Ambiente Virtual em 3D no Auxílio ao Diagnóstico Cognitivo
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Ambiente Virtual em 3D no Auxílio ao Diagnóstico Cognitivo
Ambiente Virtual em 3D no Auxílio ao Diagnóstico Cognitivo Luciana I. Domingos1, Carlos Alberto da Silva Franco2 1 NCE /IM– Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Cidade Universitária – Rio de Janeiro – RJ – Brazil 2 DCC/IM – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) [email protected],[email protected] Abstract. In this paper is outlined a virtual environment used to facilitate the clinical diagnostic of ADHD (Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder). Theoretical bases and technical aspects was used in order to develop a graphical interface, a 3D´s virtual environment, that enable a specialist in his analysis of an individual behavior dealing with daily activities inside his home. The language used for modeling was VRML (Virtual Reality Modeling Language). Resumo. Neste artigo é apresentado um ambiente virtual para auxiliar no Diagnóstico, em especial, em pessoas portadoras do TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e Impulsividade). Foi utilizada uma fundamentação teórica e questões técnicas para o desenvolvimento de uma interface gráfica, um ambiente virtual em 3 dimensões que promova, com a observação do especialista, a análise comportamental de uma pessoa frente aos obstáculos cotidianos dentro de “seu próprio lar”. A linguagem utilizada para a modelagem do mundo virtual foi VRML (Virtual Reality Modeling Language ). 1. Introdução Nos diferentes distúrbios cerebrais, existe uma necessidade de ferramentas para a reabilitação que estimulem o processo cognitivo das pessoas atingidas e, antes deste, avalie o distúrbio através, também, de ferramentas que possam auxiliar onde o especialista não pode alcançar por algum motivo. Recentemente, foi reconhecido que o potencial da Realidade Virtual (RV) para o estudo e reabilitação das habilidades funcionais/cognitivas humanas é necessário e considerada uma área em crescente exploração. Exercícios de reabilitação cognitiva ainda são aplicados através de formulários impressos, vídeos, fitas de áudio ou sistemas para computador feitos em 2 dimensões capazes de representar situações nas quais o paciente pode se concentrar, interagir, raciocinar, tomar decisões, entender o discurso corrente e expressar sentimentos e pensamentos. Hoje, o computador, dotado de meios auxiliares de interface de vídeo, áudio, animação, em conjunção com a tecnologia de Realidade Virtual (RV), torna-se um instrumento fundamental no apoio a programas de diagnóstico, além da reabilitação cognitiva. Programas de reabilitação visam desenvolver as potencialidades e diminuir as limitações destas pessoas, buscando desenvolver suas potencialidades físicas, mentais e sensoriais por meio da ajuda técnica proporcionada por diferentes modalidades de software [Costa e colaboradores, 2000]. Através de software especialmente projetado para este fim, podem ser criadas as mais diversas situações cotidianas reduzindo o nível de ansiedade do paciente no trato de eventos novos, reações emocionais podem ser observadas ou estimuladas e problemas serem propostos de maneira variada. O objetivo do projeto foi desenvolver uma interface gráfica em 3 dimensões (3D) para o Diagnóstico Cognitivo, um Ambiente Virtual (AV) para ajudar no acompanhamento de pacientes com provável Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH).Visto que a imersão proporcionada pela RV é bastante positiva, o diagnóstico de determinados transtornos, através desta, tende a ser estudado. 