luciano bairros da silva título do trabalho: do violino a rabeca

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luciano bairros da silva título do trabalho: do violino a rabeca
DO VIOLINO À RABECA:
IMPLICAÇÕES PARA UMA CLÍNICA PSICOLÓGICA NO SUS
Resumo: O artigo discute a clínica psicológica produzida no nível Primário de Atenção
à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Busca-se encontrar aproximações
possíveis entre a atuação clínica de profissionais psicólogos e as atuais orientações para
confecção da rede de Atenção Primária à Saúde (APS) às comunidades. Para isso são
utilizados relatos da prática de profissionais psicólogos inseridos na rede de APS de
Porto Alegre/RS. Cinco transversais são propostas, entendidas como intrínsecas e
possíveis, a uma atuação comprometida destes profissionais no SUS: a Educação
Permanente em Saúde (EPS) desenvolvida em núcleos de psicólogos inseridos na APS,
o cuidado com/na produção dos vínculos terapêuticos, a atenção à saúde mental
transversalizada nas equipes de profissionais da saúde, a efetivação da participação
popular na saúde e a atenção dos psicólogos às produções intersetoriais. Orientamos os
profissionais psicólogos inseridos na APS a fim de se implicarem de modo éticopolítico no seu fazer, comprometidos com os avanços do processo permanente de
construção do SUS e respondendo com ações de saúde humanizadas e adequadas às
necessidades da população.
Palavras-chave: Psicólogo. Atenção Primária à Saúde. Sistema Único de Saúde.
DO VIOLINO À RABECA:
IMPLICAÇÕES PARA UMA CLÍNICA PSICOLÓGICA NO SUS
Autor: Luciano Bairros da Silva
Professora Orientadora: Liane Pessin
Professoras da Banca Examinadora: Vera Pasini e Liane Pessin
1 INTRODUÇÃO
No final da década de 80, o Estado brasileiro já havia experimentado diversas
formas organizacionais de prestação de serviços em saúde, mas todas mantinham em
comum duas características: a) política de prestação de serviços em saúde realizados
mediante contribuição financeira de seus usuários associados; nisso a garantia de saúde
apenas a cidadãos que tivessem renda ou emprego registrado e b) política de
atendimentos, em sua grande maioria, quase que exclusivamente, realizados por
profissionais médicos e em grandes complexos de saúde ou hospitais (ALMEIDA;
CHIORO; ZIONI, 2001).
A Constituição Federal do Brasil, de 1988, estabelece um novo direcionamento
para as políticas públicas de saúde, afirmando que “saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Esse ato constitucional
garante como direito dos cidadãos a ampla cobertura da atenção à saúde, o acesso
igualitário e a participação da comunidade no Sistema Único de Saúde e assegura a
prioridade às ações de promoção e prevenção não consideradas até então. Em 1990,
com a Lei n. 8.080 (BRASIL, 1990), ampliam-se as normatizações do Sistema Único de
Saúde (SUS), estabelecem-se maiores responsabilidades aos estados e municípios e são
reafirmados os princípios e diretrizes do SUS da integralidade, da universalidade, da
eqüidade e do controle social.
“A seção de saúde da Constituição Federal e as Leis n. 8.080 e 8.142 de 1990
constituem as bases jurídicas, constitucionais e infraconstitucionais, do SUS” (BRASIL,
2006a, p.26). O Estado, portanto, deve substituir políticas individualizantes vigentes na
época, enquanto serviços de recuperação da saúde e de atenção médica, por um novo
paradigma agora coletivo, integrado e que privilegie ações em saúde, sendo estas toda e
qualquer ação que garanta aos indivíduos e à coletividade condições de bem-estar físico,
mental e social (BRASIL, 1990).
Com o redirecionamento das políticas de saúde no país, os profissionais
psicólogos passam também a fazer parte desse repertório de recursos em saúde chamado
SUS. Os profissionais psicólogos – tendo como responsabilidade a promoção do
respeito à dignidade e à integridade do ser humano – são reconhecidos junto ao
Conselho Nacional de Saúde (CNS) como profissionais de saúde de nível superior
(BRASIL, 1997). No que confere às atribuições profissionais do psicólogo no Brasil, o
“Psicólogo Clínico” é considerado como aquele que atua “na área específica de saúde”
(BRASIL, 2006b). Frente a esse lugar priorizado pela União Federal e entidades
representativas, nos pomos a discutir o que tem produzido essa relação entre psicologia
e SUS. Nosso artigo trata, num primeiro momento, de visitar algumas publicações
referentes à temática formação de psicologia e SUS e ainda de cartografar algumas
problemáticas da prática psi levantadas pelos autores, não deixando de apontar avanços
pertinentes nesse espaço do fazer saúde. Em seguida, contribuindo na relação entre
psicologia e SUS, de uma forma clara e mais reflexiva, discutiremos possíveis
atravessamentos que ocorrem na confecção da clínica, que se proponha comprometida,
feita por profissionais psicólogos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
2 A PSICOLOGIA E O SUS
Temos a intenção de percorrer a rede de relações possíveis entre a psicologia e
SUS. Discutiremos o material produzido por alguns autores, dizendo dos
tensionamentos provocados no encontro dos psicólogos com as políticas públicas de
saúde. Em seguida, tomamos o curso das atuais orientações sobre a confecção dos
serviços de atenção primária à saúde e da presença de psicólogos nesse nível de atenção.
2.1 BREVES NOTAS SOBRE A FORMAÇÃO, A CLÍNICA E A ATUAÇÃO
Iniciamos com a afirmativa de que os currículos acadêmicos da psicologia, em
grande maioria, não primam por uma formação generalista. Segundo Jefferson
Bernardes (2006), a formação esteve sempre marcada por uma “retórica técnicocientífica”, numa tentativa de garantir à psicologia o paralelo de identificação com as
correntes científicas positivistas. Em ressonância a essa “retórica técnico-científica” e
por tomadas de “estratégias e lógicas neoliberais”, numa adequação da interface ensinomercado, os currículos passam a ser organizados conforme o que conhecemos como
Psicologia Aplicada, a qual colaborou fortemente na criação de distinções de áreas
(teóricas e práticas) como, por exemplo: Psicologia Clínica, Psicologia Escolar,
Psicologia Jurídica, Psicologia Organizacional e demais. A formação passa a ser
orientada nesse formato, dificultando interlocuções entre as disciplinas, essas tomadas
como área de conhecimento e atuação específicos consolidando-se o tecnicismo, as
especializações e fragmentações no percurso formativo de psicologia.
Nesse momento já podemos nos perguntar o que uma formação fragmentada,
tecnicista e individualizante pode significar na atuação de psicólogos que necessitarão
estar em contato permanente com profissionais de diversas áreas do conhecimento.
Além disso, é necessário observar que o SUS ainda não recebeu espaço, tempo e
atenção suficiente nos currículos acadêmicos de psicologia (HOENISCH, 2004; LIMA,
2005; BERNARDES, 2006).
Júlio César Hoenisch e Neila Pezzi realizaram um significativo estudo
exploratório com psicólogos que trabalhavam em Unidades Básicas de Saúde (UBS), no
Rio Grande do Sul (RS). No trabalho foi possível observar a fragilidade de
conhecimento dos profissionais sobre o projeto político-operacional do SUS e sobre os
direitos dos usuários, o que promovia o discurso comum da dificuldade, ou mesmo,
inviabilidade de implementação do SUS (HOENISCH, 2004). Ou seja, a pesquisa
demonstrou que os psicólogos desconheciam ou tinham pouco conhecimento dos
princípios e das diretrizes que norteiam o fazer no SUS, seja o fazer do gestor, o fazer
do profissional ou o fazer do controle social.
Magda Dimenstein (2001) apontou, o destaque que psicólogos em UBS
reservam para o atendimento clínico individualizado/psicoterapia. Essa tarefa, do
atendimento clínico individualizado/psicoterapia, é tomada pelos psicólogos como um
diferencial em relação aos demais colegas de trabalho e assume lugar de destaque no
seu fazer nas unidades. Enfatiza a crença da categoria profissional nas teorias e técnicas
acumuladas durante a formação, o que os faz tratar a noção de comprometimento social
como o simples cumprimento das tarefas que representam a identidade clássica do
psicólogo na saúde, a clínica individual.
Seguindo a linha do descomprometimento social, Leandro Walter (2007), em
trabalho recente, demonstrou que alguns psicólogos inseridos na Estratégia Saúde da
Família (ESF) faziam uso deste lugar para garantir o que conhecemos como fazer o pé
de meia ou, também, usar do cargo como mote de auto-promoção profissional, com o
intuito de consolidar uma clientela para própria clínica particular ou, ainda, utilizá-lo
como local de aquisição de conhecimento prático após a formatura. Nos três sentidos,
com ênfase nos dois primeiros, os psicólogos entrevistados tomavam o seu cargo no
SUS como um lugar de passagem, temporário, sem o mínimo de comprometimento
assumido.
