A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO
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A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO
A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO Por EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR _________________________________________ Tese Apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Doutor em Educação Física FEVEREIRO, 2004 A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO EDMUNDO DE DRUMMOND ALVES JUNIOR Apresenta a Tese Banca Examinadora ______________________________________ Prof. Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO - Orientador - _______________________________________ Profa. Dra. SARA NIGRI GOLDMAN ______________________________________ Prof. Dr. SERAFIM FORTES PAZ ______________________________________ Profa. Dr. LUDMILA MOURÃO ______________________________________ Prof. Dr. HELDER GUERRA DE RESENDE FEVEREIRO, 2004. Dedico esse trabalho aos meus pais, Edmundo e Maria, que lamentavelmente não estão mais conosco; a minha grande companheira e esposa Dione que soube suportar, criticar e motivar nas horas necessárias; a meus filhos Rafael e Felipe para que lhes possa servir como exemplo a importância de ser perseverante; aos amigos de toda hora, Victor Andrade de Melo, Carlos Fernando da Cunha Junior, Waldyr Lins de Castro, Guilherme Ripoll de Carvalho, a família Oliveira, que acreditaram e incentivaram para que este trabalho tivesse fim. AGRADECIMENTOS Aos colegas de trabalho do departamento de educação física da UFF. Aos padrinhos Renato e Marly que sempre me apoiaram e me deram bons conselhos. Ao Prof. Dr. Hugo Rodolfo Lovisolo que prontamente me aceitou como seu orientando. Ao Programa de Pós Graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho em especial ao Prof Dr. Helder Guerra de Resende. À CAPES por ter investido na minha qualificação profissional. A Université Haute-Bretagne de Rennes e a Escola Nacional de Saúde Pública francesa que tão bem me acolheram, em especial Prof. Dr. Yvon Leziart e o Prof. Dr. Alain Jourdain Aos meus queridos amigos franco-brasileiros Valmir Oliveira e Françoise Oliveira Meu muito obrigado ao amigo Jean-Marc Vanhout Pela nova amizade Claude Martin e Jack Riff Aos responsáveis pelas associações e projetos investigados, bem como os idosos da : Universidade do Tempo Livre de Rennes, Associação Rennais dos Aposentados Esportistas, Universidade da Terceira Idade da UERJ, Idosos em Movimento Mantendo Autonomia e Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier. ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond (2004). A PASTORAL DO ENVELHECIMENTO ATIVO. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPGEF/UGF. Orientador: Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO RESUMO No século XX, o envelhecimento bem sucedido passou a ser associado ao fato de se estar ativamente participando da vida em sociedade. Autores como Guillemard, AttiasDonfut, Lenoir e Gaullier entre outros, pesquisaram como se impôs socialmente um modo de vida, criando-se uma nova idade para as novas gerações que envelhecem. Substituiu-se a conotação negativa do envelhecer por uma nova higiene de vida. Com a supervalorização do estar ativo, estigmatiza-se a velhice dos que passaram a ser os verdadeiros velhos, que são os inativos, dependentes, um problema social. O tempo livre dos aposentados encontra no lazer e na vida associativa, suas atividades mais importantes, palco de um novo campo fértil para a intervenção de profissionais que se utilizam da animação. A prática de atividades físicas em associações e principalmente as ginásticas (tradicionais ou alternativas), são relacionadas como capazes de influir na saúde, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, servindo para manter os idosos inseridos socialmente. Através de uma pesquisa sócio-pedagógica, investigamos duas associações brasileiras e duas francesas, que ofereciam a atividade ginástica. Foram entrevistados idosos, coordenadores e responsáveis pela condução da atividade em cada associação: Université du Temps Libre du pays de Rennes (UTL/Rennes), Associacion Rennaise des Retraités Sportifs (ARRS), Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ (UnATI/UERJ e Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier em parceria com o Projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA). O conteúdo de três aulas também foi analisado, levando em consideração, as características de uma pesquisa didática fundamentada no paradigma ecológico. Na literatura verificamos que tanto o movimento pela saúde como do envelhecimento ativo buscam seguidores com fortes argumentos, que os caracterizam como uma pastoral. O idoso dessa geração procura fugir de uma vida muitas vezes angustiante, sem sentido e tediosa, participando da vida associativa, resistindo dessa forma ao mau envelhecimento. Reação ao vazio do não trabalho, as atividades de lazer surgem como uma segunda carreira nessa nova idade. Quando analisamos os professores responsáveis pelas atividades, verificamos que suas intenções pedagógicas nem sempre coincidem com a prática realizada e os desejos expressos pelos idosos/alunos. As atividades didáticas que foram apresentadas recebem influência de preconceitos sociais que fragilizam os idosos, aproximando-os a crianças, e isto pode ser observado a partir dos conteúdos escolhidos e da forma como eles foram trabalhados. Em diversos momentos as aulas são escolarizadas sendo posta em prática por uma educação física instrumental. Finalmente percebeu-se que é forte a influência do movimento pela saúde nas atividades físicas praticadas pelos idosos, mas registrou-se a busca de um suporte teórico no grupo PAM/IMMA, que pode ampliar as perspectivas de atuação dos profissionais que atuam com a população investigada. Palavras Chaves: Idosos; Envelhecimento; Geração; Educação Física; Associativismo; Animação; Intervenção didático-pedagógica ALVES JUNIOR, Edmundo de Drummond (2004). THE PASTORAL OF AN ACTIVE AGING. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Gama Filho University (Graduate Program on Physical Educacion). ADVISER: Prof. Dr. HUGO RODOLFO LOVISOLO ABSTRACT At the twenty century, since the sixties, a successful aging became associated to an active participation at society’s life. Researchers as Guillemard, Attias- Donfut, Lenoir e Gaullier, among others, investigated how a new way of life has being socially imposed, creating a new age for those generations that are becoming older. The negative connotation of aging has been replaced from what is identified as a new health life. At the present time there is a hyper valorization of the active way of life, which is a parameter to point the inactive and dependent as the real elderly and consequently as a social problem. Retiree’s free time, is used mainly in leisure activities and in social affiliation. The search for this area has, consequently, attracted the interest of the socialcultural community developers. Physical activities, more specifically gymnastics (traditional or alternatives), practiced at elderlys associations, are indicated as able to interfere positively on elderly’s health, quality of life, well-being and autonomy, keeping them socially integrated. A social-pedagogical research has been conducted in two Brazilian’s and two French’s elderly associations that offer gymnastics to this population. The sample included elderlys, coordinators and teachers in which one of the associations: Université du Temps Libre du pays de Rennes (UTL/Rennes), Associacion Rennaise des Retraités Sportifs (ARRS), Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ (UnATI/UERJ and Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier em parceria com o Projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA). The content of three classes has also been analyzed according to a didactic research based on an ecological paradigm. The literature shows that the health and the active aging trends use arguments that characterized, both, as some kind of pastoral. The elderly of this generation has an ‘excessive’ free time, which is frequently responsible for distress, senseless and tedious life. In this case affiliation becomes some kind of resistance to aging. The elderly, at this new age, assumes leisure as a second carrier and a reaction to the absence of work When we analyzed teacher’s teaching, we detected they do it in an incongruent way with their speeches. We also detected that elderly whishes are ignored. The didactic conceptions they showed are influenced by social prejudge making the elderly weaker and considering them closer to children, what can be observed by examining the contents and how they are presented. We observed teacher’s performance in different moments and we identified that the contents have been presented as in an elementary school physical education class. Finally, we perceived a very strong influence of the health trend at the activity frequented by the elderly. We also identified a search for a technical theoretical support at PAM/IMMA group what can be viewed as a possibility to enlarge professional view concerning the dealing with the elderly. Key words: Elderly; Aging; Generation; Physical education; Affiliation; Didactic-pedagogical intervention. SUMÁRIO Página VOLUME I LISTA DE QUADROS ...................................................................................................... LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... LISTA DE ANEXOS .......................................................................................................... ix x xi INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1 CAPÍTULOS I. UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER, O ATIVISMO COMO OPÇÃO 16 O envelhecimento e a velhice através da história da humanidade ............... 17 A transição demográfica no Brasil e na França ............................................ 25 Teorizando o envelhecimento ...................................................................... 29 A formação de uma nova geração de idosos e aposentados ........................ 40 No momento em que o envelhecimento se tornou problema social passou a ser fundamental ter políticas específicas ...................................................... 46 As políticas sociais voltadas para idosos passam à família e ao indivíduo a responsabilidade pelo bom ou mau envelhecimento .................................... 53 O fim das atividades profissionais para aqueles que estão na ‘década da aposentadoria’- modelizando o envelhecimento .......................................... 67 II. UMA NOVA GERAÇÃO DE IDOSOS E APOSENTADOS FRENTE A UM NOVO TEMPO SOCIAL 79 Algumas reflexões sobre o valor que vem sendo dado ao ‘trabalho’ ........... 80 Uma nova velhice num tempo considerado livre ......................................... 92 Deixando o trabalho e passando a ser um aposentado ................................. 111 A participação dos idosos e aposentados na vida associativa: uma opção para seu tempo sem trabalho ........................................................................ 116 A vida associativa dos idosos e aposentados da França e do Brasil 125 III. A GINÁSTICA COMO UM DOS MEIOS PARA MANTER IDOSOS E APOSENTADOS SAUDÁVEIS Exercitando o corpo para a saúde e o bom envelhecimento........................... 147 Atividades físicas esportivas na aposentadoria, um modelo catequizador que tem na saúde seu princípio ...................................................................... 152 Procurando superar o modelo biologizante passa-se a considerar um novo paradigma para a saúde ................................................................................. 168 Idosos e aposentados praticando atividades físicas na França e no Brasil .... 175 O que vem sendo recomendado aos animadores das ginásticas para idosos: França e Brasil .............................................................................................. 187 Buscando entender a pratica a partir da perspectiva didática utilizada ........ 208 A importância de uma pesquisa didática para compreender a lógica da prática da ginástica realizada por idosos e aposentados 217 IV. CONHECENDO A PRÁTICA DAS ASSOCIAÇÕES INVESTIGADAS V. 146 229 Entendendo as associações francesas onde foram investigadas a prática da ginástica ........................................................................................................ 232 Entendendo as associações brasileiras onde foram investigadas a prática da ginástica ....................................................................................................... 276 Verificando o que é feito nas atividades práticas das associações investigadas ................................................................................................... 329 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 359 365 VOLUME II ANEXOS .............................................................................................................. 385 LISTA DE QUADROS QUADRO Página 1 Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da UTL-Rennes e da ARRS ................................................................................... 241 2 Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UTL-Rennes e ARRS .................................................... 245 3 A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UTL-Rennes e da ARRS .......................................... ....................................... 250 4 A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua experiência anterior a UTL-Rennes e ARRS ................................................... 252 5 Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os entrevistados da UTL-Rennes e ARRS ............................................................. 256 6 Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da UnATI-UERJ e PAM-IMMA ........................................................................... 295 7 Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA ...................................... 301 8 A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA .......................................................................... 303 9 A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua experiência anterior a UnATI- UERJ e PAM-IMMA ....................................... 319 10 Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os entrevistados da UnATI/UERJ e PAM/IMMA ................................................. 325 LISTA DE TABELAS TABELA 1 Porcentagem da distribuição das populações francesa e brasileira por grupo de idade nos anos de 2000, 2025 e 2050 ....................................................... Página 26 2 População total e quantidade de pessoas com mais de sessenta anos na França e no Brasil – dados dos censos de 1990 e 2000 ................................................ 27 3 Taxa de fertilidade das mulheres francesas e brasileiras – dados listados a partir da década de 1950 até o ano 2000 ........................................................... 28 4 Distribuição do tempo total utilizado nas atividades (TTA) pedagógicas observada nas quatro associações ...................................................................... 334 5 Distribuição do tempo de prática efetiva dos idosos/alunos (TPE) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA) pedagógica, observadas nas quatro associações .................................................................... 335 6 Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a pausas gerais (TPG) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ....................................................................................... 336 7 Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos às tarefas de preparação da atividade (TPA) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 337 8 Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a atenção as informações didáticas (TAI) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 338 9 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, a preparação e a organização das atividades didáticas (TPO), sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ................ 351 10 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores às informações didáticas (TID) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 353 11 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores a observação e supervisão (TOS) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ........................................................ 354 12 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, sua prática efetiva (TPE) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações ................................................... 356 LISTA DE ANEXOS ANEXO Página 1 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os coordenadores das associações investigadas ................................................... 386 2 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas (aplicadas anteriormente ao ciclo das observações) ......................................... 388 3 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas (aplicadas após encerrado o ciclo de observações) ......................................... 390 4 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis pelas atividades pedagógicas nas associações investigadas (aplicada minutos antes de cada aula observada) ............................................ 392 5 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com as pessoas idosas que participavam das atividades de ginástica nas associações .............. 394 6 Entrevista realizada com a coordenadora da associação UnATI/UERJ ........... 397 7 Entrevista realizada com o coordenador de educação física do PAM/IMMA . 402 8 Entrevista realizada com a coordenadora médica da associação UnATI/UERJ ................................................................................................... 408 9 Entrevista realizada com a coordenadora de educação física da ARRS .......... 412 10 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UnATI/UERJ, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas .................... 416 11 Entrevista realizada com a Orientadora pedagógica do PAM/IMMA ............. 418 12 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UTL/Rennes, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas .................... 422 13 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento na ARRS antes de iniciar o ciclo das atividades observadas ... 425 14 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UnATI/UERJ, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas ....................................................................... 428 15 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento no PAM/IMMA, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas ........................................... 433 16 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UTL/Rennes, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas ................................................................................ 439 17 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento na ARRS, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas ............................................................. 445 18 Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas na UnATI/UERJ ..... 452 19 Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas no PAM/IMMA ..... 470 20 Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas na UTL/Rennes ...... 483 21 Comunicações orais ocorridas durante as aulas filmadas na ARRS ................ 499 22 Instrumento utilizado para registro do que fazia o animador/professor nas atividades didáticas registradas ....................................................................... 515 23 Instrumento utilizado para registro do que fazia os alunos nas atividades didáticas registradas Distribuição das atividades do Idoso/Aluno na atividade ginástica em unidades de tempo de 10 segundos ............................................ 517 24 Idosos e aposentados da UnATI/UERJ que participam da atividade gin-suave e que foram entrevistados ................................................................................. 519 25 Idosos e aposentados do PAM/IMMA que participam da atividade ginentretenimento e que foram entrevistados ........................................................ 542 26 Idosos e aposentados da UTL/Rennes que participam da atividade gin-suave e que foram entrevistados ................................................................................. 565 27 Idosos e aposentados da ARRS que participam da atividade ginentretenimento e que foram entrevistados ........................................................ 600 1 INTRODUÇÃO Vários fatores influíram para a transformação do envelhecimento e da velhice, de processo que só importava ao indivíduo, a destino não mais de poucos privilegiados, assunto de responsabilidade social. O século XX marca o mundo pelos significativos avanços sociais e científicos, que acabaram contribuindo para profundas alterações demográficas: controle de certas doenças infecto-contagiosas, desenvolvimento de sistemas de saneamento básico, de controle conceptivo, diminuição tanto do número de nascimentos como da mortalidade infantil. No entanto, o aumento da população de velhos não foi exclusivo daquele século, já tendo sido verificado em outras épocas. A França, por exemplo, tinha no século XIX, do total da sua população, 8% de pessoas com mais de sessenta anos (BOURDELAIS, 1993). Esse número é bastante significativo, principalmente quando o comparamos à recente distribuição demográfica brasileira. Durante muito tempo o Brasil foi considerado um país de jovens, e o sinal de alerta de que estaria havendo uma mudança em seu perfil demográfico surgiu nos anos setenta, quando a proporção de pessoas com mais de sessenta anos ainda rondava os 7%. Hoje constatamos que foi preciso percorrer quase todo o século XX para que a mesma proporção encontrada na França no século XIX fosse alcançada no Brasil, só acontecendo no decorrer da década de noventa1. Não importa o período analisado na história da humanidade, seja nas culturas mais antigas, seja nos países mais jovens, os significados atribuídos ao ‘ser velho’ e ao envelhecimento foram sempre marcados por profundas contradições. Uma pessoa velha pode ser considerada como alguém que merece e impõe respeito, ou um indivíduo altamente desprezível. Na atualidade, testemunhamos ser bastante comum recorrer-se ao uso da palavra ‘velho’ para uso mais pejorativo e depreciativo do que lisonjeiro. No momento em que a velhice é apresentada como um período da vida ao qual se associam mais desvantagens do que vantagens, constata-se com freqüência a busca de distanciamento desse processo. Mas é fato que existe grande controvérsia sobre qual seria o momento ideal para marcar o início dessa tal velhice. O mais freqüente é o uso da idade cronológica para se dizer quando alguém é velho, sendo as mais utilizadas as que rondam os sessenta anos. Há também referência ao momento em que começam os 1 Registre-se que atualmente, início do século XXI, a proporção de pessoas com mais de sessenta anos no Brasil anda em torno dos 9%. 2 cabelos brancos ou mesmo ao período que ronda a aposentadoria. Se pensarmos nas mulheres do início do século XX, o climatério, sendo um período cheio de significados que extrapolam o orgânico, também marcava para muitas delas a aproximação da velhice. Fica claro que não é muito simples nem unânime qualquer tentativa de caracterização desse momento. A falta de consenso é presente, seja no uso de critérios cronológicos, seja na importância que se dá aos sinais externos, apresentados por meio das mudanças corpóreas ou orgânicas, que acabam refletindo na variedade de conselhos que são dados em cada época para se enfrentar a velhice2. Assim como a juventude, podemos considerar a velhice mais uma categoria criada culturalmente. Segundo Pierre Bourdieu (1980:145), “a idade é uma variável biológica, socialmente manipulada”, por esse motivo plena de ambigüidades que não serve como único parâmetro para dizer quando alguém é velho. Não podemos ignorar, entre outras, as variáveis derivadas: das influências do meio ambiente; das condições de trabalho; da classe social e do modo de vida. Na verdade, os cortes cronológicos só contribuem para aumentar as barreiras entre gerações (ATTIAS-DONFUT, 1988). Remi Lenoir (1998:68) adverte que as faixas etárias enquanto classificações arbitrárias estão sujeitas a manipulações, deixando claro que o que está em questão é a definição dos poderes associados aos diferentes momentos do ciclo da vida, sendo que a amplitude e o fundamento do poder variam segundo a natureza das implicações – peculiares a cada faixa etária ou a cada fração da faixa – da luta entre as gerações. Sendo assim, alguns buscam compreender o inexorável processo do envelhecimento enquanto um processo gradual, multifatorial e multidiferencial, havendo atualmente os que defendem que os aspectos deletérios do envelhecimento devem ser enfrentados. É cada vez mais acentuada a busca por viver mais e de maneira 2 Não precisamos ir muito longe, deixando aqui o exemplo dos ensinamentos propostos em algumas publicações de mais de cinqüenta anos. Com o significativo título A vida começa aos quarenta anos, Pitkin (1942) apresenta um modo de vida que deveria ser assumido para se ter uma boa velhice. O Dr. Peter Steincrohn (1950) publicou um livro com o título O repouso começa aos quarenta. Reforçando a idade de quarenta anos como simbólica para o início da velhice, o livro procurava ensinar ao ‘quarentão’ de que forma ele poderia ter uma velhice mais saudável. Basicamente a recomendação principal é a de que não é preciso fazer ginástica, pois aqueles que se dedicam a ela gastam as poucas reservas energéticas que ainda sobrariam para enfrentar os últimos anos de vida. 3 saudável, aumentando assim o combate às doenças da velhice. Diversas tentativas são feitas para postergar pelo maior tempo possível alguns signos da velhice, contribuindo para que aumentassem nos últimos anos as publicações sobre o sentido do envelhecimento e como resistir à velhice. Os mistérios da vida sempre empurraram a humanidade a procurar dominar seu medo do desconhecido que é a morte. As possibilidades de fazer com que sejamos capazes de viver o maior número de anos possível não são uma preocupação de hoje, e ao que parece não se encerrará jamais. Desde os povos antigos, alquimistas e cientistas dedicaram seus esforços no sentido de achar algo que seja capaz de prolongar a vida humana, ou pelo menos chegar a atenuar alguns desgastes. Teoricamente sabemos que em média nossos limites têm sido situados em torno dos 120 anos, embora festejar os cem anos de alguém seja bastante raro. Os centenários constituem-se num grupo bastante restrito, mesmo considerando o aumento da sua proporcionalidade. Se até pouco tempo eram relegados aos asilos, hoje muitos convivem com outras gerações3. A parir das elaborações teóricas da gerontologia e geriatria, que são duas ciências aplicadas, pode-se perceber melhor que parte significativa dos idosos passou a ser confrontada a uma nova maneira de envelhecer. No caso dos novos aposentados, chegam mesmo a ser vistos como um novo poder, mesmo que paradoxalmente a sociedade contemporânea ainda seja bastante preconceituosa com relação às coisas relacionadas ao envelhecimento4, buscando de todas as maneiras subterfúgios para esconder a velhice ou mesmo ignorá-la. O envelhecimento de uma sociedade vem sendo apontado como capaz de influenciar mutuamente a política, a economia e as relações entre as gerações. É um fato que não se deu de forma semelhante em nenhuma outra época, sendo surpreendente o que ocorre em diversos países nestes últimos anos. Se os anos sessenta ficaram caracterizados pela revolução em diversos sentidos empreendida pelos jovens, quarenta 3 Tomando a França como exemplo, em 1950 existiam somente 200 centenários (DUMONT, 1986); esse número atingirá, segundo projeções, 150 mil até o ano de 2050 (um aumento de 750 vezes em 100 anos), sendo esse o grupo de idosos que mais crescerá. Em 1990 já havia, na França, quatro mil centenários – um em cada dezesseis mil –, sendo um grupo bastante heterogêneo (ALLARD, ANDRIEUX, ROBINE, 1991). Uma constatação foi a de que freqüentemente o estado geral da saúde era bastante precário. 4 Os preconceitos com relação à idade e aos velhos vêm sendo chamados ‘ageismos’. 4 anos mais tarde estamos entrando numa época em que, pelo menos em aparência, buscase privilegiar uma nova geração de pessoas que envelhecem. Indesejável durante o século XX, a velhice acabou se tornando o envelhecimento um problema social, principalmente nas sociedades que exacerbaram na valorização das coisas mais afetas à jovialidade. Como conseqüência da perspectiva ‘antienvelhecimento’ das últimas décadas, desprezam-se, de forma direta ou velada, os velhos e a velhice. Se por um lado aumenta-se a longevidade, a expectativa de vida e a proporção de pessoas aposentadas frente aos mais jovens, paradoxalmente entre os novos aposentados poucos querem se assumir como velhos ou próximo da velhice. Como alternativa, criam-se novas denominações e impõem-se modos de vida para eles, que associam essa fase da vida a um período em que tudo é aparentemente permitido e possível de ser feito. É inegável que nunca se falou tanto nessa nova idade, melhor representada como ‘terceira idade’, e no envelhecimento bem-sucedido. O que estaria por trás dessa pretensa redenção social para com aqueles que envelhecem? Será que a sociedade contemporânea está passando a ter mais preocupação, respeito e solidariedade, ou, ao contrário, estaria cada vez mais individualista, tentando encontrar meios de se afastar e negar um modelo de velhice que associa a pessoa à idéia de inutilidade e de peso para a sociedade? Os próprios idosos não se sentem à vontade para falar da sua velhice, em geral, os exemplos são sempre a partir dos outros. Na procura de se redefinir o significado da velhice, expressões como ‘feliz idade’, ‘melhor idade’, ‘boa idade’ associam-se a ‘terceira idade’ transparecendo que existe para os aposentados uma nova fase da vida, vista como um período alentador. Não é difícil constatar que essas referências pecam pela ingenuidade aliada à tentativa de homogeneização de pessoas que só têm em comum o fato de terem nascidos na mesma época. Não se pode negar que a mídia em geral vem exercendo um papel de grande divulgador dessa perspectiva de envelhecimento em que aos idosos pertencentes a essa ‘idade dourada’ tudo seria permitido e possível de ser experimentado. Nesse novo modelo de envelhecer, a velhice foi substituída pela terceira idade, ativa e engajada, que tem sido a fórmula de maior sucesso, não por acaso fazendo parte das políticas sociais destinadas aos idosos. A década dos noventa talvez signifique a constatação de que um novo poder, o dos velhos, está marcando a sua 5 presença no mundo. As universidades para a terceira idade florescem uma ao lado da outra, mesmo no interior de instituições que durante séculos foram pensadas como lugar da juventude, do novo, da potência [...]. Saúde, bemestar, qualidade de vida e longevidade tornam-se valores a serem perseguidos, assim como campo de investimentos econômicos, intelectuais e simbólicos (LOVISOLO, 1997: 10). Estudar a velhice e o envelhecimento nos dias atuais é se debruçar sobre questões as mais diversas, que entre outros fatores envolvem: os direitos sociais, como acesso à saúde e ao lazer; a aposentadoria e o sistema de idades no qual estão fundamentadas as gerações dos atuais idosos; o modo de vida, bem como as atividades assumidas no período que ronda a aposentadoria. Na atualidade, quando é considerado o aspecto do envelhecimento individual, sugere-se que é necessário envelhecer tendo pelo maior tempo possível a sensação de bem-estar geral, o que é bastante subjetivo. Essa meta tem feito parte das preocupações mais atuais de um considerável número de grupos de pesquisa, tanto na esfera pública como na privada. Aproveita-se a indústria do ‘antienvelhecimento’, que nem sempre aguarda os resultados conclusivos das pesquisas que dão fundamento às suas panacéias; muitas não passando de ilusões. Com certa regularidade são anunciadas as pílulas que revolucionarão os anos 2000. Podemos mencionar alguns exemplos, que já estiveram em evidência, como a melatonina5, hormônio natural que teve seu descobrimento nos anos 1950 e que foi bastante comercializado na década de 1990 (SCIENCES, 1995); como o dehidro-epiandresterona (DHEA) e o hormônio do crescimento (HGH), sendo que este último, na sua forma sintetizada, vem sendo muitas vezes aplicado de forma indiscriminada. Mas foi a entrada no mercado do Viagra6 e seus similares, que, mesmo não sendo específicos 5 Pelo que pode ser percebido, a partir do fenômeno da melatonina, que foi acompanhado por um extraordinário impacto midiático, o mesmo vem ocorrendo com outras drogas que periodicamente chegam ao mercado. Percebemos que fora do meio científico há um grande interesse em divulgar os aspectos positivos que mais interessam ao consumidor, não deixando de haver por parte das indústrias interessadas na comercialização dos produtos um certo sensacionalismo, ocultando pesquisas que abordariam os efeitos colaterais e até mesmo os métodos que foram por elas empregados. 6 Certamente tem-se hoje uma possibilidade de resgatar a auto-estima, muitas vezes abalada pelo insucesso nas relações sexuais. Um novo comportamento sexual na velhice está em desenvolvimento e suas conseqüências extrapolam o aspecto do bem-estar, entrando na discussão as doenças sexualmente transmissíveis e em especial a contaminação pelo HIV. 6 para o aumento da longevidade, certamente acabaram influindo na percepção do envelhecimento. Muitos estigmas do significado do ‘ser velho’ têm origem na valorização que é dada ao trabalho e ao engajamento produtivo, que no curso da vida acabam ficando cada vez mais presentes. Se em algumas épocas aos aposentados quase sempre era recomendado descanso, recolhimento e inatividade, depois da metade do século XX outros valores ganharam importância. Fenômenos como o associativismo e a participação em atividades socialmente reconhecidas, como o voluntariado, passam a ser incorporados, resultado do novo modelo, que acaba caracterizando o que é bom ou mau para o envelhecimento. Em nosso entender isso está bem de acordo com o que tem sido sustentado pelos seguidores de algumas teorias psicossociais sobre o envelhecimento e a velhice bem-sucedida. Independente do que é feito, se a atividade tem predominância física ou intelectual, tendo mais ou menos gasto energético, a proposta ativista encontrou no ambiente associativo o espaço ideal para a prática dos seus mais caros princípios. As associações de idosos, como clubes ou universidades, surgiram como um antídoto, uma verdadeira panacéia contra a velhice. Fundamentando-se no que alguns médicos e filósofos escreveram na Antigüidade, vemos que a relação saúde/longevidade, como também a inclusão de atividades físicas num estilo de vida, não é nenhuma novidade. Prescrições de atividades ginásticas, como meio de conservar a saúde e mesmo de combater os seus azares, ocorreram em diversas ocasiões na história da humanidade. Mas temos de reconhecer que após os anos setenta do século passado vemos crescerem as recomendações visando a um modo de vida mais saudável, agora com suporte de características mais científicas. A prática de atividades físicas e principalmente as ginásticas, independente da forma como era apresentada, passa a ser relacionada como capaz de influir na saúde, autonomia, qualidade de vida e bem-estar, surgindo como a grande novidade do nosso tempo. Daí não ser tão difícil encontrarmos grupos de idosos se reunindo com a finalidade de praticar uma atividade como a ginástica. Ela passou a ser um novo campo de intervenção de profissionais que se utilizam da animação com finalidades sociais ou de saúde, tendo forte presença dos professores de educação física 7 e terapeutas corporais, que propõe de forma sistemática as mais variadas atividades para grupos de idosos. Ao mesmo tempo em que vimos avançar o envelhecimento da população, outros fatos também estavam ocorrendo: mais tempo disponível para o indivíduo; maior interesse por atividades consideradas de lazer; a multiplicação dos esportes modernos. Esses fenômenos sociais têm sido caracterizados como conseqüência da urbanização dos grandes centros, e passaram a ocorrer tanto em decorrência do processo de industrialização como da artificialização do tempo do trabalho. Foi a partir dos anos sessenta que na França, ao mesmo tempo em que se criavam grupos que visavam à preparação para a aposentadoria, também surgiam as associações para idosos já aposentados. Ambos passaram a incluir a idéia de um envelhecimento ativo e engajado em associações nos períodos pré e pós-aposentadoria. Pode-se perceber que inicialmente havia um forte viés para a ocupação do tempo, visando a inclusão e (re) inserção social, mas posteriormente, com a chegada de novos aposentados com forte ‘capital cultural’, incorporaram-se os princípios da educação permanente nas propostas associativas em que ‘animadores culturais’(MELO, ALVES JUNIOR, 2003) sobre as mais variadas denominações, passaram cada vez mais a atuar7. Acrescentando-se o fato de que esses novos aposentados passaram a ter uma maior esperança de vida, lhes restando uma considerável expectativa de viver a vida com saúde, passou a ser viável viver a aposentadoria de forma totalmente diferente. O que se passou a dizer é que “o indivíduo não deveria mais aceitar passivamente seu envelhecimento, mas prolongar a vida, pelas atividades físicas, intelectuais e voluntárias, o maior tempo possível” (BOURDELAIS, 1993:373). Chega-se mesmo a culpabilizar aqueles que venham a apresentar deterioração física, sendo a dependência e a decrepitude resultados de uma conduta desviante do indivíduo. Sendo assim, 7 Apesar de estarmos adotando ‘animador cultural’, diferentemente da tradição européia de chamar de animação sociocultural (TRILLA, 1998; MARTIN, 1999) para caracterizar aqueles que vem intervindo no campo da educação relacionado ao lazer. Reconhecemos que no Brasil, ainda são poucas as iniciativas de se discutir a atuação desse animador. Em muitas ocasiões a sua percepção fica marcada como sendo algo de menor importância, com pouco trânsito no campo acadêmico. Mesmo que sejam detectados ainda problemas na França (DOUARD, 2003), nesse país a animação existe enquanto formação nos mais diversos níveis, incluindo a universitária, havendo iniciativas no sentido de se discutir o campo como ocorreu no colóquio internacional Animação Cultural na França e suas Analogias no Estrangeiro (ISIAT, 2003). 8 inatividade corresponderia a velhice, opondo-se às vantagens do envelhecimento ‘terceira idade’. No momento em que ocorre a diminuição do tempo destinado ao trabalho, não existindo grandes pressões, seja de ordem financeira ou de saúde, a família, a religião e o lazer passam a ser as principais ocupações no tempo social das pessoas. No que toca o lazer, duas tendências podem ser analisadas, uma em que ele é visto como uma necessidade individual e outra em que ele é uma necessidade social (MUNNÉ, 1992). Sendo mais contemporâneo a preocupação com o fato de ser ocupado esse tempo disponível com atividades de lazer, independente da idade das pessoas. Um dos componentes, e provavelmente um dos mais importante relacionado ao que estamos vendo como novo modo de envelhecer, é a possibilidade de se engajar nos diversos projetos associativos. Percebemos que nas propostas das políticas sociais, tanto francesas como brasileiras, sempre é sugerido nas suas ações manter o idoso ativo, inserido socialmente, evitando-se ao máximo a forma asilar. O fato de aderir a uma associação e praticar as atividades que nela são propostas acaba dando ao idoso uma possibilidade de se sentir mais útil e de permanecer inserido na sociedade, afirmam os que defendem esse modelo ativo e socialmente engajado do bom envelhecer. Tivemos como principal propósito, nesta pesquisa, estudar a prática da ginástica realizada por idosos e aposentados durante seu tempo disponível. Para isso, consideramos alguns fatores que influenciaram essa prática como fenômeno social. À primeira vista teríamos tanto a busca pelo lazer, promoção da saúde ou sociabilidade, que parecem ser as principais respostas que encontramos entre os envolvidos. No entanto, acreditamos que seja necessário um aprofundamento destas motivações iniciais para auxiliar a melhor compreensão do fenômeno e verificar até que ponto outras influências acabam sendo determinantes no que podemos chamar de resistência à velhice a partir de práticas das mais variadas. Idosos e aposentados foram transformados nas últimas décadas do século XX em categorias boas de se investir, não sendo poucos os que se viram atraídos pelos apelos da mídia que lhes acenava com um novo imaginário do que poderia ser seu envelhecimento num novo tempo mais independente das sanções, das repressões, dos desejos, das necessidades antigamente reprimidas pela ideologia de trabalho (política e religiosa). A associação desses valores sócio-culturais emergentes (saúde, lazer, sociabilidade, divertimento) conferem 9 a via de acesso a algumas mudanças de valores e práticas que os idosos estabelecem no emprego do seu tempo livre - para crescimento pessoal e sua integração social - de forma mais expontânea e voluntária. Tal atitude dos idosos, sem dúvida, tem contribuído para a imagem de pessoas independentes e ativas que lhes é habitualmente associada (VENDRUSCOLO, LOVISOLO, 1997: 40). Sendo cada vez mais crescente o número de oportunidades profissionais para se atuar com os idosos interessados em praticar atividades físicas esportivas8, é necessário estar atentos à diversidade de públicos que muitas vezes se apresentam. A melhor compreensão desses públicos certamente contribuirá para a melhor adequação das práticas escolhidas e dos conteúdos utilizados. Identificamos inicialmente, que entre os praticantes das atividades físicas após a entrada na aposentadoria existe um grupo que já vem praticando há algum tempo. Nesse mesmo caso encontram-se alguns que investem na forma dos torneios ‘masters’ em práticas competitivas. O exemplo dos competidores masters de natação serve para percebemos como os idosos e aposentados podem participar de situações que até pouco tempo eram exclusiva de pessoas jovens. Seus participantes foram analisados por Santiago e Lovisolo (1997: 86) sendo uma boa demonstração da resistência ao envelhecimento que acaba estando presente também na maioria dos idosos e aposentados que praticam atividades físicas e esportivas. Imaginamos que resistir à entropia da velhice signifique montar estratégias que permitam reduzir o rítimo da desorganização, que signifique adotar um regime ou um estilo de vida que reduza os efeitos visíveis e sensíveis do processo de desestruturação, mantendo a vitalidade e autonomia. No plano do corpo, mantendo padrões circulatórios, digestivos, de flexibilidade, resistência e força, que criem a imagem de um funcionamento fisiológico mais novo que o cronológico. No plano social, criando novos pertencimentos e relacionamentos que mantenham em bom funcionamento a sociabilidade, o prestígio, o reconhecimento e a circulação social. Fica clara a existência de um outro grupo distinto, que é constituído de idosos e aposentados que com certa regularidade só praticaram atividades físicas em 8 Mesmo que ainda seja bastante reduzido o número de cursos de formação que incluem essa temática como disciplina curricular, mas que não impede que seja significativo o número de professores de educação física, se apresentam para trabalhar com idosos e aposentados, sem ter tido qualquer tipo de preparação para as especificidades dos mais variados tipos de intervenção e interesses. 10 determinado período da vida, muitas vezes de maneira obrigatória, como nas escolas ou nas forças armadas. O abandono após esses períodos acaba sendo justificado pela falta de interesse ou pelas mais diversas causas, mas a mais comum é a falta de tempo disponível, que se concentrou na dedicação à vida familiar e profissional, ou a outros interesses pessoais. Entre esses idosos, o retorno à atividade pode ser devido a uma recomendação terapêutica específica, como uma opção de viver o envelhecimento de forma diferente. Finalmente encontramos um terceiro grupo que em muito se assemelha ao anterior, sendo ambos os mais representativos entre aqueles que investigamos. Sua constituição é de pessoas que nunca praticaram regularmente alguma atividade física, e que só após a entrada nas associações de idosos e aposentados passaram a se engajar em programas específicos de atividades físicas. Trabalhar com grupos que podem ter características bastante heterogêneas é um desafio para os profissionais que atuam com a educação física. Assim, postulamos a questão no sentido de saber se esses profissionais estão trabalhando a partir de alguma didática específica que leve em conta as especificidades dos idosos. As pesquisas que têm se interessado pelo campo conhecido como didática das atividades físicas freqüentemente têm trabalhado com o que ocorre no ensino formal, mais especificamente o da educação física escolar. Não é muito comum o interesse pelos elementos que envolvem a prática pedagógica das atividades físicas esportivas das pessoas que já estão fora da escola e principalmente de grupos de idosos e aposentados. Estamos de acordo com aqueles que reconhecem que na prática das atividades físicas realizadas fora da escola, existindo a intencionalidade de transmitir um saber, haverá necessidade de uma didática. Sendo assim, a nossa proposta de estudo se interessou não só pelo envelhecimento, mas pelo modo como suas concepções podem influir no modelo didático dos que atuam com atividades como a ginástica. Levamos em consideração que, enquanto fenômeno social, a prática orientada para um grupo constituído de idosos e aposentados é algo ainda bem recente, o que nos animou a investigá-la, escolhendo quatro grupos localizados na França e no Brasil. Jacqueline Marsenah (1991) aponta como sendo ainda difícil de superar o modelo chamado por ela de ‘educação física de ontem’, que seria o ensino tradicional de uma educação física escolar e que acaba tendo mais interesse na forma exterior das ações, nas manifestações gestuais, ignorando o contexto que as produziu. Como vem 11 sendo as intervenções dos profissionais de educação física quando o seu aluno é um idoso ou um aposentado? Que tipo de influências estariam sendo exercidas pelo modelo que apregoa o bom envelhecimento na construção dessa prática pedagógica? A organização didática das atividades propostas, como a distribuição do tempo da aula e a opção por uma metodologia de ensino, pode dar indicativos objetivos para nossa análise. A isso se soma o sentido que é dado à atividade pelos idosos praticantes, e, se nossa suspeita estiver correta, os conteúdos trabalhados acabam seguindo a lógica do modelo do bom envelhecer. No que toca ainda a didática empregada, acreditamos que encontraremos uma prática tipicamente pontual, de entretenimento, voltada para aquele momento, que se opõe ao discurso que defende uma prática que visa ao progresso e à autonomia do aluno. Poderíamos fazer a hipótese de que a angústia e o sofrimento da solidão muitas vezes encontrado nos idosos, principalmente após eventos marcantes em sua vida, os levem a buscar atividades que num primeiro momento venham a preencher seu tempo livre de forma diferenciada, vindo a ser um antídoto contra o tédio. Para a grande maioria o tédio era (e é) uma presença. Está sempre na espreita e nos domina quando menos esperamos. A presença do tédio foi claramente entendida, talvez sem teorizações rigorosas, e dedicaram-se a investir recursos e engenhos na expansão do lazer, do divertimento, enfim: os antídotos do tédio que podia aparecer tanto no tempo do trabalho quanto no tempo livre (LOVISOLO, 2002:60) Avançamos na construção de nossa hipótese supondo ainda que, no caso das atividades observadas, independente do país investigado, a prática estaria bastante descontextualizada, e que a ausência de uma programação acabaria por contribuir para o distanciamento entre o que é proposto pelos responsáveis pelas aulas, o que é desejado pelos idosos e o que é verdadeiramente feito. Nossa principal intenção nesta tese foi a de estudar as questões que envolvem uma atividade física como a ginástica praticada por idosos e aposentados em ambiente associativo. Procuramos realizar um estudo comparativo (HOWELL, 1979), investigando associações que propõem atividades diversas para idosos em dois locais: Rio de Janeiro, no Brasil, e Rennes, na França9. A prática escolhida para análise recaiu sobre a 9 A pesquisa de campo foi realizada durante o ano de 1995. 12 ginástica, porque, dada a grande incidência de programas e projetos destinados a idosos e a própria tradição dessa atividade, nos pareceu a melhor opção para verificar a sua relação com a proposta de um modo de vida específico para os novos aposentados e idosos. Acreditando existirem algumas lacunas na compreensão de como se desenvolve essa prática, nos propusemos estudar o que vem sendo feito, ouvindo o idoso, o professor e o que fundamenta a sua intervenção. Acreditamos que a ausência de um referencial apropriado para esse grupo específico pode levar os responsáveis a optar pela utilização de modelos adaptados ou improvisados10. Discutimos o modo como a atividade ginástica é fundamentada na perspectiva dos profissionais envolvidos em associações do tipo universidades para idosos e clubes de aposentados ou de idosos. Tivemos como alvo o aprofundamento da pesquisa sobre os suportes teóricos que vêm fundamentando a educação física específica para idosos e aposentados. Enfim, responderemos às nossas questões a partir do que vem sendo proposto na bibliografia específica, confrontando-a com os dados que recolhemos nas associações investigadas e com o que vem sendo discutido sobre a questão do envelhecimento na sociedade. Foram observadas sistematicamente vinte aulas, sendo doze delas video gravadas para posterior análise. Seguimos um roteiro semi-estruturado, entrevistando todos os responsáveis pela organização da atividade física ginástica nas associações escolhidas. Os idosos que participavam das atividades dos grupos investigados, bem como os responsáveis pelas mesmas, foram também entrevistados pelo autor deste trabalho. De posse dos dados coletados, verificamos como se aproximam, ou se afastam, as intenções pedagógicas propostas e a prática real; o que desejam os idosos; e as suas concepções sobre ser aposentado, a vida associativa, a ginástica e a saúde. Os indivíduos que participaram da pesquisa como praticantes têm pontos comuns: todos têm mais de sessenta anos, quase todos são do sexo feminino e praticam regularmente a atividade física investigada. Já os responsáveis pelas atividades têm idade variando entre vinte e cinqüenta anos. Ao realizamos uma análise sóciopedagógica, que envolveu dois grupos de idosos brasileiros e dois franceses, optamos por investigar aqueles que tinham forte 13 representatividade no momento da pesquisa, não só quantitativamente, como por serem associações reconhecidas tanto socialmente quanto do ponto de vista acadêmico. Além disso, essa escolha também recaiu sobre instituições que nos foi possível acompanhar com observações sistemáticas durante maior tempo do que foi dedicado a coleta dos dados. Os dois primeiros grupos são da cidade do Rio de Janeiro, sendo um constituído pelos participantes do curso oferecido com o nome de ‘antiginástica’11 na Universidade da Terceira Idade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UnATI-UERJ). O outro é formado por pacientes do Posto de Atendimento Médico São Francisco Xavier que passaram a participar das atividades do projeto Idosos em Movimento Mantendo Autonomia (PAM-IMMA)12. Como as duas associações brasileiras, as francesas também foram escolhidas por pertencerem a uma mesma cidade e por estarem localizadas em locais bem próximos. Com o nome de ‘ginástica suave’, a Universidade do Tempo Livre de Rennes (UTL-Rennes) oferecia essa atividade física a seus associados, enquanto que a Associação dos Aposentados Esportistas de Rennes (ARRS) oferecia a atividade como ‘ginástica de entretenimento’13. Levando em consideração que essas atividades poderiam se desenvolver segundo uma lógica educativa voltada à animação tanto para a saúde, como cultural e social, nosso empreendimento investigativo foi realizado a partir dos elementos constitutivos de uma situação de ensino de educação física: o professor, o aluno e o conteúdo (HEBRARD, 1997). Abordamos a atividade física praticada a partir das intenções do responsável e de suas concepções sobre o envelhecimento, o que, acreditávamos, acabariam por influir na sua prática pedagógica. Que características foram mais privilegiadas pelos responsáveis nas atividades investigadas? O que querem os idosos e aposentados: cultivar-se, estar entre outros, ou fazer algo de caráter utilitarista, com forte relação com a saúde? Outra forma de interpretar pode levar ao entendimento de que o envelhecimento dos novos aposentados passou a ser um grande gerador de negócios que 10 Um exemplo marcante é o uso de conteúdos altamente escolarizados, que provocam a infantilização do idoso. 11 Estamos considerando esta atividade como fazendo parte das ‘ginásticas suaves’. Em francês, são conhecidas como gymnastique douce. 12 Essas duas instituições estabeleceram uma parceria que atualmente não mais se desenvolve, diferentemente dos outros locais investigados. 13 Em francês, gymnastique d’entretien. 14 envolve muito dinheiro, sendo necessário mantê-los independentes, e consumidores ativos o maior tempo possível. “Busca-se modificar a percepção da velhice: tenta-se passar da deterioração à conservação” (BOURDELAIS, 1983:364). O discurso das doenças, da conotação negativa do envelhecer acabou sendo substituído por uma nova higiene de vida. Nas pesquisas empreendidas por Georges Vigarello (1996) acerca dos hábitos de limpeza dos europeus em épocas passadas, ficou caracterizada a existência de uma ‘pastoral da saúde’. Segundo suas análises, pode-se verificar como era passada uma nova moral higienista, que veio sendo difundida por meio de estratégias pedagógicas14. Será que de forma semelhante, no caso do bom envelhecimento e das atividades em geral, especificamente as físicas, não estaríamos diante de influências moralizantes e, usando as palavras daquele autor, diante da imposição de uma verdadeira ‘catequese’? A higiene, no caso do estudo por ele empreendido, só “fez confirmar seu status de saber oficial” (VIGARELLO, 1996:215), que veio a ser didatizado, sem no entanto vir a ser confirmado, já que seria muito pouco provável que algumas recomendações prescritas nos textos estudados pudessem ser colocadas em prática e generalizados. Tal qual essa linha de raciocínio, apresentamos a hipótese de estarmos diante de uma nova pastoral, a ‘pastoral do envelhecimento ativo’. A tese foi dividida em cinco capítulos. No primeiro, mostramos como na história da humanidade o envelhecimento e a velhice são assuntos ambíguos e ao mesmo tempo contraditórios. Abordamos a questão do desequilíbrio demográfico que atinge os dois países abordados. Teorias psicossociais surgiram e algumas delas foram neste capítulo discutidas de maneira a procurar encontrar um fio condutor para entendermos a construção de um modelo de envelhecimento que acaba surgindo no momento em que a velhice e o envelhecimento constituem um problema que passa a ser dividido com toda a sociedade. Ao falamos da constituição do envelhecimento populacional enquanto problema social, verificamos que esse problema passou a ser relacionado com a crise do ‘estado do bem-estar social’. A transição demográfica e o modelo social hegemônico fizeram com que as relações entre as idades da vida 14 As recomendações dos manuais de higiene endereçados às famílias, bem como aqueles voltados para a higiene popular, davam sugestões, conselhos e estabeleciam preceitos. O tratado de higiene destinado ao povo é bastante “militante”. A sujeira passou a ser considerada 15 tomassem novas conotações. A invenção de um novo modelo de envelhecer tem sido a fórmula proposta, aparecendo por meio das políticas públicas que acabam fortalecendo o ideário ativo e produz a negação da velhice. No segundo capítulo discutiremos o fenômeno do envelhecimento ativo a partir da compreensão de questões que podem ser mais bem entendidas pelo sentido do que é uma geração. Assim, as relações entre tempo e trabalho nos auxiliaram para verificar como a nova geração dos aposentados tem percebido a passagem de um tempo de muita dedicação ao trabalho, em que lhe é dado um valor extremo, para um tempo livre, aparentemente desimpedido, que possibilita uma nova maneira de viver pósaposentadoria. O lazer como ocupação do tempo disponível mereceu uma discussão, pois entendemos que esse pode ser considerado como um tempo privilegiado dos aposentados. As oportunidades que aparecem para sua ocupação através de propostas dirigidas pelos animadores, podem ser realizadas na vida associativa, que se apresentam de maneira bem específica quando se destina a idosos e aposentados. Participando de associações como clubes ou universidades para idosos, encontraremos engajados e ativos bastante idosos. Já no terceiro capítulo, dando continuidade a nossa revisão, apresentamos uma abordagem que está diretamente ligada à temática principal do que estamos estudando, a prática de atividades físicas e especificamente a prática realizada por idosos e aposentados em ambiente associativo. Consideramos duas características como fundamentais para análise a atividade física como promotora de saúde e a questão da interação social que possibilitam as políticas específicas para idosos. Terminada a revisão da literatura, no quarto e capítulo analisamos os dados recolhidos a partir das entrevistas realizadas com freqüentadores e responsáveis pelo desenvolvimento das atividades; e nas observações sistemáticas realizadas em 12 atividades realizadas nas associações investigadas, procurando dialogar com alguns autores, conclusões passam a ser formuladas no capítulo, para finalmente apresentamos nossas considerações finais. resultado da preguiça, e incluía-se tanto nos manuais dos alunos como nos dos professores certas “normas que foram criadas para os indigentes” (VIGARELLO, 1996:215). 16 CAPITULO I UMA NOVA MANEIRA DE ENVELHECER, O ATIVISMO COMO OPÇÃO Neste primeiro capítulo, começamos discutindo como o envelhecimento e a velhice vieram se configurando enquanto ‘problema social do momento’, construção que recebeu diversas influências. Iniciamos discutindo as alterações demográficas que ganharam importância no último século e abordamos fundamentalmente os dois países que são foco de nossa investigação. Outro aspecto que levamos em consideração para circunscrever o nosso problema foi a necessidade de se diminuir a importância que é dada a determinada idade cronológica que sirva como indicativo de quando alguém passaria a ser velho. Estamos de acordo com aqueles que acreditam que falar em fenômenos geracionais ou curso da vida é mais pertinente do que falar sobre determinadas idades, como indicativos que justificam determinadas perdas que ocorrem no envelhecimento como sendo ‘coisas da idade’. Mesmo reconhecendo a dificuldade de se encontrar teorias que consigam explicar sem contestação o envelhecimento a partir dos aspectos psicológicos e sociais, acreditamos que devamos conhecer um pouco mais sobre algumas delas que, como veremos, se sustentam basicamente na discussão do que ocorre no período que ronda os anos da aposentadoria e na velhice bem ou mal sucedida. A partir dessas teorias poderíamos falar de ruptura, continuidade, abandono, engajamento, ou mesmo de uma cultura específica, enfim, de como essas teorias podem contribuir para equacionar o problema. Descreveremos algumas delas e teremos uma atenção especial a duas, a do desengajamento, e a da atividade, sendo que esta última acabou servindo de fundamentação à construção do modelo social de envelhecer que também será apresentado no capítulo. Encerramos esta introdução lembrando que falar hoje no envelhecimento de uma população não se restringe mais ao seleto grupo que ainda pode usufruir um modo de vida que encara o envelhecimento como uma fase da vida só de lazeres e de prazeres, muitas vezes não consumados no tempo de vida ativa. Não são poucos aqueles que 17 atingem cada vez mais as idades bem avançadas e cujo estado de dependência é bastante lamentável. Consideramos que tanto estes como os “idosos hipodotados”, identificados mais facilmente no Brasil (MAGALHÃES, 1989), não se enquadram na ideologia da terceira idade ativa, que habilmente procura camuflar a existência de sua realidade. O envelhecimento e a velhice através da história da humanidade A partir do conhecimento de como nossos antepassados envelheciam, podemos fazer uma tentativa de entender o que essa herança cultural pode ter influído na compreensão do que envolve o envelhecimento na contemporaneidade. Estudar a senescência com a única pretensão de defini-la pelo aspecto individual é bastante limitante. Não pelo fato dele não ser importante, mas porque não é suficiente, acabando por representar apenas um “momento abstrato” (BEAUVOIR, 1970:41). Concordamos com essa autora quando ela diz que para compreender a realidade e o significado da velhice é, portanto, indispensável examinar qual o lugar nela atribuído aos velhos, qual a imagem que deles se tem em diferentes épocas e em diferentes lugares. Independente da cultura investigada, a velhice é percebida de maneira bastante distinta. Fundamentando-se em estudos etnológicos, Beauvoir apresentou a condição de ser velho nas sociedades primitivas e sua dependência do contexto social. Podemos perceber que diversas soluções foram adotadas para encarar a velhice. Algumas vão mesmo eliminar seus velhos; outras vão abandoná-los, deixando morrer. Ao se tornar uma boca inútil, não podendo mais trabalhar, a solução pode ser a morte. De raciocínio semelhante, quando o chefe não é mais capaz de proteger o grupo, pode-se eliminá-lo. No entanto, também verificou-se que isso não seria uma norma, havendo povos em que, mesmo em situação de penúria, e mesmo nômades, os velhos mereciam respeito e eram venerados. Segundo ainda Beauvoir (1970:97), o que define o sentido e o valor da velhice é o sentido atribuído pelos homens à existência, é o seu sistema global de valores. E vice-versa: segundo a maneira pela qual se comporta para com os seus velhos, a sociedade desvenda, 18 sem equívocos, a verdade – tantas vezes cuidadosamente mascarada – de seus princípios e de seus fins. Uma maneira peculiar de representar a velhice ou sua aproximação, a fraqueza, é encontrada em representações gráficas do antigo Egito. O hieróglifo que significa ‘velho’ ou ‘envelhecer’, encontrado a partir dos anos 2800-2700 a.C., foi representado pela “imagem de uma figura humana deitada, com ideograma representativo de fraqueza muscular e perda óssea” (LEME, in: PAPALEO NETTO, 1996:14). No que pode ser considerado um dos primeiros textos escritos sobre a velhice, o declínio e a decrepitude foram descritos por Ptah-Hotep, filósofo e poeta que viveu no Egito no ano 2500 a.C. Foi por ele assim descrito o fim de um velho. Vai dia a dia enfraquecendo: a vista baixa, as orelhas se tornam surdas; a força declina; o corpo não encontra repouso, a boca se torna silenciosa e já não fala. Suas faculdades intelectuais se reduzem e tornam-lhe impossível recordar hoje o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. As ocupações a que outrora se entregava com prazer só as realiza agora com dificuldade e desaparece o sentido do gosto. A velhice é a pior desgraça que pode acometer um homem. O nariz se obstrui e nada mais se pode cheirar (BEAUVOIR, 1970:103). Se por um lado o envelhecimento na antiga China era associado a respeito do ponto de vista das relações sociais, em outras civilizações da mesma época o mesmo não ocorria. É por meio de relatos escritos, quadros, esculturas, em manifestações culturais as mais diversas, como poemas ou a dramaturgia, que são identificadas as mais diferentes reflexões sobre os velhos e a velhice (BOIS, 1989, 1994; MINOIS, 1987; CRANDALL, 1980; BEAUVOIR, 1970). Nas diversas vezes em que esses relatos apareceram na história antiga, quase sempre se restringiam à velhice do indivíduo, não havendo uma característica de grupo. Tanto nas crônicas como nos tratados morais e nas obras de arte, o que se encontrou são fragmentos que reproduzem uma visão bastante limitada do corpo social. Saber e poder faziam parte das características dos velhos que mantinham respeito e privilégios: “eles encarnam a continuidade e o sucesso do grupo, e, diferentemente dos outros homens, eles estão próximos dos deuses” (BOIS, 1994:6). 19 Num meio termo entre mito e história, tanto a Grécia do tempo de Homero como a Roma arcaica não escaparam desse modelo. Quando as sociedades passam a ficar mais organizadas, e o sagrado desaparece das relações com a política, com o desenvolvimento institucional e administrativo, acabou-se fazendo com que declinasse o sistema gerontocrático. A velhice tornava-se destino e há certa ambigüidade nos gregos. Enquanto Aristóteles ataca a velhice, Platão vai defendê-la, colocando-a mais próxima de um ideal. Na verdade, ao se falar da Grécia, deve-se ter em conta a existência de cidades-estado, não havendo qualquer unidade entre elas. Em Esparta encontrava-se um conselho conhecido como Gerúsia, constituído de 28 gerontes e dois reis, escolhidos entre aqueles que tinham mais de sessenta anos. Como resultado do fim de algumas guerras, em Roma, tal como na Grécia, demograficamente já se apresentava um considerado número de pessoas com mais de cinqüenta anos, que eram estimadas, segundo Cowgil, citado por Crandall (1980), em 4% do total da população. Na antiga Roma o senado parece valorizar a experiência dos seus velhos senadores, e Cícero (1997), que era, além de filósofo, influente político 15, vai apresentar a velhice pelo prisma do que podemos chamar do ‘bom envelhecer’. Segundo ele, existiriam quatro razões utilizadas pelos que concebiam a velhice como algo detestável: ela nos afastaria da vida ativa, acabando por enfraquecer-nos o corpo, privando-nos de alguns dos melhores prazeres, e finalmente nos aproximaria da morte. Seria então necessário resistir à velhice e combater seus inconvenientes: “é preciso lutar contra ela como se luta contra a doença; conservar a saúde, praticar exercícios apropriados, comer e beber para recompor as forças sem arruiná-las” (CÍCERO, 1997:16). Suas recomendações demonstram a importância que já era dada ao permanecer ativo, tanto intelectual como fisicamente. Ao nos dedicarmos “ao estudo, empenhandonos em trabalhar sem descanso, não sentimos a aproximação sub-reptícia da velhice” (p. 33). Procurando mostrar as vantagens do envelhecimento, Cícero sugere que no momento em que algumas características se vêem alteradas nos velhos, outras passam a ser evidenciadas positivamente quando se confrontam jovens a velhos. Na verdade, velhice e juventude não deveriam se contrapor, pois os que estão na primeira categoria 20 não têm necessariamente a obrigação de cumprir as mesmas tarefas que distinguem a segunda. Para Cícero, os velhos acabam por fazer mais e melhor, pois “não são nem a força, nem a agilidade física, nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são outras qualidades, como sabedoria, a clarividência, o discernimento” (CÍCERO, 1997:19). Nos primórdios do desenvolvimento das civilizações, a velhice foi percebida como uma etapa particular da vida, não se verificando, como era de se esperar, qualquer acordo sobre qual seria a idade em que ela se iniciava. Se hoje alguns usam a fórmula de dividir a vida em três idades, antigamente outras foram feitas: Hipócrates usava para descrever o ciclo da vida as quatro estações, sendo que a velhice corresponderia ao inverno, que para ele cronologicamente começaria aos 56 anos. Já Aristóteles se referia à idade de 50 anos, enquanto Santo Agostinho, que estabelecia 60 anos como limite, dividia a vida em sete idades – divisão utilizada durante a Idade Média. Não sendo tão simples quanto parece, na busca por identificar o início da velhice, mesmo se nunca encontrou unanimidade, foi a idade de sessenta anos a mais utilizada para distinguir aqueles que não serviam mais para pegar nas armas ou mesmo para trabalhar. Foi só a partir do Renascimento que houve um aumento da expectativa de vida, surgindo com isso um maior interesse pelos problemas do envelhecimento, conforme Leme (In: PAPALEO NETTO, 1996:21). Segundo o autor, na segunda metade do século XV, Gabriele Zerbi, que era clínico, professor e anatomista, descreveu alguns sintomas e doenças típicas de velhos, no que poderia ser considerado como o primeiro manual de geriatria. Par ele, “o idoso tem uma compleição especial, primeiro fria e seca e posteriormente quente e úmida, definindo nessa compleição uma predisposição para mais de 300 doenças”. Também de maneira sintomática, Richelet (apud BOIS, 1994)16, apontado como um dos primeiros a catalogar o sentido das palavras para caracterizar a velhice na França, em 1680 já se referia às palavras ‘ancião’ e ‘velha’. Foi assim, na forma feminina, que ele se expressou, demonstrando o que foi claramente percebido por Minois (1987), que a história da velhice é uma história do ponto de vista masculino. O pouco poder das mulheres, como da velhice anônima, sempre foi ridicularizado e 15 Apesar de ser um texto escrito algumas décadas antes do nascimento de Jesus Cristo, verificamos a sua pertinência ao descrever o envelhecimento e as relações sociais. 16 Cesar-Pierre Richelet, lexicógrafo francês do século XVII. 21 rejeitado; já a velhice honrada seria para os possuidores de poder, como os doges, os de classes abastadas, os conselheiros dos governantes e os reis. Cronologicamente, anciões seriam aqueles que têm entre 40 e 70 anos: “são geralmente desconfiados, ciumentos, avaros, melancólicos, conservadores, se queixando de tudo; os anciões não são capazes de amizade” (BOIS, 1989:27). No que toca a caracterização da velhice como feminina, Richelet, ao se referir às ‘velhas’, incluiu-as no mesmo período etário dos anciões, caracterizando-as também como muito repugnantes, além de enrugadas e sonolentas. Alguns anos mais tarde, no dicionário elaborado por Furretière17, também citado por Bois (1994), encontramos algumas características mais abonadoras. O ciclo da vida foi dividido em escalas de idade, cada uma comportando sete anos: a faixa dos 30 aos 50 anos seria a da ‘idade forte’, ‘idade madura’ e ‘idade viril’, ao passo que as expressões ‘estar na idade’, ‘estar avançando na idade’ ou ‘declinar na idade’ definiriam o começo do envelhecer, e a decrepitude começaria após os 75 anos. Assim como em outras definições, o paradoxo também continuava, pois ao mesmo tempo em que se associava muita idade a experiência, enaltecendo os anciões como pessoas que têm algo de venerável, de grande, por outro lado a velhice também é considerada como “um tempo de caduquice, em que não se tem mais força” (BOIS, 1989:28). Na mesma época a Academia Francesa evita apresentar qualquer idade para caracterizar a velhice e passa a incluir expressões positivas para referi-la. Isso não significava maiores conhecimentos adquiridos, mas sim uma parcial mudança de mentalidade, já que se tornar ‘caduco’ continuava a ser considerado como uma inevitável conseqüência dessa fase da vida. O século XVIII é aquele no qual a percepção da velhice muda, “de puramente apreciativas, tornam-se objetivas” (BOIS, 1994:63). Delineava-se no final do século um interesse na contabilização matemática das populações, que podia constatar o lento mas progressivo aumento demográfico na Europa. Jean-Pierre Gutton, citado por Bois (1994), usa a expressão ‘nascimento dos velhos’ mostrando que o interesse no século XIX passava a valorizar mais as qualidades do indivíduo. No momento em que esses valores são descobertos, os velhos, tal como as crianças, passaram a ser tratados de forma diferente no seio familiar. Há uma ‘evolução favorável’, resultado de um movimento que ocorreu nas sociedades européias, 17 Datado da última década do século XVII, seu dicionário precede o da Academia Francesa. 22 [...] talvez o acontecimento mais importante da história da civilização moderna, a transição entre as civilizações medievais e contemporâneas, constituída da passagem das sociedades comunitárias que só identificavam a pessoa como pertencente a um grupo regido por suas próprias regras (BOIS, 1994:63). As representações da idade passam a ser bem otimistas, principalmente após a segunda metade do século. Cria-se a imagem do bom velho, segundo a qual ter muita idade pode contribuir para a aquisição de outras qualidades, não mais pelo saber acumulado, mais por valores ligados à virtude, como justiça, bondade e temperança (BOIS, 1994). Mas a ambigüidade logo fica novamente marcada. Não demorou muito para que no século XIX, a partir da influência da medicina, se tivesse uma imagem cada vez mais diferente da velhice, e foi nessa época que surgiram os primeiros tratados de geriatria. Por um lado, nesse mesmo século, verificava-se uma gerontocracia na França, já que os idosos conseguiam deter algum tipo de poder, o que explicava o fato de que muitos deles ainda estivessem “nas famílias, nos negócios, no exercício dos poderes constitucionais ou eletivos. A característica dominante era muito mais favorável aos velhos do que em qualquer outra época” (BOIS, 1994:95-96). Por outro lado, a relação com os que não tinham qualquer poder e respeito era diferente. Em Paris, foi criado o Hospital Salpétrière, que acolhia de dois a três mil idosos, e passou-se a observar a velhice pelos aspectos clínicos. Esse dado parece ser definitivo para marcar a contribuição do modelo que se fundamenta na inevitável responsabilidade do indivíduo por sua degradação ou mesmo conservação para uma boa velhice. Os doentes nos hospitais [...] tornavam-se sujeitos de observação, em que a clínica se afirmava e novas abordagens das doenças da idade se sucediam [...] existiu a partir do primeiro terço do século XIX uma verdadeira demanda de livros informando sobre o envelhecimento do indivíduo e dando conselhos. Estes guias de grande difusão foram geralmente escritos por professores célebres [...] eles escreviam ao vislumbre de seus conhecimentos gerais e de sua sabedoria uma promoção de regras para a vida que garantiriam uma boa velhice [...]. Não se tratava de pesquisas, mas de escritos que pertenciam a um gênero completamente diferente, num meio de caminho entre medicina e filosofia. (BOURDELAIS, 1993:322-339). 23 Para esse autor, era incontestável o interesse que o envelhecimento e a velhice passaram a ter tanto no campo científico como no terapêutico, sendo estudados dentro dos hospitais. O desenvolvimento da geriatria parece ter contribuído para a deterioração da imagem da pessoa idosa; as diversas descrições clínicas eram categóricas, apresentando sempre “quadros precisos, chocantes e repetitivos da decadência física. À medida que as investigações se desenvolviam num quadro de pesquisas das anomalias, do que não funcionava, estaria provada a deterioração pela idade” (BOURDELAIS, 1993:348). O século XX é considerado um período bastante importante no tocante ao interesse social pelas coisas da velhice, quando uma ‘nova velhice’ passou a ser delineada, surgindo as associações gerontológicas e geriátricas. Época da ‘hiperatividade contemporânea’, de contato com uma ‘nova arte de envelhecer’ (MIRA Y LOPES, 1966), um resgate da época dos iluministas do século XVIII que apresentaram uma imagem positiva da velhice. Mas quando se encarava o envelhecimento a partir das obras geriátricas, ficavam bem marcadas as perdas e as doenças, o aspecto negativo. Só na segunda metade do século XX surgiram trabalhos mais próximos das ciências sociais que começaram a fazer denúncias sobre o abandono e as condições miseráveis dos velhos. Ao mesmo tempo, gerontólogos passam a defender um modelo diferente de envelhecimento que é logo incorporado pelos geriatras. Simone de Beauvoir (1970), apresentou de maneira contundente as dificuldades de sobrevivência dos idosos, e o descaso com que os mais velhos eram tratados. No momento em que foi publicado este livro, foi bastante peculiar e foi considerado um dos mais importantes para quem estudava o envelhecimento e a sociedade. Estudo abrangente, denunciava na história da humanidade o estado de miséria e o abandono social impostos àqueles velhos desprovidos de algum tipo de poder. Segundo a autora, sendo raras as sociedades em que o velho era venerado, um estudo sobre as influências da sociedade sobre a velhice e o envelhecimento deve considerar que será então a própria sociedade que vai determinar [...] o lugar e o papel do velho, levando em conta suas idiosincrasias individuais: sua impotência, sua experiência; reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade a seu respeito. De modo que, uma descrição analítica dos diversos aspectos da velhice não pode ser suficiente: cada 24 um deles reage sobre todos os outros e é por eles afetado. É no movimento indefinido desta circularidade que temos de aprendê-la (BEAUVOIR, 1970:13-14). Sobre o trabalho da autora, alguns justificam sua importância pelo momento histórico em que foi escrito, já que as condições dos velhos na França nos anos 60 deixavam muito a desejar. Já outros, como Woodward (2000), descrevem-no como tendo partido de uma estratégia emocional que mobilizava o medo e provocava a piedade. Para essa ultima autora, a visão de Beauvoir sobre a velhice se associaria a uma ‘repulsa’, um exemplo preconceituoso com relação ao envelhecimento: Sua análise é baseada em duas suposições primárias e entrelaçadas, que também servem como ferramentas teóricas e conclusões: a reação existencial súbita diante da condição da velhice (por parte do jovem e do velho) e a impotência do idoso como grupo econômico (WOODWARD, 2000:237). Uma vez que durante muitos anos “o conhecimento do envelhecimento e da velhice era dominado por mitos, estereótipos, preconceitos, ignorância e medos pessoais com a velhice” (CRANDALL, 1980:4), foi necessário incorporá-la primeiro como uma fase importante da vida e depois considerá-la enquanto um fato social, para que pudesse então merecer estudos mais sistemáticos. Ao fazer uma história da velhice, Jean-Pierre Bois (1994:4) argumentou que, não importando o período em que ela foi abordada, o discurso que se fez passará sempre por uma discussão de [...] temas em oposição mas sem dúvida complementares – sabedoria e loucura, felicidade e tristeza, beleza e feiúra, virtudes e corrupções de idade e das pessoas idosas – que exprimem duas aspirações, a tentação de uma vida longa e a recusa das fraquezas clássicas da idade. Acrescentamos ainda a noção de progresso e desenvolvimento em oposição à de estagnação e involução, ou seja, um mau e um bom envelhecimento, o que abre o caminho para se contrapor atividade a inatividade na aposentadoria e autonomia a dependência. Como então superar o que parece rondar o senso comum, a noção de que existiria certa semelhança entre ser muito velho e a fase de dependência total? É aí que acaba surgindo com outros fatores uma nova maneira de envelhecer, em oposição à velhice indesejada. 25 É então no século XX, visando a combater o mau envelhecimento, que surgem cada vez maior número de manuais, alguns seguindo os preceitos higienistas que defendem uma moral que resultará no bom envelhecimento18. Isso acabou se intensificando ainda mais a partir do tema na categoria de problema social. Mais precisamente, no período a partir dos anos cinqüenta, quando aqueles manuais passaram a propor com certa freqüência um modelo do bom envelhecimento, que acabou de certa forma sendo incorporado nas políticas sociais da velhice. Só que agora quem passará a cuidar dos velhos serão eles próprios, auxiliados pelo Estado, que passou a dividir com a família as responsabilidades de seus velhos. Com o passar dos anos de desenvolvimento após a Segunda Guerra e a influência da política do bem-estar social, surgiram novas aspirações de uma classe média assalariada que, junto com o envelhecimento da população, cresceu de forma considerável. O fenômeno do envelhecimento da população têm se apresentado com características únicas na história da humanidade com causas bastante claras mas com conseqüências das mais diversas que acabam influindo desde as relações entre as gerações até a novas formas de consumo. A transição demográfica no Brasil e na França Não se pode falar do envelhecimento de uma população, da forma como vem ocorrendo na França e no Brasil, sem se reportar às pressões demográficas. Tendo como base os aspectos quantitativos, a demografia19 surgiu como uma ciência interessada em estudar o movimento das populações humanas, suas mais diversas dimensões, estruturas, evolução e também suas características gerais. Ela é tanto prospectiva como retrospectiva. Diante dos dados já conhecidos, tudo indica que o século XXI ficará marcado pelo significativo aumento demográfico da população mundial de idosos (US 18 Poderíamos citar como por exemplos alguns livros que procuram passar uma nova fórmula para o enfrentamento da velhice: Como emplacar cem anos (FILIZZOLA, 1964), Envelheça sorrindo (KEHL, 1949, Pondo fim à velhice FULDER (1983); Como prolongar a vida (BOOGOLOMETS, 1944); A arte de permanecer jovem (BROWER, 1981); A chave da juventude (CHOUERI, 1987); Longevidade e fontes da juventude (CARÈNE, 1962); Quelques conseils pour vivre vieux (DEURY, 1926); O elogio da idade em um mundo jovem e bronzeado (COMBAZ, 1990). 19 Termo criado em 1855 por A. Guillard, tem origem no grego: demos significa povo e graphos, escrita. 26 CENSUS BUREAU 2003; INSEE 2001; BRASIL 2001), fato que se delineou no decorrer do último século20. Para melhor compreender a emergência do envelhecimento de uma população enquanto problema, é comum serem reportadas suas evoluções demográficas. Enquanto uma das primeiras ciências sociais quantificáveis, a demografia se utiliza de estatísticas, “cujos resultados tornam-se cabíveis de análises qualitativas (fatores sociológicos, psicológicos, etc.), levantando diversas questões ligadas a economia, a sociologia e a história” (GRAWITZ, 1991:108). No período compreendido entre os anos de 1950 e 2025, enquanto a população mundial total deverá triplicar, a parcela formada pelos que têm mais de sessenta anos21 será multiplicada por cinco. Nos dois países que fazem parte desta pesquisa22 esse tema vem sendo exaustivamente debatido nos últimos anos, principalmente devido às previsões no caso do Brasil e da realidade vivida hoje na França (TABELA 1). TABELA 1 PORCENTAGEM DA DISTRIBUIÇÃO DAS POPULAÇÕES FRANCESA E BRASILEIRA GRUPO DE IDADE NOS ANOS DE 2000, França POR 2025 E 2050 Brasil 0-19 20-59 60 ou > 0-19 20-59 60 ou > 2000 25% 54% 21% 39% 53% 8% 2025 22% 52% 28% 27% 57% 16% 2050 20% 47% 33% 22% 51% 27% Fonte: Us Census Bureau, 2003 20 Segundo os dados da ONU, apresentados na década de cinqüenta por Alfred Sauvy (1958), a hipótese com que se trabalhava naquela época apontava o ano 2000 como aquele em que a população mundial chegaria aos seis bilhões de habitantes, fato este que veio a se confirmar. 21 Para efeito de corte, verificamos que essa idade é aquela que vem sendo mais utilizada nesses dois países para caracterizar o idoso. 22 A França, como outros países desenvolvidos, já atingiu mais de 20% da sua população com pessoas de mais de 60 anos. No caso do Brasil, apesar de já ter ultrapassado os 14 milhões de pessoas com mais de 60 anos (BRASIL, 2001), ainda não superou a marca dos 9%. 27 Segundo dados do Institut National de la Statistiques et des Études Économiques (INSEE, 2001) sobre a população francesa23, no período compreendido entre os dois últimos censos houve um aumento de pessoas com mais de sessenta anos em torno de 1 milhão e trezentos mil. No mesmo período o IBGE acusou um aumento de quase 4 milhões de idosos no Brasil (TABELA 2). TABELA 2 População total e quantidade de pessoas com mais de sessenta anos na França e no Brasil – dados dos censos de 1990 e 2000 França * Brasil ** População total 60 ou > População total 60 ou > 1990 56 577 000 10 763 586 150 367 841 10 613 000 2000 58 748 743 12 120 747 169 872 856 14 538 988 Fontes: * INSEE - Estimations localisées de population (2003) ** IBGE (2003) A transição demográfica ocorrida nas populações desses dois países no século XX fez com que se aumentasse o número de pessoas consideradas idosas. Credita-se esse fato à forte contribuição da melhoria das condições sanitárias, do progresso da ciência, do controle e erradicação de algumas doenças contagiosas, de mudanças de hábitos alimentares e de higiene pessoal. Entretanto, estas últimas não são tão fundamentais; o que mais vai importar é a sua conjunção com outros fatores, como a diminuição da taxa de mortalidade infantil e principalmente a diminuição das taxas de fertilidade24 ocorrida em determinados períodos (TABELA 3). Na França, o número de filhos por mulher em idade de procriar estava em torno dos três filhos até o final dos anos cinqüenta, passando a diminuir bastante após os anos subseqüentes. No Brasil, as alterações daquelas taxas, são muito significativas, e as 23 O INSEE tem funções semelhantes às do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) no Brasil. Nos dados do seu último censo, interessou-nos trabalhar com os dados da França metropolitana. 28 estimativas que os institutos de pesquisa vêm há alguns anos fazendo, mostram que a transição demográfica não se restringirá só ao Brasil e a França. Projeta-se que tanto as mulheres brasileiras como as francesas terão um quantitativo em torno de 1.8 filhos para as duas próximas décadas, com tendência de baixa para as posteriores. Deve-se registrar que a taxa de 2.1 filhos é a considerada para se ter o equilíbrio de uma população. TABELA 3 Taxa de fertilidade das mulheres francesas e brasileiras – dados listados a partir da década de 1950 até o ano 2000 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Brasil 5.93 6.07 5.33 4.09 2.56 2.13 França 2.95 2.74 2.48 1.94 1.77 1.85 Fonte: IBGE (2003) e INSSE (2003) Dando seqüência aos fatos que contribuem para as alterações demográficas, acresça-se a esperança de vida ao nascer, que nos dois países vem aumentando bastante. Na França, em 1998, a esperança média de vida das mulheres ao nascer era de 83 anos, marca surpreendente que fez com que aquele país dividisse com o Japão o título dos que tinham a maior expectativa de vida feminina; no Brasil, no mesmo ano, a esperança de vida das mulheres estava ainda abaixo dos 70 anos (US CENSUS BUREAU, 2003). Os dados que obtivemos indicam que a esperança de vida média dos brasileiros nascidos no ano de 2000 ainda estava abaixo de 70 anos, enquanto que na França a média já seria de 78,8 anos. Merece registro o fato de que se verifica uma diferença de quase sete anos para menos na esperança de vida dos homens, tendência que parece cada vez mais diminuir25. Durante milhares de anos a espécie humana teve um aumento demográfico muito lento. Só a partir dos últimos três séculos a população começou a crescer de 24 Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, num período que ficou conhecido como ‘baby boom’, houve muitos nascimentos, tendência que passou a diminuir após os anos sessenta. 25 Merece registro o fato de que nesse ano de 2003 o IBGE divulgou uma nova pesquisa que indica entre outros dados que a esperança de vida média do brasileiro passa a ser de 71 anos com as mulheres vivendo em média 7,6 anos a mais do que os homens. 29 maneira mais acentuada26, o que se deveu, entre outros fatores, ao desequilíbrio entre nascimento e morte. Esse conjunto de fatores, como também o aumento da longevidade média, acabaram contribuindo para fazer do envelhecimento “uma novidade para o nosso tempo”, conforme Bois (1994:1), mesmo considerando que em todas as épocas tenham existido velhos. Concordamos com o autor quando ele diz não restar qualquer dúvida de que a nossa velhice não será a mesma dos nossos pais, avós ou de nossos ancestrais mais longínquos. Acrescentamos ainda que o estudo do envelhecimento e da velhice deve ser acompanhado por uma reflexão do significado dos fenômenos geracionais. Afinal, quem poderia imaginar há algum tempo atrás que as novas gerações estariam sendo induzidas a praticar atividade física ou mesmo participar de competições esportivas; mais impensável seria a presença nessas práticas de pessoas de mais de sessenta anos, como vem ocorrendo atualmente. O uso de dados demográficos para caracterizar o envelhecimento de uma população como um problema social do momento não é garantia de que os anseios dessa categoria e suas necessidades mais prementes sejam atendidas. As políticas públicas encaminhadas pelos que se apresentam enquanto entendedores do envelhecimento e da velhice acabam por privilegiar outros interesses; no caso dos idosos e aposentados que praticam as mais diversas atividades, em especial as de caráter físico ou esportivo, será que não poderíamos falar de uma ‘indústria do envelhecimento saudável’? Teorizando o envelhecimento Teorias diversas têm procurado explicar como ocorrem as influências exercidas pela sociedade e o processo do envelhecimento individual. Sem a pretensão de esgotar esse tema, estaremos neste trabalho falando de algumas delas. Crandall (1980) é um dos autores que se referem à aplicação da gerontologia, uma teoria capaz de predizer, explicar e compreender determinado comportamento social. Existiriam macro e microteorias: as primeiras fariam uma leitura mais geral, enquanto as outras, muito mais específicas, serviriam para análise de determinados grupos e determinadas situações. 26 Após milhões de anos da existência humana, foi por volta do ano 1800 que se atingiu o primeiro bilhão de pessoas; 100 anos depois se chegou ao segundo bilhão, e desde o ano de 1997 já se passou dos seis bilhões. 30 Markides e Mindel (1986) são outros autores que também examinaram algumas das macroteorias. Eles apontaram como ponto comum a controvérsia existente sobre elas, sua fraca conceituação decorrente de algumas pesquisas realizadas de maneira inadequada para o que elas eram queriam testar. Segundo Mishara e Riedel (1985:53), o uso de algum tipo de modelização sobre o envelhecimento a partir das influências exercidas pelo meio social requer bastante prudência, já que pertencer a um grupo particular, uma família ou uma cultura é regido por um conjunto de regras e comporta diversas obrigações, que vão variar segundo o grupo, a pessoa, a situação e mesmo a idade. A natureza exata da influência exercida pelo meio social é assunto de bastante controvérsia. O maior interesse pelas teorias sociais do envelhecimento remontam principalmente à década de sessenta, e, ao que tudo indica, foi bastante influenciado pelo modelo do envelhecimento apresentado pela ‘teoria do desengajamento’, elaborada por Cumming e Henry em 1961. Dessa, que tem base teórica na escola funcionalista (MARKIDES e MINDEL, 1985), saem teorias como a ‘da atividade’ (MADDOX, 1964), que procurou negar a validade da primeira. Tanto esses autores como Levet-Gautrat, (1985), Baum e Baum, (1980), Crandall (1980), Mishara e Riedel (1985) apresentaram algumas das teorias sociais do envelhecimento; entre elas encontramos as que mais nos interessaram neste estudo. São elas, além das duas últimas, a ‘da estratificação das idades’ (RILEY, JOHNSON, FONER, 1972), a ‘da subcultura do envelhecimento’ (ROSE, 1965) e a ‘da continuidade’ (ATCHELEY, 1972). A teoria do desengajamento se fundamentou no fato de que, à medida que se envelhece, seria inevitável a redução das interações sociais – aborda a questão da morte e sua preparação. Ao se chegar à velhice, a própria pessoa vai se retirando aos poucos da vida em sociedade, modificando essas interações tanto em quantidade como em qualidade (CUMMING, 1961). O desengajamento seria então inevitável, e teria como marco inicial dos mais importantes o momento da aposentadoria. Segundo essa teoria, é “natural e desejável que, quando se envelhece, haja o abandono de atividades da vida social, o que provocaria um bem-estar psicológico” (LEVET-GAUTRAT, 1985:10). Não fica claro, entretanto, se esse desengajamento ocorre por causa de imposições sociais ou 31 se é uma opção do indivíduo. Seus defensores sustentam que no momento em que o desengajamento se torna completo o indivíduo atinge um novo equilíbrio que se caracteriza pela modificação de seu sistema de valores, como uma das etapas normais do desenvolvimento humano. Formulada para ser aplicada em pessoas tanto economicamente seguras como relativamente saudáveis, ela apresenta três assertivas: tanto a sociedade como o indivíduo se preparariam com antecedência para a inevitável morte de um velho; o desengajamento inclui o declínio em todos os sentidos; o desengajamento resulta no bem-estar psicológico do idosos (BAUM, BAUM, 1980). Crandall (1980) apresenta quatro características que fazem parte das crenças daqueles que reconhecem a validade da teoria: primeiro, o desengajamento seria um processo gradual, ocorrendo a partir de uma sucessão de eventos; ele seria inevitável; conteria uma satisfação mútua, tanto para o indivíduo como para a sociedade; finalmente o autor considerou que o desengajamento acaba sendo uma norma, que já é usada socialmente, e usa como exemplo a aposentadoria compulsória. Quando verificamos o que é preconizado pela teoria da atividade (MADDOX, 1964), observa-se que ela é apresentada como fundamental para o bom envelhecimento. Para isso, deve-se ter na época que ronda a aposentadoria um investimento pessoal em diversos engajamentos, que quanto mais forem, melhor acaba sendo para o indivíduo. A fim de que esse ideal se realize, é necessário atribuir novos papéis aos idosos, e que estes sejam valorizados pela sociedade. Se alguns novos papéis não vierem a substituir os antigos que por ventura venham a ser perdidos, uma anomia tenderá a se internalizar e o indivíduo acabará se tornando uma pessoa inadaptada e alienada [...] uma velhice bemsucedida supõe a descoberta de novos papéis ou de novos meios para conservar os antigos (MISHARA e RIEDEL, 1985:54). A teoria visa a entender a inadaptação ao envelhecimento e foi bastante influenciada pela teoria do desengajamento, cujos principais alicerces tanto foram refutados como combatidos (MADDOX e EISDORFER, 1962). Apesar da constatação de que a teoria da atividade, enquanto antítese da teoria do desengajamento, ainda carecia de pesquisas sistemáticas e um refinamento como teoria, as maiores controvérsias 32 perduram até hoje, sendo clara a resistência à teoria do desengajamento (CRANDALL, 1980). Os defensores da teoria da atividade usaram o argumento de que ela surgiu para combater as lacunas da teoria do desengajamento; seria uma intervenção antivelhice: o associativismo, o voluntariado, as atividades de lazer fariam parte de um campo fértil, permitindo que os idosos e aposentados tivessem novas opções para permanecerem ativos, envelhecendo diferentemente. A manutenção de uma vida autônoma estaria ligada à quantidade de atividades assumidas, principalmente após o tempo dedicado às obrigações, sejam profissionais assalariadas, familiares ou outras. Sendo assim, estaria incluída na categoria dos aposentados grande parcela de mulheres que no século passado não exerceram regularmente atividade profissional fora do lar. Essas mulheres certamente tiveram dentro de casa uma rotina de trabalho de muita responsabilidade, como cuidar dos filhos, administrar a casa e também cuidar do próprio marido. A vida ativa das mulheres idosas é um assunto que vem despertando interesse particular, pois, ao que se percebe, elas são as que mais se adaptam ao ambiente associativo, seja dos clubes ou universidades para idosos. O que contraria a hipótese de que elas seriam mais suscetíveis a crises no período que ronda o que podemos chamar de desligamento das atividades que envolvem certa rotina, sejam elas: profissionais, dentro do lar, ou a combinação das duas, que chamaremos de dupla jornada. Ainda no caso das mulheres, é comum ouvirmos que o tempo subseqüente à saída do último filho da casa é identificado como mais um período que pode ser vivido como de crise, que acabaria influenciando negativamente o processo do envelhecimento – seria a crise do ‘ninho vazio’. No entanto, Berenice Neugarten (1999) não confirma essa suposição em suas pesquisas sociais sobre o envelhecimento e a influência exercida pelo ambiente social. Ela afirma, ao contrário do que se supunha, que no momento do abandono tardio de um filho não ocorreria o sentimento de perda na grande maioria dos pais. O que na verdade ocorreria seria um atraso com relação à maturidade do próprio filho. Essa autora foi capaz de estudar e contestar também outra crise, como a conhecida ‘crise de meia idade’27, que antecederia a aposentadoria. 27 Num contexto de crise econômica, subemprego e de mecanismos de exclusão de trabalhadores idosos, segundo Maryvonne Gognalons-Nicolet (1989), emergiria uma nova etapa da vida, uma idade crítica que foi chamado por ela de ‘maturescência’. 33 Era evidente que os mitos e os estereótipos negativos acerca da meia idade e da velhice não se ajustavam à realidade. Na grande maioria, as pessoas idosas, mesmo que estejam aposentadas, têm vitalidade e são competentes, mantendo uma atividade em suas famílias e comunidade (NEUGARTEN, 1999:28). Ela chamou esses novos aposentados de ‘jovens-velhos’, e os descreveu como um novo fenômeno histórico das sociedades pós-industriais. Muitas das mulheres, após a aposentadoria do marido, da saída dos filhos da residência, ou mesmo de uma viuvez, tendo diminuído as suas responsabilidades com as tarefas relacionadas à administração do lar, procuram utilizar seu tempo disponível para engajar-se em diversas atividades, sendo a vida associativa uma nova realidade para muitas delas. Com relação à discussão entre as teorias da atividade e do desengajamento, Neugarten se posicionou afirmando que ambas são reducionistas, pois não levam em conta a diversidade dos exemplos que se sucedem, nem as diversas maneiras de envelhecimento. Considerando que somos indivíduos únicos e que envelhecemos de maneiras bastante diferentes, o destino das características individuais se amplia à medida que o tempo passa. O que serve também para reforço de nossa posição contrária aos que usam indiscriminadamente uma determinada idade como prenúncio da competência, seja ela física ou social, e também das necessidades e capacidades da pessoa. Neste sentido, se fizermos uma comparação com os períodos anteriores da historia, a idade tem perdido importância na hora de distinguir entre as pessoas de meia idade e os idosos. Falando de outra maneira, a idade parece ser uma variável pouco importante nas análises multidiversificadas (NEUGARTEN, 1999:29). Não só o desengajamento, como o que é postulado pela teoria da atividade, não é capaz de explicar algumas situações concretas. Parece evidente que exemplos não nos faltariam de ‘tipos ativos’ e ‘tipos desengajados’, da mesma forma que outros tipos. Sua distribuição acaba variando em função de variáveis como trabalho, renda, instrução, gênero, estilo de vida adotado anteriormente, entre outras características. 34 A ingenuidade de uma teoria como a da atividade não impediu que ela venha servindo como base de sustentação das mais diversas propostas de intervenção que integram as diretrizes das políticas sociais, sendo a explosão do fenômeno associativo pós-aposentadoria um exemplo bem significativo. Mesmo que nos discursos das políticas sociais se aponte para a necessidade de não se cair no assistencialismo, muitas vezes algumas propostas ainda mantêm essa característica nas ações empregadas. Outro fato que pode ser constatado e que confirma a penetração dessa teoria vem da observação das diversas publicações que se propõem a ser manuais do ‘bom envelhecer’, nos quais existe uma verdadeira imposição ao ativismo. Esses livros, às vezes confundidos como de auto-ajuda, defendem que o ativismo seria a melhor perspectiva para um envelhecer bem-sucedido, e em muitos casos a única opção a se contrapor à velhice decrépita. Na verdade, ao não oferecer outra alternativa, impõe-se aos que envelhecem um modelo único, que em última análise seria estar sempre engajado em alguma coisa, acabando por não se dar muita importância ao que é feito. Os defensores desse tipo de ativismo exacerbado de certa maneira não respeitam o direito dos aposentados de não quererem se engajar, ou de virem a ter uma velhice voltada para si mesmos. É uma teoria que negaria as características específicas do envelhecimento e até a própria morte, não aceitando nenhum outro modelo de envelhecimento diferente do que o do idoso ativo (LEVET-GAUTRAT, 1985). No entanto, até mesmo os que não se consideram entusiastas dessa teoria reconhecem que sua integração a diversas outras teorias, sejam elas com características biológicas, psicológicas ou sociais, pode vir a auxiliar na compreensão do envelhecimento. Sobre esse assunto, Edgard Morin (1983), falando sobre o envelhecimento e algumas teorias que procuram explicar como ele se processa, argumentou que a elaboração de uma teoria sobre o tema não deve ter a ambição de ser a única, pois é impossível que haja uma capaz de responder a tudo. A fim de mostrar a diversidade das teorias, apresentaremos mais três: a da continuidade, a da subcultura do envelhecimento e a da estratificação das idades. A primeira mostra a velhice como resultado da maneira como desenvolvemos nossa vida. Nessa perspectiva, não haveria qualquer grande ruptura na passagem do tempo de trabalho para o tempo da aposentadoria. 35 A personalidade seria forjada no curso do tempo passado a partir das experiências individuais e sociais, do status, dos papéis assumidos, e, ao envelhecer, a pessoa se fecharia naquilo que ela conhece bem, evitando improvisar ou fazer novas experiências (LEVET-GRAUTAT, 1985:13). O passado condicionaria o futuro, e ao passarmos à velhice estaríamos dando continuidade a atividades que já tiveram início anteriormente. Para Mishara e Riedel (1985), a melhor maneira de predizer as condutas de um indivíduo numa determinada situação é se basear nos seus comportamentos anteriores. Considerada como preditiva dos comportamentos na velhice, a teoria se confirma em expressões como: ‘eu sempre fiz assim e não será nesta idade que eu vou mudar’. As situações sociais podem apresentar uma certa descontinuidade, mas a adaptação e o estilo de vida são determinados principalmente pelos estilos, hábitos e gostos adquiridos ao longo de uma vida [...] A adaptação social à velhice, a aposentadoria e os acontecimentos do gênero são principalmente determinados pelo passado. Os acontecimentos sociais que vão acontecendo no decorrer dos últimos anos da vida exercem pressões e levam à adoção de certas condutas, mas elas seguem uma direção já determinada mais cedo na vida do indivíduo (MISHARA e RIEDEL, 1985:57-58). A velhice seria então um tempo em que teríamos a oportunidade de retomar projetos que, devido a obrigações profissionais ou familiares, não puderam ser levados a cabo. A melhor adaptação à velhice, assim como à aposentadoria, seria o resultado de habitus adquiridos e elaborados durante toda uma vida. Contudo, esta teoria também é sujeita a críticas e a principal que lhe é dirigida é o fato de não reconhecer toda a capacidade de renovação do indivíduo e uma possível criatividade a ser desenvolvida na velhice. Porém, ela acaba ganhando mais pertinência quando tem como princípio estar baseada na história pessoal do indivíduo. Essa teoria foi por nós trabalhada na pesquisa que fizemos com idosos que participavam das atividades propostas pela Universidade do Tempo Livre de Rennes. Naquela ocasião encontramos indicativos de que haveria uma certa continuidade entre os que se engajavam em atividades voluntárias e determinismo quando se relacionou as categorias sócio-profissionais (CSPs)28 com as 28 Na França é comum utilizarem-se as diferentes categorias socioprofissionais (DESROSIERES; THEVENOT, 1992). Uma categoria social corresponde a uma idéia de classificação, designando 36 atividades escolhidas pelos que freqüentaram a universidade no ano de 1992/1993 (ALVES JUNIOR, 1994). Os idosos enquanto que pertencentes a uma subcultura foram apresentados pela primeira vez por Arnold Rose (1965). Sua idéia principal é a de que os idosos são um grupo isolado, capaz de criar suas próprias normas de conduta, e acabam usando mecanismos de defesa contra uma sociedade que em geral os discrimina. A velhice formaria uma subcultura, é essa subcultura que a define e dá direção aos comportamentos assumidos pelos idosos (CRANDALL, 1980:115). Considerando que a sociedade está em constante mutação, o estabelecimento de uma geração como subcultura leva em conta a convergência de experiências advindas a partir da estabilidade dos fortes contatos geracionais, que acabam alimentando uma cultura própria de uma idade ( LEVET-GAUTRAT, 1985). Uma subcultura pode começar a ser formada tendo por base variáveis como idade, gênero, grupo étnico, crença religiosa ou classe social. Seria um grupo dentro de uma sociedade, não deixando de conter algumas características dessa sociedade; mas uma subcultura do envelhecimento tem características que não são achadas em outros segmentos da sociedade. Na prática, isso parece não caminhar tão satisfatoriamente, e muitas vezes vemos se constituírem verdadeiros ‘guetos de idosos’. Por outro lado, encontramos alguns casos que demonstram que os idosos e aposentados unidos são capazes de se defender em assuntos que lhes são específicos. Mishara e Riedel (1985:58) afirmam que, desde a publicação do trabalho de Rose, “as organizações exclusivamente reservadas aos idosos aumentaram tanto em quantidade como em poder”. Encontramos, no caso dos idosos, associações que foram criadas só com o fim de defender o interesse tanto deles como dos aposentados, como ‘as panteras grisalhas’29. Também encontramos outras tentativas, como a criação de partido político dos aposentados. Entretanto estas iniciativas não tiveram muita um conjunto de indivíduos, algumas vezes dispersos, mas tendo características comuns (GRAWITZ, 1991). As CSPs servem para descrever a sociedade francesa, elas são seis, num primeiro nível de detalhamento, chegando a 32, com 455 cargos ou funções diferentes. Pierre Bourdieu adverte para os interessados em trabalhar com as CSPs que não caiam na tentação de confundi-las com classes sociais. 29 Esse grupo baseou seu nome num movimento dos anos 60 chamado panteras negras, que lutavam radicalmente contra a segregação dirigida aos negros americanos. As panteras grisalhas foram consideradas como verdadeiro sindicato dos velhos e foi criada na Alemanha no ano de 1975. 37 repercussão no Brasil, pois quando falamos em defesa dos direitos, verifica-se a dificuldade de união de pensamentos. A discriminação em relação aos idosos e aposentados não se restringiria a que é feita pelos ainda não idosos, pois exemplos não faltam para demonstrar que até mesmo que dizem representá-los, independente da idade, acabam por não se entender Paz (2001)30. Mas ainda podemos encontrar, mesmo que poucos, alguns exemplos que mostram a união dos idosos e aposentados no Brasil. O fato mais contundente ocorreu no início da década de noventa, com a reivindicação de um benefício garantido por lei, ‘os 147% de reajuste’, naquele momento negado pelo presidente Collor31, e que fez com que houvesse uma união jamais vista pela categoria dos aposentados e pensionistas32 brasileiros. Segundo Crandall (1980), são características de uma subcultura da velhice: o aumento populacional dos idosos; o fato de que em geral eles são excluídos da participação nas principais decisões da sociedade; o aumento da percepção da velhice, em que os idosos se reconheceriam como diferentes do restante da sociedade. Ao terem valores diferentes, como também estilo de vida, interesses, necessidades e comportamentos33, a percepção que têm da velhice é caracterizada pela segregação imposta pelo resto da sociedade devido a uma determinada idade ou ao status de aposentado. Duas conclusões são produzidas pelos que aceitam a teoria: primeiro que as subculturas não seriam homogêneas, e pode-se dar o exemplo de que idosos saudáveis que praticam algum tipo de esporte em conjunto são bem diferentes de uma subcultura da velhice que envolve velhos desamparados. A outra decorre da anterior, pois não tendo homogeneidade, não se terá um impacto universal. O autor anteriormente citado fala em dois status diferentes, que acabam influindo nos que envelhecem: o primeiro conferido pela sociedade, a partir da observância dos recursos financeiros, instrução, conhecimento e ocupação. Já no segundo entram em cena variáveis como a saúde física 30 Tese de doutorado de Serafim Fortes Paz (2001). Ver Júlio Assis Simões (1998) em A maior categoria do país: o aposentado como ator político. 32 No entanto, não poderíamos dizer que isso seja uma manifestação de subcultura. 33 Em 1992 encontramos traços de uma subcultura do envelhecimento nos grupos de idosos investigados por nós no município de Niterói (ALVES JUNIOR, 1992). Alguns deles eram praticantes de atividades físicas esportivas específicas como o ‘jogo da peteca’ ou o ‘gateball’. 31 38 e mental e o envolvimento em atividades sociais. “Os indivíduos que ocupam papéis de liderança, que influenciam outros idosos ou que geralmente exibem um nível elevado de atividade social acabam tendo um maior status na subcultura dos velhos” (CRANDALL, 1980:115). Poderíamos ainda falar de uma subcultura da velhice34 admitindo que os idosos são “tributários de uma experiência social original e irredutível àquela das outras categorias de idade” (LEMIEUX, 1990). Mas sempre é bom lembrar Attias-Donfut e Rozenkier (1983), que estudaram o processo social do envelhecimento a partir dos movimentos associativos; eles recomendam uma certa cautela ao se falar em subcultura do envelhecimento quando se aborda o grupo de indivíduos que freqüentam associações como clubes para idosos. Quando analisamos o que ocorre nas associações específicas para idosos e aposentados, verificamos que mais do que o interesse em se tornar um grupo de resistência, a característica que mais chama atenção é a do ‘pertencimento’ a associação. Será que poderíamos falar de uma nova tribo, no sentido que lhe deu Michel Maffesoli (2000:245): uma tribo pontuada pela “espacialidade, a partir do sentimento de pertencimento, em função de uma ética específica”? Mas que ética seria essa quando falamos de idosos e aposentados no ambiente associativo? Será que poderíamos estar falando de valores que dão suporte ao envelhecimento ativo? Que influências são trazidas dos valores do mundo do trabalho para esse espaço destinado ao desenvolvimento de interesses próprios dos idosos? O que se considera uma teoria da estratificação das idades (MARKIDES e MINDEL, 1986:29) foi apresentado pelos seus autores como um modelo de envelhecimento, de maneira que sua perspectiva não é a de oferecer uma explanação teórica da adaptação à velhice, como a teoria da atividade e do desengajamento pretendem fazer; mais propriamente, dar maior ênfase à importância da história do indivíduo e à mudança do meio ambiente social produzindo diferentes exemplos de adaptação aos sucessivos coortes de idade. 34 Embora não tenhamos tido a intenção de investigar alguma formação de subcultura, esse tipo de comportamento verificou-se entre os que atuavam como voluntários nos cargos de gestão da Universidade do Tempo Livre de Rennes (ALVES JUNIOR, 1994:1998), que é uma das associações que investigamos. 39 O modelo percebe de duas formas fundamentais a estratificação das idades: a idade podendo limitar as habilidades do indivíduo para desempenhar determinados papéis; e a sociedade diferentemente repartindo direitos, papéis, privilégios e oportunidades tendo como base uma idade. De acordo com Crandall (1980:119), “a idade cronológica pode afetar o desempenho de um papel por causa da influência das características biológicas, legais ou das restrições sociais”. A perspectiva desse modelo põe em evidência a questão da estratificação das idades na sociedade, sendo uma maneira de olhar as relações entre gerações e ao mesmo tempo revelar a possibilidade de que sucessivos coortes, de pessoas idosas, de meia idade e jovens, possam ser diferentes criaturas sociais tendo em vista as suas mais diferentes experiências (BAUM, BAUM, 1980:25). Tanto o envelhecimento do indivíduo como a mudança das estruturas sociais sofrem duas evoluções distintas, cujas dinâmicas são independentes, mas, no entanto, uma acaba sendo capaz de influenciar a outra (RILEY, RILEY, 1991). Pensando no que ocorre nas sociedades modernas nas últimas décadas, inquietação e perplexidade são sensações reais. “A dinâmica do envelhecimento traz consigo a mudança da dinâmica das estruturas” (p. 6), que foi chamada ‘ruptura estrutural’35, que implica um desequilíbrio entre as forças e as capacidades potenciais do número cada vez maior de pessoas que viveram muitos anos [...] e a ausência de papéis produtivos ou carregadas de sentido, que quer dizer, postos na estrutura social que permitiriam encorajar e recompensar essas novas forças. Se por um lado houve no século XX uma verdadeira revolução no que toca a longevidade, por outro, as estruturas por idade não acompanharam no mesmo ritmo as alterações, conforme o que vem sendo anunciado para o século XXI, quando será cada 35 Na versão francesa, ‘décalage sructurel’. 40 vez mais crescente o número de pessoas idosas tanto competentes e motivadas como potencialmente produtivas. Sendo assim, certamente elas “não poderão se acomodar por muito mais tempo a estruturas que não lhes dão nenhum papel” (RILEY, RILEY, 1991:7). Foram analisados pelos autores dois tipo de estrutura por idade, uma considerada tradicional, cuja ruptura advém de uma subdivisão baseada em idades, e outra que considera a importância da integração das idades e que poderia teoricamente reduzir as diferenças da ‘ruptura estrutural’. Na primeira os papéis sociais são divididos em três partes: aposentadoria com a primazia dos lazeres, o trabalho para os considerados adultos e a educação para os jovens. Nesse modelo banal, originário de um tempo mais antigo, a aposentadoria seria muito próximo da morte e haveria uma dificuldade adaptativa a novos modos de vida. Ele se fundamenta no declínio que se acentua com o decorrer dos anos e acaba fortalecendo concepções que podem ser consideradas ‘ageísmo’. Seria uma divisão considerada prática para a sociedade, pois não possibilita muitos questionamentos. Já na integração das idades, seria possível ter diferentes papéis em todas as estruturas e tanto na escola, no emprego como nos lazeres as pessoas estariam integradas. Nem os adolescentes nem os aposentados estarão excluídos dos locais de trabalho em razão da sua idade. Existem escolas maternais para os muito jovens, mas as universidades são abertas aos adultos de todas as idades, incluindo os velhos. Grandes possibilidades de lazer fora do trabalho são oferecidas mesmo para as pessoas de idade média [...]. Graças a essa integração de idades, poderíamos encaminhar em direção a essa reconstrução dos percursos da vida, objeto de inúmeros debates, visto que os indivíduos, durante toda sua vida, poderiam alternar os períodos de educação e de lazer (RILEY, RILEY, 1991:8). Mesmo que possam ser observados alguns sinais de que estaria havendo uma intervenção sobre as estruturas, que teria como objetivo aproximar as pessoas independente da idade, seja no trabalho, na educação ou no lazer, os exemplos observáveis dessa integração ainda são raros na sociedade moderna. Ela acaba ocorrendo tanto no nível institucional, nos valores, como também nas oportunidades iguais tanto para homens e mulheres. Alguns exemplos podem ser dados, como 41 programa de educação de adultos em que jovens e velhos dividem os bancos escolares; as possibilidades de trabalho assalariado para os mais velhos, mesmo que em tempo parcial; atividades de trabalho de cunho voluntário; aposentados atuando nas escolas como instrutores, dando reforço em algumas disciplinas; jovens auxiliando no trabalho doméstico enquanto seus pais trabalham. A formação de uma nova geração de idosos e aposentados Nas sociedades tradicionais, um sistema de diferentes classes de idade servia para marcar as posições que cada membro vai ocupar. Isso era regido por códigos bem ritualizados. Já na sociedade ocidental, diferentemente, isso só vai ocorrer em regulamentações formais e de algumas instituições, sendo as normas de idade bem mais flexíveis, não impondo uma delimitação formal das fases da vida. Ao se falar das ‘idades da vida’, devemos estar atentos ao fato de que elas não são reguladas por um sistema rígido e universal, existindo diversas modificações sociais que se produzem no ciclo da vida. É nesse ciclo que somos capazes de projetar nossa duração individual numa duração coletiva, e, de uma maneira ‘socialmente definida’, fazer com que esses tempos estejam em conformidade. Será essa ‘duração coletiva’ que vai moldar um espaço que lhe é próprio, simbolizado como ‘espaço geracional’ (ATTIAS-DONFUT, 1988). Num ciclo considerado mais linear, os indivíduos se organizam por compromissos mais a longo prazo, e em alguns casos, com uma certa rigidez, fazem projetos diversos, seja para as atividades profissionais, familiares ou educativas: o ciclo da vida vem a ser a referência, com seu desenvolvimento contínuo, linear e progressivo se projetando em direção às futuras gerações (GAULLIER, 1988). O ciclo da vida se cronologizou, de maneira que para cada idade acaba existindo uma cultura diferente – isto pode ser observado na divisão em que se determina um tempo destinado à formação, outro à produção e finalmente o que é destinado a aposentadoria. A entrada em cena de um novo tipo de aposentado, assalariado pertencente à classe média e que teve considerável aumento de sua longevidade, fez com que esse esquema dividindo a vida em três etapas acabasse sendo comprometido. Xavier Gaullier (1992; 1999) argumentou que passávamos por um período de transição, de tensões múltiplas, produzidas a partir da passagem desse modelo linear 42 para um outro mais flexível e original. que decorre das novas relações entre trabalho e tempo livre. De que maneira poderíamos então interpretar os diferentes comportamentos e atitudes das pessoas idosas e aposentadas em relação ao emprego do seu tempo disponível? Poderíamos considerar uma nova maneira de ser idoso e aposentado como um fenômeno de idade ou como de geração? Ainda com Gaullier, verificamos que foram feitas importantes considerações sobre o ciclo da vida e sobre as gerações, chamando atenção quanto ao fato de que, nos últimos anos do século XX, passamos por um período bastante particular que desestruturou as idades da vida. Ao analisar o ‘risco velhice’36, ele colocou em questão o contrato social existente, chegando a identificar um novo tempo social, que denominou ‘segunda carreira’, vivenciado como se fosse uma ‘nova idade’. Nessa ‘nova idade’, estaria incluída uma parte considerável do tempo da vida profissional, as atividades da vida pós-profissional, assim como todas as formas de cessação da atividade profissional, incluindo também aqui a aposentadoria. De antemão ele alerta que não é necessário opor esta segunda carreira a uma primeira, mas que na verdade seria uma estratégia de vê-la prolongada, afastando mais o sentimento de entrada na velhice e proximidade do fim da vida. Essa pista nos remete à reflexão sobre algumas de nossas questões no que toca a prática da ginástica de idosos. Consideramos a priori que ela tanto pode ser adotada para influir na saúde do indivíduo como também ser mais uma atividade de lazer. Estaria ela sendo usada pelos idosos e aposentados nessa dita segunda carreira como um fenômeno de sociedade explicado nas teorias sociais do envelhecimento em que o ativismo ganhou evidência? Poderíamos supor que não existiria nem ruptura nem continuidade, mas que fatalmente esses engajamentos acabaram se verificando por força de um fenômeno mais global, influenciado por uma nova imposição social de um estilo de vida mais ativo e coincidente com a chegada de um novo tipo de aposentado. Bruhns (2000), trabalhando com os conceitos de corporeidade e lazer, usou como suporte alguns argumentos já antes levantados por Featherstone em 1994 (APUD BRUHNS, 2000). Foi posto em evidência como o envelhecimento fisiológico é reduzido pela biologia quando são desconsiderados os parâmetros culturais, sendo três proposições apresentadas pela autora. A primeira leva em consideração a vida como um 43 processo e que pode ser tanto caracterizado “como ciclo de vida, curso de vida, desenvolvimento, estágio, etc.” (p. 9). A segunda aponta para a “não existência de um processo único de vida, podendo-se falar de diferentes processos ou cursos de vida, históricos e culturais”. O modelo biológico acaba influenciando a vida humana como um ciclo universal: nascer, amadurecer, reproduzir, declinar, e morrer37. E a terceira proposição leva em consideração a aceitação tanto da pluralidade dos cursos de vida como de corpos, além de enfatizar a importância de serem feitas abordagens interdisciplinares. Duas características, como finitude e visibilidade, são consideradas evidentes no caráter corpóreo, sendo esta última evidenciada pelo ‘ver e ser visto’ que exerce um papel importante na comunicação entre as pessoas e nos encontros sociais [...] o curso da vida e o processo de envelhecimento transformam a estrutura visível do corpo humano de muitas maneiras, podendo mudar nossa concepção do ser humano (BRUHNS, 2000:10). O momento que estamos vivendo atualmente é lembrado a partir das dificuldades encontradas em estabelecer os limites entre infância, maturidade, velhice, sendo que esta última é traduzida como uma fase da aposentadoria ativa, em que o declínio físico associado a ela constitui-se num fenômeno capaz de ser progressivamente eliminado. Estamos presenciando uma desconstrução do curso da vida com tendência a uma maior flexibilização (BRUHNS, 2000:11). Saúde, lazer, manter o corpo, sociabilidade, pertencimento e uma espécie de prazer são as mais normais manifestações expressas pelos idosos quando questionados sobre as principais motivações que os levaram a praticar uma atividade física como a ginástica. As pessoas idosas que participam desse tipo de atividade no modelo 36 Foi proposto um mecanismo tributário, na forma de imposto, visando a cobrir os grandes gastos que são imputados aos velhos dependentes. 