apelação criminal nº 5 - Tribunal de Justiça Militar do Estado de São

Transcrição

apelação criminal nº 5 - Tribunal de Justiça Militar do Estado de São
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos da
Apelação nº 2.324/11, em que é apelante a FAZENDA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO e apelados LUIS CARLOS ANGELON, exSoldado PM RE 941672-2, e VALDEMIR JOSÉ DA SILVA, ex-Soldado PM
RE 970671-2,
ACORDAM, os Juízes da Primeira Câmara do
Tribunal de Justiça Militar do Estado, à unanimidade de votos, em dar
provimento ao apelo fazendário, de conformidade com o relatório e voto do
Relator, que ficam fazendo parte do acórdão. Prejudicado o reexame
necessário.
O julgamento teve a participação dos Juízes
EVANIR FERREIRA CASTILHO (Presidente e Revisor) e PAULO ADIB
CASSEB.
São Paulo, 13 de dezembro de 2011
FERNANDO PEREIRA
Relator
( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 2 )
Apelação nº 2.324/11
Apelante: Fazenda Pública do Estado de São Paulo
Procuradora do Estado: Drª. Rita de Cássia Paulino – OAB/SP 117.260
Apelados: LUIS CARLOS ANGELON, ex-Sd PM 941672-2
VALDEMIR JOSÉ DA SILVA, ex-Sd PM 970671-2
Advogado: Dr. Roberto Aparecido Fernandes – OAB/SP 244.683
(Ação Ordinária nº 3.199/09 – 2ª Auditoria Militar)
POLICIAL MILITAR – Pedido de anulação de ato de
expulsões com a consequente reintegração aos cargos –
Decisão proferida em primeiro grau julgando
procedente a ação – Apelo da Fazenda Pública
pugnando pela reforma da Sentença e manutenção da
sanção – Independência das esferas penal e
administrativa – Limites dos efeitos da absolvição em
processo-crime no âmbito administrativo – Absolvição
por ausência de prova não tem o condão de repercutir
na decisão administrativa – Conjunto probatório apto
a justificar a imposição da punição – Ausência de
irregularidade
e/ou
ilegalidade
no
processo
administrativo disciplinar – Recurso de apelação que
comporta provimento.
Luis Carlos Angelo, ex-Soldado PM RE 9416722, e Valdemir José da Silva, ex-Soldado PM RE 970671-2, ingressaram com
ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, pleiteando a anulação de ato
do Comandante Geral da Polícia Militar exarado no Conselho de Disciplina nº
SubcmtPM-004/308/07, que os expulsou das fileiras da Corporação, por
fundar-se em motivação falsa e não amparada pelos autos do citado feito, e
ainda, pelo perfeito amoldamento da situação dos autores ao que impõe a
aplicação do disposto no artigo 138, § 3º, da Constituição Estadual, diante de
suas absolvições transitadas em julgado na esfera penal, com fulcro no artigo
439, alínea “c”, do CPPM, que abarcou a íntegra da acusação administrativa,
com suas reintegrações aos cargos que exerciam, mais o pagamento de todos
os salários, vantagens e promoções relativos ao período em que
permaneceram fora do serviço público, com encargos moratórios legais e
averbações, bem como a condenação da ré aos ônus de sucumbência (fls.
02/30, acompanhada dos documentos de fls. 33/82).
O pedido de tutela antecipada foi indeferido pelo
Juízo a quo (fls. 83/84), seguindo-se a contestação da ré, encartada às fls.
95/102 (mais documentos de fls. 103/114), onde requereu a improcedência da
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 3 )
ação, com a condenação dos autores aos ônus da sucumbência. Réplica às fls.
117/120.
O Juiz de Direito da 2ª Auditoria Militar julgou
procedente a demanda, para anular a decisão de expulsão dos autores,
determinando suas reintegrações às fileiras da Polícia Militar, com o
restabelecimento da situação em que estariam, caso a decisão administrativa
não houvesse sido proferida e condenou a ré ao pagamento dos vencimentos e
vantagens pecuniárias, acrescidos de juros e correção, mais o cômputo do
tempo em que permaneceram afastados, além de honorários advocatícios (fls.
122/136).
Inconformada, apelou a Fazenda Pública,
apresentando suas razões às fls. 139/148, pretendendo o reconhecimento da
improcedência da ação, com a inversão dos ônus decorrentes da sucumbência,
sustentando, para tanto, em síntese, que:
a) a absolvição fundamentada no artigo 439,
alínea “c”, do CPPM, não é apta a fundamentar os pedidos de reintegração
aos quadros da Corporação, permanecendo válidos os motivos para a
decretação da improcedência dos pedidos porquanto os argumentos dos
apelados em nada desqualificam os atos de exclusão impugnados, destacando,
ainda, os termos da Súmula 18 do E. Supremo Tribunal Federal;
b) nada foi comprovado de forma a demonstrar a
inocorrência das condutas irregulares no âmbito administrativo disciplinar,
restando demonstradas a materialidade e a autoria da infração disciplinar de
parte de ambos os autores, sendo robusto e coeso o conjunto probatório do
administrativo;
c) ainda que assim não fosse, certo é de rigor o
presente apelo ao menos para a finalidade de fixação dos acréscimos nos
termos das disposições do artigo 1º-F, da Lei Federal nº 9.494/97, na redação
dada pela Lei Federal nº 11.960/09, bem como a reforma dos honorários
advocatícios, conforme o disposto no § 4º do artigo 20, do CPC.
