para entender a saúde no brasil 3

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para entender a saúde no brasil 3
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
PARA ENTENDER A
SAÚDE NO BRASIL 3
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Eduardo Bueno da Fonseca Perillo
(organizadores)
PARA ENTENDER A
SAÚDE NO BRASIL 3
São Paulo
2009
LCTE Editora
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Maria Cristina Sanches Amorim
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
© 2009
Eduardo Bueno da Fonseca Perillo
Maria Cristina Sanches Amorim
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil).
Para entender a saúde no Brasil 3 / Eduardo Bueno da Fonseca Perillo, Maria Cristina Sanches Amorim
(organizadores) -- São Paulo : LCTE Editora, 2009.
Vários autores
Bibliografia
ISBN 978-85-98257-89-1
1. Instituições de saúde - Brasil 2. Política médica – Brasil 3. Serviços de saúde – Administração – Brasil 4. Sistemas de saúde – Agências - Brasil I. Perillo, Eduardo
Bueno da Fonseca.
II. Amorim, Maria Cristina Sanches.
09-12078
CDD-362.10981
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Saúde: Administração: Economia da saúde 362.10981
2. Brasil: Saúde: Planejamento: Economia da saúde 362.10981
Reservados todos os direitos de publicação à LCTE Editora
(LCTE Editora é uma divisão da PAYM Gráfica e Editora Ltda.)
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Em 2007 organizamos o primeiro volume da coletânea “Para entender a saúde no Brasil”. Em 2008, o segundo, e em 2010, apresentamos aos leitores o volume 3. O traço de união entre os três trabalhos
é a diversificação dos conteúdos e de posicionamento, estratégia para
mostrar o grau de complexidade do setor dos bens e serviços de saúde
no Brasil.
A coletânea resulta das atividades regulares do grupo de pesquisa sobre economia e gestão de saúde do programa de pós-graduação
da PUC/SP, inserido no núcleo de estudos em regulamentação econômica e estratégias empresariais. Ao longo dos últimos quatro anos,
mestrandos, doutorandos, mestres, doutores e profissionais destacados
(das organizações governamentais e privadas) participaram das atividades de descrição e análise do setor saúde. Os artigos expressam as
especificidades dos vários segmentos: farmacêutico, hospitais privados,
instâncias regulamentadoras, gerenciamento do benefício de farmácia
(conhecido como PBM, do inglês, pharmacy benefit management), fontes pagadoras privadas, SUS e programas de prevenção e promoção
de saúde.
A descrição exaustiva de qualquer fenômeno é impossível: a realidade altera-se muito rapidamente, os dados primários são sempre
parciais e, o mais importante, o olhar do observador é posicionado, inevitavelmente. Conscientes dos limites inerentes à natureza da pesquisa
(iniciada em 2006), nossa coletânea não busca compreender todos os
aspectos do setor saúde no Brasil, mas capturar os debates considerados relevantes e explorar as diferentes visões e posicionamentos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Apresentação
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Na coletânea lançada em 2007, exploramos dois eixos analíticos
do setor, no Brasil: o acirramento da competição entre as organizações
da saúde suplementar e a falsa ideia de crise permanente no setor. Em
2007, a política macroeconômica ainda era intencionalmente recessiva
(juros e impostos elevados, redução dos gastos públicos para aumento
do superávit primário). A média anual do PIB (pelo deflator implícito) foi
de apenas 3,43% para o período de 2003/06, os gastos públicos com
saúde seguiram a mesma tendência, de 3,7% (no mesmo período) (DATASUS/SIOPS, 2008). Como termo de comparação, basta lembrar que
a projeção de crescimento do PIB, para 2010, está acima de 5,5%, apesar da crise econômica mundial de 2008. Em 2006, estávamos diante
de um movimento geral de modestas taxas de crescimento econômico
e consequente aumento da competição entre os agentes pelo PIB setorial, e não de crise específica do setor saúde.
No trabalho de 2008, os eixos de análise foram a inovação nos
processos gerenciais e as reações das organizações (governamentais
e privadas) à regulamentação econômica. O contexto macroeconômico caracterizava-se pelos juros altos e câmbio desvalorizado, pois o
primeiro causava o segundo. Premido pelo alto custo da dívida interna
e manutenção do superávit primário, o governo intensificou controles
econômicos, na tentativa de conter gastos sem reduzir significativamente a oferta de serviços. As organizações privadas por sua vez,
redesenharam processos para reduzir custos e buscaram por novas
formas de financiamento junto aos bancos e bolsa de valores.
Em “Para entender a saúde no Brasil 3”, selecionamos as reflexões sobre a regulamentação econômica; o papel do Estado no fomento
à pesquisa de fármacos; os vinte anos do SUS; as ferramentas de gestão de processos, de marketing e o controle dos impactos ambientais
nas atividades hospitalares; as atividades das empresas gerenciadoras do benefício de farmácia (PBM); as experiências surgidas no Reino
Unido para compartilhamento do risco da inovação; a importância dos
programas de prevenção e promoção de saúde nas organizações privadas. Em 2009, a política econômica adquiriu tons desenvolvimentistas, o BNDES ampliou a oferta de crédito (por exemplo, o PROFARMA,
Maria Cristina Sanches Amorim
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Eduardo Bueno da Fonseca Perillo
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voltado para as indústrias farmacêuticas), a taxa de juro oficial (SELIC)
finalmente veio abaixo de 10% ao ano. As discussões relevantes tratam
da eficácia (das organizações, dos agentes reguladores) e das consequências ambientais do setor saúde, as queixas da “crise” estão em
segundo plano.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Sustentabilidade da medicina
Reynaldo André Brandt
11
Opinião: A sustentabilidade do setor de saúde e o incentivo da capacitação profissional
José Carlos Abrahão 41
Modelos de gestão - importância para a continuidade e qualidade das
organizações de saúde
Haino Burmester
45
Inovação e a área da saúde Ana Maria Malik
71
Marketing e o gerenciamento do relacionamento com o cliente no segmento hospitalar
Luiz Claudio Zenone
89
Os 20 anos do SUS – avaliação das “escolhas de Estado” entre avanços
políticos e fragilidades financeiras Leonardo Trevisan
107
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Índice
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
10
Inovações tecnológicas em neonatologia - estudo dos casos de dois
hospitais paulistanos Lutufyo W. Mwamakamba e Paola Zucchi 121
Reflexões sobre a regulamentação dos preços dos medicamentos
no Brasil Maria Cristina Sanches Amorim, Eduardo Bueno da Fonseca Perillo e
Fernão Almeida
133
A indústria farmacêutica: investimento em pesquisas e incentivos governamentais Aldemir Evangelista da Cruz e Maria Cristina Sanches Amorim
163
Gerenciamento do benefício em medicamentos – instrumento de informações para prevenção e promoção de saúde Jorge André Rocha de Sousa
181
O modelo assistencial e o financiamento da saúde no Brasil José Antonio Diniz de Oliveira e Isabella Vasconcellos de Oliveira
201
Reembolso condicional e compartilhamento de risco (risk sharing) na
adoção de novas tecnologias em saúde Gabriela Tannus Branco de Araújo e Marcelo Cunio Machado Fonseca 225
A Nova Economia Institucional e a gestão da saúde corporativa Jin Whan Oh
233
11
Reynaldo André Brandt - Médico neurocirurgião,
presidente do Conselho Deliberativo do Hospital Israelita
Albert Einstein, ex-presidente da Associação Nacional de
Hospitais Privados – ANAHP.
Introdução
Uma das maiores preocupações da humanidade no início do século XXI é a da sustentabilidade do planeta. Ao atingirmos 6,4 bilhões
de habitantes, tornou-se patente o fato dos recursos naturais serem insuficientes para a manutenção dos hábitos de vida dos países ricos e a
vontade de atingi-los pelas populações pobres. A prática dos excessos e
dos desperdícios, a globalização sob inúmeros aspectos, o surgimento
de graves alterações climáticas consequentes ao aquecimento ambiental e de pandemias, levam à necessidade de uma revisão sistêmica dos
modos de vida sob os princípios da sustentabilidade.
A saúde das pessoas está sendo afetada pela degradação do
ambiente, razão pela qual os profissionais da saúde estão intimamente
envolvidos nessa questão (MCMICHAEL, 1993; LEAF, 1989). Acreditase que atualmente 25% dos problemas de saúde estejam diretamente
relacionados às alterações ambientais (CHEN, 1996). Vários fenôme-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Sustentabilidade da
medicina
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
12
nos naturais, que influem positivamente sobre a qualidade de vida dos
humanos, são afetados pela destruição do ambiente, como é o caso do
clima, da purificação da água, da renovação do solo, da polinização, da
decomposição dos dejetos, da dispersão de sementes, da manutenção
da biodiversidade, da proteção contra os raios solares e do controle das
epidemias (DAYLE, 1997).
Sustentabilidade é prover o melhor para as pessoas e para o ambiente, tanto agora como para um futuro indefinido. Em outras palavras,
sustentabilidade é suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas. É fácil perceber
que o conceito de sustentabilidade é muito mais amplo do que, frequentemente, tem sido utilizado. Não se trata simplesmente de garantir a
sobrevivência econômica de um empreendimento, independentemente
dos interesses da sociedade como um todo ou uma geração.
Para que uma atividade humana seja considerada sustentável,
deve preencher quatro requisitos fundamentais: ser culturalmente aceita, socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente correta.
Analisaremos a medicina, desde os seus primórdios até os dias atuais,
sob a óptica destas quatro vertentes.
Culturalmente aceita
A medicina é uma atividade culturalmente aceita desde os seus
primórdios. Não só é aceita, como é considerada essencial para a qualidade de vida dos povos (LYONS; PETRUCELLI, 1978). A partir dos
conceitos mágicos e míticos do homem pré-histórico, a medicina rapidamente evoluiu com a incorporação de conhecimentos sobre anatomia,
as características das doenças, a relação de algumas destas com fatores ambientais e o efeito de medicamentos obtidos a partir de plantas.
No Egito antigo a medicina era praticada tanto por sacerdotes,
mágicos e feiticeiros como por médicos, de acordo com evidências de
13
A medicina era praticada na Grécia mais de 1.000 anos antes da
era cristã. As atividades diárias dos gregos estavam diretamente ligadas aos deuses, assim como todos os fenômenos naturais. Parte das
atividades de cura era feita em templos, mantidos por sacerdotes, para
o tratamento das doenças, locais em que os enfermos se banhavam,
dormiam, meditavam e faziam oferendas a Asclépio. Este era um deus
menor, nascido como mortal, filho de Apolo e da mortal Corônis, tendo
sido hábil cirurgião. Pretendia igualar-se aos deuses e tornar os humanos imortais, razão pela qual foi fulminado por Zeus. Apesar disso, era
venerado como deus da cura, juntamente com suas duas filhas, Hygiea
e Panacea. A primeira era a deusa dos hábitos de higiene, da prevenção, da saúde pública. Panacea era a deusa das poções, das drogas
curativas, da farmácia. Ao se internarem nas asclepéias, os doentes
gregos eram estimulados a dormir para que fossem visitados por Asclépio e suas filhas durante o sono e assim curados.
Da mitologia grega podemos inferir a existência de conceitos que
se mantêm até o presente. É o caso da subordinação dos profissionais
de saúde à realidade da finitude da vida e da necessidade de manter a
humildade diante da morte, assim como da importância das medidas de
higiene e saúde pública. A busca pela panacéia, capaz de curar todas
as enfermidades, continua desde aquela época.
Diferentemente dos tratamentos nas asclepéias, médicos gregos
procuravam causas naturais para as doenças e a morte. Hipócrates, que
viveu cerca de 400 antes da era cristã, até hoje é venerado como o pai da
medicina, sendo ainda atual o juramento hipocrático. Este inclui a menção de “antes de mais nada, não fazer mal ao paciente”, devendo o médico abster-se de ações prejudiciais aos doentes. Ele foi o mais famoso e
importante médico da Grécia Antiga, introduzindo as práticas da observa-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
achados arqueológicos de 2.500 a 1.500 anos antes da era cristã. Várias doenças eram relacionadas a causas extranaturais ou a seres espirituais, sendo tratadas com poções e rituais. Papiros do Egito antigo
dão conta do conhecimento de órgãos como o coração, os pulmões, o
cérebro, entre outros, possivelmente pela prática do embalsamento de
mortos.
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ção, documentação e raciocínio clínico para o entendimento das causas
das doenças. Separou a prática da medicina da sacerdotal. Defendeu a
existência de causas naturais das doenças, a existência de características constantes passíveis de observação e classificação das mesmas.
A Roma antiga herdou os conhecimentos da medicina grega, bem
como os mitos de Asclépio, que nessa cultura passou a ser chamado de
Esculápio, e de suas filhas. Santuários erigidos a Esculápio tornaramse sanatórios. Os romanos desenvolveram os princípios de higiene e
saúde pública como fundamentais para a prevenção de doenças. Criaram cidades próximas a fontes de água potável e, com seu crescimento, construíram aquedutos para o seu fornecimento à população, assim
como sistemas de esgotos. Consideraram a saúde mental tão importante
quanto a saúde física. Criaram banhos públicos para que todos os cidadãos pudessem manter hábitos de higiene. As grandes cidades tinham
banheiros públicos e muitas das casas tinham seus próprios banheiros.
Os romanos evitavam instalar acampamentos militares nas proximidades de pântanos, temendo as doenças transmitidas por “vapores
venenosos e organismos invisíveis” que os habitavam. Galeno, que viveu no segundo século da era cristã, tratou seus pacientes com medicamentos cujo efeito estudou metodicamente, criando uma classificação
racional e sistemática dos mesmos. Sugeriu que os medicamentos deveriam ter propriedades opostas às das causas das doenças. As propriedades seriam o seco, o úmido, o quente e o frio. Os medicamentos
deveriam ser prescritos segundo um conjunto de fatores que incluíam a
idade, a raça, a personalidade do paciente, bem como a natureza dos
“humores” do seu organismo.
Na medicina chinesa antiga, os conceitos de Yin e Yang foram
expressos pelo menos desde 200 anos antes da era cristã. Yin correspondia ao feminino, à lua, à terra, à água, à noite, ao frio, ao escuro e
ao nebuloso. Yang correspondia ao masculino, ao sol, ao céu, ao dia,
ao fogo, ao calor, ao seco e ao brilhante. Essas duas forças estariam
ligadas aos elementos fundamentais como o fogo, a água, a madeira, o
metal e a terra. A harmonia entre o Yin e o Yang corresponderia à saúde, enquanto que o seu desequilíbrio levaria à doença e à morte. Aos
15
Com a destruição do Império Romano, desapareceu grande parte
dos conhecimentos e da prática médica. Passou a prevalecer, durante
toda a Idade Média, o conceito da Igreja Católica segundo o qual as doenças eram o resultado de punições divinas pelos pecados cometidos.
Quaisquer opiniões em contrário eram consideradas heréticas e passíveis de punição. Médicos relacionavam o aspecto da urina com cartas
dos signos para diagnosticar as doenças. Os diagnósticos eram fortemente influenciados pela astrologia, sendo os signos considerados importantes nas decisões terapêuticas, particularmente quanto aos locais
que não deveriam ser incisados para sangrias. Além dessas, os vomitórios e os purgativos eram largamente utilizados. Durante a peste negra
era comum a prática da autoflagelação, como prova do amor a Deus e a
purgação dos pecados cometidos. Ao mesmo tempo, nos países europeus sob dominação islâmica, surgiram os primeiros hospitais para o tratamento de doenças, inclusive as contagiosas e as mentais. As pessoas
eram tratadas por médicos e enfermeiras, formados em universidades.
O Renascimento permitiu um novo e grande impulso para a medicina. A prática da dissecção do corpo humano foi instituída nas universidades. Paracelso contrapôs-se aos conceitos de Galeno, cujas
obras queimou em praça pública. Desenvolveu uma farmacologia com
fórmulas relativamente simples, a partir de elementos naturais e vários
minerais. Ambroise Paré desenvolveu novas técnicas cirúrgicas, defendeu a ligadura de vasos para o controle das hemorragias em lugar
das cauterizações e foi considerado o maior cirurgião de sua época. As
práticas aplicadas aos feridos de guerra foram levadas às populações
civis. A medicina passou a ser formalmente ensinada em universidades e praticada por grandes humanistas e estudiosos. A invenção da
imprensa permitiu a disseminação dos conhecimentos de modo até
então impossível. Os conhecimentos da medicina árabe passaram a
ser estudados e novos recursos farmacológicos foram incorporados,
particularmente para o controle da dor.
Nos séculos XVII e XVIII surgiram as primeiras sociedades médi-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
médicos cabia a tarefa de diagnosticar os desequilíbrios e restaurar a
harmonia corporal, através de ervas, cirurgia e acupuntura.
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cas, levando à disseminação do conhecimento, à pesquisa e a publicações especializadas. William Harvey descreveu o sistema circulatório.
Leewenhoek introduziu o uso do microscópio e descobriu as hemácias
e as bactérias. Jenner desenvolveu a vacina contra a varíola. Foram
descobertas as vitaminas e sua importância na prevenção e tratamento
de doenças como o escorbuto e o raquitismo.
No século XIX surgiram as bases da chamada medicina científica, bem como dos currículos básicos das escolas médicas. Pasteur
desenvolveu a microbiologia a partir dos estudos sobre a raiva e a bacteriologia a partir dos trabalhos de Koch sobre a tuberculose e o antraz.
Joseph Lister comprovou a importância da desinfecção dos instrumentos cirúrgicos e das mãos para a redução das complicações infecciosas
das cirurgias. William Morton desenvolveu técnicas anestésicas que tornaram as cirurgias indolores.
O início do século XX assistiu ao aparecimento dos raios-X, dos
primeiros antibióticos para o tratamento da sífilis e da tuberculose, do
tratamento das doenças mentais e da quimioterapia. A sua segunda metade foi caracterizada por um extraordinário desenvolvimento da medicina técnica, do crescimento das especialidades e subespecialidades,
do surgimento de tecnologia cada vez mais refinada para diagnóstico e
tratamento das doenças.
No início deste século a medicina está presente em cada momento da vida das pessoas. Sua aceitação cultural é provavelmente maior
do que em qualquer outra época, sob as mais diversas formas. Manifesta-se através da automação e maior acesso a exames laboratoriais,
da precisão de sistemas de diagnóstico por imagens como a ressonância magnética, a tomografia por emissão de pósitrons e tantos outros,
da possibilidade de abordagens cirúrgicas minimamente invasivas, da
facilidade de obtenção de informações pela internet, ou mesmo pela
sinergia entre o marketing e os meios de comunicação. O fato é que a
medicina deixou de ser uma atividade solo e de relação direta entre o
médico e o paciente.
A transformação da medicina “artesanal” em uma atividade altamente tecnológica, hospitalocêntrica, multiprofissional e sob forte in-
17
A aceitação cultural da medicina é uma realidade inegável desde
os tempos primordiais até os nossos dias. Sob esse aspecto, a medicina
é claramente sustentável.
Ser socialmente justa
A avaliação da medicina sob o prisma da justiça social necessita,
antes de mais nada, da sua definição. As definições variam de acordo
com indivíduos, grupos e governos. Abordagens distintas definem diferentemente o que seja justiça social. Talvez aquela com bases econômicas seja a mais difundida, a saber: é a distribuição de renda ou de
riqueza, de acordo com as necessidades e a capacidade das pessoas,
elevando o nível de renda das massas e diluindo progressivamente as
diferenças de classes. Em outras palavras, é permitir que um número cada vez maior de pessoas participe da propriedade dos meios de
produção e do consumo de bens e serviços. Não entraremos no campo de debates entre as abordagens libertária, social-democrata e liberal, porém ao tratar da justiça social na medicina, verificaremos que há
profundas diferenças entre países capitalistas e socialistas no trato da
acessibilidade aos serviços de saúde.
Na visão libertária, os direitos individuais fundamentais incluem a
vida, a liberdade e a propriedade, que devem ser defendidos e garantidos pelos governos. A estes não cabe prover o que as pessoas não
souberam ou não puderam prover para si mesmas, como resultado do
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
fluência de um gigantesco complexo industrial (TOKARSKI, 2004; PERILLO; AMORIM, 2008), ao lado de muitas vantagens criou também
uma série de desafios para a sociedade contemporânea. Entre estes
estão os da despersonalização e massificação do atendimento médico,
da fragmentação dos cuidados e da valorização exagerada da tecnologia em detrimento do raciocínio clínico. De qualquer modo, pode-se afirmar a presença constante de temas médicos na vida contemporânea,
com todas as suas virtudes e fraquezas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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seu trabalho. Nesta visão, cabe a cada um prover as suas necessidades
de assistência à saúde. Esta não é um direito individual e a sociedade
não tem o dever de prover assistência à mesma.
Na visão socialista, a equidade é um valor intrínseco e que justifica a limitação da liberdade individual se esta se contrapuser ao direito
coletivo. Nesta visão, cabe aos governos garantir o acesso aos serviços
de saúde, uma vez que a vida de cada um é igualmente importante. A
sociedade deve garantir tratamento às doenças que impeçam a atividade, afetem o bem estar e que causem sofrimento, sendo que apenas
os governos podem fazê-lo com equidade, ao contrário de empresas
médicas que visam lucro.
A visão liberal procura um equilíbrio entre as duas anteriores:
aqueles que possuem mais têm o dever moral de ajudar os necessitados. As instituições devem garantir as liberdades fundamentais, como a
da expressão, e a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos,
incluindo as da saúde. Os seus limites, no entanto, não são claros nesta
visão. No Brasil, por exemplo, o sistema público de saúde convive com
o sistema suplementar intermediado por empresas seguradoras, cooperativas e administradoras de planos de saúde, com prestadores de
serviços médicos públicos, filantrópicos e empresariais. O artigo 195 da
Constituição Federal afirma que “a saúde é um direito de todos e dever
do Estado” (BRASIL, 1988).
Em essência, nos países capitalistas e em especial nos Estados
Unidos da América, a saúde é um negócio, enquanto que na maioria dos
países socialistas é um direito do cidadão. No primeiro caso predomina
o conceito do indivíduo tendo a liberdade de escolha e decisão, inclusive
para a compra ou não de serviços médicos, enquanto no segundo predomina o conceito do coletivismo como base do bem estar social (PEREIRA, 1990). De todo modo, não há como negar que as necessidades
de saneamento e de saúde pública devem ser supridas pelos governos,
independentemente das filosofias que os norteiam.
A crescente complexidade da medicina contemporânea e os seus
custos crescentes fazem com que nenhum dos dois principais sistemas
sociais seja satisfatório na função de distribuir equitativamente os recur-
19
A questão fundamental ao tratar-se da justiça social na medicina,
é se a sociedade tem ou não a obrigação moral de garantir que cada
cidadão tenha acesso a algum nível de assistência à saúde. Em caso
afirmativo, qual deve ser o padrão desse acesso? Deve ser universal, a
todos os serviços existentes, até os mais recentes ou mesmo exóticos,
ou deve ser um padrão básico, de acesso a serviços essenciais? A conclusão da 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em
1986 no Canadá, foi de que
“a paz, a educação, a habitação, a alimentação, a renda,
um ecossistema estável, a conservação dos recursos, a
justiça social e a equidade são requisitos fundamentais
para a saúde”.
Essa conclusão mostra a complexidade do assunto e a dependência da saúde de um enorme conjunto de fatores. O controle dos mesmos
vai muito além da capacidade individual e mesmo da maioria dos governos ou de suas respectivas sociedades. Vale mencionar, ainda, a complexidade da cadeia de personagens envolvidos na atenção à saúde. Cada
um desses tem de ser considerado na avaliação do requisito da justiça
social, como é o caso do cidadão ou paciente, antes de mais nada.
Seguem-se os profissionais da saúde como médicos, enfermeiros
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
sos dos serviços de saúde aos cidadãos (PERILLO; AMORIM, 2008). Nos
países social-democratas, os governos já não conseguem atualizar os recursos humanos e tecnológicos e dar acesso em tempo adequado a todos
os que buscam os serviços de saúde, como também não conseguem tratar adequadamente os pacientes idosos e os com doenças crônicas. Nos
países capitalistas, em especial nos Estados Unidos, há o grave problema
de uma parcela considerável da população não ter acesso aos serviços de
saúde, apesar da existência de programas específicos para pobres e idosos. Ao mesmo tempo, pelo custo crescente da medicina contemporânea,
muito acima da inflação média em seus países, parcelas crescentes da
população estão sendo alijadas do acesso à mesma (POWERS; FADEN,
2007; DHALLA, 2007).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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e os diversos terapeutas, os professores e estudantes das várias profissões médicas e paramédicas, os gestores e os prestadores de serviços,
os políticos responsáveis pelos programas de saúde, os profissionais
das indústrias de materiais e medicamentos, entre tantos outros. Na
dependência de diferentes sistemas de saúde, vários desses personagens são afetados, positiva ou negativamente, pelas políticas de saúde
e as distintas formas de sua gestão. Frequentemente as insatisfações
ganham as páginas dos jornais, sites e revistas, transformam-se em
grupos ou organizações sociais e, por vezes, chegam às ruas sob a
forma de protestos formais.
Concluímos que o requisito de ser socialmente justa é apenas
parcialmente preenchido pela medicina contemporânea, independentemente do país ou sistema de saúde considerado. Sabe-se que os índices mais significativos de melhoria do padrão de saúde estão diretamente relacionados aos índices de desenvolvimento econômico dos
países (WORLD BANK, 1993). A qualidade da saúde e a expectativa de
vida são maiores naqueles em que o crescimento industrial e tecnológico leva à estabilidade no fornecimento de alimentos, processamento
adequado dos dejetos, fornecimento de água potável, de vacinas, educação adequada, controle e prevenção das doenças e uso correto da
tecnologia médica (MCKEOWN, 1976). Nos países em que a medicina
é socializada, há melhor distribuição dos recursos médicos e hospitalares, assim como maior garantia de acesso ao atendimento das necessidades básicas de saúde.
Ser economicamente viável
A percepção de que os atuais sistemas de atenção à saúde são ou
em breve se tornarão economicamente insustentáveis eleva a viabilidade
econômica da medicina a uma das prioridades dos governos e de organizações sociais em praticamente todos os países. Os seus custos crescem
muito mais rapidamente do que a inflação em praticamente todos os paí-
21
O quadro 1 mostra o aumento porcentual dos investimentos em
saúde de alguns países desenvolvidos, em relação ao produto interno
bruto (FERRAZ, 2008).
Quadro 1 - Gastos em saúde de alguns países desenvolvidos
como % do PIB - 1960 e 2004
Investimento
Investimento
(% do PIB)
(% do PIB)
1960
2004
Estados Unidos
5,2
15,3
Alemanha
4,8
10,6
Canadá
5,4
9,8
Suécia
4,7
9,1
Reino Unido
3,9
8,1
Japão
3,0
7,8
País
Fonte: Ferraz, 2008.
Nos últimos anos, os gastos em saúde no Brasil corresponderam a aproximadamente 8,3% do PIB, sendo 41% públicos e 59%
privados. O quadro 2 mostra os investimentos em saúde de alguns
países da América Latina, em dólares norte-americanos, como porcentagem do PIB, em 2000 (MÉDICI, 2005). Os dados permitem concluir que não é suficiente considerar apenas a proporção dos investimentos em saúde em relação ao PIB para avaliar o seu valor para
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
ses e constituem uma elevação real dos mesmos. Inúmeros fatores contribuem para esse fenômeno, como o envelhecimento populacional, a maior
e melhor distribuição dos recursos de diagnóstico e tratamento, a melhoria
dos níveis de informação e expectativa das pessoas, a incorporação de
novos medicamentos e tecnologias, independentemente da comprovação
de maior eficácia, além de custos administrativos crescentes (PORTER;
TEISBERG, 2006; FERRAZ, 2008).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
22
a população. A Argentina, por exemplo, investiu em 2000 quase a
mesma proporção do PIB comparada com o Brasil, porém os valores absolutos corresponderam a quase o dobro do investimento por
habitante. Há, também, diferenças importantes nas proporções dos
gastos públicos e privados nos diversos países.
No Brasil, a proporção de gastos privados só é menor do que
a do Uruguai, sendo os gastos públicos proporcionalmente menores
do que os da Argentina, Uruguai, Cuba, Panamá, Colômbia e Bolívia.
Por outro lado, não há relação direta entre as proporções dos gastos
em saúde com a expectativa de vida das respectivas populações.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas, a expectativa de vida no Japão é de 78 anos para homens e 85 anos para
mulheres, praticamente a mesma da Suécia, da Noruega, da Itália,
da Áustria, da Alemanha que apresentam expectativa de vida de 7576 anos para homens e de 81-83 anos para mulheres. A expectativa
nos Estados Unidos é de 74 anos para homens e 80 anos para mulheres.
Percebe-se que países desenvolvidos que destinam proporções muito menores do seu PIB à saúde apresentam resultados semelhantes ou até melhores do que os dos Estados Unidos, possivelmente por apresentar sistemas de gestão dos seus recursos mais
eficientes. No Brasil a expectativa de vida é de 64 anos para homens
e 73 anos para mulheres.
23
Gasto
País
per capi-
Gasto pú-
Gasto pri-
blico
vado
Gasto total
(% do PIB)
PIB
per capita
ta (US$)
(% do PIB)
(% do PIB)
Argentina
1.091
4,7
3,9
8,6
12.686
Uruguai
1007
5,1
5,8
10,9
9.238
Chile
697
3,1
4,2
7,3
9.548
Brasil
631
3,4
4,9
8,3
7.602
Colômbia
612
5,3
4,0
9,3
6.581
México
477
2,5
2,8
5,3
9.000
Trinidad
468
2,3
2,2
5,5
8.509
Panamá
464
4,8
2,1
6,9
6.580
Paraguai
323
3,0
4,9
7,9
4.089
Venezuela
280
2,7
2,0
4,7
5.957
Peru
238
2,8
2,0
4,8
4.958
Cuba
193
6,1
1,0
7,1
2.718
Bolívia
145
4.3
1,8
6,1
6.410
Equador
78
1,2
1,2
2,4
3.250
(US$)
Fonte: Powers; Faden, 2007.
Nos Estados Unidos, o gasto total em saúde em 2007 foi de mais
de 2,2 trilhões de dólares ou 16,2% do PIB, dos quais 46% foram públicos, em programas para idosos e carentes, e os demais, privados.
Este gasto correspondeu a US$7.421,00 por habitante, valor oito vezes
maior do que o de 1980. Esse crescimento elevou a proporção de norteamericanos que não têm ou deixaram de ter acesso aos serviços médico-hospitalares a 25% da população. Se não houver importantes modi-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Quadro 2 - Gastos em saúde - países latino-americanos e do
Caribe como % do PIB - 2000
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
24
ficações no sistema de saúde nos Estados Unidos, os gastos deverão
atingir 25% do PIB em 2025 e 49% em 2082 (ORZAG, 2008). No Brasil
verifica-se o mesmo fenômeno da inflação dos gastos com saúde ser
significativamente maior do que a inflação geral, sendo que no período
de 1995 a 2005 a inflação do setor saúde foi 2,6 vezes maior (FERRAZ,
2008).
A distribuição dos gastos em saúde nos Estados Unidos em 2007
foi a seguinte: 31% para hospitalizações, 21% para médicos e clínicas,
13% para medicamentos e produtos, 10% para outros serviços profissionais, 7% para administração e o restante para cuidados domiciliares,
cuidados paliativos e outros. É evidente que esta distribuição contrasta
fortemente com a de algumas dezenas de anos atrás, quando os maiores custos eram os dos honorários médicos e a tecnologia diagnóstica
se resumia a alguns exames laboratoriais e de imagens como radiografias e ultrassonografias.
No Brasil, em 2009, cerca de 40% a 45% das receitas de hospitais privados correspondem a materiais e medicamentos, 12,5% a exames complementares de diagnóstico e 24,5% a diárias e taxas, segundo
a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP, 2009). Os custos
dos recursos humanos correspondem a 46% do seu total, nesses hospitais. Essas proporções mostram a importância dos recursos tecnológicos utilizados na prática médico-hospitalar atual, do ponto de vista
econômico, bem como a desproporção dos custos com pessoal para a
realização desta atividade.
É importante avaliar o valor dos investimentos para a melhoria do
nível de saúde e como estes evoluíram com o passar do tempo. Na publicação The Role of Medicine, McKeown (1976) atribuiu um aumento de um
a dois anos no tempo de vida das pessoas como consequência dos avanços da medicina na primeira metade do século XX, período em que esse
teria aumentado 23 anos no total. Os demais seriam devidos a melhor
distribuição de alimentos, processamento adequado dos dejetos, fornecimento de água potável, vacinações e melhoria nos níveis de educação.
Segundo John Bunker (2001a, 2001b), de 1900 a 1950 a expectativa de vida aumentou 30 anos, sendo cinco devidos a intervenções
25
Alterações comportamentais como abandono do tabagismo, manutenção do peso e atividade física regular aumentaram a expectativa
de vida de 6 a 20 meses. Uma série de outras intervenções devem ser
consideradas pelo fato de melhorar a qualidade de vida, mesmo sem
influírem sobre o tempo de vida das pessoas tratadas. São os casos das
cirurgias para catarata, transplantes de córneas, tratamentos da dor e
das doenças mentais, entre outras. Deve-se considerar também a morbidade e a mortalidade consequentes à iatrogenia e a outros erros médicos e que representam, nos Estados Unidos, uma redução de 6 a 12
meses na expectativa de vida. O princípio hipocrático de não prejudicar
o paciente ainda não é observado universalmente.
Os dados acima expostos reforçam o conceito de que a melhoria
das condições sociais interferem de maneira expressiva na expectativa
e na qualidade de vida das pessoas, em geral com melhores resultados
e custos inferiores aos das intervenções médicas. Os investimentos em
medicina curativa devem ser considerados em relação aos aplicados à
medicina preventiva, saneamento básico, educação, alimentação e habitação, entre outros. A maneira de alocar os recursos finitos a cada uma
dessas áreas e como serão distribuídos entre os membros da sociedade
é tarefa dos governantes e representantes dessa sociedade.
A economia da saúde dedica-se ao estudo da alocação dos recursos à área da saúde, avaliando as alternativas que competem pelos
mesmos. Preocupa-se com a eficiência das alternativas existentes e
com a equidade na distribuição dos recursos. Para tanto, considera as
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
médicas, preventivas e curativas e 25 devidos a outros fatores. De 1951
a 2000 a expectativa de vida aumentou mais sete anos, sendo 3,5 devidos a intervenções preventivas e curativas e 3,5 anos devidos a outros
fatores. As principais intervenções preventivas e curativas na primeira
metade do século XX foram relacionadas a introdução dos medicamentos para o tratamento de infecções, especialmente a pneumonia e a gripe. Nos anos seguintes destacaram-se as intervenções na abordagem
da hipertensão arterial, do diabetes e suas complicações, das coronariopatias isquêmicas, dos acidentes vasculares cerebrais e das nefropatias, que aumentaram a expectativa de vida em 3 a 6 meses, cada.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
26
evidências científicas, por um lado, e as preferências da sociedade, por
outro. Infelizmente, muitas vezes as evidências em medicina não têm a
precisão das ciências exatas, dada a variação dos eventos biológicos.
Do mesmo modo, as preferências são próprias de cada sociedade ou de
grupos sociais, variando com o local e a época considerados. O número
de atores ou de elos da cadeia de atenção à saúde, cada vez maior e
mais complexo, torna a gestão adequada dos recursos um gigantesco
desafio para as sociedades contemporâneas. A complexidade aumenta pela grande influência dos recursos de marketing de empresas de
tecnologia médica, de equipamentos, de insumos e de fármacos, que
atuam diretamente sobre as pessoas como consumidoras de serviços e
produtos médicos, bem como sobre os próprios profissionais da saúde.
Aos economistas da saúde compete analisar as opções e facilitar
as escolhas a partir das evidências, dos recursos disponíveis, das preferências e dos valores da sociedade. Compete-lhes, igualmente, avaliar
as interseções desses parâmetros, como os custos de oportunidade, os
custos-efetividade e as preferências sociais. Os gestores dos sistemas de
saúde são os responsáveis pelas tomadas de decisão quanto a alocação
correta dos recursos e a sua fiscalização, dentro de estratégias de médio
e longo prazo previamente determinadas (FERRAZ, 2008).
As decisões estratégicas relativas ao direcionamento dos recursos podem sem resumidas em duas: racionamento e racionalização.
Estas, por sua vez, têm macro e micro-alocações. A macro-alocação
refere-se às decisões dos governos, das companhias de seguros, das
fundações ou organizações privadas etc. A micro-alocação refere-se especificamente a hospitais e clínicas, bem como individualmente a médicos e outros profissionais da saúde.
O racionamento de recursos pode ser necessário em situações específicas, quando esses são escassos e devem ser dirigidos a quem puder
receber o maior benefício dos mesmos, ainda que em detrimento de outros cujo benefício seria restrito ou duvidoso. A racionalização na alocação
dos recursos é preferível e possível em muitas circunstâncias. Atualmente
há diversas propostas nesse sentido, como as que se seguem.
Investimentos em tecnologia da informação podem levar à cons-
27
Programas de melhoria da qualidade e da eficiência tendem a ter
melhor relação custo-efetividade, diminuindo a variabilidade das ações
médicas, reduzindo ou eliminando os desperdícios e as intervenções
inúteis. Calcula-se que cerca de 30% das intervenções médicas sejam
desnecessárias, sendo que parte destas constituem práticas defensivas por profissionais temerosos de ações judiciais por supostas máspráticas. A adequação dos sistemas de pagamento aos profissionais é
medida importante para a racionalização na utilização dos recursos. Enquanto houver sistemas de compensação financeira a médicos e outros
profissionais, diretamente relacionada ao uso ou prescrição de determinados procedimentos, haverá a tendência ao abuso ou mau uso dos
mesmos. A regulamentação governamental poderá manifestar-se tanto
como medidas de racionalização, como de racionamento dos recursos,
dependendo da competência dos gestores das macro-alocações.
Programas de prevenção das doenças ou das complicações de
doenças crônicas constituem uma importante maneira de racionalizar a
utilização dos recursos. Eliminação de hábitos como tabagismo e etilismo, combate à obesidade, controle da hipertensão e do diabetes, prevenção das coronariopatias e dos acidentes vasculares cerebrais são
exemplos de programas cujo valor é amplamente reconhecido.O incentivo à prudência e à responsabilidade na escolha de profissionais e de serviços médico-hospitalares por parte dos pacientes, para que conheçam
os preços dos serviços e dos insumos, auxiliam no controle e na redução
desses preços (consumer-driven healthcare).
O Institute of Medicine norte-americano, ao abordar a importância
e os custos dos erros médicos, formulou algumas recomendações para
a sua redução ou eliminação: (1) estabelecimento de uma agência voltada à segurança dos pacientes com sistema específico de pesquisa e
garantia de qualidade; (2) criação de um sistema nacional de notificação
compulsória de eventos adversos graves pelos hospitais; (3) incentivo
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
trução de prontuários médicos eletrônicos que permitam adequar a escolha dos melhores exames de diagnóstico, evitar sua repetição desnecessária, as melhores terapias para os pacientes pelos diversos profissionais, assim como conhecer e controlar os seus resultados.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
28
à notificação voluntária de eventos adversos; (4) proteção dos sistemas
de revisão pelos pares e dos dados relativos a segurança dos pacientes; (5) estabelecimento de padrões de performance institucionais e de
médicos, com foco na segurança dos pacientes; (6) atenção especial
aos processos de liberação do uso e dos processos de pós-venda de
produtos e fármacos; (7) estabelecimento de programas de segurança dos pacientes nos hospitais e pelas empresas de planos de saúde
(KOHN, 2000).
A seguir, o Institute of Medicine formulou os seis princípios que
devem reger a prática da medicina no século XXI (COMITEE ON QUALITY HEALTH CARE IN AMERICA, 2001).
– Segura - as intervenções médicas, feitas com o objetivo de ajudar os pacientes, devem evitar lesões ou danos aos mesmos.
– Eficaz - os serviços devem ser prestados com base no conhecimento científico a todos os que podem beneficiar–se
dos mesmos e devem ser evitados àqueles que não o seriam;
deve-se evitar tanto a subutilização como a super-utilização de
recursos.
– Foco no paciente - os cuidados ao paciente devem respeitar e
corresponder às suas preferências, necessidades e valores, com
a garantia de que todas as decisões clínicas serão guiadas pelos
valores do paciente.
– Adequada no tempo - atendimento no tempo adequado, reduzindo os períodos de espera ou de adiamento prejudiciais tanto
para quem recebe como para quem fornece os cuidados médicos.
– Eficiente - eliminação do desperdício, inclusive de equipamentos, insumos, ideias e energia.
– Equitativa - os cuidados de saúde não podem variar em qualidade com características pessoais como sexo, etnia, localização
geográfica e status sócio-econômico.
A esses princípios foram agregadas recomendações, relativas ao
acesso aos serviços de saúde.
29
– A cobertura para cuidados de saúde deve ser contínua.
– A cobertura para cuidados de saúde deve ter custo compatível
com as possibilidades das pessoas e famílias.
– A estratégia de seguro-saúde deve ser acessível e sustentável
para a sociedade.
– O seguro-saúde deve melhorar a saúde e o bem-estar pela promoção do acesso a cuidados de alta qualidade que sejam efetivos, eficientes, seguros, adequados no tempo, com o foco no
paciente e equitativos.
A importância da participação dos profissionais médicos para a
satisfação desses princípios e para a efetiva racionalização na utilização
dos recursos existentes é óbvia. As iniciativas que procuraram racionálos, em geral, resultaram em prejuízo tanto para pacientes como para os
profissionais da saúde. Suas consequências muitas vezes foram desastrosas e levaram a um aumento dos custos, ao invés de sua redução.
Cabe aos profissionais da saúde liderar os processos que garantam
a agregação de valor às intervenções médicas, dentro de um sistema
saudável de competição pelos melhores resultados ou pela melhor performance. Três princípios devem reger a transformação dos atuais sistemas de saúde a fim de torná-los compatíveis com as necessidades
e possibilidades da sociedade contemporânea (PORTER; TEISBERG,
2006; 2007).
– O objetivo é a agregação de valor para os pacientes.
– A prática médica deve ser organizada em função das alterações
das condições de saúde e os respectivos ciclos e processos de cuidados.
– Os resultados devem ser medidos e conhecidos, ajustados aos
riscos e custos.
Em suma, há enormes desafios à medicina contemporânea para
satisfazer o requisito da sustentabilidade econômica. A sua complexi-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
– A cobertura para cuidados de saúde deve ser universal.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
30
dade exige o melhor de todos os envolvidos com a mesma, desde os
governantes, passando pelos gestores das empresas de planos ou seguros-saúde e dos diversos prestadores de serviços, até os profissionais
diretamente ligados à prestação dos mesmos. O papel desses últimos,
particularmente dos médicos, começa a ser novamente valorizado como
sendo fundamental para que os princípios da agregação de valor ao ato
médico, bem como os voltados às necessidades e preferências dos pacientes, sejam adequada e corretamente satisfeitos.
Ser ecologicamente correta
Apesar dos progressos da humanidade, em particular nas últimas
décadas, terem levado a um significativo aumento da longevidade e redução importante da mortalidade infantil, bem como a significativa melhora nos padrões de vida em muitos países, elas vêm acompanhadas
de uma rápida deterioração do ambiente. Esta afeta a saúde da população em várias partes do mundo. Atualmente, 25% das doenças são
produzidas por fatores ambientais (CHEN, 1996). Se, por um lado, os
especialistas em saúde pública reconhecem a importância do ambiente
na preservação da saúde, por outro, os profissionais da saúde ainda não
reconhecem adequadamente a importância das suas ações, voltadas
para a saúde individual, sobre o ambiente. Torna-se urgente conscientizar a indústria e os provedores de serviços de saúde da necessidade
de reduzir o consumo de energia, bem como de reduzir a produção e
utilização de materiais e fármacos poluentes.
Ao mesmo tempo em que a degradação do ambiente gera doenças que necessitam de tratamento médico, também os serviços de
saúde geram poluição ambiental. Nos Estados Unidos, serviços médicos
geram três milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano. Hospitais em todo o mundo consomem elevadas quantidades de energia para
aquecimento e resfriamento do ambiente e da água, ocupam grandes
edifícios cercados por concreto e asfalto, utilizam alto volume de serviços
31
Nos Estados Unidos, 62 metrópoles, com 41 milhões de habitantes, consomem água considerada potável contendo antibióticos, ansiolíticos, antidepressivos, antiepilépticos e hormônios sexuais, entre
outros resíduos. Um estudo sobre resíduos de medicamentos nos esgotos, na água tratada e nas fontes naturais de água no Rio de Janeiro
identificou a presença de agentes redutores de lípides, anti-inflamatórios e outros metabólitos de medicamentos (STUMPF et al, 1999). Os
rios mais importantes da Alemanha contêm elevadas concentrações de
anti-inflamatórios, analgésicos, agentes redutores de lípides, além de
diversos antissépticos e desinfetantes (SACHER et al, 1998; TERNES
et al, 1999). Hospitais também produzem resíduos tóxicos sólidos, infecciosos, radioativos e são potenciais poluidores do ar e da água (JAMETON; PIERCE, 2001).
Alguns problemas relacionados à poluição por hospitais são bem
conhecidos e devidamente regulados em vários países. É o caso do tratamento dos esgotos hospitalares e o descarte de materiais e tecidos
infectantes, bem como de agentes prejudiciais como metais pesados e
radioisótopos. No entanto, há várias outras fontes de poluição não regulamentadas, como é o caso do PVC, cuja incineração leva a liberação de
dioxinas carcinogênicas, assim como de embalagens plásticas de soros e
medicamentos que podem ser tóxicas para o organismo humano (TICKNER, 2001). Hospitais e centros oncológicos são fontes de contaminação
do ambiente por platina, a partir da excreção de drogas antineoplásicas
(KÜMMERER; HELMERS, 1997).
O maior risco ambiental, a partir dos resíduos hospitalares, é representado pelo chamado lixo infectante. Caracteriza-se pela presença
de agentes biológicos como sangue e derivados, secreções e excreções
humanas, tecidos, partes de órgãos, peças anatômicas, fetos, resíduos
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
de alimentação, lavanderia, transporte, bem como de papel, embalagens
e, especialmente, produtos descartáveis. Serviços de saúde, em geral,
e hospitais em particular, utilizam um enorme volume de fármacos e produtos biológicos, que apresentam processos de fabricação complexos e
produtores de poluentes ambientais. Os próprios medicamentos constituem fonte de poluição ambiental (STUMPF; TERNES et al, 1999).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
32
de laboratórios de análises e de microbiologia, de áreas de isolamento,
de terapias intensivas, de unidades de internação, assim como materiais perfurocortantes. O lixo infectante deve ser separado do restante
do lixo hospitalar, sendo o treinamento de funcionários para esta função
uma exigência do Conselho Nacional do Meio Ambiente no Brasil. No
entanto, desconhece-se a efetiva separação e destinação desse lixo
pelos milhares de hospitais brasileiros, assim como pela maioria dos
hospitais no mundo.
A incineração de lixo infectante é prática comum, porém o transforma em cinzas contaminadas com substâncias nocivas na atmosfera,
como as dioxinas e os metais pesados, que aumentam a poluição do
ar. O processo gera emissões que podem ser mais tóxicas do que os
produtos incinerados. Os incineradores são responsáveis por 60% das
emissões de dioxina na atmosfera em todo o mundo. A incineração de
plásticos, como o PVC, gera os chamados poluentes orgânicos persistentes (POPs). Esses plásticos são utilizados na fabricação de materiais
descartáveis, embalagens, tubos, conexões e muitos outros utensílios.
Os POPs são relacionados a um grande número de efeitos deletérios ao
meio, em particular a animais e seres humanos. Afetam negativamente
os sistemas imunológico, reprodutor e nervoso, além de causar câncer.
Tais poluentes mimetizam hormônios, como os sexuais. Atuam sobre
neurotransmissores e sobre a imunidade, podem provocar abortamentos por morte fetal, redução do peso e tamanho de recém-nascidos,
alterações do comportamento e da inteligência de crianças.
