: enquanto muitos países do
mundo vêm resgatando, preservando e protegendo seus patrimônios
culturais e gastronômicos, o Estado brasileiro age no sentido inverso,
criando mecanismos que estão levando muitos alimentos tradicionais ao
desaparecimento,comoéocasodosqueijosartesanais.
Asleisestaduaisefederaisexcluemaproduçãoartesanalnamedidaem
que não reconhecem a sua especificidade, submetendo‐a aos mesmos
padrões sanitários e de instalações de grandes empresas, inviabilizando,
assim, a produção artesanal devido aos elevados custos de adaptação,
inacessíveis ao pequeno produtor. Ao mesmo tempo, tal adaptação
comprometeaqualidadesensorialdoprodutoeo“saber‐fazer”dopequeno
produtor,consolidadoatravésdosséculosdehistória.
As normativas direcionadas à produção de queijos no Brasil são ainda
discriminatórias e restringem a liberdade de escolha dos cidadãos que
queremconsumi‐los.
Mesmo com as alterações propostas na reformulação do Regulamento
184 de Inspeção Industrial de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), não se
construirá legislação diferenciada que contemple, de forma própria e
adequada, a produção artesanal. Persistiremos no velho erro de tratar
igualmenteosdesiguais.
Aoinvésdecriarregulamentosrestritivosepunitivosainspeçãooficial
deveria enfrentar o desafio posto pela produção artesanal de queijos e
construir uma proposta própria, ouvindo os atores envolvidos,
especialmenteprodutoresparaconhecerosproblemaseencontrarsoluções
adequadas.
Nesseseminário,emquepudemoscontemplaradiversidadedequeijos
artesanais do Brasil, nos deparamos com produtores dedicados à
manutençãodatradição.Essesprodutoreselaboramqueijosartesanaispela
convicção de que são produtos diferenciados, valorizados pelos
consumidoresequerepresentamaculturaeomododevidadesuasregiões.
Em cada peça de queijo artesanal temos a história, cultura, tradição e
expressãodomeioondesãoproduzidas.
185 CAPÍTULO10
DESAFIOSPARAOASSOCIATIVISMO
DEBASETERRITORIAL:OCASODOPROJETO
TRANÇASDATERRA1
AnaLúciaBehrendListone‐UNOESC
ElianeSaleteFilippim‐UNOESC
1.INTRODUÇÃO
Por iniciativa de lideranças regionais e do poder público, em 1998, foi
implantado no Meio Oeste Catarinense um Fórum de Desenvolvimento
Regionalquebuscoufirmarparceriasafimdesuperaroslimitesrestritosdo
município e propor alternativas de desenvolvimento que integrassem o
território regional. O Fórum implantou, no ano de 2002, a sua agência
executiva denominada de Agência de Desenvolvimento do Meio Oeste
Catarinense(ADMOC).
Essa agência, em diagnóstico realizado, detectou como uma das
alternativas para o desenvolvimento regional o incremento do artesanato
em palha de trigo por meio da articulação de uma rede de artesãos que
atuava em tal atividade. Com base nesse diagnóstico, desenvolveu‐se, na
Unoesc(UniversidadedoOestedeSantaCatarina),em2003,umprojetode
iniciação científica pelo então aluno de Ciências Contábeis Maicon Progol,
orientado pela Professora Eliane Salete Filippim, que teve como objetivo
mapear o artesanato de palha de trigo remanescente, bem como cadastrar
os (as) mestre (s) desse ofício e as possibilidades da sua associação para
produzir esse tipo de artesanato. Os resultados da pesquisa serviram de
base para que o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas) organizasse a implantação de um Projeto que foi, depois,
denominadoTrançasdaTerra.
O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto
Tranças da Terra teve início em 2005, com a instalação de núcleos. Em
novembro de 2006, foi concluída a constituição de uma associação com a
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Potencialidades e desafios para o
associativismo de base territorial: o caso do Projeto Tranças da Terra - Edital 07/ Unoesc-R/
2014 (Art. 170). Da mesma forma, esteve integrado aos estudos realizados quando da
execução do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com
financiamento da FAPESC. Numa primeira versão foi publicado em Desenvolvimento
Regional em debate, V. 4, N. 2/2014.
187 inauguraçãodonúcleoadministrativo,umacentraldevendaseumaloja.
Nessecontexto,oestudobuscoudescrever atrajetóriadeconstituição
da associação desde 2006, quais os resultados alcançados pelo Projeto e
quaisosseusprincipaisdesafiosparaofuturo.Nessesentido,asperguntas
quenortearamestapesquisaforam:oprojetoTrançasdaTerraseconstitui
numa alternativa que pode contribuir para o desenvolvimento da região
Meio Oeste de Santa Catarina? Existe possibilidade de buscar a Indicação
Geográfica(IG)paraosprodutosdoProjetoTrançasdaTerra?
Visando aprofundar a compreensão sobre as potencialidades e limites
de estratégias de especificação de ativos territoriais como alternativa de
desenvolvimento, buscou‐se estudar um caso específico, o do Projeto
TrançasdaTerra.Paratal,foramtraçadososseguintesobjetivos:oObjetivo
Geral foi descrever o projeto Tranças da Terra observando se ele pode
contribuirparaodesenvolvimentodaregiãoMeioOestedeSantaCatarina.
Objetivos específicos: a) Caracterizar a região Meio Oeste Catarinense; b)
Descrever breve histórico do Projeto Tranças da Terra; c) Identificar os
produtos do Projeto Tranças da Terra demonstrando sua tradição
territorial; d) Conhecer a forma de gestão do Projeto Tranças da Terra; e)
Registrariniciativasqueestejamsendorealizadasnosentidodavalorização
doproduto;f)CaracterizaraspotencialidadesdoProjetoTrançasdaTerra
em termos de geração e agregação de renda e como nova atividade
econômica regional. Este estudo contém as seguintes partes: após esta
introdução, apresenta‐se a revisão bibliográfica, seguida da descrição dos
procedimentos metodológicos. Após, apresenta‐se a análise dos dados, a
conclusãoeasreferênciasatualizadas.
2.REVISÃOBIBLIOGRÁFICA
Nesta parte, tratou‐se dos temas que dão base ao estudo:
desenvolvimentosustentável,artesanato,território,governançaterritoriale
IndicaçãoGeográfica.
2.1DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVEL
Um território pode ser desenvolvido desde que adote estratégias
sustentáveis para as atuais e futuras gerações. Nesse sentido, projetos que
contemplemoresgatedaculturaregional,osquaisgeremrenda,formemo
associativismo, preservem o meio ambiente e busquem superar as
disparidades cidade/campo, acabam por atender a critérios de
sustentabilidade(SACHS,1994).
Para além de simples crescimento econômico, compreende‐se aqui
desenvolvimento sustentável como aquele que é capaz de atender a cinco
dimensões: a) sustentabilidade social: contempla a redução de
188 desigualdades;b)sustentabilidadeeconômica:buscaaumentarageraçãode
renda e a riqueza social por meio da endogenização; c) sustentabilidade
ecológica:visamelhoraraqualidadedomeioambienteeapreservaçãodos
recursos energéticos; d) sustentabilidade espacial: busca superar as
desigualdadesregionaiseentrecidade/campo;e)sustentabilidadecultural:
incentivaoresgateeorespeitoàculturalocal(MONTIBELLER,2002).
Noestudodatemáticadodesenvolvimento,nãoapenasoespaçolocale
regionaldeveserconsiderado,umavezqueháescalasdecisóriasquefogem
da alçada da região. O processo de globalização em curso tem exigido dos
territórios e das organizações uma constante reformulação de suas
estratégias,afimdequeconsigammanterem‐secompetitivos.
Um projeto ancorado em desenvolvimento sustentável social,
econômica, ecológica, cultural e geograficamente tem como premissa
considerar que deve gerar renda para seus participantes por meio da
atividade que tenha raízes em um processo de identificação cultural e no
respeitoaomeioambiente.Entende‐sequeoartesanatotemessepotencial
de sustentabilidade, uma vez que faz parte da tradição cultural de uma
região. A partir de técnica artesanal há muito utilizada, podem‐se criar
novosprodutoseintensificaraagregaçãodevalor.
2.2OARTESANATOCOMOELEMENTOAGREGADOR
Oartesanatonãoapenasrepresentaumaspectodamemóriaculturalde
umpovo,mastambémsefazinstrumentodevalorizaçãodosseuselementos
materiais, pois a atividade artesanal é um exercício do poder criativo do
homem, emprestando variedade e beleza às formas representativas da sua
culturamaterial(PEREIRA,1979).
Como atividade cultural, o artesanato produzido em grande escala e
com alto potencial competitivo só pode ser feito por meio de parcerias de
vários artesãos constituindo uma rede. Os artesãos dispersos e buscando
colocação individual no mercado não têm conseguido lograr êxito. Alguns
fatores (o investimento em design, por exemplo) não são acessíveis a
pequenosprodutores,mas,umavezassociadosemrede,oseupotencialde
investimentoficaampliadoeaschancesdegeraçãoderendasemultiplicam.
Chegar a um eficiente estágio de cooperação requer a implantação de um
sistemadeparceriaregional,ancoradoemmecanismosdeassociativismo.
A maestria no processo artesanal é observada em um grupo de pessoas que
conjugam, no seu fazer, técnica e sensibilidade. Por maestria entende‐se o
domíniodeumcampodesaberesepráticasrelativamentedefinidoenquanto
natureza e estrutura conceitual, ou seja, um campo disciplinado pela própria
estruturadosaberecomritosdepassagemquegarantemasuapermanênciae
renovação(FISCHER2007,p.4).
189 O artesanato insere‐se como um dos campos de representação da
culturapopular,responsávelporcontribuircomaidentidadeculturaldeum
dadoterritório.
2.3TERRITÓRIOEDESENVOLVIMENTO
O tema território é tratado por diferentes autores ‐ alguns, aqui
referenciados, cada um deles com sua concepção, em geral,
complementando‐se. O território é concebido, principalmente, como: (a)
domínio politicamente estruturado resultante de apropriação simbólica
identitária, inerente a certa classe social (HAESBAERT, 2007); (b) espaço
definidoedelimitadoporeapartirderelaçõesdepoder(RAFFESTIN,1993;
SOUZA,1995);(c)espaçoapropriadoapartirdaideiadepoder,decontrole,
quersefaçareferênciaaopoderpúblicoouagrandesempresas(ANDRADE,
1995); (d) como um nome político para o espaço de um país (SANTOS e
SILVEIRA,2001);espaçousado,apropriado(SANTOS,1997).
Apesar do poder de autonomia atribuído à escala territorial, é
necessário lembrar que os territórios estão inseridos num mundo
globalizado,emqueamultiescalaridadedosprocessosestápresente,sendo
que vários autores têm chamado atenção para esse fato (FERNÁNDEZ e
DALLABRIDA, 2008; BRANDÃO, 2007; AMIN, 2008; DALLABRIDA e
FERNÁNDEZ,2008).
Corroborando, Saquet (2007) afirma ser o território a condição de
processos de desenvolvimento, reforçando a necessidade de se buscar
compreender as relações entre os atores e o lugar. Conforme o autor,
referimo‐nos a lugar não apenas como área geográfica, mas como um
contextorepresentadopeloterritórioepelasterritorialidades.
Algunsautoresenfatizamanoçãodeterritórioparaodesenvolvimento
local, na medida em que essa noção integra os diferentes atores, práticas
culturais, valores, características econômicas e sociais particulares de uma
dada região. Segundo Dallabrida (2006, p. 161), a concepção de território
envolvenãoapropriedadedaterra,masaapropriaçãodoespaço,“[...]com
seus atributos naturais e socialmente construídos, o qual é apropriado,
ocupado,porumgruposocial”.
No contexto da globalização o território torna‐se o espaço onde se
definem os embates entre os diferentes atores sociais e econômicos. Isso
ocorre porque a eficácia das ações econômicas está ligada ao espaço onde
essas são concretizadas: “[...] os atores mais poderosos se reservam os
melhorespedaçosdoterritórioedeixamorestoparaosoutros”(SANTOS,
2000,p.79).
Pode‐sedizer,então,queterritórioéumespaçofragmentado,postoque
os diferentes atores (ou empresas hegemônicas) que nele atuam (e
190 conflitam) buscam atender objetivos individuais, muitas vezes
impossibilitando a regulação dessa ação pelos poderes públicos.Tal
fragmentação pode levar à deterioração da solidariedade e da cooperação
características de grupos sociais que compartilham as mesmas vivências e
tradições.
EmrelaçãoàIdentidadeTerritorial,Castells(1999,p.23)afirmaque:
Existeumconsensodequetodaidentidadeéumaconstruçãosocial.Assim,a
construção de identidades vale‐se da matéria‐prima fornecida pela história,
geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória
coletivaepor fantasiaspessoais,pelos aparatosepelopodere revelaçõesde
cunho religioso. Ao longo do tempo os grupos sociais e sociedades
reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos
culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de
tempo/espaço.
OsautoresBenkoePecquer(2001)afirmamqueanoçãodeterritório
está de volta nas análises econômicas. Os territórios oferecem recursos
específicos, intransferíveis e incomparáveis no mercado, gerando uma
vantagemcomparativa.Aquestãoésabercomoosterritórioscapitalizamou
não isso a seu favor. Já Pecqueur (2009) propõe que estratégias para
desenvolvimento de sistemas produtivos que se originem a partir da
perspectiva territorial deveriam estar focadas no que chama de modelo de
qualidade, avançando da vantagem comparativa para a vantagem
diferenciadora.
Aoconceitodeterritórioliga‐se,também,anoçãoderegião.Deacordo
comCorrêa(1986),otermoregiãoderivadolatimregio,cujaraizregiseliga
à regência, regra, regente e se refere a uma unidade político‐territorial em
que se dividia o Império Romano, o que atribui à conceituação uma
conotaçãopolítica,comoáreadeextensãodopodercentralizadoemRoma,
delimites,dedomínio.
Embora seja difícil estabelecer com precisão o significado da palavra
região,qualquerdefiniçãoestaráintimamenterelacionadacomasformasde
produção, desenvolvidas por grupos sociais em determinados territórios e
emumdadomomentohistórico.ParaGomes(1995),osdiferentesusosdo
conceito de região e suas diferentes operacionalidades variam no tempo e
no espaço, explicando também contextos políticos, econômicos,
institucionaiseculturais.
Asdiscussõesacercadoconceitodeterritórioganhamimportânciacom
acrescentenecessidadedemudançanossistemasdegoverno,incapazesde
suprirsozinhosasnecessidadesdamaioriadapopulação.Dessaforma,um
aspecto necessário de ser analisado em relação ao debate em torno do
territórioéaquestãodagovernançaterritorial.
191 2.3.1GOVERNANÇADEBASETERRITORIAL
Ferrão(2010,p.30)afirmaqueaemergênciadotemanaatualidade:
Resultadedebatesquetêmcomopanodefundoanecessidadedetranscender
as limitações das concepções modernas até então prevalecentes sobre o
Estado, intencionando o aprofundamento da democracia e a melhoria da
eficiência da ação pública, representando a transição de um Estado
diretamente interventor e executor, uma visão de comando e controle, para
outra concepção do papel do Estado centrada em intervenções de natureza,
sobretudoreguladoraeestratégica.
Complementando a argumentação sobre o tema, Dasí (2008) destaca
que a governança territorial pode ser encarada como aplicação dos
princípiosdeboagovernançaàspolíticasterritoriaiseurbanas,oucomoum
processo de planejamento e gestão de dinâmicas territoriais numa óptica
inovadora,partilhadaecolaborativa.
A análise dos diferentes processos de governança territorial e
desenvolvimento contribuem para firmar a convicção de que governa e
decide quem tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere‐se ao
atodeatribuirpoderàsociedade,paragovernar,ou,deconquistadepoder
pela sociedade, para governar. Portanto, o exercício da governança é
realizadopormeioderelaçõesdepoder(DALLABRIDA,2003;2007).Ainda
de acordo com o autor, o termo governança territorial ao referir‐se às
iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade
organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos, a partir do
envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e
institucionais.
Brandão (2011) ressalta que é imprescindível buscar construir
estratégias multiescalares e governança multinível. Tais estratégias,
segundooautor,precisamcontemplarumaabordagemdasdiversasescalas
espaciais que se articulam no território em que se quer promover
determinadoprocessodedesenvolvimento.
Em síntese, conforme Dallabrida (2011), a governança territorial pode
ser percebida como uma instância institucional de exercício de poder de
forma simétrica no nível territorial. A sua prática pode incidir sobre três
tipos de processos: (1) a definição de uma estratégia de desenvolvimento
territorialeaimplementaçãodascondiçõesnecessáriasparasuagestão;(2)
a construção de consensos mínimos, através da instauração de diferentes
formasdeconcertaçãosocialcomoexercíciodaaçãocoletiva;e,porfim,(3)
aconstruçãodeumavisãoprospectivadefuturo.Umapráticaqualificadade
governançaterritorialéumrequisitoindispensávelparaodesenvolvimento.
A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação
público‐privada, implica numa revalorização da sociedade, assumindo uma
192 postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas
estataisnassuasdiferentesinstâncias.
Uma das principais estratégias que articula os potenciais de
desenvolvimento territorial à Noção de identidade territorial é a Indicação
Geográfica.
2.4INDICAÇÃOGEOGRÁFICA
NoBrasil,deformajurídica,asIndicaçõesGeográficassãoconsideradas
marcas territoriais que reconhecem os direitos coletivos referentes aos
sinais distintivos de um território (ANJOS, 2012; GURGEL, 2006). Assim,
tornam‐se ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais
vinculados a determinados territórios, atendendo a duas funções: agregar
valoraoprodutoeprotegeraregiãoprodutora.
A Indicação Geográfica se caracteriza como um ativo intangível da
propriedade intelectual que representa um atributo, uma qualidade
atribuídaaomeioouafatoreshumanosouaumareputaçãoquedistingue
produtos ou serviços relacionados a uma determinada origem geográfica
(FERREIRAetal.,2013).
Para os autores Pecquer (2009) e Dallabrida (2012), a Indicação
Geográfica possibilita a construção de uma conformação socioeconômica
que destaca a importância dos produtos (ou serviços) com identidade
territorial para o desenvolvimento. Trata‐se de ultrapassar a dimensão de
vantagem comparativa para uma vantagem diferenciadora, resultante de
processos originais de emergência de recursos e ativos com ancoragem
territorial.
Aliteraturacontemporâneaquetratadotema,emgeral,reconheceque
uma das principais estratégias que articula os potenciais de
desenvolvimentoànoçãodeterritórioeidentidadeterritorialéaIndicação
Geográfica. Trata‐se de uma das principais alternativas para conferir aos
serviçoseprodutosdebaseterritorialmaiorcompetitividadee,atémesmo,
a possibilidade de inserção diante de um mercado local ou mundial,
produzindo uma conjuntura favorável ao desenvolvimento (local, regional,
territorial). Das experiências brasileiras de Indicação Geográfica, apenas
umadelassitua‐senoestadodeSanta Carina(SC).Trata‐seda experiência
de Urussanga e municípios próximos, no Sul catarinense, registrada como
Vales da Uva Goethe, dedicada à produção de vinho da uva Goethe,
articulada pela Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da
RegiãodeUrussanga(PROGOETHE).
Complementarmente, Pecqueur (2001; 2006) propõe um modelo que
chama de cesta de bens e serviços ancorados territorialmente, associando
bens e serviços com Denominação de Origem Protegida com outros, que
193 tenham qualidade e se identifiquem com o território de origem. De forma
semelhante, Acampora e Fonte (2008) reforçam a necessidade de políticas
públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as especificidades
territoriaiseculturais,pelavalorizaçãodaidentidadeterritorialpormeiode
uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe diferentes estratégias no
sentido do fortalecimento e capitalização de territorialidades em favor do
desenvolvimento(local,regional,territorial).
Deformasemelhante,AcamporaeFonte(2008)reforçamanecessidade
de políticas públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as
especificidades territoriais e culturais, pela valorização da identidade
territorial por meio de uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe
diferentes estratégias no sentido do fortalecimento e capitalização de
territorialidadesemfavordodesenvolvimento(local,regional,territorial).
Outraquestãoquetemreferênciacomotemadaidentidadeterritoriale
sua relação com o desenvolvimento é a questão dos recursos e ativos
territoriais. Para Pecqueur (2005), o desafio das estratégias de
desenvolvimento constitui‐se em se apropriar dos recursos específicos e
buscar o que possa se estabelecer como potencial identificável de um
território. Para tal, deve ocorrer um processo de especificação ou ativação
derecursos,ouseja,transformarrecursosemativosespecíficos.Oautorfaz
uma diferenciação entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos
específicos.Osativoserecursosgenéricossãototalmentetransferíveiseseu
valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o sistema de preços.
Esses ativos e recursos não permitem que um território se diferencie de
formaconsistentedeoutros,umavezqueelessãotransferíveis,ouseja,são
transacionados no mercado. Já os ativos específicos, por sua vez,
possibilitam um uso particular e seu valor constitui‐se em função das
condições de seu uso. Além disso, eles apresentam um custo de
transferência que pode ser alto e irrecuperável. Assim, os recursos
específicosmerecemmaioratenção.Elespossibilitamaconstruçãodeuma
argumentação que destaca a importância dos produtos com identidade
territorial para o desenvolvimento. Ressalta ainda o autor que os recursos
específicos, ao contrário dos recursos genéricos, não são mensuráveis, ou
seja, não são expressos em preços e não podem ser transferidos, como
qualquerprodutotransacionadonomercado.Sãoelaboradosnumespaçode
proximidadegeográficaeinstitucional,apartirdeumatrocanãomercantil:
areciprocidade.
Benko e Pecqueur (2001, p. 31), ao lembrarem que apesar da
mundialização,ametropolização,aformaçãodasáreasdelivrecomércio,a
articulaçãoentreoglobaleolocalestaremnocentrodaspreocupaçõesda
economia espacial, a mundialização não significa homogeneização dos
espaços.
194 ParaSaquet(2003),aterritorialidadecorrespondeàsrelaçõessociaise
àsatividadesdiáriasqueoshomenstêmcomseuentorno.Éoresultadodo
processo de produção de cada território, sendo fundamental para a
construçãodaidentidadeeparaareorganizaçãodavidaquotidiana.Assim
sendo, a identidade é construída pelas múltiplas relações‐territorialidades
queseestabelecemtodososdiaseissoenvolve,necessariamente,asobras
materiaiseimateriaisproduzidas,comoostemplos,ascanções,ascrenças,
osrituais,osvalores,ascasas,asruas,alémdeoutrosaspectos.
Outro autor brasileiro, Souza (2005), salienta que o território é um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Para o
autor, a autonomia é a base do desenvolvimento, este encarado como
processo de auto‐instituição da sociedade rumo à uma maior liberdade e
menor desigualdade. Assim sendo, uma sociedade autônoma é aquela que
logradefenderegerirlivrementeseuterritório.Trata‐sedeumasociedade
com poder, onde o Estado não pode ser concebido enquanto instância de
poder centralizadora e separada da sociedade. A concepção de território
autônomo implica num ambiente onde as pessoas têm a liberdade de
manifestarsuasescolhasepotencialidades,gerandoumespaçosocialmente
equitativoedemocrático.
O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e
imateriais,constituemoquepodemoschamardecapitalterritorial,definido
emdocumentodaLEADER(2009,p.19)comooconjuntodoselementosde
quedispõeoterritórioaonívelmaterialeimaterialequepodemconstruir
vantagem ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital
territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território
(atividades,paisagens,patrimônio,saber‐fazer,etc.),naperspectiva,nãode
um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades podendo
servalorizadas.
Aofinaldestarevisãobibliográfica,sistematizam‐senoquadro1alguns
tópicosnorteadoresdoestudo.
Quadro1‐Tópicosnorteadoresdoestudo
Tópico
Características
Desenvolvimentoregional
‐Adoçãodeestratégiassustentáveis,
‐resgatedaculturaregional,
‐geraçãoderenda,
‐formaçãodoassociativismo,
‐preservaçãodomeioambiente,
‐buscaporsuperarasdisparidades
cidade/campo.
‐Umaspectodamemóriaculturalde
umpovo,
‐instrumentodevalorizaçãodos
seuselementosmateriais,
‐exercíciodopodercriativodo
Artesanato
195 Principaisautores
Sachs,1994.
Montibeller,2002.
Friedmann,1992.
Pereira,1979.
Fischer,2007.
Território
IndicaçãoGeográfica
homem,
‐representaçãodaculturapopular,
‐responsávelporcontribuircoma
identidadeculturaldeumdado
território.
‐Domíniopoliticamenteestruturado
resultantedeapropriaçãosimbólica
identitária,inerenteacertaclasse
social,
‐espaçodefinidoedelimitadopore
apartirderelaçõesdepoder,
‐espaçoapropriadoapartirdaideia
depoder,decontrole,quersefaça
referênciaaopoderpúblicooua
grandesempresas,
‐nomepolíticoparaoespaçodeum
país,
‐espaçousado,apropriado,
‐governançaterritorial.
‐Marcasterritoriaisquereconhecem
osdireitoscoletivosreferentesaos
sinaisdistintivosdeumterritório,
‐ferramentascoletivasde
valorizaçãodeprodutostradicionais
vinculadosadeterminados
territórios,
‐ativointangíveldapropriedade
intelectualquerepresentaum
atributo,umaqualidadeatribuída
aomeio,ouafatoreshumanosou
umareputaçãoquedistingue
produtosouserviçosrelacionadosa
umadeterminadaorigem
geográfica,
‐comfunçãodeagregarvalorao
produtoeprotegeraregião
produtora.
Haesbaert,2007.
Raffestin,1993.
Souza,1995.
Andrade,1995.
SantoseSilveira,2001.
Santos,1997.
FernándezeDallabrida,2008.
Brandão,2007.
Amin,2008.
Dallabrida,2006;2007;
2010b.
Saquet2007.
Coro1999.
CassiolatoeLastres,2003.
Castells,1999.
BenkoePecquer,2001.
Pecqueur,2001;2006;2009.
Corrêa,1986.
Gomes,1995.
Anjos,2012.
Gurgel,2006.
Leader,2009.
Souza,2005.
Saquet,2003.
BenkoePecquer,2001.
Albagli,2004.
Pecqueur,2005.
AcamporaeFonte(2008)
Dallabrida,2012.
Ferreiraetal,2013.
Fonte:elaboradopelasautorascombasenarevisãobibliográfica.
3.PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS
Quantoaosprocedimentosmetodológicos,estapesquisadefine‐secomo
qualitativa,umavezque,alémdedadosobjetivos,buscouanalisartambém
aqueles de difícil mensuração e apresentação numérica. Foram adotadas
múltiplasfontesdeevidênciasparaacoletadedados:aentrevista,orelato
históricoeaobservaçãodireta,conformerecomendaGodoy(1995).
Ométodoutilizadofoioestudodecaso,que,deacordocomYin(2001,
p. 32), é uma “[...] investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneodentrodeseucontextodavidareal,especialmentequando
196 oslimitesentreofenômenoeocontextonãoestãoclaramentedefinidos”.
A análise docaso teve duas frentes de investigação: a bibliográfica e a
pesquisadecampo. Apesquisabibliográficaconsultoualiteraturasobreos
temas: desenvolvimento sustentável, artesanato, território, governança
territorialeindicaçãogeográfica.
Paraacoletadedadosfoirealizadaabusca,leituraeanálisedetextos,
reportagens, atas e demais documentos referentes ao Projeto Tranças da
Terranoperíododesuaexistência(2006a2014).Tambémforamrealizadas
02 entrevistas abertas com: 01 representante da associação Tranças da
Terra(Artesã)e01gestordoSebrae(gestor),entidadequedásuportepara
oTrançasdaTerra.As02entrevistasforamfeitasnomesmodia,horárioe
local (dia 01/07/2014, às 13h30min, na loja do Tranças da Terra em
Joaçaba) e tiveram a duração de 48 minutos. Versaram sobre
desenvolvimento regional, artesanato, território, Indicação Geográfica e,
sobretudo, sobre o Projeto Tranças da Terra. Com o consentimento das
entrevistadas,asentrevistasforamgravadaseposteriormentetranscritase
analisadas.
Realizou‐setambémaobservaçãodasatividadesdoProjetoTrançasda
terra,pormeiodavisitaanúcleoprodutordeartesanatoeàlojanaqualsão
vendidososprodutos.
Osdadoscoletadosnasdiferentesfrentesforamanalisadospormeiode
recursosinterpretativos,cotejando‐oscomarevisãobibliográficarealizada.
Abaseparaaanáliseforamostópicosdescritosnoquadro01.Buscou‐se,ao
analisarosdadoscoletadosagrupadoseclassificadosnestestópicos,emsua
relação com a revisão bibliográfica realizada, responder aos objetivos de
pesquisa.
4.ANÁLISE
Nestaparte,foramabordadosdadosdaregiãoemestudo,aMeioOeste
Catarinense, bem como a trajetória e características atuais do projeto
TrançasdaTerra,suasformasdegovernança,iniciativasdevalorizaçãodos
produtos, potencialidades do projeto e sugestões e oportunidades de
melhorias.
4.1AREGIÃOMEIOOESTECATARINENSELÓCUSDOPROJETOTRANÇASDA
TERRA
SegundooInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE,2014),a
MacrorregiãoMeioOesteCatarinense,naqualsesituaoProjetoTrançasda
Terra, possuía, em 2010, uma população de 349.143 habitantes e uma
densidade populacional de 34,1 hab./km². O município de Joaçaba é
considerado o município sede da Macrorregião Meio Oeste e a cidade de
197 Caçadoramaispopulosa,com70.762habitantes.
O povoamento da região teve como aspecto marcante a construção da
estrada de ferro que liga o Rio Grande do Sul a São Paulo e a chegada dos
imigrantesgaúchosdeorigemitaliana.Acolonizaçãodaregiãofoitambém
influenciadaporalemães,caboclos,austríacoseparanaenses.