Em suas contrarrazões (fls. 251/259) os apelados
pleitearam que seja negado provimento ao apelo, mantendo-se a Sentença
recorrida, reiterando a alegação de submissão do decisório administrativo ao
do Juízo criminal, bem como apontando que a apelante não demonstrou o
aventado resíduo administrativo.
Os presentes autos foram recebidos neste Tribunal
e distribuídos ao Relator (fls. 162/163).
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 4 )
É o relatório.
Saliente-se, inicialmente, a independência das
esferas penal, civil e administrativa, não se verificando, no caso em pauta,
qualquer ilegalidade e/ou irregularidade no fato de na esfera penal militar os
autores terem sido absolvidos, enquanto que na esfera administrativa foram
alvo da aplicação da sanção de expulsão.
Não se deve confundir o poder disciplinar,
exercido pela Administração, com o poder punitivo do Estado, aplicado por
intermédio da Justiça Criminal.
A absolvição na esfera penal militar, no Processo
nº 44.851/06, que tramitou pela 1ª Auditoria Militar, cuja cópia da Sentença
consta das fls. 33/81, não teve o condão de abalar a responsabilização dos
então Soldados PM Luis Carlos Angelon e Valdemir José da Silva no âmbito
administrativo, bem porque, se por um lado a decisão absolutória foi proferida
com base na alínea “c” do artigo 439 do Código de Processo Penal Militar,
isto é, “não existir prova de ter o acusado concorrido para a infração penal”, o
que revela um juízo de dúvida e não de certeza ― ainda que a Sentença tenha
indevidamente procurado se imiscuir no mérito da existência ou não de
motivação suficiente para a aplicação de sanção no âmbito administrativo ―,
por outro, de forma diversa do sustentado pelos autores, o ato de expulsão
praticado pelo Comandante Geral da Polícia Militar se revelou devidamente
fundamentado e motivado.
A questão sobre a repercussão no âmbito
administrativo da decisão absolutória proferida na esfera penal está pacificada
na jurisprudência, podendo, dentre os inúmeros julgados que tratam do tema,
serem destacados os seguintes:
“São independentes as instâncias penal e administrativa, só
repercutindo aquela nesta quando se manifesta pela inexistência material
do fato ou pela negativa de sua autoria. Precedentes do STF” (STF – TP
– MS 22.438 – Relator Ministro Moreira Alves – j. 20.11.97 – RTJ
166/171).
“1. A doutrina e a jurisprudência pátrias, com base numa
interpretação consentânea com a previsão do artigo 935 do Código Civil
e 66 do Código de Processo Penal, firmaram a tese segundo a qual
apenas nos casos de absolvição criminal por inexistência do fato ou
negativa de autoria afastar-se-á a responsabilidade administrativa.
2. Em se tratando de absolvição por ausência de provas, não há
ilegalidade da pena administrativa de demissão uma vez que, ressalvadas
nas mencionadas hipóteses, as esferas criminal e administrativa são
independentes. Precedentes” (STJ - Sexta Turma – RMS 10.496 –
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 5 )
Relatora Ministra Maria Theresa de Assis Moura – j. 21.09.06 – DJU
09.10.06).
Mais recentemente, precisamente no último dia 15
de setembro, o C. Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de
referendar esse entendimento quando do julgamento do Recurso Especial nº
1.028.436/SP, que teve como Relator o Ministro Adilson Vieira Macabu
(Desembargador convocado do TJ/RJ), apreciando justamente decisão
proferida por esta Câmara em 27.06.2007 (Apelação Cível 417/05), tendo
nesta oportunidade a Quinta Turma daquele Tribunal Superior, por
unanimidade, assim se pronunciado:
“ADMINISTRATIVO. MILITAR. RECURSO ESPECIAL. POLICIAL
MILITAR. MANDADO DE SEGURANÇA. REINTEGRAÇÃO AO
CARGO. SENTENÇA ABSOLVITÓRIA COM FUNDAMENTO NO
ART. 439, C, DO CPPM. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUSÊNCIA.
1. O STJ pacificou entendimento no sentido de que a absolvição na esfera
criminal, por ausência de prova nos autos relativa ao fato de ter o
acusado concorrido para a infração penal, não tem o condão de excluir a
condenação administrativa.
2. Recurso especial a que se nega provimento”.
Na doutrina, Odete Medauar, na obra “Direito
Administrativo Moderno”, Revista dos Tribunais, 2006, 10ª ed., p. 311,
sustenta que:
“Caso a absolvição na ação penal se fundamente na ausência de
prova do fato, ausência de prova da autoria, ausência de prova
suficiente para a condenação, não constituir o fato infração penal, não
trará consequências no âmbito administrativo. Isso porque a falta ou
insuficiência de provas para fins penais não implica necessariamente falta
ou insuficiência de provas para caracterizar a conduta como infração
administrativa; e o fato que não constitui infração penal pode constituir
infração administrativa disciplinar”.
Com extrema precisão e clareza, Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, na sua obra “Direito Administrativo”, Editora Atlas, 2008,
21ª ed., p. 582, assim se posiciona sobre o assunto:
“Repercutem na esfera administrativa as decisões absolutórias
baseadas nos incisos I e V; no primeiro caso, com base no artigo 935 do
Código Civil e, no segundo, com esteio no artigo 65 do Código de
Processo Penal.
