a expansao do etanol no brasil e suas consequencias no

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a expansao do etanol no brasil e suas consequencias no
A EXPANSAO DO ETANOL NO BRASIL E ALGUNS REFLEXOS NO
SETOR AGRICOLA E ENERGETICO
Mirko V. Turdera
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD
Resumo:
O eminente crescimento do consumo de etanol no Brasil e no Planeta, de forma geral, traz à tona a
necessidade de se posicionarem diversos setores da atividade econômica. Os setores energético e
agrícola são os que devem sentir mais rapidamente as mudanças da expansão na produção de
etanol. Desta forma, ajustes devem ocorrer seja pela necessidade imperiosa de potenciais perdas de
mercado de commodities agropecuárias (soja, milho, carne) ou pela redução no consumo de
combustíveis concorrentes no setor energético (gasolina). O artigo apresenta uma analise sobre as
mudanças e os ajustes que podem vir a ocorrer no setor energético e no setor agropecuário
decorrente da volumosa produção de etanol prevista para os próximos anos. No estudo são levados
em conta fatores exógenos e endógenos sobre o boom de produção do etanol, e como vêm se dando
as correlações entre a demanda de etanol e a gasolina, a área agrícola de expansão da cana-deaçúcar e outras culturas com produção de escala. Finalmente algumas avaliações são feitas em
relação à tendência de produção de cana-de-açúcar e etanol.
Abstract
Next years world and Brazilian ethanol demand will be grow of an eminent way, so players of
economical activity must take a posicion. We know that energy and agriculture sectors that will feel
more quickly the changes of the expansion due to ethanol production. Adjustments must come in both
sectors, either for the imperious necessity of land losses by agricultural commodities or market losses
of gasoline in the transportation sector. This paper presents an evaluation about the changes and
challengers that will come in the energy and agircultural sectors as a consequence of voluminous
Brazilian and American production of ethanol foressen for the next years. In our analisys exogenous
and endogenous factors are evaluated taking into account correlations between demand of the etanol
and the gasoline and, between the expansion cane crops and other cultures.
Introdução
A escolha pela opção energética até finais da década de oitenta e inícios de noventa geralmente se
baseava em dois fatores predominantes: custo do investimento e custo da produção de energia.
Contudo, nos últimos quinze anos, foram agregadas considerações de caráter ambiental, entre elas,
grau de poluição local, emissões de gases na atmosfera, contaminação de corpos d’água e/ou lençóis
freáticos, danos ao bioma, etc (Cerqueira Leite, 2005). A constatação de vários estudos e pesquisas
sobre o esgotamento iminente dos recursos fósseis como fonte de energia, está levando a uma busca
desesperada de fontes de energia capazes de substituir parcialmente a queda que ocorreria na oferta
de energia.
No fornecimento de energia e na sua implementação em grande escala se visa amenizar ao máximo
os impactos ambientais e as externalidades socioeconômicas devem ser observados três parâmetros:
•
•
•
Intensidade energética (energia gasta para gerar um dólar, tep/US$ J/US$, inerente a
questão tecnológica);
Emissões de CO2 provenientes da produção e uso de energia, Mt C;
Fração de energia renovável no consumo total de energia
A matriz energética mundial mostra que as energias renováveis, que incluem a solar, eólica, hídrica,
de marés e biomassa têm se mantido na faixa do 10% a 15% do total do consumo mundial de energia,
conforme mostrado na Tabela 1.
Tabela 1: Participação das Energias Renováveis no Consumo Mundial de Energia
1973
6.040
11,1
Consumo Mundial de Energia Mtoe
Participação da Energia Renovável (%)
Fonte: IEA, Key Energy World, vários anos
2000
9.963
11,0
2003
10.579
10,8
2050*
22.300
9,0
* estimativa
Até fins do século passado, o consumo de biomassa no mundo representava 14%. Na América Latina,
África e Sudeste Asiático essa fonte de energia é baseada, sobretudo, no consumo de lenha. O
consumo de biomassa sempre foi visto como sinônimo de atraso, pois é empregada preferencialmente
pelas populações pobres e rurais. Além do mais, é uma forma ineficiente de energia devido ao baixo
aproveitamento da matéria prima nas transformações em fornos e caldeiras. Todavia, está ligada a
processos de desmatamento e desertificação devido à ação antrópica, pois cabe ressaltar que o uso
de carvão vegetal é significativo em industrias processadoras de minério (alumínio, ferro-gusa, etc.)