Seguindo especialmente os trabalhos de Hoenisch (2004) e Dimenstein (2006),
tomamos basicamente duas tópicas problemáticas do fazer psi no SUS, ambos
originados nos paradigmas dominantes nos currículos. A primeira problemática é de um
fazer guiado pelas ciências biomédicas orientadas pelo foco no problema do sujeito, ou
seja, o foco na doença. González Rey, em 1997, apontava que a literatura psicológica
estava centrada nas produções a respeito dos problemas das doenças e desconsiderando
elaborações teóricas a respeito do conceito de saúde. O autor propunha uma guinada nas
produções, abandonando as definições que tomassem o conceito de saúde no sentido de
uma normalidade ou ausência de sintomas. Seguindo a linha do “estar saudável é estar
sem doenças”, Hoenisch (2004, p.32) refere que isso indubitavelmente ocasiona uma
psicologia clínica prescritiva, descritiva e domesticadora de subjetividades.
A segunda problemática encontra-se no fazer guiado pela matriz psicanalítica,
seja qual for a escola de orientação (Freudiana, Lacaniana, Winniccotiana e demais), ou
seja, o mesmo profissional que a Mônica Lima (2005) referiu-se, ou nomeou, como
sujeito de uma “fusão identitária psicólogo-psicanalista” (p.434). Nesse sentido, as
fragilidades são apontadas na constatação de crenças, por parte deste profissional
psicólogo-psicanalista, como a necessidade de setting específico (a título de exemplo
lembremos da representação social do divã, tomado como dispositivo fundamental para
o exercício da psicanálise), e na necessidade de realização do acompanhamento
individual, conforme Hoenisch (2004) exigências essas espelhadas na tradicional clínica
de atendimento privado. Rogério Lerner (2006), em pesquisa realizada com
profissionais Agentes de Saúde Mental, encontrou nestes um imaginário recorrente de
confinamento atribuído a prática da psicanálise. Confinamento referente ao seu arsenal
teórico, métodos de consultório e supervisão clínica distante ou dissociada de uma
prática possível dentro dos serviços de saúde. Os sujeitos sugeriam que as orientações
clínicas referidas pela teoria psicanalítica se dão de forma completa e acabada,
dissonantes com os vários possíveis de um fazer nesses locais.
Neste breve levantamento teórico colocam-se algumas problemáticas atuais da
relação psicologia e SUS, e as quais elencamos da seguinte forma: a) o
desconhecimento ou, de maneira mais radical, o desprezo por parte dos profissionais
referente às políticas de orientação do SUS, na medida em que o SUS tem sido
associado a um sistema de saúde para pobres ou atenção de segunda categoria e desta
maneira o trabalhador de saúde também é um sujeito de segunda categoria; b) a
utilização de um paradigma de saúde-doença normatizante, em desconsideração às
produções atuais e orientações das leis do SUS (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990) de um
conceito ampliado de saúde; c) as práticas regidas, de modo restrito, por orientações
teóricas em descompasso com as equipes, com a rede de serviços de saúde e/ou com as
necessidades da população.
Apesar destas problemáticas persistirem na atuação de psicólogos trabalhadores,
dos mais diversos setores do SUS, também existem produções que propõem avanços no
que confere pensar a psicologia contribuindo com a política pública de atenção à saúde
no Brasil. Seguiremos na mesma problematização aberta por Regina Benevides (2005,
p.21) alertando a emergência, enquanto profissionais psicólogos, de desenvolvermos os
marcos do “que podemos, o que queremos e, principalmente, como fazemos para
contribuir” com o SUS e com a saúde em seus amplos atravessamentos.
Somam-se apostas na tentativa de adoção de novos paradigmas para clínica, para
o sujeito e para a saúde. O comum nessa nova conjuntura de forças é o exercício do
fazer psi orientado por um paradigma não mais dicotomizante. Nesse sentido, Eduardo
Passos e Regina Benevides de Barros (2000) são categóricos em produzir uma ação de
rompimento com os tradicionais paradigmas que se sustentam a partir da idéia de
unidade, por um outro paradigma, a saber, o paradigma da relação. O que eles nos
propõem e nos dizem é que “romper com as dicotomias sujeito-objeto, indivíduosociedade, natureza-cultura implicaria a constituição de planos onde, ao mesmo tempo,
sujeitos-objetos adviriam. Neste caso, o que vem primeiro é a relação, esta sim
constituidora dos termos” (BENEVIDES, p.74). Assim, os sujeitos são produtos ou
resultados das suas relações com o mundo, com as pessoas, com os serviços de saúde,
com os próprios psicólogos. Esses sujeitos estão em constante movimento, sempre
ativos em sua constituição no mundo.
Nesse conjunto de sentidos encontramos mapeados psicólogos implicados e
comprometidos com o seu fazer (BENEVIDES, 2005; DIMENSTEIN, 2006), mais do
que simplesmente inscritos por uma ou outra corrente teórica. São implicados, pois
consideram os processos de produção do fazer em dois movimentos simultâneos:
sofrem influências, ou atravessamentos, ao mesmo tempo que influenciam cada
acontecimento, cada fato de realidade. E são comprometidos por sentirem-se
responsáveis pelos agenciamentos que produzem no campo social. Agenciamentos do
desejo constituidores da realidade do mundo, das pessoas e, cabe sugerir aqui, da
própria realidade da clínica.
Enquanto características do profissional psi no SUS, uma aposta que se mostra
potente é da atuação enquanto agente intercessor (PASSOS; BARROS, 2000;
DIMENSTEIN, 2006). O intercessor, agente provocador de instabilidades no real, de
desterritorializações dos universos de consistência, abre brechas, hiatos de tempo para
novas maquinações do desejo, para novas produções de realidade. O intercessor psi no
SUS inaugura uma clínica que critica os limites de cada disciplina, critica os universos
de consistência, os pontos de fixação e provoca relações de perturbação, de
desestabilidade, de incertezas.
O que existe, o que ganha existência é produto, ou corporeidade, resultante de
conjunções de forças, de maquinações do desejo, de consistência de relações – sejam
essas relações humanas ou não humanas. Esse novo platô ou plano teórico que estamos
tentando constituir exige-nos uma outra ótica, uma outra conceituação e com certeza a
construção de novas ferramentas para o fazer psi. Gilles Deleuze citando uma pergunta
de Félix Guattari, publicada no jornal francês Le Monde, diz: “por que não pensar que
um novo tipo de revolução está se tornando possível”? (DELEUZE; PARNET, 1998,
p.170, grifo dos autores). E diríamos, por que não pensar que uma revolução no plano
da clínica psi está se tornando possível? Dispor-se a essa perspectiva significa exercitar
um ser em processo, um existir agenciador de saúde,1 pertencente a um palco móvel, o
SUS, sempre a ser desenvolvido e sem limiares fixos.
2.2 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Luiz Andrade, Ivana Bueno e Roberto Bezerra (2006), em recente publicação,
demonstraram que, desde a segunda década do século passado, alguns conceitos como
Distrito Sanitário e Centro de Saúde apontavam a necessidade da criação de políticas
específicas para a atenção à saúde a nível primário. Mas é somente a partir de 1978, na
1
Um agenciamento produz sempre novas realidades, torna consciente algo que não era conhecido e abre
brechas para composição de outras singularidades. “O que chamamos de agenciamento é precisamente
uma multiplicidade” (DELEUZE; PARNET, 1998, p.153).
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Atá na antiga
União Soviética (URSS), que a atenção primária à saúde (APS) vai ganhar relevância
mundial.
Na Introdução da Declaração de Alma-Atá afirmou-se que a APS era chave
para alcançar em todo o mundo em um futuro previsível um nível aceitável
de saúde, que fizesse parte do desenvolvimento social e se inspirasse em um
espírito de justiça. [...] A APS seria igualmente válida para todos os países,
desde os mais desenvolvidos até os de menor desenvolvimento, embora
pudesse adotar diversos formatos segundo as diferenças políticas,
econômicas, sociais e culturais (ANDRADE; BUENO; BEZERRA, p.784).
A APS passa a ser uma orientação mundial de organização dos sistemas de
saúde produzindo uma inversão no modelo hegemônico da época, utilizado na maioria
dos países, de ações em saúde curativas, fragmentadas e centradas nos profissionais
médicos. O conceito de APS, considerado um dos mais completos, afirma ser uma:
Estratégia flexível, caracterizada através de um primeiro contato entre
pacientes e equipe de saúde, que garante uma atenção integral oportuna e
sistemática em um processo contínuo; sustentada por recursos humanos
cientificamente qualificados e capacitados; a um custo adequado e
sustentável, que transcende o campo sanitário e inclui outros setores;
organiza em coordenação com a comunidade e concatena com os demais
níveis da rede sanitária, para proteger, restaurar e reabilitar a saúde dos
indivíduos, das famílias, e da comunidade, em um processo conjunto de
produção social de saúde – mediante um pacto social – que inclui os aspectos
biopsicossociais e do meio ambiente; e que não discrimina a nenhum grupo
humano por sua condição econômica, sociocultural, de raça ou sexo (LAGO;
CRUZ, 2001 apud ANDRADE; BUENO; BEZERRA, 2006, p.787).
No ano de 2005, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) juntamente a
Organização Mundial da Saúde (OMS) (2005) elaboraram um documento chamado de
Renovação da Atenção Primária à Saúde nas Américas,2 resultado de um grande levante
que buscava “obter ganhos de saúde sustentáveis para todos.” Finalizado próximo ao
jubileu da Declaração de Alma-Atá, esse documento apresenta diversas experiências de
sucesso da APS na melhora da saúde das populações, bem como reafirma a prioridade
da adoção da APS como política viável e atraente, como organizadora dos sistemas de
saúde e potencializadora dos mesmos.