A esterilização, ao invés da incineração, é uma alternativa válida
e importante. No entanto, o seu elevado custo faz com que seja pouco utilizada. A colocação desse lixo em valas assépticas é considerada
uma opção igualmente válida, porém o espaço necessário às mesmas
e a devida fiscalização limitam o seu uso. Infelizmente, a maioria dos
hospitais descartam esses resíduos, sem separá-los corretamente, juntamente com o restante do lixo hospitalar, para o sistema de coleta dos
respectivos municípios e que acabam sendo lançados em lixões.
Há evidências crescentes de que os próprios edifícios sejam fontes de degradação ambiental e de doenças. A poluição do ar no interior
33
A partir de um relatório da Organização das Nações Unidas sobre a necessidade de garantir “desenvolvimento sustentável”, em 1987,
entendido como sendo a satisfação das necessidades atuais juntamente com o compromisso de garantir a satisfação das necessidades das
gerações futuras, o referido termo passou também a ser objeto de atenção de arquitetos e engenheiros civis, no planejamento e construção dos
chamados edifícios “verdes”, como sinônimos de “projetos sustentáveis”.
Surgiu uma entidade voltada para a regulamentação e criação de um
sistema de avaliação desse tipo de projetos e construções, o Leadership
in Energy and Environmental Design (LEED) e que atualmente serve de
referência para as construções, inclusive de novos hospitais e clínicas.
As estratégias de construção de novos hospitais e clínicas abrangem cinco áreas principais: planejamento do local, consumo de energia,
água, materiais e qualidade do ambiente interno. Cada projeto deve garantir a sustentabilidade desses fatores e a sua interação. Na definição
do local da construção, devem ser considerados os meios de transporte
necessários ao seu acesso por parte dos usuários, buscando diminuir
a utilização de transportes individuais e a consequente emissão de gás
carbônico.
Os projetos desses edifícios consideram, desde o início, a prote-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
dos edifícios é um dos cinco maiores riscos ambientais à saúde pública
nos Estados Unidos, segundo a Agência de Proteção ao Meio Ambiente
daquele país, uma vez que uma importante parcela da população permanece até 95% do tempo no interior de edifícios. Eles são responsáveis
por um terço dos gases causadores do efeito estufa, originam mais da
metade do lixo sólido e consomem quase 70% de toda a energia elétrica
produzida no mundo. Os hospitais constituem parcela importante dos
edifícios em cada país, apresentando riscos específicos à saúde dos
profissionais que neles trabalham. São riscos biológicos, químicos, radiológicos e físicos. Como exemplos, temos as condições inadequadas do
ar, contendo micro-organismos e partículas de inúmeros medicamentos
dispersos no mesmo, da água e até dos alimentos, além das radiações,
de materiais infectantes e dos perfurocortantes, entre outros.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
34
ção do ambiente em torno dos mesmos. Devem garantir a proteção ambiental, não produzir poluição luminosa, acústica, térmica ou atmosférica
no seu entorno. Reduzem o consumo da água, através de sistemas de
restrição racional do seu uso, como em descargas de peças sanitárias,
reduzem o volume de esgoto, com aproveitamento integral das águas
pluviais e reutilização das águas servidas. A criação de jardins nas coberturas dos edifícios permite reduzir o calor no seu interior, diminuir o
volume de águas pluviais levadas ao sistema de esgotos, sendo estas
filtradas, armazenadas e utilizadas para irrigação de plantas, limpeza
de pisos, resfriamento de sistemas de ar condicionado e reserva para
combate a incêndios.
A implantação dos edifícios é feita de modo a controlar a incidência dos raios solares, reduzir o aquecimento no seu interior e a utilização
do sistema de climatização. Este é controlado de acordo com a presença ou não de pessoas, assim como a iluminação ambiental. A qualidade
do ar é garantida por sistemas de controle dos níveis de gás carbônico
e da frequência e intensidade de trocas dos gases de acordo com os
níveis de ocupação dos ambientes. Luminárias e lâmpadas são projetadas de modo a reduzir o consumo de energia elétrica e a produção de
calor. O calor gerado pelo sistema de climatização é aproveitado para
o aquecimento da água utilizada, levando a ganho energético. Janelas
e esquadrias com vidro duplo protegem o meio interno das variações
externas de temperatura. O mesmo é conseguido pela utilização de cerâmicas especiais para revestimento das fachadas. As tintas utilizadas,
assim como isolantes, adesivos, selantes, portas, não contêm compostos orgânicos voláteis, que são carcinogênicos e desencadeadores de
asma. Ambientes potencialmente poluidores, como áreas de expurgo,
de resíduos tóxicos e depósitos de materiais de limpeza são isolados
por portas de abertura e fechamento automáticos.
Além dos benefícios ambientais obtidos com os edifícios “verdes”,
há ganhos importantes na manutenção dos mesmos. Em geral aceitase que haja uma relação de 1:10 entre o custo do investimento para
a construção de um edifício hospitalar e o custo de sua manutenção
durante 30 anos. Nos Estados Unidos considera-se também a relação
35
O trabalho em hospitais “verdes” tende a ser mais produtivo do
que o realizado em ambientes tradicionais. Aumentam a performance
e a motivação dos profissionais e podem levar a melhor resultado no
tratamento dos pacientes. Profissionais da saúde tendem a preferir
esses hospitais para trabalhar, em detrimento dos demais, particularmente o pessoal de enfermagem. Gestores de enfermagem afirmam
que o design de um hospital influi diretamente sobre a capacidade
de recrutamento e manutenção de profissionais da área, influindo
também sobre a sua produtividade e satisfação no trabalho (GUENTHER; HALL, 2007).
Sabe-se que atualmente a humanidade consome mais energia
do que os recursos naturais são capazes de gerar. Uma representação
desse consumo é a chamada “pegada ecológica” ou ecological footprint,
que consiste na avaliação do espaço necessário para gerar energia,
alimentos, pasto e bens de consumo para manter cada habitante do
planeta. Calcula-se que atualmente a humanidade utiliza pelo menos
um terço a mais de recursos do que a natureza consegue regenerar. O
planeta disponibiliza 1,7 hectares por habitante, sendo que a pegada
ecológica dos Estados Unidos corresponde a 9,6 hectares per capita
e do Canadá a 7,2 hectares per capita (WACKERNAGEL et al, 2007).
Coincidentemente, são os países ricos, como os Estados Unidos, Canadá e a maioria dos países da União Européia, que consomem materiais,
medicamentos e outros recursos voltados para a saúde em escalas de
consumo insustentáveis (JAMETON; PIERCE, 2001).
Um hectare equivale a 10.000m².
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
entre o custo do investimento para a construção e o custo de pessoal
operacional do hospital nesse mesmo período e que é de 1:200. Um
edifício “verde” permite redução de custos em energia e água entre 15%
e 25% em relação a um edifício normal, redução de 70% da emissão
de óxido nitroso, de 50% da emissão de gás carbônico e de 20% de
combustível para o aquecimento de água, o que torna o investimento
nesse tipo de construção interessante, não apenas do ponto de vista da
sustentabilidade ecológica.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
36
É improvável que seja encontrada uma resposta adequada à necessidade de redução desse consumo elevado e insustentável pela tecnologia, desafiando a capacidade desses países manterem o atual nível
de cuidados à saúde para as gerações futuras. Já começam a surgir
conflitos entre a ética médica, que garante a autonomia das pessoas e
os direitos individuais aos recursos da medicina, com a ética ambiental.
Esta última afirma o direito das futuras gerações ao bem-estar e a responsabilidade da geração atual pela garantia desse direito. A geração
atual já é responsabilizada pelo declínio de 30% dos recursos naturais
em relação a 1970 e pelo fato de 80% destes recursos serem utilizados
por 20% da população mundial (LOH; RANDERS et al, 1998).
Conclusões
A medicina contemporânea satisfaz apenas parcialmente os requisitos da sustentabilidade. Certamente é aceita culturalmente, em praticamente todo o mundo e nas várias épocas consideradas, independentemente das enormes diferenças da prática médica no correr dos
séculos. A aceitação cultural da medicina contemporânea está intimamente ligada aos recursos tecnológicos de que dispõe. Porém, a utilização exagerada e muitas vezes indevida desses recursos leva à crise
social, econômica e ambiental insustentável. Pela mesma razão, entre
outras, a medicina contemporânea está longe de ser socialmente justa,
tanto nos países ricos como nos pobres, pois há grande inequidade no
acesso aos serviços de saúde. A viabilidade econômica também está em
cheque, especialmente nos países desenvolvidos. A medicina não pode
ser considerada uma atividade ecologicamente correta, pois contribui de
maneira importante para a poluição e degradação ambiental, apesar de
transformações recentes, como a construção de hospitais “verdes”, que
respondem apenas parcialmente ao desafio da preservação ambiental.
Para atingir equilíbrio entre as preocupações ambientais e a responsabilidade de garantir cuidados adequados aos pacientes, há a ne-
37
O princípio hipocrático de “antes de tudo, não prejudicar” aplica-se
tanto aos indivíduos como à natureza. Significa que as práticas médicas
devem ser sustentáveis e não agredir o ambiente, assim como evitar danos aos pacientes. Ao prejudicar o ambiente, a medicina afeta a sociedade como um todo e prejudicará também as futuras gerações. Apesar da
ética médica enfatizar a responsabilidade do profissional em relação ao
paciente individual, baseada na confiança mútua e na garantia do benefício ao paciente, cabe também ao profissional avaliar até onde as suas
ações afetam a sustentabilidade da própria medicina.
Apesar da sustentabilidade do ambiente e a justiça social serem
metas sinérgicas e vitais para a saúde das pessoas, a capacidade de
atingir ambas simultaneamente constitui um importante desafio contemporâneo. Até onde e até quando os países ricos do hemisfério norte conseguirão manter os seus elevados níveis de consumo, inclusive de recursos médicos, sem levar em conta as necessidades dos países pobres e
a degradação ambiental é outro desafio à espera de uma resposta.
No que respeita o dilema da sustentabilidade versus saúde, há
evidentes limites na capacidade de manter os níveis de saúde da população dos países ricos em futuro próximo e, ainda mais, na dos países
pobres. A elevação dos índices de qualidade de vida e de longevidade
no século XX esteve intimamente relacionada ao desenvolvimento industrial e tecnológico, ao garantir o suprimento de alimentos e melhorar
os serviços de saúde pública, esgotos, fornecimento de água potável,
vacinações, educação e desenvolvimento de novas tecnologias médicas. No entanto, o aumento das atividades agrícolas, industriais e de
outros setores da economia, acompanha-se de um aumento dos problemas de saúde.
Se houver uma redução simultânea do consumo de recursos naturais e de energia, juntamente com uma redução na utilização de recursos médicos, haverá prejuízo da efetividade dos serviços de saúde?
Serão as organizações médicas e hospitalares capazes de desenvolver
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
cessidade de se resolver três dilemas: os direitos individuais em relação
à sociedade, a sustentabilidade versus justiça social e a sustentabilidade versus saúde.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
38
sistemas eficientes no tratamento dos pacientes e, ao mesmo tempo,
reduzir significativamente o consumo de recursos naturais e eliminar
a poluição ambiental? Será que, no futuro próximo, pacientes com doenças agudas graves, que atualmente exigem a utilização de recursos
terapêuticos complexos e caros, serão privados dos mesmos? Serão os
responsáveis pelos sistemas de saúde pública capazes de garantir as
melhores condições de pureza do ar e da água, de higiene, de educação e de alimentação?
Os profissionais da saúde, em geral, e os médicos, em particular,
devem ser capazes de assumir a liderança na defesa das práticas médicas que respeitem tanto os pacientes como o ambiente. A pesquisa
médica deve buscar as respostas para a garantia de uma biosfera sustentável ao mesmo tempo em que todos os profissionais da saúde devem incluir a sustentabilidade ambiental as suas obrigações éticas. Esta
deve ser incluída no ensino médico e fazer parte dos debates científicos
em congressos e seminários profissionais. As necessidades individuais
e as limitações da natureza deverão ser consideradas em conjunto nas
decisões bioéticas e na formulação das políticas de saúde de todas as
nações (JAMETON; PIERCE, 2001).
É imperiosa a necessidade de grandes mudanças na prática médica, com a incorporação dos conceitos de preservação ambiental, bem
como o envolvimento dos profissionais médicos na formulação de novos
conceitos éticos que visem proteção tanto dos pacientes como do ambiente e da natureza.
39
ANAHP - Associação Nacional dos Hospitais Privados. Sistema integrado
de indicadores hospitalares ANAHP - Boletim SINHA Nº 1. Janeiro, fevereiro e março de 2009. Disponível em: <http://www.anahp.com.br/site/
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41
José Carlos Abrahão - Presidente da Confederação Nacional
de Saúde (CNS) e da Federação Internacional de Hospitais (IHF).
Na primeira década do século XXI, são comuns as notícias sobre as mudanças climáticas — aparentemente o principal resultado do
descuido com o meio ambiente — e seu impacto sobre o homem. As
transformações pelas quais o planeta vem passando ainda influenciam
no surgimento de novas doenças, mais contagiosas e mais resistentes.
Esta constatação levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a estabelecer, há alguns anos, uma campanha para tratar dos efeitos do meio
ambiente sobre a saúde. Tal situação desafia governos, instituições e
prestadores de serviços de saúde a responder de forma pró-ativa.
No setor saúde, uma instituição cuja missão é cuidar da vida deve
também ter como prioridade cuidar do meio-ambiente e do seu crescimento sustentável. Deve prevalecer a ideia que toda a cadeia produtiva
mantenha o foco nos benefícios produzidos para as gerações futuras.
Além disso, essa postura também agrega melhoria da imagem das instituições perante a sociedade.
Contudo, “tornar-se sustentável” não é tarefa fácil e a solução não
é só reunir profissionais para produzir manuais e informações resumindo todas as atividades realizadas recentemente ou há mais tempo para
reduzir o consumo de energia ou para diminuir o desperdício. O ponto
mais importante para os estabelecimentos de serviços de saúde é ter
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Opinião: a
sustentabilidade do setor
de saúde e o incentivo da
capacitação profissional
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
42
o incentivo certo para o comportamento sustentável e a capacidade de
selecionar as prioridades corretas.
Podemos destacar três pilares fundamentais no desenvolvimento
sustentável do setor: financeiro, ambiental e social. Do ponto de vista
financeiro, é imprescindível que as instituições e empresas de saúde
possuam solvência que garanta a prática e a melhoria do setor, de forma perene. Em nossa definição, o conceito de sustentabilidade é amplo, envolvendo todos os atores e incidindo também na educação dos
usuários. A sustentabilidade financeira também resulta da definição de
estratégias de gestão para situações potencialmente geradoras de crise
no setor, como o envelhecimento da população, o controle de doenças
crônicas, o surgimento de epidemias e pandemias (como o caso recente da Gripe A ou H1N1). Os acidentes climáticos dos últimos anos
somam-se para alertar sobre a necessidade de nos prepararmos para
as situações de crise.
As estratégias sustentáveis vão desde o planejamento financeiro até as discussões de utilização de protocolos de saúde, incluindo
programas de prevenção e adoção de mudanças na infra-estrutura dos
hospitais. Além da criação de garantias financeiras para sustentar o setor, os serviços de saúde também devem ter foco na redução do desperdício e em maneiras de diminuir o custo da assistência à saúde, sem
prejudicar a qualidade do atendimento da nossa população.
Nesse cenário de sustentabilidade, determinadas medidas contribuem muito mais para a manutenção da saúde dos pacientes, além de
provocar uma transformação na cultura do cuidado, tanto dos prestadores de serviço, quanto da população. A medicina preventiva, por exemplo,
traz em seu bojo a necessidade de mudanças dos hábitos de vida, contando com melhora na alimentação, prática de exercícios físicos e abandono de vícios prejudiciais à saúde (como o consumo de álcool e tabaco).
O acompanhamento permanente das condições de saúde do paciente
reduz a incidência de doenças graves ou a piora do quadro crônico.
A adoção de medidas “verdes” nas instituições pode contribuir para
oferecer ambiente mais seguro aos pacientes e recuperação mais rápida.
Nesse contexto, surge o conceito dos “hospitais verdes”, aqueles com
preocupação ambiental e respeito ao meio ambiente em todos os aspectos, a começar pela arquitetura e construção, baseada na ideia do Green
Building — padrões internacionais do Leadership in Energy and Environmental Design (LEED).
43
Quanto aos demais insumos, devemos considerar o uso de lâmpadas fluorescentes para redução do consumo de energia elétrica; aproveitamento da luz solar para produção de energia; tratamento adequado
dos resíduos gerados (inclusive em estações de tratamento de efluentes);
uso de energia de geradores nos horários de pico; consumo consciente
de insumos naturais; recuperação da água da chuva para utilização de
diversos fins; diminuição do consumo de plásticos; e cuidados especiais
com o material hospitalar e seu aproveitamento, entre outros.
A reestruturação da arquitetura hospitalar já aponta benefícios.
Pesquisa realizada pelo Mackenzie Health Sciences Centre, no Canadá,
registrou que pacientes acomodados em quartos com acesso à luz solar
recuperam-se 15% mais rápido do que os expostos somente à iluminação artificial. E em outro estudo, realizado pelo Inha University Hospital,
da Coréia, verificou-se a redução de 41% no tempo de internação de pacientes da ginecologia acomodados em quartos com iluminação natural,
e de 26% no tempo de internação de pacientes do pós-cirúrgico.
A implantação de um programa ambiental nos estabelecimentos
de saúde deve, ainda, envolver todos os colaboradores, médicos, visitantes, pacientes, acompanhantes, fornecedores e a comunidade. O
engajamento de todos é fundamental.
Quando cuidar do futuro da sociedade faz parte do negócio, as
ações sociais não podem ficar de fora das medidas sustentáveis. Nesse
sentido, o projeto da Confederação Nacional de Saúde (CNS) com a
proposta de criação do sistema ‘S’ da saúde — Serviço Social da Saúde
(SESS) e o Serviço Nacional de Aprendizagem em Serviços de Saúde
(SENASS) — pretende desenvolver junto aos trabalhadores ações educativas para condutas que valorizem a sustentabilidade. O tema já é
objeto de um projeto de lei, em tramitação no Senado.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Os serviços de saúde enfrentam contradições que não devem ser
subestimadas. Proporcionar aos pacientes melhor atendimento requer
atenção especial para o controle do meio ambiente e do ar, que podem
ter sua circulação drasticamente reduzida, devido aos limites de energia
provida aos edifícios modernos. Na última década, a melhoria na segurança do paciente veio de um aumento da utilização dos itens descartáveis. A reciclagem está sendo mais considerada, é óbvia a necessidade
de se redefinir a linha entre a redução do risco para o paciente individual
e o risco esperado para o coletivo.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
44
A Confederação Nacional de Saúde (CNS) será a responsável
pela condução da organização e administração do Sistema ‘S’ da saúde, na forma de gestão tripartite e paritária — contando com números
iguais de representantes dos empresários e trabalhadores. Dessa forma, pretende-se que todos os setores tenham condições democráticas
de representação, atingindo o objetivo das instituições, isto é, a formação e qualificação dos trabalhadores da saúde, com transparência e
ética no relacionamento entre as partes.
Essa composição proporciona a possibilidade de direcionar os recursos para o desenvolvimento dos treinamentos previstos e necessários,
de forma contínua, para proporcionar melhor qualificação profissional aos
colaboradores que, com certeza, prestarão uma assistência de melhor
qualidade aos pacientes. Dito de outra forma, os recursos não serão utilizados para a construção de prédios ou escolas (as instituições de saúde
participantes do sistema já possuem infra-estrutura para os cursos).
Conforme o projeto, o SESS deverá desenvolver, executar e
apoiar programas voltados à promoção social e humana dos trabalhadores em estabelecimentos de serviços de saúde; e o SENASS deverá
organizar, manter e administrar escolas de aprendizagem e centros de
treinamento para os trabalhadores em estabelecimentos de serviços de
saúde, além de aperfeiçoamento e capacitação desses profissionais.
Com esse foco, o sistema ‘S’ da saúde propiciará melhor remuneração aos trabalhadores. Os profissionais do setor terão oportunidade
de reciclagem e expansão do conhecimento, desenvolvendo visão socialmente sustentável, essencial para a nossa realidade. O sistema ‘S’
da saúde manterá uma força de trabalho qualificada e profissionalizada,
tendo, como resultado, profissionais mais abertos às mudanças culturais, comprometidos com a sustentabilidade, contribuindo com a redução do desperdício, adotando uma consciência ambiental mais ampla e
atuando de forma responsável para o bem da sociedade.
A extensão de tais medidas e da disponibilidade da base do conhecimento global são instrumentos decisivos para fazer avançar a proposta do sistema ‘S’ da saúde. A atenção especial à combinação da
segurança do paciente e mentalidade “verde” é o grande desafio dos
serviços de saúde. Ser sensível aos desafios da mudança climática é o
primeiro passo para avançar, mas o progresso será feito somente quando os incentivos forem bem alinhados.
45
Haino Burmester - Médico e administrador de empresas, mestre em
medicina comunitária, professor da FGV e chefe da gabinete da superintendência do Hospital das Clínicas da USP.
“Excelência é uma habilidade conquistada por meio de
treinamento e prática. Nós somos aquilo que fazemos
repetidamente. Excelência, então, não é um ato, mas
um hábito”.
(Aristóteles 384-322 aC).
Introdução
Este artigo apresenta a possibilidade de aplicação de um modelo de gestão para as organizações de saúde como forma de contribuir para sua permanência e sustentabilidade; a sua assimilação pelas
Vide Leituras sugeridas ao final; partes deste artigo foram publicadas com o título
Modelo de gestão para organizações de saúde, na Revista de Administração em
Saúde, Vol.9, Nº 37, Out.-Dez.,2007.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Modelos de gestão
– importância para a
continuidade e qualidade das
organizações de saúde
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
46
pessoas que nelas trabalham e como contribui para sua legitimação e
institucionalização. Ele também descreve como se aplicam os conceitos
do chamado movimento da qualidade aos serviços de saúde (clínicas,
hospitais, etc.)
A qualidade não deve ser entendida isoladamente nos serviços
de saúde, aplicada apenas em parte dos serviços; é consequência de
ação gerencial sistêmica, integrada e coerente, para criar condições à
ação assistencial de excelência em todo o hospital, com a interação
entre os diversos serviços. É consequência do equilíbrio entre o modelo
gerencial e o modelo assistencial, e por isso não se recomenda falar
em departamento da qualidade ou gerência da qualidade, como se ela
pudesse ser atribuição exclusiva de um setor do hospital. Qualidade tem
que ser entendida como preocupação de todos na empresa e não só de
um departamento ou gerência. Também não se deve falar em “programa de qualidade” como atividade isolada com começo, meio e fim.
Em síntese, a qualidade é consequência de um modelo de gestão
(juntamente com o modelo assistencial) que evite, previna ou minimize as não conformidades ou erros do sistema. Deve permitir a efetiva
identificação de problemas e riscos potenciais, a avaliação objetiva de
suas causas, implementação de ações para eliminá-los e monitoria que
assegure a busca constante pela sua eliminação (embora se saiba que
se trata de uma luta interminável; de uma corrida sem linha de chegada,
na qual o que interessa é o processo de busca constante pela melhoria
contínua). O objetivo principal da aplicação do modelo é garantir a prestação do melhor atendimento possível. A melhoria contínua da qualidade
implica na busca incessante por novos patamares; em essência, sempre existirão formas melhores de realizar o trabalho, bem como sempre
haverá alguém que possa realizar a atividade profissional melhor do que
nós. É uma jornada contínua pela procura da excelência.
A abordagem utilizada neste artigo deriva da metodologia proposta pelo CQH (Programa Compromisso com a Qualidade Hospitalar). Trata-se de modelo de avaliação que também é modelo de gestão,
pois os critérios de avaliação são vistos como elementos do modelo de
gestão: o uso do modelo leva à sistematização dos serviços, facilitando
sua execução, avaliação e correção. Um modelo de gestão (que deve
Programa mantido pela Associação Paulista de Medicina e pelo Conselho Regional
de Medicina do Estado de São Paulo para contribuir com a melhoria contínua da
qualidade nos hospitais brasileiros. O CQH existe desde 1991 e envolve atualmente
mais de 300 hospitais gerais e especializados, públicos e privados, de pequeno, médio
e grande portes, das capitais dos estados e de cidades do interior.
47
– Liderança;
– Estratégia e planos;
– Clientes;
– Sociedade;
– Informação e conhecimento;
– Pessoas;
– Processos;
– Resultados.
Os critérios listados acima devem constituir-se nas preocupações
do gestor para alcançar a qualidade e devem estar definidos nos documentos da organização, tais como: regulamentos; manuais de rotinas e
procedimentos, protocolos etc.
Conforme apresentado no frontispício deste artigo, qualidade não
é novidade e não pode ser confundida com modismos do mundo das
organizações atuais. Aristóteles, a seu modo, já falava do tema há 2.300
anos. Não há novidade nesta área, apenas novas roupagens para apresentar os mesmos velhos e bons conceitos tradicionais. Muitas pessoas consideram importante demonstrar erudição deblaterando sobre
supostas novidades, que na verdade, são as formas antigas de fazer as
coisas. Talvez, antes de novas “novidades antigas” apregoadas pelos
“gurus das novas eras”, sejam necessárias as velhas e boas praticas
de gestão, nas quais conceitos e definições das tarefas básicas do administrador sejam claros: planejar, executar, avaliar resultados, fazer a
gestão das pessoas e dos processos, entender a inserção da organização na sociedade e a relação com seus clientes e ter informações para
acompanhar tudo isso.
Para continuar a discussão sobre modelos de gestão no setor da
saúde, apresentaremos primeiramente a revisão da literatura sobre os
aspectos relativos à legitimação, à criação social da realidade e à institucionalização das organizações.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
ser claro e definido) é condição básica para as organizações modernas
alcançarem a qualidade nos serviços. Os critérios de excelência, aqui
chamados de elementos do modelo, são apresentados a seguir.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
48
Legitimação
Legitimação é o processo no qual uma organização justifica seu
direito de existir a um sistema de avaliação, por seus próprios pares ou
por uma estrutura superior existente (MAURER, 1971). Consiste em uma
percepção generalizada que represente as reações dos observadores
que vêm e reconhecem o valor implícito de uma organização, para o contexto no qual ela está inserida (AIDAR, 2003). Tratam de observações
objetivas de uma realidade construída subjetivamente (RUEF; SCOTT,
1998). Esses autores enfatizam ainda a necessidade de entendermos
a legitimidade não como um recurso a ser possuído ou trocado entre
organizações, mas sim como condição que reflita o alinhamento com
prescrições normativas, reguladoras ou regras e crenças prevalentes na
sociedade como um todo. Legitimidade é uma percepção generalizada
ou assumida de que as ações de uma entidade são desejáveis, boas ou
apropriadas dentro de um sistema social de normas, valores, crenças
e definições (SUCHMAN, 1995). Suchman destaca a existência de três
tipos de legitimação organizacional: pragmática, cognitiva e moral.
– A pragmática é a legitimidade concedida pelos interesses mais
imediatos dos grupos envolvidos com a organização;
– A cognitiva pode envolver ou um apoio explícito. ou a mera aceitação da organização como um fato inquestionável pela cultura local;
– A moral reflete uma avaliação normativa e positiva da organização, no reconhecimento de que esta “faz a coisa certa”, para o
interesse do avaliador.
Scott (2000) ainda acrescenta que a legitimação moral pode ser reconhecida em uma das seguintes formas (de certa forma repetindo
os conceitos de Suchman), oferecendo a tipologia apresentada a
seguir.
– Legitimidade de procedimentos, na qual são identificados processos que se justificam cientificamente, em contraste com processos justificados apenas pela experiência não sistematizada.
49
– Legitimidade consequente, na qual as organizações devem ser
julgadas pelo que elas conseguem de resultados.
– Legitimidade pessoal, atribuída ao carisma e a capacidade de
líderes da organização, o que é considerado pelo autor como um
achado raro, mas conceitualmente importante. Saliente-se que
este artigo não reconhece o carisma como elemento importante
para as organizações de sucesso no século XXI.
Nas três primeiras formas, vemos a tipologia de Donabedian ao
estudar a qualidade em serviços de saúde segundo três critérios: estrutura, processos e resultados. Este autor também coloca legitimidade como um dos sete pilares da qualidade na atenção à saúde, junto
com eficácia, efetividade, eficiência, otimização, aceitação e equidade.
O autor define legitimidade como a aceitabilidade da atenção prestada
à saúde, por uma comunidade ou pela sociedade como um todo. (DONABEDIAN, 1990).
A legitimidade é uma realidade construída socialmente e analisada pela sociologia do conhecimento, ou seja, pela análise do processo
em que os fatos ocorrem (BERGER; LUCKMANN, 1985). Para os autores, toda realidade social é precária e todas as sociedades — e as
organizações dentro delas — são construções para fazer face ao caos.
As legitimações obscurecem essa precariedade das organizações e as
defendem de ameaças que podem levá-las ao fracasso.
Criação social da realidade
Realidade e conhecimento são dois termos importantes para
compreendermos o sentido da legitimação. Conhecimento, objeto de
estudo da epistemologia, é a certeza de que os fenômenos são reais e
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
– Legitimidade estrutural, na qual se premia a existência de boas
estruturas organizacionais.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
50
têm características específicas, enquanto que na realidade, objeto de
estudo da ontologia, os fenômenos independem da volição dos agentes
(até se pode desejar que eles não existam, mas isto não os fará deixar
de existir). A observação objetiva da realidade legítima é corroborada
pelo conhecimento de que ela existe.
Pode-se perceber que a realidade e o conhecimento são conceitos
impregnados de relatividade social: o que é real para algumas pessoas pode não o ser para outras; da mesma maneira o conhecimento de
uma pessoa é diferente do conhecimento das outras, ambos fenômenos
dependentes do contexto social. Nessas condições, talvez os agentes
possam necessitar da segurança dada por modelos que, se não eliminam
as ambiguidades do ambiente, ajudam a enfrentá-las com algum grau de
certeza. A maioria dos esforços feitos para racionalizar o comportamento
humano tende a colocá-lo em um contexto de calculada racionalidade, o
que pode ser alcançado por meio de modelos organizacionais, os quais
podem ser determinantes causais da ação. Isto pode ser entendido no
que os autores chamam de racionalidade contextualizada; o modelo agiria como forma de melhorar a decisão, pois haveria racionalidade implícita na sua coerência interna.
Berger e Luckmann (1985), em seu tratado de sociologia do conhecimento, A construção social da realidade, dizem que “as afirmações fundamentais do raciocínio do livro consistem em declarar que a realidade é
construída socialmente e que a sociologia do conhecimento deve analisar
o processo em que este fato ocorre”. A sociologia do conhecimento trata
dos processos pelos quais qualquer corpo de conhecimento chega a ser
socialmente estabelecido como realidade. (SCHELER, 1960, citado por
BERGER e LUCKMANN, 1985).
Um modelo de gestão (conhecimento) contribui para estabelecer
a legitimação (realidade) e, consequentemente, um processo de institucionalização daquele conhecimento. Logo, o processo de implantação
de um modelo de gestão precisa ser visto como um processo continuado
de criação social de uma nova realidade nas organizações que vai adquirindo significado pouco a pouco, na medida em que a linguagem se torne
inteligível para os agentes participantes.
SCHELER, M. Die Wissensformen und die Gesellschaft (1925) apud BERGER, P.L.;
LUCKMANN, T. A construção social da realidade, 7ª ed.; Petrópolis, Vozes, 1985.
51
A institucionalização é o processo pelo qual atores individuais
transmitem o que é socialmente definido como real. Trata-se de processo
de fabricação de verdades, padrões culturais, formas de representação
da realidade predominantes em uma organização, bem como mitos e modelos que influenciam a ação dos indivíduos dentro das organizações.
“Os indivíduos e organizações os adotam por serem esses modelos fonte de legitimidade, reconhecimento e
recursos, permitindo aos atores sociais e organizacionais aumentar a sua capacidade de sobrevivência em
um certo meio”.
(MOTTA; VASCONCELOS, 2002)
Autores ditos neo-institucionalistas como Powell e Di Maggio
(1991), propõem uma tipologia das formas que conduzam uma organização a mudar a estrutura organizacional e a adotar um modelo cognitivo e normativo instituído por outras organizações, em um processo de
mimetismo ou isomorfismo. Essa tipologia compreende quatro formas
de institucionalização, apresentadas a seguir.
– A coerção: quando ocorrem pressões formais ou informais exercidas
por organizações às quais a organização estudada é dependente;
– A normatização: quando ocorre a institucionalização devida à
necessidade da organização se adaptar a normas emitidas por
órgãos normatizadores
– A indução: forças internas ou externas induzem a organização
a se modificar.
– O mimetismo organizacional: quando a organização procura
imitar ou no seu meio ambiente ou fora dele.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Institucionalização
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
52
Analisando as origens da institucionalização, Berger e Luckmann
(1985) dizem que toda atividade humana pode se transformar em um
hábito e que qualquer ação frequentemente repetida se transforma em
um padrão que pode ser repetido com economia de esforço. Este será
aprendido pelo executante como um padrão, podendo ser novamente repetido no futuro da mesma forma e com a mesma economia de esforço.
É importante destacar a diferença que autores fazem entre instituições e organizações. Em North, por exemplo, instituições são um
sistema de regras, e embora reconheça que ambas criam condições
para a interação humana, a instituição provê as regras do jogo com as
quais as organizações atuam (NORTH, 1989).
A seguir, apresentamos em detalhes os elementos (critérios) do
modelo de gestão; sua aplicação pelas organizações de saúde deverá
fortalecê-las a ponto de transformá-las em instituições.
I - Liderança
No elemento liderança, o gestor deverá preocupar-se com três
itens: o sistema de liderança, a cultura da excelência e a análise crítica
do desempenho global do hospital.
1 - O sistema de liderança define o aspecto formal da liderança,
ou seja, como está distribuído o poder e como estão organizados os grupos operacionais e de interesse dentro da organiza-
53
2 - A cultura da excelência focaliza-se o aspecto informal da liderança. São estabelecidos os valores e as diretrizes organizacionais, necessários à promoção da cultura da excelência e ao
atendimento das necessidades de todas as partes interessadas.
Estas diretrizes são os valores, a missão, visão e políticas básicas. A missão da organização deve responder às perguntas: o
que faz a organização? Como faz? Para quem faz? Com que
objetivo (ou impacto) maior?
Os valores referem-se às crenças da organização, dando-lhe um
norte, bem como orientação e senso de direção em caso de dúvida sobre como agir. A adoção de valores visa erradicar a anomia
das organizações e recuperar o comprometimento dos profissionais com o alto desempenho e a produtividade. Os líderes devem
estabelecer um exemplo baseado em valores mediante palavras
e atos — a isto se chama de liderança baseada em valores.
A visão é a grande meta a ser alcançada, é a inspiração a todos na busca do ideal imaginado. Ela deve conter desafios para
alcançar novos patamares e metas ousadas. Trata-se de definir
onde a organização quer/deseja/deve estar no futuro. A missão
descreve o que o serviço é no presente, enquanto que a visão
descreve o que ele quer/deseja/deve ser no futuro. Por fim, as
políticas básicas definem as normas da casa para ser cumpridas
por todos; ou seja, como as coisas são feitas por aqui.
Desenvolver e manter uma cultura organizacional tendente à excelência na organização se constitui no grande desafio para os lideres.
3 - A análise crítica do desempenho global considerará as necessidades de todas as partes interessadas para avaliar o progresso
em relação às estratégias e aos planos de ação realizados. É
uma das funções básicas da liderança a avaliação do desempenho global, e para isso definirá as informações qualitativas, as
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
ção; quais são as competências necessárias para o exercício da
liderança e o processo sucessório; o sistema de reuniões e de
comunicação.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
54
informações comparativas e as variáveis do ambiente externo a
considerar na análise. Ver-se-á mais adiante, isso se fará em sintonia com o elemento relativo às informações e conhecimento e,
principalmente, com os resultados. Também é função da liderança comunicar as conclusões da análise às partes interessadas,
mencionando os principais indicadores de desempenho ou as informações qualitativas utilizadas.
II - Estratégias e planos
No elemento estratégias e planos são considerados os seguintes
itens: a formulação das estratégias, a sua operacionalização e o planejamento da medição do desempenho global.
1 - Por formulação das estratégias entendemos a descrição das
realizações necessárias do serviço para caminhar em direção à
visão. É uma atividade dinâmica, que pressupõe considerações
sobre o passado, presente e futuro. Trata-se de uma definição de
intenções que levará em conta os itens abaixo listados:
– As necessidades dos clientes/pacientes;
– As necessidades da comunidade, as leis e regulamentações
aplicáveis;
– O ambiente competitivo e suas eventuais mudanças;
– Os aspectos econômicos;
– As necessidades de capacitação e de movimentação de pessoas;
– As capacidades e necessidades operacionais, a disponibilidade de
recursos e as conclusões das análises críticas do desempenho global;
– As necessidades de desenvolvimento dos fornecedores.
O resultado dessa análise constitui a identidade da organização,
ou seja, define-se o que o serviço é no momento, como pré-requi-
55
Também são importantes os elementos relativos à coerência entre
as estratégias formuladas e as necessidades das partes interessadas, aos aspectos fundamentais para o êxito das estratégias, e
à comunicação das estratégias às partes interessadas.
O fim da fase de formulação de estratégias ocorre com a definição dos focos estratégicos e das ações estratégicas. O planejamento estratégico de um hospital de porte médio poderá gerar,
aproximadamente, de três a cinco focos estratégicos os quais,
por sua vez, gerarão de duas a cinco ações estratégicas cada
um. Essas ações estratégicas darão origem aos planos de ação
que constituem o plano estratégico propriamente dito (produto final do planejamento estratégico) e que serão implementados na
fase de operacionalização das estratégias.
2 - Por operacionalização das estratégias, entendemos seu desdobramento em planos de ação de curto e longo prazos. Isso
inclui o envolvimento e a designação das pessoas encarregadas
das execuções das tarefas, na alocação dos recursos necessários para atingi-las, a definição de metas a alcançar e seus respectivos indicadores.
Também implica no acompanhamento da implementação dos planos de ação e seus resultados. Um exemplo pode ser observado
na tabela a seguir:
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
sito para saber onde se quer chegar. Os quesitos mencionados
acima ajudam na revisão dos valores, missão, visão, políticas básicas, nos pontos fortes e fracos no interior da organização, nas
oportunidades e ameaças no ambiente externo ao serviço. Pontos
fortes e fracos são encontrados nos recursos disponíveis (humanos, materiais, financeiros e organizacionais). As oportunidades e
ameaças encontradas no ambiente externo ao serviço podem ser
políticas (regulamentações, normas do hospital etc.), econômicas
(restrições financeiras), sociais (desemprego, reconhecimento do
serviço etc.) e tecnológicas (novas drogas e equipamentos etc.).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
56
Tabela I
Foco estratégico
Ações estratégicas
Treinamento constante dos profissionais
Melhoria contínua da qualidade
na assistência
Adoção de novas condutas
Aquisição de novos equipamentos
Exemplos de planos de ação para a ação estratégica referentes a
“treinamento constante dos profissionais”:
– Definição das necessidades de treinamento de cada profissional;
– Definição do plano de desenvolvimento individual (PDI) de cada
profissional;
– Escolha dos cursos;
– Programação das saídas dos profissionais do serviço para frequentar os cursos;
– Realização de reuniões de revisão de casos;
– Frequência a congressos e reuniões cientificas; etc.
Cada um desses planos de ação será desdobrado em itens de execução dos planos de ação, com seus responsáveis, prazos de execução, indicadores de resultados, metas a alcançar e recursos necessários. Esse desdobramento em cascata constitui a elaboração
do plano estratégico. O gestor deverá atuar com o plano estratégico
sobre sua mesa, monitorizando sua execução constantemente e
fazendo os re-direcionamentos pertinentes sempre que necessário.
As modificações de rumo previstas não poderão ser muito constantes, sob pena do plano ser considerado inapropriado e indevidamente elaborado. Haverá sempre momentos previstos para as
revisões mais profundas do plano, que poderão acontecer trimestralmente ou, seguramente, a cada ano.
57
O acompanhamento desses padrões pode identificar algumas não
conformidades que demandem ações corretivas.
III - Clientes
Nos serviços de saúde, ações de marketing estão relacionadas
à epidemiologia, instrumento pelo qual é possível conhecer os clientes,
suas necessidades e expectativas, para depois satisfazê-las. E importante para o gestor acompanhar como a organização (clínica) monitora
e se antecipa às necessidades dos clientes, como se relaciona com eles
e como mede e intensifica satisfação e fidelidade. É necessário à organização definir exatamente quem são seus clientes, os quais podem ser
definidos em grupos mais frequentes: os pacientes e seus familiares;
os planos de saúde (convênios) ou outros pagadores, etc. O elemento
“clientes” compreende dois itens: a imagem e o conhecimento que os
clientes tem da organização, e como ela se relaciona com os clientes.
1 - O item imagem e conhecimento do mercado inclui os critérios adotados para segmentar e agrupar os clientes; quem são
os clientes-alvo e os demais; como as necessidades dos clientes
atuais e potenciais são identificadas, analisadas, compreendidas
e monitoradas; os diferentes enfoques necessários para cada
grupo de clientes; como os atributos dos serviços prestados pela
organização são identificados e como sua importância relativa ou
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
3 - No planejamento da medição do desempenho global se fará a
avaliação dos rumos e a forma como a organização aprende por
meio dos ciclos de controle e aprendizado. Aqui se destaca a definição dos critérios utilizados para fazer a medição do desempenho:
como indicadores de desempenho são definidos, integrados e correlacionados, como as metas de curto e longo prazos são estabelecidas, acompanhadas e, inclusive, como são definidos seus referenciais de excelência. Alguns desses critérios podem ser definidos
por auditoria permanente e padrões de atendimento.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
58
valor para os clientes é divulgada; como as ações de melhoria
são divulgadas de forma a criar credibilidade, confiança e imagem positiva; e, por fim, como são identificados e analisados os
níveis de conhecimento dos clientes sobre os serviços prestados
pela organização.
2 - No relacionamento com os clientes enfatizamos a forma como
a organização (hospital, clínica etc.) seleciona e disponibiliza canais de acesso e trata as sugestões e outras solicitações dos
usuários; como é assegurado que as reclamações sejam pronta
e eficazmente atendidas e/ou solucionadas; como a organização
avalia o grau de satisfação, fidelidade e, principalmente, o grau
de insatisfação dos clientes, comparando-o com outros serviços;
como as informações obtidas dos clientes são utilizadas para intensificar o grau de satisfação e obter referências positivas, incluindo as práticas utilizadas para torná-los fieis.
IV - Sociedade
Neste ponto, examinamos as contribuições da organização para o
desenvolvimento econômico, social e ambiental de forma sustentável, na
busca pela redução dos impactos negativos potenciais dos serviços (ou
produtos) e na interação com a sociedade de forma ética e transparente.
1 - Responsabilidade sócio-ambiental significa a preocupação em
identificar os impactos reais e potenciais da atividade da organização
na sociedade, na comunidade local ou no meio ambiente de modo
geral. Como exemplos de ações de responsabilidade sócio-ambiental, citamos as campanhas contra o desperdício de água e energia, a
coleta e destinação adequada dos resíduos hospitalares, etc.
2 - Ética e desenvolvimento social têm como foco as ações da organização em favor das comunidades locais que extrapolem a sua
missão. Para que essas ações sejam efetivamente compreendidas
59
V - Informações e conhecimento
Quanto às informações e conhecimento, enfatizamos a gestão e
a utilização das informações, as informações comparativas pertinentes,
bem como as formas de proteção do capital intelectual da organização.
1 - Na gestão das informações, preocupamo-nos com o sistema
de informações, propriamente dito. Como são determinadas as
necessidades de informações, os critérios de seleção, métodos
de obtenção, armazenamento e acesso de dados. Estão englobadas a preocupação com a utilização das informações na gestão e
das atividades de rotina. Nela se incluem os procedimentos e as
tecnologias para apoiar as estratégias e satisfazer as necessidades dos usuários, no que se refere a confidencialidade, integridade, disponibilidade e nível de atualização dessas.
Cada aspecto do atendimento deve estar associado com a habilidade de medi-lo quantitativa e qualitativamente. Por exemplo,
não só deve existir um registro das ações, como padrões definidores dos conteúdos. Cada serviço deve definir o que e como
os indicadores devem medir, desde que eles dêem a informação
necessária para avaliar se o escopo está sendo alcançado. Cada
indicador deve vir acompanhado de um valor mínimo que, quando ultrapassado, chama atenção para a necessidade de ação
corretiva. Porém, é preciso ter cuidado com o excesso de dados
inúteis para o processo de avaliação, congestionando os siste-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
como ações para a comunidade, é importante evidenciar o alcance das mesmas para além dos clientes da organização. Também
estão aqui contempladas as questões relativas ao comportamento
ético no relacionamento com as partes interessadas. Exemplos
de ações pautadas pela ética são a existência de comissões de
ética, disseminação dos códigos de ética das profissões atuando
no hospital, realização de eventos sobre o tema, etc.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
60
mas de informação. Recomenda-se definir um painel de controle
para monitorar todas as etapas do atendimento e a satisfação dos
diversos grupos de interesse nele.
O painel de controle, tal como no painel da cabine de comando de
um avião moderno, registra os dados utilizados pelo piloto e pelo
computador de bordo para correção de desvios na qualidade do
vôo. Também no painel de controle da organização, o gestor poderá
monitorizar os desvios de qualidade. Para finalizar, a importância
dos sistemas de informação está na capacidade de comunicar resultados às partes interessadas, permitindo-lhes a gestão das informações comparativas.
2 - Quanto à gestão das informações comparativas, interessa-nos
as informações utilizadas para apoiar a análise critica do desempenho global, bem como para a decisão, melhorias e inovações
das práticas de gestão. Enfatizamos os principais tipos de informações utilizadas e como elas se relacionam aos processos assistenciais e às metas organizacionais. Os principais tipos de informação podem ser colhidos através de estágios, cursos e visitas
a outros serviços, relatórios de outras organizações, contratação
de consultores ou especialistas, palestras, participação em associações profissionais, pesquisas, intercâmbio de informações;
participação em congressos, feiras e exposições no país ou no
estrangeiro, livros, revistas, periódicos e websites; etc. Uma forma
que está se tornando comum entre empresas (extensivo a organizações da área da saúde) é a prática do benchmarking, comparação entre as melhores práticas ou referenciais de excelência.
As principais etapas da prática do benchmarking são identificar
serviços de referência, coletar as informações, analisar as informações e agir. A gestão das informações comparativas é muito útil
para os ciclos de controle, onde são feitas as comparações com
padrões de trabalho estabelecidos e os principais indicadores de
desempenho. Também fornece subsídios para os ciclos de aprendizado, onde a ênfase está na determinação dos principais indicadores de desempenho ou informações qualitativas utilizadas.
61
O modelo de gestão em pauta considera a importância do compartilhamento das inovações tecnológicas e dos conhecimentos adquiridos coletivamente na instituição. Daí recomendar a esta última
cultivar o capital intelectual, incentivando o pensamento criativo e
inovador nos padrões de trabalho e nas principais práticas assistenciais e de gestão do serviço. Em nossa avaliação, sempre há
um compromisso coletivo entre pessoas e organizações, por mais
individualizada que possa parecer qualquer prática de serviço. O
indivíduo necessita de outros na instituição para praticar o seu ofício e, portanto, o capital intelectual adquirido pelo indivíduo tem
dimensões institucionais e deve ser protegidos pela instituição.