No entanto, o uso da bioenergia vem emergindo com força em todo o mundo. Em alguns casos de
forma sustentável, em outros de forma predadora e destrutiva. Visto que existe uma grande variedade
de tipos de bioenergia e uma grande diversidade de sistemas de utilização dos sistemas de produção,
impactando de forma diferenciada na questão social, ambiental e econômica, é imperioso e
necessário analisar as benesses que de fato traz a bioenergia ao longo de toda a cadeia de valor. Um
estudo feito pela FAO (Food and Agriculture Organization) braço da Organização das Nações Unidas
– ONU encarregada de elaborar e orientar políticas na questão agrícola e alimentar – resumiu alguns
pontos chaves relacionados com a bioenergia:
i) Existe um fato plenamente comprovado por diversos estudos, o de que nenhum país no planeta tem
conseguido reduzir significativamente os índices de pobreza sem um incremento maciço no uso de
energia. Paises ricos e industrializados detêm os índices de consumo de energia per capita mais altos
e vice-versa, baixos índices de consumo de energia por pessoa estão diretamente relacionados aos
países mais pobres. Em outras palavras países que detêm baixos valores de IDH tem baixo consumo
de energia, de forma paradoxa, estes mesmos países também emitem menos dióxido de carbono per
capita. Diminuir o custo de produção dos combustíveis de origem orgânica bem como desamarrar
restrições regulatórias são desafios a serem superados nos próximos anos;
ii) Disponibilidade de recursos e usos em concorrência – um ponto critico para toda fonte de energia é
sua disponibilidade física e o fácil acesso desde as fontes de produção aos centros de consumo.
Devem ser avaliados vis-a-vis, sobretudo nas áreas rurais, a concorrência dos sistemas de energia
com o uso, in loco, dos recursos da biomassa (resíduos agrícolas) e suas aplicações (forragem,
cocção);
iii) Renda, confiabilidade e acessibilidade – os limitados recursos econômicos traduzidos em renda
extremamente baixa da população rural é um inibidor para adquirir serviços modernos de energia, fato
que os torna reféns de combustíveis como a madeira, vindos de sua própria terra ou de terras publicas
e de fácil acesso. Esta lenha é, às vezes, comercializada informalmente e também usada para as
necessidades energéticas caseiras;
iv) Instrumentos de financiamento – estes instrumentos têm diversos alvos: algumas vezes visam o
preço, outras o consumidor (créditos bancários na aquisição de equipamentos de uso final) e outras, o
produtor (ajudando a investir nas unidades de produção ou oferecendo vantagens tributárias). O
universo dos eventuais beneficiados pode incluir situações nas quais serviços em prol dos agricultores
pobres ou pessoas de escassos recursos da área rural são plenamente atingíveis sem subsídios,
porém não decolam por falta de apoio financeiro.
v) A bioenergia pode fortalecer novas indústrias e o desenvolvimento agroindustrial em pequena e
grande escala, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento.
vi) Tipos de agroindústrias a se desenvolverem no curto e longo prazo – no contexto agroindustrial é
importante diferenciar entre fontes de bioenergia em bruto e o processado, as usinas que produzem
etanol e usam o bagaço para gerar energia elétrica são as formas mais comuns de produto
processado e uso de matéria prima.
vii) A escala certa de uma instalação agroindustrial de bioenergia é determinada pelos seguintes
fatores: matéria prima escolhida, proximidade dos mercados, metas do projeto e objetivos da empresa
(suprimento de etanol domestico ou para exportação), tipo de bioenergia e acesso ao financiamento.
viii) Estabelecer um tradeoff para que tanto pequenas como grandes empresas possam aproveitar o
boom dos biocombustíveis, pois empresários independentes e pequenos agricultores estão
enxergando de forma promissora a bioenergia e investindo tempo e dinheiro nesta atividade. A
bioenergia movimentará grandes quantidades de dinheiro, vislumbrando boas oportunidades na
produção, manejo, processamento de matéria prima, no marketing e na distribuição.
ix) A qualidade, o tipo e a geração de empregos estão fortemente ligados às exigências do mercado,
às normas trabalhistas e ao posicionamento dos órgãos do poder publico, sejam eles fiscalizadores ou
legisladores.
