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As “Entusiastas” e a educação da mulher na Polónia do século XIX
Natalia Bozena Telega-Soares**
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o discurso emancipatório de mulheres intelectuais
polacas na primeira metade do século XIX. Mostra-se como a situação política da Polónia, sob a ocupação da
Áustria, da Rússia e da Prússia, influenciou o pensamento e a escrita das intelectuais que se identificavam com o
projeto de emancipação das mulheres, por meio da educação e da sua participação ativa na construção da
sociedade. Formado por mulheres independentes e empenhadas, o grupo denominado “Entusiastas” foi fundado
por algumas das intelectuais da época (entre as quais salientamos Narcyza Zmichowska, Eleonora Ziemiecka e
Paulina Krakowowa), que optaram pela escrita como instrumento principal da luta pelos direitos das mulheres e
em prol da mudança social. As “Entusiastas” procuravam fazer passar a sua mensagem, através de revistas,
ensaios e artigos, às leitoras e, dessa forma, combater estereótipos que limitavam e condicionavam a vida das
mulheres. É de grande relevância sublinhar que, nesse projeto, a escrita e a leitura tornaram-se armas contra a
ignorância e em prol da libertação.
Palavras-chave: Mulher. Emancipação. Educação. “Entusiastas”.
O objetivo deste trabalho é apresentar o grupo de mulheres chamado Entuzjastki (que,
em português, passaremos a designar por “Entusiastas”) e analisar o discurso por elas
emanado sobre o estatuto e o papel da mulher na Polónia, ao longo da primeira metade do
século XIX. No entanto, sendo nosso objetivo debruçarmo-nos sobre o discurso
emancipatório à época, torna-se imperativo sublinhar que a Polónia, enquanto Estado, não
existia no século XIX, o que só viria a acontecer em 1918, altura em que o país conquistou de
novo a independência.
Ao olharmos para o mapa da Europa do século XIX, não encontraremos as fronteiras
da Polónia, pois o país estava sob a ocupação de três impérios (Áustria, Rússia e Prússia),
que, entre 1773 e 1795, repartiram o território entre si (DAVIES, 2005). Por conseguinte, a
nação foi sujeita à gradual russificação nos territórios pertencentes à Rússia e à germanização
nos territórios ocupados pela Prússia e pela Áustria. Nos territórios ocupados, segundo a
lógica de colonização, procedeu-se ao desenraizamento de cultura, língua e administração
polaca. Foi nessas condições, num país ocupado, que as primeiras mulheres se organizaram
para promover o discurso emancipatório e envolver-se em atividades conspiratórias.

N. R. Manteve-se, no artigo, a grafia do português europeu.
Licenciada em Ensino de Inglês e Mestre em Estudos Anglo-Americanos pela Universidade de Silésia,
Polónia. Mestranda em Estudos sobre as Mulheres pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
Universidade Nova de Lisboa, Portugal. (E-mail: [email protected]).
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As “Entusiastas” foram o primeiro grupo feminista na Polónia. Depois do
Levantamento de Novembro (1830-1831) contra a Rússia, no início da década de 1840,
mulheres de várias profissões (escritoras, tradutoras, professoras, jornalistas) envolveram-se
em atividades revolucionárias, propondo um novo discurso sobre a mulher e,
simultaneamente, elaborando e desenvolvendo o seu projecto de construção de feminilidade
(LORENCE-KOT; WINIARZ, 2004).
Segundo Grażyna Borkowska (1996), as “Entusiastas” foram um grupo não formal,
ligado pela amizade e simpatia, cujo território de trabalho não se limitava somente à esfera
literária ou à atividade política. Eram mais do que isso: eram o primeiro grupo de mulheres
emancipadas para quem o estado e a condição do país não eram indiferentes, sendo dada
preponderância à necessidade de melhorar a condição da mulher no espaço privado
(doméstico) e público.
As “Entusiastas” formaram o seu grupo à volta de revistas da época: Przegląd
pedagogiczny (Revista pedagógica) (1842-1848), publicada por Edward Dembowski;
Pielgrzym (Peregrino) (1842-1846), publicada por Eleonora Ziemięcka; e Pierwiosnek
(Prímula) (1838-1843), dirigida por Paulina Krakowowa (BORKOWSKA, 1996). O grupo
funcionava no território ocupado pela Rússia e contava com o apoio de várias
individualidades na área da política, como, por exemplo, a já mencionada Eleonora
Ziemiecka. As “Entusiastas” foram apoiadas também por homens, nomeadamente por Edward
Dembowski e Hipolyt Skimborowicz, cuja mulher, Anna Skimborowicz, pertencia ao círculo
das “Entusiastas”. O grupo foi liderado por Narcyza Zmichowska (1819-1876), professora,
escritora e publicista, envolvida em atividade conspiratória (STĘPIEŃ, 1970). Figura muito
carismática e popular, conseguiu criar um grupo de pessoas ligadas à arte, à literatura, ao
jornalismo e ao trabalho social e político. Outras personalidades pertencentes ao grupo foram,
a título de exemplo: Emilia Gosselin (autora do livro de gramática polaca), Anna
Sokołowska-Skimborowicz (escritora de literatura infantil), Bibiana Moraczewska (publicista,
ativista política) e Zofia Mielęcka-Węgierska, mais famosa pela sua vida escandalosa do que
pelo seu trabalho literário ou ativista (BORKOWSKA, 1996).