VI - Pessoas
Nesse ponto, enfatizamos as condições para o desenvolvimento
e utilização plena do potencial das pessoas, bem como, dos esforços
para criação e manutenção de um clima organizacional compatível com
a excelência do desempenho e à plena participação. Para tanto são necessários sistemas de trabalho para gerir as relações das pessoas com
a organização, a preocupação com a capacitação e o desenvolvimento
e ações visando a melhoria da qualidade de vida.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
3 - Quanto ao desenvolvimento do capital intelectual, é difícil em
uma empresa de prestação de serviço, saber como proteger o
conhecimento e o capital intelectual. Podemos descrever como
estimular, identificar e desenvolver o conhecimento, mas este
será, quase que invariavelmente, propriedade do indivíduo. Em
serviços com características acadêmicas, é possível certa lealdade dos indivíduos com a instituição e o capital intelectual por ela
transmitido; o mesmo pode acontecer em hospitais nos quais o
corpo clínico seja vinculado por meio de um contrato de trabalho.
No caso de hospitais de corpo clínico aberto, contudo, o capital
intelectual, entra e sai do prédio com os profissionais.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
62
1 - O sistemas de trabalho volta-se para a organização do serviço, ou seja, a elaboração das escalas de plantões e rotinas,
manutenção da cobertura dos setores, recrutamento, admissão
e integração das novas pessoas ao grupo, divisão das responsabilidades e remuneração, avaliações de desempenho, aplicação
de punições e incentivos; competências necessárias para ocupar
posições, e assim por diante.
2 - Capacitação e desenvolvimento consistem em treinamento,
capacitação, desenvolvimento e educação das pessoas dentro
da organização. O treinamento deve alinhar-se às estratégias,
criando competências e contribuindo para melhor desempenho
das pessoas e realização da missão da empresa/clínica/hospital. A avaliação do desempenho determinará as necessidades de
treinamento, considerando as diferenças entre escolas de formação e suas consequências na conduta, consumo de materiais,
eficiência e qualidade.
Recomenda-se avaliar a influência da cultura de excelência sobre
treinamento e como os indicadores qualitativos e quantitativos de
desempenho, padrões de trabalho, métodos de controle e as informações comparativas pertinentes afetam o desenvolvimento do
serviço. Métodos de orientação ou aconselhamento, empregabilidade e desenvolvimento de carreiras são temas pertinentes à gestão de pessoas e particularmente, a reflexão sobre as formas mais
comuns de treinamento praticadas: participação em congressos e
cursos a eles vinculados, acesso às informações veiculadas em
revistas especializadas ou na Internet e o treinamento em serviço.
A manutenção de biblioteca com acesso garantido a textos básicos e de especialidades, bem como de revistas para atualização
ainda são recursos adequados para a manutenção de programas
regulares de educação continuada, independentemente das características ou do status das pessoas.
3 - A qualidade de vida tem estreitas relações com a gestão de
pessoas e a busca da excelência organizacional. A rotina estressante e longas jornadas de trabalho comprometem a qualidade de
63
VII - Processos
Gestão de processos consiste na padronização de condutas assistenciais baseadas em evidências clinicas e condutas gerenciais. Padronização se traduz, materialmente, em manuais de rotinas e procedimentos, registros dos agentes responsáveis pelas atividades desenvolvidas, as sequências de execução das atividades e seus respectivos fluxogramas, as políticas específicas e normas dos serviços, etc. Quando
se fala de gestão de processos o modelo registra a gestão dos processos fins, ou seja, a aplicação da assistência, a gestão dos processos de
apoio administrativo, de higiene-limpeza, segurança informática, etc.
1 - A gestão de processos relativos aos serviços fins começa com
a definição dos principais processos relativos aos serviços fins,
bem como das principais etapas e sub-processos desses serviços. Citamos parte dessas etapas e/ou sub-processos: as consultas, cirurgias, ações de reabilitação, etc. Para cada uma destas
etapas/sub-processos haverá uma definição de normas, rotinas,
procedimentos, atividades, agentes executores, fluxo de sequência, baseados nos requisitos das partes interessadas (pacientes,
familiares, fontes pagadoras, fornecedores, etc.) e descritas nos
manuais de rotinas e procedimentos. Esses manuais deverão ser
aprovados, não só pelos chefes dos serviços, mas também por
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
vida e se não bastasse, o conhecimento e a facilidade de acesso
às drogas psicoativas podem facilmente se tornar escape para
pessoas pressionadas profissional e emocionalmente. As escalas de trabalho devem contemplar as necessidades de repouso e
férias. Alem dos requisitos legais, as necessidades individuais devem definir intervalos de repouso, de maneira a não comprometer
a segurança dos pacientes. Da mesma maneira, a preocupação
com a manutenção dos equipamentos usados deve, além da segurança dos pacientes, garantir também a dos profissionais.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
64
seus superiores imediatos, sendo revisados periodicamente e,
mais importante, seguidos por todos os membros das equipes.
Esses manuais deverão conter também os padrões mínimos de
qualidade esperados nos serviços: auditoria periódica dos prontuários para comprovação da existência dos registros dos atos
profissionais e da qualidade desses atos, bem como de acidentes
ocorridos; auditoria periódica dos equipamentos utilizados, etc.
2 - A Gestão dos processos de apoio começa com a definição das
principais etapas/sub-processos existentes e a partir delas, quais
normas, rotinas, procedimentos, atividades, agentes e fluxos são
necessários. Nos processos de apoio também estão principalmente incluídos os processos administrativos.
3 - A gestão de processos relativos aos fornecedores considera
fornecedores externos tradicionais e internos do hospital (laboratório de análises clinicas; serviço de hemoterapia ou banco de
sangue; enfermagem e outros profissionais; centros/unidades de
terapia intensiva, etc.) As relações dessas unidades/profissionais
internas devem ser reguladas por meio de normas, rotinas, procedimentos, atividades, seus agentes e fluxo de sequência, etc.
A regulamentação dessas relações deverá constar dos manuais
de rotinas e procedimentos dos processos de apoio. Contudo,
quando o fornecedor é externo, o grande instrumento de gestão
é o contrato, no qual estão delineados os direitos e deveres das
partes. O contrato faz, neste caso, as vezes do manual de rotinas
e procedimentos internos. À medida que aumentam as terceirizações nos hospitais, a gestão de processos relativos aos fornecedores também aumenta de importância, uma vez que o fornecedor atua dentro da organização, e emergem questões devidas à
convivência de duas culturas organizacionais diferentes.
4 - A gestão financeira é utilizada para apoiar as estratégias e os
planos de ação, incluindo como selecionar as melhores opções
de captar recursos, investimentos e aplicações de ativos financeiros para viabilizar as operações da organização.
65
Os resultados são avaliados em função: da satisfação dos pacientes e seus familiares; do mercado comprador de serviços hospitalares;
da satisfação das pessoas/organizações financiadoras da organização
(administração/donos do hospital, governo no caso de hospitais do Estado, etc.) que têm interesse em indicadores financeiros dos resultados;
das pessoas que trabalham na organização; dos fornecedores; da sociedade; dos processos relativos aos serviços de atendimento e dos resultados relativos aos processos de apoio e organizacionais. São os resultados que realmente indicam ou não o grau de satisfação das partes
interessadas. Eles devem ser expressos por meio de tabelas e gráficos
construídos a partir de dados e indicadores. Quando acompanhados
de referenciais de excelência ou de mercado, permitem comparações
úteis, e quanto dispostos em séries históricas permitem avaliar tendências. Dados comparados se transformam em informações e estas, analisadas, transformam-se em conhecimento com relação à organização.
1 - Resultados relativos aos clientes e mercado apontam o grau
de satisfação dos pacientes, familiares e das fontes pagadoras. A
forma mais comum é por meio de pesquisas.
2 - Os resultados financeiros mostram a eficiência no uso dos
recursos colocados à disposição da organização. Podem ser utilizados indicadores de receita bruta, lucratividade, rentabilidade,
produtividade, custo do ato anestésico etc.
3 - Os resultados relativos às pessoas podem avaliar o grau de
satisfação das pessoas na organização; costuma-se usar análise
de clima organizacional, números de horas de treinamento; investimento em treinamento dividido pela receita; doenças atribuídas
às atividades profissionais; frequência e gravidade dos acidentes
de trabalho, percentual variável sobre a remuneração total, etc.
4 - Resultados relativos aos fornecedores consideram tempo de
espera para manutenção/reparo de equipamentos; demora na
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
VIII - Resultados
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
66
entrega de medicamentos, percentual de não conformidades na
entrega de medicamentos/materiais, percentual de fornecedores
participantes de eventos promovidos pelo serviço, percentual de
acidentes/efeitos adversos devido a material entregue por determinado fornecedor, atrasos/complicações no fornecimento, incompatibilidades clinicas com resultados de exames de laboratório,
diferenças no controle de psicotrópicos, etc.
5- Resultados dos processos relativos aos serviços apresentam o
número de acidentes divididos pelo numero total de procedimentos feitos ou pelo número de horas de atendimento, número de
acidentes com óbito, número de reações adversas, tempo médio
de cirurgia dividido pelo tempo médio de anestesia, tempo de procedimentos com monitoramento cárdio-circulatório, etc.
6 - Resultados relativos à sociedade apontam a frequência da organização na mídia de mensagens (visando esclarecer a opinião
pública com relação aos serviços prestados pela clínica), números de participação voluntária em pesquisas científicas, números
de apresentação voluntária de trabalhos científicos em congressos e/ou revistas, atos médicos realizados gratuitamente, etc.
7 - Resultados dos processos de apoio e organizacionais relacionam número de ações preventivas divididos pelo número de
ações corretivas por equipamentos, horas de procedimento por
equipamento, percentual de planos/orçamentos/escalas executados/cumpridos, custo real dos procedimentos dividido pelo custo
ideal, percentual de correção no preenchimento das folhas de débito, percentual dominado das tecnologias necessárias.
Modelos similares ao apresentado neste artigo já estão em prática em organizações brasileira, entre eles, Santa Casa de Porto Alegre
(vencedor do PNQ em 2002), Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, hospitais participantes do programa CQH, em São Paulo, entre outros. Tendo em vista contribuir com
estudos futuros, apresentamos nas páginas finais deste artigo sugestão
de leituras sobre o tema.
67
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Ana Maria Malik - Médica, doutora em medicina preventiva,
diretora adjunta do PROAHSA e professora adjunta da FGV/SP.
Introdução - A inovação,
a moda, o modismo
A área da saúde gosta de se ver como inovadora, atribuindo muito de seus custos crescentes justamente a essa inovação, além do fato
que — todos os estudiosos do setor o sabem e o repetem — a inovação
não chega para substituir o anterior, mas para se somar a ele. No entanto, talvez fosse possível questionar o que se costuma tratar sob o tema.
Inovação é uma coisa, novidade é outra, moda é ainda uma terceira.
No geral, consideramos dois tipos de inovação, a radical e a incremental. A radical assume uma ruptura com “o anterior”, trata-se de
algo novo, poderíamos falar de um novo paradigma (KUHN, 2003).
Como exemplo de incremental na área da saúde, podemos considerar
a possibilidade de ver claramente o interior do corpo humano, sem necessidade de cortá-lo. A inovação incremental respeita à modificação
Com os mais sinceros agradecimentos aos amigos (em ordem alfabética) professores
Ana Carolina Spolidoro Queiroz, Gonzalo Vecina Neto, Lucila Pedroso da Cruz e Maria
Laiz Zanardo, por terem usado seu tempo para ler, dar sugestões relevantes e corrigir
gafes. Certamente o texto saiu melhor do que estava em suas versões anteriores,
devido a suas intervenções.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Inovação e a área
da saúde
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
72
em uma parte de um processo ou de um produto (LEMOS, 1999), como
a introdução de aparelhos de ultrassonografia que permitem ver as imagens coloridas e em terceira dimensão, ou até dos equipamentos de
mamografia digitais.
Temos clareza em perceber que a transformação da economia
depende da inovação. Ainda não estão claras, porém, as possíveis origens da inovação, ou seja, de onde ela vem. A definição mais comum
para o termo é a de Dosi, apresentando-a como busca, descoberta,
experimentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, processos, técnicas, mesmo que sejam novos apenas no âmbito da
organização que os adota (DOSI, 1988).
No presente texto, utilizamos um dos conceitos do Manual de
Oslo (OCDE/EUROSTAT/FINEP, 2005), segundo o qual, o conhecimento é cada vez mais percebido como um condutor central do crescimento
econômico e da inovação, embora ainda não se saiba como esses fatores a afetam. Ainda nesse documento aparece a noção de que, além
de compreender as atividades de inovação desenvolvidas por meio dos
conhecidos programas de P&D (pesquisa e desenvolvimento), é necessário estar preparado para perceber aquelas não incluídas nesses programas, as interações entre os atores e os fluxos relevantes de conhecimento. Segundo o manual, em uma organização é possível observar
quatro grandes tipos de inovação: de produto, de processo, organizacionais e de marketing.
Novidade, por sua vez, é algo novo, algo que não estava disponível, mas respeita à substituição do anterior por um semelhante. Por
exemplo, a substituição de um automóvel, por um mais novo ou simplesmente por outro. Isto pode corresponder ao que o Manual de Oslo chama
de “novo para a firma”, como um requisito mínimo da inovação. A adoção
de inovações envolve um fluxo de conhecimento, com muita frequência
provindo da difusão de inovações iniciais por outra organização.
Finalmente, aparece a moda, entendida como aquilo que se usa ou
que se faz (ou se gostaria de usar ou de fazer) em determinada época.
Uma de suas distorções pode ser o modismo, cuja característica é ser
efêmero e que, com muita frequência, é adotado de maneira menos crítica
73
Na área da saúde, a toxina botulínica era conhecida há muito tempo,
desde quando passou a ser utilizada para doentes com paralisia cerebral.
Em seguida, passou a ser usada para fins estéticos, por profissionais de
saúde. Até aí, estamos falando de inovações (a utilização da toxina para
fins terapêuticos), novidade (para fins estéticos) e talvez em moda (deixar
quem o utiliza com uma expressão com menos rugas, eventualmente distorcida, entre alguns usuários). O modismo pode ser a modalidade “chá
de Botox”, quando pessoas se reúnem para utilizar com mais eficiência
os frascos do produto e ver sua aplicação em seus pares.
A importância da inovação no setor de serviços é crescentemente
reconhecida. Os serviços podem ser classificados de diversas maneiras, entre as quais, as do Manual de Oslo, citando Howeels e Tether :
serviços que lidam sobretudo com produtos (como transporte e logística), os que trabalham com informação (tais como os call centers), serviços baseados em conhecimento, e serviços que lidam com pessoas
(como cuidados com a saúde). No entanto, há características da área
de serviços já transformados em conhecimento comum: a distinção entre produtos e processos é, com frequência, difícil de perceber, com
produção e consumo ocorrendo de forma simultânea. Nessa área, a inovação também pode ser um processo contínuo, consistindo-se de uma
série de mudanças incrementais em produtos e processos. Isso pode
dificultar a identificação das inovações em serviços em termos de eventos isolados; no entanto, como elemento facilitador da sua identificação,
para tratar de inovação é necessário que ela tenha sido implementada.
Uma inovação pode consistir na implementação de uma única
mudança significativa (em assistência hospitalar podemos falar de tornar uma organização voltada para a segurança do paciente, adotando
todos os protocolos internacionais), ou em uma série de pequenas mu
LDB – little black dress, um clássico do vestuário feminino.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
do desejável. Quando não desaparece, pode virar moda. A moda pode
se tornar um clássico, como é o caso do vestidinho preto, lançado por
Chanel, incorporado ao imaginário feminino desde a primeira metade do
século XX (não é raro que em ocasiões sociais mais de 80% das mulheres
usem esse traje, que até já tem abreviatura no mundo da moda — LBD).
O modismo não, embora às vezes ele retorne.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
74
danças incrementais que podem, juntas, constituir mudança significativa
(o que acontece com uma organização que se propõe a informatizar-se
e o faz paulatinamente).
Assim, é preciso cautela quando falamos de inovação em saúde.
O argumento do presente texto é discutir processos do setor, estudados
em diferentes circunstâncias, e interrogá-los, para saber como, de fato,
a área se caracteriza como inovadora.
Alguns fatos da área de
saúde no Brasil
Um dos assuntos de grande interesse para os estudiosos das políticas e da gestão de saúde é a incorporação tecnológica. Continua, entre
muitos dos interessados ou observadores do setor, a impressão de que
isso se refere a equipamentos, de preferência de última geração, como
está na imprensa. Com os medicamentos eventualmente, acontece o
mesmo. Os processos, que poucos conseguem identificar como eram e
como se tornaram, não são identificados com o assunto mudança, externamente. Rigorosamente, mesmo os trabalhadores dos hospitais se sentem melhor na presença de novas máquinas ou até de reformas de área
física (inovações tangíveis), que na substituição de processos que não
conseguem identificar (inovações intangíveis). Por isso a necessidade de
artifícios, selos, prêmios associados a algumas das relevantes alterações
nos “modi operandi” (AKTOUF, 2001; FREITAS, 1999). Em nosso texto
são analisadas as inovações intangíveis que influenciam a cultura das
organizações e que são influenciadas pelos seus operadores.
Novas tecnologias, inovação tecnológica, são associadas, justamente, à área de assistência médica. De fato, não seria possível falar
em um novo paradigma na área assistencial não fossem os novos medicamentos para tratar afecções com muito mais eficácia e eficiência,
considerando o tempo de tratamento, e não os seus custos (embora não
sejam pesquisados com a mesma ênfase para todos os diagnósticos).
75
Equipamentos auxiliares de diagnóstico permitem ver o interior do
corpo humano com precisão impensável há algumas poucas décadas,
mudando a acurácia dos diagnósticos, permitindo tratamentos mais precoces e mais seguros. E mesmo no que respeita à segurança, práticas
usadas acriticamente desde “sempre” passaram a ser questionadas, e
outras passaram a ser prescritas em seu lugar, como os protocolos de
cirurgia segura, para impedir a ocorrência de erros evitáveis. Trata-se,
certamente, de inovações tecnológicas que, no entanto, não costumam
estar disponíveis para todos, apesar do SUS preconizar o acesso universal (e até mesmo o que a medicina suplementar assume quando
divulga suas potencialidades).
Internacionalmente, fala-se em economia da saúde como uma
disciplina. Com frequência, são os profissionais com conhecimento e experiência nessa área que, em alguns países, definem qual(is) dessa(s)
inovação(ões) podem/devem ser incorporadas, justificando os sempre
presentes e crescentes gastos com saúde.
No Brasil, existe a preocupação com a incorporação de tecnologia
tanto na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que analisa segurança, eficácia e qualidade, quanto no Ministério da Saúde, que
criou em 2006 uma comissão (CITEC - Comissão para Incorporação de
Tecnologias) e em 2008 vinculou-a à Secretaria de Ciência, Tecnologia
e Insumos Estratégicos – SCTIE. Fazem parte desta Comissão, além da
Secretaria do Ministério à qual ela é vinculada, a Secretaria de Atenção
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Na área de anestesiologia, portanto, voltada para cirurgia, os fármacos são absorvidos com muito mais rapidez pelos pacientes, quimioterápicos podem ser utilizados fora de ambiente hospitalar, o tratamento
da dor pode ser realizado em domicílio. Os medicamentos genéricos
existem e foram criados para aumentar o acesso da população a essa
nova tecnologia. A técnica cirúrgica permite a realização de cirurgias
de maneira não invasiva (não sempre, não para tudo, mas quando a
indicação é adequada, os processos costumam transcorrer de maneira
bastante satisfatória). Procedimentos e equipamentos permitem atender
o paciente em domicílio. Em alguns casos é realmente mais indicado realizar o tratamento fora de hospitais de pacientes agudos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
76
à Saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde. Além desses órgãos
diretamente ligados ao Ministério, ainda a compõem a ANVISA e a ANS
(Agência Nacional de Saúde Suplementar). Seu objeto é a incorporação
de tecnologias, mas eventualmente também a sua retirada do mercado e
da listagem dos itens financiados pelo Ministério, bem como a revisão de
protocolos assistenciais.
No entanto, esses esforços ainda são recentes e não tem sido
possível atender todos os pedidos de maneira oportuna (os fabricantes
querem mais velocidade nos processos, a população tem conhecimento
crescente a respeito do que ocorre no resto do mundo e deseja acessar
o que lhe parece adequado e que consegue identificar). No entanto, para
dar nexo às políticas de saúde nacionais (de qualquer país), é preciso
estudar as reais necessidades, as evidências científicas (apesar de terem
se tornado um bordão quase sem sentido, são indispensáveis para melhorar a assistência) e, finalmente, a disponibilidade de recursos.
No sistema de saúde brasileiro (SUS), há uma promessa de acesso
universal à saúde, entendida como acesso a todos os bens e serviços eventualmente existentes no mundo. Tal situação não é o possível (em qualquer
sistema, tendo em vista as limitações de recursos) ou o desejável para os
pacientes, por muitas vezes implicar em procedimentos ou outros insumos
mais invasivos, menos seguros e de necessidade no mínimo, discutível. Já
se tentou, no Brasil, disseminar ou descentralizar as atividades de análise
econômica, de custo-benefício, custo-eficácia ou de custo-efetividade, mas
não há quadros suficientes, não se verifica real interesse do Estado nesse
sentido e não é certo que tal descentralização seja o modelo mais adequado. O modelo — tanto no setor público quanto no privado — demanda todos
os serviços, tudo o que há de mais novo, sempre. Os profissionais se dizem prejudicados, por não conseguirem seguir as chamadas boas práticas,
quando não têm à disposição o último lançamento; os demais atores, população, fabricantes e outros interessados lutam, cada um para resguardar a
sua posição (FERRAZ, 2008).
Embora haja, idealmente, ciência e conhecimento por trás das diferentes decisões tomadas, acaba prevalecendo um jogo de opiniões e
de vontades. A resultante é a manutenção daquilo que Porter chama de
77
A gestão da área de saúde no Brasil
tem sido inovadora?
Olhando para estudos realizados no século XXI, na área da saúde no Brasil, temos visões pouco otimistas em relação ao tema, quando
falamos em inovação na área de gestão e não da assistência. Estudo
realizado em 2002 (MALIK; PENA, 2003) mostrou que, na época, executivos de organizações de saúde públicas e privadas, hospitalares, de
sistemas de saúde e operadoras de saúde, na região metropolitana da
Grande São Paulo, perguntadas sobre os desafios do momento e os
esperados para os próximos cinco anos, apresentavam respostas muito
semelhantes para os dois períodos. As respostas podem significar falta
de visão ou de preocupação estratégica. Se é possível relacionar inovação à visão estratégica, talvez esse aspecto estivesse falho no início da
década considerada.
Estudos de 2000, 2003 e 2004 mostram hospitais preocupados
com mimetismo organizacional: sua intenção maior é dispor dos mesmos serviços que seus concorrentes ou daqueles considerados seus
benchmarks, não necessariamente desenhados em função de uma visão estratégica ou de futuro, não sendo classificáveis como early adopters (MALIK; TELLES, 2001; QUEIROZ; VASCONCELLOS, 2005; FIORENTINI, 2005).
Estudo de 2006 encontra pouca modificação na realidade de 2000
quanto à visão estratégica de hospitais privados filiados à ANAHP (Associação Nacional de Hospitais Privados), em relação a suas áreas de suprimentos (FERREIRA, 2000; OKAZAKI, 2006). Nova pesquisa realizada
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
a concorrência errada, na qual compete-se por preço, por quantidade de
procedimentos potencialmente realizados, por equipamentos disponíveis
e não pela qualidade no serviço prestado, levando valor ao cidadão sob
cuidados (PORTER; TEISBERG, 2006; PORTER, 2009).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
78
em 2006, no mesmo hospital analisado em 2003, mostrou três pontos
pouco coerentes com a imagem de inovador que a organização tem:
1 - praticamente todas as inovações consideradas relevantes no
primeiro estudo (três anos antes) foram abandonadas;
2 - os funcionários eram os mesmos (houvera demissões e diversos treinamentos, mas o mix de competências não fora alterado
substantivamente, ou seja, o resultado dos treinamentos realizados para as inovações há três anos estava sendo sub-utilizado,
e cada vez havia menos tempo suficiente para a realização de
novos treinamentos — embora o hospital em questão fosse um
grande investidor na modalidade de educação continuada), e
3 - em entrevistas com decisores de nível estratégico, um deles
atribuiu a um fator externo (orientações de avaliador externo), a
introdução das inovações mais relevantes. (QUEIROZ; MALIK;
STAL, 2007). A mesma preocupação com os avaliadores externos orientou decisões quanto à gestão de contratos em hospitais
(VELOSO; MALIK, 2007).
Estudo realizado em 2007 mostrou que hospitais privados vinham
negociando valores de reembolso diretamente com operadoras sem ouvir seus médicos, contratados ou não, embora não se verifique muita
literatura a respeito de quem leva pacientes para os hospitais. Há 10
ou 15 anos, creditava-se o mérito aos médicos, vistos como os clientes
preferenciais dos hospitais, principalmente os privados, contrariando
a literatura sobre qualidade, patient based service e valor (BERWICK,
2009). Em 2010, presumimos pela percepção dos profissionais, os pacientes chegam para utilizar os serviços por indicação, orientação ou
em função das operadoras, o interlocutor privilegiado, deixando o paciente mais uma vez para segundo plano (SCHOUT et al, 2009). Difícil
dizer se certificados de avaliação externa têm alguma influência de fato
na quantidade de doentes.
Finalmente, estudos de 2005, 2006 e de 2008 evidenciam que as
organizações de saúde não sabem ou têm pouco interesse/consideram
79
Nos anos 1980/90, os processos de gestão da qualidade começaram a ser bastante comentados no setor saúde do País, muito às custas
de viagens de visitas que gestores públicos e privados fizeram principalmente aos EUA. O fato dos processos serem comentados não necessariamente os tornou realidade, ficaram mais próximos de uma novidade.
Em um segundo momento, começou o período de validar processos de
avaliação, de reconhecer a existência de muitos interessados nesse tipo
de atividade, cada um com seu interesse e com sua percepção. A seguir,
veio o tempo do conhecimento sobre os processos de avaliação externa,
dentre os quais o mais comentado é a acreditação hospitalar, inspirada
na então JCAHO (Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations), inspirando a Organização Panamericana da Saúde a tentar
disseminar a atividade como moda nos hospitais da América Latina e do
Caribe (SCHIESARI, 1999).
O processo de implantação da qualidade persiste em nosso País,
mas seus resultados realmente são, até agora, incipientes. Uma das
primeiras atividades necessárias foi a de tornar o termo acreditação conhecido e palatável. Interessante é que, depois de isso ter ocorrido, a
França, onde a acreditação hospitalar é obrigatória e tem uma organização responsável por ela (a HAS – Haute Authorité de Santé), chama
esse processo de certificação. No Brasil e em uma série de outros países, certificação se refere a outros tipos de avaliação externa. Entre as
justificativas encontradas por serviços para se submeterem a avaliações externas estão sua imagem pública (marketing), sua diferenciação
perante os seus semelhantes, mediante um atestado de cumprimento
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
pouco prioritário lidar com sua cultura. Assim, fica difícil mudar, inovar,
aprender. (ARRUDA, 2006; CLINCO, 2007; STEUER et al, 2009). As
mudanças dependem das pessoas estarem dispostas a questionar as
verdades dentro das organizações. Há locais nos quais a inovação é
um pressuposto (SCHEIN, 2006), em tese ocorrendo em organizações
nas quais se realiza e se trabalha com os resultados de pesquisa. No
entanto, na área da saúde isso é mais perceptível na assistência do
que na gestão (inclusive na gestão da assistência), nos processos mais
intervencionistas do que nos cuidados.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
80
de requisitos (e que servem, portanto, para receber pacientes de operadoras privadas, nacionais e internacionais) e sua capacidade em obter
recursos com base nesses atestados.
Em tese, os processos de avaliação dizem como os serviços precisam funcionar para atingir algum padrão de qualidade definido por organizações com credibilidade. Assim, as avaliações/acreditações dizem
quais são as respostas certas, cabendo aos serviços envolvidos fazer a
lição de casa.
E ainda, mesmo considerando que no estado de São Paulo uma
série de hospitais deixa as prescrições da acreditação (nacional ou internacional) tomarem decisões por eles, conforme estudo de Queiroz, Malik
e Stal (2007), o número de hospitais acreditados no País, por acreditadoras nacionais ou internacionais, ainda é extremamente pequeno. Em
dezembro de 2009, cerca de 10 anos após o início formal dos processos de acreditação no País (SCHIESARI, 1999, 2003), são 115 hospitais
pela acreditação nacional (ONA). Por acreditações internacionais, são
21 pela JCI/CBA, muitos deles parte de outras organizações (e algumas
não são hospitais), e quatro pela AC/IQG.
Considerando-se todos como se fossem independentes, seriam
140, ou seja, 2% dos hospitais brasileiros. E contrariando a tendência
internacional de fechamento de leitos com vistas a racionalização de
recursos, no Brasil, mesmo frente à inequívoca realidade da existência
de hospitais que colocam em risco a vida e a segurança dos pacientes,
não se fecham tais serviços (CORREA, 2009). Ou seja, falar em acreditação no Brasil é mais um modismo do que uma tendência ou uma
moda (diferentemente do que ocorre nos EUA, pelo menos na primeira
década do século).
Algumas organizações de saúde brasileiras conhecem tecnologias de gestão contemporâneas, porém, quando ocorreu um black out
em novembro de 2009, quase uma década após o início do século, a imONA – Organização Nacional de Acreditação.
JCI/CBA – Joint Commission International, representada no Brasil pelo Consórcio
Brasileiro de Acreditação.
AC/IQG – Accreditation Canada, representada no Brasil pelo Instituto Qualisa de
Gestão
81
Informatização tem sido citada como um dos fatores para monitorar a qualidade, a segurança e o valor para os pacientes das organizações de saúde. Embora já se observe a presença de computadores em
grande porcentagem das organizações, é difícil dizer que elas estejam
de fato informatizados. CRM (customer relationship management ou
gestão do relacionamento com o cliente) ainda é identificado na grande
maioria dos serviços com os Conselhos de Medicina. O mesmo pode
ser dito de diversas das siglas ou das ferramentas existentes, embora
muitas delas sejam mais modismos relacionados a necessidades reais,
como por exemplo o seguimento das relações com os pacientes e os
sistemas de informação, para citar apenas dois exemplos, assumindo
que é impossível ser exaustivo.
A área da saúde no Brasil tem sido
inovadora?
Na média, as organizações de saúde são conservadoras. A inovação mais aceita, percebida, desejada e divulgada ocorre em áreas assistenciais, ligadas a equipamentos, objetos de desejo de prestadores
institucionais, profissionais e de pacientes. No ensino médico e de outras profissões, privilegiam-se novas máquinas e novos procedimentos;
os processos assistenciais, dependentes ou não de equipamentos, são
pouco percebidos. Como eles não foram necessariamente valorizados
durante a formação dos profissionais, costumam ser rejeitados, pois é
mais fácil defender-se utilizando o conhecimento que está nos livros.
Por exemplo, a inovação contida no Programa de Saúde da Família brasileiro, deslocando o eixo da assistência do serviço de saúde
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
prensa tornou patente que um requisito básico de funcionamento para
serviços de saúde — geradores — não tinha presença verificada de
rotina. A ANVISA já identificara a situação em 2001, e à época houve
um esforço nacional para sanar a deficiência (aparentemente sem sucesso).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
82
para a residência do paciente é pouco aceita pelos profissionais, mesmo
sendo uma política dita prioritária no âmbito governamental e acompanhada de financiamento específico (CAMPOS; MALIK, 2008). A regulamentação da assistência domiciliar, da qual se fala há décadas, tem no
Brasil menos de cinco anos (ANVISA, RDC Nº11, 2006). A discussão de
gestão de casos e de gestão de doenças ainda é interpretada, sem que
— salvo raras exceções — tenha revertido para melhorar as condições
de vida e saúde dos doentes ou dos cidadãos com as doenças (ou em
risco de contraí-las). Não se pode dizer que nos casos aqui mencionados se esteja falando em gestão.
Nas organizações de saúde, no Brasil, as atividades administrativas apenas recentemente têm recebido algum tipo de valorização, tanto
em formação quanto relativamente à remuneração. O senso comum,
que assume que administração em geral é só bom senso, transfere seu
raciocínio para a saúde. Bancos, que lidam com dinheiro, claro, devem
ser bem administrados. Mas organizações de saúde necessitam apenas de bons profissionais técnicos (CALDAS, 2008). E estes, ainda com
muita frequência, assumem que os gestores e administradores estão
presentes para constrangê-los, ditando normas e negando liberação de
recursos. Novidades em fluxos e em área física são ignoradas, considera-se que os equipamentos venham com manutenção embutida (cujos
contratos deixam as organizações à mercê dos fabricantes).
O conservadorismo é um problema. O mesmo pode ser dito da adesão a todas as modas, transformando os gestores de saúde em fashion victims10. Só o conhecimento pode permitir que a inovação seja analisada e,
quando necessário, incorporada de maneira sustentável e a partir de processos de governança responsáveis, colocando todos os envolvidos como
parte das diferentes soluções buscadas (VECINA NETO; MALIK, 2007). A
área da saúde é tão conservadora quanto as pessoas que nela trabalham,
dispostas (ou não) a pensar de forma diferente daquilo que lhes ensinaram
ou que sempre lhes pareceu confortável.
Estamos falando das chamadas vítimas da moda, que usam qualquer coisa, mesmo
que não lhes caia bem, para estar “como os outros”.
10
83
Concluir é preciso e, em saúde, inovar é preciso. Afinal, a área da
saúde muda muito e isso não seria possível sem mudanças constantes.
Há muita invenção no setor. Há novos produtos e novas informações
quase diariamente. Há mais consumidores, talvez até mais cidadãos e
mais demandas. São diferentes algumas das necessidades, outras são
exatamente as mesmas desde o início dos tempos, por exemplo, a de
fazer partos, cirurgia (a cesárea), uma inovação, questionada pelo uso
demasiado — transformou-se em moda, já que todo mundo faz?
Muitas das inovações observadas aparecem mais por mimetismo,
modismo do que por visão estratégica. Às vezes, até vitimam alguns dos
seus seguidores. No afã de, por exemplo, obter consentimentos informados dos usuários (muito louvável, praticamente obrigatório, pois um
dia os usuários deixarão de receber tratamentos não explicados), prestadores criam circunstâncias amedrontadoras, usuários devem assinar
papéis, com medo de, se não assinarem, ter negado o tratamento. Ou,
dependendo de como o documento for redigido ou apresentado, temem
o que lhes pode ocorrer.
Decisões tomadas em outros ambientes são assumidas como
corretas, o que não necessariamente é um problema. No entanto, como
ocorre no caso das avaliações externas, das acreditações, que muito
frequentemente melhoram de fato os processos, os hospitais perdem
a vontade de levantar alternativas também potencialmente viáveis. As
soluções são aceitas como verdades, sem o uso da criatividade.
Finalmente, chama a atenção a aparente falta de visão estratégica nos serviços de saúde, substituída pelo desejo de ser como os outros. Aumentar ou diminuir leitos, oferecer serviços daquela especialidade, ter aquele mesmo exame, ter o mesmo diploma e o mesmo mix de
profissionais. Além disso, tendo em vista a crescente percepção de que
sem informação convincente as pessoas não adotam de fato mudanças,
não implantam de fato as inovações, a preocupação organizacional com
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Concluir é preciso
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
84
um sistema de comunicação eficaz não é tão grande quanto se desejaria. A premissa é que comunique-se, e a partir daí tudo será naturalmente compreendido e aceito. Como se pode verificar, a premissa é falsa.
As pessoas, nas organizações, podem obedecer a ordens, o que não
significa interiorizar as mudanças trazidas pelas inovações.
“Things do not change, we change”
(“Coisas não mudam, pessoas mudam”)
(Thoreau, in Walden )
85
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
88
89
Luiz Claudio Zenone - Administrador, doutor em ciências sociais,
professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Introdução
Nosso objetivo é apresentar conceitos relativos ao marketing aplicado ao segmento hospitalar e ressaltar a importância crescente do relacionamento e atendimento ao cliente11. Não é nossa intenção esgotar o assunto, mas proporcionar uma reflexão sobre os desafios da gestão com o
foco no cliente e indicar os caminhos para estudos futuros sobre o tema.
O segmento hospitalar é constituído por diversas organizações
que interagem e influenciam as decisões e estratégias de marketing,
como por exemplo, os hospitais públicos, comunitários e privados, as
operadoras de saúde, empresas de seguro-saúde, clínicas, laboratórios, indústria farmacêutica, farmácias, entre outras, interagindo direta
Entendemos por cliente os diversos públicos de interesse das empresas que
compõem o segmento hospitalar, como o paciente, seu acompanhante ou, do ponto
de vista de um hospital, a operadora de saúde.
11
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Marketing e o
gerenciamento do
relacionamento com o cliente
no segmento hospitalar
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
90
ou indiretamente nesse mercado. Destacamos ainda, o médico, o elo
entre todas estas organizações e, do ponto de vista de marketing atua,
também, como um elemento do front-office12.
Historicamente, o setor de serviços hospitalares vem desenvolvendo uma gestão administrativa baseada fortemente no conhecimento
dos médicos. Mas, com a evolução dos mercados e aumento na competitividade, aumenta a preocupação, das empresas do segmento hospitalar na utilização adequada de novas técnicas e práticas administrativas
e mercadológicas.
Marketing e relacionamento
com o cliente
Além das transformações do mercado, o paciente já não é mais
tão “paciente” assim, conhece seus diretos como cliente e consumidor
e busca informações sobre suas necessidades. Um médico, até alguns
anos atrás, em média, levava 20 minutos para consultar um paciente, atualmente pode levar o dobro. Isto porque o paciente vem para a consulta
com informações sobre o seu problema, obtidas na internet, em sites de
pesquisa redes sociais das quais participa. Apenas para ilustrar, quando
digitamos a palavra “doenças” na rede social Orkut, aparecem mais de mil
comunidades tratando de diversos temas como doenças raras, problemas
no fígado, degenerativas, entre muitas outras.
Esse paciente não busca apenas informações sobre seu problema, mas, também, quais são as opções disponíveis para resolver o problema da maneira mais adequada. Ele pesquisa os serviços oferecidos,
a qualidade do atendimento prestado pela empresa, alternativas para
tratamento, entre outras informações. A empresa que desconsiderar
este novo perfil de cliente (paciente) estará fadada à falência, em virtuO Front-office é a porta de entrada para o processo de fidelização e de relacionamento
no segmento hospitalar, sendo responsável pelas primeiras impressões do paciente. O
conjunto dos elementos do front-office (médicos, enfermeiros, equipe da recepção, Internet
etc) devem ser preparados para atender os desejos e necessidades do público-alvo.
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O atendimento deve ser tratado como um fator decisivo e estratégico na gestão hospitalar. Os hospitais, clínicas especializadas, laboratórios,
farmácias, entre outras empresas, têm se preocupado crescentemente em
agradar seus clientes para mantê-los. Segundo Boeger (2005), diversos
serviços adicionais são incorporados à infra-estrutura dessas empresas,
oferecendo banco 24 horas, restaurante, fraldário, fitness center, lojas de
conveniência, etc., formando o conceito de hotelaria hospitalar.
Assim, a hotelaria hospitalar é:
“(...) a reunião de todos os serviços de apoio, que associados aos serviços específicos, oferecem aos clientes internos e externos conforto, segurança e bem-estar
durante seu período de internação”.
(BOEGER, 2005)
Em visão ampliada do mesmo conceito, temos:
“(...) introdução de técnicas, procedimentos e serviços
de hotelaria em hospitais com consequente benefício
social, físico, psicológico e emocional para pacientes,
familiares e funcionários” .
(GODOI, 2004)
Mas, mesmo com todos esses serviços adicionais e a implantação de novas técnicas oferecida, ainda se registra aumento no número
de reclamações sobre os médicos, hospitais, planos de saúde, laboratórios, enfim todas as empresas componentes do mercado. A maior
parte dessas reclamações se refere à qualidade do serviço prestado e
do atendimento praticado.
As características do mercado e do paciente ampliam a importância e a aplicabilidade do conceito de marketing na gestão hospitalar;
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
de de inúmeras instituições do segmento cada vez mais especializadas
e preparadas para tal atendimento.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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o atendimento e o relacionamento com o cliente transformam-se em
elementos estratégicos e fundamentais para atuar nesse mercado cada
vez mais competitivo, como o segmento hospitalar.
O marketing e a formação médica
O marketing na área da saúde ainda possui atuação restrita, frente ao potencial que apresenta. Em boa parte das instituições de saúde,
o departamento de marketing se restringe apenas a negociar contratos
com operadoras de planos de saúde. Ao longo dos anos, os proprietários de hospitais preocuparam-se em tratar os doentes e as doenças.
Estiveram, no entanto, desatentos em relação às outras necessidades
dos seus clientes ao escolher serviços da área.
Os serviços de atenção à saúde é um produto com características
próprias, obrigando a prática de um marketing absolutamente ajustado
para tal. O marketing não é apenas propaganda, mas sim uma filosofia
de negócios que liga a empresa ao mercado de atuação, procurando
agregar valor aos relacionamentos.
“O marketing envolve a identificação e a satisfação das
necessidades humanas e sociais. [...] supre necessidades
lucrativamente. [...] Podemos estabelecer definições diferentes de marketing sob as perspectivas social e gerencial.[...] Do ponto de vista gerencial, o marketing é o processo de planejar e executar a concepção, a determinação do preço, a promoção e a distribuição de ideias, bens
e serviços para criar trocas que satisfaçam metas individuais e organizacionais. A administração de marketing é a
arte e a ciência de escolher mercados-alvo e obter, manter
e multiplicar clientes por meio da criação, da entrega e da
comunicação de um valor superior para o cliente”.
(KOTLER, 2006)
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No começo do nosso trabalho ressaltamos a figura do médico
como importante elo entre as diversas empresas do segmento e, também, como elemento essencial para o desenvolvimento de técnicas
mercadológicas e de relacionamento. Nada constitui maior valor para o
sucesso profissional médico do que uma formação superior sólida (feita
em uma boa instituição), seguida de residência médica de reconhecida
qualidade e atualização contínua. Esse profissionalismo, associado a
uma postura ética, responsável socialmente e humanitária, é o alicerce
do sucesso e satisfação pessoal e uma excelente referência para as
empresas que partilham a visão e valores baseados na excelência profissional e ações socialmente responsáveis.
Entretanto, tratar eficientemente uma doença e atender o paciente humanitariamente está deixando de ser suficiente. Diversos outros
ramos de negócios, pressionados por tendências globalizantes, além
de oferecerem um produto de boa qualidade, oferecem atendimento de
boa qualidade. Mesmo na atividade médica, observa-se pressão contínua para a melhora do atendimento ao cliente.
Os estudos de graduação do médico incluem ciências biológicas
básicas, fisiopatologia, propedêutica, técnica cirúrgica e tratamento. Entremeada nessa formação técnica, aspectos humanísticos e de bioética
são oferecidos, mas geralmente visando aspectos humanitários, o diagnóstico e o tratamento. A preocupação fundamental do médico, com essa
formação é (e não poderia deixar de ser) voltada para a qualidade clínica
e humanitária do atendimento prestado. O grau de exigência dos pacientes em relação ao atendimento tem aumentado, entre outros motivos,
porque o cliente toma como parâmetro o serviço oferecido em áreas sem
qualquer relação com a saúde. Se ele é bem atendido em uma companhia aérea ou banco, um supermercado, uma loja de departamento ou
conveniência, a tendência é que utilize o mesmo padrão para julgar o
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
No segmento hospitalar, encontramos casos de profissionais que
entendem o marketing com conotação extremamente pejorativa, como
um recurso para burlar, enganar e manipular o paciente, visando suprir
formação médica deficiente (deixemos claro, a miopia em relação ao marketing não é restrita ao setor saúde). O próprio uso da palavra marketing
como sinônimo de propaganda é um sinal do seu mau entendimento.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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atendimento na clínica ou consultório, hospital, laboratório, etc. Por isso,
além do tratamento médico formal (clínico e humanitário), será exigido
um valor a mais a cada consulta. Este valor a mais em terminologia de
marketing é chamado valor agregado.
Os aspectos técnicos e humanitários da medicina ambulatorial já
foram extensamente analisados, estruturados e legislados na forma de disciplinas das faculdades de medicina, livros, resoluções do Conselho Regional de Medicina e Agência de Vigilância Sanitária. Pelo contrário, apesar de
bem estabelecido em outros negócios, o marketing dentro de uma célula
empresarial representada pelo consultório privado, é pouco estudada.
Quando refletimos sobre a concepção de atender as necessidades do cliente/paciente, como um recurso indispensável e uma correta
gestão administrativa das empresas do segmento da saúde como uma
atividade essencial da dinâmica organizacional, percebemos que tratamos do apenas da conjunção de vários fenômenos destes tempos
considerados modernos. A importância de ouvir o cliente/paciente, desde seus questionamentos quanto as suas necessidades, desejos, sugestões e elogios, coloca a empresa (hospitais, clinicas, laboratórios,
operadoras de saúde, etc.) na condição de responsável por satisfazer
suas necessidades. Talvez, como consequência da ação de ouvir, o alto
desenvolvimento dos produtos e serviços, da tecnologia, do sistema de
informação e dos recursos humanos deverá gerar o crescimento dessas
empresas, tornando o processo de atendimento ao cliente/paciente um
desafio para atingir o sucesso.
O marketing e a tecnologia aplicada
ao segmento hospitalar
O mercado de prestação de serviços na área da saúde está crescendo em todo o mundo. Embora a base do setor da saúde seja social, é
primeiramente um negócio quando se trata de do setor privado, e como
tal deve gerar lucro. A atratividade desse negócio, inserida em cenário
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Nos últimos anos, a prestação de serviços na área da saúde associou-se diretamente ao pensamento estratégico, tornou-se mais segregada e específica, objetivando atender as necessidades dos clientes/pacientes. Com o aumento da competitividade aumenta também,
proporcionalmente, a necessidade das empresas agregarem serviços
adicionais durante o relacionamento. Quando uma empresa agrega
valor ao relacionamento, o preço para o cliente/paciente não consiste
apenas no valor pago, mas, também nos custos de tempo, energia e
desgaste psicológico agregados na aquisição do serviço. Para uma estratégia de serviços na área da saúde eficiente é necessário identificar
as necessidades e oportunidades de serviços adicionais oferecidas aos
clientes/pacientes, principalmente ações que não estão sendo desenvolvidas pelo seu concorrente, ou seja, oferecer valor agregado ao serviço oferecido como diferencial competitivo.
Em todo o mundo, existe carência de serviços que atendam ou
excedam as necessidades e expectativas dos clientes. As empresas já
estabelecidas encontram dificuldades em manter o cliente fiel diante de
vários fatores: surgimento rápido de novos produtos; melhor desempenho das atuais tecnologias; sistemas mais eficientes de atendimento ao
cliente e principalmente, serviços diferenciado por nicho de mercado. A
partir dos anos 90, evidenciou-se um movimento de modernização das
técnicas gerenciais, sendo ressaltados os efeitos da entrada de novas
tecnologias. Essas novas tecnologias foram percebidas pelos gestores
como oportunidades de obtenção de lucros, com redução dos custos.
Diante disto, ampliou-se a profissionalização e modernização das organizações, incorporando a prestação de serviços, técnicas e modelos
gerenciais tecnológicos que possibilitem melhor qualidade e otimização
dos processos. A posse de informações precisas e no momento apropriado constitui recurso crítico para o êxito das organizações da saúde, condição para sobreviver no mercado cada vez mais competitivo.
O atendimento e satisfação do cliente/paciente mais eficaz e eficiente
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
positivo, vem atraindo grandes empresas para o setor, elevando o grau
da concorrência, dificultando a entrada de novos entrantes, assim como
aumento da exigência de reestruturação das empresas já existentes.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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passaram ser um ganho na competitividade. Essa tecnologia aplicada
ao relacionamento entre as empresas os clientes/ pacientes pode, sem
dúvida, levar uma gestão hospitalar mais eficiente.
