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RELAÇÃO ENTRE DISTÚRBIOS METABÓLICOS E
REPRODUTIVOS EM VACAS LEITEIRAS
Álan Maia Borges1 e Telma da Mata Martins2
1. Professor Associado do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Escola de Veterinária
da UFMG. Contato: [email protected]
2. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, Escola de Veterinária da
UFMG. Contato: [email protected]
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, verifica-se elevado crescimento da
produtividade e do tamanho dos rebanhos leiteiros, visando atender a
crescente demanda mundial de leite e seus derivados. Em paralelo,
nota-se redução da eficiência reprodutiva, o que compromete o
desempenho atual dos laticínios, uma vez que a produção de leite
depende da capacidade da vaca se tornar gestante. As adaptações
metabólicas para a alta produção de leite e a elevada ocorrência de
doenças puerperais estão diretamente relacionadas com a redução da
fertilidade (Lucy, 2001). O objetivo dessa revisão é descrever
mecanismos que relacionam as ocorrências de distúrbios metabólicos
com as alterações reprodutivas de vacas leiteiras. Inicialmente, faremos
algumas considerações sobre o periparto, período no qual acontecem
os distúrbios metabólicos, e em seguida, descreveremos como essas
ocorrências interferem na fertilidade das vacas leiteiras, principalmente,
vacas de alta produção.
MONITORAMENTO DAS VACAS LEITEIRAS NO PERIPARTO
O periparto das vacas leiteiras é caracterizado por diminuição da
ingestão de alimentos e aumento súbito na demanda energética,
imposta pelo início de lactação. Vacas de alta produção recém-paridas,
geralmente, apresentam redução mais acentuada da ingestão de
alimentos e depressão do sistema imunológico, tornando-se altamente
suscetíveis ao estabelecimento de doenças após o parto (Butler, 2006;
Sordillo, 2009). A adoção de programas de controle, a identificação
precoce do animal doente e a adoção de cuidados para promover a sua
recuperação são primordiais para minimizar as consequências na
reprodução e na produção (Van Saun, 2000; Smith e Risco, 2005).
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Dentre os diversos parâmetros utilizados para monitorar a saúde
das vacas no periparto, a avaliação da condição corporal é a mais
recomendada. No pós-parto, o monitoramento também pode ser feito
por meio das avaliações de temperatura retal, comportamento dos
animais, produção de leite diária, exames de sangue, movimentos ruminais
e concentração de cetonas na urina ou no leite (Smith e Risco, 2005).
A avaliação do escore de condição corporal (ECC) é um método
de monitoramento não invasivo, subjetivo e rápido, baseado na
observação visual e tátil da quantidade de gordura armazenada nas
regiões caudal e dorsal, sendo atribuída pontuação específica a partir
de uma escala numérica (Edmonson et al., 1989; Waltner et al., 1993).
Variados parâmetros e escalas de pontuação foram criados para a
avaliação da condição corporal das vacas leiteiras. Para vacas
Holandesas, criou-se um método específico baseado numa escala de 1
a 5, na qual 1 equivale a uma vaca muito magra e 5, a um animal muito
gordo (Edmonson et al., 1989). Ruas et al. (2000) criou uma escala
mais simples, utilizada para avaliar a condição corporal de vacas
mestiças, que varia de 3 a 5, na qual 3 equivale a uma vaca magra e 5,
a uma vaca obesa.
Ao parto, vacas leiteiras de alta produção devem apresentar
reservas de tecido em quantidade suficiente para atender as demandas
energéticas e protéicas necessárias para a produção de leite no início
da lactação. A condição corporal ideal é aquela que favorece maior
produção de leite, minimiza os transtornos de saúde e os distúrbios
reprodutivos, maximizando o retorno econômico (Gearhart et al., 1990).
Utilizando-se como referência a escala de 1 a 5, recomenda-se que o
ECC ao parto de vacas leiteiras seja de 3,0 a 3,5. As lactações muito
curtas e o aumento do intervalo de partos podem favorecer a obesidade
ao parto, verificando-se aumento da deposição de gordura durante a
gestação ocorrida no final da lactação e durante o período seco (Jones
et al., 1993). A obesidade (ECC igual ou maior a 4,0) aumenta o risco
de ocorrência de distúrbios metabólicos, sendo que a perda de peso no
início da lactação está relacionada com queda na produção de leite e
subfertilidade (Butler, 2006). Vacas obesas tendem a ingerir menor
quantidade de alimentos após o parto e apresentar redução da condição
corporal mais acentuada (Waltner et al., 1993; Benedetti e Silva, 1997).