Dadas as circunstâncias culturais, as “Entusiastas” levaram muito a sério o programa
de emancipação da mulher e, tanto nos seus textos como nas suas vidas, provaram que uma
mulher pode levar uma vida independente, embora possa haver um preço a pagar por essa
escolha. Muitas das “Entusiastas” optaram por uma vida sem marido, tiveram a coragem de
passear na rua sem “escolta” masculina ou familiar, andar a cavalo, fumar, fazer o que, regra
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geral, era reservado aos homens. Em suma, as suas vidas testemunhavam o que os seus
escritos, promovendo a independência da mulher, espelhavam.
Para muitas “Entusiastas” e especialmente para Narcyza Zmichowska, a emancipação
da mulher era indissociável da emancipação de toda a nação. Zmichowska e as suas
correligionárias envolveram-se em conspirações, motivadas pela convicção de que a divisão
entre “masculino” versus “feminino” não era determinante quando o país chamava.
As polacas, ao contrário das sufragistas de outros países europeus, não travaram a luta
pelo direito ao voto, porque já tinham sido consignadas, pela lei, cidadãs, graças à luta pela
independência do país. Tadeusz Kościuszko, o líder do levantamento contra a Rússia, afirmou
a importância das mulheres polacas na luta pela pátria. Chamou-as “co-cidadãs”
(WAWRZYKOWSKA, 1987), e essa palavra é muito importante nesse contexto, porque
demonstra que, no espaço público, as mulheres tinham o seu papel na salvaguarda da herança
nacional, histórica e cultural. Eram elas as guardiãs dos valores nacionais, tendo participado
em pé de igualdade com os homens no processo de libertação do país. Chamar as mulheres
“co-cidadãs” significava também que os homens tinham que partilhar com elas o espaço
público.
As mulheres receberam, pois, a cidadania num país que nem sequer existia
oficialmente. A cidadania significava também a responsabilidade de participar em tumultos,
fazer espionagem, envolver-se em contrabando, angariar fundos e até ir à tropa vestida de
homem. Na participação das “Entusiastas” e de outras mulheres polacas no processo de
salvação de país, as mulheres saíram do espaço privado, da zona de conforto e dos seus
interesses pessoais e entraram na esfera pública para serem membros iguais da comunidade.
Esse processo era visto não como um sacrifício, mas como a obrigação moral, a contribuição
para o futuro como cidadãs. A obrigação perante o país não vinha do exterior, vinha da
própria convicção das “Entusiastas” de que o patriotismo era uma via para o aperfeiçoamento
pessoal, ultrapassando o seu próprio egoísmo em prol de toda a nação (WALCZEWSKA,
1999). O patriotismo significava para elas também a obrigação de cariz moral e não só o
sacrifício e a autoaniquilação. Segundo as “Entusiastas”, o patriotismo não se prendia à
necessidade de negar a sua própria existência ou a vida, como aconteceu no caso de vários
ativistas românticos que se envolveram em ações para salvar a pátria, antes era a forma de
fortalecer a sua própria identidade e caráter. Nesse aspeto, as “Entusiastas” não diferenciam
homens e mulheres – ambos tinham a obrigação de demonstrar, testemunhando, o que para
eles e elas significava ser cidadão/cidadã. O aperfeiçoamento moral e individual era a chave
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do programa patriótico de Narcyza Zmichowska, segundo a qual a nação seria mais forte
quando os cidadãos e as cidadãs vivessem o que é belo em termos morais e emocionais. Como
patenteado pelo punho de Julia Wojkowska, uma das “Entusiastas”: “Onde estão os corações
em cujo bater ecoa o bater do coração do país? Onde estão os cidadãos ostentando no seu
peito a encarnação de Liberdade, a Moralidade […] da Pátria?” (apud WALCZEWSKA,
1999).1 Foi desse modo que as “Entusiastas” interpretaram a contribuição de todos e todas –
homens e mulheres – para o bem da pátria. O seu projeto visava a uma nova imagem para a
mulher – identificado com o patriotismo, encarnado como projeto moral que só se poderia
fortalecer conquanto a pessoa fosse autónoma. Nesse projeto, não houve, como referimos,
diferenciação entre homens e mulheres, nem entre casados e solteiros. Aliás, na época,
quando não havia cabimento para mulheres solteiras no seio da sociedade enquanto seres
independentes e autónomos, estas, marginalizadas e excluídas, foram acolhidas pelas
“Entusiastas” no seu projeto pela pátria.