Produção Mundial de Etanol
No mundo, os principais países produtores de etanol em escala industrial são Estados Unidos (EUA)
onde 90% do etanol que utilizam provem do milho como matéria-prima e, o Brasil que tem a cana-deaçúcar como sua matéria-prima. Os dois países perfazem 70% da produção mundial de etanol e os
primeiros 15 detêm 90% de toda a produção (ver Tabela 2 de produção de etanol por pais).
A produção de etanol mundial em 2006 foi de 46,4 bilhões de litros, com os Estados Unidos e o Brasil
ocupando o primeiro e segundo lugares, respectivamente. Vale destacar que nos Estados Unidos o
etanol é produzido a partir do milho, o que significa que compete diretamente com a produção de
alimentos a base de milho. No Brasil, a produção de etanol concorre apenas com o açúcar, por conta
disso não devem ocorrer conflitos como os que já vem acontecendo nos Estados Unidos. No Brasil
expressiva expansão da cana-de-açúcar ocorrerá em terras ocupadas por outras culturas e,
principalmente, em terras utilizadas pela pecuária. Este fato pode, hipoteticamente, exercer pressão
sobre novas terras e expandir a fronteira agrícola em direção à região amazônica. No entanto,
observa-se que há uma forte corrente dos países compradores de etanol para que este combustível
tenha certificação e rastreabilidade, ou seja, ter origem comprovada que a lavoura de cana não é
proveniente de regiões localizadas na Amazônia e, também que não se constate pessoas submetidas
a condições desumanas de trabalho e salários injustos (plus-valia) na colheita da cana.
Os EUA têm registrado um significativo aumento da produção, passando de 630x106 litros em 1980
para 17,5x 109 litros em 2006, 3,6 bilhões a mais do que em 2005, e estimativas prevêem que a
produção continuará crescendo. Uma combinação de diversos fatores está propiciando que o etanol
seja produzido em maior quantidade e de forma mais econômica, entre eles: a escalada do preço do
petróleo; a Lei de Política Energética dos EUA de 2005 obrigando o uso de combustível renovável na
gasolina embora, não seja muito especifica quanto à substituição do MTBE – um aditivo presente na
gasolina e altamente contaminante; leis federais vêm fornecendo incentivos aos biocombustíveis, por
conta disso, se espera que em 2009 a produção de etanol chegue aos 36 bilhões de litros (Westcoast,
2007; Shapouri et al, 2005). É válido destacar que nos EUA, o etanol é misturado à gasolina para sua
venda em veículos leves através de uma mistura conhecida como E 85% (85% etanol 15% gasolina),
e conforme dados do DOE (2008) de maneira geral essa mistura detém entre 3-5% do mercado, o
restante corresponde à gasolina.
Tabela 2: Produção Mundial de Etanol 106 litros
2004
2005
2006
Brasil
Pais
14.360
15.217
16.168
Estados Unidos
12.726
15.350
17.478
China
3.470
3.614
3.661
Índia
1.663
1.616
1.807
Franca
788
864
904
Rússia
África do Sul
713
396
713
371
616
367
Reino Unido
Arábia Saudita
382
284
331
115
266
187
Espanha
284
335
439
Tailândia
266
284
335
Alemanha
256
410
727
Ucrânia
238
234
256
Canadá
220
220
551
Polônia
Outros Paises
191
209
238
2.535
3.856
2.336
Fonte: RFA,2007; F.O. Licht, 2007
Majoritariamente a produção de etanol norte-americana vem do milho. Da safra de 2005-06, 14% da
produção de milho foi destinada para produzir etanol. Atualmente os Estados Unidos suprem entre 6070% das exportações mundiais de milho, mas, com a expansão do etanol e os altos preços do milho,
essa participação no comercio deve cair para 55-60%. Desta forma se observará um ajuste global
devido aos altos preços, ocorrendo uma redução da exportação e aumento do milho produzido fora
dos Estados Unidos (Westcost,2007) Todavia, para atender a demanda em 2012 o aumento na
capacidade de produção prevista é 43,2 bilhões de litros e além do mais, haverá naquele país uma
expansão significativa do numero de usinas de etanol (biorefinarias). Até dezembro de 2007 eram
contabilizadas 77 novas usinas que entraram em operação (RFA,2005).
