White paper on China`s Peaceful Development

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White paper on China`s Peaceful Development
IGEPRI
Monografias
Monografias IGEPRI é uma publicação bimestral do Instituto
de Gestão Pública e Relações Internacionais (IGEPRI). Sua
missão é servir de espaço alternativo à publicação de pesquisas científicas elaboradas por jovens acadêmicos dedicados ao estudo e ao debate de temas relativos à Gestão
Pública e às Relações Internacionais no Brasil e no mundo.
Com potencial de influenciar e intervir no processo decisório
governamental nas suas diversas esferas, contribuindo com
novas propostas para a elaboração de políticas públicas,
efetivação de controle social, suporte à advocacia de idéias
e a busca de transparência no trato dos assuntos públicos.
Conselho Editorial
Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco)
Luis Antônio Francisco de Souza (UNESP – Marília)
Heloísa Pait (UNESP – Marília)
Luis Francisco Corsi (UNESP – Marília)
Janina Onuki (USP – Instituto de Relações Internacionais)
Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP – Marília) – Editor
José Blanes Sala (UFABC)
Marcelo Passini Mariano (UNESP – Franca)
Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP – Araraquara)
Miriam Cláudia Simoneti Lourenção (UNESP – Marília)
Lidia Maria Vianna Possas (UNESP – Marília)
Tullo Vigevani (UNESP – Marília)
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
ALINE TEDESCHI DA CUNHA
BAXI GUANXI: PERSPECTIVAS DA PARCERIA ESTRATÉGICA
BRASIL-CHINA NO ÂMBITO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL NO
INÍCIO DO SÉCULO XXI
Marília – SP
2011
ALINE TEDESCHI DA CUNHA
BAXI GUANXI: PERSPECTIVAS DA PARCERIA ESTRATÉGICA
BRASIL-CHINA NO ÂMBITO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL NO
INÍCIO DO SÉCULO XXI
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à banca examinadora da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista para obtenção do título de
Bacharelado em Relações Internacionais.
Orientador: Marcos Cordeiro Pires.
Marília –SP
2011
ALINE TEDESCHI DA CUNHA
BAXI GUANXI: PERSPECTIVAS DA PARCERIA ESTRATÉGICA
BRASIL-CHINA NO ÂMBITO DA COOPERAÇÃO SUL-SUL NO
INÍCIO DO SÉCULO XXI
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à banca examinadora da Faculdade de
Filosofia e Ciências da Universidade Estadual
Paulista para obtenção do título de
Bacharelado em Relações Internacionais.
Banca examinadora:
Orientador: ______________________________________________
Dr. Marcos Cordeiro Pires
Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP
2º Examinador: ___________________________________________
Dr. José Marangoni Camargo
Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP
3º Examinador: ____________________________________________
Dr. Mauri Silva
Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP
Marília, 6 de dezembro de 2011
Aos meus pais, energias sublimes.
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para
a concretização deste trabalho. Em especial, agradeço:
À Faculdade de Filosofia e Ciências FFC/UNESP, pelo apoio institucional e formação
acadêmica.
Ao Professor Doutor Marcos Cordeiro Pires, por quem tenho grande admiração e
carinho, por ter aceitado ser o professor orientador deste projeto, pela atenção dedicada em
guiar meus estudos e repassar conhecimentos, e, acima de tudo, por acreditar em nosso
potencial.
Aos professores José Marangoni Camargo e Mauri Silva, pela disposição em
participar da banca avaliadora deste trabalho e pela contribuição com valiosos apontamentos
para a realização deste.
Ao Grupo de Estudos BRICS, por ter instigado em meu processo de estudos a ânsia
pelo conhecimento do tema tratado no presente trabalho e por promover profícuas discussões
sobre diversos textos, cujo resultado foi a agregação de material e conhecimento aos meus
estudos.
Ao Instituto Confúcio no Brasil, nas pessoas do Professor Doutor Luis Antônio
Paulino e de 林 翠 華 (Elena), por ter me proporcionado, além das bem-humoradas e
dinâmicas aulas de mandarim, uma viagem de estudos incrível à China, na qual pude aprender
muito da formidável cultura deste país e de seu povo.
À Sage – Empresa Júnior de Relações Internacionais, onde pude desenvolver diversas
habilidades necessárias à minha formação enquanto profissional de Relações Internacionais, e
aprender a trabalhar em grupo com colegas qualificados em prol de intenções comuns.
À 李镟 (Margaret) e 石方玉 (Sheri), amigas que me mostraram que a distância
geográfica e cultural não impõe falta de sintonia, e que contribuíram grande parte para o meu
entendimento sobre o guanxi chinês.
Ao meu namorado Carlos Roberto Staine Prado Filho (Peh), por ter me dado apoio
especial, conforto, e carinho, fundamentais para o meu equilíbrio interior e por cultivar em
mim o bem e o encontro com minhas próprias prioridades, mostrando-se um companheiro
magnífico em minha caminhada.
Aos meus queridos pais Alexandre Alves da Cunha e Edilene Emília Tedeschi da
Cunha, para quem não tenho palavras que expressem meu amor, por todo ensinamento de
vida, apoio incondicional e carinho profundo. Sou infinitamente grata por serem estes o meu
porto seguro, sempre.
À minha alma-gêmea Laís Tedeschi da Cunha, meu presente divino, a quem devo
muito de meus sorrisos, minhas alegrias, com quem compartilho anseios e posso contar
sempre. Obrigada por aquecer meu coração e me encher de orgulho, “mini-mim”.
À toda minha família, por serem a base mais sólida de minha formação enquanto ser
humano. Agradeço pela compreensão, pelo afeto, por terem me dado forças e me incentivado
em todos os momentos.
A cada um dos meus estimados amigos, pelo compartilhamento de idéias, experiências,
pelo divertimento e descontração e, sobretudo, pelo apoio e incentivo aos meus projetos
pessoais.
大學之道: 在明明德,在親民,在止於至善。
大學
“Sabendo reconhecer as prioridades, estarás ao alcance da Via”
Da xue
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo investigar quais os fatores do fortalecimento das relações
entre os novos Global Players China e Brasil sob a apreciação do termo parceria estratégica,
já que a agenda de ambos os países priorizam relações de cooperação e integração no âmbito
Sul-Sul. Pretende-se, assim, compreender as estratégias políticas sino-brasileiras de inserção
na primeira década do século XXI, e buscar apreender suas complementaridades dentro de
novos standards da arena internacional, em reestruturação rumo a um modelo multipolar.
Para tais análises, foram utilizados material bibliográfico referente ao tema em questão, fontes
primárias de documentação, coleta de dados de fontes oficiais utilizadas pertinentes às
circunstâncias analisadas e publicações de imprensa como base factual de conjuntura
internacional. Além disso, valeu-se de técnicas de análise de conjuntura como modelo para o
estabelecimento de nexos causais entre acontecimentos do cenário internacional e os ensejos
político-econômicos dos países ora estudados. Assim, aspira-se agregar coerência e permitir o
entendimento da manipulação político-econômica sino-brasileira, tendo em vista a
consecução dos objetivos recíprocos pretendidos.
Palavras-chave: Parceria Estratégica. Cooperação Sul-Sul. Brasil. China. Política Externa.
ABSTRACT
This paper´s scope is investigate the factors of strengthening relations between the new
Global Traders China and Brazil under the egis of the term strategic partnership, taking
account that both countries´ agendas give priority to relations of cooperation and integration
within South-South. The aim is to understand the political strategies of Sino-Brazilian
integration in the first decade of this century, and seek to seize their complementarities within
the new standards from the international arena in restructuring towards a multipolar model.
For such analysis, we used bibliographic material on the topic in question, primary sources of
documentation, data collection from official sources to be used relevant to the circumstances
analyzed, and press releases as factual basis of the international situation. In addition, it relied
on analysis techniques juncture as a model for establishing causal links between events in the
international arena and the politic-economic good points of the countries studied herein.
Therefore, the aim of the research is to add consistency and to allow the understanding of
Sino-Brazilian political and economic manipulation, with a view to achieving mutual goals
pursued.
Keywords: Strategic Partnership. South-South Cooperation. Brazil. China. Foreign Policy.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Produto Interno Bruto (PIB) – Taxa de Crescimento Real (%) ................................... 67
Figura 2 - Reservas Internacionais da China (em US$ 100 milhões) e Taxas de Crescimento
(%) 2006-2010 .............................................................................................................................. 72
Figura 3 - Corrente de Comércio China-África (importação + exportação) 2000-2010 (US$
bilhões) ......................................................................................................................................... 74
Figura 4 - Taxa de Crescimento Médio Anual do Comércio com a China (%) 1990-2010 ......... 75
Figura 5 - Despesas militares como Porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) ..................... 78
Figura 6 - Corrente de Comércio 1990-2000 (US$ Bilhões F.O.B) ............................................. 102
Figura 7 - Balança Comercial Brasil-China (exportações – importações) 1990-2000 (US$
F.O.B) ........................................................................................................................................... 103
Figura 8 – Estrutura das Exportações da China (%) 1985-2000 .................................................. 109
Figura 9 – Balança Comercial Brasil-China (Em US$ bilhões) 2000-2010................................. 110
Figura 10 – Participação do Brasil nas importações chinesas (%) 2002-2010 ............................. 113
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução das exportações, importações e corrente de comércio da China – valor
(em US$ corrente) e participação mundial (%) ............................................................................ 69
Tabela 2 – Comércio Brasil-China 1980-1990 (US$ F.O.B) ....................................................... 93
Tabela 3 – Exportação Brasileira à China – Principais Produtos – jan/dez 2010 ........................ 111
SUMÁRIO
1 Introdução ................................................................................................................................ 12
2 A Nova Ordem Internacional ................................................................................................. 18
2.1 Globalização e Mundialização do Capital .............................................................................. 18
2.2 Cooperação Sul-Sul, Multipolaridade e a Questão da Governança Global ............................ 24
2.3 Deflação da Credibilidade Norte-Americana e o Dissenso de Washington ........................... 35
3 China redesenhando a Nova Ordem Internacional .............................................................. 47
3.1 改革开放 – Gaige Kaifang – Reforma e Abertura ................................................................. 47
3.1.1 Descentralização: o Central e o Local ................................................................................. 51
3.1.2 Revisão de impostos e do sistema fiscal .............................................................................. 52
3.1.3 A reforma empresarial ......................................................................................................... 54
3.1.4 A economia de mercado socialista com características chinesas ........................................ 56
3.1.5 O aprofundamento da política de “Portas Abertas” e as Zonas Econômicas Especiais
(ZEEs)........................................................................................................................................... 58
3.1.6 Fatores Internacionais: Investimento Estrangeiro Direto (IED) e o comércio dos chineses
de ultramar .................................................................................................................................... 60
3.2 A inserção internacional e o desenvolvimento pacifico chinês .............................................. 68
4 A Parceria Estratégia Sino-Brasileira ................................................................................... 84
4.1 A inserção internacional de China e Brasil e o estabelecimento das relações diplomáticas ..
...................................................................................................................................................... 85
4.2 A construção da parceria estratégica ...................................................................................... 97
4.3 A parceria estratégica no início do século XXI ...................................................................... 104
4.3.1 A vertente econômico-comercial ......................................................................................... 106
4.3.2 A vertente política ............................................................................................................... 117
4.3.3 A vertente científico-tecnológica......................................................................................... 125
4.3.4 Breves prospecções: desafios e oportunidades .................................................................... 128
5 Considerações Finais ............................................................................................................... 131
Referências .................................................................................................................................. 140
Anexos .......................................................................................................................................... 155
12
1 Introdução
O sistema de relações internacionais, finda a confrontação bipolar da Guerra Fria,
abriu um novo período histórico marcado por uma cadeia de transformações que
reestruturaram o cenário internacional. Esta crise tangente ao centro mundial de poder do
começo dos anos 90 trouxe perplexidade quanto ao direcionamento da ordem internacional.
A primeira conseqüência decorrente desse novo quadro colocou os Estados Unidos,
com sua pretendida superioridade global, como líder capaz de prover uma nova ordem de
caráter ocidental identificada em bases do pluralismo democrático e na concepção unificadora
do modelo anglo-americano. A respeito desta liderança, o economista ítalo-americano
Giovanni Arrighi emprega o conceito de hegemonia, que provém do notório referencial
gramsciano, para revelar a capacidade de um grupo, durante um determinado período, de
afirmar-se como portador do interesse geral de um sistema interestatal (ARRIGHI; SILVER,
2001, p. 27). A segunda conseqüência foi a reordenação da economia mundial sob a égide de
um mercado “globalizado”, o que reafirmou mudanças nos padrões internacionais de
atividades econômicas. A relação produtiva capitalista se expandiu, propiciando com ela a
expansão do mercado mundial. Ao facilitar a introdução e difusão de recursos tecnológicos na
economia mundial, a globalização também acelerou o movimento de capital, e com isso
aumentaram sobremaneira os investimentos estrangeiros. Uma terceira conseqüência foi o
deslocamento do eixo do antagonismo político para o mancal Norte-Sul. No sentido de se
tentar criar uma ordem internacional mais inclusiva, foram criadas regras e diretrizes que
modelam as relações interestatais, institucionalizadas nos organismos de Bretton Woods1.
Devido ao grande fluxo de recursos financeiros e de capitais especulativos
internacionais, pode ser creditado ao sistema financeiro um papel relativamente positivo na
formação da poupança necessária ao deslocamento do processo de industrialização, o que
viria a determinar a emergência de novos pólos econômicos e de novos centros de poder
internacional que rediscutissem o balanço de poder. A existência dos Estados Unidos como
estado que concentra o poder bélico sem rival, mas não detém mais a credibilidade mundial,
vistas às malogradas investidas unilaterais político-militares, completa um cenário
internacional o qual Arrighi (2008, p. 175) denominou de dominação sem hegemonia.
1
A saber: Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC) – ex GATT - e
Banco Mundial. As diretrizes das políticas institucionais, sobretudo financeiras, eram ditadas pelos países
centrais, mormente pela onipresente liderança norte-americana, garantindo a imposição do status quo e a Pax
Americana.
13
Na nova ordem mundial, países que antes tinham pouca influência sistêmica revelamse como prováveis atores num realinhamento das relações de poder da economia-mundo. Dois
países em especial vêm mostrando nas três últimas décadas serem respeitáveis Global Players
no redesenho da geopolítica mundial: China e Brasil.
A China é hoje a maior força motriz do crescimento econômico mundial. No período
entre 2000 e 2010, a República Popular da China (RPC) duplicou seu PIB, passando de 8.940
trilhões de yuanes para 39.798 trilhões2. Face à dimensão e ao peso estratégico da China, o
impacto da projeção dessa economia nas próximas décadas instiga análises de alguns
observadores interessados no abalo do status quo na política internacional.
Crescendo a taxas em torno de 10% ao ano por duas décadas, a República Popular da
China surpreende a comunidade internacional principalmente por ter realizado uma bemsucedida revisão de suas estruturas, escapando da crise que se abateu sobre o conjunto dos
países socialistas com a queda da URSS. Depois da Reforma e da Abertura da China Popular
a partir do Plenário do XI Comitê Central em 1978, a China re-inaugurou sua dimensão
internacional. Baseados na concepção desenvolvida pelo arquiteto geral da modernização,
Deng Xiaoping, os dirigentes chineses centraram sua linha de atuação principal na construção
econômica nacional. Em 1984, o Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC) propôs
a implantação de um sistema misto, onde coexistissem o planejamento central e o mercado,
chamado posteriormente de “economia socialista de mercado”.
Ao reintegrar-se ao mercado mundial, e com a paulatina substituição de exportações
na direção de bens de capital e de consumo de maior valor agregado e a industrialização
acelerada, a demanda total de minério de ferro, carvão, aço e alumínio da China passou a
exceder sua capacidade de produção, cumprindo elevada pressão nos mercados mundiais.
Assim, a RPC passou a ter em conta em sua perspectiva estratégica as relações com regiões
onde sua presença era pequena, como a África e a América Latina e Caribe. Tal processo se
vinculou à necessidade de se assegurar o abastecimento de energia, minerais e insumos
alimentícios no longo prazo (SHIXUE, 2006, p. 4).
Além da importação de matérias-primas para alimentar sua indústria, também era
imperativo que alimentasse sua colossal população, e em função da crescente necessidade de
produção local de proteínas (frango e carne), o país teve de importar basicamente alimentação
animal (soja e milho). Assim, o aumento da demanda chinesa propiciou crescimento para a
economia brasileira, sendo o país grande produtor e exportador de minério de ferro e soja. No
2
“China GDP up 11.1% in 1st half of 2010”.
www.chinadaily.com.cn/Xinhua. Acesso em 10/08/2011.
China
Daily
JUL/2010.
Disponível
em:
14
que tange às importações brasileiras, produtos manufaturados e componentes eletrônicos são
majoritários na pauta comercial vinda da China – esta já no patamar de “fábrica do mundo”.
Nesse sentido, à medida que ela se dinamiza e se especializa em produtos manufaturados, é
mantido ou ampliado o interesse na importação de produtos básicos do Brasil.
Não obstante as iniciais investidas, no âmbito das relações comerciais, os primeiros 25
anos de relações diplomáticas entre Brasil e China não foram muito expressivos, sendo
relevantes cooperações científico-tecnológicas 3 . Nesta ocasião (1974-2000), o comércio
exterior brasileiro foi afetado de maneira aguçada em vista de a economia brasileira ter
enfrentado fortes crises, como a energética, a da dívida externa, a crise fiscal e o árduo ajuste
liberalizante da década de 1990 (PIRES; PAULINO, 2010, p. 5). A partir deste período,
houve uma mudança de paradigma estruturador da economia nacional. Conquanto o modelo
de desenvolvimento baseado na substituição de importações tenha sido suplantado, o êxito do
crescimento econômico havia proporcionado a organização de setores dinâmicos, o que gerou
uma estrutura industrial dentro dos moldes das características do liberalismo econômico.
No que tange à política externa brasileira, a conjuntura internacional pós Guerra Fria
contribuiu para a ascensão, dentro do Itamaraty, da corrente autonomista 4 da diplomacia
brasileira, a qual se esteava em uma perspectiva que identificava a ordem internacional como
cenário de polaridades indefinidas (LAFER; FONSECA JR., 1994, p. 49-78). Partindo desta
perspectiva, o Brasil delineou políticas de caráter terceiro-mundista. Dentro deste ínterim,
com forte atuação nos fóruns multilaterais, a reaproximação com a China – que em
decorrência de seu desenvolvimento acelerado não era mais somente um ator político, mas
igualmente um forte mercado consumidor e fornecedor - foi fundamental para dar
credibilidade e legitimidade à ação brasileira.
A conjuntura internacional da década de 2000 estimulou os laços de cooperação de
tipo Sul-Sul entre os gigantes emergentes. O primeiro deles encontra-se na afirmação da
agenda pacífica da não-intervenção por ambos os lados, especialmente depois dos ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001 e das guerras do Afeganistão e do Iraque, feitios
unilaterais norte-americanos dentro dos ideais da guerra contra o terror. Outro ponto foi o
ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 11 de dezembro de 2001.
3
Exemplo disto foi o trabalho conjunto para o desenvolvimento de satélites de sensoriamento remoto (CBERS Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), tendo sido lançado, em 1999, o primeiro satélite e em 2003, o
segundo. Em setembro de 2000 os esforços demonstrados no sentido de intercambiar experiências foi firmado
no Protocolo entre os Governos da China e do Brasil sobre a Cooperação na Área de Tecnologia Espacial.
4
Tal corrente defende uma projeção mais autônoma do Brasil na política internacional; tem preocupações de
caráter político-estratégico dos problemas Norte/Sul; dá maior destaque à perspectiva brasileira de participar do
Conselho de Segurança das Nações Unidas; e busca um papel de maior liderança brasileira na América do Sul.
O destaque que dá para a cooperação com países do Sul é evidente.
15
Também foi realizada a reunião ministerial de Cancun (setembro de 2003), na formação do G20 comercial 5 , um grande instrumento de barganha de países interessados no fim dos
subsídios internos e das subvenções às exportações de produtos agrícolas e em um maior
acesso aos mercados dos tradicionais protegidos do Norte. E por último, as relações
comerciais entre Brasil e China no âmbito BRIC também se tornaram especiais, na medida em
que ambos os países de certa forma resistiram a uma convulsão econômica com os efeitos da
crise financeira relacionada às hipotecas sub prime norte-americanas, em 2008
De fato, considerando-se o potencial de aprofundamento das relações em longo prazo,
não só a expressão parceria estratégica, cunhada em 1993 pelo Primeiro Ministro Chinês,
Zhu Rongji, como também seus preceitos têm sido amplamente utilizados na medida em que
o potencial de ambos os países para agregarem esforços e alicerçarem uma nova geografia
política e econômica ganha dinamismo factual. Percebe-se que o raciocínio desenvolvido no
tangente ao relacionamento sino-brasileiro é de que ele esteve (e ainda está) alicerçado na
percepção mútua da importância que a estratégia de cooperação Sul-Sul apresenta para ambos
os países e suas respectivas políticas externas. Assim, esta pesquisa propõe-se ao seguinte
questionamento: Quais são os motores - fatores conjunturais adversos e/ou fatores oriundos de
genuíno interesse nacional - do fortalecimento das relações sino-brasileiras sob a apreciação
de parceria estratégica, tendo ambos os países agendas que priorizam relações de cooperação
e integração no âmbito Sul-Sul? Este tipo de questionamento, centrado na percepção de que as
políticas externas de China e Brasil vêem como vantajosas em suas relações, é permeado por
um bloco de questões, como por exemplo, o direcionamento a ser dado aos mais diversos
setores de desenvolvimento no país e quais princípios firmar numa conjuntura mundial que já
está sendo identificada como o “Consenso de Pequim”. Destarte, presume-se que “um
comportamento adequadamente referido como estratégico deve possuir visão de futuro, para o
que é indispensável ter em conta a conduta, os objetivos e os planos de ação dos atores que
estão entrando em cena” (CASTRO, 2007, p. 56).
Pretende-se, com o aprofundamento dos estudos acerca dos reais ensejos sinobrasileiros de clamar por uma mais bem delineada parceria estratégica, compreender e
revelar um fenômeno que, apesar de se fazer cada vez mais visível à opinião pública, ainda é
muito recente, e carece da apreensão detalhada de suas especificidades.
5
A criação inicial de 1999 estabelecia um G-20 como fórum consultivo em termos de sistema financeiro
internacional. A partir de 2008 estabeleceu-se que o G-20 seria um conselho internacional permanente de
cooperação econômica entre os países em desenvolvimento no âmbito da OMC, e em suas reuniões
participariam não só os ministros das finanças dos países-membros, como também os respectivos chefes de
Estado.
16
Um dos principais objetivos desta pesquisa é lançar novas conjeturas quanto às
características da chamada parceria estratégica entre Brasil e China e suas potencialidades,
buscando uma visão perspectiva sobre o desenvolvimento destas relações no fim do século
XX e no início do século XXI, a qual procure ir além das explicações mais conhecidas e que
busque, na História recente, pistas para compreender o sentido do processo de estreitamento
de laços, considerando-se as muitas variáveis negativas e positivas que ainda hoje influenciam
a consolidação desta parceria. A adequada compreensão destas características e o seu
ordenamento ao longo da década de 2000 é proveitosa para determinar quão específicos são
os fatores desta aproximação, quais artifícios foram utilizados para tal e quais os possíveis
cenários que daí se desdobram.
Nesse sentido, além desta introdução, a pesquisa se divide em mais quatro partes, dada
tal disposição. A segunda sessão está focada na análise de elementos a priori exógenos e
conjunturais, e que possibilitaram o encontro das similaridades entre os países emergentes.
São eles os postulados diretos do novo cenário internacional advindo do fim do confronto
bipolar da Guerra Fria: a globalização e mundialização do capital de forma mais intensa, a
multipolaridade enquanto paradigma de solução de problemas sistêmicos no âmbito de
instituições de governança global e a firmação do mancal Norte-Sul, e o relativo decréscimo
da potência outrora hegemônica, os Estados Unidos.
A terceira sessão se atém aos perpasses da consolidação da China como uma potência
emergente enquanto fator endógeno da materialização da parceria estratégica entre este país e
o Brasil. Isto porque é a partir da necessidade de suprir suas demandas domésticas que a
China volta sua atenção a tal reservatório de matérias-primas. Sendo assim, a sessão apresenta
as particularidades da reforma e abertura da RPC na década de 1970, a concretização de sua
extraordinária economia e os princípios primados pelo país em sua ascensão pacífica, ou,
como preferido pelo governo do PCC, desenvolvimento e coexistência pacífica.
A quarta sessão trata especificamente do desenvolvimento e da caracterização do
relacionamento bilateral sino-brasileiro até e após a nomeação deste como uma parceria
estratégica. Dessa forma, pretende-se demonstrar como uma vigorosa sinergia políticodiplomática, econômico-comercial e científico-tecnológica possibilitou a evolução, o
aprofundamento e a construção de uma parceria estratégica entre Brasil e China, sobretudo
através da maximização de vantagens recíprocas, além de contribuir com breves prospecções
latentes nesses três elementos no final desta década de 2000.
Enfim, a título de considerações finais, a quarta parte propõe-se a uma síntese dos
capítulos anteriores, retomando a proposta de análise de lançar conjeturas quanto às
17
características da chamada parceria estratégica entre Brasil e China e suas potencialidades,
buscando uma visão perspectiva sobre o status desta relação.
18
2 A Nova Ordem Internacional
Este item tem por intenção demarcar e esclarecer fatores exógenos e conjunturais do
engendro internacional propício para a alavancagem tanto da potência econômica chinesa,
quanto da relação e sinergia entre países em desenvolvimento, de forma a guiar a nova ordem
pós Guerra Fria à multipolaridade. Discute-se primeiramente a forte onda globalizante e de
mundialização do capital permissiva da transnacionalização de processos produtivos, cujo
direcionamento se deu grande parte à China, seja por suas políticas de abertura, seja por seu
potencial mercado consumidor e mão-de-obra barata.
Em seguida, apresenta-se de que maneira inicialmente é estabelecido um diálogo entre
países até então desigualmente inseridos no jogo estratégico internacional no que tange à
concertação político-econômica, e que a partir dos fenômenos correlatos da Nova Ordem
Internacional, tornam-se system affecting states.
Por último a sessão discorre acerca da descontinuidade da hegemonia norte-americana,
tendo em vista o crescente descrédito político devido às empreitadas unilaterais pregadas em
prol da “guerra ao terror”, e ao descrédito relativo econômico graças ao aumento vertiginoso
das dívidas estadunidenses, mormente com relação à China.
2.1 Globalização e Mundialização do Capital
Grande parte devido à corrida armamentista e aos investimentos em tecnologia bélica
empreendidos na Guerra Fria, após o término desta, viu-se a necessidade por parte das
potências capitalistas, maiormente dos Estados Unidos, da manutenção de taxas de
valorização do capital. Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, houve uma acumulação de
capital-dinheiro tamanha, que esta se foi paulatinamente descolando do capital produtivo.
Dado o fim da Segunda Guerra Mundial, a expansão do capital ocorreu, orientada pelas
políticas neoliberais, de maneira verdadeiramente substancial e intensa, e com relativo
consenso internacional na busca de tal valorização, de forma a fazer frente aos desafios
colocados pela conjuntura.
Faz-se relevante apontar que desde a sua origem, o capitalismo integrou o mundo
numa única economia, com as grandes navegações, a descoberta de novas rotas e terras e o
colonialismo. No entanto, demarca-se o período pós Segunda Guerra Mundial para indicar o
processo relativamente recente da internacionalização das relações econômicas capitalistas,
apoiado em novas tecnologias de transporte e telecomunicações e na ampliação da capacidade
19
produtiva. Essa internacionalização se tornará mais intensa e generalizada, ou propriamente
mundial, com o fim da Guerra Fria, a desagregação do bloco soviético e as mudanças políticoeconômicas nas nações de regimes socialistas.
Desta forma, iniciou-se o processo de mundialização do capital, que por sua vez
ocorreu no âmbito da igualmente intensiva internacionalização do processo produtivo baseada
no desenvolvimento e diversificação do que se convencionou chamar de “fábrica global” 6.
Somando-se a estes dois fatores o grande fluxo transfronteiriço de informações, designou-se o
fenômeno com o termo sintetizado “globalização 7 ”. Para David Held e Anthony McCrew
(2011, p. 11):
Não existe uma definição única e universalmente aceita para a globalização. Como
acontece com todos os conceitos nucleares das ciências, seu sentido exato é
contestável. A globalização tem sido quando os altos dos agentes sociais de um
lugar podem ter conseqüências significativas para “terceiros distantes”; como
compreensão espaço temporal (numa referencia ao modo como a comunicação
instantânea vem desgastando as limitações da distância e do tempo na organização e
na interação social); como interdependência acelerada entendida como a
intensificação do entrelaçamento entre economias e sociedades nacionais, de tal
modo que os acontecimentos de um país têm impacto direto em outros; como um
mundo em processo de encolhimento (erosão das fronteiras e das barreiras
geográficas a atividade socioeconômica); e, entre outros conceitos, como integração
global, reordenação das relações de poder inter-regionais, consciência da situação
global e intensificação da interligação inter-regional.
Assim sendo, dita grosso modo, a globalização denota a escala crescente, a magnitude
progressiva, a aceleração e o aprofundamento do impacto dos fluxos e padrões inter-regionais
de interação no cenário internacional, ampliando também a disputa pelo mercado
internacional.
Tal disputa requisitou grandes investimentos tanto em processos produtivos quanto em
tecnologias que viessem a dotar as potências interessadas de um diferencial dentro deste novo
contexto de forte viés concorrencial. Intencionando-se a ampliação substancial da
produtividade do capital – permitida pelo robustecimento do próprio capital no decorrer da
corrida armamentista -, foram desenvolvidas e aplicadas novas tecnologias ao processo
6
A expressão indica que a produção e o consumo se mundializaram de tal forma que cada etapa do processo
produtivo é desenvolvida em um país diferente, de acordo com as vantagens e as possibilidades de lucro que
oferece. Fonte: <http://www.alca-bloco.com.br/apresentacao.htm>. Acesso em: 15 abr. 2011.
7
Termo surgido das escolas de administração e negócios dos Estados Unidos e que rapidamente ganhou o
discurso jornalístico, empresarial e político em meados dos anos 1980.
20
produtivo, como robotização e informatização acelerada, além de alterações gerenciais 8 .
Colocou-se como “pós-fordismo 9 ” o cenário empresarial caracterizado pelo deslocamento
espacial e o desmantelamento progressivo da grande indústria promovido pela ofensiva do
capital, ou seja, “o capital, pela inversão em novas tecnologias, redefine o perfil do mundo do
trabalho”, direcionando-o a um momento favorável à desterritorialização do capital (DEL
ROIO, 1999).
O novo complexo de reestruturação produtiva imprime uma dinâmica de fragmentação
e de certa flexibilidade das atividades produtivas e dos mecanismos de produção em
diferentes territórios. Há uma espécie de dispersão geográfica das etapas do processo
produtivo e das próprias forças produtivas em escala mundial - mundialização da produção,
da circulação e do consumo, ou seja, de todo o ciclo de reprodução do capital - que se orienta
no sentido da fuga dos pesados encargos operacionais e sociais e do pagamento dos altos
salários conquistados pelos trabalhadores dos países capitalistas tradicionais, e na busca por
barateamento de custos, graças ao emprego de mão-de-obra bem mais barata, menos encargos
sociais e incentivos fiscais – propiciados grandemente pelas políticas neo-liberais de certa
desregulamentação da economia do final dos anos 1970. Tal diferenciação na geoeconomia
em moldes mais ou menos independentes dos Estados Nacionais propiciou uma nova Divisão
Internacional do Trabalho10, na qual se estabeleceu um parâmetro de terceirização e expansão
técnico-científica decisivo no modo pelo qual o capital se produz e reproduz em âmbito
mundial.
Para atender a este movimento intenso de novas necessidades as empresas organizamse de forma a ter uma maior produtividade e competitividade no mercado internacional. Com
isso, a Divisão Internacional do Trabalho se modificou de forma “[...] que deixou de se
realizar exclusivamente mediante a articulação de quadros nacionais e passou, nos seus
aspectos mais importantes, a operar-se no âmbito das grandes companhias transnacionais.”
8
Segundo Manuel Castells e Alejandro Portes “a grande empresa, com estrutura vertical nacional e separação
das funções entre pessoal administrativo e operários não parece mais ser o último estágio da evolução
necessária rumo ao gerenciamento industrial racionalizado.” (apud ARRIGHI, 2010, p. 179).
9
Palmeira e Tenório (2002) observam que o pós-fordismo ou modelo flexível de gestão organizacional,
caracteriza-se pela diferenciação integrada da organização da produção e do trabalho sobre a trajetória de
inovações tecnológicas, em direção à democratização das relações sociais nos sistemas empresa-colaboradores.
Os paradigmas que se apresentam neste aspecto, além de serem ligados à informação (TI), também se mostram
ligados às teorias da flexibilização do trabalho. De acordo com Tenório (2004), podem-se observar os seguintes
tópicos paradigmáticos centrais:a) a informação é a matéria-prima do novo paradigma; b) a „lógica das redes‟
envolvendo diversos tipos de relações usando as novas tecnologias de informação (TIs); c) o paradigma
tecnológico da informação baseado na flexibilidade; e d) a tendência de convergência de tecnologias
específicas para um sistema altamente integrado.
10
No princípio, a Divisão Internacional do Trabalho funcionava através do chamado pacto colonial, segundo o
qual a atividade industrial era privilégio das metrópoles que vendiam seus produtos às colônias.
21
(BERNARDO, 2000, p. 39). Devido ao quadro mundializado das ações das empresas
transnacionais, a natureza dos elos entre os fluxos de produção e os seus spill-overs variaram,
de forma a dissociar a relação imediata entre a localidade da produção e a dos rendimentos.
Em outras palavras, os fluxos de rendimentos não necessariamente se fixam no espaço
nacional onde há o processo produtivo. Estas transnacionais foram, durante o período da
Guerra Fria, a maior fonte de capital externo para os países tidos como “subdesenvolvidos”,
na medida em que controlavam, excetuando os anos do Plano Marshall, a maior parte do fluxo
de capitais do mundo. Ao fim da débâcle, empresários estadunidenses controlavam cerca de
35% das empresas transnacionais do mundo.
Para a coordenação e o aprovisionamento das atividades empresariais transnacionais,
foi de fundamental importância o aperfeiçoamento de componentes físicos (eletrônicos,
metálicos, físicos) e de serviços de comunicações. Além disso, diferentemente das grandes
empresas saídas da 2ª Revolução Industrial, as empresas transnacionais possibilitam
condições de aquisições e fusões entre si, boa parte devido à dimensão global que atingiram e
ao subseqüente fácil acesso a recursos volumosos, propiciado e mobilizado enormemente pelo
sistema financeiro. As estratégias globais das transnacionais envolviam investimentos
externos diretos (IED) – em quantidades relativas superiores vis-à-vis as trocas de
mercadorias e serviços - desempenhados pelas mesmas e pelos governos de seus países de
origem, visto a formidável gama de possibilidades de investimentos e a facilidade de
deslocamento dos capitais, cada vez mais livres. Aponta-se que, a partir de 1985, os
investimentos praticamente triplicaram com relação ao início da década de 1970.
Não obstante, a grande virada das relações econômicas supracitadas, em grande
medida, deu-se devido à busca da reversão dos resultados negativos da taxa de lucro num
momento contextual imediatamente anterior de relativa crise de superprodução11 (BRENNER,
1999). Concretamente, o início dos anos 1970 mostrou que a tendência à queda da taxa geral
de lucro se confirmava drasticamente, preconizando um período marcado por instabilidade e
estagnação. Todavia, o perfil cíclico da dinâmica capitalista sofreria sérias modificações
quando do lançamento das bases para a busca de melhores condições competitivas e da
própria ofensiva valorativa do capital através da intensa reestruturação produtiva e da
especialização produtiva flexível, da adoção de novas formas de organização das empresas e,
11
Giovanni Arrighi (2010, p. 93) coloca que “A noção de crise de superprodução baseia-se em pressupostos
contrários relativos à capacidade do salário real de acompanhar o aumento da produtividade da mão-de-obra,
mais que à noção de crise de superacumulação”, ou seja, as crises de superprodução “ocorrem porque os
possuidores de capital alcançam tão bom êxito em passar a pressão competitiva para a mão-de-obra que o
salário real deixa de acompanhar o aumento da produtividade do trabalho, impedindo assim que a demanda
agregada efetiva possa se expandir de par com a oferta agregada.”
22
como importante escopo estratégico, da liberalização dos fluxos de comércio exterior. Tais
elementos tangeram ao surgimento das estratégias de “economia de mercado” associadas a
uma racionalização da produção.
Devido ao fato de a disseminação dos fluxos de IED terem sido acompanhados e
impulsionados pela globalização das instituições bancárias e financeiras, das três dimensões
mais importantes da internacionalização, a saber, o intercâmbio comercial, o investimento
produtivo no exterior e os fluxos de capital monetário ou capital financeiro, esta última ganha
maior relevância por ter-se expandido de forma mais intensa e ter caracterizado a mais recente
mundialização do capital de acumulação predominantemente financeira (CHESNAIS, 1994,
p. 52). Tal acumulação predominantemente financeira designa o domínio do capital financeiro
como força plenamente autônoma diante do capital industrial, que possibilita o abrolho de
capital especulativo (smart money ou hot money) e, subseqüentemente, de volatilidade
cambial. Com isso, surgem também operadores financeiros de um tipo qualitativamente novo
– podem ser instituições financeiras não-bancárias – como maiores beneficiários da
mundialização do capital financeiro.
Um dos mecanismos de transferência de riqueza do setor produtivo para o mercado
financeiro baseia-se nos Títulos da dívida pública, que para Alves (1999) são a “pedra
angular” dos mercados financeiros contemporâneos. Esta “títularização” da dívida pública dos
governos capitalistas buscava novas formas de financiar déficits públicos sem excessivo
sofrimento político, e possibilitaram reaplicações aos fundos de pensão privados. No entanto,
posteriormente viabilizaram também, através da compra de parte dos Títulos da dívida pública
de um país por outro, uma relativa fragilidade das economias nacionais em termos de suas
próprias políticas econômicas.
Como um todo referente às modificações econômicas referenciadas acima, relata-se,
bem como aponta Ianni (1997a), uma metamorfose qualitativa e não apenas quantitativa, uma
vez que o capital passou a adquirir novas condições e possibilidades de reprodução. Com
relação a tais modificações, Arrighi (2010, p. 94) recorre a Karl Marx para descrever o
processo concebido como “destruição criativa”, no qual a tendência de redução da taxa de
lucro devido à acumulação de capital ao longo do tempo não se constitui obstáculo
insuperável. Adversamente, como bem coloca o autor, “a queda de lucro e a intensificação da
luta competitiva não terminam no estado estacionário. Ao contrário, levam à destruição do
arcabouço social no qual a acumulação está embutida e à criação de um novo arcabouço”.
De fato, tal “destruição criativa” se revelou nos anos 1970 em formas de aumento de
volume de capitais e reorganização empresarial, de nova divisão internacional do trabalho e
23
da origem de novos e maiores centros de acumulação de capital. Também na teoria de Harvey
(2005) do “ajuste espaciotemporal”, devido à concorrência, há a necessidade de promoção
simultânea de mudanças na configuração espacial da produção e nas misturas tecnológicas, de
reestruturação de relações de valor e de mudanças temporais na dinâmica geral de
acumulação. Posto o imperativo do redirecionamento do fluxo de capital, a “produção de
espaço” torna-se característica essencial do capitalismo enquanto “destruidor criativo”. Na
visão de Alves (1999), tal processo de desenvolvimento do capital – a “destruição criativa” –
representa “uma descontinuidade posta no interior de uma continuidade plena”, e repõe, num
patamar mais elevado, o processo de modernização capitalista.
Outrossim, o processo de mundialização do capital, e a globalização em geral, encerra
um cenário paradoxal: ainda que tenha realizado um processo – pretensiosamente
homogeneizante - de integração e universalização econômicas através do aumento das trocas
comerciais, do acesso mais fácil ao capital e da difusão dos princípios da Economia de
Mercado tem, por outro lado, aprofundado a clivagem entre países que buscam ingressar na
arena do capital com algum poder de negociação, dadas as forças centrífugas da alta
competitividade e das relações de mercado. Nesta visão, Ianni (1997a) reforça a idéia de que
ao mesmo tempo em que a globalização vem impulsionar a homogeneização, equalização ou
integração, vêm provocar fragmentações, rupturas e contradições.
Concomitantemente, com a disputa por mercados se acirrando internacionalmente
têm-se uma concentração de capital cada vez maior em pólos de influência econômicos, ainda
que tais pólos não se adolesçam entre países imediatamente próximos. Martins (1999, p. 148)
aponta que
Enquanto acontece este processo de globalização e integração transnacional, o
protecionismo econômico e as alianças entre Estados e empresas também se
expandem rapidamente. Estas alianças econômicas estão sendo usadas para
influenciar e, em alguns casos, determinar relações de mercado e resultados
econômicos.
Destarte, esta movimentação leva não só a um maior ordenamento e a uma
institucionalização crescente das relações econômicas internacionais como também, em
alguns casos, a um processo gradual de integração e cooperação política. De acordo com
Magnoli e Araújo (2005, p. 371), “globalização e regionalização representam dimensões
complementares do espaço mundial: os blocos regionais funcionam como plataformas para
integração das economias nacionais na economia – mundo”. Assim, tais blocos constituídos
24
por acordos ou tratados representam uma forma pretensiosamente conciliatória de atender aos
interesses tanto dos países quanto da economia-mundo12.
Isto que dizer que as novas questões relacionadas à economia globalizada fazem parte
de um contexto mundial no qual soluções dos grandes impasses refletidos por este mesmo
contexto dependem de medidas tomadas pelo grande conjunto de países, responsáveis por
gerar novas propostas de regulamentação – maiormente do sistema financeiro internacional –
e foros de debate sobre a Nova Ordem Internacional que ora se apresenta e se constrói. Dessa
forma, a integração dos países em blocos ou regiões assume também um relativo
direcionamento às ações políticas, visto o descongelamento das discussões em termos de
governança tangentes a ações geradoras de uma ordem político-econômica.
2.2 Cooperação Sul-Sul, Multipolaridade e a Questão da Governança Global
Diante das mudanças impulsionadas pelo incessante movimento dos capitais
internacionais face à competição internacional - geradora de mercados de diversas magnitudes
e potencialidades - e do abstruso cenário político, as relações internacionais incumbiram-se de
dinâmica tal cuja lógica imediata cominou aos países que cumprissem arranjos preferenciais,
majoritariamente em âmbito econômico, para que estabelecessem novos standards frente à
instabilidade dos fluxos econômicos internacionais.
Para aquém do período pós Guerra Fria de tais arranjos preferenciais, já se verificava
uma peculiar regionalização em termos situacionais no que diz respeito à população e a
economia, ou ainda, semelhanças na formação sócio-econômica-espacial. Ainda na ordem da
Guerra Fria, foram designados conceitos de conotação e divisão geopolítica de forma a
melhor visualizar os lócus de poderes e blocos de influência durante o período,
posteriormente acoplados pela “Teoria dos Mundos” formulada por pesquisadores franceses
na década de 1950 13 . Resumidamente Arrighi (2010, p. 21) assim descreve os três
componentes distintos:
O mais próspero (América do Norte, Europa ocidental e Austrália), além do Japão,
passou a constituir o Primeiro Mundo. Um dos menos prósperos (União Soviética e
12
A economia-mundo capitalista que foi ganhando contornos mundiais com uma superestrutura política formada
por Estados nacionais independentes e extremamente competitivos, na constante busca pela acumulação de
capital (ARRIGHI, 2001). O conceito também corrobora a idéia do centro de gravidade mundial de Braudel
(1996). Para estudo mais aprofundado, ver também Wallerstein (1979).
13
SACHS, I. O cinqüentenário do Terceiro Mundo. Desafios do Desenvolvimento, Brasilia, ano 2, n. 2, mar.
2005. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/edicoes/8/artigo13086-1.php>. Acesso em: 29 mar.
2010.
25
Europa Oriental) passou a constituir o Segundo Mundo; e o outro (América Latina)
uniu-se ao mundo não ocidental para constituir o Terceiro Mundo. Com o fim da
Guerra Fria e o desaparecimento do Segundo Mundo, as expressões Primeiro e
Terceiro Mundos tornaram-se anacrônicas e foram substituídas pelas expressões
Norte e Sul globais, respectivamente.
Doravante, o conceito “Norte-Sul”, como ficou conhecido durante a década de 1970,
foi usado para descrever as discrepâncias entre os países industrializados (Norte) e suas
antigas colônias e outros novos países (Sul), que lograram sua independência política formal.
Debates acerca de tal conceito versam essencialmente sobre quais mudanças políticoeconômicas permitiriam o Sul global a rapidamente atingir um crescimento econômico autosustentável e certo grau de industrialização. Ainda para Arrighi (2008, p. 105-106), a
acumulação de capital e a intensa competição entre Estados por este capital móvel
provocaram uma “polarização espacial do processo de destruição criativa numa zona de
predominância de prosperidade, que acabou sendo o Norte global, e uma zona de
predominância de depressão, que acabou sendo o Sul global.”
Neste sentido de busca pelo foco nos processos de crescimento econômico e vias de
industrialização, muitos teóricos, como o economista Joseph Alois Schumpeter14 iniciaram o
uso dos termos “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos” para designarem, respectivamente,
países capitalistas tradicionais (ricos) e países ainda em via de consolidação de seus campos
econômicos (pobres) e que apresentam estado de depressão crônica e/ou estagnação
estrutural, ou seja, termos de maior conotação econômica, ao invés de geopolítica, para
identificarem o Norte e o Sul Globais15.
Não obstante, encontram-se termos altamente contributivos no sentido de
entendimento de uma embrionária regionalização no que tange à interdependência econômica
dos países. Rosa de Luxemburg (1983) e Raul Prebisch (1949) defenderam uma proposta de
regionalização cunhada na divisão dos países em “centrais” e “periféricos”. Segundo esta
concepção, cada país ocupa um espaço e desempenha seu papel no mundo capitalista, e há o
conflito desigual entre os países centrais e os periféricos de tal forma que não há “espaço”
para que os periféricos alcancem uma forma de progresso satisfatória.
14
Schumpeter propôs o conceito de desenvolvimento econômico condicionado às idéias de inovação tecnológica
e da ruptura do “fluxo circular”. Assim estabeleceu a divisão do mundo entre aqueles que se desenvolveram e
os que supostamente poderiam se desenvolver. Ver “The Theory of Economic Development” (SCHUMPETER,
1911) e “Capitalismo, Socialismo e Democrazia” (SCHUMPETER, 1934).
15
Os termos surgiram após a Segunda Guerra Mundial, nos documentos dos organismos internacionais, como a
ONU e a UNESCO, principalmente. A "descoberta" do subdesenvolvimento deu-se com a descolonização e
com a publicação pelos organismos internacionais de dados estatísticos dos diversos países do mundo (índice
de mortalidade, salário, formas de alimentação, habitação, consumo, distribuição de renda, etc.). Esses dados
revelaram um verdadeiro "abismo" entre o conjunto dos países desenvolvidos e o dos subdesenvolvidos.
26
Em alinhamento ao paradigma estruturalista, apresentam-se as propostas teóricas de
Braudel (1992) e Wallerstein (1998b, 1999a). A noção de Sistema-mundo (World-System) de
Wallerstein corresponde à determinada idéia de sistema social com estruturas definidas em
bases materiais. Essa base constitui a economia-mundo (économie-monde) de Braudel, que é
entendida por Wallerstein (2004, p. 23) como uma zona geográfica extensa, na qual existe
uma divisão do trabalho e, conseqüentemente, significativo intercâmbio interno de bens
básicos e essenciais assim como fluxos de capital e trabalho. A divisão existente implica
desigualdade e tentativa de exploração dos diferentes trabalhos com o intuito de se obter mais
valor excedente, levando a um cenário no qual “a gama de tarefas econômicas não está
distribuída uniformemente por todo o sistema mundial” (WALLERSTEIN, 1999a, p. 339) e
estabelecendo certa hierarquia definida no Sistema-Mundo. Assim, na Análise de Sistemasmundo (World-Systems Analysis) de Wallerstein, verifica-se nova conceitualização da
dicotomia centro-periferia, transformada num conceito relacional e apontando o termo “semiperiferia” – aprimoramento teórico no sentido de um padrão tri-modal de estrutura do
Sistema-Mundo - para países que abrangem dois tipos de cadeias de mercadorias (centrais e
periféricas) em proporções semelhantes.