Definimos um sistema de saúde com base na APS como uma abordagem
abrangente da organização e da operação de sistemas de saúde, a qual faz do
direito ao mais alto nível possível de saúde sua principal meta, enquanto
maximiza a eqüidade e a solidariedade. Tal sistema é guiado pelos princípios
da APS de receptividade, orientação de qualidade, responsabilização
governamental,
justiça
social,
sustentabilidade,
participação
e
intersetorialidade (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).
Garantir o direito de saúde, ao mais alto nível possível, exige de gestores e
profissionais um olhar e uma escuta atentos às necessidades das pessoas e comunidades
para projetarem ações adequadas e equânimes às realidades locais. E sendo um direito
permite aos cidadãos a reivindicação quando, a quem couber a obrigação, não cumprir
com as responsabilidades. Maximizar a eqüidade demonstra interesse em validar o
exercício de reivindicação da saúde respondendo a essas, num esforço de minimizar as
iniqüidades em saúde. Todos esses movimentos coletivos, com intuito maior do bem
comum, exigem de governantes, gestores, profissionais e usuários uma atitude de
solidariedade social.
2
Esse documento cumpre uma resolução do 44º Conselho Diretor da OPAS realizado em 2003 e é o
resultado do material produzido por um Grupo de Trabalho em APS – numa parceria OPAS/OMS – que
tinha a função de “criar uma visão revigorada da estratégia de APS” condizente com os desafios e as
Metas do Novo Milênio, em 2004. A OPAS fez a revisão preliminar da redação, após os Países-Membros
e, finalmente, a conclusão final durante a “Consulta Regional sobre a Renovação da APS nas Américas”
realizada em julho de 2005, no Uruguai (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005).
Um sistema de saúde com base na APS é composto por um conjunto central
de elementos funcionais e estruturais que garantem a cobertura e o acesso
universal a serviços aceitáveis à população que aumentam a eqüidade.
Oferece cuidados abrangentes, integrados e apropriados com o tempo,
enfatiza a prevenção e a promoção e assegura o cuidado no primeiro
atendimento. As famílias e as comunidades são sua base de planejamento e
ação. Um sistema de saúde com base na APS requer uma sólida fundação
legal, institucional e organizacional, bem como recursos humanos,
financeiros e tecnológicos adequados e sustentáveis. Adota práticas de
gerenciamento otimizado em todos os níveis para alcançar qualidade,
eficiência e eficácia, e desenvolve mecanismos ativos para maximizar a
participação individual e coletiva em saúde. Um sistema de saúde com base
na APS desenvolve ações intersetoriais para abordar outros determinantes de
saúde e eqüidade (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).
No Brasil, o conjunto de ações em APS é definido pelo Ministério da Saúde
(MS) como rede de Atenção Básica de Saúde: “Constitui o primeiro nível de atenção à
saúde, de acordo com o modelo adotado pelo SUS. [...] A responsabilidade pela oferta
de serviços de atenção básica à saúde é da gestão municipal, sendo o financiamento para
as ações básicas à saúde de responsabilidade das três esferas de governo” (BRASIL,
2004).
2.3 PROFISSIONAIS PSICÓLOGOS NA ATENÇÃO BÁSICA DE SAÚDE
O Ministério da Saúde atualmente vem fortalecendo práticas na Atenção Básica
de Saúde que incluam a atenção à subjetividade dos usuários e priorizem os agravos
mais freqüentes em saúde mental. As diretrizes do MS, quanto ao trabalho no primeiro
nível de atenção, seguem “obedecendo ao modelo de redes de cuidado de base territorial
e buscando o estabelecimento de vínculos e acolhimento” (BRASIL, 2005).
Conforme as últimas orientações internacionais em APS, os recursos humanos
de saúde devem ser pensados de acordo com as necessidades locais, com garantia a
constituição de equipes multiprofissionais. Substitui-se a noção de “tipos específicos de
pessoal de saúde, considerando que as equipes que trabalham em APS devem ser
definidas em conformidade com os recursos disponíveis, as preferências culturais e as
evidências”
em
saúde
(ORGANIZAÇÃO
PAN-AMERICANA
DA
SAÚDE;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).
Em estudo recente e inédito no país sobre a inserção de psicólogos em serviços
de saúde vinculados ao SUS, Mary Jane Paris Spink et al (2007) encontraram dados
indicando o maior número de profissionais psicólogos atuando em Centros de
Saúde/Unidades Básicas de Saúde (UBS) em relação a outros estabelecimentos de saúde
do Sistema, se comparado: o percentual de estabelecimentos com psicólogos por tipo de
serviço (39%); e o percentual de psicólogos por tipo de estabelecimento de saúde (30%)
(p.61-63). Os achados também indicavam a porcentagem maior de psicólogos em
Centros de Saúde/UBS concentrados na região Sul do país (40%), acima da média
nacional (30%).
Com a informação de que os profissionais psicólogos atuando no SUS
concentram-se em sua grande maioria em Centros de Saúde/UBS, desenvolvemos uma
tabela com dados também referentes a estes profissionais, porém explorando números
apenas nas capitais do país (Tabela 1). As capitais com maior número de profissionais
atuando em Centros de Saúde/UBS são: São Paulo/SP (216), Rio e Janeiro/RJ (138),
Belo Horizonte/MS (92), Porto Alegre/RS (70) e Natal/RN (53). As capitais da região
sudeste despontam com o maior número de psicólogos contratados (475).
Tabela 1 – Capitais do Brasil, número de Centro de
Saúde/UBS, número de Psicólogos em Centro de Saúde/UBS,
coeficiente de Psicólogos em Centro de Saúde/UBS,*
julho/2007.**
Capitais
N
Porto Velho
Rio Branco
Manaus
Boa Vista
Belém
Macapá
Palmas
NE
Centro de
Saúde/UBS
Psicólogos em
Centro de
Saúde/UBS
33
74
235
76
72
18
37
5
9
25
6
22
1
3
Coeficiente
1,29
2,79
1,44
2,33
1,52
0,26
1,28
São Luís
57
11
1,08
Teresina
75
2
0,25
Fortaleza
90
3
0,12
Natal
73
53
6,61
João Pessoa
208
31
4,54
Recife
147
12
0,78
Maceió
58
28
2,97
Aracaju
51
13
2,54
Salvador
121
37
1,34
SE
Belo Horizonte
145
92
3,79
Vitória
29
29
9,04
Rio de Janeiro
150
138
2,23
São Paulo
417
216
1,95
S
Curitiba
115
33
1,81
Florianópolis
48
23
5,53
Porto Alegre
163
70
4,82
CO
Campo Grande
55
15
1,92
Cuiabá
78
8
1,45
Goiânia
96
34
2,74
Brasília
131
30
1,23
* Por 100 mil habitantes.
** Período escolhido para acompanhar a projeção populacional do
IBGE que confere ao dia 1º de julho de cada ano.
Fonte: DATASUS/MS
Comparando o número de profissionais psicólogos nas capitais do país, atuando
em Centros de Saúde/UBS com a população destas cidades, encontramos os maiores
coeficientes em: Vitória/ES (9,04), Natal/RN (6,61), Florianópolis/SC (5,53), Porto
Alegre/RS (4,82) e João Pessoa/PB (4,54). A capital Fortaleza/CE (0,12) expressa o
menor coeficiente.
Observa-se a maior concentração de psicólogos trabalhando no SUS no nível de
atenção primária, se comparado aos outros níveis de atenção (média e alta
complexidade), mas comparados ao número de usuários, às populações locais, podemos
sugerir que são ainda exíguos. Assim como, são insuficientes os trabalhos científicos
que ensaiam novas produções de conhecimento neste nível de atenção.
A pouca produção voltada para a atenção primária nos indica que a
contribuição da Psicologia para esse campo tem sido frágil, talvez por ser o
nível de atenção no SUS onde coloca mais claramente a necessidade de
revisarmos nossas estratégias de intervenção e modelos teóricos, e questione
mais diretamente atuação e clínica psicológica (DIMENSTEIN; MACEDO,
2007, p.224, grifo dos autores).
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Associação Brasileira de Ensino de
Psicologia (ABEP) têm buscado fomentar discussões e incentivar a produção de
diálogos entre psicologia e SUS,3 mas isso não tem sido suficiente. Novas produções
devem ser propostas acompanhando a psicologia e o SUS nos processos de formação,
atuação e clínica.
3
O Sistema Conselhos de Psicologia escolheu 2006 como o “Ano da Saúde” tendo sido planejados fóruns
em cada Conselho Regional durante o mesmo ano e que culminavam no “I Fórum Nacional de Psicologia
e Saúde Pública: contribuições técnicas e políticas para avançar o SUS” realizado em Brasília nos dias 20,
21 e 22 de outubro de 2006. Para o mesmo Fórum foi preparado um caderno com textos que “emolduram
a compreensão acerca das dificuldades e desafios colocados para a transformação das práticas
profissionais no seu interior” (Disponível em: <http://www.pol.org.br/saudepublica/?op=cartilha>.
Acesso em: 16 jun. 2008). Outra publicação recente na temática Psicologia e SUS é resultado de uma
pesquisa realizada para ABEP em Acordo de Cooperação entre esta, o Ministério da Saúde e a
Organização Pan-Americana de Saúde (SPINK; BERNARDES; MENEGON, 2006).