Embora o projeto de emancipação das “Entusiastas” visasse a um novo papel para a
mulher na sociedade – o papel político em prol do país ocupado – e apesar de estas se terem
envolvido no processo de resistência face aos ocupantes, rompendo, assim, com os padrões
femininos vigentes, que as aceitava exclusivamente como mães e cuidadoras, esse discurso
das “Entusiastas” não encontrou grande apoio na sociedade e entre as elites. As mentalidades
relegavam a mulher ao papel de mãe, e era precisamente nesse papel que a viam como a
guardiã dos valores nacionalistas. Foi através da educação dos filhos (rapazes) que se iam
bater pela pátria e a levariam à liberdade que se imaginou o papel principal a conceder às
mulheres. O conceito de cidadania não ultrapassava os limites dentro dos quais as mulheres
desempenhavam os papéis tradicionais. Qualquer envolvimento não tradicional de mulheres
era silenciado, marginalizado e empurrado para fora do que foi estabelecido como norma.
Todavia, é de relembrar que as mais importantes e as mais ativas das “Entusiastas”, como
Narcyza Zmichowska, cumpriram penas de prisão pela atividade de resistência, conspiraram
organizando encontros, dando aulas em sigilo e divulgando literatura proibida. Para elas, essas
atividades constituíram uma maneira de se libertar dos constrangimentos impostos pela
sociedade e de atingir a autonomia como seres humanos.
A autonomia das mulheres podia – e, segundo as “Entusiastas”, deveria – vir com a
educação adequada, e foi também nesse campo que concentraram os seus esforços para mudar
as mentalidades. Importa aqui levantar a seguinte questão: como é que se apresentava a
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Todas as citações do presente artigo são tradução nossa.
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educação nos tempos precedendo as “Entusiastas” e antes de Narcyza Zmichowska ter
rompido com muitas tendências que relegavam as mulheres ao seu canto de bonecas ocas,
preparadas para viver em função dos seus maridos?
Analisando as questões de educação reportando-nos ao início do século XIX, devemos
refletir sobre quais eram os seus objetivos. Teria a educação como objetivo criar cidadãos
obedientes e adaptados ao sistema político? Haveria tipos de conhecimento mais adequados e,
pelo contrário, outros que deveriam ser censurados? Deveria a educação ser a mesma para
todos, cidadãos e cidadãs, ou deveria esta ser adaptada em função do seu desempenho social?
Nesse caso, o que fazer em relação às mulheres – a educação delas devia ser a mesma, ou
diferente, em função dos papéis desempenhados?
As mulheres que se dedicaram ao tema da educação nas primeiras décadas do século
XIX fizeram tentativas de propor modelos educativos que se aplicavam principalmente ao seu
género. Houve, na época, influência de várias pedagogas, sobretudo oriundas de classes
elevadas, que dedicaram muitos dos seus trabalhos à questão da educação das jovens. Refirase, a título de exemplo, Izabela Czartoryska (1746-1835) e sua filha Maria Witemberska
(1768-1854), que produziram obras importantes visando a melhorar os índices de
escolarização das meninas, e Anna Nakwaska (1781-1851), cujo contributo foi relevante para
renovar o debate em torno dessas questões (PHILLIPS, 2008).
Klementyna Tanska-Hoffmanowa (1789-1845) merece também especial menção:
mulher talentosa, apesar de não ser pedagoga nem teórica da educação e de ser relativamente
mais jovem (pertencia à geração anterior a Narcyza Zmichowska), é comparativamente menos
liberal do que as que acabamos de mencionar. Pela leitura dos seus trabalhos, pode-se
concluir ser defensora de um modelo segundo o qual as mulheres devem ser educadas em
função do papel que desempenham na vida. Advoga, pois, a perspetiva de que o
conhecimento deve ser censurado, controlado e limitado, com o intuito de proteger os
indivíduos contra as influências perigosas, desmoralizadoras que dele advêm. Klementyna
Tanska-Hoffmanowa viu o seu trabalho reconhecido muito cedo, sendo a sua principal obra
Pamiątka po dobrej matce (Legado da boa mãe), editada em 1819, escrita quando a autora
tinha apenas 20 anos, a qual moldou gerações de pedagogos e educadores. Na sequência do
seu sucesso, Klementyna Tanska-Hoffmanowa foi nomeada supervisora das escolas femininas
em Varsóvia. O trabalho dela pouco tem a ver, surpreendentemente, com a própria pedagogia
e a teoria da educação; no entanto, tem muito a ver com a estereotipia de género corrente na
época. A autora faz questão em explicar e convencer os seus leitores de que a mulher tem a
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sua própria natureza, a sua essência feminina, em muito diferente da do homem. Baseada
nesse pressuposto, considera, pois, a educação e a preparação da jovem mulher aliadas
exclusivamente à sua futura e única função social: ser mãe e esposa. E a essa se deve adaptar
a educação que cada jovem deve receber.