Ainda que os termos supracitados sejam utilizados conforme conveniência, de forma
geral, a idéia de “Sul” passou a ser mais aplicada nos debates teóricos, principalmente a partir
dos anos 1980, a fim de se evitar o emprego das cargas de atraso e de entendimento bipolar
Leste-Oeste do mundo presentes nas noções de “subdesenvolvimento” e “Terceiro Mundo”,
respectivamente. Nesse sentido, os países do Sul puderam perceber que a grande promessa
pós-guerra – liberalização progressiva do comércio mundial que permitisse a estes países
maior autonomia para perseguir políticas internas – não aceleraria a realização de seus
objetivos a menos que os países do Norte, em sua grande parte líderes das instituições
internacionais (como o General Agreement on Tariffs and Trade – GATT) e que em dado
momento iniciaram políticas domésticas de protecionismo, tomassem medidas específicas no
sentido de minimizar os gaps entre Norte e Sul Global.
Pode-se dizer que o engendro de interesses do Sul teve início em meados da década de
1950. À época, no âmbito da Assembléia Geral das Nações Unidas, muitas nações do Sul
afirmaram que suas relações de troca estavam se deteriorando ao longo de tempo,
argumentando não ser vantajoso em longo prazo exportar matéria-prima, enquanto dependiam
de importações para obter bens tecnológicos e de capital. Também observaram que os
mecanismos internacionais eram necessários para estabilizar os preços das commodities para
que pudessem evitar crises em momentos de queda vertiginosa dos preços mundiais de suas
27
principais culturas. Portanto, seus esforços nesta frente levaram à adoção de uma Resolução
da Assembléia Geral, objetivando centrar a atenção do Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas (ECOSOC) sobre questões relacionadas à commodity.
Além disso, sinais embrionários de cooperação entre os países do “Terceiro Mundo”
foram evidentes fora dos auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU). A Conferência
Afro-Asiática de cunho anti-colonial locada em Bandung, Indonésia, em 1955, foi uma das
instâncias proeminentes deste fenômeno. Vinte e nove países - representando mais de metade
da população mundial - enviaram delegados. O consenso atingido, visando autodeterminação
e maior autonomia, foi o de que o colonialismo em todas as suas manifestações seria
condenado, implicitamente censurando a União Soviética, bem como as influências
ocidentais, além de objetivar maior cooperação econômica e cultural. Sneyd (2005, p. 1)
aponta:
Participants advocated self-determination and autonomous government for peoples
in the Asian-African region, and sought for the first time to build a collective voice
that would command respect amongst the former colonial powers and within the
United Nations organization. In a spirit of cooperation and respect for national
sovereignty, participants debated the issue of alignment with either of the Cold War
blocs.
Assim, a Conferência de Bandung, justamente por colocar em pauta o escopo de
alinhamento aos blocos antagônicos da Guerra Fria enfatizando sua essência de papel ativo no
cenário internacional ao formular suas próprias ações de forma a refletir os interesses de seus
membros, foi antecedente imediato à origem do Movimento dos Países Não-Alinhados, bem
como da autorização para a criação da Conferência das Nações Unidas para Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD), e, no ínterim da UNCTAD em Genebra, em 1964, da
Declaração Conjunta do G-77 16 . Muitos dos princípios da Conferência de Bandung –
melhorar os fluxos de capitais para os países em desenvolvimento, melhorar e estabilizar os
termos do comércio de produtos primários, liberalizar os mercados para suas exportações e
fornecer acesso preferencial para tais mercados numa base não-discriminatória - foram
adotados posteriormente como principais metas e objetivos da política de não alinhamento.
O Movimento dos Países Não-Alinhados, apesar da heterogeneidade ideológica,
política, econômica, social e cultural dos países, reuniu um grande número de nações (Chefes
16
International Trade Centre UNCTAD/WTO (ITC) and Commonwealth Secretariat, Business Guide to the
World Trading System, 2. ed., 1999.
28
de Estado de 25 nações e observadores de outros três países) em torno de questões como não
interferência em assuntos internos, independência nacional, soberania e integridade territorial,
reestruturação do sistema econômico e democratização das relações internacionais.
Especificamente nas décadas de 1970 e 1980, o MNA desempenhou papel fundamental nos
esforços para o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional
17
,
proporcionando uma plataforma ampla para uma mudança econômica, principalmente no
âmbito da ação dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
que elevaram unilateralmente o preço do petróleo, ajudando a criar uma atmosfera de certa
alavancagem do Terceiro Mundo aos olhos dos países de Primeiro Mundo18. Com o colapso
da União Soviética ao fim da Guerra Fria, o MNA teve perde relativa das luzes da ribalta do
cenário mundial, uma vez que aquele era o contexto de origem ideológica fundamental do
Movimento. Ainda assim, seus preceitos continuaram a permear os ensejos de cooperação
entre os países do Sul, e novas atenções voltaram-se ao MNA em decorrência da XIV Cúpula,
que reuniu representantes de 118 países em setembro de 2006 e tinha como um dos pontos de
pauta a discordância e insatisfação frente às ações unilaterais dos Estados Unidos no cenário
internacional.
Além do MNA, a existência do G-77 – aliança econômica de nível global sob os
auspícios das Nações Unidas – foi articulada sobre os desequilíbrios da Ordem Econômica do
período da crise do petróleo entre os países do Sul e os do Norte, e sobre a introdução desta
Nova Ordem Econômica Internacional com base em princípios de justiça, igualdade e
equilíbrio19. Destarte, percebe-se que o fórum dos países do G-77, iniciado em 1963, também
promoveu uma janela fundamental de interações para a cooperação Sul-Sul.
O conceito de cooperação Sul-Sul refere-se a atividades de cooperação entre novos
países industrializados e outras nações menos desenvolvidas do Sul do hemisfério. Tais
atividades incluem o desenvolvimento de relações comerciais, tecnológicas e de serviços
mutuamente benéficas. Além disso, tal cooperação clama pela promoção da auto-suficiência
entre tais nações e o fortalecimento de laços econômicos entre as mesmas, dado que o poder
de mercado entre elas é de certa forma mais similar do que nas relações de simetria Norte-Sul.
17
Neste mesmo contexto já estava sendo desenvolvida a sétima Rodada de negociações do GATT em Tóquio
(1973-79).
18
Reduções de ajuda externa nas décadas 1980 e 1990 por parte dos países do Norte, particularmente da
Inglaterra, geraram uma maior conscientização entre os países do Sul da necessidade e da viabilidade de
cooperação mútua ao invés da dependência daqueles.
19
Joint Declaration of the Seventy-Seven developing countries made at the Conclusion of the United Conference
on Trade and Development, 1964. Disponível em: <http://www.g77.org/doc/Joint%20Declaration.html>.
Acesso em: 15 ago. 2011.
29
Nesse sentido, uma vez que os fluxos habituais de ajuda econômica se orientavam do Norte
para o Sul global, a cooperação Sul-Sul foi vista como uma alternativa ao eixo tradicional.
Conseqüentemente, a cooperação Sul-Sul é relevante para estas nações por dois
motivos primordiais: ela contribui para os avanços econômicos nos países do Sul,
especialmente na África, na Ásia oriental e na América do Sul, além de se desvencilhar dos
encargos hegemônicos culturais, políticos e econômicos relacionados com o tradicional
auxílio Norte-Sul dos Estados Unidos, da Rússia e da Europa Ocidental. Não obstante,
incluem a promoção de interesses comuns nas áreas de comércio, militar, estratégica e de
questões ambientais, ainda que a maior parte das atividades se dê através de relações bilaterais
ou triangulares, colaborando para definir o atual papel dos key players (atores-chave) no
âmbito da cooperação Sul-Sul, como China, Índia – ambas anteriormente consideradas
receptoras de auxílio e atualmente emergindo como auxiliadoras -, Brasil e África do Sul.
Em 1979, foi estabelecida pelas Nações Unidas a Unidade para Cooperação Sul-Sul, a
fim de promover o comércio e a colaboração entre tais países sob os auspícios de suas
agências. Acrescidas de tais incentivos, as atividades de cooperação Sul-Sul lograram êxito
tanto na diminuição da dependência e da pressão em relação aos programas de auxílio vindos
dos países desenvolvidos, quanto em promover uma alteração na balança de poder
internacional, na medida em que as potências capitalistas tradicionais não puderam mais
contar com o acesso irrestrito às matérias-primas e aos mercados consumidores nos países do
Sul onde agora cresce a influência de parceiros de hemisfério, particularmente a China.
De tal modo, nota-se que o empenho destes países em focar assistências de
desenvolvimento econômico para si mesmos tem trazido certos desafios para as nações do
Norte global. O antigo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, por exemplo, observou que
cerca de 40% das exportações dos países em desenvolvimento estão sendo direcionados para
outros países também em desenvolvimento. Economistas prevêem que as taxas de
crescimento econômico dos países do Sul irão superar as do Norte nos próximos anos 5-8%
ao ano em comparação com 2-3% dos países do Norte global. Tal fluxo de comércio é
possível em grande medida pelos efeitos da tendência já citada a certa regionalização 20 aliada
a fluxos de capital internacionais quase ilimitados por barreiras comerciais.
Além do Movimento dos Países Não-Alinhados, do G-77 e da agenda
“Terceiromundista”, diversos outros blocos e foros econômicos, políticos e financeiros
20
Vale lembrar que a conotação de “regionalização” aqui tida em pauta não se refere somente à aproximação
geográfica entre países, mas igualmente à aproximação no que tange a interesses mútuos tanto em âmbito
econômico, quanto político e social.
30
emergem na arena internacional como importantes “pólos” e atores rumo à Nova Ordem
Internacional. Enquanto blocos podem ser citados a Associação dos Países do Sudeste
Asiático (Asean), originada em 1967, tem como membros fundadores Indonésia, Malásia,
Filipinas, Singapura e Tailândia, e tem como base principal esforços no sentido de aprimorar
uma Nova Ordem Econômica Mundial. A Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico
(Apec), datada como efetivo bloco econômico desde 1994, e que objetiva redução de taxas e
barreiras alfandegárias da região Pacífico-asiática21. O Mercado Comum do Sul (Mercosul),
estabelecido em 1991 por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, e posteriormente Venezuela,
atende aos interesses de busca por maior integração na região. A União Européia (EU),
pioneira na união supranacional econômica e política dos Estados-membros. E a Área de
Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos Estados Unidos visando também a
supressão de barreiras comerciais. Diversos outros blocos surgiram no mainstream
internacional, ainda que não nos caiba analisá-los profundamente dentro do escopo desta
pesquisa.
Além de tais blocos, contribuem para o cenário ainda em construção de
multipolaridade a difusão dos “Gs”, ou seja, uma diversidade de grupos de países orientados
por interesses convergentes, maiormente em aspectos econômicos, a fim de discutir questões
relacionadas à estabilidade da economia global e as possíveis maneiras de fortalecer o
comércio e seus investimentos. Ao final de uma década marcada por turbulências na
economia (no México em 1994, na Ásia em 1997 e na Rússia em 1998), foi criado em 1999 o
G-20 financeiro. Além de uma forma de resposta a tais crises, a criação do grupo
proporcionou maiores visibilidade e reconhecimento dos países tidos como “emergentes” num
cenário no qual se mostraram capazes de ameaçar os mercados mundiais com suas
instabilidades. O G-7+1 ou G-8, bloco das nações tradicionais capitalistas mais a Rússia, em
vista dos distúrbios da década de 1990, passou a considerar e a abrir discussões mais amplas
com tais países, formando assim o bloco do G-20 financeiro22.
Doravante, outro grupo formado apenas por nações emergentes também se denomina
G20, ainda que contemple factualmente mais de vinte membros. Batizado de G20 comercial,
já que seu foco são as relações comerciais entre países ricos e emergentes, o grupo nasceu em
21
A Apec conta com 21 membros: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China, Hong Kong, Indonésia, Japão,
Coréia do Sul, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Peru, Filipinas, Rússia, Singapura,
Taiwan, Tailândia, Estados Unidos e Vietnã.
22
Ministros da área econômica e presidentes dos bancos centrais de 19 países fazem parte do grupo: os que
formam o G8 e ainda 11 emergentes. No G8, estão Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão,
Reino Unido e Rússia. Os componentes do G20 são: Brasil, Argentina, México, China, Índia, Austrália,
Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul, Coréia do Sul e Turquia. A União Européia, em bloco, é o membro de
número 20, representado pelo Banco Central Europeu e pela presidência rotativa do Conselho Europeu.
31
2003, numa reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) realizada em
Cancún, no México, no âmbito nas negociações da Agenda Doha de Desenvolvimento.
Liderado pelo Brasil, o grupo procura defender os interesses agrícolas dos países em
desenvolvimento frente às nações capitalistas tradicionais, que fazem uso de subsídios
(protecionismo) para sustentar a sua produção. Exceto pela Austrália, Arábia Saudita, Coréia
do Sul e Turquia, todas as nações emergentes do G20 financeiro estão no G20 comercial23.
No tangente aos foros de discussão internacionais, faz-se mister apontar aqueles dos
quais fazem parte os países emergentes de grande relevância no cenário mundial enquanto
novos Global Players: o IBAS e o BRICS. O primeiro diz respeito ao Fórum de Diálogo Índia
– Brasil - África do Sul formalmente estabelecido em junho de 2003. Os objetivos do IBAS se
resumem na aproximação de posições dos três países em instâncias multilaterais, no
desenvolvimento da cooperação comercial, científica e cultural no âmbito Sul-Sul e na
democratização de esferas de tomada de decisão internacional. No Memorando de
Entendimento entre os Governos da República Federativa do Brasil, o Governo da República
da Índia e o Governo da República da África do Sul sobre Cooperação no Campo da
Administração Pública e Governança (2007, p. 1) constavam brevemente as metas, entre as
quais:
Recognizing the emergence and consolidation of IBSA initiatives and collaboration
at regional and global level for promoting good governance and wishing to
strengthen South-South co-operation […] Desiring to strengthen South-South cooperation amongst the three countries and promote trilateral co-operation in the field
of public administration and governance in seeking to achieve the Millennium
Development Goals and sustainable development.
Neste mesmo ínterim de valorização das relações de cooperação no âmbito Sul-Sul, a
Cúpula do BRICS24 – Brasil, Rússia, Índia, China, e após o III encontro da Cúpula em 2011,
na cidade de Sanya, China, o ingresso da África do Sul -, veio a acoplar metas de coordenação
internacional semelhantes. O bloco, oficializado em sua I Cúpula em 2009, trazia em pauta
inicialmente termos de cunho econômico e relacionados ao desenvolvimento, tais como os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, tendo em vista que o comércio total entre os
países do mesmo passou de US$ 38 bilhões em 2003 para US$ 143 bilhões em 2009 e para
23
Também fazem parte deste grupo Bolívia, Chile, Cuba, Egito, Filipinas, Guatemala, Nigéria, Paquistão,
Paraguai, Tanzânia, Tailândia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue.
24
O anagrama conceitual que virou um grupo foi criado pelo economista Jim O'Neill, do banco Goldman Sachs,
em um estudo de 2001 (“Dreaming with the BRICs”) em que previa que as quatro economias emergentes
teriam um PIB superior ao do G7 até 2050.
32
US$ 220 bilhões em 2010. Assim, entre 2003 e 2010, o crescimento dos países do BRIC (em
formação original sem a participação da África do Sul) representou cerca de 40% da expansão
do PIB mundial, e seu PIB, calculado pela paridade de poder de compra, atingiu US$ 19
trilhões, correspondente a 25% da economia mundial25.
Doravante, considerando que “a estruturação das relações econômicas internacionais
não será efetuada pelos mercados em si, necessitando também da intervenção do domínio
político” (WEI, 2009, p. 302), o bloco logrou um giro em importância também como fórum
no pleito por mais voz aos países emergentes em organismos multilaterais ainda influenciados
enormemente pelos países capitalistas tradicionais, como a Organização das Nações Unidas
(ONU), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Neste ano de 2011, todos
os membros do BRICS integram o anacrônico Conselho de Segurança da ONU, e apesar de
grandes investidas por parte do Brasil e da Índia em impetrar o poder de veto, somente a
China se consagra como membro permanente. A representatividade crescentemente abalizada
dessas nações de peso econômico-comercial relevante em fóruns internacionais,
principalmente do gigante China, revela uma vontade mútua, e mais do que isso também uma
capacidade mútua, dos países do Sul global em manter os preceitos perseguidos por uma
Nova Ordem Econômica Internacional, e viabilizar e engendrar uma ordem internacional em
políticas globais mais democratizada e em moldes factualmente multilaterais26.
Nesse sentido, a revisão de conceitos e categorias dos paradigmas que estruturam e
norteiam o cenário internacional devem necessariamente abranger um diálogo com países até
o momento desigualmente inseridos no jogo estratégico internacional no que tange à
concertação político-econômica, mas que agora se tornam system affecting states27, ou seja, a
evolução do crescimento econômico dos novos protagonistas internacionais os reveste de
certa quota em termos de política global. Tais políticas são vistas num âmbito de esforços por
compreensão destes novos atores internacionais contribuintes de uma Nova Ordem
25
Ingresso da África do Sul no BRIC reforçará busca pela reforma do sistema financeiro mundial. Portal Brasil.
2011.
26
Os países do BRICS também clamam pela reestruturação da regulamentação financeira mundial, focando o
FMI, de forma a tentar prevenir a recorrência dos fatores que causaram a crise financeira no segundo semestre
de 2008, originada pelo estouro da bolha especulativa nos Estados Unidos. Na agenda da cimeira está a
proposta de realização de trocas comerciais em suas próprias moedas, não mais dependendo do intermédio do
dólar estadunidense. “Los países BRICS llegaron a un acuerdo bajo el cual sus propias monedas pueden
utilizarse para otorgar créditos y donaciones entre sí, sorteando el dólar.”, diz o diplomata indiano Shyam Saran
à entrevista concedida ao IPS Notícias. “Inquietud colectiva, acción individual”. Disponível em
<http://www.ipsnoticias.net/nota.asp?idnews=98035>. Acesso em: 3 out. 2011.
27
Segundo a conhecida definição de Keohane (1969), nesta categoria estão aqueles países que dispondo de
recursos e capacidades relativamente limitadas, comparativamente às potências, mas com perfil internacional
assertivo, valorizam as arenas multilaterais e a ação coletiva entre países similares de forma a exercer alguma
meta de poder e influenciar nos resultados internacionais.
33
Internacional multipolar e de um cenário internacional matizado pelo processo de
globalização no qual se consolidou a idéia de governança global como um atraente
mecanismo para a solução de problemas coletivos.
A despeito de o conceito de governança global fazer parte de circunstâncias
pertencentes ao século XX, e também a partir de certas iniciativas observadas a partir da paz
de Westphalia, percebe-se que o escopo do mesmo integra-se de maneira satisfatória no
entendimento usado para qualificar a idéia de governança global no início do século XXI.
Portanto, seu estabelecimento se mostra, de acordo com a Comissão sobre Governança
Global, como um
amplo, dinâmico e complexo processo interativo de tomada de decisão que está
constantemente evoluindo e se ajustando às novas circunstâncias. Mesmo tendo que
atender às exigências específicas de diferentes áreas de ação – meio-ambiente,
direitos humanos, segurança coletiva, finanças mundiais, conflitos globais e locais,
cooperação e competição globais, etc. – a Governança deve ter uma visão integrada
das questões relativas à sobrevivência e à prosperidade humanas. 28
Destarte, e a despeito das controvérsias ainda existentes acerca de seu conceito 29, a
idéia de governança fortaleceu-se nos últimos anos como um elemento capaz de proporcionar
aos policymakers a compreensão de muitos dos desafios contemporâneos, assumindo posição
de destaque no mainstream internacional. E embora o cenário não se mostre perfeitamente
equilibrado, não se poder negar a existência e a atuação de muitas estruturas já existentes de
governança global, maiormente da ONU e da OMC.
Muito embora haja pouca dúvida de que tais estruturas favoreçam o poder de
influências dos países capitalista tradicionais, e ainda em maior medida o poder dos Estados
Unidos – e esta é a principal razão pela qual também se mostra imprescindível a
implementação da reforma e do aprimoramento de tais estruturas -, o desenvolvimento de
questões de governança as coloca como um dos mecanismos através dos quais seja possível a
28
Tradução livre de “the sum of many ways individuals and institutions, public and private, manage their
common affairs. It is a continuing process through which conflicting or diverse interests may be accommodated
and co-operative action taken. It includes formal institutions and regimes empowered to enforce compliance,
as well as informal arrangements that people and institutions either have agreed to or perceive to be in their
interest”. Report of the Commission on Global Governance, Our Global Neighborhood, Published by Oxford
University Press, 1995 apud IRACHANDE, A. M. Direito e Intervenção e a Governança Global, Dissertação
de Mestrado, Universidade de Brasília, Instituto de Relações Internacionais, Brasília, 1996.
29
Fazendo breve distinção entre governança e governo, James Rosenau (1992) aponta que ambos os conceitos
“referem-se a um comportamento visando a um objetivo, a atividades orientadas para metas, a sistemas de
ordenação; no entanto, governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder de polícia
que garante a implementação das políticas devidamente instituídas, enquanto governança refere-se a atividades
apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas
e não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e vençam resistências”
34
arquitetura de um novo arranjo na ordem e na agenda internacional, de forma a dar maior
representatividade aos novos atores internacionais, que são justamente aqueles a partir dos
quais se configuram as condições de governança.
Não obstante, problemas sistêmicos como mudanças climáticas, pandemias, crises
financeiras, subsídios agrícolas, desequilíbrios nos fluxos de comércio, conflitos localizados
inter e intraestatais, entre outros, além de constatarem a necessidade de uma idéia
multidimensional de governança, apresentam-se como elementos fundamentais a serem
equacionados no entendimento dos rumos futuros da Ordem Internacional. Ao longo das
últimas décadas, países de todo o mundo vêm experimentando taxas de crescimento elevada.
De acordo com Zakaria (2008, p. 12), “em 2006 e 2007, 124 países cresceram a uma taxa de
4% ou mais. Esse número inclui mais de trinta países da África, dois terços do continente”.
Certos teóricos, como Väyrynen (2003, p. 127)30, chegam a discorrer inclusive sobre “formas
híbridas de governança”, em vista da multiplicidade de atores e de temas que interagem no
sistema internacional, por sua vez matizado, sobretudo, pelo impacto das chamadas
polaridades indefinidas para a ordem mundial (LAFER; FONSECA JR., 1997, p.74).
A título de compêndio, pode-se constatar que em vista de tais polaridades indefinidas,
ou na melhor das hipóteses inconsistentemente definidas, o maior poder econômico alcançado
pelos novos system-affecting states poderia alterar de forma substancial também o equilíbrio
de poder político nas mesas de barganha dos principais órgãos de governança global, e por
estes ser continuamente alterado. Ações direcionadas e implementadas de forma coordenada
devem ser discutidas com um número maior de países, com o objetivo de obter propostas e
políticas que satisfaçam também o interesse emergente dos países em franco crescimento, ou
seja, a “ascensão do resto”.
Em outras palavras, futuros acordos sobre questões internacionais e multilaterais
relevantes exigirão alcance mais amplo para atingir um consenso internacional verdadeiro.
Logo, nações que tradicionalmente lideravam as decisões sistêmicas de cenário internacional,
sobretudo os Estados Unidos, poderão ver suas prioridades contrabalançadas pelos novos
global players. Zakaria (2008, p. 13) contribui neste aspecto sugerindo o fato de que “estamos
nos dirigindo para um mundo pós-americano, definido e dirigido a partir de muitos lugares e
por muita gente”. Doravante, ele propõe as seguintes questões: “Como os Estados Unidos se
portarão mediante um mundo em que outros países avançaram? Pode Washington realmente
30
VÄYRYNEN, R. Regionalism: Old and New, University of Notre Dame and Helsinki Collegium for
Advanced Studies, University of Helsinki. International Studies Review, v. 5, n. 1, p. 25-51, mar. 2003.
Disponível em: < http://www.jstor.org/pss/3186488>. Acesso em: 2 nov. 2011.
35
aceitar um mundo com diversidade de vozes e pontos de vista?” (ZAKARIA, 2008, p. 228). É
neste sentido que se faz necessário o aclaramento das características hegemônicas em declínio
do referido país na transformação do cenário internacional.
2.3 Deflação da Credibilidade Norte-Americana e o Dissenso de Washington
Dado o fim da confrontação bipolar, mas ainda sob o espectro residual de uma ameaça
comunista, consolidou-se a crença das políticas norte-americanas de que “a nova ordem
mundial era a única garantia contra o caos seguido de revolução” e que “a segurança do
mundo tinha de se basear no poder norte-americano, exercido por meio de sistemas
internacionais31”, além da crença de que o New Deal deveria ser levado a cabo nas esferas
internacionais, de forma a disseminar e garantir o bem-estar do mundo. Acerca da estrutura
que propiciou aos Estados Unidos condições de se aplicarem como vencedores do conflito
bipolar, Saraiva (2007, p. 200) aponta:
[...] a formulação de doutrinas políticas para a contenção dos soviéticos na esfera
global, os planos econômicos de reconstrução das áreas atingidas pela guerra
mundial e considerados vulneráveis à influência soviética, assim como a
constituição de uma grande aliança militar ocidental, foram, assim, partes de um
único objetivo dos Estados Unidos. Liderando um dos lados do condomínio, a
superpotência ocidental procurava assenhorar-se de mais espaços econômicos,
políticos e ideológicos no cenário internacional pós-Guerra.
Beneficiados por um arcabouço sistêmico organizado no que Samuel P. Guimarães
(1999, p. 25-28) chama de “estruturas hegemônicas de poder político e econômico32”, estas
constituídas ao longo do século XX – maiormente por meio dos acordos de Bretton Woods e
pela implementação do keynesianismo militar-, os Estados Unidos puderam-se elencar no
31
SCHURMANN, F. The Logic of World Power: Na Inquiry into the Origins, Currents, and Contradictions of
World Politics, p.44-68. In: ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São
Paulo: Boitempo, 2008.
32
Para Guimarães (1998, p. 113) “o conceito de estruturas hegemônicas é preferível ao de Estado hegemônico.
Por Estado hegemônico se pode entender aquele Estado que, em função de sua extraordinária superioridade de
poder econômico, político e militar em relação aos demais Estados, está em condições de organizar o sistema
internacional, em seus interesses de toda ordem, de modo que sejam assegurados e mantidos, se necessário pela
força, sem potência ou coalizão de potências que possa impedi-lo de agir [...] o conceito de estruturas
hegemônicas de poder é o mais apropriado para abarcar os complexos mecanismos de dominação. É o mais
flexível e inclui vínculos de interesse e de direito, organizações internacionais, múltiplos atores públicos e
privados, a possibilidade de incorporação de novos participantes e a elaboração permanente de normas de
conduta.” Ainda que Guimarães dê preferência ao conceito de estruturas, o presente trabalho parte do
pressuposto de que a incorporação de novos participantes e a elaboração permanente de normas de conduta não
são ainda consolidados, e que, ainda que a potência utilize das estruturas hegemônicas, ela não deixa de ter
como características elementos de uma hegemonia nos termos de Arrighi (2008).
36
sistema internacional sob a rubrica de “hegemonia”. Tal termo, de referencial gramsciano33,
revela basicamente a capacidade de um grupo, durante um determinado período, de afirmar-se
como portador do interesse geral de um sistema interestatal, vide importância crescente dos
órgãos de governança mundiais desproporcionalmente influenciados pelos Estados Unidos e
por seus aliados mais próximos. Neste momento, as políticas norte-americanas preocupavamse em manter o mundo seguro para a livre empresa de caráter ocidental identificada em bases
do pluralismo democrático e na concepção unificadora do modelo anglo-americano, e
buscavam o sucesso econômico de tais aliados e concorrentes como base para a consolidação
política da ordem capitalista do pós-Guerra (BRENNER, 2003).
No entanto, esta configuração de ajuda em escala maciça a diversos países –
principalmente Japão e Europa Ocidental-, propiciada pela extrema centralização da liquidez
mundial nos Estados Unidos após as guerras mundiais, precipitou uma crise no sistema
monetário norte-americano no início da década de 1970. Isto devido a três motivos essenciais:
o acirramento do que Brenner (1998) chama de “desenvolvimento desigual”, a intensificação
da concorrência, e a empreitada militar no Vietnã. Ambos os primeiros denotam que a
expansão da oferta mundial de dólares e crédito não foi acompanhada pela possibilidade de
reciclar com segurança e lucratividade tal liquidez. Gilpin (1981 apud ARRIGHI, 2008, p.
112) aponta que o primeiro feito se dá
quando um Estado dominante torna-se o “modelo” a ser imitado por outros e, com
isso, os atrai para sua própria via de desenvolvimento [...] Mas, na medida em que
essa imitação obtém algum sucesso, ela tende a contrabalançar – e, portanto, a
deflacionar em vez de inflacionar – o poder da nação hegemônica, fazendo surgir
concorrentes e reduzindo o “caráter especial” que ela tem.
Deste cenário, e diante da perda de competitividade dos industriais norte-americanos,
sobretudo diante dos japoneses e alemães, a drástica desvalorização do dólar foi usada como
resposta à deterioração da balança de pagamentos dos Estados Unidos. Além disso, faz-se
mister destacar que as políticas monetária e fiscal norte-americanas neste período de crise
tendiam a repelir capitais que buscavam se acumular através de canais financeiros, o que criou
condições de acumulação em escala mundial, primordialmente nos mercados financeiros de
33
Arrighi (2008, p. 159) utiliza-se da definição de Gramsci de forma diversa do puro domínio, colocando que
“[...] hegemonia é o poder adicional que advém a um grupo dominante em virtude de sua capacidade de guiar a
sociedade numa direção que não só serve aos interesses do grupo dominante como também é percebida pelos
grupo subordinados como a serviço de interesses mais gerais.”
37
eurodólares. O crescimento destes mercados proveu aos especuladores cambiais um meio de
manobra para “jogar contra” o sistema de câmbio fixo controlado pelos Estados Unidos34.
Portanto, o que se pode denotar é o caráter paradoxal da política estadunidense, sobre o qual
Arrighi (2008, p. 163-164) diz que
[...] o sucesso na equiparação cria novos concorrentes e a concorrência intensificada
exerce pressão de baixa sobre o lucro das principais empresas. Na medida em que
foi um resultado imprevisto do projeto da Guerra Fria, isso não constituiu apenas
uma limitação, mas também uma contradição da política norte-americana.
Não obstante, à crise de lucratividade somaram-se os efeitos da Guerra do Vietnã
(1959-1975) no balanço de pagamentos dos Estados Unidos. O custo da guerra com a
mobilização de equipamento militar e as despesas públicas a fim de superar a oposição interna
à guerra – por meio do programa Grande Sociedade - contribuiu fundamentalmente para o
arrocho do lucro e a pressão inflacionária do país. Em termos da geopolítica do sistemamundo, a Guerra do Vietnã representou relativa rejeição, por parte das populações do que na
época era rotulado de Terceiro Mundo, do status quo decretado por Yalta. E, sumariamente, o
Vietnã tornou-se um símbolo tão importante não só por ter representado um golpe econômico
contra a capacidade dos Estados Unidos em se estabelecerem como um poder
economicamente dominante 35 , como também representou fundamental impacto sobre o
prestígio norte-americano de peso político-militar, sendo que “o resultado foi que os Estados
Unidos perderam boa parte de sua credibilidade política como polícia do mundo [...]”
(ARRIGHI, 2008, p. 165).
O declínio do prestígio norte-americano atingiu ponto crítico no fim da década de
1970, com a Revolução Iraniana, o aumento do preço do petróleo, a invasão soviética do
Afeganistão e a séria crise de confiança em relação ao dólar americano 36. O primeiro ponto
34
Além do crescimento do mercado de eurodólares, com a crise de lucratividade houve também uma crise das
empresas com integração vertical e administração burocrática, propiciando o surgimento de formas híbridas de
negócios empresariais, ou seja, descentralizou-se a produção fora do domínio organizacional de forma que as
empresas “[...] deixaram em nível mínimo os empregos permanentes (“centrais”) e deslocaram o máximo
possível dos contingente (“periféricos”) para os extremos da rede, muitas vezes em localização geográficas
diferentes” (ARRIGHI, 2008, p. 181). Tal transbordamento se deu principalmente para países do Leste Asiático,
onde os custos de produção e de mão-de-obra eram mais baratos.
35
De acordo com Hobsbawn (1996), quando a Guerra Fria terminou, restava tão pouco da hegemonia econômica
americana que mesmo a hegemonia militar não podia mais ser financiada com os recursos do próprio país.
36
Tais empreendimentos provocaram um ataque especulativo devastador à moeda americana, que ameaçou a
posição do dólar como moeda de reserva internacional. Entretanto, acrescenta-se que no fim da década de 1970,
o euro ainda não havia sido estabelecido, o marco alemão e o iene japonês estavam em rápida valorização e não
tinham peso econômico suficiente, portanto, havia pouca alternativa viável ao dólar como moeda internacional.
Arrighi (2008, p. 211) aponta que “a situação, hoje, é bem diferente. Os governos importantes ainda podem se
38
desgastou de forma significativa o governo Carter, devido à ação de fundamentalistas xiitas
em Teerã, inclusive com a invasão da embaixada americana e a falha de tropas americanas em
resgatar funcionários tomados como reféns. Quanto ao segundo, pode-se dizer que a
continuidade intensificada da concorrência entre capitalistas e do esforço dos países de baixa
e média renda no sentido da industrialização já haviam provocado aumento considerável no
preço das matérias-primas antes de 1973. No entanto, diante da derrota dos Estados Unidos no
Vietnã e da Guerra do Yom Kippur, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep) impuseram um aumento, em poucos meses quadruplicado, no preço do petróleo bruto,
objetivando proteger seus membros contra a depreciação do dólar. Obviamente, este primeiro
“choque do petróleo” aprofundou a crise de lucratividade estadunidense, ajudada pelos gastos
com a invasão do Afeganistão37.
Diante da crise de superprodução - que para Chesnais (1998) e Brenner (2003) se
tornou crônica - e do que foi chamada de “estagflação” estadunidense, em 197338 houve a
reestruturação do sistema com a chamada contrarrevolução monetarista (de 1979 a 1982), ou
seja, a reversão súbita da política monetária norte-americana, dada pelo abandono do sistema
de taxas de câmbio fixas estabelecidas em Bretton Woods a favor do padrão dólar-flexível.
Tal troca deu novo ímpeto à financeirização do capital, na medida em que parou de suprir o
sistema com liquidez e passou a competir de forma mais agressiva pelo capital através de
políticas de altas taxas de juros somadas a incentivos fiscais. Assim, a valorização forçada do
dólar provocou o redirecionamento maciço do fluxo de capital para os Estados Unidos, o que
fez com que os Estados Unidos “passassem de maior fonte de liquidez mundial e de
investimentos externos diretos, como nas décadas de 1950 e 1960, para a maior nação credora
e absorvedora de liquidez do mundo, desde a década de 1980.” (ARRIGHI, 2008, p. 155).
Era senso comum nos Estados Unidos a interpretação de que o ciclo de crescimento
dos anos 1990, comparado ao desequilíbrio da União Européia e à estagnação do Japão,
constituía-se prova irrefutável da reversão do processo de decadência e da recomposição da
hegemonia econômica dos Estados Unidos. Em verdade, apesar de tal justificativa ter servido
aos propósitos expansionistas da Casa Branca e em que pese o desenvolvimento desigual
aparentemente ter beneficiado os Estados Unidos, dada a falsa exuberância, o declínio da
dispor, em grande medida, a cooperar com o governo dos Estados Unidos para preservar o padrão-dólar. Mas
essa boa vontade tem bases diferentes – e menos favoráveis aos Estados Unidos – das da década de 1980.”
37
O governo elevou os gastos militares vinculados à guerra no Afeganistão e no Iraque em 6% em 2001 e 10%
em 2002 (BRENNER, 2006, p. 131 apud CORSI, 2009).
38
Política iniciada no último ano do governo Carter e implantada com vigor no governo Reagan.
39
liderança econômica continuou em curso e as causas deste processo, em vez de suavizadas ou
removidas, foram aprofundadas39. Arrighi e Sylver (2001, p. 285) apontam:
[...] a vitória na Segunda Guerra Fria transformou os Estados Unidos na maior nação
devedora. Desde então, a liberdade de ação dos Estados Unidos como principal
protagonista da política mundial ficou sujeita a atemorizantes restrições financeiras,
que a pretensa “retomada” econômica financeira norte-americana da década de 1990
pouco contribuiu para aliviar.
Alia-se a isto o fato de que “a prosperidade recém-descoberta baseava-se na
transferência da crise de um conjunto de relações para outro. Era apenas questão de tempo até
que a crise ressurgisse de forma mais problemática”, portanto, “o pior ainda estava por vir 40”.
De fato, os Estados Unidos reduziram os juros e ampliaram os créditos. Devido à baixa
remuneração no centro do sistema, os capitais ávidos por valorização a sustentaram - boa
parte por meio de especulação com ações, títulos e moedas das próprias economias periféricas
- em certos mercados periféricos que passavam por um processo de reestruturação de dívidas
externas e de abertura das economias nacionais ao encontro do receituário do Consenso de
Washington41. Em curto prazo, expansões como estas tendem a estabilizar a ordem existente
porque permite o “repasse” do fardo da intensificação da concorrência. Entretanto, em longo
prazo, as expansões tendem a desviar o poder de compra do investimento para a acumulação e
especulação, desestabilizando a ordem em vigor.
Destarte, tal quadro de dominância do capital financeiro delineou paulatinamente uma
dinâmica econômica instável pautada em bolhas especulativas, cujas origens já haviam sido
evidenciadas no âmbito da crise nas bolsas de valores em 1989 e do estouro da bolha
imobiliária e financeira no Japão, que conduziram a recessão de 1990-1991 (CORSI, 2009). A
valorização fictícia do dólar não resistiu por muito tempo, e a bolha especulativa da Nasdaq
estourou em fins de 2000. A desvalorização do dólar que se seguiu entre 2001 e 2004, em vez
de reduzir o déficit comercial norte-americano42, fez com que batesse novo recorde de 617,7
39
A retomada econômica norte-americana da década de 1990, e a constante dependência da economia mundial
em relação ao crescimento econômico dos Estados Unidos, basearam-se num aumento do endividamento
externo norte-americano sem precedentes na história do mundo (ARRIGHI, 2008, p. 173).
40
ARRIGHI, G. The Long Twentieth Century. In: ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: Origens e
fundamentos do século XXI. Tradução Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 171.
41
Vale lembrar o tipo de política dos anos 1930 de "beggar-thy-neighbor" ("empobrece teu vizinho"), que tinha
por instrumento usar tarifas alfandegárias a fim de aumentar a competitividade de produtos nacionais de
exportação e, assim, reduzir os déficits da balança de pagamentos.
42
Em 2002, o déficit era de US$158 bilhões (GREESNPAN, 2008, p. 226).
40
bilhões de dólares. Nesse sentido pode-se referir que o déficit estadunidense em transações
correntes aumentou desde 1990, quer em seus momentos de valorização, quer quando de
desvalorização (ARRIGHI, 2008, p. 209).
Ainda assim, houve recuperação de certo dinamismo a partir de 2003 da economia
norte-americana, que se deu graças à formação de uma nova bolha especulativa imobiliária a
partir da atuação do FED em reduzir também os juros norte-americanos de longo prazo. Já
entre 2000 e 2003, as taxas de juros de longo prazo vinham despencando – os juros dos títulos
do Tesouro de dez anos caíram de 7% para menos de 3,5% (GREENSPAN, 2008, p. 221).
Com a queda dos juros cobrados sobre as hipotecas, a demanda por imóveis se elevou
principalmente pelo segmento subprime 43 . Como bem aponta Greenspan (2008, p. 223)
“booms atraem bolhas”, e mesmo que o incremento do consumo tenha alavancado o
crescimento da economia, deu-se a crise de liquidez (retração do crédito) no sistema
financeiro em 2007, devido à alta taxa de inadimplência e às aversões ao risco, que levam
investidores em ações a sair das Bolsas. Para Costa (2007) e Chesnais (2007) “a crise aberta
em agosto de 2007 foi uma crise anunciada 44 ”. Em vista de não ter havido uma crise de
proporções mais profundas, boa parte devido ao fato de processos, até então pouco visíveis,
estarem tornando a dinâmica da economia mundial mais complexa - a emergência da China
como um dos pólos de crescimento da economia mundial - Arrighi (2008, p. 212) disserta
corretamente sobre a questão ao dizer que
Na verdade, a queda do dólar na década de 2000 é a manifestação de uma crise
muito mais grave da hegemonia norte-americana do que a queda do dólar na década
de 1970. Seja ela gradual ou violenta, é a manifestação (e o fator) da perda relativa e
absoluta da capacidade dos EUA de manter a centralidade no interior da economia
política global.
Para aquém das dificuldades monetárias, na tentativa de manter sua posição em
relação à acumulação de capital, os Estados Unidos também expandiram e intensificaram
militar e politicamente seu poder desde o decorrer da retração e da pretendida belle époque,
quando a capacidade militar global concentrou-se de forma consolidada nas mãos do país. A
partir de tal concentração como cenário internacional, os Estados Unidos promoveram longa
série de confrontos militares depois da derrota no Vietnã, como a fuga do Líbano, depois do
bombardeio da base de Fuzileiros Navais em Beirute. Também travaram guerras por
43
Também chamado de crédito de segunda linha, o subprime refere-se ao segmento que engloba pessoas com
histórico de inadimplência e que, por conseqüência, podem oferecer menos garantia de pagamento.
44
Apud Corsi (2009, p. 31).
41
procuração (Nicarágua, Camboja, Angola, Afeganistão e apoio ao Iraque na guerra contra o
Irã) contra inimigos insignificantes (Granada e Panamá) ou em área em que a alta tecnologia
do aparato norte-americano tinha vantagem absoluta (Líbia) (ARRIGHI, 2008, p. 189).
Ainda, o país liderou a invasão militar a partir de tropas e aviões na Arábia Saudita na
Guerra do Golfo (1990-1991) e, no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan), envolveu-se no Conflito do Kosovo (1996-1999). Além de a invasão do Kwait por
Saddam Hussein, na Guerra do Golfo45, ter criado a oportunidade para a mobilização dos
Estados Unidos a fim de testar seu poder de fogo, Arrighi (1008, p. 190) denota que o
Conflito do Kosovo pretendeu mostrar que “[...] o endosso prévio da ONU às ações policiais
que os Estados Unidos resolvessem realizar era bem-vindo, mas dispensável. Bastava o
endosso mais confiável da Otan”.
Tais características militares unilaterais estadunidenses foram reforçadas com a reação
do governo George W. Bush (2001-2009) aos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono,
estes fortuitamente oferecidos como casus belli para o público norte-americano. Era a
oportunidade esperada para que fosse implementada uma nova estratégia imperial, a qual
Cheney, Rumsfeld e Wolfowitz46 vinham elaborando e apoiando havia muito tempo: o Projeto
para o Novo Século Norte-Americano47. Tal projeto abriu caminho para promoção de uma
política externa de “equilíbrio do terror”, na qual as invasões do Afeganistão e do Iraque
(2003-2011) pretendiam ser os primeiros movimentos táticos dentro de uma estratégia de
longo prazo que visava utilizar o poderio militar para impor o controle norte-americano sobre
os principais centros de petróleo e, posteriormente, sobre a economia global durante outros
cinqüenta anos ou mais. Sendo assim, Osama Bin Laden lhes deu “o poder de mobilização
popular e os alvos48”. Sobre o aspecto da política para o Novo Século Norte-Americano,
Vigevani e Oliveira (2001, p. 71) assinalam que
[...] este novo perfil unilateral, agressivo e ofensivo na condução da política externa
americana tem transformado a forma de os Estados Unidos exercerem sua liderança,
45
A Guerra do Golfo, em 1991 - que resgatou um pouco da autoconfiança que os EUA haviam perdido na
Indochina, no Irã e no Líbano -, foi inteiramente custeada por outros países “[...] demonstrou que os EUA já
não dispunham dos recursos para financiar uma guerra que terminou em alguns dias.” (HOBSBAWM, 1994, p.
242).
46
“Dick” Cheney era running mate de George W. Bush nas eleições de 2000, e foi eleito como 46º vicepresidente dos Estados Unidos. Donald Rumsfeld foi Secretário da Defesa dos Estados Unidos da América
durante o primeiro mandato de George W. Bush. Paul Wolfowitz foi presidente do Banco Mundial entre 2005 e
2007, e é considerado, junto aos políticos supracitados, arquiteto da política externa dos Estados Unidos no
governo Bush.
47
Para detalhes sobre o Projeto para o Novo Século Norte-Americano, ver o site:
<www.newamericancentury.org>. Acesso em: 15 out. 2011.
48
MANN, M. Incoherent Empire. London: Verso, 2003. p. 9.
42
tem gerado cada vez mais dificuldades para a manutenção de seu soft power e
elevado a necessidade de intervenção através do hard power.
Mesmo com a afirmação cada vez maior do poderio militar dos Estados Unidos, já em
2005, não só o exército do país parecia incapaz de finalizar a empreitada no Iraque, como
também passou a enfrentar uma falência de qualidade moral semelhante ao ocorrido no
Vietnã. Arrighi (2008) fala numa persistência da “Síndrome do Vietnã”, na medida em que,
mesmo com a enorme força coativa estadunidense, pouca credibilidade internacional foi dada
aos empreendimentos unilaterais norte-americanos. Em discurso, George W. Bush (2007)
proferiu palavras que corroboraram com a sensação de “síndrome” em ter dificuldades de
superar a resistência de um adversário militar comparativamente insignificante:
Ao contrário do que aconteceu no Vietnã, se retirássemos antes de o trabalho estar
feito, o inimigo seguir-nos-ia até casa. E isso é porque, para a segurança dos Estados
Unidos da América, temos de derrotá-los lá fora, para que não os tenhamos de
enfrentar nos Estados Unidos da América 49.
Tal pronunciamento se deu num momento em que a deflação de credibilidade das
políticas norte-americanas atingia seu clímax devido não só às investidas militares – que para
Arrighi (2008, p. 199) “longe de ser o primeiro ato de um novo século norte-americano, muito
provavelmente será o último ato do primeiro e único século norte-americano, o „longo‟ século
XX” -, mas também à escalada do déficit nas transações correntes do seu balanço de
pagamentos. Este reflete a deterioração da posição competitiva das empresas norteamericanas em termos internacionais, as diversas recessões financeiras com repercussões
globais50 e a queda de credibilidade do dólar enquanto moeda de reserva internacional.
Adicionalmente, as políticas econômicas ditadas pelo “fundamentalismo de mercado”
neoliberal da década de 1980 - estabelecidas na cartilha do Consenso de Washington 51 -
49
“President Bush Attends Veterans of Foreign Wars National Convention, Discusses War on Terror”. Kansas
City Convention and Entertainment Center, 22 ago. 2007. Disponível em: <http://georgewbushwhitehouse.archives.gov/news/releases/2007/08/20070822-3.html>. Acesso em: 20 abr. 2011.
50
Somam-se no mínimo seis crises: recessão de 1990-1991, México-1994, Sudeste Asiático-1997,
Rússia/Brasil/Argentina-1998 e 1999, recessão 2001-2002 e crise da bolha imobiliária em 2007.
51
O que se convencionou chamar de Consenso de Washington resultou de conclusões de uma reunião na capital
dos Estados Unidos, em novembro de 1989, com a presença de funcionários do governo americano e dos
organismos internacionais ali sediados: FMI, BID e Banco Mundial, todos especializados em assuntos latinoamericanos. O encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título “Latin American
Adjustment: How Much Has Happened?”, contou, também, com a presença de economistas da região, e tinha
como objetivo avaliar os resultados das reformas econômicas já sendo executadas em alguns dos países
representados.
43
falharam no Sul global, uma vez que o redirecionamento maciço do fluxo de capital para os
Estados Unidos, provocado pela contrarrevolução monetária, reverteu o fluxo de capital que
estava sendo recebido pelo Sul global, projetando-os num cenário de empréstimos,
renegociações de altas dívidas e insolvência. Tal fato também colocou em xeque as políticas
“desenvolvimentistas”, sobretudo na América do Sul, e implicou uma dependência crescente
destes países em relação a instituições financeiras internacionais.
No sentido da percepção das contradições do que então se tornou um “Dissenso de
Washington”, houve ascensão paulatina de governos considerados de esquerda na América
Latina 52 – o chamado “Giro a La Izquierda” -, dotados de discursos progressistas, próintegração latino-americana e de certa contraposição aos interesses dos Estados Unidos.
Segundo Russel e Tokatlian (2008, p. 8):
No final dos anos 1990, mudanças profundas na política venezuelana mostraram a
vontade de um novo líder, Hugo Chávez, de ressuscitar uma estratégia de oposição
aos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, sem tanta estridência, outros países
ampliaram seus espaços de resistência no que diz respeito às preferências norteamericanas, combinando diferentes formas de acomodamento e de oposição que
colocaram em evidência uma diversidade regional em grande parte oculta nos anos
90.