44 associativo tendem a se movimentar num tempo que lhes é específico, explicado, como supomos, como fenômeno geracional, que não permite qualquer equivalência com outras épocas. Observações desenvolvidas tanto pelas ciências sociais como a partir das evoluções demográficas deram um novo perfil para a temática sobre as gerações. Nesse sentido, Claudine Attias-Donfut (1988; 1991) acredita que mereça ser feita uma problematização no simbólico do que pode significar uma geração, merecendo reflexões sobre a história, a memória coletiva e os tempos sociais. No seu livro é feita uma interessante revisão histórica do conceito mítico de geração e uma análise mais aprofundada sobre a noção de geração, chegando mesmo a desconstruir alguns dos seus usos mais comuns. Evocação da vida, da morte, da reprodução, a noção de geração introduz no meio dos grandes problemas do homem a sua perenidade e a finitude; ela está no centro das reflexões sobre a organização dos homens na sociedade; sobre a marca que ele recebe de seu tempo, sobre seu posicionamento no espaço e no tempo [...] a noção de geração só se define em relação a um contexto que lhe dá sentido: ela só pode estar sendo compreendida se ela se inscrever num projeto teórico no qual ela tira sua significação (ATTIAS-DONFUT, 1988:17). A partir do uso comum que se dá à noção de geração, algumas abordagens foram analisadas pela autora. No quadro demográfico ela é quantificável e fica envolvida no sentido de ‘coorte’, que significaria um determinado número de pessoas nascidas num mesmo intervalo de tempo. Numa perspectiva etnológica, a noção de geração é limitada pelo sentido de filiação, tendo uma função classificatória. Considerando que a noção de geração não é nem quantificável nem codificável, aceitando-se que sua qualificação seja entendida como uma “união espiritual”, faz-se necessário de imediato dissociá-la da noção de idade. W. Dilthey (APUD, ATTIAS-DONFUT, 1988) trabalhou de maneira particular as gerações. Ele observou o caráter importante de se confrontar um tempo quantitativamente mensurável com um outro vivenciado, que só pode ser analisado qualitativamente; fala de uma contemporaneidade, que nada tem a ver com o 37 A psicologia do desenvolvimento vai apresentar as fases de outra maneira, sendo caracterizadas em geral como infância e juventude, pré–maturidade, meia idade e velhice. 45 cronológico. A concepção de Dilthey de geração se fundamenta numa temporalidade que é concreta, dependente da combinação de condições sócio-históricas. Segundo Attias-Donfut (1988:36), “a existência do indivíduo enquanto tal resulta da unidade de experiências passadas e presentes. Essas experiências situadas historicamente assentam os alicerces da noção de pertencimento a uma geração”. A maneira como cada época interpreta as suas gerações lhe é própria e variada, e geração já foi definida a partir da sua polissemia. No século XIX já estavam formuladas algumas bases conceituais que deram suporte às grandes teorias sobre as gerações. Nesse sentido, podemos citar os trabalhos que posteriormente foram empreendidos sobre a questão das gerações por Karl Mannheim (1990). Ele escreveu sobre os caminhos que serviram para situar a problemática das gerações, e a um deles ele chamou de abordagem ‘positivista’; a outro, denominou abordagem ‘romântica histórica’. A primeira se fundamentaria numa abordagem quantificável, e a segunda, numa perspectiva mais qualitativa. A via romântica oculta os determinismos sociais e Karl Manheim seguiu uma abordagem mais sociológica, considerando como fundamental o problema das gerações para melhor compreender as mudanças sociais. Ele fala da ‘posição social’ como determinista para o acesso aos ‘produtos culturais da sociedade’, o que nos leva a refletir sobre o aumento da participação de idosos e aposentados no meio associativo, como também na prática de atividades físicas realizadas por idosos dentro ou fora desses ambientes. Reconhece-se a existência de uma geração na coincidência com os fenômenos sociais e fatos históricos marcáveis38, e, nesse sentido, também introduz a questão dos tempos sociais. De maneira que ao se levar em conta a abordagem das práticas sociais 38 O caso estudado, Xavier Gaullier, é bem ilustrativo de como cada geração realiza um percurso único, e que o processo de envelhecimento desse grupo analisado em determinado momento não pode ser generalizado a outras gerações (GAULLIER, 1982). Seu estudo compreendeu pessoas nascidas na França entre os anos 1920 e 1925. Na sua infância foram educados trazendo à memória os fantasmas da Primeira Guerra Mundial e de maneira geral entraram no mundo do trabalho antes da Segunda Guerra. Conheceram enormes dificuldades de emprego nos anos que precederam a eclosão da guerra. Em seguida eles a viveram, o que certamente desorganizou sua vida familiar e, em alguns casos, foram condenados ao trabalho obrigatório, muitos tendo sido deportados. Essa geração viveu sua maturidade na época do crescimento econômico, quando as condições de trabalho melhoraram sensivelmente. Finalmente, nos anos 70, foram confrontados com uma crise econômica quando tinham mais de cinqüenta anos. 46 como possibilidade de se discutir as gerações, podemos considerar que a sua definição social se produz nas fronteiras da memória coletiva e da história contemporânea, contribuindo para a estruturação contínua do tempo social, pela definição do presente, do passado e do futuro [...] A marca efetiva do tempo sobre as gerações sucessivas não se confunde com as definições sociais que lhes são feitas. Ela se revela a partir de um outro tipo de análise: que é o da interface entre o tempo individual e o tempo social, em que se desenvolve um espaço de produção de produtos mentais próprios [...]. Nessa perspectiva, a geração não é deduzida da história, mas ela se constrói construindo a história (ATTIAS-DONFUT, 1988:168). Há pouco tempo na Europa se procurou entender melhor como a questão da nova geração de idosos e aposentados se constituía. O objetivo principal do evento foi discutir a solidariedade entre as diversas gerações, considerando-a como um fato proveniente das novas relações sociais (WALKER, 1993). O ano de 1993 foi denominado pelos países da comunidade européia como ‘ano das pessoas idosas e da solidariedade entre as gerações’, e em um evento realizado naquele ano, foram discutidas oficialmente as estratégias que deveriam ser assumidas pelos países membros. Enfatizou-se o que de certa forma já vinha sendo proposto anteriormente, como por exemplo a integração dos idosos e aposentados em propostas associativas que levassem em consideração a ‘intergeracionalidade’. Nesse sentido, um grande passo foi dado no sentido de assumir a dificuldade de se usar parâmetros fundamentados em idade cronológica para definir quem pode ou não participar de atividades associativas que envolvem idosos e aposentados. Verificamos que essa compreensão vem sendo melhor trabalhada na França do que no Brasil, e que neste último acabam-se adotando critérios ambíguos e segregativos, que em muitos casos acabam constituindo alguns ‘guetos de idosos’. Verifica-se ainda como neste último país ainda é forte a aceitação da divisão cronológica impensada como também da incorporação da tal ‘terceira idade’ às políticas sociais, diferentemente dos encaminhamentos observados atualmente na França. 47 No momento em que o envelhecimento se torna problema social passou a ser fundamental ter políticas específicas Adeptos da designação ‘terceira idade’ sempre se justificam dizendo que ela é mais positiva e menos estigmatizante do que ‘velho’ ou ‘idoso’. Seria uma maneira de designar aqueles que encerraram suas atividades profissionais normalmente, sem ser pelo desemprego ou por motivos de saúde. Dessa forma, não seria necessário se referir a uma idade qualquer, pois enquanto uma pessoa trabalhasse ela não pertenceria à terceira idade, mesmo que viesse a ter noventa anos (LEVET-GAUTRAT, 1995). Mas na prática isso não ocorre dessa maneira: a homogeneização é total e o critério idade acaba falando mais alto. O trabalho não é um bom referencial, pois sua valorização em nossa sociedade é tanta que os idosos e aposentados a levam para o que seria seu tempo do não-trabalho. Na verdade estaríamos diante de uma nova imposição, a da atividade, que busca afastar o significativo do ser velho – uma pessoa ativa é da terceira idade, e nunca um velho. É então a aposentadoria ativa que se constituiria no novo modo de relação – com o uso do seu próprio dinheiro – com os próximos e também com a sociedade (LEVET-GAUTRAT, 1995). A inconsistência da divisão das diversas etapas da vida em que se apresentam cronologicamente os comportamentos mais adequados foi muito bem observada em autores como Aries (1981) no que toca as crianças. Com a terceira idade, essa construção social procura também consistência no aspecto que menos lhe dá suporte, ou seja, a idade cronológica. O surgimento da expressão, aparentemente ingênua para caracterizar os velhos que até então não eram contemplados com uma política própria, traz em si uma nova moral de envelhecer, que é a do idoso ativo. Ela surgiu num momento em que já se podia prever o aumento demográfico desse estrato da população, exigindo-se novas medidas para o contigente de aposentados e idosos que passariam a viver cada vez mais anos. A terceira idade e também a mais recente invenção, a quarta idade, são expressões que nasceram fundamentadas na idéia assistencialista, ainda que em certos momentos o discurso seja de autonomia para os idosos. Alguns autores vêm realizando observações mais críticas sobre os diversos significados do envelhecer no século XX e das novas invenções que foram surgindo, seja na forma de uma terceira idade (LENOIR, 1979), da própria velhice (MAGALHÃES, 1989) ou mesmo apontando para uma ‘reinvenção’ desta última (DEBERT, 1998). Esses 48 autores mostraram claramente como o envelhecimento foi se transformando em mais um ‘objeto de saber científico’. Mesmo quando se levam em consideração as características multifatoriais e multidimensionais e as possibilidades anunciadas pelo bom envelhecimento, ele não deixa de ser debatido a partir do “desgaste fisiológico e o prolongamento da vida, o desequilíbrio demográfico e o custo financeiro das políticas sociais” (DEBERT, 1998:32). Parece não restar qualquer dúvida de que estamos diante de uma nova invenção social que em outras épocas já ocorreu com distintos grupos sociais. Foi por exemplo na época de Rousseau que as crianças passaram a não ser mais consideradas como adultos em miniatura. Guita Debert (1998) mostrou, a partir das pesquisas de Philippe Ariès e Norbert Elias, que houve um processo que determinou o estabelecimento do que se passou a chamar de criança. Essa elaboração apresentava-se nas maneiras de vestir, nas atividades lúdicas consideradas mais adequadas e que, entre outras características, serviam para distinguir a criança dos adultos. A partir da época considerada como modernidade, “teria-se alargado a distância entre adultos e crianças, não apenas pela construção da infância como uma fase de dependência, mas também pela construção do adulto como ser independente” (DEBERT, 1998). Criado o mito da terceira idade, forjou-se a idéia de que as pessoas poderiam viver um período sem qualquer tipo de imposição, fazendo tudo o que quisessem – só seria velho quem assim desejasse. Remi Lenoir (1979) foi um dos primeiros a falar dessa invenção, que veio a servir como uma ideologia, não mais associando o envelhecimento a uma identidade negativa. Segundo ele, a terceira idade definida como uma ‘nova juventude’, a ‘idade dos lazeres’, seria a negação da velhice. Ao se enfatizar a importância da aposentadoria ativa, em última análise se estaria passando a idéia de que a vida começa em torno dos sessenta anos. A invenção da terceira idade, essa nova etapa do ciclo de vida que tende a se intercalar entre a aposentadoria e a velhice, é, no essencial, o produto da generalização dos sistemas de aposentadoria e da intervenção correlativa de instituições e agentes que, ao se especializarem no tratamento da velhice, contribuem para o processo de autonomização da categoria e, ao mesmo tempo, da população designada por ela (LENOIR, 1979:57). 49 A terceira idade apareceu na análise positiva dos expertos (HADDAD, 1986), aqueles que falam em nome dos velhos, passando a todos uma nova esperança para viver de forma satisfatória e, principalmente, bastante diferente do passado. Nesse novo modelo, os últimos anos de vida estariam cada vez mais longe. Paradoxalmente, na França, país em que foi criada a expressão e o conceito ‘terceira idade’, falar nela parece entrar em desuso, e não são poucos os exemplos de idosos se negando a ser considerados como tal (ALVES JUNIOR, 1994), apesar de todo eufemismo e sentimento positivo que ela traz. Os novos aposentados não se sentem à vontade com a designação (LEVET-GAUTRAT, 1985), talvez porque não querem assumi-la enquanto uma etapa que precederia a ‘quarta idade’39. Já no Brasil muitos ainda estão deslumbrados com o mito da terceira idade, talvez porque o aumento do número de pessoas com mais de oitenta anos ainda não seja tão significativo. Na Europa, e na França em especial, o estado de dependência que já vem atingindo muitos idosos tem sido o foco atual da discussão das políticas públicas, principalmente se considerarmos que é esse o grupo que tem mais permanência nos hospitais, demandando maiores recursos e tempo de tratamento e acompanhamento, seja por parte do Estado ou mesmo da família. Seriam esses os velhos e o envelhecimento que a invenção da terceira idade estaria a negar. No Brasil, ainda que timidamente, também podemos observar alguma resistência a essas classificações, como vemos nos relatos do número 40 da Revista da Maturidade (1999), que traz na capa, como chamada para seu artigo principal, o título ‘Terceira Idade, não. Maturidade’. A despeito da justeza de algumas argumentações – como por exemplo “a expressão é como uma embalagem que só serve para fins estritamente mercadológicos; não tendo nenhuma pretensão científica, visa na verdade atrair fregueses” – é necessário não cair na armadilha de se procurar novos nomes para substituir aqueles que caem em desuso, e vemos que essa perspectiva é real. A revista argumenta que diversas 39 Atualmente, mais na França do que no Brasil, já está configurado o que tem sido chamado de quarta idade, que corresponderia à idade da dependência (THEVENET, 1989). 50 pesquisas de mercado, destinadas a mapear os hábitos de consumo das faixas etárias mais altas, já registraram o desagrado com a qualificação. A primeira dessas pesquisas, realizada ainda em 1989, pela agência de publicidade CBBA, evidenciou que a expressão 3ª idade não era bem aceita pelas pessoas acima de 50 anos porque, no Brasil, ela era associada à inatividade e à marginalidade socioeconômica (p.3). Nesse ponto discordamos quanto a essa característica, pois o que ela pretende vender na verdade é uma nova maneira de envelhecer, uma forma de permanecer ativo que ao que parece durante a década de noventa ficou mais nítida. O artigo ainda diz que a idéia de uma terceira idade pressupõe a chegada a um estágio da vida sem possibilidades de crescimento. Na França, no ano de 1983, o encontro nacional de aposentados teve como última decisão abolir o termo ‘terceira idade’, substituindo-o pela expressão ‘aposentados e pessoas idosas’. A fim de evitar todas as possíveis confusões e aceitando as críticas, Maximillienne Gautrat (1985) utiliza o termo ‘pessoas idosas’ para caracterizar aqueles que têm mais de 60 anos, o que na verdade não muda em nada, afirmaria Ennuyer (1991a). Se tomamos como referência os 60 anos, a idade clássica, para considerar alguém como idoso estamos diante de grande heterogeneidade de pessoas nesse grupo social. Encontraremos homens e mulheres solteiros, casados, viúvos, divorciados, as mais diversas profissões, como também diferentes padrões de cultura e educação, modos de vida e condições de saúde, o que ultrapassa as classes sociais clássicas. Bernard Ennuyer (1991b) mostra, em outro artigo, como são arbitrárias as novas divisões que visam a separar os aposentados em duas idades. Reportando-se aos discursos que são produzidos, desde o defendido pelo então secretário de Estado francês, como também por sociólogos, médicos e jornalistas, demonstra a intenção de diferenciar uma velhice que vai bem de outra que vai mal. No primeiro caso estão os que representam uma receita, e no segundo, aqueles que significam despesa, que acabam custando mais, são um fardo, os velhos, são os dependentes. Sendo assim, existem “aqueles que têm saúde, a terceira idade, e aqueles que não têm mais, os dependentes, os dementes, a quarta idade” (ENNUYER, 1991b:21). Em sua análise, há 51 nos discursos que enaltecem os valores da terceira idade tanto a aproximação de um sentimento de poder como a negação do envelhecimento e da morte. Ao final do seu artigo, o autor lista os dois grupos estabelecendo as oposições. Entre aqueles que têm idade entre 50 e 75 anos estariam os ditos da terceira idade, jovens velhos que fazem as coisas, capazes de gerir sua própria vida, uma geração dominante, rica, que maravilha a sociedade; são aposentados esses falsos velhos. Já os outros teriam mais de 75 anos, estariam na quarta idade, são os ‘velhos velhos’, incontinentes, decadentes e dementes, incapazes de fazer mais alguma coisa. Neste último caso, o envelhecimento seria um naufrágio, tornando os indivíduos objeto dos médicos; são os verdadeiros velhos. Essas constatações acabam se mostrando verdadeiras quando temos contato com a abordagem biomédica ou mesmo técnico-administrativa, em que podemos constatar como a questão da idade é carregada de representações que servem à construção do objeto “pessoa idosa”. Bernard Ennuyer encontrou algumas evidencias quando consultou livros, artigos de periódicos e revistas especializadas. Sua pesquisa mostrou como a idade cronológica pode ser utilizada para “distinguir a velhice que vai bem daquela que vai mal”; ainda segundo aquele autor, não há motivo para não usarmos a palavra velho. Não querendo afirmar que a negação do envelhecimento seja fruto exclusivo de nossa sociedade de consumo, apresentamos o que foi escrito por Cícero (1997:9, 27) no ano 44 a.C., que assim se expressou sobre o tema: [...] todo aquele que sabe tirar de si próprio o essencial não poderia julgar ruins as necessidades da natureza. E a velhice, seguramente, faz parte delas. Acaso os adolescentes deveriam lamentar a infância e depois, tendo amadurecido, chorar a adolescência? A vida segue um curso muito preciso e a natureza dota cada idade de qualidades próprias [...]. A natureza fixa os limites convenientes da vida como qualquer coisa. Quanto à velhice, em suma, ela é a cena final dessa peça que constitui a existência [...] somente os idiotas lamentam envelhecer. 52 Se a velhice sempre existiu, o que fundamentalmente mudou, para grande parte dos velhos do século vinte, e que se anuncia para este novo século como norma, é que não se pára mais de trabalhar para morrer, como era freqüente nos séculos anteriores. Fruto das conquistas trabalhistas que se foram acumulando nos últimos anos, entrou em cena o uso de um tempo social que se configura pela ausência do compromisso com o trabalho. Atualmente somos induzidos a crer que são os aposentados os que mais poderão usufruir40 desse tempo. Trata-se de uma aposentadoria sendo vivida como ‘lazer’ ou ‘terceira idade’, que acaba generalizando a imagem de um envelhecimento isento de comprometimentos e bastante feliz. No Brasil, diferentemente da França, encontramos muitas outras denominações para a terceira idade que procuram dar um sentido ainda mais positivo à passagem para a vida de aposentado: ‘idade feliz’, ‘boa idade’, ‘melhor idade’, ‘idade de ouro’, ‘feliz idade’ entre tantas outras. A idade da aposentadoria varia bastante, dependente que é das políticas sociais, que por sua vez acabam levando em consideração as tensões com as novas demandas dos jovens que procuram entrar no mercado de trabalho e dos interesses mercadológicos de uma época. São as pressões exercidas pelas gerações mais jovens, que determinam o momento em que as gerações mais velhas devem se retirar “das posições de poder a fim de vir a ocupá-las, que constituem o pretexto da luta entre gerações” (LENOIR, 1998:68). Se por um lado somos capazes de reconhecer que atualmente temos o ‘rejuvenescimento dos sexagenários’ (BOURDELAIS, 1993), paradoxalmente ainda temos de admitir o envelhecimento precoce de grande parte da população, aquela que sobrevive abaixo do limite da pobreza. Se para uns o velho é um negócio, para outros ainda é encargo, pois que não se generalizou o que deveria estar sendo garantido pelo cumprimento dos direitos de cidadãos41. Simone de Beauvoir (1970) alertou para o fato de que a condição de ser velho nos últimos séculos denunciava o fracasso de toda uma sociedade que, já na infância, pré-fabricava a condição miserável que viria a ser o legado de grande parte da 40 Mesmo que a renda média dos aposentados tenha crescido nos últimos anos devido ao benefício da prestação continuada, no Brasil ainda é bastante considerável o número de aposentados que continuam engajados em atividades que possam lhes garantir renda complementar. Em nosso entender, isso não pode ser creditado a opção individual, mas sim a necessidade. 41 Ver o que diz a Constituição de 1998 (Brasil, 1988) com relação aos idosos, confirmado pela lei 8842 (Brasil, 1996) e agora pelo Estatuto do Idoso (Brasil, 2003). 53 população para os últimos anos de sua existência. Admitimos que, mais do que se debruçar sobre a importância do controle de perdas ou de deteriorações devidas ao envelhecimento, um estudo sobre o tema deve também privilegiar uma análise mais crítica da sociedade, visando a contribuir para a emancipação do sujeito (ZUNINGA, 1990). Os anos sessenta nos parecem fundamentais, pois é nesse período que, apoiando-se na preocupação com o aumento proporcional do número de pessoas idosas, com a velhice desamparada e o estado lamentável de todas as formas asilares, países mais desenvolvidos como a França passaram a encarar diferentemente o envelhecimento de sua população. Mesmo após terem conquistado alguns avanços sociais (GUILLEMARD, 1986) no âmbito da seguridade social, os aposentados e a velhice continuaram a ser considerados como ‘problema social do momento’ (LENOIR, 1979, 1998). O fato de que a velhice vem sendo freqüentemente apresentada como uma categoria ‘natural e evidente’ representa para Lenoir (1998) uma dificuldade que impede o pesquisador social de delimitar o seu objeto quando pensa em analisar a constituição da velhice como problema. O surgimento de um problema social ocorre no momento em que se detecta uma crise no sistema, e ao analisar o envelhecimento, o autor apontou para a existência de diversos motivos que levavam algo que sempre existiu, como a velhice, a se transformar em um problema social. Na sua configuração enquanto um problema, o envelhecimento acaba recebendo as mais diversas influências, como a pobreza, a dependência, o envelhecimento da população ou ainda as relações entre as gerações. A invenção da terceira idade como um período da vida em que tudo é permitido estimularia os possíveis aposentados a encerrar o quanto antes as suas atividades. Cada vez mais jovens fora do trabalho e com mais anos de vida como expectativa, a velhice estaria cada vez mais longe. A invenção de novas divisões para o ciclo da vida não é novidade. Tomando como exemplo a invenção social da infância, Philippe Ariès (1981:48) mostrou como as idades da vida são flexíveis e como sua importância é fruto da influência exercida pela sociedade num determinado momento. 54 Tem-se a impressão, portanto, de que a cada época corresponderiam uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a juventude é a idade privilegiada do século XVII, a infância, do século XIX, e a adolescência, do século XX. Dessa forma, somos levados a imaginar que a terceira idade seria a privilegiada do século XXI, mas sua delimitação é um dos problemas que dificultam as generalizações. Alguns vêm usando a idade como uma categoria natural, que serve para distinguir os indivíduos no mundo social por meio de princípios de classificação. Estes baseiam-se “segundo critérios juridicamente constituídos” (LENOIR, 1998:64), como os sistemas de proteção social, o mercado de trabalho, entre outros. A divisão da vida em etapas como tempo de formação, tempo de trabalho e tempo de repouso já não se sustenta mais (GAULLIER, 1988; 1999). A se confirmarem tais previsões, essa tendência se configuraria cada vez mais a partir da importância que é dada ao ativismo, a um estilo de vida saudável, ao voluntariado e a um tipo de associativismo específico para idosos e aposentados. Confirmaria o afastamento dos novos aposentados da verdadeira velhice, esta sim decrépita, inativa, dependente e problemática. As políticas sociais voltadas para idosos passam à família e ao indivíduo a responsabilidade pelo bom ou mau envelhecimento Em alguns países como a França, o incentivo à prática das mais diversas atividades, sejam elas relacionadas com o campo das práticas físicas ou esportivas, intelectuais ou sociais, vem sendo apontado há algumas décadas como uma maneira de manter os aposentados e os idosos inseridos na sociedade. Essa política vem fazendo parte de um projeto mais amplo, que em diversos países surgiu após a inclusão do envelhecimento da sociedade entre as questões de Estado, a partir da definição de quais medidas eram necessárias para se pôr em prática uma nova maneira de envelhecer. Um projeto de inserção social de um grupo qualquer, que tanto pode ser constituído de jovens como de idosos, desempregados, mulheres ou imigrantes, surge da evidência de que alguma coisa não estaria funcionando de maneira satisfatória. Para Vatin (1991), a temática da inserção faz surgir um novo espaço de regulação institucionalizado, que pode ser entendido como a passagem de um tempo social, como 55 o do trabalho assalariado, a um outro tempo que pode ser o dos lazeres, que para muitos é percebido como tempo privilegiado dos idosos e aposentados. Na França, uma diversidade de leis tinham como pano de fundo beneficiar os idosos e aposentados, muitas com propostas que procuravam se basear numa forma diferenciada de olhar os velhos. Seria “sair do esquema assistencial para pôr em prática um projeto global” (DHERBY, PITAUD, 1991). Anos mais tarde, a proposta francesa acabou inspirando os projetos de intervenção brasileiros e algumas diretrizes postas em prática na forma de políticas públicas. Realizaram-se diagnósticos preliminares para se compreender o envelhecimento da sociedade e apontar para necessidades imediatas e futuras. Isso ocorreu tanto na França no final dos anos cinqüenta (LAROQUE, 1987) como no Brasil durante os anos setenta (BRASIL, 1977). Segundo Guillemard (1986), uma política para a velhice pode ser definida como o conjunto de intervenções públicas que estruturam de maneira implícita ou explicita as relações entre os velhos e a sociedade. Uma referência no que tange o interesse pelo estudo das intervenções do Estado nas políticas da velhice, a autora identificou como elas se organizaram na França, onde basicamente foram apontados três eixos políticos: primeiro, a constituição do direito social à aposentadoria; depois, a definição de um modo de vida específico para a velhice; e finalmente o nível e o modo de participação do grupo idoso na produção. Processo semelhante também se desenvolveu no Brasil, só que em épocas distintas e em proporções bem mais modestas. Até o presente momento, no Brasil é a segunda fase a que tem mais repercutido, principalmente a partir do incentivo à inserção de idosos e aposentados em projetos associativos diversos, à manutenção no domicílio e ao envolvimento da família. Por outro lado, o incentivo à volta e à manutenção no trabalho ainda se apresenta de maneira bem tímida, dada a crescente falta de oportunidades para os mais jovens e o avanço do desemprego em todas as idades. Isso também ocorre de forma semelhante na França. No tocante ao primeiro aspecto, a generalização do sistema de cobertura pela aposentadoria, diferentemente do que ocorre na França, no Brasil ainda é bem reduzido o número de pessoas que se beneficiam de um sistema de aposentadoria satisfatório. Mesmo reconhecendo que existem benefícios como os que envolvem os trabalhadores rurais e também os idosos que nunca 56 contribuíram e recebem um salário mínimo, sabemos que esse recurso no Brasil não é capaz de propiciar uma aposentadoria generalizada, como ocorre na França. Até o terceiro quartel do século XX, no Brasil, o atendimento aos idosos era freqüentemente marcado por ações bastante assistencialistas, inexistindo qualquer intenção de uma política específica que se diferenciasse do asilamento ou de medidas pontuais. Levando em consideração que estamos nos propondo fazer um estudo comparativo, não podemos afirmar que as preocupações com o envelhecimento no final dos anos cinqüenta no Brasil tenham sido tão marcantes como foram na França. Naquele país, a preocupação do Estado com o envelhecimento da população e a necessidade de se ter uma política específica ficou bem marcada no último ano daquela década, quando se fez um balanço sobre os quinze anos do plano estatal de seguridade social42. Com o fim de se projetarem novas perspectivas para o futuro, pôs-se em prática um levantamento bem detalhado, realizado por uma comissão instituída especificamente para estudar os problemas da velhice. Ao final de dois anos, o relatório concluiu que o que até então vinha ocorrendo se tratava de esforços isolados, que serviam para atender a determinadas necessidades pontuais dos idosos, inexistindo uma projeção para o futuro. Apontou então a necessidade de se ter uma política para a velhice, cujas bases já estavam traçadas e logo poderiam ser postas em prática. Uma das razões apresentadas para que isso não estivesse ocorrendo foi a de que até então os idosos franceses não eram tão numerosos e, mesmo que a duração média de vida estivesse aumentando progressivamente, ainda não havia se formado um grupo significativo que merecesse política específica. Outros fatos podem ser acrescentados: até então a França se caracterizava por ser um país rural e a velhice em família era algo comum nas pequenas propriedades. Pierre Laroque (1987:14), responsável pelo relatório que ficou conhecido pelo seu nome, argumentava que o desenvolvimento cada vez rápido da urbanização e da industrialização, com o aparecimento e a expansão das grandes empresas industriais, comerciais e financeiras, a preponderância crescente do assalariado como base de 42 A base da seguridade social francesa foi instituída logo após o final da segunda guerra mundial. 57 todas as atividades profissionais vieram a modificar profundamente o papel econômico da família. Ela cada vez mais deixou de ser uma unidade de produção para ser uma unidade de consumo. Dimensões que se restringiram pelo evento da diminuição da natalidade. A política elaborada para a velhice buscou definir o lugar dos idosos na sociedade francesa e foi pensada para se efetivar nos vinte anos subseqüentes, tendo em vista as previsíveis transformações que deveriam ocorrer tanto do ponto de vista demográfico, como técnico, econômico e social. Ela teve como principais aspectos orientadores o sentido de integrar os velhos à sociedade, condenando qualquer tipo de segregação. Todos os esforços deveriam ser dirigidos no sentido de manter os idosos integrados ao meio social e econômico, a partir de uma política que privilegiasse múltiplos aspectos: trabalho, renda, ação social, saúde, prevenindo ou retardando as doenças da velhice; uma ação educativa, que envolvesse não só os idosos, mas a população como um todo. Vinte e cinco anos depois, Laroque fez um balanço de cada um desses aspectos, observando como eles foram ou não alcançados. Apresentou como de fundamental importância as modificações impostas durante os anos setenta, em função das crises do petróleo e suas influências na economia do país. Paralelamente à luta pela manutenção do emprego, já que o desemprego passou a ser uma crescente, entrou em jogo a diminuição do tempo do trabalho, antiga reivindicação da classe trabalhadora. Só que agora a diminuição do tempo de trabalho implicou também o término antecipado das atividades profissionais. Dessa forma, abria-se, em aparência, a possibilidade de se terem novos postos de trabalhos para os mais jovens. Laroque (1987:25) lembrou que “enquanto todas as pesquisas recentes da geriatria testemunhavam que a manutenção de uma atividade seria a condição essencial para o bem envelhecer”, impôs-se aos mais velhos a saída do trabalho, sem que isso tenha representado empregos para os mais jovens. Ficava marcado mais “uma nova rejeição às pessoas idosas, tanto pela vida econômica como pela sociedade”, e paralelamente responsabilizava-se a família do idoso. Ana Marie Guillemard (1986) fez uma leitura crítica sobre o que se dizia ser o considerável esforço no sentido de equacionar os problemas do envelhecimento da 58 sociedade francesa. Segundo ela, a partir de 1971, apesar de ter sido colocado em prática um conjunto de serviços, como cuidadores de idosos em domicílio, clubes e centro dia, enfatizava-se a manutenção no domicílio, apelando-se para a participação mais efetiva das famílias, incentivando-se pesquisas gerontológicas.. No entanto, quase nenhum auxílio foi empreendido nesse sentido; as ações continuavam a ser isoladas, não existindo qualquer articulação no plano nacional. Onde houve um significativo avanço foi no que se referia ao desenvolvimento dos estudos gerontológicos e geriátricos, que passaram a ser incluídos nas faculdades de medicina enquanto disciplinas. A influência destes últimos acabou sendo significativa na elaboração das políticas públicas. Logo depois da apresentação do relatório francês, os temas envolvendo idosos, aposentados e envelhecimento passaram a ser bastante divulgados pelas mídias e se criou a figura do secretário de Estado encarregado exclusivamente dos problemas das pessoas idosas43. A política de Estado com relação à aposentadoria e à velhice, na análise de Guillemard, considerou num primeiro momento a necessidade da ampliação dos sistemas de aposentadoria; depois se estimularam as reformas dos asilos, cuja situação era vergonhosa; ao mesmo tempo foram criados mecanismos para que as pessoas pudessem envelhecer nas suas próprias residências, e aí, sim, aproveitar da ‘velhice terceira idade’, cuja modelização estava em curso. Essa maneira de conceber o envelhecimento procurou atingir as categorias sócio-profissionais francesas que se enquadravam como pertencentes a uma classe média e tinham como características aposentar-se cada vez mais jovens e com uma esperança de vida que não parava de aumentar. Guillemard identificou também que esses indivíduos, possuindo um nível de vida mais elevado ao se aposentar, com um sistema de proteção social bem mais estruturado do que antes, e, principalmente, com um grau de aspiração maior e uma significativa capacidade de consumo, constituíram-se em elemento determinante para o processo de produção da política francesa para a velhice. A década de sessenta ficou então marcada como um dos mais importantes momentos em que se buscou intervir diferentemente no modo de vida dos aposentados franceses. Foi nesse período que surgiu em dois locais, na cidade de Grenoble como um todo e em um bairro de Paris, uma nova dinâmica da ação gerontológica. Para aumentar 43 Na verdade isto não era visto com bons olhos no Relatório Laroque, mas segundo as palavras de seu titular anos mais tarde, acabou contribuindo como elemento educativo e conscientizador da população para o problema. 59 a autonomia das pessoas idosas, foram elaboradas as mais diversas fórmulas, como por exemplo os clubes e os centros-dia. O que estava sendo feito em Grenoble era sempre citado como referência de uma política coordenada de modo de vida, que conseguia pôr em prática uma ação não mais tão segregacionista e procurava romper de certa maneira com o assistencialismo. Dois especialistas estiveram diretamente envolvidos na organização da rede que foi posta em prática: um médico e outro ligado às ciências humanas. Como uma nova doutrina, passava-se a representar a velhice não mais pelo declínio; agora ela era vista a partir da “conservação, da manutenção na vida normal, graças à profilaxia preventiva” (GUILLEMARD, 1986:172). Dando continuidade a sua análise, a autora apontou evidências de que o novo discurso ativista culminava por designar as novas necessidades em animação, como deveria ser feita a inserção social, surgindo a figura dos animadores sócio culturais e esportivos que atuavam com idosos. Como experiência piloto, a política posta em prática foi endereçada exclusivamente aos pertencente à ‘terceira idade’, visando a sua preservação, sendo renegados os idosos em estado de dependência. Nesse ponto deixava-se de se pensar numa política global para atuar apenas num modo específico de vida, que na verdade não poderia ser generalizado. Os interesses postos em prática pelos mediadores privilegiavam as novas classes médias assalariadas, que reuniam características até então inabituais: bom estado de saúde, disponibilidade para atividades em grupo e dinamismo. Dentro da nova gama de serviços e equipamentos sociais postos à disposição, percebia-se uma derivação dos primeiros referenciais da política da velhice. Como os referenciais não eram mais as camadas mais populares, as designações, como nos casos dos clubes, se modificam, passando a ser ‘para a terceira idade’, e não mais “salão aberto aos velhos das classes populares”, como inicialmente foram propostos. Vemos aí o início da institucionalização de um modelo de envelhecimento que a nosso ver se estende até os dias de hoje. As novas normas instituídas pela doutrina ativista, que avaliam a velhice bem sucedida em razão do grau de participação e vitalidade que as pessoas conservaram na medida que envelhecem, instituem um modelo do bom envelhecer às práticas sociais destas novas camadas de assalariados; os mais aptos em converter, em atividade e 60 sociabilidade na aposentadoria, o capital de recursos que eles acumularam durante a vida ativa (GUILLEMARD, 1986:181). Isso ocorreu com mais intensidade precisamente após o movimento de 68, com a pressão sindical com relação a aposentadoria, que levou o Estado a investir cada vez mais em estratégias que fossem capazes de neutralizar as reivindicações dos sindicatos, que naquele momento propunham o aumento das pensões, como também a diminuição da idade da aposentadoria. Ao propor uma política de modo de vida para os idosos, desviavam-se e neutralizavam-se as ações sindicais e; não foi por acaso que em seu texto a legislação adotada assumiu ser “uma ação em favor dos problemas da terceira idade” (GUILLEMARD, 1986:186). Esse ‘contra-ataque’ buscou inicialmente atingir três ações: a primeira não pôde ser concretizada, que era a diminuição da idade da aposentadoria; a segunda assumia a importância de se melhorar a cada ano a renda mínima para os idosos; e a última teve como alvo realizar ações que permitissem a integração dos idosos e continuar mantendo-os envelhecendo em casa, em contato com os seus familiares e a sociedade. No decorrer dos anos que se seguiram, cada vez mais o Estado geriu o modo de vida dos aposentados a partir de ações sociais. Foi significativa a circular ministerial de 24 de setembro de 1971, que apontava para a criação de espaços no formato de clubes autogeridos, seguindo modelo desenvolvido com sucesso na cidade de Grenoble, aliando-o ao que também já se fazia em matéria de animação em Paris. Com uma definição funcional é integrado o conteúdo social. A nova ideologia da terceira idade ativa e participante, que tem como referência social as novas camadas da classe média assalariada, acaba assim insidiosamente entrando na política pública [...]. Mais do que nunca, as ações de manutenção no domicílio se dirigiram a uma população idosa mobilizável, sugerindolhes a autogestão e o ativismo, abandonando os bem idosos e seus problemas (GUILLEMARD, 1986:191). O discurso por uma aposentadoria ativa, engajada, preparada com antecedência, tomou força com a ‘racionalidade gerontológica’ que foi observada por 61 Guillemard a partir de três características básicas: a naturalização da idade, a centralização da importância do adulto e a psicologização do envelhecimento. A imagem de uma velhice ativista, participativa, regida por uma doutrina de integração da terceira idade teve como resultado a naturalização da idade, que fez surgir novos vocábulos para marcar e diferenciar esse período daquele que é denominado ‘da dependência’. Como conseqüência, a imagem de uma velhice ativa fez fortuna em diversas formas de consumo destinadas ao bom envelhecer nos últimos 30 anos. A sociedade francesa passou durante a década de setenta por profundas modificações na maneira como enfrentar o processo do envelhecimento, indo desde o otimismo exacerbado caracterizado pela velhice ativa e dinâmica até as inquietudes frente a uma velhice decrépita e dependente. Esta última quase sempre é imputada à má opção do indivíduo por um modo de vida inativo. Fica claro nas políticas sociais a saída do Estado de certas responsabilidades, passando-as à família e ao indivíduo, tanto pelo incentivo para que se envelheça em casa, como pela busca da autonomia e independência. Para que isso pudesse ocorrer, incluía-se a necessidade de se estar engajado em atividades, evitando-se ao máximo o recurso asilar. É evidente que os idosos oriundos da classe trabalhadora ficaram em desvantagem frente aos que conseguiram acumular mais recursos. O estímulo à solidariedade entre as gerações passou a ser fundamental, as pessoas deveriam envelhecer próximo aos seus familiares, a eles sendo passada a co-responsabilidade de atendimento quando fosse necessário. Não querendo que seus velhos se transformassem em peso, a família de certa forma reproduzia o discurso do bom envelhecer, estimulando seus idosos a se manterem ativos e ficando bastante orgulhosa ao verem suas proezas. Entretanto, a realidade ainda parecia ser outra para os verdadeiros velhos, principalmente para os que não seguiram o manual do bom envelhecer – e algumas famílias ainda vêm adotando soluções as mais esdrúxulas44. Ao que tudo indica, isso 44 Sabemos que no Brasil muitas famílias ainda procuram induzir os médicos a internar seus velhos, sendo que muitos acabam abandonados nos hospitais. É também freqüente parentes darem endereços errados para que nunca mais venham a ser encontrados. No ano de 2003, a 62 seria mais comum na área urbana, pois nas áreas rurais os velhos incapazes de se manter acabam freqüentemente encontrando abrigo na casa de filhos, ainda que isso não venha a garantir a ausência de conflitos. Com situação econômica diferente dos brasileiros, os idosos franceses vêm encontrando outras soluções para evitar a forma asilar. Na maioria das regiões francesas, os velhos com mais recursos ficam morando próximo aos filhos o maior tempo possível, e no momento em que ocorre o falecimento de um dos dois cônjuges, o outro acaba indo morar com os filhos; assim, na história da vida privada, “além da função econômica, a família desempenha uma função educativa e uma função assistencial” (PROST, 1993:26). Nas relações entre pais e filhos em que não são muitos os recursos acumulados, “a ordem do nascimento interfere nas eventualidades da vida familiar para modelar as dependências e os deveres” (p. 168). Exemplo para ilustrar o que estamos abordando pode ser encontrado nos séculos passados, mas se reproduz ainda atualmente, quando caberia à filha mais nova a responsabilidade de um dia vir a cuidar dos pais idosos, enquanto a mais velha tinha a incumbência de auxiliar na criação dos mais novos. No mundo rural, mais do que no urbano, seria mais freqüente a presença dos avós no lar, e no momento em que o idoso não pode mais trabalhar, acaba se tornando um problema. Já no meio urbano, essa presença é mais rara, havendo em algumas famílias um rodízio para receber os velhos em casa, situação em parte justificada pelo pouco espaço das residências45. A relação entre a família e seus velhos no século XX assumiu um novo perfil na França. A velhice assalariada se generalizou; tanto homens quanto mulheres estão engajados no mercado de trabalho, o que possibilita a aposentadoria remunerada a dois membros da família. Muitos aposentados conseguem viver sozinhos, de certa forma independentes dos filhos, o que não é muito comum entre os idosos brasileiros, que na maioria não têm muitos recursos. Como não lhes é mais reservada a possibilidade de França teve um dos seus mais quentes verões, em que morreram mais de 11 mil pessoas. Na grande maioria eram idosos., O que chamou a atenção foi o fato de mais de quatrocentos corpos de idosos terem sido abandonados, não aparecendo qualquer familiar para cuidar do sepultamento. 45 Uma crítica contundente a essa solução é apresentada por Mario Monicelli no filme Parente é serpente. 63 interferir na educação das crianças, aos velhos resta o afeto pelas crianças, sendo que suas intervenções se dão de ‘forma pontual’, sobrando mais tempo disponível para ser utilizado em seus lazeres. Mesmo se levarmos em conta que já em torno dos anos 70 despontava no Brasil um novo perfil demográfico, o envelhecimento de sua população até aquele ano não havia recebido a devida atenção. Não é improvável que os documentos que serviram de base para a política francesa tenham servido de orientação para as políticas sociais dos idosos brasileiros. Consideramos que foi a partir dos anos 80 que o assunto passou a ser discutido com maior freqüência, vindo a ser identificado como o surgimento de uma nova categoria etária neste país. Para justificar essa lacuna, segundo Queiroz (1982:19), utilizava-se o argumento de que até então ainda não existiam estudos que pudessem “dar informações específicas sobre as características da população idosa”. Durante o período da ditadura militar, diz a autora, não faltaram palavras e planos para supostamente atender às necessidades dos idosos. Cita em especial o texto da portaria 82, do antigo Instituto de Previdência Social (INPS). Nela determinava-se que a assistência aos idosos seria realizada nos centros sociais do órgão e também com parcerias com a comunidade. Já que a discussão sobre o idoso no Brasil normalmente vinha sendo lembrada pela fragilidade dos velhos, Marcelo Salgado (1980, 1986) aponta que a multidimensionalidade de uma política para idosos era sempre usada como justificativa para a inexistência de políticas específicas para a categoria no Brasil. Como em alguns outros países, a normatização mais significativa da proteção social brasileira para idosos iniciou-se nos sistemas de aposentadoria, que na verdade só atendiam a uma pequena parcela da população (ALVES JUNIOR, 1992). A partir do ano de 1976, quando foi alterado o sistema previdenciário brasileiro, a proteção do idoso brasileiro passou a ser de responsabilidade da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Até então, a tutela dos idosos estava sob a responsabilidade da Secretaria de Bem-Estar do INPS, que em 1976 fez surgirem os primeiros indícios de uma preocupação com a problemática pela realização do 64 seminário nacional em Brasília46. No último ano da década de setenta, uma nova portaria (BRASIL, 1979) foi apresentada e basicamente buscava-se: influir na integração do idoso, visando à melhoria das condições de vida, fortalecendo os laços familiares, formando uma atitude positiva diante da velhice. Mantendo-se alguns princípios da portaria de 1979, foi baixada uma outra (BRASIL, 1982), sem que nada de concreto tenha sido feito para alterar o estado de abandono da população idosa como um todo. Quanto a influenciar os aposentados e idosos a adotarem um novo modo de envelhecer, essa política ficou mais restrita às ações empreendidas pela LBA e pelo SESC. Nesse sentido, o modelo de clubes e centros de convivências fica marcado por receber influência do que estava acontecendo na França, o que foi percebido nas análises de Eneida Haddad (1986). Ela identificou como uma ‘ideologia da velhice’ aquilo que estaria se caracterizando, e tanto as políticas sociais, quanto o SESC e a Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria (SBGG) foram palco das suas análises. Para a autora, essas entidades no Brasil apresentam-se como as principais instâncias produtoras da ideologia da velhice. Aparecem como entidades autônomas, enquanto produtoras de um saber intelectual elaborado pelos aparentemente autônomos pensadores da velhice. O produto do trabalho dos teóricos da velhice – as idéias autonomizadas – busca nos fazer acreditar que a realidade vivida pelo homem no final de sua vida poderá ser alterada com a ação da ciência, das instituições sociais, do Estado e do próprio idoso (HADDAD, 1986:23). Foi a partir do acompanhamento do que já ocorria em outros países e da tomada de consciência do que poderia vir a ocorrer no país, que o envelhecimento da população brasileira passou a freqüentar mais assiduamente as agendas dos que se apresentam enquanto aqueles que entendem de velhos, aqueles que falam em seu nome. Segundo Eneida Gonçalves de Macedo Haddad (1986), foram os gerontólogos e 46 Uma iniciativa foi tentada a partir de alguns seminários regionais, realizados em 1976, que traçaram o perfil da situação do idoso no Brasil, que veio a ser consubstanciado num encontro de caráter nacional (BRASIL, 1977). 65 geriatras daquele momento os principais atores que acabaram influenciando a elaboração das políticas sociais, quase sempre com uma proposta de tutelar a velhice: sob a aparência de socorrer os velhos dos perigos que os ameaçam, é proposto um complexo disciplinar para talhar o seu corpo, as suas ações e os sentimentos segundo as receitas prescritas pelos teóricos autorizados [...] cuja meta prioritária seria manter os velhos ativos (HADDAD, 1986:125-6). No caso específico do bem-estar na velhice, o ativismo ganhou espaço também no Brasil, e, a exemplo da França, a indústria do consumo também entrou em cena. Estar em atividade e envelhecer no seio familiar passou a ser a proposta fundamental; quem não se mantivesse ativo estava condenado ao declínio, à dependência do Estado, à internação nos dispensários dos velhos. Para se afastar disso, só a terceira idade salvadora. Foi com um certo atraso que o Brasil oficialmente assumiu que deixava de ser um país de jovens para entrar no rol dos países que envelheciam. Durante os anos oitenta, diversas cartas sobre o direito dos idosos passaram a ser elaboradas, tanto em reuniões estaduais como nacionais, tendo sempre a participação dos especialistas, associações de idosos e interessados no assunto. Segundo podemos observar em Serafim Fortes Paz (2001), as primeiras cartas apontavam a importância de que se estabelecesse uma política específica para idosos, e, pelo que pudemos observar, as ações propostas contemplavam as já contidas no eixo principal da proposta francesa. Finalmente, em 1994 foi promulgada uma lei intitulada Direitos da Terceira Idade (BRASIL, 1996), que visava à promoção da autonomia e à integração e participação na sociedade dos idosos brasileiros. Estava pautada a importância do reconhecimento do idoso em sua totalidade; levando em consideração as diversas dimensões do envelhecimento e da velhice; procurando não segregá-lo, estimulando os vínculos relacionais (CARVALHO, 1998). A Secretaria de Assistência Social do 66 Ministério da Previdência e Assistência Social (SAS/MPAS) “assumiu a responsabilidade de coordenar as ações conjugadas das diversas políticas públicas, na oferta de bens e serviços à pessoa idosa” (p. 7). Dentre as diretrizes propostas no Plano Integrado de Ação Governamental para o desenvolvimento da Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1997:11), encontramos a) viabilizar formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, proporcionando-lhe integração às demais gerações; b) promover a participação e a integração do idoso, por intermédio de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos; c) priorizar o atendimento ao idoso por intermédio de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições de garantir sua sobrevivência; d) descentralizar as ações políticas administrativas; e) capacitar e reciclar os recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia; f) implementar o sistema de informações que permita a divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos e programas em cada nível de governo; g) estabelecer mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento; h) priorizar o atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviço; i) apoiar estudos e pesquisas sobre as questões do envelhecimento. O programa de serviços de proteção e inclusão social dos idosos brasileiros sugeria que a política social assegurasse àqueles indivíduos uma melhor proteção por meio da “inclusão nas oportunidades de integração oferecidas pelas políticas públicas, pelo mundo do trabalho e pelas diversas expressões de convívio familiar, comunitário e societário” (CARVALHO, 1998:11), que de forma semelhante estavam incluídas na proposta francesa. Dentre as ações propostas pela Secretaria de Ação Social, destacamos algumas que corroboram a intervenção do Estado no modo de vida ativo do idoso: programa nacional de vida ativa, programa de preparação para aposentadoria, desenvolvimento de atividades culturais, qualificação e requalificação profissional, universidade aberta à terceira idade, centro de convivência para idosos, oficinas 67 abrigadas de trabalho, programa de geração de emprego e renda, festival de jogos tradicionais, jogos da terceira idade. A política social proposta para ser colocada em prática no último governo brasileiro47 insistiu na necessidade da inclusão social caracterizada pela participação ativa do idoso, seja valorizando a convivência em seu meio social, “visando vínculos relacionais e de pertencimento” (CARVALHO, 1998:32), seja incentivando modelos diferenciados de institucionalização que viessem a fortalecer a sociabilidade. Nesse sentido, o modelo associativo que incorpora a aproximação entre educação e velhice é apontado como um dos recursos mais importantes para se colocar em prática as ações de proteção social. Observa-se hoje o interesse crescente deste segmento de idosos pelos cursos abertos à terceira idade. Os resultados positivos sugerem a necessidade do aumento de sua oferta. Entende-se que a ampliação e extensão destes cursos, indo ao encontro dos idosos em suas comunidades, nos chamados centros ou espaços de convivência, deve contribuir significativamente para a democratização de experiências hoje restritas a poucos (CARVALHO, 1998:33). O modelo cultural de uma velhice ativa tem sido bem marcante, tanto na França como no Brasil, nascendo do impacto exercido pela inscrição da questão envelhecimento/velhice entre os ‘assuntos de Estado’. Principalmente quando observado na especial atenção que foi dada à política de modo de vida na velhice, que, concordamos, foi fortemente influenciado pelos trabalhos empreendidos no campo da gerontologia social. No entanto, alguns autores afirmaram não ver qualquer utilidade nos trabalhos que apontam as ligações entre a gerontologia e os responsáveis pelas políticas sociais (MAYENCE, 1986), mas, observando as políticas sociais dos dois países e a participação social das pessoas idosas e dos aposentados, é inegável que tornou-se um tema recorrente nas políticas públicas considerar espaços sociais, como clubes e 47 Estamos falando do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que ficou no poder durante oito anos, no período entre 1994 e 2002. 68 outras associações, locais privilegiados para manter os idosos e aposentados inseridos socialmente. É bastante comum, ainda encontrarmos incentivo a atividades que estimulem as mais diversas manifestações culturais de lazer, incluindo aí a prática de atividades físicas esportivas. Por outro lado outros tipos de envolvimento também são estimulados, mas os resultados não têm sido tão plenamente alcançados. A lei 8842, entre outras, apontava para a existência de fóruns populares e conselhos de idosos que possibilitariam a melhor equação do problema dos velhos do país. Paz (2001) analisou a constituição dos fóruns e dos conselhos de idosos, que teoricamente seriam palco de discussão sobre os encaminhamentos das políticas para idosos em nível federal, estadual e municipal. Esses fóruns, uma vez instalados, deveriam possibilitar que os verdadeiros interessados, os idosos e suas representações, pudessem se fazer ouvir. Serafim Paz verificou diversos tipos de problemas no Estado do Rio de Janeiro, mas que certamente refletiam o que se passava no resto do país. Ficava claro que na maioria das vezes as representações dos idosos nesses espaços não se entendiam. Outros personagens, às vezes não idosos, acabavam por coisificá-los, colocando-os como vilões na briga entre gerações. Mesmo estando os idosos presentes em algumas discussões, sua participação era resumidamente a de figuração em um jogo de cartas marcadas. Durante os anos noventa, conscientes do que esse quantitativo poderia representar em votos em eleições, muitos políticos brasileiros passaram a colocar no âmbito de seus interesses a defesa dos direitos dos idosos. Poucos anos depois da promulgação da lei 8842 de 1994, passaram a transitar no Congresso Nacional alguns projetos-de-lei que visavam a aprovar um Estatuto do Idoso, que em alguns aspectos acaba sendo bastante semelhante ao que fundamentou o Estatuto do Menor e do Adolescente (ECA)48. Dessa forma, sob as vestes de uma valorização do envelhecimento, de sua proteção, de uma luta contra os preconceitos, não estaríamos diante de uma paradoxal tutela do envelhecimento, na qual quem menos se manifesta são os maiores interessados? 48 O Estatuto foi sancionado no mês de novembro de 2003. 69 O fim das atividades profissionais para aqueles que estão na ‘década da aposentadoria’- modelizando o envelhecimento Os últimos anos do século XX foram marcados por fundamentais mudanças. O contrato social que gerou não só os tempos sociais, como o ciclo de vida do período que ficou denominado na França como os ‘30 gloriosos, não tem mais espaço na atualidade49. Pode-se dizer que no contexto do capitalismo cada vez mais monetarista, a repartição das rendas e das atividades está em plena transformação segundo as idades e as gerações; que a organização do trabalho e das atividades, da formação e do tempo fora do trabalho sobre o conjunto do curso da vida está sendo tanto desestabilizado como em recomposição. (GAULLIER, 1999:7). A aposentadoria foi fundamentada sobre o princípio da solidariedade entre as gerações. Através da repartição assegurava-se a sua renovação, no que ficou conhecido como as gerações do ‘estado de bem-estar social’. Entretanto, esse modelo diante do modelo sócio econômico atualmente hegemônico, tem sido colocado em questão. Uma vez abalado esse contrato intergeracional, surgiu o que se chamou ‘década da aposentadoria’. Esse conceito já havia sido usado anteriormente na Inglaterra, para explicar o que estaria ocorrendo com a aposentadoria e a vida daqueles que tinham entre 60 e 70 anos. No caso da França, analisaram-se as idades compreendidas entre 50 e 60 anos, já que naquele país a passagem de um tempo de trabalho para o do não trabalho tomou conotações diferentes. Para definir esse período, Gaullier se utilizou de características semelhantes àquelas que ele mesmo já chamara como ‘segunda carreira’, em que, “ao mesmo tempo que houve um esfacelamento do trabalho assalariado no fim de uma carreira, passa a existir uma certa profissionalização do tempo livre dos pré-aposentados e jovens aposentados” (GAULLIER, 1999:73). Sobre a influência da empregabilidade e 49 Após a Segunda Guerra Mundial ocorreu considerável crescimento econômico; assistiu-se ao crescimento demográfico, culminando com um período de transição demográfica que certamente contribuiu para um certo tipo de relação entre as gerações. Principalmente em países mais desenvolvidos como a França, as gerações dos idosos acabaram sendo favorecidas e mais 70 das tensões sociais, o ciclo de vida, que era rígido, tornou-se cada vez mais flexível; as idades se modificam, o primeiro emprego passa a ser cada vez mais tardio, e a retirada definitiva do mercado de trabalho pode ser cada vez mais prematuro. Acrescenta-se a essa possibilidade de sair do mercado do trabalho mais cedo uma expectativa de vida maior, que acaba representando, pelo menos em teoria, mais tempo livre. A partir das novas relações que se instauraram ao longo da vida entre o tempo de trabalho, o tempo de formação, o tempo familiar e o tempo livre ou disponível, passa a ser aceito como verdadeiro que idosos e aposentados do final do século XX têm novas possibilidades para o uso do seu tempo livre: manter-se engajado numa atividade qualquer; participar de atividades de lazer levando em consideração a qualidade do que é feito; buscar o seu desenvolvimento pessoal; e, principalmente, participar de atividades que são reconhecidas como socialmente valorizadas (ELIZASU, 2002). Alguns acontecimentos que contêm significados importantes na nossa vida vão marcar muito o processo do envelhecimento. Podemos destacar o encerramento definitivo das atividades profissionais e outros, como a viuvez, a necessidade de tomar conta de um parente muito idoso, a ida para um asilo, sucessivas mortes de contemporâneos, diminuição da capacidade física, uma doença típica de velhos ou ainda a entrada na menopausa. Mas certamente é o afastamento definitivo das atividades profissionais que simbolicamente vai marcar mais fortemente a aproximação da velhice. Os outros momentos têm alguma importância, mas não terão tanta como a aposentadoria, mesmo que ela seja opção do indivíduo, pois seu significado para a sociedade é muito forte. Idosos e aposentados que fizeram parte de uma geração que supervalorizou o trabalho, a entrada na aposentadoria passou a ser a definição social da velhice (GAULLIER, 1999). É certo que não cabe mais considerar a aposentadoria como era vista anteriormente, uma ‘morte social’ (GUILLEMARD, 1972), mas cabe a reflexão de Mishara e Riedel (1985), de que ela seria o início da ‘velhice estabelecida por decreto’. Alex Confort (1979) já dizia que para enfrentar as dificuldades de uma má aposentadoria era necessário preparar-se para ela, já que se assemelharia à perda do emprego ocasionada por a demissão ou desemprego. “A pior desgraça para o idoso é ser protegidas (GAULLIER, 1990). Em contrapartida, os jovens têm ainda um futuro incerto para ser 71 expulso de uma sociedade tradicionalmente baseada no trabalho” (CONFORTT, 1979:15); sendo assim, é imperioso buscar os mais variados mecanismos para integrá-lo à sociedade. Lenoir (1996:99) usou argumentos que nos mostram como a intervenção dos especialistas em ciências sociais no campo dos agentes de gestão da velhice contribuiu para difundir uma nova problemática da velhice, a da ‘inserção das pessoas idosas’; assim, o envelhecimento é descrito como um processo de diminuição da vida social, uma ‘redução dos papéis sociais’, que desemboca em ‘morte social’ [...]. A velhice é definida como uma etapa do ciclo da vida, identificável como tal segundo critérios que diferem segundo as disciplinas intervenientes: usura ‘biológica’ para os médicos, idade ‘cronológica’ para os demógrafos, ausência de ‘funções sociais’ para os sociólogos. A partir de uma autonomização do conceito do que vem a ser velhice, fruto de diversos interesses dos agentes e das instituições, impõe-se, pelos que entendem, cuidam e falam em nome dos velhos, uma definição que esteja de acordo com o seu discurso. Pela ação que estes agentes exercem sobre os indivíduos, acabam transformando as categorias mentais em instituições, com a força e eficácia do real. Vemos um exemplo desses efeitos na constituição recente da oposição entre ‘terceira idade’ e ‘quarta idade’, que corresponde à chegada de novos especialistas no sistema dos agentes que administram a problemática da velhice: ao estabelecerem a diferença entre ‘quarta idade’ – objeto de acolhimento e de tratamentos ‘fisiológicos’ – e ‘terceira idade’, que exige, sobretudo, atividades de ordem cultural e psicológica, eles tendem a impor novas necessidades e, ao mesmo tempo, a necessidade de seus serviços (LENOIR, 1996:100). Sendo assim, o caminho estava aberto para a institucionalização de uma nova moral do envelhecer de maneira digna, saudável, ativa e autônoma, principalmente para os novos aposentados. Levando em consideração que alguns mecanismos legais permitiram durante um bom período que as pessoas se afastassem cada vez mais cedo das atividades profissionais50, também Gaullier (1999) questionou como estaria sendo redimensionada essa nova maneira de envelhecer. Ele buscou inferir o que acaba assegurado, principalmente se levarmos em consideração o modelo econômico atual. 50 Ocorreu na França, após o início dos anos setenta, e no caso brasileiro, durante um bom período, sendo intensificada entre uma e outra ameaça de reforma previdenciária. 72 levando alguns a direcionar sua vida para um envelhecimento considerado melhor, em muitos aspectos bem diferente das gerações anteriores, já que seria mais engajado, ativo, participativo, muitas vezes fazendo que os idosos fossem respeitados socialmente. Para isso levou em conta as ‘mutações do fim da vida profissional’, priorizando três pontos para análise: primeiro enfatizou as características sociais dessas mudanças, depois o que isso significa para o indivíduo e, finalmente, situou tanto a velhice como o envelhecimento em relação às perspectivas atuais e futuras. É fato inquestionável que tanto na França como no Brasil não se envelhece mais como antigamente. A aposentadoria, anteriormente mais planejada pelo indivíduo, saiu do seu controle; novas situações surgiram fazendo com que muitos se afastassem da vida profissional antes da época anteriormente planejada. Gaullier usou um termo para caracterizar a situação francesa que poderia ser utilizada, em certas situações, também no Brasil, a ‘aposentadoria antes da aposentadoria’51. É bom lembrar que para se incentivar a saída mais cedo das atividades profissionais foram criadas estratégias peculiares, como a denominada pré-aposentadoria, ocorrida na França, e outras formas de interrupção compulsórias, como a que ocorreu na história recente de alguns países como o Brasil. Neste último caso poderíamos falar de duas situações. A primeira decorrente de demissão ou acordos de demissão voluntária de muitos funcionários, à época das privatizações de diversas empresas estatais. A outra situação ocorreu tanto no setor privado como no público, nos momentos em que se anunciavam possíveis mudanças nas leis do país e apontava-se, para alguns segurados, uma possível perda nos direitos anteriormente estabelecidos. Muitas vezes, ao interromper as atividades profissionais de alguém mais cedo do que poderia ser previsto, o critério idade acaba ganhando mais importância frente aos critérios competência e produtividade. Na verdade trata-se de uma estratégia cômoda, utilizada por muitas empresas para acompanhar a modernização e também reduzir as despesas (GAULLIER, 1999). 51 Seria o fim das atividades antes de uma idade mínima oficial, que em geral ronda os sessenta anos. Evidentemente isso está atrelado a um tempo de contribuição que varia conforme o país. No momento em que escrevemos esta tese, os dois países estão passando por alterações nas regras de suas aposentadorias. 73 Para aqueles que estão no período da ´década da aposentadoria’, quando se afastam do trabalho se deparam com o desafio de como enfrentar psicologicamente uma idade em que se está jovem para ser velho e velho para continuar no mercado de trabalho. É um período crítico, pois freqüentemente a decisão vem de uma nova legislação ou parte da empresa, acontecendo quase sempre de forma inesperada. No momento em que isso ocorre, a perda de referenciais identitários por esse rompimento acaba causando uma crise de identidade, principalmente pelos estigmas que cercam a velhice. Paralelamente às tensões no mundo do trabalho e na empregabilidade, há na sociedade uma certa repulsa à velhice, já que socialmente a principal valorização é a de quem é jovem, forte, belo, poderoso e tem trabalho. As influências exercidas pelo valor do trabalho acabam então extrapolando para o não-trabalho. Nós estamos numa sociedade do trabalho, e, mais ainda para esta população mais idosa do que para os mais jovens, o trabalho é o valor central que foi o integrador de toda uma existência, tendo uma dupla dimensão. O trabalho foi fator de realização individual, logo, um elemento positivo, e ao mesmo tempo foi cheio de imposições, de subordinações hierárquicas e tudo mais que se pode falar sobre a alienação do trabalho [...] os jovens aposentados estão numa situação híbrida, pois ao mesmo tempo que são excluídos eles são privilegiados. Excluídos, porque na maior parte das vezes não pediram para sair, mas foram pressionados para isso. Ao mesmo tempo são privilegiados, porque, num contexto de muito desemprego e de exclusão dos mais jovens, sua situação material estaria em parte garantida (GAULLIER, 1999:158-9). Assim, o grande temor de se ficar sem trabalho está em um dia se tornar velho, e conseqüentemente ter sua condição associada ao declínio. Três situações foram apontadas por Gaullier e nelas é lançado o desafio para se compreenderem as diferentes estratégias para ocupação do tempo disponível dessas pessoas52. A primeira delas surge da constatação de que nossa sociedade, ao supervalorizar o valor do trabalho profissional, acaba por considerar “que a vida associativa e tudo que não é relacionado à vida profissional são desvalorizados” (GAULLIER, 1999:161). As atividades assumidas pelos novos aposentados freqüentemente são percebidas como coisas sem muita importância e que não devem criar muitos aborrecimentos. A segunda situação seria aquela em que se apresenta aos idosos a oportunidade de realizar uma nova reflexão 74 para sua vida. Isso ocorreria a partir de seu envolvimento em novos projetos, que de certa forma já podem ter se originado anteriormente e que por motivos diversos não puderam ser concretizados. Diferentemente do primeiro caso, essas atividades teriam fortes significados para a pessoa. Uma terceira tendência que foi apontada por Gaullier é a que estamos chamando ‘ativismo’, que não vê muita importância no que vai ser feito, mas em fazer qualquer coisa, condição fundamental para se continuar vivendo. O grande orgulho desses aposentados é poder mostrar uma agenda cheia, a que o autor chamou de ‘fuga da realidade’ da inexorável velhice. O que parece mais grave no que foi caracterizado anteriormente é que o conjunto da sociedade acaba assumindo como verdadeira a divisão dos aposentados em dois grupos: os ativos são considerados os bons aposentados, que têm um envelhecimento positivo, não sendo um peso para a sociedade, e se distanciam dos que estão condenados à dependência e à demência. Segundo o autor, esse esquema está muito forte no imaginário das pessoas. Ele é tão forte que acaba sendo uma estratégia usada pelos do primeiro grupo para rejeitar todos os problemas do envelhecimento que chegarão em dez ou vinte anos, significando não querer nunca aceitar o envelhecimento nem querer vê-lo em si mesmo [...] sobre a noção de utilidade social, acaba-se por excluir da sociedade os que não querem ou que não podem por serem muito idosos. Os indivíduos têm o direito de existir porque são seres humanos e não porque são úteis socialmente falando, mesmo se só podem se estruturar ao nível de sua identidade a partir das atividades... (GAULLIER, 1999:162). A modelização do que é considerado envelhecimento sem problemas é uma tendência real à qual os novos aposentados estão cada vez mais sendo desafiados a enfrentar, e a lógica do trabalho acaba permeando alguns desses modelos tanto de forma implícita como explícita. Isso pode ser observado na valorização dada ao reengajamento profissional, uma das propostas de Confort (1979:44) para a boa velhice. O autor recomenda que a aposentadoria real não deva passar de quinze dias. Depois desse período, para que o idoso se mantenha inserido socialmente, só participando de atividades que se assemelhassem ao trabalho. E assim se justifica. Homens de negócios, cuja vida atribulada levou a optar por uma aposentadoria centrada em atividades como pintura e jogos de 52 Algumas dessas estratégias encontram terreno fértil dentro das forma associativa, vindo da França na forma de clubes e de universidades da terceira idade. 75 xadrez, podem muito bem preencher suas necessidades dessa maneira. Contudo, tenha muita cautela com os passatempos. Embora possam constituir um estilo de vida, a diabólica sociedade adora vender hobbies para manter seus parasitas calados e bem comportados, evitando o perigo do engajamento. Tais ocupações só serão válidas se exprimirem uma parcela de sua personalidade que não teve tempo de se expandir. No entanto, a maior parte dos seres humanos se realiza mais plenamente no trabalho. Por outro lado, no que toca ao engajamento em outras formas de atividades, há algumas mais alentadoras, sendo apresentadas na forma de vida associativa, na prática de atividades físicas esportivas, nas viagens de turismo, além do estudo, namoro, enfim, uma diversidade de possibilidades que caracterizaram o idoso do final do século XX. Mesmo levando em consideração a enorme diversidade de modos de vida, e a perspectiva de manter o aposentado ainda inserido na sociedade, deve-se ter em conta que, independente do modelo adotado, “nenhum deles conduz ao desinteresse com o que ocorre no entorno, nem tão pouco automaticamente se consegue que a pessoa fique satisfeita com sua vida” (NEUGARTEN, 1999:154). Como se observa nas políticas francesas, que ao investir na fórmula associativa para os novos aposentados ignorava-se as demandas dos idosos dependentes, no Brasil, de forma semelhante, conforme apontado por Guita Grin Debert (1999), a fórmula associativa para os idosos demonstrou uma grande aceitação, e paralelamente temos em conseqüência muita dificuldade em lidar com a ‘verdadeira velhice’. Não sem motivo criou-se aqui também uma imagem para o modo de vida dos novos aposentados, que não é capaz de oferecer a eles instrumentos capazes de enfrentar a decadência de habilidades cognitivas e controles físicos e emocionais que são fundamentais, na nossa sociedade, para que um indivíduo seja reconhecido como um ser autônomo, capaz de um exercício pleno dos direitos de cidadania. A dissolução desses problemas nas representações gratificantes da terceira idade é um elemento ativo na reprivatização do envelhecimento, na medida em que a visibilidade conquistada pelas experiências inovadoras e bem-sucedidas fecha o espaço para as situações de abandono e dependência. Estas situações passam, então, a ser vistas como conseqüência da falta de envolvimento em atividades motivadoras ou da adoção de formas de consumo e estilos de vida inadequados (DEBERT, 1999:15). 76 Passamos agora a ver como uma modelização do envelhecimento ativo vem sendo apresentado por alguns autores brasileiros. Começamos com Anita L. Neri e Sueli Freire (2000), que organizaram um livro chamado E por falar em boa velhice, em que, logo na apresentação dos demais capítulos53, abordou-se o verdadeiro pavor que algumas pessoas têm de ser chamadas de ‘velho’ ou ‘velha’, e que, por esse motivo, acabam por preferir palavras consideradas menos pejorativas, como ‘maduras’ ou ‘terceira idade’. A perspectiva de negação da velhice por meio de palavras e de atitudes vem sendo uma realidade na sociedade brasileira. Segundo as autoras, a razão da existência de uma variedade de termos para se diferenciar do ‘velho’ ou da ‘velha’ residiria na existência de preconceitos e no temor da aproximação da morte, análise semelhante a que também foi estabelecida na sociedade francesa. “Na base da rejeição ou da aceitação acrítica da velhice existe uma forte associação entre esse evento do ciclo vital com a morte, a doença, o afastamento e a dependência” (NERI & FREIRE, 2000:8). Essa característica não se restringe aos idosos, já que “leigos, pesquisadores e profissionais que lidam com adultos mais velhos e com idosos podem ser muito preconceituosos quando a assunto é velhice” (p. 9). O que é interessante ressaltar nesse livro é que, mesmo com essas considerações, não é abandonada a perspectiva de anunciar o que se deve fazer para se ter uma boa velhice, ou seja, acaba-se tendo mais um novo manual, endereçado aos idosos, aposentados e estudiosos no assunto. O tema engajamento em atividades está bastante presente em seus capítulos e alguns deles nos chamaram a atenção. Sueli Freire (2000:22) diz que ser uma pessoa participativa na vida social seria não só benéfico para o indivíduo como para toda a sociedade. Segundo ela, cada vez mais aumenta a consciência de que os idosos podem sentir-se felizes e realizados e de que, quanto mais forem atuantes e estiverem integrados em seu meio social, menos ônus terão para a família e para os serviços de saúde. A partir daí, tanto os estudiosos de diversas áreas, como as pessoas em geral, têm-se interessado pela busca por formas de chegar a uma velhice bem sucedida. 53 Os capítulos foram escritos por profissionais engajados nas pesquisas e estudos do Núcleo de Estudos Avançados em Psicologia do Envelhecimento da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. 77 Seis dimensões, fruto de uma consciência adaptativa, foram propostas para que se tenha um envelhecimento considerado bem sucedido: auto-aceitação, relações positivas com os outros, autonomia, domínio sobre o ambiente, propósito de vida e crescimento individual. Para se alcançar essas dimensões, das oito estratégias apresentadas pela autora, três nos chamaram atenção: engajar-se num estilo de vida saudável, aperfeiçoar as habilidades sociais e se engajar em atividades produtivas. Para finalizar, Freire (2000:29) mostra o quanto é importante a presença dos que entendem de velhos para auxiliar as pessoas no sentido de um envelhecimento considerado satisfatório, pois “em algumas ocasiões pode ser necessária a ajuda de profissionais para auxiliar na definição dos projetos para o futuro e na detecção de habilidades e atividades a desenvolver”. Neste caso são lembrados os cursos técnicos ou as universidades da terceira idade. Já a importância da intervenção realizada por um especialista no assunto surge em outro capítulo do livro de Neri e Freire, onde é dito que “o profissional pode auxiliar o idoso em muitas situações, seja como modelo, como representante dos valores sociais, seja como relacionamento significativo, já que nem sempre a relação entre o profissional e o cliente precisa ser formal e distante” (ERBOLATO, 2000:49). Mas é interessante registrar as considerações da autora quanto à importância de não se tratarem os idosos como crianças, e como é carregada de preconceito a fala de alguns profissionais quando se referem a sua clientela como “nossos idosos”, o que revela um forte paternalismo que em nada auxilia a capacidade do idoso em administrar como bem entender a sua vida. Em outra publicação, uma das autoras do livro citado trata de velhice bemsucedida e educação (NERI, CACHIONE, 1999:116). Na experiência educacional do SESC, apresentada como pioneira no Brasil, lembra e reforça sua inspiração na teoria da atividade e no que foi feito anteriormente na França. As autoras apresentaram alguns conceitos, como o de ‘velhice bem-sucedida’, que teria três conotações. A primeira associa-se à idéia de realização do potencial individual do indivíduo para o alcance do grau de bemestar físico, social e psicológico avaliado como adequado ao indivíduo e pelo seu grupo de idade [...] o segundo significado associado à velhice bem-sucedida é de funcionamento parecido com o da média das populações mais jovens. Este conceito refere-se a práticas médicas, cirúrgicas, cosméticas, físicas, sociais e educacionais 78 destinadas a preservar a juventude, retardar os efeitos do envelhecimento, mascarar ou reabilitar as conseqüências desse processo e promover o envolvimento dos mais velhos em atividades julgadas a eles apropriadas [...] a terceira conotação é de manutenção da competência em domínios selecionados do funcionamento, através de mecanismos de compensação e otimização [...]. A autora introduz um outro conceito, que segundo diz, vai além da teoria da atividade; é o da ‘velhice produtiva’, que seria o engajamento em atividades consideradas socialmente úteis, que incluem desde o cuidar dos netos, atividades voluntárias, envolvimento em atividades de lazer, a contribuição enquanto consumidor potencial, a melhora funcional e até mesmo o trabalho remunerado. Já na França encontramos preocupações que acompanham problemas que são imputados a uma lógica economicista, que passa a apontar para uma precariedade dos empregos, aliada ao aumento da longevidade que passa a assinalar para este século XXI um encurtamento do que se convencionou chamar de vida adulta. Xavier Gaullier (1999:251) apresenta como conseqüência o surgimento do que ficou denominado como “emergência de uma sociedade envolvida em múltiplas atividades” que estaria inserida na evolução do processo de modernização, onde o individualismo crescente está ligado a autonomia dos diferentes tempos sociais e a predominância do trabalho assalariado durante todo ciclo da vida, que se organiza em três etapas; juventude-formação, vida adulta-produção, velhice–inatividade. Progressivamente, as relações entre os tempos sociais se modificam assim como os valores que acompanham. 79 Segundo ainda este autor a tendência geral já é conhecida: aumento considerável e contínuo da esperança de vida, e da expectativa de vive-los em boa saúde; diminuição bastante significativa do tempo e trabalho, aumento do tempo consagrado a formação e aos lazeres (p. 251). A depender dos cenários futuros, as relações intergeracionais parecem estar comprometidas. A se confirmarem algumas previsões, a ‘generalização da precariedade’, dos empregos teria como uma conseqüência, um ‘bloqueio da sociedade’ Gaullier (1999). Como conseqüência imediata teríamos tanto uma ‘sociedade de lazeres’ como uma ‘sociedade de desempregados’. Numa outra maneira de interpretar, trabalha-se com as competências individuais, valendo a lei do mercado, que estimula a competitividade, em que aparentemente existiria mais liberdade e as barreiras de idade seriam levantadas, o que, na prática, segundo suas previsões, promoveria um resultado negativo. Mesmo reconhecendo a importância de se superarem as imposições sociais que se utilizam dos critérios baseados em idade do exemplo anterior, “nada prova que, mesmo não existindo qualquer barreira discriminatória entre as idades, os estereótipos sobre o envelhecimento serão capazes de desaparecer” (GAULLIER, 1999:167). Velhice e envelhecimento, nesse caso, tornam-se de domínio público, com grandes restrições à proteção social. O envelhecimento seria algo privado, em que a competência falaria mais alto. Como opção definitiva para evitar esses problemas, só mesmo uma nova configuração na sociedade, que seria segundo Gaullier ‘pluriativa em todas as idades’. Dessa forma poderia haver, a conciliação entre objetivos sociais e econômicos. No contexto dos qüinquagenários dos anos 2000, parece não existir qualquer dúvida de que a vida profissional será mais flexível, existindo uma importante alternância entre os tempos: de trabalho, de formação, de lazer e de desemprego. É necessário então não continuar reproduzindo velhas fragmentações, em especial as duas que com certa freqüência são apresentadas, tempo de trabalho e tempo livre, que trazem em si uma falsa oposição entre um tempo imposto, como o do trabalho e um tempo liberado, que está fora do contexto do trabalho. 80 CAPÍTULO II ENVELHECENDO EM SOCIEDADE UMA NOVA GERAÇÃO DE IDOSOS E APOSENTADOS FRENTE A UM NOVO TEMPO SOCIAL Distinguimos dois tipos de envelhecimento – o envelhecimento individual e o envelhecimento da sociedade (THEVENET, 1989). O primeiro é marcado pela sua irreversibilidade, e o segundo é um fenômeno flutuante que se manifesta no ritmo das gerações (ATTIAS-DONFUT, 1988; 1991). Acreditamos ser um interessante campo de pesquisa estudar o processo do envelhecimento de uma população através das influências recebidas de fatos geracionais como a participação dos aposentados e idosos em atividades associativas, das políticas sociais e uma modelização do envelhecimento saudável. São linhas que se entrecruzam, e no que interessa a este estudo, colocaremos em questão neste capítulo como idosos e aposentados empregam o seu tempo social. Saber como se organiza o tempo livre dos idosos a partir de uma atividade associativa ou mesmo de seus lazeres é também questão de nosso interesse, que certamente nos ajudará a melhor compreender esse fenômeno de sociedade que é a prática de atividade física realizada em associações específicas de idosos. Ao fazermos uma pequena verificação de como diversas sociedades perceberam seus velhos e o que acontece nos dias de hoje, ficou claro que não se envelhece hoje da mesma maneira como antes (LEMIEUX, 1990). Não existindo exemplos semelhantes, fazer atividade física em grupos constituídos só de idosos é uma experiência social verificada pela primeira vez na história da humanidade. Levando em consideração que a população por nós estudada tem como características comuns estar fora do mercado do trabalho, ter a preocupação com o preenchimento do seu tempo sem trabalho nas mais diversas atividades tendo como base a vida associativa e a prática de atividades físicas, estudaremos os idosos e os novos aposentados a partir das relações que vêm sendo estabelecidas entre eles e seus tempos sociais. Na maioria dos casos, para esses idosos, o emprego do tempo anterior ao da aposentadoria foi de muita dedicação ao trabalho e à vida familiar. Até recentemente a passagem para a aposentadoria era quase que exclusivamente destinada ao repouso, mas atualmente novos sentidos são dados a esse tempo. Neste capítulo, veremos se há 81 relação entre o sentido que é dado ao trabalho e a lógica que serve de base para a moral do envelhecimento ativo. Para haver um melhor encadeamento desta revisão, apresentamos o sentido que é dado ao associativismo, que faz parte das propostas das políticas de modo de vida para os idosos e os aposentados. Em seguida, faremos a aproximação entre o associativismo e um modelo de envelhecer que tem base na prática do voluntariado, ligação que também é proposta nas políticas sociais. Dois modelos de vida associativa de idosos e aposentados são trabalhados: um ocorre nos clubes da terceira idade e o outro se desenvolve nas universidades ou escolas da terceira idade. Ambos serão apresentados de forma que se possa estabelecer uma comparação entre o que ocorreu a partir dos anos sessenta na França e no Brasil. Para entender o modo de envelhecer com preocupações mais ‘intelectualizadas’, que está embutido nas propostas das universidades para idosos, voltamos a discutir o lazer e agora introduzindo à discussão a ‘educação permanente’, outra maneira encontrada para se por em prática a animação cultural dos idosos. Colocamos em questão se essa ‘nova onda’ do idoso ativo no ambiente associativo seria coisa de idade ou de geração. Abordamos ainda o lazer, analisando como suas estratégias vêm sendo difundidas como meio para o bom envelhecimento. Algumas reflexões sobre o valor que vem sendo dado ao ‘trabalho’ Atualmente, a ocupação do tempo livre, fora das obrigações profissionais ou familiares, assume um novo perfil, sem nenhuma relação com o fato de sermos jovens ou velhos, homens ou mulheres, trabalhadores ou aposentados. A luta dos trabalhadores organizados pela diminuição do tempo de trabalho ao final de um dia, de uma semana ou de um ano (DUMAZEDIER, 1988, 1990) lhes propiciou mais tempo para si, e essa conquista social completou-se pela diminuição do tempo total da vida profissional54 e pela maior flexibilização da carreira e dos tempos de atividade profissional. De um tempo linear e previsível, hoje convivemos com a imprevisibilidade do tempo de trabalho. 54 Dados recentes nos permitem citar o caso francês, em que a partir dos anos oitenta diminuiuse não só a idade mínima para a aposentadoria como também o total do tempo da semana de trabalho. Entretanto, ainda não fica claro se esse tempo disponível vem sendo usado em um novo trabalho ou em atividades consideradas de lazer. 82 Autores como Xavier Gaullier (1999) na França e Ricardo Antunes (1999) no Brasil apontam para as conseqüências de uma flexibilização do tempo de trabalho, fato que certamente influenciará as relações entre as categorias de idades. Já que as regras que governavam a organização das idades, a maneira como eram feitas as trocas entre as gerações e a sua renovação se modificam, a dinâmica social recompõe uma nova paisagem. Um outro modelo de administração das idades e das gerações está emergindo na vida profissional, como na família e na sociedade (GAULLIER, 1999:29). Ao falar sobre as relações entre trabalho e tempo livre nessa nova sociedade, Antunes (1999:178) argumenta que a significativa redução do tempo de trabalho não deve ficar isolada de uma maior reflexão. Pois o desemprego e as formas precarizadas de trabalho têm sido cada vez mais intensos, processos que se agravam com o desmoronamento gradativo do Welfare State [...] o direito ao emprego, articulado com a redução da jornada e do tempo de trabalho, torna-se uma reivindicação capaz de responder às efetivas reivindicações presentes no cotidiano da classe trabalhadora. Quanto ao aumento do tempo livre, ele argumenta que deve ser sem redução do salário, e que não se deve confundir com flexibilização da jornada, já que ela estaria “em sintonia com a lógica do capital”. A ampliação do tempo social fora do trabalho [...] deve estar intimamente articulada à luta contra o sistema de metabolismo social do capital que converte o tempo livre em tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é impelido a capacitar-se para melhor competir no mercado de trabalho, ou ainda a exaurir-se num consumo coisificado e fetichizado, desprovido de sentido (ANTUNES, 1999:178). O tempo fora do trabalho passou a não ser mais exclusivamente consagrado ao repouso ou utilizado como recuperador da força do trabalhador; sua utilização após o início da era industrial acabou ganhando novos significados. O uso desse tempo, seja em atividades formativas, de envolvimento político, sindical, religioso, familiar ou mesmo de lazer, tem sido considerado como uma possibilidade bastante importante no que toca o aprimoramento das relações sociais. A maneira como esses tempos são 83 preenchidos, que tipo de dedicação e importância lhes vem sendo dado pode ser observado ao final de um dia de trabalho, de uma semana, de um ano, ou após o encerramento definitivo das atividades profissionais. Dependendo do valor que é dado ao trabalho55, ele acaba influindo no modo de vida tanto no presente como no futuro, quando ele não é mais exercido, sendo que na aposentadoria encontraremos terreno fértil de pesquisa sobre o tempo em que ele em princípio é totalmente livre. E uma vez que a principal forma de participação na vida social é o trabalho e, como tal, transformou-se em um referencial de socialização da pessoa. Participar do processo do trabalho e das relações dele resultantes significa, hoje, viver, e fazer parte da sociedade em desenvolvimento. A presença de idosos sadios, ativos e socialmente afastados da participação na produção social de bens, levanta a necessidade de rever os valores sociais historicamente associados à velhice e à organização social do processo de trabalho (IWANOWICWZ, 2000:106). Seja pela maneira liberal de concebê-lo, pela abordagem marxista, o trabalho assume um valor supremo para o homem. Para Marx o trabalho é a primeira necessidade do homem, condição essencial para o tempo livre, servindo tanto para sua libertação como para sua alienação. Antunes (1999) analisou os novos sentidos do trabalho na sociedade contemporânea e no modelo hegemônico; identificou a dificuldade de uma pessoa de 40 anos em conseguir um novo emprego no momento em que fica desempregado, tornando-se um ‘velho’ para o sistema social e só restando-lhe a informalidade. Em suas análises, aponta para uma categoria que foi chamada a ‘classe que vive do trabalho’, uma noção ampliada da classe trabalhadora. Nela estariam incluídos a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho, [...] os trabalhadores da chamada economia informal, que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela restruturação do capital (ANTUNES, 1999:103-4). 55 Em Freud, o trabalho seria capaz de dar o equilíbrio da vida. 84 Um ponto foi por ele considerado crucial e nos levou a refletir sobre o grupo de idosos e aposentados que estão fora do trabalho e buscam um sentido para suas vidas fora do trabalho. Para ele, “uma vida dotada de sentido fora do trabalho supõe uma vida dotada de sentido dentro dele” (ANTUNES, 1999:175). Isso seria possível no momento em que fossem rompidas as barreiras entre tempo de trabalho e de não-trabalho visando a uma nova sociabilidade, tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente associados, na qual ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e ócio, em conformidade com as aspirações mais autênticas, suscitadas no interior da vida cotidiana, possibilitem as condições para efetivação da identidade entre indivíduo e gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões. Em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e necessidade se realizam mutuamente. Se o trabalho torna-se dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo (ANTUNES, 1999:177). Segundo alguns estudos apresentados pelo autor, fica a dúvida sobre se estaria verdadeiramente havendo uma diminuição real do tempo de trabalho, já que a ‘temporalidade’ seria uma construção histórica. Nesse sentido ele se utiliza das palavras de Norbert Elias com relação ao curso normal da existência humana, que, independente da vontade e da consciência dos homens, está limitada entre nascimento e morte. Dessa forma, ele introduz à discussão o conceito de ‘temporalidade’, cuja ordenação só foi possível no momento em que os homens dele se utilizaram para regular suas necessidades através do ‘símbolo do ano’. É a Idade Moderna que mais marcará o fenômeno complexo de auto-regulação e de sensibilização em relação ao tempo. [...] o tempo exerce, de fora para dentro, sob a forma de relógios, calendários e outras tabelas de horários, uma coerção que se presta eminentemente para suscitar uma autodisciplina nos indivíduos (ELIAS, 1998:21). 85 Ao verificar como se organizava o pensamento de Norbert Elias e suas possíveis utilizações no estudo de um tempo sem trabalho como o do lazer, Ademir Gebara (2000) destaca o autor pela diferença de valorização que é dada por ele ao trabalho. Se para as interpretações marxistas o trabalho foi fundamental para a compreensão dos fenômenos que ocorrem na sociedade, em Elias, uma nova configuração pode ser estabelecida, pois, levando em consideração que se, além de produzir seus meios de subsistência, o homem não se defender, ele se torna também caça/alimento. O homem, além das relações de produção, vive em cadeias de interdependência, isto é, aproximando-se de outros homens através de laços que se articulam de maneira diversificada. Essencialmente, Elias trabalha com padrões de interdependência em processo de mudanças, rearticulando relações de poder entre os indivíduos em sociedade (GEBARA, 2000:34). Diferente do sentido marxista de poder, pois não entram em jogo as relações de produção nem o controle exercido pelo Estado, o poder em Elias assume fundamental importância nas configurações sociais que acabam se estabelecendo tanto interna quanto externamente a um determinado grupo. Estão sempre em fluxo, em processo vivencial, as transformações decorrentes, algumas rápidas e efêmeras, outras de longo curso, mas duradouras, que definem e redefinem a balança de poder entre pessoas e grupos. Essas configurações sociais são, dessa maneira, conseqüências inesperadas das inúmeras possibilidades de interações vividas (GEBARA, 2000:35). O sentido que é dado ao trabalho demonstrará uma concepção de mundo e de homem, devendo-se entender a construção desses sentidos a partir dos momentos históricos em que foram estabelecidos. Gabriel Fragniere (1987) procurou descrever alguns sentidos dados ao trabalho na história da civilização e que vieram a influenciar a maneira como hoje o percebemos nas sociedades contemporâneas. Consciente da dificuldade de ser exaustivo, ele descreveu sete sentidos principais e logo advertiu que não teve nenhuma preocupação cronológica na sua classificação, nem mesmo os considerou como definitivos, sendo que um sentido não viria a substituir o outro. Em alguns casos adverte ainda que eles chegam mesmo a ser complementares, contendo algumas características contraditórias. 86 O primeiro dos sete pilares da construção do sentido do trabalho foi apresentado como aquele que sai da condenação de Adão, ‘o trabalho enquanto pena, uma punição’. Idéia presente nas civilizações romana e grega, em que se distinguia a atividade intelectual das manuais. A atividade intelectual era considerada mais nobre, com a diferença, em relação aos nossos dias, de que era exclusivamente destinada aos homens livres. Os trabalhos pesados e manuais eram considerados inferiores, devendo ser realizados pelos escravos56, que não eram considerados cidadãos. Naquele período emerge um conceito para o tempo destinado à reflexão, de não-trabalho, e que podemos considerar como similar, mas nunca igual, ao que hoje estamos chamando de lazer. Na Grécia, valorizava-se a contemplação e o desenvolvimento espiritual, que foi denominado skholé e só era possível fora do tempo do trabalho57. Só aquele que tem “tempo livre é livre, já que para ser livre, um homem deve possuir tempo livre” (MUNNÉ, 1992:40). Pensando no caso dos idosos da segunda metade do século XX, observou-se que durante muito tempo a atividade contemplativa era considerada como sua principal característica. Será que agora o ativismo não estaria supervalorizando o trabalho e usando sua lógica? Como sabemos, é comum encontrarmos idosos e aposentados que se orgulham de ter uma agenda completa, com tantas responsabilidades que acaba não lhes sobrando tempo para mais nada. A vida contemplativa parece estar sendo cada vez mais substituída por uma preocupação com a atividade constante: compreende-se que é sempre necessário fazer algo, preencher o tempo, como se fosse algum crime não fazer nada. E para aqueles que possuem o tempo livre e as condições financeiras que podem possibilitar uma vivência de lazer de maior qualidade, muitas vezes substitui-se a perspectiva de crescimento espiritual pela de consumo a todo custo, em que o luxo passa a ser elemento de exibição, status e distinção (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:3). Um outro significado dado ao trabalho se encontra no pensamento ideológico cristão, que tem uma dupla perspectiva: o trabalho é visto como ‘instrumento em vista de uma recompensa’ (FRAGNIERE, 1987). A regra beneditina que coloca ‘orar e 56 Etimologicamente, trabalho deriva do latim tripalium, uma espécie de instrumento de tortura. Já na Roma antiga, o tempo do não trabalho (otium) era destinado à diversão e à recuperação das forças para o retorno ao trabalho. 57 87 trabalhar’ juntos não serve para dizer que eles sejam iguais, mas sim que o esforço exigido pelo trabalho pode ser um meio de ganhar a salvação. Ainda na perspectiva cristã, segundo a doutrina ‘calvinista’, que acabou desempenhando importante papel na formação do capitalismo, “o trabalho traz frutos que são materialmente visíveis” (FRAGNIERE, 1987:42). O outro pilar sai do desenvolvimento ético do pensamento de Lutero, segundo o qual o trabalho seria considerado como ‘vocação e satisfação’. Todo ser humano estaria cumprindo uma missão divina, e essa missão se desenvolve no seu trabalho. Sendo assim, o trabalho pode ser bom em si mesmo, mesmo que implique esforço físico58. Essa idéia está presente também atualmente, quando se procuram melhorar as condições do trabalho para que se possa produzir mais, ou quando se criam estratégias visando a tirar satisfação no cumprimento das tarefas. Neste ponto, isso não impede pensar que o prazer que se tem em determinadas atividades não é exclusivo do lazer, pois podemos ter muito prazer com a atividade profissional que exercemos. Mas para a melhor compreensão de certos fenômenos contemporâneos, é a industrialização que passou a ser o grande divisor, quando surgiu o ‘homem-máquina’. Não será mais a condição humana que vai ser determinante no valor trabalho. Entrou em cena a máquina como reguladora das relações, nas quais o homem assume um papel secundário59. A maneira de se encontrar um novo valor pessoal foi a de se fazer uma aproximação com a doutrina ‘calvinista’, e se passou a dar mais importância à renda. Como conseqüência deste último significado, tem-se uma formalização do trabalho, que se torna um emprego, passando a ter finalidade nele próprio. “Ter um emprego é a forma contemporânea do status social, sendo freqüentemente considerado como mais importante do que a própria renda” (FRAGNIERE, 1987:44). 58 Leonardo da Vinci dizia que os artistas cumpriam uma missão ao realizar o seu trabalho, onde se encontraria a felicidade interior; seria a ocasião de cumprimento de um dever, uma possibilidade de transcender a natureza humana. Outro pintor, Pissaro, se expressava de maneira semelhante ao dizer que o trabalho seria capaz de auxiliar como um ‘excelente regulador da saúde moral e física’, em que tristezas, amarguras e dores seriam esquecidas pelo prazer de trabalhar. 59 Como conseqüência da industrialização, surgem novas configurações, o tempo que anteriormente era cíclico passa a ser mais linear e as relações sociais e familiares vão se modificando. Tanto o lazer como os esportes modernos ganham espaço no tempo da vida cotidiana do homem urbano, dando novo significado à vida das pessoas. 88 No sexto significado dado ao trabalho por Fragnière, ele passa a ser o fator determinante do tempo humano, substituindo as estações do ano ou os acontecimentos relacionados a uma determinada idade – temos o ‘tempo-mercadoria’. Podendo tanto ser comprado como vendido, o tempo-mercadoria pode ser entendido a partir de uma concepção linear do tempo. Segundo Bruhns (2000:19), na perspectiva do que é chamado de “tempo-mercadoria (em que não mais se passa, mas se gasta o tempo), tanto tempo de trabalho como de não-trabalho estão permeados internamente pela lógica da produtividade, do rendimento e da utilidade”. No último significado estabelecido por Fragnière (1987:45) é apresentada uma nova maneira de pensar o trabalho imposta pelas crises de emprego. Assistimos à universalização do valor trabalho, considerando como trabalho toda atividade humana que tem uma utilidade social [...]. Esta tentativa de universalização do valor trabalho representa de fato um esforço de síntese entre os mais variados valores que herdamos da nossa história, onde a idéia de pena não estaria distante da utilidade pessoal ou social, da idéia de recompensa, que pode ser psicológica ou social, e pessoalmente valorizada se ela não for experimentada sob a forma de salário. Os valores aqui descritos nos levaram a pensar como idosos e aposentados vêm utilizando o seu tempo disponível. O trabalho voluntário, a vida associativa, a prática de diversas atividades, a tal ‘agenda de executivo’, todos podem acabar sendo uma reação contra a destruição implícita do valor humano do trabalho, e, ao mesmo tempo, uma resposta positiva às imposições sociais do envelhecimento ativo. Ivanowicz (2000:105) procurou estabelecer relações entre o desenvolvimento do indivíduo idoso ou aposentado em atividades denominadas ‘prossociais’, Ela alerta para o fato de que a influência e a “importância do trabalho, ao longo da vida das pessoas, não podem ser excluídas das análises, nem do envelhecimento, nem do lazer”. Normalmente vemos nos trabalhos que seguem a corrente de pensamento de Joffre Dumazedier (1988; 1990) que o tempo considerado livre cada vez mais aumenta quando relacionado ao trabalho, o que não significa verdadeiramente que o tempo do lazer esteja também aumentando. Em determinadas situações, verificamos que isso pode até estar acontecendo de maneira diferente, e Oliveira (2000) mostra que, ao contrário do que se alardeou durante algum tempo, o brasileiro trabalha muito. Concordamos e acrescentamos que, sendo isso verdadeiro, sobrará cada vez menos tempo para seus 89 lazeres, pois na verdade o trabalhador assume outros compromissos nos seus tempo sociais. Segundo ele, em 1980 “cerca de um terço da população economicamente ativa trabalhava mais de 48 horas por semana” (OLIVEIRA, 2000:56), caindo para 44 horas no ano de 1999. Um índice ainda maior do que as 42 horas semanais que eram registradas na década de oitenta em países como França, Alemanha e Inglaterra. Trata-se de um índice que leva à reflexão sobre a generalização de que a industrialização representou um aumento de tempo livre. Pierre Naville (1981) colocou em dúvida se, no momento em que o homem teve a possibilidade de se utilizar de novas técnicas no trabalho, existiria efetivamente uma diminuição do tempo do trabalho ou, ao contrário, não estaria havendo um aumento. A sociedade em que vivemos considera o trabalho como um dos seus principais valores e utiliza um tempo para medi-lo. Sendo a vida constituída de uma complexidade de tempos, a partir do momento em que a sociedade utiliza uma determinada medida temporal para controlar sua vida social, o tempo acaba se tornando um dos seus elementos mais importantes. Como preencher esse tempo uma vez que, em aparência, ele se apresenta como inteiramente livre de compromissos, como o do aposentado? Seria ele verdadeiramente livre? Tanto a ruptura como a continuidade ou a substituição de atividades ocupadas no tempo passado são desafios para os novos aposentados. A divisão da vida contemporânea em uma sucessão de tempos, tanto individuais como sociais, acabou despertando especial interesse nos pesquisadores que se dedicam ao estudo da temporalidade e principalmente das relações entre os tempos da vida e as relações do trabalho e não-trabalho. Norbert Elias (1998)60 aborda o sentido do tempo partindo da pergunta inicial de como medir algo que não se pode perceber pelos sentidos. Segundo ele, a maneira como nos utilizamos das palavras dá uma falsa impressão de que o tempo é aquele ‘algo misterioso’ que pode ser representado por alguma coisa que recebeu a contribuição humana, com os relógios e os calendários. O autor nos fala tanto de uma coerção que é exercida “de fora para dentro pela instituição social do tempo num sistema de 60 Ele buscou entender a nossa sociedade a partir do que chamou de ‘processo civilizatório’, que foi estudado a partir da ‘Civilização dos costumes’ (ELIAS, 1990). Baseando-se nos costumes de outras épocas e em sua evolução, o autor faz-nos refletir de que maneira esse processo ocorre, de forma que o processo civilizador individual é uma função do processo civilizatório social. 90 autodisciplina”, como também da “maneira como o processo civilizador contribui para formar os hábitus sociais que são parte integrante de qualquer estrutura de personalidade” (ELIAS, 1998:14). Nos dias atuais nos parece bem claro que o tempo “é um instrumento de orientação indispensável para realizarmos uma multiplicidade de tarefas variadas [...] uma instituição cujo caráter varia conforme o estágio de desenvolvimento atingido pela sociedade” (ELIAS, 1998:15). Estamos aceitando que os idosos e aposentados contemporâneos que vivem nos arredores e nos grandes centros urbanos estão empregando diferentemente o seu tempo de aposentado. Isso ocorre como fruto de uma relação bastante peculiar entre coerção externa e auto-disciplina. Se por um lado o aposentado é impelido a um tempo de engajamento ativo, por outro ele se vê restringido em outras esferas. A enorme internalização das restrições sociais relativas ao tempo é, com efeito, um exemplo paradigmático de um tipo de cerceamento ligado à civilização, que encontramos com freqüência nas sociedades desenvolvidas. Os membros dessas sociedades podem observar em si mesmos essa compulsão a se situarem no tempo, enquanto outras modalidades de autodisciplina ligadas à civilização talvez lhes sejam perceptíveis com menos facilidade (ELIAS, 1998:30). Ao mesmo tempo em que podemos falar de uma suposta liberdade de envelhecer diferentemente, participando da vida associativa dos clubes para idosos dos anos setenta, verificamos como naquele momento eram rígidos os regulamentos que geriam o comportamento dos idosos e aposentados nesses espaços. As atividades propostas e as regras que regem o seu consumo contribuíram para definir uma linha divisória entre atividades consideradas lícitas e ilícitas para a terceira idade. Assim, as saídas diárias, os jogos de cartas, a televisão, a leitura, as tarefas, as fofocas, os lanches (distribuídos diariamente às 16 horas) fazem parte das atividades às quais o clube dá legitimidade. Por outro lado, o regulamento interior dos clubes proíbe fumar, impede qualquer debate político, impõe aos associados uma maneira de se vestir convenientemente – é particularmente proibido o uso de camisola, avental ou mesmo de chinelos. Também são reprimidas quaisquer manifestações barulhentas. Qualquer tipo de venda de trabalhos realizado pelos idosos é também proibido. O que é inculcado a partir do que é considerado lícito ou ilícito é um modelo de vida centrado sobre a sociabilidade e o consumo de lazeres, excluindo-se qualquer outra atividade. 91 [...] o clube torna-se o lugar onde são difundidas e impostas à classe operária idosa as práticas de aposentados da classe média (GUILLEMARD, 1986:206). De maneira semelhante encontramos estruturados os clubes da terceira idade brasileiros, que foram instituídos a partir dos clubes franceses. O Serviço Social do Comércio (Sesc) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA) tinham propostas associativas para idosos e aposentados cuja tônica maior era a de oferecer um espaço de integração social em que os idosos podiam desenvolver o seu lazer. Tomamos como exemplo um desses espaços localizados no município de Niterói, o Grupo de Idosos e Aposentados e Pensionistas de Niterói (IDEAL, 1974), que estava na época ligado ao Programa de Assistência aos Idosos e Excepcionais da LBA. Ele foi implantado em 1974 e em suas finalidades não difere muito da proposta francesa no que toca às atividades propostas61. O clube visa a desenvolver “atividades ligadas a cultura e lazer [...] proporcionando sempre mais congraçamento entre os participantes do grupo e a integração destes na comunidade” (IDEAL, 1974:1). Mas, como os clubes franceses, impunha algumas restrições aos seus associados, como “discutir questões políticas, religiosas, raciais, nacionalidade ou problema de outras agremiações, a não ser em caráter construtivo, [...] provocar discórdia ou perturbar a ordem interna do grupo” (IDEAL, 1974:3), havendo sanções previstas para os infratores. Voltando ao debate entre as posições acerca do tempo, vimos que ele não se concentra entre filósofos e sociólogos; outros campos também têm contribuições bastante importantes e particulares nesse assunto. Pierre Naville (1981) sugere que o sentido mais forte do interesse da sociologia pela questão do tempo está no fato dele ser capaz de agregar e dissolver as relações sociais. Faz parte dos interesses de nossa pesquisa o estudo de um tempo social específico, o chamado tempo livre, em que o lazer, enquanto tempo ativo, acaba sendo quase assimilável ao trabalho, tempo do qual a civilização tem cada vez mais necessidade (NAVILLE, 1981). A ocupação do tempo considerado como livre, fora das obrigações profissionais ou familiares, assume um novo perfil que independe de fatores como idade, gênero, ou se falamos de um trabalhador, de um desempregado ou de um 61 Atualmente, o clube se mantém em um imóvel do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), sendo até hoje bastante concorridos os bailes e os jogos de carta que lá são promovidos. 92 aposentado. Aceitando a pluralidade dos tempos, ao estudar o emprego do tempo na vida quotidiana, Grossin (1974) procurou diferenciar-se das pesquisas fundamentadas unicamente no aspecto quantitativo, do uso do tempo (budget-temps), que segundo ele acabavam sempre deixando a desejar. Sua principal interrogação não passou pelo que normalmente é respondido por aquelas pesquisas sobre os gastos com o tempo, pois elas não trabalham a questão do uso do tempo. Grossin levou em consideração o tempo, não como lugar de fenômenos, mas como seu próprio produto62. O interesse pelo assunto do tempo em sua pesquisa consistiu em saber o que poderia ser verificado na mais simples expressão do tempo; daí ter estudado grupos específicos como dos desempregados e doentes internados em estabelecimentos. Como resultado, pôde afirmar que é na vida social, e mais precisamente nas atividades quotidianas, que se produzem os tempos e lhes são dadas as características que lhes são específicas. Lalive d'Epinay (1988) usou como argumento que são as representações do tempo que formam a identidade do homem atual. Ele analisou as duas temporalidades que identificou como sendo as mais importantes: uma baseada na ‘historicidade’ e outra no ‘ciclo da vida’. Para ele, são elas que vão permitir ao homem contemporâneo se situar em relação a si mesmo e em relação ao seu meio ambiente. A distância entre o que faz a historicidade e o que é dela excluído está nas relações de poder, sendo que “o que vai delimitar dominantes e dominados é traçado ideologicamente pela representação vivenciada da articulação entre a temporalidade da vida individual e a da historicidade” (D’EPINAY, 1988:23). Uma nova velhice num tempo considerado livre Reconhecemos que diante da ausência de convergência conceitual e polissemia dos termos, optamos por usar de maneira indiscriminada ‘tempo livre’, ‘tempo disponível’ ou mesmo ‘tempo liberado do trabalho’. Quando for necessário, estaremos mostrando as diferenças apontadas pelos autores que as utilizam63. Encontramos em alguns autores reflexões acerca do tempo livre e do lazer que podem auxiliar à compreensão do que ocorre na contemporaneidade quando se observa o uso dos tempos sociais dos idosos e aposentados. 62 63 Como expressão temporal das mais simples, ele buscou o exemplo da vida pessoal. Encontraremos até mesmo autores que não distinguem o tempo do lazer do tempo livre. 93 As diferentes gerações nascidas no século XX estão sendo confrontadas com uma profunda modificação no uso de seus tempos sociais. Esses tempos se estruturam cada vez mais e podemos considerá-los como dominantes no que se referem aos demais tempos do indivíduo. Foi a partir da dinâmica social que sua representação veio a ser modificada, tanto por influência dos principais atores, no nosso caso os idosos e aposentados, como das atividades sociais que passaram a ser desenvolvidas nesses tempos. Ao se usarem como exemplos os dados quantitativos das pesquisas sobre o uso do tempo, percebe-se que o tempo fora do trabalho é bastante importante, constituindose de uma complexidade de outros tempos e não podendo ser mais classificado como espaço exclusivo para a recuperação das forças do trabalhador. Tomados pela média, esses estudos acabam ignorando a importância de algumas variáveis que podem ofuscar algumas desigualdades que podem ser melhor entendidas por meio das questões etárias, de gênero ou de classes sociais64. Sem pretender ter a exclusividade, Roger Sue (1991) propôs critérios para analisar o que chamou de decisivas mudanças, que indicam as transformações de um desses tempos que entre outros é abarcado pelo que Dumazedier (1988) chamou de tempo livre. O critério que ele considerou mais simples é o do tempo social quantitativo, medido por meio do budget-temps; o outro, mais complexo, remete a uma avaliação qualitativa do que se vem fazendo nesses tempos65. Deve-se reforçar que necessariamente não existe coincidência entre os tempos sociais qualitativo e quantitativo. Do ponto de vista dos valores, um tempo quantitativamente maior não é ipso facto o tempo qualitativamente mais importante [...] a evolução quantitativa dos tempos sociais é um sinal mais precoce da mudança social. Em todo caso, para ser realmente dominante e estruturante, ou seja, impor uma nova ordem social, um tempo social deve ser considerado tanto pelo ponto de vista qualitativo quanto quantitativo (SUE, 1991:177). 64 Ou ainda como no caso das pesquisas francesas em termos de CSPs. Na sua análise, ele apontou também como critério o tempo como categoria do pensamento e o que consideraria esse tempo social como sendo dominante, “um tempo que impõe uma representação” (SUE, 1991:178). 65 94 Em 1888, Paul Lafargue (2000) escreveu um panfleto em que, levando em consideração o tempo em que foi escrito, antevia as sociedades de consumo e a sociedade de mais tempo livre. Apesar de certa dose de ironia, e mesmo com algumas incoerências que podem ser observadas, é, segundo muitos autores, uma das primeiras sistematizações sobre o lazer pós-industrial, sugerindo “uma relação antagônica entre lazer e trabalho” (WERNECK, 2000:54). Uma de suas recomendações era de que os trabalhadores não deveriam trabalhar mais do que três horas por dia. Ele advertia que as propostas de se diminuir o tempo do trabalho, como vinham sendo discutidas naquele momento, se fundamentavam na lógica capitalista de exploração do trabalhador Segundo os próprios industriais, após a adoção da medida, por mais que à primeira vista aparentasse ser onerosa, teria como conseqüência lógica não uma diminuição da produção, mas sim um aumento da produção média das empresas66. Frederic Munné (1992) fez uma revisão sobre a maneira como eram abordados o tempo livre e o lazer a partir da construção dos conceitos e sua relação com o tempo do trabalho. O autor assumiu duas divisões em sua análise: a concepção ‘burguesa’ e a concepção ‘marxista’. A partir desse reconhecimento discutiram-se algumas contradições “em torno do entendimento do lazer, permitindo estabelecer uma crítica acerca de seu significado social, parâmetro fundamental a ser considerado na articulação de objetivos e estratégias de atuação” (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:11). Como direito social, o aumento do tempo do lazer resultou da luta pela conquista de mais tempo livre em momentos de tensões sociais que acabaram por modificar as regras estabelecidas entre empregadores e empregados. Atualmente a diminuição do tempo de trabalho ganha um novo perfil, já se cogitando falar na Europa de uma semana de 32 horas ou 35 horas, semanas de quatro dias, como fórmulas para contornar o problema do desemprego. No Brasil, já se cogitou diminuir quatro horas das 44 horas semanais. Esse tipo de solução, como qualquer outro novo regime temporal, permite aos trabalhadores se manterem ainda inseridos no mundo do trabalho, e ao mesmo tempo sugere um aumento do seu tempo livre. O tempo livre que num momento foi considerado como tempo residual passou a ser encarado como elemento bastante importante na organização do emprego do tempo em geral. 66 A redução do tempo de trabalho foi entendida como uma ardilosa estratégia dos industriais, que em nome da manutenção da exploração capitalista, propunham a diminuição do tempo de trabalho. 95 Segundo Nicole Samuel (1984), só a partir da década de 1960 é que a repartição do tempo livre, como também a emergência dos valores a ele ligados, começou a ser melhor compreendida. Esse tempo vem sendo considerado como um tempo que não tem nenhum tipo de imposição, seja de ordem familiar ou social, o que na verdade torna-se bastante questionável quando observamos, por exemplo, as análises dos teóricos críticos sobre o tempo livre que foram apresentadas por Munné (1992:33). “Os mecanismos que governam o homem no lazer seriam os mesmos que o dominam no trabalho”. O lazer seria então a continuação da lógica do trabalho agora por outros meios. A ‘indústria cultural’, trabalhada por Adorno e abordada por Munné, escravizaria o homem com muito mais sutileza do que outros meios de dominação, como por exemplo o trabalho. Os seguidores do que se vem chamando de teoria crítica postulam que o tempo livre como se apresenta em suas análises, tal como o trabalho, é um “tempo manipulado e instrumento de integração” (MUNNÉ, 1992:35). Sem ser considerado tanto de esquerda como outros autores oriundos da Escola de Frankfurt67, Eric Fromm, em sua linha de pensamento, argumenta que “o modo de produção industrial, comum tanto no capitalismo como no marxismo, provoca uma alienação que afeta também o tempo livre. A diversão se converteu numa indústria a mais em que o cliente compra seu prazer” (MUNNÉ, 1992:35). Entre as classificações do tempo livre existe uma variedade de atividades: o lazer é o essencial, seguido pelas atividades de participação social, como a vida associativa e a vida religiosa. Joffre Dumazedier (1962, 1974, 1979) foi um autor que dedicou em suas pesquisas análise de pontos que levando em consideração o momento em que foram escritos, fizeram avançar as reflexões teóricas do lazer e do tempo livre. Algumas das análises sobre o lazer o apresentaram do ponto de vista de sua funcionalidade; segundo Dumazedier, envolveria o conjunto de ocupações destinadas ao repouso, diversão ou enriquecimento de conhecimentos. Num primeiro momento, o lazer moderno foi considerado como produto das sociedades tecnológicas avançadas; no entanto, com o tempo pode-se perceber que, enquanto fenômeno social, ele está 67 Não é preocupação dos teóricos dessa linha a construção de novos conceitos; observa-se neles muito mais a desconstrução de determinados conceitos. “É uma constante denúncia das estruturas nascidas sobre qualquer tipo de ideologia autoritária e do progresso tecnológico dirigido ao consumo de massas” (MUNNÉ, 1992:35). 96 presente também nas zonas urbanas de países ainda não desenvolvidos (DUMAZEDIER, 1988). Acrescenta-se também, como possibilidade de uso do tempo dedicado ao lazer, o seu poder de influir nas relações sociais, sendo um tempo de expressão social do indivíduo ou de um grupo. Anos depois de sua primeira teorização sobre as funções do lazer, Joffre Dumazedier (1974) ainda abordava as três principais caracterísiticas funcionais, agora denominadas ‘os 3 Ds’: desenvolvimento, divertimento e descanso. Nesse seu trabalho, num primeiro momento foi apresentada a diversidade de relações entre lazer e sociedade a partir de uma preocupação reflexiva com relação ao problema, ou seja, antes mesmo da ação, deve-se relacionar o lazer frente a evolução social de nosso tempo. O tempo dedicado ao trabalho é apontado como um dos fatores que possibilitaram um maior tempo livre, de forma que a partir de sua crescente diminuição, esse tempo pode passar a ser mais consagrado aos lazeres. Fica claro que, além de ser considerado como uma necessidade, o lazer é também uma nova moral, sendo um comportamento decorrente da urbanização e do fenômeno da industrialização. E mais, que o seu crescimento é desigual, tendo características próprias segundo a classe social, de maneira que haverá maiores ou menores possibilidades de acesso segundo a origem do indivíduo. Porém, a maior ênfase dada pelo autor é para o fato de que uma cultura popular se impõe ‘como necessidade e valor’, que acaba influenciando a escolha do lazer. Dumazedier, ao procurar definir o que viria a ser o lazer, listou algumas atividades que a ele se oporiam, e logo adverte do perigo de defini-lo como oposição pura e simples ao trabalho. Fundamentando-se em suas funções, sugeriu que o lazer fosse considerado como um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrearse, entreter-se ou ainda para desenvolver suas informações ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais familiares e sociais (DUMAZEDIER, 1974:34). O lazer, portanto, dependente das ‘forças sociais do momento’, sendo apresentado por três determinantes sociais consideradas como fundamentais – evolução técnica, as persistências tradicionais e a organização socioeconômica – que foram 97 analisados isoladamente por Dumazedier. A primeira não foi estudada como algo linear no tempo, pois, certamente, as tradições impõem certas resistências. O segundo determinante levou em consideração tradições relacionadas à cultura, a diferenciação campo e cidade, como também as resistências interpaíses. Finalmente, o terceiro determinismo partiu da premissa de que as atividades do lazer custam dinheiro, sendo portanto preteridas e hierarquizadas, em relação as necessidades básicas. Qualquer participação ativa na vida cultural pode se constituir enquanto atividade de lazer e promover o desenvolvimento do indivíduo. Porém o autor reconhece que essa última característica, acaba ficando comprometida em proveito das funções como divertimento, recreação e entretenimento, as quais são muito bem aproveitadas pela ‘indústria cultural’. Anos depois, em 1988, Dumazedier se aprofundou na questão específica do tempo livre, publicando o livro a ‘Revolução Cultural do tempo livre, 1968-1988’. Nele, a partir de dados empíricos, demonstrou-se como o tempo livre não parou de aumentar, da mesma forma que o tempo dedicado ao lazer68. Tomando a França como exemplo, no período compreendido entre os anos 1975 e 1985, houve um considerável aumento do que estamos chamando de tempo livre69, fato que foi considerado bastante significativo, pois pela primeira vez pode-se contabilizar, em relação ao tempo de trabalho profissional, a existência de mais tempo livre. No período compreendido entre os anos 1975 a 1985, o tempo de dedicação ao trabalho teria diminuído em média três horas. Diz o autor que quando a intensidade das imposições relacionadas ao tempo de trabalho diminui, verifica-se uma liberação em direção a um modo de vida cada vez mais social. 