A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO

Transcrição

A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO
A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO
Por
EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR
_________________________________________
Tese Apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação Física da
Universidade Gama Filho
Como Requisito Parcial à Obtenção do
Título de Doutor em Educação Física
FEVEREIRO, 2004
A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO
EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR
Apresenta a Tese
Banca Examinadora
______________________________________
Prof. Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO
- Orientador -
_______________________________________
Profa. Dra. SARA NIGRI GOLDMAN
______________________________________
Prof. Dr. SERAFIM FORTES PAZ
______________________________________
Profa. Dr. LUDMILA MOURÃO
______________________________________
Prof. Dr. HELDER GUERRA DE RESENDE
FEVEREIRO, 2004.
Dedico
esse
trabalho
aos
meus
pais,
Edmundo e Maria, que lamentavelmente não estão
mais conosco; a minha grande companheira e esposa
Dione que soube suportar, criticar e motivar nas
horas necessárias; a meus filhos Rafael e Felipe para
que lhes possa servir como exemplo a importância
de ser perseverante; aos amigos de toda hora, Victor
Andrade de Melo, Carlos Fernando da Cunha Junior,
Waldyr Lins de Castro, Guilherme Ripoll de
Carvalho, a família Oliveira, que acreditaram e
incentivaram para que este trabalho tivesse fim.
AGRADECIMENTOS
Aos colegas de trabalho do departamento de educação física da UFF.
Aos padrinhos Renato e Marly que sempre me apoiaram e me deram bons conselhos.
Ao Prof. Dr. Hugo Rodolfo Lovisolo que prontamente me aceitou como seu orientando.
Ao Programa de Pós Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho em
especial ao Prof Dr. Helder Guerra de Resende.
À CAPES por ter investido na minha qualificação profissional.
A Université Haute-Bretagne de Rennes e a Escola Nacional de Saúde Pública francesa
que tão bem me acolheram, em especial Prof. Dr. Yvon Leziart e o Prof. Dr. Alain
Jourdain
Aos meus queridos amigos franco-brasileiros Valmir Oliveira e Françoise Oliveira
Meu muito obrigado ao amigo Jean-Marc Vanhout
Pela nova amizade Claude Martin e Jack Riff
Aos responsáveis pelas associações e projetos investigados, bem como os idosos da :
Universidade do Tempo Livre de Rennes, Associação Rennais dos Aposentados
Esportistas, Universidade da Terceira Idade da UERJ, Idosos em Movimento Mantendo
Autonomia e Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier.
ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond (2004). A PASTORAL DO
ENVELHECIMENTO ATIVO. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.
Orientador: Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO
RESUMO
No século XX, o envelhecimento bem sucedido passou a ser associado ao fato de se
estar ativamente participando da vida em sociedade. Autores como Guillemard, AttiasDonfut, Lenoir e Gaullier entre outros, pesquisaram como se impôs socialmente um
modo de vida, criando-se uma nova idade para as novas gerações que envelhecem.
Substituiu-se a conotação negativa do envelhecer por uma nova higiene de vida. Com a
supervalorização do estar ativo, estigmatiza-se a velhice dos que passaram a ser os
verdadeiros velhos, que são os inativos, dependentes, um problema social. O tempo
livre dos aposentados encontra no lazer e na vida associativa, suas atividades mais
importantes, palco de um novo campo fértil para a intervenção de profissionais que se
utilizam da animação. A prática de atividades físicas em associações e principalmente
as ginásticas (tradicionais ou alternativas), são relacionadas como capazes de influir na
saúde, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, servindo para manter os idosos
inseridos socialmente. Através de uma pesquisa sócio-pedagógica, investigamos duas
associações brasileiras e duas francesas, que ofereciam a atividade ginástica. Foram
entrevistados idosos, coordenadores e responsáveis pela condução da atividade em cada
associação: Université du Temps Libre du pays de Rennes (UTL/Rennes), Associacion
Rennaise des Retraités Sportifs (ARRS), Universidade Aberta da Terceira Idade da
UERJ (UnATI/UERJ e Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier em parceria
com o Projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA). O
conteúdo de três aulas também foi analisado, levando em consideração, as
características de uma pesquisa didática fundamentada no paradigma ecológico. Na
literatura verificamos que tanto o movimento pela saúde como do envelhecimento ativo
buscam seguidores com fortes argumentos, que os caracterizam como uma pastoral. O
idoso dessa geração procura fugir de uma vida muitas vezes angustiante, sem sentido e
tediosa, participando da vida associativa, resistindo dessa forma ao mau
envelhecimento. Reação ao vazio do não trabalho, as atividades de lazer surgem como
uma segunda carreira nessa nova idade. Quando analisamos os professores responsáveis
pelas atividades, verificamos que suas intenções pedagógicas nem sempre coincidem
com a prática realizada e os desejos expressos pelos idosos/alunos. As atividades
didáticas que foram apresentadas recebem influência de preconceitos sociais que
fragilizam os idosos, aproximando-os a crianças, e isto pode ser observado a partir dos
conteúdos escolhidos e da forma como eles foram trabalhados. Em diversos momentos
as aulas são escolarizadas sendo posta em prática por uma educação física instrumental.
Finalmente percebeu-se que é forte a influência do movimento pela saúde nas atividades
físicas praticadas pelos idosos, mas registrou-se a busca de um suporte teórico no grupo
PAM/IMMA, que pode ampliar as perspectivas de atuação dos profissionais que atuam
com a população investigada.
Palavras Chaves: Idosos; Envelhecimento; Geração; Educação Física; Associativismo;
Animação; Intervenção didático-pedagógica
ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond (2004). THE PASTORAL OF AN ACTIVE
AGING. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Gama Filho University (Graduate
Program on Physical Educacion).
ADVISER: Prof. Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO
ABSTRACT
At the twenty century, since the sixties, a successful aging became associated to an
active participation at society’s life. Researchers as Guillemard, Attias- Donfut, Lenoir e
Gaullier, among others, investigated how a new way of life has being socially imposed,
creating a new age for those generations that are becoming older. The negative
connotation of aging has been replaced from what is identified as a new health life. At
the present time there is a hyper valorization of the active way of life, which is a
parameter to point the inactive and dependent as the real elderly and consequently as a
social problem. Retiree’s free time, is used mainly in leisure activities and in social
affiliation. The search for this area has, consequently, attracted the interest of the socialcultural community developers. Physical activities, more specifically gymnastics
(traditional or alternatives), practiced at elderlys associations, are indicated as able to
interfere positively on elderly’s health, quality of life, well-being and autonomy,
keeping them socially integrated. A social-pedagogical research has been conducted in
two Brazilian’s and two French’s elderly associations that offer gymnastics to this
population. The sample included elderlys, coordinators and teachers in which one of
the associations: Université du Temps Libre du pays de Rennes (UTL/Rennes),
Associacion Rennaise des Retraités Sportifs (ARRS), Universidade Aberta da Terceira
Idade da UERJ (UnATI/UERJ and Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier
em parceria com o Projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia
(PAM/IMMA). The content of three classes has also been analyzed according to a
didactic research based on an ecological paradigm. The literature shows that the health
and the active aging trends use arguments that characterized, both, as some kind of
pastoral. The elderly of this generation has an ‘excessive’ free time, which is frequently
responsible for distress, senseless and tedious life. In this case affiliation becomes some
kind of resistance to aging. The elderly, at this new age, assumes leisure as a second
carrier and a reaction to the absence of work When we analyzed teacher’s teaching, we
detected they do it in an incongruent way with their speeches. We also detected that
elderly whishes are ignored. The didactic conceptions they showed are influenced by
social prejudge making the elderly weaker and considering them closer to children,
what can be observed by examining the contents and how they are presented. We
observed teacher’s performance in different moments and we identified that the contents
have been presented as in an elementary school physical education class. Finally, we
perceived a very strong influence of the health trend at the activity frequented by the
elderly. We also identified a search for a technical theoretical support at PAM/IMMA
group what can be viewed as a possibility to enlarge professional view concerning the
dealing with the elderly.
Key words: Elderly; Aging; Generation; Physical education; Affiliation;
Didactic-pedagogical intervention.
SUMÁRIO
Página
VOLUME I
LISTA DE QUADROS ......................................................................................................
LISTA DE TABELAS .......................................................................................................
LISTA DE ANEXOS ..........................................................................................................
ix
x
xi
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
1
CAPÍTULOS
I. UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER, O ATIVISMO COMO OPÇÃO
16
O envelhecimento e a velhice através da história da humanidade ...............
17
A transição demográfica no Brasil e na França ............................................
25
Teorizando o envelhecimento ......................................................................
29
A formação de uma nova geração de idosos e aposentados ........................
40
No momento em que o envelhecimento se tornou problema social passou a
ser fundamental ter políticas específicas ......................................................
46
As políticas sociais voltadas para idosos passam à família e ao indivíduo a
responsabilidade pelo bom ou mau envelhecimento ....................................
53
O fim das atividades profissionais para aqueles que estão na ‘década da
aposentadoria’- modelizando o envelhecimento ..........................................
67
II. UMA NOVA GERAÇÃO DE IDOSOS E APOSENTADOS FRENTE A UM
NOVO TEMPO SOCIAL
79
Algumas reflexões sobre o valor que vem sendo dado ao ‘trabalho’ ...........
80
Uma nova velhice num tempo considerado livre .........................................
92
Deixando o trabalho e passando a ser um aposentado .................................
111
A participação dos idosos e aposentados na vida associativa: uma opção
para seu tempo sem trabalho ........................................................................
116
A vida associativa dos idosos e aposentados da França e do Brasil
125
III.
A GINÁSTICA COMO UM DOS MEIOS PARA MANTER IDOSOS E
APOSENTADOS SAUDÁVEIS
Exercitando o corpo para a saúde e o bom envelhecimento...........................
147
Atividades físicas esportivas na aposentadoria, um modelo catequizador
que tem na saúde seu princípio ......................................................................
152
Procurando superar o modelo biologizante passa-se a considerar um novo
paradigma para a saúde .................................................................................
168
Idosos e aposentados praticando atividades físicas na França e no Brasil ....
175
O que vem sendo recomendado aos animadores das ginásticas para idosos:
França e Brasil ..............................................................................................
187
Buscando entender a pratica a partir da perspectiva didática utilizada ........
208
A importância de uma pesquisa didática para compreender a lógica da
prática da ginástica realizada por idosos e aposentados
217
IV. CONHECENDO A PRÁTICA DAS ASSOCIAÇÕES INVESTIGADAS
V.
146
229
Entendendo as associações francesas onde foram investigadas a prática da
ginástica ........................................................................................................
232
Entendendo as associações brasileiras onde foram investigadas a prática da
ginástica .......................................................................................................
276
Verificando o que é feito nas atividades práticas das associações
investigadas ...................................................................................................
329
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................
359
365
VOLUME II
ANEXOS ..............................................................................................................
385
LISTA DE QUADROS
QUADRO
Página
1
Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da
UTL-Rennes e da ARRS ................................................................................... 241
2
Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os
cursos de ginástica da UTL-Rennes e ARRS .................................................... 245
3
A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da
UTL-Rennes e da ARRS .......................................... ....................................... 250
4
A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua
experiência anterior a UTL-Rennes e ARRS ...................................................
252
5
Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os
entrevistados da UTL-Rennes e ARRS ............................................................. 256
6
Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da
UnATI-UERJ e PAM-IMMA ........................................................................... 295
7
Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os
cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA ...................................... 301
8
A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da
UnATI- UERJ e PAM-IMMA .......................................................................... 303
9
A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua
experiência anterior a UnATI- UERJ e PAM-IMMA ....................................... 319
10
Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os
entrevistados da UnATI/UERJ e PAM/IMMA ................................................. 325
LISTA DE TABELAS
TABELA
1
Porcentagem da distribuição das populações francesa e brasileira por grupo
de idade nos anos de 2000, 2025 e 2050 .......................................................
Página
26
2
População total e quantidade de pessoas com mais de sessenta anos na França
e no Brasil – dados dos censos de 1990 e 2000 ................................................ 27
3
Taxa de fertilidade das mulheres francesas e brasileiras – dados listados a
partir da década de 1950 até o ano 2000 ........................................................... 28
4
Distribuição do tempo total utilizado nas atividades (TTA) pedagógicas
observada nas quatro associações ...................................................................... 334
5
Distribuição do tempo de prática efetiva dos idosos/alunos (TPE) e sua
relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA) pedagógica,
observadas nas quatro associações .................................................................... 335
6
Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a pausas gerais (TPG) e
sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas
nas quatro associações ....................................................................................... 336
7
Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos às tarefas de preparação
da atividade (TPA) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade
(TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 337
8
Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a atenção as informações
didáticas (TAI) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade
(TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 338
9
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, a preparação e
a organização das atividades didáticas (TPO), sua relação proporcional com o
tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ................ 351
10
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores às informações
didáticas (TID) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade
(TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 353
11
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores a observação e
supervisão (TOS) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade
(TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 354
12
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, sua prática
efetiva (TPE) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade
(TTA), observadas nas quatro associações ...................................................
356
LISTA DE ANEXOS
ANEXO
Página
1
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
coordenadores das associações investigadas ................................................... 386
2
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas
(aplicadas anteriormente ao ciclo das observações) ......................................... 388
3
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas
(aplicadas após encerrado o ciclo de observações) .........................................
390
4
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
responsáveis pelas atividades pedagógicas nas associações investigadas
(aplicada minutos antes de cada aula observada) ............................................ 392
5
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com as pessoas
idosas que participavam das atividades de ginástica nas associações .............. 394
6
Entrevista realizada com a coordenadora da associação UnATI/UERJ ........... 397
7
Entrevista realizada com o coordenador de educação física do PAM/IMMA . 402
8
Entrevista realizada com a coordenadora médica da associação
UnATI/UERJ ................................................................................................... 408
9
Entrevista realizada com a coordenadora de educação física da ARRS .......... 412
10
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UnATI/UERJ, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas .................... 416
11
Entrevista realizada com a Orientadora pedagógica do PAM/IMMA ............. 418
12
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UTL/Rennes, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas .................... 422
13
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento na ARRS antes de iniciar o ciclo das atividades observadas ... 425
14
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UnATI/UERJ, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o
ciclo das atividades observadas ....................................................................... 428
15
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento no PAM/IMMA, antes de iniciar cada uma das três aulas
filmadas e após o ciclo das atividades observadas ........................................... 433
16
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UTL/Rennes, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo
das atividades observadas ................................................................................ 439
17
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento na ARRS, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e
após o ciclo das atividades observadas ............................................................. 445
18
Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas na UnATI/UERJ ..... 452
19
Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas no PAM/IMMA ..... 470
20
Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas na UTL/Rennes ...... 483
21
Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas na ARRS ................ 499
22
Instrumento utilizado para registro do que fazia o animador/professor nas
atividades didáticas registradas .......................................................................
515
23
Instrumento utilizado para registro do que fazia os alunos nas atividades
didáticas registradas Distribuição das atividades do Idoso/Aluno na atividade
ginástica em unidades de tempo de 10 segundos ............................................ 517
24
Idosos e aposentados da UnATI/UERJ que participam da atividade gin-suave
e que foram entrevistados ................................................................................. 519
25
Idosos e aposentados do PAM/IMMA que participam da atividade ginentretenimento e que foram entrevistados ........................................................ 542
26
Idosos e aposentados da UTL/Rennes que participam da atividade gin-suave
e que foram entrevistados ................................................................................. 565
27
Idosos e aposentados da ARRS que participam da atividade ginentretenimento e que foram entrevistados ........................................................ 600
1
INTRODUÇÃO
Vários fatores influíram para a transformação do envelhecimento e da velhice,
de processo que só importava ao indivíduo, a destino não mais de poucos privilegiados,
assunto de responsabilidade social. O século XX marca o mundo pelos significativos
avanços sociais e científicos, que acabaram contribuindo para profundas alterações
demográficas: controle de certas doenças infecto-contagiosas, desenvolvimento de
sistemas de saneamento básico, de controle conceptivo, diminuição tanto do número de
nascimentos como da mortalidade infantil. No entanto, o aumento da população de
velhos não foi exclusivo daquele século, já tendo sido verificado em outras épocas.
A França, por exemplo, tinha no século XIX, do total da sua população, 8% de
pessoas com mais de sessenta anos (BOURDELAIS, 1993). Esse número é bastante
significativo, principalmente quando o comparamos à recente distribuição demográfica
brasileira. Durante muito tempo o Brasil foi considerado um país de jovens, e o sinal de
alerta de que estaria havendo uma mudança em seu perfil demográfico surgiu nos anos
setenta, quando a proporção de pessoas com mais de sessenta anos ainda rondava os
7%. Hoje constatamos que foi preciso percorrer quase todo o século XX para que a
mesma proporção encontrada na França no século XIX fosse alcançada no Brasil, só
acontecendo no decorrer da década de noventa1.
Não importa o período analisado na história da humanidade, seja nas culturas
mais antigas, seja nos países mais jovens, os significados atribuídos ao ‘ser velho’ e ao
envelhecimento foram sempre marcados por profundas contradições. Uma pessoa velha
pode ser considerada como alguém que merece e impõe respeito, ou um indivíduo
altamente desprezível. Na atualidade, testemunhamos ser bastante comum recorrer-se ao
uso da palavra ‘velho’ para uso mais pejorativo e depreciativo do que lisonjeiro.
No momento em que a velhice é apresentada como um período da vida ao qual
se associam mais desvantagens do que vantagens, constata-se com freqüência a busca
de distanciamento desse processo. Mas é fato que existe grande controvérsia sobre qual
seria o momento ideal para marcar o início dessa tal velhice. O mais freqüente é o uso
da idade cronológica para se dizer quando alguém é velho, sendo as mais utilizadas as
que rondam os sessenta anos. Há também referência ao momento em que começam os
1
Registre-se que atualmente, início do século XXI, a proporção de pessoas com mais de
sessenta anos no Brasil anda em torno dos 9%.
2
cabelos brancos ou mesmo ao período que ronda a aposentadoria. Se pensarmos nas
mulheres do início do século XX, o climatério, sendo um período cheio de significados
que extrapolam o orgânico, também marcava para muitas delas a aproximação da
velhice. Fica claro que não é muito simples nem unânime qualquer tentativa de
caracterização desse momento. A falta de consenso é presente, seja no uso de critérios
cronológicos, seja na importância que se dá aos sinais externos, apresentados por meio
das mudanças corpóreas ou orgânicas, que acabam refletindo na variedade de conselhos
que são dados em cada época para se enfrentar a velhice2.
Assim como a juventude, podemos considerar a velhice mais uma categoria
criada culturalmente. Segundo Pierre Bourdieu (1980:145), “a idade é uma variável
biológica, socialmente manipulada”, por esse motivo plena de ambigüidades que não
serve como único parâmetro para dizer quando alguém é velho. Não podemos ignorar,
entre outras, as variáveis derivadas: das influências do meio ambiente; das condições de
trabalho; da classe social e do modo de vida. Na verdade, os cortes cronológicos só
contribuem para aumentar as barreiras entre gerações (ATTIAS-DONFUT, 1988).
Remi Lenoir (1998:68) adverte que as faixas etárias enquanto classificações
arbitrárias estão sujeitas a manipulações, deixando claro que
o que está em questão é a definição dos poderes
associados aos diferentes momentos do ciclo da vida,
sendo que a amplitude e o fundamento do poder variam
segundo a natureza das implicações – peculiares a cada
faixa etária ou a cada fração da faixa – da luta entre as
gerações.
Sendo assim, alguns buscam compreender o inexorável processo do
envelhecimento enquanto um processo gradual, multifatorial e multidiferencial,
havendo atualmente os que defendem que os aspectos deletérios do envelhecimento
devem ser enfrentados. É cada vez mais acentuada a busca por viver mais e de maneira
2
Não precisamos ir muito longe, deixando aqui o exemplo dos ensinamentos propostos em
algumas publicações de mais de cinqüenta anos. Com o significativo título A vida começa aos
quarenta anos, Pitkin (1942) apresenta um modo de vida que deveria ser assumido para se ter
uma boa velhice. O Dr. Peter Steincrohn (1950) publicou um livro com o título O repouso
começa aos quarenta. Reforçando a idade de quarenta anos como simbólica para o início da
velhice, o livro procurava ensinar ao ‘quarentão’ de que forma ele poderia ter uma velhice mais
saudável. Basicamente a recomendação principal é a de que não é preciso fazer ginástica, pois
aqueles que se dedicam a ela gastam as poucas reservas energéticas que ainda sobrariam para
enfrentar os últimos anos de vida.
3
saudável, aumentando assim o combate às doenças da velhice. Diversas tentativas são
feitas para postergar pelo maior tempo possível alguns signos da velhice, contribuindo
para que aumentassem nos últimos anos as publicações sobre o sentido do
envelhecimento e como resistir à velhice.
Os mistérios da vida sempre empurraram a humanidade a procurar dominar seu
medo do desconhecido que é a morte. As possibilidades de fazer com que sejamos
capazes de viver o maior número de anos possível não são uma preocupação de hoje, e
ao que parece não se encerrará jamais. Desde os povos antigos, alquimistas e cientistas
dedicaram seus esforços no sentido de achar algo que seja capaz de prolongar a vida
humana, ou pelo menos chegar a atenuar alguns desgastes. Teoricamente sabemos que
em média nossos limites têm sido situados em torno dos 120 anos, embora festejar os
cem anos de alguém seja bastante raro. Os centenários constituem-se num grupo
bastante restrito, mesmo considerando o aumento da sua proporcionalidade. Se até
pouco tempo eram relegados aos asilos, hoje muitos convivem com outras gerações3.
A parir das elaborações teóricas da gerontologia e geriatria, que são duas
ciências aplicadas, pode-se perceber melhor que parte significativa dos idosos passou a
ser confrontada a uma nova maneira de envelhecer. No caso dos novos aposentados,
chegam mesmo a ser vistos como um novo poder, mesmo que paradoxalmente a
sociedade contemporânea ainda seja bastante preconceituosa com relação às coisas
relacionadas ao envelhecimento4, buscando de todas as maneiras subterfúgios para
esconder a velhice ou mesmo ignorá-la.
O envelhecimento de uma sociedade vem sendo apontado como capaz de
influenciar mutuamente a política, a economia e as relações entre as gerações. É um fato
que não se deu de forma semelhante em nenhuma outra época, sendo surpreendente o
que ocorre em diversos países nestes últimos anos. Se os anos sessenta ficaram
caracterizados pela revolução em diversos sentidos empreendida pelos jovens, quarenta
3
Tomando a França como exemplo, em 1950 existiam somente 200 centenários (DUMONT,
1986); esse número atingirá, segundo projeções, 150 mil até o ano de 2050 (um aumento de 750
vezes em 100 anos), sendo esse o grupo de idosos que mais crescerá. Em 1990 já havia, na
França, quatro mil centenários – um em cada dezesseis mil –, sendo um grupo bastante
heterogêneo (ALLARD, ANDRIEUX, ROBINE, 1991). Uma constatação foi a de que
freqüentemente o estado geral da saúde era bastante precário.
4
Os preconceitos com relação à idade e aos velhos vêm sendo chamados ‘ageismos’.
4
anos mais tarde estamos entrando numa época em que, pelo menos em aparência, buscase privilegiar uma nova geração de pessoas que envelhecem.
Indesejável durante o século XX, a velhice acabou se tornando o
envelhecimento um problema social, principalmente nas sociedades que exacerbaram na
valorização das coisas mais afetas à jovialidade. Como conseqüência da perspectiva
‘antienvelhecimento’ das últimas décadas, desprezam-se, de forma direta ou velada, os
velhos e a velhice. Se por um lado aumenta-se a longevidade, a expectativa de vida e a
proporção de pessoas aposentadas frente aos mais jovens, paradoxalmente entre os
novos aposentados poucos querem se assumir como velhos ou próximo da velhice.
Como alternativa, criam-se novas denominações e impõem-se modos de vida para eles,
que associam essa fase da vida a um período em que tudo é aparentemente permitido e
possível de ser feito. É inegável que nunca se falou tanto nessa nova idade, melhor
representada como ‘terceira idade’, e no envelhecimento bem-sucedido.
O que estaria por trás dessa pretensa redenção social para com aqueles que
envelhecem? Será que a sociedade contemporânea está passando a ter mais
preocupação, respeito e solidariedade, ou, ao contrário, estaria cada vez mais
individualista, tentando encontrar meios de se afastar e negar um modelo de velhice que
associa a pessoa à idéia de inutilidade e de peso para a sociedade? Os próprios idosos
não se sentem à vontade para falar da sua velhice, em geral, os exemplos são sempre a
partir dos outros. Na procura de se redefinir o significado da velhice, expressões como
‘feliz idade’, ‘melhor idade’, ‘boa idade’ associam-se a ‘terceira idade’ transparecendo
que existe para os aposentados uma nova fase da vida, vista como um período alentador.
Não é difícil constatar que essas referências pecam pela ingenuidade aliada à tentativa
de homogeneização de pessoas que só têm em comum o fato de terem nascidos na
mesma época. Não se pode negar que a mídia em geral vem exercendo um papel de
grande divulgador dessa perspectiva de envelhecimento em que aos idosos pertencentes
a essa ‘idade dourada’ tudo seria permitido e possível de ser experimentado. Nesse novo
modelo de envelhecer, a velhice foi substituída pela terceira idade, ativa e engajada, que
tem sido a fórmula de maior sucesso, não por acaso fazendo parte das políticas sociais
destinadas aos idosos.
A década dos noventa talvez signifique a constatação de
que um novo poder, o dos velhos, está marcando a sua
5
presença no mundo. As universidades para a terceira idade
florescem uma ao lado da outra, mesmo no interior de
instituições que durante séculos foram pensadas como
lugar da juventude, do novo, da potência [...]. Saúde, bemestar, qualidade de vida e longevidade tornam-se valores a
serem perseguidos, assim como campo de investimentos
econômicos, intelectuais e simbólicos (LOVISOLO, 1997:
10).
Estudar a velhice e o envelhecimento nos dias atuais é se debruçar sobre
questões as mais diversas, que entre outros fatores envolvem: os direitos sociais, como
acesso à saúde e ao lazer; a aposentadoria e o sistema de idades no qual estão
fundamentadas as gerações dos atuais idosos; o modo de vida, bem como as atividades
assumidas no período que ronda a aposentadoria.
Na atualidade, quando é considerado o aspecto do envelhecimento individual,
sugere-se que é necessário envelhecer tendo pelo maior tempo possível a sensação de
bem-estar geral, o que é bastante subjetivo. Essa meta tem feito parte das preocupações
mais atuais de um considerável número de grupos de pesquisa, tanto na esfera pública
como na privada. Aproveita-se a indústria do ‘antienvelhecimento’, que nem sempre
aguarda os resultados conclusivos das pesquisas que dão fundamento às suas panacéias;
muitas não passando de ilusões.
Com certa regularidade são anunciadas as pílulas que revolucionarão os anos
2000. Podemos mencionar alguns exemplos, que já estiveram em evidência, como a
melatonina5, hormônio natural que teve seu descobrimento nos anos 1950 e que foi
bastante comercializado na década de 1990 (SCIENCES, 1995); como o dehidro-epiandresterona (DHEA) e o hormônio do crescimento (HGH), sendo que este último, na
sua forma sintetizada, vem sendo muitas vezes aplicado de forma indiscriminada. Mas
foi a entrada no mercado do Viagra6 e seus similares, que, mesmo não sendo específicos
5
Pelo que pode ser percebido, a partir do fenômeno da melatonina, que foi acompanhado por
um extraordinário impacto midiático, o mesmo vem ocorrendo com outras drogas que
periodicamente chegam ao mercado. Percebemos que fora do meio científico há um grande
interesse em divulgar os aspectos positivos que mais interessam ao consumidor, não deixando
de haver por parte das indústrias interessadas na comercialização dos produtos um certo
sensacionalismo, ocultando pesquisas que abordariam os efeitos colaterais e até mesmo os
métodos que foram por elas empregados.
6
Certamente tem-se hoje uma possibilidade de resgatar a auto-estima, muitas vezes abalada pelo
insucesso nas relações sexuais. Um novo comportamento sexual na velhice está em
desenvolvimento e suas conseqüências extrapolam o aspecto do bem-estar, entrando na
discussão as doenças sexualmente transmissíveis e em especial a contaminação pelo HIV.
6
para o aumento da longevidade, certamente acabaram influindo na percepção do
envelhecimento.
Muitos estigmas do significado do ‘ser velho’ têm origem na valorização que é
dada ao trabalho e ao engajamento produtivo, que no curso da vida acabam ficando cada
vez mais presentes. Se em algumas épocas aos aposentados quase sempre era
recomendado descanso, recolhimento e inatividade, depois da metade do século XX
outros valores ganharam importância. Fenômenos como o associativismo e a
participação em atividades socialmente reconhecidas, como o voluntariado, passam a
ser incorporados, resultado do novo modelo, que acaba caracterizando o que é bom ou
mau para o envelhecimento. Em nosso entender isso está bem de acordo com o que tem
sido sustentado pelos seguidores de algumas teorias psicossociais sobre o
envelhecimento e a velhice bem-sucedida.
Independente do que é feito, se a atividade tem predominância física ou
intelectual, tendo mais ou menos gasto energético, a proposta ativista encontrou no
ambiente associativo o espaço ideal para a prática dos seus mais caros princípios. As
associações de idosos, como clubes ou universidades, surgiram como um antídoto, uma
verdadeira panacéia contra a velhice.
Fundamentando-se no que alguns médicos e filósofos escreveram na
Antigüidade, vemos que a relação saúde/longevidade, como também a inclusão de
atividades físicas num estilo de vida, não é nenhuma novidade. Prescrições de
atividades ginásticas, como meio de conservar a saúde e mesmo de combater os seus
azares, ocorreram em diversas ocasiões na história da humanidade. Mas temos de
reconhecer que após os anos setenta do século passado vemos crescerem as
recomendações visando a um modo de vida mais saudável, agora com suporte de
características mais científicas. A prática de atividades físicas e principalmente as
ginásticas, independente da forma como era apresentada, passa a ser relacionada como
capaz de influir na saúde, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, surgindo como a
grande novidade do nosso tempo. Daí não ser tão difícil encontrarmos grupos de idosos
se reunindo com a finalidade de praticar uma atividade como a ginástica. Ela passou a
ser um novo campo de intervenção de profissionais que se utilizam da animação com
finalidades sociais ou de saúde, tendo forte presença dos professores de educação física
7
e terapeutas corporais, que propõe de forma sistemática as mais variadas atividades para
grupos de idosos.
Ao mesmo tempo em que vimos avançar o envelhecimento da população,
outros fatos também estavam ocorrendo: mais tempo disponível para o indivíduo; maior
interesse por atividades consideradas de lazer; a multiplicação dos esportes modernos.
Esses fenômenos sociais têm sido caracterizados como conseqüência da urbanização
dos grandes centros, e passaram a ocorrer tanto em decorrência do processo de
industrialização como da artificialização do tempo do trabalho.
Foi a partir dos anos sessenta que na França, ao mesmo tempo em que se
criavam grupos que visavam à preparação para a aposentadoria, também surgiam as
associações para idosos já aposentados. Ambos passaram a incluir a idéia de um
envelhecimento ativo e engajado em associações nos períodos pré e pós-aposentadoria.
Pode-se perceber que inicialmente havia um forte viés para a ocupação do tempo,
visando a inclusão e (re) inserção social, mas posteriormente, com a chegada de novos
aposentados com forte ‘capital cultural’, incorporaram-se os princípios da educação
permanente nas propostas associativas em que ‘animadores culturais’(MELO, ALVES
JUNIOR, 2003) sobre as mais variadas denominações, passaram cada vez mais a atuar7.
Acrescentando-se o fato de que esses novos aposentados passaram a ter uma
maior esperança de vida, lhes restando uma considerável expectativa de viver a vida
com saúde, passou a ser viável viver a aposentadoria de forma totalmente diferente. O
que se passou a dizer é que “o indivíduo não deveria mais aceitar passivamente seu
envelhecimento, mas prolongar a vida, pelas atividades físicas, intelectuais e
voluntárias, o maior tempo possível” (BOURDELAIS, 1993:373). Chega-se mesmo a
culpabilizar aqueles que venham a apresentar deterioração física, sendo a dependência e
a decrepitude resultados de uma conduta desviante do indivíduo. Sendo assim,
7
Apesar de estarmos adotando ‘animador cultural’, diferentemente da tradição européia de
chamar de animação sociocultural (TRILLA, 1998; MARTIN, 1999) para caracterizar aqueles que
vem intervindo no campo da educação relacionado ao lazer. Reconhecemos que no Brasil, ainda
são poucas as iniciativas de se discutir a atuação desse animador. Em muitas ocasiões a sua
percepção fica marcada como sendo algo de menor importância, com pouco trânsito no campo
acadêmico. Mesmo que sejam detectados ainda problemas na França (DOUARD, 2003), nesse
país a animação existe enquanto formação nos mais diversos níveis, incluindo a universitária,
havendo iniciativas no sentido de se discutir o campo como ocorreu no colóquio internacional
Animação Cultural na França e suas Analogias no Estrangeiro (ISIAT, 2003).
8
inatividade corresponderia a velhice, opondo-se às vantagens do envelhecimento
‘terceira idade’.
No momento em que ocorre a diminuição do tempo destinado ao trabalho, não
existindo grandes pressões, seja de ordem financeira ou de saúde, a família, a religião e
o lazer passam a ser as principais ocupações no tempo social das pessoas. No que toca o
lazer, duas tendências podem ser analisadas, uma em que ele é visto como uma
necessidade individual e outra em que ele é uma necessidade social (MUNNÉ, 1992).
Sendo mais contemporâneo a preocupação com o fato de ser ocupado esse tempo
disponível com atividades de lazer, independente da idade das pessoas.
Um dos componentes, e provavelmente um dos mais importante relacionado ao
que estamos vendo como novo modo de envelhecer, é a possibilidade de se engajar nos
diversos projetos associativos. Percebemos que nas propostas das políticas sociais, tanto
francesas como brasileiras, sempre é sugerido nas suas ações manter o idoso ativo,
inserido socialmente, evitando-se ao máximo a forma asilar. O fato de aderir a uma
associação e praticar as atividades que nela são propostas acaba dando ao idoso uma
possibilidade de se sentir mais útil e de permanecer inserido na sociedade, afirmam os
que defendem esse modelo ativo e socialmente engajado do bom envelhecer.
Tivemos como principal propósito, nesta pesquisa, estudar a prática da
ginástica realizada por idosos e aposentados durante seu tempo disponível. Para isso,
consideramos alguns fatores que influenciaram essa prática como fenômeno social. À
primeira vista teríamos tanto a busca pelo lazer, promoção da saúde ou sociabilidade,
que parecem ser as principais respostas que encontramos entre os envolvidos. No
entanto, acreditamos que seja necessário um aprofundamento destas motivações iniciais
para auxiliar a melhor compreensão do fenômeno e verificar até que ponto outras
influências acabam sendo determinantes no que podemos chamar de resistência à
velhice a partir de práticas das mais variadas.
Idosos e aposentados foram transformados nas últimas décadas do século XX
em categorias boas de se investir, não sendo poucos os que se viram atraídos pelos
apelos da mídia que lhes acenava com um novo imaginário do que poderia ser seu
envelhecimento num novo tempo mais independente
das sanções, das repressões, dos desejos, das necessidades
antigamente reprimidas pela ideologia de trabalho (política e
religiosa). A associação desses valores sócio-culturais
emergentes (saúde, lazer, sociabilidade, divertimento) conferem
9
a via de acesso a algumas mudanças de valores e práticas que os
idosos estabelecem no emprego do seu tempo livre - para
crescimento pessoal e sua integração social - de forma mais
expontânea e voluntária. Tal atitude dos idosos, sem dúvida,
tem contribuído para a imagem de pessoas independentes e
ativas que lhes é habitualmente associada (VENDRUSCOLO,
LOVISOLO, 1997: 40).
Sendo cada vez mais crescente o número de oportunidades profissionais para
se atuar com os idosos interessados em praticar atividades físicas esportivas8, é
necessário estar atentos à diversidade de públicos que muitas vezes se apresentam. A
melhor compreensão desses públicos certamente contribuirá para a melhor adequação
das práticas escolhidas e dos conteúdos utilizados. Identificamos inicialmente, que entre
os praticantes das atividades físicas após a entrada na aposentadoria existe um grupo
que já vem praticando há algum tempo. Nesse mesmo caso encontram-se alguns que
investem na forma dos torneios ‘masters’ em práticas competitivas. O exemplo dos
competidores masters de natação serve para percebemos como os idosos e aposentados
podem participar de situações que até pouco tempo eram exclusiva de pessoas jovens.
Seus participantes foram analisados por Santiago e Lovisolo (1997: 86) sendo uma boa
demonstração da resistência ao envelhecimento que acaba estando presente também na
maioria dos idosos e aposentados que praticam atividades físicas e esportivas.
Imaginamos que resistir à entropia da velhice signifique montar
estratégias que permitam reduzir o rítimo da desorganização,
que signifique adotar um regime ou um estilo de vida que
reduza os efeitos visíveis e sensíveis do processo de
desestruturação, mantendo a vitalidade e autonomia. No plano
do corpo, mantendo padrões circulatórios, digestivos, de
flexibilidade, resistência e força, que criem a imagem de um
funcionamento fisiológico mais novo que o cronológico. No
plano social, criando novos pertencimentos e relacionamentos
que mantenham em bom funcionamento a sociabilidade, o
prestígio, o reconhecimento e a circulação social.
Fica clara a existência de um outro grupo distinto, que é constituído de idosos e
aposentados que com certa regularidade só praticaram atividades físicas em
8
Mesmo que ainda seja bastante reduzido o número de cursos de formação que incluem essa
temática como disciplina curricular, mas que não impede que seja significativo o número de
professores de educação física, se apresentam para trabalhar com idosos e aposentados, sem ter
tido qualquer tipo de preparação para as especificidades dos mais variados tipos de intervenção
e interesses.
10
determinado período da vida, muitas vezes de maneira obrigatória, como nas escolas ou
nas forças armadas. O abandono após esses períodos acaba sendo justificado pela falta
de interesse ou pelas mais diversas causas, mas a mais comum é a falta de tempo
disponível, que se concentrou na dedicação à vida familiar e profissional, ou a outros
interesses pessoais. Entre esses idosos, o retorno à atividade pode ser devido a uma
recomendação terapêutica específica, como uma opção de viver o envelhecimento de
forma diferente. Finalmente encontramos um terceiro grupo que em muito se assemelha
ao anterior, sendo ambos os mais representativos entre aqueles que investigamos. Sua
constituição é de pessoas que nunca praticaram regularmente alguma atividade física, e
que só após a entrada nas associações de idosos e aposentados passaram a se engajar em
programas específicos de atividades físicas.
Trabalhar com grupos que podem ter características bastante heterogêneas é
um desafio para os profissionais que atuam com a educação física. Assim, postulamos a
questão no sentido de saber se esses profissionais estão trabalhando a partir de alguma
didática específica que leve em conta as especificidades dos idosos. As pesquisas que
têm se interessado pelo campo conhecido como didática das atividades físicas
freqüentemente têm trabalhado com o que ocorre no ensino formal, mais
especificamente o da educação física escolar. Não é muito comum o interesse pelos
elementos que envolvem a prática pedagógica das atividades físicas esportivas das
pessoas que já estão fora da escola e principalmente de grupos de idosos e aposentados.
Estamos de acordo com aqueles que reconhecem que na prática das atividades físicas
realizadas fora da escola, existindo a intencionalidade de transmitir um saber, haverá
necessidade de uma didática. Sendo assim, a nossa proposta de estudo se interessou não
só pelo envelhecimento, mas pelo modo como suas concepções podem influir no
modelo didático dos que atuam com atividades como a ginástica. Levamos em
consideração que, enquanto fenômeno social, a prática orientada para um grupo
constituído de idosos e aposentados é algo ainda bem recente, o que nos animou a
investigá-la, escolhendo quatro grupos localizados na França e no Brasil.
Jacqueline Marsenah (1991) aponta como sendo ainda difícil de superar o
modelo chamado por ela de ‘educação física de ontem’, que seria o ensino tradicional
de uma educação física escolar e que acaba tendo mais interesse na forma exterior das
ações, nas manifestações gestuais, ignorando o contexto que as produziu. Como vem
11
sendo as intervenções dos profissionais de educação física quando o seu aluno é um
idoso ou um aposentado? Que tipo de influências estariam sendo exercidas pelo modelo
que apregoa o bom envelhecimento na construção dessa prática pedagógica?
A organização didática das atividades propostas, como a distribuição do tempo
da aula e a opção por uma metodologia de ensino, pode dar indicativos objetivos para
nossa análise. A isso se soma o sentido que é dado à atividade pelos idosos praticantes,
e, se nossa suspeita estiver correta, os conteúdos trabalhados acabam seguindo a lógica
do modelo do bom envelhecer. No que toca ainda a didática empregada, acreditamos
que encontraremos uma prática tipicamente pontual, de entretenimento, voltada para
aquele momento, que se opõe ao discurso que defende uma prática que visa ao
progresso e à autonomia do aluno.
Poderíamos fazer a hipótese de que a angústia e o sofrimento da solidão muitas
vezes encontrado nos idosos, principalmente após eventos marcantes em sua vida, os
levem a buscar atividades que num primeiro momento venham a preencher seu tempo
livre de forma diferenciada, vindo a ser um antídoto contra o tédio.
Para a grande maioria o tédio era (e é) uma presença. Está
sempre na espreita e nos domina quando menos esperamos. A
presença do tédio foi claramente entendida, talvez sem
teorizações rigorosas, e dedicaram-se a investir recursos e
engenhos na expansão do lazer, do divertimento, enfim: os
antídotos do tédio que podia aparecer tanto no tempo do
trabalho quanto no tempo livre (LOVISOLO, 2002:60)
Avançamos na construção de nossa hipótese supondo ainda que, no caso das
atividades observadas, independente do país investigado, a prática estaria bastante
descontextualizada, e que a ausência de uma programação acabaria por contribuir para o
distanciamento entre o que é proposto pelos responsáveis pelas aulas, o que é desejado
pelos idosos e o que é verdadeiramente feito.
Nossa principal intenção nesta tese foi a de estudar as questões que envolvem
uma atividade física como a ginástica praticada por idosos e aposentados em ambiente
associativo. Procuramos realizar um estudo comparativo (HOWELL, 1979), investigando
associações que propõem atividades diversas para idosos em dois locais: Rio de Janeiro,
no Brasil, e Rennes, na França9. A prática escolhida para análise recaiu sobre a
9
A pesquisa de campo foi realizada durante o ano de 1995.
12
ginástica, porque, dada a grande incidência de programas e projetos destinados a idosos
e a própria tradição dessa atividade, nos pareceu a melhor opção para verificar a sua
relação com a proposta de um modo de vida específico para os novos aposentados e
idosos.
Acreditando existirem algumas lacunas na compreensão de como se
desenvolve essa prática, nos propusemos estudar o que vem sendo feito, ouvindo o
idoso, o professor e o que fundamenta a sua intervenção. Acreditamos que a ausência de
um referencial apropriado para esse grupo específico pode levar os responsáveis a optar
pela utilização de modelos adaptados ou improvisados10. Discutimos o modo como a
atividade ginástica é fundamentada na perspectiva dos profissionais envolvidos em
associações do tipo universidades para idosos e clubes de aposentados ou de idosos.
Tivemos como alvo o aprofundamento da pesquisa sobre os suportes teóricos que vêm
fundamentando a educação física específica para idosos e aposentados. Enfim,
responderemos às nossas questões a partir do que vem sendo proposto na bibliografia
específica, confrontando-a com os dados que recolhemos nas associações investigadas e
com o que vem sendo discutido sobre a questão do envelhecimento na sociedade.
Foram observadas sistematicamente vinte aulas, sendo doze delas video
gravadas para posterior análise. Seguimos um roteiro semi-estruturado, entrevistando
todos os responsáveis pela organização da atividade física ginástica nas associações
escolhidas. Os idosos que participavam das atividades dos grupos investigados, bem
como os responsáveis pelas mesmas, foram também entrevistados pelo autor deste
trabalho.
De posse dos dados coletados, verificamos como se aproximam, ou se afastam,
as intenções pedagógicas propostas e a prática real; o que desejam os idosos; e as suas
concepções sobre ser aposentado, a vida associativa, a ginástica e a saúde. Os
indivíduos que participaram da pesquisa como praticantes têm pontos comuns: todos
têm mais de sessenta anos, quase todos são do sexo feminino e praticam regularmente a
atividade física investigada. Já os responsáveis pelas atividades têm idade variando
entre vinte e cinqüenta anos.
Ao realizamos uma análise sóciopedagógica, que envolveu dois grupos de
idosos brasileiros e dois franceses, optamos por investigar aqueles que tinham forte
13
representatividade no momento da pesquisa, não só quantitativamente, como por serem
associações reconhecidas tanto socialmente quanto do ponto de vista acadêmico. Além
disso, essa escolha também recaiu sobre instituições que nos foi possível acompanhar
com observações sistemáticas durante maior tempo do que foi dedicado a coleta dos
dados. Os dois primeiros grupos são da cidade do Rio de Janeiro, sendo um constituído
pelos participantes do curso oferecido com o nome de ‘antiginástica’11 na Universidade
da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UnATI-UERJ). O outro
é formado por pacientes do Posto de Atendimento Médico São Francisco Xavier que
passaram a participar das atividades do projeto Idosos em Movimento Mantendo
Autonomia (PAM-IMMA)12. Como as duas associações brasileiras, as francesas
também foram escolhidas por pertencerem a uma mesma cidade e por estarem
localizadas em locais bem próximos. Com o nome de ‘ginástica suave’, a Universidade
do Tempo Livre de Rennes (UTL-Rennes) oferecia essa atividade física a seus
associados, enquanto que a Associação dos Aposentados Esportistas de Rennes (ARRS)
oferecia a atividade como ‘ginástica de entretenimento’13.
Levando em consideração que essas atividades poderiam se desenvolver
segundo uma lógica educativa voltada à animação tanto para a saúde, como cultural e
social, nosso empreendimento investigativo foi realizado a partir dos elementos
constitutivos de uma situação de ensino de educação física: o professor, o aluno e o
conteúdo (HEBRARD, 1997). Abordamos a atividade física praticada a partir das
intenções do responsável e de suas concepções sobre o envelhecimento, o que,
acreditávamos, acabariam por influir na sua prática pedagógica. Que características
foram mais privilegiadas pelos responsáveis nas atividades investigadas? O que querem
os idosos e aposentados: cultivar-se, estar entre outros, ou fazer algo de caráter
utilitarista, com forte relação com a saúde?
Outra forma de interpretar pode levar ao entendimento de que o
envelhecimento dos novos aposentados passou a ser um grande gerador de negócios que
10
Um exemplo marcante é o uso de conteúdos altamente escolarizados, que provocam a
infantilização do idoso.
11
Estamos considerando esta atividade como fazendo parte das ‘ginásticas suaves’. Em francês,
são conhecidas como gymnastique douce.
12
Essas duas instituições estabeleceram uma parceria que atualmente não mais se desenvolve,
diferentemente dos outros locais investigados.
13
Em francês, gymnastique d’entretien.
14
envolve muito dinheiro, sendo necessário mantê-los independentes, e consumidores
ativos o maior tempo possível. “Busca-se modificar a percepção da velhice: tenta-se
passar da deterioração à conservação” (BOURDELAIS, 1983:364). O discurso das
doenças, da conotação negativa do envelhecer acabou sendo substituído por uma nova
higiene de vida.
Nas pesquisas empreendidas por Georges Vigarello (1996) acerca dos hábitos
de limpeza dos europeus em épocas passadas, ficou caracterizada a existência de uma
‘pastoral da saúde’. Segundo suas análises, pode-se verificar como era passada uma
nova moral higienista, que veio sendo difundida por meio de estratégias pedagógicas14.
Será que de forma semelhante, no caso do bom envelhecimento e das atividades em
geral, especificamente as físicas, não estaríamos diante de influências moralizantes e,
usando as palavras daquele autor, diante da imposição de uma verdadeira ‘catequese’?
A higiene, no caso do estudo por ele empreendido, só “fez confirmar seu status de saber
oficial” (VIGARELLO, 1996:215), que veio a ser didatizado, sem no entanto vir a ser
confirmado, já que seria muito pouco provável que algumas recomendações prescritas
nos textos estudados pudessem ser colocadas em prática e generalizados. Tal qual essa
linha de raciocínio, apresentamos a hipótese de estarmos diante de uma nova pastoral, a
‘pastoral do envelhecimento ativo’.
A tese foi dividida em cinco capítulos. No primeiro, mostramos como na
história da humanidade o envelhecimento e a velhice são assuntos ambíguos e ao
mesmo tempo contraditórios. Abordamos a questão do desequilíbrio demográfico que
atinge os dois países abordados. Teorias psicossociais surgiram e algumas delas foram
neste capítulo discutidas de maneira a procurar encontrar um fio condutor para
entendermos a construção de um modelo de envelhecimento que acaba surgindo no
momento em que a velhice e o envelhecimento constituem um problema que passa a ser
dividido com toda a sociedade. Ao falamos da constituição do envelhecimento
populacional enquanto problema social, verificamos que esse problema passou a ser
relacionado com a crise do ‘estado do bem-estar social’. A transição demográfica e o
modelo social hegemônico fizeram com que as relações entre as idades da vida
14
As recomendações dos manuais de higiene endereçados às famílias, bem como aqueles
voltados para a higiene popular, davam sugestões, conselhos e estabeleciam preceitos. O tratado
de higiene destinado ao povo é bastante “militante”. A sujeira passou a ser considerada
15
tomassem novas conotações. A invenção de um novo modelo de envelhecer tem sido a
fórmula proposta, aparecendo por meio das políticas públicas que acabam fortalecendo
o ideário ativo e produz a negação da velhice.
No segundo capítulo discutiremos o fenômeno do envelhecimento ativo a partir
da compreensão de questões que podem ser mais bem entendidas pelo sentido do que é
uma geração. Assim, as relações entre tempo e trabalho nos auxiliaram para verificar
como a nova geração dos aposentados tem percebido a passagem de um tempo de muita
dedicação ao trabalho, em que lhe é dado um valor extremo, para um tempo livre,
aparentemente desimpedido, que possibilita uma nova maneira de viver pósaposentadoria. O lazer como ocupação do tempo disponível mereceu uma discussão,
pois entendemos que esse pode ser considerado como um tempo privilegiado dos
aposentados. As oportunidades que aparecem para sua ocupação através de propostas
dirigidas pelos animadores, podem ser realizadas na vida associativa, que se apresentam
de maneira bem específica quando se destina a idosos e aposentados. Participando de
associações como clubes ou universidades para idosos, encontraremos engajados e
ativos bastante idosos.
Já no terceiro capítulo, dando continuidade a nossa revisão, apresentamos uma
abordagem que está diretamente ligada à temática principal do que estamos estudando, a
prática de atividades físicas e especificamente a prática realizada por idosos e
aposentados em ambiente associativo. Consideramos duas características como
fundamentais para análise a atividade física como promotora de saúde e a questão da
interação social que possibilitam as políticas específicas para idosos. Terminada a
revisão da literatura, no quarto e capítulo analisamos os dados recolhidos a partir das
entrevistas realizadas com freqüentadores e responsáveis pelo desenvolvimento das
atividades; e nas observações sistemáticas realizadas em 12 atividades realizadas nas
associações investigadas, procurando dialogar com alguns autores, conclusões passam a
ser formuladas no capítulo, para finalmente apresentamos nossas considerações finais.
resultado da preguiça, e incluía-se tanto nos manuais dos alunos como nos dos professores
certas “normas que foram criadas para os indigentes” (VIGARELLO, 1996:215).
16
CAPITULO I
UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER, O ATIVISMO COMO OPÇÃO
Neste primeiro capítulo, começamos discutindo como o envelhecimento e a
velhice vieram se configurando enquanto ‘problema social do momento’, construção
que recebeu diversas influências.
Iniciamos discutindo as alterações demográficas que ganharam importância no
último século e abordamos fundamentalmente os dois países que são foco de nossa
investigação. Outro aspecto que levamos em consideração para circunscrever o nosso
problema foi a necessidade de se diminuir a importância que é dada a determinada idade
cronológica que sirva como indicativo de quando alguém passaria a ser velho. Estamos
de acordo com aqueles que acreditam que falar em fenômenos geracionais ou curso da
vida é mais pertinente do que falar sobre determinadas idades, como indicativos que
justificam determinadas perdas que ocorrem no envelhecimento como sendo ‘coisas da
idade’.
Mesmo reconhecendo a dificuldade de se encontrar teorias que consigam
explicar sem contestação o envelhecimento a partir dos aspectos psicológicos e sociais,
acreditamos que devamos conhecer um pouco mais sobre algumas delas que, como
veremos, se sustentam basicamente na discussão do que ocorre no período que ronda os
anos da aposentadoria e na velhice bem ou mal sucedida. A partir dessas teorias
poderíamos falar de ruptura, continuidade, abandono, engajamento, ou mesmo de uma
cultura específica, enfim, de como essas teorias podem contribuir para equacionar o
problema. Descreveremos algumas delas e teremos uma atenção especial a duas, a do
desengajamento, e a da atividade, sendo que esta última acabou servindo de
fundamentação à construção do modelo social de envelhecer que também será
apresentado no capítulo.
Encerramos esta introdução lembrando que falar hoje no envelhecimento de
uma população não se restringe mais ao seleto grupo que ainda pode usufruir um modo
de vida que encara o envelhecimento como uma fase da vida só de lazeres e de prazeres,
muitas vezes não consumados no tempo de vida ativa. Não são poucos aqueles que
17
atingem cada vez mais as idades bem avançadas e cujo estado de dependência é bastante
lamentável. Consideramos que tanto estes como os “idosos hipodotados”, identificados
mais facilmente no Brasil (MAGALHÃES, 1989), não se enquadram na ideologia da
terceira idade ativa, que habilmente procura camuflar a existência de sua realidade.
O envelhecimento e a velhice através da história da humanidade
A partir do conhecimento de como nossos antepassados envelheciam, podemos
fazer uma tentativa de entender o que essa herança cultural pode ter influído na
compreensão do que envolve o envelhecimento na contemporaneidade.
Estudar a senescência com a única pretensão de defini-la pelo aspecto
individual é bastante limitante. Não pelo fato dele não ser importante, mas porque não é
suficiente, acabando por representar apenas um “momento abstrato” (BEAUVOIR,
1970:41). Concordamos com essa autora quando ela diz que
para compreender a realidade e o significado da velhice é,
portanto, indispensável examinar qual o lugar nela
atribuído aos velhos, qual a imagem que deles se tem em
diferentes épocas e em diferentes lugares.
Independente da cultura investigada, a velhice é percebida de maneira bastante
distinta. Fundamentando-se em estudos etnológicos, Beauvoir apresentou a condição de
ser velho nas sociedades primitivas e sua dependência do contexto social. Podemos
perceber que diversas soluções foram adotadas para encarar a velhice. Algumas vão
mesmo eliminar seus velhos; outras vão abandoná-los, deixando morrer. Ao se tornar
uma boca inútil, não podendo mais trabalhar, a solução pode ser a morte. De raciocínio
semelhante, quando o chefe não é mais capaz de proteger o grupo, pode-se eliminá-lo.
No entanto, também verificou-se que isso não seria uma norma, havendo povos em que,
mesmo em situação de penúria, e mesmo nômades, os velhos mereciam respeito e eram
venerados.
Segundo ainda Beauvoir (1970:97),
o que define o sentido e o valor da velhice é o sentido
atribuído pelos homens à existência, é o seu sistema global
de valores. E vice-versa: segundo a maneira pela qual se
comporta para com os seus velhos, a sociedade desvenda,
18
sem equívocos, a verdade – tantas vezes cuidadosamente
mascarada – de seus princípios e de seus fins.
Uma maneira peculiar de representar a velhice ou sua aproximação, a fraqueza,
é encontrada em representações gráficas do antigo Egito. O hieróglifo que significa
‘velho’ ou ‘envelhecer’, encontrado a partir dos anos 2800-2700 a.C., foi representado
pela “imagem de uma figura humana deitada, com ideograma representativo de fraqueza
muscular e perda óssea” (LEME, in: PAPALEO NETTO, 1996:14). No que pode ser
considerado um dos primeiros textos escritos sobre a velhice, o declínio e a decrepitude
foram descritos por Ptah-Hotep, filósofo e poeta que viveu no Egito no ano 2500 a.C.
Foi por ele assim descrito o fim de um velho.
Vai dia a dia enfraquecendo: a vista baixa, as orelhas se
tornam surdas; a força declina; o corpo não encontra
repouso, a boca se torna silenciosa e já não fala. Suas
faculdades intelectuais se reduzem e tornam-lhe
impossível recordar hoje o que foi ontem. Doem-lhe todos
os ossos. As ocupações a que outrora se entregava com
prazer só as realiza agora com dificuldade e desaparece o
sentido do gosto. A velhice é a pior desgraça que pode
acometer um homem. O nariz se obstrui e nada mais se
pode cheirar (BEAUVOIR, 1970:103).
Se por um lado o envelhecimento na antiga China era associado a respeito do
ponto de vista das relações sociais, em outras civilizações da mesma época o mesmo
não ocorria. É por meio de relatos escritos, quadros, esculturas, em manifestações
culturais as mais diversas, como poemas ou a dramaturgia, que são identificadas as mais
diferentes reflexões sobre os velhos e a velhice (BOIS, 1989, 1994; MINOIS, 1987;
CRANDALL, 1980; BEAUVOIR, 1970). Nas diversas vezes em que esses relatos
apareceram na história antiga, quase sempre se restringiam à velhice do indivíduo, não
havendo uma característica de grupo. Tanto nas crônicas como nos tratados morais e nas
obras de arte, o que se encontrou são fragmentos que reproduzem uma visão bastante
limitada do corpo social. Saber e poder faziam parte das características dos velhos que
mantinham respeito e privilégios: “eles encarnam a continuidade e o sucesso do grupo,
e, diferentemente dos outros homens, eles estão próximos dos deuses” (BOIS, 1994:6).
19
Num meio termo entre mito e história, tanto a Grécia do tempo de Homero como a
Roma arcaica não escaparam desse modelo.
Quando as sociedades passam a ficar mais organizadas, e o sagrado desaparece
das relações com a política, com o desenvolvimento institucional e administrativo,
acabou-se fazendo com que declinasse o sistema gerontocrático. A velhice tornava-se
destino e há certa ambigüidade nos gregos. Enquanto Aristóteles ataca a velhice, Platão
vai defendê-la, colocando-a mais próxima de um ideal. Na verdade, ao se falar da
Grécia, deve-se ter em conta a existência de cidades-estado, não havendo qualquer
unidade entre elas. Em Esparta encontrava-se um conselho conhecido como Gerúsia,
constituído de 28 gerontes e dois reis, escolhidos entre aqueles que tinham mais de
sessenta anos.
Como resultado do fim de algumas guerras, em Roma, tal como na Grécia,
demograficamente já se apresentava um considerado número de pessoas com mais de
cinqüenta anos, que eram estimadas, segundo Cowgil, citado por Crandall (1980), em
4% do total da população. Na antiga Roma o senado parece valorizar a experiência dos
seus velhos senadores, e Cícero (1997), que era, além de filósofo, influente político 15,
vai apresentar a velhice pelo prisma do que podemos chamar do ‘bom envelhecer’.
Segundo ele, existiriam quatro razões utilizadas pelos que concebiam a velhice como
algo detestável: ela nos afastaria da vida ativa, acabando por enfraquecer-nos o corpo,
privando-nos de alguns dos melhores prazeres, e finalmente nos aproximaria da morte.
Seria então necessário resistir à velhice e combater seus inconvenientes: “é preciso lutar
contra ela como se luta contra a doença; conservar a saúde, praticar exercícios
apropriados, comer e beber para recompor as forças sem arruiná-las” (CÍCERO,
1997:16).
Suas recomendações demonstram a importância que já era dada ao permanecer
ativo, tanto intelectual como fisicamente. Ao nos dedicarmos “ao estudo, empenhandonos em trabalhar sem descanso, não sentimos a aproximação sub-reptícia da velhice” (p.
33). Procurando mostrar as vantagens do envelhecimento, Cícero sugere que no
momento em que algumas características se vêem alteradas nos velhos, outras passam a
ser evidenciadas positivamente quando se confrontam jovens a velhos. Na verdade,
velhice e juventude não deveriam se contrapor, pois os que estão na primeira categoria
20
não têm necessariamente a obrigação de cumprir as mesmas tarefas que distinguem a
segunda. Para Cícero, os velhos acabam por fazer mais e melhor, pois “não são nem a
força, nem a agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são
outras qualidades, como sabedoria, a clarividência, o discernimento” (CÍCERO,
1997:19).
Nos primórdios do desenvolvimento das civilizações, a velhice foi percebida
como uma etapa particular da vida, não se verificando, como era de se esperar, qualquer
acordo sobre qual seria a idade em que ela se iniciava. Se hoje alguns usam a fórmula de
dividir a vida em três idades, antigamente outras foram feitas: Hipócrates usava para
descrever o ciclo da vida as quatro estações, sendo que a velhice corresponderia ao
inverno, que para ele cronologicamente começaria aos 56 anos. Já Aristóteles se referia
à idade de 50 anos, enquanto Santo Agostinho, que estabelecia 60 anos como limite,
dividia a vida em sete idades – divisão utilizada durante a Idade Média. Não sendo tão
simples quanto parece, na busca por identificar o início da velhice, mesmo se nunca
encontrou unanimidade, foi a idade de sessenta anos a mais utilizada para distinguir
aqueles que não serviam mais para pegar nas armas ou mesmo para trabalhar.
Foi só a partir do Renascimento que houve um aumento da expectativa de vida,
surgindo com isso um maior interesse pelos problemas do envelhecimento, conforme
Leme (In: PAPALEO NETTO, 1996:21). Segundo o autor, na segunda metade do século
XV, Gabriele Zerbi, que era clínico, professor e anatomista, descreveu alguns sintomas
e doenças típicas de velhos, no que poderia ser considerado como o primeiro manual de
geriatria. Par ele, “o idoso tem uma compleição especial, primeiro fria e seca e
posteriormente quente e úmida, definindo nessa compleição uma predisposição para
mais de 300 doenças”.
Também de maneira sintomática, Richelet (apud BOIS, 1994)16, apontado como
um dos primeiros a catalogar o sentido das palavras para caracterizar a velhice na
França, em 1680 já se referia às palavras ‘ancião’ e ‘velha’. Foi assim, na forma
feminina, que ele se expressou, demonstrando o que foi claramente percebido por
Minois (1987), que a história da velhice é uma história do ponto de vista masculino. O
pouco poder das mulheres, como da velhice anônima, sempre foi ridicularizado e
15
Apesar de ser um texto escrito algumas décadas antes do nascimento de Jesus Cristo,
verificamos a sua pertinência ao descrever o envelhecimento e as relações sociais.
16
Cesar-Pierre Richelet, lexicógrafo francês do século XVII.
21
rejeitado; já a velhice honrada seria para os possuidores de poder, como os doges, os de
classes abastadas, os conselheiros dos governantes e os reis. Cronologicamente, anciões
seriam aqueles que têm entre 40 e 70 anos: “são geralmente desconfiados, ciumentos,
avaros, melancólicos, conservadores, se queixando de tudo; os anciões não são capazes
de amizade” (BOIS, 1989:27). No que toca a caracterização da velhice como feminina,
Richelet, ao se referir às ‘velhas’, incluiu-as no mesmo período etário dos anciões,
caracterizando-as também como muito repugnantes, além de enrugadas e sonolentas.
Alguns anos mais tarde, no dicionário elaborado por Furretière17, também
citado por Bois (1994), encontramos algumas características mais abonadoras. O ciclo
da vida foi dividido em escalas de idade, cada uma comportando sete anos: a faixa dos
30 aos 50 anos seria a da ‘idade forte’, ‘idade madura’ e ‘idade viril’, ao passo que as
expressões ‘estar na idade’, ‘estar avançando na idade’ ou ‘declinar na idade’ definiriam
o começo do envelhecer, e a decrepitude começaria após os 75 anos. Assim como em
outras definições, o paradoxo também continuava, pois ao mesmo tempo em que se
associava muita idade a experiência, enaltecendo os anciões como pessoas que têm algo
de venerável, de grande, por outro lado a velhice também é considerada como “um
tempo de caduquice, em que não se tem mais força” (BOIS, 1989:28). Na mesma época
a Academia Francesa evita apresentar qualquer idade para caracterizar a velhice e passa
a incluir expressões positivas para referi-la. Isso não significava maiores conhecimentos
adquiridos, mas sim uma parcial mudança de mentalidade, já que se tornar ‘caduco’
continuava a ser considerado como uma inevitável conseqüência dessa fase da vida.
O século XVIII é aquele no qual a percepção da velhice muda, “de puramente
apreciativas, tornam-se objetivas” (BOIS, 1994:63). Delineava-se no final do século um
interesse na contabilização matemática das populações, que podia constatar o lento mas
progressivo aumento demográfico na Europa. Jean-Pierre Gutton, citado por Bois
(1994), usa a expressão ‘nascimento dos velhos’ mostrando que o interesse no século
XIX passava a valorizar mais as qualidades do indivíduo. No momento em que esses
valores são descobertos, os velhos, tal como as crianças, passaram a ser tratados de
forma diferente no seio familiar. Há uma ‘evolução favorável’, resultado de um
movimento que ocorreu nas sociedades européias,
17
Datado da última década do século XVII, seu dicionário precede o da Academia Francesa.
22
[...] talvez o acontecimento mais importante da história da
civilização moderna, a transição entre as civilizações
medievais e contemporâneas, constituída da passagem das
sociedades comunitárias que só identificavam a pessoa
como pertencente a um grupo regido por suas próprias
regras (BOIS, 1994:63).
As representações da idade passam a ser bem otimistas, principalmente após a
segunda metade do século. Cria-se a imagem do bom velho, segundo a qual ter muita
idade pode contribuir para a aquisição de outras qualidades, não mais pelo saber
acumulado, mais por valores ligados à virtude, como justiça, bondade e temperança
(BOIS, 1994). Mas a ambigüidade logo fica novamente marcada.
Não demorou muito para que no século XIX, a partir da influência da
medicina, se tivesse uma imagem cada vez mais diferente da velhice, e foi nessa época
que surgiram os primeiros tratados de geriatria. Por um lado, nesse mesmo século,
verificava-se uma gerontocracia na França, já que os idosos conseguiam deter algum
tipo de poder, o que explicava o fato de que muitos deles ainda estivessem “nas
famílias, nos negócios, no exercício dos poderes constitucionais ou eletivos. A
característica dominante era muito mais favorável aos velhos do que em qualquer outra
época” (BOIS, 1994:95-96). Por outro lado, a relação com os que não tinham qualquer
poder e respeito era diferente. Em Paris, foi criado o Hospital Salpétrière, que acolhia de
dois a três mil idosos, e passou-se a observar a velhice pelos aspectos clínicos. Esse
dado parece ser definitivo para marcar a contribuição do modelo que se fundamenta na
inevitável responsabilidade do indivíduo por sua degradação ou mesmo conservação
para uma boa velhice. Os doentes nos hospitais
[...] tornavam-se sujeitos de observação, em que a clínica
se afirmava e novas abordagens das doenças da idade se
sucediam [...] existiu a partir do primeiro terço do século
XIX uma verdadeira demanda de livros informando sobre
o envelhecimento do indivíduo e dando conselhos. Estes
guias de grande difusão foram geralmente escritos por
professores célebres [...] eles escreviam ao vislumbre de
seus conhecimentos gerais e de sua sabedoria uma
promoção de regras para a vida que garantiriam uma boa
velhice [...]. Não se tratava de pesquisas, mas de escritos
que pertenciam a um gênero completamente diferente,
num meio de caminho entre medicina e filosofia.
(BOURDELAIS, 1993:322-339).
23
Para esse autor, era incontestável o interesse que o envelhecimento e a velhice
passaram a ter tanto no campo científico como no terapêutico, sendo estudados dentro
dos hospitais. O desenvolvimento da geriatria parece ter contribuído para a deterioração
da imagem da pessoa idosa; as diversas descrições clínicas eram categóricas,
apresentando sempre “quadros precisos, chocantes e repetitivos da decadência física. À
medida que as investigações se desenvolviam num quadro de pesquisas das anomalias,
do que não funcionava, estaria provada a deterioração pela idade” (BOURDELAIS,
1993:348).
O século XX é considerado um período bastante importante no tocante ao
interesse social pelas coisas da velhice, quando uma ‘nova velhice’ passou a ser
delineada,
surgindo
as
associações
gerontológicas
e
geriátricas.
Época
da
‘hiperatividade contemporânea’, de contato com uma ‘nova arte de envelhecer’ (MIRA Y
LOPES, 1966), um resgate da época dos iluministas do século XVIII que apresentaram
uma imagem positiva da velhice. Mas quando se encarava o envelhecimento a partir das
obras geriátricas, ficavam bem marcadas as perdas e as doenças, o aspecto negativo. Só
na segunda metade do século XX surgiram trabalhos mais próximos das ciências sociais
que começaram a fazer denúncias sobre o abandono e as condições miseráveis dos
velhos. Ao mesmo tempo, gerontólogos passam a defender um modelo diferente de
envelhecimento que é logo incorporado pelos geriatras.
Simone de Beauvoir (1970), apresentou de maneira contundente as
dificuldades de sobrevivência dos idosos, e o descaso com que os mais velhos eram
tratados. No momento em que foi publicado este livro, foi bastante peculiar e foi
considerado um dos mais importantes para quem estudava o envelhecimento e a
sociedade. Estudo abrangente, denunciava na história da humanidade o estado de
miséria e o abandono social impostos àqueles velhos desprovidos de algum tipo de
poder. Segundo a autora, sendo raras as sociedades em que o velho era venerado, um
estudo sobre as influências da sociedade sobre a velhice e o envelhecimento deve
considerar que será então a própria sociedade que vai determinar
[...] o lugar e o papel do velho, levando em conta suas
idiosincrasias
individuais:
sua
impotência,
sua
experiência; reciprocamente, o indivíduo é condicionado
pela atitude prática e ideológica da sociedade a seu
respeito. De modo que, uma descrição analítica dos
diversos aspectos da velhice não pode ser suficiente: cada
24
um deles reage sobre todos os outros e é por eles afetado.
É no movimento indefinido desta circularidade que temos
de aprendê-la (BEAUVOIR, 1970:13-14).
Sobre o trabalho da autora, alguns justificam sua importância pelo momento
histórico em que foi escrito, já que as condições dos velhos na França nos anos 60
deixavam muito a desejar. Já outros, como Woodward (2000), descrevem-no como
tendo partido de uma estratégia emocional que mobilizava o medo e provocava a
piedade. Para essa ultima autora, a visão de Beauvoir sobre a velhice se associaria a
uma ‘repulsa’, um exemplo preconceituoso com relação ao envelhecimento:
Sua análise é baseada em duas suposições primárias e
entrelaçadas, que também servem como ferramentas
teóricas e conclusões: a reação existencial súbita diante da
condição da velhice (por parte do jovem e do velho) e a
impotência do idoso como grupo econômico
(WOODWARD, 2000:237).
Uma vez que durante muitos anos “o conhecimento do envelhecimento e da
velhice era dominado por mitos, estereótipos, preconceitos, ignorância e medos pessoais
com a velhice” (CRANDALL, 1980:4), foi necessário incorporá-la primeiro como uma
fase importante da vida e depois considerá-la enquanto um fato social, para que pudesse
então merecer estudos mais sistemáticos.
Ao fazer uma história da velhice, Jean-Pierre Bois (1994:4) argumentou que,
não importando o período em que ela foi abordada, o discurso que se fez passará sempre
por uma discussão de
[...] temas em oposição mas sem dúvida complementares –
sabedoria e loucura, felicidade e tristeza, beleza e feiúra,
virtudes e corrupções de idade e das pessoas idosas – que
exprimem duas aspirações, a tentação de uma vida longa e
a recusa das fraquezas clássicas da idade.
Acrescentamos ainda a noção de progresso e desenvolvimento em oposição à
de estagnação e involução, ou seja, um mau e um bom envelhecimento, o que abre o
caminho para se contrapor atividade a inatividade na aposentadoria e autonomia a
dependência. Como então superar o que parece rondar o senso comum, a noção de que
existiria certa semelhança entre ser muito velho e a fase de dependência total? É aí que
acaba surgindo com outros fatores uma nova maneira de envelhecer, em oposição à
velhice indesejada.
25
É então no século XX, visando a combater o mau envelhecimento, que surgem
cada vez maior número de manuais, alguns seguindo os preceitos higienistas que
defendem uma moral que resultará no bom envelhecimento18. Isso acabou se
intensificando ainda mais a partir do tema na categoria de problema social. Mais
precisamente, no período a partir dos anos cinqüenta, quando aqueles manuais passaram
a propor com certa freqüência um modelo do bom envelhecimento, que acabou de certa
forma sendo incorporado nas políticas sociais da velhice. Só que agora quem passará a
cuidar dos velhos serão eles próprios, auxiliados pelo Estado, que passou a dividir com
a família as responsabilidades de seus velhos. Com o passar dos anos de
desenvolvimento após a Segunda Guerra e a influência da política do bem-estar social,
surgiram novas aspirações de uma classe média assalariada que, junto com o
envelhecimento da população, cresceu de forma considerável. O fenômeno do
envelhecimento da população têm se apresentado com características únicas na história
da humanidade com causas bastante claras mas com conseqüências das mais diversas
que acabam influindo desde as relações entre as gerações até a novas formas de
consumo.
A transição demográfica no Brasil e na França
Não se pode falar do envelhecimento de uma população, da forma como vem
ocorrendo na França e no Brasil, sem se reportar às pressões demográficas. Tendo como
base os aspectos quantitativos, a demografia19 surgiu como uma ciência interessada em
estudar o movimento das populações humanas, suas mais diversas dimensões,
estruturas, evolução e também suas características gerais. Ela é tanto prospectiva como
retrospectiva. Diante dos dados já conhecidos, tudo indica que o século XXI ficará
marcado pelo significativo aumento demográfico da população mundial de idosos (US
18
Poderíamos citar como por exemplos alguns livros que procuram passar uma nova fórmula
para o enfrentamento da velhice: Como emplacar cem anos (FILIZZOLA, 1964), Envelheça
sorrindo (KEHL, 1949, Pondo fim à velhice FULDER (1983); Como prolongar a vida
(BOOGOLOMETS, 1944); A arte de permanecer jovem (BROWER, 1981); A chave da juventude
(CHOUERI, 1987); Longevidade e fontes da juventude (CARÈNE, 1962); Quelques conseils pour
vivre vieux (DEURY, 1926); O elogio da idade em um mundo jovem e bronzeado (COMBAZ,
1990).
19
Termo criado em 1855 por A. Guillard, tem origem no grego: demos significa povo e
graphos, escrita.
26
CENSUS BUREAU 2003; INSEE 2001; BRASIL 2001), fato que se delineou no decorrer do
último século20.
Para melhor compreender a emergência do envelhecimento de uma população
enquanto problema, é comum serem reportadas suas evoluções demográficas. Enquanto
uma das primeiras ciências sociais quantificáveis, a demografia se utiliza de estatísticas,
“cujos resultados tornam-se cabíveis de análises qualitativas (fatores sociológicos,
psicológicos, etc.), levantando diversas questões ligadas a economia, a sociologia e a
história” (GRAWITZ, 1991:108).
No período compreendido entre os anos de 1950 e 2025, enquanto a população
mundial total deverá triplicar, a parcela formada pelos que têm mais de sessenta anos21
será multiplicada por cinco. Nos dois países que fazem parte desta pesquisa22 esse tema
vem sendo exaustivamente debatido nos últimos anos, principalmente devido às
previsões no caso do Brasil e da realidade vivida hoje na França (TABELA 1).
TABELA 1
PORCENTAGEM DA DISTRIBUIÇÃO DAS POPULAÇÕES FRANCESA E BRASILEIRA
GRUPO DE IDADE NOS ANOS DE 2000,
França
POR
2025 E 2050
Brasil
0-19
20-59
60 ou >
0-19
20-59
60 ou >
2000
25%
54%
21%
39%
53%
8%
2025
22%
52%
28%
27%
57%
16%
2050
20%
47%
33%
22%
51%
27%
Fonte: Us Census Bureau, 2003
20
Segundo os dados da ONU, apresentados na década de cinqüenta por Alfred Sauvy (1958), a
hipótese com que se trabalhava naquela época apontava o ano 2000 como aquele em que a
população mundial chegaria aos seis bilhões de habitantes, fato este que veio a se confirmar.
21
Para efeito de corte, verificamos que essa idade é aquela que vem sendo mais utilizada nesses
dois países para caracterizar o idoso.
22
A França, como outros países desenvolvidos, já atingiu mais de 20% da sua população com
pessoas de mais de 60 anos. No caso do Brasil, apesar de já ter ultrapassado os 14 milhões de
pessoas com mais de 60 anos (BRASIL, 2001), ainda não superou a marca dos 9%.
27
Segundo dados do Institut National de la Statistiques et des Études
Économiques (INSEE, 2001) sobre a população francesa23, no período compreendido
entre os dois últimos censos houve um aumento de pessoas com mais de sessenta anos
em torno de 1 milhão e trezentos mil. No mesmo período o IBGE acusou um aumento
de quase 4 milhões de idosos no Brasil (TABELA 2).
TABELA 2
População total e quantidade de pessoas com mais de sessenta anos na França e no
Brasil – dados dos censos de 1990 e 2000
França *
Brasil **
População total
60 ou >
População total
60 ou >
1990
56 577 000
10 763 586
150 367 841
10 613 000
2000
58 748 743
12 120 747
169 872 856
14 538 988
Fontes:
* INSEE - Estimations localisées de population (2003)
** IBGE (2003)
A transição demográfica ocorrida nas populações desses dois países no século
XX fez com que se aumentasse o número de pessoas consideradas idosas. Credita-se
esse fato à forte contribuição da melhoria das condições sanitárias, do progresso da
ciência, do controle e erradicação de algumas doenças contagiosas, de mudanças de
hábitos alimentares e de higiene pessoal. Entretanto, estas últimas não são tão
fundamentais; o que mais vai importar é a sua conjunção com outros fatores, como a
diminuição da taxa de mortalidade infantil e principalmente a diminuição das taxas de
fertilidade24 ocorrida em determinados períodos (TABELA 3).
Na França, o número de filhos por mulher em idade de procriar estava em
torno dos três filhos até o final dos anos cinqüenta, passando a diminuir bastante após os
anos subseqüentes. No Brasil, as alterações daquelas taxas, são muito significativas, e as
23
O INSEE tem funções semelhantes às do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) no
Brasil. Nos dados do seu último censo, interessou-nos trabalhar com os dados da França
metropolitana.
28
estimativas que os institutos de pesquisa vêm há alguns anos fazendo, mostram que a
transição demográfica não se restringirá só ao Brasil e a França. Projeta-se que tanto as
mulheres brasileiras como as francesas terão um quantitativo em torno de 1.8 filhos para
as duas próximas décadas, com tendência de baixa para as posteriores. Deve-se registrar
que a taxa de 2.1 filhos é a considerada para se ter o equilíbrio de uma população.
TABELA 3
Taxa de fertilidade das mulheres francesas e brasileiras – dados listados a partir
da década de 1950 até o ano 2000
1950
1960
1970
1980
1990
2000
Brasil
5.93
6.07
5.33
4.09
2.56
2.13
França
2.95
2.74
2.48
1.94
1.77
1.85
Fonte: IBGE (2003) e INSSE (2003)
Dando seqüência aos fatos que contribuem para as alterações demográficas,
acresça-se a esperança de vida ao nascer, que nos dois países vem aumentando bastante.
Na França, em 1998, a esperança média de vida das mulheres ao nascer era de 83 anos,
marca surpreendente que fez com que aquele país dividisse com o Japão o título dos que
tinham a maior expectativa de vida feminina; no Brasil, no mesmo ano, a esperança de
vida das mulheres estava ainda abaixo dos 70 anos (US CENSUS BUREAU, 2003). Os
dados que obtivemos indicam que a esperança de vida média dos brasileiros nascidos no
ano de 2000 ainda estava abaixo de 70 anos, enquanto que na França a média já seria de
78,8 anos. Merece registro o fato de que se verifica uma diferença de quase sete anos
para menos na esperança de vida dos homens, tendência que parece cada vez mais
diminuir25.
Durante milhares de anos a espécie humana teve um aumento demográfico
muito lento. Só a partir dos últimos três séculos a população começou a crescer de
24
Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, num período que ficou conhecido como ‘baby
boom’, houve muitos nascimentos, tendência que passou a diminuir após os anos sessenta.
25
Merece registro o fato de que nesse ano de 2003 o IBGE divulgou uma nova pesquisa que
indica entre outros dados que a esperança de vida média do brasileiro passa a ser de 71 anos
com as mulheres vivendo em média 7,6 anos a mais do que os homens.
29
maneira mais acentuada26, o que se deveu, entre outros fatores, ao desequilíbrio entre
nascimento e morte. Esse conjunto de fatores, como também o aumento da longevidade
média, acabaram contribuindo para fazer do envelhecimento “uma novidade para o
nosso tempo”, conforme Bois (1994:1), mesmo considerando que em todas as épocas
tenham existido velhos. Concordamos com o autor quando ele diz não restar qualquer
dúvida de que a nossa velhice não será a mesma dos nossos pais, avós ou de nossos
ancestrais mais longínquos. Acrescentamos ainda que o estudo do envelhecimento e da
velhice deve ser acompanhado por uma reflexão do significado dos fenômenos
geracionais. Afinal, quem poderia imaginar há algum tempo atrás que as novas gerações
estariam sendo induzidas a praticar atividade física ou mesmo participar de competições
esportivas; mais impensável seria a presença nessas práticas de pessoas de mais de
sessenta anos, como vem ocorrendo atualmente.
O uso de dados demográficos para caracterizar o envelhecimento de uma
população como um problema social do momento não é garantia de que os anseios
dessa categoria e suas necessidades mais prementes sejam atendidas. As políticas
públicas encaminhadas pelos que se apresentam enquanto entendedores do
envelhecimento e da velhice acabam por privilegiar outros interesses; no caso dos
idosos e aposentados que praticam as mais diversas atividades, em especial as de caráter
físico ou esportivo, será que não poderíamos falar de uma ‘indústria do envelhecimento
saudável’?
Teorizando o envelhecimento
Teorias diversas têm procurado explicar como ocorrem as influências exercidas
pela sociedade e o processo do envelhecimento individual. Sem a pretensão de esgotar
esse tema, estaremos neste trabalho falando de algumas delas. Crandall (1980) é um dos
autores que se referem à aplicação da gerontologia, uma teoria capaz de predizer,
explicar e compreender determinado comportamento social. Existiriam macro e
microteorias: as primeiras fariam uma leitura mais geral, enquanto as outras, muito mais
específicas, serviriam para análise de determinados grupos e determinadas situações.
26
Após milhões de anos da existência humana, foi por volta do ano 1800 que se atingiu o
primeiro bilhão de pessoas; 100 anos depois se chegou ao segundo bilhão, e desde o ano de
1997 já se passou dos seis bilhões.
30
Markides e Mindel (1986) são outros autores que também examinaram
algumas das macroteorias. Eles apontaram como ponto comum a controvérsia existente
sobre elas, sua fraca conceituação decorrente de algumas pesquisas realizadas de
maneira inadequada para o que elas eram queriam testar. Segundo Mishara e Riedel
(1985:53), o uso de algum tipo de modelização sobre o envelhecimento a partir das
influências exercidas pelo meio social requer bastante prudência, já que
pertencer a um grupo particular, uma família ou uma
cultura é regido por um conjunto de regras e comporta
diversas obrigações, que vão variar segundo o grupo, a
pessoa, a situação e mesmo a idade. A natureza exata da
influência exercida pelo meio social é assunto de bastante
controvérsia.
O maior interesse pelas teorias sociais do envelhecimento remontam
principalmente à década de sessenta, e, ao que tudo indica, foi bastante influenciado
pelo modelo do envelhecimento apresentado pela ‘teoria do desengajamento’, elaborada
por Cumming e Henry em 1961. Dessa, que tem base teórica na escola funcionalista
(MARKIDES e MINDEL, 1985), saem teorias como a ‘da atividade’ (MADDOX, 1964), que
procurou negar a validade da primeira. Tanto esses autores como Levet-Gautrat, (1985),
Baum e Baum, (1980), Crandall (1980), Mishara e Riedel (1985) apresentaram algumas
das teorias sociais do envelhecimento; entre elas encontramos as que mais nos
interessaram neste estudo. São elas, além das duas últimas, a ‘da estratificação das
idades’ (RILEY, JOHNSON, FONER, 1972), a ‘da subcultura do envelhecimento’ (ROSE,
1965) e a ‘da continuidade’ (ATCHELEY, 1972).
A teoria do desengajamento se fundamentou no fato de que, à medida que se
envelhece, seria inevitável a redução das interações sociais – aborda a questão da morte
e sua preparação. Ao se chegar à velhice, a própria pessoa vai se retirando aos poucos
da vida em sociedade, modificando essas interações tanto em quantidade como em
qualidade (CUMMING, 1961). O desengajamento seria então inevitável, e teria como
marco inicial dos mais importantes o momento da aposentadoria. Segundo essa teoria, é
“natural e desejável que, quando se envelhece, haja o abandono de atividades da vida
social, o que provocaria um bem-estar psicológico” (LEVET-GAUTRAT, 1985:10). Não
fica claro, entretanto, se esse desengajamento ocorre por causa de imposições sociais ou
31
se é uma opção do indivíduo. Seus defensores sustentam que no momento em que o
desengajamento se torna completo o indivíduo atinge um novo equilíbrio que se
caracteriza pela modificação de seu sistema de valores, como uma das etapas normais
do desenvolvimento humano.
Formulada para ser aplicada em pessoas tanto economicamente seguras como
relativamente saudáveis, ela apresenta três assertivas: tanto a sociedade como o
indivíduo se preparariam com antecedência para a inevitável morte de um velho; o
desengajamento inclui o declínio em todos os sentidos; o desengajamento resulta no
bem-estar psicológico do idosos (BAUM, BAUM, 1980). Crandall (1980) apresenta
quatro características que fazem parte das crenças daqueles que reconhecem a validade
da teoria: primeiro, o desengajamento seria um processo gradual, ocorrendo a partir de
uma sucessão de eventos; ele seria inevitável; conteria uma satisfação mútua, tanto para
o indivíduo como para a sociedade; finalmente o autor considerou que o
desengajamento acaba sendo uma norma, que já é usada socialmente, e usa como
exemplo a aposentadoria compulsória.
Quando verificamos o que é preconizado pela teoria da atividade (MADDOX,
1964), observa-se que ela é apresentada como fundamental para o bom envelhecimento.
Para isso, deve-se ter na época que ronda a aposentadoria um investimento pessoal em
diversos engajamentos, que quanto mais forem, melhor acaba sendo para o indivíduo. A
fim de que esse ideal se realize, é necessário atribuir novos papéis aos idosos, e que
estes sejam valorizados pela sociedade.
Se alguns novos papéis não vierem a substituir os antigos
que por ventura venham a ser perdidos, uma anomia
tenderá a se internalizar e o indivíduo acabará se tornando
uma pessoa inadaptada e alienada [...] uma velhice bemsucedida supõe a descoberta de novos papéis ou de novos
meios para conservar os antigos (MISHARA e RIEDEL,
1985:54).
A teoria visa a entender a inadaptação ao envelhecimento e foi bastante
influenciada pela teoria do desengajamento, cujos principais alicerces tanto foram
refutados como combatidos (MADDOX e EISDORFER, 1962). Apesar da constatação de
que a teoria da atividade, enquanto antítese da teoria do desengajamento, ainda carecia
de pesquisas sistemáticas e um refinamento como teoria, as maiores controvérsias
32
perduram até hoje, sendo clara a resistência à teoria do desengajamento (CRANDALL,
1980). Os defensores da teoria da atividade usaram o argumento de que ela surgiu para
combater as lacunas da teoria do desengajamento; seria uma intervenção antivelhice: o
associativismo, o voluntariado, as atividades de lazer fariam parte de um campo fértil,
permitindo que os idosos e aposentados tivessem novas opções para permanecerem
ativos, envelhecendo diferentemente.
A manutenção de uma vida autônoma estaria ligada à quantidade de atividades
assumidas, principalmente após o tempo dedicado às obrigações, sejam profissionais
assalariadas, familiares ou outras. Sendo assim, estaria incluída na categoria dos
aposentados grande parcela de mulheres que no século passado não exerceram
regularmente atividade profissional fora do lar. Essas mulheres certamente tiveram
dentro de casa uma rotina de trabalho de muita responsabilidade, como cuidar dos
filhos, administrar a casa e também cuidar do próprio marido. A vida ativa das mulheres
idosas é um assunto que vem despertando interesse particular, pois, ao que se percebe,
elas são as que mais se adaptam ao ambiente associativo, seja dos clubes ou
universidades para idosos. O que contraria a hipótese de que elas seriam mais
suscetíveis a crises no período que ronda o que podemos chamar de desligamento das
atividades que envolvem certa rotina, sejam elas: profissionais, dentro do lar, ou a
combinação das duas, que chamaremos de dupla jornada.
Ainda no caso das mulheres, é comum ouvirmos que o tempo subseqüente à
saída do último filho da casa é identificado como mais um período que pode ser vivido
como de crise, que acabaria influenciando negativamente o processo do envelhecimento
– seria a crise do ‘ninho vazio’. No entanto, Berenice Neugarten (1999) não confirma
essa suposição em suas pesquisas sociais sobre o envelhecimento e a influência exercida
pelo ambiente social. Ela afirma, ao contrário do que se supunha, que no momento do
abandono tardio de um filho não ocorreria o sentimento de perda na grande maioria dos
pais. O que na verdade ocorreria seria um atraso com relação à maturidade do próprio
filho. Essa autora foi capaz de estudar e contestar também outra crise, como a conhecida
‘crise de meia idade’27, que antecederia a aposentadoria.
27
Num contexto de crise econômica, subemprego e de mecanismos de exclusão de
trabalhadores idosos, segundo Maryvonne Gognalons-Nicolet (1989), emergiria uma nova etapa
da vida, uma idade crítica que foi chamado por ela de ‘maturescência’.
33
Era evidente que os mitos e os estereótipos negativos
acerca da meia idade e da velhice não se ajustavam à
realidade. Na grande maioria, as pessoas idosas, mesmo
que estejam aposentadas, têm vitalidade e são
competentes, mantendo uma atividade em suas famílias e
comunidade (NEUGARTEN, 1999:28).
Ela chamou esses novos aposentados de ‘jovens-velhos’, e os descreveu como
um novo fenômeno histórico das sociedades pós-industriais. Muitas das mulheres, após
a aposentadoria do marido, da saída dos filhos da residência, ou mesmo de uma viuvez,
tendo diminuído as suas responsabilidades com as tarefas relacionadas à administração
do lar, procuram utilizar seu tempo disponível para engajar-se em diversas atividades,
sendo a vida associativa uma nova realidade para muitas delas. Com relação à discussão
entre as teorias da atividade e do desengajamento, Neugarten se posicionou afirmando
que ambas são reducionistas, pois não levam em conta a diversidade dos exemplos que
se sucedem, nem as diversas maneiras de envelhecimento. Considerando que somos
indivíduos únicos e que envelhecemos de maneiras bastante diferentes, o destino das
características individuais se amplia à medida que o tempo passa. O que serve também
para reforço de nossa posição contrária aos que usam indiscriminadamente uma
determinada idade como prenúncio da competência, seja ela física ou social, e também
das necessidades e capacidades da pessoa.
Neste sentido, se fizermos uma comparação com os
períodos anteriores da historia, a idade tem perdido
importância na hora de distinguir entre as pessoas de meia
idade e os idosos. Falando de outra maneira, a idade
parece ser uma variável pouco importante nas análises
multidiversificadas (NEUGARTEN, 1999:29).
Não só o desengajamento, como o que é postulado pela teoria da atividade, não
é capaz de explicar algumas situações concretas. Parece evidente que exemplos não nos
faltariam de ‘tipos ativos’ e ‘tipos desengajados’, da mesma forma que outros tipos. Sua
distribuição acaba variando em função de variáveis como trabalho, renda, instrução,
gênero, estilo de vida adotado anteriormente, entre outras características.
34
A ingenuidade de uma teoria como a da atividade não impediu que ela venha
servindo como base de sustentação das mais diversas propostas de intervenção que
integram as diretrizes das políticas sociais, sendo a explosão do fenômeno associativo
pós-aposentadoria um exemplo bem significativo. Mesmo que nos discursos das
políticas sociais se aponte para a necessidade de não se cair no assistencialismo, muitas
vezes algumas propostas ainda mantêm essa característica nas ações empregadas. Outro
fato que pode ser constatado e que confirma a penetração dessa teoria vem da
observação das diversas publicações que se propõem a ser manuais do ‘bom
envelhecer’, nos quais existe uma verdadeira imposição ao ativismo. Esses livros, às
vezes confundidos como de auto-ajuda, defendem que o ativismo seria a melhor
perspectiva para um envelhecer bem-sucedido, e em muitos casos a única opção a se
contrapor à velhice decrépita. Na verdade, ao não oferecer outra alternativa, impõe-se
aos que envelhecem um modelo único, que em última análise seria estar sempre
engajado em alguma coisa, acabando por não se dar muita importância ao que é feito.
Os defensores desse tipo de ativismo exacerbado de certa maneira não respeitam o
direito dos aposentados de não quererem se engajar, ou de virem a ter uma velhice
voltada para si mesmos. É uma teoria que negaria as características específicas do
envelhecimento e até a própria morte, não aceitando nenhum outro modelo de
envelhecimento diferente do que o do idoso ativo (LEVET-GAUTRAT, 1985).
No entanto, até mesmo os que não se consideram entusiastas dessa teoria
reconhecem que sua integração a diversas outras teorias, sejam elas com características
biológicas, psicológicas ou sociais, pode vir a auxiliar na compreensão do
envelhecimento. Sobre esse assunto, Edgard Morin (1983), falando sobre o
envelhecimento e algumas teorias que procuram explicar como ele se processa,
argumentou que a elaboração de uma teoria sobre o tema não deve ter a ambição de ser
a única, pois é impossível que haja uma capaz de responder a tudo.
A fim de mostrar a diversidade das teorias, apresentaremos mais três: a da
continuidade, a da subcultura do envelhecimento e a da estratificação das idades. A
primeira mostra a velhice como resultado da maneira como desenvolvemos nossa vida.
Nessa perspectiva, não haveria qualquer grande ruptura na passagem do tempo de
trabalho para o tempo da aposentadoria.
35
A personalidade seria forjada no curso do tempo passado a
partir das experiências individuais e sociais, do status, dos
papéis assumidos, e, ao envelhecer, a pessoa se fecharia
naquilo que ela conhece bem, evitando improvisar ou
fazer novas experiências (LEVET-GRAUTAT, 1985:13).
O passado condicionaria o futuro, e ao passarmos à velhice estaríamos dando
continuidade a atividades que já tiveram início anteriormente. Para Mishara e Riedel
(1985), a melhor maneira de predizer as condutas de um indivíduo numa determinada
situação é se basear nos seus comportamentos anteriores. Considerada como preditiva
dos comportamentos na velhice, a teoria se confirma em expressões como: ‘eu sempre
fiz assim e não será nesta idade que eu vou mudar’.
As situações sociais podem apresentar uma certa
descontinuidade, mas a adaptação e o estilo de vida são
determinados principalmente pelos estilos, hábitos e
gostos adquiridos ao longo de uma vida [...] A adaptação
social à velhice, a aposentadoria e os acontecimentos do
gênero são principalmente determinados pelo passado. Os
acontecimentos sociais que vão acontecendo no decorrer
dos últimos anos da vida exercem pressões e levam à
adoção de certas condutas, mas elas seguem uma direção
já determinada mais cedo na vida do indivíduo (MISHARA
e RIEDEL, 1985:57-58).
A velhice seria então um tempo em que teríamos a oportunidade de retomar
projetos que, devido a obrigações profissionais ou familiares, não puderam ser levados a
cabo. A melhor adaptação à velhice, assim como à aposentadoria, seria o resultado de
habitus adquiridos e elaborados durante toda uma vida. Contudo, esta teoria também é
sujeita a críticas e a principal que lhe é dirigida é o fato de não reconhecer toda a
capacidade de renovação do indivíduo e uma possível criatividade a ser desenvolvida na
velhice. Porém, ela acaba ganhando mais pertinência quando tem como princípio estar
baseada na história pessoal do indivíduo. Essa teoria foi por nós trabalhada na pesquisa
que fizemos com idosos que participavam das atividades propostas pela Universidade
do Tempo Livre de Rennes. Naquela ocasião encontramos indicativos de que haveria
uma certa continuidade entre os que se engajavam em atividades voluntárias e
determinismo quando se relacionou as categorias sócio-profissionais (CSPs)28 com as
28
Na França é comum utilizarem-se as diferentes categorias socioprofissionais (DESROSIERES;
THEVENOT, 1992). Uma categoria social corresponde a uma idéia de classificação, designando
36
atividades escolhidas pelos que freqüentaram a universidade no ano de 1992/1993
(ALVES JUNIOR, 1994).
Os idosos enquanto que pertencentes a uma subcultura foram apresentados pela
primeira vez por Arnold Rose (1965). Sua idéia principal é a de que os idosos são um
grupo isolado, capaz de criar suas próprias normas de conduta, e acabam usando
mecanismos de defesa contra uma sociedade que em geral os discrimina. A velhice
formaria uma subcultura, é essa subcultura que a define e dá direção aos
comportamentos assumidos pelos idosos (CRANDALL, 1980:115). Considerando que a
sociedade está em constante mutação, o estabelecimento de uma geração como
subcultura leva em conta a convergência de experiências advindas a partir da
estabilidade dos fortes contatos geracionais, que acabam alimentando uma cultura
própria de uma idade ( LEVET-GAUTRAT, 1985).
Uma subcultura pode começar a ser formada tendo por base variáveis como
idade, gênero, grupo étnico, crença religiosa ou classe social. Seria um grupo dentro de
uma sociedade, não deixando de conter algumas características dessa sociedade; mas
uma subcultura do envelhecimento tem características que não são achadas em outros
segmentos da sociedade. Na prática, isso parece não caminhar tão satisfatoriamente, e
muitas vezes vemos se constituírem verdadeiros ‘guetos de idosos’. Por outro lado,
encontramos alguns casos que demonstram que os idosos e aposentados unidos são
capazes de se defender em assuntos que lhes são específicos.
Mishara e Riedel (1985:58) afirmam que, desde a publicação do trabalho de
Rose, “as organizações exclusivamente reservadas aos idosos aumentaram tanto em
quantidade como em poder”. Encontramos, no caso dos idosos, associações que foram
criadas só com o fim de defender o interesse tanto deles como dos aposentados, como
‘as panteras grisalhas’29. Também encontramos outras tentativas, como a criação de
partido político dos aposentados. Entretanto estas iniciativas não tiveram muita
um conjunto de indivíduos, algumas vezes dispersos, mas tendo características comuns
(GRAWITZ, 1991). As CSPs servem para descrever a sociedade francesa, elas são seis, num
primeiro nível de detalhamento, chegando a 32, com 455 cargos ou funções diferentes. Pierre
Bourdieu adverte para os interessados em trabalhar com as CSPs que não caiam na tentação de
confundi-las com classes sociais.
29
Esse grupo baseou seu nome num movimento dos anos 60 chamado panteras negras, que
lutavam radicalmente contra a segregação dirigida aos negros americanos. As panteras grisalhas
foram consideradas como verdadeiro sindicato dos velhos e foi criada na Alemanha no ano de
1975.
37
repercussão no Brasil, pois quando falamos em defesa dos direitos, verifica-se a
dificuldade de união de pensamentos. A discriminação em relação aos idosos e
aposentados não se restringiria a que é feita pelos ainda não idosos, pois exemplos não
faltam para demonstrar que até mesmo que dizem representá-los, independente da
idade, acabam por não se entender Paz (2001)30.
Mas ainda podemos encontrar, mesmo que poucos, alguns exemplos que
mostram a união dos idosos e aposentados no Brasil. O fato mais contundente ocorreu
no início da década de noventa, com a reivindicação de um benefício garantido por lei,
‘os 147% de reajuste’, naquele momento negado pelo presidente Collor31, e que fez com
que houvesse uma união jamais vista pela categoria dos aposentados e pensionistas32
brasileiros.
Segundo Crandall (1980), são características de uma subcultura da velhice: o
aumento populacional dos idosos; o fato de que em geral eles são excluídos da
participação nas principais decisões da sociedade; o aumento da percepção da velhice,
em que os idosos se reconheceriam como diferentes do restante da sociedade. Ao terem
valores diferentes, como também estilo de vida, interesses, necessidades e
comportamentos33, a percepção que têm da velhice é caracterizada pela segregação
imposta pelo resto da sociedade devido a uma determinada idade ou ao status de
aposentado.
Duas conclusões são produzidas pelos que aceitam a teoria: primeiro que as
subculturas não seriam homogêneas, e pode-se dar o exemplo de que idosos saudáveis
que praticam algum tipo de esporte em conjunto são bem diferentes de uma subcultura
da velhice que envolve velhos desamparados. A outra decorre da anterior, pois não
tendo homogeneidade, não se terá um impacto universal. O autor anteriormente citado
fala em dois status diferentes, que acabam influindo nos que envelhecem: o primeiro
conferido pela sociedade, a partir da observância dos recursos financeiros, instrução,
conhecimento e ocupação. Já no segundo entram em cena variáveis como a saúde física
30
Tese de doutorado de Serafim Fortes Paz (2001).
Ver Júlio Assis Simões (1998) em A maior categoria do país: o aposentado como ator
político.
32
No entanto, não poderíamos dizer que isso seja uma manifestação de subcultura.
33
Em 1992 encontramos traços de uma subcultura do envelhecimento nos grupos de idosos
investigados por nós no município de Niterói (ALVES JUNIOR, 1992). Alguns deles eram
praticantes de atividades físicas esportivas específicas como o ‘jogo da peteca’ ou o ‘gateball’.
31
38
e mental e o envolvimento em atividades sociais. “Os indivíduos que ocupam papéis de
liderança, que influenciam outros idosos ou que geralmente exibem um nível elevado de
atividade social acabam tendo um maior status na subcultura dos velhos” (CRANDALL,
1980:115). Poderíamos ainda falar de uma subcultura da velhice34 admitindo que os
idosos são “tributários de uma experiência social original e irredutível àquela das outras
categorias de idade” (LEMIEUX, 1990). Mas sempre é bom lembrar Attias-Donfut e
Rozenkier (1983), que estudaram o processo social do envelhecimento a partir dos
movimentos associativos; eles recomendam uma certa cautela ao se falar em subcultura
do envelhecimento quando se aborda o grupo de indivíduos que freqüentam associações
como clubes para idosos.
Quando analisamos o que ocorre nas associações específicas para idosos e
aposentados, verificamos que mais do que o interesse em se tornar um grupo de
resistência, a característica que mais chama atenção é a do ‘pertencimento’ a associação.
Será que poderíamos falar de uma nova tribo, no sentido que lhe deu Michel Maffesoli
(2000:245): uma tribo pontuada pela “espacialidade, a partir do sentimento de
pertencimento, em função de uma ética específica”? Mas que ética seria essa quando
falamos de idosos e aposentados no ambiente associativo? Será que poderíamos estar
falando de valores que dão suporte ao envelhecimento ativo? Que influências são
trazidas dos valores do mundo do trabalho para esse espaço destinado ao
desenvolvimento de interesses próprios dos idosos?
O que se considera uma teoria da estratificação das idades (MARKIDES e
MINDEL, 1986:29) foi apresentado pelos seus autores como um modelo de
envelhecimento, de maneira
que sua perspectiva não é a de oferecer uma explanação
teórica da adaptação à velhice, como a teoria da atividade
e do desengajamento pretendem fazer; mais propriamente,
dar maior ênfase à importância da história do indivíduo e à
mudança do meio ambiente social produzindo diferentes
exemplos de adaptação aos sucessivos coortes de idade.
34
Embora não tenhamos tido a intenção de investigar alguma formação de subcultura, esse tipo
de comportamento verificou-se entre os que atuavam como voluntários nos cargos de gestão da
Universidade do Tempo Livre de Rennes (ALVES JUNIOR, 1994:1998), que é uma das
associações que investigamos.
39
O modelo percebe de duas formas fundamentais a estratificação das idades: a
idade podendo limitar as habilidades do indivíduo para desempenhar determinados
papéis; e a sociedade diferentemente repartindo direitos, papéis, privilégios e
oportunidades tendo como base uma idade. De acordo com Crandall (1980:119), “a
idade cronológica pode afetar o desempenho de um papel por causa da influência das
características biológicas, legais ou das restrições sociais”. A perspectiva desse modelo
põe em evidência a questão da estratificação das idades na sociedade, sendo
uma maneira de olhar as relações entre gerações e ao
mesmo tempo revelar a possibilidade de que sucessivos
coortes, de pessoas idosas, de meia idade e jovens, possam
ser diferentes criaturas sociais tendo em vista as suas mais
diferentes experiências (BAUM, BAUM, 1980:25).
Tanto o envelhecimento do indivíduo como a mudança das estruturas sociais
sofrem duas evoluções distintas, cujas dinâmicas são independentes, mas, no entanto,
uma acaba sendo capaz de influenciar a outra (RILEY, RILEY, 1991). Pensando no que
ocorre nas sociedades modernas nas últimas décadas, inquietação e perplexidade são
sensações reais. “A dinâmica do envelhecimento traz consigo a mudança da dinâmica
das estruturas” (p. 6), que foi chamada ‘ruptura estrutural’35,
que implica um desequilíbrio entre as forças e as
capacidades potenciais do número cada vez maior de
pessoas que viveram muitos anos [...] e a ausência de
papéis produtivos ou carregadas de sentido, que quer
dizer, postos na estrutura social que permitiriam encorajar
e recompensar essas novas forças.
Se por um lado houve no século XX uma verdadeira revolução no que toca a
longevidade, por outro, as estruturas por idade não acompanharam no mesmo ritmo as
alterações, conforme o que vem sendo anunciado para o século XXI, quando será cada
35
Na versão francesa, ‘décalage sructurel’.
40
vez mais crescente o número de pessoas idosas tanto competentes e motivadas como
potencialmente produtivas. Sendo assim, certamente elas “não poderão se acomodar por
muito mais tempo a estruturas que não lhes dão nenhum papel” (RILEY, RILEY, 1991:7).
Foram analisados pelos autores dois tipo de estrutura por idade, uma considerada
tradicional, cuja ruptura advém de uma subdivisão baseada em idades, e outra que
considera a importância da integração das idades e que poderia teoricamente reduzir as
diferenças da ‘ruptura estrutural’.
Na primeira os papéis sociais são divididos em três partes: aposentadoria com a
primazia dos lazeres, o trabalho para os considerados adultos e a educação para os
jovens. Nesse modelo banal, originário de um tempo mais antigo, a aposentadoria seria
muito próximo da morte e haveria uma dificuldade adaptativa a novos modos de vida.
Ele se fundamenta no declínio que se acentua com o decorrer dos anos e acaba
fortalecendo concepções que podem ser consideradas ‘ageísmo’. Seria uma divisão
considerada prática para a sociedade, pois não possibilita muitos questionamentos. Já na
integração das idades, seria possível ter diferentes papéis em todas as estruturas e tanto
na escola, no emprego como nos lazeres as pessoas estariam integradas.
Nem os adolescentes nem os aposentados estarão
excluídos dos locais de trabalho em razão da sua idade.
Existem escolas maternais para os muito jovens, mas as
universidades são abertas aos adultos de todas as idades,
incluindo os velhos. Grandes possibilidades de lazer fora
do trabalho são oferecidas mesmo para as pessoas de idade
média [...]. Graças a essa integração de idades, poderíamos
encaminhar em direção a essa reconstrução dos percursos
da vida, objeto de inúmeros debates, visto que os
indivíduos, durante toda sua vida, poderiam alternar os
períodos de educação e de lazer (RILEY, RILEY, 1991:8).
Mesmo que possam ser observados alguns sinais de que estaria havendo uma
intervenção sobre as estruturas, que teria como objetivo aproximar as pessoas
independente da idade, seja no trabalho, na educação ou no lazer, os exemplos
observáveis dessa integração ainda são raros na sociedade moderna. Ela acaba
ocorrendo tanto no nível institucional, nos valores, como também nas oportunidades
iguais tanto para homens e mulheres. Alguns exemplos podem ser dados, como
41
programa de educação de adultos em que jovens e velhos dividem os bancos escolares;
as possibilidades de trabalho assalariado para os mais velhos, mesmo que em tempo
parcial; atividades de trabalho de cunho voluntário; aposentados atuando nas escolas
como instrutores, dando reforço em algumas disciplinas; jovens auxiliando no trabalho
doméstico enquanto seus pais trabalham.
A formação de uma nova geração de idosos e aposentados
Nas sociedades tradicionais, um sistema de diferentes classes de idade servia
para marcar as posições que cada membro vai ocupar. Isso era regido por códigos bem
ritualizados. Já na sociedade ocidental, diferentemente, isso só vai ocorrer em
regulamentações formais e de algumas instituições, sendo as normas de idade bem mais
flexíveis, não impondo uma delimitação formal das fases da vida. Ao se falar das
‘idades da vida’, devemos estar atentos ao fato de que elas não são reguladas por um
sistema rígido e universal, existindo diversas modificações sociais que se produzem no
ciclo da vida. É nesse ciclo que somos capazes de projetar nossa duração individual
numa duração coletiva, e, de uma maneira ‘socialmente definida’, fazer com que esses
tempos estejam em conformidade. Será essa ‘duração coletiva’ que vai moldar um
espaço que lhe é próprio, simbolizado como ‘espaço geracional’ (ATTIAS-DONFUT,
1988).
Num ciclo considerado mais linear, os indivíduos se organizam por
compromissos mais a longo prazo, e em alguns casos, com uma certa rigidez, fazem
projetos diversos, seja para as atividades profissionais, familiares ou educativas: o ciclo
da vida vem a ser a referência, com seu desenvolvimento contínuo, linear e progressivo
se projetando em direção às futuras gerações (GAULLIER, 1988). O ciclo da vida se
cronologizou, de maneira que para cada idade acaba existindo uma cultura diferente –
isto pode ser observado na divisão em que se determina um tempo destinado à
formação, outro à produção e finalmente o que é destinado a aposentadoria. A entrada
em cena de um novo tipo de aposentado, assalariado pertencente à classe média e que
teve considerável aumento de sua longevidade, fez com que esse esquema dividindo a
vida em três etapas acabasse sendo comprometido.
Xavier Gaullier (1992; 1999) argumentou que passávamos por um período de
transição, de tensões múltiplas, produzidas a partir da passagem desse modelo linear
42
para um outro mais flexível e original. que decorre das novas relações entre trabalho e
tempo livre. De que maneira poderíamos então interpretar os diferentes comportamentos
e atitudes das pessoas idosas e aposentadas em relação ao emprego do seu tempo
disponível? Poderíamos considerar uma nova maneira de ser idoso e aposentado como
um fenômeno de idade ou como de geração?
Ainda com Gaullier, verificamos que foram feitas importantes considerações
sobre o ciclo da vida e sobre as gerações, chamando atenção quanto ao fato de que, nos
últimos anos do século XX, passamos por um período bastante particular que
desestruturou as idades da vida. Ao analisar o ‘risco velhice’36, ele colocou em questão
o contrato social existente, chegando a identificar um novo tempo social, que
denominou ‘segunda carreira’, vivenciado como se fosse uma ‘nova idade’. Nessa ‘nova
idade’, estaria incluída uma parte considerável do tempo da vida profissional, as
atividades da vida pós-profissional, assim como todas as formas de cessação da
atividade profissional, incluindo também aqui a aposentadoria. De antemão ele alerta
que não é necessário opor esta segunda carreira a uma primeira, mas que na verdade
seria uma estratégia de vê-la prolongada, afastando mais o sentimento de entrada na
velhice e proximidade do fim da vida.
Essa pista nos remete à reflexão sobre algumas de nossas questões no que toca
a prática da ginástica de idosos. Consideramos a priori que ela tanto pode ser adotada
para influir na saúde do indivíduo como também ser mais uma atividade de lazer.
Estaria ela sendo usada pelos idosos e aposentados nessa dita segunda carreira como um
fenômeno de sociedade explicado nas teorias sociais do envelhecimento em que o
ativismo ganhou evidência? Poderíamos supor que não existiria nem ruptura nem
continuidade, mas que fatalmente esses engajamentos acabaram se verificando por força
de um fenômeno mais global, influenciado por uma nova imposição social de um estilo
de vida mais ativo e coincidente com a chegada de um novo tipo de aposentado.
Bruhns (2000), trabalhando com os conceitos de corporeidade e lazer, usou
como suporte alguns argumentos já antes levantados por Featherstone em 1994 (APUD
BRUHNS, 2000). Foi posto em evidência como o envelhecimento fisiológico é reduzido
pela biologia quando são desconsiderados os parâmetros culturais, sendo três
proposições apresentadas pela autora. A primeira leva em consideração a vida como um
43
processo e que pode ser tanto caracterizado “como ciclo de vida, curso de vida,
desenvolvimento, estágio, etc.” (p. 9). A segunda aponta para a “não existência de um
processo único de vida, podendo-se falar de diferentes processos ou cursos de vida,
históricos e culturais”. O modelo biológico acaba influenciando a vida humana como
um ciclo universal: nascer, amadurecer, reproduzir, declinar, e morrer37. E a terceira
proposição leva em consideração a aceitação tanto da pluralidade dos cursos de vida
como de corpos, além de enfatizar a importância de serem feitas abordagens
interdisciplinares.
Duas características, como finitude e visibilidade, são consideradas evidentes
no caráter corpóreo, sendo esta última evidenciada pelo ‘ver e ser visto’ que
exerce um papel importante na comunicação entre as
pessoas e nos encontros sociais [...] o curso da vida e o
processo de envelhecimento transformam a estrutura
visível do corpo humano de muitas maneiras, podendo
mudar nossa concepção do ser humano (BRUHNS,
2000:10).
O momento que estamos vivendo atualmente é lembrado a partir das
dificuldades encontradas em estabelecer os limites entre infância, maturidade, velhice,
sendo que esta última é
traduzida como uma fase da aposentadoria ativa, em que o
declínio físico associado a ela constitui-se num fenômeno
capaz de ser progressivamente eliminado. Estamos
presenciando uma desconstrução do curso da vida com
tendência a uma maior flexibilização (BRUHNS, 2000:11).
Saúde, lazer, manter o corpo, sociabilidade, pertencimento e uma espécie de
prazer são as mais normais manifestações expressas pelos idosos quando questionados
sobre as principais motivações que os levaram a praticar uma atividade física como a
ginástica. As pessoas idosas que participam desse tipo de atividade no modelo
36
Foi proposto um mecanismo tributário, na forma de imposto, visando a cobrir os grandes
gastos que são imputados aos velhos dependentes.
44
associativo tendem a se movimentar num tempo que lhes é específico, explicado, como
supomos, como fenômeno geracional, que não permite qualquer equivalência com
outras épocas.
Observações desenvolvidas tanto pelas ciências sociais como a partir das
evoluções demográficas deram um novo perfil para a temática sobre as gerações. Nesse
sentido, Claudine Attias-Donfut (1988; 1991) acredita que mereça ser feita uma
problematização no simbólico do que pode significar uma geração, merecendo reflexões
sobre a história, a memória coletiva e os tempos sociais. No seu livro é feita uma
interessante revisão histórica do conceito mítico de geração e uma análise mais
aprofundada sobre a noção de geração, chegando mesmo a desconstruir alguns dos seus
usos mais comuns.
Evocação da vida, da morte, da reprodução, a noção de
geração introduz no meio dos grandes problemas do
homem a sua perenidade e a finitude; ela está no centro
das reflexões sobre a organização dos homens na
sociedade; sobre a marca que ele recebe de seu tempo,
sobre seu posicionamento no espaço e no tempo [...] a
noção de geração só se define em relação a um contexto
que lhe dá sentido: ela só pode estar sendo compreendida
se ela se inscrever num projeto teórico no qual ela tira sua
significação (ATTIAS-DONFUT, 1988:17).
A partir do uso comum que se dá à noção de geração, algumas abordagens foram
analisadas pela autora. No quadro demográfico ela é quantificável e fica envolvida no
sentido de ‘coorte’, que significaria um determinado número de pessoas nascidas num
mesmo intervalo de tempo. Numa perspectiva etnológica, a noção de geração é limitada
pelo sentido de filiação, tendo uma função classificatória. Considerando que a noção de
geração não é nem quantificável nem codificável, aceitando-se que sua qualificação seja
entendida como uma “união espiritual”, faz-se necessário de imediato dissociá-la da
noção de idade.
W. Dilthey (APUD, ATTIAS-DONFUT, 1988) trabalhou de maneira particular as
gerações. Ele observou o caráter importante de se confrontar um tempo
quantitativamente mensurável com um outro vivenciado, que só pode ser analisado
qualitativamente; fala de uma contemporaneidade, que nada tem a ver com o
37
A psicologia do desenvolvimento vai apresentar as fases de outra maneira, sendo
caracterizadas em geral como infância e juventude, pré–maturidade, meia idade e velhice.
45
cronológico. A concepção de Dilthey de geração se fundamenta numa temporalidade
que é concreta, dependente da combinação de condições sócio-históricas. Segundo
Attias-Donfut (1988:36), “a existência do indivíduo enquanto tal resulta da unidade de
experiências passadas e presentes. Essas experiências situadas historicamente assentam
os alicerces da noção de pertencimento a uma geração”.
A maneira como cada época interpreta as suas gerações lhe é própria e variada,
e geração já foi definida a partir da sua polissemia. No século XIX já estavam
formuladas algumas bases conceituais que deram suporte às grandes teorias sobre as
gerações. Nesse sentido, podemos citar os trabalhos que posteriormente foram
empreendidos sobre a questão das gerações por Karl Mannheim (1990). Ele escreveu
sobre os caminhos que serviram para situar a problemática das gerações, e a um deles
ele chamou de abordagem ‘positivista’; a outro, denominou abordagem ‘romântica
histórica’. A primeira se fundamentaria numa abordagem quantificável, e a segunda,
numa perspectiva mais qualitativa.
A via romântica oculta os determinismos sociais e Karl Manheim seguiu uma
abordagem mais sociológica, considerando como fundamental o problema das gerações
para melhor compreender as mudanças sociais. Ele fala da ‘posição social’ como
determinista para o acesso aos ‘produtos culturais da sociedade’, o que nos leva a
refletir sobre o aumento da participação de idosos e aposentados no meio associativo,
como também na prática de atividades físicas realizadas por idosos dentro ou fora
desses ambientes.
Reconhece-se a existência de uma geração na coincidência com os fenômenos
sociais e fatos históricos marcáveis38, e, nesse sentido, também introduz a questão dos
tempos sociais. De maneira que ao se levar em conta a abordagem das práticas sociais
38
O caso estudado, Xavier Gaullier, é bem ilustrativo de como cada geração realiza um percurso
único, e que o processo de envelhecimento desse grupo analisado em determinado momento não
pode ser generalizado a outras gerações (GAULLIER, 1982). Seu estudo compreendeu pessoas
nascidas na França entre os anos 1920 e 1925. Na sua infância foram educados trazendo à
memória os fantasmas da Primeira Guerra Mundial e de maneira geral entraram no mundo do
trabalho antes da Segunda Guerra. Conheceram enormes dificuldades de emprego nos anos que
precederam a eclosão da guerra. Em seguida eles a viveram, o que certamente desorganizou sua
vida familiar e, em alguns casos, foram condenados ao trabalho obrigatório, muitos tendo sido
deportados. Essa geração viveu sua maturidade na época do crescimento econômico, quando as
condições de trabalho melhoraram sensivelmente. Finalmente, nos anos 70, foram confrontados
com uma crise econômica quando tinham mais de cinqüenta anos.