Em contrapartida, certas regiões – Ásia, particularmente a China - puderam se
beneficiar do redirecionamento do fluxo de capital, na medida em que apresentavam boa
vantagem na concorrência pela participação na expansão da demanda norte-americana por
produtos industriais de baixo preço. Isto se deu porque a melhora do balanço de pagamentos
destas regiões reduziu a necessidade de competir com os Estados Unidos no mercado
financeiro mundial e chegou a transformar algumas delas, inclusive, em credoras dos
mesmos53. De acordo com Arrighi (2008, p. 213), tal fato “talvez pareça em retrospecto, o
maior fracasso do projeto imperial neoconservador: permitir que a China se torne o possível
novo centro da economia política global”.
Nesse sentido, pode-se apontar que o sucesso dos Estados Unidos como potência
hegemônica criou as condições para seu próprio declínio paulatino. Ao pressupor a liderança
associada à “hegemonia”, repousada sobre a capacidade do grupo dominante de apresentar-se
como portador de um interesse geral e de ser percebido assim, visualiza-se um cenário
52
Fazem parte deste hall países como Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Os financiadores mais importantes do déficit norte-americano em transações correntes foram os governos da
Ásia oriental, que se dedicaram a compras maciças de títulos do Tesouro norte-americano e a acumular reservas
em dólar.
53
44
internacional no qual falta ao pretendido hegemón norte-americano a credibilidade de se fazer
percebido pela comunidade internacional como um bom condutor do sistema de Estados.
Arrighi (2008, p. 160) utiliza-se do termo “crise de hegemonia” para
designar a situação em que falta ao Estado hegemônico dominante os meios ou a
vontade de continuar conduzindo o sistema de Estados numa direção em geral
considerada capaz de expandir não só seu poder, como também o poder coletivo dos
grupos dominantes do sistema.
Para o autor, a crise de lucratividade, a “estagflação”, e os resultados da investida
falha no Vietnã na década de 1970 figuraram como uma “crise sinalizadora” do declínio da
hegemonia norte-americana. Dado que tais crises não foram de todo solucionadas, mas
“remediadas” e até mesmo aprofundadas, pode-se ver atualmente os desdobramentos do que
ele denota como “crise terminal” (2001-2008) de sua hegemonia.
Ainda assim, os Estados Unidos permanecem dominantes no que tange ao poder
político-militar do sistema internacional, configurando seu papel na arena internacional de
“dominação sem hegemonia” (GUHA, 1992a, p. 231-232 apud ARRIGHI, 2008, p. 160). Tal
situação é possível devido a uma originalidade geopolítica conjuntural: a centralização de
capacidades sistêmicas, ou seja, houve a bifurcação das capacidades político-militares e
financeiro-econômicas concentradas em diferentes atores do cenário mundial. Assim, o
controle dos meios coativos globalmente eficazes concentrou-se no ventre da hegemonia em
declínio, e os meios econômicos e de trocas comerciais está cada vez mais concentrado em
agentes de menor relevância militar e distantes dos centros tradicionais de poder do sistema
mundial moderno. Como bem aponta Arrighi (2001, p. 287):
[...] diversamente das crises hegemônicas anteriores, a atual crise da hegemonia
norte-americana concentrou ainda mais os recursos militares globais nas mãos do
líder hegemônico em declínio e de seus aliados mais próximos. Tal como as crises
anteriores, no entanto, ela deslocou os recursos financeiros globais para novos
centros, dotados de uma vantagem competitiva decisiva nos processos de
acumulação de capital em escala mundial. O centro hegemônico em declínio,
portanto, fica na situação anômala de não enfrentar nenhum desafio militar digno de
crédito, mas de não dispor dos meios financeiros necessários pra resolver problemas
de nível sistêmico que exigem soluções de nível sistêmico.
45
Wallerstein (2011) também está de acordo com tal preposição quando aponta que “[...]
os Estados Unidos são hoje uma das menos estáveis entidades políticas no sistema-mundo [...]
O declínio dos Estados Unidos não é o resultado de más decisões do seu presidente, mas de
realidades estruturais no sistema-mundo 54 ”. De fato, quando se aponta para o modelo de
Wallerstein quanto aos processos estruturais distintos que caracterizam as crises hegemônicas,
a saber: a intensificação da concorrência interestatal e interempresarial; a escalada dos
conflitos sociais; e o surgimento intersticial de novas configurações de poder, percebe-se que
estes estão sendo completados devido às transformações na política econômica do sistema
mundial.
A intensificação da concorrência interestatal e interempresarial se dá através do
desenvolvimento desigual dos novos system-affecting states e sua maior voz nas mesas de
barganha internacional, e através da ação crescente e cada vez mais relevante de novos atores
transnacionais no direcionamento da economia-mundo, sobretudo após a fragmentação da
forma organizacional tradicional de empresas multinacionais. A escalada de conflitos sociais
é ilustrada basicamente pelas empreitadas unilaterais norte-americanas na Ásia Ocidental, e
suas interferências internacionais em prol da “Guerra ao Terror” e da disseminação de bases
democráticas. Já a emergência de regiões da Ásia oriental, maiormente da China como
essencial Global Player nas esferas da economia política internacional, e de países do Sul
global – a exemplo dos BRICS-, consagra o surgimento de novas configurações de poder. No
que tange a esta possível nova configuração da Ordem Mundial, Arrighi (2001, p. 298)
declara que:
Se o sistema vier a entrar em colapso será, sobretudo, pela resistência norteamericana à adaptação e à conciliação. E, inversamente, a adaptação e a conciliação
norte-americana ao crescente poder econômico da região do Leste da Ásia é
condição essencial para uma transição não catastrófica para uma nova ordem
mundial
Nesse sentido, Kissinger (2005) também concorda que é do interesse dos norteamericanos cooperar com a China na busca de um sistema internacional estável, e que “os
Estados Unidos precisam entender que o tom intimidador evoca na China lembranças de uma
arrogância imperialista e isso não é apropriado [...]55”, além do fato de os Estados Unidos
54
WALLERSTEIN, I. As consequências para o mundo do declínio dos Estados Unidos. Diário Liberdade, 13
set. 2011. Disponível em:
<http://diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=19499:as-consequencias-para-omundo-do-declinio-dos-estados-unidos&catid=100:outras-vozes&Itemid=21.>. Acesso em: 12 set. 2011.
55
KISSINGER, H. China: Containment Won‟t Work. The Washington Post, 13 jun. 2005.
46
poderem confiar nos mecanismo político-econômicos de caráter ocidental fundados por eles
no pós-Segunda Guerra Mundial.
Num outro extremo, e partindo do pressuposto de que a emergência da China como
grande potência se chocará com os interesses norte-americanos, Kaplan (2005) elabora uma
estratégia para conter o poder chinês através de uma “coalizão de equilíbrio” sob o codinome
Comando Norte-Americano do Pacífico (Pacon), estabelecida entre os Estados Unidos e
diversos países interessados em neutralizar a emergência chinesa, de forma a arremeter à série
de impasses no estilo da Guerra Fria56. Para Arrighi (2008, p. 315) muitas das estratégias
propostas para determinar uma política externa estadunidense tangente à emergência da
China,
ignoram completamente a história chinesa e baseiam-se numa leitura bastante
simplista da História ocidental. É claro que é necessário fazer uma leitura seletiva do
passado para abrir caminho na grande muralha de incógnitas que cerca as possíveis
conseqüências da ascensão da China.
Claramente, o renascimento da China é tanto produto de seu esforço particular em
direção ao crescimento econômico – aproveitando as contradições da liderança hegemônica-,
quanto da herança geo-histórica do Leste da Ásia. Considerando que a disseminação do
renascimento econômico para a República Popular da China acrescenta uma dimensão
desafiante à Nova Ordem Internacional, faz necessário o estudo do processo de reforma
político-econômica pelo qual a China esteve incumbida durante os últimos 33 anos.
56
KAPLAN, R. D. How We Would Fight China. The Atlantic Monthly, jun. 2005.
47
3 China redesenhando a Nova Ordem Mundial
Esta sessão tem por escopo a descrição e a investigação das transformações internas
aplicadas pela China enquanto elementos endógenos de sua posterior inserção internacional,
bem como discutir os princípios basilares da ascensão chinesa no que se convencionou
denominar “desenvolvimento pacífico” chinês. Primeiramente, analisa-se os ensejos e o
processo da reforma de suas estruturas, focando em direção à descentralização administrativa,
à revisão dos impostos e do sistema fiscal, à reforma empresarial – estratégia de “reter as
grandes, soltar as pequenas” –, à firmação do país enquanto uma “economia de mercado
socialista com características chinesas”, à política de “portas abertas” e a instituição das
Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) e, finalmente, aos elementos internacionais da reforma,
fluxos de Investimento Estrangeiro Direto (IED) e o comércio baseado nas redes de
relacionamentos (guanxi) dos chineses ultramar.
Em seguida, apontam-se perspectivas da inserção internacional da China tanto
enquanto potência regional quanto potência global, de forma a averiguar seus interesses e
discursos domésticos numa provável e bem quista reformulação do cenário internacional,
através da articulação chinesa com outros países em desenvolvimento no âmbito de foros
multilaterais. Analisa-se, desta forma, a intenção chinesa em divulgar e realizar um “mundo
harmonioso” no qual a própria China e seus países parceiros, possam “coexistir
pacificamente”, rumo à uma cooperação mútua.
3.1 改革开放 – Gaige Kaifang – Reforma e Abertura
Com a morte de Mao Zedong em setembro de 1976 e a posterior prisão dos seus
principais apoiantes, deu-se um impacto inverso no destino dos dirigentes chineses que, de
uma forma ou de outra, tinham sido atingidos pela turbulência da Revolução Cultural. Um dos
mais proeminentes, Deng Xiaoping57 voltou a assumir as funções de Vice-Primeiro Ministro
em 1977, enquanto o pouco conhecido sucessor de Mao, Hua Guofeng, dirigia o governo. A
influência de Deng aumentou sobremaneira, já que àquelas funções juntou as de VicePresidente do Partido Comunista Chinês (PCC) e de Chefe do Estado-Maior das Forças
Armadas. Este fato foi determinante para a sua chegada à suprema liderança, em 1978, na III
57
Em 1966, Deng Xiaoping foi criticado e acusado de defender a estatização da economia à moda soviética. Por
também abrir inquéritos contra funcionários do partido, Deng foi expurgado de suas funções no PCC (MITTER,
2011).
48
Sessão Plenária do XI Comitê Central do Partido Comunista Chinês, e conseqüente
capacidade de implementação das reformas econômicas que transformaram a face da China
desde então.
O líder caracterizou-se por assumir uma atitude pragmática e que se sintetizava na
frase “Pouco importa a cor do gato, contanto que cace ratos”, ou seja, qualquer medida que
permitisse o crescimento econômico devia ser promovida pelo governo e ser rapidamente
difundida, o contrário seria feito àquelas medidas que não conduzissem ao crescimento e
gerassem instabilidade. Deng lançou as “Quatro Modernizações”, que foram direcionadas aos
seguintes setores, indústria, agricultura, forças armadas e tecnologia e se desdobraram em
medidas, tais como, a redução e controle do Estado sobre as províncias, a privatização de
empresas estatais, a desregulamentação da atividade econômica e a reforma agrária. Na
prática, sua política se definiu não por um caráter “capitalista” ou “socialista” das medidas,
mas sim em termos do crescimento econômico e do incremento do nível de vida da
população.
Assim, a retórica da Revolução Cultural fora relegada, pois a idéia de uma revolução
contínua perdeu seu ímpeto devido aos conflitos entre a facção conservadora do Partido
Comunista Chinês (PCC) e a burocracia partidária que atrasavam o desenvolvimento
econômico e impediam o avanço do ideal socialista no país 58 . Deng adotou como lema
pessoal o slogan “Procure a verdade dos fatos”, que já havia sido utilizado por Mao na década
de 1930, e que serviu para que o novo dirigente indicasse ao povo chinês que a verdade e os
fatos haviam estado ausentes da cena política durante as empreitadas do antigo dirigente
(MITTER, 2011, p. 72). Para ele, o anti-intelectualismo e a xenofobia da Revolução Cultural
estavam sendo nocivos para o país em termos econômicos. Wan Hui (2006) aponta que, muito
provavelmente, a origem das reformas deve-se à reação, aprovada dentro e fora do Partido
Comunista da China59, contra “lutas faccionais e o caráter caótico da política nos últimos anos
da Revolução Cultural”. E ainda que a Revolução Cultural tenha sido relegada, o PCC “não
repudiou a Revolução Chinesa, nem os valores socialistas, nem a essência do pensamento de
Mao Tsé-Tung60”. Também para Arrighi (2008, p. 379), “[...] desse ponto de vista, por mais
58
Spence (2000) aponta que a Revolução Cultural chinesa foi um movimento complexo que durou de 1966 a
1976 e afetou a China devido aos conflitos entre Mao Zedong e outros altos dirigentes do Partido Comunista
Chinês.
59
No que tange à aceitabilidade, Arrighi (2008, p. 379) diz que “a Revolução Cultural não só ameaçou o poder
das autoridades estatais-partidárias e as conquistas sociais e políticas da Revolução Chinesa, como ameaçou
também todo o componente modernista da tradição revolucionária. Assim, o repúdio daquela em favor das
reformas econômicas foi apresentado e aceito como essencial para a retomada do componente modernista.”
60
WANG, H. Depoliticized Politics, From East to West. New Left Review, v. 2, n. 41, p. 29-45, 2006. Disponível
em: <http://www.newleftreview.org/A2634>. Acesso em: 15 ago. 2011.
49
dolorosa que tenha sido a experiência para as autoridades e os intelectuais urbanos, a
Revolução Cultural consolidou as bases rurais da Revolução Chinesa e lançou os alicerces
para o sucesso das reformas econômicas”. Além de que “sem a revolução industrial da era de
Mao, os reformadores econômicos que emergiram à proeminência na era pós-maoísta teriam
pouco para reformar”.61
De fato, a combinação da base produtiva construída durante a época de Mao com os
incentivos oferecidos pela reforma agrícola através do sistema de Responsabilidade Familiar62,
permitiu um boom da produção agrícola entre 1979 e 1984. Já no início dos anos 1950, as
comunas ampliaram enormemente as terras agrícolas irrigadas, além de difundir tecnologias
relacionadas à produtividade (como fertilizantes) 63 . Tal produtividade então aumentou de
forma extraordinária, o que, posteriormente, “permitiu que os agricultores chineses
realizassem negócios fora de suas aldeias natais, nas novas Empresas de Aldeia e de
Municípios (EAMs) de propriedade coletiva” (ARRIGHI, 2008, p. 366). Segundo Pei
Changhong (2004), a produção de grãos aumentou de 304,77 milhões de toneladas em 1978
para 508,38 milhões em 1999, de modo que o padrão de vida melhorou nas áreas rurais. Além
disso, oportunidades de emprego maiores para o habitante do campo foram dadas pela
industrialização rural com as EAMs, com o valor da produção da indústria coletiva rural
alcançando 4.573 bilhões de reminbis (RMBs) em 1998, o equivalente a 38,4% do valor da
produção da indústria nacional.
Tais EAMs64, empresas de propriedade coletiva, eram fonte de riqueza tributária rural
para o governo e, além de aliviar o fardo fiscal sobre os camponeses, também promoveram
pressão competitiva de forma a direcionar todas as empresas, não apenas as estatais, no
sentido de melhora de desempenho e também a reinvestir os rendimentos localmente de
acordo com tal desempenho. Elas beneficiavam-se de grande flexibilidade, fruto da ausência
de sindicatos e de encargos trabalhistas, e do baixíssimo custo da mão de obra, além de se
61
MEISNER, M. Mao´s China and After. A History of the People´s Republic, 1999, p. 435-447
O sistema de Responsabilidade Familiar envolvia uma multiplicidade de maneiras de organizar o trabalho
rural e distribuir suas rendas, de forma a responsabilizar os locais pelas operações mediante o “contrato
familiar”. Este atribuía a cada família a posse de um lote de terras, mas não o direito de comercializá-lo, em
troca do pagamento pelo grupo das taxas oficiais e entregas de cereais (FISHMAN, 2006).
63
O sistema da comuna popular foi abolido e o deconcessão de terras reformulado. Estabeleceu-se a prática do
sistema de contrato com a unidade familiar, enquanto a organização coletiva provia o sistema de apoio para a
família agricultora. A reforma rural inclui ainda a liberdade de circulação para produtos agrícolas, tendo sido
estabelecido um sistema de mercado próprio. Foi dada orientação ao mercado no tocante a preços de compra e
venda de produtos agrícolas, possibilitando a organização do próprio agricultor no tocante ao mercado em geral
e ao surgimento do mercado rural (PEI, 2004).
64
Também referenciadas como Empresas de Vilas e Municípios (EVMs) ou Township and Village Enterprises
(TVEs). Para Arrighi (2008, p. 369) “Apesar ou talvez por causa de sua variedade organizacional, as EAMs
podem ter desempenhado papel fundamental na ascensão econômica chinesa, assim como as empresas com
integração vertical e administração burocrática na ascensão norte-americana um século atrás.”
62
50
beneficiaram também do apoio dos governos locais, fundamental para o acesso ao
financiamento65.
Estas empresas são talvez o melhor exemplo nas condições de transição em que se
encontrava a China, na medida em que se encontravam em posição intermediária entre as
empresas de propriedade estatal, próprias da antiga ordem, e as empresas privadas, próprias
da economia de mercado. Neste sentido, são empresas capazes de aproveitar as vantagens de
ter caráter público e incentivo estatal e ao mesmo receber o impulso de serem regidas por um
sistema de preços competitivos66.
Desta primeira experiência reformista, retira-se que a nova estrutura econômica não
alteraria a natureza política do sistema socialista, pois a essência das reformas seria a
construção da base material através da abertura econômica, porém com a manutenção da
ditadura democrática popular, centralizada pelas decisões do PCC. Assim sendo, a construção
do socialismo chinês pressupunha um mercado sujeito às regras e ao controle das atividades
macroeconômicas pelo Estado socialista, cuja função principal seria a distribuição dos
recursos através da conjugação dos interesses do povo.
Nesse sentido, em uma economia onde se predominava o sistema de planejamento
central, as regras do jogo institucional foram resultado das iniciativas pioneiras. Num período
de transição, foi cauteloso que as antigas regras não fossem descartadas, e sim que
continuassem representando um rol importante na medida em que as novas regras fossem
ganhando espaço. Assim, mediante este processo gradual e sem fortes rupturas, as velhas
estruturas foram sendo substituídas somente em alguns setores67.
Tal estratégia de transição é pré-condição para que se pense no sucesso e na
manutenção das reformas de abertura. Enquanto outras economias asiáticas, como Rússia e
República Checa, centralmente planificadas buscaram diretamente suas estratégias de
desenvolvimento dentro de um contexto capitalista de mercado a partir de um quase
“tratamento de choque”, a China utilizou-se - emprestando um termo de Teoria Econômica de uma estratégia “learning-by-doing”, implementando a abertura econômica paulatina de
forma a analisar seus retornos e falhas. Além da reforma industrial rural e do desenvolvimento
65
Kynge (2007) destaca o caráter espontâneo e pouco planejado desse processo
“[...] boa parte do crescimento econômico chinês pode ser atribuída à contribuição das EAMs para o
reinvestimento e a redistribuição do lucro industrial nos circuitos locais e para o seu uso em escolas, clínicas e
outras formas de consumo coletivo. Além disso, nas EAMs em que há distribuição de terras relativamente
igualitária entre as famílias [...], os moradores podiam ganhar a vida combinando o cultivo intensivo em lotes
minúsculo com o trabalho na indústria e em outras atividades não agrícolas.” (ARRIGHI, 2008, p. 369).
67
Devido à característica de sequenciamento das políticas modificadas, a estas se estabeleceu o caráter de
“reforma incremental” - zengliang gaige 怎两改革. (QUIAN; WU, 2000, p. 5).
66
51
do empreendimento municipal supracitados, o sucesso da economia chinesa deve-se também
à descentralização administrativa (CAI, 2006). Segundo Gall e Fang (1995, p. 6):
A descentralização tem sido o principal traço da reforma desde 1978, mudando o
funcionamento da economia chinesa. Ela criou mais economias locais poderosas à
medida que as decisões no setor público foram dispersadas. [...] Uma definição
estreita de descentralização, que se aplica à China de hoje, significa a transferência
da tomada de decisões para os governos locais, empresas de propriedade do Estado
(EPEs) e bancos estatais. Trata-se de uma descentralização dentro do setor público,
sem mudança de propriedade. Essa definição-restrita de descentralização difere da
liberalização econômica, que é a remoção das restrições governamentais à atividade
econômica privada.
3.1.1 Descentralização: o Central e o Local
A questão central-local foi questão-chave na reforma econômica da China. O objetivo
da descentralização foi delegar parte do poder econômico central para os governos locais,
aliviando as possíveis tensões acerca da abertura econômica entre o governo central e o local
em longo prazo. Assim, os governos locais passam a ter maior autonomia para aprovar
projetos de investimento estrangeiro e taxas para as empresas estrangeiras, alocar recursos, e
ampliar o mercado local em favor da própria economia local (SHIRK, 1994, p. 31). Ainda
assim, mesmo com a descentralização das decisões e ações econômicas, o processo de
mudanças continua sendo dirigido pelo próprio Estado, ou seja, o governo central é
responsável pela segurança nacional e pela coordenação regional, e o governo local lidera as
experiências institucionais e de desenvolvimento.
Tal processo de descentralização se alargou a outros domínios. Gall e Fang (1995, p.
7) esclarecem que ela “tem abrangido quase todas as decisões sobre produção, preços,
investimentos, comércio exterior, distribuição de renda, tributação e crédito. Concedeu-se
autonomia a ministérios, governos locais de vários níveis, empresas e bancos estatais”. Um
importante domínio foi a transferência para as empresas públicas de parte das
responsabilidades sobre elas até então detidas pelos órgãos governamentais de gestão,
iniciando-se assim um processo de descentralização de tomada de decisões e de maior
responsabilização das empresas pelos resultados econômicos e financeiros obtidos.
A estratégia consistia em ampliar o papel das forças de mercado, ao mesmo tempo em
que a preservação do planejamento central dava ao governo, que controlava setores
estratégicos68, maior capacidade de conduzir o processo. Constituiu-se assim um sistema de
dual track, em que as empresas estatais, ainda submetidas ao Plano, obtiveram o direito de
68
Setores de energia, recursos naturais, metalurgia e telecomunicações.
52
vender o excedente no mercado. Tomando as obrigações do Plano como um tipo de imposto,
as empresas passaram a se orientar pelos sinais de mercado. A contrapartida foi a retenção por
estas de uma parte dos lucros alcançados devido ao sistema fiscal, além do fato de que a alta
discrição dos gerentes das estatais ampliava as chances de corrupção. O grande desafio era
encontrar formas de monitorar as empresas e impedir que a maior autonomia fosse
acompanhada pela „privatização‟ da propriedade pública.
Como outro contraponto, tem-se que as reformas introduziram estruturas de renda e de
emprego mais diferenciadas e estratificadas, muito menos igualitária. As disparidades
regionais de renda entre as regiões costeira e do interior, as desigualdades entre as áreas
urbanas e as rurais, assim como a disparidade entre as próprias regiões rurais, estavam se
ampliando simultaneamente ao crescimento acelerado da economia chinesa e à reforma
descentralizadora do sistema fiscal. Sobre tal sistema fiscal, Pei (2004, p. 1) aponta que:
Em termos práticos, os indicadores de planejamento foram transferidos da posição
de comando para a referencial, pela qual o Estado prossegue com a meta econômica
através da aplicação de diferentes ferramentas econômicas. Essas ferramentas
incluem os meios de política fiscal, tais como despesa, taxação, subsídios e
transferência de pagamento, e o controle da política monetária, como o índice de
fundos preparatório para depósitos, o índice de redesconto e a performance do
mercado público. Assim, os esforços no sentido de criar um sistema de controle da
economia promoveram o progresso do sistema de planejamento fiscal e financeiro.
3.1.2 Revisão de impostos e do sistema fiscal
Com as reformas de abertura, os instrumentos de arrecadação tributária concentraramse nos governos subnacionais, ou seja, havia grande descentralização da arrecadação, que,
posteriormente, era transferida para o governo central. Entre estas esferas, um contrato era
estabelecido de forma a esclarecer quais impostos cada uma arrecadaria e como seriam
partilhados os recursos. Tal arranjo constitucional gerava conflitos, na medida em que os
governos locais tinham a possibilidade de omitir receitas arrecadadas e não transferi-las ao
governo central69, ou seja, “a descentralização dentro do setor estatal também pode gerar a
assim chamada „privatização espontânea‟, com a disseminação da corrupção e do roubo de
ativos do Estado.” (GALL; FANG, 1995, p. 6).
69
Estratégia realizada através da criação de tributos locais de contabilização extra-orçamentária e pelo baixo
esforço de arrecadação dos tributos que deveriam ser enviados ao governo central.
53
O referido contrato encontrava-se dentro de um Sistema de Contratação Orçamentária
(SCO), que foi “o principal instrumento para remodelar as relações fiscais entre o governo
central e os governos locais” (GALL; FANG, 1995, p. 10), na medida em que era usado para
transferir a carga fiscal do governo central para o local, de forma a estimular as autoridades
locais a promover o desenvolvimento de suas economias. Assim, o governo central encarregase de fornecer recursos – constituídos por impostos e remessas de lucros das empresas – aos
governos locais. O sistema é baseado na coleta de receitas sobre bases tributárias separadas
por ambas as esferas governamentais70. Este mecanismo dual track estabelecia que os preços
locais estavam livres para variar dentro de uma margem, enquanto os preços centralmente
planejados eram mantidos congelados durante certo tempo (WU; ZHAO, 1987; LAU;
QUIAN; ROLAND, 2000 apud QUIAN; WU, 2000). Cada autoridade provincial assina o
SCO com o governo central sobre uma quantidade fixa de receita a ser remetida durante um
determinado período, sendo que os governos locais estão autorizados a reter o excedente, após
a remessa do montante contratado, a fim de equilibrar seu próprio orçamento.
Apesar do sucesso visto no que tange à realocação de recursos, o procedimento levava
não só à relativa queda da arrecadação tributária - que caiu de 31,6% do PIB, em 1978, para
11,2%, em 1995 - como também impedia que o governo central tivesse, em suas mãos,
instrumentos de gestão macroeconômica. Muito embora
A descentralização no setor estatal e a liberalização das atividades econômicas
privadas podem estar interligadas. Quando têm poder para perseguir seus interesses
próprios, os governos locais podem querer promover e proteger os negócios locais
privados para aumentar a receita local. (GALL; FANG, 1995, p. 6).
Também gerava um sistema tributário confuso, no qual cada província tinha seus
tributos71, implicando grande custo às empresas sediadas em mais de uma província. Havia,
inclusive, negociações diretas entre as autoridades fiscais e as empresas sobre o montante de
impostos a pagar, o que significava distinta carga fiscal para empresas de características
semelhantes, com grande variação, também, entre províncias. Devido ao fato de a ampla
descentralização ter trazido percalços tangentes á tributação, a partir de 1994, o governo
70
Este sistema foi chamado de “eating in separated kitchens” - fenzao chifan 分灶吃饭 (KELLEE, 2004).
Eram estabelecidas a Câmara Nacional de Impostos e as Câmaras locais de imposto, cada uma responsável
pelo recolhimento de suas próprias taxas locais. Os impostos foram divididos em três partes: os impostos do
governo central, usados para a manutenção da habilidade de macrocontrole em escala nacional; os impostos
regionais, referentes às necessidades locais; e impostos compartilhados, direcionados a dar suporte direto ao
desenvolvimento econômico tanto em âmbito central quanto local (QIAN, 1999).
71
54
central reengendrou parte de suas políticas no sentido de trazer novamente para si o poder
decisório, inclusive abolindo o mecanismo dual track de preços. Enquanto no momento
imediato da reforma, as próprias províncias coletavam os impostos e enviavam a quantia
estabelecida no contrato para o governo central, a partir daquele ano, o próprio governo
central recolhia os impostos e posteriormente os realocava nas províncias. Gall e Fang (1995,
p. 10) denotam que
A principal idéia por trás disso é “recentralizar” os recursos. De acordo com esse
novo arranjo, 75% do imposto sobre valor adicionado, que se tornaria uma fonte
essencial de receita tributária, iriam para o governo central, ao passo que os
governos locais esperariam pelas transferências dos cofres federais. Agora, as
autoridades centrais decidem o quanto será transferido do governo central para os
locais.
3.1.3 A reforma empresarial
Devido às mudanças institucionais que foram sendo operadas a partir da reforma e o
fato de que as empresas agora eram direcionadas a jogar pelas regras estabelecidas de um
mercado aberto, instalou-se certa pressão de forma que elas deveriam, de acordo com as suas
vantagens comparativas, alcançar uma alocação mais eficiente dos recursos, e, nesse sentido,
configurar uma estrutura industrial que atendesse a esses novos requisitos. O que houve então
foi uma transformação gradual das empresas sob bases experimentais.
No setor da indústria estatal, houve a promoção de maior autonomia e o impulso a um
sistema de empresas moderno. Numa economia planificada, as empresas estatais estavam
sujeitas às diretrizes e aos objetivos do Estado. Dadas as novas condições, a conotação de
“mercado” significou para as mesmas que, ainda que fossem dominantes, teriam que obter seu
desempenho sob as competências exigidas pelo mercado, ou seja, seriam praticamente
obrigadas a manter mecanismos econômicos flexíveis, e, nesse sentido, estabelecer um
sistema moderno de empresas que as fizessem mais eficientes e competitivas.
Já em 1984 acelerou-se o crescimento das empresas industriais privadas. Meza Lora
(2007, p. 303) aponta que “en un periodo de apenas tres años casi se duplicó el número de
empresas industriales privadas rurales al pasar de 3.76 millones en 1985 a 6.39 millones para
el año de 1988”. Doravante, a partir de 1992, uma série de políticas econômicas foi emitida no
sentido de promover as reformas das empresas públicas. As primeiras “14 estipulações” foram
emitidas pelo Conselho de Estado em julho deste mesmo ano, e versavam sobre a
55
legitimidade da nova autonomia das empresas estatais, a qual abrangia, dentre outros
assuntos, contratações, demissões e alocação de capital de investimento (QUIAN, 1999).
No entanto, se o Estado havia aplicado políticas para induzir à privatização das
pequenas e médias empresas estatais, não poderiam fazer exatamente o mesmo com as
empresas de grande porte, dado que tais empresas captavam os maiores níveis de emprego no
setor urbano, eram a fonte mais importante de rendimentos auferidos pelo governo,
produziam bens estratégicos para o crescimento industrial, além de que muitas delas
produziam com eficiência e eram altamente competitivas. Eram, portanto, suporte essencial
para o crescimento econômico e o desenvolvimento industrial.
Logo, a importância estratégica destas empresas dificultava à autoridade
governamental induzir políticas de privatização a curto prazo, tal como haviam feito para as
pequenas empresas, sob pena de ocasionar desequilíbrios econômicos e sociais. Adiciona-se o
fato de que alguns líderes do governo não tinham se desvencilhado completamente dos velhos
conceitos ideológicos, tornando os custos potenciais da privatização destas empresas muito
altos. Apesar disso, tais líderes estavam conscientes de que tampouco poderiam ficar inertes
ante ao cenário em transição, onde a eficiência e a competitividade começavam a ser a norma
para as transições em um “quase-ambiente-de-mercado” cada vez mais vigoroso (SAICH,
2001).
Daí proveio a atitude assumida pelas autoridades, em março de 1994, de "reter" as
grandes empresas e aplicá-las novos critérios de governança, sem a pretensão a curto prazo de
modificar e diversificar abruptamente a estrutura da propriedade vigente. Com a aplicação
desta política – “Reter as grandes e soltar as pequenas72” -, o Estado poderia angariar todo o
apoio necessário para melhorar sua posição econômica, mediante o estabelecimento de
políticas preferenciais, subsídios, créditos acessíveis, entre outros. Reter o controle dessas
empresas permitiria ao governo não só concentrar esforços para apoiá-las e aplicá-las uma
maior supervisão, como também continuar com uma presença dominante no setor industrial.
72
Zhuada fangxiao – 抓大放小. O governo abre mão de pequenas empresas, que são assumidas ou por unidades
sub nacionais da administração pública, ou por cooperativas de trabalhadores ou mesmo por proprietários
individuais. Além disso, é estimulada a conglomeração de empresas estatais com o objetivo de formar grandes
grupos econômicos, capazes de alcançar autonomia financeira e tecnológica. Trata-se assim de criar empresas
holding com capacidade de realizar investimentos fora das fronteiras chinesas, o que começa a ser praticado
com dimensões que garantam a capacidade de concorrer com as grandes multinacionais no mercado mundial. O
impacto da estrutura em forma de conglomerado sobre a eficiência das empresas é a principio favorável. As
empresas organizadas dessa forma, muitas escolhidas como campeões nacionais, apresentaram maior
crescimento em termos de vendas, ativos e gastos em P&D, além de maior propensão a possuírem centros de
P&D (MEDEIROS, 2006, p. 386).
56
Assim, enquanto grandes empresas estatais continuariam mantidas sob controle
estatal, empresas de pequeno e médio porte, supervisionadas por municípios e províncias,
seriam transformadas em uma variedade de empresas não-estatais, através da expansão do
sistema de participação (shareholding), de joint ventures e/ou da venda para interessados
privados73. (SAICH, 2001, p. 234; WU, 1999b, p. 1061). Nesse sentido Meza Lora (2007, p.
380) assinala que
La pretensión de no modificar ni diversificar abruptamente la estructura de la
propiedad vigente, en el contexto de una “economía de mercado con características
chinas”, significaba admitir explícitamente la posición dominante de la propiedad
pública en industrias consideradas como el alma de la economía nacional y dejar en
claro el carácter socialista de la economía.
3.1.4 A economia de mercado socialista com características chinesas
Do referido acima se tem que o governo central chinês empenhou políticas no sentido
de criar um ambiente favorável a que a concorrência mercantil fosse mais dinâmica e fértil, ao
invés de se utilizar da rígida interferência na administração e nas atividades de produção das
empresas. Arrighi (2008, p. 361) coloca que:
A desregulamentação e a privatização foram bem mais seletivas e avançaram em
ritmo bem mais lento do que nos países que seguiram a receita neoliberal. Na
verdade, a principal reforma não foi a privatização, mas a exposição das empresas
estatais à concorrência de umas com as outras, com as grandes empresas estrangeiras
e, acima de tudo, com uma cesta de empresas privadas, semiprivadas e comunitárias
recém-criadas.
Retrospectivamente, depois da Revolução Cultural, a reversão a um sistema
centralmente planificado ao estilo soviético estava fora de cogitação. O debate então se seguiu
unicamente no escopo do mercado em relação ao planejamento central e qual seria o grau de
extensão desta abertura. À época, as informações chegadas dos vizinhos chineses – o bom
índice de desenvolvimento econômico do Japão e dos “Quatro Tigres Asiáticos” Hong Kong,
Taiwan, Singapura e Coréia do Sul - forneceram forte evidências a favor do aumento do papel
do mercado e da abertura74. Referindo-se ao sucesso de Hong Kong, Deng teria dito que,
73
Meza Lora (2007, p. 285) acredita que “no fue sino hasta enero de 1987 cuando apareció por primera vez en
un documento del Partido el término „empresas privadas‟, sin embargo, no fue sino hasta abril de 1988
cuando la industria basada en La propiedad privada fue aceptada oficialmente al ser modificado el artículo 11
de La Constitución en la que se estipulaba que se autorizaba la „economía privada‟ de acuerdo a la estructura
provista por la ley.”
74
Percebe-se que a vontade política do Partido também foi moldada pelos encalços da geopolítica. Em meados
dos anos 1990, a pressão para a abertura econômica sobre os países do Leste Asiático foi crescendo, boa parte
devida à percepção de um “Milagre do Leste Asiático” e ao aumento de investimento estrangeiro na região.
57
embora não tivesse muito conhecimento sobre Economia, ele poderia reconhecer uma boa
economia quando a visse (citado em QIAN; WU, 2000, p. 13).
Em 1992, Deng Xiaoping realizou o seu famoso “Tour pelo Sul” a fim de mobilizar
suportes locais para estender as reformas. Um grande avanço ideológico se deu na publicação
do documento “Decisões sobre Questões Relativas à Criação da Estrutura da Economia de
Mercado Socialista”, no âmbito do Terceiro Plenário do XIV Congresso do PCC, realizado
em setembro de daquele ano, quando o Partido, pela primeira vez, endossou o termo
“economia de mercado socialista” como meta de reforma da China, e propôs-se que fosse
aberta, competitiva, unificada e integrada, baseada na competência75. Em outubro de 1993, o
Congresso Nacional do PCC homologou o termo “economia de mercado socialista”, logo
referendado pela Assembléia Popular Nacional, através de emenda constitucional, conferindolhe força de lei.
O referido documento foi considerado divisor de águas na política econômica chinesa,
na medida em que representou uma factível mudança estratégica no curso da reforma do país.
Na concepção de Zemin (2002) a construção do socialismo chinês contemplaria a China
reunificada através da idéia de “Um país, dois sistemas 76 ”, isto é, o princípio de uma só
China, no sistema socialista, mantendo o regime de mercado atualmente existente em Hong
Kong, Macau e Taiwan. Medeiros (2006, p. 2) aponta que a China “perseguia através de sua
estratégia de crescimento liderada pelos investimentos públicos um modelo parecido com o
coreano ou de Taiwan combinando a duas vias de desenvolvimento observadas na Ásia.”
Portanto, o conceito de economia de mercado socialista com características chinesas
pressupõe um sistema econômico onde coexistem e interagem, num mesmo momento
histórico, duas instituições fundamentais: o mercado e o Estado. Nesta lógica, reconhece-se
que o Estado e o mercado podem desempenhar um papel complementar nas atividades de
coordenação industrial. Assim sendo,
Além disso, tanto os países da Europa Oriental quanto os países da ex- União Soviética iniciaram, neste época,
a transição radical da economia direcionada para o mercado. O Partido então sentiu que seu poder poderia ficar
comprometido se estas economias recém-democratizadas atingissem a China em termos de desenvolvimento
econômico.
75
O conteúdo do documento foi concebido pelo Grupo de Liderança Financeira e Economica do PCC. Chefiados
pelo então Secretário Geral Jiang Zemin, o grupo trabalhou juntamente a economistas a fim de preparar uma
grande estratégia de transição para um sistema de mercado. Várias equipes de pesquisa foram formadas para
estudar diversos aspectos da transição, que vão desde a tributação, o sistema fiscal, o sistema financeiro, a
reestruturação de empresas, até o comércio exterior (CHINA DAILY, 1993).
76
Yi guo liang zhi - 一国两制.
58
[...] la presencia del Estado en la economia presupone la continuidad y permanencia
de las actividades de coordinación. Los planes quinquenales, por ejemplo, como
legados del sistema centralizado, siguieron siendo uma guía para las actividades de
planeación con relación a las prioridades establecidas por La autoridad central. Su
establecimiento reconocía la necesidad del Estado de “guiar” la acción del mercado
hacia una dirección determinada. (MEZA LORA, 2007, p. 368).
E, ainda que fossem comuns queixas no sentido de que tal sistema torna difícil a
identificação da distinção usual entre forças de mercado e políticas do governo, na prática, ele
realizou dupla função na reforma chinesa: de um lado, representou um consenso entre as
vertentes liberais e conservadoras dentro do PCC e, assim, ajudou a manter a legitimidade do
Partido, o que conseqüentemente fez reduzir os riscos e custos das mudanças institucionais;
por outro lado, também se engendrou as necessidades do mercado internacional através desta
adaptação institucional, de forma a aliar e a servir-se das forças externas a fim de criar um
melhor ambiente para a reforma interna. Keohane e Nye (2001) afirmam que a China obteve
rápido crescimento econômico a partir de sua abertura, pois o país capitalizou os ganhos da
globalização financeira das décadas de 1980 e 199077. Qian e Wu (2000, p. 6) ainda ressaltam
que “China's market development was also pushed by its fast expansion of foreign trade. Due
to the opening policy, both export and import increased much faster than GDP. For example,
export to GDP ratio increased from less than 5% in 1978 to more than 20% by the early
1990.”
3.1.5 O aprofundamento da política de “Portas Abertas” e as Zonas Econômicas
Especiais (ZEEs78)
O governo central tinha por consciência que somente mediante a extensão e a
intensificação das políticas preferenciais e dos ajustes institucionais de mercado, que induzem
ao fortalecimento dos vínculos com o exterior, permitiriam que as mudanças na estrutura
econômica e industrial interna se potencializassem e continuassem com o crescimento
econômico percebido até então. Nesse sentido, a política de “portas abertas”, mais que uma
77
Diferentemente da China, o Brasil como a maioria dos países em desenvolvimento, ao longo da década de
1980, imergiu numa crise econômica motivada pelo rompimento relativo do diálogo Norte-Sul. Isto porque na
Rodada do Uruguai do GATT, em 1981, os países em desenvolvimento propuseram uma reforma econômica
visando a reversão dos termos de troca, o acesso aos mercados dos países industrializados e a redução do
protecionismo. Tal proposta não foi aceita pelos países desenvolvidos que romperam o diálogo com os países
em desenvolvimento e as decisões da agenda internacional foram centralizadas na tríade EUA, Japão e
Alemanha. Além disso, a decisão unilateral dos Estados Unidos em aumentar a taxa de juros desestruturou
financeiramente os países em desenvolvimento e deflagrou uma crise generalizada de endividamento. Dessa
forma, a década de 1980 foi considerada como a “década perdida” para esses países.
78
Jing ji te qu – 经济特区.
59
ruptura com as velhas instituições e a aplicação de políticas orientadas ao mercado, buscava
principalmente romper com a concepção ideológica das antigas políticas de “portas fechadas”,
muito fortes no período anterior às reformas (MEZA LORA, 2007).
As mudanças realizadas no âmbito da política de “portas abertas” foram graduais e
experimentais, portanto, as novas regras de mercado foram limitadas, inicialmente, a quadro
Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), espaços limitados geograficamente cuja característica
fundamental era a aplicação de políticas preferenciais e adaptações institucionais de mercado
com quintuplo propósito: atrair capital externo para o desenvolvimento agrícola e industrial;
viabilizar a transferência da tecnologia mais avançada possível; promover as exportações
chinesas; absorver métodos ocidentais de administração comercial e industrial e aumentar a
demanda por bens e serviços produzidos por outras regiões do país. As ZEEs foram instaladas
geograficamente nas proximidades dos portos estratégicos do litoral chinês, sendo
consideradas como unidades administrativas autônomas e com tratamento diferenciado no
âmbito da política econômica internacional (OLIVEIRA, 1990). Segundo Cunha e Acioly
(2009), nada mais eram do que Zonas de Processamento de Exportações (ZPE)79, porém numa
escala de operação muito superior as outras experiências asiáticas –, que representou a
delegação de parte do poder de decisões econômicas da autoridade central para as autoridades
locais
As primeiras ZEEs foram estabelecidas em Shantou, Shenzhen, e Zhuhai, todas na
Província de Guangzhou e em Xiamen, na Província de Fujian bem como a ilha inteira que
constitui a Província de Hainan. Com o êxito na aplicação das medidas e dos ajustes
institucionais, deu-se o reconhecimento explícito destas políticas e suas experiências bem
sucedidas, ocasionando sua difusão até outras regiões. Estabeleceram-se ainda 22 cidades
costeiras abertas80, 13 cidades abertas de fronteira, além de 52 Zonas de Desenvolvimento
Tecnológico e 13 Zonas de Cooperação Econômica (MEZA LORA, 2007, p. 362).
Após a implementação destas áreas ter sido consolidada, dado o sucesso das empresas
locais, houve um relativo declínio do planejamento central sobre o regional em favor da
79
Arrighi (2008, p. 362) assim divide as Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs): “[...] três
conglomerados industriais básicos, cada um com sua própria especialização: o delta do rio Pérola é
especializado em indústrias que fazem uso intensivo de mão de obra, em produção e montagem de peças de
reposição; o delta do rio Yang-Tsé é espcializado em setores que fazem uso intensivo de capital e em produção
de carros, semicondutores, celulares e computadores; e Zhongguan Cun, em Pequim, é o vale do Silício da
China.”
80
Zonas que poderiam negociar novos incentivos para atrair capital estrangeiro. Dentre as quais: Dalian,
Qinhuangdao, Tianjin, Yantai, Qingdao, Lianyungang, Nantong, Xangai, Ningbo, Wenzhou, Fuxhou,
Guangzhou, Zhanjiang, e Beihai - todas em 1984; Península de Liaodong, Província de Hebei, Península de
Shandong, Delta do Rio Yangtze, Triângulo Xiamen-Zhangzhou-Quanzhou no Sul da Província de
Fujian, Delta do Rio das Pérolas, e Guangxi - todas entre 1985 e 1990.
60
estratégia de desenvolvimento costeiro que beneficiou ainda mais a introdução de mecanismo
de mercado para promover o fluxo de capital estrangeiro e aumentar o comércio. Meza Lora
(2007, p. 309) enfatiza:
El rol declinante del “plan” en el desarrollo regional contrasta con la aplicación de
una estrategia de desarrollo costero que privilegiaba la introducción de mecanismos
de mercado para promover los flujos de capitales del exterior e incrementar El
comercio. Habría que precisar, que la reducción del “plan” no significaba um
debilitamiento del Estado, dado que ha sido éste quien de manera explícita proveyó
de políticas para el desarrollo de esta región, por otro lado, gracias a La
descentralización, fueron los gobiernos locales los que promovieron de manera
activa el desarrollo de sus localidades.
As diversas formas de interação com o mercado externo possibilitaram extraordinária
atração de investimentos e assimilação de tecnologias e métodos de gestão e administração
empresarial dos países desenvolvidos. A crescente ampliação da abertura para o exterior e o
acelerado desenvolvimento da região litorânea impulsionaram energicamente a reforma e
abertura, assim como a construção econômica em outras regiões do país a partir da Marcha
para o Oeste
81
. De fato, se bem instalados os investimentos, o fortalecimento da
complementaridade leste-oeste e a racional distribuição de forças produtivas no país elevarão
em grande medida seu nível de socialização da produção, sua receita financeira e sua
competitividade, abrindo margem para concentrar suas forças na competição internacional.
3.1.6 Fatores Internacionais: Investimento Estrangeiro Direto (IED) e o comércio dos
chineses de ultramar
81
A grande divergência econômica entre um litoral rico e um interior pobre é uma importante barreira com a
qual a China tem de lidar, e enfrentar o desafio de desenvolver o centro-oeste do país é chave para a formação
de uma economia continental consolidada. Nesse sentido, políticas como a Marcha para o Oeste foram
instituídas na crença que o desenvolvimento do centro-oeste chinês proporcionaria numerosas oportunidades de
investimento, impulsionando o crescimento econômico; a exploração dos recursos predominantes do oeste e a
transferência destes para o leste apoiariam energicamente seu desenvolvimento; e que a elevação de renda dos
camponeses criaria enorme demanda mercantil. As inversões em ativos fixos e sua porcentagem no oeste e
grandiosas obras – como as usinas de Três Gargantas e Ertan, a ferrovia Qinghai-Tibet, a transferência de
energia elétrica oeste-leste, estradas e auto-estradas de primeira e segunda classes, o gasoduto oeste-leste – e o
desenvolvimento da Municipalidade de Chongqing ilustram o novo patamar de crescimento chinês.
61
Geralmente atribui-se o sucesso econômico do Leste Asiático - o “milagre do Leste
Asiático” - ao que foi chamado “modelo dos gansos voadores82” (flying geese paradigm) ou
ao sistema econômico internacional. Tal afirmação pode ser verídica para outras economias
do Leste Asiático, mas não é de forma completa aplicável à China devido às suas
especificidades. Diferentemente de outras economias da região – Japão, Tailândia, Filipinas,
Coréia do Sul, Singapura e até mesmo Taiwan -, que perseguiram suas estratégias no contexto
do mercado capitalista desde o término da Segunda Guerra Mundial e se aliaram à economia
dos Estados Unidos, a China não só teve de empreender a transição de uma economia
planificada para uma economia de mercado somente no âmbito da reforma e abertura em
1978, como também aprender a lidar politicamente com os Estados Unidos após sua abertura.
O país, de fato, perdeu o processo manifestado no “modelo dos gansos voadores” do qual os
principais países da ASEAN se aproveitaram.
Entretanto, isto não significa que as forças internacionais foram insignificantes na
transição e no crescimento econômico da China, especialmente no contexto da globalização e
da política de “portas abertas”. Na verdade, forças internacionais como IED, comércio externo
e instituições internacionais contribuíram mais, em dados momentos e processos, do que
forças domésticas para o desenvolvimento de indústrias como, por exemplo, os setores têxtil,
automobilístico e eletrônico.
