Artigos - Claretiano - Studium Theologicum Curitiba/PR

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Artigos
EXISTE UM HUMANISMO CRISTÃO?
ESTA PERGUNTA AINDA PODE SER
FEITA?
Jose Rafael Solano Duran *
RESUMO: A teologia Conciliar trouxe consigo, dimensões, que desde o pré-concilio, se distinguiam
ou pela sua capacidade de síntese, ou pela sua capacidade de associar o termo “aggiornamento” a
uma matéria especifi dentro do contexto teológico. Henri De Lubac, jesuíta francês soube muito
bem sintonizar a sua teologia na refl xão e meditação que exigiam os tempos modernos. Sua
participação na elaboração do esquema da Lumen Gentium e da Gaudium et Spes é percebida
através de sua obra: “Atheisme et sens de l’homme. Une double requete de Gaudium et Spes”;
como um verdadeiro desafi para compreender um dos problemas mais fortes e ao mesmo tempo
dramáticos da modernidade: O homem sem Deus. Nesta situação a história vem contribuir para
que juntos possamos enxergar mais de perto a contribuição que o Concilio Vaticano II, continua
oferecendo ao mundo atual; assim como também a necessidade que temos de retomar algumas
perguntas que continuam presentes entre cristãos e não cristãos. O tema central da esperança
não pode fi obscurecido em momentos nos quais muitos não conseguem divisar um horizonte
esperançoso, sem utopias; voltando o seu olhar para as realidades do mundo, sem perder as Eternas.
PALAVRAS CHAVE:
fundamental
Humanismo,
homem-sem-Deus,
mudança,
dramaticidade,
questão
RESUMEN: La teología del Concilio, abordo algunas dimensiones que desde el así llamado pre
Concilio, se distinguían o por su capacidad de sintetizar, o por la de asociar su realidad al termino
¨aggiornamento¨. Desde el punto de vista especifi o, el jesuita Frances, Henri de Lubac consiguió
realizar una perfecta harmonía, entre estas dos dimensiones, permitiendo que su refl xión y
meditación hicieran parte de aquello que las exigencias del mundo moderno pedían. Su participación
en la Lumen Gentium y en la Gaudium et Spes, se ve traducida en su obra Atheisme et sens de
l´homme. Une double requete de Gaudium et Spes. El mayor de todos los desafíos encontrados
en este trabajo de de Lubac, tendrá su mayor auge en el confl to del ateísmo contemporáneo. El
hombre sin Dios.
Dentro de este ambiente la historia contribuye fuertemente, pues la pregunta que aun puede ser
retomada tanto de parte de los cristianos como de los no cristianos es si aun la esperanza tiene o
no cabida en nuestro ambiente que aun divisa un horizonte esperanzador, nada utópico, capaz de
mirar hacia el mundo terreno sin olvidar lo Eterno
PALABRAS CLAVE: Humanismo, hombre-sin-Dios, cambio, dramaticidad, questión fundamental.
* professor na Pontificia Universidade Catolica do Parana - PUC PR - Londrina e Studium Teologicum deCuritiba,
mestre e doutor em Teologia , P.U.Gregoriana, Roma, e posdoutor, pelo Pontificio Istituto Giovanni Paolo II, Roma.
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INTRODUÇÃO
Desde o momento em que o teólogo jesuíta Henri de Lubac, se fez a
pergunta Existe um humanismo cristão, as reflexões teológicas, deram uma virada,
centralizando sua questão fundamental na procura de uma resposta que no
momento apropriado e histórico pudesse refletir as ansiedades e preocupações
que o ser humano e, de modo especial, o cristão tinha naquele momento.
A resposta poderia ser imediata. A teologia contava com excelentes
argumentos para responder a esta pergunta. Simplesmente que olhando para
o seu entorno não poderia deixar de aprofundar e visivelmente se deter com
cautela sobre um panorama de excessiva incredulidade e indiferença.
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Assim a Constituição Gaudium et Spes nos permitiu elaborar nestas paginas
um comentário que à luz de três eventos eclesiais; possamos compreender o
valor da pergunta e a originalidade da resposta. O primeiro destes eventos; os
cinqüenta anos do Concilio Vaticano II, o segundo o ano da Fe e o terceiro o
Sínodo cujo tema e nada mais nem nada menos a nova Evangelização.