46
como possibilidade de se discutir as gerações, podemos considerar que a sua definição
social
se produz nas fronteiras da memória coletiva e da história
contemporânea, contribuindo para a estruturação contínua
do tempo social, pela definição do presente, do passado e
do futuro [...] A marca efetiva do tempo sobre as gerações
sucessivas não se confunde com as definições sociais que
lhes são feitas. Ela se revela a partir de um outro tipo de
análise: que é o da interface entre o tempo individual e o
tempo social, em que se desenvolve um espaço de
produção de produtos mentais próprios [...]. Nessa
perspectiva, a geração não é deduzida da história, mas ela
se constrói construindo a história (ATTIAS-DONFUT,
1988:168).
Há pouco tempo na Europa se procurou entender melhor como a questão da
nova geração de idosos e aposentados se constituía. O objetivo principal do evento foi
discutir a solidariedade entre as diversas gerações, considerando-a como um fato
proveniente das novas relações sociais (WALKER, 1993). O ano de 1993 foi denominado
pelos países da comunidade européia como ‘ano das pessoas idosas e da solidariedade
entre as gerações’, e em um evento realizado naquele ano, foram discutidas oficialmente
as estratégias que deveriam ser assumidas pelos países membros. Enfatizou-se o que de
certa forma já vinha sendo proposto anteriormente, como por exemplo a integração dos
idosos e aposentados em propostas associativas que levassem em consideração a
‘intergeracionalidade’. Nesse sentido, um grande passo foi dado no sentido de assumir a
dificuldade de se usar parâmetros fundamentados em idade cronológica para definir
quem pode ou não participar de atividades associativas que envolvem idosos e
aposentados. Verificamos que essa compreensão vem sendo melhor trabalhada na
França do que no Brasil, e que neste último acabam-se adotando critérios ambíguos e
segregativos, que em muitos casos acabam constituindo alguns ‘guetos de idosos’.
Verifica-se ainda como neste último país ainda é forte a aceitação da divisão
cronológica impensada como também da incorporação da tal ‘terceira idade’ às políticas
sociais, diferentemente dos encaminhamentos observados atualmente na França.
47
No momento em que o envelhecimento se torna problema social passou a ser
fundamental ter políticas específicas
Adeptos da designação ‘terceira idade’ sempre se justificam dizendo que ela é
mais positiva e menos estigmatizante do que ‘velho’ ou ‘idoso’. Seria uma maneira de
designar aqueles que encerraram suas atividades profissionais normalmente, sem ser
pelo desemprego ou por motivos de saúde. Dessa forma, não seria necessário se referir a
uma idade qualquer, pois enquanto uma pessoa trabalhasse ela não pertenceria à terceira
idade, mesmo que viesse a ter noventa anos (LEVET-GAUTRAT, 1995).
Mas na prática isso não ocorre dessa maneira: a homogeneização é total e o
critério idade acaba falando mais alto. O trabalho não é um bom referencial, pois sua
valorização em nossa sociedade é tanta que os idosos e aposentados a levam para o que
seria seu tempo do não-trabalho. Na verdade estaríamos diante de uma nova imposição,
a da atividade, que busca afastar o significativo do ser velho – uma pessoa ativa é da
terceira idade, e nunca um velho. É então a aposentadoria ativa que se constituiria no
novo modo de relação – com o uso do seu próprio dinheiro – com os próximos e
também com a sociedade (LEVET-GAUTRAT, 1995).
A inconsistência da divisão das diversas etapas da vida em que se apresentam
cronologicamente os comportamentos mais adequados foi muito bem observada em
autores como Aries (1981) no que toca as crianças. Com a terceira idade, essa
construção social procura também consistência no aspecto que menos lhe dá suporte, ou
seja, a idade cronológica. O surgimento da expressão, aparentemente ingênua para
caracterizar os velhos que até então não eram contemplados com uma política própria,
traz em si uma nova moral de envelhecer, que é a do idoso ativo. Ela surgiu num
momento em que já se podia prever o aumento demográfico desse estrato da população,
exigindo-se novas medidas para o contigente de aposentados e idosos que passariam a
viver cada vez mais anos. A terceira idade e também a mais recente invenção, a quarta
idade, são expressões que nasceram fundamentadas na idéia assistencialista, ainda que
em certos momentos o discurso seja de autonomia para os idosos.
Alguns autores vêm realizando observações mais críticas sobre os diversos
significados do envelhecer no século XX e das novas invenções que foram surgindo,
seja na forma de uma terceira idade (LENOIR, 1979), da própria velhice (MAGALHÃES,
1989) ou mesmo apontando para uma ‘reinvenção’ desta última (DEBERT, 1998). Esses
48
autores mostraram claramente como o envelhecimento foi se transformando em mais
um ‘objeto de saber científico’. Mesmo quando se levam em consideração as
características multifatoriais e multidimensionais e as possibilidades anunciadas pelo
bom envelhecimento, ele não deixa de ser debatido a partir do “desgaste fisiológico e o
prolongamento da vida, o desequilíbrio demográfico e o custo financeiro das políticas
sociais” (DEBERT, 1998:32).
Parece não restar qualquer dúvida de que estamos diante de uma nova invenção
social que em outras épocas já ocorreu com distintos grupos sociais. Foi por exemplo na
época de Rousseau que as crianças passaram a não ser mais consideradas como adultos
em miniatura. Guita Debert (1998) mostrou, a partir das pesquisas de Philippe Ariès e
Norbert Elias, que houve um processo que determinou o estabelecimento do que se
passou a chamar de criança. Essa elaboração apresentava-se nas maneiras de vestir, nas
atividades lúdicas consideradas mais adequadas e que, entre outras características,
serviam para distinguir a criança dos adultos. A partir da época considerada como
modernidade, “teria-se alargado a distância entre adultos e crianças, não apenas pela
construção da infância como uma fase de dependência, mas também pela construção do
adulto como ser independente” (DEBERT, 1998).
Criado o mito da terceira idade, forjou-se a idéia de que as pessoas poderiam
viver um período sem qualquer tipo de imposição, fazendo tudo o que quisessem – só
seria velho quem assim desejasse. Remi Lenoir (1979) foi um dos primeiros a falar
dessa invenção, que veio a servir como uma ideologia, não mais associando o
envelhecimento a uma identidade negativa. Segundo ele, a terceira idade definida como
uma ‘nova juventude’, a ‘idade dos lazeres’, seria a negação da velhice. Ao se enfatizar
a importância da aposentadoria ativa, em última análise se estaria passando a idéia de
que a vida começa em torno dos sessenta anos.
A invenção da terceira idade, essa nova etapa do ciclo de
vida que tende a se intercalar entre a aposentadoria e a
velhice, é, no essencial, o produto da generalização dos
sistemas de aposentadoria e da intervenção correlativa de
instituições e agentes que, ao se especializarem no
tratamento da velhice, contribuem para o processo de
autonomização da categoria e, ao mesmo tempo, da
população designada por ela (LENOIR, 1979:57).
49
A terceira idade apareceu na análise positiva dos expertos (HADDAD, 1986),
aqueles que falam em nome dos velhos, passando a todos uma nova esperança para
viver de forma satisfatória e, principalmente, bastante diferente do passado. Nesse novo
modelo, os últimos anos de vida estariam cada vez mais longe. Paradoxalmente, na
França, país em que foi criada a expressão e o conceito ‘terceira idade’, falar nela
parece entrar em desuso, e não são poucos os exemplos de idosos se negando a ser
considerados como tal (ALVES JUNIOR, 1994), apesar de todo eufemismo e sentimento
positivo que ela traz. Os novos aposentados não se sentem à vontade com a designação
(LEVET-GAUTRAT, 1985), talvez porque não querem assumi-la enquanto uma etapa que
precederia a ‘quarta idade’39. Já no Brasil muitos ainda estão deslumbrados com o mito
da terceira idade, talvez porque o aumento do número de pessoas com mais de oitenta
anos ainda não seja tão significativo.
Na Europa, e na França em especial, o estado de dependência que já vem
atingindo muitos idosos tem sido o foco atual da discussão das políticas públicas,
principalmente se considerarmos que é esse o grupo que tem mais permanência nos
hospitais, demandando maiores recursos e tempo de tratamento e acompanhamento, seja
por parte do Estado ou mesmo da família. Seriam esses os velhos e o envelhecimento
que a invenção da terceira idade estaria a negar.
No Brasil, ainda que timidamente, também podemos observar alguma
resistência a essas classificações, como vemos nos relatos do número 40 da Revista da
Maturidade (1999), que traz na capa, como chamada para seu artigo principal, o título
‘Terceira Idade, não. Maturidade’. A despeito da justeza de algumas argumentações –
como por exemplo “a expressão é como uma embalagem que só serve para fins
estritamente mercadológicos; não tendo nenhuma pretensão científica, visa na verdade
atrair fregueses” – é necessário não cair na armadilha de se procurar novos nomes para
substituir aqueles que caem em desuso, e vemos que essa perspectiva é real. A revista
argumenta que diversas
39
Atualmente, mais na França do que no Brasil, já está configurado o que tem sido chamado de
quarta idade, que corresponderia à idade da dependência (THEVENET, 1989).
50
pesquisas de mercado, destinadas a mapear os hábitos de
consumo das faixas etárias mais altas, já registraram o
desagrado com a qualificação. A primeira dessas
pesquisas, realizada ainda em 1989, pela agência de
publicidade CBBA, evidenciou que a expressão 3ª idade
não era bem aceita pelas pessoas acima de 50 anos porque,
no Brasil, ela era associada à inatividade e à marginalidade
socioeconômica (p.3).
Nesse ponto discordamos quanto a essa característica, pois o que ela pretende
vender na verdade é uma nova maneira de envelhecer, uma forma de permanecer ativo
que ao que parece durante a década de noventa ficou mais nítida. O artigo ainda diz que
a idéia de uma terceira idade pressupõe a chegada a um estágio da vida sem
possibilidades de crescimento.
Na França, no ano de 1983, o encontro nacional de aposentados teve como
última decisão abolir o termo ‘terceira idade’, substituindo-o pela expressão
‘aposentados e pessoas idosas’. A fim de evitar todas as possíveis confusões e aceitando
as críticas, Maximillienne Gautrat (1985) utiliza o termo ‘pessoas idosas’ para
caracterizar aqueles que têm mais de 60 anos, o que na verdade não muda em nada,
afirmaria Ennuyer (1991a).
Se tomamos como referência os 60 anos, a idade clássica, para considerar
alguém como idoso estamos diante de grande heterogeneidade de pessoas nesse grupo
social. Encontraremos homens e mulheres solteiros, casados, viúvos, divorciados, as
mais diversas profissões, como também diferentes padrões de cultura e educação,
modos de vida e condições de saúde, o que ultrapassa as classes sociais clássicas.
Bernard Ennuyer (1991b) mostra, em outro artigo, como são arbitrárias as novas
divisões que visam a separar os aposentados em duas idades. Reportando-se aos
discursos que são produzidos, desde o defendido pelo então secretário de Estado
francês, como também por sociólogos, médicos e jornalistas, demonstra a intenção de
diferenciar uma velhice que vai bem de outra que vai mal. No primeiro caso estão os
que representam uma receita, e no segundo, aqueles que significam despesa, que
acabam custando mais, são um fardo, os velhos, são os dependentes. Sendo assim,
existem “aqueles que têm saúde, a terceira idade, e aqueles que não têm mais, os
dependentes, os dementes, a quarta idade” (ENNUYER, 1991b:21). Em sua análise, há
51
nos discursos que enaltecem os valores da terceira idade tanto a aproximação de um
sentimento de poder como a negação do envelhecimento e da morte. Ao final do seu
artigo, o autor lista os dois grupos estabelecendo as oposições. Entre aqueles que têm
idade entre 50 e 75 anos estariam os ditos da terceira idade, jovens velhos que fazem as
coisas, capazes de gerir sua própria vida, uma geração dominante, rica, que maravilha a
sociedade; são aposentados esses falsos velhos. Já os outros teriam mais de 75 anos,
estariam na quarta idade, são os ‘velhos velhos’, incontinentes, decadentes e dementes,
incapazes de fazer mais alguma coisa. Neste último caso, o envelhecimento seria um
naufrágio, tornando os indivíduos objeto dos médicos; são os verdadeiros velhos.
Essas constatações acabam se mostrando verdadeiras quando temos contato
com a abordagem biomédica ou mesmo técnico-administrativa, em que podemos
constatar como a questão da idade é carregada de representações que servem à
construção do objeto “pessoa idosa”. Bernard Ennuyer encontrou algumas evidencias
quando consultou livros, artigos de periódicos e revistas especializadas. Sua pesquisa
mostrou como a idade cronológica pode ser utilizada para “distinguir a velhice que vai
bem daquela que vai mal”; ainda segundo aquele autor, não há motivo para não usarmos
a palavra velho.
Não querendo afirmar que a negação do envelhecimento seja fruto exclusivo de
nossa sociedade de consumo, apresentamos o que foi escrito por Cícero (1997:9, 27) no
ano 44 a.C., que assim se expressou sobre o tema:
[...] todo aquele que sabe tirar de si próprio o essencial não
poderia julgar ruins as necessidades da natureza. E a
velhice, seguramente, faz parte delas. Acaso os
adolescentes deveriam lamentar a infância e depois, tendo
amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um
curso muito preciso e a natureza dota cada idade de
qualidades próprias [...]. A natureza fixa os limites
convenientes da vida como qualquer coisa. Quanto à
velhice, em suma, ela é a cena final dessa peça que
constitui a existência [...] somente os idiotas lamentam
envelhecer.
52
Se a velhice sempre existiu, o que fundamentalmente mudou, para grande parte
dos velhos do século vinte, e que se anuncia para este novo século como norma, é que
não se pára mais de trabalhar para morrer, como era freqüente nos séculos anteriores.
Fruto das conquistas trabalhistas que se foram acumulando nos últimos anos, entrou em
cena o uso de um tempo social que se configura pela ausência do compromisso com o
trabalho. Atualmente somos induzidos a crer que são os aposentados os que mais
poderão usufruir40 desse tempo. Trata-se de uma aposentadoria sendo vivida como
‘lazer’ ou ‘terceira idade’, que acaba generalizando a imagem de um envelhecimento
isento de comprometimentos e bastante feliz. No Brasil, diferentemente da França,
encontramos muitas outras denominações para a terceira idade que procuram dar um
sentido ainda mais positivo à passagem para a vida de aposentado: ‘idade feliz’, ‘boa
idade’, ‘melhor idade’, ‘idade de ouro’, ‘feliz idade’ entre tantas outras.
A idade da aposentadoria varia bastante, dependente que é das políticas sociais,
que por sua vez acabam levando em consideração as tensões com as novas demandas
dos jovens que procuram entrar no mercado de trabalho e dos interesses mercadológicos
de uma época. São as pressões exercidas pelas gerações mais jovens, que determinam o
momento em que as gerações mais velhas devem se retirar “das posições de poder a fim
de vir a ocupá-las, que constituem o pretexto da luta entre gerações” (LENOIR, 1998:68).
Se por um lado somos capazes de reconhecer que atualmente temos o
‘rejuvenescimento dos sexagenários’ (BOURDELAIS, 1993), paradoxalmente ainda temos
de admitir o envelhecimento precoce de grande parte da população, aquela que
sobrevive abaixo do limite da pobreza. Se para uns o velho é um negócio, para outros
ainda é encargo, pois que não se generalizou o que deveria estar sendo garantido pelo
cumprimento dos direitos de cidadãos41.
Simone de Beauvoir (1970) alertou para o fato de que a condição de ser velho
nos últimos séculos denunciava o fracasso de toda uma sociedade que, já na infância,
pré-fabricava a condição miserável que viria a ser o legado de grande parte da
40
Mesmo que a renda média dos aposentados tenha crescido nos últimos anos devido ao
benefício da prestação continuada, no Brasil ainda é bastante considerável o número de
aposentados que continuam engajados em atividades que possam lhes garantir renda
complementar. Em nosso entender, isso não pode ser creditado a opção individual, mas sim a
necessidade.
41
Ver o que diz a Constituição de 1998 (Brasil, 1988) com relação aos idosos, confirmado pela
lei 8842 (Brasil, 1996) e agora pelo Estatuto do Idoso (Brasil, 2003).
53
população para os últimos anos de sua existência. Admitimos que, mais do que se
debruçar sobre a importância do controle de perdas ou de deteriorações devidas ao
envelhecimento, um estudo sobre o tema deve também privilegiar uma análise mais
crítica da sociedade, visando a contribuir para a emancipação do sujeito (ZUNINGA,
1990).
Os anos sessenta nos parecem fundamentais, pois é nesse período que,
apoiando-se na preocupação com o aumento proporcional do número de pessoas idosas,
com a velhice desamparada e o estado lamentável de todas as formas asilares, países
mais desenvolvidos como a França passaram a encarar diferentemente o envelhecimento
de sua população. Mesmo após terem conquistado alguns avanços sociais
(GUILLEMARD, 1986) no âmbito da seguridade social, os aposentados e a velhice
continuaram a ser considerados como ‘problema social do momento’ (LENOIR, 1979,
1998).
O fato de que a velhice vem sendo freqüentemente apresentada como uma
categoria ‘natural e evidente’ representa para Lenoir (1998) uma dificuldade que
impede o pesquisador social de delimitar o seu objeto quando pensa em analisar a
constituição da velhice como problema. O surgimento de um problema social ocorre no
momento em que se detecta uma crise no sistema, e ao analisar o envelhecimento, o
autor apontou para a existência de diversos motivos que levavam algo que sempre
existiu, como a velhice, a se transformar em um problema social. Na sua configuração
enquanto um problema, o envelhecimento acaba recebendo as mais diversas influências,
como a pobreza, a dependência, o envelhecimento da população ou ainda as relações
entre as gerações.
A invenção da terceira idade como um período da vida em que tudo é
permitido estimularia os possíveis aposentados a encerrar o quanto antes as suas
atividades. Cada vez mais jovens fora do trabalho e com mais anos de vida como
expectativa, a velhice estaria cada vez mais longe. A invenção de novas divisões para o
ciclo da vida não é novidade. Tomando como exemplo a invenção social da infância,
Philippe Ariès (1981:48) mostrou como as idades da vida são flexíveis e como sua
importância é fruto da influência exercida pela sociedade num determinado momento.
54
Tem-se a impressão, portanto, de que a cada época
corresponderiam uma idade privilegiada e uma
periodização particular da vida humana: a juventude é a
idade privilegiada do século XVII, a infância, do século
XIX, e a adolescência, do século XX.
Dessa forma, somos levados a imaginar que a terceira idade seria a privilegiada
do século XXI, mas sua delimitação é um dos problemas que dificultam as
generalizações. Alguns vêm usando a idade como uma categoria natural, que serve para
distinguir os indivíduos no mundo social por meio de princípios de classificação. Estes
baseiam-se “segundo critérios juridicamente constituídos” (LENOIR, 1998:64), como os
sistemas de proteção social, o mercado de trabalho, entre outros. A divisão da vida em
etapas como tempo de formação, tempo de trabalho e tempo de repouso já não se
sustenta mais (GAULLIER, 1988; 1999). A se confirmarem tais previsões, essa tendência
se configuraria cada vez mais a partir da importância que é dada ao ativismo, a um
estilo de vida saudável, ao voluntariado e a um tipo de associativismo específico para
idosos e aposentados. Confirmaria o afastamento dos novos aposentados da verdadeira
velhice, esta sim decrépita, inativa, dependente e problemática.
As políticas sociais voltadas para idosos passam à família e ao indivíduo a
responsabilidade pelo bom ou mau envelhecimento
Em alguns países como a França, o incentivo à prática das mais diversas
atividades, sejam elas relacionadas com o campo das práticas físicas ou esportivas,
intelectuais ou sociais, vem sendo apontado há algumas décadas como uma maneira de
manter os aposentados e os idosos inseridos na sociedade. Essa política vem fazendo
parte de um projeto mais amplo, que em diversos países surgiu após a inclusão do
envelhecimento da sociedade entre as questões de Estado, a partir da definição de quais
medidas eram necessárias para se pôr em prática uma nova maneira de envelhecer.
Um projeto de inserção social de um grupo qualquer, que tanto pode ser
constituído de jovens como de idosos, desempregados, mulheres ou imigrantes, surge da
evidência de que alguma coisa não estaria funcionando de maneira satisfatória. Para
Vatin (1991), a temática da inserção faz surgir um novo espaço de regulação
institucionalizado, que pode ser entendido como a passagem de um tempo social, como
55
o do trabalho assalariado, a um outro tempo que pode ser o dos lazeres, que para muitos
é percebido como tempo privilegiado dos idosos e aposentados.
Na França, uma diversidade de leis tinham como pano de fundo beneficiar os
idosos e aposentados, muitas com propostas que procuravam se basear numa forma
diferenciada de olhar os velhos. Seria “sair do esquema assistencial para pôr em prática
um projeto global” (DHERBY, PITAUD, 1991). Anos mais tarde, a proposta francesa
acabou inspirando os projetos de intervenção brasileiros e algumas diretrizes postas em
prática na forma de políticas públicas. Realizaram-se diagnósticos preliminares para se
compreender o envelhecimento da sociedade e apontar para necessidades imediatas e
futuras. Isso ocorreu tanto na França no final dos anos cinqüenta (LAROQUE, 1987)
como no Brasil durante os anos setenta (BRASIL, 1977).
Segundo Guillemard (1986), uma política para a velhice pode ser definida
como o conjunto de intervenções públicas que estruturam de maneira implícita ou
explicita as relações entre os velhos e a sociedade. Uma referência no que tange o
interesse pelo estudo das intervenções do Estado nas políticas da velhice, a autora
identificou como elas se organizaram na França, onde basicamente foram apontados três
eixos políticos: primeiro, a constituição do direito social à aposentadoria; depois, a
definição de um modo de vida específico para a velhice; e finalmente o nível e o modo
de participação do grupo idoso na produção.
Processo semelhante também se desenvolveu no Brasil, só que em épocas
distintas e em proporções bem mais modestas. Até o presente momento, no Brasil é a
segunda fase a que tem mais repercutido, principalmente a partir do incentivo à inserção
de idosos e aposentados em projetos associativos diversos, à manutenção no domicílio e
ao envolvimento da família. Por outro lado, o incentivo à volta e à manutenção no
trabalho ainda se apresenta de maneira bem tímida, dada a crescente falta de
oportunidades para os mais jovens e o avanço do desemprego em todas as idades. Isso
também ocorre de forma semelhante na França. No tocante ao primeiro aspecto, a
generalização do sistema de cobertura pela aposentadoria, diferentemente do que ocorre
na França, no Brasil ainda é bem reduzido o número de pessoas que se beneficiam de
um sistema de aposentadoria satisfatório. Mesmo reconhecendo que existem benefícios
como os que envolvem os trabalhadores rurais e também os idosos que nunca
56
contribuíram e recebem um salário mínimo, sabemos que esse recurso no Brasil não é
capaz de propiciar uma aposentadoria generalizada, como ocorre na França.
Até o terceiro quartel do século XX, no Brasil, o atendimento aos idosos era
freqüentemente marcado por ações bastante assistencialistas, inexistindo qualquer
intenção de uma política específica que se diferenciasse do asilamento ou de medidas
pontuais. Levando em consideração que estamos nos propondo fazer um estudo
comparativo, não podemos afirmar que as preocupações com o envelhecimento no final
dos anos cinqüenta no Brasil tenham sido tão marcantes como foram na França.
Naquele país, a preocupação do Estado com o envelhecimento da população e a
necessidade de se ter uma política específica ficou bem marcada no último ano daquela
década, quando se fez um balanço sobre os quinze anos do plano estatal de seguridade
social42.
Com o fim de se projetarem novas perspectivas para o futuro, pôs-se em prática
um levantamento bem detalhado, realizado por uma comissão instituída especificamente
para estudar os problemas da velhice. Ao final de dois anos, o relatório concluiu que o
que até então vinha ocorrendo se tratava de esforços isolados, que serviam para atender
a determinadas necessidades pontuais dos idosos, inexistindo uma projeção para o
futuro. Apontou então a necessidade de se ter uma política para a velhice, cujas bases já
estavam traçadas e logo poderiam ser postas em prática.
Uma das razões apresentadas para que isso não estivesse ocorrendo foi a de
que até então os idosos franceses não eram tão numerosos e, mesmo que a duração
média de vida estivesse aumentando progressivamente, ainda não havia se formado um
grupo significativo que merecesse política específica. Outros fatos podem ser
acrescentados: até então a França se caracterizava por ser um país rural e a velhice em
família era algo comum nas pequenas propriedades.
Pierre Laroque (1987:14), responsável pelo relatório que ficou conhecido pelo
seu nome, argumentava que
o desenvolvimento cada vez rápido da urbanização e da
industrialização, com o aparecimento e a expansão das
grandes empresas industriais, comerciais e financeiras, a
preponderância crescente do assalariado como base de
42
A base da seguridade social francesa foi instituída logo após o final da segunda guerra
mundial.
57
todas as atividades profissionais vieram a modificar
profundamente o papel econômico da família. Ela cada
vez mais deixou de ser uma unidade de produção para ser
uma unidade de consumo. Dimensões que se restringiram
pelo evento da diminuição da natalidade.
A política elaborada para a velhice buscou definir o lugar dos idosos na
sociedade francesa e foi pensada para se efetivar nos vinte anos subseqüentes, tendo em
vista as previsíveis transformações que deveriam ocorrer tanto do ponto de vista
demográfico, como técnico, econômico e social. Ela teve como principais aspectos
orientadores o sentido de integrar os velhos à sociedade, condenando qualquer tipo de
segregação. Todos os esforços deveriam ser dirigidos no sentido de manter os idosos
integrados ao meio social e econômico, a partir de uma política que privilegiasse
múltiplos aspectos: trabalho, renda, ação social, saúde, prevenindo ou retardando as
doenças da velhice; uma ação educativa, que envolvesse não só os idosos, mas a
população como um todo.
Vinte e cinco anos depois, Laroque fez um balanço de cada um desses
aspectos, observando como eles foram ou não alcançados. Apresentou como de
fundamental importância as modificações impostas durante os anos setenta, em função
das crises do petróleo e suas influências na economia do país. Paralelamente à luta pela
manutenção do emprego, já que o desemprego passou a ser uma crescente, entrou em
jogo a diminuição do tempo do trabalho, antiga reivindicação da classe trabalhadora. Só
que agora a diminuição do tempo de trabalho implicou também o término antecipado
das atividades profissionais. Dessa forma, abria-se, em aparência, a possibilidade de se
terem novos postos de trabalhos para os mais jovens.
Laroque (1987:25) lembrou que “enquanto todas as pesquisas recentes da
geriatria testemunhavam que a manutenção de uma atividade seria a condição essencial
para o bem envelhecer”, impôs-se aos mais velhos a saída do trabalho, sem que isso
tenha representado empregos para os mais jovens. Ficava marcado mais “uma nova
rejeição às pessoas idosas, tanto pela vida econômica como pela sociedade”, e
paralelamente responsabilizava-se a família do idoso.
Ana Marie Guillemard (1986) fez uma leitura crítica sobre o que se dizia ser o
considerável esforço no sentido de equacionar os problemas do envelhecimento da
58
sociedade francesa. Segundo ela, a partir de 1971, apesar de ter sido colocado em
prática um conjunto de serviços, como cuidadores de idosos em domicílio, clubes e
centro dia, enfatizava-se a manutenção no domicílio, apelando-se para a participação
mais efetiva das famílias, incentivando-se pesquisas gerontológicas.. No entanto, quase
nenhum auxílio foi empreendido nesse sentido; as ações continuavam a ser isoladas, não
existindo qualquer articulação no plano nacional. Onde houve um significativo avanço
foi no que se referia ao desenvolvimento dos estudos gerontológicos e geriátricos, que
passaram a ser incluídos nas faculdades de medicina enquanto disciplinas. A influência
destes últimos acabou sendo significativa na elaboração das políticas públicas.
Logo depois da apresentação do relatório francês, os temas envolvendo idosos,
aposentados e envelhecimento passaram a ser bastante divulgados pelas mídias e se
criou a figura do secretário de Estado encarregado exclusivamente dos problemas das
pessoas idosas43. A política de Estado com relação à aposentadoria e à velhice, na
análise de Guillemard, considerou num primeiro momento a necessidade da ampliação
dos sistemas de aposentadoria; depois se estimularam as reformas dos asilos, cuja
situação era vergonhosa; ao mesmo tempo foram criados mecanismos para que as
pessoas pudessem envelhecer nas suas próprias residências, e aí, sim, aproveitar da
‘velhice terceira idade’, cuja modelização estava em curso. Essa maneira de conceber o
envelhecimento procurou atingir as categorias sócio-profissionais francesas que se
enquadravam como pertencentes a uma classe média e tinham como características
aposentar-se cada vez mais jovens e com uma esperança de vida que não parava de
aumentar. Guillemard identificou também que esses indivíduos, possuindo um nível de
vida mais elevado ao se aposentar, com um sistema de proteção social bem mais
estruturado do que antes, e, principalmente, com um grau de aspiração maior e uma
significativa capacidade de consumo, constituíram-se em elemento determinante para o
processo de produção da política francesa para a velhice.
A década de sessenta ficou então marcada como um dos mais importantes
momentos em que se buscou intervir diferentemente no modo de vida dos aposentados
franceses. Foi nesse período que surgiu em dois locais, na cidade de Grenoble como um
todo e em um bairro de Paris, uma nova dinâmica da ação gerontológica. Para aumentar
43
Na verdade isto não era visto com bons olhos no Relatório Laroque, mas segundo as palavras
de seu titular anos mais tarde, acabou contribuindo como elemento educativo e conscientizador
da população para o problema.
59
a autonomia das pessoas idosas, foram elaboradas as mais diversas fórmulas, como por
exemplo os clubes e os centros-dia.
O que estava sendo feito em Grenoble era sempre citado como referência de
uma política coordenada de modo de vida, que conseguia pôr em prática uma ação não
mais tão segregacionista e procurava romper de certa maneira com o assistencialismo.
Dois especialistas estiveram diretamente envolvidos na organização da rede que foi
posta em prática: um médico e outro ligado às ciências humanas. Como uma nova
doutrina, passava-se a representar a velhice não mais pelo declínio; agora ela era vista a
partir da “conservação, da manutenção na vida normal, graças à profilaxia preventiva”
(GUILLEMARD, 1986:172). Dando continuidade a sua análise, a autora apontou
evidências de que o novo discurso ativista culminava por designar as novas
necessidades em animação, como deveria ser feita a inserção social, surgindo a figura
dos animadores sócio culturais e esportivos que atuavam com idosos. Como experiência
piloto, a política posta em prática foi endereçada exclusivamente aos pertencente à
‘terceira idade’, visando a sua preservação, sendo renegados os idosos em estado de
dependência. Nesse ponto deixava-se de se pensar numa política global para atuar
apenas num modo específico de vida, que na verdade não poderia ser generalizado.
Os interesses postos em prática pelos mediadores privilegiavam as novas
classes médias assalariadas, que reuniam características até então inabituais: bom estado
de saúde, disponibilidade para atividades em grupo e dinamismo. Dentro da nova gama
de serviços e equipamentos sociais postos à disposição, percebia-se uma derivação dos
primeiros referenciais da política da velhice. Como os referenciais não eram mais as
camadas mais populares, as designações, como nos casos dos clubes, se modificam,
passando a ser ‘para a terceira idade’, e não mais “salão aberto aos velhos das classes
populares”,
como
inicialmente
foram
propostos.
Vemos
aí
o
início
da
institucionalização de um modelo de envelhecimento que a nosso ver se estende até os
dias de hoje.
As novas normas instituídas pela doutrina ativista, que
avaliam a velhice bem sucedida em razão do grau de
participação e vitalidade que as pessoas conservaram na
medida que envelhecem, instituem um modelo do bom
envelhecer às práticas sociais destas novas camadas de
assalariados; os mais aptos em converter, em atividade e
60
sociabilidade na aposentadoria, o capital de recursos que
eles acumularam durante a vida ativa (GUILLEMARD,
1986:181).
Isso ocorreu com mais intensidade precisamente após o movimento de 68, com
a pressão sindical com relação a aposentadoria, que levou o Estado a investir cada vez
mais em estratégias que fossem capazes de neutralizar as reivindicações dos sindicatos,
que naquele momento propunham o aumento das pensões, como também a diminuição
da idade da aposentadoria. Ao propor uma política de modo de vida para os idosos,
desviavam-se e neutralizavam-se as ações sindicais e; não foi por acaso que em seu
texto a legislação adotada assumiu ser “uma ação em favor dos problemas da terceira
idade” (GUILLEMARD, 1986:186). Esse ‘contra-ataque’ buscou inicialmente atingir três
ações: a primeira não pôde ser concretizada, que era a diminuição da idade da
aposentadoria; a segunda assumia a importância de se melhorar a cada ano a renda
mínima para os idosos; e a última teve como alvo realizar ações que permitissem a
integração dos idosos e continuar mantendo-os envelhecendo em casa, em contato com
os seus familiares e a sociedade.
No decorrer dos anos que se seguiram, cada vez mais o Estado geriu o modo de
vida dos aposentados a partir de ações sociais. Foi significativa a circular ministerial de
24 de setembro de 1971, que apontava para a criação de espaços no formato de clubes
autogeridos, seguindo modelo desenvolvido com sucesso na cidade de Grenoble,
aliando-o ao que também já se fazia em matéria de animação em Paris.
Com uma definição funcional é integrado o conteúdo
social. A nova ideologia da terceira idade ativa e
participante, que tem como referência social as novas
camadas da classe média assalariada, acaba assim
insidiosamente entrando na política pública [...]. Mais do
que nunca, as ações de manutenção no domicílio se
dirigiram a uma população idosa mobilizável, sugerindolhes a autogestão e o ativismo, abandonando os bem
idosos e seus problemas (GUILLEMARD, 1986:191).
O discurso por uma aposentadoria ativa, engajada, preparada com
antecedência, tomou força com a ‘racionalidade gerontológica’ que foi observada por
61
Guillemard a partir de três características básicas: a naturalização da idade, a
centralização da importância do adulto e a psicologização do envelhecimento. A
imagem de uma velhice ativista, participativa, regida por uma doutrina de integração da
terceira idade teve como resultado a naturalização da idade, que fez surgir novos
vocábulos para marcar e diferenciar esse período daquele que é denominado ‘da
dependência’. Como conseqüência, a imagem de uma velhice ativa fez fortuna em
diversas formas de consumo destinadas ao bom envelhecer nos últimos 30 anos.
A sociedade francesa passou durante a década de setenta por profundas
modificações na maneira como enfrentar o processo do envelhecimento, indo desde o
otimismo exacerbado caracterizado pela velhice ativa e dinâmica até as inquietudes
frente a uma velhice decrépita e dependente. Esta última quase sempre é imputada à má
opção do indivíduo por um modo de vida inativo. Fica claro nas políticas sociais a saída
do Estado de certas responsabilidades, passando-as à família e ao indivíduo, tanto pelo
incentivo para que se envelheça em casa, como pela busca da autonomia e
independência. Para que isso pudesse ocorrer, incluía-se a necessidade de se estar
engajado em atividades, evitando-se ao máximo o recurso asilar.
É evidente que os idosos oriundos da classe trabalhadora ficaram em
desvantagem frente aos que conseguiram acumular mais recursos. O estímulo à
solidariedade entre as gerações passou a ser fundamental, as pessoas deveriam
envelhecer próximo aos seus familiares, a eles sendo passada a co-responsabilidade de
atendimento quando fosse necessário. Não querendo que seus velhos se transformassem
em peso, a família de certa forma reproduzia o discurso do bom envelhecer,
estimulando seus idosos a se manterem ativos e ficando bastante orgulhosa ao verem
suas proezas.
Entretanto, a realidade ainda parecia ser outra para os verdadeiros velhos,
principalmente para os que não seguiram o manual do bom envelhecer – e algumas
famílias ainda vêm adotando soluções as mais esdrúxulas44. Ao que tudo indica, isso
44
Sabemos que no Brasil muitas famílias ainda procuram induzir os médicos a internar seus
velhos, sendo que muitos acabam abandonados nos hospitais. É também freqüente parentes
darem endereços errados para que nunca mais venham a ser encontrados. No ano de 2003, a
62
seria mais comum na área urbana, pois nas áreas rurais os velhos incapazes de se manter
acabam freqüentemente encontrando abrigo na casa de filhos, ainda que isso não venha
a garantir a ausência de conflitos.
Com situação econômica diferente dos brasileiros, os idosos franceses vêm
encontrando outras soluções para evitar a forma asilar. Na maioria das regiões
francesas, os velhos com mais recursos ficam morando próximo aos filhos o maior
tempo possível, e no momento em que ocorre o falecimento de um dos dois cônjuges, o
outro acaba indo morar com os filhos; assim, na história da vida privada, “além da
função econômica, a família desempenha uma função educativa e uma função
assistencial” (PROST, 1993:26). Nas relações entre pais e filhos em que não são muitos
os recursos acumulados, “a ordem do nascimento interfere nas eventualidades da vida
familiar para modelar as dependências e os deveres” (p. 168). Exemplo para ilustrar o
que estamos abordando pode ser encontrado nos séculos passados, mas se reproduz
ainda atualmente, quando caberia à filha mais nova a responsabilidade de um dia vir a
cuidar dos pais idosos, enquanto a mais velha tinha a incumbência de auxiliar na criação
dos mais novos. No mundo rural, mais do que no urbano, seria mais freqüente a
presença dos avós no lar, e no momento em que o idoso não pode mais trabalhar, acaba
se tornando um problema. Já no meio urbano, essa presença é mais rara, havendo em
algumas famílias um rodízio para receber os velhos em casa, situação em parte
justificada pelo pouco espaço das residências45.
A relação entre a família e seus velhos no século XX assumiu um novo perfil
na França. A velhice assalariada se generalizou; tanto homens quanto mulheres estão
engajados no mercado de trabalho, o que possibilita a aposentadoria remunerada a dois
membros da família. Muitos aposentados conseguem viver sozinhos, de certa forma
independentes dos filhos, o que não é muito comum entre os idosos brasileiros, que na
maioria não têm muitos recursos. Como não lhes é mais reservada a possibilidade de
França teve um dos seus mais quentes verões, em que morreram mais de 11 mil pessoas. Na
grande maioria eram idosos., O que chamou a atenção foi o fato de mais de quatrocentos corpos
de idosos terem sido abandonados, não aparecendo qualquer familiar para cuidar do
sepultamento.
45
Uma crítica contundente a essa solução é apresentada por Mario Monicelli no filme Parente é
serpente.
63
interferir na educação das crianças, aos velhos resta o afeto pelas crianças, sendo que
suas intervenções se dão de ‘forma pontual’, sobrando mais tempo disponível para ser
utilizado em seus lazeres.
Mesmo se levarmos em conta que já em torno dos anos 70 despontava no
Brasil um novo perfil demográfico, o envelhecimento de sua população até aquele ano
não havia recebido a devida atenção. Não é improvável que os documentos que
serviram de base para a política francesa tenham servido de orientação para as políticas
sociais dos idosos brasileiros. Consideramos que foi a partir dos anos 80 que o assunto
passou a ser discutido com maior freqüência, vindo a ser identificado como o
surgimento de uma nova categoria etária neste país. Para justificar essa lacuna, segundo
Queiroz (1982:19), utilizava-se o argumento de que até então ainda não existiam
estudos que pudessem “dar informações específicas sobre as características da
população idosa”. Durante o período da ditadura militar, diz a autora, não faltaram
palavras e planos para supostamente atender às necessidades dos idosos. Cita em
especial o texto da portaria 82, do antigo Instituto de Previdência Social (INPS). Nela
determinava-se que a assistência aos idosos seria realizada nos centros sociais do órgão
e também com parcerias com a comunidade. Já que a discussão sobre o idoso no Brasil
normalmente vinha sendo lembrada pela fragilidade dos velhos, Marcelo Salgado (1980,
1986) aponta que a multidimensionalidade de uma política para idosos era sempre usada
como justificativa para a inexistência de políticas específicas para a categoria no Brasil.
Como em alguns outros países, a normatização mais significativa da proteção social
brasileira para idosos iniciou-se nos sistemas de aposentadoria, que na verdade só
atendiam a uma pequena parcela da população (ALVES JUNIOR, 1992).
A partir do ano de 1976, quando foi alterado o sistema previdenciário
brasileiro, a proteção do idoso brasileiro passou a ser de responsabilidade da Legião
Brasileira de Assistência (LBA). Até então, a tutela dos idosos estava sob a
responsabilidade da Secretaria de Bem-Estar do INPS, que em 1976 fez surgirem os
primeiros indícios de uma preocupação com a problemática pela realização do
64
seminário nacional em Brasília46. No último ano da década de setenta, uma nova
portaria (BRASIL, 1979) foi apresentada e basicamente buscava-se: influir na integração
do idoso, visando à melhoria das condições de vida, fortalecendo os laços familiares,
formando uma atitude positiva diante da velhice. Mantendo-se alguns princípios da
portaria de 1979, foi baixada uma outra (BRASIL, 1982), sem que nada de concreto tenha
sido feito para alterar o estado de abandono da população idosa como um todo.
Quanto a influenciar os aposentados e idosos a adotarem um novo modo de
envelhecer, essa política ficou mais restrita às ações empreendidas pela LBA e pelo
SESC. Nesse sentido, o modelo de clubes e centros de convivências fica marcado por
receber influência do que estava acontecendo na França, o que foi percebido nas
análises de Eneida Haddad (1986). Ela identificou como uma ‘ideologia da velhice’
aquilo que estaria se caracterizando, e tanto as políticas sociais, quanto o SESC e a
Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria (SBGG) foram palco das suas análises.
Para a autora, essas entidades no Brasil
apresentam-se como as principais instâncias produtoras da
ideologia da velhice. Aparecem como entidades
autônomas, enquanto produtoras de um saber intelectual
elaborado pelos aparentemente autônomos pensadores da
velhice. O produto do trabalho dos teóricos da velhice – as
idéias autonomizadas – busca nos fazer acreditar que a
realidade vivida pelo homem no final de sua vida poderá
ser alterada com a ação da ciência, das instituições sociais,
do Estado e do próprio idoso (HADDAD, 1986:23).
Foi a partir do acompanhamento do que já ocorria em outros países e da
tomada de consciência do que poderia vir a ocorrer no país, que o envelhecimento da
população brasileira passou a freqüentar mais assiduamente as agendas dos que se
apresentam enquanto aqueles que entendem de velhos, aqueles que falam em seu nome.
Segundo Eneida Gonçalves de Macedo Haddad (1986), foram os gerontólogos e
46
Uma iniciativa foi tentada a partir de alguns seminários regionais, realizados em 1976, que
traçaram o perfil da situação do idoso no Brasil, que veio a ser consubstanciado num encontro
de caráter nacional (BRASIL, 1977).
65
geriatras daquele momento os principais atores que acabaram influenciando a
elaboração das políticas sociais, quase sempre com
uma proposta de tutelar a velhice: sob a aparência de
socorrer os velhos dos perigos que os ameaçam, é
proposto um complexo disciplinar para talhar o seu corpo,
as suas ações e os sentimentos segundo as receitas
prescritas pelos teóricos autorizados [...] cuja meta
prioritária seria manter os velhos ativos (HADDAD,
1986:125-6).
No caso específico do bem-estar na velhice, o ativismo ganhou espaço também
no Brasil, e, a exemplo da França, a indústria do consumo também entrou em cena.
Estar em atividade e envelhecer no seio familiar passou a ser a proposta fundamental;
quem não se mantivesse ativo estava condenado ao declínio, à dependência do Estado, à
internação nos dispensários dos velhos. Para se afastar disso, só a terceira idade
salvadora.
Foi com um certo atraso que o Brasil oficialmente assumiu que deixava de ser
um país de jovens para entrar no rol dos países que envelheciam. Durante os anos
oitenta, diversas cartas sobre o direito dos idosos passaram a ser elaboradas, tanto em
reuniões estaduais como nacionais, tendo sempre a participação dos especialistas,
associações de idosos e interessados no assunto. Segundo podemos observar em Serafim
Fortes Paz (2001), as primeiras cartas apontavam a importância de que se estabelecesse
uma política específica para idosos, e, pelo que pudemos observar, as ações propostas
contemplavam as já contidas no eixo principal da proposta francesa.
Finalmente, em 1994 foi promulgada uma lei intitulada Direitos da Terceira
Idade (BRASIL, 1996), que visava à promoção da autonomia e à integração e
participação na sociedade dos idosos brasileiros. Estava pautada a importância do
reconhecimento do idoso em sua totalidade; levando em consideração as diversas
dimensões do envelhecimento e da velhice; procurando não segregá-lo, estimulando os
vínculos relacionais (CARVALHO, 1998). A Secretaria de Assistência Social do
66
Ministério
da
Previdência
e
Assistência
Social
(SAS/MPAS)
“assumiu
a
responsabilidade de coordenar as ações conjugadas das diversas políticas públicas, na
oferta de bens e serviços à pessoa idosa” (p. 7). Dentre as diretrizes propostas no Plano
Integrado de Ação Governamental para o desenvolvimento da Política Nacional do
Idoso (BRASIL, 1997:11), encontramos
a) viabilizar formas alternativas de participação, ocupação
e convívio do idoso, proporcionando-lhe integração às
demais gerações; b) promover a participação e a
integração do idoso, por intermédio de suas organizações
representativas, na formulação, implementação e avaliação
das políticas, planos, programas e projetos a serem
desenvolvidos; c) priorizar o atendimento ao idoso por
intermédio de suas próprias famílias, em detrimento do
atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam
condições de garantir sua sobrevivência; d) descentralizar
as ações políticas administrativas; e) capacitar e reciclar os
recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia; f)
implementar o sistema de informações que permita a
divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos
e programas em cada nível de governo; g) estabelecer
mecanismos que favoreçam a divulgação de informações
de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do
envelhecimento; h) priorizar o atendimento ao idoso em
órgãos públicos e privados prestadores de serviço; i)
apoiar estudos e pesquisas sobre as questões do
envelhecimento.
O programa de serviços de proteção e inclusão social dos idosos brasileiros
sugeria que a política social assegurasse àqueles indivíduos uma melhor proteção por
meio da “inclusão nas oportunidades de integração oferecidas pelas políticas públicas,
pelo mundo do trabalho e pelas diversas expressões de convívio familiar, comunitário e
societário” (CARVALHO, 1998:11), que de forma semelhante estavam incluídas na
proposta francesa. Dentre as ações propostas pela Secretaria de Ação Social,
destacamos algumas que corroboram a intervenção do Estado no modo de vida ativo do
idoso: programa nacional de vida ativa, programa de preparação para aposentadoria,
desenvolvimento de atividades culturais, qualificação e requalificação profissional,
universidade aberta à terceira idade, centro de convivência para idosos, oficinas
67
abrigadas de trabalho, programa de geração de emprego e renda, festival de jogos
tradicionais, jogos da terceira idade.
A política social proposta para ser colocada em prática no último governo
brasileiro47 insistiu na necessidade da inclusão social caracterizada pela participação
ativa do idoso, seja valorizando a convivência em seu meio social, “visando vínculos
relacionais e de pertencimento” (CARVALHO, 1998:32), seja incentivando modelos
diferenciados de institucionalização que viessem a fortalecer a sociabilidade. Nesse
sentido, o modelo associativo que incorpora a aproximação entre educação e velhice é
apontado como um dos recursos mais importantes para se colocar em prática as ações de
proteção social.
Observa-se hoje o interesse crescente deste segmento de
idosos pelos cursos abertos à terceira idade. Os resultados
positivos sugerem a necessidade do aumento de sua oferta.
Entende-se que a ampliação e extensão destes cursos, indo
ao encontro dos idosos em suas comunidades, nos
chamados centros ou espaços de convivência, deve
contribuir significativamente para a democratização de
experiências hoje restritas a poucos (CARVALHO,
1998:33).
O modelo cultural de uma velhice ativa tem sido bem marcante, tanto na
França como no Brasil, nascendo do impacto exercido pela inscrição da questão
envelhecimento/velhice entre os ‘assuntos de Estado’. Principalmente quando
observado na especial atenção que foi dada à política de modo de vida na velhice, que,
concordamos, foi fortemente influenciado pelos trabalhos empreendidos no campo da
gerontologia social. No entanto, alguns autores afirmaram não ver qualquer utilidade
nos trabalhos que apontam as ligações entre a gerontologia e os responsáveis pelas
políticas sociais (MAYENCE, 1986), mas, observando as políticas sociais dos dois países
e a participação social das pessoas idosas e dos aposentados, é inegável que tornou-se
um tema recorrente nas políticas públicas considerar espaços sociais, como clubes e
47
Estamos falando do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que ficou no poder
durante oito anos, no período entre 1994 e 2002.
68
outras associações, locais privilegiados para manter os idosos e aposentados inseridos
socialmente. É bastante comum, ainda encontrarmos incentivo a atividades que
estimulem as mais diversas manifestações culturais de lazer, incluindo aí a prática de
atividades físicas esportivas. Por outro lado outros tipos de envolvimento também são
estimulados, mas os resultados não têm sido tão plenamente alcançados.
A lei 8842, entre outras, apontava para a existência de fóruns populares e
conselhos de idosos que possibilitariam a melhor equação do problema dos velhos do
país. Paz (2001) analisou a constituição dos fóruns e dos conselhos de idosos, que
teoricamente seriam palco de discussão sobre os encaminhamentos das políticas para
idosos em nível federal, estadual e municipal. Esses fóruns, uma vez instalados,
deveriam possibilitar que os verdadeiros interessados, os idosos e suas representações,
pudessem se fazer ouvir. Serafim Paz verificou diversos tipos de problemas no Estado
do Rio de Janeiro, mas que certamente refletiam o que se passava no resto do país.
Ficava claro que na maioria das vezes as representações dos idosos nesses espaços não
se entendiam. Outros personagens, às vezes não idosos, acabavam por coisificá-los,
colocando-os como vilões na briga entre gerações. Mesmo estando os idosos presentes
em algumas discussões, sua participação era resumidamente a de figuração em um jogo
de cartas marcadas.
Durante os anos noventa, conscientes do que esse quantitativo poderia
representar em votos em eleições, muitos políticos brasileiros passaram a colocar no
âmbito de seus interesses a defesa dos direitos dos idosos. Poucos anos depois da
promulgação da lei 8842 de 1994, passaram a transitar no Congresso Nacional alguns
projetos-de-lei que visavam a aprovar um Estatuto do Idoso, que em alguns aspectos
acaba sendo bastante semelhante ao que fundamentou o Estatuto do Menor e do
Adolescente (ECA)48. Dessa forma, sob as vestes de uma valorização do
envelhecimento, de sua proteção, de uma luta contra os preconceitos, não estaríamos
diante de uma paradoxal tutela do envelhecimento, na qual quem menos se manifesta
são os maiores interessados?
48
O Estatuto foi sancionado no mês de novembro de 2003.
69
O fim das atividades profissionais para aqueles que estão na ‘década da
aposentadoria’- modelizando o envelhecimento
Os últimos anos do século XX foram marcados por fundamentais mudanças. O
contrato social que gerou não só os tempos sociais, como o ciclo de vida do período que
ficou denominado na França como os ‘30 gloriosos, não tem mais espaço na
atualidade49. Pode-se dizer que
no contexto do capitalismo cada vez mais monetarista, a
repartição das rendas e das atividades está em plena
transformação segundo as idades e as gerações; que a
organização do trabalho e das atividades, da formação e do
tempo fora do trabalho sobre o conjunto do curso da vida está
sendo tanto desestabilizado como em recomposição.
(GAULLIER, 1999:7).
A aposentadoria foi fundamentada sobre o princípio da solidariedade entre as
gerações. Através da repartição assegurava-se a sua renovação, no que ficou conhecido
como as gerações do ‘estado de bem-estar social’. Entretanto, esse modelo diante do
modelo sócio econômico atualmente hegemônico, tem sido colocado em questão. Uma
vez abalado esse contrato intergeracional, surgiu o que se chamou ‘década da
aposentadoria’.
Esse conceito já havia sido usado anteriormente na Inglaterra, para explicar o
que estaria ocorrendo com a aposentadoria e a vida daqueles que tinham entre 60 e 70
anos. No caso da França, analisaram-se as idades compreendidas entre 50 e 60 anos, já
que naquele país a passagem de um tempo de trabalho para o do não trabalho tomou
conotações diferentes. Para definir esse período, Gaullier se utilizou de características
semelhantes àquelas que ele mesmo já chamara como ‘segunda carreira’, em que, “ao
mesmo tempo que houve um esfacelamento do trabalho assalariado no fim de uma
carreira, passa a existir uma certa profissionalização do tempo livre dos pré-aposentados
e jovens aposentados” (GAULLIER, 1999:73). Sobre a influência da empregabilidade e
49
Após a Segunda Guerra Mundial ocorreu considerável crescimento econômico; assistiu-se ao
crescimento demográfico, culminando com um período de transição demográfica que
certamente contribuiu para um certo tipo de relação entre as gerações. Principalmente em países
mais desenvolvidos como a França, as gerações dos idosos acabaram sendo favorecidas e mais
70
das tensões sociais, o ciclo de vida, que era rígido, tornou-se cada vez mais flexível; as
idades se modificam, o primeiro emprego passa a ser cada vez mais tardio, e a retirada
definitiva do mercado de trabalho pode ser cada vez mais prematuro. Acrescenta-se a
essa possibilidade de sair do mercado do trabalho mais cedo uma expectativa de vida
maior, que acaba representando, pelo menos em teoria, mais tempo livre. A partir das
novas relações que se instauraram ao longo da vida entre o tempo de trabalho, o tempo
de formação, o tempo familiar e o tempo livre ou disponível, passa a ser aceito como
verdadeiro que idosos e aposentados do final do século XX têm novas possibilidades
para o uso do seu tempo livre: manter-se engajado numa atividade qualquer; participar
de atividades de lazer levando em consideração a qualidade do que é feito; buscar o seu
desenvolvimento pessoal; e, principalmente, participar de atividades que são
reconhecidas como socialmente valorizadas (ELIZASU, 2002).
Alguns acontecimentos que contêm significados importantes na nossa vida vão
marcar muito o processo do envelhecimento. Podemos destacar o encerramento
definitivo das atividades profissionais e outros, como a viuvez, a necessidade de tomar
conta de um parente muito idoso, a ida para um asilo, sucessivas mortes de
contemporâneos, diminuição da capacidade física, uma doença típica de velhos ou ainda
a entrada na menopausa. Mas certamente é o afastamento definitivo das atividades
profissionais que simbolicamente vai marcar mais fortemente a aproximação da velhice.
Os outros momentos têm alguma importância, mas não terão tanta como a
aposentadoria, mesmo que ela seja opção do indivíduo, pois seu significado para a
sociedade é muito forte. Idosos e aposentados que fizeram parte de uma geração que
supervalorizou o trabalho, a entrada na aposentadoria passou a ser a definição social da
velhice (GAULLIER, 1999). É certo que não cabe mais considerar a aposentadoria como
era vista anteriormente, uma ‘morte social’ (GUILLEMARD, 1972), mas cabe a reflexão
de Mishara e Riedel (1985), de que ela seria o início da ‘velhice estabelecida por
decreto’.
Alex Confort (1979) já dizia que para enfrentar as dificuldades de uma má
aposentadoria era necessário preparar-se para ela, já que se assemelharia à perda do
emprego ocasionada por a demissão ou desemprego. “A pior desgraça para o idoso é ser
protegidas (GAULLIER, 1990). Em contrapartida, os jovens têm ainda um futuro incerto para ser
71
expulso de uma sociedade tradicionalmente baseada no trabalho” (CONFORTT, 1979:15);
sendo assim, é imperioso buscar os mais variados mecanismos para integrá-lo à
sociedade. Lenoir (1996:99) usou argumentos que nos mostram como a
intervenção dos especialistas em ciências sociais no campo dos
agentes de gestão da velhice contribuiu para difundir uma nova
problemática da velhice, a da ‘inserção das pessoas idosas’;
assim, o envelhecimento é descrito como um processo de
diminuição da vida social, uma ‘redução dos papéis sociais’,
que desemboca em ‘morte social’ [...]. A velhice é definida
como uma etapa do ciclo da vida, identificável como tal
segundo critérios que diferem segundo as disciplinas
intervenientes: usura ‘biológica’ para os médicos, idade
‘cronológica’ para os demógrafos, ausência de ‘funções sociais’
para os sociólogos.
A partir de uma autonomização do conceito do que vem a ser velhice, fruto de
diversos interesses dos agentes e das instituições, impõe-se, pelos que entendem,
cuidam e falam em nome dos velhos, uma definição que esteja de acordo com o seu
discurso.
Pela ação que estes agentes exercem sobre os indivíduos,
acabam transformando as categorias mentais em instituições,
com a força e eficácia do real. Vemos um exemplo desses
efeitos na constituição recente da oposição entre ‘terceira idade’
e ‘quarta idade’, que corresponde à chegada de novos
especialistas no sistema dos agentes que administram a
problemática da velhice: ao estabelecerem a diferença entre
‘quarta idade’ – objeto de acolhimento e de tratamentos
‘fisiológicos’ – e ‘terceira idade’, que exige, sobretudo,
atividades de ordem cultural e psicológica, eles tendem a impor
novas necessidades e, ao mesmo tempo, a necessidade de seus
serviços (LENOIR, 1996:100).
Sendo assim, o caminho estava aberto para a institucionalização de uma nova
moral do envelhecer de maneira digna, saudável, ativa e autônoma, principalmente para
os novos aposentados. Levando em consideração que alguns mecanismos legais
permitiram durante um bom período que as pessoas se afastassem cada vez mais cedo
das atividades profissionais50, também Gaullier (1999) questionou como estaria sendo
redimensionada essa nova maneira de envelhecer. Ele buscou inferir o que acaba
assegurado, principalmente se levarmos em consideração o modelo econômico atual.
50
Ocorreu na França, após o início dos anos setenta, e no caso brasileiro, durante um bom
período, sendo intensificada entre uma e outra ameaça de reforma previdenciária.
72
levando alguns a direcionar sua vida para um envelhecimento considerado melhor, em
muitos aspectos bem diferente das gerações anteriores, já que seria mais engajado,
ativo, participativo, muitas vezes fazendo que os idosos fossem respeitados socialmente.
Para isso levou em conta as ‘mutações do fim da vida profissional’, priorizando três
pontos para análise: primeiro enfatizou as características sociais dessas mudanças,
depois o que isso significa para o indivíduo e, finalmente, situou tanto a velhice como o
envelhecimento em relação às perspectivas atuais e futuras.
É fato inquestionável que tanto na França como no Brasil não se envelhece
mais como antigamente. A aposentadoria, anteriormente mais planejada pelo indivíduo,
saiu do seu controle; novas situações surgiram fazendo com que muitos se afastassem
da vida profissional antes da época anteriormente planejada. Gaullier usou um termo
para caracterizar a situação francesa que poderia ser utilizada, em certas situações,
também no Brasil, a ‘aposentadoria antes da aposentadoria’51. É bom lembrar que para
se incentivar a saída mais cedo das atividades profissionais foram criadas estratégias
peculiares, como a denominada pré-aposentadoria, ocorrida na França, e outras formas
de interrupção compulsórias, como a que ocorreu na história recente de alguns países
como o Brasil. Neste último caso poderíamos falar de duas situações. A primeira
decorrente de demissão ou acordos de demissão voluntária de muitos funcionários, à
época das privatizações de diversas empresas estatais. A outra situação ocorreu tanto no
setor privado como no público, nos momentos em que se anunciavam possíveis
mudanças nas leis do país e apontava-se, para alguns segurados, uma possível perda nos
direitos anteriormente estabelecidos. Muitas vezes, ao interromper as atividades
profissionais de alguém mais cedo do que poderia ser previsto, o critério idade acaba
ganhando mais importância frente aos critérios competência e produtividade. Na
verdade trata-se de uma estratégia cômoda, utilizada por muitas empresas para
acompanhar a modernização e também reduzir as despesas (GAULLIER, 1999).
51
Seria o fim das atividades antes de uma idade mínima oficial, que em geral ronda os sessenta
anos. Evidentemente isso está atrelado a um tempo de contribuição que varia conforme o país.
No momento em que escrevemos esta tese, os dois países estão passando por alterações nas
regras de suas aposentadorias.
73
Para aqueles que estão no período da ´década da aposentadoria’, quando se
afastam do trabalho se deparam com o desafio de como enfrentar psicologicamente uma
idade em que se está jovem para ser velho e velho para continuar no mercado de
trabalho. É um período crítico, pois freqüentemente a decisão vem de uma nova
legislação ou parte da empresa, acontecendo quase sempre de forma inesperada. No
momento em que isso ocorre, a perda de referenciais identitários por esse rompimento
acaba causando uma crise de identidade, principalmente pelos estigmas que cercam a
velhice. Paralelamente às tensões no mundo do trabalho e na empregabilidade, há na
sociedade uma certa repulsa à velhice, já que socialmente a principal valorização é a de
quem é jovem, forte, belo, poderoso e tem trabalho. As influências exercidas pelo valor
do trabalho acabam então extrapolando para o não-trabalho.
Nós estamos numa sociedade do trabalho, e, mais ainda para
esta população mais idosa do que para os mais jovens, o
trabalho é o valor central que foi o integrador de toda uma
existência, tendo uma dupla dimensão. O trabalho foi fator de
realização individual, logo, um elemento positivo, e ao mesmo
tempo foi cheio de imposições, de subordinações hierárquicas e
tudo mais que se pode falar sobre a alienação do trabalho [...] os
jovens aposentados estão numa situação híbrida, pois ao mesmo
tempo que são excluídos eles são privilegiados. Excluídos,
porque na maior parte das vezes não pediram para sair, mas
foram pressionados para isso. Ao mesmo tempo são
privilegiados, porque, num contexto de muito desemprego e de
exclusão dos mais jovens, sua situação material estaria em parte
garantida (GAULLIER, 1999:158-9).
Assim, o grande temor de se ficar sem trabalho está em um dia se tornar velho,
e conseqüentemente ter sua condição associada ao declínio. Três situações foram
apontadas por Gaullier e nelas é lançado o desafio para se compreenderem as diferentes
estratégias para ocupação do tempo disponível dessas pessoas52. A primeira delas surge
da constatação de que nossa sociedade, ao supervalorizar o valor do trabalho
profissional, acaba por considerar “que a vida associativa e tudo que não é relacionado à
vida profissional são desvalorizados” (GAULLIER, 1999:161). As atividades assumidas
pelos novos aposentados freqüentemente são percebidas como coisas sem muita
importância e que não devem criar muitos aborrecimentos. A segunda situação seria
aquela em que se apresenta aos idosos a oportunidade de realizar uma nova reflexão
74
para sua vida. Isso ocorreria a partir de seu envolvimento em novos projetos, que de
certa forma já podem ter se originado anteriormente e que por motivos diversos não
puderam ser concretizados. Diferentemente do primeiro caso, essas atividades teriam
fortes significados para a pessoa. Uma terceira tendência que foi apontada por Gaullier é
a que estamos chamando ‘ativismo’, que não vê muita importância no que vai ser feito,
mas em fazer qualquer coisa, condição fundamental para se continuar vivendo. O
grande orgulho desses aposentados é poder mostrar uma agenda cheia, a que o autor
chamou de ‘fuga da realidade’ da inexorável velhice. O que parece mais grave no que
foi caracterizado anteriormente é que o conjunto da sociedade acaba assumindo como
verdadeira a divisão dos aposentados em dois grupos: os ativos são considerados os
bons aposentados, que têm um envelhecimento positivo, não sendo um peso para a
sociedade, e se distanciam dos que estão condenados à dependência e à demência.
Segundo o autor, esse esquema está muito forte no imaginário das pessoas.
Ele é tão forte que acaba sendo uma estratégia usada pelos do
primeiro grupo para rejeitar todos os problemas do
envelhecimento que chegarão em dez ou vinte anos,
significando não querer nunca aceitar o envelhecimento nem
querer vê-lo em si mesmo [...] sobre a noção de utilidade social,
acaba-se por excluir da sociedade os que não querem ou que
não podem por serem muito idosos. Os indivíduos têm o direito
de existir porque são seres humanos e não porque são úteis
socialmente falando, mesmo se só podem se estruturar ao nível
de sua identidade a partir das atividades... (GAULLIER,
1999:162).
A modelização do que é considerado envelhecimento sem problemas é uma
tendência real à qual os novos aposentados estão cada vez mais sendo desafiados a
enfrentar, e a lógica do trabalho acaba permeando alguns desses modelos tanto de forma
implícita como explícita. Isso pode ser observado na valorização dada ao reengajamento
profissional, uma das propostas de Confort (1979:44) para a boa velhice. O autor
recomenda que a aposentadoria real não deva passar de quinze dias. Depois desse
período, para que o idoso se mantenha inserido socialmente, só participando de
atividades que se assemelhassem ao trabalho. E assim se justifica.
Homens de negócios, cuja vida atribulada levou a optar por uma
aposentadoria centrada em atividades como pintura e jogos de
52
Algumas dessas estratégias encontram terreno fértil dentro das forma associativa, vindo da
França na forma de clubes e de universidades da terceira idade.
75
xadrez, podem muito bem preencher suas necessidades dessa
maneira. Contudo, tenha muita cautela com os passatempos.
Embora possam constituir um estilo de vida, a diabólica
sociedade adora vender hobbies para manter seus parasitas
calados e bem comportados, evitando o perigo do engajamento.
Tais ocupações só serão válidas se exprimirem uma parcela de
sua personalidade que não teve tempo de se expandir. No
entanto, a maior parte dos seres humanos se realiza mais
plenamente no trabalho.
Por outro lado, no que toca ao engajamento em outras formas de atividades, há
algumas mais alentadoras, sendo apresentadas na forma de vida associativa, na prática
de atividades físicas esportivas, nas viagens de turismo, além do estudo, namoro, enfim,
uma diversidade de possibilidades que caracterizaram o idoso do final do século XX.
Mesmo levando em consideração a enorme diversidade de modos de vida, e a
perspectiva de manter o aposentado ainda inserido na sociedade, deve-se ter em conta
que, independente do modelo adotado, “nenhum deles conduz ao desinteresse com o
que ocorre no entorno, nem tão pouco automaticamente se consegue que a pessoa fique
satisfeita com sua vida” (NEUGARTEN, 1999:154).
Como se observa nas políticas francesas, que ao investir na fórmula associativa
para os novos aposentados ignorava-se as demandas dos idosos dependentes, no Brasil,
de forma semelhante, conforme apontado por Guita Grin Debert (1999), a fórmula
associativa para os idosos demonstrou uma grande aceitação, e paralelamente temos em
conseqüência muita dificuldade em lidar com a ‘verdadeira velhice’. Não sem motivo
criou-se aqui também uma imagem para o modo de vida dos novos aposentados, que
não é capaz de oferecer a eles
instrumentos capazes de enfrentar a decadência de
habilidades cognitivas e controles físicos e emocionais que
são fundamentais, na nossa sociedade, para que um
indivíduo seja reconhecido como um ser autônomo, capaz
de um exercício pleno dos direitos de cidadania. A
dissolução desses problemas nas representações
gratificantes da terceira idade é um elemento ativo na
reprivatização do envelhecimento, na medida em que a
visibilidade conquistada pelas experiências inovadoras e
bem-sucedidas fecha o espaço para as situações de
abandono e dependência. Estas situações passam, então, a
ser vistas como conseqüência da falta de envolvimento em
atividades motivadoras ou da adoção de formas de
consumo e estilos de vida inadequados (DEBERT,
1999:15).
76
Passamos agora a ver como uma modelização do envelhecimento ativo vem
sendo apresentado por alguns autores brasileiros. Começamos com Anita L. Neri e Sueli
Freire (2000), que organizaram um livro chamado E por falar em boa velhice, em que,
logo na apresentação dos demais capítulos53, abordou-se o verdadeiro pavor que
algumas pessoas têm de ser chamadas de ‘velho’ ou ‘velha’, e que, por esse motivo,
acabam por preferir palavras consideradas menos pejorativas, como ‘maduras’ ou
‘terceira idade’. A perspectiva de negação da velhice por meio de palavras e de atitudes
vem sendo uma realidade na sociedade brasileira. Segundo as autoras, a razão da
existência de uma variedade de termos para se diferenciar do ‘velho’ ou da ‘velha’
residiria na existência de preconceitos e no temor da aproximação da morte, análise
semelhante a que também foi estabelecida na sociedade francesa. “Na base da rejeição
ou da aceitação acrítica da velhice existe uma forte associação entre esse evento do ciclo
vital com a morte, a doença, o afastamento e a dependência” (NERI & FREIRE, 2000:8).
Essa característica não se restringe aos idosos, já que “leigos, pesquisadores e
profissionais que lidam com adultos mais velhos e com idosos podem ser muito
preconceituosos quando a assunto é velhice” (p. 9). O que é interessante ressaltar nesse
livro é que, mesmo com essas considerações, não é abandonada a perspectiva de
anunciar o que se deve fazer para se ter uma boa velhice, ou seja, acaba-se tendo mais
um novo manual, endereçado aos idosos, aposentados e estudiosos no assunto. O tema
engajamento em atividades está bastante presente em seus capítulos e alguns deles nos
chamaram a atenção.
Sueli Freire (2000:22) diz que ser uma pessoa participativa na vida social seria
não só benéfico para o indivíduo como para toda a sociedade. Segundo ela, cada vez
mais aumenta a
consciência de que os idosos podem sentir-se felizes e
realizados e de que, quanto mais forem atuantes e
estiverem integrados em seu meio social, menos ônus
terão para a família e para os serviços de saúde. A partir
daí, tanto os estudiosos de diversas áreas, como as pessoas
em geral, têm-se interessado pela busca por formas de
chegar a uma velhice bem sucedida.
53
Os capítulos foram escritos por profissionais engajados nas pesquisas e estudos do Núcleo de
Estudos Avançados em Psicologia do Envelhecimento da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas.
77
Seis dimensões, fruto de uma consciência adaptativa, foram propostas para que
se tenha um envelhecimento considerado bem sucedido: auto-aceitação, relações
positivas com os outros, autonomia, domínio sobre o ambiente, propósito de vida e
crescimento individual. Para se alcançar essas dimensões, das oito estratégias
apresentadas pela autora, três nos chamaram atenção: engajar-se num estilo de vida
saudável, aperfeiçoar as habilidades sociais e se engajar em atividades produtivas. Para
finalizar, Freire (2000:29) mostra o quanto é importante a presença dos que entendem
de velhos para auxiliar as pessoas no sentido de um envelhecimento considerado
satisfatório, pois “em algumas ocasiões pode ser necessária a ajuda de profissionais para
auxiliar na definição dos projetos para o futuro e na detecção de habilidades e atividades
a desenvolver”. Neste caso são lembrados os cursos técnicos ou as universidades da
terceira idade.
Já a importância da intervenção realizada por um especialista no assunto surge
em outro capítulo do livro de Neri e Freire, onde é dito que “o profissional pode auxiliar
o idoso em muitas situações, seja como modelo, como representante dos valores sociais,
seja como relacionamento significativo, já que nem sempre a relação entre o
profissional e o cliente precisa ser formal e distante” (ERBOLATO, 2000:49). Mas é
interessante registrar as considerações da autora quanto à importância de não se tratarem
os idosos como crianças, e como é carregada de preconceito a fala de alguns
profissionais quando se referem a sua clientela como “nossos idosos”, o que revela um
forte paternalismo que em nada auxilia a capacidade do idoso em administrar como bem
entender a sua vida.
Em outra publicação, uma das autoras do livro citado trata de velhice bemsucedida e educação (NERI, CACHIONE, 1999:116). Na experiência educacional do
SESC, apresentada como pioneira no Brasil, lembra e reforça sua inspiração na teoria da
atividade e no que foi feito anteriormente na França. As autoras apresentaram alguns
conceitos, como o de ‘velhice bem-sucedida’, que teria três conotações.
A primeira associa-se à idéia de realização do potencial
individual do indivíduo para o alcance do grau de bemestar físico, social e psicológico avaliado como adequado
ao indivíduo e pelo seu grupo de idade [...] o segundo
significado associado à velhice bem-sucedida é de
funcionamento parecido com o da média das populações
mais jovens. Este conceito refere-se a práticas médicas,
cirúrgicas, cosméticas, físicas, sociais e educacionais
78
destinadas a preservar a juventude, retardar os efeitos do
envelhecimento, mascarar ou reabilitar as conseqüências
desse processo e promover o envolvimento dos mais
velhos em atividades julgadas a eles apropriadas [...] a
terceira conotação é de manutenção da competência em
domínios selecionados do funcionamento, através de
mecanismos de compensação e otimização [...].
A autora introduz um outro conceito, que segundo diz, vai além da teoria da
atividade; é o da ‘velhice produtiva’, que seria o engajamento em atividades
consideradas socialmente úteis, que incluem desde o cuidar dos netos, atividades
voluntárias, envolvimento em atividades de lazer, a contribuição enquanto consumidor
potencial, a melhora funcional e até mesmo o trabalho remunerado.
Já na França encontramos preocupações que acompanham problemas que são
imputados a uma lógica economicista, que passa a apontar para uma precariedade dos
empregos, aliada ao aumento da longevidade que passa a assinalar para este século XXI
um encurtamento do que se convencionou chamar de vida adulta. Xavier Gaullier
(1999:251) apresenta como conseqüência o surgimento do que ficou denominado como
“emergência de uma sociedade envolvida em múltiplas atividades” que estaria inserida
na evolução do processo de modernização, onde o
individualismo crescente está ligado a autonomia dos
diferentes tempos sociais e a predominância do trabalho
assalariado durante todo ciclo da vida, que se organiza em
três etapas; juventude-formação, vida adulta-produção,
velhice–inatividade. Progressivamente, as relações entre
os tempos sociais se modificam assim como os valores
que acompanham.
79
Segundo ainda este autor a tendência geral já é conhecida:
aumento considerável e contínuo da esperança de vida, e
da expectativa de vive-los em boa saúde; diminuição
bastante significativa do tempo e trabalho, aumento do
tempo consagrado a formação e aos lazeres (p. 251).
A depender dos cenários futuros, as relações intergeracionais parecem estar
comprometidas. A se confirmarem algumas previsões, a ‘generalização da
precariedade’, dos empregos teria como uma conseqüência, um ‘bloqueio da sociedade’
Gaullier (1999). Como conseqüência imediata teríamos tanto uma ‘sociedade de
lazeres’ como uma ‘sociedade de desempregados’. Numa outra maneira de interpretar,
trabalha-se com as competências individuais, valendo a lei do mercado, que estimula a
competitividade, em que aparentemente existiria mais liberdade e as barreiras de idade
seriam levantadas, o que, na prática, segundo suas previsões, promoveria um resultado
negativo. Mesmo reconhecendo a importância de se superarem as imposições sociais
que se utilizam dos critérios baseados em idade do exemplo anterior, “nada prova que,
mesmo não existindo qualquer barreira discriminatória entre as idades, os estereótipos
sobre o envelhecimento serão capazes de desaparecer” (GAULLIER, 1999:167).
Velhice e envelhecimento, nesse caso, tornam-se de domínio público, com
grandes restrições à proteção social. O envelhecimento seria algo privado, em que a
competência falaria mais alto. Como opção definitiva para evitar esses problemas, só
mesmo uma nova configuração na sociedade, que seria segundo Gaullier ‘pluriativa em
todas as idades’. Dessa forma poderia haver, a conciliação entre objetivos sociais e
econômicos. No contexto dos qüinquagenários dos anos 2000, parece não existir
qualquer dúvida de que a vida profissional será mais flexível, existindo uma importante
alternância entre os tempos: de trabalho, de formação, de lazer e de desemprego. É
necessário então não continuar reproduzindo velhas fragmentações, em especial as duas
que com certa freqüência são apresentadas, tempo de trabalho e tempo livre, que trazem
em si uma falsa oposição entre um tempo imposto, como o do trabalho e um tempo
liberado, que está fora do contexto do trabalho.
80
CAPÍTULO II
ENVELHECENDO EM SOCIEDADE
UMA NOVA GERAÇÃO DE IDOSOS E APOSENTADOS FRENTE A UM NOVO TEMPO SOCIAL
Distinguimos dois tipos de envelhecimento – o envelhecimento individual e o
envelhecimento da sociedade (THEVENET, 1989). O primeiro é marcado pela sua
irreversibilidade, e o segundo é um fenômeno flutuante que se manifesta no ritmo das
gerações (ATTIAS-DONFUT, 1988; 1991). Acreditamos ser um interessante campo de
pesquisa estudar o processo do envelhecimento de uma população através das
influências recebidas de fatos geracionais como a participação dos aposentados e idosos
em atividades associativas, das políticas sociais e uma modelização do envelhecimento
saudável. São linhas que se entrecruzam, e no que interessa a este estudo, colocaremos
em questão neste capítulo como idosos e aposentados empregam o seu tempo social.
Saber como se organiza o tempo livre dos idosos a partir de uma atividade
associativa ou mesmo de seus lazeres é também questão de nosso interesse, que
certamente nos ajudará a melhor compreender esse fenômeno de sociedade que é a
prática de atividade física realizada em associações específicas de idosos. Ao fazermos
uma pequena verificação de como diversas sociedades perceberam seus velhos e o que
acontece nos dias de hoje, ficou claro que não se envelhece hoje da mesma maneira
como antes (LEMIEUX, 1990). Não existindo exemplos semelhantes, fazer atividade
física em grupos constituídos só de idosos é uma experiência social verificada pela
primeira vez na história da humanidade.
Levando em consideração que a população por nós estudada tem como
características comuns estar fora do mercado do trabalho, ter a preocupação com o
preenchimento do seu tempo sem trabalho nas mais diversas atividades tendo como base
a vida associativa e a prática de atividades físicas, estudaremos os idosos e os novos
aposentados a partir das relações que vêm sendo estabelecidas entre eles e seus tempos
sociais. Na maioria dos casos, para esses idosos, o emprego do tempo anterior ao da
aposentadoria foi de muita dedicação ao trabalho e à vida familiar. Até recentemente a
passagem para a aposentadoria era quase que exclusivamente destinada ao repouso, mas
atualmente novos sentidos são dados a esse tempo. Neste capítulo, veremos se há
81
relação entre o sentido que é dado ao trabalho e a lógica que serve de base para a moral
do envelhecimento ativo.
Para haver um melhor encadeamento desta revisão, apresentamos o sentido que
é dado ao associativismo, que faz parte das propostas das políticas de modo de vida para
os idosos e os aposentados. Em seguida, faremos a aproximação entre o associativismo
e um modelo de envelhecer que tem base na prática do voluntariado, ligação que
também é proposta nas políticas sociais. Dois modelos de vida associativa de idosos e
aposentados são trabalhados: um ocorre nos clubes da terceira idade e o outro se
desenvolve nas universidades ou escolas da terceira idade. Ambos serão apresentados de
forma que se possa estabelecer uma comparação entre o que ocorreu a partir dos anos
sessenta na França e no Brasil.
Para
entender
o
modo
de
envelhecer
com
preocupações
mais
‘intelectualizadas’, que está embutido nas propostas das universidades para idosos,
voltamos a discutir o lazer e agora introduzindo à discussão a ‘educação permanente’,
outra maneira encontrada para se por em prática a animação cultural dos idosos.
Colocamos em questão se essa ‘nova onda’ do idoso ativo no ambiente associativo seria
coisa de idade ou de geração. Abordamos ainda o lazer, analisando como suas
estratégias vêm sendo difundidas como meio para o bom envelhecimento.
Algumas reflexões sobre o valor que vem sendo dado ao ‘trabalho’
Atualmente, a ocupação do tempo livre, fora das obrigações profissionais ou
familiares, assume um novo perfil, sem nenhuma relação com o fato de sermos jovens
ou velhos, homens ou mulheres, trabalhadores ou aposentados. A luta dos trabalhadores
organizados pela diminuição do tempo de trabalho ao final de um dia, de uma semana
ou de um ano (DUMAZEDIER, 1988, 1990) lhes propiciou mais tempo para si, e essa
conquista social completou-se pela diminuição do tempo total da vida profissional54 e
pela maior flexibilização da carreira e dos tempos de atividade profissional. De um
tempo linear e previsível, hoje convivemos com a imprevisibilidade do tempo de
trabalho.
54
Dados recentes nos permitem citar o caso francês, em que a partir dos anos oitenta diminuiuse não só a idade mínima para a aposentadoria como também o total do tempo da semana de
trabalho. Entretanto, ainda não fica claro se esse tempo disponível vem sendo usado em um
novo trabalho ou em atividades consideradas de lazer.
82
Autores como Xavier Gaullier (1999) na França e Ricardo Antunes (1999) no
Brasil apontam para as conseqüências de uma flexibilização do tempo de trabalho, fato
que certamente influenciará as relações entre as categorias de idades. Já que
as regras que governavam a organização das idades, a maneira
como eram feitas as trocas entre as gerações e a sua renovação
se modificam, a dinâmica social recompõe uma nova paisagem.
Um outro modelo de administração das idades e das gerações
está emergindo na vida profissional, como na família e na
sociedade (GAULLIER, 1999:29).
Ao falar sobre as relações entre trabalho e tempo livre nessa nova sociedade,
Antunes (1999:178) argumenta que a significativa redução do tempo de trabalho não
deve ficar isolada de uma maior reflexão. Pois
o desemprego e as formas precarizadas de trabalho têm sido
cada vez mais intensos, processos que se agravam com o
desmoronamento gradativo do Welfare State [...] o direito ao
emprego, articulado com a redução da jornada e do tempo de
trabalho, torna-se uma reivindicação capaz de responder às
efetivas reivindicações presentes no cotidiano da classe
trabalhadora.
Quanto ao aumento do tempo livre, ele argumenta que deve ser sem redução do
salário, e que não se deve confundir com flexibilização da jornada, já que ela estaria
“em sintonia com a lógica do capital”. A ampliação do tempo social fora do trabalho
[...] deve estar intimamente articulada à luta contra o sistema de
metabolismo social do capital que converte o tempo livre em
tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é impelido a
capacitar-se para melhor competir no mercado de trabalho, ou
ainda a exaurir-se num consumo coisificado e fetichizado,
desprovido de sentido (ANTUNES, 1999:178).
O tempo fora do trabalho passou a não ser mais exclusivamente consagrado ao
repouso ou utilizado como recuperador da força do trabalhador; sua utilização após o
início da era industrial acabou ganhando novos significados. O uso desse tempo, seja
em atividades formativas, de envolvimento político, sindical, religioso, familiar ou
mesmo de lazer, tem sido considerado como uma possibilidade bastante importante no
que toca o aprimoramento das relações sociais. A maneira como esses tempos são
83
preenchidos, que tipo de dedicação e importância lhes vem sendo dado pode ser
observado ao final de um dia de trabalho, de uma semana, de um ano, ou após o
encerramento definitivo das atividades profissionais. Dependendo do valor que é dado
ao trabalho55, ele acaba influindo no modo de vida tanto no presente como no futuro,
quando ele não é mais exercido, sendo que na aposentadoria encontraremos terreno
fértil de pesquisa sobre o tempo em que ele em princípio é totalmente livre. E uma vez
que
a principal forma de participação na vida social é o trabalho e,
como tal, transformou-se em um referencial de socialização da
pessoa. Participar do processo do trabalho e das relações dele
resultantes significa, hoje, viver, e fazer parte da sociedade em
desenvolvimento. A presença de idosos sadios, ativos e
socialmente afastados da participação na produção social de
bens, levanta a necessidade de rever os valores sociais
historicamente associados à velhice e à organização social do
processo de trabalho (IWANOWICWZ, 2000:106).
Seja pela maneira liberal de concebê-lo, pela abordagem marxista, o trabalho
assume um valor supremo para o homem. Para Marx o trabalho é a primeira
necessidade do homem, condição essencial para o tempo livre, servindo tanto para sua
libertação como para sua alienação. Antunes (1999) analisou os novos sentidos do
trabalho na sociedade contemporânea e no modelo hegemônico; identificou a
dificuldade de uma pessoa de 40 anos em conseguir um novo emprego no momento em
que fica desempregado, tornando-se um ‘velho’ para o sistema social e só restando-lhe a
informalidade. Em suas análises, aponta para uma categoria que foi chamada a ‘classe
que vive do trabalho’, uma noção ampliada da classe trabalhadora. Nela estariam
incluídos
a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho, [...] os
trabalhadores da chamada economia informal, que muitas vezes
são indiretamente subordinados ao capital, além dos
trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e
do mercado de trabalho pela restruturação do capital (ANTUNES,
1999:103-4).
55 Em Freud, o trabalho seria capaz de dar o equilíbrio da vida.
84
Um ponto foi por ele considerado crucial e nos levou a refletir sobre o grupo de
idosos e aposentados que estão fora do trabalho e buscam um sentido para suas vidas
fora do trabalho. Para ele, “uma vida dotada de sentido fora do trabalho supõe uma vida
dotada de sentido dentro dele” (ANTUNES, 1999:175). Isso seria possível no momento
em que fossem rompidas as barreiras entre tempo de trabalho e de não-trabalho visando
a uma nova sociabilidade,
tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente
associados, na qual ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente
livre e ócio, em conformidade com as aspirações mais
autênticas, suscitadas no interior da vida cotidiana, possibilitem
as condições para efetivação da identidade entre indivíduo e
gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões. Em
formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e
necessidade se realizam mutuamente. Se o trabalho torna-se
dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da
arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo
livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e
emancipar-se em seu sentido mais profundo (ANTUNES,
1999:177).
Segundo alguns estudos apresentados pelo autor, fica a dúvida sobre se estaria
verdadeiramente havendo uma diminuição real do tempo de trabalho, já que a
‘temporalidade’ seria uma construção histórica. Nesse sentido ele se utiliza das palavras
de Norbert Elias com relação ao curso normal da existência humana, que, independente
da vontade e da consciência dos homens, está limitada entre nascimento e morte. Dessa
forma, ele introduz à discussão o conceito de ‘temporalidade’, cuja ordenação só foi
possível no momento em que os homens dele se utilizaram para regular suas
necessidades através do ‘símbolo do ano’. É a Idade Moderna que mais marcará o
fenômeno complexo de auto-regulação e de sensibilização em
relação ao tempo. [...] o tempo exerce, de fora para dentro, sob a
forma de relógios, calendários e outras tabelas de horários, uma
coerção que se presta eminentemente para suscitar uma
autodisciplina nos indivíduos (ELIAS, 1998:21).
85
Ao verificar como se organizava o pensamento de Norbert Elias e suas
possíveis utilizações no estudo de um tempo sem trabalho como o do lazer, Ademir
Gebara (2000) destaca o autor pela diferença de valorização que é dada por ele ao
trabalho. Se para as interpretações marxistas o trabalho foi fundamental para a
compreensão dos fenômenos que ocorrem na sociedade, em Elias, uma nova
configuração pode ser estabelecida, pois, levando em consideração que se,
além de produzir seus meios de subsistência, o homem não se
defender, ele se torna também caça/alimento. O homem, além
das relações de produção, vive em cadeias de interdependência,
isto é, aproximando-se de outros homens através de laços que se
articulam de maneira diversificada. Essencialmente, Elias
trabalha com padrões de interdependência em processo de
mudanças, rearticulando relações de poder entre os indivíduos
em sociedade (GEBARA, 2000:34).
Diferente do sentido marxista de poder, pois não entram em jogo as relações de
produção nem o controle exercido pelo Estado, o poder em Elias assume fundamental
importância nas configurações sociais que acabam se estabelecendo
tanto interna quanto externamente a um determinado grupo. Estão sempre em fluxo, em
processo vivencial, as transformações decorrentes, algumas rápidas e efêmeras, outras
de longo curso, mas duradouras, que definem e redefinem a balança de poder entre
pessoas e grupos. Essas configurações sociais são, dessa maneira, conseqüências
inesperadas das inúmeras possibilidades de interações vividas (GEBARA, 2000:35).
O sentido que é dado ao trabalho demonstrará uma concepção de mundo e de
homem, devendo-se entender a construção desses sentidos a partir dos momentos
históricos em que foram estabelecidos. Gabriel Fragniere (1987) procurou descrever
alguns sentidos dados ao trabalho na história da civilização e que vieram a influenciar a
maneira como hoje o percebemos nas sociedades contemporâneas. Consciente da
dificuldade de ser exaustivo, ele descreveu sete sentidos principais e logo advertiu que
não teve nenhuma preocupação cronológica na sua classificação, nem mesmo os
considerou como definitivos, sendo que um sentido não viria a substituir o outro. Em
alguns casos adverte ainda que eles chegam mesmo a ser complementares, contendo
algumas características contraditórias.
86
O primeiro dos sete pilares da construção do sentido do trabalho foi
apresentado como aquele que sai da condenação de Adão, ‘o trabalho enquanto pena,
uma punição’. Idéia presente nas civilizações romana e grega, em que se distinguia a
atividade intelectual das manuais. A atividade intelectual era considerada mais nobre,
com a diferença, em relação aos nossos dias, de que era exclusivamente destinada aos
homens livres. Os trabalhos pesados e manuais eram considerados inferiores, devendo
ser realizados pelos escravos56, que não eram considerados cidadãos.
Naquele período emerge um conceito para o tempo destinado à reflexão, de
não-trabalho, e que podemos considerar como similar, mas nunca igual, ao que hoje
estamos chamando de lazer. Na Grécia, valorizava-se a contemplação e o
desenvolvimento espiritual, que foi denominado skholé e só era possível fora do tempo
do trabalho57. Só aquele que tem “tempo livre é livre, já que para ser livre, um homem
deve possuir tempo livre” (MUNNÉ, 1992:40). Pensando no caso dos idosos da segunda
metade do século XX, observou-se que durante muito tempo a atividade contemplativa
era considerada como sua principal característica.
Será que agora o ativismo não estaria supervalorizando o trabalho e usando sua
lógica? Como sabemos, é comum encontrarmos idosos e aposentados que se orgulham
de ter uma agenda completa, com tantas responsabilidades que acaba não lhes sobrando
tempo para mais nada.
A vida contemplativa parece estar sendo cada vez mais
substituída por uma preocupação com a atividade constante:
compreende-se que é sempre necessário fazer algo, preencher o
tempo, como se fosse algum crime não fazer nada. E para
aqueles que possuem o tempo livre e as condições financeiras
que podem possibilitar uma vivência de lazer de maior
qualidade, muitas vezes substitui-se a perspectiva de
crescimento espiritual pela de consumo a todo custo, em que o
luxo passa a ser elemento de exibição, status e distinção (MELO,
ALVES JUNIOR, 2003:3).
Um outro significado dado ao trabalho se encontra no pensamento ideológico
cristão, que tem uma dupla perspectiva: o trabalho é visto como ‘instrumento em vista
de uma recompensa’ (FRAGNIERE, 1987). A regra beneditina que coloca ‘orar e
56
Etimologicamente, trabalho deriva do latim tripalium, uma espécie de instrumento de tortura.
Já na Roma antiga, o tempo do não trabalho (otium) era destinado à diversão e à recuperação
das forças para o retorno ao trabalho.
57
87
trabalhar’ juntos não serve para dizer que eles sejam iguais, mas sim que o esforço
exigido pelo trabalho pode ser um meio de ganhar a salvação. Ainda na perspectiva
cristã, segundo a doutrina ‘calvinista’, que acabou desempenhando importante papel na
formação do capitalismo, “o trabalho traz frutos que são materialmente visíveis”
(FRAGNIERE, 1987:42).
O outro pilar sai do desenvolvimento ético do pensamento de Lutero, segundo
o qual o trabalho seria considerado como ‘vocação e satisfação’. Todo ser humano
estaria cumprindo uma missão divina, e essa missão se desenvolve no seu trabalho.
Sendo assim, o trabalho pode ser bom em si mesmo, mesmo que implique esforço
físico58. Essa idéia está presente também atualmente, quando se procuram melhorar as
condições do trabalho para que se possa produzir mais, ou quando se criam estratégias
visando a tirar satisfação no cumprimento das tarefas. Neste ponto, isso não impede
pensar que o prazer que se tem em determinadas atividades não é exclusivo do lazer,
pois podemos ter muito prazer com a atividade profissional que exercemos.
Mas para a melhor compreensão de certos fenômenos contemporâneos, é a
industrialização que passou a ser o grande divisor, quando surgiu o ‘homem-máquina’.
Não será mais a condição humana que vai ser determinante no valor trabalho. Entrou
em cena a máquina como reguladora das relações, nas quais o homem assume um papel
secundário59. A maneira de se encontrar um novo valor pessoal foi a de se fazer uma
aproximação com a doutrina ‘calvinista’, e se passou a dar mais importância à renda.
Como conseqüência deste último significado, tem-se uma formalização do trabalho, que
se torna um emprego, passando a ter finalidade nele próprio. “Ter um emprego é a
forma contemporânea do status social, sendo freqüentemente considerado como mais
importante do que a própria renda” (FRAGNIERE, 1987:44).
58 Leonardo da Vinci dizia que os artistas cumpriam uma missão ao realizar o seu trabalho,
onde se encontraria a felicidade interior; seria a ocasião de cumprimento de um dever, uma
possibilidade de transcender a natureza humana. Outro pintor, Pissaro, se expressava de maneira
semelhante ao dizer que o trabalho seria capaz de auxiliar como um ‘excelente regulador da
saúde moral e física’, em que tristezas, amarguras e dores seriam esquecidas pelo prazer de
trabalhar.
59
Como conseqüência da industrialização, surgem novas configurações, o tempo que
anteriormente era cíclico passa a ser mais linear e as relações sociais e familiares vão se
modificando. Tanto o lazer como os esportes modernos ganham espaço no tempo da vida
cotidiana do homem urbano, dando novo significado à vida das pessoas.
88
No sexto significado dado ao trabalho por Fragnière, ele passa a ser o fator
determinante do tempo humano, substituindo as estações do ano ou os acontecimentos
relacionados a uma determinada idade – temos o ‘tempo-mercadoria’. Podendo tanto ser
comprado como vendido, o tempo-mercadoria pode ser entendido a partir de uma
concepção linear do tempo. Segundo Bruhns (2000:19), na perspectiva do que é
chamado de “tempo-mercadoria (em que não mais se passa, mas se gasta o tempo),
tanto tempo de trabalho como de não-trabalho estão permeados internamente pela lógica
da produtividade, do rendimento e da utilidade”.
No último significado estabelecido por Fragnière (1987:45) é apresentada uma
nova maneira de pensar o trabalho imposta pelas crises de emprego. Assistimos à
universalização do valor trabalho, considerando como trabalho
toda atividade humana que tem uma utilidade social [...]. Esta
tentativa de universalização do valor trabalho representa de fato
um esforço de síntese entre os mais variados valores que
herdamos da nossa história, onde a idéia de pena não estaria
distante da utilidade pessoal ou social, da idéia de recompensa,
que pode ser psicológica ou social, e pessoalmente valorizada se
ela não for experimentada sob a forma de salário.
Os valores aqui descritos nos levaram a pensar como idosos e aposentados vêm
utilizando o seu tempo disponível. O trabalho voluntário, a vida associativa, a prática de
diversas atividades, a tal ‘agenda de executivo’, todos podem acabar sendo uma reação
contra a destruição implícita do valor humano do trabalho, e, ao mesmo tempo, uma
resposta positiva às imposições sociais do envelhecimento ativo. Ivanowicz (2000:105)
procurou estabelecer relações entre o desenvolvimento do indivíduo idoso ou
aposentado em atividades denominadas ‘prossociais’, Ela alerta para o fato de que a
influência e a “importância do trabalho, ao longo da vida das pessoas, não podem ser
excluídas das análises, nem do envelhecimento, nem do lazer”.
Normalmente vemos nos trabalhos que seguem a corrente de pensamento de
Joffre Dumazedier (1988; 1990) que o tempo considerado livre cada vez mais aumenta
quando relacionado ao trabalho, o que não significa verdadeiramente que o tempo do
lazer esteja também aumentando. Em determinadas situações, verificamos que isso pode
até estar acontecendo de maneira diferente, e Oliveira (2000) mostra que, ao contrário
do que se alardeou durante algum tempo, o brasileiro trabalha muito. Concordamos e
acrescentamos que, sendo isso verdadeiro, sobrará cada vez menos tempo para seus
89
lazeres, pois na verdade o trabalhador assume outros compromissos nos seus tempo
sociais. Segundo ele, em 1980 “cerca de um terço da população economicamente ativa
trabalhava mais de 48 horas por semana” (OLIVEIRA, 2000:56), caindo para 44 horas no
ano de 1999. Um índice ainda maior do que as 42 horas semanais que eram registradas
na década de oitenta em países como França, Alemanha e Inglaterra. Trata-se de um
índice que leva à reflexão sobre a generalização de que a industrialização representou
um aumento de tempo livre.
Pierre Naville (1981) colocou em dúvida se, no momento em que o homem
teve a possibilidade de se utilizar de novas técnicas no trabalho, existiria efetivamente
uma diminuição do tempo do trabalho ou, ao contrário, não estaria havendo um
aumento. A sociedade em que vivemos considera o trabalho como um dos seus
principais valores e utiliza um tempo para medi-lo. Sendo a vida constituída de uma
complexidade de tempos, a partir do momento em que a sociedade utiliza uma
determinada medida temporal para controlar sua vida social, o tempo acaba se tornando
um dos seus elementos mais importantes. Como preencher esse tempo uma vez que, em
aparência, ele se apresenta como inteiramente livre de compromissos, como o do
aposentado? Seria ele verdadeiramente livre? Tanto a ruptura como a continuidade ou a
substituição de atividades ocupadas no tempo passado são desafios para os novos
aposentados.
A divisão da vida contemporânea em uma sucessão de tempos, tanto
individuais como sociais, acabou despertando especial interesse nos pesquisadores que
se dedicam ao estudo da temporalidade e principalmente das relações entre os tempos
da vida e as relações do trabalho e não-trabalho.
Norbert Elias (1998)60 aborda o sentido do tempo partindo da pergunta inicial
de como medir algo que não se pode perceber pelos sentidos. Segundo ele, a maneira
como nos utilizamos das palavras dá uma falsa impressão de que o tempo é aquele ‘algo
misterioso’ que pode ser representado por alguma coisa que recebeu a contribuição
humana, com os relógios e os calendários. O autor nos fala tanto de uma coerção que é
exercida “de fora para dentro pela instituição social do tempo num sistema de
60
Ele buscou entender a nossa sociedade a partir do que chamou de ‘processo civilizatório’, que
foi estudado a partir da ‘Civilização dos costumes’ (ELIAS, 1990). Baseando-se nos costumes de
outras épocas e em sua evolução, o autor faz-nos refletir de que maneira esse processo ocorre,
de forma que o processo civilizador individual é uma função do processo civilizatório social.
90
autodisciplina”, como também da “maneira como o processo civilizador contribui para
formar os hábitus sociais que são parte integrante de qualquer estrutura de
personalidade” (ELIAS, 1998:14). Nos dias atuais nos parece bem claro que o tempo “é
um instrumento de orientação indispensável para realizarmos uma multiplicidade de
tarefas variadas [...] uma instituição cujo caráter varia conforme o estágio de
desenvolvimento atingido pela sociedade” (ELIAS, 1998:15).
Estamos aceitando que os idosos e aposentados contemporâneos que vivem nos
arredores e nos grandes centros urbanos estão empregando diferentemente o seu tempo
de aposentado. Isso ocorre como fruto de uma relação bastante peculiar entre coerção
externa e auto-disciplina. Se por um lado o aposentado é impelido a um tempo de
engajamento ativo, por outro ele se vê restringido em outras esferas.
A enorme internalização das restrições sociais relativas ao
tempo é, com efeito, um exemplo paradigmático de um tipo de
cerceamento ligado à civilização, que encontramos com
freqüência nas sociedades desenvolvidas. Os membros dessas
sociedades podem observar em si mesmos essa compulsão a se
situarem no tempo, enquanto outras modalidades de
autodisciplina ligadas à civilização talvez lhes sejam
perceptíveis com menos facilidade (ELIAS, 1998:30).
Ao mesmo tempo em que podemos falar de uma suposta liberdade de
envelhecer diferentemente, participando da vida associativa dos clubes para idosos dos
anos setenta, verificamos como naquele momento eram rígidos os regulamentos que
geriam o comportamento dos idosos e aposentados nesses espaços. As atividades
propostas e as regras que regem o seu consumo contribuíram
para definir uma linha divisória entre atividades consideradas
lícitas e ilícitas para a terceira idade. Assim, as saídas diárias, os
jogos de cartas, a televisão, a leitura, as tarefas, as fofocas, os
lanches (distribuídos diariamente às 16 horas) fazem parte das
atividades às quais o clube dá legitimidade. Por outro lado, o
regulamento interior dos clubes proíbe fumar, impede qualquer
debate político, impõe aos associados uma maneira de se vestir
convenientemente – é particularmente proibido o uso de
camisola, avental ou mesmo de chinelos. Também são
reprimidas quaisquer manifestações barulhentas. Qualquer tipo
de venda de trabalhos realizado pelos idosos é também
proibido. O que é inculcado a partir do que é considerado lícito
ou ilícito é um modelo de vida centrado sobre a sociabilidade e
o consumo de lazeres, excluindo-se qualquer outra atividade.
91
[...] o clube torna-se o lugar onde são difundidas e impostas à
classe operária idosa as práticas de aposentados da classe média
(GUILLEMARD, 1986:206).
De maneira semelhante encontramos estruturados os clubes da terceira idade
brasileiros, que foram instituídos a partir dos clubes franceses. O Serviço Social do
Comércio (Sesc) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA) tinham propostas
associativas para idosos e aposentados cuja tônica maior era a de oferecer um espaço de
integração social em que os idosos podiam desenvolver o seu lazer. Tomamos como
exemplo um desses espaços localizados no município de Niterói, o Grupo de Idosos e
Aposentados e Pensionistas de Niterói (IDEAL, 1974), que estava na época ligado ao
Programa de Assistência aos Idosos e Excepcionais da LBA. Ele foi implantado em
1974 e em suas finalidades não difere muito da proposta francesa no que toca às
atividades propostas61. O clube visa a desenvolver “atividades ligadas a cultura e lazer
[...] proporcionando sempre mais congraçamento entre os participantes do grupo e a
integração destes na comunidade” (IDEAL, 1974:1). Mas, como os clubes franceses,
impunha algumas restrições aos seus associados, como “discutir questões políticas,
religiosas, raciais, nacionalidade ou problema de outras agremiações, a não ser em
caráter construtivo, [...] provocar discórdia ou perturbar a ordem interna do grupo”
(IDEAL, 1974:3), havendo sanções previstas para os infratores.
Voltando ao debate entre as posições acerca do tempo, vimos que ele não se
concentra entre filósofos e sociólogos; outros campos também têm contribuições
bastante importantes e particulares nesse assunto. Pierre Naville (1981) sugere que o
sentido mais forte do interesse da sociologia pela questão do tempo está no fato dele ser
capaz de agregar e dissolver as relações sociais. Faz parte dos interesses de nossa
pesquisa o estudo de um tempo social específico, o chamado tempo livre, em que o
lazer, enquanto tempo ativo, acaba sendo quase assimilável ao trabalho, tempo do qual a
civilização tem cada vez mais necessidade (NAVILLE, 1981).
A ocupação do tempo considerado como livre, fora das obrigações
profissionais ou familiares, assume um novo perfil que independe de fatores como
idade, gênero, ou se falamos de um trabalhador, de um desempregado ou de um
61
Atualmente, o clube se mantém em um imóvel do Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS), sendo até hoje bastante concorridos os bailes e os jogos de carta que lá são
promovidos.
92
aposentado. Aceitando a pluralidade dos tempos, ao estudar o emprego do tempo na
vida quotidiana, Grossin (1974) procurou diferenciar-se das pesquisas fundamentadas
unicamente no aspecto quantitativo, do uso do tempo (budget-temps), que segundo ele
acabavam sempre deixando a desejar. Sua principal interrogação não passou pelo que
normalmente é respondido por aquelas pesquisas sobre os gastos com o tempo, pois elas
não trabalham a questão do uso do tempo. Grossin levou em consideração o tempo, não
como lugar de fenômenos, mas como seu próprio produto62. O interesse pelo assunto do
tempo em sua pesquisa consistiu em saber o que poderia ser verificado na mais simples
expressão do tempo; daí ter estudado grupos específicos como dos desempregados e
doentes internados em estabelecimentos. Como resultado, pôde afirmar que é na vida
social, e mais precisamente nas atividades quotidianas, que se produzem os tempos e
lhes são dadas as características que lhes são específicas.
Lalive d'Epinay (1988) usou como argumento que são as representações do
tempo que formam a identidade do homem atual. Ele analisou as duas temporalidades
que identificou como sendo as mais importantes: uma baseada na ‘historicidade’ e outra
no ‘ciclo da vida’. Para ele, são elas que vão permitir ao homem contemporâneo se
situar em relação a si mesmo e em relação ao seu meio ambiente. A distância entre o
que faz a historicidade e o que é dela excluído está nas relações de poder, sendo que “o
que vai delimitar dominantes e dominados é traçado ideologicamente pela representação
vivenciada da articulação entre a temporalidade da vida individual e a da historicidade”
(D’EPINAY, 1988:23).
Uma nova velhice num tempo considerado livre
Reconhecemos que diante da ausência de convergência conceitual e
polissemia dos termos, optamos por usar de maneira indiscriminada ‘tempo livre’,
‘tempo disponível’ ou mesmo ‘tempo liberado do trabalho’. Quando for necessário,
estaremos mostrando as diferenças apontadas pelos autores que as utilizam63.
Encontramos em alguns autores reflexões acerca do tempo livre e do lazer que podem
auxiliar à compreensão do que ocorre na contemporaneidade quando se observa o uso
dos tempos sociais dos idosos e aposentados.
62
63
Como expressão temporal das mais simples, ele buscou o exemplo da vida pessoal.
Encontraremos até mesmo autores que não distinguem o tempo do lazer do tempo livre.
93
As diferentes gerações nascidas no século XX estão sendo confrontadas com
uma profunda modificação no uso de seus tempos sociais. Esses tempos se estruturam
cada vez mais e podemos considerá-los como dominantes no que se referem aos demais
tempos do indivíduo. Foi a partir da dinâmica social que sua representação veio a ser
modificada, tanto por influência dos principais atores, no nosso caso os idosos e
aposentados, como das atividades sociais que passaram a ser desenvolvidas nesses
tempos.
Ao se usarem como exemplos os dados quantitativos das pesquisas sobre o uso
do tempo, percebe-se que o tempo fora do trabalho é bastante importante, constituindose de uma complexidade de outros tempos e não podendo ser mais classificado como
espaço exclusivo para a recuperação das forças do trabalhador. Tomados pela média,
esses estudos acabam ignorando a importância de algumas variáveis que podem ofuscar
algumas desigualdades que podem ser melhor entendidas por meio das questões etárias,
de gênero ou de classes sociais64.
Sem pretender ter a exclusividade, Roger Sue (1991) propôs critérios para
analisar o que chamou de decisivas mudanças, que indicam as transformações de um
desses tempos que entre outros é abarcado pelo que Dumazedier (1988) chamou de
tempo livre. O critério que ele considerou mais simples é o do tempo social quantitativo,
medido por meio do budget-temps; o outro, mais complexo, remete a uma avaliação
qualitativa do que se vem fazendo nesses tempos65. Deve-se reforçar que
necessariamente não existe coincidência entre os tempos sociais qualitativo e
quantitativo.
Do ponto de vista dos valores, um tempo quantitativamente
maior não é ipso facto o tempo qualitativamente mais
importante [...] a evolução quantitativa dos tempos sociais é um
sinal mais precoce da mudança social. Em todo caso, para ser
realmente dominante e estruturante, ou seja, impor uma nova
ordem social, um tempo social deve ser considerado tanto pelo
ponto de vista qualitativo quanto quantitativo (SUE, 1991:177).
64
Ou ainda como no caso das pesquisas francesas em termos de CSPs.
Na sua análise, ele apontou também como critério o tempo como categoria do pensamento e o
que consideraria esse tempo social como sendo dominante, “um tempo que impõe uma
representação” (SUE, 1991:178).
65
94
Em 1888, Paul Lafargue (2000) escreveu um panfleto em que, levando em
consideração o tempo em que foi escrito, antevia as sociedades de consumo e a
sociedade de mais tempo livre. Apesar de certa dose de ironia, e mesmo com algumas
incoerências que podem ser observadas, é, segundo muitos autores, uma das primeiras
sistematizações sobre o lazer pós-industrial, sugerindo “uma relação antagônica entre
lazer e trabalho” (WERNECK, 2000:54). Uma de suas recomendações era de que os
trabalhadores não deveriam trabalhar mais do que três horas por dia. Ele advertia que as
propostas de se diminuir o tempo do trabalho, como vinham sendo discutidas naquele
momento, se fundamentavam na lógica capitalista de exploração do trabalhador
Segundo os próprios industriais, após a adoção da medida, por mais que à primeira vista
aparentasse ser onerosa, teria como conseqüência lógica não uma diminuição da
produção, mas sim um aumento da produção média das empresas66.
Frederic Munné (1992) fez uma revisão sobre a maneira como eram abordados
o tempo livre e o lazer a partir da construção dos conceitos e sua relação com o tempo
do trabalho. O autor assumiu duas divisões em sua análise: a concepção ‘burguesa’ e a
concepção ‘marxista’. A partir desse reconhecimento discutiram-se algumas
contradições “em torno do entendimento do lazer, permitindo estabelecer uma crítica
acerca de seu significado social, parâmetro fundamental a ser considerado na articulação
de objetivos e estratégias de atuação” (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:11).
Como direito social, o aumento do tempo do lazer resultou da luta pela
conquista de mais tempo livre em momentos de tensões sociais que acabaram por
modificar as regras estabelecidas entre empregadores e empregados. Atualmente a
diminuição do tempo de trabalho ganha um novo perfil, já se cogitando falar na Europa
de uma semana de 32 horas ou 35 horas, semanas de quatro dias, como fórmulas para
contornar o problema do desemprego. No Brasil, já se cogitou diminuir quatro horas das
44 horas semanais. Esse tipo de solução, como qualquer outro novo regime temporal,
permite aos trabalhadores se manterem ainda inseridos no mundo do trabalho, e ao
mesmo tempo sugere um aumento do seu tempo livre. O tempo livre que num momento
foi considerado como tempo residual passou a ser encarado como elemento bastante
importante na organização do emprego do tempo em geral.
66
A redução do tempo de trabalho foi entendida como uma ardilosa estratégia dos industriais,
que em nome da manutenção da exploração capitalista, propunham a diminuição do tempo de
trabalho.
95
Segundo Nicole Samuel (1984), só a partir da década de 1960 é que a
repartição do tempo livre, como também a emergência dos valores a ele ligados,
começou a ser melhor compreendida. Esse tempo vem sendo considerado como um
tempo que não tem nenhum tipo de imposição, seja de ordem familiar ou social, o que
na verdade torna-se bastante questionável quando observamos, por exemplo, as análises
dos teóricos críticos sobre o tempo livre que foram apresentadas por Munné (1992:33).
“Os mecanismos que governam o homem no lazer seriam os mesmos que o dominam no
trabalho”. O lazer seria então a continuação da lógica do trabalho agora por outros
meios.
A ‘indústria cultural’, trabalhada por Adorno e abordada por Munné,
escravizaria o homem com muito mais sutileza do que outros meios de dominação,
como por exemplo o trabalho. Os seguidores do que se vem chamando de teoria crítica
postulam que o tempo livre como se apresenta em suas análises, tal como o trabalho, é
um “tempo manipulado e instrumento de integração” (MUNNÉ, 1992:35). Sem ser
considerado tanto de esquerda como outros autores oriundos da Escola de Frankfurt67,
Eric Fromm, em sua linha de pensamento, argumenta que “o modo de produção
industrial, comum tanto no capitalismo como no marxismo, provoca uma alienação que
afeta também o tempo livre. A diversão se converteu numa indústria a mais em que o
cliente compra seu prazer” (MUNNÉ, 1992:35).
Entre as classificações do tempo livre existe uma variedade de atividades: o
lazer é o essencial, seguido pelas atividades de participação social, como a vida
associativa e a vida religiosa. Joffre Dumazedier (1962, 1974, 1979) foi um autor que
dedicou em suas pesquisas análise de pontos que levando em consideração o momento
em que foram escritos, fizeram avançar as reflexões teóricas do lazer e do tempo livre.
Algumas das análises sobre o lazer o apresentaram do ponto de vista de sua
funcionalidade; segundo Dumazedier, envolveria o conjunto de ocupações destinadas ao
repouso, diversão ou enriquecimento de conhecimentos. Num primeiro momento, o
lazer moderno foi considerado como produto das sociedades tecnológicas avançadas; no
entanto, com o tempo pode-se perceber que, enquanto fenômeno social, ele está
67
Não é preocupação dos teóricos dessa linha a construção de novos conceitos; observa-se neles
muito mais a desconstrução de determinados conceitos. “É uma constante denúncia das
estruturas nascidas sobre qualquer tipo de ideologia autoritária e do progresso tecnológico
dirigido ao consumo de massas” (MUNNÉ, 1992:35).
96
presente também nas zonas urbanas de países ainda não desenvolvidos (DUMAZEDIER,
1988). Acrescenta-se também, como possibilidade de uso do tempo dedicado ao lazer,
o seu poder de influir nas relações sociais, sendo um tempo de expressão social do
indivíduo ou de um grupo.
Anos depois de sua primeira teorização sobre as funções do lazer, Joffre
Dumazedier (1974) ainda abordava as três principais caracterísiticas funcionais, agora
denominadas ‘os 3 Ds’: desenvolvimento, divertimento e descanso. Nesse seu trabalho,
num primeiro momento foi apresentada a diversidade de relações entre lazer e sociedade
a partir de uma preocupação reflexiva com relação ao problema, ou seja, antes mesmo
da ação, deve-se relacionar o lazer frente a evolução social de nosso tempo. O tempo
dedicado ao trabalho é apontado como um dos fatores que possibilitaram um maior
tempo livre, de forma que a partir de sua crescente diminuição, esse tempo pode passar
a ser mais consagrado aos lazeres.
Fica claro que, além de ser considerado como uma necessidade, o lazer é
também uma nova moral, sendo um comportamento decorrente da urbanização e do
fenômeno da industrialização. E mais, que o seu crescimento é desigual, tendo
características próprias segundo a classe social, de maneira que haverá maiores ou
menores possibilidades de acesso segundo a origem do indivíduo. Porém, a maior
ênfase dada pelo autor é para o fato de que uma cultura popular se impõe ‘como
necessidade e valor’, que acaba influenciando a escolha do lazer.
Dumazedier, ao procurar definir o que viria a ser o lazer, listou algumas
atividades que a ele se oporiam, e logo adverte do perigo de defini-lo como oposição
pura e simples ao trabalho. Fundamentando-se em suas funções, sugeriu que o lazer
fosse considerado como um
conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de
livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrearse, entreter-se ou ainda para desenvolver suas informações ou
formação desinteressada, sua participação social voluntária ou
sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se
das obrigações profissionais familiares e sociais (DUMAZEDIER,
1974:34).
O lazer, portanto, dependente das ‘forças sociais do momento’, sendo
apresentado por três determinantes sociais consideradas como fundamentais – evolução
técnica, as persistências tradicionais e a organização socioeconômica – que foram
97
analisados isoladamente por Dumazedier. A primeira não foi estudada como algo linear
no tempo, pois, certamente, as tradições impõem certas resistências. O segundo
determinante levou em consideração tradições relacionadas à cultura, a diferenciação
campo e cidade, como também as resistências interpaíses. Finalmente, o terceiro
determinismo partiu da premissa de que as atividades do lazer custam dinheiro, sendo
portanto preteridas e hierarquizadas, em relação as necessidades básicas.
Qualquer participação ativa na vida cultural pode se constituir enquanto
atividade de lazer e promover o desenvolvimento do indivíduo. Porém o autor
reconhece que essa última característica, acaba ficando comprometida em proveito das
funções como divertimento, recreação e entretenimento, as quais são muito bem
aproveitadas pela ‘indústria cultural’.
Anos depois, em 1988, Dumazedier se aprofundou na questão específica do
tempo livre, publicando o livro a ‘Revolução Cultural do tempo livre, 1968-1988’. Nele,
a partir de dados empíricos, demonstrou-se como o tempo livre não parou de aumentar,
da mesma forma que o tempo dedicado ao lazer68. Tomando a França como exemplo, no
período compreendido entre os anos 1975 e 1985, houve um considerável aumento do
que estamos chamando de tempo livre69, fato que foi considerado bastante significativo,
pois pela primeira vez pode-se contabilizar, em relação ao tempo de trabalho
profissional, a existência de mais tempo livre. No período compreendido entre os anos
1975 a 1985, o tempo de dedicação ao trabalho teria diminuído em média três horas.
Diz o autor que quando a intensidade das imposições relacionadas ao tempo de trabalho
diminui, verifica-se uma liberação em direção a um modo de vida cada vez mais social.
68
Segundo Dumazedier, ele aumentou, mesmo considerando que ainda é desigual em sua
distribuição quando se trabalha com classes sociais diferentes ou mesmo quando analisado com
base nos tempos de formação, do trabalho e da aposentadoria.
69
Segundo dados publicados pelo INSEE em 1984.
98
As atividades de lazer, e principalmente as destinadas aos aposentados, quase
sempre são relegadas a segundo plano, privilegiando-se outros tipos de abordagem que
mantêm à margem os principais interessados. Daí, em muitos casos, a qualidade do que
é oferecido carece de maior preocupação. Ao se propor qualquer coisa para os idosos,
sem sua participação na elaboração, demonstra-se que o mais importante é fazê-los ficar
um pouco mais ocupados, evitando-se assim maiores custos sociais e econômicos com o
envelhecimento.
Tentando responder ao questionamento sobre o que os aposentados da
sociedade francesa fornecem e o quanto custam à vida econômica, social e cultural,
Dumazedier (1990) apresentou uma resposta que pode ser transposta para a situação
brasileira. Segundo ele, essa questão é freqüentemente reduzida à questão das despesas
com os regimes de aposentadoria, que atualmente vêm sendo apresentadas como
inviáveis, já que estariam se tornando insuportáveis diante dos recursos econômicos
destinados à aposentadoria. Ele argumenta que,
na busca de soluções econômicas, esquece-se com muita
freqüência das aspirações majoritárias dos próprios aposentados
[...] ao invés de interrogá-los sobre as diversas maneiras de se
pagarem os custos necessários para o seu modo de vida
preferido, nenhuma solicitação é feita à sua opinião. As
soluções são elaboradas pelos que entendem de economia ou
pelos sociólogos, que, sob uma máscara de bom-senso
econômico ou de grandes idéias sobre as gerações, deixam
passar como se fossem contrabando as concepções anacrônicas
das relações do trabalho e do tempo livre entre as gerações
(DUMAZEDIER, 1990:21).
Observamos que existe uma corrente de pensamento que se interessa pelos
estudos sobre o tempo fora do trabalho, mas que só o aceita como dependente de uma
teoria do trabalho; por esse motivo, seria impossível formular uma teoria do tempo
livre. Essa posição recebeu uma crítica de Dumazedier (1988), que a considerou
dogmática e algumas vezes bastante redutora. Os que defendem a posição contrária a
Dumazedier afirmam a primazia do trabalho frente ao tempo livre na vida quotidiana, de
maneira que o último seria apenas um complemento do primeiro.
99
Marie Charlotte Busch (1975) procurou interpretar sociologicamente o tempo
livre. Utilizou inicialmente, como argumento, a evidência de alguns signos que
poderiam indicar a existência do tempo livre, mas logo considerou que existiam
dificuldades em tratar o assunto pelo ponto de vista sociológico. Partindo de uma
análise conceitual do tempo livre, procurou interpretar as três funções que lhe são
pertinentes: compensação, recompensa e substituição. Segundo ela, uma sociologia do
tempo livre não dispõe de sistema conceitual que permita elaborar um sistema
explicativo. Segundo as hipóteses trabalhadas, uma sociologia do tempo livre é
dependente de uma sociologia geral, de uma sociologia específica, e mesmo de outras
ciências. As análises de Busch, em nome do determinismo sociológico, consideraram
difícil estabelecer uma definição do tempo livre. No nível micro-sociológico, ele
poderia ser considerado como uma parte da sociologia da vida quotidiana, proposição
considerada como limitação, que impede a percepção da interdependência do tempo
livre em relação aos tempos sociais ou engajados. Uma outra objeção está em que essas
proposições têm como princípio básico que o tempo livre não é criador de valores, o que
é terminantemente recusado por Dumazedier.