É inerente a uma economia de mercado a integração a um sistema de mercado aberto e
houve, certamente, a indução do governo central chinês ao reforço dos vínculos do mercado
doméstico com o mercado internacional. Além do governo em suas múltiplas instâncias, há
mais dois fatores interligando a nova rede de investimentos na economia chinesa: o capital
financeiro internacional e os chineses de ultramar. Neste sentido, a adoção da economia de
mercado foi seguida rapidamente por iniciativas de novas políticas, tais como a unificação do
tipo de câmbio 83 , a promulgação de novas leis e maior abertura no comércio externo,
modernização do sistema bancário, abertura do setor financeiro a bancos do exterior,
negociações para o ingresso da China na OMC, entre outras.
82
Modelo de desenvolvimento econômico pensado para o leste Asiático baseado na divisão internacional do
trabalho e nas teorias das vantagens comparativas. As economias da região seriam consideradas “alinhadas
sucessivamente atrás das nações industriais avançadas na ordem dos seus diferentes estágios de crescimento,
seguindo um padrão análogo ao do vôo dos gansos selvagens” (OZAWA, 2005, p. 9). O termo se tornou
popular a partir de uma publicação de Kaname Akamatsu no Journal of Developing Economies na década de
1960.
83
Em 1 de janeiro de 1994, o sistema de câmbio em dual-track foi abolido, e em dezembro de 1996 um passo
adiante foi tomado para promover a conversibilidade da moeda, sem liberalização da conta de capital. Devido a
esta política, não só as exportações e os investimentos estrangeiros diretos aumentaram dramaticamente durante
este período, como também ajudou a China a passar pela crise financeira asiática em 1997 (QIAN, 1999).
62
O investimento estrangeiro direto desempenhou papel-chave consolidação da abertura
econômica chinesa. Isto se deu de duas maneiras: primeiro porque trouxe implicações
políticas significantes para que esta se integrasse à economia mundial. Ainda em 1977, a
imprensa chinesa insistia no fato de que o país jamais receberia empréstimos estrangeiros e
nunca permitiria a intromissão estrangeira em assuntos de empresas nacionais, entretanto, a
falta de tecnologia avançada e capital se tornou um ponto de estrangulamento para o
desenvolvimento econômico. A fim de ultrapassar tal dilema, o governo central instaurou
políticas atrativas de capital estrangeiro, como as Zonas Econômicas Especiais anteriormente
citadas. A criação das ZEEs representou um meio de reduzir a resistência a novas políticas de
abertura por parte das burocracias financeiras e industriais, além de ir ao encontro do interesse
por capital e tecnologia (SHIRK, 1995, p. 36).
Segundo porque através dos investimentos estrangeiros a abertura pôde fornecer
capital direto necessário ao crescimento econômico chinês. No momento em que a reforma
econômica mudou o foco da agricultura de áreas rurais para a indústria em áreas urbanas em
1984, a atração de investimento estrangeiro direto se tornou prioridade devido, grande parte, à
ineficiência e aos déficits de algumas estatais. E, muito embora a década de 1990 tenha sido
marcada pela concentração geográfica do IED em países desenvolvidos, o dinamismo
econômico chinês despontava o país como um forte receptor de investimentos externos,
tornando-o o principal destino dos investimentos estrangeiros a partir de 1994 (HIRST;
THOMPSON, 1998).
Além disso, ao privilegiar o investimento direto externo, a China pôde estabelecer
controles de capitais e operar com baixo nível de endividamento externo. O acúmulo de
reservas de divisas alavancou política monetária favorável á expansão do crédito interno, que
ainda hoje é operado com baixas taxas de juros por bancos estatais especializados, garantindo
assim altas taxas de investimentos internos 84 . Aponta-se que desde 1997, a China tem
recebido uma média anual de US$ 40 bilhões de investimentos externos85. Em 2002, segundo
a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os investimentos na China
foram contabilizados em US$ 52,7 bilhões - sem contar Hong Kong (mais US$ 13,7 bilhões),
84
Nota-se que, com um mercado potencial superior a 1 bilhão de habitantes, a passagem para um crescimento
endógeno é perfeitamente plausível.
85
Vale a pena notar que no final da década de 1980, início da década de 1990, os investimentos eram dirigidos
para empresas das quais cerca de 95% eram envolvidas em simples processo de fabricação, principalmente em
setores de infra-estrutura como energia, transporte, comunicação e de exportação (YABUKI, 1995, p. 56). No
entanto, o fluxo de IED foi-se dirigindo para áreas de maior capital intensivo a partir de meados de 1990, como
o setor automobilístico.
63
bem como Macau e Taiwan -, tornando-se o maior país receptor de IED, e situando-se pela
primeira vez acima dos EUA86.
Basicamente divididos por setores, os investimentos se localizam em: (a) contratos de
infra-estrutura, obras públicas e compras governamentais; e (b) setores de indústria leve
intensivos em mão-de-obra: indústrias eletrônicas, químicas orientadas para a produção de
bens de consumo (plásticos, velas, incensos, etc.), alimentícias e têxteis. Ressalta-se que a
mão-de-obra rural exerce grande participação nesses setores, desenvolvidos – ou aproveitados
- pelas redes de investimentos. As regiões mais favorecidas pelos investimentos são,
precisamente, aquelas com maior disponibilidade de mão-de-obra flexível e disposta a aceitar
trabalhos pouco remunerados
87
(SANTILLÀN; SILBERT, 2004). Tais regiões mais
favorecidas, sobretudo as do Leste da China, também atraem investimentos, segundo
Hendrischke e Krug (2007), devido ao clima generalizado de investimento, baseado num alto
PIB per capita; na alta concentração de empresas modernas de pequeno e médio porte; no alto
nível educacional; na avançada infra-estrutura de transporte; na proximidade com conexões de
transporte marítimo e com portos internacionais como o de Shangai e Hong Kong, por
exemplo.
Além disso, muitas empresas estrangeiras de capital intensivo como automobilísticas e
de eletrônicos conseguem explorar o enorme mercado doméstico chinês através da
transferência de tecnologias obsoletas (out-of-date) no processo de joint venture como forma
de introduzir seus produtos nesse mercado interno e, simultaneamente, garantir a primazia de
sua produção no mercado internacional. Uma manifestação disso é que poucos automóveis
feitos na China são exportados para o mercado internacional.
Entretanto, a rotulação generalizada das empresas chinesas como “copiadoras” de
marcas tradicionais está sendo alterada desde o início da década de 2000, na medida em que
elas souberam aproveitar do know how passado pelas empresas estrangeiras para iniciar, e
86
Faz-se mister ressaltar que com os grandes fluxos de IED, a estrutura setorial das exportações na China
também mudou: em 1985, os produtos primários e manufaturados baseados em recursos naturais respondiam
por 49% do total; em 2000 essa participação era de apenas 12%, sendo que as exportações de manufaturas não
baseadas em recursos naturais subiram para 89%. A participação das exportações intensivas em tecnologia
partiu de 3% em 1985 para 22% em 2000, e os dez principais produtos de exportação do país em 2000 (42% do
total exportado) corresponderam a produtos dinâmicos no comércio internacional (UNCTAD, 2002, p. 162).
87
A mão-de-obra chinesa também não deixa de ser qualificada. “As políticas governamentais no campo da
educação dotaram a China de um reservatório de recursos humanos que, ao lado da enorme oferta de operários
alfabetizados e industriosos, inclui um suprimento de engenheiros, cientistas e técnicos em rápida expansão [...]
Além disso, nos últimos doze anos os gastos da China com pesquisa e desenvolvimento cresceram ao ritmo de
17% ao ano, contra 4% a 5% nos EUA, no Japão e na União Européia.” (ARRIGHI, 2008, p. 373).
64
agora consolidar, suas próprias marcas. Arrighi (2008, p. 361) ilustra o fato muito bem ao
lembrar que
As empresas automobilísticas chinesas conseguiram a proeza de realizar joint
ventures simultâneas com empresas estrangeiras rivais, como, por exemplo, a
Guangzhou Automotive com a Honda e a Toyota, algo que esta última sempre se
recusou a fazer. Esse acordo permitiu ao parceiro chinês aprender as melhores
práticas de ambos os concorrentes e ser o único, na rede tripartite, a ter acesso aos
outros dois.
Ainda tendo como exemplo o setor automobilístico, a China consegue unir baixos
preços e maior número de itens de série, fatores que impulsionam a entrada de suas novas
marcas no mercado global e imputá-lo de maior competitividade no setor. Marcas como
Chery, JAC Motors, Lifan, Hafei, Haima, Brilliance, Chana e Effa Motors conquistam
credibilidade cada vez maior no mercado internacional88. Tal fato explana e resume que
Graças ao tamanho continental e à imensa população do país, essas políticas
permitiram ao governo chinês combinar as vantagens da industrialização voltada
para a exportação, induzida em grande parte pelo investimento estrangeiro, com as
vantagens de uma economia nacional centrada em si mesma e protegida
informalmente pelo idioma, pelos costumes, pelas instituições e pelas redes, aos
quais os estrangeiros só tinham acesso por intermediários locais. (ARRIGHI, 2008,
p. 362).
De fato, diversas redes de investimentos determinam e direcionam o fluxo de IED na
China 89 . Essas redes constituem-se tanto por fatores econômicos como por políticos e
culturais, sendo que o aspecto político, ligado e guiado pelos burocratas do PCC em relação às
operações econômicas, investe-se de uma lógica específica (SANTILLÀN; SILBERT, 2004).
A fim de incrementar a margem de manobra de certas instâncias do Estado e dotá-las de
maior personificação, tais como o Exército Popular de Libertação (EPL) e as empresas
estatais, tanto os dirigentes do EPL como os gerentes de tais empresas têm aumentado
sobremaneira sua influência no setor econômico através de investimentos em joint ventures,
88
Quanto à concorrência aos produtos brasileiros, o diretor de assuntos corporativos e governamentais da Ford
Brasil, Rogélio Golfarb afirma: “Os chineses já estão aqui. E eles vêm com uma posição muito clara: mudar o
patamar de preço e de competitividade. Então, eles impõem um padrão de competitividade que nós nunca
imaginamos que deveríamos ter”. In: “Com metas ambiciosas, nove marcas chinesas estão no Salão de SP”, Revista
Eletrônica G1, 3 nov. 2010. Disponível em: <http://g1.globo.com/carros/noticia/2010/11/com-metas-ambiciosas-nove-marcaschinesas-estao-no-salao-de-sp.html >. Acesso em: 12 set. 2011.
89
Em 2006, um plano de regulação do investimento estrangeiro foi aprovado, incluindo direções voltadas a
proteger a economia nacional, a estimular o avanço tecnológico, a prevenir o monopólio pelo capital
estrangeiro e a promover maior equilíbrio entre as regiões. Argumentos como a presença de „setores sensíveis‟
e de „setores de segurança nacional‟ são invocados para justificar as direções (CUNHA; ACIOLY, 2009).
65
realizando contratos de infra-estrutura e obras públicas, tornando-se deste modo ao que
Castells chama de “empresários burocráticos”.90
Destarte, os governos locais também se convertem em atores-chave, cujas políticas as
empresas estrangeiras devem considerar quando intencionam conhecer e investir no ambiente
local. Logo, acometer boas relações com os governos locais constitui-se numa estratégia
necessária para construir uma rede de contatos (network) e para reduzir os custos de transação
e facilitar a aquisição de informações sobre o mercado chinês.
A respeito da criação de alianças, utiliza-se tradicionalmente no país a prática do
guanxi91, palavra chinesa que significa, basicamente, rede de relacionamento inter-pessoal e
rede de reciprocidade e ajuda mútua92. No sentido empresarial de investimentos, o guanxi se
manifesta como um tipo informal de relacionamento para os negócios. Questões como
confiança, fluxo de informações, lealdade, “espírito” de harmonia e obrigatoriedade dos laços
são alguns dos aspectos que propiciam o desenvolvimento dos negócios chineses. De acordo
com Pinheiro-Machado (2007, p. 12) as redes de negócio chinesas tem dupla característica:
(a) são relações informais estabelecidas por atores econômicos e são comumente redes morais
por excelência; (b) são também redes pessoais fortes, e se sobressaem em relação às
instituições econômicas “fracas”, ou à falta de base legal.
Assim, dado que muitas vezes o ambiente formal é rodeado por instituições de
funcionamento deficitário, o guanxi é decisivo para que os investidores estrangeiros adquiram
conhecimento sobre as regras locais, fortaleçam os negócios comerciais e melhorem a
eficiência nas trocas privadas, fatores bem colocados anteriormente por Arrighi (2008) como
“intermediários locais” 93. De acordo com Hendrischke e Krug (2007), o conhecimento do
ambiente local ajuda as empresas a entenderem e conseqüentemente reagirem ao ambiente
institucional de modo a reduzirem os custos de transação. Segundo Redding (1993, p. 231235) em O Espírito do Capitalismo Chinês:
90
CASTELLS, M. Era da informação, v. 3. Fim do milênio, 1999, p. 353-357 e p. 361-363 apud Santillán e
Silbert (2004).
91
Guanxi - 关系.
92
“Hoje […] é consenso que as guanxi são uma das principais características do „espírito do capitalismo chinês‟
e há um reconhecimento do papel das redes pessoais para o desenvolvimento de certos setores produtivos
chineses” (PINHEIRO-MACHADO, 2007, p. 4).
93
Segundo Pinheiro-Machado (2007), muitas vezes, esse tipo de conexão social acaba se assemelhando às
práticas de clientelismo, as quais se destacam em muitos países em desenvolvimento, especialmente quando as
instituições jurídicas e econômicas não são consolidadas. Arrighi (2008, p. 358) aponta que “os chineses
ultramarinos podiam contornar a maioria dos regulamentos, graças à familiaridade com o idioma, os costumes e
os hábitos locais, à manipulação de vínculos comunitários e de parentesco […]”. Kynge (2007) dá inúmeros
exemplos de empreendedores que usavam as relações pessoais para obter financiamento, iam atrás da
tecnologia e, através da pirataria, obtinham o conhecimento necessário.
66
Talvez a mais significante coisa a ser entendida sobre China hoje é que ela ainda
mostra muitos elementos de uma sociedade pré-moderna. Ela é ainda, em essência,
patrimonialista [...] China é dependente da „oficialização personalizada‟. Sem usar
guanxi, nada significante acontece [...] Guanxi é tão importante quanto sempre foi.
De fato, como resultado da política consciente governamental aliada às práticas do
guanxi chinês, os investimentos da região overseas da China são a principal fonte de influxos
de IED no país desde o final dos anos 80 e início dos anos 90 (FUNG et al., 2002). As redes
de financiamento foram, desde esta época, promovidas inicialmente pelos investidores
chineses de ultramar (overseas chinese), que começaram a organizar negócios no continente
auxiliados por suas redes de relacionamentos (guanxi) e sua disponibilidade de capital e
acesso ao financiamento externo (SANTILLÀN; SILBERT, 2004).
Tem-se que o IED teve papel fundamental na decolagem econômica da China, no
entanto, a maior parte do fluxo de IED na década de 1990 veio diretamente de, ou através
deste tipo de rede de negócios ultramar 94 . No mundo todo, estima-se que os chineses de
ultramar possuam US$ 2 trilhões em ativos líquidos, excluindo os títulos, e desde meados de
1980 três quartos das 28 mil empresas chinesas com capital estrangeiro significativo são
financiadas por chineses que não vivem na República Popular da China, e que suas contas de
financiamento atingem até quatro quintos do IED no país. Precisamente, de 1979 a 1997,
68.34% do capital estrangeiro na China era originário de chineses de ultramar (LI, 2000 apud
PENG, 2002, p. 432). Mesmo no final de 1998, o IED atingiu o pico de US$ 45.5 bilhões,
sendo que mais de 60% vieram de Taiwan e Hong Kong (SAICH, 2001, p. 286).
Nesse sentido, além de trazer capital para a China, as redes de negócios chineses
ultramar fornecem expertise de negócios e acesso à comercialização, dado o fato de que a
China foi, guardadas proporções, um país de desenvolvimento tardio na economia mundial e
não era de certa forma familiarizada com conexões de marketing e regulamentações
internacionais. Logo, as atividades dos chineses de ultramar, aliadas às reformas institucionais
do governo e aos fluxos de IED, contribuíram factualmente para a reinserção chinesa à
economia mundial.
94
Na fase inicial das reformas de abertura chinesas, as redes de negócios ultramar podiam facilmente transpassar
barreiras políticas e não-tarifárias e entrar na China continental a fim de investir nas EAMs por conta de
características como pequena escala, vínculos de parentesco e étnicos, eficiência elevada, e informações
precisas através de rede de negócios globais. Doravante, com a volta de milhares de estudantes chineses de
ultramar voltando à China continental, seja para investir seja para estabelecer empresas intensivas em
tecnologia, as redes chinesas de negócios de ultramar têm-se reforçado em paralelo a grandes corporações
multinacionais.
67
Em suma, os eventos domésticos ocorreram e se vincularam simultaneamente às
transformações que vinham ocorrendo a nível mundial, como o crescimento do papel das
corporações no sistema de Estados e na economia-mundo, e a maior integração entre os países
no mercado mundial, vide inserção da China na Organização Mundial do Comércio (OMC)
no final de 200195. Os dados (Figura 1) referentes à evolução do PIB chinês em comparação a
outras economias de peso mundiais, deixam claro o quanto a entrada de IED, somada às
reformas implementadas e às atividades ultramarinas, influenciou o posicionamento da China
na economia mundial, sobretudo a partir de 2000.
Figura 1 – Produto Interno Bruto (PIB) – Taxa de Crescimento Real (%)
Fonte: CIA World Factbook, jan/2011. Elaborada pela autora.
De acordo com Story (2004), este processo de transição da economia chinesa é,
resumidamente, embutido de quatro facetas: a mudança de uma economia centralizada para
uma de mercado, de uma sociedade rural para uma sociedade urbana, de uma autarquia para a
interdependência, de filiação rígida ao sistema comunista para a participação na sociedade
global. Participação esta que deverá delinear a tessitura de diversas questões na arena
internacional, particularmente no início do século XXI.
95
Guthrie (2006) aponta que tanto o governo quanto as empresas reconheceram a necessidade de capital
estrangeiro, experiência organizacional avançada e tecnologia. Assim, aliada às intenções da reforma, a entrada
de IEDs e de corporações globais na China exerceram significativa pressão na evolução da organização dos
negócios chineses para se adaptar às regras do mercado global.
68
3.2 A inserção internacional e o desenvolvimento pacifico chinês
De acordo com Guthrie (2006), o projeto de transformação da China tem sido
fundamentalmente um projeto global. Desde a visita de Deng Xiaoping aos Estados Unidos
em 1979, a orientação tem sido em direção à economia global96. Hendrischke e Krug (2007)
também apontam que a política de abertura chinesa de 1978 derrubou a barreira que separava
a China do mundo ocidental. E também para Arrighi (2008, p. 377):
Ainda que o propósito da busca do poder nacional tenha sido a transformação do
mundo na direção do socialismo, o PCC tinha pouca opção além de entrar no jogo
da política mundial e obedecer às regras capitalistas já existentes, como o próprio
Mao sempre soube muito bem. Quando a derrota iminente no Vietnã obrigou os
EUA a readmitir a China na relação comercial e diplomática normal com o restante
da Ásia oriental e com o mundo em geral, a China comunista tinha todo o interesse
em aproveitar a oportunidade oferecida por essa relação para promover a riqueza e o
poder nacionais.
Já na década de 1990, a ascensão da China ganhou ímpeto próprio, fazendo com que o
capital japonês, norte-americano e europeu se direcionassem para o país com forte
intensidade. O fluxo de IED, que totalizou somente US$ 20 bilhões durante a década de 1980,
aumentou para US$ 200 bilhões em 2000, chegou a US$ 450 bilhões nos três anos seguintes,
e somente teve um refreio no final da década devido à crise da bolha subprime dos Estados
Unidos, somando no final de 2010 US$ 105.74 bilhões, quantia que na verdade representou a
recuperação dos investimentos, dado o aumento em 17,4% ao número registrado no ano
anterior (XINHUA, 2011). Os IEDs chineses têm evoluído não apenas em tamanho, como
também em termos de distribuição geográfica e setorial ao longo do tempo, em resposta as
estratégias do governo, das condições da economia chinesa e das relações econômicas
bilaterais (IMF, 2010). No sentido deste crescimento, Arrighi (2008, p. 359) aponta que
“mesmo o capital estrangeiro (principalmente o dos Estados Unidos) precisava mais da China
do que a China precisava de capital estrangeiro”, dada a contribuição do crescimento chinês
para o crescimento da economia mundial em 15,2% de crescimento do PIB global em dólares
correntes entre os anos de 2001 e 201097.
A dinâmica do produto chinês, na década de 2000, veio acompanhada do aumento da
sua importância para a evolução do comércio mundial que apresentou um crescimento
96
A estratégia americana de isolamento e desgaste da ex-URSS teve como um dos seus elementos a
aproximação do governo americano com o governo comunista chinês, patrocinada por Richard Nixon a partir
de 1972.
97
International Monetary Fund: World Economic Outlook. Database, Outubro 2010.
69
elevado entre 2000 e 2009 (Tabela 1). Tal período foi marcado por mudanças significativas no
processo de integração comercial tanto no que tange ao seu volume quanto à orientação dos
seus fluxos, grande parte devido ao boom das exportações (de US$ 249 bilhões em 2000 para
US$ 1.202 bilhões em 2009) e das importações (de US$ 225 bilhões em 2000 para US$ 1.004
bilhões em 2009) chinesas (Tabela 1). Crescimentos estes superiores à elevação das taxas de
exportações e importações mundiais, gerando assim uma mudança significativa na
participação da China no comércio mundial.
Tabela 1 – Evolução das exportações, importações e corrente de comércio da China –
valor (em US$ corrente) e participação mundial (%)
Exportações
Importações
Corrente de
Comércio
Valor
%
Valor
%
Valor
%
1980-89
31
1,4
35
1,6
66
1,5
1990-99
129
2,9
114
2,6
243
2,6
2000
249
3,9
225
3,4
474
3,2
2001
266
4,3
244
3,8
510
4,1
2002
326
5,1
295
4,5
621
4,8
2003
438
5,9
413
5,3
851
5,6
2004
593
6,5
561
5,9
1.155
6,2
2005
762
7,3
660
6,1
1.422
6,7
2006
969
8,0
792
6,4
1.761
7,2
2007
1.218
8,8
956
6,7
2.174
7,7
2008
1.429
8,9
1.132
6,9
2.560
7,9
2009
1.202
9,7
1.004
7,9
2.206
8,8
2010*
990
10,4
886
9,0
1.876
9,7
* Acumulado dos três primeiros semestres do ano
Fonte: Direção de Estatísticas Comerciais/FMI. Compilado por Ipea. Elaborada pela autora.
70
Os dados da Tabela 1 evidenciam a surpreendente mudança de posição chinesa em
curto período de tempo, dado o fato de que a China passou à condição de maior país
exportador e de segundo maior importador mundial. Em 2000, 3,9% e 3,4% das exportações e
importações de bens, respectivamente, originavam-se da China, ao passo que em 2008 essa
participação saltou para 8,9% e 6,9%. Cabe observar que, após a crise internacional de 2008,
essa tendência se acelerou, pois a participação chinesa nas exportações e importações
mundiais saltou de 9,7% em 2009 para 10,4% em 2010 e de 7,9% em 2009 para 9,0% em
2010, respectivamente.
Além do impressionante desempenho econômico da China ter alterado sua própria
participação mundial, a elevação das importações e das exportações chinesas também
transformou a corrente de comércio mundial, não apenas em matéria de volume de comércio,
mas também com efeitos significativos na intensidade tecnológica exportada98, incluindo seus
parceiros asiáticos 99 . O comércio entre a China e os cinco países da Ásia Central Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão – por exemplo,
totalizaram US$ 25,9 bilhões em 2009, um aumento considerável em relação aos US$ 527
milhões em 1992, segundo estatísticas do Ministério do Comércio 100 . A criação da
Organização de Xangai (com a Rússia, o Cazaquistão, o Kirguistão, o Tadjiquistão e o
Usbequistão) em abril de 2001, comprova seus objetivos comerciais (entre os quais o
abastecimento de hidrocarbonetos), sendo que a iniciativa adquiriu contornos muito políticos
depois da guerra no Afeganistão.
Ademais, durante os últimos anos, a China lançou as fundações para um novo
relacionamento com as nações do Sudeste Asiático 101. A dimensão da complementaridade
98
“Recentemente, a China começou a competir com as economias mais avançadas em setores como os
equipamentos de telecomunicações. Empresas como a Huawei e ZTE fabricam produtos que competem
diretamente com fabricantes do porte da Motorola, Ericsson, Siemens e Nokia. A China tem ocnseguido
especializar-se na produção de bens avançados com um alto grau de produtividade, atípicos de um país
relativamente pobre, dotado de uma abundante mão-de-obra.” (ARIAS, 2008, p. 84). Segundo a OCDE e o
Comtrade, a China exportou US$ 343,9 bilhões em produtos de alta tecnologia, ante US$ 323,8 bilhões dos
Estados Unidos. (REDHER, 2008 apud PAULINO; PIRES, 2008, p. 210). Isto se dá também graças ao
processo já referenciado de transnacionalização do capital e Divisão Internacional do Trabalho, bem como das
técnicas vindas através dos contratos das joint ventures.
99
Arrighi (2008, p. 215) aponta que a combinação entre o sucesso econômico chinês e os problemas de
Washington da Ásia ocidental se refletiram em suas relações mútuas, bem como em suas posições diante de
terceiros. “Às vésperas da reunião de 2003 da Apec, em Bangcoc, o New York Times noticiou que líderes
políticos e empresariais da Ásia viam a hegemonia norte-americana „erodir de forma sutil, mas inconfundível,
enquanto os países asiáticos [viam] a China como potência regional cada vez mais importante.‟”
100
“As autoridades chinesas vêem a Ásia Central como uma fronteira crucial para a segurança energética, a
expansão do comércio, a estabilidade étnica e a defesa militar de seu país. As empresas estatais foram fundo na
região, com dutos de energia, ferrovias e rodovias, enquanto o governo abriu recentemente inúmeros Institutos
Confúcio para ensinar mandarim nas capitais da Ásia Central.” (WONG, 2011, p. 1).
101
O “Acordo sobre o Comércio de Bens”, assinado, em novembro de 2004, ao final da X Reunião de Cúpula da
Asean, representa proposta de um Framework Agreement on Comprehensive Economic Cooperation entre a
71
produtiva com seus vizinhos foi amplamente explorada pelo governo chinês, especialmente
após 2002 com a firmação de diversos acordos de preferência comercial com esses países, no
âmbito da Área de Livre Comércio entre a Associação de Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN) e a China (ALCAC). Arrighi (2008, p. 309) enfatiza que na cúpula da Asean
realizada nas Filipinas em janeiro de 2007, “a China ocupou o centro do palco, assinou um
novo acordo de comércio de serviços e, o que foi mais importante, participou integralmente
dos vários acordos que visam transformar a associação numa entidade semelhante à União
Européia.”
Segundo Baumann (2010), essa maior aproximação regional permitiu um processo de
convergência do dinamismo econômico da China com o Leste Asiático, homogeneizando as
taxas de crescimento com os países menores da região. Assim sendo, tal fenômeno regional é
um fator fundamental para explicar o elevado grau de competitividade das exportações
chinesas, na medida em que a complementaridade regional aumentou significativamente a
eficiência da produção da região como um todo, não somente dos produtos “made in China”.
Esse processo de integração produtiva articulado com a política cambial chinesa –
estabilidade do yuan em relação ao dólar – também contribuíram para impulsionar o
crescimento das exportações e importações da China, bem como a elevação de seus superávits
nas transações correntes e na conta capital e financeira. Nesse contexto de superávits do
balanço de pagamento, o governo chinês, para manter sua política cambial, vem acumulando
reservas estrangeiras (de US$ 168,3 bilhões em 2000, passando para US$ 106,63 bilhões em
2006, e saltando para US$ 2.847,3 bilhões em 2010), como mostra a Figura 2, sobretudo na
forma de títulos do Tesouro americano102.
Asean e a China e é apenas parte de um maior engajamento da RPC na região (CHENG-GHWEE, 2005, p.
102-122).
102
Entre dezembro de 2001 e novembro de 2010, verificou-se um crescimento de 1.039% (de US$ 78,6 bilhões
para US$ 895,6 bilhões) no estoque de títulos do Tesouro americano em poder dos chineses. Essa evolução
gerou uma significativa elevação da participação do total de títulos em poder do governo chinês (de 7,6% para
20,6%) (PINTO, 2011).
72
Figura 2 - Reservas Internacionais da China (em US$ 100 milhões) e Taxas de
Crescimento (%) 2006-2010
Fonte: Statistical Communiqué of the People's of China, 2010. Elaborada pela autora.
Ao final de 2010, as reservas estrangeiras tinham aumentado em US$ 448,1 bilhões
em comparação ao final do ano anterior. No final deste mesmo ano, a taxa de
câmbio RMB foi 6,6227 para 1 US$, uma valorização de 3% em relação ao final de 2009. Tal
consideração ilustra o fato de que a articulação entre a política cambial chinesa e os títulos do
Tesouro dos Estados Unidos reforça ainda mais os elos da conexão entre a economia chinesa
e americana. Relação esta que, a despeito das diversas tensões geopolíticas
103
, foi
caracterizada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack H. Obama, como uma
“concorrência amistosa” (ROSSI, 2011, p. A10).
Em relação ao plano comercial, a relação sino-americana, ao longo da década de 2000,
foi marcada principalmente pelo aumento da corrente de comércio (exportações +
importações), pelo endividamento externo cada vez maior dos Estados Unidos 104 , e pelo
103
Inúmeros fatores contribuem para o aumento dessas tensões, cujas causas não serão desenvolvidas neste
espaço. Como exemplo, pode-se fazer referência ao conhecido e tênue equilíbrio de poderes na Bacia do
Pacífico, região tradicionalmente marcada por tentativas expansionistas por praticamente todos os principais
Estados – na primeira semana de dezembro de 2010, a China estava simbolicamente cercada por tropas
americanas, sul coreanas e japonesas devido ao exercício militar conjunto no Mar do Japão (DREGUEZ, 2011)
104
Muito se enfatiza sobre o perigo da queda rápida do dólar americano e do desenvolvimento do “vício de
compra de dólares pelos chineses”. Segundo Krugman (2005), os dolorosos “sintomas da abstinência” virão, e
Fishman (2005 apud ARRIGHI, 2008, p. 312) acrescenta que tal fato pode jogar os Estados Unidos “na
armadilha da dívida em que sofreu durante muito tempo [...] a América Latina.”
73
aumento explosivo da participação de produtos de maior valor agregado das exportações
chinesas para os mesmos e também para o mundo. Nesse sentido, se, por um lado, os Estados
Unidos desempenharam um papel de “grande consumidor” do mundo (aumento do seu déficit
em transações correntes), por outro, a China - como um dos principais supridores de bens para
demanda americana e capitais para o mercado de títulos do Tesouro dos Estados Unidos desempenhou um papel de elo de transmissão de efeitos positivos para outras regiões,
sobretudo para Ásia, África e América Latina. O relatório “Modernização da China 2008105”,
feito pela Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS), sublinha que a RPC só deve
investir em relações com países que tenham alguma das seguintes características: ser
inovador, ter muitos recursos, ter uma grande população, ter cultura, ser amigável, ou estar
nos arredores da China. Os recursos naturais e a população do Sul global são, assim, fatores
explicativos da consolidação progressiva da presença chinesa na África e na América Latina.
Além da já referida aproximação e cooperação na própria região asiática, maiormente
com os membros da Asean, a China vislumbra no continente africano um ótimo parceiro, na
medida em que aquele está ganhando cada vez mais importância como uma fonte de matériasprimas necessárias para a industrialização contínua deste. Focados no abastecimento das
demandas da China por produtos primários, os investimentos chineses no continente africano
são direcionados ao óleo e aos setores de energia, de minerais e de construção (infraestrutura). De acordo com a publicação do “China-Africa Economic and Trade
Cooperation 106 ”, desde o ano de 2000 o comércio sino-africano têm mostrado ótimo
desempenho, como mostra a Figura 3.
Neste ano, o comércio bilateral atingiu a marca de US$ 10 bilhões, em 2008 o volume
de comércio ultrapassou os incríveis US$ 100 bilhões, dos quais US$ 50.8 bilhões são
exportações chinesas para a África e US$ 56 bilhões são importações chinesas vindas deste
continente. Assim, a taxa media de crescimento do comércio sino-africano entre 2000 e 2008
atingiu 33,5%, com sua proporção no volume de comércio exterior total da China subindo de
2,2% para 4,2%; e representando um aumento na proporção no volume de comércio exterior
total da África de 3,8% para 10,4%.
Embora o volume do comércio bilateral tenha caído para US$ 91.7 bilhões em 2009 resultado da crise financeira internacional - a China se tornou, naquele ano, o maior parceiro
105
Chinese Academy of Social Sciences. “China‟s modernization 2008”, jan. 2008.
The People's Republic of China. “China-Africa Economic and Trade Cooperation”. Information Office of the
State Council. Dec. 2010, BeijingContents. Disponível em: <http://www.gov.cn/english/official/201012/23/content_1771603_3.htm>. Acesso em: 22 ago. 2011.
106
74
comercial da África107. Dada a relativa recuperação da economia mundial, o comércio sinoafricano também logrou uma recuperação favorável e dinâmica de desenvolvimento, sendo
que já no período entre janeiro e novembro de 2010, o volume de comércio atingiu os US$
114.81 bilhões, ou seja, um crescimento anual de 43,5%.
Figura 3 – Corrente de Comércio China-África (importação + exportação) 2000-2010
(US$ bilhões)
Fonte: China-Africa Economic and Trade Cooperation. Elaborada pela autora.
O volume de comércio chinês com a América Latina, conforme a Figura 4, é tão
intenso quando com a África: no ano de 2000, o comércio sino-latinoamericano totalizou US$
10 bilhões, saltando para US$ 100 bilhões no final da década, em 2010. Neste período, as
exportações da América Latina para a China aumentaram 82 vezes (de US$ 0,5 bilhão para
US$ 40,2 bilhões), enquanto as importações foram multiplicadas por 187 (de US$ 0,5 bilhão
para US$ 92,6 bilhões).
107
Neste mesmo ano se tornou também o principal parceiro comercial do Brasil. A corrente de comércio
brasileira com o país atingiu os US$ 36.1 bilhões, dos quais US$ 20.19 bilhões são exportações e US$ 15.91
são importações (MDIC, 2010).
75
Figura 4 - Taxa de Crescimento Médio Anual do Comércio com a China (%) 1990-2010
Fonte: Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC), 2011. Elaborada pela autora
Nesse sentido, Paulino e Pires (2008, p. 205), referindo-se à série de estudos do
economista-chefe do Centro de Desenvolvimento da OCDE, Javier Santiso, a respeito das
relações de comércio entre a América Latina e a República Popular da China, aponta que:
A China tem agido mais como um „anjo comercial‟ que oferece um amplo mercado
para as commodities da região do que como „la bête noir‟ que rouba empregos e
rebaixa a lucratividade dos concorrentes ocidentais […] pela primeira vez na
história, o crescimento econômico da região deixa de estar acoplado apenas à
dinâmica econômica das EUA e da Europa, como ocorreu até o final do Século XX,
e passa a contar com uma terceira turbina propulsora, o mercado asiático, e
particularmente o mercado chinês.
Além da já sabida demanda por matérias-primas108, a diplomacia chinesa investe no
discurso de “pertencimento comum ao Terceiro Mundo” e invocação de relações tanto
108
A China aumentou suas importações dos países em desenvolvimento em função das necessidades que
emergiram de seu acelerado crescimento econômico e da maior diversificação de sua estrutura produtiva. Essas
importações têm concentrado em bens primários e insumos industriais oriundos dos países asiáticos em
desenvolvimento e da América Latina, fabricantes de commodities e de peças e componentes. Porém suas
importações de máquinas e equipamentos oriundas dos países desenvolvidos têm-se mantido ao longo do
tempo. Ou seja, conforme a indústria foi-se desenvolvendo e aumentando sua capacidade de produzir e
exportar, a China passou requer a importação de máquinas e equipamentos num menor grau do que a
importação de commodities, tais como petróleo e minério de ferro concentradas nos países em
desenvolvimento. Medeiros (2006) aponta que a China se apresenta como um duplo pólo na economia mundial
devido a tal dinâmica.
76
bilaterais quanto multilaterais com base na cooperação Sul-Sul 109 num âmbito de PósConsenso de Washington (SANTILLÁN, 2009, p. 221), sendo relevante o fato de que a China
aumentou seu envolvimento multilateral na região tornando-se um membro pleno do Banco
de Desenvolvimento Inter-Americano (BID) em 2008 (CEPAL, 2010). Assim, “o rápido
crescimento da economia chinesa requer um maior ingresso de recursos naturais e matériasprimas e a América Latina, neste sentido, constitui um sócio adequado” (JIANG, 2003 apud
SANTILLÁN, 2009, p. 221).
Durante a última década, o comércio entre as duas regiões apoiou-se nesta
complementaridade de seus recursos: a China tem escassos recursos naturais, enquanto a
América Latina - e também o Caribe - contam com abundância desses recursos. Isso levou a
uma troca já há muito conhecida de commodities por bens manufaturados.
Embora tal dinâmica comercial tenha trazido ganhos para ambos os atores, os
benefícios foram para poucos setores e um número limitado de países da América Latina e
Caribe. Produtos de mineração representam quase metade das exportações da região para a
China, seguidos pelos produtos agrícolas, com uma participação de 35%. Cerca de 90% das
exportações da região para a China vinham de apenas quatro países: Brasil (41%), Chile
(23,1%), Argentina (15,9%) e Peru (9,3%) (IDB, 2010).
O interesse chinês nestas regiões também se reveste de uma dimensão política. Por um
lado, a maioria dos países que reconhecem Taiwan como Estado soberano são africanos ou
latino-americanos. Consumada a reunificação dos territórios de Hong Kong e de Macau (em
1997 e 1999, respectivamente), Taiwan permaneceu como o objetivo último da política de
reunificação nacional chinesa, usada para fins nacionalistas. Aumentando os laços de
dependência com a África e a América Latina, Pequim procura reduzir as bases de apoio de
Taipei na cena internacional. Por outro lado, a crescente cooperação com as duas regiões
permite à China aumentar o número de aliados em foros internacionais, sobretudo na ONU,
obtendo apoio não só em relação a Taiwan e à política da “China única”, mas também na
recusa de interferências externas relativamente às questões do Tibete, Xinjiang110 e violações
109
Para Santillán (2009), essa invocação de inter-regionalismo dado pelo conceito de cooperação Sul-Sul foi
utilizada para demarcar uma “zona compartilhada de interesses” entre América Latina e o Leste Asiático
sustentada, do lado latino-americano, “na necessidade de aprofundar a diversificação como objetivo estratégico
da política exterior e, do lado do Leste Asiático, como meio para aprofundar o desenvolvimento econômico, o
comércio e o investimento (o qual é perfeitamente consistente com o sustentado por diplomatas e acadêmicos
chineses).” (SANTILLÁN, 2009: p. 221) .
110
O Tibete (Xizang - 西藏) é uma região autônoma da China com importante tradição budista e que reivindica
governo próprio. Xinjiang (Xinjiang - 新疆 – quer dizer “nova fronteira”) é uma província autônoma da RPC,
no extremo-oeste do território chinês, onde separatistas islâmicos lutam pela independência há mais de dois
séculos.
77
de direitos humanos. Por fim, todas estas manobras diplomáticas e a presença chinesa na
África e na América Latina contribuem para a crescente afirmação da RPC como potência
mundial111.
A despeito desta crescente afirmação, a expansão industrial e os baixos custos de
trabalho praticados na China vêm implicando dificuldades para a indústria e perda de
empregos em vários países. A consolidação de uma economia mundial integrada transformouse, com a entrada da China, em ameaça aos avanços sociais obtidos pelos países ocidentais e
em desafios para os países em desenvolvimento, já que mesmo com as proibições da OMC ao
governo chinês de imposição de transferência tecnológica para os investimentos estrangeiro, o
“[...] governo chinês segue utilizando mecanismos de política industrial para distorcer preços
de mercado de modo a favorecer o crescimento de empresas e setores previamente
escolhidos”, dado que as “leis e regulamentações na China ainda estimulam a transferência de
tecnologia, os subsídios à exportação e o uso de insumos locais” (CUNHA e ACIOLY, 2009,
p. 364).
Nesse ínterim, há uma crescente onda de sanções contra a China. Além de medidas
ligadas à política externa, há o fortalecimento das pressões para a valorização do câmbio 112 e
para a redução da pirataria, acopladas à adoção de barreiras comerciais 113. A tais receios, para
autores como Kaplan (2005), soma-se que a emergência econômica e política chinesa teria,
como resultado, intensa disputa por recursos energéticos com os Estados Unidos e o Japão.
Haveria, também, a concorrência acirrada da RPC com outros países em desenvolvimento,
por investimentos externos. Tendo em conta, ainda, o crescente poderio militar chinês,
resultante de seu programa de modernização das forças armadas, seriam inevitáveis conflitos
intra e extra-regionais (BRIC POLICY CENTER, 2011)
Ainda que conflitos de interesses comerciais possam de fato ocorrer, quanto a este
último receio, infere-se distância com a realidade estratégica, na medida em que
111
É importante enfatizar que a China estabeleceu com a África o Fórum de Cooperação Sino-Africana
(FOCAC), em 2000. Em relação à América Latina, o país possui status de observador na CEPAL e no Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) – participando como acionista deste último desde 2008, na
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e na Organização dos Estados Americanos (OEA), além
de participar da Comissão de Diálogo Mercosul-China desde 1997 e de estabelecer um mecanismo de consulta
e cooperação com a Comunidade Andina desde 2002 (CORNEJO e GARCÍA, 2010).
112
Uma pressão americana exerce-se essencialmente contra a centralização cambial e a política de compra de
reservas do Banco Central chinês que impedem que o yuan se valorize com o acúmulo dos fluxos líquidos de
capitais.
113
Vide projeto brasileiro recente de aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros
importados. Ainda que a justificativa da medida seja a de "preservar os empregos no Brasil" e "fortalecer a
indústria nacional", a mesma tem repercussões negativas diretas nas pretensões das novas montadoras chinesas,
como a JAC (O ESTADO DE S. PAULO, 2011).
78
Até na melhor das estimativas, o orçamento militar chinês é menos de 20% do
orçamento norte-americano [...], mal supera, se é que supera, o do Japão e [é] bem
menor que o orçamento de Japão, Índia e Rússia somados, todos na fronteira com a
China – sem falar da modernização militar de Taiwan, sustentada por decisões norteamericanas tomadas em 2001. [...] Muito provavelmente, o desafio futuro da China a
médio prazo será político e econômico, não militar. (KISSINGER, 2005 apud
ARRIGHI, 2008, p. 298).
De fato, como mostra a Figura 5, os gastos com despesas militares nos Estados Unidos
têm crescido desde 2001, ao passo que a China mantém seus gastos como porcentagem
relativamente invariados.
Figura 5 – Despesas militares como Porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB)
Fonte: Banco Mundial. Indicadores do Desenvolvimento Mundial, 2011. Elaborada pela autora.
Não obstante, quaisquer proposições alarmistas de cunho negativo são notadamente
incompatíveis com a doutrina chinesa de “surgir precipitada e pacificamente114”. Tal doutrina
pressupõe que a China evitará o expansionismo e as agressões promovidos pelas potências
anteriores no momento de sua ascensão ao utilizarem da violência para angariar recursos e
114
Heping jueqi – 和平崛起. Doutrina apresentada no Fórum de Boao para a Ásia em 2003. Segundo Arrighi
(2008: p. 299), “com base em estudos históricos encomendados pelo Politburo sobre experiências passadas de
ascensão de potências e as reações que provocaram, ela foi apresentada como refutação da idéia de „ameaça
chinesa‟ e como ofensiva atraente para contrabalançar a estratégia norte-americana de cercar a China com um
sistema de bases militares e relações de segurança”.
79
buscar hegemonia mundial. Ao contrário, utilizar-se-ão de avanço que beneficie também os
demais países com os quais a China mantém relações políticas e/ou econômicas,
adequando os mesmo princípios fundadores aos novos contextos de abertura e
globalização. É assim que as fontes oficiais enquadram o acionar diplomático chinês
nos princípios de “coexistência pacífica”, respeito mútuo à soberania e à integridade
territorial, não agressão, não intervenção, igualdade e benefício recíproco, e
coexistência pacífica propriamente dita. (ZHOU, 2004, p. 6).
De fato, a China tem reiterado que sua condição atual de potência emergente deve ser
entendida como uma nova fase histórica, marcada pela “ascensão pacífica” do país, destinada
a beneficiar seu entorno imediato e relações com o exterior, deixando clara sua preferência
pela atuação internacional através de um soft power115. A referência à “ascensão” – ainda que
com a qualificação de pacífica - reforçou preocupação de setores de opinião alarmados a cerca
das intenções chinesas quanto ao almejo da hegemonia mundial. Sendo assim, tal expressão
foi sendo paulatinamente abandonada em favor de “desenvolvimento pacifico” ou
“coexistência pacífica”, mesmo que a doutrina, em sua essência, tenha permanecido
inalterada.
Já em 1953, os “Cinco Princípios para Coexistência Pacífica” – respeito mútuo pela
soberania e integridade territorial, não agressão mútua, não ingerência nos assuntos internos,
igualdade e benefício mútuo, e coexistência pacífica - foram colocados pelo então Premiê
Zhou Enlai em seu discurso à delegação indiana no início das negociações sobre as relações
entre os dois países no Tibete. Desde então, tais princípios têm sido aceitos como
constituintes de uma totalidade de ações que envolve um novo conceito de cooperação, de
segurança, de relações do tipo ganha-ganha (win-win), e de um tipo de sociedade
harmoniosa116. A importante filosofia da “sociedade harmoniosa” e do “mundo harmonioso”,
colocada até hoje pelo presidente Hu Jintao, é revestida de significado teórico 117 e que na
115
Soft power se dá basicamente pela influência cultural e capacidade de negociar com outros países com base na
cooperação. Ao contrário, o hard power se caracteriza pelo uso da força coativa baseada no poder bélico.
116
Em 1956, a Finlândia, a Dinamarca, a Suécia, a França e a Bélgica introduziram os Cinco Princípios em
documentos relacionados. Após a década de 1970, o Japão, a Grã-Bretanha, a Holanda, a Alemanha, a
Austrália e os Estados Unidos aceitaram os Cinco Princípios e os introduziram em acordos de amizade
ou comunicados conjuntos assinados com a China. Durante meio século, os Cinco Princípios têm
sido incluídos em mais de 160 documentos internacionais (CONSULATE-GENERAL OF THE PEOPLE'S
REPUBLIC OF CHINA IN HOUSTON, 2004). “Since then, the Five Principles of Peaceful Co-existence have
been recognized and accepted by more and more nations, international organizations and international meetings,
and have been incorporated into a series of major international documents, including declarations adopted by
the United Nations General Assembly” (XINHUA, 2005, p. 1).
117
De acordo com Yu (2006: p. 9), “harmony is a higher goal than peace. In terms of peace, it means neither to
be ready to use force against each other, nor to threaten to use force, while in terms of harmony, it means on
the basis of peaceful coexistence to help each other, advance together and finally reach a realm of human
community.”
80
prática serve como um princípio orientador no que tange à política interna da China e sua
estratégia externa, indicando a orientação que procura o país num sistema internacional em
transformação, reduzindo incertezas e aumento previsibilidades.
Ainda assim, muitos policy-makers preocupam-se com o incompleto entendimento
acerca da “grande muralha de incógnitas 118 ” que é a China, apostando num momento
internacional de “ameaça chinesa” ou de “mito do milagre asiático 119 ”. Ao contrário, o
governo da RPC anuncia com a doutrina do “mundo harmonioso” que o desenvolvimento
chinês proverá de novas e abrangentes oportunidades a arena internacional, e que a China está
disposta a buscar interesses de cooperação com países individuais e compartilhar
prosperidades dentro, como é de se prever, do escopo de seus interesses nacionais. Yu (2006,
p. 8, grifo nosso) aponta que
Suppose China‟s thinking on foreign policy used to stress mutual respect, equality
and mutual benefits and non-interference, today it should stress to take the initiative
to ease contradictions and promote consensus through coordination. To construct
harmonious society internally and to promote harmonious world externally are
completely of the similar objective and complement each other.
Como reforço a tal doutrina, que prima pela construção de consenso através de
coordenação, a nova geração no poder construiu uma diplomacia estratégica em torno dos
“quatro nãos” enunciados pelo presidente Hu Jintao (2004): “Não à hegemonia, não à política
da força, não a uma política de blocos, não à corrida armamentista”. Trata-se de “construir a
confiança, atenuar as dificuldades, desenvolver a cooperação, e evitar os confrontos 120 ”.