Não repercutem na esfera administrativa:
1. a hipótese do inciso III, porque o mesmo fato que não constitui
crime pode corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito
administrativo é menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço da
tipicidade que caracteriza o crime;
2. as hipóteses dos incisos II, IV e VI, em que a absolvição se dá
por falta de provas; a razão é semelhante à anterior: as provas que não
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 6 )
são suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser
suficientes para comprovar um ilícito administrativo”. (destaquei)
Cabe aqui esclarecer que o Código de Processo
Penal (CPP) e o Código de Processo Penal Militar (CPPM), até recentemente,
tratavam de forma similar as situações nas quais pode ser reconhecida a
absolvição, e havia direta correspondência entre elas, a saber:
a) inciso I do artigo 386 do CPP (“estar provada a
inexistência do fato”) e primeira parte da alínea “a” do artigo 439 do CPPM
(“estar provada a inexistência do fato”);
b) inciso II do artigo 386 do CPP (“não haver
prova da existência do fato”) e segunda parte da alínea “a” do artigo 439 do
CPPM (“não haver prova da sua existência”);
c) inciso III do artigo 386 do CPP (“não constituir
o fato infração penal”) e alínea “b” do artigo 439 do CPPM (“não constituir o
fato infração penal”);
d) inciso IV do artigo 386 do CPP (“não existir
prova de ter o réu concorrido para a infração penal”) e alínea “c” do artigo
439 do CPPM (“não existir prova de ter o acusado concorrido para a infração
penal”);
e) inciso V do artigo 386 do CPP (“existir
circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena”) e alínea “d” do
artigo 439 do CPPM (“existir circunstância que exclua a ilicitude do fato ou a
culpabilidade ou imputabilidade do agente”);
f) inciso VI do artigo 386 do CPP (“não existir
prova suficiente para a condenação”) e alínea “e” do artigo 439 do CPPM
(“não existir prova suficiente para a condenação”).
No entanto, a Lei nº 11.690, de 09.06.2008,
alterou alguns dispositivos do artigo 386 do Código de Processo Penal,
procurando deixar mais clara a situação pela qual é reconhecida a absolvição
de determinada pessoa submetida a julgamento na Justiça comum, inserindose um novo inciso IV, com a seguinte redação: “estar provado que o réu não
concorreu para a infração penal”, renumerando-se os demais incisos,
passando o antigo inciso IV a ser o inciso V, o antigo inciso V a ser o inciso
VI, e o antigo inciso VI a ser o inciso VII.
Essa modificação infelizmente não atingiu da
mesma forma o artigo 439 do Código de Processo Penal Militar,
permanecendo ainda certa dificuldade no reconhecimento da efetiva
existência de repercussão da decisão absolutória na esfera penal no âmbito
administrativo, quando essa repercussão busca sustentar a tese da negativa da
autoria, a qual não está prevista de forma expressa no mencionado artigo 439.
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 7 )
No tocante especificamente ao Estado de São
Paulo a questão em pauta alcançou maior dimensão em razão do disposto no
artigo 138, § 3º, da Constituição Estadual, o qual prevê que “o militar
demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente
ao ato que deu causa à demissão, será reintegrado à Corporação com todos os
direitos restabelecidos”.
Entretanto, conforme explanou com muita
propriedade Edmir Netto de Araújo, na sua obra “Curso de Direito
Administrativo”, Editora Saraiva, 2007, 3ª ed., p. 982, ao abordar o
dispositivo citado e outro idêntico destinado aos servidores civis (artigo 136
da Constituição de São Paulo), não há como se pretender a interpretação
literal desses dispositivos, assim ensinando:
“Por tal redação, que genericamente se refere a „absolvição‟, sem
especificar seu fundamento, poder-se-ia, em análise superficial, entender
que qualquer absolvição, mesmo nos casos de insuficiência, ineficiência
ou deficiência de provas, ou ainda quando o Judiciário simplesmente não
considerar crime o fato, determinaria, para os servidores paulistas apenas,
„privilegiados‟ em relação ao resto do Brasil, a reintegração no cargo ou
função, com restabelecimento de todos os direitos perdidos com a
demissão.
Todavia, o dispositivo não deve ser interpretado isoladamente, mas
em consonância com o ordenamento jurídico no qual está inserido,
embora norma constitucional (estadual). Mas as normas constitucionais
estaduais são editadas com base no Poder Constituinte decorrente (ou
„derivado‟), outorgado aos Estados-membros pelo art. 25 da Constituição
Federal. Portanto, com ela não pode conflitar, nem com o ordenamento
da competência exclusiva da União.
Ocorre que, de acordo com o art. 66 do Código de Processo Penal
(...) (e legislar sobre Direito Processual é competência privativa da
União), está bastante claro que a absolvição criminal que não reconhecer
categoricamente a inexistência material do fato não impedirá a
propositura de qualquer ação civil. Também não a impedirá, dentre
outras hipóteses (art. 67 do mesmo Código) a sentença criminal que
decidir que o fato imputado não constitui crime (inc. III).
Ação civil, no caso, está em oposição a ação penal, ou seja: é ação
„não penal‟, que pode ser qualquer ação intentada no juízo cível (Direito
Civil, Trabalhista, p. ex.), ou mesmo a “ação‟ administrativa (como se
diz, p. ex., no art. 142 da Lei 8.112/90: „ação disciplinar‟), que é o
processo administrativo, pois a Constituição garante o devido processo
legal (art. 5º, LV, da CF), com os meios e recursos inerentes, aos
litigantes em processo judicial ou administrativo.