Embora Klementyna Tanska-Hoffmanowa criticasse abertamente a literatura francesa,
que lhe era estranha e que, na sua opinião, era perigosa e desviava as jovens mulheres do seu
objetivo primordial de vida, parece que as suas opiniões acerca da educação das mulheres se
assemelhavam às teses propostas nos textos de Madame de Genlis (PHILLIPS, 2008). S.
Félicité Brulart de Genlis advertia as suas leitoras para não prosseguirem os estudos,
alertando-as para o perigo da busca pelo conhecimento, visto que tinham nascido para
permanecer em casa e viver submissas; e, assim, eram obrigadas a demonstrar gentileza,
sensibilidade e pensamento adequado à sua condição feminina. Em contrapartida, lembrava: o
génio é um talento inútil e perigoso e a ambição só incutia nelas intriga.
A natureza feminina, diferente da do homem, e o intelecto inferior ao dele exigiam
uma educação diferenciada. Em síntese, era esse o modelo de educação que Klementyna
Tanska-Hoffmanowa propagava e no qual todas as motivações, talentos e curiosidade
intelectual eram aspetos a erradicar, tendo em vista o seu bem. Retenhamos um fragmento
exemplificativo do que acabamos de afirmar, extraído do livro de Klementyna TanskaHoffmanowa:
De certeza que as mulheres necessitam de possuir menos capacidades do que os
homens; educação não deve ser o objetivo da vida delas, mas sim deve constituir
uma forma de decoração. […] Nunca elogio uma mulher que se dedique à alta
sabedoria: quando aprende Latim, Grego ou Hebreu, quando faz experiências em
Física, Química ou quando quebra a cabeça com a Álgebra. Saber como alegrar o
marido, fazer a sua vida agradável, educar bem os filhos dele, encontrar novas e
inocentes formas de ser apreciada; isto é o sistema de educação para a mulher. (apud
PHILLIPS, 2008, p. 59).
A base filosófica do discurso proposto pela autora torna-se evidente: o sexo fraco
deveria concentrar todos os seus esforços na submissão ao homem (LOUSADA, 2009). Por
outro lado, seguindo a lógica de Jean Jacques Rousseau, argumentando, em Émile, que as
mulheres, embora intelectualmente mais fracas, eram, em termos morais, mais fortes e
melhores do que os homens, Klementyna realçava as caraterísticas das mulheres que as
distinguiam, de forma positiva, dos homens: a sensibilidade, a emoção e a moral
(WALCZEWSKA, 1999). Pela sua lógica argumentativa, justificava que as mulheres
necessitam dos homens e vice-versa, uma vez que as mulheres não se podiam comparar aos
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homens no que dizia respeito ao intelecto, à força e à coragem, mas que, no entanto, elas
seriam o complemento deles, noutras esferas no espaço privado.
Genlis e Tanska-Hoffmanowa compartilham a ideia de que a educação extensa e
profunda constitui um perigo em relação ao casamento, à estabilidade de uma relação
equilibrada entre marido e mulher e, por conseguinte, um perigo à ordem social, que corre o
risco de desequilíbrio. As capacidades das mulheres devem resumir-se àquelas que lhes
facilitem a vida familiar, sendo apreciadas à medida que a mulher as utilizar no seio do espaço
doméstico, donde são muito bem-vindos e bem-vistos os dotes culinários, as capacidades para
fazer cálculos, cozer e preparar roupa, etc.
Em boa medida, algumas das “Entusiastas” aceitaram determinadas ideias
relativamente à educação e à função das mulheres, como proposta por Tanska-Hoffmanowa.
Por exemplo, Paulina Krakowowa apoiou a visão de Klementyna Tanska no que diz respeito à
diferenciação entre homens e mulheres e à noção de complementaridade dos sexos
(WALCZEWSKA, 1999). A emancipação significa exatamente a separação e a proteção do
que é feminino do todo que é masculino. Outra “Entusiasta”, Deotyma, por sua vez, também
apoiava o modelo proposto, argumentando que o que a mulher tem de mais importante é a sua
feminilidade: “Escolhendo entre as duas falhas, é melhor para uma mulher não saber tocar
Mendelssohn ou não saber ler Shakespeare no original do que não saber cozer ou preparar um
jantar decente” (apud PHILLIPS, 2008).