A produção de etanol e seus impactos no setor energético
A industria de etanol no Brasil tem trinta e sete anos de existência comercial, nesse tempo houve um
amadurecimento de tecnologias visando melhorias da produtividade das espécies de cana-de-açúcar
cultivadas no país, bem como dos equipamentos utilizados nas usinas. A relação oferta-demanda do
etanol tem se comportado da seguinte forma: até meados da década de 1980 a produção
acompanhava a demanda e inclusive havia um ligeiro excedente de etanol (Figura 1). A partir de 1991
até 2001 houve um descompasso evidente entre o consumo de etanol e a produção domestica, visto
que os produtores não atenderam o volume de etanol demandado pelo mercado. Diversos fatores
contribuíram para esta defasagem, entre eles menciona-se: a retirada de subsídios governamentais à
indústria de etanol no final da década de oitenta, a baixa cotação do barril de petróleo entre 1989 e
2001 veio sutilmente inibir o consumo de etanol e incentivar o consumo de gasolina no mundo e no
Brasil, - cabe lembrar que o etanol é 30% menos eficiente que a gasolina -, e, sobretudo, o elevado
preço do açúcar no mercado internacional coincidindo com a queda de consumo de álcool no Brasil. A
todos estes fatores deve ainda adicionar-se a inexistência de uma política energética nacional que
mantivesse foco no etanol e em alternativas energéticas baseadas em fontes renováveis. A
conscientização sobre questões ambientais no final da década de oitenta e inícios de noventa deu
início à discussão sobre diversificação da matriz energética e a redução do consumo de
hidrocarbonetos, em especial derivados de petróleo e sua parcial substituição por biomassa, em
especial por biocombustíveis.
A produção de etanol brasileira se dá por duas vertentes. A primeira como álcool anidro cuja demanda
tem sido discretamente crescente desde 1990 (taxa media histórica de crescimento da produção 3%
e, de 6% a partir de 1990), a causa desse crescimento sustentado se deve basicamente a sua adição
na gasolina em faixas que variam de 20% a 25% de um litro de gasolina vendido na bomba e
estabelecida por decreto federal. Essa medida deu fôlego aos produtores de etanol para continuarem
produzindo o combustível, uma vez que, indexando parte de sua produção à venda de gasolina
tinham um mercado cativo e crescente através dos proprietários de veículos a gasolina.
Figura 1: Brasil: Produção e consumo de álcool
20.000
18.000
bilhoes de litros
16.000
14.000
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
demanda etanol
alcool anidro
alcool hidratado
2006
2004
2002
2000
1998
1996
1994
1992
1990
1988
1986
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
0
produção etanol
Fonte: Elaboração própria a partir de BEN, 2007 e ÚNICA, 2006
Por outro lado, a produção de álcool anidro ou etanol anidro no jargão atual, teve altas e baixas na
sua produção, fato que incidiu no consumo deste combustível. A venda de álcool hidratado – aquele
que é vendido exclusivamente a veículos que consumiam álcool – disparou a partir de 1980,
chegando os veículos movidos a álcool representar mais de 80% da frota de motorizados leves e de
passeio. O colapso do consumo de álcool anidro veio em 1994 onde se registrou uma taxa de
crescimento de -1% na produção e -3% no consumo, contra uma média de 17% e 22%,
respectivamente que corresponde ao período de auge das vendas de álcool hidratado (1980-1990). A
partir de 2003 constata-se uma recuperação na demanda de álcool hidratado que vinha caindo desde
1993, a inflexão na curva da demanda se deve à inserção de veículos com motores cuja tecnologia
permite o consumo de gasolina e álcool indistintamente. Como o preço do álcool tem se mantido em
media 70% mas barato que o da gasolina (para compensar seu menor Poder Calorífico), nas regiões
Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a retomada do crescimento do consumo de álcool hidratado vem se
concretizando desde 2003. A venda de etanol hidratado (9,1 bilhões em 2007) tem crescido em média
13,0% a.a. desde 2000, enquanto que as vendas de gasolina cresceram apenas 1,0% no mesmo
período. Segundo a CONAB, a produção de etanol em 2008 deve ser de 26,5 bilhões de litros, um
aumento de 17% sobre 2007, com 90% do processamento sendo feito no Centro-Sul do país.