Por outro lado, o Código Civil (e também é competência privativa
da União legislar sobre Direito Civil), dispõe, de forma clara, em seu art.
935, que a responsabilidade civil independe da criminal, embora não se
possa questionar a existência do fato ou sua autoria quando, no processo
criminal, tais questões já se acharem decididas”.
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 8 )
Importante registrar, ainda, sobre o tema atinente
à repercussão da decisão penal absolutória na esfera administrativa, a
existência da figura do chamado “resíduo administrativo” ― o qual permite
que mesmo na hipótese da absolvição na esfera criminal, a Administração
possa fazer prevalecer a sanção administrativa, desde que nem todos os fatos
postos a exame tenham sido alcançados pela referida absolvição ―, o que
motivou inclusive a edição pelo E. Supremo Tribunal Federal da Súmula 18,
com o seguinte enunciado: “Pela falta residual, não compreendida na
absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do
servidor público”.
Por esse entendimento, revela-se perfeitamente
possível a manutenção de uma sanção aplicada na esfera administrativa, ainda
que a decisão absolutória seja reconhecida pela negativa de autoria ou
inexistência do fato, caso no processo administrativo instaurado para
apreciação da conduta do policial militar sua conclusão tenha apontado a
prática de outras transgressões disciplinares, que não as que foram alvo do
processo-crime, as quais por si só ensejassem a imposição de punição
disciplinar.
Posto isto, cabe salientar no presente caso a
peculiar circunstância na qual a Sentença proferida na esfera penal militar não
apenas se limitou a reconhecer a absolvição por não existir prova de ter o
acusado concorrido para a infração penal, mas se preocupou em adentrar ao
exame dos aspectos administrativo-disciplinares que motivaram a expulsão do
policial militar, ainda que não tivesse tido acesso ao inteiro teor dos autos do
Conselho de Disciplina instaurado para apuração dos fatos no âmbito
administrativo, o que até levou o magistrado prolator da decisão de primeiro
grau neste processo ora em exame a sustentar corretamente às fls. 128 que a
Sentença criminal:
“...acaba por invadir seara que não lhe compete, em especial ao
afirmar que a sua decisão „deve sobrepor-se à decisão administrativa,
rescindindo-a‟ (fls. 60, in fine) ou que „os nove acusados têm direito à
reintegração‟ (fls. 62). Na realidade cabe exclusivamente ao Juízo Cível
desta Justiça especializada fazer esta avaliação, limitando-se a esfera
penal apenas absolver ou condenar o acusado. E, caso o absolva, indicar
os elementos que o levaram a este entendimento, realizando o
enquadramento que entende como correto. Demais deduções, em especial
no tocante ao direito ou não à reintegração somente podem ser feitas pelo
Juízo Cível”.
Reiterando esse entendimento, há de se refutar o
fato da Sentença na esfera penal militar, no afã de procurar sustentar não só a
absolvição de nove dos dez policiais militares que responderam ao Processo-
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 9 )
crime nº 44.851/06, ter também pretendido sustentar açodadamente que
aquela decisão na esfera criminal deveria “sobrepor-se à decisão
administrativa, rescindindo-a”, afirmando ainda que “os nove acusados (...)
têm o direito à reintegração à Polícia Militar”, não atentando nem ao menos
para o fato de que um deles (no caso o então Soldado PM Eduardo Matias do
Prado) já havia requerido e tivera deferido seu pedido de exoneração das
fileiras da Polícia Militar, enquanto que outro (no caso o então Soldado PM
Adaucto Aleixo de Paula Junior) já havia sido expulso por fato diverso do ora
em exame, não sendo possível, portanto, nem ao menos por mera hipótese, se
cogitar das suas respectivas reintegrações aos cargos que ocupavam diante da
mencionada absolvição.
Além disso, não há como se acolher, por se
mostrar flagrantemente inverossímil, a tese contida na Sentença criminal que
procurou sustentar a total ausência de participação dos outros nove policiais
militares até mesmo nos ilícitos administrativos praticados, bem porque,
dentre outras incongruências que avultam dos autos:
a) procurou inculpar apenas e exclusivamente o
então Soldado PM Luiz Fernando Pereira dos Santos, justamente o militar de
menor graduação e com menos tempo de serviço, acolhendo a suposição de
que todos os outros nove policiais militares, mais graduados e com maior
tempo de serviço foram por ele facilmente ludibriados, pois em nenhum
momento se aperceberam da sua conduta criminosa, fato este inclusive que foi
muito bem apontado na declaração de voto vencido do Juiz Militar Capitão
PM Iron Sérgio Ferreira da Silva;
b) entendeu que o desvio dos bens não ocorreu no
trajeto entre Jundiaí e Campinas, mas sim em momento anterior, quando o
então Soldado PM Luiz Fernando teria com seu veiculo particular
comparecido ao local e retirado os bens do interior do galpão durante a noite,
situação esta que se mostra divorciada da realidade considerando o argumento
apresentado no item anterior e o fato incontestável de que parte dos bens foi
localizado dentro da viatura que havia sido utilizada por ele durante o
atendimento da ocorrência.