Segundo este último, podemos falar que os valores do tempo livre provocam
nos indivíduos modificações em relação a si mesmo, aos outros e também à natureza.
Quando o tempo livre é capaz de exprimir novos valores, agindo sobre o sistema social,
ele pode ser considerado como um tempo social. Sendo assim, para Dumazedier,
admite-se o princípio de que as gerações dos trabalhadores após os anos 70 passaram a
ver o trabalho como uma atividade qualquer, ao passo que no tempo livre eles estariam
principalmente valorizando positivamente o tempo destinado ao lazer. Quando se
observou a influência recíproca do trabalho sobre a vida quotidiana e os tempos sociais,
foi dado um passo decisivo, aproximando a sociologia do trabalho aos estudos do tempo
livre e dos lazeres. Há então uma mudança de sentido – o trabalho não era mais
considerado como ‘sagrado’, e, quando se falou de diferentes tempos sociais na vida
quotidiana, mostrou-se que o tempo do trabalho e o tempo fora do trabalho não se
opõem. A expansão das atividades do tempo livre, com suas fórmulas múltiplas,
obrigou a revisão profunda não somente do sentido do trabalho mas também daqueles
relacionados a todos os tempos socialmente impostos e engajados (DUMAZEDIER, 1982).
100
O lazer como direito social é uma fonte de modificações das relações sociais
que não se limitam exclusivamente ao tempo livre; ele acaba influenciando toda a vida
social. No caso dos idosos, que hoje param de trabalhar em melhores condições de
saúde, com uma esperança de vida sem trabalho mais longa, os novos aposentados são
induzidos a empregar esse tempo de forma bastante diferenciada. São as atividades de
lazer ou de semi-lazer70 que vão dominar o tempo livre dos idosos da nossa época
(DUMAZEDIER, 1988). Contudo, devemos estar atentos para que o discurso do tempo
livre dos idosos não dê a falsa impressão de que em nossa época não existiria mais
qualquer tipo de tensões, distinções sociais, e que todos pertenceriam a uma mesma
categoria social, os aposentados, aos quais tudo seria possível e permitido de maneira
abrangente.
Outra análise interessante sobre o lazer foi feita por Stanley Parker (1978), que
também pontuou as funções do lazer: o repouso foi visto como a ‘recuperação das
tensões cotidianas’, o passatempo como, ‘um antídoto contra o tédio’, e finalmente, em
sua terceira função, seria estimulado “o desenvolvimento da personalidade” (PARKER,
1978:22). O autor apontou ainda algumas questões formuladas por Kaplan que nos
parecem importantes para se conhecer o lazer enquanto comportamento humano. Uma
delas estaria diretamente relacionada com a discussão que estamos pretendendo
estabelecer acerca dos significados do associativismo; trata-se da indagação sobre se no
tempo de lazer as relações estabelecidas entre as pessoas podem ser vistas como
produtoras de valores71. Dessa categoria emergem em sua análise duas subcategorias,
como a sociabilidade e a associação, fundamentais na compreensão dos motivos que
fazem pessoas idosas não mais aceitarem a aposentadoria como um período para
repouso, tranqüilidade, reflexão, resignação e espera da morte. Os lazeres, os trabalhos
domésticos, a vida familiar e a saúde são os pólos que organizam, limitam e influenciam
o tempo livre das pessoas idosas. Os lazeres, longe de serem vividos pelos idosos “como
uma generosidade ou uma assistência culpabilizante [...], são percebidos como
merecedores de uma recompensa prevista num contrato de trabalho” (DUMAZEDIER,
1988:263).
70
Para saber mais sobre esse conceito, consultar Dumazedier (1974).
O que é fortemente defendido nos trabalhos de Joffre Dumazedier. Ver, por exemplo, seu
livro A revolução cultural do tempo livre (1988).
71
101
Hugo Lovisolo (2000 a) também apresenta a questão do tédio ao analisar o
‘espetáculo competitivo’ e o ‘espetáculo esportivo’, abordando a indústria do lazer
como capaz de superar o tédio das pessoas, e aqui a trazemos para refletir sobre o que se
passa com o lazer dos idosos, que vem sendo cada vez mais um novo campo de
consumo. É a linguagem do lazer ligada à visão economicista e utilitária servindo para
diminuir o tédio, que viria a ser resultante de uma “fadiga provocada pelo desenfreado e
estafante desejo da produção e do lucro. Hoje, não raro, os argumentos utilitaristas são
repetidos em relação ao estresse, ocupando este o lugar da fadiga” (LOVISOLO, 2000
a:17).
A opção de não fazer nada de certos aposentados os condenaria a uma vida
tediosa – vão dizer os que entendem de velhos, impondo a moral ativista. Para combater
esse tédio, impor-se-ia uma nova lógica para envelhecer, presente na ocupação do
tempo livre dos mais jovens aposentados com as mais diversas atividades. Esse discurso
acompanha o princípio do envelhecer saudavelmente, segundo o qual, uma vez que o
lazer é bastante importante para a manutenção da saúde, ele contribuiria para a
qualidade de vida.
Saúde, bem-estar, qualidade de vida e longevidade tornam-se
valores a serem perseguidos, assim como campo de
investimentos econômicos, intelectuais e simbólicos [...]. O
mercado gera, cada vez mais, produtos e serviços para os
velhos: casas residenciais ou de repouso, engenhos tecnológicos
adequados a suas demandas, alimentos, transporte, lazer,
educação, enfim, tudo aquilo que, supõe-se, melhora a
qualidade de vida dos velhos. Os especialistas, por sua vez,
geram intervenções sobre a fisiologia, a atividade corporal, o
estilo de vida e a sociabilidade dos velhos (LOVISOLO,
1997:10).
Para o autor, o tempo do lazer seria um tempo antitédio, o que introduz em
nossa discussão o tipo produtivo e o improdutivo de lazer, que faz parte da ‘discussão
moral do lazer’. Isso fica claro quando se critica o lazer do tipo improdutivo72 – quando
ele diverte, entretém, faz passar o tempo de modo agradável, enfim, quando realiza uma
mera função antitédio. Lovisolo argumenta que:
72
No caso, o autor estava falando da televisão.
102
o lazer não seria um bem de valor unívoco, positivo ou
negativo; adquiriria um ou outro valor em função do tipo de
lazer e das circunstâncias nas quais ocorresse e, muito
especialmente, dos valores sociais ou objetivos sociais que
pudesse promover [...]. A valorização do lazer não ficou imune,
portanto, à linguagem econômica e moral. Como o trabalho, o
lazer passou a ser qualificado: lazer produtivo versus lazer
improdutivo; lazer moral versus lazer imoral. Contudo, o lazer
ganhou seu direito de existir e tornou-se um bem social
(LOVISOLO, 2000 a:19-20).
O estudo do lazer no tempo considerado livre já foi considerado a partir de sua
importância enquanto tempo social, ganhando uma abordagem diferenciada quando se
coloca a questão da ‘busca por uma excitação’ (ELIAS, DUNNING, 1994, 1992). Os
autores discutiram a questão do lazer e do tempo livre e diversos argumentos foram
apontados no sentido de diminuir as dificuldades conceituais sobre os termos.
O tempo livre equivaleria ao tempo que é livre de todo trabalho profissional e
mais uma vez é lembrado que, em nossa sociedade, só uma parte desse tempo é
consagrada aos lazeres. Os autores propuseram uma tipologia, denominada ‘espectro do
tempo livre’, que foi assim baseado: a) nas rotinas que incluíram entre outras as
necessidades biológicas e cuidados com o corpo; a administração do lar e as rotinas
familiares; b) atividades que servem à auto-satisfação, a formação e ao desenvolvimento
pessoal, incluindo também o que se chamou ‘trabalho particular’, que considera as
atividades não-profissionais de caráter voluntário; as atividades religiosas; as de caráter
formativo, mas menos controladas socialmente e realizadas esporadicamente; c) as
atividades de lazer, desde as atividades de sociabilidade, quando há participação mais
formal, seja em festividades diversas, seja as de ‘lazer comunitário’, que poderiam ser
exemplificadas com a ida a um bar ou as conversas mais banais; as atividades
miméticas. Este termo usado pelos autores tem
103
características estruturais: despertam emoções de um tipo
específico que estão intimamente relacionadas de uma forma
específica, diferente, com aquelas que as pessoas experimentam
no decurso de sua vida ordinária de não-lazer [...]. No contexto
mimético, a excitação agradável pode demonstrar-se por meio
da aprovação dos amigos e da própria consciência, desde que
não exceda certos limites (ELIAS, DUNNING, 1994:183-184).
As atividades miméticas com um acentuado grau de organização, na maior
parte possibilitam a desrotinização e o “alívio das restrições, por meio de movimento do
corpo” (ELIAS, DUNNING, 1994:148-149) – como espectador de atividades miméticas
com certo grau de organização; como participante das atividades miméticas que não
tenham grande grau de organização; uma ‘miscelânea’ de atividades que tenham forte
característica de quebra da rotina, variando desde uma pequena viagem realizadas nos
finais de semana a pequenos cuidados com o corpo.
O espectro do tempo livre é um quadro de classificação que
indica os principais tipos de atividades de tempo livre nas
nossas sociedades. Com o seu auxílio, podem observar-se
rapidamente fatos que estão, com freqüência, obscurecidos pela
tendência a equacionar o tempo livre com atividade de lazer:
algumas atividades de tempo livre têm o caráter de trabalho,
ainda que constituam um tipo que se pode distinguir do trabalho
profissional; algumas das atividades de tempo livre, mas de
modo algum todas, são voluntárias; nem todas são agradáveis e
algumas são altamente rotineiras. As características especiais
das atividades de lazer só podem ser compreendidas se forem
consideradas, não apenas em relação ao trabalho profissional,
mas, também, em relação às várias atividades de não-lazer no
quadro de tempo livre. Dessa maneira, o espectro do tempo
livre contribui para dar maior precisão ao problema do lazer.
A preocupação com a qualidade desse tempo livre acabou influindo no modo
de vida das pessoas, gerando modificações que exercem influências sobre as novas
atividades em que elas vão se engajar e na maneira como passam a se relacionar
socialmente. No caso do lazer, a sociabilidade pode ser considerada como elemento
básico, estando presente na maioria das atividades.
Segundo Dumazedier (1988), estaria em curso uma revolução do tempo livre,
avançando cada vez mais para cada geração, em nossa vida quotidiana, mesmo
considerando-se que seu desenvolvimento ainda não tenha sido totalmente reconhecido.
Com relação aos idosos, o tempo livre na aposentadoria se produz nos limites das
104
obrigações domésticas e familiares, que envolvem o lar, os netos. Para evitar qualquer
confusão que ainda perdure entre o significado de lazer e de tempo livre, o autor afirma
que nem todas as atividades do tempo livre são lazeres, mas todas as atividades de lazer
são realizadas no tempo livre.
Pablo Waichman (1997:29-37) levantou uma discussão sobre o uso do termo
‘tempo livre’ em diversas épocas e contextos sociais, procurando trabalhar também a
questão da liberdade e sua relação com o trabalho. Nesse sentido, sua posição é de que o
trabalho, ao ser realizado enquanto necessidade, não poderia ser considerado livre. O
tempo do não-trabalho,
visto que deve anular os efeitos nocivos do trabalho (cansaço e
tédio), também não seria livre. O tempo livre será livre quando
não for uma necessidade [...] tempo livre não é um dado, é uma
construção tanto individual como social.
O autor busca fazer uma aproximação entre lazer73 e tempo livre e usando
diversas passagens do livro de Frederic Munné, procurou caracterizar as posições
contemporâneas, seja pelo contexto liberal, seja pelo marxista, sobre o lazer. Sendo que
os do primeiro grupo teriam em comum: subjetivismo, individualismo e liberalismo,
lembra que em muitos casos a temporalidade acaba sendo esquecida. Na concepção
marxista, o ‘tempo livre’ assume maior importância, sendo mais utilizado do que o
‘lazer’, face sua possibilidade de vir a
beneficiar a sociedade. Por meio de uma
diversidade de práticas,
[...] acredita-se que a finalidade do progresso social seja liberar
o homem do trabalho e também despojar o trabalho de seu
caráter de necessidade. E quanto mais bem utilizado for esse
tempo, maior será a produtividade no trabalho, que, por sua vez,
produzirá mais tempo livre (WAICHMAN, 1977:64).
Werneck (2000) ao trabalhar com questões consideradas mais contemporâneas
sobre lazer e tempo livre, analisou uma especificidade do caso brasileiro, apontando
para a ambigüidade das relações entre lazer e recreação. Em seus estudos, a relação
entre modernidade e desenvolvimento do capitalismo foi considerada fundamental para
73
Na verdade, ele se refere, na versão portuguesa de seu livro, ao ócio, que corresponderia, na
língua espanhola, ao sentido que é dado ao lazer na França e no Brasil.
105
auxiliar a compreensão do lazer, suas relações com o trabalho e a educação em nossa
sociedade de hoje. Ao se considerar a necessidade de medir o tempo, percebe-se mais
facilmente a existência de um tempo livre, mas que em alguns casos sua apropriação
pode ser usada com outras finalidades, tornando-se, no caso do lazer, um mero produto
a ser consumido. O desafio a ser enfrentando é no sentido de se repensar o lazer como
alternativa cultural, capaz de vir a ser concretizada pela democratização de seu acesso,
direito social que veio se constituindo no decorrer da história da humanidade. Ela alerta
para a possibilidade de se cair numa armadilha: seria um erro compreender o lazer
unicamente a partir das suas atividades, pois assim se estaria restringindo-o só ao campo
da diversão, modelo que privilegia o ‘processo de reprodução cultural’, que se
fundamenta na ‘prática pela simples prática’, que ingenuamente trabalha valores que
ajudam a manter a ordem social. A associação entre lazer e recreação ainda é capaz de
gerar muitas dúvidas, havendo uma diversidade de interpretações que vão desde a
concepção de que recreação seria ação, enquanto lazer seria expressão de cultura; ou
ainda a de que ambos são espaços privilegiados para a vivência do lúdico, sendo então
caracterizados sem nenhuma diferenciação.
Ao fazer uma revisão sobre essas questões, a autora sustenta que a recreação se
apresenta como algo que vai além da ação: trata-se de um ‘movimento de
disciplinirização das massas’, utilizado eficazmente pelas classes dirigentes em
determinados momentos históricos, e até mesmo no âmbito da educação escolar. A
recreação em grande parte das vezes ainda reproduz “os mesmos valores tradicionais de
ajustamento e conformação social” (WERNECK, 2000:119), tal como era no início do
século XX.
Diante do entendimento de que existe uma diversidade de características
próprias ao estudo do lazer, segundo Nelson Marcellino (1983) ele deve ser refletido a
partir de suas possibilidades multidisciplinares, devendo ser redimensionado pelo ‘ponto
de vista histórico-social’, a partir do qual as lutas empreendidas por esse direito estão
enraizadas também na categoria tempo. Marcellino considerou o conceito de ‘tempo
livre’ como ‘simplista’74, já que nas relações sociais nenhum tempo poderia estar a salvo
74
De maneira semelhante, Ademir Gebara (1997) também sugere falar em ‘tempo disponível’
ou ‘conquistado’, argumentando que não estariam em oposição o tempo de trabalho e o tempo
disponível. Sua opção justifica-se pela apropriação mercantilista do tempo livre, que pressupõe
certa tensão entre este e o tempo disponível.
106
de ‘coações ou de normas de conduta’, e sugere que deveríamos falar em ‘tempo
disponível’. Seus principais pontos de vista se constituíram no momento em que surgiu
uma nova visão do lazer no Brasil, fundamentando-se em três alicerces principais:
‘tempo, espaço e ação cultural’. O autor fez ainda uma leitura crítica ao modelo
produtivista, em que é dada uma valorização exacerbada ao que é gerado como bem de
consumo. O homem contemporâneo, vivendo a partir de uma ‘funcionalidade imediata’,
acaba por distanciar-se tanto do contato com os outros como com a natureza. Como
outros trata do lazer enquanto fenômeno social decorrente da industrialização; resultado
das reivindicações dos trabalhadores que proporcionaram maior ‘tempo liberado’,
acabou se estendendo à sociedade. Alerta para o fato de que o senso comum acaba por
contrapor lazer ao trabalho, recebendo o primeiro forte influência de uma ‘moral do
trabalho’. Estudar o lazer como um estilo de vida ou supô-lo a partir de sua dependência
de um tempo liberado de obrigações diversas fazem parte das interpretações do sentido
do lazer. Como tendência atual é apontada a aproximação dos dois modelos, advertindo
que uma visão ‘funcionalista’ reduz o sentido do lazer. Ao não concordar com essa
concepção, deixa claro sua “adesão ao conceito de lazer que considera as variáveis
tempo e atitude e enfatiza a qualidade das ocupações” (MARCELLINO, 1983:28).
Apesar de se reconhecer a necessidade de se ter certa cautela com relação ao
uso de determinadas tipologias, tem sido comum adotar-se o que foi anteriormente
elaborado por Dumazedier para distinguir os interesses verificados no lazer, que viriam
a ser: físicos, práticos ou manuais, artísticos, intelectuais e sociais.
Mesmo sendo de grande utilidade e interesse, não devemos
tomar tal classificação de forma rígida, até porque os interesses
humanos não se encontram estaticamente divididos. O
indivíduo pode procurar determinada atividade com os mais
diversos desejos conjugados, além de não necessariamente o
fazer com plena consciência. Quando alguém busca a prática de
um esporte, não pensa: ‘Hoje eu quero mobilizar meu interesse
físico’. Ele o faz porque se interessa pelo jogo em si, mas
também gosta do bate-papo no bar, comum após o jogo, que é,
na verdade, um interesse social. Aliás, muitas vezes a cerveja
depois do futebol é o principal estimulante, sendo o jogo quase
um argumento para a atividade subseqüente (MELO, ALVES
JUNIOR, 2003:40).
Para Marcelinno (1983:41), haveria uma distinção entre os interesses
estabelecidos por Dumazedier, que devem ser analisados em termos “de predominância
107
e respeitando as escolhas subjetivas, aliás, evidenciando uma das características das
atividades do lazer, ou seja, a escolha individual”. Ainda que para haver uma escolha
consciente seja necessário haver uma sensibilização dos gostos, não se pode deixar de
falar que alguns outros fatores também são capazes de se apresentar como inibidores,
verdadeiras ‘barreiras’ que podem ser de ordem econômica, de gênero, sociais ou
mesmo geracionais, entre outras. Quando ligado a uma evolução do nível de vida, como
renda, instrução, o aumento do tempo livre permite a determinadas camadas da
sociedade engajamentos sociais que anteriormente não lhes eram possíveis.
Melo e Alves Junior (2003:29), além de abordarem a questão do lazer enquanto
fenômeno moderno, surgido com a artificialização do tempo do trabalho que se
desenvolveu a partir da ‘revolução industrial’, falam também da constituição do lazer
como resistência à tentativa de controle das diversões da classe trabalhadora por parte
das classes dominantes, como resultado das tensões existentes entre elas.
As diversões eram entendidas como perigosas e perniciosas já
que, além de se oporem à lógica de trabalho árduo, eram uma
forma de manutenção dos antigos estilos de vida, que tanto
incomodavam os que preconizavam uma nova ordenação. Sem
falar que era nos tempos de lazer que os trabalhadores se
reuniam, tomavam consciência de sua situação de opressão e
entabulavam estratégias de luta e resistência.
A resistência popular a essa dominação se deu de maneira tão forte que
influenciou as intenções da classe dominante, que necessitaram reorientar seus projetos
iniciais. Isso mostrou o quanto é impossível pensar no lazer como um “fenômeno
pacífico, inocente, ingênuo, dissociado de outros momentos da vida” (MELO, ALVES
JUNIOR, 2003:10). Entram em jogo, nesse processo, múltiplas articulações, que
produzem “uma verdadeira dinâmica de inter-influências, de circularidade cultural: se
os dominantes influenciam os parâmetros de vida dos dominados, estes últimos também
exercem influência sobre os princípios dos primeiros”.
108
Para os autores, o lazer enquanto
fenômeno moderno é gerado a partir de uma clara tensão entre
as classes sociais e a partir de uma ocorrência contínua e
complexa de controle/resistência, adequação/subversão.
Estamos falando de um conjunto de ações traçadas e
implementadas no grande palco de lutas das organizações
sociais. Devemos estar atentos para compreender a articulação
entre política, economia e cultura no âmbito do lazer, o que não
significa submetê-lo a qualquer desses ordenamentos: existe
uma especificidade desse fenômeno que deve ser compreendida,
inclusive para melhor balizar nossas propostas de intervenção.
O que ocorre no tempo do lazer não pode ser unicamente entendido pelas
influências econômicas, mas é evidente que elas existem; ele não pode ser considerado
como momento de pura alienação, pois tanto essa alienação pode existir como pode
haver algum tipo de resistência. Para considerar o que vem a ser o lazer, poderíamos
falar que:
a) o lazer se configura enquanto um campo acadêmico, tendo
uma longa tradição de estudos e pesquisas, embora ainda careça
de completo reconhecimento no âmbito das universidades; a
temática se caracteriza pelo caráter multidisciplinar; b) o lazer
deve ser encarado enquanto um fenômeno social moderno,
constituído no âmbito das tensões entre as classes sociais; é uma
necessidade social e motivo de intervenção de políticas
públicas; mesmo sendo uma preocupação recente e ainda
recebendo menor atenção, existe uma clara tendência de
crescimento de ações governamentais; c) o lazer se configura
como um relativamente recente, mas fértil e promissor campo
de negócios; é um mercado de consumo ainda não
completamente definido e com grandes lacunas a serem
preenchidas (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:22)
Acreditamos que, independente do motivo que leva alguém a ter uma atividade
em seu tempo disponível, escolhendo autonomamente, sem qualquer caráter obrigatório,
mas movido pela busca do prazer, nem sempre isso pode ser alcançado (MELO, ALVES
JUNIOR, 2003) e nem sempre essa escolha é tão livre assim. Embora reconhecendo que
existam diversas maneiras de se conceituar o lazer, estamos aceitando que a conjunção
do prazer com a categoria tempo dê indicativos ao significado do lazer, que, como
sabemos, é de suma importante na desrotinização da vida atribulada do homem
moderno.
109
Em Melo e Alves Junior (2003) verificamos a importância de se considerar a
importância do campo da cultura para compreender e vir a definir satisfatoriamente o
fenômeno social que é o lazer. O lazer não deve ser desconsiderado, frente ao trabalho,
como algo de menor importância ou mesmo reduzido a uma simples atividade
recreativa, que tem fim em si mesma. Não se pode negar que ele é também um
excelente nicho de mercado, movimentando muitos negócios, possibilitando, a cada dia
que passa, novos postos de trabalho nos empreendimentos realizados para essa
necessidade. Mas é fundamental entender o lazer a partir da sua relação com a cultura.
As atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido
mais amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas
diversas linguagens e manifestações; as atividades de lazer
podem ser efetuadas no tempo livre das obrigações,
profissionais, domésticas, religiosas, e das necessidades
físicas... (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:32).
Parece-nos que a ocupação do tempo, o entretenimento e o divertimento estão
presentes nos objetivos da maioria das associações de idosos que se criaram,
incentivadas pelas políticas públicas. Essas características têm seu fim na própria
atividade e, na maioria das vezes, não levam a maiores reflexões por parte dos que nela
se engajam, que na verdade acabam se satisfazendo em ‘estar no meio dos outros’, o
que é também um direito e certamente um dos interesses do lazer, porém vislumbramos
outras possibilidades advindas do aspecto educativo que esta prática pode assumir,
sendo intencionalmente consideradas quando falamos em educar pelo lazer e para o
lazer. Parece-nos que ganha importância a reflexão de que devemos redimensionar a
ótica do lazer, que seja diferente daquela que o percebe a partir dos interesses dos que
detêm o poder.
Assim, entre as possibilidades que contribuem no processo de
intervenção educacional, estão: a busca de encontrar novas
formas de encarar a realidade social, direta ou indiretamente
oferecidas pelo acesso a novas linguagens culturais; a percepção
da necessidade de equilíbrio entre consumo e participação direta
nos momentos de lazer; a recuperação de bens culturais
destruídos ou em processo de degradação em resultado da ação
da indústria cultural; e a própria humanização do indivíduo, que
passa a se entender como agente, e não somente como paciente,
do processo social (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:52).
.
110
Mas é claro que, no modelo de sociedade em que vivemos, a lógica do
consumo, que visa à possibilidade de fazer circular e captar os recursos dos idosos e
aposentados, é uma realidade. No entanto, não se pode ignorar a importância do
desenvolvimento do lazer fora do contexto da ‘indústria cultural’. Nesse sentido, devese buscar atuar sempre que possível com as necessidades dos idosos e aposentados,
respeitando sua própria cultura, o que nem sempre é contemplado nas propostas que só
visam o lucro.
Poujol (1990), analisando o associativismo dos aposentados, mesmo não
discutindo a diferença entre o sentido do lazer enquanto manifestação cultural e o que
viria a ser o divertimento e o entretenimento, declara que a
maior parte das associações de lazer não têm como finalidade o
simples divertimento, uma vez que ele está garantido em grande
parte pelo setor comercial com fins lucrativos. A organização
do lazer sob a forma associativa comporta na maioria das vezes
um componente educativo, ideológico ou espiritual (POUJOL,
1990:102).
Enquanto mercado profissional que cada vez mais se avizinha dos interesses de
todos os campos do consumo75, são bastante marcantes essas novas oportunidades,
sejam elas no campo do lazer ou nas diversas associações específicas para idosos e
aposentados. Na França se fala da possibilidade do setor associativo ser capaz de gerar
mais de 700 mil empregos, dando-se como exemplo os gerados nos movimentos
educativos e esportivos, nas atividades culturais, ou nos equipamentos de turismo.
Em grande parte dos casos, embora não sem conflitos, parece
que a mão-oculta concilia, mais ou menos adequadamente, bons
negócios com boas intenções, em que economia e moral podem
combinar-se na oferta dirigida aos velhos. O jovem que vive de
prestar serviços aos velhos para que concorram a espetáculos,
festas e passeios sente que realiza uma boa ação e pode
contabilizar ganhos satisfatórios. O especialista em radicais
livres passa por sentimentos semelhantes (LOVISOLO, 1997:1011).
75
Afinal, são promissoras as possibilidades de se ter como consumidores em potencial no Brasil
um quantitativo em franco crescimento que hoje já conta com mais de 14 milhões, e na França,
mais de 12 milhões de pessoas com mais de sessenta anos.
111
Baseando-se na dinâmica que produz o tempo livre, Claudine Attias-Donfut
(1981) fez um estudo sobre os lazeres e a formação das gerações. Seu principal interesse
recaiu
sobre
o
grupo
dos
aposentados,
pois considerou sua considerável
heterogeneidade social. Uma das hipóteses trabalhadas foi a de que o lazer é um dos
elementos constitutivos da aposentadoria, na medida em que ele contribui para produzila, da mesma forma como as exigências do mundo do trabalho produzem o afastamento
das atividades profissionais. Nos últimos anos, a crescente importância dada ao lazer
acabou introduzindo uma nova maneira de diferenciação social, antes fundamentada no
trabalho, agora baseada no modo de vida durante a aposentadoria.
Deixando o trabalho e passando a ser um aposentado
Tanto a velhice como a aposentadoria são apresentadas por seus aspectos
negativos: a primeira, como um tempo de involução, de declínio, de proximidade da
morte; a segunda, como um tempo de rupturas, de crises, de solidão. Na verdade, a
única concepção positiva é aquela que liga a aposentadoria ao uso diferenciado do
tempo livre, em que o lazer é predominante (FROSSARD, 1980). Alguns autores
buscaram encontrar respostas de como podemos viver a velhice e a aposentadoria a
partir de algumas tipologias baseadas na visão do aposentado sobre a aposentadoria,
pesquisadas durante o período que se aproximava a esse período76.
A partir de uma pesquisa realizada com 995 aposentados da Caixa de
Aposentadoria Interprofissional, Anne Marie Guillemard (1972) propôs cinco tipos de
comportamento durante a aposentadoria: ‘aposentadoria-aposentadoria’; ‘aposentadoriaterceira-idade’;
‘aposentadoria-família-e-lazeres’;
‘aposentadoria-reivindicação’;
‘aposentadoria-participação’77. Ela encontrou em sua pesquisa os fundamentos que
indicam os determinismos sociais influindo no estilo de vida na aposentadoria.
76
Usaremos aqui apenas casos de pesquisas francesas, que envolveram o conjunto dos
aposentados, pois não encontramos no Brasil estudos semelhantes.
77
Os comportamentos descritos são instrumentos de análise de uma realidade num determinado
momento, não devendo ser considerados como descrição de uma realidade totalizante, já que,
em função da época da pesquisa, os ganhos sociais não eram os mesmos que os atuais. A autora,
ao se referir a esses dados anos mais tarde, considerou que cada indivíduo se aproxima mais ou
menos desses comportamentos .
112
Uma outra tipologia foi proposta. Partindo de um quantitativo de três mil
pessoas que tinham mais de cinqüenta anos, buscou-se representar o conjunto da
população francesa (ATTIAS-DONFUT, GOGNALONS-CAILLARD, 1976). Seis tipos foram
agrupados a partir da questão principal que buscava saber o significado da
aposentadoria. Encontrou-se a ‘aposentadoria-lazer’, ‘aposentadoria-como-finalidadeindividual’,
‘aposentadoria-repouso’,
‘aposentadoria-pobreza’,
‘aposentadoria-
desvalorização’ e ‘aposentadoria-família’. Viu-se então confirmar a influência do sexo
da pessoa investigada, do tipo de moradia, da mobilidade profissional, ligada ao lugar
ocupado na estratificação social. Uma outra constatação é a de que a aposentadoria
evoca um conteúdo positivo, que os valores do trabalho não estão em oposição aos
valores do tempo livre, mas na verdade coexistem. Maryvonne Gognalons-Caillard
(1981) retomou os resultados dessa análise para saber: quais eram as coerências e
incoerências de um projeto de aposentadoria em direção a um tempo considerado como
dominante, o tempo livre. Considerando a representação da ‘aposentadoria-lazer’, são as
CSPs com alto nível de formação e de salário, os ‘cadres’ e os ‘profissionais liberais’
que vão reproduzir esse comportamento na aposentadoria, ao passo que os oriundos da
CSPs ‘operários’ vão se dedicar à aposentadoria enquanto repouso.
Em pesquisa apresentada como a primeira realizada na França nesse sentido,
um grupo de idosos foi acompanhado longitudinalmente, investigando-se a passagem do
tempo de trabalho para o tempo de aposentadoria (PAILLAT, 1989). Ficou evidente que a
aposentadoria estava sendo percebida de forma bastante satisfatória por 60% dos idosos
pesquisados, resultado este que contrariava a imagem de que uma possível crise
acompanharia esse período. Dois grupos foram analisados, cada um com duas mil
pessoas, no período compreendido entre os anos 1980-1984, sendo que esses indivíduos
foram investigados três vezes78. Apurou-se que: mesmo considerando a existência de
uma diminuição da renda familiar, que rondava os 20%, é nas relações familiares que se
desenvolvia uma revitalização das relações; o nível de estudos e as categorias
socioprofissionais é que influenciariam a satisfação no emprego do tempo livre na
78
O primeiro grupo era constituído de homens e mulheres nascidos em 1916, que responderam
a um questionário em 1980, 1981 e 1983. No momento da primeira enquete, todos estavam em
atividade profissional. Um segundo grupo, de nascidos em 1922, foi interrogado em 1981, 1982
e 1984, e no momento da primeira pesquisa eram ativos profissionalmente, pré-aposentados ou
desempregados.
113
aposentadoria; existia uma tendência a se ter um ritmo de vida ligado a alguns hábitos já
anteriormente adquiridos; entre os que são denominados como ‘cadres e profissionais
liberais’ é que se observou um estilo de vida mais ativo; e, finalmente, de maneira geral,
observou-se um aumento dos comportamentos considerados como de lazer após a
aposentadoria. Entre 70% a 90% dos aposentados estavam satisfeitos com sua
aposentadoria e, ao fim do tratamento estatístico, quatro tipos de passagem foram
classificadas. O ‘fracasso’ tomou 12% dos investigados e em 60% encontrou-se uma
‘imagem positiva’ da transição. Como modos de vida durante a aposentadoria foram
identificadas: a ‘aposentadoria-abandono’, com 13%; a ‘aposentadoria-dividida’, com
18%; a ‘aposentadoria-intimista’, com 20%, e a ‘aposentadoria lazer’, com 20%, o que
veio a confirmar que só 13% apresentaram problemas com a aposentadoria.
O Instituto Nacional de Estatística e dos Estudos Econômicos (INSEE, 1990)
publicou, na série Contours et Caractères, um quadro completo do perfil da população
idosa francesa. Nesse estudo em particular nos interessou verificar de que maneira
estava sendo apresentado o emprego do tempo livre dos idosos. Pôde-se observar que o
tempo livre como tempo dos lazeres não obteve grandes modificações em relação ao
grupo geracional estudado79. Foi a participação em uma ou mais associações e o
engajamento em atividades físicas que apresentaram a maior taxa de aumento.
Também André Babeau (1985) nos mostra como a imagem do ser aposentado,
ditada pelos que ainda estão na vida ativa, é muito mais positiva do que há algum
tempo. Essas grandes diferenças de percepções ficam mais claras quando se levam em
consideração as categorias socioprofissionais. Nesse caso, ele observou os trabalhadores
agrícolas e os profissionais liberais. Para os primeiros, o tempo de aposentadoria seria
dedicado inicialmente ao repouso e só posteriormente a outras atividades. Já para os
pertencentes ao segundo grupo, esse tempo não seria dedicado ao repouso, mas
associado a um período de maior liberdade, incluindo-se aí os lazeres e a participação
em diversas atividades.
79
Nessa pesquisa, procurou-se identificar três idades diferentes para a ‘terceira idade’, que não
são limites considerados muito claros pelos próprios autores; de forma global se propôs uma
situada entre 55 e 65 anos, caracterizada pela necessidade de estar fazendo alguma coisa; a
segunda, entre 65 e 75, considerada como um período intermediário, e, a partir de 75 anos, que
caracterizaria o início do declínio,
114
Apresentamos uma outra pesquisa que retratou o estilo de vida dos franceses,
esta datada de 1973 e desenvolvida pelo Ministério da Cultura com o fim de conhecer
quais eram os comportamentos culturais dos franceses de mais de 15 anos. Duas outras
pesquisas foram posteriormente realizadas, uma em 1981 e outra em 1989 (PAILLAT,
1993). O conjunto das três pesquisas serviu para se fazer uma projeção para a população
idosa80. No espaço de 15 anos em que essas pesquisa foram realizadas, constataram-se
atitudes comuns aos idosos que os distinguiam do restante da população. Considerada
como sintoma da evolução das práticas culturais nesses 15 anos, percebe-se 45% dos
investigados uma nítida atração pela prática de lazeres realizados fora de suas
residências.
Entre os anos de 1973 e 1988, a tendência mais significativa foi a do
investimento dos idosos em atividades de lazer. E se, entre os mais idosos que
participavam da pesquisa, esse investimento era menor, isso teria se dado sobretudo
pelo fato de que pertenciam a gerações diferentes, que viveram de maneira distinta a
expansão dessas atividades. Quanto à vida associativa, os dados confirmam o que outras
pesquisas já constataram: no conjunto da população em 1973, 28 % dos franceses
faziam parte da vida associativa, enquanto em 1988 eles passaram a ser 39%. O que
surpreende é fato de que foi no meio das pessoas consideradas idosas que houve o
aumento mais significativo: em 1973, 14% das mulheres e 31 % dos homens pertenciam
a uma associação. Em 1988, eles passaram a ser 38% e 46%, respectivamente.
A pesquisa identificou seis grupos entre os que tinham mais de 60 anos: os
‘ávidos por cultura’; os ‘noctâmbulos da cultura’, os ‘apaixonados pela cultura popular’,
os que estão ‘eternamente na mesa’, os ‘confinados no domicílio’ e os ‘excluídos’. Os
três primeiros representam os 45% já citados, e os 15% representados pelos últimos
confirmam que, entre eles, a aposentadoria seria uma espécie de ‘morte social’. No
período estudado, seguindo as taxas de atividade de cada categoria observada, verificouse que não existe mais desengajamento do que estabilidade ou mesmo uma reativação
dos lazeres. Somente após os 74 anos é que houve uma reorganização dessas atividades.
Uma das conclusões produzidas pelo estudo foi a constatação da existência do efeito de
idade e de geração: as preferências em termos de escolha das atividades, quando se
80
Essa pesquisa chamada Les pratiques culturelles des personnes âgées esteve sob a direção de
Paul Paillat (1993.).
115
toma como referencial aqueles que têm mais de 70 anos, são as mesmas que eles tinham
aproximadamente há vinte anos.
Durante muito tempo a entrada na velhice vem sendo condicionada ao
momento da aposentadoria. Poderíamos chamar da velhice estabelecida ‘por decreto’.
Mas, com certeza, hoje podemos dizer que há um deslocamento desse sentido. Sabemos
que atualmente, a partir da invenção da terceira idade e sua homogeneização
moralizante, a chamada velhice tenderá a ser apresentada como algo que chegará mais
tarde, uma espécie de negação, já que grande parte da população vive com melhores
possibilidades de acesso, seja a saúde, a proteção social ou a outros benefícios. No
entanto, não devemos esquecer das profundas desigualdades que ocorrem na velhice,
que limitam alguns ao ‘envelhecimento terceira idade’. Na França, diferentemente do
Brasil, não se podem considerar como sinônimos velhice e aposentadoria, e menos
ainda aposentadoria e pobreza, ou mesmo o abandono dos velhos como regra geral.
Na grande maioria dos países da Europa ocidental, são diversos os mecanismos
postos em prática que dão à velhice uma imagem mais favorável do que no passado. No
Brasil, mesmo considerando a extensão de certos benefícios à população idosa, que
acaba contribuindo para o sustento do resto da família81, as modificações do sentido
dado ao envelhecer passam a ser mais notados a partir do uso de certas expressões que
procuram mostrar esse período da vida como pleno de felicidade.
Dividindo a vida em períodos, como tempo de formação para os jovens, tempo
de atividade profissional para os adultos, tempo de repouso para os velhos, somos
induzidos a aceitar que a velhice corresponderia à inatividade, mas certamente essa
formulação não tem mais cabimento atualmente. A sociedade industrial nos fez viver
segundo esses ciclos, descritos por Xavier Gaullier (1999), que chamou a atenção para o
fato de que eles serviram durante muito tempo como referência, tanto no plano social
quanto individual. Os lazeres, os trabalhos domésticos, a vida familiar e a saúde são os
pólos, que segundo o autor, vão organizar, limitar e influenciar o tempo livre dessas
pessoas idosas na contemporaneidade.
Joffre Dumazedier (1988, 1990) considerou que essa nova maneira de
envelhecer, sendo carregada de novos valores, é uma ‘resistência ao envelhecimento’ e
81
Estamos falando do benefício da prestação continuada.
116
ao imobilismo, esse último imposto pela sociedade. Suas constatações foram
particularmente percebidas no uso das atividades corporais, notadamente na prática das
atividades físicas, sejam elas realizadas de forma mais organizada ou mesmo
informalmente; nas férias, com o turismo; na formação permanente, com a
autoformação ou em cursos livres; na prática do voluntariado; e na vida associativa.
A participação dos idosos e aposentados na vida associativa: uma opção para seu
tempo sem trabalho
A interação com nossos semelhantes, “seja na forma de grupos, como
associações e outros tipo de organizações, parece ser um aspecto constitutivo da vida
humana” (FERRANDO, 1998:127). Podemos considerar como natural a ‘tendência
afiliativa’, que nas formas mais ou menos elaboradas, independente da idade, é inerente
ao homem desde sua origem (FREEDMAN, CARLSMITH, SEARS, 1977). Independente da
época, as associações existiram nas mais diversas formas, sendo mais recente o formato
específico que ficou conhecido como ‘clube à inglesa’, que anos mais tarde acabou
dando origem às associações esportivas e mais recentemente as típicas para idosos e
aposentados que estamos agora investigando.
No antigo Egito, de maneira mais organizada, podia-se encontrar grupamentos
profissionais e confrarias, da mesma forma como em Roma, na antiga Grécia e em
outras civilizações. Eram constantes, na Idade Média, as associações religiosas, seitas
místicas, de trabalhadores, como também as sociedades secretas (DEFRANSE, 1995). Da
mesma forma que os banhos públicos em outras épocas, as tabernas eram espaços
privilegiados para se desenvolver um tipo de ‘sociabilidade’82. Foi no século XIX, na
Inglaterra, que surgiu o formato de clubes sociais que, tempos mais tarde se difundiram
em outros países como a França e o Brasil, que recebia na época influência dos países
europeus. Nesse caso podem ser considerados os ‘Jóquei Clubes’ como as primeiras
82
Sociabilidade poderia ser entendida como a maneira como a sociedade integra os indivíduos e
a maneira como eles respondem (GRAWITZ, 1991) “mais ou menos ativamente às solicitações
do grupo” (ALBERTINI, 1990:105). O engajamento associativo, como as saídas e as recepções, o
envolvimento familiar, como as estabelecidas com os seus vizinhos, são formas de sociabilidade
(FERREOL, 1991).
117
associações esportivas83, num período concomitante ao desenvolvimento do esporte
moderno e o envolvimento em atividades e exercícios físicos em ambientes associativos
em diversas partes do mundo.
O diagnóstico realizado no início da década de setenta no Brasil contabilizou a
existência de 85 clubes esportivos, criados antes do ano de 1900, na maioria localizados
na região sul do país, o que demonstra a forte influência da imigração (COSTA, 1971)
européia, berço desse novo modo de vida.
O argumento de que o homem é um ser gregário é corrente, mas não são
muitos os que se debruçaram sobre essas investigações como fazem os cientistas
sociais. Os psicólogos sociais, por exemplo, procuram explicações para a tendência
associativa em dois níveis de resposta: as explicações básicas e fatores particulares.
As pessoas associam-se por diversas razões. O desejo pode ser
parcialmente instintivo; é certamente o resultado de
características inatas que tornam o homem dependente de outros
em seus primeiros anos de vida. Em parte, por causa dessa
associação forçada na infância, os homens aprendem que a
afiliação é um modo de satisfazer necessidades e ela convertese num comportamento aprendido que prossegue até à idade
adulta. Ao longo da vida, outras pessoas são o meio único ou
primordial de satisfação de certas necessidades e, portanto, os
homens agregam-se para obter essa satisfação. (FREEDMAN,
CARLSMITH, SEARS, 1977:37).
Mas antes de seguir, vamos introduzir aqui uma análise das raízes que deram
origem à palavra associação. Gillet (2001) se utilizou de diversas fontes84, a partir das
quais pode-se constatar que da raiz indo- européia (sek) surgiu o verbo ‘seguir’, e mais
tarde, ‘sakhã’, que veio a significar ‘companheiro de guerra’. Pela origem latina, surge
‘sequor’, com o sentido de ‘vir a obedecer a um impulso’ e que gerou ‘secus’,
‘secundus’, ‘secta’ e finalmente ‘socius’, ‘companheiro’, que é aquele que acompanha o
83
A palavra sport tem origem no francês arcaico, em que deport, disport significavam
divertimento. Victor Andrade de Melo (2001) no livro Cidade sportiva, trata dos primórdios do
esporte no Brasil. Ao se reportar ao que ocorreu no Rio de Janeiro no século XIX, o autor
investigou duas atividades: a corrida de cavalos e o remo. Informa que já em 1815 existiam no
Rio de Janeiro clubes ainda não esportivos, como a Assembléia Portuguesa e o Germânia, que
foi criado em 1821. Só em 1847 surge o primeiro clube esportivo do país, o Clube de Corridas,
sete anos depois do primeiro clube francês de turfe (DEFRANSE , 1995).
84
Sua síntese foi elaborada a partir de dicionários, enciclopédias e outros documentos.
118
outro. O adjetivo ‘socius’ significa ‘associado’, e o substantivo, ‘companheiro’,
‘associado’, se num primeiro momento ao trono, depois a uma negociação comercial.
De ‘socius’ saíram os derivados em espanhol, inglês, francês e português: sociedade85 e
associação.
Uma organização social qualquer, como uma associação, resulta de
grupamentos humanos, ordenados racionalmente, visando a determinados objetivos,
sendo fundada sobre a divisão do trabalho e do poder; “este conjunto se dota de
procedimentos de controle e de comunicação necessários ao seu bom funcionamento e
desenvolvimento” (ALBERTINI, 1990:210). Partimos então da premissa de que a
contribuição das organizações sociais faz parte do desenvolvimento da humanidade,
sendo elas imprescindíveis para o controle e gestão da vida social.
Ao contrário das sociedades anteriores, a sociedade moderna atribui um
elevado valor moral ao racionalismo, à eficiência e à competência. A civilização
moderna depende em grande parte das organizações, como as formas mais racionais e
eficientes que se conhecem de agrupamento social (ETZIONI, 1976:7). Para Koontz e
O’Donnel (1976), a sociedade atual pode ser considerada como uma sociedade
organizacional, originária da necessidade humana de cooperação, cujas organizações
possuem “características consideradas essenciais do processo modernizador, pois tanto é
ator central como expressão máxima dos processos de racionalização e secularização do
mundo” (FERRANDO, 1998:127). As organizações consideradas pelo conjunto de
elementos que as constituem vão ocorrer “em prisões, clubes recreativos, fábricas,
bancos ou associações de condomínio” (BERNARDES, 1990:17). Colocados em prática
os seus princípios, alcançam-se objetivos que atingem não só o indivíduo como um
grupo social.
Enquanto indivíduos são estudados pela psicologia, a sociologia vai se
interessar por eles como grupo, pois “as pessoas agem diferentemente quando
associadas, por que uma interfere no comportamento da outra” (BERNARDES, 1990:17).
Independente do setor em que se desenvolve a participação associativa – na política,
ação social, educação, esporte, cultura, lazer, proteção ambiental, engajamento
85
Que significa um conjunto de indivíduos que vivem em grupos estruturados, e que mais
recentemente vieram a ser objeto de estudos mais organizados pela sociologia.
119
humanitário, entre outras tantas – o movimento associativo é o que no último século
ganhou um aumento espetacular.
Uma associação está sendo entendida aqui pela decisão de um grupo de
pessoas de se unir com uma finalidade. Frente às instituições oficiais e à sociedade, uma
associação pode tornar-se um parceiro visível (POUJOL, 1990), sendo utilizada para
resolver problemas que o Estado não é capaz de assumir plenamente, e o associativismo
dos idosos confirma essa afirmação.
Ao estudarmos grupos constituídos de idosos e aposentados que se envolvem
em um tipo de organização, aceitamos, ainda que com reservas, que um ‘grupo social’86
venha a ser “um conjunto de pessoas que se relacionam entre si com uma certa
regularidade” (FERRANDO, 1998:128). A maneira como esses relacionamentos
acontecem é que vai variar, podendo ser desde os mais formais, que se findam naquele
espaço associativo, àqueles que acabam extrapolando para outros espaços.
Considerando a existência de diversos elementos que são comuns a determinados
grupos, procuramos investigar os idosos e aposentados na forma associativa. Sendo de
fato um grupo, iremos tratá-los como um todo, e não como uma soma de indivíduos, e
verificando se a união entre seus membros é mais ou menos estreita. Ao aceitarmos que
a constituição do grupo é baseada em algumas características específicas, estaremos
distinguindo seus integrantes dos chamados ‘agregados’, indivíduos que freqüentam um
mesmo lugar ao mesmo tempo mas não estabelecem nenhuma interação (GRAWITZ,
1991)87.
A forma de acesso ou de filiação de idosos vai variar de acordo com os
modelos de associação, havendo desde as mais abertas, como clubes que não impõe
muitas restrições aos seus pretendentes, a outras mais fechadas, como é o caso das lojas
maçônicas. A organização interna pode ser muito ou pouco hierarquizada, podendo ter
como função principal: ser um clube específico para uma atividade isolada qualquer;
86
Reconhecemos ser uma definição por demais simplista, visto que o próprio termo ‘grupo’ não
permite uma definição precisa
87
Esse autor procurou ainda reunir outras características básicas do que estamos considerando
como grupo e que podem nos auxiliar na caracterização dos idosos envolvidos na prática
associativa abrangida neste estudo. A primeira decorre da duração das uniões do grupo, que
pode ser permanente ou temporário. Outra característica pode ser verificada a partir da sua
origem, já que o grupo pode ser constituído de minorias, de participação voluntária, como
sindicatos e outras associações, e ainda os de participação imposta, como nas forças armadas.
120
prestar um determinado serviço; conter atividades diversas, destinadas ou não a fins
comerciais. De maneira similar, o grau de proximidade entre seus membros pode ser
bem abrangente, existindo associações que classificam hierarquicamente seus membros.
Não só a freqüência como a força das interações sociais que são estabelecidas
numa determinada associação são de importância capital, devendo ser considerado o
tamanho do grupo, que pode ser: de grande envolvimento, que consegue aglutinar uma
coletividade em âmbito nacional ou ainda uma determinada classe social; outras, com
médio envolvimento, que abrangerão uma cidade ou uma empresa; finalmente teríamos
os grupos restritos, também identificados como ‘face a face’, que se caracterizam pela
existência de interações bem próximas entre seus membros (GRAWITZ, 1991).
Existindo uma diversidade de tamanhos e de interesses entre os grupos que
pertencem a uma determinada associação, esses interesses podem desenvolver-se no que
foi denominado por Homans (apud FERRANDO, 1998) como ‘grupo pequeno’, que seria
onde ocorrem as primeiras experiências sociais. Essa categorização pode ser atrelada à
concepção de ‘grupo primário’ utilizada por Cookey (apud FERRANDO, 1998), que
seriam as relações de associação com uma certa aproximação entre os envolvidos, que
tanto ocorrem em ambiente familiar como num pequeno clube esportivo. Nos ‘grupos
secundários’, as interações seriam mais esporádicas, pois as associações envolvem uma
maior estrutura e, por esse motivo, as relações são mais impessoais. Aceitando essa
classificação, poderíamos preliminarmente considerar que as associações de idosos que
estudamos enquadram-se no primeiro grupo conceituado por Cookey, já que “os
membros de um grupo primário compartem experiências, opiniões e aspirações, e
inclusive podem obter sua própria identidade de pertença ao grupo” (FERRANDO,
1998:129).
Ao freqüentar as atividades de uma associação típica para seu grupo social, os
idosos podem estabelecer uma rede de amizade e de simpatia mútua, criando novos
valores, tendo ainda um forte sentimento de ‘pertencimento ao grupo’. Caso contrário,
os consideramos como um grupo secundário, pois certamente as relações têm um
caráter mais instrumental – sendo as emotividades neutras – “constituídas
deliberadamente para realização de fins concretos e específicos, baseadas em forma de
relação entre seus membros do tipo limitado e calculado” (FERRANDO, 1998:129).
121
O animador nas suas mais diversas denominações tem sido apontado como
figura importante pois é graça as suas intervenções que as associações passam a ter
credibilidade no que propõe, fazendo com que os participantes permaneçam e tenham
fortes comprometimentos associativos. Diferente do Brasil, na França a animação é um
campo profissional, sendo oficialmente considerado, ocupado por mais de 350 mil
pessoas que se espalham desde a atuação como trabalhadores sociais, animadores de
bairro, animadores esportivos, animadores sociais, animadores de grupos de idades
diversos, incluindo os idosos. Mas como vimos em Akin e Dourade (2003: 38) passa
por problemas identitários que dificultam a sua maior valorização. Esses autores
procuraram estudar aqueles que atuavam na atividade, sendo verificado que tanto na
redação oficial de como é utilizado o termo animador e como ele é caracterizado como
posto de trabalho, sofre interferências diversas que acaba, lhe causando problemas,
havendo uma banalização da denominação pelos mais
diferentes programas na forma como eles foram registrados nos
últimos trinta anos. O estudo de algumas destas significações
permitiu que se constatasse sua característica bastante
polissêmica, mostrando a polivalência, a multicompetência e a
pluridisciplinaridade, todas inerentes a função da animação. É
por esse motivo que se acrescenta um termo específico para
precisar o perfil daquele que vai atuar.
Sobre o significado e uso dos termos ‘pertencimento’, ‘pertença’,
‘participação’ e ‘cooperação’, Hugo Lovisolo (1999 a) apontou para a importância de
sua compreensão e uso por parte dos educadores88, já que
emoções e categorias culturais importantes apenas podem ser
transmitidas pela palavra pertencimento. Quando dizemos que
somos cidadãos, estamos dizendo que temos uma propriedade
essencial de pertencimento que nos habilita a participar da
distribuição de um conjunto de bens comuns que, de praxe,
pensamos como direitos e obrigações dos cidadãos dentro de
uma ordem pública e estatal. Coisa bastante semelhante ocorre
quando dizemos que pertencemos a um clube ou a uma família:
também nesses casos temos direitos e obrigações enquanto
sócios e membros [...] para participar ou cooperar, temos de ter
idéias de pertencimento. Se não sentimos que pertencemos a
88
Os animadores de nossa pesquisa declararam que estariam atuando enquanto educadores ou
professores.
122
alguma comunidade ou associação, não nos colocaremos a
questão de participar e cooperar: ambas ações pressupõem o
pertencimento. No sentir, pensar e conversar sobre o
pertencimento construímos nossas identidades básicas,
condicionantes da participação e da cooperação (LOVISOLO,
1999 a: 130).
No caso da origem das associações consideradas comunitárias, verifica-se que
faz parte delas um variado conjunto de objetivos puramente assistencialistas e
certamente marcados por ‘antagonismos contraditórios’ (RAFFI, 1983). A partir de uma
distinção de certa forma cômoda e redutora, esse autor observou que alguns tipos de
associações surgiram na história como forma de reivindicações, outros como contrapoderes, também existindo associações que são destinadas à expressão dos seus
integrantes. Como sabemos, o período após o encerramento das atividades profissionais
não vem sendo mais tão marcado como tempo exclusivo e necessário ao recolhimento,
principalmente quando falamos dos jovens aposentados, fenômeno que já vem
ocorrendo há algum tempo e que faz com que mesmo os que estão há mais tempo
afastados da vida profissional tenham também um comportamento ativo e associativo.
Fora do círculo familiar, a união de idosos com os que lhe assemelham como os
contatos intergeracionais, é hoje bastante visível nos grandes centros urbanos. Idosos e
aposentados são encontrados nos equipamentos públicos urbanos: praças, parques e
congêneres, sentados em seus bancos, pondo a conversa em dia, ou participando dos
mais variados jogos de cartas e de tabuleiro. Quando os equipamentos permitem, muitos
praticam as mais diversas atividades físicas esportivas, sendo predominante a presença
feminina nas atividades ginásticas (DUMAZEDIER, 1990; ALVES JUNIOR, 1994). A
ocupação do espaço da rua por idosos e aposentados89 assume características diferentes
conforme o sexo da pessoa. Tomando como exemplo os grupos que se reúnem em
determinados ambientes e que participam de determinadas atividades em equipamentos
públicos urbanos, a presença é muito mais masculina, em parte devido à tradição que
89
Ver Alves Junior (1992), que estudou os equipamentos públicos urbanos e a presença de
idosos praticando atividade física em Niterói. E também Peixoto (1993), que estudou um grupo
brasileiro de idosos que jogavam voleibol na praia de Copacabana e um grupo de franceses que
freqüentavam uma praça parisiense.
123
faz com que esse espaço seja mais freqüentado pelos homens. Entretanto, observa-se
uma mudança90, principalmente no que toca a prática de atividades físicas.
No caso das associações de idosos que vão nos interessar neste trabalho,
diversas hipóteses podem ser formuladas para a maior aceitação do público feminino,
sendo ainda muito simplista ligar a esse fato a maior quantidade de mulheres idosas na
população.
Das intervenções do Estado e no discurso daqueles que entendem de velhos,
criou-se uma nova ética da terceira idade, que favoreceu a implantação de diversos
clubes e associações baseados no princípio da ‘não ociosidade’. Poujol (1990) aponta o
período dos anos setenta como fundamentais para a compreensão do associativismo
com finalidades educacionais, culturais e de lazer, época que coincide com o surgimento
desse novo tipo de aposentado, que se adequou ao modelo associativo típico para seu
grupo social. Esse envolvimento acabou gerando um novo espaço, que serviu para
desenvolver uma prática de atividade física específica para idosos que também seguia
um modelo de imposição social.
Patricia Portelli (1985: 141) lembra que o fenômeno associativo seria
tradicionalmente compreendido pelos sociólogos como sendo a “institucionalização de
uma terceira força para fazer frente ao poder do Estado e visto por outro prisma como
parte ao comércio promissor”. Entretanto, outras características que não as políticas e as
econômicas extrapolam essa primeira análise, o que nos pareceu bastante claro quando
se verifica a política de modo de vida na velhice, em que o associativismo assumiu
importantíssimo papel.
Os motivos que levam alguém a se filiar a uma associação são múltiplos, mas
de maneira geral observa-se que existe uma identidade comum entre os membros91, a
90
Em ambiente externo, independente de onde esse tipo de união ocorra, um sistema de
códigos, não muito formais, faz com que essas pessoas convivam satisfatoriamente. É comum
encontrarmos idosos do sexo masculino em praças, na França, jogando boules, uma espécie de
bocha sem uma cancha com limites definidos, ou, no Rio de Janeiro, participando de jogos de
cartas, dominó e de tabuleiro, como damas e xadrez. Já a maioria das mulheres idosas, dos dois
países, que freqüentam as praças e parques, tem outros objetivos, como a conversa e, no caso da
prática de atividade, algum tipo de ginástica. Por outro lado, se pensarmos na presença nos bares
brasileiros e nos cafés e bistrôs franceses, o perfil dos freqüentadores idosos é
predominantemente masculino.
124
ponto de se considerá-los como pertencentes a uma rede, oriunda de uma atividade
comum que os uniu. Os tipos de solidariedade que podem ocorrer nessas relações
sociais foram investigados no Quebec92 por Fortin (1992) que teve maior interesse no
que ocorria no ambiente associativo e colocou em questão o individualismo que
ocorreria na época atual. O autor procurou responder se o aumento do associativismo
não estaria sendo decorrente do individualismo dos próprios grupos, reconhecendo que
“tanto sociabilidade, solidariedade e identidade estão indissociavelmente ligadas, sendo
as três facetas do mesmo prisma” (FORTIN, 1992:265).
O fato de se aderir a uma associação como as de idosos e aposentados
representa uma dupla maneira de sociabilidade. Em primeiro lugar, aderimos a uma
associação por que já estaríamos numa rede de sociabilidade, pois, em muitos casos, o
recrutamento para se tornar um novo membro foi feito de forma ativa e personalizada.
Em segundo lugar, uma vez feita essa adesão, tem-se por finalidade prolongar essa
adesão associativa. Para que a participação da vida associativa venha a ser um sucesso,
não só pelo aspecto da sua organização, como da sociabilidade de seus membros, é
imperioso que exista uma maior integração entre eles. Sendo assim, o recrutamento
acaba reforçando a sociabilidade já existente e a integração ao grupo; simultaneamente é
tanto causa como conseqüência da adesão à vida associativa (FORTIN, 1992).
A cultura associativa desenvolvida em ambientes como o dos clubes esportivos
foi descrita por Klaus Heinemann (apud FERRANDO, BARATA, OTERO, 1998:142),
que destacou a importância que reveste o tipo de sociabilidade existente como “tertúlia
despreocupada e comunicação desinteressada, baseada em uma igualdade de condições
[democracia de sociabilidade] de todas as pessoas que dela participam”.
Ao se referir aos clubes enquanto instituição lúdica, Luís Otávio de Lima
Camargo (1998) caracterizou a função recreativa que eles podem exercer na ocupação
do tempo do lazer realizado fora da residência. Essas associações têm uma outra
91
Encontramos com certa constância, as mais diversas propostas associativas para idosos,
abrangendo uma ou mais dessas categorias: cívicas, paroquiais, esportivas, recreativas ou
culturais.
92
Nessa região do Canadá, mais de 24 mil associações foram recenseadas em 1989, sendo
considerado bastante significativo seu aumento, quando se sabe que em 1973 foram
contabilizadas 6 103. O autor desenvolveu uma pesquisa baseada na hipótese de que existia uma
sobrevivência das solidariedades tradicionais e três tipos de identidades foram abordadas: as
familiares, as ligadas ao trabalho e as associativas.
125
característica apontada por Camargo que é a sua autonomia em relação ao Estado e o
seu desinteresse em obter fins lucrativos, podendo de uma certa forma subsistir por
meio de contribuições financeiras dos membros associados. Entretanto, essa autonomia
pode ser relativizada se aceitarmos os argumentos da existência de uma certa imposição
social de um modelo de envelhecimento que visa a ocupar o tempo disponível de idosos
e aposentados.
Os clubes para idosos inicialmente foram concebidos para serem ‘local de
encontro e luta contra o isolamento e a inatividade’; sua direção estava a cargo daqueles
que entendiam de velhos, sendo os idosos e aposentados meros consumidores.
Entretanto, com o passar dos anos, muito mais na França do que no Brasil, pode-se
observar uma fundamental alteração na sua proposta inicial, que deixou de ser para as
pessoas idosas, se tornando dos idosos, que passaram a ter uma participação mais
efetiva na organização das atividades e na própria gestão da associação (ROZENKIER,
1987).
A vida associativa dos idosos e aposentados da França e do Brasil
Os clubes, enquanto forma associativa com fins sócio-recreativos, tiveram sua
origem na Inglaterra no século XIX e sua grande expansão durante o século XX, com o
fenômeno da esportivização, trazendo em si ‘um forte crivo de separação de classes
sociais’. Em sua origem, essa instituição era exclusiva da burguesia; com o
desenvolvimento dos esportes e sua popularização, as classes trabalhadoras incorporam
a idéia, passando a criar seus próprios espaços e a fazer parte dos clubes. No Brasil não
se percebe distinção entre os significados dados a um clube e a uma associação, sendo
usados indiscriminadamente93 quando se trata de atividades esportivas, culturais,
artísticas e recreativas94.
93
Apesar da classificação de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira como “local de reuniões
políticas, literárias ou recreativas”, o clube popularmente assume mais o seu último sentido. O
filólogo acrescenta ainda outros sentidos, como “local que tem, geralmente, edificações, piscina,
etc., e onde é comum ser cobrada uma mensalidade ou taxa, onde se reúnem pessoas de uma
sociedade, para praticar esportes, jogar, dançar, etc.”, ou ainda a “associação de pessoas, com
objetivo social recreativo, ou, ainda, de promover debates em torno de matéria de interesse
comum, tal como literatura, ciência, política, etc., mantendo para isto, em geral, encontros
periódicos”.
94
Apesar de reconhecer que o uso mais comum do termo é o que o aproxima das atividades
recreativas e esportivas, tanto clube como associação estão sendo interpretados neste trabalho
como sinônimos, já que ambos, nas línguas portuguesa e francesa, subtendem: envolvimento em
126
Ao analisar a estrutura organizacional dos clubes para idosos franceses, Alain
Rozenkier identificou uma estrutura organizada em 65% dos que se autodenominam
clubes. Eles contêm estatutos ou regulamentos que fixam as modalidades de seu
funcionamento e são constituídos, na maioria dos casos, de idosos, já que em grande
parte uma idade mínima é requerida, ou então, como ocorre em 23% deles, basta ter o
status de aposentado. Visam, de forma estruturada, à promoção de fins que não
necessariamente correspondem a interesses diretos de lazer ou de ordem pessoal
(FERREOL, 1991), podendo ser uma associação como forma de pressão e de cobrança do
Estado de reivindicações consideradas legítimas. No entanto, faz-se necessário atentar
para o fato de que esse modo de vida durante a velhice não é uma regra geral. Devemos
também considerar o envelhecimento diferencial e as desigualdades sociais, já que são
diferentes as classes sociais dos que aderem aos clubes de idosos e às universidades
(ATTIAS-DONFUT, ROZENKIER, 1983).
Patrick Boulte (1991) argumenta que, para mobilizar os indivíduos, as
associações utilizam uma lógica de produção tanto de alianças sociais como de
serviços95. Mas não se pode desconsiderar a dimensão cultural, como também sua
importante característica de influir na vida das pessoas, enquanto elemento de inserção
social. Segundo Thery (1983), a vida associativa dos franceses não tinha a intensidade
encontrada nos países anglo-saxões96, e no caso dos idosos já se podia encontrar algum
tipo de envolvimento comunitário. Stanley Parker afirma existirem, naquele momento,
na Inglaterra e no País de Gales, mais de sete mil clubes sociais para idosos. Sua
organização envolvia idosos em reuniões periódicas, que se realizariam dentro dos
“salões das igrejas, até os centros diurnos elaboradamente equipados” (PARKER,
1978:71). Entretanto, essas associações não eram bem vistas pelos próprios idosos, e
podemos supor que as atividades propostas não se adequavam aos seus anseios.
determinados tipos de união, tendo em vista alcançar um objetivo comum, que, em nosso caso
específico, seria manter idosos e aposentados inseridos na sociedade a partir da aceitação por
parte deles de “algumas normas comuns, mais ou menos institucionalizadas” (GRAWITZ,
1991:29).
95
A elucidação quanto ao funcionamento interno de uma associação foi abordada por esse autor
a partir da sociologia das organizações. Ele procurou aproximar dois domínios até então
considerados em oposição: as associações e as empresas, utilizando uma abordagem do
diagnóstico global e pluridisciplinar para melhor conhecer as associações.
127
No que se refere às associações esportivas brasileiras em suas mais variadas
manifestações, podemos encontrá-las no trabalho realizado em 1970 pelo Ministério da
Educação e Cultura (COSTA, 1971). Verificou-se a dificuldade, no Brasil, de separar as
associações sócio-recreativas das desportivas, já que o “cadastro mantido pelo IBGE
para levantamento de rotina da denominada situação cultural mostrou-se deficiente para
os objetivos do diagnóstico” (COSTA, 1971). Estimava-se a existência de 25 a 30 mil
clubes no país, incluindo os recreativos, com 10 milhões de associados. Esses números
representam o resultado do levantamento realizado pelo IBGE em 1969, na terça parte
dos municípios brasileiros, investigados a partir de uma amostra de 8.310 clubes com
uma variedade de interesses.
No ano de 1989 foi recenseado na França um quantitativo de aproximadamente
700 mil associações, sendo a maioria constituída de entidades destinadas ao lazer,
atividades culturais ou esportivas (POUJOL, 1990), significando ainda que mais de um
francês em cada dois participa de uma associação. No entanto, é necessário ter claro o
fato de que é muito mais fácil obter informação sobre o nascimento de uma associação
do que sobre o encerramento de suas atividades.
O boom associativo francês ocorreu nos anos 70, quando houve a
sensibilização do que estamos chamando de ‘movimento associativo’, que coincidiu
com o período em que se passou a dar uma importância mais significativa aos lazeres, à
prática de atividades físicas esportivas e a um modo de vida diferenciado para idosos e
aposentados. Também no Brasil esse período pode ser considerado como o que
contribuiu para o crescimento das associações, principalmente daquelas relacionadas às
práticas esportivas, e, de forma semelhante ao que ocorreu na França a partir daquela
década, começando a surgir, ainda timidamente, as de lazer destinadas aos idosos e
aposentados.
A criação de algumas associações escaparam ao oportunismo e às previsões
tanto dos políticos como dos planificadores. Esse fato foi identificado no denominado
‘VI Plano’, estabelecido para o governo francês. Esse plano tinha inicialmente como
finalidade estimular a criação de 500 associações do tipo clubes ou universidades para
96
Attias-Donfut e Rozenkier (1983) colocaram em questão a interpretação tradicional de que
pertencer a uma associação seria estranho ao estilo de vida dos franceses, e que seria apenas um
apanágio das sociedades anglo-saxões.
128
idosos, mas acabaram sendo criadas mais de 2000 no decorrer de cinco anos (ATTIASDONFUT; ROZENKIER, 1983). A participação dos idosos no movimento associativo é de
certa forma dependente de suas condições socioeconômicas, podendo representar um
forte instrumento que auxilia sua participação social, fortalecendo uma identidade
própria, em muitos casos manifestada na forma de uma subcultura. Em geral, essas
associações podem ter como finalidade criar uma solidariedade interna que vise a
defender certos interesses, mas na maioria dos casos servem exclusivamente ao
desenvolvimento de atividades de lazer, propiciando, entre outras, aquelas consideradas
de cunho educativo e cultural.
Gordon et Babchuck fizeram uma distinção entre ‘associações de dimensão
expressiva e associações do tipo instrumental’ (apud ATTIAS-DONFUT, ROZENKIER,
1983). Sindicatos, associações de antigos funcionários ou a dos pré-aposentados se
enquadrariam no modelo instrumental97, já que se fundamentam na defesa de seus
interesses. Por outro lado, os clubes e as universidades para idosos teriam como
referência o modelo expressivo, cujo objetivo é o de oferecer primordialmente um
quadro significativo de atividades, possibilitando diversas relações sociais a todos os
seus membros.
As associações típicas para onde convergem pessoas com mais de 50 anos
oferecem um interessante quadro a partir do qual podem ser analisadas as dinâmicas
sociais que influenciam sua constituição. Podemos tomar como exemplo o caso das
associações dos pré-aposentados que, em determinado momento, começaram a
proliferar na França. Fundamentados em solidariedades anteriores, inadaptados ao que
se passava nos clubes para idosos, que segundo eles eram locais que não permitiam
muita mobilidade, os pré-aposentados se recusaram a ser reconhecidos como velhos ou
a ter de se voltar sobre si mesmos, num tipo de aposentadoria que até então parecia ser
destino da maioria. Eles se constituíram enquanto um grupo, por sinal, bastante
participativo no movimento associativo, preenchendo até então um espaço que era
considerado vazio. No caso dos pré-aposentados estudados por Monyque Legrand, “o
conflito considerado como sociologicamente necessário para a constituição de um grupo
social aparece como elemento fundamental para se dar coerência à associação”
129
(LEGRAND, 1990:61). Nesse caso, esse tipo de conflito era creditado a outros grupos
sociais que já estavam constituídos:
[...] a recusa da assimilação como pessoas idosas os incitou a
pôr em prática suas associações com atividades, ações de outra
natureza das que eram propostas pelos clubes da terceira idade,
que eram percebidos como locais de imobilismo (LEGRAND,
1990:61).
Essas associações surgiram num momento específico, representado por um
potencial que visava à maior dinamização dos grupos de aposentados. Buscava-se
naquele momento uma inovação, definida em “um modo de vida pós-profissional, mais
aberto e fundado sobre a utilidade social” (LEGRAND, 1990:59), mas que na verdade não
conseguiu manter o élan inicial. Atualmente sabemos que na França tanto os clubes para
a terceira idade como as associações dos pré-aposentados perderam sua força inicial,
principalmente em decorrência do envelhecimento de seus associados e da dificuldade
de renovar seus quadros. Por outro lado, as associações para idosos que se organizam
em torno de uma estrutura universitária vêm tendo grande sucesso e não param de
aumentar o número dos seus integrantes, com uma constante renovação, principalmente
após algumas modificações em seus estatutos, que passaram a permitir a entrada de
pessoas de qualquer idade, trabalhando a intergeracionalidade, tanto falada mas pouco
posta em prática.
A vida associativa no Brasil praticada em ambientes específicos de idosos e
aposentados teve nas experiências do SESC e da LBA seu momento inicial. Anos mais
tarde, a partir de núcleos de estudos do envelhecimento situados dentro das
universidades, passou-se a incluir esse tipo de proposta nas associações de ensino que
normalmente eram freqüentadas por jovens. Tanto no modelo dos clubes como no das
universidades seguiram, no Brasil, as propostas francesas, o que pode ser constatado
pela presença de técnicos do SESC realizando estágios na França como também pela
vinda de técnicos franceses ao Brasil.
97
No Brasil, temos as associações dos aposentados reunidas numa Federação que procura atuar
na defesa de seus direitos; no caso dos pré–aposentados, que também são bastante
significativos, ver Monique Legrand (1987).
130
Outro tipo de associativismo que se desenvolveu no Brasil foi nas federações e
associações que se destinavam à defesa de interesses dos aposentados. Esse modelo teve
fundamental participação durante os momentos que antecederam a nova constituição
brasileira estabelecida no ano de 1987. Como grupos de pressão, eles estiveram
presentes nas galerias do congresso e, anos mais tarde, mais uma vez se fizeram notar
num significativo momento, ocorrido no início dos anos 90. Foi a partir de uma
reivindicação bem pontual que as associações sindicais que defendiam os idosos
aposentados brasileiros se mobilizaram, num movimento que Julio Assis Simões
analisou. Em sua pesquisa verificamos a importância que é dada pelos dirigentes das
associações envolvidas nas lutas reivindicatórias dos aposentados brasileiros às suas
associações e à forma como elas procuram se distinguir daquelas que visam ao lazer dos
idosos.
O movimento dos aposentados acredita possuir uma perspectiva
mais ampla de luta pelos direitos dos aposentados e dos idosos,
perspectiva que estaria ausente nos grupos da terceira idade e
que passaria por uma aliança com os demais setores oprimidos
da sociedade, a partir da conscientização da inserção do
aposentado e do idoso na sociedade (SIMÕES, 1998:24).
Foi um período bastante atuante dos grupos associativos de idosos e
aposentados e que após a vitória ficou conhecido como ‘a revolta dos velhinhos’.
Muitas dessas associações eram dirigidas por antigos líderes sindicais que procuravam
mostrar que, apesar de serem idosos e aposentados, eles não se enquadravam naquilo
que se denominava como terceira idade, já que esses “grupos da terceira idade prestarse-iam mais facilmente à manipulação por parte dos políticos e dos governos” (SIMÕES,
1998:24). O autor apresenta a posição de um desses dirigentes citados na tese de
doutoramento de Eneida G. M. Haddad, que cobrava, em São Paulo, um maior
posicionamento de uma parcela de idosos que se contentava em ter acesso a algum tipo
de lazer e nada mais, contrariamente a uma participação mais ativa nos denominados
‘fóruns’98 de idosos e aposentados.
98
Sobre a constituição e desdobramentos ver a tese de doutorado de Serafim Fortes Paz (2001).
131
O Fórum da terceira idade é um pouco usado pelo governo do
estado, porque eles dão área de lazer, aquela coisa toda, e
parece que isso tira o sentido da luta que a gente está fazendo
em prol dos aposentados, ou em prol do idoso. A gente acha que
tem que ter lazer também, mas todo mundo tem que ter sua hora
de lazer, mas hora de luta, de reivindicação também. Mas eles
ficam separados, só se apresentam nesses momentos (SIMÕES,
1998:25).
Numa sociedade calcada nos valores do trabalho, é comum a desqualificação
do lazer como algo de menor importância. Em parte isso é explicado pelo
desconhecimento do significado do lazer, de sua diversidade de interpretações. É
interessante acrescentar que na pesquisa que realizamos na França, numa Universidade
do Tempo Livre (ALVES JUNIOR, 1994), idosos responsáveis pelas atividades
desenvolvidas na associação procuraram sempre distinguir as atividades por eles
praticadas como sendo de ensino e pesquisa, e não de lazer e ocupação do tempo livre,
como as que seriam realizadas em locais que assumiam o nome de clubes. O que
poderíamos também identificar como um ‘bom lazer’ e um ‘mau lazer’, o primeiro
merecendo um reconhecimento social e uma valorização semelhante à que se dá ao
trabalho, e o segundo, desqualificado como um simples preenchimento do tempo com
qualquer coisa.
Acredita-se que o modelo associativo francês teve grande impulso devido à
utilização das capacidades dos idosos. Para isso, foi necessário incutir um novo modelo
de gestão em que o voluntariado passou a ser cada vez mais valorizado, havendo não só
um reconhecimento social do voluntário, que passou a atuar com tantas
responsabilidades que teve ampliado o sentido do seu lazer. No tocante aos idosos e
aposentados, a prática do voluntariado e mesmo de algumas atividades passaram a ser
desenvolvidas como se fossem uma ‘segunda carreira’, fazendo parte do ambiente
associativo freqüentado por idosos e aposentados como também de outras associações
com as mais diversas finalidades.
No caso dos idosos franceses, a participação de determinada classe social pode
ser bem distinguida nos casos associativos, sendo percebida a diferenciação entre as
classes sociais dos que procuram os clubes da terceira idade e aquelas dos que
freqüentam, atuam como voluntários ou dirigem as universidades da terceira idade.
Mesmo considerando que as associações universitárias para idosos tenham como
132
pretensão serem reconhecidas como instituições de educação permanente, quando
observamos as atividades que propõem, estas confundem-se em muitos aspectos com o
que estamos considerando como atividades de um clube ou de uma associação voltada a
recreação e ao lazer. Além do que ambas podem permitir o acesso a uma cultura
desinteressada, não sendo exclusividade das universidades de idosos. Isso se tornou
evidente nos trabalhos de Rozenkier (1987) e mais tarde confirmado na pesquisa que
efetuamos na Bretanha, com os freqüentadores e também responsáveis pela
Universidade do Tempo Livre de Rennes99. Ali também verificamos que não são as
mesmas categorias socioprofissionais que participam das diferentes atividades
propostas. As associações de idosos, sejam elas denominadas clubes ou universidades,
podem ser confundidas pelas atividades que propõem, mas há uma forte resistência por
parte dos associados das universidades de virem a ser considerados como
freqüentadores de um clube. Eles reivindicam o status universitário como forma de
distinguir-se dos que freqüentam os clubes, mesmo que as atividades propostas nos dois
sejam bastante semelhantes.
Comum a grande parte das associações, o trabalho voluntário tem sido
considerado como um dos pilares do movimento associativo. Embora uma de suas
características principais seja a de se utilizar de um recurso humano gratuito, não deve
ser confundido com assistencialismo ou com filantropia, nos quais as funções
pertinentes ao Estado são substituídas pelo cidadão. Nesse tipo de atuação, a
intervenção mesmo que voluntária está ligada a um grupo ou indivíduos exteriores à
associação.
Uma das características do voluntariado realizado por idosos e aposentados é a
inexistência de imposições sociais (FERRAND-BECHMAN, 1983), como se isso fosse
possível. Quando idosos são questionados sobre as razões que os levaram a se engajar
em atividades voluntárias, são apresentadas sempre justificativas fundamentadas em
razões humanitárias, mas elas podem se relacionar a outros motivos que se influenciam
mutuamente, como por exemplo a questão do engajamento numa ‘segunda carreira’.
99
Entre os anos universitários 1993 e 1995, tivemos a oportunidade de acompanhar uma dessas
associações, a Université du Temps Libre du Pays de Rennes, na França. Os resultados desse
estudo podem ser consultados em Edmundo de Drummond Alves Junior. (L’Université du
Temps Libre du Pays de Rennes: un révélateur d’un modèle social du vieillissement. DEA de
Sociologie, Université de Rennes 2, 1994).
133
Pode-se também falar do desejo de se inserir socialmente, de utilizar o tempo livre para
defender uma causa que se considera justa ou de estar solidário com um grupo, além do
prazer que isso possibilita. Mas esses motivos parecem esconder outros não tão fáceis
de ser exprimidos, como a necessidade de ser reconhecido socialmente e o desejo de ter
algum tipo de poder (FERRAND-BECHMAN, 1987), que foi verificado em (ALVES JUNIOR,
1994).
Como as associações que se utilizam de voluntários não têm qualquer
obrigação de declarar o número dos que prestam esses serviços, torna-se então muito
difícil quantificá-los. Dan Ferrand-Bechman (1983) cita, por exemplo, que na França
eles seriam em torno de dois milhões atuando em diversas atividades voluntárias.
Numa sondagem realizada em Paris e em Grenoble no ano de 1981,
encontraram-se mais mulheres do que homens praticando o voluntariado: 75% em Paris
e 60% em Grenoble; dados que se distribuíam de forma semelhante em outras cidades
francesas. Uma coisa é certa: a maior contribuição ao voluntariado parece vir dos idosos
e aposentados – em 1985, aquele mesmo autor indicava que 40% dos voluntários tinham
mais de 50 anos de idade.
O fato de os mecanismos de interrupção da atividade profissional ocorrerem
cada vez mais cedo fez com que as classes de idade dos voluntários sofresse algumas
modificações. Ao observar o comportamento dos idosos nas atividades associativas,
Xavier Gaullier e Maryvonne Gognalons-Nicolet (1984) verificaram que aqueles que
têm um diploma e boas condições socioeconômicas (os cadres) têm maior
disponibilidade para se engajar no trabalho voluntário. Outro fato observado é que os
comportamentos associativos desses voluntários tendem a ser bem semelhantes aos que
tinham quando estavam engajados em atividades profissionais. Isso veio a se confirmar
quando analisamos os voluntários que atuavam na UTL de Rennes, em que todos os
envolvidos nos cargos de responsabilidade de direção na universidade eram pessoas que
anteriormente desempenhavam cargos de decisão: comandante da marinha, general,
diretora de instituição penitenciária, diretores de empresa. Além desses exemplos mais
expressivos que encontramos entre os 47 voluntários que lá atuavam, verificamos
também muitas semelhanças entre o tipo de atividade profissional exercida e as
características da animação das oficinas apresentadas pelos demais voluntários. Numa
primeira observação pode-se supor que o número de voluntários daquela associação seja
134
um número suficiente. Entretanto, na prática, pela envergadura da entidade e a ambição
de atender cada vez mais a um maior número de idosos, verificou-se que esse número
era insuficiente, havendo muita dificuldade no recrutamento de novos voluntários.
Segundo as palavras de um de seus dirigentes, é necessário fazer uma constante
verificação nos arquivos para identificar a capacidade dos associados, sendo mesmo
necessário ‘pegar no laço’ os novos voluntários.
A característica ambígua do voluntariado e a fraca participação de idosos vêm
do não reconhecimento oficial e de sua paradoxal interpretação de que seriam os
voluntários meros ‘ladrões de emprego’, sendo que alguns autores apontam como sendo
um risco à criação de novos empregos (LEGRAND, 1990). Contudo, parece haver por
parte da sociedade um reconhecimento maior, encarado de forma diferente quando a
atividade voluntária é praticada por idosos e aposentados, já que nesses casos não se
estaria pondo em risco um emprego. Aproveitar os próprios recursos dentro do quadro
associativo possibilitaria aos clubes e às universidades para idosos sobreviver sem
necessidade de grandes recursos financeiros, já que muitas vezes o trabalho
administrativo é feito na forma do voluntariado. Entretanto, mesmo que haja quadros
voluntários suficientes para fazer funcionar com certa autonomia a associação,
verificamos que “na prática percebe-se que o recrutamento para o voluntariado não é
nada simples; uma vez que os aposentados têm medo de ser responsáveis por alguma
coisa, no fundo é muito difícil encontrar pessoas com o perfil ideal” (ALVES JUNIOR,
2000:34). Interpretamos o voluntariado dos aposentados como preenchimento e
constante reflexão sobre o trabalho perdido e, ao mesmo tempo, uma maneira de se
distinguir socialmente, uma forma de resistir ao envelhecimento, “uma continuação de
uma ocupação que foi interrompida, uma segunda carreira” (ALVES JUNIOR, 2000:35).
O papel dos voluntários em associações como as que estamos investigando foi
analisado por Maximilienne Levet-Gautrat (1983). Nesse caso foram os voluntários que
participavam de uma Universidade do Tempo Livre. Pode-se constatar a maciça
presença das mulheres em certas atividades, ficando por outro lado bastante reduzida e
às vezes ausente sua participação nos cargos com alguma responsabilidade. Ela previa
que com a chegada de novas gerações de aposentados seriam ocupados os lugares dos
mais velhos, e que isso reavivaria um certo sentimento de rejeição, semelhante àquele já
135
ocorrido no momento da aposentadoria, quando eles se viram substituídos em suas
funções pelos mais novos100.
Em associações que apresentavam aos seus quadros um leque de atividades
consideradas como educativas ou formativas, como no caso das universidades para
idosos e certos clubes considerados por muitos como mais elitizados, verificou-se, como
no caso da Universidade do Tempo Livre de Rennes, que os voluntários possuidores de
uma bagagem cultural maior do que a grande maioria dos associados encaram sua
participação nas atividades propostas
com senso de responsabilidade e envolvimento, como se ainda
estivessem no mundo do trabalho, mesmo que estas atividades
possam por eles mesmos ser caracterizadas como lazer [...] é o
prazer de fazer algo pelos outros. Enfim, o trabalho voluntário é
mais dividir conhecimentos do que um trabalho (ALVES
JUNIOR, 1994:35).
Quando se fala em educação e se percorre a literatura, uma primeira
constatação se manifesta: a reconhecida afirmação de que educação seria algo para
jovens, preparando-os para a vida adulta. Uma possível contribuição de uma educação
de adultos, em geral, seria reconhecida como algo menor, de segunda categoria, algo a
ser postergada (GLENDENNING, 1985). Tomando como exemplo as sociedades mais
industrializadas, notadamente a sociedade francesa101, a educação seria até bem pouco
tempo um processo que terminaria no fim da adolescência ou no início dos 20 anos,
sendo uma preparação para o futuro profissional (CRANDALL, 1980).
Segundo Frank Glendenning (1985), responsável pelos primeiros programas
ingleses de educação para idosos, inicialmente teríamos a gerontologia social e como
sub-disciplina a ‘gerontologia educacional’, um termo ainda pouco usado na década de
oitenta, que abrangeria três áreas: a educação destinada aos idosos e aos que estão
próximos desse período; a educação para o envelhecimento, que abre a perspectiva
intergeracional; e a formação dos recursos que vão atuar com os idosos. Peterson é o
100
Ver por exemplo o trabalho por nós apresentado na Revista Motus Corporis de novembro de
2000. Nele tratamos da separação entre dois grupos de idosos, os mais novos e os mais velhos.
Caracterizados como reformistas e conservadores, viveram momentos de tensão que
culminaram em profundas modificações na instituição (ALVES JUNIOR, 2000).
101
Na França, ser estudante até 26 anos e idoso dá direito a uma série de facilidades de acesso a
cultura, lazer, com descontos diversos. A partir dos 26 anos, supõe-se que os jovens já devem
estar engajados no mercado do trabalho.
136
nome do autor citado por Glendening e que identifica o surgimento desse novo termo,
surgido pela primeira vez na Universidade de Michigan, no programa de doutorado que
em 1970 continha o título ‘educação e as pessoas idosas’, um campo de estudo que se
desenvolve na interface educação de adultos e gerontologia social.
Para Pierre Brasseul (1985, 1990), um novo fenômeno de massa se constituía,
surgindo com uma ‘transformação102 nas idades’, em que a idade da aposentadoria não
estaria tão próxima da morte. Isso abriu caminho para um novo projeto que permitiu
demonstrar que as pessoas poderiam estar engajadas num projeto de ensino após a idade
da aposentadoria. Segundo ainda esse autor, o tema educação dos adultos e
envelhecimento é polissêmico, havendo ausência de homogeneidade entre os autores.
Carre (1985) aponta três acepções diferentes: num sentido restritivo, a concepção estaria
no âmbito das universidades e clubes da terceira idade; em oposição, num sentido mais
amplo, ”educação sendo considerada como ação do meio ambiente sobre o indivíduo, e
o envelhecimento como a ação do tempo sobre a pessoa” (CARRE, 1985:39). Sendo
assim, ‘tudo estaria dentro de tudo’, e todo problema educativo comporta então um
aspecto gerontológico que pode ser percebido também de forma recíproca; a
ambigüidade seria superada pelos compromissos da gerontologia educativa, disciplina
que surge da confluência das ciências da educação com a gerontologia. Ele reafirma que
a gerontologia educativa agrupa três setores: educação dos adultos durante a segunda
metade da vida; educação do público sobre o envelhecimento humano e formação de
quadros gerontológicos.
Seria a oportunidade de se trabalhar com as mais diversas motivações, desde a
necessidade de aquisição de novos conhecimentos, com um forte componente social,
pois poderia ser uma possibilidade de se fazerem novos contatos sociais, lutando-se
mesmo contra a solidão. É interessante observar que o reconhecimento social desse tipo
de engajamento extrapola para o ambiente familiar, em que haveria por parte dos idosos
um certo orgulho de mostrar aos seus familiares que estão ativos e buscando novos
conhecimentos. No entanto, quando se observam algumas declarações como a de
Swindel e Thompson, citados por Neri e Cachione, vemos que a educação de pessoas
idosas pode servir para outros fins, contribuindo para diminuir sua dependência,
102
Em francês, bouleversement.
137
beneficiando “seu bem-estar físico e psicológico, o que resulta vantajoso para as
famílias e a sociedade, para a Previdência Social e para o sistema de saúde” (NERI;
CACHIONE, 1999:124).
Sem a pretensão de esgotar o tema, apresentamos, aqui, alguns momentos
considerados importantes e que contribuíram para a implantação e difusão do que vem
sendo chamado de educação para idosos e aposentados. Encontramos uma variedade de
projetos que foram implantados durante as décadas de sessenta e setenta, visando a
preparar para a aposentadoria, visando entre outros objetivos quebrar estereótipos
relacionados ao envelhecimento, passando novos conhecimentos no campo das artes e
de uma nova maneira de envelhecer. Podemos citar o projeto ‘elders hostel’ nos EUA e
Canadá; ‘self help learning’ na Inglaterra; ‘ciclo de estudos’ na Suécia; ‘universidades
para a terceira idade’ na França e os programas de preparação para aposentadoria do
SESC. No entanto, logo foram feitas certas críticas ao caráter paternalista e à formação
de guetos de idosos a partir da constatação de que haveria mais segregação do que a
própria integração.
Maria Helena Novaes destaca que os obstáculos que se têm de enfrentar para
implantar esses programas são vários, originários de problemas de ordem “sóciopolítica, além dos educacionais, por serem considerados sem muita utilidade, paliativos
e suplementares, não exigindo muito planejamento, nem organização acadêmica”
(NOVAES, 2000:141). Como solução encontrada para a superação desses problemas,
há necessidade de que obedeçam a um certo enquadramento ao
sistema ou instituição educativa, através de cursos
programados, seqüência de atividades previstas e delimitação de
propósitos, além de serem reconhecidos pela especificidade dos
seus conteúdos e metodologia (NOVAES, 2000:141-142).
O significado da educação para adultos vem de uma disposição da sociedade
em oferecer oportunidades de educação a qualquer momento, conforme as necessidades
sentidas pelo público idoso. Não deve ser, em hipótese alguma, uma extensão da escola
tal qual a conhecemos. Hoje parece ser incontestável que somos capazes de aprender,
não importa em que idade. O que se tem de considerar são alterações nos ritmos e
ansiedades aliados à maneira peculiar de aprender. Romper com o mito de que não
138
haveria interesse e capacidade por parte dos idosos em aprender novas coisas não é uma
tarefa das mais fáceis, pois ele se estende mesmo entre os que se propõe a atuar com
grupos de idosos e aposentados.
É inegável que o interesse dos idosos e aposentados em participar das
propostas associativas foi muito maior do que se esperava alcançar, hoje não se
encontrando muitos detratores dessa maneira específica de envelhecer, capaz de levar
idosos e aposentados a freqüentar associações com a finalidade de aprender novos
conhecimentos. São diversas instâncias que logo se dispuseram a intervir, pois foi
reconhecido o potencial desse ‘nicho’, seja por sua forte predisposição ao consumo, seja
“como alvo de ações voltadas a um grupo historicamente negligenciado” (NERI;
CACHIONE, 1999:115). Idosos e aposentados passaram a ser percebidos de forma
diferente também como resposta a uma tendência sua “a admitir a necessidade de lutar
pelos próprios direitos e um desejo de acesso à educação superior” (NERI; CACHIONE,
1999:115).
A gerontologia educacional permitiria então o desenvolvimento das
necessidades dos idosos ao mesmo tempo em que contemplaria a necessidade de
formação de recursos humanos. Quanto às primeiras, chamam nossa atenção:
preparação para a aposentadoria e tempo destinado ao lazer;
preparação para a segunda carreira e para exercer atividades na
comunidade; preparação para manter e aumentar o bem-estar da
saúde mental e física; preparação para mudanças de
expectativas em papéis familiares; preparação para estilos de
vida alternativos; preparação para outras perdas significativas.
(NERI; CACHIONE, 1999:126).
O conceito de uma educação gerontológica, segundo Glendenning (1985), se
originaria da proposta de ‘educação para todos’. Esse autor, anos mais tarde, propõe que
a educação gerontológica passe a ser considerada a partir de uma outra subdivisão, que
teria
foco no ensino sobre a velhice e envelhecimento numa
sociedade que envelhece, com a finalidade de preparar e
atualizar para carreiras profissionais em gerontologia, de
preparar cuidadores informais e de oferecer à sociedade
informações sobre a velhice, envelhecimento e necessidade dos
idosos (NERI; CACHIONE, 1999:127).
139
Já a gerontologia educacional seria “o próprio campo para investimento nas
capacidades, atitudes e habilidades dos idosos, visando à promoção de sua qualidade de
vida” (NERI; CACHIONE, 1999:127) de maneira que os programas das universidades para
idosos fariam parte da gerontologia educacional, fundamentando-se nos princípios da
educação permanente e na busca do exercício do direito da cidadania (NIGRI, 1999)103.
Geneviève Vaucher (1985) lembra que já em 1949 o tema da educação dos
adultos foi apresentado em assembléia da UNESCO e que um século antes ela era
utilizada como meio de ‘instrução corretiva’, já que era necessário que os trabalhadores
pudessem saber ler para poder compreender as informações que acompanhavam as
novas máquinas que chegavam às fábricas. Da mesma forma, havia o interesse na
difusão de certas religiões. A educação dos idosos fora do circuito profissional e a idéia
de que ela não era algo exclusivo dos jovens começaram a ganhar consistência com a
difusão do conceito de ‘educação permanente’, sendo Pierre Furter (1977) um de seus
maiores defensores104. Essa é a temática principal da UNESCO em 1970 e leva em
consideração que educação permanente não se reduz a formação contínua; ela é
concebida como um processo contínuo que começa na educação inicial e segue ao longo
da vida (HUSAIN, 1985).
Na verdade a UNESCO utilizou o potencial da mídia para incutir a idéia da
importância de se preparar para a aposentadoria, e programas específicos nas empresas
surgiram, como já observamos, numa mesma época em que a política por um modo de
vida fazia parte das agendas dos países que já apresentavam problemas com o
envelhecimento de sua população. Ao mesmo tempo se incitavam os futuros
aposentados a participar ativamente da vida de aposentado, incluindo as atividades
físicas; procurava-se difundir a idéia de que estar inserido em diversas atividades seria
uma maneira de resistir ao envelhecimento. No quadro da educação permanente,
103
Em sua tese de doutorado defendida em 1999, Sara Nigri procura responder se a
universidade destinada à terceira idade seria o locus de exercício da cidadania do idoso. Ela
investigou uma das que têm tido mais impacto mediático, a Universidade Aberta da Terceira
Idade da UERJ.
104
Ao apresentar um breve histórico da educação permanente, Dumazedier (1985) mostra que já
em 1955 uma tentativa foi lançada, seguindo-se outras, até se chegar a Pierre Furter.
140
possibilitar ao idoso ser autônomo105 e ativo após a aposentadoria passou a ser a
proposição que encorajava as instituições especializadas a colocar em prática programas
específicos para essa população, não se devendo, porém, confundi-los com formação
contínua ou permanente. “Com o decorrer do tempo, a formação permanente muda de
natureza: ela deixa de ser preparação para o trabalho, limitada no tempo para tornar-se
uma busca de conhecimento interrompido e o enriquecimento pessoal” (BRASSEUL,
1982:205). Podemos apontar que existia um vazio institucional que os clubes da terceira
idade não tiveram a capacidade de aproveitar ao desenvolverem programas específicos
para idosos.
A nova proposta tentava se diferenciar das primeiras associações para
aposentados que não tinham muita preocupação com a troca de conhecimentos ou o
desenvolvimento cultural de seus associados. Estas associações sendo mais elaborados
do que os clubes, também puderam se beneficiar de uma cobertura bastante importante
na mídia (ROZENKIER, 1987), sendo tanto na França como no Brasil, incorporado às
universidades a partir dos mais diversos departamentos e institutos106. Com o
desenvolvimento das universidades para idosos, difundiu-se uma nova mentalidade a
respeito do envelhecimento. Não resta dúvida de que essa fórmula nasceu elitizada e
não conseguiu atingir o operariado em geral, aqueles que não puderam poupar e se
aproveitar de um capital cultural, de relações sociais e de saúde como os pertencentes às
classes mais privilegiadas.
Pierre Vellas, quando criou a primeira Universidade da Terceira Idade,
procurou deixar claro que não haveria uma idade cronológica para definir a terceira
idade. Para ele, ela começaria com a interrupção da vida ativa profissional e, no caso
das mulheres donas-de-casa, no momento em que elas terminaram de educar sus filhos.
105
Como vimos na tese de Farinatti (1998), o conceito de autonomia é variado e conflitante,
ainda não sendo definitivo.
106
Para informações sobre essa diversidade de exemplos no Brasil, ver Novaes (2000); Neri e
Cachione (1999); Cachione (1999) e Nigri (1999). Consta que a primeira manifestação no
gênero no país ocorre na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no ano de 1983. Mas
o que fica claro nos exemplos citados é que todos seguem o modelo francês, porém sem
conseguir se desvencilhar de uma idade cronológica para delimitar quem pode entrar em seus
programas. Ainda que a pressão dos novos aposentados e outras categorias tenham imposto a
algumas a diminuição da idade de entrada para 45 anos, a nosso ver não resolve em nada o
problema, pois a discriminação continua, não possibilitando a intergeracionalidade, que é
propiciada por propostas como as da universidade do tempo livre que, como vimos, na França,
não impõe qualquer idade cronológica para a entrada de seus associados.
141
Esse modelo é considerado o elemento detonador de um movimento associativo com
características singulares que rapidamente ganhou importância de fenômeno social
(BRASSEUL, 1985), e que, como vimos, logo ganhou amplitude internacional. As
universidades para a terceira idade foram criadas “com a finalidade de contribuir para o
progresso das pesquisas gerontológicas, lado a lado com os programas de educação
permanente” (VELLAS, 1990:105)107. Em sua essência, todo estabelecimento que tem a
pretensão de ser universitário deve integrar os três domínios, que são o ensino, a
pesquisa e a extensão. Porém, quando observamos a gênese das universidades para as
pessoas idosas, até agora é o ensino que vem sendo mais desenvolvido (LEMIEUX;
JEANNARET; MARC, 1992).
Consciente das demandas dos novos aposentados, mais jovens, em melhores
condições financeiras e possuidores de uma bagagem cultural superior à das gerações
anteriores, Pierre Vellas (1983) propôs a primeira Universidade da Terceira Idade, que
logo se transformou num novo fenômeno de massa, tornando-se um interessante fato
social. Se por um lado essas associações aglutinadas em centros universitários
caracterizam-se pela ausência de acordo entre os especialistas quanto à forma de
atuação, por outro, todos parecem estar de acordo com a atenção que se deve ter no
sentido de evitar o risco de isolamento das associações, limitando-as ao papel de amável
assistencialismo ou de clube de encontro, onde o que mais importa é a troca
desinteressada e estar no meio dos outros.
Seus projetos devem ser mais ambiciosos, declaram seus defensores, primando
por dimensões didáticas e pedagógicas, uma educação ‘para’, ‘pelos’ e ‘com’ os idosos
(LEMIEUX; JEANNERET; MARC, 1992). Entretanto, devemos reconhecer que o acesso
parece privilegiar certas categorias sociais, e isto está bem claro nos resultados das
pesquisas que procuram identificar as origens sociais dos associados. Todo
desenvolvimento cultural numa associação semelhante deve ser feito de forma ativa, e
não passivamente, quando se mantêm os idosos e aposentados como meros
consumidores – o que acaba acontecendo na grande maioria dos casos. As universidades
107
Diversas contribuições oriundas dessas pesquisas aplicadas foram enumeradas por Pierre
Vellas, que coloca em dúvida se o mesmo poderia ocorrer em universidades com outras
propostas, como as do tempo livre ou de todas as idades, que, segundo ele, não contribuiriam
para o progresso das pesquisas gerontológicas.
142
não deveriam ter como pretensão concorrer com os clubes de idosos e nem deveriam ser
confundidas com eles, devendo ser uma associação flexível e dinâmica como todas as
universidades em princípio. Seus defensores usam o argumento de que o pior serviço de
uma universidade para idosos é o de se fazer uma instituição de segunda categoria,
incapaz de incorporar os três principais campos da Universidade. No que abrange o
ensino, seria destinada aos estudantes idosos e aos que atuam com grupos de idosos. A
relacionada à pesquisa é a mais desafiadora, e, quando se dá, freqüentemente se
desenvolve na forma de pesquisa-ação ou pesquisa participativa. Na extensão, esse
desenvolvimento seria a partir das diversas fórmulas de voluntariado.
As várias gerações de ensino para idosos foram assim caracterizados por
Lemieux, Jeanneret e Marc (1992). Nos anos 60, antes mesmo de Vellas, teríamos o que
foi considerado modelo educativo conhecido como lazeres culturais, cujo objetivo
principal era ocupar e possibilitar as relações sociais. Isso era representado por
programas de conferências bastante presentes nos modelos franceses de clubes para
idosos daquele período. No caso brasileiro, começa a se modelar na mesma época o
atendimento dos idosos, porém só na forma de grupo de convivência108. Só mais tarde
passou a existir um modelo educativo, implantado a partir dos anos 70, quando o SESC
cria em algumas unidades as denominadas ‘escolas abertas da terceira idade’. A
segunda geração apontada por Lemieux, Jeanneret e Marc (1992) pode ser observada na
França a partir dos anos 70, centrada em atividades educativas baseadas no conceito de
participação e integração na sociedade, aproveitando os conhecimentos dos próprios
idosos. A intenção era de prepará-los para intervir nos problemas da sociedade, o que,
segundo alguns autores, continuaria sendo a principal tônica desenvolvida até hoje na
França e mais timidamente no Brasil. As associações seriam geridas por idosos, nas
quais eles próprios estabelecem o que deve ser apresentado aos associados, não são
ainda comuns no Brasil. A terceira geração teria começado nos idos dos anos 80 e,
guardadas as devidas proporções entre o que é desejado e o que é feito, é encontrada no
Brasil a partir dos anos noventa. Nela, os novos aposentados, cada vez mais jovens e
mais escolarizados, passaram a apresentar novas demandas nos cursos que eram
108
O SESC começou, no ano de 1963, na unidade de Carmo, a desenvolver suas atividades que:
“eram organizadas de tal forma que pudessem manter as pessoas ocupadas com algo que viesse
ao encontro de suas necessidades de conviver, estar com outras pessoas, trocar sentimentos,
experiências, etc.” (EQUIPE, 1993:52).
143
oferecidos, solicitando que eles se parecessem cada vez mais com um curso
universitário. É nessa fase que na França se observou um grande salto no número de
participantes, a partir de um fato que foi fundamental e traçou os novos rumos das
universidades ditas da terceira idade naquele país.
Essa mudança de paradigma a nosso ver foi e é o grande diferencial entre as
propostas francesas e brasileiras: as universidades que anteriormente estipulavam a
idade de 60 ou 65 anos para aceitar seus associados perceberam que corriam risco de
envelhecer suas idéias junto com os seus associados, afastando-se dos interesses dos
novos aposentados, muitos com menos de sessenta anos. Daí a proposta de não haver
mais uma limitação mínima de idade tem sido por nós considerada como um avanço e
coerência com a proposta de trabalhos intergeracionais e não segregativos de grupos de
idosos e aposentados. Esse fato foi determinante para marcar o declínio dos clubes da
terceira idade e de outras associações, que não foram capazes de adequar a dinâmica
imposta pelos novos aposentados, acabaria por ameaçar as universidades da terceira
idade.
A organização dessas instituições faz com que elas estejam integradas a uma
universidade tradicional, fazendo parte de um setor qualquer que vai depender da
organização em que estão inseridas. Em geral, as universidades para idosos sempre
funcionam em comum acordo com uma universidade que vai lhes dar uma certa
assistência didático–pedagógica, chegando a contribuir para a qualidade de algumas
atividades que são propostas. Os dados que se possuem para identificar o número de
integrantes dessas associações ainda são limitados, e o que existe como contabilização
geral decorre de associações que envolvem as universidades para idosos. No Brasil
ainda não encontramos uma associação com força semelhante, como ocorre na França,
na Associação Francesa das Universidades da Terceira Idade (AUTA)109. Na França,
contabilizaram-se cerca de 80 mil participantes, divididos em 45 universidades
principais que possuíam diversas filiais localizadas em cidades próximas à universidade
principal.
109
Atualmente, aproveitando a possibilidade que a sigla oferece na língua francesa, a associação
foi rebatizada, sendo conhecida como Associação Francesa das Universidades de Todas as
Idades. Isso ocorreu em função das resistências dos novos aposentados ao termo ‘terceira
idade’, com a conseqüente modificação nos estatutos, que passaram a aceitar o ingresso de não
aposentadas e pessoas de todas as idades.
144
Pierre Brasseul (1985) observou que uma das características desse ‘fenômeno
urbano’ é um tipo de ensino desinteressado ligado ao conceito do lazer, capaz de dar um
sentido à aposentadoria e principalmente auxiliando a romper o isolamento social. Ao
desenvolver um papel cultural, as universidades contribuem também para melhorar as
relações entre as gerações, principalmente quando elas não impõem grandes barreiras
que limitem a participação fundamentadas numa idade cronológica. Sem obrigação ou
imposição, sem ter de prestar qualquer tipo de seleção, sem necessidade de um
programa, diploma ou qualquer sanção, é um campo privilegiado para colocar em
prática experiências inovadoras, como por exemplo as dos professores aposentados
franceses, cuja proposta foi chamada de ‘autoformação coletiva’110, que é considerada a
primeira universidade francesa da terceira idade que não recebeu esse nome (BRASSEUL;
CARRÈ, 1985).
Apesar da significativa participação no que toca as inscrições gerais, não
podemos deixar de registrar algumas críticas relacionadas à baixa participação dos
associados nas atividades consideradas mais intelectualizadas, que acabam não saindo
do nível introdutório. Tanto cursos como grupos de pesquisas que têm uma
característica mais científica ou intelectual parecem inibir a participação de idosos que
não têm capital cultural importante. Grande parte dos estudantes têm se mostrado
‘consumidores passivos’, que aceitam o que é passado sem muito questionar,
satisfazendo-se simplesmente em fazer parte do grupo. Quando procuramos saber
(ALVES JUNIOR, 1994) como se desenvolvem as pesquisas e as atividades de extensão
em uma dessas universidades, verificamos que há uma preocupação em afirmar que os
idosos e aposentados que participam desses programas não devem se limitar a ser
apenas o objeto da pesquisa.
A característica da grande presença feminina e de uma classe média típica é
evocada na pesquisa de Maximilienne Levet-Gautrat (1981), que investigou o conjunto
dos participantes de 16 universidades da terceira idade francesas. A autora procurou
estabelecer um perfil preciso dos idosos inscritos a partir de três questões básicas: quem
as freqüenta, qual é a pedagogia empregada e como se estabelecem as relações sociais
110
Foi um trabalho posto em prática a partir da autogestão, que contou com a participação do
Clube dos Aposentados da educação nacional. Esse clube recebeu apoio da Universidade Paris
X.
145
entre os participantes. Fundamentando-se nos aspectos sociológicos e nas motivações e
objetivos dos estudantes idosos, confirmou três hipóteses: no nível sociológico,
individual e de interação. No primeiro, o fato de ir à universidade seria uma
recompensa, representando a procura por um novo status social; na segunda, a aquisição
de conhecimentos é um mecanismo de defesa contra a angústia da morte; e a terceira
suscita o sentimento de estar em relação com o outro e ao mesmo tempo estar livre. O
determinismo sociológico de pertencimento social foi analisado por Vanbremeersch e
Margarido (1980), que também observaram o papel que a estruturação da família
desenvolve no momento da inscrição na universidade.
Diante do exposto até aqui e de nossas observações empreendidas nos modelos
educacionais propostos, não importando o tipo de associação que se desenvolve, um
leque de opções que poderíamos chamar de oficinas são oferecidas. Se quisermos
pensar conforme os interesses do lazer propostos por Dumazedier, eles estariam
contemplados nos aspectos: intelectuais, artísticos, físicos, sociais – e acrescentamos os
turísticos. Entretanto, no caso das universidades, há uma forte resistência de seus
associados em considerar as atividades propostas como de lazer. Por essa característica
as atividades de aceitas mais facilmente como de lazer, são consideradas menores em
relação a outros valores. As atividades físicas sofrem preconceito semelhante, mesmo
levando em consideração que sua presença é bastante comum nas universidades e nos
clubes destinados a idosos e aposentados. As atividades físicas e no caso as ginásticas
estão associadas à perspectiva de longevidade com saúde, contribuindo para que eles
permaneçam mais tempo em atividade.
146
CAPÍTULO III
A GINÁSTICA COMO UM DOS MEIOS PARA MANTER IDOSOS E APOSENTADOS SAUDÁVEIS
Neste último capítulo, destinado a revisar a literatura, procuramos fazê-lo de forma
a avançar o que já veio sendo discutido nos dois anteriores, ou seja, uma possível relação
moralizante exercida sobre a sociedade em relação ao tema central da pesquisa: a adoção
por parte dos idosos e aposentados de um estilo de vida ativo, que inclui a prática de
atividades físicas como possibilidade de viver mais, melhor, com saúde, adiando para mais
tarde a entrada na velhice. Apresentaremos agora novos elementos, dando maior ênfase à
questão da prática das atividades físicas e suas relações com a aposentadoria,
envelhecimento e esse modo de vida ativo, que, com a pretensão de resistir ao
envelhecimento, acaba negando a velhice.
Outro aspecto também desenvolvido no capítulo é o que trata das atividades físicas
e dos exercícios físicos, que têm sido freqüentemente incluídos no discurso do
envelhecimento saudável, da longevidade e de uma qualidade de vida ao envelhecer. A
prática de atividades físicas é fortemente associada à saúde, seja como prevenção,
conservação ou cura. Com o apoio dos resultados de pesquisas científicas e sua
midiatização, essas práticas são incluídas no discurso que trata do modo de vida das
pessoas, independentemente da idade.
A ocupação do tempo disponível do aposentado com as mais diversas atividades é
posta em prática por idosos; no caso das atividades físicas e esportivas, a busca do lazer é
uma forte motivação, uma vez que, dependendo da atividade escolhida e como ela é
praticada, elas podem proporcionar aos seus praticantes momentos de prazer e de
substituição à angústia, e solidão de uma vida plena de tempo disponível mas sem sentido.
Se num primeiro momento as atividades físicas para idosos eram quase que
exclusivamente voltadas para a busca da saúde, com intervenção exclusiva dos médicos,
sua generalização determinou uma maior participação dos profissionais da educação física.
Novos objetivos passaram a ser traçados e sua apresentação aos idosos passou a considerar
mais os aspectos que as aproximam de uma aula do que de uma terapia, necessitando então
147
de uma didática para transmitir os saberes que são propostos pelos animadores das
atividades. A ginástica é a atividade escolhida para ser investigada, não só por seu
tradicionalismo como por sua grande aceitação pelos idosos e aposentados. Como veremos,
a prática da ginástica e também o entendimento do que vem a ser saúde assumiram novos
contornos. No último item de análise deste capítulo, introduzimos algumas reflexões
relacionadas com os métodos didáticos utilizados na prática da ginástica que é proposta
para os idosos e aposentados.
Exercitando o corpo para a saúde e o bom envelhecimento
Na história da humanidade encontramos diversos registros que demonstram como
a prática das atividades físicas sistemáticas eram realizadas, podendo ser: parte da
preparação dos jovens para a vida adulta; manifestação utilizada mais especificamente em
rituais; preparação do corpo forte para enfrentar as necessidades da vida e para as guerras; e
até mesmo na recuperação ou prevenção de doenças. As marcas deixadas pelos povos
gregos mostram que os exercícios ginásticos111 praticados na Antigüidade representavam
uma “expressão do instinto de imortalidade” (RAMOS, 1982:107). Se durante muito tempo
foram quase que exclusivamente praticados pelos mais jovens e adultos ainda não
considerados velhos, eles passaram depois de um tempo a ser também preconizados como
importante para os idosos. Isso pode ser verificado em Platão112, quando ele descreveu que
um antigo ‘pedótriba’, ao ficar adoentado, encontrou a maneira de prolongar sua vida num
tipo de regime particular, que continha exercícios físicos. Platão mostrava assim a
importância dos exercícios ginásticos para todos, independente da idade113 (ULMANN,
111
O termo ‘ginástica’ na Antigüidade grega designava a totalidade do que hoje consideramos como
atividades físicas esportivas ou exercícios físicos. No decorrer da História, os significados
mudaram; hoje são termos usados correntemente, não havendo consenso sobre seus significados.
Para saber mais, ver Beyer (1987), Bouchard (1988) ou Faria Junior (1999), Mc Cardle, Katch,
Katch (1996).
112
É a junção das três fontes – jogos, a higiênica e a militar – que dá origem à inspiração de Platão
para promover uma ginástica com caráter educativo. São tendências que vão durante séculos
permear a educação física (THOMAS, 1977).
113
Segundo Jacques Ulmann, esse pedótriba pode ser a mesma pessoa do tratado de O regime. Será
certamente em Hipócrates que pela primeira vez se apresenta à ginástica um aspecto médico.
148
1997), como um meio de conservar o que naquele momento estaria sendo entendido como
saúde114.
Na antiga Grécia explicava-se a doença a partir da responsabilização do indivíduo
por seu surgimento. Pelo que observamos, a perspectiva higiênica, que em muitos aspectos
até hoje não mudou, servia de base para a construção dos fundamentos que impõem uma
atividade física constante para a conservação da saúde das pessoas. Ao se referir à maneira
como se encarava a doença na Antigüidade, Ulmann argumenta que naquela época era
correntemente aceito que algumas doenças não se poderiam evitar, mas outras sim,
principalmente as que
tinham origem numa má higiene de vida. Uma alimentação muito
rica deixa nos corpos resíduos prejudiciais, que acabam se
acumulando numa determinada parte do corpo, produzindo a
doença. Hipócrates fixa a origem destes dejetos. Eles são devido a
um desequilíbrio no homem entre a absorção de alimentos e o gasto
de energia. Se o homem, dito numa linguagem mais atual, consome
mais do que ele gasta, se gasta mais do que recebe ele estará
igualmente doente. O autor do tratado ‘Do regime’, revindica esta
descoberta que lhe fornecerá o fio condutor de capital importância
para equilibrar suas receitas dietéticas com suas prescrições
ginásticas [...]. A ginástica intervém em duas partes da medicina
que são mais usuais: a medicina preventiva (que mais tarde será
chamada de higiênica) e a medicina curativa ou medicina
propriamente dita. (ULMANN, 1997:21-22).
A contribuição dos que se interessavam pela manutenção da saúde e por sua
relação com a presença de exercícios físicos na vida dos que envelheciam pode também ser
resgatada em outros personagens considerados importantes para o desenvolvimento da
humanidade e da medicina. Um deles foi Galeno115, que deu “uma interpretação pessoal do
114
Saúde é um termo utilizado com muita freqüência em nossa vida cotidiana e que tem também
sofrido algumas mudanças conceituais que a fizeram ser interpretada pelo aspecto da saúde positiva
ou da saúde negativa. Durante muito tempo foi considerada como oposição a doenças, mas um
passo importante foi dado pelos países membros da Organização Mundial da Saúde, que
propuseram a clássica definição para saúde como sendo o completo bem-estar bio-psicossocial do
indivíduo, e não a ausência de doenças.
115
Ele viveu no segundo século de nossa era e sua contribuição faz Ulmann considerá-lo um dos
maiores nomes da Ginástica. Sua influência vai até a Renascença, levando Mercurialis a escrever a
149
papel da ginástica e de sua ação sobre o corpo” (ULMANN, 1997:73). Ao explicar que sua
prática influía sobre o desenvolvimento dos músculos, explicava de maneira fisiológica
como isso ocorria. A defesa feita por Galeno das atividades ginásticas permitiu que viesse a
ser considerado como um dos precursores do que estamos atualmente chamando de
ginástica para idosos (FARIA JUNIOR, 1999). Isso pode ser melhor percebido quando Galeno
exemplificou os benefícios do trabalho com pequenas bolas. Numa monografia de sua
autoria, ficou registrado que devido a sua baixa intensidade, esse tipo de trabalho poderia
ser realizado por pessoas com as mais variadas complexões físicas, como também por
pessoas de diferentes idades, com níveis variados de deficiência. Levando em consideração
os efeitos que os exercícios geravam no corpo do indivíduo, três grupos foram
estabelecidos pelo autor:
exercícios para desenvolvimento do tônus muscular, sem envolver
os músculos em movimentos violentos (seriam os hoje chamados
exercícios de força); exercícios para desenvolvimento da presteza e
da rapidez (incluindo exercícios baseados na idéia de que
velocidade de movimento ou diminuição do tempo de reação
podem ser treinados); exercícios violentos (treinamento da estamina
e endurance). Galeno produziu ainda uma segunda classificação
subordinada à primeira, relacionada com a parte do corpo
trabalhada. Existiriam assim exercícios de pernas, exercícios de
braços e exercícios de tronco; de correr e de andar (FARIA JUNIOR,
1999:39).
O que ficava claro era que aqueles que praticassem atividades físicas teriam um
excelente meio para preservar a saúde, princípio que se aproxima dos praticantes do que
atualmente é denominado qualidade de vida. É verdade que durante muito tempo ficou mais
marcante a preocupação da prática da ginástica na formação dos jovens, principalmente
pelo caráter preparatório de corpos mais fortes, sendo secundário o que envolvia
características preventivas ou curativas. Apesar de o século XX ser considerado uma época
de grande interesse pelas atividades físicas esportivas, fazer exercícios físicos nesse século
nem sempre foi visto como algo útil, havendo certa desconfiança quanto a qualquer
Arte Ginástica, que, apesar de seu “caráter inovador, é inteiramente dentro da linha de Galeno”
(ULMANN, 1997:75).
150
benefício quando se tratava da prática realizada por pessoas idosas. Não faltaram detratores,
dizendo mesmo que era uma bobagem a prática de exercícios realizados de forma
sistemática em determinada idade. Isso foi dito pelo médico Peter Steincrohn, que,
fundamentando-se em pesquisas realizadas com insetos enfocando a longevidade, dizia não
existir grande utilidade, para idosos, a prática de exercícios. Ao serem pesquisadas moscas
de determinadas espécies, chegara-se à conclusão de que aquelas que mais gastavam suas
energias eram aquelas que iriam primeiro morrer; daí passou-se a defender que para viver
mais era necessário economizar ao máximo as energias. Sem querer afirmar que todos os
exercícios deveriam ser abolidos, esse médico reconhecia o valor dos mesmos, mas só para
“crianças em período de crescimento, jovens adultos, vítimas de determinados defeitos
físicos e qualquer outra pessoa que tenha indicação clínica definida para isso”
(STEINCROHN, 1950:13). Quando o livro foi editado, foi destinado a pessoas adultas,
próximas à idade de quarenta anos. Os tópicos trabalhados refletiam bem o que preconizava
a teoria do desengajamento.
O autor assim se expressou sobre as atividades físicas destes que na época ele
considerava próximos da velhice, afirmando que a
exaustão desnecessária de milhões de indivíduos acima de quarenta
anos é um desperdício insensato e irrefletido da energia que nos foi
dada por Deus [...]. Se consagrássemos a exercícios sistemáticos
para os miolos o tempo que gastamos com o bíceps e o tríceps,
todos nós chegaríamos à idade de ouro. Os músculos, depois dos
quarenta, deviam ser deixados em paz para serem tão preguiçosos
quanto lhes apetecesse (STEINCROHN, 1950:14-22).