Na Figura 2 se observa que o consumo de gasolina no país tem se mantido praticamente estável
desde o ano 2000. O consumo em 2007 foi de 24,8 bilhões de litros. A política do governo tem sido a
de não repassar o preço internacional do óleo cru de forma simultânea ao consumidor, fato que é no
mínimo curioso, pois, a gasolina do Brasil é uma das mais caras do mundo. Considerando a cotação
do real em 1,70 em relação ao dólar e com o preço da gasolina na bomba está em média R$ 2,70 por
litro, o que significa que em dólares o preço estaria em torno de US$ 1,60l-1. Nos Estados Unidos a
gasolina é vendida a US$ 3,88 por galão, o que seria o equivalente a R$ 1,07l -1 (DOE,2008), ou seja,
50% mais barata que no Brasil. Esse preço reflete a seguinte composição: 12% de impostos, 7% da
margem de lucro de comercialização e distribuição, 21% de refino e, 60% o valor do preço do
petróleo. Caso a Petrobrás resolva aumentar o preço da gasolina a curva de consumo de etanol
hidratado terá uma inclinação mais aguda em 2008, já a da gasolina deverá manter-se estável ou
talvez com tendência a queda. Dois fatos chamam a atenção: primeiro o fato de que os EUA importam
60% do petróleo consumido domesticamente (BP Statistical, 2006), e a Petrobrás declarou a autosuficiência na produção em 2006; segundo, a renda per capita nos EUA é sete vezes a renda per
capita do Brasil, conseqüentemente, o peso da gasolina no orçamento de um cidadão brasileiro é
muitíssimo maior que a de um norte-americano.
Figura 2: Brasil: Consumo de álcool hidratado vs. gasolina
milhões de metros cúbicos
30
25
20
15
10
5
0
2000
2001
2002
2003
2004
álcool hidratado
Fonte: Elaborado a partir de ANP, 2008
2005
2006
2007
Gasolina
Na nova onda do setor sucro-alcooleiro estima-se a instalação de mais de 80 usinas sucro-alcooleiras
em vários estados do Brasil. Uma das mais significativas contribuições dessas usinas seria ao setor
energético, disponibilizando energia elétrica para a rede. Principalmente, em um momento aonde de
novo é retomado o assunto de uma eventual falta de energia elétrica, - daqui a três ou quatro anos -,
pois, a oferta seria insuficiente para atender a demanda de energia elétrica, o fornecimento de
eletricidade à rede por parte da indústria sucro-alcooleira pode vir a ser a alternativa para evitar esse
colapso.
A disponibilidade de bagaço da cana-de-açúcar, em média, gira em torno de 23% do volume total de
cana colhida. Levando em conta os dados da COAGRO sobre a produção de cana da safra 2008,
estimada em 557 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (tabela 3) estaria disponível em torno de
128 milhões de toneladas de bagaço. Dependendo da configuração do sistema de cogeração, Ensinas
et al elencan quatro tipos de relações entre a produção de energia elétrica e tonelada de bagaço
queimada. Nas configurações estão embutidos parâmetros como eficiência das turbinas, temperaturas
da câmara de combustão, do trocador de calor, pressão atmosférica etc. Os autores do estudo
simularam a produção de vapor e energia elétrica para as quatro configurações e o resultado foi o
seguinte: 70 kWhton-1 de cana; 100 kWhton-1 de cana; 115 kWhton-1 de cana e 170 kWhton-1 de cana,
respectivamente para as configurações I, II, III e IV descritas no artigo. Assumindo os quatro valores,
em tese, as usinas poderiam gerar 38.999 GWh, 55.700 GWh, 64.055 GWh e 94.690 GWh,
respectivamente. O Operador Nacional do Sistema - ONS , órgão encarregado do despacho de carga
de energia elétrica menciona no seu site que a usina de Itaipu produziu 85.600 GWh, em 2006. Por
tanto, pode-se inferir que a produção excedente de energia elétrica das usinas sucro-alcooleiras
equivaleria a pouco mais do que uma Itaipu se for considerada a quarta configuração.