Quando falamos em gestão hospitalar mais eficiente, estamos indicando a necessidade de agregar valor ao cliente/paciente com custos reduzidos e com melhora na qualidade dos serviços prestados. Para atingir
esse objetivo a tecnologia entra em cena. Para além da visão conceitual,
indicamos quatro possibilidades de aplicação da tecnologia na gestão do
relacionamento na área da saúde, apresentadas abaixo.
1 - Um paciente, ao dar entrada em um hospital, pode ser monitorado por sistema de rádio frequência (RFID) durante sua permanência. Desta forma, tanto médicos como enfermeiros podem
controlar melhor onde o paciente está e quais procedimentos médicos foram adotados.
2 - A tecnologia também pode ser utilizada para aumentar a segurança. Um bebê recém-nascido pode ser monitorado pelos pais
e pelo hospital, que podem acompanhá-lo quanto à localização,
ou, se cruza algum limite do hospital, levando à necessidade de
intervenção por parte da segurança.
3 - Troca de informações, diagnósticos e análises entre profissionais
da área de saúde, em tempo real, permitindo agilidade no processo
e de acompanhamento de vários profissionais quanto às decisões
relativas ao paciente. Além disso, agilizam-se, também, os procedimentos administrativos, registrando todos os serviços executados.
4 - Registrar e arquivar todos os procedimentos e diagnósticos de
cada paciente, levando a identificação de um perfil, acompanhamento da evolução do tratamento e analisar a eficiência de determinada ação, etc.
Esses são exemplos das possibilidades que podem ser incorporadas na gestão da saúde com o uso da tecnologia. As possibilidades são
muitas, cabe ao gestor utilizar os recursos adequados ao público-alvo
que se deseja atingir e, desenvolver uma estratégia criativa a inovadora.
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Se de um lado aumenta a importância do marketing, do outro ainda existe muita resistência sobre sua prática na área hospitalar. Talvez,
muitos gestores acreditem que os serviços desenvolvidos são de necessidade básica, sobre as quais as atividades de marketing são dispensáveis, ou simplesmente, por não terem conhecimento do verdadeiro
papel do marketing nas organizações.
Lentamente esta realidade vem mudando e podemos verificar
práticas de marketing de referência como, por exemplo, o Hospital São
Luiz (SP), cujas ações mercadológicas são pautadas a partir de pesquisas de mercado e como foco no atendimento. No site do hospital13
se percebe a preocupação com o atendimento e o relacionamento dos
diversos públicos de interesse, como pacientes, imprensa, médicos, interessados a trabalhar na empresa, entre outros. Através de diversos
meios de comunicação, como propaganda e publicidade a empresa
apresenta seus diferenciais competitivos como centro cirúrgico altamente equipado, um dos índices mais baixos de infecção do país, referência
em maternidade, referência em neonatologia e UTI neonatal, enfim, o
atendimento diferenciado. Diariamente, o São Luiz fala sobre saúde nas
rádios BandNews FM e Bandeirantes AM e FM, destacando formas de
prevenção e diagnósticos de doenças, tratamentos disponíveis, novas
unidades inauguradas, dúvidas em relação a determinados termos utilizados na área médica e muitas outras informações.
Além disso, nos últimos anos o Hospital São Luiz patrocina a
corrida de Fórmula 1 em Interlagos. Esse grande evento do esporte
internacional permite às pessoas se aproximarem da marca do hospital e perceber os principais atributos oferecidos pela empresa. Segundo Patrícia Suzigan14, superintendente de marketing e atendimento ao
Informações extraídas do site do Hospital São Luiz: <http://www.saoluiz.com.br>
acesso em 08 de dezembro de 2009.
14
Debates GVSaúde, Primeiro Semestre de 2008, número 5. <http://www.eaesp.fgvsp.br/
subportais/gvsaude/Pesquisas_publicacoes/debates/05/58.pdf>. Acesso em 25 nov. 2009.
13
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Da teoria à prática do marketing no
segmento hospitalar
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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cliente do Hospital São Luiz, nessa ação está embutida a informação
subliminar: se o hospital São Luiz é uma das marcas que patrocina o
Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1, e se estão prontos e preparados
para atender os pilotos que podem se acidentar a 300 km/h, também
estão preparados para atender seus clientes em qualquer outra situação. A empresa reforça esse conceito através de outro meio de comunicação: a propaganda é inteligente, mostra quão capaz e importante
e a instituição, sem falar em hospital, doença ou equipamentos.
No hospital Albert Einstein15, o cliente/paciente tem a sua disposição atendimento personalizado e humanizado durante toda a sua estada,
até o acompanhamento completo da alta médica. Entre os serviços oferecidos pela hospitalidade podemos destacar manicura e pedicuro, cabeleireiro, maquiador, massagista, farmácia, lavanderia, locação de DVD e
notebook, cartório, despachante, serviços religiosos, entre outros. A palavra “agregar valor” já faz parte da linguagem da gestão hospitalar. O
quarto do hospital parece mais o de um hotel cinco estrelas, tendo todos
os equipamentos específicos embutidos e que só aparecem no momento
do uso, contribuindo para tornar o ambiente mais acolhedor. O mobiliário
tem um design mais parecido com o doméstico, com o objetivo de tornar
mais agradável a permanência e permitir ao paciente “sentir-se em casa”,
embora mantenha as especificidades facilitadoras do atendimento médico. Quadros, televisão de LCD e luminárias fazem parte da decoração.
No Hospital Mater Dei16, em Belo Horizonte, os familiares podem
gravar e capturar imagens digitais do bebê diretamente do berçário. Antes da chegada da criança, os pais recebem uma senha para compartilhar com parentes e amigos que poderão ter acesso às imagens do
bebê via internet.
Há hospitais nos quais o cliente tem a sensação de chegar não
em um hospital, mas em um shopping center. No lobby do hospital estão
localizadas loja de conveniência e floricultura, e o espaço é usado, muitas vezes, para apresentação de música ao vivo e exposições de arte,
contribuindo para transformar o ambiente hospitalar em algo aprazível.
Informações extraídas do site do Hospital Albert Einstein. <http://www.einstein.br/
Hospital/comodidades/Paginas/hospitalidade.aspx>. Acesso em 08/12/2009.
16
Informações extraídas do site do Hospital Mater Dei. <http://www.materdei.com.br/
bercario/index.jsp>. Acesso em 08/12/2009.
15
99
Não é apenas em hospitais que essa visão de atendimento vem
sendo aplicada na relação com os clientes, também é possível perceber
clínicas e laboratórios a preocupação maior com o relacionamento.
A gestão do relacionamento e o
atendimento ao cliente/paciente
A partir da perspectiva do cliente, uma compra ou utilização de um
serviço é o início de um relacionamento. A interação continuada pós-venda é parte muito importante do pós-marketing e é tão necessária quanto
a venda, se a organização deseja contar com oportunidades continuadas
de negócios com o mesmo cliente no futuro. O marketing deve, então,
mudar a mentalidade de “completar uma venda” para a de “iniciar um
relacionamento”; de “fechar um negócio”, para “construir lealdade”.
O marketing de relacionamento deriva dos princípios do marketing tradicional. Para uma perspectiva de pós-marketing ou marketing
de relacionamento, o composto de marketing deve ser repensado, considerando os itens abaixo listados.
Informações extraídas do site do Hospital Santa Joana. <http://www.hmsj.com.br/
central_relacionamento.php>. Acesso em 08/12/2009.
17
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
A comunicação com os clientes é fator essencial quando a organização objetiva oferecer qualidade no atendimento e criar forte imagem
positiva no mercado. No Santa Joana17, por meio da central de relacionamento (canal aberto de comunicação com o hospital) é possível
esclarecer dúvidas, enviar sugestões, elogios, reclamações ou mesmo
agendar visitas para conhecer a maternidade. No serviço de atendimento ao cliente (SAC), o cliente será atendido e receberá um retorno. Esse
serviço também se encarrega do pós-atendimento, ou seja, faz o contato com o cliente após a alta médica, para saber como ele está e como
foi o atendimento enquanto esteve hospitalizado, ou seja, uma fonte
importante de pesquisa. O SAC tem sido um elemento de marketing de
fundamental importância no hospital.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
100
Produto/Serviço: o marketing de relacionamento, quando apropriadamente implementado, resulta em produtos e serviços cooperativamente projetados, desenvolvidos, orientados, fornecidos,
instalados e aprimorados. Os produtos não são desenvolvidos
pelo método histórico, no qual a empresa concebe os conceitos
dos produtos. Em vez disso, o marketing de relacionamento envolve uma interação em tempo real entre empresa e cliente buscando agregar valor a partir da necessidade do consumidor.
Preço: o marketing tradicional estabelece um preço para um produto ou serviço oferecendo-o ao mercado. Com o marketing de
relacionamento, o preço varia conforme as preferências e os preceitos dos clientes, e o custo muda proporcionalmente.
Distribuição (“place”): o raciocínio atual de marketing se concentrava na “praça” como um mecanismo para transferir um produto
do fornecedor para o consumidor. Em vez disso, o marketing de
relacionamento considera a distribuição a partir da perspectiva do
cliente que decide onde, como e quando comprar a combinação
de produtos e serviços que compõem a oferta total do vendedor,
portanto, a perspectiva e de conveniência.
Promoção: o marketing tradicional enviava sinais para que todos
dentro de um segmento específico o vissem. “Comprem-me”, diziam os sinais. O marketing de relacionamento, pro sua vez, oferece ao cliente individual uma oportunidade de decidir como ele
deseja se comunicar, por meio de quais sinais, com que frequência e com quem. A promoção/comunicação de massa torna-se
ferramenta para aumentar o valor da empresa ou da marca, e não
meio para influenciar diretamente a compra.
A nova maneira de visualizar o composto de marketing reconhece plenamente o valor das atividades de retenção dos clientes. Gordon
(1998) destaca as vantagens mais importantes que o conceito pode oferecer às empresas, tais como: desenvolver a fidelidade entre a empresa
e os clientes, dispor de ambiente favorável às soluções inovadoras, estabelecer local propício para testar novas ideias e alinhar a empresa com
os clientes que valorizam o que ela tem a oferecer.
101
O marketing de relacionamento tem como objetivo desenvolver
relacionamentos satisfatórios para a empresa e consumidores, a fim de
criar vínculo de longo prazo, ou seja, torná-los leais (KOTLER, 2000).
No caso hospitalar, essa lealdade também será expressa por dependência tecnológica, em que as interconexões são essenciais entre
os equipamentos computadorizados dos parceiros (operadoras, laboratórios e hospitais), além da dependência tecnológica para a prestação
da própria assistência. Portanto, a lealdade é também condicionada aos
equipamentos e as tecnologias, geralmente de ponta e de alta complexidade e elevada resolubilidade (BORBA, 2004).
A expressão marketing de relacionamento não significa literalmente, o envio de uma mensagem publicitária especial ao consumidor.
O conceito é mais amplo, significa:
“(...) uma forma muito especial de marketing que reconhece e aprecia os interesses e necessidades de grupos específicos de consumidores, cujas identidades individuais e perfis de marketing são ou serão conhecidos
pelas empresas e serve a esses interesses e necessidades”.
(RAPP; COLLINS, 1999)
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
A fidelização de clientes em saúde, especialmente na área hospitalar e de planos de saúde, com o objetivo de perenidade dos relacionamentos e da carteira de clientes, ou seja, aqueles fiéis que não têm
dúvida de retornar e recomendar os serviços, faz-se com credibilidade,
respeito, segurança e depende do encantamento desses clientes.[...] A
fidelização aqui colocada não diz respeito apenas ao vínculo financeiro
de desconto e bonificação, tão bem colocado pelas companhias aéreas
com seus cartões fidelidades, mas essencialmente sobre a customização (sic) e lealdade desses clientes. [...] As organizações de saúde, por
se tratarem de organizações de serviços essenciais, têm a credibilidade
construída através da eficiência, do cumprimento das promessas, da retidão do comportamento ético e dentro da lei, da prestação segura com
métodos e técnicas comprovados e com baixo risco (BORBA, 2004).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
102
O marketing de relacionamento funciona quando aquele que o gerencia pode oferecer benefícios suficientes ao cliente para fazer com que
ele valha a pena e responda; é uma interação contínua entre comprador
e vendedor, na qual o vendedor melhora permanentemente sua compreensão das necessidades do comprador, e o comprador torna-se mais leal
ao vendedor, pois suas necessidades estão sendo tão bem atendidas.
O marketing de relacionamento nas organizações hospitalares
propõe que, além de tratar os problemas relacionados a saúde dos
clientes, o hospital possa ampliar a satisfação dos mesmos, tornando
qualquer procedimento médico aliado a um tratamento diferenciado fruto das decisões mercadológicas. Esse diferencial no tratamento podese dar, por exemplo: utilizando instalações aconchegantes no hospital,
semelhantes às de hotéis; utilizando-se chefs de cozinha orientados por
nutricionistas, os quais produzem não só as refeições balanceadas e
adequadas ás condições dos clientes, mas também pratos vistosos e
apetitosos; cultivar ambientes internos coloridos e bem decorados, promovendo maior bem-estar do cliente; ou também através de soluções
não dispendiosas, mas altamente criativas e que provocam encantamento dos pacientes como: equipes de trabalho humanamente treinada; criação de grupos de apoio, com reuniões de frequência determinada, que proporcionam orientações, auxilio e troca de experiências a
determinados tipos de doentes que sempre frequentam o hospital, como
cardíacos, diabéticos, dialisados e outros; formação de equipes de animação, compostas por voluntários que se dispõem a realizar atividades
de recreação e animação junto aos doentes, amenizando os seus momentos dolorosos e angustiantes (BORBA, 2004).
Partindo de tal conceituação, é possível dar aos clientes individuais ou grupos lógicos de clientes o valor demandado ou desejado,
utilizando a tecnologia adequadamente e por meio de toda a cadeia de
valor. Isto significa afastar os processos de negócios existentes e inserir
a tecnologia da informação em seus processos. Dessa forma, há potencial não apenas para maior aproximação dos clientes individuais, mas
também para ganhar vantagem competitiva, uma oportunidade única
para uma empresa inovadora.
103
1 - A integração do cliente no processo de planejamento dos produtos ou serviços, para garantir que os mesmos sejam desenvolvidos, não somente em função das necessidades e desejos do
cliente, mas também de acordo com a estratégia do cliente.
2 - O desenvolvimento de nichos de mercado nos quais o conhecimento da empresa sobre canais de distribuição e identificação
de segmentos leva a ganhos de mercado.
3 - Desenvolvimento da infra-estrutura de fornecedores, vendas,
parceiros, governo, e clientes, nos quais o relacionamento ajudará
criar e sustentar a imagem da empresa e o seu desenvolvimento
tecnológico.
Dessa maneira, o marketing de relacionamento pode ser visto
como uma cadeia de relacionamentos criada pela empresa, em seu
nome e no do cliente, e é mantida e desenvolvida pela empresa. Quanto aos aspectos de “experience-based”, o marketing de relacionamento
enfatiza a interatividade, conectividade e criatividade, significando três
ações básicas.
1 - A empresa despenderá esforços mercadológicos e tempo com
os seus clientes, monitorando constantemente as mudanças do
ambiente competitivo, através de sistema de suporte a decisões
(SSD)18 mercadológicas, possuindo um afinado sistema de inteligência de marketing integrado a toda a empresa.
Sistemas de Suporte a Decisão (SSD) são sistemas interativos composto de software
e hardware; servem para modelagem e análise de dados e são utilizados como apoio
ao processo de decisão a partir de dados compilados de fontes internas e externas.
Esses sistemas conectam vários aplicativos com grande poder de síntese, integrando
funções para o planejamento, a previsão e o controle das tarefas gerenciais.
18
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
O marketing de relacionamento desenvolve-se com o conhecimento adquirido junto ao cliente e sua transformação em valor agregado
(knowledged-based) e com a experiência adquirida na gestão organizacional (experience-based) As principais características do marketing de
relacionamento relacionadas com o paradigma de “knowledge-based”,
são descritas a seguir.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
104
2 - Haverá monitoramento constante da concorrência. A análise
da concorrência é importante ponto de partida na prevenção das
condições futuras da indústria. Os prováveis movimentos de cada
concorrente e capacidade de respostas às mudanças podem determinar a perda ou ganho de vantagem competitiva da empresa.
3 - Haverá desenvolvimento de um sistema de análise mercadológica, que pelo feedback, (principalmente pela mensurabilidade)
retorna a informação sobre mercado, concorrência, e comportamento dos clientes, fornecedores e outros intermediários, para o
sistema de suporte à decisão (SSD), aperfeiçoando o próprio sistema e permitindo decisão ágil e consistente, em processo contínuo
de adaptação às condições mutantes do ambiente competitivo.
Portanto, não basta à organização o desenvolvimento de uma
estratégia de relacionamento com o cliente. É necessário estar atento
às informações do mercado e garantir que estas dêem inputs ao processo organizacional, transformando conhecimento em ações da empresa.
O relacionamento é o fator-chave de sucesso para a diferenciação na
prestação de serviços ao mercado, uma vez que a oferta de valor só é
possível por meio do conhecimento adquirido. A estratégia de marketing
de relacionamento, portanto, possibilita a oferta contínua de valor superior, trazendo um grande potencial de benefícios tanto para as empresas
que compõem o segmento hospitalar quanto para o cliente/paciente.
105
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107
Leonardo Trevisan - Professor titular do programa de
pós-graduação em administração da PUC/SP.
O Estado brasileiro não fez maiores comemorações, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) completou, em novembro de 2008, vinte anos
de existência. Esse período é suficientemente longo para uma avaliação
serena tanto da realização dos objetivos, como da eficiência do processo de implantação de uma rede criada para atender preceito constitucional garantidor da cobertura plena de saúde para a população brasileira.
O ponto de partida dessa análise, necessariamente, diz respeito aos
números do sistema, impressionantes em qualquer comparação internacional: em 2007, foram 610 milhões de consultas, 2,7 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 10,8 milhões de internações, 212 milhões de
atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1
milhões de partos, 13,4 milhões de exames de ultra-sons, tomografias e
ressonâncias, 23 milhões de ações de vigilância sanitária, 150 milhões
de vacinas, 3,1 milhões de cirurgias, sendo 215 mil cirurgias cardíacas,
além, por exemplo, de 9,7 milhões de hemodiálise (SANTOS, 2009).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Os 20 anos do SUS
– avaliação das “escolhas
de Estado” entre avanços
políticos e fragilidades
financeiras
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
108
Convém sempre lembrar que antes do SUS, até o final da década de 1980, mais da metade da população brasileira, que não era
vinculada aos institutos de previdência com origem nas categorias profissionais, dependia, exclusivamente, da caridade das Santas Casas
de Misericórdia para assistência de saúde. Vale lembrar também que
as camadas médias, que aderiram aos planos privados de assistência
médica também utilizam o SUS para transplantes, procedimentos complexos, medicamentos de alto preço, sempre em complementaridade
aos planos privados, sem os plenos reembolsos ao sistema público de
saúde (SILVA, 2009).
As críticas ao sistema, por sua vez, também são contundentes.
Em manifesto divulgado em novembro de 2008, em referência aos 20
anos do SUS, o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) reafirma
a queixa de que “até hoje a atenção básica não seja o eixo estruturante
de todo o sistema”, reclamando que partidos políticos se apropriam de
iniciativas da saúde. A entidade, fundada em 1976, alerta com muita
ênfase para os riscos de tentar desafogar os hospitais desvalorizando
ações preventivas e incentivando ações laboratoriais, porque é
“inaceitável que na reorganização da atenção seja dada
prioridade às Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) e
Assistência Médica Ambulatorial (AMA), modelo ultrapassado e imediatista de instalação focada de unidades”.
(MANIFESTO CEBES, 2008)
O receio do Cebes é o desvirtuamento do SUS, com o investimento em pronto-atendimento desviando o incentivo à atenção básica
praticada por postos de saúde e pelo Programa de Saúde da Família
(PSF), responsáveis diretos por todos os atos e procedimentos de medicina preventiva. O ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários
da Saúde, Marcus Pestana, ponderou que um dos maiores problemas
do SUS “é sua fragmentação, com a abertura de várias portas de entra-
109
Se a referência essencial do SUS é o Programa de Saúde da
Família - PSF convém, portanto, observar o resultado real desse programa. No ano de 2009, o PSF completou 15 anos de implantação,
atingindo 94% dos 5.565 municípios brasileiros. Estudo organizado pela
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
mostrou, no entanto, que apesar dessa ampla cobertura, apenas a metade da população dos municípios é efetivamente atendida pelo PSF.
Porém, o estudo também apontou que nas cidades em que o programa
atua há, por exemplo, 34% a menos de crianças com baixo peso em
relação à média nacional, entre outros indicadores favoráveis. A base do
estudo foram os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde
da Criança e da Mulher (SANT’ANNA, 2009). Até o final de 2008 o PSF
contava com 29,3 mil equipes cadastradas e pretendia atingir 70% da
população, mas alcançou, de fato, 49,3% (SOUZA; HAMANN, 2009).
Mesmo nas 27 capitais brasileiras, o PSF tem melhor desempenho
nas cidades menos desenvolvidas. Teresina, João Pessoa e Aracaju lideram o ranking nacional de cobertura proporcional de suas populações.
O Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde reconhece
que a dificuldade da cobertura reflete a impossibilidade de avançar o programa nas regiões mais populosas. O PSF cresceu onde não havia rede
de saúde instalada. O crescimento do Programa de Saúde da Família
em cidades com mais de cem mil habitantes está abaixo do previsto pelo
Ministério da Saúde: a meta de expansão de 2004 previa 48% de cobertura nessa faixa de demanda, porém, as dificuldades de implantação
do PSF nessas cidades forçaram a revisão da meta para apenas 35% e
mesmo essa não foi ainda atingida.
As dificuldades de expansão do PSF nas cidades maiores são
tão significativas que no segundo município do País, o Rio de Janeiro,
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
da no sistema, sem um centro de coordenação”, exatamente o mesmo
receio do Cebes com os incentivos dados às UPA e AMA, desvirtuando
o “sentido de rede” do SUS. Desde o surgimento do SUS, insistiu Pestana, “apontava-se a necessidade de integrar a rede de atenção básica
à saúde e o centro coordenador tem de ser o Programa de Saúde da
Família” (LEITE, 2008).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
110
as equipes de saúde da família atingem apenas 9,2% dos seis milhões
de habitantes da cidade, provocando ação do Ministério Público Federal
para obrigar na Justiça o gestor municipal a aumentar o número de equipes, cumprindo as metas assumidas com o Ministério da Saúde. Em
abril de 2009, a 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro obrigou a prefeitura
a assinar mais um compromisso para o cumprimento dessas metas.
A questão central não é convencer o gestor municipal da importância
estratégica do PSF, porque na maioria dos casos esse gestor está bem
convencido desse fato; o problema é outro e diz respeito à má distribuição dos médicos pelo país, inclusive, ou principalmente, nas grandes
cidades. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão reconheceu que
manter médicos em regiões remotas “é difícil, mas isso também ocorre
na periferia das grandes cidades” (SANT’ANNA, 2009).
Esse é um ponto muito relevante, a distribuição geográfica do
profissional de saúde, em qualquer análise sobre a evolução do SUS.
O Ministério da Saúde, por meio do DATASUS trabalha com o dado,
referente a 2007, mas consolidado em julho de 2009, de que o Brasil conta com 329.041 médicos, o que representaria um profissional a
cada 560 habitantes, um número que é pouco mais que a metade do
limite definido pela Organização Mundial de Saúde, de um médico a
cada mil habitantes. Porém, mais da metade dos médicos brasileiros
concentram-se em apenas três estados da Federação; São Paulo, com
94 mil profissionais, Rio de Janeiro, com 53 mil e Minas Gerais com 33
mil médicos, isto é, esses três estados contam com 180 mil dos quase
330 mil médicos do País. Os dados do DATASUS também mostram que
o Paraná com 16 mil profissionais, Santa Catarina com 10 mil e o Rio
Grande do Sul com 22 mil agravam essa concentração, porque com as
exceções de Bahia com 14 mil e de Pernambuco com 11 mil, todos os
demais estados da Federação contam com menos de 9 mil médicos.
(DATASUS, 2009).
Um dos motivos dessa alta concentração é que nesses mesmos
três estados (SP, RJ e MG) localizam-se também 60% das vagas das
residências médicas no País. É bem conhecido o fato de que o local
em que o médico faz sua residência é “fator de permanência” para esse
111
Esse equilíbrio entre oferta de formandos e demanda de residentes não ocorre na prática. O primeiro problema está na carência
de formação suficiente do profissional médico em algumas faculdades,
obstáculo efetivo para aprovação em um programa de residência de
todos os recém formados. A concentração das melhores oportunidades
profissionais agrava o deslocamento para os maiores centros de formação médica no Sudeste. As especialidades mais requeridas pela saúde
pública, pediatria, por exemplo, são as que apresentam menor procura.
Se abrir faculdades de medicina pelo interior do País não resolveu o
problema, tentar multiplicar a má formação abrindo residências médicas nos estados mais carentes, sem qualquer infra-estrutura, apenas
agravaria ainda mais o mesmo problema. Convém não esquecer, como
mostrou estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, divulgado na
reunião de novembro de 2008 da Global Health Workfare Alliance em
Ouro Preto, que 455 dos 5.565 municípios brasileiros não contam com
um único médico durante os 365 dias de cada ano. Até mesmo em 111
cidades da Região Sudeste faltam profissionais de saúde. No Nordeste,
42% dos hospitais públicos declaram que não aumentam o quadro porque não conseguem contratar pediatras e anestesistas, as duas especialidades das quais mais precisam (sem autor, O ESTADO, 2008).
Há, portanto, uma óbvia desconexão entre o sentido que tem a
formação de médicos no Brasil e as necessidades mais efetivas da saúde pública. A análise do processo evolutivo do SUS não pode prescindir
da observação dessa realidade desconexa entre o perfil da oferta e as
características da demanda do trabalho médico mais necessário para a
maioria da população brasileira. Nesse aspecto, a origem do SUS exige lembrança: naquele momento, 1988, toda a conjuntura internacional
não era favorável à qualquer ampliação da lógica do Estado do Bem
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
profissional, pelo oferecimento de infra-estrutura e de oportunidades de
carreira. Em todos os estados do Nordeste estão apenas 14% das vagas
de residência médica. O Brasil forma 10 mil médicos por ano, e conta
com igual número de oferta de vagas para residência médica em todo
o país, em hospitais e universidades privadas e públicas, tanto federais
como estaduais e municipais (PARAGUASSÚ, 2009).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
112
Estar Social. Porém, de algum modo, a consolidação do preceito constitucional de que saúde era “direito de todos e dever do Estado só ocorreu porque o novo sistema incorporou a lenta evolução da medicina de
origem pública no Brasil” (SOUZA CAMPOS, 2009). É preciso lembrar
que desde o início dos anos 80, o País adotou um modelo de saúde pública baseado em uma reforma sanitária que começava por reconhecer
a exclusão da maioria da população brasileira dos direitos assistenciais
de saúde (PAIM, 2008). A redemocratização do País incluiu a lembrança do direito à saúde, uma luta muito mais bem sucedida do que a do
direito à educação, apesar de todas as carências e ineficiências que a
implantação do SUS acumulou.
Por outro lado, como observou Minayo (2001), a história da construção do SUS comporta dois estágios que são complementares; o primeiro, diz respeito a toda insistência técnica e política de que o artigo constitucional fosse realmente respeitado e, depois, processo bem diferente, é
o que representou todo o longo caminho de implementação e gestão de
um “sistema único” de saúde em uma sociedade tão diversificada como
a brasileira. Sem esquecer que o SUS exigia uma forte integração entre
as três instâncias de poder do Estado brasileiro, a federal, a estadual e
a municipal, com forte preponderância desta última, um processo inédito
na centralizadora história política brasileira. O município era o principal
executor do sistema e foi o desenvolvimento das “unidades básicas de
saúde” (que já eram 40 mil em 2004) que mostrou a possibilidade da
gestão descentralizada do recurso público (SILVA, 2009).
Rigorosamente, o caráter pedagógico do SUS se consolidou a
partir de suas diretrizes gerais, base de toda a reorganização políticoadministrativo do setor de saúde no Brasil. Se bem observadas, universalizar a atenção á saúde, garantir a equidade no atendimento (indistinto para qualquer grupo populacional), tornar integral todas as ações
de saúde descentralizando a decisão e forçando a participação da sociedade, com gestão colegiada, incluindo representação legítima dos
profissionais da saúde, e de todos os segmentos interessados, eram
fatos inéditos na história brasileira. Heranças coloniais, mais o peso do
patrimonialismo ibérico marcaram por séculos um modo inconveniente
113
Essas observações, no entanto, não podem esconder o avanço
implícito à aceitação pela população brasileira de outra lógica quanto
ao que é direito à saúde. O ponto essencial na avaliação do SUS é que
a rede retirou o direito à saúde da esfera exclusiva da proteção trabalhista, ou do recurso privado, e o levou para a esfera da proteção e do
direito de cidadania. Essa foi uma mudança central de perspectiva que
envolveu não apenas os profissionais de saúde pública. Foi essa alteração de perspectiva que construiu o fato de que a cobertura exclusiva do
setor público de saúde atinja a 75% da população.
Não há dúvida, também que o SUS é, realmente, o “sistema de
saúde dos pobres”, apesar do uso que dele fazem as camadas médias,
sempre em situação de emergência ou de custos muito altos. Independentemente do rótulo dado ao SUS, referência à camada social atendida,
a questão central de fato é outra: o sistema funciona? É avaliação latente
de que ao longo desses 20 anos a expansão da oferta assistencial, apesar dos importantes avanços obtidos essa oferta não supre as necessidades. Os dados do DATASUS referentes a 2007 mostram a ocorrência de
2,39 consultas habitante/ano no SUS. Quando tomada como referência
apenas a população usuária SUS exclusiva (calculada em 75% do total,
essa dado avança para 3,15). Para citar um exemplo comparativo, a média dos países europeus, no ano referência de 2004, foi de 7,44 consultas
habitante/ano (SILVA, 2009).
Toda análise do padrão de eficiência do SUS não pode ficar deslocada do processo de descentralização e repasse de recursos financeiros para Estados e municípios por parte da União. Descentralizar decisões sem repasse de verbas é apenas omissão de responsabilidade.
Gestão descentralizada de política de saúde sem poder orçamentário é
uma pouco sutil forma de não resolver problemas e encontrar culpados
locais para dramas nacionais. A questão básica é a porcentagem do PIB
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
de lidar com as “coisas do Estado” na população brasileira, até mesmo
quando a saúde estivesse em jogo. A imposição do preceito constitucional de saúde como direito jogou papel essencial como ideário político de
apropriação das “coisas do Estado” pela população mais pobre, apesar
de toda a reconhecida precariedade da “oferta” na era SUS.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
114
destinada à saúde. É bastante conhecida a definição de que o gasto público de saúde deve ser superior a 6% do PIB. Há uma constante repetição de que o Brasil gasta mais de 7% do PIB com saúde. Apresentação
de Gilson Carvalho, citada em artigo do professor Sílvio Fernandes da
Silva (p. 44), informa que no ano de 2007 o Brasil gastou 7,4% do PIB
com saúde (SILVA, 2009); porém, Carvalho decompõe esse dado oferecendo um quadro muito mais preciso sobre a natureza desses gastos:
3,6% do PIB são gastos públicos e 3,8%, R$ 94,4 bilhões e R$ 98,4
bilhões, respectivamente. Decompostos, observa-se que os gastos federais nesse ano foram de 1,7%, os estaduais de 0,95% e os municipais
de 0,99%, sempre em referência ao PIB. Já os gastos privados foram
de 1,94% do PIB com planos de saúde, 0,8% com desembolso direto e
1,1% com a compra privada de medicamentos. Na prática os gastos nacionais com saúde são apenas 49% gastos públicos e 51% são gastos
privados que saem dos orçamentos das famílias brasileiras.
Os gastos nacionais com saúde dos países da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) , que reúne as 30
economias mais industrializadas do planeta, correspondem sempre em
mais de 70% na referência gastos públicos. Na Alemanha essa porcentagem de gastos públicos com saúde representou em 2004, 76,8% dos
dispêndios totais com saúde, na Inglaterra, 86,3%, na Espanha 70,9%,
na Itália, 75,1% e em Portugal 73,2% (SILVA, 2009 e OECD, 2008). É
preciso repetir que no Brasil, que deve cumprir o preceito constitucional
de que saúde é dever do Estado e direito de todos, os gastos públicos
foram de apenas 49% do total em 2007. O argumento de que o Brasil
está na elite dos países que gastam quase 8% do PIB com saúde, omite
o fato de que gasto público é menos da metade disso, quando na maioria dos países com economia semelhante ao porte da brasileira, os gastos do Estado representam dois terços e não a metade dos gastos totais
com saúde. A omissão desse dado torna injusta qualquer avaliação da
eficiência do SUS.
Esse dado, por outro lado, não é desconhecido do Estado brasileiro. O estudo “Economia da Saúde: uma Perspectiva Macroeconômica
2000 - 2005”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
115
O estudo do IBGE também mostrou certo recuo nos gastos do setor: as atividades ligadas à saúde no Brasil apresentaram queda entre os
5,7% gastos em 2000 e os 5,3% gastos em 2005, sempre em relação ao
percentual do PIB. Apesar dessa retração, o IBGE mostrou que esses
gastos contêm forte efeito multiplicador na economia brasileira, em especial no que diz respeito à geração de emprego. O estudo “Economia da
Saúde: uma Perspectiva Macroeconômica 2000-2005” também mostrou
que em 2005, as atividades de saúde respondiam por 3,9 milhões de empregos, ou 4,3% do total do país. De 2000 a 2005, as atividades de saúde
foram diretamente responsáveis, em média, por mais de 4% do total de
postos de trabalho no País.
Os dois setores com maior número de ocupações são também os
de maior valor adicionado: saúde pública gerando 1,3 milhão de postos
de trabalho e outras atividades vinculadas à atenção à saúde com 1,0
milhão de empregos abertos. A terceira atividade com mais ocupações
é o comércio de produtos farmacêuticos, médicos e odontológicos que
somou 681 mil postos de trabalho. O IBGE também informou no estudo
que a maior parte das vagas geradas no setor de saúde foi de vínculo
formal (total de 2,6 milhões) com rendimento médio anual de R$ 15,9 mil.
As atividades com maior rendimento por ocupação foram a fabricação de
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
(IBGE), a partir de dados do Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostrou que em 2005, do valor total de gastos nacionais no setor, a saúde pública foi responsável
por 33,4% desses gastos, decompostos entre atividades com atenção
à saúde (20,1% ou R$ 19,9 bilhões) e pela fabricação de produtos farmacêuticos (13,3% ou R$ 13 bilhões). Ainda mais importante é o fato,
demonstrado pelo IBGE, de que as famílias brasileiras respondiam por
60,2% do total das despesas com bens e serviços de saúde --os gastos
com consultas, serviços médicos em geral e medicamentos eram os que
mais pesavam. Em outras palavras, no bolo representado pelos gastos
com saúde a grande fatia ficava com a transferência de recursos do orçamento familiar para o setor privado e não no sentido do Estado para a
sociedade (IBGE, 2008).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
116
produtos farmacêuticos (alcançando a média de R$ 36,3 mil anuais), as
atividades de atendimento hospitalar (R$ 33,1 mil anuais) e a assistência
médica suplementar, os planos e seguros de saúde, com o rendimento
médio anual de R$ 23,8 mil (IBGE, 2008).
Apesar de todos os avanços a análise da evolução da política de
saúde pública no Brasil, no entanto, é quase sempre marcada por avaliações e questionamentos desfavoráveis. Uma ponderação essencial
para compreender tais questionamentos, além dos aspectos financeiros, são as difíceis condições sociais do País. Nesse aspecto, merece
lembrança o Relatório Final da Comissão Nacional sobre Determinantes
Sociais da Saúde (CNDSS, 2008), com título específico e esclarecedor
“As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil”, que define bem
limites e dificuldades para a avaliação das conquistas do SUS sobre
todo o quadro da política de saúde no Brasil. É preciso perceber que até
mesmo quando se recorre a indicadores há dificuldades “devido justamente à complexidade da determinação social” (MARQUES, 2009).
Esse relatório é importante por mostrar como as condições socioeconômicas, culturais e ambientais de toda sociedade, isto é, os determinantes mais gerais provocam uma estratificação econômico-social
dos indivíduos e grupos da população, conferindo-lhes posições sociais
distintas, que provocam diferenciais de saúde. O relatório demonstra que
a distribuição da saúde e da doença em uma sociedade não é aleatória,
estando associada à posição social, que por sua vez define as condições de vida e trabalho dos indivíduos e grupos. O modelo adotado no
relatório procura mostrar as relações entre a posição social e diversos
tipos de diferenciais de saúde. Neste modelo, o processo segundo o qual
cada indivíduo ou grupo ocupa uma dada posição social é resultado de
diversos mecanismos sociais, como o sistema educacional e o mercado
de trabalho. De acordo com a posição social ocupada pelos diferentes indivíduos aparecem diferenciais, como o diferencial de exposição a riscos
que causam danos à saúde, o diferencial de vulnerabilidade à ocorrência
de doença frente à exposição a esses riscos e o diferencial de consequências sociais ou físicas com a evolução da doença (CNDSS, 2008).
A evolução e a eficiência do SUS não podem ser julgadas, portan-
117
– Universalizar a atenção á saúde, indistintamente à qualquer habitante do território brasileiro;
– Assegurar equidade sem qualquer caráter discricionário à qualquer grupo populacional;
– Manter integrada as ações de saúde, sem qualquer hierarquia
de importância entre elas;
– Assegurar a descentralização do poder decisório nas ações de
saúde;
– Preservar a participação da sociedade desde a formulação,
execução e controle das ações de saúde;
– Regionalizar em rede as ações de saúde, com gestão colegiada
e representação legítima de todos os interessados, o usuário, o
trabalhador da saúde, as instâncias de governo e as empresas
prestadoras de serviços.
É fato que nem sempre esse conjunto de metas foi alcançado. Porém, ao longo do tempo, tão indiscutível quanto a existência dos problemas, é a constatação de que o SUS não mudou de caminho , não trocou
objetivos e, muito menos, mudou de expectativa quanto a necessidade
e relevância do princípio de cobertura universal. A simples lembrança
da enorme dificuldade do maior PIB do planeta, o norte-americano, em
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
to, sem a ponderação dos determinantes sociais da doença. Além disso,
é fato que apesar de todo o jogo político inerente ao entrelaçamento
de três entes federados (a União, os Estados e os municípios) o SUS
conseguiu preservar ao longo desses vinte anos o sentido de função pública, indicando que é possível, apesar de todos os limites, uma gestão
pública de qualidade na saúde. É indiscutível também que em muitas
situações o sistema afastou–se do conjunto de diretrizes gerais implícita
à proposta original de reorganização do setor de saúde pública enquanto uma rede de hegemonias divididas colocada a serviço da população
que mais precisava de assistência à saúde. Convém lembrar que o texto
constitucional determinava:
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
118
aceitar a inclusão em modesto seguro público de saúde a parcela de
40 milhões de carentes absolutos (13% da população americana), é um
sinal muito convincente das conquistas do Sistema Único de Saúde e
sua cobertura de assistência à saúde para três quartos da população
brasileira.
A evolução do SUS foi, e permanece, uma obra em construção.
E qualquer julgamento sobre as duas últimas décadas de saúde pública
no Brasil não pode prescindir do padrão comparativo do quanto mais
difícil era a assistência á saúde dos mais carentes antes do desenvolvimento do conceito de rede de saúde contida na lógica de construção
do SUS.
119
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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121
Lutufyo W. Mwamakamba - Médico neonatologista, pós-graduando no mestrado em economia da saúde da Universidade Federal de
São Paulo.
Paola Zucchi - Médica, doutora em medicina, professora doutora e vice-coordenadora do Centro Paulista de Economia da Saúde
- CPES/UNIFESP.
Introdução
O objetivo do nosso trabalho é demonstrar o impacto clínico e
econômico das inovações tecnológicas nos cuidados neonatais. Comparamos a evolução de dois casos clínicos de instituições hospitalares
distintas, com o uso de tecnologia em cuidados neonatais, na cidade de
São Paulo, Brasil. Nossos resultados, no primeiro caso, mostraram um
enorme impacto negativo clinico e econômico, apesar dos investimentos
em tecnologia na área de cuidados neonatais; no segundo caso clínico,
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Inovações tecnológicas
em neonatologia - estudo
dos casos de dois hospitais
paulistanos
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
122
a tecnologia foi considerada um complemento aos cuidados neonatais,
com resultados positivos para o paciente e a sociedade. Analisando os
dois casos clínicos, notamos que: (1) os investimentos em tecnologia
precisam ser sempre bem avaliados quanto à sua eficiência; (2) a importância do uso de protocolos definidos e de considerar o paciente de
forma global, condição para obter sempre os melhores resultados.
O mundo moderno está associado a constantes avanços tecnológicos em saúde, com elevados custos aos níveis individual e governamental. Esses avanços têm contribuído enormemente para melhorar
a saúde da maioria da população global. Em neonatologia, nos últimos
150 anos, temos visto mudanças dramáticas nos cuidados neonatais,
evidenciadas nas estatísticas de mortalidade e morbidade (ROGOWSKI,
2003; PETROU, 2003).
Entretanto, apesar dessas aquisições no campo da tecnologia e
dos indicadores de morbidade--mortalidade, há recém-nascidos (RN)
sob riscos de complicações, provocando gastos para a família, sociedade e Estado, sejam tangíveis ou intangíveis (JEANNETTE, 2003;
KHOSHNOOD et al, 1996; STAVROS, 2000). Assim, é importante buscar progressos e melhorias contínuas no atendimento desses pacientes,
porém equilibrando os recursos dados pelas inovações tecnológicas e
cuidados clínicos do dia a dia — o desequilíbrio pode gerar consequências catastróficas.
John F. Kennedy disse uma vez “às vezes você tem que parar e
ver de onde você vem para saber para onde você está indo”. Recapitulando, na neonatologia notamos várias conquistas. A tabela 1 mostra as conquistas associadas a ganhos na saúde devidos à tecnologia,
como apresentado em estudo de unidades de terapia intensiva neonatal
(UTIN), em Boston, Massachusetts, EUA, entre 1975 e 1994: houve um
aumento da sobrevida para RN menores de 1.000g e 1.500g, respectivamente, de 24% para a 80%, e de 56% a 90% (CLOHERTY; STARCK,
2000).
123
Data
Inovação
Século
XIX
Incubadora - Queda na mortalidade de RN com peso inferior
a 2000 gramas de 66 % a 38% e aumento de investimento
hospitalar neonatal de 5% em 1900 a 50% em 1921.
1900s
Mortalidade infantil como indicador de saúde - Aumento do
conhecimento sobre o RN; métodos de alimentação como
fórmulas de aleitamento materno.
1910s
Novos debates - Debate sobre métodos de transporte e alimentação nasal entre obstetrícia e
pediatria; inauguração de registro de RN nos EUA.
1930s
Protocolos - Protocolos para cuidados neonatais, higiene, uso
de leite materno e oxigênio como agentes farmacológicos.
1940s
Triunfos clínicos - Novas terapias como bancos de sangue,
reposição de líquidos, antibióticos, radiologia, avanços laboratoriais, etc.
1950s
Recém nascido como paciente genuíno - Criação do Apgar
e unidades de cuidados intensivos neonatais; mecanismos
de respiratórias e controle de temperatura
1960s
Nova era - Medicina compreensiva e cientifica; neonatologia como ramo da medicina; uso de ventiladores e classificação do RN.
1970s
Respiração - Avanços em técnicas de ventilação, monitorização, gasometria, etc.
1980s
Surfactante - Fator importante na queda de mortalidade de
RN nos últimos anos.
1990s
Terapia global do recém-nascido - Melhoria nos cuidados
pré e pós natal.
LUSSKY, R. C. A Century of Neonatal Medicine. Minn. Med. Assoc., Dec 1999/Vol. 82.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Tabela 1 - Inovação em cuidados neonatais
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
124
A introdução de novas tecnologias aumentou não só a complexidade nos cuidados dos pacientes, mas também os custos. E muitas vezes, a análise fragmentada do paciente impediu a visualização global do
mesmo, aumentando ainda mais esses custos. A visão global do paciente
depende de inúmeros fatores inter-relacionados, os quais atuam de forma simbiótica para maior ganho em saúde (PORTER; TEISBERG, 2006).
Apresentamos abaixo os fatores, tal como mencionados pelos autores:
1 - Resultados médicos baseados em qualidade versus custo com
visão de longo prazo.
2 - Condições médicas com foco nos cuidados de alta qualidade
e na eficiência.
3 - Experiência com equipes especializadas em poucos procedimentos de excelência.
4 - Visão global, consciência da importância da educação continuada.
5 - Informações sobre análise de custos e preços.
6 - Inovações eficazes custo-efetivas.
A perspectiva brasileira
A história dos avanços nos cuidados neonatais no Brasil é recente, mas de evolução acelerada. A resposta rápida aos avanços tem sido
atribuída à habilidade do País em se adaptar aos avanços tecnológicos
e conhecimentos técnicos provenientes do exterior, evidenciado pela
queda nas taxas de mortalidades neonatal (ARAGÃO et al, 2004; RODRIGUES; OLIVEIRA, 2004).
De acordo com o Ministério da Saúde, houve em 2006 3.030.211
partos, dos quais 7,79% eram prematuros. O custo total com prematuridade foi de R$ 101.980.492,92, com valor médio de internação de R$
2130,14; dependendo da gravidade, tais valores foram de 304% a 679%
acima da média dos valores pagos no País, apontando para a maior
complexidade e alto custo desses pacientes (BRASIL, 2006).
125
Retomando nossas considerações iniciais sobre inovações tecnológicas (custos, cuidados neonatais e visão global do paciente), apresentaremos dois casos clínicos, de dois hospitais públicos na cidade de São
Paulo. Localizados na periferia da cidade, com cerca de 10 milhões de
habitantes, são considerados referência para as gestações de alto risco,
com uma média de 580 partos por mês. Os casos nos auxiliam a compreender o significado das inovações tecnológicas nos cuidados neonatais.
1º. Caso Clínico
Paciente do sexo feminino, nascida de parto normal expulsivo,
26 semanas de gestação e bolsa rota de 12 horas, peso ao nascer 800
gramas, Apgar19 6 e 8, evoluindo com desconforto respiratório precoce,
sendo entubada na sala de parto.
História materna
Dezessete anos de idade, primigesta, solteira, 1˚grau incompleto,
afastada da escola e desempregada. A parturiente nega tabagismo, alcoolismo, uso de drogas e outras patologias importantes.
A paciente procurou a unidade básica de saúde (UBS) em quatro
ocasiões para acompanhamento da gravidez. Em duas ocasiões não foi
atendida por ausência do profissional de saúde. Na 3º consulta foram
solicitados sorologias de pré-natal HIV, VDRL, toxoplasmose, hepatite,
rubéola e exame da urina devido à sintomatologia sugestiva de infecção
do trato urinário. Na 4º consulta, sem resultados de exames solicitados
A escala ou índice de Apgar, criado em 1952 pela médica anestesiologista inglesa
Virginia Apgar, consiste na avaliação de cinco sinais do recém-nascido no primeiro, no
quinto e no décimo minutos de vida: frequência cardíaca, esforço respiratório, cor, tônus
muscular e irritabilidade reflexa. Para cada item atribui-se uma nota de 0 a 2, somando-se
os resultados, sendo possível obter-se uma nota de 0 a 10. Um Apgar de 8 a 10 indica que
o recém-nascido está em ótimas condições, e uma nota de 0 a 3 indica grave dificuldade.
19
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
O relato de casos clínicos
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
126
na consulta previa, foi marcado novo retorno, mas por falta de recursos
financeiros a paciente não retornou, e em poucos dias entrou em trabalho de parto prematuro.