No momento da entrada no meio acadêmico da discussão sobre o envelhecimento
da população aliada a um modo de vida diferente do que era proposto pela teoria do
desengajamento, ou da retração (KURZ, 1983), percebe-se uma nova postura com relação à
prática de atividades físicas pelos idosos. Imputa-se à Geriatria e à Gerontologia, ciências
aplicadas e autônomas que ainda estavam em desenvolvimento, a responsabilidade de dar
ao envelhecimento e à velhice uma característica homogeneizante até então não verificada.
Resultados de pesquisas apresentados após a segunda metade do século XX contribuíam
para fundamentar aqueles que defendiam a inclusão no modo de vida de atividades físicas
151
regulares independentemente da idade cronológica. Como novo estilo de vida para aqueles
que envelheciam, tais práticas passaram a ser vistas como vacina, remédio para o
envelhecimento saudável, contribuindo também para o retardamento do envelhecimento.
O caráter higiênico (preventivo) que acompanha a tendência desse estilo de vida
acaba exacerbando a importância que se dá às atividades físicas praticadas por idosos,
estando bastante presentes nos manuais do bom envelhecer e em todas as formas de
‘mídia’. Para que isso ocorresse com mais intensidade, foi necessário que houvesse um
respaldo das pesquisas científicas, principalmente das que se desenvolveram a partir da
intervenção acadêmica: a geriatria no campo da saúde e da doença e a gerontologia, no que
se refere aos aspectos mais humanos e sociais. A temática que relaciona atividades físicas,
envelhecimento e velhice acabou entrando no meio acadêmico por intermédio de uma
multiplicidade de disciplinas, levando em consideração a autonomização da velhice como
objeto, legitimada muitas vezes
como uma resposta aos problemas decorrentes do prolongamento
da vida das populações de diversos países. Resposta, primeiro, aos
problemas orgânicos, constituindo-se os saberes englobados na
disciplina médica Geriatria, e, logo após, uma resposta que se
pretende mais totalizante, com a criação de um campo
multidisciplinar, a Gerontologia (GUEDES, 2000:3).
É interessante observar como essa autora procurou mapear os pressupostos dos
discursos dos especialistas em envelhecimento no Brasil, que certamente acompanharam o
mesmo caminho desenvolvido em outros países. Em seu artigo, Guedes (2000) fala de um
‘moderno proselitismo’ das agências especializadas, a partir do qual a busca da qualidade
de vida acabou assumindo um papel bastante dogmático, dando destaque ao caráter
moralizador da vertente biologizante do envelhecimento. Os efeitos dessa tendência,
considerados ideológicos, tiveram como principal origem as instituições médicas.
As agências especializadas ligadas à Geriatria e à Gerontologia têm
grande potencial de legitimação das idéias que abraçam, propiciado,
difusamente, por sua origem acadêmica, de validação transnacional,
pela chancela de ‘ciência’ de que se revestem e pelas formas através
152
das quais se realizam, inclusive gerenciando, direta e indiretamente,
distintos recursos estatais (GUEDES, 2000:13).
A qualidade de vida e com a saúde acabaram sendo os maiores ícones tanto da
Geriatria como da Gerontologia, e na medida em que se constituíram num valor com forte
caraterísticas de dogma, acabaram sendo inquestionáveis. A busca por manter-se em forma
praticando algum tipo de atividade física esportiva é apontada como conseqüência da
junção de dois fenômenos, o esportivo e o envelhecimento da população. O primeiro
recebeu novas interpretações ideológicas que o transformaram em ‘esporte para todos’,
‘esporte lazer’, ‘esporte para manter a forma’ e ‘esporte saúde’ (MASSE BIRON; PRÈFAUT,
1993), sendo que estes últimos foram com o tempo sendo incorporados junto às atividades
não esportivas, ao estilo de vida considerado ideal para as pessoas que envelheciam e
queriam usufruir de uma boa qualidade de vida.
Atividades físicas esportivas na aposentadoria, um modelo catequizador que tem na
saúde seu princípio
Certamente são muitos os pesquisadores que se debruçaram sobre a temática; não
pretendendo esgotar o assunto, trabalharemos com alguns que apresentaram estudos
marcados pelas respostas encontradas. Não há nenhuma intenção cronológica, e visamos
destacar a diversidade de pontos por eles apontados.
Começamos com Herbert de Vries (1978), Fernand Landry e William Orban
(1978) e mais tarde Roy Shephard (1979, 1994, 2003), todos sugeriram que programas de
atividades físicas seriam capazes de atenuar o inelutável processo normal do
envelhecimento. O que chamou atenção, tanto nesses autores como em outros originários
das ciências biológicas (POKROWSKY, 1978; FITZERALD, 1985; RUDMAN, 1989; BOONE;
FOLEY, 1997), foi a ênfase dada às descrições das perdas, da diminuição de certas
características biológicas que ocorrem no processo do envelhecimento. É bastante comum
nessa linha de pesquisa privilegiar quase que com exclusividade os aspectos morfológicos,
funcionais e fisiológicos do envelhecimento. Não apenas são descritos os efeitos deletérios
153
sobre a função cardiovascular, respiratória, motora e cognitiva, como chega-se a falar do
que ocorre negativamente no campo psicológico e afetivo dos que não se mantêm ativos.
De maneira quase global, os fisiologistas definem o envelhecimento como um
processo de perdas, estudando-o a partir da deterioração celular, do aumento da
vulnerabilidade a doenças, da dor muscular. Zumerchick (1997:596) acusou o estilo de vida
sedentário, que, “em conjunção com hábitos de vida insatisfatórios, podem contribuir para a
deterioração comumente associada ao envelhecimento”. Admite o autor que, como solução,
os benefícios dos exercícios físicos podem influir no sistema ósseo, neuromuscular,
metabólico, respiratório, cardiovascular e psicológico.
Para Jurgen Weineck (1992:399), o envelhecimento fisiológico é o que atinge de
forma sincrônica todos os órgãos e tecidos; já o patológico seria “marcado por uma
insuficiência funcional de um determinado órgão ou mesmo de um sistema”. No que toca a
capacidade de resultados no plano esportivo, Weineck (1992:398) descreveu o
envelhecimento como resultado das modificações biológicas, psicológicas e sociais que
ocorrem após a idade adulta, havendo “uma diminuição progressiva das capacidades de
adaptação psicofísico da performance do indivíduo”, que poderia ser modificado pela
prática de atividades físicas esportivas.
A treinabilidade de idosos, mesmo daqueles que durante muito tempo tenham sido
sedentários (VRIES, 1978; SHEPHARD, 1979, 1994, 2003; POWELL, 1989; WEINECK, 1992),
passou a ser um fato a se considerar, dando sustentação aos que defendiam o caráter
preventivo e a característica de resistência ao envelhecimento. Outro fato bastante comum
entre os profissionais da área da saúde é a abordagem das modificações corporais.
Hebbelinck (1978) fala das modificações estruturais que ocorreriam na cabeça, tórax, rosto,
altura, peso, entre outras, e compara a modificação no tórax dos idosos ao tipo corporal das
crianças, em que há uma tendência de se tornar mais arredondado, como se houvesse um
retorno ao tipo infantil. O objetivo do seu trabalho foi mostrar como os exercícios físicos
são úteis pelo caráter preventivo, pois a partir deles evita-se no futuro uma eventual
intervenção radical no processo de cura. O mesmo autor também acrescenta que os
154
praticantes de atividades físicas têm uma significativa melhora na qualidade de vida,
motivo pelo qual os exercícios físicos deveriam sempre fazer parte de nosso estilo de vida.
O aspecto também curativo é incluído por Mc Cardle, Katch e Katch (1996), que
argumentaram que um programa de exercícios físicos visando tanto à prevenção como à
reabilitação será mais eficiente se for individualizado, devendo ser realizado pelo menos
três vezes por semana, com duração de 20 a 40 minutos em cada sessão. A influência de um
treinamento de endurance sobre o coração e sobre o estresse passou a ser cada vez mais
defendido, sendo apresentado pelo caráter preventivo e de reabilitação, influindo tanto na
melhora da qualidade de vida como no aumento da esperança de vida. É então a prevenção
das doenças do sistema cardiovascular que está entre os principais motivos elencados pelos
que defendem o treinamento físico regular para a manutenção da saúde (WEINECK, 1990).
Mas para que isso possa ocorrer é recomendado: atentar para a intensidade, a carga de
exercícios e a freqüência semanal. O autor recomenda uma freqüência de três a sete dias na
semana, com a duração de 15 a 60 minutos, quando o alvo for o desenvolvimento da
condição física. Já com relação à conservação da saúde, a variação vai desde uma vez por
semana durante 45 minutos a 2 vezes com 30 minutos, ou 3 vezes com 20 minutos de
duração.
Quando o objetivo passa a ser a saúde do indivíduo, a intensidade preconizada vai
variar entre 60% a 80% do consumo máximo de oxigênio, que também pode ser verificada
pela fórmula ‘200 menos a idade’, que corresponderia ao limite da freqüência cardíaca que
não se deve ultrapassar. Entretanto, quando se observa a maioria das atividades propostas
aos idosos, poucas escapam de ficarem aquém dessas recomendações.
Não satisfeitos com a possibilidade de intervir no que estava sendo considerado
como qualidade de vida de idosos que até então eram comumente sedentários, o discurso
biologizante passou também a englobar a melhora da performance atlética, na busca de um
melhor rendimento esportivo individual ou coletivo em atividades que visam à mensuração
de resultados atléticos. No entanto, é muito comum vermos críticas à exacerbação da
competição e aos aspectos negativos da emulação que ela provoca. É lembrado que para
idosos o mais recomendável seria não provocar a competição, já que “os exercícios devem
155
ser atraentes e apresentar um caráter social: estar com e não estar contra” (WEINECK,
1990:450). As modificações imputadas ao envelhecimento impediriam a alta performance,
sendo que Weineck considera como principais fatores limitantes o que ocorre com o
aparelho locomotor e os sistemas cardiovascular e cardiopulmonar.
Guenard, Emeriau e Manier (1994:185) apontam a importância de se
reconhecerem dois tipos de envelhecimento: o fisiológico e o patológico. Para eles,
conceber o envelhecimento “com uma entidade simples e universal parece ser uma
abordagem recomendável”. Em suas propostas com relação aos limites a serem atingidos
para que ocorra alguma alteração fisiológica, a freqüência cardíaca máxima em atividade
passa a ser a base. Para eles, pessoas idosas de 80 anos não devem ultrapassar os 140
batimentos por minuto. Em termos práticos, esses números reduziriam a capacidade de
adaptabilidade ao exercício e a conseqüência dessa redução na freqüência máxima
significaria a limitação do débito cardíaco no exercício, por conseguinte uma limitação do
transporte de oxigênio aos músculos. Blackburn (1978) fez uma revisão da literatura, e,
analisando as relações entre a prática de atividades físicas e a saúde cardiovascular, indica
que os estudos passaram a ser mais sistematizados a partir dos anos 1950, mudando a
característica de uma medicina curativa para uma medicina preventiva. Defendendo os
princípios da teoria da atividade, o autor sugeriu a utilização de técnicas de educação de
massa, porém reconhece como importante a manutenção de equipamentos que facilitem a
prática de atividades físicas. Nesse sentido, seria necessário visar a uma educação física
normativa. No entanto, no tocante à grande massa de idosos e aposentados, observamos que
essa atividade, enquanto prática organizada, que se apóie num programa mais complexo,
específico para esse grupo social, ainda não está sendo amplamente implantada.
Heath (1994) é outro a lembrar que, no mundo industrializado, o estilo de vida
sedentário é a norma geral; nesse caso, França e Brasil acompanhariam a tendência
mundial. O autor tomou o exemplo do Canadá e dos EUA, onde os idosos ainda têm uma
participação muito pequena em programas que proponham a atividade física regular, se
bem que tenha havido uma tendência de aumento do número de praticantes. Tomando
como exemplo o ano de 1985, o grupo de jovens entre 18 e 29 anos, verificava-se que eles
156
tinham uma taxa de inatividade de 18,3 %; entre os de 30 e 44 anos, a taxa passou a ser de
24,3 %; aumentando para 32,7% para aqueles que estão entre 45 e 64; chegando aos 42,6%
para os que têm mais de 65 anos. Seria fundamental a maior participação dos idosos,
segundo Heath, que aponta ainda os componentes da boa condição física, que são relatados
em termos de alguns atributos, tais como: endurance cardiorespiratória, endurance
muscular, força muscular, composição corporal, flexibilidade e saúde aparente.
A atividade física também foi considerada como primordial para manter a
mobilidade motora, sendo defendida pelo caráter profilático observado naqueles que
praticam exercícios e esportes. Meusel (1984) compara a condição física ao tronco de uma
árvore capaz de sustentar diversos ramos que seriam as atividades nossas do dia-a-dia. A
vida ativa seria um fator a ser considerado como também o são os três fatores importantes
na concepção da atividade para idosos: a habilidade motora seria um pré-requisito para a
vida social; as pessoas estariam motivadas a envolverem-se em atividades motoras; o
esporte e os exercícios facilitariam a inserção social. O autor apresenta diversos testes
aplicados aos idosos, procurando mostrar a possibilidade de melhorar sua capacidade física.
Daí se recomenda a prática de atividades físicas esportivas como uma maneira de se manter
saudável o indivíduo e em conseqüência uma vida social mais dinâmica, vindo até a influir
nos aspectos cognitivos.
Jeandel (1995:354) investigou em diversas pesquisas realizadas com idosos a
afirmação de que exercícios tanto aeróbios como anaeróbios seriam capazes de influir nos
déficits cognitivos ligados à idade. Caso isso se confirmasse, as atividades físicas poderiam
fazer parte das estratégias postas à disposição na prevenção primária da deficiência
cognitiva “resultante do começo do envelhecimento fisiológico e prevenir o agravamento
das deficiências neuropsíquicas, conseqüências do envelhecimento patológico”. Entretanto,
algumas observações sobre a heterogeneidade das questões que normalmente são
investigadas puseram em dúvida as pesquisas sobre essa temática, o que não impediu que
fossem encontradas algumas constatações, apresentadas a partir de teorias que procuravam
explicar a melhora das funções cognitivas pelas atividades físicas.
157
Muitas vezes a importância da prática das atividades físicas é apresentada a partir
do significado dos custos sociais e do que podem propiciar. Hébert (1996) afirmou que, no
Canadá, 40% do conjunto das pessoas idosas e 35% das que moravam em seu domicílio
apresentavam alguma incapacidade. Se no ano de 1986 as despesas públicas com a saúde
dos idosos atingiu 37,4% do total dos gastos, no ano em que foi efetuada a pesquisa passou
a ser de mais de 50%. O autor apresentou duas hipóteses para serem trabalhadas: a
esperança de vida com boa saúde e a prevalência de incapacidades nas pessoas idosas.
Num primeiro aspecto se apresentaria uma ‘pandemia de incapacidades’, que
aconteceria devido ao aumento da esperança de vida que elevaria a dependência que
antecede a morte. Essa hipótese acaba sendo sustentada pela diminuição das taxas de morte
em determinadas doenças consideradas letais. Acompanha o envelhecimento da população
a “incidência relativa das doenças crônicas e incapacidades como as artroses e a demência
que se sobrepõem às condições mais fatais, como o câncer e as doenças cardiovasculares”
(HÉBERT, 1996:64). Isso viria a significar que as condições de morte dos jovens idosos
estariam sendo substituídas por doenças que levariam a uma invalidez.
A outra hipótese, formulada por Fries em 1980 (apud HÉBERT, 1996), postulava
que, considerando os limites máximos da vida humana, na medida em que há um aumento
da esperança de vida, haveria uma diminuição dos anos vividos em mau estado de saúde.
Mesmo se os dados epidemiológicos não confirmassem essa hipótese, o autor previa que
tudo indicava que a hipótese tivesse chance de se realizar, visto o progresso que acompanha
o conhecimento da gênese das incapacidades e como se evolui nas formas de evitar que elas
ocorram.
Foi proposto pelo autor um modelo que apresenta a perda de autonomia e as
intervenções que podem ser processadas seja para preveni-la, retardá-la ou atenuá-la. No
aspecto de uma prevenção primária, procura-se conter a vulnerabilidade, seja pela
preocupação nutricional, ou pela prática de atividades físicas. Na prevenção secundária
seria necessário identificar os indivíduos que têm mais risco, intervindo o quanto antes. A
prevenção terciária estaria a cargo dos serviços geriátricos, que procurarão diminuir as
conseqüências da perda da autonomia.
158
Shephard (1988, 2003) também analisou a relação custo-benefício de um
programa de exercícios voltados para a população, argumentando que haveria menos gastos
com remédios, internações. O que também é enfatizado por Weineck (2001:21) que
apresenta dados que mostram o aumento de consumo de medicamentos na medida que se
envelhece, sendo grande o sedentarismo dos mais idosos a solução para reverter o quadro
do custo sanitário que isso representa só através de atividades físicas. No momento em que
elas são praticadas durante toda a vida “podem se constituir uma importante medida
preventiva, contribuindo de forma determinante na diminuição dos gastos com a assistência
sanitária”. Na mesma linha dos autores que apresentaram a questão da saúde preventiva,
Spirduso (1988) vai apontar os custos com as doenças ditas da civilização como de suma
importância para que se tenha um programa voltado a prescrição de exercícios,
independente da idade. Entretanto, reconhece que existe dificuldade em apontar os níveis
ideais do modelo de saúde preventiva e para cada tipo de idosos, já que a heterogeneidade
desse grupo é bastante acentuada. A autora argumenta que os efeitos do exercício podem
ser bem percebidos nos aspectos biológicos, mas que não seria tão fácil no que se refere aos
aspectos psicológicos e sociais, que também são levados em consideração.
O sentido que é dado pelos aposentados à prática da atividade física foi
investigado por Bui-Xuan e Marcellini (1993). Foram relacionados dois grupos que tinham
em comum o fato de conviverem com algumas deficiências: idosos e pessoas portadoras de
algum tipo de necessidade especial. Partiu-se da evidência de que ambos acabavam por
criar suas próprias estratégias para sair ou compensar essa situação e (des)estigmatizar a
identidade social que os marcava como deficientes. De maneira semelhante, os idosos
procuram sair da norma, que seria a velhice, cujas representações sociais associam
aposentadoria a incapacidade, inatividade e improdutividade. Ao praticarem uma atividade
física, acabariam exorcizando a velhice, distinguindo-se da grande massa de inativos.
Para os autores, a saída traumática do mundo do trabalho significaria na
aposentadoria um grande problema, pois, não estando mais inserido profissionalmente,
haveria também uma desintegração da vida de atividade física e social. A mudança de
status seria acompanhada de uma consignação segundo a qual a identidade social de velho,
159
no plano simbólico, o faz aproximar-se da morte. O investimento nas atividades físicas
passa a ser uma maneira de enfrentamento para não entrar no ciclo da incapacidade que o
conduz à (des)integração social.
Tentam-se encontrar variados meios de poupar seu capital saúde, com a prática de
atividades físicas, as preocupações alimentares e um estilo de vida típico, seguindo os
preceitos dessa nova moral do envelhecer, que valoriza o engajamento nas mais diversas
atividades. Os autores, ao falar das ginásticas e dos esportes praticados por idosos e
aposentados, consideram que eles acaba sublimando a velhice, e apontam três indicadores
que contribuem para exorcizar a (des)integração do indivíduo. Pelo aspecto físico, permite
mostrar que ainda se pode ter uma prática efetiva com certa intensidade, regularidade e
dedicação de tempo. No aspecto social, o esporte possibilita a sensação de engajamento,
sendo de utilidade social, já que pode agregar as pessoas e fazer com que elas assumam
responsabilidades em associações. Finalmente, pelo aspecto simbólico, a noção de que se
está vivo. Preservar uma certa condição física seria, então, considerada uma atitude lúcida
para se enfrentar o envelhecimento e conservar a vida.
Mc Pherson (1978) verificou que à medida que aumenta a quantidade dos que
praticam atividade física após a aposentadoria, aumenta também o grau de escolaridade dos
praticantes, além de diversos determinismos sociais. Chantal Malenfant (1984), que utilizou
a expressão ‘atividade corporal praticada por idosos’, observou que para os aposentados
houve uma mudança do valor do trabalho, anteriormente considerado como algo sagrado,
para uma nova relação com o corpo, expressa pela procura das atividades de ginástica que
passaram também a ser identificadas como suaves116. Conforme a autora estaria ocorrendo
uma maior valorização da pessoa, das relações e da natureza. Entretanto, o acesso a essas
práticas seria ainda dependente da classe social, do estado de saúde, dos meios que as
pessoas possuem para viver.
116
Levando em consideração que antigos métodos ginásticos não conseguiram seduzir os idosos e
aposentados novas técnicas passaram a ser difundidas e pode de certa forma ser creditado ao
aumento da procura dos idosos por praticar atividades físicas.
160
Acompanhando os resultados da pesquisa citada por Defrance (1995), publicada
em 1967 pelo Institut National de la Statistique et des Études Economiques (INSEE), o
perfil dos praticantes das atividades físicas e esportivas era dominado por homens, jovens,
urbanos e mais ricos. Mas segundo esse autor, nos anos subseqüentes houve um forte
aumento na taxa de participação das mulheres, dos mais idosos, dos mais pobres e dos
moradores em áreas rurais.
Ao mesmo tempo em que se reconhece a dificuldade de motivar pessoas idosas
para o exercício físico (SHEPHARD, 1998), percebem-se alguns exageros quando se procura
convencê-los a partir de exemplos que fogem da normalidade. Isso pode ser verificado
quando se apresentam os resultados das performances dos participantes dos torneios
‘masters’, ou façanhas individuais de uma minoria, como o que foi escrito por Harrichaux,
Rougier e Pallis (1982:7): “a vovó que faz judô pode colocar em fuga um malfeitor”. A
generalização segundo a qual os idosos e aposentados podem vir a fazer tudo aquilo de que
gostariam apresenta-os praticando os esportes ditos radicais, como windsurf, mergulho,
escalada de montanhas, etc. (BAUMBER, 1987). Na verdade, essa visão otimista, ao usar
como exemplos as performances de pessoas que nunca pararam de treinar, que sabem muito
bem seus limites, acaba prestando um desserviço, desestimulando os considerados
sedentários117. Chega-se mesmo a extremos, verificados em Gandee et al. (1989), quando
mencionam as contribuições dos ‘jogos olímpicos seniores’. Segundo eles, a participação
nos jogos seria capaz de promover atitudes que propiciam o respeito. Ao focalizar a
importância das atividades físicas regulares para a manutenção da saúde entre os idosos,
mostra-se às classes dirigentes a necessidade de novos espaços para sua prática. Além
disso, defendem os autores que as performances nessas atividades proporcionam uma
estrutura formal para o reconhecimento da capacidade física treinável dos idosos ativos,
dando condições para que associações privadas, indústrias e a comunidade se organizem,
visando a trabalhar no objetivo do bem-estar dos idosos. Se não bastasse, mais uma
117
Como outros, Nicole Dechavanne (1990:188) recomenda que a noção de competição ou de
performance deve ser excluída, já que a prática de atividade física para idosos seria uma maneira de
“descobrir que não se pode fazer tudo, mas, na medida exata, conhecer seus limites e assim nunca ir
além de suas possibilidades, constituindo um meio de auxiliar as pessoas a não perder a noção de
progresso”.
161
característica foi apontada: idosos que participam de torneios encontram a possibilidade de
estabelecer novas redes de amizade e de sociabilidade, já que existiria um ambiente que
propicia essas relações. Eles acrescentam que, pelo entusiasmo demonstrado, estimula-se
um estilo de vida ativo.
Ao falarem do ambiente esportivo, Bui-Xuan e Marcellini (1993) verificaram que
existe um espaço que possibilita certo desenvolvimento de aspecto convivial, mas que não
seria o local ideal para um investimento na vida social ou pública, já que a preocupação
maior do indivíduo seria consigo mesmo, com sua saúde, e não com os outros. Uma
observação foi feita pelos autores, a partir do voluntariado, que acaba sendo considerado
fundamental na gestão das associações dos idosos e aposentados: existem lideranças, mas
são muito poucos aqueles verdadeiramente interessados em fazer pelos outros. Os
considerados ‘consumidores’, que praticam diversas atividades nas associações, não se
negam a auxiliar desde que de maneira bem pontual, e não muito freqüente. Como
justificativa, a agenda cheia, com participação mesmo em outras associações, o que
impossibilitaria maior envolvimento. Alguns antigos esportistas chegam a ter um maior
engajamento fora dos clubes, demonstrando que nos clubes onde praticam algum esporte só
a atividade vai interessar, o que os autores identificaram como resultado do pouco prestígio
que as atividades esportivas têm na sociedade.
Quando os indivíduos são questionados sobre o que mais querem conservar com o
avançar da idade, a resposta é: a ‘forma’, o ‘bem-estar corporal’ e a ‘saúde’. Esta última
resposta foi dada por 46% dos franceses investigados pelo INSEE em 1989 (MASSÉ-BIRON
E
PRÉFAUT, 1993). Segundo os autores, a relação prática entre exercícios, doenças, saúde e
a forma física poderia ser assim relacionada:
162
a boa forma seria a expressão de uma condição física satisfatória, o
que não dispensaria a ausência de doenças. A saúde seria o dado de
base. A forma poderia estar associada a qualidade de vida, o bemestar frente ao esforço, a busca da forma sendo uma
responsabilidade individual ativa para a saúde. O exercício físico é
uma receita de saúde, receita do bom envelhecer. Com patologias
semelhantes, os esportistas idosos se sentem em melhor saúde. Eles
consultam menos seus médicos. Todavia não podemos excluir a
idéia de que as práticas esportivas possam ser somente o
testemunho de uma boa saúde e não a causa, mas todos os estudos
concluem que a higiene de vida, incluindo um programa de
condição física, atenua o envelhecimento e previne as doenças
(MASSÉ-BIRON E PRÉFAUT, 1993:324).
Mesmo quando os argumentos biológicos são apresentados como irrefutáveis, o
engajamento e a permanência em programas de exercícios físicos não têm sido unicamente
verificados por esse viés. Não sendo exclusivamente biologizantes, são apontados fatores
de ordem social, considerando que o ambiente e a forma como é feita a atividade física
permitem a sociabilidade dos idosos – e acrescentamos que, em aparência, eles estariam
satisfeitos com isso. Encontramos então os que vão apresentar a importância das atividades
realizadas como lazer, que num contexto contribuem de forma prazerosa, pelo que foi
denominado ‘cura pelos movimentos’ (DECHAVANNE, 1990), o que na verdade não muda
muito a tônica higiênica anterior. A autora reconheceu as possibilidades de melhoras e
apresentou um outro aspecto além do social, que são os benefícios psicológicos resultante
do impacto relacional causado nos indivíduos que praticam atividades físicas. Enfim,
percebem-se diversos motivos que levam à prática das atividades físicas, sendo que o
aspecto saúde está presente de certa forma em todos.
Para discutir as principais motivações que levam idosos e aposentados a praticar
atividades físicas esportivas, Dechavanne considerou que, antes de mais nada, o idoso que
segue com regularidade uma atividade física já é uma pessoa motivada e –
acrescentaríamos – com disposição para seguir uma certa disciplina de vida. Para muitos, a
hora da atividade é um momento sagrado, em que se pode fugir da solidão, encontrando
outras pessoas, se entretendo e se cultivando. O praticante passa a ter compromissos com
hora marcada na semana: segunda feira às 9 horas é a hora da ginástica, lembrando que essa
atividade é bastante representativa.
163
Dellannet (1990) preocupou-se com a investigação sobre o porquê da grande
aceitação da atividade ginástica pelos idosos. A primeira resposta encontrada não foram os
possíveis ganhos biológicos, mas o fato de que a atividade ginástica representaria uma
ocasião privilegiada de contatos sociais e fonte de desenvolvimento do bom humor.
Quando os participantes investigados foram solicitados a responder sobre quais seriam os
elementos indispensáveis para o que seria considerado um bom dia em sua vida cotidiana,
os resultados indicaram que tanto no grupo experimental como no de controle o elemento
mais importante seria a prática de atividades físicas, precedendo mesmo os contatos
familiares. O fato de fazer a atividade em grupo numa associação assumiu grande
importância para 47% das pessoas investigadas.
São bastante diversas as motivações dos idosos, sendo grande o número de opções
que se apresentam. Uma delas, a ginástica, seja ela a mais tradicional, também chamada de
entretenimento ou conservação, como a que é realizada de maneira mais suave, são as que
vem sendo bastante procurada por idosos e aposentados. Para alguns autores, deve-se
relativizar a importância que lhes é dada em certos programas, uma vez que as atividades
propostas podem intervir pouco em aspectos biológicos. Considerando o que foi dito por
Ernoult (1984), nem sempre os idosos praticam as atividades aeróbias mais simples, como
as caminhadas, sendo esse tipo a que, segundo ele, acaba influindo mais positivamente na
saúde global do indivíduo. Ao verificar as condições em que é praticada a atividade
ginástica, o autor diz que seria um exagero falar de benefícios fisiológicos, pois é comum
ser encontrada uma reduzida quantidade de movimentos, cuja intensidade do trabalho
muscular é normalmente bastante moderada, além do fato de que a freqüência da prática,
muitas vezes, é de uma atividade por semana118.
Procurando reforçar sua hipótese, foram apresentados dois estudos, um realizado
em Grenoble e o outro em Paris, mostrando que os efeitos fisiológicos eram nulos. Porém,
ao analisar o aspecto da motivação, constatou-se que o subjetivo superava o objetivo. As
pessoas investigadas, ao contrário do que os testes diziam, afirmavam que sentiam a
melhora na forma física, mesmo considerando que 80% deles também declararam que seus
118
Neste ponto verificamos que essa freqüência foi semelhante nos quatro grupos que investigamos.
164
maiores objetivos eram novos contatos, a possibilidade de estabelecer relações amistosas.
Apenas 18% buscavam explicitamente a melhora da forma física, privilegiando aí as
questões higiênicas ou estéticas. Para ele, a atividade física dos aposentados encontraria
outra serventia caso “se levasse em consideração que, ao lado da simples mecânica física e
fisiológica, existe a solicitação relacional e sensorial, e o que isto representa” (ERNOULT,
1984:205). A atividade física foi considerada como um meio de compensação, a partir da
qual se poderia reforçar tanto a imagem social como a auto-estima, contribuições mais da
ordem psicológica.
Massé-Biron e Préfaut (1994) foram outros que procuraram mostrar que nem
sempre o que é feito como atividade física pelos idosos é de grande utilidade. A ginástica,
reconhecida como uma das atividades que congregam grande número de idosos, tem seus
efeitos questionáveis em termos fisiológicos. Eles argumentaram que as atividades físicas
praticadas por idosos deveriam ser essencialmente de endurance, pois só essas ofereceriam
gasto energético suficiente. A ginástica em sala, atividade privilegiada dos aposentados,
não possibilitaria, segundo os autores, engajamento energético suficiente para provocar
modificações cardiorespiratórias. Pode-se também pôr em questão se os idosos estariam tão
interessados nessas possíveis modificações. Na verdade, consideramos que há grande
dificuldade em compreender as reais motivações dos idosos que fazem uma atividade
física, como também dos que não a fazem, e ainda podemos acrescentar os que deixaram de
fazer.
Para Bui Xuan e Marcellini (1993), há uma nova perspectiva se delineando,
surgida a partir de uma maior profissionalização dos lazeres e do próprio esporte, e também
do sentido dado por Xavier Gaullier para os novos aposentados da considerada ‘nova
idade’. O investimento dos aposentados nas atividades físicas esportivas em ambiente
associativo tem uma forte característica de manter nos participantes uma imagem quase que
profissional, no engajamento em uma prática cuja atividade tem uma função considerada
socialmente útil. O que ficou patente na investigação que aqueles autores fizeram119 é que,
119
Os autores se referem aos freqüentadores da Federação Francesa de Aposentados Esportivos
(FFRS), que tinham no momento da pesquisa 12 mil filiados.
165
para os membros da FFRS, a aposentadoria já assumia outro significado, sendo período de
muita atividade, confirmando as palavras de Gaullier.
Insistindo sobre o caráter de distinção entre o ‘se ocupar dos outros’ e ‘se ocupar
de si’, expresso pela ocupação do próprio corpo com atividades físicas esportivas,
argumentou-se que do ponto de vista individual a atividade contribui para esconjurar a
velhice; assim, surgiram formas alternativas de ginástica, que também passaram a fazer
parte do repertório das práticas que influem na saúde do indivíduo. Para os autores ligados
à área da saúde, tanto aqueles que já praticam ininterruptamente as atividades físicas e os
esportes como os idosos que retornam no período próximo à aposentadoria, todos procuram
atenuar os efeitos do envelhecimento. A prática da ginástica ou de uma atividade física
esportiva acaba sendo vista como o ‘mito moderno da fonte da juventude’. Os que retornam
ou mesmo começam um tipo de treinamento passam a encarar a atividade física como o
cumprimento de uma receita de saúde e da forma, cuja finalidade seria envelhecer bem,
com saúde e sem perda de autonomia. A saúde, enquanto um bem, acaba influenciando a
maneira como se vão enfrentar o envelhecimento e a aposentadoria. “O bem saúde implica
coisas como desenvolvimento psicofísico, saúde física e mental, relacionamento moral e
social, entre outros aspectos” (LOVISOLO, 2000 b:93).
Para compreender o deslocamento dos sentidos que fez com que as relações com o
corpo, longevidade e saúde assumissem um importante valor em nossa sociedade,
reportaremo-nos a Yara Lacerda (2001:59), que mostrou como se forjava no século XIX
um novo modelo de fisiologia do esforço, que acabou influenciando “a intervenção no
campo das atividades gímnicas e de resistência”. Nesse sentido a autora se fundamentou,
entre outros, em Rabinbach (apud LACERDA, 2001), que analisou com profundidade a
fisiologia do esforço, que, ao sistematizar o modelo denominado como “motor humano”,
deu uma base para se compreender cientificamente a intervenção do campo da educação
física.
A partir do século XIX assistiu-se à formulação da fisiologia do
esforço, do trabalho e do esporte, que marcaria profundamente os
fundamentos e as metodologias de intervenção para a conservação
da saúde, a recomposição energética e o desenvolvimento da
166
potência. Foram os conhecimentos da física e da fisiologia que
permitiram formular o modelo energético que orientaria a fisiologia
do esforço e que tomaria forma na metáfora do motor humano [...] a
fadiga tornou-se um indicador claro dos limites do corpo e da
necessidade de conservar e limitar a perda do capital corpo
(LACERDA, 2001:62, 64).
167
No desenrolar do século XX quando houve um deslocamento do valor trabalho
físico e uma concomitante diminuição do tempo dedicado ao esforço físico, tanto no campo
como na indústria, ocorrendo o que Rabinbach (citado por Lacerda) chamou de “eclipse da
imagem do corpo como motor humano” (LACERDA, 2001:68). Ao diminuir o tempo
dedicado ao trabalho, a autora argumenta que o lazer passou a receber maior interesse,
como também o consumo, a sociabilidade e a comunicação. As expressividades corporais e
a ocupação do tempo ganharam então, importância tanto no contexto social como no
individual.
Ao analisarmos os dados de sua pesquisa sobre saúde e espiritualidade nas
atividades corporais, a questão de uma moral fica evidenciada, uma vez que
[...] o enfoque do corpo, da concepção de saúde e da longevidade
como bens maiores apontam para a busca de um prazer do corpo,
mas também para seu controle. Argumentos médico-higienistas
auxiliaram, facilitando o autocontrole da paixão para alcançar a
saúde física e moral. A saúde é vista como base para um
comportamento moral. Os discursos médicos tendem a determinar
que o indivíduo deve ser moderado em relação à comida, à bebida,
ao sono, à vigília, às roupas, à limpeza, entre outras preocupações
(LACERDA, 2001:106).
Hugo Lovisolo (1995:118) fala com muita propriedade do “movimento pela
saúde”, que pode ser bem percebido nos diversos autores que vem se interessando em
abordar a relação saúde, atividade física, envelhecimento, longevidade e qualidade de vida,
como um movimento que leva a educação física a uma readequação. Esse movimento
remoralizador da sociedade, pode ser entendido segundo o autor como uma ‘imensa
pastoral’.
Parece-me que há sinais de que o movimento pela saúde fará
retornar a educação física ao campo das preocupações com a saúde,
entendida, entretanto, como uma noção de múltiplas dimensões:
fisiológica, psicológica, estética, moral e espiritual, recreativa e de
sociabilidade.
168
Para uma definição do movimento pela saúde considera-se
Como um processo de agregação ou convergência de valores e
interesses que implica uma remoralização da sociedade, por meio
dos indivíduos, através da mudança de hábitos cotidianos que se
expressam, sintética e centralmente, no momento atual, na luta
contra a gordura, o fumo e a favor de manter a forma, corporal e
espiritual, por meio de hábitos alimentares, práticas esportivas e
corporais que prolonguem a vida tanto quanto for possível. [...] É
muito importante realizar a história das variadas origens do
movimento para não cairmos no erro de pensar que é um mero
produto das ações médicas, das pesquisas científicas e dos
especialistas do corpo, embora esses sejam agentes importantes
dentro do movimento. Reconhecemos as origens variadas e, em
especial, as religiosas e políticas, é importante para a compreensão
do movimento (p. 119-120).
O que se pode perceber é que, por parte dos que defendem a questão da saúde, seja
com finalidade de prevenção de doenças, conservação ou recuperação, ela assumiu um
caráter doutrinário, moralizante, posto em prática na educação física contemporânea120.
Algumas considerações que foram realizadas acerca da ‘tribo da conservação da saúde’ são
bastante interessantes para nossa análise. Essa tribo, que tem como um dos princípios a
qualidade de vida e o bem-estar, diferentemente da tribo da potência, acaba almejando
outros recordes, expressos pela
ampliação da esperança de vida dos coletivos humanos, a
longevidade dos indivíduos, a redução das taxas de doenças.
Pretende-se que todos cheguem à velhice ativos e autônomos,
saudáveis e dispostos a enfrentarmos a vida [...] Velhos, que em
lugar de estarem concentrados no comentário do catálogo de suas
doenças, de suas perdas ou da redução da sua normatividade,
possam, pelo contrário, continuar entregues a usufruírem o prazer
de estar vivos; abertos ao mundo e aos outros, ao invés de
autocentrados sobre os próprios males. Velhos que ainda sintam a
presença da vitalidade da saúde, e não o caráter totalitário da
doença, que tudo invade (LOVISOLO, 2000 b:15).
120
Esta é uma das ‘tribos’ da educação física que foram analisadas em Lovisolo (2000 b). Em seu
estudo, as tribos da potência, da conservação, estética e educação física escolar foram analisadas a
partir de autores como Comênio, Spencer e Cooper. Segundo ele, há problema na integração entre
elas. O autor abre ainda espaço para a existência de uma outra tribo, como a do lazer, sem no
entanto incluir nessa obra sua discussão.
169
Sedentarismo e estresse passaram cada vez mais a estar entre os vilões apontados,
e a linguagem da necessidade passou a permear a moral embutida no discurso dos que
apresentam argumentos para convencer idosos e aposentados a praticar atividades físicas.
Uma moralidade útil para tratar e salvar os corpos (LOVISOLO 2000, 1999 b, 1997, 1995),
que se funde com outra que é a das atividades feitas com prazer, com gosto121. A ‘pastoral
da saúde’ pode também ser percebida em autores que analisaram a medicina, sugerindo que
ela vem sendo uma instituição que exerce um controle muito forte sobre a sociedade.
Procurando superar o modelo biologizante passa-se a considerar um novo paradigma
para a saúde
Sobre a trajetória dos conceitos acerca da saúde, desde as posições mais arcaicas
até as assumidas na contemporaneidade, d’Houtaud e Field (1989) fizeram abrangente
pesquisa, desde o sentido que era dado pela linguagem, tanto nas instituições de nossa
sociedade, como nas estruturas de nosso psiquismo. Os autores buscaram estabelecer as
representações do significado da saúde, bem como suas funções na sociedade. Bury
(1995:25) cita o Simpósio de Paris, realizado em 1985, quando foi apresentado o
argumento de que
o significado da saúde é tanto mal compreendido pelos
profissionais da saúde como pelos usuários. Para os primeiros, a
saúde é geralmente percebida como uma alvo em si mesmo, um
objetivo a ser alcançado. Para os segundos, ela é sobretudo um
meio para atingir objetivos mais gerais que levam em consideração
a qualidade de vida, e é freqüente que esse meio não seja
considerado como prioritário.
Antes de mais nada, foi necessário reconhecer que colocar em oposição saúde e
doença não fazia mais sentido, pois já na década de quarenta essa oposição era vista como
121
Para isso, a tribo da conservação teve de simplificar suas propostas, e, a partir dos
questionamentos dos métodos considerados clássicos, uma nova lógica fez com que as atividades
alternativas ganhassem credibilidade entre os praticantes, céticos com relação às práticas
tradicionais.
170
simplista e reducionista, dando lugar a uma outra concepção que há muitos anos tem sido
referenciada com freqüência. Saúde “[...] não é apenas a ausência de doenças ou
enfermidades, mas um completo bem-estar físico, mental e social” (WHO, 1947). Essa
conceituação também foi logo sujeita a críticas: considerada pretensiosa em excesso,
utópica e talvez mesmo inacessível. A observação atual mostra que a noção de saúde varia
segundo os indivíduos, as civilizações, as épocas. A noção de norma, de estado completo de
bem-estar físico, mental e social, que seria o mesmo para todas as pessoas, é uma
generalização abusiva (BURY, 1995), daí a importância de repensá-la a partir de outros
significados.
Marcel Drulhe (1996) apresenta os quatro indicadores principais de que se serviu a
OMS para propor suas ações: a mortalidade ou duração da vida; a morbidade ou qualidade
de vida; fatores considerados de risco; a autogestão da saúde tanto pelo indivíduo como por
grupos. Neste último podem ser considerados os hábitos que podem passar pelo lazer, como
a prática de exercícios e as preocupações nutricionais. Durante muito tempo entendeu-se a
saúde como algo exclusivo da esfera médica. Entretanto, alguns pesquisadores, percebendo
sua multifatoriedade, passaram a entendê-la como algo mais amplo. Bury descreve dois
modelos de saúde, um mais tradicional e antigo, e outro mais progressista. O modelo
médico é o primeiro, vindo a ser redimensionado a partir do que se considerou como
modelo global. Enquanto o modelo médico é considerado fechado, com a doença sendo
compreendida como algo fundamentalmente orgânico, afetando o indivíduo, necessitando
ser diagnosticada e tratada (abordagem curativa) pelos médicos. Já o outro modelo seria
considerado aberto: nele, a doença seria resultado de fatores complexos, orgânicos,
humanos e sociais, afetando não só o indivíduo, como a família e o meio ambiente. Para
sua efetivação seria necessária uma abordagem contínua, da prevenção à readaptação, que
leva em consideração os fatores orgânicos, psicológicos e sociais. A intervenção não é mais
exclusiva dos médicos, e sim dos profissionais da saúde que devem atuar em cooperação,
num sistema aberto e interdependente com a comunidade.
Zola (1978) sugeriu que a medicalização da saúde acabou exercendo uma forma de
controle social que se apresenta como ‘repositório de verdades’. O processo conhecido
171
como ‘medicalização’, segundo ele, trataria de quatro aspectos: primeiro do que se
considera relevante para a prática de uma boa medicina; depois pela retenção e controle de
determinados procedimentos técnicos; em terceiro lugar a apropriação de conhecimento de
certas áreas; e finalmente a que vem nos interessando discutir, o que na medicina se
considera como contribuição para um estilo de vida saudável. A insatisfação com um
conceito de saúde considerado negativo fez com que se propusessem outras formas de
encarar o tema, e um novo conceito de promoção da saúde procurou fazer avançar essa
discussão.
Uma oposição entre as concepções antigas da medicina e o que se considerou
como o novo paradigma da saúde foi proposta por Ferguson (apud BURY, 1995).
Enumeraremos aqui algumas delas. No antigo paradigma da medicina: o tratamento é dos
sintomas; privilegia-se a especialização; o profissional deve manter-se neutro afetivamente;
a intervenção principal é pela cirurgia ou pela via medicamentosa; o corpo é visto como
uma máquina em bom ou mau estado; a doença ou incapacidade é vista como uma coisa,
uma entidade; o profissional é uma autoridade. No novo paradigma da saúde: procuram-se
as estruturas e as causas, seguindo de tratamento dos sintomas; a preocupação é com a
pessoa como um todo; privilegiam-se os valores humanos; a intervenção é mínima, com
uma tecnologia apropriada, incluindo regimes alimentares, exercícios físicos e outras
terapias auxiliares; o corpo é visto como um sistema dinâmico, um campo de energia no
interior de outros campos, no interior de um contexto; a doença ou incapacidade é vista
como um processo; o indivíduo é considerado como autônomo; o profissional é um
parceiro; corpo e mente são um contínuo.
A saúde reflete então uma relação dinâmica do indivíduo com o seu meio
ambiente, e, para que isso ocorra, deve-se contribuir individualmente e coletivamente.
Constantemente é introduzida na discussão sobre o que vem a ser saúde uma expressão que
faz parte de nosso cotidiano: qualidade de vida; e nos reportamos aos idosos, pois no
momento em que tomamos consciência do espetacular aumento da longevidade e da
expectativa de vida ao nascer, coloca-se como bastante relevante a maneira como
viveremos esses anos. A noção de saúde individual soma-se à de saúde comunitária, o que
172
abre espaço para se questionarem as políticas de saúde que visam pura e simplesmente ao
prolongamento da vida, sem que se tenha preocupação com as condições efetivas para a tal
qualidade de vida.
Numa nova concepção de saúde, o modelo global passou a ser entendido como
educacional, tendo características distintas que foram apresentadas por Bury. Tem-se como
objeto principal a saúde, que passa a ser considerada como um estado positivo, que se
baseia num bem-estar físico, social e mental, priorizando a promoção da saúde. Sendo o
educador uma pessoa que serve como um grande recurso, a doença passa a se
compreendida por meio de sua multifatoriedade, sendo freqüentemente uma resposta
adaptativa. Sendo iguais os poderes do educador e do indivíduo, considera-se que o
primeiro tem saberes específicos sobre a saúde e pode fornecer os subsídios para auxiliar os
indivíduos. Cabe então a estes decidirem se seguem ou não os conselhos. No modelo
educacional, as pessoas são compreendidas de maneira holística, e não mais fragmentada.
No caso da prática das atividades físicas, podemos exemplificar como ainda somos
dependentes do que se considerou ser o saber médico. É comum e bem marcante a
hipermedicalização da saúde, representada na sociedade de várias formas. Uma delas
procura responsabilizar os cidadãos por sua má saúde: seria a ‘culpabilização da vítima’
pelo estilo de vida que leva122. Por trás disso tudo não é tão difícil identificar uma indústria
muito poderosa envolvida com as coisas da saúde, que inclui a questão farmacológica, as
clínicas de emagrecimento, exercícios físicos, pílulas mágicas, etc.
A importância de se reconhecer a educação como um processo inacabado
determinou a opção pelo que se chamou de educação permanente, e a noção de que um
trabalho multidisciplinar acabaria contribuindo para que a comunidade tivesse melhores
condições para perceber suas necessidades no que se refere ao seu próprio corpo e a saúde.
Os que defendem essa posição postulam que só a partir do melhor autoconhecimento, que
só viria a partir do que se está chamando de educação, sairíamos da situação atual, em que
122
Atividade física, vida regrada, atenção aos alimentos, nada de tabaco e álcool em excesso.
Aquele que consome alimentos ricos em gordura animal em excesso, fuma, bebe um pouco além do
moderado, não faz atividades físicas regulares e é estressado é bombardeado diariamente com
173
só se valoriza um estilo de vida saudável, sem que se ofereçam condições para que isso se
concretize e sem que se respeite as escolhas e decisões individuais.
Certamente não faltam críticas e existem hoje diversas interpretações do que se
entende como ‘promoção da saúde’. Mas uma coisa parece ser consenso: ela deve ser parte
de um processo que confere às populações os meios de assegurar maior controle sobre sua
própria saúde e de interferir nas possíveis melhoras. Esse conceito, que incorpora a
educação para a saúde, vai mais além do simples caráter preventivo de certas campanhas.
Seu desenvolvimento tomou vulto a partir dos anos 80, quando a Organização
Mundial de Saúde passou a adotar cinco princípios básicos, citados por Faria Junior
(1991:15).
A promoção da saúde deve focalizar a população como um todo e
não apenas grupos de risco; A ação deve ser voltada para os muitos
fatores que influenciam a saúde, de modo a assegurar que o
ambiente total que se encontra por trás dos indivíduos conduza à
saúde; A promoção da saúde requer a participação de toda a
comunidade, alguma coisa que envolva a aquisição – individual e
coletiva – de estilos de vida; A promoção da saúde deve envolver
uma ampla variedade de estratégias e agências – [...] comunicação,
educação, legislação, medidas fiscais, mudanças organizacionais,
desenvolvimento comunitário e atividades expontâneas locais
contra os azares da saúde; Profissionais da saúde têm parte a
desempenhar no processo de tornar viável a promoção da saúde
através de sua defesa e da educação.
A educação para a saúde e suas relações com promoção da saúde tais como
definidas na Carta de Otawa (1987) podem ser consideradas como um referencial (BURY,
1995) que muitas vezes é utilizado pelos que atuam com a educação física. A saúde passa a
ser
percebida como uma possibilidade da vida quotidiana, e não como
um objetivo de vida, é um conceito positivo que coloca como
valores os recursos sociais e individuais, como também das
capacidades físicas. Desta forma ela não é de única
afirmativas de que é candidato a ter os mais diversos problemas de saúde e de que pertence ao que
se chama ‘grupo de risco’, candidato em potencial às doenças da civilização.
174
responsabilidade dos setores sanitários: ela vai além dos modos de
vida saudáveis para visar o bem-estar (BURY, 1995:91).
Procurando encontrar relações entre os princípios da promoção da saúde e a
educação física, Faria Junior (1987:129) a conceituou como “responsabilidades, papel e
ações interativas da educação física com o propósito de apoiar as pessoas e as comunidades
a adotar e manter práticas saudáveis”. O que se percebe em sua proposição é que ela busca
diminuir a importância que o modelo médico deu à prática das atividades físicas, uma
moral que valoriza as coisas relacionadas à saúde, os cuidados com o corpo e com a
qualidade de vida.
A atividade física esportiva praticada por pessoas idosas pode muito bem
representar o que Claudine Attias-Donfut (1988) considerou como sendo um fenômeno de
geração, bem de acordo com as novas relações com o corpo e do que se tem considerado
como uma nova concepção para a saúde. Seja pelo aspecto da sociabilidade, do lazer e da
saúde na verdade não vai alterar para Lovisolo a pertinência da perspectiva moralizadora.
Sendo assim são apontados pelo autor a forte influencia nos fundamentos que dão suporte a
política elaborada para um modo de vida para os aposentados, que foi sendo cada vez mais
respaldada pelos profissionais da saúde e da educação, sendo abordada de forma ampla pelo
conjunto das ciências da saúde, sociais e humanas.
Para um dos atores principais das sociedades modernas, os estados
dos países desenvolvidos, passou a ser um bom negócio investir na
promoção da saúde, sobretudo quando se considera que domina a
representação de que as práticas do movimento pela saúde
redundam em menores taxas de doenças e, como conseqüência, em
menores gastos médicos e hospitalares e maior produtividade no
campo da produção (Lovisolo, 1995:127).
Farinatti (1998), em sua tese de doutorado, analisa a relação entre autonomia,
envelhecimento e atividade física. Seu trabalho procurou se afastar do modelo que
apresenta a questão da saúde do idoso e do indivíduo em geral pelo aspecto da saúde
negativa. Ele confirma que a tendência do modelo de vida ativa que temos encontrado em
alguns autores apresenta fortes evidências de que haveria benefícios entre a prática de
exercícios e um envelhecimento diferenciado. Entretanto, reconhece o autor que há
175
problemas com respeito ao que gerontólogos e geriatras vêm entendendo por autonomia.
No sentido de superar essa questão, ele também se apoiou no conceito de ‘promoção da
saúde’, que encara a saúde por sua multifatoriedade, propõe a desmedicalização,
incorporando a educação para a saúde e o envolvimento do indivíduo nas mais diversas
ações para a consecução da saúde. Confirmando também o que também foi argumentado
por Faria Junior (1991), a saúde passaria a ser um conceito positivo e holístico, e não só a
preocupação com ações de ordem preventiva e curativa.
Ao estudar o conceito de autonomia Farinatti (2000) reconheceu suas implicações
oriundas de concepções negativas, que a reduzem, numa maneira de mostrá-la a partir do
que a impede. Processo semelhante ao que se pode observar em alguns autores que
trabalham a conceituação da saúde e em muitos que escrevem sobre o envelhecimento e a
velhice. No artigo escrito por ele, ficou claro que o conceito de autonomia é variado e ao
mesmo tempo bastante rico, passando pelas explicações que são dadas por meio
das doenças, o declínio fisiológico, o meio ambiente, a
socialização, os potenciais individuais, a rede social, assim como os
desejos pessoais [...]. Apesar de tudo, o fato é que não há definições
universalmente aceitas. Trata-se de uma noção que se encontra em
fase de construção, associada a diversos domínios de conhecimento
e integrando muitas dimensões. [...] trata-se de um valor exposto a
excessos, a preconceitos ideológicos, a práticas mal controladas.
Assim, é impossível estabelecer objetivos no sentido de apreciá-la
ou intervir em suas manifestações, sem dispor de um referencial
que a torne operacional (FARINATTI, 2000:38).
O conceito de autonomia, ao receber influências do movimento de promoção da
saúde, postula como ponto chave, a possibilidade concreta de que a saúde do indivíduo
dependa da realização das potencialidades dos indivíduos e da consecução de seus projetos
de vida; dessa forma o modelo biologizante que tanto influi no modelo de envelhecer
acabaria sendo superado por um “entendimento mais amplo, próximo da noção de
humanidade plena, de cidadania, no qual equilibra-se igualmente a diminuição das
potencialidades em prol de uma vida autônoma, na plena acepção do termo“ (FARINATTI,
2000:40).
176
Idosos e aposentados praticando atividades físicas na França e no Brasil
Foi uma constante a figura do médico como responsável pela prescrição e também
por pesquisas que davam suporte ao que se transformou na sistematização de exercícios
físicos para idosos. Essas características ocorreram tanto na França como no Brasil.
Encontramos em revistas brasileiras especializadas em educação física artigos que já
abordavam a relação entre exercícios físicos e envelhecimento desde o início do século
XX123. Em nossa análise, iremos nos ater particularmente ao período em que o
envelhecimento passou a ser considerado problema social, merecendo uma política de
modo de vida que, a partir do que se verificou na França, foi mais marcante após os anos
sessenta.
Tanto naquela década como na subseqüente, podemos citar o interesse do Dr.
Lionel Longueville, que pode ser considerado, na França, um dos que mais se preocupou
com as relações da atividade física esportiva com o envelhecimento. Longueville escrevia
tanto para médicos como para outros profissionais da saúde, caso em que incluía a
educação física, no campo dos que atuam com as atividades físicas para idosos. Ao
defender os benefícios da prática de atividades físicas, apresentava como suporte os
resultados de um estudo efetuado no início dos anos 60 no âmbito da Fundação Nacional de
Gerontologia (FNG), época em que balbuciava a gerontologia enquanto ciência aplicada,
nessa entidade que investigava o envelhecimento social não se fixando mais
exclusivamente na questão saúde ou doença.
Na
FNG,
um
grupo
de
pesquisadores,
procurando
encontrar
melhor
fundamentação para propor a prática das atividades físicas por idosos, apresentava como
ponto principal mostrar que ela influiria em sua qualidade de vida (LONGUEVILLE, 1969). O
grupo de pesquisa foi criado em 1961 e passou a acompanhar o comportamento da ‘terceira
idade esportiva’, que naquele momento considerava as pessoas que tinham mais de 40 anos
123
Na década de trinta começaram a ser publicados artigos a publicação periódica denominada
Educação Física, a partir do seu terceiro ano (SERÁ, 1934), seguindo, com outra, a Revista de
Educação Física , a manutenção dessa temática, até que no ano de 1968 Fernando Teles Ribeiro
escreve sobre a relação exercícios entre físicos e longevidade.
177
e que ainda se submetiam com certa regularidade a algum tipo de treinamento esportivo.
Foram analisados 600 praticantes de esportes como o tênis, atletismo, futebol, ciclismo e
natação. Segundo Longueville, os maiores interessados naquele momento em conhecer
mais sobre a atividade física de idosos seriam ainda os profissionais da saúde, com
predominância do médico, mas já despontava um outro personagem, o animador esportivo
ou animador sociocultural como tem sido mais denominado na França.
Esse estudo serviu para propor o que se denominou ‘atividades físicas adaptadas
para idosos’. Ficou claro que para a maioria dos praticantes investigados o engajamento nas
atividades físicas era um meio de ocupar o tempo, ou o que hoje estamos chamando de
lazer, embora não deixasse de haver a característica ‘higiênica’, que aparecia como o
principal alvo da atividade. A pesquisa concluiu que não foram encontradas significativas
alterações sobre o plano orgânico, porém encontraram-se evidências no plano funcional.
Considerando o aspecto preventivo, houve modificações favoráveis no plano morfológico,
estético e no domínio psicomotor, além da melhora psicológica, já que seria uma forma de
escapar da tédio da solidão.
Passou-se a referir a prática de atividades físicas por idosos como a ‘cura pelo
movimento’, caracterização que até os dias de hoje é aceita por muitos. Em 1965, a então
Federação Francesa de Ginástica Educativa e Ginástica Voluntária124 publica o que foi
considerado como a primeira obra destinada aos animadores que não eram necessariamente
profissionais de educação física125. Na verdade, a publicação foi uma “tentativa de
124
Em 1888, dirigida por Tissié, a Liga Girondina d’Educação Física, reunia médicos e professores
de educação física visando a promover uma concepção educativa da educação física e do esporte.
Na década de quarenta os membros da liga descobriram na Suécia os princípios do que se chamava
ginástica voluntária. A Federação de Ginástica Voluntária sueca foi criada em 1904 e em 1960
contava com 350 mil membros, o que podemos considerar bastante importante diante de uma
população que na época era de 8 milhões de habitantes. Em 1950 ela se transforma em uma
federação e, à medida que o tempo passa, os efetivos aumentam. Se entre 1956 e 1965 eram 350 a
7.500 os associados, na década seguinte passaram a 140 mil. Em 1985 já se contava com 340 mil
filiados, o que mostra a representatividade dessa associação que teve seu nome atual, Federação
Francesa de Educação Física e Ginástica Voluntária (FFEFGV), surgido da fusão em 1972 com a
Federação Francesa de Educação Física, que tinha praticantes que seguiam o método de Hebert
(DECHAVANNE; PARIS, 1988).
125
Na França, os não professores de educação física podem seguir cursos de formação permanente
que os habilitam a atuar com o que se denomina ‘animação esportiva’. Para que isso possa ser
oficializado, o candidato deve seguir certos procedimentos, como prestar um exame que lhe dar
direito a uma autorização para atuar nesse campo. No caso da ginástica voluntária, como formação
inicial, ele deve ter freqüentado no mínio um ano as atividades práticas, ter passado por dois
estágios e um exame teórico e prático.
178
estruturação de uma sessão126 endereçada a adultos de todas as idades [...] era uma ginástica
de inspiração analítica e médica” (PARIS, 1982:7), que teve forte inspiração na ginástica
sueca.
Bernard Paris e Nicole Dechavanne realizaram suas teses de doutorado
investigando o que se passava na FFEFGV. O sucesso dessa associação foi significativo e,
mais recentemente, Desmettre (1996), ao investigar quem participava das atividades da
Federação entre as idades de 18 e 64 anos, verificou que no ano de 1994, em cada cinco
franceses, um participava das atividades de ginástica voluntária127.
A maior preocupação dos pesquisadores ligados a fisiologia do exercício, era
desvendar os limites humanos e as contribuições da prática de atividades físicas esportivas
na melhora ou manutenção da saúde, sem que, contudo, houvesse muitos programas
sistemáticos para grupos exclusivos de idosos ditos normais; ou seja: aqueles idosos que
praticaram ocasionalmente uma atividade física somados àqueles que nunca tiveram
envolvimento com as atividades físicas esportivas. Muitas vezes, ao se preocuparem apenas
com os aspectos fisiológicos da atividade, deixava-se de perceber e se ignoravam outras
possíveis contribuições, como as relacionais, que possibilitam a integração de todos os
participantes, o bem-estar, a felicidade e a autonomia (BEYER, 1987).
Alguns anos se passaram antes que fosse desmistificada a prática das atividades
físicas por idosos e que ela se tornasse mais uma das propostas de educação física e do
esporte para todos. Os praticantes se tornaram mais visíveis a partir dos exemplos de
praticantes das mais diversas ginásticas e de determinados esportes. Esses idosos ativos e
engajados, eram apresentados como indivíduos que envelheciam sem os muitos problemas
de saúde que acometiam o resto da população, que se mantinha inativa ou sedentária. O
126
Em francês, ‘sessão’ de ginástica é o termo mais comum, que mereceu nossas observações em
Faria Junior (1999). O termo limitaria – tal qual consideramos a recreação em relação ao lazer – a
atividade em si mesma, ignorando outras possíveis dimensões que podem ser desenvolvidas. Por
esse motivo, preferimos aceitar ‘aula de ginástica’ como mais pertinente ao tipo de trabalho que
deveria ser feito com idosos e aposentados.
127
As atividades poderiam ser a musculação, a busca do fitness ou da conservação. Foi observado
que o grupo de pessoas que mais cresceu quantitativamente em 20 anos foi o dos idosos, que eram
5% e passaram a 17,18% do total dos 381.357 inscritos oficialmente na associação.
179
grupo dos praticantes nesse momento era marcado por uma característica comum: a maioria
já estava engajada em atividades físicas há algum tempo.
Uma grande divulgação sobre esse novo modo de vida foi endereçado aos idosos e
aposentados por meio de cursos de preparação para a aposentadoria, buscando sensibilizar
os futuros aposentados para um engajamento nas mais diversas atividades, substituindo de
maneira ativa e saudável o tempo em que era anteriormente dedicado ao trabalho. Ernoult
(1986) cita a importância de um jornal endereçado às pessoas idosas que praticavam
atividades físicas esportivas. Nele era mostrada a atividade física como um potente meio de
preservação da autonomia e da qualidade de vida dos aposentados. Um dos objetivos do
Correio do Corpo era indicar desde exercícios a resultados de pesquisas, que acabavam
servindo como conselhos práticos. Paralelamente, incluía informações médicas sobre os
benefícios de estar em atividade. O autor acrescenta que, na França, as associações
destinadas a pessoas idosas em que se praticava atividade física funcionavam a partir do
trabalho voluntário, e alerta para o fato de que não havia muito compromisso profissional
com o que era proposto, motivo que, certamente, gerou alguns problemas, já que não era
requerida uma formação mais sólida dos que iam atuar. Nesse sentido, conclui o autor que
as práticas paternalistas não tiveram sucesso entre os aposentados.
Baseado no que ocorreu na França, Michèle Ecochard (1986) caracterizou as fases
do desenvolvimento em ambiente associativo da prática da ginástica, que, de forma mais
organizada, acabou envolvendo muitas pessoas idosas que, até a proximidade dos anos da
aposentadoria, poderiam ser consideradas sedentárias. Nesse sentido, incluiu em sua análise
os anos compreendidos entre 1965 e 1972, que foram chamados de ‘período de maturação’,
resultado da implantação das políticas de velhice.
Segundo a autora, foi nessa primeira fase que começaram a surgir os cursos de
ginástica para idosos em ambiente associativo específico para idosos e aposentados. Os
clubes eram o ambiente de predileção para essa prática, mas
tinha-se nesse período certa dificuldade de distinguir entre a
promoção de uma atividade física e a ação social [...] as primeiras
cobaias das seções de ginástica refletiam uma imagem um tanto
lamentável da velhice, clientela dócil, obediente, manifestando
180
poucos desejos no que envolve a organização das atividades
(ECOCHARD, 1986:1).
O período subseqüente que serviu a sua análise compreendeu os anos após 1972,
estendendo-se até 1980, período que ficou conhecido como de ‘explosão’ e, ao mesmo
tempo, de certa autonomia. A prática dessa atividade física em ambiente associativo
tornava-se aspiração da classe média, época em que o modelo do bom envelhecer
propagado pelas políticas de modo de vida na velhice passou a ganhar perenidade. Nesse
período, houve uma grande influência dos sociólogos que se interessavam em estudar a
aposentadoria. Estimula-se a gestão das associações – como meio privilegiado de inserção
social – pelos próprios idosos. Mas, segundo a autora, “a autogestão dos idosos não passou
de uma ilusão. Em geral são aqueles que tinham as posições de poder na vida profissional
que assumem o comando dessas associações” (ECOCHARD, 1986:2).
Finalmente, ela situa os anos após 1980 como a época em que se encontra maior
estruturação e organização desse movimento, principalmente com o rejuvenescimento dos
novos aposentados. As associações passaram a ter mais a ver com os indivíduos mais
jovens, com uma boa saúde, numa época em que são vários os franceses de 55 anos que
foram de certa forma obrigados ou induzidos a solicitar a pré-aposentadoria.
Verificou-se uma crise de imagem desses novos aposentados que os levava a
afastar-se de qualquer coisa que os associasse aos velhos, inativos, dependentes e
decrépitos. Principalmente no que concerne aos integrantes da classe média, que acabaram
sendo “seduzidos pelo modelo ativo dinâmico proposto, que levou em consideração uma
abordagem que teve no modo de vida uma forte preocupação com a busca da saúdeprevenção” (ERNOULT; ECOCHARD, 1987:28). Além disso, era importante ter em conta que
aqueles que se dedicassem à prática das atividades físicas em ambiente associativo podiam
construir novas redes de solidariedade capazes de substituir as anteriormente perdidas no
momento da aposentadoria. Os argumentos passaram a ir além dos aspectos higiênicos, pois
“tanto a ginástica como o esporte na aposentadoria favorecem a formação ao mesmo tempo
de uma família, um grupo militante, um grupo de consumidores precavidos” (ERNOULT;
ECOCHARD, 1987:28).
181
Como se pode observar, os programas específicos de atividades físicas para idosos
dos anos sessenta surgiram ao mesmo tempo em que balbuciava a gerontologia Tais
programas eram considerados uma verdadeira ‘terapêutica do envelhecimento’, num
momento em que ainda se verificava o isolamento dos professores de educação física
(LONGUEVILLE, 1987). Segundo esse autor, era uma época em que o “movimento parecia
algo insólito, ou no mínimo reservado ao uso médico, confiado com muitas precauções à
exclusiva responsabilidade do médico e do cinesioterapeuta” (LONGUEVILLE, 1987:13). O
grande passo foi atingido após a desdramatização do esforço físico dos idosos, e à
conseqüente diminuição da importância dos auxiliares médicos, o que em resumo seria:
desmedicalizar para dar importância à fonte de prazer que a atividade física poderia
propiciar. O caráter preventivo poderia ser utilizado, diz o autor, como um meio de evitar o
mau envelhecimento, expresso pela dependência que acabava gerando altos custos
econômicos e sociais. Nesse sentido, uma política de prevenção deveria ser “notadamente
marcada sobre a manutenção da condição física e a preservação do gesto utilitário”,
evitando-se ou limitando-se “a entrada no estado de dependência – catástrofe sobre os
planos humanos e econômicos – cujo último estágio seria ficar entrevado numa cama”
(LONGUEVILLE, 1987:15).
A entrada dos professores de educação física não foi acompanhada de
preocupações mais metodológicas de como atuar com grupos de idosos; na maioria das
vezes o que se via era a prática com fim em si mesmo. Consideramos tardio o aparecimento
do tema nas publicações de educação física, como na revista Educacion Physique Sportive
(EPS), que só no final dos anos sessenta apresentou, pela primeira vez, um artigo que
abordava a prática das atividades físicas por idosos (ADAM, 1968), mesmo assim, citando
uma experiência realizada em outro país, no Centro de Rejuvenescimento de Sofia, que na
época, teve muito espaço na mídia.
O artigo defendia um método não muito usual para a época: mostrava-se, pela via
científica, que somente sob a forma de exercícios e de treinamento poderia haver uma
involução da atrofia senil. A pesquisa apresentada foi realizada com dois grupos: um se
submeteu ao treinamento e o outro ficou como grupo de controle. Após um ano de
182
acompanhamento, constataram-se diversas melhoras. Uma das conclusões nos pareceu
fundamental, pois já apontava para a importância dada também à sociabilidade propiciada
pela atividade, que poderia ainda influir na autonomia, estimulando a pessoa idosa na luta
contra o isolamento128.. No mesmo número da revista foi apresentada a Ginástica Voluntária
(BOUCKEY, 1968) como uma nova ‘alegria de viver’, que possibilitava a participação das
‘mães de família’. De certa forma, o que em outras palavras estava sendo dito era que se
pretendia atingir aqueles que tinham tempo disponível, e nesse caso também se incluiriam
os idosos e aposentados.
Dirigindo-se aos profissionais de educação física, Lionel Longueville (1970) foi o
primeiro a tratar do assunto de maneira mais didática, abordando a forma como se deveria
atuar com idosos. É importante registrar que, apesar de estar se dirigindo àqueles
profissionais, as fotos utilizadas para ilustrar seu texto apresentavam o responsável pela
atividade sempre vestido com um guarda-pó branco, típico da indumentária dos médicos.
No caso dos praticantes, verificamos que nenhum portava qualquer vestimenta considerada
adequada à prática das atividades físicas.
Surgido a partir da necessidade de preparar quadros para atuar, o primeiro estágio
oferecido aos professores de educação física, realizado na Escola Normal Superior de
Educação Física e Esportiva (ENSEPS, 1971), enfatizava, no manual distribuído aos
participantes, a reabilitação, mostrando que os complicadores aparecem cedo e que a
prevenção é fundamental (COUTIER, CAMUS
E
SARKAR, 1980). Por esse motivo, seria
necessário que o indivíduo fizesse uma preparação para a terceira idade, mantendo contato
com os mais jovens, participando de atividades associativas. Recomendava-se que para
uma atividade física esportiva de idosos seria necessária uma “verdadeira pedagogia e
muito de psicologia e atenção, qualquer que seja o educador: fisioterapeuta, professor de
educação física ou animador esportivo” (ENSEPS, 1971: 66).
Longueville advertia que não se deveria limitar o estudo e a intervenção aos
veteranos esportistas, já que existia ‘uma massa anônima’, muitas vezes ainda sedentária,
que deveria ser sensibilizada para a prática visando à conservação ou recuperação da saúde.
128
Entretanto, essa constatação não significou que na difusão da prática em ambientes associativos
183
Recomendava que o esforço progressivo e regular não deveria ser mais observado como
algo proibido, mas como prescrição indispensável. Caberia aos profissionais médicos
detectar as possíveis contra-indicações, avaliando as possibilidades individuais. O autor
distinguia naquele momento algumas propriedades para as atividades físicas. Primeiro,
serviriam para manter os indivíduos em boas condições, tonificando, sem hipertrofiar,
liberando as articulações, inspirando-se no método natural. A segunda visaria às atividades
complementares, consideradas esportivas ou utilitárias; seria uma reeducação mantendo-se
o espírito lúdico e devendo a atividade ser bastante animada, com pouca emulação. Seria o
lado utilitário aliado ao gosto e ao prazer.
Em artigo publicado na mesma revista, Longueville (1974) apresenta a proposta do
Clube dos Aposentados da Educação Nacional129 que mantinha seus associados bem ativos,
participando mesmo de diversas atividades de caráter físico e esportivo. Com duas
atividades por semana, não demorou muito tempo para que uma mudança comportamental
fosse logo verificada nesse grupo afirma o autor. Inicialmente, constatou-se que a roupa
utilizada pelos idosos que faziam atividade física não diferia daquela com que faziam as
demais atividades. Com o passar do tempo, o uso de roupa mais esportiva passou a ser bem
mais constante. Longueville alertou para um fato que deveria ser considerado: os
professores não teriam ainda se desvinculado de sua formação principal, que era a de
intervir com jovens ou atletas. Segundo ele, as relações estabelecidas entre os profissionais
responsáveis pela atividade não deveriam ser semelhantes às que são estabelecidas com as
crianças e os adolescentes; no entanto, esse fato parece ainda ser uma constante, e até hoje
há dificuldade de alguns profissionais em saber diferenciar a intervenção com jovens e
crianças daquela destinada a idosos e aposentados.
No que se refere ao que era proposto, ficava claro que o principal objetivo das
associações era o de retardar a dependência, visando à conservação das possibilidades de
autonomia nos deslocamentos como também nos gestos mais comuns da vida cotidiana.
tenha existido essa preocupação por parte dos responsáveis pela organização das atividades.
129
A aceitação da proposta parece ter sido demonstrada pela grande procura, já que, inicialmente,
foram oferecidas 100 vagas e, no entanto, o número de inscritos as ultrapassou em 300. Nesse
momento limitava-se a idade para ingresso nessa associação: apenas pessoas entre 60 e 70 anos e
que não tivessem nenhum problema funcional.
184
Com uma parte da programação dedicada a atividades recreativas, procurava-se colocar em
prática técnicas com características utilitárias. Devido ao grande interesse que estava
despertando na categoria dos professores de educação física, outro número da revista EPS
apresentou essa temática, agora dando o exemplo de três diferentes modelos de aulas típicas
para idosos, realizadas em estabelecimentos distintos. Mais uma vez se apresenta na revista
o Dr. Longueville (1974), que agora fala do que considerou como um grande passo para a
discussão, dentro do meio acadêmico, da educação física. Segundo ele isso ocorreu a partir
da criação de uma comissão permanente da terceira idade, especificamente criada para
estudar as atividades praticadas pelos idosos e aposentados em um centro de formação de
professores de educação física.
Um espaço destinado à discussão temática no campo da educação física ficou
concentrado no antigo Centro de Reeducação Física da Academia de Paris, que em 1973 foi
transformado no Centro de Pedagogia Experimental Pierre Mardeuf da ENSEPS, que tinha
o intuito de “estudar a motricidade nas diferentes idades da vida, quaisquer que fossem as
condições do meio e a população” (CAMUS, 1997:11) 130. O objetivo era contribuir para um
melhor envelhecimento, retardando ao máximo o momento em que as pessoas tornar-seiam um fardo para os outros, como também, possibilitando que as pessoas sós pudessem
fazer novos contatos humanos.
Ele expôs no artigo os momentos que antecederam essa criação, dividindo-a em
três períodos: o primeiro foi considerado de ‘observação, de busca por uma concepção’,
compreendido entre os anos 1961 e 1967, uma fase experimental que, ao ser superada, um
dia faria com que fosse também praticada por uma grande maioria de sedentários. Em
seguida, o autor identificou o período dos anos 1969 e 1970 como aquele em que foi dado
grande impulso, principalmente devido a iniciativas isoladas de alguns grupos como o de
Grenoble, Paris XX e XIII, Nice e Aix les Bains. E nos anos 1971-1972 chegou-se a uma
130
Atendendo desde crianças de três meses a quatro anos de idade com a adaptação ao meio
aquático entre crianças e pais; crianças do maternal até o elementar; crianças e adolescentes com
problemas motores, mentais e sensoriais; até os idosos e aposentados. Anos mais tarde, como
laboratório de pesquisas pedagógicas, passou a fazer parte do Instituto Nacional do Esporte e de
Educação Física (INSEP), atuando não só na adaptação como na readaptação de pesquisas
pedagógicas experimentais (CAMUS, 1997).
185
‘fase de concordância’, que passou a ser de uma tomada de consciência desse novo fato
social, época em que apareceram os primeiros estágios na então Escola Normal Superior de
Educação Física e Esportes e nas Federações de Ginástica Voluntária, com uma tomada de
consciência coletiva. Finalmente, Longueville denominou uma fase, que se inicia após o
ano de 1973 e a que chamou de ‘operacional’, na qual se identificava uma euforia
generalizada, quando foram criadas diversas associações por toda a França, sendo grande
parte delas dentro da Federação de Ginástica Voluntária. Nesta associação começaram a ser
produzidas algumas publicações para auxiliar os animadores na tarefa de atuar com idosos
e aposentados.
A necessidade de maior aprofundamento do que era proposto pode ser creditada ao
fato de que logo no início da fase de explosão se constataram alguns fracassos, resultado de
improvisação e isolamento. Os praticantes acabaram sendo submetidos a atividades que não
condiziam com suas expectativas; havia uma simplificação da prática, que se apoiava na
infantilização, na escolarização dos conteúdos, e ao mesmo tempo numa tecnicidade
excessivamente rebarbativa. Por esses motivos, recomendava-se que na formação dos
animadores da terceira idade deveriam ser enfatizados conteúdos que possibilitassem
desenvolver qualidades essenciais para a abordagem psicológica e o bom senso na
adaptação das técnicas à personalidade do grupo.
Quanto aos programas de estágios, eles deveriam ter um ensino
teórico em patologia, psicologia do envelhecimento, economia e
higiene geral da velhice, em pedagogia do movimento da pessoa
idosa. E sobretudo um ensino prático (LONGUEVILLE, 1974:146).
No que se refere à prática de atividades físicas esportivas por idosos no Brasil,
tivemos a preocupação de identificar alguns momentos que podem nos auxiliar na
compreensão de seu desenvolvimento. Inicialmente reconhecemos que, a partir da proposta
de trabalho de professores como Osvaldo Diniz e Antônio Boaventura, já era possível
encontrar, no final da década de trinta, idosos que praticavam ginástica regularmente
(FARIA JUNIOR, 1999). Podemos ainda considerar que essa prática, realizada de maneira
mais estruturada em ambiente associativo, tenha se desenvolvido na Associação Cristã de
186
Moços (ACM) e em alguns clubes semelhantes, porém, não havendo grupos específicos de
idosos, devendo esses últimos se integrar a grupos de adultos relativamente mais jovens.
Quando surgiam praticantes idosos, eram antigos alunos que envelheciam ou idosos que se
juntavam a uma maioria de adultos mais jovens, com a finalidade de praticar uma atividade
física como a ginástica.
Visando reunir turmas de idosos e aposentados enquanto maioria dos praticantes,
com uma proposta específica para esse grupo, reconhecemos as iniciativas do SESC, que,
como vimos, começaram a se estruturar na década de sessenta, coincidindo com o período
que nos interessou discutir. São da mesma época as intervenções da Legião Brasileira de
Assistência (LBA), que organizou alguns grupos de convivência durante os anos setenta,
época em que passou a assumir outros projetos para idosos diferentes do asilamento.
No que se refere a publicações temáticas na área da educação física, até os anos
setenta131 ainda não havia no Brasil muitas publicações destinadas ao professor, ou mesmo
ao público em geral, que abordassem a temática do envelhecimento e sua relação com as
atividades físicas. Entretanto, sabemos que na década anterior fez grande sucesso o livro do
Dr. Mario Fillizola (1964), intitulado Como emplacar 100 anos, que passou a ser um dos
referenciais que tratavam o envelhecimento de maneira diferenciada. Nele, verificamos
como era encarada naquele momento a prática de atividades esportivas por pessoas ditas
idosas.
Chama a atenção o fato de o autor dizer que a idade de quarenta anos mereceria
cuidados especiais e que as atividades esportivas deveriam ser evitadas. Essa idade foi
considerada pelo autor a da entrada na fase de maturidade mental e por, esse motivo, alguns
cuidados com a saúde mereceriam destaque.
Não sendo mais a época de esportes, é a época das produções do
cérebro. O cérebro substitui o músculo na evolução, isto é, o velho
sucede ao moço na lei natural [...]. O candidato a ser velho é aquele
que, chegando aos quarenta anos, começa a ter precauções com a
131
O primeiro artigo a usar a denominação terceira idade e atividade física parece ser o de Legido
(1974). Não havendo muitos periódicos nessa década, é no Boletim da FIEP que vamos encontrar
outras referências no Brasil.
187
saúde; faz-se mais cauteloso, observa dieta, lê a página médica dos
jornais e faz check-up (FILLIZOLA, 1964:22).
Suspeitamos que o surgimento de um interesse diferenciado pode ser creditado aos
fatos que ocorriam em escala mundial e na Europa, em especial; acrescenta-se ainda que no
final da década há bem timidamente a percepção de uma necessária mudança de
mentalidade com relação ao envelhecimento e às atividades físicas. Deu-se na década de
setenta a introdução da campanha do ‘esporte para todos’ no Brasil, como também os
princípios defendidos na Unesco por Pierre Furter de uma educação permanente e para
todos. De maneira semelhante, seguindo esse mesmo tipo de raciocínio universal, foram
tiradas as propostas na assembléia de 1977 da Organização Mundial de Saúde (OMS), que
visavam à ousada – e acrescentamos, inatingível – campanha de ‘saúde para todos até o ano
2000’.
Aliem-se a esses fatos outros que ocorreram em nível nacional: o seminário
realizado em Brasília para discutir a situação do idoso em 1977; a sensibilização de alguns
para a necessidade de uma política de modo de vida para os que estão envelhecendo que
fosse diferente da forma asilar. Ao se verificar a diminuição das taxas de fertilidade, há um
início de conscientização sobre o futuro envelhecimento da população brasileira. São dessa
época o trabalho efetuado no âmbito do SESC e os cursos de preparação para a
aposentadoria. Podemos também falar de outro acontecimento, que foi a preparação que
antecedeu a participação do Brasil na Assembléia Mundial sobre o envelhecimento que se
realizou em Viena no ano de 1982132.
Como se pode verificar, artigos sobre o tema só passaram a surgir com mais
freqüência a partir dos anos oitenta, como conseqüência, acreditamos, de fatos ocorridos na
década anterior: campanha ‘esporte para todos’; as assembléias da Organização Mundial da
132
Os resultados dessa assembléia demonstraram que já existia uma certa convergência de
pensamentos sobre qual seria a melhor maneira de envelhecer, seja no âmbito do que isso representa
para a sociedade, seja no que é relativo ao indivíduo. A prática de atividades físicas e o engajamento
ativo para um envelhecimento saudável eram algumas das recomendações nos países mais
desenvolvidos economicamente, com considerável população de idosos e perspectivas de
crescimento da proporção de velhos.
188
Saúde que tiveram a participação do Brasil; e o interesse por um modo de vida na velhice
em países como a França, que já se ressentiam dos efeitos do ‘papy boom’133.
O que vem sendo recomendado aos animadores das ginásticas para idosos: França e
Brasil
Iniciamos pelas publicações que consideramos relevantes na França. É da década
de setenta o livro A higiene da terceira idade, do Dr. Jean-Marc Roger, médico gerontólogo
que recomenda uma higiene de vida para os idosos com exercícios que “devem ser dosados
em quantidade e qualidade para preencher seu papel na higiene pessoal” (ROGER, 1979:65).
Ao descrever uma sessão típica, o autor diz que não se trata nem de ginástica médica nem
de cinesioterapia; é a oportunidade de se realizar uma boa psicoterapia e, ao se inserir
socialmente134, retardar ao máximo a perda da autonomia.
A FFEFGV publicou, em 1983, um Manual de Ginástica Voluntário, específico
para os que iam atuar com a terceira idade. Ali eram apresentadas as principais motivações,
que não eram muito diferentes das relacionadas à ‘segunda idade’. Seriam: “viver melhor e
o maior tempo possível; permanecer jovem; poder dispor de seu corpo sem sofrer; entreter
as principais funções; restaurar aquelas que ainda podem ser” (FFEFGV, 1983:31).
Apresentou-se um modelo de sessão de que constava a recomendação de se enfatizar a
percepção espaço-temporal para haver uma economia do movimento no gesto diário. Outro
aspecto foi o desenvolvimento das percepções sensoriais, que se mostravam também de
grande importância, sendo apresentados exercícios de entretenimento, visando à
flexibilidade e à força muscular. Outros exercícios eram indicados para a adaptação às mais
variadas situações, sendo sugerida como estratégia pedagógica a apresentação de exercícios
a partir de situações-problema. Os jogos, como as danças, são enfatizados como capazes de
133
A exemplo do ‘baby boom’ criado para caracterizar o significativo nascimento de crianças nas
épocas pós-guerras mundiais, os franceses se utilizaram da forma carinhosa com que as crianças
chamam os avós (papy) para caracterizar o grande aumento de idosos na população. Naquele
momento não podíamos falar desse fenômeno no Brasil.
134
Baseando-se nas atividades realizadas no âmbito da FFEFGV, ficamos sabendo pelo autor que
dos 5.364 praticantes, a maioria é de mulheres.
189
privilegiar a recreação; e para terminar numa sessão típica, uma volta à calma devia ser
estimulada.
As participações de professores de educação física em publicações específicas para
adultos ou idosos começaram a surgir, apresentando preocupações mais de ordem
pedagógica, sugerindo um modelo de planejamento de aulas que seguissem as já
tradicionais das aulas típicas da educação física escolar, em que se divide a atividade em
três ou quatro partes. Enfatizando que a prática de atividades físicas para idosos seria um
método de reeducação e cura pelos movimentos, além da possibilidade de retardar o
envelhecimento. Também consideramos a importância do que foi proposto pela belga
Collignon (1983) que publica na língua francesa, expressando a preocupação com a forma
de se apresentar uma sessão de ginástica para idosos. Como alvo principal a ser atingido
numa sessão de reeducação, a autora apresentou os seguintes efeitos como favoráveis:
o aumento da coordenação neuromuscular; aumento da massa
muscular e o desenvolvimento da rede vascular; melhora da eficácia
dos processos respiratórios e cardíacos; aumento da resistência aos
acúmulos ácidos resultados do trabalho muscular; os gestos serão
mais finos e realizáveis com menos esforços (COLLIGNON,
1993:198).
Um esquema foi proposto pela autora para uma sessão de ginástica135, contendo
inicialmente um aquecimento, exercícios de flexibilidade e força; exercícios de equilíbrio;
exercícios de coordenação e imitação; exercícios de deslocamento no espaço; jogos os mais
diversos; finalizando com um relaxamento. Como duração de uma sessão de uma hora
propõe-se que dois terços sejam de trabalho efetivo, contendo exercícios de alongamento
antes e depois das atividades físicas.
Elizabeth Bali também apresenta as diferentes fases de uma sessão, dividindo-a em
quatro partes: aquecimento, alongamento, musculação e relaxamento. No modelo ‘faça
você mesmo’, a autora sustentou que o equilíbrio entre as quatro fases da sessão e a
execução dos movimentos deve levar em consideração tanto a maneira como o número de
135
Nosso interesse por esse esquema deve-se ao fato de que ele veio a servir de base para o que foi
proposto no Brasil no projeto Idosos em Movimento Mantendo Autonomia (IMMA).
190
repetições necessárias, fazendo o praticante perceber, “ao final da sessão, uma fadiga
agradável e sobretudo um bem-estar físico e psíquico” (BALI, 1985:24).
Na França, um diferencial entre as obras que se dirigiam aos professores e
animadores foi a publicada por Coutier, Camus e Sakar (1980), editada pelo Instituto
Nacional de Esporte e da Educação Física (INSEP). Nela procura-se dar uma visão geral do
interesse pelas atividades físicas esportivas pelo viés ‘esporte para todos’ dos anos setenta,
que identificava a atividade como fonte de saúde, de relaxamento e de integração social. O
trabalho foi o resultado das experiências postas em prática no Centro de Pedagogia
Experimental Pierre Mardeuf. Sem querer ser um manual, apresentou o envelhecimento
diferencial dando-se ênfase a suas dimensões psicológicas, ao que vinha sendo considerado
envelhecer na sociedade daquele momento, possibilitando aos leitores, professores de
educação física, compreender o processo do envelhecimento. A concepção pedagógica foi
apresentada pela integração entre motricidade e psiquismo, a partir da qual se levava em
conta a unidade e globalidade do indivíduo; a atitude pedagógica do animador e a
abordagem pedagógica que ele devia ter. Esta última, a partir da relação
animador/praticante, buscava uma conduta harmoniosa, sendo apresentadas diversas
recomendações, às quais os autores chamaram de leis a serem seguidas. Na busca de uma
conduta harmoniosa no desenvolvimento das sessões, deve-se ter em conta: a lei genética;
da analogia; contrastes; alternância; relatividade; adaptação; economia; integração;
evolução.; continuidade e interdependência (COUTIER; CAMUS; SARKAR, 1980).
No que toca a organização das sessões de ginástica, as considerações levaram em
conta desde a escolha do local; a composição do grupo, duração, freqüência, intensidade e
ritmo; como dosar; a relação entre trabalho individual e coletivo. Levando em consideração
os objetivos que podiam ser desenvolvidos nos aspectos biológico, psicológico e
sociológico, os autores falavam em: manter e reforçar a autonomia física, valorizar o gosto
pelo movimento; criar um clima relacional, em um ambiente cuja dominância deva ser o
aspecto recreativo; criar formas de trabalho para romper o isolamento e possibilitar a
integração social.
191
Para justificar a não apresentação de um repertório de exercícios, os autores
alertam para a importância de que o animador seja uma pessoa competente e imaginativa,
capaz de entender que
mais que o exercício, com fins nele mesmo, é a situação na qual ele
se desenvolve que é interessante e lhe dá sua especificidade porque
é ela que modifica o sentido e o efeito que produz, levando em
conta o projeto do educador. Colocar em situação é, sem dúvida,
provocar um conjunto de estímulos que se traduzem para o
praticante como um problema a resolver. Os exercícios são
exclusivamente meios técnicos a serviço de uma determinada
intenção educativa, sendo que elas devem ter em conta as
motivações, as possibilidades motoras e representativas dos
participantes, como também seu comportamento psicológico
(COUTIER; CAMUS; SARKAR, 1980:61).
Ao apresentar algumas atividades que poderiam ser complementares numa sessão
de ginástica, os jogos mereceram atenção dos autores, sendo divididos em jogos de
abstração, físicos e esportivos. Em nossa maneira de ver, os dois primeiros incorporam
alguns que são também apresentados para crianças e adolescentes. Já no que se refere às
atividades esportivas, propõem-se uma adaptação a esportes tradicionais, como basquete ou
voleibol, e outros que consideraríamos mais apropriados para idosos e aposentados.
Temos apresentado como hipótese que a falta de fundamentação dos que vão atuar
com as atividades físicas para idosos decorre de uma formação específica para esse grupo
social, que tem características bastante peculiares, falha ou inexistente. Muitas vezes,
quando existe alguma formação, ela acaba apresentando elementos a serem trabalhados que
não distinguem muito o adulto normal da criança e do adolescente. Essa lacuna existe ainda
dentro das próprias faculdades de educação física. No caso da França, em determinado
momento ela surgiu na forma de uma disciplina opcional, ou seja, no momento em que o
mercado profissional se ampliava, o que fez com que nem sempre os que foram atuar
tiveram uma preparação que permitisse entender o envelhecimento e a velhice136.
136
Nos anos setenta, algumas instituições de ensino superior de educação física da França, como as
de Rennes, Grenoble e Toulouse, apresentaram a seus alunos uma disciplina opcional que tratava
exclusivamente das atividades físicas para idosos. Tomando como exemplo a ementa da que foi
192
Se os anos anteriores à década de setenta ficaram bem marcados pelo papel dos
gerontólogos e dos médicos que defendiam a prática de atividades esportivas pelas razões
terapêuticas e preventivas, um novo tempo parecia começar com o surgimento da discussão
dos aspectos pedagógicos e sobre a forma como os profissionais de educação física e os
animadores deveriam atuar. Mas ainda se percebia que a maior preocupação caía no
desnivelamento do perfil do praticante, que, sendo bastante heterogêneo, não poderia ser
englobado em fórmulas únicas.
Vailleau (1977) mostrou que quase 80% dos praticantes eram mulheres e
predominavam as motivações relacionadas ao corpo, seja pelo aspecto do bem-estar físico,
seja para diminuir as tensões e relaxar. Outra característica foi a conservação dos gestos
necessários a vida cotidiana, apontada por 51% dos entrevistados. A melhora da saúde
quase sempre era apontada como a mais importante, como também a possibilidade de novas
relações, apontada por 23,7%.
Nicole Dechavanne e Bernard Paris são dois professores de educação física
franceses que, atuando no âmbito da Federação de Ginástica Voluntária, se interessaram
pela melhor qualificação pedagógica dos professores e animadores físicos esportivos. Em
seus livros, ficou claro que a opção da educação física do adulto deve ser entendida como
específica para os problemas dos adultos, devendo se destacar do modelo escolarizado e
evitar a cópia adaptada do trabalho que é feito com crianças (DECHAVANNE; PARIS, 1988;
1994). Os autores falam ainda da importância de conciliar a função essencial de conservar a
saúde ao estímulo para que os idosos assumam, em sua vida, o gosto pelos lazeres
esportivos e a autonomia, para que pratiquem independentemente da presença de um
animador.
A pesquisa de Bernard Paris, realizada na década de setenta entre os praticantes de
ginástica voluntária, mostrava que estética, saúde, jogo e contatos sociais eram as
proposta em Rennes no ano de 1978, verificamos que o objetivo da disciplina seria: possibilitar que
os alunos tivessem acesso a um tipo de conhecimento considerado indispensável para quem vai
atuar com a pessoa idosa, para vir a ser competente na prática das atividades adaptadas para a
terceira idade. A operacionalização desses conhecimentos se daria no nível das atividades de
animação realizadas em clubes e hospitais, que seriam os locais que mais agrupam as pessoas
idosas.
193
motivações que mais incidiam nas respostas de 1.300 ginastas voluntários investigados. Foi
verificado que se por um lado homens e mulheres têm razões semelhantes, o peso de cada
uma dessas características vai variar, e à medida que aumenta o tempo dentro da
associação, participando da atividade, há um deslocamento de sentido da percepção inicial
desses participantes.
Já na pesquisa de Nicole Dechavanne, realizada em 1980 com mulheres que
praticavam ginástica, essa atividade foi considerada por 70% delas como sinônimo de
forma física (entendida como saúde); para 36%, seria um descanso intelectual (65% delas
ainda trabalhavam); para 28%, um meio de encontrar outras pessoas (75% das mulheres
que não tinham uma atividade profissional); finalmente, para 4%, o desenvolvimento
estético, e, para 6%, a descoberta de novas possibilidades com o corpo. Quando sondados
sobre as principais características dos animadores, a competência e o dinamismo foram
apontados por quase 60% dos praticantes; outras qualidades seriam a gentileza e
compreensão (VAILLEAU, 1977).
Concordamos com a análise da evolução da prática das ginásticas feita por
Malenfant (1984) quando ele argumenta que um dos grandes impulsos foi a criação dos
clubes da terceira idade, que seriam essencialmente locais destinados aos lazeres, diversão e
formação. Em 1979 já eram estimados na França uma centena de animadores oficialmente
investidos pelo Ministério da Juventude e do Esporte para atuar com idosos. Dos 3.199
clubes investigados em 1980, 2.407 apresentavam a ginástica de conservação como uma
das atividades físicas propostas.
Novos sentidos passaram a ser dados às atividades físicas dos idosos, e a
preocupação passou a ser cada vez mais freqüente com a capacitação daqueles que iriam
atuar com esse público, já que o êxito da implantação das atividades nos clubes passou a ser
numericamente muito importante, aliado ao fato de terem sido detectados alguns fracassos,
deixando a desejar quanto à qualidade do que era apresentado. Ao proporem uma
pedagogia específica para os adultos, Dechavanne e Paris não tiveram qualquer
preocupação em separá-los entre idosos e não idosos. Segundo suas observações,
considerava-se que as atividades físicas dos adultos deveriam passar pelo campo da
194
educação, sendo necessário atentar para questões didáticas e pedagógicas. Seguiam a
tradição francesa de caracterizar os cursos de atividades físicas para idosos como um
conjunto de sessões, e não de aulas, como normalmente são caracterizadas no Brasil.
Passou-se a dar bastante importância à preocupação com as questões
metodológicas, formulação de objetivos e à necessidade de meios para se avaliar se os
objetivos foram alcançados, que caracterizam o que entendemos como uma atividade
pedagógica de educação física. Percebe-se então uma preocupação com a elaboração de
uma metodologia apropriada que se diferenciaria da educação física adaptada. Segundo
eles, a função básica das atividades por eles propostas seria a conservação da saúde,
preparando os adultos para serem autônomos, um meio de reencontro com o seu corpo.
Haveria uma convergência da saúde com o prazer de se movimentar, com a possibilidade
de influenciar na morfologia do indivíduo. A proposta pedagógica se fundamenta na
pedagogia das condutas motoras elaborada por Pierre Parlebas (1990), que tem como
característica se destacar do modelo biologizante da educação física. “O conceito de corpomáquina e energético é progressivamente substituído pelo de condutas motoras”
(DECHAVANNE; PARIS, 1988:15).
Um modelo foi proposto para compreender o que se passava com relação às
necessidades e motivações dos praticantes. As primeiras são expressas como falta ou perda
de uma determinada qualidade física, e as outras, como necessidade de agir com
determinado fim. Passam a ser importantes a necessidade de se movimentar, os motivos
biológicos e também os motivos de ordem social. A conduta motora deve ser compreendida
a partir das relações dialéticas entre as exigências biológicas e sociais. Entre as onze
categorias trabalhadas por Bouet (apud PARIS; DECHAVANNE, 1988), ficamos com as quatro
primeiras, que podem bem servir para caracterizar as motivações dos idosos em relação à
prática da ginástica. Primeiramente, as necessidades motoras, de gastos energéticos e de
movimento. Em seguida, a afirmação de si, expressa também pela necessidade de afirmar
sua existência e ser reconhecido pelos outros. Em terceiro lugar, uma busca de
compensação, e finalmente as tendências sociais que significam a necessidade de afiliação,
de pertencimento.
195
Quanto à prática pedagógica, as aulas em geral são divididas em três partes:
aquecimento, situações com diversos exercícios, que são subdivididos em três outros
grupos como: os que visam às atividades biológicas essenciais, à coordenação e à
comunicação. Na primeira estão as atividades que visam à resistência geral, força e
flexibilidade. Na segunda estão a coordenação e a destreza, e finalmente a capacidade de
comunicação motora, realizada por meio de diversas atividades. Dentre as atividades que
podem ser desenvolvidas na ginástica para idosos, a inclusão de danças é apresentada como
de capital importância, pois dariam “a oportunidade a cada um de experimentar a felicidade
e o prazer sensual de movimentar o seu corpo” (DECHAVANNE; PARIS, 1988:85). O
exemplo dado pelos autores era a utilização das danças afro-brasileiras, que foram
apresentadas como uma possibilidade de auxílio terapêutico, pois podiam ser praticadas
tanto como liberadoras de tensões como algo essencialmente relacionado a gastos
energéticos. No final da atividade o relaxamento é recomendado.
Os autores argumentam que uma pessoa pertence à terceira idade quando está em
torno dos sessenta anos, no momento que corresponde à aposentadoria. Ao defender a
prática de atividades físicas para esse grupo no âmbito da FFEFGV, recomendavam que
eles se dedicassem o maior tempo possível, para evitar o declínio das capacidades. No
entanto, reitera-se que é tarefa difícil mas necessária desembaraçar-se da concepção
corrente que percebe o idoso pelas perdas e sob o signo do declínio. Para os autores, a
‘doutrina da ginástica voluntária’ privilegia as atividades que estimulam o desenvolvimento
da autonomia, e acaba ficando comprometida no momento em que existe um mercado da
forma física.
Em 1996, foram contabilizados 385 mil afiliados nas associações de ginástica
voluntária, que se transformou na sétima associação esportiva francesa. Espalhada por todo
o território francês, contava com mais de 6.000 sessões em que se praticava atividade física.
As mulheres eram maioria, chegando a 93% do efetivo total (SESBOUÉ, 1996), e 20,56%
têm mais de sessenta anos (BRAULT; LABROUSSE; SEBOUÉ, 1995). Duas tendências foram
apontadas como dominantes no campo das ginásticas realizadas no meio associativo. Umas
podem ser consideradas como suaves ou doces, com uma dominância maior do campo da
196
fisioterapia, e tem encontrado muitos seguidores dos princípios estabelecidos por Meziers,
como também se desenvolvem algumas práticas orientais, como o Tai-chi-chuan ou o
Yoga. Já as ginásticas duras, com uma dominância no campo da conservação e as de maior
gasto energético, são as mais tradicionais.
Em alguns aspectos, o desenvolvimento da prática das atividades físicas no Brasil
acompanha o que se passou na França, só que em épocas não tão distintas e em proporções
que demoraram a ser tão significativas quando se trata do número de praticantes.
Na década de setenta já vemos surgir no Brasil um livro traduzido do alemão que
era endereçado aos profissionais da saúde, em especial aos médicos, editado pela primeira
vez em 1969, com o título Ginástica para velhos. Em sua terceira edição, SCHARLL recebeu
o prefácio do Dr. Maurício Rocha137, que dirigia o laboratório de fisiologia do exercício da
Escola de Educação Física da UFRJ. No livro argumentava-se sobre a importância de
participar ativamente da vida, lembrando que não bastava aos médicos “simplesmente
prolongar a existência (anos de vida)”, mas considerar a “necessidade de dar maior vida a
esses anos” (SCHARLL, 1978:1). Ao recomendar a prática de exercícios físicos, estes eram
apresentados como uma “receita do elixir da longa vida” (SCHARLL, 1978:3). Sem
apresentar qualquer fundamentação teórica, apresentava-se uma série de exercícios de
simples execução, que induzia os idosos a praticá-los em casa, sem nenhuma preocupação
com os benefícios sociais da atividade em grupo. Sugeriam-se ainda os diversos momentos
em que cada um desses exercícios podia ser feito, com fotografias de idosos praticando os
exercícios em roupas que hoje diríamos não ser apropriadas para a prática.
Importante para a divulgação do que vinha sendo feito na educação física não
formal brasileira, a Revista do Ministério da Educação do Brasil passou, nos anos setenta,
a ser endereçada aos professores de educação física. Mas foi só no início dos anos oitenta
que a prática de atividades físicas para idosos veio a ser nela abordada. Na mesma época,
mas com mais freqüência138, o Boletim da Federação Internacional de Educação Física
137
Ressaltamos a importância na época dos argumentos usados como defesa da prática de atividades
físicas por pessoas idosas.
138
Talvez pela influência do desenvolvimento dessa atividade em outros países membros da
federação, já que os artigos eram normalmente de autores estrangeiros.
197
(FIEP), passou também a ser o espaço onde essa discussão se desenvolvia. É interessante
ressaltar que na época o Brasil ainda era considerado um país de jovens, e a educação física
voltava-se ou para jovens ou para a formação de atletas.
Um dos aspectos sob os quais foi abordada a prática das atividades físicas por
idosos foi a partir da fisiologia do exercício, começando no laboratório de fisiologia da
Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEFD-UFRJ). Essa
tendência acadêmica levava em conta as preocupações com a fisiologia do exercício e os
aspectos fisiológicos do envelhecimento, enfatizando principalmente as questões oriundas
da aptidão física. A iniciativa do médico e professor Dr Maurício Rocha, que dirigia o
laboratório era até certo ponto isolada do contexto do resto da faculdade. Eram abordados
os limites humanos, as perdas e a importância de estudar os praticantes que envelheciam, o
que pode ser entendido como decorrente de diversos estudos que estavam se desenvolvendo
em outros países. Seriam as pesquisas voltadas para estudar os ‘veteranos esportistas’, um
grupo que na verdade mesmo enquanto envelhecia, nunca abandonou sua prática de
predileção.
Um dos primeiros artigos endereçados aos professores de educação física, a
respeito da participação de idosos e aposentados em programas de atividades físicas, não os
via pelo viés biologizante, e sim como forma de lazer. Foi escrito por Katia Brandão
Cavalcanti (1981 a), que até os dias de hoje vem trabalhando a questão do lazer139. Ao se
referir à prática de atividades físicas, a autora defendia sua importância como prática de
lazer, e o exemplo da experiência empreendida no SESC foi seu principal referencial140.
É da mesma época o interesse pela temática ‘idosos e atividade física’ da Revista
da Terceira Idade, editada pelo SESC, que tinha seu público leitor mais diversificado do
139
Em 1996, na Revista Movimento, a autora investiga a relação entre lazer, estilo de vida e
longevidade. É feita uma crítica aos determinismos genéticos e biológicos com relação à
longevidade e dá-se destaque aos aspectos psicossociais. Uma perspectiva holística é defendida para
o desenvolvimento do bem-estar do indivíduo e o ‘lazer transpessoal’ é o campo privilegiado
(CAVALCANTI, 1996).
140
O SESC começou suas atividades em 1963; em 1972 criou o Movimento Pró Idoso (MOPI) e, no
ano de 1979, visando à capacitação de seus técnicos, trouxe da França para ministrar um de seus
cursos, Claudine Attias-Donfut, que na França era pesquisadora na Caixa dos Aposentados e já
desenvolvia pesquisas sobre o lazer dos aposentados e idosos.
198
que a revista que publicou o artigo de Katia Cavalcanti. Destacamos a inclusão, em seu
nono número, de um artigo de Pedro Barros Silva (1982), que, dirigindo-se aos idosos,
defende a importância da prática de atividades físicas, como prevenção, estabelecendo
algumas recomendações práticas, além de apresentar uma aula típica para idosos. Ainda na
mesma revista vamos encontrar um artigo de Psicopo (1982), que três anos antes fora
publicado no Jornal of Physical Education-Recreation. Ali, os aspectos cinesiológicos e
fisiológicos do envelhecimento são apresentados, levando em consideração tanto as contraindicações de determinados exercícios como as possíveis indicações. Ainda na Revista da
Terceira Idade, alguns números depois, outro artigo de Silva (1983) veio a ser publicado,
esse também na lógica da prevenção, que era a tônica dos livros de fisiologia do exercício
que se referiam à prática dos exercícios físicos para idosos na época. Outra forma de
difusão de conhecimento se deu por meio de eventos científicos, que na década de oitenta
surgiram dentro de alguns encontros acadêmicos, como a 1 Jornada de Psicologia da
Universidade Gama Filho, realizado em 1982, ou o 1 Congresso Internacional de Educação
Física de 1984, que, entre outros assuntos, incluíram palestras ou mesas para discutir o
tema atividade física e exercícios físicos para idosos.
Merece destaque ainda, no meio acadêmico, o intercâmbio Brasil-Alemanha na
área de educação física, que possibilitou a presença de professores alemães no país visando
a contribuir para o desenvolvimento da pós-graduação brasileira. Foi bastante significativa
a contribuição dada ao programa da Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul,
onde, além das pesquisas que lá se desenvolviam, passaram-se a publicar alguns livros
traduzidos do alemão para o português. Teve especial impulso na região o movimento
‘esporte para todos’, que já se desenvolvia em diversas partes da Europa, como a Alemanha
e a França, e se iniciava no Brasil141.
A campanha ‘esporte para todos’ visava, em seu decálogo, entre outras coisas, o
lazer e a saúde. Não se referia explicitamente à categoria dos idosos, mas abria espaço para
141
O envolvimento do Brasil com o ‘esporte para todos’ começa com a participação de
representantes brasileiros em um evento internacional realizado no ano de 1973. Em 1975 a
campanha ‘mexa-se’ é lançada em rede de televisão, e a campanha ‘esporte para todos’ é
oficialmente lançada em 1977 (COSTA, 1977).
199
a categoria ‘veteranos’, ‘velha guarda’, havendo também o envolvimento implícito deles
com as atividades esportivas, uma vez que a proposta seria posta em prática por meio do
voluntariado142. Segundo Dieckert (1984), um dos professores alemães que vieram para a
Universidade de Santa Maria, os ‘exercícios físicos para todos’ seriam bem antigos na
Alemanha, datando de mais de 160 anos. Sendo que a partir de 1960 se reativou o que se
chamou de ‘ginástica para todos’, prática difundida no âmbito associativo. Anos mais tarde,
organizou-se o ‘esporte para todos’, que nas mais diversas formas passou a ser freqüente
nas políticas públicas de diversos países. Para Dieckert, no Brasil o termo passou a ser
confundido com educação permanente, integrando, no ano de 1979, o currículo da
Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, com o nome de Educação Física Permanente.
Uma das obras trazidas por aquele autor continha capítulos escritos por
professores que tiveram experiência no campo da ginástica, esportes e jogos para idosos
(BAUR
E
EGELER, 1983). É de certa forma pioneiro o conteúdo do livro, que procurou
organizar os três aspectos que já vinham rondando a nova prática de atividade física dos
idosos. Ficava clara mais uma vez a aproximação com o espírito do ’esporte para todos’, e
logo em seu prefácio, escrito por Dieckert, é lembrado também o momento histórico da
edição alemã, que foi editada no ‘ano internacional do idoso’, comemorado pelos países
membros da OMS em 1982.
A publicação foi dividida em uma parte teórica e outra prática. Na primeira,
apresentaram-se as visões tanto do pedagogo como do médico. Aquele apontava que a
primeira motivação para a prática recebia um forte estímulo do aconselhamento médico
(GABLER, 1983). Uma preocupação com os gestos da vida diária que ficariam
comprometidos com o envelhecimento fazia parte do que era discutido; entretanto, fica
registrada a característica moralizadora da atividade física, seja pelo aspecto da saúde
funcional, ou mesmo da característica socializadora, já que o autor considerava que
poucas coisas são tão deprimentes quanto depender da ajuda de
terceiros. No entanto, o que motiva não é o desejo de permanecer
sadio. Sente-se também o decréscimo da energia, do impulso
142
Uma crítica ao movimento ‘esporte para todos’ pode ser observada nos trabalhos de Cavalcanti
(1981b; 1984) e Faria Junior (1981).
200
próprio. Pensa-se na impressão que se causa aos netos. Procuram-se
contatos sociais, alguém que ouve e mostra compreensão. Alguns
estão mesmos interessados na atividade funcional do que num
encontro de pessoas (GABLER, 1983:25).
A prevenção do mau envelhecimento, expresso pela imobilidade ou a dependência,
é enfatizada, embora os objetivos sociais também sejam considerados bastante importantes.
Os benefícios com a prática apresentada pelos autores são diversificados no que toca os
aspectos funcionais, chegando-se mesmo a afirmar que os idosos treinados estão mais aptos
a enfrentar um acidente ou mesmo uma intervenção cirúrgica. Chama-se ainda a atenção
dos mais jovens, visando à prevenção, uma vez que eles não deveriam se esquecer que
serão um dia velhos.
Paralelamente à promoção da ginástica, jogo e esporte para
Seniores, como auxiliar para auto-ajuda e como contribuição
necessária para um envelhecimento ativo, deve ser modificada a
imagem dos idosos. A sociedade não pode concordar com o
retrocesso, a passividade e as restrições de suas capacidades.
(GABLER, 1983:27).
No desenvolvimento da metodologia proposta, segue-se a tradicional divisão da
aula em três partes: preparação com o bate-papo inicial e o aquecimento; parte principal
com um tema diversificado a cada aula, envolvendo melhoria da postura, mobilidade,
fortalecimento da musculatura, respiração e resistência; e o encerramento seria destinado
aos jogos de movimento, com canto e danças. Com relação ao tratamento dispensado pelo
responsável pela atividade, há a recomendação de não se dirigir aos idosos como se eles
fossem crianças, evitando a infantilização. No que toca o ponto de vista do médico, é a
saúde o principal foco, recomendando-se os exercícios que visam à circulação, à
mobilidade das articulações, ao alongamento dos músculos e à coordenação (ELLWANGER,
1983). O livro apresenta uma parte prática que pode ser compreendida como um manual,
em que são oferecidos exercícios com implementos, com as mão livres, em deslocamento,
parados, com diversos graus de dificuldade. Na parte destinada aos jogos, observa-se que
muitos deles apresentam codificações que levam à emulação, alguns dos quais têm sido
considerados por nós como mais adequados à educação infantil do que a uma atividade
proposta para idosos e aposentados.
201
No ano de 1985 percebemos mais uma vez a abordagem no Brasil pelo viés do
lazer/recreação, que, junto com o caráter higiênico, continua até hoje se apresentando com
mais freqüência na literatura que trata das atividades físicas dos idosos143. A abordagem do
tema ‘recreação e os idosos’ esteve presente no V Congresso do CBCE, realizado em Poços
de Caldas, onde foi apresentado um trabalho intitulado “Atividade recreativa na terceira
idade” (SÁ, 1985 a). A autora publica no mesmo ano um artigo na revista do CBCE (SÁ,
1985 b), onde faz uma comparação entre os idosos brasileiros e os americanos que praticam
esportes. Falamos de um período que acompanha, ainda que de forma isolada, a discussão
temática que passou a ocorrer nas faculdades de educação física, cuja entrada se deu tanto
pela fisiologia do exercício como pelo lazer – esta última a partir dos aspectos
motivacionais e pedagógicos.
A outra grande tendência que se desenvolvia nos centros de formação brasileiros
acompanhou o movimento do ‘esporte para todos’ dos anos 70, possibilitando a elaboração
de propostas fora do ensino considerado formal da educação física e do treinamento
esportivo.
As universidades que optaram por aprofundar seus estudos no
esporte para todos vislumbraram as demandas sociais por uma
educação física considerada como informal. Entretanto, a
abrangência desta disciplina envolvia várias faixas etárias, e os
idosos mereciam uma breve discussão, inserido-os numa prática
ainda pouco estudada que chamaremos de ‘lazer ativo’ (ALVES
JUNIOR, 1999:59).
Apresentamos também duas outras tendências que foram forjadas na mesma
década. Alfredo Gomes de Faria Junior, ao participar, com outros profissionais de educação
física, da elaboração em 1984 da ‘Carta de Belo Horizonte’, aponta para a existência de um
problema de acesso dos idosos à prática de atividades físicas. Anos mais tarde, diante
dessas constatações, propõe, no Instituto de Educação Física da UERJ, a discussão do idoso
e a educação física no âmbito da disciplina Tópicos Especiais em Educação Física. Essa
143
Como pode ser observado, outros focos mereceram com o tempo atenção: autonomia e
dependência; aspectos cognitivos e psicossociais, recebendo influência da prática das atividades
físicas.
202
abordagem foi por ele considerada como ‘sócio-educativa’. Há de se registrar que no ano a
de 1997 a revista do programa de pós graduação do mestrado e doutorado em educação
física da Universidade Gama Filho (MOTUS CORPORIS, 1997), publica um número
exclusivo à discussão da temática atividade física e idosos mostrando que se o assunto
recebe pouca importância na graduação144 o mesmo já se apresenta de forma mais
substanciada na pós graduação, principalmente levando em consideração os aspectos mais
sociais e antropológicos que foram abordados na revista145. Outra tendência por nós
observada foi difundida no meio acadêmico sob a denominação ‘Educação Física
Adaptada’, que segundo informações do Professor Lamartine Pereira da Costa no I
Congresso Estadual do CBCE, no Rio de Janeiro em 1998, fazia parte dos currículos de
40% das faculdades de educação física. Entretanto, isso não significa que os idosos fossem
plenamente abordados, já que
o conceito atividade física adaptada foi forjado no Canadá em 1977
por um grupo de especialistas das áreas da deficiência física e da
inadaptação social. A finalidade seria difundir no meio acadêmico a
necessidade de preparar futuros profissionais para atuarem com
pessoas com situações de deficiência. Tratava-se do
reconhecimento de uma necessidade que visava atender uma
demanda social em setores dos mais variados. Justificava-se que o
público-alvo necessitaria praticar atividades físicas, quer seja com
fins recreativos, como esporte de competição, como atividade
ocupacional, podendo visar entre outras a reabilitação. De forma
bastante abrangente, na forma de uma disciplina, englobava pessoas
que tivessem deficiências: motoras, sensoriais, mentais.
Acrescentavam-se ainda os inadaptados ou excluídos socialmente e
as pessoas idosas (ALVES JUNIOR, 1999:59).
Os anos noventa ficam marcados pela entrada definitiva da discussão da atividade
física para idosos no Brasil e isso se deu de maneira bastante diversificada, desde a criação
144
Em 1992 já acusávamos a importância de se ter uma disciplina específica para preparar quadros
que vão atuar com esse grupo social (ALVES JUNIOR, 1992), fato que até hoje ainda não se tem
verificado com muita freqüência.
145
Cinco anos mais tarde é publicado um número temático na Revista Brasileira de Ciências do
Esporte (CBCE, 2002) relacionando Atividade física e envelhecimento. No seu editorial ficou
registrado que “há necessidade de incentivos aos grupos que estudam este assunto, com o objetivo
de ampliar a produção de conhecimento e, cada vez mais, dotar essa produção de um rigor teórico
que identifique um processo qualificador dessa produção” (p.7).
203
de projetos associativos, até mesmo com a defesa de diversas dissertações de mestrado146
que abordavam a temática do envelhecimento e sua relação com a educação física,
passando também a existir seminários específicos para discutir atividade física e
envelhecimento.
Na França, diferentemente do Brasil, essas atividades estão mais próximas do
campo da ‘animação’, sendo que os quadros de animadores que atuam com idosos são
preparados fora do meio acadêmico147, nas Federações, como por exemplo a dos
Aposentados Esportistas (FFRS) e a de Ginástica Voluntária (FFEPGV), que são as duas
com maior representação e que têm autonomia para outorgar os certificados conhecidos
como ‘Brevet d’Etat’148, que dão direito à prática profissional do que é denominado
‘animação esportiva’.
Procuramos aprofundar essa revisão verificando o que vem sendo estudado no
Brasil, levando em conta, agora, seu aspecto original ou também o caráter de proporem
alguma metodologia que acabaria servindo de suporte àqueles que atuam com a prática de
ginástica.
Na forma de dissertação de mestrado, Rosecler Vendruscolo procurou analisar as
representações das pessoas idosas sobre as atividades corporais. Ela aponta que numa
sociedade em que se tem como valor predominante a produtividade, o idoso tende a ser
marginalizado. Uma nova ordem se estabelece; os velhos passam a ser considerados como
146
Levantamos no banco de teses em Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia que
foram defendidas duas dissertações na Universidade de Santa Maria em 1986. Depois disso, na
década, só a de Sueli Sobral, na UFRJ, orientada pelo Dr Maurício Rocha. Do ano de 1990 para cá,
33 outras dissertações foram catalogadas, não se levando em consideração outras que foram
apresentadas em outras áreas de ensino diferentes da educação física. Mais da metade delas discute
a saúde, os aspectos biológicos e o rendimento motor.
147
As instituições universitárias francesas de educação física são conhecidas pelo nome de Ciências
e Técnicas das Atividades Físicas Esportivas (STAPS). Criadas só no ano de 1985 e geridas pelo
Ministério da Educação Nacional, preparam professores que vão atuar com o ensino, o treinamento
e a pesquisa. Os cursos de terceiro ciclo em Educação Física (mestrado e doutorado) não têm
trabalhado com muita regularidade a temática dos idosos. Quando ela surge, é em outros campos
como o da sociologia ou das ciências da educação. Ver por exemplo o trabalho de Raymonde Feillet
(2000), baseado em sua tese de doutorado orientada por Vigarello, na Universidade de Paris V.
148
Essas associações são geridas pelo Ministério da Juventude e do Esporte, enquanto que o que
ocorre no meio acadêmico da educação física fica circunscrito ao Ministério da Educação Nacional.
Para saber mais como esses brevets são organizados, ver Plé (1993) e Missoum (1994).
204
mercado, havendo um deslocamento de sentido do que era considerado como saúde, o que
implica uma “remoralização da sociedade” (VENDRUSCOLO, 1996:4). Sua principal busca
era saber o que leva as pessoas a fazerem ou não uma atividade física, procurando fazer um
estudo comparativo entre duas associações de idosos. Algumas razões que normalmente são
apresentadas pelos que praticam atividade física se associam à saúde, beleza corporal e à
convicção de pertencer a um grupo que tem a imagem ligada a quem tem a intenção de ter
uma vida saudável. A partir dos dados apresentados, ficamos sabendo que, entre os grupos
pesquisados, a maioria, como se verifica em associações semelhantes, é constituída de
mulheres, o que pode ser explicado como uso de “um espaço de convívio e a afirmação
pessoal” (VENDRUSCOLO, 1996:54). Com relação à prática anterior de atividade física, os
dados demonstraram que mais da metade nunca havia praticado. Quanto aos motivos, eles
são tanto de ordem extrínseca como intrínseca, ou seja, tanto um meio para atingir um fim
quanto a partir de vontade própria. Tanto para os homens como para as mulheres, quase
70% declararam que a saúde é o motivo principal, seguido da busca de distração e de
emagrecimento. Quanto ao que se entende por saúde, que pode advir dos benefícios das
atividades corporais, em primeiro lugar está a melhora do estado geral, seguida da força,
agilidade, flexibilidade, mobilidade e equilíbrio; depois é apontada a melhora dos
problemas do sono e, finalmente, o emagrecimento.