ConformedadosdoIBGE,relativosa2009,amovimentaçãoeconômica
dos 32 municípios da Macrorregião, segundo a composição do PIB, foi de
aproximadamente R$ 7,4 bilhões, o equivalente a 5,7% do PIB estadual e
alcançandoo7ºmaiornocomparativoentreasnovemacrorregiões.
Aregiãoocupaumaposiçãodedestaquenosetorprimáriocatarinense,
comomaiorprodutoraestadualdemilho,sojaetrigo.Tambémpossuiuma
atividade agropecuária bastante expressiva, respondendo, em 2010, por
19% do rebanho catarinense de suínos e por 22% do de frangos. Na
agricultura, destaca‐se a fruticultura e horticultura (uva, pêssego, maçã e
tomate),ocultivodemilhoeaproduçãoflorestal.
O setor industrial estabelece uma forte sinergia com a atividade
agropecuáriadaregião,cabendoassinalararepresentatividade donúmero
de empresas e empregos dos segmentos de fabricação de alimentos e
bebidas, do setor madeireiro e o de produção de papel e embalagens de
papel.OsegmentodaIndústriadetransformação,em2011,foiresponsável
por35.531empregosformais,oequivalentea32%dospostosdetrabalho
daMacrorregiãoMeioOeste.
O quadro 2 apresenta, de maneira sucinta, alguns dados gerais e
históricosdaregiãoemestudo.
Quadro2‐AspectosgeraisehistóricosnaMacrorregiãoMeioOeste
Aspectosgeraisehistóricos
CoordenadoriaRegionaldoSEBRAE/SC
MacrorregiãoMeioOeste
MunicípiosededaCoordenadoria
Joaçaba
Áreaterritorial(km²)
10.236,8
PopulaçãoTotal2010
349.143
Densidadedemográfica2010
(hab/km²)
Altitude(metros)
34,11
Clima
Colonização
NúmerodeEleitores
NúmerodeMunicípios
Municípios
Altitudemédiade957metrosacimadoníveldomar,
sendoamínimade409metrosemIpiraemáximade870
emPalmaSola.
PredomíniodoclimaMesotérmicoúmido,com
temperaturamédia16°C.
Predominanaregiãoacolonizaçãodeorigemitalianae
alemã.Aindaqueemmenornúmero,assinala‐sea
colonizaçãocabocla.
265.269
32
ÁguaDoce
Hervald'Oeste
LebonRégis
RiodasAntas
ArroioTrinta
Ibiam
198 Luzerna
Caçador
Macieira
Calmon
MatosCosta
Capinzal
Ouro
Catanduvas
Peritiba
ErvalVelho
PinheiroPreto
Fraiburgo
Piratuba
SaltoVeloso
Ibicaré
Tangará
Iomerê
TimbóGrande
Ipira
TrezeTílias
Jaborá
VargemBonita
Joaçaba
Videira
Lacerdópolis
Fonte:AdaptadodeIBGE(2012)
Desses municípios, os que participam diretamente do Projeto Tranças
daTerrasão:Catanduvas,ÁguaDoce;Capinzal,Joaçaba,LuzernaeOuro.
Apopulação daMacrorregiãoMeioOeste apresentou,noanode2010,
crescimento de 7% desde o Censo Demográfico realizado em 2000. Os
homensrepresentavam49,76%dapopulaçãoeasmulheres,50,24%.
Aestruturaetáriadeumapopulação,habitualmente,édivididaemtrês
faixas:osjovens,quecompreendemdonascimentoaté19anos,osadultos,
dos20anosaté59anos,eosidosos,dos60anosemdiante.Segundoessa
organização, na Macrorregião Meio Oeste, em 2010, os jovens
representavam 32,4% da população, os adultos, 56,5% e os idosos, 11,1%.
Nodecorrerdos10anosentreoscensosdoIBGEde2000e2010,ocorreu
uma evolução positiva de 5,3% no percentual da população
economicamente ativa, passando de 49,8% no ano 2000, para 55,1% em
2010.
Visando melhor conhecer as potencialidades do Projeto Tranças da
Terra,presentenessaregião,aplicou‐seumInventáriodoCapitalTerritorial
doTerritório2.DeacordocomoCapitalNatural,PatrimônioNaturaleMeio
Ambiente, o trigo é o produto vegetal de base para o Projeto Tranças da
Terra, sendo necessário caracterizar a sua tipificação e quais as formas de
uso.
4.2TRAJETÓRIAECAPITALSOCIALDOPROJETOTRANÇASDATERRA
De acordo com informações coletadas junto aos gestores do Projeto
Tranças da Terra, a região do Meio Oeste Catarinense foi considerada a
Capital Nacional do Trigo na década de 1950. A região montanhosa com
baixas temperaturas era ideal para o plantio desse cereal, cujo plantio foi
2
Tomou-se como base o Inventário do Capital Territorial do Território elaborado para Projeto
de Pesquisa, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa
Catarina (FAPESC), que deu origem ao projeto de Iniciação científica, cujos resultados aqui
são relatados.
199 introduzidoporimigrantesitalianosealemães.Oartesanatofeitoempalha
detrigoeraumatradição,responsávelpelaproduçãodechapéusesportas
(palavradeorigemitalianaquesignificasacolas),usadosprincipalmentenas
lidas da lavoura e nas idas à cidade para compras. Com a mudança da
fronteira agrícola para o estado do Paraná e a mecanização da agricultura,
ocorridas a partir dos anos 1970, a cultura do trigo foi praticamente
descontinuada no Meio Oeste Catarinense. Dessa forma, o artesanato em
palha de trigo se restringiu a poucas comunidades de agricultores que
prosseguiram cultivando o cereal nos moldes tradicionais, sem uso de
máquinas.
Visando resgatar o artesanato tradicional em palha de trigo, em 9 de
agostode2005oProjetoTrançasdaterrafoilançado,comaadesãodeseis
municípios: Água Doce, Capinzal, Catanduvas, Joaçaba, Luzerna e Ouro.
Aderiu, ainda, ao projeto a Secretaria de Estado do Desenvolvimento
Regional (SDR) de Joaçaba. Também na ocasião, apoiaram o projeto
empresas do setor privado, especialmente uma tradicional do ramo de
moagemdetrigoefarinhas;empresadecomunicações(granderededoSul
doBrasil)eempresasdecontabilidade.Noiníciode2006,oprojetoganhou
mais força com a adesão de outras empresas privadas e de uma empresa
públicaqueprestaassessoriaapequenosagricultoresemSC.
O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto
Tranças da Terra teve início com a instalação de alguns núcleos: a) 01
núcleoprodutordamatéria‐prima,comprodutoresruraisdeCatanduvase
de Água Doce; b) 06 núcleos de produtores de artesanato, com sede nos
municípiosdeÁguaDoce,Capinzal,Catanduvas,Joaçaba,LuzernaeOuro,e
c)01núcleodearmazenagemdamatéria‐prima,nomunicípiodeLuzerna.
Implantadososnúcleos,emnovembrode2006,foiconcluídaaconstituição
da associação com a inauguração do núcleo administrativo, da central de
vendasedeumalojaparacomercializaçãodosprodutos.
Desde a implantação do Projeto, em 2006, até 2014, várias atividades
foramrealizadas,taiscomo:articulaçãodeparceiros,mobilizaçãoeadesão
de artesãos, criação da marca Tranças da Terra, prospecção de mercado,
realização de oficinas técnicas e capacitação nas áreas de gestão e
associativismo, pesquisas e desenvolvimento de novos produtos,
formalização da Associação de Artesanato Tranças da Terra, apresentação
dosprodutosàcomunidadelocaleregional,elaboraçãodoplanoestratégico
demarketingdaAssociaçãodeartesanatoTrançasdaTerra,implantaçãoda
Loja Tranças da Terra, capacitação e consultoria empresarial, consultoria
tecnológica e acesso ao mercado. Com essas etapas, o projeto prevê
aumentar o volume de produção, o número de clientes ativos e atingir um
faturamento base por mês, buscar outros pontos e canais de venda dos
produtoseimplantarocomércioeletrônico.(TRANÇASDATERRA,2014).
200 De acordo com Tranças da Terra (2014), o projeto Tranças da Terra
possuialgunsdestaquesereconhecimentoexternoimportante,taiscomoos
apresentadosnoquadro3.
Quadro3‐DestaquesereconhecimentosdoTrançasdaTerra
SeleçãoRedeGloboSãoPaulo‐em2012,aemissoraselecionouoTrançasdaTerrapara
gravaçãodoProgramaAçãoComunitária,transmissãosábado,às7h30damanhã;
PrêmioHouseeGiftdedesign,consideradoo"Oscar"dodesignbrasileiro‐em2011foi
premiadocomaLumináriaFlores;
PrêmioPlanetaCasa‐em2011,ficouentreosdezfinalistasnacategoriaaçãosocial
(concorreucommaisde400inscritos,segundoinformaçãodaorganizaçãoplanetacasa);
ProgramaCaixadeApoioaoArtesanatoBrasileiro‐em2009,selecionadoatravésda
CaixaEconômicaFederal(CEF)paraoprograma;
PrêmioPlanetaCasa–em2008,nacategoriaAçãoSocial–umaaçãopioneiradarevista
CasaClaudia;
PrêmioFINEP‐em2008foiaterceiracolocadaregiãoSulnacategoriaTecnologiaSocial;
PrêmioSEBRAETOP100deArtesanato‐em2008,entreastrêsunidadesselecionadas,
ficandoemprimeirolugarnoEstadoobtendoamelhorpontuação;
PrêmioSEBRAETOP100deArtesanato‐em2006,ficouentreascincounidades
selecionadasemSantaCatarina;
PrêmioHouseeGiftdedesign‐em2006,premiadocomaCestaFloresnacategoria
ArtesanatoRegional;
PrêmioFINEPnacategoriaInovaçãoSocial‐em2006,2ºLugar.
Fonte:AsautorascombaseemTrançasdaTerra(2014).
A partir de informações coletadas nas entrevistas, as maiores
dificuldades encontradas no início do Projeto foram de tornar o produto
conhecido, interessante, útil, e de colocá‐lo no mercado. Nem todos os
artesãos que iniciaram no projeto conseguiram adquirir a habilidade em
trançarempalhadetrigo.Essefoiumdosfatoresquelevoualgunsartesãos
adesistirdeparticipardoProjeto.
Quanto ao capital social, o Projeto Tranças da Terra, contou, na sua
origem, com 118 adesões de pessoas com habilidades manuais, critério
básico para aderir ao projeto. Aderiram ao projeto para a produção da
matéria‐prima (o trigo “peladinho”) 16 produtores rurais. Hoje, o Projeto
conta com 22 artesãs (somente do sexo feminino) associadas e 03
agricultoresnaproduçãodematéria‐prima.
Segundo as entrevistas, essa redução significativa no número de
artesãos é vista com muita preocupação pelas entrevistadas, porque, na
visãodelas,oartesanatotemsidoentendidopelasartesãsmembro,apenas
como uma atividade para passar o tempo e não como uma atividade
201 econômica rentável. Pelo contrário, os atuais participantes do Projeto o
consideram pouco rentável, o que não atrai novos interessados e gera o
desânimo das atuais artesãs. Dessa forma, não ocorrem atualmente
capacitações, como ocorreram no início do projeto, porque não se tem
públicoparatalatividade.Ainda,deacordocomasentrevistas(2014):
Quemestánoprojetodesdeoinício,acompanhoutodoesteprocesso,acabou
se apaixonando pela causa, e a questão nem é tanto o retorno financeiro, até
porque como são várias, tem um pouco para cada uma então se teria que
vendermuitoparaterumretornofinanceirobom.Quemtáforaquersabero
quantovaiganharseentrarnoprojeto,seforartesãdoTranças,eaísefalara
pessoanãovaiquerer,entãotemqueseapaixonarmesmopelacausa,veralém
dofinanceiro[...].Esteenvolvimentocomapartedagestão,porexemplo,traza
pessoaparaumconvíviosocial.(Artesã1)
Quanto à gestão da Associação, o Projeto Tranças da Terra é
administrado por uma diretoria formalizada, com presidência, gerência,
secretária,tesoureiraemaisalgumaslíderesartesãsquenãofazemparteda
diretoria, mas que contribuem com a gestão. São feitas reuniões mensais,
mesmo que não haja pauta prévia. As artesãs consideram esses encontros
fundamentais,porpermitemqueváriosassuntossejamdiscutidosequeas
profissionaismantenhamocontatocomaequipedirigente.
A produção é feita nos núcleos produtivos e as artesãs ganham por
produção,conformerelatadonasentrevistas:
Elas ganham por produção, é feito sempre levantamento do que cada núcleo
tem e se percebe, por exemplo, Lacerdópolis: eles desenvolveram uma
habilidade maior em fazer peças pequenas, produzem bastante. Em
Catanduvasjáfazemmaispeçasmaiores.Entãoquandovocêproduz100peças
pequenas equivale a duas ou três peças grandes, então tem que ser por
produção, porque depende muito da quantidade de matéria‐prima que de
utiliza napeçaedotempopraproduzir,é assim queagentefazocálculodo
valordamãodeobra,entãoéporproduçãoqueagentepaga.(Artesã2)
OutradificuldadequeexistedesdeoiníciodoProjetoequepersisteaté
hojeécomrelaçãoàmatéria‐prima,porqueeladependedoclima.Apesarde
a região ter clima apropriado para a produção do trigo, se faltar chuva, a
matéria‐primaestragaesechoverdemaistambémháperda.Esseéumfator
que pode fazer com que, em determinados anos, a produção de trigo seja
maioroumenor,causandoefeitosobreaproduçãodeartesanatoempalha
detrigo.
4.3CAPITALNATURAL,HUMANOEINTELECTUALPRESENTESNOTRANÇASDA
TERRA
O principal capital natural do Projeto Tranças da Terra é o trigo,
matéria prima para todo o processo e para a confecção dos produtos. O
202 Projeto possui um estoque considerável de matéria‐prima, porque compra
todaaproduçãodoagricultorquefazpartedaassociaçãoparanãoperdera
adesão do produtor e nem a semente. Os agricultores que plantam a
variedadedetrigoespecíficaparaoartesanatosãoorientadosportécnicos
da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
(Epagri), desde como se faz o plantio e o manejo até como faz a colheita.
Inclusive, antes da escolha da variedade, a Epagri cooperou com o Projeto
Tranças e estudou qual a melhor semente para dar a melhor haste para o
artesanato, chegando‐se à variedade conhecida na região como Peladinho,
cujo nome científico é triticum. Na colheita, o agricultor não pode usar
máquina para cortar a palha porque a estraga, precisando fazer a colheita
manualmente.EssavariedadeétradicionalnaregiãoMeioOeste,porémseu
cultivo praticamente desapareceu quando do processo denominado de
modernização agrícola, ocorrido nos anos 1960, quando se introduziu a
mecanização consorciada com o uso intensivo de agrotóxicos,
eufemisticamentechamadosdedefensivosagrícolas.
A variedade de haste de trigo utilizada no Projeto Tranças da Terra
atende as dimensões de sustentabilidade ambiental, pois é produzida sem
qualquerusodeagrotóxicoesemcausardanosaomeioambiente.Também
atendeàdimensãocultural,vistoquesetratadeumcultivotradicionalque
requerumsaberespecífico,desdeoplantioatéacolheitaearmazenamento.
Na produção das peças artesanais, geralmente não se aplica qualquer
corantesobreapalhadetrigo,porém,quandoissoédemandado,sãousados
corantesnaturais,como,porexemplo,corantesapartirdecipó‐índioecasca
depinheiroaraucária.
Osaberdosartesãossobreoprocessodeproduçãodotrigopeladinho
somou‐se ao saber da Epagri, que, além de resgatar a semente tradicional,
também orienta os produtores no uso das técnicas tradicionais e do Curso
de Ciências Biológicas da Unoesc ‐ que cooperou com o Projeto
compartilhando o seu conhecimento sobre formas de secagem e
armazenamentodotrigo.
No início do Projeto Tranças da Terra havia muitos agricultores que
faziam este plantio do trigo específico para o Projeto Tranças. Porém, no
momentodapesquisa,foramidentificadosapenastrês(doishomenseuma
mulher). Um dos motivos é que ele precisa plantar exclusivamente para o
Projeto, porque essa variedade de trigo, o trigo peladinho, tem uma palha
mais comprida, mas não produz grãos muito bons para fazer a farinha. O
agricultor planta o trigo objetivando a produção de farinha, pois lhe gera
maior lucro do que a produção da variedade tradicional, que tem menor
produçãodefarinha,masserveparaoartesanato.
Essaquestãodaproduçãodamatéria‐primacausaimpactodiretosobre
a possibilidade de continuidade do Projeto Tranças da Terra. Os produtos
203 em palha de trigo consolidam o artesanato tradicional local, estando
relacionados às artes e ofícios dos colonizadores da região do Meio Oeste
Catarinense. Tratam‐se, portanto, de produtos com marcada vinculação a
umterritórioeaumaidentidadedeumacomunidadelocal/regional.
4.4OCAPITALCULTURALDOPROJETOTRANÇASDATERRA
O maior capital cultural do Projeto Tranças da Terra é a manutenção
viva de uma tradição da região Meio Oeste: a produção de artesanato com
base em palha de trigo, a preservação da arte de trançar esta palha de
diferentesmaneiraseoseuarranjopelacosturaartesanalformandopeças
utilitárias e de decoração. Originalmente os objetos trançados resultavam,
principalmente, em chapéus e sacolas (sportas) utilizadas pelos
colonizadores da região, de origem ítalo e germânica, principalmente nas
atividadesagrícolas.Alémdadurabilidade,oschapéustraziamumconforto
térmico adequado para os agricultores na lida na lavoura. Essa atividade
artesanaltradicionalaindaéobservadacomfrequêncianaregião,contudojá
escasseiamaspessoasquetêmodomíniodatécnicatradicionaldeelaborar
astranças.
ParaoProjetoTrançasforamcontratadaspeloSebraeduasecodesiners
que após estudarem e observarem detidamente as peças tradicionais e a
cultura regional elaboraram protótipos de produtos e submeteram à
apreciação dos membros da Associação para sua validação. Dessa forma, o
que se fez foi uma releitura dos produtos tradicionais, preservando na
íntegraaformaoriginaldetrançar.
Quanto ao nome do Projeto, Tranças da Terra, ele foi sugerido pelas
próprias artesãs, uma vez que a matéria‐prima ‐ a palha do trigo ‐ vem da
terraeoatodetecerlembratambémelosexpressospelaprópriatrançae,
simbolicamente pelo associativismo, forma escolhida para a produção do
artesanato.
Ascoleçõesdeprodutosforamdesenvolvidasalinhadasaoconceitode
design ecologicamente correto, por meio da contratação de consultoria em
ecodesign e são: Curvas da Terra, Flores da Terra, Cores da Terra, Coleção
Interiores e Coleção Flor de Menina. O quadro 4 apresenta os produtos do
TrançasdaTerranasuatradicionalidade.
Quadro4‐ProdutosTrançasdaTerraetradicionalidade
Produto
ColeçãoFlores
daTerra
Descrição
‐Bolsafloresoval;
‐Bolsafloresquadrada;
‐Cestaflores;
‐Chapéuflores;
‐Descansodepanelasflor;
‐Móbiles;
204 Tradicionalidade
Osprodutossãoinspiradosnostemas
floraisdospanôseesculturas,em
madeira,religiosas.Ousodaflor
representaolardopovoimigrantequese
estabeleceunomeio‐oestecatarinense.
Todososprodutossãofeitoscompalha
Coleção
Curvasda
Terra
ColeçãoCores
daTerra
Coleção
Interiores
ColeçãoFlor
deMenina
‐ Porta‐guardanapoflor;
‐Sousplatflor;
‐Trilhomesaflores.
‐ Bowl;
‐Bolsacurvas;
‐Capitel;
‐Cestacurvas;
‐Chapéucurvas;
‐Rechaud(porta‐velas);
‐Sousplatcaracol;
‐Anjo;
‐Minicuia.
‐ Americano;
‐Bandejasporta;
‐Marcadordelivro;
‐Porta‐guardanapo;
‐Porta‐cartãosporta;
‐Descansodepanela
quadrado;
‐Sporta;
‐Sportaparavinho.
‐ Bromélia;
‐Folha(porta‐bala);
‐Lumináriacasulo‐
arandela;;
‐Lumináriacasulo‐mesa;
‐Lumináriadeflor‐
pendente;
‐Mandala;
‐Revisteiro.
‐ Adorno;
‐Batonflor;
‐Cintoflor;
‐Colarflor;
‐Flor‐presilhaparalenço;
‐Prendedorcabelo.
detrigo.
Osprodutossãoumresgatedascurvas
dostrigaiseesculturasreligiosas
presentesnaregião.
Todososprodutossãofeitoscompalha
detrigo.
Osprodutossãocoloridoscommateriais
extraídosnanatureza.Todososprodutos
sãofeitoscompalhadetrigo.
Osprodutossãodesenvolvidospara
decoraçãodeambienteeinteriores.
Todososprodutossãofeitoscompalha
detrigo.
Osprodutossãoinspiradosem
acessóriosfemininos.
Todososprodutossãofeitoscompalha
detrigo.
Fonte:ElaboradospelasautorascombaseemTrançasdaTerra(2014)
A questão cultural é possivelmente a maior contribuição do projeto
Trançasdaterraparaaregiãonaqualsesitua.Trata‐sedeumProjetoque
partedeumatécnicatradicionalconferindo‐lhenovosusoseadicionandoa
dimensão ambiental da sustentabilidade. O que se questiona é se esse
quesitoseriasuficienteparageraramanutençãoepermanênciadoProjeto
ao longo do tempo, bem como o seu potencial com marcas muito
particulares desse território. O que hoje é efetivamente produzido no
ProjetoTrançasdaTerrasãoprodutosquesónesteterritórioseencontram,
mas a arte de trançar a palha de trigo é encontrada em outros territórios.
Por estes motivos, somam‐se as dificuldades de buscar a Indicação
Geográfica(IG)paraosProdutosdoTrançasdaTerra.
205 4.5OCAPITALINSTITUCIONALEPRODUTIVODOPROJETOTRANÇASDA
TERRA
OProjetoTrançasdaTerratemcontado,aolongodesuatrajetória,com
instituiçõesdeapoiolistadasnoquadro5.
Quando5‐Instituiçõesdeapoio
Instituição
Sebrae
Unoesc
PrefeituradeLuzerna
PrefeituradeJoaçaba
Prefeiturade
Catanduvas
PrefeituradeÁgua
Doce
PrefeituradeCapinzal
PrefeituradeOuro
Formadeapoio
Consultoria,capacitação.
Pesquisanaáreadegestão,redesedeciênciasbiológicas.
Fornecimentodelocaldetrabalhoàsartesãsedelocalpara
estoquedematéria‐prima.
Fornecimentodelocalparaalojadoprojeto.
Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs.
Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs.
Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs.
Fornecimentodelocaldetrabalhoasartesãs.
Fonte:asautoras,combasenasentrevistas
Essas organizações listadas contribuem com aporte de conhecimento,
capacitação e consultoria, ou então com a cedência de instalações para o
trabalhodoprojetoTrançasdaTerra.Contudo,oProjetoprecisaencontrar
formasparagerarasuaautosustentaçãooqueaindanãoseobservaneste
períodode2006a2014.
Quantoàinfraestrutura,oProjetoTrançasdaTerracontacomumaloja
emJoaçaba,equipadacomtelefoneecomputadorcomacessoàinternet.
Com relação às máquinas e equipamentos, o projeto conta com
máquinas de costura em todos os núcleos produtores. Os materiais de
escritórioestãoconcentradosnalojadeJoaçaba.
No que se refere recursos financeiros, algumas empresas compram os
produtosdoprojetoparadarcomobrindescorporativos,aUnoesc,oSebrae
e a Acioc‐ Associação Comercial e Industrial do Oeste Catarinense, mas
mesmo essas empresas acabam achando que fica caro, porque quando se
fala em artesanato logo se pensa em crochê, tricô, que não fica tão caro
produzircomoosprodutosdotrançasdaterra.
Atualmente, a ajuda financeira recebida pelo projeto, em todas as
cidadesemqueeleatua,dizrespeitoàcessãopelasprefeiturasdoslocaisde
trabalho,ondeasartesãstrabalhamedolocalparaalojaeparaoestoque
das matérias primas. Essa é uma preocupação evidenciada pelas
entrevistadas, porque cada vez que muda a gestão das prefeituras é
necessário buscar a continuidade da cessão desses locais e nunca se está
206 seguro a respeito. Atualmente, a associação foi contemplada com recursos
deumprojetodogovernofederalchamadoRedeSolidária.Comorecurso,o
Projeto está construindo um novo espaço, num terreno doado pela
prefeituradeJoaçaba,maséemumbairronovo,longedocentro.Comonão
fica num centro comercial, não será usado como loja, mas como ponto de
encontrodasartesãseparaestoquedematéria‐primaedepeçasprontas.
No início, o Projeto vendia muito mais para outros estados do Brasil,
como Bahia, Salvador, Minas Gerais e Rio de Janeiro, porque, na visão das
entrevistadas “[...] o nosso estado, a nossa região não valorizava tanto o
artesanato, hoje em dia a situação já mudou muito, e os produtos já são
muitomaisvalorizadosporaqui.”(artesã).
Osmaisde30produtosdiferentesproduzidospelasartesãsdoprojeto
ajudam na geração de renda às suas famílias, mas de forma pouco
significativa. Esse é talvez um dois maiores desafios do Projeto: encontrar
formas de melhorar as vendas para que se possa aumentar, também, o
retorno para as artesãs participantes do Projeto e, assim, contribuir mais
significativamente para o desenvolvimento regional. As entrevistadas não
passaram os valores atuais percebidos pelos artesãos participantes do
projeto,apenasasseguraramqueovalorébaixo.
Tem‐se também um paradoxo: de um lado, o Projeto tem poucos
associados devido à baixa geração de renda, de outro, o projeto fica em
dificuldadeparaampliarovolumedeprodução,poistempoucosassociados.
Esse aspecto constitui‐se num desafio que a Associação terá que enfrentar
embreve.
Busca‐seainovaçãoconstantementenosprodutos.Umexemplodissoé
a coleção mais recentemente lançada, a coleção Flor de Menina, que foi
elaboradaparaatenderespecialmenteaopúblicofeminino,sendoqueforam
criadaspresilhasdecabelo,cintos,colares,prendedores,entreoutros.
A técnica de costurar a trança para fazer as peças também agrega
valorização ao produto, já que não é usado cola, o que aumenta a
durabilidadedosprodutos.Osprodutosoriginaisreceberamvalorizaçãopor
meiododesignecológicoincorporado.
Um dos pontos críticos no Projeto Tranças da Terra é a demanda por
produtoscomerciaisecombaixovalordecomercialização,oquedificultaa
venda de algumas linhas mais elaboradas que o Projeto produz. Dessa
forma,osprodutosquemaisreceberam.
5.CONSIDERAÇÕESFINAIS
Quanto às potencialidades e limites de estratégias de especificação de
ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento, observou‐se neste
estudo que o Projeto Tranças da Terra possui alguns pontos que o
207 favorecem, como a forte identidade cultural dos seus produtos com o
território do Meio Oeste Catarinense. Contudo, há sérios desafios a serem
vencidos,comoabaixageraçãoderecursosparaseusassociados,ogrande
númerodeartesãosquedeixaramoProjetoeafaltadeinteressedenovos
artesãosdeseassociaremaoTrançasdaTerra.
Observou‐se,aolongodotrabalhodecampo,queaatividadeartesanal
ainda é percebida como um passatempo para alguns participantes do
Projeto,carecendodeumadedicaçãomaiscontínuadehorasdetrabalhono
Projeto. Se por um lado a geração de renda extra é baixa, por outro a
produção de peças também é pequena. O dilema para pensar a
sustentabilidade econômica do projeto é como aumentar a produção do
grupo diante um quadro de associados que disponibilizam pouco tempo
paraotrabalhonoTrançasdaTerra?
NoqueserefereàscaracterísticasdaregiãoMeioOesteCatarinenseem
suarelaçãocomoProjetoTrançasdaTerra,observa‐sequeoProjetonasceu
de práticas tradicionais já decorrentes entre os imigrantes italianos e
alemãescolonizadoresdaregião,bemcomodocapitalsocialeinstitucional
presentes nesse território. Os produtos têm forte apelo a essas tradições e
receberamsignificativoaportedeconhecimentoeinovaçãopelaintrodução
de design ecológico e pela forma de produção baseada na dimensão
ambiental da sustentabilidade. Contudo, apesar das dimensões cultural e
ambiental serem bem atendidas pelo Projeto, os produtos são de certa
forma elitizados, pois demandam um consumidor que valorize estes
atributos e aceite remunerar o artesão por um produto mais elaborado e
comconhecimentosocial,culturaleambientalinjetado.
No histórico do Projeto Tranças da Terra percebeu‐se que foi
fundamental para a sua constituição os seminários realizados nos
municípios participantes do projeto, para apresentação e sensibilização
sobre a ideia, para a mobilização e para o cadastramento de pessoas
interessadas em desenvolver‐se nesse ofício. Observou‐se também que de
2006 a 2014 o Projeto recebeu capacitação de diferentes conteúdos e
formas.
Quanto à forma de gestão do Projeto Tranças da Terra, ela se dá por
meio de uma associação formalizada e que recebe apoio institucional de
diversasentidades,sobretudodoSebrae(SC)edeseisprefeiturasdaregião
Meio Oeste Catarinense. É possível, a partir da observação das
pesquisadoras,queaatualformadegestãomereçaincrementos,sobretudo
na dinamização da estratégia de vendas, na motivação do quadro de
associados, no desenvolvimento de produtos que, resguardando as
dimensões da sustentabilidade, tenham também mercado acessível a um
públicomaior.