Esta noção, segundo a qual as mulheres tinham os seus pontos fortes, as suas áreas de
excelência, a sua zona de poder, teve uma certa influência entre as primeiras feministas
“Entusiastas”. A perfeição no domínio privado e no espaço íntimo armava a mulher de poder
e autonomizava-a do poder masculino (o poder exercido fora de casa, mas, muitas vezes,
também dentro dela). No entanto, Narcyza Zmichowska, uma das “Entusiastas” mais radicais,
opôs-se decididamente a esse programa de emancipação feminina. É de referir que Narcyza
Zmichowska foi aluna de Klementyna Tanska-Hoffmanowa no liceu feminino, em Varsóvia,
assumindo as críticas que lhe dirige, algumas décadas depois, um significado especial, pois,
apesar do respeito que Zmichowska nutria pela sua professora, rejeitou liminarmente o
modelo que consolidava a estereotipia de género na sociedade polaca do século XIX.
O modelo de mulher proposto por Klementyna Tanska-Hoffmanowa contrastou muito
com o de Narcyza Zmichowska. Na introdução que assina à coletânea de obras de TanskaHoffmanowa, intitulada Słowo przedwstępne do dzieł dydaktycznych Pani Hoffmanowej
(Palavras introdutórias aos trabalhos didáticos da Dra. Hoffmanowa), de 1876, Zmichowska
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avançou com uma crítica às propostas educativas, mas também à função e à missão das
mulheres. Esse texto tornou-se, de facto, um texto âncora de Narcyza Zmichowska, onde
várias académicas polacas contemporâneas encontraram fundamento para a emergência do
primeiro modelo de cariz feminista aplicado à condição feminina (PHILLIPS, 2008).2
Em primeiro lugar, a leitura do texto de Narcyza Zmichowska apresenta-nos uma
proposta de educação que não é diferenciada para homens e mulheres. O princípio do
feminismo, embora nunca clara e explicitamente verbalizado, parece estar no texto de forma
embrionária. O que, nesse trabalho, Narcyza Zmichowska criticou mais fortemente em
relação à proposta pedagógica da sua ex-professora foi a tendência de reforçar os estereótipos
relativamente às mulheres e ao modelo patriarcal que Klementyna Tanska-Hoffmanowa
escolheu e divulgou como dado por Deus, na ordem natural das coisas. Lutando contra essa
visão, Zmichowska procurou espaço para que as mulheres se pudessem realizar enquanto
indivíduos com o mesmo valor que os homens, e não como seres inferiores a eles. A grande
diferença na abordagem que Klementyna Tanska-Hoffmanowa e Narcyza Zmichowska fazem
à educação consistia no facto de que, para Zmichowska, a educação era realmente o processo
de acumulação do conhecimento de várias disciplinas, o desenvolvimento de pensamento
crítico, juntando-se a isso o desenvolvimento de capacidades práticas que permitissem a um
indivíduo (mais propriamente neste caso a uma mulher) sustentar-se sozinho e viver como
uma pessoa autónoma e independente. Estamos aqui perante uma grande divergência de
posições e leituras face ao que é a educação para as mulheres, pois, no primeiro modelo, a
rapariga é um ser dependente e limitado por constrangimentos que a sociedade lhe impôs; no
segundo modelo, existe toda a liberdade para uma mulher prosseguir os estudos a fim de se
autonomizar. No modelo de Tanska-Hoffmanowa, a educação das jovens tinha um só
objetivo: preparar para o desempenho de uma função determinada e esperada pela sociedade.
Enquanto Tanska-Hoffmanowa encara a curiosidade intelectual como perigo, visto ser
potencialmente capaz de abalar a ordem social imposta às mulheres, Zmichowska
compreende-a (ela própria chama à educação “a busca de verdade”) como objetivo em si
mesma.
2
É importante também salientar que este texto foi alvo de várias teses de doutoramento defendidas em
Universidades na Polónia e que a tendência geral por parte das feministas locais, segundo Ursula Phillips, era de
lhe atribuir mais caráter feminista do que o texto tinha na realidade. Outra académica também desse país,
Grazyna Borkowska, argumenta no seu trabalho (BORKOWSKA, 1996) que esse texto de 90 páginas escrito
como a análise do programa de educação para as jovens proposta por Tanska-Hoffmanowa não demonstra
explicitamente nenhum programa claro de emancipação de mulheres, mas exprime o sentido de que as mulheres
são diferentes dos homens, embora não inferiores.
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A acusação principal dirigida por Zmichowska à sua ex-professora radica na
construção de feminilidade – estabelecida por relação ao homem. É através dos olhos do
homem que a mulher se vê a si própria; ela constrói a sua identidade, a sua raison d´être,
quando obtiver a atenção e a aprovação deste. Vive preparando-se toda a sua vida para servir
e agradar ao seu marido. Zmichowska argumenta no seu texto que as mulheres já não se
reveem neste projeto de construção de feminilidade. Não tendo os golpes militares sido bemsucedidos contra a Rússia, as repressões do Czar fizeram-se sentir, muitos homens morreram,
foram enviados para a Sibéria, ou emigraram (DAVIES, 2005). Nesse contexto, por razões
históricas, mais do que por razões de emancipação, foram as mulheres que forçosamente
tiveram de substituí-los nas áreas de educação e na liderança intelectual.