Consciente das implicações de suas políticas, Pequim aposta numa postura relativamente
flexível, que privilegia as relações bilaterais ao mesmo tempo em que participa ativamente
das organizações regionais e multilaterais, e que abrange as relações econômicas em todos os
sentidos, reduzindo ao mesmo tempo possíveis tensões geopolíticas e apresentando
alternativas comerciais aos países parceiros.
Além disso, Hu reiterou o compromisso da China com o “desenvolvimento pacifico”
durante visita à ONU, em Nova York, em setembro de 2005, destacando os desafios
envolvidos na administração e no aumento da prosperidade dos habitantes chineses. Isto
mostra elementos da mudança política empreendida por Hu Jintao e Wen Jiabao - primeiro118
Termo empregado por Arrighi (2008: p. 309). Ver também Samuelson (2004).
KRUGMAN, P. The Myth of Asia‟s Miracle. Foreign Affairs, v.73, n. 6, p. 62- 79, nov/dez 1994.
120
Discurso de abril de 2004, citado por RAMO, J. C. O Consenso de Beijing. Londres: The Foreign Policy
Center, p. 41-74, 2004. Disponível em:< http://fpc.org.uk/fsblob/244.pdf>. Acesso em 12 jun.2011
119
81
ministro chinês - e da maior preocupação destes líderes com questões não só comerciais, mas
também sociais, ilustradas pelas campanhas constantes contra a corrupção para expurgar a
estrutura do partido de seguidores de Jiang Zemin e reforçar a capacidade do Partido e do
Politburo de implementar efetivamente a mudança da linha política (ARRIGHI, 2008)
Doravante, no início da segunda década do século XXI (06. Set. 2011) e por ocasião
do 90º aniversário da fundação do Partido Comunista da China (PCC), o país declarou
novamente que o desenvolvimento pacífico é a escolha estratégica chinesa rumo à
modernização e à prosperidade, dada a publicação do Livro Branco sobre o desenvolvimento
pacifico da China (White Paper on China‟s Peaceful Development121). O documento, que foi
divulgado pelo Departamento de Comunicação do Conselho de Estado chinês, versa
essencialmente sobre o caminho do desenvolvimento pacífico, o que o país pretende alcançar
através dele, a política externa a ser empreendida e tenta elucidar o que o desenvolvimento
pacífico da China significa para o resto do mundo.
Tendo em vista que seus objetivos com relação ao desenvolvimento doméstico –
acelerar a mudança do modelo de crescimento, explorar ainda mais os recursos internos do
país e os pontos fortes de seu mercado, acelerar a construção de uma “sociedade
harmoniosa122” e implementar a estratégia de abertura com benefício mútuo – dependem não
só do esforço interno, como também da criação de um ambiente internacional pacifico e de
condições externas favoráveis, a RPC pressupõe igualmente a construção de um “mundo
harmonioso” através
de etapas e apreciam
uma visão de
mundo de "unidade
sem uniformidade" (unity without uniformity).
Tal reconhecimento da importância de ajustar o desenvolvimento às necessidades de
cada país em específico 123 constitui-se um elemento dentro do que Ramo (2004) e Halper
(2010) chamaram de “Consenso de Pequim”, cujos preceitos diferem essencialmente da
receita única do tradicional Consenso de Washington. Dos Santos (2005, p. 1) enfatiza que
“trata-se de definir o final do Consenso de Washington que Joseph Stiglitz tão bem
121
Em Anexo.
A construção de uma “sociedade harmoniosa” tem ênfase na melhoria da vida das pessoas através da
aceleração da reforma dos sistemas sociais, da melhora dos serviços públicos básicos, do desenvolvimento
de novos mecanismos de gestão social, tornando-a mais eficiente, da melhora na distribuição de renda e do
sistema de segurança social. O objetivo da RPC é garantir que todas as pessoas tenham o direito de educação,
emprego e remuneração, serviços médicos e de habitação, de modo que todos compartilhem a responsabilidade
de criar uma sociedade harmoniosa e aproveitar a vida e os benefícios do desenvolvimento em tal sociedade
(WHITE PAPER ON CHINA‟S PEACEFUL DEVELOPMENT, 2011)
123
“In the ever-changing world of today, all doctrines, systems, models and paths are subject to the test of the
times and practice. As national conditions vary from country to country, there is no such thing as a fixed mode
of development which claims to be the only effective one and applicable to all. A path of development is viable
only when it suits the national conditions of a country.” (WHITE PAPER ON CHINA‟S PEACEFUL
DEVELOPMENT, 2011, p. 6)
122
82
prognosticou. O pós-Consenso de Washington será, sobretudo, um Consenso de Pequim”.
Patamar importante deste Consenso é o reconhecimento da importância da cooperação entre
os Estados na construção de uma nova ordem mundial com base na interdependência
econômica e no multilateralismo, este colocado pelo Livro Branco como irresistível (2011, p.
13): “The global trend towards multipolarity is irresistible”. Para Ramo (2004) a ascensão
chinesa já está reformulando a ordem internacional, introduzindo uma nova física de
desenvolvimento e poder. Assim, o Consenso representa o surgimento, liderado pela China,
de um caminho para os outros países do mundo se desenvolverem e se encaixarem na ordem
internacional, de modo a permitir que sejam verdadeiramente independentes, protejam seu
modo de vida e suas opções políticas124.
Percebe-se que tal política é fortemente voltada aos países em desenvolvimento,
orientando suas ações no sentido de desempenhar protagonismo nas relações baseadas na
cooperação Sul-Sul. Como apontado no próprio Livro Branco sobre o desenvolvimento
pacifico chinês (2011, p. 14, grifo nosso):
We will increase strategic dialogue with the developed countries to promote
strategic mutual trust, deepen mutually beneficial cooperation, handle differences
properly, explore ways to establish and develop a new type of relationship among
the major countries and promote long-term, steady and sound growth of China's
relations with these countries […] We will enhance unity with other developing
countries, deepen traditional friendship, expand mutually beneficial cooperation,
sincerely help the other developing countries achieve independent development by
providing aid and making investment and uphold their legitimate rights and interests
as well as their common interests.
Embora Ramo (2004) conclua que o caminho para o desenvolvimento chinês não
possa ser repetido por qualquer outra nação e que esse caminho ainda continue repleto de
contradições, muitos elementos desta ascensão têm engajado fortemente os países em
desenvolvimento através de “diálogos estratégicos”, sobretudo nos âmbitos comercial e
financeiro125. Esta força de atração da economia chinesa impõe aos países que pensem em
meios para aproveitar as vantagens e afastarem-se dos pontos negativos a fim de engendrar
um bom momento para seu próprio desenvolvimento e salvaguarda de sua economia.
124
“China is marking a path for other nations around the world who are trying to figure out not simply how to
develop their countries, but also how to fit into the international order in a way that allows them to be truly
independent, to protect their way of life and political choices in a world with a single massively powerful
centre of gravity” (RAMO, 2010: p. 3).
125
Arrighi (2001: p. 296) aponta que o fator crítico de sucesso da mudança de equilíbrio de poder rumo à China
nesta nova ordem mundial consiste-se no fato de “os principais centros da civilização sinocêntrica
reemergente” conseguirem satisfatoriamente “fornecer soluções sistêmicas para os problemas sistêmicos
deixados pela hegemonia norte-americana”.
83
É nesse ínterim de estabelecer e reforçar parcerias com os países em desenvolvimento
que o grande colosso econômico oriental China volta sua atenção para o expoente econômico
de peso da América Latina: o Brasil. Também para este país, configurar um novo padrão de
inserção e relacionamento internacional passava pela expressão estratégica representada pelo
Leste Asiático com conteúdo tanto econômico quanto político. É nesta parceria que a seção
seguinte se concentra.
84
4. A Parceria Estratégia Sino-Brasileira
O Brasil e a China são atualmente atores políticos que exercem um papel fundamental
no âmbito internacional. Durante quase metade do século passado, embora de forma diferente,
seguiram modelos econômicos que primavam pela autosuficiência, e através dela
aumentariam a autonomia e a influência internacional. Contemporaneamente, seus interesses
passaram a ser buscados por meio da integração ao contexto internacional, em demanda de
mercados, tecnologia e recursos para investimento. Tal foi o grau de inserção internacional
que, hoje, o cenário exerce enorme influência na estabilidade e no desenvolvimento
econômico de suas respectivas regiões.
Tal como a China, o Brasil apresenta objetivos internacionais relacionados à quatro
elementos principais: 1) luta contra o possível e indesejado neocolonialismo, imperialismo e
exploração capitalista dos países do Terceiro Mundo; 2) defesa dos direitos à
autodeterminação dos povos e à soberania estatal; 3) defesa da paz e do progresso social e
econômico; 4) cooperação voltada para a modernização e desenvolvimento científico e
tecnológico. Além disso, o Brasil e a China possuem fatores comuns determinantes de suas
políticas externas, como a busca pelo desenvolvimento, autonomia e segurança nacional.
Assim, ao longo da segunda metade do século XX e da primeira década do século
XXI, o Brasil e a China buscaram colocar em prática seus projetos desenvolvimentistas,
afirmar-se regional e mundialmente e manter relações com os países do “Sul”, levando em
consideração suas próprias relações bilaterais.
Da passagem de uma formulação retórica para o estabelecimento de ações
estratégicas, muitas questões se impõem. Logo, nesta sessão pretende-se demonstrar como
uma vigorosa sinergia político-diplomática, econômico-comercial e científico-tecnológica
possibilitou a evolução, o aprofundamento e a construção de uma parceria estratégica sinobrasileira, sobretudo através da maximização de vantagens recíprocas, além de contribuir com
breves prospecções latentes nesses três elementos no final desta década de 2000.
Para uma completa investigação e o entendimento da evolução do relacionamento
sino-brasileiro, faz-se necessária uma retomada histórico-analítica das relações bilaterais entre
os países de forma a demonstrar como foram orientadas as respectivas políticas externas,
tendo em vista a influência de fatores endógenos e exógenos para a execução destas.
85
4.1 A inserção internacional de China e Brasil e o estabelecimento das relações
diplomáticas
A China, que já havia ingressado na comunidade internacional como membro do
Sistema Internacional de Westphalia, em 1949, passou por um período de construção do
Estado comunista, liderado por Mao Zedong e baseado na matriz ideológica marxista, após a
vitória militar frente aos nacionalistas. O líder nacionalista Chiang Kai-Chek e a elite chinesa
então se refugiaram na província insular de Taiwan protegidos pelos Estados Unidos.
A partir deste momento, passaram a coexistir a República Popular da China (RPC), no
continente, e a República da China, na ilha de Taiwan. Devido ao fato de que a maior parte
dos Estados ocidentais – incluindo Brasil - seguiu os preceitos dos Estados Unidos no não
reconhecimento diplomático da RPC, a representação na Organização das Nações Unidas
(ONU) e o assento no Conselho de Segurança desta instituição foram dadas a Taiwan.
Na intenção de estabelecer uma cooperação que pudesse fornecer bases para o
processo de recuperação econômica e levando em conta a preocupação com a segurança –
estratégica e econômica – do país, a RPC tentou aproximação com a URSS. Esta, no entanto,
com a crise de sua própria economia, a partir de 1960 interrompeu a ajuda financeira e técnica
que fornecia àquele e acirrou tensões existentes entre os dois países, que culminaram com a
ameaça de intervenção soviética para destruir a capacidade nuclear chinesa 126 e com o
posicionamento de tropas soviéticas ao longo da fronteira. Tal fato consolidou um cenário
extremamente desfavorável à China: além do acirramento das tensões sino-soviéticas, a RPC
estava contida e isolada pelos norte-americanos e demais Estados que se opunham aos ideais
revolucionários de Mao; deparava-se com a hostilidade de Taiwan, a inimizade com a
Índia127, e a Guerra do Vietnã. Desta forma, e no âmbito das tensões bipolares, a China “[…]
começou a sentir-se cercada pelo seu isolamento internacional exigido pelos Estados Unidos
da América e, em seguida, pelo rompimento entre a China e a União Soviética” (PINTO,
2000, p. 69).
Frente a este cenário desfavorável, o país redirecionou sua política externa,
desenvolvendo uma estratégia de abertura ao ocidente que previa, primeiramente, a
aproximação com os Estados Unidos como uma forma de conter a URSS. Em seguida, a RPC
126
As divergências entre a China e a URSS foram agravadas em 1958 pelo desentendimento sobre a intenção
chinesa em construir um arsenal atômico independente através do programa atômico chinês. Na década de 1960
ainda houve a suspensão de programas de cooperação antes patrocinados por Moscou que orientavam a
construção de mais de 170 projetos industriais chineses, comprometendo o projeto de crescimento acelerado no
país – o Grande Salto para Frente (1957-1962).
127
Os desentendimentos entre China e Índia se deram devido aos interesses de demarcação de fronteira no
Himalaia, com relação ao Tibete, e devido ao fato da Índia ter concedido asilo ao Dalai Lama.
86
passou a buscar também a intensificação de relações com os países em desenvolvimento, o
que ia ao encontro das expectativas que estes países – em desenvolvimento ou recentemente
descolonizados – apresentavam na busca de um cenário internacional multipolar no qual
pudessem exercer uma política externa mais independente e não alinhada às duas
superpotências128.
Neste ínterim é que se deu a Conferência de Bandung, e em 1955 foram explicitados
os Cinco Princípios da Coexistência Pacífica citados na seção anterior. Adicionalmente, a
partir do princípio de uma só China e do estabelecimento de relações diplomáticas entre
Pequim e Washington, a RPC passou a contar com reconhecimento diplomático, tomando
assento na ONU como um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, no lugar da
República da China (Taiwan), em 25 de outubro de 1971, na ocasião da 26ª sessão da
Assembléia Geral das Nações Unidas129. Como aponta Oliveira (2004, p. 12):
A China, por sua vez, buscava igualmente por um lugar próprio na política mundial.
Deng Xiaoping, em 1972, anunciava o fim do Campo Socialista e identificava a
China como pertencendo ao Terceiro Mundo, e Mao Zedong, em 1974, desenvolvia
a Teoria dos Três Mundos.
Os princípios tratados então pelos países em desenvolvimento em Bandung
transformaram-se ao longo da década de 1970 em instrumentos de barganha frente aos países
desenvolvidos, e o debate por uma nova ordem econômica que privilegiasse a inserção
internacional dos países em desenvolvimento se instituiu em diversos foros mundiais. Nesta
mesma década, o Brasil era considerado fundamentalmente um país em desenvolvimento e
seu status em termos econômicos ainda não era destaque no âmbito internacional130.
Do ponto de vista político, já a partir de 1964, com o regime militar em vigência e sob
a área de influência dos EUA, o desafio para o Brasil era tentar redesenhar seu discurso e
buscar autonomia, principalmente diante de uma ordem
econômica desigual
e
predominantemente vantajosa para as potências tradicionais. Nesse sentido de busca por
128
Momento coincidente com o Movimento dos Países Não-Alinhados já explicitado nesta pesquisa.
Vale lembrar que na votação, a RPC contou com 76 votos a favor, 35 contra, 17 abstenções e 3 ausências,
sendo que o Brasil, juntamente com os Estados Unidos, manteve posição contrária ao reingresso de Pequim na
ONU. Entretanto, os votos consolidavam o reconhecimento da RPC e dava legitimidade ao governo de Pequim.
(PINHEIRO, 1993).
130
O Brasil, além de outros países latino-americanos, passou a perceber a RPC como um Estado capaz de
desempenhar um papel positivo em caso de dificuldades ou de crises internacionais, já que era então membro
permanente do Conselho de Segurança. Ao mesmo tempo, a China delegou-se o papel de principal defensora
dos interesses dos países do Terceiro Mundo na ONU, tomando parte em favor dos latino-americanos em
controvérsias de cunho Norte-Sul, próprios a desencorajar tentativas hegemônicas das superpotências.
129
87
maior autonomia, uma expressiva iniciativa diplomática o destacou no início da década de
1960:
Ao liderar a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento
– UNCTAD que resultou na criação dos 77, contribuindo de modo decisivo para
criar uma atmosfera favorável ao debate sobre a cooperação e o intercâmbio entre os
países meridionais. Esta conferência, realizada em Genebra em 1964, serviu de base
a todos os esforços de criação de uma nova ordem econômica internacional, dando
início a uma nova etapa na cooperação Sul-Sul. (CABRAL, 2000, p. 37)
Deste quadro pode-se inferir que, até a década de 1970, apesar de pertencerem a um
conjunto de países cuja problemática do desenvolvimento econômico era comum, as relações
bilaterais não avançaram frente ao jogo de forças antagônicas existentes na cena mundial.
Assim sendo, a ação política desses atores até então era relativamente limitada. (VELASCO e
CRUZ, 2002, p. 61)
A despeito desta limitação, já a partir da política externa independente 131 do governo
Jânio Quadros houve a aproximação do Brasil com a China através da missão comercial
àquele país, em 1961, liderada pelo Vice-Presidente João Goulart. Doravante, o pragmatismo
responsável da política externa do governo Geisel, que quando assumiu o governo em 15 de
março de 1974 se deparou com elementos conjunturais específicos – a crise do petróleo
(1973) no âmbito externo132 e o processo de esgotamento do “milagre” econômico no âmbito
doméstico -, trouxe uma estratégia de estreitamento de laços com os países em
desenvolvimento, em contraposto ao alinhamento ideológico da Guerra Fria, consagrando
“[…] o não isolamento diplomático do país, sobretudo em foros multilaterais, onde as
afinidades com as teses terceiro-mundistas eram essenciais para a obtenção de ganhos
políticos” (FONSECA, 1996, p. 330). Lima e Moura (1982, p. 351) afirmam ainda que o
caráter universalista da política de Geisel “[…] deu continuidade à idéia de força do
pragmatismo, qual seja o não-alinhamento automático e a inexistência de aliados
preferenciais”.
Já na visão de Oliveira (2004, p. 11), mesmo com as aproximações dadas da missão
comercial, conclui-se que
131
Cervo e Bueno (1992) distinguem a Política Externa Independente como a mundialização das relações
internacionais do Brasil, enfatizando a segmentação do mundo no mancal Norte-Sul econômico e não do
conflito bipolar e sistêmico originário da Guerra Fria. Praticadas pelos chanceleres Afonso Arinos de Melo
Franco e San Tiago Dantas, tal política reivindicava liberdade de escolha de parceiros e mercados, colocandose como critério primordial o desenvolvimento econômico do país.
132
O choque do petróleo em 1973 fez com que as economias industriais ingressassem em um período de
recessão, assim, os países em desenvolvimento tiveram de repensar suas estratégias de inserção internacional e,
nesse sentido, identificaram necessidade de diversificar suas alianças políticas e parcerias comerciais de forma
mais pragmática.
88
Nas décadas de 1950 a 1970, não se pode pensar propriamente num relacionamento
Brasil-Ásia. Apesar de presente em discursos, principalmente a partir da política
externa independente no governo Jânio Quadros, constata-se, na realidade, somente
uma interação, no plano multilateral, de construção de uma agenda política comum a
países em desenvolvimento, no processo de defesa de instauração de uma nova
ordem econômica internacional.
De fato, ainda que as relações sino-brasileiras sejam datadas desde o século XIX com
contatos em sua maior parte não oficiais 133 , o restabelecimento das relações diplomáticas
somente ocorreu em 15 de agosto de 1974, quando do reconhecimento pelo Brasil da
República Popular da China. O governo procurou “enfatizar a questão econômica apenas para
tornar palatável o reconhecimento. [...] A intenção era política” (SILVEIRA apud
PINHEIRO, 1993, p. 260).
Na ocasião da assinatura do Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das
Relações Diplomáticas entre o Brasil e a China, os discursos dos interlocutores demonstraram
que os distintos interesses nacionais estariam focados na soberania e na independência:
Os dois governos concordam em desenvolver as relações amistosas entre os dois
países com base nos princípios de respeito recíproco à soberania e à integridade
territorial, não-agressão, não-intervenção nos assuntos internos de um dos países por
134
parte do outro, igualmente e vantagens mútuas e coexistência pacífica .
Assim, a existência de princípios comuns fundamentaria a base do relacionamento
sino-brasileiro. De acordo com o Vice-Ministro do Comércio Exterior da República Popular
da China, Chen Chieh (1974):
A China e o Brasil, como países em vias de desenvolvimento, defrontam-se com a
mesma tarefa de salvaguardar a independência e a soberania nacionais, desenvolver
a economia nacional, e lutar contra o „hegemonismo‟ e a política de força das
superpotências. Nós, os países em desenvolvimento, temos mil e uma razões para
nos unirmos ainda mais estreitamente e nenhuma razão para nos afastarmos uns dos
135
outros .
133
Pires e Paulino (2011, p. 1) apontam que “as relações sino-brasileiras remontam ao período em que o Brasil
era colônia de Portugal, servindo os portos brasileiros como escala no trajeto Lisboa-Macau. Os reflexos desse
contato podem ser encontrados na botânica, na arquitetura, nos costumes e na culinária. Pelas caravelas
portuguesas se fazia o intercâmbio entre o Oriente e o Ocidente, tornando as relações entre os povos anteriores
à relação entre os Estados.”
134
Resenha de Política Exterior do Brasil. Ministério das Relações Exteriores, Brasília: ano I, n. 2, Set 1974.
Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/divulg/documentacao-diplomatica/publicacoes/resenha-depolitica-exterior-do-brasil/resenhas/resenha-n77-2sem-1995>. Acesso em: 22 jun. 2011.
135
Discurso do Vice-Ministro do Comércio Exterior da República Popular da China, Chen Chieh, quando da
assinatura do Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas entre o Brasil e a
China, no Palácio do Itamaraty, em 15 de agosto de 1974 (CHEN apud CABRAL, 1999, p. 8-9).
89
Concomitantemente, o estabelecimento das relações diplomáticas conjurava as
intenções particulares de cada país. A política externa brasileira estava apoiada nos conceitos
de pragmatismo, responsabilidade e ecumenismo. O primeiro relacionado à eficiência exigida
de acordo com a visão realista da conjuntura em que o país se inseria, buscando “[...]
vantagens no cenário internacional, independente de regime e ideologia”; o segundo
relacionado à não contaminação ideológica da política externa; e o terceiro correspondia ao
caráter universalista da política externa, de forma a ampliar parcerias no sistema
(VIZENTINI, 2004, p. 208). O estabelecimento de relações diplomáticas com um país que
também primava pela independência de política externa e pelo respeito à soberania veio a
fortalecer o discurso brasileiro136.
Além de compartilharem posições semelhantes frente aos temas da agenda
internacional, e a despeito das diferenças ideológicas e do desempenho cumprido por cada um
na política mundial, a aproximação entre ambos foi impulsionada pelo encaminhamento da
conjuntura internacional, que trouxe a ambos os governos, em diferentes intensidades e por
razões diversas, a necessidade de promover um melhor posicionamento político e econômico
no sistema global – a RPC necessitava rescindir o isolamento e se reaproximar do ocidente, e
o Brasil necessitava reagir para empreender e manter o desenvolvimento do país. E foi a partir
do estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e China que foram alicerçados os
pilares do relacionamento rumo ao progressivo estabelecimento da parceria estratégica.
Da perspectiva comercial, as relações sino-brasileiras apresentaram considerado
impulso, refletindo a gradual consolidação e desenvolvimento dos laços estabelecidos em
1974. Em 1978 foi efetuada assinatura de um Acordo Comercial
137
, de forma a
institucionalizar o crescente fluxo de comércio que já se observava entre os dois países.
Assim, já em 1979, as exportações brasileiras para a China somaram mais de US$ 118
milhões, um valor seis vezes maior do que o registrado apenas cinco anos antes. No mesmo
136
Na verdade, o Brasil manteve uma estratégia de dupla inserção do sistema internacional, na medida em que
mesmo focando no discurso ecumênico, o governo convergia em muitos momentos com as potências
tradicionais, nomeadamente os Estados Unidos, dependendo da pauta dos interesses nacionais. Exemplo disto
foi o fomento externo do processo de industrialização do país por meio do II PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento), lançado em setembro de 1974, o que acabou por incrementar substancialmente o
endividamento externo brasileiro. (VIZENTINI, 2004). De acordo com Bueno e Cervo (2002, p. 348-349) “o
pragmatismo haveria de guiar-se pelas circunstâncias, sem admitir dicotomias e camisas-de-força. Sem opções
exclusivistas pelo bilateralismo ou multilateralismo, pelo Ocidente ou Terceiro Mundo, pelo alinhamento ou
divergência, por essa ou aquela ideologia.”
137
Acordo Comercial Brasil – República Popular da China. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em:
<http://www2.mre.gov.br/dai/b_chin_04_1098.htm.>. Acesso em: 15 ago. 2011.
90
período, as importações provenientes da China passaram de US$ 560 mil a US$ 83 milhões,
crescendo mais de 140 vezes138.
Da pauta comercial referente ao período 1974-1980, destacaram-se os seguintes
produtos: algodão, açúcar, soja, sisal, cacau, madeira e celulose, minérios e produtos
siderúrgicos, fibras têxteis sintéticas, óleo de soja em bruto - dentre os produtos exportados
pelo Brasil - e produtos químico-farmacêuticos e petróleo - dentre os importados da China.
Destaca-se o alto grau de concentração na pauta comercial, sendo que, em 1979, mais de 99%
das importações relacionavam-se a produtos de apenas quatro setores. Destes 99%, mais de
95% relacionaram-se apenas às vendas de petróleo. Coincidentemente ou não, atualmente as
exportações brasileiras de petróleo para a China dispararam para atender o voraz apetite do
gigante asiático por matérias-primas. No ano de 2010 – até outubro -, segundo a Secretaria de
Comércio Exterior (Secex), considerados os embarques diretos, o país asiático, que comprou
179,5 mil barris de petróleo por dia, é o principal cliente do Brasil e já recebe mais petróleo
brasileiro que os Estados Unidos, que importou 157 mil barris por dia, 5% a menos que a
China139.
A década de 1980, a seguir, representou um momento paradoxal do relacionamento
sino-brasileiro. Por um lado, o fim da Revolução Cultural de Mao Zedong, as reformas
estruturais modernizadoras sob liderança de Deng Xiaoping – que propiciaram maior abertura
do país -, o fim do confronto bipolar da Guerra Fria, o processo de abertura econômica sob o
ímpeto da globalização, e o restabelecimento da democracia no Brasil, demarcavam grandes
oportunidades de uma maior inserção internacional do Brasil e do fortalecimento das relações
com a RPC.
Por outro lado, o Brasil como a maioria dos países em desenvolvimento, ao longo da
década de 1980, imergiu numa crise econômica motivada pelo rompimento do diálogo NorteSul. A vulnerabilidade financeira do Brasil foi potencializada diante dos conflitos de
interesses comerciais com as potências tradicionais e pelas injunções norte-americanas nos
âmbitos bilateral e multilateral – mormente com o posterior receituário de Washington e no
âmbito das prescrições do Fundo Monetário Internacional (FMI)-, o que motivou o governo
brasileiro a uma inserção no mundo com o objetivo de superar a crise de endividamento
externo, sobretudo privilegiando o regionalismo sul-americano. Em meio ás incertezas
138
China: intercâmbio comercial, tarifas aduaneiras, barreiras em bens e serviços e compromissos na acessão à
OMC. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Siscomex. Disponível em
<http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1196772978.pdf.> Acesso em: 12 out. 2011.
139
“China lidera importação de petróleo brasileiro”, Revista Veja Online, 29 nov. 2010. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/noticia/economia/china-lidera-importacao-de-petroleo-brasileiro>
Acesso
em:
15/09/2011.
91
políticas geradas pelos efeitos da “década perdida”, houve “[…] forte perda da capacidade de
negociação do Brasil, que se tornou indisfarçavelmente vulnerável ás preces dos países
industrializados e dos organismos multilaterais” (SENNES, 2003, p. 67).
Assim, pode-se inferir as diferentes trajetórias do Brasil e da RPC naquele momento:
Enquanto o primeiro amarga um longo período de estagnação, a segunda apresenta
um vigoroso crescimento no mesmo intervalo de tempo. [...] No Brasil, a crise da
dívida externa e a conseqüente crise fiscal que a acompanhou, entre 1981 e 1994, em
conjunto com a adoção de políticas inadequadas, foram responsáveis pela
estagnação; na China, a política de modernização implementada pelo Partido
Comunista Chinês e acelerada sob a liderança de Deng Xiaoping, a partir de 1978,
pode ser responsabilizada pelo vigoroso crescimento. [...] No primeiro, foi aplicado
o receituário conhecido como o „Consenso de Washington‟; no segundo, uma
estratégia de liberalização sob controle do Estado, um modelo recém batizado
140
„Consenso de Pequim‟.
Ainda assim, em 1984 – ano em que comemorou o décimo aniversário de
estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e RPC-, o Presidente João Baptista
Figueiredo visitou a China e diversos acordos foram firmados, tais como: Acordo para a
Cooperação nos Usos Pacíficos da Energia Nuclear; Convênio sobre Transportes Marítimos;
Acordo para Criação de Consulados em São Paulo e em Xangai; Memorando sobre
Cooperação em Matéria Siderúrgica; e Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica. A
visita foi destaque na história das relações sino-brasileiras, já que após dois séculos de
intercâmbio, aquela foi a primeira visita de um Presidente brasileiro àquele país (HANWU,
1991). Na ocasião, Figueiredo afirmou que as relações entre ambos os países estavam
baseadas na “convergência no plano mais alto da política internacional, bem como em
projetos e realizações de caráter econômico-comercial, de cooperação científica e de
intercâmbio cultural” (FIGUEIREDO apud CABRAL, 1999, p. 1-2)141.
Doravante, no governo de José Sarney (1985-1990), outros entendimentos se
seguiram, dentre os quais dois de maior relevância: o Memorando de Entendimento relativo a
Consultas sobre Assuntos de Interesse Comum e o Acordo de Cooperação para o Satélite de
Recursos Terrestres China-Brasil. O primeiro cunhou mecanismos para trocas políticas
bilaterais em temas da ordem mundial, ou seja, um maior diálogo entre os dois países em
questões referentes ao desenvolvimento dos países periféricos em foros internacionais,
140
PIRES, M. C.; PAULINO, L. A. Metamorfoses nas relações Brasil x China: do comércio ao investimento
direto. In: Congreso Nacional ALADAA - Argentina, Buenos Aires, 2010. Congreso Nacional de la Asociación
Latinoamericana de Estudios de Asia y África. Argentina 2010: Asia y África en Argentina: Caminos hacia una
sociedad intercultural. Buenos Aires: Mnemosyne, v. 1. p. 761-779, 2010.
141
Com relação ao intercâmbio bilateral e à cooperação econômica entre os dois países, neste ano registrou-se
significativa expansão do intercâmbio comercial, tornando-se a China o 10º parceiro comercial do Brasil.
92
maiormente na ONU. Como frisou Sarney ao presidente chinês Yang Shangkun (1988-1993),
em visita à China em 1988:
A nossa identidade de pontos de vista é demonstrada pela coincidência de nossos
votos nos foros internacionais. As questões que aí são submetidas, em 95% dos
casos são vistas da mesma maneira pelos nossos países. [...] Estou seguro de que o
futuro das relações entre o Brasil e a China será assinalado por grandes realizações.
Temos uma contribuição a dar para o aperfeiçoamento da ordem internacional.
(SARNEY apud CABRAL, 1999, p. 2)
O segundo inaugurou o Programa Espacial Sino-Brasileiro 142 de lançamento de
satélites de rastreamento terrestre, que constituiu o caso mais emblemático da cooperação SulSul por ocorrer num sistema internacional oligopolista, demonstrando ser um paradigma de
cooperação que estabelece uma nova moldagem entre os países em desenvolvimento, além de
um símbolo da parceria estratégica a ser construída (FUJITA, 2003).
No âmbito econômico, a década de 1980 também trouxe certos entraves à expansão do
comércio bilateral. Além da desregulamentação do sistema monetário internacional e da
segunda crise do petróleo (1979) – que elevou os custos de aquisição deste - em fins da
década de 1970, deu-se uma crise econômica internacional, nomeadamente nos países latinoamericanos, e deram-se as reformas na política econômica chinesa. O governo chinês então
impôs um corte drástico nas compras externas, que passaram de US$ 17.34 bilhões para US$
9.92 bilhões, refreando também as importações brasileiras. Fator creditado também à
limitação do comércio bilateral foi a distância e o desconhecimento de hábitos e realidades da
China. Visitas oficiais, comissões mistas de comércio143 e feiras comerciais foram promovidas
ao longo da década na tentativa de superar tal estranhamento.
Em 1984 realizou-se em Pequim a III Reunião da Comissão Mista Comercial BrasilChina. Nesta reunião, as delegações analisaram a situação econômica e comercial de seus
países, e a fim de concretizar as metas de intercâmbio bilateral, ambas as partes apresentaram
142
Sobre o Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellites/ Satélites Sino-Brasileiros de Recursos
Terrestres) foi a primeira ação concreta, na área de cooperação, entre os dois países. O programa foi elaborado
por uma equipe conjunta de ambos os países, sendo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) a
representação brasileira, e a Academia Chinesa de Espaço e Tecnologia (CAST), pelo lado chinês. De acordo
com Barbosa (1999: p. 118), “a cooperação internacional possibilitou ao programa brasileiro ter acesso
operacional aos dados desses novos sistemas, denominados satélites de aplicação. Até então, as informações
coletadas por satélites estrangeiros de cunho científico chegavam ao país de forma esporádica e quase sempre
na base do relacionamento pessoal entre cientistas brasileiros e seus parceiros no exterior”. Assim, em outubro
de 1999 foi lançado o primeiro satélite sino-brasileiro (CBERS-1) e, em outubro de 2003, foi lançado o
segundo satélite (CBERS-2).
143
Como exemplo tem-se a II Reunião da Comissão Mista Comercial Brasil-China, que corroborou esforços para
aumentar os laços comerciais bilaterais através da inauguração de escritórios de representação de um grupo de
empresas brasileiras em Pequim.
93
uma relação tentativa de produtos que estes se dispunham a exportar e a importar. A
delegação brasileira manifestou disposição de intensificar o comércio nos setores de
mineração e metalurgia, papel e celulose, além de intensificar a cooperação nos setores
petrolífero (pelo estabelecimento de joint ventures) agrícola e madeireiro (por meio de
investimentos diretos), hidrelétrico (por meio de prestação de serviços e assessoria na
construção de usinas 144 ) e de informática (por meio da associação entre empresas e
cooperação em áreas de interesse mútuo)145.
Já em 1983, minérios e siderurgia despontaram como molas-mestras de exportação,
tendo o valor das vendas majorado mais de 13 vezes com relação ao ano anterior, passando a
representar 57,4% das exportações naquele ano. A partir de então, a RPC transformou-se no
segundo maior mercado asiático para as exportações brasileiras. O volume total do comércio,
nas duas direções, passou de cerca de US$ 134 milhões, em 1978, para aproximadamente US$
775 milhões, em 1983. Ainda assim, após os valores recordes atingidos em 1985, quando a
corrente de comércio atingiu índice superior a US$ 1,2 bilhão, graças às vendas de petróleo
chinês (US$ 400 milhões) e minérios e produtos siderúrgicos brasileiros (US$ 640 milhões), o
comércio sino-brasileiro experimentou significativa queda, conforme Tabela 2.
Ano
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
TOTAL
Tabela 2 – Comércio Brasil-China 1980-1990 (US$ F.O.B)
Exportação
Importação
Saldo
Corrente
72.225.678
244.142.180
-171.916.502
316.367.858
104.021.721
349.792.081
-245.770.360
453.813.802
92.073.672
312.186.090
-220.112.418
404.259.762
270.320.573
505.462.671
-235.142.098
775.783.244
453.110.902
365.315.454
87.795.448
818.426.356
817.563.625
418.563.796
398.999.829
1.236.127.421
517.305.709
289.037.092
228.268.617
806.342.801
361.533.439
297.502.027
64.031.412
659.035.466
718.484.822
82.914.476
635.551.414
801.380.366
628.341.233
128.002.490
500.338.743
756.343.723
381.803.845
168.792.327
213.011.518
550.596.172
4.416.785.219
3.161.710.684
1.255.055.603
7.578.476.971
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Siscomex. Elaborada pela autora.
144
Que de fato ocorreu com a transferência de know how tecnológico brasileiro na área de manutenção de
turbinas da Usina de Itaipu para a Usina Três Gargantas, megaprojeto iniciado em 1993 sobre o rio Yang-Tsé
na China. Ver: “Itaipu negocia transferência de tecnologia para usina chinesa”. Curitiba: Itaipu Binacional, 28
abr. 2008. Disponível em: <http://www.itaipu.gov.br/sala-de-imprensa/itaipunamidia/itaipu-negociatransferencia-de-tecnologia-p-usina-chinesa>. Acesso em: 12 ago. 2011.
145
PROTOCOLO ADICIONAL AO ACORDO DE COMÉRCIO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL E A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. Ministério das Relações Exteriores.
Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/b_chin_14_1497.htm.> Acesso em: 03/11/2011.
94
Não obstante tais iniciativas bilaterais, Oliveira (2004, p. 15) conclui que a perspectiva
brasileira delineou um padrão de política externa – e assim, de comércio bilateral - “[...] muito
mais reativo a fatores conjunturais ou a iniciativas asiáticas do que propriamente derivado de
um ativismo.”
Em decorrência do fim da Guerra Fria, o sistema internacional entrou em um período
de transição, que num momento imediatamente posterior postulou a unipolaridade e a
hegemonia norte-americana, para então seguir em direção – que perdura até o momento – à
multipolaridade; o eixo do antagonismo político foi deslocado para o mancal Norte-Sul; e a
economia mundial sofreu um reordenamento traduzido pela globalização dos mercados, como
explicitado em seção anterior. Nesse sentido, as alterações ocorridas na estrutura do sistema
internacional intensificaram o anseio no sentido de permitir maior participação dos países em
desenvolvimento 146 e minimizar as sujeições incididas da estrutura hegemônica, sobretudo
nos foros econômicos e políticos multilaterais, em que pese o “momentum” neoliberal
difundido por Reagan e Tatcher (GUIMARÃES, 2002).
Nesse contexto, o logradouro cursado pelo Brasil na década de 1990 foi caracterizado
por Cervo (2002) como a “dança dos paradigmas147”, que se deu entre o governo Fernando
Collor de melo e Fernando Henrique Cardoso. Segundo o autor, no momento pós Guerra Fria
foi estabelecido um consenso, que pode ser definido como globalização, nova
interdependência ou neoliberalismo. Neste consenso neoliberal global, que representava em
dado alcance um “triunfo” do centro capitalista, estavam preconizadas certas condutas de
governo e medidas tais como: liberalização do comércio, disciplina fiscal, desregulamentação
das atividades econômicas, reforma tributária, taxa de juros positivas, taxas de câmbio
conforme as leis de mercado, entre outras.
A implementação das recomendações deste Consenso de Washington, elaborado por
tecnocratas das instituições financeiras internacionais, Federal Reserve Board e think tanks,
em larga aceitação e de forma acrítica pelos dirigentes latino-americanos consolidou a
146
Em termos produtivos, a transnacionalização progressiva foi agente catalisador desse processo. O peso do
avanço tecnológico como variável da produção criou um abismo ainda maior entre os países mais e os menos
desenvolvidos. O novo cenário multilateral modificou a inserção internacional dos países menos desenvolvidos
com geometrias variáveis na composição dos grupos de atuação na esfera internacional.
147
Cervo (2002: p. 6) aponta que “o Brasil imprimiu desde 1990 orientações confusas, até mesmo contraditórias,
à política exterior. Identificamos três linhas de força da ação externa que definimos com auxílio do conceito de
paradigma: o Estado desenvolvimentista, o Estado normal e o Estado logístico. A coexistência de paradigmas,
inadmissível nas ciências exatas e naturais, embora paradoxal, é possível nas ciências humanas e sociais, onde
eles adquirem a função metodológica de organizar a matéria e de dar-lhe inteligibilidade orgânica mediante
uma visão compreensiva dos fatos.”
95
presença de Estados normais148. Assim sendo, o Brasil, enquanto Estado normal, afastou-se
da função de empresário e regulador das transações domésticas e internacionais. A
modernização, nesse sentido foi concebida como abertura do mercado de bens e de valores e
privatização das empresas públicas, e o paradigma do Estado desenvolvimentista das décadas
anteriores fora considerado inadequado para o processo de globalização, ainda que a
experiência brasileira na prática tenha sido mista, situada entre ambos os paradigmas
(CERVO, 2002).
Doravante, o governo Itamar Franco reviu a política externa brasileira e o paradigma
foi adaptado à conjuntura internacional, de forma que o caminho seria percorrido por meio do
multilateralismo 149 , da universalização da política externa e da autonomia em relação à
potência estadunidense 150 . Dessa forma, adotou uma postura crítica e ativa nos foros
multilaterais151 e procurou assegurar mecanismos que impelissem a consecução de projetos de
desenvolvimento (CANANI, 2004). Nesse ínterim, o Brasil buscou aprofundar suas relações
com países potenciais como Índia, Rússia, África do Sul e principalmente, a China, na “[...]
crença de que similaridades do Brasil com estes países os converteriam em parceiros
privilegiados em uma economia globalizada.” (HIRST e PINHEIRO, 1995, p. 20).
Destarte, ainda que as relações com as potências tradicionais tenham sido
privilegiadas em boa parte e apesar dos constrangimentos na Praça da Paz Celestial em 1989
(Tian‟anmen Guangchang - 天安门 广场 ) 152 , a China 153 foi identificada como uma das
148
O termo foi empregado pelo argentino Domingo Cavallo, em 1991, como forma de reconhecer os governos
latino-americanos que se instalaram em 1989-1990 na Argentina, Brasil, Peru, Venezuela, México e outros
países menores. Tal paradigma envolveria três parâmetros de conduta do Estado: 1) subserviência às
imposições do centro hegemônico; 2) caráter destrutivo, já que dissolve o núcleo central substanciado da
economia nacional e transfere renda ao exterior; e 3) caráter regressivo, pios reserva para a nação as funções da
infância social (CERVO, 2002).
149
A atuação brasileira foi ampliada inclusive no terreno ambiental, tendo o país já durante a primeira metade da
década de 1990 sido escolhido para ser anfitrião da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento de 1992 (Rio-92). Naquela e em outras ocasiões, o Brasil logrou incluir o tema do
desenvolvimento ao debate sobre meio ambiente, conduzindo os trabalhos de modo a substituir os impasses
pela cooperação ambiental no diálogo Norte-Sul.
150
Bandeira (2004: p. 56) considera que a inserção do Brasil na economia internacional foi feita “de forma
impulsiva e unilateral, sem exigir contrapartidas dos outros Estados, sem exigência de reciprocidade ou sem
precaução de salvaguardas, sem garantir às empresas nacionais ou estrangeiras, estabelecidas no Brasil,
condições de competir com os produtos importados”.
151
Destaca-se a atuação brasileira na Comissão de Direitos Humanos da ONU, quando o país apoiou o governo
chinês, votando contra a proposta de punição por violação dos direitos humanos feita pelos Estados Unidos. Tal
fato mostra a convergência do princípio de não intervenção nos assuntos internos de ambos os países. Ver: Full
Text of Human Rights Record of the United States in 2010, China‟s Information Office of the State Council,
2010. Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english2010/china/2011-04/10/c_13822287.htm> Acesso
em: 2 out. 2011.
152
Em 4 de junho de 1989 o exército chinês encerrou com um massacre o protesto em massa por liberdade e
democracia na Praça da Paz Celestial, em Pequim.
153
A China buscava, pro sua vez, o fortalecimento e o prestígio de sua imagem internacional, objetivando criar
condições favoráveis de atuação nos âmbitos global e regional, uma vez que “[...] o objetivo principal da
96
prioridades da diplomacia brasileira devido à sua posição de importante parceiro político –
dadas posições similares nos fóruns multilaterais, parceiro econômico –, como forte mercado
consumidor, fornecedor e investidor -, como parceiro na cooperação científico-tecnológica,
além da identificação partilhada de países em desenvolvimento, de agenda terceiromundista,
que buscam por maior engajamento e autonomia na arena internacional.
A partir desta percepção de convergência de interesses, as visitas de alto nível entre os
países foram intensificadas. Em março de 1993, o chanceler Qian Qichen esteve em visita
oficial ao Brasil e acordou dois importantes documentos bilaterais nos setores espacial e de
energia elétrica: o Protocolo Suplementar sobre Aprovação de Pesquisa e Produção de Satélite
de Recursos da Terra154 e o Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Econômica e
Tecnológica 155 . O primeiro sinalizou o novo patamar de entendimento alcançado na área
espacial e a possibilidade de expansão da cooperação científica e tecnológica para outros
setores como a energia nuclear para fins pacíficos. O segundo detalhava aspectos importantes
de cooperação em matéria de energia elétrica antes previstos de forma mais generalizada no
Acordo sobre Cooperação Econômica e Tecnológica.
Na ocasião, o chanceler chinês afirmou que seu país atribuía uma atenção especial
para suas relações com o Brasil e declarou a vontade do governo chinês em fazer das relações
sino-brasileiras um exemplo de cooperação de sucesso entre países em desenvolvimento
(SHANG, 1999). Tal fato demonstrava a avaliação positiva do relacionamento bilateral
baseada na convergência de interesses, na sintonia entre os países e no processo de
aproximação e complementaridade econômica.
Em maio de 1993, na ocasião da visita do então Primeiro-Ministro Li Peng e do VicePrimeiro-Ministro Zhu Rongji ao Brasil visando orientar as tratativas que antecederam a visita
do Presidente Jiang Zemin, o relacionamento sino-brasileiro foi qualificado por Zhu Rongji
como uma parceria estratégica, na medida em que se fortalecia “[...] uma relação sinérgica
entre o maior país em desenvolvimento do hemisfério oriental com o maior país em
desenvolvimento no hemisfério ocidental” (ZHU apud FUJITA, 2003, p. 64).
política externa chinesa [era] manter um ambiente pacífico para o desenvolvimento econômico e sua estratégia
internacional [era] alcançar esse objetivo.” (YAQUIN, 1996: p. 33). A importância adquirida pelos fatores
econômicos no cenário internacional com a intensificação da transnacionalização abriu novas possibilidades de
manobra a uma China em processo de rápido crescimento.
154
PROTOCOLO SUPLEMENTAR SOBRE APROVAÇÃO DE PESQUISA E PRODUÇÃO DE SATÉLITE
DE
RECURSOS
DA
TERRA.
Ministério
das
Relações
Exteriores.
Disponível
em:
<http://www2.mre.gov.br/dai/b_chin_39_1524.htm> Acesso em 24/10/2011.
155
AJUSTE COMPLEMENTAR AO ACORDO DE COOPERAÇÃO ECONÔMICA E TECNOLÓGICA
ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA
POPULAR
DA
CHINA.
Ministério
das
Relações
Exteriores.
Disponível
em:
<http://www2.mre.gov.br/dai/b_chin_38_2994.htm> Acesso em 24/10/2011.
97
4.2 A construção da parceria estratégica
A partir do momento de sua concepção, a expressão parceria estratégica passou a
caracterizar o relacionamento sino-brasileiro, e o reconhecimento mútuo desta traduziu a
proximidade de interesses e deu novo alento às relações bilaterais.
No que tange ao termo parceria, Meza (2002, p. 40) declara, considerando que a
construção de parcerias ocorreu entre os países em desenvolvimento dadas identificações de
posições políticas comuns em foros internacionais, que este pode ser entendido como “[...]
aproximações específicas (eleitas como opção) que permitem alcançar objetivos comuns com
potências regionais semelhantes, tirar proveito de oportunidades e enfrentar desafios”.
De fato, a construção de parcerias pode ser considerada como um instrumento para o
estabelecimento e a viabilização no plano externo de interesses pautados em relações
preferenciais, mesmo que não desconsidere outros parceiros potenciais. Logo, a ação externa
brasileira estaria igualmente voltada para “[...] uma política exterior assertiva do ciclo
desenvolvimentista que manipulava a relação bilateral e a construção de parcerias estratégicas
como uma linha de força da política externa.” (CERVO, 2002, p. 21)
Quanto ao termo estratégia, Aron (2002, p. 72) considera que tanto a própria
estratégia, quanto a diplomacia, estariam subordinadas à política: “[...] chamemos de
estratégia o comportamento relacionado com o conjunto das operações militares, e de
diplomacia a condução do intercâmbio com outras unidades políticas”.
Todavia, Lafer (1992, p. 44) reconsidera que a “[...] estratégia ajustou-se, também,
àquilo que se pode chamar de realismo político, que considera os fins da política
internacional.”, ou seja, o termo se investiu de cunho político e, de certa forma, econômico,
passando a orientar os interesses dos Estados. A partir de então, o termo estratégia pode ser
também considerado enquanto
Temas políticos e as questões sociais, econômicas, tecnológicas e culturais, incluem
também a consideração das interações dos temas externos e internos; e a articulação
de visões prospectivas. [...] Estratégia passou a ser no Brasil a disciplina que estuda
essas diferentes interfaces, sob a ótica de seu desdobramento de longo prazo.