Condições hospitalares
Trata-se de hospital com prestação de serviço de neonatologia,
com vários equipamentos de última geração e tecnologia de alto custo, contando com incubadoras, monitores multi-paramétricos, gasômetros, ventiladores a eco-cardiograma, etc. Paradoxalmente, o material
de uso diário como cânulas de entubação orotraqueal (COT), cateteres,
equipamento para infusão de líquidos endovenosos, etc. são de baixa
qualidade. Não há protocolos para o tratamento de recém nascido, os
serviços de apoio como oftalmologia, psicologia, cardiologia, neurologia
e fonoaudiologia, fisioterapia são irregulares, oferecidos somente por 12
horas diurnas, durante os dias úteis da semana.
2º caso clínico
Paciente do sexo feminino nascida de parto normal, 26 semanas
de gestação pela data da ultima menstruação, bolsa rota de 48 horas,
peso ao nascer 750 gramas, Apgar 7 e 8, evoluiu com desconforto respiratório precoce, sendo entubada na sala de parto.
História materna
Dezessete anos de idade, primigesta, solteira, 1˚grau incompleto,
afastada da escola e desempregada. A parturiente nega tabagismo, alcoolismo, uso de drogas e outras patologias importantes.
Paciente vinculada ao Programa da Mãe Paulistana (PMP), procurou a Unidade Básica de Saúde - UBS em cinco ocasiões para acompanhamento da gravidez. Em todas as ocasiões foi atendida. Sorologias de controle pré-natal negativas com ultra-som de controlenormal.
Na quinta consulta paciente apresentava sintomas de infecção urinária,
confirmada com exame da urina; iniciou-se terapia com ampicilina. No
127
Condições hospitalares
Trata-se de hospital integrado no Programa Mãe Paulistana - MP,
associado ao Projeto Canguru, com vários equipamentos de uso básico e funcional, tais como ventiladores e ultrassonografia. O material de
uso diário é de ótima qualidade, tais como COT siliconada com marcas
adequadas e olho de Murphy, cateteres de PICC siliconada, cateter umbilical de duplo lúmen, equipo para infusão de líquidos endovenosos
fotossensíveis. O tratamento é organizado com protocolos definidos,
psicóloga e fonoaudióloga atendem 12 horas por dia, fisioterapeuta por
24 horas. Notamos também interação entre os profissionais de saúde,
que discutem os casos clínicos, além de médicos à distância tais como
oftalmologista, neurologista, nefrologista e cardiologista.
Discussão
Quanto mais curta a gestação, maiores são os riscos de complicações para o RN, com prováveis sequelas a longo prazo. Até poucos
anos, essas complicações não eram tratáveis. Os avanços tecnológicos,
especialmente no campo da medicina, trouxeram redução na mortalidade neonatal, que por sua vez, resultaram, de um lado, em fluxo maior de
prematuros admitidos nas unidades, e de outro, impactos econômicos
insustentáveis decorrentes dos custos elevados dos tratamentos. O preço para salvar vidas tomou grandes proporções. Há muita pressão para
se reduzir os gastos, mantendo a mesma eficiência, ou seja, alcançar
resultados favoráveis com o menor custo possível (PETROU, 2000 e
2003; O’NEIL et al, 2003; MUSCI et al, 2001).
Amniorrexe prematura ou rotura prematura das membranas - ruptura das membras
corioamnióticas antes do início do trabalho de parto, com perda do líquido amniótico
que envolve o feto.
20
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
sétimo dia de tratamento a paciente entrou em trabalho de parto prematuro com amniorrexe20 precoce. Foi internada por 48 horas, para monitorização, antibioticoterapia e recebeu dois ciclos de corticóide.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
128
No primeiro caso clínico, podemos ver que o hospital tem visão parcial do paciente. Com investimentos altos em tecnologia, mas pouco retorno na saúde, enquanto que no segundo caso a tecnologia está voltada
para um retorno maior de saúde, o que significa suprir as necessidades
com bom funcionamento, considerando custo, qualidade e beneficio. Alem
disso, o hospital possui outros pilares que ajudam a ter uma visão completa
do paciente para obter resultados positivos: estamos nos referindo ao Programa Mãe Paulistana e Projeto Mãe Canguru.
O primeiro pilar ao qual nos referimos consiste em uma rede de
proteção à mãe paulistana, no município de São Paulo, voltado para o
desenvolvimento de ações e serviços de promoção, prevenção e assistência à saúde da gestante e do RN, com foco desde o pré-natal, parto
e puerpério (PMSP, 2008). O segundo pilar é um programa que proporciona contato mais próximo entre a mãe e o bebê prematuro, durante o
período no qual a criança permanece internada no hospital; o objetivo
do programa Mãe Canguru é aumentar o vinculo entre a mãe e o bebê,
resultando em diminuição de dias de internação, custo e mais qualidade
de vida para ambos (FUNDAÇÃO ORSA, 2008).
A tabela 2 resume a evolução dos dois casos clínicos, com prognósticos diferentes (preocupantes e assustadores), associados a tratamentos terapêuticos distintos, apesar das inovações tecnológicas estarem presentes nos dois casos.
129
Primeiro caso clínico
Diagnósticos
de internação
Dias de internação
Recém-nascida prematura, doença pulmonar de membrana hialina
e sepse precoce presumida.
Segundo caso clínico
Recém-nascida prematura,
doença pulmonar de membrana hialina e sepse precoce presumida.
5 meses e 27 dias
Intercorrên-
Pneumotorax, parada cárdio-res-
cias
piratória
2 meses e 7 dias
Nenhuma
Sepse tardia, enterocolite, crise
convulsivas, hemorragia intracraDiagnósticos
niana grau 4, icterícia medicamen-
Icterícia da prematuridade,
subsequentes
tosa, displasia bronco pulmonar e
distúrbios metabólicos
retinopatia da prematuridade com
cegueira
Jejum, nutrição parenteral por
60 dias, ampicilina, gentamicina,
Tratamentos
oxacilina, amicacina, vancomicina,
Jejum, nutrição parenteral
claforan, metrodinazol, merope-
por 10 dias, ampicilina e
nem, hemoderivados, ventilação
gentamicina, ventilação me-
mecânica por três meses, percutâ-
cânica por 20 dias e PICC
neo intra-vascular cateter central
uma vez.
(PICC) por três vezes e flebotomia
por duas vezes
Dois anos de idade, home care
Estado clínico
atual
com traqueostomia, gastrostomia,
sete internações nos últimos 15
meses, com duas na unidade de
terapia intensiva.
Dois anos de idade, em
casa com desenvolvimento
neuro-psico-motor adequado para a idade. Duas
internações nos últimos 15
Fonte: elaboração dos autores.
meses.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Tabela 2 - Evolução clínica dos recém-nascidos
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
130
Considerações FINAIS
Nas últimas décadas, a redução significativa da mortalidade neonatal tem sido atribuída aos grande avanços na tecnologia médica. Entretanto, apesar do aumento de sobrevida, esses neonatos apresentam
riscos de complicações ao longo prazo. Por isso é necessário traduzir
as tecnologias emergentes em avanços e soluções clinicamente viáveis, com protocolos e visão global do paciente, condição para atingir
ganhos em saúde. Paralelamente, julgamos importante considerar os
itens relativos à economia, lembrando que economia de custos em curto
prazo podem levar a aumento de custos no longo prazo, resultando em
baixa eficácia no uso dos recursos.
131
ARAGÃO, Vânia M. F. et al. Fatores de risco para prematuridade em
São Luís. Cadernos de Saúde Pública. 2004; 20 (Supl 1): 57-63.
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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133
Maria Cristina Sanches Amorim - Economista, professora titular e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Regulação Econômica
e Estratégia Empresarial da PUC/SP.
Eduardo Bueno da Fonseca Perillo - Médico, mestre em administração, doutor em história econômica, vice-coordenador do núcleo
de pesquisa em regulação econômica e estratégias empresariais da
PUC/SP.
Fernão Almeida - Economista, assessor da presidência em
grandes corporações.
Introdução
Nos países da OCDE (organização que reúne as principais economias industrializadas do mundo) e América Latina, exceto Cuba, a
prestação de serviços de saúde é ofertada pela iniciativa privada com
fins lucrativos e serviços governamentais, com diferentes graus de con-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Reflexões sobre a
regulamentação dos preços
dos medicamentos no Brasil
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
134
trole impostos pelo Estado. Nos países da OCDE, a média dos gastos
públicos é de 70% do total; na Argentina, de 58% e no Brasil, 44%,
enquanto nos EUA, cujo sistema é majoritariamente privado, é de 45%.
Os países da OCDE têm os melhores indicadores de saúde do mundo,
exceção feita aos EUA (OECD, 2009).
O total dos gastos governamentais com os serviços de atenção à
saúde no Brasil, abaixo da média dos países industrializados, é particularmente preocupante, tendo em vista a distribuição da renda — aproximadamente 60 milhões de pessoas recebem até dois salários mínimos
(IBGE, 2003; IBGE, 2006). Quanto aos medicamentos, 79,3% dos gastos totais são realizados pelo consumidor, enquanto na Espanha e Itália,
os percentuais são de 28% e 50%, respectivamente (OECD, 2009). Os
gastos governamentais brasileiros com medicamentos cresceram acima dos gastos totais com saúde e do produto nacional; entre 2002 e
2007, o gasto total com saúde variou 134, o gasto com medicamentos
variou 167 e a variação do PIB foi de 114, em índices ano base 2002
(IBGE/DATASUS/SIOPS, 2009). Ainda assim, para grandes parcelas da
população o acesso continua problemático, portanto, continuam necessárias as considerações sobre as ações do Estado relativas ao acesso
aos medicamentos.
No Brasil, causas econômicas e políticas historicamente constituídas acirram o debate sobre o papel e o limite das intervenções econômicas governamentais no setor saúde. Não é incomum a ocorrência
de discursos extremados, advogando menor intervenção ou, total estatização dos serviços de atenção à saúde. No campo teórico, a compreensão da origem e motivos da intervenção estatal ajuda a pensar em
soluções para as dificuldades do acesso aos medicamentos.
O debate sobre a legitimidade da intervenção do Estado na sociedade é tema superado. Definições como Estado mínimo e Estado do
bem-estar já não expressam os dilemas da sociedade do século XXI,
particularmente após a crise econômica mundial de 2008. A questão relevante é qual o desenho adequado de políticas públicas e como essas
se efetivam no modelo possível de Estado.
Em nosso país, temos vários modelos em operação: do Estado
135
No setor da saúde, as ações assistenciais governamentais estão
previstas na Constituição Federal (BRASIL, 1988), porém, a ausência
de regulamentação das leis gerais e os limites impostos pelas políticas macroeconômicas funcionam como barreiras à assistência plena,
inclusive à farmacêutica. No segmento farmacêutico, há políticas assistenciais (como Farmácia Popular) e regulamentação de preços; nosso
foco de análise é discutir a regulamentação dos preços dos medicamentos enquanto política de acesso ao consumo. Em nosso entendimento,
instrumentos de controle de preço não promovem aumento do acesso,
dados os limites típicos da regulamentação econômica, a concentração
da renda e a estrutura da indústria farmacêutica instalada no Brasil. Objetivamos discutir a fórmula utilizada para a regulamentação dos preços
dos medicamentos à luz da teoria econômica.
O presente texto oferece ao leitor uma abordagem geral ao tema
da regulamentação econômica do segmento de medicamentos, particularmente, sobre o modelo de regulamentação dos preços, o price cap
(teto de preço), determinação governamental de um limite superior para
o aumento anual dos preços de parte dos medicamentos. O tema das
consequências do price cap para a competitividade das empresas não
foi objeto de análise.
Antes de prosseguirmos com os argumentos e análises, esclarecemos o sentido de regulação e regulamentação econômicas, muitas
vezes usadas como sinônimos (ORTIZ, 2005; FIANI, 1998; KUTNER,
1998). Nos limites do nosso texto, a expressão “regulação” faz referência à teoria da regulação, também conhecida como escola francesa
da regulação, de inspiração marxista, cujo objeto de estudo é compos-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
mínimo das políticas macroeconômicas monetaristas-fiscalistas (arrefecidas desde a crise econômica mundial de 2008, mas ainda preservando suas estruturas operacionais), ao Estado empreendedor da prospecção de petróleo, e ainda o incentivador das competências dos agentes,
representado pelos órgãos de regulação do mercado. Um dos muitos
desafios da nossa sociedade é justamente conseguir compatibilizar as
políticas originárias dos vários “Estados”, por sua vez loteados nos diferentes ministérios e demais órgãos da administração direta e indireta.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
136
to pelas relações sociais estabelecidas pelo regime de acumulação do
capital (POSSAS, 2009). Nesse sentido, a teoria da regulação foge ao
nosso escopo de trabalho.
Usamos a expressão “regulamentação” para qualificar a intervenção governamental na economia, por setores, na tradição teórica de Stigler, Peltzman, entre outros (FIANI, 1998). Assim, tratamos de setores
regulamentados, como a saúde, especificamente. Uma última advertência, regulamentação econômica entendida como intervenção do Estado
no mercado amplia o significado da expressão, abrangendo inclusive,
políticas de desenvolvimento — ou políticas industriais — como as financiadas pelo BNDES. Nosso trabalho ocupa-se apenas da regulamentação dos preços dos medicamentos.
O modelo de controle dos preços dos medicamentos em vigor é de
2003, imposto na forma da lei, para determinar o percentual de reajuste.
A fórmula para o cálculo do percentual pretende “promover a assistência
farmacêutica por meio do estímulo à oferta e competitividade do setor”,
fazendo uso dos elementos de regulamentação de mercado. O exame
preliminar das variáveis componentes e da fórmula levantam perguntas
quanto à teoria subjacente ao modelo, à base de dados quantitativos e,
fundamentalmente, quanto ao alcance do modelo: como calcular a produtividade do setor, o custo médio de produção e do market share (fatia
ou parcela de mercado).
Regulação dos preços dos medicamentos:
considerações sobre o cálculo do price cap
O setor farmacêutico, imprescindível para a construção do bemestar individual e da cidadania, é objeto de controle econômico em todos os países da OCDE (2009) e em muitos outros países, entre eles o
Brasil. No Japão, por exemplo, o governo impõe listas de preços para
os medicamentos, cujos valores, entre 2002 e 2009 sofreram redução
geral de 7,5% para procedimentos médicos, como medida para reduzir
os gastos governamentais com assistência à saúde (OECD, 2009).
137
“(…) estabelece normas de regulação do setor farmacêutico, com a finalidade de promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que
estimulem a oferta de medicamentos e a competitividade do setor”.
A CMED teve sua criação, competências e funcionamento regulamentados por meio do Decreto Nº 4.766, de 26 de junho de 2003, e em
27 de fevereiro de 2004 emitiu sua Resolução Nº 1/2004, a qual “Estabelece os critérios de composição de fatores para o ajuste de preços de
medicamentos”, cuja expressão matemática é:
VPP = IPCA – X + Y + Z
Sendo,
VPP = variação percentual do preço do medicamento
X = produtividade do setor farmacêutico
Y = fator de reajuste de preços entre setores
Z = fator de reajuste de preços intra-setor
A lei e a resolução citadas configuram o instrumento do price cap,
imposição do limite máximo para o aumento anual dos medicamentos.
O price cap atinge apenas parte dos medicamentos comercializados, ou
seja, há medicamentos cujos preços estão fora da regulamentação.
Em linhas gerais, a fórmula do price cap oferece à indústria o
direito de correção monetária (por meio do IPCA), desconta a produtividade (repassada ao consumidor na forma de preços menores, como
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
No Brasil, a Lei Nº 10.742, de 06 de outubro de 2003, “Define
normas de regulação para o setor farmacêutico, cria a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos-CMED (…)”. Em seu artigo 1º:
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
138
presumivelmente aconteceria em mercados concorrenciais), considera
a eventual variação de custos de produção, e desconta o grau de concentração do mercado.
Os componentes da fórmula
A Resolução Nº 1 da CMED, de 25/02/2005 trata do detalhamento da fórmula para o ajuste de preços dos medicamentos.
“O ajuste de preços de medicamentos, (…), será baseado
em um modelo de teto de preços calculado com base em
um índice, um fator de produtividade, uma parcela de fator
de ajuste de preços relativos intra-setores e uma parcela
de fator de ajuste de preço relativos entre setores”.
A análise de cada um dos componentes da fórmula levanta pontos importantes acerca da capacidade do controle dos preços atingirem
os objetivos expressos na Lei, quais sejam, “promover a assistência
farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a
oferta de medicamentos e a competitividade no setor”. Analisamos a
seguir cada um deles.
O IPCA
O índice utilizado para a correção monetária dos preços é o
IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo
IBGE. O IPCA considera a variação média dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias com renda entre um e oito salários mínimos. A forma, a periodicidade e as ponderações dos itens de consumo
produzem resultados de inflação média diferentes. Nossos períodos de
hiperinflação levaram à construção de vários índices, específicos para
capturar as informações sobre o comportamento dos preços.
Os preços, medidos pelo consumo das famílias com renda entre
139
Escolher o IPCA (e não IPA – índice de preços por atacado, por
exemplo) para o cálculo da correção monetária, significa utilizar um percentual relativamente menor para o ajuste dos preços dos medicamentos, quando comparado aos demais índices. Circunstancialmente, um
ou outro índice pode ser menor do que o IPCA, mas este tende a ser o
menor. O governo, comprometido com as metas de inflação e a estabilidade monetária durante os últimos anos (a política macroeconômica
“virou” apenas após setembro de 2008), prefere, compreensivelmente,
o IPCA para o cálculo de reajuste de preços dos medicamentos.
O cálculo da produtividade (o fator X)
Quando o mercado opera em regime de concorrência perfeita, o
produtor só possui uma forma de aumentar seu lucro: por meio do aumento de vendas, sendo obrigado a baixar os preços para conquistar os
clientes de seus concorrentes (nas páginas seguintes apresentaremos
mais detalhadamente esse ponto). A base do processo da queda dos
preços é o aumento da produtividade, responsável, em última instância, pela redução dos preços e incorporação de novos consumidores ao
mercado. Quando o mercado opera em regime de concorrência monopolista ou oligopólica, os ganhos de produtividade não são necessariamente traduzidos em menores preços para o consumidor, mas sim na
forma de lucros extraordinários; o lucro, por sua vez, pode ser destinado
ao aumento de investimentos, ou repassado aos acionistas, etc. A teoria
sobre regulação do mercado e constituição de mecanismos de proteção
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
um a oito salários mínimos, refletem ampla cadeia de fornecedores e
compradores, ao longo da qual, pressões por aumento de custos se
diluem e deságuam na dificuldade do varejo em repassá-los, como aumentos de preços, para um consumidor cujo nível de renda o torna muito sensível à variação nominal e real de preços — não por outro motivo,
os grandes varejistas populares anunciam estrondosamente os preços
dos produtos nas campanhas publicitárias. A política econômica recessiva em curso até 2008 (somou mais uma década), serviu precisamente
para manter os preços do varejo controlados por meio da redução da
capacidade de compra do consumidor.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
140
da concorrência, prevê a intervenção do Estado para proibir medidas
que possam causar concentração (fusões e aquisições) e, ainda que
sob controvérsia, admite controle de preços (SANTACRUZ, 1999).
Como se verá adiante, calcular a produtividade não é tarefa fácil,
e atribuir um único percentual de produtividade para uma estrutura de
produção tão heterogênea como a indústria farmacêutica, traz problemas adicionais. Como a produtividade é descontada do IPCA, a medida
governamental oferece um índice de ajuste dos preços dos medicamentos sempre abaixo da inflação medida pelo consumo das famílias.
O cálculo da produtividade origina-se na teoria do valor, e a ciência econômica apresenta duas explicações para a criação de valor, ambas alicerçadas em princípios filosóficos e não em evidências: a teoria
do valor-trabalho e a teoria do valor-utilidade. A teoria do valor-trabalho
admite que o trabalho humano aplicado à produção de bem ou serviço é
a única fonte de valor — esta é máxima da obra seminal de Adam Smith
(1983), A riqueza das nações, publicada no século XVIII. Nessa concepção, a expressão “máquinas mais produtivas” é uma impropriedade; o
trabalhador torna-se mais produtivo quando opera máquinas ou processos mais eficazes. Com esses pressupostos, o cálculo da produtividade
é sempre o da produtividade do trabalho, obtido pela razão entre horas
trabalhadas e volume produzido.
A fórmula aparentemente simples traz muitas dificuldades teóricas e práticas. A primeira delas é o cálculo das horas trabalhadas, que
não é feito pelos órgãos brasileiros de pesquisa com abrangência nacional. O IBGE dá o número de trabalhadores ocupados, enquanto outras
fontes, como a RAIS, oferecem a mesma informação. O número de trabalhadores ocupados não expressa a intensidade do trabalho humano
aplicado, mas a variação do nível de emprego, por sua vez, resultante
de variáveis alheias ao esforço do trabalhador. De qualquer forma, na
ausência de dados melhores no Brasil, tem-se aceitado o número de
trabalhadores empregados para o cálculo da produtividade.
A segunda dificuldade é a unidade de medida da produção física
da indústria farmacêutica — toneladas, unidades, litros? O cálculo exige
a utilização de unidade de conta única, mas, qual a pertinência de somar
unidades de elevado valor agregado (como os produtos oncológicos, de
141
A outra explicação para a produtividade é a teoria do valor-utilidade, segundo a qual o valor de um produto é dado pela utilidade que
lhe confere um consumidor potencial; esse valor dá a medida de quanto
o indivíduo está disposto a pagar pelo produto. No lado da oferta, os
custos de produção e a pretensão de remuneração do capital investido
dão o preço do produto; a interação entre os diversos produtores e os
diversos consumidores dá o preço de venda. O cálculo da produtividade
é feito a partir do cômputo de todos os fatores de produção, dividido pela
produção física, ou pelo total de vendas expresso em unidades monetárias. Na prática, o cômputo de todos os fatores produtivos só pode ser
feito em unidades monetárias, portanto, só pode ser comparado pelo
total das vendas ou da produção, expressas em moeda.
As dificuldades de cálculo consistem na determinação dos fatores
de produção a computar, nas variações de preços típicas dos mercados
dinâmicos, e nas dificuldades apontadas no cálculo da produtividade do
trabalho, a qual também faz parte dos fatores de produção. Do exposto,
não há respaldo teórico para se impor o cálculo da produtividade pela
óptica do trabalho, ou pelo custo total de produção, mas há interesses
políticos na escolha de uma ou outra teoria. Quanto mais intensiva em
capital (equipamentos, tecnologia, etc.) for a indústria, menor a produtividade, se considerada pelo custo total dos fatores. No caso da indústria
farmacêutica, menor o desconto sobre o IPCA, maior o índice do reajuste dos preços dos medicamentos.
O cálculo dos preços relativos entre setores (o fator Y)
A fórmula de ajuste de preços admite que, além da correção monetária, a indústria farmacêutica tenha outros custos não capturados
pelo IPCA, os custos não gerenciáveis no período compreendido entre ajustes. No geral, custos ou preços não gerenciáveis são as tarifas
públicas e/ou preços determinados pelo governo (taxa de câmbio, por
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
alto preço) e unidades de baixo valor agregado? O cálculo assume a
existência de produtos homogêneos, pressuposto difícil de sustentar no
setor farmacêutico. Novamente, na falta de número melhor, aceita-se a
unidade produzida como medida de produção física.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
142
exemplo). No caso específico do fator Y, o governo considera o preço da
energia elétrica e do dólar, expresso indiretamente por meio da variação
dos preços dos insumos e produtos importados pelo setor. A fórmula
garante um comportamento de ajuste endógeno ao fator Y, isto é, se
os preços relativos entre setores variarem abaixo do IPCA, haverá um
saldo a ser descontado.
Parâmetros para o cálculo do fator Y:
1 - Peso dos produtos importados na estrutura de custos do setor
farmacêutico;
2 - Peso da energia elétrica na estrutura de custo do setor farmacêutico;
3 - Peso dos produtos importados na estrutura de custos da economia;
4 - Peso da energia elétrica na estrutura de custos da economia.
As variáveis independentes são as taxas de variação dos produtos importados e da energia elétrica; as variáveis dependentes são as
taxas de variação dos índices do setor farmacêutico e dos índices da
economia. A economia é representada pelos 31 setores da Matriz de
Relações Interindustriais do IBGE, de 1995. A relação de produtos importados é constituída pelas 360 NCMs da FUNCEX. O fator Y é sensível à variação cambial, isto é, quanto mais valorizado o real relativamente ao dólar, menor o índice de reajuste de preços dos medicamentos.
O cálculo dos preços relativos intra-setor (o fator Z)
O cálculo de Z expressa o esforço do governo na utilização dos
instrumentos de regulação e medidas antitruste da teoria e do direito
econômico. É constituído pelo Índice de Lerner e pelo Índice de Herfindahl–Hirschman (HHI), compostos pelas medidas de elasticidade-preço
da demanda e do mercado relevante. Adiante discutiremos com detalhes o significado econômico desses índices na fórmula de ajuste.
Embora a fórmula faça referência a Lerner e ao HHI, em 2005 a
Câmara de Medicamentos–CMED, considerou apenas o HHI, de acordo
com a expressão matemática:
143
Eg(t=2)3
Sendo:
HHI = índice de Herfindahl–Hirschman
t = 2 é o período transcorrido entre o 1º e o 2º reajustes
E = elasticidade–preço média da demanda por produtos
do mercado g
g = mercado relevante
Para a aplicação da fórmula é imperativo esclarecer três pontos:
(1) qual o mercado relevante? O detalhamento do cálculo de Z afirma
que “(…) as elasticidades (serão calculadas) com base em dados mensais e trimestrais de vendas e prescrições de 2000 a 2004” (para 2005).
(2) Qual a qualidade da informação contida na apuração de elasticidade-preço em mercado com preços controlados? Se a identificação do
mercado relevante não dever ser feita no nível da marca, deverá haver
mais de um mercado relevante, dependendo da classificação adotada;
(3) se há pelo menos mais de um mercado relevante, como atribuir um
único Z para o mercado como um todo?
A função do fator Z na fórmula é, presumivelmente, descontar do
percentual de ajuste da suposta prática de abusos de preços típica dos
produtores operando em concorrência monopolística e/ou oligopólica. O
número varia entre zero e um, então quando o mercado é perfeitamente
concorrencial, o resultado seria zero, e o inverso quando for monopolista.
Dadas as dificuldades para o cálculo de Z, cabe outra indagação:
a função de Z é, ao lado do fator X (produtividade), levar a um percentual de ajuste abaixo da inflação medida pelo IPCA?
Diante das dificuldades de cálculo dos elementos da fórmula,
desde 2003 o governo desconsidera a fórmula prevista pela Resolução
CMED Nº 1. Em 2005, por exemplo, produziu os seguintes números: Z
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Z = HHIg(t=2)
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
144
foi considerado zero, Y também foi considerado zero, e a versão definitiva da fórmula foi P = IPCA – X, sendo X = produtividade. Esta última
assumiu valores de 0,0; 0,75 e 1,5, dependendo da presença de medicamentos genéricos no setor (DOU, 30/01/05).
Regulação dos preços dos
medicamentos e estrutura de mercado
A regulação do mercado é uma intersecção da teoria econômica
e do direito econômico (SULLIVAN, E.; HARRISON, J., 1998). Cabe à
teoria demonstrar como se dão as relações entre produtores e consumidores, e quais as consequências das diferenças de poder entre tais
agentes. Cabe ao direito, enquanto saber particular, utilizar as análises
econômicas em propostas de lei de fato, e cabe ao Estado aplicar a lei
e punir os transgressores. Dado que as análises econômicas são as
bases técnicas das leis, erros ou falhas nas primeiras implicam na propagação dos problemas na elaboração e aplicação da lei.
A teoria econômica subjacente ao price cap estabelece critérios
para a formação do preço nas diferentes estruturas de mercado. Nas
economias capitalistas, o preço cumpre função de sinalizar para o produtor os setores ou produtos nos quais investir, e da expectativa do
preço de venda depende a eficiência marginal do capital, ou a expectativa da taxa de retorno do capital investido, comparativamente à taxa
de juros. Juntas, eficiência do capital e taxa de juros definem o volume
de investimento da economia de um país (KEYNES, J., 1983). Kuttner
(1998) resume os argumentos apresentados: “No coração do sistema
de mercados está o mecanismo de preços”.
Quanto à estrutura do mercado, há três formas estudadas pela
teoria: concorrencial, monopólico e oligopólico.
O mercado é concorrencial quando há grande número de produtores e nenhum deles responde por parcela significativa da oferta (o
market share é muito baixo para todos os produtores); se um produtor
145
O mercado é monopolista quando há um único produtor, situação
na qual a quantidade produzida é igual à quantidade demandada, e o
preço é determinado pelo produtor. O limite para o aumento dos preços
dos produtos é a renda do consumidor e a sua preferência pelo produto
ofertado pelo monopolista, relativamente a outros produtos. O monopolista, por definição, obtém lucro extraordinário (lucro extraordinário é um
conceito, e não sinônimo de lucro abusivo). Os setores monopolistas
têm os preços costumeiramente controlados pelos governos.
O mercado é oligopolista quando não se verificam as condições
da estrutura concorrencial, sem no entanto configurar-se o monopólio.
No oligopólio, o produtor detém parcela significativa de market share,
os produtos não são homogêneos (não são substituíveis sem perda de
benefício ou satisfação do consumidor), há barreiras à entrada de novos
produtores e os consumidores não são suficientemente informados (e
soberanos) na decisão de compra. Os produtores têm o relativo poder na
determinação dos preços de venda (KALECK, 1983). O produtor pode
potencialmente, prejudicar o consumidor de várias formas: obrigando-o
a comprar mais caro e a comprometer parte significativa do orçamento;
impedindo a entrada de outros produtores dispostos a oferecer produtos
melhores e mais baratos; dificultando a inovação tecnológica e o nível
de bem-estar geral.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
entrar ou deixar o mercado, não há redução importante no volume da
oferta. O produto ou serviço é homogêneo (é indiferente para o consumidor comprar deste ou daquele produtor); o consumidor dispõe de
total conhecimento para escolher o produto que melhor o satisfaça, e
de liberdade para realizar a compra. Quando o mercado reúne essas
três características, o produtor é obrigatoriamente tomador de preços
— para produzir com lucro, deve ajustar seus custos ao preço que o
consumidor historicamente está disposto a pagar. A única forma de aumentar o lucro é vender mais e, para tanto, deve reduzir o preço, o que
só faz sentido econômico se os custos de produção forem reduzidos.
Valendo as relações de causalidade descritas, o mercado concorrencial
propicia tendência deflacionária nos preços e aumento da eficácia produtiva a médio e longo prazos, beneficiando o consumidor e ampliando
o nível geral de bem-estar da sociedade.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
146
Na teoria econômica, há amplo conhecimento sobre a formação
de preço dos produtos em mercados concorrenciais e monopolistas.
Mesmo economistas das mais diversas escolas teóricas concordam, os
mercados concorrenciais prescindem de interferências, são auto-reguláveis, na tradição da mão invisível smithiana (Adam Smith, economista
do século XVIII) (SMITH, 1983). Quando o assunto é a formação de preços nos setores oligopolizados, a situação é outra: há várias teorias, ora
excludentes, ora complementares, cujos pressupostos simplificadores
não descrevem com o mesmo rigor, a realidade das empresas oligopolistas (CARLTON, D.; PERLOFF. J., 2000 — qualquer outro manual
de economia industrial pode atestar o mesmo). Referências ao regime
de Cournot, ou, de Bertrand, ou de Stackelberg são evidências da diversidade e parcialidade teórica na explicação da formação dos preços
(CARLTON, D., PERLOFF, J., 2000).
A utilização do conhecimento disponível sobre a formação de preços nos setores oligopolizados serve apenas para organizar preliminarmente pesquisas sobre a realidade objetiva de cada empresa — vale
lembrar, toda ciência, inclusive a econômica, não é um conjunto de leis
absolutas ou conhecimentos definitivos, é ponto de partida para análise
de realidades complexas e dinâmicas (MORIM, 1991).
Regulamentação dos preços dos
medicamentos como intervenção do
Estado
Conduzir a discussão sobre a ação do Estado na economia pelo
caminho da legitimidade, ou, se certa ou errada, não ajuda a propor
ações aos agentes — a intervenção é fato historicamente consumado,
desde a primeira fase do capitalismo. Mais oportuno é entender a ação
na perspectiva histórica, com a qual compreendemos a formação do
Estado democrático, tornado responsável pelo bem-estar das pessoas, como lenta conquista da sociedade sobre a tirania e outras formas
147
Ora, entrar no mérito desses direitos, como reconhece Hayek (1987),
prêmio Nobel de economia e um dos maiores teóricos da não intervenção
do Estado na economia, é obrigatoriamente interferir na economia de um
país, nas decisões dos agentes, sejam eles produtores ou consumidores.
Portanto, para além da teoria econômica, é também em nome do contexto
historicamente constituído que o governo intervém na economia, na tentativa de assegurar ou ampliar o nível de bem-estar geral.
A constituição do arcabouço legal de um país repousa na moral
dominante e nos interesses dos atores envolvidos. Contemporaneamente, a constituição do direito econômico baseia-se também na teoria econômica relativamente às consequências de mercados concorrenciais,
monopólicos ou oligopólicos. Parte da teoria econômica sugere que os
preços dos produtos de segmentos oligopolizados podem provocar perda de bem-estar, reduzindo a concorrência, regime ideal para regular
oferta e demanda de produtos (KUTNER, 1998). Assim, historicamente,
cabe ao Estado garantir as leis para coibir os efeitos perversos do oligopólio e fomentar a concorrência entre os produtores. A ação estatal de
interferir na liberdade de escolha dos agentes econômicos é a regulamentação. O campo regulatório é vasto e, em nosso trabalho, o estudo
limita-se à regulamentação de preços no setor farmacêutico no Brasil.
Os objetivos e instrumentos da teoria da regulamentação econômica dividem-se em dois grupos principais: (1) zelar pelo ou incentivar o
regime concorrencial, para aumentar a eficácia do sistema; (2) oferta de
bens e serviços pelo governo. Ambas teorias esperam alcançar níveis
mais elevados de bem-estar social. No Brasil, a regulamentação do setor saúde busca incentivar a concorrência e, ao se aproximar do campo
das políticas industriais, também ampliar a ação direta do Estado, como
na produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
opressoras de governo. As posições políticas ultra-liberais defensoras
do Estado mínimo nunca estiveram tão desacreditadas, mas mesmo
se a crise econômica de 2008 não tivesse ocorrido, é impensável uma
sociedade que retrocedesse na atuação governamental garantidora dos
direitos do consumidor, do trabalhador, da cidadania no geral.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
148
Regulamentação econômica como política
de acesso aos medicamentos
A Lei 10.742/03 para a regulação do setor farmacêutico declara
como objetivo “promover a assistência farmacêutica à população”. Supor
que a regulamentação dos preços, isto é, a imposição de limite e periodicidade para os aumentos dos preços — o price cap — propicie maior
consumo, é assumir duas premissas que nos interessam discutir: (1) a
variação da demanda é sensível à variação do preço, fato que os cálculos
de elasticidades21, se possíveis, provavelmente não confirmariam (voltaremos a esse ponto mais adiante); (2) a dificuldade de acesso ao medicamento é um problema e não um sintoma do modelo de saúde pública.
Quanto a essas premissas, a evolução das vendas do segmento farmacêutico acompanha o comportamento da economia brasileira,
é dependente da renda média. Considerando-se o ano de 1997 como
base, os anos subsequentes são de queda nas unidades comercializadas; 2003 apresenta o menor número de unidades. Apenas em 2004 as
vendas começam a se recuperar, mas, em 2007, ainda estavam abaixo
do nível de 1997.
A elasticidade-renda é uma medida da variação na quantidade consumida de um bem ou serviço quando a renda do consumidor
é alterada. O cálculo da elasticidade-renda no Brasil, para o período
2002/2006, mostra o quanto o consumo de medicamentos é dependente
da variação da renda: estima que, para cada ponto de aumento do PIB,
o gasto com medicamentos aumenta 1,27, enquanto os gastos totais
e os demais gastos com saúde variam, respectivamente, 0,94 e 0,88.
Conforme apresentamos anteriormente, a relação de dependência entre
nível de renda e de consumo é ainda mais significativa quando avaliamos a participação dos gastos privado no consumo de medicamentos:
79,3% dos gastos totais são privados, porcentual acima da média mundial (IBGE/PME, 2008; GRUPEMEFE, 2008). Mesmo nos EUA, onde o
sistema é essencialmente privado e a renda per capta muito mais elevada (comparativamente ao Brasil), os gastos privados estão abaixo, 70%
Elasticidade é uma medida de sensibilidade, usada pela teoria econômica em
várias circunstâncias. Mede a variação na demanda e oferta de bens em função das
alterações de seus preços (EATON; EATON,1999).
21
149
Tabela 1 - Brasil: Unidades comercializadas entre 1997 e 2007
Ano
Unidades
comercializadas
(ano base 1997)
1997
11,46
1998
11,04
1999
10,64
2000
10,64
2001
9,50
2002
9,21
2003
8,41
2004
9,27
2005
8,78
2006
8,91
2007
9,49
Fonte: IMS HEALTH, 2008. GRUPEMEF, 2008.
O controle de preços dos medicamentos existe desde a década
de 40 (ROMANO, 2005); o price cap, desde 2003. A evolução do consumo de unidades no entanto, guarda relação com a evolução da renda. A
regulamentação, e também as teses sobre política industrial, tratam de
defesa e incentivo da concorrência, e do desenvolvimento econômico.
A regulamentação “à brasileira” trata de aumento do acesso da população ao medicamento, pretendendo-se política de distribuição de renda,
fugindo do escopo teórico tanto da regulamentação, quanto da política
industrial.
A primeira abordagem para a regulamentação dos preços considera a estrutura do mercado, identificando o grau de concentração;
mercados concentrados são os primeiros candidatos à intervenção governamental. Portanto, a primeira tarefa para a regulamentação é iden-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
(OECD HEALTH DATA/2008; DATASUS/SIOPS, 2008). A tabela abaixo
apresenta a evolução do número das unidades comercializadas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
150
tificar e medir a concentração, para compreender se e como os agentes
econômicos apresentam comportamento dominante em determinado
mercado. O percentual de participação de cada empresa nas vendas
totais do setor é a primeira medida do grau de concentração, indicativo
por sua vez, do poder potencial de controlar o preço de venda do produto. Há dois índices costumeiramente utilizados para medir a concentração: o de Herfindahl-Hirschman (HHI) e o de Lerner.
O HHI (Herfindahl–Hirschman Index) é calculado pela somatória
dos quadrados das participações individuais (market share) das empresas que competem no mercado.
Assim,
HHI = Σ Pi²
Sendo:
Σ = somatória
Pi = participação de cada empresa no mercado (market
share)
O índice considera o número de empresas em uma indústria e
as diferenças de porte. Se uma empresa controlar todo o mercado (monopólio), com 100% de participação, o índice será igual a 10.000. Se o
mercado tiver 100 empresas de igual porte, o índice será igual a 100. Se
existirem quatro empresas de igual porte dividindo o mercado (possível
oligopólio), o índice será 2.500. Quanto mais concorrencial o segmento,
menor será o HHI; mercados nos quais o HHI encontra-se entre 1.000 e
1.800 pontos são considerados moderadamente concentrados e, acima
de 1.800, pontos considera-se o mercado concentrado. Note-se, elevar
cada parcela de mercado ao quadrado implica atribuir peso maior às
empresas relativamente maiores.
O uso do HHI é particularmente adequado para avaliar oligopólios
homogêneos em competição de Cournot, isto é, quando as empresas
151
O índice de Lerner (L) é a diferença entre o preço P e o custo
marginal Cmg como função do preço.
Assim,
L = (P - Cmg)/P
Sendo:
P = preço
Cmg = custo marginal22
De acordo com a teoria econômica, sempre que houver concorrência perfeita, o preço é igual ao custo marginal, e L será zero. Ao contrário, quanto maior o poder de mercado de uma empresa, mais o preço
supera o custo marginal, e L se aproxima de 1, indicando maior grau de
concentração. Naturalmente, a utilização do índice de Lerner pressupõe
o conhecimento do custo marginal de cada empresa e da indústria em
tela (RESENDE, 1994).
Em síntese, ambos os índices não são indicativos seguros da
obtenção de lucro extraordinário; são usados com maior confiabilidade
para a comparação entre setores — por exemplo, para identificar se a
indústria automobilística é menos concentrada que a siderúrgica — e
para avaliar a evolução da concentração ou fragmentação de um setor
ao longo de uma série de anos.
Custo marginal é o acréscimo dos custos totais de produção quando se aumenta a
quantidade produzida em uma unidade, ou seja, quanto custa cada aumento unitário
de produção.
22
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
maximizam lucro sem antecipar reações às mudanças nas quantidades
escolhidas pelos competidores. Fora dessa circunstância, o índice obtido pode não indicar a relação positiva entre poder de mercado e lucratividade. Por esse motivo, o índice serve melhor para análises comparativas no tempo, para acompanhar o resultado de processos de fusões,
sendo utilizado pelas agências antitrustes, e não necessariamente para
a instituição de controles de preços (RESENDE, 1994).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
152
A mensuração da concentração é um indicador do poder de mercado, isto é, da capacidade potencial de uma empresa causar danos ou
obstáculos à concorrência. A Lei 10.742/03 declara por objetivo “promover a assistência farmacêutica à população”, supondo a ocorrência de
uma taxa particular de elasticidade-preço dos medicamentos. No entanto, o cálculo da variação entre preço e quantidade consumida tem
significado econômico se o mercado é livre, no sentido da existência de
compradores e produtores escolhendo autonomamente as quantidades
ofertadas e as quantidades demandas. O segmento dos produtos farmacêuticos para uso humano no entanto, não apresenta tais características: o preço dos medicamentos é controlado há décadas, as quantidades ofertadas desvinculam-se do preço médio e os consumidores não
têm, muitas vezes, autonomia para a decisão da compra. Realizar o cálculo da elasticidade-preço de medicamentos é possível, mas esse dado
não expressa suficientemente a elasticidade do produto, não carrega a
informação da sensibilidade entre a variação de preços e quantidades.
A fórmula do price cap e a indústria farmacêutica
Uma das premissas para a intervenção governamental é a existência de mercados concentrados, no qual, as empresas exerçam controle lesivo ao consumidor. O poder de mercado, por sua vez, supõe a
identificação do mercado relevante. Mercado relevante é o locus em
que o poder de mercado possa ser exercido, considerando-se a existência ou não de bens substitutos e uma determinada área geográfica
(CARLTON; PERLOFF, 1994). No Brasil não há dados disponíveis para
a comprovação dos atos abusivos e dos prejuízos para os consumidores. Também não há definição satisfatória de mercado relevante no
setor farmacêutico, entre outros problemas relativos à comprovação das
características da oferta e demanda.
Os instrumentos de intervenção são mais eficazes quando atuam
preventivamente, na proibição de fusões capazes de levar à concentração do mercado relevante. O controle de preços por sua vez, não interfere no padrão de concorrência, atinge sim, a transferência de renda
153
A indústria farmacêutica no Brasil apresenta, à primeira vista, todos os elementos definidores de estruturas concentradas nas quais os
produtores podem exercer poder de mercado e obter lucro extraordinário, às expensas dos consumidores e do nível de bem-estar geral:
market share elevado das classes terapêuticas, existência de barreiras
à entrada, assimetria de informações entre produtor e consumidor, essencialidade do produto e demanda inelástica ao preço (a ideia de que
aumentos de preços não provocarão significativas reduções no volume
consumido). A existência de bens substitutos é de difícil identificação,
seja pela natureza do produto, pela fidelidade do médico às marcas, ou
pelos questionamentos éticos em torno da substituição. A essencialidade do produto sugere demanda inelástica ao preço, particularmente no
segmento dos remédios consumidos a partir de prescrição médica. A
intermediação do médico torna mais aguda a assimetria de informações
entre o produtor e o consumidor. Elementos econômicos e o aparato
legal-institucional produzem um mercado com barreiras à entrada (porte
do capital, acesso à tecnologia e investimento em pesquisa, fidelidade
do médico às marcas, proteção patentária e custos elevados para a obtenção da permissão para comercialização).
Convém, no entanto, refletir sobre a análise acima com mais cuidado. Só é possível identificar o grau de concentração se antes for definido
o mercado relevante. De acordo com Romano e Bernardo (2001), “(…)
a avaliação do poder de mercado dos laboratórios transcende uma simples análise dos market–shares”. Ainda de acordo com os autores, “(…)
diversos cortes analíticos podem ser considerados para fins de análise da
estrutura da indústria”, da divisão entre produtos comercializados com ou
sem prescrição, às diferentes classes terapêuticas, dos produtos de uso
contínuo aos que não o são, dos genéricos aos de marca, etc. Na prática,
a definição de mercado relevante é muito complexa, ainda faltam estudos
para defini-lo, e mesmo o governo não apresentou uma definição suficiente, apenas um estudo sobre o tema, a despeito da Resolução CMED
relativa à Lei 10.742/03 tratar explicitamente de mercado relevante.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
do consumidor para o produtor, alterando a distribuição de gastos no
orçamento do primeiro, e a taxa de lucro do segundo. Atinge também as
despesas dos três níveis de governo com a compra de medicamentos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
154
Apesar dos limites apresentados pelo indicador, o cálculo do HHI
(índice de concentração setorial) para a indústria farmacêutica mostra a
tendência à desconcentração, conforme apresentado na tabela abaixo.
Tabela 2 - Evolução do HHI no setor farmacêutico,
classe terapêutica nível 4
ANO
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
HHI < 1.800
31,4
37,7
43,2
45,7
49,1
49,1
52,2
HHI > 1.800
68,6
62,3
56,8
54,3
50,9
50,9
47,8
Fonte: Cálculo dos autores, dados primários do IMS HEALTH.
Entre 2001 e 2007, as classes terapêuticas cuja produção é considerada menos concentrada aumentou de 31,4% para 52,2% (HHI <
1.800); simetricamente, a produção das classes terapêuticas consideradas concentradas caiu de 68,5% para 47,8% (HHI > 1.800). Em 2008
e 2009 ocorreram muitas fusões no setor, e a tendência do HHI desse
período pode ter sido alterada.
Dadas as particularidades do segmento farmacêutico, recomenda-se não supor a existência de padrão único de demanda por medicamentos; essa variável deveria ser analisada mais detalhadamente,
pois não podemos esperar o mesmo comportamento da demanda para
os medicamentos vendidos com ou sem prescrição, de marca ou genéricos, de uso contínuo ou não, recém-lançados ou com fórmulas mais
antigas, etc. Também não há estudos suficientemente abrangentes para
descrever as preferências do consumidor, pois, entre outro fatores, os
preços dos medicamentos, exceto por um breve período na década de
90, sempre foram controlados, dificultando o conhecimento da elasticidade-preço real.
155
A estrutura do segmento farmacêutico brasileiro é diversificada,
dada a presença de empresas nacionais e multinacionais, de médio e
de grande portes, voltadas para a produção de genéricos ou de marca,
entre outras características. Salvo exceções (entre as quais as experiências recentes dos laboratórios oficiais), a produção brasileira consiste
no processo físico de tratamento dos princípios ativos e na comercialização, sem as fases anteriores de pesquisa, desenvolvimento e produção dos princípios ativos. A definição de custos e rentabilidade médios
da indústria é muito difícil.