3 BUSCANDO A SONORIDADE DA RABECA
Retomando o propósito deste artigo que é pensar as aproximações entre a
psicologia, como área de conhecimento, e o SUS sugerimos uma metáfora para contar
dos processos que pretendemos falar e visualizar ao leitor. Para dizermos disso
utilizaremos de dois instrumentos musicais: o violino e a rabeca. O violino é um
instrumento de cordas, que quando tocado produz uma sonoridade que envolve de modo
intenso nosso ouvido. Esse instrumento é freqüentemente utilizado em apresentações ao
público, acompanhado de orquestras e em espaços reservados. Rabeca, ou rebeca, como
também é chamada, tem o timbre sonoro mais baixo que o do violino, mas que lhe é
característico, facilmente reconhecido. Enquanto o violino é restrito via de regra a um
público reservado, seleto e com apresentações em ambientes de mesmas características,
a rabeca, por sua vez, é administrada como instrumento da cultura popular local.
Atualmente, é utilizada com freqüência por músicos e amadores nas manifestações
populares no centro-oeste, no norte e é típica da musicalidade da cultura nordestina,
presente nas apresentações em praça pública e produzindo uma sonoridade identificada
com as culturas locais, no Brasil. Ao contrário do violino, a rabeca se despoja de
qualquer personalidade prévia para recompor-se junto a localidade, a cultura e a
população que esteja investida naquele momento.
Buscamos sonoridades menores que possam contar sobre a tarefa do exercício de
psicólogos em UBS. Primamos pelo encontro de instrumentos para a clínica psi que
sejam congruentes com a política nacional de saúde pública. Em outras palavras,
instigamos o encontro das implicações transversais à construção de uma clínica
psicológica, uma atuação de profissionais psicólogos comprometida com o SUS e
adequada às necessidades da população. Como a rabeca que, a cada novo território,
dialoga com a cultura regional, nosso interesse é encontrar instrumentos que permitam
aos psicólogos potencializar sua atuação na UBS que ele esteja inserido e na produção
de vida dos usuários e dos profissionais de saúde.
A fim de alcançarmos nosso objetivo, relataremos a experiência compartilhada
por psicólogos (contratados, residentes e graduandos) atuantes em 12 Unidades Básicas
de Saúde,4 pertencentes à rede de APS do município de Porto Alegre/RS – capital. É a
4
Cotidianamente os profissionais referem-se aos serviços chamando-os de Unidades de Atenção
Primária à Saúde ou simplesmente de Unidades de Saúde. Superando a perspectiva teórica-ideológica e
cidade com maior população no Estado, estimada em 1.453.076 habitantes (Fonte:
IBGE, 2007). O município é composto oficialmente por 78 bairros compreendidos em
sua área territorial total de 476,30Km². As 12 unidades referidas localizam-se no lado
norte da cidade e estão espalhadas em três Distritos Sanitários: a)Norte/EixoBaltazar;
b)Noroeste/Humaitá/Ilhas; e c)Leste/Nordeste.5 De modo organizacional, as unidades
estão submetidas a uma gerência maior de uma empresa constituída sob a forma de
Sociedade Anônima, em que a União Federal possui a maior parte das ações. Todo e
qualquer atendimento é realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em comparação
às demais UBS do município, podemos dizer que estas dispõem de uma melhor infraestrutura para o trabalho (imóvel, mobília, informática – hard/software – etc.).
Caracterizam-se ainda por serem serviços-escolas com profissionais cursando residência
em saúde – Residência Integrada em Saúde (RIS) e Residência Médica (RM), com foco
em Saúde da Família e Comunidade – e graduandos compondo as equipes.
Todas as unidades são compostas por equipe multidisciplinar, com profissionais
das áreas de enfermagem, medicina, psicologia, serviço social, técnicos administrativos
e algumas dispõem também de odontólogos e agentes comunitários de saúde no serviço.
Em cada uma das unidades há um profissional psicólogo compondo a equipe, mas
algumas não têm psicólogos em formação na RIS, como também não há graduandos
estagiários em todas elas.
3.1 FERRAMENTAS: TOADAS DO NÚCLEO DE PSICOLOGIA
A equipe de profissionais de psicologia (contratados, residentes e graduandos)
das 12 UBS encontram-se semanalmente na chamada reunião de núcleo da psicologia,6
durante duas horas, para estudo teórico e troca de experiências. No momento de
para fins de adequação com a regulamentação atual do Ministério da Saúde neste trabalho estarei
utilizando, para referir-me as 12 unidades de serviço de atenção primária à saúde, a nomenclatura oficial
vigente para o âmbito nacional de Unidades Básicas de Saúde (UBS).
5
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre é composta por oito Gerências Distritais: a) Norte/
Eixo Baltazar; b) Noroeste/ Humaitá/ Ilhas; c) Leste/ Nordeste; d) Partenon/ Lomba Pinheiro; e) Centro;
f) Glória/ Cruzeiro/ Cristal; g) Sul/ Centro Sul; h) Restinga/ Extremo Sul.
6
“O núcleo demarcaria a identidade de uma área de saber e de prática profissional; e o campo, um espaço
de limites imprecisos onde cada disciplina e profissão buscariam em outras apoio para cumprir suas
tarefas teóricas e práticas” (CAMPOS, 2000 apud CAMPOS, 2000).
construção desse relato de experiência o núcleo de psicologia estava composto por: 12
profissionais contratados, 7 profissionais residentes e 8 estagiários.
As reuniões de núcleo têm intuito formativo, buscando estar sempre em sintonia
com o programa da RIS desenvolvido pelo serviço. As reuniões seguem um
planejamento anual (dias, temáticas, coordenador ou painelista, material teórico de
referência ou a ser produzido, avaliação dos processos), mas aberto a reordenações e
adequações conforme, no percurso, o grupo avalie a necessidade.
Foi exatamente uma reordenação das intensidades do grupo que possibilitou uma
brecha no cronograma, para exposição de relatos e discussão sobre o que cada
profissional vinha fazendo enquanto prática psi – acesso, acolhimento, atendimentos,
matriciamento etc. – em sua unidade, equipe e território de trabalho. Ocorreram dois
encontros consecutivos, onde cada psicólogo teve tempo para apresentar o trabalho que
realizava e podendo, junto aos demais presentes, explorar mais conhecimento, crítica e
comparações quanto às atuações de cada profissional.
Ainda que todas as 12 unidades estivessem circunscritas à mesma cidade,
organização e gerência, nestas duas oportunidades se pôde visualizar as peculiaridades
que existiam na construção do fluxo dos atendimentos psicológicos dos usuários em
cada serviço. Na consolidação dos fluxos, prevaleciam como determinantes as
características de cada população, do território, do nível de integração da equipe
multiprofissional e seu interesse com a temática saúde mental e, em especial, o modo de
comprometimento assumido por cada psicólogo na sua unidade.
Do material apresentado e discutido, três Unidades Básicas de Saúde ganharam
aqui destaque especial. A escolha se deu a partir do encontro de três sentidos que elas se
encontravam referenciadas. Primeiramente, foram escolhidas por apresentarem formas
diferentes de pensar e produzir fluxo, demanda, integralidade e clínica psicológica
demonstrando o diferencial existente no fazer de cada profissional psicólogo nas UBS.
Em segundo lugar, por serem três unidades onde inovações na tecnologia do cuidado
das comunidades eram desenvolvidas em acordo com um conceito amplo de saúde
pensado enquanto processo. E finalmente, por cada uma destas unidades terem em sua
equipe um profissional psicólogo comprometido com a participação da comunidade
investida, com as relações na equipe de trabalho e com o processo contínuo de ensinoaprendizagem nas ações cotidianas nas unidades. Estes sentidos nos parecem de
fundamental valor na construção de uma clínica psicológica implicada com a proposta
política do SUS.
Antes da última redação, este trabalho foi disponibilizado para os participantes
do núcleo de psicologia, por considerá-los agentes fundamentais na inauguração do
registro, com o intuito de poderem ler, refletir e avaliar a produção escrita. Um
momento presencial foi planejado para que os interessados pudessem discutir e
argumentar com os autores, bem como se possibilitou que enviassem respostas
virtualmente, aos que assim preferissem. Todo esse material foi tomado na construção
final do presente relato de experiência.
4 RELATOS DE EXPERIÊNCIA (OU O CORPO SONORO)
Escolhidas as três UBS, preparamos pequenos textos, a partir dos relatos
colhidos nas reuniões de núcleo, contemplando as principais características que foram
apresentadas e discutidas sobre cada uma delas. Antes, é importante frisar que a
situação da atenção em saúde mental no município encontrava-se desestruturada. O
Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS (CMS) tem constituída uma
Comissão de Saúde Mental (CSM), com a atribuição de monitorar o funcionamento, a
efetividade e os resultados alcançados pela Rede de Serviços de Saúde Mental em Porto
Alegre. A CSM, durante o ano de 2007 e os primeiros meses de 2008, tem apresentado
insistentemente à população dados que demonstram a fragilidade que constitui a rede de
serviços de Saúde Mental de Porto Alegre e o atraso em políticas que priorizam a
criação e estruturação de uma rede efetiva de serviços substitutivos.