No que se refere ao consumo e entrega de energia na produção de etanol, pesquisas e estudos
apontam que a produção de etanol proveniente do milho não fornece um balanço energético positivo,
não é um combustível econômico e sua produção e uso contribuem na poluição do solo, ar e água e
para o aquecimento global (Pimentel & Patzek, 2005; Gianpietro et al, 1997; Ferguson, 2004). Para a
produção de 1 litro de etanol é preciso 2,69 kg grãos de milho, todavia, nos EUA, para uma
produtividade média de 8.655 kgha-1 de milho se requer um gasto em torno de 8,1 milhões de kcal na
forma de um grande número de ingredientes e insumos (Pimentel, 2003 e de Oliveira, 2006). Nos
Estados Unidos os custos de produção são de US$ 917ha-1 para 8.655 kg, além do mais, Pimentel et
al (2005) acrescentam que para produzir um litro de etanol é preciso gastar 29% mais energia fóssil
(gasolina e diesel usados para cultivar uma ha de milho). O governo federal dos EUA fornece um
subsidio pesado à produção de etanol, em 2005 foi de mais de US$ 3,0 bilhões, se fossem
adicionados aos custos de produção os subsídios e considerando o baixo conteúdo energético do
etanol em relação à gasolina, o custo de produção atual para produzir um litro de etanol igual a um
litro de gasolina seria de US$ 1,88, enquanto que produzir um litro de gasolina custa US$ 0,33
(Pimentel, 2003). Para produzir 10,6 bilhões litros de etanol, os EUA requerem 3,3 milhões de
hectares de terra e, esse volume de etanol fornece apenas 2% das necessidades de gasolina utilizada
pelos carros nos EUA cada ano.
Balanço energético semelhante ao feito por Pimentel et al. (2003, 2005) foi realizado por de Oliveira et
al (2006). Aplicando na metodologia de balanço energético a investigação de índices como: consumo
de kgha-1 dos nutrientes, gasto de energia no trabalho feito pelos cortadores e no consumo de óleo
diesel por hectare, utilizando os fatores de conversão pertinentes, de Oliveira (2006) demonstrou que
a produção de etanol no Brasil é muito mais vantajosa. A relação entre a energia gasta (consumo de
energia na cadeia de valor) e a produzida (produto final etanol e energia elétrica), para o caso
brasileiro, é de 3,87. Já para o estudo de caso das usinas de milho dos Estados Unidos a relação é de
1,12 na melhor das situações.
A produção de etanol e a comercialização de commodities agrícolas
A polêmica de que a áreas cultiváveis destinadas à produção de alimentos estariam sendo deslocadas
para a produção de biocombustíveis, - mais concretamente de etanol -, deve ser analisada de forma
mais cuidadosa. No caso dos Estados Unidos a polemica tem consistência, pois, o milho, - matériaprima do etanol nesse país -, é uma commodity de grande importância por ser a base de uma
diversidade de subprodutos e pelo volume de exportação. Em outras palavras, existe o risco de que
um aumento na quantidade de milho destinado à produção de etanol venha a diminuir sua
disponibilidade como alimento, tanto no mercado domestico como em mercados de outros países
consumidores de milho.