Enfatize-se, ainda, que o processo administrativo
disciplinar instaurado pela Portaria nº SCMTPM-004/308/07, o qual resultou
nas expulsões dos então Soldados PM Luis Carlos Angelon e Valdemir José
da Silva, observou todos os ditames previstos na legislação para aplicação
dessa penalidade, especialmente o devido processo legal, o contraditório e a
ampla defesa, não se vislumbrando vícios na instrução que pudessem vir a
ensejar sua anulação.
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 10 )
O Conselho de Disciplina, assim denominado no
âmbito da Polícia Militar o processo administrativo disciplinar que apurou a
conduta dos oras apelados, já quando da emissão do parecer a respeito da
comprovação ou não da prática das transgressões disciplinares que lhe foram
imputadas, reconheceu que o mesmo houvera sim infringido gravemente os
dispositivos constantes do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar.
Esse parecer sobre a conduta dos ora apelados foi
acolhido pela autoridade instauradora e referendado de forma devidamente
motivada pelo Comandante Geral autoridade que detém a competência para
aplicar sanção de natureza exclusória, merecendo destaque na sua decisão os
seguintes trechos:
“1. Vistos etc.
2. O 2º Sgt PM 880655-1 Reginaldo Francisco da Silva, o 3º Sgt
PM 863459-9 Marcos Valério, o Sd PM 863727-0 Elói Zuiani, o Sd PM
941672-2 Luis Carlos Angelon, o Sd PM 970671-2 Valdemir José da
Silva, todos do 49º Batalhão de Polícia Militar do Interior (49º BPM/I); o
2º Sgt PM 852760-1 Natal Freire da Silva, o Cb PM 920633-7 Rangel
Gomes, o ex-Sd PM 864391-1 Adaucto Aleixo de Paula Júnior, todos do
4º Batalhão de Polícia Rodoviária (4º BPRv); e o ex-Sd PM 965745-2
Eduardo Matias do Prado, à época pertencente ao efetivo do 49º BPM/I,
foram acusados do cometimento de atos atentatórios à Instituição e
de natureza desonrosa, consubstanciando transgressões disciplinares
de natureza grave, em decorrência dos seguintes fatos:
2.1. em 07JUN06, por volta das 13h30min, fardados, de serviço,
prévia e nominalmente escalados, durante o atendimento de uma
Ocorrência Policial, o 3º Sgt PM Marcos Valério, o Sd PM Angelon e o
Sd PM Valdemir, compondo a guarnição da viatura operacional de
prefixo I-49201, surpreenderam no interior de dois galpões
localizado na Rua João Del Forno, 80, Itatiba/SP, Valter Araújo de
Aquino e o adolescente J. R. L. F., onde existia um caminhão
Mercedes Benz, de cor amarela, tipo baú, de placas ITU-9745, de
Toledo/PR, um veículo Mercedes Benz, de cor branca, de placas
CBL-0360, de São Paulo/SP, e um veículo GM/Blazer, de cor preta,
de placas CDE-4330, de Itatiba/SP, carregados com produtos
eletroeletrônicos, equipamentos de informática, brinquedos, cigarros
e alimentos de procedência desconhecida, o que redundou na prisão
em flagrante de Edmilson Hipólito Agra, locatário do imóvel, pela
prática dos crimes de contrabando e descaminho, enquanto Valter
Araújo de Aquino e o adolescente figuraram como testemunhas,
conforme Auto de Prisão em Flagrante Delito;
2.2. no apoio aos componentes da guarnição da viatura operacional
de prefixo I-49201, compareceram no local o 2º Sgt PM Reginaldo e o
Sd PM Zuiani, integrantes da viatura operacional de prefixo I-49224; o
ex-Sd PM Prado e ex-Sd PM 102403-9 Luis Fernando dos Santos,
integrantes da viatura operacional de prefixo I-49205; e o 2º Sgt PM
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 11 )
Freire, o Cb PM Rangel e o ex-Sd PM Adaucto, integrantes da viatura
operacional de prefixo R-04272;
2.3. no local dos fatos, o 2º Sgt PM Reginaldo, o 3º Sgt PM
Marcos Valério e o Sd PM Valdemir seguiram a pé até um segundo
galpão, onde arrombaram o escritório e abriram um cofre que
continha dinheiro, cheques, um aparelho de DVD portátil e um
helicóptero aeromodelo, momento em que Edmilson Hipólito
presenciou o 2º Sgt PM Reginaldo apropriar-se de algumas peças de
informática e o 3º Sgt PM Marcos Valério apropriar-se de parte do
dinheiro que estava no cofre. Edmilson Hipólito declarou que ouviu uma
conversa entre o 2º Sgt PM Reginaldo e o Sd PM Angelon, na qual este
último dizia para o Graduado que teria visto o 3º Sgt PM Marcos Valério
pegar o dinheiro que estava no cofre e que ouviu o Sd PM Valdemir
pedir para o próprio 3º Sgt PM Marcos Valério para não acionar a Ronda
Oficial;
2.4. Valter Araújo de Aquino declarou que viu o Sd PM
Valdemir e o Sd PM Angelon selecionando e separando alguns
equipamentos, colocando-os próximos à porta do caminhão, tipo
baú, e os que não geravam interesse foram acondicionados no fundo