Pela primeira vez na história polaca cultural, as mulheres procuraram desempenhar
as funções e os papéis reservados ao sexo oposto; elas trabalhavam na sua educação,
dedicavam-se ao trabalho literário e ao ensino como professoras; publicavam e
dedicaram-se à atividade política e científica. A família deixou de ser a única
obrigação e o fetiche. Isto aconteceu não só como fruto da vontade das mulheres
emancipadas, mas foi ditado pela necessidade. (BORKOWSKA, 1996, p. 65).
As mulheres conquistaram a sua voz. Perante essa situação, todo o programa de
feminilidade passiva gizado em função do homem simplesmente não tinha razão de existir;
passou a ser desajustado, dadas as circunstâncias políticas.
Por um lado, Zmichowska demonstrava o respeito em relação à sua ex-professora, pois
via nela uma mulher independente (Tanska-Hoffmanowa nunca viveu a sua vida como a
sugeriu às outras raparigas; era independente, trabalhava e sustentava-se através do seu
próprio trabalho); por outro lado, não concordava com a visão redutora e essencialista da
mulher – o ser vazio e dependente –, chamando “escravas” às mulheres que viviam em função
do homem (WALCZEWSKA, 1999).
As “Entusiastas” trabalhavam e debatiam as questões que tinham impacto direto nas
vidas das mulheres. Tudo o que fazia parte da experiência feminina estava incluído no seu
círculo de interesses: a educação feminina, o casamento, o trabalho, os direitos das mulheres
enquanto cidadãs. A instituição do casamento era uma das mais importantes formas de
organização social (e continua a ser) e constituía naquela altura uma das formas mais visíveis
e palpáveis de contrato entre os sexos. No século XIX, era uma instituição no seio da qual
acontecia o jogo de poder, diríamos mesmo vários tipos de poder. Todas as tentativas para
evitar o casamento eram socialmente censuradas, e uma mulher que escolhia viver segundo as
suas próprias convicções tinha que contar pagar um preço alto – a ostracização por parte da
própria família e da comunidade.
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Todos os guiões da época que visavam preparar a mulher para o casamento e o futuro
papel da mãe e da esposa foram dirigidos às jovens, visto que os rapazes não estavam
incluídos nesses guiões (LANDAU-CZAJKA, 2004). Por sua vez, as mulheres eram vistas,
principalmente, como futuras donas de casa, e nos guiões fazia-se questão de as preparar para
essa função desde tenra idade. Alguns trabalhos insistem no papel desempenhado pelos jogos
com as bonecas, enquanto outros realçam a importância de introduzir as raparigas nos
trabalhos domésticos que as vão preparar para as futuras tarefas. Em algumas famílias mais
pobres, as raparigas cuidavam dos irmãos e das irmãs mais novas e ajudavam as mães nos
afazeres domésticos.
Já analisámos neste ensaio as sugestões e os conselhos oferecidos às jovens mulheres
por parte de Klementyna Tanska-Hoffmanowa que ilustram muito eficazmente a tendência
geral vigente, na Polónia, ao longo do século XIX. O poder do marido era inabalável. Como
Edward Prądzynski argumenta no seu livro O prawach kobiet (Sobre os direitos das
mulheres):
Igualdade de direitos não pode libertar as mulheres dele [do poder do marido]. O
contrato de casamento faz-se com o inevitável sacrifício da independência da
mulher. Todos os protestos contra esta ordem devem ser encarados como uma
explosão do comportamento anárquico incontrolável. (apud WALCZEWSKA, 1999,
p. 128).
É curioso saber que Edward Prądzynski era um dos homens que apoiava o programa
de emancipação das mulheres, mas, no que diz respeito ao casamento, a ordem “natural” das
coisas era santa e inquestionável.
No entanto, mesmo no início do século XIX, levantaram-se vozes contra a
obrigatoriedade do casamento e contra a educação de jovens, de modo a assegurarem a mera
função de esposa e mãe. Uma das “Entusiastas”, Eleonora Ziemięcka, alertava contra esse
tipo de educação. Como argumentou, as jovens deveriam ser preparadas em função da razão e
não em função da emoção, mesmo se isso significasse a redução do número de casamentos.
A rapariga não deve crescer na convicção de que o objetivo da educação dela é
encontrar marido. A rapariga verdadeiramente ilustre renunciará à doçura da relação
mútua em vez de sacrificar a sua dignidade através duma escolha pouco adequada.
(ZIEMIECKA, 1843, apud WALCZEWSKA, 1999, p. 80).