50,00
45
45,00
40
40,00
35
35,00
30
30,00
25
25,00
20
20,00
15
15,00
10
Soja
5
10,00
Açúcar
5,00
0
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
0,00
Preço do açúcar em
US$/saca de 50 kg
50
1997
Preço da soja em
R$/saca de 60 kg
Figura 3: Brasil: Preço do açúcar e da soja
Fonte: Elaborado a partir de ESALQ Relatórios, 2008
No Brasil, por enquanto, não há uma correlação entre o cultivo da cana-de-açúcar e a carência de
algum alimento derivado dela. A produção de açúcar vem aumentando independentemente da sua
cotação no mercado internacional (Figura 3). Conforme estimativas de órgãos do setor se prevê que a
produção crescerá 10,4% em relação a 2007 atingindo 557 milhões de toneladas. Dados da safra
2007 e 2008 dos três produtos agrícolas que podem concorrer por maior área cultivada são mostrados
na Tabela 3. O crescimento na colheita sobre 2007 variará de 8,8% a 13,1%. A produção na lavoura
de cana-de-açúcar prevista para o ano 2008 está entre 607,8 milhões e 631,5 milhões de toneladas e
seriam processados (moagem) entre 558,1 milhões e 580 milhões de toneladas. O aumento na
moagem para a produção de etanol e açúcar estaria entre 11,3% e 15,6%, respectivamente (Coagro,
2008).
Outra preocupação em voga é a expansão da cana-de-açúcar ocupando ou deslocando outras
culturas, entre elas a soja de forma indireta, pois estaria cedendo espaço para a cana-de-açúcar em
regiões aptas para seu cultivo e, a soja estaria migrando para a fronteira agrícola. Dados do IBGE
(2008) mostram o seguinte: a cana-de-açúcar ocupa 12,1% de toda a área cultivada no Brasil (59,4
milhões ha) expandindo-se 7,7% em relação a 2008. O milho, segunda maior cultura de área plantada
detém 24,2% da área cultivada (14,3 milhões ha), cresceu 4,1%, finalmente a soja, de longe a maior
cultura agrícola, ocupa 35,6% da área cultivada (21,1 milhões ha), e ampliou essa área em 2,6%. Os
três produtos agrícolas elencados na tabela 3 ocupam 72% da área cultivável no país.
Produto Agrícola
Cana-de-açúcar
Milho
Soja
Tabela 3: Brasil: Produção e área cultivada de produtos agrícolas
Produção toneladas
Área cultivada ha
Safra 2007
Safra 2008
Safra 2007
Safra 2008
515.875.087
51.867.419
57.952.011
566.781.753
56.166.285
59.944.144
6.695.623
13.785.170
20.581.334
7.211.080
14.351.837
21.113.717
FONTE - Grupo de Coordenação de Estatísticas Agropecuárias - GCEA/IBGE, DPE, COAGRO - Levantamento Sistemático da
Produção Agrícola, Março 2008.
Desde 1975 a área plantada de cana-de-açúcar tem crescido significativamente, naquele ano, ela era
de 1,9 milhões ha, atualmente, ocupa 7,2 milhões ha. A ocupação de novas terras por parte da
lavoura da cana-de-açúcar se dá principalmente em áreas antes destinadas à pastagem para criação
de gado bovino. Segundo o IBGE, a área plantada com cana cresceu 54% desde 2001, significando
isso um ganho em torno de três milhões de hectares que eram da pecuária. O fato não é recente, visto
que ele começou alguns anos antes do boom do etanol, fatores como custos de produção dos
pecuaristas, preço da arroba de boi (R$ 77,0 abril de 2008) insuficiente para cobrir custos, e
fechamento de mercados externos decorrentes de aparecimento de doenças como a febre aftosa, tem
provocado ao setor pecuarista momentos difíceis com uma atividade pouco rentável. Em outras
palavras, boa parte dos produtores de gado está se rendendo aos encantos conjunturais do etanol e
vêm optando por arrendar suas terras para empresas do negócio de biocombustíveis.