Temos que afirmar; já se passou meio século, cinqüenta anos do Concilio
Vaticano II, e a constituição Gaudium et Spes ainda continua em muitos lugares,
desconhecida, ausente e até afastada da reflexão de muitos cristãos;.
Este documento que pela sua atualidade, pelo seu profetismo e talvez
pela sua coragem; exige um comentário, uma aplicação, uma descrição própria
de tudo o que ele significa para o nosso tempo e especialmente uma resposta
aproximada à pergunta que o teólogo frances se fez ao seu tempo e que hoje nós
também nos fazemos.Para alguns pode ser oportuno, para outros simplesmente
inoportuno.
Quero deixar bem claro para os leitores, que me considero muito mais do
que um conhecedor um profundo da obra de De Lubac; um admirador. Sua vida
marcada pela Teologia obediente, contemplativa e especialmente veraz; ajuda a
nós estudiosos e seguidores do seu pensamento a verter um pouquinho de gozo
e esperança para que o ser do teólogo seja cada vez mais claro e eficaz na procura
da Verdade: Cristo.
A GS, esta inscrita dentro deste drama, do século XX e que, sem nenhuma
duvida, vem permeando o inicio do XXI. Ha um humanismo cristão? Os cristãos
temos algo a dizer ao mundo de hoje?
O chamado que o Papa Bento XVI tem feito a toda a Igreja para que
durante o espaço de um ano possa rever e refletir o dom da Fé, como comunhão,
e princípio transformador do homem novo; levou-me a aprofundar esta pergunta
e penso que agora mais do que nunca o pensamento do teólogo jesuíta frances
Henri De Lubac, pode contribuir na nossa reflexão. Faremos algo que ele mesmo
realizou desde o seu tempo de exílio silencioso:“Aplicação paciente dos princípios
cristãos aos problemas de cada dia”1.
O extraordinário do mundo ou o mundo extra ordinário
Assistimos depois de algumas décadas, ao extraordinário do mundo.
Luzes, planetas, sons, prognósticos, pessoas, eventos, catástrofes ou o simples
desejo do homem de dominar a vida, encontra um eco surpreendente no meio
da multidão que clama: queremos mais, queremos mais!
Há alguns anos atrás, na civilização ocidental, tínhamos que esperar um
certo tempo para poder estabelecer o critério dinâmico da expressão: “ As coisas
mudaram”. Hoje os verbos mudar e trocar se misturam com a expressão “já”.
A ciência moderna provém da matemática; já Bergson o afirmava:“A ciência
nasceu no dia em que a álgebra deu lugar aos teoremas de cálculos; e a partir
deles começou a entender a realidade. O homem simplesmente se converteu em
algo exterior à natureza, submetido aos mesmos métodos de pesquisa da ciência
positiva.
Agora que o homem se transformou num ser exterior, que necessidade tem
ele de se renovar, ou de responder a um humanismo, que no lugar de esclarecer
sua passagem pelo mundo o cancela desde a sua concepção? Muitos homens e
mulheres, hoje, se veem realizados, porque têm o domínio da técnica; então são
verdadeiros engenheiros técnicos sem necessidade de um espaço humano.
Existe um problema que poderia ser discutido numa outra oportunidade,
sobre os famosos estados da engenharia social, quer dizer, das ciências aplicadas,
que uma depois da outra só procuram o desenvolvimento do homem desde o
ponto de vista técnico.
Não pertence a nossa reflexão analisar ou cuidar do processo de
humanização da ciência; o que interessa, e será buscado agora, é descobrir o valor
que a Teologia possui e o seu papel neste trabalho.
De Lubac concentra sua procura no que para a G.S vai ser primordial. Evitar
um ceticismo e objetar qualquer tipo de manobra excessivamente “racional”.
1
Cf. DE LUBAC, H. Revelation Divine, Cerf, Paris, 2006.
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Existem porem certos problemas a serem superados no contexto teológico. Para
alguns, uma certa timidez de reflexão aguerrida e contundente, os leva a uma
espécie de saudosismo - o que poderia ser considerado uma mera ilusão da
retrospecção; de outro lado um romantismo exacerbado contra toda sociedade
técnica, que possa substituir os “ídolos” velhos do progresso, um tradicionalismo
objeto de constantes negativas e atitudes desconsideradas e inadequadas.