2. Realidade Virtual Pode-se dizer, de uma maneira simplificada, que Realidade Virtual (RV) é a forma mais avançada de interface do usuário com o computador até agora disponível [Hancoch, 1995]. Realidade Virtual trata-se de uma interface que simula um ambiente real e permite aos participantes interagirem com o mesmo [Latta and Oberg, 1994], permitindo às pessoas visualizarem, manipularem e interagirem com representações extremamente complexas [Aukstakalnis and Blatner, 1992]. Aplicações da tecnologia de RV vêm sendo utilizadas em várias áreas do conhecimento através do desenvolvimento de projetos piloto, que visam, principalmente, discutir e experimentar as possibilidades oferecidas por esta tecnologia e onde se destacam, por seus resultados positivos, as experiências na educação e na medicina. Nestes contextos, a RV se apresenta como uma poderosa ferramenta para simular novos ambientes e situações, oferecendo uma nova abordagem para velhas questões e aumentando a eficiência de metodologias consolidadas [Pugnetti and cols., 1995]. A interface em RV envolve um controle tridimensional altamente interativo de processos computacionais. O usuário entra no espaço virtual das aplicações e visualiza, manipula e explora os dados da aplicação em tempo real, usando seus sentidos, particularmente os movimentos naturais tridimensionais do corpo. A grande vantagem é que o conhecimento intuitivo do usuário sobre o mundo físico pode ser transportado para o mundo virtual. [Kirner, 1996]. O computador e o Ambiente Virtual (AV) servem de estímulo para atrair a atenção das crianças e adultos, pois mesmo pessoas autistas, que têm como característica principal o desligamento do mundo real, são fascinadas pelos computadores [Brown and others, 1997]. A RV também pode ser caracterizada pela coexistência integrada de três idéias básicas: imersão, interação e envolvimento [Morie, 1994]. A idéia de imersão está ligada ao sentimento de fazer parte do ambiente. Normalmente, um sistema imersivo é obtido com o uso de capacete de visualização, ou cavernas: sistemas de imersão baseados em salas com projeções das visões nas paredes, teto, e piso [Cruz-Neira, 1998]. Além do fator visual, dispositivos ligados aos demais sentidos também são importantes para o sentimento de imersão, como o som [Begault, 1994][Gradecki, 1994], o posicionamento automático da pessoa e dos movimentos da cabeça, controles reativos, etc. Em Rizzo [Rizzo, 1997] também foram avaliados ambientes 3D simulados em uma tela plana de um monitor e consideraram que, apesar do baixo nível de imersão, os resultados encontrados até hoje são bastante promissores. O objetivo do presente trabalho foi desenvolver uma interface gráfica para o Diagnóstico Cognitivo, um Ambiente Virtual para ajudar no acompanhamento de pacientes com provável Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) transtorno neurobiológico, causado por uma disfunção cerebral que torna a pessoa incapaz de pensar claramente, de ter um humor estável, de manter as fantasias e impulsos sob controle, de estar satisfatoriamente motivada na vida e de regular essa energia na proporção correta, dentro da situação em que se encontra . O Ambiente Virtual em 3 dimensões proposto permite a iteração do paciente através do desenvolvimento de atividades cotidianas que, uma vez propostas pelo especialista, serão avaliadas a priori quanto ao estímulo de suas cognições: coordenação motora, persistência, memorização, atenção, percepção, e, principalmente, a sua organização mental para percorrer as instruções que serão dadas pelo especialista em tarefas do diaa-dia. 3. Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade Problemas relacionados com falta de atenção, hiperatividade e impulsividade resultam de um desenvolvimento não adequado e causam dificuldades na vida diária. O TDAH é um distúrbio biológico/psicológico/social, isto é, parece haver fortes fatores genéticos, biológicos, sociais e vivenciais que contribuem para a intensidade dos problemas experimentados. Diagnóstico precoce e tratamento adequado podem reduzir drasticamente os conflitos familiares, escolares, comportamentais e psicológicos vividos por essas pessoas. Acredita-se que, através de diagnóstico e tratamento corretos, um grande número dos problemas, como repetência escolar e abandono dos estudos, depressão, distúrbios de comportamento, problemas vocacionais e de relacionamento, bem como abuso de drogas, podem ser adequadamente tratados ou, até mesmo, evitados. O TDAH é um distúrbio habitualmente de longa duração, freqüentemente se estendendo até a idade adulta e se manifesta por combinação de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Um paciente pode