Conclusões
A indústria do açúcar, sobretudo do etanol está atravessando por um momento impar, crítico, entendo
crítico como mudança de rumo. O cenário internacional está propiciando está mudança, a qual vem
acompanhada de dois pontos chave: o primeiro, que o etanol pode ter uma participação relevante na
matriz energética de diversos países, o domínio de tecnologias para seu processamento, a
disponibilidade de terra, e a substituição, parcial ou total, da gasolina l pelo etano estão dentro do
horizonte promissor para o mercado deste combustível. Por outro lado, o receio da cana-de-açúcar vir
ocupar áreas cultiváveis que eram destinadas a produzir plantações alimentícias (milho, trigo, soja,
etc) ou empurrar a fronteira agrícola para a região amazônica devido ao deslocamento dessas
mesmas plantações, é um ponto que ainda precisa ter ampla discussão. A posição do governo federal
quanto à expansão da fronteira agrícola e à fiscalização da área desmatada deve ocorrer
independentemente se houver alguma ligação com a expansão da cultura da cana-de-açúcar. É um
fato que a corrupção de autoridades e as restritas condições de operação dos órgãos fiscalizadores e
reguladores propiciam que continuem as perdas de floresta no Amazonas. Para muitos setores do
governo atual, a questão ambiental é vista como empecilho aos projetos desenvolvimentistas,
priorizando resultados de curto prazo e fácil apresentação à população, relegando a visão de longo
prazo embutida na preservação e exploração planejada das riquezas do Amazonas.
A mídia internacional, em especial jornais europeus formadores de opinião vêm destacando a forma
como é feita a utilização da mão-de-obra nos canaviais. As criticas focam as condições desumanas
dos trabalhadores, também conhecidos como “bóias frias”, às quais são submetidos durante as
exaustivas jornadas do corte da cana, prática comum e arraigada no Brasil na época da colheita. As
condições insalubres e o elevado risco de segurança no trabalho são também apontados como ponto
contrario à produção de etanol. O grande desafio dos industriais e empresas do setor sucro-alcooleiro
está no investimento social da cadeia de valor. Melhorias nas condições de trabalho devem acontecer
fornecendo ao trabalhador remuneração justa, moradia, alimentação, seguro saúde, e até horas de
lazer para que ele adquira dignidade e auto-estima da tarefa que exerce. Por outro lado, a adoção da
mecanização na colheita é ambientalmente a melhor opção, pois, evita as queimadas, já socialmente
não é tão almejada, uma vez que reduz substancialmente o numero de trabalhadores. Contudo,
melhorias nas condições de trabalho são a única forma de inverter a negativa imagem que detém a
indústria da cana, pois, países importadores colocarão restrições à compra do etanol por conta da
exploração do trabalhador e essas restrições, estarão presentes na arena do comércio internacional.
No que diz respeito à etapa industrial da produção do etanol existem também sérios questionamentos.
Subprodutos tais como a vinhaça (remanescente do processo industrial) geram muitas incertezas
quanto a sua real absorção no próprio canavial e seu uso como fertilizante. A capacidade mecânica do
solo quanto aos limites de assimilação do potássio (presente na vinhaça) não estão claramente
definidos. O volume de vinhaça gerado nas usinas está numa relação de dez ou doze litros por cada
litro produzido de etanol, as dúvidas permanecem quanto à quantidade e ao grau de absorção de
potássio pelo solo, pesquisas e estudos em andamento precisam definir esses índices de absorção,
visto que as características físico-químicas do solo variam de região para região. O uso d’água no
processo de produção de etanol é também uma grande incógnita uma vez que exige um volume
expressivo. A adoção de medidas rigorosas quanto ao descarte e uso de subprodutos e da água
utilizada deve tornar-se um alvo prioritário dentro do processo de gestão das usinas.
Resumindo, o desafio da indústria sucro-alcooleira para produzir, expandir e vender o etanol em
mercados internacionais é grande. Mudanças de postura e de mentalidade na gestão da produção do
etanol são imperiosas, e não apenas do ponto de visto tecnológico as quais são até as mais rápidas e
fáceis de acontecer, mas sim quanto à parte social e ambiental. Estas áreas são de mais difícil
mensuração, mas são as que mais precisam ser trabalhadas e aprimoradas pelos industriais e
investidores da cana-de-açúcar. Tratar com desdém estes setores levará a sérios imbróglios e malestares aos empresários, comprometendo potenciais mercados que consideravam já ganhos.
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IBGE – Instituo Brasileiro de Geografia e Estatistica www.ibge.org.br
Este trabalho é parte de uma pesquisa ainda em execução, financiada pelo CNPq, e trata da
expansão da cultura da cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul e sua contribuição no
desenvolvimento sustentável. Resultados mais conclusivos serão apresentados em posteriores
trabalhos.

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