Para vacas de alta produção, alguns autores recomendam ECC
ao parto entre 2,75 e 3,0, com perda restrita a no máximo 0,5 unidade
durante o puerpério. Vacas que perdem mais de 0,5 unidade no ECC
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após o parto podem apresentar atraso no retorno da atividade ovariana
luteal cíclica. Portanto, o monitoramento da condição corporal antes,
durante e após o parto é essencial para predizer como será a
interferência desse período, caracterizado pela presença de balanço
energético negativo, no retorno do animal à reprodução (Rabelo, 2004;
Crowe, 2008).
Butler (2005) avaliou a influência da perda de condição corporal
no retorno da atividade ovariana luteal de três grupos de vacas leiteiras,
sendo que o grupo I perdeu até 0,5 unidade no ECC após o parto, o
grupo II perdeu entre 0,5 e 1,0 unidade, e o grupo III perdeu mais de 1
unidade. Os animais de cada grupo ovularam, em média, aos 30, 36 e
50 dias após o parto (Figura 1). Nesse mesmo estudo, a taxa de
concepção diminuiu 10% a cada 0,5 unidades perdidas no ECC.
Figura 1 - Associação entre a perda de escore de condição corporal e
a ocorrência da primeira ovulação no pós-parto de vacas
leiteiras. Fonte: Adaptado de Butler (2005).
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ALTERAÇÕES METABÓLICAS E REPRODUTIVAS EM VACAS
LEITEIRAS
Durante as últimas semanas que antecedem o parto, alterações
metabólicas e hormonais visam adaptar o organismo para o início da
lactação. À medida que o parto se aproxima, verifica-se aumento das
concentrações de glicocorticóides, somatotropina e prolactina. Por outro
lado, a concentração de progesterona diminui enquanto a de estrógeno
aumenta (Figura 2; Bell, 1995).
Figura 2 - Mudanças na concentração sérica de hormônios envolvidos
na homeorrese de vacas leiteiras no periparto. Fonte:
Adaptado de Bell (1995).
O aumento da produtividade dos rebanhos leiteiros tem
aumentado significativamente a demanda de nutrientes para a síntese
de leite. Quando o animal não apresenta aumento da ingestão de
alimentos para atender essa demanda, é necessário mobilizar reservas
corporais (Grummer, 1995). Esse mecanismo compensatório pode gerar
distúrbios metabólicos devido à redução drástica da ingestão de
alimentos ocorrida no periparto de vacas de alta produção (Figura 3;
Bertics et al., 1992).
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Figura 3 - Consumo de matéria seca (CMS) no periparto de vacas
leiteiras. Fonte: Adaptado de Bertics et al. (1992).
Muitas evidências confirmam que os hormônios metabólicos,
como a somatotropina ou o hormônio de crescimento (GH), a insulina,
os fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGFs I e II), a leptina,
dentre outros, exercem importantes papéis no controle da função
reprodutiva dos mamíferos, agindo como mediadores ou sinalizadores
dos efeitos da ingestão de alimentos e do balanço energético sobre a
fertilidade de bovinos (Gil, 2003). Seguem abaixo algumas
considerações sobre a influência de alterações metabólicas na
reprodução das vacas leiteiras.
O aumento da produção de leite está relacionado com a
elevação da concentração de GH, hormônio catabólico. Por meio dos
seus efeitos lipolíticos e diabetogênicos, o GH favorece a
disponibilidade de precursores para a síntese do leite, pois aumenta a
mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo e reduz a utilização de
glicose pelos tecidos periféricos ao diminuir a sensibilidade dos mesmos
à ação da insulina (Peel e Bauman, 1987; Bell, 1995). A redução da
sensibilidade pancreática à glicose implica queda na secreção de
insulina (Riis, 1983).