Sobre as potencialidades do Projeto Tranças da Terra em termos de
geração e agregação de renda e como nova alternativa de atividade
208 econômica regional, é necessário uma reflexão e tomada de posição da
diretoriadaAssociaçãoemconjuntocomoSebrae,entidadeparceira,sobre
os rumos para o Projeto. Embora o Tranças da Terra tenha diversos
componentesrelevantescomo:sustentabilidadesocialeambiental,elenão
temhojesustentabilidadeeconômicaenãorepresentafontedegeraçãode
rendasignificativaparaseusmembroseparaacomunidaderegional.Essaé,
possivelmente,umagrandeoportunidadedeestudofuturaparaverificarem
quemedidaoprojetoTrançasdaTerraeasuarespectivaassociaçãopodem
serviabilizadosdopontodevistaeconômico.Acredita‐sequeoTrançasda
Terra possa ser viabilizado e alcance novo patamar de sustentabilidade
econômica. Contudo, é necessária uma ampla concentração de esforços de
seus principais atores, especialmente dos artesãos e da diretoria da
Associação,paradiscutirosrumosdoProjetoepermitirasuaemancipação
econsolidação.
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212 CAPÍTULO11
FORMAÇÃOHISTÓRICA,TERRITORIALE
ECONÔMICADAMESORREGIÃOOESTE
CATARINENSE:LIMITESEPOSSIBILIDADESDE
CONSTITUIÇÃODEINDICAÇÕESGEOGRÁFICAS1
JairoMarchesan‐UnC
RosanaMariaBadalotti‐UNOCHAPECÓ
INTRODUÇÃO
Estetexto,primeiramente,sepropõeadescreveraformaçãohistórica,
territorialeeconômicadaMesorregiãodoOesteCatarinense,perpassandoa
constituição dos ciclos econômicos regionais até a situação atual.
Posteriormente,analisaoslimitesepossibilidadesdatrajetóriahistóricade
constituição de Indicações Geográficas nesse território, tendo como foco
estratégias de organização da Indicação Geográfica da carne suína e seus
derivadosnorecorteterritorialdoMeioOesteCatarinense.Nesseterritório,
há aproximadamente seis milhões de suínos, sendo identificado
nacionalmente pelo profundo vínculo com tal produção e pela atuação de
pequenas,médiasegrandesagroindústrias.
Por fim, propõe recuperar, também, o histórico e formação da
Associação dos Produtores de Carne e Derivados de Suínos do Meio Oeste
Catarinense (APROSUI), analisando os limites e possibilidades de
reconhecimento de instituição da Indicação Geográfica no referido
território. Além disso, propõe o debate com a sociedade na perspectiva de
divulgarepermitiroempoderamentodessaferramentacomopossibilidade
deagregarrenda,valorizaçãocultural,econômicaepreservaçãoambiental.
Metodologicamente,secaracterizaporumarevisãodeliteraturasobre
o processo de formação histórica, territorial e econômica do Oeste
Catarinense, analisandoarelaçãodasociedadehumanacoma natureza, o
processodeocupaçãoetransformaçãoterritorialregionalemsuainterface
comoscicloseconômicosregionaise,ainda,osnovoscenárioseconômicos
regionais, entre eles as barragens (produção de energia, instalação de
tanques‐rede) e os crescentes reflorestamentos com espécies vegetais
exóticas. Por fim, analisa os novos cenários que emergem na economia
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal.
213 regional, com destaque às possibilidades e limites das Indicações
Geográficasnoreferidoterritório.
1.AFORMAÇÃOHISTÓRICA,TERRITORIALEECONÔMICADOOESTE
CATARINENSE
Nestaseção,buscamosdescrevereentenderaformaçãodaMesorregião
Oeste Catarinense (Figura 1) sob os aspectos históricos, políticos e
econômicos. Para tanto, é interessante pedagogicamente antecipar a
apresentação geográfica do Oeste Catarinense. Portanto, geograficamente,
denomina‐se de Mesorregião Oeste Catarinense o território que se localiza
noOestedoEstadodeSantaCatarinaequeselimita:aoSul,comoEstadodo
Rio Grande do Sul; ao Norte, com o Estado do Paraná; a Oeste, com a
República Argentina e, ao Leste, com o Planalto Catarinense. O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denomina essa região de
Mesorregião Oeste Catarinense, que é composta pelas microrregiões
2
Colonial e Oeste Catarinense. Essa Mesorregião possui uma dimensão de
27.365 km² (Figura 1) e conta com aproximadamente 1 milhão e 200 mil
habitantes.
As terras do Estado de Santa Catarina e, mais especificamente, do
Planalto Catarinense começaram a ser visitadas, a partir do ano de 1600,
quando os bandeirantes fizeram suas primeiras incursões pela região.
DevidoaoTratadodeTordesilhas,essasterraspertenciamàEspanha.Pelos
Tratadosde Madri(1750)edeSanto Ildefonso(1777),asterraspassaram
para a Coroa Portuguesa que, após a independência do Brasil, iniciou um
programa para a colonização do interior, através de incentivo à imigração.
Dessa forma, as províncias sulinas, apoiadas pelo Governo Imperial,
passaramafazerconcessõesdeterrasàscompanhiasestrangeiras(JORNAL
ABERTURA,1984,p.10).
NahistóriadoOesteCatarinense,opovoamentoaconteceumuitoantes
doprocessodecolonização,poishistoriadoresepesquisadoresconfirmama
presençadegruposhumanosnômades(índiosecaboclos)que,emtempos
remotos,habitavamesseterritório.
Quanto à população indígena, estudos apontam a dificuldade em
determinar a quantidade de índios que habitavam a região Oeste de Santa
Catarina. Segundo Ferreira (1992, p. 24), “ [...] a região do Alto Uruguai
Catarinensefoi,pormuitotempo,dominadaporíndiostupis‐guaranisque,a
partir do século XVIII, foram desaparecendo da região”. Ainda, para o
mesmoautor,(1992,p.26),“[...]odesenvolvimentodacolonizaçãolevou‐os
aretirarem‐sedaregião,buscandozonasnãocolonizadas”.
2
A Mesorregião Oeste Catarinense baseia-se nas delimitações político-administrativas
estabelecidas pelo IBGE e, também, pela sua formação e identificação histórico-cultural e
socioeconômica.
214 Figura1:MapadeLocalizaçãodaMesorregiãodoOesteCatarinense.
Fonte:Marchesan,2007.
Sobre a população cabocla da região, conforme Poli (1995, p. 75),
quando se pesquisa a origem e formação do contingente populacional do
Oeste Catarinense, percebe‐se a predominância marcante dos luso‐
brasileiros,maisconhecidosporcaboclos.Paraoautor,oscaboclosforamos
verdadeirospioneirosnapenetraçãoenodesbravamentodaregião.
215 Para Poli (1995, p.99), “ [...] o caboclo do Oeste não é simplesmente
originário de cruzamento racial puro, mas do cruzamento de indivíduos já
miscigenados[...]Aconceituaçãodecabocloémuitomaissocialeeconômica
doqueracial”.Paraoautor,suasorigenssãoaindabastanteconfusas,mas
aspesquisasapontamqueessapopulaçãofoiseformando,principalmente,a
partirdospousosdotropeirismo(caminhodastropasdoRioGrandedoSul
a São Paulo), dos que se deixavam perder pelo caminho ou dos que
buscavam a sobrevivência através da extração e exploração da erva‐mate
pelo interior. Vale observar que os caboclos, de maneira geral, tinham a
possedaterra,masnãoapropriedadedela.
As populações caboclas sucederam às indígenas e precederam os
colonizadoresimigrantes,sendoqueoscaboclosviviam,principalmente,da
agricultura de subsistência e da extração da erva‐mate. Por possuir
características de vida e hábitos bastante diferentes dos colonizadores
imigrantes, que chegaram à região objetivando implantar novas relações
econômicas e outros padrões culturais, essa população não se coadunava
com os interesses capitalistas em curso. Por essa razão, os caboclos foram
sendo gradativamente espoliados, marginalizados, expropriados e
exploradospeloprocessocapitalista.
[...] Esses, desprotegidos, ficaram sujeitos aos novos métodos adotados,
restando duas opções: deixar suas posses ou tornarem‐se empregados dos
imigrantes que começavam a chegar. Era a cobiça e a espoliação que vinham
juntocomoprogresso.Pelaaçãodacompanhiacolonizadora,atravésdeseus
encarregadospelasegurança,ocaboclofoidespejadodeseusredutosedesuas
posses,atravésdemétodosgeralmenteviolentos,vendo‐seobrigadoaretirar‐
separaosconfinsdasmatas.Aferroefogo,oAltoUruguaiCatarinenseficou
“limpo”paraosimigrantes(FERREIRA,1992,p.79‐80).
Nesse processo de povoamento e colonização, evidencia‐se o embate
entre forças humanas objetivando a conquista do espaço, que culminouna
inclusão dos imigrantes e na exclusão dos indígenas e caboclos.
Concomitantemente, excluíram‐se e/ou marginalizaram‐se suas culturas,
métodosdeproduçãoeformasorganizativas.
Oscaboclosforamsubstituídosporcolonosgaúchosdescendentesdeitalianos
e alemães. Estes, atraídos pela propaganda de Companhias Colonizadoras,
transpuseramoRioUruguai,superando,dessaforma,afronteiradaexpansão
agrícoladeseuestadodeorigemeiniciandoaocupaçãodefinitivadosolodo
Oeste de Santa Catarina e do Sudoeste do Paraná. Era o ‘pioneirismo’ da
economia de mercado, iniciada com a extração da madeira, cujo transporte
pelo Rio Uruguai e cuja comercialização na Argentina estabeleceram a base
econômica do atual processo de agro‐industrialização que se alicerça na
suinoculturaenaavicultura,outralinhadefronteiraentreomercadonacional
eomercadointernacional(ROSSETTO,1989,p.18).
216 Percebe‐se, também, que, desde o início do processo de
3
desbravamento, é forte o interesse de progresso a qualquer custo, sem
levar em consideração os limites dos recursos naturais e o respeito aos
primeiroshabitantesdaregião,osindígenasecaboclos.D’Angelis(1992),na
conclusão do artigo “Para uma história dos índios do Oeste Catarinense”,
analisa o modelo colonizador agrícola na conjuntura do processo de
ocupaçãoecolonizaçãodaregiãonaquelaépoca,afirmandoque:
Diante dos interesses econômicos não havia perspectiva ecológica, nem
direitoshistóricos,nemrespeitohumanoquevalesseapenaserconsiderado:
o Oeste Catarinense foi devastado, tanto física como culturalmente (1992, p.
210).
4
Dessa forma, em tal espaço geográfico considerado devoluto, “vazio
demograficamente”eabundanteemrecursosnaturais‐terrasférteis,águas
ematas‐,acolonizaçãofoiseconsolidandoemritmoaceleradocomoforma
de ocupação das terras. Consequentemente, iniciou‐se a formação de
núcleos de povoamento, determinando‐se, gradativamente, o afastamento
dosíndiosecaboclos(mestiços)paraoutrasáreasnãocolonizadas.
Sobre a importância dos recursos naturais para o desenvolvimento
socioeconômico,Testaeoutrosassimsemanifestam:
Osrecursosnaturaisdaregiãoconstituíram‐senumdospilaresdoprocessode
colonizaçãoempequenaspropriedadesecomproduçãofamiliardeexcedentes
agrícolas.Aexistênciadematanativaexuberanteeaboafertilidadenaturaldo
solo propiciaram aos imigrantes uma forte base de produção de meios para
viabilizaçãodomodelo(TESTAetal.,1996,p.44).
Incentivados pela política do Governo Imperial, as Províncias Sulinas
passaram a fazer concessões de terras às companhias estrangeiras. Em
1906, a ferrovia São Paulo–Rio Grande começou a ser construída. Essa
ferrovia atravessava o Estado de Santa Catarina, no sentido Norte‐Sul e,
consequentemente, acabou promovendo o povoamento da região,
principalmente do Oeste. Os pioneiros dessa região ‐ construtores da
ferrovia e caboclos extratores de erva‐mate, ainda do período dos
5
bandeirantes ‐ foram, por ocasião da Guerra do Contestado (1912‐1916), 3
Desbravamento - Des + bravo + mento: explorar (terras desconhecidas), limpar, acabar com o
“bravo”: matas, índios, caboclos, etc (FERREIRA, 1998, p. 548). A fim de compreender o
significado desse processo, vale comparar os padrões histórico-culturais dos índios e caboclos
com os dos colonizadores, por exemplo, no que se refere ao uso dos recursos naturais. Na
verdade, os que já habitavam a região (índios e caboclos) eram menos “bravos” e agressivos
com os recursos naturais do que aqueles que vieram “colonizar” (colonizadores).
4
Devoluto – espaço desocupado, desabitado, terras que pertenciam ao Estado/União.
5
Guerra do Contestado – Disputa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina por uma área de
terras de aproximadamente 48.000 km². Paralelamente ao conflito local, intensificaram-se as
217 denominadosdejagunços.
O conflito do Contestado, ou Guerra do Contestado, como é conhecida,
estávinculadoàdisputaedivergênciasdelimitesterritoriaisentreoBrasile
a Argentina, por uma área de terras de aproximadamente 48.000 km² dos
EstadosdoParanáeSantaCatarina,conhecidotambémcomoa“Questãode
Palmas”.Mocelin(1990,p.56)defineoconflitoafirmandoque“[...]aGuerra
do Contestado foi uma insurreição camponesa, gerada pelas injustiças
sociais reinantes na época”, sendo que os sertanejos, [...] explorados pelos
estrangeiros, esquecidos pelas autoridades [...], ao seu modo, rebelaram‐se
contra essa ordem econômica, social e política que os sufocava”. Com a
ferrovia feita por uma empresa norte‐americana, veio a guerra pelo
território,pelasriquezas:amadeiraeoservais.Eraocomeçodoséculoeos
combatesenvolviamprincipalmenteoscaboclosqueviviamalieogoverno
comsuasideiasdeocupação(FAGANELLO,1997).
A construção da ferrovia contribuiu para o impulso da colonização,
atraindo colonos, comerciantes, madeireiros e outros, provenientes do Rio
Grande do Sul, e, consequentemente, a plena incorporação da região ao
mercadobrasileiro.
As terras férteis, “livres” de índios e caboclos posseiros, a construção da
ferrovia, a ação das companhias colonizadoras, o aumento da população e a
saturação das colônias em partes do território gaúcho, a facilidade para a
aquisição de lotes rurais na região, foram algumas das principais causas
motivadorasdacolonizaçãodoMeioOesteCatarinense,queviriaasedestacar,
desde seu início, como região potencialmente fornecedora de alimentos
(FERREIRA,1992,p.42).
Portanto,esseprocessode“nomadismo”nãosedavaespontaneamente,
mas por uma necessidade econômica de sobrevivência e por interferência
das companhias colonizadoras, que tinham interesses comerciais,
justificando,assim,aexploraçãoeconômicasobalógicacapitalista.
DeacordocomCampos,
divergências entre o Brasil e a Argentina, disputando o território contestado. Associada às
disputas pelas terras, ocorria a construção da Ferrovia São Paulo–Rio Grande, que traz para a
região a modernização e, concomitantemente, a exploração e a exclusão social em função da
expulsão dos posseiros das terras, que vinham sendo ocupadas pelas empresas construtoras da
ferrovia. Somados a esses fatores políticos, sociais e econômicos, um novo fator entra em
cena: o religioso. Os excluídos do conjunto desse processo, como sertanejos, posseiros,
construtores da ferrovia, (...) agrupam-se em torno de alguns líderes e fanáticos religiosos,
únicos a se interessarem pelo povo espoliado e abandonado. O Brasil defendia que a divisa
seriam os rios Santo Antônio e Peperi-Guaçu. Essa questão foi solucionada em 1895, quando o
presidente norte-americano Grover Cleveland arbitrou favorável ao Brasil. Paralelamente a
isso, os Estados de Santa Catarina e Paraná passaram a disputar entre si esse território e/ou
região. A Guerra do Contestado, como ficou conhecido esse episódio, provocou um genocídio
de aproximadamente vinte mil pessoas. Sobre o Contestado, ver as obras de Monteiro (1974),
Thomé (1992) e Auras (1995).
218 (...)comagestaçãodeumafortedemandaporterrasporpartedospequenos
produtores do RS, logo surgiram empresas que viram na colonização uma
lucrativaatividade.Poroutrolado,haviaporpartedogovernodoEstadodeSC
interesse na consolidação de sua soberania sobre os Campos de Palmas. A
ocupação daquele enorme vazio selaria por fim quaisquer divergências e
proporcionariaaoestadonovasfontesderecursos(...).Destaformativemosa
conjugação de dois processos históricos ‐ o primeiro relacionado com a
evoluçãoeconômicadascolôniasrio‐grandenseseosegundoligadoàquestão
do Contestado ‐ com os interesses da acumulação de capitais. Reuniram‐se
numagrandeempreitadaogovernoestadual,ograndecapitalmultinacionale
ocapitalnacional(1987,p.98‐99).
Emsíntese,paraPoli(1991,p.48),aocupaçãodoOesteCatarinensese
deu em três fases diferenciadas, cada uma com atividades econômicas
específicas: a fase da ocupação indígena, a fase cabocla e a fase da
colonização,comavindademigrantesdoRioGrandedoSul.
A fase de colonização nesse território ocorreu a partir do início do
século XIX por descendentes de imigrantes alemães e italianos,
principalmente, provenientes do Estado do Rio Grande do Sul, que tinham
comobasedesuareproduçãosocialasatividadesdepoliculturaassociadas
ao trabalho familiar (BELATO, 1985; 1999; CALLAI, 1983; CAMPOS, 1987;
MARCHESAN,2003;ROCHE,1969;ROSSETTO,1989;1995).
Para Rossetto (1995, p. 11), “[...] a fase de colonização, propriamente
dita, ocorre somente após o término da Guerra do Contestado, em 1916”.
Conforme o autor, esse episódio se constituiu num marco histórico de
extrema importância dentro do contexto do processo de colonização e
transformação da estrutura socioeconômica de toda essa imensa região, a
qual descreveremos na sequência, considerando os diferentes ciclos
econômicos constituídos e que representam as diversas facetas e
particularidadesdaMesorregião.
NodecorrerdoséculoXXepeloprocessodedesenvolvimentomovido
pela vinda dos “gaúchos”, provocou‐se a extinção, quase que total, dos
indígenas e a expulsão dos caboclos de suas terras e de seus processos
produtivos rurais, promovendo uma profunda transformação na estrutura
socioeconômicadaregião.
DesdeomomentoemquesesolucionouaquestãodoContestado,asgrandese
promissoras potencialidades de colonização do Oeste Catarinense
proporcionaramaalgunsempresáriosaobtençãodoGovernoCatarinensede
enormes concessões de terras, para promover este processo de colonização
(...). Os sertanejos que, através de um processo de intrusamento, precederam
os colonizadores imigrantes, também desapareceram destruídos, diluídos ou
absorvidos pelo novo sistema que se instalava, caracterizado em pioneirismo
colonizador, de imigrantes gaúchos que levavam para o Oeste o processo da
competiçãopelaânsiadolucro.Apreocupaçãopassouaseraexploraçãodos
219 recursos florestais e o cultivo do solo, agressivamente (ROSSETTO, 1995, p.
12).
A mola mestre, portanto, da conquista e povoamento do Oeste não foi
jamais a curiosidade, o desejo de aventura, o pioneirismo e o espírito
desbravador.Amolapropulsorasãoosinteresseseconômicosmaisamplos,
quenemsãomuitasvezesosdopróprioposseirooudocolonopioneiro.Nos
dois últimos séculos, a economia capitalista internacional dirigiu essa
ocupação de forma distante, às vezes, anárquica, apenas pela dinâmica
própria de relações econômicas baseadas na exploração da mão‐de‐obra e
na economia de mercado, com sua necessidade de permanente expansão
(D’ANGELIS,1995).
As características básicas, fundantes da estrutura socioeconômica da
regiãoOestedeSantaCatarina,historicamente,estãopautadasnoprocesso
de colonização, que se estabeleceu a partir do regime da pequena
propriedadeagrícolafamiliar,voltadaparaapráticadapolicultura.
No Oeste Catarinense, os colonos não produziam apenas para a
subsistência, mas, principalmente, para o mercado. Esse diferencial está
intimamenteassociadoàscaracterísticasétnicas,econômicaseculturaisda
origem desses colonos: honra aos compromissos assumidos; atividade
econômica definitivamente vinculada ao mercado (agricultura e
suinocultura); necessidade de aquisição de bens e utensílios fundamentais
para o desenvolvimento da propriedade e do bem‐estar; valorização da
concepçãodaideologiaéticadotrabalho,incorporadapeloscolonos;issoé,
mediante o trabalho seria possível conseguir uma vida de fartura,
abundânciaeprogressoeconômico.
Ao referir‐se ao processo de colonização e integração da produção
regionalaomercadonacional,viaredeferroviária,Waibelassimanalisa‐o:
AexpansãodopovoamentoparaoNorte,atravésdoRioUruguaiedafronteira
do Estado do Rio Grande do Sul, penetrando no Estado de Santa Catarina,
começouem1915,quandoaestradadeferro,vindadoParanáedeSãoPaulo,
alcançou o Vale do Rio do Peixe, afluente do Rio Uruguai. O novo meio de
transporte possibilitou a exportação de porcos vivos e outros produtos
comerciais (alfafa) para a cidade de São Paulo e, assim, o hinterland
[interiorização] de Santa Catarina foi drenado comercialmente para o Norte,
para São Paulo, por gente que veio do Sul. A nova zona pioneira se expandiu
parajusante,comoavançodaestradadeferro(1979,p.238).
Sobreomesmoassunto,maisadiante,Waibelsemanifesta:
(...) A estrada de ferro atraiu magneticamente grande número de colonos
descendentes de alemães e italianos do Estado do Rio Grande do Sul,
facultando‐lhes ainda a possibilidade de exportar seus produtos,
principalmente, porcos e alfafa, para São Paulo, que ficava 1000 km de
distância. Este é um caso raro de uma “captura econômica” numa zona
220 pioneira: o Oeste remoto de Santa Catarina não foi desbravado a partir do
litoral, mas por povoadores que vieram do Sul e que exportam os seus
produtosparaummercadolocalizadoagrandedistância,maisaoNorte(1979,
p.295).
A colonização do Oeste Catarinense pode ser interpretada pelos
interessesdoEstadoeasprópriasnecessidadesdoscamponesespelabusca
de terras. Porém, há que se destacar a interferência das Companhias
Colonizadoras,constituindo‐senaexpansãocapitalista,possuindoobjetivos
políticos, econômicos e até estratégicos, em buscar a valorização dessas
terras por elas adquiridas e que estavam “desocupadas” e, portanto,
passíveisdeseremcolonizadas.Issopodetambémserexplicadopelalógica
corrente:“colonizarparaconquistar,explorarevalorizar”.
Osempreendimentoscolonizadoresforamplanejadosnosentidodedar
ênfase às pequenas propriedades, não porque estavam preocupados em
"facilitar a vida dos agricultores", que possuíam escassos recursos para
adquirir as terras, mas porque correspondia à política de colonização do
país que, a partir da Lei de Terras, viu na pequena propriedade fonte de
sucessoeprogresso(RENK,1997).
Segundo Renk (2006, p. 61), nas décadas de 40 a 60 o movimento
colonizador cresceu significativamente. O Oeste Catarinense era apontado
comoo“CeleirodoBrasil”.Antesdacolonização,eraumtempoemque“[...]
aleieraotrabuco”e,depois,emqueeraa“[...]civilizaçãoeoprogresso,alei
eajustiça”.A"[...]civilizaçãoeoprogresso,aleieajustiça"estãoassociadas
aumarepresentaçãopolíticaoficialelegal.
Dessa forma, foi‐se consolidando o regime de trabalho familiar da
pequenapropriedaderural,assentadanapolicultura.
Nessas pequenas propriedades predominava a policultura e uma pequena
criação de animais que, em geral, abrangia aves, porcos, alguns bovinos e
cavalos para puxar arado e carroça. Tudo girava em torno da ideia de que o
colonodeviaserautossuficiente,vendendoosexcedenteseproduzindoalguns
gêneros em quantidade maior a fim de destiná‐los ao mercado interno
(PETRONE,1982,p.60‐61).
Conforme destacado anteriormente na descrição histórica sobre a
colonização e os aspectos que caracterizam a formação e constituição
socioeconômica da Mesorregião Oeste Catarinense, as atividades agrícolas
de subsistência através da policultura constituíram a base econômica e
social da agricultura familiar, que possibilitaram a expansão da economia
industrial e da instalação de uma lógica assentada na produção para o
mercadonacionalemundial.
É preciso entender também como é que os sujeitos sociais (colonos)
foram inseridos nesses espaços, construíram a capacidade de enfrentar
221 desafiosfísicos,sociaisouculturais,dominaramevenceramtopografiasde
formaainserirem‐senomercadonummundoglobalizado.
Monopolista sobre o espaço geográfico, o capital controla os homens e a
natureza,paraostornarhomensenaturezaparaocapital.Mediandoarelação
homem‐meio e crescendo sobre ela, o capital tece a “geografia dos homens
concretos”. E esta geografia da alienação degrada o homem e a natureza (...).
Fomentaaescassezparaforjarnecessidadesnovaserenovarasnecessidades
velhas,subordinandoaexistênciadoshomenseosmovimentosdanaturezaao
circuitodasmercadorias(MOREIRA,1985,p.106).
Como consequência, mais tarde, pela ação dos conglomerados
agroindustriais, o capital, zeloso, estratégico, meticulosamente articulado e
organizado,encontraestratégiasparainvestiremumaregiãorelativamente
afastadadoscentrosnacionaisdemaiorpoderdeabastecimento,produção
e consumo e tirar daí integrações que produzam suínos, aves e, mais
recentemente,leiteefumo,entreoutrosprodutos,paracompetirnãosóno
mercadonacional,mastambémmundial.Nessesentido,Belato(1999,p.43)
assinala que “o eixo sobre o qual gira a sociedade rural criada pelos
imigrantesnãoémaisomesmo.Eleseengatanasengrenagensdocapitale
domercadomundial”.
Entretanto,omesmocapitalpercebeereconhece,nosimigranteseseus
descendentes, forte potencial para o trabalho agrícola e, posteriormente,
para a indústria, uma vez que os mesmos estavam imbuídos de audacioso
espírito empreendedor, além de perseverante e arraigado senso de
poupança. Com certeza, essas características foram observadas e
apropriadaspelosinvestidorescapazesdecriarpossibilidadesegarantira
implantaçãoeareproduçãodavisãocapitalistanomeiorural.
A partir dessa lógica, para reproduzir e agregar valor, o capital
necessitava de grupos sociais que possuíssem conhecimento construído e
acumulado historicamente expresso em atitudes, habilidades, experiências
herdadasepraticadasemseuuniversocultural,concretizadasnacriaçãode
animais ou cultivo de vegetais, o que é muito bem expresso em estudo de
Testa e outros (1996, p. 77): “O patrimônio cultural construído e
transmitidodegeraçãoemgeraçãoconstituium‘capitalsocial’,queestána
basedodesenvolvimentoalcançadopelaregião”.
No decorrer do desenvolvimento capitalista em curso, a agricultura
passou a sofrer rápidas transformações políticas e econômicas que
resultaram na sua modernização. Esse processo foi capaz de reverter uma
tradição histórica de produção, que dá lugar a uma nova lógica: a
produtividade. Esse novo imperativo da forma de produzir só pode ser
viabilizadosustentando‐senotripérecursosnaturaisdisponíveis,trabalhoe
tecnologia. O capital e suas novas relações com os setores agrícolas
utilizaram‐se dos recursos naturais existentes e da moral do trabalho
222 incorporadaàéticadoscolonos,que,associadosàtecnologia,resultaramna
altaprodutividade,tãonecessáriaàlógicacapitalista.
Se a colonização priorizou e facilitou a entrada dos migrantes
descendentes de europeus, cuja racionalidade permite toda forma de
intervençãosobreosespaços"vazios"danatureza,bemcomoosvaloresde
usoqueprimavamporinteressesmercantissobreomeioambiente,issonão
quer dizer que os agricultores não possuíam também estratégias de
preservaçãodanatureza.SegundoSilvestro,
Antesdeseefetuarodesmatamentooucorteparaaslavouras,osimigrantes
estudavamcomatençãoaáreadeumapropriedade.Erapreciso,emumaárea
pequena,prestaratençãoenãofazerumdesmatamentoarbitrário,poishavia
necessidade de conservar parte da floresta, para lenha e madeira para a
construção e posterior manutenção das benfeitorias. As encostas expostas ao
nascente geralmente eram derrubadas para as lavouras enquanto que as de
exposição para o poente ficavam como reserva. As primeiras, dizem eles, se
prestavammaisparaocultivodetodasasculturas.Comafaltadeadubo,oude
recursos para a sua aquisição, e a consequente impossibilidade de adubar,
restava ao imigrante a prática de deixar áreas em pousio e a cada quatro ou
cincoanosfazerocortedacapoeiraparaoplantiodalavoura(1995,p.72‐73).
Portanto,odesmatamento,nesseprimeiromomento,deacordocomo
autor,foidecorrênciadanecessidadedeplantarecultivarparasobreviver.
Mesmonessecontextoexistiuapreocupaçãodepreservaralgumasespécies,
aschamadasmadeirasdelei,porsuautilidadeouatémesmoporsuabeleza
(idem,p.73).
DeacordocomPoli(1991,p.68),atransformaçãodaterraembemde
produção acarretou a institucionalização da propriedade privada, em
detrimento da simples ocupação ou posse. A partir da exploração da erva‐
mateedoiníciodociclodamadeira,aterrapassouasercobiçadaetomada
ou ganha pelas companhias colonizadoras, que, quase sempre, foram as
mesmasqueexploraramamadeira.Aretiradadariquezanaturalpermitiaa
penetraçãodoagricultor,oriundodoRioGrandedoSul,peloscaminhosda
extraçãodamadeira.
A compra de terras pelos imigrantes no Oeste Catarinense obedecia,
principalmente, à observação de um critério fundamental: a cobertura
vegetal.