O verdadeiramente extraordinário, segundo De Lubac, não é outra coisa
que a inteligência criada se submeter a Deus criador desta realidade2.
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Desde o século passado nos faz falta uma boa porção de imaginação
assim como também muita maior confiança no ser humano. Dois elementos
fundamentais para entender o extra-ordinário da vida humana, e a possibilidade
que esta tem de descobrir não somente a sua autocapacidade como também a
disposição que existe em relação das Leis “Providentes”: a ordem Providencial
do universo, sem se transformar numa mera disposição utópica. Não podemos
confundir esta situação com um tal espírito de violência; ainda mesmo que este
não possa exprimir sua totalidade. Se não podemos negar que de quando em
quando se faz necessário que alguns apareçam como profetas abruptos, sensíveis
ao drama iminente que vive o mundo; isto poderá ser considerado como algo
verdadeiramente extra ordinário. O homem que reage, que não fica no silencio
cômodo de alguém que além de se deixar corromper pela via material e econômica
do ambiente no qual se encontra, vivencia uma espécie de inércia, refletida no
escrúpulo da sua corporeidade, abandonando à fatalidade.
Habet homo rationem et manum. O homem pensa e faz!
Ninguém poderia imaginar que santo Tomas de Aquino iria abrir-nos
uma grande perspectiva nesta direção: a razão e o trabalho. Se o Criador dotounos desta dupla relação, não o fez para que fossemos animais um pouco mais
especializados do que aqueles que para evitar o frio se cobrem com seu próprio
pelo, ou daqueles que emigram de um lugar para outro para salvaguardar a própria
espécie. Seria tão pobre quanto ingênua esta visão. Certamente não! Se Deus nos
fez capazes de fazer e pensar, o fez para que participassemos, cooperassemos
com o gênese do mundo por Ele criado. A Escritura, segundo De Lubac, especifica:
“Deus só repousa no sétimo dia”. Sabia muito bem que tinha alguém que podia
fazer o resto, alguém que podia ocupar-se de muitas outras coisas.
2
DE LUBAC, H. Revelation divine. Cerf. Paris 2006.
Aqui é onde eu penso que as coisas começaram a desandar desde algum
tempo até hoje. O homem não soube realizar esta continuidade em relação com
a obra criada por Deus; o homem se encheu de uma vontade perversa, que aos
poucos foi condenando a natureza; num certo sentido“desnaturalizou-se”. Este se
converteria no mal por excelência. Precisamente por esta razão devemos prestar
atenção às criticas que fazemos do assim chamado artificial, que necessariamente
não se trata de uma confrontação com o Criador, e sim uma real experiência de
rejeição por parte da criatura às obras que o Criador tem realizado; entendido
melhor: a natureza do homem torna-se artificial3. Alguns afirmam, artifício.
Nossa pergunta agora alcança um segundo plano, pois não podemos
confrontar o criado com o Criador, sem nenhum tipo de sentido metafórico,
hermenêutico ou teológico. Somos colocados no mundo natural, para viver esta
dimensão, para satisfazer não a nossa mera vontade; mas, sim para poder criar
iniciativas em liberdade, para superar as dificuldades e manter o esforço. Tudo isto
tem a ver com a luta constante que o homem trava com o mal. Precisamente por
esta razão, o homem provoca a natureza, para que ao mesmo tempo, ela incite o
homem a uma experiência dinâmica e operante, uma tensão harmoniosa. O que
pertence ao mundo físico, também pertence ao social. O homem vivencia no dia a
dia, a fortuna desta tensão, e na mediada em que ele se torna autentico, ele poderá
superar o mal. Constantemente somos mero desejo, e isto que nos faz caminhar,
que nos faz respirar o ar da novidade de sermos aquilo que somos, de evitar o
mito de Prometeu. Neste ponto, o teólogo francês nos ajudou a compreender
claramente que qualquer tipo de mitologia ou criação mitológica do ser humano,
em relação ao seu criador, não passa de ser um simples providencialismo, ou
como alguns ousam chamá-lo no nosso contexto Latino Americano: “teologia da
providencia”. Este conceito não pode ser considerado uma verdade cristã. Não
podemos por em jogo a Providencia Divina, em relação ao critério do trabalho
humano, da Tradição, da história, da atividade humana. Tenhamos cuidado
para não cobrir o nome de Deus com coisas superabundantemente humanas,
esquecendo que Ele é Eterno.