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Quando a mobilização de tecido adiposo é elevada, a taxa de
lipólise pode sobrepassar a de lipogênese, liberando maior quantidade
de ácidos graxos não esterificados (AGNEs) para a circulação. A
concentração plasmática de AGNEs começa a aumentar na última
semana da gestação, podendo ser utilizado como fonte de energia pela
glândula mamária e outros órgãos. No fígado, os AGNEs podem ser
oxidados para produção de energia, podem originar corpos cetônicos
(principalmente betahidroxibutirato, β-OHB), ou podem ser esterificados
com gliceróis e exportados como triglicerídeos. O fígado dos ruminantes
possui capacidade limitada para exportar triglicerídeos, sendo que a
maior mobilização em relação à baixa exportação leva ao acúmulo
hepático de gordura, predispondo o animal a doenças metabólicas (Bell
e Bauman, 1996; Head e Gulay, 2001). Vacas obesas tendem a apresentar
redução mais acentuada na ingestão de alimentos e maior mobilização de
tecido adiposo no pós-parto, portanto, são mais suscetíveis às ocorrências
de esteatose hepática e cetose (Reid et al., 1986).
As alterações metabólicas decorrentes da intensa mobilização
de reservas corporais e o prolongamento do período de balanço
energético negativo podem atrasar a ocorrência da primeira ovulação
após o parto. A influência do balanço energético negativo no retorno da
atividade ovariana luteal cíclica é devida ao atraso no aumento da
frequência e amplitude dos pulsos de gonadotropinas (FSH e LH) na
presença de altas concentrações de GH, AGNEs e corpos cetônicos, e
baixas concentrações de insulina, glicose e IGF-I (Figura 4; Bell e
Bauman, 1996).
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Figura 4 - Concentrações plasmáticas de somatotropina, insulina, ácidos
graxos não esterificados (AGNE) e fator de crescimento
semelhante à insulina tipo I (IGF-I), durante o período de
transição de vacas leiteiras. Fonte: Adaptado de Bell e
Bauman (1996).
O GH regula a síntese e a secreção hepática de IGF-I (Gong,
2002). Apesar da elevada concentração de GH circulante no início da
lactação, o fígado encontra-se refratário à ação desse hormônio,
implicando redução da concentração plasmática de IGF-I (Figura 5;
Spicer et al., 1990). O desacoplamento do eixo somatotrópico ocorrido
durante o período de balanço energético negativo está relacionado com
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a condição de hipoinsulinemia (Spicer et al., 1990; Lucy, 2003). Ao
contrário do observado em vacas leiteiras especializadas, vacas de
corte e, provavelmente, vacas mestiças leiteiras Holandês x Zebu, não
apresentam desacoplamento do eixo somatotrófico após o parto (Jiang
et al., 2005). As vacas mestiças leiteiras apresentam diferentes padrões
de mobilização de reservas corporais dependendo da estação de
parição e do plano nutricional adotado no pré-parto (Carvalho et al.,
2009).
Figura 5 - Concentração plasmática de IGF-I em vacas leiteiras em
balanço energético negativo ou positivo no período pós-parto.
Fonte: Adaptado de Spicer et al. (1990).
O IGF-I aumenta a sensibilidade dos folículos à ação das
gonadotropinas, promovendo o crescimento, a proliferação, a
diferenciação e a maturação das células foliculares (Beam e Butler,
1997; Scaramuzzi et al., 1999). As vacas que ciclam rapidamente
apresentam aumento precoce da concentração plasmática de IGF-I,
enquanto as vacas em anestro prolongado não exibem aumento da
concentração de IGF-I até a sétima semana após o parto (Figura 6;
Beam e Butler, 1997).
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Figura 6 - Concentração plasmática média de IGF-I em vacas leiteiras
ovulando ou não no período pós-parto. Fonte: Adaptado de
Beam e Butler (1997).
De maneira semelhante ao IGF-I, a insulina exerce importante
papel na resposta ovariana à ação das gonadotropinas, controlando o
desenvolvimento folicular. A insulina atua por meio da ligação a
receptores específicos localizados nas células da teca e da granulosa.
Dentre outros efeitos metabólicos, o estímulo do transporte de glicose
para o interior das células é um dos mais importantes, pois esse metabólito
é a principal fonte energética para os folículos (Rabiee et al., 1997).
O período de balanço energético negativo é caracterizado pela
redução na concentração circulante de insulina (Sinclair et al., 2002). A
baixa concentração plasmática de insulina pode implicar redução na
produção de androstenediona e estradiol, comprometendo a capacidade
dos folículos adquirirem receptores de LH e impedindo a ocorrência da
ovulação (Stewart et al., 1995). Além de agir diretamente nos ovários, a
insulina influencia na liberação do LH (Monget e Martin, 1997). Vacas
leiteiras alimentadas com dietas que promovem aumento da
concentração de insulina no pós-parto apresentam menor período de
serviço (Gong, 2002).