Osimigrantesencontraram,portanto,profusaofertaderecursosarbóreosque
lhesasseguraramfacilidadesdeprocessamentoeopçõesdeuso.Encontraram
espécies adequadas para combustão, outras adequadas para a rotina das
operações agrícolas, para a construção de cercas, paióis, depósitos, currais,
habitações(LAGO,1988,p.113).
Cabe destacar que a região disponibilizava, na visão do imigrante, de
forma abundante, a nobre espécie vegetal aciculifoliada ‐ araucária
223 augustifolia‐,opinheiro,comoéconhecido,quemuitoinfluenciounovalor
das terras oestinas, bem como contribuiu fortemente para a opção da
colonização da região. O pinheiro não apenas servia para o uso das
construçõesnapropriedadedoscolonizadores,masagregavatambémvalor
econômicoàsterrasquandovendidas.
PelaabundânciademadeiranaregiãodoAltoUruguainesseterritórioe
em virtude da necessidade que os colonos tinham de estabelecer um
comércio como forma de angariar recursos econômicos, se estabeleceu
comércio com os mercados platinos, conforme expresso por Poli (1995, p.
97):“Aindústriamadeireiradesenvolveu‐semuitoàmedidaqueoscolonos
foramseinstalando,poisasterraseramdesbravadaseamadeiravendida.O
baixopreçoeracompensadopelaabundânciadoprodutocomercializado”.
O deslocamento da madeira, na forma de toras ou beneficiada, ocorria
6
viabalsas duranteosperíodosdecheiasdoRioUruguai.Apesardapouca
ouinexistentepossibilidadedenavegabilidade,nessetrecho,oRioUruguai
proporcionouaoscolonizadoresdoOesteCatarinense,atéadécadade1960,
umaimportanteatividadeeconômica:serviudecaminhoparaoescoamento
da madeira para a Argentina e Uruguai. Esse comércio da madeira para os
países platinos proporcionou aos colonos, por muitas décadas, uma
possibilidade de angariar recursos econômicos, provenientes desse
mercantilismofluvial.
DeacordocomRossetto(1995,p.13),esseprocessoerao“resultadode
um desbravamento, ao mesmo tempo intensivo e extensivo, de toda a
região”. O comércio da madeira, por vezes clandestino, com os mercados
argentinos contava com a omissão de fiscalização do governo central, que
silenciosamentepermitiaessaprática(FAGANELLO,1997).
Afartaexistênciadematanativaeraumbemnaturalimprescindívele
propiciavaaoscolonosumarelativaautossuficiênciaeconômica.Dasmatas
de suas propriedades, eram extraídas as madeiras que por eles eram
serradase,comelas,edificadassuasconstruções(casas,pocilgas,estábulos,
paióis,cercados,pontes,móveis,etc.).Alémdisso,tambémconfeccionavam
recipientes para o armazenamento de bebidas, grãos e alimentos,
equipamentos,ferramentasdetrabalhoeoutrosutensílios.
Os colonizadores se valeram também de uma economia florestal,
calcadanaexploraçãodomatoequeresultavaemmaisumrecurso:alenha.
Esta era utilizada não somente no fogão para cocção dos alimentos, mas
como combustível, para uma série de outras atividades, cotidianamente
necessáriasnapropriedadeequeenvolvesseofogo.
6
Balsas: aglomerado de troncos, toras ou tábuas de madeira, reunidos à feição de jangada, que
desce o rio e, chegado ao destino, é desmanchado, sendo a madeira vendida (FERREIRA,
1998, p. 225).
224 A concepção que os colonizadores tinham, no início do século, em
relação à extração e à exploração das florestas no Oeste Catarinense, mais
precisamente da floresta de araucária, é assim expressa pelo historiador
NilsonThomé:
A extração predatória de árvores nas florestas para a obtenção de madeira ‐
diga‐sedepassagem‐nãofoiatividadeexclusivadohomemdoContestadodo
século XX. Em relação ao mesmo pinheiro, que o digam os rio‐grandenses,
paranaensesepaulistas;sobreoquesefezcomaMataAtlântica,quefalemos
irmãos catarinenses da serra abaixo. E se recuarmos mais longe no tempo,
então que se expliquem os portugueses de 1500 que saquearam a árvore
símbolo do nosso país: o pau‐brasil. Por aí se tem que o extrativismo
desenfreadoocorridonoPlanalto[eOeste]estavaembutidonamentalidadeda
civilizaçãodaépoca,consumidoradebens,quesolicitavaadisponibilidadede
madeiraserradanomercado,poucoseimportandocomaprocedênciaemuito
menoscomaconsequência(THOMÉ,1994,p.222).
Apósmaisdemeioséculodeintensaexploraçãodavegetaçãodaregião,
convém destacar que, em função do modelo econômico estabelecido e das
políticas agrícolas em curso que estão inviabilizando a sustentação
econômica dos pequenos agricultores e, portanto, expulsando‐os do meio
rural,percebe‐sequeháumatendênciaàcrescenteregeneraçãoquantoao
repovoamento da vegetação nativa, de forma natural e original. Em outras
palavras,emfunçãodainviabilidadedesustentar‐seeconomicamentenuma
atividade que não consegue ser competitiva, a lógica do mercado agrícola
levaopequenoagricultoraabandonaromeiorural.
Paralelamenteàexploraçãovegetalnoreferidoterritório,desenvolveu‐
se a agricultura. Tal atividade, que antes era predominantemente voltada
para a policultura e a subsistência, paulatinamente começa a ser
incorporadaparaatenderàsexigênciasdomercado.Este,porsuavez,lança‐
secomtodaasuavoracidadesobreosagricultores,exigindoqueproduzam
em escala cada vez maior e de forma mais sistemática. Para tanto, os
agricultores foram sendo obrigados a implementar técnicas de exploração
intensiva dos recursos naturais, principalmente do solo, reduzindo a
“rotaçãodeterras”eelevandosuacapacidadeprodutivapermanentemente.
Àmedidaqueosbensnaturaisdiminuem,porém,énecessárioaprofundara
exploraçãodessesremanescentes.
Concomitante a esse período e a essas circunstâncias, começaram a
ocorrersinaisdeesgotamentodaocupaçãodasfronteirasagrícolasoestinas,
repercutindodiretamentenaelevaçãodopreçodasterras.Issofezcomque
os pequenos agricultores aumentassem a capacidade produtiva das suas
unidades de produção, explorando de forma intensiva a terra e, assim,
garantindoareproduçãodasunidadesfamiliares(CAMPOS,1987,p.184).
O processo todo de modernização da agricultura a partir de 1970
dificultou diretamente a lógica da reprodução das unidades camponesas:
225 doaçãodeumpedaçodeterra(geralmentedemeiacolôniaaumacolônia)
paracadafilhohomemadultoqueiriaconstituirumanovaunidadefamiliar,
à exceção do filho mais jovem, que geralmente herdava a propriedade
paterna.Essalógicanãosesustentavamais.
O modelo agrícola de produção, pautado na teoria da agricultura
moderna, levou os colonos a explorarem intensivamente o solo, como
necessidadedesobrevivênciaeparafazerempartedomercado.Sobreessa
formadeutilizaçãodosrecursosnaturais,Marxassimsemanifesta:
Cada progresso da agricultura capitalista constitui um progresso não só na
partederapinarooperário[agricultor],mastambémnaartederapinarosolo;
(...) constitui ao mesmo tempo um progresso da ruína das fontes duráveis
destafertilidade(apudQUAINI,1979,p.133).
OJornalGazetaMercantilrefere‐seàexploraçãoinadequadadasterras,
aoanalisarosespaçosdisponíveisparaaagriculturaemlavourasanuais:
Parte da responsabilidade é da exploração de terras inaptas para certas
atividadeseconômicas.ÉocasodoOesteCatarinense,onde43%dasuperfície
cultivada é inadequada para lavouras anuais. Outros 26% estão longe das
condiçõesideais(GAZETAMERCANTIL,A‐8:27‐28/02e1º/03/99).
Odesenvolvimentointensodesistemasdecultivo,associadoaousode
áreasdeterrasinadequadasàpráticaagrícola,gerousériasconsequênciasà
qualidade dos solos, verificadas através de intensos processos erosivos,
diminuiçãodosníveisdenutrientese,porvezes,esgotamento.
Considera‐se a erosão como o principal problema ambiental da região, pois
ocorre em praticamente todo o território, afetando todos os agricultores de
acordo com as práticas de manejo, e pelas consequências ambientais e
econômicasdeladecorrentes(TESTAetal.,1996,p.137).
A topografia acidentada da região, bem como o modelo agrícola acima
referido, pautado numa dinâmica muito acelerada em relação ao uso e à
exploraçãosistemáticadosoloforamfatoresdeterminantesdadeterioração
edaelevaçãodoscustosdeprodução.
A expansão dos complexos agroindustriais do Oeste Catarinense, a
partir de meados dos anos 1960, está associada ao processo de
modernizaçãodaagriculturae,consequentemente,dapequenapropriedade
familiar,que,porsinal,semprefoideelevadaprodução.Foramesãoelasas
responsáveis diretas pelo fornecimento de matérias‐primas às
agroindústrias. Estas, gradativamente, foram se consolidando e exercendo
controlehegemônicodossetoresdeproduçãoedistribuição,tantoregional
quantonacional,efetivandotalmodelodedesenvolvimentoeconômico.
Umdosproblemasambientaismaisgravesdecorrentesdoaumentona
produção agropecuária (suínos, aves e bovinos) nas últimas décadas foi a
226 crescentequantidadededejetos.Frenteaisso,enatentativadedardestino
aos dejetos, a alternativa foi de usá‐los como adubo orgânico para a
recuperação dos solos agrícolas. Evidentemente, devido à sua composição,
os dejetos se constituem em bons fertilizantes para as lavouras. Por outro
lado,causamviolentapoluiçãodossolosagrícolase,porextensão,fontese
mananciais, comprometendo seriamente a qualidade das águas, o que
repercute na saúde pública da população e na vida das diferentes espécies
animais.
Deste quadro resulta ainda prejuízos à fauna aquática e ao abastecimento de
água aos animais domésticos, às propriedades rurais e a grande parte das
cidades da região. Em relação ao abastecimento das cidades, os custos
decorrentesdaremoçãodossedimentos,reduçãodaturbidezetratamentoda
água são elevados. Com o controle da poluição, grande parte desses custos
poderiamserreduzidos,bemcomoseriamevitadoscertospoluentesquímicos
(agrotóxicos), que não são retirados pelo tratamento convencional da água
(TESTAetal.,1996,p.138).
Cabe destacar matéria publicada no Jornal Gazeta Mercantil sobre um
estudo que avalia o impacto do descarte de dejetos da suinocultura e suas
consequências, e isto vale para o município de Concórdia, profundamente
inseridonessecontexto:
Em 1993, as pocilgas do Oeste de Santa Catarina produziam 8,8 milhões de
metroscúbicosdeestercoporano–compotencialpoluidordeumacidadede
30 milhões de pessoas. A consequência é a contaminação de muitos rios.
Pesquisa realizada em Concórdia (SC) no início dos anos 90 mostrou que
36,8% das amostras de água coletadas tinham concentração de nitratos
superiores ao limite máximo legal (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e
1º/03/99).
De acordo com a mesma matéria, ressalta‐se que, “[...] se fossem
industrializados, tais nitratos poderiam enriquecer a região. Cada tonelada
deestercosuínocorrespondea10quilosdeaduboNPK”(nitrogênio,fosfato
e potássio) [Nutrientes Químicos] (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e
1º/03/99).
Apartirdadécadade1970,principalmente,aquestãoecológicapassou
a conquistar maior espaço em nível mundial, através da Conferência de
Estocolmo (1972) e, por extensão, nacional. O debate em torno dessa
questão acabou permeando e influenciando os mais distintos espaços das
sociedades regionais, que, timidamente, foram ampliando as discussões,
com os diferentes setores educacionais, públicos e privados acerca das
questõesambientaisdecorrentesdaadoçãodeummodeloeconômico.
Nessecontexto,apartirdemeadosdadécadade80,começamaser,de
certa forma e em certos setores da sociedade, inclusive no nível regional,
intensificadas e aprofundadas as discussões em relação ao uso, manejo e
227 conservação dos recursos naturais e, mais especificamente, dos solos. Foi
flagrante a constante preocupação ambiental, expressa por diferentes
setoresdasociedade,noquedizrespeitoàscausasdaerosãoepoluiçãodos
solos e ao seu uso intensivo. Apontavam‐se essas práticas como
desencadeadorasdeintensosprejuízosnaprodutividadeagrícola.
Diante das consequências decorrentes dos ciclos econômicos já
descritos, nos desafiamos a apontar algumas possibilidades e reflexões em
torno de novos cenários econômicos regionais, entre eles as barragens
(produção de energia, instalação de tanques‐rede) e os crescentes
reflorestamentos com espécies vegetais exóticas. Por fim, analisamos os
novos cenários que emergem na economia regional, com destaque para as
possibilidadeselimitesdasIndicaçõesGeográficasnoreferidoterritório.
2.NOVOSCENÁRIOSPARAAECONOMIAREGIONAL
É importante observar, mediante a história da humanidade, que, por
umanecessidadevitaldesobrevivência,asdiversaspopulações,sejamelas
de caçadores, agricultores, nômades, sejam de sedentários que se
deslocavam para diferentes regiões, de forma temporária ou definitiva,
estabeleceram‐se, de maneira geral, junto ou próximo aos cursos d’água.
Essa lógica também ocorreu na ocupação do Oeste Catarinense pelos
primeirosgruposhumanos(índiosecaboclos).
Posteriormente, pelo processo de colonização da região pelos
imigranteseseusdescendentes,amesmalógicaserepete:habitarjuntoou
próximo aos cursos d’água. As águas se constituíram, evidentemente, num
recurso fundamental para a sobrevivência, mas, também, essencialmente,
numa garantia necessária para os diferentes tipos de abastecimento, além
de servirem para as instalações do conjunto da propriedade, bem como
numa potencial fonte de energia onde quer que fossem estabelecer suas
propriedades.
Aságuas,principalmentedospequenosrios,serviram,porvezes,paraa
produção de energia, obtida através da instalação de grandes rodas de
madeira (rodas d’água) movimentadas pela força ou queda das águas,
gerandoenergiaelétricaparaoconjuntodapropriedade.Valedizer,ainda,
que,mesmonãoencontradoscommuitafrequência,osmoinhoseengenhos
(aparelhos destinados à atividade de beneficiamento) para moer cereais
como o milho, o arroz e outros também eram movidos utilizando‐se a
energiadaságuasdosrios.
Pela abundância de águas na região, era comum a presença de peixes,
constituindo‐se em uma importante fonte de alimentação, pois eram
encontrados em todos os rios e arroios. Ao estudar as águas da região,
228 torna‐seimprescindíveldestacaraimportânciadoRioUruguainocontexto
desseprocessodecolonização.
As características físico‐geográficas que apresenta o Vale do Rio
Uruguai (encachoeirado, canyons, saltos, corredeiras, etc.), além da
quantidade de água oferecida no conjunto da bacia que forma o rio,
acabaram despertando motivações no governo e na iniciativa privada a
partirdosanos80,osquaispassaramaseinteressarpelaexploraçãodoseu
potencial hidrelétrico. Não tardou o início de estudos, projetos e
investimentosqueresultaramnaaprovaçãoeconstruçãodebarragensnas
décadas de 1990 a 2010 entre as quais, destacam‐se: Pai Querê, Barra
Grande,Machadinho,Itá,FozdoChapecóeItapiranga.
Consideramosimportanteageraçãodeenergia,poispraticamentetodo
oconjuntodossetoresprodutivosdaeconomiadasociedademodernaestá
estruturado sobre essa modalidade energética. No entanto, torna‐se
premente analisar os interesses que estão em jogo para a execução de
megaprojetoscomoesses.Questionamossetaisiniciativasestãolevandoem
conta os aspectos histórico‐culturais, econômicos e antropológicos das
populaçõesquevivemouviviamnessesterritóriosequesãoatingidaspela
construçãodessasbarragens.
Haveria necessidade de construir obras dessas proporções quando
exemplos e estudos apontam e demonstram que seria possível construir
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em rios menores com custos
inferiores e com reduzidos impactos, sejam eles sociais, econômicos ou
ambientais? Será que não existiria a possibilidade de aproveitamento de
outros recursos naturais para a geração de energia como, por exemplo, a
eólica e a solar, já que dispomos de tecnologias avançadas, sem causar
tantosimpactos?
O Rio Uruguai, formado a partir da junção dos rios Canoas e Pelotas,
serve de divisor dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Possui aproximadamente 2,3 mil km de extensão e uma média de 400
metrosdelargura.Juntocomoutrosimportantesafluentes,queformamsua
bacia ao longo de sua extensão territorial, tornou‐se historicamente de
granderelevânciaeconômica.Ofomentodoturismo,provenientedoslagos,
porexemplo,poderáseconstituirnumanovaatividadeeconômicaregional,
capaz de estimular o desenvolvimento socioeconômico, gerando,
principalmente,empregoerenda.
Uma das atividades econômicas em curso desenvolvidas no lago da
UsinaHidrelétricadeItá(UHI)éoProjeto“Tanques‐redes”7.Talatividadeé
7
Tanques-rede (ou gaiolas): é um sistema de produção de peixes em alta densidade de
estocagem, ou seja, de forma intensiva, cujo resultado final é a alta produtividade. Em geral,
229 incentivada e coordenada pelo Governo Federal através do Ministério da
PescaeAquiculturaeexecutadopelaPrefeituraMunicipaldeConcórdia.Os
agricultores ribeirinhos interessados no desenvolvimento da atividade de
piscicultura se organizam em cooperativas denominadas “Colônia de
Pescadores”. É o que ocorreu com a experiência desenvolvida desde o ano
de 2011 e localizada na Comunidade Rural de Pinheiro Preto, interior do
município.
Atualmente,há166tanquesredesparacriaçãodepeixes.Paraoanode
2015,háperspectivasdainstalaçãodemais200tanques.Aopçãodaespécie
depeixeépelatilápia,poistalespécieadaptou‐sebemaoclima,temsabor
agradável,aceitabilidadedemercado,alémdobomdesempenhoemtermos
de produtividade. Segundo informações dos sócios da Colônia de
Pescadores, são comercializadas, mensalmente, cerca de 20 toneladas de
peixe. Tal atividade está gerando emprego, renda e contribuindo para o
desenvolvimentoeconômicoesocialregional.
Alémdessa,outrasatividadesemexpansãonoOesteCatarinensesãoas
plantações de monoculturas (pinus e eucaliptos), principalmente. No
entanto,questiona‐se:quaisosimpactosambientaisacurto,médioelongo
prazo,decorrentesdetaispráticasmonocultoras?
Dentro da Mesorregião Oeste Catarinense está o território do Meio
Oeste,conformeaFigura2,compostopor25municípios.Suaáreaterritorial
édeaproximadamente5.780,782km².
3.INDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOPOTENCIAISDEDENVOLVIMENTOE
IDENTIDADEREGIONALNOOESTEDESANTACATARINA:OCASODACARNE
SUÍNANOMEIOOESTEDESANTACATARINA
NoterritóriodoMeioOeste,apoliculturadaproduçãodemilho,feijão,
trigo,fumoemandioca,associadaàcriaçãodeanimaisdomésticos,entreos
quais, suínos, bovinos e aves, constituíram a base da economia.
Historicamente,aoperacionalidadedetaisatividadeseconômicasassentou‐
senotrabalhofamiliar,conformedestacadoanteriormente.
Dentre as atividades econômicas mais importantes, historicamente
desenvolvidasnesseterritório,sedestacaasuinocultura.Exemplodissofoi
eéomunicípiodeConcórdia:
Estima‐seque,emtodoomunicípio,nadécadade1930,haviaumrebanhode
cem mil cabeças. A atividade era incentivada pela companhia colonizadora
Mosele,quedistribuíaaosimigrantesquetraziadoRioGrandedoSulovosde
avesereprodutoresdesuínos(ACCS,2010,p.23).
são estruturas retangulares que flutuam na água e confinam peixes em seu interior. Esse
equipamento é constituído, basicamente, por flutuadores (galões, bombonas, bambu, isopor,
canos de PVC, etc.) que sustentam submersas redes de nylon, plásticos perfurados, arames
galvanizados revestidos com PVC, ou ainda, telas rígidas.
230 Figura2:MapadeLocalizaçãodaáreadeatuaçãodaAPROSUI(AssociaçãodosProdutoresdeCarne
eDerivadosdeSuínosdoMeioOesteCatarinense).
Fonte:Marchesan&Badalotti,2014.
Inicialmente,desdeoprocessodecolonizaçãoatéadécadade1940,a
produçãoatendiabasicamenteasubsistênciafamiliar.Posteriormente,com
ainstalaçãodosprimeirosfrigoríficoseacrescenteurbanizaçãobrasileira,o
excedente foi gradativamente voltando‐se ao mercado consumidor.
231 Portanto, criar suínos estava presente na cultura popular dos imigrantes e
seus descendentes. Da carne suína, resultavam os derivados, dentre os
quais, linguiça, "queijo de porco”, torresmo, etc. Tais produtos faziam e
fazem parte da dieta das famílias camponesas. Entretanto, conforme
ressaltado anteriormente, tais práticas tradicionais se transformaram, em
função do processo de modernização da agricultura, em especial devido à
verticalização da produção de suínos e aves, em forma de “integração
agroindustrial” instalada na região a partir da década de 1940. A partir
dessa década, constituíram‐se grandes complexos agroindustriais no Oeste
Catarinense, entre eles, a Seara, a Sadia e a Perdigão (BRF Brasil Foods),
além da Cooperativa Aurora. A viabilidade desses complexos se deu
mediante a implantação de sistemas de integração agroindustrial. Segundo
Mior (2005), a região agrega o maior complexo agroindustrial de carne
suína e de aves do Brasil e América Latina, sendo pioneira no
estabelecimento de um sistema de integração agroindustrial entre grandes
agroindústriaseaagriculturafamiliar.
Tal sistema é a forma e/ou modalidade como se estabeleceram e se
estabelecemasrelaçõescomerciaisentreasagroindústriaseosagricultores.
As agroindústrias fornecem os insumos e a assistência técnica aos
agricultores e estes, em contrapartida, disponibilizam as instalações e
recursos naturais, principalmente água e mão de obra. Quando os animais
estãoprontosparaoabate,asagroindústriasosadquiremeremuneramos
produtoresdeacordocominteressesindustriaisevaloresdomercado.
Dessaforma,atravésdeumprocessoverticalizado,apopulaçãoruraldo
territóriodoOesteCatarinensefoiorientadae/ouencaminhadaaintegrar‐
se aos complexos agroindustirais regionais e produzir produtos (suínos,
aves, bovinocultura de leite, fumo, entre outros) de forma homogeneizada.
Evidentemente, as agroindústrias utilizaram‐se de muitas estratégias para
manterasrelaçõesviaprojetosdeintegraçãoagroindustrial.
Como resultado, ao longo do tempo, constituiu‐se toda uma estrutura
produtiva na forma de monocultora, com alta dependência do setor
agroindustrial.Comisso,historicamente,esseterritóriopassouadepender
quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária. Esse
modeloprodutivo,atéosanos80,definiuumaformadegestãodoterritório
associada à forte influência dos interesses dos setores agroindustriais,
vinculados à ampliação da produção, número de produtores e política de
crédito via lógica produtivista, que caracterizou um padrão homogêneo de
desenvolvimentoruraleregional(MIOR,2005).
Por essa razão, constata‐se, atualmente, uma profunda dependência e,
por vezes, dificuldade de desvinculação de tal “modelo” de integração aos
complexos agroindustriais implantados, que prenuncia uma crise no
relacionamento entre agroindústrias e produção familiar, com profundas
232 repercussõesnoterritórioregional.Oprocessodeproduçãodesuínos,por
exemplo, cada vez mais especializado, tem “[...] levado ao aumento das
escalas de produção e, consequentemente, à exclusão dos pequenos
suinocultoresdacadeia”(MIOR,2005,p.87).
Essas reflexões remetem à necessidade de estudos que busquem
identificar novas possibilidades produtivas para o território em análise.
Diante desse cenário, por outro lado, será possível pensar em novas
matrizes produtivas para o referido território? O debate sobre as
possibilidades de constituição de Indicações Geográficas8 pode despertar
para novas matrizes produtivas ou novos cenários sociais, políticos,
econômicos e ambientais? Quais as possibilidades de novas Indicações
Geográficasregionais?
NoOesteCatarinense,háacriaçãodeaproximadamenteseismilhõesde
suínos, sendo esse território identificado nacionalmente pelo profundo
vínculo com tal produção e pela atuação de pequenas, médias e grandes
agroindústrias.Desde2010,ocorreminiciativasparadiscutirapossibilidade
deIndicaçãoGeográficaparaacarnesuínaregional.Dentreasdúvidasque
permanecem,umadelasé:comopensarumaIndicaçãoGeográfica,partindo
danotoriedadedosprodutoscárneossuínos,numterritóriodominadopelos
complexosagroindustriais,naperspectivadeinclusãodeummaiornúmero
de produtores rurais ao processo de produção e circulação? Tais questões
nos levam a refletir sobre as Indicações Geográficas como potenciais
indutores de desenvolvimento e identidade regional do Oeste Catarinense,
tomandocomoexemploocasodacarneproduzidanaregião.
8
Indicações Geográficas são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais
vinculados a determinados territórios. Normalmente, possuem duas funções principais: agregar
valor ao produto e proteger a região produtora. O sistema de Indicações Geográficas deve
promover os produtos e sua herança histórico-cultural, que são intransferíveis. Essa herança
abrange vários aspectos relevantes: área de produção definida, tipicidade, autenticidade com
que os produtos são desenvolvidos e a disciplina quanto ao método de produção, garantindo
um padrão de qualidade. Tudo isso confere uma notoriedade exclusiva aos produtores da área
delimitada. Ao mesmo tempo em que se possui uma qualidade diferenciada, a mesma está
protegida por esse reconhecimento ser único em meio aos produtores daquela região. As
Indicações Geográficas contribuem para a preservação da biodiversidade, do conhecimento e
dos recursos naturais. Trazem contribuições extremamente positivas para as economias locais e
para o dinamismo regional, pois proporcionam o real significado de criação de valor local. As
Indicações Geográficas são divididas em duas espécies: Indicação de Procedência (IP) – que
valoriza a tradição produtiva e o reconhecimento público de que o produto de uma
determinada região possui uma qualidade diferenciada. É caracterizada por ser uma área
conhecida pela produção, extração ou fabricação de determinado produto. Ela protege a
relação entre o produto e sua reputação, em razão de sua origem geográfica específica; e
Denominação de Origem (DO) – em que as características daquele território agregam um
diferencial ao produto. Define que uma determinada área tenha um produto cujas qualidades
sofram influência exclusiva ou essencial por causa das características daquele lugar, incluindo
fatores naturais e humanos. Em suma, as peculiaridades daquela região devem afetar o
resultado final do produto, de forma identificável e mensurável (SEBRAE, INPE, 2011, p. 16).
233 A discussão sobre a especificação de ativos e recursos territoriais via
IndicaçãoGeográficaououtrasformasassemelhadasestabeleceumdiálogo
direto com o tema território, identidade territorial e desenvolvimento, a
partirdoentendimentodequeodesenvolvimentoresultadaformacomoos
atores se relacionam, atuam e se identificam com um âmbito espacial
específico: o território. Nesse sentido, a partir de 2010, configurou‐se na
regiãoemestudoumconjuntodeaçõesquereuniudiferentesatoressociais
governamentais e não governamentais, tendo em vista a discussão e
elaboração de estratégias para uma possível constituição de Indicações
Geográficasparaacarnesuínadesseterritório.
No dia 29 de novembro de 2010 ocorreu, no auditório da Empresa
BrasileiradePesquisaAgropecuária(EMBRAPA),seçãodeSuínoseAvesde
Concórdia, o I Workshop para discutir a possibilidade de Indicação
Geográfica para carne suína no Oeste de Santa Catarina. O evento teve o
apoio da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos (ACCS), do
Instituto Nacional da Carne Suína (INCS) e do SEBRAE. Foi um evento
voltado para associações, cooperativas, criadores de suínos, produtores,
agroindústrias, instituições públicas, técnicos e demais atores envolvidos
diretaeindiretamentecomasuinoculturaregional.
Dandosequênciaaesseconjuntodeaçõeseproposições,nodia22de
junhode2012umgrupodepequenosempresáriosvinculadosafrigoríficos
ou agroindústrias constituiu a Associação de Produtores de Carne e
Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense (APROSUI). A Associação
tem por objetivo buscar o reconhecimento dos produtos cárneos suínos
(defumados,embutidos,recheados,temperados...) nomercado consumidor
viaIndicaçãoGeográfica.
Assim, organizados pela Associação e em parceria com Instituições de
fomento e pesquisa, como, por exemplo, a EMBRAPA, através do Centro
Nacional de Pesquisas em Suínos e Aves (CNPSA), buscou‐se identificar a
possibilidadedealcançaroreconhecimentoatravésdoregistrodeIndicação
Geográficaparaosprodutoscárneossuínosproduzidosnesseterritório.
No dia 12 de setembro de 2012, o superintendente do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) Jacir Massi, o fiscal federal
agropecuário José Carlos Ramos e a advogada da Embrapa e responsável
pelas Indicações Geográficas Suely Silva, receberam em Florianópolis o
presidentedoInstitutoNacionaldaCarneSuína(INCS),WolmirdeSouza,o
presidente da Associação dos Produtores de Carnes e Derivados de Suínos
do Meio Oeste Catarinense (APROSSUI) Altair Dale Laste, e o pesquisador
responsável pela IG da Embrapa Suínos e Aves de Concórdia, Fabiano
Simioni,paradefiniretapasdosprocessosdeefetivaçãodoSelodeIndicação
Geográfica.