O paradoxo Humanista.
Alguns consideram temerário e arriscado afirmar que Blaise Pascal seja o
primeiro de todos os humanistas. Muito mais do que nos pensamentos, Pascal
suscita uma forte reflexão sobre o homem, quando avalia o conceito, ou melhor,
o valor do paradoxo humano. De Lubac de fato realizara uma das mais belas obras
da sua teologia; que levara por nome “Paradoxes”.
3
Ibid. pag. 259.
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De Lubacviveuum bom tempo da sua vida envolvidonum certomisticismo
social, por ele assim chamado. Esta realidade paradoxal permitiu lhe ver com
clareza a necessidade que tem o ser humano de confrontar a Providencia Divina
e o caráter humano do trabalho. Precisamente o que rende o homem muito mais
paradoxal é a capacidade que este tem, é viver em Deus, sendo independente
d`Ele. O homem que está na terra, não pode esquecer sua dimensão futura: no
céu. Precisamente esta se transformará na grande critica que teólogos como
Chardin, Congar, Balthasar e o mesmo De Lubac farão ao marxismo. Um sistema
totalitariamente humano, terreno. O único e verdadeiro desejo do homem
segundo Marx, é a terra e nada mais! O homem sem o céu desconhece as suas
origens.
O homem contemporâneo fez o caminho errado, ou melhor, errou de
estrada, sabe que aquela que fez não é a estrada certa e insiste em manter-se n o
mesmo caminho.
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No século XVII, como hoje no XXI, o homem desconhece o sentido da sua
pergunta contundente da consciência.Um homem que na sua vocação recebe
da consciência o elemento primordial que o faz homem humano e não homem
social, técnico ou arcaico.
A Revelação crista permitiu que o tempo fosse salvo, que a humanidade se
desligasse da natureza de forma tal que não criasse maior vinculo do que aquele
que existe. Cristo libertou todos os homens desta dependência da natureza.
Desde a sua Ressurreição podemos entender com olhos da verdade, e não com
os da mera realidade, que o homem é sempre novo4.
O conjunto da realidade na qual o homem se encontra imerso, faz parte
integrante do seu significado, do seu compromisso. Querendo ou não todos nós
devemos superar uma certa atrofia que temos, da realidade.
Precisamente por isto, Blaise Pascal superou o caráter empírico da ciência
e deu a ela um espirito de finesse, de bom humor, de humanidade. O mesmo
homem que tinha consciência do seu ser nada, do seu ser contingente, podia se
voltar ao seu Criador com a maior de todas as liberdades. Como o próprio Origens
exporá na sua bela Segunda Homilia do Salmo 38: “Proptera non glorietur sapiens
in sapientia sua nec fortis in fortitudine sua quia omnia habemus in Christo”. Tudo o
que temos, o temos em Cristo!
O humanismo cristão é por necessidade um concentrar todo o ser do
homem em Cristo, e foi exatamente o que Pascal fez, depois da sua conversão
ao cristianismo. Ser homem como Cristo simplesmente é impossível, mas tornar
4
MIRCEA , E. Le phenome divise par la Verite. Cerf, Paris 1998.
a sua humanidade marcada pela doença, limitação, solidão e ate pela mesma
época de heresia que viveu, isso é uma experiência nova no próprio Cristo. Em
Cristo, a verdade procurada como método, transforma-se em Verdade Divina e
Humana: em Pessoa.
Na verdade, podemos nos perguntar o que é que o homem procura com
tanto ardor, em si mesmo e nos outros e a resposta que vem de dentro é, nada
mais nem nada menos, que sua categoria ontológica, espiritual e transcendente.
Isto foi o que precisamente não compreenderam os filósofos existencialistas
como Feuerbach e Nietzsche, que nas suas mentalidades Deus devia morrer para
que o homem tivesse vida.
Qual pode ser o destino do homem?