Mudanças nutricionais agudas e crônicas e redução da condição
corporal implicam em diminuição da síntese e secreção de leptina,
hormônio peptídico produzido pelos adipócitos, que age diretamente
sobre o hipotálamo, regulando a ingestão de alimentos, o balanço
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energético, a termogênese e a fertilidade. Em vacas leiteiras, a
concentração de leptina encontra-se positivamente correlacionada com
as concentrações de insulina e glicose, e negativamente correlacionada
com as concentrações de GH e AGNE. Durante o período de balanço
energético negativo, ocorre diminuição na síntese e na secreção de
leptina, o que contribui para a inibição da secreção de GnRH. Após a
recuperação da condição corporal, o aumento da concentração de
leptina circulante estimula a secreção de GnRH e auxilia no retorno da
atividade ovariana luteal cíclica (Williams et al., 1999; Williams, 2001).
DISTÚRBIOS METABÓLICOS E REPRODUTIVOS EM VACAS
LEITEIRAS DE ALTA PRODUÇÃO
A partir da década de 90, os estudos sobre a redução da
fertilidade das vacas leiteiras de alta produção começaram a relacionar
as alterações ocorridas no desenvolvimento folicular durante o período
de balanço energético negativo, com a menor qualidade dos oócitos e
embriões, e, consequentemente, com a diminuição das taxas de
concepção (Britt, 1992; O’Callanghan e Boland, 1999). A menor
qualidade dos oócitos e embriões é resultante das condições adversas
às quais os folículos foram expostos durante o balanço energético
negativo, já que a foliculogênese pode durar até 60 dias. A produção de
progesterona pelo corpo lúteo formado a partir do folículo ovulatório
exposto a condições adversas também se encontra comprometida
(Figura 7; Britt, 1992).
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Figura 7 - Os folículos ovulatórios no pós-parto foram numerados de 1
a 6 e cada um originou um corpo lúteo. O primeiro e o
segundo
folículos
ovulatórios
começaram
seu
desenvolvimento durante a lactação anterior ou no período
seco, quando as condições metabólicas eram desejáveis.
Ao contrário, o terceiro, o quarto e o quinto folículos
desenvolveram durante o período de balanço energético
negativo e, consequentemente, foram expostos aos efeitos
prejudiciais das alterações metabólicas ocorridas no pósparto. Fonte: Adaptado de Britt (1992).
Como descrito anteriormente, o período de balanço energético
negativo é caracterizado pelos baixos níveis de glicose, insulina e IGF-I
e pela menor frequência dos pulsos de LH. Em conjunto, estes fatores
limitam a produção de estrógeno pelo folículo dominante, diminuindo a
qualidade dos oócitos, a capacidade de desenvolvimento do embrião e
a concentração plasmática de progesterona (Butler, 2003). Os estudos
de Sartori (2002) e Sartori et al. (2002) demonstraram que os embriões
de novilhas e vacas secas são de melhor qualidade que os embriões de
vacas em lactação, o que pode justificar, pelo menos em parte, a
subfertilidade, as menores taxas de concepção e a alta mortalidade
embrionária precoce em animais lactantes.
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Existem correlações significativas entre a constituição plasmática
e o fluido intrafolicular, quanto à presença de glicose, AGNE, β-OHB,
dentre outros. As alterações metabólicas ocorridas durante o período de
balanço energético negativo modificam a composição do fluido
intrafolicular, afetando a qualidade das células da granulosa. As células
da granulosa são de extrema importância para a esteroidogênese e o
controle dos processos reprodutivos. As alterações metabólicas também
são prejudiciais para as células do cummulus oophorus e para o oócito
(Leroy, 2005, Vanholder et al., 2005). A menor qualidade dos oócitos e
o comprometimento ao desenvolvimento embrionário podem ser
resultados de alterações no desenvolvimento folicular, no ambiente
uterino e nas tubas. Os embriões de vacas leiteiras de alta produção
contêm 45% a mais de lipídeos que os de vacas secas. O maior
conteúdo lipídico está associado com a alta sensibilidade embrionária
ao estresse oxidativo, menor função mitocondrial e menor capacidade
de sobreviver após o congelamento (Figura 8; Leroy, 2005).
Figura 8 - Esquema dos possíveis mecanismos pelas quais a qualidade
do embrião pode ser prejudicada em vacas leiteiras de alta
produção. Fonte: Adaptado de Leroy (2005).