68 Segundo Dumazedier, ele aumentou, mesmo considerando que ainda é desigual em sua distribuição quando se trabalha com classes sociais diferentes ou mesmo quando analisado com base nos tempos de formação, do trabalho e da aposentadoria. 69 Segundo dados publicados pelo INSEE em 1984. 98 As atividades de lazer, e principalmente as destinadas aos aposentados, quase sempre são relegadas a segundo plano, privilegiando-se outros tipos de abordagem que mantêm à margem os principais interessados. Daí, em muitos casos, a qualidade do que é oferecido carece de maior preocupação. Ao se propor qualquer coisa para os idosos, sem sua participação na elaboração, demonstra-se que o mais importante é fazê-los ficar um pouco mais ocupados, evitando-se assim maiores custos sociais e econômicos com o envelhecimento. Tentando responder ao questionamento sobre o que os aposentados da sociedade francesa fornecem e o quanto custam à vida econômica, social e cultural, Dumazedier (1990) apresentou uma resposta que pode ser transposta para a situação brasileira. Segundo ele, essa questão é freqüentemente reduzida à questão das despesas com os regimes de aposentadoria, que atualmente vêm sendo apresentadas como inviáveis, já que estariam se tornando insuportáveis diante dos recursos econômicos destinados à aposentadoria. Ele argumenta que, na busca de soluções econômicas, esquece-se com muita freqüência das aspirações majoritárias dos próprios aposentados [...] ao invés de interrogá-los sobre as diversas maneiras de se pagarem os custos necessários para o seu modo de vida preferido, nenhuma solicitação é feita à sua opinião. As soluções são elaboradas pelos que entendem de economia ou pelos sociólogos, que, sob uma máscara de bom-senso econômico ou de grandes idéias sobre as gerações, deixam passar como se fossem contrabando as concepções anacrônicas das relações do trabalho e do tempo livre entre as gerações (DUMAZEDIER, 1990:21). Observamos que existe uma corrente de pensamento que se interessa pelos estudos sobre o tempo fora do trabalho, mas que só o aceita como dependente de uma teoria do trabalho; por esse motivo, seria impossível formular uma teoria do tempo livre. Essa posição recebeu uma crítica de Dumazedier (1988), que a considerou dogmática e algumas vezes bastante redutora. Os que defendem a posição contrária a Dumazedier afirmam a primazia do trabalho frente ao tempo livre na vida quotidiana, de maneira que o último seria apenas um complemento do primeiro. 99 Marie Charlotte Busch (1975) procurou interpretar sociologicamente o tempo livre. Utilizou inicialmente, como argumento, a evidência de alguns signos que poderiam indicar a existência do tempo livre, mas logo considerou que existiam dificuldades em tratar o assunto pelo ponto de vista sociológico. Partindo de uma análise conceitual do tempo livre, procurou interpretar as três funções que lhe são pertinentes: compensação, recompensa e substituição. Segundo ela, uma sociologia do tempo livre não dispõe de sistema conceitual que permita elaborar um sistema explicativo. Segundo as hipóteses trabalhadas, uma sociologia do tempo livre é dependente de uma sociologia geral, de uma sociologia específica, e mesmo de outras ciências. As análises de Busch, em nome do determinismo sociológico, consideraram difícil estabelecer uma definição do tempo livre. No nível micro-sociológico, ele poderia ser considerado como uma parte da sociologia da vida quotidiana, proposição considerada como limitação, que impede a percepção da interdependência do tempo livre em relação aos tempos sociais ou engajados. Uma outra objeção está em que essas proposições têm como princípio básico que o tempo livre não é criador de valores, o que é terminantemente recusado por Dumazedier. Segundo este último, podemos falar que os valores do tempo livre provocam nos indivíduos modificações em relação a si mesmo, aos outros e também à natureza. Quando o tempo livre é capaz de exprimir novos valores, agindo sobre o sistema social, ele pode ser considerado como um tempo social. Sendo assim, para Dumazedier, admite-se o princípio de que as gerações dos trabalhadores após os anos 70 passaram a ver o trabalho como uma atividade qualquer, ao passo que no tempo livre eles estariam principalmente valorizando positivamente o tempo destinado ao lazer. Quando se observou a influência recíproca do trabalho sobre a vida quotidiana e os tempos sociais, foi dado um passo decisivo, aproximando a sociologia do trabalho aos estudos do tempo livre e dos lazeres. Há então uma mudança de sentido – o trabalho não era mais considerado como ‘sagrado’, e, quando se falou de diferentes tempos sociais na vida quotidiana, mostrou-se que o tempo do trabalho e o tempo fora do trabalho não se opõem. A expansão das atividades do tempo livre, com suas fórmulas múltiplas, obrigou a revisão profunda não somente do sentido do trabalho mas também daqueles relacionados a todos os tempos socialmente impostos e engajados (DUMAZEDIER, 1982). 100 O lazer como direito social é uma fonte de modificações das relações sociais que não se limitam exclusivamente ao tempo livre; ele acaba influenciando toda a vida social. No caso dos idosos, que hoje param de trabalhar em melhores condições de saúde, com uma esperança de vida sem trabalho mais longa, os novos aposentados são induzidos a empregar esse tempo de forma bastante diferenciada. São as atividades de lazer ou de semi-lazer70 que vão dominar o tempo livre dos idosos da nossa época (DUMAZEDIER, 1988). Contudo, devemos estar atentos para que o discurso do tempo livre dos idosos não dê a falsa impressão de que em nossa época não existiria mais qualquer tipo de tensões, distinções sociais, e que todos pertenceriam a uma mesma categoria social, os aposentados, aos quais tudo seria possível e permitido de maneira abrangente. Outra análise interessante sobre o lazer foi feita por Stanley Parker (1978), que também pontuou as funções do lazer: o repouso foi visto como a ‘recuperação das tensões cotidianas’, o passatempo como, ‘um antídoto contra o tédio’, e finalmente, em sua terceira função, seria estimulado “o desenvolvimento da personalidade” (PARKER, 1978:22). O autor apontou ainda algumas questões formuladas por Kaplan que nos parecem importantes para se conhecer o lazer enquanto comportamento humano. Uma delas estaria diretamente relacionada com a discussão que estamos pretendendo estabelecer acerca dos significados do associativismo; trata-se da indagação sobre se no tempo de lazer as relações estabelecidas entre as pessoas podem ser vistas como produtoras de valores71. Dessa categoria emergem em sua análise duas subcategorias, como a sociabilidade e a associação, fundamentais na compreensão dos motivos que fazem pessoas idosas não mais aceitarem a aposentadoria como um período para repouso, tranqüilidade, reflexão, resignação e espera da morte. Os lazeres, os trabalhos domésticos, a vida familiar e a saúde são os pólos que organizam, limitam e influenciam o tempo livre das pessoas idosas. Os lazeres, longe de serem vividos pelos idosos “como uma generosidade ou uma assistência culpabilizante [...], são percebidos como merecedores de uma recompensa prevista num contrato de trabalho” (DUMAZEDIER, 1988:263). 70 Para saber mais sobre esse conceito, consultar Dumazedier (1974). O que é fortemente defendido nos trabalhos de Joffre Dumazedier. Ver, por exemplo, seu livro A revolução cultural do tempo livre (1988). 71 101 Hugo Lovisolo (2000 a) também apresenta a questão do tédio ao analisar o ‘espetáculo competitivo’ e o ‘espetáculo esportivo’, abordando a indústria do lazer como capaz de superar o tédio das pessoas, e aqui a trazemos para refletir sobre o que se passa com o lazer dos idosos, que vem sendo cada vez mais um novo campo de consumo. É a linguagem do lazer ligada à visão economicista e utilitária servindo para diminuir o tédio, que viria a ser resultante de uma “fadiga provocada pelo desenfreado e estafante desejo da produção e do lucro. Hoje, não raro, os argumentos utilitaristas são repetidos em relação ao estresse, ocupando este o lugar da fadiga” (LOVISOLO, 2000 a:17). A opção de não fazer nada de certos aposentados os condenaria a uma vida tediosa – vão dizer os que entendem de velhos, impondo a moral ativista. Para combater esse tédio, impor-se-ia uma nova lógica para envelhecer, presente na ocupação do tempo livre dos mais jovens aposentados com as mais diversas atividades. Esse discurso acompanha o princípio do envelhecer saudavelmente, segundo o qual, uma vez que o lazer é bastante importante para a manutenção da saúde, ele contribuiria para a qualidade de vida. Saúde, bem-estar, qualidade de vida e longevidade tornam-se valores a serem perseguidos, assim como campo de investimentos econômicos, intelectuais e simbólicos [...]. O mercado gera, cada vez mais, produtos e serviços para os velhos: casas residenciais ou de repouso, engenhos tecnológicos adequados a suas demandas, alimentos, transporte, lazer, educação, enfim, tudo aquilo que, supõe-se, melhora a qualidade de vida dos velhos. Os especialistas, por sua vez, geram intervenções sobre a fisiologia, a atividade corporal, o estilo de vida e a sociabilidade dos velhos (LOVISOLO, 1997:10). Para o autor, o tempo do lazer seria um tempo antitédio, o que introduz em nossa discussão o tipo produtivo e o improdutivo de lazer, que faz parte da ‘discussão moral do lazer’. Isso fica claro quando se critica o lazer do tipo improdutivo72 – quando ele diverte, entretém, faz passar o tempo de modo agradável, enfim, quando realiza uma mera função antitédio. Lovisolo argumenta que: 72 No caso, o autor estava falando da televisão. 102 o lazer não seria um bem de valor unívoco, positivo ou negativo; adquiriria um ou outro valor em função do tipo de lazer e das circunstâncias nas quais ocorresse e, muito especialmente, dos valores sociais ou objetivos sociais que pudesse promover [...]. A valorização do lazer não ficou imune, portanto, à linguagem econômica e moral. Como o trabalho, o lazer passou a ser qualificado: lazer produtivo versus lazer improdutivo; lazer moral versus lazer imoral. Contudo, o lazer ganhou seu direito de existir e tornou-se um bem social (LOVISOLO, 2000 a:19-20). O estudo do lazer no tempo considerado livre já foi considerado a partir de sua importância enquanto tempo social, ganhando uma abordagem diferenciada quando se coloca a questão da ‘busca por uma excitação’ (ELIAS, DUNNING, 1994, 1992). Os autores discutiram a questão do lazer e do tempo livre e diversos argumentos foram apontados no sentido de diminuir as dificuldades conceituais sobre os termos. O tempo livre equivaleria ao tempo que é livre de todo trabalho profissional e mais uma vez é lembrado que, em nossa sociedade, só uma parte desse tempo é consagrada aos lazeres. Os autores propuseram uma tipologia, denominada ‘espectro do tempo livre’, que foi assim baseado: a) nas rotinas que incluíram entre outras as necessidades biológicas e cuidados com o corpo; a administração do lar e as rotinas familiares; b) atividades que servem à auto-satisfação, a formação e ao desenvolvimento pessoal, incluindo também o que se chamou ‘trabalho particular’, que considera as atividades não-profissionais de caráter voluntário; as atividades religiosas; as de caráter formativo, mas menos controladas socialmente e realizadas esporadicamente; c) as atividades de lazer, desde as atividades de sociabilidade, quando há participação mais formal, seja em festividades diversas, seja as de ‘lazer comunitário’, que poderiam ser exemplificadas com a ida a um bar ou as conversas mais banais; as atividades miméticas. Este termo usado pelos autores tem 103 características estruturais: despertam emoções de um tipo específico que estão intimamente relacionadas de uma forma específica, diferente, com aquelas que as pessoas experimentam no decurso de sua vida ordinária de não-lazer [...]. No contexto mimético, a excitação agradável pode demonstrar-se por meio da aprovação dos amigos e da própria consciência, desde que não exceda certos limites (ELIAS, DUNNING, 1994:183-184). As atividades miméticas com um acentuado grau de organização, na maior parte possibilitam a desrotinização e o “alívio das restrições, por meio de movimento do corpo” (ELIAS, DUNNING, 1994:148-149) – como espectador de atividades miméticas com certo grau de organização; como participante das atividades miméticas que não tenham grande grau de organização; uma ‘miscelânea’ de atividades que tenham forte característica de quebra da rotina, variando desde uma pequena viagem realizadas nos finais de semana a pequenos cuidados com o corpo. O espectro do tempo livre é um quadro de classificação que indica os principais tipos de atividades de tempo livre nas nossas sociedades. Com o seu auxílio, podem observar-se rapidamente fatos que estão, com freqüência, obscurecidos pela tendência a equacionar o tempo livre com atividade de lazer: algumas atividades de tempo livre têm o caráter de trabalho, ainda que constituam um tipo que se pode distinguir do trabalho profissional; algumas das atividades de tempo livre, mas de modo algum todas, são voluntárias; nem todas são agradáveis e algumas são altamente rotineiras. As características especiais das atividades de lazer só podem ser compreendidas se forem consideradas, não apenas em relação ao trabalho profissional, mas, também, em relação às várias atividades de não-lazer no quadro de tempo livre. Dessa maneira, o espectro do tempo livre contribui para dar maior precisão ao problema do lazer. A preocupação com a qualidade desse tempo livre acabou influindo no modo de vida das pessoas, gerando modificações que exercem influências sobre as novas atividades em que elas vão se engajar e na maneira como passam a se relacionar socialmente. No caso do lazer, a sociabilidade pode ser considerada como elemento básico, estando presente na maioria das atividades. Segundo Dumazedier (1988), estaria em curso uma revolução do tempo livre, avançando cada vez mais para cada geração, em nossa vida quotidiana, mesmo considerando-se que seu desenvolvimento ainda não tenha sido totalmente reconhecido. Com relação aos idosos, o tempo livre na aposentadoria se produz nos limites das 104 obrigações domésticas e familiares, que envolvem o lar, os netos. Para evitar qualquer confusão que ainda perdure entre o significado de lazer e de tempo livre, o autor afirma que nem todas as atividades do tempo livre são lazeres, mas todas as atividades de lazer são realizadas no tempo livre. Pablo Waichman (1997:29-37) levantou uma discussão sobre o uso do termo ‘tempo livre’ em diversas épocas e contextos sociais, procurando trabalhar também a questão da liberdade e sua relação com o trabalho. Nesse sentido, sua posição é de que o trabalho, ao ser realizado enquanto necessidade, não poderia ser considerado livre. O tempo do não-trabalho, visto que deve anular os efeitos nocivos do trabalho (cansaço e tédio), também não seria livre. O tempo livre será livre quando não for uma necessidade [...] tempo livre não é um dado, é uma construção tanto individual como social. O autor busca fazer uma aproximação entre lazer73 e tempo livre e usando diversas passagens do livro de Frederic Munné, procurou caracterizar as posições contemporâneas, seja pelo contexto liberal, seja pelo marxista, sobre o lazer. Sendo que os do primeiro grupo teriam em comum: subjetivismo, individualismo e liberalismo, lembra que em muitos casos a temporalidade acaba sendo esquecida. Na concepção marxista, o ‘tempo livre’ assume maior importância, sendo mais utilizado do que o ‘lazer’, face sua possibilidade de vir a beneficiar a sociedade. Por meio de uma diversidade de práticas, [...] acredita-se que a finalidade do progresso social seja liberar o homem do trabalho e também despojar o trabalho de seu caráter de necessidade. E quanto mais bem utilizado for esse tempo, maior será a produtividade no trabalho, que, por sua vez, produzirá mais tempo livre (WAICHMAN, 1977:64). Werneck (2000) ao trabalhar com questões consideradas mais contemporâneas sobre lazer e tempo livre, analisou uma especificidade do caso brasileiro, apontando para a ambigüidade das relações entre lazer e recreação. Em seus estudos, a relação entre modernidade e desenvolvimento do capitalismo foi considerada fundamental para 73 Na verdade, ele se refere, na versão portuguesa de seu livro, ao ócio, que corresponderia, na língua espanhola, ao sentido que é dado ao lazer na França e no Brasil. 105 auxiliar a compreensão do lazer, suas relações com o trabalho e a educação em nossa sociedade de hoje. Ao se considerar a necessidade de medir o tempo, percebe-se mais facilmente a existência de um tempo livre, mas que em alguns casos sua apropriação pode ser usada com outras finalidades, tornando-se, no caso do lazer, um mero produto a ser consumido. O desafio a ser enfrentando é no sentido de se repensar o lazer como alternativa cultural, capaz de vir a ser concretizada pela democratização de seu acesso, direito social que veio se constituindo no decorrer da história da humanidade. Ela alerta para a possibilidade de se cair numa armadilha: seria um erro compreender o lazer unicamente a partir das suas atividades, pois assim se estaria restringindo-o só ao campo da diversão, modelo que privilegia o ‘processo de reprodução cultural’, que se fundamenta na ‘prática pela simples prática’, que ingenuamente trabalha valores que ajudam a manter a ordem social. A associação entre lazer e recreação ainda é capaz de gerar muitas dúvidas, havendo uma diversidade de interpretações que vão desde a concepção de que recreação seria ação, enquanto lazer seria expressão de cultura; ou ainda a de que ambos são espaços privilegiados para a vivência do lúdico, sendo então caracterizados sem nenhuma diferenciação. Ao fazer uma revisão sobre essas questões, a autora sustenta que a recreação se apresenta como algo que vai além da ação: trata-se de um ‘movimento de disciplinirização das massas’, utilizado eficazmente pelas classes dirigentes em determinados momentos históricos, e até mesmo no âmbito da educação escolar. A recreação em grande parte das vezes ainda reproduz “os mesmos valores tradicionais de ajustamento e conformação social” (WERNECK, 2000:119), tal como era no início do século XX. Diante do entendimento de que existe uma diversidade de características próprias ao estudo do lazer, segundo Nelson Marcellino (1983) ele deve ser refletido a partir de suas possibilidades multidisciplinares, devendo ser redimensionado pelo ‘ponto de vista histórico-social’, a partir do qual as lutas empreendidas por esse direito estão enraizadas também na categoria tempo. Marcellino considerou o conceito de ‘tempo livre’ como ‘simplista’74, já que nas relações sociais nenhum tempo poderia estar a salvo 74 De maneira semelhante, Ademir Gebara (1997) também sugere falar em ‘tempo disponível’ ou ‘conquistado’, argumentando que não estariam em oposição o tempo de trabalho e o tempo disponível. Sua opção justifica-se pela apropriação mercantilista do tempo livre, que pressupõe certa tensão entre este e o tempo disponível. 106 de ‘coações ou de normas de conduta’, e sugere que deveríamos falar em ‘tempo disponível’. Seus principais pontos de vista se constituíram no momento em que surgiu uma nova visão do lazer no Brasil, fundamentando-se em três alicerces principais: ‘tempo, espaço e ação cultural’. O autor fez ainda uma leitura crítica ao modelo produtivista, em que é dada uma valorização exacerbada ao que é gerado como bem de consumo. O homem contemporâneo, vivendo a partir de uma ‘funcionalidade imediata’, acaba por distanciar-se tanto do contato com os outros como com a natureza. Como outros trata do lazer enquanto fenômeno social decorrente da industrialização; resultado das reivindicações dos trabalhadores que proporcionaram maior ‘tempo liberado’, acabou se estendendo à sociedade. Alerta para o fato de que o senso comum acaba por contrapor lazer ao trabalho, recebendo o primeiro forte influência de uma ‘moral do trabalho’. Estudar o lazer como um estilo de vida ou supô-lo a partir de sua dependência de um tempo liberado de obrigações diversas fazem parte das interpretações do sentido do lazer. Como tendência atual é apontada a aproximação dos dois modelos, advertindo que uma visão ‘funcionalista’ reduz o sentido do lazer. Ao não concordar com essa concepção, deixa claro sua “adesão ao conceito de lazer que considera as variáveis tempo e atitude e enfatiza a qualidade das ocupações” (MARCELLINO, 1983:28). Apesar de se reconhecer a necessidade de se ter certa cautela com relação ao uso de determinadas tipologias, tem sido comum adotar-se o que foi anteriormente elaborado por Dumazedier para distinguir os interesses verificados no lazer, que viriam a ser: físicos, práticos ou manuais, artísticos, intelectuais e sociais. Mesmo sendo de grande utilidade e interesse, não devemos tomar tal classificação de forma rígida, até porque os interesses humanos não se encontram estaticamente divididos. O indivíduo pode procurar determinada atividade com os mais diversos desejos conjugados, além de não necessariamente o fazer com plena consciência. Quando alguém busca a prática de um esporte, não pensa: ‘Hoje eu quero mobilizar meu interesse físico’. Ele o faz porque se interessa pelo jogo em si, mas também gosta do bate-papo no bar, comum após o jogo, que é, na verdade, um interesse social. Aliás, muitas vezes a cerveja depois do futebol é o principal estimulante, sendo o jogo quase um argumento para a atividade subseqüente (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:40). Para Marcelinno (1983:41), haveria uma distinção entre os interesses estabelecidos por Dumazedier, que devem ser analisados em termos “de predominância 107 e respeitando as escolhas subjetivas, aliás, evidenciando uma das características das atividades do lazer, ou seja, a escolha individual”. Ainda que para haver uma escolha consciente seja necessário haver uma sensibilização dos gostos, não se pode deixar de falar que alguns outros fatores também são capazes de se apresentar como inibidores, verdadeiras ‘barreiras’ que podem ser de ordem econômica, de gênero, sociais ou mesmo geracionais, entre outras. Quando ligado a uma evolução do nível de vida, como renda, instrução, o aumento do tempo livre permite a determinadas camadas da sociedade engajamentos sociais que anteriormente não lhes eram possíveis. Melo e Alves Junior (2003:29), além de abordarem a questão do lazer enquanto fenômeno moderno, surgido com a artificialização do tempo do trabalho que se desenvolveu a partir da ‘revolução industrial’, falam também da constituição do lazer como resistência à tentativa de controle das diversões da classe trabalhadora por parte das classes dominantes, como resultado das tensões existentes entre elas. As diversões eram entendidas como perigosas e perniciosas já que, além de se oporem à lógica de trabalho árduo, eram uma forma de manutenção dos antigos estilos de vida, que tanto incomodavam os que preconizavam uma nova ordenação. Sem falar que era nos tempos de lazer que os trabalhadores se reuniam, tomavam consciência de sua situação de opressão e entabulavam estratégias de luta e resistência. A resistência popular a essa dominação se deu de maneira tão forte que influenciou as intenções da classe dominante, que necessitaram reorientar seus projetos iniciais. Isso mostrou o quanto é impossível pensar no lazer como um “fenômeno pacífico, inocente, ingênuo, dissociado de outros momentos da vida” (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:10). Entram em jogo, nesse processo, múltiplas articulações, que produzem “uma verdadeira dinâmica de inter-influências, de circularidade cultural: se os dominantes influenciam os parâmetros de vida dos dominados, estes últimos também exercem influência sobre os princípios dos primeiros”. 108 Para os autores, o lazer enquanto fenômeno moderno é gerado a partir de uma clara tensão entre as classes sociais e a partir de uma ocorrência contínua e complexa de controle/resistência, adequação/subversão. Estamos falando de um conjunto de ações traçadas e implementadas no grande palco de lutas das organizações sociais. Devemos estar atentos para compreender a articulação entre política, economia e cultura no âmbito do lazer, o que não significa submetê-lo a qualquer desses ordenamentos: existe uma especificidade desse fenômeno que deve ser compreendida, inclusive para melhor balizar nossas propostas de intervenção. O que ocorre no tempo do lazer não pode ser unicamente entendido pelas influências econômicas, mas é evidente que elas existem; ele não pode ser considerado como momento de pura alienação, pois tanto essa alienação pode existir como pode haver algum tipo de resistência. Para considerar o que vem a ser o lazer, poderíamos falar que: a) o lazer se configura enquanto um campo acadêmico, tendo uma longa tradição de estudos e pesquisas, embora ainda careça de completo reconhecimento no âmbito das universidades; a temática se caracteriza pelo caráter multidisciplinar; b) o lazer deve ser encarado enquanto um fenômeno social moderno, constituído no âmbito das tensões entre as classes sociais; é uma necessidade social e motivo de intervenção de políticas públicas; mesmo sendo uma preocupação recente e ainda recebendo menor atenção, existe uma clara tendência de crescimento de ações governamentais; c) o lazer se configura como um relativamente recente, mas fértil e promissor campo de negócios; é um mercado de consumo ainda não completamente definido e com grandes lacunas a serem preenchidas (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:22) Acreditamos que, independente do motivo que leva alguém a ter uma atividade em seu tempo disponível, escolhendo autonomamente, sem qualquer caráter obrigatório, mas movido pela busca do prazer, nem sempre isso pode ser alcançado (MELO, ALVES JUNIOR, 2003) e nem sempre essa escolha é tão livre assim. Embora reconhecendo que existam diversas maneiras de se conceituar o lazer, estamos aceitando que a conjunção do prazer com a categoria tempo dê indicativos ao significado do lazer, que, como sabemos, é de suma importante na desrotinização da vida atribulada do homem moderno. 109 Em Melo e Alves Junior (2003) verificamos a importância de se considerar a importância do campo da cultura para compreender e vir a definir satisfatoriamente o fenômeno social que é o lazer. O lazer não deve ser desconsiderado, frente ao trabalho, como algo de menor importância ou mesmo reduzido a uma simples atividade recreativa, que tem fim em si mesma. Não se pode negar que ele é também um excelente nicho de mercado, movimentando muitos negócios, possibilitando, a cada dia que passa, novos postos de trabalho nos empreendimentos realizados para essa necessidade. Mas é fundamental entender o lazer a partir da sua relação com a cultura. As atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido mais amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e manifestações; as atividades de lazer podem ser efetuadas no tempo livre das obrigações, profissionais, domésticas, religiosas, e das necessidades físicas... (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:32). Parece-nos que a ocupação do tempo, o entretenimento e o divertimento estão presentes nos objetivos da maioria das associações de idosos que se criaram, incentivadas pelas políticas públicas. Essas características têm seu fim na própria atividade e, na maioria das vezes, não levam a maiores reflexões por parte dos que nela se engajam, que na verdade acabam se satisfazendo em ‘estar no meio dos outros’, o que é também um direito e certamente um dos interesses do lazer, porém vislumbramos outras possibilidades advindas do aspecto educativo que esta prática pode assumir, sendo intencionalmente consideradas quando falamos em educar pelo lazer e para o lazer. Parece-nos que ganha importância a reflexão de que devemos redimensionar a ótica do lazer, que seja diferente daquela que o percebe a partir dos interesses dos que detêm o poder. Assim, entre as possibilidades que contribuem no processo de intervenção educacional, estão: a busca de encontrar novas formas de encarar a realidade social, direta ou indiretamente oferecidas pelo acesso a novas linguagens culturais; a percepção da necessidade de equilíbrio entre consumo e participação direta nos momentos de lazer; a recuperação de bens culturais destruídos ou em processo de degradação em resultado da ação da indústria cultural; e a própria humanização do indivíduo, que passa a se entender como agente, e não somente como paciente, do processo social (MELO, ALVES JUNIOR, 2003:52). . 110 Mas é claro que, no modelo de sociedade em que vivemos, a lógica do consumo, que visa à possibilidade de fazer circular e captar os recursos dos idosos e aposentados, é uma realidade. No entanto, não se pode ignorar a importância do desenvolvimento do lazer fora do contexto da ‘indústria cultural’. Nesse sentido, devese buscar atuar sempre que possível com as necessidades dos idosos e aposentados, respeitando sua própria cultura, o que nem sempre é contemplado nas propostas que só visam o lucro. Poujol (1990), analisando o associativismo dos aposentados, mesmo não discutindo a diferença entre o sentido do lazer enquanto manifestação cultural e o que viria a ser o divertimento e o entretenimento, declara que a maior parte das associações de lazer não têm como finalidade o simples divertimento, uma vez que ele está garantido em grande parte pelo setor comercial com fins lucrativos. A organização do lazer sob a forma associativa comporta na maioria das vezes um componente educativo, ideológico ou espiritual (POUJOL, 1990:102). Enquanto mercado profissional que cada vez mais se avizinha dos interesses de todos os campos do consumo75, são bastante marcantes essas novas oportunidades, sejam elas no campo do lazer ou nas diversas associações específicas para idosos e aposentados. Na França se fala da possibilidade do setor associativo ser capaz de gerar mais de 700 mil empregos, dando-se como exemplo os gerados nos movimentos educativos e esportivos, nas atividades culturais, ou nos equipamentos de turismo. Em grande parte dos casos, embora não sem conflitos, parece que a mão-oculta concilia, mais ou menos adequadamente, bons negócios com boas intenções, em que economia e moral podem combinar-se na oferta dirigida aos velhos. O jovem que vive de prestar serviços aos velhos para que concorram a espetáculos, festas e passeios sente que realiza uma boa ação e pode contabilizar ganhos satisfatórios. O especialista em radicais livres passa por sentimentos semelhantes (LOVISOLO, 1997:1011). 75 Afinal, são promissoras as possibilidades de se ter como consumidores em potencial no Brasil um quantitativo em franco crescimento que hoje já conta com mais de 14 milhões, e na França, mais de 12 milhões de pessoas com mais de sessenta anos. 111 Baseando-se na dinâmica que produz o tempo livre, Claudine Attias-Donfut (1981) fez um estudo sobre os lazeres e a formação das gerações. Seu principal interesse recaiu sobre o grupo dos aposentados, pois considerou sua considerável heterogeneidade social. Uma das hipóteses trabalhadas foi a de que o lazer é um dos elementos constitutivos da aposentadoria, na medida em que ele contribui para produzila, da mesma forma como as exigências do mundo do trabalho produzem o afastamento das atividades profissionais. Nos últimos anos, a crescente importância dada ao lazer acabou introduzindo uma nova maneira de diferenciação social, antes fundamentada no trabalho, agora baseada no modo de vida durante a aposentadoria. Deixando o trabalho e passando a ser um aposentado Tanto a velhice como a aposentadoria são apresentadas por seus aspectos negativos: a primeira, como um tempo de involução, de declínio, de proximidade da morte; a segunda, como um tempo de rupturas, de crises, de solidão. Na verdade, a única concepção positiva é aquela que liga a aposentadoria ao uso diferenciado do tempo livre, em que o lazer é predominante (FROSSARD, 1980). Alguns autores buscaram encontrar respostas de como podemos viver a velhice e a aposentadoria a partir de algumas tipologias baseadas na visão do aposentado sobre a aposentadoria, pesquisadas durante o período que se aproximava a esse período76. A partir de uma pesquisa realizada com 995 aposentados da Caixa de Aposentadoria Interprofissional, Anne Marie Guillemard (1972) propôs cinco tipos de comportamento durante a aposentadoria: ‘aposentadoria-aposentadoria’; ‘aposentadoriaterceira-idade’; ‘aposentadoria-família-e-lazeres’; ‘aposentadoria-reivindicação’; ‘aposentadoria-participação’77. Ela encontrou em sua pesquisa os fundamentos que indicam os determinismos sociais influindo no estilo de vida na aposentadoria. 76 Usaremos aqui apenas casos de pesquisas francesas, que envolveram o conjunto dos aposentados, pois não encontramos no Brasil estudos semelhantes. 77 Os comportamentos descritos são instrumentos de análise de uma realidade num determinado momento, não devendo ser considerados como descrição de uma realidade totalizante, já que, em função da época da pesquisa, os ganhos sociais não eram os mesmos que os atuais. A autora, ao se referir a esses dados anos mais tarde, considerou que cada indivíduo se aproxima mais ou menos desses comportamentos . 112 Uma outra tipologia foi proposta. Partindo de um quantitativo de três mil pessoas que tinham mais de cinqüenta anos, buscou-se representar o conjunto da população francesa (ATTIAS-DONFUT, GOGNALONS-CAILLARD, 1976). Seis tipos foram agrupados a partir da questão principal que buscava saber o significado da aposentadoria. Encontrou-se a ‘aposentadoria-lazer’, ‘aposentadoria-como-finalidadeindividual’, ‘aposentadoria-repouso’, ‘aposentadoria-pobreza’, ‘aposentadoria- desvalorização’ e ‘aposentadoria-família’. Viu-se então confirmar a influência do sexo da pessoa investigada, do tipo de moradia, da mobilidade profissional, ligada ao lugar ocupado na estratificação social. Uma outra constatação é a de que a aposentadoria evoca um conteúdo positivo, que os valores do trabalho não estão em oposição aos valores do tempo livre, mas na verdade coexistem. Maryvonne Gognalons-Caillard (1981) retomou os resultados dessa análise para saber: quais eram as coerências e incoerências de um projeto de aposentadoria em direção a um tempo considerado como dominante, o tempo livre. Considerando a representação da ‘aposentadoria-lazer’, são as CSPs com alto nível de formação e de salário, os ‘cadres’ e os ‘profissionais liberais’ que vão reproduzir esse comportamento na aposentadoria, ao passo que os oriundos da CSPs ‘operários’ vão se dedicar à aposentadoria enquanto repouso. Em pesquisa apresentada como a primeira realizada na França nesse sentido, um grupo de idosos foi acompanhado longitudinalmente, investigando-se a passagem do tempo de trabalho para o tempo de aposentadoria (PAILLAT, 1989). Ficou evidente que a aposentadoria estava sendo percebida de forma bastante satisfatória por 60% dos idosos pesquisados, resultado este que contrariava a imagem de que uma possível crise acompanharia esse período. Dois grupos foram analisados, cada um com duas mil pessoas, no período compreendido entre os anos 1980-1984, sendo que esses indivíduos foram investigados três vezes78. Apurou-se que: mesmo considerando a existência de uma diminuição da renda familiar, que rondava os 20%, é nas relações familiares que se desenvolvia uma revitalização das relações; o nível de estudos e as categorias socioprofissionais é que influenciariam a satisfação no emprego do tempo livre na 78 O primeiro grupo era constituído de homens e mulheres nascidos em 1916, que responderam a um questionário em 1980, 1981 e 1983. No momento da primeira enquete, todos estavam em atividade profissional. Um segundo grupo, de nascidos em 1922, foi interrogado em 1981, 1982 e 1984, e no momento da primeira pesquisa eram ativos profissionalmente, pré-aposentados ou desempregados. 113 aposentadoria; existia uma tendência a se ter um ritmo de vida ligado a alguns hábitos já anteriormente adquiridos; entre os que são denominados como ‘cadres e profissionais liberais’ é que se observou um estilo de vida mais ativo; e, finalmente, de maneira geral, observou-se um aumento dos comportamentos considerados como de lazer após a aposentadoria. Entre 70% a 90% dos aposentados estavam satisfeitos com sua aposentadoria e, ao fim do tratamento estatístico, quatro tipos de passagem foram classificadas. O ‘fracasso’ tomou 12% dos investigados e em 60% encontrou-se uma ‘imagem positiva’ da transição. Como modos de vida durante a aposentadoria foram identificadas: a ‘aposentadoria-abandono’, com 13%; a ‘aposentadoria-dividida’, com 18%; a ‘aposentadoria-intimista’, com 20%, e a ‘aposentadoria lazer’, com 20%, o que veio a confirmar que só 13% apresentaram problemas com a aposentadoria. O Instituto Nacional de Estatística e dos Estudos Econômicos (INSEE, 1990) publicou, na série Contours et Caractères, um quadro completo do perfil da população idosa francesa. Nesse estudo em particular nos interessou verificar de que maneira estava sendo apresentado o emprego do tempo livre dos idosos. Pôde-se observar que o tempo livre como tempo dos lazeres não obteve grandes modificações em relação ao grupo geracional estudado79. Foi a participação em uma ou mais associações e o engajamento em atividades físicas que apresentaram a maior taxa de aumento. Também André Babeau (1985) nos mostra como a imagem do ser aposentado, ditada pelos que ainda estão na vida ativa, é muito mais positiva do que há algum tempo. Essas grandes diferenças de percepções ficam mais claras quando se levam em consideração as categorias socioprofissionais. Nesse caso, ele observou os trabalhadores agrícolas e os profissionais liberais. Para os primeiros, o tempo de aposentadoria seria dedicado inicialmente ao repouso e só posteriormente a outras atividades. Já para os pertencentes ao segundo grupo, esse tempo não seria dedicado ao repouso, mas associado a um período de maior liberdade, incluindo-se aí os lazeres e a participação em diversas atividades. 79 Nessa pesquisa, procurou-se identificar três idades diferentes para a ‘terceira idade’, que não são limites considerados muito claros pelos próprios autores; de forma global se propôs uma situada entre 55 e 65 anos, caracterizada pela necessidade de estar fazendo alguma coisa; a segunda, entre 65 e 75, considerada como um período intermediário, e, a partir de 75 anos, que caracterizaria o início do declínio, 114 Apresentamos uma outra pesquisa que retratou o estilo de vida dos franceses, esta datada de 1973 e desenvolvida pelo Ministério da Cultura com o fim de conhecer quais eram os comportamentos culturais dos franceses de mais de 15 anos. Duas outras pesquisas foram posteriormente realizadas, uma em 1981 e outra em 1989 (PAILLAT, 1993). O conjunto das três pesquisas serviu para se fazer uma projeção para a população idosa80. No espaço de 15 anos em que essas pesquisa foram realizadas, constataram-se atitudes comuns aos idosos que os distinguiam do restante da população. Considerada como sintoma da evolução das práticas culturais nesses 15 anos, percebe-se 45% dos investigados uma nítida atração pela prática de lazeres realizados fora de suas residências. Entre os anos de 1973 e 1988, a tendência mais significativa foi a do investimento dos idosos em atividades de lazer. E se, entre os mais idosos que participavam da pesquisa, esse investimento era menor, isso teria se dado sobretudo pelo fato de que pertenciam a gerações diferentes, que viveram de maneira distinta a expansão dessas atividades. Quanto à vida associativa, os dados confirmam o que outras pesquisas já constataram: no conjunto da população em 1973, 28 % dos franceses faziam parte da vida associativa, enquanto em 1988 eles passaram a ser 39%. O que surpreende é fato de que foi no meio das pessoas consideradas idosas que houve o aumento mais significativo: em 1973, 14% das mulheres e 31 % dos homens pertenciam a uma associação. Em 1988, eles passaram a ser 38% e 46%, respectivamente. A pesquisa identificou seis grupos entre os que tinham mais de 60 anos: os ‘ávidos por cultura’; os ‘noctâmbulos da cultura’, os ‘apaixonados pela cultura popular’, os que estão ‘eternamente na mesa’, os ‘confinados no domicílio’ e os ‘excluídos’. Os três primeiros representam os 45% já citados, e os 15% representados pelos últimos confirmam que, entre eles, a aposentadoria seria uma espécie de ‘morte social’. No período estudado, seguindo as taxas de atividade de cada categoria observada, verificouse que não existe mais desengajamento do que estabilidade ou mesmo uma reativação dos lazeres. Somente após os 74 anos é que houve uma reorganização dessas atividades. Uma das conclusões produzidas pelo estudo foi a constatação da existência do efeito de idade e de geração: as preferências em termos de escolha das atividades, quando se 80 Essa pesquisa chamada Les pratiques culturelles des personnes âgées esteve sob a direção de Paul Paillat (1993.). 115 toma como referencial aqueles que têm mais de 70 anos, são as mesmas que eles tinham aproximadamente há vinte anos. Durante muito tempo a entrada na velhice vem sendo condicionada ao momento da aposentadoria. Poderíamos chamar da velhice estabelecida ‘por decreto’. Mas, com certeza, hoje podemos dizer que há um deslocamento desse sentido. Sabemos que atualmente, a partir da invenção da terceira idade e sua homogeneização moralizante, a chamada velhice tenderá a ser apresentada como algo que chegará mais tarde, uma espécie de negação, já que grande parte da população vive com melhores possibilidades de acesso, seja a saúde, a proteção social ou a outros benefícios. No entanto, não devemos esquecer das profundas desigualdades que ocorrem na velhice, que limitam alguns ao ‘envelhecimento terceira idade’. Na França, diferentemente do Brasil, não se podem considerar como sinônimos velhice e aposentadoria, e menos ainda aposentadoria e pobreza, ou mesmo o abandono dos velhos como regra geral. Na grande maioria dos países da Europa ocidental, são diversos os mecanismos postos em prática que dão à velhice uma imagem mais favorável do que no passado. No Brasil, mesmo considerando a extensão de certos benefícios à população idosa, que acaba contribuindo para o sustento do resto da família81, as modificações do sentido dado ao envelhecer passam a ser mais notados a partir do uso de certas expressões que procuram mostrar esse período da vida como pleno de felicidade. Dividindo a vida em períodos, como tempo de formação para os jovens, tempo de atividade profissional para os adultos, tempo de repouso para os velhos, somos induzidos a aceitar que a velhice corresponderia à inatividade, mas certamente essa formulação não tem mais cabimento atualmente. A sociedade industrial nos fez viver segundo esses ciclos, descritos por Xavier Gaullier (1999), que chamou a atenção para o fato de que eles serviram durante muito tempo como referência, tanto no plano social quanto individual. Os lazeres, os trabalhos domésticos, a vida familiar e a saúde são os pólos, que segundo o autor, vão organizar, limitar e influenciar o tempo livre dessas pessoas idosas na contemporaneidade. Joffre Dumazedier (1988, 1990) considerou que essa nova maneira de envelhecer, sendo carregada de novos valores, é uma ‘resistência ao envelhecimento’ e 81 Estamos falando do benefício da prestação continuada. 116 ao imobilismo, esse último imposto pela sociedade. Suas constatações foram particularmente percebidas no uso das atividades corporais, notadamente na prática das atividades físicas, sejam elas realizadas de forma mais organizada ou mesmo informalmente; nas férias, com o turismo; na formação permanente, com a autoformação ou em cursos livres; na prática do voluntariado; e na vida associativa. A participação dos idosos e aposentados na vida associativa: uma opção para seu tempo sem trabalho A interação com nossos semelhantes, “seja na forma de grupos, como associações e outros tipo de organizações, parece ser um aspecto constitutivo da vida humana” (FERRANDO, 1998:127). Podemos considerar como natural a ‘tendência afiliativa’, que nas formas mais ou menos elaboradas, independente da idade, é inerente ao homem desde sua origem (FREEDMAN, CARLSMITH, SEARS, 1977). Independente da época, as associações existiram nas mais diversas formas, sendo mais recente o formato específico que ficou conhecido como ‘clube à inglesa’, que anos mais tarde acabou dando origem às associações esportivas e mais recentemente as típicas para idosos e aposentados que estamos agora investigando. No antigo Egito, de maneira mais organizada, podia-se encontrar grupamentos profissionais e confrarias, da mesma forma como em Roma, na antiga Grécia e em outras civilizações. Eram constantes, na Idade Média, as associações religiosas, seitas místicas, de trabalhadores, como também as sociedades secretas (DEFRANSE, 1995). Da mesma forma que os banhos públicos em outras épocas, as tabernas eram espaços privilegiados para se desenvolver um tipo de ‘sociabilidade’82. Foi no século XIX, na Inglaterra, que surgiu o formato de clubes sociais que, tempos mais tarde se difundiram em outros países como a França e o Brasil, que recebia na época influência dos países europeus. Nesse caso podem ser considerados os ‘Jóquei Clubes’ como as primeiras 82 Sociabilidade poderia ser entendida como a maneira como a sociedade integra os indivíduos e a maneira como eles respondem (GRAWITZ, 1991) “mais ou menos ativamente às solicitações do grupo” (ALBERTINI, 1990:105). O engajamento associativo, como as saídas e as recepções, o envolvimento familiar, como as estabelecidas com os seus vizinhos, são formas de sociabilidade (FERREOL, 1991). 117 associações esportivas83, num período concomitante ao desenvolvimento do esporte moderno e o envolvimento em atividades e exercícios físicos em ambientes associativos em diversas partes do mundo. O diagnóstico realizado no início da década de setenta no Brasil contabilizou a existência de 85 clubes esportivos, criados antes do ano de 1900, na maioria localizados na região sul do país, o que demonstra a forte influência da imigração (COSTA, 1971) européia, berço desse novo modo de vida. O argumento de que o homem é um ser gregário é corrente, mas não são muitos os que se debruçaram sobre essas investigações como fazem os cientistas sociais. Os psicólogos sociais, por exemplo, procuram explicações para a tendência associativa em dois níveis de resposta: as explicações básicas e fatores particulares. As pessoas associam-se por diversas razões. O desejo pode ser parcialmente instintivo; é certamente o resultado de características inatas que tornam o homem dependente de outros em seus primeiros anos de vida. Em parte, por causa dessa associação forçada na infância, os homens aprendem que a afiliação é um modo de satisfazer necessidades e ela convertese num comportamento aprendido que prossegue até à idade adulta. Ao longo da vida, outras pessoas são o meio único ou primordial de satisfação de certas necessidades e, portanto, os homens agregam-se para obter essa satisfação. (FREEDMAN, CARLSMITH, SEARS, 1977:37). Mas antes de seguir, vamos introduzir aqui uma análise das raízes que deram origem à palavra associação. Gillet (2001) se utilizou de diversas fontes84, a partir das quais pode-se constatar que da raiz indo- européia (sek) surgiu o verbo ‘seguir’, e mais tarde, ‘sakhã’, que veio a significar ‘companheiro de guerra’. Pela origem latina, surge ‘sequor’, com o sentido de ‘vir a obedecer a um impulso’ e que gerou ‘secus’, ‘secundus’, ‘secta’ e finalmente ‘socius’, ‘companheiro’, que é aquele que acompanha o 83 A palavra sport tem origem no francês arcaico, em que deport, disport significavam divertimento. Victor Andrade de Melo (2001) no livro Cidade sportiva, trata dos primórdios do esporte no Brasil. Ao se reportar ao que ocorreu no Rio de Janeiro no século XIX, o autor investigou duas atividades: a corrida de cavalos e o remo. Informa que já em 1815 existiam no Rio de Janeiro clubes ainda não esportivos, como a Assembléia Portuguesa e o Germânia, que foi criado em 1821. Só em 1847 surge o primeiro clube esportivo do país, o Clube de Corridas, sete anos depois do primeiro clube francês de turfe (DEFRANSE , 1995). 84 Sua síntese foi elaborada a partir de dicionários, enciclopédias e outros documentos. 118 outro. O adjetivo ‘socius’ significa ‘associado’, e o substantivo, ‘companheiro’, ‘associado’, se num primeiro momento ao trono, depois a uma negociação comercial. De ‘socius’ saíram os derivados em espanhol, inglês, francês e português: sociedade85 e associação. Uma organização social qualquer, como uma associação, resulta de grupamentos humanos, ordenados racionalmente, visando a determinados objetivos, sendo fundada sobre a divisão do trabalho e do poder; “este conjunto se dota de procedimentos de controle e de comunicação necessários ao seu bom funcionamento e desenvolvimento” (ALBERTINI, 1990:210). Partimos então da premissa de que a contribuição das organizações sociais faz parte do desenvolvimento da humanidade, sendo elas imprescindíveis para o controle e gestão da vida social. Ao contrário das sociedades anteriores, a sociedade moderna atribui um elevado valor moral ao racionalismo, à eficiência e à competência. A civilização moderna depende em grande parte das organizações, como as formas mais racionais e eficientes que se conhecem de agrupamento social (ETZIONI, 1976:7). Para Koontz e O’Donnel (1976), a sociedade atual pode ser considerada como uma sociedade organizacional, originária da necessidade humana de cooperação, cujas organizações possuem “características consideradas essenciais do processo modernizador, pois tanto é ator central como expressão máxima dos processos de racionalização e secularização do mundo” (FERRANDO, 1998:127). As organizações consideradas pelo conjunto de elementos que as constituem vão ocorrer “em prisões, clubes recreativos, fábricas, bancos ou associações de condomínio” (BERNARDES, 1990:17). Colocados em prática os seus princípios, alcançam-se objetivos que atingem não só o indivíduo como um grupo social. Enquanto indivíduos são estudados pela psicologia, a sociologia vai se interessar por eles como grupo, pois “as pessoas agem diferentemente quando associadas, por que uma interfere no comportamento da outra” (BERNARDES, 1990:17). Independente do setor em que se desenvolve a participação associativa – na política, ação social, educação, esporte, cultura, lazer, proteção ambiental, engajamento 85 Que significa um conjunto de indivíduos que vivem em grupos estruturados, e que mais recentemente vieram a ser objeto de estudos mais organizados pela sociologia. 119 humanitário, entre outras tantas – o movimento associativo é o que no último século ganhou um aumento espetacular. Uma associação está sendo entendida aqui pela decisão de um grupo de pessoas de se unir com uma finalidade. Frente às instituições oficiais e à sociedade, uma associação pode tornar-se um parceiro visível (POUJOL, 1990), sendo utilizada para resolver problemas que o Estado não é capaz de assumir plenamente, e o associativismo dos idosos confirma essa afirmação. Ao estudarmos grupos constituídos de idosos e aposentados que se envolvem em um tipo de organização, aceitamos, ainda que com reservas, que um ‘grupo social’86 venha a ser “um conjunto de pessoas que se relacionam entre si com uma certa regularidade” (FERRANDO, 1998:128). A maneira como esses relacionamentos acontecem é que vai variar, podendo ser desde os mais formais, que se findam naquele espaço associativo, àqueles que acabam extrapolando para outros espaços. Considerando a existência de diversos elementos que são comuns a determinados grupos, procuramos investigar os idosos e aposentados na forma associativa. Sendo de fato um grupo, iremos tratá-los como um todo, e não como uma soma de indivíduos, e verificando se a união entre seus membros é mais ou menos estreita. Ao aceitarmos que a constituição do grupo é baseada em algumas características específicas, estaremos distinguindo seus integrantes dos chamados ‘agregados’, indivíduos que freqüentam um mesmo lugar ao mesmo tempo mas não estabelecem nenhuma interação (GRAWITZ, 1991)87. A forma de acesso ou de filiação de idosos vai variar de acordo com os modelos de associação, havendo desde as mais abertas, como clubes que não impõe muitas restrições aos seus pretendentes, a outras mais fechadas, como é o caso das lojas maçônicas. A organização interna pode ser muito ou pouco hierarquizada, podendo ter como função principal: ser um clube específico para uma atividade isolada qualquer; 86 Reconhecemos ser uma definição por demais simplista, visto que o próprio termo ‘grupo’ não permite uma definição precisa 87 Esse autor procurou ainda reunir outras características básicas do que estamos considerando como grupo e que podem nos auxiliar na caracterização dos idosos envolvidos na prática associativa abrangida neste estudo. A primeira decorre da duração das uniões do grupo, que pode ser permanente ou temporário. Outra característica pode ser verificada a partir da sua origem, já que o grupo pode ser constituído de minorias, de participação voluntária, como sindicatos e outras associações, e ainda os de participação imposta, como nas forças armadas. 120 prestar um determinado serviço; conter atividades diversas, destinadas ou não a fins comerciais. De maneira similar, o grau de proximidade entre seus membros pode ser bem abrangente, existindo associações que classificam hierarquicamente seus membros. Não só a freqüência como a força das interações sociais que são estabelecidas numa determinada associação são de importância capital, devendo ser considerado o tamanho do grupo, que pode ser: de grande envolvimento, que consegue aglutinar uma coletividade em âmbito nacional ou ainda uma determinada classe social; outras, com médio envolvimento, que abrangerão uma cidade ou uma empresa; finalmente teríamos os grupos restritos, também identificados como ‘face a face’, que se caracterizam pela existência de interações bem próximas entre seus membros (GRAWITZ, 1991). Existindo uma diversidade de tamanhos e de interesses entre os grupos que pertencem a uma determinada associação, esses interesses podem desenvolver-se no que foi denominado por Homans (apud FERRANDO, 1998) como ‘grupo pequeno’, que seria onde ocorrem as primeiras experiências sociais. Essa categorização pode ser atrelada à concepção de ‘grupo primário’ utilizada por Cookey (apud FERRANDO, 1998), que seriam as relações de associação com uma certa aproximação entre os envolvidos, que tanto ocorrem em ambiente familiar como num pequeno clube esportivo. Nos ‘grupos secundários’, as interações seriam mais esporádicas, pois as associações envolvem uma maior estrutura e, por esse motivo, as relações são mais impessoais. Aceitando essa classificação, poderíamos preliminarmente considerar que as associações de idosos que estudamos enquadram-se no primeiro grupo conceituado por Cookey, já que “os membros de um grupo primário compartem experiências, opiniões e aspirações, e inclusive podem obter sua própria identidade de pertença ao grupo” (FERRANDO, 1998:129). Ao freqüentar as atividades de uma associação típica para seu grupo social, os idosos podem estabelecer uma rede de amizade e de simpatia mútua, criando novos valores, tendo ainda um forte sentimento de ‘pertencimento ao grupo’. Caso contrário, os consideramos como um grupo secundário, pois certamente as relações têm um caráter mais instrumental – sendo as emotividades neutras – “constituídas deliberadamente para realização de fins concretos e específicos, baseadas em forma de relação entre seus membros do tipo limitado e calculado” (FERRANDO, 1998:129). 121 O animador nas suas mais diversas denominações tem sido apontado como figura importante pois é graça as suas intervenções que as associações passam a ter credibilidade no que propõe, fazendo com que os participantes permaneçam e tenham fortes comprometimentos associativos. Diferente do Brasil, na França a animação é um campo profissional, sendo oficialmente considerado, ocupado por mais de 350 mil pessoas que se espalham desde a atuação como trabalhadores sociais, animadores de bairro, animadores esportivos, animadores sociais, animadores de grupos de idades diversos, incluindo os idosos. Mas como vimos em Akin e Dourade (2003: 38) passa por problemas identitários que dificultam a sua maior valorização. Esses autores procuraram estudar aqueles que atuavam na atividade, sendo verificado que tanto na redação oficial de como é utilizado o termo animador e como ele é caracterizado como posto de trabalho, sofre interferências diversas que acaba, lhe causando problemas, havendo uma banalização da denominação pelos mais diferentes programas na forma como eles foram registrados nos últimos trinta anos. O estudo de algumas destas significações permitiu que se constatasse sua característica bastante polissêmica, mostrando a polivalência, a multicompetência e a pluridisciplinaridade, todas inerentes a função da animação. É por esse motivo que se acrescenta um termo específico para precisar o perfil daquele que vai atuar. Sobre o significado e uso dos termos ‘pertencimento’, ‘pertença’, ‘participação’ e ‘cooperação’, Hugo Lovisolo (1999 a) apontou para a importância de sua compreensão e uso por parte dos educadores88, já que emoções e categorias culturais importantes apenas podem ser transmitidas pela palavra pertencimento. Quando dizemos que somos cidadãos, estamos dizendo que temos uma propriedade essencial de pertencimento que nos habilita a participar da distribuição de um conjunto de bens comuns que, de praxe, pensamos como direitos e obrigações dos cidadãos dentro de uma ordem pública e estatal. Coisa bastante semelhante ocorre quando dizemos que pertencemos a um clube ou a uma família: também nesses casos temos direitos e obrigações enquanto sócios e membros [...] para participar ou cooperar, temos de ter idéias de pertencimento. Se não sentimos que pertencemos a 88 Os animadores de nossa pesquisa declararam que estariam atuando enquanto educadores ou professores. 122 alguma comunidade ou associação, não nos colocaremos a questão de participar e cooperar: ambas ações pressupõem o pertencimento. No sentir, pensar e conversar sobre o pertencimento construímos nossas identidades básicas, condicionantes da participação e da cooperação (LOVISOLO, 1999 a: 130). No caso da origem das associações consideradas comunitárias, verifica-se que faz parte delas um variado conjunto de objetivos puramente assistencialistas e certamente marcados por ‘antagonismos contraditórios’ (RAFFI, 1983). A partir de uma distinção de certa forma cômoda e redutora, esse autor observou que alguns tipos de associações surgiram na história como forma de reivindicações, outros como contrapoderes, também existindo associações que são destinadas à expressão dos seus integrantes. Como sabemos, o período após o encerramento das atividades profissionais não vem sendo mais tão marcado como tempo exclusivo e necessário ao recolhimento, principalmente quando falamos dos jovens aposentados, fenômeno que já vem ocorrendo há algum tempo e que faz com que mesmo os que estão há mais tempo afastados da vida profissional tenham também um comportamento ativo e associativo. Fora do círculo familiar, a união de idosos com os que lhe assemelham como os contatos intergeracionais, é hoje bastante visível nos grandes centros urbanos. Idosos e aposentados são encontrados nos equipamentos públicos urbanos: praças, parques e congêneres, sentados em seus bancos, pondo a conversa em dia, ou participando dos mais variados jogos de cartas e de tabuleiro. Quando os equipamentos permitem, muitos praticam as mais diversas atividades físicas esportivas, sendo predominante a presença feminina nas atividades ginásticas (DUMAZEDIER, 1990; ALVES JUNIOR, 1994). A ocupação do espaço da rua por idosos e aposentados89 assume características diferentes conforme o sexo da pessoa. Tomando como exemplo os grupos que se reúnem em determinados ambientes e que participam de determinadas atividades em equipamentos públicos urbanos, a presença é muito mais masculina, em parte devido à tradição que 89 Ver Alves Junior (1992), que estudou os equipamentos públicos urbanos e a presença de idosos praticando atividade física em Niterói. E também Peixoto (1993), que estudou um grupo brasileiro de idosos que jogavam voleibol na praia de Copacabana e um grupo de franceses que freqüentavam uma praça parisiense. 123 faz com que esse espaço seja mais freqüentado pelos homens. Entretanto, observa-se uma mudança90, principalmente no que toca a prática de atividades físicas. No caso das associações de idosos que vão nos interessar neste trabalho, diversas hipóteses podem ser formuladas para a maior aceitação do público feminino, sendo ainda muito simplista ligar a esse fato a maior quantidade de mulheres idosas na população. Das intervenções do Estado e no discurso daqueles que entendem de velhos, criou-se uma nova ética da terceira idade, que favoreceu a implantação de diversos clubes e associações baseados no princípio da ‘não ociosidade’. Poujol (1990) aponta o período dos anos setenta como fundamentais para a compreensão do associativismo com finalidades educacionais, culturais e de lazer, época que coincide com o surgimento desse novo tipo de aposentado, que se adequou ao modelo associativo típico para seu grupo social. Esse envolvimento acabou gerando um novo espaço, que serviu para desenvolver uma prática de atividade física específica para idosos que também seguia um modelo de imposição social. Patricia Portelli (1985: 141) lembra que o fenômeno associativo seria tradicionalmente compreendido pelos sociólogos como sendo a “institucionalização de uma terceira força para fazer frente ao poder do Estado e visto por outro prisma como parte ao comércio promissor”. Entretanto, outras características que não as políticas e as econômicas extrapolam essa primeira análise, o que nos pareceu bastante claro quando se verifica a política de modo de vida na velhice, em que o associativismo assumiu importantíssimo papel. Os motivos que levam alguém a se filiar a uma associação são múltiplos, mas de maneira geral observa-se que existe uma identidade comum entre os membros91, a 90 Em ambiente externo, independente de onde esse tipo de união ocorra, um sistema de códigos, não muito formais, faz com que essas pessoas convivam satisfatoriamente. É comum encontrarmos idosos do sexo masculino em praças, na França, jogando boules, uma espécie de bocha sem uma cancha com limites definidos, ou, no Rio de Janeiro, participando de jogos de cartas, dominó e de tabuleiro, como damas e xadrez. Já a maioria das mulheres idosas, dos dois países, que freqüentam as praças e parques, tem outros objetivos, como a conversa e, no caso da prática de atividade, algum tipo de ginástica. Por outro lado, se pensarmos na presença nos bares brasileiros e nos cafés e bistrôs franceses, o perfil dos freqüentadores idosos é predominantemente masculino. 124 ponto de se considerá-los como pertencentes a uma rede, oriunda de uma atividade comum que os uniu. Os tipos de solidariedade que podem ocorrer nessas relações sociais foram investigados no Quebec92 por Fortin (1992) que teve maior interesse no que ocorria no ambiente associativo e colocou em questão o individualismo que ocorreria na época atual. O autor procurou responder se o aumento do associativismo não estaria sendo decorrente do individualismo dos próprios grupos, reconhecendo que “tanto sociabilidade, solidariedade e identidade estão indissociavelmente ligadas, sendo as três facetas do mesmo prisma” (FORTIN, 1992:265). O fato de se aderir a uma associação como as de idosos e aposentados representa uma dupla maneira de sociabilidade. Em primeiro lugar, aderimos a uma associação por que já estaríamos numa rede de sociabilidade, pois, em muitos casos, o recrutamento para se tornar um novo membro foi feito de forma ativa e personalizada. Em segundo lugar, uma vez feita essa adesão, tem-se por finalidade prolongar essa adesão associativa. Para que a participação da vida associativa venha a ser um sucesso, não só pelo aspecto da sua organização, como da sociabilidade de seus membros, é imperioso que exista uma maior integração entre eles. Sendo assim, o recrutamento acaba reforçando a sociabilidade já existente e a integração ao grupo; simultaneamente é tanto causa como conseqüência da adesão à vida associativa (FORTIN, 1992). A cultura associativa desenvolvida em ambientes como o dos clubes esportivos foi descrita por Klaus Heinemann (apud FERRANDO, BARATA, OTERO, 1998:142), que destacou a importância que reveste o tipo de sociabilidade existente como “tertúlia despreocupada e comunicação desinteressada, baseada em uma igualdade de condições [democracia de sociabilidade] de todas as pessoas que dela participam”. Ao se referir aos clubes enquanto instituição lúdica, Luís Otávio de Lima Camargo (1998) caracterizou a função recreativa que eles podem exercer na ocupação do tempo do lazer realizado fora da residência. Essas associações têm uma outra 91 Encontramos com certa constância, as mais diversas propostas associativas para idosos, abrangendo uma ou mais dessas categorias: cívicas, paroquiais, esportivas, recreativas ou culturais. 92 Nessa região do Canadá, mais de 24 mil associações foram recenseadas em 1989, sendo considerado bastante significativo seu aumento, quando se sabe que em 1973 foram contabilizadas 6 103. O autor desenvolveu uma pesquisa baseada na hipótese de que existia uma sobrevivência das solidariedades tradicionais e três tipos de identidades foram abordadas: as familiares, as ligadas ao trabalho e as associativas. 125 característica apontada por Camargo que é a sua autonomia em relação ao Estado e o seu desinteresse em obter fins lucrativos, podendo de uma certa forma subsistir por meio de contribuições financeiras dos membros associados. Entretanto, essa autonomia pode ser relativizada se aceitarmos os argumentos da existência de uma certa imposição social de um modelo de envelhecimento que visa a ocupar o tempo disponível de idosos e aposentados. Os clubes para idosos inicialmente foram concebidos para serem ‘local de encontro e luta contra o isolamento e a inatividade’; sua direção estava a cargo daqueles que entendiam de velhos, sendo os idosos e aposentados meros consumidores. Entretanto, com o passar dos anos, muito mais na França do que no Brasil, pode-se observar uma fundamental alteração na sua proposta inicial, que deixou de ser para as pessoas idosas, se tornando dos idosos, que passaram a ter uma participação mais efetiva na organização das atividades e na própria gestão da associação (ROZENKIER, 1987). A vida associativa dos idosos e aposentados da França e do Brasil Os clubes, enquanto forma associativa com fins sócio-recreativos, tiveram sua origem na Inglaterra no século XIX e sua grande expansão durante o século XX, com o fenômeno da esportivização, trazendo em si ‘um forte crivo de separação de classes sociais’. Em sua origem, essa instituição era exclusiva da burguesia; com o desenvolvimento dos esportes e sua popularização, as classes trabalhadoras incorporam a idéia, passando a criar seus próprios espaços e a fazer parte dos clubes. No Brasil não se percebe distinção entre os significados dados a um clube e a uma associação, sendo usados indiscriminadamente93 quando se trata de atividades esportivas, culturais, artísticas e recreativas94. 93 Apesar da classificação de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira como “local de reuniões políticas, literárias ou recreativas”, o clube popularmente assume mais o seu último sentido. O filólogo acrescenta ainda outros sentidos, como “local que tem, geralmente, edificações, piscina, etc., e onde é comum ser cobrada uma mensalidade ou taxa, onde se reúnem pessoas de uma sociedade, para praticar esportes, jogar, dançar, etc.”, ou ainda a “associação de pessoas, com objetivo social recreativo, ou, ainda, de promover debates em torno de matéria de interesse comum, tal como literatura, ciência, política, etc., mantendo para isto, em geral, encontros periódicos”. 94 Apesar de reconhecer que o uso mais comum do termo é o que o aproxima das atividades recreativas e esportivas, tanto clube como associação estão sendo interpretados neste trabalho como sinônimos, já que ambos, nas línguas portuguesa e francesa, subtendem: envolvimento em 126 Ao analisar a estrutura organizacional dos clubes para idosos franceses, Alain Rozenkier identificou uma estrutura organizada em 65% dos que se autodenominam clubes. Eles contêm estatutos ou regulamentos que fixam as modalidades de seu funcionamento e são constituídos, na maioria dos casos, de idosos, já que em grande parte uma idade mínima é requerida, ou então, como ocorre em 23% deles, basta ter o status de aposentado. Visam, de forma estruturada, à promoção de fins que não necessariamente correspondem a interesses diretos de lazer ou de ordem pessoal (FERREOL, 1991), podendo ser uma associação como forma de pressão e de cobrança do Estado de reivindicações consideradas legítimas. No entanto, faz-se necessário atentar para o fato de que esse modo de vida durante a velhice não é uma regra geral. Devemos também considerar o envelhecimento diferencial e as desigualdades sociais, já que são diferentes as classes sociais dos que aderem aos clubes de idosos e às universidades (ATTIAS-DONFUT, ROZENKIER, 1983). Patrick Boulte (1991) argumenta que, para mobilizar os indivíduos, as associações utilizam uma lógica de produção tanto de alianças sociais como de serviços95. Mas não se pode desconsiderar a dimensão cultural, como também sua importante característica de influir na vida das pessoas, enquanto elemento de inserção social. Segundo Thery (1983), a vida associativa dos franceses não tinha a intensidade encontrada nos países anglo-saxões96, e no caso dos idosos já se podia encontrar algum tipo de envolvimento comunitário. Stanley Parker afirma existirem, naquele momento, na Inglaterra e no País de Gales, mais de sete mil clubes sociais para idosos. Sua organização envolvia idosos em reuniões periódicas, que se realizariam dentro dos “salões das igrejas, até os centros diurnos elaboradamente equipados” (PARKER, 1978:71). Entretanto, essas associações não eram bem vistas pelos próprios idosos, e podemos supor que as atividades propostas não se adequavam aos seus anseios. determinados tipos de união, tendo em vista alcançar um objetivo comum, que, em nosso caso específico, seria manter idosos e aposentados inseridos na sociedade a partir da aceitação por parte deles de “algumas normas comuns, mais ou menos institucionalizadas” (GRAWITZ, 1991:29). 95 A elucidação quanto ao funcionamento interno de uma associação foi abordada por esse autor a partir da sociologia das organizações. Ele procurou aproximar dois domínios até então considerados em oposição: as associações e as empresas, utilizando uma abordagem do diagnóstico global e pluridisciplinar para melhor conhecer as associações. 127 No que se refere às associações esportivas brasileiras em suas mais variadas manifestações, podemos encontrá-las no trabalho realizado em 1970 pelo Ministério da Educação e Cultura (COSTA, 1971). Verificou-se a dificuldade, no Brasil, de separar as associações sócio-recreativas das desportivas, já que o “cadastro mantido pelo IBGE para levantamento de rotina da denominada situação cultural mostrou-se deficiente para os objetivos do diagnóstico” (COSTA, 1971). Estimava-se a existência de 25 a 30 mil clubes no país, incluindo os recreativos, com 10 milhões de associados. Esses números representam o resultado do levantamento realizado pelo IBGE em 1969, na terça parte dos municípios brasileiros, investigados a partir de uma amostra de 8.310 clubes com uma variedade de interesses. No ano de 1989 foi recenseado na França um quantitativo de aproximadamente 700 mil associações, sendo a maioria constituída de entidades destinadas ao lazer, atividades culturais ou esportivas (POUJOL, 1990), significando ainda que mais de um francês em cada dois participa de uma associação. No entanto, é necessário ter claro o fato de que é muito mais fácil obter informação sobre o nascimento de uma associação do que sobre o encerramento de suas atividades. O boom associativo francês ocorreu nos anos 70, quando houve a sensibilização do que estamos chamando de ‘movimento associativo’, que coincidiu com o período em que se passou a dar uma importância mais significativa aos lazeres, à prática de atividades físicas esportivas e a um modo de vida diferenciado para idosos e aposentados. Também no Brasil esse período pode ser considerado como o que contribuiu para o crescimento das associações, principalmente daquelas relacionadas às práticas esportivas, e, de forma semelhante ao que ocorreu na França a partir daquela década, começando a surgir, ainda timidamente, as de lazer destinadas aos idosos e aposentados. A criação de algumas associações escaparam ao oportunismo e às previsões tanto dos políticos como dos planificadores. Esse fato foi identificado no denominado ‘VI Plano’, estabelecido para o governo francês. Esse plano tinha inicialmente como finalidade estimular a criação de 500 associações do tipo clubes ou universidades para 96 Attias-Donfut e Rozenkier (1983) colocaram em questão a interpretação tradicional de que pertencer a uma associação seria estranho ao estilo de vida dos franceses, e que seria apenas um apanágio das sociedades anglo-saxões. 128 idosos, mas acabaram sendo criadas mais de 2000 no decorrer de cinco anos (ATTIASDONFUT; ROZENKIER, 1983). A participação dos idosos no movimento associativo é de certa forma dependente de suas condições socioeconômicas, podendo representar um forte instrumento que auxilia sua participação social, fortalecendo uma identidade própria, em muitos casos manifestada na forma de uma subcultura. Em geral, essas associações podem ter como finalidade criar uma solidariedade interna que vise a defender certos interesses, mas na maioria dos casos servem exclusivamente ao desenvolvimento de atividades de lazer, propiciando, entre outras, aquelas consideradas de cunho educativo e cultural. Gordon et Babchuck fizeram uma distinção entre ‘associações de dimensão expressiva e associações do tipo instrumental’ (apud ATTIAS-DONFUT, ROZENKIER, 1983). Sindicatos, associações de antigos funcionários ou a dos pré-aposentados se enquadrariam no modelo instrumental97, já que se fundamentam na defesa de seus interesses. Por outro lado, os clubes e as universidades para idosos teriam como referência o modelo expressivo, cujo objetivo é o de oferecer primordialmente um quadro significativo de atividades, possibilitando diversas relações sociais a todos os seus membros. As associações típicas para onde convergem pessoas com mais de 50 anos oferecem um interessante quadro a partir do qual podem ser analisadas as dinâmicas sociais que influenciam sua constituição. Podemos tomar como exemplo o caso das associações dos pré-aposentados que, em determinado momento, começaram a proliferar na França. Fundamentados em solidariedades anteriores, inadaptados ao que se passava nos clubes para idosos, que segundo eles eram locais que não permitiam muita mobilidade, os pré-aposentados se recusaram a ser reconhecidos como velhos ou a ter de se voltar sobre si mesmos, num tipo de aposentadoria que até então parecia ser destino da maioria. Eles se constituíram enquanto um grupo, por sinal, bastante participativo no movimento associativo, preenchendo até então um espaço que era considerado vazio. No caso dos pré-aposentados estudados por Monyque Legrand, “o conflito considerado como sociologicamente necessário para a constituição de um grupo social aparece como elemento fundamental para se dar coerência à associação” 129 (LEGRAND, 1990:61). Nesse caso, esse tipo de conflito era creditado a outros grupos sociais que já estavam constituídos: [...] a recusa da assimilação como pessoas idosas os incitou a pôr em prática suas associações com atividades, ações de outra natureza das que eram propostas pelos clubes da terceira idade, que eram percebidos como locais de imobilismo (LEGRAND, 1990:61). Essas associações surgiram num momento específico, representado por um potencial que visava à maior dinamização dos grupos de aposentados. Buscava-se naquele momento uma inovação, definida em “um modo de vida pós-profissional, mais aberto e fundado sobre a utilidade social” (LEGRAND, 1990:59), mas que na verdade não conseguiu manter o élan inicial. Atualmente sabemos que na França tanto os clubes para a terceira idade como as associações dos pré-aposentados perderam sua força inicial, principalmente em decorrência do envelhecimento de seus associados e da dificuldade de renovar seus quadros. Por outro lado, as associações para idosos que se organizam em torno de uma estrutura universitária vêm tendo grande sucesso e não param de aumentar o número dos seus integrantes, com uma constante renovação, principalmente após algumas modificações em seus estatutos, que passaram a permitir a entrada de pessoas de qualquer idade, trabalhando a intergeracionalidade, tanto falada mas pouco posta em prática. A vida associativa no Brasil praticada em ambientes específicos de idosos e aposentados teve nas experiências do SESC e da LBA seu momento inicial. Anos mais tarde, a partir de núcleos de estudos do envelhecimento situados dentro das universidades, passou-se a incluir esse tipo de proposta nas associações de ensino que normalmente eram freqüentadas por jovens. Tanto no modelo dos clubes como no das universidades seguiram, no Brasil, as propostas francesas, o que pode ser constatado pela presença de técnicos do SESC realizando estágios na França como também pela vinda de técnicos franceses ao Brasil. 97 No Brasil, temos as associações dos aposentados reunidas numa Federação que procura atuar na defesa de seus direitos; no caso dos pré–aposentados, que também são bastante significativos, ver Monique Legrand (1987). 130 Outro tipo de associativismo que se desenvolveu no Brasil foi nas federações e associações que se destinavam à defesa de interesses dos aposentados. Esse modelo teve fundamental participação durante os momentos que antecederam a nova constituição brasileira estabelecida no ano de 1987. Como grupos de pressão, eles estiveram presentes nas galerias do congresso e, anos mais tarde, mais uma vez se fizeram notar num significativo momento, ocorrido no início dos anos 90. Foi a partir de uma reivindicação bem pontual que as associações sindicais que defendiam os idosos aposentados brasileiros se mobilizaram, num movimento que Julio Assis Simões analisou. Em sua pesquisa verificamos a importância que é dada pelos dirigentes das associações envolvidas nas lutas reivindicatórias dos aposentados brasileiros às suas associações e à forma como elas procuram se distinguir daquelas que visam ao lazer dos idosos. O movimento dos aposentados acredita possuir uma perspectiva mais ampla de luta pelos direitos dos aposentados e dos idosos, perspectiva que estaria ausente nos grupos da terceira idade e que passaria por uma aliança com os demais setores oprimidos da sociedade, a partir da conscientização da inserção do aposentado e do idoso na sociedade (SIMÕES, 1998:24). Foi um período bastante atuante dos grupos associativos de idosos e aposentados e que após a vitória ficou conhecido como ‘a revolta dos velhinhos’. Muitas dessas associações eram dirigidas por antigos líderes sindicais que procuravam mostrar que, apesar de serem idosos e aposentados, eles não se enquadravam naquilo que se denominava como terceira idade, já que esses “grupos da terceira idade prestarse-iam mais facilmente à manipulação por parte dos políticos e dos governos” (SIMÕES, 1998:24). O autor apresenta a posição de um desses dirigentes citados na tese de doutoramento de Eneida G. M. Haddad, que cobrava, em São Paulo, um maior posicionamento de uma parcela de idosos que se contentava em ter acesso a algum tipo de lazer e nada mais, contrariamente a uma participação mais ativa nos denominados ‘fóruns’98 de idosos e aposentados. 98 Sobre a constituição e desdobramentos ver a tese de doutorado de Serafim Fortes Paz (2001). 131 O Fórum da terceira idade é um pouco usado pelo governo do estado, porque eles dão área de lazer, aquela coisa toda, e parece que isso tira o sentido da luta que a gente está fazendo em prol dos aposentados, ou em prol do idoso. A gente acha que tem que ter lazer também, mas todo mundo tem que ter sua hora de lazer, mas hora de luta, de reivindicação também. Mas eles ficam separados, só se apresentam nesses momentos (SIMÕES, 1998:25). Numa sociedade calcada nos valores do trabalho, é comum a desqualificação do lazer como algo de menor importância. Em parte isso é explicado pelo desconhecimento do significado do lazer, de sua diversidade de interpretações. É interessante acrescentar que na pesquisa que realizamos na França, numa Universidade do Tempo Livre (ALVES JUNIOR, 1994), idosos responsáveis pelas atividades desenvolvidas na associação procuraram sempre distinguir as atividades por eles praticadas como sendo de ensino e pesquisa, e não de lazer e ocupação do tempo livre, como as que seriam realizadas em locais que assumiam o nome de clubes. O que poderíamos também identificar como um ‘bom lazer’ e um ‘mau lazer’, o primeiro merecendo um reconhecimento social e uma valorização semelhante à que se dá ao trabalho, e o segundo, desqualificado como um simples preenchimento do tempo com qualquer coisa. Acredita-se que o modelo associativo francês teve grande impulso devido à utilização das capacidades dos idosos. Para isso, foi necessário incutir um novo modelo de gestão em que o voluntariado passou a ser cada vez mais valorizado, havendo não só um reconhecimento social do voluntário, que passou a atuar com tantas responsabilidades que teve ampliado o sentido do seu lazer. No tocante aos idosos e aposentados, a prática do voluntariado e mesmo de algumas atividades passaram a ser desenvolvidas como se fossem uma ‘segunda carreira’, fazendo parte do ambiente associativo freqüentado por idosos e aposentados como também de outras associações com as mais diversas finalidades. No caso dos idosos franceses, a participação de determinada classe social pode ser bem distinguida nos casos associativos, sendo percebida a diferenciação entre as classes sociais dos que procuram os clubes da terceira idade e aquelas dos que freqüentam, atuam como voluntários ou dirigem as universidades da terceira idade. Mesmo considerando que as associações universitárias para idosos tenham como 132 pretensão serem reconhecidas como instituições de educação permanente, quando observamos as atividades que propõem, estas confundem-se em muitos aspectos com o que estamos considerando como atividades de um clube ou de uma associação voltada a recreação e ao lazer. Além do que ambas podem permitir o acesso a uma cultura desinteressada, não sendo exclusividade das universidades de idosos. Isso se tornou evidente nos trabalhos de Rozenkier (1987) e mais tarde confirmado na pesquisa que efetuamos na Bretanha, com os freqüentadores e também responsáveis pela Universidade do Tempo Livre de Rennes99. Ali também verificamos que não são as mesmas categorias socioprofissionais que participam das diferentes atividades propostas. As associações de idosos, sejam elas denominadas clubes ou universidades, podem ser confundidas pelas atividades que propõem, mas há uma forte resistência por parte dos associados das universidades de virem a ser considerados como freqüentadores de um clube. Eles reivindicam o status universitário como forma de distinguir-se dos que freqüentam os clubes, mesmo que as atividades propostas nos dois sejam bastante semelhantes. Comum a grande parte das associações, o trabalho voluntário tem sido considerado como um dos pilares do movimento associativo. Embora uma de suas características principais seja a de se utilizar de um recurso humano gratuito, não deve ser confundido com assistencialismo ou com filantropia, nos quais as funções pertinentes ao Estado são substituídas pelo cidadão. Nesse tipo de atuação, a intervenção mesmo que voluntária está ligada a um grupo ou indivíduos exteriores à associação. Uma das características do voluntariado realizado por idosos e aposentados é a inexistência de imposições sociais (FERRAND-BECHMAN, 1983), como se isso fosse possível. Quando idosos são questionados sobre as razões que os levaram a se engajar em atividades voluntárias, são apresentadas sempre justificativas fundamentadas em razões humanitárias, mas elas podem se relacionar a outros motivos que se influenciam mutuamente, como por exemplo a questão do engajamento numa ‘segunda carreira’. 99 Entre os anos universitários 1993 e 1995, tivemos a oportunidade de acompanhar uma dessas associações, a Université du Temps Libre du Pays de Rennes, na França. Os resultados desse estudo podem ser consultados em Edmundo de Drummond Alves Junior. (L’Université du Temps Libre du Pays de Rennes: un révélateur d’un modèle social du vieillissement. DEA de Sociologie, Université de Rennes 2, 1994). 133 Pode-se também falar do desejo de se inserir socialmente, de utilizar o tempo livre para defender uma causa que se considera justa ou de estar solidário com um grupo, além do prazer que isso possibilita. Mas esses motivos parecem esconder outros não tão fáceis de ser exprimidos, como a necessidade de ser reconhecido socialmente e o desejo de ter algum tipo de poder (FERRAND-BECHMAN, 1987), que foi verificado em (ALVES JUNIOR, 1994). Como as associações que se utilizam de voluntários não têm qualquer obrigação de declarar o número dos que prestam esses serviços, torna-se então muito difícil quantificá-los. Dan Ferrand-Bechman (1983) cita, por exemplo, que na França eles seriam em torno de dois milhões atuando em diversas atividades voluntárias. Numa sondagem realizada em Paris e em Grenoble no ano de 1981, encontraram-se mais mulheres do que homens praticando o voluntariado: 75% em Paris e 60% em Grenoble; dados que se distribuíam de forma semelhante em outras cidades francesas. Uma coisa é certa: a maior contribuição ao voluntariado parece vir dos idosos e aposentados – em 1985, aquele mesmo autor indicava que 40% dos voluntários tinham mais de 50 anos de idade. O fato de os mecanismos de interrupção da atividade profissional ocorrerem cada vez mais cedo fez com que as classes de idade dos voluntários sofresse algumas modificações. Ao observar o comportamento dos idosos nas atividades associativas, Xavier Gaullier e Maryvonne Gognalons-Nicolet (1984) verificaram que aqueles que têm um diploma e boas condições socioeconômicas (os cadres) têm maior disponibilidade para se engajar no trabalho voluntário. Outro fato observado é que os comportamentos associativos desses voluntários tendem a ser bem semelhantes aos que tinham quando estavam engajados em atividades profissionais. Isso veio a se confirmar quando analisamos os voluntários que atuavam na UTL de Rennes, em que todos os envolvidos nos cargos de responsabilidade de direção na universidade eram pessoas que anteriormente desempenhavam cargos de decisão: comandante da marinha, general, diretora de instituição penitenciária, diretores de empresa. Além desses exemplos mais expressivos que encontramos entre os 47 voluntários que lá atuavam, verificamos também muitas semelhanças entre o tipo de atividade profissional exercida e as características da animação das oficinas apresentadas pelos demais voluntários. Numa primeira observação pode-se supor que o número de voluntários daquela associação seja 134 um número suficiente. Entretanto, na prática, pela envergadura da entidade e a ambição de atender cada vez mais a um maior número de idosos, verificou-se que esse número era insuficiente, havendo muita dificuldade no recrutamento de novos voluntários. Segundo as palavras de um de seus dirigentes, é necessário fazer uma constante verificação nos arquivos para identificar a capacidade dos associados, sendo mesmo necessário ‘pegar no laço’ os novos voluntários. A característica ambígua do voluntariado e a fraca participação de idosos vêm do não reconhecimento oficial e de sua paradoxal interpretação de que seriam os voluntários meros ‘ladrões de emprego’, sendo que alguns autores apontam como sendo um risco à criação de novos empregos (LEGRAND, 1990). Contudo, parece haver por parte da sociedade um reconhecimento maior, encarado de forma diferente quando a atividade voluntária é praticada por idosos e aposentados, já que nesses casos não se estaria pondo em risco um emprego. Aproveitar os próprios recursos dentro do quadro associativo possibilitaria aos clubes e às universidades para idosos sobreviver sem necessidade de grandes recursos financeiros, já que muitas vezes o trabalho administrativo é feito na forma do voluntariado. Entretanto, mesmo que haja quadros voluntários suficientes para fazer funcionar com certa autonomia a associação, verificamos que “na prática percebe-se que o recrutamento para o voluntariado não é nada simples; uma vez que os aposentados têm medo de ser responsáveis por alguma coisa, no fundo é muito difícil encontrar pessoas com o perfil ideal” (ALVES JUNIOR, 2000:34). Interpretamos o voluntariado dos aposentados como preenchimento e constante reflexão sobre o trabalho perdido e, ao mesmo tempo, uma maneira de se distinguir socialmente, uma forma de resistir ao envelhecimento, “uma continuação de uma ocupação que foi interrompida, uma segunda carreira” (ALVES JUNIOR, 2000:35). O papel dos voluntários em associações como as que estamos investigando foi analisado por Maximilienne Levet-Gautrat (1983). Nesse caso foram os voluntários que participavam de uma Universidade do Tempo Livre. Pode-se constatar a maciça presença das mulheres em certas atividades, ficando por outro lado bastante reduzida e às vezes ausente sua participação nos cargos com alguma responsabilidade. Ela previa que com a chegada de novas gerações de aposentados seriam ocupados os lugares dos mais velhos, e que isso reavivaria um certo sentimento de rejeição, semelhante àquele já 135 ocorrido no momento da aposentadoria, quando eles se viram substituídos em suas funções pelos mais novos100. Em associações que apresentavam aos seus quadros um leque de atividades consideradas como educativas ou formativas, como no caso das universidades para idosos e certos clubes considerados por muitos como mais elitizados, verificou-se, como no caso da Universidade do Tempo Livre de Rennes, que os voluntários possuidores de uma bagagem cultural maior do que a grande maioria dos associados encaram sua participação nas atividades propostas com senso de responsabilidade e envolvimento, como se ainda estivessem no mundo do trabalho, mesmo que estas atividades possam por eles mesmos ser caracterizadas como lazer [...] é o prazer de fazer algo pelos outros. Enfim, o trabalho voluntário é mais dividir conhecimentos do que um trabalho (ALVES JUNIOR, 1994:35). Quando se fala em educação e se percorre a literatura, uma primeira constatação se manifesta: a reconhecida afirmação de que educação seria algo para jovens, preparando-os para a vida adulta. Uma possível contribuição de uma educação de adultos, em geral, seria reconhecida como algo menor, de segunda categoria, algo a ser postergada (GLENDENNING, 1985). Tomando como exemplo as sociedades mais industrializadas, notadamente a sociedade francesa101, a educação seria até bem pouco tempo um processo que terminaria no fim da adolescência ou no início dos 20 anos, sendo uma preparação para o futuro profissional (CRANDALL, 1980). Segundo Frank Glendenning (1985), responsável pelos primeiros programas ingleses de educação para idosos, inicialmente teríamos a gerontologia social e como sub-disciplina a ‘gerontologia educacional’, um termo ainda pouco usado na década de oitenta, que abrangeria três áreas: a educação destinada aos idosos e aos que estão próximos desse período; a educação para o envelhecimento, que abre a perspectiva intergeracional; e a formação dos recursos que vão atuar com os idosos. Peterson é o 100 Ver por exemplo o trabalho por nós apresentado na Revista Motus Corporis de novembro de 2000. Nele tratamos da separação entre dois grupos de idosos, os mais novos e os mais velhos. Caracterizados como reformistas e conservadores, viveram momentos de tensão que culminaram em profundas modificações na instituição (ALVES JUNIOR, 2000). 101 Na França, ser estudante até 26 anos e idoso dá direito a uma série de facilidades de acesso a cultura, lazer, com descontos diversos. A partir dos 26 anos, supõe-se que os jovens já devem estar engajados no mercado do trabalho. 136 nome do autor citado por Glendening e que identifica o surgimento desse novo termo, surgido pela primeira vez na Universidade de Michigan, no programa de doutorado que em 1970 continha o título ‘educação e as pessoas idosas’, um campo de estudo que se desenvolve na interface educação de adultos e gerontologia social. Para Pierre Brasseul (1985, 1990), um novo fenômeno de massa se constituía, surgindo com uma ‘transformação102 nas idades’, em que a idade da aposentadoria não estaria tão próxima da morte. Isso abriu caminho para um novo projeto que permitiu demonstrar que as pessoas poderiam estar engajadas num projeto de ensino após a idade da aposentadoria. Segundo ainda esse autor, o tema educação dos adultos e envelhecimento é polissêmico, havendo ausência de homogeneidade entre os autores. Carre (1985) aponta três acepções diferentes: num sentido restritivo, a concepção estaria no âmbito das universidades e clubes da terceira idade; em oposição, num sentido mais amplo, ”educação sendo considerada como ação do meio ambiente sobre o indivíduo, e o envelhecimento como a ação do tempo sobre a pessoa” (CARRE, 1985:39). Sendo assim, ‘tudo estaria dentro de tudo’, e todo problema educativo comporta então um aspecto gerontológico que pode ser percebido também de forma recíproca; a ambigüidade seria superada pelos compromissos da gerontologia educativa, disciplina que surge da confluência das ciências da educação com a gerontologia. Ele reafirma que a gerontologia educativa agrupa três setores: educação dos adultos durante a segunda metade da vida; educação do público sobre o envelhecimento humano e formação de quadros gerontológicos. Seria a oportunidade de se trabalhar com as mais diversas motivações, desde a necessidade de aquisição de novos conhecimentos, com um forte componente social, pois poderia ser uma possibilidade de se fazerem novos contatos sociais, lutando-se mesmo contra a solidão. É interessante observar que o reconhecimento social desse tipo de engajamento extrapola para o ambiente familiar, em que haveria por parte dos idosos um certo orgulho de mostrar aos seus familiares que estão ativos e buscando novos conhecimentos. No entanto, quando se observam algumas declarações como a de Swindel e Thompson, citados por Neri e Cachione, vemos que a educação de pessoas idosas pode servir para outros fins, contribuindo para diminuir sua dependência, 102 Em francês, bouleversement. 137 beneficiando “seu bem-estar físico e psicológico, o que resulta vantajoso para as famílias e a sociedade, para a Previdência Social e para o sistema de saúde” (NERI; CACHIONE, 1999:124). Sem a pretensão de esgotar o tema, apresentamos, aqui, alguns momentos considerados importantes e que contribuíram para a implantação e difusão do que vem sendo chamado de educação para idosos e aposentados. Encontramos uma variedade de projetos que foram implantados durante as décadas de sessenta e setenta, visando a preparar para a aposentadoria, visando entre outros objetivos quebrar estereótipos relacionados ao envelhecimento, passando novos conhecimentos no campo das artes e de uma nova maneira de envelhecer. Podemos citar o projeto ‘elders hostel’ nos EUA e Canadá; ‘self help learning’ na Inglaterra; ‘ciclo de estudos’ na Suécia; ‘universidades para a terceira idade’ na França e os programas de preparação para aposentadoria do SESC. No entanto, logo foram feitas certas críticas ao caráter paternalista e à formação de guetos de idosos a partir da constatação de que haveria mais segregação do que a própria integração. Maria Helena Novaes destaca que os obstáculos que se têm de enfrentar para implantar esses programas são vários, originários de problemas de ordem “sóciopolítica, além dos educacionais, por serem considerados sem muita utilidade, paliativos e suplementares, não exigindo muito planejamento, nem organização acadêmica” (NOVAES, 2000:141). Como solução encontrada para a superação desses problemas, há necessidade de que obedeçam a um certo enquadramento ao sistema ou instituição educativa, através de cursos programados, seqüência de atividades previstas e delimitação de propósitos, além de serem reconhecidos pela especificidade dos seus conteúdos e metodologia (NOVAES, 2000:141-142). O significado da educação para adultos vem de uma disposição da sociedade em oferecer oportunidades de educação a qualquer momento, conforme as necessidades sentidas pelo público idoso. Não deve ser, em hipótese alguma, uma extensão da escola tal qual a conhecemos. Hoje parece ser incontestável que somos capazes de aprender, não importa em que idade. O que se tem de considerar são alterações nos ritmos e ansiedades aliados à maneira peculiar de aprender. Romper com o mito de que não 138 haveria interesse e capacidade por parte dos idosos em aprender novas coisas não é uma tarefa das mais fáceis, pois ele se estende mesmo entre os que se propõe a atuar com grupos de idosos e aposentados. É inegável que o interesse dos idosos e aposentados em participar das propostas associativas foi muito maior do que se esperava alcançar, hoje não se encontrando muitos detratores dessa maneira específica de envelhecer, capaz de levar idosos e aposentados a freqüentar associações com a finalidade de aprender novos conhecimentos. São diversas instâncias que logo se dispuseram a intervir, pois foi reconhecido o potencial desse ‘nicho’, seja por sua forte predisposição ao consumo, seja “como alvo de ações voltadas a um grupo historicamente negligenciado” (NERI; CACHIONE, 1999:115). Idosos e aposentados passaram a ser percebidos de forma diferente também como resposta a uma tendência sua “a admitir a necessidade de lutar pelos próprios direitos e um desejo de acesso à educação superior” (NERI; CACHIONE, 1999:115). A gerontologia educacional permitiria então o desenvolvimento das necessidades dos idosos ao mesmo tempo em que contemplaria a necessidade de formação de recursos humanos. Quanto às primeiras, chamam nossa atenção: preparação para a aposentadoria e tempo destinado ao lazer; preparação para a segunda carreira e para exercer atividades na comunidade; preparação para manter e aumentar o bem-estar da saúde mental e física; preparação para mudanças de expectativas em papéis familiares; preparação para estilos de vida alternativos; preparação para outras perdas significativas. (NERI; CACHIONE, 1999:126). O conceito de uma educação gerontológica, segundo Glendenning (1985), se originaria da proposta de ‘educação para todos’. Esse autor, anos mais tarde, propõe que a educação gerontológica passe a ser considerada a partir de uma outra subdivisão, que teria foco no ensino sobre a velhice e envelhecimento numa sociedade que envelhece, com a finalidade de preparar e atualizar para carreiras profissionais em gerontologia, de preparar cuidadores informais e de oferecer à sociedade informações sobre a velhice, envelhecimento e necessidade dos idosos (NERI; CACHIONE, 1999:127). 139 Já a gerontologia educacional seria “o próprio campo para investimento nas capacidades, atitudes e habilidades dos idosos, visando à promoção de sua qualidade de vida” (NERI; CACHIONE, 1999:127) de maneira que os programas das universidades para idosos fariam parte da gerontologia educacional, fundamentando-se nos princípios da educação permanente e na busca do exercício do direito da cidadania (NIGRI, 1999)103. Geneviève Vaucher (1985) lembra que já em 1949 o tema da educação dos adultos foi apresentado em assembléia da UNESCO e que um século antes ela era utilizada como meio de ‘instrução corretiva’, já que era necessário que os trabalhadores pudessem saber ler para poder compreender as informações que acompanhavam as novas máquinas que chegavam às fábricas. Da mesma forma, havia o interesse na difusão de certas religiões. A educação dos idosos fora do circuito profissional e a idéia de que ela não era algo exclusivo dos jovens começaram a ganhar consistência com a difusão do conceito de ‘educação permanente’, sendo Pierre Furter (1977) um de seus maiores defensores104. Essa é a temática principal da UNESCO em 1970 e leva em consideração que educação permanente não se reduz a formação contínua; ela é concebida como um processo contínuo que começa na educação inicial e segue ao longo da vida (HUSAIN, 1985). Na verdade a UNESCO utilizou o potencial da mídia para incutir a idéia da importância de se preparar para a aposentadoria, e programas específicos nas empresas surgiram, como já observamos, numa mesma época em que a política por um modo de vida fazia parte das agendas dos países que já apresentavam problemas com o envelhecimento de sua população. Ao mesmo tempo se incitavam os futuros aposentados a participar ativamente da vida de aposentado, incluindo as atividades físicas; procurava-se difundir a idéia de que estar inserido em diversas atividades seria uma maneira de resistir ao envelhecimento. No quadro da educação permanente, 103 Em sua tese de doutorado defendida em 1999, Sara Nigri procura responder se a universidade destinada à terceira idade seria o locus de exercício da cidadania do idoso. Ela investigou uma das que têm tido mais impacto mediático, a Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ. 104 Ao apresentar um breve histórico da educação permanente, Dumazedier (1985) mostra que já em 1955 uma tentativa foi lançada, seguindo-se outras, até se chegar a Pierre Furter. 140 possibilitar ao idoso ser autônomo105 e ativo após a aposentadoria passou a ser a proposição que encorajava as instituições especializadas a colocar em prática programas específicos para essa população, não se devendo, porém, confundi-los com formação contínua ou permanente. “Com o decorrer do tempo, a formação permanente muda de natureza: ela deixa de ser preparação para o trabalho, limitada no tempo para tornar-se uma busca de conhecimento interrompido e o enriquecimento pessoal” (BRASSEUL, 1982:205). Podemos apontar que existia um vazio institucional que os clubes da terceira idade não tiveram a capacidade de aproveitar ao desenvolverem programas específicos para idosos. A nova proposta tentava se diferenciar das primeiras associações para aposentados que não tinham muita preocupação com a troca de conhecimentos ou o desenvolvimento cultural de seus associados. Estas associações sendo mais elaborados do que os clubes, também puderam se beneficiar de uma cobertura bastante importante na mídia (ROZENKIER, 1987), sendo tanto na França como no Brasil, incorporado às universidades a partir dos mais diversos departamentos e institutos106. Com o desenvolvimento das universidades para idosos, difundiu-se uma nova mentalidade a respeito do envelhecimento. Não resta dúvida de que essa fórmula nasceu elitizada e não conseguiu atingir o operariado em geral, aqueles que não puderam poupar e se aproveitar de um capital cultural, de relações sociais e de saúde como os pertencentes às classes mais privilegiadas. Pierre Vellas, quando criou a primeira Universidade da Terceira Idade, procurou deixar claro que não haveria uma idade cronológica para definir a terceira idade. Para ele, ela começaria com a interrupção da vida ativa profissional e, no caso das mulheres donas-de-casa, no momento em que elas terminaram de educar sus filhos. 105 Como vimos na tese de Farinatti (1998), o conceito de autonomia é variado e conflitante, ainda não sendo definitivo. 106 Para informações sobre essa diversidade de exemplos no Brasil, ver Novaes (2000); Neri e Cachione (1999); Cachione (1999) e Nigri (1999). Consta que a primeira manifestação no gênero no país ocorre na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no ano de 1983. Mas o que fica claro nos exemplos citados é que todos seguem o modelo francês, porém sem conseguir se desvencilhar de uma idade cronológica para delimitar quem pode entrar em seus programas. Ainda que a pressão dos novos aposentados e outras categorias tenham imposto a algumas a diminuição da idade de entrada para 45 anos, a nosso ver não resolve em nada o problema, pois a discriminação continua, não possibilitando a intergeracionalidade, que é propiciada por propostas como as da universidade do tempo livre que, como vimos, na França, não impõe qualquer idade cronológica para a entrada de seus associados. 141 Esse modelo é considerado o elemento detonador de um movimento associativo com características singulares que rapidamente ganhou importância de fenômeno social (BRASSEUL, 1985), e que, como vimos, logo ganhou amplitude internacional. As universidades para a terceira idade foram criadas “com a finalidade de contribuir para o progresso das pesquisas gerontológicas, lado a lado com os programas de educação permanente” (VELLAS, 1990:105)107. Em sua essência, todo estabelecimento que tem a pretensão de ser universitário deve integrar os três domínios, que são o ensino, a pesquisa e a extensão. Porém, quando observamos a gênese das universidades para as pessoas idosas, até agora é o ensino que vem sendo mais desenvolvido (LEMIEUX; JEANNARET; MARC, 1992). Consciente das demandas dos novos aposentados, mais jovens, em melhores condições financeiras e possuidores de uma bagagem cultural superior à das gerações anteriores, Pierre Vellas (1983) propôs a primeira Universidade da Terceira Idade, que logo se transformou num novo fenômeno de massa, tornando-se um interessante fato social. Se por um lado essas associações aglutinadas em centros universitários caracterizam-se pela ausência de acordo entre os especialistas quanto à forma de atuação, por outro, todos parecem estar de acordo com a atenção que se deve ter no sentido de evitar o risco de isolamento das associações, limitando-as ao papel de amável assistencialismo ou de clube de encontro, onde o que mais importa é a troca desinteressada e estar no meio dos outros. Seus projetos devem ser mais ambiciosos, declaram seus defensores, primando por dimensões didáticas e pedagógicas, uma educação ‘para’, ‘pelos’ e ‘com’ os idosos (LEMIEUX; JEANNERET; MARC, 1992). Entretanto, devemos reconhecer que o acesso parece privilegiar certas categorias sociais, e isto está bem claro nos resultados das pesquisas que procuram identificar as origens sociais dos associados. Todo desenvolvimento cultural numa associação semelhante deve ser feito de forma ativa, e não passivamente, quando se mantêm os idosos e aposentados como meros consumidores – o que acaba acontecendo na grande maioria dos casos. As universidades 107 Diversas contribuições oriundas dessas pesquisas aplicadas foram enumeradas por Pierre Vellas, que coloca em dúvida se o mesmo poderia ocorrer em universidades com outras propostas, como as do tempo livre ou de todas as idades, que, segundo ele, não contribuiriam para o progresso das pesquisas gerontológicas. 142 não deveriam ter como pretensão concorrer com os clubes de idosos e nem deveriam ser confundidas com eles, devendo ser uma associação flexível e dinâmica como todas as universidades em princípio. Seus defensores usam o argumento de que o pior serviço de uma universidade para idosos é o de se fazer uma instituição de segunda categoria, incapaz de incorporar os três principais campos da Universidade. No que abrange o ensino, seria destinada aos estudantes idosos e aos que atuam com grupos de idosos. A relacionada à pesquisa é a mais desafiadora, e, quando se dá, freqüentemente se desenvolve na forma de pesquisa-ação ou pesquisa participativa. Na extensão, esse desenvolvimento seria a partir das diversas fórmulas de voluntariado. As várias gerações de ensino para idosos foram assim caracterizados por Lemieux, Jeanneret e Marc (1992). Nos anos 60, antes mesmo de Vellas, teríamos o que foi considerado modelo educativo conhecido como lazeres culturais, cujo objetivo principal era ocupar e possibilitar as relações sociais. Isso era representado por programas de conferências bastante presentes nos modelos franceses de clubes para idosos daquele período. No caso brasileiro, começa a se modelar na mesma época o atendimento dos idosos, porém só na forma de grupo de convivência108. Só mais tarde passou a existir um modelo educativo, implantado a partir dos anos 70, quando o SESC cria em algumas unidades as denominadas ‘escolas abertas da terceira idade’. A segunda geração apontada por Lemieux, Jeanneret e Marc (1992) pode ser observada na França a partir dos anos 70, centrada em atividades educativas baseadas no conceito de participação e integração na sociedade, aproveitando os conhecimentos dos próprios idosos. A intenção era de prepará-los para intervir nos problemas da sociedade, o que, segundo alguns autores, continuaria sendo a principal tônica desenvolvida até hoje na França e mais timidamente no Brasil. As associações seriam geridas por idosos, nas quais eles próprios estabelecem o que deve ser apresentado aos associados, não são ainda comuns no Brasil. A terceira geração teria começado nos idos dos anos 80 e, guardadas as devidas proporções entre o que é desejado e o que é feito, é encontrada no Brasil a partir dos anos noventa. Nela, os novos aposentados, cada vez mais jovens e mais escolarizados, passaram a apresentar novas demandas nos cursos que eram 108 O SESC começou, no ano de 1963, na unidade de Carmo, a desenvolver suas atividades que: “eram organizadas de tal forma que pudessem manter as pessoas ocupadas com algo que viesse ao encontro de suas necessidades de conviver, estar com outras pessoas, trocar sentimentos, experiências, etc.” (EQUIPE, 1993:52). 143 oferecidos, solicitando que eles se parecessem cada vez mais com um curso universitário. É nessa fase que na França se observou um grande salto no número de participantes, a partir de um fato que foi fundamental e traçou os novos rumos das universidades ditas da terceira idade naquele país. Essa mudança de paradigma a nosso ver foi e é o grande diferencial entre as propostas francesas e brasileiras: as universidades que anteriormente estipulavam a idade de 60 ou 65 anos para aceitar seus associados perceberam que corriam risco de envelhecer suas idéias junto com os seus associados, afastando-se dos interesses dos novos aposentados, muitos com menos de sessenta anos. Daí a proposta de não haver mais uma limitação mínima de idade tem sido por nós considerada como um avanço e coerência com a proposta de trabalhos intergeracionais e não segregativos de grupos de idosos e aposentados. Esse fato foi determinante para marcar o declínio dos clubes da terceira idade e de outras associações, que não foram capazes de adequar a dinâmica imposta pelos novos aposentados, acabaria por ameaçar as universidades da terceira idade. A organização dessas instituições faz com que elas estejam integradas a uma universidade tradicional, fazendo parte de um setor qualquer que vai depender da organização em que estão inseridas. Em geral, as universidades para idosos sempre funcionam em comum acordo com uma universidade que vai lhes dar uma certa assistência didático–pedagógica, chegando a contribuir para a qualidade de algumas atividades que são propostas. Os dados que se possuem para identificar o número de integrantes dessas associações ainda são limitados, e o que existe como contabilização geral decorre de associações que envolvem as universidades para idosos. No Brasil ainda não encontramos uma associação com força semelhante, como ocorre na França, na Associação Francesa das Universidades da Terceira Idade (AUTA)109. Na França, contabilizaram-se cerca de 80 mil participantes, divididos em 45 universidades principais que possuíam diversas filiais localizadas em cidades próximas à universidade principal. 109 Atualmente, aproveitando a possibilidade que a sigla oferece na língua francesa, a associação foi rebatizada, sendo conhecida como Associação Francesa das Universidades de Todas as Idades. Isso ocorreu em função das resistências dos novos aposentados ao termo ‘terceira idade’, com a conseqüente modificação nos estatutos, que passaram a aceitar o ingresso de não aposentadas e pessoas de todas as idades. 144 Pierre Brasseul (1985) observou que uma das características desse ‘fenômeno urbano’ é um tipo de ensino desinteressado ligado ao conceito do lazer, capaz de dar um sentido à aposentadoria e principalmente auxiliando a romper o isolamento social. Ao desenvolver um papel cultural, as universidades contribuem também para melhorar as relações entre as gerações, principalmente quando elas não impõem grandes barreiras que limitem a participação fundamentadas numa idade cronológica. Sem obrigação ou imposição, sem ter de prestar qualquer tipo de seleção, sem necessidade de um programa, diploma ou qualquer sanção, é um campo privilegiado para colocar em prática experiências inovadoras, como por exemplo as dos professores aposentados franceses, cuja proposta foi chamada de ‘autoformação coletiva’110, que é considerada a primeira universidade francesa da terceira idade que não recebeu esse nome (BRASSEUL; CARRÈ, 1985). Apesar da significativa participação no que toca as inscrições gerais, não podemos deixar de registrar algumas críticas relacionadas à baixa participação dos associados nas atividades consideradas mais intelectualizadas, que acabam não saindo do nível introdutório. Tanto cursos como grupos de pesquisas que têm uma característica mais científica ou intelectual parecem inibir a participação de idosos que não têm capital cultural importante. Grande parte dos estudantes têm se mostrado ‘consumidores passivos’, que aceitam o que é passado sem muito questionar, satisfazendo-se simplesmente em fazer parte do grupo. Quando procuramos saber (ALVES JUNIOR, 1994) como se desenvolvem as pesquisas e as atividades de extensão em uma dessas universidades, verificamos que há uma preocupação em afirmar que os idosos e aposentados que participam desses programas não devem se limitar a ser apenas o objeto da pesquisa. A característica da grande presença feminina e de uma classe média típica é evocada na pesquisa de Maximilienne Levet-Gautrat (1981), que investigou o conjunto dos participantes de 16 universidades da terceira idade francesas. A autora procurou estabelecer um perfil preciso dos idosos inscritos a partir de três questões básicas: quem as freqüenta, qual é a pedagogia empregada e como se estabelecem as relações sociais 110 Foi um trabalho posto em prática a partir da autogestão, que contou com a participação do Clube dos Aposentados da educação nacional. Esse clube recebeu apoio da Universidade Paris X. 145 entre os participantes. Fundamentando-se nos aspectos sociológicos e nas motivações e objetivos dos estudantes idosos, confirmou três hipóteses: no nível sociológico, individual e de interação. No primeiro, o fato de ir à universidade seria uma recompensa, representando a procura por um novo status social; na segunda, a aquisição de conhecimentos é um mecanismo de defesa contra a angústia da morte; e a terceira suscita o sentimento de estar em relação com o outro e ao mesmo tempo estar livre. O determinismo sociológico de pertencimento social foi analisado por Vanbremeersch e Margarido (1980), que também observaram o papel que a estruturação da família desenvolve no momento da inscrição na universidade. Diante do exposto até aqui e de nossas observações empreendidas nos modelos educacionais propostos, não importando o tipo de associação que se desenvolve, um leque de opções que poderíamos chamar de oficinas são oferecidas. Se quisermos pensar conforme os interesses do lazer propostos por Dumazedier, eles estariam contemplados nos aspectos: intelectuais, artísticos, físicos, sociais – e acrescentamos os turísticos. Entretanto, no caso das universidades, há uma forte resistência de seus associados em considerar as atividades propostas como de lazer. Por essa característica as atividades de aceitas mais facilmente como de lazer, são consideradas menores em relação a outros valores. As atividades físicas sofrem preconceito semelhante, mesmo levando em consideração que sua presença é bastante comum nas universidades e nos clubes destinados a idosos e aposentados. As atividades físicas e no caso as ginásticas estão associadas à perspectiva de longevidade com saúde, contribuindo para que eles permaneçam mais tempo em atividade. 146 CAPÍTULO III A GINÁSTICA COMO UM DOS MEIOS PARA MANTER IDOSOS E APOSENTADOS SAUDÁVEIS Neste último capítulo, destinado a revisar a literatura, procuramos fazê-lo de forma a avançar o que já veio sendo discutido nos dois anteriores, ou seja, uma possível relação moralizante exercida sobre a sociedade em relação ao tema central da pesquisa: a adoção por parte dos idosos e aposentados de um estilo de vida ativo, que inclui a prática de atividades físicas como possibilidade de viver mais, melhor, com saúde, adiando para mais tarde a entrada na velhice. Apresentaremos agora novos elementos, dando maior ênfase à questão da prática das atividades físicas e suas relações com a aposentadoria, envelhecimento e esse modo de vida ativo, que, com a pretensão de resistir ao envelhecimento, acaba negando a velhice. Outro aspecto também desenvolvido no capítulo é o que trata das atividades físicas e dos exercícios físicos, que têm sido freqüentemente incluídos no discurso do envelhecimento saudável, da longevidade e de uma qualidade de vida ao envelhecer. A prática de atividades físicas é fortemente associada à saúde, seja como prevenção, conservação ou cura. Com o apoio dos resultados de pesquisas científicas e sua midiatização, essas práticas são incluídas no discurso que trata do modo de vida das pessoas, independentemente da idade. A ocupação do tempo disponível do aposentado com as mais diversas atividades é posta em prática por idosos; no caso das atividades físicas e esportivas, a busca do lazer é uma forte motivação, uma vez que, dependendo da atividade escolhida e como ela é praticada, elas podem proporcionar aos seus praticantes momentos de prazer e de substituição à angústia, e solidão de uma vida plena de tempo disponível mas sem sentido. Se num primeiro momento as atividades físicas para idosos eram quase que exclusivamente voltadas para a busca da saúde, com intervenção exclusiva dos médicos, sua generalização determinou uma maior participação dos profissionais da educação física. Novos objetivos passaram a ser traçados e sua apresentação aos idosos passou a considerar mais os aspectos que as aproximam de uma aula do que de uma terapia, necessitando então 147 de uma didática para transmitir os saberes que são propostos pelos animadores das atividades. A ginástica é a atividade escolhida para ser investigada, não só por seu tradicionalismo como por sua grande aceitação pelos idosos e aposentados. Como veremos, a prática da ginástica e também o entendimento do que vem a ser saúde assumiram novos contornos. No último item de análise deste capítulo, introduzimos algumas reflexões relacionadas com os métodos didáticos utilizados na prática da ginástica que é proposta para os idosos e aposentados. Exercitando o corpo para a saúde e o bom envelhecimento Na história da humanidade encontramos diversos registros que demonstram como a prática das atividades físicas sistemáticas eram realizadas, podendo ser: parte da preparação dos jovens para a vida adulta; manifestação utilizada mais especificamente em rituais; preparação do corpo forte para enfrentar as necessidades da vida e para as guerras; e até mesmo na recuperação ou prevenção de doenças. As marcas deixadas pelos povos gregos mostram que os exercícios ginásticos111 praticados na Antigüidade representavam uma “expressão do instinto de imortalidade” (RAMOS, 1982:107). Se durante muito tempo foram quase que exclusivamente praticados pelos mais jovens e adultos ainda não considerados velhos, eles passaram depois de um tempo a ser também preconizados como importante para os idosos. Isso pode ser verificado em Platão112, quando ele descreveu que um antigo ‘pedótriba’, ao ficar adoentado, encontrou a maneira de prolongar sua vida num tipo de regime particular, que continha exercícios físicos. Platão mostrava assim a importância dos exercícios ginásticos para todos, independente da idade113 (ULMANN, 111 O termo ‘ginástica’ na Antigüidade grega designava a totalidade do que hoje consideramos como atividades físicas esportivas ou exercícios físicos. No decorrer da História, os significados mudaram; hoje são termos usados correntemente, não havendo consenso sobre seus significados. Para saber mais, ver Beyer (1987), Bouchard (1988) ou Faria Junior (1999), Mc Cardle, Katch, Katch (1996). 112 É a junção das três fontes – jogos, a higiênica e a militar – que dá origem à inspiração de Platão para promover uma ginástica com caráter educativo. São tendências que vão durante séculos permear a educação física (THOMAS, 1977). 113 Segundo Jacques Ulmann, esse pedótriba pode ser a mesma pessoa do tratado de O regime. Será certamente em Hipócrates que pela primeira vez se apresenta à ginástica um aspecto médico. 