21 Gramas

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21 Gramas
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CURSO DE DESIGN DIGITAL
A NARRATIVIDADE NO CINEMA E NA HIPERMÍDIA:
UMA ANÁLISE POR MEIO DO FILME 21 GRAMAS
ANA CLAUDIA PÁTRIA
FELIPE SZULC
MATEUS KNELSEN
MILEINE ISHII
PAMELA CARDOSO
RENATA MARTINEZ
TÂNIA TAURA
SÃO PAULO
2008
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CURSO DE DESIGN DIGITAL
A NARRATIVIDADE NO CINEMA E NA HIPERMÍDIA:
UMA ANÁLISE POR MEIO DO FILME 21 GRAMAS
ANA CLAUDIA PÁTRIA
FELIPE SZULC
MATEUS KNELSEN
MILEINE ISHII
PAMELA CARDOSO
RENATA MARTINEZ
TÂNIA TAURA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
à Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção de título de Graduação do
Curso de Design Digital, Habilitação em
Design Digital, da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação dos Profs. Marcelo
Vieira Prioste e Nelson Somma Junior.
SÃO PAULO
2008
BANCA EXAMINADORA
DEDICATÓRIA
Dedicamos este trabalho aos nossos
familiares e amigos, por todo apoio e
compreensão concedidos, e a todos aqueles
que direta ou indiretamente nos auxiliaram na
conclusão dessa trajetória.
RESUMO
O presente trabalho pretende analisar a estrutura narrativa e discursiva do filme 21
Gramas – segundo na trilogia cinematográfica dirigida por Alejandro González
Iñárritu e roteirizada por Guillermo Arriaga Jordán –, a fim de estabelecer reflexões
relevantes
a
respeito
das
possíveis
relações
existentes
entre
narrativas
desenvolvidas para o cinema e narrativas voltadas para meios hipermidiáticos. A
escolha do filme em questão se deu pelo fato do mesmo representar de maneira
mais marcante o assincronismo e não-linearidade explorados no decorrer de toda
trilogia, facilitando sua analogia com as características da hipermídia. Para tanto,
propõe-se primeiramente a desconstrução do filme em sua estrutura informacional
(roteiro) e discursiva (montagem e a pós-produção), para, finalmente, refletir-se
acerca da narratividade aplicada a ambientes hipermidiáticos.
Palavras-chave: Cinema; Hipermídia; Narrativas.
ABSTRACT
The present work intends to analyze the narrative and discursive structures of the
movie 21 Grams – second one in the cinematographic trilogy directed by Alejandro
González Iñárritu and written by Guillermo Arriaga Jordán –, in order to establish
considerable reflections on the possible relations between narratives developed for
cinema and narratives managed for hypermediatic environment. The election of this
specific movie is due to the fact that it represents very well the asynchronism and
non-linearity explored by the authors in the whole trilogy, making the analogy with
hypermedia’s characteristics somewhat easier. In order to discuss the aspects
mentioned above, we propose the following method: first, a deconstruction of the
movie in both its informational (screenplay) and discursive (montage and postproduction) structures, to then be able to approach narrativity applied in
hypermediatic environments.