7
Uma mostra
significativa das fraturas na composição da rede de serviços em saúde mental foi
apresentada em reunião-plenária no CMS dia 17 de julho de 2007. A Tabela 2 foi
desenvolvida pela CSM com intuito de mostrar os serviços substitutivos existentes, até a
referida data, que compõem a rede de serviços de saúde mental, conforme
7
Urgências na gestão da política local de saúde foram levadas a público pelo CMS em Carta Aberta,
amplamente divulgada e convidando a população para uma Audiência Pública sobre as Políticas Públicas
de Atenção à Saúde Mental em Porto Alegre, realizada em maio de 2008. Na época, o Conselho apontava
o descaso e o autoritarismo com que o gestor municipal lidava com a situação. “Por quatro vezes
consecutivas o Conselho Municipal de Saúde reprovou os Relatórios Trimestrais de Gestão, por entender
que os rumos da saúde em Porto Alegre precisam urgentemente de um redirecionamento” (Fonte:
CMS/POA, 2008). Na ocasião, diversos problemas no gerenciamento público da saúde no município
avolumavam-se: o fechamento por falta de condições de funcionamento durante 23 dias consecutivos da
única referência em emergência psiquiátrica do município; recentemente o Programa de Saúde da Família
havia sofrido demissão em massa de 600 profissionais quando houve o cancelamento de uma concessão
do serviço, substituída por uma nova contratação de uma empresa de outro estado e sem tradição na área
de saúde; o sucateamento de alguns hospitais do município; desmonte de políticas prioritárias como
Saúde Mental; recursos do Fundo Municipal de Saúde que não estavam sendo investidos, acumulando
dívidas; dentre outros problemas.
pertencimento nos oito Distritos Sanitários do município. As células vazias na Tabela 2
indicam a não cobertura do serviço indicado na Linha, no Distrito Sanitário
correspondente na Coluna.
Freqüentemente, as UBS encontram dificuldades para realizar encaminhamentos
a serviços especializados ou internações, visto o número exíguo de serviços se
comparado ao número de habitantes. Os profissionais psicólogos, trabalhadores do nível
primário de atenção à saúde de Porto Alegre, muitas vezes têm de serem inventivos para
acolherem minimamente demandas que exigiriam atenção de outros níveis.
Tabela 2 – Serviços substitutivos da rede de atenção à saúde mental, Distritos Sanitários, julho/2007,
Porto Alegre/RS.
Norte/ Noroeste/
Partenon/
Glória/
Sul/
Restinga/
Eixo
Humaitá/
Leste/
Lomba
Cruzeiro/ Centro Extremo
Baltazar
Ilhas
Nordeste Pinheiro Centro
Cristal
Sul
Sul
183.750
179.610
147.441
176.613 266.896 145.278 477.572
83.430
População
Equipe
1
1
1
Interconsulta
Equipe SM*
1
1
(Adulto)
Equipe SM*
(Inf./Adol.)
CAPS i
CAPS II
1
CAPS ad
1**
CAPS III
Moradias
Oficinas de
Trabalho
Pronto
Atendimento
* SM lê-se Saúde Mental.
** CAPS AD atende a três (3) Distritos Sanitários.
*** Existem 6 casas.
1
2
1
1
1
2
2
2
1
6***
1
1
Fonte: Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS
4.1 PRIMEIRA SONORA
1
1
A primeira UBS a relatarmos tem como porta de entrada dos usuários o
acolhimento, realizado por técnicos em enfermagem, disponível durante todo o
expediente do serviço. Avaliando a necessidade, os técnicos de enfermagem fazem o
encaminhamento do usuário ou requisitam outro profissional para melhor compreensão
da situação.
Nesta unidade, a equipe de profissionais de saúde realiza encontros semanais
com objetivo específico de discutir os casos de saúde mental. Nesses encontros, os
profissionais do serviço que tenham dúvidas quanto aos casos que acompanham,
referentes aos cuidados em saúde mental, apresentam o material para discussão em
equipe. Assim, toda a equipe é investida a participar do processo de produção dos
planos terapêuticos em cada um dos casos clínicos. Qualquer encaminhamento que seja
feito de usuários, para atendimento pelos psicólogos desta unidade, passa antes,
obrigatoriamente, por esta discussão em equipe.
A consolidação de um fluxo como esse de atenção à saúde mental exige uma
sensibilização da equipe de profissionais de saúde no que refere a temática e, ainda
mais, uma flexibilização da prática clínica de cada profissional, inclusive dos psi em
maior grau, para essa tomada de decisão coletiva nos projetos terapêuticos, a uma
permeabilidade a interferência de outras disciplinas no processo clínico.
As vantagens na adoção de um fluxo semelhante a esse são muitas, já que
autoriza todos os profissionais da equipe a pensar e valorizar a saúde mental, tomando
ela como inerente a todas as áreas da saúde; garante uma escuta integral à saúde dos
usuários, evitando o simples encaminhamento a um novo profissional, fragmentando o
processo de cuidado do usuário; preserva os vínculos estabelecidos entre o usuário e seu
profissional de referência na unidade; desconstrói a lógica da demanda enquanto
queixa-procedimento.
4.2 SEGUNDA SONORA
A segunda UBS a ser apresentada tem como uma forte característica zelar pelo
cuidado no acolhimento da população. No final do ano de 2005, o dispositivo
acolhimento em grupo foi implantado no serviço. A unidade organiza uma escala e um
revezamento da equipe onde dois profissionais, de categorias diferentes, a cada turno do
dia, realizam o acolhimento da população que busca o serviço. O acolhimento é
considerado pelos profissionais um espaço de escuta das demandas e também de
marcação para consultas ou para grupos que funcionam na UBS. Em 2007 os
profissionais, sentindo a necessidade de estudar, avaliar e planejar o que vinham
realizando como acolhimento dos usuários, desenvolveram um grupo de Educação
Permanente na temática, com encontros semanais.8
O Conselho Local de Saúde (CLS) desta região tem um trabalho afinado com a
unidade. Um exemplo é a consolidação de uma Ouvidoria Local, onde um conselheiro
da comunidade e um conselheiro da equipe na UBS, semanalmente, ficam disponíveis
para ouvir a comunidade. Outras atividades também são planejadas junto à comunidade,
a qual tem lideranças significativas atuantes de modo participativo e efetivo.
O fluxo atual da psicologia no serviço foi desenvolvido não só pela profissional
psicóloga, mas por um grupo de trabalho constituído para pensar o planejamento da
unidade. Então, no momento, para os usuários que desejam atendimento com a
psicologia é necessário, como qualquer outra demanda, passar previamente pelo
acolhimento da unidade. É neste momento que são agendadas as escutas com a
profissional de psicologia. Esse agendamento segue duas possibilidades: um
atendimento em grupo, também chamado de acolhimento, ao qual é dada maior
prioridade pela psicóloga, tendo esse um maior número de vagas e acesso mais rápido –
máximo 14 dias de espera –, ou o atendimento individual. O grupo de acolhimento da
psicologia tem freqüência quinzenal, com uma hora e meia de duração, e é sempre
coordenado pela psicóloga e por mais outro profissional de categoria diferente. Esses
grupos são organizados conforme a fase de vida do usuário, ou seja, tem o acolhimento
de adultos, o acolhimento de adolescentes e o acolhimento de crianças. Os
coordenadores e demais integrantes da equipe desenvolvem um plano para cada usuário,
mas se este se sentir acolhido no grupo ele pode continuar participando do grupo de
acolhimento, isso fazendo parte do seu acompanhamento.
8
“Os princípios da Política de Educação Permanente para o SUS são: articulação entre educação e
trabalho no SUS, produção de processos e práticas de desenvolvimento nos locais de serviço; mudança
nas práticas de formação e de saúde, tendo em vista a integralidade e humanização; articulação entre
ensino, gestão, atenção e participação popular e controle social em Saúde e produção de conhecimento
para o desenvolvimento da capacidade pedagógica dos serviços e do sistema de saúde. [...] O foco da
Educação Permanente em Saúde são os processos de trabalho e as equipes (atenção, gestão, participação e
controle social), possibilitando a construção de um novo estilo de gestão, no qual os pactos para
reorganizar o trabalho sejam construídos coletivamente e os diferentes profissionais passam a ser sujeitos
da produção de alternativas para a superação de problemas” (BRASIL, 2004).
4.3 TERCEIRA SONORA
Iniciamos nossa terceira incursão. O que mais chama atenção nessa unidade é
volume populacional do território destoante e acima de qualquer regulamentação sobre
número de pessoas/famílias por UBS de referência: em maio de 2008, o número
aproximado é de 30 mil usuários residindo no território. No decorrer dos anos, na
tentativa de acompanhar o crescimento populacional aumentou-se o número de
profissionais de saúde trabalhadores na equipe. A unidade encontra-se em seu limite na
capacidade de adesão de novos trabalhadores à equipe, mas está longe de uma
adequação entre o número de profissionais e o número da população referenciada. Esse
não é o único motivo relevante, mas hoje é fator decisivo no que refere ao modelo de
assistência prestado à comunidade pela unidade.
O serviço não conseguiu organizar um acolhimento adequado da demanda.
Mensalmente são abertas as agendas dos profissionais para marcações de consultas
programadas, mas essas não dão conta dos pedidos, ocasionando diariamente filas para
marcação de consultas do dia, estas que deveriam ser apenas para urgências. Isso fez
com que outra porta para acesso fosse aberta: durante todo o dia dois profissionais da
equipe de enfermagem realizam avaliação de pessoas adoecidas que não conseguiram
agendar consultas.
Nesse emaranhado complexo de brechas para acessar o serviço, a psicologia
desenvolve um trabalho de acolhimento semelhante como descrito na Segunda Sonora.