O que leva os idosos a participar ou não de um programa, seja de atividades
diversas, seja de atividades exclusivamente físicas, vem sendo constantemente apresentado
em dissertações de mestrado. As relações entre o que foi considerado como educação física
informal, promoção da saúde, políticas públicas e teorias sociais sobre o envelhecimento
foram estudadas na forma de um diagnóstico dos equipamentos públicos urbanos de
Niterói, onde eram possibilitadas as práticas de atividades físicas por idosos (ALVES
JUNIOR, 1992). Já o que levou um grupo de idosos a deixar de praticar a atividade ginástica
em projeto específico e também em outras atividades na Universidade da Terceira Idade, da
UERJ, faz parte de outra dissertação de mestrado, elaborada por Luis Carlos Lira (2000),
que procurou entender o que faz idosos e aposentados aderirem, evadirem e depois
retornarem às atividades da associação. Já Leonéa Santiago (1993) procurou discutir a
205
natação masters em sua dissertação de mestrado verificando os diversos sentidos que foram
atribuídos pelos praticantes.
Ellen Salas Furtado (1996:14), a partir de um estudo multidisciplinar, argumenta
que “o exercício agiria sobre a imagem corporal do indivíduo”; entretanto, com a forma
como é apresentada a atividade física para os idosos têm-se a impressão de se estar
oferecendo-lhes um verdadeiro passaporte para a felicidade total. A partir dos dados
coletados, a saúde outra vez é apresentada como o motivo principal que leva os idosos à
prática de atividades físicas, já que para eles a prática de exercícios estaria relacionada à
melhora da qualidade de vida. A atividade física relacionada à saúde, como foi interpretada
pelos idosos, é apresenta nesse estudo pela visão higienista.
Já no trabalho realizado por Eveline Torres Pereira , procurou-se saber se haveria
um deslocamento de sentido na forma de conceber a velhice entre as décadas de sessenta e
noventa. Por meio de entrevistas semi–estruturadas, algumas questões foram levantadas,
como por exemplo o que representava ser velho quando se tinha 30 anos, respostas dadas
por pessoas que na época da pesquisa tinham mais de sessenta anos. Além disso, no sentido
de saber como se percebe o velho na década de noventa, usou-se uma análise de discurso e
uma análise documental de revistas da época anterior. Os indicadores utilizados para a
análise, escolhidos para constar nos painéis que foram montados, foram: indumentária, tipo
de corte e penteado no cabelo, idade aparente, costumes e comportamento. Seis entrevistas
foram realizadas. A partir das revistas verificou-se uma imagem austera e masculina como
predominante, o que contrasta com a imagem que se observa do modelo da década de
noventa. Entretanto, a figura do velho bem-sucedido é semelhante nas duas épocas, que
seria a imagem que convém à mídia. Os dados analisados apontaram para um deslocamento
de sentido, entre os anos sessenta e os anos noventa, sobre as representações da velhice. A
atividade física se apresentou como “ponto central, a partir de onde se tornou possível uma
nova perspectiva para esta fase da vida” (PEREIRA, 1999:75). Na pesquisa ela aparece
como sendo procurada não só pelo aspecto da saúde, mas sim pela tríade atividade – saúde
– relação.
206
No formato de livro temos hoje bem mais opções do que existiam até o princípio
dos anos noventa, alguns surgidos de obras coletivas que falam especificamente sobre o
tema ‘atividades físicas e idosos’, outras sobre idosos, aposentados em geral, surgindo a
atividade física como um dos temas. Há ainda um congresso internacional que já está em
sua sexta versão, discutindo as atividades físicas e o envelhecimento149. Podemos também
avaliar o interesse pelo assunto a partir do que foi apresentado oralmente no Congresso
Brasileiro de Ciências do Esporte (COMBRACE, 2001), realizado pelo CBCE em
Caxambu, onde foram apresentados 14 trabalhos, nos mais diversos grupos de trabalho
temáticos (GTTs). Também merece registrar a presença de trabalhos no Encontro Nacional
sobre o Lazer (ENAREL) e no Simpósio Internacional de Ciências do Esporte – organizado
pelo CELAFISCS. O primeiro privilegiando o lazer e o outro os aspectos biológicos.
Na verdade, ainda são poucas as obras individuais discorrendo sobre o assunto,
sendo que a maioria apresenta os aspectos bio-psicossociais do envelhecimento, com
destaque para o processo de perdas e diminuição da capacidade do indivíduo. Sem esgotar
o assunto procuramos apontar algumas que pelo conteúdo abordado merecem algum tipo de
reflexão.
Uma obra que foi endereçada tanto aos praticantes como aos profissionais,
disponível em português, teve como autores Wagorn, Théberge e Orban (1993). Nesse
trabalho, que procurava constituir-se em manual de ginástica para a terceira idade,
apresenta-se o processo do envelhecimento de maneira bastante semelhante à de outros
trabalhos, sempre a partir da diminuição de determinadas capacidades. Relacionando a
atividade e o grau de independência ao envelhecer de forma prazerosa, recomenda-se ao
público leitor que tire proveito dos anos que restam. Segundo os autores, “apesar de alguns
decréscimos de eficiência e capacidade à medida que a idade aumenta, é possível manter
um nível relativamente alto de desempenho físico e mental por muitos anos”. Apresenta-se
como opções “desistir de nossa independência e definhar ou assumir o controle e
permanecer vigorosamente ativos, desfrutando plenamente nossos anos restantes. Se não
usar, atrofia, é uma regra que se aplica a nosso corpo e nossa mente” (WAGORN, THÉBERGE
149
Falamos do Seminário Internacional sobre Atividade Física para Terceira Idade que teve quatro
207
E
ORBAN, 1993:15). A ginástica é então apresentada como um meio de fazer com que as
pessoas que a praticam permaneçam sempre sentindo-se mais jovens. Na parte endereçada
aos instrutores, verificamos que as informações não se diferenciam das já formuladas em
outras publicações: tipo de calçado, freqüência das atividades, onde fazer, o que fazer, etc.
Mas quando verificamos as atividades lúdicas propostas, vamos encontrar mais uma vez
jogos e brincadeiras que normalmente são apresentados a crianças e que sempre são
alertadas como uma das falhas das intervenções tanto na França como no Brasil.
Rauchbach (1990) ao falar do conteúdo do seu livro, sustenta que nele não se teve
a intenção de ser mais um manual endereçado ao profissional, e busca propor atividades
que influam no envelhecimento bio-psicossocial, visando a uma reeducação das funções
diárias. As atividades recreativas ganham destaque, recomendando-se que sejam adaptadas
para o idoso. É apresentada uma pesquisa que teve como intenção promover a saúde
funcional dos idosos, ficando claro o caráter de prevenção da sua proposta.
No campo da pesquisa do que pode ser alcançado com as atividades físicas dos
idosos, a questão da avaliação funcional, da autonomia e do desempenho nas atividades da
vida diária sob diversos aspectos vem sendo proposta a partir de investigações de alguns
pesquisadores no Brasil. Já encontramos livros e artigos que se preocupam com a forma de
avaliar as atividades físicas e o desempenho dos idosos nas práticas que eles exercem
(MAZZO; LOPES
E
BENEDETTI, 2001; MOREIRA, 2001; MATSUDO, 2000; FARIA JUNIOR,
1999). Entretanto, um problema surge quando essas avaliações, que foram criadas na
maioria das vezes para serem aplicadas em adultos normais, são aplicados em idosos que
carecem de independência física. Isso decorre da grande heterogeneidade dos idosos que
freqüentam os projetos a eles destinados. Andreotti e Okuma (1999) buscaram validar um
teste para medir as atividades de vida diária (AVDs) em idosos que procuram determinados
projetos e que podem ser considerados como fisicamente independentes.
Mazo, Lopes e Benedetti (2001) apresentaram alguns projetos e programas para
idosos e aposentados que se desenvolvem em universidades brasileiras. Consideramos que
este pode ser o local privilegiado para desenvolver pesquisas que façam avançar o
eventos realizados no Rio de Janeiro, João Pessoa, São Paulo e o último em Belém.
208
conhecimento no campo das atividades físicas para idosos. Com o nome Atividade Física
para a Terceira Idade, encontramos quatro programas: o primeiro foi o da Universidade
Federal de Santa Maria, criado em 1984; o segundo, na Universidade Federal de Santa
Catarina, em 1985, o terceiro, na Universidade de Passo Fundo, em 1990, e finalmente o da
Universidade do Estado de São Paulo localizada em São Carlos, criado também em 1990.
Destacamos ainda o projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (IMMA), que
começou a se estruturar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro a partir de 1989, além
do programa Autonomia Física para Idosos, da Universidade de São Paulo, e o programa
Idoso Feliz Participa Sempre da Universidade do Amazonas (criado em 1987). Há que se
referenciar também as diversas oficinas ligadas às atividades físicas e aos exercícios físicos
que se desenvolvem nas diversas UnATIs, que começaram com a da UERJ em 1992, e
outros projetos semelhantes existentes nas universidades brasileiras.Mais recentemente, em
2001, na Universidade Federal Fluminense, foi criado um projeto de intervenção e pesquisa
denominado Prev-Quedas (ALVES JUNIOR, 2001), cujo foco principal é compreender
melhor o mecanismo das quedas ocorridas nos idosos, apresentando um programa
específico de atividades físicas desenvolvidas com forte característica de lazer.
Buscando entender a pratica a partir da perspectiva didática utilizada
Sebastião Gobbi apontou como preconceituosas diversas atitudes que limitam as
ações voltadas para os idosos, e que a prática de atividades físicas, ao invés de contribuir
para sua derrubada, acaba por reforçá-las. Argumenta que o principal objetivo da atividade
física para idosos é “melhorar ou mesmo manter um nível de aptidão funcional que
fundamente a independência e autonomia do idoso, visando uma melhor qualidade de vida”
(GOBBI, 1997:124). Ao falar da importância de se utilizarem movimentos que
proporcionem prazer e que estimulem a pessoa a praticá-los sistematicamente, critica o que
chamou de uma ‘antieducação física’. Esta acaba beirando “os limites de coerção, impõe
determinados tipos de movimentos alheios aos interesses e potencialidades dos idosos”,
perpetuando dessa forma a mesmice das fórmulas simples em que “a ênfase aos aspectos
209
mecânicos e fisiológicos ocupam praticamente todo o espaço da sessão” (GOBBI,
1997:124).
Em nossa revisão, podemos perceber uma dificuldade de conceituar a maneira
mais indicada para se desenvolver uma atividade física para idosos, que de maneira geral
fica entre os extremos biológico, social e também psicológico. Na obra coletiva organizada
por Faria Junior, em um dos capítulos sobre a responsabilidade da atividade física para
idosos, há uma tentativa de conceituá-la. Um modelo heurístico foi constituído, levando em
consideração sua multidimensionalidade, sendo então estabelecidos oito subdomínios
(FARIA JUNIOR, 1997). Esses subdomínios seriam a competição, superação de limites,
promoção da saúde, experiência pedagógica, experiência social, catarse, experiência
estética e exercício da cidadania (projeto sociopolítico). Se por um lado a revisão da
literatura vem indicando a importância de uma atividade física contínua para melhora do
status de saúde e bem-estar, por outro, aquele autor entende que as atividades físicas devem
ser consideradas tendo em vista a importância dos seis últimos subdomínios, sendo
recomendada uma prática que vise à população como um todo, e não isoladamente para
determinados grupos. Ao defender que a busca da autonomia deve ser privilegiada nos
programas de atividade física para idosos, utiliza o exemplo do projeto que coordena,
denominado Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (IMMA)150. Fica claro que o
referencial que serve de base é o do conceito de promoção da saúde, que considera a
responsabilidade dos indivíduos sobre suas escolhas, a participação individual e do grupo
social nas esferas do que acaba influindo na saúde. Esta última passa a ser entendida por
sua multifatoriedade, desmedicalizada, afetando campos variados como o político e o
educacional. Sendo um conceito positivo, a promoção da saúde incorpora a educação para a
saúde e tem estreita relação com uma educação física compromissada com a promoção da
saúde (FARIA JUNIOR, 1991).
Apesar dos questionamentos apresentados por alguns autores, como a busca de um
paradigma que referencie a prática, pode–se ainda perceber alguma dificuldade na
apresentação de conteúdos apropriados para os idosos em alguns livros disponíveis em
150
Para um aprofundamento nos referenciais, ver Faria Junior (1997, 1999).
210
língua portuguesa. Isso pode de certa forma se diluir pelo fato de ainda existir uma certa
euforia entre os animadores das aulas, como também por parte dos praticantes, que acabam
tomando contato com atividades que muitas vezes não diferem muito do que é feito com
crianças. A constância com que isso ocorre leva alguns autores a chamar a atenção para o
uso de atividades que sejam adequadas.
Em Morgana (1997), verificamos a preocupação em recomendar que as atividades
propostas não deveriam perder a característica de perceber o idoso como um adulto. Essa
recomendação também foi apresentada por Ernesto Marques Filho (1997) e em autores
franceses (DECHAVANNE; PARIS, 1994; DECHAVANNE, 1990). Para evitar essa situação que
parece ser comum, encontramos aqueles que recomendam a adaptação das atividades às
características dos idosos (CAMUS, 1997); outros sugerem que deveríamos considerar a
existência de atividades físicas com características mais apropriadas para grupos de idosos
(ALVES JUNIOR, 1992; 1997; 2000). O que parece ser consenso é que as atividades físicas
dos idosos devem eliminar os jogos pueris, já que tanto adultos como idosos não gostam de
ser tomados como crianças.
Não são poucos os preconceitos com relação à idade e ao envelhecimento em
geral. Um deles fica bem delineado quando a sociedade reduz os mais idosos a crianças que
cresceram; entretanto sabemos que perdas e diminuições das capacidades físicas e
orgânicas não seguem um mesmo ritmo para todos. A sociedade, não reconhecendo as
características multidiferenciais do envelhecimento, constrói no seu imaginário
representações que contribuem para o isolamento dos velhos da vida social. Enfatizando o
declínio, mantém-se o velho sob controle, dependentes do resto da sociedade. Essa
representação é bem comum e pode ser verificada na afirmação de Fillizolla (1964:161) de
que certa regressão, mais dia, menos dia, irá ocorrer:
chegamos ao estado de criança pequena e por último ao
estado fetal. Este é o processo do envelhecimento. Não se
trata de uma inferioridade moral. É o cumprimento inexorável
de uma lei biológica.
211
Ainda com esse autor, observamos que o tipo de recomendação dada por ele às
enfermeiras que cuidavam de velhos era carregada de estereótipos. Elas deveriam ser
‘cuidadosamente treinadas’ para atender os pacientes, devendo com o tempo ir adquirindo
uma habilidade necessária para esse tipo de atendimento.
As enfermeiras, pela manhã, fazem a barba dos pacientes homens e
dão banho neles como se fossem crianças, perfumam-nos e passamlhe talco pelo corpo, mudam o pijama [...] causa satisfação vê-los
felizes e limpos ao sol da manhã, desfrutando daquilo que a
Natureza dá de graça. A velhice bem tratada não é triste, a tristeza
vem de maus tratos que os velhos podem receber (FILLIZOLLA,
1964:172).
A infantilização e a escolarização dos conteúdos foram apresentadas como um dos
grandes problemas verificados nas associações francesas, e se repete também no Brasil.
Sabemos que em muitos momentos a velhice é apresentada como um retorno à infância e,
sendo assim, acaba-se por aceitar como verdadeiro esse referencial de comparação A nosso
ver, a aproximação entre infância e velhice é uma maneira preconceituosa de manter os
mais velhos dependentes (ALVES JUNIOR, 1997; 1999). Ao se aproximarem velhos e
crianças, põe-se em prática uma estratégia bastante sutil de mantê-los incapazes de se
defenderem das injustiças que lhes são cometidas. Acreditamos estar diante de um
preconceito típico relacionado à categoria idade (ALVES JUNIOR, 1992) e que vem sendo
chamado de ‘ageísmo’. Sem ter a pretensão de abordá-las como preconceito, Mario
Filizzola (1964) chamou de ‘etarismo’ as convicções que consideram como uma fase do
envelhecimento a inevitável senilidade, a falta de atrativos de pessoas assexuadas, fracas, e
mesmo inúteis.
Robert Butler tem sido considerado o criador do termo ‘ageism’, que procura
descrever preconceitos resultantes de concepções errôneas e mitos sobre as pessoas mais
velhas (HOOYMAN, 1993). Segundo a pesquisa de Palmore e Manton (in: CRANDHALL,
1980:9), esse preconceito “também pode ocorrer dentro de um determinado trabalho, ou
ainda em certas áreas de pesquisa e no atendimento à saúde”. Também foi sugerido por
HOOYMAN (1993) que alguns defensores dos idosos, no zelo de aumentar o status dos mais
212
necessitados, enfatizam a necessidade de se fazer o máximo para pessoas mais velhas, e
muitos chegam mesmo a se intitular porta-vozes dessa categoria. Essa forma foi rotulada
como um ‘novo ageísmo’, expresso muitas vezes em atitudes paternalistas quando
profissionais que atuam com idosos os chamam entre outras de ‘meus velhinhos’.
A discussão sobre como um modelo de envelhecimento pode trazer à tona alguns
preconceitos nos remete à reflexão acerca dessas questões na atividade física ginástica
praticada por grupo de idosos. Exemplos não nos faltam para encaminhar a pista de que a
infantilização enquanto um ‘ageísmo’ e a preocupação ativista como modelo único do bom
envelhecer acabam muitas vezes sendo a base de uma educação física voltada para idosos
que consideramos equivocada.
Superar essa forma preconceituosa, nem sempre assumida como um ‘ageísmo’,
nos parece ser um dos grandes desafios para os professores de educação física que atuam
sem uma fundamentação sólida do que é o ser idoso e o processo do envelhecimento. Ao
pesquisarmos algumas instituições brasileiras (ALVES JUNIOR, 1997)151 que apresentavam a
atividade ginástica a seus associados idosos, verificamos que a infantilização era bastante
recorrente. A partir da comunicação oral dos professores, observamos que alguns deles não
eram capazes de distinguir a maneira de se dirigir a idosos da forma com que normalmente
se comunicam com crianças. Em casos extremos, assemelhava-se muitas vezes ao
comportamento daqueles que atuam diretamente com crianças que têm algum tipo de
dificuldade. Chamou-nos atenção especialmente quando um dos professores investigados
disse textualmente ao seu grupo: “[...] hoje nós vamos brincar [...] é tão gostoso brincar
vocês não acham!” Logo depois, um jogo bastante infantil foi proposto como prática para o
grupo. Outro professor observado, sob o pretexto de exercitar a memória dos idosos,
solicitou que suas alunas apresentassem jogos de seu tempo de infância. Suas justificativas
com relação à melhora da memória não foram capazes de esclarecer ao grupo o verdadeiro
motivo por que essa atividade fora escolhida. O professor certamente esqueceu-se que o
151
Os casos relatados foram observados e videofilmados, servindo como pré-teste aos instrumentos
de pesquisa que aplicamos posteriormente. Os relatos foram coletados em instituições públicas
consideradas como aquelas que têm trabalhos importantes com pessoas idosas no Rio de Janeiro –
Universidade Federal Fluminense (UFF) e SESC (Três Rios).
213
problema que os idosos costumam apresentar refere-se à memória imediata e não à de longa
duração, a qual ele queria atingir. Assim sendo, não manifestou em sua prática nenhuma
preocupação com algo que estivesse inserido no resgate da história de vida, da memória dos
seus alunos no sentido que Eclea Bosi (1987) procurou dar ao termo. A proposta ficou
solta, fora do contexto da aula e dos objetivos traçados previamente. Repetidamente, o
mesmo professor dizia a seus alunos: “é tão bom ser criança”, e logo em seguida, sugerindo
ter o que consideramos uma imagem negativa da velhice, completava com a frase: “vocês
todas são ainda crianças e aqui devem se portar como tal”. Para não nos alongar com a
profusão de exemplos que teríamos à disposição, ficamos com o caso de uma professora
que se utilizava freqüentemente de cantigas de roda. Numa dessas oportunidades, os idosos
foram estimulados a cantar “escravos de Jó”, sendo solicitado às alunas que
acompanhassem o ritmo da canção com chocalhos, tal como se utiliza nas classes préescolares. De forma semelhante, consideramos como ageísmos afirmações como a de que
os velhos são incapazes, o rótulo de inativos, que acaba por culpabilizá-los pelo fracasso
das políticas sociais e até mesmo o ingênuo tratamento de vovô e vovó, despersonalizando
a indivíduo.
Diferentemente do que encontramos nas publicações francesas, se levarmos em
consideração o que é preconizado em alguns livros editados no Brasil, vemos como é difícil
o abandono de conteúdos infantis, já que há autores que não perceberam a incoerência das
suas propostas. Esse fato foi observado em autores como Raul Lorda (1995), Wagorn
Théberge e Orban (1991), Baur e Egeler (1983). O primeiro autor foi o escolhido para
exemplificar o que consideramos proposta pedagógica de infantilização e escolarização dos
conteúdos.
Lorda (1995), ao defender a necessidade da brincadeira e do brincar, deixa clara a
confusão entre fazer o idoso uma pessoa feliz e satisfeita com uma atividade. A recreação
faria parte da socialização do idoso, diz o autor, e, seguindo à risca os preceitos ativistas,
considera que os exercícios físicos são capazes de propiciar certos prazeres, devendo ser
apresentados tendo em vista as mesmas possibilidades de idosos e não idosos. O livro tem a
intenção de ser um manual, e as atividades propostas contêm forte apelo ao que
214
normalmente é praticado por crianças. Propõem-se atividades que fazem parte do repertório
dos jogos e brincadeiras apresentadas a crianças como: trem gigante; telefone sem fio; aros
musicais (dança das cadeiras); congelar; coelhinho sai da toca, este último usado com outra
denominação. Para completar a proposta do que consideramos como exemplo de
infantilização dos idosos e escolarização dos conteúdos, uma colônia de férias é
apresentada, contendo muito poucas diferenças do que se faz com crianças. Chega-se ao
ponto de se propor um concurso para premiar a cabana mais bem arrumada e a caça ao
tesouro é outra atividade proposta. Podemos supor que a geração dos novos aposentados,
mais críticos e conscientes do que é ser idoso, preocupados com o necessário respeito que
merecem, não aceitarão mais serem reduzidos a crianças ou mesmo tutelados por aqueles
que entendem de velhos e que procuram falar em nome deles.
Acreditamos que o campo das pesquisas pedagógicas nas atividades físicas para
idosos necessite do aprofundamento do que envolve a aula propriamente dita, desde a sua
preparação, como também da forma como a atividade é apresentada pelos professores e
percebida pelos maiores interessados, os idosos. Mas mesmo quando se fala das
preocupações didáticas que envolvem a prática da atividade, muitas vezes os aspectos
tecnicistas e carregados da influencia biologizante ainda persistem.
Laborinha (1997:53) pretendeu discutir o planejamento das atividades físicas para
a terceira idade a partir de uma perspectiva didático-pedagógica. Ao se referir a Muska
Mosston, assinalou que “o professor, ao ensinar, deixa transparecer todas as facetas de sua
personalidade, e isso de certa forma dita seu comportamento e a maneira como conduz seu
ensino”. Como em outras publicações apresentaram-se as relações entre a prática das
atividades físicas e os idosos a partir das alterações biológicas. Ficou também marcado o
aspecto moralizante que está embutido na maneira como a atividade foi apresentada pelos
professores, bem como a utilização das perdas e o declínio funcional para justificar essa
prática. A autora corrobora a concepção de que atividades físicas praticadas por idosos
podem
retardar as alterações decorrentes do processo de envelhecimento.
Ao fazermos essa referência, reportamo-nos a uma prática de
215
atividades regulares, planejada e fundamentada por metodologia
comprovada e isenta de malefícios, lesões e riscos, comumente
encontrados nas práticas desordenadas (LABORINHA, 1997:55).
Em seguida, utilizando alguns princípios já abordados no livro de Baur e Egeler,
diz-se que não existiriam atividades específicas para idosos, já que qualquer manifestação
corporal seria válida, “desde que se entenda e respeite os limites a que estão sujeitos os
indivíduos nessa fase da vida” (LABORINHA, 1997:57). A maneira como cada profissional
vai apresentar a ginástica para os idosos é pessoal, não havendo um modelo único a ser
seguido, cada um devendo se adequar à realidade do público que é atendido. A aplicação
dos conteúdos escolhidos passa então pelo estilo escolhido pelo professor, parecendo variar
entre a diretividade total, em que o professor é o modelo, a outros que propõem situações
de ensino, em que o desenvolvimento de cada idoso leva em conta sua individualidade e
seu próprio ritmo.
Nas últimas décadas que precederam o século XXI, parece existir consenso entre
os autores de que um estilo de vida saudável que inclui atividades físicas possa ser um dos
fatores que influem na qualidade de vida e na longevidade. Mas há bastante exagero, que
pode ser verificado nas páginas dos jornais e revistas especializadas que anunciam sonhos e
ilusões. Aliadas à prática de atividades físicas são apresentadas substâncias químicas,
sugestões para o consumo de determinados alimentos e adoção de hábitos de vida que num
conjunto acabariam influindo positivamente na busca do envelhecimento ideal.
Chamaremos a isso de um novo e promissor mercado
que gera cada vez mais produtos e serviços para velhos: casa
residenciais ou de repouso, engenhos tecnológicos adequados as
suas demandas, alimentos, transporte, lazer, enfim, tudo aquilo que,
supõe-se melhora a qualidade de vida dos velhos” (LOVISOLO,
1997: 10).
Paralelamente, e dando suporte, ‘os especialistas que entendem de velhos’
aparecem com muita força, fazendo a defesa de uma nova gestão do envelhecimento.
Mesmo que hoje em dia haja uma maior visibilidade social dos velhos, isso não nos permite
dizer que de maneira geral idosos e aposentados estejam seguindo o receituário do bom
envelhecer, vindo mesmo a incluir em seu modo de vida alguma atividade física que
216
contribua para isso. Não está claro se o aumento dos praticantes é proporcional ao aumento
da população de idosos, e o aumento total de praticantes. Mesmo que percebamos uma
mudança de hábitos nos novos aposentados, que em determinadas classes sociais passam a
praticar atividade física, não é tão fácil identificar quais seriam as motivações capazes de
explicar esse fenômeno. Poderiam ser: a saúde com fins terapêuticos ou preventivos; o
prazer inerente ao lazer; a necessidade de ter de fazer uma atividade qualquer; a
necessidade de estar no meio dos outros; um fenômeno de novas gerações de idosos; uma
imposição cultural. Enfim, como explicar isto tem sido um grande desafio.
Aceitamos que praticar atividade física no período que ronda a aposentadoria faz
parte de uma bem orquestrada imposição de um modelo único do “bom envelhecer”. Guita
Grin Debert (1999) fala de uma combinação articulada que envolve ‘disciplina’ e
‘hedonismo’, impondo essa nova moral de envelhecer. Seria a defesa, realizada pelos que
atuam no campo do envelhecimento e da saúde, de uma concepção que tem como princípio
a autopreservação do corpo. Assim, os indivíduos que envelhecem são encorajados a
assumir as mais diversas estratégias para combater o que estamos chamando de
‘envelhecimento negativo’. Os gerontólogos, geriatras e elaboradores das políticas sociais
acabaram então colaborando para a construção dessa ideologia peculiar sobre a velhice.
As propostas para a melhoria das condições de vida dos
velhos, enquanto integrantes da ideologia da velhice,
amparam-se na idéia de que, sendo crescente o aumento de
idosos, é preciso lutar no sentido de beneficiar essa parte
esquecida da sociedade (HADDAD 1986:16).
Os que entendem de velhos estariam em sintonia com os interesses da “burocracia
estatal, que procura reduzir os custos com a saúde educando o público para evitar a
negligência corporal”. Assim, a partir dos argumentos que defendem, abrem-se “novos
mercados para a indústria do rejuvenescimento” (DEBERT, 1999:227-8), que de certa
maneira nega e procura camuflar a velhice. Também nesse caso inclui-se a atividade física
como um estilo de vida saudável, que junto a todos mecanismos anti-envelhecimento faz
com que o ideal da eterna juventude seja um sonho para alguns.
217
Quanto à pergunta sobre o desejo de viver mais anos, a resposta normalmente será
sim, mas alertam os que entendem de velhos no sentido de não se deixar de atentar para a
necessidade de envelhecer com qualidade de vida, que como sabemos é um conceito
bastante controvertido e subjetivo. Para atingi-la, afirmam os que atuam com idosos, é
importante adotar um estilo de vida considerado saudável: coma bem, durma bem, não
fume, beba moderadamente, exercite-se e esteja sempre em atividade. Essas recomendações
surgem com certa regularidade em campanhas que são mediatizadas, tentando influir no
estilo de vida das pessoas152.
Uma nova moral entrando em cena procura sutilmente impor à população a
necessidade de se ter um estilo de vida específico, elaboração que fica mais nítida ao se
analisarem os discursos produzidos pelos profissionais da área da saúde, incluindo-se aí os
de educação física, e pelas políticas de incentivo à prática das atividades físicas. Ao que
tudo indica, os resultados dessas campanhas são bastante tímidos, impedindo que se afirme
que tenha havido alguma mudança comportamental na população.
Segundo Lovisolo (1999 b), que procurou discutir as relações da educação física a
partir do binômio educação e saúde, verifica-se uma crise da educação física, que
estendemos aos idosos e aposentados como um dos seus públicos, e que na verdade seria a
crise do que ensinar, que é comum a qualquer outra disciplina. O autor buscou situar a
ligação entre educação e saúde, tendo como ponto de partida a obra de Comenius, já que
prolongar a vida era um dos pontos da abrangência dessa obra. O não saber o que fazer com
o tempo dos idosos é lembrado como uma sutil diferença do que era preconizado, ou seja, o
importante é o modo como vivemos, e não a quantidade de anos que vamos viver. Nesse
sentido, é apontada pelo autor como reducionista a questão do bem-estar e a
contemporaneidade dos pensamentos de Comenius.
152
Muitas dessas campanhas têm a chancela de órgãos governamentais, sendo que duas de grande
impacto ocorreram no Brasil: a campanha ‘Mexa-se’ dos anos setenta e ‘Agita São Paulo’, dos anos
noventa, que passou a tomar as formas de ‘Agita Brasil’ e ‘Agita Mundo”, esta última encampada
pela Organização Mundial de Saúde.
218
A importância de uma pesquisa didática para compreender a lógica da prática
realizada por idosos e aposentados
Nossa opção para compreender a prática da ginástica no meio associativo foi
considerá-la como pertencente ao campo da animação sendo usado o ensino de uma
atividade física, havendo em nosso entender uma transmissão de saberes por profissionais
que se apresentam enquanto professores e se utilizam das atividades físicas. Nosso maior
interesse foi saber como se ensina a ginástica para idosos; o que se pretende ensinar; a
lógica de quem vai ensinar; quem são esses alunos; o que eles esperam da atividade à qual
estão engajados. Quais seriam então as concepções que estão embutidas, tanto na
preparação da aula como em sua aplicação; que tipo de influências são exercidas oriundas
dos significados que são dados à velhice, à saúde e ao lazer. Como tudo isso é levado em
consideração pelo professor, pela associação na qual ele está atuando, como também pelo
próprio aluno. Enfim, procurando caracterizar a prática corrente da ginástica praticada por
idosos em meio associativo, buscamos aliá-la ao estudo de uma didática específica que
ainda estaria em construção.
A atividade física para idosos de uma forma geral carrega em si um aspecto
utilitarista, sendo freqüentemente considerada como parte de um ‘receituário de
movimentos’, que não fica distante do estilo de vida para o bom envelhecimento. Sendo
assim, de maneira geral, seus objetivos comumente propostos visam à manutenção; buscam
influir, como também se referenciam na questão da autonomia dos idosos; além de atuar na
recuperação, promoção e conservação da saúde; combatendo também o estresse com
atividades de relaxamento.
Yves Camus (1985 a), ao analisar a prática das atividades físicas em ambiente
associativo, considerou bastante restritivas as definições dadas pelos biologistas acerca do
envelhecimento. Reconheceu que elas acabam permeando as duas tendências que mais são
encontradas nas ginásticas dos idosos: para a saúde ou pelos aspectos sociais. Segundo ele,
as fórmulas simplistas que desconhecem a possibilidade de integrar o segundo aspecto ao
primeiro escondem as diferenças, passando a idéia de que os idosos são um grupo
homogêneo, desconsiderando sua história individual. A primeira tendência seria
219
considerada tecnicista, e preconiza que a saúde é a preocupação essencial, devendo atuar
sobre as capacidades do indivíduo no tocante a suas condutas motoras. Já a outra dá maior
ênfase ao aspecto social e recreativo, com forte fundamentação no aspecto lúdico,
preconizando o movimento pelo simples prazer de estar na presença de um grupo, sem se
preocupar com qualquer repercussão sobre a condição física.
A ginástica foi então considerada por Camus (1985 b) como parte desse receituário
de movimentos, e o alcance dos objetivos seria determinado pela manutenção, buscando
influir na autonomia. Para ele, no futuro, certamente necessitar-se-á de uma fundamentação
cada vez mais acentuada no caráter educativo, não consistindo apenas em propor uma
adaptação de atividades, mas oferecer às pessoas a possibilidade de adaptarem seus
esforços em função das suas possibilidades e de seus limites. O autor preconizou a
utilização de meios capazes de fazer as pessoas idosas gerirem sua própria prática, ao
contrário do que é correntemente encontrado.
Concordamos que a crítica seja bastante pertinente e atual, pois na grande maioria
das vezes ainda encontramos idosos e aposentados sendo tutelados, sem que lhes seja dada
nenhuma oportunidade de uma escolha pela inatividade, nem mesmo incentivada sua
iniciativa ou criatividade quando em atividade. O papel daquele que se propõe atuar com
idosos e aposentados no meio associativo deve ser de um facilitador, que sirva para guiar os
praticantes para o desenvolvimento de suas ações, “sem monopolizar o poder e o saber,
aceitando dividir com eles, recolhendo suas proposições e as associando cada vez mais à
sua tomada de decisão como ao conteúdo de suas atividades” (CAMUS, 1997:128).
A defesa do autor é por uma gerontologia educativa das atividades físicas
esportivas que tenha como base a educação permanente, embora reconheça que não se teve
qualquer sucesso e se esteja, segundo suas palavras, ‘ainda em elaboração’. Para que tenha
qualquer sucesso, ela deve se apoiar numa abordagem multidimensional, relativizando a
importância da idade cronológica, e se inscrever na ótica de uma educação permanente das
condutas motoras, o que até então não foi construído ou mesmo experimentado de maneira
sistemática.
220
Nosso maior objetivo é fazer avançar não só para uma melhor compreensão dos
aspectos sociais do envelhecimento, como também do que vem sendo considerado como
campo das pesquisas didáticas153 na educação física não formal. Ficando claro que isso será
feito não no sentido de propor modelos superiores ou inferiores, mas sim procurando
compreender a lógica interna da atividade e a maneira como são estruturados e passados os
conteúdos aos idosos.
Uma pesquisa que tenha a intenção de ser compreendida como pertencente ao
campo da didática passa pelos estudo de caráter crítico teórico que visam a auxiliar na
construção dos
alicerces das práticas pedagógicas, não por sua tradição ou
empirismo, mas pela abordagem racional dessas questões [...] Sem
dúvida, a apropriação do saber sempre foi abordada pelos
pedagogos, que são os interessados pelas normas doutrinárias. Se
quisermos ter alguma chance de superar essa etapa, sem dúvida é
necessário apresentar uma abordagem que se apóie sobre um
conjunto de hipóteses, auxiliadas por abordagens epistemológicas e
psicológicas (ASTOLFI, DEVELAY, 1993:8).
Identificando o que se passa durante uma aula de educação física que tem em sua
maioria pessoas idosas ou aposentados; sabendo os anseios desse público; tendo ao alcance
conteúdos bem elaborados e apropriados, utilizados pelos responsáveis com uma
determinada intencionalidade, acreditamos estar contribuindo para que se possa ter mais
sucesso no que é proposto na prática das atividades físicas dos idosos. Mesmo que ainda
não tenhamos muitos referenciais que saiam do que é feito na educação física escolar,
procuraremos, com a devida atenção às suas especificidades, nos valer desses estudos para
fazermos uma reflexão sobre o que ocorre na prática pedagógica direcionada ao grupo
idosos e aposentados.
Os que se interessam pelo estudo da didática da educação física identificam que
durante um determinado período houve forte influência de modelos mais tecnicistas, que
acabam mais preocupados com a eficácia do ensino. A didática deve levar em consideração
153
As pesquisas didáticas e seus conceitos básicos são descritos em ASTOLFI & DEVELAY (1993).
221
a inter-relação professor, aluno e o que se vai trabalhar diante de um contexto político,
social e econômico. Mais do que se preocupar com um estilo de ensino ou mesmo com uma
prática que isola o que faz o professor do contexto social, já encontramos pesquisadores
mais críticos (ROJO, 1997) às concepções tecnocráticas, que acabam contribuindo a
desumanização das trocas sociais que ocorrem no espaço pedagógico.
Jordán (1998) ao especificar a atuação do professor, alerta no sentido de não se
intentar buscar um estilo de ensino que venha a ser considerado como mais eficaz do que
outro, já que estilo seria algo pessoal, não cabendo mais que sejam feitas as tradicionais
comparações. Segundo o autor, Mosston em 1993 ao falar sobre esse tema já mostra
bastante flexibilidade com o que era postulado vinte anos antes. Agora verifica-se que dois
aspectos variaram substancialmente,
por um lado as bases do espectro dos estilos de ensino passam a se
basear na noção de não controvérsia, que significa, não mais se
confrontar os estilos para determinar qual dá melhores resultados;
no outro aspecto, em conexão com o anterior, cada estilo serve para
conseguir um objetivo ou mesmo resultados, assim não se
comparam os estilos já que cada um pode ser mais útil do que outro
dependendo do que se pretende (JORDÁN, 1998:280).
Pelas características dos idosos que praticam a atividade ginástica o estilo
tradicional pode ser o que mais se adequará as demandas de um grupo que não teve a
oportunidade de tomar contato com outras maneiras de intervenção pedagógica. Nele há um
maior controle do animador/professor das decisões que vão estar em jogo no processo que
envolve desde a escolha do que será passado, como será feito e dos recursos que se utilizará
para avaliar. Em geral essa é a forma que é mais utilizada em atividades como ginástica, e
dois tipos de atuação podem ser identificados, um que é feito a partir de uma instrução
direta e outro que recorre a tarefas (JORDÁN, 1998).
Não são poucos os autores que já vêm há algum tempo trabalhando em pesquisas
que se fundamentam no que Gage analisou, chamando-as de paradigmas que atuam sobre o
processo de ensino. Considerando as diversas acepções dadas por Thomas Khun para o
significado de paradigma, Gage ficou com a que o considera, de “maneira intrínseca, um
conjunto integrado de conceitos fundamentais, de variáveis e de problemas ligados a
222
abordagens metodológicas e aos instrumentos utilizados” (GAGE, 1986:412). A escolha de
um ou outro paradigma pelo pesquisador será sempre influenciada pela competência que é
necessária àquele que dele se utiliza, ou seja, o domínio da análise estatística e dos
dispositivos experimentais ou então da análise política ou econômica, da pesquisa histórica,
etnográfica ou crítica estética. Isto é o que faz o pesquisador se dirigir bem mais à vontade
para um ou outro domínio. Entretanto, normalmente o que se vê com relação à não escolha
de uma ou outra estratégia é
o pesquisador científico criticar a falta de objetividade e de
generalização dos trabalhos etnográficos. Por outro lado, o
etnógrafo deplora as pesquisas que são realizadas por seu detrator
por sua inadequação, objetividade enganosa e incapacidade de
produzir uma visão do interior, que não é possível ao se recorrer
aos testes, às estatísticas e aos métodos experimentais (GAGE,
1986:414).
Um dos paradigmas normalmente abordados nos últimos trinta anos no campo do
processo do ensino é conhecido como ‘processo-produto’. As variáveis do processo estão
ligadas ao que se passa no espaço onde se realiza a aula, incluindo o comportamento do
professor e de seus alunos, as interações que ocorrem entre eles, os métodos escolhidos e o
estilo de ensino adotado pelo professor. No que toca as variáveis do produto, são
representadas pelo que foi apreendido pelos estudantes, tanto os objetivos cognitivos e
motores como os valores, sentimentos e atitudes.
Do ponto de vista metodológico, esse paradigma tem recorrido geralmente a
observações estruturadas do processo em sala de aula, a testes de rendimento e a enquetes
sobre as atitude; utilizando também o cálculo de correlações simples e análises
multivariadas, assim como experiências com repartição aleatória dos sujeitos e
manipulação das práticas de ensino (GAGE, 1986:416).
Outros paradigmas são apresentados pelo autor que se relacionam ao processo do
ensino, alguns deles, parecendo mais como modelos para a prática do que verdadeiramente
um paradigma de pesquisa. O que fica mais patente é a busca de alternativas ao ensino
tradicional, que se caracterizaria entre outras por uma centralização no professor, o que é
223
percebido como uma forma ainda bastante difícil de ser abandonada por muitos
professores. Esse modo de centralização foi chamado de modelo de ‘instrução’. Cuban
(1984) se refere ao ensino tradicional como aquele em que o professor fala mais do que os
alunos, havendo pouca alteração na posição em que se coloca o responsável pela atividade,
que fica normalmente numa posição frontal aos alunos, raramente se utilizando do trabalho
em pequenos grupos e quase nunca do ensino individualizado. Para completar essa
caracterização, Cuban diz ainda que será o professor quem vai determinar a utilização do
tempo durante o decorrer da aula. Ele se baseou em pesquisas por ele realizadas, em que foi
verificado o ato de ensinar durante o século XX. Foi constatado que não houve grandes
diferenças entre o que se fazia nos anos oitenta e o que se fazia bem anteriormente.
Como opção diferenciada às pesquisas de cunho quantitativo e experimental,
temos entre outras as pesquisas etnográficas, que são qualitativas e sistemáticas. “O modelo
ecológico apoia-se sobre a integração e interpretação das contribuições dos estudos
etnográficos” (DOYLE, 1986:452). Nesse paradigma passa-se a fazer descrições, tanto
críticas como minuciosas, do que acontece na situação de aula, acumulando os “detalhes
concretos que permitem explicar e interpretar as configurações significativas de
fenômenos” (GAGE, 1986:425).
A pesquisa etnográfica aplicada no paradigma ecológico aborda os diversos
aspectos da vida de determinada classe, compreendendo os componentes da aula, as trocas
verbais que nela ocorrem, as discórdias, a maneira como o professor se dirige aos alunos.
Tenta-se efetuar uma descrição profunda e de maneira crítica, tudo
se colocando numa perspectiva de globalidade [...] Os defensores
do paradigma acreditam que os dados que são levantados pela
observação etnográfica permite gerar novas hipóteses, descobrir
variáveis, padrões ou relações que podem ser importantes [...] As
descrições críticas e minuciosas que são fornecidas pela observação
etnográfica certamente contribuem a explicação e a interpretação de
fenômenos que ocorrem numa aula. Contudo, o que é estudado de
maneira etnográfica está estritamente ligado ao contexto e
particularmente a sua especificidade: isso limita consideravelmente
as possibilidades de generalização dos dados recolhidos (Pieron,
1996:6-7)
224
O paradigma ecológico, tem como objeto de estudo as relações entre as demandas
do meio ambiente e as situações que ocorrem em sala de aula, bem como a maneira como
os indivíduos vão responder. Anteriormente postulava-se que o professor controlasse
totalmente a situação de ensino; hoje, admite-se que ele receba uma série de influências
exteriores que vão atuar nas respostas às situações de ensino propostas. Uma pesquisa
didática de abrangência ecológica analisa situações que saem da vida real, enfim, do
contexto em que é praticada a situação de ensino. O paradigma da ecologia da aula tem
seus fundamentos em experiências naturais que foram definidas por Gilbert de Landsheere
(1979) como expressões genéricas, capazes de designar toda verificação de hipóteses
experimentais em situações preexistentes, não provocadas para fins de pesquisa. A maneira
como os estudantes respondem às situações de ensino como também o estudo das
necessidades do meio ambiente que envolve o ensino, são o objeto de estudo do paradigma
ecológico.
Ao se apresentar em um congresso que visava discutir em âmbito internacional o
que estaria ocorrendo e as perspectivas futuras para o desenvolvimento das pesquisas em
educação física, Daryl Siedentop(1998 a, 1998 b, 1994) também se referiu aos paradigmas,
enfatizando que eles acompanhavam a preocupação de transformar o ensino da educação
física. As pesquisas, nesse sentido, teriam passado de um sentido comportamentalista para
uma abordagem cognitivista, sendo desenvolvido em etapas, caracterizadas pelos
paradigmas já descritos, acrescidos do paradigma das ‘variáveis mediadoras’ e, mais
recentemente, do paradigma ‘construtivista’. As diversas possibilidades de pesquisas
didáticas passaram por transições que levavam em consideração os paradigmas que as
caracterizavam. Se atualmente um tipo de pesquisa é mais privilegiado do que outro, devese a “uma evolução das orientações da pesquisa” (SIEDENTOP, 1998 b:7).
Pieron (1997; 1992) e Pineau (1990) são outros pesquisadores interessados no que
ocorre no ensino da educação física. Procurou-se fazer uma distinção entre as pesquisas que
se desenvolvem no âmbito do ensino, destacando as que se destinam a descrição, a
correlação e a experimentação, e aceitando que essas abordagens possam ser combinadas
225
(PIERON, COSTA, 1998). Na primeira, que é aquela mais afeta às nossas intenções, procurase descrever o fenômeno de forma precisa para compreendê-lo.
é um estágio pelo qual toda ciência deveria passar. O
desenvolvimento de uma instrumentação de análise, de registro ou
de descrição de um fenômeno caminha para sua compreensão. Dois
tipos de informações contribuem para descrever um ensino e o que
o cerca: aquelas que são diretamente visíveis, como os
comportamentos ou as estratégias de ensino, e aquelas que podemos
qualificar de invisíveis, que revelam os valores, as atitudes, os
mecanismos de tomada de decisão ou de reflexões dos atores do
processo pedagógico (PIERON e COSTA 1998:18).
Segundo Jean Pierre Astolfi, a abordagem didática funciona considerando os
conteúdos de ensino como objetos de estudo que permitem reconhecer e analisar os
principais conceitos que permeiam a disciplina. Por esse tipo de pesquisa, pode-se examinar
o funcionamento social desses conceitos, as práticas sociais que eles refletem,
aprofundando a análise das situações de sala de aula para melhor compreender como ela
funciona e o que isso representa. Além disso, a didática, analisando também o modo de
intervenção do professor, seria capaz de possibilitar outras alternativas e, por que não dizer,
ajudar a tornar mais fácil a passagem do saber. Esse tipo de ajuda que ela permite, saindo
de pesquisas não necessariamente vistas sob uma ótica positivista, contribuiria para romper
as barreiras dos professores, que, sem ter outras opções, procuram se manter ‘encastelados
dentro de um modelo único de intervenção’ (ASTOLFI, 1986).
Para transformar o ensino da educação física, não importando o campo de
abrangência, tem-se como condição a pesquisa, sendo complementares duas fases distintas
desenvolvidas a partir de dois tipos de pesquisas: o primeiro tem como alvo descrever com
fins voltados para a compreensão, e o outro visa a agir sobre o sistema (DHELLEMMES et al.,
1986). A partir das pesquisas descritivas, julgamos poder dar um primeiro e importante
passo para conhecer uma situação qualquer. Consideramos estarem elas em conformidade
com as propostas atuais das pesquisas didáticas e a desenvolvemos nas atividades físicas e
esportivas dos idosos. Elas devem ter como objetivo não só descrever os fatos, mas também
“os objetos, os elementos, os acontecimentos, os comportamentos, utilizando diferentes
226
estratégias de observação, tendo como alvo complementar mais freqüente compreender e
explicar” (SPRENGER-CHARROLES et al., 1987:52).
A partir das quatro tipologias abordadas por esses autores – descritiva,
experimental, pesquisa ação e pesquisa teórica –, Jean Pierre Astolfi propõe três
paradigmas para as pesquisa didáticas, sendo que um deles visa à busca de um significado,
feito através de uma análise precisa de seqüências didáticas
recolhidas [...] o trabalho consiste em ir além da narrativa dos fatos
e da conceituação de uma aula, para aproximar sua coerência
interna e se esforçar para compreender o que se apresenta, tanto
pelo lado dos professores como pelo dos alunos. Avançando na
interpretação, aparece freqüentemente o desvio que separa as
intenções e objetivos iniciais do professor de seu modo real de
intervenção, e a percepção que tiveram os seus alunos (ASTOLFI,
1993:10).
A pesquisa em didática das atividades físicas esportivas tem tido como principal
campo de investigação o ensino no meio escolar, sem no entanto inviabilizar outros eixos
de pesquisa. Ela vem a ser
o estudo do processo de comunicação pelo professor e a aquisição
pelos alunos de um conjunto de conhecimentos e de ações
específicas para realizar transformações da sua capacidade corporal
(MARSENACH; MERAND, 1987:16).
Dois modelos de educação física já foram descritos por Jacqueline Marsenach
(1991), e aqui nós apresentamos um deles, que comporta certas características que levaram
a autora a considerá-la como a educação física de ontem, que sem dúvida é o ‘ensino
tradicional da educação física’, que em determinados aspectos não podemos ainda dizer que
tenha havido uma significativa mudança. É um modelo “que se interessa exclusivamente
pela forma exterior das ações, as manifestações gestuais, atribuindo a esta forma uma
importância decisiva, independente do contexto que a produziu”(MARSENACH et al.,
1991:23). Esse tipo de ensino traz consigo uma característica bem forte de centralização
sobre o professor. Atualmente no Brasil encontramos autores como os que circulam no
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) que propõe uma rediscussão da prática
pedagógica do professor de educação física.
227
As pesquisas sobre o ensino das atividades físicas recebem variadas influências e,
segundo um período ou outro, haverá mais ou menos interesse por um dos componentes do
sistema didático: o aluno, o professor e o conhecimento, na relação ternária que os une
(DELIGNIERES, DURET, 1995). Durante algum tempo foram muitas as pesquisas em ensino e
sobre os professores, uma delas realizada entre 1983 e 1987, visava a identificar de maneira
precisa o professor de educação física (DELLEMMES. MARSENACH, MOTA, 1991).
Observou-se que como em outras disciplinas o professor não se dedica exclusivamente a
ensinar; ele anima, incitando os alunos a entrar em atividade. A partir das comunicações
orais dos professores, esses autores identificaram que 30% delas visavam à animação, 23%
seriam dedicadas à organização e 47% serviriam ao ensino. No entanto, a maioria das
comunicações são feitas em interação com as realizações dos alunos.
Uma das questões que rondam os pesquisadores interessados na análise de ensino
procura identificar no professor se a metodologia por ele utilizada contribui para a
autonomia dos praticantes. Encontramos um trabalho de análise do ensino da ginástica de
idosos realizado com o intuito de verificar se o estilo de ensino favorecia ou não o
desenvolvimento da autonomia dos idosos (LABORINHA; FARIA JUNIOR; CYTRYN, 1994).
Concluiu-se que o ensino verificado, tendendo ao estilo diretivo, opor-se-ia aos objetivos de
estimular a autonomia. Certamente, mais estudos são necessários, e temos certeza de que
essa área de conhecimento, que provisoriamente chamamos de gerontologia das atividades
físicas e esportivas, ainda tem muito para ser acrescentado.
Os dados podem ser recolhidos de observações sistemáticas e entrevistas semiestruturadas, que são considerados excelentes meios para produzir dados (KAUFFMAMM,
1996; BLANCHET; GOTMAN, 1992; BLANCHET et al., 1987). O instrumento de observação
que é um sistema de categorias permite registrar o número ou a duração de acontecimentos;
os acontecimentos estudados sendo categorias de comportamentos dos professores e dos
alunos (SIEDENTOP, 1994).
Entre os vários indicativos que podemos utilizar da análise de ensino está a
distribuição do tempo entre as diversas atividades que ocorrem numa situação de aula
(PIERON, 1997). A contabilização do tempo fornece uma boa estimativa de como uma
228
categoria qualquer é privilegiada em relação à duração do tempo total da aula. Vários
autores já vêm trabalhando nesse domínio e alguns resultados chegam a ser surpreendentes
(Pieron, 1997, SIEDENTOP, 1998). Assim, sem considerar-se a qualidade das respostas, o
tempo de engajamento dos alunos fica em torno de 30%, que está entre 12% e 15% do
tempo útil das aulas. A especificidade da prática acaba influindo no engajamento, e em
determinadas atividades, principalmente quando o objetivo é o desenvolvimento da aptidão
física, chegam a mais de 50% (PIERON, 1997). A estruturação do tempo didático em aulas
de educação física seguiria uma tendência cíclica, de tal maneira que, grosso modo, a cada
10 a 15 minutos, novos estímulos são propostos. Jacqueline Marsenach e colaboradores
(1991) observaram que em atividades pouco formalizadas, a freqüência da introdução de
novidades aumenta. Esses resultados representam as aulas de educação física em geral,
sendo que não encontramos na literatura resultados de pesquisas feitas com grupos de
idosos e especificamente em situações de aula de ginástica.
De maneira geral, três ou quatro partes são mais identificadas nas propostas de
aulas, e, como observamos, são bastante semelhantes nas propostas voltadas para idosos. O
esquema de aula tradicional encontrado é constituído de aquecimento e ‘o volta à calma’,
bem identificados nos extremos da aula, havendo uma parte principal que pode ser
preenchida com atividades preparatórias específicas. Analisar a prática da educação física
voltada para adultos de todas as idades é confrontar-se com enorme variedade de tendências
(DECHAVANNE; PARIS, 1994) que resumidamente estariam englobadas nas atividades físicas
e esportivas, que são práticas sociais, "objetivos e meios da educação física" (HEBRARD,
1992).
229
CAPÍTULO IV
CONHECENDO A PRÁTICA DAS ASSOCIAÇÕES INVESTIGADAS
Neste capítulo apresentaremos os dados que foram coletados nos quatro grupos
que investigamos. Começamos com as associações francesas, mais antigas do que as
brasileiras e cujo modelo serviu para orientar essas últimas. As duas associações francesas
investigadas, exemplos das associações de lazer para idosos daquele país, estão filiadas a
federações nacionais que envolvem o conjunto das associações congêneres. Investigamos
levando em consideração sua localização geográfica e proximidade de espaços físicos onde
eram desenvolvidas suas atividades. As duas ficam numa mesma cidade, Rennes, a capital
de uma importante região francesa, a Bretanha. As outras duas estão sediadas no Brasil;
também com espaços físicos bem próximos, estão localizadas na cidade do Rio de Janeiro e
serão analisadas buscando encontrar semelhanças e diferenças com as associações
francesas154.
Inicialmente serão descritas as principais características das associações,
analisadas por seu aspecto organizacional e pela forma como se desenvolve a ginástica para
idosos. Procuramos conhecê-las por meio de observações sistemáticas e a partir de
entrevistas que foram feitas com pessoas que têm envolvimento importante em sua
gestão155. Mais objetivamente, tivemos contatos com os que estaremos chamando de
responsáveis (coordenação, médico, orientador pedagógico, gerente de ensino e
animadores/professores). Todas as entrevistas foram registradas e se somaram a outros
dados que nos foram postos à disposição, como os documentos que orientam as instituições
e as entrevistas realizadas com os idosos. Traduções quando necessárias foram feitas pelo
responsável pelo trabalho.
154
Em Rennes estão situadas a Universidade do Tempo Livre de Rennes (UTL/RENNES) e a
Associação dos Aposentados Esportistas de Rennes (ARRS). No Brasil, a Universidade Aberta da
Terceira Idade da UERJ (UNATI/UERJ) e o Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier, que
atuava em parceria com o projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA).
155
Logo que foram feitos os primeiros contatos expondo os objetivos da pesquisa, solicitamos
autorização para aplicá-la. Aprovada pelas coordenações das associações, nos dirigimos aos
animadores/professores e aos idosos/alunos para que os mesmos tomassem ciência do que
pretendíamos e que também nos autorizassem a investigação.
230
As entrevistas seguiram roteiro pré-estabelecido (ANEXO 1 a 5), procurando-se
respeitar a fala dos entrevistados sem que fosse emitido qualquer julgamento de valor156. Na
formulação dos roteiros, bem como na aplicação das entrevistas, identificação de dados
relevantes e interpretação dos mesmos, seguimos princípios metodológicos preconizados
por diversos autores (COPANS, 1999; KAUFFMANN, 1996; BLANCHET, GOTMAN, 1992;
SINGLY, 1992, BLANCHET et al., 1987). A partir das informações prestadas pelos
coordenadores, animadores/professores157 e idosos, buscou-se: traçar um perfil das
associações e de seus atores, responsáveis e idosos participantes das atividades; identificar
nos entrevistados as influências exercidas por determinado modelo de envelhecimento,
tanto na construção da prática associativa como nas concepções dos idosos/alunos e
responsáveis; mostrar o que ocorria nas práticas didáticas de uma determinada atividade, a
ginástica.
Os coordenadores foram os primeiros a ser entrevistados (ANEXO 6 a 9)158. Foi
previsto que os animadores/professores, com exceção do PAM/IMMA159, responderiam a
perguntas em momentos diferentes: antes de iniciar o ciclo de observações (ANEXO 10 a
13), antes de cada aula a ser registrada e depois de encerrado o ciclo das observações
(ANEXO 14 a 17). Como não nos foi apresentado um planejamento mais elaborado que
contivesse os objetivos e conteúdos que iriam ser trabalhados em cada uma do ciclo das
aulas que seriam observadas, usamos a breve entrevista realizada momentos antes de cada
aula para saber quais seriam as intenções dos animadores/professores com relação àquela
atividade que estaria por começar. Nessa ocasião o animador/professor era também
156
O autor da pesquisa foi o responsável por todas as entrevistas, que tiveram autorização dos
entrevistados para ser registradas em microgravador. Foram realizadas durante o período de
observação sistemática das atividades, ocorrendo entre os meses de janeiro e junho de 1995.
157
Levamos em consideração que tanto há animação, que esse é um campo de intervenção já
reconhecido na França, com uma preocupação didática de passar um conhecimento – essa
percepção também é partilhada pelos responsáveis pelas atividades. No Brasil, a animação cultural
ou sociocultural começa a ganhar seu reconhecimento.
158
A integra destas entrevistas foram apresentadas tal como foram as manifestações dos
entrevistados e estão a disposição na língua original. No caso dos coordenadores da UTL/Rennes
utilizamos as informações que foram prestadas ao trabalho L’Université du temps libre du pays de
Rennes un révélateur d’un modèle social du vieillissement (ALVES JUNIOR, 1994).
231
estimulado a comentar pontos que foram por ele considerados importantes na aula
precedente.
As observações passaram a acontecer: em Rennes a partir do mês de janeiro, se
estendendo por três meses; na cidade do Rio de Janeiro, a partir do mês de maio, findando
também após três meses. Para o futuro aprofundamento nas observações das práticas
pedagógicas, decidimos registrar em videocassete todas as interações que ocorreram
durante o momento de prática pedagógica. Esse procedimento tem sido recomendado pois
dá melhores condições de análise (PIERON, 1998). Em cada local, as primeiras quatro
semanas sempre serviram para testar os equipamentos, verificar onde seria fixada a câmara,
considerando a importância de uma localização que permitisse captar imagem e som de
todo o ambiente. Procurou-se minimizar as interferências que pudessem influir no
desenvolvimento normal da atividade. Após a definição da melhor localização do
equipamento de vídeo, foram feitos testes em situação real, e, em seguida, passou-se aos
registros160 que constituíram um ciclo de cinco observações em cada associação. Três
dessas atividades – a segunda, terceira e quinta – tiveram seu conteúdo analisado a partir
das intervenções orais do professor (ANEXO 18 a 21) e da utilização do tempo destinado à
atividade analisado por modelo (ANEXO 22 e 23). Consideramos cinco atividades como um
ciclo didático suficiente para que se pudessem desenvolver diversas situações, sendo que a
escolha das três atividades seguiram o que já fora proposto por Marsenach (1991).
Com entrevistas semi-estruturadas investigamos os praticantes (ANEXO, 24
A
27),
quinze em cada país, procurando-se saber suas concepções, características pessoais, sua
relação com determinados assuntos eleitos como pertinentes ao nosso interesse de pesquisa.
Verificaram-se suas motivações, o que pensavam sobre o tempo da aposentadoria, a vida
associativa, a atividade física praticada e sua relação com a saúde. Na análise dos dados
159
Como este projeto têm uma orientadora pedagógica, optamos por considerar a entrevista dela
como a que antecedia o ciclo das observações. Nas demais entrevistas quem respondeu foi a
animadora/professora.
160
Em Rennes, os associados da UTL foram acompanhados na Maison du Champs de Mars (uma
sala de aprox. 80 m²), e os da ARRS, na sala Omni Sports (salão de aprox. 400 m²). No Rio de
Janeiro, a UnATI tem suas atividades na UERJ (sala de aprox. 80 m²), e o PAM/IMMA teve parte
de suas atividades desenvolvidas no PAM e outra no Instituto de Educação Física da UERJ (salão
de aprox. 400 m²).
232
coletados, procuramos percebê-los a partir do que foi trabalhado na revisão da literatura,
verificando as intenções dos responsáveis nas atividades e as influências exercidas pelo
modelo do envelhecimento bem-sucedido, que induz aposentados e idosos a ficar ativos o
maior tempo possível, proposta que se verifica tanto na França como no Brasil.
Entendendo as associações francesas onde foram investigadas a prática da ginástica
A UTL/Rennes é uma das 40 associações universitárias que estão ligadas à
Associação das Universidades do Tempo Livre da Bretanha (AUTAL/Bretanha)161. Como a
maioria das associações do gênero criadas na França na década de setenta, foi com a
denominação ‘terceira idade’ que a principal universidade para idosos da região bretã, a
atual UTL/Rennes, começou a oferecer atividades as mais diversas. Isso ocorreu no ano de
1977, iniciando com a participação de uma centena de idosos e aposentados de Rennes.
Desde então a UTL/Rennes vem tendo a sustentação da qualidade do que é proposto pelo
conjunto das universidades (Rennes 1 e Rennes 2), além da Escola Nacional de Saúde
Pública (ENSP), que também está localizada na cidade. “A ligação com as universidades de
Rennes e a ENSP é a garantia do valor universitário das atividades” (UTL/Rennes, 1992:9).
Durante os anos universitários de 1992/1993 e 1993/1994, que antecedem nossas
observações sobre a atividade de ginástica, realizamos uma pesquisa que estabeleceu o
perfil dos participantes das atividades da UTL/Rennes (ALVES JUNIOR, 1994:1998).
Naquele período foi constatado que pela primeira vez chegava-se a 1.300 matrículas na
associação, o que passou a ser mantido nos anos posteriores162. Para uma cidade de 200 mil
habitantes, o número de participantes é surpreendente, principalmente por que existem
outras associações locais também destinadas a manter os idosos ativos e inseridos na vida
em sociedade.
Só após uma década de funcionamento a associação alterou seu nome para
Universidade do Tempo Livre, e verificamos que atualmente na França são poucas as
associações que ainda mantêm o nome que as liga à ‘terceira idade’. Merece registro que a
161
Ela foi criada em 1975, tendo como base a união das associações que seguiam a proposta
elaborada em 1973, na Universidade de Toulouse, a que o professor Pierre Vellas deu o nome de
Universidade da Terceira Idade.
233
modificação não alterou a intenção de se estar primordialmente atuando com aposentados,
idosos e pensionistas; o que alterou foi a inclusão de um novo conceito, a
‘intergeracionalidade’. As associações também passaram a estar abertas a quem,
independente da geração, tivesse tempo livre e não se importasse de conviver ativamente
com pessoas idosas e aposentadas163.
Ao observar os objetivos das UTLs francesas, percebe-se uma nova definição
dessas universidades, que se traduz principalmente pela preocupação de seus organizadores
em favorecer encontros e trocas tais que evitem criar guetos de idosos, crítica que sempre
foi feita aos clubes de idosos. A idade em si não sendo mais considerada como limitação ao
aprendizado; passa-se a privilegiar a troca de conhecimentos intergeracionais, trabalhando
também o capital saúde como o exercício da cidadania. Segundo o boletim da associação, a
UTL/Rennes busca contribuir para a elevação do nível cultural de seus associados,
favorecendo o desenvolvimento pessoal, ajudando a tomar consciência para os grandes
problemas que regem a condição de vida da sociedade em geral. A cada ano letivo o
programa da UTL/Rennes sofre algumas alterações, mas procura sempre envolver as três
atividades fundamentais do que se considera como sendo uma universidade: ensino,
pesquisa e extensão. As atividades propostas surgem da manifestação e interesse dos
associados e elas estariam inclusas em grandes grupos que se aproximam dos interesses
culturais do lazer propostos por Dumazedier (1988)164.
É graças à dedicação do trabalho voluntário de um grupo de pessoas que a
UTL/Rennes funciona165. Chamamos esses voluntários de coordenadores e entrevistamos
162
O aumento vem sendo creditado a mudança do nome.
Com isso, eliminou-se o uso de um determinado critério cronológico para acesso, mantendo-se
ainda o acesso de pessoas com qualquer tipo de escolaridade, talvez este último o que causa ainda
algumas resistências dos mais tradicionais.. Esse também é o modelo de universidades que se
apresentam com as denominações ‘Todas as Idades’ e ‘Inter-Idades’.
164
Temos as atividades com a finalidade de formação geral (conferências); formação específica
(cursos e leituras); grupos de pesquisa; viagens com cunho cultural; atividades físicas e finalmente
atividades com características voluntárias.
165
Nos biênios 1992/1993 e 1993/1994 era constituído de 47 pessoas, que tanto se ocupavam da
parte administrativa como tinham a responsabilidade de conduzir ou de animar alguns grupos. Dois
grupos foram caracterizados os puristas e os reformadores. O primeiro mais idosos e mais antigos
na associação e os outros mais jovens em idade e responsáveis pelas mudanças que demoraram
quatro anos para se efetivarem.
163
234
alguns deles que atuavam no momento de nossa pesquisa como presidente, vice-presidente,
secretário, diretor administrativo, tesoureiro e outros que eram responsáveis por oficinas.
Confirmou-se na associação o que vem sendo encontrado em estudos realizados em
associações semelhantes: mesmo com a abertura a todas as idades166 e a pessoas sem
qualquer nível de escolaridade, é grande a quantidade de idosos e aposentados com forte
capital cultural, quando comparados aos participantes das atividades em clubes.
As pessoas que estavam há mais tempo como associados e voluntários dividiam a
história dos dez últimos anos da UTL/Rennes, estando engajados nas responsabilidades
administrativas de forma voluntária desde seu primeiro ano de inscrição na associação. Eles
se consideravam aqueles que melhor conheciam o conjunto dos participantes, pois, “para
ver a UTL do seu interior, é necessário ser voluntário e vir animar um grupo, trabalhar um
pouco para saber o que se passa”, dizia o seu presidente (ALVES JUNIOR, 1994:83). O uso
do nome universidade não foi considerado como o mais adequado por um dos seus
coordenadores que nesse último trabalho categorizamos como ‘puristas’, “o título é um
pouco presunçoso, pois afinal de contas não são feitos exames [...] a verdadeira
universidade é a dos jovens”. Sendo que outro coordenador, antigo chefe de pesquisas de
uma universidade disse que a UTL/Rennes seria mais um clube. É interessante observar que
há coordenadores que acreditam ser necessário algum tipo de formação anterior para
impedir que a entrada em algumas oficinas fosse aberta a todos:
ter uma condição mínima como base não seria nada mal [...] deve
existir um certo nível intelectual a se solicitar e isso não está sendo
respeitado. Nós abrimos nossas portas em demasia em princípio
pode ser bom mas a conseqüência imediata é que a maioria dos
inscritos são exclusivamente consumidores não tendo as mesmas
qualidades que os estudantes das universidades [...] nós
aumentamos o número de nossos participantes mas o que
encontramos, não devemos temer a segregação (ALVES JUNIOR
1994:83)
166
Na UTL/Rennes, para cada homem inscrito existiam duas mulheres, e a média da idade dos
freqüentadores ficou em torno dos 65 anos, o que na prática demonstra que o fato de abrir as portas
para pessoas mais jovens não descaracterizou a associação, como temiam alguns mais idosos que
chamamos de ‘puristas’ (ALVES JUNIOR, 1994).
235
Já os reformadores acreditam que o crescimento da UTL/Rennes é importante pois
se terá uma maior receita, que acaba possibilitando que se ofereça coisas mais interessantes
ao grupo. Na pesquisa que foi feita por Maximilienne Levet Gautrat (1981) ela já previa
que a renovação das gerações poderia causar entre mais jovens e mais idosos tensões
semelhantes as que ocorrem quando os mais velhos são impelidos a deixar postos de
trabalho para serem preenchidos por mais jovens. Foi necessário algum tempo para que
fossem rompidas as resistências daqueles que se sentiam bem com o nome e com o antigo
estatuto. Na verdade segundo o seu presidente isto se justificava pelo motivo de que os
tradicionalistas estavam satisfeitos como estava e “terceira idade corresponderia ao seu
perfil, eles não viam a necessidade de abrir a outras gerações”.
Uma das coordenadoras da UTL/Rennes assim se referiu a entrada de pessoas mais
jovens: Agora nós temos jovens que vem à UTL/Rennes e certamente foi a mudança de
nome e de estatuto que contribuiu, isso foi bom” (ALVES JUNIOR 1994:88). Analisando os
motivos apresentados que levaram a aumentar consideravelmente o número de associados,
apresenta-se a questão do uso qualitativo do tempo livre com as mais variadas atividades,
associado ao sentido que é dado por alguns autores ao conceito de intergeracionalidade
integrada à educação. Entendemos que da forma como vem sendo abordado, isso
acompanha o processo de catequização de uma sociedade que envelhece; fundamentado
num modo de vida ativo que incorpora saúde, lazer, qualidade de vida e longevidade;
sugerindo muitas vezes que não existiriam mais velhos e aproximando cada vez mais os
aposentados e os idosos de mecanismos que possam retardar o envelhecimento
problemático.
Isso fica claro quando observamos o que vem sendo sugerido na obra La
educación intergeracional: un nuevo ambito educativo, em que, em sua introdução,
Álvarez (2003:15) sustenta que, entre outras, nas atividades intergeracionais não se
considera mais a velhice como improdutiva: “a educação intergeracional rende homenagem
à sabedoria que significa maturidade de pensamento, sentimento, conduta, percebida [...] e
lembra que a vida ativa (física, mental, psicológica) não pode ter fronteiras”. Acabam os
defensores da proposta fazendo alusões funcionais semelhantes aos do movimento da
saúde, da sociabilidade e do lazer.
236
Segundo uma das características levantadas em Garcia Minguez (2003:21), trata-se
de dar importância aos diálogos interculturais, desenvolvidos por meio de uma
troca livre entre pessoas de culturas distintas que, partindo de
campos e motivações comuns, têm como intenção descobrir entre
semelhantes os valores criados para enriquecer o projeto de vida
das pessoas [...] o processo intergeracional é inseparável de uma
animação social e interesses descompassados entre grupos, só que
estamos convencidos de que a diversidade pode enriquecer os
entendimentos pessoais e grupais.
Segundo os que defendem as trocas intergeracionais entre idosos, aposentados e
adultos mais jovens, sua efetivação pode ser realizada no tempo livre e em especial no de
lazer, que passa a ser considerado como “direito humano, um recurso de saúde e signo de
qualidade de vida, uma ação voluntária, eleita em função da satisfação que poderá ser
proporcionada tanto de maneira mais íntima como em sociedade” (BEDRIÑANA, SERRANO,
GARCIA, 2003:275). Sendo assim, o lazer acaba sendo funcional, já que as dimensões
descritas pelos autores, como lúdica, criativa, ambiental-ecológica, festiva e solidária,
acabam encontrando uma repercussão social tal
[...] que supõem e favorecem um maior envolvimento e manutenção
de novas redes de relacionamento cujos contatos provocam sem
dúvida alguma, benefícios que têm a ver com um menor gasto
sanitário [...] a atividade recreativa e de lazer é a que mais influi na
satisfação da vida e bem-estar físico dos aposentados, considerando
variáveis como saúde, questões econômicas, a educação e o tipo de
trabalho desempenhado anteriormente (BEDRIÑANA, SERRANO,
GARCIA, 2003:277).
Com a política de descentralização administrativa que foi posta em prática na
França, verificamos que na cidade de Rennes existe uma organização governamental que
tem como finalidade manter e auxiliar na gestão dos chamados clubes para idosos e
aposentados. O Office des personnes âgées de l’aglomération rennaise (OPAR) tem sob
sua responsabilidade administrativa trinta e nove clubes que propõem atividades culturais,
de lazer ou esportivas aos aposentados da cidade. De forma semelhante ao que ocorre na
UTL/RENNES, é preservada a autonomia dessas associações, sendo assegurada aos
associados sua própria administração.
237
A Associação Esportiva dos Aposentados de Rennes (ARRS) é um desses clubes,
que além das cotizações anuais dos associados bem mais modestas do que as da
UTL/Rennes, recebe uma subvenção municipal que permite oferecer um melhor
atendimento a seus associados. O que é interessante nessa associação é que seu maior
objetivo é propiciar atividades exclusivamente de cunho físico-esportivo, privilegiando o
lazer. Com objetivos bastante diferenciados da UTL-Rennes, a associação atua
exclusivamente junto a idosos e aposentados interessados em praticar atividades físicas e
esporte167. Investigamos o curso de ‘ginástica de entretenimento’ (gin-entretenimento),
sendo recolhidas informações prestadas pela coordenadora responsável pelas atividades da
associação, seguida de entrevista da animadora/professora das aulas de gin-entretenimento.
Essa associação também se organiza em torno de uma união federativa que atua em âmbito
nacional. Sua ligação se dá com a Federação Francesa dos Aposentados Esportistas (FFRS),
que procurou ampliar sua atuação conhecendo o que é feito nas associações e propôs
discussões sobre o envelhecimento e sua relação com a atividade física e os esportes. No
ano de 1987, em seu primeiro encontro nacional, logo na conferência de abertura,
verificamos a tendência de seguir o modelo ativista que responsabiliza o indivíduo por seu
bom ou mau envelhecimento (MALESSET, 1987). Apresentou-se como sendo unânime entre
os gerontólogos a idéia de que idosos e aposentados que praticam atividades físicas teriam
“um meio bastante seguro de se conservar e chegar a uma idade avançada suficientemente
válidos para que não viessem a ser um dia um peso para a família ou para a sociedade”
(MALESSET, 1987:3). Argumentava-se ainda que era pequeno o número de praticantes, e, de
acordo com o que estamos chamando de discurso ativista, se dizia que “para muitas pessoas
a aposentadoria ainda continuava a ser sinônimo de repouso, de inação, de ausência de
esforços que são a antecâmara da decrepitude e da morte” (MALESSET, 1987:6).
Uma comissão foi criada nesse evento visando a traçar pontos básicos que
definissem os benefícios para os idosos e aposentados franceses que praticassem atividade
167
Estavam sendo propostas: natação, caminhadas em grupo, ciclismo em grupo, tênis de mesa,
badminton, jogo de dardos; tai-chi-chuan, musculação, arco e flecha, ginástica suave. Havendo
ainda propostas de jornadas esportivas para se descobrirem novas práticas, como escalada,
canoagem, orientação, e também propostas de temporadas em locais que possibilitam as atividades
físicas esportivas na neve.
238
física. O primeiro apresentado foi exclusivamente funcional, relacionado à saúde, seguido
da sociabilidade, que seria capaz de romper com a solidão, sendo “ideal para as relações
intergeracionais – é para agradar aos netos e se valorizar perante eles que a gente aprende a
nadar, uma avó que faz um esporte não é velha” (MALESSET, 1987:89). Dando seqüência
aos pontos traçados pela comissão, apontou-se o equilíbrio psicossomático, a manutenção
do corpo, o autoconhecimento, a estimulação dos sentidos, a valorização do eu, o
desenvolvimento da criatividade. Finalmente procurou-se apresentar uma fundamentação
científica para justificar a importância das atividades físicas, como a possibilidade de que
ela atue positivamente “sobre a cooperação e a atitude moral no trabalho” (MALESSET,
1987:90).
O curso de gin-entretenimento tinha 16 idosos inscritos, sendo só um do sexo
masculino. A média de idade, de 71 anos, variava entre 64 e 83 anos, sendo que as
categorias socioprofissionais168 (CSPs) concentravam-se mais no que podemos denominar
originários da classe trabalhadora – 56% eram employés (pessoal de serviços gerais,
comerciários, etc.), 25% de pessoas que não haviam desenvolvido qualquer atividade
profissional, e os 19% restantes seriam cadres (profissionais liberais com nível superior
com diploma, professores do ensino médio, diretores de empresa e outros), que
correspondem a um extrato da classe média francesa169.
Quando observamos a UTL/Rennes, a característica de se ter um grupo quase que
exclusivamente feminino também se repetiu na gimnastyque douce (gin-suave). Dos 21
inscritos, dezenove eram do sexo feminino. A mais nova dessa associação tinha 64 anos, e a
mais idosa, 83, sendo que a média de idade do grupo foi semelhante à da ARRS, 71 anos.
Quando observamos as categorias socioprofissionais, verificamos que 72% estariam entre
as categorias intermediaires (secretárias, enfermeiras, quadros técnicos e professores do
ensino básico, entre outros), que também poderiam ser como os cadres considerados da
168
Procuramos manter as categorizações utilizadas na França, considerando que “a pertença a uma
categoria socioprofissional é definida pela posição do indivíduo no mercado do trabalho, mas
acompanhada de um salário, de um nível de educação, de comportamentos e características culturais
diferentes” (ADAM, HERZLICH, 2001:55), não sendo portanto aplicável ao Brasil.
169
De forma reduzida estaremos apresentando em quadros no corpo deste trabalho as principais
características que recolhemos nas entrevistas realizadas junto aos idosos listando-as conforme os
países em que foram feitas as entrevistas.
239
classe média, sendo o restante dividido da mesma forma entre pessoas que não haviam
exercido qualquer profissão e oriundos da classe trabalhadora, employés.
A taxa de adesão das duas associações é anual, sendo destinada à manutenção da
associação, pagamento de eventuais funcionários. Há outra taxa, também anual, que visa a
remunerar os profissionais que atuam como animadores/professores, como no caso dos
cursos de ginástica. Se o que une as associações é a característica de manter os idosos
engajados em atividades – e acrescentamos o lazer –, o que fundamentalmente as difere é
que no caso da UTL/Rennes se percebe uma proposta mais elitizada para seus associados,
fundamentada em muitas atividades de cunho mais intelectualizado, como cursos diversos,
oficinas de pesquisas e trabalhos voluntários. As duas associações funcionam segundo um
estatuto elaborado pelo conjunto dos associados, que só pode ser alterado em suas
assembléias gerais. Tendo autonomia administrativa, elas escolhem seus dirigentes, por
meio do voto do conjunto dos associados, sendo que a cada dois anos há novas eleições.
Pode-se verificar que, mesmo aberta a todos, independente da idade cronológica como do
nível de estudo, a participação nas associações fica marcada pelo forte caráter de distinção
social que fez com que determinadas categorias sociais não as freqüentem ou que haja um
endereçamento maior para uma ou outra em função das CSPs.
Analisando os dados pessoais dos idosos/aposentados que participavam do curso
de gin-suave, constatamos que as CSPs do conjunto dos participantes inscritos em grande
parte fazem parte da classe média francesa, que no período da pesquisa não passavam por
problemas de ordem financeira, sendo proprietários de suas residências, possuindo um
veículo para seus deslocamentos e, em muitos casos, tendo residências secundárias
(QUADRO 1).
Algumas mulheres, possuidoras de automóvel, procuravam marcar uma certa
independência e com orgulho afirmavam “eu possuo meu próprio carro, sou uma mulher
bastante independente” (ENT. 01, UTL/Rennes). A despeito das associações a que
pertençam, todos os entrevistados franceses possuem bens e recursos de uma aposentadoria
ou pensão que satisfaz suas necessidades, não dependendo de qualquer auxílio de seus
parentes e, ao contrário, alguns declaram estar auxiliando seus filhos que passam por
situação de desemprego. Não vem a ser hábito na França os idosos morarem com seus
240
filhos; entretanto observou-se que há constante contato com a família, os filhos e netos
habitam próximo e não há ninguém que se mostre totalmente isolado de contatos regulares
com familiares.
Quando passamos a observar os idosos que participam das atividades da ARRS,
confirma-se o que autores como Rozenkier (1987) e Attias-Donfut e Rozenkier (1983)
identificaram: o perfil encontrado nas associações do tipo clubes da ‘terceira idade’,
categoria em que estamos considerando a ARRS, é bastante diferenciado das universidades
para idosos, havendo outras demandas e freqüentadores de CSPs diferentes. No entanto, a
partir de declarações dos que seguiam o curso de gin-entretenimento (QUADRO 1),
observamos que eles também não passam por qualquer tipo de problema financeiro,
possuindo bens como os da UTL/Rennes.
Uma das diferenças fica por conta do próprio ambiente, que na UTL/Rennes pode
ser considerado como excessivamente formal, principalmente quando há atividades no
grande anfiteatro da ENSP, que é onde se realizavam as grandes conferências, bem
diferente das oficinas que comportam grupos mais reduzidos, como a da gin-suave. Os
grupos mais reduzidos são muito mais descontraídos, as pessoas ficam bem mais à vontade,
havendo grande interação social, o que é semelhante no contexto das atividades da ARRS.
241
QUADRO 1
Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da UTL-Rennes e da ARRS
Identificação
Idade
Sexo
Estado Civil
Profissão
Escolaridade
Cônjuge
Bens
ENT 01 UTL
65
Feminino
Viuva
Secretária
Ensino médio
Diretor de empresa
Carro e 1 imóvel
ENT 02 UTL
62
Feminino
Casada
Documentalista
Universitário
Oficial Marinha
Carro e 2 imóveis
ENT 03 UTL
66
Feminino
Casada
Funcionária pública
Ensino básico
Funcionário público
Carro 2 imóveis
ENT 04 UTL
67
Feminino
Casada
Diretora de escola
Universitário
Diretor Comercial
Carro e 2 imóveis
ENT 05 UTL
67
Feminino
Viúva
Diretora de escola
Universitário
Funcionário público
Carro e 2 imóveis
ENT 06 UTL
72
Feminino
Casada
Imprensa
Ensino básico
Diretor de empresa
Carro e 2 imóveis
ENT 07 UTL
66
Feminino
Casada
Empresária
Ensino médio
Funcionário público
Carro e 2 imóveis
ENT 08 UTL
68
Feminino
Viúva
Funcionária pública
Ensino básico
Funcionário público
Carro e 1 imóvel
ENT 09 UTL
65
Feminino
Casada
Diretora de escola
Universitário
Professor
Carro e 2 imóveis
ENT 10 UTL
70
Feminino
Viúva
Sem profissão
Universitário
Diretor de empresa
Carro e 2 imóveis
ENT 11 UTL
71
Masculino
Casado
Advogado
Universitário
Sem profissão
Carro e 2 imóveis
ENT 12 UTL
80
Feminino
Viúva
Funcionária pública
Ensino básico
Funcionário público
Carro e 1 imóvel
ENT 01 ARRS
76
Feminino
Solteira
Contadora
Ensino médio
X
Carro 1 imóvel
ENT 02 ARRS
73
Feminino
Viúva
Costureira
Ensino básico
Transportador
Carro
ENT 03 ARRS
64
Masculino
Casado
Manutenção
Ensino médio
Do lar
Carro e 2 imóveis
ENT 04 ARRS
65
Feminino
Solteira
Servente em escola
Ensino básico
X
1 imóvel
242
Segundo a coordenadora, os freqüentadores da ARRS não formam um grupo
homogêneo, mas pode-se verificar que os mais idosos participam dos cursos de ginástica, o
que também é semelhante entre os que procuram as atividades físicas na UTL/Rennes.
Segundo ela, os freqüentadores vêm à associação porque certas atividades físicas são mais
facilmente realizadas em conjunto e com semelhantes, mas principalmente pela finalidade
de sociabilidade, interesse que foi assim expresso:
alguns, talvez não conscientemente mas inconscientemente, não são
capazes de suportar satisfatoriamente a aposentadoria. Os novos
contatos lhes permitem se sentir melhores, havendo também
pessoas que tiveram um passado de esportista como também
aqueles que vão começar. Nestes últimos é onde encontramos os
melhores resultados, pois eles aceitam melhor seu estado físico
(ENT. Coord. ARRS).
Para ela, os aposentados dessa geração não são pessoas que tiveram o hábito de
praticar atividades físicas ou esportes e, comparando-os aos adultos que estão na vida ativa,
eles parecem estar menos estressados, “mas realmente falando, eu acredito que isto é um
pouco falso, porque eles sofrem bastante por envelhecer. É um pouco paradoxal” (ENT.
Coord ARRS). Em seu entendimento existiria um problema relacionado à idade, que além
de se relacionar com a aparência física, é também um problema psicológico, “porque as
pessoas dessa idade se recusam a ver seu corpo envelhecer, eles têm um medo louco de
envelhecer, de perder suas capacidades físicas, psicológicas, e sentir que a idade avança.”
(ENT. Coord ARRS). O fato de se estar na aposentadoria pode ser interpretado de duas
maneiras, tanto positivamente como negativamente. Sendo negativo o fato de perderem seu
trabalho, os pontos de referência, e positivo pelo aspecto de que adquirem mais tempo
liberado para poder fazer coisas novas e interessantes. Nesse caso a substituição do trabalho
pela vida ativa e engajada em associações para alguns pode ser vivido como uma ‘segunda
carreira’. Mesmo se, no caso dos idosos dessa associação, o principal objetivo seja para sua
coordenadora
a saúde física, em seguida a psicológica, que supõe todos os
problemas que acompanham a aposentadoria, como deixar o
243
trabalho, perder um cônjuge, perder seus filhos, enfim, uma vida
que muda em torno deles. Juntando-se a esses dois há o aspecto
convivial. Eles vêm porque freqüentemente estão sós. Eles vêm
para passar alguns momentos com alguém (ENT. Coord. ARRS).
No caso da UTL/Rennes, a sociabilidade aparece como sendo a motivação
principal dos associados em geral, mas nessa associação há na visão dos seus
coordenadores, uma forte intenção de conseguir a busca de conhecimento, de
desenvolvimento cultural. Quando estimulados a falar sobre a associação, a maioria dos
seus coordenadores sempre busca diferenciar a associação dos outros grupos organizados
como clubes, havendo mesmo uma reação de revolta quando alguém os analisa
caracterizando-os como membros de mais um grupo de lazer. Evidente que é um espaço
que proporciona coisas diferenciadas, mas em nosso entender não deixa de ter as
características de desenvolvimento do que estamos entendendo como lazer (MELO, ALVES
JUNIOR, 2003).
Verificamos que são freqüentes as relações interpessoais estabelecidas nas
associações, mas não podem ser consideradas como o estabelecimento de novas amizades,
já que nas respostas que encontramos o sentido da amizade é algo que não se apresenta de
forma tão fácil quando já se é idoso ou aposentado. Um dos seus coordenadores
entrevistados se reporta freqüentemente a relações cordiais, “a gente não se procura fora do
ambiente da universidade. Eu aperto mãos, a gente conversa, a gente brinca, mas nunca nos
encontramos durante o fim de semana” (ALVES JUNIOR, 1994:85). A idade foi considerada
como fator responsável por impedi-los de se lançar em novas relações, principalmente para
aqueles que já possuíam uma rede de amizade mais sólida: “após 55 ou 60 anos você não
faz mais amigos [...] os amigos você os fez antes; na UTL a gente se diz bom-dia, não passa
disto” declara o vice presidente da associação. Houve mesmo aqueles que, para superar
essa dificuldade, trouxeram seus próprios amigos para participarem juntos das atividades:
“meus amigos na UTL são pessoas que eu conhecia anteriormente, que acabei chamando
para vir participar” (ALVES JUNIOR, 1994).
O discurso da importância de se estar ativo é comum nas duas associações,
justificado tanto pela necessidade como pelo desejo de manter relações sociais num
ambiente cultural. “Aqui me permite intelectualmente encontrar coisas interessantes, me
244
ajuda a passar uma aposentadoria como eu desejava, ou seja, manter-me relativamente
ativo” (ALVES JUNIOR, 1994). O fato de estar com um compromisso mais formal e
cotidiano, que os obriga a sair de suas casas, parece ser mais importante do que o fato de se
engajar verdadeiramente nos estudos ditos universitários: “aqui é uma forma de se evadir,
de encontrar as pessoas, obrigando-me a sair de casa”, uma fuga da solidão. Ir à UTL
permite às pessoas não somente se entreter sob um plano intelectual, mas também sob um
plano físico.
a gente tem necessidade de se vestir, de se arrumar, isto evita ficar
dentro de casa de roupa de dormir e chinelos durante todo o dia,
enfim, isto pode ser um pouco simplista, mas para mim é assim,
entre 60 e 80 anos a atividade é indispensável, é necessário fazer
alguma coisa (ALVES JUNIOR, 1994:85).
Enfim, a questão ‘aprender algo’, quando aparece nas entrevistas dos
coordenadores da UTL/Rennes, freqüentemente é abordada de forma secundária, quase que
repetindo o discurso socialmente construído da inutilidade dos idosos. “O que aprendemos
na minha idade logo se esquece; o que a gente retém é o que foi aprendido quando jovem;
para mim a UTL/RENNES é uma maneira de estar ativo” afirma um de seus coordenadores.
No caso da ARRS, a preocupação com atividades que não requerem qualquer capital
cultural fica clara pela grade das atividades propostas. Segundo a coordenadora da ARRS,
os aposentados que participam das atividades propostas nessa associação têm um nível de
escolaridade mais baixo e diferem bastante da UTL/Rennes. Há por parte deles outro foco
de interesse, que são as atividades físicas, esportes, encontros sociais sem qualquer maior
envolvimento que demande um capital cultural.
A passagem do tempo de atividade profissional para a aposentadoria (QUADRO 2)
viria acompanhada de diversos problemas, relacionados muitas vezes à saúde pessoal e a
dificuldade em não saber o que fazer com o tempo disponível. No entanto, com o passar do
tempo, há a superação, surgindo mesmo a satisfação com o fato de ser aposentados e com o
que vêm fazendo. “Quando me aposentei estávamos no inverno, fiquei muito mal, sofri
durante um ano. Agora está melhor, pois permite-me fazer tudo o que eu desejo” (ENT. 04,
ARRS).
245
QUADRO 2
Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UTL-Rennes e ARRS
Identificação
Preparação
A passagem
Significado
Engajamento atual
Voltar ao trabalho
ENT 01 UTL
Não
Problemas de saúde
Faz-se tudo o que se quer
Maior
Não
ENT 02 UTL
Não
Problemas familiares
Faz-se tudo o que se quer
Igual
Não
ENT 03 UTL
Não
Ausência de projetos
Liberdade
Maior
Não
ENT 04 UTL
Não
Problemas de saúde
Difícil ficar só em casa
Maior
Não
ENT 05 UTL
Não
Difícil aceitar
Tempo de fazer outras coisas
Maior
Não
ENT 06 UTL
Não
Problemas de saúde
Vazio se ficar em casa
Maior
Não
ENT 07 UTL
Não
Difícil há muito tempo livre
Faz-se tudo que se quer
Menor
Não
ENT 08 UTL
Pensava
Cuidar da família e da saúde
Faz-se tudo que se quer
Maior
Não
ENT 09 UTL
Não
Ficar com família
De muita ocupação
Menor
Não
ENT 10 UTL
Não
Angústia
Não pensar que a vida parou
Maior
X
ENT 11 UTL
Não
Satisfatória mas nostálgica
Igual as férias
Maior
Não
ENT 12 UTL
Não
Dura pela solidão
Tempo de liberação
Maior
Não
ENT 01 ARRS
Não
Problemática
Um relaxar
Maior
Não
ENT 02 ARSS
Não
Sem problema
Reviver outra vida
Maior
Não
ENT 03 ARSS
Não
Tive que me ocupar
Fazer outras coisas
Maior
Não
ENT 04 ARSS
Não
Muito ruim
Faz-se tudo que se quer
Maior
Não
246
Esse tipo de sensação, de poder fazer tudo o que se quer, faz parte da ideologia
desta nova idade, se apresenta como um período de facilidades e também de negação dos
problemas relacionados ao envelhecimento. A aposentadoria “iniciou-se com dores nas
costas e depressão” (ENT. 01, UTL/Rennes), mas, como verificamos, com o passar do
tempo isso acaba se modificando.
O discurso ativista sugere que a entrada numa associação de idosos e aposentados
permite continuar mantendo uma vida de compromissos fora da casa, que acaba
substituindo a ausência do trabalho: “obrigados a sair de casa para ter atividades, acabamos
entrando em contato com outros” (ENT. 03, ARRS). A vida associativa pode representar a
diminuição do sentimento de inutilidade de pessoas que viveram grande parte de sua vida
tendo como principal valor o trabalho. Isso parece claro no relato que se segue, que aponta
o fato de se ter em casa outros familiares ainda engajados no trabalho como gerador desse
sentimento, que acaba se transformando em problema:
os primeiros seis meses foram muito complicados, pois quando se
tem uma atividade que nos toma muito tempo e passa-se a um
período em casa, enquanto os outros ainda estão engajados, é
complicado ficar só em casa. Considero que a prática de atividades
físicas salvou-me, pois ela me fez muito bem mentalmente [...] na
verdade vejo que sou incapaz de ficar sem fazer nada, ficar sentada
à toa. Eu não tinha cabeça nem para ler um livro, que era uma
atividade de que eu gosto muito; não sei fazer nada dentro de casa.
Ficar em casa só o necessário, fora isto estou sempre na rua. (ENT.
04, UTL/Rennes).
A aposentadoria enquanto engajamento social ativo pode ser percebida em muitos
aspectos como uma segunda carreira, tendo sido apontados por Gaullier (1988), entre outras
atividades, o lazer, o trabalho voluntário e até mesmo a vida familiar. Estamos
considerando que a lógica do trabalho acaba sendo passada para esse período, já que, no
fundo, a aposentadoria seria
nada mais do que mudar de atividade. Eu passei a ajudar no
acompanhamento dos estudos de uma filha ainda jovem e de outra
247
que estava desempregada. Precisei esperar cinco anos para todos
estarem fora de casa; foi nesse momento que percebi que deveria
fazer alguma outra coisa para me ocupar. Em 1989 vim para a
UTL/Rennes para ocupar mais da minha cabeça e do meu corpo. A
ginástica me auxilia no preenchimento desse vazio (ENT. 06,
UTL/Rennes).
A relação familiar também impõe alterações nos planos e é igualmente
fundamental para os rumos que são dados à vida de cada um, numa sociedade longeva com
dificuldades de empregos para os mais jovens, situações não previstas de difícil
gerenciamento e que são decorrentes das novas relações que envolvem as gerações dos
aposentados e idosos franceses do século XX. Não é mais incomum fazer parte de famílias
de quatro gerações, sendo que muitos passam à condição de aposentados mantendo ainda
responsabilidades, como a vinda de filhos para morar próximo e ter de cuidar de pais
velhos: “No caso eu fiquei no meio de duas gerações” (ENT. 02, UTL/Rennes).
Diversas situações podem se apresentar como causadoras de uma solicitação de
aposentadoria, sendo que o sistema francês possibilitava uma aposentadoria antecipada para
aqueles que completaram 55 anos, idade que pode ser considerada baixa para a expectativa
de vida francesa. Quando essa pré-aposentadoria não é imposta, sua solicitação pode se
apresentar em situações que extrapolam o indivíduo, como no caso de problemas de saúde
na família: “eu antecipei minha aposentadoria mais para cuidar da saúde do meu marido,
senão eu teria continuado mais alguns anos no trabalho” (ENT. 08, UTL/Rennes). Os
sentimentos de solidão e de inutilidade, bastante presentes, são causados principalmente
pela ausência dos contatos interpessoais que ocorrem no mundo do trabalho e mais
freqüentes entre as viúvas que vivem sós: “a aposentadoria não é o que eu previa, pois os
projetos incluíam meu marido, e quando estamos sós, tudo é mais difícil” (ENT. 12,
UTL/Rennes). Como solução, nada como pertencer a uma associação, o que acaba sendo
considerado fundamental para a ocupação da vida dessas pessoas: serve “para relaxar e
conhecer outras pessoas que passaremos regularmente a encontrar” (ENT. 02, ARRS), a
“oportunidade de sair de casa e ir mais longe para conversar com alguém” (ENT. 04,
ARRS). A solidariedade que acaba ocorrendo entre os participantes é considerada por eles
uma das coisas interessantes de se estar em grupo, chegando mesmo a existir um outro tipo
248
de envolvimento: “aqui fiz novos conhecimentos” (ENT. 01, ARRS). A maioria dos
entrevistados declara que sente necessidade de ver outras pessoas, fazer novas relações,
mesmo que sejam simples contatos que não extrapolem o ambiente da associação, uma vez
que sem participar da vida associativa haveria bastante solidão, o que parece ser o grande
receio dos idosos e aposentados franceses. Pertencer a um grupo como o da UTL/Rennes é
apresentado como um complemento bastante importante para a vida pessoal,
principalmente pelos que sentem ausência de contatos sociais, podendo, em alguns casos,
haver um novo componente que é sua valorização pessoal por meio da solidariedade.
É a oportunidade de se comunicar com outras pessoas, fazer
amizades. Existe muita solidão; há muitas aqui que vivem sós, não
é meu caso, pois vivo a dois. Eu convido algumas para sair, ir a um
cinema, tomar um chá, e até para freqüentar minha casa. Quando se
é professor, ajudamos as pessoas e temos facilidade de fazer
contatos; assim também auxiliamos as pessoas que se sentem
aborrecidas por estarem sós (ENT. 04, UTL/Rennes).
O discurso contemporâneo sobre o que significa ser aposentado na França
confirma o que é preconizado nas políticas voltadas para o modo de vida: um momento que
não deve ser vivido de maneira inativa, como se a vida tivesse parado. Ser ativo, engajado
por meio de associações em atividades prazerosas acabam sendo a melhor solução
encontrada, uma vez que é “bastante complicado ficar só em casa” (ENT. 04,
UTL/Rennes). Para algumas pessoas que tiveram uma vida de fortes compromissos com a
família e o trabalho, houve certa dificuldade em administrar o tempo disponível. Os que
demonstraram não ter tido algum tipo de problema afirmaram que, embora a passagem
tenha sido satisfatória, ela foi acompanhada por uma certa nostalgia. A substituição de
atividades anteriormente assumidas pelas novas que integram o ambiente associativo pode
levar a se perceber a aposentadoria como um “período como qualquer outro, já que ele
acaba sendo de muita ocupação” (ENT. 10, UTL/Rennes).
Mesmo quando há problemas com relação à vida de aposentado, não encontramos
nenhuma pessoa que gostasse de continuar engajado no trabalho, e é quase unânime a
afirmação de que após a aposentadoria aumentou-se a participação em atividades diversas.
Aqueles que declararam ter menos engajamento creditam-no ao fato de que, não havendo
249
obrigação, fazem as coisas quando querem. O significado do período da aposentadoria
aproxima-se bastante de um tempo de grandes férias, em que “tudo seria perfeito se
fôssemos mais jovens” (ENT. 07, UTL/Rennes). Entra em jogo, aí, outro tipo de discurso,
que é o da relação entre atividade física, saúde e forma corporal: resistir à velhice com
qualidade de vida e alcançar a longevidade com autonomia.
Como na UTL/Rennes, os participantes da atividade ginástica na ARRS estavam
engajados em outras atividades, na maioria das vezes também físicas (QUADRO 3). Da
mesma forma que foi uma novidade em suas vidas participar da vida associativa, a prática
de atividades físicas também o foi para grande parte dos entrevistados. Esse novo estilo de
vida passou mesmo a ocupar grande parte do dia de alguns que se ressentiam de contatos
sociais: “na associação, faço cinco atividades físicas diferentes” (ENT. 02, ARRS).
Necessidade e mesmo utilidade são a base do discurso dos idosos entrevistados nas
associações francesas, sendo que o tempo livre desses aposentados acabou sendo dedicado
quase exclusivamente ao lazer, compreendido como uma boa possibilidade de se fazer tudo
que nunca foi feito anteriormente, ou mesmo de continuar fazendo as coisas de maior
interesse, só que com mais dedicação. “A aposentadoria permite que as pessoas se
encontrem mais. É uma oportunidade de termos lazer, de nos ocuparmos, fazer novos
conhecimentos” (ENT. 01, ARRS). Tendo trabalhado durante 44 anos, o único homem do
grupo ARRS disse que quando parou de trabalhar tinha 60 anos – como a média dos
franceses – e, mesmo não tendo preparado a aposentadoria,
sabia que deveria fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. Lendo
um jornal, vi o que era feito na UTL/Rennes e em outras
associações para aposentados. Aposentar é mudar de atividade,
viajar, bricolar, trabalhar no jardim, mudar de vida. Na minha vida
de trabalho eu não tinha tempo para o lazer. Na verdade, comecei
na UTL/Rennes, fiz um ano e passei para a ARRS, onde sinto-me
mais à vontade (ENT. 02, ARRS).
250
QUADRO 3
A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UTL-Rennes e da ARRS
Identificação
Significado
1º inscrição
Atividades que freqüenta
Participação anterior
Outras
ENT 01 UTL
Pertencimento
8 anos
Caminhadas; natação; civilização chinesa
Não
Não
ENT 02 UTL
Se relacionar com outros
7 anos
Caminhada; natação; conferências
Sim
Não
ENT 03 UTL
Liberdade
5 anos
Caminhada; natação; conferências
Sim
Sim
ENT 04 UTL
Se relacionar com outros
2 anos
Caminhada; natação; conferências
Sim
Sim
ENT 05 UTL
Pertencimento
6 anos
Caminhada; natação; conferências; viagens
Sim
Sim
ENT 06 UTL
Se relacionar com outros
3 anos
Caminhada; natação; conferências; coral
Sim
Não
ENT 07 UTL
Se relacionar com outros
1 ano
Pintura
Não
Não
ENT 08 UTL
Se relacionar com outros
5 anos
Natação; pintura; botânica
Não
Não
ENT 09 UTL
Se relacionar com outros
8 anos
Voluntariado; civilização chinesa; viagens
Não
Não
ENT 10 UTL
Pertencimento
1 ano
Pintura; bridge
Sim
Sim
ENT 11 UTL
Desenvolvimento pessoal
2 anos
Natação, conferências
Não
Não
ENT 12 UTL
Pertencimento
14 anos
Natação; conferências
Não
Não
ENT 01 ARRS
Se relacionar com outros
10 anos
Caminhada; outra ginástica
Não
Não
ENT 02 ARRS
Se relacionar com outros
8 anos
Dança folclórica; outras ginásticas
Não
Não
ENT 03 ARRS
Se relacionar com outros
3 anos
Outra ginástica
Não
Sim
ENT 04 ARRS
Se relacionar com outros
4 anos
Caminhada; outra ginástica
Não
Sim
251
Apesar das recomendações dos que atuam na elaboração das políticas de
aposentadoria de que deva existir uma preparação para esse período, não é comum entre os
associados franceses terem participado de programas nesse sentido. Se a aposentadoria veio
a causar problemas em sua vida, isso não significa que a opção escolhida represente
arrependimento. A maioria dos que já estiveram engajados em outras associações antes da
aposentadoria continuam participando de outras associações, enquanto que aqueles que
nunca tiveram participação associativa só participam da UTL/Rennes ou da ARRS.
Preencher o tempo com atividades agradáveis no meio de pessoas com que se tem
semelhanças é uma forma de ocupar o tempo para aqueles que têm preferência por
atividades físicas, mas não deixam de fazer outras atividades que possibilitam romper com
o tédio: “encontrar outras pessoas, conhecer outros, fazer contatos e aprender alguma coisa
sem se aborrecer, uma maneira agradável de não ficar sentada numa poltrona em casa”
(ENT. 06, UTL/Rennes).
Em grande parte da geração dos idosos que freqüentam a atividade de ginástica em
associações, verificamos que aquelas que já fizeram alguma atividade física anteriormente
não o faziam com muita regularidade, muitas vezes restringindo-se ao período escolar
(QUADRO 4). Há mesmo os que não a fizeram em nenhum momento de sua vida, pois nem
mesmo “na escola tinha obrigatoriedade; gostaria de ter feito um esporte. Precisei esperar
ter 60 anos para fazer com mais regularidade” (ENT. 05, UTL/Rennes). Manter a prática
constante no decorrer da vida é algo bastante difícil, principalmente para essa geração de
mulheres que na maioria das vezes teve uma dedicação de dupla jornada de trabalho. Se
anteriormente à aposentadoria a atividade física não era praticada, não era por falta de
vontade, e sim “por causa do trabalho e da família”. Entretanto, a atividade física ainda
continua sendo secundária, pois existem os que gostariam de ser mais regulares, mas “em
nossa idade estamos presos ou pelos filhos ou pelos pais” (ENT. 04, UTL/RENNES).
252
QUADRO 4
A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua experiência anterior a UTL-Rennes e ARRS
Identificação
Anteriormente
As duas ginásticas
Para que serve a ginástica
ENT 01 UTL
Na escola
Não diferem
Saúde, conhecer gente; ficar em forma preservando a velhice
ENT 02 UTL
Em casa
Não diferem
Entreter o corpo influindo na saúde
ENT 03 UTL
Só nas férias
Sem noção anterior
Encontrar outras pessoas; entreter o corpo; influindo na saúde
ENT 04 UTL
Em casa
Mais lenta
É importante se relacionar; manter a forma; relaxar
ENT 05 UTL
Só depois dos 60
Não diferem
Necessidade de mexer o corpo, bom para a saúde
ENT 06 UTL
Regularmente
Já fiz diferente
Prazer de movimentar; estar com outros; bom para saúde
ENT 07 UTL
Só um ano
Menos esforço
Estar com outros; bom para saúde; para envelhecer bem
ENT 08 UTL
Na infância
Não agride o corpo
Para dar prazer; entreter; manter a forma; acalmar
ENT 09 UTL
Só na escola
Não diferem
Bem estar; manter o estado físico; resistir ao envelhecimento
ENT 10 UTL
Irregular
Sem noção
Relações com outros; equilíbrio; tranqüiliza; se relacionar; resistir
ENT 11 UTL
Pouco
Sem noção
Saúde; obriga a fazer algo; resistir aceitando os limites
ENT 12 UTL
Não
Sem noção
Conhecer pessoas; estar com outros; bom para saúde
ENT 01 ARRS
Não
Sem noção anterior
Necessidade para a saúde; serve para sair de casa
ENT 02 ARRS
Não
Sem noção anterior
Estar com os outros; bom para a saúde
ENT 03 ARRS
Irregular
Sem noção anterior
Serve para a forma; estar com outros
ENT 04 ARRS
Não
Sem noção anterior
Contribui à saúde
253
A atividade física está presente com freqüência nas associações voltadas para
idosos, sendo bastante procuradas principalmente aquelas que se apresentam pelo nome de
ginástica, notadamente quando sua prática é adequada ao público idoso, voltada para a
promoção da saúde, da qualidade de vida e da capacidade de realizar a contento as
atividades da vida diária. É o que foi discutido por Lovisolo (1995, 2000b) quando aborda a
questão do movimento pela saúde.
Na análise de Jordán (1998:161-2), esse tem sido um discurso bastante freqüente
na história da educação física, que tem como base o
aprimoramento da eficácia fisiológica e mecânica do indivíduo, e se
realiza através do aperfeiçoamento do que vem sendo chamado de
qualidades físicas básicas, que podem ser entendidas como aqueles
fatores que qualificam uma pessoa para a realização de uma
atividade física, dependendo dos sistemas alimentar e de
movimento [aparelho digestivo, respiratório e cardiovascular, assim
como os ossos, articulações e músculos].
Dessa forma, o aprimoramento do condicionamento físico vai se constituir como
dos mais importantes conteúdos a serem trabalhados numa educação física que
chamaremos de instrumental, pois a eficiência corporal acaba servindo a diversos fins como
“a saúde individual, tanto para mantê-la como para recuperá-la” (JORDÁN, 1998:162). De
maneira mais tradicional isso vem sendo trabalhado pela educação física dos idosos a partir
do que tem sido denominado de ginástica neo-sueca, que utiliza exercícios que segmentam
o corpo e têm movimentos
bastante delimitados e previamente construídos, o que produz um
aprendizado automatizado, rígido e estereotipado [...] a finalidade
do exercício é quase sempre do tipo mecânico, sobretudo com uma
orientação postural e corretiva (JORDÁN, 1998:162-3).
Verificamos que existem outros métodos ginásticos que procuram se diferenciar
da ginástica tradicional e procuram se abrigar numa nova terminologia que engloba uma
variedade de técnicas, mas que também buscam entre outras a orientação postural. É o que
está sendo chamado de ‘ginásticas suaves’, estudados por Lacerda (1995), que propõem
menos agressão ao corpo dos praticantes, percebido em sua totalidade. Nas associações
francesas ficou bem definido que existiriam diferentes métodos ginásticos, já que em ambas
são oferecidos tanto o formato mais tradicional, que serviria à conservação e ao
254
entretenimento físico, como também as práticas identificadas como alternativas a esse
modelo, que naquele país são denominadas como suaves. Mas em se tratando de pessoas
que em geral não tiveram contato com essas práticas, como optar por uma ou outra?
No momento da inscrição os associados não saberiam definir quais diferenças existiriam
entre as duas ginásticas, pois em teoria só depois de algum tempo praticando a de entretenimento
e a suave poderiam identificar as possíveis diferenças. Certamente, algo que se apresenta como
suave passa a impressão de solicitar menos esforço e ser menos agressivo ao corpo de alguém
que não tinha como hábito praticar atividade física. Mas mesmo com o contato com as duas
ginásticas não fica muito claro para os praticantes quais diferenças seriam mais marcantes, como
no seguinte depoimento: “para mim a ginástica suave parece ser mais adaptada aos idosos; na
ginástica de entretenimento somos muito mais solicitados” (ENT. 03, ARRS), em que o
informante não sabe explicar que tipo de solicitação é feita. Outros afirmam que “existe uma
pequena diferença entre as duas”, sendo que na ginástica de entretenimento “fazemos mais
esforço físico” (ENT. 03, ARRS). Há até aquelas que percebem a diferença de outra maneira.
Depois de dizer que há mais esforço na gin-entretenimento, acrescenta uma senhora praticante de
gin-entretenimento, que disse: “na última aula eu até senti que estava tendo uma taquicardia”
(ENT. 04, ARRS). O que pode ser creditado a uma solicitação excessiva da capacidade dos
praticantes, ou, acrescentaríamos, ao desconhecimento das condições físicas do grupo170.
Se é verdadeiro o que dizem sobre as práticas alternativas, os participantes da ginentretenimento apresentam em sua escolha algumas incoerências: se causa algum tipo de
agressão aos idosos, o porquê de sua escolha só pode encontrar resposta no fato de
quererem fazer qualquer atividade mais tradicional mais próxima de seu perfil, ou talvez
uma conveniência de dia e horário, simpatia com o grupo que possibilita deixá-los à
vontade no meio dos outros. Para os idosos, a ginástica suave trabalharia mais o
aprendizado da respiração e o conhecimento das limitações do próprio corpo. Na gin-suave,
o corpo viria a “sofrer menos com os exercícios, é mais um trabalho sobre a respiração que
necessita de informações mais detalhadas e longas, sendo preparada de maneira diferente
170
Nas associações francesas não foi detectada a utilização de testes para avaliar as condições dos idosos
ao iniciarem prática da atividade. O que é solicitado por parte da associação é um atestado médico que
não dá grandes subsídios sobre a capacidade física e limitação a determinados exercícios.
255
da gin-entretenimento” (ENT. 01, ARRS). Mas como vemos a seguir, há falta de
unanimidade sobre o que uma ou outra ginástica faz, já que existem as que dizem ter
aprendido a respirar na gin-entretenimento (ENT. 02, ARRS), o que, como vimos, é a
característica mais referenciada entre os praticantes da gin-suave.
Excetuando a menção à lentidão com que são solicitados os exercícios, a ginástica
suave praticada na UTL/Rennes não é percebida por seus participantes como se tivesse
grande diferença com respeito ao que é realizado em outras ginásticas: “aqui não se faz a
ginástica suave como eu fazia em outra associação” (ENT. 06, UTL Rennes). A falta de
noção do que iriam encontrar foi então uma constante: “ao me inscrever pensei que seria
yoga” (ENT. 10, UTL/Rennes). A questão do esforço solicitado é reconhecido como sendo
menor nesse tipo de ginástica:
a ginástica suave é uma atividade que não agride o corpo; os
movimentos são leves, sem muito forçar, sem traumatizar os
músculos e as articulações. Inicialmente eu imaginava que seria um
outro tipo de ginástica, mas se tratando de um curso para idosos só
poderia ser desta forma (ENT. 08, UTL/Rennes).
A relação entre uma atividade física, no caso a ginástica com uma maneira de se
entreter e saúde (QUADRO 5) está presente em todos os relatos, não importando muito qual
tipo de ginástica vem a ser praticada e qual a experiência anterior dos informantes, que em
geral não foi regular, mesmo que houvesse possibilidades de acesso171. O que acabou agora
importando vem da incorporação do discurso do envelhecimento ativo: estar no meio dos
outros, pertencendo a um grupo social que se dedica a atividades que são apresentadas
como capazes de afastá-los da velhice e da solidão. “Faço atividade física pela necessidade
de conhecer pessoas; eu vivo só, não estou aqui pela saúde” (ENT. 12, UTL/Rennes). Seria
então uma maneira de romper com a solidão e o tédio, resistir ao envelhecimento deletério,
não sendo só um meio de influir na saúde de forma geral.
171
Na França, as FFEFGV e outras associações esportivas têm uma rede bastante ampla que
possibilita em espaços não privados o desenvolvimento de atividades ginásticas para adultos. Mas,
como vimos, outros fatores acabaram influindo.
256
QUADRO 5
Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os entrevistados da UTL-Rennes e ARRS
Identificação
Significado para a saúde
A relação atividade física com a saúde
O que inquieta mais
ENT 01 UTL
Ficar em forma
Tranqüiliza; impede pensar nos problemas
A dependência como destino
ENT 02 UTL
Não ter doenças
Mantém o tônus; conserva os músculos
Horrível a dependência
ENT 03 UTL
Fazer tudo que se quer; fazer projetos
Melhora o ânimo; dá mobilidade
Não penso nisso
ENT 04 UTL
De bem com a família; manter a forma
Ocupa o tempo; melhor do que remédio
A perda de movimentos
ENT 05 UTL
Saber controlar os problemas
Melhora a artrose
Medo de uma paralisia
ENT 06 UTL
Equilíbrio geral
Sem atividade física é difícil ter saúde
Dependência
ENT 07 UTL
Herança genética; bem dentro de si
Serve a postura; estética e ativa todo corpo
Medo de uma paralisia
ENT 08 UTL
Relação genética; vida sem excessos
O corpo é uma máquina
Dependência, um problema
ENT 09 UTL
Não ter problemas; ficar em forma
Dá ânimo
Abominável a dependência
ENT 10 UTL
Herança; não ficar em casa
Dá coragem para sair de casa
Dependência
ENT 11 UTL
Uma regra; bem estar
Dá outro gosto para a vida
Medo da perda da visão
ENT 12 UTL
Ter saúde está na cabeça de cada um
Mesmo que influa, não me preocupo
Medo de precisar dos outros
ENT 01 ARRS
Resultado de vida ativa
Ocupa o tempo
Não pensa em nada
ENT 02 ARRS
Bem dentro de si
Sem opinião
Nada me incomoda
ENT 03 ARRS
Não ter problemas; ser ativo
Melhora flexibilidade
A dependência inquieta
ENT 04 ARRS
Ter saúde é ter sorte
Faz sentir-se bem
Tenho medo de uma doença
257
Para o idoso ou aposentado é um momento de encontro de semelhantes mas que
também representa a busca de uma valorização social enquanto pessoa ativa, oportunidade
de mostrar tanto à família como à sociedade que se está resistindo ao envelhecimento:
eu queria conhecer gente; aqui temos um ambiente bastante
acolhedor, participamos da vida dos outros. O grupo é muito
animado, principalmente quando estamos nas caminhadas. Na
verdade estamos praticando atividades físicas pela necessidade de
fazer alguma coisa juntos. A atividade física nos permite ficar em
forma, uma maneira de nos preservar, nos afastando da velhice. A
atividade nos entretém, mas é lógico que entra também a questão
saúde. A partir das atividades, eu não sofro mais com dores nas
costas, me sinto mais segura. Tudo isso permite que eu mostre aos
meus filhos e netos que eles não têm uma mãe e avó que fica
entravada numa poltrona ou numa cama. Acredito mesmo que eles
fiquem bastante orgulhosos de mim, já que eu freqüento o litoral
com eles. Creio que isso seja bastante importante para eles (ENT.
01, UTL/Rennes).
Apesar de se falar na importância de se conhecer outras pessoas, verifica-se que
essas relações se resumem na maioria das vezes aos encontros que são realizados na
associação, que são respostas semelhantes às encontradas nas entrevistas dos
coordenadores. “Aqui não fazemos verdadeiramente amizades, temos colegas e isto não vai
além do momento da atividade. Minhas amizades são anteriores à vinda à UTL/Rennes”
(ENT. 02, UTL/Rennes). Entretanto, para algumas, há um pouco mais de aproximação com
o decorrer do tempo de permanência na associação. Não chegamos a fazer amizade, e sim
relações, mesmo sabendo que quando chegamos ao final do ano estamos mais próximas”
(ENT. 03, UTL/Rennes). O reencontro de pessoas que já se conheciam não é interpretado
como “verdadeiras amizades, e sim uma relação de camaradagem” (ENT. 06, UTL/Rennes).
Esse tipo de entendimento é comum a todos que foram entrevistados, da mesma forma que
o reconhecimento de que a ginástica pode contribuir para a saúde, ainda que, pelo que se
observou, ele acaba sendo o principal motivo, porque engloba os demais.
Faço atividade física porque me dá prazer, depois para me entreter,
depois para manter a forma. A atividade física serve para me
acalmar, já que me sinto bem depois. Tenho as artroses como todo
mundo, mas no conjunto tudo vai bem (ENT. 08, UTL/Rennes).
258
Quando são apresentados os objetivos, fala-se no corpo, na busca de sua melhor
funcionalidade, da manutenção ou aquisição de uma forma capaz de contribuir para o
enfrentamento e resistência à velhice. Tudo pode ser interpretado como dentro de um
mesmo movimento que valoriza os exercícios ginásticos para a conservação e estética, uma
necessidade da busca da saúde, que se desenvolve na ginástica tradicional mas que acaba
sendo incorporada pela gin-suave, que tanto atrai os idosos franceses. Essa última se
apresenta com uma nova idéia do esforço e procura preencher lacunas que acabaram sendo
desconsideradas nos métodos clássicos (LOVISOLO, 2000b).
Tratando-se, na maioria, de mulheres, podemos imaginar que a questão estética
tivesse alguma relevância; se pensarmos que são idosos, somos induzidos a achar que isso
perderia importância. No entanto, isso não se verificou principalmente nas mais jovens que
ficam mais dentro do que Gaullier (1999:60) chamou de “nova idade”. Mais jovens
enquanto aposentados os da nova idade se vêem dentro de um grupo que tem como
possibilidade desenvolver um “modo de vida bastante inovador. Ela é vivida como uma
nova etapa da existência, um período que nunca existiu, que vem após as imposições
profissionais e familiares, e antes das dificuldades de saúde e o declínio da velhice”.
Deslumbra-se com a possibilidade de se dedicar a escolhas nunca antes assumidas, passa-se
a dar um sentido diferente ao corpo, às atividades físicas e esportivas, sociais e culturais.