manifestar sintomas de um grupo preponderando sobre os demais, outro pode apresentar sintomas característicos de cada categoria. Cada caso é um caso e é assim que é considerado todo paciente acometido de TDAH. As pessoas com TDAH até podem saber o que deve ser feito, mas não conseguem fazer aquilo que sabem devido à inabilidade de realmente poder parar e pensar antes de reagir, não importando o ambiente ou a tarefa. Foi comprovado que o TDAH se instala,antes dos 7 anos de idade, em torno de 5% da população em idade escolar e 60% desta será um adulto com o transtorno. . Foi tratada com maior relevância a Atenção/Desorganização pois é o motivo de maior preocupação, ou descontentamento por parte de quem é acometido pelo distúrbio. A avaliação da atenção é subdividida em atenção focada, contínua e dividida. Contudo dois outros processos cognitivos que também se avaliam e que estão relacionados com a atenção são organização do processamento e a memória imediata [Rohde, Mattos e colaboradores., 2003]. Os testes realizados até então não consideram a amplitude dos vários estímulos que ocorrem num ambiente real. Quanto maior a imersão e a realidade do mundo físico, maior será o acompanhamento das respostas dos observados. É sabido, também, que influências de ordem psicológicas podem ocorrer, assim, qualquer patologia deve ser vista sob uma dupla polaridade biológica/psicológica. Não só a questão estrutural deve ser alvo de investigação e acompanhamento como também a dinâmica evolutiva. Esta, é decisiva para o enfoque terapêutico pois certamente ditará o grau de severidade do comprometimento e guiará os prognósticos acerca de cada paciente, individualmente, já que a resposta de cada um é distinta das demais [ Domingos e colaboradores., 2003]. 4. Ambiente Virtual Proposto Considerando os vários aspectos contemplados , um ambiente virtual foi proposto e tem como objetivo disponibilizar uma ferramenta interativa para o TDAH. O sistema foi construído com a linguagem VRML e terá como seu foco a análise sobre a desorganização ou falta de atenção apresentada no decorrer do dia ativo de uma pessoa . Não serão impostos jogos com determinado objetivo e sim uma simulação da vida diária, na parte da manhã, de uma pessoa. Segundo Mattos [Mattos, 2006] apesar da desatenção ser o núcleo do transtorno (e inclusive dando nome a enfermidade), ela com freqüência não é a queixa principal, que tende a ser o esquecimento de inúmeras coisas na vida cotidiana. A memória depende do perfeito funcionamento da atenção para que os processos de aquisição, armazenamento e recuperação de material possa ocorrer. Surpreendentemente, alguns adultos com TDAH têm memória excelente, apesar de apresentarem todos os demais sintomas do transtorno, como desatenção, desorganização, impulsividade, intolerância a contextos monótonos e repetitivos e falta de planejamento 4.1. VRML O VRML é uma linguagem de descrição de cenas 3D interativas e que descreve também um formato lógico de ficheiro que integra gráficos 3D e elementos multimídia. A linguagem está normalizada internacionalmente através da norma ISSO /IEC 14772, neste caso para a versão VRML97. Os objetos do mundo a sintetizar são carregados numa estrutura hierárquica denominada grafo da cena, que define uma relação hierárquica entre objetos/nós pai e filhos. Esta organização estrutural permite otimizar o processo de rendering e as otimizações de cálculo, que o sistema de visualização tem que realizar. O VRML pode ser utilizado em diferentes tipos de ambientes: Internet, Intranet e sistemas clientes locais, e pode ser utilizado em diferentes áreas como sejam a engenharia, a visualização científica, apresentações multimídia, entretenimento, aplicações para a educação, páginas web e mundos virtuais partilhados. O VRML foi desenhado para cumprir os seguintes requisitos: autoria, re-usabilidade, extensibilidade, portabilidade e escalabilidade. 