O acolhimento da psicologia é realizado em grupos, de periodicidade quinzenal, com
uma hora de duração, tendo no máximo seis participantes e respeitando sempre a fase da
vida do usuário demandante – adulto ou criança e seus responsáveis. Adolescentes
recebem sempre acolhimento psicológico individual, mas não são fatia representativa
dos pedidos. O diferencial nesta unidade está na forma como é feita a marcação dos
acolhimentos. Sempre que há um pedido ou encaminhamento à psicologia, algum
profissional psi entra em contato com o usuário e lhe explica o processo do que é o
acolhimento e, após, é questionado se o mesmo aceita essa forma de atendimento.
Firmado esse momento então é marcado o acolhimento.
A vantagem que esse processo tem garantido é não ocasionar longas listas de
espera no serviço para atendimentos em psicologia. Essa sistemática tem evitado que os
usuários enfrentem períodos demasiados de espera por atenção, respeitando o momento
que o sujeito vivencia o sofrimento. Realizar o primeiro contato já no momento do
pedido ou do encaminhamento, e explicitando a dinâmica do acolhimento ao usuário,
tem garantido uma maior freqüência dos mesmos aos acolhimentos agendados.
5 RESSONÂNCIAS: POR UMA EXISTÊNCIA PERTINENTE
Esse trabalho segue no encontro de transversais maiores que organizam o fazer
de profissionais psicólogos atuantes em UBS. Profissionais psicólogos que necessitam
investir de forma comprometida no seu fazer, promovendo o respeito à dignidade e à
integridade das equipes e das comunidades. Uma tarefa que, como já apontamos, deve
compor de modo consoante com os princípios, diretrizes e políticas atuais do SUS.
Inevitável dizer que as práticas de psicólogos em UBS devem ser produzidas junto e
conforme o planejamento da equipe e as necessidades da população do território.
Importante esclarecer que essa tentativa de categorização das transversais não
tem intenção de criar marcações práticas no plano da atenção pública à saúde, o que
achamos que seria de nossa parte conduzir a produção de conhecimento a atitudes
restritivas na confecção do fazer de psicólogos. Sugerimos essas transversais a seguir,
entendendo-as como atravessamentos que irão fraturar as corporeidades clínicas e dar
passagens a tomada de atitudes pertinentes pelos profissionais psicólogos nas UBS.
Sugestões i-materiais9 que irão compor com as realidades produzidas no serviço, na
equipe de trabalho, no território de abrangência, na comunidade investida, nas instâncias
do controle social, nos três níveis da rede de saúde e nos mais diversos interventores no
plano da saúde. As transversais são propostas enquanto agenciadores de multiplicidades
na confecção da defesa da vida no SUS.
5.1 EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE NO NÍVEL DE ATENÇÃO QUE O
PROFISSIONAL COLOCA-SE EM ATO
9
Propomos a cisão do radical na grafia da palavra “i-materiais” provocando uma dubiedade de sentido,
mas revelando, de outro modo, que as transversais potencializam e são potencializadas no enlace entre
produção de subjetividade e produção da realidade, entre produção de vida e produção de mundo.
No relato das três sonoras temos formas diferenciadas de acesso dos usuários ao
atendimento com a equipe de psicologia. Como vimos, na primeira UBS todos os casos
que envolvem agravos em saúde mental passam antes por uma decisão em equipe para,
só então, serem encaminhados a profissional psicóloga; na segunda a profissional
psicóloga recebe os encaminhamentos após o usuário ter passado pelo acolhimento da
unidade; e na terceira abre acolhimentos em psicologia a todos os pedidos,
encaminhados por outros profissionais/serviços ou não. Todos esses modelos de
assistência sugeriam alguma vantagem, tanto na forma de funcionamento como para a
população.
Por este caminho, podemos observar que na práxis de profissionais psicólogos
na APS não há um modo único e/ou restrito de produzir dispositivos de atenção à saúde
da população. A apresentação de três mobilidades do fazer dos psicólogos nas unidades
– as três sonoras – propõe a diversidade que caracteriza a prática destes profissionais.
Essas características, como podemos notar, resultam sempre de uma composição de
possíveis, e nesse caso em particular falamos das possibilidades do profissional, da
população circunscrita, do território a que se destina, da equipe de profissionais
investida, do controle social dentre outras variáveis.
Pudemos apresentar neste artigo uma experiência de trabalho consolidada. O
relato de experiência conta de uma equipe que reserva no seu expediente de trabalho
tempo-espaço destinado à Educação Permanente em Saúde (EPS), dispostos em
encontros semanais. Nas reuniões desse núcleo a equipe de psicologia repara seu lugar
de atuação pensando, trocando, avaliando a própria prática e, sendo também esse, um
momento disparador de novos planejamentos e criações do seu fazer psi. Como relata
uma profissional psicóloga: “A gente ter o espaço do núcleo de psicologia, de estar
pensando o nosso trabalho, é um privilégio.” Os participantes dos encontros em núcleos
de psicólogos da APS, usado como espaço de EPS, consideram essa uma proposta
potente para o trabalho de orientação destes profissionais que se encontram investidos
neste lugar de trabalho.
A primeira linha transversal que vamos aqui valorizar é a criação de dispositivos
de Educação Permanente em Saúde no nível de atenção que o profissional se coloca em
ato. Isso se faz necessário visto às características da formação acadêmica, em
psicologia, não ser generalista e pela temática políticas públicas, incluindo o SUS, não
ocupar tempo e espaço significativos nos currículos. Os dispositivos de formação de
EPS, ainda que informais, são essenciais para construção de práxis adequadas pelos
psicólogos na APS. A psicóloga da UBS da Terceira Sonora pontua a necessidade de
reflexão que cada profissional deve fazer sobre a própria prática: “[...] acho que a gente
teria que sempre, cada vez mais, fazer a crítica do que se faz.”
Além do núcleo da psicologia, outro exemplo, também citado, são os
profissionais de saúde da Segunda Sonora, que resolveram desenvolver um grupo de
EPS, para trabalharem com as problemáticas cotidianas do acolhimento. Estes espaços
de Educação Permanente em Saúde podem ser multiplicados por toda a rede de saúde e
serem excelentes dispositivos de reflexão e crítica para os trabalhadores e os usuários.
5.2
O
VÍNCULO
NAS
RELAÇÕES
PROFISSIONAIS-USUÁRIOS
E
NA
CONFECÇÃO DE PROJETOS TERAPÊUTICOS SINGULARES
Tendo em vista a existência de tantas peculiaridades que interferem, produzem e
reordenam a práxis dos psicólogos no SUS, fica ainda mais instigante a interrogação: o
que podemos considerar como ordenador de uma prática comprometida destes
trabalhadores?
Para tentar ensaiar uma resposta a esta questão remeto o leitor aos sentidos de
Referência em Saúde. Referência pode ser explicitada, basicamente, a partir de três
conjuntos de sentidos: a) um primeiro sentido dá visibilidade à população ou ao
território do qual um serviço de saúde é a referência, como é o caso das UBS e equipes
de Saúde da Família; b) um segundo sentido diz de um profissional de saúde que possa
referenciar sua prática com outros profissionais ou disciplinas como, por exemplo, as
equipes de matriciamento no SUS; c) um terceiro sentido diz respeito a um profissional
que se torna referência nos cuidados à saúde dum usuário ou duma família. Entendam
que essa divisão em conjuntos de sentidos é meramente didática. Em verdade, estes
conjuntos de sentidos coabitam o real, entrelaçam-se, complementam-se em
determinados momentos e se chocam em outros, mas não podemos perder de vista que
são sempre produzidos (ou anti-produzidos) nas relações.10
Imaginamos que para a APS o último sentido, de um profissional de saúde que
se torna referência nos cuidados à saúde de um usuário ou de uma família, seja valioso
para pensarmos o estabelecimento de adequadas relações terapêuticas. Como expresso
por um profissional da saúde: “Não adianta a dona Miguelina vir consultar comigo, se
ela é paciente de outro profissional. Ainda que eu leia o prontuário, eu não sei nada da
história dela, não sou eu que atendo ela há 20 anos.” O que devemos nos interrogar
enquanto psicólogos é: o que implica, em termos de relações humanas, ao profissional
de saúde ser referência para usuários e famílias? Implica o vínculo.
Segundo as orientações do Ministério da Saúde, as ações de saúde mental na
atenção básica devem obedecer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial e
atuação transversal com outras políticas específicas, e que busquem o estabelecimento
de vínculos e acolhimento.
O MS também propõe um conceito para o que considera como vínculo.
Na rede psicossocial [...], compartilhamos experiências e estabelecemos
relações mediadas por instâncias. No caso da instância instituição de saúde, a
aproximação entre usuário e trabalhador de saúde promove um encontro: este
ficar em frente um do outro, um e outro sendo seres humanos, com suas
intenções, interpretações, necessidades, razões e sentimentos, mas em
situação de desequilíbrio, de habilidades e expectativas diferentes, onde um –
o usuário – busca assistência, em estado físico e emocional fragilizado, junto
ao outro – um profissional supostamente capacitado para atender e cuidar da
causa de sua fragilidade. Deste modo, cria-se um vínculo, isto é, processo que
ata ou liga, gerando uma ligação afetiva e moral entre ambos, numa
convivência de ajuda e respeito mútuos (BRASIL, 2008, grifo do autor).