do caminhão, enquanto o 3º Sgt PM Marcos Valério separava os
equipamentos de maior valor. Também presenciou o Sd PM
Valdemir colocar uma peça de informática no bolso da calça;
2.5. quando os veículos, as mercadorias, as testemunhas e as
partes eram levadas para a Delegacia da Polícia Federal de
Campinas/SP, em comboio, o Sd PM Zuiani, conduzindo o veículo
particular do ex-Sd PM Prado, interceptou parte do comboio,
formado pelo veículo Van, pelo caminhão e pela viatura conduzida
pelo ex-Sd PM Prado, ocasião em que quatro Policiais Militares (Sd
PM Zuiani, Sd PM Valdemir, ex-Sd PM Prado e ex-Sd PM Luis
Fernando), em unidade de desígnios, subtraíram parte dos
equipamentos apreendidos no galpão;
2.6. o ex-Sd PM Luis Fernando, em 08JUN06, foi preso em
flagrante delito, ao ser surpreendido, no interior de seu veículo Fiat/Pálio,
de cor branca e placas DGO-3277-Itatiba/SP, com um projetor
multimídia Powerlife S3 Epson e quatro notebook Travel Mate
2423WXCI Acer. Em sua residência foram localizados, ainda, um
notebook Sony e um projetor de multimídia Powerlife S3 Epson e, no
interior da viatura operacional de prefixo I-49205, encontrados um
notebook Travel Matel 2423WXCI e um notebook HP-Compaq NX
9420, todos equipamentos apreendidos na referida Ocorrência Policial de
contrabando e descaminho;
2.7. destaca-se que o ex-Sd PM Luis Fernando, na ocasião de sua
prisão, confirmou a participação dos Acusados na subtração dos
materiais apreendidos na Ocorrência Policial, bem como foi localizado
na Estrada Municipal Américo Suzano, bairro Cruzeiro, Itatiba/SP,
próximo à residência do Sd PM Zuiani, um notebook Travel Mate
2423WXCI Acer, que fazia parte da carga apreendida, tudo conforme
Portaria (fl. 2 a 5).
...
( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 12 )
3. Diante dos fatos, os militares do Estado foram acusados na
seguinte conformidade:
3.1. o 2º Sgt PM 880655-1 Reginaldo Francisco da Silva e o 3º Sgt
PM 863459-9 Marcos Valério, por infringirem o nº 2 do § 1º do Art. 12 e
o nº 19 do parágrafo único do Art. 13, c.c. os nº 1 e 3 do § 2º do Art. 12,
tudo do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar;
3.2. o 2º Sgt PM 852760-1 Natal Freire da Silva, o Cb PM 9206337 Rangel Gomes, o ex-Sd PM 864391-1 Adaucto Aleixo de Paula Júnior,
o Sd PM 863727-0 Elói Zuiani, o Sd PM 941672-2 Luis Carlos
Angelon, o ex-Sd PM 965745-2 Eduardo Matias do Prado e o Sd PM
970671-2 Valdemir José da Silva, por infringirem o nº 2 do § 1º, c.c.
os nº 1 e 3 do § 2º do Art. 12, tudo do Regulamento Disciplinar da
Polícia Militar.
(...)
13. Os Oficiais Membros do Conselho de Disciplina e a
Autoridade instauradora julgaram a acusação procedente para o 2º
Sgt PM Reginaldo, 3º Sgt PM Marcos Valério, Sd PM Zuiani, Sd PM
Angelon e Sd PM Valdemir, opinando pela expulsão dos Acusados.
Em relação ao 2º Sgt PM Freire, ao Cb PM Rangel e ao ex-Sd PM
Adaucto, em virtude da fragilidade das provas, propuseram o
arquivamento dos Autos.
(...)
17. É a síntese do necessário. Fundamento e decido.
18. As questões preliminares e de mérito apresentadas pela Defesa
foram analisadas e afastadas em Relatório (fl. 1.319 a 1.453) e Decisão
(fl. 1.454 a 1.463), motivo pelo qual acolho a argumentação utilizada
como razão de decidir, naquilo que não contrariar o que será exposto.
19. Em que pesem os fartos argumentos trazidos pelos Defensores,
a acusação é procedente na íntegra. A autoria e a materialidade ficaram
comprovadas. É o que ficou demonstrado, no depoimento da principal
testemunha de acusação, ex-Sd PM 102403-9 Luis Fernando dos Santos,
que ao ser autuado em flagrante delito (fl. 25 a 27), relatou de forma
clara e precisa que todos os Policiais Militares presentes, ora Acusados,
“...concordavam em pararem, durante o trajeto, a fim de retirar uma
mercadoria para cada policial ali presente, sendo anotado os números de
celulares para contato; que antes da saída do local, o Sd PM Prado
forneceu ao Sd PM Zuiani a chave do seu veículo particular, para que ao
término do serviço, se deslocasse até KM 114 da Rodovia Dom Pedro I,
para fazer o transbordo de mercadorias ilícitas, as quais seriam
distribuídas ao pessoal que efetivou o acordo;...” (sic). Mais adiante,
continua que “...recebeu uma ligação telefônica do Sd PM Prado, o qual
pediu contato pessoal; que o Sd PM Prado queria que o interrogado
permanecesse com o restante do material ilícito, a fim de entregá-lo
posteriormente as equipes das Força Tática e TOR, quando fossem
liberadas da apresentação daquela ocorrência, e também para o Sargento
PM Reginaldo,...” (sic).