148 1997), como um meio de conservar o que naquele momento estaria sendo entendido como saúde114. Na antiga Grécia explicava-se a doença a partir da responsabilização do indivíduo por seu surgimento. Pelo que observamos, a perspectiva higiênica, que em muitos aspectos até hoje não mudou, servia de base para a construção dos fundamentos que impõem uma atividade física constante para a conservação da saúde das pessoas. Ao se referir à maneira como se encarava a doença na Antigüidade, Ulmann argumenta que naquela época era correntemente aceito que algumas doenças não se poderiam evitar, mas outras sim, principalmente as que tinham origem numa má higiene de vida. Uma alimentação muito rica deixa nos corpos resíduos prejudiciais, que acabam se acumulando numa determinada parte do corpo, produzindo a doença. Hipócrates fixa a origem destes dejetos. Eles são devido a um desequilíbrio no homem entre a absorção de alimentos e o gasto de energia. Se o homem, dito numa linguagem mais atual, consome mais do que ele gasta, se gasta mais do que recebe ele estará igualmente doente. O autor do tratado ‘Do regime’, revindica esta descoberta que lhe fornecerá o fio condutor de capital importância para equilibrar suas receitas dietéticas com suas prescrições ginásticas [...]. A ginástica intervém em duas partes da medicina que são mais usuais: a medicina preventiva (que mais tarde será chamada de higiênica) e a medicina curativa ou medicina propriamente dita. (ULMANN, 1997:21-22). A contribuição dos que se interessavam pela manutenção da saúde e por sua relação com a presença de exercícios físicos na vida dos que envelheciam pode também ser resgatada em outros personagens considerados importantes para o desenvolvimento da humanidade e da medicina. Um deles foi Galeno115, que deu “uma interpretação pessoal do 114 Saúde é um termo utilizado com muita freqüência em nossa vida cotidiana e que tem também sofrido algumas mudanças conceituais que a fizeram ser interpretada pelo aspecto da saúde positiva ou da saúde negativa. Durante muito tempo foi considerada como oposição a doenças, mas um passo importante foi dado pelos países membros da Organização Mundial da Saúde, que propuseram a clássica definição para saúde como sendo o completo bem-estar bio-psicossocial do indivíduo, e não a ausência de doenças. 115 Ele viveu no segundo século de nossa era e sua contribuição faz Ulmann considerá-lo um dos maiores nomes da Ginástica. Sua influência vai até a Renascença, levando Mercurialis a escrever a 149 papel da ginástica e de sua ação sobre o corpo” (ULMANN, 1997:73). Ao explicar que sua prática influía sobre o desenvolvimento dos músculos, explicava de maneira fisiológica como isso ocorria. A defesa feita por Galeno das atividades ginásticas permitiu que viesse a ser considerado como um dos precursores do que estamos atualmente chamando de ginástica para idosos (FARIA JUNIOR, 1999). Isso pode ser melhor percebido quando Galeno exemplificou os benefícios do trabalho com pequenas bolas. Numa monografia de sua autoria, ficou registrado que devido a sua baixa intensidade, esse tipo de trabalho poderia ser realizado por pessoas com as mais variadas complexões físicas, como também por pessoas de diferentes idades, com níveis variados de deficiência. Levando em consideração os efeitos que os exercícios geravam no corpo do indivíduo, três grupos foram estabelecidos pelo autor: exercícios para desenvolvimento do tônus muscular, sem envolver os músculos em movimentos violentos (seriam os hoje chamados exercícios de força); exercícios para desenvolvimento da presteza e da rapidez (incluindo exercícios baseados na idéia de que velocidade de movimento ou diminuição do tempo de reação podem ser treinados); exercícios violentos (treinamento da estamina e endurance). Galeno produziu ainda uma segunda classificação subordinada à primeira, relacionada com a parte do corpo trabalhada. Existiriam assim exercícios de pernas, exercícios de braços e exercícios de tronco; de correr e de andar (FARIA JUNIOR, 1999:39). O que ficava claro era que aqueles que praticassem atividades físicas teriam um excelente meio para preservar a saúde, princípio que se aproxima dos praticantes do que atualmente é denominado qualidade de vida. É verdade que durante muito tempo ficou mais marcante a preocupação da prática da ginástica na formação dos jovens, principalmente pelo caráter preparatório de corpos mais fortes, sendo secundário o que envolvia características preventivas ou curativas. Apesar de o século XX ser considerado uma época de grande interesse pelas atividades físicas esportivas, fazer exercícios físicos nesse século nem sempre foi visto como algo útil, havendo certa desconfiança quanto a qualquer Arte Ginástica, que, apesar de seu “caráter inovador, é inteiramente dentro da linha de Galeno” (ULMANN, 1997:75). 150 benefício quando se tratava da prática realizada por pessoas idosas. Não faltaram detratores, dizendo mesmo que era uma bobagem a prática de exercícios realizados de forma sistemática em determinada idade. Isso foi dito pelo médico Peter Steincrohn, que, fundamentando-se em pesquisas realizadas com insetos enfocando a longevidade, dizia não existir grande utilidade, para idosos, a prática de exercícios. Ao serem pesquisadas moscas de determinadas espécies, chegara-se à conclusão de que aquelas que mais gastavam suas energias eram aquelas que iriam primeiro morrer; daí passou-se a defender que para viver mais era necessário economizar ao máximo as energias. Sem querer afirmar que todos os exercícios deveriam ser abolidos, esse médico reconhecia o valor dos mesmos, mas só para “crianças em período de crescimento, jovens adultos, vítimas de determinados defeitos físicos e qualquer outra pessoa que tenha indicação clínica definida para isso” (STEINCROHN, 1950:13). Quando o livro foi editado, foi destinado a pessoas adultas, próximas à idade de quarenta anos. Os tópicos trabalhados refletiam bem o que preconizava a teoria do desengajamento. O autor assim se expressou sobre as atividades físicas destes que na época ele considerava próximos da velhice, afirmando que a exaustão desnecessária de milhões de indivíduos acima de quarenta anos é um desperdício insensato e irrefletido da energia que nos foi dada por Deus [...]. Se consagrássemos a exercícios sistemáticos para os miolos o tempo que gastamos com o bíceps e o tríceps, todos nós chegaríamos à idade de ouro. Os músculos, depois dos quarenta, deviam ser deixados em paz para serem tão preguiçosos quanto lhes apetecesse (STEINCROHN, 1950:14-22). No momento da entrada no meio acadêmico da discussão sobre o envelhecimento da população aliada a um modo de vida diferente do que era proposto pela teoria do desengajamento, ou da retração (KURZ, 1983), percebe-se uma nova postura com relação à prática de atividades físicas pelos idosos. Imputa-se à Geriatria e à Gerontologia, ciências aplicadas e autônomas que ainda estavam em desenvolvimento, a responsabilidade de dar ao envelhecimento e à velhice uma característica homogeneizante até então não verificada. Resultados de pesquisas apresentados após a segunda metade do século XX contribuíam para fundamentar aqueles que defendiam a inclusão no modo de vida de atividades físicas 151 regulares independentemente da idade cronológica. Como novo estilo de vida para aqueles que envelheciam, tais práticas passaram a ser vistas como vacina, remédio para o envelhecimento saudável, contribuindo também para o retardamento do envelhecimento. O caráter higiênico (preventivo) que acompanha a tendência desse estilo de vida acaba exacerbando a importância que se dá às atividades físicas praticadas por idosos, estando bastante presentes nos manuais do bom envelhecer e em todas as formas de ‘mídia’. Para que isso ocorresse com mais intensidade, foi necessário que houvesse um respaldo das pesquisas científicas, principalmente das que se desenvolveram a partir da intervenção acadêmica: a geriatria no campo da saúde e da doença e a gerontologia, no que se refere aos aspectos mais humanos e sociais. A temática que relaciona atividades físicas, envelhecimento e velhice acabou entrando no meio acadêmico por intermédio de uma multiplicidade de disciplinas, levando em consideração a autonomização da velhice como objeto, legitimada muitas vezes como uma resposta aos problemas decorrentes do prolongamento da vida das populações de diversos países. Resposta, primeiro, aos problemas orgânicos, constituindo-se os saberes englobados na disciplina médica Geriatria, e, logo após, uma resposta que se pretende mais totalizante, com a criação de um campo multidisciplinar, a Gerontologia (GUEDES, 2000:3). É interessante observar como essa autora procurou mapear os pressupostos dos discursos dos especialistas em envelhecimento no Brasil, que certamente acompanharam o mesmo caminho desenvolvido em outros países. Em seu artigo, Guedes (2000) fala de um ‘moderno proselitismo’ das agências especializadas, a partir do qual a busca da qualidade de vida acabou assumindo um papel bastante dogmático, dando destaque ao caráter moralizador da vertente biologizante do envelhecimento. Os efeitos dessa tendência, considerados ideológicos, tiveram como principal origem as instituições médicas. As agências especializadas ligadas à Geriatria e à Gerontologia têm grande potencial de legitimação das idéias que abraçam, propiciado, difusamente, por sua origem acadêmica, de validação transnacional, pela chancela de ‘ciência’ de que se revestem e pelas formas através 152 das quais se realizam, inclusive gerenciando, direta e indiretamente, distintos recursos estatais (GUEDES, 2000:13). A qualidade de vida e com a saúde acabaram sendo os maiores ícones tanto da Geriatria como da Gerontologia, e na medida em que se constituíram num valor com forte caraterísticas de dogma, acabaram sendo inquestionáveis. A busca por manter-se em forma praticando algum tipo de atividade física esportiva é apontada como conseqüência da junção de dois fenômenos, o esportivo e o envelhecimento da população. O primeiro recebeu novas interpretações ideológicas que o transformaram em ‘esporte para todos’, ‘esporte lazer’, ‘esporte para manter a forma’ e ‘esporte saúde’ (MASSE BIRON; PRÈFAUT, 1993), sendo que estes últimos foram com o tempo sendo incorporados junto às atividades não esportivas, ao estilo de vida considerado ideal para as pessoas que envelheciam e queriam usufruir de uma boa qualidade de vida. Atividades físicas esportivas na aposentadoria, um modelo catequizador que tem na saúde seu princípio Certamente são muitos os pesquisadores que se debruçaram sobre a temática; não pretendendo esgotar o assunto, trabalharemos com alguns que apresentaram estudos marcados pelas respostas encontradas. Não há nenhuma intenção cronológica, e visamos destacar a diversidade de pontos por eles apontados. Começamos com Herbert de Vries (1978), Fernand Landry e William Orban (1978) e mais tarde Roy Shephard (1979, 1994, 2003), todos sugeriram que programas de atividades físicas seriam capazes de atenuar o inelutável processo normal do envelhecimento. O que chamou atenção, tanto nesses autores como em outros originários das ciências biológicas (POKROWSKY, 1978; FITZERALD, 1985; RUDMAN, 1989; BOONE; FOLEY, 1997), foi a ênfase dada às descrições das perdas, da diminuição de certas características biológicas que ocorrem no processo do envelhecimento. É bastante comum nessa linha de pesquisa privilegiar quase que com exclusividade os aspectos morfológicos, funcionais e fisiológicos do envelhecimento. Não apenas são descritos os efeitos deletérios 153 sobre a função cardiovascular, respiratória, motora e cognitiva, como chega-se a falar do que ocorre negativamente no campo psicológico e afetivo dos que não se mantêm ativos. De maneira quase global, os fisiologistas definem o envelhecimento como um processo de perdas, estudando-o a partir da deterioração celular, do aumento da vulnerabilidade a doenças, da dor muscular. Zumerchick (1997:596) acusou o estilo de vida sedentário, que, “em conjunção com hábitos de vida insatisfatórios, podem contribuir para a deterioração comumente associada ao envelhecimento”. Admite o autor que, como solução, os benefícios dos exercícios físicos podem influir no sistema ósseo, neuromuscular, metabólico, respiratório, cardiovascular e psicológico. Para Jurgen Weineck (1992:399), o envelhecimento fisiológico é o que atinge de forma sincrônica todos os órgãos e tecidos; já o patológico seria “marcado por uma insuficiência funcional de um determinado órgão ou mesmo de um sistema”. No que toca a capacidade de resultados no plano esportivo, Weineck (1992:398) descreveu o envelhecimento como resultado das modificações biológicas, psicológicas e sociais que ocorrem após a idade adulta, havendo “uma diminuição progressiva das capacidades de adaptação psicofísico da performance do indivíduo”, que poderia ser modificado pela prática de atividades físicas esportivas. A treinabilidade de idosos, mesmo daqueles que durante muito tempo tenham sido sedentários (VRIES, 1978; SHEPHARD, 1979, 1994, 2003; POWELL, 1989; WEINECK, 1992), passou a ser um fato a se considerar, dando sustentação aos que defendiam o caráter preventivo e a característica de resistência ao envelhecimento. Outro fato bastante comum entre os profissionais da área da saúde é a abordagem das modificações corporais. Hebbelinck (1978) fala das modificações estruturais que ocorreriam na cabeça, tórax, rosto, altura, peso, entre outras, e compara a modificação no tórax dos idosos ao tipo corporal das crianças, em que há uma tendência de se tornar mais arredondado, como se houvesse um retorno ao tipo infantil. O objetivo do seu trabalho foi mostrar como os exercícios físicos são úteis pelo caráter preventivo, pois a partir deles evita-se no futuro uma eventual intervenção radical no processo de cura. O mesmo autor também acrescenta que os 154 praticantes de atividades físicas têm uma significativa melhora na qualidade de vida, motivo pelo qual os exercícios físicos deveriam sempre fazer parte de nosso estilo de vida. O aspecto também curativo é incluído por Mc Cardle, Katch e Katch (1996), que argumentaram que um programa de exercícios físicos visando tanto à prevenção como à reabilitação será mais eficiente se for individualizado, devendo ser realizado pelo menos três vezes por semana, com duração de 20 a 40 minutos em cada sessão. A influência de um treinamento de endurance sobre o coração e sobre o estresse passou a ser cada vez mais defendido, sendo apresentado pelo caráter preventivo e de reabilitação, influindo tanto na melhora da qualidade de vida como no aumento da esperança de vida. É então a prevenção das doenças do sistema cardiovascular que está entre os principais motivos elencados pelos que defendem o treinamento físico regular para a manutenção da saúde (WEINECK, 1990). Mas para que isso possa ocorrer é recomendado: atentar para a intensidade, a carga de exercícios e a freqüência semanal. O autor recomenda uma freqüência de três a sete dias na semana, com a duração de 15 a 60 minutos, quando o alvo for o desenvolvimento da condição física. Já com relação à conservação da saúde, a variação vai desde uma vez por semana durante 45 minutos a 2 vezes com 30 minutos, ou 3 vezes com 20 minutos de duração. Quando o objetivo passa a ser a saúde do indivíduo, a intensidade preconizada vai variar entre 60% a 80% do consumo máximo de oxigênio, que também pode ser verificada pela fórmula ‘200 menos a idade’, que corresponderia ao limite da freqüência cardíaca que não se deve ultrapassar. Entretanto, quando se observa a maioria das atividades propostas aos idosos, poucas escapam de ficarem aquém dessas recomendações. Não satisfeitos com a possibilidade de intervir no que estava sendo considerado como qualidade de vida de idosos que até então eram comumente sedentários, o discurso biologizante passou também a englobar a melhora da performance atlética, na busca de um melhor rendimento esportivo individual ou coletivo em atividades que visam à mensuração de resultados atléticos. No entanto, é muito comum vermos críticas à exacerbação da competição e aos aspectos negativos da emulação que ela provoca. É lembrado que para idosos o mais recomendável seria não provocar a competição, já que “os exercícios devem 155 ser atraentes e apresentar um caráter social: estar com e não estar contra” (WEINECK, 1990:450). As modificações imputadas ao envelhecimento impediriam a alta performance, sendo que Weineck considera como principais fatores limitantes o que ocorre com o aparelho locomotor e os sistemas cardiovascular e cardiopulmonar. Guenard, Emeriau e Manier (1994:185) apontam a importância de se reconhecerem dois tipos de envelhecimento: o fisiológico e o patológico. Para eles, conceber o envelhecimento “com uma entidade simples e universal parece ser uma abordagem recomendável”. Em suas propostas com relação aos limites a serem atingidos para que ocorra alguma alteração fisiológica, a freqüência cardíaca máxima em atividade passa a ser a base. Para eles, pessoas idosas de 80 anos não devem ultrapassar os 140 batimentos por minuto. Em termos práticos, esses números reduziriam a capacidade de adaptabilidade ao exercício e a conseqüência dessa redução na freqüência máxima significaria a limitação do débito cardíaco no exercício, por conseguinte uma limitação do transporte de oxigênio aos músculos. Blackburn (1978) fez uma revisão da literatura, e, analisando as relações entre a prática de atividades físicas e a saúde cardiovascular, indica que os estudos passaram a ser mais sistematizados a partir dos anos 1950, mudando a característica de uma medicina curativa para uma medicina preventiva. Defendendo os princípios da teoria da atividade, o autor sugeriu a utilização de técnicas de educação de massa, porém reconhece como importante a manutenção de equipamentos que facilitem a prática de atividades físicas. Nesse sentido, seria necessário visar a uma educação física normativa. No entanto, no tocante à grande massa de idosos e aposentados, observamos que essa atividade, enquanto prática organizada, que se apóie num programa mais complexo, específico para esse grupo social, ainda não está sendo amplamente implantada. Heath (1994) é outro a lembrar que, no mundo industrializado, o estilo de vida sedentário é a norma geral; nesse caso, França e Brasil acompanhariam a tendência mundial. O autor tomou o exemplo do Canadá e dos EUA, onde os idosos ainda têm uma participação muito pequena em programas que proponham a atividade física regular, se bem que tenha havido uma tendência de aumento do número de praticantes. Tomando como exemplo o ano de 1985, o grupo de jovens entre 18 e 29 anos, verificava-se que eles 156 tinham uma taxa de inatividade de 18,3 %; entre os de 30 e 44 anos, a taxa passou a ser de 24,3 %; aumentando para 32,7% para aqueles que estão entre 45 e 64; chegando aos 42,6% para os que têm mais de 65 anos. Seria fundamental a maior participação dos idosos, segundo Heath, que aponta ainda os componentes da boa condição física, que são relatados em termos de alguns atributos, tais como: endurance cardiorespiratória, endurance muscular, força muscular, composição corporal, flexibilidade e saúde aparente. A atividade física também foi considerada como primordial para manter a mobilidade motora, sendo defendida pelo caráter profilático observado naqueles que praticam exercícios e esportes. Meusel (1984) compara a condição física ao tronco de uma árvore capaz de sustentar diversos ramos que seriam as atividades nossas do dia-a-dia. A vida ativa seria um fator a ser considerado como também o são os três fatores importantes na concepção da atividade para idosos: a habilidade motora seria um pré-requisito para a vida social; as pessoas estariam motivadas a envolverem-se em atividades motoras; o esporte e os exercícios facilitariam a inserção social. O autor apresenta diversos testes aplicados aos idosos, procurando mostrar a possibilidade de melhorar sua capacidade física. Daí se recomenda a prática de atividades físicas esportivas como uma maneira de se manter saudável o indivíduo e em conseqüência uma vida social mais dinâmica, vindo até a influir nos aspectos cognitivos. Jeandel (1995:354) investigou em diversas pesquisas realizadas com idosos a afirmação de que exercícios tanto aeróbios como anaeróbios seriam capazes de influir nos déficits cognitivos ligados à idade. Caso isso se confirmasse, as atividades físicas poderiam fazer parte das estratégias postas à disposição na prevenção primária da deficiência cognitiva “resultante do começo do envelhecimento fisiológico e prevenir o agravamento das deficiências neuropsíquicas, conseqüências do envelhecimento patológico”. Entretanto, algumas observações sobre a heterogeneidade das questões que normalmente são investigadas puseram em dúvida as pesquisas sobre essa temática, o que não impediu que fossem encontradas algumas constatações, apresentadas a partir de teorias que procuravam explicar a melhora das funções cognitivas pelas atividades físicas. 157 Muitas vezes a importância da prática das atividades físicas é apresentada a partir do significado dos custos sociais e do que podem propiciar. Hébert (1996) afirmou que, no Canadá, 40% do conjunto das pessoas idosas e 35% das que moravam em seu domicílio apresentavam alguma incapacidade. Se no ano de 1986 as despesas públicas com a saúde dos idosos atingiu 37,4% do total dos gastos, no ano em que foi efetuada a pesquisa passou a ser de mais de 50%. O autor apresentou duas hipóteses para serem trabalhadas: a esperança de vida com boa saúde e a prevalência de incapacidades nas pessoas idosas. Num primeiro aspecto se apresentaria uma ‘pandemia de incapacidades’, que aconteceria devido ao aumento da esperança de vida que elevaria a dependência que antecede a morte. Essa hipótese acaba sendo sustentada pela diminuição das taxas de morte em determinadas doenças consideradas letais. Acompanha o envelhecimento da população a “incidência relativa das doenças crônicas e incapacidades como as artroses e a demência que se sobrepõem às condições mais fatais, como o câncer e as doenças cardiovasculares” (HÉBERT, 1996:64). Isso viria a significar que as condições de morte dos jovens idosos estariam sendo substituídas por doenças que levariam a uma invalidez. A outra hipótese, formulada por Fries em 1980 (apud HÉBERT, 1996), postulava que, considerando os limites máximos da vida humana, na medida em que há um aumento da esperança de vida, haveria uma diminuição dos anos vividos em mau estado de saúde. Mesmo se os dados epidemiológicos não confirmassem essa hipótese, o autor previa que tudo indicava que a hipótese tivesse chance de se realizar, visto o progresso que acompanha o conhecimento da gênese das incapacidades e como se evolui nas formas de evitar que elas ocorram. Foi proposto pelo autor um modelo que apresenta a perda de autonomia e as intervenções que podem ser processadas seja para preveni-la, retardá-la ou atenuá-la. No aspecto de uma prevenção primária, procura-se conter a vulnerabilidade, seja pela preocupação nutricional, ou pela prática de atividades físicas. Na prevenção secundária seria necessário identificar os indivíduos que têm mais risco, intervindo o quanto antes. A prevenção terciária estaria a cargo dos serviços geriátricos, que procurarão diminuir as conseqüências da perda da autonomia. 158 Shephard (1988, 2003) também analisou a relação custo-benefício de um programa de exercícios voltados para a população, argumentando que haveria menos gastos com remédios, internações. O que também é enfatizado por Weineck (2001:21) que apresenta dados que mostram o aumento de consumo de medicamentos na medida que se envelhece, sendo grande o sedentarismo dos mais idosos a solução para reverter o quadro do custo sanitário que isso representa só através de atividades físicas. No momento em que elas são praticadas durante toda a vida “podem se constituir uma importante medida preventiva, contribuindo de forma determinante na diminuição dos gastos com a assistência sanitária”. Na mesma linha dos autores que apresentaram a questão da saúde preventiva, Spirduso (1988) vai apontar os custos com as doenças ditas da civilização como de suma importância para que se tenha um programa voltado a prescrição de exercícios, independente da idade. Entretanto, reconhece que existe dificuldade em apontar os níveis ideais do modelo de saúde preventiva e para cada tipo de idosos, já que a heterogeneidade desse grupo é bastante acentuada. A autora argumenta que os efeitos do exercício podem ser bem percebidos nos aspectos biológicos, mas que não seria tão fácil no que se refere aos aspectos psicológicos e sociais, que também são levados em consideração. O sentido que é dado pelos aposentados à prática da atividade física foi investigado por Bui-Xuan e Marcellini (1993). Foram relacionados dois grupos que tinham em comum o fato de conviverem com algumas deficiências: idosos e pessoas portadoras de algum tipo de necessidade especial. Partiu-se da evidência de que ambos acabavam por criar suas próprias estratégias para sair ou compensar essa situação e (des)estigmatizar a identidade social que os marcava como deficientes. De maneira semelhante, os idosos procuram sair da norma, que seria a velhice, cujas representações sociais associam aposentadoria a incapacidade, inatividade e improdutividade. Ao praticarem uma atividade física, acabariam exorcizando a velhice, distinguindo-se da grande massa de inativos. Para os autores, a saída traumática do mundo do trabalho significaria na aposentadoria um grande problema, pois, não estando mais inserido profissionalmente, haveria também uma desintegração da vida de atividade física e social. A mudança de status seria acompanhada de uma consignação segundo a qual a identidade social de velho, 159 no plano simbólico, o faz aproximar-se da morte. O investimento nas atividades físicas passa a ser uma maneira de enfrentamento para não entrar no ciclo da incapacidade que o conduz à (des)integração social. Tentam-se encontrar variados meios de poupar seu capital saúde, com a prática de atividades físicas, as preocupações alimentares e um estilo de vida típico, seguindo os preceitos dessa nova moral do envelhecer, que valoriza o engajamento nas mais diversas atividades. Os autores, ao falar das ginásticas e dos esportes praticados por idosos e aposentados, consideram que eles acaba sublimando a velhice, e apontam três indicadores que contribuem para exorcizar a (des)integração do indivíduo. Pelo aspecto físico, permite mostrar que ainda se pode ter uma prática efetiva com certa intensidade, regularidade e dedicação de tempo. No aspecto social, o esporte possibilita a sensação de engajamento, sendo de utilidade social, já que pode agregar as pessoas e fazer com que elas assumam responsabilidades em associações. Finalmente, pelo aspecto simbólico, a noção de que se está vivo. Preservar uma certa condição física seria, então, considerada uma atitude lúcida para se enfrentar o envelhecimento e conservar a vida. Mc Pherson (1978) verificou que à medida que aumenta a quantidade dos que praticam atividade física após a aposentadoria, aumenta também o grau de escolaridade dos praticantes, além de diversos determinismos sociais. Chantal Malenfant (1984), que utilizou a expressão ‘atividade corporal praticada por idosos’, observou que para os aposentados houve uma mudança do valor do trabalho, anteriormente considerado como algo sagrado, para uma nova relação com o corpo, expressa pela procura das atividades de ginástica que passaram também a ser identificadas como suaves116. Conforme a autora estaria ocorrendo uma maior valorização da pessoa, das relações e da natureza. Entretanto, o acesso a essas práticas seria ainda dependente da classe social, do estado de saúde, dos meios que as pessoas possuem para viver. 116 Levando em consideração que antigos métodos ginásticos não conseguiram seduzir os idosos e aposentados novas técnicas passaram a ser difundidas e pode de certa forma ser creditado ao aumento da procura dos idosos por praticar atividades físicas. 160 Acompanhando os resultados da pesquisa citada por Defrance (1995), publicada em 1967 pelo Institut National de la Statistique et des Études Economiques (INSEE), o perfil dos praticantes das atividades físicas e esportivas era dominado por homens, jovens, urbanos e mais ricos. Mas segundo esse autor, nos anos subseqüentes houve um forte aumento na taxa de participação das mulheres, dos mais idosos, dos mais pobres e dos moradores em áreas rurais. Ao mesmo tempo em que se reconhece a dificuldade de motivar pessoas idosas para o exercício físico (SHEPHARD, 1998), percebem-se alguns exageros quando se procura convencê-los a partir de exemplos que fogem da normalidade. Isso pode ser verificado quando se apresentam os resultados das performances dos participantes dos torneios ‘masters’, ou façanhas individuais de uma minoria, como o que foi escrito por Harrichaux, Rougier e Pallis (1982:7): “a vovó que faz judô pode colocar em fuga um malfeitor”. A generalização segundo a qual os idosos e aposentados podem vir a fazer tudo aquilo de que gostariam apresenta-os praticando os esportes ditos radicais, como windsurf, mergulho, escalada de montanhas, etc. (BAUMBER, 1987). Na verdade, essa visão otimista, ao usar como exemplos as performances de pessoas que nunca pararam de treinar, que sabem muito bem seus limites, acaba prestando um desserviço, desestimulando os considerados sedentários117. Chega-se mesmo a extremos, verificados em Gandee et al. (1989), quando mencionam as contribuições dos ‘jogos olímpicos seniores’. Segundo eles, a participação nos jogos seria capaz de promover atitudes que propiciam o respeito. Ao focalizar a importância das atividades físicas regulares para a manutenção da saúde entre os idosos, mostra-se às classes dirigentes a necessidade de novos espaços para sua prática. Além disso, defendem os autores que as performances nessas atividades proporcionam uma estrutura formal para o reconhecimento da capacidade física treinável dos idosos ativos, dando condições para que associações privadas, indústrias e a comunidade se organizem, visando a trabalhar no objetivo do bem-estar dos idosos. Se não bastasse, mais uma 117 Como outros, Nicole Dechavanne (1990:188) recomenda que a noção de competição ou de performance deve ser excluída, já que a prática de atividade física para idosos seria uma maneira de “descobrir que não se pode fazer tudo, mas, na medida exata, conhecer seus limites e assim nunca ir além de suas possibilidades, constituindo um meio de auxiliar as pessoas a não perder a noção de progresso”. 161 característica foi apontada: idosos que participam de torneios encontram a possibilidade de estabelecer novas redes de amizade e de sociabilidade, já que existiria um ambiente que propicia essas relações. Eles acrescentam que, pelo entusiasmo demonstrado, estimula-se um estilo de vida ativo. Ao falarem do ambiente esportivo, Bui-Xuan e Marcellini (1993) verificaram que existe um espaço que possibilita certo desenvolvimento de aspecto convivial, mas que não seria o local ideal para um investimento na vida social ou pública, já que a preocupação maior do indivíduo seria consigo mesmo, com sua saúde, e não com os outros. Uma observação foi feita pelos autores, a partir do voluntariado, que acaba sendo considerado fundamental na gestão das associações dos idosos e aposentados: existem lideranças, mas são muito poucos aqueles verdadeiramente interessados em fazer pelos outros. Os considerados ‘consumidores’, que praticam diversas atividades nas associações, não se negam a auxiliar desde que de maneira bem pontual, e não muito freqüente. Como justificativa, a agenda cheia, com participação mesmo em outras associações, o que impossibilitaria maior envolvimento. Alguns antigos esportistas chegam a ter um maior engajamento fora dos clubes, demonstrando que nos clubes onde praticam algum esporte só a atividade vai interessar, o que os autores identificaram como resultado do pouco prestígio que as atividades esportivas têm na sociedade. Quando os indivíduos são questionados sobre o que mais querem conservar com o avançar da idade, a resposta é: a ‘forma’, o ‘bem-estar corporal’ e a ‘saúde’. Esta última resposta foi dada por 46% dos franceses investigados pelo INSEE em 1989 (MASSÉ-BIRON E PRÉFAUT, 1993). Segundo os autores, a relação prática entre exercícios, doenças, saúde e a forma física poderia ser assim relacionada: 162 a boa forma seria a expressão de uma condição física satisfatória, o que não dispensaria a ausência de doenças. A saúde seria o dado de base. A forma poderia estar associada a qualidade de vida, o bemestar frente ao esforço, a busca da forma sendo uma responsabilidade individual ativa para a saúde. O exercício físico é uma receita de saúde, receita do bom envelhecer. Com patologias semelhantes, os esportistas idosos se sentem em melhor saúde. Eles consultam menos seus médicos. Todavia não podemos excluir a idéia de que as práticas esportivas possam ser somente o testemunho de uma boa saúde e não a causa, mas todos os estudos concluem que a higiene de vida, incluindo um programa de condição física, atenua o envelhecimento e previne as doenças (MASSÉ-BIRON E PRÉFAUT, 1993:324). Mesmo quando os argumentos biológicos são apresentados como irrefutáveis, o engajamento e a permanência em programas de exercícios físicos não têm sido unicamente verificados por esse viés. Não sendo exclusivamente biologizantes, são apontados fatores de ordem social, considerando que o ambiente e a forma como é feita a atividade física permitem a sociabilidade dos idosos – e acrescentamos que, em aparência, eles estariam satisfeitos com isso. Encontramos então os que vão apresentar a importância das atividades realizadas como lazer, que num contexto contribuem de forma prazerosa, pelo que foi denominado ‘cura pelos movimentos’ (DECHAVANNE, 1990), o que na verdade não muda muito a tônica higiênica anterior. A autora reconheceu as possibilidades de melhoras e apresentou um outro aspecto além do social, que são os benefícios psicológicos resultante do impacto relacional causado nos indivíduos que praticam atividades físicas. Enfim, percebem-se diversos motivos que levam à prática das atividades físicas, sendo que o aspecto saúde está presente de certa forma em todos. Para discutir as principais motivações que levam idosos e aposentados a praticar atividades físicas esportivas, Dechavanne considerou que, antes de mais nada, o idoso que segue com regularidade uma atividade física já é uma pessoa motivada e – acrescentaríamos – com disposição para seguir uma certa disciplina de vida. Para muitos, a hora da atividade é um momento sagrado, em que se pode fugir da solidão, encontrando outras pessoas, se entretendo e se cultivando. O praticante passa a ter compromissos com hora marcada na semana: segunda feira às 9 horas é a hora da ginástica, lembrando que essa atividade é bastante representativa. 163 Dellannet (1990) preocupou-se com a investigação sobre o porquê da grande aceitação da atividade ginástica pelos idosos. A primeira resposta encontrada não foram os possíveis ganhos biológicos, mas o fato de que a atividade ginástica representaria uma ocasião privilegiada de contatos sociais e fonte de desenvolvimento do bom humor. Quando os participantes investigados foram solicitados a responder sobre quais seriam os elementos indispensáveis para o que seria considerado um bom dia em sua vida cotidiana, os resultados indicaram que tanto no grupo experimental como no de controle o elemento mais importante seria a prática de atividades físicas, precedendo mesmo os contatos familiares. O fato de fazer a atividade em grupo numa associação assumiu grande importância para 47% das pessoas investigadas. São bastante diversas as motivações dos idosos, sendo grande o número de opções que se apresentam. Uma delas, a ginástica, seja ela a mais tradicional, também chamada de entretenimento ou conservação, como a que é realizada de maneira mais suave, são as que vem sendo bastante procurada por idosos e aposentados. Para alguns autores, deve-se relativizar a importância que lhes é dada em certos programas, uma vez que as atividades propostas podem intervir pouco em aspectos biológicos. Considerando o que foi dito por Ernoult (1984), nem sempre os idosos praticam as atividades aeróbias mais simples, como as caminhadas, sendo esse tipo a que, segundo ele, acaba influindo mais positivamente na saúde global do indivíduo. Ao verificar as condições em que é praticada a atividade ginástica, o autor diz que seria um exagero falar de benefícios fisiológicos, pois é comum ser encontrada uma reduzida quantidade de movimentos, cuja intensidade do trabalho muscular é normalmente bastante moderada, além do fato de que a freqüência da prática, muitas vezes, é de uma atividade por semana118. Procurando reforçar sua hipótese, foram apresentados dois estudos, um realizado em Grenoble e o outro em Paris, mostrando que os efeitos fisiológicos eram nulos. Porém, ao analisar o aspecto da motivação, constatou-se que o subjetivo superava o objetivo. As pessoas investigadas, ao contrário do que os testes diziam, afirmavam que sentiam a melhora na forma física, mesmo considerando que 80% deles também declararam que seus 118 Neste ponto verificamos que essa freqüência foi semelhante nos quatro grupos que investigamos. 164 maiores objetivos eram novos contatos, a possibilidade de estabelecer relações amistosas. Apenas 18% buscavam explicitamente a melhora da forma física, privilegiando aí as questões higiênicas ou estéticas. Para ele, a atividade física dos aposentados encontraria outra serventia caso “se levasse em consideração que, ao lado da simples mecânica física e fisiológica, existe a solicitação relacional e sensorial, e o que isto representa” (ERNOULT, 1984:205). A atividade física foi considerada como um meio de compensação, a partir da qual se poderia reforçar tanto a imagem social como a auto-estima, contribuições mais da ordem psicológica. Massé-Biron e Préfaut (1994) foram outros que procuraram mostrar que nem sempre o que é feito como atividade física pelos idosos é de grande utilidade. A ginástica, reconhecida como uma das atividades que congregam grande número de idosos, tem seus efeitos questionáveis em termos fisiológicos. Eles argumentaram que as atividades físicas praticadas por idosos deveriam ser essencialmente de endurance, pois só essas ofereceriam gasto energético suficiente. A ginástica em sala, atividade privilegiada dos aposentados, não possibilitaria, segundo os autores, engajamento energético suficiente para provocar modificações cardiorespiratórias. Pode-se também pôr em questão se os idosos estariam tão interessados nessas possíveis modificações. Na verdade, consideramos que há grande dificuldade em compreender as reais motivações dos idosos que fazem uma atividade física, como também dos que não a fazem, e ainda podemos acrescentar os que deixaram de fazer. Para Bui Xuan e Marcellini (1993), há uma nova perspectiva se delineando, surgida a partir de uma maior profissionalização dos lazeres e do próprio esporte, e também do sentido dado por Xavier Gaullier para os novos aposentados da considerada ‘nova idade’. O investimento dos aposentados nas atividades físicas esportivas em ambiente associativo tem uma forte característica de manter nos participantes uma imagem quase que profissional, no engajamento em uma prática cuja atividade tem uma função considerada socialmente útil. O que ficou patente na investigação que aqueles autores fizeram119 é que, 119 Os autores se referem aos freqüentadores da Federação Francesa de Aposentados Esportivos (FFRS), que tinham no momento da pesquisa 12 mil filiados. 165 para os membros da FFRS, a aposentadoria já assumia outro significado, sendo período de muita atividade, confirmando as palavras de Gaullier. Insistindo sobre o caráter de distinção entre o ‘se ocupar dos outros’ e ‘se ocupar de si’, expresso pela ocupação do próprio corpo com atividades físicas esportivas, argumentou-se que do ponto de vista individual a atividade contribui para esconjurar a velhice; assim, surgiram formas alternativas de ginástica, que também passaram a fazer parte do repertório das práticas que influem na saúde do indivíduo. Para os autores ligados à área da saúde, tanto aqueles que já praticam ininterruptamente as atividades físicas e os esportes como os idosos que retornam no período próximo à aposentadoria, todos procuram atenuar os efeitos do envelhecimento. A prática da ginástica ou de uma atividade física esportiva acaba sendo vista como o ‘mito moderno da fonte da juventude’. Os que retornam ou mesmo começam um tipo de treinamento passam a encarar a atividade física como o cumprimento de uma receita de saúde e da forma, cuja finalidade seria envelhecer bem, com saúde e sem perda de autonomia. A saúde, enquanto um bem, acaba influenciando a maneira como se vão enfrentar o envelhecimento e a aposentadoria. “O bem saúde implica coisas como desenvolvimento psicofísico, saúde física e mental, relacionamento moral e social, entre outros aspectos” (LOVISOLO, 2000 b:93). Para compreender o deslocamento dos sentidos que fez com que as relações com o corpo, longevidade e saúde assumissem um importante valor em nossa sociedade, reportaremo-nos a Yara Lacerda (2001:59), que mostrou como se forjava no século XIX um novo modelo de fisiologia do esforço, que acabou influenciando “a intervenção no campo das atividades gímnicas e de resistência”. Nesse sentido a autora se fundamentou, entre outros, em Rabinbach (apud LACERDA, 2001), que analisou com profundidade a fisiologia do esforço, que, ao sistematizar o modelo denominado como “motor humano”, deu uma base para se compreender cientificamente a intervenção do campo da educação física. A partir do século XIX assistiu-se à formulação da fisiologia do esforço, do trabalho e do esporte, que marcaria profundamente os fundamentos e as metodologias de intervenção para a conservação da saúde, a recomposição energética e o desenvolvimento da 166 potência. Foram os conhecimentos da física e da fisiologia que permitiram formular o modelo energético que orientaria a fisiologia do esforço e que tomaria forma na metáfora do motor humano [...] a fadiga tornou-se um indicador claro dos limites do corpo e da necessidade de conservar e limitar a perda do capital corpo (LACERDA, 2001:62, 64). 167 No desenrolar do século XX quando houve um deslocamento do valor trabalho físico e uma concomitante diminuição do tempo dedicado ao esforço físico, tanto no campo como na indústria, ocorrendo o que Rabinbach (citado por Lacerda) chamou de “eclipse da imagem do corpo como motor humano” (LACERDA, 2001:68). Ao diminuir o tempo dedicado ao trabalho, a autora argumenta que o lazer passou a receber maior interesse, como também o consumo, a sociabilidade e a comunicação. As expressividades corporais e a ocupação do tempo ganharam então, importância tanto no contexto social como no individual. Ao analisarmos os dados de sua pesquisa sobre saúde e espiritualidade nas atividades corporais, a questão de uma moral fica evidenciada, uma vez que [...] o enfoque do corpo, da concepção de saúde e da longevidade como bens maiores apontam para a busca de um prazer do corpo, mas também para seu controle. Argumentos médico-higienistas auxiliaram, facilitando o autocontrole da paixão para alcançar a saúde física e moral. A saúde é vista como base para um comportamento moral. Os discursos médicos tendem a determinar que o indivíduo deve ser moderado em relação à comida, à bebida, ao sono, à vigília, às roupas, à limpeza, entre outras preocupações (LACERDA, 2001:106). Hugo Lovisolo (1995:118) fala com muita propriedade do “movimento pela saúde”, que pode ser bem percebido nos diversos autores que vem se interessando em abordar a relação saúde, atividade física, envelhecimento, longevidade e qualidade de vida, como um movimento que leva a educação física a uma readequação. Esse movimento remoralizador da sociedade, pode ser entendido segundo o autor como uma ‘imensa pastoral’. Parece-me que há sinais de que o movimento pela saúde fará retornar a educação física ao campo das preocupações com a saúde, entendida, entretanto, como uma noção de múltiplas dimensões: fisiológica, psicológica, estética, moral e espiritual, recreativa e de sociabilidade. 168 Para uma definição do movimento pela saúde considera-se Como um processo de agregação ou convergência de valores e interesses que implica uma remoralização da sociedade, por meio dos indivíduos, através da mudança de hábitos cotidianos que se expressam, sintética e centralmente, no momento atual, na luta contra a gordura, o fumo e a favor de manter a forma, corporal e espiritual, por meio de hábitos alimentares, práticas esportivas e corporais que prolonguem a vida tanto quanto for possível. [...] É muito importante realizar a história das variadas origens do movimento para não cairmos no erro de pensar que é um mero produto das ações médicas, das pesquisas científicas e dos especialistas do corpo, embora esses sejam agentes importantes dentro do movimento. Reconhecemos as origens variadas e, em especial, as religiosas e políticas, é importante para a compreensão do movimento (p. 119-120). O que se pode perceber é que, por parte dos que defendem a questão da saúde, seja com finalidade de prevenção de doenças, conservação ou recuperação, ela assumiu um caráter doutrinário, moralizante, posto em prática na educação física contemporânea120. Algumas considerações que foram realizadas acerca da ‘tribo da conservação da saúde’ são bastante interessantes para nossa análise. Essa tribo, que tem como um dos princípios a qualidade de vida e o bem-estar, diferentemente da tribo da potência, acaba almejando outros recordes, expressos pela ampliação da esperança de vida dos coletivos humanos, a longevidade dos indivíduos, a redução das taxas de doenças. Pretende-se que todos cheguem à velhice ativos e autônomos, saudáveis e dispostos a enfrentarmos a vida [...] Velhos, que em lugar de estarem concentrados no comentário do catálogo de suas doenças, de suas perdas ou da redução da sua normatividade, possam, pelo contrário, continuar entregues a usufruírem o prazer de estar vivos; abertos ao mundo e aos outros, ao invés de autocentrados sobre os próprios males. Velhos que ainda sintam a presença da vitalidade da saúde, e não o caráter totalitário da doença, que tudo invade (LOVISOLO, 2000 b:15). 120 Esta é uma das ‘tribos’ da educação física que foram analisadas em Lovisolo (2000 b). Em seu estudo, as tribos da potência, da conservação, estética e educação física escolar foram analisadas a partir de autores como Comênio, Spencer e Cooper. Segundo ele, há problema na integração entre elas. O autor abre ainda espaço para a existência de uma outra tribo, como a do lazer, sem no entanto incluir nessa obra sua discussão. 169 Sedentarismo e estresse passaram cada vez mais a estar entre os vilões apontados, e a linguagem da necessidade passou a permear a moral embutida no discurso dos que apresentam argumentos para convencer idosos e aposentados a praticar atividades físicas. Uma moralidade útil para tratar e salvar os corpos (LOVISOLO 2000, 1999 b, 1997, 1995), que se funde com outra que é a das atividades feitas com prazer, com gosto121. A ‘pastoral da saúde’ pode também ser percebida em autores que analisaram a medicina, sugerindo que ela vem sendo uma instituição que exerce um controle muito forte sobre a sociedade. Procurando superar o modelo biologizante passa-se a considerar um novo paradigma para a saúde Sobre a trajetória dos conceitos acerca da saúde, desde as posições mais arcaicas até as assumidas na contemporaneidade, d’Houtaud e Field (1989) fizeram abrangente pesquisa, desde o sentido que era dado pela linguagem, tanto nas instituições de nossa sociedade, como nas estruturas de nosso psiquismo. Os autores buscaram estabelecer as representações do significado da saúde, bem como suas funções na sociedade. Bury (1995:25) cita o Simpósio de Paris, realizado em 1985, quando foi apresentado o argumento de que o significado da saúde é tanto mal compreendido pelos profissionais da saúde como pelos usuários. Para os primeiros, a saúde é geralmente percebida como uma alvo em si mesmo, um objetivo a ser alcançado. Para os segundos, ela é sobretudo um meio para atingir objetivos mais gerais que levam em consideração a qualidade de vida, e é freqüente que esse meio não seja considerado como prioritário. Antes de mais nada, foi necessário reconhecer que colocar em oposição saúde e doença não fazia mais sentido, pois já na década de quarenta essa oposição era vista como 121 Para isso, a tribo da conservação teve de simplificar suas propostas, e, a partir dos questionamentos dos métodos considerados clássicos, uma nova lógica fez com que as atividades alternativas ganhassem credibilidade entre os praticantes, céticos com relação às práticas tradicionais. 170 simplista e reducionista, dando lugar a uma outra concepção que há muitos anos tem sido referenciada com freqüência. Saúde “[...] não é apenas a ausência de doenças ou enfermidades, mas um completo bem-estar físico, mental e social” (WHO, 1947). Essa conceituação também foi logo sujeita a críticas: considerada pretensiosa em excesso, utópica e talvez mesmo inacessível. A observação atual mostra que a noção de saúde varia segundo os indivíduos, as civilizações, as épocas. A noção de norma, de estado completo de bem-estar físico, mental e social, que seria o mesmo para todas as pessoas, é uma generalização abusiva (BURY, 1995), daí a importância de repensá-la a partir de outros significados. Marcel Drulhe (1996) apresenta os quatro indicadores principais de que se serviu a OMS para propor suas ações: a mortalidade ou duração da vida; a morbidade ou qualidade de vida; fatores considerados de risco; a autogestão da saúde tanto pelo indivíduo como por grupos. Neste último podem ser considerados os hábitos que podem passar pelo lazer, como a prática de exercícios e as preocupações nutricionais. Durante muito tempo entendeu-se a saúde como algo exclusivo da esfera médica. Entretanto, alguns pesquisadores, percebendo sua multifatoriedade, passaram a entendê-la como algo mais amplo. Bury descreve dois modelos de saúde, um mais tradicional e antigo, e outro mais progressista. O modelo médico é o primeiro, vindo a ser redimensionado a partir do que se considerou como modelo global. Enquanto o modelo médico é considerado fechado, com a doença sendo compreendida como algo fundamentalmente orgânico, afetando o indivíduo, necessitando ser diagnosticada e tratada (abordagem curativa) pelos médicos. Já o outro modelo seria considerado aberto: nele, a doença seria resultado de fatores complexos, orgânicos, humanos e sociais, afetando não só o indivíduo, como a família e o meio ambiente. Para sua efetivação seria necessária uma abordagem contínua, da prevenção à readaptação, que leva em consideração os fatores orgânicos, psicológicos e sociais. A intervenção não é mais exclusiva dos médicos, e sim dos profissionais da saúde que devem atuar em cooperação, num sistema aberto e interdependente com a comunidade. Zola (1978) sugeriu que a medicalização da saúde acabou exercendo uma forma de controle social que se apresenta como ‘repositório de verdades’. O processo conhecido 171 como ‘medicalização’, segundo ele, trataria de quatro aspectos: primeiro do que se considera relevante para a prática de uma boa medicina; depois pela retenção e controle de determinados procedimentos técnicos; em terceiro lugar a apropriação de conhecimento de certas áreas; e finalmente a que vem nos interessando discutir, o que na medicina se considera como contribuição para um estilo de vida saudável. A insatisfação com um conceito de saúde considerado negativo fez com que se propusessem outras formas de encarar o tema, e um novo conceito de promoção da saúde procurou fazer avançar essa discussão. Uma oposição entre as concepções antigas da medicina e o que se considerou como o novo paradigma da saúde foi proposta por Ferguson (apud BURY, 1995). Enumeraremos aqui algumas delas. No antigo paradigma da medicina: o tratamento é dos sintomas; privilegia-se a especialização; o profissional deve manter-se neutro afetivamente; a intervenção principal é pela cirurgia ou pela via medicamentosa; o corpo é visto como uma máquina em bom ou mau estado; a doença ou incapacidade é vista como uma coisa, uma entidade; o profissional é uma autoridade. No novo paradigma da saúde: procuram-se as estruturas e as causas, seguindo de tratamento dos sintomas; a preocupação é com a pessoa como um todo; privilegiam-se os valores humanos; a intervenção é mínima, com uma tecnologia apropriada, incluindo regimes alimentares, exercícios físicos e outras terapias auxiliares; o corpo é visto como um sistema dinâmico, um campo de energia no interior de outros campos, no interior de um contexto; a doença ou incapacidade é vista como um processo; o indivíduo é considerado como autônomo; o profissional é um parceiro; corpo e mente são um contínuo. A saúde reflete então uma relação dinâmica do indivíduo com o seu meio ambiente, e, para que isso ocorra, deve-se contribuir individualmente e coletivamente. Constantemente é introduzida na discussão sobre o que vem a ser saúde uma expressão que faz parte de nosso cotidiano: qualidade de vida; e nos reportamos aos idosos, pois no momento em que tomamos consciência do espetacular aumento da longevidade e da expectativa de vida ao nascer, coloca-se como bastante relevante a maneira como viveremos esses anos. A noção de saúde individual soma-se à de saúde comunitária, o que 172 abre espaço para se questionarem as políticas de saúde que visam pura e simplesmente ao prolongamento da vida, sem que se tenha preocupação com as condições efetivas para a tal qualidade de vida. Numa nova concepção de saúde, o modelo global passou a ser entendido como educacional, tendo características distintas que foram apresentadas por Bury. Tem-se como objeto principal a saúde, que passa a ser considerada como um estado positivo, que se baseia num bem-estar físico, social e mental, priorizando a promoção da saúde. Sendo o educador uma pessoa que serve como um grande recurso, a doença passa a se compreendida por meio de sua multifatoriedade, sendo freqüentemente uma resposta adaptativa. Sendo iguais os poderes do educador e do indivíduo, considera-se que o primeiro tem saberes específicos sobre a saúde e pode fornecer os subsídios para auxiliar os indivíduos. Cabe então a estes decidirem se seguem ou não os conselhos. No modelo educacional, as pessoas são compreendidas de maneira holística, e não mais fragmentada. No caso da prática das atividades físicas, podemos exemplificar como ainda somos dependentes do que se considerou ser o saber médico. É comum e bem marcante a hipermedicalização da saúde, representada na sociedade de várias formas. Uma delas procura responsabilizar os cidadãos por sua má saúde: seria a ‘culpabilização da vítima’ pelo estilo de vida que leva122. Por trás disso tudo não é tão difícil identificar uma indústria muito poderosa envolvida com as coisas da saúde, que inclui a questão farmacológica, as clínicas de emagrecimento, exercícios físicos, pílulas mágicas, etc. A importância de se reconhecer a educação como um processo inacabado determinou a opção pelo que se chamou de educação permanente, e a noção de que um trabalho multidisciplinar acabaria contribuindo para que a comunidade tivesse melhores condições para perceber suas necessidades no que se refere ao seu próprio corpo e a saúde. Os que defendem essa posição postulam que só a partir do melhor autoconhecimento, que só viria a partir do que se está chamando de educação, sairíamos da situação atual, em que 122 Atividade física, vida regrada, atenção aos alimentos, nada de tabaco e álcool em excesso. Aquele que consome alimentos ricos em gordura animal em excesso, fuma, bebe um pouco além do moderado, não faz atividades físicas regulares e é estressado é bombardeado diariamente com 173 só se valoriza um estilo de vida saudável, sem que se ofereçam condições para que isso se concretize e sem que se respeite as escolhas e decisões individuais. Certamente não faltam críticas e existem hoje diversas interpretações do que se entende como ‘promoção da saúde’. Mas uma coisa parece ser consenso: ela deve ser parte de um processo que confere às populações os meios de assegurar maior controle sobre sua própria saúde e de interferir nas possíveis melhoras. Esse conceito, que incorpora a educação para a saúde, vai mais além do simples caráter preventivo de certas campanhas. Seu desenvolvimento tomou vulto a partir dos anos 80, quando a Organização Mundial de Saúde passou a adotar cinco princípios básicos, citados por Faria Junior (1991:15). A promoção da saúde deve focalizar a população como um todo e não apenas grupos de risco; A ação deve ser voltada para os muitos fatores que influenciam a saúde, de modo a assegurar que o ambiente total que se encontra por trás dos indivíduos conduza à saúde; A promoção da saúde requer a participação de toda a comunidade, alguma coisa que envolva a aquisição – individual e coletiva – de estilos de vida; A promoção da saúde deve envolver uma ampla variedade de estratégias e agências – [...] comunicação, educação, legislação, medidas fiscais, mudanças organizacionais, desenvolvimento comunitário e atividades expontâneas locais contra os azares da saúde; Profissionais da saúde têm parte a desempenhar no processo de tornar viável a promoção da saúde através de sua defesa e da educação. A educação para a saúde e suas relações com promoção da saúde tais como definidas na Carta de Otawa (1987) podem ser consideradas como um referencial (BURY, 1995) que muitas vezes é utilizado pelos que atuam com a educação física. A saúde passa a ser percebida como uma possibilidade da vida quotidiana, e não como um objetivo de vida, é um conceito positivo que coloca como valores os recursos sociais e individuais, como também das capacidades físicas. Desta forma ela não é de única afirmativas de que é candidato a ter os mais diversos problemas de saúde e de que pertence ao que se chama ‘grupo de risco’, candidato em potencial às doenças da civilização. 174 responsabilidade dos setores sanitários: ela vai além dos modos de vida saudáveis para visar o bem-estar (BURY, 1995:91). Procurando encontrar relações entre os princípios da promoção da saúde e a educação física, Faria Junior (1987:129) a conceituou como “responsabilidades, papel e ações interativas da educação física com o propósito de apoiar as pessoas e as comunidades a adotar e manter práticas saudáveis”. O que se percebe em sua proposição é que ela busca diminuir a importância que o modelo médico deu à prática das atividades físicas, uma moral que valoriza as coisas relacionadas à saúde, os cuidados com o corpo e com a qualidade de vida. A atividade física esportiva praticada por pessoas idosas pode muito bem representar o que Claudine Attias-Donfut (1988) considerou como sendo um fenômeno de geração, bem de acordo com as novas relações com o corpo e do que se tem considerado como uma nova concepção para a saúde. Seja pelo aspecto da sociabilidade, do lazer e da saúde na verdade não vai alterar para Lovisolo a pertinência da perspectiva moralizadora. Sendo assim são apontados pelo autor a forte influencia nos fundamentos que dão suporte a política elaborada para um modo de vida para os aposentados, que foi sendo cada vez mais respaldada pelos profissionais da saúde e da educação, sendo abordada de forma ampla pelo conjunto das ciências da saúde, sociais e humanas. Para um dos atores principais das sociedades modernas, os estados dos países desenvolvidos, passou a ser um bom negócio investir na promoção da saúde, sobretudo quando se considera que domina a representação de que as práticas do movimento pela saúde redundam em menores taxas de doenças e, como conseqüência, em menores gastos médicos e hospitalares e maior produtividade no campo da produção (Lovisolo, 1995:127). Farinatti (1998), em sua tese de doutorado, analisa a relação entre autonomia, envelhecimento e atividade física. Seu trabalho procurou se afastar do modelo que apresenta a questão da saúde do idoso e do indivíduo em geral pelo aspecto da saúde negativa. Ele confirma que a tendência do modelo de vida ativa que temos encontrado em alguns autores apresenta fortes evidências de que haveria benefícios entre a prática de exercícios e um envelhecimento diferenciado. Entretanto, reconhece o autor que há 175 problemas com respeito ao que gerontólogos e geriatras vêm entendendo por autonomia. No sentido de superar essa questão, ele também se apoiou no conceito de ‘promoção da saúde’, que encara a saúde por sua multifatoriedade, propõe a desmedicalização, incorporando a educação para a saúde e o envolvimento do indivíduo nas mais diversas ações para a consecução da saúde. Confirmando também o que também foi argumentado por Faria Junior (1991), a saúde passaria a ser um conceito positivo e holístico, e não só a preocupação com ações de ordem preventiva e curativa. Ao estudar o conceito de autonomia Farinatti (2000) reconheceu suas implicações oriundas de concepções negativas, que a reduzem, numa maneira de mostrá-la a partir do que a impede. Processo semelhante ao que se pode observar em alguns autores que trabalham a conceituação da saúde e em muitos que escrevem sobre o envelhecimento e a velhice. No artigo escrito por ele, ficou claro que o conceito de autonomia é variado e ao mesmo tempo bastante rico, passando pelas explicações que são dadas por meio das doenças, o declínio fisiológico, o meio ambiente, a socialização, os potenciais individuais, a rede social, assim como os desejos pessoais [...]. Apesar de tudo, o fato é que não há definições universalmente aceitas. Trata-se de uma noção que se encontra em fase de construção, associada a diversos domínios de conhecimento e integrando muitas dimensões. [...] trata-se de um valor exposto a excessos, a preconceitos ideológicos, a práticas mal controladas. Assim, é impossível estabelecer objetivos no sentido de apreciá-la ou intervir em suas manifestações, sem dispor de um referencial que a torne operacional (FARINATTI, 2000:38). O conceito de autonomia, ao receber influências do movimento de promoção da saúde, postula como ponto chave, a possibilidade concreta de que a saúde do indivíduo dependa da realização das potencialidades dos indivíduos e da consecução de seus projetos de vida; dessa forma o modelo biologizante que tanto influi no modelo de envelhecer acabaria sendo superado por um “entendimento mais amplo, próximo da noção de humanidade plena, de cidadania, no qual equilibra-se igualmente a diminuição das potencialidades em prol de uma vida autônoma, na plena acepção do termo“ (FARINATTI, 2000:40). 176 Idosos e aposentados praticando atividades físicas na França e no Brasil Foi uma constante a figura do médico como responsável pela prescrição e também por pesquisas que davam suporte ao que se transformou na sistematização de exercícios físicos para idosos. Essas características ocorreram tanto na França como no Brasil. Encontramos em revistas brasileiras especializadas em educação física artigos que já abordavam a relação entre exercícios físicos e envelhecimento desde o início do século XX123. Em nossa análise, iremos nos ater particularmente ao período em que o envelhecimento passou a ser considerado problema social, merecendo uma política de modo de vida que, a partir do que se verificou na França, foi mais marcante após os anos sessenta. Tanto naquela década como na subseqüente, podemos citar o interesse do Dr. Lionel Longueville, que pode ser considerado, na França, um dos que mais se preocupou com as relações da atividade física esportiva com o envelhecimento. Longueville escrevia tanto para médicos como para outros profissionais da saúde, caso em que incluía a educação física, no campo dos que atuam com as atividades físicas para idosos. Ao defender os benefícios da prática de atividades físicas, apresentava como suporte os resultados de um estudo efetuado no início dos anos 60 no âmbito da Fundação Nacional de Gerontologia (FNG), época em que balbuciava a gerontologia enquanto ciência aplicada, nessa entidade que investigava o envelhecimento social não se fixando mais exclusivamente na questão saúde ou doença. Na FNG, um grupo de pesquisadores, procurando encontrar melhor fundamentação para propor a prática das atividades físicas por idosos, apresentava como ponto principal mostrar que ela influiria em sua qualidade de vida (LONGUEVILLE, 1969). O grupo de pesquisa foi criado em 1961 e passou a acompanhar o comportamento da ‘terceira idade esportiva’, que naquele momento considerava as pessoas que tinham mais de 40 anos 123 Na década de trinta começaram a ser publicados artigos a publicação periódica denominada Educação Física, a partir do seu terceiro ano (SERÁ, 1934), seguindo, com outra, a Revista de Educação Física , a manutenção dessa temática, até que no ano de 1968 Fernando Teles Ribeiro escreve sobre a relação exercícios entre físicos e longevidade. 177 e que ainda se submetiam com certa regularidade a algum tipo de treinamento esportivo. Foram analisados 600 praticantes de esportes como o tênis, atletismo, futebol, ciclismo e natação. Segundo Longueville, os maiores interessados naquele momento em conhecer mais sobre a atividade física de idosos seriam ainda os profissionais da saúde, com predominância do médico, mas já despontava um outro personagem, o animador esportivo ou animador sociocultural como tem sido mais denominado na França. Esse estudo serviu para propor o que se denominou ‘atividades físicas adaptadas para idosos’. Ficou claro que para a maioria dos praticantes investigados o engajamento nas atividades físicas era um meio de ocupar o tempo, ou o que hoje estamos chamando de lazer, embora não deixasse de haver a característica ‘higiênica’, que aparecia como o principal alvo da atividade. A pesquisa concluiu que não foram encontradas significativas alterações sobre o plano orgânico, porém encontraram-se evidências no plano funcional. Considerando o aspecto preventivo, houve modificações favoráveis no plano morfológico, estético e no domínio psicomotor, além da melhora psicológica, já que seria uma forma de escapar da tédio da solidão. Passou-se a referir a prática de atividades físicas por idosos como a ‘cura pelo movimento’, caracterização que até os dias de hoje é aceita por muitos. Em 1965, a então Federação Francesa de Ginástica Educativa e Ginástica Voluntária124 publica o que foi considerado como a primeira obra destinada aos animadores que não eram necessariamente profissionais de educação física125. Na verdade, a publicação foi uma “tentativa de 124 Em 1888, dirigida por Tissié, a Liga Girondina d’Educação Física, reunia médicos e professores de educação física visando a promover uma concepção educativa da educação física e do esporte. Na década de quarenta os membros da liga descobriram na Suécia os princípios do que se chamava ginástica voluntária. A Federação de Ginástica Voluntária sueca foi criada em 1904 e em 1960 contava com 350 mil membros, o que podemos considerar bastante importante diante de uma população que na época era de 8 milhões de habitantes. Em 1950 ela se transforma em uma federação e, à medida que o tempo passa, os efetivos aumentam. Se entre 1956 e 1965 eram 350 a 7.500 os associados, na década seguinte passaram a 140 mil. Em 1985 já se contava com 340 mil filiados, o que mostra a representatividade dessa associação que teve seu nome atual, Federação Francesa de Educação Física e Ginástica Voluntária (FFEFGV), surgido da fusão em 1972 com a Federação Francesa de Educação Física, que tinha praticantes que seguiam o método de Hebert (DECHAVANNE; PARIS, 1988). 125 Na França, os não professores de educação física podem seguir cursos de formação permanente que os habilitam a atuar com o que se denomina ‘animação esportiva’. Para que isso possa ser oficializado, o candidato deve seguir certos procedimentos, como prestar um exame que lhe dar direito a uma autorização para atuar nesse campo. No caso da ginástica voluntária, como formação inicial, ele deve ter freqüentado no mínio um ano as atividades práticas, ter passado por dois estágios e um exame teórico e prático. 178 estruturação de uma sessão126 endereçada a adultos de todas as idades [...] era uma ginástica de inspiração analítica e médica” (PARIS, 1982:7), que teve forte inspiração na ginástica sueca. Bernard Paris e Nicole Dechavanne realizaram suas teses de doutorado investigando o que se passava na FFEFGV. O sucesso dessa associação foi significativo e, mais recentemente, Desmettre (1996), ao investigar quem participava das atividades da Federação entre as idades de 18 e 64 anos, verificou que no ano de 1994, em cada cinco franceses, um participava das atividades de ginástica voluntária127. A maior preocupação dos pesquisadores ligados a fisiologia do exercício, era desvendar os limites humanos e as contribuições da prática de atividades físicas esportivas na melhora ou manutenção da saúde, sem que, contudo, houvesse muitos programas sistemáticos para grupos exclusivos de idosos ditos normais; ou seja: aqueles idosos que praticaram ocasionalmente uma atividade física somados àqueles que nunca tiveram envolvimento com as atividades físicas esportivas. Muitas vezes, ao se preocuparem apenas com os aspectos fisiológicos da atividade, deixava-se de perceber e se ignoravam outras possíveis contribuições, como as relacionais, que possibilitam a integração de todos os participantes, o bem-estar, a felicidade e a autonomia (BEYER, 1987). Alguns anos se passaram antes que fosse desmistificada a prática das atividades físicas por idosos e que ela se tornasse mais uma das propostas de educação física e do esporte para todos. Os praticantes se tornaram mais visíveis a partir dos exemplos de praticantes das mais diversas ginásticas e de determinados esportes. Esses idosos ativos e engajados, eram apresentados como indivíduos que envelheciam sem os muitos problemas de saúde que acometiam o resto da população, que se mantinha inativa ou sedentária. O 126 Em francês, ‘sessão’ de ginástica é o termo mais comum, que mereceu nossas observações em Faria Junior (1999). O termo limitaria – tal qual consideramos a recreação em relação ao lazer – a atividade em si mesma, ignorando outras possíveis dimensões que podem ser desenvolvidas. Por esse motivo, preferimos aceitar ‘aula de ginástica’ como mais pertinente ao tipo de trabalho que deveria ser feito com idosos e aposentados. 127 As atividades poderiam ser a musculação, a busca do fitness ou da conservação. Foi observado que o grupo de pessoas que mais cresceu quantitativamente em 20 anos foi o dos idosos, que eram 5% e passaram a 17,18% do total dos 381.357 inscritos oficialmente na associação. 179 grupo dos praticantes nesse momento era marcado por uma característica comum: a maioria já estava engajada em atividades físicas há algum tempo. Uma grande divulgação sobre esse novo modo de vida foi endereçado aos idosos e aposentados por meio de cursos de preparação para a aposentadoria, buscando sensibilizar os futuros aposentados para um engajamento nas mais diversas atividades, substituindo de maneira ativa e saudável o tempo em que era anteriormente dedicado ao trabalho. Ernoult (1986) cita a importância de um jornal endereçado às pessoas idosas que praticavam atividades físicas esportivas. Nele era mostrada a atividade física como um potente meio de preservação da autonomia e da qualidade de vida dos aposentados. Um dos objetivos do Correio do Corpo era indicar desde exercícios a resultados de pesquisas, que acabavam servindo como conselhos práticos. Paralelamente, incluía informações médicas sobre os benefícios de estar em atividade. O autor acrescenta que, na França, as associações destinadas a pessoas idosas em que se praticava atividade física funcionavam a partir do trabalho voluntário, e alerta para o fato de que não havia muito compromisso profissional com o que era proposto, motivo que, certamente, gerou alguns problemas, já que não era requerida uma formação mais sólida dos que iam atuar. Nesse sentido, conclui o autor que as práticas paternalistas não tiveram sucesso entre os aposentados. Baseado no que ocorreu na França, Michèle Ecochard (1986) caracterizou as fases do desenvolvimento em ambiente associativo da prática da ginástica, que, de forma mais organizada, acabou envolvendo muitas pessoas idosas que, até a proximidade dos anos da aposentadoria, poderiam ser consideradas sedentárias. Nesse sentido, incluiu em sua análise os anos compreendidos entre 1965 e 1972, que foram chamados de ‘período de maturação’, resultado da implantação das políticas de velhice. Segundo a autora, foi nessa primeira fase que começaram a surgir os cursos de ginástica para idosos em ambiente associativo específico para idosos e aposentados. Os clubes eram o ambiente de predileção para essa prática, mas tinha-se nesse período certa dificuldade de distinguir entre a promoção de uma atividade física e a ação social [...] as primeiras cobaias das seções de ginástica refletiam uma imagem um tanto lamentável da velhice, clientela dócil, obediente, manifestando 180 poucos desejos no que envolve a organização das atividades (ECOCHARD, 1986:1). O período subseqüente que serviu a sua análise compreendeu os anos após 1972, estendendo-se até 1980, período que ficou conhecido como de ‘explosão’ e, ao mesmo tempo, de certa autonomia. A prática dessa atividade física em ambiente associativo tornava-se aspiração da classe média, época em que o modelo do bom envelhecer propagado pelas políticas de modo de vida na velhice passou a ganhar perenidade. Nesse período, houve uma grande influência dos sociólogos que se interessavam em estudar a aposentadoria. Estimula-se a gestão das associações – como meio privilegiado de inserção social – pelos próprios idosos. Mas, segundo a autora, “a autogestão dos idosos não passou de uma ilusão. Em geral são aqueles que tinham as posições de poder na vida profissional que assumem o comando dessas associações” (ECOCHARD, 1986:2). Finalmente, ela situa os anos após 1980 como a época em que se encontra maior estruturação e organização desse movimento, principalmente com o rejuvenescimento dos novos aposentados. As associações passaram a ter mais a ver com os indivíduos mais jovens, com uma boa saúde, numa época em que são vários os franceses de 55 anos que foram de certa forma obrigados ou induzidos a solicitar a pré-aposentadoria. Verificou-se uma crise de imagem desses novos aposentados que os levava a afastar-se de qualquer coisa que os associasse aos velhos, inativos, dependentes e decrépitos. Principalmente no que concerne aos integrantes da classe média, que acabaram sendo “seduzidos pelo modelo ativo dinâmico proposto, que levou em consideração uma abordagem que teve no modo de vida uma forte preocupação com a busca da saúdeprevenção” (ERNOULT; ECOCHARD, 1987:28). Além disso, era importante ter em conta que aqueles que se dedicassem à prática das atividades físicas em ambiente associativo podiam construir novas redes de solidariedade capazes de substituir as anteriormente perdidas no momento da aposentadoria. Os argumentos passaram a ir além dos aspectos higiênicos, pois “tanto a ginástica como o esporte na aposentadoria favorecem a formação ao mesmo tempo de uma família, um grupo militante, um grupo de consumidores precavidos” (ERNOULT; ECOCHARD, 1987:28). 181 Como se pode observar, os programas específicos de atividades físicas para idosos dos anos sessenta surgiram ao mesmo tempo em que balbuciava a gerontologia Tais programas eram considerados uma verdadeira ‘terapêutica do envelhecimento’, num momento em que ainda se verificava o isolamento dos professores de educação física (LONGUEVILLE, 1987). Segundo esse autor, era uma época em que o “movimento parecia algo insólito, ou no mínimo reservado ao uso médico, confiado com muitas precauções à exclusiva responsabilidade do médico e do cinesioterapeuta” (LONGUEVILLE, 1987:13). O grande passo foi atingido após a desdramatização do esforço físico dos idosos, e à conseqüente diminuição da importância dos auxiliares médicos, o que em resumo seria: desmedicalizar para dar importância à fonte de prazer que a atividade física poderia propiciar. O caráter preventivo poderia ser utilizado, diz o autor, como um meio de evitar o mau envelhecimento, expresso pela dependência que acabava gerando altos custos econômicos e sociais. Nesse sentido, uma política de prevenção deveria ser “notadamente marcada sobre a manutenção da condição física e a preservação do gesto utilitário”, evitando-se ou limitando-se “a entrada no estado de dependência – catástrofe sobre os planos humanos e econômicos – cujo último estágio seria ficar entrevado numa cama” (LONGUEVILLE, 1987:15). A entrada dos professores de educação física não foi acompanhada de preocupações mais metodológicas de como atuar com grupos de idosos; na maioria das vezes o que se via era a prática com fim em si mesmo. Consideramos tardio o aparecimento do tema nas publicações de educação física, como na revista Educacion Physique Sportive (EPS), que só no final dos anos sessenta apresentou, pela primeira vez, um artigo que abordava a prática das atividades físicas por idosos (ADAM, 1968), mesmo assim, citando uma experiência realizada em outro país, no Centro de Rejuvenescimento de Sofia, que na época, teve muito espaço na mídia. O artigo defendia um método não muito usual para a época: mostrava-se, pela via científica, que somente sob a forma de exercícios e de treinamento poderia haver uma involução da atrofia senil. A pesquisa apresentada foi realizada com dois grupos: um se submeteu ao treinamento e o outro ficou como grupo de controle. Após um ano de 182 acompanhamento, constataram-se diversas melhoras. Uma das conclusões nos pareceu fundamental, pois já apontava para a importância dada também à sociabilidade propiciada pela atividade, que poderia ainda influir na autonomia, estimulando a pessoa idosa na luta contra o isolamento128.. No mesmo número da revista foi apresentada a Ginástica Voluntária (BOUCKEY, 1968) como uma nova ‘alegria de viver’, que possibilitava a participação das ‘mães de família’. De certa forma, o que em outras palavras estava sendo dito era que se pretendia atingir aqueles que tinham tempo disponível, e nesse caso também se incluiriam os idosos e aposentados. Dirigindo-se aos profissionais de educação física, Lionel Longueville (1970) foi o primeiro a tratar do assunto de maneira mais didática, abordando a forma como se deveria atuar com idosos. É importante registrar que, apesar de estar se dirigindo àqueles profissionais, as fotos utilizadas para ilustrar seu texto apresentavam o responsável pela atividade sempre vestido com um guarda-pó branco, típico da indumentária dos médicos. No caso dos praticantes, verificamos que nenhum portava qualquer vestimenta considerada adequada à prática das atividades físicas. Surgido a partir da necessidade de preparar quadros para atuar, o primeiro estágio oferecido aos professores de educação física, realizado na Escola Normal Superior de Educação Física e Esportiva (ENSEPS, 1971), enfatizava, no manual distribuído aos participantes, a reabilitação, mostrando que os complicadores aparecem cedo e que a prevenção é fundamental (COUTIER, CAMUS E SARKAR, 1980). Por esse motivo, seria necessário que o indivíduo fizesse uma preparação para a terceira idade, mantendo contato com os mais jovens, participando de atividades associativas. Recomendava-se que para uma atividade física esportiva de idosos seria necessária uma “verdadeira pedagogia e muito de psicologia e atenção, qualquer que seja o educador: fisioterapeuta, professor de educação física ou animador esportivo” (ENSEPS, 1971: 66). Longueville advertia que não se deveria limitar o estudo e a intervenção aos veteranos esportistas, já que existia ‘uma massa anônima’, muitas vezes ainda sedentária, que deveria ser sensibilizada para a prática visando à conservação ou recuperação da saúde. 128 Entretanto, essa constatação não significou que na difusão da prática em ambientes associativos 183 Recomendava que o esforço progressivo e regular não deveria ser mais observado como algo proibido, mas como prescrição indispensável. Caberia aos profissionais médicos detectar as possíveis contra-indicações, avaliando as possibilidades individuais. O autor distinguia naquele momento algumas propriedades para as atividades físicas. Primeiro, serviriam para manter os indivíduos em boas condições, tonificando, sem hipertrofiar, liberando as articulações, inspirando-se no método natural. A segunda visaria às atividades complementares, consideradas esportivas ou utilitárias; seria uma reeducação mantendo-se o espírito lúdico e devendo a atividade ser bastante animada, com pouca emulação. Seria o lado utilitário aliado ao gosto e ao prazer. Em artigo publicado na mesma revista, Longueville (1974) apresenta a proposta do Clube dos Aposentados da Educação Nacional129 que mantinha seus associados bem ativos, participando mesmo de diversas atividades de caráter físico e esportivo. Com duas atividades por semana, não demorou muito tempo para que uma mudança comportamental fosse logo verificada nesse grupo afirma o autor. Inicialmente, constatou-se que a roupa utilizada pelos idosos que faziam atividade física não diferia daquela com que faziam as demais atividades. Com o passar do tempo, o uso de roupa mais esportiva passou a ser bem mais constante. Longueville alertou para um fato que deveria ser considerado: os professores não teriam ainda se desvinculado de sua formação principal, que era a de intervir com jovens ou atletas. Segundo ele, as relações estabelecidas entre os profissionais responsáveis pela atividade não deveriam ser semelhantes às que são estabelecidas com as crianças e os adolescentes; no entanto, esse fato parece ainda ser uma constante, e até hoje há dificuldade de alguns profissionais em saber diferenciar a intervenção com jovens e crianças daquela destinada a idosos e aposentados. No que se refere ao que era proposto, ficava claro que o principal objetivo das associações era o de retardar a dependência, visando à conservação das possibilidades de autonomia nos deslocamentos como também nos gestos mais comuns da vida cotidiana. tenha existido essa preocupação por parte dos responsáveis pela organização das atividades. 129 A aceitação da proposta parece ter sido demonstrada pela grande procura, já que, inicialmente, foram oferecidas 100 vagas e, no entanto, o número de inscritos as ultrapassou em 300. Nesse momento limitava-se a idade para ingresso nessa associação: apenas pessoas entre 60 e 70 anos e que não tivessem nenhum problema funcional. 184 Com uma parte da programação dedicada a atividades recreativas, procurava-se colocar em prática técnicas com características utilitárias. Devido ao grande interesse que estava despertando na categoria dos professores de educação física, outro número da revista EPS apresentou essa temática, agora dando o exemplo de três diferentes modelos de aulas típicas para idosos, realizadas em estabelecimentos distintos. Mais uma vez se apresenta na revista o Dr. Longueville (1974), que agora fala do que considerou como um grande passo para a discussão, dentro do meio acadêmico, da educação física. Segundo ele isso ocorreu a partir da criação de uma comissão permanente da terceira idade, especificamente criada para estudar as atividades praticadas pelos idosos e aposentados em um centro de formação de professores de educação física. Um espaço destinado à discussão temática no campo da educação física ficou concentrado no antigo Centro de Reeducação Física da Academia de Paris, que em 1973 foi transformado no Centro de Pedagogia Experimental Pierre Mardeuf da ENSEPS, que tinha o intuito de “estudar a motricidade nas diferentes idades da vida, quaisquer que fossem as condições do meio e a população” (CAMUS, 1997:11) 130. O objetivo era contribuir para um melhor envelhecimento, retardando ao máximo o momento em que as pessoas tornar-seiam um fardo para os outros, como também, possibilitando que as pessoas sós pudessem fazer novos contatos humanos. Ele expôs no artigo os momentos que antecederam essa criação, dividindo-a em três períodos: o primeiro foi considerado de ‘observação, de busca por uma concepção’, compreendido entre os anos 1961 e 1967, uma fase experimental que, ao ser superada, um dia faria com que fosse também praticada por uma grande maioria de sedentários. Em seguida, o autor identificou o período dos anos 1969 e 1970 como aquele em que foi dado grande impulso, principalmente devido a iniciativas isoladas de alguns grupos como o de Grenoble, Paris XX e XIII, Nice e Aix les Bains. E nos anos 1971-1972 chegou-se a uma 130 Atendendo desde crianças de três meses a quatro anos de idade com a adaptação ao meio aquático entre crianças e pais; crianças do maternal até o elementar; crianças e adolescentes com problemas motores, mentais e sensoriais; até os idosos e aposentados. Anos mais tarde, como laboratório de pesquisas pedagógicas, passou a fazer parte do Instituto Nacional do Esporte e de Educação Física (INSEP), atuando não só na adaptação como na readaptação de pesquisas pedagógicas experimentais (CAMUS, 1997). 185 ‘fase de concordância’, que passou a ser de uma tomada de consciência desse novo fato social, época em que apareceram os primeiros estágios na então Escola Normal Superior de Educação Física e Esportes e nas Federações de Ginástica Voluntária, com uma tomada de consciência coletiva. Finalmente, Longueville denominou uma fase, que se inicia após o ano de 1973 e a que chamou de ‘operacional’, na qual se identificava uma euforia generalizada, quando foram criadas diversas associações por toda a França, sendo grande parte delas dentro da Federação de Ginástica Voluntária. Nesta associação começaram a ser produzidas algumas publicações para auxiliar os animadores na tarefa de atuar com idosos e aposentados. A necessidade de maior aprofundamento do que era proposto pode ser creditada ao fato de que logo no início da fase de explosão se constataram alguns fracassos, resultado de improvisação e isolamento. Os praticantes acabaram sendo submetidos a atividades que não condiziam com suas expectativas; havia uma simplificação da prática, que se apoiava na infantilização, na escolarização dos conteúdos, e ao mesmo tempo numa tecnicidade excessivamente rebarbativa. Por esses motivos, recomendava-se que na formação dos animadores da terceira idade deveriam ser enfatizados conteúdos que possibilitassem desenvolver qualidades essenciais para a abordagem psicológica e o bom senso na adaptação das técnicas à personalidade do grupo. Quanto aos programas de estágios, eles deveriam ter um ensino teórico em patologia, psicologia do envelhecimento, economia e higiene geral da velhice, em pedagogia do movimento da pessoa idosa. E sobretudo um ensino prático (LONGUEVILLE, 1974:146). No que se refere à prática de atividades físicas esportivas por idosos no Brasil, tivemos a preocupação de identificar alguns momentos que podem nos auxiliar na compreensão de seu desenvolvimento. Inicialmente reconhecemos que, a partir da proposta de trabalho de professores como Osvaldo Diniz e Antônio Boaventura, já era possível encontrar, no final da década de trinta, idosos que praticavam ginástica regularmente (FARIA JUNIOR, 1999). Podemos ainda considerar que essa prática, realizada de maneira mais estruturada em ambiente associativo, tenha se desenvolvido na Associação Cristã de 186 Moços (ACM) e em alguns clubes semelhantes, porém, não havendo grupos específicos de idosos, devendo esses últimos se integrar a grupos de adultos relativamente mais jovens. Quando surgiam praticantes idosos, eram antigos alunos que envelheciam ou idosos que se juntavam a uma maioria de adultos mais jovens, com a finalidade de praticar uma atividade física como a ginástica. Visando reunir turmas de idosos e aposentados enquanto maioria dos praticantes, com uma proposta específica para esse grupo, reconhecemos as iniciativas do SESC, que, como vimos, começaram a se estruturar na década de sessenta, coincidindo com o período que nos interessou discutir. São da mesma época as intervenções da Legião Brasileira de Assistência (LBA), que organizou alguns grupos de convivência durante os anos setenta, época em que passou a assumir outros projetos para idosos diferentes do asilamento. No que se refere a publicações temáticas na área da educação física, até os anos setenta131 ainda não havia no Brasil muitas publicações destinadas ao professor, ou mesmo ao público em geral, que abordassem a temática do envelhecimento e sua relação com as atividades físicas. Entretanto, sabemos que na década anterior fez grande sucesso o livro do Dr. Mario Fillizola (1964), intitulado Como emplacar 100 anos, que passou a ser um dos referenciais que tratavam o envelhecimento de maneira diferenciada. Nele, verificamos como era encarada naquele momento a prática de atividades esportivas por pessoas ditas idosas. Chama a atenção o fato de o autor dizer que a idade de quarenta anos mereceria cuidados especiais e que as atividades esportivas deveriam ser evitadas. Essa idade foi considerada pelo autor a da entrada na fase de maturidade mental e por, esse motivo, alguns cuidados com a saúde mereceriam destaque. Não sendo mais a época de esportes, é a época das produções do cérebro. O cérebro substitui o músculo na evolução, isto é, o velho sucede ao moço na lei natural [...]. O candidato a ser velho é aquele que, chegando aos quarenta anos, começa a ter precauções com a 131 O primeiro artigo a usar a denominação terceira idade e atividade física parece ser o de Legido (1974). Não havendo muitos periódicos nessa década, é no Boletim da FIEP que vamos encontrar outras referências no Brasil. 187 saúde; faz-se mais cauteloso, observa dieta, lê a página médica dos jornais e faz check-up (FILLIZOLA, 1964:22). Suspeitamos que o surgimento de um interesse diferenciado pode ser creditado aos fatos que ocorriam em escala mundial e na Europa, em especial; acrescenta-se ainda que no final da década há bem timidamente a percepção de uma necessária mudança de mentalidade com relação ao envelhecimento e às atividades físicas. Deu-se na década de setenta a introdução da campanha do ‘esporte para todos’ no Brasil, como também os princípios defendidos na Unesco por Pierre Furter de uma educação permanente e para todos. De maneira semelhante, seguindo esse mesmo tipo de raciocínio universal, foram tiradas as propostas na assembléia de 1977 da Organização Mundial de Saúde (OMS), que visavam à ousada – e acrescentamos, inatingível – campanha de ‘saúde para todos até o ano 2000’. Aliem-se a esses fatos outros que ocorreram em nível nacional: o seminário realizado em Brasília para discutir a situação do idoso em 1977; a sensibilização de alguns para a necessidade de uma política de modo de vida para os que estão envelhecendo que fosse diferente da forma asilar. Ao se verificar a diminuição das taxas de fertilidade, há um início de conscientização sobre o futuro envelhecimento da população brasileira. São dessa época o trabalho efetuado no âmbito do SESC e os cursos de preparação para a aposentadoria. Podemos também falar de outro acontecimento, que foi a preparação que antecedeu a participação do Brasil na Assembléia Mundial sobre o envelhecimento que se realizou em Viena no ano de 1982132. Como se pode verificar, artigos sobre o tema só passaram a surgir com mais freqüência a partir dos anos oitenta, como conseqüência, acreditamos, de fatos ocorridos na década anterior: campanha ‘esporte para todos’; as assembléias da Organização Mundial da 132 Os resultados dessa assembléia demonstraram que já existia uma certa convergência de pensamentos sobre qual seria a melhor maneira de envelhecer, seja no âmbito do que isso representa para a sociedade, seja no que é relativo ao indivíduo. A prática de atividades físicas e o engajamento ativo para um envelhecimento saudável eram algumas das recomendações nos países mais desenvolvidos economicamente, com considerável população de idosos e perspectivas de crescimento da proporção de velhos. 188 Saúde que tiveram a participação do Brasil; e o interesse por um modo de vida na velhice em países como a França, que já se ressentiam dos efeitos do ‘papy boom’133. O que vem sendo recomendado aos animadores das ginásticas para idosos: França e Brasil Iniciamos pelas publicações que consideramos relevantes na França. É da década de setenta o livro A higiene da terceira idade, do Dr. Jean-Marc Roger, médico gerontólogo que recomenda uma higiene de vida para os idosos com exercícios que “devem ser dosados em quantidade e qualidade para preencher seu papel na higiene pessoal” (ROGER, 1979:65). Ao descrever uma sessão típica, o autor diz que não se trata nem de ginástica médica nem de cinesioterapia; é a oportunidade de se realizar uma boa psicoterapia e, ao se inserir socialmente134, retardar ao máximo a perda da autonomia. A FFEFGV publicou, em 1983, um Manual de Ginástica Voluntário, específico para os que iam atuar com a terceira idade. Ali eram apresentadas as principais motivações, que não eram muito diferentes das relacionadas à ‘segunda idade’. Seriam: “viver melhor e o maior tempo possível; permanecer jovem; poder dispor de seu corpo sem sofrer; entreter as principais funções; restaurar aquelas que ainda podem ser” (FFEFGV, 1983:31). Apresentou-se um modelo de sessão de que constava a recomendação de se enfatizar a percepção espaço-temporal para haver uma economia do movimento no gesto diário. Outro aspecto foi o desenvolvimento das percepções sensoriais, que se mostravam também de grande importância, sendo apresentados exercícios de entretenimento, visando à flexibilidade e à força muscular. Outros exercícios eram indicados para a adaptação às mais variadas situações, sendo sugerida como estratégia pedagógica a apresentação de exercícios a partir de situações-problema. Os jogos, como as danças, são enfatizados como capazes de 133 A exemplo do ‘baby boom’ criado para caracterizar o significativo nascimento de crianças nas épocas pós-guerras mundiais, os franceses se utilizaram da forma carinhosa com que as crianças chamam os avós (papy) para caracterizar o grande aumento de idosos na população. Naquele momento não podíamos falar desse fenômeno no Brasil. 134 Baseando-se nas atividades realizadas no âmbito da FFEFGV, ficamos sabendo pelo autor que dos 5.364 praticantes, a maioria é de mulheres. 189 privilegiar a recreação; e para terminar numa sessão típica, uma volta à calma devia ser estimulada. As participações de professores de educação física em publicações específicas para adultos ou idosos começaram a surgir, apresentando preocupações mais de ordem pedagógica, sugerindo um modelo de planejamento de aulas que seguissem as já tradicionais das aulas típicas da educação física escolar, em que se divide a atividade em três ou quatro partes. Enfatizando que a prática de atividades físicas para idosos seria um método de reeducação e cura pelos movimentos, além da possibilidade de retardar o envelhecimento. Também consideramos a importância do que foi proposto pela belga Collignon (1983) que publica na língua francesa, expressando a preocupação com a forma de se apresentar uma sessão de ginástica para idosos. Como alvo principal a ser atingido numa sessão de reeducação, a autora apresentou os seguintes efeitos como favoráveis: o aumento da coordenação neuromuscular; aumento da massa muscular e o desenvolvimento da rede vascular; melhora da eficácia dos processos respiratórios e cardíacos; aumento da resistência aos acúmulos ácidos resultados do trabalho muscular; os gestos serão mais finos e realizáveis com menos esforços (COLLIGNON, 1993:198). Um esquema foi proposto pela autora para uma sessão de ginástica135, contendo inicialmente um aquecimento, exercícios de flexibilidade e força; exercícios de equilíbrio; exercícios de coordenação e imitação; exercícios de deslocamento no espaço; jogos os mais diversos; finalizando com um relaxamento. Como duração de uma sessão de uma hora propõe-se que dois terços sejam de trabalho efetivo, contendo exercícios de alongamento antes e depois das atividades físicas. Elizabeth Bali também apresenta as diferentes fases de uma sessão, dividindo-a em quatro partes: aquecimento, alongamento, musculação e relaxamento. No modelo ‘faça você mesmo’, a autora sustentou que o equilíbrio entre as quatro fases da sessão e a execução dos movimentos deve levar em consideração tanto a maneira como o número de 135 Nosso interesse por esse esquema deve-se ao fato de que ele veio a servir de base para o que foi proposto no Brasil no projeto Idosos em Movimento Mantendo Autonomia (IMMA). 190 repetições necessárias, fazendo o praticante perceber, “ao final da sessão, uma fadiga agradável e sobretudo um bem-estar físico e psíquico” (BALI, 1985:24). Na França, um diferencial entre as obras que se dirigiam aos professores e animadores foi a publicada por Coutier, Camus e Sakar (1980), editada pelo Instituto Nacional de Esporte e da Educação Física (INSEP). Nela procura-se dar uma visão geral do interesse pelas atividades físicas esportivas pelo viés ‘esporte para todos’ dos anos setenta, que identificava a atividade como fonte de saúde, de relaxamento e de integração social. O trabalho foi o resultado das experiências postas em prática no Centro de Pedagogia Experimental Pierre Mardeuf. Sem querer ser um manual, apresentou o envelhecimento diferencial dando-se ênfase a suas dimensões psicológicas, ao que vinha sendo considerado envelhecer na sociedade daquele momento, possibilitando aos leitores, professores de educação física, compreender o processo do envelhecimento. A concepção pedagógica foi apresentada pela integração entre motricidade e psiquismo, a partir da qual se levava em conta a unidade e globalidade do indivíduo; a atitude pedagógica do animador e a abordagem pedagógica que ele devia ter. Esta última, a partir da relação animador/praticante, buscava uma conduta harmoniosa, sendo apresentadas diversas recomendações, às quais os autores chamaram de leis a serem seguidas. Na busca de uma conduta harmoniosa no desenvolvimento das sessões, deve-se ter em conta: a lei genética; da analogia; contrastes; alternância; relatividade; adaptação; economia; integração; evolução.; continuidade e interdependência (COUTIER; CAMUS; SARKAR, 1980). No que toca a organização das sessões de ginástica, as considerações levaram em conta desde a escolha do local; a composição do grupo, duração, freqüência, intensidade e ritmo; como dosar; a relação entre trabalho individual e coletivo. Levando em consideração os objetivos que podiam ser desenvolvidos nos aspectos biológico, psicológico e sociológico, os autores falavam em: manter e reforçar a autonomia física, valorizar o gosto pelo movimento; criar um clima relacional, em um ambiente cuja dominância deva ser o aspecto recreativo; criar formas de trabalho para romper o isolamento e possibilitar a integração social. 191 Para justificar a não apresentação de um repertório de exercícios, os autores alertam para a importância de que o animador seja uma pessoa competente e imaginativa, capaz de entender que mais que o exercício, com fins nele mesmo, é a situação na qual ele se desenvolve que é interessante e lhe dá sua especificidade porque é ela que modifica o sentido e o efeito que produz, levando em conta o projeto do educador. Colocar em situação é, sem dúvida, provocar um conjunto de estímulos que se traduzem para o praticante como um problema a resolver. Os exercícios são exclusivamente meios técnicos a serviço de uma determinada intenção educativa, sendo que elas devem ter em conta as motivações, as possibilidades motoras e representativas dos participantes, como também seu comportamento psicológico (COUTIER; CAMUS; SARKAR, 1980:61). Ao apresentar algumas atividades que poderiam ser complementares numa sessão de ginástica, os jogos mereceram atenção dos autores, sendo divididos em jogos de abstração, físicos e esportivos. Em nossa maneira de ver, os dois primeiros incorporam alguns que são também apresentados para crianças e adolescentes. Já no que se refere às atividades esportivas, propõem-se uma adaptação a esportes tradicionais, como basquete ou voleibol, e outros que consideraríamos mais apropriados para idosos e aposentados. Temos apresentado como hipótese que a falta de fundamentação dos que vão atuar com as atividades físicas para idosos decorre de uma formação específica para esse grupo social, que tem características bastante peculiares, falha ou inexistente. Muitas vezes, quando existe alguma formação, ela acaba apresentando elementos a serem trabalhados que não distinguem muito o adulto normal da criança e do adolescente. Essa lacuna existe ainda dentro das próprias faculdades de educação física. No caso da França, em determinado momento ela surgiu na forma de uma disciplina opcional, ou seja, no momento em que o mercado profissional se ampliava, o que fez com que nem sempre os que foram atuar tiveram uma preparação que permitisse entender o envelhecimento e a velhice136. 136 Nos anos setenta, algumas instituições de ensino superior de educação física da França, como as de Rennes, Grenoble e Toulouse, apresentaram a seus alunos uma disciplina opcional que tratava exclusivamente das atividades físicas para idosos. Tomando como exemplo a ementa da que foi 192 Se os anos anteriores à década de setenta ficaram bem marcados pelo papel dos gerontólogos e dos médicos que defendiam a prática de atividades esportivas pelas razões terapêuticas e preventivas, um novo tempo parecia começar com o surgimento da discussão dos aspectos pedagógicos e sobre a forma como os profissionais de educação física e os animadores deveriam atuar. Mas ainda se percebia que a maior preocupação caía no desnivelamento do perfil do praticante, que, sendo bastante heterogêneo, não poderia ser englobado em fórmulas únicas. Vailleau (1977) mostrou que quase 80% dos praticantes eram mulheres e predominavam as motivações relacionadas ao corpo, seja pelo aspecto do bem-estar físico, seja para diminuir as tensões e relaxar. Outra característica foi a conservação dos gestos necessários a vida cotidiana, apontada por 51% dos entrevistados. A melhora da saúde quase sempre era apontada como a mais importante, como também a possibilidade de novas relações, apontada por 23,7%. Nicole Dechavanne e Bernard Paris são dois professores de educação física franceses que, atuando no âmbito da Federação de Ginástica Voluntária, se interessaram pela melhor qualificação pedagógica dos professores e animadores físicos esportivos. Em seus livros, ficou claro que a opção da educação física do adulto deve ser entendida como específica para os problemas dos adultos, devendo se destacar do modelo escolarizado e evitar a cópia adaptada do trabalho que é feito com crianças (DECHAVANNE; PARIS, 1988; 1994). Os autores falam ainda da importância de conciliar a função essencial de conservar a saúde ao estímulo para que os idosos assumam, em sua vida, o gosto pelos lazeres esportivos e a autonomia, para que pratiquem independentemente da presença de um animador. A pesquisa de Bernard Paris, realizada na década de setenta entre os praticantes de ginástica voluntária, mostrava que estética, saúde, jogo e contatos sociais eram as proposta em Rennes no ano de 1978, verificamos que o objetivo da disciplina seria: possibilitar que os alunos tivessem acesso a um tipo de conhecimento considerado indispensável para quem vai atuar com a pessoa idosa, para vir a ser competente na prática das atividades adaptadas para a terceira idade. A operacionalização desses conhecimentos se daria no nível das atividades de animação realizadas em clubes e hospitais, que seriam os locais que mais agrupam as pessoas idosas. 193 motivações que mais incidiam nas respostas de 1.300 ginastas voluntários investigados. Foi verificado que se por um lado homens e mulheres têm razões semelhantes, o peso de cada uma dessas características vai variar, e à medida que aumenta o tempo dentro da associação, participando da atividade, há um deslocamento de sentido da percepção inicial desses participantes. Já na pesquisa de Nicole Dechavanne, realizada em 1980 com mulheres que praticavam ginástica, essa atividade foi considerada por 70% delas como sinônimo de forma física (entendida como saúde); para 36%, seria um descanso intelectual (65% delas ainda trabalhavam); para 28%, um meio de encontrar outras pessoas (75% das mulheres que não tinham uma atividade profissional); finalmente, para 4%, o desenvolvimento estético, e, para 6%, a descoberta de novas possibilidades com o corpo. Quando sondados sobre as principais características dos animadores, a competência e o dinamismo foram apontados por quase 60% dos praticantes; outras qualidades seriam a gentileza e compreensão (VAILLEAU, 1977). Concordamos com a análise da evolução da prática das ginásticas feita por Malenfant (1984) quando ele argumenta que um dos grandes impulsos foi a criação dos clubes da terceira idade, que seriam essencialmente locais destinados aos lazeres, diversão e formação. Em 1979 já eram estimados na França uma centena de animadores oficialmente investidos pelo Ministério da Juventude e do Esporte para atuar com idosos. Dos 3.199 clubes investigados em 1980, 2.407 apresentavam a ginástica de conservação como uma das atividades físicas propostas. Novos sentidos passaram a ser dados às atividades físicas dos idosos, e a preocupação passou a ser cada vez mais freqüente com a capacitação daqueles que iriam atuar com esse público, já que o êxito da implantação das atividades nos clubes passou a ser numericamente muito importante, aliado ao fato de terem sido detectados alguns fracassos, deixando a desejar quanto à qualidade do que era apresentado. Ao proporem uma pedagogia específica para os adultos, Dechavanne e Paris não tiveram qualquer preocupação em separá-los entre idosos e não idosos. Segundo suas observações, considerava-se que as atividades físicas dos adultos deveriam passar pelo campo da 194 educação, sendo necessário atentar para questões didáticas e pedagógicas. Seguiam a tradição francesa de caracterizar os cursos de atividades físicas para idosos como um conjunto de sessões, e não de aulas, como normalmente são caracterizadas no Brasil. Passou-se a dar bastante importância à preocupação com as questões metodológicas, formulação de objetivos e à necessidade de meios para se avaliar se os objetivos foram alcançados, que caracterizam o que entendemos como uma atividade pedagógica de educação física. Percebe-se então uma preocupação com a elaboração de uma metodologia apropriada que se diferenciaria da educação física adaptada. Segundo eles, a função básica das atividades por eles propostas seria a conservação da saúde, preparando os adultos para serem autônomos, um meio de reencontro com o seu corpo. Haveria uma convergência da saúde com o prazer de se movimentar, com a possibilidade de influenciar na morfologia do indivíduo. A proposta pedagógica se fundamenta na pedagogia das condutas motoras elaborada por Pierre Parlebas (1990), que tem como característica se destacar do modelo biologizante da educação física. “O conceito de corpomáquina e energético é progressivamente substituído pelo de condutas motoras” (DECHAVANNE; PARIS, 1988:15). Um modelo foi proposto para compreender o que se passava com relação às necessidades e motivações dos praticantes. As primeiras são expressas como falta ou perda de uma determinada qualidade física, e as outras, como necessidade de agir com determinado fim. Passam a ser importantes a necessidade de se movimentar, os motivos biológicos e também os motivos de ordem social. A conduta motora deve ser compreendida a partir das relações dialéticas entre as exigências biológicas e sociais. Entre as onze categorias trabalhadas por Bouet (apud PARIS; DECHAVANNE, 1988), ficamos com as quatro primeiras, que podem bem servir para caracterizar as motivações dos idosos em relação à prática da ginástica. Primeiramente, as necessidades motoras, de gastos energéticos e de movimento. Em seguida, a afirmação de si, expressa também pela necessidade de afirmar sua existência e ser reconhecido pelos outros. Em terceiro lugar, uma busca de compensação, e finalmente as tendências sociais que significam a necessidade de afiliação, de pertencimento. 195 Quanto à prática pedagógica, as aulas em geral são divididas em três partes: aquecimento, situações com diversos exercícios, que são subdivididos em três outros grupos como: os que visam às atividades biológicas essenciais, à coordenação e à comunicação. Na primeira estão as atividades que visam à resistência geral, força e flexibilidade. Na segunda estão a coordenação e a destreza, e finalmente a capacidade de comunicação motora, realizada por meio de diversas atividades. Dentre as atividades que podem ser desenvolvidas na ginástica para idosos, a inclusão de danças é apresentada como de capital importância, pois dariam “a oportunidade a cada um de experimentar a felicidade e o prazer sensual de movimentar o seu corpo” (DECHAVANNE; PARIS, 1988:85). O exemplo dado pelos autores era a utilização das danças afro-brasileiras, que foram apresentadas como uma possibilidade de auxílio terapêutico, pois podiam ser praticadas tanto como liberadoras de tensões como algo essencialmente relacionado a gastos energéticos. No final da atividade o relaxamento é recomendado. Os autores argumentam que uma pessoa pertence à terceira idade quando está em torno dos sessenta anos, no momento que corresponde à aposentadoria. Ao defender a prática de atividades físicas para esse grupo no âmbito da FFEFGV, recomendavam que eles se dedicassem o maior tempo possível, para evitar o declínio das capacidades. No entanto, reitera-se que é tarefa difícil mas necessária desembaraçar-se da concepção corrente que percebe o idoso pelas perdas e sob o signo do declínio. Para os autores, a ‘doutrina da ginástica voluntária’ privilegia as atividades que estimulam o desenvolvimento da autonomia, e acaba ficando comprometida no momento em que existe um mercado da forma física. Em 1996, foram contabilizados 385 mil afiliados nas associações de ginástica voluntária, que se transformou na sétima associação esportiva francesa. Espalhada por todo o território francês, contava com mais de 6.000 sessões em que se praticava atividade física. As mulheres eram maioria, chegando a 93% do efetivo total (SESBOUÉ, 1996), e 20,56% têm mais de sessenta anos (BRAULT; LABROUSSE; SEBOUÉ, 1995). Duas tendências foram apontadas como dominantes no campo das ginásticas realizadas no meio associativo. Umas podem ser consideradas como suaves ou doces, com uma dominância maior do campo da 196 fisioterapia, e tem encontrado muitos seguidores dos princípios estabelecidos por Meziers, como também se desenvolvem algumas práticas orientais, como o Tai-chi-chuan ou o Yoga. Já as ginásticas duras, com uma dominância no campo da conservação e as de maior gasto energético, são as mais tradicionais. Em alguns aspectos, o desenvolvimento da prática das atividades físicas no Brasil acompanha o que se passou na França, só que em épocas não tão distintas e em proporções que demoraram a ser tão significativas quando se trata do número de praticantes. Na década de setenta já vemos surgir no Brasil um livro traduzido do alemão que era endereçado aos profissionais da saúde, em especial aos médicos, editado pela primeira vez em 1969, com o título Ginástica para velhos. Em sua terceira edição, SCHARLL recebeu o prefácio do Dr. Maurício Rocha137, que dirigia o laboratório de fisiologia do exercício da Escola de Educação Física da UFRJ. No livro argumentava-se sobre a importância de participar ativamente da vida, lembrando que não bastava aos médicos “simplesmente prolongar a existência (anos de vida)”, mas considerar a “necessidade de dar maior vida a esses anos” (SCHARLL, 1978:1). Ao recomendar a prática de exercícios físicos, estes eram apresentados como uma “receita do elixir da longa vida” (SCHARLL, 1978:3). Sem apresentar qualquer fundamentação teórica, apresentava-se uma série de exercícios de simples execução, que induzia os idosos a praticá-los em casa, sem nenhuma preocupação com os benefícios sociais da atividade em grupo. Sugeriam-se ainda os diversos momentos em que cada um desses exercícios podia ser feito, com fotografias de idosos praticando os exercícios em roupas que hoje diríamos não ser apropriadas para a prática. Importante para a divulgação do que vinha sendo feito na educação física não formal brasileira, a Revista do Ministério da Educação do Brasil passou, nos anos setenta, a ser endereçada aos professores de educação física. Mas foi só no início dos anos oitenta que a prática de atividades físicas para idosos veio a ser nela abordada. Na mesma época, mas com mais freqüência138, o Boletim da Federação Internacional de Educação Física 137 Ressaltamos a importância na época dos argumentos usados como defesa da prática de atividades físicas por pessoas idosas. 138 Talvez pela influência do desenvolvimento dessa atividade em outros países membros da federação, já que os artigos eram normalmente de autores estrangeiros. 197 (FIEP), passou também a ser o espaço onde essa discussão se desenvolvia. É interessante ressaltar que na época o Brasil ainda era considerado um país de jovens, e a educação física voltava-se ou para jovens ou para a formação de atletas. Um dos aspectos sob os quais foi abordada a prática das atividades físicas por idosos foi a partir da fisiologia do exercício, começando no laboratório de fisiologia da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEFD-UFRJ). Essa tendência acadêmica levava em conta as preocupações com a fisiologia do exercício e os aspectos fisiológicos do envelhecimento, enfatizando principalmente as questões oriundas da aptidão física. A iniciativa do médico e professor Dr Maurício Rocha, que dirigia o laboratório era até certo ponto isolada do contexto do resto da faculdade. Eram abordados os limites humanos, as perdas e a importância de estudar os praticantes que envelheciam, o que pode ser entendido como decorrente de diversos estudos que estavam se desenvolvendo em outros países. Seriam as pesquisas voltadas para estudar os ‘veteranos esportistas’, um grupo que na verdade mesmo enquanto envelhecia, nunca abandonou sua prática de predileção. Um dos primeiros artigos endereçados aos professores de educação física, a respeito da participação de idosos e aposentados em programas de atividades físicas, não os via pelo viés biologizante, e sim como forma de lazer. Foi escrito por Katia Brandão Cavalcanti (1981 a), que até os dias de hoje vem trabalhando a questão do lazer139. Ao se referir à prática de atividades físicas, a autora defendia sua importância como prática de lazer, e o exemplo da experiência empreendida no SESC foi seu principal referencial140. É da mesma época o interesse pela temática ‘idosos e atividade física’ da Revista da Terceira Idade, editada pelo SESC, que tinha seu público leitor mais diversificado do 139 Em 1996, na Revista Movimento, a autora investiga a relação entre lazer, estilo de vida e longevidade. É feita uma crítica aos determinismos genéticos e biológicos com relação à longevidade e dá-se destaque aos aspectos psicossociais. Uma perspectiva holística é defendida para o desenvolvimento do bem-estar do indivíduo e o ‘lazer transpessoal’ é o campo privilegiado (CAVALCANTI, 1996). 140 O SESC começou suas atividades em 1963; em 1972 criou o Movimento Pró Idoso (MOPI) e, no ano de 1979, visando à capacitação de seus técnicos, trouxe da França para ministrar um de seus cursos, Claudine Attias-Donfut, que na França era pesquisadora na Caixa dos Aposentados e já desenvolvia pesquisas sobre o lazer dos aposentados e idosos. 198 que a revista que publicou o artigo de Katia Cavalcanti. Destacamos a inclusão, em seu nono número, de um artigo de Pedro Barros Silva (1982), que, dirigindo-se aos idosos, defende a importância da prática de atividades físicas, como prevenção, estabelecendo algumas recomendações práticas, além de apresentar uma aula típica para idosos. Ainda na mesma revista vamos encontrar um artigo de Psicopo (1982), que três anos antes fora publicado no Jornal of Physical Education-Recreation. Ali, os aspectos cinesiológicos e fisiológicos do envelhecimento são apresentados, levando em consideração tanto as contraindicações de determinados exercícios como as possíveis indicações. Ainda na Revista da Terceira Idade, alguns números depois, outro artigo de Silva (1983) veio a ser publicado, esse também na lógica da prevenção, que era a tônica dos livros de fisiologia do exercício que se referiam à prática dos exercícios físicos para idosos na época. Outra forma de difusão de conhecimento se deu por meio de eventos científicos, que na década de oitenta surgiram dentro de alguns encontros acadêmicos, como a 1 Jornada de Psicologia da Universidade Gama Filho, realizado em 1982, ou o 1 Congresso Internacional de Educação Física de 1984, que, entre outros assuntos, incluíram palestras ou mesas para discutir o tema atividade física e exercícios físicos para idosos. Merece destaque ainda, no meio acadêmico, o intercâmbio Brasil-Alemanha na área de educação física, que possibilitou a presença de professores alemães no país visando a contribuir para o desenvolvimento da pós-graduação brasileira. Foi bastante significativa a contribuição dada ao programa da Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde, além das pesquisas que lá se desenvolviam, passaram-se a publicar alguns livros traduzidos do alemão para o português. Teve especial impulso na região o movimento ‘esporte para todos’, que já se desenvolvia em diversas partes da Europa, como a Alemanha e a França, e se iniciava no Brasil141. A campanha ‘esporte para todos’ visava, em seu decálogo, entre outras coisas, o lazer e a saúde. Não se referia explicitamente à categoria dos idosos, mas abria espaço para 141 O envolvimento do Brasil com o ‘esporte para todos’ começa com a participação de representantes brasileiros em um evento internacional realizado no ano de 1973. Em 1975 a campanha ‘mexa-se’ é lançada em rede de televisão, e a campanha ‘esporte para todos’ é oficialmente lançada em 1977 (COSTA, 1977). 199 a categoria ‘veteranos’, ‘velha guarda’, havendo também o envolvimento implícito deles com as atividades esportivas, uma vez que a proposta seria posta em prática por meio do voluntariado142. Segundo Dieckert (1984), um dos professores alemães que vieram para a Universidade de Santa Maria, os ‘exercícios físicos para todos’ seriam bem antigos na Alemanha, datando de mais de 160 anos. Sendo que a partir de 1960 se reativou o que se chamou de ‘ginástica para todos’, prática difundida no âmbito associativo. Anos mais tarde, organizou-se o ‘esporte para todos’, que nas mais diversas formas passou a ser freqüente nas políticas públicas de diversos países. Para Dieckert, no Brasil o termo passou a ser confundido com educação permanente, integrando, no ano de 1979, o currículo da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, com o nome de Educação Física Permanente. Uma das obras trazidas por aquele autor continha capítulos escritos por professores que tiveram experiência no campo da ginástica, esportes e jogos para idosos (BAUR E EGELER, 1983). É de certa forma pioneiro o conteúdo do livro, que procurou organizar os três aspectos que já vinham rondando a nova prática de atividade física dos idosos. Ficava clara mais uma vez a aproximação com o espírito do ’esporte para todos’, e logo em seu prefácio, escrito por Dieckert, é lembrado também o momento histórico da edição alemã, que foi editada no ‘ano internacional do idoso’, comemorado pelos países membros da OMS em 1982. A publicação foi dividida em uma parte teórica e outra prática. Na primeira, apresentaram-se as visões tanto do pedagogo como do médico. Aquele apontava que a primeira motivação para a prática recebia um forte estímulo do aconselhamento médico (GABLER, 1983). Uma preocupação com os gestos da vida diária que ficariam comprometidos com o envelhecimento fazia parte do que era discutido; entretanto, fica registrada a característica moralizadora da atividade física, seja pelo aspecto da saúde funcional, ou mesmo da característica socializadora, já que o autor considerava que poucas coisas são tão deprimentes quanto depender da ajuda de terceiros. No entanto, o que motiva não é o desejo de permanecer sadio. Sente-se também o decréscimo da energia, do impulso 142 Uma crítica ao movimento ‘esporte para todos’ pode ser observada nos trabalhos de Cavalcanti (1981b; 1984) e Faria Junior (1981). 200 próprio. Pensa-se na impressão que se causa aos netos. Procuram-se contatos sociais, alguém que ouve e mostra compreensão. Alguns estão mesmos interessados na atividade funcional do que num encontro de pessoas (GABLER, 1983:25). A prevenção do mau envelhecimento, expresso pela imobilidade ou a dependência, é enfatizada, embora os objetivos sociais também sejam considerados bastante importantes. Os benefícios com a prática apresentada pelos autores são diversificados no que toca os aspectos funcionais, chegando-se mesmo a afirmar que os idosos treinados estão mais aptos a enfrentar um acidente ou mesmo uma intervenção cirúrgica. Chama-se ainda a atenção dos mais jovens, visando à prevenção, uma vez que eles não deveriam se esquecer que serão um dia velhos. Paralelamente à promoção da ginástica, jogo e esporte para Seniores, como auxiliar para auto-ajuda e como contribuição necessária para um envelhecimento ativo, deve ser modificada a imagem dos idosos. A sociedade não pode concordar com o retrocesso, a passividade e as restrições de suas capacidades. (GABLER, 1983:27). No desenvolvimento da metodologia proposta, segue-se a tradicional divisão da aula em três partes: preparação com o bate-papo inicial e o aquecimento; parte principal com um tema diversificado a cada aula, envolvendo melhoria da postura, mobilidade, fortalecimento da musculatura, respiração e resistência; e o encerramento seria destinado aos jogos de movimento, com canto e danças. Com relação ao tratamento dispensado pelo responsável pela atividade, há a recomendação de não se dirigir aos idosos como se eles fossem crianças, evitando a infantilização. No que toca o ponto de vista do médico, é a saúde o principal foco, recomendando-se os exercícios que visam à circulação, à mobilidade das articulações, ao alongamento dos músculos e à coordenação (ELLWANGER, 1983). O livro apresenta uma parte prática que pode ser compreendida como um manual, em que são oferecidos exercícios com implementos, com as mão livres, em deslocamento, parados, com diversos graus de dificuldade. Na parte destinada aos jogos, observa-se que muitos deles apresentam codificações que levam à emulação, alguns dos quais têm sido considerados por nós como mais adequados à educação infantil do que a uma atividade proposta para idosos e aposentados. 