Márcia Gomes e Roseni Pinheiro (2004) defendem que reordenações nos
serviços, priorizando o acolhimento e o vínculo, tem favorecido a operacionalização e a
10
Conforme Deleuze e Guattari todos os fazeres, os acontecimentos, as políticas etc. são produções,
produção de produção, produção de registro, produção de consumo e, podendo ser, produção de antiprodução (DELEUZE; GUATTARI, 1966).
materialização dos princípios e diretrizes do SUS na atenção pública à saúde. A criação,
a preservação e a manutenção de vínculos nas relações é uma garantia de que as
intervenções objetivando o cuidado em saúde realizem-se de forma satisfatória e
humanizada à população. O vínculo utilizado pelos profissionais de saúde em sua
prática como um dispositivo de cuidado, significa uma aproximação com os princípios
de integralidade e longitudinalidade do cuidado. A integralidade investida na prática da
atenção à saúde é “defender antes de tudo que as práticas em saúde no SUS sejam
sempre intersubjetivas, nas quais profissionais de saúde se relacionem com sujeitos, e
não com objetos. Práticas intersubjetivas envolvem necessariamente uma dimensão
dialógica” (MATTOS, 2004, p.1414). Vista a peculiaridade na APS, dos profissionais
de saúde realizarem o acompanhamento longitudinal (atenção continuada do cuidado)
dos usuários, o vínculo é uma tecnologia leve (MERHY, 2002), quase inevitável nesses
processos, que compromete os profissionais no cuidado do sofrimento dos usuários em
um sentido amplo. De outra forma, um vínculo entre profissional e usuário propicia
neste uma confiança maior no profissional e uma melhor abertura na explicitação do
sofrimento. Entendemos que os princípios exclusivos da APS de receptividade
(primeiro contato com o Sistema), longitudinalidade, integralidade e a responsabilidade
da coordenação do cuidado do usuário (TAKEDA, 2004; BRASIL, 2007a) têm a sua
resolutividade efetivada (ou não) nos vínculos fortalecidos que se estabelecem entre
equipe e usuários.
Os currículos acadêmicos em saúde estão recheados, predominantemente, pelo
conhecimento biomédico, baseado no vetor diagnóstico-procedimento. Pouca atenção é
dedicada ao fator relacional humano. O profissional psicólogo atuando junto a outros
profissionais enquanto (mais um) agente intercessor, irá questionar o sentido deste vetor
dado como realidade única dos atos de saúde, propondo a equipe a pensar o vínculo
como realidade a ser produzida e processo de saúde a ser construído na relação. O
intuito é de que a equipe reserve importância ao fenômeno vínculo nas relações
profissional-usuário e nos projetos terapêuticos. Como sugere L’Abbate (2003, p.270)
“sem transformar as práticas cotidianas dos profissionais dos serviços de saúde, não
haverá mudanças na forma desses serviços funcionarem, no sentido de garantir o acesso,
a qualidade e a resolutividade, no atendimento de saúde à população.” Os psicólogos em
UBS fomentando a compreensão das relações vinculares e incentivando os profissionais
a utilizarem deste instrumento em suas práticas irão agenciar a produção de cuidados
humanizados.11
Bergson afirmava que um problema bem colocado é um problema resolvido,
mas podemos também pensar o seu inverso: uma solução quando inaugurada traz
consigo um novo problema (BERGSON apud DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.106).
À medida que os profissionais experimentam e tornam conscientes as relações
vinculares que efetivam no cotidiano inevitavelmente surgem desterritorializações no
plano da clínica, dos sujeitos, da saúde. Como diz a psicóloga da Primeira Sonora:
[...] eu vejo que alguns profissionais conseguem algum vínculo, no sentido
dos usuários reconhecê-los como alguém que os acolhe, os escuta [...].
Quando esse profissional consegue criar um vínculo ela acaba criando um
vínculo de dependência. Ele acolhe e tal, quando ele consegue acolher, mas
depois ele não sabe o que fazer com isso, que é estar ajudando o outro a
perceber seus próprios recursos.
Provavelmente muitas dúvidas surgirão na equipe quando atentarem para as
relações vinculares ocasionadas no encontro profissional-usuário. Os psicólogos podem
acompanhar e auxiliar nesses processos que ocorrerão ad nausea no cotidiano da
equipe.
Consideramos a radicalidade do vínculo, da garantia da referência em saúde para
usuários, a transversal de maior intensidade na composição de qualquer projeto
terapêutico. Transversalidade que deve ser assumida, respeitada e mantida por todos os
profissionais investidos no SUS. Tarefa essa que, em parte, deve compreender em muito
a função de um profissional psicólogo: fazer do vínculo um fenômeno valorizado pelos
diversos profissionais na produção dos projetos terapêuticos e, na seqüência, garantir
que estes dêem continuidade aos vínculos firmados numa relação de constante cuidado
com o mesmo.
11
Tomamos Humanização no sentido de estratégias ou processos de produção de saúde e produção de
subjetividade autônomas e protagonistas que se engajam na transformação da realidade e de si. Sua
efetivação se dá, em uma dupla inscrição teórico-prática, na sintonia de um conceito de ser humano em
processo de construção permanente e de uma atitude transformadora da realidade (BENEVIDES;
PASSOS, 2005a; BENEVIDES; PASSOS, 2005b).
5.3 A SAÚDE MENTAL TRANSVERSALIZADA NOS ATOS DE CUIDADO DE
CADA PROFISSIONAL DE SAÚDE
Essas (nem tão) novas transversais, sobre a atuação dos psicólogos em UBS,
superam a representação social, de “ato nobre” e exclusivo, que ao psicólogo cabe os
cuidados com a saúde mental dos sujeitos e, de preferência, que o mesmo seja atendido
por esse profissional para a resolutividade dos problemas. A interrogação que fazemos
agora é a quem compete o cuidado das demandas em saúde mental?
O marceneiro aspira à madeira, mas se choca com o guarda-florestal, com o
lenhador, com o carpinteiro, que dizem: sou eu, sou eu o amigo da madeira.
Se se trata de cuidar dos homens, há muitos pretendentes que se apresentam
como o amigo do homem: o camponês que o alimenta, o tecelão que o veste,
o médico que dele cuida, o guerreiro que o protege (PLATÃO apud
DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.18).
Quando o psicólogo toma a tarefa de valorizar os vínculos já firmados pelos
demais profissionais – de considerar o vínculo firmado pelo assistente social, pelo
dentista, pelo enfermeiro, pelo médico –, potente o bastante para dar passagem às
questões subjetivas, ele pode encontrar outros modos de realizar os tratamentos e a
clínica. Não necessariamente na forma de atendimento individual-grupal/psicoterapia,
mas em composição com estes outros profissionais, não os descomprometendo dos
cuidados com o sofrimento psíquico que tomam passagem. Nessa situação, o psicólogo
outorga poder-saber aos demais colegas e parafraseando Platão: todos os profissionais
de saúde são tomados enquanto amigos da saúde mental dos usuários e das
comunidades. Nesse sentido, o psicólogo é mola propulsora que envolve os demais
profissionais no cuidado também da saúde mental. Os psicólogos podem (para não dizer
devem) valorizar e orientar os demais profissionais a lidarem com as questões
relacionadas à saúde mental dos usuários ou da população. A saúde mental, deste modo,
também é transversalizada e tomada enquanto tarefa comum de todos os profissionais.
Urge a necessidade de mobilizações para uma descentralização da escuta em saúde
mental, não pensada enquanto um acontecimento em si, exigindo dos psicólogos uma
clínica composta na confecção da convergência de ações.
Isso também abre passagem para outra tarefa: os profissionais de saúde das
diversas categorias, tomando como demanda a saúde mental, muitas vezes necessitarão
de diretrizes na condução desse trabalho, dessa ampliação da escuta em saúde. Um
exemplo, mas não o único, de organizar essa tarefa é a confecção do matriciamento dos
profissionais de saúde, onde o profissional psicólogo pode tomar parte de modo
significativo na construção de uma fluidez disciplinar – dentro da própria UBS, numa
equipe dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF) ou mesmo estado dentro de
uma equipe nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
5.4 A PARTICIPAÇÃO POPULAR: ATITUDES PROTAGONISTAS DE SAÚDE E
O CONTROLE SOCIAL
Dando continuidade à discussão que propusemos neste trabalho, interessa
tomarmos atenção às seguintes palavras de Alcindo Ferla (2004):
[...] algumas idéias mostram a necessidade de combinar, pela interação
interdisciplinar e pelo contato sensível com os saberes dos usuários, as
melhores composições de conhecimento: é preciso a capacidade de
combinação lateral de conhecimentos e práticas; há uma horizontalidade
entre os diversos planos de saberes e de fazeres que estão associados no
momento do exercício da clínica e é uma combinação de conhecimentos e
práticas o mais próximo possível desse plano de horizontalidade
(horizontalidade entre os conhecimentos das várias profissões, mas também o
protagonismo informado do usuário e de seus familiares) que potencializa a
clínica. Ou seja, o traço mais forte da mestiçagem relativa à visão
metodológica diz respeito a uma certa sensibilidade/abertura ao outro
(profissional e usuário). Ou [...] de um compromisso estético, capaz de
expressar-se em novos arranjos para a clínica no contato com as diferenças
com que se depara a cada atendimento (p.101, grifos do autor).