20. No mesmo trilho estão as declarações do ex-Sd PM Luis
Fernando, quando interrogado no Processo-crime 44.851/06, da 1ª
Auditoria da Justiça Militar do Estado de São Paulo (fl. 267 a 275),
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 13 )
oportunidade em que alegou o acordo para o desvio dos materiais, e que
foram “...subtraídos os materiais de informática do referido caminhão;
que tudo ocorreu quando estavam na Rodovia Dom Pedro I e próximo ao
Km 120, o caminhão dirigido pelo Sd Prado entrou num acesso daquela
rodovia e logo atrás foi seguido pelo Sd PM Valdemir...(...)...que a
subtração dos produtos mencionados e descritos no Auto de Apreensão
ocorreram por ação organizada e comandada pelos Sargentos PM: Freire,
Reginaldo e Valério e executada pelos Sd PM Zuiani, Angelon, Valdemir
e Prado e mais o Soldado PM motorista do Tor e o auxiliar desta
viatura...” (sic).
21. As declarações do ex-Sd PM Luis Fernando, prestadas de livre
e espontânea vontade, descreveram os fatos de forma indubitável acerca
do conluio dos Acusados para desviar parte da mercadoria localizada,
deixando de apreendê-la, pretendendo dividir entre eles a res delitiva,
divisão, diga-se, que não se consumou efetivamente, em razão da
localização de dois “notebooks” no interior da viatura operacional de
prefixo I-49205, viatura utilizada pelo ex-militar do Estado, no dia dos
fatos, e que deu início às diligências que culminaram na localização de
vários dos objetos, na residência e no veículo do ex-Sd PM Luis
Fernando.
22. A testemunha de acusação, Edmilson Hipólito Agra, locatário
do referido galpão, preso em flagrante delito, declarou que presenciou o
2º Sgt PM Reginaldo apropriar-se de algumas peças de informática e o 3º
Sgt PM Marcos Valério apropriar-se de parte do dinheiro que estava no
cofre. Também declarou que ouviu uma conversa entre o 2º Sgt PM
Reginaldo e o Sd PM Angelon, na qual este último dizia para o Graduado
que teria visto o 3º Sgt PM Marcos Valério pegar o dinheiro que estava
no cofre, e que ouviu o Sd PM Valdemir pedir para o próprio 3º Sgt PM
Marcos Valério para não acionar a Ronda Oficial (fl. 98 a 101).
23. No Processo Regular, Edmilson Hipólito Agra retificou parte
de seu depoimento colhido no contraditório (fl. 762 a 769), da mesma
forma que o ex-Sd PM Luis Fernando retificou seu depoimento colhido
na qualidade de testemunha de acusação (fl. 731 a 740). Por óbvio,
retificaram movidos por sentimento pessoal ou por orientação, pois, têm
interesse em não se prejudicarem, principalmente o ex-Sd PM Luis
Fernando, que também está respondendo ao mesmo Processo-crime dos
Acusados. Assim, se depreende que as versões verdadeiras são aquelas
prestadas inicialmente,
no calor dos fatos.
24. Existe farta jurisprudência a respeito, de que a confissão
colhida na fase inquisitorial, mesmo retratada posteriormente, pode
fundamentar a decisão da Autoridade julgadora:
“A confissão extrajudicial, desde que se harmonize com o conjunto probatório,
tem plena validade” (TJSP, Rel. GONÇALVES SOBRINHO, RJTJESP 99/498);
“Harmonizando-se a confissão feita na fase policial, com fortes elementos de
convicção existentes no processo, ficando a retratação em confronto com a prova
autuada, esta não deve prevalecer para beneficiar o acusado” (TJSC. Rel. MAY FILHO,
32/472);
“A confissão extrajudicial roborada por outros elementos de convicção basta à
prolação de decreto condenatório, máxime quando prestada em presença de curador,
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 14 )
indício veemente de espontaneidade” (TACRIM-SP, Rel. ALBANO NOGUEIRA,
JUTACRIM 50/395);
“PROVA - Chamada de co-réu - Existência de indícios convergentes e
concludentes de atuação do partícipe, idealizador do estelionato - Validade Condenação mantida. - Mostra-se suficiente à condenação a “chamada de co-réu”
confrontada por indícios convergentes e concludentes da atuação de partícipe que,
sendo o idealizador do estelionato, ofereceu àquele informações hábeis à realização da
conduta típica, mas,embora não cooperasse diretamente na mis-en-sacène acabou
recebendo parte da vantagem ilícita, ao ensejo do exaurimento do crime”. (Apelação nº
474.201/1, Julgado em 29/10/1987, 2ª Câmara, Relator - Haroldo Luz, RJDTACRIM
4/11);
“PROVA, CHAMADA DE CO-RÉU, ACUSADO QUE NÃO PROCURA
ATRIBUIR AO COMPARSA TODA RESPONSABILIDADE. VALOR: É válida a
chamada de co-réu quando o delator não procura atribuir ao comparsa toda
responsabilidade, no afã de se eximir.” (VIDEOTEXTO - TELESP - APELAÇÃO Nº
1.049.207 - DATA DE JULG.: 18/03/1.997 - RELATOR: ABREU OLIVEIRA - 13ª
CÂMARA).
25. A testemunha Valter Araújo de Aquino declarou que viu o Sd
PM Valdemir e o Sd PM Angelon selecionando e separando alguns
equipamentos, colocando-os próximos à porta do caminhão, tipo baú, que
foi apreendido e, os que não geravam interesse foram acondicionados no
fundo, enquanto o 3º Sgt PM Marcos Valério observava este manuseio.