201 No ano de 1985 percebemos mais uma vez a abordagem no Brasil pelo viés do lazer/recreação, que, junto com o caráter higiênico, continua até hoje se apresentando com mais freqüência na literatura que trata das atividades físicas dos idosos143. A abordagem do tema ‘recreação e os idosos’ esteve presente no V Congresso do CBCE, realizado em Poços de Caldas, onde foi apresentado um trabalho intitulado “Atividade recreativa na terceira idade” (SÁ, 1985 a). A autora publica no mesmo ano um artigo na revista do CBCE (SÁ, 1985 b), onde faz uma comparação entre os idosos brasileiros e os americanos que praticam esportes. Falamos de um período que acompanha, ainda que de forma isolada, a discussão temática que passou a ocorrer nas faculdades de educação física, cuja entrada se deu tanto pela fisiologia do exercício como pelo lazer – esta última a partir dos aspectos motivacionais e pedagógicos. A outra grande tendência que se desenvolvia nos centros de formação brasileiros acompanhou o movimento do ‘esporte para todos’ dos anos 70, possibilitando a elaboração de propostas fora do ensino considerado formal da educação física e do treinamento esportivo. As universidades que optaram por aprofundar seus estudos no esporte para todos vislumbraram as demandas sociais por uma educação física considerada como informal. Entretanto, a abrangência desta disciplina envolvia várias faixas etárias, e os idosos mereciam uma breve discussão, inserido-os numa prática ainda pouco estudada que chamaremos de ‘lazer ativo’ (ALVES JUNIOR, 1999:59). Apresentamos também duas outras tendências que foram forjadas na mesma década. Alfredo Gomes de Faria Junior, ao participar, com outros profissionais de educação física, da elaboração em 1984 da ‘Carta de Belo Horizonte’, aponta para a existência de um problema de acesso dos idosos à prática de atividades físicas. Anos mais tarde, diante dessas constatações, propõe, no Instituto de Educação Física da UERJ, a discussão do idoso e a educação física no âmbito da disciplina Tópicos Especiais em Educação Física. Essa 143 Como pode ser observado, outros focos mereceram com o tempo atenção: autonomia e dependência; aspectos cognitivos e psicossociais, recebendo influência da prática das atividades físicas. 202 abordagem foi por ele considerada como ‘sócio-educativa’. Há de se registrar que no ano a de 1997 a revista do programa de pós graduação do mestrado e doutorado em educação física da Universidade Gama Filho (MOTUS CORPORIS, 1997), publica um número exclusivo à discussão da temática atividade física e idosos mostrando que se o assunto recebe pouca importância na graduação144 o mesmo já se apresenta de forma mais substanciada na pós graduação, principalmente levando em consideração os aspectos mais sociais e antropológicos que foram abordados na revista145. Outra tendência por nós observada foi difundida no meio acadêmico sob a denominação ‘Educação Física Adaptada’, que segundo informações do Professor Lamartine Pereira da Costa no I Congresso Estadual do CBCE, no Rio de Janeiro em 1998, fazia parte dos currículos de 40% das faculdades de educação física. Entretanto, isso não significa que os idosos fossem plenamente abordados, já que o conceito atividade física adaptada foi forjado no Canadá em 1977 por um grupo de especialistas das áreas da deficiência física e da inadaptação social. A finalidade seria difundir no meio acadêmico a necessidade de preparar futuros profissionais para atuarem com pessoas com situações de deficiência. Tratava-se do reconhecimento de uma necessidade que visava atender uma demanda social em setores dos mais variados. Justificava-se que o público-alvo necessitaria praticar atividades físicas, quer seja com fins recreativos, como esporte de competição, como atividade ocupacional, podendo visar entre outras a reabilitação. De forma bastante abrangente, na forma de uma disciplina, englobava pessoas que tivessem deficiências: motoras, sensoriais, mentais. Acrescentavam-se ainda os inadaptados ou excluídos socialmente e as pessoas idosas (ALVES JUNIOR, 1999:59). Os anos noventa ficam marcados pela entrada definitiva da discussão da atividade física para idosos no Brasil e isso se deu de maneira bastante diversificada, desde a criação 144 Em 1992 já acusávamos a importância de se ter uma disciplina específica para preparar quadros que vão atuar com esse grupo social (ALVES JUNIOR, 1992), fato que até hoje ainda não se tem verificado com muita freqüência. 145 Cinco anos mais tarde é publicado um número temático na Revista Brasileira de Ciências do Esporte (CBCE, 2002) relacionando Atividade física e envelhecimento. No seu editorial ficou registrado que “há necessidade de incentivos aos grupos que estudam este assunto, com o objetivo de ampliar a produção de conhecimento e, cada vez mais, dotar essa produção de um rigor teórico que identifique um processo qualificador dessa produção” (p.7). 203 de projetos associativos, até mesmo com a defesa de diversas dissertações de mestrado146 que abordavam a temática do envelhecimento e sua relação com a educação física, passando também a existir seminários específicos para discutir atividade física e envelhecimento. Na França, diferentemente do Brasil, essas atividades estão mais próximas do campo da ‘animação’, sendo que os quadros de animadores que atuam com idosos são preparados fora do meio acadêmico147, nas Federações, como por exemplo a dos Aposentados Esportistas (FFRS) e a de Ginástica Voluntária (FFEPGV), que são as duas com maior representação e que têm autonomia para outorgar os certificados conhecidos como ‘Brevet d’Etat’148, que dão direito à prática profissional do que é denominado ‘animação esportiva’. Procuramos aprofundar essa revisão verificando o que vem sendo estudado no Brasil, levando em conta, agora, seu aspecto original ou também o caráter de proporem alguma metodologia que acabaria servindo de suporte àqueles que atuam com a prática de ginástica. Na forma de dissertação de mestrado, Rosecler Vendruscolo procurou analisar as representações das pessoas idosas sobre as atividades corporais. Ela aponta que numa sociedade em que se tem como valor predominante a produtividade, o idoso tende a ser marginalizado. Uma nova ordem se estabelece; os velhos passam a ser considerados como 146 Levantamos no banco de teses em Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia que foram defendidas duas dissertações na Universidade de Santa Maria em 1986. Depois disso, na década, só a de Sueli Sobral, na UFRJ, orientada pelo Dr Maurício Rocha. Do ano de 1990 para cá, 33 outras dissertações foram catalogadas, não se levando em consideração outras que foram apresentadas em outras áreas de ensino diferentes da educação física. Mais da metade delas discute a saúde, os aspectos biológicos e o rendimento motor. 147 As instituições universitárias francesas de educação física são conhecidas pelo nome de Ciências e Técnicas das Atividades Físicas Esportivas (STAPS). Criadas só no ano de 1985 e geridas pelo Ministério da Educação Nacional, preparam professores que vão atuar com o ensino, o treinamento e a pesquisa. Os cursos de terceiro ciclo em Educação Física (mestrado e doutorado) não têm trabalhado com muita regularidade a temática dos idosos. Quando ela surge, é em outros campos como o da sociologia ou das ciências da educação. Ver por exemplo o trabalho de Raymonde Feillet (2000), baseado em sua tese de doutorado orientada por Vigarello, na Universidade de Paris V. 148 Essas associações são geridas pelo Ministério da Juventude e do Esporte, enquanto que o que ocorre no meio acadêmico da educação física fica circunscrito ao Ministério da Educação Nacional. Para saber mais como esses brevets são organizados, ver Plé (1993) e Missoum (1994). 204 mercado, havendo um deslocamento de sentido do que era considerado como saúde, o que implica uma “remoralização da sociedade” (VENDRUSCOLO, 1996:4). Sua principal busca era saber o que leva as pessoas a fazerem ou não uma atividade física, procurando fazer um estudo comparativo entre duas associações de idosos. Algumas razões que normalmente são apresentadas pelos que praticam atividade física se associam à saúde, beleza corporal e à convicção de pertencer a um grupo que tem a imagem ligada a quem tem a intenção de ter uma vida saudável. A partir dos dados apresentados, ficamos sabendo que, entre os grupos pesquisados, a maioria, como se verifica em associações semelhantes, é constituída de mulheres, o que pode ser explicado como uso de “um espaço de convívio e a afirmação pessoal” (VENDRUSCOLO, 1996:54). Com relação à prática anterior de atividade física, os dados demonstraram que mais da metade nunca havia praticado. Quanto aos motivos, eles são tanto de ordem extrínseca como intrínseca, ou seja, tanto um meio para atingir um fim quanto a partir de vontade própria. Tanto para os homens como para as mulheres, quase 70% declararam que a saúde é o motivo principal, seguido da busca de distração e de emagrecimento. Quanto ao que se entende por saúde, que pode advir dos benefícios das atividades corporais, em primeiro lugar está a melhora do estado geral, seguida da força, agilidade, flexibilidade, mobilidade e equilíbrio; depois é apontada a melhora dos problemas do sono e, finalmente, o emagrecimento. O que leva os idosos a participar ou não de um programa, seja de atividades diversas, seja de atividades exclusivamente físicas, vem sendo constantemente apresentado em dissertações de mestrado. As relações entre o que foi considerado como educação física informal, promoção da saúde, políticas públicas e teorias sociais sobre o envelhecimento foram estudadas na forma de um diagnóstico dos equipamentos públicos urbanos de Niterói, onde eram possibilitadas as práticas de atividades físicas por idosos (ALVES JUNIOR, 1992). Já o que levou um grupo de idosos a deixar de praticar a atividade ginástica em projeto específico e também em outras atividades na Universidade da Terceira Idade, da UERJ, faz parte de outra dissertação de mestrado, elaborada por Luis Carlos Lira (2000), que procurou entender o que faz idosos e aposentados aderirem, evadirem e depois retornarem às atividades da associação. Já Leonéa Santiago (1993) procurou discutir a 205 natação masters em sua dissertação de mestrado verificando os diversos sentidos que foram atribuídos pelos praticantes. Ellen Salas Furtado (1996:14), a partir de um estudo multidisciplinar, argumenta que “o exercício agiria sobre a imagem corporal do indivíduo”; entretanto, com a forma como é apresentada a atividade física para os idosos têm-se a impressão de se estar oferecendo-lhes um verdadeiro passaporte para a felicidade total. A partir dos dados coletados, a saúde outra vez é apresentada como o motivo principal que leva os idosos à prática de atividades físicas, já que para eles a prática de exercícios estaria relacionada à melhora da qualidade de vida. A atividade física relacionada à saúde, como foi interpretada pelos idosos, é apresenta nesse estudo pela visão higienista. Já no trabalho realizado por Eveline Torres Pereira , procurou-se saber se haveria um deslocamento de sentido na forma de conceber a velhice entre as décadas de sessenta e noventa. Por meio de entrevistas semi–estruturadas, algumas questões foram levantadas, como por exemplo o que representava ser velho quando se tinha 30 anos, respostas dadas por pessoas que na época da pesquisa tinham mais de sessenta anos. Além disso, no sentido de saber como se percebe o velho na década de noventa, usou-se uma análise de discurso e uma análise documental de revistas da época anterior. Os indicadores utilizados para a análise, escolhidos para constar nos painéis que foram montados, foram: indumentária, tipo de corte e penteado no cabelo, idade aparente, costumes e comportamento. Seis entrevistas foram realizadas. A partir das revistas verificou-se uma imagem austera e masculina como predominante, o que contrasta com a imagem que se observa do modelo da década de noventa. Entretanto, a figura do velho bem-sucedido é semelhante nas duas épocas, que seria a imagem que convém à mídia. Os dados analisados apontaram para um deslocamento de sentido, entre os anos sessenta e os anos noventa, sobre as representações da velhice. A atividade física se apresentou como “ponto central, a partir de onde se tornou possível uma nova perspectiva para esta fase da vida” (PEREIRA, 1999:75). Na pesquisa ela aparece como sendo procurada não só pelo aspecto da saúde, mas sim pela tríade atividade – saúde – relação. 206 No formato de livro temos hoje bem mais opções do que existiam até o princípio dos anos noventa, alguns surgidos de obras coletivas que falam especificamente sobre o tema ‘atividades físicas e idosos’, outras sobre idosos, aposentados em geral, surgindo a atividade física como um dos temas. Há ainda um congresso internacional que já está em sua sexta versão, discutindo as atividades físicas e o envelhecimento149. Podemos também avaliar o interesse pelo assunto a partir do que foi apresentado oralmente no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (COMBRACE, 2001), realizado pelo CBCE em Caxambu, onde foram apresentados 14 trabalhos, nos mais diversos grupos de trabalho temáticos (GTTs). Também merece registrar a presença de trabalhos no Encontro Nacional sobre o Lazer (ENAREL) e no Simpósio Internacional de Ciências do Esporte – organizado pelo CELAFISCS. O primeiro privilegiando o lazer e o outro os aspectos biológicos. Na verdade, ainda são poucas as obras individuais discorrendo sobre o assunto, sendo que a maioria apresenta os aspectos bio-psicossociais do envelhecimento, com destaque para o processo de perdas e diminuição da capacidade do indivíduo. Sem esgotar o assunto procuramos apontar algumas que pelo conteúdo abordado merecem algum tipo de reflexão. Uma obra que foi endereçada tanto aos praticantes como aos profissionais, disponível em português, teve como autores Wagorn, Théberge e Orban (1993). Nesse trabalho, que procurava constituir-se em manual de ginástica para a terceira idade, apresenta-se o processo do envelhecimento de maneira bastante semelhante à de outros trabalhos, sempre a partir da diminuição de determinadas capacidades. Relacionando a atividade e o grau de independência ao envelhecer de forma prazerosa, recomenda-se ao público leitor que tire proveito dos anos que restam. Segundo os autores, “apesar de alguns decréscimos de eficiência e capacidade à medida que a idade aumenta, é possível manter um nível relativamente alto de desempenho físico e mental por muitos anos”. Apresenta-se como opções “desistir de nossa independência e definhar ou assumir o controle e permanecer vigorosamente ativos, desfrutando plenamente nossos anos restantes. Se não usar, atrofia, é uma regra que se aplica a nosso corpo e nossa mente” (WAGORN, THÉBERGE 149 Falamos do Seminário Internacional sobre Atividade Física para Terceira Idade que teve quatro 207 E ORBAN, 1993:15). A ginástica é então apresentada como um meio de fazer com que as pessoas que a praticam permaneçam sempre sentindo-se mais jovens. Na parte endereçada aos instrutores, verificamos que as informações não se diferenciam das já formuladas em outras publicações: tipo de calçado, freqüência das atividades, onde fazer, o que fazer, etc. Mas quando verificamos as atividades lúdicas propostas, vamos encontrar mais uma vez jogos e brincadeiras que normalmente são apresentados a crianças e que sempre são alertadas como uma das falhas das intervenções tanto na França como no Brasil. Rauchbach (1990) ao falar do conteúdo do seu livro, sustenta que nele não se teve a intenção de ser mais um manual endereçado ao profissional, e busca propor atividades que influam no envelhecimento bio-psicossocial, visando a uma reeducação das funções diárias. As atividades recreativas ganham destaque, recomendando-se que sejam adaptadas para o idoso. É apresentada uma pesquisa que teve como intenção promover a saúde funcional dos idosos, ficando claro o caráter de prevenção da sua proposta. No campo da pesquisa do que pode ser alcançado com as atividades físicas dos idosos, a questão da avaliação funcional, da autonomia e do desempenho nas atividades da vida diária sob diversos aspectos vem sendo proposta a partir de investigações de alguns pesquisadores no Brasil. Já encontramos livros e artigos que se preocupam com a forma de avaliar as atividades físicas e o desempenho dos idosos nas práticas que eles exercem (MAZZO; LOPES E BENEDETTI, 2001; MOREIRA, 2001; MATSUDO, 2000; FARIA JUNIOR, 1999). Entretanto, um problema surge quando essas avaliações, que foram criadas na maioria das vezes para serem aplicadas em adultos normais, são aplicados em idosos que carecem de independência física. Isso decorre da grande heterogeneidade dos idosos que freqüentam os projetos a eles destinados. Andreotti e Okuma (1999) buscaram validar um teste para medir as atividades de vida diária (AVDs) em idosos que procuram determinados projetos e que podem ser considerados como fisicamente independentes. Mazo, Lopes e Benedetti (2001) apresentaram alguns projetos e programas para idosos e aposentados que se desenvolvem em universidades brasileiras. Consideramos que este pode ser o local privilegiado para desenvolver pesquisas que façam avançar o eventos realizados no Rio de Janeiro, João Pessoa, São Paulo e o último em Belém. 208 conhecimento no campo das atividades físicas para idosos. Com o nome Atividade Física para a Terceira Idade, encontramos quatro programas: o primeiro foi o da Universidade Federal de Santa Maria, criado em 1984; o segundo, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1985, o terceiro, na Universidade de Passo Fundo, em 1990, e finalmente o da Universidade do Estado de São Paulo localizada em São Carlos, criado também em 1990. Destacamos ainda o projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (IMMA), que começou a se estruturar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro a partir de 1989, além do programa Autonomia Física para Idosos, da Universidade de São Paulo, e o programa Idoso Feliz Participa Sempre da Universidade do Amazonas (criado em 1987). Há que se referenciar também as diversas oficinas ligadas às atividades físicas e aos exercícios físicos que se desenvolvem nas diversas UnATIs, que começaram com a da UERJ em 1992, e outros projetos semelhantes existentes nas universidades brasileiras.Mais recentemente, em 2001, na Universidade Federal Fluminense, foi criado um projeto de intervenção e pesquisa denominado Prev-Quedas (ALVES JUNIOR, 2001), cujo foco principal é compreender melhor o mecanismo das quedas ocorridas nos idosos, apresentando um programa específico de atividades físicas desenvolvidas com forte característica de lazer. Buscando entender a pratica a partir da perspectiva didática utilizada Sebastião Gobbi apontou como preconceituosas diversas atitudes que limitam as ações voltadas para os idosos, e que a prática de atividades físicas, ao invés de contribuir para sua derrubada, acaba por reforçá-las. Argumenta que o principal objetivo da atividade física para idosos é “melhorar ou mesmo manter um nível de aptidão funcional que fundamente a independência e autonomia do idoso, visando uma melhor qualidade de vida” (GOBBI, 1997:124). Ao falar da importância de se utilizarem movimentos que proporcionem prazer e que estimulem a pessoa a praticá-los sistematicamente, critica o que chamou de uma ‘antieducação física’. Esta acaba beirando “os limites de coerção, impõe determinados tipos de movimentos alheios aos interesses e potencialidades dos idosos”, perpetuando dessa forma a mesmice das fórmulas simples em que “a ênfase aos aspectos 209 mecânicos e fisiológicos ocupam praticamente todo o espaço da sessão” (GOBBI, 1997:124). Em nossa revisão, podemos perceber uma dificuldade de conceituar a maneira mais indicada para se desenvolver uma atividade física para idosos, que de maneira geral fica entre os extremos biológico, social e também psicológico. Na obra coletiva organizada por Faria Junior, em um dos capítulos sobre a responsabilidade da atividade física para idosos, há uma tentativa de conceituá-la. Um modelo heurístico foi constituído, levando em consideração sua multidimensionalidade, sendo então estabelecidos oito subdomínios (FARIA JUNIOR, 1997). Esses subdomínios seriam a competição, superação de limites, promoção da saúde, experiência pedagógica, experiência social, catarse, experiência estética e exercício da cidadania (projeto sociopolítico). Se por um lado a revisão da literatura vem indicando a importância de uma atividade física contínua para melhora do status de saúde e bem-estar, por outro, aquele autor entende que as atividades físicas devem ser consideradas tendo em vista a importância dos seis últimos subdomínios, sendo recomendada uma prática que vise à população como um todo, e não isoladamente para determinados grupos. Ao defender que a busca da autonomia deve ser privilegiada nos programas de atividade física para idosos, utiliza o exemplo do projeto que coordena, denominado Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (IMMA)150. Fica claro que o referencial que serve de base é o do conceito de promoção da saúde, que considera a responsabilidade dos indivíduos sobre suas escolhas, a participação individual e do grupo social nas esferas do que acaba influindo na saúde. Esta última passa a ser entendida por sua multifatoriedade, desmedicalizada, afetando campos variados como o político e o educacional. Sendo um conceito positivo, a promoção da saúde incorpora a educação para a saúde e tem estreita relação com uma educação física compromissada com a promoção da saúde (FARIA JUNIOR, 1991). Apesar dos questionamentos apresentados por alguns autores, como a busca de um paradigma que referencie a prática, pode–se ainda perceber alguma dificuldade na apresentação de conteúdos apropriados para os idosos em alguns livros disponíveis em 150 Para um aprofundamento nos referenciais, ver Faria Junior (1997, 1999). 210 língua portuguesa. Isso pode de certa forma se diluir pelo fato de ainda existir uma certa euforia entre os animadores das aulas, como também por parte dos praticantes, que acabam tomando contato com atividades que muitas vezes não diferem muito do que é feito com crianças. A constância com que isso ocorre leva alguns autores a chamar a atenção para o uso de atividades que sejam adequadas. Em Morgana (1997), verificamos a preocupação em recomendar que as atividades propostas não deveriam perder a característica de perceber o idoso como um adulto. Essa recomendação também foi apresentada por Ernesto Marques Filho (1997) e em autores franceses (DECHAVANNE; PARIS, 1994; DECHAVANNE, 1990). Para evitar essa situação que parece ser comum, encontramos aqueles que recomendam a adaptação das atividades às características dos idosos (CAMUS, 1997); outros sugerem que deveríamos considerar a existência de atividades físicas com características mais apropriadas para grupos de idosos (ALVES JUNIOR, 1992; 1997; 2000). O que parece ser consenso é que as atividades físicas dos idosos devem eliminar os jogos pueris, já que tanto adultos como idosos não gostam de ser tomados como crianças. Não são poucos os preconceitos com relação à idade e ao envelhecimento em geral. Um deles fica bem delineado quando a sociedade reduz os mais idosos a crianças que cresceram; entretanto sabemos que perdas e diminuições das capacidades físicas e orgânicas não seguem um mesmo ritmo para todos. A sociedade, não reconhecendo as características multidiferenciais do envelhecimento, constrói no seu imaginário representações que contribuem para o isolamento dos velhos da vida social. Enfatizando o declínio, mantém-se o velho sob controle, dependentes do resto da sociedade. Essa representação é bem comum e pode ser verificada na afirmação de Fillizolla (1964:161) de que certa regressão, mais dia, menos dia, irá ocorrer: chegamos ao estado de criança pequena e por último ao estado fetal. Este é o processo do envelhecimento. Não se trata de uma inferioridade moral. É o cumprimento inexorável de uma lei biológica. 211 Ainda com esse autor, observamos que o tipo de recomendação dada por ele às enfermeiras que cuidavam de velhos era carregada de estereótipos. Elas deveriam ser ‘cuidadosamente treinadas’ para atender os pacientes, devendo com o tempo ir adquirindo uma habilidade necessária para esse tipo de atendimento. As enfermeiras, pela manhã, fazem a barba dos pacientes homens e dão banho neles como se fossem crianças, perfumam-nos e passamlhe talco pelo corpo, mudam o pijama [...] causa satisfação vê-los felizes e limpos ao sol da manhã, desfrutando daquilo que a Natureza dá de graça. A velhice bem tratada não é triste, a tristeza vem de maus tratos que os velhos podem receber (FILLIZOLLA, 1964:172). A infantilização e a escolarização dos conteúdos foram apresentadas como um dos grandes problemas verificados nas associações francesas, e se repete também no Brasil. Sabemos que em muitos momentos a velhice é apresentada como um retorno à infância e, sendo assim, acaba-se por aceitar como verdadeiro esse referencial de comparação A nosso ver, a aproximação entre infância e velhice é uma maneira preconceituosa de manter os mais velhos dependentes (ALVES JUNIOR, 1997; 1999). Ao se aproximarem velhos e crianças, põe-se em prática uma estratégia bastante sutil de mantê-los incapazes de se defenderem das injustiças que lhes são cometidas. Acreditamos estar diante de um preconceito típico relacionado à categoria idade (ALVES JUNIOR, 1992) e que vem sendo chamado de ‘ageísmo’. Sem ter a pretensão de abordá-las como preconceito, Mario Filizzola (1964) chamou de ‘etarismo’ as convicções que consideram como uma fase do envelhecimento a inevitável senilidade, a falta de atrativos de pessoas assexuadas, fracas, e mesmo inúteis. Robert Butler tem sido considerado o criador do termo ‘ageism’, que procura descrever preconceitos resultantes de concepções errôneas e mitos sobre as pessoas mais velhas (HOOYMAN, 1993). Segundo a pesquisa de Palmore e Manton (in: CRANDHALL, 1980:9), esse preconceito “também pode ocorrer dentro de um determinado trabalho, ou ainda em certas áreas de pesquisa e no atendimento à saúde”. Também foi sugerido por HOOYMAN (1993) que alguns defensores dos idosos, no zelo de aumentar o status dos mais 212 necessitados, enfatizam a necessidade de se fazer o máximo para pessoas mais velhas, e muitos chegam mesmo a se intitular porta-vozes dessa categoria. Essa forma foi rotulada como um ‘novo ageísmo’, expresso muitas vezes em atitudes paternalistas quando profissionais que atuam com idosos os chamam entre outras de ‘meus velhinhos’. A discussão sobre como um modelo de envelhecimento pode trazer à tona alguns preconceitos nos remete à reflexão acerca dessas questões na atividade física ginástica praticada por grupo de idosos. Exemplos não nos faltam para encaminhar a pista de que a infantilização enquanto um ‘ageísmo’ e a preocupação ativista como modelo único do bom envelhecer acabam muitas vezes sendo a base de uma educação física voltada para idosos que consideramos equivocada. Superar essa forma preconceituosa, nem sempre assumida como um ‘ageísmo’, nos parece ser um dos grandes desafios para os professores de educação física que atuam sem uma fundamentação sólida do que é o ser idoso e o processo do envelhecimento. Ao pesquisarmos algumas instituições brasileiras (ALVES JUNIOR, 1997)151 que apresentavam a atividade ginástica a seus associados idosos, verificamos que a infantilização era bastante recorrente. A partir da comunicação oral dos professores, observamos que alguns deles não eram capazes de distinguir a maneira de se dirigir a idosos da forma com que normalmente se comunicam com crianças. Em casos extremos, assemelhava-se muitas vezes ao comportamento daqueles que atuam diretamente com crianças que têm algum tipo de dificuldade. Chamou-nos atenção especialmente quando um dos professores investigados disse textualmente ao seu grupo: “[...] hoje nós vamos brincar [...] é tão gostoso brincar vocês não acham!” Logo depois, um jogo bastante infantil foi proposto como prática para o grupo. Outro professor observado, sob o pretexto de exercitar a memória dos idosos, solicitou que suas alunas apresentassem jogos de seu tempo de infância. Suas justificativas com relação à melhora da memória não foram capazes de esclarecer ao grupo o verdadeiro motivo por que essa atividade fora escolhida. O professor certamente esqueceu-se que o 151 Os casos relatados foram observados e videofilmados, servindo como pré-teste aos instrumentos de pesquisa que aplicamos posteriormente. Os relatos foram coletados em instituições públicas consideradas como aquelas que têm trabalhos importantes com pessoas idosas no Rio de Janeiro – Universidade Federal Fluminense (UFF) e SESC (Três Rios). 213 problema que os idosos costumam apresentar refere-se à memória imediata e não à de longa duração, a qual ele queria atingir. Assim sendo, não manifestou em sua prática nenhuma preocupação com algo que estivesse inserido no resgate da história de vida, da memória dos seus alunos no sentido que Eclea Bosi (1987) procurou dar ao termo. A proposta ficou solta, fora do contexto da aula e dos objetivos traçados previamente. Repetidamente, o mesmo professor dizia a seus alunos: “é tão bom ser criança”, e logo em seguida, sugerindo ter o que consideramos uma imagem negativa da velhice, completava com a frase: “vocês todas são ainda crianças e aqui devem se portar como tal”. Para não nos alongar com a profusão de exemplos que teríamos à disposição, ficamos com o caso de uma professora que se utilizava freqüentemente de cantigas de roda. Numa dessas oportunidades, os idosos foram estimulados a cantar “escravos de Jó”, sendo solicitado às alunas que acompanhassem o ritmo da canção com chocalhos, tal como se utiliza nas classes préescolares. De forma semelhante, consideramos como ageísmos afirmações como a de que os velhos são incapazes, o rótulo de inativos, que acaba por culpabilizá-los pelo fracasso das políticas sociais e até mesmo o ingênuo tratamento de vovô e vovó, despersonalizando a indivíduo. Diferentemente do que encontramos nas publicações francesas, se levarmos em consideração o que é preconizado em alguns livros editados no Brasil, vemos como é difícil o abandono de conteúdos infantis, já que há autores que não perceberam a incoerência das suas propostas. Esse fato foi observado em autores como Raul Lorda (1995), Wagorn Théberge e Orban (1991), Baur e Egeler (1983). O primeiro autor foi o escolhido para exemplificar o que consideramos proposta pedagógica de infantilização e escolarização dos conteúdos. Lorda (1995), ao defender a necessidade da brincadeira e do brincar, deixa clara a confusão entre fazer o idoso uma pessoa feliz e satisfeita com uma atividade. A recreação faria parte da socialização do idoso, diz o autor, e, seguindo à risca os preceitos ativistas, considera que os exercícios físicos são capazes de propiciar certos prazeres, devendo ser apresentados tendo em vista as mesmas possibilidades de idosos e não idosos. O livro tem a intenção de ser um manual, e as atividades propostas contêm forte apelo ao que 214 normalmente é praticado por crianças. Propõem-se atividades que fazem parte do repertório dos jogos e brincadeiras apresentadas a crianças como: trem gigante; telefone sem fio; aros musicais (dança das cadeiras); congelar; coelhinho sai da toca, este último usado com outra denominação. Para completar a proposta do que consideramos como exemplo de infantilização dos idosos e escolarização dos conteúdos, uma colônia de férias é apresentada, contendo muito poucas diferenças do que se faz com crianças. Chega-se ao ponto de se propor um concurso para premiar a cabana mais bem arrumada e a caça ao tesouro é outra atividade proposta. Podemos supor que a geração dos novos aposentados, mais críticos e conscientes do que é ser idoso, preocupados com o necessário respeito que merecem, não aceitarão mais serem reduzidos a crianças ou mesmo tutelados por aqueles que entendem de velhos e que procuram falar em nome deles. Acreditamos que o campo das pesquisas pedagógicas nas atividades físicas para idosos necessite do aprofundamento do que envolve a aula propriamente dita, desde a sua preparação, como também da forma como a atividade é apresentada pelos professores e percebida pelos maiores interessados, os idosos. Mas mesmo quando se fala das preocupações didáticas que envolvem a prática da atividade, muitas vezes os aspectos tecnicistas e carregados da influencia biologizante ainda persistem. Laborinha (1997:53) pretendeu discutir o planejamento das atividades físicas para a terceira idade a partir de uma perspectiva didático-pedagógica. Ao se referir a Muska Mosston, assinalou que “o professor, ao ensinar, deixa transparecer todas as facetas de sua personalidade, e isso de certa forma dita seu comportamento e a maneira como conduz seu ensino”. Como em outras publicações apresentaram-se as relações entre a prática das atividades físicas e os idosos a partir das alterações biológicas. Ficou também marcado o aspecto moralizante que está embutido na maneira como a atividade foi apresentada pelos professores, bem como a utilização das perdas e o declínio funcional para justificar essa prática. A autora corrobora a concepção de que atividades físicas praticadas por idosos podem retardar as alterações decorrentes do processo de envelhecimento. Ao fazermos essa referência, reportamo-nos a uma prática de 215 atividades regulares, planejada e fundamentada por metodologia comprovada e isenta de malefícios, lesões e riscos, comumente encontrados nas práticas desordenadas (LABORINHA, 1997:55). Em seguida, utilizando alguns princípios já abordados no livro de Baur e Egeler, diz-se que não existiriam atividades específicas para idosos, já que qualquer manifestação corporal seria válida, “desde que se entenda e respeite os limites a que estão sujeitos os indivíduos nessa fase da vida” (LABORINHA, 1997:57). A maneira como cada profissional vai apresentar a ginástica para os idosos é pessoal, não havendo um modelo único a ser seguido, cada um devendo se adequar à realidade do público que é atendido. A aplicação dos conteúdos escolhidos passa então pelo estilo escolhido pelo professor, parecendo variar entre a diretividade total, em que o professor é o modelo, a outros que propõem situações de ensino, em que o desenvolvimento de cada idoso leva em conta sua individualidade e seu próprio ritmo. Nas últimas décadas que precederam o século XXI, parece existir consenso entre os autores de que um estilo de vida saudável que inclui atividades físicas possa ser um dos fatores que influem na qualidade de vida e na longevidade. Mas há bastante exagero, que pode ser verificado nas páginas dos jornais e revistas especializadas que anunciam sonhos e ilusões. Aliadas à prática de atividades físicas são apresentadas substâncias químicas, sugestões para o consumo de determinados alimentos e adoção de hábitos de vida que num conjunto acabariam influindo positivamente na busca do envelhecimento ideal. Chamaremos a isso de um novo e promissor mercado que gera cada vez mais produtos e serviços para velhos: casa residenciais ou de repouso, engenhos tecnológicos adequados as suas demandas, alimentos, transporte, lazer, enfim, tudo aquilo que, supõe-se melhora a qualidade de vida dos velhos” (LOVISOLO, 1997: 10). Paralelamente, e dando suporte, ‘os especialistas que entendem de velhos’ aparecem com muita força, fazendo a defesa de uma nova gestão do envelhecimento. Mesmo que hoje em dia haja uma maior visibilidade social dos velhos, isso não nos permite dizer que de maneira geral idosos e aposentados estejam seguindo o receituário do bom envelhecer, vindo mesmo a incluir em seu modo de vida alguma atividade física que 216 contribua para isso. Não está claro se o aumento dos praticantes é proporcional ao aumento da população de idosos, e o aumento total de praticantes. Mesmo que percebamos uma mudança de hábitos nos novos aposentados, que em determinadas classes sociais passam a praticar atividade física, não é tão fácil identificar quais seriam as motivações capazes de explicar esse fenômeno. Poderiam ser: a saúde com fins terapêuticos ou preventivos; o prazer inerente ao lazer; a necessidade de ter de fazer uma atividade qualquer; a necessidade de estar no meio dos outros; um fenômeno de novas gerações de idosos; uma imposição cultural. Enfim, como explicar isto tem sido um grande desafio. Aceitamos que praticar atividade física no período que ronda a aposentadoria faz parte de uma bem orquestrada imposição de um modelo único do “bom envelhecer”. Guita Grin Debert (1999) fala de uma combinação articulada que envolve ‘disciplina’ e ‘hedonismo’, impondo essa nova moral de envelhecer. Seria a defesa, realizada pelos que atuam no campo do envelhecimento e da saúde, de uma concepção que tem como princípio a autopreservação do corpo. Assim, os indivíduos que envelhecem são encorajados a assumir as mais diversas estratégias para combater o que estamos chamando de ‘envelhecimento negativo’. Os gerontólogos, geriatras e elaboradores das políticas sociais acabaram então colaborando para a construção dessa ideologia peculiar sobre a velhice. As propostas para a melhoria das condições de vida dos velhos, enquanto integrantes da ideologia da velhice, amparam-se na idéia de que, sendo crescente o aumento de idosos, é preciso lutar no sentido de beneficiar essa parte esquecida da sociedade (HADDAD 1986:16). Os que entendem de velhos estariam em sintonia com os interesses da “burocracia estatal, que procura reduzir os custos com a saúde educando o público para evitar a negligência corporal”. Assim, a partir dos argumentos que defendem, abrem-se “novos mercados para a indústria do rejuvenescimento” (DEBERT, 1999:227-8), que de certa maneira nega e procura camuflar a velhice. Também nesse caso inclui-se a atividade física como um estilo de vida saudável, que junto a todos mecanismos anti-envelhecimento faz com que o ideal da eterna juventude seja um sonho para alguns. 217 Quanto à pergunta sobre o desejo de viver mais anos, a resposta normalmente será sim, mas alertam os que entendem de velhos no sentido de não se deixar de atentar para a necessidade de envelhecer com qualidade de vida, que como sabemos é um conceito bastante controvertido e subjetivo. Para atingi-la, afirmam os que atuam com idosos, é importante adotar um estilo de vida considerado saudável: coma bem, durma bem, não fume, beba moderadamente, exercite-se e esteja sempre em atividade. Essas recomendações surgem com certa regularidade em campanhas que são mediatizadas, tentando influir no estilo de vida das pessoas152. Uma nova moral entrando em cena procura sutilmente impor à população a necessidade de se ter um estilo de vida específico, elaboração que fica mais nítida ao se analisarem os discursos produzidos pelos profissionais da área da saúde, incluindo-se aí os de educação física, e pelas políticas de incentivo à prática das atividades físicas. Ao que tudo indica, os resultados dessas campanhas são bastante tímidos, impedindo que se afirme que tenha havido alguma mudança comportamental na população. Segundo Lovisolo (1999 b), que procurou discutir as relações da educação física a partir do binômio educação e saúde, verifica-se uma crise da educação física, que estendemos aos idosos e aposentados como um dos seus públicos, e que na verdade seria a crise do que ensinar, que é comum a qualquer outra disciplina. O autor buscou situar a ligação entre educação e saúde, tendo como ponto de partida a obra de Comenius, já que prolongar a vida era um dos pontos da abrangência dessa obra. O não saber o que fazer com o tempo dos idosos é lembrado como uma sutil diferença do que era preconizado, ou seja, o importante é o modo como vivemos, e não a quantidade de anos que vamos viver. Nesse sentido, é apontada pelo autor como reducionista a questão do bem-estar e a contemporaneidade dos pensamentos de Comenius. 152 Muitas dessas campanhas têm a chancela de órgãos governamentais, sendo que duas de grande impacto ocorreram no Brasil: a campanha ‘Mexa-se’ dos anos setenta e ‘Agita São Paulo’, dos anos noventa, que passou a tomar as formas de ‘Agita Brasil’ e ‘Agita Mundo”, esta última encampada pela Organização Mundial de Saúde. 218 A importância de uma pesquisa didática para compreender a lógica da prática realizada por idosos e aposentados Nossa opção para compreender a prática da ginástica no meio associativo foi considerá-la como pertencente ao campo da animação sendo usado o ensino de uma atividade física, havendo em nosso entender uma transmissão de saberes por profissionais que se apresentam enquanto professores e se utilizam das atividades físicas. Nosso maior interesse foi saber como se ensina a ginástica para idosos; o que se pretende ensinar; a lógica de quem vai ensinar; quem são esses alunos; o que eles esperam da atividade à qual estão engajados. Quais seriam então as concepções que estão embutidas, tanto na preparação da aula como em sua aplicação; que tipo de influências são exercidas oriundas dos significados que são dados à velhice, à saúde e ao lazer. Como tudo isso é levado em consideração pelo professor, pela associação na qual ele está atuando, como também pelo próprio aluno. Enfim, procurando caracterizar a prática corrente da ginástica praticada por idosos em meio associativo, buscamos aliá-la ao estudo de uma didática específica que ainda estaria em construção. A atividade física para idosos de uma forma geral carrega em si um aspecto utilitarista, sendo freqüentemente considerada como parte de um ‘receituário de movimentos’, que não fica distante do estilo de vida para o bom envelhecimento. Sendo assim, de maneira geral, seus objetivos comumente propostos visam à manutenção; buscam influir, como também se referenciam na questão da autonomia dos idosos; além de atuar na recuperação, promoção e conservação da saúde; combatendo também o estresse com atividades de relaxamento. Yves Camus (1985 a), ao analisar a prática das atividades físicas em ambiente associativo, considerou bastante restritivas as definições dadas pelos biologistas acerca do envelhecimento. Reconheceu que elas acabam permeando as duas tendências que mais são encontradas nas ginásticas dos idosos: para a saúde ou pelos aspectos sociais. Segundo ele, as fórmulas simplistas que desconhecem a possibilidade de integrar o segundo aspecto ao primeiro escondem as diferenças, passando a idéia de que os idosos são um grupo homogêneo, desconsiderando sua história individual. A primeira tendência seria 219 considerada tecnicista, e preconiza que a saúde é a preocupação essencial, devendo atuar sobre as capacidades do indivíduo no tocante a suas condutas motoras. Já a outra dá maior ênfase ao aspecto social e recreativo, com forte fundamentação no aspecto lúdico, preconizando o movimento pelo simples prazer de estar na presença de um grupo, sem se preocupar com qualquer repercussão sobre a condição física. A ginástica foi então considerada por Camus (1985 b) como parte desse receituário de movimentos, e o alcance dos objetivos seria determinado pela manutenção, buscando influir na autonomia. Para ele, no futuro, certamente necessitar-se-á de uma fundamentação cada vez mais acentuada no caráter educativo, não consistindo apenas em propor uma adaptação de atividades, mas oferecer às pessoas a possibilidade de adaptarem seus esforços em função das suas possibilidades e de seus limites. O autor preconizou a utilização de meios capazes de fazer as pessoas idosas gerirem sua própria prática, ao contrário do que é correntemente encontrado. Concordamos que a crítica seja bastante pertinente e atual, pois na grande maioria das vezes ainda encontramos idosos e aposentados sendo tutelados, sem que lhes seja dada nenhuma oportunidade de uma escolha pela inatividade, nem mesmo incentivada sua iniciativa ou criatividade quando em atividade. O papel daquele que se propõe atuar com idosos e aposentados no meio associativo deve ser de um facilitador, que sirva para guiar os praticantes para o desenvolvimento de suas ações, “sem monopolizar o poder e o saber, aceitando dividir com eles, recolhendo suas proposições e as associando cada vez mais à sua tomada de decisão como ao conteúdo de suas atividades” (CAMUS, 1997:128). A defesa do autor é por uma gerontologia educativa das atividades físicas esportivas que tenha como base a educação permanente, embora reconheça que não se teve qualquer sucesso e se esteja, segundo suas palavras, ‘ainda em elaboração’. Para que tenha qualquer sucesso, ela deve se apoiar numa abordagem multidimensional, relativizando a importância da idade cronológica, e se inscrever na ótica de uma educação permanente das condutas motoras, o que até então não foi construído ou mesmo experimentado de maneira sistemática. 220 Nosso maior objetivo é fazer avançar não só para uma melhor compreensão dos aspectos sociais do envelhecimento, como também do que vem sendo considerado como campo das pesquisas didáticas153 na educação física não formal. Ficando claro que isso será feito não no sentido de propor modelos superiores ou inferiores, mas sim procurando compreender a lógica interna da atividade e a maneira como são estruturados e passados os conteúdos aos idosos. Uma pesquisa que tenha a intenção de ser compreendida como pertencente ao campo da didática passa pelos estudo de caráter crítico teórico que visam a auxiliar na construção dos alicerces das práticas pedagógicas, não por sua tradição ou empirismo, mas pela abordagem racional dessas questões [...] Sem dúvida, a apropriação do saber sempre foi abordada pelos pedagogos, que são os interessados pelas normas doutrinárias. Se quisermos ter alguma chance de superar essa etapa, sem dúvida é necessário apresentar uma abordagem que se apóie sobre um conjunto de hipóteses, auxiliadas por abordagens epistemológicas e psicológicas (ASTOLFI, DEVELAY, 1993:8). Identificando o que se passa durante uma aula de educação física que tem em sua maioria pessoas idosas ou aposentados; sabendo os anseios desse público; tendo ao alcance conteúdos bem elaborados e apropriados, utilizados pelos responsáveis com uma determinada intencionalidade, acreditamos estar contribuindo para que se possa ter mais sucesso no que é proposto na prática das atividades físicas dos idosos. Mesmo que ainda não tenhamos muitos referenciais que saiam do que é feito na educação física escolar, procuraremos, com a devida atenção às suas especificidades, nos valer desses estudos para fazermos uma reflexão sobre o que ocorre na prática pedagógica direcionada ao grupo idosos e aposentados. Os que se interessam pelo estudo da didática da educação física identificam que durante um determinado período houve forte influência de modelos mais tecnicistas, que acabam mais preocupados com a eficácia do ensino. A didática deve levar em consideração 153 As pesquisas didáticas e seus conceitos básicos são descritos em ASTOLFI & DEVELAY (1993). 221 a inter-relação professor, aluno e o que se vai trabalhar diante de um contexto político, social e econômico. Mais do que se preocupar com um estilo de ensino ou mesmo com uma prática que isola o que faz o professor do contexto social, já encontramos pesquisadores mais críticos (ROJO, 1997) às concepções tecnocráticas, que acabam contribuindo a desumanização das trocas sociais que ocorrem no espaço pedagógico. Jordán (1998) ao especificar a atuação do professor, alerta no sentido de não se intentar buscar um estilo de ensino que venha a ser considerado como mais eficaz do que outro, já que estilo seria algo pessoal, não cabendo mais que sejam feitas as tradicionais comparações. Segundo o autor, Mosston em 1993 ao falar sobre esse tema já mostra bastante flexibilidade com o que era postulado vinte anos antes. Agora verifica-se que dois aspectos variaram substancialmente, por um lado as bases do espectro dos estilos de ensino passam a se basear na noção de não controvérsia, que significa, não mais se confrontar os estilos para determinar qual dá melhores resultados; no outro aspecto, em conexão com o anterior, cada estilo serve para conseguir um objetivo ou mesmo resultados, assim não se comparam os estilos já que cada um pode ser mais útil do que outro dependendo do que se pretende (JORDÁN, 1998:280). Pelas características dos idosos que praticam a atividade ginástica o estilo tradicional pode ser o que mais se adequará as demandas de um grupo que não teve a oportunidade de tomar contato com outras maneiras de intervenção pedagógica. Nele há um maior controle do animador/professor das decisões que vão estar em jogo no processo que envolve desde a escolha do que será passado, como será feito e dos recursos que se utilizará para avaliar. Em geral essa é a forma que é mais utilizada em atividades como ginástica, e dois tipos de atuação podem ser identificados, um que é feito a partir de uma instrução direta e outro que recorre a tarefas (JORDÁN, 1998). Não são poucos os autores que já vêm há algum tempo trabalhando em pesquisas que se fundamentam no que Gage analisou, chamando-as de paradigmas que atuam sobre o processo de ensino. Considerando as diversas acepções dadas por Thomas Khun para o significado de paradigma, Gage ficou com a que o considera, de “maneira intrínseca, um conjunto integrado de conceitos fundamentais, de variáveis e de problemas ligados a 222 abordagens metodológicas e aos instrumentos utilizados” (GAGE, 1986:412). A escolha de um ou outro paradigma pelo pesquisador será sempre influenciada pela competência que é necessária àquele que dele se utiliza, ou seja, o domínio da análise estatística e dos dispositivos experimentais ou então da análise política ou econômica, da pesquisa histórica, etnográfica ou crítica estética. Isto é o que faz o pesquisador se dirigir bem mais à vontade para um ou outro domínio. Entretanto, normalmente o que se vê com relação à não escolha de uma ou outra estratégia é o pesquisador científico criticar a falta de objetividade e de generalização dos trabalhos etnográficos. Por outro lado, o etnógrafo deplora as pesquisas que são realizadas por seu detrator por sua inadequação, objetividade enganosa e incapacidade de produzir uma visão do interior, que não é possível ao se recorrer aos testes, às estatísticas e aos métodos experimentais (GAGE, 1986:414). Um dos paradigmas normalmente abordados nos últimos trinta anos no campo do processo do ensino é conhecido como ‘processo-produto’. As variáveis do processo estão ligadas ao que se passa no espaço onde se realiza a aula, incluindo o comportamento do professor e de seus alunos, as interações que ocorrem entre eles, os métodos escolhidos e o estilo de ensino adotado pelo professor. No que toca as variáveis do produto, são representadas pelo que foi apreendido pelos estudantes, tanto os objetivos cognitivos e motores como os valores, sentimentos e atitudes. Do ponto de vista metodológico, esse paradigma tem recorrido geralmente a observações estruturadas do processo em sala de aula, a testes de rendimento e a enquetes sobre as atitude; utilizando também o cálculo de correlações simples e análises multivariadas, assim como experiências com repartição aleatória dos sujeitos e manipulação das práticas de ensino (GAGE, 1986:416). Outros paradigmas são apresentados pelo autor que se relacionam ao processo do ensino, alguns deles, parecendo mais como modelos para a prática do que verdadeiramente um paradigma de pesquisa. O que fica mais patente é a busca de alternativas ao ensino tradicional, que se caracterizaria entre outras por uma centralização no professor, o que é 223 percebido como uma forma ainda bastante difícil de ser abandonada por muitos professores. Esse modo de centralização foi chamado de modelo de ‘instrução’. Cuban (1984) se refere ao ensino tradicional como aquele em que o professor fala mais do que os alunos, havendo pouca alteração na posição em que se coloca o responsável pela atividade, que fica normalmente numa posição frontal aos alunos, raramente se utilizando do trabalho em pequenos grupos e quase nunca do ensino individualizado. Para completar essa caracterização, Cuban diz ainda que será o professor quem vai determinar a utilização do tempo durante o decorrer da aula. Ele se baseou em pesquisas por ele realizadas, em que foi verificado o ato de ensinar durante o século XX. Foi constatado que não houve grandes diferenças entre o que se fazia nos anos oitenta e o que se fazia bem anteriormente. Como opção diferenciada às pesquisas de cunho quantitativo e experimental, temos entre outras as pesquisas etnográficas, que são qualitativas e sistemáticas. “O modelo ecológico apoia-se sobre a integração e interpretação das contribuições dos estudos etnográficos” (DOYLE, 1986:452). Nesse paradigma passa-se a fazer descrições, tanto críticas como minuciosas, do que acontece na situação de aula, acumulando os “detalhes concretos que permitem explicar e interpretar as configurações significativas de fenômenos” (GAGE, 1986:425). A pesquisa etnográfica aplicada no paradigma ecológico aborda os diversos aspectos da vida de determinada classe, compreendendo os componentes da aula, as trocas verbais que nela ocorrem, as discórdias, a maneira como o professor se dirige aos alunos. Tenta-se efetuar uma descrição profunda e de maneira crítica, tudo se colocando numa perspectiva de globalidade [...] Os defensores do paradigma acreditam que os dados que são levantados pela observação etnográfica permite gerar novas hipóteses, descobrir variáveis, padrões ou relações que podem ser importantes [...] As descrições críticas e minuciosas que são fornecidas pela observação etnográfica certamente contribuem a explicação e a interpretação de fenômenos que ocorrem numa aula. Contudo, o que é estudado de maneira etnográfica está estritamente ligado ao contexto e particularmente a sua especificidade: isso limita consideravelmente as possibilidades de generalização dos dados recolhidos (Pieron, 1996:6-7) 224 O paradigma ecológico, tem como objeto de estudo as relações entre as demandas do meio ambiente e as situações que ocorrem em sala de aula, bem como a maneira como os indivíduos vão responder. Anteriormente postulava-se que o professor controlasse totalmente a situação de ensino; hoje, admite-se que ele receba uma série de influências exteriores que vão atuar nas respostas às situações de ensino propostas. Uma pesquisa didática de abrangência ecológica analisa situações que saem da vida real, enfim, do contexto em que é praticada a situação de ensino. O paradigma da ecologia da aula tem seus fundamentos em experiências naturais que foram definidas por Gilbert de Landsheere (1979) como expressões genéricas, capazes de designar toda verificação de hipóteses experimentais em situações preexistentes, não provocadas para fins de pesquisa. A maneira como os estudantes respondem às situações de ensino como também o estudo das necessidades do meio ambiente que envolve o ensino, são o objeto de estudo do paradigma ecológico. Ao se apresentar em um congresso que visava discutir em âmbito internacional o que estaria ocorrendo e as perspectivas futuras para o desenvolvimento das pesquisas em educação física, Daryl Siedentop(1998 a, 1998 b, 1994) também se referiu aos paradigmas, enfatizando que eles acompanhavam a preocupação de transformar o ensino da educação física. As pesquisas, nesse sentido, teriam passado de um sentido comportamentalista para uma abordagem cognitivista, sendo desenvolvido em etapas, caracterizadas pelos paradigmas já descritos, acrescidos do paradigma das ‘variáveis mediadoras’ e, mais recentemente, do paradigma ‘construtivista’. As diversas possibilidades de pesquisas didáticas passaram por transições que levavam em consideração os paradigmas que as caracterizavam. Se atualmente um tipo de pesquisa é mais privilegiado do que outro, devese a “uma evolução das orientações da pesquisa” (SIEDENTOP, 1998 b:7). Pieron (1997; 1992) e Pineau (1990) são outros pesquisadores interessados no que ocorre no ensino da educação física. Procurou-se fazer uma distinção entre as pesquisas que se desenvolvem no âmbito do ensino, destacando as que se destinam a descrição, a correlação e a experimentação, e aceitando que essas abordagens possam ser combinadas 225 (PIERON, COSTA, 1998). Na primeira, que é aquela mais afeta às nossas intenções, procurase descrever o fenômeno de forma precisa para compreendê-lo. é um estágio pelo qual toda ciência deveria passar. O desenvolvimento de uma instrumentação de análise, de registro ou de descrição de um fenômeno caminha para sua compreensão. Dois tipos de informações contribuem para descrever um ensino e o que o cerca: aquelas que são diretamente visíveis, como os comportamentos ou as estratégias de ensino, e aquelas que podemos qualificar de invisíveis, que revelam os valores, as atitudes, os mecanismos de tomada de decisão ou de reflexões dos atores do processo pedagógico (PIERON e COSTA 1998:18). Segundo Jean Pierre Astolfi, a abordagem didática funciona considerando os conteúdos de ensino como objetos de estudo que permitem reconhecer e analisar os principais conceitos que permeiam a disciplina. Por esse tipo de pesquisa, pode-se examinar o funcionamento social desses conceitos, as práticas sociais que eles refletem, aprofundando a análise das situações de sala de aula para melhor compreender como ela funciona e o que isso representa. Além disso, a didática, analisando também o modo de intervenção do professor, seria capaz de possibilitar outras alternativas e, por que não dizer, ajudar a tornar mais fácil a passagem do saber. Esse tipo de ajuda que ela permite, saindo de pesquisas não necessariamente vistas sob uma ótica positivista, contribuiria para romper as barreiras dos professores, que, sem ter outras opções, procuram se manter ‘encastelados dentro de um modelo único de intervenção’ (ASTOLFI, 1986). Para transformar o ensino da educação física, não importando o campo de abrangência, tem-se como condição a pesquisa, sendo complementares duas fases distintas desenvolvidas a partir de dois tipos de pesquisas: o primeiro tem como alvo descrever com fins voltados para a compreensão, e o outro visa a agir sobre o sistema (DHELLEMMES et al., 1986). A partir das pesquisas descritivas, julgamos poder dar um primeiro e importante passo para conhecer uma situação qualquer. Consideramos estarem elas em conformidade com as propostas atuais das pesquisas didáticas e a desenvolvemos nas atividades físicas e esportivas dos idosos. Elas devem ter como objetivo não só descrever os fatos, mas também “os objetos, os elementos, os acontecimentos, os comportamentos, utilizando diferentes 226 estratégias de observação, tendo como alvo complementar mais freqüente compreender e explicar” (SPRENGER-CHARROLES et al., 1987:52). A partir das quatro tipologias abordadas por esses autores – descritiva, experimental, pesquisa ação e pesquisa teórica –, Jean Pierre Astolfi propõe três paradigmas para as pesquisa didáticas, sendo que um deles visa à busca de um significado, feito através de uma análise precisa de seqüências didáticas recolhidas [...] o trabalho consiste em ir além da narrativa dos fatos e da conceituação de uma aula, para aproximar sua coerência interna e se esforçar para compreender o que se apresenta, tanto pelo lado dos professores como pelo dos alunos. Avançando na interpretação, aparece freqüentemente o desvio que separa as intenções e objetivos iniciais do professor de seu modo real de intervenção, e a percepção que tiveram os seus alunos (ASTOLFI, 1993:10). A pesquisa em didática das atividades físicas esportivas tem tido como principal campo de investigação o ensino no meio escolar, sem no entanto inviabilizar outros eixos de pesquisa. Ela vem a ser o estudo do processo de comunicação pelo professor e a aquisição pelos alunos de um conjunto de conhecimentos e de ações específicas para realizar transformações da sua capacidade corporal (MARSENACH; MERAND, 1987:16). Dois modelos de educação física já foram descritos por Jacqueline Marsenach (1991), e aqui nós apresentamos um deles, que comporta certas características que levaram a autora a considerá-la como a educação física de ontem, que sem dúvida é o ‘ensino tradicional da educação física’, que em determinados aspectos não podemos ainda dizer que tenha havido uma significativa mudança. É um modelo “que se interessa exclusivamente pela forma exterior das ações, as manifestações gestuais, atribuindo a esta forma uma importância decisiva, independente do contexto que a produziu”(MARSENACH et al., 1991:23). Esse tipo de ensino traz consigo uma característica bem forte de centralização sobre o professor. Atualmente no Brasil encontramos autores como os que circulam no Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) que propõe uma rediscussão da prática pedagógica do professor de educação física. 227 As pesquisas sobre o ensino das atividades físicas recebem variadas influências e, segundo um período ou outro, haverá mais ou menos interesse por um dos componentes do sistema didático: o aluno, o professor e o conhecimento, na relação ternária que os une (DELIGNIERES, DURET, 1995). Durante algum tempo foram muitas as pesquisas em ensino e sobre os professores, uma delas realizada entre 1983 e 1987, visava a identificar de maneira precisa o professor de educação física (DELLEMMES. MARSENACH, MOTA, 1991). Observou-se que como em outras disciplinas o professor não se dedica exclusivamente a ensinar; ele anima, incitando os alunos a entrar em atividade. A partir das comunicações orais dos professores, esses autores identificaram que 30% delas visavam à animação, 23% seriam dedicadas à organização e 47% serviriam ao ensino. No entanto, a maioria das comunicações são feitas em interação com as realizações dos alunos. Uma das questões que rondam os pesquisadores interessados na análise de ensino procura identificar no professor se a metodologia por ele utilizada contribui para a autonomia dos praticantes. Encontramos um trabalho de análise do ensino da ginástica de idosos realizado com o intuito de verificar se o estilo de ensino favorecia ou não o desenvolvimento da autonomia dos idosos (LABORINHA; FARIA JUNIOR; CYTRYN, 1994). Concluiu-se que o ensino verificado, tendendo ao estilo diretivo, opor-se-ia aos objetivos de estimular a autonomia. Certamente, mais estudos são necessários, e temos certeza de que essa área de conhecimento, que provisoriamente chamamos de gerontologia das atividades físicas e esportivas, ainda tem muito para ser acrescentado. Os dados podem ser recolhidos de observações sistemáticas e entrevistas semiestruturadas, que são considerados excelentes meios para produzir dados (KAUFFMAMM, 1996; BLANCHET; GOTMAN, 1992; BLANCHET et al., 1987). O instrumento de observação que é um sistema de categorias permite registrar o número ou a duração de acontecimentos; os acontecimentos estudados sendo categorias de comportamentos dos professores e dos alunos (SIEDENTOP, 1994). Entre os vários indicativos que podemos utilizar da análise de ensino está a distribuição do tempo entre as diversas atividades que ocorrem numa situação de aula (PIERON, 1997). A contabilização do tempo fornece uma boa estimativa de como uma 228 categoria qualquer é privilegiada em relação à duração do tempo total da aula. Vários autores já vêm trabalhando nesse domínio e alguns resultados chegam a ser surpreendentes (Pieron, 1997, SIEDENTOP, 1998). Assim, sem considerar-se a qualidade das respostas, o tempo de engajamento dos alunos fica em torno de 30%, que está entre 12% e 15% do tempo útil das aulas. A especificidade da prática acaba influindo no engajamento, e em determinadas atividades, principalmente quando o objetivo é o desenvolvimento da aptidão física, chegam a mais de 50% (PIERON, 1997). A estruturação do tempo didático em aulas de educação física seguiria uma tendência cíclica, de tal maneira que, grosso modo, a cada 10 a 15 minutos, novos estímulos são propostos. Jacqueline Marsenach e colaboradores (1991) observaram que em atividades pouco formalizadas, a freqüência da introdução de novidades aumenta. Esses resultados representam as aulas de educação física em geral, sendo que não encontramos na literatura resultados de pesquisas feitas com grupos de idosos e especificamente em situações de aula de ginástica. De maneira geral, três ou quatro partes são mais identificadas nas propostas de aulas, e, como observamos, são bastante semelhantes nas propostas voltadas para idosos. O esquema de aula tradicional encontrado é constituído de aquecimento e ‘o volta à calma’, bem identificados nos extremos da aula, havendo uma parte principal que pode ser preenchida com atividades preparatórias específicas. Analisar a prática da educação física voltada para adultos de todas as idades é confrontar-se com enorme variedade de tendências (DECHAVANNE; PARIS, 1994) que resumidamente estariam englobadas nas atividades físicas e esportivas, que são práticas sociais, "objetivos e meios da educação física" (HEBRARD, 1992). 229 CAPÍTULO IV CONHECENDO A PRÁTICA DAS ASSOCIAÇÕES INVESTIGADAS Neste capítulo apresentaremos os dados que foram coletados nos quatro grupos que investigamos. Começamos com as associações francesas, mais antigas do que as brasileiras e cujo modelo serviu para orientar essas últimas. As duas associações francesas investigadas, exemplos das associações de lazer para idosos daquele país, estão filiadas a federações nacionais que envolvem o conjunto das associações congêneres. Investigamos levando em consideração sua localização geográfica e proximidade de espaços físicos onde eram desenvolvidas suas atividades. As duas ficam numa mesma cidade, Rennes, a capital de uma importante região francesa, a Bretanha. As outras duas estão sediadas no Brasil; também com espaços físicos bem próximos, estão localizadas na cidade do Rio de Janeiro e serão analisadas buscando encontrar semelhanças e diferenças com as associações francesas154. Inicialmente serão descritas as principais características das associações, analisadas por seu aspecto organizacional e pela forma como se desenvolve a ginástica para idosos. Procuramos conhecê-las por meio de observações sistemáticas e a partir de entrevistas que foram feitas com pessoas que têm envolvimento importante em sua gestão155. Mais objetivamente, tivemos contatos com os que estaremos chamando de responsáveis (coordenação, médico, orientador pedagógico, gerente de ensino e animadores/professores). Todas as entrevistas foram registradas e se somaram a outros dados que nos foram postos à disposição, como os documentos que orientam as instituições e as entrevistas realizadas com os idosos. Traduções quando necessárias foram feitas pelo responsável pelo trabalho. 154 Em Rennes estão situadas a Universidade do Tempo Livre de Rennes (UTL/RENNES) e a Associação dos Aposentados Esportistas de Rennes (ARRS). No Brasil, a Universidade Aberta da Terceira Idade da UERJ (UNATI/UERJ) e o Posto de Assistência Médica São Francisco Xavier, que atuava em parceria com o projeto Idosos em Movimento Mantendo a Autonomia (PAM/IMMA). 155 Logo que foram feitos os primeiros contatos expondo os objetivos da pesquisa, solicitamos autorização para aplicá-la. Aprovada pelas coordenações das associações, nos dirigimos aos animadores/professores e aos idosos/alunos para que os mesmos tomassem ciência do que pretendíamos e que também nos autorizassem a investigação. 230 As entrevistas seguiram roteiro pré-estabelecido (ANEXO 1 a 5), procurando-se respeitar a fala dos entrevistados sem que fosse emitido qualquer julgamento de valor156. Na formulação dos roteiros, bem como na aplicação das entrevistas, identificação de dados relevantes e interpretação dos mesmos, seguimos princípios metodológicos preconizados por diversos autores (COPANS, 1999; KAUFFMANN, 1996; BLANCHET, GOTMAN, 1992; SINGLY, 1992, BLANCHET et al., 1987). A partir das informações prestadas pelos coordenadores, animadores/professores157 e idosos, buscou-se: traçar um perfil das associações e de seus atores, responsáveis e idosos participantes das atividades; identificar nos entrevistados as influências exercidas por determinado modelo de envelhecimento, tanto na construção da prática associativa como nas concepções dos idosos/alunos e responsáveis; mostrar o que ocorria nas práticas didáticas de uma determinada atividade, a ginástica. Os coordenadores foram os primeiros a ser entrevistados (ANEXO 6 a 9)158. Foi previsto que os animadores/professores, com exceção do PAM/IMMA159, responderiam a perguntas em momentos diferentes: antes de iniciar o ciclo de observações (ANEXO 10 a 13), antes de cada aula a ser registrada e depois de encerrado o ciclo das observações (ANEXO 14 a 17). Como não nos foi apresentado um planejamento mais elaborado que contivesse os objetivos e conteúdos que iriam ser trabalhados em cada uma do ciclo das aulas que seriam observadas, usamos a breve entrevista realizada momentos antes de cada aula para saber quais seriam as intenções dos animadores/professores com relação àquela atividade que estaria por começar. Nessa ocasião o animador/professor era também 156 O autor da pesquisa foi o responsável por todas as entrevistas, que tiveram autorização dos entrevistados para ser registradas em microgravador. Foram realizadas durante o período de observação sistemática das atividades, ocorrendo entre os meses de janeiro e junho de 1995. 157 Levamos em consideração que tanto há animação, que esse é um campo de intervenção já reconhecido na França, com uma preocupação didática de passar um conhecimento – essa percepção também é partilhada pelos responsáveis pelas atividades. No Brasil, a animação cultural ou sociocultural começa a ganhar seu reconhecimento. 158 A integra destas entrevistas foram apresentadas tal como foram as manifestações dos entrevistados e estão a disposição na língua original. No caso dos coordenadores da UTL/Rennes utilizamos as informações que foram prestadas ao trabalho L’Université du temps libre du pays de Rennes un révélateur d’un modèle social du vieillissement (ALVES JUNIOR, 1994). 231 estimulado a comentar pontos que foram por ele considerados importantes na aula precedente. As observações passaram a acontecer: em Rennes a partir do mês de janeiro, se estendendo por três meses; na cidade do Rio de Janeiro, a partir do mês de maio, findando também após três meses. Para o futuro aprofundamento nas observações das práticas pedagógicas, decidimos registrar em videocassete todas as interações que ocorreram durante o momento de prática pedagógica. Esse procedimento tem sido recomendado pois dá melhores condições de análise (PIERON, 1998). Em cada local, as primeiras quatro semanas sempre serviram para testar os equipamentos, verificar onde seria fixada a câmara, considerando a importância de uma localização que permitisse captar imagem e som de todo o ambiente. Procurou-se minimizar as interferências que pudessem influir no desenvolvimento normal da atividade. Após a definição da melhor localização do equipamento de vídeo, foram feitos testes em situação real, e, em seguida, passou-se aos registros160 que constituíram um ciclo de cinco observações em cada associação. Três dessas atividades – a segunda, terceira e quinta – tiveram seu conteúdo analisado a partir das intervenções orais do professor (ANEXO 18 a 21) e da utilização do tempo destinado à atividade analisado por modelo (ANEXO 22 e 23). Consideramos cinco atividades como um ciclo didático suficiente para que se pudessem desenvolver diversas situações, sendo que a escolha das três atividades seguiram o que já fora proposto por Marsenach (1991). Com entrevistas semi-estruturadas investigamos os praticantes (ANEXO, 24 A 27), quinze em cada país, procurando-se saber suas concepções, características pessoais, sua relação com determinados assuntos eleitos como pertinentes ao nosso interesse de pesquisa. Verificaram-se suas motivações, o que pensavam sobre o tempo da aposentadoria, a vida associativa, a atividade física praticada e sua relação com a saúde. Na análise dos dados 159 Como este projeto têm uma orientadora pedagógica, optamos por considerar a entrevista dela como a que antecedia o ciclo das observações. Nas demais entrevistas quem respondeu foi a animadora/professora. 160 Em Rennes, os associados da UTL foram acompanhados na Maison du Champs de Mars (uma sala de aprox. 80 m²), e os da ARRS, na sala Omni Sports (salão de aprox. 400 m²). No Rio de Janeiro, a UnATI tem suas atividades na UERJ (sala de aprox. 80 m²), e o PAM/IMMA teve parte de suas atividades desenvolvidas no PAM e outra no Instituto de Educação Física da UERJ (salão de aprox. 400 m²). 232 coletados, procuramos percebê-los a partir do que foi trabalhado na revisão da literatura, verificando as intenções dos responsáveis nas atividades e as influências exercidas pelo modelo do envelhecimento bem-sucedido, que induz aposentados e idosos a ficar ativos o maior tempo possível, proposta que se verifica tanto na França como no Brasil. Entendendo as associações francesas onde foram investigadas a prática da ginástica A UTL/Rennes é uma das 40 associações universitárias que estão ligadas à Associação das Universidades do Tempo Livre da Bretanha (AUTAL/Bretanha)161. Como a maioria das associações do gênero criadas na França na década de setenta, foi com a denominação ‘terceira idade’ que a principal universidade para idosos da região bretã, a atual UTL/Rennes, começou a oferecer atividades as mais diversas. Isso ocorreu no ano de 1977, iniciando com a participação de uma centena de idosos e aposentados de Rennes. Desde então a UTL/Rennes vem tendo a sustentação da qualidade do que é proposto pelo conjunto das universidades (Rennes 1 e Rennes 2), além da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que também está localizada na cidade. “A ligação com as universidades de Rennes e a ENSP é a garantia do valor universitário das atividades” (UTL/Rennes, 1992:9). Durante os anos universitários de 1992/1993 e 1993/1994, que antecedem nossas observações sobre a atividade de ginástica, realizamos uma pesquisa que estabeleceu o perfil dos participantes das atividades da UTL/Rennes (ALVES JUNIOR, 1994:1998). Naquele período foi constatado que pela primeira vez chegava-se a 1.300 matrículas na associação, o que passou a ser mantido nos anos posteriores162. Para uma cidade de 200 mil habitantes, o número de participantes é surpreendente, principalmente por que existem outras associações locais também destinadas a manter os idosos ativos e inseridos na vida em sociedade. Só após uma década de funcionamento a associação alterou seu nome para Universidade do Tempo Livre, e verificamos que atualmente na França são poucas as associações que ainda mantêm o nome que as liga à ‘terceira idade’. Merece registro que a 161 Ela foi criada em 1975, tendo como base a união das associações que seguiam a proposta elaborada em 1973, na Universidade de Toulouse, a que o professor Pierre Vellas deu o nome de Universidade da Terceira Idade. 233 modificação não alterou a intenção de se estar primordialmente atuando com aposentados, idosos e pensionistas; o que alterou foi a inclusão de um novo conceito, a ‘intergeracionalidade’. As associações também passaram a estar abertas a quem, independente da geração, tivesse tempo livre e não se importasse de conviver ativamente com pessoas idosas e aposentadas163. Ao observar os objetivos das UTLs francesas, percebe-se uma nova definição dessas universidades, que se traduz principalmente pela preocupação de seus organizadores em favorecer encontros e trocas tais que evitem criar guetos de idosos, crítica que sempre foi feita aos clubes de idosos. A idade em si não sendo mais considerada como limitação ao aprendizado; passa-se a privilegiar a troca de conhecimentos intergeracionais, trabalhando também o capital saúde como o exercício da cidadania. Segundo o boletim da associação, a UTL/Rennes busca contribuir para a elevação do nível cultural de seus associados, favorecendo o desenvolvimento pessoal, ajudando a tomar consciência para os grandes problemas que regem a condição de vida da sociedade em geral. A cada ano letivo o programa da UTL/Rennes sofre algumas alterações, mas procura sempre envolver as três atividades fundamentais do que se considera como sendo uma universidade: ensino, pesquisa e extensão. As atividades propostas surgem da manifestação e interesse dos associados e elas estariam inclusas em grandes grupos que se aproximam dos interesses culturais do lazer propostos por Dumazedier (1988)164. É graças à dedicação do trabalho voluntário de um grupo de pessoas que a UTL/Rennes funciona165. Chamamos esses voluntários de coordenadores e entrevistamos 162 O aumento vem sendo creditado a mudança do nome. Com isso, eliminou-se o uso de um determinado critério cronológico para acesso, mantendo-se ainda o acesso de pessoas com qualquer tipo de escolaridade, talvez este último o que causa ainda algumas resistências dos mais tradicionais.. Esse também é o modelo de universidades que se apresentam com as denominações ‘Todas as Idades’ e ‘Inter-Idades’. 164 Temos as atividades com a finalidade de formação geral (conferências); formação específica (cursos e leituras); grupos de pesquisa; viagens com cunho cultural; atividades físicas e finalmente atividades com características voluntárias. 165 Nos biênios 1992/1993 e 1993/1994 era constituído de 47 pessoas, que tanto se ocupavam da parte administrativa como tinham a responsabilidade de conduzir ou de animar alguns grupos. Dois grupos foram caracterizados os puristas e os reformadores. O primeiro mais idosos e mais antigos na associação e os outros mais jovens em idade e responsáveis pelas mudanças que demoraram quatro anos para se efetivarem. 163 234 alguns deles que atuavam no momento de nossa pesquisa como presidente, vice-presidente, secretário, diretor administrativo, tesoureiro e outros que eram responsáveis por oficinas. Confirmou-se na associação o que vem sendo encontrado em estudos realizados em associações semelhantes: mesmo com a abertura a todas as idades166 e a pessoas sem qualquer nível de escolaridade, é grande a quantidade de idosos e aposentados com forte capital cultural, quando comparados aos participantes das atividades em clubes. As pessoas que estavam há mais tempo como associados e voluntários dividiam a história dos dez últimos anos da UTL/Rennes, estando engajados nas responsabilidades administrativas de forma voluntária desde seu primeiro ano de inscrição na associação. Eles se consideravam aqueles que melhor conheciam o conjunto dos participantes, pois, “para ver a UTL do seu interior, é necessário ser voluntário e vir animar um grupo, trabalhar um pouco para saber o que se passa”, dizia o seu presidente (ALVES JUNIOR, 1994:83). O uso do nome universidade não foi considerado como o mais adequado por um dos seus coordenadores que nesse último trabalho categorizamos como ‘puristas’, “o título é um pouco presunçoso, pois afinal de contas não são feitos exames [...] a verdadeira universidade é a dos jovens”. Sendo que outro coordenador, antigo chefe de pesquisas de uma universidade disse que a UTL/Rennes seria mais um clube. É interessante observar que há coordenadores que acreditam ser necessário algum tipo de formação anterior para impedir que a entrada em algumas oficinas fosse aberta a todos: ter uma condição mínima como base não seria nada mal [...] deve existir um certo nível intelectual a se solicitar e isso não está sendo respeitado. Nós abrimos nossas portas em demasia em princípio pode ser bom mas a conseqüência imediata é que a maioria dos inscritos são exclusivamente consumidores não tendo as mesmas qualidades que os estudantes das universidades [...] nós aumentamos o número de nossos participantes mas o que encontramos, não devemos temer a segregação (ALVES JUNIOR 1994:83) 166 Na UTL/Rennes, para cada homem inscrito existiam duas mulheres, e a média da idade dos freqüentadores ficou em torno dos 65 anos, o que na prática demonstra que o fato de abrir as portas para pessoas mais jovens não descaracterizou a associação, como temiam alguns mais idosos que chamamos de ‘puristas’ (ALVES JUNIOR, 1994). 235 Já os reformadores acreditam que o crescimento da UTL/Rennes é importante pois se terá uma maior receita, que acaba possibilitando que se ofereça coisas mais interessantes ao grupo. Na pesquisa que foi feita por Maximilienne Levet Gautrat (1981) ela já previa que a renovação das gerações poderia causar entre mais jovens e mais idosos tensões semelhantes as que ocorrem quando os mais velhos são impelidos a deixar postos de trabalho para serem preenchidos por mais jovens. Foi necessário algum tempo para que fossem rompidas as resistências daqueles que se sentiam bem com o nome e com o antigo estatuto. Na verdade segundo o seu presidente isto se justificava pelo motivo de que os tradicionalistas estavam satisfeitos como estava e “terceira idade corresponderia ao seu perfil, eles não viam a necessidade de abrir a outras gerações”. Uma das coordenadoras da UTL/Rennes assim se referiu a entrada de pessoas mais jovens: Agora nós temos jovens que vem à UTL/Rennes e certamente foi a mudança de nome e de estatuto que contribuiu, isso foi bom” (ALVES JUNIOR 1994:88). Analisando os motivos apresentados que levaram a aumentar consideravelmente o número de associados, apresenta-se a questão do uso qualitativo do tempo livre com as mais variadas atividades, associado ao sentido que é dado por alguns autores ao conceito de intergeracionalidade integrada à educação. Entendemos que da forma como vem sendo abordado, isso acompanha o processo de catequização de uma sociedade que envelhece; fundamentado num modo de vida ativo que incorpora saúde, lazer, qualidade de vida e longevidade; sugerindo muitas vezes que não existiriam mais velhos e aproximando cada vez mais os aposentados e os idosos de mecanismos que possam retardar o envelhecimento problemático. Isso fica claro quando observamos o que vem sendo sugerido na obra La educación intergeracional: un nuevo ambito educativo, em que, em sua introdução, Álvarez (2003:15) sustenta que, entre outras, nas atividades intergeracionais não se considera mais a velhice como improdutiva: “a educação intergeracional rende homenagem à sabedoria que significa maturidade de pensamento, sentimento, conduta, percebida [...] e lembra que a vida ativa (física, mental, psicológica) não pode ter fronteiras”. Acabam os defensores da proposta fazendo alusões funcionais semelhantes aos do movimento da saúde, da sociabilidade e do lazer. 236 Segundo uma das características levantadas em Garcia Minguez (2003:21), trata-se de dar importância aos diálogos interculturais, desenvolvidos por meio de uma troca livre entre pessoas de culturas distintas que, partindo de campos e motivações comuns, têm como intenção descobrir entre semelhantes os valores criados para enriquecer o projeto de vida das pessoas [...] o processo intergeracional é inseparável de uma animação social e interesses descompassados entre grupos, só que estamos convencidos de que a diversidade pode enriquecer os entendimentos pessoais e grupais. Segundo os que defendem as trocas intergeracionais entre idosos, aposentados e adultos mais jovens, sua efetivação pode ser realizada no tempo livre e em especial no de lazer, que passa a ser considerado como “direito humano, um recurso de saúde e signo de qualidade de vida, uma ação voluntária, eleita em função da satisfação que poderá ser proporcionada tanto de maneira mais íntima como em sociedade” (BEDRIÑANA, SERRANO, GARCIA, 2003:275). Sendo assim, o lazer acaba sendo funcional, já que as dimensões descritas pelos autores, como lúdica, criativa, ambiental-ecológica, festiva e solidária, acabam encontrando uma repercussão social tal [...] que supõem e favorecem um maior envolvimento e manutenção de novas redes de relacionamento cujos contatos provocam sem dúvida alguma, benefícios que têm a ver com um menor gasto sanitário [...] a atividade recreativa e de lazer é a que mais influi na satisfação da vida e bem-estar físico dos aposentados, considerando variáveis como saúde, questões econômicas, a educação e o tipo de trabalho desempenhado anteriormente (BEDRIÑANA, SERRANO, GARCIA, 2003:277). Com a política de descentralização administrativa que foi posta em prática na França, verificamos que na cidade de Rennes existe uma organização governamental que tem como finalidade manter e auxiliar na gestão dos chamados clubes para idosos e aposentados. O Office des personnes âgées de l’aglomération rennaise (OPAR) tem sob sua responsabilidade administrativa trinta e nove clubes que propõem atividades culturais, de lazer ou esportivas aos aposentados da cidade. De forma semelhante ao que ocorre na UTL/RENNES, é preservada a autonomia dessas associações, sendo assegurada aos associados sua própria administração. 237 A Associação Esportiva dos Aposentados de Rennes (ARRS) é um desses clubes, que além das cotizações anuais dos associados bem mais modestas do que as da UTL/Rennes, recebe uma subvenção municipal que permite oferecer um melhor atendimento a seus associados. O que é interessante nessa associação é que seu maior objetivo é propiciar atividades exclusivamente de cunho físico-esportivo, privilegiando o lazer. Com objetivos bastante diferenciados da UTL-Rennes, a associação atua exclusivamente junto a idosos e aposentados interessados em praticar atividades físicas e esporte167. Investigamos o curso de ‘ginástica de entretenimento’ (gin-entretenimento), sendo recolhidas informações prestadas pela coordenadora responsável pelas atividades da associação, seguida de entrevista da animadora/professora das aulas de gin-entretenimento. Essa associação também se organiza em torno de uma união federativa que atua em âmbito nacional. Sua ligação se dá com a Federação Francesa dos Aposentados Esportistas (FFRS), que procurou ampliar sua atuação conhecendo o que é feito nas associações e propôs discussões sobre o envelhecimento e sua relação com a atividade física e os esportes. No ano de 1987, em seu primeiro encontro nacional, logo na conferência de abertura, verificamos a tendência de seguir o modelo ativista que responsabiliza o indivíduo por seu bom ou mau envelhecimento (MALESSET, 1987). Apresentou-se como sendo unânime entre os gerontólogos a idéia de que idosos e aposentados que praticam atividades físicas teriam “um meio bastante seguro de se conservar e chegar a uma idade avançada suficientemente válidos para que não viessem a ser um dia um peso para a família ou para a sociedade” (MALESSET, 1987:3). Argumentava-se ainda que era pequeno o número de praticantes, e, de acordo com o que estamos chamando de discurso ativista, se dizia que “para muitas pessoas a aposentadoria ainda continuava a ser sinônimo de repouso, de inação, de ausência de esforços que são a antecâmara da decrepitude e da morte” (MALESSET, 1987:6). Uma comissão foi criada nesse evento visando a traçar pontos básicos que definissem os benefícios para os idosos e aposentados franceses que praticassem atividade 167 Estavam sendo propostas: natação, caminhadas em grupo, ciclismo em grupo, tênis de mesa, badminton, jogo de dardos; tai-chi-chuan, musculação, arco e flecha, ginástica suave. Havendo ainda propostas de jornadas esportivas para se descobrirem novas práticas, como escalada, canoagem, orientação, e também propostas de temporadas em locais que possibilitam as atividades físicas esportivas na neve. 238 física. O primeiro apresentado foi exclusivamente funcional, relacionado à saúde, seguido da sociabilidade, que seria capaz de romper com a solidão, sendo “ideal para as relações intergeracionais – é para agradar aos netos e se valorizar perante eles que a gente aprende a nadar, uma avó que faz um esporte não é velha” (MALESSET, 1987:89). Dando seqüência aos pontos traçados pela comissão, apontou-se o equilíbrio psicossomático, a manutenção do corpo, o autoconhecimento, a estimulação dos sentidos, a valorização do eu, o desenvolvimento da criatividade. Finalmente procurou-se apresentar uma fundamentação científica para justificar a importância das atividades físicas, como a possibilidade de que ela atue positivamente “sobre a cooperação e a atitude moral no trabalho” (MALESSET, 1987:90). O curso de gin-entretenimento tinha 16 idosos inscritos, sendo só um do sexo masculino. A média de idade, de 71 anos, variava entre 64 e 83 anos, sendo que as categorias socioprofissionais168 (CSPs) concentravam-se mais no que podemos denominar originários da classe trabalhadora – 56% eram employés (pessoal de serviços gerais, comerciários, etc.), 25% de pessoas que não haviam desenvolvido qualquer atividade profissional, e os 19% restantes seriam cadres (profissionais liberais com nível superior com diploma, professores do ensino médio, diretores de empresa e outros), que correspondem a um extrato da classe média francesa169. Quando observamos a UTL/Rennes, a característica de se ter um grupo quase que exclusivamente feminino também se repetiu na gimnastyque douce (gin-suave). Dos 21 inscritos, dezenove eram do sexo feminino. A mais nova dessa associação tinha 64 anos, e a mais idosa, 83, sendo que a média de idade do grupo foi semelhante à da ARRS, 71 anos. Quando observamos as categorias socioprofissionais, verificamos que 72% estariam entre as categorias intermediaires (secretárias, enfermeiras, quadros técnicos e professores do ensino básico, entre outros), que também poderiam ser como os cadres considerados da 168 Procuramos manter as categorizações utilizadas na França, considerando que “a pertença a uma categoria socioprofissional é definida pela posição do indivíduo no mercado do trabalho, mas acompanhada de um salário, de um nível de educação, de comportamentos e características culturais diferentes” (ADAM, HERZLICH, 2001:55), não sendo portanto aplicável ao Brasil. 169 De forma reduzida estaremos apresentando em quadros no corpo deste trabalho as principais características que recolhemos nas entrevistas realizadas junto aos idosos listando-as conforme os países em que foram feitas as entrevistas. 239 classe média, sendo o restante dividido da mesma forma entre pessoas que não haviam exercido qualquer profissão e oriundos da classe trabalhadora, employés. A taxa de adesão das duas associações é anual, sendo destinada à manutenção da associação, pagamento de eventuais funcionários. Há outra taxa, também anual, que visa a remunerar os profissionais que atuam como animadores/professores, como no caso dos cursos de ginástica. Se o que une as associações é a característica de manter os idosos engajados em atividades – e acrescentamos o lazer –, o que fundamentalmente as difere é que no caso da UTL/Rennes se percebe uma proposta mais elitizada para seus associados, fundamentada em muitas atividades de cunho mais intelectualizado, como cursos diversos, oficinas de pesquisas e trabalhos voluntários. As duas associações funcionam segundo um estatuto elaborado pelo conjunto dos associados, que só pode ser alterado em suas assembléias gerais. Tendo autonomia administrativa, elas escolhem seus dirigentes, por meio do voto do conjunto dos associados, sendo que a cada dois anos há novas eleições. Pode-se verificar que, mesmo aberta a todos, independente da idade cronológica como do nível de estudo, a participação nas associações fica marcada pelo forte caráter de distinção social que fez com que determinadas categorias sociais não as freqüentem ou que haja um endereçamento maior para uma ou outra em função das CSPs. Analisando os dados pessoais dos idosos/aposentados que participavam do curso de gin-suave, constatamos que as CSPs do conjunto dos participantes inscritos em grande parte fazem parte da classe média francesa, que no período da pesquisa não passavam por problemas de ordem financeira, sendo proprietários de suas residências, possuindo um veículo para seus deslocamentos e, em muitos casos, tendo residências secundárias (QUADRO 1). Algumas mulheres, possuidoras de automóvel, procuravam marcar uma certa independência e com orgulho afirmavam “eu possuo meu próprio carro, sou uma mulher bastante independente” (ENT. 01, UTL/Rennes). A despeito das associações a que pertençam, todos os entrevistados franceses possuem bens e recursos de uma aposentadoria ou pensão que satisfaz suas necessidades, não dependendo de qualquer auxílio de seus parentes e, ao contrário, alguns declaram estar auxiliando seus filhos que passam por situação de desemprego. Não vem a ser hábito na França os idosos morarem com seus 240 filhos; entretanto observou-se que há constante contato com a família, os filhos e netos habitam próximo e não há ninguém que se mostre totalmente isolado de contatos regulares com familiares. Quando passamos a observar os idosos que participam das atividades da ARRS, confirma-se o que autores como Rozenkier (1987) e Attias-Donfut e Rozenkier (1983) identificaram: o perfil encontrado nas associações do tipo clubes da ‘terceira idade’, categoria em que estamos considerando a ARRS, é bastante diferenciado das universidades para idosos, havendo outras demandas e freqüentadores de CSPs diferentes. No entanto, a partir de declarações dos que seguiam o curso de gin-entretenimento (QUADRO 1), observamos que eles também não passam por qualquer tipo de problema financeiro, possuindo bens como os da UTL/Rennes. Uma das diferenças fica por conta do próprio ambiente, que na UTL/Rennes pode ser considerado como excessivamente formal, principalmente quando há atividades no grande anfiteatro da ENSP, que é onde se realizavam as grandes conferências, bem diferente das oficinas que comportam grupos mais reduzidos, como a da gin-suave. Os grupos mais reduzidos são muito mais descontraídos, as pessoas ficam bem mais à vontade, havendo grande interação social, o que é semelhante no contexto das atividades da ARRS. 241 QUADRO 1 Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da UTL-Rennes e da ARRS Identificação Idade Sexo Estado Civil Profissão Escolaridade Cônjuge Bens ENT 01 UTL 65 Feminino Viuva Secretária Ensino médio Diretor de empresa Carro e 1 imóvel ENT 02 UTL 62 Feminino Casada Documentalista Universitário Oficial Marinha Carro e 2 imóveis ENT 03 UTL 66 Feminino Casada Funcionária pública Ensino básico Funcionário público Carro 2 imóveis ENT 04 UTL 67 Feminino Casada Diretora de escola Universitário Diretor Comercial Carro e 2 imóveis ENT 05 UTL 67 Feminino Viúva Diretora de escola Universitário Funcionário público Carro e 2 imóveis ENT 06 UTL 72 Feminino Casada Imprensa Ensino básico Diretor de empresa Carro e 2 imóveis ENT 07 UTL 66 Feminino Casada Empresária Ensino médio Funcionário público Carro e 2 imóveis ENT 08 UTL 68 Feminino Viúva Funcionária pública Ensino básico Funcionário público Carro e 1 imóvel ENT 09 UTL 65 Feminino Casada Diretora de escola Universitário Professor Carro e 2 imóveis ENT 10 UTL 70 Feminino Viúva Sem profissão Universitário Diretor de empresa Carro e 2 imóveis ENT 11 UTL 71 Masculino Casado Advogado Universitário Sem profissão Carro e 2 imóveis ENT 12 UTL 80 Feminino Viúva Funcionária pública Ensino básico Funcionário público Carro e 1 imóvel ENT 01 ARRS 76 Feminino Solteira Contadora Ensino médio X Carro 1 imóvel ENT 02 ARRS 73 Feminino Viúva Costureira Ensino básico Transportador Carro ENT 03 ARRS 64 Masculino Casado Manutenção Ensino médio Do lar Carro e 2 imóveis ENT 04 ARRS 65 Feminino Solteira Servente em escola Ensino básico X 1 imóvel 242 Segundo a coordenadora, os freqüentadores da ARRS não formam um grupo homogêneo, mas pode-se verificar que os mais idosos participam dos cursos de ginástica, o que também é semelhante entre os que procuram as atividades físicas na UTL/Rennes. Segundo ela, os freqüentadores vêm à associação porque certas atividades físicas são mais facilmente realizadas em conjunto e com semelhantes, mas principalmente pela finalidade de sociabilidade, interesse que foi assim expresso: alguns, talvez não conscientemente mas inconscientemente, não são capazes de suportar satisfatoriamente a aposentadoria. Os novos contatos lhes permitem se sentir melhores, havendo também pessoas que tiveram um passado de esportista como também aqueles que vão começar. Nestes últimos é onde encontramos os melhores resultados, pois eles aceitam melhor seu estado físico (ENT. Coord. ARRS). Para ela, os aposentados dessa geração não são pessoas que tiveram o hábito de praticar atividades físicas ou esportes e, comparando-os aos adultos que estão na vida ativa, eles parecem estar menos estressados, “mas realmente falando, eu acredito que isto é um pouco falso, porque eles sofrem bastante por envelhecer. É um pouco paradoxal” (ENT. Coord ARRS). Em seu entendimento existiria um problema relacionado à idade, que além de se relacionar com a aparência física, é também um problema psicológico, “porque as pessoas dessa idade se recusam a ver seu corpo envelhecer, eles têm um medo louco de envelhecer, de perder suas capacidades físicas, psicológicas, e sentir que a idade avança.” (ENT. Coord ARRS). O fato de se estar na aposentadoria pode ser interpretado de duas maneiras, tanto positivamente como negativamente. Sendo negativo o fato de perderem seu trabalho, os pontos de referência, e positivo pelo aspecto de que adquirem mais tempo liberado para poder fazer coisas novas e interessantes. Nesse caso a substituição do trabalho pela vida ativa e engajada em associações para alguns pode ser vivido como uma ‘segunda carreira’. Mesmo se, no caso dos idosos dessa associação, o principal objetivo seja para sua coordenadora a saúde física, em seguida a psicológica, que supõe todos os problemas que acompanham a aposentadoria, como deixar o 243 trabalho, perder um cônjuge, perder seus filhos, enfim, uma vida que muda em torno deles. Juntando-se a esses dois há o aspecto convivial. Eles vêm porque freqüentemente estão sós. Eles vêm para passar alguns momentos com alguém (ENT. Coord. ARRS). No caso da UTL/Rennes, a sociabilidade aparece como sendo a motivação principal dos associados em geral, mas nessa associação há na visão dos seus coordenadores, uma forte intenção de conseguir a busca de conhecimento, de desenvolvimento cultural. Quando estimulados a falar sobre a associação, a maioria dos seus coordenadores sempre busca diferenciar a associação dos outros grupos organizados como clubes, havendo mesmo uma reação de revolta quando alguém os analisa caracterizando-os como membros de mais um grupo de lazer. Evidente que é um espaço que proporciona coisas diferenciadas, mas em nosso entender não deixa de ter as características de desenvolvimento do que estamos entendendo como lazer (MELO, ALVES JUNIOR, 2003). Verificamos que são freqüentes as relações interpessoais estabelecidas nas associações, mas não podem ser consideradas como o estabelecimento de novas amizades, já que nas respostas que encontramos o sentido da amizade é algo que não se apresenta de forma tão fácil quando já se é idoso ou aposentado. Um dos seus coordenadores entrevistados se reporta freqüentemente a relações cordiais, “a gente não se procura fora do ambiente da universidade. Eu aperto mãos, a gente conversa, a gente brinca, mas nunca nos encontramos durante o fim de semana” (ALVES JUNIOR, 1994:85). A idade foi considerada como fator responsável por impedi-los de se lançar em novas relações, principalmente para aqueles que já possuíam uma rede de amizade mais sólida: “após 55 ou 60 anos você não faz mais amigos [...] os amigos você os fez antes; na UTL a gente se diz bom-dia, não passa disto” declara o vice presidente da associação. Houve mesmo aqueles que, para superar essa dificuldade, trouxeram seus próprios amigos para participarem juntos das atividades: “meus amigos na UTL são pessoas que eu conhecia anteriormente, que acabei chamando para vir participar” (ALVES JUNIOR, 1994). O discurso da importância de se estar ativo é comum nas duas associações, justificado tanto pela necessidade como pelo desejo de manter relações sociais num ambiente cultural. “Aqui me permite intelectualmente encontrar coisas interessantes, me 244 ajuda a passar uma aposentadoria como eu desejava, ou seja, manter-me relativamente ativo” (ALVES JUNIOR, 1994). O fato de estar com um compromisso mais formal e cotidiano, que os obriga a sair de suas casas, parece ser mais importante do que o fato de se engajar verdadeiramente nos estudos ditos universitários: “aqui é uma forma de se evadir, de encontrar as pessoas, obrigando-me a sair de casa”, uma fuga da solidão. Ir à UTL permite às pessoas não somente se entreter sob um plano intelectual, mas também sob um plano físico. a gente tem necessidade de se vestir, de se arrumar, isto evita ficar dentro de casa de roupa de dormir e chinelos durante todo o dia, enfim, isto pode ser um pouco simplista, mas para mim é assim, entre 60 e 80 anos a atividade é indispensável, é necessário fazer alguma coisa (ALVES JUNIOR, 1994:85). Enfim, a questão ‘aprender algo’, quando aparece nas entrevistas dos coordenadores da UTL/Rennes, freqüentemente é abordada de forma secundária, quase que repetindo o discurso socialmente construído da inutilidade dos idosos. “O que aprendemos na minha idade logo se esquece; o que a gente retém é o que foi aprendido quando jovem; para mim a UTL/RENNES é uma maneira de estar ativo” afirma um de seus coordenadores. No caso da ARRS, a preocupação com atividades que não requerem qualquer capital cultural fica clara pela grade das atividades propostas. Segundo a coordenadora da ARRS, os aposentados que participam das atividades propostas nessa associação têm um nível de escolaridade mais baixo e diferem bastante da UTL/Rennes. Há por parte deles outro foco de interesse, que são as atividades físicas, esportes, encontros sociais sem qualquer maior envolvimento que demande um capital cultural. A passagem do tempo de atividade profissional para a aposentadoria (QUADRO 2) viria acompanhada de diversos problemas, relacionados muitas vezes à saúde pessoal e a dificuldade em não saber o que fazer com o tempo disponível. No entanto, com o passar do tempo, há a superação, surgindo mesmo a satisfação com o fato de ser aposentados e com o que vêm fazendo. “Quando me aposentei estávamos no inverno, fiquei muito mal, sofri durante um ano. Agora está melhor, pois permite-me fazer tudo o que eu desejo” (ENT. 04, ARRS). 245 QUADRO 2 Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UTL-Rennes e ARRS Identificação Preparação A passagem Significado Engajamento atual Voltar ao trabalho ENT 01 UTL Não Problemas de saúde Faz-se tudo o que se quer Maior Não ENT 02 UTL Não Problemas familiares Faz-se tudo o que se quer Igual Não ENT 03 UTL Não Ausência de projetos Liberdade Maior Não ENT 04 UTL Não Problemas de saúde Difícil ficar só em casa Maior Não ENT 05 UTL Não Difícil aceitar Tempo de fazer outras coisas Maior Não ENT 06 UTL Não Problemas de saúde Vazio se ficar em casa Maior Não ENT 07 UTL Não Difícil há muito tempo livre Faz-se tudo que se quer Menor Não ENT 08 UTL Pensava Cuidar da família e da saúde Faz-se tudo que se quer Maior Não ENT 09 UTL Não Ficar com família De muita ocupação Menor Não ENT 10 UTL Não Angústia Não pensar que a vida parou Maior X ENT 11 UTL Não Satisfatória mas nostálgica Igual as férias Maior Não ENT 12 UTL Não Dura pela solidão Tempo de liberação Maior Não ENT 01 ARRS Não Problemática Um relaxar Maior Não ENT 02 ARSS Não Sem problema Reviver outra vida Maior Não ENT 03 ARSS Não Tive que me ocupar Fazer outras coisas Maior Não ENT 04 ARSS Não Muito ruim Faz-se tudo que se quer Maior Não 246 Esse tipo de sensação, de poder fazer tudo o que se quer, faz parte da ideologia desta nova idade, se apresenta como um período de facilidades e também de negação dos problemas relacionados ao envelhecimento. A aposentadoria “iniciou-se com dores nas costas e depressão” (ENT. 01, UTL/Rennes), mas, como verificamos, com o passar do tempo isso acaba se modificando. O discurso ativista sugere que a entrada numa associação de idosos e aposentados permite continuar mantendo uma vida de compromissos fora da casa, que acaba substituindo a ausência do trabalho: “obrigados a sair de casa para ter atividades, acabamos entrando em contato com outros” (ENT. 03, ARRS). A vida associativa pode representar a diminuição do sentimento de inutilidade de pessoas que viveram grande parte de sua vida tendo como principal valor o trabalho. Isso parece claro no relato que se segue, que aponta o fato de se ter em casa outros familiares ainda engajados no trabalho como gerador desse sentimento, que acaba se transformando em problema: os primeiros seis meses foram muito complicados, pois quando se tem uma atividade que nos toma muito tempo e passa-se a um período em casa, enquanto os outros ainda estão engajados, é complicado ficar só em casa. Considero que a prática de atividades físicas salvou-me, pois ela me fez muito bem mentalmente [...] na verdade vejo que sou incapaz de ficar sem fazer nada, ficar sentada à toa. Eu não tinha cabeça nem para ler um livro, que era uma atividade de que eu gosto muito; não sei fazer nada dentro de casa. Ficar em casa só o necessário, fora isto estou sempre na rua. (ENT. 04, UTL/Rennes). A aposentadoria enquanto engajamento social ativo pode ser percebida em muitos aspectos como uma segunda carreira, tendo sido apontados por Gaullier (1988), entre outras atividades, o lazer, o trabalho voluntário e até mesmo a vida familiar. Estamos considerando que a lógica do trabalho acaba sendo passada para esse período, já que, no fundo, a aposentadoria seria nada mais do que mudar de atividade. Eu passei a ajudar no acompanhamento dos estudos de uma filha ainda jovem e de outra 247 que estava desempregada. Precisei esperar cinco anos para todos estarem fora de casa; foi nesse momento que percebi que deveria fazer alguma outra coisa para me ocupar. Em 1989 vim para a UTL/Rennes para ocupar mais da minha cabeça e do meu corpo. A ginástica me auxilia no preenchimento desse vazio (ENT. 06, UTL/Rennes). A relação familiar também impõe alterações nos planos e é igualmente fundamental para os rumos que são dados à vida de cada um, numa sociedade longeva com dificuldades de empregos para os mais jovens, situações não previstas de difícil gerenciamento e que são decorrentes das novas relações que envolvem as gerações dos aposentados e idosos franceses do século XX. Não é mais incomum fazer parte de famílias de quatro gerações, sendo que muitos passam à condição de aposentados mantendo ainda responsabilidades, como a vinda de filhos para morar próximo e ter de cuidar de pais velhos: “No caso eu fiquei no meio de duas gerações” (ENT. 02, UTL/Rennes). Diversas situações podem se apresentar como causadoras de uma solicitação de aposentadoria, sendo que o sistema francês possibilitava uma aposentadoria antecipada para aqueles que completaram 55 anos, idade que pode ser considerada baixa para a expectativa de vida francesa. Quando essa pré-aposentadoria não é imposta, sua solicitação pode se apresentar em situações que extrapolam o indivíduo, como no caso de problemas de saúde na família: “eu antecipei minha aposentadoria mais para cuidar da saúde do meu marido, senão eu teria continuado mais alguns anos no trabalho” (ENT. 08, UTL/Rennes). Os sentimentos de solidão e de inutilidade, bastante presentes, são causados principalmente pela ausência dos contatos interpessoais que ocorrem no mundo do trabalho e mais freqüentes entre as viúvas que vivem sós: “a aposentadoria não é o que eu previa, pois os projetos incluíam meu marido, e quando estamos sós, tudo é mais difícil” (ENT. 12, UTL/Rennes). Como solução, nada como pertencer a uma associação, o que acaba sendo considerado fundamental para a ocupação da vida dessas pessoas: serve “para relaxar e conhecer outras pessoas que passaremos regularmente a encontrar” (ENT. 02, ARRS), a “oportunidade de sair de casa e ir mais longe para conversar com alguém” (ENT. 04, ARRS). A solidariedade que acaba ocorrendo entre os participantes é considerada por eles uma das coisas interessantes de se estar em grupo, chegando mesmo a existir um outro tipo 248 de envolvimento: “aqui fiz novos conhecimentos” (ENT. 01, ARRS). A maioria dos entrevistados declara que sente necessidade de ver outras pessoas, fazer novas relações, mesmo que sejam simples contatos que não extrapolem o ambiente da associação, uma vez que sem participar da vida associativa haveria bastante solidão, o que parece ser o grande receio dos idosos e aposentados franceses. Pertencer a um grupo como o da UTL/Rennes é apresentado como um complemento bastante importante para a vida pessoal, principalmente pelos que sentem ausência de contatos sociais, podendo, em alguns casos, haver um novo componente que é sua valorização pessoal por meio da solidariedade. É a oportunidade de se comunicar com outras pessoas, fazer amizades. Existe muita solidão; há muitas aqui que vivem sós, não é meu caso, pois vivo a dois. Eu convido algumas para sair, ir a um cinema, tomar um chá, e até para freqüentar minha casa. Quando se é professor, ajudamos as pessoas e temos facilidade de fazer contatos; assim também auxiliamos as pessoas que se sentem aborrecidas por estarem sós (ENT. 04, UTL/Rennes). O discurso contemporâneo sobre o que significa ser aposentado na França confirma o que é preconizado nas políticas voltadas para o modo de vida: um momento que não deve ser vivido de maneira inativa, como se a vida tivesse parado. Ser ativo, engajado por meio de associações em atividades prazerosas acabam sendo a melhor solução encontrada, uma vez que é “bastante complicado ficar só em casa” (ENT. 04, UTL/Rennes). Para algumas pessoas que tiveram uma vida de fortes compromissos com a família e o trabalho, houve certa dificuldade em administrar o tempo disponível. Os que demonstraram não ter tido algum tipo de problema afirmaram que, embora a passagem tenha sido satisfatória, ela foi acompanhada por uma certa nostalgia. A substituição de atividades anteriormente assumidas pelas novas que integram o ambiente associativo pode levar a se perceber a aposentadoria como um “período como qualquer outro, já que ele acaba sendo de muita ocupação” (ENT. 10, UTL/Rennes). Mesmo quando há problemas com relação à vida de aposentado, não encontramos nenhuma pessoa que gostasse de continuar engajado no trabalho, e é quase unânime a afirmação de que após a aposentadoria aumentou-se a participação em atividades diversas. Aqueles que declararam ter menos engajamento creditam-no ao fato de que, não havendo 249 obrigação, fazem as coisas quando querem. O significado do período da aposentadoria aproxima-se bastante de um tempo de grandes férias, em que “tudo seria perfeito se fôssemos mais jovens” (ENT. 07, UTL/Rennes). Entra em jogo, aí, outro tipo de discurso, que é o da relação entre atividade física, saúde e forma corporal: resistir à velhice com qualidade de vida e alcançar a longevidade com autonomia. Como na UTL/Rennes, os participantes da atividade ginástica na ARRS estavam engajados em outras atividades, na maioria das vezes também físicas (QUADRO 3). Da mesma forma que foi uma novidade em suas vidas participar da vida associativa, a prática de atividades físicas também o foi para grande parte dos entrevistados. Esse novo estilo de vida passou mesmo a ocupar grande parte do dia de alguns que se ressentiam de contatos sociais: “na associação, faço cinco atividades físicas diferentes” (ENT. 02, ARRS). Necessidade e mesmo utilidade são a base do discurso dos idosos entrevistados nas associações francesas, sendo que o tempo livre desses aposentados acabou sendo dedicado quase exclusivamente ao lazer, compreendido como uma boa possibilidade de se fazer tudo que nunca foi feito anteriormente, ou mesmo de continuar fazendo as coisas de maior interesse, só que com mais dedicação. “A aposentadoria permite que as pessoas se encontrem mais. É uma oportunidade de termos lazer, de nos ocuparmos, fazer novos conhecimentos” (ENT. 01, ARRS). Tendo trabalhado durante 44 anos, o único homem do grupo ARRS disse que quando parou de trabalhar tinha 60 anos – como a média dos franceses – e, mesmo não tendo preparado a aposentadoria, sabia que deveria fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. Lendo um jornal, vi o que era feito na UTL/Rennes e em outras associações para aposentados. Aposentar é mudar de atividade, viajar, bricolar, trabalhar no jardim, mudar de vida. Na minha vida de trabalho eu não tinha tempo para o lazer. Na verdade, comecei na UTL/Rennes, fiz um ano e passei para a ARRS, onde sinto-me mais à vontade (ENT. 02, ARRS). 250 QUADRO 3 A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UTL-Rennes e da ARRS Identificação Significado 1º inscrição Atividades que freqüenta Participação anterior Outras ENT 01 UTL Pertencimento 8 anos Caminhadas; natação; civilização chinesa Não Não ENT 02 UTL Se relacionar com outros 7 anos Caminhada; natação; conferências Sim Não ENT 03 UTL Liberdade 5 anos Caminhada; natação; conferências Sim Sim ENT 04 UTL Se relacionar com outros 2 anos Caminhada; natação; conferências Sim Sim ENT 05 UTL Pertencimento 6 anos Caminhada; natação; conferências; viagens Sim Sim ENT 06 UTL Se relacionar com outros 3 anos Caminhada; natação; conferências; coral Sim Não ENT 07 UTL Se relacionar com outros 1 ano Pintura Não Não ENT 08 UTL Se relacionar com outros 5 anos Natação; pintura; botânica Não Não ENT 09 UTL Se relacionar com outros 8 anos Voluntariado; civilização chinesa; viagens Não Não ENT 10 UTL Pertencimento 1 ano Pintura; bridge Sim Sim ENT 11 UTL Desenvolvimento pessoal 2 anos Natação, conferências Não Não ENT 12 UTL Pertencimento 14 anos Natação; conferências Não Não ENT 01 ARRS Se relacionar com outros 10 anos Caminhada; outra ginástica Não Não ENT 02 ARRS Se relacionar com outros 8 anos Dança folclórica; outras ginásticas Não Não ENT 03 ARRS Se relacionar com outros 3 anos Outra ginástica Não Sim ENT 04 ARRS Se relacionar com outros 4 anos Caminhada; outra ginástica Não Sim 251 Apesar das recomendações dos que atuam na elaboração das políticas de aposentadoria de que deva existir uma preparação para esse período, não é comum entre os associados franceses terem participado de programas nesse sentido. Se a aposentadoria veio a causar problemas em sua vida, isso não significa que a opção escolhida represente arrependimento. A maioria dos que já estiveram engajados em outras associações antes da aposentadoria continuam participando de outras associações, enquanto que aqueles que nunca tiveram participação associativa só participam da UTL/Rennes ou da ARRS. Preencher o tempo com atividades agradáveis no meio de pessoas com que se tem semelhanças é uma forma de ocupar o tempo para aqueles que têm preferência por atividades físicas, mas não deixam de fazer outras atividades que possibilitam romper com o tédio: “encontrar outras pessoas, conhecer outros, fazer contatos e aprender alguma coisa sem se aborrecer, uma maneira agradável de não ficar sentada numa poltrona em casa” (ENT. 06, UTL/Rennes). Em grande parte da geração dos idosos que freqüentam a atividade de ginástica em associações, verificamos que aquelas que já fizeram alguma atividade física anteriormente não o faziam com muita regularidade, muitas vezes restringindo-se ao período escolar (QUADRO 4). Há mesmo os que não a fizeram em nenhum momento de sua vida, pois nem mesmo “na escola tinha obrigatoriedade; gostaria de ter feito um esporte. Precisei esperar ter 60 anos para fazer com mais regularidade” (ENT. 05, UTL/Rennes). Manter a prática constante no decorrer da vida é algo bastante difícil, principalmente para essa geração de mulheres que na maioria das vezes teve uma dedicação de dupla jornada de trabalho. Se anteriormente à aposentadoria a atividade física não era praticada, não era por falta de vontade, e sim “por causa do trabalho e da família”. Entretanto, a atividade física ainda continua sendo secundária, pois existem os que gostariam de ser mais regulares, mas “em nossa idade estamos presos ou pelos filhos ou pelos pais” (ENT. 04, UTL/RENNES). 252 QUADRO 4 A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua experiência anterior a UTL-Rennes e ARRS Identificação Anteriormente As duas ginásticas Para que serve a ginástica ENT 01 UTL Na escola Não diferem Saúde, conhecer gente; ficar em forma preservando a velhice ENT 02 UTL Em casa Não diferem Entreter o corpo influindo na saúde ENT 03 UTL Só nas férias Sem noção anterior Encontrar outras pessoas; entreter o corpo; influindo na saúde ENT 04 UTL Em casa Mais lenta É importante se relacionar; manter a forma; relaxar ENT 05 UTL Só depois dos 60 Não diferem Necessidade de mexer o corpo, bom para a saúde ENT 06 UTL Regularmente Já fiz diferente Prazer de movimentar; estar com outros; bom para saúde ENT 07 UTL Só um ano Menos esforço Estar com outros; bom para saúde; para envelhecer bem ENT 08 UTL Na infância Não agride o corpo Para dar prazer; entreter; manter a forma; acalmar ENT 09 UTL Só na escola Não diferem Bem estar; manter o estado físico; resistir ao envelhecimento ENT 10 UTL Irregular Sem noção Relações com outros; equilíbrio; tranqüiliza; se relacionar; resistir ENT 11 UTL Pouco Sem noção Saúde; obriga a fazer algo; resistir aceitando os limites ENT 12 UTL Não Sem noção Conhecer pessoas; estar com outros; bom para saúde ENT 01 ARRS Não Sem noção anterior Necessidade para a saúde; serve para sair de casa ENT 02 ARRS Não Sem noção anterior Estar com os outros; bom para a saúde ENT 03 ARRS Irregular Sem noção anterior Serve para a forma; estar com outros ENT 04 ARRS Não Sem noção anterior Contribui à saúde 253 A atividade física está presente com freqüência nas associações voltadas para idosos, sendo bastante procuradas principalmente aquelas que se apresentam pelo nome de ginástica, notadamente quando sua prática é adequada ao público idoso, voltada para a promoção da saúde, da qualidade de vida e da capacidade de realizar a contento as atividades da vida diária. É o que foi discutido por Lovisolo (1995, 2000b) quando aborda a questão do movimento pela saúde. Na análise de Jordán (1998:161-2), esse tem sido um discurso bastante freqüente na história da educação física, que tem como base o aprimoramento da eficácia fisiológica e mecânica do indivíduo, e se realiza através do aperfeiçoamento do que vem sendo chamado de qualidades físicas básicas, que podem ser entendidas como aqueles fatores que qualificam uma pessoa para a realização de uma atividade física, dependendo dos sistemas alimentar e de movimento [aparelho digestivo, respiratório e cardiovascular, assim como os ossos, articulações e músculos]. Dessa forma, o aprimoramento do condicionamento físico vai se constituir como dos mais importantes conteúdos a serem trabalhados numa educação física que chamaremos de instrumental, pois a eficiência corporal acaba servindo a diversos fins como “a saúde individual, tanto para mantê-la como para recuperá-la” (JORDÁN, 1998:162). De maneira mais tradicional isso vem sendo trabalhado pela educação física dos idosos a partir do que tem sido denominado de ginástica neo-sueca, que utiliza exercícios que segmentam o corpo e têm movimentos bastante delimitados e previamente construídos, o que produz um aprendizado automatizado, rígido e estereotipado [...] a finalidade do exercício é quase sempre do tipo mecânico, sobretudo com uma orientação postural e corretiva (JORDÁN, 1998:162-3). Verificamos que existem outros métodos ginásticos que procuram se diferenciar da ginástica tradicional e procuram se abrigar numa nova terminologia que engloba uma variedade de técnicas, mas que também buscam entre outras a orientação postural. É o que está sendo chamado de ‘ginásticas suaves’, estudados por Lacerda (1995), que propõem menos agressão ao corpo dos praticantes, percebido em sua totalidade. Nas associações francesas ficou bem definido que existiriam diferentes métodos ginásticos, já que em ambas são oferecidos tanto o formato mais tradicional, que serviria à conservação e ao 254 entretenimento físico, como também as práticas identificadas como alternativas a esse modelo, que naquele país são denominadas como suaves. Mas em se tratando de pessoas que em geral não tiveram contato com essas práticas, como optar por uma ou outra? No momento da inscrição os associados não saberiam definir quais diferenças existiriam entre as duas ginásticas, pois em teoria só depois de algum tempo praticando a de entretenimento e a suave poderiam identificar as possíveis diferenças. Certamente, algo que se apresenta como suave passa a impressão de solicitar menos esforço e ser menos agressivo ao corpo de alguém que não tinha como hábito praticar atividade física. Mas mesmo com o contato com as duas ginásticas não fica muito claro para os praticantes quais diferenças seriam mais marcantes, como no seguinte depoimento: “para mim a ginástica suave parece ser mais adaptada aos idosos; na ginástica de entretenimento somos muito mais solicitados” (ENT. 03, ARRS), em que o informante não sabe explicar que tipo de solicitação é feita. Outros afirmam que “existe uma pequena diferença entre as duas”, sendo que na ginástica de entretenimento “fazemos mais esforço físico” (ENT. 03, ARRS). Há até aquelas que percebem a diferença de outra maneira. Depois de dizer que há mais esforço na gin-entretenimento, acrescenta uma senhora praticante de gin-entretenimento, que disse: “na última aula eu até senti que estava tendo uma taquicardia” (ENT. 04, ARRS). O que pode ser creditado a uma solicitação excessiva da capacidade dos praticantes, ou, acrescentaríamos, ao desconhecimento das condições físicas do grupo170. Se é verdadeiro o que dizem sobre as práticas alternativas, os participantes da ginentretenimento apresentam em sua escolha algumas incoerências: se causa algum tipo de agressão aos idosos, o porquê de sua escolha só pode encontrar resposta no fato de quererem fazer qualquer atividade mais tradicional mais próxima de seu perfil, ou talvez uma conveniência de dia e horário, simpatia com o grupo que possibilita deixá-los à vontade no meio dos outros. Para os idosos, a ginástica suave trabalharia mais o aprendizado da respiração e o conhecimento das limitações do próprio corpo. Na gin-suave, o corpo viria a “sofrer menos com os exercícios, é mais um trabalho sobre a respiração que necessita de informações mais detalhadas e longas, sendo preparada de maneira diferente 170 Nas associações francesas não foi detectada a utilização de testes para avaliar as condições dos idosos ao iniciarem prática da atividade. O que é solicitado por parte da associação é um atestado médico que não dá grandes subsídios sobre a capacidade física e limitação a determinados exercícios. 255 da gin-entretenimento” (ENT. 01, ARRS). Mas como vemos a seguir, há falta de unanimidade sobre o que uma ou outra ginástica faz, já que existem as que dizem ter aprendido a respirar na gin-entretenimento (ENT. 02, ARRS), o que, como vimos, é a característica mais referenciada entre os praticantes da gin-suave. Excetuando a menção à lentidão com que são solicitados os exercícios, a ginástica suave praticada na UTL/Rennes não é percebida por seus participantes como se tivesse grande diferença com respeito ao que é realizado em outras ginásticas: “aqui não se faz a ginástica suave como eu fazia em outra associação” (ENT. 06, UTL Rennes). A falta de noção do que iriam encontrar foi então uma constante: “ao me inscrever pensei que seria yoga” (ENT. 10, UTL/Rennes). A questão do esforço solicitado é reconhecido como sendo menor nesse tipo de ginástica: a ginástica suave é uma atividade que não agride o corpo; os movimentos são leves, sem muito forçar, sem traumatizar os músculos e as articulações. Inicialmente eu imaginava que seria um outro tipo de ginástica, mas se tratando de um curso para idosos só poderia ser desta forma (ENT. 08, UTL/Rennes). A relação entre uma atividade física, no caso a ginástica com uma maneira de se entreter e saúde (QUADRO 5) está presente em todos os relatos, não importando muito qual tipo de ginástica vem a ser praticada e qual a experiência anterior dos informantes, que em geral não foi regular, mesmo que houvesse possibilidades de acesso171. O que acabou agora importando vem da incorporação do discurso do envelhecimento ativo: estar no meio dos outros, pertencendo a um grupo social que se dedica a atividades que são apresentadas como capazes de afastá-los da velhice e da solidão. “Faço atividade física pela necessidade de conhecer pessoas; eu vivo só, não estou aqui pela saúde” (ENT. 12, UTL/Rennes). Seria então uma maneira de romper com a solidão e o tédio, resistir ao envelhecimento deletério, não sendo só um meio de influir na saúde de forma geral. 