Esse compartilhar o saber nas tomadas de decisão, nos atos de cuidado à vida,
nos oferece mais uma transversal a ser considerada: a participação popular. Essa aqui
entendida no enlace de três diretrizes do SUS: a “participação da comunidade”
(BRASIL, 1988; BRASIL, 1990), a “preservação da autonomia das pessoas na defesa
de sua integridade física e moral” e o “direito à informação, às pessoas assistidas, sobre
sua saúde” (BRASIL, 1990). Entendemos que participação popular tem dois conjuntos
de sentidos no sistema de saúde: a) o primeiro diz que os usuários devem tomar parte no
que diz respeito à própria saúde, sendo também protagonista junto aos profissionais de
saúde nas decisões sobre sua vida; b) o segundo diz da participação de usuários no
controle e na construção da gestão do sistema de saúde. Assim entendido, a transversal
participação popular ganha passagem desde o plano da consulta individual atravessando
até o plano da mais alta instância do controle social, o Conselho Nacional de Saúde.
Os psicólogos não podem exaurir-se desse diálogo, dada a sua importância na
constituição de vidas e do sistema de saúde, podendo tomá-lo pelas mais diversas
entradas. Como o exemplo citado na Segunda Sonora, a Ouvidoria Local desenvolvida
na parceria entre a equipe da UBS e os usuários no Conselho Local de Saúde foi mais
uma instância criada pelo e para o protagonismo da população. Pode-se respeitar,
fomentar, realizar e intensificar a participação popular nos atendimentos clínicos, no
matriciamento de profissionais/equipes, nos movimentos sociais, nas entidades de
classe, nas instâncias do Controle Social e nos mais diversos meios onde a interferência
popular tome tenacidade.
5.5 ATRAVESSAMENTOS INTERSETORIAIS NA PRODUÇÃO DE VIDA DAS
COMUNIDADES
Falamos então de uma flexibilização dos limites da produção de saúde em
direção aos mais diversos espaços. Garantindo ainda o foco na saúde, mas permeando
outras instâncias que compõem as políticas públicas. Os profissionais psicólogos em
UBS devem acompanhar as orientações de que a APS “transcende o campo sanitário e
inclui outros setores” (LAGO; CRUZ, 2001 apud ANDRADE; BUENO; BEZERRA,
2006, p.787) e “desenvolve ações intersetoriais para abordar outros determinantes de
saúde
e
eqüidade”
(ORGANIZAÇÃO
PAN-AMERICANA
DA
SAÚDE;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005, p.5).
Entendemos que estes trabalhadores freqüentemente confrontam-se com
ressonâncias produzidas nas relações intersetoriais. Por exemplo, os encaminhamentos
feitos pelas escolas de crianças em idade escolar ditas problema para atendimento
psicológico nas unidades, os pedidos realizados pelo judiciário de parecer e/ou laudo
psicológico dos usuários atendidos ou de seus familiares e os locais em que o tráfico de
drogas, a polícia e/ou a violência interferem significativamente na (anti)produção de
vida dos moradores da comunidade, são apenas algumas situações que exigem atenção à
tomada de ações plurais e pactuadas no enlace dos setores competentes. Não só a tarefa
de fomentar a intersetorialidade das ações de políticas públicas, mas pôr-se atento às
produções no cotidiano dos usuários e da comunidade ocasionadas nos processos
intersetoriais.
Uma revolução do movimento antimanicomial foi redirecionar a tutela dos
pacientes e a clínica do tratamento medicamentoso para um outro clinicar: a clínica da
confecção de projetos de autonomia e cidadania dos usuários. No relato da psicóloga
trabalhadora da UBS, citada na Primeira Sonora, fica clara a necessidade dos
profissionais desenvolverem ações que produzam autonomia nos sujeitos para o
exercício cotidiano da cidadania.
Eu trabalho com a área de risco. Esse ano a gente tentou uma proposta que
era uma coisa de tentar, [ou melhor,] era um diagnóstico que a gente tinha
feito do quanto aquela comunidade da área de risco tem dificuldade de se
mobilizar para conseguir coisas. Eles não tem nem a regularização fundiária,
mas eles não conseguem se mobilizar. Então a gente poderia desenvolver
ações que ajudassem eles a começar essa mobilização. Já foram feitas
tentativas, mas fica sempre uma relação de dependência.
Auxiliar, orientar, conduzir e potencializar os usuários no trânsito complexo da
rede de serviços intersetoriais, na exigência e efetivação de seus direitos, também passa
pela confecção de projetos de saúde. São projetos que implicam na “produção de
sujeitos autônomos, protagonistas, co-partícipes e co-responsáveis por suas vidas. Aqui,
a interface da Psicologia com o SUS se dá pela certeza de que o processo de inventar-se
é imediatamente invenção de mundo e vice-versa” (BENEVIDES, 2005, p.23). Quando
uma rede de serviços é acessada pelo usuário ou profissional outra realidade é
construída para eles.
6 PRODUZINDO UMA RABECA
Movimentos sociais como a Conferência de Alma-Atá (1978) e a VIII
Conferencia Nacional de Saúde (1986) foram imprescindíveis para consolidação de uma
nova proposta de política de saúde consistente e inovadora. Essas inovações técnicopolíticas potencializaram ações instituintes na elaboração de leis que garantissem a
todos os cidadãos brasileiros o direito à saúde. Nesse momento histórico o SUS é
instituído no Brasil, cabendo ao Estado o dever da formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que assegurem o direito à saúde a toda a população. A Reforma
Psiquiátrica, outro movimento social imbricado na renovação dos modos de fazer saúde,
revelou-se audaz e resolutivo e fundou bases legais no Brasil (RIO GRANDE DO SUL,
Lei n.9.716, de 7 de agosto de 1992; BRASIL, Lei n.10.216, de 6 de abril de 2001), que
vieram a consolidar o que hoje conhecemos como a rede substitutiva de serviços de
saúde mental. O que surgiu como um Projeto de Saúde da Família, na tentativa de
aumentar a cobertura de saúde das populações locais, configurou-se como uma
estratégia política nacional: Estratégia Saúde da Família. O SUS é um registro de uma
produção histórica, social e subjetiva, mas que não está concluído. Ao contrário, o SUS
é um corpo vivo em processo permanente.
Passados hoje 20 anos da criação legal do SUS, vivemos realidades
diferenciadas de saúde em todo o país. Diferenças que constituem-se regionalmente pela
cultura local, pelo investimento econômico da administração, pelas estratégias de
gestão, pelo comprometimento dos profissionais, pela participação da população etc.
Um emaranhado de forças e intencionalidades que, por vezes, o efetiva, potencializa e
faz avançar e, por outras, o descompassa, desmorona e desfaz.
Podemos perguntar onde a psicologia gruda nessa maquinaria política de saúde,
no SUS. Segundo Regina Benevides (2005), o erro está numa tradição ideológica que
pensa política e produção subjetiva de modo autônomo e distanciado. Os psicólogos em
UBS, não só esses, compõem o emaranhado de forças e intencionalidades que investem
no Sistema. Esses profissionais precisam de uma proposição reflexiva cotidiana para
conhecerem de que emaranho estão emergindo e com qual estão se aliando. Quais
potencialidades para a prática? Quais processos de descaracterização do SUS? Qual
ética de cuidado? Qual produção de vínculos? Quais posicionamentos e articulações
frente a participação popular? etc. O psicólogo em UBS, como todo cidadão, interfere
nesse processo permanente de construção do SUS.
Neste momento não poderíamos deixar de falar novamente na rabeca e sua
produção de sonoridades regionais. O que enfim podemos considerar como o
instrumento de psicólogos para produções clínicas consoantes com o SUS e com as
necessidades da população? Entendemos que profissionais psicólogos devem implicarse de modo ético-político (a rabeca psicológica) na sua atuação nas UBS. É necessário
ter a clareza que suas ações não se restringem no ato, mas serão sempre tomadas de
ação que implicam em algum movimento, que interferem em algum processo, que
subjetivam coletivos. Precisa ser uma tomada ética de ação para pautarem-se em defesa
da vida, dando passagem ao devir de cada usuário e garantindo escuta ao desejo da
população. Implica-se politicamente, consciente de que o corpo vivo do SUS é
alimentado pelas ações cotidianas de cada profissional, pela participação da população,
pelas conquistas intersetoriais, pelos interesses das categorias, dos gestores, de empresas
privadas – haja vista, a interferência das indústrias farmacêuticas – etc. A integralidade,
a eqüidade, a universalidade e a participação popular são princípios éticos, mas são
também diretrizes políticas que orientam práticas de cuidado com a vida, de construção
da rede de saúde, de gestão, de ensino e de pesquisa no SUS. O direito dos usuários ao
mais alto nível de saúde (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005) necessita de imbricações políticas e
de uma responsabilidade ética que o efetive.
As UBS têm uma melhor afinidade e um maior diálogo com os usuários de seu
território por estarem muito próximas das populações, em contato cotidiano e por
períodos contínuos. Confeccionar uma rabeca é superar velhos tabus da clínica
psicológica, ampliá-la com a diversidade de instrumentos disponíveis e em constante
renovação no SUS. Essa nova rabeca psicológica irá compor com os recursos de saúde
administrados na UBS e com as necessidades da comunidade local. Insistimos em
afirmar que estas composições da rabeca produzirão sonoridades regionalizadas, ou
seja, ações de saúde humanizadas e adequadas às demandas do território.
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