Também, presenciou o Sd PM Valdemir colocar uma peça de informática
no bolso da calça (fl. 819 a 826). O conjunto probatório da conduta
reprovável dos Acusados se completa.
26. Por fim, verifica-se pelos Extratos Telefônicos acostados aos
Autos, várias ligações feitas e recebidas pelo Sd PM Valdemir com o
ex-Sd PM Prado e Sd PM Angelon, no dia dos fatos, no horário
compreendido entre o deslocamento para a Delegacia da Polícia
Federal de Campinas/SP e na manhã seguinte aos fatos, dia 08 de
maio de 2006, além de uma ligação efetuada de madrugada pelo ex-Sd
PM Prado para o ex-Sd PM Luis Fernando, comprovando, então, as
declarações desta testemunha.
27. Conforme exposto, o envolvimento de todos os Acusados e o
conluio em praticar a reprovável conduta narrada na exordial está
latente nos Autos. Ademais, ao contrário do que pugnou a Autoridade
instauradora, a participação dos militares do Estado pertencentes ao
efetivo do Policiamento Rodoviário, 2º Sgt PM Freire, Cb PM Rangel e
ex-Sd PM Adaucto, também restou provada, especialmente pela prova
testemunhal obtida por meio do depoimento do ex-Sd PM Luis Fernando,
já debatido neste ato decisório. Ao analisarmos e valorarmos o conteúdo
desta importante prova testemunhal, não há como ignorar o envolvimento
de todos os Acusados, pois, quando interrogado pela Autoridade
judiciária foi enfático, mencionando o envolvimento e conluio de todos
os militares do Estado.
28. Nenhuma prova veio sustentar versão dos Acusados, de que
não praticaram as condutas descritas na Portaria. As testemunhas de
defesa inquiridas nada apresentaram de relevante e que pudesse
divergir do apurado.
29. Os Acusados, Policiais Militares bem formados,
voluntariamente violaram a deontologia policial-militar emanada
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 15 )
dos valores e deveres pelos quais juraram se dedicar à Instituição e à
Sociedade.
30. Ao se unirem para desviar parte de mercadoria de origem
desconhecida, relacionadas à ocorrência policial de descaminho,
dando destino diverso daquele que deveria seguir, ou seja, a
apresentação de todos os objetos localizados à Autoridade Policial
competente, os Acusados consumaram transgressão disciplinar de
natureza grave, ofensiva ao decoro policial e afetaram as relações
deles para com a Administração pública militar.
(...)
32. As atitudes dos Acusados não só revelaram
incompatibilidade com a função policial-militar, mas, também,
alcançaram a seara da desonra. Destarte, em observância aos
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e ao contido no
Art. 33 do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, a sanção a ser
aplicada será exclusória.
33. Os Acusados não justificaram as transgressões disciplinares
cometidas, à luz do Art. 34 do Regulamento Disciplinar da Polícia
Militar.
34. Posto isto, e pelo que consta dos Autos, concordo em parte
com o proposto pela Autoridade instauradora e decido:
(...)
34.2. expulsar da Instituição o 2º Sgt PM 852760-1 Natal Freire
da Silva, o Cb PM 920633-7 Rangel Gomes, o Sd PM 863727-0 Elói
Zuiani, o Sd PM 941672-2 Luis Carlos Angelon e o Sd PM 970671-2
Valdemir José da Silva, nos termos do Art. 24, pelo cometimento de
atos atentatórios à Instituição e de natureza desonrosa,
incompatíveis com a função policial-militar, consubstanciando
transgressões disciplinares de natureza grave, previstas no nº 2 do §
1º, c.c. os nº 1 e 3 do § 2º, tudo do Art. 12 do Regulamento Disciplinar
da Polícia Militar;
(...)
35. Publique-se ementa desta Decisão Final em Diário Oficial do
Estado, para conhecimento e execução, e, com o permissivo do Art. 40
do RDPM, seu inteiro teor em Boletim Geral, para fortalecimento da
disciplina.
36. Remetam-se os Autos à Corregedoria PM, para arquivo e
controle.” (destaquei).
Verifica-se, pela detida análise da motivação
contida na decisão que concluiu pela prática de transgressões disciplinares por
parte dos oras apelados que a mesma não é dissonante dos elementos
apurados no Conselho de Disciplina, não se podendo afirmar, como pretende
o contido nas contrarrazões do apelo, que a decisão guerreada contrariou as
provas dos autos.
Constatado que a autoridade administrativa não
discrepou do apurado no processo administrativo disciplinar e havendo a
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( APELAÇÃO Nº 2.324/11 – ACÓRDÃO – CONTINUAÇÃO – FL. 16 )
exposição de argumentos suficientes para amparar a sanção aplicada, que foi
imposta dentro dos limites da discricionariedade que lhe é atribuída por lei,
não há como pretender agora nulificá-la.
Diante de todo o exposto, prejudicado o reexame
necessário, há de se dar provimento ao apelo fazendário para reformar a
decisão proferida em primeiro grau, invertendo-se o ônus do pagamento das
despesas processuais e honorários advocatícios, ficando estes fixados no
percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, corrigidos
monetariamente, observando-se, no entanto, o disposto no artigo 12 da Lei nº
1.060/50 em razão de tratar-se de beneficiários da justiça gratuita.
FERNANDO PEREIRA
Relator
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