171 Na França, as FFEFGV e outras associações esportivas têm uma rede bastante ampla que possibilita em espaços não privados o desenvolvimento de atividades ginásticas para adultos. Mas, como vimos, outros fatores acabaram influindo. 256 QUADRO 5 Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os entrevistados da UTL-Rennes e ARRS Identificação Significado para a saúde A relação atividade física com a saúde O que inquieta mais ENT 01 UTL Ficar em forma Tranqüiliza; impede pensar nos problemas A dependência como destino ENT 02 UTL Não ter doenças Mantém o tônus; conserva os músculos Horrível a dependência ENT 03 UTL Fazer tudo que se quer; fazer projetos Melhora o ânimo; dá mobilidade Não penso nisso ENT 04 UTL De bem com a família; manter a forma Ocupa o tempo; melhor do que remédio A perda de movimentos ENT 05 UTL Saber controlar os problemas Melhora a artrose Medo de uma paralisia ENT 06 UTL Equilíbrio geral Sem atividade física é difícil ter saúde Dependência ENT 07 UTL Herança genética; bem dentro de si Serve a postura; estética e ativa todo corpo Medo de uma paralisia ENT 08 UTL Relação genética; vida sem excessos O corpo é uma máquina Dependência, um problema ENT 09 UTL Não ter problemas; ficar em forma Dá ânimo Abominável a dependência ENT 10 UTL Herança; não ficar em casa Dá coragem para sair de casa Dependência ENT 11 UTL Uma regra; bem estar Dá outro gosto para a vida Medo da perda da visão ENT 12 UTL Ter saúde está na cabeça de cada um Mesmo que influa, não me preocupo Medo de precisar dos outros ENT 01 ARRS Resultado de vida ativa Ocupa o tempo Não pensa em nada ENT 02 ARRS Bem dentro de si Sem opinião Nada me incomoda ENT 03 ARRS Não ter problemas; ser ativo Melhora flexibilidade A dependência inquieta ENT 04 ARRS Ter saúde é ter sorte Faz sentir-se bem Tenho medo de uma doença 257 Para o idoso ou aposentado é um momento de encontro de semelhantes mas que também representa a busca de uma valorização social enquanto pessoa ativa, oportunidade de mostrar tanto à família como à sociedade que se está resistindo ao envelhecimento: eu queria conhecer gente; aqui temos um ambiente bastante acolhedor, participamos da vida dos outros. O grupo é muito animado, principalmente quando estamos nas caminhadas. Na verdade estamos praticando atividades físicas pela necessidade de fazer alguma coisa juntos. A atividade física nos permite ficar em forma, uma maneira de nos preservar, nos afastando da velhice. A atividade nos entretém, mas é lógico que entra também a questão saúde. A partir das atividades, eu não sofro mais com dores nas costas, me sinto mais segura. Tudo isso permite que eu mostre aos meus filhos e netos que eles não têm uma mãe e avó que fica entravada numa poltrona ou numa cama. Acredito mesmo que eles fiquem bastante orgulhosos de mim, já que eu freqüento o litoral com eles. Creio que isso seja bastante importante para eles (ENT. 01, UTL/Rennes). Apesar de se falar na importância de se conhecer outras pessoas, verifica-se que essas relações se resumem na maioria das vezes aos encontros que são realizados na associação, que são respostas semelhantes às encontradas nas entrevistas dos coordenadores. “Aqui não fazemos verdadeiramente amizades, temos colegas e isto não vai além do momento da atividade. Minhas amizades são anteriores à vinda à UTL/Rennes” (ENT. 02, UTL/Rennes). Entretanto, para algumas, há um pouco mais de aproximação com o decorrer do tempo de permanência na associação. Não chegamos a fazer amizade, e sim relações, mesmo sabendo que quando chegamos ao final do ano estamos mais próximas” (ENT. 03, UTL/Rennes). O reencontro de pessoas que já se conheciam não é interpretado como “verdadeiras amizades, e sim uma relação de camaradagem” (ENT. 06, UTL/Rennes). Esse tipo de entendimento é comum a todos que foram entrevistados, da mesma forma que o reconhecimento de que a ginástica pode contribuir para a saúde, ainda que, pelo que se observou, ele acaba sendo o principal motivo, porque engloba os demais. Faço atividade física porque me dá prazer, depois para me entreter, depois para manter a forma. A atividade física serve para me acalmar, já que me sinto bem depois. Tenho as artroses como todo mundo, mas no conjunto tudo vai bem (ENT. 08, UTL/Rennes). 258 Quando são apresentados os objetivos, fala-se no corpo, na busca de sua melhor funcionalidade, da manutenção ou aquisição de uma forma capaz de contribuir para o enfrentamento e resistência à velhice. Tudo pode ser interpretado como dentro de um mesmo movimento que valoriza os exercícios ginásticos para a conservação e estética, uma necessidade da busca da saúde, que se desenvolve na ginástica tradicional mas que acaba sendo incorporada pela gin-suave, que tanto atrai os idosos franceses. Essa última se apresenta com uma nova idéia do esforço e procura preencher lacunas que acabaram sendo desconsideradas nos métodos clássicos (LOVISOLO, 2000b). Tratando-se, na maioria, de mulheres, podemos imaginar que a questão estética tivesse alguma relevância; se pensarmos que são idosos, somos induzidos a achar que isso perderia importância. No entanto, isso não se verificou principalmente nas mais jovens que ficam mais dentro do que Gaullier (1999:60) chamou de “nova idade”. Mais jovens enquanto aposentados os da nova idade se vêem dentro de um grupo que tem como possibilidade desenvolver um “modo de vida bastante inovador. Ela é vivida como uma nova etapa da existência, um período que nunca existiu, que vem após as imposições profissionais e familiares, e antes das dificuldades de saúde e o declínio da velhice”. Deslumbra-se com a possibilidade de se dedicar a escolhas nunca antes assumidas, passa-se a dar um sentido diferente ao corpo, às atividades físicas e esportivas, sociais e culturais. Uma vida nova que (re) descobre dimensões diferentes das que se tinha na vida de atividade profissional. A existência de uma nova idade é uma realidade que passa inicialmente pela invenção de uma nova velhice, de um indivíduo idoso e não mais velho, cada vez mais rejuvenescido. Sendo assim, a questão estética acaba sendo considerada mesmo que ainda secundariamente, estando mais presente na UTL/Rennes, cujas características do grupo indicam uma classe social em que o corpo é mais valorizado como instrumento de representação social do que ferramenta de trabalho. Em nossas entrevistas na UTL/Rennes surgiu a preocupação com os possíveis efeitos dos abdominais no corpo. A estética 259 corporal, quando é referenciada, acaba sendo considerada como parte da conservação da saúde. A maior contribuição da atividade física à saúde estaria relacionada ao envelhecer diferente da nova idade: “quem fica em casa envelhece muito mais” (ENT. 01, ARRS). Os benefícios seriam mais perceptíveis na manutenção da forma física, com melhora da flexibilidade e do equilíbrio, que estão presentes em quem tem saúde. A prática de uma atividade física “possibilita estar bem consigo mesmo, na verdade não faço nada demais pela minha saúde, exceto fazer atividade física (ENT. 02, ARRS). O fato de estar no meio dos outros, que acabou surgindo de várias maneiras nas entrevistas, acaba sendo também relacionado como conseqüência de quem tem saúde. A imagem que fica é a de que os velhos, os entrevados têm uma saúde bastante fragilizada, conseqüência do seu sedentarismo e desleixo corporal, e por esse motivo permanecem como inúteis ou inativos dentro das casa ou dos asilos, isolando-se de contatos sociais com outras gerações. Interessou-nos saber dos animadores/professores como eles observam o grupo de idosos que pratica a ginástica, como eles fundamentam suas atividades pedagógicas, que tipo de formação obtiveram, como também sobre o que representa a vida associativa. No momento em que fizemos nossas entrevistas, a professora de educação física responsável pelo curso de gin-suave na UTL/Rennes tinha 25 anos e já atuava há três na associação. Logo em sua primeira resposta confirmamos o que já apontamos como problema, ou seja, a ausência de discussão teórica sobre as atividades físicas para idosos em estabelecimentos voltados para a formação de profissionais que vão atuar com a educação física, o que pode influir na inadequação de algumas propostas de atividades físicas e de esportes para idosos. Seu exemplo é bastante comum, mostrando que o aprendizado de como se deve atuar com um grupo constituído de idosos e aposentados acaba sendo muitas vezes bastante empírico, sem muita fundamentação teórica de suporte. Somente no decorrer de sua própria prática profissional que acabará ocorrendo uma melhor adequação de como se deve dar essa atuação. Na minha vida acadêmica não recebi qualquer tipo de preparação específica para atuar com idosos [...] Tanto em Rennes, onde fiz um 260 curso de formação universitária (Maîtrise), quanto em Toulouse, onde me licenciei, não tive qualquer tipo de preparação, o que é lamentável. Eu não segui nenhum curso sobre a atividade física e terceira idade. Quando eu fazia meus estudos eu nunca havia trabalhado no que se chama de intergeração. No início eu fiquei muito inquieta, eu disse a mim mesmo: ‘certamente haverá choques pois eles devem ter outros valores, bem diferentes dos meus', mas depois eu posso considerar que isso me enriqueceu bastante. É bastante enriquecedor trabalhar com eles (ENT. Anim. UTL/Rennes). A animadora da ARRS teve sua formação dentro de uma associação específica de ginástica, a FFEFGV, que prepara quadros para atuar com essa prática. Não sendo professora de educação física, ministra as aulas de ginástica profissionalmente como animadora esportiva, possuindo diploma que a habilita a trabalhar com a ginástica. Com 47 anos de idade, já atua há cinco anos com idosos, sendo que na ARRS é o seu primeiro ano. Em sua formação de animadora em ginástica voluntária, foram abordados com profundidade tanto os aspectos fisiológicos, anatômicos, como também o envelhecimento social. No curso os alunos são levados a investigar diretamente no meio ambiente dos idosos, no caso dos que estão institucionalizados; estudam-se também as casas específicas para recebê-los. Participaram de sua formação médicos que vieram falar do envelhecimento corporal, psicólogos que trataram dos problemas afetivos. A gente adapta os exercícios em relação a esses conhecimentos e tivemos bastante prática com esse grupo específico. Os capacitados pela FFEFGV, a cada três meses, podem fazer cursos de atualização – é a federação de ginástica voluntária que promove. A federação tem as orientações, os programas de formação, com as avaliações (ENT. Anim. ARRS). A responsável pela atividade da UTL/Rennes, ao observar os participantes de seu grupo, diz inicialmente que não os considera enquanto velhos. Referindo-se a eles enquanto aposentados, a animadora/professora diz que tem preferência pelo uso desse termo, que considera melhor do que ‘pessoa idosa’, termo que, como ‘velho’, não se sente à vontade para utilizar. Confessa ter dificuldade em identificar quando começa a velhice, afirmando ser mais um sentimento pessoal. Outra característica que apresenta é o fato de os 261 freqüentadores da UTL/Rennes serem bastante fiéis: “nos três anos que atuo com eles, há um núcleo básico que se mantém, e que a cada ano é acrescido de novos aposentados (ENT. Anim. UTL/Rennes). Continuando a analisar, ela confirma o que já foi verificado como sendo uma característica desse grupo francês, como a grande presença de um público pequeno-burguês, constituído de profissionais liberais. Eles têm necessidade de manter as relações sociais [...] são pessoas que têm uma agenda bastante ocupada. Por trás da atividade física eles têm necessidade de ter contatos com a sociedade, meio ambiente cultural e mesmo profissional. Buscam o lazer, têm bastante tempo, dinheiro, e são pessoas bastante exigentes no que toca o nível qualitativo da atividade. Os mais motivados chegam sempre em torno de 15 minutos antes da hora para aproveitar o tempo para realizar o que chamaria de um verdadeiro papel social. Nesse momento os alunos aproveitam para falar de seus lazeres, de sua vida e também de seus problemas (ENT. Anim. UTL/Rennes). Segundo ela, a visibilidade social dos aposentados é uma realidade, sendo esse grupo cada vez mais numeroso, mais jovem, em melhor forma física, além de terem uma maior preocupação com o corpo. Olhar a aposentadoria a partir desses associados seria estar diante de um belo período, em que se aproveita bastante a vida, o que poderia ser traduzido pelas denominações simplistas como a de uma “feliz idade”. Se a sociabilidade ficou implícita para ela como o principal objetivo dos idosos/aposentados, o segundo seria uma “busca da saúde, explicada a partir do bem-estar, no nível corporal, do se sentir melhor com seu corpo” (ENT. Anim. UTL/Rennes). Analisando seu grupo, constata que eles não podem ser considerados como pessoas inválidas ou entrevadas. Os idosos que fazem atividade na ARRS também são caracterizados pela animadora/professora como pessoas aposentadas, “que não tendo mais atividade profissional, tendo uma certa idade, possuem bastante tempo livre, ocupando-o com lazeres” (ENT. Anim. ARRS). São pessoas que envelhecem e têm procurado a atividade de ginástica na ARRS não com a intenção de tirar proveito pelas características terapêuticas, mas o fazem numa perspectiva de bemestar. Na minha opinião é algo muito difícil de começar depois de 262 uma determinada idade, pois a maioria das pessoas dessa geração não fizeram ginástica quando eram jovens. Eles fazem a ginástica porque têm tempo disponível, porque há um estímulo, é a moda, além disso é bom (ENT. Anim. ARRS). Em sua opinião, é mais uma busca permanente de preservação, de manter um certo nível de autonomia com uma ocupação qualquer. Para o tipo de pessoas que pertencem ao grupo, só o fato de estar saindo de casa ganha um significado maior, pois “muitas vêm de longe, vêm de ônibus, é uma atividade que as ocupa, obrigando-as a ficar fora de casa por quase duas horas numa tarde, e para mim, isso é suficiente” (ENT. Anim. ARRS). Acreditando que as principais motivações dos freqüentadores têm a ver com a fuga da solidão: primeiramente os alunos vêm para a atividade com o objetivo de se mexer e depois encontrar outras pessoas. Se mexer para manter uma certa agilidade para poder viver só. Já que na maior parte são pessoas sós, a aula se transforma em um local de encontro bastante importante. Não acredito que elas venham por uma questão estética, é uma questão funcional. Mesmo quando se observa pelo aspecto das roupas que elas usam, percebe-se que não há nenhuma preocupação com a elegância. Afinal elas têm entre 70 e 80 anos [...] as pessoas que hoje são idosas se diferem profundamente das jovens de hoje, sendo que a grande maioria das primeiras foi educada de forma a não se preocupar com ele [o corpo], era necessário escondê-lo. Talvez no Brasil seja um pouco diferente daqui, na França, pois lá as pessoas vivem mais fora da casa, já que o clima favorece. Aqui as pessoas vivem dentro das casas (ENT. Anim. ARRS). Ainda se referindo às suas alunas, a animadora/professora da ARRS diz que a prática da atividade física “serve para manter um capital saúde que essas idosas ainda têm. O fato de estar em atividade permite preservar esse capital, chegando mesmo a “contribuir no seu capital ósseo, por que o movimento é capaz de fixar o cálcio no sistema ósseo. A atividade constante permite que isso ocorra pela função cardiorrespiratória” (ENT. Anim. ARRS). Segundo ela, o principal objetivo de suas aulas é, por meio da animação, contribuir para a saúde, e depois para uma certa qualidade de vida e bem-estar. Num primeiro momento eu faço uso da animação, mas pouco a pouco a gente pode ensinar alguma coisa, em relação à colocação do corpo, em relação ao espaço, entre outras, uma certa ergonomia 263 do corpo, com atividades que a gente faz como se abaixar, dobrando os joelhos. Compreender que quando nós estamos deitados sobre as costas, para passar à posição sentada, primeiro devemos rolar sobre as costas, evitando assim uma dor lombar, ou mesmo qualquer outro tipo de problema – neste momento estaria havendo ensino. Atualmente é um pequeno grão que eu coloco mas que um dia num futuro teremos bons resultados (ENT. Anim. ARRS). Nessa declaração constatamos uma certa ambigüidade, pois embora fale das contribuições para a saúde, sendo esse um dos objetivos em sua atividade, ela não acredita que haja melhora significativa. Em suas aulas ela tem como preocupação o fato de que não se está em terapia, reconhecendo que os idosos estão lá por outros motivos, como se mexer fazendo uma ginástica, estar junto a outros, mantendo uma certa convivência. Procurando diferenciar as duas ginásticas, diz que a gin-entretenimento é um treinamento normal “para adultos em boa saúde e com atividades que têm resistência. Ao contrário da ginástica suave, que é uma ginástica à base de relaxamentos, de sensações” (ENT. Anim. ARRS). Em suas atividades práticas, o que é proposto visa exclusivamente a mobilidade articular, porque não seríamos capazes de fazer qualquer tipo de reforço muscular. Existe um trabalho de mobilidade, de agilidade, de descer ao chão, passar pela posição de joelhos, ficar em pé, se equilibrar num pé só. Nós fazemos um trabalho de orientação no espaço. Nesse grupo é necessário estar bastante atento com as pessoas, saber eventualmente atenuar o movimento para as pessoas idosas que não são mais capazes. Eu não faço qualquer estímulo cardiorrespiratório, pois é necessário observar a pulsação, e disso nós não somos capazes. Para mim, o momento em que eles conseguem manter uma atividade durante dois a três minutos é como se fosse um cardiorrespiratório (ENT. Anim. ARRS). Ao procurar justificar a escolha dos conteúdos de suas aulas, ela usa os mesmos argumentos que costumam estar na literatura específica para o ensino de atividades físicas para idosos. “O principal problema dos alunos é uma perda da mobilidade articular, um certo anquilosamento, uma rigidez [...] o movimento restabelece essas coisas, o movimento de certa maneira retarda o envelhecimento, propicia poder se mexer” (ENT. Anim. ARRS). Ao buscar fazer um trabalho de orientação no espaço, os motivos que encontra para justificar sua escolha nem sempre são encontrados na literatura. “É importante que eles 264 mudem de direção, pois eles ficam perdidos, principalmente quando é solicitado que andem para trás. Eu quero que eles andem para trás.” Lamentando as dificuldades dos alunos, a professora admite que deve repensar seu trabalho. “São muitas informações e isso as pressiona, elas misturam tudo [...] ir para a frente e para trás é um problema real, visto sobretudo se quisermos fazer tudo encadeado” (ENT. Anim. ARRS). Já que todos exercícios vão causar dificuldades, é necessário que eles inicialmente não sejam muito complexos, diz ela, mostrando-se confusa em suas exigências e até certo ponto desconhecendo as reais capacidades do grupo que está sob sua orientação. Os exercícios devem ser bastante decompostos, mas vez ou outra eu sou pega de surpresa em algumas situações que eu não esperava. Mesmo nos exercícios mais simples encontraremos umas duas alunas que são capazes de entender bem o que deve ser feito, mas as outras, eu tenho a impressão de que não compreenderam de jeito nenhum. Talvez porque muitas tenham dificuldade de audição, dificuldade de perceber o que elas fazem (ENT. Anim. ARRS). A percepção do corpo no espaço parece importar mais para a animadora/professora do que para os idosos/alunos que parecem estar muito mais satisfeitos com coisas mais simples e pontuais que se resumiriam às trocas sociais que eles podem estabelecer no local. A principal dificuldade das alunas é não serem capazes de perceber que o que elas fazem não é o que foi solicitado. Elas vêm, elas fazem, mexem com os braços, as pernas, num limite elas se contentam com isto [...] quando eu no início da aula solicito bem precisamente um círculo, uma linha, percebe-se que poucos grupos são capazes de perceber o que está sendo solicitado. Devo estar sempre vigilante, e eu acabo me questionando, eu não posso solicitar situações bem esmiuçadas como normalmente faríamos, progressivamente, uma vez em linha, outra em círculo e outra em coluna. Caso fossem crianças nós exigiríamos, mas, afinal, elas são adultos e não estão aqui para ser comandadas. Se eu quero solicitar um exercício que seja feito o mais corretamente possível, eu não sei, mas muitos não serão capazes de se aperceber de que alguma coisa não está correta. Mesmo quando percebem que algo não vai bem, elas não são capazes de identificar por que estão tendo dificuldade (ENT. Anim. ARRS). 265 Para a animadora/professora da UTL/Rennes, os objetivos dos idosos vão ter diferenças pelo fato de serem homem ou mulher, sendo que entre estas últimas haveria uma diversidade de categorias: umas vêm participar porque nunca tiveram um tempo específico para ser dedicado só a elas. A vida anterior à aposentadoria era restrita à vida familiar e profissional, sem tempo para lazer ou poder cuidar de seu corpo. Um outro motivo é acrescido, que é a busca por um determinado modelo corpóreo, pois tanto na França como nos países ocidentais em geral há uma pressão da mídia relacionada à mulher e seu corpo. Mas essa consciência de que é necessário cuidar de seu corpo só surge quando há uma disponibilidade de tempo. Seria a busca pelas necessidades estéticas, mesmo se algumas não chegam verbalmente a se confirmar. Outras, no entanto, já admitem, sem nenhum tipo de tabu (ENT. Anim. UTL/Rennes). No que toca a gin-suave em si, ela crê que suas intervenções sirvam para ensinar as pessoas a conhecerem seu corpo, e, à medida que o tempo vai passando, também conhecer seus limites e suas capacidades, mas que na verdade não passa de um modismo que busca fugir em direção a atividades alternativas. Em sua ótica, a atividade diferencia-se da ginástica tradicional, de conservação. As pessoas descobriam que era importante se ocupar de seu corpo, mas não havia uma maior preocupação com a maneira pela qual esses exercícios eram praticados, não havia uma preocupação com alguns elementos fundamentais como a respiração, aprender a ter consciência com o movimento, a estar bem dentro do movimento. Eu acredito que isso ocorria numa época com características próprias. Atualmente a ginástica suave é sobretudo um nome que está na moda (ENT. Anim. UTL/Rennes). Entre ser professor ou animador de uma atividade, a responsável pela atividade diz que vai depender, havendo dias em que se considera mais uma animadora do que professora. O ensino segundo ela ocorreria ao ser passado um conhecimento, e é por esse motivo que quando “eu proponho um exercício eu procuro explicar qual grupo muscular será solicitado e quais benefícios ele trará. A animação ocorre no momento em que estou proporcionando a interação entre eles enquanto um grupo social” (ENT. Anim. UTL/Rennes). Fica patente que mesmo considerando ter diversos objetivos na atividade em 266 si, antes de qualquer maior aprofundamento é considerada a sociabilidade, “já que o local de aula serve para ser destinado a encontros, de discussão com outras pessoas, e também da busca pelo outro, de fazer qualquer coisa. É um papel social” (ENT. Anim. UTL/Rennes). Coerente com essa linha de pensamento, quando se refere ao que é verdadeiramente aprendido, reconhece as limitações afirmando que, quanto aos objetivos, o que procura fazer é introduzir nas aulas da maneira mais diversificada possível algumas questões que ficam no nível das aquisições corporais. Procuro buscar uma maior qualidade na atividade, me colocando sempre no lugar dos alunos [...] O ensino é justo sobre o conhecimento do corpo, mas evidente que eu fico bastante modesta; verdadeiramente o que chego a fazer é fazê-los aprender a melhor compreender seu corpo, aprender a conhecer seus limites, suas possibilidades, e a partir daí ser capaz de aprender a administrá-lo (ENT. Anim. UTL/Rennes). Em sua prática pedagógica ela se utiliza de estratégias visando a alcançar uma melhor adaptação dos idosos aos objetivos propostos em suas aulas. Falando sobre a intensidade com que os exercícios são praticados, a professora insiste em argumentar que “os idosos comparecem por puro prazer, não se justificando impor uma carga a cada um dos participantes. Se um exercício é difícil para alguém, eles serão capazes de decidir se vão ou não fazer” (ENT. Anim. UTL/Rennes). Com relação às possibilidades de melhoras nas dificuldades encontradas, ela admite que existem e considera que ocorreram progressos. No entanto, devido ao estilo de aula adotado, altamente centralizado em sua execução e nos gestos e exercícios por ela elaborados reconhece que o grande ponto fraco deles é que eles são muito dependentes; se por acaso eu não mostro os exercícios, se eu não faço com eles, se não pratico ao mesmo tempo, eu não chegaria a dizer que eles seriam incapazes, mas certamente eles teriam muita dificuldade de ser autônomos. Se eu paro de fazer os exercícios, eles também param. Se algum dia eu viesse a me acidentar, se tivesse um braço engessado, ou mesmo uma mão ou uma perna, eu fico me perguntando como eles fariam a atividade (ENT. Anim. UTL/Rennes). Com relação às dificuldades mais recorrentes entre os praticantes, como o equilíbrio e a coordenação, e o progresso que pode vir a ocorrer, ela observa que o processo 267 é longo, chamando atenção para o fato de procurar não fazer uma aula que seja escolarizada. Eu começo logo no início do ano com exercícios bastante simples, e quanto ao equilíbrio ele já demonstra ser um problema para a maioria do grupo; depois, pouco a pouco, nós vamos repetindo várias vezes esses mesmos exercícios, e com o tempo eles passam a superar essas dificuldades. A partir daí, passamos a exercícios um pouco mais difíceis, e ao fim de algum tempo pode-se perceber o progresso (ENT. Anim. UTL/Rennes). Segundo ela, o que acaba influindo na escolha dos exercícios que são apresentados são as aulas anteriores, havendo exercícios que vão ser utilizados novamente. Isso pode se dar devido ao fato de não terem sido bem compreendidos, daí não terem sido realizados perfeitamente. Se alguns exercícios causaram problemas, ela trabalhará outra vez; já outros são modificados. Sem um planejamento, confirma-se que a atividade visa a entreter o dia-adia por meio de uma observação não objetiva. Quanto à intensidade, não há uma regra geral, variando segundo as pessoas, sendo percebida por ela em função do cansaço dos praticantes, numa verificação subjetiva do momento em que as pessoas não estão à vontade no exercício. Na percepção da professora, o fato de que o grupo da UTL/Rennes pratica sua atividade uma vez por semana não justifica uma individualização de cargas para cada exercício. Não uso o tradicional dez ou mais repetições, eu evito fazer a aula muito escolar. No caso de algum exercício não estar sendo bem executado, a forma de corrigir me leva a alguns questionamentos, pois é bastante delicado. Existem pessoas que gostariam de ser corrigidas manualmente, mas outras não aceitariam. É bem difícil perceber quem aceitaria e quem tem restrições. Eu acredito que a melhor opção, a correção verbal, é melhor aceita do que o toque nas pessoas. Se não corrigimos o exercício que está sendo mal feito, pode ser prejudicial para a saúde. Por exemplo, se existe uma postura incorreta das costas, ao invés de sair da aula em boa saúde, ela sairá com um problema nas costas, daí porque é necessário fazer a correção (ENT. Anim. UTL/RENNES). A educação física instrumental é a norma que parece se desenvolver nas ginásticas para idosos, havendo uma reprodução dos valores sociais dominantes, em que se estabelecem “objetivos relacionados com a melhora da qualidade de vida sobretudo em 268 relação à promoção da saúde e à educação para o lazer. Essas perspectivas estão motivadas pelas necessidades derivadas da forma de vida das sociedades pós-industriais” (JORDÁN, 1998:200). Quando começamos a analisar o que mais importa para os praticantes, verificamos que há um claro interesse em melhor o conhecimento de seu próprio corpo, com seus limites, e o ‘aprender a respirar’, que foi declarado como uma de suas maiores aquisições. Aprender alguma coisa não é seu objetivo, e o progresso na prática também não foi muito percebido, sendo mais marcante a preocupação com os desempenhos físicos limitadores, expressos na forma de equilíbrio ou mesmo da flexibilidade. Paradoxalmente, ao invés de se sentirem estimuladas para enfrentá-los, os idosos/alunos declaram que quando são apresentados exercícios que requerem qualidades em que eles não têm um bom desempenho, sentem certo desinteresse pela atividade. O fato de declararem que não aprenderam nada é considerado sem importância, como algo “natural” (ENT. 03, UTL/Rennes). Já os que pensam existir algum progresso afirmam que ele “existe, mas não é muito freqüente” (ENT. 06, UTL/Rennes). A relação que se estabelece com a animadora é ambígua, pois mesmo que ela diga que procura fazer o que os alunos desejam, esse diálogo nem sempre ocorre. São raras as que se mostram insatisfeitas, mas existem, sem no entanto se sentirem capazes de ponderar com a animadora. As mais desinibidas procuram interferir: “quando a aula se torna muito repetitiva, criticamos” (ENT. 06, UTL/Rennes). Quando ouvimos a professora, ela disse que logo na primeira aula solicita propostas do grupo, mas verificamos que esse tipo de comportamento não se verifica no decorrer do curso, sendo mais comum as pessoas se omitirem, pois declaram não se sentirem à vontade para externar seus anseios. “Eu não sei o que dizer, afinal não é a minha formação, os professores devem saber o que é bom para nós. São eles que nos levam a fazer, eles merecem a nossa confiança” (ENT. 07, UTL/Rennes). A dificuldade de diálogo pode ser decorrente de diversas ausências: de um projeto que dê sustentação e que seja construído em conjunto; de uma sondagem mais acurada e acompanhamento mais detalhado, onde dados de cada aluno possam ser registrados e acompanhados. Podemos também supor que nada disso interessa aos 269 participantes que ficam satisfeitos em seguir uma atividade socialmente reconhecida como capaz de trazer benefícios os mais diversos aos seus praticantes. As demandas passam a ser por coisas externas que possam tornar a atividade mais agradável. Observamos que na UTL/Rennes uma das demandas do grupo é por uma aula que tivesse música, seja como fundo musical ou mesmo possibilitando elementos da dança em que a criatividade pudesse ser requerida, sendo raro este último tipo de demanda. Sinto falta de música, de movimentos que me deixem livre para criar, seja com um lenço ou algo que se aproxime à dança. Eu já pedi à professora que apresentasse esses conteúdos, não peço mais. O que se faz aqui parece mais com o que eu fazia quando era criança, é muito estático. Na verdade não aprendi grandes coisas aqui (ENT. 06, UTL/Rennes). Idosos/alunos que pensam como o exemplo anterior falam da pouca variedade das aulas: “no geral as aulas são sempre as mesmas no que se refere aos temas: movimentos para a flexibilidade, para as articulações, os abdominais, equilíbrio, etc.” (ENT. 09, UTL/Rennes). A “monotonia de determinadas aulas poderia ser quebrada se fosse utilizada uma música” (ENT. 08, UTL/Rennes). Sobre esse assunto, a animadora/professora procura justificar-se pelo fato de que não cabia a ela resolver o problema, ficando dependente da associação, mas frisava que, se fosse utilizada a música, não serviria como imposição de ritmo ou mesmo para qualquer tipo de expressão corporal. Mas como percebemos, houve mais acordo entre os idosos/alunos que aceitam tudo sem qualquer discussão. “Estou aqui para fazer os exercícios propostos, estou aqui para escutar e fazer, para mim pouco importa existir ou não a música” (ENT. 12, UTL/Rennes). Essa geração de idosos que pouco teve contato com a prática de atividades físicas em ambientes associativos, no cômputo geral, fica bastante satisfeita com o que está fazendo, principalmente por não possuir parâmetros que possibilitem comparação. Isso fica claro quando observa-se que no momento da inscrição poucos tinham noção do que viria a ser a ginástica que foi por eles escolhida. Procuramos saber como ficava a relação entre saúde e a prática de atividades físicas, além de verificar como é percebida essa relação entre os que as praticam. No contexto das entrevistas percebemos que os anseios dos idosos, expressos como manutenção da saúde, da forma e do corpo, podem ser compreendidos como coisas 270 similares. É portanto pertinente o sentido que é dado por Carvalho (1998:119) sobre as influências da “cultura de consumo” na construção dessa concepção autopreservacionista que “joga para o indivíduo a responsabilidade pela qualidade de vida, pelo bem-estar, mediante a manutenção”. Como também o é o verificado em Lovisolo (2000b:91), que alerta para o fato de que devemos considerar a saúde não por seu valor biológico e sim fazendo parte dos valores culturais que “dependem de seus contextos de geração, reprodução e transformação”. As concepções observadas por esse autor sugerem a forte influência exercida por duas tribos, a da conservação e saúde e a da estética. A primeira, na busca de recordes sociais, tem a intenção de fazer com que todos venham a se tornar ativos e autônomos, sendo os inimigos a combater o “sedentarismo e o estresse, nos sintomas contrapostos da ansiedade e da depressão”. Ainda nessa tribo vemos que seus articuladores “lutam contra a entropia e falam a linguagem da necessidade, da segurança, das companhias de seguros e das políticas públicas e privadas de saúde”. Tudo operando “a partir de uma moral tradicional, que afirma que longevidade e saúde são valores inestimáveis”, ocupando o “lugar de um significativo meta-relato criador de sentido coletivo” (LOVISOLO, 2000b:16). A segunda concepção trabalha no sentido da criação de imagens e argumentos favoráveis para a atividade corporal criadora de um corpo modelado, decorado ou adornado de padrões sociais, volumes e proporções, que se consideram belos, bonitos, atraentes, enfim, socialmente valorizados. Neste caso a atividade física localizada ganha o primeiro lugar das preferências (p. 43). Já foi reconhecido que vivemos numa “sociedade medicalizada” que seria bem típica das sociedades industriais, em que os cuidados preventivos passam a ser difundidos a todas as categorias sociais. Há nesse sentido uma forte influência exercida pelos profissionais da saúde, que acabam desempenhando um papel de catequizadores que visam a estimular os cuidados com o corpo e a saúde. Adam e Herzlich (2001), ao abordar a questão da medicalização da sociedade e o controle social exercido, apontaram duas causas que contribuíram para sua forte representação: a evolução da medicina e da proteção social. O saber médico no século XX ganhou um “valor normativo”, vindo a definir as necessidades do cidadão. A saúde enquanto um valor que tem diversos significados 271 relaciona-se com a felicidade e o bem-estar. Só que o acesso a esse bem é mais facilitado àqueles que pertencem a determinadas classes sociais, ou àqueles que têm mais facilidade de transitar “no sistema de tratamento”. O que não causa nenhum espanto encontrarmos, depois de um determinado momento, idosos e aposentados de determinadas classes sociais demonstrando interesse em determinadas dietas, prática de esportes e atividades físicas que são divulgadas com o intuito de dizer que contribuem para a manutenção da saúde. Segundo os autores, ao se considerar que determinados comportamentos do indivíduo acabam causando “estados mórbidos, as políticas de saúde passam a ser orientadas para a difusão de informações buscando provocar uma mudança de comportamento” (ADAM e HERZLICH, 2001:66), chegando mesmo a culpabilizar o indivíduo pelo seu possível comportamento desviante. Buscando interpretar os contextos em que são produzidos os discursos sobre a atividade e a saúde, deve-se ter claro que a “pertença a uma cultura fornece ao indivíduo os limites dentro dos quais operam-se essas interpretações relativas aos fenômenos corporais ” (p. 70). É o saber médico que vai transmitir aos idosos e aposentados o que eles devem ou não fazer, mas é comum que eles não tenham acordo, o que acaba confundindo os que procuram seguir seus conselhos: “com os problemas de artrose, alguns médicos disseram que eu não deveria fazer uma atividade física como a ginástica. Depois encontrei um único médico que disse o contrário [...] os médicos não conseguem ter um acordo’ (ENT. 07, UTL/Rennes). Procuramos saber como era a relação dos idosos com os médicos e percepção da saúde pública francesa. Com relação a esta última há um sentimento de que pode haver mudanças, já que há abusos por parte de muitos segurados. O sistema de saúde francês é um dos mais abrangentes do mundo, reconhecem os idosos, sendo capaz de atender com qualidade a toda população segurada. A ida dos franceses idosos com certa regularidade ao médico chega a ser em muitos casos mensal, acabando por produzir uma nova relação com o corpo, “modelada pela proximidade de um grupo social com o discurso científico” (ADAM e HERZLICH, 2001:75). Quando solicitados que fosse feita uma auto-avaliação de sua saúde, verificamos que isso acaba sendo bastante complexo, já que em geral todos se consideram saudáveis mesmo que freqüentem bastante as clínicas médicas e sigam os mais 272 variados tratamentos. Como era de se esperar, encontramos um discurso bastante medicalizado, influenciado pelos que exercem o controle social sobre as coisas da saúde, não havendo discordância entre a existência de uma forte relação entre saúde e ser ativo fisicamente. “Eu não faço nada em especial para minha saúde, salvo praticar atividade física. A cada três meses eu vou ao médico, mas não tenho nenhuma preocupação em especial; ter saúde é estar bem consigo mesmo e poder levar a vida que eu levo“ (ENT. 02, ARRS). A ambigüidade está presente quando tomamos contato com o relato de uma idosa/aluna que diz tomar cinco a seis comprimidos por dia, que vai ao médico todo mês, e que se considera “uma pessoa sem qualquer problema de saúde” (ENT. 01, ARRS). As representações sociais acerca da saúde e da doença levaram Herzlich a empreender um estudo na sociedade francesa, que acabou mostrando que a linguagem utilizada para expressar-se a respeito da saúde e da doença, para interpretar suas causas, manifestações e conseqüências, não é uma linguagem do corpo: é uma linguagem do indivíduo em relação com a sociedade (ADAM e HERZLICH, 2001:77). Ao falarem sobre a doença, os entrevistados, que nesse estudo pertenciam ao que se considerou como classe média e alta, entendem que uma doença é resultado de um “estilo de vida errado”, reflexo da sociedade que impõe um ritmo alucinante de competitividade. Mas chamam a atenção outros critérios que relacionam o ativismo à saúde, modelo proposto para quem quer envelhecer de maneira saudável, que nada mais é do que o resultado de uma ideologia do envelhecimento, que serviu anos mais tarde para que o Estado passasse certas responsabilidades para o indivíduo e a família (GUILLEMARD, 1988). Na pesquisa de Herzlich surgem então os critérios sociais, a atividade ou inatividade, a participação social ou a exclusão que são empregados para definir o doente ou o indivíduo saudável. Estar doente, para as pessoas interrogadas, significa parar, ou seja, interromper sua vida profissional (ADAM e HERZLICH, 2001:77). Os autores apresentaram um outro estudo, esse realizado com pessoas da classe trabalhadora escocesa, sendo que o foco principal foram pessoas com mais de sessenta 273 anos. Para eles a saúde seria identificada “à necessidade de trabalho para a sobrevivência”, que veio a ser enunciada como uma força de resistência, uma capacidade de funcionamento cujo aspecto corporal decorre de uma dimensão moral. [...] para eles, o trabalho e a atividade conservam e promovem a saúde e, ao mesmo tempo, contribuem para o reforço da auto-imagem (ADAM e HERZLICH, 2001:81-82). Os relatos que se seguem, dos idosos/alunos das associações francesas, sugerem que saúde e atividade física, bem-estar e qualidade de vida estariam em sintonia na medida em que permitem sua manutenção, fazendo com que as pessoas fiquem numa forma tal que impeça que as doenças se instalem; a possibilidade de exercer um autocontrole, de conhecer seus limites, de intervir positivamente na locomoção, aliando o aspecto preventivo ao curativo, por meio de uma atividade como a ginástica. A educação física é então considerada como capaz de interferir positivamente no bem-estar geral das pessoas. Saúde sem dúvida alguma é não ter doenças mas é também ter um corpo em boa forma: poder andar, correr. Como eu tenho um problema de saúde, uma dilatação dos brônquios, eu durante o inverno faço uma reeducação respiratória que me auxilia a expectorar; aqui é um complemento porque ao mesmo tempo em que eu faço o gesto, eu aprendo a respirar, que é muito importante para mim. Mas eu também aprecio os abdominais, o trabalho dos braços, o relaxamento, tudo é bastante benéfico para mim (ENT. 02, UTL/Rennes). Na visão desses idosos/alunos que foram observados nas associações francesas, como também no discurso dos animadores/professores, a atividade física passa a ser apontada como um meio bastante necessário à conservação da saúde pois não só contribui para a forma, a estética, como é bastante útil, visto pelas mais diferentes manifestações: “ajuda a esquecer os problemas, sendo bem melhor do que tomar calmantes” (ENT. 04, UTL/Rennes). Conforme o discurso das idosas, é fundamental incorporar ao estilo de vida uma atividade física, pois ela não só contribui para a longevidade como para a autonomia que possibilitará viver os anos com boa qualidade de vida, auxiliando a superar problemas. O corpo não pode ser esquecido diante das preocupações cotidianas, principalmente quando estamos aposentados. Há três anos eu trabalhava, tinha como esquecer dos problemas. Quando 274 deixamos de trabalhar, tudo passa pela cabeça; praticar uma atividade física contribuiu bastante, pois me permite esquecer os problemas (ENT. 04, UTL/Rennes). Os que modelizam o envelhecer de maneira saudável pontuam que o estilo de vida não fica só nas preocupações com as atividades físicas, passando a ser também importantes: a dinâmica nutricional, a vida regrada, o consumo de medicamentos, álcool, tabaco e o controle do nível de estresse. Os conselhos que são amplamente difundidos servem para impor novos valores a que só terão acesso aqueles que não querem se entregar à doença, à velhice e à inatividade, daí a importância de se optar por um estilo de vida socialmente considerado como saudável. “Quando vamos envelhecendo devemos evitar as gorduras, o açúcar e ter mais atividade física. Deveria haver mais divulgação dos benefícios da atividade física pois depois de uma certa idade devemos ser mais cuidadosos” (ENT. 04, UTL/Rennes). Confirmando o que já foi previsto pelos animadores/professores, a saúde e a sociabilidade acabam se confundindo sendo sempre as maiores referências, mas surgem outras funcionalidades, pois pertencer a associação e praticar atividade física funciona como um momento em que se pode desconectar do que incomoda, que pode ser entendido como uma fuga: “aqui eu não penso nunca nos meus problemas de saúde; permitindo manter-me a forma, nos preserva de um envelhecimento rápido” (ENT. 01, UTL/Rennes). A questão da relação entre ter saúde e a prática de ginástica e os engajamentos ativos fora de casa não difere quando observamos qualquer uma das associações francesas. “Para se ter saúde é primordial termos uma vida ativa e uma boa alimentação. Eu saio o máximo possível de casa, chovendo ou não. Quem fica em casa acaba envelhecendo muito mais” (ENT. 01, ARRS). Para se ter saúde é necessário estar ativo e ter hábitos saudáveis, pois seria fundamental não só para o “corpo como também para a moral. Para mim saúde é poder se movimentar. A ginástica serve inicialmente para a forma e eu acho que estou bem quando eu a pratico (ENT. 03, UTL/Rennes). É uma maneira de se entreter pelos gestos, é uma necessidade servindo para a prevenção de doenças e manutenção da saúde. Levando em consideração os hábitos de vida que são considerados saudáveis pelos que preconizam um estilo de vida saudável e que possibilitam um envelhecimento com 275 qualidade de vida e longevidade, vimos nas respostas dos entrevistados que, se por um lado o tabaco não é consumido por esses idosos, por outro, a questão do consumo de bebida alcóolica faz parte do cotidiano da vida do povo francês172. Foi bastante comum ouvirmos dos entrevistados que consomem no mínimo dois copos de vinho tinto diariamente. E a mais idosa do grupo afirmou que raramente bebe água; ela ingere a Cidra, uma bebida alcóolica da Bretanha. Foi mais freqüente a busca pela medicina alternativa pelos que estão participando da gin-suave do que pelos que participam da gin-entretenimento, sendo a homeopatia bastante procurada para o tratamento de seus problemas. Saúde viria de um certo equilíbrio entre as necessidades do corpo e da alma, disse a animadora da ARRS, “quando eu não sinto nada em nenhum lugar ou quando eu poso fazer tudo que eu quero fazer sem sentir-me fatigada”. Ainda segundo ela, demonstrando sintonia com o discurso corrente, é “necessário uma certa higiene de vida em relação a alimentação, um certo número de horas de sono e um certo número de horas de atividades físicas” (ENT. Anim. ARRS). Ela apresenta como temor a perspectiva de envelhecer diante da possibilidade de vir a necessitar um dia de uma cadeira de rodas, mas seria muito mais difícil aceitar a possibilidade de uma demência que acabaria por levá-la à dependência. Para a animadora que atua ministrando a gin-suave, saúde e atividade física, fora de seu aspecto profissional, é também um meio de administrar sua vida, levando-a a estar bem consigo mesmo. Profissionalmente, seus objetivos são qualidade de vida em sintonia com a saúde, visando a autonomia, bem-estar corporal e psicológico. Segundo ela, saúde “existe a partir de uma higiene de vida que nós nos impomos, como ter uma atividade física, que acho ser importante durante toda a vida. E depois, também, eu creio que é uma questão de destino (ENT. Anim. UTL/Rennes). As políticas de saúde são postas em prática a partir de seu sistema de saúde oficial. A preocupação com os direitos dos idosos e com o modo como eles vêm sendo tratados nas políticas sociais vem merecendo calorosos debates, sendo que o mais recentemente desenvolvido na sociedade francesa aborda o financiamento da dependência, existindo 172 Esse fato vem sendo chamado de ‘paradoxo francês’, que significa um considerável consumo de vinho e gordura animal, ao mesmo tempo em que se tem uma das maiores expectativas de vida do mundo. 276 mesmo propostas de seguro dependência. A animadora/professora da UTL/Rennes afirma que questões semelhantes não fazem parte de suas discussões em sala de aula, que se resumem ao que envolve a atividade em si. Ela reconhece que o sistema de saúde pública francês é bastante interessante. “Não devemos nos queixar dele, mas deve progredir. Os sistemas dos países nórdicos são atualmente muito mais interessantes do que o nosso, mas no entanto existem piores” (ENT. Anim. UTL/Rennes), como por exemplo o caso brasileiro, poderíamos acrescentar. Ela destaca que há uma crise, acreditando que se não ficarmos vigilantes poderá haver muitas mudanças. Mostra sua preocupação pelo fato de que são os aposentados que se mobilizam, o que não é nenhuma novidade no país, mas inverte o que deveria ser a lógica. “Não são nem os jovens nem os que estão em atividade profissional que estão neste momento se preocupando com isto, mas, ao contrário, são os aposentados” (ENT. Anim. UTL/Rennes). O sistema de saúde francês é considerado um dos melhores do mundo, pois oferece a toda a população um atendimento de qualidade e variado, o que permite que a cada dois meses a maioria dos idosos que participam das nossas entrevistas freqüente algum tipo de médico. O temor de ficarem dependentes é uma realidade dos dias atuais, ameaça constantemente abordada pelos meios de comunicação e responsáveis pelas políticas públicas. Com o alcance da longevidade, a dependência vem sendo apontada como a característica principal daqueles que estariam sendo considerados como os velhos do século XXI, e por este motivo todos devem resistir ao envelhecimento. Alguns declararam que vêem a perda da autonomia como uma questão de destino, mas que pode ser postergada com a vida ativa. “Procuro ter saúde e me manter em forma, ficando sempre autônomo, menos dependente. Quero retardar ao máximo o momento em que os filhos deverão se ocupar de mim, isso me aborrece bastante” (ENT. 01, UTL/Rennes). Entendendo as associações brasileiras onde foram investigadas a prática da ginástica As duas associações brasileiras se apresentam com uma característica original que as diferencia das francesas. Ambas surgem em instituições que tiveram inicialmente um atendimento ambulatorial voltado para a saúde do idoso e afirmam trabalhar visando à promoção da saúde. A UnATI/UERJ é criada a partir da proposta inicial do professor Piquet Carneiro e o PAM/IMMA vem da união do programa de saúde do idoso de um posto 277 de atendimento médico do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) com uma proposta de intervenção com atividades físicas, levada a cabo pelo projeto IMMA, que se constituiu o primeiro pólo deste último173. Os dois projetos se transformaram em espaços associativos que possibilitam a convivência de idosos e aposentados e seu engajamento em atividades as mais diversas. Seu desenvolvimento ocorreu num momento em que já se anunciava nos grandes centros urbanos do país a significativa expansão de propostas associativas voltadas para idosos e aposentados. As duas foram implantadas em órgãos públicos, de forma que qualquer um poderia participar de suas atividades, não sendo cobrada qualquer taxa de manutenção. Ao se discutir a questão do público e do privado, Sara Nigri (1999), que estudou a UnATI/UERJ174 em sua tese de doutorado, afirma que “no Rio de Janeiro, a busca do espaço da universidade pública pelos idosos revela uma enorme demanda represada que não pode ser atendida, pois a UnATI não dispõe de vagas para todos” (NIGRI, 1999:146). Em teoria há uma democratização de acesso desde que não ultrapasse um determinado número de pessoas em cada uma das atividades propostas. No caso do PAM/IMMA não se verificou esse problema, pois todos que se interessaram em participar do projeto estavam nele inseridos, sendo 48 idosos no primeiro pólo. Na UnATI/UERJ, no ano anterior ao que investigamos, foram atendidos 2.000 idosos em suas diversas oficinas, cursos e palestras (VERAS, 1995), o que não significa que uma pessoa não possa ter sido contabilizada mais de uma vez. Nas duas propostas é muito significativo o quantitativo dos participantes do sexo feminino, que proporcionalmente chega a ser bem maior quando comparado ao conjunto dos associados das entidades francesas investigadas. E mais alta ainda é a incidência de mulheres que vivem sós e viúvas. Esse dado possibilita algumas hipóteses sobre o porquê da característica preponderantemente feminina dos associados. Mesmo que saibamos que a questão da distribuição demográfica apresenta mais mulheres do que homens e que as idosas vivem mais anos do que os homens, não nos 173 Essa união foi estabelecida em 1993, no período denominado pelo idealizador do projeto IMMA como sua segunda fase (FARIA JUNIOR, RIBEIRO, 1995a). A partir do ano de 1994, uma nova fase fica marcada por essa parceria, quando foi criada a Associação dos Idosos do PAM de São Francisco Xavier. 174 Em seu estudo pode-se ter contato com o perfil mais aprofundado dos associados da UnATI. 278 satisfaz responder por esse aspecto. Ficamos com o exemplo que é dado por Sara Nigri (1999), que prudentemente apresenta a grande presença de mulheres em clubes e universidades de idosos, mostrando a dificuldade de se encontrar dados definitivos que apontem a razão da incidência feminina nos espaços culturais e de lazer voltados para idosos. Acreditamos, como Nigri, que essa questão pode ser respondida levando em conta o estilo de vida que caracterizou as gerações das hoje idosas e os papéis por elas desempenhados durante o século XX, época em que envelheceram, que no Brasil receberam fortes influências culturais das relações homem/mulher. Os espaços de convivência em instituições de ensino e em outros espaços fechados constituem-se numa extensão da casa, espaço historicamente reservado para o âmbito privado, portanto, locus destinado às mulheres. Outra possibilidade se refere à maior abertura das mulheres na busca de novos espaços, vencendo preconceitos e ampliando sua inserção social. São, repetimos, hipóteses que necessitam aprofundamento (NIGRI, 1999:185-6). Como era de se esperar, na UnATI/UERJ e no PAM/IMMA a distribuição por categoria profissional acompanha o perfil de profissões que são historicamente femininas, como professoras, enfermeiras, costureiras, escriturárias ou as que se dedicaram a atividades do lar. A baixa escolaridade feminina foi observada no PAM/IMMA, onde encontramos com freqüência pessoas que só possuem o ensino básico, havendo até analfabetos, mas ninguém que tenha cursado algum curso superior (FARIA JUNIOR, 1995a). Já na UnATI/UERJ verificamos que 80% tiveram estudos equivalentes ou superiores ao atual ensino básico (NIGRI, 1999). Quando se analisa o perfil dos freqüentadores e a fundamentação das associações, percebemos que tal como foi encontrado nas associações francesas, há a distinção entre ser partícipe de uma associação que mais se assemelha a um clube ou de outra que pretende ter o status de universidade. Essa preocupação está sempre mais presente quando se discute o que se faz nas universidades para idosos. Seus organizadores argumentam que elas devem se diferenciar, como um local que oferece a possibilidade de desenvolvimento do que Lemieux, Jeannerete e Marc (1992:16) chamaram de “cultura ativa”. Segundo eles não se admitiria uma associação universitária de idosos que se confundisse com o ativismo que 279 pontua certos espaços associativos. Nesse último tipo de associação os freqüentadores estão mais interessados com o ocupar o tempo com um entretenimento qualquer, que passa a ser bem comum em clubes de encontro ou mesmo nas amáveis associações beneficentes. Embora as duas propostas brasileiras se apresentem dentro de instituições públicas, o perfil dos freqüentadores mostra que o efeito de distinção acabou se dando mais em função das pretensões iniciais que as associações visavam desenvolver. A UnATI/UERJ já começou procurando estar de acordo com os princípios da educação permanente e do lazer, num local já elitizado, que é a universidade brasileira. No caso dos participantes do PAM/IMMA, trata-se de um grupo que teve um desenvolvimento peculiar, pois originalmente não se constituiu a partir de uma intenção de proporcionar entretenimento e lazer, que acaba marcando mais as associações que se assemelham ao modelo clubes para idosos. Essa característica veio timidamente a ser incluída175. Com o tempo houve por parte dos envolvidos a percepção de que estariam freqüentando um clube e não mais um posto de saúde, já que eram promovidos festas, passeios, bazares, além de poderem participar de atividades em grupo, desde reuniões para discussões temáticas a prática de atividades físicas. Isso passou a ocorrer principalmente depois da criação da associação e o objetivo curativo que marcou as primeiras idas desses idosos ao posto passou a ser redefinido. Eu acho isso aqui maravilhoso, a gente faz um grupo de amigos, tem com que ocupar a mente. Eu participo de tudo aqui, trabalho no bazar, faço parte da comissão de festa, tudo que tem eu estou. É um grupo que a gente pode dizer que virou um clube, tem até um nome e agora já tem até o logotipo (ENT. 01, PAM/UNATI). A UnATI/UERJ surgiu na mesma época, sendo oficialmente criada no dia 25 de agosto de 1993. Essa universidade para idosos veio a ser um aprofundamento de uma iniciativa anteriormente estabelecida pelo prof. Piquet Carneiro, que no final da década de oitenta reuniu um grupo de profissionais no Hospital Universitário Pedro Ernesto com a 175 No atendimento médico que estava sendo realizado no posto de saúde São Francisco Xavier do INAMPS, com a regularidade das consultas de alguns pacientes houve interesse de alguns profissionais do posto em trabalhar a saúde de uma forma diferenciada. A partir daí os idosos e aposentados que estavam sendo acompanhadas pela equipe do posto passaram a ser sensibilizados com o fim de fazer parte de um trabalho mais sistematizado e diversificado. 280 finalidade de discutir a terceira idade176. Tal como um embrião, o NAI possibilitou anos mais tarde a criação do que ficou conhecida como UnATI/UERJ, segundo Veras, Camargo Junior (1995:12-13). Esses autores, ao se referirem às universidades da terceira idade, argumentam que, para atender as necessidades atuais dos idosos, os centros de convivência são fundamentais, e defenderam a importância de seguirem o modelo associativo francês, desenvolvido nas universidades daquele país. O envelhecimento da população é uma aspiração natural de qualquer sociedade; mas tal, por si só não é o bastante. É importante almejar uma melhoria da qualidade de vida daqueles que já envelheceram ou que estão no processo de envelhecer. Manutenção de autonomia e independência é uma tarefa complexa que resulta dessa conquista social [...] dentre as instituições públicas, a universidade é, no momento, a mais equipada para responder a estas necessidades. A estruturação de microuniversidades temáticas voltadas para a terceira idade pode ser o ponto de partida. Ali, os idosos, além de receber assistência e ensino e participar de atividades culturais e de lazer, propiciam um coorte inestimável para a pesquisas em várias áreas de conhecimento. No formato brasileiro, essas associações estabelecidas no interior de instituições públicas, como a UERJ e o PAM, foram idealizadas para responder às demandas dos idosos de todas as categorias sociais, e para isso a garantia de sua gratuidade passou a ser fundamental. Segundo a coordenadora da UnATI/UERJ, o sucesso do programa é ser completamente gratuito e uma possibilidade de levar certas categorias sociais a pertencer a espaços a que nunca tiveram acesso. “Muitos dos nossos alunos ficam muito felizes pelo fato de nunca poderem ter entrado numa universidade, já que não tiveram esta oportunidade antes” (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Segundo o manual que descreve as atividades daquela instituição, verificamos que ela tem pretensões de assemelhar-se ao que pontuam todos os estabelecimentos que se intitulam universidades: promover o ensino, a pesquisa e a extensão; vindo ainda a ser um programa de estudos, debates e assistência à terceira idade (UNATI, 1994). Em sua chamada principal fica patente que a universidade brasileira, 176 É dele a criação de um núcleo multidisciplinar de atendimento aos idosos (NAI), em cuja proposta já se falava em microuniversidades para diversificar o tipo de atendimento que a universidade podia dar aos idosos. 281 mesmo sendo pública, é um espaço de distinção social para os que a freqüentam. O intuito foi o de sensibilizar “idosos que muitas vezes trabalharam a vida inteira para poder dar condições de estudo para seus filhos e netos. Muitos tendo, inclusive, de vencer a própria inibição e o olhar de discriminação de muitas pessoas” (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Ainda no documento de apresentação ficamos sabendo que a instituição imagina fazer um trabalho intergeracional na medida em que idosos e jovens convivem na mesma universidade, o que consideramos muito simplista enquanto resposta a esse tema: “é uma satisfação ver pessoas de mais de 60 anos freqüentando o campus universitário e as salas de aula, carregando suas pastas e anotações, discutindo seus desempenhos nas diversas atividades realizadas” (UNATI, 1994:4). A proposta da associação é ousada e, pensando no futuro, mostra que são diversos os objetivos do projeto da UnATI/UERJ, chegando mesmo a se falar na criação de um centro universitário, que na estrutura da universidade envolveria a formação de quadros que passariam a atuar com as questões do envelhecimento, integrando ensino, pesquisa e extensão. E indo além, ela se propõe a atuar na assistência ao idoso, que englobaria suas demandas médicas, odontológicas, jurídicas, nutricionais, como qualquer outro tipo de assistência capitaneada pelo serviço social. Seu modo de intervir se justifica na fala de sua coordenadora, a que estamos chamando de observância a uma política específica de modo de vida para os idosos, que, tal como na França, também foi posta em prática no Brasil: uma maneira de manter o indivíduo ativo, participativo, atuante dentro da sociedade e levá-los até a fazer trabalhos com a comunidade. A nossa intenção é esta, prepará-los e motivá-los para isso, o que não é uma tradição na sociedade brasileira o trabalho com a comunidade (ENT. Coord. UNATI/UERJ). No período em que fazíamos a pesquisa na UnATI/UERJ, o projeto já recebia uma boa cobertura da mídia, recebendo pedidos de outras universidades para que fosse enviado material explicativo sobre sua organização ou mesmo solicitando assessoria, afirmou sua coordenadora. Aos que solicitam consultas são passadas todas as informações, mas, segundo ela, seria muito difícil copiar o modelo da UnATI, pois a UERJ, que lhe dá sustentação, é uma instituição muito grande. A nosso ver isso confirma que há uma forte tutela da universidade, já que a associação tem todo um quadro administrativo ligado a ela, 282 fato que se diferencia bastante da estrutura das associações francesas, que como já vimos têm bastante autonomia. Na UNATI/UERJ, a coordenadora afirma que é motivo de “felicidade estamos ligados à sub-reitoria de assuntos comunitários e já somos um núcleo que faz parte da estrutura da universidade, estando incluídos em seu organograma, o que impossibilita seu encerramento numa troca de reitor”. A tutela de pessoas que atuam profissionalmente na instituição também é grande no PAM/IMMA. Primeiro pelo atendimento geriátrico do posto de saúde e depois pelos demais setores envolvidos, como o da educação física. Os primeiros atendimentos geriátricos no posto surgem da percepção de que havia problemas quanto ao atendimento regular de determinados grupos. O governo federal propôs, por meio de uma portaria ministerial, que se procurasse dar atendimento privilegiado para idosos, grávidas e deficientes físicos. Esta prioridade possibilitou que cada um a entendesse como quisesse. Naquela unidade entendeu-se que a prioridade era não haver pessoas aguardando em fila. Ou seja, o idoso chegava e era atendido por quem estivesse, não necessitando ficar aguardando em filas. Daí eu comecei a atender a esse grupo, e eles com o tempo naturalmente elegeram algumas pessoas, que pareciam ter mais paciência para dar continuidade a sua assistência. Nesse momento ainda não era uma coisa sistemática de vir e voltar ao mesmo médico. (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA). Passou-se algum tempo para que o trabalho fosse sistematizado. Por iniciativa de alguns funcionários, as pessoas que eram atendidas sempre pelos mesmos profissionais passaram a ser sondadas sobre se gostariam de participar de um grupo para discutir a saúde, quando seriam dadas informações as mais gerais possíveis. A idéia de se propor alguma atividade física ainda demorou algum tempo, e veio de uma sugestão de uma assistente social da unidade, já que até então os programas estavam muito a cargo desse setor: num dia ela me disse que gostaria que eu conhecesse uma pessoa interessante, que estaria pouco desmotivada com a sua atuação profissional. Ele é um médico fisiatra, também professor de educação física, que trabalhava no PAM na linha da físiatria e é professor no Instituto de Educação Física. Eu o conheci, mostrei a ele como era a linha de pensamento, que gostaria de alguma coisa mais ampliada, ele acatou essa idéia e marcou uma reunião na 283 UERJ, fazendo uma ponte com o Instituto de Educação Física [...] Nesse momento começou a se estruturar uma parceria com a proposta do grupo IMMA e acredito que como para mim também era para eles uma experiência nova (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA). Era já uma época em que no Brasil, não importando o modelo em que estavam se fundamentando as associações de idosos, logo que uma atividade mais dinâmica era proposta, reunia-se um grande número de pessoas cuja característica tem sido a de experimentar o máximo possível o que é proposto. Com as atividades físicas não foi diferente, ainda que os idosos e aposentados brasileiros fossem pessoas sem qualquer experiência associativa. Sendo gratuita essa participação e sendo formado um grupo com demandas semelhantes, não havia por que não participar. Tratando-se das atividades físicas, ainda existia um outro fator, que era sua associação, até recentemente, a pessoas jovens e saudáveis. Os exemplos de idosos fazendo atividade física e sendo longevos já não são mais tirados a partir do que estava ocorrendo em outros países, e casos isolados de idosos brasileiros bem ativos e saudáveis passaram cada vez mais a ser divulgados nos meios de comunicação. No início dos anos noventa já existia consenso sobre a necessidade de se fazer atividade física para garantir uma vida saudável e de ser ativo para enfrentar as doenças que têm como causa um estilo de vida sedentário. Mas existia um problema: até então não havia muita coisa sistematizada sobre como melhor atuar com idosos e aposentados que nunca haviam praticado uma atividade física organizada para ser praticada em grupo. Levando em consideração as associações francesas e brasileiras, o grupo que fazia as intervenções no PAM/IMMA foi o único em que havia uma proposta concreta de discussão teórica e busca de uma metodologia que se adequasse às demandas dos idosos e aposentados. Havia reuniões que aconteciam com certa regularidade, e nas sextas-feiras procurávamos valorizar os tópicos que considerávamos mais importantes. Então começamos a falar do valor da atividades física como prevenção, aí surgiu o interesse das pessoas individualmente [...] a idéia da avaliação médica de quem iria participar das aulas foi minha; era feita uma avaliação de quem ia para a atividade física. E para isso era feita uma avaliação mais 284 criteriosa. A proposta da atividade física feita pelos profissionais de educação física era fazer alguns tipos de medidas – estes eram os indicadores; já nós fazíamos o monitoramento de pressão, exames de laboratório, eletrocardiograma (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA). O aprendizado se dava a partir do envolvimento dos profissionais do projeto em atividades que extrapolavam a intervenção. Havia discussão de casos e intenção de se fazer pesquisas que pudessem dar melhores subsídios para embasar a prática. De certa forma, isso ficava mais facilitado pelo compromisso dos envolvidos, que eram estagiários cumprindo tarefas acadêmicas, bolsistas ou professores que tinham a intenção de elaborar e aplicar uma metodologia que permitisse objetivamente verificar o impacto das intervenções. Com o tempo passou-se a discutir o que lá era feito em outros espaços, como eventos acadêmicos e publicações (FARIA JUNIOR et al., 1995b). De forma semelhante encontramos essa intenção na proposta global da UnATI/UERJ, mas não se verificou quando observamos isoladamente a oficina de antiginástica. Segundo a animadora responsável pela atividade, há uma diferença entre a sua forma de atuar em outros espaços e o que se pode fazer naquela instituição. No consultório, nós temos um controle muito maior do que a gente tem aqui; cada paciente no consultório é entrevistado, é feita uma anamnese e é explicado como é o trabalho. Faz-se ainda uma avaliação postural e uma avaliação clinica. Lá começamos com um trabalho individual, indo até o momento em que se pode passar para o grupo, que não ultrapassa dez pessoas. Já aqui, no ano passado tentou-se fazer as entrevistas separadamente, mas só deu para fazer com algumas pessoas, pois tomava um tempo tão grande que não deu nem para acabar, o grupo era muito grande. Este ano nós distribuímos um questionário, com algumas perguntas individuais (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Verificamos que no PAM/IMMA havia uma intenção de se realizar testes específicos para medir com certa regularidade o desempenho físico dos idosos, o mesmo não aconteceu na outra associação brasileira e nem nas francesas. Na UnATI/UERJ não aplicamos testes para medir as possíveis melhoras, eventualmente podemos fazer um acompanhamento a partir de algumas radiografias solicitadas. Esta iniciativa pode ser tanto nossa como deles – quase sempre é deles. Quando há um caso 285 evidente nós solicitamos o encaminhamento para um médico ou para um trabalho individual. Existe aqui na UnATI um serviço de ambulatório que tem a proposta de fazer uma avaliação clinica individual, e eu tenho observado que muitos passaram por este controle, mas outros não (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Até aqui já podemos identificar algumas diferenças na organização das associações brasileiras e francesas. No Brasil não se fala muito em uma associação, mas sim em centros de convivência177. Se na França as pessoas que atuam na intervenção nas associações são consideradas animadores, no Brasil em geral as atividades são consideradas unicamente como ensino, sendo a intervenção realizada por professores. A perspectiva do binômio educar pelo e para o lazer não foi manifestada em nenhum local. Outra diferença fundamental é a de que no Brasil seus associados não estão envolvidos no quadro gestionário do que estamos considerando como associação, nem tão pouco na animação das oficinas. O que existe como representatividade que saia do conjunto dos associados é algo ainda bastante dirigido. No caso da UnATI/UERJ, havia a proposta de criação de um centro acadêmico, em que os associados teriam sua representação; no PAM/IMMA encontramos indícios na fala de sua representante de que havia uma grande interferência dos profissionais do projeto nos rumos da associação. A tutela dos que entendem de velhos, como se referiu Haddad (1986), é bem nítida nas associações brasileiras, havendo bastante dificuldade em encontrar idosos que queiram assumir determinados compromissos. Eles formaram a associação dos idosos de que sou presidente. Chama-se Associação dos Idosos do PAM S. Francisco Xavier, mas já estou pensando em largar por causa de um problema, não com a chefe do serviço social, mas com a assistente social propriamente que toma conta do grupo [...]. Eu não estou bem entrosada com a assistente social do meu grupo, eu estou no grupo por causa da Dra. Helena e da chefe do S. Social. Mas no fundo eu acho que está me fazendo bem, é uma oportunidade de aprender. Eu sempre fui dona de casa, embora sempre procurasse me manter atualizada, mesmo apesar dos filhos. Mas agora, eu estou tendo esta oportunidade de 177 Estamos considerando ambas como associações – a UnATI/UERJ por sua própria estrutura e o PAM/IMMA pela efetivação enquanto tal, sendo registrada em cartório. Nesta última, como atividades alternativas à atividade física, só existia a organização de festas e bazares, mesmo assim com a interferência de profissionais, e encontros não muito regulares, onde uma oficina de trabalhos manuais tinha produtos postos à venda. 286 viver uma outra vida, vai a cartório, providencia a assembléia... (ENT. 02, PAM/IMMA). No período de nossa investigação, estavam atuando na gestão da UnATI/UERJ três tipos de professores/animadores: alguns são do quadro da UERJ, sendo, segundo a coordenadora da associação, professores que têm interesse na terceira idade, além de professores que são contratados pela universidade só para ministrar determinadas disciplinas, e os professores voluntários. Do quadro da UERJ, estão envolvidos o diretor, o gerente de pesquisa, o diretor de assistência, o responsável pela parte médica, entre outros (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Também na outra associação encontramos professores, funcionários e acadêmicos da mesma UERJ. Segundo um dos coordenadores do projeto PAM/IMMA, responsável pela parte da educação física, as intenções de estudar o envelhecimento e a prática das atividades físicas no projeto IMMA surgiram anteriormente da parceria que foi feita com o PAM. A idéia do projeto se fundamenta no que foi apontado como o surgimento da velhice enquanto problema social do momento (LENOIR, 1998). Foi após a identificação de que diante das estatísticas brasileiras havia o que ser feito na educação física para idosos no meio acadêmico, mas havia uma lacuna ainda não plenamente ocupada, qual seja a de buscar discutir especificamente o corpo de uma disciplina que faça parte da grade curricular dos centros de formação de professores178: nos meados da década de 80, quando já começou a ficar evidente que havia um envelhecimento da população brasileira e que a educação física não estava participando do esforço de adaptação ao envelhecimento, nós começamos a preparar recursos humanos e fazer um levantamento bibliográfico e estudar essa questão, tentando, futuramente, como a gente pensava na época, organizar um projeto que fosse de intervenção e pesquisa (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). 178 A sistematização do projeto surgiu no desenvolvimento de uma disciplina em que foram incluídos temas diversos fora do meio escolar, sendo os idosos incluídos quando o professor Faria Junior passou a integrar o quadro dos professores do Instituto de Educação Física da UERJ. 287 Uma vez estabelecida a parceria com o PAM, passou-se a pensar qual seria a melhor forma de atuar com idosos que tinham como caraterística serem hipertensos, diabéticos, depressivos e que estavam sendo controlados pela assistência médica do PAM. Numa divisão de responsabilidades, o setor médico é o que faz a seleção dos idosos, verificando os que podem ou não fazer a atividade proposta, que assumiu o nome de ginástica. A promoção da saúde dos idosos foi o fator principal que definiu a união das duas instituições. Quando nos propusemos criar este projeto nós unimos o grupo de lá, que tinha o lado curativo e de certo ponto preventivo, com o nosso programa [...] eles se ressentiam da falta de atividades físicas para os idosos, aí se incorporaram, os recursos do PAM e os nossos do Instituto, para atender esse grupo de idosos [...] no início havia até um receio de que os professores de educação física fossem provocar mortes. O diretor do PAM chamou a coordenadora médica do PAM/IMMA e perguntou: quem vai passar os atestados de óbitos, você vai assumir isto? Você vai assumir o projeto com eles, você vai dar os atestados de óbito. Isto aí mostra um preconceito que os médicos tinham em relação aos professores de educação física, no caso de serem despreparados, e a própria atividade física. Mas por outro lado existia um grupo de médicos lá que tinham uma visão diferente [...]. Hoje, se você somar o pessoal do PAM com o pessoal da UERJ, a gente está em torno de 30 pessoas: estagiários, bolsistas, professores, médicos, assistentes sociais (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). O projeto teve a intenção de ser uma proposta integrada que envolvia diversos profissionais interessados em promover a saúde dos idosos. A reunião das sextas-feiras era a oportunidade de fazer avançarem as discussões surgidas, e sempre após uma fase expositiva havia uma discussão entre os presentes. Por exemplo: sobre doença, um dos médicos fala sobre a osteoporose; na outra uma assistente social fala sobre a criação de uma associação de idosos; na outra eu falo sobre ginástica para idosos, e depois, nesta mesma reunião, os idosos dão a opinião deles, as sugestões, e dizem o que eles querem que a gente faça [...] é repassado para eles como eles estão, o que os médicos dizem, se eles estão ótimos nisso. Aí depois a pessoa do ensino explica em quantas partes a aula está dividida, porque tem uma programação; depois entra a médica que faz uma exposição do controle de 288 doenças. Porque o controle de pressão arterial é feito antes das aulas, a freqüência cardíaca e também a incidência da osteoporose e o que o exercício físico pode trazer de benefício, etc. (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). Quando se traçou o perfil do grupo que iria participar das atividades do projeto, logo se verificou que, dos 48 idosos que se apresentaram aptos para o que pretendia ser realizado, não era comum a participação em qualquer tipo de associação. Segundo o coordenador de educação física do PAM/IMMA, mesmo se o enfoque inicial foi médico, pode-se dizer que o fato de estar em grupo e participativos passou a ser fundamental para a promoção da saúde e da autonomia, já que “autonomia também significa a participação coletiva em associação”. Quando passamos a analisar as atividades que são propostas na UnATI/UERJ, percebemos que elas têm como característica serem muito mais variadas, chegando a somar mais de setenta. “No início só se podia oferecer dentro do que estava ao alcance dos profissionais que eram da UERJ; procurava-se descobrir dentro da universidade quem teria interesse em fazer alguma coisa destinada à terceira idade”, declarou a coordenadora do projeto. Essa é uma diferença fundamental em relação ao que ocorre na UTL/Rennes, onde essa busca é feita entre os próprios associados idosos. Na UnATI/UERJ, passaram a surgir algumas pessoas que se ofereciam para animar determinados cursos e oficinas. Uma vez constituída no primeiro semestre a primeira leva de atividades, no semestre seguinte foi feita uma sondagem junto aos idosos procurando saber o que eles acharam. Nesse momento eles poderiam sugerir também o que gostariam que fosse oferecido: foi feita uma listagem e nós corremos atrás, e aí passamos a oferecer o que eles gostariam. Uma coisa que já posso deixar claro é que eles têm muito interesse em atividades intelectuais, atividades culturais, mas têm muito mais interesse nas atividades que tenham música e o movimento, como atividades físicas (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Se levarmos em consideração a experiência das universidades francesas para idosos em que os próprios aposentados assumem a responsabilidade pela administração da 289 associação, quando analisamos a estrutura do PAM/IMMA ou da UnATI/UERJ, verificamos a impossibilidade de que isso possa vir a ocorrer nos mesmos moldes. Honestamente eu confesso que nunca nós discutimos este aspecto, mas posso lhe adiantar o seguinte: a UERJ não imagina e no meu caso também não me passa pela cabeça que seja uma pessoa de fora da instituição que venha a coordenar a UnATI. Estes cargos aqui vêm sendo ocupados por professores da UERJ, e não por professores aposentados, mas sim por professores que estão na ativa. Pode até acontecer que nós venhamos a chegar à terceira idade e decidamos continuar na coordenação. O que a gente pensa é dar bastante força a nossos alunos que são aposentados de criarem um centro acadêmico (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Quem se candidata a ser um associado nas duas entidades brasileiras deve cumprir uma exigência: ter mais de sessenta anos, já que é comum no Brasil se considerar essa a faixa de ingresso na terceira idade, e é para esse grupo que se destinam as atividades. Temos argumentado que essa limitação é uma incoerência, já que normalmente as propostas se apresentam visando à intergeracionalidade, e é pouco pensar que tendo animadores/professores mais jovens haveria uma intergeracionalidade, evitando-se o gueto e a discriminação. Percebemos que nas associações brasileiras não há discussões mais aprofundadas sobre o critério de escolha de uma determinada idade cronológica, que em algumas associações tanto pode ser em torno dos quarenta ou dos cinqüenta anos. A justificativa mais simples apresentada é a de que o uso do critério idade é algo administrativo, não sendo visto como uma discriminação. Não percebemos qualquer intenção em discutir a alternativa utilizada nas associações francesas, em que o acesso tornou-se independente da idade cronológica. Parece haver um receio de que no Brasil, não existindo qualquer limite de idade, haja uma grande procura por parte de pessoas mais jovens, impossibilitando o atendimento de idosos e aposentados, o que na prática das associações francesas não se verificou179. A idade como critério impõe outras reflexões, seja pelo que se pode atingir em propostas que envolvam diversas gerações, seja pela falta de justificativa plausível para a 179 Para a Coordenadora da UnATI/UERJ, seria algo definitivo, não tendo como fugir, já que se tem de matricular os alunos e a demanda por alguns cursos é bastante significativa. Quando questionada 290 escolha de uma determinada idade. A nosso ver seriam os conteúdos e a forma de ministrálos que poderiam solicitar alguma diferenciação entre os participantes. A inconsistência do critério cronológico fica definitivamente confirmada já que na UnATI/UERJ tivermos que cortar uma porção de alunos que enganaram a idade: tinha gente que tinha 58 anos e dizia que tinha 60, só para entrar aqui. Eles falsificam também os dados, só para ganhar o passe. O passe é com 65 anos; sempre quando vai se aproximando eles procuram meios para burlar (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Numa pesquisa realizada por professores do Serviço Social da UERJ, procurou-se identificar quem eram os freqüentadores da UnATI, seus interesses, etc. Segundo a responsável por essa pesquisa, verificou-se que numa amostra de 250 pessoas, o que mais de imediato foi verificado foi um número significativo de pessoas que não freqüentavam nenhum outro espaço associativo, assim como no PAM/IMMA. Uma das coisas também sinalizadas foi o fato de que os freqüentadores se inscrevem com a finalidade de atualização de conhecimentos. Os idosos/alunos da associação são vistos, nas palavras da coordenadora, como pessoas que têm muita sede de conhecer coisas novas, e a importância de estar em atividade, não importando muito o que nela vai acontecer, é logo revelada. Eles podem até não gostar, mas eles querem ver o que é, e outra coisa: eles têm muita pressa [...]. Alguns querem fazer tudo ao mesmo tempo, não é só a pressa de a UnATI/UERJ um dia acabar, mas a pressa de eles acabarem. Eles têm pressa, eles têm 70, 82 anos, eles querem fazer tudo, conhecer de tudo um pouco (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Como a oferta de oficinas é bastante diversificada, os que se interessam por participar das atividades podem se inscrever em até três cursos; no caso das atividades físicas só uma escolha é permitida. É sempre maior a procura por atividades práticas como as físicas, que na UnATI/UERJ são oferecidas nas mais diversas formas alternativas do que é tradicionalmente chamado de ginástica – tai-chi-chuan, biodança, antiginástica – além de cursos de dança de salão. O critério de limitação a uma escolha de certa forma fundamentase numa suposta fragilização dos idosos, pois ela é justificada pelo princípio de dar sobre o que entendia por terceira idade, respondeu que realmente não saberia defini-la, considerando mesmo bastante temerário usar qualquer tipo de categorização. 291 oportunidade a outros, mas “também para que não seja alguma coisa exagerada, fazer três atividades físicas, é muito para a idade deles, não é indicado, eles devem fazer moderadamente as atividades físicas” (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Se fosse levado em consideração o que é preconizado na maioria dos trabalhos que buscaram medir os efeitos das atividades físicas sobre o organismo das pessoas idosas, pelas qualidades físicas e principalmente pelos benefícios cardiorrespiratórios, a freqüência e a intensidade das atividades propostas não deveriam ser de uma vez por semana e nem mesmo a ginástica seja ela a tradicional como a alternativa. Sobre o método usado no PAM/IMMA e a carga com que trabalhada, o coordenador do projeto disse que tem um médico que trabalha no projeto que acha que o nosso programa é fraco, que é um programa que ‘não adianta nada’, dizendo as palavras dele. Ele é cardiologista, para ele se a aula não tiver treinamento aeróbico, o programa não serve para nada. Mas ele é um no programa todo. Os outros médicos mostram que os progressos em termos de promoção da saúde são incríveis. Não há no nosso projeto uma preocupação com a condição cardiovascular, talvez isto seja um erro do projeto; a gente talvez devesse ter alguma preocupação, mas a gente resolveu não iniciar por aí. O projeto está tentando induzi-los a fazer atividades físicas fora de nossas aulas, mas a gente ainda não conseguiu isto, não conseguiu até pela própria metodologia que a gente estava utilizando. A nossa maneira de dar aulas não estimulava muito isto (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). O que se pretende com o grupo PAM/IMMA, diz seu coordenador, vai além de certas contribuições pontuais, havendo a discussão da promoção da saúde a partir de seu referencial teórico; busca-se afastar-se do conceito negativo de saúde e aproximar-se de um mais holístico. Dentro dessa proposta, a questão da socialização foi considerada o principal objetivo inicial do projeto; estamos entendendo que é esse ainda um dos maiores interesses dos idosos/alunos, muito mais do que o dos responsáveis que a vêem como um meio para atingir outros objetivos: “inicialmente a socialização; como ela já está efetivada e o grupo já está socializado, nós estamos agora tentando trabalhar a questão da autonomia” (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). 292 Chega a ser interessante como as pessoas envolvidas na gestão das associações procuram omitir ou negar a forte relação com o lazer e a importância das interações sociais, que em muitos casos acabam sendo suficientes para os idosos. Mas verificando as propostas postas em prática, independentemente do país e de ser ou não expresso pelos atores envolvidos, encontramos vários indicadores de que em todas as associações está bastante implícita a busca pelo lazer/recreação por parte dos idosos/alunos. Para Melo e Alves Junior (2003:32) “as atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido mais amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e manifestações”. Como na UTL/Rennes, na UnATI/UERJ suas atividades são classificadas em físicas, artísticas e culturais, existindo: cursos de línguas estrangeiras através da música; comunicação e expressão em língua portuguesa e literatura; cursos de atualização; atividades de integração, atividades informativas e reflexivas em terceira idade e atividades externas como passeios (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Além dessas atividades regulares que são apresentadas semanalmente, programas isolados também são oferecidos. São palestras que não necessitam qualquer tipo de inscrição especial, o que se mostra semelhante ao modelo das conferências que se realizavam em Rennes para os associados da UTL/Rennes, só que no caso brasileiro são mais específicas de um determinado tema. Elas se realizam sempre às terças-feiras, chamando-se ‘os encontros com a saúde’. Além disso foi pensada uma nova programação que procura de certa forma valorizar e trabalhar a auto-estima de uma geração, são os encontros com personalidades da terceira idade, e de preferência da quarta idade. Onde são os próprios alunos que fazem as entrevistas, o primeiro vai se dar agora, no final deste mês. O professor responsável por esta atividade procura trazer alguém do mundo artístico ou cultural, uma pessoa de projeção. Nós pensamos em trazer a primeira mulher que se formou em medicina; ela já está com mais de 80 anos (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Uma característica comum às associações que querem atuar com o ensino/aprendizagem, tanto no Brasil como na França, é o fato de não existir qualquer tipo de pré-requisito, por avaliação, teste ou pelo nível de escolaridade, exigido para participar 293 de determinada oficina. Também de forma semelhante não há qualquer tipo de imposição de avaliação do aprendizado dos alunos ao final de cada módulo, sendo essa uma prerrogativa do animador/professor, que pode querer ou não verificar como os conteúdos que foram trabalhados vieram ou não a serem assimilados180. O que possibilita o desenvolvimento de um programa com princípio, meio e fim é o fato de que, tal como os estabelecimentos de ensino dos jovens, as propostas curriculares são organizadas de acordo com períodos letivos. Ter sido aceito como matriculado em uma atividade não é garantia de que sua permanência não sofra algumas observações. Tomando o exemplo das atividades físicas e outras mais requisitadas na UnATI/UERJ, verificamos que pode haver perda de vaga quando for detectado um número excessivo de faltas. Nos casos de mais de duas ausências, ou mesmo se o professor achar que o idoso necessita retornar para o nível anterior, pode ser solicitado que o idoso/aluno seja afastado da atividade. Vejamos as justificativas vindas de um dos responsáveis da UnATI/UERJ: “no caso das atividades físicas, se tiver que fazer o condicionamento físico de novo, ele vai perder, não há como substituir”. Para alguns cursos pode-se entrar na segunda aula; já outros, ficamos sabendo que logo na primeira aula a turma já está formada, como no caso da informática. “São os professores que informam qual o prazo de validade da fila de espera e quantas aulas os alunos terão que esperar” (ENT. Coord. UNATI/UERJ). Percebe-se no modelo de um envelhecimento ativo e engajado uma lógica de produção e rendimento que o aproxima muito mais do mundo do trabalho do que do lazer e do entretenimento. Não temos considerado lazer e trabalho como “dimensões opostas da vida humana”, mas alertamos no sentido de não se deixar levar pela “produtivização do lazer”, que tem sido em muitos casos a ótica principal das propostas para idosos (MELO & ALVES JUNIOR, 2003). Um exemplo bastante esclarecedor são as tais ‘agendas de executivo’, em que os aposentados que participam de associações como as universitárias 180 Encontramos uma diferença fundamental no que toca a valorização do que é feito pelo idoso/aluno: enquanto na associação brasileira, ao final de cada módulo, é dado um certificado a quem freqüentou determinado curso ou oficina, na França esse mecanismo não foi verificado, sendo anual sua proposta de atividades. 294 preenchem seu ‘tempo disponível’ seguindo uma rotina diária excessivamente rígida, tão ocupada com atividades diversificadas que não lhes sobra muito tempo. Passaremos agora a discutir mais especificamente o perfil dos idosos/alunos que seguiram o curso de ginástica nas duas associações brasileiras: começamos com o PAM/IMMA, um grupo com pouca experiência na vida associativa., mas que se mostrou homogêneo, constituído de 48 idosos, aposentados, com idade entre 62 e 87 anos. Destes, 31% tinham entre 70 e 74 anos; 81% eram mulheres; 48% eram casados, 37% viúvos, 11% solteiros e 4% divorciados, e 10% viviam sós (...) todos pertenciam à classe trabalhadora (açougueiros, costureiras, domésticas, lavadeiras, operários, sapateiros, telefônicos, etc.). Em relação a habitação, 54% moravam de favor ou pagavam aluguel e 10% moravam em favelas (FARIA JUNIOR, RIBEIRO, 1995:sp). No caso da UnATI/UERJ, participavam da gin-suave 32 idosos/alunos. No semestre que investigamos esse grupo, só três homens estavam inscritos, e, do total dos participantes, 59% declararam ter escolaridade equivalente ao ensino médio ou superior. Pelas profissões declaradas, a maior concentração coube aos 24% que atuavam em atividades técnicas, em seguida veio o magistério e o comércio, com 19% cada, e finalmente encontramos 16% que atuavam como costureiras e 13% de mulheres que se dedicaram a atividades domésticas. Quando são observados os dados pessoais dos idosos que foram entrevistados nas associações brasileiras (QUADRO 6), encontramos diferenças que podem ser explicadas pelo formato associativo adotado: uma bem mais popular, como o PAM/IMMA, e outro mais elaborado, como a estrutura verificada na UnATI/UERJ. 295 QUADRO 6 Dados pessoais dos entrevistados que freqüentam os curso de ginástica da UnATI-UERJ e PAM-IMMA Identificação Idade Sexo Estado Civil Profissão Escolaridade Cônjuge Bens ENT 01 UnATI 68 Feminino Casada Costureira Ensino fundamental Vendedor Nenhum ENT 02 UnATI 64 Feminino Casada Secretária Ensino fundamental Empresário Carro e 2 imóveis ENT 03 UnATI 67 Feminino Separada Contadora Superior Oficial Carro e imóvel ENT 04 UnATI 68 Masculino Casado Militar Ensino fundamental Professora 2 imóveis ENT 05 UnATI 66 Feminino Casada Costureira Ensino médio Militar 2 imóveis ENT 06 UnATI 72 Feminino Divorciada Diretora de escola Ensino médio Administrador 1 imóvel ENT 07 UnATI 65 Feminino Viúva Comerciaria Ensino fundamental Economista Nenhum ENT 01 PAM 70 Feminino Casada Do lar Ensino básico Operário 1 imóvel ENT 02 PAM 72 Feminino Divorciada Do lar Ensino básico Funcionário público 1 imóvel ENT 03 PAM 71 Masculino Casado Contador Ensino médio Do lar 1 imóvel ENT 04 PAM 75 Feminino Viúva Do lar Ensino básico Operário Nenhum ENT 05 PAM 84 Masculino Viúvo Gráfico Ensino básico Do lar Nenhum ENT 06 PAM 73 Feminino Solteira Cozinheira Ensino básico X Nenhum ENT 07 PAM 65 Feminino Viúva Faxineira Ensino básico Operário Nenhum ENT 08 PAM 73 Feminino Separada Costureira Ensino básico X Nenhum 296 Essas diferenças acompanham a mesma separação encontrada nas associações francesas. Quando observamos, no PAM/IMMA, a profissão do cônjuge, continua sendo ainda bastante forte a presença de idosos da classe trabalhadora brasileira. Esse perfil pode ser confirmado não só por declarações, que indicam que não poderiam fazer nenhuma das atividades que participam se fosse dentro de uma instituição privada. Outro fato que chama atenção é que não possuem bens como automóvel ou residência secundária, e de que os poucos que habitam em residências próprias afirmam morar em locais de difícil acesso, com pouca infra-estrutura, ou em situações como a que se segue: eu moro num conjunto habitacional que por direito eu ainda teria de pagar mais dez anos, mas como eu já paguei mais de 25 anos, eu pedi uma perícia médica e o meu marido ganhou. Não que a gente estivesse doente, mas o médico ficou com pena e liberou o apartamento para a gente. O apartamento era de uma cooperativa (ENT. 01, PAM/IMMA). Entre os entrevistados da UnATI/UERJ, o perfil é de classe média, seja pelo aspecto dos bens acumulados, da profissão, tanto a do associado como a do cônjuge, do nível de escolaridade, sendo bastante diferenciado do PAM/IMMA. Economicamente, esse grupo se mostrou com muito menos queixas do que o outro, o que não vem a ser uma regra, já que a proposta de gratuidade da associação possibilita que sejam encontrados casos isolados, com condições econômicas e de domicílio semelhantes às dos participantes da outra associação: sou pobre; vivo com muita dificuldade, as pessoas não acreditam, pois eu tenho uma aparência muito boa. As pessoas olham pra mim e pensam que eu sou uma pessoa de posse, mas não sou não. Como aqui na UnATI dá essa oportunidade e quase tudo é de graça, eu tenho aproveitado bastante (ENT. 01, UNATI/UERJ). Ao analisarmos as mulheres que freqüentam as associações brasileiras, percebe-se sua relação com a família é muito forte, a ponto de interferir em seus projetos de vida. Foi comum encontrarmos mulheres brasileiras que abandonam suas carreiras, às vezes bem encaminhadas, para se dedicar aos filhos e ao marido, fato que mais uma vez imputamos a 297 questões culturais de determinada geração, não sendo essa opção encontrada com a mesma regularidade entre as idosas francesas: eu sempre fui uma pessoa muita executiva no plano profissional antes de casar. Chefe de seção, contadora, eu tive uma projeção grande em termos de realização profissional como também do prazer, pois eu fazia aquilo que eu gostava. Mas casando, parei, meu marido, muito machista, não deixou que eu trabalhasse. Aceitei como uma opção pelo amor. Mas eu não me frustro com as coisas, eu sempre procuro completar-me de outras formas. Eu inclusive me surpreendi, pois como doméstica eu me surpreendi, pois na minha família eu era a única mulher, eu não fazia nada dentro de casa. Tínhamos uma estrutura boa, com empregada doméstica, então eu nunca fui chegada ao trabalho doméstico. Então, eu me surpreendi com meu casamento, eu comecei do zero, fazendo café, e não foi uma frustração, já que eu me realizo com qualquer situação, eu gosto de trabalhar, eu não fujo de trabalho (ENT. 03, UNATI/UERJ). As mulheres francesas entrevistadas não declararam sofrer esse tipo de pressão, o que não significa que, mesmo trabalhando fora de casa, não exercessem a dupla jornada, pois não é uma característica da classe média daquele país ter alguém que não pertence à família executando serviços domésticos181. Como nem sempre o trabalho doméstico exercido pelas mulheres é reconhecido, acaba sendo difícil encontrar um momento para dizer que se está aposentada, notadamente quando se é mulher em famílias da classe trabalhadora brasileira. Eu nunca trabalhei fora de casa, cuidava só da casa e, até hoje, eu não posso pagar faxineira, tenho de faxinar mesmo. É isto que eu falo com meu marido: ‘você trabalhou 57 anos, mas agora tem a cuca fresca, chega em casa, a mesa está posta, toma banho, almoça, deita e dorme [...] e eu, quando vou poder me aposentar? O relato que se segue mostra que as atitudes assumidas pós-casamento independem da classe social; acabam levando em consideração a obediência à vontade do 181 Entre os entrevistados franceses, houve apenas uma pessoa que declarou não ter exercido qualquer atividade profissional, justificando-se pela profissão do marido, que os obrigava a trocar de cidade e de país. 298 marido, que acabou sendo denominada por essa entrevistada como o casamento ‘à moda antiga’, em que se interrompe uma vida profissional para casar. Eu sou do tempo antigo em que a mulher ficava dentro da casa. Hoje me arrependo e as filhas dizem que se eu tivesse ido trabalhar elas teriam tido uma vida melhor do que elas tiveram; ou seja, uma vida de sacrifícios. Mas quando abri os olhos, já não tinha mais idade para procurar emprego (ENT. 05, PAM/IMMA). Nesse tipo de relação familiar, quando há interrupção por viuvez ou mesmo separação, se a mulher ainda é jovem, é possível haver uma reestruturação da vida pessoal que a leva a ser mais independente. É esclarecedor o depoimento dessa associada: só após a morte do marido, aos 39 anos, passou a trabalhar no comércio, acumulando a jornada de trabalho como dona-de-casa e mãe: simplesmente meu marido não admitia que a mulher trabalhasse. Ele achava que minha presença em casa era mais importante do que entregando os filhos a outras pessoas. Depois da morte dele eu tive que continuar a criação dos filhos e me surgiu uma nova oportunidade profissional que logo aproveitei (ENT. 07, UNATI/UERJ). O depoimento seguinte apresenta um caso de separação de um marido também à moda antiga, em que a vida da mulher acabou ganhando novo impulso, vindo ela agora a ser a responsável pela associação dos idosos do PAM/IMMA, “foi uma nova vida de descoberta; no início muito difícil, tumultuada devido à formação de achar que tem que obedecer ao marido, mas depois, não, eu consegui superar” (ENT. 02, PAM/IMMA). A vida familiar é sempre posta como o principal motivo de afastamento ou aproximação de outras atividades que podem ser consideradas secundárias. Mesmo não estando engajada em atividade profissional, a saída de casa da última filha solteira pode ser entendida como o direito a uma aposentadoria, e, a partir daí, a entrada em uma associação significa ter de fazer algo por outros. Quando ainda tinha uma filha por casar, eu comecei a dar meus primeiros passos no trabalho beneficente; seria: ‘agora vou trabalhar para mim’. Foi aí que comecei o meu processo de crescimento como pessoa, pois até então eu estava crescendo como 299 doméstica [...] Quando eu fiquei só com a minha última filha, a mais nova, a temporã, eu comecei a dar meus primeiros passos em direção ao voluntariado. Aí eu me realizei como pessoa no centro de valorização da vida, trabalho na prevenção do suicídio, associação que existe no mundo inteiro. Na verdade não tinha nenhuma experiência e já estou lá há 17 anos, estou lá há vários anos. Já exerci todos os cargos. Mas agora larguei todos os cargos, voltei à minha condição de raiz, do ponto de vista voluntário, dando espaço para os mais novos; foi uma coisa muito gratificante para mim como pessoa, pois comecei a me conhecer (ENT. 03, UNATI/UERJ). A dedicação à família é assumida como uma missão que não se deve colocar em questão, já que se deve fazer qualquer tipo de esforço para auxiliar a formação dos filhos: eu sou mãe, dona-de-casa, trabalhei fora quando eu era solteira. Quando eu fui me casar, meu marido não consentiu que eu trabalhasse. Mas nós tivemos quatro filhos, um atrás do outro, mas teve uma época que eu quis ajudá-lo, mas ele me provou que eu estaria melhor em casa cuidando dos filhos do que trabalhando fora. Eu achei que seria o certo, embora eu fosse secretária bilíngüe, tivesse possibilidades, mas eu achei que os nossos filhos mereciam mais, que eu ficasse em casa. Foi uma opção minha. Eu consegui educar meus filhos como achei que deveria, com pouca interferência do marido, pois ele saía de manhã e voltava à noite, e à medida que nós fomos melhorando de situação, ele foi colocando empregadas em casa, o que permitiu que cada vez mais me dedicasse aos meus filhos. Era eu quem levava para a escola, para o dentista. Estava com eles sempre. Minha presença foi atuante dentro de casa (ENT. 02, UNATI/UERJ). Mesmo capacitados para exercer uma profissão, o abandono de sua antiga formação e o retorno a atividades dentro da própria casa nem sempre foram devidos a causas como o acompanhamento da educação dos filhos ou o cuidar do lar e do marido. Este caso demonstra o desencantamento profissional e a desvalorização de determinadas profissões no Brasil: Eu sou professora, mas as professoras aqui no Brasil são muito desprezadas monetariamente. No Brasil deveria haver mais respeito à educação e à saúde, os dois em primeiro plano; mas isso não acontece em governo nenhum. Eu desisti de ser professora, fui criar meus filhos e procurei uma profissão que fosse mais rendosa para mim. Esta atividade foi de costureira. Francamente: eu com dois vestidos ganho muito mais do que uma professora ganha por mês (ENT. 05, UNATI/UERJ). 300 O significado de ser aposentado no Brasil é sempre passado como algo bastante sofrido, de luta constante para se conseguir sobreviver, sendo considerado muito pior para aqueles que não venham a optar por uma vida ativa: “no início passamos a ser os esquecidos do mundo, e os que ficam parados dentro de casa acabam morrendo lentamente” (ENT. 04, UnATI/UERJ). A associação da aposentadoria com o tempo de lazer ou mesmo de grandes férias não foi encontrado; nas falas diretas no máximo é dito que se tem um tempo mais livre, capaz de propiciar uma nova e proveitosa vida (QUADRO 7). Mas no fundo pode-se perceber que o lazer está presente, mesmo não sendo verbalmente declarado dessa maneira. Apesar de se intensificar nos últimos anos a recomendação de que a aposentadoria deveria ser preparada, existindo em determinadas empresas de maior porte ou mesmo em alguns órgão classistas esse tipo de proposta, os idosos brasileiros, da mesma maneira que os franceses, não se preparam para a vida de aposentado. Quando há preparação, verifica-se que as propostas acabam sendo dissonantes do que eles acabaram encontrando no aspecto financeiro. A preocupação maior que se tem nesses cursos preparatórios é mostrar aspectos relacionados à saúde; a importância de se manter ativo para não se ter uma velhice antecipada e isolada. É bastante comum encontrarmos o desconhecimento por parte dos idosos sobre seus direitos no que toca principalmente ao valor de suas aposentadorias e pensões; não foram poucas as queixas quanto a esse cálculos, que sempre foram muito abaixo do que pensavam que iam receber. Entretanto, mesmo quando o período que ronda a aposentadoria é percebido como problemático, já que além dos financeiros há problemas familiares e de saúde, ninguém gostaria de retornar à vida de atividade profissional. 301 QUADRO 7 Como a aposentadoria é entendida pelos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAMIMMA Identificação Preparação A passagem Significado Engajamento atual Voltar ao trabalho ENT 01 UnATI Não Nada afetou Penúria; decepção Maior Não ENT 02 UnATI Não Problemas familiares A saída do filho deu liberdade Maior Não ENT 03 UnATI Não Não trabalhava Grande vazio Maior Não ENT 04 UnATI Não Crise Esquecido do mundo Maior Não ENT 05 UnATI Não Ruim Penúria; decepção Maior Não ENT 06 UnATI Não Sonhos desfeitos Direito Maior Não ENT 07 UnATI Não Problemas de saúde Nada de diferente Maior Não ENT 01 PAM Não Não trabalhava Sofrimento Maior Não ENT 02 PAM Não Período difícil Nova vida Maior Não ENT 03 PAM Sim Problema de saúde Saiu do previsto Maior Ainda atua ENT 04 PAM Não Não trabalhava Semelhante Maior Não ENT 05 PAM Não Ruim Luta-se para sobreviver Maior Não ENT 06 PAM Não Ruim Penúria Maior Não ENT 07 PAM Não Sem problema Aproveito mais a vida Maior Sim se necessário ENT 08 PAM Não Problemas de saúde Decepção Menor Ainda atua 302 O fato de haver idosos que continuam a atuar profissionalmente mesmo já oficialmente aposentados merece maior reflexão, pois nem sempre entra em jogo a opção ou uma dificuldade em saber o que fazer com o tempo livre. Atualmente é grande o número de idosos no Brasil que continuam atuando profissionalmente por necessidade182. A vida associativa e os engajamentos que ela possibilita acabam substituindo os compromissos e a dedicação que é solicitada pelo tempo do trabalho; de forma semelhante ao que foi encontrado nas associações francesas, percebe-se que, após o afastamentos dos compromissos que podem incluir também os familiares, passa a existir um estilo de vida ativo bastante diversificado. Estaríamos diante da busca do que foi chamado de segunda carreira, em que as atividades associativas, voluntárias e de lazer passam a ser fundamentais para esses idosos da nova idade (QUADRO 8). Se levarmos em conta as opções oferecidas num mesmo local, é muito mais diversificado o que foi encontrado na UnATI/UERJ do que no PAM/IMMA. Não sendo comum ao estilo de vida do brasileiro idoso que participa dessas associações ter tido engajamentos anteriores em vida associativa, o que pode ser justificado pelo grande nível de compromisso por eles assumido com a família e o trabalho, além do fato de não ser normal a essa geração de idosos ter esse tipo de engajamento, verificamos então que a curiosidade determina a tendência de querer participar de tudo que é oferecido na associação. Os que já tinham contato anteriormente com alguma associação costumam mantê-lo, sendo muito raro a participação em mais de uma – um perfil semelhante ao encontrado na França. 182 Segundo pesquisa publicada pelo IBGE, com dados do censo do ano de 2000, mais de um quinto dos aposentados brasileiros continuam ainda na ativa por necessidade financeira ou por desejo (RODRIGUES, 2003). “As pesquisas de emprego do IBGE realizadas este ano também constataram um aumento no número de idosos trabalhando (...). O fenômeno registrado em 2003 foi interpretado por economistas como um reflexo da queda da renda do trabalhador” (p.9). 303 QUADRO 8 A vida associativa dos entrevistados que freqüentam os cursos de ginástica da UnATI- UERJ e PAM-IMMA Identificação Significado 1º inscrição Atividades que freqüenta Participação anterior Outras ENT 01 UnATI Se relacionar com outros 2 anos Atividades físicas; coral; voluntariado Não Não ENT 02 UnATI Se relacionar com outros 2 anos Diversas atividades; biodança Não Não ENT 03 UnATI Busca novos aprendizados 2 anos Diversas atividades; dança de salão Sim Sim ENT 04 UnATI Pertencimento 2 anos Diversas atividades; dança de salão Não Não ENT 05 UnATI Pertencimento 2 anos Dança de salão; biodança Não Não ENT 06 UnATI Necessidade 2 anos Diversas atividades Não Sim ENT 07 UnATI Se relacionar com outros 2 anos Diversas atividades Sim Não ENT 01 PAM Pertencimento 3 anos Festas e bazar Não Não ENT 02 PAM Afastar dos problemas 3 anos Não Sim Sim ENT 03 PAM Pertencimento 3 anos Não Sim Sim ENT 04 PAM Necessidade 3 anos Não Não Não ENT 05 PAM Pertencimento 3 anos Não Não Não ENT 06 PAM Uso do tempo livre 1 ano Crochet Não Não ENT 07 PAM Felicidade 3 anos Não Não Não ENT 08 PAM Higiene mental 3 anos Não Não Não 304 Participar das atividades associativas evita o não fazer nada, que em nossa cultura é considerado ruim tanto para o indivíduo como para a sociedade. “Para mim, é muito bom porque acaba com a ociosidade. Eu chego em casa, e é só eu e minha esposa. Eu não gosto muito de televisão, então prefiro ficar aqui e nas outras associações” (ENT. 03, PAM/IMMA). Obrigar-se a permanecer ativo e pertencer à vida associativa pode representar o (re) encontro de um tempo para si que é considerado bastante importante e passa a ser enriquecedor, tanto pelas trocas interpessoais como pelo contato que se tem com novos conhecimentos. Não sendo mais a aposentadoria considerada tempo de inatividade, percebe-se que em contato com esse novo tempo ainda há a possibilidade de voltar a pensar em si, que isso “não foi perdido, mas foi um pouco esquecido devido às preocupações com a casa, os filhos, o trabalho (ENT. 05, UNATI/UERJ). O meio associativo possibilita então trocas interessantes, tanto “de informações como de afeto. Eu acho que isto aqui é o ápice, a descoberta para a terceira idade [...] é um espaço muito interessante que nos obriga a participar. Enriquece-nos muito” (ENT. 07, UNATI/UERJ). A primeira inscrição dos idosos que participam das ginásticas nas duas associações investigadas no Brasil ocorreu logo quando foi lançada a proposta, só existindo uma pessoa que declarou ter entrado um ano depois de terem começado as atividades. Sendo que a maioria não participava antes de nenhuma associação Nunca participei de associações, sempre foi mais a dedicação para a família. Por isso que quando os filhos casam a gente sofre muito, porque se sente só. Aqui é como se eu tivesse renascido, é um ambiente maravilhoso [...] tem uma ou duas meio chatinhas. Sabe aquelas velhinhas que em casa ninguém está agüentando, chegam aqui e logo elas modificam. O carinho que lhes é transmitido. Eu, pessoalmente, todos me conhecem aqui, eu sou a relações públicas daqui. Quando tem algum pedido, eu é que sempre vou falar, sempre somos muito bem tratados. Para nós idosos, o que mais nos cativa é o carinho; e aqui temos muito. Aqui ninguém usa a palavra velho; no máximo idoso. Participo de tudo que for de graça: antiginástica, ioga, coral, teatro, processo harmônico entre outras, eu procuro participar de tudo. Não tenho tempo para outras associações (ENT. 01, UNATI/UERJ). 305 A ocupação do tempo com atividades fora de casa também pode ser entendida como uma fuga, já que nem sempre o relacionamento familiar é harmonioso, havendo muitos momentos de tensão. Como eu tenho muitos problemas em casa, problemas de relacionamento entre os filhos, financeiro, no princípio era uma fuga, agora não é mais. Eu venho aqui me reabastecer, porque enquanto eu estou aqui, a cabeça desliga de lá. Então, quando eu saio daqui, já saiu [...] é gratificante quando eu vejo que não sou a única, que tem pessoas idosas como a gente, pessoas com muitos conflitos com a família. Pessoas em situações mais difíceis do que a minha, eu acabo achando que a grande maioria tem problemas com parentes que eu não tenho. Os problemas financeiros que eu tenho não são no mesmo nível de muita gente daqui. Eu tenho ajuda dos meus filhos. Muitas dizem que não podem fazer determinadas coisas porque têm de cuidar de neto ou de marido. Eu criei meus filhos independentes. Se eu não fizer comida, eles fazem, se eu não lavar roupa, eles lavam (ENT. 02, PAM/IMMA). Com exceção de uma só idosa da UnATI/UERJ que procurou sempre deixar registrado que só participava porque era gratuita, para as demais, a questão financeira nem sempre foi o que impediu a vida associativa, sendo mais uma questão de opção pessoal de uma geração de pessoas que hoje são idosos e aposentados. Esse novo modelo associativo passa a lhes proporcionar oportunidades consideradas ímpares levando-os a sua autovalorização enquanto pessoas. A participação da gente aqui é muito grande, pois eu encontrei aqui tudo o que eu gosto de fazer. Eu nunca pensei em fazer teatro. Eu entrei no teatro e me descobri. A biodança, que eu nunca tinha feito. Nada me impedia de fazer anteriormente, por questões financeiras, não, mas de interesse. Eu acho horrível ter de ficar trocando de lugar várias vezes. Aqui, não, você abrange tudo, e eu posso fazer tudo aqui dentro, então me complementa demais (ENT. 02, UNATI/UERJ). Apesar de se ter contato com diversas atividades que podem ter mais características de entretenimento passageiro, como outras que podem ser consideradas com uma preocupação de desenvolvimento cultural, foi semelhante a preocupação encontrada nas associações universitárias francesa e brasileira, tanto por parte de seus coordenadores como dos associados, em repelir que estariam participando de um clube que oferece 306 atividades de lazer com predominância de atividades mais intelectualizadas. Esse tipo de reação não ocorreu nos participantes das outras associações, que parecem não estar preocupados com essas caracterizações. Com a reação de repulsa, mostra-se um certo preconceito e desconhecimento do que pode significar o lazer, como se nesse tempo não fosse possível haver transmissão de valores ou novas sensibilizações. Para mim a UnATI é uma busca de novos caminhos; eu não vejo isto aqui como lazer, de que muita gente fala. Para mim é uma busca constante para aprender. Isto aqui é um processo de aprendizagem. Fatalmente, nós, até a hora de morrer, vamos aprender a morrer. Para mim isto aqui é uma continuidade. Eu busco fazer tudo, o curso que tiver eu faço, eu procuro sempre fazer mais alguma coisa. Eu participo do teatro, coral, biodança, ioga, anti-gin., espanhol através da música, contando e contando histórias, grupo de reflexão. Eu faço muitas coisas, hoje eu tenho muito mais atividades diversificadas do que antigamente (ENT. 03, UNATI/UERJ). A participação na vida associativa possibilita uma reestruturação da vida pessoal, que acaba tendo reflexos até no convívio familiar; quando se aposentam, muitos só ficavam pensando em problemas os mais diversos, e a atividade associativa é percebida como uma terapia: depois que eu vim para aqui, eu tornei-me outro homem, estou vivendo outra vida, estou adquirindo a minha independência. Eu era um pouco inibido, e hoje não. Eu posso chegar a qualquer lugar e me pronunciar. Estou recordando de assuntos do meu tempo escolar. Não penso mais em doenças. Vou citar aqui um exemplo importante. Minha esposa, depois que aposentou-se, ela não dormia, ela tomava comprimido para dormir e eu ficava preocupado, pois muito remédio pode dar algum problema, tem os efeitos colaterais; mas depois que ela está aqui, ela está dormindo tranqüilamente e isto para mim tornou-se também uma felicidade, e a família se integrou novamente, pois tinha problema de ficar dentro de casa vendo as coisas acontecerem assim (ENT. 04, UNATI/UERJ). A presença nas associações não se restringe ao espaço de tempo compreendido pela oficina. Com certa regularidade percebemos a presença de vários associados conversando e circulando bastante pela associação. O pertencimento a uma associação e o 307 sentimento de não ser uma pessoa inútil, velha e isolada fica bem patente nesta declaração, que resume o que encontramos em nossas observações sistemáticas nas associações. Aqui me aguça a curiosidade. Me faz ler mais, que já era uma coisa que eu já gostava de fazer antes. O fato de me sentir universitário para mim é muito importante – eu só consegui levar os filhos à universidade, agora é minha vez. Depois que eu entrei para aqui eu acho que ganhei uma maior admiração dos meus filhos, foi um passo dado por mim. Melhorou o diálogo, eles vêem a mãe de uma forma mais participante. Veio a contribuir para a minha vida pessoal, já que eu consegui um maior respeito da minha família, uma maior admiração (ENT. 07, UNATI/UERJ). Quando solicitada a fazer um perfil dos idosos que freqüentam o PAM/IMMA, a médica do projeto declara que vê o grupo como pessoas que vêm em busca de atenção e que nem sempre o aspecto saúde orgânica acaba sendo o mais importante. Segundo ela, com os contatos sociais que se efetuavam no posto, acabou-se por reverter culturalmente a tendência do médico apenas assistencial. Numa consulta médica, quando você perguntava a queixa principal, qual era o problema, tínhamos como resposta: ‘eu estou nervoso’, ou ‘estou desesperado, minha aposentadoria não sai’; eram, às vezes, muitas as questões sociais, com persistência de crise hipertensiva, pois não tinham dinheiro para comprar o medicamento. Tinha gente que fazia o controle da hipertensão no indo e vindo, pois tinham direito a vale transporte, pois pensavam assim: ‘eu vou com a pressão alta, me dão um remédio, ou aplicam uma injeção’ – eles mantinham o controle assim (ENT. Coord. médico, PAM/IMMA). A inclusão da ginástica no PAM foi considerada bastante importante pois, segundo a médica do projeto, não se imaginava que o trabalho de educação física viesse a cumprir um papel de interação social também. E, segundo suas palavras, esse foi um marco. A socialização ocorria na sistematização do grupo; as pessoas deixavam bem claro que ficar reunidas numa sala de espera para um atendimento médico não lhes trazia o mesmo prazer que o de ficar reunidos à espera da atividade física. 308 As pessoas então passaram a demonstrar mais solidariedade, se preocupar por que o amigo não veio; começou então a existir uma interação e aí foi-se criando um gosto, que as pessoas foram identificando que essa intervenção estava mudando realmente o perfil delas [...]. Quanto a melhoras observadas, a partir dos exames não foram verificadas, mas uma coisa chamou muito a atenção: na monitoração da hipertensão eu não diria que houve uma redução, mais diria que essas pessoas ficaram muito melhor controladas, já que uma vez por semana eu conseguia fazer avaliação. O que eu tenho clareza é do benefício da interação social; houve uma melhora também no que podemos chamar da preparação para a aula, um calçado adequado, uma maquiagem. Esse é um indicador de visibilidade, você vê. Você olhava para as pessoas, você via as mudanças (ENT. Coord. médico, PAM/IMMA). Conforme o que foi observado pela médica do projeto, os idosos do PAM/IMMA não estavam muito interessados em qualquer melhora, seja ela da flexibilidade ou da força; na verdade eles sempre estavam mais interessados na diversão, na vida associativa, no fato de estar lá juntos com outras pessoas. E é sempre assim, pois se você diz ‘nós hoje vamos fazer um mutirão para medir as pressões’, ou qualquer outra coisa assim, você vai ter dez pessoas; se você diz ‘nós vamos fazer uma festa de comemoração disto’, você tem cem; ‘nós vamos promover uma dança’, você tem 150. A questão dessa corrida de ganho do tempo, quando você vem para uma festa ou para o lazer, e isto está dizendo muita claramente que você está apto, que você está bem, você está correndo atrás do tempo que te resta. Quando você veio para fazer um tratamento de saúde, é diferente essa representatividade no idoso, eu não tenha dúvida (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA). As atividades físicas no PAM/IMMA eram animadas por acadêmicos do curso de educação física da UERJ, que seguiam orientações da médica do PAM e de um professor do Instituto de Educação Física daquela universidade, dentro de um trabalho que envolvia uma equipe multiprofissional. No início do projeto ficou decidido que seria apresentada uma atividade física por semana, mas como verificamos, a proposta do Instituto de Educação Física era de duas vezes por semana. Segundo declarou a médica do projeto, a opção por um dia se deu em função de sua impossibilidade de acompanhar todas as intervenções práticas. Seus dias e horas de compromisso profissional com o PAM acabaram 309 não coincidindo com o que era proposto pela educação física. “Num primeiro momento a operacionalização assim não me permitiu, eu queria estar sempre presente, pois fui muito ameaçada, inclusive pelo vice-diretor do PAM da época, que dizia ‘vai morrer gente’” (ENT. Coord. médico, PAM/IMMA). Segundo o idealizador do projeto IMMA, promoção da saúde e autonomia são os principais objetivos da proposta. Quanto ao primeiro, inegavelmente é o objetivo principal, a promoção da saúde dentro de um quadro teórico “que leva em consideração a idéia da desmedicalização, a idéia de autonomia, a idéia de atendimento da população como um todo, a partir do desenvolvimento de todas as agências, educação, educação física”. Dentro dessa característica de desmedicalizar, a relação com os médicos do projeto “está no equilíbrio muito bom, que até me surpreendeu” (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). Com relação ao conceito de autonomia, ele ainda estaria sendo construído, já que a literatura mostra que não existe um conceito terminado, mesmo que já se tenham algumas indicadores. Então a gente está trabalhando muito com dois aspectos: autonomia do ponto de vista social com autonomia do ponto de vista físico. Nós não temos, por exemplo, a questão da autonomia do ponto de vista médico, isto é, o grupo da medicina que se ocupa mais, e a gente não tem muito claro o que é isto. Nós temos o senso comum. Então nós estamos assim, em termos de autonomia: primeiro, atividade da vida cotidiana, sem nenhum tipo de auxílio. Autonomia envolve também a participação comunitária, associativa, social. Então este grupo se encontra na atividade física, eles procuram o programa também por isto, que no nosso caso não foi a causa principal. Não foi a causa principal porque teve origem no setor geriátrico (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). Há no projeto PAM/IMMA uma preocupação de que as atividades físicas sigam uma orientação pedagógica, procurando-se trabalhar determinados aspectos da aptidão física, a partir de características elegidas que possam ser verificadas (LABORINHA, 1997). Se há idosos com problemas posturais, não há uma preocupação específica nesse sentido, pois, segundo o coordenador do projeto não se teria por objetivo fazer um trabalho diversificado. “O que nós estamos procurando fazer é incluir atividades que sejam para todos e que não agravem os problemas existentes.” O esquema de aula adotado seguiu 310 algumas características propostas no modelo de Dominique Collignon adaptado às realidades dos idosos brasileiros, com a inclusão da dança para o que foi chamado de deslocamento no espaço e a subtração de qualquer tipo de atividade que causasse emulação, como jogos e esportes. No período em que observávamos o grupo PAM/IMMA, estava sendo posta em prática pela primeira vez a bateria de testes que procuravam medir o tempo de reação; mobilidade articular; equilíbrio; a amplitude da marcha e a força. Segundo a orientadora pedagógica do PAM/IMMA, é o coordenador de educação física que vai ser responsável pelas decisões que influam numa possível mudança de metodologia ou mesmo na orientação dos testes, sendo registrados ainda alguns problemas na utilização plena da metodologia. Com relação às aulas, foi observado que a gente nas aulas ainda não estava trabalhando a questão da autonomia. Nós estamos buscando mecanismos para correr atrás dessa questão de autonomia. Tanto é que a gente está sugerindo para os alunos mestres utilizarem mais material, pois a mão livre é uma coisa, mas quando você cerceia o movimento, é outra ação [...] No início de cada ano letivo a gente coloca para os alunos mestres o que cada mês será priorizado. Mensalmente há uma reunião e ao final de cada aula eu me reúno com aquele que acabou de ministrar a aula [...] Enquanto orientadora, a gente organiza as aulas; não que a gente retire, por exemplo, a questão do trabalho de esforço, flexibilidade [...] Veja bem, a cada quinze dias a gente prioriza algo, por exemplo, o equilíbrio, a coordenação, força, etc. (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). É interessante que não se percebe na proposta teórica dos responsáveis pela educação física desta associação a característica de apresentar os idosos pelo aspecto do declínio, que é bastante comum nas outras propostas analisadas. Segundo seu coordenador, há uma preocupação com o aspecto pedagógico, e o professor que vai atuar no projeto é treinado e estimulado a explicar o nome de determinados músculos e o significado de determinada terminologia usada pelos professores de educação física. Uma das coisas que a gente pede é que eles expliquem para que serve aquele exercício, como se portar frente aos alunos e como passar os conteúdos de ensino. Quanto ao estilo de aula, a gente dá 311 liberdade, já que ele é pessoal. Agora, o que a gente quer passar é um esquema de aula que começou a partir de Dominique Collignon. Hoje nós estamos experimentando um esquema próprio, nós introduzimos a dança – que não faz parte do método belga – numa das partes das aulas, e outra coisa: nós excluímos os jogos. A dança vem se tornando ponto culminante; ela foi se envolvendo, e a nossa interpretação é que ela permite mais contato social, permite tocar, permite mais movimentos de iniciativa (ENT. Coord. educação física PAM/IMMA). Na outra associação, a UnATI/UERJ, os participantes da gin-suave são definidos pela animadora/professora do curso como um grupo da terceira idade que busca em sua atividade corrigir determinados problemas de saúde, descritos bem de acordo com a concepção que vê o envelhecimento pelo aspecto das perdas e da diminuição de determinadas capacidades físicas e comprometimentos orgânicas. Sendo que os problemas que ocasionam posturas inadequadas e que causam dores são os que vão pautar suas aulas183. Nós somos capazes de identificar bem as pessoas deste grupo. Já sabemos o que vai acontecer com o idoso: uma perda de flexibilidade, uma baixa de resistência, uma diminuição de coordenação, de equilíbrio, uma diminuição da capacidade respiratória. As pessoas que procuram a nossa atividade não têm necessariamente só um problema (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Uma de suas observações sobre o grupo, que pode ser creditada aos dois grupos brasileiros, é o nível de exigência dos idosos/alunos, que possibilita uma intervenção mais despreocupada de determinadas cobranças. “Talvez eles só conheçam como referência o que eles vêm aqui; daí o pouco que a gente faz é muito” (ENT. Anim. UNATI/UERJ). A atividade do grupo de antiginástica, a escolhida para nossas observações, é também considerada uma aula e não uma terapia, como normalmente pontuam as intervenções realizadas por fisioterapeutas. No programa da disciplina que antes das 183 A professora/animadora, no momento de nossas observações, tinha 39 anos de idade. Voluntária, nunca passou, em sua formação de fisioterapeuta, por curso que tratasse especificamente dos idosos ou do processo do envelhecimento. Sua experiência com esse universo veio de sua atuação em hospitais e em clínica particular, e participa das atividades na UnATI/UERJ desde o seu início. 