A importância das empresas multinacionais indica que os centros
de decisão de investimento não estão diretamente articulados com o
desempenho da economia brasileira. É da natureza da economia global
definir pólos mundiais de pesquisa, de fabricação, etc. Assim, considera-se digno de discussão o fato do governo supor que correção monetária e variação dos custos de produção, descontados a produtividade
e o grau de concentração do mercado relevante (indefinido), seja um
percentual capaz de estimular a competitividade do setor.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Embora não paire dúvidas sobre a importância da atuação governamental em um setor como o de medicamentos, a utilização dos instrumentos clássicos de regulamentação no setor farmacêutico brasileiro
apresenta dificuldades importantes. A despeito de todos os problemas
teóricos e práticos quanto à regulamentação do mercado farmacêutico,
o governo, por meio da Lei 10.742/03 (seguida de decreto e resolução),
instituiu uma fórmula a partir da qual é definido o reajuste anual dos preços dos medicamentos. Em tese, esse percentual é precisamente aquele que propiciaria o acesso da população aos remédios e incentivaria a
competição entre as empresas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
156
Considerações finais
A intervenção estatal no setor saúde e, em particular, no segmento
farmacêutico está fortemente associada à defesa dos direitos constitutivos
da cidadania e a melhores indicadores de saúde, em todos os países industrializados. O debate sobre intervenção ou Estado mínimo não intervencionista já está superada há décadas, superação reforçada pela crise
econômica mundial de 2008, após a qual todos os governos elevaram os
gastos para recuperar as empresas, o nível de emprego e a renda nacional
combalidos. A discussão necessária trata das formas da regulamentação
econômica e idealmente, deveria discutir a eficácia das ações regulatórias.
A instituição da regulamentação dos preços dos medicamentos no
Brasil é marcada por muitos problemas. Identificamos um problema na origem do modelo: o uso de regulamentação de preços para ampliar o acesso aos medicamentos e a competição entre as empresas. A Lei 10.742/03
mistura objetivos de políticas de renda (ampliar o acesso da população
aos medicamentos) e de regulação de mercado (preservar a competitividade do setor), e na prática, utiliza apenas os instrumentos de regulação.
Há dificuldades conceituais relevantes para a utilização da regulamentação dos preços dos medicamentos nos moldes do price cap: a
escolha da teoria do valor — trabalho para o cálculo da produtividade,
a determinação do mercado relevante e o uso de índices de concentração de mercado como HHI e Lerner. Há também problemas importantes
no cálculo das variáveis da fórmula do price cap determinados pelos
limites dos dados disponíveis sobre quantidade de horas trabalhadas,
elasticidade-preço, custos marginais do setor, padrão de consumo de
medicamentos por grupos (uso contínuo, isentos de prescrição, recémlançados, genéricos, de referência, etc.). As dificuldades conceituais
se propagam circularmente pelo modelo: ainda que as dificuldades de
cálculo fossem superadas, persistiriam as fragilidades analíticas; ainda
que as fragilidades analíticas fossem resolvidas, restariam as inconsistências provocadas pela baixa qualidade dos dados.
Em nosso entendimento, instrumentos de controle de preço não
157
Na prática, a fórmula prevista na Lei e Resolução não é utilizada.
Os percentuais de reajuste de preços aplicados são em grande medida,
arbitrados pelo governo: trata-se de correção monetária, considerada
integral ou parcialmente, dependendo do quanto o governo está disposto a lidar com a insatisfação da indústria.
Não há dados disponíveis para assegurar as consequências do uso
do price cap para o acesso aos medicamentos. O cálculo da elasticidaderenda sugere que o consumo depende da renda disponível para o consumo. A evolução do HHI no período 2001/2007 indica desconcentração
do setor, por classe terapêutica, o que não permite inferir o aumento de
competitividade entre as empresas. A instituição do medicamento genérico e as fusões de empresas (determinadas mundialmente ou por agentes
financiadores como o BNDES) provavelmente explicam mais o comportamento do HHI, cuja tendência deve ter sido alterada em 2008/2009.
Cabe reflexão breve sobre os impactos do price cap nos gastos
dos governos com medicamentos, na taxa de lançamento de novos produtos, no preço médio dos medicamentos, no lucro das laboratórios farmacêuticos, nos preços dos medicamentos não controlados e na imagem
do governo federal (responsável pelo controle) junto à opinião pública.
Os gastos públicos com saúde no período 2002-2006, em termos
reais, acompanharam a evolução do PIB, enquanto que os gastos públicos com medicamentos cresceram a uma velocidade muito superior
à do produto nacional: a taxa média anual de crescimento dos gastos
totais com saúde foi de 3,5% e com os medicamentos, de 14,7% (DATASUS/SIOPS, 2009). Quanto teria sido o gasto público na ausência do
controle dos preços? Não há resposta para tal pergunta, mas o período
sem quaisquer controles, na década de 90, caracterizou-se por significativos aumentos dos preços médios. A indústria justificou-se alegando
necessidade de “recompor margens de lucro” rapidamente, preparando-se para a volta do controle, que de fato retornou; o governo alega
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
promovem aumento do acesso, dados os limites dos conceitos e instrumentos da regulamentação econômica, a concentração da renda e
a estrutura da indústria farmacêutica instalada no Brasil. A fórmula da
regulamentação dos preços revela as inconsistências entre instrumento
e objetivos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
158
que retirar o controle reproduziria o efeito expansivo nos preços. Posto
nesses termos, é difícil apostar na extinção do controle de preços, ainda
que se abandone o price cap por outro modelo.
A taxa de lançamento dos novos produtos é uma das principais
alegações da indústria para justificar o fim ou redução da regulamentação dos preços: sem preços considerados adequados, não haveria
estímulos para comercializar ou produzir novos produtos, para prejuízo
dos consumidores. Examinar o volume dos novos lançamentos desde
2003 foge ao propósito do nosso artigo. Mas vale considerar, o quanto
o preço é determinante nas decisões estratégicas das empresas, particularmente das multinacionais cujas estratégias de negócios pautam-se
pela inovação, e quanto o governo brasileiro está também ocupado com
um outro tema, o controle da incorporação de inovação tecnológica nos
serviços e produtos de atenção à saúde. Exemplos mundiais demonstram, a inovação é um dos determinantes relevantes no aumento dos
gastos com saúde; o price cap, mesmo não resultando em maior acesso
e competitividade entre as empresas, se dificultar a entrada de novos
produtos, poderia auxiliar no controle da incorporação de tecnologia.
Os impactos do price cap no preço médio dos medicamentos podem
ter sido relevantes: a média dos preços dos medicamentos está abaixo da
inflação, medida pelo IPCA, de 2000 a 2007 (IBGE, 2009). A relação entre
as médias (medicamentos e IPCA) deve ser vista com cuidado, outros fatores, como os genéricos, impostos, etc. também alteram potencialmente
os preços dos medicamentos. De todo modo, os dados sugerem, o consumidor que já tem acesso aos medicamentos teve menores desembolsos
com os medicamentos controlados, e apenas com esses.
O controle preço dos medicamentos, particularmente nos segmentos concentrados e protegidos por patentes, atinge negativamente
o lucro das indústrias; quanto atinge, não é informação disponível. Parte
dos medicamentos não está sobre controle, seria oportuno pesquisar o
comportamento dos preços desse grupo, por classe terapêutica e por
empresa, para avaliar se há transferência de aumento de preços dos
produtos controlados para os sem controle. Comprovado o fenômeno,
os consumidores (públicos e privados) dos segmentos sem controle financiariam, indiretamente, os consumidores dos produtos controlados.
159
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Como último elemento de reflexão, fora das análises quantitativas, o comportamento do preço dos medicamentos é um tema muito importante para a sociedade, em particular para as parcelas organizadas
que não se beneficiam dos programas de distribuição gratuita do governo. É compreensível o empenho deste em não deixar tais produtos fora
de controle, ainda que a forma adotada tenha muitos problemas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
160
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
162
163
Aldemir Evangelista da Cruz - Economista,
mestrando em administração pela PUC/SP.
Maria Cristina Sanches Amorim - Economista, professora titular e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Regulação Econômica
e Estratégia Empresarial da PUC/SP.
Introdução
A indústria farmacêutica pesquisa, desenvolve, comercializa e
distribui drogas farmacêuticas, substâncias ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas de doenças ou dos seus
sintomas (CEIF, 2009).
O objetivo do nosso trabalho é chamar a atenção do leitor para
as relações entre investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e
incentivos governamentais no setor farmacêutico. De acordo com nossos dados, o investimento em P&D foi significativamente ampliado, nos
EUA, quando do aporte indireto de investimento governamental; quando
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
A indústria farmacêutica:
investimento em pesquisas e
incentivos governamentais
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
164
esse modelo se esgotou, houve redução no número de pesquisas e no
lançamento de novos produtos.
As primeiras indústrias farmacêuticas surgiram no final de século
XIX e inicio do século XX. No século XXI, as atividades do setor envolvem desde a pesquisa e desenvolvimento de novas moléculas, até a
comercialização e acompanhamento dos efeitos do consumo dos produtos.
No século XIX, as primeiras drogas foram produzidas artesanalmente a partir de plantas e substâncias de origem animal. No inicio do
século XX, nos anos 30, surgiram instituições científicas que pesquisavam e produziam medicamentos, vacinas e soros, dando início à síntese química e à fermentação como processo de maior elaboração e mais
tecnologia.
A indústria farmacêutica global é fenômeno dos 40 e 50, associado à expansão do mercado e hegemonia político-econômica dos EUA
no pós-guerra. Como se verá adiante, o Estado continuará um agente
fundamental para o desenvolvimento dos laboratórios farmacêuticos nos
EUA. No final dos anos 50 e início dos 60, destacam-se os lançamentos
dos psicotrópicos e novos antibióticos. As estratégias organizacionais
são mais agressivas, buscam aumento de participação nos mercados
mundiais, com forte atuação do marketing.
Foi também nos anos 60 que estourou o horror do sedativo e
anti-inflamatório talidomida, aprovada em 1962 pelo FDA - Food, Drug
and Cosmetic Administration, órgão do governo norte-americano para
controlar alimentos e medicamentos. Como uma das consequências no
campo regulatório, o Congresso dos EUA aprovou a emenda KefauverHarris, exigindo maior rigor na comprovação de eficácia e segurança
dos medicamentos, estudos clínicos mais exigentes e extinguindo a regra, para o FDA, de apresentar seu parecer sobre novas drogas em 60
dias. Indiscutivelmente imprescindível, o aumento do rigor na permissão
para novos produtos provocou aumento nos custos com pesquisa, desenvolvimento e estudos clínicos de comprovação de eficácia e segurança (ANGELL, 2007).
165
As principais organizações da indústria farmacêutica no mundo
são membros da IFPMA – International Federation of Pharmaceutical
Manufacturers & Associations. São eles: Abbott Laboratórios; Almirall;
Astellas Pharma Inc.; Astra Zeneca; Bayer HeathCare AG.; Boehringer
Ingelheim GmbH; Bristol-Myers Squibb; Chugai Pharmaceutical Co. Ltd.;
Dalichi Sankyo Cl. Ltd.; Eisai Co. Ltd.; Eli Lilly & Co.; Esteve, F. Hoffman;
La Roche AG.; GlaxoSmithKline.; Menarini S.A.; Merck & Co./ScheringPlough Corp.; Servier, Inc.; Merck KgaA.; Novartis Pharma AG.; Pfizer
Inc./Wyeth.; Piramal Healthcare Ltd.; Sanofi-Aventis; Sigma-tau Industrie Farmaceutiche riunite SpA; Takeda Pharmaceutical Company Ltd.
(IFPMA,2009).
O mercado conta ainda com empresas multinacionais, notadamente indianas, coreanas, e chinesas, voltadas para a produção de medicamentos genéricos e similares (cópias daqueles medicamentos não
protegidos pela lei de patentes). As principais empresas fazem parte da
EGA – European Generic Medicines Association. Os associados são:
Actavis, Adamed, Alkaloid, Alfred E. Tiefenbacher, Apotex Europe, Arrow
Generics, Belupo, Barr Pharmaceuticals, BioGenerix, Combino Pharm,
Consilient Health, Eczacibasi, Gedeon Richter, GeneMedix, Glenmark,
Goldshield Group, Helm, Hemofarm Group, Hospira, Jadran, Galenski
Laboratorij, Laboratórios Cinfa, Medochemie, Mylan, Niche Generics,
Nobem Pharmaceuticals, Ranbaxy Europe, Ratiopharm, Sandoz, Stada,
Sun Pharmaceuticals, Tchaikapharma, TEVA Europe e Zentiva (EGA,
2009).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Desde a década de 50, a indústria farmacêutica espalha-se por
todo o mundo. As maiores empresas são multinacionais americanas e
européias, com investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos
medicamentos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
166
Componentes fundamentais da
indústria farmacêutica: incentivos
governamentais, pesquisa e patentes
Os investimentos em pesquisa são feitos primariamente nos países de origem das empresas, constituídos por diversas fases: descoberta e desenvolvimento da molécula, pré-clínica de testes em laboratórios
e animais, testes em pacientes voluntários sadios e enfermos e testes
em um número maior de pacientes voluntários. Após a última fase, os
investimentos chegam a outros países.
De acordo o Tufts Center for the Study of Drug Development (CSDD,
2003) o valor médio por entidade representativa da indústria farmacêutica
para desenvolver um novo medicamento é de US$ 897 milhões, compreendida as fases de descoberta, análise e aprovação para comercialização do medicamento, despendidos ao longo de 12 a 15 anos.
Os valores de investimentos apresentados pelos laboratórios
farmacêuticos na pesquisa e desenvolvimentos devem ser vistos com
cuidado. Angell (2007), por exemplo, afirma que pesquisa e desenvolvimento são partes relativamente pequenas dos orçamentos das grandes
empresas do setor, um valor ínfimo comparativamente às despesas com
marketing. De estilo agressivo, o marketing consome elevados recursos
para o contato direto com o consumidor, patrocínio de grupo de defesa
de pacientes e ações para influenciar os médicos — propaganda médica, pagamentos de congressos de interesse do próprio laboratório, etc.
(ANGEL, 2007).
O aumento do prazo para aprovação de novas drogas (nos EUA e
Europa) reduziu o número de novas patentes, de lançamento e as vendas cresceram pouco entre 1960 e 1980 – claramente, a indústria estava se adaptando à nova regulamentação. A partir de 1980, as patentes,
os lançamentos e as vendas tiveram crescimento exponencial até 2000.
Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento saltaram de 2 bilhões
de dólares em 1980, para 4 bilhões de dólares em 1985 e 8,4 bilhões de
dólares em 1990 (UNIEMP, 2004).
167
Entre as leis aprovadas no Congresso norte-americano, destacamos a Lei Bayh-Dole (1980), permitindo aos pesquisadores das universidades norte-americanas patentear medicamentos descobertos
mediante pesquisa financiada pelos National Institutes of Health. A lei
também concedeu licença compulsória aos laboratórios farmacêuticos
para usar as pesquisas produzidas nas universidades. Pesquisas anteriormente de domínio público, que poderiam levar várias empresas a
produzir medicamentos novos, foram comercializadas apenas por multinacionais norte-americanas (ANGEL, 2007).
A figura abaixo apresenta a evolução das patentes nos EUA, uma
das consequências da Lei Bayh-Dole. As patentes produzidas pelas universidades saltam de 295 em 1984, para 1.557 em 1992.
Figura 1 - Evolução da transferência de tecnologia 1974/84 – 1992
Fonte: Uniemp, 2004.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Uma das causas do crescimento foi o auxílio do governo dos EUA. O
presidente Reagan aprovou no Congresso norte-americano leis para acelerar a tradução de pesquisas básica financiada por impostos, em produtos
novos e úteis; o processo não é inédito, costuma ser nomeado de “transferência de tecnologia”. Escoradas pelas pesquisas financiadas pelos recursos públicos, as empresas norte-americanas melhoraram suas posições
no mercado mundial, relativamente à alta tecnologia (ANGEL, 2007).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
168
Na figura a seguir, pode ser visualizada a evolução das concessões de licenças após a lei Bayh-Dole: de 106 licenças em 1984, o número cresceu para 1.510 em 1990.
Figura 2 - Concessão de licenças a partir das universidades
Fonte: Uniemp, 2004.
As figuras mostram o aumento de concessão de licenças das
universidades para os laboratórios farmacêuticos. Antes da Lei BayhDole, a pesquisa era desenvolvida nas universidades e após publicação dos resultados, não havia exclusividade para laboratórios particulares. Com a lei, em 1980, a pesquisa passou a ser acompanhada
pelas multinacionais norte-americanas, causa importante para compreendermos o gigantismo dessas empresas no mercado mundial.
Houve uma inversão no lançamento de novos medicamentos, a indústria tornou-se detentora das novas moléculas, desenvolvidas nos
centros universitários, finalizando a etapa de pesquisa e lançando os
produtos no mercado.
A figura a seguir mostra a evolução positiva dos registros dos
novos medicamentos, como mais uma das consequências da Lei BayhDole.
169
Fonte: Uniemp, 2004.
A Lei Bayh-Dole também propiciou às pequenas empresas de
biotecnologia (na maioria, fundadas por pesquisadores universitários)
explorar comercialmente suas descobertas. Rapidamente, as pesquisas
biotecnológicas foram adquiridas por grandes empresas farmacêuticas,
originando o modelo atual de indústrias farmacêuticas de biotecnologia
(ANGEL, 2007).
Esses fatos repercutem ainda hoje no movimento da aquisição,
incorporação e fusão dos grandes laboratórios farmacêuticos, tais como
as negociações entre os Laboratórios Abbott e Knoll, Shering Ploug e
Merck Sharp, Wyeth e Pfizer, baseados na aquisição de empresas com
pipeline23 de medicamentos biotecnológicos.
A partir do ano 2000, o mercado farmacêutico começou a declinar, provável reflexo da diminuição do número de aprovações e lançamentos de novas drogas, e das aprovações e lançamentos de novas
entidades moleculares, com aumento de aprovações e lançamentos de
novas formulações.
Pipeline: o número das novas entidades, com perspectiva de sucesso e possibilidade
de lançamento no mercado que as empresas têm em seu portfólio de pesquisa.
23
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Figura 3 - Evolução do registro de novos medicamentos nos EUA
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
170
A figura abaixo mostra a opção da indústria em recombinar elementos, ao invés de criar novos.
Figura 4 - Entidades moleculares aprovadas pelo FDA, 1999 - 2004
Ano
Terapêutica potencial -
Terapêutica potencial -
revisão prioritária
revisão normal
Total de
Nova
entida- Novo sal
de
mole-
ou outros derivados
Nova
Nova
enti-
Novo sal
formu- Total
dade
tros deri-
lação
molecular
cular
ou ouvados
aprovados
Nova
formu-
Total
lação
1999
19
1
7
27
16
2
32
50
77
2000
9
1
9
19
18
0
48
66
85
2001
7
1
1
9
17
1
23
41
50
2002
7
0
3
10
10
2
44
56
66
2003
9
0
4
13
12
5
31
48
61
2004
17
0
4
21
14
1
59
74
95
Fonte: FDA, 2009.
A classe de novos medicamentos buscada pelos investimentos
em P&D gera desconforto entre entidades de classe e profissionais da
saúde (DNDI, 2009). A indústria farmacêutica tem investindo em alta
tecnologia para mercados específicos, com altíssimos custos, produzindo bens inacessíveis à maioria dos cidadãos.
A figura abaixo mostra a evolução dos novos medicamentos, concentrados nas classes dos produtos oncológicos e neurológicos.
171
Fonte: PHRMA, 2008.
As doenças com o maior número de pesquisas também correspondem às classes terapêuticas mais rentáveis. De acordo com a figura
acima, todos os tipos de câncer reunidos contam com 682 novas entidades moleculares em pesquisa no ano de 2008. Em recente relatório
da PhRMA (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America),
o número de entidades moleculares em pesquisa chegam a 861 em
2009. O câncer é a classe terapêutica mais rentável, tendo faturado em
2007, 41,4 bilhões de dólares, representando 6,2% do faturamento da
indústria farmacêutica. A classe de problemas cardiovasculares conta
com 303 novas entidades moleculares em pesquisa, sendo a segunda
em faturamento, 33,7 bilhões de dólares em 2007, com participação de
5,1% do mercado farmacêutico global (PHRMA, 2009).
A figura adiante sumariza essas informações.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Figura 5 - Novos medicamentos em desenvolvimento
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
172
Figura 6 - Dez principais classes terapêuticas
mais pesquisadas em 2007
Classes terapêuticas auditadas
no mundo em 2007
Vendas em
2007 (US$
bilhões)
Participação de
mercado (%)
Mundo
663,5
100%
1
Oncológicos
35,2
5,8%
2
Reguladores de lipídios
34,6
5,7%
3
Agentes respiratórios
24,6
4,0%
4
Inibidores de bomba de prótons
24,1
4,0%
5
Antidiabéticos
21,2
3,5%
6
Antipsicóticos
20,6
3,4%
7
Antidepressivos
18,2
3,0%
8
Antagonistas de angiotensina
16,5
2,7%
9
Anti-epiléticos
13,9
2,3%
10
Agentes auto-imunes
13,1
2,1%
TOTAL
Dez classes terapêuticas líderes
241,6
32,9%
Fonte: IMS Health, 2008.
Os produtos não necessariamente medicamentos também representam área importante para o investimento das grandes corporações
farmacêuticas. Constituindo parcela considerável do mercado farmacêutico mundial, são produtos voltados para condições diferentes das
puramente médicas (como celulite, calvície, rugas, dietas, estresse e
problemas de adaptação a fuso horário), mas que correspondem a um
segmento de mercado altamente lucrativo nos países ricos.
173
Em todo o mundo, a indústria farmacêutica apresentou redução de
faturamento a partir de 2002. Em 2003, perdeu a primeira posição em rentabilidade, caindo para a terceira posição (FORTUNE 500, 2005). Nesse
período, o mercado farmacêutico foi afetado pelo vencimento de patentes
de medicamentos importantes, pela pressão da entrada de medicamentos
genéricos e similares em mercados como o brasileiro, pela ação exercida
por governos cujos gastos com saúde pública aumentaram vertiginosamente e pela resistência de seguradoras de saúde em pagar o elevado
preço dos medicamentos patenteados.
A figura abaixo mostra a evolução absoluta e relativa do mercado
farmacêutico mundial, entre 2000 e 2007.
Figura 7 - Vendas farmacêuticas globais
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
365
392
428
499
560
605
649
712
11,5%
11,8%
9,5%
10,3%
8,0%
7,3%
7,1%
6,4%
Total do mercado
mundial
(US$ bilhões)
Crescimento do
mercado
Fonte: IMS, 2008.
Em 2007, o faturamento da indústria farmacêutica global foi de
US$ 712 bilhões, com aumento de 6,4% em comparação com 2006 e
com crescimento médio de 8,98% no período 2000/07, incluindo mercados auditados e não auditados pelo IMS Health24.
A base de dados auditada pela IMS mostra que 45,9% desse faturamento de 2007 veio da América do Norte, 31,1% da Europa, 9,4% da
Ásia, Austrália e África, 8,8 do Japão e 4,8% da América Latina (o restante de mercados não é auditado, tais como Rússia e Ucrânia).
IMS Health: consultoria internacional que fornece dados sobre vendas e mercado da
indústria farmacêutico e presta serviço de consultoria (IMS Health, 2009).
24
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
O setor farmacêutico no século XXI
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
174
Os Estados Unidos continuam sendo o maior, com faturamento
de US$ 286,5 milhões, representando 40% de todo mercado farmacêutico, contribuindo com 25,5% do crescimento do mercado global, ainda
que o mais baixo nível de contribuição no crescimento da história (IMS
HEALTH, 2007).
Em 2008, das 47 indústrias relacionadas na revista Fortune 500,
a indústria farmacêutica era a quarta mais lucrativa, superada pela mineração, produção de petróleo bruto e bancos comerciais. Com lucratividade média de 16%, posiciona-se acima da indústria de tabaco (11%)
(FORTUNE 500, 2008).
A excelente lucratividade da indústria farmacêutica está associada
a investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). De acordo com
a PhRMA, as indústrias nos EUA investem em média 4% do faturamento
em P&D; as de telecomunicações investem 5%, a indústria automotiva
por volta de 4%, a eletrônica 6% (altamente dependente de tecnologia)
e a indústria farmacêutica cerca de 21% em desenvolvimento de novos
produtos para se manter na ponta (ALIGIERI, 2007). Lembramos que os
dados sobre investimentos em P&D devem ser vistos com cuidado.
Até o final dos anos 90, os grandes laboratórios farmacêuticos investiam na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos.
Nos últimos anos, empresas predominantemente indianas, coreanas
e chinesas produzem esses mesmos medicamentos (descobertos por
grandes empresas européias e americanas) como genéricos e similares, com custos e preço inferiores, após o vencimento da patente ou em
países sem legislação para patentes farmacêuticas (PHRMA, 2009).
As empresas de grande porte, por sua vez, partem para a produção de medicamentos de biotecnologia, extremamente sofisticados,
sintetizados pela manipulação genética de células e destinados ao tratamento de doenças complexas. Atualmente, 50% dos medicamentos
em pesquisa são biotecnológicos (PHRMA, 2009).
A figura a seguir mostra o crescimento das pesquisas totais, representado pelas empresas filiadas à PhRMA, comparativamente aos
investimentos exclusivos em biotecnologia.
175
Fonte: PHRMA, 2007.
Aumentaram as dificuldades para lançar novos medicamentos
por meio de processos tradicionais, os lucros recuaram e as ações de
algumas empresas de maior porte chegaram a cair vertiginosamente.
Porém, um conjunto de fatores impulsionou o crescimento do mercado
farmacêutico mundial, listados abaixo.
1 - Aumento da incidência de doenças crônicas devido ao envelhecimento ou relacionadas à vida moderna (diabetes, câncer e
doenças cardiovasculares).
2 - Existência de diversas doenças ainda sem tratamento.
3 - Disseminação rápida de novas doenças, tais como HIV, hepatite, SARS, etc.
4 - Tendência de substituição de tratamentos invasivos (cirurgia)
por tratamentos preventivos contínuos (remédios).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Figura 8 - Investimento em pesquisa e desenvolvimento, total e
em biotecnologia - 1980/2005
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
176
5 - Demanda por drogas lifestyle, com foco na qualidade de vida,
impotência, etc.
6 - Rápida evolução da biotecnologia.
7 - Distribuição e comunicação de novos produtos em nível global e
incentivo governamental para atingir consumidores de baixa renda.
Mesmo impulsionadas pelos recursos públicos, as pesquisas
precisam ser protegidas, ou não trarão os lucros desejados pelos investidores. Daí a função das patentes. O conjunto de pesquisas em
andamento e o grau de profundidade em que se encontram compõem
o denominado pipeline da empresa, um dos elementos determinantes
da composição acionária quando das fusões entre empresas farmacêuticas ou aquisição de empresas menores com elevada capacidade de
gerar pesquisa.
A pesquisa patenteada, a capacidade e expertise em produção
dos princípios ativos e o desempenho no mercado determinam, em
grande medida, o valor das empresas. Assim, a maioria esmagadora
dos fabricantes de medicamentos, capazes de gerar pesquisa de novas
moléculas, é também grande produtora de fármacos e mantém sua condição de independência de suprimentos por meio não só de produção
cativa, mas também com contratos com terceiros, assegurando em primeiro plano o segredo envolvido na fabricação em série das moléculas
e as características dos compostos.
O processo de patenteamento de uma molécula é um intrincado
processo para esconder informações importantes, sem perder de foco a
meta de obter o privilégio. Os países têm estruturas particulares de concessão de patentes, porém, quando há acordos comerciais, respeitam a
patente recebida no país de origem. O regime de direitos de propriedade
intelectual caminha em direção a crescente fortalecimento dos direitos
e lucros das grandes corporações acopladas à área de medicamentos.
Esse fato influencia a produção, em particular aquela que vive fora dos
países de primeiro mundo. (BERMUDEZ et al, 2000).
177
O setor farmacêutico está entre os mais rentáveis do mundo
(FORTUNE, 2005). A importância relativa da inovação tecnológica para
a ampliação do faturamento e da rentabilidade é tema controverso: os
dados são aproximações sem rigor metodológico no cálculo e as fontes
são agentes potencialmente interessados nos resultados. Ainda assim,
o crescimento de P&D em biotecnologia comparativamente ao investimento total (PHRMA, 2007) aponta para a importância da inovação na
estratégia das empresas — não por outro motivo, o segmento de produtos inovadores é particularmente sensível ao controle de preços, observância das leis de patentes e controle da incorporação tecnológica em
serviços de saúde. A regra não é geral: as empresas especializadas em
genéricos e similares têm pauta própria de discussão com os governos.
A experiência do mercado norte-americano — o mais importante
— dá-nos uma visão razoável da dinâmica do setor quanto aos gastos
com P&D, apontando, para além do senso comum, a importância dos
gastos governamentais indiretos para a expansão no mercado mundial.
Nossos dados mostram, entre 1980/2008 nos EUA, o número de
registros de novos medicamentos e de entidades moleculares aprovadas pelo FDA foram influenciados pelos incentivos governamentais. Durante o governo Reagan, nos anos 80, as empresas e as universidades
foram autorizadas a trabalhar conjuntamente, estabelecendo processos
de transferência de conhecimento e tecnologia. As pesquisas universitárias, por sua vez, beneficiam-se de fundos públicos, daí a presença
de incentivos indiretos do governo na P&D das empresas. Quando, nos
anos 90, esse modelo de transferência se esgota como fonte de diferenciais competitivos às indústrias, a compra de empresas com pipeline
atraente ascende à condição de importante estratégia; as empresas de
biotecnologia, por exemplo, tornaram-se objetos de disputa.
A transferência de conhecimento entre indústria e universidades
é uma das causas da expansão das empresas norte-americanas no
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Considerações finais
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
178
mercado mundial, obtida com a transformação de conhecimento originariamente socializável, em moléculas patenteadas.
Nosso dados também mostram o caminho dos investimentos em
P&D, associados aos segmentos mais lucrativos: produtos para tratamento de câncer, de problemas neurológicos e voltados para o lifestile
lideram o ranking dos novos produtos em desenvolvimento. Ainda sobre
o investimento, ressaltamos a importância da biotecnologia para a ampliação das vendas e do faturamento.
O negócio do setor farmacêutico pode ser resumido em grandes
categorias. Do lado da oferta, a estratégia das empresas parte do tipo
de produto: medicamentos inovadores, cópias originais ou genéricos e
similares. O investimento em P&D é foco das empresas cujos produtos inovadores são a condição para ampliar ou preservar participação
no mercado. Fusões e aquisições são alternativas ao investimento em
P&D. Do lado da demanda, as empresas perseguem os segmentos mais
lucrativos, determinados pelas alterações demográficas e econômicas e
pelas políticas públicas de saúde.
O governo brasileiro, desde 2004, com o lançamento do PROFARMA, incentiva o desenvolvimento do complexo industrial-farmacêutico
constituído por empresas localizadas no Brasil (isto é, inclui as multinacionais). Os recursos destinam-se à ampliação e renovação de plantas
fabrís e à produção de cópias criativas (ou, me-too) — desenvolvimento
de moléculas similares com mesmo efeito de medicamentos desenvolvidas por grandes multinacionais (BNDES, 2009). Para o gestor da política industrial, a estratégia é uma alternativa para a solidificação do setor
farmacêutico. Em pesquisas futuras, valeria investigar os impactos dos
subsídios governamentais (financiamento concedidos pelo BNDES) na
competitividade do setor farmacêutico brasileiro.
179
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
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181
Jorge André Rocha de Sousa - Administrador, mestre em administração pela PUC/SP, diretor da Vidalink do Brasil.
Introdução
O presente artigo objetiva discutir o gerenciamento do benefício
farmácia e as análises decorrentes das informações de consumo de
medicamentos, em especial do consumo de anti-hipertensivos. A pesquisa se baseia na necessidade de ações preventivas direcionadas
aos usuários portadores de patologias crônicas. Existe forte concordância que esta população específica, quando não tratada adequadamente, tende a apresentar complicações que põem em risco a vida
do indivíduo. A escolha das análises de pacientes com tendência terapêutica para hipertensão arterial sistêmica (HAS) baseia-se no fato
de que entre as doenças do aparelho cardiovascular, esta apresenta
elevada taxa de mortalidade, sendo também, na faixa acima dos 50
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Gerenciamento do
benefício em medicamentos
– instrumento de
informações para prevenção
e promoção de saúde
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
182
anos, responsável por parte das internações registradas (CISS-MS,
2007).
A complexidade do mercado de saúde pode ser observada pela
variedade de análises existentes sobre sua dinâmica, pelas particularidades das pesquisas e por pactuar a necessidade de manutenção
da vida simultaneamente à necessidade de recursos que viabilize as
organizações. O gestor de saúde, público ou privado, depara-se com
distintas abordagens e necessidades quando das decisões para equilibrar o capital envolvido na manutenção (ou evolução) das estruturas
dedicadas a manter a saúde da população atendida. Idealmente, as
políticas de saúde deveriam buscar equilíbrio entre os vários agentes
do mercado, tendo em vista o “estado de completo bem-estar”, como
definido pela Organização Mundial da Saúde - OMS (SOUZA, 2009).
O impacto das despesas estruturais, os custos com internações,
investimentos, expansão da rede pública, saúde da família e da saúde
suplementar, entre outros, ampliam a necessidade de ações não apenas curativas, mas preventivas. No desafio fundamentar de equilibrar
financeiramente investimentos e oferta de serviços de saúde, a busca
pela informação qualificada é condição sine qua non. Mesmo com o
aumento dos investimentos em tecnologia, a melhor capacidade de processamento de dados e a organização do saber, as informações sobre
saúde não podem ser tratadas como um sistema binário, estatístico e
previsível. A ideia de imprevisibilidade norteia muitas decisões, gerando
a necessidade de modelos que contemplem a sinistralidade, sempre
indesejada, pois fere a definição de saúde.
O gerenciamento de consumo de
medicamentos no Brasil
Na busca por análises geradoras de certa previsibilidade, que
possam contribuir para a estruturação de tendências, tem se desenvolvido nos últimos anos os programas de benefícios em medicamentos,
183
No Brasil, nos últimos dez anos (2000-2009), o mercado de saúde
acompanhou o amadurecimento desse setor com o nascimento de várias empresas cujo foco é o gerenciamento do consumo de medicamento. Essas empresas enfrentaram grandes desafios no desenvolvimento
do mercado (o segmento privado): falta de cultura de subsídio aos medicamentos e baixa utilização das informações sobre consumo de medicamentos quando da formulação de ações preventivas (SOUZA, 2009).
A ênfase na importância da análise das informações de consumo
de medicamentos alinha-se com abordagem desenvolvida pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar - ANS (ainda em desenvolvimento) no
que tange ao papel das operadoras de saúde, na execução de ações
preventivas. Pressionadas pela ANS, as operadoras estão diante da necessidade de melhor conhecer os usuários dos sistemas de saúde, principalmente pela responsabilidade crescente de prover os recursos necessários para a manutenção do estado de saúde. Do ponto de vista
da regulamentação, as tendências prevalecentes estão relacionadas ao
cuidado com a gestão financeira e com a carteira de clientes. O fator crítico para a prevenção e regulamentação é a gestão da informação, a partir
da qual, será possível o entendimento das dimensões das estruturas de
saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
Dimensionamento, comportamento do usuário no consumo da
estrutura de saúde, a identificação dos processos crônicos e complexos
e a metodologia curativa, puramente assistencial, promovida até antes
da Lei 9656/98, não possuem mais espaço, os custeios ligados à saúde
estão se aproximando de um elevado teto. As mudanças do parâmetro
quantitativo para o qualitativo e a integração do sistema de saúde como
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
voltados para a coleta e análises das informações oriundas do consumo
de medicamentos. Os programas surgiram nos Estados Unidos, promovidos pelos agentes pagadores dos medicamentos como forma de
melhor gerir os recursos dedicados ao subsídio dos tratamentos prescritos. Os programas constituíram o segmento denominado de Pharmacy
Benefit Management - PBMs, consolidando um modelo de intermediação no setor farmacêutico que em 2009, representa grande parcela dos
medicamentos comercializados nos EUA (SOUZA, 2009).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
184
um todo tendem a compor a rastreabilidade e a capacidade na definição de perfis de risco que possibilitam a antecipação dos eventos e sua
prevenção, conforme proposto pela regulamentação. A rastreabilidade
do paciente pode gerar segregação, permitindo rotular usuários como
“mais” propensos a esses ou outros problemas; daí ser imperativo preservar, nos processos de obtenção da informação para fins preventivos,
os limites do relacionamento entre médico e paciente e os direitos dos
paciente sobre posse e sigilo de suas informações de saúde.
O aumento dos programas de promoção/prevenção de saúde poderão ser ferramentas indispensáveis (tais como GMDC – gerenciamento médico de doenças crônicas) principalmente para patologias como a
doença cardiovascular, diabetes, asma/DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), depressão e obesidade. Além da monitoração dos pacientes crônicos, o uso e racionalização na incorporação tecnológica
contribuem para o uso das estruturas de saúde com base nos conceitos
de utilidade, crescentemente necessária para lidar com a oferta e demanda por inovação nos serviços de saúde. No lado da demanda, o beneficiário melhor informado pressiona os prestadores de serviços para
ter acesso aos serviços inovadores: busca opiniões quanto aos serviços
e produtos, questiona quando não lhe dão acesso às inovações. Sua
conduta pode inflacionar o mercado.
A ANS é uma dos principais agentes quanto à necessidade de
informações sobre os usuários do sistema de saúde privado. A implantação de programa de qualificação da saúde suplementar, imposto às
operadoras de planos, é constituído por quatro itens: (1) qualidade de
atenção; (2) qualidade econômico-financeira; (3) qualidade da estrutura
da operação; (4) satisfação dos beneficiários. É explícita a intenção da
ANS em direcionar as operadoras para as ações preventivas e para a
qualidade, transformadas em parâmetros para a evolução do mercado
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
Os itens acima listados têm pesos distintos na avaliação total da
operadora, mas representam real possibilidade de redução dos volumes
de reservas técnicas obrigatórias. No item relativo às medidas de educação e prevenção, benefícios voltados para ampliação da qualidade de
185
Em síntese, há vetores originários na dinâmica do setor privado
(o aumento dos custos das operadoras) e na regulamentação governamental para a prevenção e promoção da saúde, que por sua vez,
dependem da coleta e sistematização das informações sobre a saúde
dos usuários. No campo da prevenção, há estímulos ao setor privado – dados pela regulamentação – para buscar indicadores de ações
preventivas e para buscar informações sobre o perfil de consumo de
medicamentos. Começar com o estudo dos usuários crônicos é um bom
começo; esses poderão ter melhor assistência, com adesão efetiva aos
tratamentos prescritos e, esperamos, com menor ocorrência de eventos
de agravo e de sinistralidade.
O estudo
O estudo foi conduzido analisando o consumo de anti-hipertensivos entre 42.145 usuários de três empresas localizadas nos estados de
São Paulo e Paraná, com políticas de subsídios em medicamentos que
variaram de 35% a 90% do preço de venda. A metodologia utilizada foi a
investigação direta do banco de dados de todos os registros de vendas
do ano de 2008; comparamos os resultados do número de usuários identificados, consumindo os produtos para hipertensão, com as estimativas
sobre os índices da prevalência de hipertensão arterial e a incidência de
eventos adversos. De acordo com nossos dados, usuários com maior nível de subsídio tendem a seguir mais corretamente as prescrições tera-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
vida dos usuários (RN 94/05), a ANS propõe a troca da prorrogação dos
prazos para a integralização da cobertura com ativos garantidores da provisão de risco, pela adoção de programas de promoção da saúde e prevenção de doenças pelas operadoras de planos de saúde. Além dessa
possibilidade, a Instrução Normativa 10/05 estabelece os critérios para a
avaliação dos programas de promoção da saúde e prevenção de doenças, propostos pelas operadoras de planos de saúde para a obtenção do
benefício descrito na RN 94/05 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
186
pêuticas e podem reduzir o risco de sinistralidade a partir da diminuição
potencial da exposição a riscos de agravamento do estado de saúde.
Os 42.145 usuários representavam a totalidade dos usuários
para os quais o benefício da assistência farmacêutica fora disponibilizado, cabendo a eles a utilização dentro do modo normal de operação desse tipo de benefício, não sendo executado nenhum estímulo ao
uso do benefício devido a pesquisa. Os usuários foram acompanhados
de acordo com as compras dos medicamentos adquiridos através do
sistema PBM. Todos os produtos são classificados de acordo com as
classes terapêuticas estabelecidas pela OMS (Organização Mundial
da Saúde), a ATC (anatomic, therapeutic, chemical classification); estabeleceu-se como indicador de um potencial marco de identificação as
classes terapêuticas que estariam diretamente ligadas a patologias que
poderiam indicar a formação de grupos de risco para doenças crônicas.
As doenças crônicas, quando bem monitoradas e controladas, podem
propiciar melhor qualidade de vida para o paciente e melhor gestão financeira para o patrocinador do benefício ou administrador de saúde. O
monitoramento dos crônicos também permite a análise da utilização dos
produtos com indicação terapêutica para hipertensão arterial, os quais
geraram os resultados deste trabalho.
Como pressuposto, assumimos que o mapeamento precoce de
usuários que poderão apresentar, no futuro (caso não estejam em pleno
controle de suas patologias), agravamento do estado de saúde e piora
dos índices de sinistralidade, pode representar uma economia real das
despesas oriundas de usuários não corretamente tratados, ou simplesmente com incapacidade de adesão ao tratamento prescrito.
A presença do medicamento, dependendo do caso específico, pode
ser considerada como terapia base para a manutenção do estado de saúde do paciente. Ribeiro (2005) indica a importância de se estabelecer políticas e formas de subsidiar ou reduzir os preços dos fármacos prescritos
para os casos de doença arterial coronariana, como forma de assegurar a
assistência ambulatorial desses pacientes crônicos.
O exemplo dos casos de doença arterial coronariana serve como
parâmetro para o estabelecimento de políticas de benefício de assis-
187
As políticas de benefício de assistência farmacêutica devem considerar esses quadros de potencial abandono de tratamento, casos
como os de hipertensão arterial, assintomáticos e incuráveis, em que
pacientes, quando não adequadamente tratados, podem gerar custos
administrativos adicionais, devido ao uso da estrutura de saúde e, portanto, apresentam-se com fortes candidatos a consumir os recursos
destinados à saúde. Kannel (1970), no The Framingham Study, estabeleceu as primeiras etapas do relacionamento entre hipertensão arterial e risco do infarto do miocárdio (IM) e doenças cardiovasculares.
As relações entre os níveis de morbidade-mortalidade motivados por
doença coronariana, agravada pela hipertensão arterial, além de serem
multifatoriais, oferecem grande risco para a população. Esses estudos
estabeleceram a relação das doenças coronarianas com a hipertensão,
e seus riscos serviram como base para o estabelecimento de novas
estratégias e terapêuticas capazes de prevenir os riscos inerentes ao
agravamento do estado de saúde.
Em nosso estudo, efetuamos a correlação entre os níveis de elevação da pressão arterial e o aumento do risco de doença isquêmica.
Para indivíduos entre 40 e 69 anos, pequenas elevações de 10 e 20
mmHg da pressão podem elevar o risco relacionado às doenças coronarianas e derrame cerebral. A correlação pretendida é o estabelecimento de práticas que minimizem a exposição da população assistida
sob a responsabilidade do administrador, a ponto de potencializar medidas que maximizem a utilização dos recursos.
De acordo com os indicadores de morbidade e fatores de risco
do IDB (2006), no relatório D.27, a taxa de prevalência de hipertensão
arterial apresenta os seguintes índices.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
tência farmacêutica, com foco em grupos que apresentem efetivo risco para a gestão, seja na qualidade de vida do beneficiário, seja no
quesito financeiro. Exemplos da importância de garantir o acesso aos
medicamentos, como forma de evitar a não-adesão, são encontrados
em estudos específicos para grupos de pacientes crônicos, indicando
como ausência de recursos financeiros um dos principais motivos de
abandono de tratamento (STEIN, 2001).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
188
Quadro I - Taxa de prevalência da hipertensão
arterial por faixa etária
Média das cidades
pesquisadas
Idade
Idade
40 a 59 anos
60 anos ou mais
30,93%
48,56%
Fonte: Ministério da Saúde/SVS e Instituto Nacional do Câncer (2009).
Portanto, de acordo com esses indicadores, para essas faixas etárias, é de se esperar que se encontre parcela de potenciais usuários considerados hipertensos. Ainda de acordo com as V Diretrizes Brasileiras
de Hipertensão Arterial, publicadas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (2007), existe a indicação de taxas de prevalência entre 22,3% e
43,9%, porém sem indicar as faixas etárias da população pesquisada.
Outro importante fator na avaliação de risco populacional, e consequentemente de sinistro, é a incidência de derrames cerebrais e doenças cardiovasculares em populações hipertensas. De acordo com o
HiperDia, sistema de cadastramento e acompanhamento de hipertensos
e diabéticos do Ministério da Saúde (MS, 2009), as doenças do aparelho circulatório representam um importante problema de saúde pública,
sendo, há algumas décadas, a primeira causa de morte no Brasil. Em
2000, corresponderam a mais de 27% do total de óbitos (DATASUS,
2008). A elevação da pressão arterial representa um fator de risco independente, linear e contínuo para doença cardiovascular (SBC, 2006).
A hipertensão arterial apresenta custos médicos e socioeconômicos elevados, decorrentes principalmente das suas complicações, tais
como doença cérebro-vascular, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, insuficiência renal crônica e doença vascular de extremidades. Ainda, de acordo com o HiperDia (2009), as taxas de coronariopatia e acidente vascular cerebral atingiram o índice de 10,03%, quando
pesquisados nas populações hipertensas:
A falta de avaliações sócio-financeiras sobre o custo da saúde é
189
Com essas considerações, construímos a proposta de modelagem de avaliação potencial de risco de não adesão ao tratamento nas
populações avaliadas. Quando organizamos indicadores de saúde na
forma de tabelas, propomo-nos avaliar os potenciais riscos de não adesão, e não apontar ações definitivas em uma área na qual a imprevisibilidade deve constar da construção dos cenários, quando da gestão de
saúde da população assistida.
A construção do modelo partiu dos fatores apresentados abaixo.
1 - Em uma população normal, estima-se a prevalência para hipertensão arterial por faixa etária de 40 a 59 anos em 30,93% e
acima de 60 anos em 48,56%, nas cidades pesquisadas.
2 - Em uma população normal, o custo da doença arterial coronária, não adequadamente tratada, tende a apresentar agravo no
estado de saúde e com isso representar um custo anual estimado
em R$ 9217,24 (RIBEIRO, 2005).
3 - Em uma população normal, a incidência desse agravo é estimada em 10,03% dos usuários não adequadamente tratados.
4 - Os investimentos em subsídios para a população assistida
variou de: empresa A, de 35% a 50% entre produtos de marca e
genéricos, respectivamente; empresa B, de 70% para produtos
de marca e genéricos; e empresa C, de 60% a 90% entre produtos de marca e genéricos, respectivamente.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
um fator prejudicial à evolução dos trabalhos de análise, principalmente
no quesito da prevalência de determinadas doenças. Porém, com base
nos estudos do Ministério da Saúde (2009), do HiperDia (2009) e dos
trabalhos de avaliação de impacto financeiro do agravamento de saúde
(RIBEIRO, 2005), pretende-se, nos casos do tratamento da hipertensão
arterial, avaliar a prevalência e o impacto das políticas de benefício de
assistência farmacêutica. Essas políticas podem ser analisadas sob a
forma de viabilizar a manutenção das terapias prescritas, por entender
que, nos casos do tratamento da hipertensão arterial, o tratamento farmacológico representa um importante fator de controle (MION, 2001).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
190
O enquadramento desses fatores permitiu avaliar o total de usuários identificados utilizando produtos para o tratamento da hipertensão
arterial contra a prevalência esperada na mesma população. Os resultados estão demonstrados no quadro a seguir.