(SARDENBERG, 1998, p. 217)
Assim sendo, o termo parceria estratégica empregado na caracterização do
relacionamento sino-brasileiro tem sentido na formulação de planos de ações encadeados em
diferentes esferas, maiormente política, comercial e científico-tecnológica, por ambos os
países, e de contorno gradual, de forma que também as autoridades chinesas “[...] analisam o
Brasil a partir de uma perspectiva promissora, de mais longo prazo, que vai além da visão de
98
conjuntura que se limita às dificuldade econômicas e sociais que ainda prevalecem.”
(ABDENUR, 1997, p. 41)
Como forma de dar continuidade ao estreitamento de laços, seis meses após a missão
do Vice-Primeiro-Ministro Zhu Rongji, o Presidente da RPC Jiang Zemin fez visita oficial ao
Brasil. Em discurso proferido na ocasião, o Presidente Itamar Franco fez um balanço dos
principais pontos de realizações conjuntas dos quase vinte anos de relações sino-brasileiras:
Evoluímos de uma relação de trocas para um verdadeiro entrelaçamento das duas
economias em direção ao estabelecimento de uma efetiva parceria. Vemos com
satisfação a associação entre empresas brasileiras e chinesas para a construção de
obras de grande porte na China e no Brasil. Desenvolvemos intensa atividade de
cooperação em ciência e tecnologia. Estamos construindo em conjunto dois satélites
de monitoramento de recursos da Terra. Muito me alegra ter meu Governo podido
dar impulso decisivo a esse empreendimento. Esperamos poder ampliar esta
cooperação para compreender outros setores de ponta, como o da biotecnologia, o da
156
química fina e o dos novos materiais .
Nesta mesma ocasião, Jiang Zemin formulou breves princípios no sentido de nortear e
estender a cooperação bilateral, dando sentido ao caráter estratégico da parceria sinobrasileira: a) aprofundar as relações comerciais para promover a prosperidade mútua e
consolidar um exemplo de cooperação Sul-Sul; b) estender a comunicação inter-pessoal e
efetivar a cooperação em diversos campos, como na cultura e na educação; c) efetuar
consultas bilaterais nos organismos multilaterais e sobre os assuntos da agenda internacionais,
objetivando fortalecer a coordenação e o apoio mútuo, para salvaguardar os interesses dos
países em desenvolvimento e contribuir para o estabelecimento de uma nova ordem política
mundial baseada na paz, estabilidade e justiça; d) estender os contatos diretos e o diálogo
entre os dirigentes para efetivar o mecanismo de consulta política e expandir a cooperação em
todos os níveis e campos, no sentido de aprofundar o entendimento e a confiança mútua e
construir uma relação bilateral estável e mutuamente benéfica (SHANG, 1999).
Além de reforçar o caráter temporal de entendimento mútuo de longo prazo, conforme
Fujita (2003), tal configuração de parceria estratégica continha elementos principais que
formavam três vertentes de cooperação: política, econômico-comercial, e científicotecnológica. De fato, se se considerar desde o período de estabelecimento das relações
diplomáticas, em 1974, até poucos meses depois da caracterização das relações sinobrasileiras como parceria estratégica, em 1994, o relacionamento registrou saltos qualitativos
nestas vertentes.
156
“Visita Oficial do Presidente da China ao Brasil”. Resenha de Política Exterior do Brasil, n. 73, 2º semestre, p.
97-8, 1993.
99
Os avanços na cooperação política foram mensurados pela amplitude da interlocução
entre os países, a convergência de posições157 e de interesses e a freqüência das visitas de alto
nível. No início da década de 1990, o Brasil e a China buscaram a superação dos
constrangimentos externos, tendo em vista que o cenário internacional sinalizava a
probabilidade de uma maior participação de novos atores que até então estavam à margem da
arquitetura bipolar do poder. Vizentini (1999, p. 136) aponta para as coincidências de atuação
conjunta Brasil-China no âmbito da ONU:
A participação das duas nações na ONU foi, igualmente, bastante semelhantes,
sobretudo no tocante aos temas da ordem mundial e da luta contra os
constrangimentos econômicos e diplomáticos que limitavam as possibilidades de
pleno desenvolvimento e inserção internacional de países periféricos de grande
porte, como era o caso do Brasil e da China.
Não obstante, nesta década consolidaram-se outras possibilidades em que a agenda
externa comum entre o Brasil e a China pudesse se aprofundar. Uma delas foi a criação, em
1998, do Foro de Cooperação América Latina - Ásia do Leste (FOCALAL), com o intuito de
congregar política e economicamente
os países em desenvolvimento destas regiões 158 .
Oliveira (2004) enfatiza o fato de que tal foro poderá aprofundar o relacionamento entre as
duas regiões, sem a presença dos Estados Unidos, aumentando assim as possibilidades de
cooperação entre a Ásia e a América Latina.
Outra iniciativa por parte dos países em desenvolvimento foi a criação do G20
comercial junto à Conferência de Cancún, coordenada pela OMC. O grupo, liderado pelo
Brasil, agrega os principais produtores agrícolas entre os países em desenvolvimento,
inclusive a China. Para Fernandes (2003, p. 1), a presença do Brasil no G20 é considerada
fundamental, já que
[...] trata-se, sem dúvida da mais importante articulação dos países em
desenvolvimento para a defesa de seus interesses na regulamentação do comércio
157
Merecem destaque os princípios compartilhados de política: a autodeterminação dos povos, o respeito à
soberania nacional e à integridade territorial, a não aceitação da interferência externa nos assuntos internos, a
resolução pacífica dos conflitos internacionais e os princípios do livre comércio. Segundo Hengmin (1999),
tanto a China quanto o Brasil consideram que as questões de Direitos Humanos referem-se à política doméstica
de cada país e opõem-se à diplomacia intervencionista dos EUA na questão. Vale lembrar também que o
princípio do livre comércio pressupõe o reconhecimento por parte do governo brasileiro do status de economia
de mercado à China, muito embora o Brasil, até hoje, não tenha regulamentado a declaração.
158
O Foro de Cooperação América Latina – Ásia do Leste (FOCALAL) reúne quinze países latino-americanos:
Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, México, Panamá,
Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela; e quinze asiáticos: Austrália, Brunei Darussalam, Camboja, China,
Cingapura, Coréia, Filipinas, Indonésia, Japão, Laos, malásia, mianmar, Nova Zelândia, Tailândia e Vietnã.
100
internacional desde a criação da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e
Desenvolvimento.
Nesse sentido, Fujita (2003, p. 69) também considera ações comuns articuladas entre
Brasil e China em direção aos países em desenvolvimento, na medida em que
Os dois países poderiam prestar cooperação coordenada em países da África, Ásia e
América Latina, no âmbito de uma iniciativa de se relançar uma Agenda para o
Desenvolvimento Internacional com base em esforços principalmente Sul-Sul.
Além disso, as visitas de alto nível entre os dois países tornaram-se eminentes e
trouxeram inúmeros benefícios mútuos como o fortalecimento dos laços políticos, a promoção
de um maior conhecimento entre ambas as culturas e a celebração de diversos acordos. Ainda
assim, durante as duas gestões do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 19992002), as prioridades do governo foram, maiormente, de cunho econômico. Consciente do
limitado poder relativo de negociação brasileiro – no plano estratégico e econômico – o
presidente FHC buscou exercer uma liderança discreta. Nesse sentido, o Brasil apresentou
intenção, como candidato “não-insistente 159 ”, em ocupar uma cadeira como membro
permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 1992, buscando inclusive
cooperação por parte da China.
A cooperação no setor científico-tecnológico foi um dos campos em que mais se
desenvolveram contatos e onde mais se avançou na tessitura de acordos em diversos níveis. O
desenvolvimento maior nesta área se deu em conseqüência do reconhecimento do potencial de
colaboração existente em vista de certas similitudes de condições de desenvolvimento e da
existência de considerável margem de complementaridade entre as estruturas industriais e de
pesquisa, sendo que os setores mais beneficiados pela celebração desses acordos foram os de
geociências, exploração de petróleo, aeronáutica e aeroespacial, transportes, medicina e
saúde 160 , fontes de energia, tecnologia da informação 161 , recursos hídricos 162 , indústria
química, biotecnologia, energia nuclear e agropecuário163.
159
Termo usado por Paulo Roberto de Almeida em “Uma nova arquitetura diplomática? Interpretações
divergentes sobre a política externa do Governo Lula (2003-2006)”. Revista Brasileira de Política
Internacional, v. 49, n. 1, 2006.
160
Como exemplo, em abril de 1994 foi estabelecido o “Ajuste no Setor de Medicina Tradicional Chinesa e
Fitofármacos”, complementar ao Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica, entre o Brasil e a China,
com o objetivo do aperfeiçoamento e utilização da medicina tradicional e da fitofarmácia e a divulgação de
técnicas de medicina.
161
Segundo Li (1999) tanto o Brasil quanto a China são países que apresentam condições favoráveis para a troca
de Tecnologias da informação e desenvolvimento da indústria de software. Numa comparação de ambos,
observa-se que as companhias de software chinesas começaram seus investimentos com relativo atraso
tecnológico, que seria compensado na cooperação com o Brasil, uma vez que as empresas brasileiras do setor
apresentam experiência sistêmica, especificamente no gerenciamento da qualidade, exportação de softwares e
101
Tais acordos contribuíram, do lado brasileiro, para a modernização tecnológica, tendo
em vista a escassez de recursos para a pesquisa e desenvolvimento (P&D) no país
(OLIVEIRA, 1993). Para a China, a cooperação científico-tecnológica serviu como
instrumento para viabilizar o desenvolvimento das forças produtivas no país, promovendo a
continuidade do seu vigoroso crescimento econômico, fundamentalmente através de esforços
em setores estratégicos como de infra-estrutura, energético e, em certa medida, agrícola
(ZEMIN, 2002).
A vertente econômico-comercial evoluiu de forma gradativa, à medida que a vertente
política se aprofundava. Durante a década de 1990, devido à plenitude da implementação das
reformas da Era Deng, a China alcançou grande crescimento econômico, impulsionando a
economia de todo o bloco asiático, não obstante a crise financeira asiática em 1997, que
causou fuga generalizada de capitais da região164. Já o Brasil, conforme dados do World Bank
(2003) não apresentou o mesmo dinamismo que a economia chinesa nesta década, apesar de
exibir um potencial de crescimento significativo165.
Nesse sentido, ao longo da década de 1990, a fim de reduzir sua vulnerabilidade
externa, o governo brasileiro orientou suas estratégias econômicas para a abertura comercial e
buscou a geração de superávits para obter um maior equilíbrio em seu balanço de pagamentos.
À medida que, então, o país consolidava a abertura comercial, este passou a ser considerado
um relevante global trader no cenário internacional. Já na segunda metade da década de 1990
internet. Araújo e Garcia (1999) esclarecem que a criação do Programa SOFTEX 2000 (Sociedade para a
Promoção da Excelência do Software Brasileiro) – coordenado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento (CNPQ) – e sua promoção através de um escritório em Pequim possibilitaram a inserção do
software brasileiro na China, por meio de uma parceria com o Institute of Scientific and Technology
Information of China.
162
Hengmin (1999) destaca que a cooperação sino-brasileira na área de energia hidroelétrica tem grande
potencial de crescimento, pois ambos os países possuem abundantes recursos hídricos, além do fato de que a
China tem buscado alternativas para solucionar seus problemas de oferta de energia e diversificar a produção
de energia doméstica através de fontes renováveis e da busca por mercados alternativos de energia em regiões
como América Latina, África e Rússia.
163
Em abril de 1994, foi assinado o “Ajuste no Setor de Biotecnologia Aplicada à Agricultura”, complementar
ao Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica de 1982, que objetivava principalmente a promoção de
cooperação e joint ventures sino-brasileiras voltadas para a pesquisa, beneficiamento e comercialização de
produtos agrícolas (como arroz irrigado, soja e batata), além da promoção do intercâmbio de pesquisadores
para capacitação em biotecnologia aplicada à agricultura, e avaliação e troca de material genético de
microorganismos para controle de insetos e pragas.
164
Ressalta-se que, em plena crise, a economia chinesa manteve seu crescimento a taxas expressivas, mantendo
sua moeda estável e superando a crise devido às suas reservas cambiais. Oliveira (2001, p. 40) coloca que a
China, “[...] ao desvalorizar o renminbi e ao declarar que não o faz como uma contribuição para a segurança
regional, candidata-se a ocupar um espaço político que naturalmente seria do Japão”.
165
De acordo com o United Nations Conference on Trade and Development (2003), as disparidades tangentes às
performances dos países em desenvolvimento refletem diferenças em suas condições domésticas. Em relação à
diferença existente entre o grande crescimento econômico dos países do Leste Asiático, maiormente da China,
e o fraco crescimento dos países da América Latina, o relatório aponta que as estruturas produtivas, instituições
e políticas domésticas da América Latina não apresentam a flexibilidade e o poder de recuperação necessários
para responder a choques externos como apresentam os países do Leste Asiático.
102
Brasil e China se tornaram parceiros estratégicos também no campo econômico-comercial,
sobretudo após o ajuste complementar ao Acordo de Cooperação Econômica Sino-Brasileira
em 1995, quando a corrente de comércio entre os países passou a ter maior expressão. Apesar
das tentativas de superávits, o Brasil teve de desvalorizar sua moeda devido à crise cambial e
financeira que atingiu o país em 1999, que levou à elevação dos preços dos produtos chineses
e, desta forma, agravou a balança comercial brasileira em relação à China e passou a
apresentar déficits nesse período.
Após a visita do Presidente Jiang Zemin ao Brasil e à constituição de uma parceria
estratégica, a vertente comercial cresceu em importância relativa, e apresentou resultados
expressivos a partir de 1995, quando a corrente de comércio totalizou cerca de US$ 2,25
bilhões, um crescimento de 107% em relação a 1993 (Figura 6). Ainda que o fluxo comercial
apontasse dados muito aquém do potencial existente entre os dois países, pode-se dizer que a
evolução da vertente comercial desde o estabelecimento de uma parceria estratégica é
significante.
Figura 6 – Corrente de Comércio 1990-2000 (US$ Bilhões F.O.B)
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Secretaria de Comércio Exterior.
Elaborada pela autora.
No período entre 1994 e 1995, o Brasil aumentou suas exportações para a China e
apresentou superávits, grande parte em função do aumento da venda do minério de ferro para
este país. A assinatura do acordo bilateral de intenção sobre o comércio e promoção de
103
exploração do minério de ferro em 1993 promoveu o aumento das exportações do minério
para a RPC, a fim de atender ao desenvolvimento da sua indústria siderúrgica e metalúrgica
que apresentava demandas crescentes.
Entre 1996 e 2000, os déficits crescentes na balança comercial brasileira (Figura 7) em
relação à China refletiram a abertura econômica resultante no fluxo crescente de importações
principalmente após a renegociação da dívida externa que levou ao ingresso de capitais de
curto prazo no país166.
Figura 7 – Balança Comercial Brasil-China (exportações – importações) 1990-2000 (US$
F.O.B)
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Secretaria de Comércio Exterior.
Elaborada pela autora.
Em suma, ao longo da primeira metade da década de 1990, a preferência inicialmente
dada a países desenvolvidos foi cedendo espaço para as relações com países com grande
potencial cooperativo. Assim, frente ao retorno das diretrizes brasileiras de busca por
autonomia e aumento de ganhos pela diversificação de parcerias – assim como ao poder de
atração de determinados países no campo da ciência e da tecnologia e das trocas comerciais –
as relações com a Ásia voltaram a ser incentivadas.
166
Ao contrário da China, que praticou uma moderada liberalização na balança de transações correntes com uma
taxa de câmbio desvalorizada, o Brasil ampliou sua liberalização comercial, e a partir de 1994 até o início de
1999, valorizou sua taxa de câmbio (MEDEIROS, 1999).
104
Dentre as razões para a diminuição da corrente comercial sino-brasileira no período
1998-1999, encontram-se: a aproximação crescente entre China e parceiros competitivos da
região como a Coréia do Sul, Japão e Hong Kong – logo após crise financeira asiática de
1997; a contenção das compras chinesas devido a ajustes no programa de reforma econômica
do país; a substituição de produtos siderúrgicos brasileiros por produção chinesa; o preço
pouco competitivo do petróleo chinês; e a escassa presença tanto de tradings quanto de
empresas exportadoras brasileiras. Tanto o Brasil quanto a China tiveram dificuldades
também de criar medidas eficazes para diversificar a pauta de exportação – concentrada na
venda brasileira de minério de ferro, produtos siderúrgicos e óleo de soja -; e de importação –
baseada na venda de produtos chineses pertencentes a quatro setores: petróleo e carvão,
produtos químicos e farmacêuticos, têxteis e máquinas e material elétrico.
Apesar das dificuldades, sobretudo no campo econômico, a distensão global e o auge
do processo de globalização que caracterizaram a década de 1990 revelaram-se um marco
propício para a expansão das relações sino-brasileiras. Para Duqing (1999, p. 15) a
globalização propiciaria uma aproximação cada vez maior entre os dois países, pois “[…]
países emergentes, de certo peso, devem ficar juntos, e cabe ao Brasil e à China e aos outros
países de certo peso, exercer o papel que a história lhes atribuiu”. Também para Shixue
(1999), a globalização tem sido fundamental para ambos os países, na medida em que tem
possibilitado minimizar riscos comuns quando compartilhados com as respectivas vantagens
comparativas.
Neste contexto, Brasil e China apreenderam com maior lucidez a possibilidade de
explorar complementaridades para alargar o intercâmbio comercial e inversões econômicas,
satisfazendo simultaneamente a necessidade de sustentar o desenvolvimento e de diminuir
assimetrias de poder no âmbito Norte-Sul. Frente aos ganhos obtidos por ambas as partes,
percebem-se os primeiros anos do século XXI como o início de uma nova etapa desta parceria
estratégica.
4.3
A parceria estratégica no início do século XXI
Neste início de século XXI, China e Brasil buscaram desenvolver as relações em todas
as suas esferas com vistas a fomentar os mais diversos mecanismos de diálogo: nas áreas
econômica, comercial, política e diplomática; nos planos bilateral e multilateral, envolvendo
organizações governamentais, empresas e sindicatos; no âmbito dos partidos e parlamentos;
entre outros atores.
105
Tradicionalmente presentes nas políticas externas do Brasil e da China, o
multilateralismo e o terceiro-mundismo mantiveram-se como noções centrais da alocução
diplomática dos dois países, acreditando-se colaborarem para a existência de um ambiente
internacional pacífico favorável para o desenvolvimento, para a abertura econômica e para a
própria inserção no mundo em termos de igualdade. Os organismos internacionais também
continuaram a ser vistos como foro ideal para o exercício da diplomacia.
Basicamente, a estratégia da China para o Brasil centrou-se em cinco elementos
essenciais: a) fortalecer os laços comerciais e obter recursos para o desenvolvimento nacional;
b) expandir os negócios asiáticos, seja através da venda de produtos com alto valor agregado,
seja através da realização de investimentos diretos voltados para os mercados regional e
continental; c) garantir
presença em mercados regionais cada vez mais competitivos e
restritivos, sobretudo diante da tendência de aprofundamento de processos regionais – como o
Mercosul e União Européia – e de formação de novas áreas de livre mercado – como a
proposta de criação da ALCA; d) aumentar seu poder relativo pela via da promoção da
multipolaridade e da democratização das relações internacionais, tendo a agenda de
cooperação Sul-Sul como respaldo político no âmbito dos organismos multilaterais; e e)
arrefecer as influências de Taiwan e conter seus interesses de independência (OLIVEIRA,
2004).
Da parte brasileira, orientada na primeira década do novo século pela política de
universalização e de diversificação das parcerias, a ampliação dos laços com a RPC voltou-se
especialmente para o cumprimento dos seguintes intuitos: a) aumentar a margem relativa de
manobra no plano externo frente aos principais parceiros internacionais; b) atrair um maior
número de investimentos externos e adquirir novas tecnologias de ponta; c) abrir mercados de
alta capacidade de consumo com vistas e uma maior inserção de produtos brasileiros; d)
aproveitar dos efeitos desenvolvimentistas advindos das relações com países asiáticos
altamente competitivos; e e) explorar as similaridades existentes entre o Brasil e a China
enquanto países em desenvolvimento – sobretudo aquelas ligadas à necessidade de
reestruturação do Sistema Internacional -, permitindo um aumento do poder de barganha nos
fóruns multilaterais e ampliação dos espaços ocupados pelo Brasil nos negócios internacionais
(OLIVEIRA; MASIERO, 2005).
Nota-se que, apesar de os fatores políticos e diplomáticos estarem presentes, foi o
terreno da economia que ditou os passos das relações da China com o Brasil, sobretudo pelo
fato deste ser considerado como reservatório de recursos naturais, matérias-primas e
106
alimentos, tidos como essenciais para sustentar o modelo de desenvolvimento adotado pela
China, em processo de impressionante aceleração.
4.3.1 A vertente econômico-comercial
Desde sua abertura econômica na década de 1970, o governo chinês atribui grande
importância ao desenvolvimento de seu comércio exterior, bem como o Brasil tanto com as
políticas desenvolvimentistas, quanto com as diretrizes neoliberais. Wang (2003, p. 476)
acredita que:
A condução do comércio exterior não é apenas um meio importante pelo qual os
diferentes países podem aproveitar as vantagens comparativas de uns e de outros e
promover o desenvolvimento de suas respectivas economias nacionais, mas também
uma maneira efetiva de desenvolver relações amistosas entre si e resguardar a paz e
a estabilidade mundiais.
No sentido então de desenvolver sua economia doméstica, interessava à RPC ganhar
maior acesso a recursos como petróleo, cobre, ferro, aço, soja, óleo de soja, e a máquinas
elétricas. Tal intenção foi satisfeita através do aumento do comércio e de investimentos com
os países da América Latina em geral, sendo que o comércio da China com a região somente
no período dos primeiros cinco anos da década foi notável e saltou de US$ 15 bilhões em
2000 para US$ 50 bilhões em 2005, atingindo extraordinários US$ 183 bilhões em 2010167. A
pauta comercial adotada pela China, não diversa das décadas anteriores, reflete
principalmente o interesse na obtenção de minérios (Peru e Chile), minério de ferro e aço
(Brasil), produção de alimentos (Brasil, Chile, Argentina e Peru) e pesca e petróleo
(Argentina e Venezuela).
O Brasil participou com US$ 15 bilhões em 2005, sendo o principal parceiro da China
na região168. Chacon (1999) aponta que a China tende a ver o Brasil, por análoga extensão
territorial, populacional e potencialidades de vários tipos, como desejável aliado preferencial
na América do Sul, desconsiderando aproximações como o México, localizado na área de
167
“Cooperação comercial China-América Latina obtém resultados positivos apesar de desafios, dizem
especialistas.”. China Radio Internacional Online, 30 mai. 2011. Disponível em: <
http://portuguese.cri.cn/661/2011/05/30/1s136076.htm> Acesso em: 19 jun. 2011.
168
A maior parte do comércio com a China concentrou-se em poucos países, sendo que os sete principais
parceiros comerciais – Brasil, México, Chile, Argentina, Panamá, Peru e Venezuela – absorveram mais de 80%
do total de intercâmbios (MDIC, 2010).
107
influência direta dos Estados Unidos, o que em parte corrobora com os princípios de
desenvolvimento pacífico chinês169.
O modelo de desenvolvimento adotado pela China supõe a necessidade de diversificar
as fontes energéticas e de assegurar o fornecimento confiável de combustíveis fósseis. Em
decorrência disso, a variável energética tornou-se presente na relação da China com grande
parte dos países da região, nomeadamente o Brasil, iniciando estudos de viabilidade de
operações conjuntas para exploração, refino e construção de oleodutos.
Assim, para garantir o acesso a estes recursos naturais, a RPC tem buscado adquirir
participação acionária em empresas mineradoras de ferro no Peru, de níquel em Cuba e de
cobre no Chile, por exemplo. No caso do minério de ferro, a China é abastecida pela Austrália
(Rio Tinto e BHP), Índia e Brasil (Vale). No caso do petróleo, a China encontrou uma forma
de garantir o fornecimento ao fechar, em maio de 2009, contrato de fornecimento de 10 anos
com a Petrobrás170, num molde similar ao que já possui com a Rússia: o China Development
Bank - tipo de versão chinesa do BNDES brasileiro - concedeu empréstimo para a empresa
petrolífera a juros baixos para ser quitado com os recursos da venda do petróleo à empresa
petrolífera chinesa, cotado pelo valor da data da entrega171.
Graças ao acerto entre Petrobrás e Sinopec, o ritmo de crescimento das vendas de
petróleo para a China foi exponencial. Em 2004, os chineses estavam na sexta colocação entre
os clientes do Brasil, atrás de países como Chile e Portugal. Em 2003, sequer apareciam nas
estatísticas. Já no final da década, em 2010, a China passou a liderar a importação de petróleo
do Brasil 172. Em que pese o fato de o Brasil ainda ser um fornecedor irrelevante para os
chineses e ainda não produzir petróleo o suficiente para exportar volumes significativos para a
China, o país conta com reservas promissoras, atraindo investimentos chineses no sentido de
maior exploração do setor.
169
“Com o seu habitual viés macro, os chineses tendem a ver o Brasil, por análoga extensão territorial e
populacional e potencialidades de vários tipos, como possível e desejável aliado preferencial na América do Sul
propriamente dita, em vez vagamente de América Latina, com o México na direta área de influência dos
Estados Unidos e o Caribe e América Central fora da brasileira. O crescimento do comércio, da cooperação
política internacional e inclusive militar entre Brasil e China, demonstra e comprova a procedência da
constatação.” (CHACON, 1999, p. 315).
170
Com base no financiamento chinês de US$ 10 bilhões e venda de até 200 mil barris de petróleo por dia à
estatal chinesa Sinopec.
171
“Banco chinês financiará US$ 10 bi para Petrobrás”. BBC Brasil, 19 mai. 2009. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/05/090519_china_lula_dg.shtml> Acesso em: 02/09/2011.
172
Vale lembrar que em 1985, a China encontrava-se na posição de quarto maior fornecedor de petróleo pra o
Brasil. Contudo, ao longo dos anos este quadro foi sendo alterado, tanto em função da crescente necessidade
chinesa de consumo de energia, setor em que se tornou deficitária, como pela melhoria da sua economia, que
cada vez mais se industrializava. Como resultado, tem-se que nos últimos anos o Brasil tornou-se um
importador de equipamentos industrializados e exportador de commodities.
108
Outro projeto de grande magnitude é o da Wuhan Iron & Steel Company que
participará com US$ 3,5 bilhões do projeto da siderúrgica Porto de Açu (Rio de Janeiro) para
ter 70% da operação que será realizada em conjunto com a MMX Mineração e Metálicos 173.
Outra companhia chinesa de tecnologia, a ZTE, tem apoio de US$ 2 bilhões do China
Development Bank para financiar as compras de operadoras brasileiras de telefonia fixa e
celular, bem como a Huawei, que anunciou a produção local de celulares, em parceria com a
Flextronic em Sorocaba (SP), parte de um investimento de US$ 250 milhões.174
Com relação à pauta comercial, em 2000, verifica-se uma alteração do perfil das
exportações chinesas para o Brasil, passando a predominar as exportações de produtos
manufaturados (89% das exportações totais), aumentando a proporção de bens associados à
mão de obra qualificada e insumos tecnológicos. Nas exportações chinesas como um todo, vêse, conforme Figura 8, que a proporção de bens primários caiu de mais de cerca de 50% nos
anos 1980 para pouco mais de 10% em no início da década de 2000, ao passo que os bens
associados a mão-de-obra altamente qualificada e insumos tecnológicos haviam-se elevado
numa proporção de mais de 30% do total em 2000.
173
“Wuhan envia equipe ao Brasil para lançamento de usina”. Época Negócios, 23 fev. 2010. Disponível em: <
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI123274-16355,00WUHAN+ENVIA+EQUIPE+AO+BRASIL+PARA+LANCAMENTO+DE+USINA.html> Acesso em: 24 out.
2011.
174
“Brasil vira 'negócio da China': ZTE e Huawei farão aparelhos aqui”. O Globo, 15 set. 2011. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2011/09/15/brasil-vira-negocio-da-china-zte-huawei-farao-aparelhosaqui-925360082.asp> Acesso em: 20 set. 2011.
109
Figura 8 – Estrutura das Exportações da China (%) 1985-2000
Fonte: China Statistical Yearbook, 2000. Elaborada pela autora.
Com relação às importações, se em 1985 os produtos primários representavam 12,5%
do total, no primeiro ano do novo século esse montante subiu para 20,7% do total, ao passo
que a importação de produtos manufaturados – em que pese sua tradicional majoração em
relação aos produtos primários – caiu de 87,5% em 1985, para 79,2% em 2000. A RPC,
devido ao seu extraordinário crescimento econômico e contingente populacional na casa dos
1,3 bilhões, necessitava de meios para alimentar sua população, suprimento de recursos
energéticos e de energia e desenvolver a infra-estrutura do país. Na busca por suprir tais
necessidades através do mercado internacional, a China alavancou o preço das commodities
mundiais.
É neste ínterim de maior necessidade de produtos primários, nomeadamente de
commodities, por parte da China que o Brasil se insere fortemente enquanto mercado em
potencial e parceiro estratégico e também atinge altos índices de crescimento econômico na
década de 2000.
A evolução do comércio externo entre Brasil e China pôde ser caracterizado por três
períodos distintos nesta década, conforme evidenciado na Figura 9. O primeiro (2000-2003)
se assinalou pela intensificação dos resultados favoráveis ao Brasil, trajetória interrompida
pelo segundo período, de 2004 a 2008, ano em que as importações de produtos chineses
chegaram a US$ 3,5 bilhões acima das exportações brasileiras àquele país. O terceiro período
110
ocorreu nos anos de 2009 e 2010, quando o saldo voltou a ser largamente favorável ao Brasil,
em resposta à elevação acentuada nas exportações brasileiras para a China.
Figura 9 – Balança Comercial Brasil-China (Em US$ bilhões) 2000-2010
Fonte: Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio. Elaborada pela autora.
A partir de 2004, a regressão do superávit comercial brasileiro em 27% e a ampliação
em 70% das vendas chinesas no Brasil sinalizaram uma alteração expressiva no histórico das
relações comerciais, com o aumento da presença chinesa – e conseqüentemente da
concorrência – no mercado doméstico de produtos manufaturados, revelando a estratégia
chinesa de elevar escala de produção e priorizar a exportação de produtos de maior valor
agregado.
Não obstante as iniciativas concorrenciais típicas por parte da RPC - como juros
baixos e créditos abundantes à disposição dos exportadores chineses e aplicação de barreiras
não tarifárias e de medidas para forçar a baixa de preços dos produtos chineses -, o Brasil
apresentou dificuldade na exportação de seus produtos devido a certos elementos: excessiva
carga tributária e infra-estrutura deficitária presentes no país; política introvertida de
identificação de novas oportunidades comerciais; capacidades de poucos setores produtivos
(extrativa mineral e agricultura) de expandir oferta a fim de moldar-se à forte onda
importadora chinesa; queda no preço de commodities e forte concorrência no próprio mercado
chinês. Tais medidas dificultaram sobremaneira a adaptação do empresariado brasileiro às
demandas chinesas e, assim, a manutenção de superávits com tal parceiro.
111
Se, de fato, as exportações brasileiras, de 2000 a 2004, passaram de US$ 1,6 bilhão
para mais de US$ 8 bilhões, a posição brasileira dentre os principais exportadores para o
mercado chinês não chegou a dobrar durante este período, passando o market share brasileiro
de 0,72% (24º lugar) para 1,55% (14º lugar). 175 Nesse sentido, nos mercados de União
Européia, Estados Unidos e Argentina - tradicionais mercados de manufaturas brasileiras e
agora também fortes parceiros comerciais da China - nos anos seguintes (2004-2006), o Brasil
foi deslocado pela China num total de US$ 12,6 bilhões em perdas líquidas. Neste mesmo
período, os produtos chineses também ganharam espaço no mercado interno brasileiro,
causando um deslocamento total de US$ 14,4 bilhões.176
O aumento do fluxo comercial para o mercado chinês das exportações brasileiras só
ocorreu em conjuntura de maior concentração dos produtos direcionados àquele país. A
representatividade dos quatro principais itens no total das vendas externas à China deslocouse de 61%, em 2000, para 79,7%, em 2010. É importante salientar que, no âmbito das
exportações de produtos básicos para a China, destacaram-se as expansões relativas a soja,
minério de ferro e petróleo (Tabela 3), o que imprime excessiva concentração na pauta
exportadora brasileira, diferentemente da China, já que dois setores se destacam na pauta de
importação: Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, e Reatores e máquinas nucleares, mas
que juntos somam 53% de participação nas compras brasileiras da China 177 . Tal dado
demonstra que, apesar da queda em relação ao ano de 2009 – quando representava 98,1% -, a
concentração das importações brasileiras da China é muito forte em manufaturados,
representando
97,5%
do
total
de
importações
(que
incluem
bens
básicos
e
semimanufaturados) em 2010.
Tabela 3 – Exportação Brasileira à China – Principais Produtos – jan/dez 2010
175
Descrição
Valor (US$ F.O.B)
Participação (%)
Total Geral
30.785.906.442
100
BRESSER-PEREIRA, L. C. (Org.). Economia brasileira na encruzilhada. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
Competição Brasil-China nos Mercados Externo e Interno. Sumário Executivo FIESP, São Paulo, 26 abr.
2010. Disponível em: <http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2010/05566.pdf> Acesso em: 12 out. 2011.
177
A dinâmica comercial chinesa que anteriormente tinha base em produtos de exportações de baixo valor
agregado alterou-se substancialmente, passando a basear-se em produtos de maior sofisticação tecnológica –
houve especialização nas exportações de produtos da linha branca, fármacos e eletrônicos. Em 2008, a
participação de produtos de alto valor tecnológico nas exportações totais chinesas torna-se similar à dos
Estados Unidos, em torno de 30% (AMORIM, 2009).
176
112
Total dos principais
produtos exportados
30.379.240.051
96,68
Minérios de ferro não
aglomerados e seus
concentrados
Outros grãos de soja mesmo
triturados
12.178.956.241
39,56
7.133.440.544
23,17
Óleos brutos de petróleo
4.053.449.415
13,17
Minérios de ferro
aglomerados e seus
concentrados
Pasta quim. madeira de
n/conif. A. soda/sulfato,
semi/branq
Óleo de soja em bruto
mesmo gomado
1.159.061.115
3,76
908.952.332
2,95
780.594.186
2,54
Açúcar de cana em bruto
505.461.868
1,64
Outros aviões/veículos
aéreos, peso>15000Kg,
vazios
368.406.026
1,20
Fonte: Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio. Elaborada pela autora
Apesar de o valor do fluxo de comércio total sino-brasileiro registrado ao final de
2010 ter ultrapassado os US$ 56 bilhões - representando um aumento de 56% em comparação
com o ano crítico pós-crise financeira mundial de 2009 – e de a participação da China nas
exportações e importações brasileiras ter aumentado de 13,2% para 15,2% e de 12,5% para
14,1% respectivamente, a tendência de alta da participação brasileira nas importações
chinesas foi quebrada, e caiu no ano de 2010, representando apenas 2,73% do total importado
pela China, conforme mostra Figura 10178.
178
Apesar da diminuição de participação de certos produtos, alguns se destacaram por seus desempenhos
individuais, como açúcar, que aumentou sua participação de 21,3% em 2009 para 64,4%, produtos
semimanufaturados de ferro que em 2009 tinham 24,5% de participação no mercado e em 2010 pulou para
67,9% e também o óleo de soja que aumentou sua participação para 67,3%, ante os 21,2% em 2009 (CNI, 2011)
113
Figura 10 – Participação do Brasil nas importações chinesas (%) 2002-2010
Fonte: WTA. Dados compilados por CNI. Elaborada pela autora.
Com
relação
ao
comércio
bilateral,
em
suma,
percebe-se
claramente
a
complementaridade sino-brasileira: esta tem interesses no Brasil por este caracterizar-se como
fornecedor de commodities estratégicas, maiormente alimentos e insumos básicos, tanto para
atender o mercado doméstico chinês quanto para fornecer matérias-primas para a cadeia
produtiva do mesmo. Do ponto de vista brasileiro, a China representa potencial mercado
consumidor para os produtos brasileiros e grande fonte de investimentos diretos.
No que se refere a investimentos externos diretos (IED), é partir da década de 2000
que a participação da China no comércio mundial ganha dimensões de um importante global
player, na medida em que o país se tornou a principal direção dos fluxos de IED dentre os
países em desenvolvimento. Os influxos de IDE para a China voltados para a produção para
exportação ampliaram o market share chinês de menos de 3%, no final dos anos 1990 para
9%, em 2008 - quase a mesma participação da Alemanha, que naquele momento, era líder do
comércio mundial179.
179
Transnational Corporations, Agricultural Production and Development. World Investment Report, UNCTAD,
9. ed, n. 2, 2009. Disponível em:
<http://www.unctad.org/Templates/webflyer.asp?docid=11904&intItemID=1397&lang=1&mode=highlights>
Acesso em: 24 out. 2011.
114
Os investimentos chineses, por sua vez, têm como foco principal a busca de
fornecedores de energia e de alimentos, e secundariamente buscam setores onde a própria
indústria começa a florescer, como a automobilística, a de informática, a de
telecomunicações, entre outros, ainda que tenha um potencial mercado doméstico a explorar.
Assim, o Brasil é, enquanto fonte de recursos naturais, um dos principais destinos dos fluxos
de IED da China na América Latina através, principalmente, de parceria em joint ventures
para produção com empresas locais da região, sendo que o maior aporte de recursos da China
a um país da América Latina ocorreu em maio de 2009 quando o China Development Bank
(CDB) emprestou US$ 10 bilhões para a Petrobrás.
Além disso, a China procura expandir-se no cenário internacional através de
investimentos no exterior em busca de mais três elementos. O primeiro refere-se à
competitividade, pois desde seu ingresso na OMC, em 2001 180 , o país teve de abrir
gradualmente seu mercado interno à concorrência de empresas estrangeiras, o que induziu as
firmas chinesas a se expandirem nos mercados externos a fim de compensar as perdas no
mercado doméstico181.
O segundo explicita certa estratégia de saída da posição da RPC de maior credor dos
Estados Unidos, já que, contando com mais de US$ 2,3 trilhões de reservas investidas em
títulos públicos norte-americanos, a China teme que a fuga dos investidores em busca de
retornos melhores dadas políticas expansionistas estadunidenses para estimular a retomada
econômica do país e reduzir seu endividamento, cause sérios impactos em seu estoque de
riqueza (THE ECONOMIST, 2009b)182.
180
A respeito da entrada da China no OMC, Ikenberry (2008, p. 28) enfatiza a importância de promover as
instituições multilaterais existentes como forma de garantir que polarizações como da ordem da Guerra Fria
retornem: “The strategy here is not simply to ensure that the Western order is open and rule-based. It is also to
make sure that the order does not fragment into an array of bilateral and “minilateral” arrangements, causing
the United States to find itself tied to only a few key states in various regions. Under such a scenario, China
would have an opportunity to build its own set of bilateral and “minilateral” pacts. As a result, the world
would be broken into competing U.S. and Chinese spheres. The more security and economic relations are
multilateral and all-encompassing, the more the global system retains its coherence.”
181
Com relação à busca de competitividade da RPC, Pires (2005, p. 13) relata: “Em recente viagem à China,
ouvimos a seguinte afirmação do Prof. Liu Yang, funcionário da State-owned Asset Supervision and
Administation Comission (SASAC), de Wuhan (Hubei), acerca da preocupação do governo chinês em
reestruturar suas empresas estatais no sentido de formar grandes conglomerados e, passo seguinte,
internacionalizá-los: „países não concorrem no mercado, quem concorre são as empresas‟. Partindo-se desse
pressuposto, podemos verificar o processo de internacionalização das empresas chinesas como parte integrante
da estratégia chinesa de desenvolvimento econômico, pensada por seus quadros dirigentes.”
182
“Apesar do alto nível de reservas e do superávit comercial, a China adota a política cambial de paridade ao
dólar americano e, assim, com o declínio do valor deste, a moeda chinesa encontra-se artificialmente
desvalorizada. A China tem recebido muitas críticas por esta atitude, uma vez que este cenário estimula as
exportações da indústria doméstica chinesa em detrimento da retomada de outras economias pelo canal das
exportações. Alguns analistas observam que se a China tem pretensões hegemônicas, uma vez que há projeções
de que deve ser a maior economia do mundo até 2050, ela deveria preparar-se para o ônus econômico de suas
115
Já a terceira tange à intenção de aumentar a influência política e econômica chinesa –
soft power chinês – no mundo, haja visto intenções por parte de certas correntes internas no
país em mudar a atual política externa do “construir seu potencial calmamente” ou “manter
seu perfil baixo” (韬光养晦-Taoguang yanghui), rumo a um maior ativismo internacional
(ACCENTURE, 2007; BINSEN, 2003).
Cardoso e Holland (2009) apontam que a China alterou as relações econômicas na
América do Sul através do comércio exterior. Para estes autores, entre as conseqüências mais
diretas tem-se a consolidação da região como exportadora de produtos primários e baseados
em recursos naturais. Tal fato fez com que o Brasil, por sua vez, também se concentrasse no
comércio de produtos do vetor agroindustrial – alavancando inclusive o agribusiness
brasileiro. Camargo (2009, p. 147) conclui que
As cadeias agroindustriais têm contribuído de forma expressiva para as exportações
brasileiras e para a geração dos elevados superávits comerciais registrados nestes
últimos anos. Apesar do protecionismo imposto pelos países centrais, vários destes
complexos agroindustriais possuem vantagens comparativas que têm possibilitado
uma maior inserção do país no comércio mundial destes bens, reforçado pelo
comportamento favorável dos preços das commodities agrícolas e dos termos de
troca desde 2002, o que possibilitou elevar a rentabilidade das atividades do setor. A
China tem se constituído em um mercado cada vez mais importante para a
agroindústria brasileira, mas apesar do aumento expressivo das exportações de
produtos agroindustriais para este país, a pauta de exportação tem se concentrado em
bens de baixo valor agregado e destinados à produção de bens de maior grau de
processamento que competem diretamente com segmentos da agroindústria
brasileira, como calçados e móveis.
Nesse sentido, discute-se atualmente a possibilidade de um processo de
desindustrialização do Brasil nos moldes da “doença holandesa” (dutch disease)183. Segundo
Palma (2005), em vez de um procedimento desencadeado pela descoberta de recursos naturais
(como no caso holandês), a nova “doença” – desta vez “doença brasileira” - que atingiu o
Brasil e outros países da América Latina teria sido resultado da drástica mudança do regime
de substituição de importações a partir da década de 1990, suprindo-o por outro que
combinava liberalização comercial e financeira com profundas mudanças institucionais.
pretensões políticas. Nesta linha de raciocínio, outros analistas criticam a China por fazer pesados
investimentos em países africanos que não respeitam os direitos humanos.” (BAUMMAN, 2010, p. 117).
183
O termo doença holandesa ou “maldição dos recursos naturais” se refere à relação entre a exploração de
recursos naturais e o declínio do setor industrial. O termo é utilizado para descrever o processo de declínio pelo
qual passava o setor industrial na Holanda após a descoberta de grande fonte de gás natural e sua posterior
exploração. A Holanda passou a exportar gás natural em grandes proporções, o que provocou uma maciça
entrada de divisas decorrente de suas receitas de exportação. O efeito da entrada de moeda estrangeira foi a
forte valorização do florim (moeda local na época). A valorização cambial atingiu de maneira direta o setor
industrial, afetando sua competitividade externa e, simultaneamente, estimulando as importações, o que levou a
um processo de desindustrialização.
116
Assim sendo, essas novas políticas econômicas teriam acarretado não apenas perda relativa de
participação da indústria no PIB, mas também, e especialmente, o retorno a um padrão de
especialização internacional baseado em produtos intensivos em recursos naturais184.
Adicionalmente, tal tendência tem sido reforçada desde 2004, segundo Bresser-Pereira
(2005) e Barros (2006), pela combinação do câmbio valorizado (apreciação da moeda
brasileira) - encarece as exportações ao mesmo tempo em que torna as importações mais
baratas - com o significativo aumento dos preços relativos das principais commodities
exportadas pelo país, além dos problemas relacionados ao chamado “Custo-Brasil” – entre
eles os recentes aumentos reais de salário, o preço da energia e a insuficiente infra-estrutura185
-, que acentuam a perda de competitividade da indústria doméstica.
No entanto, ainda acredita-se que a menor participação das indústrias no PIB não
signifique que este setor tenha enfraquecido. Júlio Gomes de Almeira, economista do Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e professor da Universidade de
Campinas (Unicamp), aponta que esta “não foi uma perda em termos absolutos, mas relativos,
porque outros segmentos cresceram muito mais 186 ”, devendo-se destacar, por exemplo, os
incentivos dados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ao
desenvolvimento da agropecuária, e o desenvolvimento do setor de serviços, mormente nas
áreas de telecomunicações, financeira e de software.
De todo, percebe-se que o comércio bilateral sino-brasileiro cresceu aceleradamente
desde 2000 se comparado aos primeiros 25 anos do estabelecimento de Relações
Diplomáticas em 1974. Visto que o nível de crescimento econômico chinês tem se mantido
constante e está alicerçado em sólidos fundamentos – altos investimentos estrangeiros,
investimentos estatais em ciência e tecnologia e polpudas reservas internacionais – há boas
perspectivas acerca da continuidade de tal ritmo e da ampliação da ainda modesta corrente de
comércio.
184
Palma (2005, p. 19) aponta que esta nova “doença” enquadrou o Brasil num grupo de países com padrão de
especialização “ricardiano rico em recursos”, isto é, que apresenta vantagem comparativa mais de acordo com
sua dotação tradicional de recursos.
185
De acordo com o diplomata ex-chefe da área econômica da embaixada do Brasil em Pequim (2000-2003),
Renato Amorim, os restritivos gargalos de infra-estrutura no Brasil prejudicaram os fornecimentos para a China.
Nesse sentido, os investimentos chineses com vistas a melhorar o fluxo de recursos naturais – modernização de
porto e ferrovias – apresentam-se como benéfica para o Brasil e como uma oportunidade de duplo ganho para a
própria China, na medida em que garante participação de investimentos no Brasil e assegura estabilidade do
fluxo de matérias-primas para a RPC. (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2004).
186
“Iedi estima que participação da indústria no PIB caiu mais de 40% em três décadas”. Exame, 7 ago. 2011.
Disponível em < http://exame.abril.com.br/economia/noticias/iedi-estima-que-participacao-da-industria-no-pibcaiu-mais-de-40-em-tres-decadas> Acesso em: 20 set. 2011.
117
Concomitantemente, na esfera político-diplomática, Brasil e China esforçam-se para
estreitar laços e estimular seus respectivos setores empresariais e também realizar negócios,
de forma a estabelecer uma boa e extensa rede de relacionamentos – guanxi – no país com
maior contingente populacional do mundo.
4.3.2 A vertente política
No plano político permaneceu a idéia de que o novo século que se inaugura traz
consigo desafios que devem ser respondidos de maneira conjunta pelos dois maiores países do
mundo em desenvolvimento, de modo a contribuírem decisivamente para a criação de um
mundo multipolar (CABRAL, 2000, p. 1).
Shixue (1999), Shang (1999) e Zemin (2002) argumentam que no atual contexto da
política internacional, a China se posiciona favoravelmente à cooperação Sul-Sul,
especialmente através de uma maior aproximação com o Brasil, o que vai ao encontro da
perspectiva brasileira:
O comércio Sul-Sul deve seu dinamismo, em grande parte, ao reconhecimento dessa
força: os países em desenvolvimento vêm concluindo entre si um número crescente
de acordos bilaterais ou regionais de comércio. 187
Em retrospectiva, logo em seu primeiro ano de governo, o Presidente FHC visitou a
China, em dezembro de 1995, assinando seis importantes documentos: Memorandum de
Entendimento sobre cooperação nas Áreas de Rádio e Televisão, o Protocolo de
Entendimento sobre Cooperação Científica e Tecnológica em Pequenas Centrais
Hidrelétricas, o Ajuste Complementar ao Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica e
ao Acordo de Cooperação Econômica e Tecnológica na Área de Intercâmbio de Especialistas
para Cooperação Técnica, a Ata de Entendimento sobre o Fortalecimento e a Expansão da
Cooperação Tecnológica Espacial Brasil-China, o Acordo sobre Segurança Técnica
Relacionada ao Desenvolvimento Conjunto dos Satélites e Recursos Terrestres e o Acordo de
Quarentena Vegetal.