4.2. O AMBIENTE O ambiente feito em 3D é representado como um espaço que simula o cotidiano na parte da manhã . O especialista poderá observar o seu paciente como se estivesse acompanhando-o em seu ambiente real. A idéia é fazer com que o paciente não precise falar sobre o seu dia- a -dia , ou alguém por ele, pois pode omitir ou esquecer de detalhes que possam ser significantes à avaliação, no caso do diagnóstico. O ambiente servirá como apoio ao que é dito, acrescentando ou reforçando o diálogo e a observação do paciente no consultório. No ambiente virtual, o interior da casa é composta de recintos como a de um lar comum da maioria das pessoas: com um quarto, sala, cozinha e banheiro. Todos os cômodos possuem suas respectivas mobílias e funções. O lar é composto por áreas funcionais que constituem a estrutura orgânica do edifício, entendendo-se por áreas funcionais, o conjunto de compartimentos e espaços necessários para realizar funções específicas. O usuário, a princípio, quando iniciar o uso do ambiente, se verá saindo da cama, poderá escolher suas roupas para vestir (figura1). Existem peças de todo o tipo, inclusive sapatos para trabalhar ou para o lazer. Figure 1. Quarto – saindo da cama em direção ao armário O usuário poderá também escovar os dentes, tomar banho (figura2), ligar e desligar o computador, fazer as torradas e tomar seu café (figura 3), escolher uma fruta na geladeira, ligar o microondas, atender ao telefone, dar comida ao seu animal de estimação. O especialista se encarrega de determinar as tarefas e o usuário tentará obedecer de acordo com suas possibilidades e organização. Além das áreas já descritas poderá ser utilizada a área externa da casa (figura 4), composta de jardim, quitanda, estrada, prédios que poderão ser acrescentados como áreas funcionais. Ou seja, áreas que poderão ser utilizadas para observações assim como o interior da casa está sendo. Figure 2. Chuveiro Figure 3. Preparando as torradas e o café Figure 4. Vista externa da casa 5. Conclusões Desenvolver estratégias de intervenção na área de diagnósticos cognitivos e suprir as necessidades de interação com o paciente através de sistemas de RV se faz necessário. O modelo tal como concebido, mostrou-se adequado ao propósito. Alguns testes, mostraram a sensibilidade do modelo às interações esperadas. Agora os esforços estão dirigidos para testar o software em ambiente terapêutico, com um especialista em pleno exercício de suas atividades. Espera-se como resultados, a coleta de novos requisitos , a fim de prover o modelo com as novas funções ainda por serem capturadas e analisadas. Como protótipo, o sistema cumpriu os objetivos. De fato captura e trabalha a atenção e permite fácil manipulação de suas funções. Os testes feitos com pessoas que se dizem desorganizadas foram satisfatórios, demonstrando que a pessoa desorganizada se distrai com qualquer estímulo externo/interno não conseguindo completar a tarefa em tempo estimado. O Diagnóstico/ Reabilitação com ferramentas virtuais abre novas possibilidades de abordagens terapêuticas para o sujeito acometido pelo TDAH. É possível expandir o modelo para outras anomalias do domínio psicopatológico, contudo cada caso é um caso e o mais adequado é que seja feito um estudo aprofundado das características do paciente a fim de se produzir ambientes virtuais que operem no sentido do diagnóstico e cura. A RV mostra-se viável para aplicação ao domínio cognitivo, não só para os casos patológicos, como também como elemento estimulador das atividades mentais dos sujeitos ditos normais. O mundo real tem muito a dizer sobre si, o mundo das interações sociais jamais caberia num sistema virtual, mas a pós-modernidade caminha na direção da interatividade, da atividade experimental, da descoberta do outro como espelho de nós mesmos. Assim, faz-se mister que equipes multidisciplinares comecem a estudar profundamente a questão a fim de dar curso adequado aos esforços de desenvolvimento de tecnologia voltadas para o benefício do homem, enquanto bem comum. É preciso aliar a tecnologia ao pensar pedagógico, neuropsicológico e médico, e dar curso a novas soluções de diagnóstico e reabilitação. A RV parece candidata de grande potencial, desde que não faça o humano curvar-se às maravilhas dos domínios virtuais, ao contrário, cabe a nós a tarefa de apontar bons usos para a RV. 7. Referências Costa, R. 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