Posteriormente, no dia 20 de setembro, a Superintendência do Mapa
realizou em Concórdia (SC) uma reunião com os frigoríficos e produtores
234 independentes de suínos para estabelecer um cronograma de ações. Entre
os objetivos, buscou aprofundar a discussão e sensibilizar os participantes
do projeto quanto à importância da organização, produção e
industrializaçãoparavencerasetapas.Entreosaspectosmaisimportantes,
se destacam: organização das etapas de fabricação dos produtos (desde a
criaçãodossuínosatéaindustrializaçãodacarne),visãodemercado(como
vai ocorrer a comercialização dos produtos e a agregação de valor) e
aprovaçãodasplantasnoserviçodeinspeçãofederal,paraqueosprodutos
sejamcomercializadosdentrodetodooterritórionacional.
O presidente do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS), Wolmir de
Souza, frisou que, antes do reconhecimento do Instituto Nacional de
PropriedadeIntelectual(INPI)sobreaIndicaçãoGeográficada carnesuína
doMeioOesteCatarinense,osfrigoríficosenvolvidosnoprojetopassarãoa
vender sob uma marca coletiva: “Esta ação vai abrir o mercado e agregar
valor aos produtos derivados de carne suína da região. Quando a
comercializaçãodamarcainiciaréqueoprojetovaiestarconcluídoeapto
parareceberacertificaçãodeIndicaçãoGeográfica”.Opresidentereconhece
que o processo para a certificação é lento. Necessita de consenso e
comprometimentodetodososenvolvidosnoprojetoparaqueacarnesuína
ocupe o espaço de direito na mesa dos brasileiros e para que a região do
Meio Oeste, tradicional produtora de suínos, ganhe visibilidade no Brasil
comopolodeproduçãodeprodutosàbasedecarnesuínacomgarantiade
qualidadeesabor,pontuouopresidente.
Nessesentido,nodia9demaiode2013,tendocomolocaloAuditório
doCentrodeEventosdeConcórdia,ocorreuoIIWorkshopsobreIndicação
GeográficadacarnesuínadoMeioOesteCatarinense.Entreosobjetivosdo
Workshop, buscou‐se informar e mobilizar os atores (produtores,
autoridadespolíticaseempresários,profissionaisligadosàcadeiadecarne
suína e do turismo regional, entre outros). Além disso, o evento suscitou
pensarempossibilidadesdearticulaçãoeconstruçãodemecanismosafim
delegitimaraIndicaçãoGeográficadaCarneSuínanesseterritório.
ParaosorganizadoresdoEvento,oterritóriodoMeioOesteCatarinense
foiumdosberçosdasuinoculturabrasileira,poisoscolonizadoresalemães
e italianos, principalmente, sabiam criar, manejar e preparar produtos,
primeiramente para sua subsistência , sendo o excedente destinado ao
mercado. Com isso, conferiu‐se e confere‐se a especificidade cultural dos
colonizadoresemproduzirsuínosederivadosetransformá‐losemprodutos
diferenciados e qualificados. Assim, a região constituiu‐se em berço e sede
das maiores agroindústrias brasileiras e mundiais, entre elas a Sadia, a
PerdigãoeaAurora.
Além do mais, os organizadores acreditam na possibilidade de
constituiçãodeIG,poisosprodutosdacarnesuínaproduzidosporpequenas
235 agroindústrias da região possuem qualidade e sabor diferenciado,
principalmente em função do “saber‐fazer popular”, caracterizando o que
temsidodenominadodecapitalterritorial.
O capital territorial constitui‐se na riqueza do território (atividades,
paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.). Por outro lado, as relações do
territóriocomoexteriorsãoelementosdeterminantesdocapitalterritorial
(LEADER, 2009). Os atores locais podem ativar e revalorizar o capital
territorial transformando os ativos genéricos em especificidades. Segundo
Rallet (1995), ao serem de natureza única e diferenciada, são dificilmente
transponíveis, ou transladáveis, constituindo‐se em uma das chaves
explicativasdacompetitividadeterritorialedodesenvolvimento.
A constituição de uma IG poderá agregar valor aos produtos cárneos,
promover o desenvolvimento socioeconômico e fortalecer toda a cadeia
suinícola,alémdefomentarnovosdesdobramentosaoturismoeestímuloa
outrasatividadeseconômicas,entreelas,oturismogastronômico.
Entre os parceiros na perspectiva de constituição da IG, está a
EMBRAPA,porintermédiodospesquisadoresdoCNPSA.Apropostainicialé
recuperar a genética animaldosuínomouro,do“tipobanha"ou “comum”,
melhoradogeneticamenteeanãoutilizaçãodeinsumosoupromotoresde
crescimento. Para Volmir de Souza, “hoje, vende‐se marca, mas não carne
diferenciada”.Ouseja,opresidentedoINCSreporta‐sepelavendadecarne
em escala, profundamente vinculada à marca das agroindústrias e não a
produtoscomespecificidadesoudiferenciais.
Além disso, nesse contexto, os recursos e ativos com especificidade
territorialprecisammereceratenção.Elespossibilitamaconstruçãodeuma
conformação socioeconômica que destaca a importância dos produtos (ou
serviços) com identidade territorial, para o desenvolvimento. Trata‐se de
ultrapassaradimensãodeumavantagemcomparativaparaumavantagem
diferenciadora,resultantedeprocessosoriginaisdeemergênciaderecursos
eativoscomancoragemterritorial(PECQUEUR,2009;DALLABRIDA,2012).
CONSIDERAÇÕESFINAIS
Tradicionalmente,apopulaçãoruraldoterritóriodoOesteCatarinense,
mais especificamente do Meio Oeste Catarinense, foi orientada e/ou
encaminhada a integrar‐se aos complexos agroindustriais regionais e
produzir produtos (suínos, aves, leite, fumo) em escala e de forma
homogeneizada. Evidentemente, os grandes complexos agroindustriais
utilizaram‐seeutilizam‐sedemuitosartefatoseartimanhasparamanteras
relaçõesviaprojetosdeintegraçãoagroindustrialporlhesserconveniente.
Dessa forma, historicamente constituiu‐se toda uma estrutura
produtivademonocultoraedependência,sendoqueesseterritóriopassoua
236 depender quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária.
Portanto, constata‐se, atualmente, a profunda dependência e, por vezes,
dificuldadedesedesvencilhardetal“modelodeintegração”doscomplexos
agroinstriaisimplantados.
Por outro lado, questiona‐se: será possível pensar em novas matrizes
produtivas para o referido território? O debate sobre as possibilidades de
constituiçãodeIndicaçõesGeográficaspodedespertarparanovasmatrizes
produtivasounovoscenáriospolíticos,econômicoseambientais?Quaisas
possibilidadesdenovasIndicaçõesGeográficasregionais?
O território do Meio Oeste Catarinense foi o berço do conflito do
Contestado (1912‐1916), a qual desenhou uma história diferenciada sobre
váriosaspectos,entreeles,aalimentaçãodoshabitantesdesselugar.Adieta
alimentardasociedadehumanaregionalantes,duranteeapósaGuerrado
9
Contestado era a quirera . Nesse sentido, esse alimento humano típico do
territóriodoContestadopoderiaconstituir‐senumaIndicaçãoGeográfica?
Além disso, pela formação geológica regional, aflora, em diferentes
áreasdoterritóriooestino,águastermais.Exemplodissosãoosmunicípios
de Piratuba, Itá e Águas de Chapecó. Regionalmente, o balneário de maior
10
estrutura e movimento de turistas é o de Piratuba, que, igualmente,
poderiaseconstituiremumaIndicaçãodeProcedência?
Essas e outras questões estão sendo apresentadas na perspectiva de
fomentar o debabe. Aliás, esse é um dos compromissos e uma das funções
sociaisdaUniversidade,ouseja,estarnavanguardadareflexão,proposição
e ação, e não apenas formar/preparar/qualificar mão‐de‐obra ou
profissionalizar sujeitos para operacionalizar máquinas e produzir
commoditys, mas, sim, estimular a pensar, refletir, criar e empreender.
Assim, pode‐se fomentar o empreendedorismo, o associativismo, o
cooperativismo e, com isso, promover o desenvolvimento social, cultural,
político e econômico. Ou seja, o desenvolvimento regional em suas
diferentes dimensões. Entende‐se por desenvolvimento territorial o
aprimoramento do conjunto de políticas e ações que melhorem a vida das
pessoasedoambientedeumdeterminadoterritório.
Obviamente,essenovoprocessodedesenvolvimentoprecisapensarna
perspectivadainclusãosocial,demodoapromoverproduçãodiferenciada,
qualificadaequedistribuarenda.Damesmaforma,impõe‐seanecessidade
9
Quirera: milho triturado em pilão. Após triturado e misturado com carne suína, fazia-se a
cocção. Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do Contestado.
10
No intuito de procurar petróleo, em 1964 a Petrobrás perfurou um poço com 2.271,30
metros de profundidade. Nos 674 metros, encontrou um lençol de águas sulfurosas. São águas
com temperaturas médias de 37,4º C na fonte. Suas águas são utilizadas para lazer, além de
recomendações no tratamento de reumatismos, úlceras, cálculos renais, hipertensão arterial,
eczema e estresse.
237 deseestabelecerumanovarelaçãocomosrecursosnaturais,considerados
estratégicos ao desenvolvimento regional, produzindo e cuidando da
qualidadeambientalconcomitantemente.
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240 CAPÍTULO12
INDICAÇÃOGEOGRÁFICADAERVA‐MATENO
TERRITÓRIODOCONTESTADO:REFLEXÕESE
PROJEÇÕES1
ValdirRoqueDallabrida;FernandaTeixeiraSantos;LauroWilliam
Petrentchuk;MayaraRohrbacherSakr;MuriloZelinskiBarbosa;Natany
Zeithammer;PauloMoreira;TiagoLuizScolaro;JairoMarchesan‐UnC
INTRODUÇÃO
Nosanosrecentes,estudosforamrealizados,avaliandoexperiênciasde
Indicação Geográfica (IG), alguns deles no Brasil, outros no exterior, em
especial nos países europeus. Para citar alguns, lembramos: Tonietto
(2003); Sacco dos Anjos e Caldas (2010); Silva et al. (2010); Ortega e
Jeziorny (2011); Sacco dos Anjos, Criado e Caldas (2011); Champredonde
(2011; 2012); Froehlich (2012); Santos e Ribeiro (2012); Niederle
(2013a/b);Dallabridaetal.(2013);Dallabrida(2012a/b;2013;2014a/b/c).
Algumas dessas obras são coletâneas, contemplando a visão de diferentes
autores. Parte das publicações mencionadas resulta de estudos realizados
por pesquisadores do Grupo de Estudos e Investigação sobre Signos
DistintivosTerritoriais,IndicaçãoGeográficaeDesenvolvimentoTerritorial
(GEDET)2.
No seu conjunto, as publicações referidas revisam literatura que trata
do tema IG3, além de realizar a análise de experiências brasileiras e
internacionais.Pelaleituradaspublicações,umaconstataçãoérecorrente:o
debate do tema Indicação Geográfica precisa ser contextualizado entre os
1
Este artigo foi publicado na revista DRd – Desenvolvimento Regional em debate, v. 4,
jul./dez. 2014. Sua elaboração foi feita no contexto do debate em curso no Grupo de Estudos e
Investigação sobre Signos Distintivos Territoriais, Indicação Geográfica e Desenvolvimento
Territorial (GEDET), no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado (Santa Catarina). Agradecemos aos colegas pelas críticas e
sugestões, as quais vieram a melhorar a qualidade do texto. No entanto, os posicionamentos
aqui assumidos são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por outro lado, em parte, o
texto resume resultados de dois projetos de investigação em curso: Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento (financiado pela FAPESC); Indicação Geográfica como
alternativa de desenvolvimento territorial (CNPq).
2
Grupo de Pesquisa registrado no CNPq, tendo na coordenação professor do Mestrado em
Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado.
3
Por esse motivo, optamos neste artigo por reduzir o referencial teórico a um conjunto de
categorias conceituais que, na nossa percepção, são básicas para situar o debate sobre
Indicação Geográfica.
241 esforços que os atores territoriais realizam em relação à definição de seu
futuro,afimdequetalestratégiadearticulaçãoterritorialsejaconsiderada
ummeioenãoumfimemsimesmo.Partindodessacompreensão,aIGseria
entendida como uma estratégia, dentre outras, para articulação dos
processosdedesenvolvimentoterritorial.Mesmonãosendoaúnica,nãoéa
menosimportante,oquejustificaoaprofundamentodoseuestudo.
Retomando o tema, apresentamos um conjunto de reflexões para
fundamentar o debate sobre a proposta de IG da erva‐mate no Planalto
NorteCatarinenseeCentro‐SuldoParaná,recorteterritorialquepreferimos
denominar de Território do Contestado, ao mesmo tempo em que nos
desafiamosafazerprojeções.
O presente texto se apresenta como um ensaio, ao mesmo tempo em
que tem um caráter especulativo, na forma de pesquisa‐ação, refletindo
sobreumadeterminadarealidadeeousandoemserpropositivo.Sustenta‐se
em estudos teórico‐analíticos, nacionais e internacionais, além da
experiência recente na investigação sobre o tema IG. Portanto, resulta de
estudosteóricos,deobservaçõeseanálisesoportunizadasporprocessosde
investigação,alémincluirposicionamentospessoais.
Iniciamos pelo debate teórico, dando destaque a algumas categorias
conceituais que consideramos fundamentais. Na sequência, fazemos a
contextualização da realidade sociocultural e econômica do recorte
territorialnoqualestáocorrendoodebateparaaproposiçãodaIGdaerva‐
4
mate, o Território do Contestado . Logo após, damos destaque a aspectos
práticosrelacionadosàsnormativasparaoregistrodeumaIG,tendocomo
referência o caso da erva‐mate no Território do Contestado. Finalizamos o
textocomanáliseseprojeções,apontandoindicativosemrelaçãoaocasoem
referência.
1.SITUANDOTEORICAMENTEOTEMAINDICAÇÃOGEOGRÁFICA
Inicialmente,partimosdaconcepçãodequeumapráticadistintarequer
robustafundamentaçãoteórica.Porisso,iniciamossituandoteoricamenteo
debate sobre Indicação Geográfica, fazendo referência a seis categorias
conceituais: território, territorialidade, identidade territorial, ancoragem
territorial, capital territorial e governança territorial. Para facilitar o
entendimento,relacionamosareferênciateóricacompossíveisimplicações
práticas.Ofimaquesugeremprocessoscomcaracterísticasdesignadasdela
acepção das mencionadas categorias é o desenvolvimento territorial. Um
dosmeiosparaaconsecuçãodefinsdessanaturezaéaIndicaçãoGeográfica.
Porisso,finalizamosaabordagemteóricacomumabrevereferênciasobre
IndicaçãoGeográficaedesenvolvimentoterritorial.
4
Temporalmente, fazemos referência ao segundo semestre de 2014.
242 1.1TERRITÓRIO
O território é uma construção social resultante de relações de poder
que,simultaneamente,contémadimensãodaunidade,dasolidariedadeeda
conflitualidade.Trata‐sederelaçõesinseridasnahistóriadeumasociedade
situada territorialmente. Refere‐se a uma fração do espaço, historicamente
construídapelasinterelaçõesdosatoressociais,econômicoseinstitucionais
queatuamnesserecorteespacial,apropriadaapartirderelaçõesdepoder
sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais ou
religiosas, oriundas do Estado, de grupos sociais ou corporativos,
instituiçõesouindivíduos(DALLABRIDA,2011).
Oqueconvencionamosteoricamentechamardeterritórionãosetrata
de qualquer recorte espacial. É diferente do que chamamos de região, esta
sendo um recorte demarcado por limites político‐administrativos. Ex.
Região da 26ª Secretaria de Desenvolvimento Regional. Território é um
recortecujoslimitesseestendematéaáreaabrangidaporumadeterminada
característica identitária e de poder. Dois exemplos: o "Território do
Contestado",comosendoaáreaonderesidiaumpovoquetinhaumaforma
de vida própria e que, por determinados ideais, lutou contra a forma de
ocupação que não atendia aos seus interesses; área abrangida por uma
forma histórica de ocupação da terra, a exemplo do cultivo de erva‐mate.
Nesse último exemplo, podemos fazer referência ao "território da erva
sombreadadoContestado",compredominânciadeumaformaespecíficade
cultivo.
1.2TERRITORIALIDADE
Territorialidade refere‐se ao ato de pertencimento, ou seja, estar
integradonummeioquenospertence(SANTOSeSILVEIRA,2001).Também
corresponde às relações sociais e às atividades diárias que os homens têm
comseuentorno(SAQUET,2007;HAESBAERT,2011),ou,ainda,àsrelações
entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência (ALBAGLI,
2004).
Albagli (2004) defende o fortalecimento e capitalização de
territorialidades em favor do desenvolvimento territorial, propondo, na
prática, a necessidade de identificação das unidades territoriais que se
revelam pelo senso de identidade e pertencimento territorial, de
exclusividade e tipicidade, pelos tipos e intensidade de interações entre
atores locais. Isso exige (1) a geração de conhecimentos sobre o território,
ouseja,identificarecaracterizarasespecificidadesquemelhortraduzame
distingueaqueleterritório,(2)apromoçãodesociabilidades,identificandoe
mobilizando os atores e segmentos sociais que imprimam um dinamismo
243 local e que se caracterizem por serem genuínos e com tradição, e (3) o
reconhecimento e a valorização da territorialidade, na perspectiva da
dinamização social, produtiva e comercial, do resgate e valorização das
imagens e símbolos que a população autóctone valoriza. Esses referenciais
devem direcionar a forma de intervenção dos poderes públicos e das
organizações sociais num determinando território (ACAMPORA e FONTE,
2008).
A questão do fortalecimento e capitalização de territorialidades em
favor do desenvolvimento territorial, no caso do Território do Contestado,
implicaria em desencadear um processo de diagnóstico e planejamento
territorial integrado, valorizando todos os componentes do seu capital
territorial.
1.3IDENTIDADETERRITORIAL
Aidentidadeterritorialéoelementodiferenciadordeumdeterminado
agrupamento populacional, pois seus traços e características estão ligados
ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao patrimônio ambiental
territorial.Refere‐setantoàdimensãosocialquantoàfísico‐natural(tipode
paisagem)ecultural(tradiçõesevalores).Aidentidadeterritorialresultade
processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num
patrimônioterritorialaserpreservadoevalorizadopelosatoresenvolvidos
(SAQUETeBRISKIEVICZ,2009;RAMÍRES,2007;FLORES,2008;DENARDIN
eSULZBACH,2010).
A identidade territorial envolve o patrimônio identitário, ou seja, o
saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as
crenças,osarquivoshistóricos,asrelaçõessociaisdasfamílias,asempresas,
as organizações políticas, dentre outros aspectos. Tais elementos
identitários podem ser decompostos em projetos e programas de
desenvolvimento de cada território. Quanto aos possíveis impactos da
identidade territorial no processo de desenvolvimento, Pollice (2010)
destaca que esta tende a reforçar as normas, os valores éticos e
comportamentais localmente compartilhados, além de contribuir para
melhoraratransferênciadosaberentreasgerações.
Concordamos com Pollice (2010) quando afirma que os sentimentos
identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores
paisagísticos e culturais do território. Partindo dessa compreensão, o
desenvolvimentoterritorialsesustentanacapacidadedacomunidadelocal
de valorização do território, em particular os ativos e recursos que
constituemelementosdediferenciação.
244 1.4ANCORAGEMTERRITORIAL
A ancoragem territorial se parece com um diálogo entre ator e
território, inscrito no tempo, em que os processos se comunicam
mutuamente em uma relação sistêmica (FRAYSSIGNES, 2005). Estar
ancoradoterritorialmenterepresentaestarenraizadonoterritório.
Contrariamenteàancoragem,noprocessodeglobalização,asempresas
transnacionais quando apenas se apropria dos recursos de territórios, não
necessariamente se enraízam. Pelo contrário, normalmente exercem a
exploração dos recursos naturais e humanos. Ou seja, é mais comum a
situação das empresas se transformar em verdadeiros enclaves territoriais
(SANTOS e SILVEIRA, 2001). Trata‐se de empreendimentos situados nos
territórios, com o interesse exclusivo de apropriar‐se das riquezas ali
disponíveis,transformando‐asemcommodities,viabilizandoaexpansãodo
capital empresarial e financeiro. Como exemplos, seriam certos
empreendimentos que apenas semi‐industrializam produtos de um
determinadoterritório,semagregarvalorlocalmente.
Um produto resultante de processos de ancoragem territorial tem
maior potencial de transformar‐se em produto típico, logo, se constituir
numa potencial IG (CHAMPREDONDE, 2012). Resultante disso, empresas e
produtores não ancorados territorialmente se constituem em atores que
nem sempre atendem aos interesses específicos dos territórios, pois a
ancoragem é decisiva no processo de desenvolvimento territorial. O
5
documento FAO y SINER de 2010 , define qualidade específica como "[…]
um conjunto de características associadas a um bem ou serviço
reconhecidas como aspectos distintos em comparação com produtos
similares".Trata‐sedeumprodutoorigináriodedeterminadoterritórioque
podeseridentificadoporsuasparticularidades,diferenciando‐seassimdos
demais(CHAMPREDONDE,2011).
1.5CAPITALTERRITORIAL
Capitalterritorialrefere‐seaoconjuntodoselementosdequedispõeo
território ao nível material (produtos e serviços) e imaterial (valores e
tradições) e que podem construir, em alguns aspectos, vantagem e, em
outros,desvantagens(LEADER,2009).Ocapitalterritorialconstitui,então,a
riqueza do território, na forma de atividades produtivas, paisagens,
patrimônio,saber‐fazer,culturaetradições.
O capital territorial se constitui nos recursos e ativos territoriais a
seremvalorizadas.CaravacaeGonzález(2009)propõemativarerevalorizar
5
Trata-se do documento Uniendo personas, territorios y productos, citado em Champredonde
et all. (2012, p. 4).
245 ocapitalterritorial,ouseja,osrecursosligadosaosterritórios,convertendo
aqueles que são genéricos em específicos, resultando numa das mais
importantesestratégiasdedesenvolvimentoterritorial.
NaFigura1estãorepresentadososcomponentesdoquechamamosde
capital territorial, ao mesmo tempo, integrando as demais categorias
conceituais. A compreensão de tais categorias e sua aplicabilidade e
implicação prática são fundamentais para o adequado direcionamento do
debate sobre a constituição de uma IG. Já tínhamos pensado nisso? Temos
considerado os elementos do capital territorial, integradamente, ao
propormos uma estratégia de desenvolvimento? Ou ainda somos dos que
pensamodesenvolvimentoterritorialdeformasetorializada?
Figura1‐CapitalTerritorialeseuscomponentes
CAPITAL PRODUTIVO CAPITAL NATURAL Recursos Financeiros, maquinaria, equipamentos, infraestruturas... Patrimônio natural, meio ambiente... CAPITAL HUMANO E INTELECTUAL Saber fazer local, formação acadêmica e profissional, conhecimento, criatividade... CAPITAL TERRITORIAL
CAPITAL CULTURAL Valores e códigos de conduta, patrimônio cultural, cultura empresarial... CAPITAL INSTITUCIONAL CAPITAL SOCIAL Valores compartilhados socialmente, associativismo, redes sociais estabelecidas...
Institucionalidades estatais e não estatais, de caráter social, corporativo, cultural, político, administrativo... Fonte:Elaboraçãoprópria,apartirdeCaravacaeGonzález(2009)
1.6GOVERNANÇATERRITORIAL
Por fim, resta uma questão importante: a gestão dos processos de
desenvolvimento territorial. Trata‐se da necessidade de mencionarmos
outracategoriaconceitual,quechamamosdegovernançaterritorial.
Agovernançaterritorialcorrespondeaumprocessodeplanejamentoe
gestão de dinâmicas territoriais que prioriza uma ótica inovadora,
partilhadaecolaborativa,pormeioderelaçõeshorizontais.Noentanto,esse
processo inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim,
deliberações, entre agentes estatais, representantes dos setores sociais e
empresariais,decentrosuniversitáriosoudeinvestigação.Processosdessa
246 natureza fundamentam‐se num papel insubstituível do Estado, em uma
concepçãoqualificadadedemocraciaenoprotagonismodasociedadecivil,
objetivando harmonizar uma visão para o futuro e um padrão mais
qualificadodedesenvolvimentoterritorial(DALLABRIDA,2014a).
A menção à governança territorial é utilizada para referir‐se aos
processosdeassociativismoterritorial,sejamelessobaformadefórunsou
conselhosvoltadosaodebatesobredesenvolvimentoregionalouadefinição
depolíticaspúblicas,sejamformasdeassociativismo,taiscomo,associações
de produtores ou artesãos, pequenas iniciativas na forma de cooperativas,
ou associações de bairros, entre outras. O que diferencia uma ação de
governança é que sempre se trata de intervenção coletiva voltada ao bem
comum do conjunto de atores envolvidos, que inclui atores de caráter
estatal, social e empresarial, integradamente, sustentada em relações
horizontais,ondetodos,indistintamente,têmvezevoz.Diferedeumaação
degoverno,decunhovertical,sustentadaemparâmetroslegais.Damesma
forma, difere de uma ação do setor empresarial, a qual se rege por
parâmetrosdecompetitividadesetorialedeaçãoprivada.
Ousamos em afirmar que processos de desenvolvimento territorial só
são legítimos se geridos por formas de gestão aqui caracterizadas pela
concepçãoexpressapelacategoriaconceitualgovernançaterritorial.
NocasoespecíficodasIG,suagestãotambémérealizadaporestruturas
associativas, envolvendo atores sociais, empresariais e o Estado. Logo,
podemosfazerreferênciaataisprocessosdeassociativismoterritorialcomo
práticasdegovernançaterritorial.
1.7MEIOEFIM:AINDICAÇÃOGEOGRÁFICACOMOUMAESTRATÉGIANO
PROCESSODEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
Finalizamos esta parte do texto situando a Indicação Geográfica como
umaestratégiaparaodesenvolvimentoterritorial.
1.7.1INDICAÇÃOGEOGRÁFICA
Consideramos as experiências de IG como uma das principais
estratégiasquearticulaospotenciaisdedesenvolvimentoterritorialànoção
de território, territorialidade, identidade, ancoragem e capital territorial,
tendo como referencial para a sua gestão, a concepção de governança
territorial. Sobre IG, nos restringimos aqui a duasmenções: sua concepção
básicaetipologia.
No Brasil, as Indicações Geográficas são consideradas marcas
territoriais que reconhecem os direitos coletivos referentes aos sinais
distintivos de um território. Assim, tornam‐se ferramentas coletivas de
247 valorizaçãodeprodutostradicionaisvinculadosadeterminadosterritórios,
atendendo a duas funções: agregar valor ao produto e proteger a região
produtora(GURGEL,2006).
Uma IG pode ser de duas categorias. A Indicação de Procedência (IP),
caracterizadaporseráreaconhecidapelaprodução,extraçãooufabricação
de determinado produto, ou prestação de serviço. Já a Denominação de
Origem (DO) é a categoria onde as características daquele território
agregam um diferencial ao produto, ou seja, um produto cujas qualidades
sofram influência exclusiva ou essencial, decorrente das características
daquelelugar,incluídosfatoresnaturaisehumanos.
Assim, as singularidades vinculadas ao território podem ser
reconhecidas e protegidas mediante a IG, transformando‐se em uma
estratégia a ser considerada no processo de desenvolvimento territorial,
integrandooselementosconstitutivosdocapitalterritorial.
1.7.2DESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
Aconcepçãodedesenvolvimentoterritorialsurgedepoisdadécadade
1970,noséculoXX,numaassociaçãoentreanoçãodeterritórioeumanova
concepçãodedesenvolvimento.Decertaforma,origina‐sedasformulações
teóricas que recusaram, consciente ou inconscientemente, o paradigma do
modeloúnicodedesenvolvimentodominanteatéentão(CAZELLA,BONNAL
eMALUF,2008).
Odesenvolvimentoterritorialpodeserentendidocomoumprocessode
mudança continuada, situado histórica e territorialmente, integrado em
dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na
potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e
específicos), com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da
qualidadedevidadesuapopulação(DALLABRIDA,2014a).
Partindo da concepção de desenvolvimento territorial, qualquer
estratégia ou projeto político de desenvolvimento que seja pensada para
lugares, municípios, regiões, territórios ou países implica em considerar
seus recursos e ativos integradamente, superando a tradicional concepção
setorial.
2.CONTEXTUALIZANDOAREALIDADESOCIOCULTURALEECONÔMICANA
QUALESTÁSENDOPROPOSTAAIGDAERVA‐MATE
Énecessáriocontextualizarorecorteterritorialdaáreadeabrangência
emqueestásendopropostaumaIGdaerva‐mate,nocontextosociocultural
e econômico que resultaram na História do Contestado, com sua herança
histórica, suas formas de inclusão e exclusão social, seus valores éticos,
culturaisetradições.
248 Em 2012, o jornal O Estado de São Paulo realizou uma série de
reportagens,sendoaprincipaldelasintituladaOsmeninosdoContestado. A
expressãomeninoséumareferênciaàpopulaçãosobreviventedaGuerrado
Contestado,queeramcriançasnaépocadoconflito.Vejamosumareferência
6
àpopulaçãoremanescente,feitapelorepórterCelsoJunior ,quefazpensar
enosremeteaodesafiodebuscarsuperarcarênciashistóricas.
O olhar desses meninos revela sofrimento, muito sofrimento, mas por outro
ladorevelaumolharguerreiro,deesperança,equemsabeumdia,estaterra
outrora maldita, tenha dias melhores... O Contestado não é uma guerra do
passado,poisoestadobrasileiroaindanãoreparouosdanoslácausados.