Quadro II - Projeção do custo de ausência de
gerenciamento em HAS
Usuários idade > 39a
Empresa A
Empresa B
Empresa C
18.470
1.524
2.191
7.705 (42%)
465 (31%)
1.006 (46%)
7.115,71
414,78
921,72
1.029 (13%)
103(22%)
789(78%)
6.166,33
322,60
193,26
159,71
30,26
315,50
789,67
61,91
414,96
768,45
597,38
493,26
Nº de usuários em potencial
de risco para HAS
(prevalência por faixa etária,
nas cidades de origem)
Custo potencial anual
estimado do agravamento
do estado de saúde (R$ 000)
Usuários identificados com
aquisição de anti-hipertensivos (coorte)
Custo anual estimado para
usuários não identificados
(R$ 000)
Investimento em subsídios
na HAS (R$ 000)
Potencial economia com
medidas de gerenciamento
em subsídios (R$ 000)
Economia estimada por
usuário acompanhado (R$)
Fonte: pesquisa do autor
191
Quadro III - Usuários identificados
Subsídio oferecido (%)
Empresa A
Empresa B
Empresa C
Genéricos 50%
Marca - 35%
70% Linear
60 a 90% por
faixa salarial
Subsídio médio identificado (%)
Retorno estiVidas identi-
mado com o
ficadas (%)
uso do benefício (%)
37,9
13,4
20,2
70,0
22,2
49,2
88,6
78,4
80,6
Fonte: pesquisa do autor.
Os dados presentes no quadro sugerem o acompanhamento de
usuários dos sistemas de assistência farmacêutica, como forma de monitorar grupos que podem se transformar em custos elevados para os
gestores de saúde.
A validação de dados de risco potencial necessita de pesquisa específica para essa finalidade, indicando os valores de benefício que sugerem
a tendência de projeção de economia realizada. O papel dos medicamentos como redutores de sinistralidade não encontra estudos ambulatoriais
que ratifiquem os dados projetados da não-adesão aos tratamentos prescritos, principalmente por tratar-se de matéria complexa que visita, neces-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
A observação permitiu a avaliação de uma tendência de melhor
adesão na empresa C, que apresentou um índice de retorno potencial
sobre os recursos investidos no subsídio de medicamentos de 80,6%,
tendo como base de comparação as compras realizadas pelos usuários
monitorados, os quais atingiram 78,4% do total de usuários hipertensos
estimados pelo estudo (referência do índice de prevalência de hipertensão arterial na cidade de São Paulo (MS, 2009)). A empresa A e a empresa B atingiram, respectivamente, 13,4% e 22,2%. A correlação está
exposta no quadro a seguir e constroem o seguinte cenário.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
192
sariamente, outros parâmetros de avaliação que não apenas a capacidade de compra dos medicamentos prescritos pelo médico assistente.
A mortalidade cardiovascular, atribuída a HAS, corresponde a
quase 6% do total de mortes ocorridas no mundo atualmente (KEARNEY et al, 2005). Mesmo com índice elevado, o tratamento e o acompanhamento da HAS sofrem a interferência de vários fatores. Souza
(2006), ao acompanhar pacientes hipertensos, indica que fatores como
visita ao médico podem sofrer interrupções devido a falta de tempo,
entendimento por parte do paciente como ação desnecessária, dificuldades de locomoção e dificuldades financeiras. Assim, avaliações do
potencial de resultado esperado com iniciativas que coloquem no centro
da discussão a assistência farmacêutica podem não surtir o efeito desejado, por se tratar de ação multifatorial, e não simplesmente do acesso
ao tratamento prescrito.
A abordagem dos temas ligados a adesão ao tratamento se baseia no entendimento de que os usuários foram corretamente diagnosticados, e possuem prescrições adequadas para as patologias que apresentam. O controle de doenças, no foco estudado das doenças crônicas, deve abordar o tema do acesso em sua totalidade e complexidade.
A própria questão do acesso tende a apresentar outras facetas, como o
acesso logístico ao tratamento e a questão financeira, pois, dependendo
da patologia, o custo pode ser um impeditivo ao tratamento adequado.
A negligência do usuário quanto à saúde, a falta de informação
e também efeitos colaterais não reportados podem comprometer a
qualidade do tratamento. A observação no desenvolvimento do estudo das nuances apresentadas por cada empresa, e o comportamento relativo dos usuários ao utilizarem o benefício de medicamentos
propiciou referências que indicam um tipo de comportamento e um
potencial de ganho na gestão são merecedores de maior atenção.
Políticas de benefícios que permitam melhor adesão ao tratamento prescrito favorecem a identificação dos usuários portadores de
patologias crônicas. A análise dos resultados deve considerar o caráter
muitas vezes assintomático dos quadros de hipertensão arterial, fator
193
A identificação dos usuários do benefício da assistência farmacêutica pode também ser encarada como ferramenta de segmentação e
orientação aos usuários elegíveis ao benefício. Se por um lado estimase que a população em determinada faixa etária tende a ser usuário de
medicamentos para hipertensão arterial, não se deve descartar que o
fato da não identificação também permite uma ação direcionada para
aqueles usuários não identificados e potenciais portadores do perfil de
risco. Esse ângulo, que permite a segmentação, já exclui da amostra os
usuários identificados e direciona os esforços educacionais e de acompanhamento para aqueles não filtrados pela ação de acompanhamento.
Perfis de risco para doenças cardiovasculares tais como: idade, sexo,
etnia, fatores socioeconômicos, consumo de sal, obesidade, consumo de
álcool e sedentarismo (V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial), são
também importantes fatores a observar nos grupos de usuários estudados.
Esses fatores podem representar terapêuticas medicamentosas adicionais
que permitiriam, em análise conjunta, a indicação da presença, não apenas
de produtos com a indicação no tratamento da hipertensão arterial, mas
também o uso concomitante de produtos para o tratamento de outras patologias, como diabetes e dislipidemias, permitindo o estabelecimento de
níveis de risco dentro da população consumidora de medicamentos. Nesse
sentido, a definição dos perfis de análise dos usuários de produtos para a
hipertensão arterial representou apenas um ângulo possível de análise dos
consumidores de medicamentos. O risco inerente ao agravamento de cada
estado de saúde representa diretamente um novo custeio para o gestor.
O estabelecimento de riscos cruzados potencializa novos perfis
que devem ser pesquisados com o cuidado de se estabelecer uma perspectiva cuidadora dos usuários identificados. A validação da identificação de um fator que permita inserir meta de cobertura ainda será matéria
de estudos, pois não está bem explicado se os valores encontrados nos
42.145 usuários do benefício de medicamentos durante o ano de 2008
representam uma média setorial, e se os resultados encontrados entre
as empresa B e C, com elevados subsídios, podem ser considerados
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
potencializador do não tratamento de usuários, podendo manter os números de usuários identificados abaixo dos valores estimados de portadores de hipertensão arterial.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
194
melhores quanto ao número total de hipertensos estimados e encontrados. Como fato relevante deve ser considerado certa proporcionalidade
entre os valores de subsídios, vidas encontradas na estimativa e retorno
dos valores investidos. A falta de acesso aos valores reais de sinistro representa um desafio que, para o gestor com acesso direto aos dados de
consumo da infra-estrutura de saúde, significaria um passo importante,
quando possibilitada a comparação entre os dois fatores: consumo de
estrutura como consultas e internações, exames e procedimentos, e o
perfil de consumo dos usuários de risco.
A pesquisa buscou a indicação de metodologia e modelação para
auxiliar os gestores na análise e observação do impacto de políticas que
minimizem, ou permitam minimizar, o custo inerente a sinistralidade e, de
forma potencial, melhor qualidade de vida aos usuários dos planos de benefícios. A correlação entre empresas de perfis diferentes permitiu traçar uma
primeira análise e as particularidades dos grupos analisados deverão considerar possíveis particularidades existentes e objetivos claros na adoção de
estratégias de benefícios que compactuem com o estudo apresentado.
Limitações do estudo
Os dados utilizados neste estudo são provenientes de uma base
de compras dos medicamentos utilizada por três empresas com políticas de subsídios diferentes e com potenciais estímulos ao uso dos
serviços de PBM. A única forma de ter acesso ao subsídio fornecido
pelas empresas foi a utilização dos sistemas, portanto, ao não utilizar
os serviços da PBM, o usuário não teria o subsídio disponibilizado pela
empresa, constituindo, dessa forma, um importante direcionamento ao
usuário e um indicador de que as informações coletadas podem significar o comportamento dos usuários elegíveis ao programa. Dessa maneira, valores observados no passado servem apenas como indicadores
e na projeção de investimentos esses fatores devem ser considerados.
O custo do agravamento de saúde reportado tem como base o trabalho
apresentado em Ribeiro (2005), sendo necessária a atualização mo-
195
Conclusão
A gestão da informação de consumo de medicamentos apresentou-se como uma ferramenta de entendimento para o gestor de saúde,
por demonstrar a capacidade de potencializar a antecipação do conhecimento sobre os riscos de saúde que a população atendida pode apresentar. O conhecimento prévio dos grupos que podem ser considerados
como de risco indicou que ações de prevenção podem ser implantadas
de forma mais segmentada, atuando na população que necessita de
aproximação do agente gestor e o fomento de uma utilização medicamentosa adequada, racional. Pode, também, representar uma forma de
economia tangível na aplicação de políticas de subsídio ao potencializar
a supressão de eventos adversos.
A regulação no mercado de saúde suplementar não apresentou
uma política específica para a atuação dos agentes de saúde na questão dos medicamentos ambulatoriais. Ela propõe uma atuação voltada à prevenção, com medidas educacionais submetidas pelos próprios
agentes e não definidas pelo agente regulador.
De acordo com nosso estudo, o consumo de medicamentos não
define sozinho um controle adequado de usuários potencialmente críticos, como hipertensos, diabéticos ou dislipidêmicos, e não os define
como portadores dessas patologias, apenas indicam tendências que podem ser observadas com atenção. O uso concomitante de medicamentos com indicações para patologias crônicas também pode representar
um importante identificador do nível de risco potencial desses usuários.
Porém, como o estudo apresenta, informações adicionais devem ser coletadas para que uma análise conclusiva seja realizada sobre o perfil de
cada usuário inscrito nos programas de benefícios em medicamentos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
netária desses custos para que refletissem a realidade atual. Portanto,
os custos com agravamento de saúde devem também ser atualizados
continuamente, devido a potenciais introduções de novas tecnologias e
procedimentos, assuntos que não foram matéria deste estudo.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
196
A evolução da forma de gerir o benefício em medicamentos, de
um convênio farmacêutico para uma gestão integrada, como a proposta
apresentada pelas PBMs, pode representar um caminho para um entendimento detalhado do uso dos serviços de saúde. A associação das
informações da saúde suplementar, com a padronização da nomenclatura utilizada e centralizada no TISS, com a integração das informações
de consumo de medicamentos, separando as classes terapêuticas indicadas ao tratamento de patologias crônicas, pode também representar uma nova forma de antecipação dos riscos e sinistralidade para as
ações de prevenção. A identificação dos usuários crônicos encontrada
apresentou-se mais próxima das estimativas da prevalência esperada
na empresa com maior nível de subsídio, porém a realização de novos
estudos seria necessária para a confirmação desse indicador.
Índices de sinistralidade representam análises globais e financeiras, e atuam como fatores de reajustes de contratos. Eventos que possam ser precocemente identificados podem atuar como redutores desses
índices, fazendo com que a gestão da informação seja uma ferramenta
estratégica e importante no direcionamento dos negócios de saúde.
As informações de saúde circundam a esfera financeira, e a análise detalhada do uso da estrutura de saúde pode ser um fator para
melhor entendimento do perfil de saúde de grupos de usuários. O consumo de medicamentos pode antecipar essa visão, pois, ao atuar fora
do radar dos grandes sinistros, servem como uma novo indicador, contribuindo, assim, para o gerenciamento de saúde.
Os resultados encontrados nas empresas pesquisadas tendem a
direcionar as ações para categorias de usuários que podem representar um nível de sinistro elevado, usuários esses que, ao se analisarem
as várias categorias de medicamentos consumidos, revelam um perfil
de uso, algumas vezes, dentro do esperado, referenciando as medicações indicadas a cada patologia observada. Os subsídios aparentam
ser importantes ferramentas de gestão no uso de medicamentos, e o
percentual mais elevado, das empresas B e C, de acordo com os nossos dados, surte um maior efeito sobre os usuários na busca pelos medicamentos prescritos.
O estudo propôs uma metodologia de avaliação dos investimen-
197
Considerando os dados observados nesta pesquisa, possibilitar o
acesso aos medicamentos, por meio de gestão integrada da informação,
apresenta-se como uma medida viável de controle e conhecimento e que
pode oferecer resultados positivos aos que se propõem entender o papel
dos medicamentos como fatores de impacto na gestão de saúde.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
tos em subsídios de medicamentos, centralizou a análise em um grupo terapêutico específico, a hipertensão arterial, sendo possível uma
avaliação mais abrangente com outras classes terapêuticas. Possíveis
estudos vindouros, nesse sentido, deverão considerar os níveis de risco
apresentados por patologia, para que seja possível o estabelecimento de políticas de saúde direcionadas às necessidades de cada grupo
populacional, cabendo ao gestor de saúde definir o melhor escopo e o
nível de atenção farmacêutica dispensado aos usuários do benefício.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
198
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
200
201
José Antonio Diniz de Oliveira - Administrador, mestrando em
saúde pública na USP, ex-presidente da UNIDAS - União Nacional das
Instituições de Autogestão em Saúde, diretor da Gama Saúde.
Isabella Vasconcellos de Oliveira - Médica, mestre em ciências da saúde, gerente de produtos de saúde da Gama Saúde.
“Nossa ambição não é fazer negócios, mas amar a
Deus. Para amar a Deus é preciso viver. E para viver a
gente tem de equilibrar o orçamento”.
(Abade Dom Sebastião)
O dilema do financiamento da saúde não aflige somente o Brasil.
Trata-se de um fenômeno mundial, a preocupar sistemas públicos e privados de países ricos e pobres, desenvolvidos ou em desenvolvimento.
É um problema complexo, difícil e universal.
No Brasil, encontramos uma situação inusitada, quando o foco é o
sistema de financiamento da saúde, que nos diferencia dos demais paí-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
O modelo assistencial e o
financiamento da saúde no
Brasil
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
202
ses, pois a Constituição Federal assume que “a saúde é direito de todos
e dever do Estado...” (Art. 196) (BRASIL, 1988), mas também admite que
“a assistência à saúde é livre à iniciativa privada.” (Art. 199) (BRASIL,
1988). Não deixa de soar como paradoxo a assunção do dever como
estatal e a permissão para a exploração privada da atividade. É quase
que uma heresia essa admissão antecipada da incapacidade do primeiro; pior, é a confissão da necessidade de um outro sistema para servir
a determinada parcela da população que possa pagar por ele. Talvez
seja muito forte registrar como constatação o fato de que o próprio texto
constitucional oficializa a desigualdade do acesso à assistência à saúde
no Brasil, mas não há como não fazê-lo.
Ao analisarmos a questão do financiamento do sistema de saúde
brasileiro, observamos à primeira vista divergências importantes em relação a outros países. A porção pública do nosso sistema, por exemplo,
aplica recursos do PIB em percentual inferior ao investido pelos países
desenvolvidos, em especial os da Europa Ocidental e o Canadá (que de
fato assumem a saúde como dever do Estado, mas também reclamam,
de forma cada vez mais acentuada, do problema da alocação crescente
de recursos na rubrica da atenção à saúde). Se mesmo países desenvolvidos se ressentem desse problema, evidencia-se a necessidade de
estudar as causas e explicações do desequilíbrio, a partir da discussão
do modelo de assistência adotado, diretamente associado ao modelo de
financiamento, como buscaremos mostrar neste texto.
Ainda sobre a realidade do público e privado nos sistema de saúde do nosso País, importa destacar, a participação do setor público no
gasto nacional em saúde é de apenas 44% (UGÁ; SANTOS, 2005), ou
seja, com os outros 56% o setor privado atende apenas 25,5% (46,9
milhões) da população total (ANS, 2008), estimada em 183,9 milhões
de pessoas (IBGE, 2008), restando ao Estado a assistência aos demais 75,5% (137 milhões de pessoas). Apenas por esse comparativo
dos grandes números é possível detectar o motivo principal da diferença
dos problemas de cada um dos subsistemas. Mais, é possível entender
a razão da desigualdade resultante da alocação de recursos relativamente semelhantes para populações tão díspares.
203
Dos exemplos internacionais de financiamento à saúde, o modelo
dos Estados Unidos é reconhecidamente o mais perdulário e ineficaz,
consumindo aproximadamente US$ 6.000 per capita em 2004, e não por
isso apresentava excelência nos indicadores de saúde (OMS, 2008). À
exceção dos dois programas públicos, Medicare (voltado para pessoas
acima de 65 anos, de responsabilidade federal) e Medicaid (destinado
a pessoas portadoras de deficiências e àquelas situadas abaixo da linha da pobreza, assumido pelas unidades federativas americanas), o
financiamento do sistema de saúde dos EUA é basicamente privado.
Destaca-se a existência de 44 milhões de desassistidos, entre os quais
cerca de 11 milhões de crianças (população de imigrantes ou de pequenos empreendedores que não querem ou não podem adquirir um plano
privado de assistência à saúde).
Antes de buscar as causas de sistema tão dispendioso e pouco
eficaz, mencionamos outras informações que insinuam, inclusive, que os
gastos em saúde no país mais rico do mundo tendem ao infinito.
A inflação do setor médico da economia americana é substancialmente maior do que a inflação geral da economia. Nos Estados Unidos,
em 2003, a inflação da saúde alcançou 16%, contra uma inflação geral
de cerca de 2%. Em depoimento à Comissão de Orçamento da Câmara
dos Deputados americana, o ex-Presidente do Federal Reserve (Banco
Central dos EUA), Alan Greespan, ao mencionar que a seguridade social
e o Medicare consomem 7% do PIB norte-americano, defendeu o corte
em gasto social, já que as projeções apontam para um dispêndio de 12%
em 2030 (THE NEW YORK TIMES, 2004).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Seria possível supor, a partir dessa constatação que o setor privado, com muito mais recursos alocados per capita, fosse menos afetado
pelas dificuldades relativas ao financiamento. Não é isso que se verifica.
Muito pelo contrário, o setor é marcado por várias batalhas econômicas
entre operadoras, prestadores de serviços (em especial os profissionais
médicos e os hospitais) e entidades representativas de consumidores,
sob o olhar e a tentativa de arbítrio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O mote das batalhas é o mesmo, econômico, representado pela busca de maior participação no montante das receitas do setor.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
204
Ainda que sendo detentor de um PIB consideravelmente menor
do que o dos Estados Unidos, o modelo assistencial adotado pelo setor
privado no Brasil é decalcado do sistema privado norte-americano. O
mesmo modelo marcado pelo livre acesso aos serviços médicos, pelo
consumo pouco racional dos recursos, pela medicina marcadamente
exercida por especialistas e pela ênfase na tecnologia, entre outros aspectos, caracteriza o sistema brasileiro na sua porção privada. Mas o
fundamento comum principal entre as duas realidades é o fenômeno da
mercantilização da assistência à saúde, que distorce ainda mais esse
que já é considerado um mercado imperfeito.
Embora espelhado no modelo americano, que em termos de financiamento apresenta uma curva de gastos tendendo ao infinito, há
ainda agravantes importantes no sistema brasileiro, como é o caso da
dependência da importação tecnológica, que não se verifica nos países
desenvolvidos, como constata Maria Inês Azambuja (s/d):
“Os norte-americanos (e mais recentemente os europeus)
vêem o setor saúde como altamente lucrativo. Na verdade, ele é o maior empregador nos EUA, e gera riqueza
tanto como setor ‘serviços’ como, indiretamente, na produção e comercialização de insumos e produtos acabados da indústria de medicamentos e equipamentos (...)¨.
Em decorrência da atávica dependência de importação de tecnologia, esse aspecto positivo não se verifica no setor industrial da economia brasileira.
Registradas essas considerações sobre os subsistemas público
e privado, vamos a partir de agora ter como foco a análise do segmento
privado da assistência à saúde no Brasil. Avaliaremos aspectos inerentes ao modelo assistencial adotado e à forma de organização do sistema, que apontam para a falência do modelo de financiamento e para a
premente necessidade da construção de alternativa. Os fatores a seguir
analisados em subtítulos buscam demonstrar a ineficácia do sistema, a
provocar gastos crescentes e insuportáveis da assistência à saúde.
205
Embora a concepção de mercado perfeito resulte como teórica
nos estudos de macro e microeconomia, o mercado da saúde é apresentado como notadamente imperfeito por aspectos especiais, estudados pelo Aloísio Teixeira (reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro), mencionando Warren Greenberg, cita que:
“(...) embora o setor de assistência à saúde possa ter
características diferentes de outras indústrias, os princípios da oferta e da procura são tão aplicáveis a essa
indústria quanto às demais”.
(TEIXEIRA, s.d.)
Ainda em Aloísio Teixeira, citando Álvaro Hidalgo Veja e seus coautores, quanto às falhas desse mercado:
“(...) existência de processos com custos muito elevados e rendimentos crescentes a escala, impedindo
a determinação dos preços através de mecanismos
competitivos e gerando uma tendência a processos
de monopolização ou oligopolização; presença de fortes externalidades na provisão da assistência à saúde,
combinada com baixa consciência de seus benefícios
sociais; informação assimétrica entre médico e paciente, acarretando o surgimento de incerteza”.
(TEIXEIRA, s/d)
Esses aspectos sustentam a defesa da tese de que o mercado da
saúde não pode estar à mercê das práticas de livre mercado, e carece de
ter mecanismos de regulação pelo Estado ou pela sociedade. Há ainda,
outro componente para distorções na assistência à saúde, evidenciando
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Mercado imperfeito
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
206
da imperfeição do mercado: mercantilização de uma atividade voltada
para um bem não sempre tangível, como é a saúde.
Quando admitimos que um agente econômico obtenha resultados financeiros por intermédio da prestação da assistência à saúde,
não sempre os interesses do paciente determinarão o procedimento
adotado. Com certa frequência, o resultado almejado pelo agente econômico acaba prevalecendo sobre os interesses do paciente. É o caso
de uma internação hospitalar por vezes decidida em função de um leito
vago (e da necessidade de preenchê-lo para viabilizar economicamente
determinado empreendimento) e não motivada pelo quadro clínico do
paciente. “Se existe um leito hospitalar vazio, existe uma tendência a
preenchê-lo” (JEKEL, 2008).
Oferta, demanda e necessidade Em saúde
Mesmo imperfeito, o mercado de saúde também é regido por forças conceituadas na teoria econômica como oferta, demanda e necessidade. Colhemos, em exposição Gonzalo Vecina Neto, ex-Secretário de
Saúde do Município de São Paulo, exemplos do comportamento de tais
forças, quando aplicadas à área da saúde. O ideal seria que o sistema
de saúde atuasse na intersecção dessas três elipses, ou seja, havendo
necessidade, houvesse a correspondente oferta e a adequada demanda
por recursos assistenciais. Mas isso nem sempre ocorre.
Figura 1 - Oferta, demanda e necessidade
207
Por fim, deparamo-nos com a ocorrência na qual está presente a
oferta, ocorre a demanda, mas não existe a necessidade. É o pior dos
mundos, em especial para a economia da saúde e para a eficiência do
sistema. O exemplo antigo da amigdalectomia, que na década de 60 do
século passado foi realizada em larga escala, mesmo havendo indicação técnica do procedimento apenas para um percentual específico de
casos. O exemplo atual são as cirurgias cesareanas desnecessárias,
cujo percentual elevadíssimo tem ocupado com destaque a pauta de
debates da Agência Nacional de Saúde Suplementar. É inegável que
os partos cesáreos significaram um avanço importante da medicina. No
entanto, a técnica é empregada muitas vezes em função da agenda do
médico ou da disponibilidade do centro cirúrgico, do medo da dor do
parto e até pelas preferências astrológicas, em detrimento da observância do quadro clínico da paciente e do nascituro - que em última instância deveriam determinar a realização ou não do procedimento.
Oferta que determina a demanda
É reconhecida por quem atua na área a constatação de que em
saúde a oferta determina a demanda. A implantação não planejada de
novos serviços e equipamentos (sem a necessária e adequada análise mercadológica), por exemplo, provoca desequilíbrios importantes no
sistema de saúde. Dados apresentados por Adriano Londres, ex-presi-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Às vezes, ocorre a necessidade, existe a demanda, mas não existe a oferta. Um exemplo desse quadro grave é o transplante hepático,
causado principalmente pela carência de doadores de órgãos. Quadro
dramático: necessidade premente, demanda imediata e inexistência da
oferta. Em outros casos, encontra-se disponível a oferta, existe a necessidade, mas não ocorre a demanda. É o caso dos exames ginecológicos tipo Papanicolau. Embora sejam importantes como prevenção do
câncer do colo do útero, não sempre essa tecnologia é buscada pelas
mulheres. É nessa situação que se apresentam as oportunidades de
implantação de ações preventivas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
208
dente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Município do Rio de Janeiro (SINDHRIO) demonstram com muito realismo
esse fenômeno.
Segundo a SBHCI – Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e
Cardiologia Intervencionista (2003), dados citados por Londres no II
Congresso de Regulação e Auditoria em Saúde da UNIDAS – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (São Paulo, novembro
de 2003), de 1992 a 2003 o número de serviços de hemodinâmica saltou, no Rio de Janeiro, de 10 para 28 no setor privado. De acordo com
parâmetros da própria SBHCI, 1 serviço de hemodinâmica é suficiente
para o atendimento de 500.000 pessoas. Considerando a população beneficiária de planos privados no Rio de Janeiro, em torno de 4,8 milhões,
seriam portanto, suficientes dez serviços dessa especialização para
atendimento daquela população. A existência de quase o triplo de serviços acaba resultando em baixa rentabilidade, endividamento do setor
e, pior, a realização de procedimentos desnecessários, pressionadores
do custo assistencial. Esse mesmo raciocínio é válido para grande parte
dos outros serviços apoiados em equipamentos e tecnologias de ponta.
Os exemplos do comportamento da oferta, demanda e necessidade em saúde fazem parte de contexto de consumo não sempre criterioso
de aparatos tecnológicos e de serviços médicos, que mal dão resposta
aos episódios de doença e muito menos promovem a saúde da população, mas têm impactos importantes nos custos assistenciais.
Ausência de controle da introdução
de novas tecnologias
Diferente de outros países, o Brasil não possui uma agência que
controle a introdução de novas tecnologias em saúde. Nos países desenvolvidos, as agências internacionais (como a NCCHTA – National
Coordinating Centre for Health Technology Assessment, na Inglaterra,
209
Outra agência de destaque é a CADTH - Canadian Agency for
Drugs and Technology in Health. A agência canadense assume como
pressuposto de sua atuação que a
“avaliação tecnológica em saúde é a avaliação das tecnologias médicas – incluindo procedimentos, equipamentos e drogas. Uma avaliação requer uma abordagem interdisciplinar que abrange análises de segurança,
custos, efetividade, eficácia, ética e medidas de qualidade de vida”.
No Brasil, em que pese os esforços da ANVISA para analisar tecnicamente os novos insumos de sua responsabilidade, a avaliação do
custo-efetividade e da capacidade econômica de absorção pela economia do país não é realizada.
Outros aspectos orientam a avaliação das agências internacionais, tais como o custo-utilidade (cost-utility analysis) e o custo benefício
(cost-benefit analysis), mas desponta como mais importante a análise do
custo-eficácia (cost-effectiveness analysis), uma técnica de análise econômica que compara diferentes serviços médicos em termos de quantas
vidas são salvas, ou em que proporção a qualidade de vida foi incrementada. A análise converte os efeitos em medidas de cuidados à saúde e
descreve os custos para algum ganho adicional em saúde com mesmo
desfecho clínico (por exemplo, custo pela prevenção adicional de cada
acidente vascular cerebral). O resultado de avaliação de custo-efetividade é apresentado em termos de proporção (ratio), demonstrada em anos
de vida ganhos ou qualidade de anos de vida ajustados (QALY).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
por sua vez, parte da INAHTA – International Network of Agencies for
Health Technology Assessment, reunindo 47 agências de 23 países)
realizam avaliação técnica dos novos insumos tecnológicos e de seus
efeitos sobre o ser humano e análise da relação custo-efetividade do
equipamento, procedimento ou medicamento. Mensuram o benefício
proporcional das novas tecnologias, avaliando ainda a capacidade econômica do país para assimilar novos custos, antes de liberar a sua utilização pelo mercado.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
210
A medicina é das poucas áreas (senão a única) na qual o avanço
tecnológico não reduz custo, produzindo o fenômeno da acumulação tecnológica: uma nova tecnologia não substitui a antiga. Não é incomum a utilização de recursos sofisticados na busca de diagnóstico que poderiam ser
realizados por meio da tecnologia precedente mais simples.
Em 1994, Rettig descreveu a maneira pela qual a tecnologia afetava os custos em saúde. Os mecanismos descritos compreendiam o
desenvolvimento de: (1) novos tratamentos para patologias anteriormente consideradas terminais ou incuráveis (como AIDS e insuficiência renal
crônica); (2) novos tratamentos para patologias agudas (ex. angioplastias
e revascularização do miocárdio); (3) novos procedimentos para descoberta e tratamento de patologias secundárias a uma patologia principal
(ex. eritropoetina para o tratamento da anemia em pacientes submetidos
à diálise); (4) ampliação de indicações de uma tecnologia para outras
patologias (ex. laser desenvolvido para aplicações em oftalmologia e
dermatologia, utilizado em gastroenterologia, ginecologia e outras especialidades) (RETTIG, 1994).
A aberração maior, no entanto, no capítulo das novas tecnologias,
é o uso perdulário e acrítico dos recursos, fenômeno comprometedor
das finanças do sistema, associado à negligência quanto a integridade
física do paciente. Os procedimentos, muitas vezes, são prescritos a
partir do assédio permanente da indústria produtora de tecnologia sobre
os profissionais de saúde, ferindo, no mínimo, a ética médica e não raro,
configurando relação promíscua entre indústria e prestadores de serviços. Nesse contexto, não é o quadro clínico do paciente que determina
o procedimento adotado.
A Avaliação Tecnológica em Saúde (ATS), ainda não institucionalizada em nosso país, pode ser utilizada com a finalidade de promover
acesso a tecnologias seguras, eficazes e custo-eficácia, ou com o intuito de desencorajar o acesso a tecnologias indesejáveis (GOODMAN,
1998).
Em 1998, o economista em saúde Michael Chernew, professor da
Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, publicou estudo concluindo após uma revisão das evidências que causam o crescimento
211
“Não é o aumento das utilizações, não são as fraudes, não é o fortalecimento das regulamentações, não
é o envelhecimento da população – tudo isso contribui,
mas o fator predominante para o aumento dos custos
é o desenvolvimento e a utilização de novas tecnologias”.
(CHERNEW, 1998)
Em 2001, Cutler e Mac Clellan descreveram o fenômeno da expansão terapêutica, segundo o qual uma nova tecnologia em saúde, que
teoricamente reduziria o custo unitário ou o desconforto do paciente, acabaria por induzir ou estimular maior taxa de utilização (CUTLER; MAC
CLELLAN, 2008). O exemplo mais conhecido é o das cirurgias minimamente invasivas, mais especificamente as colecistectomias videolaparoscópicas. Elas reduziriam 25% nos custos unitários (principalmente pelo
menor tempo de permanência hospitalar). Porém, sua introdução aumentou os custos agregados (materiais especiais) e a taxa de utilização (nos
EUA, houve aumento de 60% no número de procedimentos realizados)
(LEGURRETA, 1993).
É inegável a importância do surgimento de novas tecnologias, em
todas as suas formas. A longevidade e a melhor qualidade de vida da
população são influenciadas em alto grau pelas novidades científicas.
Mas não há como negar também que é preciso saber decidir por quais
práticas incorporar, elegendo aquelas que de fato tragam benefício à
saúde das pessoas e que encerrem uma avaliação custo-efetiva positiva para o sistema.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
acelerado dos custos em saúde, que a maior causa desse crescimento
são as novas tecnologias:
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
212
Envelhecimento da população
O processo de envelhecimento populacional resulta do declínio
da fecundidade combinado com o aumento da longevidade. Iniciado no
final do século XIX em alguns países da Europa ocidental, no Brasil, o
fenômeno adquire maior expressão a partir do final dos anos 60, com
acentuada queda da fecundidade, resultando no célere envelhecimento
da população.
“De se destacar que os países da Europa vivenciaram
lentamente o processo de envelhecimento de sua população. Há quem afirme que a Europa enriqueceu para
depois envelhecer, enquanto o Brasil está envelhecendo tão rápido que não terá tempo de melhorar a sua
condição econômica” .
(KANAMURA, 2003)
O quadro 1 demonstra o comportamento da taxa de fecundidade
na Inglaterra e no Brasil.
Quadro 1 - Taxas de fecundidade na Inglaterra e Brasil
213
Nos próximos 20 anos, a população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30 milhões de pessoas e deverá representar quase 13% da população ao final desse período. Em 2000, segundo o censo, a população de 60
anos ou mais de idade era de 14.536.029 pessoas, contra 10.722.705 em
1991. O peso relativo da população idosa no início da década representava 7,3%, enquanto, em 2000, essa proporção atingia 8,6%.
A proporção de idosos vem crescendo mais rapidamente que a
proporção de crianças. Em 1980, existiam cerca de 16 idosos para cada
100 crianças; em 2000, essa relação praticamente dobrou, passando para
quase 30 idosos por 100 crianças. A queda da taxa de fecundidade ainda
é a principal responsável pela redução do número de crianças, mas a longevidade vem contribuindo progressivamente para o aumento de idosos
na população. Um exemplo é o grupo das pessoas de 75 anos ou mais de
idade que teve o maior crescimento relativo (49,3%) nos últimos dez anos,
em relação ao total da população idosa.
O envelhecimento da população significa uma conquista para a humanidade, mas representa um grande peso para o sistema de saúde. A
mesma motivação que se observa para resolver o problema do sistema
previdenciário, objeto de mobilização do Executivo, Legislativo, Judiciário
e da sociedade não se verifica com relação à assistência à saúde, embora
esta seja tão ou mais afetada pelo fenômeno.
A proporção da população mais idosa, ou seja, a de 80 anos e
mais, também está aumentando, alterando a composição etária dentro
do próprio grupo, isto é, a população já considerada idosa também está
envelhecendo. Esse tem sido o segmento populacional que mais cresce, embora ainda apresente um contingente pequeno no Brasil.
A qualidade de vida ou sobrevida dos idosos, em termos de saúde, é tema muito presente nos estudos de gerontologia. Existem do-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Em 1950, a proporção de idosos acima de 65 anos era de 2,4%
enquanto a de jovens abaixo de 15 anos era de 41,8%. Em 2000, os idosos representavam 5,4% e os jovens 28,6%. Atualmente, a população de
idosos representa um contingente de quase 15 milhões de pessoas com
60 anos ou mais de idade (8,6% da população brasileira).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
214
enças crônicas que, antes de representar um risco de vida, constituem
uma ameaça à autonomia e independência do idoso. Estudos epidemiológicos da OMS, em 1984, estimavam que 75% dos indivíduos que
sobrevivem aos 70 anos, cerca de um terço deles serão portadores
de doenças crônicas e pelo menos 20% terão algum grau de incapacidade associada. A população idosa acometida de doenças crônicas
e degenerativas, a demandar tratamento e tecnologias cada vez mais
onerosos é uma combinação explosiva para o segmento da saúde,
pressionando de forma significativa os custos assistenciais.
É possível imaginar que em 30 ou 40 anos um país sem meninos, mas “velhinhos de rua”, como consequência da impossibilidade ou
vontade das famílias para cuidar de seu idosos e da incapacidade do
Estado para tratar deles.
Além dos aspectos até então analisados, outros fatores tornam
complexa a equação do financiamento da saúde em nosso país, como
é o caso da acumulação epidemiológica (doenças infecto-contagiosas,
já eliminadas em países desenvolvidos, como a reemergência da tuberculose, dengue e mais recentemente da febre amarela, convivendo
com as doenças crônico-degenerativas e emergentes como a AIDS). Na
mesma linha, a formação do médico, principal demandador dos recursos
disponíveis, a medicalização da sociedade (que abdica do auto-cuidado
e “terceiriza” aos aparatos médicos a responsabilidade sobre a própria
condição de saúde) e a cultura do paciente, presa fácil do marketing das
novas tecnologias, igualmente constituem em fenômenos merecedores
de estudado. Ainda, o pagamento por procedimento (fee-for-service) e
a pouca valorização do trabalho médico (ensejam desvios de conduta e
formas artificiais e não sempre éticas de remuneração por fontes indevidas) e os produtores de tecnologias.
Para buscar superar as dificuldades desse quadro complexo e
responder ao desafio de oferecer assistência à saúde com qualidade,
a um custo que a sociedade possa pagar, defendemos a mudança do
modelo assistencial.
215
Adequar oferta, necessidade e demanda em saúde é o pressuposto norteador da concepção de um modelo assistencial mais eficaz e
eficiente. O modelo pede investimentos em elementos estruturantes do
sistema (hierarquia do acesso e referenciamento da rede), em programas preventivos, em educação técnica da equipe e educação em saúde
dos usuários do sistema.
1 - Hierarquia do acesso. Para substituir o laissez-faire característico da relação usuário-prestador de serviço, no qual o acesso
aos recursos ocorre desorganizadamente (diretamente a médicos
especialistas ou a pronto-atendimento dos hospitais), é preciso
investir em serviços próprios compostos por equipe multidisciplinar e profissionais médicos generalistas.
Os serviços devem oferecer atendimento caracterizado por elementos qualitativos fundamentais: acolhimento, vínculo, responsabilização e resolutividade. Investindo em profissionais médicos
que dêem um passo atrás e enxerguem o paciente e não apenas
a sua porção doente; que passem a conhecer e acompanhar o
histórico de vida e de saúde do paciente e que tenham condições
de dar resposta a um percentual significativo de seus episódios
de doença. A abordagem multidisciplinar (enfermagem, psicologia, assistência social e nutrição) é suporte complementar de importância crucial, para auxiliar na análise das várias dimensões
de vida das pessoas, peculiar à formação técnica de cada uma
dessas categorias profissionais.
Tal organização evita a ocorrência da triagem leiga (uma dor de
cabeça que sugestiona as pessoas a buscar um neurologista não
é exemplo incomum) e à farta realização de exames desnecessários. De uma maneira geral, a formação médica no modelo flexneriano, que dá prioridade à formação do especialista em detrimento
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Desafio: mudança do modelo
assistencial
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
216
da abordagem integral do indivíduo, trouxe a prática, não sempre
eficaz, da busca do diagnóstico por descarte de hipóteses (comumente apoiada em recursos tecnológicos), ao invés da investigação diagnóstica a partir do histórico de vida do paciente.
Quando houver a necessidade de acesso ao médico especialista,
será a partir da orientação do médico de família ou clínico geral,
referência principal do paciente até o restabelecimento de sua
condição de saúde. Daí a necessidade, também, de rede referenciada de atendimento secundário (especialidades médicas) e
terciário (hospitais e serviços especializados de maior complexidade).
2 - Rede referenciada. Diferente do apregoado pelos defensores do
credenciamento universal, propomos uma rede referenciada de especialistas, que jamais deixarão de ter papel de significativa importância nos modelos assistenciais. Ocorre que, no Brasil, em 2009,
há um número excessivamente elevado desses profissionais, mal
formados, desatualizados, atuando individualmente e desconectados de um projeto assistencial. Não promovem a saúde e mal conseguem dar resposta a episódios de doença. É preciso identificar
entre tantos aqueles profissionais com excelência técnica e comprometidos com o sistema de saúde, e que aceitem atuar dentro de
uma nova lógica, em conjunto com os médicos generalistas. Desses profissionais também espera-se que sejam acolhedores, que
estabeleçam vínculo, responsabilizem-se pelos pacientes e tenham
capacidade de resposta aos problemas.
Um novo compromisso deve ser pactuado com os profissionais
escolhidos, que passariam a receber a demanda dos serviços
próprios e que seriam merecedores de uma remuneração diferenciada. Esse novo contrato elaborado sob o pressuposto da
confiança, não mais se estruturaria apenas em controles, seja
através de pré-autorizações ou de auditorias em todas as suas
formas. O gestor do sistema teria a convicção de que os recursos buscados, tanto pelos generalistas como pelos especialistas,
seriam de fato necessários ao tratamento, pois amparados por
217
A tecnologia custo-eficaz estaria disponível para os tratamentos,
mas seriam acessadas com racionalidade técnica e preocupação
econômica, pautadas pela consciência e responsabilidade com o
financiamento do sistema e pela preocupação adicional com efeitos iatrogênicos das novas tecnologias (aspecto tão importante e
que pouca atenção tem merecido em nosso sistema de saúde). O
mesmo compromisso se esperaria dos serviços hospitalares, de
atenção domiciliar e de outras formas de terapias coadjuvantes.
3 - Programas preventivos. Para responder às necessidades da
melhor alocação possível dos recursos, afinal sempre finitos, e da
obtenção do financiamento do sistema suportável pela sociedade que a mantém, não há como negligenciar com a atenção aos
maiores utilizadores dos recursos médicos disponíveis.
Puristas recebem com má vontade a defesa desta ideia, taxando
como inadequadas as ferramentas de case management (voltados a pacientes crônicos), disease management (cujo foco são
os pacientes, de acordo com suas doenças) e do managed care
americano. Condenam os programas verticais voltados a grupos
por patologia, por exemplo, preferem as ações universais que
não classifiquem o indivíduo de acordo com seu quadro e grau de
morbidade. Julgamos essa posição pouco defensável, pois não
dá resposta à necessidade de contenção da escalada do custo
assistencial.
Em dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Kanamura (2005) demonstrou que 1% do universo da população estudada, de um plano de
autogestão, consumiu 36,2% de toda a despesa do plano no ano
de 2002. Identificar os maiores beneficiários e desenhar ações
de cuidado à saúde para essa população não apenas significa
a assunção da responsabilidade sobre o financiamento do empreendimento, mas materializa a necessidade de atender quem
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
diretrizes clínicas consensuais e pela boa técnica da medicina
baseada em evidência, entre outras ferramentas para a atuação
segura e eficaz dos médicos.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
218
precisa de mais atenção. Isto jamais deixará de ser um objetivo
dos mais legítimos.
Daí a necessidade do desenvolvimento de programas para atuar
nos três níveis da prevenção: primário, secundário e terciário. No
primeiro, para evitar que as doenças se instalem; no segundo,
para que eventual desequilíbrio identificado não se transforme
em patologia; e no terceiro para evitar complicações do quadro
clínico daqueles já acometidos por doenças. A utilização de protocolos e de técnicas adequadas para a eliminação de fatores de
risco (individual, social ou ambiental) beneficiará a um só tempo
os indivíduos, a economia e os interesses coletivos do sistema.
A epidemiologia aplicada será um recurso poderoso a auxiliar no
cumprimento desse desafio.
4 - Educação técnica continuada. Um dos grandes dilemas atuais,
fator de sucesso para o modelo que defendemos, é dotar os profissionais de saúde, especialmente os médicos, de atualização técnica
permanente, para que de fato tenham capacidade resolutiva. Para
valorizar o generalista, antes é preciso ajudar a formá-lo, responsabilidade não apenas da academia ou do Estado, mas também das empresas e entidades do setor privado. No entanto, como fazer frente
à verdadeira explosão de informações, disseminadas com facilidade
jamais vista pela rede mundial de comunicação? Mais do que isso,
como saber selecionar as melhores fontes acadêmicas, em especial
no ambiente no qual os produtores de tecnologia são os principais
financiadores das pesquisas no campo médico e científico?
Em dissertação de mestrado defendida na Universidade de Brasília
(UNB), Oscar César Brandão (2004), propõe como resposta à necessidade de atualização do conhecimento médico: (1) utilização do
ferramental da ciência da informação já utilizado pelos países desenvolvidos, via web, a partir de estruturas inteligentes de suporte,
(2) utilização de profissionais da ciência da informação estruturados
em rede de computadores e de profissionais e serviços digitais de
referência.
Brandão evoca, na epígrafe de seu trabalho, citação instigante de
219
Para mostrar que não é tão simplista a adoção de ferramentas
tecnológicas como resposta ao desafio de atualizar conhecimentos, não menos interessante é o artigo publicado por Jérome
Bindé e Joseph Goux no Jornal Folha de São Paulo, edição de
18.11.2003, do qual extraímos as seguintes reflexões:
“Para que memorizar, se máquinas podem fazê-lo melhor
e mais rapidamente do que nós? De que adianta conhecer um teorema ou uma receita, se podemos acessá-los
facilmente na web?... Mas será que devemos concluir
que a sociedade da informação conduz a uma sociedade caracterizada pela amnésia e ignorância? Não. A
pergunta ‘quem sabe?’ só terá perdido a relevância se
confundirmos informação com conhecimento”.
(BINDÉ; GOUX, 2003:3)
Os autores continuam:
“O conhecimento inclui dimensões sociais, éticas e políticas que não podem ser reduzidas à tecnologia. Uma
sociedade que fosse exclusivamente de informação seria um conjunto de enormes redes interligadas, eficazes
e ágeis, mas que não iria produzir inovações (...). Sem
o intercâmbio do conhecimento não podem existir avanços econômicos, científicos ou políticos de monta em
nível local, regional ou global. A partilha equitativa do
conhecimento será a origem da riqueza do amanhã”.
(BINDÉ; GOUX, 2003:3)
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Gaston Bachelard, extraída de sua obra La formacion de l’esprit
scientifique: “Face au réel, ce qu´on croit savoir clairment offusque ce qu´on devrait savoir (...)”. Em tradução livre, “o que acreditamos saber, claramente ofusca o que deveríamos saber”.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
220
Simples ou não o encontro de uma solução, o desafio da atualização do conhecimento, que assume proporções superlativas
quando tratamos da ciência médica, deve merecer prioridade da
pauta dos temas que estruturam um modelo eficaz de assistência à saúde. As mais de cem diretrizes médicas desenvolvidas
pelas sociedades de especialidades, sob coordenação da Associação Médica Brasileira (AMB), são um início promissor. Resta
assumi-las como importantes pelos profissionais e entidades de
assistência à saúde e definir estratégias de disseminação de sua
utilização.
5 - Educação em saúde. Os usuários do sistema privado de atenção à saúde são presas fáceis das ações de marketing do setor.
Além da “terceirização” do próprio cuidado, como mencionado,
há uma crença acrítica na medicina apoiada em tecnologia, resultado da propaganda agressiva, não apenas dos produtores de
tecnologia, mas também de operadoras de planos, que não raro
associam proteção à saúde com hospitais de grife, acesso a exames high tech e serviços de transporte aéreo dotados de unidade
de terapia intensiva.
O resultado é que os pacientes não se sentem consultados quando o médico não solicita um exame ou não prescreve um medicamento. Bernard Lown (1998), cardiologista americano, em seu
livro “A arte perdida de curar” descreve o fenômeno infelizmente
tão comum:
“Sinto-me por vezes desanimado quando vejo que, após
investir muito tempo na coleta de detalhada história médica que me diz exatamente o que há, o paciente se
mostra incrédulo. Mas, quando o levo para minha sala
de exames, onde tenho a um canto um antiquado fluoroscópio com intensificador de imagens, máquina cujo
painel de instrumentos se assemelha ao de um avião, o
paciente fica impressionado e posso imaginá-lo dizendo
com seus botões: ‘Ah, que bom estar num consultório
221
(LOW, 1998: 95)
Essa cultura só poderá ser mudada por intermédio de ações de
educação em saúde, como os programas de promoção da saúde, evidenciando a importância do auto-cuidado e incutindo nas pessoas a
ideia de que são as primeiras responsáveis pela manutenção de uma
vida saudável. Investindo em educação poderemos despertar a crítica
e a consciência para o real significado da atenção à saúde, o que inclui
alertas às iatrogenias provocadas por ações e aparatos médicos, supostamente inofensivos.
Reflexões finais
Buscamos avaliar aspectos do setor privado da assistência à saúde derivado de modelo assistencial que consideramos falido, tendo em
vista os gastos insuportavelmente crescentes e consequente impossibilidade de financiamento.
Em nosso entendimento, não há estratégia que dê conta do modelo atual, injusto na alocação dos insumos médicos, desigual no acesso, perdulário na utilização dos recursos e pouco efetivo na gestão, no
custo e na qualidade. Além disso, aprofunda as desigualdades já presentes no setor privado, assumindo proporções inaceitáveis quando o
foco é o setor público.