Keywords: Cinema; Hypermedia; Narratives.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 1
2
CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS NARRATIVAS PRESENTES NA
TRILOGIA EM ESTUDO ................................................................................. 4
3
4
5
ANÁLISE ESTRUTURAL: O ROTEIRO DE 21 GRAMAS ........................... 10
3.1
CONFLITO E AÇÃO DRAMÁTICA ..................................................... 10
3.2
PERSONAGENS ................................................................................ 27
3.3
O TEMPO NA NARRATIVA ................................................................ 40
RELAÇÃO TEXTO-IMAGEM: A MONTAGEM E A PÓS-PRODUÇÃO ....... 49
4.1
SEQUÊNCIAS, CENAS E PLANOS ................................................... 51
4.2
ILUMINAÇÃO E MOVIMENTOS DE CÂMERA .................................. 61
4.3
TRATAMENTO DE IMAGEM .............................................................. 69
4.4
ANÁLISE DO TECIDO SONORO ....................................................... 82
OS DISCURSOS CINEMATOGRÁFICO E HIPERMIDIÁTICO:
DA TRILOGIA À HIPERMÍDIA .................................................................... 100
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 118
7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 120
8
ANEXOS ................................................................................................................. 124
1
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho toma como objetos de estudo as narrativas presentes na trilogia
cinematográfica composta por Amores Brutos (México, 2000), 21 Gramas (Estados
Unidos, 2003) e Babel (Estados Unidos, 2006), dos quais a direção e o roteiro são
respectivamente creditados aos mexicanos Alejandro González Iñárritu e Guillermo
Arriaga Jordán. Aventa-se a hipótese de que tais filmes representem reflexões sobre
o narrar contemporâneo no cinema, sendo estas relevantes no estudo da técnica e
das características das narrativas em meios hipermidiáticos. Este estudo encontra
sua justificativa na aproximação da hipermídia à linguagem do Cinema,
consideradas mídias nas quais o percurso narrativo pode ser explorado.
Não obstante, a trilogia cinematográfica em questão apresenta uma estrutura e um
discurso narrativos particularmente interessantes quanto a esta discussão,
possuindo em seus filmes características marcantes como o assincronismo, a
complexa trama de causalidades entre os elementos narrativos e o discurso
audiovisual que dá forma a essa complexidade. A desconstrução dos filmes em
características estruturais e discursivas servirá como princípio para o estudo das
narrativas em ambientes hipermidiáticos.
Para tanto, este trabalho considera a construção da narrativa cinematográfica como
um processo composto de três fases: roteiro, montagem e pós-produção. Observase que os aspectos referentes a cada uma das etapas do processo de
desenvolvimento dos objetos de estudo serão examinados quanto a sua importância
narrativa, sendo, portanto, desconsiderados elementos da produção que não sejam
de relevância para a discussão aqui proposta.
Visando uma análise consistente dos aspectos relatados, o presente trabalho tomará
como objeto de estudo o filme 21 Gramas, haja vista que este apresenta, de maneira
marcante, todas as principais características presentes ao longo da trilogia
cinematográfica. Entende-se, portanto, que 21 Gramas exemplifica o auge da
discussão de narrativas não-lineares no cinema, estabelecida anteriormente por
Amores Brutos e finalizada em Babel. Estes dois filmes que completam a trilogia
2
serão trazidos enquanto complemento para o estudo, estando o foco de análise
estabelecido em 21 Gramas.
Sendo assim, primeiramente, serão apresentadas as características gerais da
trilogia: aspectos referentes às narrativas introduzidas pelos três filmes que sejam
similares ou que possam ser discutidos enquanto proposta geral das obras. Estes
pontos a serem levantados servem como base para um aprofundamento destes
aspectos na análise de 21 Gramas.
Posteriormente, 21 Gramas será analisado quanto aos seus aspectos estruturais – o
roteiro – e discursivos – a montagem e a pós-produção. Aqui há um aprofundamento
da análise das propostas presentes nas narrativas dos três filmes com exemplos
retirados de 21 Gramas, que por sua vez servem como alicerce para a etapa
posterior: a discussão sobre possíveis relações entre as propostas da trilogia
cinematográfica em estudo e a hipermídia quanto às possibilidades e características
do uso de narrativas em meios hipermidiáticos.
Para a realização deste estudo, pressupõe-se que a proposta presente nos três
filmes começa por um trabalho conjunto entre roteirista e diretor. Segundo
comentários de Arriaga e Iñárritu no DVD de Amores Brutos (2001), o filme já nasce
não-linear, ou seja, sua estrutura é construída de maneira não-hierárquica. Sabe-se
que a trilogia do diretor e roteirista mexicanos não é a primeira a explorar a nãolinearidade como proposta. A trilogia em questão, no entanto, destaca-se por
enfatizar a narrativa como forma de construção desta não-linearidade, propondo
uma relação muito próxima entre o que é contado e como é contado, ou seja, um
real projeto da estrutura da informação e do discurso a ser adotado de forma a
enfatizar a complexidade da trama.