A referência a que o estado brasileiro ainda não reparou os danos
causados pela forma de ocupação do Território do Contestado pode ser
percebidanoatualpadrãoregionaldedesenvolvimentodoEstadodeSanta
Catarina.TemosumaregiãodinâmicaqueseestendepeloValedoRioItajaí,
o nordeste do estado e o litoral de norte a sul, atividades agrárias e
industriais na serra e sul, além do oeste catarinense, onde se situam as
grandes empresas ligadas ao agronegócio de cereais e carnes. Na parte
central do estado, que corresponde ao recorte territorial do Contestado,
predominam atividades do tipo extrativo‐vegetal e um setor industrial
voltadoàproduçãodesemimanufaturados,aexemplodosetorervateiro,de
papelecelulose.Mesmooseixosrodoviários,praticamenteaúnicaformade
circulação de pessoas e mercadorias, circundam o Contestado, deixando
vácuosdefluxoseatividadessocioeconômicasnoterritório,emespecialno
Planalto Norte, onde situa‐se a cidade de Canoinhas. É o que está
representadonaFigura2.
Aliás,opadrãoregionaldedesenvolvimentodeSCfoitemadeestudode
pesquisadorescatarinenseseespanhóis,duranteosmesesdejulhoeagosto
7
de 2014 . Tal estudo apontou quatro características básicas: (1) áreas no
Oeste Catarinense, com dominância de complexos agroindustriais, com
produtores totalmente integrados e identificados com o modelo; (2) áreas
com ausência de complexos agroindustriais, com produtores identificados
com produtos regionais, além das atividades industriais, como o caso do
Vale da Uva Goethe (IG‐2012), do Queijo Serrano na Serra Catarinense e o
Vale do Rio Itajaí; (3) áreas com existência de complexos agroindustriais
6
O documentário está disponível no site: http://topicos.estadao.com.br/contestado. A citação
acima é um recorte de comentários feitos pelo repórter jornalístico em um vídeo disponível no
site.
7
Os primeiros resultados dos referidos estudos foram apresentados em evento internacional,
na Espanha. O tema está motivando a realização de um convênio entre universidades
catarinenses, dentre elas a UnC, e a Universidad Castilla-La Macha, de Ciudad Real, na
Espanha, o qual prevê o aprofundamento das investigações e a circulação interinstitucional de
professores e estudantes de pós-graduação.
249 cominteressesemprodutospoucovalorizadoslocalmente,noentanto,com
forteidentidadepaisagísticaeculturaleescassaintegraçãodosprodutores,
8
como o caso da Erva‐Mate do Contestado ; (4) a área litorânea, que se
estende de norte a sul, com predominância de atividades relacionadas ao
turismoefunçõesadministrativas,comexceçãodonordeste,ondesesitua
um setor industrial dinâmico, exercendo uma forte pressão de atração de
capitaisgeradosnointeriordoestado,aexemplodosinvestimentosnosetor
imobiliário(DALLABRIDAetal.,2014).
Figura2‐RepresentaçãodopadrãoregionaldedesenvolvimentodoEstadodeSC
Fonte:AdaptadadeDallabridaetal.(2014)
Especificamente em relação ao caso da erva‐mate do Território do
Contestado, o estudo detecta desafios: (1) percebe‐se uma pressão de
empresasparacontrolaraproduçãodeerva‐mate,inclusivecomacompra
de ervateiras por multinacionais; (2) há desconhecimento local dos
potenciaisdacadeiaprodutivadaerva‐mate,considerandooqueocorreem
outras regiões produtoras; (3) percebe‐se desconexão dos grupos de
investigação e falta de estudos sobre as potencialidades da conversão das
áreas de remanescentes da Mata Atlântica em espaços de
8
Essa situação se repete no caso da atividade extrativo-florestal que serve de matéria prima
para as indústrias de papel e celulose, com acentuada presença no Território do Contestado.
250 9
multifuncionalidades, com padrões de exploração sustentáveis , e (4) uma
excessiva visão agrarista no padrão de desenvolvimento regional, além da
baixa participação cidadã no processo de debate sobre desenvolvimento
regional(DALLABRIDAetal.,2014).
O que aqui chamamos Território do Contestado trata‐se, então, do
recorte que compreende as áreas disputadas pelos Estados do Paraná e
SantaCatarinaentreosanosde1853e1917eondeocorreramosconflitos
da Guerra do Contestado, entre 1912 a 1916. O conflito representou a
resistência dos camponeses, os ocupantes desse território naquela época,
lutando contra forças militares institucionais que protegiam a ocupação
territorial por formas de colonização que representavam a implantação do
modo capitalista de produção. Os conflitos de resistência se tornam mais
evidentesquandodaaberturadaestradadeferro,iniciadaem1890,aqual
resultounadesapropriaçãodeterrassituadasnoseuentorno.Outromotivo
darevoltadoscamponesesfoiapresençadaempresamadeireiraamericana
Lumber, que adquiriu na região mais de 3.000 hectares de terras cobertas
por araucárias, ocupadas pelos camponeses que exploravam a erva‐mate
nativa,comomeiodesobrevivência.
Noaspecto ambiental,acoberturavegetalqueabrigava,alémdaerva‐
mate, diferentes espécies, tais como a imbuia, as canelas e, em especial, a
araucária, passou a ser objeto da devastação, para ser transformada em
madeira.Concomitantemente,aerva‐matepassaaserexploraporempresas
ervateiras. A própria presença da Lumber, ao impedir a população
camponesa de ter acesso aos ervais nativos nas áreas em que adquiriu ou
emquefaziaocortedamadeira,eramotivoderevoltaparaoscamponeses.
Tanto a erva‐mate como a madeira passam a ser destinada ao comércio
nacionaleinternacional.
É nesse contexto sócio‐histórico e econômico que a erva‐mate passa a
ter uma importância diferenciada; antes meio de sobrevivência dos
camponeses,apartirdeentão,umamercadoriaparacomercialização.Todas
essas transformações, aliadas à disputa por limites entre catarinenses e
paranaenses,emgrandepartemotivadapelointeressedosdoisestadosem
tributar a erva‐mate da região, foram motivos de contestação. Daí o nome
Contestado.
É notória a dificuldade para se localizar com precisão o Território do
Contestado.Porexemplo,oGovernodoEstadodeSantaCatarinadefiniuas
Regiões Turísticas, dentre as quais está destacada a região do Vale do
9
Uma das poucas exceções em termos de estudos é um trabalho que está em realização no
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC que estuda as potencialidades
socioeconômicas nas áreas com a presença de remanescentes da Mata Atlântica. Ver resultados
preliminares do estudo em: Petrentchuk, Marchesan e Dallabrida (2014).
251 10
Contestado ,conformeoMapa1.Éumaformadelocalização.Noentanto,o
mapeamentonãoabrangetodaaáreaondepredominaaproduçãoervateira
catarinense,estendendo‐setambémnoextremooeste.Alémdisso,nãoinclui
a área ervateira do Estado do Paraná, que é contígua, estando presente,
principalmente,nomédiovaledoRioIguaçu.Portanto,omapeamentonãoé
suficiente,sendoapenasindicativo,comoumpontodereferênciainicial.
Mapa1‐RegiõesTurísticasdoEstadodeSantaCatarina
Fonte:http://www.santacatarinaturismo.com.br/
A região definida como Vale do Contestado, territorialmente,
corresponde aproximadamente ao que os historiadores registram como
sendo a área em que ocorreram os principais eventos da Guerra do
Contestado, conforme a Figura 3. Assinala os locais onde ocorreram os
principais eventos da Guerra do Contestado, além de trazer algumas
informações ‐ por exemplo, o traçado da estrada de ferro São Paulo‐Rio
GrandedoSulelocalizaçãodaempresaLumber‐alémdeinformaçõessobre
osefeitosdaguerra.
10
A utilização da expressão Vale não é adequada sob o ponto de vista geográfico, pois, o
recorte territorial situa-se predominantemente numa área de planalto.
252 Figura3:RecorteterritorialdaGuerradoContestado
Fonte:http://www.estadao.com.br/infograficos/os‐principais‐embates‐da‐guerra,160605.htm
JáomapeamentodoTerritóriodoContestado,registradonaFigura4,é
mais abrangente. Demarca o Território do Contestado, incluindo áreas
limítrofesentreSantaCatarinaeParaná,comoa"áreacontestada",ouseja,
que no passado esteve em disputa entre paranaenses e catarinenses.
Percebamos que o recorte territorial abrange, além do Planalto Norte
Catarinense,todoooestedeSantaCatarinaeáreaspróximasdoParaná,na
sua porção centro‐sul e oeste. Há nesse mapeamento uma melhor
aproximação entre as áreas de predomínio da erva‐mate no território
catarinenseeparanaense.
AtarefademapearmosoTerritóriodoContestadotemumaimplicação
comoquevamosreferirmaisadiante,queéaquestãodonomegeográfico
daIGdaerva‐mateedadelimitaçãodasuaáreadeabrangência.Nãodeixa
de ter, também, relação com o tipo de IG que for decidido registrar: uma
IndicaçãodeProcedênciaouumaDenominaçãodeOrigem?
Em qualquer dos casos, é necessário o mapeamento das áreas com a
presençadaerva‐matecomascaracterísticaspretendidasparaaIG.Ocorre
que, pelos dados estatísticos disponíveis atualmente, apenas conseguimos
identificarovolumeanualdeerva‐mateproduzido,naformadefolhaverde
e cancheada, conforme a Tabela 1. Mesmo esses dados, são aproximados,
pois as fontes de informações são imprecisas. Servem apenas como um
referencial.Essefatoreforçaanecessidadederealizaçãodeuminventário,o
que demanda um trabalho de campo, além de buscar informações junto às
prefeituras,órgãospúblicosdeextensãoruralouervateiras.
253 Figura4:MapeamentolocalizandoaáreaterritorialcontestadadosestadosdeSCePR
Fonte:Fraga(2010,p.43,combaseemQueiroz,1981)
NaTabela1,estãolistadososmunicípiosdosEstadosdeSantaCatarina
e Paraná, na qual podemos ter uma primeira ideia sobre a distribuição
territorial da erva‐mate. Os dados, apesar da sua fragilidade estatística,
mostram que a erva‐mate tem uma concentração significativa nos
municípiossituadosnoPlanaltoNorteCatarinense,dooestedecatarinense
esuasproximidades,alémdocentro‐suleoestedoParaná.
Se projetarmos essas informações no mapa dos estados de Santa
Catarina e Paraná, temos uma distribuição, com áreas de concentração e
outrasmaisdispersasnoterritório.VernaFigura5.
254 Tabela1‐Distribuiçãodomaiorvolumedeproduçãodeerva‐matenosestadosdeSCePR
periodo 1990 a 2012
periodo 1990 a 2012
Santa Ctarina
Paraná
Municípios
Total (ton)
Municípios
Canoinhas - SC
São Mateus do Sul - PR
201.987,667
Mafra - SC
Cruz Machado - PR
101.557,000
Itaiópolis - SC
Bituruna - PR
101.467,667
Irineópolis - SC
Paula Freitas - PR
79.489,333
Abelardo Luz - SC
Pinhão - PR
78.795,000
Xaxim - SC
Inácio Martins - PR
77.646,333
Chapecó - SC
General Carneiro - PR
75.311,667
Ponte Serrada - SC
Guarapuava - PR
60.706,000
Major Vieira - SC
Prudentópolis - PR
51.290,333
Bela Vista do Toldo - SC
Palmas - PR
50.569,333
Concórdia - SC
Pitanga - PR
47.317,333
Xanxerê - SC
Coronel Domingos Soares - PR
46.328,667
Caçador - SC
Turvo - PR
40.585,333
Guatambú - SC
Mallet - PR
37.384,000
Porto União - SC
Santa Maria do Oeste - PR
32.560,000
Papanduva - SC
Paulo Frontin - PR
31.018,000
Monte Castelo - SC
Porto Vitória - PR
29.777,000
Vargeão - SC
São João do Triunfo - PR
26.217,333
Campo Alegre - SC
Fernandes Pinheiro - PR
25.265,333
Timbó Grande - SC
Imbituva - PR
22.278,000
Três Barras - SC
Mangueirinha - PR
20.437,333
Rio Negrinho - SC
União da Vitória - PR
20.012,000
Total (ton)
422.929,000
342.406,333
233.867,333
224.680,000
179.936,000
169.984,000
163.151,667
132.604,667
109.628,333
95.610,333
90.637,667
79.950,000
78.321,000
72.135,000
58.791,667
53.904,667
48.276,667
46.484,333
39.898,667
37.127,000
34.707,333
33.953,000
Fonte:IBGE‐Somatórioemtoneladasdaerva‐mateemfolhaverdeecancheadanoperíodo
OutroaspectoaconsideraréqueoTerritóriodoContestado,comoárea
referidaparaconstituiraIGdaerva‐mate,fazpartedeumrecorteterritorial
maior,queatingepartedoBrasileoutrospaísessul‐americanos.Noentanto,
aerva‐matedorecorteterritorialemreferênciatemumdiferencial:trata‐se
damaioremaiscontíguaáreadeerva‐matesombreadadomundo.Éoque
apontam estudos recentes (MARQUES et al., 2012/2014; MARQUES, 2014;
CHAIMSOHNetal.,2014).Vejamosalocalizaçãodasáreasdeincidênciade
erva‐mate na Figura 6. Uma explicação sobre a Figura 6: toda a área
marcada pela coloração mais escura é onde há a ocorrência de erva‐mate.
Vejam que na sua maior parte coincide com a área original ocupada por
índiosdanaçãoTupi‐Gurarani.Esseéumregistroparanoslembrardequeo
hábitodousodaerva‐matefoipornósherdadodosindígenas.
Oquedenominamosde"erva‐matenativaousombreada"seapresenta
na natureza de formas variadas, conforme demonstrado na Figura 7, uma
referênciaàsáreascomapresençadeerva‐mate,emassociaçãocomoutras
espéciesvegetais.Apaisagemconstituiascaívas,umadenominaçãoregional
para se referir aos remanescentes de áreas florestais manejadas, com a
associação de espécies vegetais, dentre as quais a erva‐mate. Nas áreas de
caívasmaisabertas,emgeral,háaassociaçãocomacriaçãoanimais.
255 igura6‐Áreasdelocalizaçãonaturaldaerva‐matenohemisfériosul
Fonte:www.google.com.br
Figura7‐Formasemqueseapresentaaerva‐matenativaousombreadananatureza
Fonte:Marques(2014)
256 Por fim, é importante salientarmos que a erva‐mate do território do
Contestado faz parte de um conjunto maior de produtos que apresentam
especificidade territorial, espalhados por todo o Estado de Santa Catarina.
Nocapítulo8,jáfoifeitaumadescriçãoelocalizaçãodosprincipaisprodutos
regionais que apresentam potencialidades para se transformarem
futuramenteemumaIG.Nãosãoosúnicos.Comcerteza,aestesénecessário
agregaroutros.Alémdosprodutos,temosaáreadeserviços.Nessesentido,
poderiam ser mencionadas, por exemplo, áreas turísticas tradicionais, tais
como as regiões de águas termais. Todos os potenciais, no entanto, ainda
carecem de estudos mais aprofundados para que se defina o caráter e a
forma de destacar cada uma das especificidades territoriais apontadas,
como ferramenta para articulação do desenvolvimento dos territórios da
áreadeabrangência.
3.ASPECTOSPRÁTICOSRELACIONADOSÀSNORMATIVASPARAOREGISTRO
DEUMAIG
Situado teoricamente o tema Indicação Geográfica e contextualizada a
realidadesobreaqualestásendoapresentadaumanovaexperiênciadeIG,
nos propomos, na sequência, mencionar os principais aspectos exigidos
pelas normativas que se referem ao registro, fazendo inferências sobre a
prática, tomando como referência, o caso da erva‐mate no Território do
Contestado.
Faremosreferênciaaosprincipaisaspectosqueresultamdasexigências
legaisdoórgãoresponsávelpeloregistrodeumaIG,oInstitutoNacionalde
PropriedadeIndustrial(INPI),fazendoindicativasemrelaçãoàsituaçãoda
erva‐mate. Tais aspectos são: (a) o requerente da IG junto ao INPI; (b) o
nome geográfico da IG; (c) o produto ou serviço a ser registrado; (d) a
espéciedeIG;(e)adelimitaçãodaáreaaserabrangidapelaIG.
3.1AQUEMCABEREQUERERUMAIG?
ObservandoasIndicaçõesGeográficasregistradasatualmentenoBrasil
peloINPI,temosdistintassituações.Quantoaorequerente,sempresetrata
de um agente coletivo, por exemplo, na forma de associação, cooperativa,
consórcio ou sindicato. O registro de uma IG é feito junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), mediante um instrumento
processualquesolicitaoreconhecimento.
Em quase todos os casos de IG, o registro é solicitado por uma
associação de produtores. São exemplos: associação dos produtores vinho,
carne,panelasdebarroecafé.Hácasosemqueoregistroérequeridopor
umaassociaçãodeprodutoreseamigosdeumproduto.Exemplo:associação
dos produtores e amigos da cachaça. Quando a IG se refere a um produto,
257 cuja área de abrangência é extensa, há duas situações: conselhos de
associações de produtores; união das associações e cooperativas de
produtores. Há casos em que a IG é requerida por uma associação de
indústrias, em especial, quando se trata de um produto industrializado,
como o exemplo do couro, produto resultante do processo de
industrialização,nocaso,dematadourosoufrigoríficos.Émenosrecorrente
que o registro de IG tenha sido requerido por cooperativas de produção,
consórciosousindicatosdeprodutoresoudeindústrias.
No caso da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense e Centro‐Sul do
Paraná, temos dois atores principais envolvidos. Em primeiro lugar e em
maior número, os produtores, na sua maioria de pequeno porte; em
segundo, vem o setor industrial e comercial. O setor empresarial,
atualmente, está organizado, nos estados produtores, pelo Sindicato da
IndústriadoMate,tantoemSantaCatarinacomonoParanáeRioGrandedo
Sul, estados brasileiros que concentram a produção e industrialização da
erva‐mate no Brasil. Quanto aos produtores, os mesmos se agregam em
sindicatos de trabalhadores rurais. No entanto, não há no momento
associaçõesdepequenosprodutores,emespecíficodaerva‐mate.
Portanto,nocasodaIGdaerva‐mate,poderãosercaracterizadasduas
situações. O registro poderá ser requerido por um ou mais sindicatos da
indústria do mate. No entanto, há aspectos favoráveis e desfavoráveis. O
favorável refere‐se ao fato de que se trata de estruturas organizacionais já
existentes.Porém,osaspectosdesfavoráveisparecemseremmaiornúmero.
Primeiro,éumarepresentaçãodeapenasumsegmentodacadeiaprodutiva,
o comercial e industrial. Segundo, o setor, apesar de sua importância
econômica,articulaumaparcelamuitopequenadosetorprodutivodaerva‐
mate, considerando‐se o grande número de produtores rurais que têm a
erva‐matecomoumaatividadeeconômicaprioritáriaoucomplementar.
Ouseja,nocasodapropostadeIGdaerva‐mate,umadasevidênciasé
que o setor produtivo, que abrange a maior parte dos atores da cadeia
produtiva,precisaseorganizaremumaoumaisassociaçãooucooperativa
deprodutores.Essaéumaexigênciacomduplosentido.Primeiro,éaúnica
formadeumdoselosdacadeiaprodutivafazerrepresentarseusinteresses
frente ao sindicato da indústria, segmento já organizado. Segundo, o setor
produtivo agrícola precisará necessariamente ter representação e esta não
deveserminoritária,sejanonúmerodecomponentesou,mesmo,nopoder
dedecisão.Arazãoésimples:sãoamaioriae,porquenãodizer,aprincipal
razão de ser, ao se pensar no registro de uma IG como ferramenta para
agregaçãodevaloremtodosossegmentosdacadeiaprodutiva.
3.2NOMEGEOGRÁFICOPARAAIG
VerificandoosregistrosatuaisdeIGnoINPI,observamosqueexistem,
258 nomínimo,quatrosituações.Aprimeiraemaiscomuméarelaçãodonome
geográficocomadelimitaçãodaáreadeabrangência.Temos,então,nomes
deummunicípio,aexemplodocasodeParaty,comaIGdaCachaçaParaty.
Outra situação é associar o nome geográfico fazendo menção a uma
referênciadelocalizaçãoregional,aexemplodaRegiãodoCerradoMineiro,
comaIGdoCafédeCerrado.Aterceirasituaçãoéassociarumareferência
de localização com um produto, a exemplo do Vale do Própolis Verde de
Minas Gerais, para uma DO de própolis recentemente registrada11. Uma
quarta situação é definir o nome geográfico associando localização
geográfica com algum fator de ordem cultural ou histórica. Ex.: Norte
Pioneiro do Paraná, onde está presente a dimensão geográfica ‐ Norte do
Paraná ‐, com um fator histórico, ao referir‐se a uma região caracterizada
pelopioneirismonocultivodocafé.
Retomemosaocasodaerva‐mate.Mesmoqueadiscussãoaindaesteja
noseuestágiopreliminar,dassugestõesmaisreferidas,duassedestacam.A
primeira é o nome geográfico fazer referência à área territorial onde se
concentra a maior produção. Nesse caso, referências feitas são: Planalto
NorteCatarinenseeCentroSuldoParaná;ouValedosriosNegroeIguaçu.
Essas duas referências requerem ser analisadas no espaço, considerando a
necessidadedeinstitucionalizararegionalizaçãoedelimitaçãodaárea.
A análise preliminar da realidade socioeconômica e histórico‐cultural
do Contestado parece indicar que o mais adequado é associar o nome
geográfico da IG da erva‐mate, com fatores de ordem histórica e cultural,
além dos de localização. Ou seja, o termo Contestado remete a uma
referência de ordem histórico‐cultual e identitária, fazendo referência à
históriadeumpovoque,graçasaosseusvaloresculturais,rebelou‐secontra
aformadeocupaçãoterritorial,alémdeteraerva‐matecomohábitoemeio
desobrevivência.Refere‐se,também,aosaspectos delocalização,poisestá
institucionalizadapeloEstadodeSantaCatarinaaregiãoturísticadoValedo
Contesta.Éclaroqueonomevale,nãoéadequadosobopontodevistada
geografia, pois o recorte territorial é constituído predominantemente de
áreas de planalto, o que implica que essa questão seja revista, alterando a
legislação que a institucionalizou. Outro aspecto é o fato de que, caso se
pretenda abranger toda a área de produção da erva‐mate dos estados de
Santa Catarina e Paraná, a regionalização do Vale do Contestado não
contemplaorecorteterritorialparanaense,comosomentepartedaáreade
cultivodeerva‐matedeSC.
Ou seja, há desafios a serem pensados antes de se definir o nome
geográfico.Sãoalgunsexemplos.QualaáreaaserdefinidaparaaIG?Qualo
tipodeIG?CasoseopteporumaIGtipoDO,quaiscaracterísticasespecíficas
serão destacadas? Dependendo das opções de respostas, poderá se optar
11
No caso referido, o diferencial do produto é ter coloração predominantemente verde, em
função do tipo de vegetação na qual as abelhas buscam a matéria prima.
259 entre uma das diferentes possibilidades, dentre as quais, apresentamos
sugestões: Território Ervateiro do Contestado; Erva‐Mate Florestal do
Contestado; Território da erva‐mate nativa do Contestado. Mesmo estes
exemplos requerem análises e tomada de posição no que se refere à
oficialização da regionalização, visto que o que temos é apenas o chamado
ValedoContestado,comoregiãoturística.
3.3PRODUTOOUSERVIÇOASERREGISTRADO
Quantoaoprodutoaserregistrado,nocasoemreferência,seráaerva‐
mate, nas suas diferentes formas de utilização, tais como: erva‐mate para
chimarrão; chás a base da erva‐mate; erva‐mate para sucos, refrigerantes,
energéticos ou outras bebidas; erva‐mate para uso culinário, farmacêutico,
cosméticoenaindústriaquímicaemgeral.
3.4AESPÉCIEDEIG
Neste quesito, dependendo do tipo de encaminhamento, poderemos
tornaraerva‐mate,pormeiodoprocessoderegistrodaIG,umprodutocom
maisespecificidadeenotoriedade,dependendodaespéciederegistro,como
IP,ouDO.
Essa é uma questão da maior importância. Temos a possibilidade de
apenasregistrarumprodutopelasuanotoriedadehistóricaeterritorial,na
espéciedeumaIP.OutrapossibilidadeéregistrarmosumaDO.Trata‐sede
registrarmos um produto, ao mesmo tempo, com notoriedade e
especificidade.AsegundaopçãorestringiriaaatribuiçãodoselodaIGparaa
erva‐mate,daáreaaserdefinida,quetenhacaracterísticasespecíficas.
12
Considerando estudos já realizados , os quais precisariam ser
aprofundados, cerca de 70% a 80% da erva‐mate das regiões do Planalto
Norte Catarinense e Centro‐Sul do Paraná, o que corresponde ao que
chamamosdeTerritóriodoContestado,temduascaracterísticasespeciais:é
cultivada na forma nativa ou sombreada e sem uso de agrotóxicos.
Poderíamos acrescentar uma terceira: predominam nos ervais de espécies
nativasdaregião.Claroqueestaúltimacaracterísticaexigirámaisestudos,
demédioelongoprazo.
Aassociaçãodessascaracterísticaspoderáseconstituirnoindicativoda
possibilidade de se realizar o registro da erva‐mate regional na forma de
umaDO.Apesardepareceralgorestritivo,nãodeixariadetrazerreflexosde
notoriedade à erva‐mate produzida na área definida, tanto a que poderia
obter o selo de IG como o restante da produção. Uma questão deve ser
considerada: quanto maior a diferenciação do produto a ser registrado,
maior será a valorização pelo mercado, do que resultarão, por extensão,
maioresganhosemtodaacadeiaprodutivadaerva‐mate.
12
Um deles já mencionado: Marques (2014).
260 3.5DELIMITAÇÃODAÁREAASERABRANGIDAPELAIG
Damesmaformaquenosaspectosanteriormentereferidos,observando
os registros de IG no Brasil, percebem‐se diferentes situações. Há IG
registrada, tendo como área de delimitação uma parte de um ou mais
municípios. Outras demarcações correspondem às regionalizações já
existentes,aexemplodaRegiãodoJalapãonoEstadodeTocantins,nocaso
da IG de artesanato de capim dourado. No entanto, é mais comum a
demarcação geográfica pelas coordenadas geográficas, de forma exclusiva,
ouassociadaàsformasanteriormentemencionadas.
No caso da IG da erva‐mate, a demarcação da área de abrangência
dependerá,emparte,donomegeográficoedotipodeIGescolhida,IPouDO.
Ouseja,deverácorresponder,aomesmotempo,aoterritóriodeabrangência
dosfatoshistóricosrelacionadoscomaQuestãodoContestado,associadoà
área de maior domínio da erva‐mate. Pelo que conhecemos, há uma
correspondência muito próxima, entre fatos históricos e área de domínio.
Nessecaso,restariadefinirorecorteterritorialquemelhorcorrespondesse
aosdoisfatoresmencionados,sejaporcoordenadasgeográficas,ouporárea
deabrangênciadeumconjuntodemunicípios,sejamelesdeSantaCatarina
oudoParaná.
4.ANÁLISESEPROJEÇÕESSOBREAIGDAERVA‐MATENOCONTESTADO
Mesmo que a forma com a qual fazemos essas análises e projeções
possaserconsideradaumpoucoanárquica,considerandooqueéusualnum
artigo científico, ousamos em apontar indicativos para reflexão e, se
possível,orientaçãodasaçõesemrelaçãoàproposiçãodaIGdaerva‐mate
noTerritóriodoContestado.Ofazemossempedantismoedeformaquenão
represente uma opinião isolada, nem temos a pretensão de representar a
verdade única. Tivemos, sim, o cuidado científico de sustentar nossas
proposições em estudos nacionais e internacionais já realizados sobre o
temaemreferência.
Vários são estudos realizados sobre as potencialidades para a IG da
erva‐materegional,nosquaisnossustentamos,aexemplodedissertaçõese
teses de doutorado, tais como, de Souza (1998) e Marques (2014). Na
mesmalinha,fazemosreferênciaainvestigaçõesqueforamrealizadasdesde
2010 no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado, destacando: (a) o Projeto de Pesquisa
Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento (financiado pela
FAPESC),queestudouexperiênciasdeIGbrasileiras,comaparticipaçãode
mais de uma dezena de pesquisadores das principais universidades
catarinenses, parte dos resultados registrados em publicações recentes
261 (DALLABRIDA et al., 2014; MAIORSKI e DALLABRIDA, 2014; SANDER e
DALLABRIDA, 2014; PETRENTCHUK, MARCHESAN e DALLABRIDA, 2014);
(b) estudos de pós‐doutorado realizados em 2013 no Instituto de Ciências
SociaisdaUniversidadedeLisboa,abrangendoexperiênciasdeIGdoBrasil
e de Portugal (DALLABRIDA, 2014a); (3) estudos realizadas em cinco
experiênciasbrasileiras,cincodePortugaleduasdaEspanha,entre2013e
2014, que resultaram já em publicações nacionais e internacionais, tais
como,Dallabrida(2013;2014b/c)eDallabridaeFerrão(2014).
Ainda, durante os meses de julho e agosto de 2014, foram realizados
estudosdeinvestigaçãopeloProf.Dr.JulioPlazaTabasco,daUniversidade
deLaMancha(Espanha),emsuaatuaçãonaUniversidadedoContestadoe
outras três de Santa Catarina, como Pesquisador Visitante, projeto
financiado pelo CNPq que teve como tema de estudo a "Erva‐mate como
alternativa de desenvolvimento territorial", contextualizando‐a no estudo
sobre as formas de usos de solo e seus impactos no desenvolvimento
regional. No mesmo período, em evento promovido pelo Programa de
Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado,
juntamente com a EPAGRI de Canoinhas, intitulado III Workshop sobre
DesenvolvimentoRegionalnoTerritóriodoContestadoeIISeminárioSistemas
de Produção Tradicionais e Agroflorestais no Centro‐Sul do Paraná e Norte
Catarinense, foram apresentadas por palestrantes brasileiros, portugueses,
espanhóis argentinos, experiências brasileiras e internacionais, cujas
principaisconclusõesforamcondensadasemdocumentodisponibilizadoàs
13
instituições, lideranças e comunidade regional . Boa parte das conclusões
contidasnodocumentocoincidecomosindicativosaquipropostos.