Com o passar dos anos, o estatuto desigual do casamento tornou-se a fonte de críticas
por parte das “Entusiastas”. Por outro lado, o tabu e a ostracização relacionados com o
estatuto da mulher solteira foram fortíssimos, sendo poucas as mulheres emancipadas opondose abertamente à estigmatização de solteiras ou divorciadas. A própria Narcyza Zmichowska,
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que tinha fama de ser uma das mais radicais no grupo de “Entusiastas”, não se exprimia
contra o casamento, a maternidade ou a vida em família, na generalidade, mas argumentava
contra as condições em que se contraíam os casamentos. Costumava dizer que algumas
mulheres sofriam imenso em casamentos arranjados, privadas de amor e de compreensão
(PHILLIPS, 2008).
Aliás, o discurso em torno do corpo e da identidade da mulher era muito frequente nas
primeiras décadas do século XIX. Um dos mais ferventes opositores da emancipação das
mulheres colocou a seguinte questão, numa revista publicada anonimamente: “que tipo de
mulher deve ser a nossa mulher?” (WALCZEWSKA, 1999). O próprio ato de equacionar esta
pergunta revela que a sociedade polaca começou a pensar as mulheres no sentido do que é ou
não adequado a ser feminino e o que significa ser mulher. “Quem deverá ser a nossa mulher
polaca?” – a pergunta sobre a nova identidade da mulher estava a ser colocada e era
respondida pelas próprias mulheres. A própria Klementyna Tanska-Hoffmanowa concebe a
mulher ideal aludindo nos seguintes termos à personificação duma feminilidade perfeita: ela
deve agradar a toda a gente. A beleza e os cuidados a ela relacionados são abordados em O
powinnościach kobiet (Sobre as obrigações de mulheres), onde a autora argumenta que mais
importante do que a cara bonita ou o corpo esbelto é o comportamento adequado. Este,
quando conseguido, leva-a ao objetivo mais importante – o casamento. O comportamento
mais adequado para uma mulher que conhece o seu valor e tem respeito por si própria é o que
inclui a maneira mais elegante possível de se mexer, deslocar, sentar, levantar e falar. Uma
mulher ideal deve, em todo o seu comportamento, demonstrar que é tudo o que o homem não
é: delicada, fraca, silenciosa, passiva. O ideal seria não ocupar muito lugar, não brilhar, não
atrair atenções. Só essas caraterísticas lhe podem garantir que o homem se vai interessar por
ela (WALCZEWSKA, 1999). Além de serem submissas e passivas – ou meros instrumentos
de decoração –, as mulheres deveriam também saber pouco sobre os seus corpos e as funções
biológicas. Era particularmente considerado de mau tom saber com mais pormenor de onde
vêm as crianças. Ingenuidade e falta de conhecimento eram vistos como mais-valias duma
mulher não casada. As bonecas de salões, como foram chamadas estas mulheres jovens, eram
alvo de críticas por parte das “Entusiastas” lideradas por Zmichowska. Foram elas que,
através do seu comportamento, e ao contrário do que era esperado socialmente, romperam
com as imagens, com o paradigma de mulher ideal vigente. Desrespeitando a norma, não
cumprindo o que delas se esperava, cortavam o cabelo, vestiam vestidos soltos, fumavam –
com os atos de desobediência mostraram que a mulher pode e deve ser senhora de si própria.
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No entanto, a liberdade relacionada ao corpo tinha os seus limites – as “Entusiastas”
nunca conseguiram que o corpo fosse visto e tratado como fonte de prazer. A tolerância da
sociedade tradicional chega neste ponto ao seu limite, e as tentativas das “Entusiastas” foram
alvo de tão fortes críticas que fizeram claudicar qualquer possibilidade de um discurso de
mudança para as décadas seguintes (KURKOWSKA, 1994). A liberdade sexual e a liberdade
de decidir sobre o seu próprio corpo tornaram-se tabu antes de elas terem levado a discussão
ao fórum público. O facto de duas das “Entusiastas” terem tido coragem para decidir sobre a
sua vida – referimo-nos a Zofia Węgierska, que, uma vez divorciada, casou novamente, e
Julia Molinska-Wojkowska, que, sem se ter casado, teve como companheiro Antoni
Wojkowski – foi visto como um ataque contra os valores tradicionais; até mesmo Narcyza
Zmichowska, embora não tenha criticado a atitude de seus pares, não as apoiou abertamente
(WALCZEWSKA, 1999).