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As mudanças ocorridas na fisiologia reprodutiva das vacas
leiteiras de alta produção também podem estar relacionadas com a
maior intensidade do metabolismo dos hormônios esteróides no fígado
(Wiltbank et al., 2006). A maior quantidade de matéria seca ingerida e a
alta densidade energética da dieta aumentam o fluxo sanguíneo
intestinal e hepático das vacas em lactação (1.561 ± 57 litros/hora)
quando comparadas com as vacas secas de porte semelhante, 747 ±
47 litros/hora (Sangsritavong et al., 2002). O aumento do metabolismo
hepático dos esteróides nas vacas leiteiras de alta produção pode estar
relacionado com a redução da duração do estro (Figura 9), o aumento
na taxa de ovulações múltiplas (Figura 10), a maior incidência de
animais que não manifestam o estro, o aumento no tamanho do folículo
ovulatório e a menor sobrevivência embrionária inicial (Sangsritavong et
al., 2002; Sartori, 2002; Wiltbank et al., 2006).
Figura 9 - Relação entre o nível de produção de leite e a duração do estro
de vacas leiteiras. Fonte: Adaptado de Wiltbank et al. (2006).
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Figura 10 - Relação entre o nível de produção de leite e a incidência de
ovulações múltiplas em vacas leiteiras. Fonte: Adaptado de
Wiltbank et al. (2006).
ESTRATÉGIAS DE MANEJO QUE VISAM MINIMIZAR AS
OCORRÊNCIAS DE DISTÚRBIOS METABÓLICOS E
REPRODUTIVOS
Em rebanhos de alta produção bem manejados, a maioria das
vacas apresenta retorno da atividade ovariana luteal cíclica entre duas e
quatro semanas após o parto. Estimular a máxima ingestão de
alimentos após o parto é importante para minimizar a perda de condição
corporal, diminuir a ocorrência de distúrbios metabólicos e adiantar o
retorno da atividade ovariana luteal cíclica (Britt, 1992; Grimard et al.,
1995; Butler, 2006; Crowe, 2008). Uma das estratégias de manejo
utilizadas para estimular o consumo de ingestão de matéria seca
consiste em fornecer alimentação fresca várias vezes ao dia. O
aumento do consumo implica menor intervalo do parto à primeira
ovulação e maior produção de leite (Stevenson, 2006).
A proporção de vacas que não apresentam retorno da atividade
ovariana luteal cíclica em seis semanas após o parto é um bom
indicador da nutrição adequada de um rebanho. Se essa taxa
ultrapassar 25%, a dieta dos animais deve ser examinada com cuidado,
visando adotar estratégias para minimizar o balanço energético negativo
(Britt, 1992). Além de maximizar a ingestão de alimentos no periparto, o
aumento da disponibilidade de nutrientes gliconeogênicos e lipogênicos
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tem sido considerado uma boa tática para melhorar o balanço
energético e diminuir a incidência de distúrbios metabólicos e
reprodutivos (Artunduaga et al., 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão das alterações que ocorrem no metabolismo das
vacas leiteiras no final da gestação e no início da lactação é primordial
para estabelecer mudanças no manejo com o objetivo de minimizar
interferências negativas na reprodução e na produção. As adaptações
metabólicas ocorrem em todos os animais, inclusive naqueles com boa
condição corporal. No entanto, essas alterações são mais intensas nos
casos de deficiências nutricionais. Vacas magras e vacas obesas
recém-paridas apresentam balanço energético negativo prolongado e
mais intenso, portanto, são mais suscetíveis às ocorrências de
distúrbios metabólicos e reprodutivos. Alterações nas concentrações de
somatotropina, ácidos graxos não esterificados, insulina, glicose, fator
de crescimento semelhante à insulina tipo I, leptina, dentre outros
hormônios e metabólitos, estão relacionadas com as ocorrências de
distúrbios reprodutivos, principalmente em vacas de alta produção,
devido às interferências no eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano e no
eixo somatotrófico. A redução da fertilidade desses animais é
decorrente das influências na qualidade dos folículos, dos oócitos, do
corpo lúteo e do ambiente uterino, que resultam em baixas taxas de
concepção e menor sobrevivência embrionária. É necessário realizar
mais estudos com vacas mestiças leiteiras, pois esses animais
apresentam particularidades ainda não esclarecidas em relação às
ocorrências de distúrbios metabólicos e reprodutivos.
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256 - 2nd International Symposium of Dairy Cattle

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