Assim sendo, propõe-se que a trilogia de Arriaga e Iñárritu leve a discussão da
complexidade das relações entre os elementos narrativos a um nível particular,
servindo-se de narrativas não-lineares para criar sua discussão e sua linguagem.
Isso é feito com base nos conflitos sociais contemporâneos, especialmente
referentes aos países latinos, também caracterizados por uma crescente
complexidade de relações de causalidade e choques entre realidades sociais,
3
culturais e econômicas. Compreende-se, portanto, a problematização das relações
apresentadas pelos três filmes como retratos cinematográficos da vida cotidiana,
como uma forma de narrar baseada nas características do seu tempo, no qual a
informação é hipertextual e as realidades podem ser abordadas em macro e micro
perspectivas. Estes aspectos de linguagem e de relação com seu espaço-tempo
apresentados pela trilogia são tomados como potenciais diálogos com narrativas
desenvolvidas para ambientes não-lineares.
4
2
CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS NARRATIVAS PRESENTES NA
TRILOGIA EM ESTUDO
Uma narrativa pode ser descrita, sinteticamente, como a transgressão ou movimento
entre dois estados. Narrar é, portanto, apresentar a dinâmica de estados de
personagens, fatos, tempos e espaços por meio da perspectiva de um narrador,
ainda que este seja oculto ou difícil de ser distinguido. No cinema, a arte de compor
narrativas encontra-se na dialética entre o que é contado e como é contado, um
diálogo entre forma e conteúdo cujas diversas possibilidades articulam diferentes
visões do mundo e atingem públicos dos mais distintos contextos culturais.
No intuito de apresentar Amores Brutos, 21 Gramas e Babel quanto à análise de
suas características narrativas, aponta-se, em primeiro lugar, que os filmes sugerem
uma discussão quanto à abrangência dos meios audiovisuais em um contexto
mundial no qual os discursos atravessam barreiras políticas e geográficas. Por
constituir-se de uma linguagem baseada na imagem e no som, o cinema não está
tão restrito às diferenças lingüísticas – como é o caso dos discursos textuais –
podendo, no entanto, estar em maior ou menor grau influenciado por fatores
culturais locais. Utilizando-se deste potencial do cinema, a trilogia em discussão
metaforiza conflitos passíveis de identificação em diversas culturas por meio de
personagens e espaços específicos. No entanto, a abrangência geográfica destes
conflitos torna-se progressivamente maior no decorrer da trilogia, o que reforça a
intenção do roteirista e do diretor de demonstrar que os dramas locais são nada
além de manifestações em menor grau de uma complexa sistemática fractal que
constitui, simultaneamente, a ordem e a desordem da sociedade contemporânea.
Em Amores Brutos, o conflito gira em torno de três núcleos narrativos, situados na
periferia da Cidade do México. O primeiro deles é constituído por Octavio (Gael
Garcia Bernal), cunhado de Susana (Vanessa Bauche), que se apaixonam e vivem
um amor proibido. Octavio envolve-se em rinhas de cães para tentar conseguir
dinheiro e fugir com Susana das ameaças do seu marido, Ramiro (Marco Pérez), um
homem violento que realiza assaltos pela cidade. O segundo núcleo é constituído
por Daniel (Álvaro Guerrero), um renomado editor que abandona a família para
5
assumir um relacionamento com a famosa modelo Valeria (Goya Toledo). Por fim, o
terceiro núcleo é caracterizado por Chivo (Emilio Echevarria), um ex-professor
universitário que abandona a família em prol de movimentos políticos, sendo preso
por vinte anos. Uma vez livre, Chivo passa a morar nas ruas, sobrevivendo como
assassino de aluguel e adotando cães desabrigados como irônica compensação de
sua falta de compaixão humana. Ao longo do filme, ele tenta reconciliar-se com sua
filha, Maru (Lourdes Echevarria), que não sabe que seu pai ainda vive.