Como já fizemos referência na introdução, há contribuições de um
conjunto significativo de pesquisadores brasileiros e de outros países, que
realizaram investigações e publicaram livros e artigos científicos, tratando
do tema, com análises de experiências brasileiras e europeias. Com base
nisso, acreditamos que é possível afirmar que temos uma base teórica e
prática que pode servir de referencial para propormos indicativos, com o
fimdeorientaroprocessodediscussãoeproposiçãodaIGemreferência.
Em síntese, tais estudos, somando‐se aos debates já realizados
regionalmente, apontam, no mínimo, seis questões referenciais, conforme
enumeradasadiante.
1. Todas as ações voltadas à proposição de uma IG precisam estar
referenciadas no envolvimento social, ou seja, fazer com os atores
territoriais e não para eles, o que implica no envolvimento de forma
13
Trata-se do Documento Estratégico sobre Desenvolvimento Regional no Território do
Contestado, o qual pode ser disponibilizado aos interessados, pelos autores.
262 igualitária de todos os segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate
(pequenosegrandesprodutoresruraiserepresentantesdosetorsindicala
que pertencem; setor industrial, setores públicos municipais, estaduais e
federais relacionados ao setor agrícola...), além dos pesquisadores que
investigamotema.
2. A atividade produtiva da erva‐mate precisa ser considerada na
dimensão do que podemos denominar uma agricultura multifuncional a
serviço do desenvolvimento sustentável (RÉMI, 2010), na forma de sistemas
agroalimentares localizados (SIAL) (REQUIER‐DESJARDINS, 2010), ou
sistemasprodutivoslocaisagroecológicos(VIEIRAetal.,2010),oqueimplica
em que a avaliação de sua importância como fator impulsionador do
desenvolvimentoprecisalevaremcontanãosóosresultadoseconômicosda
atividade de produção e industrialização, mas sua contribuição na
preservação ambiental, na manutenção do agricultor familiar na sua
propriedade rural e na possibilidade de gerar alternativas futuras de
desenvolvimento, por exemplo, a valorização do patrimônio cultural e
ambiental ou o turismo rural, oportunizando com isso outras formas de
rendimento aos produtores rurais, sustentáveis econômica e
ambientalmente.
3. Da mesma forma que em outras atividades econômicas, no caso da
erva‐mate,éindispensávelmanterofococentralnaagregaçãodevaloraos
produtos,afimdesuperaratradiçãoextrativistapredatóriaeexportadora
de commodities de baixo valor agregado, historicamente presente no
TerritóriodoContestado,oqueimplica:
a‐ Apoiar pesquisas em realização e incentivar novos estudos, com o
intuito de ampliar o desenvolvimento de novos produtos e subprodutos
oriundos da erva‐mate, tais como, bebidas, refrigerantes, sucos e outros,
tarefaresponsabilidadedosórgãosde pesquisa,as universidadesedemais
órgãosregionais;
b‐Departedosetorempresarial,terofoconainovaçãoindustrial,com
lançamentodenovosprodutos,priorizaçãodaqualidade,alémdeampliaro
processamento regional dos mesmos, evitando a comercialização ou
exportaçãodaerva‐mate,comomatériaprimasemiprocessada.
4.Estudos,comoosdeMarques(2014),demonstramqueemtornode
80% da erva‐mate produzida nas áreas produtoras de Santa Catarina e
Paraná provém de ervais nativos, ou o que também chamamos de "erva‐
mate sombreada". Além disso, a maior parte dessa produção não utiliza
agroquímicosnoprocessoprodutivo,oquereforçaoindicativodequeseja
adotadocomonormaparaaIndicaçãoGeográficadaerva‐materegional,na
forma de Denominação de Origem, duas exigências, tais sejam, ser
exclusivamente erva‐mate nativa ou sombreada e cultivada de forma
agroecológica,transformando‐seestenoprincipaldiferencialdoprodutoem
263 relação às outras regiões produtoras, consequentemente, atribuindo‐lhe
maior notoriedade e valorização no mercado de consumo nacional e
internacional. A este diferencial, outros podem ser acrescidos, mediante
comprovação.
5. Realizar um inventário definindo e mapeando as áreas com
predominância de localização da erva‐mate sombreada, nos estados de
Santa Catarina e Paraná, caso essa característica seja assumida como
diferencial.
6. Que sejam aprofundados estudos em relação ao melhoramento
genético da erva‐mate, priorizando espécies nativas, originalmente
encontradasnaMataAtlânticadaregião,comoque,nofuturopróximo,se
possa inserir mais este diferencial nas características a serem atribuídas a
erva‐matequeviráutilizaroselodeIG.
Porfim,algumasreflexõesnosentidodequecompreendamosmelhora
acepção dos conceitos que são propostos aqui para orientar a prática do
desenvolvimentoterritorial.
Primeiro, quando concebemos território como uma construção social
resultantederelaçõesdepoder,precisamosdiferenciardoquepoderiaser
14
entendido como o ressurgir do "mandonismo local" , ou do sistema de
patronagem.Aocontrário,aconcepçãodeterritóriocomoconstruçãosocial,
no caso do chamado Território do Contestado, implica em rever e, se
possível,superarconcepçõesdeliderançacentralizadoras,paraumaprática
democrática.Implica,também,emrenegartentativassutisdeesquecimento
da história e identidade dos povos derrotados, representada por certo
desleixo para com o patrimônio histórico e cultural do Contestado, a
exemplodoabandonoouatençãoinsuficienteàsigrejasegrutas,aospontos
históricoscomoocasodacidadedeIrani,oupeloesquecimentodaculinária
edaartedopassado,alémdeoutrosexemplosnegativos.
Implica em resgatar e reconstruir valores e tradições do passado.
Relembramos apenas três destes valores tão presentes no povo do
Contestadodopassado:acooperação,aaçãocoletivaeaindignação,esta,no
sentido de não aceitação passiva de imposições, sejam elas de qualquer
origemouespécie.Adefiniçãodeumaestruturaorganizacionalparagerira
IG da erva‐mate, exigirá, além da prática democrática, muita cooperação,
capacidade de ação coletiva e, por vezes, posicionamentos de indignação,
14
Conceito proposto por autores clássicos, tais como Oliveira Viana e Maria Isaura Queiroz,
para se referirem às relações de subordinação de senhores sobre escravos, ou, mais tarde, dos
coronéis, representados por grandes latifundiários, sobre as populações locais a eles
subordinadas. Hoje, poderíamos comparar com posturas ainda presentes em algumas regiões,
que se revelam no que chamamos de "votos de cabresto", ou formas correlatas de liderar
antidemocraticamente.
264 renegando práticas invasivas, individualistas e que não privilegiem os
interessescoletivos.Ouseja,oprocessoderegistrodaIGserencaradocomo
umprojetocoletivo,queincluaosdiferentessujeitosdoterritório.
Uma segunda categoria conceitual referida é a identidade territorial,
entendida como elemento diferenciador de um determinado agrupamento
populacional.Conformejáreferido,aidentidadeterritorial,aoreafirmaras
normas e valores éticos e comportamentais, contribui para melhorar a
transferência do saber entre as gerações. Além disso, os sentimentos
identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores
paisagísticos e culturais do território. Assim, o desenvolvimento territorial
sesustentanacapacidadedacomunidadelocaldevalorizaçãodoterritório,
em particular, os recursos que constituem elementos de diferenciação. É o
quepareceserograndedesafioparaoTerritóriodoContestado,conforme
apontamestudosanteriormentereferenciados.
Outra questão é a concepção de ancoragem territorial. Uma
determinada atividade econômica estar ancorada territorialmente
representa estar enraizada no território. Implica em inverter a lógica
histórica que ocorre em muitas regiões, e também no Território do
Contestado,queatendeunicamenteadimensãodeapropriaçãodosrecursos
dosterritórios.EmpresaseprodutoresruraisprecisamterclaroqueaIGda
erva‐mate terá maiores contribuições ao desenvolvimento territorial, na
medidaemquecontribuaparaaumentaracirculaçãoderendaregional,que
hajacomprometimento,porexemplo,comapreservaçãoambiental,pois,no
caso da erva‐mate, esse é o principal recurso disponível para geração de
empregoerenda.
Tanto a acepção de território, identidade e ancoragem territorial,
remeteànoçãodecapitalterritorial,comooconjuntodosrecursoseativos
de um determinado território. Trata‐se de enfrentar o desafio de ativar e
revalorizarocapitalterritorial,convertendoaquelesprodutosgenéricosem
específicos, resultando numa das mais importantes estratégias de
desenvolvimentoterritorial(BENKOEPECQUEUR,2001;PECQUEUR,2006).
Ouseja,éindispensáveldedicarumaatençãoespecialaoreconhecimentoe
valorização das características de especificidade territorial que possui a
erva‐mate do Território do Contestado. Se não for dedicada a atenção
necessáriaaessadimensão,nomáximo,estaremosdandoumpoucomaisde
notoriedade ao produto erva‐mate e continuaremos competindo no
mercadonacionaleinternacional,vendendomaisumcommodity.
Sintetizando, a possibilidade de articulação do desenvolvimento
territorialpormeiodeestratégiastaiscomooreconhecimentoevalorização
das características de especificidade territorial, a exemplo da Indicação
Geográfica, representa associar articuladamente as pessoas, o produto e o
território,comoestárepresentadonaFigura8.
265 Figura8‐Interaçãoentrepessoas,oprodutoeoterritório
Fonte:AdaptadodeVandecandelaere(2011,p.11)
Restaria uma última interrogação: qual o significado do indicativo que
consta na Figura 8 sobre o processo coletivo de criação de valor? A
referênciatemrelaçãocomofatodequediferentesatorespodemparticipar
noprocessodecriaçãodevalor,desdeasautoridadespúblicas,osórgãosde
investigação e extensão, as organizações não governamentais e os setores
empresariais do território. Ou seja, o envolvimento articulado de toda a
cadeiaprodutiva,quenessecasopassaaseconstituircomocadeiadevalor,
(os produtores, os processadores, os distribuidores e os consumidores,
tantolocaiscomoextralocais).
Essas referências são de extrema importância no processo de
institucionalizaçãodeumaIGnumdeterminadoterritório.
CONSIDERAÇÕESFINAIS
Para finalizar, assinalamos como um dos principais desafios a serem
enfrentados,ofatodequenoTerritóriodoContestadonãosetemrealizado
um estudo que identifique com profundidade os ativos e recursos
territoriaisquepossamapoiarumplanejamentoterritorial,integradamente
à estratégia da Indicação Geográfica da erva‐mate. Ou seja, referimo‐nos à
tarefadeinventariarecaracterizaroscomponentesdocapitalterritorialdo
Território do Contestado. Fazemos referência a um esforço no sentido da
identificação e caracterização de suas paisagens, o patrimônio histórico,
artístico,culturalearquitetônico,asatividadeseconômicaspotenciais,como
exemplo, o turismo. Paralelamente, se apresenta a necessidade de
266 pensarmos na estruturação de centros de investigação, além de atividades
deapoioquepossamcontribuirnaarticulaçãodacadeiaprodutivadaerva‐
mate, na perspectiva de sua reestruturação, com destaque na inovação e
desenvolvimentodenovosprodutos.
Um segundo desafio é a necessidade de organização dos produtores
rurais que tem a erva‐mate como uma atividade prioritária ou
complementar se organizarem, de preferência, em microrregiões, seja na
forma de associação ou cooperativas de produtores. Justificando a
proposição, a projeção é de que a IG da erva‐mate venha abranger uma
grandeáreageográfica,inclusiveatingindomaisdeumestadobrasileiro,no
caso,SantaCatarinaeParaná.
Considerando que, nessa prospecção, teríamos um sindicato da
indústria e uma ou mais estruturas organizacionais dos produtores, seria
prudente que se imagine uma estrutura organizacional, integrando os
diferentes segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate. Ressalta‐se esse
indicativo, considerando‐se que a reestruturação da cadeia produtiva da
erva‐mate poderá gerar outras iniciativas produtivas, a exemplo de rotas
turísticas de caráter histórico, cultural e ambiental, o que poderá
oportunizar o surgimento de outras iniciativas empresariais, tais como,
pousadas ou hotéis, restaurantes, empresas de transporte ou turismo,
museuseocomérciodeprodutosalimentaresouartesanatotípicoregional.
Ouseja,aestruturaorganizacionalmaisrecomendávelseriaaprevistasoba
formadeUniãodasAssociaçõesdeEmpreendedoresnoSetorErvateiro,ou
Consórcio do Setor Ervateiro, ou algo assemelhado. O título poderá ser
acrescidodonomegeográficoaserdefinidoparaaIG.
Em relação ao nome geográfico da IG da erva‐mate pela associação de
um produto com destaque no Território do Contestado, incluindo áreas de
Santa Catarina e Paraná, lembramos uma questão adicional: trata‐se
certamentedamaioráreadeerva‐matedomundocontíguaoupróxima,com
predominância quase absoluta da forma de cultivo nativo ou sombreado,
incluindo formas de plantio natural, ou por processos de manejo florestal,
poradensamentoemáreasderemanescentesdaMataAtlântica.Alémdisso,
predominaocultivoagroecológico.
A questão ecológica é um dos aspectos de maior importância a ser
consideradoparaodesenvolvimentoterritorial.Éumdebateaserassumido
com discernimento, superando interesses individualistas ou imediatistas,
sejadosetorprodutivo,comercialouindustrial.Éimportanteressaltarque
produzir agroecologicamente é conceber a produção agrícola como um
sistemavivo ecomplexo,integradona naturezaemantendoadiversidade,
noqualaespéciehumanaseinserenãocomopredadora,mascomoumdos
elementos integrantes e promotora da preservação das demais espécies. O
principalbônusdeproduziremsistemasdeproduçãoagroecológicoséque,
267 além de produzir alimentos mais saudáveis, os mesmos tendem a ser cada
vez mais valorizados pelo mercado, além de, no caso da erva‐mate, servir
comoumdiferencialqualificado.
Estudospreliminaresapontamqueaerva‐matenativaousombreadae
cultivada de forma agroecológica apresenta um sabor mais suave, com
melhor aceitação no mercado brasileiro e uruguaio (LOPES, 2011;
MARQUES et al., 2012), além de que os manejos tradicionais da erva‐mate
junto a ervais florestais, pela maior valorização no mercado, compensaria
uma possível menor produtividade (MARQUES et al., 2014). Tais estudos
precisamseraprofundados.
Já autores como Chaimsohn et al. (2014), apontam que a erva‐mate
cultivadadeumaformatradicional,ouagroecologicamente,trazvantagens
significativas.
Configura‐se como atividade fortemente ligada às tradições e à história das
famílias, além de ser um trabalho prazeroso para os agricultores. Contribui
para a conservação dos remanescentes florestais e de espécies arbóreas
ameaçadasdeextensão,aumentaaconectividadeentrefragmentosflorestais,
gera diversos serviços ecossistêmicos e permite uma multiplicidade de usos
noservaisflorestais(CHAIMSOHNetal.,2014,p.49).
É importante salientar que o processo de preservação e reconstrução destes
sistemas contribui para a permanência da biodiversidade da floresta de
araucáriaedeseusvalorespaisagísticos,ecológicoseambientais(incluindoa
conservação do solo e água), além de culturais e históricos, que podem
estimular o turismo rural e ecológico, por exemplo, colaborando para o
desenvolvimentoterritorial.
Em síntese, os sistemas tradicionais de erva mate, se valorizados,
"reinventados" e reconstruídos, podem ter impactos importantes no
desenvolvimento territorial das regiões Centro‐Sul do Paraná e Norte
Catarinense,tantodopontodevistaeconômico,comoambiental,paisagístico,
socialecultural(CHAIMSOHNetal.,2014,p.53).
Por fim, além da questão ecológica, acreditamos que no processo de
valorizaçãodaerva‐matepormeiodaIG,sefaznecessárioassumirodesafio
de pensar ações de desenvolvimento territorial na perspectiva da
pluriatividade, associando inovação, viabilidade econômica, equilíbrio e
conservação socioambiental. São exigências para dimensionar
adequadamente uma estratégia de desenvolvimento territorial integrada
paraoTerritóriodoContestado.
São essas as reflexões e projeções que consideramos imprescindíveis,
tantonosentidodecontextualizarteoricamenteodebatesobreIGquantoao
se referir aos aspectos práticos relacionados às normativas para seu
registro,tomandocomoreferênciaaexperiênciaemcursodeestruturação
daIGdaerva‐matenoTerritóriodoContestado.Comoassumimosodesafio
268 de ser tanto críticos como propositivos, estamos abertos a admitir
posicionamentos contrários, no entanto, comprometendo‐nos com o
aprofundamentododebatesobreatemáticaaquiapresentada.
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272 CAPÍTULO13
INDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOPOLÍITICAS
PÚBLICASDEDESENVOLVIMENTOTERRITORIAL
RURAL‐OCASODOSVALESDAUVAGOETHE1
AdrianaCarvalhoPintoVieira‐UNESC
ValdinhoPellin‐FURB
1.INTRODUÇÃO
Nosúltimosanos,asindicaçõesgeográficas(IG’s)têmsidoconsideradas
possíveisestratégiasdedesenvolvimentoe/oufortalecimentoeconômicode
regiões,comsuacapacidadedevalorizarosrecursosterritoriaiseestimular
osurgimentodenovosnichosdemercado.Podemserpensadascomouma
ferramentadeocupaçãoharmoniosadoespaçoculturalprodutivo,aliandoa
valorização de um produto típico e seus aspectos históricos e culturais à
conservaçãodabiodiversidadeeodesenvolvimentorural.
Trata‐se de uma importante estratégia para a indução de
desenvolvimentoterritorialrural,bemcomodeestímuloaosatoressociais
para promover “processos de qualificação”. Ensejam um novo modelo de
produção e consumo alimentar, revalorização de tradições, costumes, o
saberfazereoutrosbensimateriaisassociadosaumaidentidadeterritorial
eorigemgeográficaespecífica(NIEDERLE,2013).
Conforme Cerdan (2013), a proteção e a promoção das IG’s são
justificadas pelos seus impactos no desenvolvimento territorial. A autora
apontaquediversospaísesevidenciamequalificamosprincipaisbenefícios,
tais como observados na Europa. Estes benefícios são: a geração de
satisfação para o produtor, que vê seus produtos comercializados no
mercado,valorizandooterritórioeoconhecimentolocal;facilitaapresença
deprodutostípicosnomercado;contribuiparapreservaradiversificaçãoda
produção agrícola, as particularidades e a personalidade do produto;
aumenta o valor agregado dos produtos; estimula a qualidade, já que os
produtos são submetidos a controle de produção e elaboração; permite ao
consumidoridentificarperfeitamenteoprodutonosmétodosdeprodução,
fabricação e elaboração dos produtos; melhora e torna mais estável a
demandadoproduto;geraganhosdeconfiançajuntoaoconsumidorquanto
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal.
273 àautenticidadedosprodutos,pelaaçãodosConselhosReguladores;facilita
o marketing; promove os produtos típicos; facilita o combate à fraude, o
contrabando, a contrafação e as usurpações; favorece as exportações e
protegeosprodutoscontraaconcorrênciadeslealexterna.
É nesse contexto que emergiram recentemente no Brasil discussões
voltadas às contribuições que as IG’s podem oferecer para o
desenvolvimento territorial. Em concreto, este artigo pretende analisar
como o instituto da IG pode promover o desenvolvimento territorial no
espaçorural,identificandopontosfortesevocaçõeseconômicasquepodem
tornar a região mais competitiva. A análise será efetuada à luz da
experiênciadaIndicaçãodeProcedênciadosValesdaUvaGoethe,naregião
deUrussanga–SC.
Metodologicamente, o artigo vale‐se de uma pesquisa qualitativa e
descritiva,vistoquepermiteaopesquisadorseaproximardavivênciasocial
dogrupoemestudo,entendendocomoaconstruçãodessarealidadequese
processouecomonaquelecontextosemovimenta(SHAW,1999).E,quanto
aos meios de investigação, classifica‐se como bibliográfica e de estudo de
caso, uma vez que foi realizada como meio de investigação as fontes
secundárias.
A estrutura do artigo é dividida em três partes. Em um primeiro
momento, privilegia‐se uma breve abordagem sobre desenvolvimento
territorial no espaço rural, avançando para uma caracterização da
propriedade intelectual e da relação entre a vitivinicultura e as IG’s. Na
sequência efetua‐se a análise da experiência da Indicação de Procedência
dos Vales da Uva Goethe na região sul de Santa Catarina e, por fim,
apresentam‐seasconsideraçõesfinais.
2.REFERENCIALTEÓRICO
O marco teórico‐conceitual do presente trabalho compreende, em um
primeiromomento,acaracterizaçãosobreodesenvolvimentoterritorialem
espaços rurais. Em seguida, aborda brevemente a questão da propriedade
intelectual e, na sequência, apresenta a relação entre a vitivinicultura e as
IndicaçõesGeográficasnapromoçãododesenvolvimentoterritorial.
2.1ODESENVOLVIMENTOTERRITORIALEMESPAÇOSRURAIS
Um dos primeiros estudiosos a apresentar uma definição para o
território foi Ratzel, que o descreve como um espaço apropriado por um
determinado grupo (CORREA, 1995; SCHNEIDER, 2004). Considerando as
formasdeapropriaçãoetransformação,oterritóriopodesercompreendido
apartirdeseususos,comooespaçomodificadopelatécnica,pelotrabalho,
274 sendopalcoeatornasrelaçõesquealisãoproduzidas(SANTOSESILVEIRA,
2001).
Schneider (2004, p. 99) compreende o território enquanto “[...] um
espaço de ação em que transcorrem as relações sociais, econômicas,
políticaseinstitucionais.Esseespaçoéconstruídoapartirdaaçãoentreos
indivíduoseoambienteoucontextoobjetivoemqueestãoinseridos”.Nesse
sentido,percebe‐ocomodinâmico,emconstantetransformaçãoemudança.
Esse dinamismo é configurado tanto pelos atores internos e suas inter‐
relações como pela relação com fatores externos. Resultado de uma
construçãosocialecoletiva,oterritórioéconsideradooespaçoapropriado
por um determinado grupo que compartilha valores culturais, e se torna
foco do desenvolvimento, não sendo apenas o espaço físico, mas também
atordesseprocesso.Osterritóriossão,portanto,realidadesemmovimento,
nasquaisimperaramasrelaçõessociais,eanoçãodeterritóriodesignaaqui
o resultado da confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas
dimensõeseconômicas,socioculturaiseambientais(CARRIÀREeCAZELLA
2006).
O desenvolvimento territorial designa todo processo de mobilização
dosatoresqueleveàelaboraçãodeumaestratégiadeadaptaçãoaoslimites
externos, na base de uma identificação coletiva com uma cultura e um
território(PECQUEUR,2005).Anoçãodeterritório,portanto,abrecaminho
para um avanço notável no estudo do próprio desenvolvimento, já que
sugereumaênfasenamaneiracomoosdiversosatores(privados,públicose
associativos)relacionam‐senoplanolocal.Oprocessodedesenvolvimentoé
o resultado da forma específica como são usados os fatores materiais e
imateriaisdisponíveis,combaseemditasrelações(ABRAMOVAY,2006).
NoBrasil,odebateemtornododesenvolvimentoterritorialsustentável
no meio rural intensifica‐se, não apenas como mais uma questão de corte
setorial,mascomoumassuntoqueinteressaatodasociedade.Omeiorural
passaaservistocomoumpalcoparaacriaçãodedinâmicasinovadorasde
desenvolvimento.Issoocorreu,principalmentenasúltimasdécadas,quando
a maioria da população brasileira observou o crescimento de uma
urbanizaçãocaóticaeexcessivaequesetornacadavezmaisproblemática
em função do agravamento do êxodo rural, sobretudo da população jovem
provenientedonordeste(ANDION,2010).
Aliás,oprocessodeurbanizaçãosempreestarápresentenasdiscussões
relacionadasaodesenvolvimentonomeiorural.Averdadeéque,comobem
destaca Martini (1993), a redistribuição da população sobre o espaço
obedece à evolução da localização e da reestruturação da atividade
econômica. Ou seja, como a concentração espacial da grande maioria das
atividadeseconômicaslocaliza‐senosgrandescentros,éláqueseconcentra
tambémamaiorpartedapopulação.
275 Quandosediscuteeseproblematizaoêxodorurale,emalgunscasos,
os processos de litoralização2, é possível deparar‐se com estratégias
interessantes de fortalecimento dos espaços rurais. Na maioria dos casos,
essasestratégiastêmdemonstradoqueosterritóriosruraistambémpodem
tornar‐sedinâmicosquandoinvestemnasuamultifuncionalidade.Pequenos
produtores rurais podem investir na produção orgânica ou de produtos
tradicionais locais agregando valor a estes produtos e tornando atividade
rentável economicamente. Outro exemplo é o desenvolvimento de
atividadesnãoruraisemespaçosruraiscomoéocasodoturismo.
Nesse cenário, emergem as IG’s como possíveis estratégias de
desenvolvimentooufortalecimentodeespaçosrurais,sobretudonasregiões
mais fragilizadas economicamente. Embora ainda em estágio embrionário
no Brasil, algumas experiências têm demonstrado vitalidade e resultados
positivosnoaproveitamentodaspotencialidadeslocais,como,porexemplo,
o estímulo à produção e comercialização de produtos tradicionais,
promovendoumamelhorianaqualidadedevidadapopulaçãoautóctone.
Osprodutostradicionaispodemserconsideradosumimportanteativo
paraodesenvolvimento,emparticularnaszonasrurais.Essetemaconstitui
o objeto de uma literatura emergente, que se concentra especialmente na
interface entre o uso de marcas coletivas, as denominações de origem e o
desenvolvimento de atividades relacionadas ao turismo (LORENZINI,
CALZATIeGIUDICI,2011).
2.2PROPRIEDADEINTELECTUAL–INDICAÇÕESGEOGRÁFICAS
ConformeapontamVieiraeBuainain(2011),apropriedadeintelectual
tem conquistado um papel relevante em diversos setores da economia.
Atualmente, o valor e a importância dos bens imateriais são considerados
superiores ao dos bens materiais e imóveis que constituía o principal
componente do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas até muito
recentemente.
Destacamosautoresqueosdiversossinaisdistintivosnasceramdeum
objetivocomum:distinguiraorigem(geográficaoupessoal)deumproduto.
Em 1883, em virtude de que alguns acordos bilaterais formulados para
proteger as indicações geográficas eram bastante frágeis, os países
produtores, especialmente de vinho, optaram por organizar um tratado
internacional para proteger os direitos de propriedade intelectual, e não
somente os de indicações geográficas. A partir desse cenário, cria‐se a
ConvençãoUniãodeParisparaaproteçãodapropriedadeindustrial(CUP).
Otratadotinhacomoobjetivoinicialcoibirafalsaindicaçãodeprocedência
(VIEIRAeBUAINAIN,2011).
2
É o caso que ocorre no Estado de Santa Catarina.
276 Novos nichos de mercados foram surgindo, adquirindo estratégias de
valorizaçãodoproduto.Anoçãodeindicaçõesgeográficas(IG)foisurgindo
de forma gradativa, quando produtores e consumidores passaram a
perceber sabores ou qualidades peculiares em alguns produtos que
provinham de determinados locais. Essas características não eram
encontradas em produtos equivalentes feitos em outro local. Assim,
começou‐seadenominarosprodutos–queapresentavamumdiferencial–
comonomegeográficodesuaprocedência(FÁVEROetal.,2010).
No Brasil, o marco regulatório sobre propriedade intelectual foi quase
inteiramente renovado na década de noventa. E, dentre as diversas
legislaçõesaprovadassobreotema,tem‐seaLein.º9.279/96,denominada
de Lei de Propriedade Industrial (LPI). Quanto às indicações geográficas, a
norma não define o que é, mas estabelece suas espécies: a Indicação de
Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO), inexistindo hierarquia
legalentreelas,sendopossibilidadesparalelasàescolhadosprodutoresou
prestadoresdeserviçosqueplanejambuscaressamodalidadedeproteção,
atendidososrequisitosdaleiedesuaregulamentação.
A Indicação de Procedência (IP) é caracterizada por ser o nome
geográficoconhecidopelaprodução,extraçãooufabricaçãodedeterminado
produto, ou pela prestação de dado serviço, de forma a possibilitar a
agregação de valor quando indicada a sua origem, independente de outras
características. Ela protegerá a relação entre o produto ou serviço e sua
reputaçãoemrazãodesuaorigemgeográficaespecífica,condiçãoestaque
deveráser,indispensavelmente,preexistenteaopedidoderegistro.
ADenominaçãodeOrigem(DO)cuidadonomegeográfico“quedesigne
produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva
ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e
humanos”. Em suma, a origem geográfica deve afetar o resultado final do
produto ou a prestação do serviço, de forma identificável e mensurável, o
que será objeto de prova quando formulado um pedido de registro
enquadrado nessa espécie ante ao INPI, através de estudos técnicos e
científicos,constituindo‐seumaprovamaiscomplexadoqueaexigidapara
asIndicaçõesdeProcedência.
Assim,aDOtratadeumdireitodepropriedadeintelectual,associadoa
uma região, passível de utilização por aqueles que naquela área explorem
qualquerramodeproduçãocaracterístico,sendoconstituídopelonomeda
localidade,regiãooumesmopaís.Temporfunçãodesignarumprodutoou
uma mercadoria originária, cuja qualidade e características são devidas
exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo mesmo fatores
humanos.
Barbosa (2013) aponta que a IP é a expressão ou sinal que indica a
origem geográfica específica de um produto ou serviço. Na DO, além da
277 origem geográfica o produto ou serviço possui características particulares
devido ao meio geográfico em que se encontra, como o tipo de solo que
conferesaboresdiferenciados,porexemploaumauvaprodutoradevinho.E
no presente estudo, cita‐se como exemplo o Vale dos Vinhedos. Nessa
proteção, podem ser incluídos fatores humanos singulares como as
condiçõesespecíficasdeprodução.Porexemplo,aformaímpardemanusear
oleiteparatransformá‐loemqueijo.