Em novembro do ano seguinte, ambos os países assinaram acordo concernente à
manutenção do Consulado Geral do Brasil na Região Administrativa Especial de Hong Kong,
187
Discurso do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A nova geografia do comércio:
Cooperação Sul-Sul em um mundo cada vez mais interdependente. Proferido em 14 de junho de 2004, na
sessão de debate da XI UNCTAD, São Paulo. Documento não publicado. Disponível em:
<http://www.mre.gov.br/discursos> Acesso em 13 set. 2011.
118
a partir da retomada do exercício da soberania sobre Hong Kong pelo governo da RPC. Em
dezembro de 1999, o Brasil estendeu a área de jurisdição do seu Consulado-Geral em Hong
Kong à Região Administrativa especial de Macau, após a recuperação do exercício da
soberania sob a região pela RPC.
Em dezembro de 1998, Luiz Felipe Lampreia, então Ministro das Relações Exteriores
do Brasil, visitou a RPC firmou a primazia da vertente comercial da parceria estratégica ao
assinar dois documentos na área de cooperação econômica e tecnológica (Ajuste
Complementar ao Acordo de Cooperação Econômica e Tecnológica para assegurar a
Qualidade de Produtos Importados e Exportados, e Ajuste Complementar ao Acordo de
Cooperação Econômica e Tecnológica). Além disso, entre os dias 18 e 19 de novembro de
1999, o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) coordenou o maior seminário
até então organizado com o intuito de avançar no processo de conhecimento e entendimento
entre os dois países: o Seminário Brasil-China, que contou com a presença de intelectuais
chineses e brasileiros (CABRAL, 2004).
Quando da visita ao Brasil em abril de 2001 do presidente da RPC, Jiang Zemin, o
Deputado Federal Ney Lopes (2001) enfatizou em seu discurso a satisfatória relação de
cooperação e interação tecnológica mantida entre os países:
A China, do ponto de vista estratégico, é fundamental para o Brasil. Por exemplo, a
China lançou em seu território um satélite construído com tecnologia brasileira.
Estudos que estão sendo realizados permitirão o lançamento de um segundo satélite,
com aporte tecnológico recíproco. A cooperação entre China e Brasil estende-se às
áreas de biotecnologia e informática, dois pontos da maior importância para o
processo de globalização188.
Já em janeiro deste mesmo ano, ao assumir o Ministério das Relações Exteriores,
Celso Lafer, além de reafirmar a prioridade da agenda econômica, enfatizou a relevância de
uma política de comércio exterior assertiva e os cuidados tangentes aos temas da agenda
internacional de forma a refletir interesses nacionais:
Volto a esta instituição [Itamaraty] que tanto prezo com o desafio e a
responsabilidade de levar a cabo uma política externa que saiba, no momento atual,
e com visão de futuro, traduzir criativamente necessidades internas em
possibilidades externas (LAFER, 2001a, p. 1).
188
Pronunciamento do Sr. Ney Lopes, Deputado Federal – Bloco/PFL-RN. Diário da Câmara dos Deputados, 12
abr. 2001, p. 14938-14939. Disponível em: <http://www.imagem.camara.gov.br.> Acesso em: 4 nov. 2011.
119
Ao longo de seu governo, inaugurado em 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
reiterou a prioridade dada pela política externa brasileira às relações com outras grandes
economias em desenvolvimento, colocando as relações com a RPC em novo patamar.
Em sua primeira visita oficial à China em maio de 2004, o saldo foi de nove atos
bilaterais e 14 contratos empresariais assinados. O Presidente foi acompanhado de sete
Ministros (Relações Exteriores, de Desenvolvimento, do Planejamento, da Agricultura, da
Fazenda, da Ciência e Tecnologia, e do Desenvolvimento Social), além de seis Governadores,
um Senador e dez Deputados, bem como uma missão empresarial composta por mais de 400
integrantes189.
As conversações ao longo da missão concentraram-se em quatro temas principais: a)
colaboração no plano multilateral; b) apoio à candidatura do Brasil como membro permanente
do Conselho de Segurança da ONU; c) processo de reconhecimento do status da China como
país de economia de mercado; e d) direitos humanos na China. Percebe-se o caráter de “troca
mútua” nas discussões conduzidas na missão 190. Além disso, os presidentes estabeleceram
quatro princípios como forma de ampliar as relações bilaterais: persistir no benefício
recíproco e ampliar o intercâmbio econômico e comercial; b) fortalecer a cooperação no
âmbito internacional e incentivar o aprofundamento do entendimento mútuo nas respectivas
sociedades civis; e c) persistir em consultas em pé de igualdade e fortalecer a confiança
política191.
Do ponto de vista brasileiro, o grande escopo da viagem presidencial foi sinalizar à
RPC a enorme importância estratégica e comercial que o Brasil passou à conferir à China.
Havia grande expectativa que o maior estreitamento das relações bilaterais rendesse frutos
consideráveis, sobretudo no longo prazo, por meio do comércio bilateral e de investimentos
chineses na infra-estrutura do Brasil concentrados principalmente no setor de transportes
ferroviário e marítimo192.
189
MARTINS, J. Balanço da Visita do Presidente Lula à China. Palestra proferida em Seminário. InterNews,
São Paulo, 14 jun. 2004. Disponível em:
<http://www.ccibc.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_pag=1046>. Acesso em: 13 ago. 2011.
190
“Hu Jintao mantém conversações com Lula da Silva”. China Radio International, 13 nov. 2004. Disponível
em < http://portuguese.cri.cn/1/2004/11/13/[email protected] >. Acesso em 12 jun. 2011.
191
Comunicado Conjunto Brasil-China. O Estado de São Paulo, 25 mai. 2004. Disponível em
<http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=51347>. Acesso em: 9 jul.
2011.
192
“Imprensa destaca visita do presidente: com bilhete do presidente, jornal chinês publica encarte especial de 12
páginas”.
O
Estado
de
São
Paulo,
23
mai.
2004.
Disponível
em:
<http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=50783> Acesso em 17 jun.
2011.
120
No Comunicado assinado, o Presidente Lula frisou a relativa evolução no que tange ao
tratamento das questões de direitos humanos na China representada pela inclusão desta na
Constituição do país, ainda que destacando a politização e a seletividade de tais questões193.
Como resposta, o governo chinês agradeceu formalmente o apoio dado pelo Brasil nas
votações anuais da Comissão dos Direitos Humanos da ONU em abril de 2004, que foi a
favor da reserva chinesa em não querer debater seus “assuntos internos”194.
Não obstante os aportes por parte do Brasil195, o apoio chinês esperado à reivindicação
brasileira de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU não vingou, fazendo
com que a mídia brasileira percebesse a atitude brasileira como mera concessão política196. Da
parte chinesa estava registrada, no comunicado conjunto, que o Brasil deveria desempenhar
“maior papel nas instituições multilaterais, como as Nações Unidas”, não havendo apoio
explícito à reivindicação brasileira197. A postura dúbia chinesa foi atribuída a três elementos:
1) o receio chinês de afastar outros parceiros comerciais na América Latina, como o México e
a Argentina; 2) ao receio de que uma eventual reforma da estrutura decisória diminuísse o
status internacional e exclusivo de um país que se declare em desenvolvimento a tal espaço de
poder político; e 3) ao veto chinês da entrada em tal estrutura de outros países asiáticos, como
o Japão e a Índia198.
Na ocasião, o Brasil ainda mostrou interesse em que a China se tornasse observador da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e membro do Banco Interamericano de
193
“China quer status de economia de mercado”. O Estado de São Paulo, 25 mai. 2004. Disponível em:
<http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=51321> Acesso em
12 jul. 2011
194
“Lula evita criticar China por violação de direitos humanos”, in Folha de S. Paulo, 25/05/2004. Disponível
em:
<http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=51321>.
Acesso em: 17 jun. 2011.
195
Veiga (2006) sublinha que, através das declarações de compromisso do documento (Intercâmbio das
sociedades civis, fundamental para aprofundar o conhecimento mútuo; Aumento do intercâmbio econômicocomercial com benefícios recíprocos; Promoção da cooperação internacional com ênfase na coordenação de
negociações na ONU e na OMC; e confiança mútua com base num diálogo equitativo, independente dos
contrastes políticos e econômicos), verifica-se uma maior vontade política para a construção de uma parceria
estratégica.
196
Editorial – A outra face da visita à China. O Estado de São Paulo, 26 mai. 2004. Disponível em:
<http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=51776> Acesso em
26 mai. 2011.
197
“China quer status de economia de mercado”. O Estado de S. Paulo, 25 mai. 2004. Disponível em:
<http://www.lourivalsantanna.com/chin0015.html> Acesso em 12 jul. 2011.
198
LIMA, M. R. S. Na trilha de uma política externa afirmativa. Observatório da Cidadania. Rio de Janeiro:
Tema
Pechman,
18
jul.
2003,
p.
94-100.
Disponível
em:
<http://www.socialwatch.org/es/informeImpreso/pdfs/panorbrasileirog2003_bra.pdf> Acesso em: 13 out. 2011.
121
Desenvolvimento (BID)199. A China, por sua vez, ofereceu apoio ao Brasil caso este viesse a
ingressar como membro do Banco do Desenvolvimento da Ásia200.
Em relação a demais esferas de cooperação, destaca-se a criação, nesta ocasião, do
Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), composto por 44 empresas brasileira e chinesas
incluindo Companhia Vale do Rio Doce, Embraer, Petrobrás, Sadia e Marcopolo e empresas
chinesas de setores estratégicos de siderurgia para a RPC como a Baosteel – que encerra uma
joint venture com a Companhia Vale do Rio Doce. Também foram inaugurados na China
escritórios da Petrobrás, da VARIG e da bolsa de valores paulistana BM&F – intencionando o
aumento da prospecção de negócios na Ásia de seus corretores brasileiros 201 . A missão
conseguiu ainda ordenar um quadro econômico da China de forma a determinar a melhor
forma de inserir empresas brasileiras no mercado chinês202.
Poucos meses após a visita do Presidente Lula à China, o presidente Hu Jintao esteve
em missão oficial ao Brasil acompanhado por 150 empresários. Na ocasião de tal visita, o
Brasil atendeu parcialmente ao objetivo mais importante da mesma na visão da RPC:
reconhecer a China como uma economia de mercado. A concessão gerou de imediato diversas
reações da parte do empresariado brasileiro, nomeadamente da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP), dadas dificuldades de aplicação de medidas de salvaguardas e
de antidumping em casos de litígios comerciais após o reconhecimento. Ainda assim, o
Presidente Lula (2004) assim proferiu em seu discurso após a assinatura do acordo:
O Brasil hoje deu uma demonstração de confiança, deu uma demonstração de que a
nossa relação estratégica é para valer. Isso é demonstração mais inequívoca da
203
objetividade, da seriedade e da prioridade que nós damos à relação Brasil-China.
Um dos acordos assinados durante a estada do Presidente Hu Jintao de maior
relevância para o Brasil foi o que viabilizou a exportação de carne bovina e de aves para a
China, bem como a importação de carne de aves e suína processada da China. Também foram
199
China integrou-se ao BID em janeiro de 2009, tornando-se o 48º país membro. O país asiático fez uma
contribuição inicial de US$ 350 milhões para diversos programas de investimento do banco, com sede em
Washington D.C., que visa apoiar o investimento nos países da América Latina e do Caribe.
200
Comunicado Conjunto Brasil-China. O Estado de São Paulo, 26 mai. 2004. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe.asp?ID_DISCURSO=2364
Acesso em 26 mai. 2011.
201
“Brasil e China não podem perder um minuto”. O Estado de São Paulo, 26 mai. 2004. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=51740 Acesso em:
26 mai. 2011.
202
“Conselho bilateral reúne 44 empresas”. O Estado de São Paulo, 22 mai. 2004. Disponível em:
http://www.mre.gov.br/portugues/noticiarioa/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=50668 Acesso em:
13 jul. 2011.
203
“Brasil aceita China como economia de mercado”. BBC-Brasil, 12 nov. 2004. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2004/11/041112_jintao.shtml>. Acesso em: 12 out. 2011.
122
assinados memorandos para ampliar a cooperação comercial e de investimentos e intensificar
o fluxo de turistas entre os países, considerado elemento de peso na ampliação do
conhecimento mútuo e no aprofundamento das relações sino-brasileiras nos moldes do guanxi
chinês204.
Em 2006, como resultado de negociação iniciada a partir das visitas oficiais dos
presidentes, foi aprovado o Acordo Governamental de Cooperação Sino-Brasileira no Setor
Energético:
O acordo prevê a execução de uma série de projetos estratégicos para o setor
energético brasileiro, entre eles a Construção da Fase C da Usina Termelétrica de
Candiota (RS) – com capacidade de geração de 350 MW e investimento de R$ 1
bilhão, com financiamento e integral por meio de linha de crédito da China – e
investimento de R$ 1,5 bilhão na modernização dos parques térmicos de Manaus
(AM) e Macapá (AP), com a instalação de equipamentos de geração bio205
combustíveis mais eficientes e melhorias no sistema de transmissão.
Também neste ano, ambos os países realizaram a I Reunião da Comissão SinoBrasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) – criada ainda em 2004 objetivando orientar e coordenar o desenvolvimento do relacionamento bilateral, visto que:
[...] ao longo dos 30 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre o
Brasil e a China e, sobretudo, com o surgimento da Parceria Estratégica SinoBrasileira, as relações entre os dois países têm-se desenvolvido de forma altamente
206
satisfatória, apresentando significativos frutos em todas as áreas
Em 2006, os chanceleres do Brasil, Rússia, Índia e China, países cujas economias
entre 2005 e 2010 contribuíram com mais de 50% da expansão do PIB mundial, reuniram-se à
margem da 61ª Assembléia Geral das Nações Unidas. Esse encontro consubstanciou uma
primeira articulação entre os quatro países, que a partir de então passaram a trabalhar
coletivamente, revelando-se um espectro a mais onde as relações sino-brasileiras pudessem se
204
“Declaração à Imprensa do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após encontro com o
Presidente da China, Hu Jintao”. Ministério das Relações Exteriores, 12 nov. 2004. Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outrascomunicacoes/presidente-da-republica-federativa-do-brasil/306528746767-declaracao-a-imprensa-dopresidente-da-republica >. Acesso em: 06 set. 2011.
205
“Congresso Nacional aprova acordo entre Brasil e China na área energética”. Ministério de Minas e Energia,
6 set. 2006. Disponível em: < http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/programas_projetos/ProjetoEconomia_Mineral_da_China.pdf >. Acesso em: 19 out. 2011.
206
MEMORANDO DE ENTENDIMENTO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E A
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA SOBRE O ESTABELECIMENTO DA COMISSÃO SINOBRASILEIRA DE ALTO NÍVEL DE CONCERTACÃO E COOPERACÃO. Ministério das Relações
Exteriores. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/b_chin_80_5299.htm> Acesso em: 01 set. 2011.
123
firmar. Os “BRICs” deixaram de ser um conceito e passaram a existir como plataforma e
mecanismo de atuação no cenário internacional.
Tem-se em conta que os interesses comuns entre os membros são estimáveis e
cresceram no rastro da crise financeira mundial. Assim, as economias dos países do BRIC
sofreram menos os impactos da recessão estadunidense e se recuperou de forma mais
satisfatória, fato que fortaleceu politicamente o “bloco”. De acordo com o então Ministro das
Relações Exteriores, Celso Amorim, a participação dos BRICs no crescimento mundial nos
próximos anos representará 61%, enquanto o G7, grupo dos sete países mais ricos do mundo,
deve contribuir com apenas 13%.207
A partir da III Cúpula do BRIC, em abril de 2011, na China208, passou a integrar o
grupo a África do Sul, país com o qual ao menos Brasil, Índia (através do foro IBAS) e China
(pela sua forte relação comercial e de investimento direto) já são bastante familiarizados.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o ingresso da África do Sul no bloco “ampliará
a representatividade geográfica deste mecanismo, no momento que se busca, no plano
internacional, a reforma do sistema financeiro e, de modo geral, maior democratização da
governança global”.209
Nos anos seguintes à criação da COSBAN, o relacionamento sino-brasileiro
intensificou-se através de visitas de alto nível entre os países e de iniciativas no sentido da
maior institucionalização das mesmas. Assim, logo em 2007 houve a I Reunião do Diálogo
Estratégico Brasil-China, que pôde ser interpretado como uma espécie de termômetro de
interesses da RPC, servindo como arena menos burocrática para negociação de questões
comerciais e/ou como instrumento para inclusão de temas na agenda bilateral e
aprimoramento das relações diplomáticas, cujas bases estão no entendimento de que nada
substitui o contato direto e constante entre principais líderes do governo.
Em seguida, os anos de 2008 e 2009 foram especialmente marcados pelas visitas ao
Brasil do Ministro do Comércio da RPC, do Membro do Comitê Permanente do Birô Político
do Comitê Central do PCC, do Presidente da Comissão de Relações Exteriores do CNP da
RPC, do Vice-Presidente da Comissão Militar Central da RPC, do Vice-Presidente da RPC,
do Presidente da CPPCC e do MME; em contrapartida, visitaram a China em 2009 – ano em
207
“Comércio entre Brics deve chegar a US60 bi em 2010, diz Amorim”. O Globo, 14 abr. 2010. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/economia/mat/2010/04/14/comercio-entre-brics-deve-chegar-us60-bi-em-2010-dizamorim-916339847.asp>. Acesso em: 05 mai. 2011.
208
As edições anteriores foram realizadas em Ecaterimburgo (junho de 2009) e em Brasília (abril de 2010).
209
“Ingresso da África do Sul no Brics reforçará busca pela reforma do sistema financeiro mundial”. Portal
Brasil, 13 abr. 2011. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/04/13/ingresso-da-africado-sul-no-brics-reforcara-busca-pela-reforma-do-sistema-financeiro-mundial> Acesso em: 18 ago. 2011.
124
que a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil - o próprio Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (maio), e durante outubro e novembro, o Ministro da Defesa Nelson
Jobim, o Ministro da Saúde José Temporão, o Ministro-Chefe da SECOM Franklin Martins.
Nesta visita de Estado a convite do Presidente Hu Jintao, por ocasião dos 35 anos de
relações bilaterais, os líderes reiteraram seu compromisso de conduzir o relacionamento
bilateral na perspectiva estratégica e de longo alcance, destacando: o importante papel da
COSBAN na coordenação das vertentes da relação bilateral, a disposição de intensificar o
diálogo acerca de assuntos de política monetária, estabilidade financeira e reforma do sistema
financeiro internacional – nomeadamente reforma do FMI e do Banco Mundial de forma a
ampliar representação dos países em desenvolvimento no Comitê Internacional de Padrões
Contábeis (IASC Foundation) -, o interesse em estreitar a cooperação educacional, de turismo,
cultural e imprensa, e a disposição em estreitar comunicação nos âmbitos do G-5, do G-20, do
BRICS e da OMC210. Além disso, os chefes da diplomacia dos dois países concordaram em
iniciar a discussão de um Programa de Trabalho de Longo Prazo Brasil-China, com vista a
fortalecer a cooperação em todos os setores do relacionamento.
Este programa foi concretizado quando da visita de Estado do Presidente Hu Jintao ao
Brasil, conjuntamente com a II Cúpula do BRICS, em Brasília, na assinatura do Plano de
Ação Conjunta Brasil-China 2010-2014, cuja elaboração também esteve pautada na
coordenação da COSBAN. Tal Plano tem por intenção dotar o relacionamento sino-brasileiro
de um caráter institucional, com o estabelecimento de metas e a criação de mecanismos
permanentes de consulta e coordenação entre os dois países. Nesse sentido, a conselheira da
Embaixada do Brasil em Pequim, Tatiana Rosito, enfatiza que “a estruturação de um
documento amplo ajuda a institucionalizar a relação entre os dois países 211”, de forma que as
subcomissões responsáveis pelo acompanhamento dos setores do relacionamento bilateral212
passarão a se reunir mais vezes e apresentar avaliações periódicas à COSBAN. Também com
relação a uma maior fixação dos objetivos do relacionamento bilateral e do constante diálogo,
Yin (2003, p. 322-323) afirma que
210
“Declaração Conjunta: visita de Lula à China – Pequim, 18 a 20 de maior de 2009”. Política Externa
Brasileira, 21 mai. 2009. Disponível em <http://www.politicaexterna.com/2533/declarao-conjunta-visita-delula-china-pequim-18-a-20-de-maio-de-2009> Acesso em: 11 out. 2011.
211
“Plano China-Brasil cria metas para os países”. O Estado de S. Paulo, 15 abr. 2010. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,plano-china-brasil-cria-metas-para-os-paises,538436,0.htm>
Acesso em: 14 set. 2011.
212
Tais subcomissões são: econômico-comercial, política, energia e mineração, agricultura, inspeção e
quarentena (setores sanitários), indústria e tecnologia da informação, cooperação espacial, ciência, tecnologia e
inovação, cultura e educação.
125
As relações da parceria estratégica representam um nível e um quadro. O mais
importante é enriquecer-lhes com conteúdos concretos e essenciais, e sob este
quadro, planificar globalmente, as relações entre os dois países e incrementar, sem
cessar, conotações das relações da parceria estratégica entre a China e o Brasil.
Embora a política externa brasileira em relação à China venha recebendo fortes
críticas de diversos setores da sociedade baseadas na crítica falta de resultados gerados pela
política externa mais assertiva do Itamaraty213, é exatamente no sentido de dotar a parceria
estratégica de um caráter mais concreto, com resultados palpáveis, que são pensados e
elaborados os elementos do Plano de Ação Conjunta Brasil-China 2010-2014. Assim sendo,
se os percalços consistentes na política externa de ambos os países continuam em aberto, as
possibilidades para o conserto também são múltiplas.
4.3.3 A vertente científico-tecnológica
Já no início da década de 2000, apesar das dificuldades financeiras por parte do Brasil
e técnicas por ambos os lados, a parceria estratégica em relação à cooperação científicotecnológica, sobretudo na área espacial, logrou resultados satisfatórios, sendo que no ano de
2001, foram feitas a montagem, integração e testes do segundo modelo do vôo do CBERS-2
(Chinese-Brazilian Earth Resources 2), o primeiro satélite de grande porte completamente
montado e testado no Brasil.
Em novembro de 2002, foi assinado o Protocolo Complementar ao Acordo Quadro
entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China sobre Cooperação em
Aplicações Pacíficas de Ciência e Tecnologia do Espaço Exterior para a Continuidade do
Desenvolvimento Conjunto de Satélites de Recursos. Nele, Brasil e China concordaram em
iniciar o projeto de cooperação para extensão do Programa Sino-Brasileiro de Satélites de
Recrusos Terrestres mediante o desenvolvimento, lançamento, operação e exploração dos
dados dos satélites CBERS 3 e CBERS 4.
Durante a viagem do Presidente Hu Jintao ao Brasil, foram admitidos os escopos
considerados no Memorando de Entendimento assinado em maio de 2004, por um Protocolo
complementar em que os dois países acordaram em desenvolver atividades relativas à
213
O principal questionamento segue no sentido do posicionamento da China contra a entrada de novos membros
no Conselho de Segurança da ONU, que, por extensão, foi apontado como uma prova de falta de reciprocidade
nas relações sino-brasileiras, mesmo que o objetivo tenha sido impedir que o ingresso do Japão e não
necessariamente vetar as aspirações brasileiras. As críticas apontam a suposta vulnerabilidade do Brasil, que
teria cedido no campo econômico e político – vide posição brasileira na Comissão de Direitos Humanos - para
obter um dos seus principais objetivos de política externa, vantagem política que não foi considerada pela RPC.
.
126
cooperação e desenvolvimento de aplicação de dados CBERS, sendo que em novembro deste
mesmo ano, ambos os países assinaram igualmente um Protocolo Complementar tratando da
fabricação do satélite CBERS-2B, que servirá para garantir o suprimento ininterrupto de
imagens CBERS até que o satélite CBERS-3 seja lançado. De acordo com Cabral (2000, p.
28)
A construção e o lançamento exitoso do satélite sino-brasileiro permitiu aos dois
países romperem o monopólio dos EUA e da União Européia – UE – no domínio da
técnica do monitoramento dos recursos da terra, acontecimento que, além de
introduzir o Brasil na era espacial, demonstra a possibilidade de união e
solidariedade dos países do mundo em desenvolvimento na exploração comum dos
recursos do espaço e na aquisição dos avanços da mais alta ciência e tecnologia.
É também neste sentido que o ex-presidente chinês, Jiang Zemin, explica o quadro
satisfatório da cooperação no setor científico tecnológico ao considerar que “o
desenvolvimento conjunto do satélite sino-brasileiro de rastreamento dos recursos da terra
(CBRES) é um modelo de cooperação entre países em desenvolvimento (um modelo de
cooperação Sul-Sul)” (CABRAL, 2000, p. 28).
Entretanto, e ainda que sirva de instrumento técnico fundamental nas áreas ambiental,
agrícola e de gestão urbana, encerra-se o “esgotamento” do Programa CBERS ao final da
década de 2000, dada sua própria maturidade, sucesso e longevidade, na medida em que:
[...] „transcorridas duas décadas, o rápido avanço chinês na área espacial reduziu
consideravelmente a complementaridade bilateral, consolidando a defasagem
tecnológica do Brasil em relação à China‟ e transformando o CBERS, para o lado
chinês, num „programa essencialmente operativo‟ e de prioridade relativamente
reduzida dentro do programa espacial chinês, „ao passo que o Brasil ainda o mantém
214
no escopo de pesquisa e desenvolvimento‟.
Outro campo relevante na vertente científico-tecnológica foi a intensificação da
cooperação em informática, nanotecnologia e novos materiais. Li (1999) aponta que a
cooperação na indústria de softwares entre o Brasil e a China tem apresentado resultados
significativos através de ações como Workshops em Qualidade ISO 9000 e intercâmbio de
softwares através de empresas brasileiras e chinesas, maiormente em áreas onde o Brasil
detém excelência como a informatização da arrecadação de impostos e de compras
214
Apud BIATO JR., O. A parceria estratégica Sino-Brasileira: origens, evolução e perspectivas (1993-2006).
Brasília: FUNAG, 2010. p. 234.
127
governamentais, e a compilação de estatísticas governamentais 215 , sendo que o mercado
brasileiro de software e serviços ocupou, em 2009, a 12ª posição no ranking mundial, tendo
movimentado US$ 14,7 bilhões em 2008.216
Nesse sentido, em abril de 2004 em Campina Grande (Paraíba), foi inaugurado o
Centro de Internacionalização do Software Sino-Brasileiro (TecOut Center), cuja viabilização
institucional envolveu o Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil, a Sociedade para a
Promoção da Excelência do Software Brasileiro (SOFTEX) e o Ministério de Ciência e
Tecnologia da China, com o patrocínio do Bureau da Indústria da Informação de Zhaoqing.
O TecOut Center tem por intenção aproximar empresas chinesas e brasileiras de
Tecnologia da Informação, estabelecer um maior intercâmbio tecnológico e promover as
exportações de software brasileiros para o mercado asiático. Dessa forma, procura por
oportunidades de negócios através da cooperação tecnológica entre empresas de ambos os
países, disponibilizando serviços para realização de estudos de mercado, produtos e
capacitação de pessoal.217
Em maio de 2009, um importante documento foi assinado por Brasil e China: o Plano
de Trabalho sobre cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação, cujo objetivo era
programar e implementar projetos nas áreas de bioenergia e biocombustíveis, nanotecnologia,
ciências agrárias, além de vislumbrar o apoio ao Centro Brasil-China de Tecnologias
Inovadoras para Mudança Climática e Novas Fontes de Energia. De acordo com o
documento:
As Partes acordam que as áreas prioritárias de cooperação devem ser as de
bioenergia e biocombustíveis, nanotecnologia e ciências agrárias, a fim de fortalecer
a cooperação bilateral, a transferência de tecnologia, bem como os projetos e
pesquisas conjuntos. Os Ministérios de Ciência e Tecnologia de ambos os países
promoverão e estimularão ativamente a cooperação entre instituições brasileiras e
218
chinesas nessas áreas.
215
Biato Jr. (2010, p. 190) afirma que “a cooperação na área de automação bancária finalmente gerou resultados
concretos em 2006, quando uma empresa de informática brasileira – „Politec‟ – ganhou contrato do Governo
chinês para participar do censo demográfico chinês de 2010.”
216
Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Recursos naturais, sustentabilidade e novas fronteiras. Disponível
em: <http://www.cop15brasil.gov.br/pt-BR/util/docs/Ciencia%20Tecnologia_PT.pdf >Acesso em: 22 out. 2011.
217
“Brasil e China ampliam parceria tecnológica”. Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China. Disponível em:
<http://www.ccibc.com.br> Acesso em: 03 out. 2011.
218
Plano de Ação Conjunta entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República
Popular da China 2010-2014. Ministérios das Relações Exteriores, nota n. 205, 15 abr. 2010. Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2010/04/15/plano-de-acao-conjunta-entre-ogoverno-da> Acesso em: 21 out. 2011.
128
O ano que encerrou a década apresentou continuidade na busca por cooperação na área
científico-tecnológica. No âmbito dos acertos do Plano de Ação Conjunta Brasil-China 20102014 ficou definida a realização da reunião da Subcomissão Brasil-China de Indústria e
Tecnologia da Informação, que contou com a visita de uma delegação chinesa chefiada pelo
vice-ministro de Indústria e Tecnologia da Informação. Assim, três grupos de trabalho foram
definidos para dar continuidade aos estudos estratégicos da cooperação tecnológica em
eficiência energética, tecnologia da informação e fontes alternativas de energia.219
4.3.4
Breves prospecções: desafios e oportunidades
A ampliação dos interesses apresentados nas vertentes econômico-comercial, política
e científico-tecnológica aponta, de forma geral, para o aprofundamento da agenda
internacional comum, sobretudo nos foros multilaterais nos quais os dois países têm
procurado defender os interesses dos países de agenda terceiro-mundista.
Verifica-se que na vertente científico-tecnológica há o impulso para intercâmbio e
cooperação através de diversos níveis e formas. Diversos eventos atualmente estão focados na
prospecção de oportunidades para soluções de software através de missões que organizam
workshops comerciais, reuniões com prospects, eventos de networking e identificação de
canais comerciais de forma a auxiliar firmas brasileiras na entrada no exigente mercado
chinês.
Outrossim, ambos os governos estão dando maior atenção à indústria de software e
estão considerando-a como uma indústria chave de desenvolvimento para este novo século, na
medida em que a China tem muitas empresas de software promissoras e um mercado de
software potencial. De acordo com Li (2003, p. 71-95)
A vinda da era da informação e o forte desenvolvimento da indústria de software no
mundo têm apresentado à China (e também ao Brasil) uma preciosa chance de se
manter lado a lado com os países desenvolvidos. […] A China é bastante similar ao
Brasil no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e alguns problemas
similares serão enfrentados no curso do desenvolvimento. O Brasil passou por
muitas e amplas experiências no desenvolvimento e na exportação de software, no
gerenciamento da qualidade de software, e assim em diante. Ao mesmo tempo, a
China tem feito grandes progressos na indústria da informática; no entanto, há
muitos problemas e muitas dificuldades nos quais a indústria de software da China
precisa concentrar esforços no sentido de encontrar soluções.
219
“Brasil e China acertam intercâmbio sobre tecnologia e energia renovável”. Secretaria de Inovação –
Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio, 22 abr. 2010. Disponível em:
<http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=3&noticia=9755> Acesso em: 14 out.
2011.
129
Assim sendo, a partir da boa experiência brasileira no gerenciamento da qualidade e
de exportação de software e do começo tardio sem experiência sistema das empresas de
software chinesas, pode-se investir numa duradoura parceria estratégica de cunho científicotecnológico para cooperação neste setor.
No que tange à vertente econômico-comercial, o álcool combustível coloca-se como
uma oportunidade para o Brasil em seu comércio bilateral, na medida em que entra em
consonância com as preocupações da RPC em desenvolver e empregar fontes de energia
renováveis, bem como reduzir a forte dependência do país em relação ao petróleo. Ainda que
este país seja o terceiro maior produtor mundial de álcool, seu custo de produção por litro é
bem mais elevado do que o custo brasileiro, além de o Brasil ter melhor tecnologia na área.
Nesse sentido, o governo brasileiro poderia aproveitar a oportunidade representada
pelo programa governamental chinês, cuja intenção é misturar o álcool à gasolina em doze
províncias do país. Sendo assim,
Os produtores brasileiros de álcool combustível estão apostando todas as fichas no
mercado chinês. O setor quer participar do programa governamental que, há três
anos, determinou a mistura de álcool à gasolina da China, em uma proporção inicial
de 10%, o que abre um mercado potencial de pelo menos 4,5 bilhões de litros por
ano. A participação do Brasil no programa depende de uma decisão do governo
chinês, através de sua empresa petrolífera, a Sinopec. Hoje, a China produz álcool a
partir do milho, o qual, além de ser mais caro do que o da cana, ocupa áreas
necessárias à produção de alimentos, questão que se tornará mais crítica, à medida
em que aumentar a abrangência desse programa. Uma vez reduzidas as barreiras
tarifárias, como se negocia, o Brasil terá condições de exportar álcool de cana por
220
um preço 30 a 40% mais barato do que o álcool de milho chinês.
O Brasil mostra-se como o principal parceiro estratégico da China na América Latina
por se encontrar entre os maiores produtores mundiais de produtos agropecuários, revelando o
quadro em que:
[…] é um candidato natural a suprir essa demanda [cinesa por alimentos]. Ao
contrário da China, pode acrescentar aos atuais 50 milhões de hectares de área
plantada pelo menos outros 96 milhões, o que torna o Brasil o único país agrícola
com extensão territorial ainad disponível para ser ampliada à produção agrícola em
condições de atender à demanda chinesa. (PAULINO, 2000, p. 25)
Os investimentos no domínio da exploração dos recursos energéticos de ambos os
países, em que pese as iniciativas até agora, devem ser considerados como uma ação comum
voltada para a criação de uma base de sustentação do desenvolvimento dos dois maiores
países do mundo em desenvolvimento, dado o fato de a cooperação encontrar-se ainda aquém
220
MARTINS, J. Balanço da Visita do presidente Lula à China. Palestra proferida em Seminário. InterNews,
São Paulo, p. 1-8, 14 jun. 2004. Disponível em:
<http://www.ccibc.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_pag=1046>. Acesso em: 13 ago. 2011.
130
da potencialidade de realização efetiva (CABRAL, 2000). Ao evidenciar como obstáculo o
pouco conhecimento mútuo sobre as potencialidades das economias de cada um dos parceiros,
um melhor planejamento nesta direção deveria ser orientado no sentido de considerar a
participação de certo número de empresas privadas brasileiras no mercado chinês de insumos
energéticos, incentivando o networking entre diversos atores nacionais de forma a estabelecer
seu próprio guanxi.
Não obstante, Martins (2004) vislumbra diversos produtos, além dos que já são
comercializados, fadados a sucesso no crescente mercado doméstico da China, entre eles
destaca-se a possibilidade de comércio de vinhos, cachaças, leite longa vida e em pó, frutas,
polpas e sucos, chocolate, alimentos processados, geléia real, castanha do Pará, celulosa,
consultoria e serviços de engenharia, tecnologia de ensino, de informação e de saneamento
básico, máquinas e equipamentos, projetos de arquitetura, artesanato artístico e até mesmo
mudas de flores.
Além disso, certos produtos exportados em pequenas quantidades, se aplicadas
políticas de incentivo, podem vir a aumentar a sua participação na pauta de exportação
brasileira para a China, como partes e peças, produtos químicos de medicina, madeiras,
algodão, café, suco de laranja e carne, sendo que alguns desses produtos ou são pouco
vendidos ou estão sendo reconhecidos pela origem de terceiros países (como o caso do suco
de laranja e do café)221.
Doravante, embora haja certas dificuldades e problemas comuns nas relações bilaterais
econômico-comerciais, é possível levar tal cooperação a um nível mais abrangente. Basta que
ambos os lados explorem, de maneira positiva, com base em princípios de igualdade e
benefícios mútuos, o potencial de tal cooperação sobre várias formas, perseguindo o
desenvolvimento comum e a complementaridade, compensando as deficiências de mercado e
aprendendo um com o outro (WANG, 2003).
No plano político, o principal mote encontra-se nas atuações de Brasil e China nos
órgãos de concertação multilaterais. Com os resultados alcançados no plano econômico, a
221
Charles Tang (2010, p. 1), Presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil – China, aponta que “é
lamentável essa ausência da indústria Brasileira na China uma vez que o nosso espaço foi preenchido em
grande parte por empresas de outros países. A velha geração de chineses associa, automaticamente, o Brasil
com Pelé, futebol e café. Mas em função da nossa omissão e ausência, a nova geração de Chineses associa café
com Colômbia e a rede Americana de “coffee shops” chamada Starbucks que esta presente em toda a China. O
Chinês consome, em volumes de crescimento geométrico, o café Suíço Nescafé, de um país que não produz
café. Da mesma maneira, ele toma suco de laranja de marcas Européias de países que não produzem laranja. O
valor agregado flui para esses países que compram esses produtos no Brasil. […] E é em função da nossa
ausência e do resultante desconhecimento do mercado Chinês que uma parcela importante do comercio entre os
dois países são intermediados por empresas estrangeiras.”
131
China passou a apostar na estratégia de pertencimento a esferas múltiplas, e apesar de sua
relutância em renunciar ao seu discurso terceiro-mundista, a RPC participou, já em 2004, da
reunião de ministros de finanças do G-7, e não descartou a possibilidade de se integrar ao
grupo.
Além disso, e apesar do bom diálogo estabelecido no âmbito de foros de países em
desenvolvimento como o BRICS e o G-20, os interesses sino-brasileiros tangentes à reforma
no Conselho de Segurança da ONU parecem se desvencilhar paulatinamente. Soma-se a isso a
tendência de busca pelo adensamento de laços com o plano regional, permanecendo a China
com relações priorizadas com a ASEAN, e o Brasil consolidando-se como um tipo de líder no
bloco do Mercosul.
Sumariamente, apesar do clima positivo nas relações com a RPC, desafios persistem e
mostram ser imperativa a agregação de maior valor e direcionamento objetivo às relações
entre as partes.
5 Considerações finais
Buscou-se demonstrar neste trabalho essencialmente o perfil do relacionamento
bilateral entre Brasil e China ao longo de mais de trinta anos de relações diplomáticas, bem
como o entendimento da construção e das perspectivas de uma parceria estratégica entre os
dois países. Assim, à luz das transformações estruturais político-econômicas do cenário
internacional pós Guerra Fria e dos desdobramentos de política interna e externa de ambos os
países nesta conjuntura, propôs-se traçar uma consideração dos ensejos, das realizações e dos
desafios adjuntos ao processo histórico de evolução da parceria estratégica sino-brasileira.
Seria altamente pernicioso ao processo de pesquisa de tal relacionamento bilateral se
fossem ignorados os acontecimentos transformadores do sistema mundial rumo a uma Nova
Ordem Internacional, como o esgotamento do conflito bipolar, a aceleração do processo
globalizante da economia mundial e os desdobramentos advindos daí, cujos elementos
alteraram os pesos relativos da China e do Brasil na arena internacional, assim como o foco de
suas respectivas políticas externas.
Nesse sentido, a segunda sessão da pesquisa (“A Nova Ordem Mundial”) buscou
apontar as influências exógenas que de certa forma conduziram o cenário internacional a um
momento propício para a aproximação sino-brasileira. Primeiramente trata-se da globalização
e da intensa mundialização do capital, na medida em que, devido ao grande fluxo de recursos
132
financeiros e de capitais especulativos internacionais, pode ser creditado ao sistema
econômico internacional, sobretudo ao domínio financeiro, um papel relativamente positivo
na formação da poupança necessária ao deslocamento do processo de industrialização
(“Terceirização” ou “Transnacionalização”), o que viria a determinar a emergência de novos
pólos econômicos e de novos centros de poder internacional que rediscutissem o balanço de
poder.
Diante das mudanças impulsionadas pelo incessante movimento dos capitais
internacionais face à competição internacional - geradora de mercados de diversas magnitudes
e potencialidades - e do abstruso cenário político, as relações internacionais incumbiram-se de
dinâmica tal cuja lógica imediata cominou aos países que cumprissem arranjos preferenciais,
majoritariamente em âmbito econômico, para que estabelecessem novos standards frente à
instabilidade dos fluxos econômicos internacionais.
Tal deslocamento levou não só a um maior ordenamento e a uma institucionalização
crescente das relações econômicas internacionais como também, em alguns casos, a um
processo gradual de integração e cooperação política. De acordo com Magnoli e Araújo (2005,
p. 371), “globalização e regionalização representam dimensões complementares do espaço
mundial: os blocos regionais funcionam como plataformas para integração das economias
nacionais na economia – mundo”. Assim, fez-se também na segunda sessão uma
caracterização e exposição do cenário internacional marcadamente dividido pelo gap entre
países ricos (“Centro” ou “Primeiro Mundo”) e países pobres (“Periferia” ou “Terceiro
Mundo”), focando na origem e nos elementos da articulação entre os países em
desenvolvimento.
Por fim, esta sessão mostrou, tendo como referência basilar a terminologia proposta
por Arrighi (2008) de “dominação sem hegemonia”, quais os fatores de cunho econômico e
político – inclui-se aqui o engendro dos países em desenvolvimento em busca de maior voz no
sistema internacional - da Nova Ordem Mundial e fatores internos aos Estados Unidos – suas
“crises sinalizadoras” - que implicaram na queda da credibilidade deste país em direcionar os
interesses do sistema interestatal e, conseqüentemente, no ressurgimento dos centros da
civilização sinocêntrica possivelmente “[...] à altura da tarefa de fornecer soluções sistêmicas
para os problemas sistêmicos deixados pela hegemonia norte-americana.” (ARRIGHI, 2001, p.
296)
Sob o impacto dessas transformações sistêmicas e do próprio esforço interno de
reconstrução de sua economia, a China evoluiu do status de uma potência regional para se
firmar como uma potência de alcance global, capaz de projetar sua força econômica e sua
133
particularidade política para além de suas fronteiras regionais, e de fazer parte, quiçá orientar,
a tessitura uma rede de “alianças” com outros países emergentes. É no sentido de apontar os
escopos domésticos chineses em direção à inserção internacional que a terceira sessão
(“China redesenhando a Nova Ordem Mundial”) se focaliza.
São apresentadas então as diversas esferas repensadas após a reforma e abertura (改革
开放 – Gaige Kaifang) da China e o lançamento das “Quatro Modernizações” por Deng
Xiaoping, no final da década de 1970, a saber: a descentralização do sistema administrativo, a
revisão de impostos e do sistema fiscal, a reforma empresarial, a delineação do país enquanto
uma “economia de mercado socialista com características chinesas”, o aprofundamento da
política de “portas abertas” e o estabelecimento das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), e as
questões que envolvem o fluxo inicial de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para a China
e o categórico comércio dos chineses de ultramar que postularam o guanxi como importante
via de estabelecimento de relações mercantis.
Adiante, investigou-se a realização de tal projeto de transformação da China enquanto
um projeto global, na medida em que seu expressivo crescimento econômico não poderia
passar á margem do sistema econômico mundial. Tendo em vista que a elevação das
importações e das exportações chinesas transformou até mesmo a corrente de comércio
mundial, não apenas em matéria de volume de comércio, mas também com efeitos
significativos na intensidade tecnológica exportada, muito se alarmou com relação a um
possível pleito chinês ao próximo cargo hegemônico.
Entretanto, tal concepção vai de encontro à doutrina do “desenvolvimento pacífico”
apregoada pela China 222 , cujo pressuposto é o de que o governo da RPC evitará o
expansionismo e as agressões promovidos pelas potências anteriores no momento de sua
ascensão ao utilizarem da violência para angariar recursos e buscar hegemonia mundial. Ao
contrário, utilizar-se-ão de avanço que beneficie também os demais países com os quais a
China mantém relações políticas e/ou econômicas. De fato, a China tem reiterado que sua
condição atual de potência emergente deve ser entendida como uma nova fase histórica,
marcada pela “ascensão pacífica” do país, destinada a beneficiar seu entorno imediato e
relações com o exterior em direção a um “mundo harmônico”.
É nesse ínterim de estabelecer e reforçar parcerias com os países em desenvolvimento
que o grande colosso econômico oriental China volta sua atenção para o expoente econômico
222
Na verdade, desde 1953 a China prima pelos “Cinco Princípios para Coexistência Pacífica” – respeito mútuo
pela soberania e integridade territorial, não agressão mútua, não ingerência nos assuntos internos, igualdade e
benefício mútuo, e coexistência pacífica - colocados pelo então Premiê Zhou Enlai na década de 1950.
134
de peso da América Latina: o Brasil. Também para este país, configurar um novo padrão de
inserção e relacionamento internacional passava pela expressão estratégica representada pelo
Leste Asiático com conteúdo tanto econômico quanto político.
Destarte, o Brasil, por sua vez, neste período de transformações sistêmicas, concentrou
sua política externa na diplomacia multilateral econômica de forma a concretizar os objetivos
da corrente desenvolvimentista, e embora tenha privilegiado a consolidação de sua atuação
regional, mormente no âmbito do Mercosul, também buscou estabelecer relações
privilegiadas com economias emergentes fora de sua área de ação tradicional, entre as quais a
China.
As transformações por que passaram a China e o Brasil nesses anos não poderiam
deixar de afetar significativamente o relacionamento bilateral. E foi no sentido de busca por
um estudo um tanto mais preciso de tal relacionamento, que a quarta sessão discutiu,
primeiramente, os aspectos que caracterizaram a inserção de ambos os países no sistema
internacional, e embora assimetrias políticas e econômicas tenham se evidenciado entre eles,
constatou-se que a busca pelo desenvolvimento econômico e por uma maior
representatividade nos foros multilaterais internacionais foram problemática comum que
justapuseram os desígnios de Brasil e China.
O reordenamento do sistema internacional pós Guerra Fria possibilitou um maior
diálogo sino-brasileiro por meio de visitas recíprocas de alto nível e cunhou espaços para a
discussão e o entendimento sobre a construção de uma parceria estratégica. Deste modo, num
segundo momento, a quarta sessão examinou a origem do termo, com vínculo na avaliação
positiva do relacionamento bilateral baseada na convergência de interesses, na sintonia entre
os países e no processo de aproximação e complementaridade econômica, e seu caráter
inicialmente “experimental”, dado que o emprego do termo essencialmente na caracterização
do relacionamento sino-brasileiro tem sentido na formulação de planos de ações encadeados
em diferentes esferas, maiormente política, comercial e científico-tecnológica, por ambos os
países, e de contorno gradual, ou seja, com retornos em longo prazo.
De veras, no seu início a parceria encampou certos objetivos limitados à cooperação
setorial – como o Programa Sino-Brasileiro de Satélites de Recursos Terrestres (CBERS) – e
foram-se apresentando paulatinamente expectativas de longe prazo de engajamento e
interação entre os parceiros.
O recorte preferencial pela década de 2000 se justifica na medida em que a parceria
estratégica sino-brasileira embarca em novo ciclo neste período. Abandona-se o foco até então
135
quase exclusivo em cooperação científico-tecnológica para tomar um dinamismo preferencial
pautado na complementaridade econômica.
Já a partir do final dos ano 1990 a China passa de um país exportador de commodities
e mercado expressivo para insumos industriais, para uma importante base de produção e
exportação de produtos manufaturados e, inversamente, numa das maiores importadoras de
produtos primários do mundo, produtos tais necessários ao dinamismo de seu vigoroso parque
fabril.
Tal contexto foi refletido, especialmente a partir de 2000, pela retomada do fluxo de
comércio bilateral sino-brasileiro. Vivenciou-se uma expansão acelerada e contínua de
exportações brasileiras de commodities agrícolas e minerais para a China – mormente minério
de ferro e soja em grão -, de forma a elevar este país a um dos principais parceiros comerciais
do Brasil. E não obstante a grande concentração da pauta exportadora brasileira em torno de
produtos básicos, certas oportunidades comerciais fora do âmbito estritamente primário foram
perseguidas pelo empresariado nacional, como os esforços para introduzir carne de frango e
bovina no mercado chinês, e o sucesso da Embraer em exportar para a China aeronvaes, ainda
que tais iniciativas fossem incipientes vis-à-vis o vasto leque de oportunidades que o mercado
chinês representa.
Além disso, o Brasil tratou de consolidar os ganhos econômicos com a parceria
também através do incentivo aos investimentos chineses no país, sobretudo na área de
infraestrutura. Durante esta década percebeu-se nas empreiteiras e nos grandes conglomerados
chinesas uma possível solução para a dificuldade estrutural do governo brasileiro em financiar
os projetos domésticos, dada a carência de capital nacional necessário à continuidade de
crescimento econômico brasileiro.