Enquanto um novo modelo e novas estratégias assistenciais não
forem adotadas, o sistema atual continuará patrocinando um cenário
de desentendimento, no qual todos os atores continuarão insatisfeitos
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
tão bem equipado’. Ou talvez: ‘O doutor vai usar comigo essa máquina maravilhosa?’ A fé pueril na magia da
tecnologia é uma das razões pelas quais o público vem
tolerando a desumanização da medicina”.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
222
e colecionando perdas. Não há como ser outro o resultado de curto
prazo: menor número de operadoras atuando, de oferta de leitos e de
menos beneficiários assistidos pelo setor suplementar; mais médicos
sub-remunerados e mais brasileiros dependentes do Sistema Único de
Saúde.
Com essas considerações, enfim, quisemos fazer ver que o financiamento da assistência à saúde é razão direta do modelo assistencial
adotado, que deve ser estruturado a partir da regulação entre oferta,
demanda e necessidade, unindo o melhor dos dois mundos: melhorar a
qualidade da assistência a um custo que a sociedade possa pagar.
223
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225
Gabriela Tannus Branco de Araújo - Economista, mestre em
ciências da saúde, diretora da Axia.Bio Consultoria.
Marcelo Cunio Machado Fonseca - Médico, mestre em economia e gestão da saúde, professor da UNIFESP, diretor-médico da Axia.
Bio Consultoria.
O envelhecimento da população e o contínuo desenvolvimento
de novas tecnologias, que por sua vez aumentam o número de pessoas
com vidas mais duradouras e de melhor qualidade, geram incremento
no consumo de recursos dos sistemas de saúde, aumentando os gastos. Este último ocorre não só pelo aumento da utilização de tecnologias
novas ou já estabelecidas, mas também pelo aumento dos preços das
novas tecnologias.
Surge, então, uma pergunta fundamental: o quanto estamos dispostos a investir para melhorar a quantidade e a qualidade de nossas
vidas? Não se trata de pergunta apenas de cunho pessoal, mas principalmente, institucional, tanto para instituições governamentais quanto
para privadas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Reembolso condicional e
compartilhamento de risco
(risk sharing) na adoção de
novas tecnologias em saúde
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
226
Embora haja evidências de que o aumento da utilização do sistema de saúde seja o principal direcionador dos custos – principalmente
no que concerne ao uso de medicamentos (UNITED KINGDOM OFFICE OF FAIR TRADING, 2009; DUBOIS at al, 2000; COOK at al, 2008)
– grande foco é dado ao preço das novas tecnologias.
Para chegar ao mercado, uma nova tecnologia passa por um longo, rigoroso e caro processo de aprovação (que inclui o desenvolvimento de evidências clínicas) e ainda assim, há um alto grau de incerteza
sobre as características da nova tecnologia. A pergunta persistente é
se essa tecnologia se comportará, no mercado, na vida real, como nos
estudos clínicos. Há tempos, os economistas reconhecem, as tecnologias médicas, por exemplo, as drogas, são bens experimentais, ou
seja, o efeito no indivíduo ou em uma população específica pode ser de
previsão (COOK, 2008; ARROW, 1963). Assim, a demanda por novas
tecnologias médicas, a incerteza inerente à efetividade e a capacidade
de pagar leva a enorme pressão de custo na maior parte das instituições
governamentais e privadas ao redor do mundo, inclusive do Brasil. A
resposta à pressão de custo tem privilegiado alguma forma de alteração
ou contenção de custos, ou a eficiência do sistema de saúde.
Mecanismos puros de controle de custos incluem descontos forçados e referenciamento de preços, ambos já conhecidos em nosso
mercado de saúde. Medidas de eficiência incluem o estabelecimento
de barreiras maiores para a demonstração do valor terapêutico adicional – incluindo-se a necessidade de evidências farmaco-econômicas
— bem como diretrizes de tratamento crescentemente especificas para
orientar os médicos nas alternativas mais custo-efetivas, para pacientes
específicos.
As avaliações farmaco-econômicas em saúde podem tanto conduzir à aceitação ou à recusa do reembolso ou cobertura da nova tecnologia, porém mais frequentemente resultam em aceitação com restrição
de acesso, por exemplo, uso somente como terceira linha de tratamento,
somente pacientes positivos ao teste de determinado biomarcador, etc.
As avaliações, além dos critérios farmaco-econômicos, geralmente estão embasadas nos resultados de eficácia das tecnologias em estudo e também objetivam gerenciar os custos e incertezas associados
227
Os consensos requerem comumente, além da revisão sistemática
da literatura, uma análise de custo-efetividade e de impacto orçamentário (ZARIC at al, 2009). Como já nos referimos, a futura efetividade e
demanda da nova tecnologia apresentam certa dificuldade de previsão
no momento da decisão sobre a incorporação da mesma no mercado,
assim as previsões de custo-efetividade e impacto orçamentário podem
não permanecerem as mesma (UNITED KINGDOM OFFICE OF FAIR
TRADING, 2009), exigindo atualização constante.
Nesse contexto de gerenciamento dos custos da inovação, em
2004, surge na Inglaterra a proposta de um sistema de reembolso condicional ou compartilhamento de risco (risk-sharing) (OFT, 2004). Em
ambas as modalidades, o objetivo é fazer com que a nova tecnologia
fique disponível aos pacientes ao mesmo tempo em que a fonte pagadora tenha uma redução temporária de risco ao adotá-la. Nos acordos
feitos entre fabricantes e fontes pagadoras, por um determinado período, a nova tecnologia é incorporada no sistema, podendo posteriormente ser mantida ou retirada.
No sistema de reembolso condicional, o produto é reembolsado
somente na condição em que dados adicionais sejam coletados após o
lançamento da tecnologia no mercado. Caso não ocorra, os parâmetros
de efetividade e custos associados não se comprovem similares aos
dados de eficácia e custos projetados anteriormente ao lançamento, a
tecnologia poderá ter seu preço reduzido ou até mesmo ser retirada do
sistema de reembolso.
No compartilhamento de risco (risk-sharing) o nível final de reembolso é baseado no desempenho da nova tecnologia, de acordo com
critérios pré-estabelecidos em contrato entre o fabricante e a fonte pagadora. O desemepnho da tecnologia pode ser determinado por diversos parâmetros, estabelecidos em comum acordo entre as partes. Um
dos exemplos de compartilhamento de risco mais comentado, por ser
um dos primeiros, é o do bortezomib como monoterapia do mieloma
múltiplo, no Reino Unido.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
às tecnologias em saúde. Muitas fontes pagadoras têm adotado e/ou
desenvolvido consensos, diretrizes, determinando qual, em quais condições e a quais custos as tecnologias podem ser utilizadas.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
228
Em 2007, durante a fase de avaliação da droga pelo National Institute of Clinical Excelence (NICE), um acordo no qual o fabricante garantia
um desfecho específico foi firmado por meio da mensuração de um biomarcador tumoral específico (proteína monoclonal ou proteína M) após
quatro ciclos de tratamento (NICE, 2009). Da mesma forma, o sistema
de saúde inglês deveria assegurar, todo paciente que já realizou pelo
menos uma terapia anterior, esteja em recidiva e recebeu ou é candidato
a transplante de medula óssea, tenha acesso a droga (NICE, 2009). O
fabricante deve reembolsar ao sistema de saúde o custo de tratamento
para os pacientes que não responderem ou tiverem uma resposta parcial, segundo o desfecho específico estabelecido entre ambos.
A apresentação deste caso pode provocar duas reações antagônicas: empolgação e temor. Empolgação por apresentar a possibilidade de um meio termo entre fabricantes e fontes pagadoras, no qual
são estabelecidos parâmetros de avaliação em comum acordo e a nova
tecnologia de saúde terá a oportunidade de mostrar suas qualidades.
Temor por haver a possibilidade da descontinuidade de tecnologias ou
não introdução de novas, caso não haja um acordo entre as partes e,
assim, pacientes elegíveis para tratamento e com grande possibilidade
de se beneficiar seriam prejudicados.
Outros exemplos de compartilhamento de risco também advindos
do Reino Unido, abaixo descritos.
– Ranibizumab para degeneração macular (NICE, 2008) – se o
paciente precisar de mais de 14 injeções no olho em tratamento,
fabricante cobre o custo adicional.
– Erlotinib para câncer de pulmão pequenas células (NICE, 2008)
se o custo global de tratamento do paciente exceder o custo que
o mesmo teria utilizando o docetaxel, o fabricante do erlotinib assume os custos adicionais.
Aparentemente, o compartilhamento de risco poderá ser uma opção
para introdução de novas tecnologias no sistema de saúde, principalmente para tratamento de doenças crônicas durante as quais o paciente tem
poucas opções terapêuticas, com a evolução e agravamento da doença.
229
1 - A época de preços livres para as tecnologias médicas está rapidamente chegando ao fim.
2 - Em ambiente de desenvolvimento tecnológico sem precedentes
e com demanda crescente de tecnologias médicas, surge grande
pressão de custos nos sistemas de saúde.
3 - Há, de fato, grande incerteza, inerente as tecnologias médicas,
no que concerne ao desempenho fora de ambientes controlados.
4 - O compa rtilhamento de risco surge como possibilidades de melhor integração dos interesses dos principais participantes do mercado: os pacientes, os provedores de serviço, os pagadores e os
fabricantes de insumos.
5 - O compartilhamento de risco no contexto de melhor gerenciamento da eficiência do sistema é do interesse de todos os participantes do sistema de saúde, e mais interessante que uma abordagem de simples contenção de custos.
6 - Haverá dificuldades no delineamento dos acordos de compartilhamento de risco associadas ao monitoramento de custos e ao consenso
sobre quais serão os desfechos relevantes a alcançar no tratamento.
7 - Os parâmetros clínicos estabelecidos para a mensuração dos
resultados deverão ser significativos para a doença em questão.
8 - Os acordos devem ser desenvolvidos individualmente por tecnologia, respeitando os parâmetros clínicos, epidemiológicos, culturais, as limitações do sistema de saúde e condutas médicas locais.
9 - Os contratos devem ser estabelecidos em bases legais factíveis
no país onde ocorre a negociação – as legislações são diferentes
em cada país.
10 - A fonte pagadora precisa criar esquema de acesso ao tratamento, garantindo a disponibilidade do mesmo.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Concluindo, antes do reembolso condicional e compartilhamento
de risco serem vistos como opção de salvação de negociação ou ainda
como ameaça ao estabelecimento do livre mercado, consideremos os
seguintes pontos:
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
230
11 - O controle dos pacientes incorporados no tratamento deve
ser individualizado e constante, garantindo-se de um lado, a confidencialidade do paciente e de outro, a mensuração da resposta
ao tratamento e custos associados.
12 - O fabricante disposto a realizar proposta de compartilhamento de risco deve em primeiro lugar analisar de forma criteriosa e
crítica os dados da nova tecnologia, uma vez que se as mesmas
não estiverem devidamente estabelecidas, podem provocar reações futuras na negociação e adoção da tecnologia.
13 - As fontes pagadoras e fabricantes podem e devem estabelecer relações de confiança mútua, baseada em evidências sólidas
e parâmetros comuns a ambos.
14 - No Brasil, temos uma questão adicional: o art. 196 da Constituição Federal dispõe expressamente que prover saúde é dever
do Estado e direito do cidadão, porém não estabelece bases de
decisão sobre a redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação, conforme o próprio artigo determina. Assim, no caso de alguma fonte pagadora ou fabricante iniciar algum trabalho para estabelecer consensos, reembolso
condicional e compartilhamento de risco, deve considerar a peculiaridade legal, de tal forma que a Constituição não se torne
entrave ao estabelecimento desse tipo de reembolso.
Por fim, sistemicamente, considerar com atenção o estabelecimento de acordos de compartilhamento de risco que preservem a capacidade e o potencial de investimento das empresas fabricantes de
inovações e ao mesmo tempo, protejam o pagador, seja ele privado ou
governamental, contra o pagamento por tecnologias que não retornem
real valor aos pacientes.
Este é um assunto efervescente no cenário mundial e em nosso
país, ainda uma novidade. Dessa forma, temos que estar atentos aos
movimentos nos outros países que já decidiram, ao menos temporariamente, sobre a adoção do sistema de compartilhamento de risco.
231
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PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Referências bibliográficas
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
232
233
Jin Whan Oh - Economista e advogado, pós-graduado em economia, sócio da Pluricare Health & Insurance.
Introdução
A gestão de saúde e prevenção de acidentes no trabalho é um desafio para as organizações. O objetivo do artigo é estabelecer relações
entre desempenho e competitividade econômica das organizações. Nos
limites de presente artigo, gestão da saúde corporativa é entendida em
sua dupla acepção: de processo voltado à atenção da saúde dos recursos humanos e, também, como alusão à maximização da saúde econômica da instituição.
Na discussão das diretrizes estratégicas das grandes organizações, a produtividade e a valorização dos recursos humanos estão entre as mais relevantes. Considerando os crescentes custos vinculados
à gestão das relações de trabalho, a capacidade da empresa em implantar programas e processos eficientes na gestão do capital humano
confunde-se com sua capacidade competitiva. Por esse motivo, conceituamos a qualidade da gestão da saúde corporativa como um fator de
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
A Nova Economia
Institucional e a gestão da
saúde corporativa
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
234
sucesso ou fracasso econômico da empresa. Economista e apoiado em
minha experiência profissional como principal executivo da Medial Saúde S/A (operadora de plano de saúde) e de empresa de tele-serviços
(Grupo CSU), abordo aspectos críticos inerentes às relações da gestão
da saúde do trabalhador.
Apresento inicialmente reflexões sobre a relevância do setor empresarial (principal financiador do sistema de saúde suplementar) para
além de sua inerente responsabilidade pela medicina ocupacional, incluindo o reverso da medalha, pois o ambiente de trabalho é um dos
principais focos de adoecimento e acidentes.
Para a avaliação dos determinantes centrais dos resultados, riscos e recompensas das empresas nas ações de atenção à saúde do
trabalhador, analiso o ambiente institucional, as motivações dos agentes econômicos, as metodologias e os processos adotados. Por fim,
analiso os principais desafios e dificuldades das empresas com grande
número de funcionários e dos prestadores de serviços médicos e assistenciais. No final do artigo, apresento minha visão sobre programas
de ação especializados para o equacionamento e controle dos custos e
contingências, para criação de valor para a organização, para a busca
da diferenciação competitiva, e consequente sucesso corporativo, em
mercados crescentemente concorrenciais.
O advento de majoração de custos e riscos (decorrentes das recentes mudanças no contexto regulatório e inspirada no conceito de
“bonus versus malus”, do qual trataremos adiante) e os crescentes
dispêndios assistenciais com os colaboradores impuseram aos empregadores ir além das ações voltadas para agravos já instalados. Essas
empresas são compelidas a investir adicionalmente em prevenção de
adoecimento e na segurança dos trabalhadores, sob risco de incorrer
em pesados encargos financeiros.
A teoria econômica fornece o subsídio para entender o motivo das
decisões de investimentos e o modelo de prioridade das ações empresariais. O critério econômico se apóia na racionalidade da maximização
do valor da empresa, traduzida, de forma simples, como o valor presente do fluxo previsto de geração de caixa para os acionistas, ao longo da
235
A orientação política e econômica condicionantes da formatação
do ambiente institucional, sobretudo por meio da regulamentação legal,
produziu as recentes alterações nas regras previdenciárias e trabalhistas, que transferiram, da sociedade para as empresas, grande parte
dos gastos de atenção à saúde dos trabalhadores. A discussão em torno da correção ou da justiça do movimento transcende o objetivo do
artigo, importando-nos apenas o entendimento de seus efeitos sobre
a conduta empresarial: as empresas são compelidas a investir contínua e crescentemente em ações preventivas e assistenciais voltadas à
saúde e segurança física dos trabalhadores. Justamente para evitar as
pesadas consequências, institucionalmente impostas (provocadas pela
omissão), as empresas são obrigadas à revisar radicalmente as práticas
de atenção à saúde e segurança (geralmente, de pouca eficácia), até
hoje dominantes no meio empresarial.
O principal contratante de planos de
saúde suplementar: a importância social
das empresas para o sistema de saúde
O setor de saúde suplementar abrange mais de 54 milhões de beneficiários (dados para 2009); é a principal fonte pagadora dos hospitais,
laboratórios de medicina diagnóstica, médicos e demais profissionais e
entidades prestadoras de serviços de saúde. As operadoras privadas
de planos de saúde abrangem uma população sob a regulamentação
da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de 41,9 milhões de
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
existência do negócio. O aparato da nova economia institucional ensina,
o ambiente institucional estabelece não apenas os parâmetros de conduta ética e socialmente responsável, mas, principalmente, a equação
de recompensas e penalidades decorrentes do maior ou menor investimento (NORTH, 1990), ou da melhor ou pior gestão relacionada a determinado foco de atenção – em nosso caso, o investimento em saúde
corporativa.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
236
beneficiários em assistência médica (com ou sem assistência odontológica) e 12,3 milhões de beneficiários em assistência exclusivamente
odontológica (ANS, 2009). Quanto à forma de contratação dos planos
de assistência médica (não exclusivamente odontológicos), cerca de
74% dos beneficiários registrados na ANS estão vinculados a planos
coletivos, acima de 77% na proporção dos novos planos comercializados após a regulamentação do setor, em 1998 (ANS, 2009).
Excetuando pequena parcela de planos coletivos sem patrocinador,
a grande maioria dos beneficiários de planos de saúde brasileiros tem cobertura garantida por planos coletivos patrocinados pelas empresas que
empregam o titular beneficiário. O montante empenhado pelas empresas
equivale a cerca de 25% da soma dos lucros das 500 maiores empresas do
país e a 45% do orçamento anual do ministério da saúde. (ANS, 2009).
Da perspectiva dos trabalhadores, considerando a situação absolutamente precária do sistema público de saúde, a assistência médica é
um dos itens mais valorizados dos benefícios oferecido pelas empresas
e item decisivo na atração e retenção de talentos. Porém, subsidiar a
cobertura de funcionários e dependentes é prática crescentemente mais
preocupante, levando o mundo empresarial à encruzilhada: a tendência
é de contínuo crescimento dos custos (resultado da combinação dos fatores demográfico, maior longevidade e da evolução tecnológica da medicina, introdutora de procedimentos mais caros). Tal realidade remete
a um quadro preocupante, a perspectiva é que o segmento empresarial
assuma sobrecarga ainda maior. Alguém poderia indagar se a orientação política que acomoda – e de certa forma condiciona – o modelo é
justa e coerente com a racionalidade econômica. Na questão da justiça,
podemos avaliar em perspectiva mais restrita, de acordo com a responsabilidade das empresas que, afinal, contribuem para a incidência de
doenças ou acidentes, conforme abordarei na seção seguinte. Ampliar
a perspectiva – a responsabilidade primária cabe ao poder público – é
uma reflexão alheia ao objetivo do artigo.
No campo da racionalidade econômica – compelir as empresas a
gasto maior com a atenção à saúde e segurança dos trabalhadores – o
aperfeiçoamento dos processos e maior integração da saúde ocupacio-
237
O adoecimento na empresa
O estilo de vida, os hábitos dos indivíduos, o meio no qual vivem,
os fatores hereditários e os acasos da vida, determinam de forma decisiva a saúde ou doença física e mental. E, na medida em que despendemos o maior período de nossos dias no trabalho, está estabelecida a
relação entre trabalho, saúde e doença. O ambiente de trabalho é foco
patogênico para os trabalhadores, assim, considero justo que as empresas financiem os gastos de atenção à saúde dos trabalhadores, cuidando da medicina ocupacional e provendo cobertura de planos de saúde.
O ritmo crescente dos processos laborais, as inovações tecnológicas e novas formas de organizar e gerenciar o trabalho impõem a
todos nós um maior desgaste físico e mental. No mundo contemporâneo da globalização, o ambiente empresarial obedece à lógica da busca
contínua por maior eficiência, cultivando-se a produtividade e a competitividade, sem conseguir afastar o fantasma permanente do desemprego
e frustração pelas metas não alcançadas.
No complexo objetivo de conciliar a eficiência empresarial com
a saúde e conforto dos trabalhadores, resta claro, as condições de setores e empresas em particular, bem como as ações de prevenção e
programas efetivos de atenção aos seus colaboradores são diferentes
e produzem resultados diferentes. A situação dos médicos do trabalho
é difícil. De um lado, o código de conduta médica visa essencialmente
promoção da saúde dos trabalhadores e informação a empregadores
e empregados sobre os riscos do ambiente de trabalho; de outro, são
pressionados (quanto à independência profissional e moral) pela força
econômica de seus empregadores.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
nal com a saúde assistencial podem produzir benefícios para todos os
agentes econômicos, inclusive para empresas, cujo retorno sobre gastos viria na forma de maior competitividade.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
238
Tradicionalmente, as doenças geradas pelo trabalho em ambientes considerados insalubres eram reconhecidas sem muita polêmica. O
fenômeno recente é a crescente ocorrência de queixas relativas à fadiga mental e física, relacionadas, por exemplo, à patologias ósteo-musculares e psiquiátricas, apontando para condições de trabalho desfavoráveis vinculadas à organização do processo de trabalho. Entre esses,
a pressão pelo cumprimento de prazos estritos, restrições ao diálogo,
forte solicitação da atenção e da memória, monitoração e estímulos à
competição submetem os trabalhadores a sobrecargas físicas, psíquicas e cognitivas.
A racionalidade de maximização dos lucros no entanto, dificulta a
compreensão do custo-benefício financeiro da atenção e do investimento necessários para prevenir casos de difícil diagnóstico e tratamento
(tais como os casos de sofrimento mental e DORT). Como consequência, os programas e processos empregados na saúde têm até hoje seu
foco nos agravos já instalados, sendo raros os exemplos consistentes
de investimentos preventivos.
O foco no agravo instalado versus
atuação preventiva
Como princípio e valor moral, é fácil entender, o adoecimento e
a falta de segurança não interessam a qualquer agente econômico, sejam empresas, trabalhadores ou governo. E, por todas as evidências da
ciência médica, para a sociedade, investir na prevenção de acidentes
e doenças é economicamente mais racional do que enfrentar os altos
custos de tratamento e dos custos sociais decorrentes de eventual debilitação ou invalidez.
No entanto, a grande maioria não só de empresários como de
gestores de empresas age de forma equivocada, devido ao grande grau
de ignorância sobre o assunto. Os agentes têm visão limitada, associada aos velhos conceitos cartoriais de cumprimento das exigências
legais e previdenciárias, orientadas mais para a documentação de evi-
239
No limite da racionalidade da empresa, a motivação para a investigação e o esforço em aprimorar programas preventivos são prejudicados pela ausência de instrumento que atribua o nexo epidemiológico
da patologia à organização, que não será responsável pelo desenvolvimento de doenças – o custo do tratamento provavelmente recairá para
terceiros e para a sociedade. Dessa forma, há a possibilidade de que
empresas faltosas, que não investem na atenção à saúde e segurança
do trabalhador, venham em última instância, beneficiar-se dos investimentos de outras organizações mais responsáveis. Assim, entende-se
o motivo das empresas para gerir apenas os agravos instalados. Tal
prática, quando ampla e geral, é evidentemente pior do que a adoção de
medidas preventivas por todas as empresas. Alterações na legislação
trabalhista e previdenciária vêm para corrigir o equilíbrio entre as ações
curativas e preventivas.
A legislação é positiva, busca evitar o prejuízo para saúde do trabalhador, o elevado absenteísmo, o aumento dos custos assistenciais,
as dificuldades cotidianas de gerenciamento, a deterioração do clima
organizacional e o baixo desempenho operacional da empresa. Em última instância, a lei pode ter reflexos positivos na capacidade competitiva
das organizações.
Para entender como motivar as empresas a investir em ações
preventivas, apesar de seus custos, devemos analisar se o conjunto
das regras institucionais está disposto de forma a produzir convergência
entre interesses e os incentivos para que os agentes colaborem, não
apenas pelos referidos princípios e valores morais, mas como resultado
da maximização de seus interesses econômicos sob as restrições impostas pelas regras do jogo. De acordo com a teoria, a motivação das
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
dências do que para a definição, implementação e estabilização de
práticas preventivas. De fato, investimentos nos supostos programas
preventivos consumiram recursos significativos, sem resultados palpáveis. Se a esse quadro somarmos o fenômeno da alta rotatividade do
emprego em muitos setores, o investimento preventivo torna-se ainda
mais duvidoso relativamente ao retorno para a organização, podendo
beneficiar somente os futuros empregadores e terceiros da sociedade,
de forma ainda mais difusa.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
240
empresas para colaborar é atingida por meio da maximização de valor,
pela minimização dos custos das sanções e das penalidades pela não
colaboração (NORTH, 2009).
A teoria econômica - as lições da Nova
Economia Institucional (NEI)
A NEI explica-nos as motivações das empresas e os principais
benefícios da adoção de programas de gestão integrada da saúde do
trabalhador. Em síntese, a motivação e o grau de adesão aos programas de prevenção das empresas dependem dos incentivos oferecidos
pelo ambiente de negócios para programas estruturados de atenção ao
trabalhador e das penalidades para a não adoção desses.
Há duas perspectivas distintas para os objetivos da organização
empresarial. A perspectiva dos stockholders (sócios e acionistas), que
demanda dos executivos a maximização do valor da empresa e dos lucros de seus acionistas, e a perspectiva dos demais stakeholders, que demanda condutas responsáveis, em consideração aos demais indivíduos e
grupos sociais afetados pela atuação da empresa. Ainda que essas duas
perspectivas sejam conciliáveis e acomodáveis sob um comportamento
ético, elas podem produzir ações de orientação e magnitude bastante
diferentes, com resultados diferentes para as empresas e a sociedade.
Douglas North (1990), proeminente economista, um dos principais elaboradores do arcabouço teórico da Nova Economia Institucional
e prêmio Nobel de economia em 1993, dispõe que
“as instituições são as regras do jogo de uma sociedade,
ou, mais formalmente, limites e restrições desenvolvidos pelos indivíduos para moldar a interação humana”.
Tais regras podem ser formais, como leis escritas, ou informais,
como convenções sociais, códigos de comportamento e tradições, que,
ao definir uma estrutura de incentivos norteadoras das ações dos agen-
241
Compreender o significado da influência do ambiente institucional
é fundamental para a determinação de quais habilidades e processos
empresariais serão recompensados. Portanto, um ato institucional que
valorize ações de atenção à saúde do trabalhador compelirá as empresas a investir no desenvolvimento de competências relacionadas à gestão mais eficiente dessa questão, influenciando o desenvolvimento de
tais conhecimentos e gerando um círculo virtuoso de valorização da prática. Ainda, os investimentos da empresa em programas de promoção
da saúde do trabalhador agregam valor à organização, pois melhoram
o clima organizacional, aumentm a produtividade e criam patrimônio intangível, representado pela reputação e fidelização de clientes.
De posse dessa compreensão, é possível conceber a convergência das duas perspectivas aparentemente antagônicas. A preocupação
dos stockholders e os interesses dos stakeholders, por exemplo, com o
desenvolvimento de ações voltadas à qualidade de vida de funcionários
(e outras ações de responsabilidade social corporativa), afeta a reputação da empresa na cadeia de valor. Trata-se de atitude geradora de valor
para o acionista no longo prazo, beneficia a sociedade, cumpre plenamente a função-objetivo da empresa, que compreende a maximização
de seus lucros e o atendimento das demandas dos diversos públicos.
Devemos procurar a convergência de interesses, devemos procurar
negociações que resultem em soma positiva para todos os agentes. Para
tanto, é fundamental a análise crítica do quadro atual e dos processos instalados, visando conceber um novo modelo, mais eficiente e racional.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
tes econômicos e sociais, compelem e delimitam as suas escolhas.
Analogamente aos jogos e os esportes, instituições são as regras do
jogo, e as organizações, os jogadores. Como consequência, o ambiente institucional influencia diretamente o comportamento das empresas
e a forma como elas evoluem e prosperam, na medida em que são
definidas a estrutura de incentivos e as restrições para a maximização
de seus objetivos de retorno. Por estrutura de incentivos, entendamos
o conjunto de ganhos e oportunidades positivas e também o conjunto
de sanções e penalidades que afetam o valor para o acionista no longo
prazo, seja esse valor criado pelo retorno direto da produtividade dos fatores de capital (financeiro, operacional e humano), seja pelo resultado
do prestígio e reputação da atuação socialmente responsável.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
242
Inadequação da saúde ocupacional
e modelos de cobertura de saúde
assistencial
As empresas do segmento formal da economia, e em especial as
do setor de serviços, têm o custo de mão-de-obra como elemento significativo e, muitas vezes preponderante, na composição de custos operacionais, associados não apenas à folha de pagamentos, mas também ao
conjunto de benefícios e demais custos trabalhistas e previdenciários,
investimentos em capacitação e desenvolvimento. Soma-se à conta o
alto custo administrativo alocado à gestão de recursos humanos e benefícios, crescentemente complexa por força das mudanças no ambiente
econômico e constantes alterações na legislação e regulamentações.
Na composição dos custos citados, o histórico é de contínuo crescimento com a gestão das relações de trabalho, com especial destaque
para os custos assistenciais (plano de saúde para os empregados e dependentes) e os custos com a saúde ocupacional. Com raras exceções,
a medicina ocupacional das empresas está estruturada para cumprir
apenas o atendimento básico e cartorial das exigências trabalhistas e
sindicais, tais como os exames admissionais, periódicos e demissionais, desperdiçando oportunidades preciosas de acompanhar o perfil e
a evolução do quadro de saúde dos colaboradores. As empresas têm a
ilusão que a contratação de planos assistenciais supra todas as necessidades médicas dos funcionários.
Conforme apresentei, as empresas são as principais contratantes
dos planos de saúde e portanto, da cobertura assistencial privada. Os
problemas de ineficiência econômica do segmento da saúde não são
apenas do sistema brasileiro, mas fenômeno de padrão mundial, cuja
cadeia produtiva, mais do que qualquer outra, está recheada de conflitos de interesse. As ineficiências refletem diretamente na elevação dos
custos assistenciais das empresas (acima dos índices inflacionários) e
são diretamente repassados pelas operadoras de planos de saúde aos
seus clientes.
243
Não obstante os altos patamares de gastos referidos nas seções
precedentes, o modelo atual de gestão dos benefícios não maximiza a
efetiva redução de afastamentos e absenteísmo, que por sua correlação
e causalidade, produz impactos diretos nos custos, produtividade, clima
organizacional e, enfim, no desempenho global dos negócios. E aos
olhos da sociedade e das autoridades reguladoras, será que o esforço
do setor empresarial é visto como suficiente?
As mudanças no SAT, FAP e NTEP, a
teoria dos incentivos e o conceito de
bonus versus malus
A realidade de resultados insatisfatórios e de ônus sociais assumidos pela coletividade no tratamento das doenças e compensação
previdenciária pelos afastamentos do trabalho, antes não legalmente
associadas como decorrentes do trabalho, está sendo alterada pelas
recentes normatizações do Conselho Nacional de Previdência Social
(CNPS, 2009).
A introdução do nexo presumido nos casos complexos (nos quais
o nexo com a atividade ocupacional não era fácil estabelecer), passou
a produzir elevadas contingências trabalhistas, previdenciárias e indenizatórias, em patamar diferenciado, relativamente à média histórica. A
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
A prática de adesão a produtos padronizados oferecidos pelas
operadoras de saúde às empresas não permite uma metodologia adaptada às peculiaridades dos processos de trabalho de cada segmento
econômico (o produto é inadequado). Embora as grandes empresas
invistam continuamente na criação de processos de apoio e de cooperação com as operadoras, os resultados são insatisfatórios e provocam
recorrentes contratações de serviços por curta duração (baixa fidelidade), trazendo todos os transtornos operacionais das repetitivas mudanças de prestadora desses serviços, sem consolidar e amadurecer um
modelo das práticas gerenciais de atenção à saúde.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
244
situação favoreceu a criação de consciência, por parte das empresas,
quanto à necessidade de implantação de sistemas de gestão integrada
de saúde do trabalhador.
Mesmo aceitando que dificilmente qualquer doença tenha uma
única causa, a noção de presunção adotada pela Previdência Social no
Brasil, e presente na legislação de diferentes países, visou beneficiar os
trabalhadores e evitar discussões intermináveis sobre essas relações.
Além disso, ao atribuir a responsabilidade pelas doenças às empresas
específicas às quais os trabalhadores estavam vinculados, ao estabelecer
o nexo presumido, a previdência pública transferiu ao capital privado parte
relevante dos custos sustentados antes pela sociedade.
Foi aprovada, com vigência a partir de janeiro de 2010, nova metodologia para aumentar ou diminuir as alíquotas de contribuição das
empresas ao seguro de acidente de trabalho (SAT), com a introdução
do fator acidentário de prevenção (FAP), que utilizará como referência
a acidentalidade total de cada empresa ocorrida após 2007, conforme
nexo técnico epidemiológico (NTEP) (CNPS, 2009).
Mais do que calcada na metodologia científica da epidemiologia
clínica, a decisão quanto à existência de relação entre uma doença diagnosticada ou suspeita e uma situação de trabalho ou ambiental foi sustentada por ferramentas da estatística e da informática, que estabelecem
correlação por evidências de frequência de ocorrências, permitindo a presunção de relação, sem a existência de prova absoluta. Como medida
precedente, disposições legais do último triênio na legislação trabalhista
e previdenciária apresentaram sensíveis incrementos de custos vinculados a padrões mais exigentes de ergonomia do ambiente de trabalho.
Desde o ano base de 2009, com a reclassificação das empresas nas alíquotas do seguro de acidente de trabalho (SAT), a maioria das empresas
com grande contingente de mão-de-obra teve custo majorado.
A lei, analisando as ocorrências estatísticas, conforme a frequência e gravidade dos eventos nos diversos segmentos de atividade econômica, redistribuiu os setores em cada um dos patamares de alíquotas
do SAT (seguro de acidentes do trabalho), a saber, de 1%, 2% ou 3% da
folha de pagamentos de cada empresa, de acordo com o enquadramen-
245
O modelo de aferição e classificação das empresas adotado pela
previdência social buscou inspiração na Teoria dos Incentivos e construiu sua metodologia para introduzir o conceito de “bonus versus malus”, entre as empresas de um mesmo segmento de negócios, por meio
do FAP (fator acidentário de prevenção), um fator multiplicador de 0,5
(redutor) a 2,0 (ampliador) da alíquota do SAT.
As empresas que investirem na prevenção e promoção da saúde
e segurança do trabalhador, podem alcançar “bonus” pela redução do
FAP e, ao contrário, para as que caminharem no outro sentido, dentro
do mesmo segmento econômico, podem esperar os efeitos do “malus”.
E, se o conjunto das empresas do setor alcançar redução do patamar
de ocorrências e de gravidade dos acidentes e doenças, o setor econômico poderá ter alíquota de SAT rebaixada, valendo da mesma forma
a hipótese do processo reverso. No caso do exemplo de uma empresa
classificada em CNAE enquadrado inicialmente no patamar de 3,0% de
SAT, o custo final, pela ação dos “bonus” e “malus”, pode variar de 0,5%
a 6,0% da folha de pagamentos mensal.
Os multiplicadores FAP (fator acidentário previdenciário) produzirão efeitos sobre as alíquotas de SAT a partir de janeiro de 2010,
conforme o desempenho de cada empresa em comparação a outras
do mesmo segmento, e, na medida em que gerarem FAP distintos,
cada empresa sofrerá custos diferentes de encargos sobre a mãode-obra.
Além dos impactos diretos no FAP, os adoecimentos e afastamen-
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
to de sua atividade econômica principal na classificação oficial do CNAE
(classificação nacional de atividades econômicas). Nesse processo, diversas empresas tiveram suas alíquotas modificadas em relação ao passado, algumas para menos, outras para mais. Como exemplos, diversas
empresas de ramos industriais tiveram suas alíquotas diminuídas de 3%
para 1% em função das medidas preventivas contra acidentes adotadas nos últimos anos, e, em sentido contrário, instituições financeiras e
empresas de tele-serviços tiveram majoração de suas alíquotas de 1%
para 3%, pela alta incidência de doenças psíquicas e ósteo-musculares
(CNPS, 2009).
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
246
tos com nexo presumido trazem enormes riscos de processos cíveis em
virtude do grande número de colaboradores afastados por doenças que,
mesmo não claramente decorrentes das atividades do trabalho, agora
serão presumidamente atribuídas à organização empregadora (B91 na
classificação do NTEP). Haverá relevante e crescente “passivo saúde”,
de riscos com ações cíveis (criando contingências que, por sua origem de
causa, denominamos de “passivo saúde”).
Ao se atribuir a causa do adoecimento ao trabalho, os funcionários afastados por doenças do trabalho passam a contar com a continuidade dos benefícios dos quais dispunham durante o período de atividade, contando também com um ano de estabilidade quando do retorno
ao trabalho. Os efeitos da lei aumentarão sensivelmente os custos não
produtivos dos empregadores.
No mesmo diapasão, a empresa sofrerá potencial redução ou incremento de ações judiciais com crescente dificuldade para a defesa/contestação de ações de reivindicação de natureza sindical, de intervenções
do Ministério Público do Trabalho, e potencial desgaste ou melhoria de
imagem institucional, com todos os impactos no valor de longo prazo.
Entendemos então, porque os indicadores da qualidade de vida e
condições de saúde dos colaboradores assumirão a condição de fatores
críticos para a competitividade das organizações, sobretudo comparadas às empresas concorrentes no mesmo segmento de negócios, pois
competirão na avaliação da saúde de seus colaboradores.
Cálculo dos impactos financeiros
Tomamos o exemplo de uma empresa de contact center de grande porte, com cerca de 70 mil funcionários, e apresentamos abaixo estimativas de impacto financeiro às quais uma instituição desse segmento
e porte se torna vulnerável:
Tomando o parâmetro de R$ 1.000,00 médio per capita, a folha de
pagamentos montaria a R$ 70 milhões mensais, sobre os quais teríamos:
247
– O impacto do absenteísmo (caracterizado por casos com tempo
de afastamento menor que 15 dias), estimado pela média de 2
dias úteis por funcionário/mês, pode representar custo anual da
ordem de R$ 67 milhões;
– O afastamento do trabalho com vinculação de nexo através do
NTEP em casos de mais de 15 dias, considerando-se 3.500 afastados (5% do total de trabalhadores), representa perda anual estimada de R$ 15 milhões, sem computar impactos de eventuais
ações cíveis contra a empresa25 ;
– Relativamente ao passivo saúde com a mesma premissa de 5%
de trabalhadores afastados, a empresa acumula mais de 3.500
anos/homem de estabilidade.
De forma resumida, as atuais regras trabalhistas e previdenciárias acarretam repercussões imediatas (NTEP, FAP, assunção de despesas do tratamento que antes eram de responsabilidade do INSS),
mediatas (estabilidade) e outras imponderáveis, como por exemplo, as
ações cíveis.
Sistema de gestão integrada de saúde
Entre as inúmeras frentes de atenção condicionantes da missão
altamente complexa de uma eficiente gestão integrada da saúde corporativa, bem como de controle de seus impactos imediatos e criação de
riscos futuros, é necessária a correta formulação e a implementação de
ações e estratégias de promoção da competitividade do negócio.
Para tomar apenas mais um exemplo, um caso recente de ação civil por um empregado
do setor bancário, julgada em 2009, resultou em indenização de R$ 800.000,00).
24
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
– Por ação de alteração do SAT (de 1% para 3%), já sofreu incremento de R$ 16,8 milhões/ano, havendo um espaço de variação
de até R$ 37,8 milhões/ano no recolhimento do SAT em função
da eficiência de gestão e de seus resultados sobre o FAP;
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
248
O monitoramento efetivo da condição de saúde dos colaboradores (e particularmente da legião de afastados, com ações efetivas para
o retorno ao trabalho) e as ações para minimizar a probabilidade dos
trabalhadores adoecerem e se afastarem do trabalho configuram a gestão estratégica, essencial para o controle e redução de custos no curto
prazo e também de riscos, no médio e longo prazos. De forma sintética,
o objetivo de promoção da saúde e tratamento de doenças compreende
as recomendações abaixo.
1 - Para os trabalhadores saudáveis: mantê-los saudáveis e evitar o desenvolvimento de patogenias.
2 - Para os portadores de condições patogênicas e doenças: auxiliá-los na manutenção do controle sobre suas condições e doenças.
3 - Para os portadores de agravos e descompensações: trazê-los
de volta à situação de controle.
São necessários programas formais de controle de saúde e adoecimentos no trabalho, os quais, como exigência legal, devem ser acordados e validados com a representação sindical e, em função de sua
complexidade, exigem acompanhamento da plena aderências às normas e legislação do setor – critérios de compliance.
Para setores de negócio relevantes no contingente de empregados, tal como o setor de tele-serviços adotado nos exemplos, igualmente importante é a missão de formular o desenho de plano de cobertura
assistencial ajustado às peculiaridades do segmento de negócios e, por
vezes, às condições específicas de uma grande empresa. Eventualmente, é necessário negociar a criação de um novo produto específico junto
a uma operadora/seguradora de saúde renomada, para interromper as
sucessivas e mal sucedidas experiências de tentativa e erro na contratação desses serviços.
Todos esses fatores conjugados passam a ter dramática importância e reflexos determinantes no sucesso ou fracasso corporativo.
249
Apresentamos abaixo as atividades críticas, requisitos para a promoção da competitividade do negócio.
1 - Diagnóstico situacional
Apesar do esforço de diagnóstico ser mais concentrado no início
de um projeto, trata-se de atividade permanente, tendo em vista o
ambiente dinâmico, as mudanças regulatórias e o crescimento da
corporação, com constante agregação de novos funcionários.
Plano ocupacional
– Análise de documentos legais;
– Visita a sites de trabalho;
Entrevistas
– Análise do passivo trabalhista correlacionado com saúde;
– Análise dos afastamentos previdenciários (NTEP/FAP);
– Análise das ações do SESMT e do prestador de serviços em SST;
– Análise dos indicadores de resultados de saúde.
Plano assistencial
– Avaliação dos atuais prestadores de serviços;
– Avaliação do modelo assistencial;
– Entendimento dos principais ofensores de sinistros;
– Avaliação dos indicadores de utilização (consultas, exames, PS,
Internações, etc..) à luz de parâmetros de mercado;
– Mapeamento (screening) da base de dados para determinação
dos pacientes crônicos e catastróficos;
– Análise atuarial de tendências de custos;
– Avaliação de benefícios correlatos (ex.: acidente de trabalho,
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
Projeto de gestão integrada de saúde
corporativa: escopo básico
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
250
odontológico, atendimento pré-hospitalar, orientação médica telefônica, etc.).
2 - Formulação das políticas do projeto de saúde corporativa
Documentação formal das políticas de saúde da instituição. Evidencia o compromisso com a saúde dos trabalhadores e institui
as boas e desejadas práticas de saúde.
3 - Sistema de gestão integrada “saúde corporativa” – passos
para a implantação.
Integração entre os setores e processos da organização, para
difundir e nivelar o conhecimento da saúde e segurança no trabalho. Ação preliminar necessária à implantação de programas de
qualidade de vida dos trabalhadores.
– Norma de compromisso;
– Definição de políticas de saúde;
– Definição dos indicadores de saúde;
– Integração das “saúdes” (ocupacional, previdenciária e assistencial);
– Gestão pró-ativa da regulação (estabelecimento de indicadores).
4 - Gestão dos afastados
Estratégias de reintegração precoce, com foco na redução dos
afastamentos, do passivo saúde e do absenteísmo.
Acompanhamento de todo processo de afastamento com confecção de rotina de resposta em tempo hábil, para os casos de
conversão de doença comum em doença profissional (desqualificação de nexo técnico previdenciário indevido).
– Desenho personalizado dos exames ocupacionais;
– Controles NTEP / FAP.
5 - Gerenciamento trabalhista-previdenciário
Com foco no NTEP, identificação dos grupos de risco correlatos
às atividades de trabalho. Busca da identificação do passivo de
251
– Política de contratações;
– Gestão do absenteísmo e de outros indicadores de saúde;
– Qualificação da rede;
– Controles NTEP / FAP.
6 - Gerenciamento assistencial
– Interfaces entre assistência médica e saúde do trabalhador – na
busca de indicadores de saúde, objetivando estabelecer utilização
mais eficiente dos recursos empregados, contribuindo com maior
controle da sinistralidade do plano e eficiência no planejamento e
execução das ações de promoção da saúde do trabalhador;
– Estudo de mercado para avaliação dos melhores fornecedores;
– Avaliação do modelo assistencial à luz das necessidades dos
colaboradores e expectativas da organização;
– Elaboração de estudos e análises estatísticas da utilização do
plano de saúde como ferramenta básica para a manutenção / redução dos patamares de sinistralidade;
– Uso de ferramentas estatísticas (SPSS/SAS) para identificação
de casos crônicos e catastróficos e, em parceria com a operadora de plano de saúde, criação de mecanismos para redução dos
riscos inerentes a essas patologias.
– Interfaces benefício saúde;
– Avaliação atuarial para projeção da sinistralidade com base no
modelo assistencial e perfil de utilização atual e proposto;
– Estudo da necessidade de manutenção dos benefícios correlatos atuais e proposta de inclusão de novos;
– Análise de viabilidade de busca por operadora parceira que
possa desenvolver produto específico para atender as reais necessidades assistenciais e de custo.
7 - Inteligência de dados e gestão por resultados
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
saúde da instituição, minimizando as consequências de incremento do custo com a saúde do trabalhador.
PARA ENTENDER A SAÚDE NO BRASIL 3
252
Uma sólida estrutura de inteligência de dados da saúde dos colaboradores da empresa é fundamental para o correto entendimento dos problemas da organização e estabelecimento de prioridades de ação.
O passo inicial deve ser o da construção de uma base integrada de dados (Data Warehouse) que permita aglutinar de forma estruturada todas as informações de saúde por funcionário/paciente, obtidas
dos planos de saúde (dados de utilização/sinistros), dos ambulatórios e
da medicina ocupacional, dos programas de prevenção e qualidade de
vida, e questionários e levantamentos populacionais.
Tal estrutura deve resultar de levantamento e formatação de informações, baseadas em critérios técnicos especializados e de sua correta
análise e interpretação, por meio do uso de técnicas atuariais e estatísticas
de identificação de tendências, modelagem matemática e ciência médica.
A determinação de indicadores claros e mensuráveis aliados aos
modelos mencionados possibilitam efetuar projeções futuras em diferentes cenários, importante ferramenta de apoio às decisões para gestão eficiente baseada em resultados.
Conclusão
O artigo tratou do debate sobre a importância da gestão da saúde
corporativa como determinante do sucesso ou fracasso econômico das
empresas, e sobre a necessidade de modelos de gestão mais eficazes.
Analisei a abrangência das responsabilidades sociais e econômicas das empresas, os comportamentos empresariais geradores de valor
de longo prazo para a organização e, ao mesmo tempo, promotores da
qualidade de vida dos funcionários e da sociedade.
Tradicionalmente, o alinhamento de interesses entre os agentes
econômicos não era evidente, dada a dificuldade no desenvolvimento de sistemas de avaliação e mensuração de resultados das ações
preventivas. A intervenção dos agentes reguladores (Estado) mudou os
253
A justificativa para o maior envolvimento e crescente investimento das empresas em programas de gestão de saúde dos colaboradores está em evitar penalizações pelas novas regras institucionais, além
da oportunidade de melhorar a produtividade, a lucratividade e competitividade organizacional. Nas empresas, o desafio da continuidade,
compreende profunda revisão das práticas correntes e concepção de
novo modelo de gestão integrada de saúde corporativa, mais eficaz e
racional, para obter retornos aos crescentes investimentos aos quais se
viram compelidas.
Sucesso ou fracasso? No ambiente competitivo do mundo contemporâneo, dependerá do grau de consciência de cada empresa quanto à relevância e à urgência de agir estrategicamente sobre a saúde
corporativa.
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condicionantes institucionais, motivo pelo qual nos apoiamos no aparato
teórico da teoria das instituições para entender a determinação do comportamento das empresas.
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