Uma vida nova que (re) descobre dimensões diferentes das que se tinha na vida de
atividade profissional. A existência de uma nova idade é uma realidade que passa
inicialmente pela invenção de uma nova velhice, de um indivíduo idoso e não mais velho,
cada vez mais rejuvenescido.
Sendo assim, a questão estética acaba sendo considerada mesmo que ainda
secundariamente, estando mais presente na UTL/Rennes, cujas características do grupo
indicam uma classe social em que o corpo é mais valorizado como instrumento de
representação social do que ferramenta de trabalho. Em nossas entrevistas na UTL/Rennes
surgiu a preocupação com os possíveis efeitos dos abdominais no corpo. A estética
259
corporal, quando é referenciada, acaba sendo considerada como parte da conservação da
saúde. A maior contribuição da atividade física à saúde estaria relacionada ao envelhecer
diferente da nova idade: “quem fica em casa envelhece muito mais” (ENT. 01, ARRS). Os
benefícios seriam mais perceptíveis na manutenção da forma física, com melhora da
flexibilidade e do equilíbrio, que estão presentes em quem tem saúde. A prática de uma
atividade física “possibilita estar bem consigo mesmo, na verdade não faço nada demais
pela minha saúde, exceto fazer atividade física (ENT. 02, ARRS). O fato de estar no meio
dos outros, que acabou surgindo de várias maneiras nas entrevistas, acaba sendo também
relacionado como conseqüência de quem tem saúde. A imagem que fica é a de que os
velhos, os entrevados têm uma saúde bastante fragilizada, conseqüência do seu
sedentarismo e desleixo corporal, e por esse motivo permanecem como inúteis ou inativos
dentro das casa ou dos asilos, isolando-se de contatos sociais com outras gerações.
Interessou-nos saber dos animadores/professores como eles observam o grupo de
idosos que pratica a ginástica, como eles fundamentam suas atividades pedagógicas, que
tipo de formação obtiveram, como também sobre o que representa a vida associativa. No
momento em que fizemos nossas entrevistas, a professora de educação física responsável
pelo curso de gin-suave na UTL/Rennes tinha 25 anos e já atuava há três na associação.
Logo em sua primeira resposta confirmamos o que já apontamos como problema, ou seja, a
ausência de discussão teórica sobre as atividades físicas para idosos em estabelecimentos
voltados para a formação de profissionais que vão atuar com a educação física, o que pode
influir na inadequação de algumas propostas de atividades físicas e de esportes para idosos.
Seu exemplo é bastante comum, mostrando que o aprendizado de como se deve atuar com
um grupo constituído de idosos e aposentados acaba sendo muitas vezes bastante empírico,
sem muita fundamentação teórica de suporte. Somente no decorrer de sua própria prática
profissional que acabará ocorrendo uma melhor adequação de como se deve dar essa
atuação.
Na minha vida acadêmica não recebi qualquer tipo de preparação
específica para atuar com idosos [...] Tanto em Rennes, onde fiz um
260
curso de formação universitária (Maîtrise), quanto em Toulouse,
onde me licenciei, não tive qualquer tipo de preparação, o que é
lamentável. Eu não segui nenhum curso sobre a atividade física e
terceira idade. Quando eu fazia meus estudos eu nunca havia
trabalhado no que se chama de intergeração. No início eu fiquei
muito inquieta, eu disse a mim mesmo: ‘certamente haverá choques
pois eles devem ter outros valores, bem diferentes dos meus', mas
depois eu posso considerar que isso me enriqueceu bastante. É
bastante enriquecedor trabalhar com eles (ENT. Anim.
UTL/Rennes).
A animadora da ARRS teve sua formação dentro de uma associação específica de
ginástica, a FFEFGV, que prepara quadros para atuar com essa prática. Não sendo
professora de educação física, ministra as aulas de ginástica profissionalmente como
animadora esportiva, possuindo diploma que a habilita a trabalhar com a ginástica. Com 47
anos de idade, já atua há cinco anos com idosos, sendo que na ARRS é o seu primeiro ano.
Em sua formação de animadora em ginástica voluntária, foram abordados com
profundidade tanto os aspectos fisiológicos, anatômicos, como também o envelhecimento
social. No curso os alunos são levados a investigar diretamente no meio ambiente dos
idosos, no caso dos que estão institucionalizados; estudam-se também as casas específicas
para recebê-los. Participaram de sua formação
médicos que vieram falar do envelhecimento corporal, psicólogos
que trataram dos problemas afetivos. A gente adapta os exercícios
em relação a esses conhecimentos e tivemos bastante prática com
esse grupo específico. Os capacitados pela FFEFGV, a cada três
meses, podem fazer cursos de atualização – é a federação de
ginástica voluntária que promove. A federação tem as orientações,
os programas de formação, com as avaliações (ENT. Anim.
ARRS).
A responsável pela atividade da UTL/Rennes, ao observar os participantes de seu
grupo, diz inicialmente que não os considera enquanto velhos. Referindo-se a eles enquanto
aposentados, a animadora/professora diz que tem preferência pelo uso desse termo, que
considera melhor do que ‘pessoa idosa’, termo que, como ‘velho’, não se sente à vontade
para utilizar. Confessa ter dificuldade em identificar quando começa a velhice, afirmando
ser mais um sentimento pessoal. Outra característica que apresenta é o fato de os
261
freqüentadores da UTL/Rennes serem bastante fiéis: “nos três anos que atuo com eles, há
um núcleo básico que se mantém, e que a cada ano é acrescido de novos aposentados (ENT.
Anim. UTL/Rennes). Continuando a analisar, ela confirma o que já foi verificado como
sendo uma característica desse grupo francês, como a grande presença de
um público pequeno-burguês, constituído de profissionais liberais.
Eles têm necessidade de manter as relações sociais [...] são pessoas
que têm uma agenda bastante ocupada. Por trás da atividade física
eles têm necessidade de ter contatos com a sociedade, meio
ambiente cultural e mesmo profissional. Buscam o lazer, têm
bastante tempo, dinheiro, e são pessoas bastante exigentes no que
toca o nível qualitativo da atividade. Os mais motivados chegam
sempre em torno de 15 minutos antes da hora para aproveitar o
tempo para realizar o que chamaria de um verdadeiro papel social.
Nesse momento os alunos aproveitam para falar de seus lazeres, de
sua vida e também de seus problemas (ENT. Anim. UTL/Rennes).
Segundo ela, a visibilidade social dos aposentados é uma realidade, sendo esse
grupo cada vez mais numeroso, mais jovem, em melhor forma física, além de terem uma
maior preocupação com o corpo. Olhar a aposentadoria a partir desses associados seria
estar diante de um belo período, em que se aproveita bastante a vida, o que poderia ser
traduzido pelas denominações simplistas como a de uma “feliz idade”. Se a sociabilidade
ficou implícita para ela como o principal objetivo dos idosos/aposentados, o segundo seria
uma “busca da saúde, explicada a partir do bem-estar, no nível corporal, do se sentir melhor
com seu corpo” (ENT. Anim. UTL/Rennes). Analisando seu grupo, constata que eles não
podem ser considerados como pessoas inválidas ou entrevadas.
Os idosos que fazem atividade na ARRS também são caracterizados pela
animadora/professora como pessoas aposentadas, “que não tendo mais atividade
profissional, tendo uma certa idade, possuem bastante tempo livre, ocupando-o com
lazeres” (ENT. Anim. ARRS). São pessoas que envelhecem e têm procurado a atividade de
ginástica na ARRS não com a intenção de tirar proveito pelas
características terapêuticas, mas o fazem numa perspectiva de bemestar. Na minha opinião é algo muito difícil de começar depois de
262
uma determinada idade, pois a maioria das pessoas dessa geração
não fizeram ginástica quando eram jovens. Eles fazem a ginástica
porque têm tempo disponível, porque há um estímulo, é a moda,
além disso é bom (ENT. Anim. ARRS).
Em sua opinião, é mais uma busca permanente de preservação, de manter um certo
nível de autonomia com uma ocupação qualquer. Para o tipo de pessoas que pertencem ao
grupo, só o fato de estar saindo de casa ganha um significado maior, pois “muitas vêm de
longe, vêm de ônibus, é uma atividade que as ocupa, obrigando-as a ficar fora de casa por
quase duas horas numa tarde, e para mim, isso é suficiente” (ENT. Anim. ARRS).
Acreditando que as principais motivações dos freqüentadores têm a ver com a fuga da
solidão:
primeiramente os alunos vêm para a atividade com o objetivo de se
mexer e depois encontrar outras pessoas. Se mexer para manter uma
certa agilidade para poder viver só. Já que na maior parte são
pessoas sós, a aula se transforma em um local de encontro bastante
importante. Não acredito que elas venham por uma questão estética,
é uma questão funcional. Mesmo quando se observa pelo aspecto
das roupas que elas usam, percebe-se que não há nenhuma
preocupação com a elegância. Afinal elas têm entre 70 e 80 anos
[...] as pessoas que hoje são idosas se diferem profundamente das
jovens de hoje, sendo que a grande maioria das primeiras foi
educada de forma a não se preocupar com ele [o corpo], era
necessário escondê-lo. Talvez no Brasil seja um pouco diferente
daqui, na França, pois lá as pessoas vivem mais fora da casa, já que
o clima favorece. Aqui as pessoas vivem dentro das casas (ENT.
Anim. ARRS).
Ainda se referindo às suas alunas, a animadora/professora da ARRS diz que a
prática da atividade física “serve para manter um capital saúde que essas idosas ainda têm.
O fato de estar em atividade permite preservar esse capital, chegando mesmo a “contribuir
no seu capital ósseo, por que o movimento é capaz de fixar o cálcio no sistema ósseo. A
atividade constante permite que isso ocorra pela função cardiorrespiratória” (ENT. Anim.
ARRS). Segundo ela, o principal objetivo de suas aulas é, por meio da animação, contribuir
para a saúde, e depois para uma certa qualidade de vida e bem-estar.
Num primeiro momento eu faço uso da animação, mas pouco a
pouco a gente pode ensinar alguma coisa, em relação à colocação
do corpo, em relação ao espaço, entre outras, uma certa ergonomia
263
do corpo, com atividades que a gente faz como se abaixar,
dobrando os joelhos. Compreender que quando nós estamos
deitados sobre as costas, para passar à posição sentada, primeiro
devemos rolar sobre as costas, evitando assim uma dor lombar, ou
mesmo qualquer outro tipo de problema – neste momento estaria
havendo ensino. Atualmente é um pequeno grão que eu coloco mas
que um dia num futuro teremos bons resultados (ENT. Anim.
ARRS).
Nessa declaração constatamos uma certa ambigüidade, pois embora fale das
contribuições para a saúde, sendo esse um dos objetivos em sua atividade, ela não acredita
que haja melhora significativa. Em suas aulas ela tem como preocupação o fato de que não
se está em terapia, reconhecendo que os idosos estão lá por outros motivos, como se mexer
fazendo uma ginástica, estar junto a outros, mantendo uma certa convivência. Procurando
diferenciar as duas ginásticas, diz que a gin-entretenimento é um treinamento normal “para
adultos em boa saúde e com atividades que têm resistência. Ao contrário da ginástica suave,
que é uma ginástica à base de relaxamentos, de sensações” (ENT. Anim. ARRS).
Em suas atividades práticas, o que é proposto visa
exclusivamente a mobilidade articular, porque não seríamos
capazes de fazer qualquer tipo de reforço muscular. Existe um
trabalho de mobilidade, de agilidade, de descer ao chão, passar pela
posição de joelhos, ficar em pé, se equilibrar num pé só. Nós
fazemos um trabalho de orientação no espaço. Nesse grupo é
necessário estar bastante atento com as pessoas, saber
eventualmente atenuar o movimento para as pessoas idosas que não
são mais capazes. Eu não faço qualquer estímulo
cardiorrespiratório, pois é necessário observar a pulsação, e disso
nós não somos capazes. Para mim, o momento em que eles
conseguem manter uma atividade durante dois a três minutos é
como se fosse um cardiorrespiratório (ENT. Anim. ARRS).
Ao procurar justificar a escolha dos conteúdos de suas aulas, ela usa os mesmos
argumentos que costumam estar na literatura específica para o ensino de atividades físicas
para idosos. “O principal problema dos alunos é uma perda da mobilidade articular, um
certo anquilosamento, uma rigidez [...] o movimento restabelece essas coisas, o movimento
de certa maneira retarda o envelhecimento, propicia poder se mexer” (ENT. Anim. ARRS).
Ao buscar fazer um trabalho de orientação no espaço, os motivos que encontra para
justificar sua escolha nem sempre são encontrados na literatura. “É importante que eles
264
mudem de direção, pois eles ficam perdidos, principalmente quando é solicitado que andem
para trás. Eu quero que eles andem para trás.” Lamentando as dificuldades dos alunos, a
professora admite que deve repensar seu trabalho. “São muitas informações e isso as
pressiona, elas misturam tudo [...] ir para a frente e para trás é um problema real, visto
sobretudo se quisermos fazer tudo encadeado” (ENT. Anim. ARRS). Já que todos
exercícios vão causar dificuldades, é necessário que eles inicialmente não sejam muito
complexos, diz ela, mostrando-se confusa em suas exigências e até certo ponto
desconhecendo as reais capacidades do grupo que está sob sua orientação.
Os exercícios devem ser bastante decompostos, mas vez ou outra eu
sou pega de surpresa em algumas situações que eu não esperava.
Mesmo nos exercícios mais simples encontraremos umas duas
alunas que são capazes de entender bem o que deve ser feito, mas
as outras, eu tenho a impressão de que não compreenderam de jeito
nenhum. Talvez porque muitas tenham dificuldade de audição,
dificuldade de perceber o que elas fazem (ENT. Anim. ARRS).
A
percepção
do
corpo
no
espaço
parece
importar
mais
para
a
animadora/professora do que para os idosos/alunos que parecem estar muito mais
satisfeitos com coisas mais simples e pontuais que se resumiriam às trocas sociais que eles
podem estabelecer no local.
A principal dificuldade das alunas é não serem capazes de perceber
que o que elas fazem não é o que foi solicitado. Elas vêm, elas
fazem, mexem com os braços, as pernas, num limite elas se
contentam com isto [...] quando eu no início da aula solicito bem
precisamente um círculo, uma linha, percebe-se que poucos grupos
são capazes de perceber o que está sendo solicitado. Devo estar
sempre vigilante, e eu acabo me questionando, eu não posso
solicitar situações bem esmiuçadas como normalmente faríamos,
progressivamente, uma vez em linha, outra em círculo e outra em
coluna. Caso fossem crianças nós exigiríamos, mas, afinal, elas são
adultos e não estão aqui para ser comandadas. Se eu quero solicitar
um exercício que seja feito o mais corretamente possível, eu não
sei, mas muitos não serão capazes de se aperceber de que alguma
coisa não está correta. Mesmo quando percebem que algo não vai
bem, elas não são capazes de identificar por que estão tendo
dificuldade (ENT. Anim. ARRS).
265
Para a animadora/professora da UTL/Rennes, os objetivos dos idosos vão ter
diferenças pelo fato de serem homem ou mulher, sendo que entre estas últimas haveria uma
diversidade de categorias: umas vêm participar porque nunca tiveram um tempo específico
para ser dedicado só a elas. A vida anterior à aposentadoria era restrita à vida familiar e
profissional, sem tempo para lazer ou poder cuidar de seu corpo. Um outro motivo é
acrescido, que é a busca por um determinado modelo corpóreo, pois
tanto na França como nos países ocidentais em geral há uma
pressão da mídia relacionada à mulher e seu corpo. Mas essa
consciência de que é necessário cuidar de seu corpo só surge
quando há uma disponibilidade de tempo. Seria a busca pelas
necessidades estéticas, mesmo se algumas não chegam verbalmente
a se confirmar. Outras, no entanto, já admitem, sem nenhum tipo de
tabu (ENT. Anim. UTL/Rennes).
No que toca a gin-suave em si, ela crê que suas intervenções sirvam para ensinar
as pessoas a conhecerem seu corpo, e, à medida que o tempo vai passando, também
conhecer seus limites e suas capacidades, mas que na verdade não passa de um modismo
que busca fugir em direção a atividades alternativas. Em sua ótica, a atividade diferencia-se
da ginástica tradicional, de conservação.
As pessoas descobriam que era importante se ocupar de seu corpo,
mas não havia uma maior preocupação com a maneira pela qual
esses exercícios eram praticados, não havia uma preocupação com
alguns elementos fundamentais como a respiração, aprender a ter
consciência com o movimento, a estar bem dentro do movimento.
Eu acredito que isso ocorria numa época com características
próprias. Atualmente a ginástica suave é sobretudo um nome que
está na moda (ENT. Anim. UTL/Rennes).
Entre ser professor ou animador de uma atividade, a responsável pela atividade diz
que vai depender, havendo dias em que se considera mais uma animadora do que
professora. O ensino segundo ela ocorreria ao ser passado um conhecimento, e é por esse
motivo que quando “eu proponho um exercício eu procuro explicar qual grupo muscular
será solicitado e quais benefícios ele trará. A animação ocorre no momento em que estou
proporcionando a interação entre eles enquanto um grupo social” (ENT. Anim.
UTL/Rennes). Fica patente que mesmo considerando ter diversos objetivos na atividade em
266
si, antes de qualquer maior aprofundamento é considerada a sociabilidade, “já que o local
de aula serve para ser destinado a encontros, de discussão com outras pessoas, e também da
busca pelo outro, de fazer qualquer coisa. É um papel social” (ENT. Anim. UTL/Rennes).
Coerente com essa linha de pensamento, quando se refere ao que é verdadeiramente
aprendido, reconhece as limitações afirmando que, quanto aos objetivos, o que procura
fazer é
introduzir nas aulas da maneira mais diversificada possível algumas
questões que ficam no nível das aquisições corporais. Procuro
buscar uma maior qualidade na atividade, me colocando sempre no
lugar dos alunos [...] O ensino é justo sobre o conhecimento do
corpo, mas evidente que eu fico bastante modesta; verdadeiramente
o que chego a fazer é fazê-los aprender a melhor compreender seu
corpo, aprender a conhecer seus limites, suas possibilidades, e a
partir daí ser capaz de aprender a administrá-lo (ENT. Anim.
UTL/Rennes).
Em sua prática pedagógica ela se utiliza de estratégias visando a alcançar uma
melhor adaptação dos idosos aos objetivos propostos em suas aulas. Falando sobre a
intensidade com que os exercícios são praticados, a professora insiste em argumentar que
“os idosos comparecem por puro prazer, não se justificando impor uma carga a cada um
dos participantes. Se um exercício é difícil para alguém, eles serão capazes de decidir se
vão ou não fazer” (ENT. Anim. UTL/Rennes). Com relação às possibilidades de melhoras
nas dificuldades encontradas, ela admite que existem e considera que ocorreram progressos.
No entanto, devido ao estilo de aula adotado, altamente centralizado em sua execução e nos
gestos e exercícios por ela elaborados reconhece que
o grande ponto fraco deles é que eles são muito dependentes; se por
acaso eu não mostro os exercícios, se eu não faço com eles, se não
pratico ao mesmo tempo, eu não chegaria a dizer que eles seriam
incapazes, mas certamente eles teriam muita dificuldade de ser
autônomos. Se eu paro de fazer os exercícios, eles também param.
Se algum dia eu viesse a me acidentar, se tivesse um braço
engessado, ou mesmo uma mão ou uma perna, eu fico me
perguntando como eles fariam a atividade (ENT. Anim.
UTL/Rennes).
Com relação às dificuldades mais recorrentes entre os praticantes, como o
equilíbrio e a coordenação, e o progresso que pode vir a ocorrer, ela observa que o processo
267
é longo, chamando atenção para o fato de procurar não fazer uma aula que seja
escolarizada.
Eu começo logo no início do ano com exercícios bastante simples, e
quanto ao equilíbrio ele já demonstra ser um problema para a
maioria do grupo; depois, pouco a pouco, nós vamos repetindo
várias vezes esses mesmos exercícios, e com o tempo eles passam a
superar essas dificuldades. A partir daí, passamos a exercícios um
pouco mais difíceis, e ao fim de algum tempo pode-se perceber o
progresso (ENT. Anim. UTL/Rennes).
Segundo ela, o que acaba influindo na escolha dos exercícios que são apresentados
são as aulas anteriores, havendo exercícios que vão ser utilizados novamente. Isso pode se
dar devido ao fato de não terem sido bem compreendidos, daí não terem sido realizados
perfeitamente. Se alguns exercícios causaram problemas, ela trabalhará outra vez; já outros
são modificados. Sem um planejamento, confirma-se que a atividade visa a entreter o dia-adia por meio de uma observação não objetiva. Quanto à intensidade, não há uma regra
geral, variando segundo as pessoas, sendo percebida por ela em função do cansaço dos
praticantes, numa verificação subjetiva do momento em que as pessoas não estão à vontade
no exercício. Na percepção da professora, o fato de que o grupo da UTL/Rennes pratica sua
atividade uma vez por semana não justifica uma individualização de cargas para cada
exercício.
Não uso o tradicional dez ou mais repetições, eu evito fazer a aula
muito escolar. No caso de algum exercício não estar sendo bem
executado, a forma de corrigir me leva a alguns questionamentos,
pois é bastante delicado. Existem pessoas que gostariam de ser
corrigidas manualmente, mas outras não aceitariam. É bem difícil
perceber quem aceitaria e quem tem restrições. Eu acredito que a
melhor opção, a correção verbal, é melhor aceita do que o toque nas
pessoas. Se não corrigimos o exercício que está sendo mal feito,
pode ser prejudicial para a saúde. Por exemplo, se existe uma
postura incorreta das costas, ao invés de sair da aula em boa saúde,
ela sairá com um problema nas costas, daí porque é necessário fazer
a correção (ENT. Anim. UTL/RENNES).
A educação física instrumental é a norma que parece se desenvolver nas ginásticas
para idosos, havendo uma reprodução dos valores sociais dominantes, em que se
estabelecem “objetivos relacionados com a melhora da qualidade de vida sobretudo em
268
relação à promoção da saúde e à educação para o lazer. Essas perspectivas estão motivadas
pelas necessidades derivadas da forma de vida das sociedades pós-industriais” (JORDÁN,
1998:200).
Quando começamos a analisar o que mais importa para os praticantes, verificamos
que há um claro interesse em melhor o conhecimento de seu próprio corpo, com seus
limites, e o ‘aprender a respirar’, que foi declarado como uma de suas maiores aquisições.
Aprender alguma coisa não é seu objetivo, e o progresso na prática também não foi muito
percebido, sendo mais marcante a preocupação com os desempenhos físicos limitadores,
expressos na forma de equilíbrio ou mesmo da flexibilidade. Paradoxalmente, ao invés de
se sentirem estimuladas para enfrentá-los, os idosos/alunos declaram que quando são
apresentados exercícios que requerem qualidades em que eles não têm um bom
desempenho, sentem certo desinteresse pela atividade. O fato de declararem que não
aprenderam nada é considerado sem importância, como algo “natural” (ENT. 03,
UTL/Rennes). Já os que pensam existir algum progresso afirmam que ele “existe, mas não
é muito freqüente” (ENT. 06, UTL/Rennes).
A relação que se estabelece com a animadora é ambígua, pois mesmo que ela diga
que procura fazer o que os alunos desejam, esse diálogo nem sempre ocorre. São raras as
que se mostram insatisfeitas, mas existem, sem no entanto se sentirem capazes de ponderar
com a animadora. As mais desinibidas procuram interferir: “quando a aula se torna muito
repetitiva, criticamos” (ENT. 06, UTL/Rennes). Quando ouvimos a professora, ela disse
que logo na primeira aula solicita propostas do grupo, mas verificamos que esse tipo de
comportamento não se verifica no decorrer do curso, sendo mais comum as pessoas se
omitirem, pois declaram não se sentirem à vontade para externar seus anseios. “Eu não sei
o que dizer, afinal não é a minha formação, os professores devem saber o que é bom para
nós. São eles que nos levam a fazer, eles merecem a nossa confiança” (ENT. 07,
UTL/Rennes). A dificuldade de diálogo pode ser decorrente de diversas ausências: de um
projeto que dê sustentação e que seja construído em conjunto; de uma sondagem mais
acurada e acompanhamento mais detalhado, onde dados de cada aluno possam ser
registrados e acompanhados. Podemos também supor que nada disso interessa aos
269
participantes que ficam satisfeitos em seguir uma atividade socialmente reconhecida como
capaz de trazer benefícios os mais diversos aos seus praticantes.
As demandas passam a ser por coisas externas que possam tornar a atividade mais
agradável. Observamos que na UTL/Rennes uma das demandas do grupo é por uma aula
que tivesse música, seja como fundo musical ou mesmo possibilitando elementos da dança
em que a criatividade pudesse ser requerida, sendo raro este último tipo de demanda.
Sinto falta de música, de movimentos que me deixem livre para
criar, seja com um lenço ou algo que se aproxime à dança. Eu já
pedi à professora que apresentasse esses conteúdos, não peço mais.
O que se faz aqui parece mais com o que eu fazia quando era
criança, é muito estático. Na verdade não aprendi grandes coisas
aqui (ENT. 06, UTL/Rennes).
Idosos/alunos que pensam como o exemplo anterior falam da pouca variedade das
aulas: “no geral as aulas são sempre as mesmas no que se refere aos temas: movimentos
para a flexibilidade, para as articulações, os abdominais, equilíbrio, etc.” (ENT. 09,
UTL/Rennes). A “monotonia de determinadas aulas poderia ser quebrada se fosse utilizada
uma música” (ENT. 08, UTL/Rennes). Sobre esse assunto, a animadora/professora procura
justificar-se pelo fato de que não cabia a ela resolver o problema, ficando dependente da
associação, mas frisava que, se fosse utilizada a música, não serviria como imposição de
ritmo ou mesmo para qualquer tipo de expressão corporal. Mas como percebemos, houve
mais acordo entre os idosos/alunos que aceitam tudo sem qualquer discussão. “Estou aqui
para fazer os exercícios propostos, estou aqui para escutar e fazer, para mim pouco importa
existir ou não a música” (ENT. 12, UTL/Rennes). Essa geração de idosos que pouco teve
contato com a prática de atividades físicas em ambientes associativos, no cômputo geral,
fica bastante satisfeita com o que está fazendo, principalmente por não possuir parâmetros
que possibilitem comparação. Isso fica claro quando observa-se que no momento da
inscrição poucos tinham noção do que viria a ser a ginástica que foi por eles escolhida.
Procuramos saber como ficava a relação entre saúde e a prática de atividades
físicas, além de verificar como é percebida essa relação entre os que as praticam. No
contexto das entrevistas percebemos que os anseios dos idosos, expressos como
manutenção da saúde, da forma e do corpo, podem ser compreendidos como coisas
270
similares. É portanto pertinente o sentido que é dado por Carvalho (1998:119) sobre as
influências da “cultura de consumo” na construção dessa concepção autopreservacionista
que “joga para o indivíduo a responsabilidade pela qualidade de vida, pelo bem-estar,
mediante a manutenção”. Como também o é o verificado em Lovisolo (2000b:91), que
alerta para o fato de que devemos considerar a saúde não por seu valor biológico e sim
fazendo parte dos valores culturais que “dependem de seus contextos de geração,
reprodução e transformação”. As concepções observadas por esse autor sugerem a forte
influência exercida por duas tribos, a da conservação e saúde e a da estética. A primeira, na
busca de recordes sociais, tem a intenção de fazer com que todos venham a se tornar ativos
e autônomos, sendo os inimigos a combater o “sedentarismo e o estresse, nos sintomas
contrapostos da ansiedade e da depressão”. Ainda nessa tribo vemos que seus articuladores
“lutam contra a entropia e falam a linguagem da necessidade, da segurança, das
companhias de seguros e das políticas públicas e privadas de saúde”. Tudo operando “a
partir de uma moral tradicional, que afirma que longevidade e saúde são valores
inestimáveis”, ocupando o “lugar de um significativo meta-relato criador de sentido
coletivo” (LOVISOLO, 2000b:16).
A segunda concepção trabalha no sentido da criação de
imagens e argumentos favoráveis para a atividade corporal criadora
de um corpo modelado, decorado ou adornado de padrões sociais,
volumes e proporções, que se consideram belos, bonitos, atraentes,
enfim, socialmente valorizados. Neste caso a atividade física
localizada ganha o primeiro lugar das preferências (p. 43).
Já foi reconhecido que vivemos numa “sociedade medicalizada” que seria bem
típica das sociedades industriais, em que os cuidados preventivos passam a ser difundidos a
todas as categorias sociais. Há nesse sentido uma forte influência exercida pelos
profissionais da saúde, que acabam desempenhando um papel de catequizadores que visam
a estimular os cuidados com o corpo e a saúde. Adam e Herzlich (2001), ao abordar a
questão da medicalização da sociedade e o controle social exercido, apontaram duas causas
que contribuíram para sua forte representação: a evolução da medicina e da proteção social.
O saber médico no século XX ganhou um “valor normativo”, vindo a definir as
necessidades do cidadão. A saúde enquanto um valor que tem diversos significados
271
relaciona-se com a felicidade e o bem-estar. Só que o acesso a esse bem é mais facilitado
àqueles que pertencem a determinadas classes sociais, ou àqueles que têm mais facilidade
de transitar “no sistema de tratamento”. O que não causa nenhum espanto encontrarmos,
depois de um determinado momento, idosos e aposentados de determinadas classes sociais
demonstrando interesse em determinadas dietas, prática de esportes e atividades físicas que
são divulgadas com o intuito de dizer que contribuem para a manutenção da saúde.
Segundo os autores, ao se considerar que determinados comportamentos do indivíduo
acabam causando “estados mórbidos, as políticas de saúde passam a ser orientadas para a
difusão de informações buscando provocar uma mudança de comportamento” (ADAM e
HERZLICH, 2001:66), chegando mesmo a culpabilizar o indivíduo pelo seu possível
comportamento desviante.
Buscando interpretar os contextos em que são produzidos os discursos sobre a
atividade e a saúde, deve-se ter claro que a “pertença a uma cultura fornece ao indivíduo os
limites dentro dos quais operam-se essas interpretações relativas aos fenômenos corporais ”
(p. 70). É o saber médico que vai transmitir aos idosos e aposentados o que eles devem ou
não fazer, mas é comum que eles não tenham acordo, o que acaba confundindo os que
procuram seguir seus conselhos: “com os problemas de artrose, alguns médicos disseram
que eu não deveria fazer uma atividade física como a ginástica. Depois encontrei um único
médico que disse o contrário [...] os médicos não conseguem ter um acordo’ (ENT. 07,
UTL/Rennes).
Procuramos saber como era a relação dos idosos com os médicos e percepção da
saúde pública francesa. Com relação a esta última há um sentimento de que pode haver
mudanças, já que há abusos por parte de muitos segurados. O sistema de saúde francês é
um dos mais abrangentes do mundo, reconhecem os idosos, sendo capaz de atender com
qualidade a toda população segurada. A ida dos franceses idosos com certa regularidade ao
médico chega a ser em muitos casos mensal, acabando por produzir uma nova relação com
o corpo, “modelada pela proximidade de um grupo social com o discurso científico”
(ADAM e HERZLICH, 2001:75). Quando solicitados que fosse feita uma auto-avaliação de
sua saúde, verificamos que isso acaba sendo bastante complexo, já que em geral todos se
consideram saudáveis mesmo que freqüentem bastante as clínicas médicas e sigam os mais
272
variados tratamentos. Como era de se esperar, encontramos um discurso bastante
medicalizado, influenciado pelos que exercem o controle social sobre as coisas da saúde,
não havendo discordância entre a existência de uma forte relação entre saúde e ser ativo
fisicamente. “Eu não faço nada em especial para minha saúde, salvo praticar atividade
física. A cada três meses eu vou ao médico, mas não tenho nenhuma preocupação em
especial; ter saúde é estar bem consigo mesmo e poder levar a vida que eu levo“ (ENT. 02,
ARRS). A ambigüidade está presente quando tomamos contato com o relato de uma
idosa/aluna que diz tomar cinco a seis comprimidos por dia, que vai ao médico todo mês, e
que se considera “uma pessoa sem qualquer problema de saúde” (ENT. 01, ARRS).
As representações sociais acerca da saúde e da doença levaram Herzlich a
empreender um estudo na sociedade francesa, que acabou mostrando que
a linguagem utilizada para expressar-se a respeito da saúde e da
doença, para interpretar suas causas, manifestações e
conseqüências, não é uma linguagem do corpo: é uma linguagem
do indivíduo em relação com a sociedade (ADAM e HERZLICH,
2001:77).
Ao falarem sobre a doença, os entrevistados, que nesse estudo pertenciam ao que
se considerou como classe média e alta, entendem que uma doença é resultado de um
“estilo de vida errado”, reflexo da sociedade que impõe um ritmo alucinante de
competitividade. Mas chamam a atenção outros critérios que relacionam o ativismo à
saúde, modelo proposto para quem quer envelhecer de maneira saudável, que nada mais é
do que o resultado de uma ideologia do envelhecimento, que serviu anos mais tarde para
que o Estado passasse certas responsabilidades para o indivíduo e a família (GUILLEMARD,
1988). Na pesquisa de Herzlich surgem então os
critérios sociais, a atividade ou inatividade, a participação social ou
a exclusão que são empregados para definir o doente ou o indivíduo
saudável. Estar doente, para as pessoas interrogadas, significa parar,
ou seja, interromper sua vida profissional (ADAM e HERZLICH,
2001:77).
Os autores apresentaram um outro estudo, esse realizado com pessoas da classe
trabalhadora escocesa, sendo que o foco principal foram pessoas com mais de sessenta
273
anos. Para eles a saúde seria identificada “à necessidade de trabalho para a sobrevivência”,
que veio a ser
enunciada como uma força de resistência, uma capacidade de
funcionamento cujo aspecto corporal decorre de uma dimensão
moral. [...] para eles, o trabalho e a atividade conservam e
promovem a saúde e, ao mesmo tempo, contribuem para o reforço
da auto-imagem (ADAM e HERZLICH, 2001:81-82).
Os relatos que se seguem, dos idosos/alunos das associações francesas, sugerem
que saúde e atividade física, bem-estar e qualidade de vida estariam em sintonia na medida
em que permitem sua manutenção, fazendo com que as pessoas fiquem numa forma tal que
impeça que as doenças se instalem; a possibilidade de exercer um autocontrole, de conhecer
seus limites, de intervir positivamente na locomoção, aliando o aspecto preventivo ao
curativo, por meio de uma atividade como a ginástica. A educação física é então
considerada como capaz de interferir positivamente no bem-estar geral das pessoas.
Saúde sem dúvida alguma é não ter doenças mas é também ter um
corpo em boa forma: poder andar, correr. Como eu tenho um
problema de saúde, uma dilatação dos brônquios, eu durante o
inverno faço uma reeducação respiratória que me auxilia a
expectorar; aqui é um complemento porque ao mesmo tempo em
que eu faço o gesto, eu aprendo a respirar, que é muito importante
para mim. Mas eu também aprecio os abdominais, o trabalho dos
braços, o relaxamento, tudo é bastante benéfico para mim (ENT.
02, UTL/Rennes).
Na visão desses idosos/alunos que foram observados nas associações francesas,
como também no discurso dos animadores/professores, a atividade física passa a ser
apontada como um meio bastante necessário à conservação da saúde pois não só contribui
para a forma, a estética, como é bastante útil, visto pelas mais diferentes manifestações:
“ajuda a esquecer os problemas, sendo bem melhor do que tomar calmantes” (ENT. 04,
UTL/Rennes). Conforme o discurso das idosas, é fundamental incorporar ao estilo de vida
uma atividade física, pois ela não só contribui para a longevidade como para a autonomia
que possibilitará viver os anos com boa qualidade de vida, auxiliando a superar problemas.
O corpo não pode ser esquecido diante das preocupações
cotidianas, principalmente quando estamos aposentados. Há três
anos eu trabalhava, tinha como esquecer dos problemas. Quando
274
deixamos de trabalhar, tudo passa pela cabeça; praticar uma
atividade física contribuiu bastante, pois me permite esquecer os
problemas (ENT. 04, UTL/Rennes).
Os que modelizam o envelhecer de maneira saudável pontuam que o estilo de vida
não fica só nas preocupações com as atividades físicas, passando a ser também importantes:
a dinâmica nutricional, a vida regrada, o consumo de medicamentos, álcool, tabaco e o
controle do nível de estresse. Os conselhos que são amplamente difundidos servem para
impor novos valores a que só terão acesso aqueles que não querem se entregar à doença, à
velhice e à inatividade, daí a importância de se optar por um estilo de vida socialmente
considerado como saudável. “Quando vamos envelhecendo devemos evitar as gorduras, o
açúcar e ter mais atividade física. Deveria haver mais divulgação dos benefícios da
atividade física pois depois de uma certa idade devemos ser mais cuidadosos” (ENT. 04,
UTL/Rennes).
Confirmando o que já foi previsto pelos animadores/professores, a saúde e a
sociabilidade acabam se confundindo sendo sempre as maiores referências, mas surgem
outras funcionalidades, pois pertencer a associação e praticar atividade física funciona
como um momento em que se pode desconectar do que incomoda, que pode ser entendido
como uma fuga: “aqui eu não penso nunca nos meus problemas de saúde; permitindo
manter-me a forma, nos preserva de um envelhecimento rápido” (ENT. 01, UTL/Rennes). A
questão da relação entre ter saúde e a prática de ginástica e os engajamentos ativos fora de
casa não difere quando observamos qualquer uma das associações francesas. “Para se ter
saúde é primordial termos uma vida ativa e uma boa alimentação. Eu saio o máximo
possível de casa, chovendo ou não. Quem fica em casa acaba envelhecendo muito mais”
(ENT. 01, ARRS). Para se ter saúde é necessário estar ativo e ter hábitos saudáveis, pois
seria fundamental não só para o “corpo como também para a moral. Para mim saúde é
poder se movimentar. A ginástica serve inicialmente para a forma e eu acho que estou bem
quando eu a pratico (ENT. 03, UTL/Rennes). É uma maneira de se entreter pelos gestos, é
uma necessidade servindo para a prevenção de doenças e manutenção da saúde.
Levando em consideração os hábitos de vida que são considerados saudáveis pelos
que preconizam um estilo de vida saudável e que possibilitam um envelhecimento com
275
qualidade de vida e longevidade, vimos nas respostas dos entrevistados que, se por um lado
o tabaco não é consumido por esses idosos, por outro, a questão do consumo de bebida
alcóolica faz parte do cotidiano da vida do povo francês172. Foi bastante comum ouvirmos
dos entrevistados que consomem no mínimo dois copos de vinho tinto diariamente. E a
mais idosa do grupo afirmou que raramente bebe água; ela ingere a Cidra, uma bebida
alcóolica da Bretanha. Foi mais freqüente a busca pela medicina alternativa pelos que estão
participando da gin-suave do que pelos que participam da gin-entretenimento, sendo a
homeopatia bastante procurada para o tratamento de seus problemas.
Saúde viria de um certo equilíbrio entre as necessidades do corpo e da alma, disse
a animadora da ARRS, “quando eu não sinto nada em nenhum lugar ou quando eu poso
fazer tudo que eu quero fazer sem sentir-me fatigada”. Ainda segundo ela, demonstrando
sintonia com o discurso corrente, é “necessário uma certa higiene de vida em relação a
alimentação, um certo número de horas de sono e um certo número de horas de atividades
físicas” (ENT. Anim. ARRS). Ela apresenta como temor a perspectiva de envelhecer diante
da possibilidade de vir a necessitar um dia de uma cadeira de rodas, mas seria muito mais
difícil aceitar a possibilidade de uma demência que acabaria por levá-la à dependência.
Para a animadora que atua ministrando a gin-suave, saúde e atividade física, fora
de seu aspecto profissional, é também um meio de administrar sua vida, levando-a a estar
bem consigo mesmo. Profissionalmente, seus objetivos são qualidade de vida em sintonia
com a saúde, visando a autonomia, bem-estar corporal e psicológico. Segundo ela, saúde
“existe a partir de uma higiene de vida que nós nos impomos, como ter uma atividade
física, que acho ser importante durante toda a vida. E depois, também, eu creio que é uma
questão de destino (ENT. Anim. UTL/Rennes).
As políticas de saúde são postas em prática a partir de seu sistema de saúde oficial.
A preocupação com os direitos dos idosos e com o modo como eles vêm sendo tratados nas
políticas sociais vem merecendo calorosos debates, sendo que o mais recentemente
desenvolvido na sociedade francesa aborda o financiamento da dependência, existindo
172
Esse fato vem sendo chamado de ‘paradoxo francês’, que significa um considerável consumo de
vinho e gordura animal, ao mesmo tempo em que se tem uma das maiores expectativas de vida do
mundo.
276
mesmo propostas de seguro dependência. A animadora/professora da UTL/Rennes afirma
que questões semelhantes não fazem parte de suas discussões em sala de aula, que se
resumem ao que envolve a atividade em si. Ela reconhece que o sistema de saúde pública
francês é bastante interessante. “Não devemos nos queixar dele, mas deve progredir. Os
sistemas dos países nórdicos são atualmente muito mais interessantes do que o nosso, mas
no entanto existem piores” (ENT. Anim. UTL/Rennes), como por exemplo o caso
brasileiro, poderíamos acrescentar. Ela destaca que há uma crise, acreditando que se não
ficarmos vigilantes poderá haver muitas mudanças. Mostra sua preocupação pelo fato de
que são os aposentados que se mobilizam, o que não é nenhuma novidade no país, mas
inverte o que deveria ser a lógica. “Não são nem os jovens nem os que estão em atividade
profissional que estão neste momento se preocupando com isto, mas, ao contrário, são os
aposentados” (ENT. Anim. UTL/Rennes). O sistema de saúde francês é considerado um
dos melhores do mundo, pois oferece a toda a população um atendimento de qualidade e
variado, o que permite que a cada dois meses a maioria dos idosos que participam das
nossas entrevistas freqüente algum tipo de médico. O temor de ficarem dependentes é uma
realidade dos dias atuais, ameaça constantemente abordada pelos meios de comunicação e
responsáveis pelas políticas públicas. Com o alcance da longevidade, a dependência vem
sendo apontada como a característica principal daqueles que estariam sendo considerados
como os velhos do século XXI, e por este motivo todos devem resistir ao envelhecimento.
Alguns declararam que vêem a perda da autonomia como uma questão de destino, mas que
pode ser postergada com a vida ativa. “Procuro ter saúde e me manter em forma, ficando
sempre autônomo, menos dependente. Quero retardar ao máximo o momento em que os
filhos deverão se ocupar de mim, isso me aborrece bastante” (ENT. 01, UTL/Rennes).
Entendendo as associações brasileiras onde foram investigadas a prática da ginástica
As duas associações brasileiras se apresentam com uma característica original que
as diferencia das francesas. Ambas surgem em instituições que tiveram inicialmente um
atendimento ambulatorial voltado para a saúde do idoso e afirmam trabalhar visando à
promoção da saúde. A UnATI/UERJ é criada a partir da proposta inicial do professor
Piquet Carneiro e o PAM/IMMA vem da união do programa de saúde do idoso de um posto
277
de atendimento médico do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
(INAMPS) com uma proposta de intervenção com atividades físicas, levada a cabo pelo
projeto IMMA, que se constituiu o primeiro pólo deste último173.
Os dois projetos se transformaram em espaços associativos que possibilitam a
convivência de idosos e aposentados e seu engajamento em atividades as mais diversas. Seu
desenvolvimento ocorreu num momento em que já se anunciava nos grandes centros
urbanos do país a significativa expansão de propostas associativas voltadas para idosos e
aposentados. As duas foram implantadas em órgãos públicos, de forma que qualquer um
poderia participar de suas atividades, não sendo cobrada qualquer taxa de manutenção. Ao
se discutir a questão do público e do privado, Sara Nigri (1999), que estudou a
UnATI/UERJ174 em sua tese de doutorado, afirma que “no Rio de Janeiro, a busca do
espaço da universidade pública pelos idosos revela uma enorme demanda represada que
não pode ser atendida, pois a UnATI não dispõe de vagas para todos” (NIGRI, 1999:146).
Em teoria há uma democratização de acesso desde que não ultrapasse um
determinado número de pessoas em cada uma das atividades propostas. No caso do
PAM/IMMA não se verificou esse problema, pois todos que se interessaram em participar
do projeto estavam nele inseridos, sendo 48 idosos no primeiro pólo. Na UnATI/UERJ, no
ano anterior ao que investigamos, foram atendidos 2.000 idosos em suas diversas oficinas,
cursos e palestras (VERAS, 1995), o que não significa que uma pessoa não possa ter sido
contabilizada mais de uma vez. Nas duas propostas é muito significativo o quantitativo dos
participantes do sexo feminino, que proporcionalmente chega a ser bem maior quando
comparado ao conjunto dos associados das entidades francesas investigadas. E mais alta
ainda é a incidência de mulheres que vivem sós e viúvas. Esse dado possibilita algumas
hipóteses sobre o porquê da característica preponderantemente feminina dos associados.
Mesmo que saibamos que a questão da distribuição demográfica apresenta mais
mulheres do que homens e que as idosas vivem mais anos do que os homens, não nos
173
Essa união foi estabelecida em 1993, no período denominado pelo idealizador do projeto IMMA
como sua segunda fase (FARIA JUNIOR, RIBEIRO, 1995a). A partir do ano de 1994, uma nova fase
fica marcada por essa parceria, quando foi criada a Associação dos Idosos do PAM de São
Francisco Xavier.
174
Em seu estudo pode-se ter contato com o perfil mais aprofundado dos associados da UnATI.
278
satisfaz responder por esse aspecto. Ficamos com o exemplo que é dado por Sara Nigri
(1999), que prudentemente apresenta a grande presença de mulheres em clubes e
universidades de idosos, mostrando a dificuldade de se encontrar dados definitivos que
apontem a razão da incidência feminina nos espaços culturais e de lazer voltados para
idosos. Acreditamos, como Nigri, que essa questão pode ser respondida levando em conta o
estilo de vida que caracterizou as gerações das hoje idosas e os papéis por elas
desempenhados durante o século XX, época em que envelheceram, que no Brasil
receberam fortes influências culturais das relações homem/mulher.
Os espaços de convivência em instituições de ensino e em outros
espaços fechados constituem-se numa extensão da casa, espaço
historicamente reservado para o âmbito privado, portanto, locus
destinado às mulheres. Outra possibilidade se refere à maior
abertura das mulheres na busca de novos espaços, vencendo
preconceitos e ampliando sua inserção social. São, repetimos,
hipóteses que necessitam aprofundamento (NIGRI, 1999:185-6).
Como era de se esperar, na UnATI/UERJ e no PAM/IMMA a distribuição por
categoria profissional acompanha o perfil de profissões que são historicamente femininas,
como professoras, enfermeiras, costureiras, escriturárias ou as que se dedicaram a
atividades do lar. A baixa escolaridade feminina foi observada no PAM/IMMA, onde
encontramos com freqüência pessoas que só possuem o ensino básico, havendo até
analfabetos, mas ninguém que tenha cursado algum curso superior (FARIA JUNIOR, 1995a).
Já na UnATI/UERJ verificamos que 80% tiveram estudos equivalentes ou superiores ao
atual ensino básico (NIGRI, 1999).
Quando se analisa o perfil dos freqüentadores e a fundamentação das associações,
percebemos que tal como foi encontrado nas associações francesas, há a distinção entre ser
partícipe de uma associação que mais se assemelha a um clube ou de outra que pretende ter
o status de universidade. Essa preocupação está sempre mais presente quando se discute o
que se faz nas universidades para idosos. Seus organizadores argumentam que elas devem
se diferenciar, como um local que oferece a possibilidade de desenvolvimento do que
Lemieux, Jeannerete e Marc (1992:16) chamaram de “cultura ativa”. Segundo eles não se
admitiria uma associação universitária de idosos que se confundisse com o ativismo que
279
pontua certos espaços associativos. Nesse último tipo de associação os freqüentadores estão
mais interessados com o ocupar o tempo com um entretenimento qualquer, que passa a ser
bem comum em clubes de encontro ou mesmo nas amáveis associações beneficentes.
Embora as duas propostas brasileiras se apresentem dentro de instituições
públicas, o perfil dos freqüentadores mostra que o efeito de distinção acabou se dando mais
em função das pretensões iniciais que as associações visavam desenvolver. A UnATI/UERJ
já começou procurando estar de acordo com os princípios da educação permanente e do
lazer, num local já elitizado, que é a universidade brasileira. No caso dos participantes do
PAM/IMMA, trata-se de um grupo que teve um desenvolvimento peculiar, pois
originalmente não se constituiu a partir de uma intenção de proporcionar entretenimento e
lazer, que acaba marcando mais as associações que se assemelham ao modelo clubes para
idosos. Essa característica veio timidamente a ser incluída175. Com o tempo houve por parte
dos envolvidos a percepção de que estariam freqüentando um clube e não mais um posto de
saúde, já que eram promovidos festas, passeios, bazares, além de poderem participar de
atividades em grupo, desde reuniões para discussões temáticas a prática de atividades
físicas. Isso passou a ocorrer principalmente depois da criação da associação e o objetivo
curativo que marcou as primeiras idas desses idosos ao posto passou a ser redefinido.
Eu acho isso aqui maravilhoso, a gente faz um grupo de amigos,
tem com que ocupar a mente. Eu participo de tudo aqui, trabalho no
bazar, faço parte da comissão de festa, tudo que tem eu estou. É um
grupo que a gente pode dizer que virou um clube, tem até um nome
e agora já tem até o logotipo (ENT. 01, PAM/UNATI).
A UnATI/UERJ surgiu na mesma época, sendo oficialmente criada no dia 25 de
agosto de 1993. Essa universidade para idosos veio a ser um aprofundamento de uma
iniciativa anteriormente estabelecida pelo prof. Piquet Carneiro, que no final da década de
oitenta reuniu um grupo de profissionais no Hospital Universitário Pedro Ernesto com a
175
No atendimento médico que estava sendo realizado no posto de saúde São Francisco Xavier do
INAMPS, com a regularidade das consultas de alguns pacientes houve interesse de alguns
profissionais do posto em trabalhar a saúde de uma forma diferenciada. A partir daí os idosos e
aposentados que estavam sendo acompanhadas pela equipe do posto passaram a ser sensibilizados
com o fim de fazer parte de um trabalho mais sistematizado e diversificado.
280
finalidade de discutir a terceira idade176. Tal como um embrião, o NAI possibilitou anos
mais tarde a criação do que ficou conhecida como UnATI/UERJ, segundo Veras, Camargo
Junior (1995:12-13). Esses autores, ao se referirem às universidades da terceira idade,
argumentam que, para atender as necessidades atuais dos idosos, os centros de convivência
são fundamentais, e defenderam a importância de seguirem o modelo associativo francês,
desenvolvido nas universidades daquele país.
O envelhecimento da população é uma aspiração natural de
qualquer sociedade; mas tal, por si só não é o bastante. É
importante almejar uma melhoria da qualidade de vida daqueles que
já envelheceram ou que estão no processo de envelhecer.
Manutenção de autonomia e independência é uma tarefa complexa
que resulta dessa conquista social [...] dentre as instituições
públicas, a universidade é, no momento, a mais equipada para
responder
a
estas
necessidades.
A
estruturação
de
microuniversidades temáticas voltadas para a terceira idade pode
ser o ponto de partida. Ali, os idosos, além de receber assistência e
ensino e participar de atividades culturais e de lazer, propiciam um
coorte inestimável para a pesquisas em várias áreas de
conhecimento.
No formato brasileiro, essas associações estabelecidas no interior de instituições
públicas, como a UERJ e o PAM, foram idealizadas para responder às demandas dos idosos
de todas as categorias sociais, e para isso a garantia de sua gratuidade passou a ser
fundamental. Segundo a coordenadora da UnATI/UERJ, o sucesso do programa é ser
completamente gratuito e uma possibilidade de levar certas categorias sociais a pertencer a
espaços a que nunca tiveram acesso. “Muitos dos nossos alunos ficam muito felizes pelo
fato de nunca poderem ter entrado numa universidade, já que não tiveram esta oportunidade
antes” (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Segundo o manual que descreve as atividades daquela
instituição, verificamos que ela tem pretensões de assemelhar-se ao que pontuam todos os
estabelecimentos que se intitulam universidades: promover o ensino, a pesquisa e a
extensão; vindo ainda a ser um programa de estudos, debates e assistência à terceira idade
(UNATI, 1994). Em sua chamada principal fica patente que a universidade brasileira,
176
É dele a criação de um núcleo multidisciplinar de atendimento aos idosos (NAI), em cuja
proposta já se falava em microuniversidades para diversificar o tipo de atendimento que a
universidade podia dar aos idosos.
281
mesmo sendo pública, é um espaço de distinção social para os que a freqüentam. O intuito
foi o de sensibilizar “idosos que muitas vezes trabalharam a vida inteira para poder dar
condições de estudo para seus filhos e netos. Muitos tendo, inclusive, de vencer a própria
inibição e o olhar de discriminação de muitas pessoas” (ENT. Coord. UNATI/UERJ).
Ainda no documento de apresentação ficamos sabendo que a instituição imagina
fazer um trabalho intergeracional na medida em que idosos e jovens convivem na mesma
universidade, o que consideramos muito simplista enquanto resposta a esse tema: “é uma
satisfação ver pessoas de mais de 60 anos freqüentando o campus universitário e as salas de
aula, carregando suas pastas e anotações, discutindo seus desempenhos nas diversas
atividades realizadas” (UNATI, 1994:4).
A proposta da associação é ousada e, pensando no futuro, mostra que são diversos
os objetivos do projeto da UnATI/UERJ, chegando mesmo a se falar na criação de um
centro universitário, que na estrutura da universidade envolveria a formação de quadros que
passariam a atuar com as questões do envelhecimento, integrando ensino, pesquisa e
extensão. E indo além, ela se propõe a atuar na assistência ao idoso, que englobaria suas
demandas médicas, odontológicas, jurídicas, nutricionais, como qualquer outro tipo de
assistência capitaneada pelo serviço social. Seu modo de intervir se justifica na fala de sua
coordenadora, a que estamos chamando de observância a uma política específica de modo
de vida para os idosos, que, tal como na França, também foi posta em prática no Brasil:
uma maneira de manter o indivíduo ativo, participativo, atuante
dentro da sociedade e levá-los até a fazer trabalhos com a
comunidade. A nossa intenção é esta, prepará-los e motivá-los para
isso, o que não é uma tradição na sociedade brasileira o trabalho
com a comunidade (ENT. Coord. UNATI/UERJ).
No período em que fazíamos a pesquisa na UnATI/UERJ, o projeto já recebia uma
boa cobertura da mídia, recebendo pedidos de outras universidades para que fosse enviado
material explicativo sobre sua organização ou mesmo solicitando assessoria, afirmou sua
coordenadora. Aos que solicitam consultas são passadas todas as informações, mas,
segundo ela, seria muito difícil copiar o modelo da UnATI, pois a UERJ, que lhe dá
sustentação, é uma instituição muito grande. A nosso ver isso confirma que há uma forte
tutela da universidade, já que a associação tem todo um quadro administrativo ligado a ela,
282
fato que se diferencia bastante da estrutura das associações francesas, que como já vimos
têm bastante autonomia. Na UNATI/UERJ, a coordenadora afirma que é motivo de
“felicidade estamos ligados à sub-reitoria de assuntos comunitários e já somos um núcleo
que faz parte da estrutura da universidade, estando incluídos em seu organograma, o que
impossibilita seu encerramento numa troca de reitor”.
A tutela de pessoas que atuam profissionalmente na instituição também é grande no
PAM/IMMA. Primeiro pelo atendimento geriátrico do posto de saúde e depois pelos
demais setores envolvidos, como o da educação física. Os primeiros atendimentos
geriátricos no posto surgem da percepção de que havia problemas quanto ao atendimento
regular de determinados grupos. O governo federal propôs, por meio de uma portaria
ministerial, que se procurasse dar atendimento privilegiado para idosos, grávidas e
deficientes físicos.
Esta prioridade possibilitou que cada um a entendesse como
quisesse. Naquela unidade entendeu-se que a prioridade era não
haver pessoas aguardando em fila. Ou seja, o idoso chegava e era
atendido por quem estivesse, não necessitando ficar aguardando em
filas. Daí eu comecei a atender a esse grupo, e eles com o tempo
naturalmente elegeram algumas pessoas, que pareciam ter mais
paciência para dar continuidade a sua assistência. Nesse momento
ainda não era uma coisa sistemática de vir e voltar ao mesmo
médico. (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA).
Passou-se algum tempo para que o trabalho fosse sistematizado. Por iniciativa de
alguns funcionários, as pessoas que eram atendidas sempre pelos mesmos profissionais
passaram a ser sondadas sobre se gostariam de participar de um grupo para discutir a saúde,
quando seriam dadas informações as mais gerais possíveis. A idéia de se propor alguma
atividade física ainda demorou algum tempo, e veio de uma sugestão de uma assistente
social da unidade, já que até então os programas estavam muito a cargo desse setor:
num dia ela me disse que gostaria que eu conhecesse uma pessoa
interessante, que estaria pouco desmotivada com a sua atuação
profissional. Ele é um médico fisiatra, também professor de
educação física, que trabalhava no PAM na linha da físiatria e é
professor no Instituto de Educação Física. Eu o conheci, mostrei a
ele como era a linha de pensamento, que gostaria de alguma coisa
mais ampliada, ele acatou essa idéia e marcou uma reunião na
283
UERJ, fazendo uma ponte com o Instituto de Educação Física [...]
Nesse momento começou a se estruturar uma parceria com a
proposta do grupo IMMA e acredito que como para mim também
era para eles uma experiência nova (ENT. Coord. médica,
PAM/IMMA).
Era já uma época em que no Brasil, não importando o modelo em que estavam se
fundamentando as associações de idosos, logo que uma atividade mais dinâmica era
proposta, reunia-se um grande número de pessoas cuja característica tem sido a de
experimentar o máximo possível o que é proposto. Com as atividades físicas não foi
diferente, ainda que os idosos e aposentados brasileiros fossem pessoas sem qualquer
experiência associativa. Sendo gratuita essa participação e sendo formado um grupo com
demandas semelhantes, não havia por que não participar. Tratando-se das atividades físicas,
ainda existia um outro fator, que era sua associação, até recentemente, a pessoas jovens e
saudáveis.
Os exemplos de idosos fazendo atividade física e sendo longevos já não são mais
tirados a partir do que estava ocorrendo em outros países, e casos isolados de idosos
brasileiros bem ativos e saudáveis passaram cada vez mais a ser divulgados nos meios de
comunicação. No início dos anos noventa já existia consenso sobre a necessidade de se
fazer atividade física para garantir uma vida saudável e de ser ativo para enfrentar as
doenças que têm como causa um estilo de vida sedentário. Mas existia um problema: até
então não havia muita coisa sistematizada sobre como melhor atuar com idosos e
aposentados que nunca haviam praticado uma atividade física organizada para ser praticada
em grupo.
Levando em consideração as associações francesas e brasileiras, o grupo que fazia
as intervenções no PAM/IMMA foi o único em que havia uma proposta concreta de
discussão teórica e busca de uma metodologia que se adequasse às demandas dos idosos e
aposentados.
Havia reuniões que aconteciam com certa regularidade, e nas
sextas-feiras
procurávamos
valorizar
os
tópicos
que
considerávamos mais importantes. Então começamos a falar do
valor da atividades física como prevenção, aí surgiu o interesse das
pessoas individualmente [...] a idéia da avaliação médica de quem
iria participar das aulas foi minha; era feita uma avaliação de quem
ia para a atividade física. E para isso era feita uma avaliação mais
284
criteriosa. A proposta da atividade física feita pelos profissionais de
educação física era fazer alguns tipos de medidas – estes eram os
indicadores; já nós fazíamos o monitoramento de pressão, exames
de laboratório, eletrocardiograma (ENT. Coord. médica,
PAM/IMMA).
O aprendizado se dava a partir do envolvimento dos profissionais do projeto em
atividades que extrapolavam a intervenção. Havia discussão de casos e intenção de se fazer
pesquisas que pudessem dar melhores subsídios para embasar a prática. De certa forma,
isso ficava mais facilitado pelo compromisso dos envolvidos, que eram estagiários
cumprindo tarefas acadêmicas, bolsistas ou professores que tinham a intenção de elaborar e
aplicar uma metodologia que permitisse objetivamente verificar o impacto das
intervenções. Com o tempo passou-se a discutir o que lá era feito em outros espaços, como
eventos acadêmicos e publicações (FARIA JUNIOR et al., 1995b).
De forma semelhante encontramos essa intenção na proposta global da
UnATI/UERJ, mas não se verificou quando observamos isoladamente a oficina de
antiginástica. Segundo a animadora responsável pela atividade, há uma diferença entre a
sua forma de atuar em outros espaços e o que se pode fazer naquela instituição.
No consultório, nós temos um controle muito maior do que a gente
tem aqui; cada paciente no consultório é entrevistado, é feita uma
anamnese e é explicado como é o trabalho. Faz-se ainda uma
avaliação postural e uma avaliação clinica. Lá começamos com um
trabalho individual, indo até o momento em que se pode passar para
o grupo, que não ultrapassa dez pessoas. Já aqui, no ano passado
tentou-se fazer as entrevistas separadamente, mas só deu para fazer
com algumas pessoas, pois tomava um tempo tão grande que não
deu nem para acabar, o grupo era muito grande. Este ano nós
distribuímos um questionário, com algumas perguntas individuais
(ENT. Anim. UNATI/UERJ).
Verificamos que no PAM/IMMA havia uma intenção de se realizar testes
específicos para medir com certa regularidade o desempenho físico dos idosos, o mesmo
não aconteceu na outra associação brasileira e nem nas francesas.
Na UnATI/UERJ não aplicamos testes para medir as possíveis
melhoras, eventualmente podemos fazer um acompanhamento a
partir de algumas radiografias solicitadas. Esta iniciativa pode ser
tanto nossa como deles – quase sempre é deles. Quando há um caso
285
evidente nós solicitamos o encaminhamento para um médico ou
para um trabalho individual. Existe aqui na UnATI um serviço de
ambulatório que tem a proposta de fazer uma avaliação clinica
individual, e eu tenho observado que muitos passaram por este
controle, mas outros não (ENT. Anim. UNATI/UERJ).
Até aqui já podemos identificar algumas diferenças na organização das associações
brasileiras e francesas. No Brasil não se fala muito em uma associação, mas sim em centros
de convivência177. Se na França as pessoas que atuam na intervenção nas associações são
consideradas animadores, no Brasil em geral as atividades são consideradas unicamente
como ensino, sendo a intervenção realizada por professores. A perspectiva do binômio
educar pelo e para o lazer não foi manifestada em nenhum local. Outra diferença
fundamental é a de que no Brasil seus associados não estão envolvidos no quadro
gestionário do que estamos considerando como associação, nem tão pouco na animação das
oficinas. O que existe como representatividade que saia do conjunto dos associados é algo
ainda bastante dirigido.
No caso da UnATI/UERJ, havia a proposta de criação de um centro acadêmico, em
que os associados teriam sua representação; no PAM/IMMA encontramos indícios na fala
de sua representante de que havia uma grande interferência dos profissionais do projeto nos
rumos da associação. A tutela dos que entendem de velhos, como se referiu Haddad (1986),
é bem nítida nas associações brasileiras, havendo bastante dificuldade em encontrar idosos
que queiram assumir determinados compromissos.
Eles formaram a associação dos idosos de que sou presidente.
Chama-se Associação dos Idosos do PAM S. Francisco Xavier, mas
já estou pensando em largar por causa de um problema, não com a
chefe do serviço social, mas com a assistente social propriamente
que toma conta do grupo [...]. Eu não estou bem entrosada com a
assistente social do meu grupo, eu estou no grupo por causa da Dra.
Helena e da chefe do S. Social. Mas no fundo eu acho que está me
fazendo bem, é uma oportunidade de aprender. Eu sempre fui dona
de casa, embora sempre procurasse me manter atualizada, mesmo
apesar dos filhos. Mas agora, eu estou tendo esta oportunidade de
177
Estamos considerando ambas como associações – a UnATI/UERJ por sua própria estrutura e o
PAM/IMMA pela efetivação enquanto tal, sendo registrada em cartório. Nesta última, como
atividades alternativas à atividade física, só existia a organização de festas e bazares, mesmo assim
com a interferência de profissionais, e encontros não muito regulares, onde uma oficina de trabalhos
manuais tinha produtos postos à venda.
286
viver uma outra vida, vai a cartório, providencia a assembléia...
(ENT. 02, PAM/IMMA).
No período de nossa investigação, estavam atuando na gestão da UnATI/UERJ três
tipos de professores/animadores: alguns são do quadro da UERJ, sendo, segundo a
coordenadora da associação, professores que têm interesse na terceira idade, além de
professores que são contratados pela universidade só para ministrar determinadas
disciplinas, e os professores voluntários. Do quadro da UERJ, estão envolvidos o diretor, o
gerente de pesquisa, o diretor de assistência, o responsável pela parte médica, entre outros
(ENT. Coord. UNATI/UERJ). Também na outra associação encontramos professores,
funcionários e acadêmicos da mesma UERJ. Segundo um dos coordenadores do projeto
PAM/IMMA, responsável pela parte da educação física, as intenções de estudar o
envelhecimento e a prática das atividades físicas no projeto IMMA surgiram anteriormente
da parceria que foi feita com o PAM.
A idéia do projeto se fundamenta no que foi apontado como o surgimento da velhice
enquanto problema social do momento (LENOIR, 1998). Foi após a identificação de que
diante das estatísticas brasileiras havia o que ser feito na educação física para idosos no
meio acadêmico, mas havia uma lacuna ainda não plenamente ocupada, qual seja a de
buscar discutir especificamente o corpo de uma disciplina que faça parte da grade curricular
dos centros de formação de professores178:
nos meados da década de 80, quando já começou a ficar evidente
que havia um envelhecimento da população brasileira e que a
educação física não estava participando do esforço de adaptação ao
envelhecimento, nós começamos a preparar recursos humanos e
fazer um levantamento bibliográfico e estudar essa questão,
tentando, futuramente, como a gente pensava na época, organizar
um projeto que fosse de intervenção e pesquisa (ENT. Coord.
educação física, PAM/IMMA).
178
A sistematização do projeto surgiu no desenvolvimento de uma disciplina em que foram
incluídos temas diversos fora do meio escolar, sendo os idosos incluídos quando o professor Faria
Junior passou a integrar o quadro dos professores do Instituto de Educação Física da UERJ.
287
Uma vez estabelecida a parceria com o PAM, passou-se a pensar qual seria a melhor
forma de atuar com idosos que tinham como caraterística serem hipertensos, diabéticos,
depressivos e que estavam sendo controlados pela assistência médica do PAM. Numa
divisão de responsabilidades, o setor médico é o que faz a seleção dos idosos, verificando
os que podem ou não fazer a atividade proposta, que assumiu o nome de ginástica. A
promoção da saúde dos idosos foi o fator principal que definiu a união das duas
instituições.
Quando nos propusemos criar este projeto nós unimos o grupo de
lá, que tinha o lado curativo e de certo ponto preventivo, com o
nosso programa [...] eles se ressentiam da falta de atividades físicas
para os idosos, aí se incorporaram, os recursos do PAM e os nossos
do Instituto, para atender esse grupo de idosos [...] no início havia
até um receio de que os professores de educação física fossem
provocar mortes. O diretor do PAM chamou a coordenadora médica
do PAM/IMMA e perguntou: quem vai passar os atestados de
óbitos, você vai assumir isto? Você vai assumir o projeto com eles,
você vai dar os atestados de óbito. Isto aí mostra um preconceito
que os médicos tinham em relação aos professores de educação
física, no caso de serem despreparados, e a própria atividade física.
Mas por outro lado existia um grupo de médicos lá que tinham uma
visão diferente [...]. Hoje, se você somar o pessoal do PAM com o
pessoal da UERJ, a gente está em torno de 30 pessoas: estagiários,
bolsistas, professores, médicos, assistentes sociais (ENT. Coord.
educação física, PAM/IMMA).
O projeto teve a intenção de ser uma proposta integrada que envolvia diversos
profissionais interessados em promover a saúde dos idosos. A reunião das sextas-feiras era
a oportunidade de fazer avançarem as discussões surgidas, e sempre após uma fase
expositiva havia uma discussão entre os presentes.
Por exemplo: sobre doença, um dos médicos fala sobre a
osteoporose; na outra uma assistente social fala sobre a criação de
uma associação de idosos; na outra eu falo sobre ginástica para
idosos, e depois, nesta mesma reunião, os idosos dão a opinião
deles, as sugestões, e dizem o que eles querem que a gente faça [...]
é repassado para eles como eles estão, o que os médicos dizem, se
eles estão ótimos nisso. Aí depois a pessoa do ensino explica em
quantas partes a aula está dividida, porque tem uma programação;
depois entra a médica que faz uma exposição do controle de
288
doenças. Porque o controle de pressão arterial é feito antes das
aulas, a freqüência cardíaca e também a incidência da osteoporose e
o que o exercício físico pode trazer de benefício, etc. (ENT. Coord.
educação física, PAM/IMMA).
Quando se traçou o perfil do grupo que iria participar das atividades do projeto,
logo se verificou que, dos 48 idosos que se apresentaram aptos para o que pretendia ser
realizado, não era comum a participação em qualquer tipo de associação. Segundo o
coordenador de educação física do PAM/IMMA, mesmo se o enfoque inicial foi médico,
pode-se dizer que o fato de estar em grupo e participativos passou a ser fundamental para a
promoção da saúde e da autonomia, já que “autonomia também significa a participação
coletiva em associação”.
Quando passamos a analisar as atividades que são propostas na UnATI/UERJ,
percebemos que elas têm como característica serem muito mais variadas, chegando a somar
mais de setenta. “No início só se podia oferecer dentro do que estava ao alcance dos
profissionais que eram da UERJ; procurava-se descobrir dentro da universidade quem teria
interesse em fazer alguma coisa destinada à terceira idade”, declarou a coordenadora do
projeto. Essa é uma diferença fundamental em relação ao que ocorre na UTL/Rennes, onde
essa busca é feita entre os próprios associados idosos. Na UnATI/UERJ, passaram a surgir
algumas pessoas que se ofereciam para animar determinados cursos e oficinas. Uma vez
constituída no primeiro semestre a primeira leva de atividades, no semestre seguinte foi
feita uma sondagem junto aos idosos procurando saber o que eles acharam. Nesse momento
eles poderiam sugerir também o que gostariam que fosse oferecido:
foi feita uma listagem e nós corremos atrás, e aí passamos a
oferecer o que eles gostariam. Uma coisa que já posso deixar claro
é que eles têm muito interesse em atividades intelectuais, atividades
culturais, mas têm muito mais interesse nas atividades que tenham
música e o movimento, como atividades físicas (ENT. Coord.
UNATI/UERJ).
Se levarmos em consideração a experiência das universidades francesas para
idosos em que os próprios aposentados assumem a responsabilidade pela administração da
289
associação, quando analisamos a estrutura do PAM/IMMA ou da UnATI/UERJ,
verificamos a impossibilidade de que isso possa vir a ocorrer nos mesmos moldes.
Honestamente eu confesso que nunca nós discutimos este aspecto,
mas posso lhe adiantar o seguinte: a UERJ não imagina e no meu
caso também não me passa pela cabeça que seja uma pessoa de fora
da instituição que venha a coordenar a UnATI. Estes cargos aqui
vêm sendo ocupados por professores da UERJ, e não por
professores aposentados, mas sim por professores que estão na
ativa. Pode até acontecer que nós venhamos a chegar à terceira
idade e decidamos continuar na coordenação. O que a gente pensa é
dar bastante força a nossos alunos que são aposentados de criarem
um centro acadêmico (ENT. Coord. UNATI/UERJ).
Quem se candidata a ser um associado nas duas entidades brasileiras deve cumprir
uma exigência: ter mais de sessenta anos, já que é comum no Brasil se considerar essa a
faixa de ingresso na terceira idade, e é para esse grupo que se destinam as atividades.
Temos argumentado que essa limitação é uma incoerência, já que normalmente as
propostas se apresentam visando à intergeracionalidade, e é pouco pensar que tendo
animadores/professores mais jovens haveria uma intergeracionalidade, evitando-se o gueto
e a discriminação. Percebemos que nas associações brasileiras não há discussões mais
aprofundadas sobre o critério de escolha de uma determinada idade cronológica, que em
algumas associações tanto pode ser em torno dos quarenta ou dos cinqüenta anos. A
justificativa mais simples apresentada é a de que o uso do critério idade é algo
administrativo, não sendo visto como uma discriminação. Não percebemos qualquer
intenção em discutir a alternativa utilizada nas associações francesas, em que o acesso
tornou-se independente da idade cronológica. Parece haver um receio de que no Brasil, não
existindo qualquer limite de idade, haja uma grande procura por parte de pessoas mais
jovens, impossibilitando o atendimento de idosos e aposentados, o que na prática das
associações francesas não se verificou179.
A idade como critério impõe outras reflexões, seja pelo que se pode atingir em
propostas que envolvam diversas gerações, seja pela falta de justificativa plausível para a
179
Para a Coordenadora da UnATI/UERJ, seria algo definitivo, não tendo como fugir, já que se tem
de matricular os alunos e a demanda por alguns cursos é bastante significativa. Quando questionada
290
escolha de uma determinada idade. A nosso ver seriam os conteúdos e a forma de ministrálos que poderiam solicitar alguma diferenciação entre os participantes. A inconsistência do
critério cronológico fica definitivamente confirmada já que na UnATI/UERJ
tivermos que cortar uma porção de alunos que enganaram a idade:
tinha gente que tinha 58 anos e dizia que tinha 60, só para entrar
aqui. Eles falsificam também os dados, só para ganhar o passe. O
passe é com 65 anos; sempre quando vai se aproximando eles
procuram meios para burlar (ENT. Coord. UNATI/UERJ).
Numa pesquisa realizada por professores do Serviço Social da UERJ, procurou-se
identificar quem eram os freqüentadores da UnATI, seus interesses, etc. Segundo a
responsável por essa pesquisa, verificou-se que numa amostra de 250 pessoas, o que mais
de imediato foi verificado foi um número significativo de pessoas que não freqüentavam
nenhum outro espaço associativo, assim como no PAM/IMMA. Uma das coisas também
sinalizadas foi o fato de que os freqüentadores se inscrevem com a finalidade de atualização
de conhecimentos. Os idosos/alunos da associação são vistos, nas palavras da
coordenadora, como pessoas que têm muita sede de conhecer coisas novas, e a importância
de estar em atividade, não importando muito o que nela vai acontecer, é logo revelada.
Eles podem até não gostar, mas eles querem ver o que é, e outra
coisa: eles têm muita pressa [...]. Alguns querem fazer tudo ao
mesmo tempo, não é só a pressa de a UnATI/UERJ um dia acabar,
mas a pressa de eles acabarem. Eles têm pressa, eles têm 70, 82
anos, eles querem fazer tudo, conhecer de tudo um pouco (ENT.
Coord. UNATI/UERJ).
Como a oferta de oficinas é bastante diversificada, os que se interessam por
participar das atividades podem se inscrever em até três cursos; no caso das atividades
físicas só uma escolha é permitida. É sempre maior a procura por atividades práticas como
as físicas, que na UnATI/UERJ são oferecidas nas mais diversas formas alternativas do que
é tradicionalmente chamado de ginástica – tai-chi-chuan, biodança, antiginástica – além de
cursos de dança de salão. O critério de limitação a uma escolha de certa forma fundamentase numa suposta fragilização dos idosos, pois ela é justificada pelo princípio de dar
sobre o que entendia por terceira idade, respondeu que realmente não saberia defini-la,
considerando mesmo bastante temerário usar qualquer tipo de categorização.
291
oportunidade a outros, mas “também para que não seja alguma coisa exagerada, fazer três
atividades físicas, é muito para a idade deles, não é indicado, eles devem fazer
moderadamente as atividades físicas” (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Se fosse levado em
consideração o que é preconizado na maioria dos trabalhos que buscaram medir os efeitos
das atividades físicas sobre o organismo das pessoas idosas, pelas qualidades físicas e
principalmente pelos benefícios cardiorrespiratórios, a freqüência e a intensidade das
atividades propostas não deveriam ser de uma vez por semana e nem mesmo a ginástica
seja ela a tradicional como a alternativa. Sobre o método usado no PAM/IMMA e a carga
com que trabalhada, o coordenador do projeto disse que
tem um médico que trabalha no projeto que acha que o nosso
programa é fraco, que é um programa que ‘não adianta nada’,
dizendo as palavras dele. Ele é cardiologista, para ele se a aula não
tiver treinamento aeróbico, o programa não serve para nada. Mas
ele é um no programa todo. Os outros médicos mostram que os
progressos em termos de promoção da saúde são incríveis. Não há
no nosso projeto uma preocupação com a condição cardiovascular,
talvez isto seja um erro do projeto; a gente talvez devesse ter
alguma preocupação, mas a gente resolveu não iniciar por aí. O
projeto está tentando induzi-los a fazer atividades físicas fora de
nossas aulas, mas a gente ainda não conseguiu isto, não conseguiu
até pela própria metodologia que a gente estava utilizando. A nossa
maneira de dar aulas não estimulava muito isto (ENT. Coord.
educação física, PAM/IMMA).
O que se pretende com o grupo PAM/IMMA, diz seu coordenador, vai além de
certas contribuições pontuais, havendo a discussão da promoção da saúde a partir de seu
referencial teórico; busca-se afastar-se do conceito negativo de saúde e aproximar-se de um
mais holístico. Dentro dessa proposta, a questão da socialização foi considerada o principal
objetivo inicial do projeto; estamos entendendo que é esse ainda um dos maiores interesses
dos idosos/alunos, muito mais do que o dos responsáveis que a vêem como um meio para
atingir outros objetivos: “inicialmente a socialização; como ela já está efetivada e o grupo
já está socializado, nós estamos agora tentando trabalhar a questão da autonomia” (ENT.
Orient. pedagógica, PAM/IMMA).
292
Chega a ser interessante como as pessoas envolvidas na gestão das associações
procuram omitir ou negar a forte relação com o lazer e a importância das interações sociais,
que em muitos casos acabam sendo suficientes para os idosos. Mas verificando as propostas
postas em prática, independentemente do país e de ser ou não expresso pelos atores
envolvidos, encontramos vários indicadores de que em todas as associações está bastante
implícita a busca pelo lazer/recreação por parte dos idosos/alunos. Para Melo e Alves
Junior (2003:32) “as atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido mais
amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e
manifestações”. Como na UTL/Rennes, na UnATI/UERJ suas atividades são classificadas
em
físicas, artísticas e culturais, existindo: cursos de línguas
estrangeiras através da música; comunicação e expressão em língua
portuguesa e literatura; cursos de atualização; atividades de
integração, atividades informativas e reflexivas em terceira idade e
atividades externas como passeios (ENT. Coord. UNATI/UERJ).
Além dessas atividades regulares que são apresentadas semanalmente, programas
isolados também são oferecidos. São palestras que não necessitam qualquer tipo de
inscrição especial, o que se mostra semelhante ao modelo das conferências que se
realizavam em Rennes para os associados da UTL/Rennes, só que no caso brasileiro são
mais específicas de um determinado tema. Elas se realizam sempre às terças-feiras,
chamando-se ‘os encontros com a saúde’. Além disso foi pensada uma nova programação
que procura de certa forma valorizar e trabalhar a auto-estima de uma geração, são os
encontros com personalidades da terceira idade, e de preferência da
quarta idade. Onde são os próprios alunos que fazem as entrevistas,
o primeiro vai se dar agora, no final deste mês. O professor
responsável por esta atividade procura trazer alguém do mundo
artístico ou cultural, uma pessoa de projeção. Nós pensamos em
trazer a primeira mulher que se formou em medicina; ela já está
com mais de 80 anos (ENT. Coord. UNATI/UERJ).
Uma característica comum às associações que querem atuar com o
ensino/aprendizagem, tanto no Brasil como na França, é o fato de não existir qualquer tipo
de pré-requisito, por avaliação, teste ou pelo nível de escolaridade, exigido para participar
293
de determinada oficina. Também de forma semelhante não há qualquer tipo de imposição
de avaliação do aprendizado dos alunos ao final de cada módulo, sendo essa uma
prerrogativa do animador/professor, que pode querer ou não verificar como os conteúdos
que foram trabalhados vieram ou não a serem assimilados180. O que possibilita o
desenvolvimento de um programa com princípio, meio e fim é o fato de que, tal como os
estabelecimentos de ensino dos jovens, as propostas curriculares são organizadas de acordo
com períodos letivos.
Ter sido aceito como matriculado em uma atividade não é garantia de que sua
permanência não sofra algumas observações. Tomando o exemplo das atividades físicas e
outras mais requisitadas na UnATI/UERJ, verificamos que pode haver perda de vaga
quando for detectado um número excessivo de faltas. Nos casos de mais de duas ausências,
ou mesmo se o professor achar que o idoso necessita retornar para o nível anterior, pode ser
solicitado que o idoso/aluno seja afastado da atividade. Vejamos as justificativas vindas de
um dos responsáveis da UnATI/UERJ: “no caso das atividades físicas, se tiver que fazer o
condicionamento físico de novo, ele vai perder, não há como substituir”. Para alguns cursos
pode-se entrar na segunda aula; já outros, ficamos sabendo que logo na primeira aula a
turma já está formada, como no caso da informática. “São os professores que informam
qual o prazo de validade da fila de espera e quantas aulas os alunos terão que esperar”
(ENT. Coord. UNATI/UERJ).
Percebe-se no modelo de um envelhecimento ativo e engajado uma lógica de
produção e rendimento que o aproxima muito mais do mundo do trabalho do que do lazer e
do entretenimento. Não temos considerado lazer e trabalho como “dimensões opostas da
vida humana”, mas alertamos no sentido de não se deixar levar pela “produtivização do
lazer”, que tem sido em muitos casos a ótica principal das propostas para idosos (MELO &
ALVES JUNIOR, 2003). Um exemplo bastante esclarecedor são as tais ‘agendas de
executivo’, em que os aposentados que participam de associações como as universitárias
180
Encontramos uma diferença fundamental no que toca a valorização do que é feito pelo
idoso/aluno: enquanto na associação brasileira, ao final de cada módulo, é dado um certificado a
quem freqüentou determinado curso ou oficina, na França esse mecanismo não foi verificado, sendo
anual sua proposta de atividades.
294
preenchem seu ‘tempo disponível’ seguindo uma rotina diária excessivamente rígida, tão
ocupada com atividades diversificadas que não lhes sobra muito tempo.
Passaremos agora a discutir mais especificamente o perfil dos idosos/alunos que
seguiram o curso de ginástica nas duas associações brasileiras: começamos com o
PAM/IMMA, um grupo com pouca experiência na vida associativa., mas que se mostrou
homogêneo, constituído de
48 idosos, aposentados, com idade entre 62 e 87 anos. Destes, 31%
tinham entre 70 e 74 anos; 81% eram mulheres; 48% eram casados,
37% viúvos, 11% solteiros e 4% divorciados, e 10% viviam sós (...)
todos pertenciam à classe trabalhadora (açougueiros, costureiras,
domésticas, lavadeiras, operários, sapateiros, telefônicos, etc.). Em
relação a habitação, 54% moravam de favor ou pagavam aluguel e
10% moravam em favelas (FARIA JUNIOR, RIBEIRO, 1995:sp).
No caso da UnATI/UERJ, participavam da gin-suave 32 idosos/alunos. No
semestre que investigamos esse grupo, só três homens estavam inscritos, e, do total dos
participantes, 59% declararam ter escolaridade equivalente ao ensino médio ou superior.
Pelas profissões declaradas, a maior concentração coube aos 24% que atuavam em
atividades técnicas, em seguida veio o magistério e o comércio, com 19% cada, e
finalmente encontramos 16% que atuavam como costureiras e 13% de mulheres que se
dedicaram a atividades domésticas.
Quando são observados os dados pessoais dos idosos que foram entrevistados nas
associações brasileiras (QUADRO 6), encontramos diferenças que podem ser explicadas pelo
formato associativo adotado: uma bem mais popular, como o PAM/IMMA, e outro mais
elaborado, como a estrutura verificada na UnATI/UERJ.
295
QUADRO 6
Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da UnATI-UERJ e PAM-IMMA
Identificação
Idade
Sexo
Estado Civil
Profissão
Escolaridade
Cônjuge
Bens
ENT 01 UnATI
68
Feminino
Casada
Costureira
Ensino fundamental
Vendedor
Nenhum
ENT 02 UnATI
64
Feminino
Casada
Secretária
Ensino fundamental
Empresário
Carro e 2 imóveis
ENT 03 UnATI
67
Feminino
Separada
Contadora
Superior
Oficial
Carro e imóvel
ENT 04 UnATI
68
Masculino
Casado
Militar
Ensino fundamental
Professora
2 imóveis
ENT 05 UnATI
66
Feminino
Casada
Costureira
Ensino médio
Militar
2 imóveis
ENT 06 UnATI
72
Feminino
Divorciada
Diretora de escola
Ensino médio
Administrador
1 imóvel
ENT 07 UnATI
65
Feminino
Viúva
Comerciaria
Ensino fundamental
Economista
Nenhum
ENT 01 PAM
70
Feminino
Casada
Do lar
Ensino básico
Operário
1 imóvel
ENT 02 PAM
72
Feminino
Divorciada
Do lar
Ensino básico
Funcionário público
1 imóvel
ENT 03 PAM
71
Masculino
Casado
Contador
Ensino médio
Do lar
1 imóvel
ENT 04 PAM
75
Feminino
Viúva
Do lar
Ensino básico
Operário
Nenhum
ENT 05 PAM
84
Masculino
Viúvo
Gráfico
Ensino básico
Do lar
Nenhum
ENT 06 PAM
73
Feminino
Solteira
Cozinheira
Ensino básico
X
Nenhum
ENT 07 PAM
65
Feminino
Viúva
Faxineira
Ensino básico
Operário
Nenhum
ENT 08 PAM
73
Feminino
Separada
Costureira
Ensino básico
X
Nenhum
296
Essas diferenças acompanham a mesma separação encontrada nas associações
francesas. Quando observamos, no PAM/IMMA, a profissão do cônjuge, continua sendo
ainda bastante forte a presença de idosos da classe trabalhadora brasileira. Esse perfil pode
ser confirmado não só por declarações, que indicam que não poderiam fazer nenhuma das
atividades que participam se fosse dentro de uma instituição privada. Outro fato que chama
atenção é que não possuem bens como automóvel ou residência secundária, e de que os
poucos que habitam em residências próprias afirmam morar em locais de difícil acesso,
com pouca infra-estrutura, ou em situações como a que se segue:
eu moro num conjunto habitacional que por direito eu ainda
teria de pagar mais dez anos, mas como eu já paguei mais de
25 anos, eu pedi uma perícia médica e o meu marido ganhou.
Não que a gente estivesse doente, mas o médico ficou com
pena e liberou o apartamento para a gente. O apartamento era
de uma cooperativa (ENT. 01, PAM/IMMA).
Entre os entrevistados da UnATI/UERJ, o perfil é de classe média, seja pelo
aspecto dos bens acumulados, da profissão, tanto a do associado como a do cônjuge, do
nível de escolaridade, sendo bastante diferenciado do PAM/IMMA. Economicamente, esse
grupo se mostrou com muito menos queixas do que o outro, o que não vem a ser uma regra,
já que a proposta de gratuidade da associação possibilita que sejam encontrados casos
isolados, com condições econômicas e de domicílio semelhantes às dos participantes da
outra associação:
sou pobre; vivo com muita dificuldade, as pessoas não acreditam,
pois eu tenho uma aparência muito boa. As pessoas olham pra mim
e pensam que eu sou uma pessoa de posse, mas não sou não. Como
aqui na UnATI dá essa oportunidade e quase tudo é de graça, eu
tenho aproveitado bastante (ENT. 01, UNATI/UERJ).
Ao analisarmos as mulheres que freqüentam as associações brasileiras, percebe-se
sua relação com a família é muito forte, a ponto de interferir em seus projetos de vida. Foi
comum encontrarmos mulheres brasileiras que abandonam suas carreiras, às vezes bem
encaminhadas, para se dedicar aos filhos e ao marido, fato que mais uma vez imputamos a
297
questões culturais de determinada geração, não sendo essa opção encontrada com a mesma
regularidade entre as idosas francesas:
eu sempre fui uma pessoa muita executiva no plano profissional
antes de casar. Chefe de seção, contadora, eu tive uma projeção
grande em termos de realização profissional como também do
prazer, pois eu fazia aquilo que eu gostava. Mas casando, parei,
meu marido, muito machista, não deixou que eu trabalhasse.
Aceitei como uma opção pelo amor. Mas eu não me frustro com
as coisas, eu sempre procuro completar-me de outras formas.
Eu inclusive me surpreendi, pois como doméstica eu me
surpreendi, pois na minha família eu era a única mulher, eu
não fazia nada dentro de casa. Tínhamos uma estrutura boa,
com empregada doméstica, então eu nunca fui chegada ao
trabalho doméstico. Então, eu me surpreendi com meu
casamento, eu comecei do zero, fazendo café, e não foi uma
frustração, já que eu me realizo com qualquer situação, eu gosto
de trabalhar, eu não fujo de trabalho (ENT. 03,
UNATI/UERJ).
As mulheres francesas entrevistadas não declararam sofrer esse tipo de pressão, o
que não significa que, mesmo trabalhando fora de casa, não exercessem a dupla jornada,
pois não é uma característica da classe média daquele país ter alguém que não pertence à
família executando serviços domésticos181. Como nem sempre o trabalho doméstico
exercido pelas mulheres é reconhecido, acaba sendo difícil encontrar um momento para
dizer que se está aposentada, notadamente quando se é mulher em famílias da classe
trabalhadora brasileira.
Eu nunca trabalhei fora de casa, cuidava só da casa e, até hoje, eu
não posso pagar faxineira, tenho de faxinar mesmo. É isto que eu
falo com meu marido: ‘você trabalhou 57 anos, mas agora tem a
cuca fresca, chega em casa, a mesa está posta, toma banho, almoça,
deita e dorme [...] e eu, quando vou poder me aposentar?
O relato que se segue mostra que as atitudes assumidas pós-casamento
independem da classe social; acabam levando em consideração a obediência à vontade do
181
Entre os entrevistados franceses, houve apenas uma pessoa que declarou não ter exercido
qualquer atividade profissional, justificando-se pela profissão do marido, que os obrigava a trocar
de cidade e de país.
298
marido, que acabou sendo denominada por essa entrevistada como o casamento ‘à moda
antiga’, em que se interrompe uma vida profissional para casar.
Eu sou do tempo antigo em que a mulher ficava dentro da casa.
Hoje me arrependo e as filhas dizem que se eu tivesse ido trabalhar
elas teriam tido uma vida melhor do que elas tiveram; ou seja, uma
vida de sacrifícios. Mas quando abri os olhos, já não tinha mais
idade para procurar emprego (ENT. 05, PAM/IMMA).
Nesse tipo de relação familiar, quando há interrupção por viuvez ou mesmo
separação, se a mulher ainda é jovem, é possível haver uma reestruturação da vida pessoal
que a leva a ser mais independente. É esclarecedor o depoimento dessa associada: só após a
morte do marido, aos 39 anos, passou a trabalhar no comércio, acumulando a jornada de
trabalho como dona-de-casa e mãe:
simplesmente meu marido não admitia que a mulher trabalhasse.
Ele achava que minha presença em casa era mais importante do que
entregando os filhos a outras pessoas. Depois da morte dele eu tive
que continuar a criação dos filhos e me surgiu uma nova
oportunidade profissional que logo aproveitei (ENT. 07,
UNATI/UERJ).
O depoimento seguinte apresenta um caso de separação de um marido também à
moda antiga, em que a vida da mulher acabou ganhando novo impulso, vindo ela agora a
ser a responsável pela associação dos idosos do PAM/IMMA, “foi uma nova vida de
descoberta; no início muito difícil, tumultuada devido à formação de achar que tem que
obedecer ao marido, mas depois, não, eu consegui superar” (ENT. 02, PAM/IMMA). A
vida familiar é sempre posta como o principal motivo de afastamento ou aproximação de
outras atividades que podem ser consideradas secundárias. Mesmo não estando engajada
em atividade profissional, a saída de casa da última filha solteira pode ser entendida como o
direito a uma aposentadoria, e, a partir daí, a entrada em uma associação significa ter de
fazer algo por outros.
Quando ainda tinha uma filha por casar, eu comecei a dar meus
primeiros passos no trabalho beneficente; seria: ‘agora vou
trabalhar para mim’. Foi aí que comecei o meu processo de
crescimento como pessoa, pois até então eu estava crescendo como
299
doméstica [...] Quando eu fiquei só com a minha última filha, a
mais nova, a temporã, eu comecei a dar meus primeiros passos em
direção ao voluntariado. Aí eu me realizei como pessoa no centro
de valorização da vida, trabalho na prevenção do suicídio,
associação que existe no mundo inteiro. Na verdade não tinha
nenhuma experiência e já estou lá há 17 anos, estou lá há vários
anos. Já exerci todos os cargos. Mas agora larguei todos os cargos,
voltei à minha condição de raiz, do ponto de vista voluntário, dando
espaço para os mais novos; foi uma coisa muito gratificante para
mim como pessoa, pois comecei a me conhecer (ENT. 03,
UNATI/UERJ).
A dedicação à família é assumida como uma missão que não se deve colocar em
questão, já que se deve fazer qualquer tipo de esforço para auxiliar a formação dos filhos:
eu sou mãe, dona-de-casa, trabalhei fora quando eu era solteira.
Quando eu fui me casar, meu marido não consentiu que eu
trabalhasse. Mas nós tivemos quatro filhos, um atrás do outro, mas
teve uma época que eu quis ajudá-lo, mas ele me provou que eu
estaria melhor em casa cuidando dos filhos do que trabalhando fora.
Eu achei que seria o certo, embora eu fosse secretária bilíngüe,
tivesse possibilidades, mas eu achei que os nossos filhos mereciam
mais, que eu ficasse em casa. Foi uma opção minha. Eu consegui
educar meus filhos como achei que deveria, com pouca
interferência do marido, pois ele saía de manhã e voltava à noite, e
à medida que nós fomos melhorando de situação, ele foi colocando
empregadas em casa, o que permitiu que cada vez mais me
dedicasse aos meus filhos. Era eu quem levava para a escola, para o
dentista. Estava com eles sempre. Minha presença foi atuante
dentro de casa (ENT. 02, UNATI/UERJ).
Mesmo capacitados para exercer uma profissão, o abandono de sua antiga
formação e o retorno a atividades dentro da própria casa nem sempre foram devidos a
causas como o acompanhamento da educação dos filhos ou o cuidar do lar e do marido.
Este caso demonstra o desencantamento profissional e a desvalorização de determinadas
profissões no Brasil:
Eu sou professora, mas as professoras aqui no Brasil são muito
desprezadas monetariamente. No Brasil deveria haver mais respeito
à educação e à saúde, os dois em primeiro plano; mas isso não
acontece em governo nenhum. Eu desisti de ser professora, fui criar
meus filhos e procurei uma profissão que fosse mais rendosa para
mim. Esta atividade foi de costureira. Francamente: eu com dois
vestidos ganho muito mais do que uma professora ganha por mês
(ENT. 05, UNATI/UERJ).
300
O significado de ser aposentado no Brasil é sempre passado como algo bastante
sofrido, de luta constante para se conseguir sobreviver, sendo considerado muito pior para
aqueles que não venham a optar por uma vida ativa: “no início passamos a ser os
esquecidos do mundo, e os que ficam parados dentro de casa acabam morrendo lentamente”
(ENT. 04, UnATI/UERJ). A associação da aposentadoria com o tempo de lazer ou mesmo
de grandes férias não foi encontrado; nas falas diretas no máximo é dito que se tem um
tempo mais livre, capaz de propiciar uma nova e proveitosa vida (QUADRO 7). Mas no
fundo pode-se perceber que o lazer está presente, mesmo não sendo verbalmente declarado
dessa maneira.
Apesar de se intensificar nos últimos anos a recomendação de que a aposentadoria
deveria ser preparada, existindo em determinadas empresas de maior porte ou mesmo em
alguns órgão classistas esse tipo de proposta, os idosos brasileiros, da mesma maneira que
os franceses, não se preparam para a vida de aposentado. Quando há preparação, verifica-se
que as propostas acabam sendo dissonantes do que eles acabaram encontrando no aspecto
financeiro. A preocupação maior que se tem nesses cursos preparatórios é mostrar aspectos
relacionados à saúde; a importância de se manter ativo para não se ter uma velhice
antecipada e isolada. É bastante comum encontrarmos o desconhecimento por parte dos
idosos sobre seus direitos no que toca principalmente ao valor de suas aposentadorias e
pensões; não foram poucas as queixas quanto a esse cálculos, que sempre foram muito
abaixo do que pensavam que iam receber. Entretanto, mesmo quando o período que ronda a
aposentadoria é percebido como problemático, já que além dos financeiros há problemas
familiares e de saúde, ninguém gostaria de retornar à vida de atividade profissional.
301
QUADRO 7
Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAMIMMA
Identificação
Preparação
A passagem
Significado
Engajamento atual
Voltar ao trabalho
ENT 01 UnATI
Não
Nada afetou
Penúria; decepção
Maior
Não
ENT 02 UnATI
Não
Problemas familiares
A saída do filho deu liberdade
Maior
Não
ENT 03 UnATI
Não
Não trabalhava
Grande vazio
Maior
Não
ENT 04 UnATI
Não
Crise
Esquecido do mundo
Maior
Não
ENT 05 UnATI
Não
Ruim
Penúria; decepção
Maior
Não
ENT 06 UnATI
Não
Sonhos desfeitos
Direito
Maior
Não
ENT 07 UnATI
Não
Problemas de saúde
Nada de diferente
Maior
Não
ENT 01 PAM
Não
Não trabalhava
Sofrimento
Maior
Não
ENT 02 PAM
Não
Período difícil
Nova vida
Maior
Não
ENT 03 PAM
Sim
Problema de saúde
Saiu do previsto
Maior
Ainda atua
ENT 04 PAM
Não
Não trabalhava
Semelhante
Maior
Não
ENT 05 PAM
Não
Ruim
Luta-se para sobreviver
Maior
Não
ENT 06 PAM
Não
Ruim
Penúria
Maior
Não
ENT 07 PAM
Não
Sem problema
Aproveito mais a vida
Maior
Sim se necessário
ENT 08 PAM
Não
Problemas de saúde
Decepção
Menor
Ainda atua
302
O fato de haver idosos que continuam a atuar profissionalmente mesmo já
oficialmente aposentados merece maior reflexão, pois nem sempre entra em jogo a opção
ou uma dificuldade em saber o que fazer com o tempo livre. Atualmente é grande o número
de idosos no Brasil que continuam atuando profissionalmente por necessidade182.
A vida associativa e os engajamentos que ela possibilita acabam substituindo os
compromissos e a dedicação que é solicitada pelo tempo do trabalho; de forma semelhante
ao que foi encontrado nas associações francesas, percebe-se que, após o afastamentos dos
compromissos que podem incluir também os familiares, passa a existir um estilo de vida
ativo bastante diversificado. Estaríamos diante da busca do que foi chamado de segunda
carreira, em que as atividades associativas, voluntárias e de lazer passam a ser
fundamentais para esses idosos da nova idade (QUADRO 8).
Se levarmos em conta as opções oferecidas num mesmo local, é muito mais
diversificado o que foi encontrado na UnATI/UERJ do que no PAM/IMMA. Não sendo
comum ao estilo de vida do brasileiro idoso que participa dessas associações ter tido
engajamentos anteriores em vida associativa, o que pode ser justificado pelo grande nível
de compromisso por eles assumido com a família e o trabalho, além do fato de não ser
normal a essa geração de idosos ter esse tipo de engajamento, verificamos então que a
curiosidade determina a tendência de querer participar de tudo que é oferecido na
associação. Os que já tinham contato anteriormente com alguma associação costumam
mantê-lo, sendo muito raro a participação em mais de uma – um perfil semelhante ao
encontrado na França.
182
Segundo pesquisa publicada pelo IBGE, com dados do censo do ano de 2000, mais de um quinto
dos aposentados brasileiros continuam ainda na ativa por necessidade financeira ou por desejo
(RODRIGUES, 2003). “As pesquisas de emprego do IBGE realizadas este ano também constataram
um aumento no número de idosos trabalhando (...). O fenômeno registrado em 2003 foi interpretado
por economistas como um reflexo da queda da renda do trabalhador” (p.9).
303
QUADRO 8
A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA
Identificação
Significado
1º inscrição
Atividades que freqüenta
Participação anterior
Outras
ENT 01 UnATI
Se relacionar com outros
2 anos
Atividades físicas; coral; voluntariado
Não
Não
ENT 02 UnATI
Se relacionar com outros
2 anos
Diversas atividades; biodança
Não
Não
ENT 03 UnATI Busca novos aprendizados
2 anos
Diversas atividades; dança de salão
Sim
Sim
ENT 04 UnATI
Pertencimento
2 anos
Diversas atividades; dança de salão
Não
Não
ENT 05 UnATI
Pertencimento
2 anos
Dança de salão; biodança
Não
Não
ENT 06 UnATI
Necessidade
2 anos
Diversas atividades
Não
Sim
ENT 07 UnATI
Se relacionar com outros
2 anos
Diversas atividades
Sim
Não
ENT 01 PAM
Pertencimento
3 anos
Festas e bazar
Não
Não
ENT 02 PAM
Afastar dos problemas
3 anos
Não
Sim
Sim
ENT 03 PAM
Pertencimento
3 anos
Não
Sim
Sim
ENT 04 PAM
Necessidade
3 anos
Não
Não
Não
ENT 05 PAM
Pertencimento
3 anos
Não
Não
Não
ENT 06 PAM
Uso do tempo livre
1 ano
Crochet
Não
Não
ENT 07 PAM
Felicidade
3 anos
Não
Não
Não
ENT 08 PAM
Higiene mental
3 anos
Não
Não
Não
304
Participar das atividades associativas evita o não fazer nada, que em nossa cultura
é considerado ruim tanto para o indivíduo como para a sociedade. “Para mim, é muito bom
porque acaba com a ociosidade. Eu chego em casa, e é só eu e minha esposa. Eu não gosto
muito de televisão, então prefiro ficar aqui e nas outras associações” (ENT. 03,
PAM/IMMA).
Obrigar-se a permanecer ativo e pertencer à vida associativa pode representar o
(re) encontro de um tempo para si que é considerado bastante importante e passa a ser
enriquecedor, tanto pelas trocas interpessoais como pelo contato que se tem com novos
conhecimentos. Não sendo mais a aposentadoria considerada tempo de inatividade,
percebe-se que em contato com esse novo tempo ainda há a possibilidade de voltar a pensar
em si, que isso “não foi perdido, mas foi um pouco esquecido devido às preocupações com
a casa, os filhos, o trabalho (ENT. 05, UNATI/UERJ). O meio associativo possibilita então
trocas interessantes, tanto “de informações como de afeto. Eu acho que isto aqui é o ápice,
a descoberta para a terceira idade [...] é um espaço muito interessante que nos obriga a
participar. Enriquece-nos muito” (ENT. 07, UNATI/UERJ).
A primeira inscrição dos idosos que participam das ginásticas nas duas associações
investigadas no Brasil ocorreu logo quando foi lançada a proposta, só existindo uma pessoa
que declarou ter entrado um ano depois de terem começado as atividades. Sendo que a
maioria não participava antes de nenhuma associação
Nunca participei de associações, sempre foi mais a dedicação para a
família. Por isso que quando os filhos casam a gente sofre muito,
porque se sente só. Aqui é como se eu tivesse renascido, é um
ambiente maravilhoso [...] tem uma ou duas meio chatinhas. Sabe
aquelas velhinhas que em casa ninguém está agüentando, chegam
aqui e logo elas modificam. O carinho que lhes é transmitido. Eu,
pessoalmente, todos me conhecem aqui, eu sou a relações públicas
daqui. Quando tem algum pedido, eu é que sempre vou falar,
sempre somos muito bem tratados. Para nós idosos, o que mais nos
cativa é o carinho; e aqui temos muito. Aqui ninguém usa a palavra
velho; no máximo idoso. Participo de tudo que for de graça:
antiginástica, ioga, coral, teatro, processo harmônico entre outras,
eu procuro participar de tudo. Não tenho tempo para outras
associações (ENT. 01, UNATI/UERJ).
305
A ocupação do tempo com atividades fora de casa também pode ser entendida
como uma fuga, já que nem sempre o relacionamento familiar é harmonioso, havendo
muitos momentos de tensão.
Como eu tenho muitos problemas em casa, problemas de
relacionamento entre os filhos, financeiro, no princípio era uma
fuga, agora não é mais. Eu venho aqui me reabastecer, porque
enquanto eu estou aqui, a cabeça desliga de lá. Então, quando eu
saio daqui, já saiu [...] é gratificante quando eu vejo que não sou a
única, que tem pessoas idosas como a gente, pessoas com muitos
conflitos com a família. Pessoas em situações mais difíceis do que a
minha, eu acabo achando que a grande maioria tem problemas com
parentes que eu não tenho. Os problemas financeiros que eu tenho
não são no mesmo nível de muita gente daqui. Eu tenho ajuda dos
meus filhos. Muitas dizem que não podem fazer determinadas
coisas porque têm de cuidar de neto ou de marido. Eu criei meus
filhos independentes. Se eu não fizer comida, eles fazem, se eu não
lavar roupa, eles lavam (ENT. 02, PAM/IMMA).
Com exceção de uma só idosa da UnATI/UERJ que procurou sempre deixar
registrado que só participava porque era gratuita, para as demais, a questão financeira nem
sempre foi o que impediu a vida associativa, sendo mais uma questão de opção pessoal de
uma geração de pessoas que hoje são idosos e aposentados. Esse novo modelo associativo
passa a lhes proporcionar oportunidades consideradas ímpares levando-os a sua
autovalorização enquanto pessoas.
A participação da gente aqui é muito grande, pois eu encontrei aqui
tudo o que eu gosto de fazer. Eu nunca pensei em fazer teatro. Eu
entrei no teatro e me descobri. A biodança, que eu nunca tinha feito.
Nada me impedia de fazer anteriormente, por questões financeiras,
não, mas de interesse. Eu acho horrível ter de ficar trocando de
lugar várias vezes. Aqui, não, você abrange tudo, e eu posso fazer
tudo aqui dentro, então me complementa demais (ENT. 02,
UNATI/UERJ).
Apesar de se ter contato com diversas atividades que podem ter mais
características de entretenimento passageiro, como outras que podem ser consideradas com
uma preocupação de desenvolvimento cultural, foi semelhante a preocupação encontrada
nas associações universitárias francesa e brasileira, tanto por parte de seus coordenadores
como dos associados, em repelir que estariam participando de um clube que oferece
306
atividades de lazer com predominância de atividades mais intelectualizadas. Esse tipo de
reação não ocorreu nos participantes das outras associações, que parecem não estar
preocupados com essas caracterizações. Com a reação de repulsa, mostra-se um certo
preconceito e desconhecimento do que pode significar o lazer, como se nesse tempo não
fosse possível haver transmissão de valores ou novas sensibilizações.
Para mim a UnATI é uma busca de novos caminhos; eu não vejo
isto aqui como lazer, de que muita gente fala. Para mim é uma
busca constante para aprender. Isto aqui é um processo de
aprendizagem. Fatalmente, nós, até a hora de morrer, vamos
aprender a morrer. Para mim isto aqui é uma continuidade. Eu
busco fazer tudo, o curso que tiver eu faço, eu procuro sempre fazer
mais alguma coisa. Eu participo do teatro, coral, biodança, ioga,
anti-gin., espanhol através da música, contando e contando
histórias, grupo de reflexão. Eu faço muitas coisas, hoje eu tenho
muito mais atividades diversificadas do que antigamente (ENT. 03,
UNATI/UERJ).
A participação na vida associativa possibilita uma reestruturação da vida pessoal,
que acaba tendo reflexos até no convívio familiar; quando se aposentam, muitos só ficavam
pensando em problemas os mais diversos, e a atividade associativa é percebida como uma
terapia:
depois que eu vim para aqui, eu tornei-me outro homem, estou
vivendo outra vida, estou adquirindo a minha independência. Eu era
um pouco inibido, e hoje não. Eu posso chegar a qualquer lugar e
me pronunciar. Estou recordando de assuntos do meu tempo
escolar. Não penso mais em doenças. Vou citar aqui um exemplo
importante. Minha esposa, depois que aposentou-se, ela não
dormia, ela tomava comprimido para dormir e eu ficava
preocupado, pois muito remédio pode dar algum problema, tem os
efeitos colaterais; mas depois que ela está aqui, ela está dormindo
tranqüilamente e isto para mim tornou-se também uma felicidade, e
a família se integrou novamente, pois tinha problema de ficar
dentro de casa vendo as coisas acontecerem assim (ENT. 04,
UNATI/UERJ).
A presença nas associações não se restringe ao espaço de tempo compreendido
pela oficina. Com certa regularidade percebemos a presença de vários associados
conversando e circulando bastante pela associação. O pertencimento a uma associação e o
307
sentimento de não ser uma pessoa inútil, velha e isolada fica bem patente nesta declaração,
que resume o que encontramos em nossas observações sistemáticas nas associações.
Aqui me aguça a curiosidade. Me faz ler mais, que já era uma coisa
que eu já gostava de fazer antes. O fato de me sentir universitário
para mim é muito importante – eu só consegui levar os filhos à
universidade, agora é minha vez. Depois que eu entrei para aqui eu
acho que ganhei uma maior admiração dos meus filhos, foi um
passo dado por mim. Melhorou o diálogo, eles vêem a mãe de uma
forma mais participante. Veio a contribuir para a minha vida
pessoal, já que eu consegui um maior respeito da minha família,
uma maior admiração (ENT. 07, UNATI/UERJ).
Quando solicitada a fazer um perfil dos idosos que freqüentam o PAM/IMMA, a
médica do projeto declara que vê o grupo como pessoas que vêm em busca de atenção e
que nem sempre o aspecto saúde orgânica acaba sendo o mais importante. Segundo ela,
com os contatos sociais que se efetuavam no posto, acabou-se por reverter culturalmente a
tendência do médico apenas assistencial.
Numa consulta médica, quando você perguntava a queixa principal,
qual era o problema, tínhamos como resposta: ‘eu estou nervoso’,
ou ‘estou desesperado, minha aposentadoria não sai’; eram, às
vezes, muitas as questões sociais, com persistência de crise
hipertensiva, pois não tinham dinheiro para comprar o
medicamento. Tinha gente que fazia o controle da hipertensão no
indo e vindo, pois tinham direito a vale transporte, pois pensavam
assim: ‘eu vou com a pressão alta, me dão um remédio, ou aplicam
uma injeção’ – eles mantinham o controle assim (ENT. Coord.
médico, PAM/IMMA).
A inclusão da ginástica no PAM foi considerada bastante importante pois, segundo
a médica do projeto, não se imaginava que o trabalho de educação física viesse a cumprir
um papel de interação social também. E, segundo suas palavras, esse foi um marco. A
socialização ocorria na sistematização do grupo; as pessoas deixavam bem claro que ficar
reunidas numa sala de espera para um atendimento médico não lhes trazia o mesmo prazer
que o de ficar reunidos à espera da atividade física.
308
As pessoas então passaram a demonstrar mais solidariedade, se
preocupar por que o amigo não veio; começou então a existir uma
interação e aí foi-se criando um gosto, que as pessoas foram
identificando que essa intervenção estava mudando realmente o
perfil delas [...]. Quanto a melhoras observadas, a partir dos
exames não foram verificadas, mas uma coisa chamou muito
a atenção: na monitoração da hipertensão eu não diria que
houve uma redução, mais diria que essas pessoas ficaram
muito melhor controladas, já que uma vez por semana eu
conseguia fazer avaliação. O que eu tenho clareza é do
benefício da interação social; houve uma melhora também no
que podemos chamar da preparação para a aula, um calçado
adequado, uma maquiagem. Esse é um indicador de
visibilidade, você vê. Você olhava para as pessoas, você via
as mudanças (ENT. Coord. médico, PAM/IMMA).
Conforme o que foi observado pela médica do projeto, os idosos do PAM/IMMA
não estavam muito interessados em qualquer melhora, seja ela da flexibilidade ou da força;
na verdade eles sempre estavam mais interessados na diversão, na vida associativa, no fato
de estar lá juntos com outras pessoas.
E é sempre assim, pois se você diz ‘nós hoje vamos fazer um
mutirão para medir as pressões’, ou qualquer outra coisa assim,
você vai ter dez pessoas; se você diz ‘nós vamos fazer uma festa de
comemoração disto’, você tem cem; ‘nós vamos promover uma
dança’, você tem 150. A questão dessa corrida de ganho do tempo,
quando você vem para uma festa ou para o lazer, e isto está dizendo
muita claramente que você está apto, que você está bem, você está
correndo atrás do tempo que te resta. Quando você veio para fazer
um tratamento de saúde, é diferente essa representatividade no
idoso, eu não tenha dúvida (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA).
As atividades físicas no PAM/IMMA eram animadas por acadêmicos do curso de
educação física da UERJ, que seguiam orientações da médica do PAM e de um professor
do Instituto de Educação Física daquela universidade, dentro de um trabalho que envolvia
uma equipe multiprofissional. No início do projeto ficou decidido que seria apresentada
uma atividade física por semana, mas como verificamos, a proposta do Instituto de
Educação Física era de duas vezes por semana. Segundo declarou a médica do projeto, a
opção por um dia se deu em função de sua impossibilidade de acompanhar todas as
intervenções práticas. Seus dias e horas de compromisso profissional com o PAM acabaram
309
não coincidindo com o que era proposto pela educação física. “Num primeiro momento a
operacionalização assim não me permitiu, eu queria estar sempre presente, pois fui muito
ameaçada, inclusive pelo vice-diretor do PAM da época, que dizia ‘vai morrer gente’”
(ENT. Coord. médico, PAM/IMMA).
Segundo o idealizador do projeto IMMA, promoção da saúde e autonomia são os
principais objetivos da proposta. Quanto ao primeiro, inegavelmente é o objetivo principal,
a promoção da saúde dentro de um quadro teórico “que leva em consideração a idéia da
desmedicalização, a idéia de autonomia, a idéia de atendimento da população como um
todo, a partir do desenvolvimento de todas as agências, educação, educação física”. Dentro
dessa característica de desmedicalizar, a relação com os médicos do projeto “está no
equilíbrio muito bom, que até me surpreendeu” (ENT. Coord. educação física,
PAM/IMMA). Com relação ao conceito de autonomia, ele ainda estaria sendo construído,
já que a literatura mostra que não existe um conceito terminado, mesmo que já se tenham
algumas indicadores.
Então a gente está trabalhando muito com dois aspectos: autonomia
do ponto de vista social com autonomia do ponto de vista físico.
Nós não temos, por exemplo, a questão da autonomia do ponto de
vista médico, isto é, o grupo da medicina que se ocupa mais, e a
gente não tem muito claro o que é isto. Nós temos o senso comum.
Então nós estamos assim, em termos de autonomia: primeiro,
atividade da vida cotidiana, sem nenhum tipo de auxílio.
Autonomia envolve também a participação comunitária,
associativa, social. Então este grupo se encontra na atividade física,
eles procuram o programa também por isto, que no nosso caso não
foi a causa principal. Não foi a causa principal porque teve origem
no setor geriátrico (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA).
Há no projeto PAM/IMMA uma preocupação de que as atividades físicas sigam
uma orientação pedagógica, procurando-se trabalhar determinados aspectos da aptidão
física, a partir de características elegidas que possam ser verificadas (LABORINHA, 1997).
Se há idosos com problemas posturais, não há uma preocupação específica nesse sentido,
pois, segundo o coordenador do projeto não se teria por objetivo fazer um trabalho
diversificado. “O que nós estamos procurando fazer é incluir atividades que sejam para
todos e que não agravem os problemas existentes.” O esquema de aula adotado seguiu
310
algumas características propostas no modelo de Dominique Collignon adaptado às
realidades dos idosos brasileiros, com a inclusão da dança para o que foi chamado de
deslocamento no espaço e a subtração de qualquer tipo de atividade que causasse emulação,
como jogos e esportes. No período em que observávamos o grupo PAM/IMMA, estava
sendo posta em prática pela primeira vez a bateria de testes que procuravam medir o tempo
de reação; mobilidade articular; equilíbrio; a amplitude da marcha e a força.
Segundo a orientadora pedagógica do PAM/IMMA, é o coordenador de educação
física que vai ser responsável pelas decisões que influam numa possível mudança de
metodologia ou mesmo na orientação dos testes, sendo registrados ainda alguns problemas
na utilização plena da metodologia.
Com relação às aulas, foi observado que a gente nas aulas ainda não
estava trabalhando a questão da autonomia. Nós estamos buscando
mecanismos para correr atrás dessa questão de autonomia. Tanto é
que a gente está sugerindo para os alunos mestres utilizarem mais
material, pois a mão livre é uma coisa, mas quando você cerceia o
movimento, é outra ação [...] No início de cada ano letivo a gente
coloca para os alunos mestres o que cada mês será priorizado.
Mensalmente há uma reunião e ao final de cada aula eu me reúno
com aquele que acabou de ministrar a aula [...] Enquanto
orientadora, a gente organiza as aulas; não que a gente retire, por
exemplo, a questão do trabalho de esforço, flexibilidade [...] Veja
bem, a cada quinze dias a gente prioriza algo, por exemplo, o
equilíbrio, a coordenação, força, etc. (ENT. Orient. pedagógica,
PAM/IMMA).
É interessante que não se percebe na proposta teórica dos responsáveis pela
educação física desta associação a característica de apresentar os idosos pelo aspecto do
declínio, que é bastante comum nas outras propostas analisadas. Segundo seu coordenador,
há uma preocupação com o aspecto pedagógico, e o professor que vai atuar no projeto é
treinado e estimulado a explicar o nome de determinados músculos e o significado de
determinada terminologia usada pelos professores de educação física.
Uma das coisas que a gente pede é que eles expliquem para que
serve aquele exercício, como se portar frente aos alunos e como
passar os conteúdos de ensino. Quanto ao estilo de aula, a gente dá
311
liberdade, já que ele é pessoal. Agora, o que a gente quer passar é
um esquema de aula que começou a partir de Dominique Collignon.
Hoje nós estamos experimentando um esquema próprio, nós
introduzimos a dança – que não faz parte do método belga – numa
das partes das aulas, e outra coisa: nós excluímos os jogos. A dança
vem se tornando ponto culminante; ela foi se envolvendo, e a nossa
interpretação é que ela permite mais contato social, permite tocar,
permite mais movimentos de iniciativa (ENT. Coord. educação
física PAM/IMMA).
Na outra associação, a UnATI/UERJ, os participantes da gin-suave são definidos
pela animadora/professora do curso como um grupo da terceira idade que busca em sua
atividade corrigir determinados problemas de saúde, descritos bem de acordo com a
concepção que vê o envelhecimento pelo aspecto das perdas e da diminuição de
determinadas capacidades físicas e comprometimentos orgânicas. Sendo que os problemas
que ocasionam posturas inadequadas e que causam dores são os que vão pautar suas
aulas183.
Nós somos capazes de identificar bem as pessoas deste grupo. Já
sabemos o que vai acontecer com o idoso: uma perda de
flexibilidade, uma baixa de resistência, uma diminuição de
coordenação, de equilíbrio, uma diminuição da capacidade
respiratória. As pessoas que procuram a nossa atividade não têm
necessariamente só um problema (ENT. Anim. UNATI/UERJ).
Uma de suas observações sobre o grupo, que pode ser creditada aos dois grupos
brasileiros, é o nível de exigência dos idosos/alunos, que possibilita uma intervenção mais
despreocupada de determinadas cobranças. “Talvez eles só conheçam como referência o
que eles vêm aqui; daí o pouco que a gente faz é muito” (ENT. Anim. UNATI/UERJ).