No entanto, a China passou a representar um paradoxo comercial na medida em que,
se representava um mercado inesgotável para exportações brasileiras, também consistia num
perigoso concorrente industrial para setores do empresariado brasileiro. Além do crescimento
acelerado das exportações de produtos de maior valor agregado chineses, pode-se conjugar
fatores adversos da própria economia doméstica, como o fato de o setor industrial brasileiro
arcar com custos ambientais e trabalhistas, nível de juros e carga tributária muito mais altos
que seus análogos chineses.
Adicionalmente, tem-se a constatação contínua da imobilidade do câmbio chinês visà-vis o dólar norte-americano, enquanto que a moeda brasileira apresenta um histórico de
valorização substancial contra o dólar desde 2003. Soma-se a isso a demonstração da vontade
por parte do governo brasileiro em reconhecer a China como uma “economia de mercado”, o
136
que provocou reações dos setores empresariais já fragilizados pela enxurrada de produtos
chineses, uma vez que a decisão do reconhecimento dificultaria a condução de possíveis
processos de defesa comercial voltados aos concorrentes chineses.
Tal cenário desfavorável ao setor industrial brasileiro implicou sensação de
vulnerabilidade doméstica e falta de opções frente à concorrência dos produtos chineses. A
partir daí os setores sensíveis da indústria nacional alertam que uma conseqüência da
concorrência chinesa seria o processo de “desindustrialização” brasileira, tendo em vista que,
por um bom tempo, “[...] ignorou-se o fato de que parte substancial das exportações chinesas
de produtos industriais eram constituídas de insumos utilizados pela indústria nacional para a
produção interna e exportação” (BIATO JR., 2010, p. 228).
A China passou a representar então para a economia brasileira um dragão de duas
cabeças: representavam, para os setores industriais brasileiros, uma forte competidora
comercial; e para o setor agroindustrial e empresas multinacionais brasileiras (que
concretizavam joint ventures com empresas chinesas), representava um mercado natural para
as exportações do país.
Conjuga-se às tensões na esfera comercial o contencioso político revelado nas visões
divergentes de Brasil e China em relação à reforma e ampliação do Conselho de Segurança da
ONU, a partir de 2005. A China justifica sua resistência à proposta de reforma apresentada
pelo G-4 essencialmente por dois motivos: a) é contrária à entrada do Japão como membro
permanente, graças às retaliações e objeções históricas específicas implicadas à China por este
país; b) falta-lhe disposição de partilhar com um número maior de parceiros seu status
privilegiado de único membro permanente asiático e em desenvolvimento no Conselho de
Segurança.
A posição adotada pela China levou autoridades brasileiras a registrar considerada
decepção com a falta de reciprocidade chinesa. O fato do desinteresse inicial chinês em estar
lado a lado com os demais países emergentes na articulação de profundas alterações na ordem
econômica e política internacional também leva a crer na possibilidade de a China ser hoje
uma “potência satisfeita” com o status quo (BIATO JR., 2010). Além de revelar a preferência
da China em se voltar para o privilégio do desenvolvimento de sua economia, até mesmo
quando seus interesses cruciais não são atingidos. Dado o fato de que sua economia depende
fundamentalmente de boas relações comerciais com o Ocidente, a RPC prioriza atitudes mais
brandas e simultaneamente pragmáticas pautadas na “coexistência pacífica”, evitando
pendências com as potências ocidentais, nomeadamente os Estados Unidos.
137
Muito embora China e Brasil continuem cooperando em diversos temas no âmbito dos
foros internacionais, inclusive na OMC, através do G-20, e permaneçam comprometidos com
a valorização do papel do ONU na arena internacional, os eventos supracitados permitem a
observação de que a atitude chinesa limitaria a fluidez da cooperação multilateral sinobrasileira, de forma de a consideração de uma parceria de veras estratégica não estaria mais
inclusa no âmbito político-diplomático, ou ao menos levaram muitos pensadores políticos a
questionar a extensão real dos interesses estratégicos em comum.
Não obstante tal cenário de incertezas e desafios, nenhum dos dois países questiona de
forma vital a parceria estratégica enquanto expressão da importância crescente dos vínculos
comerciais e do tradicional bom relacionamento de que ambos os países gozam, haja visto que
as motivações fundamentais que presidiram seu lançamento há anos não se alteraram. A
instalação formal da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação (COSBAN), em
março de 2006, foi atitude mútua decisiva para apassivar os litígios do relacionamento, ao
afastar de certa forma da pauta de diálogo bilateral o desacordo em matéria da reforma do
Conselho de Segurança da ONU.
Sumariamente, na esfera econômico-comercial, o presente trabalho aponta como
alínea conclusiva que, embora haja emprenho conjunto em abrandar contenciosos
relacionados ao surto de exportações chinesas, sobretudo nos setores têxtil e de brinquedos –
através de acordos de autolimitação de exportações -, as tensões comerciais seguirão
continuamente até o momento em que se reverter a perda de competitividade da indústria
brasileira face ao seu contendor chinês. No caso do aumento da participação de
manufaturados chineses dentro do mercado brasileiro e da imobilidade da política econômica
do país, o sentimento de vulnerabilidade estará ainda mais latente, aumentando,
conseqüentemente, pressões conflitantes em torno da questão da regulamentação efetiva da
China enquanto status de “economia de mercado.” Nesse sentido, Biato Jr (2010, p. 232)
atenta claramente para o episódio de que:
Caso o governo brasileiro adie indefinidamente a aplicação efetiva desta cláusula,
entretanto, correrá o risco de atrair retaliações da parte da China, sem falar na perda
de credibilidade, dando margem a interpretações por parte do governo e
empresariado chinês de que o Brasil não seria um “ator confiável”.
De todo, tem-se que o desenvolvimento admirável da corrente comercial sinobrasileira e sua estrutura, analisados brevemente na sessão anterior, não parecem ter se
alterado substancialmente desde a metade da década de 2000, levando a crer que enquanto
138
houver a demanda chinesa crescente por insumos básicos, as economias tradicionais,
mormente os Estados Unidos, em fortes dificuldades pós-crise financeira, deverão diminuir
proporcionalmente sua participação no comércio exterior brasileiro, ao menos em curto e
médio prazo.
Bem como na área comercial, o catalisador representado pela atual crise econômica e
financeira internacional, ao antecipar um processo já em andamento de ascensão da China e
de demais países emergentes, revelou, para esta nova década, novas perspectivas para uma
atuação conjunta e coordenada de Brasil e China não só na vertente econômico-comercial,
como também no campo da governança global.
Doravante, certos pontos e alternativas apresentam-se no sentido de reequilibrar o
relacionamento bilateral sino-brasileiro. Isto porque, à medida que a relação do Brasil com um
país das dimensões da China se intensifica, trazendo saldos positivos em uma diversidade de
campos de cooperação, é fato que também serão inevitáveis certos contenciosos. Neste
ínterim, o trabalho induz como reflexão posterior: como deveriam portar-se setores políticos e
empresariais, sobretudo o governo brasileiro, para lograr uma mais bem delineada parceria
estratégica?
Coloca-se como essencial o impedimento de que as tensões comerciais e políticas
localizadas e conjunturais contamine o relacionamento mútuo mais amplo, prejudicando
relevantes interesses comerciais brasileiros no mercado chinês, tanto dos setores agrícola e
extrativista, quanto dos setores empresarial e de serviços. Na concepção de Biato Jr. (2010, p.
234), o reforço de uma parceria de fato estratégica passaria pela origem de uma “ „agenda
positiva‟, que embarque projetos e programas capazes de atuar como elementos catalisadores
de progressos no relacionamento, como foi no passado presente, o Programa CBERS”.
Além de tal proposta de novos projetos de cooperação setorial, ao Brasil se revelam
diversas possibilidades comerciais na China a serem exploradas, como tentou abarcar de
forma sucinta o último subtópico da sessão anterior. Tal país oferece um vasto mercado
desafiador e de retornos benéficos, além daqueles propiciados pelo agronegócio e exportação
de matérias-primas, em que pese a ampla representatividade que o crescimento vertiginoso da
demanda chinesa por commodities trouxe, e provavelmente ainda trará, à economia brasileira.
É de suma importância que o Brasil defina de maneira clara e objetiva o que espera de
seu relacionamento bilateral com a China, além de seguir dando novo fôlego à parceria
estratégica proposta há quase vinte anos. Cumpre considerar ainda resultados de longo prazo
no sentido de articulação de metas de atuação conjunta sino-brasileira. “É com esse sentido de
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prioridade que a sociedade brasileira deve buscar mulher compreender a China e com ela
engajar-se” (BIATO JR., 2010, p. 251)
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155
7
Anexos
White paper on China's Peaceful Development
China's Peaceful Development
Information Office of the State Council
The People's Republic of China
September 2011, Beijing
Contents
I. The Path of China's Peaceful Development: What It Is About
II. What China Aims to Achieve by Pursuing Peaceful Development
III. China's Foreign Policies for Pursuing Peaceful Development
IV. China's Path of Peaceful Development Is a Choice Necessitated by History
V. What China's Peaceful Development Means to the Rest of the World
Situated in the East, China, a country with an ancient civilization and a population of
over 1.3 billion, is making big strides in its advance toward modernization. What path of
development has China chosen? What will China's development bring to the rest of the world?
These issues are the focus of the whole world.
China has declared to the rest of the world on many occasions that it takes a path of
peaceful development and is committed to upholding world peace and promoting common
development and prosperity for all countries. At the beginning of the second decade of the
21st century and on the occasion of the 90th anniversary of the founding of the Communist
Party of China (CPC), China declared solemnly again to the world that peaceful development
is a strategic choice made by China to realize modernization, make itself strong and
prosperous, and make more contribution to the progress of human civilization. China will
unswervingly follow the path of peaceful development.
I.
The Path of China's Peaceful Development: What It Is About
156
Over the past 5,000 years, people of all ethnic groups in China, with diligence and
wisdom, have created a splendid civilization and built a unified multi-ethnic country. The
Chinese civilization has a unique feature of being enduring, inclusive and open. The Chinese
nation has endeavored to learn from other nations and improved itself through centuries of
interactions with the rest of the world, making major contribution to the progress of human
civilization.
In the mid-19th century, Western powers forced open China's door with gunboats.
Internal turmoil and foreign aggression gradually turned China into a semi-colonial and semifeudal society. The country became poor and weak, and the people suffered from wars and
chaos. Facing imminent danger of national subjugation, one generation of patriots after
another fought hard to find a way to reform and save the nation. The Revolution of 1911 put
an end to the system of monarchy which had ruled China for several thousand years, and
inspired the Chinese people to struggle for independence and prosperity. However, such
efforts and struggle failed to change the nature of China as a semi-colonial and semi-feudal
society, or lift the Chinese people out of misery. Living up to the people's expectation, the
CPC led them in carrying out arduous struggle, and finally founded the People's Republic of
China in 1949. This marked the realization of China's independence and liberation of its
people and ushered in a new epoch in China's history.
In the past six decades and more since the founding of New China, and particularly
since the introduction of the reform and opening-up policies in 1978, the Chinese government
has worked hard to explore a path of socialist modernization that conforms to China's
conditions and the trend of the times. Overcoming difficulties and setbacks, the Chinese
people have advanced with the times, drawn on both experience and lessons from the
development of China itself and other countries, deepened understanding of the laws
governing the development of human society, and promoted the self-improvement and growth
of the socialist system. Through arduous struggle, the Chinese people have succeeded in
finding a path of development conforming to China's reality, the path of socialism with
Chinese characteristics.
Viewed in the broader, global and historical context, the path of peaceful development
may be defined as follows: China should develop itself through upholding world peace and
contribute to world peace through its own development. It should achieve development with
its own efforts and by carrying out reform and innovation; at the same time, it should open
itself to the outside and learn from other countries. It should seek mutual benefit and common
157
development with other countries in keeping with the trend of economic globalization, and it
should work together with other countries to build a harmonious world of durable peace and
common prosperity. This is a path of scientific, independent, open, peaceful, cooperative and
common development.
-- Scientific development. Scientific development means respecting and following the
laws governing the development of economy, society and nature, focusing on development
and freeing and developing the productive forces. China takes the Scientific Outlook on
Development as an important principle guiding economic and social development, and gives
top priority to development in governing and rejuvenating the country by the Party. It puts
people first, promotes comprehensive, balanced, and sustainable development, and takes all
factors into consideration when making balanced overall plans. In putting people first, the
Chinese government always respects human rights and human values and works to meet the
ever-growing material and cultural needs of the people and promote prosperity for all. It
strives to advance the all-round development of man, to ensure that development is for the
people, by the people and with the people sharing its fruits. In promoting comprehensive,
balanced, and sustainable development, the Chinese government promotes comprehensive
economic development as well as political, cultural and social progress and ecological
improvement, and coordinated development of all links and aspects of the modernization
drive. In making balanced overall plans, the Chinese government seeks to identify and
properly handle the major relationships in the cause of building socialism with Chinese
characteristics and maintain balance between urban and rural development, development of
different regions, economic and social development, man and nature, and domestic
development and opening to the outside world.
-- Independent development. As a populous developing country, China must rely on
itself in pursuing development. China maintains independence, focuses on domestic
development, acts in keeping with its national conditions, carries out reform and innovation
for economic and social development through its own efforts, and it does not shift problems
and difficulties onto other countries. In the era of economic globalization, only by pursuing
independent development can China more effectively participate in international division of
labor, and promote mutually beneficial cooperation with other countries.
-- Open development. China has learned from its development course that it cannot
develop itself with its door closed. Taking reform and opening-up as a basic policy, China
both carries out domestic reform and opens itself to the outside world, both pursues
independent development and takes part in economic globalization and both carries forward
158
the fine traditions of the Chinese nation and draws on all the fine achievements of other
civilizations. It combines both the domestic market and foreign markets and uses both
domestic resources and foreign resources. China integrates itself with the rest of the world
with an open attitude, expands and deepens the opening-up strategy, and strengthens
exchanges and cooperation with other countries. It strives to build an open economic system
which ensures better linkages with the global economy, mutually beneficial cooperation as
well as security and efficiency. China will never close its door to the outside world, and will
open itself increasingly wider.
-- Peaceful development. The Chinese nation loves peace. From their bitter sufferings
from war and poverty in modern times, the Chinese people have learned the value of peace
and the pressing need of development. They see that only peace can allow them to live and
work in prosperity and contentment and that only development can bring them decent living.
Therefore, the central goal of China's diplomacy is to create a peaceful and stable
international environment for its development. In the meantime, China strives to make its due
contribution to world peace and development. It never engages in aggression or expansion,
never seeks hegemony, and remains a staunch force for upholding regional and world peace
and stability.
-- Cooperative development. There are always competition and conflicts in
international relations. Each country should draw on others' merits to offset its own weakness
through fair competition, find opportunities for cooperation, expand areas of cooperation, and
improve common interests. China uses cooperation as a way to pursue peace, promote
development and settle disputes. It seeks to establish and develop cooperative relationships of
different forms with other countries and effectively meet growing global challenges by
constantly expanding mutually beneficial cooperation with other countries, and works with
them to solve major problems that affect world economic development and human survival
and progress.
-- Common development. Countries are becoming increasingly interdependent. Only
when common development of all countries is realized and more people share the fruit of
development, can world peace and stability have a solid foundation and be effectively
guaranteed, and can development be sustainable in all countries. Therefore, China
unswervingly follows a strategy of opening-up and mutual benefit. It pursues both its own
interests and the common interests of mankind and works to ensure that its own development
and the development of other countries are mutually reinforcing, thus promoting the common
159
development of all countries. China sincerely hopes to work with other countries to realize
common development and prosperity.
Thanks to its pursuit of peaceful development, China has undergone profound changes.
It has made remarkable achievements in development, made major contribution to world
prosperity and stability, and is more closely linked with the rest of the world.
China's overall strength has grown considerably. Its total economic output reached
US$5.88 trillion in 2010, over 16 times that of 1978, rising to 9.3% of the world's total from
1.8% in 1978. The material basis for China's modernization drive has become more solid;
steady progress has been made in turning China into an industrialized, information-based,
urbanized, market-oriented and internationalized country, and the cause of socialist
development is being advanced in all respects. The Chinese people, once inadequately fed and
clad, are leading a decent life on the whole, a historic breakthrough. The share of China's per
capita income comparable to the world average grew from 24.9% in 2005 to 46.8% in 2010.
A historic transformation from a highly centralized planned economy to a dynamic socialist
market economy has been achieved in China. A basic economic system in which public
ownership takes the lead and different economic ownerships grow side by side has come into
being. The market plays an increasingly important role in allocating resources, and the system
of macroeconomic regulation is improving. A social security system covering both urban and
rural residents is taking shape, and culture, education, science and technology, health care,
sports and other social programs are flourishing.
A historic transformation turning China from a closed or semi-closed state to one
featuring all-round opening up has been realized. With the setting up of special economic
zones, opening of coastal areas, regions along the major rivers and the borders and inland
areas to the outside world, absorbing foreign investment and making Chinese investment
overseas, and entry into the World Trade Organization, China has taken an active part in
economic globalization and regional economic cooperation, and its opening-up has steadily
deepened. The country's total import and export volume grew from US$20.6 billion-worth in
1978 to US$2.974 trillion-worth in 2010. Utilized foreign direct investment from 1979 to
2010 totaled US$1.04838 trillion. China maintains business and trade ties with 163 countries
and regions. It has signed ten free-trade-zone agreements, bilateral investment treaties with
129 countries, and double taxation avoidance agreements with 96 countries. All this shows
that China is actively promoting liberalization and facilitation of trade and investment. To
honor its commitments to the WTO, China has reduced its total tariff rate from 15.3% before
its entry into the WTO to the present 9.8%, and abolished most non-tariff measures. China has
160
been working to build a framework in which its relations with other major countries are
generally stable and mutually beneficial and develop in a balanced way, and which ensures
that China and its neighbors share opportunities and develop together. It has strengthened
traditional friendship, solidarity and cooperation with other developing countries. China is
becoming increasingly interdependent with other countries, it is more closely linked with
them in terms of interests, and its exchanges and cooperation with other countries are
becoming more extensive than ever before.
China has made important contribution to the stable development of the world
economy. Since its entry into the WTO in 2001, China has imported goods worth nearly
US$750 billion every year, and created over 14 million jobs for those exporting countries and
regions. Over the past decade, foreign-funded companies in China have remitted a total of
US$261.7 billion of profits, with an annual increase of 30%. From 2000 to 2010, China's
annual non-financial direct overseas investment grew from less than US$1 billion to US$59
billion, thus boosting the economic development in the recipient countries. In 2009, overseas
China-invested companies paid taxes worth US$10.6 billion, and employed 439,000 local
people. China has contributed over 10% to world economic growth every year in recent years.
In 1997 when the Asian financial crisis caused a dramatic devaluation of currencies in
countries and regions close to it, China succeeded in keeping the RMB exchange rate
basically stable, contributing to regional economic stability and development. Since the
international financial crisis erupted in 2008, China has taken an active part in the G20's
efforts to build a global economic governance mechanism, promoted the reform of the
international financial system, got involved in multi-country macroeconomic policy
coordination, and participated in international trade financing schemes and financial
cooperation. It has sent large overseas purchasing missions and helped countries in difficulties.
China conscientiously meets the Millennium Development Goals of the United Nations, and
is the only country in the world that has halved the number of people living in poverty ahead
of schedule. In addition, China provides assistance to other countries and regions as its
capacity permits. By the end of 2009, China had given assistance worth RMB 256.3 billion to
161 countries and over 30 international and regional organizations, reduced and canceled 380
debts incurred by 50 heavily indebted poor countries and least-developed countries, trained
120,000 people for other developing countries, and sent 21,000 medical personnel and nearly
10,000 teachers abroad to help other countries. China encourages the least-developed
countries to expand exports to China and has pledged zero tariff treatment to over 95% of the
161
exports to China by all the least-developed countries which have diplomatic relations with
China.
China plays an important role in safeguarding world peace and meeting global
challenges. China is the only nuclear-weapon country that has publicly stated that it will not
be the first to use nuclear weapons, or use or threaten to use nuclear weapons against nonnuclear-weapon states or nuclear-weapon-free zones. China has dispatched about 21,000
personnel on 30 UN peacekeeping missions, which is the highest number among the
permanent members of the UN Security Council. China takes an active part in international
cooperation in anti-terrorism and nonproliferation. It provides humanitarian aid and
dispatches rescue teams to countries hit by severe natural disasters and deploys naval escort
fleets to combat piracy in the Gulf of Aden and off the coast of Somalia. China is a member
of over 100 intergovernmental international organizations, a party to over 300 international
conventions, and an active participant in building the international system. China is the first
developing country to formulate and implement the National Climate Change Program. It is
also one of the countries which have made the greatest efforts in energy saving and emission
reduction and which have made the fastest progress in developing new and renewable energy
sources in recent years. China has played a constructive role in addressing international and
regional hotspot problems. For instance, it calls for resolving the Korean nuclear issue, the
Iranian nuclear issue and other hotspot issues through peaceful talks, and has helped to
establish the Six-Party Talks mechanism on the Korean nuclear issue. China has settled
historical boundary issues with 12 land neighbors. It calls for settling disputes over territory
and maritime rights and interests with neighboring countries through dialogue and negotiation.
For instance, China has made a constructive proposal to "shelve disputes and seek joint
development" and done its utmost to uphold peace and stability in the South China Sea, East
China Sea and the surrounding areas. China seeks to promote common development and
prosperity in the Asia-Pacific region by pursuing bilateral cooperation and participating in
regional and sub-regional cooperation.
China's development since New China was founded in 1949 and particularly since the
reform and opening-up policies were introduced in 1978 shows that China is an important
member of the international community which has contributed its due share to bringing about
a more just and equitable international political and economic order.
II.
What China Aims to Achieve by Pursuing Peaceful Development
162
China's overall goal of pursuing peaceful development is to promote development and
harmony domestically and pursue cooperation and peace internationally. Specifically, this
means that China will endeavor to make life better for its people and contribute to human
progress through hard work, innovation and reform carried out by the Chinese people and
growing long-term friendly relations and promoting equality and mutually-beneficial
cooperation with other countries. This has become a national commitment which is manifest
in strategies for national development, and progress made in the course of China's
development.
To achieve modernization and common prosperity for the people is the overall goal of
China's pursuit of peaceful development. Following the introduction of the policies of reform
and opening-up to the outside world in the late 1970s, China adopted and implemented a
three-step strategy for achieving modernization. The first step was to double the GNP of 1980
and ensure people's basic living needs. The second step was to redouble the output of 1980
and achieve initial prosperity by the end of the 20th century. The goals of these two steps
have been met. The third step aims to make the per capita GNP reach the level of that of the
medium-developed countries, bring about general prosperity, basically realize modernization
and build China into a rich, strong, democratic, civilized, harmonious and modern socialist
country by the 100th anniversary of the People's Republic of China in the mid-21st century.
The central goal of this three-step development strategy is to improve people's material and
cultural lives, and make the people rich and the country strong. Meanwhile, as its
comprehensive strength increases, China will shoulder corresponding international
responsibilities and obligations.
To build a society of higher-level initial prosperity in an all-round way which benefits
over one billion Chinese people is the medium-and long-term goal of China's pursuit of
peaceful development. By 2020, China will have built a society of higher-level initial
prosperity in an all-round way that benefits the over one billion Chinese people. This will
make China a country which has basically realized industrialization, significantly increased its
comprehensive national strength and taken the lead in the world in terms of the total size of
the domestic market. The general living standard and quality of life of the Chinese people will
be raised, and the country's natural environment will be well protected. The Chinese people
will enjoy full democratic rights, are better educated and pursue common aspirations. China's
social system and institutions will be further improved, the Chinese society will be more
dynamic, stable and unified, and China will be a more open and engaging country and
contribute more to human civilization.
163
To implement the Twelfth Five-Year Plan of development is the near and mediumterm goal of China's pursuit of peaceful development. To build a society of initial prosperity
in an all-round way, the Outline of the Twelfth Five-Year Plan for National Economic and
Social Development of the People's Republic of China (2011-2015) laid down the guiding
principles, goals and major tasks for this period. In the coming five years, China will focus on
scientific development and accelerate the shifting of model of growth in pursuing economic
and social development, and efforts will be made to achieve the following goals: ensuring
stable and fairly fast development of the economy, making great progress in carrying out
strategic adjustment of the economy, significantly improving science, technology and
education, making major progress in saving resources and protecting the environment,
continuing to improve people's lives, enhancing social services and further deepening the
reform and opening-up to the outside world. Through the concerted efforts of the Chinese
people, we will make major progress in shifting the model of growth, markedly improve
China's comprehensive strength, international competitiveness and the ability to ward off risks
and consolidate the foundation for building a society of initial prosperity in an all-round way.
Meanwhile, China will energetically conduct international exchanges and cooperation, and
expand and deepen the shared interests of all countries to promote common development.
From ensuring people's basic living needs to building a society of initial prosperity
and then to reaching the level of the medium-developed countries -- this is what China's
strategy for peaceful development is all about. To reach these goals, China will make the
following efforts:
-- Accelerating the shifting of the model of growth
Making adjustment of the economic sectors will receive top priority. Domestic
demand, especially consumer demand, will be stimulated by increasing individual
consumption through multiple channels and by adjusting and improving the domestic
investment mix. Industrialization, urbanization and agricultural modernization will be
promoted simultaneously so that economic growth will be driven by the combined forces of
consumption, investment and export instead of investment and export only. China's economic
growth will be driven by the combined forces of the primary, secondary and tertiary sectors
instead of the secondary sector only. It will also be driven by progress in R&D, better quality
of the labor force and managerial innovation instead of increase of material and resource
consumption. Moreover, we are carrying out strategies of accelerating development through
developing science and technology, and fostering people with capabilities to build China into
a country of innovation. We should be open to new ideas and be innovative in improving
164
institutions, draw on the advanced technologies and managerial expertise of other countries,
and improve the sustainability and efficiency of economic growth.
We will make more efforts to remove bottlenecks in resources and the environment
that impede development. We will adopt a green and low-carbon development approach with
emphasis on energy-saving and emission reduction, and accelerate the forming of energysaving and eco-friendly modes of production and consumption. We will build a circular
economy, improve environmental quality, build safe, stable, efficient, clean and modern
energy industries, enhance resources supply, promote harmonious development between man
and nature, and strike a balance among economic development, population, resources and the
environment. We will explore a new path towards industrialization based on science and
technology, with high economic returns, low consumption of resources, less pollution, and
full utilization of human resources. The all-round, coordinated and sustainable growth of
China's economy will create great space for the growth of the world economy.
-- Further exploiting China's domestic resources and its market strengths
With abundant human and material resources and a fairly complete industrial system,
China will mainly rely on itself in pursuing sustainable development. It is estimated that by
2015 the number of skilled personnel will reach 156 million in China, 15% of the workforce
will have received higher education, and the rate of contribution to economic growth by
skilled people will reach 32%. This will ensure ample supply of quality labor force to sustain
China's economic development. China ranks among the first in the world in terms of deposits
of mineral resources and farmland and is basically self sufficient in grain supply. Although
China's per capita share of resources is low, we can minimize dependence on resources by
China's economic and social development by giving full play to market's role of resources
allocation and progress in R&D. China will fully tap the strengths of its industries of raw
material, equipment manufacturing and consumer goods production to meet the consumption
demands of the Chinese people and provide more quality goods and services to the
international market.
The size of China's population and its total economic output mean a huge potential of
domestic demand. With the continuous increase of per capita income, steady growth of
domestic investment, and further progress in implementing the strategy for regional
development, China will see the emergence of growth engines and its market will further
expand. In the coming five years, China's consumption structure will be further upgraded, and
the potential of individual consumption will be further released. The size of China's domestic
market will be one of the biggest in the world, and the accumulated import volume is
165
expected to reach US$8 trillion. All this will create more business opportunities to other
countries.
-- Accelerating the building of a harmonious society
China will accelerate the building of a harmonious society with emphasis on
improving people's lives, thus strengthening the foundation of achieving social harmony. It
will accelerate the reform of social systems, improve basic public services, develop new
mechanisms for social management and make such management more efficient, and improve
income distribution and the social security system. Our goal is to ensure that all people have
the right to education, employment and pay, medical and old-age services and housing, so that
all the people share the responsibility of creating a harmonious society and enjoy life and the
full benefit of development in such a society.
We will strengthen the building of socialist democracy, advance the political structural
reform actively and steadily, develop socialist democracy and turn China into a socialist
country under the rule of law and ensure that the people control their own destiny. We will
continue to conduct democratic election, decision-making, governance and supervision in
accordance with the law, uphold people's right to have access to information, to participate in
governance, to express their views and to supervise the government, and we will expand
orderly public participation in the political process. We will continue to treat all ethnic groups
as equals and practice the system of regional autonomy of ethnic minorities, protect people's
freedom of religious belief according to law, and fully respect and uphold basic human rights
and other lawful rights and interests of citizens.
-- Implementing the opening-up strategy of mutual benefit
China will continue to pursue the basic state policy of opening up to the outside world
and the opening-up strategy of mutual benefit. By making full use of the favorable conditions
created by economic globalization and regional economic cooperation in the course of
opening-up, we will move away from focusing on export and absorbing foreign investment
towards putting equal emphasis on import and export and on absorbing foreign investment
and making overseas investment. We will continuously explore new ways of opening up and
improving the open economic system and make the open economy work better so as to
promote China's development, reform and innovation through opening-up.
We will speed up the way of conducting foreign trade and continue to actively
participate in international division of labor. We will move away from focusing on increasing
volume of trade only to improving the quality and efficiency of trade, and raise the overall
competitiveness of China's foreign trade instead of relying on low cost production. We will
166
make great efforts to promote service trade, increase import, and bring about basic balance of
payment in international trade. We oppose trade protectionism and handle properly frictions
in international trade.
We will make better use of foreign investment by continuously improving the
investment structure, diversifying ways of investment and expanding investment channels.
We will also speed up the introduction of intellectual resources, talented people and new
technologies, and encourage foreign investment in key areas and regions. We will protect the
legitimate rights and interests of foreign companies in China, adopt an open attitude towards
foreign capital and advanced technologies, and foster a fair and orderly investment
environment. We will continue to implement the national strategy for intellectual property
rights and enhance ability to create, apply, protect and manage intellectual property.
We will attach greater importance to overseas investment and international
cooperation. We encourage companies of all types to make overseas investment and engage in
joint operations in an orderly way, make R&D-related investment and undertake overseas
project contracting and provide labor services. In addition, we will expand international
cooperation in agriculture and deepen mutually beneficial cooperation with other countries in
the development of energy and other resources. We will undertake more cooperation projects
in host countries which improve life of the local people and enhance the ability for selfdevelopment of the host countries. The Chinese companies are requested to respect local
religions and customs, observe local laws, undertake due social responsibilities and
obligations, and promote the development of the host countries. We will improve and develop
new ways of providing aid so as to make aid more effective.
We will continue to open China's financial market and financial sectors in an orderly
way. We will build a financial system that provides efficient services and places risks under
control. We will improve the managed, floating exchange rate system based on market supply
and demand, and make the RMB convertible under capital account in a phased way. These
measures will not only facilitate foreign trade and investment cooperation with China, but
also create better conditions for maintaining the stability of international currencies and
financial market and promoting the sound development of economic globalization.
-- Creating a peaceful international environment and favorable external conditions
China will continue to promote friendly relations with the other countries on the basis
of the Five Principles of Peaceful Coexistence. We will increase strategic dialogue with the
developed countries to promote strategic mutual trust, deepen mutually beneficial cooperation,
handle differences properly, explore ways to establish and develop a new type of relationship
167
among the major countries and promote long-term, steady and sound growth of China's
relations with these countries. We will continue the policy of developing good-neighborly
relations and treating China's neighbors as partners and enhance friendship and cooperation
with both the neighboring countries and other Asian countries. We will expand bilateral and
regional cooperation and jointly create a regional environment of peace, stability, equality,
mutual trust, cooperation and mutual benefit. We will enhance unity with other developing
countries, deepen traditional friendship, expand mutually beneficial cooperation, sincerely
help the other developing countries achieve independent development by providing aid and
making investment and uphold their legitimate rights and interests as well as their common
interests. We will actively engage in handling multilateral issues and addressing global issues,
undertake our due international obligations and play a constructive role in making the
international political and economic order fairer and more equitable. We will continue to
carry out exchanges and cooperation with the parliaments, parties, local authorities and NGOs
of other countries, expand people-to-people and cultural exchanges to enhance understanding
and friendship between the Chinese people and the people of other countries.
China is committed to pursuing a defense policy which is defensive in nature. China
has a vast land territory and sea area, with a borderline of over 22,000 kilometers and a
coastline of over 18,000 kilometers. China faces multiple traditional and non-traditional
security challenges and the threat of separatists and terrorism. It is therefore necessary and
justified to modernize China's defense capabilities in order to uphold China's security and
protect its peaceful development. The fundamental purpose of modernizing the Chinese
armed forces is to safeguard China's sovereignty, security, territorial integrity and interests of
national development. China's defense expenditures are appropriate and moderate, and are in
keeping with the need to safeguard its security. China will not engage in arms race with any
other country, and it does not pose a military threat to any other country. China follows the
principle of not attacking others unless it is attacked, and it is committed to solving
international disputes and hotspot issues with peaceful means. China actively carries out
international military exchanges, promotes international and regional security cooperation and
opposes terrorism in all forms.
III.
China's Foreign Policies for Pursuing Peaceful Development
168
As a member of the international community, China has great hope for the future
world, and adopts the following thinking on international relations and foreign policies that
conform to peaceful development.
-- Promoting the building of a harmonious world
China's foreign policy aims to uphold world peace and promote common development.
China advocates the building of a harmonious world of durable peace and common prosperity
and works with other countries in pursuing this goal. To China, it is both a long-term
objective and a current task. To build a harmonious world, we should make the following
efforts:
Politically, countries should respect each other and treat each other as equals, and
work together to promote democracy in international relations. All the countries in the world,
whether big or small, strong or weak, rich or poor, are equal members of the international
community and should receive due respect of the international community. Countries should
also safeguard the UN's core role in handling global affairs, adhere to the purposes and
principles of the UN Charter, abide by international law and the generally-accepted principles
governing international relations, and promote democracy, harmony, coordination and winwin spirit in international relations. The internal affairs of a country should be decided by its
own people, international affairs should be decided by all countries through consultation on
an equal footing, and every country's right to equally participate in international affairs should
be respected and upheld.
Economically, countries should cooperate with each other, draw on each other's
strengths and make economic globalization a balanced and win-win process that benefits all
countries. Countries should also seek to establish an international multilateral trading system
that is fair, open, equitable and nondiscriminatory so that the benefit of economic
globalization will cover all countries. All countries should work together to fulfill the UN
Millennium Development Goals and enable everyone to enjoy the benefit of development in
the 21st century.
Culturally, countries should draw on each other's strengths, seek common ground
while putting aside differences, respect the diversity of the world, and promote progress in
human civilization. Dialogues and exchanges among civilizations should be encouraged to do
away with ideological prejudice and distrust, and make human society more harmonious and
the world more colorful.
In terms of security, countries should trust each other and strengthen cooperation,
settle international disputes and conflicts peacefully rather than resorting to war and jointly
169
safeguard world peace and stability. Consultation and dialogue should be carried out to
enhance mutual trust, reduce differences and settle disputes. Use or threat of use of military
force should be avoided.
In terms of the environment, all countries should help each other and make concerted
efforts to better protect our only home -- the Earth. Countries should develop new modes of
development, take the path of sustainable development and promote the harmonious
development of man and nature. We should follow the principle of common but differentiated
responsibilities, and enhance international cooperation in environmental protection and in
addressing climate change.
-- Pursuing an independent foreign policy of peace
The Chinese people adhere to the social system and path of development chosen by
themselves and will never allow any external forces to interfere in China's internal affairs.
China promotes friendly and cooperative relations with all the other countries on the basis of
the Five Principles of Peaceful Coexistence. It does not form alliance with any other country
or group of countries, nor does it use social system or ideology as a yardstick to determine
what kind of relations it should have with other countries. China respects the right of the
people of other countries to independently choose their own social system and path of
development, and does not interfere in other countries' internal affairs. It is opposed to the
practices of the big bullying the small and the strong oppressing the weak, and to hegemonism
and power politics. China calls for settling disputes and conflicts through talks and
consultation and by seeking common ground while putting aside differences. It does not
impose its own will upon others and acts in the fundamental interests of the Chinese people
and the common interests of all peoples throughout the world. China bases its decision on a
particular issue according to its merits. Upholding justice, China plays an active and
constructive role in international affairs.
China is firm in upholding its core interests which include the following: state
sovereignty, national security, territorial integrity and national reunification, China's political
system established by the Constitution and overall social stability, and the basic safeguards
for ensuring sustainable economic and social development.
China fully respects other countries' legitimate rights to protect their interests. While
developing itself, it fully accommodates other countries' legitimate concerns and interests and
never makes gains at others' expense or shifts its own troubles onto others.
China aligns its own interests with the common interests of the people of the world
and seeks to expand common interests of all the parties. It works to establish and expand
170
community of common interests in various fields and at various levels with other countries
and regions. China is committed to promoting the common interests of all humanity and
bringing the benefit of human civilization to everyone.
-- Promoting new thinking on security featuring mutual trust, mutual benefit, equality
and coordination
China advocates a new thinking on security featuring mutual trust, mutual benefit,
equality and coordination, and pursues comprehensive security, common security and
cooperative security.
In terms of comprehensive security, the security issue has new dimensions as
traditional and non-traditional security threats have become intertwined under the new
historical conditions. The international community should appreciate the need of ensuring
comprehensive security and adopt comprehensive measures to address security threats and
their root causes and countries around the world should work together to meet various
challenges to security.
Regarding common security, all countries share a common stake in the era of
economic globalization. The international community should heighten awareness of common
security. Countries should safeguard their own security while respecting others' security
concerns. They should abandon the Cold War mentality and confrontation between different
alliances, uphold common security through multilateral cooperation and work together to
prevent conflicts and wars. It is important to give full play to the UN's role in maintaining
world peace and security and establish a fair and effective mechanism for upholding common
security.
With regards to cooperative security, war and confrontation will only lead to a vicious
cycle of violence begetting violence, while dialogue and negotiation are the only effective and
reliable way to settle disputes. Countries should seek peace, safeguard security, settle disputes
and promote harmony through cooperation, and oppose the use or threat of use of military
force against one another.
-- Actively living up to international responsibility
For China, the most populous developing country, to run itself well is the most
important fulfillment of its international responsibility. As a responsible member of the
international community, China abides by international law and the generally recognized
principles governing international relations, and eagerly fulfills its international responsibility.
China has actively participated in reforming international systems, formulating international
rules and addressing global issues. It supports the development of other developing countries,
171
and works to safeguard world peace and stability. As countries vary in national conditions and
are in different stages of development, they should match responsibility with rights in
accordance with their national strength. They should play a constructive role by fulfilling their
due international responsibility in accordance with their own capability and on the basis of
aligning their own interests with the common interests of mankind. For its part, China will
assume more international responsibility as its comprehensive strength increases.
-- Promoting regional cooperation and good-neighborly relations
China actively enhances friendly cooperation with its neighbors and works with them
to promote a harmonious Asia. China calls on countries in the region to respect each other,
increase mutual trust, seek common ground while putting aside differences, safeguard
regional peace and stability, and settle disputes including those over territorial claims and
maritime rights and interests through dialogue and friendly negotiation. Countries should
increase trade and mutually beneficial cooperation, promote regional economic integration,
improve the current regional and sub-regional cooperative mechanisms, be open-minded to
other proposals for regional cooperation, and welcome countries outside the region to play a
constructive role in promoting regional peace and development. China does not seek regional
hegemony or sphere of influence, nor does it want to exclude any country from participating
in regional cooperation. China's prosperity, development and long-term stability represent an
opportunity rather than a threat to its neighbors. China will uphold the Asian spirit of standing
on its own feet, being bold in opening new ground, being open and inclusive and sharing weal
and woe. It will remain a good neighbor, friend and partner of other Asian countries.
IV.
China's Path of Peaceful Development Is a Choice Necessitated by History
Taking the path of peaceful development is a strategic choice made by the Chinese
government and people in keeping with the fine tradition of Chinese culture, the development
trend of the times and the fundamental interests of China, and it is also a choice which China's
development calls for.
-- Peaceful development carries forward the Chinese historical and cultural tradition.
The world has been believed to be a harmonious whole in the Chinese culture ever
since the ancient times. This belief has a lasting impact on the thinking and acts of the
Chinese nation, which is an important value that the Chinese people follow in handling
interpersonal relationships, the relationship between man and nature and relations between
different countries.
172
The Chinese people have always cherished a world view of "unity without
uniformity," "harmony between man and nature," and "harmony is invaluable." This belief
calls for the fostering of harmonious family bond, neighborhood harmony and good
interpersonal relationships. Under the influence of the culture of harmony, peace-loving has
been deeply ingrained in the Chinese character. The world-renowned Silk Road, for example,
was a road of trade, cultural exchanges and peace, which testifies to the pursuit of friendship
and mutually beneficial cooperation with other peoples by the ancient Chinese. The famous
Ming Dynasty navigator Zheng He made seven voyages to the Western Seas, visiting over 30
countries and regions across Asia and Africa. He took along with him the cream of the
Chinese culture and technology as well as a message of peace and friendship.
Imbued with the belief that one should be as inclusive as the vast ocean which admits
hundreds of rivers, the Chinese nation has embraced all that is fine in foreign cultures. This
has forged strong cultural ties, leaving behind much-told anecdotes about the cultural
interactions between China and the world. The Chinese have a strong collective consciousness
and sense of social responsibility. We believe that "you should not do unto others what you
would not have them do unto you." We respect different cultures and views, treat others in the
same way as we expect to be treated, and do not impose our will upon others. We treat all
foreign countries with courtesy, foster harmonious ties with neighbors and make friends with
distant states.
The Chinese people have inherited the fine tradition of Chinese culture of over 5,000
years and added to it new dimensions of the times.
-- Peaceful development is determined by China's basic national conditions.
China has a large population yet a weak economic base. It has to feed close to 20% of
the world's population with 7.9% of the world's farmland and 6.5% of the world's fresh water.
What has been achieved in its social and economic development must meet the need of 1.3
billion people, which presents a great challenge to China. China's per capita GDP in 2010 was
about US$4,400, ranking around the 100th place in the world. Unbalanced development still
exists between the urban and rural areas and among different regions; the structural problems
in economic and social development remain acute; and economic growth, which excessively
depends on resource input, is increasingly constrained by resource shortages and
environmental problems. All this has made the shifting of the growth model a daunting task.
China's capacity for independent innovation is weak, and it is at the low end of the value
chain in both international division of labor and trade. The standard of living of the Chinese is
173
not high, and China's social security system is inadequate, lagging far behind those of the
developed countries.
China's modernization involves one fifth of the world's population and will be a longterm process. The scale and magnitude of the difficulties and problems involved are
unprecedented in the present world and rare in human history. China will remain a developing
country for a long time to come, which means that China must dedicate itself to advancing its
modernization drive, promoting development and improving its people's livelihood. This calls
for maintaining a peaceful and stable international environment and conducting international
exchanges and cooperation. China could become strong in the future. Yet peace will remain
critical for its development, and China has no reason to deviate from the path of peaceful
development. China's basic conditions, its cultural traditions, its fundamental national
interests and its long-term interests -- all these factors have created the innate force driving
China's peaceful development.
-- Peaceful development is a choice that represents the global trend.
Peace and development are the two major issues of today's world. Peace, development
and cooperation are part of the irresistible global trend. The world today is moving towards
multipolarity and economic globalization is gaining momentum. There is a growing call for
change in the international system and the world is facing more historical challenges. To share
opportunities presented by development and jointly ward off risks is the common desire of the
people of the world.
Economic globalization has become an important trend in the evolution of
international relations. Countries of different systems and different types and at various
development stages are in a state of mutual dependence, with their interests intertwined. This
has turned the world into a community of common destiny in which the members are closely
interconnected. Another world war would be disastrous for the whole of mankind, and no one
would emerge victorious in an all-out conflict between big powers.
Global challenges have become major threats to the world. Common security issues
are becoming ever more severe. They include terrorism, the spread of weapons of mass
destruction, financial crises, natural disasters, climate change, and security of energy,
resources, food and public health, and the list is growing. These and other global problems
have a major impact on human survival and sustainable economic and social development. No
country can handle these issues on its own, which should be addressed by all countries
together. If these problems are not addressed through comprehensive and sustained
174
international cooperation, world peace and development will run into huge obstacles and
could even suffer disastrous setback.
The global trend towards multipolarity is irresistible. The emerging economies,
regional groups and Asian and other regions are becoming stronger, and various non-state
actors are growing fast, which, taking advantage of economic globalization and the
information age, expand their influence and have become an important force in various
countries and in the international arena.
The global trend is surging forward: those who go along with it will prosper and those
who go against it will perish. The international community should reject the zero-sum game
which was a product of the old international relations, the dangerous cold and hot war
mentality, and all those beaten tracks which repeatedly led mankind to confrontation and war.
It should find new perspectives from the angle of the community of common destiny, sharing
weal and woe and pursuing mutually beneficial cooperation, exploring new ways to enhance
exchanges and mutual learning among different civilizations, identifying new dimensions in
the common interests and values of mankind, and looking for new ways to handle multiple
challenges through cooperation among countries and realize inclusive development. We want
peace and not war, development and not stagnation; dialogue and not confrontation;
understanding and not misunderstanding. This is the general trend of the world and the
common aspiration of all people. It is against this historical background that China has chosen
the path of peaceful development.
V.
What China's Peaceful Development Means to the Rest of the World
The path of peaceful development is a new path of development which China, the
biggest developing country in the world has embarked upon, and its global impact will
manifest itself over time. Its success calls for both the untiring efforts of the Chinese people
and understanding and support from the international community.
China's peaceful development has broken away from the traditional pattern where a
rising power was bound to seek hegemony. In modern history, some rising powers established
colonies, fought for spheres of influence, and conducted military expansion against other
countries. This reached climax in the 20th century, when rivalry for hegemony and military
confrontation plunged mankind into the abyss of two devastating world wars. With a keen
appreciation of its historical and cultural tradition of several thousand years, the nature of
economic globalization, changes in international relations and the international security
175
landscape in the 21st century as well as the common interests and values of humanity, China
has decided upon peaceful development and mutually beneficial cooperation as a fundamental
way to realize its modernization, participate in international affairs and handle international
relations. The experiences of the past several decades have proved that China is correct in
embarking upon the path of peaceful development, and there is no reason whatsoever for
China to deviate from this path.
Economic globalization and revolution in science and technology have created
historical conditions for more countries to revitalize themselves by pursuing economic
development and mutually beneficial cooperation, and made it possible for more developing
countries to embark on the path of rapid development. Because of this, the size of the world
economy and the potential for development are both increasing, the international community
is better positioned to resist economic and financial crises, and there is stronger impetus for
reforming the international economic system. China's peaceful development conforms with
this global trend. China is glad to see and supports more and more developing countries in
changing their destiny, and it is also glad to see and supports the developed countries in
maintaining prosperity and development.
In the ever-changing world of today, all doctrines, systems, models and paths are
subject to the test of the times and practice. As national conditions vary from country to
country, there is no such thing as a fixed mode of development which claims to be the only
effective one and applicable to all. A path of development is viable only when it suits the
national conditions of a country. China's path of development has taken shape in the Chinese
environment. China is fully aware that taking the path of peaceful development is an
important and long-term process and that the current domestic and foreign environments are
going through profound and complex changes. It will thus better summarize and apply its own
successful experience, draw on the practices of other countries, and stay alert about new
problems and challenges that may arise, so as to open up brighter prospects for peaceful
development.
China cannot develop itself in isolation from the rest of the world, and global
prosperity and stability cannot be maintained without China. China's achievements are
inseparable from its friendly cooperation with the outside world; in pursuing development, it
needs further understanding and support from the rest of the world. We are deeply
appreciative to all the countries and peoples who have shown understanding and solicitude for
and given support and help to China's development. Taking the path of peaceful development
by China with its over one billion population is a great new undertaking in the history of
176
human development, and we do not claim that what we do leaves nothing more to be desired.
We welcome all friendly suggestions and well-intentioned criticism. We sincerely hope that
the international community will have a deeper appreciation of China's time-honored cultural
traditions, and respect its sovereignty, security, territorial integrity and social stability, which
the Chinese people hold dear. We hope that it will appreciate China's need to settle, step by
step, various difficulties in development it faces as the largest developing country, and the
aspiration of the Chinese people to shake off poverty and live a prosperous life. We also hope
that the international community will have confidence in the Chinese people's sincerity and
determination to achieve peaceful development, and support rather than obstruct China's
pursuit of peaceful development.
Looking back at the past and looking ahead to the future, we are convinced that a
prosperous and developing China, a democratic, harmonious and stable country under the rule
of law, will make more contribution to the world. The Chinese people will make unremitting
efforts together with other peoples to bring about a bright future for mankind.

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