A terminologia menos utilizada por De Lubac, é certamente aquela de
“destino”; precisamente para não cair na ideologia marxista do homem e seu
destino. Tudo isto possui um interesse contextualizado no pensamento de De
Lubac. Tenho certeza que a G.S vai ser redigida e analisada muitas vezes a partir
desta premissa elaborada pelo mesmo De Lubac, ou melhor ainda, pelo próprio
Cardeal Giovanni Baptista Montini, arcebispo de Milão. Montini redigira uma carta
pastoral na quaresma de 1962, que levara por nome: “Pensiamo al Concilio”. Nesta
carta, o futuro Paulo VI, deixa ver claramente que o objetivo do Concilio vai além
das coisas visíveis, sem esquecer o homem concreto, aquele que se encontra
diante da esperança do mundo de hoje, mas ao mesmo tempo diante do eterno.
Declara Montini que a igreja devera evitar duas grandes ilusões: as mudanças
radicais e as esperanças miraculosas5.
Para De Lubac, o homem deve evitar ao máximo mover-se em volta de
si mesmo, sem abrir-se ao horizonte novo do Outro e dos outros; assim não
terá de enfrentar um dos maiores obstáculos de toda sua vida: o materialismo
concentrado em si mesmo.
A procura do verdadeiro sol o aproximará de uma das maiores experiências
que o homem mesmo haverá de alcançar: a supressão, ou melhor ainda, a
superação do mal. Em outras palavras, concluir-se-á num certo sentido a luta
entre o homem e a natureza, e a do homem consigo mesmo; surgindo o homem
total, como aquele que sendo criado, pode alcançar também o essencial na sua
vida, na sua realização; ou como melhor o diria Pascal,a sua autorrealização.
5
MONTINI, G. Pensiamo al Concilio, Milano 1962.
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Em todos os sistemas até agora conhecidos, o destino no homem
foi parcialmente dirigido; concentrado, ou melhor, traçado pelo conceito de
felicidade; conceito contemporaneamente definido como aquisição de um certo
nível de sei lá que ponto alto na historia pessoal e coletiva dos povos.
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Chegar ao ponto é o que importa ao sistema. Para o humanismo cristão,
o maior ponto de realização pessoal e coletiva, vem definido pela liberdade em
razão ao seu Criador; e não pela mera independência. A reciprocidade se expressa
na manifestação própria do amor; como critério imprescindível de comunhão,
participação e dialética. O humanismo cristão, não é nem platônico, nem
marxista, nem hegeliano; nem muito menos pósmoderno. O humanismo cristão
tem sua base na real e harmônica experiência da entrega perpétua pelo outro. A
negação de si mesmo como indivíduo faz com que o homem possua seu destino
e sua realização no maior de todos os eventos: dar-se em favor e para os outros.
O maior sucesso que o próprio homem pode alcançar se traduz efetivamente em
considerar transitório e um tanto ineficaz a proposta do mundo – mesmo que
esta seja transitória; lançando-se numa experiência que o liberte e ao mesmo
tempo o dignifique. Esta ideia de pessoa no cristianismo influenciará fortemente
o pensamento de Jacques Maritain, quem também influenciará grandemente o
pensamento de Paulo VI e dos padres conciliares na elaboração da G.S6.
Seja para De Lubac,seja para Maritain ou mesmo para Paulo VI, o homem
moderno deve sair da visão minimalista oferecida pelos sistemas absolutos e
abordar o elemento total do cristão. Tudo em Cristo.
O humanismo cristão e sua esperança.
Para muitos autores posteriores ao pensamento De Lubac, o coletivo
trazia consigo uma esperança surpreendentemente forte. A história coletiva, o
pensamento e mobilização das massas faziam uma espécie de concentração do
novo e deixava o ar sobrecarregado de novas esperanças. Com o passar do tempo
ficou evidente o fato de que nada mais frágil e tendencioso do que o coletivo.
De fato, a verdade moral não é produzida pela coletividade; em outras palavras,
o ser moral, a consciência moral, não é resultado da coletividade; é construído
na pessoa. O coletivo humano acabará por desaparecer, dando lugar à pessoa
humana. O seguimento do Cristo não é coletivo, é pessoal, direto com nome
próprio e identidade exclusiva.