A atividade do grupo de antiginástica, a escolhida para nossas observações, é
também considerada uma aula e não uma terapia, como normalmente pontuam as
intervenções realizadas por fisioterapeutas. No programa da disciplina que antes das
183
A professora/animadora, no momento de nossas observações, tinha 39 anos de idade. Voluntária,
nunca passou, em sua formação de fisioterapeuta, por curso que tratasse especificamente dos idosos
ou do processo do envelhecimento. Sua experiência com esse universo veio de sua atuação em
hospitais e em clínica particular, e participa das atividades na UnATI/UERJ desde o seu início.
312
inscrições é distribuído aos alunos184 consta que o objetivo da antiginástica é: “proporcionar
às pessoas da terceira idade a percepção do corpo, do esquema corporal, melhora das
funções vital, locomotora, da destreza, do equilíbrio, da coordenação e do ritmo, e oferecer
recursos de auto-tratamento” (ENT. Anim. UNATI/UERJ).
Levando em consideração que a atividade antiginástica não deveria ser muito
conhecida pelos associados da UnATI/UERJ, interessou-nos saber o que teria atraído essas
pessoas a participar, já que o número de vagas estava completo. A animadora/professora
diz que não saberia responder, negando o que vem se delineando, de que estariam buscando
fazer alguma coisa para se manter em atividade, tendo contatos sociais em torno de
situações que podem proporcionar prazer.
Eu acho que despertou alguma curiosidade. Não acredito que eles
venham para ficar entre outros, inclusive nós já falamos muito com
eles sobre isso, e, neste caso, eles fariam qualquer coisa. Eu acho
que o nome ginástica às vezes é alguma coisa que passa meio
desagradável. Como eles precisam, fica mais ou menos assim: eu
preciso, mas é anti, entendeu? (ENT. Anim. UNATI/UERJ).
Na prática, o que se procura fazer é uma correção postural, buscando a prevenção,
utilizando diversas posturas, sem que sejam solicitadas as contrações musculares que
habitualmente ocorrem na ginástica tradicional. Ao se enfatizarem as contrações
isométricas, “acreditamos que com este tipo de contração a gente esteja reativando a
memória do músculo. Você acaba fazendo um esforço maior de solicitação. Esta é a
orientação que a gente acha mais forte” (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Por esse motivo,
procura-se enfatizar a saúde pelo ponto de vista da postura, solicitando aos alunos que
sejam eles os responsáveis pela regulação dos limites da tensão que é aplicada aos
músculos. Procura-se fazer uma fixação de segmentos corporais com pequenos
implementos, como pequenas bolas de variados tamanhos.
184
O grupo observado está no que foi considerado na grade curricular da instituição como nível 2, o
que implica uma experiência na atividade, já que todos passaram obrigatoriamente pelo nível 1.
Cada um desses níveis corresponde, na estrutura da UnATI/UERJ, a um semestre letivo.
313
A Therèse Bertherat. chamou isto de Antiginástica pelas diferenças.
Na verdade, não é só por isso: os movimentos são mais lentos,
precisa de lentidão para acontecerem as trocas químicas, as
transformações física e muscular, isso superlento. Procuramos nas
nossas aulas relaxar, mas a nossa intenção não é a de utilizar
qualquer auxílio de música. Nós vamos em geral encontrar
um músculo tenso. Para a gente trabalhar aquele músculo
tenso, a gente precisa antes achar o tônus daquele músculo,
depois é que a gente vai tonificá-lo. Nós não só relaxamos
como tonificamos. Por isso eu acho importante a
conscientização, os movimentos têm de ser percebidos (ENT.
Anim. UNATI/UERJ).
Em sua oficina são utilizadas diversas técnicas, todas oriundas da fisioterapia, como
por exemplo a reeducação postural global (RPG), as técnicas das cadeias musculares, de
facilitação neuromuscular e a de jogos dramáticos. Comparando ao que normalmente é
feito em consultórios, a proposta de fazer com grandes grupos como o da UnATI/UERJ
passa a ser uma adaptação, que leva em conta uma anamnese que é feita logo no início de
cada semestre letivo. Para ela, o nome de sua atividade não deve ser visto como o que
tradicionalmente a UnATI/UERJ vem oferecendo a seus associados, e nem tão pouco
creditado a apenas uma determinada técnica. Não sendo capaz de indicar um outro nome
para sua atividade, que segue formato francês que se denomina como gin-suave, ela diz que
o nome na verdade não é antiginástica. “Nós fazemos um trabalho típico de utilização da
biomecânica. Ao longo de nossa vida acadêmica teve uma época que nós tivemos uma
preparação nestas técnicas que visam e propõem o trabalho global.”
A partir do primeiro trabalho elaborado por outra terapeuta corporal, outros
fisioterapeutas acabaram construindo suas próprias técnicas.
A Therèse chamou de Antiginástica, o Paul Richard chamou a
técnica dele de RPG. Na verdade todos tiveram sua base no
trabalho inicial de Méziers. Para nós, o que é mais importante,
como fisioterapeutas, é o trabalho com a globalidade. A nível
muscular, articular, visceral e uma preocupação também a nível
emocional.
Ainda com relação aos objetivos a serem desenvolvidos no curso, este poderia ser
resumido em fazer as pessoas se soltarem mais, melhorarem a postura, frisando que se tem
um objetivo na aula que fundamentalmente é explicado pelo que se pode influir na postura
314
do indivíduo. As pessoas procuram “uma postura para se proteger, que faz você se
equilibrar. A tua postura revela a tua personalidade, o teu interior” (ENT. Anim.
UNATI/UERJ).
A responsável pelas intervenções práticas do outro grupo ainda era acadêmica de
educação física, cursando o sétimo semestre do Instituto de Educação Física da UERJ,
período que corresponde ao penúltimo de suas obrigações acadêmicas185. Quando ela está
atuando, poderá haver interferência da orientadora pedagógica, mas, no caso das
observações que acompanhamos, isso só ocorreu quando houve dificuldade de
compreensão por parte dos alunos quanto ao que era desejado pela animadora/professora.
Não existindo no curso que freqüenta uma disciplina específica para tratar dos
idosos e do envelhecimento, ela encontrou em uma disciplina denominada Educação
Especial espaço para abranger sua formação nesse segmento, já que os acadêmicos devem
fazer vários estágios. Havendo vários projetos realizados na própria universidade, seu
interesse foi o de atuar com idosos. A disciplina Educação Física Especial normalmente
aborda o deficiente físico, mental, pessoas com distúrbios de comportamento, diabéticos,
hipertensos, etc. O objetivo principal da disciplina é levar os acadêmicos a perceber como
se deve lidar com esses grupos, e o estágio acaba servindo para se ter uma visão prática. No
caso dos idosos, ela acredita que eles se enquadram em muitas dessas características. Após
um ano de observação e estágio, ela já passou a atuar como bolsista: “Na verdade esse é o
meu terceiro contato. No primeiro semestre foi muito pouco; o segundo já foi como estágio,
assistia às aulas e colaborava. Agora estou como aluno mestre” (ENT. Anim. educação
física, PAM/IMMA).
A mesma animadora, ao participar do estágio curricular, ao fazer um trabalho
curricular sobre o assunto idosos, verificou coisas que ainda não tinha tido a capacidade de
perceber anteriormente: “era a questão da discriminação do idoso e o isolamento social que
eles sofrem” (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). Para intervir, verificou que ainda
185
Ela atua como monitora bolsista, percebendo remuneração do setor de extensão da universidade.
Para o aprimoramento de suas intervenções, recebe orientação pedagógica de uma professora do
instituto, que faz parte do projeto PAM/IMMA. Durante nossas observações, coube à acadêmica a
condução da atividade, atuando como animadora/professora. Com 21 anos de idade, já faz parte do
projeto há um ano.
315
não existia muita discussão sobre a melhor maneira de atuar com idosos; a referencia
acabou vindo de outras disciplinas.
Na minha prática eu me baseio no conhecimento de outras
disciplinas, textos, livros, etc. Dentre as disciplinas, fisiologia,
fisioterapia e também a parte de metodologia do ensino, psicologia,
recreação. Para eu lidar com essa clientela eu tenho, por exemplo, a
disciplina fisiologia, para o conhecimento dos limites – o que eu
posso passar para eles; na recreação eu vejo a importância de uma
integração, o prazer que isto promove e como eu estou fazendo um
trabalho que é importante: a integração e também a busca da
melhora da autonomia deles (ENT. Anim. educação física,
PAM/IMMA).
Segundo ela, há então a necessidade de ter à sua disposição exercícios mais
direcionados, tendo que fazer uma ligação que é com a recreação: “se for ver bem, eu fico
mais com a parte da recreação mesmo” (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). Sobre
a pouca exigência dos idosos, frágeis, e o fato de não serem muito reivindicativos, vindo a
aceitar qualquer coisa que lhes é apresentada, sua posição se baseia no que normalmente
ocorre com crianças, o que creditamos mais a questões geracionais do que de uma
determinada idade.
Quando a gente trabalha com crianças, a gente tem que estar
variando a toda hora, mas com adultos eles não gostam que varie
muito. De repente, quando eles estão começando a pegar, e vou lá e
mudo, eles se sentem inseguros. Os idosos têm como característica
não reivindicar, mas agora a gente está estimulando isto. As
crianças, não, se elas não gostam, elas não fazem. E dependendo do
nível social, são menos carentes que os idosos. Os idosos são muito
carentes, qualquer ato de carinho é recebido com uma gratidão
enorme e é uma coisa que a gente sente e que dá muito estímulo,
tem um retorno muito grande esse lado afetivo. E é lógico que há
limitações com eles. Nas crianças você espera uma reação e há uma
reação rápida, de repente com os idosos não, eles são um pouco
frágeis (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA).
As orientações que ela recebe são no sentido de preparar suas aulas para cada mês,
podendo ser dado maior ênfase ao equilíbrio, força, ritmo, flexibilidade ou coordenação
motora. No período em que acompanhamos suas intervenções ficamos sabendo que seriam
privilegiados a força e o equilíbrio. No entanto, em nenhum momento nos foi apresentado
316
um planejamento mais detalhado do que seria apresentado nesse sentido, o que não se
diferenciou de nenhuma outra associação investigada, tanto brasileiras como francesas. E
logo nos minutos que antecediam as atividades ficávamos sabendo o que seria proposto aos
idosos/alunos.
Eu procuro variar as aulas, mas não muito, pois eles têm muita
dificuldade para pegar, eles nem gostam muito que seja mudado.
Foi uma coisa que eu tive que reformular: quando eles começam a
pegar os movimentos, eles ficam mais satisfeitos. Então eu repito
alguns exercícios nas aulas e modifico sempre as brincadeiras. A
gente não força nada, se preocupa com o risco de um tropeço, um
acidente, eu estou sempre preocupada. Quando eu vou dar uma
atividade nova, penso: será que eles vão gostar? (ENT. Anim.
PAM/IMMA).
Sobre o método adotado, da belga Dominique Collignon, ela diz que tenta seguir,
mas acha que há problemas com a clientela do PAM/IMMA, pois haveria partes que não
poderiam ser adotadas pelas características dos idosos da associação, que não possuem
qualquer experiência com a prática de atividades físicas.
Tem jogos e brincadeiras que a gente não pode fazer com eles, até
os exercícios de força a gente fica limitado, até pelo risco. Eu acho
que os nossos idosos não têm o mesmo condicionamento de lá na
Europa. A gente quer que eles sejam autônomos, que as aulas sejam
menos dirigidas, que tenha menos comando (ENT. Anim.
PAM/IMMA).
É também enfatizada por ela a necessidade de se proporem alguns exercícios que
sejam repetidos nas residências e que, à medida que o programa avance, poderia ser
almejada a entrada de atividades menos dirigidas e que possibilitassem a criatividade dos
alunos.
A gente quer que eles criem, que eles façam a atividade, que eles
possam ser menos dirigidos. Que eles venham a criar, já que eles
fazem atividades em que pode haver criatividade, dançar
livremente. Também é importante falar que o exercício deve ser
feito em casa. No entanto eles preferem ser comandados, pois se
sentem mais à vontade. Se a gente faz um movimento, todo mundo
faz parecido. Para eles é mais fácil copiar, eles preferem fazer
coletivamente ao invés de individualmente; acho que eles se sentem
mais seguros (ENT. Anim. PAM/IMMA).
317
Ao descrever a proposta do PAM/IMMA, a orientadora pedagógica procurou
apresentar a proposta argumentando que no início do projeto a dança constituía o conteúdo
principal, mas com o decorrer do tempo houve uma alteração. A partir do momento em que
passou a ser usado o método de Collignon como referência, a dança deixou de ser a parte
principal da aula, passando a ser sua quinta parte, onde pode-se desenvolver o
deslocamento no espaço. A dança estaria inserida nesse contexto. De certa forma acaba
indo contra a preferência dos idosos, pois segundo suas observações, os idosos desse grupo
adoram a parte da dança; não que eles desgostem das outras, até
porque a gente teve que explicar para eles. Às vezes a gente
alongava muito a parte de preparação corporal, de trabalho de
flexibilidade, de uma dinâmica mais ou menos moderada com eles.
Então, quando a gente partia para a dança, mesmo para a dancinha
tipo de salão, quando parávamos, eles falavam: ‘puxa vida, esta
parte, que é a melhor, vocês trabalham pouco tempo’ (ENT. Orient.
pedagógica, PAM/IMMA).
A escolha dos exercícios que são previamente construídos e que se assemelham ao
que pode ser chamado de ginásticas oriundas do método neo-sueca leva em conta o grupo e
sua experiência com exercícios físicos, procurando-se escolher aqueles que demandem o
mínimo de complexidade.
Na preparação da atividade, os exercícios são escolhidos a partir de
uma revisão do que há na literatura; como os idosos são pessoas
não treinadas, a gente começou a trabalhar movimentos bem
simples e bem diretivos, quase calistênicos. Não aquela calistenia
bruta; a gente procurou suavizar até porque a gente é dinâmico. Nós
começamos com esta questão de diretividade, eles não têm noção
de direita e esquerda (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA).
Demonstrando haver sintonia com o que é percebido pela animadora/professora, a
orientadora pedagógica afirma que se está tentando sair um pouco da diretividade que vem
pontuando a atividade, buscando transformar a intervenção num trabalho mais livre. Nesse
sentido, ela tem sempre sugerido que as atividades escolhidas para serem aplicadas
possibilitem mais a criação. Com relação aos exercícios, segundo a professora, há um
planejamento, os alunos estagiários dando sugestões, com as quais às vezes ela não
concorda, mas os estagiários insistem que devem experimentar. “Isso pode ocorrer, mas a
318
gente vai ver como eles, os idosos, vão reagir, pois existem exercícios para idosos que a
gente, quando vê na literatura e analisa o grupo, vê que são inviáveis.” Sendo assim, ainda
não existiria à disposição “uma metodologia adaptada ao grupo que freqüenta essas
atividades, dificultando a preparação das aulas” (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA).
Quando os idosos das associações brasileiras são questionados sobre o significado
da prática de atividades físicas em suas vidas, vemos que raramente ela veio a ser praticada
com certa regularidade ou mereceu qualquer tipo de preocupação; de maneira
sistematizada, a maioria passou a praticá-la após a entrada na associação (QUADRO 9).
Quando havia a prática, ela era esporádica, isolada, ou realizada na própria residência. ”Eu
sempre procurei ser regular, mas sempre em casa, nunca procurei uma academia” (ENT.
07, UNATI/UERJ). Quando comparamos ao que foi encontrado na França, o quadro se
apresenta diferente pois, mesmo sem muita regularidade, existia a preocupação de praticar
atividade física anteriormente à vida associativa. Verificamos que na França o uso da
bicicleta como meio de transporte na vida cotidiana possibilitou que esses idosos, quando
mais jovens, tivessem uma vida com mais atividade física fora de casa. Em Rennes, como
em grande parte do país, é comum o uso da bicicleta como meio de transporte, havendo
muitas ciclovias, enquanto que no Rio de Janeiro ainda é recente a inclusão dessa prática, e
bastante restritos os espaços que possibilitam essa atividade física, não fazendo parte das
oportunidades dessa geração de idosos com que tivemos contato.
Tanto a ginástica tradicional como a suave foram incluídas na vida desses idosos
brasileiros como utilidade, já que é descrita a existência de uma relação bastante importante
entre a atividade física e a solução de determinados problemas físicos e orgânicos, o que
aproxima sua prática de uma medicina curativa.
Eu sofria de problemas na coluna cervical e lombar, dores na
cabeça e artrose. Eu fiquei pensando: antiginástica é uma coisa que
não deve ser ginástica, achei que fosse uma coisa mais médica.
Praticar uma atividade física representa a movimentação do corpo
todo. Eu não sabia respirar, nesta idade eu não sabia respirar (ENT.
05, UNATI/UERJ).
319
QUADRO 9
A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua experiência anterior a UnATI- UERJ e PAM-IMMA
Identificação
Anteriormente
As ginásticas
Para que serve a ginástica
ENT 01 UnATI
Não
Não conhecia
Para se manter jovem; estética; saúde
ENT 02 UnATI
Em casa
Uma é mais dinâmica
Dá energia; estética; saúde
ENT 03 UnATI
Irregularmente
Uma é mais suave
Encontrar outras pessoas; corrige a postura
ENT 04 UnATI
Só na escola
Mais lenta
Encontrar outros como terapia; saúde
ENT 05 UnATI
Irregularmente
Não conhecia
Problemas de coluna; saúde
ENT 06 UnATI
Só na escola
Não conhecia
Diminui as dores; saúde
ENT 07 UnATI
Não
Não agride o corpo
Curativa; saúde
ENT 01 PAM
Não
Não conhecia
Saúde; melhorar a cabeça
ENT 02 PAM
Não
Não conhecia
Saúde; melhorar a cabeça
ENT 03 PAM
Sim
Não conhecia
Retarda o processo do envelhecimento
ENT 04 PAM
Não
Não conhecia
Saúde
ENT 05 PAM
Não
Não conhecia
Quando não se faz se perde saúde
ENT 06 PAM
Não
Não conhecia
Necessidade para a saúde
ENT 07 PAM
Não
Não conhecia
Bom para fazer amizades
ENT 08 PAM
Não
Não conhecia
Saúde; faz-se amizades
320
Outros afirmam que após a opção pela ginástica passaram a encará-la como uma
necessidade, pontuando com freqüência as informações que lhes foram anteriormente
passadas nas associações, seja pelo médico, no caso PAM/IMMA, seja pelos documentos
de divulgação interna da UnATI/UERJ, que abordava os benefícios que a atividade física
oferece à saúde.
Quando eles deram a opção da antiginástica, eles deram um
histórico, eles falaram da postura, correção de coluna; como eu
tenho um problema na lombar, eu achei que poderia melhorar. E,
engraçado, desde que eu estou participando da ginástica, eu não tive
mais crises. Ela foi para mim uma experiência agradável e, tenho
certeza, estou sentindo isto, que ela funciona como corretora de
postura, como melhoria até de nosso organismo e do estado físico;
eu considero excelente (ENT. 03, UNATI/UERJ).
A saúde passa a ser o principal argumento dos idosos brasileiros, misturando-se à
necessidade de conhecer pessoas e de manter um certo convívio, que, segundo eles só quem
tem saúde seria capaz de estabelecer: “estou aqui para ter mais contato com pessoas, fazer
novas amizades” (ENT. 03, PAM/IMMA). Ainda com relação aos idosos/alunos das
associações brasileiras, mais uma vez nos utilizamos de Adam e Herzlich (2001:85-86),
segundo os quais o corpo tornou-se seu principal signo: “A saúde inscreve-se na
pluralidade dos sistemas de significação pelos quais fazemos uma representação do mundo
em que vivemos”. Segundo os autores, à medida que a saúde passou a ser apropriada,
dando lugar “a variados consumos médicos, viu-se expandir o campo dos objetos e
situações em relação às quais a noção de saúde poderia estar operante” (ADAM, HERZLICH,
2001:86).
Para os associados, entre os problemas relacionados à saúde, a coluna vertebral é o
que mais incomoda. “O meu principal objetivo é cuidar dos meus problemas de coluna”
(ENT. 03, PAM/IMMA). O que se percebe no conceito de saúde é que ele é bastante amplo
e semelhante ao encontrado na França, conseqüência de quem tem hábitos de vida
considerados saudáveis, como a prática de atividade física, alimentação, etc.
Eu tenho bico de papagaio. Eu escolhi de acordo com os prospectos
que eram divulgados. Eu já fazia outros cursos, com uma
321
nutricionista. Eu precisava de uma coisa mais efetiva; então eu
passei, após uma crise de coluna, a freqüentar a antiginástica e me
senti muito bem (ENT. 07, UNATI/UERJ).
Nas associações brasileiras encontramos referências mais imediatistas à saúde, já
que se estabelece uma relação expressa pelo aspecto curativo, seja por causa de problemas
na coluna, seja de outras mais orgânicas ou mesmo ósteo-mio-articulares. Poderia também
ser compreendido como uma manutenção de um estado harmonioso em que entraria o
biológico, o psíquico e o social, e que se assemelha ao conceito de saúde mais difundido da
OMS. “Meu primeiro objetivo é me manter bem. Ela me dá energia e mantém o meu corpo.
É a minha saúde; em segundo há o estético” (ENT. 02, UNATI/UERJ).
Quando questionamos a médica e a orientadora pedagógica do projeto PAM/IMMA
sobre o que eles imaginam representar a saúde, recebemos como resposta que a definição
tradicional da OMS não serviria para os idosos que participam do projeto, pois, segundo a
médica, é um pouco difícil incorporar no idoso esse conceito; “o velho nunca estaria
adaptado a um conceito de saúde”.
Ele não é saudável nunca, ele tem sempre uma dependência por que
você trabalhe [...] o velho tem sempre um agravo específico que
necessita mesmo de um tratamento curativo [...] uma dependência
funcional; poucos são os idosos que não tem um agravo (ENT.
Coord. médico, PAM/IMMA).
Por esse motivo, esse conceito de saúde não se aplica lá muito bem para os idosos,
disse-nos a médica do projeto, existindo outro que é o de promoção da saúde, que no
PAM/IMMA tenta-se usar como referencial para responder a essas lacunas de outra
maneira. “Acho que a saúde é o velho estar apto a atender da melhor forma possível a suas
próprias demandas. [...] cada um tem a saúde definida por si mesmo; a saúde que eu quero
para mim nem sempre é aquela que você quer para você” (ENT. Coord. médica,
PAM/IMMA). Para a orientadora pedagógica, a atividade física é simbolizada pelo
movimento humano e tem fundamental importância no conceito de autonomia. Segundo
ela, em primeiro lugar a atividade física para os idosos deve ser voltada para a promoção da
saúde e a socialização, mas quando passa a definir o que seria saúde, acaba se utilizando de
argumentos que estão mais próximos do conceito tradicional da OMS.
322
Saúde é algo vem da mente da gente, sei lá, do corpo, acho que vem
da cabeça da gente. Nós é que somos responsáveis por ela, vem da
alimentação, do seu dia-a-dia, até em cima de sua qualidade de
vida, como você direciona a sua vida. Saúde é um bem-estar geral,
mental, físico, emocional, afetivo, enfim (ENT. Orient. pedagógica,
PAM/IMMA).
Quando verificamos como nas associações francesas se entende a atividade física e
sua relação com a saúde, esta passa a ser considerada como prevenção de uma futura
velhice dependente, um tipo de resistência ao envelhecimento. Nas associações brasileiras,
a questão da dependência não surge com a mesma força, talvez porque esse problema ainda
esteja sendo renegado em função do significativo espaço que ainda tem no modelo social
do envelhecimento ativo. É significativa a importância que se dá entre os idosos das
associações brasileiras às trocas e contatos sociais, que em geral não passam do espaço da
associação, ocorrendo ou não na ginástica. “Aqui eu me sinto animada junto com todo
mundo” (ENT. 06, PAM/IMMA); “para mim é tudo, me sinto bem, com muita força, muita
coragem, disposição” (ENT. 07, IMMA/PAM). Estar em contato com outras pessoas é uma
tônica sempre presente nas associações: “conhecer outras pessoas também é muito
importante” (ENT. 02, UNATI/UERJ). No entanto, parece claro para esses idosos que quem
é capaz de estabelecer esses contatos é uma pessoa saudável, passando a ser a sociabilidade
secundária à preocupação curativa quando especificamente relacionada à prática da
atividade física:
eu costumava caminhar por recomendação médica. Problema com
os triglicerídios. Quando estava com o problema, eu era mais
regular. Após a minha entrada para a antiginástica, eu a substituí,
não caminhando mais. Acho que a questão saúde vem em primeiro
lugar, é fundamental. Em seguida há a proximidade que existe entre
todos, essa coisa do grupo. O grupo é sempre uma coisa bem
afetuosa, fraternal. (ENT. 07, UNATI/UERJ).
Da mesma forma que na França, apesar de participarem de um curso que leva o
nome de ginástica, percebe-se que não é clara a distinção que pode existir entre as
propostas que lhes são dirigidas, seja na forma mais suave, seja na mais tradicional. É
significativo o fato de que as pessoas, ao iniciar a atividade prática, desconhecem como
323
seriam passados os conteúdos e como as mudanças esperadas ocorreriam. Não havia
mesmo
muito
interesse
em
saber
quais
seriam
os
principais
objetivos
do
animador/professor, mesmo que estivessem disponíveis em ementas, como no caso da
UnATI/UERJ, ou fizessem parte das palestras que foram apresentadas aos idosos do
PAM/IMMA.
A questão do permanecer saudável, jovem, resistindo ao envelhecimento, fazendo
contatos sociais que podem se tornar amizades, conservando ou recuperando a saúde, está
presente nas declarações, mas o quase total desconhecimento do que é almejado na
proposta da associação é uma realidade. Isso acaba reforçando a tendência de procurar se
engajar em qualquer coisa.
Para te dizer a verdade, desde quando eu cheguei na UnATI/UERJ,
eu escolho as atividades pelo título delas. Por exemplo: ‘Brincando
com alegria’. Como eu sou muito alegre, eu gosto muito de alegria,
fui participar; com a antiginástica foi semelhante. Pratico porque eu
quero me conservar jovem enquanto puder [...] A antiginástica
serve para a saúde, para a mente, para tudo! É saúde voltada para a
manutenção, mas também há o estético (ENT. 01, UNATI/UERJ).
A primeira aula nas duas associações se apresentou como uma novidade,
principalmente quando se vai ter contato com uma atividade denominada antiginástica, cuja
denominação causou reações bastante diversas e surpreendentes: “a. antiginástica, no meu
pensamento, era ‘anti’ alguma coisa, mas não era nada disso” (ENT. 04, UNATI/UERJ).
Em geral, fazer atividade física com certa regularidade não fez parte das atividades elegidas
como importantes pela geração desses idosos brasileiros. Em muitos casos só a praticaram
durante o período da vida escolar, mas levando-se em conta sua pouca permanência na
escola, as possibilidades diminuíram bastante. Sem contar também que durante muito
tempo a educação física escolar não foi ministrada nas primeiras séries do ensino básico. O
coordenador de educação física do PAM/IMMA assim se referiu aos idosos da associação:
é um grupo totalmente inexperiente, nunca fez educação física
durante toda sua vida. É um grupo em que 90% não ultrapassaram o
curso primário, e é importante que se diga que aqui no Brasil o
324
curso primário não oferece educação física, só nas escolas de elite e
em algumas experimentais. Então este grupo que nunca fez a
atividade física e é da classe trabalhadora não tem dinheiro para
entrar em clubes e academias. Eles são totalmente inexperientes em
jogos, em desportos, etc. No grupo, você observa também a questão
do uso de uniformes. Eles ainda não tomaram a iniciativa nem de
virem de uniforme, botar um tênis ou jogging. Então você vê que
tem muitas mulheres de saia. Faz parte da subcultura do idoso da
classe trabalhadora, englobando o problema do machismo (ENT.
Coord. educação física, PAM/IMMA).
Independente do grupo brasileiro analisado, essa geração de idosos ainda não se
sente à vontade para freqüentar determinados espaços que não foram originariamente
destinados aos de sua geração, como as academias de ginástica, que têm como
freqüentadores pessoas bem mais jovens do que eles. No entanto, a ida a uma associação
específica para idosos, mesmo sendo ela numa universidade, acaba quebrando certos tabus.
“Eu ficava olhando as atividades físicas que são feitas nas academias de musculação, a
maior parte é tudo para jovens. Não tem para mim. Aqui eu encontrei o ambiente ideal”
(ENT. 04, UNATI/UERJ).
A prática de atividade física por recomendação médica foi uma constante entre os
idosos que a fazem no PAM/IMMA, fato explicado pela própria característica do grupo.
Eu nunca pensei em fazer ginástica porque a gente acha que nunca
tem tempo. Então a dra. começou a incentivar [....] aí eu disse:
‘sabe de uma coisa, eu vou arranjar um tempo’, e eu acho que até
melhorei. Eu quero melhorar muito a minha cabeça, principalmente.
A gente fica trancada dentro de casa, pensando na vida, a gente vai
esclerosando muito cedo. E aqui, não, a gente se diverte, conversa,
faz mais amigos, passeia... (ENT. 01, PAM/IMMA).
A recomendação que esses idosos vêm recebendo é de que a atividade tem uma
forte relação com saúde, permitindo então que haja um envelhecimento com qualidade de
vida. Entretanto, o que significa saúde e sua relação com a atividade física não é tão fácil de
ser expressa por esses idosos (QUADRO 10).
325
QUADRO 10
Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os entrevistados da UnATI- UERJ e PAM-IMMA
Identificação
Significado para a saúde
A relação atividade física com a saúde
O que inquieta mais
ENT 01 UnATI
O bem mais importante
Importante para a saúde
Nada me inquieta
ENT 02 UnATI
Não ter doenças; está na cabeça
É bastante importante
Nada me inquieta
ENT 03 UnATI
Fazer tudo que se quer; é tudo
È fundamental para a postura
Meu último exame
ENT 04 UnATI
Vem dos cuidados com o corpo
Ocupa o tempo; obriga a sair de casa
Pressão elevada
ENT 05 UnATI
Saber controlar os problemas
Melhora a respiração
Ficar dependente
ENT 06 UnATI
Bem estar corpo e mente
Sem opinião
Dores que sente no corpo
ENT 07 UnATI
Resulta de uma alimentação
Sem opinião
A visão
ENT 01 PAM
Quando nada dói ela vai bem
Fundamental manter o corpo
Nada me inquieta
ENT 02 PAM
Equilíbrio geral
Sem opinião
A dependência
ENT 03 PAM
Estado de espírito
Sem opinião
A irreversabilidade do Parkinson
ENT 04 PAM
Resulta do estilo de vida
Sem opinião
Vamos vivendo a vida
ENT 05 PAM
Quando não há nenhum problema
Faz parte da vida
Nada me preocupa só a perda da visão
ENT 06 PAM
Resultado de vida ativa
Sem opinião
Uma operação
ENT 07 PAM
Resultado de cuidados
Sem opinião
Nada
ENT 08 PAM
Não ter problemas
Sem opinião
Um ataque cardíaco
326
Passa a ser uma necessidade sair de casa e ser ativo, já que o “objetivo é evitar que
fiquemos parados; conforme diz a dra., muitas das doenças são porque a pessoa fica
parada” (ENT. 03, PAM/IMMA). A importância do engajamento em atividades físicas é
reconhecida como a possibilidade de enfrentar o envelhecimento de forma diferente, já que
na maioria esses idosos são pessoas que ficavam muito presas em sua casa, sem sair muito:
o tempo vai passando e a gente não se comunica com as outras
pessoas, vamos ficando estressados e o reumatismo vai atrofiando a
gente. Eu acho que aqui nós temos o prazer de uma vez por semana
se libertar daquela prisão; a gente tem que sair (ENT. 08,
PAM/IMMA).
Os idosos que freqüentam o PAM/IMMA se diferenciam da maioria dos outros
idosos entrevistados, pois em geral ainda estão bastante medicalizados, havendo exemplos
de pessoas que têm de conviver com situações consideradas irreversíveis, ainda que isso
não impeça que eles se considerem com boa saúde O idoso que tem o mal-de-parkinson diz
que consegue conviver bem, pois está conformado: “É só eu seguir os tratamentos (...)
quando vim para o PAM a pressão estava alta, agora está 14; antes era 22, 16, 22. Foi
controlada pelos remédios receitados pela dra.” (ENT. 03, PAM/IMMA). Outros
conseguem mesmo mostrar-se capazes de superação, o que creditam à participação
associativa.
Eu estava indo ao médico e uma terapeuta disse que eu teria de
aprender a conviver com a artrose que eu tenho na perna direita
endurecida. Eu já estou conseguindo dobrar as pernas, coisa que eu
não fazia [...] A antiginástica permite às pessoas idosas fazer a
ginástica mais vagarosamente, e isso é importante principalmente
num grupo animado [...] Saúde, estar no meio dos outros, de modo
geral tudo é importante, mas existe também uma coisa importante, a
gente cria novas amizades e isto é bom. Eu todo dia encontro um na
rua. Isto torna a vida mais alegre (ENT. 04, UNATI/UERJ).
O fato de estarem seguindo um tratamento médico e ingerindo algum
medicamento pode ocorrer independente da associação. O que difere é que quando
observamos os remédios que são ingeridos pelos idosos que estão nas ginásticas
alternativas há uma tendência à preferência pelo tratamento com a homeopatia, sendo bem
diferente do que é encontrado no PAM/IMMA e na ARRS, onde verificamos o tratamento
com medicamentos considerados alopáticos. Os que não seguem nenhum tratamento
327
declaram com bastante orgulho não precisar ingerir qualquer medicamento, encontrando-se
mesmo aqueles que atribuem isso à entrada na vida associativa e à prática de atividades
físicas:
a última vez que tomei remédio foi antes de vir para a UnATI. Eu
tinha um saco de remédios na cabeceira, era dependente de Lexotan
para dormir. Depois de começar a fazer exercícios, aquela
ansiedade de ter de tomar remédio para dormir acabou, pois eu
chegava, não sei se cansada pelos exercícios, ou o bem-estar de
estar fazendo, acho que era esse bem-estar com o corpo. Eu
chegava em casa, tomava um banho, jantava e logo o sono pegava
(ENT. 05, UNATI/UERJ).
Pelas características dos idosos do PAM/IMMA, verificamos que muitos ainda se
encontram dependentes dos medicamentos que são receitados e distribuídos no posto:
eu tomo muitos remédios por dia: três capotens e dois para a
tireóide, que eu sou operada. Quando tenho dor, eu tomo para
artrose, eu venho aqui e a dra. me passa comprimidos supositórios e
eu melhoro. Eu passo uns tempos sem ter nada. Mas de repente,
quando ela vem, ela me derruba (ENT. 01, PAM/IMMA).
Saúde, para os entrevistados, recebe forte influência do meio em que cada um
conviveu, como uma herança genética, mas que pode ser controlada e alterada pelo
indivíduo desde que haja por parte dele alguma dedicação, e, acrescentamos, a presença dos
profissionais da saúde para controlar e dizer o que cada um deve fazer para melhor
enfrentar seus problemas. A declaração dessa idosa do PAM/IMMA mostra como ocorre
essa influência.
Atualmente eu só tomo remédio para controlar a pressão. A dra.
diz sempre que, depois que eu comecei a fazer atividade
física, sou outra pessoa. Eu tenho mais disposição Eu sempre
fui uma pessoa com muitos problemas de saúde [...] De uns anos
para cá me apareceu uma úlcera, que o médico disse que era uma
úlcera gastroduodenal, então eu fiz uma dieta. Eu não tomo
remédio, eu controlo só com a dieta; como eu tenho pressão alta, o
nutricionista adaptou a dieta à minha pressão. E lá no PAM me
disseram que eu estou com uma hérnia de hiato, por causa das dores
que sinto. Eu fiz umas radiografias e o médico disse que eu tenho
uma artrose, escoliose e osteoporose. Mas eu vou vivendo, não é?
Não posso subir escada, mas tenho que subir, a gente precisa, eu
moro sozinha. (ENT. 08, PAM/IMMA).
328
Os cuidados dispensados ao corpo são definidos como o diferencial de quem tem
saúde. “Devemos escutar o que o corpo fala” (ENT. 02, UNATI/UERJ). Esse corpo,
enquanto um bem, resulta de cuidados que incluem a alimentação equilibrada, sem gordura
e a mais natural possível. Se não há dores ou mesmo uma doença das mais simples, a saúde
está próxima daqueles que são ativos, equilibrados, pessoas que não se permitem ser
dominadas por uma depressão, pois para manter a saúde é fundamental ter alguns cuidados
básicos; “o ser humano não foi feito para ter doenças. A doença é o que deprime o ser
humano” (ENT. 02, UNATI/UERJ). É uma rotina de vida que inclui sempre a influência da
medicalização da saúde, que faz com que certas mudanças de hábito decorram do discurso
médico da saúde.
Se não tivermos cuidado com o nosso corpo, vai adquirir alguma
coisa, uma doença ou alguma coisa. Saúde é aquela rotina que você
executa para melhorar seu estado físico, alimentação. Eu já deixei
de fumar em 1955. O médico disse: ‘ou você deixa de fumar ou de
beber’. Eu preferi parar de fumar, pois bebida não é todo dia como
o cigarro, é mais socialmente (ENT. 04, UNATI/UERJ).
Encontramos a relação entre saúde e estilo de vida na maioria dos relatos, que
podem ser expressos pelo que foi dito por uma das idosas da UnATI/UERJ (ENT. 01):
“quando não se está sentindo nada de anormal, tenho saúde. Faço exercícios físicos e uma
boa alimentação, uma boa convivência familiar também. Saúde é a coisa mais importante
da vida, pois quem não a tem fica deprimido, não tem prazer de viver. O conceito de saúde
elaborado pelos idosos das associações brasileiras, assim como o que se observou nas
associações francesas, foge do ideário da promoção da saúde na medida em que geralmente
ela acaba sendo considerada fruto de um investimento pessoal: “nós somos responsáveis.
Saúde para mim engloba tudo, é se sentir amada, saber amar, amar a você mesma. É um
processo de integração com muitas coisas. É saber viver, ter disposição, alegria, ter
participação, ter liberdade (ENT. 01, UNATI/UERJ). Pelos relatos dos idosos/alunos,
somos levados a crer que, segundo eles, há ganhos significativos no que toca sua vida
cotidiana a partir de sua inclusão na vida associativa e em especial na prática de atividades
físicas. Entretanto, é sempre bom lembrar que, mesmo sendo legítimas as aspirações dos
329
participantes, como as dos responsáveis pelas atividades, não há evidências de que ela seja
capaz de ser alterada com o tipo de engajamento e a intensidade que são propostos – uma
vez por semana, havendo certamente um ‘efeito placebo’. O que há é uma sensação de
bem-estar que pode ser conseqüência da participação em atividades associativas. É evidente
que o conceito de promoção da saúde procura se distanciar do tradicional conceito da OMS;
no entanto, na prática, o que mais se verificou foi a relação entre atividade física e saúde se
aproximando do conceito tradicional de saúde, com a ginástica sendo a sua
instrumentalização.
Verificando o que é feito nas atividades práticas das associações
Para responder sobre o que ocorre nas práticas observadas, não levamos em conta
o estilo de ensino adotado, já que “parece ser cada vez mais evidente que a escolha de um
estilo de ensino apropriado esteja mais ligada a uma variedade de fatores, tais como o
conteúdo ensinado e as preferências dos professores” (SIEDENTOP, 1998:274), sendo
bastante importante não confundir estilo com estratégias de ensino. Essa última deve levar
em consideração as características dos que vão receber as informações, o que levou
determinado conteúdo a ser elegido e o contexto em que será aplicado.
A noção de estratégia se refere à maneira como o professor organiza e desenvolve
o ensino, o que acaba recebendo influências de uma concepção que ele já traz sobre os seus
alunos; como também a maneira como permite a seus alunos praticar as tarefas. Em nossa
análise não há intenção de se recomendar ou mesmo defender uma teoria em particular ou
um determinado estilo de ensino ou estratégia como mais adequado ou superior, mas
apontar para uma tendência que nos pareceu ocorrer a partir da incorporação da moral do
envelhecimento ativo na preparação e apresentação das atividades pedagógicas.
Verificamos que os responsáveis pelas atividades têm discursos semelhantes ao
acreditarem nas possibilidade de se encontrar progresso a partir das suas intervenções, em
alguns momentos vão estar de acordo com as recomendações do movimento pela saúde,
excetuando o grupo PAM/IMMA que visando o ideário da promoção da saúde, defende
teoricamente uma proposta diferenciada no que toca a saúde. Além disso eles propagam
que suas intervenções são capazes possibilitar a sociabilidade e que visam apresentar suas
atividades de forma bastante descontraída, respeitando as individualidades, escutando as
330
demandas dos idosos e estimulando que a prática de atividades físicas seja uma constante
na vida dos idosos; e de preferência que os exercícios propostos sejam incorporados ao
repertório de atividades dos idosos. A questão da busca pela recreação/lazer como objetivo
não fica clara na proposta dos animadores/professores.
Decidimos em primeiro lugar verificar como ocorre a distribuição do tempo das
atividades propostas aos idosos, levando em consideração o que faz o animador/professor e
o idoso/aluno. Em seguida verificamos como as atividades eram propostas, se há alguma
interferência de um modelo social na construção das aulas e como se estabelece a relação
do responsável pela atividade com os conteúdos escolhidos.
Essa análise levou em consideração o tempo total de cada atividade observada que,
usando as palavras dos envolvidos na condução da prática e praticantes, nos levaram a
chamar de aula. Um dos ingredientes que possibilita uma análise de como está ocorrendo a
animação/ensino seria: uma elevada porcentagem de tempo consagrada à transmissão de
um conhecimento; um clima afetivo positivo; uma elevada taxa de comportamentos que
tenham relação com o que se quer ensinar e o tempo de engajamento nas atividades
propostas (PIERON, 1996).
Quando se verificam as variáveis do contexto em que é aplicado determinado
programa e o tempo de engajamento motor, esse último se apresenta muito mais sensível a
receber influências do que se pretende na proposta pedagógica. Pieron observa que um
grande engajamento em uma determinada atividade nem sempre significa grandes esforços
físicos, podendo ser uma “participação de rotina”; o elevado engajamento pode significar
que os objetivos visam mais às atitudes físicas, enquanto que no caso das atividades mais
recreativas esse tempo tenderia a ser menor. Por parte dos idosos/alunos, um tempo de
engajamento grande pode ser uma resposta satisfatória ao que está sendo proposto, mas
pode também representar um comportamento freqüentemente observado nos idosos: a
necessidade de aprovação social por seu engajamento em atividades de esforço físico, como
as de ginástica ou esportivas, que até algum tempo eram mais afetas só a pessoas mais
jovens.
Daryl Siedentop mostrou como podem ser simples e confiáveis as observações
sistemáticas sobre as rotinas das intervenções pedagógicas. Optamos por um instrumento
331
para o “registro de duração” que usa o tempo como medida e utilizamos uma escala de
tempo para registros a cada 10 segundos. Os dados derivados desses registros, expressos
em minutos e segundos, foram convertidos em porcentagem para possibilitar a comparação.
O registro de duração é útil para qualquer categoria de
comportamento na qual a duração do tempo investido em
determinado comportamento proporciona uma boa estimativa de
sua importância: por exemplo o tempo investido pelo professor
dando instruções a turma, o tempo dedicado pelos alunos às
atividades de organização ou a duração do tempo de empenho nas
tarefas de aprendizagem (SIEDENTOP, 1998:353).
Ao criarmos nosso sistema de observações, consideramos: os objetivos que
queríamos investigar nos dados coletados; definição dos comportamentos cuja observação
consideramos importante; a definição da técnica de observação a ser utilizada; a escolha do
que se pode observar da maneira mais fiel possível. As categorias escolhidas nos pareceram
as que mais podiam mostrar o que fazia cada personagem envolvido na atividade didática.
Optamos pela observação isolada do que faziam o professor e os alunos e para esse fim
elaboramos duas fichas de registro. Na elaboração das categorias que serviram para a
análise186 considerou-se a possibilidade de distinguir isoladamente o que faziam o
animador/professor e o idoso/aluno durante o total do tempo da atividade. Isso foi facilitado
pelo fato de que tínhamos registrado em videocassete todas as atividades. Cinco categorias
foram criadas para análise do que era feito pelo responsável pela atividade: tempo de
preparação e organização (TPO); tempo de informações didáticas (TID); tempo de
observação e supervisão (TOS); tempo de engajamento motor (TEM); tempo de pausas
gerais (TPG). Para observar o que faziam os alunos/idosos, verificamos o tempo de
preparação da atividade (TPA); tempo de atenção às informações didáticas (TAI); tempo de
prática efetiva (TPE); tempo de pausas gerais (TPG).
186
Seguimos os registros que nos foram passadas pelos três observadores que testaram o
instrumento. Tanto as variáveis como os instrumentos de registro foram apresentados a
pesquisadores do laboratório de didática da Université Rennes 2, sendo o instrumento que
elaboramos aplicado em uma atividade didática que continha todos os elementos que faziam parte
da rotina que queríamos observar.
332
Com uma câmara fixa sobre um tripé, gravamos integralmente três aulas de cada
associação, de maneira que tanto o professor como os idosos estavam o tempo todo no
campo visual do equipamento, posicionado em local que não interferia na atividade. Para
não se perderem as comunicações orais do professor, fizemos a gravação de sua fala com
um microfone sem fio.
Havia um horário pré-determinado para início e fim da atividade, que no grupo
PAM/IMMA era de quarenta e cinco minutos, e nos demais, de sessenta minutos.
Verificamos que o ambiente onde as atividades se desenvolviam propiciava uma forte
interação social nos momentos que antecediam o início da atividade prática. Optamos por
registrar apenas a atividade prática com orientação do responsável por sua condução,
mesmo considerando a importância do tempo destinado à medida da pressão arterial, que
acontecia regularmente no PAM/IMMA, ou as trocas informais que ocorreram em todas as
associações. Como comumente os participantes chegavam ao local com significativa
antecedência, esse era um momento de muita interação que acabava se estendendo e
gerando certa flexibilidade quanto à hora inicial das aulas.
Para termos uma medida correta, consideramos o início de uma aula a ser
observada o momento preciso em que o professor se dirigia ao grupo, chamando para si a
atenção dos alunos. Normalmente ele utilizava a comunicação oral que vinha nas seguintes
formas: “vamos começar”, “vamos lá”, “a aula vai começar”. De maneira semelhante, o
encerramento da aula tem uma caracterização própria como “por hoje está bom”, “até a
próxima semana” “eu espero que vocês tenham gostado da aula de hoje”. O intervalo
compreendido entre esses dois momentos foi considerado como o tempo total da atividade
(TTA). O tempo médio do TTA encontrado foi de 54 minutos e 32 segundos, com uma
variação média por associação de 45 minutos e 50 segundos referentes à de menor duração,
que foi o do PAM/IMMA, a 1 hora, 8 minutos e 53 segundos para a associação que teve a
média total de maior duração, que foi a UnATI/UERJ (TABELA 4). Ao se comparar essa
distribuição de tempo entre os países, verificamos que tanto a média brasileira como a
francesa não ultrapassaram uma hora de atividade, ficando ambas na faixa dos cinqüenta
minutos.
333
TABELA 4
Distribuição do tempo total utilizado nas atividades (TTA) pedagógicas observada nas
quatro associações
Associação
PAM/IMMA
Atividade
37 min
2
UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
1h 6min 20 seg.
50 min 10 seg. 49 min 50 seg.
50 min 20 seg. 1h 10 seg.
3
50 min 30 seg.
1h 10min
5
TTA MÉDIO
50 min
45 min 50 seg.
1h 10min 20 seg. 49 min 50 seg. 50 min
1h 8min 53 seg. 50 min 7 seg. 53 min 20 seg.
A partir desses dados, verificando o tempo do idoso/aluno, uma vez considerado o
início da aula, levamos em consideração dois tipos de comportamentos que podem mais
caracterizar o que o aluno faz durante a aula: como eles ocupam o tempo e que tipo de
respostas dão. Segundo as pesquisas de Siedentop (1998a), alguns pesquisadores
apresentam números de engajamento motor bastante baixo, entre 25% a 30% do tempo total
da aula, o que diminui quando se leva em consideração a qualidade das respostas desse
engajamento, avaliando-se acertos e erros. Em nossa pesquisa não houve qualquer
preocupação em analisar erros e acertos, mas com o que denominamos tempo da prática
efetiva (TPE).
Algumas características foram observadas para considerar o cômputo nesse tempo.
Primeiro era importante verificar se no mínimo estavam engajados na prática 20% dos
presentes. Os idosos/alunos, após tomarem contato com as diretivas do professor, engajamse nos exercícios ou nas atividades práticas propostas por um período contínuo superior a
dez segundos, o que foi considerado como unidade de tempo de registro. Nesse tempo, o
professor poderá estar também engajado na prática, servindo de modelo para os alunos;
observando e supervisionando, fazendo as correções quando necessário ou mesmo fora de
qualquer atividade ligada ao ensino/aprendizado. O que também marca essa categoria é que
o responsável pela atividade já passou uma quantidade de informações suficiente para que
os participantes se engajem numa atividade prática. A média do tempo por nós encontrada
334
foi de 38 min e 1 seg, sendo 70% do tempo total das aulas, o que chega a surpreender, pois,
tratando-se de um grupo que a sociedade procura identificar como fraco ou em decadência,
esse resultado significa que em mais de 2/3 da aula eles estão em atividade prática. As
variações não foram muito importantes: o menor engajamento foi o do grupo PAM/IMMA,
com 35 min e 17 seg, e o maior ocorreu na UnATI/UERJ – 44 min e 22 seg. Quando se
observam esses tempos proporcionalmente ao tempo total da aula (TABELA 5), o
PAM/IMMA foi o que mostrou haver o maior engajamento, 76% do tempo total, enquanto
que a outra associação brasileira veio a ter o menor engajamento proporcional dos alunos,
64% do TTA, que é também um tempo bastante considerável.
TABELA 5
Distribuição do tempo de prática efetiva dos idosos/alunos (TPE) e sua relação
proporcional com o tempo total da atividade (TTA) pedagógica, observadas nas quatro
associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
76%
64%
72%
64%
3
78%
62%
71%
68%
5
TPE MÉDIO
77%
76%
66%
64%
70%
71%
76%
69%
À primeira vista poder-se-ia imaginar que, em grupos de idosos fazendo ginástica,
encontraríamos muitos momentos de pausa e de descanso, principalmente em função da
fragilização dos idosos e de sua pouca experiência com a ginástica associativa. Entretanto,
isso não ocorreu, sobrando pouco tempo para que eles ficassem sem um engajamento motor
específico nos conteúdos apresentados. Três categorias se enquadram nesse tempo, sendo
que uma delas se destaca das outras por servir especificamente ao descanso ou ao abandono
por grande parte dos participantes da atividade proposta.
Para efeito de cômputo, consideramos sempre unidades de tempo que não fossem
inferiores a 10 segundos, em que 80% dos idosos não estavam explicitamente participando
335
de atividades ligadas a preparação, recepção de informações, avaliações ou mesmo de
engajamento motor (TABELA 6). O responsável pela atividade pode verbalizar sua intenção
de fazer uma pausa, que pode ser motivada ou não por sua percepção de sinais de fadiga, ou
mesmo um acontecimento extra-aula, que fugiria de suas previsões. Nesse tempo, os
professores também não estão envolvidos em nenhuma atividade didática. Observamos que
a média total desse tempo é quase desprezível, ficando em 2 min e 50 seg, 5 % do tempo
total médio das associações. A variação encontrada foi de 2 min e 3 seg, correspondendo a
3% do tempo total do grupo UTL/Rennes, a 3 min e 50 seg, que correspondeu a 6% do
tempo total do grupo UnATI/UERJ.
TABELA 6
Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a pausas gerais (TPG) e sua relação
proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
11%
10%
4%
4%
3
4%
5%
2%
9%
5
TPE MÉDIO
1%
5%
3%
6%
6%
4%
5%
6%
Também em proporções reduzidas os alunos fazem as outras atividades.
Categorizamos o tempo gasto pelos alunos em tarefas que servem para preparar a atividade
(TPA), como o tempo dedicado a receber informações (TAI). No primeiro tipo,
consideramos o tempo em que os idosos/alunos são estimulados pelo animador/professor
para modificar o meio ambiente da aula, ajustando-o para o exercício ou situação de ensino
que logo será apresentada. Cabe aos idosos/alunos as seguintes atividades: deslocam-se
para outros ambientes; assumem outras posições, como ir ao solo; formam grupos;
respondem a lista de freqüência; fazem algum tipo de apresentação pessoal ao grupo;
arrumam ou transportam os equipamentos que são utilizados no desenvolvimento de uma
atividade. Nesse momento nenhuma informação de cunho cognitivo foi passada pelo
336
animador/professor, podendo haver por parte dos idosos/alunos a sensação de que sabem o
que será apresentado ou solicitado. Encontramos nos grupos analisados a média de 5 min e
39 seg, que significa 10% do tempo total médio das aulas (TABELA 7). O grupo
PAM/IMMA, com 4 min e 25 seg, 10% do tempo total, foi o que dedicou menos tempo,
enquanto que o grupo da UnATI/UERJ, com 8 min e 33 seg, ou seja, 12% do tempo total,
foi a associação que utilizou mais tempo para as tarefas de preparação da atividade.
TABELA 7
Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos às tarefas de preparação da atividade
(TPA) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas
quatro associações
Associação PAM/IMMA UNATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
6%
11%
11%
7%
3
7%
7%
9%
11%
5
TPE MÉDIO
15%
10%
19%
12%
13%
11%
4%
8%
O outro tempo considerado, TAI, é aquele em que os idosos/alunos estão atentos às
informações prestadas pelo animador/professor sobre o conteúdo que será posto em prática
(TABELA 8). Os praticantes nesse tempo passam a perceber com mais clareza o que está sendo
solicitado como engajamento motor. Também foi levado em consideração o fato de que 20%
dos praticantes ainda não passaram a alguma prática, podendo esse tempo servir a respostas
orais de questionamentos formulados pelo responsável referentes à atividade, a qualquer tipo
de demonstração por parte do animador/professor, como também podem ser feitas só
transmissões orais ou um balanço da atividade que acabou de ser praticada. O tempo médio
de todos os grupos reunidos foi de 8 min e 2 seg, correspondendo a 15% do tempo total. As
variações encontradas foram de 3 min e 57 seg, referentes a 9% do tempo total do grupo
PAM/IMMA e os 18% no grupo UnATI/UERJ, que somou 12 min e 8 seg.
337
TABELA 8
Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a atenção as informações didáticas
(TAI) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas
quatro associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
7%
15%
13%
25%
3
11%
26%
18%
12%
5
TPE MÉDIO
7%
9%
12%
18%
11%
14%
15%
17%
Uma quantidade de tempo maior dedicado a esses dois últimos registros, TPA e
TAI, pode significar que foram utilizados exercícios e situações mais complexas, o que se
verificou nas propostas dos grupos em que houve maior dedicação a esse tempo. Nas aulas
2 e 3 da UnATI/UERJ, registramos questionamentos dirigidos à professora no sentido de
que fosse preparada uma apostila para quem tivesse interesse. Isso ocorreu após a
solicitação da professora para que determinados exercícios fossem escritos para serem
repetidos em casa, o que serviria para fixar os conteúdos de exercícios de difícil execução.
Durante uma das aulas videofilmadas, estabeleceu-se um diálogo entre a responsável pela
atividade e o grupo, dando uma dimensão da complexidade dos exercícios que estavam
sendo propostos e a demanda dos idosos.
Tudo começou após o questionamento da professora sobre se os idosos estavam
escrevendo o que se passava nas aulas. Diante da negativa geral, surgiu a solicitação de
uma das idosas por uma apostila para facilitar as futuras execuções, evitando que fosse
colocado em risco o praticante. Como resposta, a animadora/professora disse que não seria
dada a apostila, pois essa seria uma atividade dos próprios idosos: prepará-la a partir do que
viessem a sentir, já que “se vocês não sentirem, não adianta nada. Cada um vai fazer a sua
anotaçãozinha, como foi percebido, o que você gostou, o que foi bom para o seu corpo”
(AULA 3, Anim. UNATI/UERJ). A resposta, não convencendo, provocou novas demandas
e, imediatamente, tentando encerrar o assunto, a professora afirmou que os alunos podiam
338
ter por escrito, mas será cada um que vai escrevendo e fazendo as
suas anotações. Por isso é que eu sempre vou chamando a atenção:
não conversem, fiquem um pouquinho com vocês, percebam como
o seu corpo ficou. Isso é o que vai memorizar. Isso é muito mais
importante do que eu dar tudo escrito. Vai descobrindo e vai vendo
o que foi bom, o que fez bem, e vai tentando repetir em casa
(AULA 3, Anim. UNATI/UERJ).
Solicitar que os exercícios sejam feitos em casa é uma preocupação bastante
grande nas associações brasileiras, não se verificando o mesmo nas associações francesas.
O coordenador de educação física do PAM/IMMA, ao justificar o fato de haver sempre
exercícios que são feitos sentados em uma cadeira, diz que eles serão úteis já que há a
possibilidade de serem repetidos em casa, mas para isso eles devem ser de simples
execução.
Os exercícios sentados são uma opção porque a gente sabe que as
maiores experiências deles de lazer têm que ser sentado. Eles vêem
televisão, conversam, etc. As atividades deles em pé, as atividades
cotidianas são muito menores, proporcionalmente. Então, nós
achamos que eles devem ter atividades sentados, para mostrar que
sentados eles não precisam ficar passivos. Não é o receio em
relação a acidentes. É uma maneira de diminuir a sobrecarga, é uma
maneira de você fazer com que eles identifiquem algumas
atividades que podem ser feitas sentados na própria residência.
Então, por exemplo, o camarada que está sentado, vendo televisão,
pode se mexer, ele pode fazer algum tipo de movimento.
Mesmo tendo solicitado que os exercícios viessem a ser feitos em casa, a
responsável pelas atividades da UnATI/UERJ acha que eles não o fazem, pois os
movimentos que são apresentados em suas aulas não são simples de serem executados sem
orientação.
Alguns exercícios são difíceis de memorizar por esse motivo;
acredito que as pessoas que fazem parte deste grupo não se sentem
seguras de executar um exercício sem alguém para corrigir. Eu não
acredito que eles sejam capazes de reproduzir nas suas residências o
que é feito aqui. Eu não acredito que eles façam em casa, raramente
isto vais ocorrer. Como não é um trabalho repetitivo, é também
difícil memorizar (ENT. Anim. UNATI/UERJ).
339
Esse tipo de problema – usar exercícios com grande complexidade – foi diversas
vezes posto em evidência, seja nas entrevistas, seja na observação de outros grupos, como a
UTL/Rennes e a ARRS, o que leva a questionamentos de como são planejadas as
atividades, para que servem e como as pessoas vão se utilizar dos conteúdos propostos. Não
parece tão simples solicitar que os exercícios sejam feitos em casa. Tem de haver segurança
de que eles serão feitos sem risco, parecendo ser essa a principal diferença entre a proposta
do grupo PAM/IMMA e as demais, tendo como princípio que a escolha dos exercícios
possibilite uma fácil execução e que apresente objetivos claros. Em outra aula videofilmada
da UnATI/UERJ, novamente o assunto de uma apostila foi sondado, acrescido ao temor de
conseqüências danosas dos exercícios realizados.
Dessa vez, uma outra idosa apresentou como problema a sua insegurança em
tentar fazer o exercício em casa. Ao fazer determinado movimento na aula anterior, o
mesmo lhe causou dores. “Não era na articulação, eu não consegui me lembrar de como era
feito o exercício. Eu tentei escrever como era o exercício, mas não consegui me lembrar.
Então eu pediria que fosse dada uma apostila” (ENT. 07, UNATI/UERJ). Diante de sua
demanda, a responsável mais uma vez tentou justificar a escolha de suas estratégias:
Cada um faz até onde der, cada um deve dosar. Pode acontecer que,
ao invés de se estar trabalhando o braço, trabalhou-se também o
trapézio. Certamente é porque trabalhou mal. Cada um tem que
entrar em contato com seu corpo. É necessário escutar, prestar
atenção, certamente você estava solicitando outra musculatura e não
percebeu. Existe uma intenção, por isso é que nós estamos
corrigindo, não é? Às vezes isto ocorre. Mas de uma maneira
geral todo mundo está sendo corrigido. Quando não falamos,
é porque está tudo bem. Quando a gente fala, relaxa, vamos
perceber como é que se está saindo, isto é um dado importante
para a gente. Se nos déssemos tudo escrito, iria perder o
objetivo da técnica, que é o esquema corporal sendo
percebido. Outra coisa importante é que aqui é um trabalho,
onde vocês vêm e têm uma participação. Não é vir aqui e
entregar o corpo. Não, a gente vai devolver o corpo para
vocês, é de vocês o corpo. Então, por isto o trabalho de
conscientização. Mas a apostila eu quero que vocês façam, é
um produto de vocês, entendeu? Eu não vou dar apostila,
vocês é que vão fazer (AULA 3, Anim. UNATI/UERJ).
340
As explicações dadas pela animadora/professora mostram que se há objetivos no
que é apresentado. Os mesmo ainda não estavam claros para o conjunto dos participantes,
mesmo considerando que eles já estavam no segundo nível da atividade antiginástica. Esse
tipo de problema foi verificado de maneira diversa em todas as associações, ou seja, a
dificuldade ou mesmo o total desinteresse dos idosos em saber como é realizado o
planejamento das atividades e o que se pretende com os conteúdos escolhidos para serem
trabalhados. Uma idosa, demonstrando estar confusa com o desenrolar das discussões,
pergunta à responsável pelas atividades da UnATI/UERJ se há algum tipo de preparação
anterior ou se a atividade de cada dia é preparada na hora. Pelo teor da resposta,
verificamos que na prática não existe um planejamento, e sim uma intenção de se
desenvolver algo geral, que é elaborado pouco tempo antes do início da atividade. No que
toca essa associação, vai variar a cada dia,
conforme as queixas das pessoas, como vocês chegam, porque a
cada dia se está de uma forma. Tem dia que a gente acorda
superfeliz, tem dia que a gente acorda caído. Então vamos tentar
adequar estas coisas. Não só na questão do corpo, como também da
emoção, tá? (AULA 3, Anim. UNATI/UERJ).
Fora algumas discussões do grupo PAM/IMMA, que segundo as informações que
recebemos ocorreram nas reuniões temáticas, não verificamos a existência de um
planejamento que tenha sido previamente discutido com os participantes, havendo por parte
dos que se interessam em discutir o assunto dúvida quanto à existência de algum tipo de
preparação prévia das aulas “Elas às vezes até perguntam como a gente está se sentindo,
elas são muito boas, são muito atenciosas, mas eu não sei se elas preparam as aulas a partir
daí. A aula delas é preparada na hora. Não sei por quê” (ENT. 01, UNATI/UERJ). Esse tipo
de declaração não está em desacordo com o que foi declarado pela animadora/professora.
Em um dia de nossas observações, minutos antes de começar a atividade, perguntamos
sobre o que iria ocorrer. Ouvimos como resposta que:
341
nós nunca sabemos o que vai acontecer; a seção é sempre dada em
função das queixas que nos são apresentadas antes de iniciar a aula.
O que acontece é que, de um maneira geral, a proposta de trabalho
que a gente tem é de estar sempre buscando uma melhora do estado
físico sem perder de vista a proposta corretiva. Sempre no começo
alguém vem com uma queixa. A gente mais ou menos sente o clima
como está para ver se vai ser um trabalho mais dirigido ou não.
Existe um espaço social onde eles até podem falar (ENT.
Anim. UNATI/UERJ).
Pelas declarações dos responsáveis pelas atividades nas associações investigadas,
verificamos que mesmo quando dizem seguir um projeto pedagógico, diante de
determinados contextos e principalmente das dificuldades apresentadas pelo grupo, é
bastante comum que tenham de alterar bastante a intenção de trabalho. Em parte devido à
pouca concentração dos idosos ao que é solicitado, como foi dito pela animadora da ARRS,
segundo a qual, quando vai para a prática, sempre se vê obrigada a modificar o que
anteriormente tinha planejado.
Pareceu-nos bastante comum a improvisação, já que à pergunta sobre o que seria
feito naquele dia obtivemos respostas que demoraram um certo tempo a ser elaboradas,
dando a impressão de que o conteúdo estava sendo preparado naquele momento: “o que
vamos fazer hoje? Essa é uma grande questão! Vamos ver: faremos alongamentos e
teremos uma preocupação após o aquecimento com uma melhor postura e abdominais
(AULA 2, UTL/RENNES). Ou ainda, na mesma associação: “hoje vamos fazer streching,
um nome que não quer dizer muita coisa; nós vamos trabalhar essencialmente os
alongamentos; eu os escolhi porque vão me fazer bem e por esse motivo penso também
farão bem a eles” (AULA 3, UTL/RENNES). Quando foram postos em prática os conteúdos
escolhidos pela animadora/professora da ARRS, houve muita dificuldade de execução, o
que também ocorreu na outra associação francesa, mas não impediu que os idosos
procurassem acompanhar o que era solicitado. Pelos motivos já expostos, quanto à
complexidade do que é proposto, houve alguma dificuldade em acompanhar determinados
exercícios na UnATI/UERJ; e ainda que em menor escala e mais pontualmente, o mesmo
ocorreu em duas aulas do PAM/IMMA.
As intervenções ficaram mais próximas das intenções pontuais, com conteúdos
que nem sempre acabam dando certo. Os objetivos são múltiplos, variando desde
342
flexibilidade e força no PAM/IMMA; postura e problemas ósteo-mio-articulares em geral
na UnATI/UERJ; coordenação, resistência e equilíbrio na ARRS; flexibilidade,
alongamento e postura na UTL/Rennes. Sendo que foi comum aos três últimos a
preocupação com o ritmo respiratório. As maiores dificuldades são justificadas pela
responsável da ARRS a partir de uma comparação dos idosos com outros grupos composto
de pessoas mais jovens. Com adultos, “um mesmo objetivo pode ser trabalhado durante uns
vinte minutos. Aqui, mesmo procurando variar, é muito para elas, pois elas se cansam tanto
fisicamente como moralmente” (ENT. Anim. ARRS).
Apesar de seguirem uma proposta metodológica com a preocupação de discutir as
intervenções e o progresso individual e coletivo, encontramos no grupo PAM/IMMA
situações que parecem ter saído bastante do previsto, não querendo dizer com isso que não
tenha havido um planejamento anterior, mas que atuar com essa geração de idosos nas
associações investigadas passou muito pelo ensaio-e-erro. Numa de nossas observações
nessa associação estava prevista a aplicação de uma bateria de testes, a atividade proposta
pela primeira vez a esse grupo:
não diria que houve uma desorganização, mas uma certa confusão
inicial, uma certa euforia por parte da gente que estava aplicando os
testes, e por parte deles, já que era uma novidade. Os idosos
estavam mais tranqüilos; nós é que estávamos ansiosos em saber
como eles iam reagir (ENT. Anim. PAM/IMMA).
Em outra atividade observada nesse grupo, perguntamos se a aula 2 tinha tido um
desenvolvimento conforme o planejado. Ficamos sabendo que mais uma vez teria saído do
previsto, já que outras atividades da associação levaram a professora a modificar totalmente
seu plano de aula.
Não estava previsto o ensaio da festa junina antes da minha aula.
Eles entraram na minha aula atrasados, além de cansados, então eu
tive que começar mais pela parte de relaxamento e flexibilidade. Eu
nem pude fazer a parte de força (ENT. Anim. PAM/IMMA).
A fragilização e a infantilização dos idosos pode surgir, na visão do coordenador do
PAM/IMMA, quando há falta de uma preocupação em seguir o que está sendo estipulado
em um planejamento, o que pode ocorrer quando se trata de pessoas ainda em formação
343
acadêmica. Utilizou então dois exemplos para ilustrar: primeiro se referindo ao problema
da aplicação dos testes, que ocorreu, segundo ele, por terem utilizado acadêmicos da
disciplina
didática, que não tiveram uma preparação sobre o trabalho com os
idosos, só tiveram uma preparação para a aplicação de testes. Como
é que ele trataram os idosos, com medo que eles fossem se quebrar.
Até três carregavam o idoso. Eles não tiveram treinamento para
isto. [...] Quando você assiste os nossos professores, com os nossos
bolsistas dando aula, a gente vê que não existe uma tentativa de
infantilização. Mas, sabe, já ocorreu no semestre passado que um
grupo de estagiários ficou provocando muito os jogos, os
brinquedos cantados, etc. Em determinado momento os bolsistas
introduziram esses jogos infantis. Eu aí intervim eu achei que, não
sendo uma iniciativa única e exclusivamente deles, eu acho que a
gente não devia provocar isto, uma vez que a gente estava até
buscando uma metodologia.
Na associação UTL/Rennes, a resposta quanto ao uso de um planejamento foi mais
explícita, já que, segundo a responsável pelo grupo, não haveria mesmo um planejamento
para todo o ano; o que ocorreria seria um respeito à progressão, em que as coisas
consideradas mais elementares seriam apresentadas para dar uma base que permitiria um
aprofundamento no decorrer do período letivo da universidade. “Não tenho como objetivo
fazer 10 ou 15 repetições, já que os associados antes de mais nada vêm aqui para se
satisfazerem” (ENT. Anim. UTL/RENNES).
Procuramos fazer uma síntese do que foi observado no conjunto das aulas, levando
em consideração as especificidades de cada associação. Ficam evidentes algumas
semelhanças encontradas, que não podem ser creditadas exclusivamente ao fato de se
relacionarem a comparação inter-países, como ao tipo de associações, clubes ou
universidades.
Essa característica foi encontrada quando percebemos que em determinadas aulas
estão sendo utilizados determinados conteúdos semelhantes aos que são propostos na
educação física escolar. Isso foi verificado nas duas associações brasileiras, mas também
em uma das associações francesas. Como exemplo do que estamos chamando de
escolarização dos conteúdos, verificamos o que ocorreu no PAM/IMMA. A
animadora/professora dirige-se aos idosos/alunos na última parte da aula dizendo: “vamos
344
fazer uma brincadeira bem difícil: cabeça, ombro, joelho e pé” (AULA 2, Anim.
PAM/IMMA). Essa atividade é utilizada com certa freqüência visando ao desenvolvimento
da psicomotricidade em aulas da educação física escolar. São dadas ordens verbais, pela
animadora/professora, que devem ser acompanhadas gestualmente pelos demais que estão
sentados, tocando-se com as mãos as partes do corpo. Após algum tempo, a velocidade das
solicitações aumenta e a animadora/professora passa a pousar suas mãos em locais
diferentes dos solicitados. Dessa forma há uma solicitação de atenção e coordenação
motora dos praticantes. Outro exemplo vem da mesma associação, quando é solicitado que
os idosos/alunos façam “um trem, imitando tudo o que ele faz” (AULA 2, Anim.
PAM/IMMA). A responsável por essa atividade sempre procura apresentar, em cada aula,
alguns exercícios recreativos como o exemplo a seguir: “quando eu parar a música, eu
quero ver de cada um uma estátua mais original possível”. Estando satisfeita com os
resultados, a animadora/professora comentou: “está genial, quero variar, e as próximas
estátuas são de quem está tirando foto de modelo, manequim, servindo também para
homens [...] para terminar, vamos fazer uma estátua de felicidade com um sorriso” (AULA
5, Anim. PAM/IMMA).
Na UnATI/UERJ, a despeito do exemplo já citado em que a animadora/professora
solicitou que os exercícios viessem a ser escritos pelos idosos/alunos, na prática ficou mais
definido o uso de conteúdos escolarizados, quando logo no início de uma das aulas foi
anunciado pela animadora/professora que “hoje nós vamos fazer uma brincadeira”. Em
seguida são espalhados pelo solo dezesseis arcos, e a professora pergunta ao grupo:
vocês já brincaram com bambolê? Nessa brincadeira ninguém será
eliminado, pois é muito chato sair da brincadeira e ficar vendo os
outros brincando. Vocês vão andar pela sala e ao nosso sinal vocês
entram dentro do arco e fazem uma pose bem bonita (AULA 5,
Anim. UNATI/UERJ).
À medida que a atividade vai se desenvolvendo, um a um os arcos são retirados,
até que reste apenas um. Houve tamanha euforia no espaço, que a animadora/professora
disse que viu “poses tão bonitas” e que da próxima vez que usasse esse conteúdo iria trazer
uma máquina fotográfica para registrá-las. Poderíamos ver nessa atividade também uma
semelhança com a dança da cadeira cooperativa que, normalmente, é proposta em aulas de
345
educação física escolar. Dando seqüência à utilização do arco como equipamento, na
mesma aula foi colocado na posição vertical um arco que ficava seguro por duas pessoas.
Cada idoso/aluno teve que passar em seu interior de qualquer maneira, mas procurando não
encostar qualquer parte do corpo. Ao terminar as duas atividades, que duraram quinze
minutos, a animador/professora disse que “agora vamos trabalhar sério”, declaração que
causou a seguinte reação de uma idosa/aluna: “quer dizer que não se trabalhou sério!”
(AULA 3, UNATI/UERJ). Em outra aula, a última que observamos nessa associação, mais
uma vez os idosos/alunos são chamados a participar de uma brincadeira, que, como a
anterior, foi apresentada na primeira parte da aula, o que nos levou a imaginar que serviria
como preparação do grupo para a atividade. A aula começa com a animadora dizendo que
hoje elas vão cantar. De forma cantarolada, as pessoas presentes foram solicitadas a se
apresentar ao grupo, pelos apelidos com que gostariam de ser chamadas.
Gente, olha só, vamos fazer uma brincadeira que é o seguinte: vem
um aqui para o meio e vai falar seu próprio nome. De duas formas
diferentes: do jeito que vocês gostam de ser chamadas, com ênfase,
sem ênfase ou apelido. Só duas, senão vai ficar muito demorado. E
aí nós vamos repetir, por exemplo: eu vou falar e vocês vão repetir
Carminhaaaa, Carmeeeeem. Tem que dar ênfase, pode vir o
próximo rapidinho. Mariaaaa, Ninitaaaaa. Próxima, Pedrinaaaa,
Inaaaa ... (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ).
Após todos terem passado por essa situação, a animadora/professora solicita:
“palmas para a gente”. Em seguida é proposta uma caminhada inicial pela sala. Alguns
alunos, influenciados pela responsável pela atividade, que disse que eles iriam cantar,
aproveitaram para cantarolar durante a atividade músicas como “vamos passear no bosque
enquanto seu lobo não vem”, usando alguns trejeitos no caminhar.
Na ARRS, percebemos a escolarização dos conteúdos em diversas situações. A
primeira na apresentação de uma coreografia que obrigava os idosos/alunos a repetirem
determinados passos num ritmo que não tinha nenhuma relação cultural com o grupo
(AULAS 2 e 3, Anim. ARRS). Essa atividade foi, segundo o animador/professor, repetida
em quatro aulas, sendo as três últimas por nós observadas. Ainda conforme a observação do
responsável, houve muita dificuldade na execução do que estava sendo proposto, pois
346
necessitava de uma coordenação que não foi alcançada. Entretanto, sem esboçar qualquer
reação de aprovação ou de recusa, os idosos/alunos procuravam atender às solicitações que
lhes eram feitas. Consideramos também que houve escolarização na utilização do “faça
tudo o que o guia fizer”, tanto nos deslocamentos de grupos de três a quatro pessoas como
na situação em que os idosos/alunos portavam um lenço de seda na mão e eram propostas
variadas coreografias (AULA 3, Anim. ARRS). A escolarização foi demonstrada desde a
apresentação da atividade, chamada “o chefe da orquestra”. No momento em que foram
distribuídos os lenços, a animadora/professora declara usar com certa regularidade essa
atividade com as crianças, justificando o estado de conservação dos lenços. Ainda nessa
associação, quando observamos o uso dos arcos, verificamos que a forma proposta também
se assemelha ao que é feito com escolares: rola-se o arco sobre o solo e procura-se
caminhar ou correr ao seu lado, não o deixando cair, ou então rolam-se os arcos de um lado
para o outro da sala procurando passá-los intencionalmente a uma determinada pessoa.
Quando fazemos essas constatações, não estamos dizendo que o conteúdo total das aulas
seja baseado em propostas escolarizadas, pois existem alguns exercícios que poderiam ser
considerados mais adequados aos idosos.
Continuando nossa análise, verificamos que com certa freqüência os
animadores/professores brasileiros utilizaram uma linguagem que pode ser considerada
ingênua ou fora de propósito, já que pode ser entendida como capaz de perpetuar a
fragilização dos idosos, sua estigmatização e aproximação com a criança. Infantilizando-os,
acaba-se reforçando a construção social de que com o envelhecimento as pessoas acabam
se tornando crianças. Encontramos em diversas ocasiões o uso de diminutivos para se
referir a determinadas partes do corpo: cabecinha, ombrinho, bracinho, mãozinha, dedinho,
perninha, joelhinho, pezinho, ossinho, rabinho. Como também implementos como
cadeirinha, tapetinho, etc. Foi bastante elevada essa característica no grupo PAM/IMMA,
onde registramos mais de trinta exemplos desse tipo de linguajar em cada aula. Também o
encontramos na UnATI/UERJ, só que em quantidade mais reduzida, não ultrapassando dez
ocorrências por aula, o que pode ser resumido na seguinte situação:
347
vamos caminhar e arrumar este espaçozinho no chão e a gente pega
o tapetezinho e vai deitar. Barriga para cima, um apoiozinho na
cabeça e os joelhinhos dobrados. Deixa um espaçozinho para que a
gente possa passar [...] aqui está tão juntinho que eu vou ter que
mudar a ordem (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ).
A “linguagem didática” é cheia de simbolismos, não sendo exclusivamente
expressa de forma oral, podendo ser feita por meio de gestos específicos ou mesmo na
demonstração dos exercícios que são propostos que podem ser acompanhados ou não de
sua descrição. Observando as solicitações que eram feitas, em diversos momentos
encontramos palavras que são utilizadas para chamar a atenção para o que é feito pelo
animador/professor, como por exemplo o que observamos no PAM/IMMA: “aqui, ó”;
“olhem”; “vejam só”; “faz assim”. Como nas outras associações, os exercícios propostos
requeriam maior complexidade, envolvendo um passo-a-passo mais elaborado. Seu
desenvolvimento
era
sempre
acompanhado
de
informações
orais
dos
animadores/professores, que podiam estar ou não os realizando enquanto passavam as
informações. Um outro tipo de linguagem, verificada em todas as associações, seria uma
forma de aprovação e incentivo para o que estava sendo realizado pelos idosos/alunos: “é
isso aí”; “muito bem”; “vamos lá”; “voilá”; “très bien”; “allez”.
Comumente encontrarmos os objetivos sendo apresentados logo no início das
aulas, ou uma situação de ensino; no entanto, não houve grande preocupação em dizer de
que maneira o que estava sendo proposto seria capaz de influir nos praticantes. Isso é feito
de maneira bem pontual: “esse exercício é para quem tem lombalgia” (AULA 2, Anim.
UNATI/UERJ); “vamos aquecer os pulsos porque no ano passado uma aluna, ao se
desequilibrar na posição agachada, fraturou dois ossos do antebraço”; ou ainda: “esse
exercício é bom para aqueles que estão na natação” (AULA 3, Anim. UTL/RENNES); “por
causa da curvatura de suas costas, use dois colchões para proteger a cabeça” (AULA 5,
ARRS); “esse exercício serve para coçar as costas ou abotoar o sutiã (AULA Anim. 02,
PAM/IMMA). São os animadores/professores que formulam as questões que são
apresentadas durante a aula, mas em nenhum momento eles aguardaram as respostas,
proferindo-as imediatamente.
348
Com relação à execução, verificou-se uma preocupação mais acentuada com
determinadas posturas, relacionadas a determinados exercícios, como pode ser observado
no geral; busca-se atentar também para a maneira como se deve respirar, contrair ou relaxar
durante determinados exercícios, sendo estes últimos exemplos mais observáveis na gimsuave.
Apesar de encontrarmos no embasamento teórico que fundamenta o PAM/IMMA
a preocupação em seguir um método diferente do tradicional – preparação ou aquecimento,
parte principal, relaxamento ou volta à calma –, esse tipo de divisão foi o que esteve mais
presente em todas as aulas observadas nas associações estudadas. Houve casos em que a
primeira parte de uma aula passou a ser a última da aula seguinte. (ARRS 2 e 3). Em
outros, não se usou o ‘volta à calma’ no final da aula (PAM/IMMA 3 e 5). A que mais
seguiu um mesmo formato foi a UTL/Rennes, em que após os primeiros deslocamentos
pela sala eram feitos exercícios diversos, havendo sempre espaço para os abdominais e um
‘volta à calma’. Na UnATI/UERJ, as atividades sempre começaram com um período em
que os idosos pudessem se manifestar, terminando sempre com atividades no solo.
Entretanto, é comum a solicitação para que os idosos fiquem em silêncio e interrompam as
interações em alguns momentos das aulas: “vocês estão falando muito, assim eu não
consigo falar, fica difícil. Vamos fazer silêncio, gente senão não dá para ouvir [..]. Tem
muito papo e pouco exercício” (AULA 3, PAM/IMMA). “Eu não vou repetir mais, chegou!
Não pode falar” (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ).
A atividade dança no grupo PAM/IMMA se mostrou uma estratégia bastante
interessante, chegando a ser a parte da aula mais esperada pelos alunos/idosos. De maneira
pertinente, utilizaram-se elementos da cultura popular brasileira como ritmo, músicas, de
acordo com os interesses do grupo. Nesse caso, o samba e o carnaval ganharam destaque e
mereceram bastante interesse por parte dos praticantes.
Os idosos e aposentados são da classe trabalhadora; a cultura deles
passa pelo pagode, pelo samba, pelo samba-de-roda, pela festa
junina. Quando se coloca um sambinha, eles ficam todos animados.
No início do trabalho usamos até Villa-Lobos, mas eles falaram:
‘ih, esta música é fúnebre’. Eu acho que aos poucos a gente poderá
modificar um pouco (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA).
349
Essa associação foi a única a não utilizar exercícios no solo, enquanto as demais,
quando solicitavam a passagem da posição de pé ao solo, não tinham preocupação em
apresentar gestos que facilitariam e diminuiriam os riscos de acidente nessa passagem.
Segundo seu coordenador pedagógico, a não utilização de exercícios no solo foi
considerada tendo em vista três razões fundamentais:
A própria literatura mostra que há uma associação muito grande da
posição deitada com a morte. Então, no início, a gente pediu que os
nossos estagiários não trabalhassem muito esta atividade deitada.
Este foi o primeiro motivo, quer dizer, no início nós fizemos isto
explicitamente. Segundo, a questão do material: nós não temos
colchonetes, não temos nenhum tipo deste material. Eles vêm com
roupas inadequadas, elas ainda vêm de saia, é uma situação
complicada, pedir para elas irem ao chão de saia. Terceiro, a gente
realmente ainda não colocou em nossa programação a questão de
levantar com segurança. Isto é um aspecto que a gente ainda não
trabalhou (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA).
Passaremos agora a verificar o que estava ocorrendo nas aulas quando
observávamos os comportamentos do animador/professor em relação às variáveis elegidas
para observá-lo durante o tempo total de cada aula. Começamos pelo TPO, que era
computado toda vez que o responsável pela atividade preparava o ambiente para apresentar
um exercício ou uma situação de ensino (TABELA 9). Esse tempo só foi verificado quando
não vinha acompanhado de nenhuma informação de cunho cognitivo, não havendo ainda
nada ligado a animação/ensino/aprendizagem.
Embora os idosos possam ter a sensação do que virá a ocorrer, isso não foi
verbalmente apresentado pelo animador/professor, que teria como atividade orientar os
idosos quanto a sua organização na atividade em relação: à utilização do espaço, ao grupo;
à manipulação de objetos; aos recursos sonoros, etc. Se for o caso, ele também controla a
presença, fazendo a chamada dos presentes, dá informações de interesse geral, como sobre
a associação e o próprio curso. Durante a observação desse tempo, os idoso/alunos formam
grupos, conforme a solicitação do animador/professor, ficam em fila ou colunas; procuram
formar duplas ou trincas que levem em conta preferências pessoais ou peso corporal, altura
e habilidade semelhante. É também um momento em que há mudança de posição, como ir
ao solo, buscar algum equipamento específico que os auxilie na execução do que será
350
solicitado, como também será considerado o tempo que é dispendido para a guarda do
material. São momentos em que os alunos ainda não estão aprendendo e que, segundo
algumas pesquisas citadas por Siedentop (1998a), variam entre 15% a 35% do tempo da
aula. No entanto, reconhece-se que em atividades como jogos esportivos coletivos, esse
tempo é consideravelmente alto, não ocorrendo o mesmo em atividades em que o estilo do
professor é ser ele o modelo. Damos aqui um exemplo tirado do intervalo de trinta
segundos entre os 45 min e 50 seg e os 46 min e 20 seg. da quinta aula observada na
UTL/Rennes:
Nós vamos ficar com as costas coladas na parede (...) não tem
qualquer problema se vocês ficarem bem próximos uns dos outros
[...] venha você ficar aqui [...] você pode ficar ali se você encontrar
lugar [...] atenção, tome cuidado ao ficar junto à porta [...]. Está
bem difícil de encontrar um bom lugar para todas [...] tenham
bastante cuidado quem está de meias sobre o tapete, pois eu não sei
se é capaz de escorregar (AULA 5, Anim. UTL/RENNES).
TABELA 9
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, a preparação e a
organização das atividades didáticas (TPO), sua relação proporcional com o tempo total da
atividade (TTA), observadas nas quatro associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
6%
11%
11%
12%
3
10%
6%
9%
18%
5
TPE MÉDIO
17%
11%
19%
12%
13%
11%
17%
16%
O tempo médio encontrado foi de 6 minutos e 55 segundos, o que significa 13%
do tempo total. Houve uma variação entre os 5 minutos e 15 segundos encontrados no
PAM/IMMA, que corresponde a 11% do tempo total desse grupo, e os 8 minutos e 30
segundos encontrados na ARRS, que correspondem a 16% do seu tempo total.
351
O TID é verificado quando já há informações didáticas sobre uma situação que
será ou foi proposta, ou mesmo sobre um exercício. É um momento em que os
idosos/alunos não estão ainda envolvidos com um engajamento motor especificamente
relacionado às informações do responsável pela atividade (TABELA 10). Essa categoria de
tempo ocorre quando o animador/professor faz um balanço sobre o que foi anteriormente
feito; explica o que vai se passar, podendo se utilizar de sua demonstração; faz uma
avaliação individual ou mesmo do grupo. Os praticantes, sem estar engajados em ações
motoras, escutam e observam atentamente. Esse tipo de atitude será considerado quando até
20% dos presentes ainda não se engajaram na atividade que está sendo proposta.
Fundamentalmente no TID, os alunos não estão engajados em atividade prática,
estando atentos às informações do professor. Utilizamos como exemplo os últimos quarenta
segundos do primeiro minuto de aula da aula gravada na UTL/Rennes, em que a
animadora/professora demonstra ao mesmo tempo que informa aos idosos o que está
solicitando:
Hoje nós vamos fazer exclusivamente, essencialmente, os
alongamentos [...] já tinha algum tempo que nós nos alongávamos,
logo eu espero que no final de nossa seção vocês vão sentir-se em
plena forma. Relaxados e, por que não dizer, tendo aumentado
alguns milímetros [...]. Para começar, vamos andar sobre a ponta
dos pés, verdadeiramente bem na ponta, esticando os braços bem
em direção ao alto, cruzando os dedos para que isso seja o mais
simples possível [...] braços estendidos [...] os braços estão
estendidos em direção ao alto e para trás. Tudo isso sem fazer um
arco com as costas, compreenderam? (AULA 5, Anim.
UTL/RENNES).
Para alguns autores, 1/3 do tempo da aula é dedicado à organização, e outro 1/3 é
destinado ao tempo de informações. No momento em que a dedicação do
animador/professor nesses dois primeiros tempos analisados é significativa, podemos
inferir que os alunos ficarão um tempo considerável sem estar engajados na prática da
atividade. O TID sofreria, segundo Siedentop, uma variação da ordem de 10% a 50% do
tempo total da aula. Essa importante variação dever-se-ia ao fato de que atividades como a
ginástica, tal qual a que analisamos, e a dança aeróbica, se utilizam de um tempo bem
restrito para passar informações. Realmente isso veio a se confirmar quando observamos a
distribuição desse tempo em nossas análises. O tempo médio correspondeu a 7 minutos e
352
48 segundos, que representa 13% do tempo total, variando de 4 minutos, que são 11% do
tempo total do grupo PAM/IMMA, a 12 minutos e 4 segundos, que são 12% do tempo total
do grupo da UnATI/UERJ, associações que se utilizaram, respectivamente, de exercícios
mais simples e mais complexos.
TABELA 10
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores às informações didáticas
(TID) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas
quatro associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
7%
16%
13%
25%
3
12%
25%
18%
13%
5
TPE MÉDIO
7%
9%
12%
18%
11%
14%
7%
15%
O terceiro tempo considerado foi o dedicado a observação e supervisão (TOS) da
prática que foi estimulada a ser realizada pelos idosos. A observação ocorre quando o
professor olha com atenção o grupo, intervindo quando considera necessário. No momento
da observação desse tempo, é imperioso que os praticantes estejam já engajados no
exercício. Consideramos que a supervisão ocorre nas retroações, correções, tanto orais
como por toques, realizados enquanto os alunos estão centrados em sua prática. O
animador/professor pode até se engajar na prática, porém essa unidade de tempo não pode
conter além de uma intervenção pontual que não ultrapasse 10 segundos contínuos. Na
verdade procura-se caracterizar esse comportamento como de observação ativa.
Procuramos também verificar, de outra forma, se os idosos estando no campo visual do
professor, se são observados sem que ele emita qualquer palavra ou gesto ao grupo. Não o
consideramos quando ultrapassa períodos contínuos de mais de 20 segundos – pelas
características das atividades observadas e dos professores analisados, isso nunca chegou a
mais do que 15 segundos seguidos. Seria uma atividade de cunho mais contemplativo geral,
353
cuja subjetividade não permite que se saiba o que se passa no pensamento do professor.
Sendo assim, aceitamos esse comportamento como um momento privilegiado em que o
professor interpreta a prática de seus alunos. Outro tipo de participação do responsável pela
atividade pode ocorrer quando ele conta o número de repetições ou dá qualquer outro tipo
de ritmo aos exercícios. Nessa ele se dirige oralmente aos alunos, incitando-os à prática.
Suas correções podem ser tanto individuais como dirigidas ao grupo, e ele não se engajará
na prática do exercício ou da situação de ensino proposta. O TOS foi levado em
consideração quando 20% dos idosos estavam engajados na situação de ensino ou no
exercício proposto.
Segundo as pesquisas observadas por Siedentop, seriam destinados a esse tempo
20% a 45% do tempo total da aula. Nossos resultados indicaram que o tempo médio
aproximou-se do limite inferior, sendo de 14 minutos e 8 segundos, o que corresponde a
26% do tempo total médio (TABELA 11). As variações encontradas são da ordem de 2
minutos e 27 segundos, 5% do tempo total do grupo UTL/Rennes, a 21 minutos e 7
segundos, 40% do tempo total do grupo ARRS.
TABELA 11
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores a observação e supervisão
(TOS) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas
quatro associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
15%
38%
2%
30%
3
25%
15%
13%
43%
5
TPE MÉDIO
46%
30%
32%
28%
0%
5%
46%
40%
Encontramos um comportamento do animador/professor que não foi levado em
consideração nas pesquisas sobre o tempo que consultamos: o tempo de engajamento na
prática pelo professor (TEM). Seriam as situações práticas totalmente baseadas no modelo
354
dado pelo professor, que acaba servindo de guia dos alunos. Isso ocorre quando o objetivo
do professor “é um descritivo da performance” (AMADE-ESCOT, 1998). Para o professor,
“aprender corresponderia a copiar”, situação em que os alunos estariam condenados às
repetições intermináveis. Durante esse tempo, o professor pode estar também engajado em
outras atividades, como fazendo correções verbais ou estimulando oralmente os
idosos/alunos, que praticam no mínimo 20% ao mesmo tempo que ele.
Em nossas observações nos deparamos com resultados que demonstram ser esse o
tempo mais importante entre os professores, o que pode demonstrar que as estratégias de
ensino adotadas são percebidas pelos praticantes como aquelas que mais se adequam às
suas demandas, principalmente pelo que foi observado nas associações brasileiras, em que a
maioria dos praticantes não teve anteriormente qualquer contato com a atividade física.
Mas o comportamento também foi semelhante nas associações francesas que também
optaram por um estilo mais diretivo, usando o seu modelo a ser seguido. As justificativas
são diversas: “eu prefiro ser dirigido, porque quando se faz por conta própria pode-se fazer
um movimento errado” (ENT. 03, PAM/IMMA); “quando ela está fazendo há uma maior
interação dela com o grupo, eu acho isso importante” (ENT. 07, UNATI/UERJ); “eu prefiro
quando tem modelo a ser seguido” (ENT. 02, PAM/IMMA); “eu prefiro quando ela mostra
o movimento” (ENT. 01, UNATI/UERJ); “eu prefiro ver o que eles estão fazendo, eu
procuro fazer, mas tenho um pouco de dificuldade” (ENT. 04, PAM/IMMA). A despeito
dessas afirmações, vamos encontrar alguns idosos que gostariam de não ser totalmente
dirigidos, o que só ocorreu com maior freqüência na UTL/Rennes, havendo casos isolados
como o que encontramos na UnATI/UERJ: “Eu prefiro quando estou criando” (ENT. 02,
UNATI/UERJ); “ela usa sempre um modelo. Não existe essa coisa de criar” (ENT. 05,
UNATI/UERJ). Fica claro que todos os idosos estão satisfeitos com a atividade, embora às
vezes se perceba a sensação de que poderia ser feito de forma diferente, mesmo que a
confiança nos professores continue sendo muito grande, já que
quando ela passa para nós, ela já testou, ela já estudou, ela sabe
onde vai beneficiar aquele exercício, que eu, leiga no assunto, não
vou saber. Agora, por outro lado, por exemplo: quando é colocada
uma música e você deixou um exercício em aberto, você pode botar
355
todas as suas tenções para fora, eu prefiro criar (ENT. 03,
UNATI/UERJ).
Os professores praticam em conjunto com os alunos em média 23 minutos e 32
segundos, ou seja, 43% do tempo total de aula (TABELA 12). Consideramos que esse tempo,
acrescido ao dedicado às demonstrações, em que os alunos apenas observam, e que são
freqüentemente utilizados, aumenta o período total em que o professor executa as tarefas
propostas. O tempo médio máximo de engajamento de um professor foi alcançado pelo
responsável pelo grupo UTL/Rennes, que utilizou em média 33 minutos e 13 segundos,
66% do tempo total da aula. O tempo de prática da responsável pelas atividades dessa
associação foi proporcional ao total de uma aula maior, ainda na seção que estamos usando
como exemplo de nossa observações, em que não houve nenhum registro de tempo
destinado a observação e supervisão. Já o professor do grupo da ARRS praticou junto com
seus alunos em média 15 minutos, que correspondem a 28% do tempo total médio
encontrado nessa associação.
TABELA 12
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, sua prática efetiva (TPE) e
sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro
associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
61%
25%
70%
33%
3
52%
49%
58%
23%
5
TPE MÉDIO
30%
47%
32%
36%
70%
66%
30%
28%
Para finalizar a análise do tempo dos animadores/professores, optamos por
caracterizar um tempo neutro, que, tal como o fizemos com os idosos/alunos, chamamos de
pausas gerais (TPG). Nele o professor não estaria engajado em nenhum dos tempos
anteriores. São períodos superiores a 10 segundos nos quais não se percebe qualquer
356
relação com a atividade didática e em que mais de 80% dos participantes não estão
envolvidos em nenhum engajamento motor. O professor pode verbalizar sua intenção de
fazer uma pausa, motivada ou não por sinais de fadiga dos praticantes ou mesmo por algum
acontecimento extra-aula. Se há transmissão de informações pelo animador/professor, elas
não têm qualquer relação com o curso ou a temática da aula. Como observamos, esse tempo
veio a ser o menos importante da aula, já que nele foram registrados 2 minutos e dez
segundos como média das atividades observadas nas quatro associações, o que corresponde
a 4% do tempo médio total das aulas (TABELA 13). A variação foi de 4 minutos e 27
segundos, 6% do tempo total do grupo da UnATI/UERJ, a 43 segundos, 1% do tempo total
do grupo da ARRS.
TABELA 13
Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, suas pausas gerais (TPG) e
sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro
associações
Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ
UTL/Rennes
ARRS
Atividade
2
11%
10%
4%
0%
3
1%
5%
2%
3%
5
TPE MÉDIO
0%
3%
5%
6%
6%
4%
0%
1%
Siedentop (1998a) considerou que as atividades didáticas podem ser mais eficazes
quando se consegue verificar em um curto espaço de tempo a existência de atitudes
positivas sobre o que veio a ser aprendido e também quando há uma melhora da autoestima dos praticantes. Encontramos declarações entre os idosos/alunos que sugerem que
esses comportamentos passaram a ocorrer entre os idosos que foram acompanhados nas
associações investigadas.
Como vimos, uma avaliação formal do que estaria ocorrendo em nível corporal
ainda é precária ou inexistente, principalmente considerando os objetivos que foram
357
traçados. Tanto na gin-suave realizada na UTL/Rennes como na gin-entretenimento da
ARRS, realizar uma avaliação formal para verificar o progresso dos alunos não passa pelos
objetivos do animador/professor, confirmando que o maior objetivo continua ser o
entretenimento, não havendo grande preocupação com o resultado que o exercício e a
atividade vêm ocasionando nos participantes. Ainda assim, achamos importante registrar
uma justificativa que chega a ser desconcertante: “eu não faço porque isto tomaria muito
tempo” (ENT. Anim. ARRS). Essa animadora, ao lembrar do treinamento recebido na
FFEFGV, afirma que lá era obrigada a fazer alguns relatórios, mas quando se está em
atividade profissional,
eu não chegaria a dizer que não é possível, mas necessitaríamos de
coisas bem precisas. Sem contar que há certa subjetividade: tem
dias que você não está muito bem, não é capaz de fazer bem, uma
noite mal dormida, enfim, existe uma infinidade de coisas que
entram em jogo, além do que a avaliação deve ser algo regular
(ENT. Anim. ARRS).
Sobre o que foi aprendido em suas aulas, a animadora/professora da UnATI/UERJ
diz que os alunos aprenderam “a se posturar de uma forma crítica. Aprenderam a relaxar,
eles aprenderam recursos terapêuticos, como podem se liberar de uma dor. Já melhoraram o
tônus a nível do abdome, que é uma tendência a ser esquecido”. E o progresso é verificado
por meio de
depoimentos muito bonitos [...] Eu noto que os idosos que
freqüentam a UnATI/UERJ mudaram muito em pouco tempo. Sei
que não é só o trabalho da gente, pois eles fazem diversas
atividades. Tem gente que começa a se vestir de forma diferente, já
chega com uma postura diferente, já fala mais alto (ENT. Anim.
UNATI/UERJ).
Apesar de ainda não se ter à disposição os resultados dos testes objetivos, a
orientadora pedagógica do PAM/IMMA diz que já se percebe um retorno que ocorre no
momento em que eles passam a “reclamar das coisas que eles não estão gostando, de pedir
uma atividade, uma música, ou também quando eu percebo que elas estão realizando
corretamente os exercícios com noção de segurança, motora, de ritmo”. Com relação a
358
questões de progresso que sejam mensuráveis, a animadora dessa associação assim se
expressou:
Os testes que eles realizaram agora vão predizer o que a gente tem
no momento, porque a gente não fez nada anteriormente. É o
primeiro teste. Quando o projeto iniciou eu não estava, mas pelo
que se diz, e até pelas aulas que eu assisti, eles estavam bem
atrasados. A gente falava esquerda, direita, eles não tinham noção
nenhuma de lateralidade, coordenação motora, ritmo. Eles estão
melhorando e a gente vê isso, só que a gente não tem nada, vai
começar agora.
Acreditamos que os resultados aqui apresentados possam contribuir com nosso
objetivo maior que consiste em caracterizar o ensino da ginástica para idosos em meio
associativo. Apresentamos uma discussão sobre o que se passa numa aula de educação
física para idosos a partir do que se faz, a quem se propõe, como e em que circunstâncias
são propostas as atividades didáticas, procurando refleti-las a partir de um modelo social de
envelhecimento que tem na saúde e na atividade seus principais argumentos para sustentar
a defesa dos valores que são impostos pela pastoral do envelhecimento ativo.
359
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi discutido nos capítulos anteriores, verificamos como o
envelhecimento e a velhice, cada vez mais indesejados e negados, transformaram-se num
problema social no decorrer do século XX que trará conseqüências bastante importantes
para o século XXI, principalmente devido ao grande aumento demográfico de idosos que se
acentua cada vez mais. Como fruto de uma política específica de modo de vida na velhice,
o estilo de vida dos novos aposentados passou a ser regulado por profissionais da saúde,
gerontólogos, geriatras e professores de educação física, que, tal como uma pastoral,
passaram a catequizar os idosos para que ficassem ativos o maior tempo possível.
A prática da vida associativa, como o engajamento em atividades físicas e
esportivas, é um dos mais propalados meios para atender à imposição social de ser ativo na
aposentadoria o maior tempo possível. Apontou-se para este espaço privilegiado de
mediação do animador cultural, que foi considerado como àquele que vai atender as
demandas de lazer da sociedade em geral.
O mito da eterna juventude surge no século XX como uma resistência à velhice,
sendo apoiado por estratégias muitas vezes fundamentadas em pesquisas científicas.
Políticas sociais sobre a velhice incorporaram o modo de vida ativo como possibilidade de
contenção gastos públicos, passando à família e ao indivíduo a responsabilidade por seu
bom ou mau envelhecimento. Numa sociedade em que se desvalorizam e estigmatizam os
velhos, homogeneizando-se o declínio, enfatizando-se a inutilidade e peso social, foi
necessário inventar uma nova idade para absorver uma massa de idosos que deixam o
trabalho ou se libertam de responsabilidades familiares, com mais recursos e com uma
maior expectativa de vida como aposentado.
É comum encontrarmos em aposentados que tiveram uma vida muito referenciada
pela atividade profissional e mesmo idosos que se dedicaram a tarefas do lar certa
dificuldade em administrar o tempo disponível que passa a lhe ser apresentado nesse
período. Solidão, crises e problemas depressivos surgem com regularidade no período que
ronda a aposentadoria; ficar em casa acaba se tornando tedioso e angustiante.
360
Como resistência ao envelhecimento e buscando a diminuição do sofrimento pela
falta de referenciais identitários sociais, perdidos com a passagem à vida de inativo, surgem
oportunidades de engajamento ativo nas mais diversas formas associativas. Levando em
conta a estrutura em que estão montadas essas associações e o que vem representando essa
nova moral do envelhecimento ativo, passou a ser cada vez mais fácil o acesso a essas
associações, fenômeno social que dá seus primeiros passos nos últimos trinta anos.
O fato de possibilitar a reunião de pessoas com características pessoais e interesses
semelhantes, num local que facilita o descobrimento de coisas novas e interessantes, dá aos
participantes a sensação de estarem em constante renovação, de que só quem está ativo e
moderno se beneficia, facilitando seu autodescobrimento em muitos casos. Percebe-se
claramente que a participação é plena de significados, sendo os principais representados
pela necessidade de estar em contato com outros, o prazer de poder pertencer a um grupo
social de semelhantes, fugir do tédio e da solidão, cuidar da saúde de forma diferenciada
com atividades de lazer e junto a tudo isso resistir ao mau envelhecimento. A solidariedade
oriunda do sentimento de pertencer a uma classe de idade que vivenciou de maneira
semelhante a vida social, acaba sendo reforçada nos modelos de lazer, que criam sinais
característicos manifestados por meio do sentimento de 'pertencimento social' e de
'pertencimento geracional', que se constituem os dois principais meios de reconhecimento
social.
Algumas atividades consideradas de lazer e realizadas no tempo da aposentadoria
são entendidas como típicos de uma geração, explicadas entre outros pelo gênero e pela
classe social. É o caso da participação de aposentados no movimento associativo, que em
relação às outras atividades de lazer, tanto na França como no Brasil, pode ser apontada
como a atividade que vem recebendo o mais significativo aumento de adesões. Na medida
em que os idosos e aposentados dessa nova idade conseguem encontrar espaços onde
podem esquecer e superar a angústia e o tédio de uma vida que até então se apresenta para
muitos como sem sentido, as novas atividades a que se dedicam passam a ser vividas como
se fossem uma ‘segunda carreira’. No meio de semelhantes, o espaço associativo torna-se o
antídoto contra o mau envelhecimento.
361
Estaríamos diante de uma desconexão daquilo que incomoda, onde, por meio da
diversão e da sociabilidade, a saúde estaria garantida, sendo esta última uma categoria
englobante, na medida em que tudo estaria na saúde e a saúde estaria em tudo.
Procuramos fazer um estudo comparativo a partir dessas constatações, que circulam
no modo de envelhecer socialmente considerado como o melhor para a sociedade e para o
indivíduo e que tem sido preconizado nas últimas décadas em países considerados mais
industrializados. A França foi escolhida para ser investigada porque tem sido um dos países
onde esse modelo de envelhecer ativo tem grande repercussão; é um dos países pioneiros
no desenvolvimento de propostas associativas como clubes e universidades para idosos. O
Brasil, mesmo com características socioeconômicas diferentes da França, pôs em prática o
incentivo ao modo de envelhecimento ativo, seguindo estratégias e o modelo já utilizado
com sucesso naquele país.
Há fortes indícios de que a política de modo de vida fundamentada no modelo do
envelhecimento ativo vai cada vez mais se perenizando no seio da classe média, tanto
francesa como brasileira, extrapolando para as camadas populares. Propor a inserção dos
idosos e aposentados, manter sua autonomia, resistir ao mau envelhecimento, rejuvenescer
e ser mais longevo fazem parte de um receituário que inclui a prática de uma atividade
física e esportiva como garantia para um envelhecimento saudável. Pelas diversas maneiras
como ela pode se apresentar, seja pelas características biológicas, estéticas ou lúdicas, a
proposta de atividades físicas para idosos vem sendo considerada de fundamental
importância no desenvolvimento e sobrevida das associações, independente de serem
clubes ou universidades. Fica evidente que como fenômenos de geração, atividades físicas e
esportes são capazes de gerar muitos negócios, tendo na resistência ao envelhecimento um
grande apelo.
Mesmo que o número de adeptos tenha aumentado, ainda é reduzido o número de
idosos que participam regularmente de atividades físicas orientadas, sendo a ginástica
aquela que consegue atrair o maior número de adeptos nas associações típicas de idosos e
aposentados. Na análise que fizemos em quatro associações dos dois países que envolveram
esta pesquisa, pode-se perceber que essas práticas se apresentaram como um receituário de
movimentos, cujos objetivos, traçados pelos animadores/professores, nem sempre estão de
362
acordo com a prática efetivada e as intenções dos idosos/alunos. O valor normativo do
saber médico reforça a relação apresentada: saúde, bem-estar e felicidade. Verifica-se uma
educação física com fortes características instrumentais, havendo discursos convergentes
tanto entre os responsáveis pela prática pedagógica da ginástica tradicional, que chamamos
de entretenimento, como entre aqueles que desenvolvem a ginástica alternativa,
denominada como suave. Ambas visam a influir na qualidade de vida dos associados, com
atividades e exercícios que sejam capazes de garantir a conservação, evitando a
deterioração acelerada de determinadas qualidades físicas; a recuperação de quadros
patológicos, devidos ao desuso, mau uso, ou mesmo em decorrência de problemas
estruturais, que produzem incômodos e dificuldades na execução de movimentos
cotidianos; a prevenção, de forma que os efeitos deletérios do envelhecimento sejam
retardados ou atenuados.
Tudo isso é posto em prática por meio de estratégias que buscam respeitar as
individualidades, o prazer dos praticantes pela prática que é proposta, num ambiente que
propicie as interações sociais. Pelo lado dos praticantes, percebe-se que estes fazem parte
de uma geração que envelheceu sem adotar como necessidade fundamental a prática regular
de atividades físicas, sendo estas substituídas por uma maior dedicação ao trabalho e à
família. No momento em que essas relações perdem importância ou não mais existem, o
vazio, o tédio e o isolamento passam a incomodar. A saída é fazer algo que não só preencha
o tempo mas possa contribuir para resistir ao envelhecimento. Esta característica foi bem
marcante nas mulheres que participavam da atividade, e sobre a grande afluência do sexo
feminino a projetos associativos como os investigados, apontamos à necessidade de maior
aprofundamento quanto a esta predominância que se repetiu em estudos semelhantes.
O estar fisicamente ativo e culturalmente engajado acaba se desenvolvendo como
um antídoto cujos efeitos são expressos subjetivamente, numa auto-avaliação que apresenta
as mais diversas melhoras, sendo que muitas delas só podem ser interpretadas como
resultado de um 'efeito placebo'. A questão do permanecer saudável, jovem, resistindo ao
envelhecimento, fazendo contatos sociais que podem se tornar amizades, conservando ou
recuperando a saúde, está presente nas declarações, mas o quase total desconhecimento do
que é almejado nas propostas das associações é uma realidade, havendo, principalmente no
363
caso brasileiro, uma forte tutela dos idosos por parte das associações investigadas, mesmo
quando, no caso de uma associação como o PAM/IMMA, já se aponte para uma mudança
paradigmática que visa à autonomia dos idosos.
Merecendo uma boa cobertura da mídia como sendo um novo alento para os idosos
brasileiros, encontramos alguns problemas em seu desenvolvimento cujos exemplos podem
ser observados em algumas atividades que observamos nesta pesquisa. A prática
desenvolvida pelos responsáveis pelas atividades acaba reproduzindo estereótipos, como o
da fragilização e da inevitável dependência dos mais velhos. É comum o uso de recursos
didáticos não muito apropriados, que acabam por infantilizar os idosos e a prática. Este
fato, em parte pode ser creditado ao pouco aprofundamento de discussões mais críticas no
que toca a relação entre o envelhecimento da sociedade, vida associativa e prática de
atividades físicas, que até então ainda estão pouco presentes nos cursos de formação dos
que vão atuar com o púbico idoso.
No caso brasileiro, talvez por ainda estarmos numa fase de euforia, em que a cada
dia vemos multiplicar projetos voltados para idosos e aposentados, isso é muito mais
notado, embora tenha também ocorrido numa associação francesa. Dependendo da classe
social e do capital cultural, há casos em que idosos pouco exigentes com o que lhes é
oferecido, acabam aceitando tudo sem muito questionamento, numa avidez pela
experimentação das mais variadas atividades que, antes, nunca lhes foram possíveis. O
tratamento infantilizado verificado nas associações investigadas resulta da falta de atenção
de profissionais que não conseguem distinguir o bom e necessário tratamento afetivo e
respeitoso dado a idosos do tratamento que é dado a crianças. Esse tipo de concepção, que
aproxima velhos e crianças, é inculcado no imaginário das pessoas em parte pela aparente
fragilização e dependência dessas categorias e acaba se manifestando na escolha dos
conteúdos e na forma de apresentá-los. Tem sido normal encontrar animadores/professores
que atuam com as mais variadas formas de ginástica, no afã de tornar sua atividade mais
dinâmica, utilizando conteúdos tradicionalmente aplicados na educação física infantil.
A lógica do entreteter, que se faz presente a cada dia, faz com que a ginástica acabe
cumprindo uma função antitédio, embora essas observações venham muitas vezes a ser
irrelevantes para os idosos dessa geração. Acreditamos que, enquanto fenômeno de moda,
364
estar em atividade das mais diversas e principalmente nas de caráter associativo transforma
os idosos em um grupo pouco exigente. Consideramos que se trata de um fenômeno de
geração e que, uma vez ultrapassada a fase da empolgação, surjam idosos e aposentados
mais atentos, tanto à forma como ao conteúdo do que lhes é proposto. Para atender a outras
demandas, será cada vez mais imperioso que se imponha uma melhor preparação e
adequação dos quadros que vão atuar na animação/ensino da educação física dos idosos. É
necessário ter em conta a importância de se fazer planejamentos mais a longo prazo,
diferentemente do quadro que encontramos, em que só um dos grupos analisados
apresentava a preocupação de trabalhar com uma proposta pedagógica clara, buscando
adequá-la à medida que é aplicada, por meio de um esquema de aula capaz de atender ao
publico a que se destina seu projeto.
A formação de animadores/professores é um desafio que precisa levar em
consideração não só o que traz os idosos à prática como também o que os afasta das
atividades propostas. Será da alçada dos animadores/professores educar pelo lazer,
possibilitando aos que envelhecem uma nova sensibilização de seus gostos, facilitando
escolhas mais conscientes. Entendemos que foi marcante na característica ativista, a quase
imposição de se fazer qualquer coisa para não se tornar um velho. No caso dos que
envelheciam nas últimas décadas do século XX, permanecer ativo passou a ser encarado
como resistência à velhice, onde as atividades na vida associativa passaram a ser vistas
como uma segunda carreira, resultado de uma nova modelização do envelhecimento, bem
de acordo com o discurso da ‘pastoral do envelhecimento ativo’.
365
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385
ANEXOS
386
ANEXO 1
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
coordenadores das associações investigadas
387
Qual o seu vínculo com a associação?
Como surgiu a idéia de se fazer um trabalho com idosos e aposentados no âmbito dessa
associação?
Como está incluída a prática de atividades físicas na associação e que características podem
ser consideradas como principais na proposição ginástica para idosos?
Há algum tipo de integração com profissionais de outras áreas?
Quem são as pessoas envolvidas na organização didática da atividade?
Como podem ser descritos os idosos e aposentados que participam das atividades da
associação e da atividade ginástica?
Para atuar na intervenção direta com o grupo é requerida alguma formação específica?
O que significa atuar com ginástica suave/entretenimento?
Que objetivos são buscados, existe um programa a ser seguido?
Há alguma preocupação com alguma metodologia específica?
Que tipo de avaliação é feita nos participantes e na proposta?
Quais as maiores dificuldades que são encontradas quando se atua com idosos
/aposentados?
O que significa ser idoso/aposentado no Brasil/França?
388
ANEXO 2
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas
(aplicadas anteriormente ao ciclo das observações)
389
Como poderia ser descrito o grupo que segue suas intervenções?
Qual o significado de ser um idoso ou um aposentado na sociedade atual?
A associação está integrada com uma proposta global de atendimento ao idoso e
aposentado ou se resume as intervenções da atividade ginástica?
O que significa atuar com ginástica suave/entretenimento?
Como poderiam ser definidas as diferenças entre a ginástica suave e entretenimento?
Quais são os principais
suave/entretenimento?
interesses
dos
participantes
da
atividade
ginástica
Há quanto tempo você atua com grupos constituídos de idosos e aposentados?
Que tipo de preparação você recebeu para atuar com uma ginástica específica para idosos?
Que objetivos pautam a proposta da associação e a sua com a atividade ginástica?
Como são planejadas suas intervenções pedagógicas?
Há alguma metodologia específica que sirva de orientação na preparação das intervenções?
Está previsto algum tipo de avaliação durante o ciclo que será acompanhado?
Quais as maiores dificuldades que são encontradas quando se atua com idosos
/aposentados?
O que significa ser idoso/aposentado no Brasil/França?
390
ANEXO 3
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas
(aplicadas após encerrado o ciclo de observações)
391
O que você pode falar sobre o desenvolvimento das suas últimas intervenções pedagógicas?
Como avaliaria se os seus objetivos foram atingidos ou não?
Que exercícios ou situações de ensino produziram maiores dificuldades?
Estas dificuldades estavam previstas?
Quais são os pontos fracos dos alunos?
Você considera que haja progresso por parte dos participantes desse grupo?
Em geral na atividade ginástica para idosos fala-se de diversas qualidades físicas como
flexibilidade, mobilidade articular, equilíbrio, coordenação, força e resistência, como poderia
justificar a existência ou não desses temas nas suas intervenções?
Ao preparar suas aulas você seguiu algum conhecimento adquirido: em cursos específicos para
atuar com idosos e aposentados; no conteúdo de algum livro específico ou artigos; na sua
experiência prática pessoal?
A formação que você teve para atuar com a atividade física ginástica lhe deu informações
suficientes para poder atuar com um grupo constituído de pessoas idosas?
Como são escolhidos os exercícios que você procura desenvolver com seus alunos a cada aula ? O
que determina a intensidade destes exercícios?
O que você tem ensinado durante suas aulas ?
Quando um praticante executa de forma incorreta como você se dirige a ele, você o corrige de que
maneira ?
De que maneira você acredita que a prática de atividades físicas possa influir na saúde de pessoas
como as que freqüentam a ginástica dessa associação?
O que você entende como saúde ?
Você poderia indicar quais aspectos são mais importantes na saúde?
O que você pensa sobre o sistema de saúde oficial do seu país (Brasil ou França)?
392
ANEXO 4
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os
responsáveis pelas atividades pedagógicas nas associações investigadas
(aplicada minutos antes de cada aula observada)
393
O que poderia ser dito sobre o desenvolvimento da sua última atividade?
Segundo sua observação tudo se passou conforme suas previsões, caso tenha ocorrido alguma
alteração em suas previsões o que o(a) levou a modificar o planejado?
No decorrer da atividade foi observado que alguns exercícios, movimentos ou situações de ensino
produziram algum tipo de dificuldade?
Na atividade de hoje o que se pretende desenvolver?
Será a primeira vez que essa proposta pedagógica estará sendo apresentada a esse grupo de
ginástica?
Que objetivos são pretendidos?
Como justificar a escolha das estratégias e conteúdos escolhidos?
Está prevista alguma forma de avaliação para verificar se os objetivos foram atingidos ou não?
394
ANEXO 5
Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com as pessoas
idosas que participavam das atividades de ginástica nas associações
395
Em caso afirmativo, há quantos anos está aposentado? No momento da sua aposentadoria qual a
profissão que exercia? O que o(a) levou a deixar sua atividade profissional e solicitar a
aposentadoria?
Atualmente pode considerar que estava preparado(a) para a sua aposentadoria? A sua aposentadoria
está sendo aquilo que era previsto?
Como a aposentadoria poderia ser definida? Caso pudesse escolher entre continuar a ser
aposentado(a) ou retornar a sua antiga profissão, qual escolha seria feita?
Como aposentado(a), ao comparar as atividades as quais hoje está engajado(a) e as que tinham no
tempo de atividade profissional, em qual delas considera ter tido um maior engajamento
diversificado?
Qual é o seu estado civil ? Qual é a ocupação profissional do seu cônjuge? Caso você tenha filhos e
netos, eles moram perto de sua residência ? Com que regularidade os vê?
O seu domicílio é próprio ou alugado? Como bens possui uma segunda residência ou um
automóvel?
Qual é a sua escolaridade? Poderia dizer-me a sua idade ?
Faz quanto tempo que está inscrita nesta associação? O que representa fazer parte desta associação?
Qual a sua participação em outras atividades propostas por esta associação?
Atualmente está participando das atividades propostas por alguma outra associação? Antes da sua
aposentadoria tinha algum tipo de participação em algum tipo de associação?
O que o(a) levou a praticar uma atividade física? Antes de se aposentar fazia algum tipo de
atividade física? Com que regularidade?
No seu tempo de estudante fazia algum tipo de atividade física esportiva (seja na escola ou em meio
associativo)? Quando você não estava aposentado tinha o hábito de fazer algum tipo de atividade
física? Em que nível (competitivo, de lazer, regularmente, irregularmente)?
Há quanto tempo pratica atividade física nesta associação? Qual é o seu envolvimento em outras
atividades físicas ? Com que freqüência?
Por que escolheu praticar Ginástica (suave ou de entretenimento) nesta associação? O que a
atividade física representa para você? Numa escala de prioridade, quais são os principais objetivos
que procura: estéticos, saúde, manutenção da autonomia, bem estar, entretenimento, etc.?.
No grupo o qual pratica a atividade física ginástica (suave ou de entretenimento), foram feitas novas
amizades?
No momento em que foi feita a opção de participar de um grupo de ginástica tinha alguma noção de
como ela se desenvolveria?
396
Qual é a parte da aula que mais lhe agrada ? Como melhor seria definida a atividade física ginástica
(suave ou de entretenimento)? O que foi aprendido nesta atividade?