Nas palavras de Barbosa (2013), se percebe que a disposição feita no
Acordo TRIPs, descreve as IG’s como indicações que identificam um bem
comoorigináriodoterritório,oudeumaregiãooudeumalocalidade,enão
umnomegeográficocomonaLPI.Dessaforma,oBrasilémaisrestritivoao
condicionarseusregistrosanomesgeográficos.
Portanto, diferenciando‐se a IP da DO, a primeira poderá ser aposta a
qualquerprodutoprovenientedeumadeterminadaárea,enquantoqueDO
assinala um produto que provém de uma determinada região e que, além
disso, é produzido ali segundo métodos particulares associados devido ao
meiogeográficoequeadquireespecificidadesdaregião.
2.3AVITIVINICULTURAEASINDICAÇÕESGEOGRÁFICASCOMOESTRATÉGIA
PARAODESENVOLVIMENTOTERRITORIALRURAL
No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Vinho3
(IBRAVIN), a vitivinicultura4 ocupava em 2009 uma área de
aproximadamente 100 mil hectares, com uma produção anual de 1,2
milhões de toneladas, concentrada principalmente nos estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e
Pernambuco.ParaMello(2013),trata‐sedeumaatividadeimportantepara
asustentaçãodepequenaspropriedadesnoBrasile,nosúltimosanos,tem
se tornado importante, também, na geração de empregos em grandes
empreendimentosqueproduzemuvasdemesaeuvasparaprocessamento.
A vitivinicultura brasileira hoje pertence ao que se pode chamar de
novo mundo vitivinícola5, ao lado de países como Chile, Argentina, EUA,
África do Sul, Austrália, entre outros, cuja produção está baseada
principalmente em variedades importadas dos tradicionais países
3
Dados disponíveis em http://www.ibravin.org.br/regioesprodutoras.php
De acordo com o dicionário online de português, vitivinicultura é o processo ou
desenvolvimento que envolve o cultivo e/ou a fabricação de vinho. Pode ser entendido ainda
como a atividade que consiste na exploração econômica desse processo.
5
O aumento no consumo dos chamados “vinhos do novo mundo” já preocupa os produtores de
regiões vinícolas tradicionais. De acordo com Novakoski e Freitas (2003) enquanto as
exportações de vinhos europeus cresceram em torno de 20% nos últimos 20 anos, países não
tradicionais nesse setor como Nova Zelândia, EUA, Chile, Austrália, Argentina e África do Sul
experimentaram um crescimento de mais de 50% no mesmo período.
4
278 produtoresdevinhodaregiãomediterrânea.Nasúltimasdécadasessesetor
tem apresentado um significativo crescimento, principalmente em
decorrênciadaexpansãodeáreascultivadasedamelhorianastecnologias
de produção de uvas e vinhos em diversas regiões brasileiras (VIEIRA,
WATANABE e BRUCH, 2012). No contexto da vitivinicultura brasileira,
destaca‐se a Serra Gaúcha como a principal região vitivinícola do Brasil.
Nessa região 12 mil pequenas propriedades rurais cultivam
aproximadamente31milhectaresdevinhedos.Aregiãocontacomcercade
600 produtores de vinho, entre grandes empresas, cooperativas e cantinas
familiares(NIEDERLE,2009).
É justamente a forte ligação com o território que favorece o
reconhecimento6 e o desenvolvimento de IG’s na vitivinicultura. Como
destacam Flores, Falcade e Medeiros (2010) na vitivinicultura o terroir7
podecaracterizarediferenciarcadaprodutolheconferindoumaidentidade
própria.EssaidentidadepodesermaterializadaatravésdasIG’squepodem
fomentarefortificarregiões.NessaesteiradediscussãoSato(2013)lembra
queatualmentenoBrasilaIGparavinhostemsidogradativamenteadotada
porassociaçõesprodutorasdevinhos,principalmentenaregiãosul8,ondea
produçãodevinhosfinoseespumantesémaissignificativa.
AsIG’s,comunsnaEuropa9eaindapoucoreconhecidasnaAméricado
Sul e no Brasil, podem ser entendidas, do ponto de vista econômico, como
uma estratégia para agregar valor a produtos ou serviços que têm
características próprias, relacionadas ao território ao qual estão inseridas.
Essa agregação de valor pode representar um incremento na renda dos
produtores envolvidos, seja através do aumento no preço dos produtos
oferecidos, no aumento do volume de vendas ou na conquista de novos
mercados. Podem valorizar, também, as tradições locais, fortalecendo a
identidadeculturaldaregião.
AsIG’stêmsidoamplamenteutilizadasnosmercadosagroalimentares
para proteger e valorizar produtos de diferentes tipos. Nesse sentido, têm
sidofomentadasiniciativasparaqueosprodutosconsideradoslocaiscriem
6
É importante destacar que uma IG não se cria, mas, sim, se reconhece.
De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o terroir vitivinícola
compreende características específicas de solo, topografia, clima, paisagem e biodiversidade.
Além disso, seu conceito refere-se ao espaço onde se desenvolve um saber coletivo de
interações entre o meio físico, biológico e práticas vitivinícolas aplicadas (OIV, 2008).
8
A região sul apresenta, até o momento, o reconhecimento de quatro IGs de vinhos: Vale dos
Vinhedos (RS), Vales da Uva Goethe (SC), Vinhos Pinto Bandeira (RS) e Vinhos Altos Montes
(RS). Além destas está em andamento mais um projeto de reconhecimento de IG. Trata-se dos
Vinhos da Campanha, na região de Santana do Livramento- RS (Sato, 2013).
9
Na Europa, esse tipo de dispositivo de diferenciação é conhecido como Denominação de
Origem Protegida (DOP) ou Indicação Geográfica Protegida (IGP) e contempla principalmente
produtos agroalimentares, que podem ser oriundos de transformação agroindustrial ou
produtos in natura (SILVA, et al. 2012).
7
279 estratégias de diferenciação no mercado a partir das denominações de
origem,aexemplodaqualidadedoproduto,agregaçãodevaloraoproduto,
etc.(VIEIRAeBUAINAIN,2011).
Estima‐sequeovalorgeradopelavendadeprodutoscomIG10naUnião
Europeiaem2010equivaleaaproximadamente54,3bilhõesdeeuros.Desse
total,osprodutoscommaiordestaque sãoosvinhos,querepresentamem
torno de 56%, os produtos agrícolas e gêneros alimentícios em torno de
29%easbebidasespirituosas11comaproximadamente15%dovalortotal
geradospelosprodutos.Aindaemrelaçãoàsvendas,oestudoapontaque
60%destesprodutossãocomercializadosnoprópriopaísdeprodução,20%
emoutrospaísesdauniãoeuropeiae20%sãocomercializadosempaísfora
daUniãoEuropeia.Outrodadoimportanteapontadopeloestudorefere‐seà
agregaçãodevaloraosprodutoscomIG.Deacordocomorelatóriodofundo
europeu,estima‐sequeessesprodutossãocomercializados,emmédia,por
umvalor2,3312vezesmaiorqueprodutossimilaressemIG(CHEVERetal.,
2012) 13.
Ao contrário das marcas e das patentes, as IG’s são passíveis de uma
grande variedade de proteções. Podem ser protegidas por legislação sui
generis ou decretos ‐ esse é o sistema adotado pela França e por Portugal,
por exemplo. Outra possibilidade é o registro das indicações geográficas,
adotado pelo Brasil. É possível, também, apoiar‐se na lei contra a
concorrênciadesleal,ounanoçãodoilícitodo“passingoff,”(fazerprodutos
“passarem por” outros), que basicamente preveem práticas comerciais
desleaisquenãodevemserusadas.OusodeIndicaçãoGeográficaparaum
produtoquenãoéprovenientedaregiãoindicadaseriaumótimoexemplo
da prática da concorrência desleal. Se a proteção for buscar no Direito a
proteção contra ato ilícito, não existem formalidades a cumprir, como o
10
Nessa análise são considerados os produtos reconhecidos com Indicação Geográfica
Protegida e Denominação de Origem Protegida.
11
De acordo com o regulamento europeu, bebidas espirituosas são bebidas que possuem
características organolépticas específicas e um título alcoométrico mínimo de 15 % vol., sendo
produzidas diretamente por destilação, maceração ou adição de aromas ou pela mistura de uma
bebida espirituosa com outra bebida, de álcool etílico de origem agrícola ou de certos
destilados. São exemplos de bebidas espirituosas: o rum, aguardente, vodka.
12
Em relação a esta questão, é importante lembrar que isso não significa que a margem de
lucro desses produtores seja 2,23 vezes maior. É preciso considerar que, muitas vezes, os
produtos com IG e DO têm custos adicionais de produção em relação a seus similares por
necessitarem cumprir normas estabelecidas em seus cadernos de especificações da IG ou da
DO.
13
Os atores desenvolveram um estudo que procurou quantificar o valor econômico da
produção de produtos agrícolas e de gêneros alimentícios, de vinhos, de vinhos aromatizados e
de bebidas espirituosas cujo nome está protegido como Indicação Geográfica ou Denominação
de Origem na União Europeia. Os dados se referem ao período compreendido entre 2005 e
2010. O relatório completo está disponível em: http://ec.europa.eu/agriculture/externalstudies/value-gi_en.htm.
280 registro ou decisão administrativa; ou seja, a parte lesada vai direto aos
tribunais(VIEIRAeBUAINAIN,2011;VIEIRA,WATANABEeBRUCH,2012).
AsIG’spodemaindaserprotegidaspeloregistrodemarcascoletivasou
marcas de certificação. As marcas coletivas, ao contrário das marcas,
pertencem a um grupo de comerciantes ou produtores. A marca de
certificação, por outro lado, não pertence a ninguém: é registrada na
suposição que qualquer pessoa que preencha as condições prescritas pode
utilizá‐la.Porexemplo,ousodamarcadecertificaçãoparaoqueijoStiltoné
reservado a certos produtores que satisfazem as condições exigidas pelo
regulamentodeutilizaçãodessamarca(VIEIRAeBUAINAIN,2011).
Representam, portanto, um instrumento de valorização de tradições,
costumes,saberes,práticaseoutrosbensimateriaisassociadosàidentidade
territorial. Utilizada pelos produtores como um instrumento de agregação
de valor e acesso a mercados e reputadas pelos consumidores como um
mecanismodegarantiadequalidade,asindicaçõesgeográficastambémsão
consideradascomopotenciaisinstrumentosdedesenvolvimentoterritorial,
posto que possibilitam a exploração de ativos intangíveis de difícil
transposição para outros territórios, constituindo uma vantagem
competitiva em mercados cada vez mais marcados pela diferenciação de
produtos(NIEDERLE,2009;DULLIUS,2009).
Todavia, existem outros benefícios que também precisam ser
considerados. De acordo com o Cerdan et al. (2010), as IG’s podem gerar
benefíciossociaiseculturais,representadospelainserçãodeprodutoresou
regiõesdesfavorecidasnomercado,ebenefíciosambientais,relacionadosà
preservaçãodabiodiversidadeedosrecursosgenéticoslocais.
Além disso, é importante destacar as atividades complementares que
podem surgir após a certificação de produtos tradicionais. Na grande
maioria dos casos, as indicações geográficas e as denominações de origem
protegida podem estabelecer relações com outros segmentos que não
tenham ligação direta com o produto certificado. Tal consequência pode
fortalecer atividades importantes, gerando emprego e renda local. É o que
Pecquer (2001) denomina de “cesta de bens e serviços do território”. Um
exemplosãoasatividadesvoltadasaoturismo14.
Locatelli (2007) corrobora com as afirmações de Pecquer ao defender
que é possível observar o desenvolvimento e fortalecimento de atividades
voltadas ao turismo e a gastronomia em muitas regiões que obtiveram o
reconhecimento de IG’s para seus produtos. Para a autora, as IG’s, ao
estimularem a tradição e a cultura de uma região, atraem turistas e
possibilitamaexploraçãodeatividadeslucrativasindiretas.
14
Após o reconhecimento da indicação geográfica, o Vale dos Vinhedos estruturou propostas
de roteiros pelas vinícolas (roteiro enológico, gastronômico e cultural), aumentando
significativamente o fluxo de turistas na região e complementando a renda dos produtores,
principalmente das pequenas vinícolas.
281 3.APRESENTAÇÃOEANÁLISEDAEXPERIÊNCIADOSVALESDAUVAGOETHE
Santa Catarina tem reconhecimento nacional e internacional pela
qualidade dos vinhos que produz. Segundo a Empresa de Pesquisa
AgropecuáriaeExtensãoRuraldeSantaCatarina–EPAGRI,oimpulsodado
pelaspesquisaseporinvestimentospioneirosnosetorvitivinícolaconstruiu
umsegmentoeconômicopromissorparaoEstado.
Com o objetivo de dar maior visibilidade a seu produto, a Progoethe,
juntamente com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas ‐ SEBRAE e a Universidade de Santa Catarina – UFSC, fizeram o
pedidodereconhecimentodaIndicaçãodeProcedência(IP)dosvinhosdos
“ValesdaUvaGoethe”(videFigura2),noInstitutoNacionaldePropriedade
Intelectual (INPI). Este foi depositado em 18 de agosto de 2010 sob n°.
IG201009,naespécieIndicaçãodeProcedência.
Figura2:LogomarcadaIndicaçãodeProcedênciadosValesdaUvaGoethe(IPVUG)
Fonte:ConselhoRegulador(IPVUG)
Teve como requerente a ProGoethe, compreendendo a seguinte área
delimitada: VALES DA UVA GOETHE, localizada entre as encostas da Serra
GeraleolitoralsulcatarinensenasBaciasdoRioUrussangaeRioTubarão,
cujosvinhedosdeverãoestarinstaladosnestaáreadelimitadanumaregião
de458,9Km2,conformeapresentadonoMapa1.Aregiãoélocalizadaentre
os municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da
Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara no Estado de Santa
Catarina (INPI, 2012), conforme pode ser visualizado no Mapa 2, e
estabelecidonoEstatutodaProGoethe,paraáreadeabrangênciaeinclusão
deseusassociados.
282 Mapa1:LocalizaçãodadelimitaçãoáreaIPVUG
Fonte:Vieira,GarciaeBruch(2013)
Mapa2–LocalizaçãodosmunícipiosevinícolasIPVUG
Fonte:Vieira,GarciaeBruch(2013)
283 A região está intimamente ligada à cultura e tradição na produção da
uva e vinho Goethe (savoir faire ou fator humano), apresentando solos e
condições climáticas distintas (fatores naturais). São autorizados para os
vinhos Goethe da IPVUG exclusivamente a variedade de coloração branca,
rosada leve ou vermelho pálido: Goethe (Roger 1), dos clones Goethe
clássicaeGoetheprimo,emsistemadeconduçãolatada(sistematradicional
utilizado no território delimitado pela IPVUG), em estrutura de pedras de
granito.
Oreconhecimentoda“IndicaçãodeProcedência”(IP)ocorreuem2012,
comaconcessãodoregistropublicadonaRevistadePropriedadeIndustrial
do INPI, sob n. 2.145, em 14 de fevereiro. Ainda, diante deste cenário, o
governo de Santa Catarina reconheceu a importância dos “Vales da uva
Goethe”, na região de Urussanga, como território único no Estado,
reforçandoopedidodaIndicaçãodeProcedênciainiciadojuntoaoINPI.
E,conformedemonstradoporVieira,WatanabeeBruch(2012),coma
concessão do registro pelo INPI da indicação de procedência, criou um
“clima”favorávelaoenoturismo15emUrussanga.Ainda,osvinhosGoetheda
referida região são reconhecidos como verdadeiros terroirs devido a sua
íntima relação com as condições específicas de clima/solos. E, em
decorrência do seu caráter pioneiro em Santa Catarina, serve de exemplo
paraoaprimoramentodaproduçãoeelaboraçãodosvinhos,bemcomopara
um conjunto de práticas agrícolas, que apresente potencial para se
integraremaoprocessoderegistrodasindicaçõesgeográficas.
As vinícolas integrantes da IPVUG que elaboram vinhos à base de uva
GoetheepertencentesàProGoethesão:VinícolaMazon‐Fundadanadécada
de 1970 pelos irmãos Genésio e Jayme Mazon, a Vinícola tem por objetivo
seguiratradiçãodalinhamaternadafamília‐,osDebiasi,preenchendouma
lacuna no tradicional ramo da vitivinicultura de Urussanga; Vitivinícola
Urussanga–ProvenientedeLongarone,RegiãodoVêneto,Itália,osDamian
estabeleceram‐seemUrussangaemfinsdoséculoXIX‐;VinícolaQuarezemin
‐ Atua desde 2002 na região; Vinícola Felippe – a família é proveniente da
regiãodaToscananaItália,vindoparaaregiãonofinaldoséculoXIX.Além
destas,tambémcultivamauvaeelaboramvinhosartesanaisosassociados
RodolfoDellaBruna,DennerQuarezemin,DeivsonBaldin,RaulSavio,Rafael
Sorato,MárcioScremineAntoniodeLorenziCancelier(Progoethe,2014).
Após o reconhecimento da IPVUG, foi possível observar algumas
vantagens econômicas importantes. Após dois anos de concessão do
registro, as vinícolas já começam a perceber um aumento nas vendas do
vinhoGoethe,emmédia20%e,dosespumantes,porvoltade30%,segundo
15
O enoturismo ocorre em função de deslocamentos motivados para o conhecimento do
processo da produção de vinhos, realizando visitas a vinhedos e vinícolas, fazendo parte da
experiência a degustação de vinhos e de seus derivados. Além disso, pode-se caracterizar como
uma atividade do segmento a visitação a festivais de vinhos e/ou mostras de vinhos onde a
motivação principal da viagem seja a degustação de vinhos.
284 apontado pelo presidente da ProGoethe. Esses produtos colocados no
mercado são a primeira safra controlados pelo Conselho Regulador (CR) a
partir das normas implementadas pelo Manual de Controle Interno (MCI),
comosselosnasgarrafas.
Ainda, é reconhecido pela ProGoethe que há maior curiosidade por
parte dos consumidores (turistas), decorrente da divulgação dos produtos
advindos da uva Goethe, uma vez que eles vão visitar as vinícolas e já
solicitam o “vinho Goethe”, conforme apontado pelo presidente da
ProGoethe.
Portanto, verifica‐se que o próprio aumento no consumo do vinho
produzidologodeveráserobservadoentreconsumidoreslocaiseregionais,
que o adquirem nos restaurantes e nas próprias vinícolas da IPVUG e em
algumascidadesdoentornodaregiãodoSuldeSantaCatarina.
Outro reflexo importante refere‐se ao acesso a novos mercados. O
reconhecimento da IG do vinho Goethe possibilitou que as vinícolas
comercializem seus produtos nas gôndolas de importantes redes de
supermercados na região, bem como fora do Estado (São Paulo, Rio de
JaneiroeDistritoFederal).Alémdisso,outrasimportantesvantagensestão
sendo potencializadas e estudadas, como a inserção do produto
internacionalmente. Para o Conselho Regulador, as vantagens para
pertenceraIPVUGsão:reconhecimentodaidentidadeculturaldoterritório
como diferencial competitivo; valorização do produto e da sua terra;
divulgaçãodeseusprodutos;melhoriaqualitativadosprodutos,bemcomo
o padrão tecnológico; preservação das características e da tipicidade dos
produtos,queconstituemumpatrimôniodecadaregião,entreoutros.
Além disso, a aprovação da IPVUG levou os produtores e vinícolas da
região a investirem no desenvolvimento do enoturismo local, voltado ao
vinho, à cultura e à tradição, com o desenvolvimento de outras atividades
relacionadas a estas, tais como hotelaria (hotéis, pousadas), gastronomia
(restaurantes, fabricação artesanal de produtos típicos), enologia e a
valorização da história da imigração italiana. Nesse sentido, a região
prepara‐se para elaborar um plano de desenvolvimento da atividade
turística no espaço rural de maneira integrada com outros municípios da
região, contribuindo para o desenvolvimento territorial desses municípios.
Inclusive, na cidade de Urussanga, já foi realizado um levantamento da
potencialidade do enoturismo, pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense–Unesc.
Portanto, o reconhecimento da IP tem como objetivo garantir uma
constância na demanda pelo produto e, se possível, agregar valor, buscar
uma melhoria na geração de renda de seus associados e fomentar o
desenvolvimentolocal(VIEIRA,WATANABEeBRUCH,2012).
Finalmente, e não menos importante, os produtos que carregam a
certificação da indicação geográfica trazem consigo uma carga cultural,
285 enraizadanastradiçõesdaregião,preservando,dessamaneira,aidentidade
dolocalevalorizandooterritório.
4.CONSIDERAÇÕESFINAIS
A partir do advento da Lei de Propriedade Industrial (LPI), o instituto
da indicação geográfica visou uma alternativa para a valorização dos
territórios e respectivo aumento da competitividade dos produtos de
qualidade em regiões demarcadas, através das normas estabelecidas pelo
ConselhoRegulador(CR).Foiapartirdomarcoregulatórioaprovadoqueo
Brasil contemplou a possibilidade de ter o reconhecimento da identidade
culturaldoterritóriocomodiferencialcompetitivo,valorizaçãodoprodutoe
da sua terra (seu ambiente de origem), aumento da participação dos
agricultores (e no caso específico da IPVUG – da agricultura familiar) no
ciclo de comercialização dos produtos e estímulo de melhoria e qualidade
em seus produtos, uma vez que são submetidos ao controle do CR na
produçãoeelaboraçãodosvinhoseespumantes.
O que se percebe é que a vitivinicultura tem cada dia um papel mais
importante no setor agroalimentar, em especial no território demarcado
pela IPVUG. E, nesse sentido, as IG’s têm como fim agregar valor e gerar
riqueza, constituindo‐se uma opção concreta para uma nova etapa de
desenvolvimento do agronegócio brasileiro, com a geração de produtos
típicosetradicionais,comqualidadediferenciada.
Assim,paraosvitivinicultoresassociadosdaProGoethe,aobtençãoda
IG pôde ampliar mercados, agregar valor aos produtos, ser um gerador de
maisempregos,movimentaraeconomialocal,bemcomopreservarosaber
fazer,permitirqueosprodutorespermaneçamnocampo,comaexpectativa
dequeseusfilhosenetospermaneçamnonegócioparasobreviver.Diante
desse cenário, consequentemente, possibilita‐se a promoção de um
desenvolvimento sustentado na região delimitada pela Indicação de
ProcedênciadosValesdaUvaGoethe.
Apartirdessaperspectiva,osassociadosjáestãocomeçandoaperceber
a diferença, pós‐concessão do registro da IP, uma vez que as vinícolas já
presenciam o aumento da procura dos vinhos e espumantes produzidos a
partir da uva Goethe, tanto pelos residentes como por novos turistas na
região.Jáhá apercepção porpartedosvitivinicultores;quandoosturistas
visitamasvinícolas,játêmsolicitadodiretamenteosvinhosdeuvaGoethe,
advindos da curiosidade em conhecer um produto diferenciado e com
agregaçãodevalorpelaqualidade.Inclusiveosassociadosjápercebemque
a receptividade dos compradores para o vinho Goethe mudou, com um
crescimentomédioemtornode20%nacomercializaçãoparaosvinhosede
30% para os espumantes, segundo apresentado pelo presidente da
ProGoethe.
Portanto, infere‐se a partir do presente estudo e concordando com os
286 autoresapresentadosqueasIG’spossibilitamodesenvolvimentoterritorial,
aproveitando o conjunto natural da sua região, o patrimônio histórico, o
saber fazer, criando um “processo de qualificação” que permite uma
adequada colocação de seus produtos em mercados dinâmicos, as
habilidadesartísticas,culináriaseatradiçãofolclóricadeumadeterminada
população,embuscadamelhoriadaqualidadedevida.
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288 DADOSDOSAUTORES
AdrianaCarvalhoPintoVieira
GraduadaeMestreemDireito,comDoutoradoemDesenvolvimentoEconômico.
Professora do Programa de Pós‐graduação em Desenvolvimento
Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
Endereçoparacontato:[email protected].
AdrianaMarquesRossetto
Arquiteta e Urbanista, doutora em Engenharia de Produção na área de
Concentração em Gestão Ambiental, professora do Departamento de
Arquitetura
e
Urbanismo/UFSC.
Endereço
para
contato:
[email protected].
AnaLúciaListone
Graduada em Administração ‐ Comércio Exterior (Unoesc). Bolsista Iniciação
Científica(Unoesc).Endereçoparacontato:[email protected].
AndréiadeFátimadeMeiraBatistaFerreiraSchlickmann
ExtensionistaSocial,Pedagogae PesquisadoradaEpagri/EstaçãoExperimental
deLages.Endereçoparacontato:[email protected].
CassianoEduardoPinto
Doutor em Zootecnia. Atua como pesquisador da Empresa de Pesquisa
AgropecuáriaeExtensãoRuraldeSantaCatarina(Epagri‐Lages).Endereçopara
contato:[email protected].
CristianedeMoraisRamos
GestoraAmbiental,mestrandadoProgramadeMestradoUrbanismo,Históriae
ArquiteturadaCidade/UFSC.Endereçoparacontato:[email protected]
ElianeSaleteFilippim
Pós‐Doutora em Administração Pública e Governo, Doutora em Engenharia da
produção e Sistemas. Editora‐Chefe da RACE, com atuação no Mestrado
ProfissionalemAdministraçãodaUniversidadedoOesteCatarinense.Endereço
paracontato:[email protected].
FernandaTeixeiradosSantos
Graduação em Letras, cursando disciplinas no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento
Regional
da
UnC.
Endereço
para
contato:
[email protected].
289 GiovaneJoséMaiorki
Graduação em Contabilidade e Mestrado em Desenvolvimento Regional. Atua
professornaUniversidadedoContestadoCampusMafra,alémdeocuparcargo
administrativo.Endereçoparacontato:[email protected].
JairoMarchesan
DoutoremGeografia.ProfessordoProgramadeMestradoemDesenvolvimento
RegionaldaUniversidadedoContestado(UnC),SantaCatarina‐Brasil.Contato:
[email protected].
LauroWilliamPetrentchuk
Engenheiro Florestal, Especialista em Licenciamento Ambiental, Docente do
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC).
Endereçoparacontato:[email protected].
LilianaLocatelli
Bolsista PNPD/Capes, Pós‐Doutoranda em Direito, Grupo de Pesquisa
Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação, na
Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato:
[email protected].
LuizOtávioPimentel
DoutoremDireitoecoordenadordoGrupodePesquisaPropriedadeIntelectual,
Transferência de Tecnologia e Inovação, Universidade Federal de Santa
Catarina.Endereçoparacontato:[email protected].
MárciaFernandesRosaNeu
Geógrafa,DoutoraemGeografiaHumanapelaUSP.Atuouaté2013naUNISULe
atualmenteépós‐doutorandapelaUFPR.
MayaraRohrbacherSakr
Aluna do curso de Administração na Universidade do Contestado, campus
Canoinhas/SC. Bolsista de Iniciação Científica CNPq. Endereço para contato:
[email protected]
MuriloZelinskiBarbosa
Graduação em Turismo, mestrando no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento
Regional
da
UnC.
Endereço
para
contato:
[email protected].
NatanyZeithammer
Acadêmica de Medicina Veterinária da Universidade do Contestado – UnC,
Presidente do Diretório Central Estudantil da Universidade do Contestado de
290 Canoinhas (Santa Catarina‐Brasil). Bolsista de Iniciação Científica. Endereço
paracontato:[email protected].
PatriciadeOliveiraAreas
Doutora em Direito pela UFSC e professora da Universidade da Região de
Joinville–Univille,noCursodeDireitoenoMestradoemPatrimônioCulturale
Sociedade.Endereçoparacontato:[email protected].
PauloMoreira
Geógrafo, mestrando no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional
daUnC.Endereçoparacontato:[email protected].
RosanaMariaBadalotti
CientistaSocial,DoutoraemCiênciasHumanas.AtuanoMestradoemPolíticas
Sociais e Dinâmicas Regionais da Unochapecó. Endereço para contato:
[email protected].
SabrinaDhienifferSander
Bióloga,MestreemDesenvolvimentoRegionalpelaUniversidadedoContestado
(SantaCatarina‐Brasil).Endereçoparacontato:[email protected].
StavrosWrobelAbib
Arquiteto, Doutor em Engenharia Civil em Cadastro Técnico Multifinalitário e
Gestão Territorial. Professor com atuação na Universidade do Vale do Itajaí.
Endereçoparacontato:[email protected].
SuelenCarls
Bolsista CNPq, Doutoranda em Direito, participante do Grupo de Pesquisa
Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação da
Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato:
[email protected].
TiagoLuizScolaro
Acadêmico do Curso de Engenharia Florestal da UnC, bolsista de Iniciação
Científica(PIBIC/CNPq).Endereçoparacontato:[email protected].
UlissesdeArrudaCórdova
Engenheiro Agrônomo, mestre em Agroecossistemas, pesquisador da Epagri ‐
Estação
Experimental
de
Lages.
Endereço
para
contato:
[email protected].
291 ValdinhoPellin
GraduadoemEconomia.MestreeDoutorandoemDesenvolvimentoRegionalna
Universidade Regional de Blumenau. Pesquisador do Núcleo de Políticas
Públicas/FURB. Bolsista Capes Programa Doutorado Sanduíche. Endereço para
contato:[email protected].
ValdirRoqueDallabrida
Geógrafo, Doutor em Desenvolvimento Regional. Atua no Mestrado em
Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (Santa Catarina‐
Brasil).Endereçoparacontato:[email protected].
292 EstelivrofoicompostoemfonteCambria,11,
papelLuxCream70g.,comcapaempapelCartãoSupremo250g.
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eproduçãoambientalmenteresponsável.