O tabu do corpo e da sexualidade não foi abordado frontalmente pelas “Entusiastas”,
embora elas não vivessem propriamente segundo as regras estabelecidas pela cultura
patriarcal e tivessem ultrapassado certas barreiras. Esse silêncio subtil parece-nos uma forma
de proteger o próprio movimento que visava melhorar a condição de mulheres e demonstrar
que a emancipação não significava a rejeição dos valores tradicionais (cristãos) e que a
mulher podia ser mãe e esposa e, ao mesmo tempo, um ser livre e independente. O discurso
de emancipação do corpo, enquanto corpo sexuado, atravessou um impasse e estagnou
durante as décadas seguintes, em parte porque as “Entusiastas” se separaram claramente duma
outra visão de emancipação, relacionada ao corpo, proposta pelas mulheres chamadas “Leoas
dos Salões” (WALCZEWSKA, 1999). Todas elas, inclusive Narcyza Zmichowska, realçavam
que o projeto de emancipação que defendiam nada tinha a ver com o das “Leoas”. “Leoas dos
Salões” eram as mulheres da alta sociedade, com uma posição social e económica
suficientemente forte para viverem vidas livres. Podiam escolher os seus parceiros sexuais
sem olhar para os constrangimentos sociais e culturais. Rompiam constantemente com as
normas e expetativas da sociedade, mas o preço a pagar pela liberdade era alto: regra geral,
eram vistas como mulheres de má vida e, consequentemente, eram rejeitadas. A exclusão
social veio também por parte das “Entusiastas”, que não fizeram da liberdade do corpo e da
vida sexual o seu projeto principal de emancipação. Podemos afirmar que, para salvar o seu
projeto e para ele não ser associado à decadência moral das “Leoas”, as “Entusiastas”
aceitaram em silêncio todo o mal moral atribuído às “Leoas dos Salões”, fazendo com que o
problema da libertação sexual das mulheres lhes fosse negado e o debate sobre a questão só
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tivesse recomeçado no início do século XX. Nesta altura, as escritoras mais conhecidas e
prestigiadas na Polónia regressaram ao tema do prazer e dos direitos sexuais das mulheres tal
como aos problemas da prostituição e da violência doméstica.
Conclusão
O objetivo deste trabalho consistiu em apresentar e analisar o projeto de educação
promovido por mulheres intelectuais na Polónia durante a primeira metade do século XIX, o
qual visava contribuir para a construção da imagem de uma mulher mais autónoma, passível
de atuar no seio da sociedade. As mulheres que fundaram o grupo das “Entusiastas”, nos
primeiros anos da década de 1840, nas zonas ocupadas pela Rússia, eram, principalmente,
pedagogas, escritoras, jornalistas e tradutoras. A palavra escrita constituiu o instrumento
principal com o qual trabalhavam. Através da sua escrita e de seu pensamento, disseminaram
as suas ideias acerca do papel social da mulher na Polónia, desafiando a visão tradicional.
Uma das mais importantes contribuições do grupo das “Entusiastas” consistiu em iniciar o
trabalho de desconstrução de algumas ideias tradicionais e normativas da feminilidade,
oferecendo propostas para mudar a condição da mulher, através da educação, da cidadania, do
estatuto civil e da vida sexual.
Podemos afirmar, com segurança, que as mulheres que faziam parte do grupo
avançaram com as propostas de independência intelectual e económica, rejeitando a visão
essencialista do ser feminino como entidade inferior e passiva em função do homem. Curioso
é o papel desempenhado pela principal fundadora do grupo, Narcyza Zmichowska, que se
opôs à visão do papel da mulher proposta por sua mestre, Tanska. É de sublinhar que a análise
do programa educativo e dos seus objetivos, empreendidos pela professora, então à época
muito popular na Polónia, permitiu perspetivar o papel social da mulher de outra forma.
O programa de emancipação das mulheres sugerido pelas “Entusiastas” antecipou em
várias décadas o que se passou no final do século XIX, quando as mulheres começaram a lutar
pelo direito ao voto, pelo direito à plena cidadania e pelo direito de serem mulheres livres.
Recebido em março de 2014.
Aprovado em abril de 2014.
Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 55, jan./jun. 2014.
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The “Enthusiasts” and a Polish Woman’s Education in the Nineteenth Century
Abstract: The aim of this article is to examine the emancipatory discourse delivered by Polish intellectual
women in the first half of the nineteenth century. We will analyze how the political situation of Poland, which, at
the time, was occupied by Austria, Russia and Prussia, impacted the thought and writing of intellectual women
who identified themselves with the project of women´s emancipation through education and their active
participation in nation-building, as well as the image they held of themselves as independent and committed
women. It is important to stress here that the group called “The Enthusiasts”, founded by some of the intellectual
women of that epoch, such as, Narcyza Zmichowska, Eleonora Ziemiecka, or Paulina Krakowowa, chose writing
as its main tool to battle for women´s rights and in the name of social change. With the help of newspapers,
essays, and articles, “The Enthusiasts” aimed to reach their female readers and, this way, fight stereotypes which
limited women´s lives. It is important to underline that the project undertaken by “The Enthusiasts” encouraged
both writing and reading practice, proving these to be efficient instruments toward liberation and against
ignorance.
Keywords: Woman. Emancipation. Education. “The Enthusiasts”.
Referências
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Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 55, jan./jun. 2014.
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Ciências & Letras, Porto Alegre, n. 55, jan./jun. 2014.
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