Quando pratica, quais são as suas maiores dificuldades? Considera-se satisfeito(a) com as
explicações que lhe são passadas pelo(a) responsável pela atividade? Quando não está praticando
corretamente o(a) responsável faz correções? Que sugestão daria ao animador?
Como definiria saúde? Que tipo de relações existe entre a atividade de ginástica e a saúde? Com que
freqüência vai ao médico? Atualmente convive com algum tipo de problema de saúde?
Quais seriam suas maiores inquietudes com relação a sua saúde? O que faz para influenciar sua
saúde?
Qual sua opinião quanto o sistema de saúde público do seu país (Brasil ou França)?
397
ANEXO 6
Entrevista realizada com a coordenadora da associação UnATI/UERJ
398
-Quais são os objetivos da UnATI/UERJ? -Os objetivos são muito amplos, podemos dizer
enormes. É de se criar um centro muito grande, de estudos, de pesquisas e de assistência a terceira
idade. Assistência a nível de assistência médica, odontológica, jurídica, nutricional, todo tipo de
assistência, inclusive serviço social do que pode ser dado ao idoso. Isto juntamente com o ensino,
com educação permanente ou educação continuada, que é uma maneira de manter o indivíduo ativo,
participativo, atuante dentro da sociedade e, levá-los até a fazer trabalhos com a comunidade. A
nossa intenção é esta, prepará-los e motivá-los para isto, o que não é uma tradição na sociedade
brasileira o trabalho com a comunidade. -Se nós pudéssemos pegar um modelo desta
Universidade, em qual modelo foi baseado ao universidade da terceira idade ? -Foi baseado no
modelo de universidades estrangeiras. Isto foi idealizado pelo professor Piquet Carneiro, e pelo
professor Renato Veras, quando eu entrei já estava pronto. -Com são desenvolvidas as atividades?
-Nós temos três tipos de professores. Professores que são da UERJ, que tem interesse na terceira
idade, professores que são contratados pela universidade só para dar estas disciplinas daqui, e
professores voluntários. Todos professores que são contratados eles foram voluntários pelo menos
um semestre. Este é o critério que nós utilizamos. Não só para ver se eles gostam de trabalhar com
a terceira idade como também para ver se nós gostamos do trabalho dele. Agora quanto ao tipo de
atividade, como foi a escolha, começou assim... começou comigo mesmo. Nós não tínhamos nada ,
o que fazer, o que oferecer. Então eu comecei a procurar dentro da universidade quem teria
interesse em fazer alguma coisa com a terceira idade . Eu fui vendo o que aparecia e havia também
algumas pessoas que vinham oferecer alguns cursos. Aí começou a ser oferecida a primeira leva de
cursos. Depois do primeiro semestre nós fizemos um levantamento junto aos alunos para ver, uma
avaliação dos cursos, como tinha sido percebido por eles se eles achavam que tinha sido
interessante para eles ou não, o que eles poderiam sugerir também, o que eles gostariam que nós
oferecêssemos. Foi feito então uma listagem e nós corremos atrás, e ai passamos a oferecer o que
ele gostariam. Uma coisa que já posso deixar claro que eles têm muito interesse em atividades
intelectuais, atividades culturais, mas eles têm muito mais interesse nas atividades que tenham
música e o movimento, como atividades físicas... Como também pinturas desenhos artes de um
modo geral e as atividades físicas, dança biodança, tai chi. -O aluno pode se inscrever em quantas
modalidades ? -Três cursos mas uma atividade física só. Para poder dar oportunidade aos outros e
também para que não seja alguma coisa exagerada fazer três atividades físicas, é muito para a idade
deles não é indicado, eles devem fazer moderadamente as atividades físicas. Assim eles podem
escolher vários cursos. -Quem são os participantes da UNATI? -A grande maioria constituída de
aposentados, em grande parte mulheres donas de casa, viúvas que tem sido o quadro do que hoje é a
terceira idade no Brasil. Acredito que este quadro venha a mudar bastante daqui uns vinte anos por
exemplo quando nós chegarmos a terceira idade. Mas nós temos também aqui um número
considerável de professoras com algumas pessoas com nível superior mas é a minoria. -Poderíamos
considerar que a maioria pertence a uma classe chamada de trabalhadora? -Eu acredito que
sim a professora Alzira está concluindo uma pesquisa que traça o perfil de nossos alunos é um
trabalho de equipe em que há outra professora que vem de uma experiência de uma tese de
doutorado realizada na França em que investigou os idosos nos espaços públicos do Rio de Janeiro
e da França. O seu trabalho procura fazer uma identificação de quem são os frequentadores da
UnATI, seus interesses etc. O trabalho ainda não está concluido. De uma certa forma verificou-se
que procuramos desenvolver aqui na UnATI aspectos que influam na sua sociabilidade. Foi passado
um questionario fechado em parte com algumas questões mais abertas, aplicado a uma amostra de
250 pessoas de um universo cadastrado no segundo semestre em torno de 700 e setecentos e poucos
alunos. Isto que foi verificado mais de imediato. Aqui encontramos um número significativo de
pessoas que não frequentam nenhum outro espaço além da UnATI. Uma das coisas que sinalizam
os frequentadores da UnATI é virem com a finalidade de atualização de conhecimentos. -A
universidade promove algum tipo de conferências abertas a todos? -Sim, há os encontros de
399
terça-feira. Encontros com a saúde, começamos este ano, está lá no mural. São várias palestras. Há
encontros com personalidades da terceira idade de preferência de quarta . Onde são os próprios
alunos que fazem as entrevistas, o primeiro vai se dar agora, no final deste mês. O professor
responsável por esta atividades procura trazer uma pessoa. Por exemplo do mundo artístico ou
cultural, uma pessoa de projeção. Nós pensamos em trazer a primeira mulher que se formou em
medicina ela já esta com mais de 80 anos. Os alunos então fazem perguntas e todas as palestras
estão abertas a todos até quem não tem 60 anos ela é aberta a toda comunidade. Não havendo um
controle de quem vai as palestras, a freqüência é feita só nos cursos. Nos cursos, são 25 vagas,
quando tem fila de espera, nós sorteamos quem vai participar, pois se inscrevem muitos. Colocamos
cerca de mais cinco para ficarem na fila de espera. Qualquer desistência a gente já encaixa. Falando agora em pesquisa quais são as pesquisas que estão ou que já foram desenvolvidas na
universidade? -Estão em desenvolvimento pesquisas na área médica, problemas de hipertensão,
problemas de câncer, problema urológicos. Há pesquisas também na área social procurando
identificar o perfil do aluno da UnATI. Há também pesquisas epidemiológica das características da
terceira idade. E tem a das relações intergeracionais, que é um projeto que já foi encaminhado,
pedindo financiamento, que deve funcionar mais tardar no mês de janeiro próximo. -Existem
pesquisas em que os alunos participam? Não, eles são só objetos. -Há critérios de avaliação nos
cursos? -Isto depende, é de cada professor. Agente dá a eles um certificado de que freqüentou o
curso. Nós temos um modelo de certificado, coloca-se o nome do aluno, nome do curso. Cada
aluno recebe o certificado do curso que ele fez, todo ano ele recebe. -E quando o aluno falta ele
pode perder a vaga? -Vai depender da atividade e do professor, se perder duas aulas e se o
professor achar que ele necessita retornar. No caso da atividade física, se tiver que fazer o
condicionamento físico de novo. Aí ele vai perder, não havendo substituição pois nós temos um
prazo, que pode ser variado conforme a atividade, em determinados cursos, vai depender, uns
podem entrar na segunda aula outros, já na primeira está formada a turma, como caso da
informática. A fila de espera na informática já aparece no primeiro dia se faltou algum aluno ele
entra logo na primeira aula, mas se perder a primeira aula não tem como continuar na seqüência. Já
outras podem entrar até na terceira os professores informam qual o prazo de validade da fila de
espera quanto às aulas os alunos terão que esperar. -Você fala em terceira idade o que é isto para
você ? -Ah Ah , isto é complicado não é! Aqui nós consideramos terceira idade a partir de 60 anos,
temos que usar o critério idade, isto é uma coisa administrativa não tem como fugir, não tem jeito,
temos que matricular os alunos. Agora realmente eu ainda não sei definir terceira idade mesmo. Quando nós tínhamos 17 anos nós mudávamos a idade para entrar nos filmes de 18 anos e
aqui acontece coisa semelhante com quem tem 59 anos? -É, pior que está! Nós tivermos que
cortar uma porção de alunos que enganaram a idade, tinha gente que tinha 58 anos e dizia que tinha
60, só para entrar aqui. Eles falsificam também, só para ganhar o passe. O passe é com 65 anos
sempre quando vai se aproximando eles procuram meios para burlar. -Mas há um limite máximo
de idade na UnATI ? -Não há, tem alunos até com 87 anos, sendo que a média está em torno de
70, por aí. -Qual a possibilidade de se passar a ter os idosos envolvidos na gestão da
UnATI/UERJ? -Olha, honestamente eu confesso que nunca nós discutimos este aspecto, mas posso
lhe adiantar o seguinte : a UERJ e neste caso aqui não me está passando pela cabeça que seja uma
pessoa de fora. Estes cargos aqui vem sendo ocupados por professores da UERJ, e não por
professores aposentados, mas sim por professores que estão na ativa pode acontecer que nós
venhamos a chegar a terceira idade e continuar tal. Aqui na UERJ quando o professor se aposenta e
é recontratado, ele é recontratado como professor pesquisador, com uma carga de 20 horas. Ele
apresenta projetos e jamais poderá ser um diretor de unidade, pois um diretor de unidade tem de ter
40 horas. O que agente pensa é dar bastante força a nossos alunos que são aposentados de criarem
um centro acadêmico que dê a eles representatividade, que eles participem de reuniões, do
colegiado daqui da UnATI. Os alunos tem representantes de turmas e representante geral de alunos.
400
-Vocês estão fazendo contato com outras universidades semelhantes ao projeto que vocês
desenvolvem aqui? -Nós recebemos muitos pedidos de outras universidades para mandar material
para se dar o uma orientação, como foi o nosso projeto e nós fazemos isto sempre. A gente dá
folhetos com a programação, recebemos muitas visitas. Entretanto é muito difícil copiar o modelo
da UnATI pois a UERJ é uma instituição muito grande. Nós temos a felicidade de estarmos ligados
a sub-reitora de assuntos comunitários e já somos um Núcleo que faz parte da estrutura da
Universidade, estando incluídos no Organograma da Universidade, o que impossibilita o seu
encerramento numa troca de reitor por exemplo ou seja já faz parte da UERJ. -Você disse que são
três tipos de profissionais que atuam na UnATI. Quantos são os professores da UERJ? -Nós
temos o professor Renato, que é o diretor, temos um gerente de pesquisa, diretor de assistência, o
responsável pela assistência médica, psicólogos ou seja este dado você pode pegar na secretaria
inclusive o número de estagiários que atuam na UnATI. -Qual seria a idade média dos
responsáveis pela UNATI? -Vai variar entre os 38 e 47 anos. No que toca aos demais envolvidos
a média de idade fica em torno dos 40 anos, um pouco abaixo talvez, não havendo nenhum
professor aposentado que esteja atuando na UNATI. -Qual é a relação dos profissionais que
atuam aqui na área das atividades físicas com o Instituto de Educação Física? -Não há nenhum
professor de educação física vindo do instituto, já tivemos um professor de Tai Chi, que veio
através do instituto. Apesar de que desde a inauguração da UnATI tenhamos solicitado a presença
de um profissional de educação física. Ocorre que todos os docentes do Instituto estão com suas
cargas de horário ocupadas alguns comprometidos com o programa de pós-graduação . Nós aqui
estamos fazendo atividades físicas aqui mas com fisioterapeutas e profissionais de outras áreas. O
professor de Tai chi era formado em educação física, mas no entanto ele atuava como voluntário .
-O que significa o trabalho voluntário ? -É a pessoa que trabalha sem ganhar dinheiro. -A atividade
do grupo de antiginástica pode ser considerada como aula ou como uma atividade de terapia, uma
vez que os responsáveis são fisioterapeutas? -Me parece que é uma aula mesmo. Pela proposta do
curso é uma aula. -No sistema utilizado de sorteio vocês não temem a perda de uma certa
continuidade no que é oferecido? -Tememos, mas isso agente resolve da seguinte forma. Quando
o curso, tem os dois módulos eles tem a vaga automaticamente garantida pois eles já fizeram o
primeiro. Ao final do período o professor faz a lista da pré matrícula, quem vai querer continuar o
Curso, caso ele queira, pois aqui nada é obrigatório. Se ele quiser continuar a vaga dele está
garantida pois o Curso 2 têm como pré requisito o um. O sorteio só é feito para o um, aí não há
perda de continuidade. O sorteio é necessário pois o nosso idoso, não sei como é na Europa, aqui se
nós marcamos às 8 horas, às seis já tem gente na porta. Se não é marcado o sorteio tinha gente que
chegava as 5, marcava seu lugar na fila de cada modaliade, faziam e distribuiam senhas entre eles,
guardavam senhas para os seus amigos, quando agente chegava as oito horas da manhã estava uma
confusão, tinha gente chorando, passando mal, voce não consegue imaginar a confusão que era. Daí
nós resolvemos fazer o sorteio. Ë uuma cultura do brasileiro que é necessário chegar muito cedo
para ganhar a vez. Agora o que acontece. Todos vão para o auditório se inscrevem, na frente de
todos é feito o sorteio. Por exemplo, as inscrições são de 8 até às 15 para as onze. Nesta hora se
encerram as inscrições, cada um que se inscreveu ganhou um numerozinho, o sorteio é público. As
pessoas vão sendo sorteadas, se ele vêm a ser sorteado numa atividade considerada similar, ele deve
optar. Aqui as atividades são classificadas em atividades, físicas, artísticas e culturais, linguas
estrangeiras através da música, comunicação e expressão em lingua portuguesa e literatura, cursos
de atualização, atividades de integração, atividades informativas e reflexivas em terceira idade
atividades externas, bom aí, já são os passeios que eles vão fazer. -Como vai ocorrer daqui a
alguns anos com nível 1 e 2? Como fica e no caso de atividades como a as atividades físicas
que eles querem muito? -Atualmente alguns chegam até tres, e vamos parar mesmo em tres exceto
os de linguas, que devem ir até quatro. Como ainda estamos no terceiro periodo, nós temos coisas
no dois e no tres. Este é um problema que irá surgir e aí é um problema que esbarra nas
401
contratações, se eu ficar botando um dois, tres quatros, para eu botar gente nova eu tenho que
contratar mais gente, eu tenho de ter mais salas, mais horários é um problema que vamos ter de
resolver na medida que eles vão aparecendo. Mas muitas vezes eles gostam de variar vou dar um
exemplo, eles estao fazendo biodança, se agente lança o tai chi, eles largam a biodança e partem
para outra para conhecer. Uma coisa que observamos é que eles tem muita sede de conhecer coisas
novas. Eles podem até não gostar mas eles querem ver o que é, e outra coisa eles tem muita pressa.
No final do primeiro semestre eles ficaram aguniados pois eles pensavam que iria acabar que iria
haver um outro semestre, precisava ver a aflição. Agora não, eles estão tranquilos pois eles sabem
que tem uma continuidade Alguns querem fazer tudo ao mesmo tempo, não é só a pressa da UERJ
acabar mas a pressa deles acabarem. Eles tem pressa, eles tem 70 , 82 anos eles querem fazer tudo,
conhecer de tudo um pouco. -Os projetos tem recebido financiamento de quem ? -De ninguém,
só da UERJ, e os alunos não pagam um tostão. Para não dizer que não pagam nada êles tem de
trazer dez latinhas vazias para entrar num projeto para ganhar video, televisão... O sucesso do
programa é ele ser completamente gratuito. Muitos dos nossos alunos ficam muito felizes pelo fato
deles nunca poderem ter entrado numa universidade, já que eles não tiveram esta oportunidade
antes.
402
ANEXO 7
Entrevista realizada com o coordenador de educação física do PAM/IMMA
403
-Como surgiu a idéia do trabalho com idosos? -Começou a partir do exame das estatísticas
brasileiras a propósito da questão do envelhecimento. Então, nos meados da década de 80 já
começou a ficar evidente que havia um envelhecimento da população brasileira e que a educação
física não estava participando do esforço de adaptação ao envelhecimento. Então nós começamos a
preparar recursos humanos e fazer um levantamento bibliográfico e estudar esta questão, tentando
futuramente, como agente pensava na época, em organizar um projeto que fosse um projeto que
fosse de intervenção e pesquisa. -Isto foi no final dos anos 80? -Em meados dos anos 80, este
interesse que universidade começou a ter. Aí nós tivemos a oportunidade de incluir temas ainda
quando lecionávamos na faculdade educação, na disciplina metodologia da educação física no
primeiro grau e metodologia da educação física no segundo grau. Aí nós saímos um pouco daquela
visão curricular e incluímos no programa atividades fora do meio escolar, e os idosos foram
incluídos. -Isto ocorreu na faculdade educação? -Foi, e evidentemente fomos obrigados a falar
em métodos, e nós temos um vídeo com um grupo de idosos, um vídeo experimental, dos alunos do
curso de metodologia eles reproduziam as sessões e nós gravamos uma delas. -Então já existia um
grupo? -Foi um grupo de idosos trazidos pelos próprios alunos, alguns parentes deles e pegamos
alguns funcionários da universidade que tinham mais de 60 anos. Foi uma experiência mais
didática, de preparar o material didático para as salas com idosos. Depois, a nossa ida para o
instituto de educação física proporcionou que a gente passasse a oferecer uma disciplina dentro do
quadro dos tópicos especiais em educação física em que era especificamente tratada a questão da
educação física e dos idosos. -Os tópicos especiais abordavam outras situações? -Os tópicos
especiais é uma disciplina em que cada professor deve oferecer ou pode oferecer. Tratando do
campo de interesse dele, de pesquisa, de ensino. Então eu escolhi as discriminações, e dentro da
questão das discriminações, a questão específica do idoso. -Mas então não ficará só com o idoso?
-A gente tinha uma unidade que tratava da diversidade cultural, do multiculturalismo, e da questão
da discriminação e estereótipos e preconceitos e aí trabalhamos com a questão do idoso. Aí depois
que agente viu que tinha recursos humanos em número suficiente nós apresentamos uma proposta
ao departamento que na época era de Atividades Complementares e depois departamento em
Atividades de Educação Física, propondo a criação de um programa ou de um projeto melhor
dizendo de intervenção e pesquisa . Na área de extensão ou na área de pesquisa? -A gente tem as
atividades de ensino e pesquisa e extensão este projeto se caracteriza como projeto de extensão.
Sendo projeto de extensão, ele não exclui a pesquisa e a questão do ensino, muito pelo contrário, eu
acho o nosso projeto de extensão da sub reitoria de assuntos comunitários, que é a nossa sub reitoria
de extensão tem 230 projetos de extensão mas cada um segue um caminho: um é assistencialista,
outro é só voltado para intervenção e eu acho que o nosso se enquadra bem dentro da idéia moderna
de extensão, que tem uma parte de intervenção voltada para o ensino, onde os alunos fazem as
atividades curriculares. Os alunos de educação física podem escolher, os interessados nas atividades
físicas para idosos podem participar nas atividades de pesquisa e finalmente nós temos a atividade
de intervenção que é junto dos idosos de um posto de assistência médica do INAMPS.-Mas então a
primeira característica foi pesquisa? -Não, a primeira foi intervenção seguida de pesquisa quase
que concomitantemente, mas a última foi a de preparação de recursos humanos. Nós estamos a dois
semestres como campo de estágio aberto, antes era só a intervenção e a pesquisa. -Agora quem
trabalha são os alunos mestres? -Desde o início do projeto quem ficou como responsável pelas
aulas foi a professora Maria das Graças é ela que dava as aulas e nós tínhamos os bolsistas. Pela
nossa legislação os bolsistas podem dar aulas supervisionadas. Então a professora Maria das Graças
o que ela fazia é dividir tempos da aula ou partes da aula deixando bolsista atuar. A primeira foi
uma aluna nossa que depois produziu uma memória de licenciatura sobre este assunto. Depois com
a ampliação no segundo pólo e aí o financiamento da sub-reitora, nós dividimos estas atividades.
Mas independente dos bolsistas, que agora são 4, nós temos os alunos estagiários, que não dão aula.
Eles não foram treinados, eles observam, fazem o controle da freqüência, o apanham material. -Os
404
que dão aulas são de que período? -Pelo menos eles estão na segunda metade do curso. Ele fez
didática e como a prática de ensino é concomitante, ele normalmente fez a prática de ensino
também. Prática de ensino não é com o idosos tá, é com o pessoal da comunidade. -Então
praticamente vai ser a primeira vez que ele vai fazer um trabalho com idoso ele teve alguma
preparação? -Ele tem uma preparação. Tem um material didático de publicações, artigos, revistas e
ele começa num regime de observação. Toda vez que se muda o bolsista a Maria das Graças volta a
dar aula. O bolsista observa, depois ele entra num regime que a gente chama de cooparticipação. A
M. das Graças volta a repassar parte da aula e depois até 1 aula inteira. Depois eles assumem a
docência supervisionada a Maria das Graças está sempre presente.-Quantas pessoas estão
envolvidas neste projeto? -Hoje, se você somar o pessoal do PAM com o pessoal da UERJ agente
está em torno de 30 pessoas: estagiários, bolsistas, professores, médicos, assistentes sociais.-A
assistência social é do PAM? -É. Aqui agente trabalha com médicos, professores estagiários e
bolsistas. -Quantos estagiários de educação física que dão aula?-Estagiários não dão aula,
bolsistas são quartos. -Quanto tempo ficam os bolsistas? -Ficam o semestre, com possibilidade de
renovação, já que a bolsa é de um ano. -Quais são os contatos com os outros profissionais dentro
dessa característica interprofissional? -Todas as últimas sextas-feiras de cada mês existe uma
reunião que é feita no posto de assistência médica onde comparecem os profissionais do PAM, nós
e os idosos. Então esta reunião é dividida numa parte expositiva. Por exemplo: sobre doença, um
dos médicos fala sobre a osteoporose; na outra uma assistente social fala sobre a criação de uma
associação de idosos; na outra eu falo sobre ginástica para idosos, e depois, nesta mesma reunião,
os idosos dão a opinião deles, as sugestões, e dizem o que eles querem que a gente faça. -Tudo isto
englobado no mesmo projeto? -É, na realidade eles não tinham projeto lá no posto de assistência
médica, era atendimento geriátrico. Existe um setor de triagem que é feito pela Dra. Helena, que é
uma das coordenadoras do programa. Então ela faz a seleção dos idosos, os que não podem fazer, os
que podem fazer, uma anamnese com eles. Quando nós propusemos criar este projeto nós unimos o
grupo de lá, que tinha o lado curativo e de certo ponto preventivo, com o nosso programa.
Entendeu, eles não têm um projeto, na realidade houve uma fusão do que eles faziam no setor
Geriátrico, e que ressentiam a falta de atividades físicas com os idosos, aí se incorporaram, os
recursos do PAM e os nossos da Universidade para atender esse grupo de idosos. -Quando vocês
falam em autonomia qual é o conceito e aonde vocês querem chegar com esta autonomia? Bom, o conceito de autonomia está em construção. É um conceito difícil, a literatura mostra que não
existe um conceito terminado, mas agente tem algumas indicadores. Então a gente está trabalhando
muito com dois aspectos: autonomia no ponto de vista social com autonomia num ponto de vista
físico. Nós não temos por exemplo a questão da autonomia do ponto de vista médico, isto é o grupo
da medicina que se ocupa mais, e agente não tem muito claro o que é isto. Nós temos o senso
comum. Então nós estamos assim em termos de autonomia : primeiro atividade da vida cotidiana,
sem nenhum tipo de auxílio. Autonomia envolve também a participação comunitária, associativa,
social. Então este grupo se encontra na atividade física, a dissertação da Marinha mostrou isto, que
eles procuram o programa também por isto, que no nosso caso não foi a causa principal. Não foi a
causa principal porquê teve origem no setor Geriátrico. Então o enfoque inicial foi médico, mas a
gente pode dizer que uma das principais causas, é deles estarem em grupo, participarem. Mas as
coisas não se limitam às aulas de ginástica, e eles agora estão treinando uma quadrilha. Tem uma
outra coisa importante, eles fazem festas em determinadas épocas do ao ano, com bolos, bolinha,
com refrigerantes, organizam bailes. Isto tudo no corpo do projeto, mas quem está organizando é o
pessoal do serviço social. No caso da quadrilha, quem está ensaiando é o pessoal da educação física,
mas quem vai assumir é o pessoal do serviço social .-Mas então dentro da questão de dar
autonomia não significa que ele seja capaz de repetir a atividade física na sua vida particular?
-Este projeto está tentando induzi-los a que eles façam atividades físicas fora de nossas aulas mas a
gente ainda não conseguiu isto a gente não conseguiu até pela própria metodologia que agente
405
estava utilizado. A nossa maneira de dar aulas não estimulava muito isto. Nós agora estamos
mudando, nós percebemos com a pesquisa da Léa, a pesquisa da Léa foi definitiva para ficar muito
claro que a gente não estava conseguindo. Então nós estamos tentando mudar. Nós estamos com
uma nova proposta metodológica. Você está pegando esta transição. Autonomia também significa a
participação coletiva em associação. Na pesquisa inicial a gente observou que nenhum deles era
membro de um partido político, associação de bairros, de aposentados etc. Nenhum dos 48 idosos
tinha algum tipo de associação. Hoje eles já tem uma associação dos idosos lá do posto de
assistência médica. Quer dizer isto faz parte. Outra coisa que agente dá na autonomia está na
iniciativa deles. Eles propõe um tipo de atividade que eles gostam. Eles gostam de ginástica mas
gostaríamos que eles fizessem um outro tipo de atividade. Então, por exemplo no Rio de Janeiro a
partir de outubro os trabalhos são muito difíceis por causa do calor de quase 40 °. Este ano foi
terrível, então nós gostaríamos por exemplo de experimentar atividades aquáticas, eu acho que nas
unidade didáticas que a gente trabalha, a gente trabalha muito em termos das valências que a gente
quer com eles. Vamos trabalhar equilíbrio, não quer dizer que nas outras aulas a gente não trabalhe
com isto. Mas a gente tem interesse em que eles concentrem isto, que já é uma modificação, para
tentar passar para eles que existem determinados exercícios que são adequados a determinadas
coisas. Mas nós gostaríamos de experimentar uma atividades aquáticas este ano . -Vocês
trabalham com aulas teóricas para os idosos? -Não. -E por exemplo quando o profissional
trabalha com valências físicas, com grupamento musculares e a professora for obrigada a
falar em certos nomes que não são comuns ao cotidiano dos idosos, como isso é feito? -É,
como nosso grupo é um grupo de classe trabalhadora o professor é treinado pela gente para explicar
quando der a terminologia sempre, nome de músculos etc. Mas uma das coisas que a gente perde é
que eles expliquem para que serve aquele exercício. No grosso deve ter ficado e nas gravações.
Quando você perguntou se a gente dava aulas teóricas, não a gente não dá, mas agente em
determinados momentos devolve o que a gente fez por exemplo numa pesquisa. A gente devolve
para eles o que a gente fez em ensino e a gente devolve o que foi feito na parte médica. Então pelo
menos existe duas vezes por ano encontros com eles em cada semestre que não é aquele encontro
das sextas-feiras é um encontro aqui na UERJ, não é hoje e que normalmente a gente aproveita é o
que pode se chamar de jornada de portas abertas da UERJ. A gente dá uma aula teórica que é para
eles mas é aberta a qualquer pessoa. E aí a gente repassa para eles os resultados da pesquisa como
eles estão, o que os médicos dizem, se eles estão ótimos nisso. Aí depois a pessoa do ensino explica
em quantas partes a aula está dividida, por que tem uma programação de unidade; depois entra a
médica que faz uma exposição do controle de doenças. Por que o controle de pressão arterial é feito
para antes das aulas e da freqüência cardíaca, também a incidência da osteoporose o que o exercício
físico pode trazer de benefício etc. -Qual o estilo de aula que vocês têm como preocupação
passar aos bolsistas? -O estilo a gente deve dar liberdades, o estilo é pessoal. Agora o que a gente
quer passar é um esquema de aula a gente começou com a da Dominique Collignon, que foi
publicado na revista Sport de Bruxelas, e hoje nós estamos experimentando um esquema próprio.
Mesmo o esquema da Collignon não foi tão altamente aplicado. Nós introduzimos a dança que não
faz parte do método belga que numa das partes das aulas nós incluímos e outra coisa é que nós
excluímos foram os jogos e estes tipos de atividade. Nós não tínhamos condições de controlar e
achamos arriscado para o nosso grupo . -Por quê? -Primeiro é um grupo totalmente inexperientes.
Este grupo nunca fez educação física durante toda sua vida. É um grupo de 90% não ultrapassou o
curso primário e é importante que se diga que aqui no Brasil o curso primário não oferece educação
física, só nas escolas de elite e algumas escolas experimentais como a Guatemala, mas são exceções
Então este grupo que nunca fez a atividade física e são da classe trabalhadora não tem dinheiro para
entrar em clubes e academias outras coisas. Eles são totalmente inexperientes em jogos em
desportos etc. -Não foi pelo aspecto da competitividade? -É, nós... é claro que nós sabemos da
exacerbação da competição que normalmente a gente vê, o que pesou também um pouco nisto. Mas
406
agente tem dificuldades de vários tipos, não temos instalações, o grupo não teve experiência
anterior, nós não temos recursos para incrementar determinados tipos de práticas. Nós gostaríamos
muito que eles fizessem atividades aquáticas. A universidade não tem piscina! Caminhar, a gente
podia fazer caminhar em volta do Maracanã, mas eu não acho o melhor lugar, muito poluído em
todos os sentidos e com problemas de segurança. Neste grupo você observou também a questão dos
uniformes. Eles ainda não tomaram a iniciativa nem de virem de uniforme botar um tênis ou
jogging. Então você vê que tem muitas mulheres de saia. -Você acha que vem da própria
cultura? -Da subcultura do idoso da classe trabalhadora. Englobando o problema do machismo. -E
por exemplo o que se tem como ponto culminante da aula, seria com o objetivo da dança? Olha ela vem se tornando ponto culminante pela foi se envolvendo, e a nossa interpretação é que ela
permite mais contato social, permite tocar, permite mais movimentos de iniciativa. -Você acha que
é uma característica cultural nossa, brasileira? - A gente não pode dizer que a questão do dançar
e da música não tenha uma influência cultural muito grande, não só do lado ibérico como do lado
afro, mas eu não teria condições de generalizar. Agora, este grupo é um grupo que gosta de dançar,
de música. O trabalho da Marinha revela o gênero da música, só não entra música erudita. -Desta
convivência com um grupo de aposentados e com a literatura que você já tem consultada o
que é ser aposentado no Brasil? -É ser desestimulado é ser perseguido só escapando disto
determinadas carreiras, militares e funcionários públicos. Isto quer dizer que o governo não se
preocupou muito com a uniformização de critérios. Não como eles querem fazer agora, uniformizar
por baixo. Por exemplo, a questão da aposentadoria: a pessoa tem direito a se aposentar com salário
que ele tinha no momento que pediu, independente da profissão. Mas o que eles querem fazer é que
os que têm direito a esta aposentadoria especial, é que terminem por ser igual ao que o sistema
impõe a todos. -Quanto aos objetivos do projeto o principal objetivo é influir na saúde? Inegavelmente o objetivo principal é de promoção da saúde dentro do quadro teórico da promoção
da saúde levando em consideração a idéia da desmedicalização, idéia de autonomia, a idéia de
atendimento da população como tudo. A partir do desenvolvimento de todas as agências, educação,
educação física ... -E dentro dessa característica de desmedicalizar como fica a relação com os
médicos do projeto? -Eu acho que deve estar no equilíbrio muito bom, que até me surpreendeu.
No início havia até um receio que os professores de educação física fossem provocar mortes. O
diretor do PAM chamou a Dra. Helena e perguntou: quem vai passar os atestados de óbitos, você
vai assumir isto? Você vai assumir o projeto com eles, você vai dar os atestados de óbito. Hoje
agente pode dizer que em dois anos a gente tem zero de acidentes. Não tivemos nenhum óbito,
nenhum acidente. Isto ai mostra um preconceito que os médicos tinham em relação aos professores
de educação física, no caso de serem despreparados, e a própria atividade física. Mas por outro lado
existia um grupo de médicos lá que tem uma visão diferente. No início eles foram cautelosos né...
Hoje os nossos trabalhos são perfeitamente harmônicos, nos congresso de medicina ele estão nos
chamando para fazer palestras. Professores do projeto foram chamados várias vezes todos têm ido
para falar em congressos médicos. Quer dizer que eu acho que a gente chegou no equilíbrio muito
bom. A gente procura ter as informações deles sob os problemas de saúde que os nossos idosos tem,
mas isto não vai eliminar. Por exemplo tem um médico que trabalha no projeto que acha que o
nosso programa é fraco, que é um programa que não adianta nada, dizendo as palavras dele. Ele é o
cardiologista. Para ele, se aula não tiver treinamento aeróbico, o programa não serve para nada. Mas
ele é um no programa todo. Os outros médicos mostram que os progressos em termos de promoção
da saúde são incríveis. -Vocês não têm nem não há preocupação com a condição
cardiovascular? -Talvez isto seja um erro do projeto, a gente talvez devia ter alguma preocupação
mas a gente resolveu não iniciar por aí. -E a questão do risco acidentes como é que vocês
chegaram. Do limites, eu sei que vocês não chegaram aos limites mas se vocês têm esta noção
de progresso tem que haver uma carga, ser controlada, como é feito isto? -Tem duas coisas,
primeiro na escolha dos exercícios, nós fazemos questão absoluta que os exercícios não coloquem
407
em risco os idosos. E nós tivemos até que interferir e afastar uma de nossas bolsistas que
periodicamente incluía exercícios que trazia problemas, ela não conseguiu compreender o
referencial teórico. -Ela queria trabalhar com a sobrecarga? -Não, com exercícios por exemplo
de grandes contrações por exemplo flexionando muito a cabeça, se levantar com muita rapidez. Ela
continuou no projeto, acompanhando mas não dando aula, a gente achou que era um risco. -Eu
observei que vocês têm a preocupação maior de trabalhar em pé e sentados o sentado, por que
do sentado? -Bom a gente sabe que as maiores experiências deles de lazer tem que ser sentado.
Eles vêem televisão, conversam etc.. As atividades deles em pé, as atividades cotidianos, são muito
menores proporcionalmente. Então nós achamos que devemos ter que dividir bem estas duas, eles
devem ter atividades sentados também, para mostrar que sentados eles não precisam ficar passivos.
Não é o receio em relação a acidentes. É uma maneira de diminuir sobrecarga é uma maneira de
você fazer com que eles identifiquem algumas atividades que podem ser feitas sentados. Então por
exemplo, o camarada que está sentado, vendo televisão, pode se mexer ele pode fazer algum tipo de
movimento. Bom, no início com a própria literatura mostra, principalmente a francesa há uma
associação muito grande da posição deitada com a morte. Então no início a gente pediu que os
nossos estagiários não trabalhassem muito esta atividade deitada. Este foi o primeiro motivo, quer
dizer, no início nós fizemos isto explicitamente. Nós queríamos que ficasse uma noção da última
visão da imagem que eles tem da EF, evitaríamos alguma coisa que não fosse agradável, algo que
trouxesse uma imagem negativa para eles. Segundo a questão do material, nós não temos
colchonetes, não temos nenhum tipo deste material. Eles vêm com roupas inadequadas elas ainda
vêm de saia, é uma situação complicada, pedir para elas irem ao chão de saia. Terceiro a gente
realmente ainda não colocou em nossa programação a questão de levantar com segurança. Isto é um
aspecto que a gente ainda não trabalhou. -Nos idosos é normal nesta haver problemas posturais.
Há uma preocupação neste sentido, existem atividades para cada caso? -Não, nós não estamos
fazendo trabalho diversificado não. O que nós estamos procurando fazer é incluir atividades que
sejam para todos e que não agravem os problemas existentes. E os professores estão instruídos a
fazer a exclusão do tipo: neste exercício você não deve fazer. -Mas isto a falar do grupo ou falar
especificamente a pessoa? -É com eles, mas falado ao grupo, não aquele caso específico, mais
dizendo por exemplo: se você tem uma cifose, você não deve fazer este exercício. -E agora para a
gente encerrar como é que fique em relação ao linguajar de uma maneira de falar que fica
muito próxima da criança. -Uma infantilização. Nós somos contrários a esta infantilização. A
nossa proposta é tentar uma metodologia que seja adequada ao idoso e não uma adaptação do que
nossos alunos aprendem no curso de educação física para utilizar isto nas aulas com idosos. Então a
gente é contra a infantilização. Aconteceu uma coisa interessante. Eu acho que você estava presente
no dia em que os alunos em didática, que não tiveram uma preparação sobre trabalho com os
idosos, só tiveram uma preparação para a aplicação de testes. Como é que ele trataram os idosos,
com medo que eles fossem se quebrar. Até três carregavam o idoso. Eles não tiveram treinamento
para isto. Quando você assiste os nossos professores, com os nossos bolsistas dando aula, a gente vê
que não existe uma tentativa de infantilização. Mas sabe, já ocorreu no semestre passado um grupo
de estagiários ficou provocando muito os jogos, os brinquedos cantados etc... Eu aí intervi eu achei
que não sendo uma iniciativa única e exclusivamente deles, eu acho que a gente não devia provocar
isto, uma vez que a gente estava até buscando uma metodologia.
408
ANEXO 8
Entrevista realizada com a coordenadora médica da associação UnATI/UERJ
409
-Como começou o trabalho com idosos no PAM ? -Através de uma portaria do ministério em que
era para ser dado uma atendimento privilegiado a grávidas, deficientes e idosos. Esta prioridade
possibilitou que cada um a entendesse como quisesse. Naquela unidade entendeu-se que a
prioridade era não haver pessoas aguardando em fila. Ou seja o idoso chegava e era atendido por
quem estivesse, não necessitando ficar aguardando em filas. Daí eu comecei a atender a este grupo,
e eles elegeram algumas pessoas, que pareciam ter mais paciência. Neste momento ainda não era
uma coisa sistemática de vir e voltar ao mesmo médico. Aí eu comecei a marcar para mim mesmo
alguns que eu atendia, começou então a se sistematizar e começou então por ai. No meu turno eu
era então a responsável por atender os idosos que chegavam sem a necessidade de se ter fila.-Se
você pudesse caracterizar aquele momento, você seria uma gerontologa ou uma geriatra.-Eu
não sei nem como eu me caracterizaria naquele momento pois eu nem sabia o que era geriatria ou o
que era gerontologia. Hoje olhando para trás me consideraria uma geriatra. Embora eu tenha um
cunho muito forte de gerontologa. Eu me considero dentro da medicina portadora de um viés do
que a gente chama de brincadeira de chá de potássio, independente da geriatria eu sempre trabalhei
numa linha assistencial com o víeis no social, eu sempre tive claro que não adiantava eu fazer um
belo diagnóstico prescrever o bom medicamento se a pessoa não pudesse comprar. Isto é o que hoje
podemos chamar de gerontologia. Eu trabalhei muito com pneumologia, onde eu atendia muitas
pessoas velhas. Eu acho que eu já tinha um perfil, a gente elabora isto. Eu sempre trabalhei muito
com velho, por causa da minha formação primária, onde eu lidava com pessoas diversos problemas
respiratórios. Pessoas que desenvolvem crises, muito por causa de nervosismo, e isto faz parte então
da minha formação eu acredito na reabilitação.-Quer dizer que as pessoas já apareciam um com
algum tipo de problema.-Eles vinham numa busca de assistência.-Mas já encaminhados por
algum outro médico. -Não por uma demanda espontânea depois que grupo sistematizou, eu
comecei a atender a pessoas indicadas por outro profissional. -Em que momento você identifica a
sistematização do grupo? -Eu acredito que eu não levei nem seis meses, eu comecei a convidar
pessoas e perguntava se as pessoas não queriam formar um grupo. Aí eu comecei a efetivamente a
estudar isto ocorre entre 87 e 88. -Quando surge então a educação física? -Foi quando um médico
fisiatra que também é professor de educação física, o Silvio que trabalhava na linha da físiatria. A
idéia vem na verdade da assistente social da unidade, os programas estavam muito a cargo da
assistente social. Pois na medida que era criar um programa como assistência ao diabético, era
normalmente uma assistente social que era responsável para fazer avaliação. A coordenação dos
programas ficavam muito um caráter assistencial. -Você já falou algumas vezes do caráter
assistencial você caracterizaria o início do projeto como assistencialista? -Sim era, pois as
pessoas vinham em busca de uma a atenção, elas viam aquilo revertido culturalmente como uma
consulta médica e quando você perguntava na queixa principal qual era o problema, eu estou
nervoso, ou estou desesperado, minha aposentadoria não sai, eram as vezes muitas questões sociais,
persistência de crise hipertensiva pois as pessoas não tinham dinheiro para comprar o medicamento,
tinha gente que fazia o controle da hipertensão no indo e vindo, pois tinham direito a vale
transporte, então eu vou com a pressão alta, me dão um remédio, ou aplicam uma injeção, ele
mantinham o controle assim. A assistente social fazia uma captação ela é da área de ensino, ela era
uma professora de faculdade. Ela fazia um perfil dos profissionais pois os próprios pacientes
diziam que eu vou na fulana. Num dia ela me disse que gostaria eu conhecesse uma pessoa que é
interessante, que está um pouco desmotivado. Eu o conheci mostrei a ele como era a linha de
pensamento, que gostaria de alguma coisa mais ampliada, ele acatou esta idéia e marca uma reunião
na UERJ fazendo uma ponte. Aí eu que achava que ele ficaria inteiramente inserido no programa,
que ele fosse quem atuaria, e a proposta era que ele ficaria, mas aí acabou ficando com o instituto de
educação física e não com ele. Também era para eles uma experiência nova naquele momento, tanto
que eu cheguei a fazer, e para mim foi uma experiência muito agradável, eu cheguei a me sentar
com professor de educação física e montar aula e planejamento. Tipo dando dados de avaliação
410
funcional, de necessidade de reabilitação no campo mental no campo físico. -Você poderia
caracterizar que naquele momento até mesmo professor de educação física e até mesmo os
próprios médicos estavam muito mais aprendendo? -A sim sem dúvida, era uma novidade a
partir da intervenção, havia o aprendizado. Até uma novidade por que você percebia claramente,
primeiro interesse aprender e depois uma responsabilidade com o trabalho que estava assumido. -E
como você que era responsável pelo grupo e que pode-se perceber através de entrevistas com
os idosos, já que seu nome aparece sempre, como é que você conseguiu já que sei também que
não são todos do grupo que foram participar o que determinava quem ia ou não ia. -Isto era
um pouco assim, você tem uma oficina de promoção que é na última sexta-feira de cada mês, um
assunto, uma demanda, um trabalho mesmo de promoção e prevenção, que era uma palestra. Nessas
palestras, que a partir das demandas deles procuramos valorizar os tópicos que agente considerava
importante e eles acabavam escolhendo. Aí no ambulatório se você atendia alguém com hipertensão
por exemplo ou que a gente imaginasse que o trabalho de educação física fosse cumprir um papel de
interação social também, porquê ele foi um marco muito grande na questão da interação social. A
socialização ocorria na sistematização do grupo, as pessoas deixam bem claro que ficar reunidas
numa sala de espera não era a mesma coisa que não lhes trazia o mesmo prazer de ficar reunidos na
espera da atividade física. As pessoas então passaram a demonstrar mais solidariedade se preocupar
porquê que o amigo não veio começou então a existir uma interação e aí foi criando-se um gosto
que as pessoas foram identificando que esta proposta e que esta intervenção estavam mudando
realmente o perfil delas. O perfil funcional, perfil psicológico, isto nós sem nenhum indicador, sem
nenhum protocolo de avaliação, ou uma avaliação eu diria meio informal mas agente tinha clareza
disso. -Por que uma aula semanal? - A proposta do instituto era de duas vezes por semana, eles já
começaram a pensar em duas vezes, mais num primeiro momento a operacionalização assim não me
permitiu, eu queria estar sempre presente pois fui muito ameaçada, inclusive pelo vice diretor da
época que dizia "vai morrer gente". Eu tinha só dois dias para o posto e me deslocava fora do meu
horário. -Você quer dizer que houve uma resistência a atividade física como capaz de vir a
interferir beneficamente com aquele grupo, por parte do corpo médico ao trabalho que se
iniciava? -Sim, mais por desconhecimento, acho muito que naquele momento as pessoas não
estavam preparadas que a assistência ao idosos não era só medicamentosa. A assistência envolve a
atividade física a integração, um contexto de ações. -Depois de quanto tempo surgiram respostas
positivas nos exames ou mesmo no contato com as pessoas envolvidas no projeto? -Nos exames
não, foi uma coisa que chamou muita atenção. Na monitoração da hipertensão eu não diria que
houve uma redução mais diria que estas pessoas ficaram muito melhores controladas já que uma vez
por semana eu conseguia fazer avaliação. O que eu tenho clareza, é do benefício da interação social,
houve uma melhora também no que podemos chamar da preparação da aula, um calçado adequado,
uma maquiagem. Este é um indicador de visibilidade você vê isto. Você olhava para as pessoas
você via as mudanças. -De uma certa forma temos de convir que com uma aula por semana os
objetivos a serem alcançados aproximam-se muito mais ao que nós estamos chamando de
sociabilidade desta forma os aspectos biológicos parecem que não são plenamente atingidos.
Eu pergunto os idosos estavam preocupados com estas melhoras? -Eu acho que coneitualmente
não, na verdade é que eles sempre interessados na diversão, ou seja vida associativa, o fato de estar
lá juntos com outras pessoas. Eu tenho clareza disso, e dou o exemplo do município onde se
utilizam desta estratégia para fazer a assistência. Você deixa que aconteça um grupo sistemático
formal gerontológico e se faz um trabalho em que os coordenadores destes grupos começam a fazer
rastreamento das questões ideológicas e sociais psicológicas e passa os seus encaminhamento. E é
sempre assim pois se você diz nós hoje vamos fazer um mutirão para medir as pressões, ou qualquer
ao coisa assim, você vai ter dez pessoas, se você diz nós vamos fazer uma festa de comemoração
disto você tem cem, nós vamos promover uma dança você tem 150. A questão desta corrida de
ganho do tempo quando você vem para uma festa ou para o lazer e isto está dizendo muita
411
claramente que você está apto, que você está bem você está correndo atrás do tempo que te resta.
Quando você veio para fazer um tratamento de saúde é diferente esta representatividade no idoso eu
não tenha dúvida. Quando eles vem para atividades físicas a gente faz um discurso, fala disso daí, o
pessoal da educação física fala era sempre dizendo para eles que aquela atividade cotidiana que eles
desenvolviam o agachar, o levantar o braço inadequadamente poderia trazer algum prejuízo. A
proposta da atividade é utilizar a força do cotidiano de uma forma mais sistemática e mais
produtiva. -Você é capaz de identificar uma mudança comportamental com seus pacientes, eles
dizem se colocam na sua vida cotidiana a prática de atividades físicas? -Com certeza, muitos
até falam sobre as melhoras e alguns chegam a fazer em casa alguns exercícios. Seguindo o mesmo
algumas recomendações pois há um grande incentivo nessa direção. No trabalho as vezes eles são
solicitados para que fosse trazido toalhas de banho, como se utiliza na vida instrumental. -O você
poderia definir saúde e o que a saúde para o idoso? -A saúde para o idoso até OMS, com sua
definição de saúde é um pouco difícil para incorporar no idoso até mesmo por estas questões bemestar físico e mental no psicológico. Se você pensar neste conceito o velho nunca tem um conceito
de saúde. Ele não é saudável nunca está com isso em dia ele tem sempre uma dependência ou mais
que você trabalha o discurso da promoção ou da prevenção, o velho tem sempre um agravo
específico que necessita mesmo de um tratamento curativo. Na questão uma dependência funcional
poucos são os idosos que não tem um agravo. Por isto a gente sempre diz que este conceito de saúde
não se aplica lá muito bem para os idosos. Essa forma nós não podemos nunca consideraram o
idoso enquanto saudável é ele tem sempre uma questão... ou uma questão social emperrando, uma
questão familiar uma questão de aposentadoria, uma questão de moradia uma questão de luto de
perda eu acho que a saúde é a o velho estar apto a atender da melhor forma possível a suas próprias
demandas eu acho que cada um tem a saúde definida por ele mesmo, é um equilíbrio uma
possibilidade de gerenciar da forma que lhe contemple, acho que é uma questão de bem-estar. A
saúde que eu quero para mim nem sempre é aquela que você quer para você. Eu posso ter todos
esses débitos e posso considerar que eu tenha saúde. Então eu acho que saúde é uma questão muito
autoconceitual. Você pega diversos velhos e eles vão responder eu tenho uma saúde de ferro: é
diabético, é hipertenso. Eu acho muito difícil você dizer que fulano tem saúde eu acho muito difícil.
412
ANEXO 09
Entrevista realizada com a coordenadora de educação física da ARRS
413
-Est-ce qu’il y a dans vos cours un programme suivi? -Oui.-Quelle est votre formation? -J’ai
fait l’UREPS, j’ai fait le Brevet d’Etat sports pour tous, et aussi psycho, qui est ma première
formation. Cela veut dire, que pour moi, cette formation me permet d’associer ma formation de
psychô avec ma formation corporelle. D’associer mes deux morceaux du patchwork. C’est vrai que
ça sert beaucoup et je trouve que c’est très bien adapté au public retraité: à la fois dans leurs
difficulté de vivre leurs pertes physiques, parce qu’ils perdent leurs capacités physiques, et la
volonté que j’ai de leur faire prendre confiance en eux pour qu’ils soient des êtres, mêmes si leurs
capacités ont diminué; qu’ils soient des êtres qui aient une certaine confiance en eux , et que cela
leur permette de s’affirmer dans la vie. Je crois que la matière première que l’on a pour s’affirmer,
c’est le corps. On travaille physiquement sur le corps de façon qu’ils l’aiment, que cela leur les
serve pour être des êtres humains comme nous, dans leur vie quotidienne. -Comment sont
constitués les groupes? -Principalement entre les âges de 60 et 80 ans. Les gens entrent par
différentes portes: il y a ceux qui viennent parce que certaines activités physiques ne leur sont plus
permises. C’est vrai que les méthodes de travail permettent aux gens de faire les exercices d’une
façon douce. Donc ils ne sont pas handicapés par une performance physique normalement. Il y a des
gens qui viennent là parce qu’ils ne peuvent plus faire autre chose, il y a beaucoup d’échecs avec
ces gens là, parce qu’ils se trompent sur la façon d’entrer dans le travail. Il y a des gens qui
viennent, peut être pas consciemment mais inconsciemment, parce qu’ils ont du mal à vivre cette
période de la retraite, ils ne sentent pas bien quelque part. Les nouveaux contacts leur permettent de
se sentir mieux. -Est-ce qu'ils ont eu un passé sportif ou commencent-ils? -Il y a les deux, ceux
qui sont dans la première catégorie, qui sentent que leurs capacités diminuent. Ils viennent là parce
qu'ils ne peuvent rien faire d'autre, avec ceux là, on a du mal. Ceux qui commencent, c'est souvent
bénéfique. C'est avec eux qu'on a les meilleurs résultats. Ils acceptent que leur état physique est
comme ça. Mon objectif premier c'est faire le tour du propriétaire, du corps, de voir ce qu'ils
peuvent faire, ce qu'ils ne peuvent pas plus faire, ça on met de côté. Il y a une réalité qui existe et on
travaille avec cette réalité là. -Pour faire un bilan utilisez-vous quelque évaluation? -Dans un
cours de gymnastique d'entretien, si l'on fait une évaluation sur l'adresse, là c'est facile, parce qu'on
va mesurer: si c'est une cible à atteindre, c'est facile de compter des points, si l’on veut mesurer
l'amplitude d'un saut, c'est facile aussi à quantifier avec des outils. Finalement, c'est l'auto
évaluation qui va prédominer dans ce genre de cours. -Comment percevez-vous cette auto
évaluation? -C'est vrai que les consignes d’évaluation, c'est très verbal. Moi je procède comme ça:
déjà dans la progression du cours, on commence toujours allongé pour que les gens aient des bons
repères de leur corps, donc le sol est une évaluation en soi. Le contact avec le corps renvoie une
bonne perception du leur corps, ça c'est le travail du 1er trimestre. Ensuite on se penche sur le
travail de respiration , savoir comme on respire. Là on a fait tout un travail au 1er trimestre, parce
que ce n’est pas évident la façon dont les concevaient leur respiration. Il y en a même qui faisaient
tout à l’envers pour qui ça a été une découverte. La respiration, là où on essaie de la sentir au niveau
de la cage thoracique, les répercussions au niveau de l’abdomen, qu’est ce que cela entraîne au
niveau de la force et puis après on la met au service du mouvement. Ces exercices respiratoires sont
toujours faits allongé. Normalement, nous sommes des êtres humains sur nos deux pieds, notre
mode de vie de fonctionnement quotidien, c'est de véhiculer dans la vie sur nos deux pieds. Il
faudrait qu'on puisse transposer tous les bons repères qu’ils commencent à avoir au sol, en position
intermédiaire, verticale ou horizontale, mais le corps n’ayant plus comme support le sol, voire vers
une position verticale dans l’espace. C’est un petit peu çà la progression du cours, maintenant on en
est encore très loin, très loin de pouvoir avoir de bons repères dans l’espace C'est un petit peu
paradoxal parce que finalement on est en permanence debout, en fait, les gens tels que je les ai
maintenant, ils sont peu capables de bien se percevoir dans l'espace, de faire quelque chose dans
l'espace de façon bien adaptée. -Ça c'est un problème d'âge ou du groupe? -Moi je pense que
c’est un problème d’âge, mais au-delà de l’âge physique, c’est un problème psychologique, parce
414
que les gens de cet âge là refusent de voir leur corps vieillir, ils ont un mal fou à se sentir vieillir, à
perdre leurs capacités physiques, psychologiques, à sentir que l’âge avance, et cela se traduit quand
même corporellement, alors donc, leur solution est de ne plus trop s’habiter de l’intérieur, mais de
se projeter à l’intérieur. C’est à dire qu’ils s’appuient sur des images extérieures. J’ai vraiment dans
ce cours un rôle à jouer pour leur redonner une certaine confiance, pour leur dire voilà quelle est
votre réalité, on fait avec cette réalité, et elle va vous servir pour être à l’aise dans la vie quotidienne
-Etes vous plutôt psychologue dans votre travail que professeur d’Education Physique?- Quel
que soit le cours où on va aller même en gymnastique d'entretien on n'est plus dans un terrain de
l'EP. L'éducation physique a pour but d'éduquer, elle s’adresse plutôt à un jeune public, dans la
conception des choses. Dans une conception didactique, on est obligé de faire une bascule, qui est
très difficile, là on s'adresse à des adultes, à plus forte raison des adultes qui vieillissent. La
problématique n'est pas du tout la même. -Vous faites animation ou éducation? -Il n’y a pas de
pont entre les choses, cela évoluera probablement parce que la génération des retraités que l’on a
actuellement n’est pas composée de retraités qui ont eu l’habitude de l’Education Physique. Bien
souvent les retraités que l'on a, quand on regarde les milieux sociaux professionnels, sont de gens
qui ont travaillé très jeunes. Donc ils n'ont pas eu l'habitude d'une éducation physique. Ca c'est une
chose, la deuxième, et que je persiste à dire, c'est que l'éducation telle qu'elle est faite pour les
enfants, elle est tournée vers la notion de performance. Or qu’est-ce qui arrive quand ils vont passer
leur bac. Les 3/4 ne font plus d’éducation physique, que pour leur temps de loisir. S'ils en font ils
entrent probablement dans le cadre d'une activité de club avec des performances, et tout est dirigé
dans l’enseignement, même si on le dit autrement vers la performance. Donc, quand cette
performance s'éteint avec l'âge, ça arrive très tôt. A 20 ans, dans un sport, on n’est quasiment plus
performant, il y a un trou, les gens ne sont plus capables de rattacher ce qu’ils ont fait en Education
Physique à l’école à ce qu’ils peuvent éventuellement faire dans le cadre du loisir. Et quand on se
penche sur l'utilité qu'on peut avoir, d'apporter, de transmettre un savoir d'éducation physique ou
d'animation physique, on est tout de suite heurté a ce problème là. On se dit au fond, à quoi ça peut
servir de faire faire de l'EP à des adultes et à plus forte raison à des retraités. Et c’est là où moi je
pense que le cours de gymnastique est intéressant parce qu'il voit la personne retraitée sous sa
globalité d'être humain, d'être physique, d'être psychologique, d'être surtout sur ces 2 terrains là. Les
retraités, ça me plaisait bien, parce que comme les enfants, non pas que je les compare, surtout
qu'ils n'aiment pas çà, ils ont fait table rase de savoir s'ils sont dans la norme ou pas. Enfin, ils sont
moins stressés que les adultes qui sont dans la vie active, ils n'ont plus cette notion de performance
d'être bien, d'être coincé un petit peu par le coté médiatique qui tourne autour de leur personnage.
Réellement parlant, je trouve que c’est faux, parce qu'ils souffrent beaucoup de vieillir. C'est un peu
paradoxal par rapport à ce que je viens de dire. Le fait qu'on privilégie les enfants et les adultes les
plus performants, alors qu’eux aussi sont sensibles quelque part aux performances. Quand j’allais
faire le cours aux adultes, c’était après leur journée de travail, ils venaient là pour passer une heure,
pour se dépenser, pour suer, pour transpirer. Le côté relationnel avec eux, ne m'intéresse pas
tellement. -Quel est l'objectif principal pour les personnes âgées? -L'objectif c'est la santé
physique. Physique en plus. Secondairement psychologique, avec tous les problèmes que suppose la
mise à la retraite, de quitter son travail, perdre son conjoint, perdre ses enfants, enfin une vie qui
change autour d'eux. Un autre qui rejoint ces deux premiers, c'est l'aspect convivial, ils viennent
parce que souvent ils sont seuls. Ils viennent pour passer un moment avec quelqu'un, il faut
absolument que ces choses là soient réfléchies. Bien sûr que dans la santé physique il y a tout ce qui
est entretien musculaire, articulaire, coordination motrice, tout çà fait partie de la santé physique.
Dans la santé psychologique c'est la confiance en soi et le cours de gymnastique travaille beaucoup
sur cet objectif là. -Combien de séances par semaine? Est-ce qu’ils font autre chose. -Il y a
plusieurs cas de figure. Il y a ceux qui font 4, 5 heures d’activité par semaine. Mais il y en a d'autres
qui ne vont faire que ça. Il faudrait l'idéal: ce sera quand même que ces gens soient autonomes par
415
rapport au contenu que je leur donne, qu'ils l’appliquent, et que de temps en temps ils se remettent
chez eux en condition pour reprendre le contenu et faire. Ce qu'ils font en une heure ce n'est
certainement pas suffisant pour améliorer leur état de santé et psychologique ça c'est sûr. On n'en
est pas arrivé là. -Est-ce qu'il y a un feed-back. -D’activités chez eux, il y en a très peu qui le font,
surtout quand il y a l’approche des vacances, je leur dis il faut entretenir. Il y a d'autres qui font des
transferts d'activité. J’ai comme exemple une dame qui m’a dit utiliser la respiration dans la marche
ou dans la natation. Il y en a d'autres qui me disent que la respiration leur sert pour monter les
escaliers, pour prendre les courses, pour équilibrer les courses dans les mains, pour ne pas s’abîmer
le dos, pour ramasser les objets chez eux quand ils se baissent, pour faire leur lit. Voilà, il y a des
gens qui font du transfert, mais c'est très peu.
416
ANEXO 10
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UnATI/UERJ, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas
417
-O que irá se passar na aula e como você prepara sua atividade?
-Nós nunca sabemos o que vai acontecer, a seção é sempre dada em função das queixas que nos são
apresentadas antes de iniciar a aula. Sempre no começo, alguém vem com uma queixa. A gente
mais ou menos sente o clima como está para ver se vai ser um trabalho mais dirigido ou não.
-O que vai se passar hoje será a primeira vez ?
-Ela está dentro de um contexto.
-Vocês trabalham com os objetivos trazidos pelo grupo naquele momento é isto ?
-Sempre. Existe um espaço social onde eles ate podem falar.
-Como vocês avaliam se o trabalho atingiu seus objetivos?
-No final da seção eles também falam.
-Quer dizer que a resposta é sempre deles ?
-Mas também ha a nossa observação.
-Vocês tem alguma ficha de controle?
-Temos uma do geral feita a cada dia.
-Ela é baseada em que, quais seriam os pontos os mais importantes ?
-Nas informações que a gente recebe deles, sobre os problemas das dores, como eles estão se
saindo. A historia de cada um, as facilidades no dia a dia, como vir a subir com mais facilidade em
um ônibus, ou a perna que já abriu mais, o no final da aula eles percebem e nos dizem que alguns
exercícios que eles não faziam, estão fazendo. No consultório, nos temos um controle muito maior
do que a gente tem aqui, cada paciente no consultório e entrevistado e feito uma amnese, é
explicado como é o trabalho. Faz-se uma avaliação postural, uma avaliação clinica. Começamos um
trabalho individual, ate o momento que se pode passar para o grupo. O grupo é de dez pessoas, aqui
no ano passado tentou-se fazer as entrevistas separadamente. Deu para fazer com algumas pessoas,
mas tomava um tempo tão grande que não deu nem para acabar, o grupo era muito grande. Este ano
nos distribuímos um questionário, com algumas perguntas individuais.
-Qual seria o conteúdo?
-Nome, endereço, telefone, contatos, pois eventualmente pode ocorrer algo, profissão, tempo de
aposentadoria, dados clínicos, doenças crônicas, problemas respiratórios, digestivos, cirurgias.
-Ha alguma ligação, entre vocês e o medico da UnATI/UERJ?
-Existe aqui na UnATI/UERJ um serviço de ambulatório que tem a proposta de fazer uma avaliação
clinica individual, eu tenho observado que muitos passaram por este controle, mas outros não. Caso
necessário, nos podemos fazer uso deste ambulatório.
-É solicitado que os exercícios sejam feitos em casa?
-Tentamos, mas é difícil.
-Ha a noção de progresso?
-Sim, ha depoimentos muito bonitos.
418
ANEXO 11
Entrevista realizada com a Orientadora pedagógica do PAM/IMMA
419
-Qual sua função no projeto?
-Eu oriento as aulas, acompanhando os alunos bolsistas verificando regularmente como os alunos
mestres vão dinamizar as aulas. Chegando mesmo quando necessário “até mesmo a modificar
algumas questões. Nós estamos querendo mofificar um pouco, sair da diretividade, ver se funciona
um trabalho mais livre.
-Qual o objetivo principal do trabalho?
-Ele pode ser entendido nestes termos, inicialmente foi a socialização, como ela já está efetivada e o
grupo já está socializado, nós estamos agora tentando trabalhar a questão da autonomia. Trazer para
dentro do espaço de aula o trabalho de uma manutenção real da autonomia deles.
-Existe uma preocupação terapeutica com os idosos?
-A partir do setor de geriatria eles são encaminhados, ninguém pode começar as atividades sem
passar antes pelos médicos. Os idosos que participam das atividades já vêm encaminhados, tendo
passado primeiro pelas médicas responsáveis. Depois explicamos direitinho para os alunos o que
vai ocorrer. Os médicos nos orientam como agir em certas ocasiões, como por exemplo, quando
alguém que têm uma pressão máxima de 18 ou 19 ou menos de 7 ou 6. Nestes casos eles
recomendam deixar a pessoa sentadinha quietinha.
-Como se organizam as atividades físicas no projeto?
-É o Alfredo que vai ter a decisão seja por, mudança uma mudança de metodologia ou a orientação
na questão dos testes. Por exemplo ele: com relação as aulas, observou que a gente nas aulas ainda
não estava trabalhando a questão da autonomia. Nós estamos buscando mecanismos para correr
atrás desta questão de autonomia. Tanto é que a gente está sugerindo para os alunos mestres
utilizarem mais material, pois a mão livre é uma coisa, mas quando voce cerceia o movimento é
outra ação.
-Como as aulas são preparadas?
-No início de cada ano letivo a gente coloca para os alunos mestres o que cada mês será priorizado.
Mensalmente há uma reunião e ao final de cada aula eu me reuno com aquele que acabou de
ministrar a aula. Enquanto orientadora a gente organiza as aulas, não que a gente retire, por
exemplo, a questão do trabalho de esforço, flexibilidade... Veja bem a cada 15 dias a gente prioriza
algo, por exemplo o equilíbrio... não quero dizer que não se enfatize mais a força, a flexibilidade ou
o trabalho muscular geral, trazer a dança tirar a dança.
-Quanto a dança, fale sobre a inclusão dela no projeto?
-A gente vem trabalhando alguns elementos como por exemplo as voltas, não de uma forma
técnica.. pode-se observar que os movimentos de transferência na dança, da transferência de peso do
corpo na dança são super importantes para eles. Jogar o peso do corpo para um a perna e como fica
o restante do corpo, é a busca do equilíbrio a gente vê que na própria caminhada a gente observa
esta transferência do peso do corpo. Eu acho que equilíbrio é fundamental pois eles estão sempre
andando por aí. Na dança independe do estilo mas a gente pratica rítimos variados, mais o popular
brasileiro. A dança não é a parte principal da aula, como pegamos o esquema da D. Collignon é a
quinta parte, onde ela fala de deslocamento no espaço. A dança estaria inserida neste contexto. A
gente faz o aquecimento para quando chegar na dança eles já estarem mais fluentes em termos de
movimentos. Inicialmente a gente a colocou como objetivo principal, mas hoje em dia não é mais
não. Para os idosos não que eles desgostem das outras mas a dança eles adoram, até por que a gente
teve que explicar para eles. As vezes a gente alongava muito a parte de preparação corporal, de
trabalho de flexibilidade, de uma dinâmica mais ou menos moderada com eles. Então quando a
gente partia para a dança, mesmo para dancinha tipo de salão, quando parava, eles falavam: puxa
vida, esta parte que é a melhor voces trabalham pouco tempo.
-Como é feita a escolha dos exercícios?
-Os bolsistas dão sugestões, há um planejamento, os alunos estagiários dão sugestões, às vezes eu
digo não, As vezes eles dizem que vamos experimentar, até pode, mais a gente vai ver como eles os
420
idosos vão reagir Os exercícios são escolhidos a partir de uma revisão de literatura como o livro de
Baur e Egler. A médica deu alguns livros de fisiologia. Como os idosos são pessoas não treinadas a
gente começou a trabalhar movimentos bem simples e bem diretivos, quase calistênicos. Não aquela
calistenia bruta, a gente procurou suavizar até por que a gente é dinâmico. Nós começamos com
esta questão de diretividade, eles não têm noção de direita e esquerda. No ano passado a gente teve
uma proposta interessante que era de brincar com eles através do movimento. Eles deram uma
resposta interessante, alguns pararam, mas se a gente persistir, acho que a gente consegue.
-Voce considera que existem exercícios para mais adequados para idosos ?
-A gente quando vê na literatura e analisa o grupo a gente vê que há exercícios que são inviáveis.
Por exemplo afastamento muito grande das pernas, é impossível para eles, muito difícil, problemas
nos joelhos etc. Desta forma não existiria uma metodologia adaptada ao grupo que freqüenta estas
atividades dificultando a preparação das aula.
-Quanto aos pequenos jogos?
-A gente estava abordando, a gente está entrando com o jogo mais muito pouco. Ano passado a
gente teve uma experiência, foi até interessante, um dos alunos estagiários entrou com um jogo,
cambio. Mas eles sentem muito cansaço... e aí a gente percebeu uma coisa que a gente não quer
trazer, a competitiviade. Os que têm mais habilidade, começam a não permitir que os outros
participem.
-O que foi ensinado?
-Uma coisa foi fundamental, eu sei que voce vai achar piegas, mas foi uma questão de amor, de
gostar de fazer aquilo... sentir um crescimento pequeno, mas é o crescimento deles, ver as feições
alegres. Com certeza existe progresso e muito. Ainda não tratamos dos resultados dos testes, mas a
partir dos resultados apresentados pela médica, ficamos sabendo alguns dados, diminuiu a pressão,
a ida deles ao fisioterapeuta. Muitos que tinham processos depressivos a medicação foi sendo
abandonada. Isto aí quer dizer que é a promoção da saúde.
-Faça um perfil dos idosos?
- Os aposentados são da classe trabalhadora a cultura deles passa pelo pagode, pelo samba, pelo
samba de roda, pela festa junina. Quando se coloca um sambinha eles ficam todos animados. No
início do trabalho usamos até Villa Lobos, mas eles falaram ih, esta música é fúnebre. Eu acho que
aos poucos a gente poderá modificar um pouco. O grupo que é freqüentador do PAM é diferente
dos que estão no pólo UERJ. Por incrível que pareça os alunos mestres que trabalham no PAM,
num ambiente que é menor, com poucos recursos são bem mais dinâmicos, parece que sentem mais
prazer. O grupo é heterogêneo, em termos etários e patológicos, a gente não passa da atividade
considerada moderada, até para não os prejudicar. Os alunos têm entre 65 anos e 87 anos, mas neste
último caso só temos um. A gente está com um número grande, eu acho que para dar uma aula
tranqüila, o número de alunos deveria ser de no máximo até 20 alunos, mas a gente está com mais.
Nossa idéia é ter mais dias disponíveis para eles e nosso grande problema é lá no PAM em que é um
dia só de atividade física. Fica complicado fazer os alunos mestres saírem daqui já que eles estudam
aqui.
-O que é ser aposentado no Brasil?
-Seria um prazer se o aposentado tivesse recursos para se manter até o final da vida, em termos de
moradia, prazer, lazer, diversão, alimentação, a gente sabe que o dinheiro do nosso aposentado é
triste, terrível.
-Dentro do currículo do Instituto de educação física da UERJ o que existe como disciplina que
prepare para atuar com idosos?
-No Currículo desta Universidade até agora não foi oferecida uma disciplina que aborde questões
relacionadas ao envelhecimento e as atividades físicas, só acontecendo quando ela foi oferecida
como tópicos especiais. Foi a única coisa voltada para idosos. No ano passado a gente teve pessoas
421
de outras universidades observando o trabalho e muitos nos fizeram algumas críticas que eu acho
impertinente: o trabalho de vocês não passa de moderado, será que não fica cansativo!
-Qual o significado da relação atividade física e saúde?
-A atividade física simboliza o movimento humano. Eu acho que através da atividade física ela
representa até o que você é. Aquela coisa que você mantém lá dentro você consegue externar
através da atividade física. Em primeiro lugar a atividade física deve ser voltada para a promoção da
saúde e a socialização.
-De onde vem a saúde? -A saúde vem da mente da gente, sei lá, do corpo, acho que vem da cabeça
da gente. Nós é que somos responsáveis por ela, vem da alimentação, do seu dia a dia, até em cima
de sua qualidade de vida, como você direciona a sua vida. Saúde é um bem estar geral, mental,
físico emocional, afetivo enfim..
-Fale-me sobre a saúde pública brasileira? -É triste, precário, a não ser que você tenha recurso,
que você pague um plano de saúde, mesmo assim eles são bem questionáveis. O PAM é uma
exceção, principalmente a parte da geriatria.
-O que você pode falar sobre a aluna mestra responsável por conduzir as atividades?
-Flávia é uma estudiosa, ela correu atrás. Para nós é importante que eles tenham contato com uma
outra literatura que eles queiram fazer pois afinal nós estamos também experimentando. Ela sempre
quando vai apresentar algo novo ela me apresenta antes da aula. Já quando eu percebo que ela
mantém o grupo muito tempo de pé, e eles sentem cansaço, eu chamo a atenção.
422
ANEXO 12
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UTL/Rennes, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas
423
-Vous êtes responsable d’un cours de gym douce, que veut dire Gymnastique douce?
-Pour moi, ma définition à moi, la gymnastique douce c'est d’apprendre à une personne retraitée. Je
n'aime pas ce terme âgé, je ne sais pas où la vieillesse commence, qui est âgé et qui ne l'est pas.
Pour moi la question âge est dans la tête. La gymnastique douce c'est avoir comme premier objectif
de faire que ces personnes apprennent à connaître leur corps. Au fur et à mesure de la progression
des exercices, ne pas maîtriser, mais connaître ses limites et ses capacités.
-Pouvez-vous m'expliquer les différences entre séance de Gym douce / Gymd'entretien?
-En matière de gymnastique il n'y a pas beaucoup de lapsus entre gymnastique d'entretien,
gymnastique volontaire et strecthing. On a un petit peu tout mélangé, on a cherché à mettre des
étiquettes sur telle ou telle activité, mais finalement je ne crois pas qu’il y ait tellement de
différence. Je crois que la différence est en fonction du prof, c'est lui qui va donner sa définition.
C'est vrai qu'en matière de gymnastique, vous pouvez soumettre la question à plusieurs personnes
qui interviennent ou à des animateurs, personne ne va vous donner une définition précise.
-Si l'on parle de la question d’un savoir à transmettre?
-Ça me pose un problème à moi, parce qu'en tant qu'intervenant en gymnastique douce, comme il
n'y a pas de définition précise, en matière de bouquin, je ne sais pas où me placer. Donc je me place
par rapport à ma définition personnelle.
-Quelle est votre formation?
-Prof d'Education Physique, maîtrise à Rennes.
-Votre rôle à l'UTL, êtes-vous un prof. d’éducation physique ou un animateur ?
-Cela dépend du jour, du groupe, dans lequel j’interviens. Ici je me sens plus comme animatrice,
mais quand je travaille avec des scolaires, je me sens comme prof. Je me sens mieux dans le rôle
d'animatrice.
-Est-ce que vous faites de l'enseignement à l'UTL?
-Oui, j'enseigne quelque chose mais avant tout, j'anime le groupe.
-Quels sont vos objectifs?
-Ils sont multiples, avant tout c'est un rôle de sociabilité. Je crois qu'en fin, vous remarquerez quand
vous observez les séances, qu’il y a un rôle de rencontre, de détente, de recherche de l'autre, de faire
quelque chose avec l’autre, de discuter avec les autres, c'est un rôle social. Ces personnes qui sont là
viennent d'un milieu social petit bourgeois, professions libérales, donc c'est vrai qu'en dehors de
l’activité physique, ils ont quand même envie de garder des contacts avec la société,
l'environnement culturel, même professionnel. C'est quand même un rôle social. Comme 2ème
objectif, de mieux être, au niveau corporel, à être mieux dans son corps, ça peut rejoindre l'objectif
de la santé.
-Ce n'est pas la première fois que vous parlez de santé (avant de commencer l’entretien elle a
parlé sur ce sujet), mais j'observe que vous hésitez un peu?
-Non, je ne sais pas très bien le terme qui convient. Ils ne sont pas grabataires, ils sont capables de
faire et ont un potentiel énorme, mais qui n'a jamais été exploité. C'est pour ça qu'ils vont à
beaucoup de séances d'activités physiques où ils redécouvrent quelque chose au niveau corporel,
s'ils sont capables de faire ou s'ils ne le sont pas.
-Quant aux objectifs des adhérents?
-Ça dépend, je vais faire une différence entre les hommes et les femmes. En gym douce, il n'y a pas
beaucoup d'hommes. Il y a plusieurs catégories de femmes: il y a celles qui viennent parce que
pendant leur vie professionnelle et de famille, elles n'avaient pas de temps de s'occuper d'elles,
d'avoir des loisirs, de s'occuper de leur corps. C'est vrai qu'en France et dans les pays occidentaux il
y a tout un battage médiatique 'la femme et son corps'. Lorsqu'elles arrivent à un certain âge, qu'il y
a plus de disponibilité familiale et professionnelle, c'est là qu'elles prennent conscience de s'occuper
d'elles et de leur corps. Un besoin de recherche d'esthétique, même si elles ne veulent pas l'avouer
verbalement. Franchement il y en a qui l'avouent sans tabou.
424
-Est-ce que préparez-vous vos séances à partir d’un planning ou d’un programme à suivre?
-Je ne planifie pas pour toute l'année. Je fais d'abord une progression en commençant au début de
l'année par des choses élémentaires, des choses de base, et après des choses un peu plus
compliquées.
-Comment faites-vous pour choisir une charge (l'intensité des exercices)?
-Il n'y a pas du tout comme objectif de faire 15 ou 20 répétitions. Les adhérents viennent ici avant
tout pour se faire plaisir. Ils sont en toute confiance. Si l’exercice est difficile pour chacun, ils le
font ou ils ne le font pas.
-Comment faites-vous l’évaluation du progrès des adhérents?
-Non, c'est moi qui la fait pendant toute l'année, en générale assez bien régulièrement. Donc de
l'observation du début de l'année, et de l'observation à la fin de l'année, je vais savoir les progrès qui
ont été faits.
-Quel est l'âge moyen des adhérents?
-Il faudrait leur demander, mais je crois que c'est entre 55 plus de 70 ans. La plus âgée doit avoir 75
ou 76 ans. Ici, c'est ma 3ème année avec ce groupe. Il est constitué de fidèles, il y a toujours un
noyau dur, et chaque année se greffent à ce noyau des personnes récemment à la retraite.
-Pourquoi une séance par semaine?
-Ce n'est pas suffisant, deux séances seraient l'idéal, mais il y a des problèmes d'infrastructure: louer
une salle etc. Le groupe est constitué de gens très occupés qui ont un planning très chargé, et
régulièrement participent entre 24 et 25 adhérents.
-Dans la formation que vous avez faite, est-ce que vous considérez avoir reçu des
connaissances suffisantes pour bien savoir comment travailler avec les personnes âgées?
-Du tout, je travaille avec toutes les tranches d'âges, dès la maternelle jusqu'aux personnes âgées.
C'est vrai que ce sont les groupes de retraités qui sont les plus motivés. La régularité dans ce qu'ils
font et le sérieux. Cette salle ici ne convient pas à la gymnastique, elle est trop petite. Le groupe
arrive toujours 15 minutes avant de commencer la séance, et ils en profitent pour ce que j’appelais
le rôle social, ils prennent le temps de discuter de leurs loisirs, de leur vie, de leurs problèmes.
425
ANEXO 13
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento na ARRS antes de iniciar o ciclo das atividades observadas
426
-À combien de temps vous travaillez aves des retraités ?
-Je travaille avec des petits de 5 ans jusqu’aux personnes de 95 ans. Je me sens plus à l’aise de
travailler avec les personnes âgées. La décomposition du travail est la même, même si les objectifs,
la façon de faire, le vocabulaire ne sont pas semblables, par contre pour la décomposition de la
tâche, pour décortiquer le travail, cela revient au même. Ensuite, parce que je me plais mieux d’être
avec les personnes âgées, je me sens plus à l’aise, peut être que parce que je suis mamie.
-Quelle est votre formation ?
-J’ai une formation d’animatrice en gymnastique volontaire, une formation spécifique par rapport au
vieillissement physiologique, anatomique et psychologique, aussi par rapport à l’environnement
social. On a des enquêtes à faire sur le milieu, la condition de vie, les maisons d’hébergement des
personnes âgées.
-Quels sont vos objectifs dans la séance?
-On a un travail de communication, on est un groupe d’orientation par l’espace. J’avais mis des
quilles par exemple, on va refaire parce que cela faisait trop d’informations et de contraintes, ils
mélangeaient tout. Je suis obligée de refaire, de repenser mon travail. C’est important, dès qu’ils
changent de direction, ils sont perdus, surtout dès que c’est la marche arrière, et moi je veux qu’ils
marchent en arrière, par rapport à l’équilibre, à un souci, par rapport aux déflecteurs au niveau des
épaules dans les articulations des épaules et ça change toute la statique du corps. Elles ont tendance
ou à être vers l’avant ou au contraire hypercentrées vers l’arrière. Marcher en avant et en arrière est
un problème d’orientation et de retrouver son corps dans l’espace. On peut appeler ça de la
gymnastique d’entretien. Alors, il a un souci d’orientation, de communication, et coordination, par
rapport au temps, par rapport à l’espace, par rapport à soi et par rapport aux autres. Il y a un travail
de mobilité, d’agilité, de descendre au sol, se tourner à genoux, passer assis, passer debout, se
mettre en équilibre sur un pied, aller en avant et aller en arrière, un réel problème, vu surtout si on
veut tout enchaîné, tout combiné.
-Est qu’il a des différences particulières entre les méthodes utilisées en gymnastique
d’entretien et dans une autre gymnastique, ou les méthodes utilisées sont-elles communes?
-Il faut être très attentif aux personnes, savoir redécomposer, éventuellement aménager le
mouvement pour les personnes qui ne peuvent pas, qui ont une morphologie qui a vieilli avec des
arthroses, l’arthrite, des rhumatismes, des accidents parfois de voiture, ou n’importe, avec des
fractures et donc certains mouvements, elles ne peuvent pas le faire, sont complètement bloqués,
donc il faut trouver chacune à son niveau.
-Est-ce qu’elles apportent un certificat médical quand elles arrivent pour la première séance?
-En principe elles doivent apporter à l’OPAR un certificat médical de non contre-indication, c’est à
dire d’un médecin spécifique. Moi, par exemple, je ne fait pas de cardio-pulmonaire, parce que pour
les cardio-pulmonaires, il y a la prise de pouls, tout ça, on ne peut pas. Du moment qu’elles ont été
deux fois trois minutes vraiment en activité soutenue, c’est ça, pour moi, la cardio pour ce groupe.
Je crois que cela leur suffit. Elles viennent en bus, la plupart viennent de loin, donc c’est quand
même une après midi qui leur prend deux bonnes heures d’activité complète et je crois que ça
suffit..
-Quels sont, selon vous, les objectifs des adhérents ?
-Bouger et rencontrer les autres. Bouger pour garder une certaine agilité pour pouvoir vivre seuls.
La plupart s part sont seuls, et ça fait un lieu de rencontre , c’est très important.
-Si vous mettiez ces objectifs sur une échelle de valeur ?
-En premier bouger et après les rencontres.
-Est-ce que cela a un rapport avec la santé?
427
-C’est pour préserver le capital qu’elles ont actuellement, ne serait-ce que la mobilité articulaire,
parce qu’on ne peut pas faire de renforcement musculaire, on peut rien faire, Plus on bouge, plus
elles préservent leur capital santé par la fixation du capital osseux, parce que le mouvement favorise
la fixation du calcium pour le squelette et l’activité constante permet par la fonction cardio
pulmonaire de retrouver une grande envergure par rapport aux articulations.
-Est-ce que vous suivez un programme ?
-J’essaie de suivre un projet pédagogique. Par rapport à un groupe comme ça, leur attention est très
réduite, je suis obligé à chaque fois de refaire petit, ça fait bric à bac, je suis obligée de faire quelque
chose de saupoudrée, que de faire tout comme on fait avec des adultes, par exemple, un même
objectif pendant vingt minutes avec des variables, tandis que là, même les variables c’est trop pour
elles, elles se fatiguent physiquement et moralement dans l’attention.!
-Pensez-vous qu’il y a une préoccupation esthétique ?
-Non, je ne pense pas. Pour le groupe des plus âgés, pas question, c’est fonctionnel à mon avis,
même sur le plan vestimentaire, coquetteries ou autres, je n’ai pas remarqué ça. Elles ont entre 70 et
80 ans.
-Pour vous quelles sont les grandes différences entre la gymnastique douce et la gymnastique
d’entretien ?
-La gymnastique d’entretien c’est un entraînement normal pour un adulte en bonne santé et en
activité soutenue. Par contre, j’entends par gymnastique douce, parce que là il faut vérifier auprès
de chaque responsable, pour moi c’est une gymnastique à base de relaxation, de sensations, donc on
va faire dans le mouvement, mais tranquille, au ralenti, parce qu’on va voir tout ce qui se passe à
l’intérieur du corps et ce n’est pas le mouvement qui compte. Par contre, la gymnastique
d’entretien, c’est le mouvement qui va prédominer, on veut bouger les segments, on veut produire
un effet, une forme qui n’intéressent pas la gymnastique douce, c’est la perception, la sensation
personnelle, la proprioceptive, si ça vous dit quelque chose.
-Selon votre pratique quels sont les obstacles qui empêcheraient les personnes âgées de mieux
maîtriser une situation ou un exercice proposé ?
-Une perte de mobilité articulaire, un certain ankylosement, une rigidité, par ce qu’en fait moins on
fait fonctionner ses articulations, les cartilages ne sont plus innervés, ne sont plus vascularisés et ça
se solidifie par l’âge. Le mouvement retape ces choses là, le mouvement retarde le vieillissement en
quelque sorte, permet de pouvoir bouger, à mon avis.
-Est-ce vous notez des progrès ? Est-ce que vous évaluez l’évolution du travai ?
-On ne le fait pas, parce que ça prendrait trop de temps, à la limite, c’est ça. J’en ai fait quand j’étais
en formation, on était obligé de faire des rapports, mais dans la vie de travail je ne dis pas que ce
n’est pas possible, parce qu’il faut des choses précises et en plus un jour vous n’êtes pas en forme,
vous ne réussissez pas, le lendemain vous êtes en forme, vous avez bien dormi, il y a un tas de
facteurs qui entrent en jeu, et on y arrive. Je crois qu’il faut que cela soit régulier par contre. Mon
critère de réussite est quand les deux tiers du groupe vont avoir réussi à atteindre l’objectif. Par
exemple, pour le déplacement entre les quilles, les objectifs n’étaient pas du tout atteints, donc il
faut que je repense mon travail d’une autre façon, Le minimum n’était pas du tout atteint. Par
rapport au groupe, il n’y en avait qu’une ou deux qui avaient compris réellement ce qu’il fallait faire
et qui réussissaient.
-Est-ce qu’elles vous renvoient un écho de votre travail, si elles font les exercices à la maison ?
-J’ai déjà fait une enquête comme ça, par rapport aux adultes. C’est vrai que certaines disaient venir
à la gymnastique d’entretien, ça permet de mieux vivre, moins fatiguées, à faire le travail quotidien,
maintenant c’est quand même assez subjectif.
428
ANEXO 14
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UnATI/UERJ, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo
das atividades observadas
429
Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica antes de iniciar
a primeira atividade filmada
-O que pode ser falado sobre o desenvolvimento da ultima aula ?
-Eu tenho que me lembrar o que nós fizemos na ultima aula. Não, eu acho que a gente pode lembrar
sim. O que acontece é que de um maneira geral na proposta de trabalho que a gente tem. Aqui , nos
estamos fazendo em dois níveis. Mas o tipo de trabalho, de programação é de fazer uma proposta de
uma correção, uma mobilidade articular. Quer dizer a gente está sempre buscando uma melhora do
estado físico sem perder de vista a proposta corretiva. A gente procura sempre uma correção
postural. A gente está trabalhando com um grupo da terceira idade. O que a gente já sabe o que vai
acontecer com o idoso: uma perda de flexibilidade, uma baixa de resistência uma diminuição de
coordenação, de equilíbrio, uma diminuição da capacidade respiratória, enfim, a gente vai tentar a
prevenção e utilizar as posturas no trabalho, isto seria no global. Uma coisa que me chamou atenção
na aula anterior, foi de trazer a discussão do grupo de teatro no inicio da aula, perdeu-se muito
tempo no inicio da aula. O grupo do teatro é pequeno e a nossa proposta é global.
-Será que vocês observaram que alguns exercícios ou situações produziram alguma
dificuldade de execução.
-Eu não notei nada não. Deixa eu lembrar: nos trabalhamos muito equilíbrio em pé, membros
superiores, flexões de braço. Nós trabalhamos muito ritmo, coordenação e equilíbrio. Eu não notei
nada não.
-Quer dizer que foi tudo conforme suas previsões?
-Foi.
-Hoje, o que vai acontecer ?
-Vamos ver como eles chegam, eu quero saber se eles tem alguma queixa e ai a gente monta a aula
em cima das queixas. Eu já ouvi falar de dor lombar, possivelmente nos vamos tratar esta dor
lombar se não vierem outras queixas.
-Sempre é em cima das queixas ?
-Sim.
-Esta situação de dores lombares já ocorreu outras vezes ?
-Sim é uma queixa muito comum na terceira idade.
-É a mais comum ?
-Junto com a periosteoalgia que é a membrana fibrosa que envolve os ossos, a lombalgia e a
periosteoalgia, elas tem muito a ver com o comprometimento da artrose e de posturas ruins durante
muito tempo, então e muito comum. Então a gente vai trabalhar a lombalgia hoje, num nível de
complexidade que a gente procura adequar ao grupo. A gente parte dos exercícios mais simples aos
mais complexos, visando um relaxamento global.
Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica antes de iniciar
a segunda atividade filmada
-Aconteceu alguma coisa na aula passada que tenha saído fora do que estava previsto?
-Aconteceu que eu acho que atendi as principais queixas e nos tivemos um depoimento muito
importante daquele senhor que no meio da sessão, se manifestou dizendo que tinha um joelho
bloqueado há anos, ele percebeu sentando que estava dobrando o joelho.
-Foi o ponto mais importante?
-Foi.
-E, para hoje, você pretende fazer como na aula anterior?
430
-Sim, a gente ate já trouxe um material, para fazer um aquecimento com uma brincadeira, a gente
vai começar a sessão com isto. Depois enato da brincadeira, nos passaremos a um trabalho mais
dirigido.
-E a primeira vez que vocês vão utilizar este material?
-É, com este material, que são os arcos é a primeira vez.
Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica antes de iniciar
a terceira atividade filmada
-Se falarmos em objetivos, qual seria o objetivo principal, fazer as pessoas se soltarem,
melhorarem a postura ou o que?
-É tudo. Por que uma coisa leva a outra. Mas se tem um objetivo, Você não é todo enroladinho atoa,
você provoca sempre uma postura para se proteger, que faz você se equilibrar. A tua postura revela
a tua personalidade, o teu interior.
-Como é feito o acompanhamento do progresso se é usado a partir de algumas radiografias
quando são solicitadas. De quem é esta iniciativa, você solicita ou eles que trazem
espontaneamente?
As vezes é deles. As vezes, quando há um caso evidente nós solicitamos para poder encaminhar a
um médico ou para um trabalho individual. Hoje por exemplo a D. X veio falar comigo, ela ao
chegar era bem encolhidinha hoje ela veio falar de uma forma exuberante.
-Sobre a metodologia por você empregada. Você já disse, que em suas atividades você se
baseia numa literatura francesa. Neste caso vocês estariam falando no trabalho da Therèrese
já que ela que usa o termo Antiginástica?
-Nós trabalhamos com várias técnicas diferentes: com a RPG, que é a reeducação postural global,
com as técnicas de cadeias, de facilitações neuromusculares e os jogos dramáticos..
-Há uma metodologia própria para propor uma atividade com o nome de antiginástica ?
-O nome na verdade não é antiginástica não. Eu acho que a gente explicar a partir da nossa própria
formação básica que é de fisioterapeuta. Nós fazemos um trabalho típico de utilização da
biomecânica. Ao longo de nossa vida acadêmica teve uma época que nós tivemos uma preparação
nestas técnicas que visam e propõe o trabalho global. Estas técnicas começaram na verdade a serem
difundidas pela Françoise R. Não foi a Bertherart a primeira pessoa a propor esse trabalho em
cadeia. A partir daí, outros fisioterapeutas construíram suas próprias técnicas. Ela era fisioterapeuta
e apresentou um trabalho de globalidade, um trabalho de cadeias. Outros fisioterapeutas, formados
por ela formaram suas próprias técnicas. A Therèse chamou de Antiginástica, o Paul Richard
chamou a técnica dele de RPG. Na verdade todos tiveram sua base no trabalho inicial. Para nós o
que é mais importante como fisioterapeutas é o trabalho com a globalidade. A nível muscular,
articular, visceral e uma preocupação também a nível emocional.
Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica após o ciclo das
observações
-Levando em consideração que este trabalho é com grupo, vocês já tinham este tipo de experiência
de atuar com grupo ele não seria mais indicado para ser realizado individualmente ?
-Nós já trabalhamos com grupo, o que acontece é nossa rotina dentro do consultório é diferente do
que a gente faz aqui. O primeiro contato é uma avaliação postural que é uma anamnese, a partir daí
a gente propõe um trabalho individual. A partir deste trabalho concretizado, melhora do esquema
corporal, aí a gente coloca as pessoas em grupo. Nós já tínhamos esta experiência. Aqui nós
pulamos a primeira parte. Começamos com a anamnese escrita e propondo um trabalho em grupo.
431
-Fazendo uma comparação você sentiu alguma dificuldade em começar diretamente com um
grupo tão heterogêneo, a minha impressão é que os que as procuram em consultório chegam
com uma carga de problemas de postura entre outros e aqui provavelmente encontraremos
pessoas que não apresentam qualquer tipo de problema?
-E tem mais outra coisa que eu acho também que são as pessoas daqui que são mais despojadas na
questão de exigência talvez. Eles só conhecem como referência o que eles vem aqui. O pouco que a
gente faz é muito. No consultório os grupos de idade são pequenos mas em geral são misturados. Eu
noto que eles mudaram muito em pouco tempo. Eu sei que não só o trabalho da gente, eles fazem
diversas atividades. Tem gente que começa a se vestir de forma diferente, já chega com uma postura
diferente, já fala mais alto.
-Sobre o material que vocês se utilizam nas aulas, bolas bastão etc. e são utilizadas posições
mantidas e num determinado tempo , qual seria o objetivo?
-Na verdade o que nós propomos é um tipo de contração muscular diferente da ginástica comum,
nós trabalhamos com contrações isométricas, nós acreditamos que com este tipo de contração, a
gente esteja reativando a memória do músculo. Você está fazendo um esforço maior de solicitação.
Esta é a orientação que a gente acha mais forte. Por isto a gente trabalha do ponto de vista da
postura, e pede ao aluno que eles meçam os limites desta tensão. Ali está ajudando o trabalho de
descontração que é a concentração do nosso trabalho. A T B. chamou isto de Antiginástica., pelas
diferenças , na verdade, não é só por isso, os movimentos são mais lentos, precisa de lentidão para
acontecer as trocas químicas, as transformações física e muscular, isso super lento. Também por
força do esquema corporal. As bolas são facilitadores. A gente muitas vezes usa as bolas tentando
fazer um ponto fixo. Como uma cadeia iniciando num ponto fixo, numa articulação ou numa
isquemia por exemplo, bombear a circulação, ou uma desenbilização, ou a massagem,. Tem várias
finalidades.
-Vocês tem muito enfatizado a questão do relaxar e a música?
-O negócio de relaxar nós vamos em geral encontrar um músculo tenso. Para a gente trabalhar
aquele músculo tenso, a gente precisa antes achar o tônus daquele músculo depois que a gente vai
tonificá-lo. Nós não só relaxamos como tonificamos. Por isso eu acho importante a conscientização
para certos valores ao fazer os movimentos tem de ser percebidos.
-A percepção dos movimentos me leva a perguntar o que você pode dizer depois de um tempo
com este grupo, o que ele aprendeu?
-Eles aprenderam a se posturar de uma forma crítica. Aprenderam a relaxar, eles aprenderam
recursos terapêuticos como podem se liberar de uma dor. Já melhoraram o tônus a nível do abdome
que é uma tendência de ser esquecido. A postura já está melhor, há relatos de incontinência urinária
que é ligada a uma baixa do tônus dos músculos no períneo que já passam a suportar mais uma
carga na bexiga mais cheia por mais tempo Melhorando o tônus então a gente pode entender como
melhora do tônus do períneo.
-Quanto a eles serem capazes de realizarem os exercícios forma do ambiente da aula. Você
acredita que eles repetem os exercícios em casa? Eu lembro do caso da aluna que solicitou
uma apostila pois não se sentia a vontade de fazer os exercícios só e tinha medo de provocar
algum malefício. Vocês incentivaram o uso da memória. Vocês acreditam que eles venham a
fazer em casa ?
-Eu não acredito que eles façam em casa, raramente isto vais ocorrer. Depende muito de cada
um não é ! Como não é um trabalho repetitivo, é também difícil memorizar. Mas são coisas
que com o tempo vão se projetando, a nível de esquema corporal.
-Eu pelo que pude observar há exercícios que são difíceis de memorizar, você concorda? Talvez
elas não se achem seguras para fazer sem uma pessoa para corrigi-las o tempo todo?
432
-São. É por que a gente trabalha com esta técnica de RPG, que é muito corretiva e que de fato seria
muito difícil de ser feita em casa.. O que seria mais fácil seriam os outros trabalhos que são de
mobilidade, de relaxamento. De tudo no final fica o básico, o que eles podem e o que tem condições
de repetir. Estas coisas básicas, correção de lordose, tônus.
-Para você que tipo de motivações fez esses idosos virem às suas aulas?
-Nós não fizemos nenhum tipo de divulgação do trabalho. Eu acho que entre eles corre o boca
a boca. Eu não sei o que motivou, eu acho o que despertou alguma curiosidade. Nós já falamos
muito com eles sobre isto, mas neste caso eles fariam qualquer coisa. Eu acho também que o
nome Ginástica às vezes é alguma coisa que passa meio desagradável. Como eles precisam fica
mais ou menos assim : eu preciso mas é anti, entendeu. Agora eu estou também me
lembrando, eles recebem umas folhas contendo varias informações sobre as atividades da
UnATI/UERJ.
-De onde vem a saúde ?
-A saúde vem do todo, vem de uma boa higiene, de hábitos diários do contato com o seu corpo do
relacionamento com os outros liberdade também.
-Com relação a sua saúde quais seriam as suas preocupações?
-De ficar entrevado, a dependência.
-O que você acha do sistema de saúde brasileiro?
-Precário, Eu tenho experiência em Hospital público as condições básicas são inexistentes. É o mais
precário do que se pode imaginar, não tem paralelos.
-Que tipo de atividade física você faz?
-A caminhada quando eu posso, eu gostaria de freqüentar grupos fora deste tipo de trabalho que a
gente faz, mas a dificuldade é muito grande a nível de grupo por que para mim a ginástica
tradicional, ela tem um lado muito bom, mas só que ela é administrada de uma forma muito
massificante, eu já tentei participar de grupos , mas quando você propõe 20 abdominais ou 100. Eu
faço 20 com a minha contração. Tipos de exercícios muito rápidos eu procuro fazer bem lentos, pois
só assim eu posso corrigir. Só assim eu não saio com dor lombar.
-Mas Ginástica não é para sentir dor!
-É mas não é esta a orientação, aí você fica lá sozinha e acaba atrapalhando a aula, é muito difícil.
433
ANEXO 15
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento no PAM/IMMA, antes de iniciar cada uma das três aulas
filmadas e após o ciclo das atividades observadas
434
Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica antes de iniciar a
primeira atividade filmada
-O que será feito na aula de hoje ?
-Este mês a gente vai dar mais ênfase na parte de flexibilidade e força. Então eu vou começar a aula
com aquecimento normal : mexendo braço, perna, cabeça, por ativar a circulação e depois eu vou
dar alguns exercícios de força, membros inferiores e membros superiores, com resistência oposta
pelo companheiro. Depois disso eu vou dar a dança que eles adoram né. Depois eu vou tentar fazer
exercícios de flexibilidade geral e relaxamento.
-É a primeira vez que você vai propor este tipo de aula ?
-Não.
-O que lhe motivou a propor este tipo de aula ?
-Como assim ?
-Por que você decidiu fazer hoje flexibilidade ?
-Eu estou seguindo um programa.
-Como você vai ao final da aula avaliar se seus objetivos estão sendo ou não alcançados
-Em parte se eu perceber que os exercícios que eu dei, dentro dos conhecimentos que eles tem, são
levados para trabalhar isto que a gente querendo, que é força e flexibilidade. Se eles conseguirem
fazer com facilidade, ou pelo menos corretamente, ou pegarem o exercício, pois esta é a primeira
aula que a gente vai dar enfatizando força e flexibilidade.
Na próxima aula, que eles peguem os exercícios e que possam repetir alguns mais importantes com
mais facilidade para a próxima aula.
-Como é que você poderia situar com a relação as duas últimas aulas ? Correu tudo como
você previa ?
-Quase tudo. Existiu, como foi a primeira vez que a gente fez, não uma desorganização, mas uma
certa confusão inicial, uma certa euforia por parte da gente que estava fazendo os testes, avaliando
eles e por parte deles, já que era uma novidade. Ate que por parte deles, eles estavam bem
tranqüilos. Nos é que estávamos ansiosos em saber como eles iam reagir.
Como também por parte da divisão que ficou um pouco confuso. Um pouco, nada fora do normal.
-Você teve que alterar alguma coisa que havia sido programado ?
-Não.
Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica antes de iniciar a
segunda atividade filmada
-O que você pode falar acerca de sua última aula ?
-Em relação ao que eu dei, teve um bom desenvolvimento. Esteve bem animada, mas eu tive que
modificar totalmente meu plano de aula. Não estava previsto que o ensaio da festa junina seria
antes da minha aula. Eles entraram na minha aula atrasados além de cansados
Então eu tive que começar mais pela parte de relaxamento e flexibilidade. Eu nem pude fazer a
parte de força
-Você observou que alguns exercícios ou movimentos que você apresentou tornaram-se mais
difíceis por causa desta observação que você fez ?
-Do cansaço, acho que sim. Eu não sei se eles estavam também dispersos ou excitados por causa da
festa junina. Ate exercícios bem elementares como de rotação para fora para dentro, muitos se
desconcentraram, erraram. Não sei, acho que erraram, acho que teve uma certa influencia sim.
-E a dança, estava prevista, e se sim ela se desenvolveu como você previa ?
-Estava, estava sim foi mais ate do que eu esperava.
435
-Hoje o que será feito ?
-Eu vou tentar hoje, espero que não tenha nenhum imprevisto, dar a aula que eu bolei para ser a
passada. Dando ênfase na força e na flexibilidade, com a dança, que eu sempre dou, e no final um
exercício recreativo.
-Quer dizer que praticamente você tentará repetir o que o você iria dar na aula anterior ?
-Isso.
Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica antes de iniciar a
terceira atividade filmada
-O que você vai fazer hoje ?
-E, o que eu vou fazer hoje [...] Bom, hoje eu vou continuar [...] A gente teve um problema ai com
os elevadores, nos ficamos parados um tempão, a gente vai continuar [...]
Vai ser o último dia de trabalho de força, eu vou fazer uma aula com elásticos, e dependendo se eles
estiverem cansados eu vou fazer a dancinha de sempre. Mas não tenho certeza, vai depender. .
-Este trabalho de força, você vai tentar fazer em pé, sentado ?
-Vou fazer em pé e sentada.
-Não vai fazer deitada ?
-Não.
-Por quê?
-Porquê para trabalhar com eles deitados ainda é muito problemático para a gente.
-Vai ser a primeira vez este trabalho com elásticos ?
-Sim, eu já estou vendo que milhares de coisas vão acontecer.
Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica após o ciclo das
aulas observadas
-Você está em que período ?
-Sou estudante do 7 período, aqui na UERJ corresponde ao último ano, o ciclo aqui é de 4
anos.
-Como você se engajou neste projeto que faz atividade física com os idosos?
-Aqui a gente tem uma matéria que é educação especial, então para esta matéria a gente precisa
fazer vários estágios , com vários projetos que são realizados na UERJ. O de idosos é um deles. Aí
eu cumpri o horário previsto para o estágio da matéria, e quando cheguei lá eu gostei muito, me
identifiquei e fiquei com isto na minha cabeça. Então no outro período, nunca tinha sido oferecido
como matéria curricular, estágio. Aí, pela primeira vez, abriu, e na hora. Eu me inscrevi e fiquei
mais um período e agora neste período eu entrei...
-Quer dizer que este é o seu terceiro semestre nesta atividade ?
-É o terceiro contato, . No 1 semestre foi muito pouco, o segundo já foi uma matéria, com estágio,
assistia as aulas e colaborava, agora como estagiário, aluno mestre.
-Dentro da EF especial ela era específica com atividade física do idoso ?
-Entre várias coisas : deficiente físico, mental, pessoas com distúrbios de comportamento,
diabéticos...A responsável quando eu fiz era a prof.a Geni, atualmente acho que é o Ney... A
abordagem é de como lidar com estes problemas, até por que para poder ser professor destas
pessoas deve-se entender um pouco mais e o estágio é para você ter uma visão prática da coisa.
-Você considera que a sua prática, e o ensino que foi passado nesta disciplina tem alguma
ligação ou você considera que pela tua prática há uma ligação com outras coisas que são
passadas na Universidade? O que foi passado nesta disciplina está em que nível próximo da
realidade que você está encontrando?
436
-Da educação especial, a gente não deu especificamente o idoso, foi uma pequena parte. Tem muita
coisa que eu consegui, que me ajudou sim, que eu consigo relacionar com o que eu aprendi neste
projeto, mas também muito mais com o que eu adquiri agora pela vivência.
-E desta pratica você se baseou em trabalhos escritos, livros ou em outra disciplina do
Instituto ?
-De outras disciplinas , textos livros etc...
-Se você pudesse citar alguma coisa que tenha mais lhe chamado atenção o que citaria ?
-Dentre as disciplinas, fisiologia, fisioterapia e também a parte de metodologia do ensino,
psicologia recreação ...
-Você colocou numa escala de valor ?
-Não foi o que veio vindo na minha cabeça...Para eu lidar com esta clientela, eu tenho por exemplo
a disciplina fisiologia o conhecimento dos limites, o que eu posso passar para eles, na recreação eu
vejo a importância de uma integração, o prazer que isto promove e como eu estou fazendo um
trabalho que é importante a integração e também a busca da melhora da autonomia deles. Então se
precisa de uma coisa mais direcionada de exercícios eu preciso destas duas ligações, se for ver bem,
eu fico mais com a parte da recreação mesmo..
-Quando a gente fala dos limites . Os limites que preocupam, ou seja se pode haver algum
risco de acidente, isto te preocupa ?
-Sim, a gente não força nada. Mas a gente se preocupa com o risco de um tropeço, um acidente, Eu
estou sempre preocupada... Se eu vou dar uma atividade nova, será que eles vão gostar, não sei, eles
são um pouco frágeis...
-Ainda sobre as influencias recebidas...
-Quando a gente fez o estágio curricular, a gente tem que fazer um trabalho curricular sobre um
assunto e depois apresenta-lo,. Uma coisa que estava desligada era a questão da discriminação do
idoso, esse isolamento que eles sofrem. Foi uma coisa que me chamou atenção e por isto eu acho
importante a parte da integração, da recreação na aula. E a gente tem a orientação para saber o
caminho que devemos seguir. O plano de aula que a gente segue é da Bélgica, de Dominique
Collignon. Então a gente teve isto ai também, os limites, não teve um livro específico...
-Em relação ao modelo belga, foi fácil de se adaptar ?
-A gente tenta seguir, mas a nossa clientela tem coisas que a gente pode seguir e tem coisas que não
dá. Por exemplo até mesmo a seqüência que ela lá propões, eu não sei se lá elas fizeram
anteriormente AF. Tem jogos e brincadeiras que a gente não pode fazer com eles . Até os exercícios
de força a gente fica limitado, até pelo risco... Eu acho que os nossos idosos não tem o mesmo nível
que lá.
-Você já trabalhou com criança e adulto ?
-Sim
-Como você se identifica no momento que você ainda está procurando esta identificação, quais
seriam as principais diferenças ?
-A criança e o adolescente com relação aos idosos. Os idosos não reivindicam. Agora a gente
está estimulando isto. A criança não, se ela não gosta, ela não faz. E dependendo do nível
social da criança elas são menos carentes que os idosos. Estes últimos são muito carentes...
Qualquer ato de carinho assim é recebido com uma gratidão enorme e é uma coisa que a
gente sente e que dá muito estímulo, tem um retorno muito grande afetivo. E é lógico há
limitação. Você espera uma reação e a criança tem uma reação rápida. De repente com os
idosos uma brincadeira que eles fizeram quando criança, agora não funciona...
437
-Você falou em autonomia e há um paradoxo quando você encontra idosos e há uma grande
dependência, eles não reivindicam, como você vê estas coisas ?
-A gente quer que eles sejam autônomos a gente quer que as aulas sejam, menos dirigidas que tenha
menos comando. A gente quer que eles criem que eles façam a atividade que eles posam ser o
menos dirigido. Que eles criem, eles fazem atividades que eles podem criar, dançar livremente
sabe ! Que saia da criação deles. Também é importante falar que o exercício de vê ser tentado ser
feito em casa, repetir ele. Esse aqui é fácil, mostrar sempre a importância e para que está servindo...
-E há este tipo de retorno ?
-Há muitos, já falam que estão fazendo em casa está tendo um retorno muito grande.
-Com relação ao estilo de aula eles preferem ser comandados ?
-Comandados eles se sentem mais a vontade. Se a gente faz um movimento todo mundo faz
parecido. Para eles é mais fácil copiar eles preferem fazer coletivamente ao invés de
individualmente acho que eles se sentem mais seguros.
-E a questão da música ?
-Eles gostam muito da música.
-Você se considera mais um professor ou um animador ?
-É muito difícil quebrar a imagem do professor no seu pedestal um degrau acima. Se for nesta visão
não me considero enquanto professor de jeito nenhum, eu seria um animador...
-Existe ensino no que você propõe ?
-Sim mas existe também a animação...a animação é uma forma de motivar.
-Quando você ensina ?
Quando eu tento fazer com que eles conheçam mais o próprio corpo, as suas potencialidades,
quando eu os instigo a criticar na aula. Eles devem ser mais críticos , não ficarem mais tão
pacíficos. Quando eu ensino os movimentos também.
-E quando você percebe que há retorno, se houve aprendizagem ?
-Quando eles por exemplo, estão começando a reclamar das coisas que eles não estão gostando, de
pedir uma atividade, uma música, ou também quando eu percebo que elas estão realizando
corretamente os exercícios com noção de segurança motora de ritmo.
-Então há progresso ?
-Com certeza.
-E se você pudesse falar em progresso aonde é que você pode observar maior progresso?
-Eu acho que eles estão progredindo no geral.
-E em relação a questões de progresso que sejam mensuráveis?
-Os testes que eles realizaram agora vão predizer o que a gente tem no momento, por que a gente
não fez nada anteriormente. É o primeiro teste. Para a gente ter certeza. Quando a gente começou
eu não estava, pelo que se diz e até pelas aulas que eu assisti eles estavam bem, eles eram mais
atrasados, a gente falava esquerda, direita, eles não tinham noção nenhuma de lateralidade,
coordenação motora, ritmo. Eles estão melhorando e a gente vê isso, só que a gente não tem nada,
vai começar agora...
-E as dificuldades que eles tem quais as que você tem percebido que mais se repetem ?
Em relação ao movimento ? Eu acho que tudo vai juntar. Mas eu acho , assim para o
desenvolvimento de determinados exercícios, a falta de coordenação motora. Por exemplo, mesmo
que eles não tenham muito equilíbrio, muita força, eles podem fazer algumas repetições dos
exercícios. Mas as vezes por falta de coordenação motora por exemplo eu digo perna estendida e
eles não percebem que a perna não está estendida, que está em outra posição. É a percepção do
próprio corpo no espaço...
438
-E você prepara a sua aula ?
-Agora a gente está fazendo assim : em cada mês a gente dá uma passada em cada um dos pontos :
equilíbrio, força, ritmo, coordenação motora, a gente cada mês enfatiza um determinado item. Este
mês por exemplo a gente está enfatizando o equilíbrio. Eu procuro assim, eu tento variar as aulas
mas não muito, pois eles tem muita dificuldade para pegar, para eles nem gostam muito que seja
mudado. Foi uma coisa que eu tive de mudar pois quando a agente trabalha com crianças e adultos,
a gente tem que estar variando a toda hora e com eles não gostam que varie tanto, muito. De repente
quando eles estão começando a pegar e vou lá e vario eles se sentem inseguros. E quando eles
começam a pegar os movimentos eles ficam mais satisfeitos. Então eu repito alguns exercícios nas
aulas e modifico sempre as brincadeiras conforme vai dando a ênfase em cada item a gente vai
modificando.
439
ANEXO 16
Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na
UTL/Rennes, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo
das atividades observadas
440
Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce avant de
commencer la première séance filmée
-Qu’est -ce que vous allez faire aujourd’hui?
-La grosse question! Qu’est-ce qu’on va faire aujourd’hui? On va, on va travailler essentiellement
les étirements.
-Quels sont vos objectifs?
Reprendre tout doucement après 15 jours d’interruption, sans effort, se réadapter un petit peu.
-Qu’est-ce qui vous a amené à proposer cette séance?
-Non , je ne peux pas [...] parce qu’en plus je n’ai pas du tout réfléchi, c’est vrai, à ce genre de
question. Je n’ai pas du tout travaillé sur la question.
-Comment allez-vous la mettre en place?
-Tout aussi naturellement que les autres. Un léger petit échauffement dans la bonne humeur, pour
remettre un petit peu une ambiance harmonieuse et puis terminer peut être toujours [...] un petit
d’échauffement, des exercices d’étirement, travail sur le placement du dos essentiellement, et puis
un ou deux exercices pour les abdominaux et un retour au calme.
-Et pour évaluer?
-Non l’évaluation je la fais moi-même, au fur et à mesure des séances et je constate les progrès qu’il
faudrait qu’ils soient effectués par chacune des personnes est atteindre pour chacune des personnes,
mais je ne travaille pas dans l’objectif d’une évaluation à chaque séance.
Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce avant de
commencer la deuxième séance filmée
-Est-ce que dans la dernière séance tout s’est passé selon vos prévisions? Est-ce que certains
exercices ont provoqué des difficultés non prévues?
-Oui, comme dans la plupart des exercices, il y a toujours des personnes qui ne vont pas réaliser
des exercices comme je le voudrais, mais je considère que c’est normal, au contraire, je leur
demande, parce qu'on a toute, plus ou moins, selon notre jour et selon notre vécu des difficultés, et
même, bon aujourd’hui, on est plus ou moins en forme. Moi, je leur demande de trouver la
meilleure façon de réaliser l’exercice en fonction de leurs capacités, c’est à dire que je leur demande
d’aménager l’exercice, je ne leur impose pas. Celles qu’ils le peuvent, sans problème, celles qui ont
du mal, à cause de la santé, elles aménagent l’exercice.
-Qu’est -ce que vous allez faire aujourd’hui?
-Alors, aujourd’hui et pour toujours, une variété d’exercices sur jambes, bras, etc. mais je veux
surtout m’intéresser sur le placement du dos pendant un travail de renforcement musculaire au
niveau des cuisses, et un petit peu plus un travail au niveau des avant bras et des poignets. Je me
suis aperçue que la semaine dernière, il y a une dame qui n’est pas à la gymnastique , mais qui
s’est blessée en soulevant sa petite-fille , au poignet et c’est vrai qu’à cet âge là, c’est important.
-Quels sont vos objectifs à atteindre?
-Un meilleur placement, au niveau du travail du placement du dos, une petite amélioration quand
même, parce qu’on arrive presque au fin d’année, et je voudrais voir quand même s’il y a eu une
amélioration .
-Est-ce qu’il y a un rapport entre la dame blessée et l’objectif de cette séance.
-Voilà, puisque surtout que c’est un problème que je rencontre chaque année. L’année dernière, i l y
a eu une dame qui s’est blessé dans la séance, bêtement en faisant un exercice tout simple, perte
d’équilibre, accroupie, elle est retombée sur ses fesses, et en retombant sur ses fesses, elle a voulu
s’aider avec ses poignets, double fracture. C’est quelque chose de toute bête, mais c’est vrai qu’à cet
âge là [...]
441
-Comment allez vous mettre en place la séance?
-Comme d’habitude, spontanément, suivant le mouvement des personnes.
-Et pour évaluer?
-Par simple observation.
Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce avant de
commencer la troisième séance filmée
-Qu’est -ce que vous allez faire aujourd’hui?
-Du stechthing. Un nom anglo-saxon qui ne veut pas dire grand chose, on va exclusivement
travailler sur les étirements.
-Au sujet de votre dernière séance, est-ce que tout s’est passé selon vos prévisions? Est-ce que
vous avez observé que certains exercices ou mouvements proposés ont provoqué certaines
difficultés ?
-Oui, comme d’habitude, il y a toujours des petits exercices qui ne sont pas réalisées comme je
voudrais, mais c’est toujours comme ça depuis le début.
-Pour quoi vous allez proposer du strechting aujourd’hui?
-Parce que cela va me faire du bien à moi et je pense que ça va leur faire du bien à elles.
-Ce sera la première fois que cette séance sera proposée?
-Non, non, on en fait de temps en temps, justement pour ça reste à un stade d’initiation parce
que le strechting quand on le pratique régulièrement, ça peut être un moment de relaxation ,
mais bon comme c’est. comme on en fait un petit peu de temps en temps ce n’est pas vraiment
de la relaxation [...] et ça fait mal.
Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce après les
séances observées
-Que pouvez -vous me dire au sujet de vos dernières séances?
-Au niveau de l’évolution, globalement. Globalement satisfaisante, puisque j’ai remarqué qu’au
début, quand vous êtes arrivé pour observer, je ne dirais pas une certaine tension, mais disons que
les séances étaient peut être plus tendues au niveau de l’ambiance et puis au fur et à mesure, vous
avez remarqué, que le groupe s’est détendu, voir la dernière séance, la prise, presque à la limite de
la bonne humeur, de la rigolade.
-Comment évaluez-vous si vos objectifs ont été atteints?
-J’évalue toujours par observation.
-Quels exercices ont produit le plus de difficultés?
-Ce sont toujours les mêmes exercices, ce sont les exercices d’équilibre et les exercices de
coordination.
-Ces difficultés n’étaient pas prévues?
-Si, elles étaient prévues, parce que depuis [...] un groupe, même le groupe de l’an dernier,
connaissait les mêmes difficultés, donc je m’y attendais.
-Imaginez-vous qu’il est possible avoir des progrès?
-Oui, sur l’équilibre il y a eu du progrès, sur la coordination un peu moins, ça demande, peut être
aussi plus de concentration, mais sur l’équilibre oui, il y a eu des progrès.
-Est-ce qu’il y a d’autres points considérés faibles.
-Le gros point faible du groupe c’est qu’ils sont trop dépendants.
-C’est à dire...
442
-C’est à dire, si par exemple je ne leur montre pas, si je ne fais pas avec eux, si je ne pratique pas
avec eux, je ne dirais pas qu’ils sont incapables , mais ils ont du mal à se prendre en main.
-Qu’est ce qui se passe, est-ce qu’ils s’arrêtent?
-Si je m’arrête ils s’arrêtent. Ça pourrait arriver si j’étais blessée, si j’avais un bras dans un plâtre, je
ne sais pas comment, une main ou une jambe. Je me demanderais bien comment ils feraient.
-Comment savez-vous qu’il y a du progrès dans le déroulement des séances?
-Au départ, par exemple sur l’équilibre, j’observe surtout sur l’équilibre et la coordination. Sur
l’équilibre, on commence par des exercices tout simples au début de l’année. Au début de l’année
ça posait déjà des problèmes pour la majorité du groupe, puis, peu à peu on arrive, on a répété
plusieurs fois ces mêmes exercices, petit à petit ils ont été plus ou moins réussis. Après, quand ils
sont réussis, on passe à des exercices un peu plus difficiles, et au fur et à mesure on peut se rendre
compte de l’évolution.
-Vous avez parlé de strecthing, souplesse, équilibre, détente, coordination et créativité.
Pouvez-vous me dire ce qui vous a amené à proposer ces objectifs?
-J’essaie d’introduire dans la séance la plus grande diversité possible au niveau des acquis
corporels. J’essaie de rechercher la plus grande qualité, j’essaie de me mettre aussi dans leur peau.
Je sais qu’ils sont très demandeurs de loisirs, ils ont du temps, ils ont de l’argent, donc ils sont très
exigeants, au niveau de la qualité de l’activité.
-Quand vous préparez vos séances suivez-vous souvent les enseignements que vous avez
appris à la fac, dans les livres ou dans votre pratique personnelle ou même dans un cours
spécifique?
-Je me sers beaucoup de ma pratique personnelle, je me remets sans arrêt en cause, j'en discute..
Bon, par l’observation que je peux faire à chaque séance, je me remets en cause avec le groupe. Je
discute beaucoup pour savoir si ça leur convient ou si cela ne leur convient pas, ce que je dois
changer, ce

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