312 inscrições é distribuído aos alunos184 consta que o objetivo da antiginástica é: “proporcionar às pessoas da terceira idade a percepção do corpo, do esquema corporal, melhora das funções vital, locomotora, da destreza, do equilíbrio, da coordenação e do ritmo, e oferecer recursos de auto-tratamento” (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Levando em consideração que a atividade antiginástica não deveria ser muito conhecida pelos associados da UnATI/UERJ, interessou-nos saber o que teria atraído essas pessoas a participar, já que o número de vagas estava completo. A animadora/professora diz que não saberia responder, negando o que vem se delineando, de que estariam buscando fazer alguma coisa para se manter em atividade, tendo contatos sociais em torno de situações que podem proporcionar prazer. Eu acho que despertou alguma curiosidade. Não acredito que eles venham para ficar entre outros, inclusive nós já falamos muito com eles sobre isso, e, neste caso, eles fariam qualquer coisa. Eu acho que o nome ginástica às vezes é alguma coisa que passa meio desagradável. Como eles precisam, fica mais ou menos assim: eu preciso, mas é anti, entendeu? (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Na prática, o que se procura fazer é uma correção postural, buscando a prevenção, utilizando diversas posturas, sem que sejam solicitadas as contrações musculares que habitualmente ocorrem na ginástica tradicional. Ao se enfatizarem as contrações isométricas, “acreditamos que com este tipo de contração a gente esteja reativando a memória do músculo. Você acaba fazendo um esforço maior de solicitação. Esta é a orientação que a gente acha mais forte” (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Por esse motivo, procura-se enfatizar a saúde pelo ponto de vista da postura, solicitando aos alunos que sejam eles os responsáveis pela regulação dos limites da tensão que é aplicada aos músculos. Procura-se fazer uma fixação de segmentos corporais com pequenos implementos, como pequenas bolas de variados tamanhos. 184 O grupo observado está no que foi considerado na grade curricular da instituição como nível 2, o que implica uma experiência na atividade, já que todos passaram obrigatoriamente pelo nível 1. Cada um desses níveis corresponde, na estrutura da UnATI/UERJ, a um semestre letivo. 313 A Therèse Bertherat. chamou isto de Antiginástica pelas diferenças. Na verdade, não é só por isso: os movimentos são mais lentos, precisa de lentidão para acontecerem as trocas químicas, as transformações física e muscular, isso superlento. Procuramos nas nossas aulas relaxar, mas a nossa intenção não é a de utilizar qualquer auxílio de música. Nós vamos em geral encontrar um músculo tenso. Para a gente trabalhar aquele músculo tenso, a gente precisa antes achar o tônus daquele músculo, depois é que a gente vai tonificá-lo. Nós não só relaxamos como tonificamos. Por isso eu acho importante a conscientização, os movimentos têm de ser percebidos (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Em sua oficina são utilizadas diversas técnicas, todas oriundas da fisioterapia, como por exemplo a reeducação postural global (RPG), as técnicas das cadeias musculares, de facilitação neuromuscular e a de jogos dramáticos. Comparando ao que normalmente é feito em consultórios, a proposta de fazer com grandes grupos como o da UnATI/UERJ passa a ser uma adaptação, que leva em conta uma anamnese que é feita logo no início de cada semestre letivo. Para ela, o nome de sua atividade não deve ser visto como o que tradicionalmente a UnATI/UERJ vem oferecendo a seus associados, e nem tão pouco creditado a apenas uma determinada técnica. Não sendo capaz de indicar um outro nome para sua atividade, que segue formato francês que se denomina como gin-suave, ela diz que o nome na verdade não é antiginástica. “Nós fazemos um trabalho típico de utilização da biomecânica. Ao longo de nossa vida acadêmica teve uma época que nós tivemos uma preparação nestas técnicas que visam e propõem o trabalho global.” A partir do primeiro trabalho elaborado por outra terapeuta corporal, outros fisioterapeutas acabaram construindo suas próprias técnicas. A Therèse chamou de Antiginástica, o Paul Richard chamou a técnica dele de RPG. Na verdade todos tiveram sua base no trabalho inicial de Méziers. Para nós, o que é mais importante, como fisioterapeutas, é o trabalho com a globalidade. A nível muscular, articular, visceral e uma preocupação também a nível emocional. Ainda com relação aos objetivos a serem desenvolvidos no curso, este poderia ser resumido em fazer as pessoas se soltarem mais, melhorarem a postura, frisando que se tem um objetivo na aula que fundamentalmente é explicado pelo que se pode influir na postura 314 do indivíduo. As pessoas procuram “uma postura para se proteger, que faz você se equilibrar. A tua postura revela a tua personalidade, o teu interior” (ENT. Anim. UNATI/UERJ). A responsável pelas intervenções práticas do outro grupo ainda era acadêmica de educação física, cursando o sétimo semestre do Instituto de Educação Física da UERJ, período que corresponde ao penúltimo de suas obrigações acadêmicas185. Quando ela está atuando, poderá haver interferência da orientadora pedagógica, mas, no caso das observações que acompanhamos, isso só ocorreu quando houve dificuldade de compreensão por parte dos alunos quanto ao que era desejado pela animadora/professora. Não existindo no curso que freqüenta uma disciplina específica para tratar dos idosos e do envelhecimento, ela encontrou em uma disciplina denominada Educação Especial espaço para abranger sua formação nesse segmento, já que os acadêmicos devem fazer vários estágios. Havendo vários projetos realizados na própria universidade, seu interesse foi o de atuar com idosos. A disciplina Educação Física Especial normalmente aborda o deficiente físico, mental, pessoas com distúrbios de comportamento, diabéticos, hipertensos, etc. O objetivo principal da disciplina é levar os acadêmicos a perceber como se deve lidar com esses grupos, e o estágio acaba servindo para se ter uma visão prática. No caso dos idosos, ela acredita que eles se enquadram em muitas dessas características. Após um ano de observação e estágio, ela já passou a atuar como bolsista: “Na verdade esse é o meu terceiro contato. No primeiro semestre foi muito pouco; o segundo já foi como estágio, assistia às aulas e colaborava. Agora estou como aluno mestre” (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). A mesma animadora, ao participar do estágio curricular, ao fazer um trabalho curricular sobre o assunto idosos, verificou coisas que ainda não tinha tido a capacidade de perceber anteriormente: “era a questão da discriminação do idoso e o isolamento social que eles sofrem” (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). Para intervir, verificou que ainda 185 Ela atua como monitora bolsista, percebendo remuneração do setor de extensão da universidade. Para o aprimoramento de suas intervenções, recebe orientação pedagógica de uma professora do instituto, que faz parte do projeto PAM/IMMA. Durante nossas observações, coube à acadêmica a condução da atividade, atuando como animadora/professora. Com 21 anos de idade, já faz parte do projeto há um ano. 315 não existia muita discussão sobre a melhor maneira de atuar com idosos; a referencia acabou vindo de outras disciplinas. Na minha prática eu me baseio no conhecimento de outras disciplinas, textos, livros, etc. Dentre as disciplinas, fisiologia, fisioterapia e também a parte de metodologia do ensino, psicologia, recreação. Para eu lidar com essa clientela eu tenho, por exemplo, a disciplina fisiologia, para o conhecimento dos limites – o que eu posso passar para eles; na recreação eu vejo a importância de uma integração, o prazer que isto promove e como eu estou fazendo um trabalho que é importante: a integração e também a busca da melhora da autonomia deles (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). Segundo ela, há então a necessidade de ter à sua disposição exercícios mais direcionados, tendo que fazer uma ligação que é com a recreação: “se for ver bem, eu fico mais com a parte da recreação mesmo” (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). Sobre a pouca exigência dos idosos, frágeis, e o fato de não serem muito reivindicativos, vindo a aceitar qualquer coisa que lhes é apresentada, sua posição se baseia no que normalmente ocorre com crianças, o que creditamos mais a questões geracionais do que de uma determinada idade. Quando a gente trabalha com crianças, a gente tem que estar variando a toda hora, mas com adultos eles não gostam que varie muito. De repente, quando eles estão começando a pegar, e vou lá e mudo, eles se sentem inseguros. Os idosos têm como característica não reivindicar, mas agora a gente está estimulando isto. As crianças, não, se elas não gostam, elas não fazem. E dependendo do nível social, são menos carentes que os idosos. Os idosos são muito carentes, qualquer ato de carinho é recebido com uma gratidão enorme e é uma coisa que a gente sente e que dá muito estímulo, tem um retorno muito grande esse lado afetivo. E é lógico que há limitações com eles. Nas crianças você espera uma reação e há uma reação rápida, de repente com os idosos não, eles são um pouco frágeis (ENT. Anim. educação física, PAM/IMMA). As orientações que ela recebe são no sentido de preparar suas aulas para cada mês, podendo ser dado maior ênfase ao equilíbrio, força, ritmo, flexibilidade ou coordenação motora. No período em que acompanhamos suas intervenções ficamos sabendo que seriam privilegiados a força e o equilíbrio. No entanto, em nenhum momento nos foi apresentado 316 um planejamento mais detalhado do que seria apresentado nesse sentido, o que não se diferenciou de nenhuma outra associação investigada, tanto brasileiras como francesas. E logo nos minutos que antecediam as atividades ficávamos sabendo o que seria proposto aos idosos/alunos. Eu procuro variar as aulas, mas não muito, pois eles têm muita dificuldade para pegar, eles nem gostam muito que seja mudado. Foi uma coisa que eu tive que reformular: quando eles começam a pegar os movimentos, eles ficam mais satisfeitos. Então eu repito alguns exercícios nas aulas e modifico sempre as brincadeiras. A gente não força nada, se preocupa com o risco de um tropeço, um acidente, eu estou sempre preocupada. Quando eu vou dar uma atividade nova, penso: será que eles vão gostar? (ENT. Anim. PAM/IMMA). Sobre o método adotado, da belga Dominique Collignon, ela diz que tenta seguir, mas acha que há problemas com a clientela do PAM/IMMA, pois haveria partes que não poderiam ser adotadas pelas características dos idosos da associação, que não possuem qualquer experiência com a prática de atividades físicas. Tem jogos e brincadeiras que a gente não pode fazer com eles, até os exercícios de força a gente fica limitado, até pelo risco. Eu acho que os nossos idosos não têm o mesmo condicionamento de lá na Europa. A gente quer que eles sejam autônomos, que as aulas sejam menos dirigidas, que tenha menos comando (ENT. Anim. PAM/IMMA). É também enfatizada por ela a necessidade de se proporem alguns exercícios que sejam repetidos nas residências e que, à medida que o programa avance, poderia ser almejada a entrada de atividades menos dirigidas e que possibilitassem a criatividade dos alunos. A gente quer que eles criem, que eles façam a atividade, que eles possam ser menos dirigidos. Que eles venham a criar, já que eles fazem atividades em que pode haver criatividade, dançar livremente. Também é importante falar que o exercício deve ser feito em casa. No entanto eles preferem ser comandados, pois se sentem mais à vontade. Se a gente faz um movimento, todo mundo faz parecido. Para eles é mais fácil copiar, eles preferem fazer coletivamente ao invés de individualmente; acho que eles se sentem mais seguros (ENT. Anim. PAM/IMMA). 317 Ao descrever a proposta do PAM/IMMA, a orientadora pedagógica procurou apresentar a proposta argumentando que no início do projeto a dança constituía o conteúdo principal, mas com o decorrer do tempo houve uma alteração. A partir do momento em que passou a ser usado o método de Collignon como referência, a dança deixou de ser a parte principal da aula, passando a ser sua quinta parte, onde pode-se desenvolver o deslocamento no espaço. A dança estaria inserida nesse contexto. De certa forma acaba indo contra a preferência dos idosos, pois segundo suas observações, os idosos desse grupo adoram a parte da dança; não que eles desgostem das outras, até porque a gente teve que explicar para eles. Às vezes a gente alongava muito a parte de preparação corporal, de trabalho de flexibilidade, de uma dinâmica mais ou menos moderada com eles. Então, quando a gente partia para a dança, mesmo para a dancinha tipo de salão, quando parávamos, eles falavam: ‘puxa vida, esta parte, que é a melhor, vocês trabalham pouco tempo’ (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). A escolha dos exercícios que são previamente construídos e que se assemelham ao que pode ser chamado de ginásticas oriundas do método neo-sueca leva em conta o grupo e sua experiência com exercícios físicos, procurando-se escolher aqueles que demandem o mínimo de complexidade. Na preparação da atividade, os exercícios são escolhidos a partir de uma revisão do que há na literatura; como os idosos são pessoas não treinadas, a gente começou a trabalhar movimentos bem simples e bem diretivos, quase calistênicos. Não aquela calistenia bruta; a gente procurou suavizar até porque a gente é dinâmico. Nós começamos com esta questão de diretividade, eles não têm noção de direita e esquerda (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). Demonstrando haver sintonia com o que é percebido pela animadora/professora, a orientadora pedagógica afirma que se está tentando sair um pouco da diretividade que vem pontuando a atividade, buscando transformar a intervenção num trabalho mais livre. Nesse sentido, ela tem sempre sugerido que as atividades escolhidas para serem aplicadas possibilitem mais a criação. Com relação aos exercícios, segundo a professora, há um planejamento, os alunos estagiários dando sugestões, com as quais às vezes ela não concorda, mas os estagiários insistem que devem experimentar. “Isso pode ocorrer, mas a 318 gente vai ver como eles, os idosos, vão reagir, pois existem exercícios para idosos que a gente, quando vê na literatura e analisa o grupo, vê que são inviáveis.” Sendo assim, ainda não existiria à disposição “uma metodologia adaptada ao grupo que freqüenta essas atividades, dificultando a preparação das aulas” (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). Quando os idosos das associações brasileiras são questionados sobre o significado da prática de atividades físicas em suas vidas, vemos que raramente ela veio a ser praticada com certa regularidade ou mereceu qualquer tipo de preocupação; de maneira sistematizada, a maioria passou a praticá-la após a entrada na associação (QUADRO 9). Quando havia a prática, ela era esporádica, isolada, ou realizada na própria residência. ”Eu sempre procurei ser regular, mas sempre em casa, nunca procurei uma academia” (ENT. 07, UNATI/UERJ). Quando comparamos ao que foi encontrado na França, o quadro se apresenta diferente pois, mesmo sem muita regularidade, existia a preocupação de praticar atividade física anteriormente à vida associativa. Verificamos que na França o uso da bicicleta como meio de transporte na vida cotidiana possibilitou que esses idosos, quando mais jovens, tivessem uma vida com mais atividade física fora de casa. Em Rennes, como em grande parte do país, é comum o uso da bicicleta como meio de transporte, havendo muitas ciclovias, enquanto que no Rio de Janeiro ainda é recente a inclusão dessa prática, e bastante restritos os espaços que possibilitam essa atividade física, não fazendo parte das oportunidades dessa geração de idosos com que tivemos contato. Tanto a ginástica tradicional como a suave foram incluídas na vida desses idosos brasileiros como utilidade, já que é descrita a existência de uma relação bastante importante entre a atividade física e a solução de determinados problemas físicos e orgânicos, o que aproxima sua prática de uma medicina curativa. Eu sofria de problemas na coluna cervical e lombar, dores na cabeça e artrose. Eu fiquei pensando: antiginástica é uma coisa que não deve ser ginástica, achei que fosse uma coisa mais médica. Praticar uma atividade física representa a movimentação do corpo todo. Eu não sabia respirar, nesta idade eu não sabia respirar (ENT. 05, UNATI/UERJ). 319 QUADRO 9 A relação estabelecida entre os praticantes e a atividade física e sua experiência anterior a UnATI- UERJ e PAM-IMMA Identificação Anteriormente As ginásticas Para que serve a ginástica ENT 01 UnATI Não Não conhecia Para se manter jovem; estética; saúde ENT 02 UnATI Em casa Uma é mais dinâmica Dá energia; estética; saúde ENT 03 UnATI Irregularmente Uma é mais suave Encontrar outras pessoas; corrige a postura ENT 04 UnATI Só na escola Mais lenta Encontrar outros como terapia; saúde ENT 05 UnATI Irregularmente Não conhecia Problemas de coluna; saúde ENT 06 UnATI Só na escola Não conhecia Diminui as dores; saúde ENT 07 UnATI Não Não agride o corpo Curativa; saúde ENT 01 PAM Não Não conhecia Saúde; melhorar a cabeça ENT 02 PAM Não Não conhecia Saúde; melhorar a cabeça ENT 03 PAM Sim Não conhecia Retarda o processo do envelhecimento ENT 04 PAM Não Não conhecia Saúde ENT 05 PAM Não Não conhecia Quando não se faz se perde saúde ENT 06 PAM Não Não conhecia Necessidade para a saúde ENT 07 PAM Não Não conhecia Bom para fazer amizades ENT 08 PAM Não Não conhecia Saúde; faz-se amizades 320 Outros afirmam que após a opção pela ginástica passaram a encará-la como uma necessidade, pontuando com freqüência as informações que lhes foram anteriormente passadas nas associações, seja pelo médico, no caso PAM/IMMA, seja pelos documentos de divulgação interna da UnATI/UERJ, que abordava os benefícios que a atividade física oferece à saúde. Quando eles deram a opção da antiginástica, eles deram um histórico, eles falaram da postura, correção de coluna; como eu tenho um problema na lombar, eu achei que poderia melhorar. E, engraçado, desde que eu estou participando da ginástica, eu não tive mais crises. Ela foi para mim uma experiência agradável e, tenho certeza, estou sentindo isto, que ela funciona como corretora de postura, como melhoria até de nosso organismo e do estado físico; eu considero excelente (ENT. 03, UNATI/UERJ). A saúde passa a ser o principal argumento dos idosos brasileiros, misturando-se à necessidade de conhecer pessoas e de manter um certo convívio, que, segundo eles só quem tem saúde seria capaz de estabelecer: “estou aqui para ter mais contato com pessoas, fazer novas amizades” (ENT. 03, PAM/IMMA). Ainda com relação aos idosos/alunos das associações brasileiras, mais uma vez nos utilizamos de Adam e Herzlich (2001:85-86), segundo os quais o corpo tornou-se seu principal signo: “A saúde inscreve-se na pluralidade dos sistemas de significação pelos quais fazemos uma representação do mundo em que vivemos”. Segundo os autores, à medida que a saúde passou a ser apropriada, dando lugar “a variados consumos médicos, viu-se expandir o campo dos objetos e situações em relação às quais a noção de saúde poderia estar operante” (ADAM, HERZLICH, 2001:86). Para os associados, entre os problemas relacionados à saúde, a coluna vertebral é o que mais incomoda. “O meu principal objetivo é cuidar dos meus problemas de coluna” (ENT. 03, PAM/IMMA). O que se percebe no conceito de saúde é que ele é bastante amplo e semelhante ao encontrado na França, conseqüência de quem tem hábitos de vida considerados saudáveis, como a prática de atividade física, alimentação, etc. Eu tenho bico de papagaio. Eu escolhi de acordo com os prospectos que eram divulgados. Eu já fazia outros cursos, com uma 321 nutricionista. Eu precisava de uma coisa mais efetiva; então eu passei, após uma crise de coluna, a freqüentar a antiginástica e me senti muito bem (ENT. 07, UNATI/UERJ). Nas associações brasileiras encontramos referências mais imediatistas à saúde, já que se estabelece uma relação expressa pelo aspecto curativo, seja por causa de problemas na coluna, seja de outras mais orgânicas ou mesmo ósteo-mio-articulares. Poderia também ser compreendido como uma manutenção de um estado harmonioso em que entraria o biológico, o psíquico e o social, e que se assemelha ao conceito de saúde mais difundido da OMS. “Meu primeiro objetivo é me manter bem. Ela me dá energia e mantém o meu corpo. É a minha saúde; em segundo há o estético” (ENT. 02, UNATI/UERJ). Quando questionamos a médica e a orientadora pedagógica do projeto PAM/IMMA sobre o que eles imaginam representar a saúde, recebemos como resposta que a definição tradicional da OMS não serviria para os idosos que participam do projeto, pois, segundo a médica, é um pouco difícil incorporar no idoso esse conceito; “o velho nunca estaria adaptado a um conceito de saúde”. Ele não é saudável nunca, ele tem sempre uma dependência por que você trabalhe [...] o velho tem sempre um agravo específico que necessita mesmo de um tratamento curativo [...] uma dependência funcional; poucos são os idosos que não tem um agravo (ENT. Coord. médico, PAM/IMMA). Por esse motivo, esse conceito de saúde não se aplica lá muito bem para os idosos, disse-nos a médica do projeto, existindo outro que é o de promoção da saúde, que no PAM/IMMA tenta-se usar como referencial para responder a essas lacunas de outra maneira. “Acho que a saúde é o velho estar apto a atender da melhor forma possível a suas próprias demandas. [...] cada um tem a saúde definida por si mesmo; a saúde que eu quero para mim nem sempre é aquela que você quer para você” (ENT. Coord. médica, PAM/IMMA). Para a orientadora pedagógica, a atividade física é simbolizada pelo movimento humano e tem fundamental importância no conceito de autonomia. Segundo ela, em primeiro lugar a atividade física para os idosos deve ser voltada para a promoção da saúde e a socialização, mas quando passa a definir o que seria saúde, acaba se utilizando de argumentos que estão mais próximos do conceito tradicional da OMS. 322 Saúde é algo vem da mente da gente, sei lá, do corpo, acho que vem da cabeça da gente. Nós é que somos responsáveis por ela, vem da alimentação, do seu dia-a-dia, até em cima de sua qualidade de vida, como você direciona a sua vida. Saúde é um bem-estar geral, mental, físico, emocional, afetivo, enfim (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). Quando verificamos como nas associações francesas se entende a atividade física e sua relação com a saúde, esta passa a ser considerada como prevenção de uma futura velhice dependente, um tipo de resistência ao envelhecimento. Nas associações brasileiras, a questão da dependência não surge com a mesma força, talvez porque esse problema ainda esteja sendo renegado em função do significativo espaço que ainda tem no modelo social do envelhecimento ativo. É significativa a importância que se dá entre os idosos das associações brasileiras às trocas e contatos sociais, que em geral não passam do espaço da associação, ocorrendo ou não na ginástica. “Aqui eu me sinto animada junto com todo mundo” (ENT. 06, PAM/IMMA); “para mim é tudo, me sinto bem, com muita força, muita coragem, disposição” (ENT. 07, IMMA/PAM). Estar em contato com outras pessoas é uma tônica sempre presente nas associações: “conhecer outras pessoas também é muito importante” (ENT. 02, UNATI/UERJ). No entanto, parece claro para esses idosos que quem é capaz de estabelecer esses contatos é uma pessoa saudável, passando a ser a sociabilidade secundária à preocupação curativa quando especificamente relacionada à prática da atividade física: eu costumava caminhar por recomendação médica. Problema com os triglicerídios. Quando estava com o problema, eu era mais regular. Após a minha entrada para a antiginástica, eu a substituí, não caminhando mais. Acho que a questão saúde vem em primeiro lugar, é fundamental. Em seguida há a proximidade que existe entre todos, essa coisa do grupo. O grupo é sempre uma coisa bem afetuosa, fraternal. (ENT. 07, UNATI/UERJ). Da mesma forma que na França, apesar de participarem de um curso que leva o nome de ginástica, percebe-se que não é clara a distinção que pode existir entre as propostas que lhes são dirigidas, seja na forma mais suave, seja na mais tradicional. É significativo o fato de que as pessoas, ao iniciar a atividade prática, desconhecem como 323 seriam passados os conteúdos e como as mudanças esperadas ocorreriam. Não havia mesmo muito interesse em saber quais seriam os principais objetivos do animador/professor, mesmo que estivessem disponíveis em ementas, como no caso da UnATI/UERJ, ou fizessem parte das palestras que foram apresentadas aos idosos do PAM/IMMA. A questão do permanecer saudável, jovem, resistindo ao envelhecimento, fazendo contatos sociais que podem se tornar amizades, conservando ou recuperando a saúde, está presente nas declarações, mas o quase total desconhecimento do que é almejado na proposta da associação é uma realidade. Isso acaba reforçando a tendência de procurar se engajar em qualquer coisa. Para te dizer a verdade, desde quando eu cheguei na UnATI/UERJ, eu escolho as atividades pelo título delas. Por exemplo: ‘Brincando com alegria’. Como eu sou muito alegre, eu gosto muito de alegria, fui participar; com a antiginástica foi semelhante. Pratico porque eu quero me conservar jovem enquanto puder [...] A antiginástica serve para a saúde, para a mente, para tudo! É saúde voltada para a manutenção, mas também há o estético (ENT. 01, UNATI/UERJ). A primeira aula nas duas associações se apresentou como uma novidade, principalmente quando se vai ter contato com uma atividade denominada antiginástica, cuja denominação causou reações bastante diversas e surpreendentes: “a. antiginástica, no meu pensamento, era ‘anti’ alguma coisa, mas não era nada disso” (ENT. 04, UNATI/UERJ). Em geral, fazer atividade física com certa regularidade não fez parte das atividades elegidas como importantes pela geração desses idosos brasileiros. Em muitos casos só a praticaram durante o período da vida escolar, mas levando-se em conta sua pouca permanência na escola, as possibilidades diminuíram bastante. Sem contar também que durante muito tempo a educação física escolar não foi ministrada nas primeiras séries do ensino básico. O coordenador de educação física do PAM/IMMA assim se referiu aos idosos da associação: é um grupo totalmente inexperiente, nunca fez educação física durante toda sua vida. É um grupo em que 90% não ultrapassaram o curso primário, e é importante que se diga que aqui no Brasil o 324 curso primário não oferece educação física, só nas escolas de elite e em algumas experimentais. Então este grupo que nunca fez a atividade física e é da classe trabalhadora não tem dinheiro para entrar em clubes e academias. Eles são totalmente inexperientes em jogos, em desportos, etc. No grupo, você observa também a questão do uso de uniformes. Eles ainda não tomaram a iniciativa nem de virem de uniforme, botar um tênis ou jogging. Então você vê que tem muitas mulheres de saia. Faz parte da subcultura do idoso da classe trabalhadora, englobando o problema do machismo (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). Independente do grupo brasileiro analisado, essa geração de idosos ainda não se sente à vontade para freqüentar determinados espaços que não foram originariamente destinados aos de sua geração, como as academias de ginástica, que têm como freqüentadores pessoas bem mais jovens do que eles. No entanto, a ida a uma associação específica para idosos, mesmo sendo ela numa universidade, acaba quebrando certos tabus. “Eu ficava olhando as atividades físicas que são feitas nas academias de musculação, a maior parte é tudo para jovens. Não tem para mim. Aqui eu encontrei o ambiente ideal” (ENT. 04, UNATI/UERJ). A prática de atividade física por recomendação médica foi uma constante entre os idosos que a fazem no PAM/IMMA, fato explicado pela própria característica do grupo. Eu nunca pensei em fazer ginástica porque a gente acha que nunca tem tempo. Então a dra. começou a incentivar [....] aí eu disse: ‘sabe de uma coisa, eu vou arranjar um tempo’, e eu acho que até melhorei. Eu quero melhorar muito a minha cabeça, principalmente. A gente fica trancada dentro de casa, pensando na vida, a gente vai esclerosando muito cedo. E aqui, não, a gente se diverte, conversa, faz mais amigos, passeia... (ENT. 01, PAM/IMMA). A recomendação que esses idosos vêm recebendo é de que a atividade tem uma forte relação com saúde, permitindo então que haja um envelhecimento com qualidade de vida. Entretanto, o que significa saúde e sua relação com a atividade física não é tão fácil de ser expressa por esses idosos (QUADRO 10). 325 QUADRO 10 Como é percebida a saúde e suas relações com a atividade física para os entrevistados da UnATI- UERJ e PAM-IMMA Identificação Significado para a saúde A relação atividade física com a saúde O que inquieta mais ENT 01 UnATI O bem mais importante Importante para a saúde Nada me inquieta ENT 02 UnATI Não ter doenças; está na cabeça É bastante importante Nada me inquieta ENT 03 UnATI Fazer tudo que se quer; é tudo È fundamental para a postura Meu último exame ENT 04 UnATI Vem dos cuidados com o corpo Ocupa o tempo; obriga a sair de casa Pressão elevada ENT 05 UnATI Saber controlar os problemas Melhora a respiração Ficar dependente ENT 06 UnATI Bem estar corpo e mente Sem opinião Dores que sente no corpo ENT 07 UnATI Resulta de uma alimentação Sem opinião A visão ENT 01 PAM Quando nada dói ela vai bem Fundamental manter o corpo Nada me inquieta ENT 02 PAM Equilíbrio geral Sem opinião A dependência ENT 03 PAM Estado de espírito Sem opinião A irreversabilidade do Parkinson ENT 04 PAM Resulta do estilo de vida Sem opinião Vamos vivendo a vida ENT 05 PAM Quando não há nenhum problema Faz parte da vida Nada me preocupa só a perda da visão ENT 06 PAM Resultado de vida ativa Sem opinião Uma operação ENT 07 PAM Resultado de cuidados Sem opinião Nada ENT 08 PAM Não ter problemas Sem opinião Um ataque cardíaco 326 Passa a ser uma necessidade sair de casa e ser ativo, já que o “objetivo é evitar que fiquemos parados; conforme diz a dra., muitas das doenças são porque a pessoa fica parada” (ENT. 03, PAM/IMMA). A importância do engajamento em atividades físicas é reconhecida como a possibilidade de enfrentar o envelhecimento de forma diferente, já que na maioria esses idosos são pessoas que ficavam muito presas em sua casa, sem sair muito: o tempo vai passando e a gente não se comunica com as outras pessoas, vamos ficando estressados e o reumatismo vai atrofiando a gente. Eu acho que aqui nós temos o prazer de uma vez por semana se libertar daquela prisão; a gente tem que sair (ENT. 08, PAM/IMMA). Os idosos que freqüentam o PAM/IMMA se diferenciam da maioria dos outros idosos entrevistados, pois em geral ainda estão bastante medicalizados, havendo exemplos de pessoas que têm de conviver com situações consideradas irreversíveis, ainda que isso não impeça que eles se considerem com boa saúde O idoso que tem o mal-de-parkinson diz que consegue conviver bem, pois está conformado: “É só eu seguir os tratamentos (...) quando vim para o PAM a pressão estava alta, agora está 14; antes era 22, 16, 22. Foi controlada pelos remédios receitados pela dra.” (ENT. 03, PAM/IMMA). Outros conseguem mesmo mostrar-se capazes de superação, o que creditam à participação associativa. Eu estava indo ao médico e uma terapeuta disse que eu teria de aprender a conviver com a artrose que eu tenho na perna direita endurecida. Eu já estou conseguindo dobrar as pernas, coisa que eu não fazia [...] A antiginástica permite às pessoas idosas fazer a ginástica mais vagarosamente, e isso é importante principalmente num grupo animado [...] Saúde, estar no meio dos outros, de modo geral tudo é importante, mas existe também uma coisa importante, a gente cria novas amizades e isto é bom. Eu todo dia encontro um na rua. Isto torna a vida mais alegre (ENT. 04, UNATI/UERJ). O fato de estarem seguindo um tratamento médico e ingerindo algum medicamento pode ocorrer independente da associação. O que difere é que quando observamos os remédios que são ingeridos pelos idosos que estão nas ginásticas alternativas há uma tendência à preferência pelo tratamento com a homeopatia, sendo bem diferente do que é encontrado no PAM/IMMA e na ARRS, onde verificamos o tratamento com medicamentos considerados alopáticos. Os que não seguem nenhum tratamento 327 declaram com bastante orgulho não precisar ingerir qualquer medicamento, encontrando-se mesmo aqueles que atribuem isso à entrada na vida associativa e à prática de atividades físicas: a última vez que tomei remédio foi antes de vir para a UnATI. Eu tinha um saco de remédios na cabeceira, era dependente de Lexotan para dormir. Depois de começar a fazer exercícios, aquela ansiedade de ter de tomar remédio para dormir acabou, pois eu chegava, não sei se cansada pelos exercícios, ou o bem-estar de estar fazendo, acho que era esse bem-estar com o corpo. Eu chegava em casa, tomava um banho, jantava e logo o sono pegava (ENT. 05, UNATI/UERJ). Pelas características dos idosos do PAM/IMMA, verificamos que muitos ainda se encontram dependentes dos medicamentos que são receitados e distribuídos no posto: eu tomo muitos remédios por dia: três capotens e dois para a tireóide, que eu sou operada. Quando tenho dor, eu tomo para artrose, eu venho aqui e a dra. me passa comprimidos supositórios e eu melhoro. Eu passo uns tempos sem ter nada. Mas de repente, quando ela vem, ela me derruba (ENT. 01, PAM/IMMA). Saúde, para os entrevistados, recebe forte influência do meio em que cada um conviveu, como uma herança genética, mas que pode ser controlada e alterada pelo indivíduo desde que haja por parte dele alguma dedicação, e, acrescentamos, a presença dos profissionais da saúde para controlar e dizer o que cada um deve fazer para melhor enfrentar seus problemas. A declaração dessa idosa do PAM/IMMA mostra como ocorre essa influência. Atualmente eu só tomo remédio para controlar a pressão. A dra. diz sempre que, depois que eu comecei a fazer atividade física, sou outra pessoa. Eu tenho mais disposição Eu sempre fui uma pessoa com muitos problemas de saúde [...] De uns anos para cá me apareceu uma úlcera, que o médico disse que era uma úlcera gastroduodenal, então eu fiz uma dieta. Eu não tomo remédio, eu controlo só com a dieta; como eu tenho pressão alta, o nutricionista adaptou a dieta à minha pressão. E lá no PAM me disseram que eu estou com uma hérnia de hiato, por causa das dores que sinto. Eu fiz umas radiografias e o médico disse que eu tenho uma artrose, escoliose e osteoporose. Mas eu vou vivendo, não é? Não posso subir escada, mas tenho que subir, a gente precisa, eu moro sozinha. (ENT. 08, PAM/IMMA). 328 Os cuidados dispensados ao corpo são definidos como o diferencial de quem tem saúde. “Devemos escutar o que o corpo fala” (ENT. 02, UNATI/UERJ). Esse corpo, enquanto um bem, resulta de cuidados que incluem a alimentação equilibrada, sem gordura e a mais natural possível. Se não há dores ou mesmo uma doença das mais simples, a saúde está próxima daqueles que são ativos, equilibrados, pessoas que não se permitem ser dominadas por uma depressão, pois para manter a saúde é fundamental ter alguns cuidados básicos; “o ser humano não foi feito para ter doenças. A doença é o que deprime o ser humano” (ENT. 02, UNATI/UERJ). É uma rotina de vida que inclui sempre a influência da medicalização da saúde, que faz com que certas mudanças de hábito decorram do discurso médico da saúde. Se não tivermos cuidado com o nosso corpo, vai adquirir alguma coisa, uma doença ou alguma coisa. Saúde é aquela rotina que você executa para melhorar seu estado físico, alimentação. Eu já deixei de fumar em 1955. O médico disse: ‘ou você deixa de fumar ou de beber’. Eu preferi parar de fumar, pois bebida não é todo dia como o cigarro, é mais socialmente (ENT. 04, UNATI/UERJ). Encontramos a relação entre saúde e estilo de vida na maioria dos relatos, que podem ser expressos pelo que foi dito por uma das idosas da UnATI/UERJ (ENT. 01): “quando não se está sentindo nada de anormal, tenho saúde. Faço exercícios físicos e uma boa alimentação, uma boa convivência familiar também. Saúde é a coisa mais importante da vida, pois quem não a tem fica deprimido, não tem prazer de viver. O conceito de saúde elaborado pelos idosos das associações brasileiras, assim como o que se observou nas associações francesas, foge do ideário da promoção da saúde na medida em que geralmente ela acaba sendo considerada fruto de um investimento pessoal: “nós somos responsáveis. Saúde para mim engloba tudo, é se sentir amada, saber amar, amar a você mesma. É um processo de integração com muitas coisas. É saber viver, ter disposição, alegria, ter participação, ter liberdade (ENT. 01, UNATI/UERJ). Pelos relatos dos idosos/alunos, somos levados a crer que, segundo eles, há ganhos significativos no que toca sua vida cotidiana a partir de sua inclusão na vida associativa e em especial na prática de atividades físicas. Entretanto, é sempre bom lembrar que, mesmo sendo legítimas as aspirações dos 329 participantes, como as dos responsáveis pelas atividades, não há evidências de que ela seja capaz de ser alterada com o tipo de engajamento e a intensidade que são propostos – uma vez por semana, havendo certamente um ‘efeito placebo’. O que há é uma sensação de bem-estar que pode ser conseqüência da participação em atividades associativas. É evidente que o conceito de promoção da saúde procura se distanciar do tradicional conceito da OMS; no entanto, na prática, o que mais se verificou foi a relação entre atividade física e saúde se aproximando do conceito tradicional de saúde, com a ginástica sendo a sua instrumentalização. Verificando o que é feito nas atividades práticas das associações Para responder sobre o que ocorre nas práticas observadas, não levamos em conta o estilo de ensino adotado, já que “parece ser cada vez mais evidente que a escolha de um estilo de ensino apropriado esteja mais ligada a uma variedade de fatores, tais como o conteúdo ensinado e as preferências dos professores” (SIEDENTOP, 1998:274), sendo bastante importante não confundir estilo com estratégias de ensino. Essa última deve levar em consideração as características dos que vão receber as informações, o que levou determinado conteúdo a ser elegido e o contexto em que será aplicado. A noção de estratégia se refere à maneira como o professor organiza e desenvolve o ensino, o que acaba recebendo influências de uma concepção que ele já traz sobre os seus alunos; como também a maneira como permite a seus alunos praticar as tarefas. Em nossa análise não há intenção de se recomendar ou mesmo defender uma teoria em particular ou um determinado estilo de ensino ou estratégia como mais adequado ou superior, mas apontar para uma tendência que nos pareceu ocorrer a partir da incorporação da moral do envelhecimento ativo na preparação e apresentação das atividades pedagógicas. Verificamos que os responsáveis pelas atividades têm discursos semelhantes ao acreditarem nas possibilidade de se encontrar progresso a partir das suas intervenções, em alguns momentos vão estar de acordo com as recomendações do movimento pela saúde, excetuando o grupo PAM/IMMA que visando o ideário da promoção da saúde, defende teoricamente uma proposta diferenciada no que toca a saúde. Além disso eles propagam que suas intervenções são capazes possibilitar a sociabilidade e que visam apresentar suas atividades de forma bastante descontraída, respeitando as individualidades, escutando as 330 demandas dos idosos e estimulando que a prática de atividades físicas seja uma constante na vida dos idosos; e de preferência que os exercícios propostos sejam incorporados ao repertório de atividades dos idosos. A questão da busca pela recreação/lazer como objetivo não fica clara na proposta dos animadores/professores. Decidimos em primeiro lugar verificar como ocorre a distribuição do tempo das atividades propostas aos idosos, levando em consideração o que faz o animador/professor e o idoso/aluno. Em seguida verificamos como as atividades eram propostas, se há alguma interferência de um modelo social na construção das aulas e como se estabelece a relação do responsável pela atividade com os conteúdos escolhidos. Essa análise levou em consideração o tempo total de cada atividade observada que, usando as palavras dos envolvidos na condução da prática e praticantes, nos levaram a chamar de aula. Um dos ingredientes que possibilita uma análise de como está ocorrendo a animação/ensino seria: uma elevada porcentagem de tempo consagrada à transmissão de um conhecimento; um clima afetivo positivo; uma elevada taxa de comportamentos que tenham relação com o que se quer ensinar e o tempo de engajamento nas atividades propostas (PIERON, 1996). Quando se verificam as variáveis do contexto em que é aplicado determinado programa e o tempo de engajamento motor, esse último se apresenta muito mais sensível a receber influências do que se pretende na proposta pedagógica. Pieron observa que um grande engajamento em uma determinada atividade nem sempre significa grandes esforços físicos, podendo ser uma “participação de rotina”; o elevado engajamento pode significar que os objetivos visam mais às atitudes físicas, enquanto que no caso das atividades mais recreativas esse tempo tenderia a ser menor. Por parte dos idosos/alunos, um tempo de engajamento grande pode ser uma resposta satisfatória ao que está sendo proposto, mas pode também representar um comportamento freqüentemente observado nos idosos: a necessidade de aprovação social por seu engajamento em atividades de esforço físico, como as de ginástica ou esportivas, que até algum tempo eram mais afetas só a pessoas mais jovens. Daryl Siedentop mostrou como podem ser simples e confiáveis as observações sistemáticas sobre as rotinas das intervenções pedagógicas. Optamos por um instrumento 331 para o “registro de duração” que usa o tempo como medida e utilizamos uma escala de tempo para registros a cada 10 segundos. Os dados derivados desses registros, expressos em minutos e segundos, foram convertidos em porcentagem para possibilitar a comparação. O registro de duração é útil para qualquer categoria de comportamento na qual a duração do tempo investido em determinado comportamento proporciona uma boa estimativa de sua importância: por exemplo o tempo investido pelo professor dando instruções a turma, o tempo dedicado pelos alunos às atividades de organização ou a duração do tempo de empenho nas tarefas de aprendizagem (SIEDENTOP, 1998:353). Ao criarmos nosso sistema de observações, consideramos: os objetivos que queríamos investigar nos dados coletados; definição dos comportamentos cuja observação consideramos importante; a definição da técnica de observação a ser utilizada; a escolha do que se pode observar da maneira mais fiel possível. As categorias escolhidas nos pareceram as que mais podiam mostrar o que fazia cada personagem envolvido na atividade didática. Optamos pela observação isolada do que faziam o professor e os alunos e para esse fim elaboramos duas fichas de registro. Na elaboração das categorias que serviram para a análise186 considerou-se a possibilidade de distinguir isoladamente o que faziam o animador/professor e o idoso/aluno durante o total do tempo da atividade. Isso foi facilitado pelo fato de que tínhamos registrado em videocassete todas as atividades. Cinco categorias foram criadas para análise do que era feito pelo responsável pela atividade: tempo de preparação e organização (TPO); tempo de informações didáticas (TID); tempo de observação e supervisão (TOS); tempo de engajamento motor (TEM); tempo de pausas gerais (TPG). Para observar o que faziam os alunos/idosos, verificamos o tempo de preparação da atividade (TPA); tempo de atenção às informações didáticas (TAI); tempo de prática efetiva (TPE); tempo de pausas gerais (TPG). 186 Seguimos os registros que nos foram passadas pelos três observadores que testaram o instrumento. Tanto as variáveis como os instrumentos de registro foram apresentados a pesquisadores do laboratório de didática da Université Rennes 2, sendo o instrumento que elaboramos aplicado em uma atividade didática que continha todos os elementos que faziam parte da rotina que queríamos observar. 332 Com uma câmara fixa sobre um tripé, gravamos integralmente três aulas de cada associação, de maneira que tanto o professor como os idosos estavam o tempo todo no campo visual do equipamento, posicionado em local que não interferia na atividade. Para não se perderem as comunicações orais do professor, fizemos a gravação de sua fala com um microfone sem fio. Havia um horário pré-determinado para início e fim da atividade, que no grupo PAM/IMMA era de quarenta e cinco minutos, e nos demais, de sessenta minutos. Verificamos que o ambiente onde as atividades se desenvolviam propiciava uma forte interação social nos momentos que antecediam o início da atividade prática. Optamos por registrar apenas a atividade prática com orientação do responsável por sua condução, mesmo considerando a importância do tempo destinado à medida da pressão arterial, que acontecia regularmente no PAM/IMMA, ou as trocas informais que ocorreram em todas as associações. Como comumente os participantes chegavam ao local com significativa antecedência, esse era um momento de muita interação que acabava se estendendo e gerando certa flexibilidade quanto à hora inicial das aulas. Para termos uma medida correta, consideramos o início de uma aula a ser observada o momento preciso em que o professor se dirigia ao grupo, chamando para si a atenção dos alunos. Normalmente ele utilizava a comunicação oral que vinha nas seguintes formas: “vamos começar”, “vamos lá”, “a aula vai começar”. De maneira semelhante, o encerramento da aula tem uma caracterização própria como “por hoje está bom”, “até a próxima semana” “eu espero que vocês tenham gostado da aula de hoje”. O intervalo compreendido entre esses dois momentos foi considerado como o tempo total da atividade (TTA). O tempo médio do TTA encontrado foi de 54 minutos e 32 segundos, com uma variação média por associação de 45 minutos e 50 segundos referentes à de menor duração, que foi o do PAM/IMMA, a 1 hora, 8 minutos e 53 segundos para a associação que teve a média total de maior duração, que foi a UnATI/UERJ (TABELA 4). Ao se comparar essa distribuição de tempo entre os países, verificamos que tanto a média brasileira como a francesa não ultrapassaram uma hora de atividade, ficando ambas na faixa dos cinqüenta minutos. 333 TABELA 4 Distribuição do tempo total utilizado nas atividades (TTA) pedagógicas observada nas quatro associações Associação PAM/IMMA Atividade 37 min 2 UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS 1h 6min 20 seg. 50 min 10 seg. 49 min 50 seg. 50 min 20 seg. 1h 10 seg. 3 50 min 30 seg. 1h 10min 5 TTA MÉDIO 50 min 45 min 50 seg. 1h 10min 20 seg. 49 min 50 seg. 50 min 1h 8min 53 seg. 50 min 7 seg. 53 min 20 seg. A partir desses dados, verificando o tempo do idoso/aluno, uma vez considerado o início da aula, levamos em consideração dois tipos de comportamentos que podem mais caracterizar o que o aluno faz durante a aula: como eles ocupam o tempo e que tipo de respostas dão. Segundo as pesquisas de Siedentop (1998a), alguns pesquisadores apresentam números de engajamento motor bastante baixo, entre 25% a 30% do tempo total da aula, o que diminui quando se leva em consideração a qualidade das respostas desse engajamento, avaliando-se acertos e erros. Em nossa pesquisa não houve qualquer preocupação em analisar erros e acertos, mas com o que denominamos tempo da prática efetiva (TPE). Algumas características foram observadas para considerar o cômputo nesse tempo. Primeiro era importante verificar se no mínimo estavam engajados na prática 20% dos presentes. Os idosos/alunos, após tomarem contato com as diretivas do professor, engajamse nos exercícios ou nas atividades práticas propostas por um período contínuo superior a dez segundos, o que foi considerado como unidade de tempo de registro. Nesse tempo, o professor poderá estar também engajado na prática, servindo de modelo para os alunos; observando e supervisionando, fazendo as correções quando necessário ou mesmo fora de qualquer atividade ligada ao ensino/aprendizado. O que também marca essa categoria é que o responsável pela atividade já passou uma quantidade de informações suficiente para que os participantes se engajem numa atividade prática. A média do tempo por nós encontrada 334 foi de 38 min e 1 seg, sendo 70% do tempo total das aulas, o que chega a surpreender, pois, tratando-se de um grupo que a sociedade procura identificar como fraco ou em decadência, esse resultado significa que em mais de 2/3 da aula eles estão em atividade prática. As variações não foram muito importantes: o menor engajamento foi o do grupo PAM/IMMA, com 35 min e 17 seg, e o maior ocorreu na UnATI/UERJ – 44 min e 22 seg. Quando se observam esses tempos proporcionalmente ao tempo total da aula (TABELA 5), o PAM/IMMA foi o que mostrou haver o maior engajamento, 76% do tempo total, enquanto que a outra associação brasileira veio a ter o menor engajamento proporcional dos alunos, 64% do TTA, que é também um tempo bastante considerável. TABELA 5 Distribuição do tempo de prática efetiva dos idosos/alunos (TPE) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA) pedagógica, observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 76% 64% 72% 64% 3 78% 62% 71% 68% 5 TPE MÉDIO 77% 76% 66% 64% 70% 71% 76% 69% À primeira vista poder-se-ia imaginar que, em grupos de idosos fazendo ginástica, encontraríamos muitos momentos de pausa e de descanso, principalmente em função da fragilização dos idosos e de sua pouca experiência com a ginástica associativa. Entretanto, isso não ocorreu, sobrando pouco tempo para que eles ficassem sem um engajamento motor específico nos conteúdos apresentados. Três categorias se enquadram nesse tempo, sendo que uma delas se destaca das outras por servir especificamente ao descanso ou ao abandono por grande parte dos participantes da atividade proposta. Para efeito de cômputo, consideramos sempre unidades de tempo que não fossem inferiores a 10 segundos, em que 80% dos idosos não estavam explicitamente participando 335 de atividades ligadas a preparação, recepção de informações, avaliações ou mesmo de engajamento motor (TABELA 6). O responsável pela atividade pode verbalizar sua intenção de fazer uma pausa, que pode ser motivada ou não por sua percepção de sinais de fadiga, ou mesmo um acontecimento extra-aula, que fugiria de suas previsões. Nesse tempo, os professores também não estão envolvidos em nenhuma atividade didática. Observamos que a média total desse tempo é quase desprezível, ficando em 2 min e 50 seg, 5 % do tempo total médio das associações. A variação encontrada foi de 2 min e 3 seg, correspondendo a 3% do tempo total do grupo UTL/Rennes, a 3 min e 50 seg, que correspondeu a 6% do tempo total do grupo UnATI/UERJ. TABELA 6 Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a pausas gerais (TPG) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 11% 10% 4% 4% 3 4% 5% 2% 9% 5 TPE MÉDIO 1% 5% 3% 6% 6% 4% 5% 6% Também em proporções reduzidas os alunos fazem as outras atividades. Categorizamos o tempo gasto pelos alunos em tarefas que servem para preparar a atividade (TPA), como o tempo dedicado a receber informações (TAI). No primeiro tipo, consideramos o tempo em que os idosos/alunos são estimulados pelo animador/professor para modificar o meio ambiente da aula, ajustando-o para o exercício ou situação de ensino que logo será apresentada. Cabe aos idosos/alunos as seguintes atividades: deslocam-se para outros ambientes; assumem outras posições, como ir ao solo; formam grupos; respondem a lista de freqüência; fazem algum tipo de apresentação pessoal ao grupo; arrumam ou transportam os equipamentos que são utilizados no desenvolvimento de uma atividade. Nesse momento nenhuma informação de cunho cognitivo foi passada pelo 336 animador/professor, podendo haver por parte dos idosos/alunos a sensação de que sabem o que será apresentado ou solicitado. Encontramos nos grupos analisados a média de 5 min e 39 seg, que significa 10% do tempo total médio das aulas (TABELA 7). O grupo PAM/IMMA, com 4 min e 25 seg, 10% do tempo total, foi o que dedicou menos tempo, enquanto que o grupo da UnATI/UERJ, com 8 min e 33 seg, ou seja, 12% do tempo total, foi a associação que utilizou mais tempo para as tarefas de preparação da atividade. TABELA 7 Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos às tarefas de preparação da atividade (TPA) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UNATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 6% 11% 11% 7% 3 7% 7% 9% 11% 5 TPE MÉDIO 15% 10% 19% 12% 13% 11% 4% 8% O outro tempo considerado, TAI, é aquele em que os idosos/alunos estão atentos às informações prestadas pelo animador/professor sobre o conteúdo que será posto em prática (TABELA 8). Os praticantes nesse tempo passam a perceber com mais clareza o que está sendo solicitado como engajamento motor. Também foi levado em consideração o fato de que 20% dos praticantes ainda não passaram a alguma prática, podendo esse tempo servir a respostas orais de questionamentos formulados pelo responsável referentes à atividade, a qualquer tipo de demonstração por parte do animador/professor, como também podem ser feitas só transmissões orais ou um balanço da atividade que acabou de ser praticada. O tempo médio de todos os grupos reunidos foi de 8 min e 2 seg, correspondendo a 15% do tempo total. As variações encontradas foram de 3 min e 57 seg, referentes a 9% do tempo total do grupo PAM/IMMA e os 18% no grupo UnATI/UERJ, que somou 12 min e 8 seg. 337 TABELA 8 Distribuição do tempo dedicado pelos idosos/alunos a atenção as informações didáticas (TAI) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 7% 15% 13% 25% 3 11% 26% 18% 12% 5 TPE MÉDIO 7% 9% 12% 18% 11% 14% 15% 17% Uma quantidade de tempo maior dedicado a esses dois últimos registros, TPA e TAI, pode significar que foram utilizados exercícios e situações mais complexas, o que se verificou nas propostas dos grupos em que houve maior dedicação a esse tempo. Nas aulas 2 e 3 da UnATI/UERJ, registramos questionamentos dirigidos à professora no sentido de que fosse preparada uma apostila para quem tivesse interesse. Isso ocorreu após a solicitação da professora para que determinados exercícios fossem escritos para serem repetidos em casa, o que serviria para fixar os conteúdos de exercícios de difícil execução. Durante uma das aulas videofilmadas, estabeleceu-se um diálogo entre a responsável pela atividade e o grupo, dando uma dimensão da complexidade dos exercícios que estavam sendo propostos e a demanda dos idosos. Tudo começou após o questionamento da professora sobre se os idosos estavam escrevendo o que se passava nas aulas. Diante da negativa geral, surgiu a solicitação de uma das idosas por uma apostila para facilitar as futuras execuções, evitando que fosse colocado em risco o praticante. Como resposta, a animadora/professora disse que não seria dada a apostila, pois essa seria uma atividade dos próprios idosos: prepará-la a partir do que viessem a sentir, já que “se vocês não sentirem, não adianta nada. Cada um vai fazer a sua anotaçãozinha, como foi percebido, o que você gostou, o que foi bom para o seu corpo” (AULA 3, Anim. UNATI/UERJ). A resposta, não convencendo, provocou novas demandas e, imediatamente, tentando encerrar o assunto, a professora afirmou que os alunos podiam 338 ter por escrito, mas será cada um que vai escrevendo e fazendo as suas anotações. Por isso é que eu sempre vou chamando a atenção: não conversem, fiquem um pouquinho com vocês, percebam como o seu corpo ficou. Isso é o que vai memorizar. Isso é muito mais importante do que eu dar tudo escrito. Vai descobrindo e vai vendo o que foi bom, o que fez bem, e vai tentando repetir em casa (AULA 3, Anim. UNATI/UERJ). Solicitar que os exercícios sejam feitos em casa é uma preocupação bastante grande nas associações brasileiras, não se verificando o mesmo nas associações francesas. O coordenador de educação física do PAM/IMMA, ao justificar o fato de haver sempre exercícios que são feitos sentados em uma cadeira, diz que eles serão úteis já que há a possibilidade de serem repetidos em casa, mas para isso eles devem ser de simples execução. Os exercícios sentados são uma opção porque a gente sabe que as maiores experiências deles de lazer têm que ser sentado. Eles vêem televisão, conversam, etc. As atividades deles em pé, as atividades cotidianas são muito menores, proporcionalmente. Então, nós achamos que eles devem ter atividades sentados, para mostrar que sentados eles não precisam ficar passivos. Não é o receio em relação a acidentes. É uma maneira de diminuir a sobrecarga, é uma maneira de você fazer com que eles identifiquem algumas atividades que podem ser feitas sentados na própria residência. Então, por exemplo, o camarada que está sentado, vendo televisão, pode se mexer, ele pode fazer algum tipo de movimento. Mesmo tendo solicitado que os exercícios viessem a ser feitos em casa, a responsável pelas atividades da UnATI/UERJ acha que eles não o fazem, pois os movimentos que são apresentados em suas aulas não são simples de serem executados sem orientação. Alguns exercícios são difíceis de memorizar por esse motivo; acredito que as pessoas que fazem parte deste grupo não se sentem seguras de executar um exercício sem alguém para corrigir. Eu não acredito que eles sejam capazes de reproduzir nas suas residências o que é feito aqui. Eu não acredito que eles façam em casa, raramente isto vais ocorrer. Como não é um trabalho repetitivo, é também difícil memorizar (ENT. Anim. UNATI/UERJ). 339 Esse tipo de problema – usar exercícios com grande complexidade – foi diversas vezes posto em evidência, seja nas entrevistas, seja na observação de outros grupos, como a UTL/Rennes e a ARRS, o que leva a questionamentos de como são planejadas as atividades, para que servem e como as pessoas vão se utilizar dos conteúdos propostos. Não parece tão simples solicitar que os exercícios sejam feitos em casa. Tem de haver segurança de que eles serão feitos sem risco, parecendo ser essa a principal diferença entre a proposta do grupo PAM/IMMA e as demais, tendo como princípio que a escolha dos exercícios possibilite uma fácil execução e que apresente objetivos claros. Em outra aula videofilmada da UnATI/UERJ, novamente o assunto de uma apostila foi sondado, acrescido ao temor de conseqüências danosas dos exercícios realizados. Dessa vez, uma outra idosa apresentou como problema a sua insegurança em tentar fazer o exercício em casa. Ao fazer determinado movimento na aula anterior, o mesmo lhe causou dores. “Não era na articulação, eu não consegui me lembrar de como era feito o exercício. Eu tentei escrever como era o exercício, mas não consegui me lembrar. Então eu pediria que fosse dada uma apostila” (ENT. 07, UNATI/UERJ). Diante de sua demanda, a responsável mais uma vez tentou justificar a escolha de suas estratégias: Cada um faz até onde der, cada um deve dosar. Pode acontecer que, ao invés de se estar trabalhando o braço, trabalhou-se também o trapézio. Certamente é porque trabalhou mal. Cada um tem que entrar em contato com seu corpo. É necessário escutar, prestar atenção, certamente você estava solicitando outra musculatura e não percebeu. Existe uma intenção, por isso é que nós estamos corrigindo, não é? Às vezes isto ocorre. Mas de uma maneira geral todo mundo está sendo corrigido. Quando não falamos, é porque está tudo bem. Quando a gente fala, relaxa, vamos perceber como é que se está saindo, isto é um dado importante para a gente. Se nos déssemos tudo escrito, iria perder o objetivo da técnica, que é o esquema corporal sendo percebido. Outra coisa importante é que aqui é um trabalho, onde vocês vêm e têm uma participação. Não é vir aqui e entregar o corpo. Não, a gente vai devolver o corpo para vocês, é de vocês o corpo. Então, por isto o trabalho de conscientização. Mas a apostila eu quero que vocês façam, é um produto de vocês, entendeu? Eu não vou dar apostila, vocês é que vão fazer (AULA 3, Anim. UNATI/UERJ). 340 As explicações dadas pela animadora/professora mostram que se há objetivos no que é apresentado. Os mesmo ainda não estavam claros para o conjunto dos participantes, mesmo considerando que eles já estavam no segundo nível da atividade antiginástica. Esse tipo de problema foi verificado de maneira diversa em todas as associações, ou seja, a dificuldade ou mesmo o total desinteresse dos idosos em saber como é realizado o planejamento das atividades e o que se pretende com os conteúdos escolhidos para serem trabalhados. Uma idosa, demonstrando estar confusa com o desenrolar das discussões, pergunta à responsável pelas atividades da UnATI/UERJ se há algum tipo de preparação anterior ou se a atividade de cada dia é preparada na hora. Pelo teor da resposta, verificamos que na prática não existe um planejamento, e sim uma intenção de se desenvolver algo geral, que é elaborado pouco tempo antes do início da atividade. No que toca essa associação, vai variar a cada dia, conforme as queixas das pessoas, como vocês chegam, porque a cada dia se está de uma forma. Tem dia que a gente acorda superfeliz, tem dia que a gente acorda caído. Então vamos tentar adequar estas coisas. Não só na questão do corpo, como também da emoção, tá? (AULA 3, Anim. UNATI/UERJ). Fora algumas discussões do grupo PAM/IMMA, que segundo as informações que recebemos ocorreram nas reuniões temáticas, não verificamos a existência de um planejamento que tenha sido previamente discutido com os participantes, havendo por parte dos que se interessam em discutir o assunto dúvida quanto à existência de algum tipo de preparação prévia das aulas “Elas às vezes até perguntam como a gente está se sentindo, elas são muito boas, são muito atenciosas, mas eu não sei se elas preparam as aulas a partir daí. A aula delas é preparada na hora. Não sei por quê” (ENT. 01, UNATI/UERJ). Esse tipo de declaração não está em desacordo com o que foi declarado pela animadora/professora. Em um dia de nossas observações, minutos antes de começar a atividade, perguntamos sobre o que iria ocorrer. Ouvimos como resposta que: 341 nós nunca sabemos o que vai acontecer; a seção é sempre dada em função das queixas que nos são apresentadas antes de iniciar a aula. O que acontece é que, de um maneira geral, a proposta de trabalho que a gente tem é de estar sempre buscando uma melhora do estado físico sem perder de vista a proposta corretiva. Sempre no começo alguém vem com uma queixa. A gente mais ou menos sente o clima como está para ver se vai ser um trabalho mais dirigido ou não. Existe um espaço social onde eles até podem falar (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Pelas declarações dos responsáveis pelas atividades nas associações investigadas, verificamos que mesmo quando dizem seguir um projeto pedagógico, diante de determinados contextos e principalmente das dificuldades apresentadas pelo grupo, é bastante comum que tenham de alterar bastante a intenção de trabalho. Em parte devido à pouca concentração dos idosos ao que é solicitado, como foi dito pela animadora da ARRS, segundo a qual, quando vai para a prática, sempre se vê obrigada a modificar o que anteriormente tinha planejado. Pareceu-nos bastante comum a improvisação, já que à pergunta sobre o que seria feito naquele dia obtivemos respostas que demoraram um certo tempo a ser elaboradas, dando a impressão de que o conteúdo estava sendo preparado naquele momento: “o que vamos fazer hoje? Essa é uma grande questão! Vamos ver: faremos alongamentos e teremos uma preocupação após o aquecimento com uma melhor postura e abdominais (AULA 2, UTL/RENNES). Ou ainda, na mesma associação: “hoje vamos fazer streching, um nome que não quer dizer muita coisa; nós vamos trabalhar essencialmente os alongamentos; eu os escolhi porque vão me fazer bem e por esse motivo penso também farão bem a eles” (AULA 3, UTL/RENNES). Quando foram postos em prática os conteúdos escolhidos pela animadora/professora da ARRS, houve muita dificuldade de execução, o que também ocorreu na outra associação francesa, mas não impediu que os idosos procurassem acompanhar o que era solicitado. Pelos motivos já expostos, quanto à complexidade do que é proposto, houve alguma dificuldade em acompanhar determinados exercícios na UnATI/UERJ; e ainda que em menor escala e mais pontualmente, o mesmo ocorreu em duas aulas do PAM/IMMA. As intervenções ficaram mais próximas das intenções pontuais, com conteúdos que nem sempre acabam dando certo. Os objetivos são múltiplos, variando desde 342 flexibilidade e força no PAM/IMMA; postura e problemas ósteo-mio-articulares em geral na UnATI/UERJ; coordenação, resistência e equilíbrio na ARRS; flexibilidade, alongamento e postura na UTL/Rennes. Sendo que foi comum aos três últimos a preocupação com o ritmo respiratório. As maiores dificuldades são justificadas pela responsável da ARRS a partir de uma comparação dos idosos com outros grupos composto de pessoas mais jovens. Com adultos, “um mesmo objetivo pode ser trabalhado durante uns vinte minutos. Aqui, mesmo procurando variar, é muito para elas, pois elas se cansam tanto fisicamente como moralmente” (ENT. Anim. ARRS). Apesar de seguirem uma proposta metodológica com a preocupação de discutir as intervenções e o progresso individual e coletivo, encontramos no grupo PAM/IMMA situações que parecem ter saído bastante do previsto, não querendo dizer com isso que não tenha havido um planejamento anterior, mas que atuar com essa geração de idosos nas associações investigadas passou muito pelo ensaio-e-erro. Numa de nossas observações nessa associação estava prevista a aplicação de uma bateria de testes, a atividade proposta pela primeira vez a esse grupo: não diria que houve uma desorganização, mas uma certa confusão inicial, uma certa euforia por parte da gente que estava aplicando os testes, e por parte deles, já que era uma novidade. Os idosos estavam mais tranqüilos; nós é que estávamos ansiosos em saber como eles iam reagir (ENT. Anim. PAM/IMMA). Em outra atividade observada nesse grupo, perguntamos se a aula 2 tinha tido um desenvolvimento conforme o planejado. Ficamos sabendo que mais uma vez teria saído do previsto, já que outras atividades da associação levaram a professora a modificar totalmente seu plano de aula. Não estava previsto o ensaio da festa junina antes da minha aula. Eles entraram na minha aula atrasados, além de cansados, então eu tive que começar mais pela parte de relaxamento e flexibilidade. Eu nem pude fazer a parte de força (ENT. Anim. PAM/IMMA). A fragilização e a infantilização dos idosos pode surgir, na visão do coordenador do PAM/IMMA, quando há falta de uma preocupação em seguir o que está sendo estipulado em um planejamento, o que pode ocorrer quando se trata de pessoas ainda em formação 343 acadêmica. Utilizou então dois exemplos para ilustrar: primeiro se referindo ao problema da aplicação dos testes, que ocorreu, segundo ele, por terem utilizado acadêmicos da disciplina didática, que não tiveram uma preparação sobre o trabalho com os idosos, só tiveram uma preparação para a aplicação de testes. Como é que ele trataram os idosos, com medo que eles fossem se quebrar. Até três carregavam o idoso. Eles não tiveram treinamento para isto. [...] Quando você assiste os nossos professores, com os nossos bolsistas dando aula, a gente vê que não existe uma tentativa de infantilização. Mas, sabe, já ocorreu no semestre passado que um grupo de estagiários ficou provocando muito os jogos, os brinquedos cantados, etc. Em determinado momento os bolsistas introduziram esses jogos infantis. Eu aí intervim eu achei que, não sendo uma iniciativa única e exclusivamente deles, eu acho que a gente não devia provocar isto, uma vez que a gente estava até buscando uma metodologia. Na associação UTL/Rennes, a resposta quanto ao uso de um planejamento foi mais explícita, já que, segundo a responsável pelo grupo, não haveria mesmo um planejamento para todo o ano; o que ocorreria seria um respeito à progressão, em que as coisas consideradas mais elementares seriam apresentadas para dar uma base que permitiria um aprofundamento no decorrer do período letivo da universidade. “Não tenho como objetivo fazer 10 ou 15 repetições, já que os associados antes de mais nada vêm aqui para se satisfazerem” (ENT. Anim. UTL/RENNES). Procuramos fazer uma síntese do que foi observado no conjunto das aulas, levando em consideração as especificidades de cada associação. Ficam evidentes algumas semelhanças encontradas, que não podem ser creditadas exclusivamente ao fato de se relacionarem a comparação inter-países, como ao tipo de associações, clubes ou universidades. Essa característica foi encontrada quando percebemos que em determinadas aulas estão sendo utilizados determinados conteúdos semelhantes aos que são propostos na educação física escolar. Isso foi verificado nas duas associações brasileiras, mas também em uma das associações francesas. Como exemplo do que estamos chamando de escolarização dos conteúdos, verificamos o que ocorreu no PAM/IMMA. A animadora/professora dirige-se aos idosos/alunos na última parte da aula dizendo: “vamos 344 fazer uma brincadeira bem difícil: cabeça, ombro, joelho e pé” (AULA 2, Anim. PAM/IMMA). Essa atividade é utilizada com certa freqüência visando ao desenvolvimento da psicomotricidade em aulas da educação física escolar. São dadas ordens verbais, pela animadora/professora, que devem ser acompanhadas gestualmente pelos demais que estão sentados, tocando-se com as mãos as partes do corpo. Após algum tempo, a velocidade das solicitações aumenta e a animadora/professora passa a pousar suas mãos em locais diferentes dos solicitados. Dessa forma há uma solicitação de atenção e coordenação motora dos praticantes. Outro exemplo vem da mesma associação, quando é solicitado que os idosos/alunos façam “um trem, imitando tudo o que ele faz” (AULA 2, Anim. PAM/IMMA). A responsável por essa atividade sempre procura apresentar, em cada aula, alguns exercícios recreativos como o exemplo a seguir: “quando eu parar a música, eu quero ver de cada um uma estátua mais original possível”. Estando satisfeita com os resultados, a animadora/professora comentou: “está genial, quero variar, e as próximas estátuas são de quem está tirando foto de modelo, manequim, servindo também para homens [...] para terminar, vamos fazer uma estátua de felicidade com um sorriso” (AULA 5, Anim. PAM/IMMA). Na UnATI/UERJ, a despeito do exemplo já citado em que a animadora/professora solicitou que os exercícios viessem a ser escritos pelos idosos/alunos, na prática ficou mais definido o uso de conteúdos escolarizados, quando logo no início de uma das aulas foi anunciado pela animadora/professora que “hoje nós vamos fazer uma brincadeira”. Em seguida são espalhados pelo solo dezesseis arcos, e a professora pergunta ao grupo: vocês já brincaram com bambolê? Nessa brincadeira ninguém será eliminado, pois é muito chato sair da brincadeira e ficar vendo os outros brincando. Vocês vão andar pela sala e ao nosso sinal vocês entram dentro do arco e fazem uma pose bem bonita (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ). À medida que a atividade vai se desenvolvendo, um a um os arcos são retirados, até que reste apenas um. Houve tamanha euforia no espaço, que a animadora/professora disse que viu “poses tão bonitas” e que da próxima vez que usasse esse conteúdo iria trazer uma máquina fotográfica para registrá-las. Poderíamos ver nessa atividade também uma semelhança com a dança da cadeira cooperativa que, normalmente, é proposta em aulas de 345 educação física escolar. Dando seqüência à utilização do arco como equipamento, na mesma aula foi colocado na posição vertical um arco que ficava seguro por duas pessoas. Cada idoso/aluno teve que passar em seu interior de qualquer maneira, mas procurando não encostar qualquer parte do corpo. Ao terminar as duas atividades, que duraram quinze minutos, a animador/professora disse que “agora vamos trabalhar sério”, declaração que causou a seguinte reação de uma idosa/aluna: “quer dizer que não se trabalhou sério!” (AULA 3, UNATI/UERJ). Em outra aula, a última que observamos nessa associação, mais uma vez os idosos/alunos são chamados a participar de uma brincadeira, que, como a anterior, foi apresentada na primeira parte da aula, o que nos levou a imaginar que serviria como preparação do grupo para a atividade. A aula começa com a animadora dizendo que hoje elas vão cantar. De forma cantarolada, as pessoas presentes foram solicitadas a se apresentar ao grupo, pelos apelidos com que gostariam de ser chamadas. Gente, olha só, vamos fazer uma brincadeira que é o seguinte: vem um aqui para o meio e vai falar seu próprio nome. De duas formas diferentes: do jeito que vocês gostam de ser chamadas, com ênfase, sem ênfase ou apelido. Só duas, senão vai ficar muito demorado. E aí nós vamos repetir, por exemplo: eu vou falar e vocês vão repetir Carminhaaaa, Carmeeeeem. Tem que dar ênfase, pode vir o próximo rapidinho. Mariaaaa, Ninitaaaaa. Próxima, Pedrinaaaa, Inaaaa ... (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ). Após todos terem passado por essa situação, a animadora/professora solicita: “palmas para a gente”. Em seguida é proposta uma caminhada inicial pela sala. Alguns alunos, influenciados pela responsável pela atividade, que disse que eles iriam cantar, aproveitaram para cantarolar durante a atividade músicas como “vamos passear no bosque enquanto seu lobo não vem”, usando alguns trejeitos no caminhar. Na ARRS, percebemos a escolarização dos conteúdos em diversas situações. A primeira na apresentação de uma coreografia que obrigava os idosos/alunos a repetirem determinados passos num ritmo que não tinha nenhuma relação cultural com o grupo (AULAS 2 e 3, Anim. ARRS). Essa atividade foi, segundo o animador/professor, repetida em quatro aulas, sendo as três últimas por nós observadas. Ainda conforme a observação do responsável, houve muita dificuldade na execução do que estava sendo proposto, pois 346 necessitava de uma coordenação que não foi alcançada. Entretanto, sem esboçar qualquer reação de aprovação ou de recusa, os idosos/alunos procuravam atender às solicitações que lhes eram feitas. Consideramos também que houve escolarização na utilização do “faça tudo o que o guia fizer”, tanto nos deslocamentos de grupos de três a quatro pessoas como na situação em que os idosos/alunos portavam um lenço de seda na mão e eram propostas variadas coreografias (AULA 3, Anim. ARRS). A escolarização foi demonstrada desde a apresentação da atividade, chamada “o chefe da orquestra”. No momento em que foram distribuídos os lenços, a animadora/professora declara usar com certa regularidade essa atividade com as crianças, justificando o estado de conservação dos lenços. Ainda nessa associação, quando observamos o uso dos arcos, verificamos que a forma proposta também se assemelha ao que é feito com escolares: rola-se o arco sobre o solo e procura-se caminhar ou correr ao seu lado, não o deixando cair, ou então rolam-se os arcos de um lado para o outro da sala procurando passá-los intencionalmente a uma determinada pessoa. Quando fazemos essas constatações, não estamos dizendo que o conteúdo total das aulas seja baseado em propostas escolarizadas, pois existem alguns exercícios que poderiam ser considerados mais adequados aos idosos. Continuando nossa análise, verificamos que com certa freqüência os animadores/professores brasileiros utilizaram uma linguagem que pode ser considerada ingênua ou fora de propósito, já que pode ser entendida como capaz de perpetuar a fragilização dos idosos, sua estigmatização e aproximação com a criança. Infantilizando-os, acaba-se reforçando a construção social de que com o envelhecimento as pessoas acabam se tornando crianças. Encontramos em diversas ocasiões o uso de diminutivos para se referir a determinadas partes do corpo: cabecinha, ombrinho, bracinho, mãozinha, dedinho, perninha, joelhinho, pezinho, ossinho, rabinho. Como também implementos como cadeirinha, tapetinho, etc. Foi bastante elevada essa característica no grupo PAM/IMMA, onde registramos mais de trinta exemplos desse tipo de linguajar em cada aula. Também o encontramos na UnATI/UERJ, só que em quantidade mais reduzida, não ultrapassando dez ocorrências por aula, o que pode ser resumido na seguinte situação: 347 vamos caminhar e arrumar este espaçozinho no chão e a gente pega o tapetezinho e vai deitar. Barriga para cima, um apoiozinho na cabeça e os joelhinhos dobrados. Deixa um espaçozinho para que a gente possa passar [...] aqui está tão juntinho que eu vou ter que mudar a ordem (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ). A “linguagem didática” é cheia de simbolismos, não sendo exclusivamente expressa de forma oral, podendo ser feita por meio de gestos específicos ou mesmo na demonstração dos exercícios que são propostos que podem ser acompanhados ou não de sua descrição. Observando as solicitações que eram feitas, em diversos momentos encontramos palavras que são utilizadas para chamar a atenção para o que é feito pelo animador/professor, como por exemplo o que observamos no PAM/IMMA: “aqui, ó”; “olhem”; “vejam só”; “faz assim”. Como nas outras associações, os exercícios propostos requeriam maior complexidade, envolvendo um passo-a-passo mais elaborado. Seu desenvolvimento era sempre acompanhado de informações orais dos animadores/professores, que podiam estar ou não os realizando enquanto passavam as informações. Um outro tipo de linguagem, verificada em todas as associações, seria uma forma de aprovação e incentivo para o que estava sendo realizado pelos idosos/alunos: “é isso aí”; “muito bem”; “vamos lá”; “voilá”; “très bien”; “allez”. Comumente encontrarmos os objetivos sendo apresentados logo no início das aulas, ou uma situação de ensino; no entanto, não houve grande preocupação em dizer de que maneira o que estava sendo proposto seria capaz de influir nos praticantes. Isso é feito de maneira bem pontual: “esse exercício é para quem tem lombalgia” (AULA 2, Anim. UNATI/UERJ); “vamos aquecer os pulsos porque no ano passado uma aluna, ao se desequilibrar na posição agachada, fraturou dois ossos do antebraço”; ou ainda: “esse exercício é bom para aqueles que estão na natação” (AULA 3, Anim. UTL/RENNES); “por causa da curvatura de suas costas, use dois colchões para proteger a cabeça” (AULA 5, ARRS); “esse exercício serve para coçar as costas ou abotoar o sutiã (AULA Anim. 02, PAM/IMMA). São os animadores/professores que formulam as questões que são apresentadas durante a aula, mas em nenhum momento eles aguardaram as respostas, proferindo-as imediatamente. 348 Com relação à execução, verificou-se uma preocupação mais acentuada com determinadas posturas, relacionadas a determinados exercícios, como pode ser observado no geral; busca-se atentar também para a maneira como se deve respirar, contrair ou relaxar durante determinados exercícios, sendo estes últimos exemplos mais observáveis na gimsuave. Apesar de encontrarmos no embasamento teórico que fundamenta o PAM/IMMA a preocupação em seguir um método diferente do tradicional – preparação ou aquecimento, parte principal, relaxamento ou volta à calma –, esse tipo de divisão foi o que esteve mais presente em todas as aulas observadas nas associações estudadas. Houve casos em que a primeira parte de uma aula passou a ser a última da aula seguinte. (ARRS 2 e 3). Em outros, não se usou o ‘volta à calma’ no final da aula (PAM/IMMA 3 e 5). A que mais seguiu um mesmo formato foi a UTL/Rennes, em que após os primeiros deslocamentos pela sala eram feitos exercícios diversos, havendo sempre espaço para os abdominais e um ‘volta à calma’. Na UnATI/UERJ, as atividades sempre começaram com um período em que os idosos pudessem se manifestar, terminando sempre com atividades no solo. Entretanto, é comum a solicitação para que os idosos fiquem em silêncio e interrompam as interações em alguns momentos das aulas: “vocês estão falando muito, assim eu não consigo falar, fica difícil. Vamos fazer silêncio, gente senão não dá para ouvir [..]. Tem muito papo e pouco exercício” (AULA 3, PAM/IMMA). “Eu não vou repetir mais, chegou! Não pode falar” (AULA 5, Anim. UNATI/UERJ). A atividade dança no grupo PAM/IMMA se mostrou uma estratégia bastante interessante, chegando a ser a parte da aula mais esperada pelos alunos/idosos. De maneira pertinente, utilizaram-se elementos da cultura popular brasileira como ritmo, músicas, de acordo com os interesses do grupo. Nesse caso, o samba e o carnaval ganharam destaque e mereceram bastante interesse por parte dos praticantes. Os idosos e aposentados são da classe trabalhadora; a cultura deles passa pelo pagode, pelo samba, pelo samba-de-roda, pela festa junina. Quando se coloca um sambinha, eles ficam todos animados. No início do trabalho usamos até Villa-Lobos, mas eles falaram: ‘ih, esta música é fúnebre’. Eu acho que aos poucos a gente poderá modificar um pouco (ENT. Orient. pedagógica, PAM/IMMA). 349 Essa associação foi a única a não utilizar exercícios no solo, enquanto as demais, quando solicitavam a passagem da posição de pé ao solo, não tinham preocupação em apresentar gestos que facilitariam e diminuiriam os riscos de acidente nessa passagem. Segundo seu coordenador pedagógico, a não utilização de exercícios no solo foi considerada tendo em vista três razões fundamentais: A própria literatura mostra que há uma associação muito grande da posição deitada com a morte. Então, no início, a gente pediu que os nossos estagiários não trabalhassem muito esta atividade deitada. Este foi o primeiro motivo, quer dizer, no início nós fizemos isto explicitamente. Segundo, a questão do material: nós não temos colchonetes, não temos nenhum tipo deste material. Eles vêm com roupas inadequadas, elas ainda vêm de saia, é uma situação complicada, pedir para elas irem ao chão de saia. Terceiro, a gente realmente ainda não colocou em nossa programação a questão de levantar com segurança. Isto é um aspecto que a gente ainda não trabalhou (ENT. Coord. educação física, PAM/IMMA). Passaremos agora a verificar o que estava ocorrendo nas aulas quando observávamos os comportamentos do animador/professor em relação às variáveis elegidas para observá-lo durante o tempo total de cada aula. Começamos pelo TPO, que era computado toda vez que o responsável pela atividade preparava o ambiente para apresentar um exercício ou uma situação de ensino (TABELA 9). Esse tempo só foi verificado quando não vinha acompanhado de nenhuma informação de cunho cognitivo, não havendo ainda nada ligado a animação/ensino/aprendizagem. Embora os idosos possam ter a sensação do que virá a ocorrer, isso não foi verbalmente apresentado pelo animador/professor, que teria como atividade orientar os idosos quanto a sua organização na atividade em relação: à utilização do espaço, ao grupo; à manipulação de objetos; aos recursos sonoros, etc. Se for o caso, ele também controla a presença, fazendo a chamada dos presentes, dá informações de interesse geral, como sobre a associação e o próprio curso. Durante a observação desse tempo, os idoso/alunos formam grupos, conforme a solicitação do animador/professor, ficam em fila ou colunas; procuram formar duplas ou trincas que levem em conta preferências pessoais ou peso corporal, altura e habilidade semelhante. É também um momento em que há mudança de posição, como ir ao solo, buscar algum equipamento específico que os auxilie na execução do que será 350 solicitado, como também será considerado o tempo que é dispendido para a guarda do material. São momentos em que os alunos ainda não estão aprendendo e que, segundo algumas pesquisas citadas por Siedentop (1998a), variam entre 15% a 35% do tempo da aula. No entanto, reconhece-se que em atividades como jogos esportivos coletivos, esse tempo é consideravelmente alto, não ocorrendo o mesmo em atividades em que o estilo do professor é ser ele o modelo. Damos aqui um exemplo tirado do intervalo de trinta segundos entre os 45 min e 50 seg e os 46 min e 20 seg. da quinta aula observada na UTL/Rennes: Nós vamos ficar com as costas coladas na parede (...) não tem qualquer problema se vocês ficarem bem próximos uns dos outros [...] venha você ficar aqui [...] você pode ficar ali se você encontrar lugar [...] atenção, tome cuidado ao ficar junto à porta [...]. Está bem difícil de encontrar um bom lugar para todas [...] tenham bastante cuidado quem está de meias sobre o tapete, pois eu não sei se é capaz de escorregar (AULA 5, Anim. UTL/RENNES). TABELA 9 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, a preparação e a organização das atividades didáticas (TPO), sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 6% 11% 11% 12% 3 10% 6% 9% 18% 5 TPE MÉDIO 17% 11% 19% 12% 13% 11% 17% 16% O tempo médio encontrado foi de 6 minutos e 55 segundos, o que significa 13% do tempo total. Houve uma variação entre os 5 minutos e 15 segundos encontrados no PAM/IMMA, que corresponde a 11% do tempo total desse grupo, e os 8 minutos e 30 segundos encontrados na ARRS, que correspondem a 16% do seu tempo total. 351 O TID é verificado quando já há informações didáticas sobre uma situação que será ou foi proposta, ou mesmo sobre um exercício. É um momento em que os idosos/alunos não estão ainda envolvidos com um engajamento motor especificamente relacionado às informações do responsável pela atividade (TABELA 10). Essa categoria de tempo ocorre quando o animador/professor faz um balanço sobre o que foi anteriormente feito; explica o que vai se passar, podendo se utilizar de sua demonstração; faz uma avaliação individual ou mesmo do grupo. Os praticantes, sem estar engajados em ações motoras, escutam e observam atentamente. Esse tipo de atitude será considerado quando até 20% dos presentes ainda não se engajaram na atividade que está sendo proposta. Fundamentalmente no TID, os alunos não estão engajados em atividade prática, estando atentos às informações do professor. Utilizamos como exemplo os últimos quarenta segundos do primeiro minuto de aula da aula gravada na UTL/Rennes, em que a animadora/professora demonstra ao mesmo tempo que informa aos idosos o que está solicitando: Hoje nós vamos fazer exclusivamente, essencialmente, os alongamentos [...] já tinha algum tempo que nós nos alongávamos, logo eu espero que no final de nossa seção vocês vão sentir-se em plena forma. Relaxados e, por que não dizer, tendo aumentado alguns milímetros [...]. Para começar, vamos andar sobre a ponta dos pés, verdadeiramente bem na ponta, esticando os braços bem em direção ao alto, cruzando os dedos para que isso seja o mais simples possível [...] braços estendidos [...] os braços estão estendidos em direção ao alto e para trás. Tudo isso sem fazer um arco com as costas, compreenderam? (AULA 5, Anim. UTL/RENNES). Para alguns autores, 1/3 do tempo da aula é dedicado à organização, e outro 1/3 é destinado ao tempo de informações. No momento em que a dedicação do animador/professor nesses dois primeiros tempos analisados é significativa, podemos inferir que os alunos ficarão um tempo considerável sem estar engajados na prática da atividade. O TID sofreria, segundo Siedentop, uma variação da ordem de 10% a 50% do tempo total da aula. Essa importante variação dever-se-ia ao fato de que atividades como a ginástica, tal qual a que analisamos, e a dança aeróbica, se utilizam de um tempo bem restrito para passar informações. Realmente isso veio a se confirmar quando observamos a distribuição desse tempo em nossas análises. O tempo médio correspondeu a 7 minutos e 352 48 segundos, que representa 13% do tempo total, variando de 4 minutos, que são 11% do tempo total do grupo PAM/IMMA, a 12 minutos e 4 segundos, que são 12% do tempo total do grupo da UnATI/UERJ, associações que se utilizaram, respectivamente, de exercícios mais simples e mais complexos. TABELA 10 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores às informações didáticas (TID) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 7% 16% 13% 25% 3 12% 25% 18% 13% 5 TPE MÉDIO 7% 9% 12% 18% 11% 14% 7% 15% O terceiro tempo considerado foi o dedicado a observação e supervisão (TOS) da prática que foi estimulada a ser realizada pelos idosos. A observação ocorre quando o professor olha com atenção o grupo, intervindo quando considera necessário. No momento da observação desse tempo, é imperioso que os praticantes estejam já engajados no exercício. Consideramos que a supervisão ocorre nas retroações, correções, tanto orais como por toques, realizados enquanto os alunos estão centrados em sua prática. O animador/professor pode até se engajar na prática, porém essa unidade de tempo não pode conter além de uma intervenção pontual que não ultrapasse 10 segundos contínuos. Na verdade procura-se caracterizar esse comportamento como de observação ativa. Procuramos também verificar, de outra forma, se os idosos estando no campo visual do professor, se são observados sem que ele emita qualquer palavra ou gesto ao grupo. Não o consideramos quando ultrapassa períodos contínuos de mais de 20 segundos – pelas características das atividades observadas e dos professores analisados, isso nunca chegou a mais do que 15 segundos seguidos. Seria uma atividade de cunho mais contemplativo geral, 353 cuja subjetividade não permite que se saiba o que se passa no pensamento do professor. Sendo assim, aceitamos esse comportamento como um momento privilegiado em que o professor interpreta a prática de seus alunos. Outro tipo de participação do responsável pela atividade pode ocorrer quando ele conta o número de repetições ou dá qualquer outro tipo de ritmo aos exercícios. Nessa ele se dirige oralmente aos alunos, incitando-os à prática. Suas correções podem ser tanto individuais como dirigidas ao grupo, e ele não se engajará na prática do exercício ou da situação de ensino proposta. O TOS foi levado em consideração quando 20% dos idosos estavam engajados na situação de ensino ou no exercício proposto. Segundo as pesquisas observadas por Siedentop, seriam destinados a esse tempo 20% a 45% do tempo total da aula. Nossos resultados indicaram que o tempo médio aproximou-se do limite inferior, sendo de 14 minutos e 8 segundos, o que corresponde a 26% do tempo total médio (TABELA 11). As variações encontradas são da ordem de 2 minutos e 27 segundos, 5% do tempo total do grupo UTL/Rennes, a 21 minutos e 7 segundos, 40% do tempo total do grupo ARRS. TABELA 11 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores a observação e supervisão (TOS) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 15% 38% 2% 30% 3 25% 15% 13% 43% 5 TPE MÉDIO 46% 30% 32% 28% 0% 5% 46% 40% Encontramos um comportamento do animador/professor que não foi levado em consideração nas pesquisas sobre o tempo que consultamos: o tempo de engajamento na prática pelo professor (TEM). Seriam as situações práticas totalmente baseadas no modelo 354 dado pelo professor, que acaba servindo de guia dos alunos. Isso ocorre quando o objetivo do professor “é um descritivo da performance” (AMADE-ESCOT, 1998). Para o professor, “aprender corresponderia a copiar”, situação em que os alunos estariam condenados às repetições intermináveis. Durante esse tempo, o professor pode estar também engajado em outras atividades, como fazendo correções verbais ou estimulando oralmente os idosos/alunos, que praticam no mínimo 20% ao mesmo tempo que ele. Em nossas observações nos deparamos com resultados que demonstram ser esse o tempo mais importante entre os professores, o que pode demonstrar que as estratégias de ensino adotadas são percebidas pelos praticantes como aquelas que mais se adequam às suas demandas, principalmente pelo que foi observado nas associações brasileiras, em que a maioria dos praticantes não teve anteriormente qualquer contato com a atividade física. Mas o comportamento também foi semelhante nas associações francesas que também optaram por um estilo mais diretivo, usando o seu modelo a ser seguido. As justificativas são diversas: “eu prefiro ser dirigido, porque quando se faz por conta própria pode-se fazer um movimento errado” (ENT. 03, PAM/IMMA); “quando ela está fazendo há uma maior interação dela com o grupo, eu acho isso importante” (ENT. 07, UNATI/UERJ); “eu prefiro quando tem modelo a ser seguido” (ENT. 02, PAM/IMMA); “eu prefiro quando ela mostra o movimento” (ENT. 01, UNATI/UERJ); “eu prefiro ver o que eles estão fazendo, eu procuro fazer, mas tenho um pouco de dificuldade” (ENT. 04, PAM/IMMA). A despeito dessas afirmações, vamos encontrar alguns idosos que gostariam de não ser totalmente dirigidos, o que só ocorreu com maior freqüência na UTL/Rennes, havendo casos isolados como o que encontramos na UnATI/UERJ: “Eu prefiro quando estou criando” (ENT. 02, UNATI/UERJ); “ela usa sempre um modelo. Não existe essa coisa de criar” (ENT. 05, UNATI/UERJ). Fica claro que todos os idosos estão satisfeitos com a atividade, embora às vezes se perceba a sensação de que poderia ser feito de forma diferente, mesmo que a confiança nos professores continue sendo muito grande, já que quando ela passa para nós, ela já testou, ela já estudou, ela sabe onde vai beneficiar aquele exercício, que eu, leiga no assunto, não vou saber. Agora, por outro lado, por exemplo: quando é colocada uma música e você deixou um exercício em aberto, você pode botar 355 todas as suas tenções para fora, eu prefiro criar (ENT. 03, UNATI/UERJ). Os professores praticam em conjunto com os alunos em média 23 minutos e 32 segundos, ou seja, 43% do tempo total de aula (TABELA 12). Consideramos que esse tempo, acrescido ao dedicado às demonstrações, em que os alunos apenas observam, e que são freqüentemente utilizados, aumenta o período total em que o professor executa as tarefas propostas. O tempo médio máximo de engajamento de um professor foi alcançado pelo responsável pelo grupo UTL/Rennes, que utilizou em média 33 minutos e 13 segundos, 66% do tempo total da aula. O tempo de prática da responsável pelas atividades dessa associação foi proporcional ao total de uma aula maior, ainda na seção que estamos usando como exemplo de nossa observações, em que não houve nenhum registro de tempo destinado a observação e supervisão. Já o professor do grupo da ARRS praticou junto com seus alunos em média 15 minutos, que correspondem a 28% do tempo total médio encontrado nessa associação. TABELA 12 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, sua prática efetiva (TPE) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 61% 25% 70% 33% 3 52% 49% 58% 23% 5 TPE MÉDIO 30% 47% 32% 36% 70% 66% 30% 28% Para finalizar a análise do tempo dos animadores/professores, optamos por caracterizar um tempo neutro, que, tal como o fizemos com os idosos/alunos, chamamos de pausas gerais (TPG). Nele o professor não estaria engajado em nenhum dos tempos anteriores. São períodos superiores a 10 segundos nos quais não se percebe qualquer 356 relação com a atividade didática e em que mais de 80% dos participantes não estão envolvidos em nenhum engajamento motor. O professor pode verbalizar sua intenção de fazer uma pausa, motivada ou não por sinais de fadiga dos praticantes ou mesmo por algum acontecimento extra-aula. Se há transmissão de informações pelo animador/professor, elas não têm qualquer relação com o curso ou a temática da aula. Como observamos, esse tempo veio a ser o menos importante da aula, já que nele foram registrados 2 minutos e dez segundos como média das atividades observadas nas quatro associações, o que corresponde a 4% do tempo médio total das aulas (TABELA 13). A variação foi de 4 minutos e 27 segundos, 6% do tempo total do grupo da UnATI/UERJ, a 43 segundos, 1% do tempo total do grupo da ARRS. TABELA 13 Distribuição do tempo dedicado pelos animadores/professores, suas pausas gerais (TPG) e sua relação proporcional com o tempo total da atividade (TTA), observadas nas quatro associações Associação PAM/IMMA UnATI/UERJ UTL/Rennes ARRS Atividade 2 11% 10% 4% 0% 3 1% 5% 2% 3% 5 TPE MÉDIO 0% 3% 5% 6% 6% 4% 0% 1% Siedentop (1998a) considerou que as atividades didáticas podem ser mais eficazes quando se consegue verificar em um curto espaço de tempo a existência de atitudes positivas sobre o que veio a ser aprendido e também quando há uma melhora da autoestima dos praticantes. Encontramos declarações entre os idosos/alunos que sugerem que esses comportamentos passaram a ocorrer entre os idosos que foram acompanhados nas associações investigadas. Como vimos, uma avaliação formal do que estaria ocorrendo em nível corporal ainda é precária ou inexistente, principalmente considerando os objetivos que foram 357 traçados. Tanto na gin-suave realizada na UTL/Rennes como na gin-entretenimento da ARRS, realizar uma avaliação formal para verificar o progresso dos alunos não passa pelos objetivos do animador/professor, confirmando que o maior objetivo continua ser o entretenimento, não havendo grande preocupação com o resultado que o exercício e a atividade vêm ocasionando nos participantes. Ainda assim, achamos importante registrar uma justificativa que chega a ser desconcertante: “eu não faço porque isto tomaria muito tempo” (ENT. Anim. ARRS). Essa animadora, ao lembrar do treinamento recebido na FFEFGV, afirma que lá era obrigada a fazer alguns relatórios, mas quando se está em atividade profissional, eu não chegaria a dizer que não é possível, mas necessitaríamos de coisas bem precisas. Sem contar que há certa subjetividade: tem dias que você não está muito bem, não é capaz de fazer bem, uma noite mal dormida, enfim, existe uma infinidade de coisas que entram em jogo, além do que a avaliação deve ser algo regular (ENT. Anim. ARRS). Sobre o que foi aprendido em suas aulas, a animadora/professora da UnATI/UERJ diz que os alunos aprenderam “a se posturar de uma forma crítica. Aprenderam a relaxar, eles aprenderam recursos terapêuticos, como podem se liberar de uma dor. Já melhoraram o tônus a nível do abdome, que é uma tendência a ser esquecido”. E o progresso é verificado por meio de depoimentos muito bonitos [...] Eu noto que os idosos que freqüentam a UnATI/UERJ mudaram muito em pouco tempo. Sei que não é só o trabalho da gente, pois eles fazem diversas atividades. Tem gente que começa a se vestir de forma diferente, já chega com uma postura diferente, já fala mais alto (ENT. Anim. UNATI/UERJ). Apesar de ainda não se ter à disposição os resultados dos testes objetivos, a orientadora pedagógica do PAM/IMMA diz que já se percebe um retorno que ocorre no momento em que eles passam a “reclamar das coisas que eles não estão gostando, de pedir uma atividade, uma música, ou também quando eu percebo que elas estão realizando corretamente os exercícios com noção de segurança, motora, de ritmo”. Com relação a 358 questões de progresso que sejam mensuráveis, a animadora dessa associação assim se expressou: Os testes que eles realizaram agora vão predizer o que a gente tem no momento, porque a gente não fez nada anteriormente. É o primeiro teste. Quando o projeto iniciou eu não estava, mas pelo que se diz, e até pelas aulas que eu assisti, eles estavam bem atrasados. A gente falava esquerda, direita, eles não tinham noção nenhuma de lateralidade, coordenação motora, ritmo. Eles estão melhorando e a gente vê isso, só que a gente não tem nada, vai começar agora. Acreditamos que os resultados aqui apresentados possam contribuir com nosso objetivo maior que consiste em caracterizar o ensino da ginástica para idosos em meio associativo. Apresentamos uma discussão sobre o que se passa numa aula de educação física para idosos a partir do que se faz, a quem se propõe, como e em que circunstâncias são propostas as atividades didáticas, procurando refleti-las a partir de um modelo social de envelhecimento que tem na saúde e na atividade seus principais argumentos para sustentar a defesa dos valores que são impostos pela pastoral do envelhecimento ativo. 359 CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do que foi discutido nos capítulos anteriores, verificamos como o envelhecimento e a velhice, cada vez mais indesejados e negados, transformaram-se num problema social no decorrer do século XX que trará conseqüências bastante importantes para o século XXI, principalmente devido ao grande aumento demográfico de idosos que se acentua cada vez mais. Como fruto de uma política específica de modo de vida na velhice, o estilo de vida dos novos aposentados passou a ser regulado por profissionais da saúde, gerontólogos, geriatras e professores de educação física, que, tal como uma pastoral, passaram a catequizar os idosos para que ficassem ativos o maior tempo possível. A prática da vida associativa, como o engajamento em atividades físicas e esportivas, é um dos mais propalados meios para atender à imposição social de ser ativo na aposentadoria o maior tempo possível. Apontou-se para este espaço privilegiado de mediação do animador cultural, que foi considerado como àquele que vai atender as demandas de lazer da sociedade em geral. O mito da eterna juventude surge no século XX como uma resistência à velhice, sendo apoiado por estratégias muitas vezes fundamentadas em pesquisas científicas. Políticas sociais sobre a velhice incorporaram o modo de vida ativo como possibilidade de contenção gastos públicos, passando à família e ao indivíduo a responsabilidade por seu bom ou mau envelhecimento. Numa sociedade em que se desvalorizam e estigmatizam os velhos, homogeneizando-se o declínio, enfatizando-se a inutilidade e peso social, foi necessário inventar uma nova idade para absorver uma massa de idosos que deixam o trabalho ou se libertam de responsabilidades familiares, com mais recursos e com uma maior expectativa de vida como aposentado. É comum encontrarmos em aposentados que tiveram uma vida muito referenciada pela atividade profissional e mesmo idosos que se dedicaram a tarefas do lar certa dificuldade em administrar o tempo disponível que passa a lhe ser apresentado nesse período. Solidão, crises e problemas depressivos surgem com regularidade no período que ronda a aposentadoria; ficar em casa acaba se tornando tedioso e angustiante. 360 Como resistência ao envelhecimento e buscando a diminuição do sofrimento pela falta de referenciais identitários sociais, perdidos com a passagem à vida de inativo, surgem oportunidades de engajamento ativo nas mais diversas formas associativas. Levando em conta a estrutura em que estão montadas essas associações e o que vem representando essa nova moral do envelhecimento ativo, passou a ser cada vez mais fácil o acesso a essas associações, fenômeno social que dá seus primeiros passos nos últimos trinta anos. O fato de possibilitar a reunião de pessoas com características pessoais e interesses semelhantes, num local que facilita o descobrimento de coisas novas e interessantes, dá aos participantes a sensação de estarem em constante renovação, de que só quem está ativo e moderno se beneficia, facilitando seu autodescobrimento em muitos casos. Percebe-se claramente que a participação é plena de significados, sendo os principais representados pela necessidade de estar em contato com outros, o prazer de poder pertencer a um grupo social de semelhantes, fugir do tédio e da solidão, cuidar da saúde de forma diferenciada com atividades de lazer e junto a tudo isso resistir ao mau envelhecimento. A solidariedade oriunda do sentimento de pertencer a uma classe de idade que vivenciou de maneira semelhante a vida social, acaba sendo reforçada nos modelos de lazer, que criam sinais característicos manifestados por meio do sentimento de 'pertencimento social' e de 'pertencimento geracional', que se constituem os dois principais meios de reconhecimento social. Algumas atividades consideradas de lazer e realizadas no tempo da aposentadoria são entendidas como típicos de uma geração, explicadas entre outros pelo gênero e pela classe social. É o caso da participação de aposentados no movimento associativo, que em relação às outras atividades de lazer, tanto na França como no Brasil, pode ser apontada como a atividade que vem recebendo o mais significativo aumento de adesões. Na medida em que os idosos e aposentados dessa nova idade conseguem encontrar espaços onde podem esquecer e superar a angústia e o tédio de uma vida que até então se apresenta para muitos como sem sentido, as novas atividades a que se dedicam passam a ser vividas como se fossem uma ‘segunda carreira’. No meio de semelhantes, o espaço associativo torna-se o antídoto contra o mau envelhecimento. 361 Estaríamos diante de uma desconexão daquilo que incomoda, onde, por meio da diversão e da sociabilidade, a saúde estaria garantida, sendo esta última uma categoria englobante, na medida em que tudo estaria na saúde e a saúde estaria em tudo. Procuramos fazer um estudo comparativo a partir dessas constatações, que circulam no modo de envelhecer socialmente considerado como o melhor para a sociedade e para o indivíduo e que tem sido preconizado nas últimas décadas em países considerados mais industrializados. A França foi escolhida para ser investigada porque tem sido um dos países onde esse modelo de envelhecer ativo tem grande repercussão; é um dos países pioneiros no desenvolvimento de propostas associativas como clubes e universidades para idosos. O Brasil, mesmo com características socioeconômicas diferentes da França, pôs em prática o incentivo ao modo de envelhecimento ativo, seguindo estratégias e o modelo já utilizado com sucesso naquele país. Há fortes indícios de que a política de modo de vida fundamentada no modelo do envelhecimento ativo vai cada vez mais se perenizando no seio da classe média, tanto francesa como brasileira, extrapolando para as camadas populares. Propor a inserção dos idosos e aposentados, manter sua autonomia, resistir ao mau envelhecimento, rejuvenescer e ser mais longevo fazem parte de um receituário que inclui a prática de uma atividade física e esportiva como garantia para um envelhecimento saudável. Pelas diversas maneiras como ela pode se apresentar, seja pelas características biológicas, estéticas ou lúdicas, a proposta de atividades físicas para idosos vem sendo considerada de fundamental importância no desenvolvimento e sobrevida das associações, independente de serem clubes ou universidades. Fica evidente que como fenômenos de geração, atividades físicas e esportes são capazes de gerar muitos negócios, tendo na resistência ao envelhecimento um grande apelo. Mesmo que o número de adeptos tenha aumentado, ainda é reduzido o número de idosos que participam regularmente de atividades físicas orientadas, sendo a ginástica aquela que consegue atrair o maior número de adeptos nas associações típicas de idosos e aposentados. Na análise que fizemos em quatro associações dos dois países que envolveram esta pesquisa, pode-se perceber que essas práticas se apresentaram como um receituário de movimentos, cujos objetivos, traçados pelos animadores/professores, nem sempre estão de 362 acordo com a prática efetivada e as intenções dos idosos/alunos. O valor normativo do saber médico reforça a relação apresentada: saúde, bem-estar e felicidade. Verifica-se uma educação física com fortes características instrumentais, havendo discursos convergentes tanto entre os responsáveis pela prática pedagógica da ginástica tradicional, que chamamos de entretenimento, como entre aqueles que desenvolvem a ginástica alternativa, denominada como suave. Ambas visam a influir na qualidade de vida dos associados, com atividades e exercícios que sejam capazes de garantir a conservação, evitando a deterioração acelerada de determinadas qualidades físicas; a recuperação de quadros patológicos, devidos ao desuso, mau uso, ou mesmo em decorrência de problemas estruturais, que produzem incômodos e dificuldades na execução de movimentos cotidianos; a prevenção, de forma que os efeitos deletérios do envelhecimento sejam retardados ou atenuados. Tudo isso é posto em prática por meio de estratégias que buscam respeitar as individualidades, o prazer dos praticantes pela prática que é proposta, num ambiente que propicie as interações sociais. Pelo lado dos praticantes, percebe-se que estes fazem parte de uma geração que envelheceu sem adotar como necessidade fundamental a prática regular de atividades físicas, sendo estas substituídas por uma maior dedicação ao trabalho e à família. No momento em que essas relações perdem importância ou não mais existem, o vazio, o tédio e o isolamento passam a incomodar. A saída é fazer algo que não só preencha o tempo mas possa contribuir para resistir ao envelhecimento. Esta característica foi bem marcante nas mulheres que participavam da atividade, e sobre a grande afluência do sexo feminino a projetos associativos como os investigados, apontamos à necessidade de maior aprofundamento quanto a esta predominância que se repetiu em estudos semelhantes. O estar fisicamente ativo e culturalmente engajado acaba se desenvolvendo como um antídoto cujos efeitos são expressos subjetivamente, numa auto-avaliação que apresenta as mais diversas melhoras, sendo que muitas delas só podem ser interpretadas como resultado de um 'efeito placebo'. A questão do permanecer saudável, jovem, resistindo ao envelhecimento, fazendo contatos sociais que podem se tornar amizades, conservando ou recuperando a saúde, está presente nas declarações, mas o quase total desconhecimento do que é almejado nas propostas das associações é uma realidade, havendo, principalmente no 363 caso brasileiro, uma forte tutela dos idosos por parte das associações investigadas, mesmo quando, no caso de uma associação como o PAM/IMMA, já se aponte para uma mudança paradigmática que visa à autonomia dos idosos. Merecendo uma boa cobertura da mídia como sendo um novo alento para os idosos brasileiros, encontramos alguns problemas em seu desenvolvimento cujos exemplos podem ser observados em algumas atividades que observamos nesta pesquisa. A prática desenvolvida pelos responsáveis pelas atividades acaba reproduzindo estereótipos, como o da fragilização e da inevitável dependência dos mais velhos. É comum o uso de recursos didáticos não muito apropriados, que acabam por infantilizar os idosos e a prática. Este fato, em parte pode ser creditado ao pouco aprofundamento de discussões mais críticas no que toca a relação entre o envelhecimento da sociedade, vida associativa e prática de atividades físicas, que até então ainda estão pouco presentes nos cursos de formação dos que vão atuar com o púbico idoso. No caso brasileiro, talvez por ainda estarmos numa fase de euforia, em que a cada dia vemos multiplicar projetos voltados para idosos e aposentados, isso é muito mais notado, embora tenha também ocorrido numa associação francesa. Dependendo da classe social e do capital cultural, há casos em que idosos pouco exigentes com o que lhes é oferecido, acabam aceitando tudo sem muito questionamento, numa avidez pela experimentação das mais variadas atividades que, antes, nunca lhes foram possíveis. O tratamento infantilizado verificado nas associações investigadas resulta da falta de atenção de profissionais que não conseguem distinguir o bom e necessário tratamento afetivo e respeitoso dado a idosos do tratamento que é dado a crianças. Esse tipo de concepção, que aproxima velhos e crianças, é inculcado no imaginário das pessoas em parte pela aparente fragilização e dependência dessas categorias e acaba se manifestando na escolha dos conteúdos e na forma de apresentá-los. Tem sido normal encontrar animadores/professores que atuam com as mais variadas formas de ginástica, no afã de tornar sua atividade mais dinâmica, utilizando conteúdos tradicionalmente aplicados na educação física infantil. A lógica do entreteter, que se faz presente a cada dia, faz com que a ginástica acabe cumprindo uma função antitédio, embora essas observações venham muitas vezes a ser irrelevantes para os idosos dessa geração. Acreditamos que, enquanto fenômeno de moda, 364 estar em atividade das mais diversas e principalmente nas de caráter associativo transforma os idosos em um grupo pouco exigente. Consideramos que se trata de um fenômeno de geração e que, uma vez ultrapassada a fase da empolgação, surjam idosos e aposentados mais atentos, tanto à forma como ao conteúdo do que lhes é proposto. Para atender a outras demandas, será cada vez mais imperioso que se imponha uma melhor preparação e adequação dos quadros que vão atuar na animação/ensino da educação física dos idosos. É necessário ter em conta a importância de se fazer planejamentos mais a longo prazo, diferentemente do quadro que encontramos, em que só um dos grupos analisados apresentava a preocupação de trabalhar com uma proposta pedagógica clara, buscando adequá-la à medida que é aplicada, por meio de um esquema de aula capaz de atender ao publico a que se destina seu projeto. A formação de animadores/professores é um desafio que precisa levar em consideração não só o que traz os idosos à prática como também o que os afasta das atividades propostas. Será da alçada dos animadores/professores educar pelo lazer, possibilitando aos que envelhecem uma nova sensibilização de seus gostos, facilitando escolhas mais conscientes. Entendemos que foi marcante na característica ativista, a quase imposição de se fazer qualquer coisa para não se tornar um velho. No caso dos que envelheciam nas últimas décadas do século XX, permanecer ativo passou a ser encarado como resistência à velhice, onde as atividades na vida associativa passaram a ser vistas como uma segunda carreira, resultado de uma nova modelização do envelhecimento, bem de acordo com o discurso da ‘pastoral do envelhecimento ativo’. 365 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAM Yvon Au centre de gérontologie de Sofia, Revue E.P.S. janvier, n. 90, 1968. 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Para atuar na intervenção direta com o grupo é requerida alguma formação específica? O que significa atuar com ginástica suave/entretenimento? Que objetivos são buscados, existe um programa a ser seguido? Há alguma preocupação com alguma metodologia específica? Que tipo de avaliação é feita nos participantes e na proposta? Quais as maiores dificuldades que são encontradas quando se atua com idosos /aposentados? O que significa ser idoso/aposentado no Brasil/França? 388 ANEXO 2 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas (aplicadas anteriormente ao ciclo das observações) 389 Como poderia ser descrito o grupo que segue suas intervenções? Qual o significado de ser um idoso ou um aposentado na sociedade atual? A associação está integrada com uma proposta global de atendimento ao idoso e aposentado ou se resume as intervenções da atividade ginástica? O que significa atuar com ginástica suave/entretenimento? Como poderiam ser definidas as diferenças entre a ginástica suave e entretenimento? Quais são os principais suave/entretenimento? interesses dos participantes da atividade ginástica Há quanto tempo você atua com grupos constituídos de idosos e aposentados? Que tipo de preparação você recebeu para atuar com uma ginástica específica para idosos? Que objetivos pautam a proposta da associação e a sua com a atividade ginástica? Como são planejadas suas intervenções pedagógicas? Há alguma metodologia específica que sirva de orientação na preparação das intervenções? Está previsto algum tipo de avaliação durante o ciclo que será acompanhado? Quais as maiores dificuldades que são encontradas quando se atua com idosos /aposentados? O que significa ser idoso/aposentado no Brasil/França? 390 ANEXO 3 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis pelas atividades pedagógicas das associações investigadas (aplicadas após encerrado o ciclo de observações) 391 O que você pode falar sobre o desenvolvimento das suas últimas intervenções pedagógicas? Como avaliaria se os seus objetivos foram atingidos ou não? Que exercícios ou situações de ensino produziram maiores dificuldades? Estas dificuldades estavam previstas? Quais são os pontos fracos dos alunos? Você considera que haja progresso por parte dos participantes desse grupo? Em geral na atividade ginástica para idosos fala-se de diversas qualidades físicas como flexibilidade, mobilidade articular, equilíbrio, coordenação, força e resistência, como poderia justificar a existência ou não desses temas nas suas intervenções? Ao preparar suas aulas você seguiu algum conhecimento adquirido: em cursos específicos para atuar com idosos e aposentados; no conteúdo de algum livro específico ou artigos; na sua experiência prática pessoal? A formação que você teve para atuar com a atividade física ginástica lhe deu informações suficientes para poder atuar com um grupo constituído de pessoas idosas? Como são escolhidos os exercícios que você procura desenvolver com seus alunos a cada aula ? O que determina a intensidade destes exercícios? O que você tem ensinado durante suas aulas ? Quando um praticante executa de forma incorreta como você se dirige a ele, você o corrige de que maneira ? De que maneira você acredita que a prática de atividades físicas possa influir na saúde de pessoas como as que freqüentam a ginástica dessa associação? O que você entende como saúde ? Você poderia indicar quais aspectos são mais importantes na saúde? O que você pensa sobre o sistema de saúde oficial do seu país (Brasil ou França)? 392 ANEXO 4 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com os responsáveis pelas atividades pedagógicas nas associações investigadas (aplicada minutos antes de cada aula observada) 393 O que poderia ser dito sobre o desenvolvimento da sua última atividade? Segundo sua observação tudo se passou conforme suas previsões, caso tenha ocorrido alguma alteração em suas previsões o que o(a) levou a modificar o planejado? No decorrer da atividade foi observado que alguns exercícios, movimentos ou situações de ensino produziram algum tipo de dificuldade? Na atividade de hoje o que se pretende desenvolver? Será a primeira vez que essa proposta pedagógica estará sendo apresentada a esse grupo de ginástica? Que objetivos são pretendidos? Como justificar a escolha das estratégias e conteúdos escolhidos? Está prevista alguma forma de avaliação para verificar se os objetivos foram atingidos ou não? 394 ANEXO 5 Roteiro utilizado nas entrevistas semi-estruturadas realizadas com as pessoas idosas que participavam das atividades de ginástica nas associações 395 Em caso afirmativo, há quantos anos está aposentado? No momento da sua aposentadoria qual a profissão que exercia? O que o(a) levou a deixar sua atividade profissional e solicitar a aposentadoria? Atualmente pode considerar que estava preparado(a) para a sua aposentadoria? A sua aposentadoria está sendo aquilo que era previsto? Como a aposentadoria poderia ser definida? Caso pudesse escolher entre continuar a ser aposentado(a) ou retornar a sua antiga profissão, qual escolha seria feita? Como aposentado(a), ao comparar as atividades as quais hoje está engajado(a) e as que tinham no tempo de atividade profissional, em qual delas considera ter tido um maior engajamento diversificado? Qual é o seu estado civil ? Qual é a ocupação profissional do seu cônjuge? Caso você tenha filhos e netos, eles moram perto de sua residência ? Com que regularidade os vê? O seu domicílio é próprio ou alugado? Como bens possui uma segunda residência ou um automóvel? Qual é a sua escolaridade? Poderia dizer-me a sua idade ? Faz quanto tempo que está inscrita nesta associação? O que representa fazer parte desta associação? Qual a sua participação em outras atividades propostas por esta associação? Atualmente está participando das atividades propostas por alguma outra associação? Antes da sua aposentadoria tinha algum tipo de participação em algum tipo de associação? O que o(a) levou a praticar uma atividade física? Antes de se aposentar fazia algum tipo de atividade física? Com que regularidade? No seu tempo de estudante fazia algum tipo de atividade física esportiva (seja na escola ou em meio associativo)? Quando você não estava aposentado tinha o hábito de fazer algum tipo de atividade física? Em que nível (competitivo, de lazer, regularmente, irregularmente)? Há quanto tempo pratica atividade física nesta associação? Qual é o seu envolvimento em outras atividades físicas ? Com que freqüência? Por que escolheu praticar Ginástica (suave ou de entretenimento) nesta associação? O que a atividade física representa para você? Numa escala de prioridade, quais são os principais objetivos que procura: estéticos, saúde, manutenção da autonomia, bem estar, entretenimento, etc.?. No grupo o qual pratica a atividade física ginástica (suave ou de entretenimento), foram feitas novas amizades? No momento em que foi feita a opção de participar de um grupo de ginástica tinha alguma noção de como ela se desenvolveria? 