6 MARITAIN, J. Humanisme integral, Cerf, Paris 2000.
Por esta intrínseca razão; o cristianismo tendo a sua concepção de
pessoa vem trazendo esperança ao mundo. Esta esperança produz uma certeza
suficiente que vem manifesta na sua vocação particular. O realismo cristão é
plenitude7. Segundo De Lubac, o cristão não acreditará numa historia que não
tenha a intervenção livre e espontânea do Deus criador e da criatura criada. O
lugar particular da fé é o espaço de encontro entre o homem e Deus. O homem
é convidado a colaborar filial e fraternalmente. Esta dupla relação provém da fé,
como apelo, chamado, convocação.
Convém afirmar desde o início que o homem vive uma luta constante mesmo que pareça já vencida ou superada - contra o mal. Num certo sentido
profundo, misterioso, trágico e até rigoroso; pois o mal consegue alienar o ser
humano ao ponto de reduzido, pela sua cegueira; ele se sente como outro deus.
Não se poderá esquecer jamais este drama. De Lubac afirmara que para o cristão,
é fundamental lembrar que se trata do pecado. Impossível de não ter presente
esta realidade, pois o que procuramos seriamente é a nossa liberação dele.
Aparece pela primeira vez no pensamento deste teólogo um conceito que dura
e fatigadamente causará entraves nos analistas do Concilio, e especialmente dos
especialistas da G.S.
Entram em jogo dois temas que pela sua densidade e ao mesmo tempo
gravidade aumentarão consideravelmente as problemáticas conciliares.Tratase do livre arbítrio e da consciência moral. Para um mundo que se debate até
hoje diante do conceito de liberdade, se faz justo e ao mesmo tempo necessário
afirmar com De Lubac que o drama da consciência moral, não poderá ser
suprimido com facilidade; especialmente quando esta se percebe errada. De fato,
para De Lubac, não é indispensável professar e conhecer toda a doutrina católica;
para reconhecer suficientemente o mal que o homem pode provocar, sua miséria
espiritual e sua capacidade para autodestruir-se8. Alem da consciência e do livre
arbítrio existe ainda, segundo De Lubac, uma outra realidade que é causa maior
do que o drama na vida do cristão: a maneira de entender a própria existência,
sua forma de ser no mundo. Uma angustia pura, por chamá-la de um modo
especial. Não se trata da angústia existencial, de si mesmo; trata-se do chamado
a transcender aquilo que se transformará na própria esperança. Uma existência
humana sem luta, sem contradição, sem sofrimento, sem procura do Absoluto,
seria simplesmente inadequada para aquele que por amor foi criado e no amor
encontra sua realização total. A consciência que devemos buscar deve ser pura,
limpa, reta.
7
8
DE LUBAC, H. Revelation divine, Cerf, Paris 2006.
Vale a pena perceber nestas afirmações de De Lubac, a forte influencia que existirá entre ele,
Romano Guardini e Jacques Maritain. De fato obras como“A la recherche de la paix” de Guardini
e “Raison e raisons” de Maritain; vão ter um dimensionamento decisivo no pensamento de De
Lubac.
99
Conclusão.
100
Falar do humanismo cristão, sem olhar para o contexto da G.S,
pareceria algo desolador. Um texto como este deve se converter numa bússola,
que guia e orienta o caminho de quem se sente devedor das riquezas do
Concilio Vaticano II. Trata-se de um humanismo convertido; parafraseando Santo
Irineu de Lião:“Gloria Dei, vivens homo”( A glória de Deus é o homem vivente).
Homem deve procurar o caminho, a via, que conduz a Deus; mas ao mesmo
tempo, deve fazer o melhor e mais possível para descobrir esta via no mundo. Por
isso mesmo o termo progresso tem sentido, quando não é simplesmente um
valor técnico; mas especialmente moral. Precisamente aqui encontrará sentido
o termo “sobrenatural” {surnaturel}; que não é uma natureza mais sublime, mais
bela, mais rica e mais fecunda; não é (como em outro tempo se dizia por meio
de um péssimo neologismo) uma super natureza. Trata-se da irrupção de todo
um outro principio, de uma nova criação, de um coração novo.
A criação toda foi feita sem a participação do homem ate o dia sexto> a partir do sétimo
dia, o homem começou a fazer parte desta criação. Agora bem, no oitavo dia, que é o dia do
Senhor, o homem não poderá fazer coisa diversa que receber, acolher e, especialmente,
implorar que desça do céu, todo bem e toda a Graça