396 Qual é a parte da aula que mais lhe agrada ? Como melhor seria definida a atividade física ginástica (suave ou de entretenimento)? O que foi aprendido nesta atividade? Quando pratica, quais são as suas maiores dificuldades? Considera-se satisfeito(a) com as explicações que lhe são passadas pelo(a) responsável pela atividade? Quando não está praticando corretamente o(a) responsável faz correções? Que sugestão daria ao animador? Como definiria saúde? Que tipo de relações existe entre a atividade de ginástica e a saúde? Com que freqüência vai ao médico? Atualmente convive com algum tipo de problema de saúde? Quais seriam suas maiores inquietudes com relação a sua saúde? O que faz para influenciar sua saúde? Qual sua opinião quanto o sistema de saúde público do seu país (Brasil ou França)? 397 ANEXO 6 Entrevista realizada com a coordenadora da associação UnATI/UERJ 398 -Quais são os objetivos da UnATI/UERJ? -Os objetivos são muito amplos, podemos dizer enormes. É de se criar um centro muito grande, de estudos, de pesquisas e de assistência a terceira idade. Assistência a nível de assistência médica, odontológica, jurídica, nutricional, todo tipo de assistência, inclusive serviço social do que pode ser dado ao idoso. Isto juntamente com o ensino, com educação permanente ou educação continuada, que é uma maneira de manter o indivíduo ativo, participativo, atuante dentro da sociedade e, levá-los até a fazer trabalhos com a comunidade. A nossa intenção é esta, prepará-los e motivá-los para isto, o que não é uma tradição na sociedade brasileira o trabalho com a comunidade. -Se nós pudéssemos pegar um modelo desta Universidade, em qual modelo foi baseado ao universidade da terceira idade ? -Foi baseado no modelo de universidades estrangeiras. Isto foi idealizado pelo professor Piquet Carneiro, e pelo professor Renato Veras, quando eu entrei já estava pronto. -Com são desenvolvidas as atividades? -Nós temos três tipos de professores. Professores que são da UERJ, que tem interesse na terceira idade, professores que são contratados pela universidade só para dar estas disciplinas daqui, e professores voluntários. Todos professores que são contratados eles foram voluntários pelo menos um semestre. Este é o critério que nós utilizamos. Não só para ver se eles gostam de trabalhar com a terceira idade como também para ver se nós gostamos do trabalho dele. Agora quanto ao tipo de atividade, como foi a escolha, começou assim... começou comigo mesmo. Nós não tínhamos nada , o que fazer, o que oferecer. Então eu comecei a procurar dentro da universidade quem teria interesse em fazer alguma coisa com a terceira idade . Eu fui vendo o que aparecia e havia também algumas pessoas que vinham oferecer alguns cursos. Aí começou a ser oferecida a primeira leva de cursos. Depois do primeiro semestre nós fizemos um levantamento junto aos alunos para ver, uma avaliação dos cursos, como tinha sido percebido por eles se eles achavam que tinha sido interessante para eles ou não, o que eles poderiam sugerir também, o que eles gostariam que nós oferecêssemos. Foi feito então uma listagem e nós corremos atrás, e ai passamos a oferecer o que ele gostariam. Uma coisa que já posso deixar claro que eles têm muito interesse em atividades intelectuais, atividades culturais, mas eles têm muito mais interesse nas atividades que tenham música e o movimento, como atividades físicas... Como também pinturas desenhos artes de um modo geral e as atividades físicas, dança biodança, tai chi. -O aluno pode se inscrever em quantas modalidades ? -Três cursos mas uma atividade física só. Para poder dar oportunidade aos outros e também para que não seja alguma coisa exagerada fazer três atividades físicas, é muito para a idade deles não é indicado, eles devem fazer moderadamente as atividades físicas. Assim eles podem escolher vários cursos. -Quem são os participantes da UNATI? -A grande maioria constituída de aposentados, em grande parte mulheres donas de casa, viúvas que tem sido o quadro do que hoje é a terceira idade no Brasil. Acredito que este quadro venha a mudar bastante daqui uns vinte anos por exemplo quando nós chegarmos a terceira idade. Mas nós temos também aqui um número considerável de professoras com algumas pessoas com nível superior mas é a minoria. -Poderíamos considerar que a maioria pertence a uma classe chamada de trabalhadora? -Eu acredito que sim a professora Alzira está concluindo uma pesquisa que traça o perfil de nossos alunos é um trabalho de equipe em que há outra professora que vem de uma experiência de uma tese de doutorado realizada na França em que investigou os idosos nos espaços públicos do Rio de Janeiro e da França. O seu trabalho procura fazer uma identificação de quem são os frequentadores da UnATI, seus interesses etc. O trabalho ainda não está concluido. De uma certa forma verificou-se que procuramos desenvolver aqui na UnATI aspectos que influam na sua sociabilidade. Foi passado um questionario fechado em parte com algumas questões mais abertas, aplicado a uma amostra de 250 pessoas de um universo cadastrado no segundo semestre em torno de 700 e setecentos e poucos alunos. Isto que foi verificado mais de imediato. Aqui encontramos um número significativo de pessoas que não frequentam nenhum outro espaço além da UnATI. Uma das coisas que sinalizam os frequentadores da UnATI é virem com a finalidade de atualização de conhecimentos. -A universidade promove algum tipo de conferências abertas a todos? -Sim, há os encontros de 399 terça-feira. Encontros com a saúde, começamos este ano, está lá no mural. São várias palestras. Há encontros com personalidades da terceira idade de preferência de quarta . Onde são os próprios alunos que fazem as entrevistas, o primeiro vai se dar agora, no final deste mês. O professor responsável por esta atividades procura trazer uma pessoa. Por exemplo do mundo artístico ou cultural, uma pessoa de projeção. Nós pensamos em trazer a primeira mulher que se formou em medicina ela já esta com mais de 80 anos. Os alunos então fazem perguntas e todas as palestras estão abertas a todos até quem não tem 60 anos ela é aberta a toda comunidade. Não havendo um controle de quem vai as palestras, a freqüência é feita só nos cursos. Nos cursos, são 25 vagas, quando tem fila de espera, nós sorteamos quem vai participar, pois se inscrevem muitos. Colocamos cerca de mais cinco para ficarem na fila de espera. Qualquer desistência a gente já encaixa. Falando agora em pesquisa quais são as pesquisas que estão ou que já foram desenvolvidas na universidade? -Estão em desenvolvimento pesquisas na área médica, problemas de hipertensão, problemas de câncer, problema urológicos. Há pesquisas também na área social procurando identificar o perfil do aluno da UnATI. Há também pesquisas epidemiológica das características da terceira idade. E tem a das relações intergeracionais, que é um projeto que já foi encaminhado, pedindo financiamento, que deve funcionar mais tardar no mês de janeiro próximo. -Existem pesquisas em que os alunos participam? Não, eles são só objetos. -Há critérios de avaliação nos cursos? -Isto depende, é de cada professor. Agente dá a eles um certificado de que freqüentou o curso. Nós temos um modelo de certificado, coloca-se o nome do aluno, nome do curso. Cada aluno recebe o certificado do curso que ele fez, todo ano ele recebe. -E quando o aluno falta ele pode perder a vaga? -Vai depender da atividade e do professor, se perder duas aulas e se o professor achar que ele necessita retornar. No caso da atividade física, se tiver que fazer o condicionamento físico de novo. Aí ele vai perder, não havendo substituição pois nós temos um prazo, que pode ser variado conforme a atividade, em determinados cursos, vai depender, uns podem entrar na segunda aula outros, já na primeira está formada a turma, como caso da informática. A fila de espera na informática já aparece no primeiro dia se faltou algum aluno ele entra logo na primeira aula, mas se perder a primeira aula não tem como continuar na seqüência. Já outras podem entrar até na terceira os professores informam qual o prazo de validade da fila de espera quanto às aulas os alunos terão que esperar. -Você fala em terceira idade o que é isto para você ? -Ah Ah , isto é complicado não é! Aqui nós consideramos terceira idade a partir de 60 anos, temos que usar o critério idade, isto é uma coisa administrativa não tem como fugir, não tem jeito, temos que matricular os alunos. Agora realmente eu ainda não sei definir terceira idade mesmo. Quando nós tínhamos 17 anos nós mudávamos a idade para entrar nos filmes de 18 anos e aqui acontece coisa semelhante com quem tem 59 anos? -É, pior que está! Nós tivermos que cortar uma porção de alunos que enganaram a idade, tinha gente que tinha 58 anos e dizia que tinha 60, só para entrar aqui. Eles falsificam também, só para ganhar o passe. O passe é com 65 anos sempre quando vai se aproximando eles procuram meios para burlar. -Mas há um limite máximo de idade na UnATI ? -Não há, tem alunos até com 87 anos, sendo que a média está em torno de 70, por aí. -Qual a possibilidade de se passar a ter os idosos envolvidos na gestão da UnATI/UERJ? -Olha, honestamente eu confesso que nunca nós discutimos este aspecto, mas posso lhe adiantar o seguinte : a UERJ e neste caso aqui não me está passando pela cabeça que seja uma pessoa de fora. Estes cargos aqui vem sendo ocupados por professores da UERJ, e não por professores aposentados, mas sim por professores que estão na ativa pode acontecer que nós venhamos a chegar a terceira idade e continuar tal. Aqui na UERJ quando o professor se aposenta e é recontratado, ele é recontratado como professor pesquisador, com uma carga de 20 horas. Ele apresenta projetos e jamais poderá ser um diretor de unidade, pois um diretor de unidade tem de ter 40 horas. O que agente pensa é dar bastante força a nossos alunos que são aposentados de criarem um centro acadêmico que dê a eles representatividade, que eles participem de reuniões, do colegiado daqui da UnATI. Os alunos tem representantes de turmas e representante geral de alunos. 400 -Vocês estão fazendo contato com outras universidades semelhantes ao projeto que vocês desenvolvem aqui? -Nós recebemos muitos pedidos de outras universidades para mandar material para se dar o uma orientação, como foi o nosso projeto e nós fazemos isto sempre. A gente dá folhetos com a programação, recebemos muitas visitas. Entretanto é muito difícil copiar o modelo da UnATI pois a UERJ é uma instituição muito grande. Nós temos a felicidade de estarmos ligados a sub-reitora de assuntos comunitários e já somos um Núcleo que faz parte da estrutura da Universidade, estando incluídos no Organograma da Universidade, o que impossibilita o seu encerramento numa troca de reitor por exemplo ou seja já faz parte da UERJ. -Você disse que são três tipos de profissionais que atuam na UnATI. Quantos são os professores da UERJ? -Nós temos o professor Renato, que é o diretor, temos um gerente de pesquisa, diretor de assistência, o responsável pela assistência médica, psicólogos ou seja este dado você pode pegar na secretaria inclusive o número de estagiários que atuam na UnATI. -Qual seria a idade média dos responsáveis pela UNATI? -Vai variar entre os 38 e 47 anos. No que toca aos demais envolvidos a média de idade fica em torno dos 40 anos, um pouco abaixo talvez, não havendo nenhum professor aposentado que esteja atuando na UNATI. -Qual é a relação dos profissionais que atuam aqui na área das atividades físicas com o Instituto de Educação Física? -Não há nenhum professor de educação física vindo do instituto, já tivemos um professor de Tai Chi, que veio através do instituto. Apesar de que desde a inauguração da UnATI tenhamos solicitado a presença de um profissional de educação física. Ocorre que todos os docentes do Instituto estão com suas cargas de horário ocupadas alguns comprometidos com o programa de pós-graduação . Nós aqui estamos fazendo atividades físicas aqui mas com fisioterapeutas e profissionais de outras áreas. O professor de Tai chi era formado em educação física, mas no entanto ele atuava como voluntário . -O que significa o trabalho voluntário ? -É a pessoa que trabalha sem ganhar dinheiro. -A atividade do grupo de antiginástica pode ser considerada como aula ou como uma atividade de terapia, uma vez que os responsáveis são fisioterapeutas? -Me parece que é uma aula mesmo. Pela proposta do curso é uma aula. -No sistema utilizado de sorteio vocês não temem a perda de uma certa continuidade no que é oferecido? -Tememos, mas isso agente resolve da seguinte forma. Quando o curso, tem os dois módulos eles tem a vaga automaticamente garantida pois eles já fizeram o primeiro. Ao final do período o professor faz a lista da pré matrícula, quem vai querer continuar o Curso, caso ele queira, pois aqui nada é obrigatório. Se ele quiser continuar a vaga dele está garantida pois o Curso 2 têm como pré requisito o um. O sorteio só é feito para o um, aí não há perda de continuidade. O sorteio é necessário pois o nosso idoso, não sei como é na Europa, aqui se nós marcamos às 8 horas, às seis já tem gente na porta. Se não é marcado o sorteio tinha gente que chegava as 5, marcava seu lugar na fila de cada modaliade, faziam e distribuiam senhas entre eles, guardavam senhas para os seus amigos, quando agente chegava as oito horas da manhã estava uma confusão, tinha gente chorando, passando mal, voce não consegue imaginar a confusão que era. Daí nós resolvemos fazer o sorteio. Ë uuma cultura do brasileiro que é necessário chegar muito cedo para ganhar a vez. Agora o que acontece. Todos vão para o auditório se inscrevem, na frente de todos é feito o sorteio. Por exemplo, as inscrições são de 8 até às 15 para as onze. Nesta hora se encerram as inscrições, cada um que se inscreveu ganhou um numerozinho, o sorteio é público. As pessoas vão sendo sorteadas, se ele vêm a ser sorteado numa atividade considerada similar, ele deve optar. Aqui as atividades são classificadas em atividades, físicas, artísticas e culturais, linguas estrangeiras através da música, comunicação e expressão em lingua portuguesa e literatura, cursos de atualização, atividades de integração, atividades informativas e reflexivas em terceira idade atividades externas, bom aí, já são os passeios que eles vão fazer. -Como vai ocorrer daqui a alguns anos com nível 1 e 2? Como fica e no caso de atividades como a as atividades físicas que eles querem muito? -Atualmente alguns chegam até tres, e vamos parar mesmo em tres exceto os de linguas, que devem ir até quatro. Como ainda estamos no terceiro periodo, nós temos coisas no dois e no tres. Este é um problema que irá surgir e aí é um problema que esbarra nas 401 contratações, se eu ficar botando um dois, tres quatros, para eu botar gente nova eu tenho que contratar mais gente, eu tenho de ter mais salas, mais horários é um problema que vamos ter de resolver na medida que eles vão aparecendo. Mas muitas vezes eles gostam de variar vou dar um exemplo, eles estao fazendo biodança, se agente lança o tai chi, eles largam a biodança e partem para outra para conhecer. Uma coisa que observamos é que eles tem muita sede de conhecer coisas novas. Eles podem até não gostar mas eles querem ver o que é, e outra coisa eles tem muita pressa. No final do primeiro semestre eles ficaram aguniados pois eles pensavam que iria acabar que iria haver um outro semestre, precisava ver a aflição. Agora não, eles estão tranquilos pois eles sabem que tem uma continuidade Alguns querem fazer tudo ao mesmo tempo, não é só a pressa da UERJ acabar mas a pressa deles acabarem. Eles tem pressa, eles tem 70 , 82 anos eles querem fazer tudo, conhecer de tudo um pouco. -Os projetos tem recebido financiamento de quem ? -De ninguém, só da UERJ, e os alunos não pagam um tostão. Para não dizer que não pagam nada êles tem de trazer dez latinhas vazias para entrar num projeto para ganhar video, televisão... O sucesso do programa é ele ser completamente gratuito. Muitos dos nossos alunos ficam muito felizes pelo fato deles nunca poderem ter entrado numa universidade, já que eles não tiveram esta oportunidade antes. 402 ANEXO 7 Entrevista realizada com o coordenador de educação física do PAM/IMMA 403 -Como surgiu a idéia do trabalho com idosos? -Começou a partir do exame das estatísticas brasileiras a propósito da questão do envelhecimento. Então, nos meados da década de 80 já começou a ficar evidente que havia um envelhecimento da população brasileira e que a educação física não estava participando do esforço de adaptação ao envelhecimento. Então nós começamos a preparar recursos humanos e fazer um levantamento bibliográfico e estudar esta questão, tentando futuramente, como agente pensava na época, em organizar um projeto que fosse um projeto que fosse de intervenção e pesquisa. -Isto foi no final dos anos 80? -Em meados dos anos 80, este interesse que universidade começou a ter. Aí nós tivemos a oportunidade de incluir temas ainda quando lecionávamos na faculdade educação, na disciplina metodologia da educação física no primeiro grau e metodologia da educação física no segundo grau. Aí nós saímos um pouco daquela visão curricular e incluímos no programa atividades fora do meio escolar, e os idosos foram incluídos. -Isto ocorreu na faculdade educação? -Foi, e evidentemente fomos obrigados a falar em métodos, e nós temos um vídeo com um grupo de idosos, um vídeo experimental, dos alunos do curso de metodologia eles reproduziam as sessões e nós gravamos uma delas. -Então já existia um grupo? -Foi um grupo de idosos trazidos pelos próprios alunos, alguns parentes deles e pegamos alguns funcionários da universidade que tinham mais de 60 anos. Foi uma experiência mais didática, de preparar o material didático para as salas com idosos. Depois, a nossa ida para o instituto de educação física proporcionou que a gente passasse a oferecer uma disciplina dentro do quadro dos tópicos especiais em educação física em que era especificamente tratada a questão da educação física e dos idosos. -Os tópicos especiais abordavam outras situações? -Os tópicos especiais é uma disciplina em que cada professor deve oferecer ou pode oferecer. Tratando do campo de interesse dele, de pesquisa, de ensino. Então eu escolhi as discriminações, e dentro da questão das discriminações, a questão específica do idoso. -Mas então não ficará só com o idoso? -A gente tinha uma unidade que tratava da diversidade cultural, do multiculturalismo, e da questão da discriminação e estereótipos e preconceitos e aí trabalhamos com a questão do idoso. Aí depois que agente viu que tinha recursos humanos em número suficiente nós apresentamos uma proposta ao departamento que na época era de Atividades Complementares e depois departamento em Atividades de Educação Física, propondo a criação de um programa ou de um projeto melhor dizendo de intervenção e pesquisa . Na área de extensão ou na área de pesquisa? -A gente tem as atividades de ensino e pesquisa e extensão este projeto se caracteriza como projeto de extensão. Sendo projeto de extensão, ele não exclui a pesquisa e a questão do ensino, muito pelo contrário, eu acho o nosso projeto de extensão da sub reitoria de assuntos comunitários, que é a nossa sub reitoria de extensão tem 230 projetos de extensão mas cada um segue um caminho: um é assistencialista, outro é só voltado para intervenção e eu acho que o nosso se enquadra bem dentro da idéia moderna de extensão, que tem uma parte de intervenção voltada para o ensino, onde os alunos fazem as atividades curriculares. Os alunos de educação física podem escolher, os interessados nas atividades físicas para idosos podem participar nas atividades de pesquisa e finalmente nós temos a atividade de intervenção que é junto dos idosos de um posto de assistência médica do INAMPS.-Mas então a primeira característica foi pesquisa? -Não, a primeira foi intervenção seguida de pesquisa quase que concomitantemente, mas a última foi a de preparação de recursos humanos. Nós estamos a dois semestres como campo de estágio aberto, antes era só a intervenção e a pesquisa. -Agora quem trabalha são os alunos mestres? -Desde o início do projeto quem ficou como responsável pelas aulas foi a professora Maria das Graças é ela que dava as aulas e nós tínhamos os bolsistas. Pela nossa legislação os bolsistas podem dar aulas supervisionadas. Então a professora Maria das Graças o que ela fazia é dividir tempos da aula ou partes da aula deixando bolsista atuar. A primeira foi uma aluna nossa que depois produziu uma memória de licenciatura sobre este assunto. Depois com a ampliação no segundo pólo e aí o financiamento da sub-reitora, nós dividimos estas atividades. Mas independente dos bolsistas, que agora são 4, nós temos os alunos estagiários, que não dão aula. Eles não foram treinados, eles observam, fazem o controle da freqüência, o apanham material. -Os 404 que dão aulas são de que período? -Pelo menos eles estão na segunda metade do curso. Ele fez didática e como a prática de ensino é concomitante, ele normalmente fez a prática de ensino também. Prática de ensino não é com o idosos tá, é com o pessoal da comunidade. -Então praticamente vai ser a primeira vez que ele vai fazer um trabalho com idoso ele teve alguma preparação? -Ele tem uma preparação. Tem um material didático de publicações, artigos, revistas e ele começa num regime de observação. Toda vez que se muda o bolsista a Maria das Graças volta a dar aula. O bolsista observa, depois ele entra num regime que a gente chama de cooparticipação. A M. das Graças volta a repassar parte da aula e depois até 1 aula inteira. Depois eles assumem a docência supervisionada a Maria das Graças está sempre presente.-Quantas pessoas estão envolvidas neste projeto? -Hoje, se você somar o pessoal do PAM com o pessoal da UERJ agente está em torno de 30 pessoas: estagiários, bolsistas, professores, médicos, assistentes sociais.-A assistência social é do PAM? -É. Aqui agente trabalha com médicos, professores estagiários e bolsistas. -Quantos estagiários de educação física que dão aula?-Estagiários não dão aula, bolsistas são quartos. -Quanto tempo ficam os bolsistas? -Ficam o semestre, com possibilidade de renovação, já que a bolsa é de um ano. -Quais são os contatos com os outros profissionais dentro dessa característica interprofissional? -Todas as últimas sextas-feiras de cada mês existe uma reunião que é feita no posto de assistência médica onde comparecem os profissionais do PAM, nós e os idosos. Então esta reunião é dividida numa parte expositiva. Por exemplo: sobre doença, um dos médicos fala sobre a osteoporose; na outra uma assistente social fala sobre a criação de uma associação de idosos; na outra eu falo sobre ginástica para idosos, e depois, nesta mesma reunião, os idosos dão a opinião deles, as sugestões, e dizem o que eles querem que a gente faça. -Tudo isto englobado no mesmo projeto? -É, na realidade eles não tinham projeto lá no posto de assistência médica, era atendimento geriátrico. Existe um setor de triagem que é feito pela Dra. Helena, que é uma das coordenadoras do programa. Então ela faz a seleção dos idosos, os que não podem fazer, os que podem fazer, uma anamnese com eles. Quando nós propusemos criar este projeto nós unimos o grupo de lá, que tinha o lado curativo e de certo ponto preventivo, com o nosso programa. Entendeu, eles não têm um projeto, na realidade houve uma fusão do que eles faziam no setor Geriátrico, e que ressentiam a falta de atividades físicas com os idosos, aí se incorporaram, os recursos do PAM e os nossos da Universidade para atender esse grupo de idosos. -Quando vocês falam em autonomia qual é o conceito e aonde vocês querem chegar com esta autonomia? Bom, o conceito de autonomia está em construção. É um conceito difícil, a literatura mostra que não existe um conceito terminado, mas agente tem algumas indicadores. Então a gente está trabalhando muito com dois aspectos: autonomia no ponto de vista social com autonomia num ponto de vista físico. Nós não temos por exemplo a questão da autonomia do ponto de vista médico, isto é o grupo da medicina que se ocupa mais, e agente não tem muito claro o que é isto. Nós temos o senso comum. Então nós estamos assim em termos de autonomia : primeiro atividade da vida cotidiana, sem nenhum tipo de auxílio. Autonomia envolve também a participação comunitária, associativa, social. Então este grupo se encontra na atividade física, a dissertação da Marinha mostrou isto, que eles procuram o programa também por isto, que no nosso caso não foi a causa principal. Não foi a causa principal porquê teve origem no setor Geriátrico. Então o enfoque inicial foi médico, mas a gente pode dizer que uma das principais causas, é deles estarem em grupo, participarem. Mas as coisas não se limitam às aulas de ginástica, e eles agora estão treinando uma quadrilha. Tem uma outra coisa importante, eles fazem festas em determinadas épocas do ao ano, com bolos, bolinha, com refrigerantes, organizam bailes. Isto tudo no corpo do projeto, mas quem está organizando é o pessoal do serviço social. No caso da quadrilha, quem está ensaiando é o pessoal da educação física, mas quem vai assumir é o pessoal do serviço social .-Mas então dentro da questão de dar autonomia não significa que ele seja capaz de repetir a atividade física na sua vida particular? -Este projeto está tentando induzi-los a que eles façam atividades físicas fora de nossas aulas mas a gente ainda não conseguiu isto a gente não conseguiu até pela própria metodologia que agente 405 estava utilizado. A nossa maneira de dar aulas não estimulava muito isto. Nós agora estamos mudando, nós percebemos com a pesquisa da Léa, a pesquisa da Léa foi definitiva para ficar muito claro que a gente não estava conseguindo. Então nós estamos tentando mudar. Nós estamos com uma nova proposta metodológica. Você está pegando esta transição. Autonomia também significa a participação coletiva em associação. Na pesquisa inicial a gente observou que nenhum deles era membro de um partido político, associação de bairros, de aposentados etc. Nenhum dos 48 idosos tinha algum tipo de associação. Hoje eles já tem uma associação dos idosos lá do posto de assistência médica. Quer dizer isto faz parte. Outra coisa que agente dá na autonomia está na iniciativa deles. Eles propõe um tipo de atividade que eles gostam. Eles gostam de ginástica mas gostaríamos que eles fizessem um outro tipo de atividade. Então, por exemplo no Rio de Janeiro a partir de outubro os trabalhos são muito difíceis por causa do calor de quase 40 °. Este ano foi terrível, então nós gostaríamos por exemplo de experimentar atividades aquáticas, eu acho que nas unidade didáticas que a gente trabalha, a gente trabalha muito em termos das valências que a gente quer com eles. Vamos trabalhar equilíbrio, não quer dizer que nas outras aulas a gente não trabalhe com isto. Mas a gente tem interesse em que eles concentrem isto, que já é uma modificação, para tentar passar para eles que existem determinados exercícios que são adequados a determinadas coisas. Mas nós gostaríamos de experimentar uma atividades aquáticas este ano . -Vocês trabalham com aulas teóricas para os idosos? -Não. -E por exemplo quando o profissional trabalha com valências físicas, com grupamento musculares e a professora for obrigada a falar em certos nomes que não são comuns ao cotidiano dos idosos, como isso é feito? -É, como nosso grupo é um grupo de classe trabalhadora o professor é treinado pela gente para explicar quando der a terminologia sempre, nome de músculos etc. Mas uma das coisas que a gente perde é que eles expliquem para que serve aquele exercício. No grosso deve ter ficado e nas gravações. Quando você perguntou se a gente dava aulas teóricas, não a gente não dá, mas agente em determinados momentos devolve o que a gente fez por exemplo numa pesquisa. A gente devolve para eles o que a gente fez em ensino e a gente devolve o que foi feito na parte médica. Então pelo menos existe duas vezes por ano encontros com eles em cada semestre que não é aquele encontro das sextas-feiras é um encontro aqui na UERJ, não é hoje e que normalmente a gente aproveita é o que pode se chamar de jornada de portas abertas da UERJ. A gente dá uma aula teórica que é para eles mas é aberta a qualquer pessoa. E aí a gente repassa para eles os resultados da pesquisa como eles estão, o que os médicos dizem, se eles estão ótimos nisso. Aí depois a pessoa do ensino explica em quantas partes a aula está dividida, por que tem uma programação de unidade; depois entra a médica que faz uma exposição do controle de doenças. Por que o controle de pressão arterial é feito para antes das aulas e da freqüência cardíaca, também a incidência da osteoporose o que o exercício físico pode trazer de benefício etc. -Qual o estilo de aula que vocês têm como preocupação passar aos bolsistas? -O estilo a gente deve dar liberdades, o estilo é pessoal. Agora o que a gente quer passar é um esquema de aula a gente começou com a da Dominique Collignon, que foi publicado na revista Sport de Bruxelas, e hoje nós estamos experimentando um esquema próprio. Mesmo o esquema da Collignon não foi tão altamente aplicado. Nós introduzimos a dança que não faz parte do método belga que numa das partes das aulas nós incluímos e outra coisa é que nós excluímos foram os jogos e estes tipos de atividade. Nós não tínhamos condições de controlar e achamos arriscado para o nosso grupo . -Por quê? -Primeiro é um grupo totalmente inexperientes. Este grupo nunca fez educação física durante toda sua vida. É um grupo de 90% não ultrapassou o curso primário e é importante que se diga que aqui no Brasil o curso primário não oferece educação física, só nas escolas de elite e algumas escolas experimentais como a Guatemala, mas são exceções Então este grupo que nunca fez a atividade física e são da classe trabalhadora não tem dinheiro para entrar em clubes e academias outras coisas. Eles são totalmente inexperientes em jogos em desportos etc. -Não foi pelo aspecto da competitividade? -É, nós... é claro que nós sabemos da exacerbação da competição que normalmente a gente vê, o que pesou também um pouco nisto. Mas 406 agente tem dificuldades de vários tipos, não temos instalações, o grupo não teve experiência anterior, nós não temos recursos para incrementar determinados tipos de práticas. Nós gostaríamos muito que eles fizessem atividades aquáticas. A universidade não tem piscina! Caminhar, a gente podia fazer caminhar em volta do Maracanã, mas eu não acho o melhor lugar, muito poluído em todos os sentidos e com problemas de segurança. Neste grupo você observou também a questão dos uniformes. Eles ainda não tomaram a iniciativa nem de virem de uniforme botar um tênis ou jogging. Então você vê que tem muitas mulheres de saia. -Você acha que vem da própria cultura? -Da subcultura do idoso da classe trabalhadora. Englobando o problema do machismo. -E por exemplo o que se tem como ponto culminante da aula, seria com o objetivo da dança? Olha ela vem se tornando ponto culminante pela foi se envolvendo, e a nossa interpretação é que ela permite mais contato social, permite tocar, permite mais movimentos de iniciativa. -Você acha que é uma característica cultural nossa, brasileira? - A gente não pode dizer que a questão do dançar e da música não tenha uma influência cultural muito grande, não só do lado ibérico como do lado afro, mas eu não teria condições de generalizar. Agora, este grupo é um grupo que gosta de dançar, de música. O trabalho da Marinha revela o gênero da música, só não entra música erudita. -Desta convivência com um grupo de aposentados e com a literatura que você já tem consultada o que é ser aposentado no Brasil? -É ser desestimulado é ser perseguido só escapando disto determinadas carreiras, militares e funcionários públicos. Isto quer dizer que o governo não se preocupou muito com a uniformização de critérios. Não como eles querem fazer agora, uniformizar por baixo. Por exemplo, a questão da aposentadoria: a pessoa tem direito a se aposentar com salário que ele tinha no momento que pediu, independente da profissão. Mas o que eles querem fazer é que os que têm direito a esta aposentadoria especial, é que terminem por ser igual ao que o sistema impõe a todos. -Quanto aos objetivos do projeto o principal objetivo é influir na saúde? Inegavelmente o objetivo principal é de promoção da saúde dentro do quadro teórico da promoção da saúde levando em consideração a idéia da desmedicalização, idéia de autonomia, a idéia de atendimento da população como tudo. A partir do desenvolvimento de todas as agências, educação, educação física ... -E dentro dessa característica de desmedicalizar como fica a relação com os médicos do projeto? -Eu acho que deve estar no equilíbrio muito bom, que até me surpreendeu. No início havia até um receio que os professores de educação física fossem provocar mortes. O diretor do PAM chamou a Dra. Helena e perguntou: quem vai passar os atestados de óbitos, você vai assumir isto? Você vai assumir o projeto com eles, você vai dar os atestados de óbito. Hoje agente pode dizer que em dois anos a gente tem zero de acidentes. Não tivemos nenhum óbito, nenhum acidente. Isto ai mostra um preconceito que os médicos tinham em relação aos professores de educação física, no caso de serem despreparados, e a própria atividade física. Mas por outro lado existia um grupo de médicos lá que tem uma visão diferente. No início eles foram cautelosos né... Hoje os nossos trabalhos são perfeitamente harmônicos, nos congresso de medicina ele estão nos chamando para fazer palestras. Professores do projeto foram chamados várias vezes todos têm ido para falar em congressos médicos. Quer dizer que eu acho que a gente chegou no equilíbrio muito bom. A gente procura ter as informações deles sob os problemas de saúde que os nossos idosos tem, mas isto não vai eliminar. Por exemplo tem um médico que trabalha no projeto que acha que o nosso programa é fraco, que é um programa que não adianta nada, dizendo as palavras dele. Ele é o cardiologista. Para ele, se aula não tiver treinamento aeróbico, o programa não serve para nada. Mas ele é um no programa todo. Os outros médicos mostram que os progressos em termos de promoção da saúde são incríveis. -Vocês não têm nem não há preocupação com a condição cardiovascular? -Talvez isto seja um erro do projeto, a gente talvez devia ter alguma preocupação mas a gente resolveu não iniciar por aí. -E a questão do risco acidentes como é que vocês chegaram. Do limites, eu sei que vocês não chegaram aos limites mas se vocês têm esta noção de progresso tem que haver uma carga, ser controlada, como é feito isto? -Tem duas coisas, primeiro na escolha dos exercícios, nós fazemos questão absoluta que os exercícios não coloquem 407 em risco os idosos. E nós tivemos até que interferir e afastar uma de nossas bolsistas que periodicamente incluía exercícios que trazia problemas, ela não conseguiu compreender o referencial teórico. -Ela queria trabalhar com a sobrecarga? -Não, com exercícios por exemplo de grandes contrações por exemplo flexionando muito a cabeça, se levantar com muita rapidez. Ela continuou no projeto, acompanhando mas não dando aula, a gente achou que era um risco. -Eu observei que vocês têm a preocupação maior de trabalhar em pé e sentados o sentado, por que do sentado? -Bom a gente sabe que as maiores experiências deles de lazer tem que ser sentado. Eles vêem televisão, conversam etc.. As atividades deles em pé, as atividades cotidianos, são muito menores proporcionalmente. Então nós achamos que devemos ter que dividir bem estas duas, eles devem ter atividades sentados também, para mostrar que sentados eles não precisam ficar passivos. Não é o receio em relação a acidentes. É uma maneira de diminuir sobrecarga é uma maneira de você fazer com que eles identifiquem algumas atividades que podem ser feitas sentados. Então por exemplo, o camarada que está sentado, vendo televisão, pode se mexer ele pode fazer algum tipo de movimento. Bom, no início com a própria literatura mostra, principalmente a francesa há uma associação muito grande da posição deitada com a morte. Então no início a gente pediu que os nossos estagiários não trabalhassem muito esta atividade deitada. Este foi o primeiro motivo, quer dizer, no início nós fizemos isto explicitamente. Nós queríamos que ficasse uma noção da última visão da imagem que eles tem da EF, evitaríamos alguma coisa que não fosse agradável, algo que trouxesse uma imagem negativa para eles. Segundo a questão do material, nós não temos colchonetes, não temos nenhum tipo deste material. Eles vêm com roupas inadequadas elas ainda vêm de saia, é uma situação complicada, pedir para elas irem ao chão de saia. Terceiro a gente realmente ainda não colocou em nossa programação a questão de levantar com segurança. Isto é um aspecto que a gente ainda não trabalhou. -Nos idosos é normal nesta haver problemas posturais. Há uma preocupação neste sentido, existem atividades para cada caso? -Não, nós não estamos fazendo trabalho diversificado não. O que nós estamos procurando fazer é incluir atividades que sejam para todos e que não agravem os problemas existentes. E os professores estão instruídos a fazer a exclusão do tipo: neste exercício você não deve fazer. -Mas isto a falar do grupo ou falar especificamente a pessoa? -É com eles, mas falado ao grupo, não aquele caso específico, mais dizendo por exemplo: se você tem uma cifose, você não deve fazer este exercício. -E agora para a gente encerrar como é que fique em relação ao linguajar de uma maneira de falar que fica muito próxima da criança. -Uma infantilização. Nós somos contrários a esta infantilização. A nossa proposta é tentar uma metodologia que seja adequada ao idoso e não uma adaptação do que nossos alunos aprendem no curso de educação física para utilizar isto nas aulas com idosos. Então a gente é contra a infantilização. Aconteceu uma coisa interessante. Eu acho que você estava presente no dia em que os alunos em didática, que não tiveram uma preparação sobre trabalho com os idosos, só tiveram uma preparação para a aplicação de testes. Como é que ele trataram os idosos, com medo que eles fossem se quebrar. Até três carregavam o idoso. Eles não tiveram treinamento para isto. Quando você assiste os nossos professores, com os nossos bolsistas dando aula, a gente vê que não existe uma tentativa de infantilização. Mas sabe, já ocorreu no semestre passado um grupo de estagiários ficou provocando muito os jogos, os brinquedos cantados etc... Eu aí intervi eu achei que não sendo uma iniciativa única e exclusivamente deles, eu acho que a gente não devia provocar isto, uma vez que a gente estava até buscando uma metodologia. 408 ANEXO 8 Entrevista realizada com a coordenadora médica da associação UnATI/UERJ 409 -Como começou o trabalho com idosos no PAM ? -Através de uma portaria do ministério em que era para ser dado uma atendimento privilegiado a grávidas, deficientes e idosos. Esta prioridade possibilitou que cada um a entendesse como quisesse. Naquela unidade entendeu-se que a prioridade era não haver pessoas aguardando em fila. Ou seja o idoso chegava e era atendido por quem estivesse, não necessitando ficar aguardando em filas. Daí eu comecei a atender a este grupo, e eles elegeram algumas pessoas, que pareciam ter mais paciência. Neste momento ainda não era uma coisa sistemática de vir e voltar ao mesmo médico. Aí eu comecei a marcar para mim mesmo alguns que eu atendia, começou então a se sistematizar e começou então por ai. No meu turno eu era então a responsável por atender os idosos que chegavam sem a necessidade de se ter fila.-Se você pudesse caracterizar aquele momento, você seria uma gerontologa ou uma geriatra.-Eu não sei nem como eu me caracterizaria naquele momento pois eu nem sabia o que era geriatria ou o que era gerontologia. Hoje olhando para trás me consideraria uma geriatra. Embora eu tenha um cunho muito forte de gerontologa. Eu me considero dentro da medicina portadora de um viés do que a gente chama de brincadeira de chá de potássio, independente da geriatria eu sempre trabalhei numa linha assistencial com o víeis no social, eu sempre tive claro que não adiantava eu fazer um belo diagnóstico prescrever o bom medicamento se a pessoa não pudesse comprar. Isto é o que hoje podemos chamar de gerontologia. Eu trabalhei muito com pneumologia, onde eu atendia muitas pessoas velhas. Eu acho que eu já tinha um perfil, a gente elabora isto. Eu sempre trabalhei muito com velho, por causa da minha formação primária, onde eu lidava com pessoas diversos problemas respiratórios. Pessoas que desenvolvem crises, muito por causa de nervosismo, e isto faz parte então da minha formação eu acredito na reabilitação.-Quer dizer que as pessoas já apareciam um com algum tipo de problema.-Eles vinham numa busca de assistência.-Mas já encaminhados por algum outro médico. -Não por uma demanda espontânea depois que grupo sistematizou, eu comecei a atender a pessoas indicadas por outro profissional. -Em que momento você identifica a sistematização do grupo? -Eu acredito que eu não levei nem seis meses, eu comecei a convidar pessoas e perguntava se as pessoas não queriam formar um grupo. Aí eu comecei a efetivamente a estudar isto ocorre entre 87 e 88. -Quando surge então a educação física? -Foi quando um médico fisiatra que também é professor de educação física, o Silvio que trabalhava na linha da físiatria. A idéia vem na verdade da assistente social da unidade, os programas estavam muito a cargo da assistente social. Pois na medida que era criar um programa como assistência ao diabético, era normalmente uma assistente social que era responsável para fazer avaliação. A coordenação dos programas ficavam muito um caráter assistencial. -Você já falou algumas vezes do caráter assistencial você caracterizaria o início do projeto como assistencialista? -Sim era, pois as pessoas vinham em busca de uma a atenção, elas viam aquilo revertido culturalmente como uma consulta médica e quando você perguntava na queixa principal qual era o problema, eu estou nervoso, ou estou desesperado, minha aposentadoria não sai, eram as vezes muitas questões sociais, persistência de crise hipertensiva pois as pessoas não tinham dinheiro para comprar o medicamento, tinha gente que fazia o controle da hipertensão no indo e vindo, pois tinham direito a vale transporte, então eu vou com a pressão alta, me dão um remédio, ou aplicam uma injeção, ele mantinham o controle assim. A assistente social fazia uma captação ela é da área de ensino, ela era uma professora de faculdade. Ela fazia um perfil dos profissionais pois os próprios pacientes diziam que eu vou na fulana. Num dia ela me disse que gostaria eu conhecesse uma pessoa que é interessante, que está um pouco desmotivado. Eu o conheci mostrei a ele como era a linha de pensamento, que gostaria de alguma coisa mais ampliada, ele acatou esta idéia e marca uma reunião na UERJ fazendo uma ponte. Aí eu que achava que ele ficaria inteiramente inserido no programa, que ele fosse quem atuaria, e a proposta era que ele ficaria, mas aí acabou ficando com o instituto de educação física e não com ele. Também era para eles uma experiência nova naquele momento, tanto que eu cheguei a fazer, e para mim foi uma experiência muito agradável, eu cheguei a me sentar com professor de educação física e montar aula e planejamento. Tipo dando dados de avaliação 410 funcional, de necessidade de reabilitação no campo mental no campo físico. -Você poderia caracterizar que naquele momento até mesmo professor de educação física e até mesmo os próprios médicos estavam muito mais aprendendo? -A sim sem dúvida, era uma novidade a partir da intervenção, havia o aprendizado. Até uma novidade por que você percebia claramente, primeiro interesse aprender e depois uma responsabilidade com o trabalho que estava assumido. -E como você que era responsável pelo grupo e que pode-se perceber através de entrevistas com os idosos, já que seu nome aparece sempre, como é que você conseguiu já que sei também que não são todos do grupo que foram participar o que determinava quem ia ou não ia. -Isto era um pouco assim, você tem uma oficina de promoção que é na última sexta-feira de cada mês, um assunto, uma demanda, um trabalho mesmo de promoção e prevenção, que era uma palestra. Nessas palestras, que a partir das demandas deles procuramos valorizar os tópicos que agente considerava importante e eles acabavam escolhendo. Aí no ambulatório se você atendia alguém com hipertensão por exemplo ou que a gente imaginasse que o trabalho de educação física fosse cumprir um papel de interação social também, porquê ele foi um marco muito grande na questão da interação social. A socialização ocorria na sistematização do grupo, as pessoas deixam bem claro que ficar reunidas numa sala de espera não era a mesma coisa que não lhes trazia o mesmo prazer de ficar reunidos na espera da atividade física. As pessoas então passaram a demonstrar mais solidariedade se preocupar porquê que o amigo não veio começou então a existir uma interação e aí foi criando-se um gosto que as pessoas foram identificando que esta proposta e que esta intervenção estavam mudando realmente o perfil delas. O perfil funcional, perfil psicológico, isto nós sem nenhum indicador, sem nenhum protocolo de avaliação, ou uma avaliação eu diria meio informal mas agente tinha clareza disso. -Por que uma aula semanal? - A proposta do instituto era de duas vezes por semana, eles já começaram a pensar em duas vezes, mais num primeiro momento a operacionalização assim não me permitiu, eu queria estar sempre presente pois fui muito ameaçada, inclusive pelo vice diretor da época que dizia "vai morrer gente". Eu tinha só dois dias para o posto e me deslocava fora do meu horário. -Você quer dizer que houve uma resistência a atividade física como capaz de vir a interferir beneficamente com aquele grupo, por parte do corpo médico ao trabalho que se iniciava? -Sim, mais por desconhecimento, acho muito que naquele momento as pessoas não estavam preparadas que a assistência ao idosos não era só medicamentosa. A assistência envolve a atividade física a integração, um contexto de ações. -Depois de quanto tempo surgiram respostas positivas nos exames ou mesmo no contato com as pessoas envolvidas no projeto? -Nos exames não, foi uma coisa que chamou muita atenção. Na monitoração da hipertensão eu não diria que houve uma redução mais diria que estas pessoas ficaram muito melhores controladas já que uma vez por semana eu conseguia fazer avaliação. O que eu tenho clareza, é do benefício da interação social, houve uma melhora também no que podemos chamar da preparação da aula, um calçado adequado, uma maquiagem. Este é um indicador de visibilidade você vê isto. Você olhava para as pessoas você via as mudanças. -De uma certa forma temos de convir que com uma aula por semana os objetivos a serem alcançados aproximam-se muito mais ao que nós estamos chamando de sociabilidade desta forma os aspectos biológicos parecem que não são plenamente atingidos. Eu pergunto os idosos estavam preocupados com estas melhoras? -Eu acho que coneitualmente não, na verdade é que eles sempre interessados na diversão, ou seja vida associativa, o fato de estar lá juntos com outras pessoas. Eu tenho clareza disso, e dou o exemplo do município onde se utilizam desta estratégia para fazer a assistência. Você deixa que aconteça um grupo sistemático formal gerontológico e se faz um trabalho em que os coordenadores destes grupos começam a fazer rastreamento das questões ideológicas e sociais psicológicas e passa os seus encaminhamento. E é sempre assim pois se você diz nós hoje vamos fazer um mutirão para medir as pressões, ou qualquer ao coisa assim, você vai ter dez pessoas, se você diz nós vamos fazer uma festa de comemoração disto você tem cem, nós vamos promover uma dança você tem 150. A questão desta corrida de ganho do tempo quando você vem para uma festa ou para o lazer e isto está dizendo muita 411 claramente que você está apto, que você está bem você está correndo atrás do tempo que te resta. Quando você veio para fazer um tratamento de saúde é diferente esta representatividade no idoso eu não tenha dúvida. Quando eles vem para atividades físicas a gente faz um discurso, fala disso daí, o pessoal da educação física fala era sempre dizendo para eles que aquela atividade cotidiana que eles desenvolviam o agachar, o levantar o braço inadequadamente poderia trazer algum prejuízo. A proposta da atividade é utilizar a força do cotidiano de uma forma mais sistemática e mais produtiva. -Você é capaz de identificar uma mudança comportamental com seus pacientes, eles dizem se colocam na sua vida cotidiana a prática de atividades físicas? -Com certeza, muitos até falam sobre as melhoras e alguns chegam a fazer em casa alguns exercícios. Seguindo o mesmo algumas recomendações pois há um grande incentivo nessa direção. No trabalho as vezes eles são solicitados para que fosse trazido toalhas de banho, como se utiliza na vida instrumental. -O você poderia definir saúde e o que a saúde para o idoso? -A saúde para o idoso até OMS, com sua definição de saúde é um pouco difícil para incorporar no idoso até mesmo por estas questões bemestar físico e mental no psicológico. Se você pensar neste conceito o velho nunca tem um conceito de saúde. Ele não é saudável nunca está com isso em dia ele tem sempre uma dependência ou mais que você trabalha o discurso da promoção ou da prevenção, o velho tem sempre um agravo específico que necessita mesmo de um tratamento curativo. Na questão uma dependência funcional poucos são os idosos que não tem um agravo. Por isto a gente sempre diz que este conceito de saúde não se aplica lá muito bem para os idosos. Essa forma nós não podemos nunca consideraram o idoso enquanto saudável é ele tem sempre uma questão... ou uma questão social emperrando, uma questão familiar uma questão de aposentadoria, uma questão de moradia uma questão de luto de perda eu acho que a saúde é a o velho estar apto a atender da melhor forma possível a suas próprias demandas eu acho que cada um tem a saúde definida por ele mesmo, é um equilíbrio uma possibilidade de gerenciar da forma que lhe contemple, acho que é uma questão de bem-estar. A saúde que eu quero para mim nem sempre é aquela que você quer para você. Eu posso ter todos esses débitos e posso considerar que eu tenha saúde. Então eu acho que saúde é uma questão muito autoconceitual. Você pega diversos velhos e eles vão responder eu tenho uma saúde de ferro: é diabético, é hipertenso. Eu acho muito difícil você dizer que fulano tem saúde eu acho muito difícil. 412 ANEXO 09 Entrevista realizada com a coordenadora de educação física da ARRS 413 -Est-ce qu’il y a dans vos cours un programme suivi? -Oui.-Quelle est votre formation? -J’ai fait l’UREPS, j’ai fait le Brevet d’Etat sports pour tous, et aussi psycho, qui est ma première formation. Cela veut dire, que pour moi, cette formation me permet d’associer ma formation de psychô avec ma formation corporelle. D’associer mes deux morceaux du patchwork. C’est vrai que ça sert beaucoup et je trouve que c’est très bien adapté au public retraité: à la fois dans leurs difficulté de vivre leurs pertes physiques, parce qu’ils perdent leurs capacités physiques, et la volonté que j’ai de leur faire prendre confiance en eux pour qu’ils soient des êtres, mêmes si leurs capacités ont diminué; qu’ils soient des êtres qui aient une certaine confiance en eux , et que cela leur permette de s’affirmer dans la vie. Je crois que la matière première que l’on a pour s’affirmer, c’est le corps. On travaille physiquement sur le corps de façon qu’ils l’aiment, que cela leur les serve pour être des êtres humains comme nous, dans leur vie quotidienne. -Comment sont constitués les groupes? -Principalement entre les âges de 60 et 80 ans. Les gens entrent par différentes portes: il y a ceux qui viennent parce que certaines activités physiques ne leur sont plus permises. C’est vrai que les méthodes de travail permettent aux gens de faire les exercices d’une façon douce. Donc ils ne sont pas handicapés par une performance physique normalement. Il y a des gens qui viennent là parce qu’ils ne peuvent plus faire autre chose, il y a beaucoup d’échecs avec ces gens là, parce qu’ils se trompent sur la façon d’entrer dans le travail. Il y a des gens qui viennent, peut être pas consciemment mais inconsciemment, parce qu’ils ont du mal à vivre cette période de la retraite, ils ne sentent pas bien quelque part. Les nouveaux contacts leur permettent de se sentir mieux. -Est-ce qu'ils ont eu un passé sportif ou commencent-ils? -Il y a les deux, ceux qui sont dans la première catégorie, qui sentent que leurs capacités diminuent. Ils viennent là parce qu'ils ne peuvent rien faire d'autre, avec ceux là, on a du mal. Ceux qui commencent, c'est souvent bénéfique. C'est avec eux qu'on a les meilleurs résultats. Ils acceptent que leur état physique est comme ça. Mon objectif premier c'est faire le tour du propriétaire, du corps, de voir ce qu'ils peuvent faire, ce qu'ils ne peuvent pas plus faire, ça on met de côté. Il y a une réalité qui existe et on travaille avec cette réalité là. -Pour faire un bilan utilisez-vous quelque évaluation? -Dans un cours de gymnastique d'entretien, si l'on fait une évaluation sur l'adresse, là c'est facile, parce qu'on va mesurer: si c'est une cible à atteindre, c'est facile de compter des points, si l’on veut mesurer l'amplitude d'un saut, c'est facile aussi à quantifier avec des outils. Finalement, c'est l'auto évaluation qui va prédominer dans ce genre de cours. -Comment percevez-vous cette auto évaluation? -C'est vrai que les consignes d’évaluation, c'est très verbal. Moi je procède comme ça: déjà dans la progression du cours, on commence toujours allongé pour que les gens aient des bons repères de leur corps, donc le sol est une évaluation en soi. Le contact avec le corps renvoie une bonne perception du leur corps, ça c'est le travail du 1er trimestre. Ensuite on se penche sur le travail de respiration , savoir comme on respire. Là on a fait tout un travail au 1er trimestre, parce que ce n’est pas évident la façon dont les concevaient leur respiration. Il y en a même qui faisaient tout à l’envers pour qui ça a été une découverte. La respiration, là où on essaie de la sentir au niveau de la cage thoracique, les répercussions au niveau de l’abdomen, qu’est ce que cela entraîne au niveau de la force et puis après on la met au service du mouvement. Ces exercices respiratoires sont toujours faits allongé. Normalement, nous sommes des êtres humains sur nos deux pieds, notre mode de vie de fonctionnement quotidien, c'est de véhiculer dans la vie sur nos deux pieds. Il faudrait qu'on puisse transposer tous les bons repères qu’ils commencent à avoir au sol, en position intermédiaire, verticale ou horizontale, mais le corps n’ayant plus comme support le sol, voire vers une position verticale dans l’espace. C’est un petit peu çà la progression du cours, maintenant on en est encore très loin, très loin de pouvoir avoir de bons repères dans l’espace C'est un petit peu paradoxal parce que finalement on est en permanence debout, en fait, les gens tels que je les ai maintenant, ils sont peu capables de bien se percevoir dans l'espace, de faire quelque chose dans l'espace de façon bien adaptée. -Ça c'est un problème d'âge ou du groupe? -Moi je pense que c’est un problème d’âge, mais au-delà de l’âge physique, c’est un problème psychologique, parce 414 que les gens de cet âge là refusent de voir leur corps vieillir, ils ont un mal fou à se sentir vieillir, à perdre leurs capacités physiques, psychologiques, à sentir que l’âge avance, et cela se traduit quand même corporellement, alors donc, leur solution est de ne plus trop s’habiter de l’intérieur, mais de se projeter à l’intérieur. C’est à dire qu’ils s’appuient sur des images extérieures. J’ai vraiment dans ce cours un rôle à jouer pour leur redonner une certaine confiance, pour leur dire voilà quelle est votre réalité, on fait avec cette réalité, et elle va vous servir pour être à l’aise dans la vie quotidienne -Etes vous plutôt psychologue dans votre travail que professeur d’Education Physique?- Quel que soit le cours où on va aller même en gymnastique d'entretien on n'est plus dans un terrain de l'EP. L'éducation physique a pour but d'éduquer, elle s’adresse plutôt à un jeune public, dans la conception des choses. Dans une conception didactique, on est obligé de faire une bascule, qui est très difficile, là on s'adresse à des adultes, à plus forte raison des adultes qui vieillissent. La problématique n'est pas du tout la même. -Vous faites animation ou éducation? -Il n’y a pas de pont entre les choses, cela évoluera probablement parce que la génération des retraités que l’on a actuellement n’est pas composée de retraités qui ont eu l’habitude de l’Education Physique. Bien souvent les retraités que l'on a, quand on regarde les milieux sociaux professionnels, sont de gens qui ont travaillé très jeunes. Donc ils n'ont pas eu l'habitude d'une éducation physique. Ca c'est une chose, la deuxième, et que je persiste à dire, c'est que l'éducation telle qu'elle est faite pour les enfants, elle est tournée vers la notion de performance. Or qu’est-ce qui arrive quand ils vont passer leur bac. Les 3/4 ne font plus d’éducation physique, que pour leur temps de loisir. S'ils en font ils entrent probablement dans le cadre d'une activité de club avec des performances, et tout est dirigé dans l’enseignement, même si on le dit autrement vers la performance. Donc, quand cette performance s'éteint avec l'âge, ça arrive très tôt. A 20 ans, dans un sport, on n’est quasiment plus performant, il y a un trou, les gens ne sont plus capables de rattacher ce qu’ils ont fait en Education Physique à l’école à ce qu’ils peuvent éventuellement faire dans le cadre du loisir. Et quand on se penche sur l'utilité qu'on peut avoir, d'apporter, de transmettre un savoir d'éducation physique ou d'animation physique, on est tout de suite heurté a ce problème là. On se dit au fond, à quoi ça peut servir de faire faire de l'EP à des adultes et à plus forte raison à des retraités. Et c’est là où moi je pense que le cours de gymnastique est intéressant parce qu'il voit la personne retraitée sous sa globalité d'être humain, d'être physique, d'être psychologique, d'être surtout sur ces 2 terrains là. Les retraités, ça me plaisait bien, parce que comme les enfants, non pas que je les compare, surtout qu'ils n'aiment pas çà, ils ont fait table rase de savoir s'ils sont dans la norme ou pas. Enfin, ils sont moins stressés que les adultes qui sont dans la vie active, ils n'ont plus cette notion de performance d'être bien, d'être coincé un petit peu par le coté médiatique qui tourne autour de leur personnage. Réellement parlant, je trouve que c’est faux, parce qu'ils souffrent beaucoup de vieillir. C'est un peu paradoxal par rapport à ce que je viens de dire. Le fait qu'on privilégie les enfants et les adultes les plus performants, alors qu’eux aussi sont sensibles quelque part aux performances. Quand j’allais faire le cours aux adultes, c’était après leur journée de travail, ils venaient là pour passer une heure, pour se dépenser, pour suer, pour transpirer. Le côté relationnel avec eux, ne m'intéresse pas tellement. -Quel est l'objectif principal pour les personnes âgées? -L'objectif c'est la santé physique. Physique en plus. Secondairement psychologique, avec tous les problèmes que suppose la mise à la retraite, de quitter son travail, perdre son conjoint, perdre ses enfants, enfin une vie qui change autour d'eux. Un autre qui rejoint ces deux premiers, c'est l'aspect convivial, ils viennent parce que souvent ils sont seuls. Ils viennent pour passer un moment avec quelqu'un, il faut absolument que ces choses là soient réfléchies. Bien sûr que dans la santé physique il y a tout ce qui est entretien musculaire, articulaire, coordination motrice, tout çà fait partie de la santé physique. Dans la santé psychologique c'est la confiance en soi et le cours de gymnastique travaille beaucoup sur cet objectif là. -Combien de séances par semaine? Est-ce qu’ils font autre chose. -Il y a plusieurs cas de figure. Il y a ceux qui font 4, 5 heures d’activité par semaine. Mais il y en a d'autres qui ne vont faire que ça. Il faudrait l'idéal: ce sera quand même que ces gens soient autonomes par 415 rapport au contenu que je leur donne, qu'ils l’appliquent, et que de temps en temps ils se remettent chez eux en condition pour reprendre le contenu et faire. Ce qu'ils font en une heure ce n'est certainement pas suffisant pour améliorer leur état de santé et psychologique ça c'est sûr. On n'en est pas arrivé là. -Est-ce qu'il y a un feed-back. -D’activités chez eux, il y en a très peu qui le font, surtout quand il y a l’approche des vacances, je leur dis il faut entretenir. Il y a d'autres qui font des transferts d'activité. J’ai comme exemple une dame qui m’a dit utiliser la respiration dans la marche ou dans la natation. Il y en a d'autres qui me disent que la respiration leur sert pour monter les escaliers, pour prendre les courses, pour équilibrer les courses dans les mains, pour ne pas s’abîmer le dos, pour ramasser les objets chez eux quand ils se baissent, pour faire leur lit. Voilà, il y a des gens qui font du transfert, mais c'est très peu. 416 ANEXO 10 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UnATI/UERJ, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas 417 -O que irá se passar na aula e como você prepara sua atividade? -Nós nunca sabemos o que vai acontecer, a seção é sempre dada em função das queixas que nos são apresentadas antes de iniciar a aula. Sempre no começo, alguém vem com uma queixa. A gente mais ou menos sente o clima como está para ver se vai ser um trabalho mais dirigido ou não. -O que vai se passar hoje será a primeira vez ? -Ela está dentro de um contexto. -Vocês trabalham com os objetivos trazidos pelo grupo naquele momento é isto ? -Sempre. Existe um espaço social onde eles ate podem falar. -Como vocês avaliam se o trabalho atingiu seus objetivos? -No final da seção eles também falam. -Quer dizer que a resposta é sempre deles ? -Mas também ha a nossa observação. -Vocês tem alguma ficha de controle? -Temos uma do geral feita a cada dia. -Ela é baseada em que, quais seriam os pontos os mais importantes ? -Nas informações que a gente recebe deles, sobre os problemas das dores, como eles estão se saindo. A historia de cada um, as facilidades no dia a dia, como vir a subir com mais facilidade em um ônibus, ou a perna que já abriu mais, o no final da aula eles percebem e nos dizem que alguns exercícios que eles não faziam, estão fazendo. No consultório, nos temos um controle muito maior do que a gente tem aqui, cada paciente no consultório e entrevistado e feito uma amnese, é explicado como é o trabalho. Faz-se uma avaliação postural, uma avaliação clinica. Começamos um trabalho individual, ate o momento que se pode passar para o grupo. O grupo é de dez pessoas, aqui no ano passado tentou-se fazer as entrevistas separadamente. Deu para fazer com algumas pessoas, mas tomava um tempo tão grande que não deu nem para acabar, o grupo era muito grande. Este ano nos distribuímos um questionário, com algumas perguntas individuais. -Qual seria o conteúdo? -Nome, endereço, telefone, contatos, pois eventualmente pode ocorrer algo, profissão, tempo de aposentadoria, dados clínicos, doenças crônicas, problemas respiratórios, digestivos, cirurgias. -Ha alguma ligação, entre vocês e o medico da UnATI/UERJ? -Existe aqui na UnATI/UERJ um serviço de ambulatório que tem a proposta de fazer uma avaliação clinica individual, eu tenho observado que muitos passaram por este controle, mas outros não. Caso necessário, nos podemos fazer uso deste ambulatório. -É solicitado que os exercícios sejam feitos em casa? -Tentamos, mas é difícil. -Ha a noção de progresso? -Sim, ha depoimentos muito bonitos. 418 ANEXO 11 Entrevista realizada com a Orientadora pedagógica do PAM/IMMA 419 -Qual sua função no projeto? -Eu oriento as aulas, acompanhando os alunos bolsistas verificando regularmente como os alunos mestres vão dinamizar as aulas. Chegando mesmo quando necessário “até mesmo a modificar algumas questões. Nós estamos querendo mofificar um pouco, sair da diretividade, ver se funciona um trabalho mais livre. -Qual o objetivo principal do trabalho? -Ele pode ser entendido nestes termos, inicialmente foi a socialização, como ela já está efetivada e o grupo já está socializado, nós estamos agora tentando trabalhar a questão da autonomia. Trazer para dentro do espaço de aula o trabalho de uma manutenção real da autonomia deles. -Existe uma preocupação terapeutica com os idosos? -A partir do setor de geriatria eles são encaminhados, ninguém pode começar as atividades sem passar antes pelos médicos. Os idosos que participam das atividades já vêm encaminhados, tendo passado primeiro pelas médicas responsáveis. Depois explicamos direitinho para os alunos o que vai ocorrer. Os médicos nos orientam como agir em certas ocasiões, como por exemplo, quando alguém que têm uma pressão máxima de 18 ou 19 ou menos de 7 ou 6. Nestes casos eles recomendam deixar a pessoa sentadinha quietinha. -Como se organizam as atividades físicas no projeto? -É o Alfredo que vai ter a decisão seja por, mudança uma mudança de metodologia ou a orientação na questão dos testes. Por exemplo ele: com relação as aulas, observou que a gente nas aulas ainda não estava trabalhando a questão da autonomia. Nós estamos buscando mecanismos para correr atrás desta questão de autonomia. Tanto é que a gente está sugerindo para os alunos mestres utilizarem mais material, pois a mão livre é uma coisa, mas quando voce cerceia o movimento é outra ação. -Como as aulas são preparadas? -No início de cada ano letivo a gente coloca para os alunos mestres o que cada mês será priorizado. Mensalmente há uma reunião e ao final de cada aula eu me reuno com aquele que acabou de ministrar a aula. Enquanto orientadora a gente organiza as aulas, não que a gente retire, por exemplo, a questão do trabalho de esforço, flexibilidade... Veja bem a cada 15 dias a gente prioriza algo, por exemplo o equilíbrio... não quero dizer que não se enfatize mais a força, a flexibilidade ou o trabalho muscular geral, trazer a dança tirar a dança. -Quanto a dança, fale sobre a inclusão dela no projeto? -A gente vem trabalhando alguns elementos como por exemplo as voltas, não de uma forma técnica.. pode-se observar que os movimentos de transferência na dança, da transferência de peso do corpo na dança são super importantes para eles. Jogar o peso do corpo para um a perna e como fica o restante do corpo, é a busca do equilíbrio a gente vê que na própria caminhada a gente observa esta transferência do peso do corpo. Eu acho que equilíbrio é fundamental pois eles estão sempre andando por aí. Na dança independe do estilo mas a gente pratica rítimos variados, mais o popular brasileiro. A dança não é a parte principal da aula, como pegamos o esquema da D. Collignon é a quinta parte, onde ela fala de deslocamento no espaço. A dança estaria inserida neste contexto. A gente faz o aquecimento para quando chegar na dança eles já estarem mais fluentes em termos de movimentos. Inicialmente a gente a colocou como objetivo principal, mas hoje em dia não é mais não. Para os idosos não que eles desgostem das outras mas a dança eles adoram, até por que a gente teve que explicar para eles. As vezes a gente alongava muito a parte de preparação corporal, de trabalho de flexibilidade, de uma dinâmica mais ou menos moderada com eles. Então quando a gente partia para a dança, mesmo para dancinha tipo de salão, quando parava, eles falavam: puxa vida, esta parte que é a melhor voces trabalham pouco tempo. -Como é feita a escolha dos exercícios? -Os bolsistas dão sugestões, há um planejamento, os alunos estagiários dão sugestões, às vezes eu digo não, As vezes eles dizem que vamos experimentar, até pode, mais a gente vai ver como eles os 420 idosos vão reagir Os exercícios são escolhidos a partir de uma revisão de literatura como o livro de Baur e Egler. A médica deu alguns livros de fisiologia. Como os idosos são pessoas não treinadas a gente começou a trabalhar movimentos bem simples e bem diretivos, quase calistênicos. Não aquela calistenia bruta, a gente procurou suavizar até por que a gente é dinâmico. Nós começamos com esta questão de diretividade, eles não têm noção de direita e esquerda. No ano passado a gente teve uma proposta interessante que era de brincar com eles através do movimento. Eles deram uma resposta interessante, alguns pararam, mas se a gente persistir, acho que a gente consegue. -Voce considera que existem exercícios para mais adequados para idosos ? -A gente quando vê na literatura e analisa o grupo a gente vê que há exercícios que são inviáveis. Por exemplo afastamento muito grande das pernas, é impossível para eles, muito difícil, problemas nos joelhos etc. Desta forma não existiria uma metodologia adaptada ao grupo que freqüenta estas atividades dificultando a preparação das aula. -Quanto aos pequenos jogos? -A gente estava abordando, a gente está entrando com o jogo mais muito pouco. Ano passado a gente teve uma experiência, foi até interessante, um dos alunos estagiários entrou com um jogo, cambio. Mas eles sentem muito cansaço... e aí a gente percebeu uma coisa que a gente não quer trazer, a competitiviade. Os que têm mais habilidade, começam a não permitir que os outros participem. -O que foi ensinado? -Uma coisa foi fundamental, eu sei que voce vai achar piegas, mas foi uma questão de amor, de gostar de fazer aquilo... sentir um crescimento pequeno, mas é o crescimento deles, ver as feições alegres. Com certeza existe progresso e muito. Ainda não tratamos dos resultados dos testes, mas a partir dos resultados apresentados pela médica, ficamos sabendo alguns dados, diminuiu a pressão, a ida deles ao fisioterapeuta. Muitos que tinham processos depressivos a medicação foi sendo abandonada. Isto aí quer dizer que é a promoção da saúde. -Faça um perfil dos idosos? - Os aposentados são da classe trabalhadora a cultura deles passa pelo pagode, pelo samba, pelo samba de roda, pela festa junina. Quando se coloca um sambinha eles ficam todos animados. No início do trabalho usamos até Villa Lobos, mas eles falaram ih, esta música é fúnebre. Eu acho que aos poucos a gente poderá modificar um pouco. O grupo que é freqüentador do PAM é diferente dos que estão no pólo UERJ. Por incrível que pareça os alunos mestres que trabalham no PAM, num ambiente que é menor, com poucos recursos são bem mais dinâmicos, parece que sentem mais prazer. O grupo é heterogêneo, em termos etários e patológicos, a gente não passa da atividade considerada moderada, até para não os prejudicar. Os alunos têm entre 65 anos e 87 anos, mas neste último caso só temos um. A gente está com um número grande, eu acho que para dar uma aula tranqüila, o número de alunos deveria ser de no máximo até 20 alunos, mas a gente está com mais. Nossa idéia é ter mais dias disponíveis para eles e nosso grande problema é lá no PAM em que é um dia só de atividade física. Fica complicado fazer os alunos mestres saírem daqui já que eles estudam aqui. -O que é ser aposentado no Brasil? -Seria um prazer se o aposentado tivesse recursos para se manter até o final da vida, em termos de moradia, prazer, lazer, diversão, alimentação, a gente sabe que o dinheiro do nosso aposentado é triste, terrível. -Dentro do currículo do Instituto de educação física da UERJ o que existe como disciplina que prepare para atuar com idosos? -No Currículo desta Universidade até agora não foi oferecida uma disciplina que aborde questões relacionadas ao envelhecimento e as atividades físicas, só acontecendo quando ela foi oferecida como tópicos especiais. Foi a única coisa voltada para idosos. No ano passado a gente teve pessoas 421 de outras universidades observando o trabalho e muitos nos fizeram algumas críticas que eu acho impertinente: o trabalho de vocês não passa de moderado, será que não fica cansativo! -Qual o significado da relação atividade física e saúde? -A atividade física simboliza o movimento humano. Eu acho que através da atividade física ela representa até o que você é. Aquela coisa que você mantém lá dentro você consegue externar através da atividade física. Em primeiro lugar a atividade física deve ser voltada para a promoção da saúde e a socialização. -De onde vem a saúde? -A saúde vem da mente da gente, sei lá, do corpo, acho que vem da cabeça da gente. Nós é que somos responsáveis por ela, vem da alimentação, do seu dia a dia, até em cima de sua qualidade de vida, como você direciona a sua vida. Saúde é um bem estar geral, mental, físico emocional, afetivo enfim.. -Fale-me sobre a saúde pública brasileira? -É triste, precário, a não ser que você tenha recurso, que você pague um plano de saúde, mesmo assim eles são bem questionáveis. O PAM é uma exceção, principalmente a parte da geriatria. -O que você pode falar sobre a aluna mestra responsável por conduzir as atividades? -Flávia é uma estudiosa, ela correu atrás. Para nós é importante que eles tenham contato com uma outra literatura que eles queiram fazer pois afinal nós estamos também experimentando. Ela sempre quando vai apresentar algo novo ela me apresenta antes da aula. Já quando eu percebo que ela mantém o grupo muito tempo de pé, e eles sentem cansaço, eu chamo a atenção. 422 ANEXO 12 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UTL/Rennes, antes de iniciar o ciclo das atividades observadas 423 -Vous êtes responsable d’un cours de gym douce, que veut dire Gymnastique douce? -Pour moi, ma définition à moi, la gymnastique douce c'est d’apprendre à une personne retraitée. Je n'aime pas ce terme âgé, je ne sais pas où la vieillesse commence, qui est âgé et qui ne l'est pas. Pour moi la question âge est dans la tête. La gymnastique douce c'est avoir comme premier objectif de faire que ces personnes apprennent à connaître leur corps. Au fur et à mesure de la progression des exercices, ne pas maîtriser, mais connaître ses limites et ses capacités. -Pouvez-vous m'expliquer les différences entre séance de Gym douce / Gymd'entretien? -En matière de gymnastique il n'y a pas beaucoup de lapsus entre gymnastique d'entretien, gymnastique volontaire et strecthing. On a un petit peu tout mélangé, on a cherché à mettre des étiquettes sur telle ou telle activité, mais finalement je ne crois pas qu’il y ait tellement de différence. Je crois que la différence est en fonction du prof, c'est lui qui va donner sa définition. C'est vrai qu'en matière de gymnastique, vous pouvez soumettre la question à plusieurs personnes qui interviennent ou à des animateurs, personne ne va vous donner une définition précise. -Si l'on parle de la question d’un savoir à transmettre? -Ça me pose un problème à moi, parce qu'en tant qu'intervenant en gymnastique douce, comme il n'y a pas de définition précise, en matière de bouquin, je ne sais pas où me placer. Donc je me place par rapport à ma définition personnelle. -Quelle est votre formation? -Prof d'Education Physique, maîtrise à Rennes. -Votre rôle à l'UTL, êtes-vous un prof. d’éducation physique ou un animateur ? -Cela dépend du jour, du groupe, dans lequel j’interviens. Ici je me sens plus comme animatrice, mais quand je travaille avec des scolaires, je me sens comme prof. Je me sens mieux dans le rôle d'animatrice. -Est-ce que vous faites de l'enseignement à l'UTL? -Oui, j'enseigne quelque chose mais avant tout, j'anime le groupe. -Quels sont vos objectifs? -Ils sont multiples, avant tout c'est un rôle de sociabilité. Je crois qu'en fin, vous remarquerez quand vous observez les séances, qu’il y a un rôle de rencontre, de détente, de recherche de l'autre, de faire quelque chose avec l’autre, de discuter avec les autres, c'est un rôle social. Ces personnes qui sont là viennent d'un milieu social petit bourgeois, professions libérales, donc c'est vrai qu'en dehors de l’activité physique, ils ont quand même envie de garder des contacts avec la société, l'environnement culturel, même professionnel. C'est quand même un rôle social. Comme 2ème objectif, de mieux être, au niveau corporel, à être mieux dans son corps, ça peut rejoindre l'objectif de la santé. -Ce n'est pas la première fois que vous parlez de santé (avant de commencer l’entretien elle a parlé sur ce sujet), mais j'observe que vous hésitez un peu? -Non, je ne sais pas très bien le terme qui convient. Ils ne sont pas grabataires, ils sont capables de faire et ont un potentiel énorme, mais qui n'a jamais été exploité. C'est pour ça qu'ils vont à beaucoup de séances d'activités physiques où ils redécouvrent quelque chose au niveau corporel, s'ils sont capables de faire ou s'ils ne le sont pas. -Quant aux objectifs des adhérents? -Ça dépend, je vais faire une différence entre les hommes et les femmes. En gym douce, il n'y a pas beaucoup d'hommes. Il y a plusieurs catégories de femmes: il y a celles qui viennent parce que pendant leur vie professionnelle et de famille, elles n'avaient pas de temps de s'occuper d'elles, d'avoir des loisirs, de s'occuper de leur corps. C'est vrai qu'en France et dans les pays occidentaux il y a tout un battage médiatique 'la femme et son corps'. Lorsqu'elles arrivent à un certain âge, qu'il y a plus de disponibilité familiale et professionnelle, c'est là qu'elles prennent conscience de s'occuper d'elles et de leur corps. Un besoin de recherche d'esthétique, même si elles ne veulent pas l'avouer verbalement. Franchement il y en a qui l'avouent sans tabou. 424 -Est-ce que préparez-vous vos séances à partir d’un planning ou d’un programme à suivre? -Je ne planifie pas pour toute l'année. Je fais d'abord une progression en commençant au début de l'année par des choses élémentaires, des choses de base, et après des choses un peu plus compliquées. -Comment faites-vous pour choisir une charge (l'intensité des exercices)? -Il n'y a pas du tout comme objectif de faire 15 ou 20 répétitions. Les adhérents viennent ici avant tout pour se faire plaisir. Ils sont en toute confiance. Si l’exercice est difficile pour chacun, ils le font ou ils ne le font pas. -Comment faites-vous l’évaluation du progrès des adhérents? -Non, c'est moi qui la fait pendant toute l'année, en générale assez bien régulièrement. Donc de l'observation du début de l'année, et de l'observation à la fin de l'année, je vais savoir les progrès qui ont été faits. -Quel est l'âge moyen des adhérents? -Il faudrait leur demander, mais je crois que c'est entre 55 plus de 70 ans. La plus âgée doit avoir 75 ou 76 ans. Ici, c'est ma 3ème année avec ce groupe. Il est constitué de fidèles, il y a toujours un noyau dur, et chaque année se greffent à ce noyau des personnes récemment à la retraite. -Pourquoi une séance par semaine? -Ce n'est pas suffisant, deux séances seraient l'idéal, mais il y a des problèmes d'infrastructure: louer une salle etc. Le groupe est constitué de gens très occupés qui ont un planning très chargé, et régulièrement participent entre 24 et 25 adhérents. -Dans la formation que vous avez faite, est-ce que vous considérez avoir reçu des connaissances suffisantes pour bien savoir comment travailler avec les personnes âgées? -Du tout, je travaille avec toutes les tranches d'âges, dès la maternelle jusqu'aux personnes âgées. C'est vrai que ce sont les groupes de retraités qui sont les plus motivés. La régularité dans ce qu'ils font et le sérieux. Cette salle ici ne convient pas à la gymnastique, elle est trop petite. Le groupe arrive toujours 15 minutes avant de commencer la séance, et ils en profitent pour ce que j’appelais le rôle social, ils prennent le temps de discuter de leurs loisirs, de leur vie, de leurs problèmes. 425 ANEXO 13 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento na ARRS antes de iniciar o ciclo das atividades observadas 426 -À combien de temps vous travaillez aves des retraités ? -Je travaille avec des petits de 5 ans jusqu’aux personnes de 95 ans. Je me sens plus à l’aise de travailler avec les personnes âgées. La décomposition du travail est la même, même si les objectifs, la façon de faire, le vocabulaire ne sont pas semblables, par contre pour la décomposition de la tâche, pour décortiquer le travail, cela revient au même. Ensuite, parce que je me plais mieux d’être avec les personnes âgées, je me sens plus à l’aise, peut être que parce que je suis mamie. -Quelle est votre formation ? -J’ai une formation d’animatrice en gymnastique volontaire, une formation spécifique par rapport au vieillissement physiologique, anatomique et psychologique, aussi par rapport à l’environnement social. On a des enquêtes à faire sur le milieu, la condition de vie, les maisons d’hébergement des personnes âgées. -Quels sont vos objectifs dans la séance? -On a un travail de communication, on est un groupe d’orientation par l’espace. J’avais mis des quilles par exemple, on va refaire parce que cela faisait trop d’informations et de contraintes, ils mélangeaient tout. Je suis obligée de refaire, de repenser mon travail. C’est important, dès qu’ils changent de direction, ils sont perdus, surtout dès que c’est la marche arrière, et moi je veux qu’ils marchent en arrière, par rapport à l’équilibre, à un souci, par rapport aux déflecteurs au niveau des épaules dans les articulations des épaules et ça change toute la statique du corps. Elles ont tendance ou à être vers l’avant ou au contraire hypercentrées vers l’arrière. Marcher en avant et en arrière est un problème d’orientation et de retrouver son corps dans l’espace. On peut appeler ça de la gymnastique d’entretien. Alors, il a un souci d’orientation, de communication, et coordination, par rapport au temps, par rapport à l’espace, par rapport à soi et par rapport aux autres. Il y a un travail de mobilité, d’agilité, de descendre au sol, se tourner à genoux, passer assis, passer debout, se mettre en équilibre sur un pied, aller en avant et aller en arrière, un réel problème, vu surtout si on veut tout enchaîné, tout combiné. -Est qu’il a des différences particulières entre les méthodes utilisées en gymnastique d’entretien et dans une autre gymnastique, ou les méthodes utilisées sont-elles communes? -Il faut être très attentif aux personnes, savoir redécomposer, éventuellement aménager le mouvement pour les personnes qui ne peuvent pas, qui ont une morphologie qui a vieilli avec des arthroses, l’arthrite, des rhumatismes, des accidents parfois de voiture, ou n’importe, avec des fractures et donc certains mouvements, elles ne peuvent pas le faire, sont complètement bloqués, donc il faut trouver chacune à son niveau. -Est-ce qu’elles apportent un certificat médical quand elles arrivent pour la première séance? -En principe elles doivent apporter à l’OPAR un certificat médical de non contre-indication, c’est à dire d’un médecin spécifique. Moi, par exemple, je ne fait pas de cardio-pulmonaire, parce que pour les cardio-pulmonaires, il y a la prise de pouls, tout ça, on ne peut pas. Du moment qu’elles ont été deux fois trois minutes vraiment en activité soutenue, c’est ça, pour moi, la cardio pour ce groupe. Je crois que cela leur suffit. Elles viennent en bus, la plupart viennent de loin, donc c’est quand même une après midi qui leur prend deux bonnes heures d’activité complète et je crois que ça suffit.. -Quels sont, selon vous, les objectifs des adhérents ? -Bouger et rencontrer les autres. Bouger pour garder une certaine agilité pour pouvoir vivre seuls. La plupart s part sont seuls, et ça fait un lieu de rencontre , c’est très important. -Si vous mettiez ces objectifs sur une échelle de valeur ? -En premier bouger et après les rencontres. -Est-ce que cela a un rapport avec la santé? 427 -C’est pour préserver le capital qu’elles ont actuellement, ne serait-ce que la mobilité articulaire, parce qu’on ne peut pas faire de renforcement musculaire, on peut rien faire, Plus on bouge, plus elles préservent leur capital santé par la fixation du capital osseux, parce que le mouvement favorise la fixation du calcium pour le squelette et l’activité constante permet par la fonction cardio pulmonaire de retrouver une grande envergure par rapport aux articulations. -Est-ce que vous suivez un programme ? -J’essaie de suivre un projet pédagogique. Par rapport à un groupe comme ça, leur attention est très réduite, je suis obligé à chaque fois de refaire petit, ça fait bric à bac, je suis obligée de faire quelque chose de saupoudrée, que de faire tout comme on fait avec des adultes, par exemple, un même objectif pendant vingt minutes avec des variables, tandis que là, même les variables c’est trop pour elles, elles se fatiguent physiquement et moralement dans l’attention.! -Pensez-vous qu’il y a une préoccupation esthétique ? -Non, je ne pense pas. Pour le groupe des plus âgés, pas question, c’est fonctionnel à mon avis, même sur le plan vestimentaire, coquetteries ou autres, je n’ai pas remarqué ça. Elles ont entre 70 et 80 ans. -Pour vous quelles sont les grandes différences entre la gymnastique douce et la gymnastique d’entretien ? -La gymnastique d’entretien c’est un entraînement normal pour un adulte en bonne santé et en activité soutenue. Par contre, j’entends par gymnastique douce, parce que là il faut vérifier auprès de chaque responsable, pour moi c’est une gymnastique à base de relaxation, de sensations, donc on va faire dans le mouvement, mais tranquille, au ralenti, parce qu’on va voir tout ce qui se passe à l’intérieur du corps et ce n’est pas le mouvement qui compte. Par contre, la gymnastique d’entretien, c’est le mouvement qui va prédominer, on veut bouger les segments, on veut produire un effet, une forme qui n’intéressent pas la gymnastique douce, c’est la perception, la sensation personnelle, la proprioceptive, si ça vous dit quelque chose. -Selon votre pratique quels sont les obstacles qui empêcheraient les personnes âgées de mieux maîtriser une situation ou un exercice proposé ? -Une perte de mobilité articulaire, un certain ankylosement, une rigidité, par ce qu’en fait moins on fait fonctionner ses articulations, les cartilages ne sont plus innervés, ne sont plus vascularisés et ça se solidifie par l’âge. Le mouvement retape ces choses là, le mouvement retarde le vieillissement en quelque sorte, permet de pouvoir bouger, à mon avis. -Est-ce vous notez des progrès ? Est-ce que vous évaluez l’évolution du travai ? -On ne le fait pas, parce que ça prendrait trop de temps, à la limite, c’est ça. J’en ai fait quand j’étais en formation, on était obligé de faire des rapports, mais dans la vie de travail je ne dis pas que ce n’est pas possible, parce qu’il faut des choses précises et en plus un jour vous n’êtes pas en forme, vous ne réussissez pas, le lendemain vous êtes en forme, vous avez bien dormi, il y a un tas de facteurs qui entrent en jeu, et on y arrive. Je crois qu’il faut que cela soit régulier par contre. Mon critère de réussite est quand les deux tiers du groupe vont avoir réussi à atteindre l’objectif. Par exemple, pour le déplacement entre les quilles, les objectifs n’étaient pas du tout atteints, donc il faut que je repense mon travail d’une autre façon, Le minimum n’était pas du tout atteint. Par rapport au groupe, il n’y en avait qu’une ou deux qui avaient compris réellement ce qu’il fallait faire et qui réussissaient. -Est-ce qu’elles vous renvoient un écho de votre travail, si elles font les exercices à la maison ? -J’ai déjà fait une enquête comme ça, par rapport aux adultes. C’est vrai que certaines disaient venir à la gymnastique d’entretien, ça permet de mieux vivre, moins fatiguées, à faire le travail quotidien, maintenant c’est quand même assez subjectif. 428 ANEXO 14 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UnATI/UERJ, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas 429 Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica antes de iniciar a primeira atividade filmada -O que pode ser falado sobre o desenvolvimento da ultima aula ? -Eu tenho que me lembrar o que nós fizemos na ultima aula. Não, eu acho que a gente pode lembrar sim. O que acontece é que de um maneira geral na proposta de trabalho que a gente tem. Aqui , nos estamos fazendo em dois níveis. Mas o tipo de trabalho, de programação é de fazer uma proposta de uma correção, uma mobilidade articular. Quer dizer a gente está sempre buscando uma melhora do estado físico sem perder de vista a proposta corretiva. A gente procura sempre uma correção postural. A gente está trabalhando com um grupo da terceira idade. O que a gente já sabe o que vai acontecer com o idoso: uma perda de flexibilidade, uma baixa de resistência uma diminuição de coordenação, de equilíbrio, uma diminuição da capacidade respiratória, enfim, a gente vai tentar a prevenção e utilizar as posturas no trabalho, isto seria no global. Uma coisa que me chamou atenção na aula anterior, foi de trazer a discussão do grupo de teatro no inicio da aula, perdeu-se muito tempo no inicio da aula. O grupo do teatro é pequeno e a nossa proposta é global. -Será que vocês observaram que alguns exercícios ou situações produziram alguma dificuldade de execução. -Eu não notei nada não. Deixa eu lembrar: nos trabalhamos muito equilíbrio em pé, membros superiores, flexões de braço. Nós trabalhamos muito ritmo, coordenação e equilíbrio. Eu não notei nada não. -Quer dizer que foi tudo conforme suas previsões? -Foi. -Hoje, o que vai acontecer ? -Vamos ver como eles chegam, eu quero saber se eles tem alguma queixa e ai a gente monta a aula em cima das queixas. Eu já ouvi falar de dor lombar, possivelmente nos vamos tratar esta dor lombar se não vierem outras queixas. -Sempre é em cima das queixas ? -Sim. -Esta situação de dores lombares já ocorreu outras vezes ? -Sim é uma queixa muito comum na terceira idade. -É a mais comum ? -Junto com a periosteoalgia que é a membrana fibrosa que envolve os ossos, a lombalgia e a periosteoalgia, elas tem muito a ver com o comprometimento da artrose e de posturas ruins durante muito tempo, então e muito comum. Então a gente vai trabalhar a lombalgia hoje, num nível de complexidade que a gente procura adequar ao grupo. A gente parte dos exercícios mais simples aos mais complexos, visando um relaxamento global. Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica antes de iniciar a segunda atividade filmada -Aconteceu alguma coisa na aula passada que tenha saído fora do que estava previsto? -Aconteceu que eu acho que atendi as principais queixas e nos tivemos um depoimento muito importante daquele senhor que no meio da sessão, se manifestou dizendo que tinha um joelho bloqueado há anos, ele percebeu sentando que estava dobrando o joelho. -Foi o ponto mais importante? -Foi. -E, para hoje, você pretende fazer como na aula anterior? 430 -Sim, a gente ate já trouxe um material, para fazer um aquecimento com uma brincadeira, a gente vai começar a sessão com isto. Depois enato da brincadeira, nos passaremos a um trabalho mais dirigido. -E a primeira vez que vocês vão utilizar este material? -É, com este material, que são os arcos é a primeira vez. Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica antes de iniciar a terceira atividade filmada -Se falarmos em objetivos, qual seria o objetivo principal, fazer as pessoas se soltarem, melhorarem a postura ou o que? -É tudo. Por que uma coisa leva a outra. Mas se tem um objetivo, Você não é todo enroladinho atoa, você provoca sempre uma postura para se proteger, que faz você se equilibrar. A tua postura revela a tua personalidade, o teu interior. -Como é feito o acompanhamento do progresso se é usado a partir de algumas radiografias quando são solicitadas. De quem é esta iniciativa, você solicita ou eles que trazem espontaneamente? As vezes é deles. As vezes, quando há um caso evidente nós solicitamos para poder encaminhar a um médico ou para um trabalho individual. Hoje por exemplo a D. X veio falar comigo, ela ao chegar era bem encolhidinha hoje ela veio falar de uma forma exuberante. -Sobre a metodologia por você empregada. Você já disse, que em suas atividades você se baseia numa literatura francesa. Neste caso vocês estariam falando no trabalho da Therèrese já que ela que usa o termo Antiginástica? -Nós trabalhamos com várias técnicas diferentes: com a RPG, que é a reeducação postural global, com as técnicas de cadeias, de facilitações neuromusculares e os jogos dramáticos.. -Há uma metodologia própria para propor uma atividade com o nome de antiginástica ? -O nome na verdade não é antiginástica não. Eu acho que a gente explicar a partir da nossa própria formação básica que é de fisioterapeuta. Nós fazemos um trabalho típico de utilização da biomecânica. Ao longo de nossa vida acadêmica teve uma época que nós tivemos uma preparação nestas técnicas que visam e propõe o trabalho global. Estas técnicas começaram na verdade a serem difundidas pela Françoise R. Não foi a Bertherart a primeira pessoa a propor esse trabalho em cadeia. A partir daí, outros fisioterapeutas construíram suas próprias técnicas. Ela era fisioterapeuta e apresentou um trabalho de globalidade, um trabalho de cadeias. Outros fisioterapeutas, formados por ela formaram suas próprias técnicas. A Therèse chamou de Antiginástica, o Paul Richard chamou a técnica dele de RPG. Na verdade todos tiveram sua base no trabalho inicial. Para nós o que é mais importante como fisioterapeutas é o trabalho com a globalidade. A nível muscular, articular, visceral e uma preocupação também a nível emocional. Entrevista realizada na UnATI/UERJ com a responsável pelo curso de antiginastica após o ciclo das observações -Levando em consideração que este trabalho é com grupo, vocês já tinham este tipo de experiência de atuar com grupo ele não seria mais indicado para ser realizado individualmente ? -Nós já trabalhamos com grupo, o que acontece é nossa rotina dentro do consultório é diferente do que a gente faz aqui. O primeiro contato é uma avaliação postural que é uma anamnese, a partir daí a gente propõe um trabalho individual. A partir deste trabalho concretizado, melhora do esquema corporal, aí a gente coloca as pessoas em grupo. Nós já tínhamos esta experiência. Aqui nós pulamos a primeira parte. Começamos com a anamnese escrita e propondo um trabalho em grupo. 431 -Fazendo uma comparação você sentiu alguma dificuldade em começar diretamente com um grupo tão heterogêneo, a minha impressão é que os que as procuram em consultório chegam com uma carga de problemas de postura entre outros e aqui provavelmente encontraremos pessoas que não apresentam qualquer tipo de problema? -E tem mais outra coisa que eu acho também que são as pessoas daqui que são mais despojadas na questão de exigência talvez. Eles só conhecem como referência o que eles vem aqui. O pouco que a gente faz é muito. No consultório os grupos de idade são pequenos mas em geral são misturados. Eu noto que eles mudaram muito em pouco tempo. Eu sei que não só o trabalho da gente, eles fazem diversas atividades. Tem gente que começa a se vestir de forma diferente, já chega com uma postura diferente, já fala mais alto. -Sobre o material que vocês se utilizam nas aulas, bolas bastão etc. e são utilizadas posições mantidas e num determinado tempo , qual seria o objetivo? -Na verdade o que nós propomos é um tipo de contração muscular diferente da ginástica comum, nós trabalhamos com contrações isométricas, nós acreditamos que com este tipo de contração, a gente esteja reativando a memória do músculo. Você está fazendo um esforço maior de solicitação. Esta é a orientação que a gente acha mais forte. Por isto a gente trabalha do ponto de vista da postura, e pede ao aluno que eles meçam os limites desta tensão. Ali está ajudando o trabalho de descontração que é a concentração do nosso trabalho. A T B. chamou isto de Antiginástica., pelas diferenças , na verdade, não é só por isso, os movimentos são mais lentos, precisa de lentidão para acontecer as trocas químicas, as transformações física e muscular, isso super lento. Também por força do esquema corporal. As bolas são facilitadores. A gente muitas vezes usa as bolas tentando fazer um ponto fixo. Como uma cadeia iniciando num ponto fixo, numa articulação ou numa isquemia por exemplo, bombear a circulação, ou uma desenbilização, ou a massagem,. Tem várias finalidades. -Vocês tem muito enfatizado a questão do relaxar e a música? -O negócio de relaxar nós vamos em geral encontrar um músculo tenso. Para a gente trabalhar aquele músculo tenso, a gente precisa antes achar o tônus daquele músculo depois que a gente vai tonificá-lo. Nós não só relaxamos como tonificamos. Por isso eu acho importante a conscientização para certos valores ao fazer os movimentos tem de ser percebidos. -A percepção dos movimentos me leva a perguntar o que você pode dizer depois de um tempo com este grupo, o que ele aprendeu? -Eles aprenderam a se posturar de uma forma crítica. Aprenderam a relaxar, eles aprenderam recursos terapêuticos como podem se liberar de uma dor. Já melhoraram o tônus a nível do abdome que é uma tendência de ser esquecido. A postura já está melhor, há relatos de incontinência urinária que é ligada a uma baixa do tônus dos músculos no períneo que já passam a suportar mais uma carga na bexiga mais cheia por mais tempo Melhorando o tônus então a gente pode entender como melhora do tônus do períneo. -Quanto a eles serem capazes de realizarem os exercícios forma do ambiente da aula. Você acredita que eles repetem os exercícios em casa? Eu lembro do caso da aluna que solicitou uma apostila pois não se sentia a vontade de fazer os exercícios só e tinha medo de provocar algum malefício. Vocês incentivaram o uso da memória. Vocês acreditam que eles venham a fazer em casa ? -Eu não acredito que eles façam em casa, raramente isto vais ocorrer. Depende muito de cada um não é ! Como não é um trabalho repetitivo, é também difícil memorizar. Mas são coisas que com o tempo vão se projetando, a nível de esquema corporal. -Eu pelo que pude observar há exercícios que são difíceis de memorizar, você concorda? Talvez elas não se achem seguras para fazer sem uma pessoa para corrigi-las o tempo todo? 432 -São. É por que a gente trabalha com esta técnica de RPG, que é muito corretiva e que de fato seria muito difícil de ser feita em casa.. O que seria mais fácil seriam os outros trabalhos que são de mobilidade, de relaxamento. De tudo no final fica o básico, o que eles podem e o que tem condições de repetir. Estas coisas básicas, correção de lordose, tônus. -Para você que tipo de motivações fez esses idosos virem às suas aulas? -Nós não fizemos nenhum tipo de divulgação do trabalho. Eu acho que entre eles corre o boca a boca. Eu não sei o que motivou, eu acho o que despertou alguma curiosidade. Nós já falamos muito com eles sobre isto, mas neste caso eles fariam qualquer coisa. Eu acho também que o nome Ginástica às vezes é alguma coisa que passa meio desagradável. Como eles precisam fica mais ou menos assim : eu preciso mas é anti, entendeu. Agora eu estou também me lembrando, eles recebem umas folhas contendo varias informações sobre as atividades da UnATI/UERJ. -De onde vem a saúde ? -A saúde vem do todo, vem de uma boa higiene, de hábitos diários do contato com o seu corpo do relacionamento com os outros liberdade também. -Com relação a sua saúde quais seriam as suas preocupações? -De ficar entrevado, a dependência. -O que você acha do sistema de saúde brasileiro? -Precário, Eu tenho experiência em Hospital público as condições básicas são inexistentes. É o mais precário do que se pode imaginar, não tem paralelos. -Que tipo de atividade física você faz? -A caminhada quando eu posso, eu gostaria de freqüentar grupos fora deste tipo de trabalho que a gente faz, mas a dificuldade é muito grande a nível de grupo por que para mim a ginástica tradicional, ela tem um lado muito bom, mas só que ela é administrada de uma forma muito massificante, eu já tentei participar de grupos , mas quando você propõe 20 abdominais ou 100. Eu faço 20 com a minha contração. Tipos de exercícios muito rápidos eu procuro fazer bem lentos, pois só assim eu posso corrigir. Só assim eu não saio com dor lombar. -Mas Ginástica não é para sentir dor! -É mas não é esta a orientação, aí você fica lá sozinha e acaba atrapalhando a aula, é muito difícil. 433 ANEXO 15 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de ginentretenimento no PAM/IMMA, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas 434 Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica antes de iniciar a primeira atividade filmada -O que será feito na aula de hoje ? -Este mês a gente vai dar mais ênfase na parte de flexibilidade e força. Então eu vou começar a aula com aquecimento normal : mexendo braço, perna, cabeça, por ativar a circulação e depois eu vou dar alguns exercícios de força, membros inferiores e membros superiores, com resistência oposta pelo companheiro. Depois disso eu vou dar a dança que eles adoram né. Depois eu vou tentar fazer exercícios de flexibilidade geral e relaxamento. -É a primeira vez que você vai propor este tipo de aula ? -Não. -O que lhe motivou a propor este tipo de aula ? -Como assim ? -Por que você decidiu fazer hoje flexibilidade ? -Eu estou seguindo um programa. -Como você vai ao final da aula avaliar se seus objetivos estão sendo ou não alcançados -Em parte se eu perceber que os exercícios que eu dei, dentro dos conhecimentos que eles tem, são levados para trabalhar isto que a gente querendo, que é força e flexibilidade. Se eles conseguirem fazer com facilidade, ou pelo menos corretamente, ou pegarem o exercício, pois esta é a primeira aula que a gente vai dar enfatizando força e flexibilidade. Na próxima aula, que eles peguem os exercícios e que possam repetir alguns mais importantes com mais facilidade para a próxima aula. -Como é que você poderia situar com a relação as duas últimas aulas ? Correu tudo como você previa ? -Quase tudo. Existiu, como foi a primeira vez que a gente fez, não uma desorganização, mas uma certa confusão inicial, uma certa euforia por parte da gente que estava fazendo os testes, avaliando eles e por parte deles, já que era uma novidade. Ate que por parte deles, eles estavam bem tranqüilos. Nos é que estávamos ansiosos em saber como eles iam reagir. Como também por parte da divisão que ficou um pouco confuso. Um pouco, nada fora do normal. -Você teve que alterar alguma coisa que havia sido programado ? -Não. Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica antes de iniciar a segunda atividade filmada -O que você pode falar acerca de sua última aula ? -Em relação ao que eu dei, teve um bom desenvolvimento. Esteve bem animada, mas eu tive que modificar totalmente meu plano de aula. Não estava previsto que o ensaio da festa junina seria antes da minha aula. Eles entraram na minha aula atrasados além de cansados Então eu tive que começar mais pela parte de relaxamento e flexibilidade. Eu nem pude fazer a parte de força -Você observou que alguns exercícios ou movimentos que você apresentou tornaram-se mais difíceis por causa desta observação que você fez ? -Do cansaço, acho que sim. Eu não sei se eles estavam também dispersos ou excitados por causa da festa junina. Ate exercícios bem elementares como de rotação para fora para dentro, muitos se desconcentraram, erraram. Não sei, acho que erraram, acho que teve uma certa influencia sim. -E a dança, estava prevista, e se sim ela se desenvolveu como você previa ? -Estava, estava sim foi mais ate do que eu esperava. 435 -Hoje o que será feito ? -Eu vou tentar hoje, espero que não tenha nenhum imprevisto, dar a aula que eu bolei para ser a passada. Dando ênfase na força e na flexibilidade, com a dança, que eu sempre dou, e no final um exercício recreativo. -Quer dizer que praticamente você tentará repetir o que o você iria dar na aula anterior ? -Isso. Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica antes de iniciar a terceira atividade filmada -O que você vai fazer hoje ? -E, o que eu vou fazer hoje [...] Bom, hoje eu vou continuar [...] A gente teve um problema ai com os elevadores, nos ficamos parados um tempão, a gente vai continuar [...] Vai ser o último dia de trabalho de força, eu vou fazer uma aula com elásticos, e dependendo se eles estiverem cansados eu vou fazer a dancinha de sempre. Mas não tenho certeza, vai depender. . -Este trabalho de força, você vai tentar fazer em pé, sentado ? -Vou fazer em pé e sentada. -Não vai fazer deitada ? -Não. -Por quê? -Porquê para trabalhar com eles deitados ainda é muito problemático para a gente. -Vai ser a primeira vez este trabalho com elásticos ? -Sim, eu já estou vendo que milhares de coisas vão acontecer. Entrevista realizada no PAM/IMMA com a responsável pelo curso de ginastica após o ciclo das aulas observadas -Você está em que período ? -Sou estudante do 7 período, aqui na UERJ corresponde ao último ano, o ciclo aqui é de 4 anos. -Como você se engajou neste projeto que faz atividade física com os idosos? -Aqui a gente tem uma matéria que é educação especial, então para esta matéria a gente precisa fazer vários estágios , com vários projetos que são realizados na UERJ. O de idosos é um deles. Aí eu cumpri o horário previsto para o estágio da matéria, e quando cheguei lá eu gostei muito, me identifiquei e fiquei com isto na minha cabeça. Então no outro período, nunca tinha sido oferecido como matéria curricular, estágio. Aí, pela primeira vez, abriu, e na hora. Eu me inscrevi e fiquei mais um período e agora neste período eu entrei... -Quer dizer que este é o seu terceiro semestre nesta atividade ? -É o terceiro contato, . No 1 semestre foi muito pouco, o segundo já foi uma matéria, com estágio, assistia as aulas e colaborava, agora como estagiário, aluno mestre. -Dentro da EF especial ela era específica com atividade física do idoso ? -Entre várias coisas : deficiente físico, mental, pessoas com distúrbios de comportamento, diabéticos...A responsável quando eu fiz era a prof.a Geni, atualmente acho que é o Ney... A abordagem é de como lidar com estes problemas, até por que para poder ser professor destas pessoas deve-se entender um pouco mais e o estágio é para você ter uma visão prática da coisa. -Você considera que a sua prática, e o ensino que foi passado nesta disciplina tem alguma ligação ou você considera que pela tua prática há uma ligação com outras coisas que são passadas na Universidade? O que foi passado nesta disciplina está em que nível próximo da realidade que você está encontrando? 436 -Da educação especial, a gente não deu especificamente o idoso, foi uma pequena parte. Tem muita coisa que eu consegui, que me ajudou sim, que eu consigo relacionar com o que eu aprendi neste projeto, mas também muito mais com o que eu adquiri agora pela vivência. -E desta pratica você se baseou em trabalhos escritos, livros ou em outra disciplina do Instituto ? -De outras disciplinas , textos livros etc... -Se você pudesse citar alguma coisa que tenha mais lhe chamado atenção o que citaria ? -Dentre as disciplinas, fisiologia, fisioterapia e também a parte de metodologia do ensino, psicologia recreação ... -Você colocou numa escala de valor ? -Não foi o que veio vindo na minha cabeça...Para eu lidar com esta clientela, eu tenho por exemplo a disciplina fisiologia o conhecimento dos limites, o que eu posso passar para eles, na recreação eu vejo a importância de uma integração, o prazer que isto promove e como eu estou fazendo um trabalho que é importante a integração e também a busca da melhora da autonomia deles. Então se precisa de uma coisa mais direcionada de exercícios eu preciso destas duas ligações, se for ver bem, eu fico mais com a parte da recreação mesmo.. -Quando a gente fala dos limites . Os limites que preocupam, ou seja se pode haver algum risco de acidente, isto te preocupa ? -Sim, a gente não força nada. Mas a gente se preocupa com o risco de um tropeço, um acidente, Eu estou sempre preocupada... Se eu vou dar uma atividade nova, será que eles vão gostar, não sei, eles são um pouco frágeis... -Ainda sobre as influencias recebidas... -Quando a gente fez o estágio curricular, a gente tem que fazer um trabalho curricular sobre um assunto e depois apresenta-lo,. Uma coisa que estava desligada era a questão da discriminação do idoso, esse isolamento que eles sofrem. Foi uma coisa que me chamou atenção e por isto eu acho importante a parte da integração, da recreação na aula. E a gente tem a orientação para saber o caminho que devemos seguir. O plano de aula que a gente segue é da Bélgica, de Dominique Collignon. Então a gente teve isto ai também, os limites, não teve um livro específico... -Em relação ao modelo belga, foi fácil de se adaptar ? -A gente tenta seguir, mas a nossa clientela tem coisas que a gente pode seguir e tem coisas que não dá. Por exemplo até mesmo a seqüência que ela lá propões, eu não sei se lá elas fizeram anteriormente AF. Tem jogos e brincadeiras que a gente não pode fazer com eles . Até os exercícios de força a gente fica limitado, até pelo risco... Eu acho que os nossos idosos não tem o mesmo nível que lá. -Você já trabalhou com criança e adulto ? -Sim -Como você se identifica no momento que você ainda está procurando esta identificação, quais seriam as principais diferenças ? -A criança e o adolescente com relação aos idosos. Os idosos não reivindicam. Agora a gente está estimulando isto. A criança não, se ela não gosta, ela não faz. E dependendo do nível social da criança elas são menos carentes que os idosos. Estes últimos são muito carentes... Qualquer ato de carinho assim é recebido com uma gratidão enorme e é uma coisa que a gente sente e que dá muito estímulo, tem um retorno muito grande afetivo. E é lógico há limitação. Você espera uma reação e a criança tem uma reação rápida. De repente com os idosos uma brincadeira que eles fizeram quando criança, agora não funciona... 437 -Você falou em autonomia e há um paradoxo quando você encontra idosos e há uma grande dependência, eles não reivindicam, como você vê estas coisas ? -A gente quer que eles sejam autônomos a gente quer que as aulas sejam, menos dirigidas que tenha menos comando. A gente quer que eles criem que eles façam a atividade que eles posam ser o menos dirigido. Que eles criem, eles fazem atividades que eles podem criar, dançar livremente sabe ! Que saia da criação deles. Também é importante falar que o exercício de vê ser tentado ser feito em casa, repetir ele. Esse aqui é fácil, mostrar sempre a importância e para que está servindo... -E há este tipo de retorno ? -Há muitos, já falam que estão fazendo em casa está tendo um retorno muito grande. -Com relação ao estilo de aula eles preferem ser comandados ? -Comandados eles se sentem mais a vontade. Se a gente faz um movimento todo mundo faz parecido. Para eles é mais fácil copiar eles preferem fazer coletivamente ao invés de individualmente acho que eles se sentem mais seguros. -E a questão da música ? -Eles gostam muito da música. -Você se considera mais um professor ou um animador ? -É muito difícil quebrar a imagem do professor no seu pedestal um degrau acima. Se for nesta visão não me considero enquanto professor de jeito nenhum, eu seria um animador... -Existe ensino no que você propõe ? -Sim mas existe também a animação...a animação é uma forma de motivar. -Quando você ensina ? Quando eu tento fazer com que eles conheçam mais o próprio corpo, as suas potencialidades, quando eu os instigo a criticar na aula. Eles devem ser mais críticos , não ficarem mais tão pacíficos. Quando eu ensino os movimentos também. -E quando você percebe que há retorno, se houve aprendizagem ? -Quando eles por exemplo, estão começando a reclamar das coisas que eles não estão gostando, de pedir uma atividade, uma música, ou também quando eu percebo que elas estão realizando corretamente os exercícios com noção de segurança motora de ritmo. -Então há progresso ? -Com certeza. -E se você pudesse falar em progresso aonde é que você pode observar maior progresso? -Eu acho que eles estão progredindo no geral. -E em relação a questões de progresso que sejam mensuráveis? -Os testes que eles realizaram agora vão predizer o que a gente tem no momento, por que a gente não fez nada anteriormente. É o primeiro teste. Para a gente ter certeza. Quando a gente começou eu não estava, pelo que se diz e até pelas aulas que eu assisti eles estavam bem, eles eram mais atrasados, a gente falava esquerda, direita, eles não tinham noção nenhuma de lateralidade, coordenação motora, ritmo. Eles estão melhorando e a gente vê isso, só que a gente não tem nada, vai começar agora... -E as dificuldades que eles tem quais as que você tem percebido que mais se repetem ? Em relação ao movimento ? Eu acho que tudo vai juntar. Mas eu acho , assim para o desenvolvimento de determinados exercícios, a falta de coordenação motora. Por exemplo, mesmo que eles não tenham muito equilíbrio, muita força, eles podem fazer algumas repetições dos exercícios. Mas as vezes por falta de coordenação motora por exemplo eu digo perna estendida e eles não percebem que a perna não está estendida, que está em outra posição. É a percepção do próprio corpo no espaço... 438 -E você prepara a sua aula ? -Agora a gente está fazendo assim : em cada mês a gente dá uma passada em cada um dos pontos : equilíbrio, força, ritmo, coordenação motora, a gente cada mês enfatiza um determinado item. Este mês por exemplo a gente está enfatizando o equilíbrio. Eu procuro assim, eu tento variar as aulas mas não muito, pois eles tem muita dificuldade para pegar, para eles nem gostam muito que seja mudado. Foi uma coisa que eu tive de mudar pois quando a agente trabalha com crianças e adultos, a gente tem que estar variando a toda hora e com eles não gostam que varie tanto, muito. De repente quando eles estão começando a pegar e vou lá e vario eles se sentem inseguros. E quando eles começam a pegar os movimentos eles ficam mais satisfeitos. Então eu repito alguns exercícios nas aulas e modifico sempre as brincadeiras conforme vai dando a ênfase em cada item a gente vai modificando. 439 ANEXO 16 Entrevista realizada com a animadora/professora das aulas de gin-suave na UTL/Rennes, antes de iniciar cada uma das três aulas filmadas e após o ciclo das atividades observadas 440 Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce avant de commencer la première séance filmée -Qu’est -ce que vous allez faire aujourd’hui? -La grosse question! Qu’est-ce qu’on va faire aujourd’hui? On va, on va travailler essentiellement les étirements. -Quels sont vos objectifs? Reprendre tout doucement après 15 jours d’interruption, sans effort, se réadapter un petit peu. -Qu’est-ce qui vous a amené à proposer cette séance? -Non , je ne peux pas [...] parce qu’en plus je n’ai pas du tout réfléchi, c’est vrai, à ce genre de question. Je n’ai pas du tout travaillé sur la question. -Comment allez-vous la mettre en place? -Tout aussi naturellement que les autres. Un léger petit échauffement dans la bonne humeur, pour remettre un petit peu une ambiance harmonieuse et puis terminer peut être toujours [...] un petit d’échauffement, des exercices d’étirement, travail sur le placement du dos essentiellement, et puis un ou deux exercices pour les abdominaux et un retour au calme. -Et pour évaluer? -Non l’évaluation je la fais moi-même, au fur et à mesure des séances et je constate les progrès qu’il faudrait qu’ils soient effectués par chacune des personnes est atteindre pour chacune des personnes, mais je ne travaille pas dans l’objectif d’une évaluation à chaque séance. Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce avant de commencer la deuxième séance filmée -Est-ce que dans la dernière séance tout s’est passé selon vos prévisions? Est-ce que certains exercices ont provoqué des difficultés non prévues? -Oui, comme dans la plupart des exercices, il y a toujours des personnes qui ne vont pas réaliser des exercices comme je le voudrais, mais je considère que c’est normal, au contraire, je leur demande, parce qu'on a toute, plus ou moins, selon notre jour et selon notre vécu des difficultés, et même, bon aujourd’hui, on est plus ou moins en forme. Moi, je leur demande de trouver la meilleure façon de réaliser l’exercice en fonction de leurs capacités, c’est à dire que je leur demande d’aménager l’exercice, je ne leur impose pas. Celles qu’ils le peuvent, sans problème, celles qui ont du mal, à cause de la santé, elles aménagent l’exercice. -Qu’est -ce que vous allez faire aujourd’hui? -Alors, aujourd’hui et pour toujours, une variété d’exercices sur jambes, bras, etc. mais je veux surtout m’intéresser sur le placement du dos pendant un travail de renforcement musculaire au niveau des cuisses, et un petit peu plus un travail au niveau des avant bras et des poignets. Je me suis aperçue que la semaine dernière, il y a une dame qui n’est pas à la gymnastique , mais qui s’est blessée en soulevant sa petite-fille , au poignet et c’est vrai qu’à cet âge là, c’est important. -Quels sont vos objectifs à atteindre? -Un meilleur placement, au niveau du travail du placement du dos, une petite amélioration quand même, parce qu’on arrive presque au fin d’année, et je voudrais voir quand même s’il y a eu une amélioration . -Est-ce qu’il y a un rapport entre la dame blessée et l’objectif de cette séance. -Voilà, puisque surtout que c’est un problème que je rencontre chaque année. L’année dernière, i l y a eu une dame qui s’est blessé dans la séance, bêtement en faisant un exercice tout simple, perte d’équilibre, accroupie, elle est retombée sur ses fesses, et en retombant sur ses fesses, elle a voulu s’aider avec ses poignets, double fracture. C’est quelque chose de toute bête, mais c’est vrai qu’à cet âge là [...] 441 -Comment allez vous mettre en place la séance? -Comme d’habitude, spontanément, suivant le mouvement des personnes. -Et pour évaluer? -Par simple observation. Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce avant de commencer la troisième séance filmée -Qu’est -ce que vous allez faire aujourd’hui? -Du stechthing. Un nom anglo-saxon qui ne veut pas dire grand chose, on va exclusivement travailler sur les étirements. -Au sujet de votre dernière séance, est-ce que tout s’est passé selon vos prévisions? Est-ce que vous avez observé que certains exercices ou mouvements proposés ont provoqué certaines difficultés ? -Oui, comme d’habitude, il y a toujours des petits exercices qui ne sont pas réalisées comme je voudrais, mais c’est toujours comme ça depuis le début. -Pour quoi vous allez proposer du strechting aujourd’hui? -Parce que cela va me faire du bien à moi et je pense que ça va leur faire du bien à elles. -Ce sera la première fois que cette séance sera proposée? -Non, non, on en fait de temps en temps, justement pour ça reste à un stade d’initiation parce que le strechting quand on le pratique régulièrement, ça peut être un moment de relaxation , mais bon comme c’est. comme on en fait un petit peu de temps en temps ce n’est pas vraiment de la relaxation [...] et ça fait mal. Interview réalisée dans l'UTL-Rennes avec la responsable du cours de gym douce après les séances observées -Que pouvez -vous me dire au sujet de vos dernières séances? -Au niveau de l’évolution, globalement. Globalement satisfaisante, puisque j’ai remarqué qu’au début, quand vous êtes arrivé pour observer, je ne dirais pas une certaine tension, mais disons que les séances étaient peut être plus tendues au niveau de l’ambiance et puis au fur et à mesure, vous avez remarqué, que le groupe s’est détendu, voir la dernière séance, la prise, presque à la limite de la bonne humeur, de la rigolade. -Comment évaluez-vous si vos objectifs ont été atteints? -J’évalue toujours par observation. -Quels exercices ont produit le plus de difficultés? -Ce sont toujours les mêmes exercices, ce sont les exercices d’équilibre et les exercices de coordination. -Ces difficultés n’étaient pas prévues? -Si, elles étaient prévues, parce que depuis [...] un groupe, même le groupe de l’an dernier, connaissait les mêmes difficultés, donc je m’y attendais. -Imaginez-vous qu’il est possible avoir des progrès? -Oui, sur l’équilibre il y a eu du progrès, sur la coordination un peu moins, ça demande, peut être aussi plus de concentration, mais sur l’équilibre oui, il y a eu des progrès. -Est-ce qu’il y a d’autres points considérés faibles. -Le gros point faible du groupe c’est qu’ils sont trop dépendants. -C’est à dire... 442 -C’est à dire, si par exemple je ne leur montre pas, si je ne fais pas avec eux, si je ne pratique pas avec eux, je ne dirais pas qu’ils sont incapables , mais ils ont du mal à se prendre en main. -Qu’est ce qui se passe, est-ce qu’ils s’arrêtent? -Si je m’arrête ils s’arrêtent. Ça pourrait arriver si j’étais blessée, si j’avais un bras dans un plâtre, je ne sais pas comment, une main ou une jambe. Je me demanderais bien comment ils feraient. -Comment savez-vous qu’il y a du progrès dans le déroulement des séances? -Au départ, par exemple sur l’équilibre, j’observe surtout sur l’équilibre et la coordination. Sur l’équilibre, on commence par des exercices tout simples au début de l’année. Au début de l’année ça posait déjà des problèmes pour la majorité du groupe, puis, peu à peu on arrive, on a répété plusieurs fois ces mêmes exercices, petit à petit ils ont été plus ou moins réussis. Après, quand ils sont réussis, on passe à des exercices un peu plus difficiles, et au fur et à mesure on peut se rendre compte de l’évolution. -Vous avez parlé de strecthing, souplesse, équilibre, détente, coordination et créativité. Pouvez-vous me dire ce qui vous a amené à proposer ces objectifs? -J’essaie d’introduire dans la séance la plus grande diversité possible au niveau des acquis corporels. J’essaie de rechercher la plus grande qualité, j’essaie de me mettre aussi dans leur peau. Je sais qu’ils sont très demandeurs de loisirs, ils ont du temps, ils ont de l’argent, donc ils sont très exigeants, au niveau de la qualité de l’activité. -Quand vous préparez vos séances suivez-vous souvent les enseignements que vous avez appris à la fac, dans les livres ou dans votre pratique personnelle ou même dans un cours spécifique? -Je me sers beaucoup de ma pratique personnelle, je me remets sans arrêt en cause, j'en discute.. Bon, par l’observation que je peux faire à chaque séance, je me remets en cause avec le groupe. Je discute beaucoup pour savoir si ça leur convient ou si cela ne leur convient pas, ce que je dois changer, ce