As três histórias colidem em um mesmo fato marcante, apresentado no princípio do
filme: um acidente de automóvel que liga as vidas de todos os personagens
envolvidos. Tal fato é explicado e tem suas conseqüências reveladas de maneira
não-linear ao longo da narrativa, que transita pelos diferentes contextos sócioeconômicos dos personagens,
revelando simultaneamente
aproximações e
contrastes entre os mesmos. O nome original do filme, Amores Perros (literalmente,
“Amores Caninos”), traduz em palavras a metáfora que Arriaga e Iñárritu propõem
quando ligam as vidas dos personagens por meio de um cão, Cofi, causa indireta do
acidente. A afetividade (ou a sua ausência) entre homens e cães é a ironia e o metadiscurso sobre a brutalidade das periferias da Cidade do México, nas quais seres
humanos e animais se equiparam na luta por sobrevivência e prazer.
De maneira similar se desenvolve a narrativa em 21 Gramas, porém, de modo mais
complexo, com um assincronismo acentuado, maior número de personagens
envolvidos e de conflitos internos e externos. Mais uma vez, o conflito principal é
composto por um acidente de carro, desta vez, em Memphis, uma pequena cidade
no interior do estado norte-americano de Tennessee. Jack Jordan (Benicio del Toro),
ex-presidiário recuperado por meio do seu fanatismo religioso, atropela e mata o
marido e as duas filhas de Cristina Peck (Naomi Watts). O marido de Peck torna-se
doador de seu coração a Paul Rivers (Sean Penn), um professor de matemática a
beira da morte e com um turbulento relacionamento com Mary Rivers (Charlotte
Gainsbourg).
Novamente, um fato central e um elemento da história ligam todos os personagens e
conflitos envolvidos na trama; temos, respectivamente, o acidente de carro causado
por Jack e o coração de Paul. Usando destes dois elos, Arriaga e Iñárritu discutem
6
semelhanças e diferenças sobre o amor por meio de fragmentos não-lineares que
revelam eventos passados, presentes e futuros não totalmente discerníveis e cuja
compreensão global só é reconstruída com o fechamento da narrativa.
O título 21 Gramas provavelmente encontra sua origem na teoria do doutor Duncan
MacDougall, difundida no estado norte-americano de Massachusetts do começo do
século XX. MacDougall pesou cerca de seis pacientes durante o processo de
falecimento para averiguar o possível peso da alma humana, no intuito de atestar
sua mensurabilidade. O mesmo foi feito com cães como cobaias1 (HOLLANDER,
2001). O filme de Iñárritu e Arriaga resgata a teoria da mensurabilidade da alma
como metáfora do valor creditado à vida, à morte e ao amor.
Babel encerra a trilogia, expandindo os limites geográficos dos conflitos sociais
abordados nos dois filmes anteriores. Como o próprio nome sugere, a narrativa se
fundamenta na simbologia da história bíblica sobre a Torre de Babel, que demonstra
como a incomunicabilidade entre os homens é capaz de destruí-los e impedi-los de
alcançar sua redenção.
Assim como nos dois primeiros filmes, a narrativa se desenvolve por meio de
fragmentos que apresentam pontos de ligação entre si, resultando em uma trama
complexa dotada de interconexões. Entretanto, em Babel, Iñarritu e Arriaga
exploram em menor grau o assincronismo em prol de um maior número de
personagens e conflitos internos e externos em um filme de caráter global.
A história trata do casal de norte-americanos Richard e Susan Jones (Brad Pitt e
Cate Blanchett), em férias no deserto do Marrocos. Dois garotos, Yussef e Ahmed
(Boubker Ait El Caid e Said Tarchani), aprendem a atirar com uma arma que seu pai
ganhou de presente de Yasujiro (Koji Yakusho), um caçador e empresário japonês.
Richard e Susan deixam seus filhos pequenos – Debbie e Mike (Elle Fanning e
Nathan Gamble) – em San Diego, Estados Unidos, sob os cuidados da imigrante
mexicana Amelia (Adriana Barraza), que leva as crianças ao casamento do seu
sobrinho em Tijuana, México. Enquanto isso, no Japão, a adolescente Chieko (Rinko
1
Apesar da grande variedade de resultados, MacDougall chegou a uma média de 21 gramas de perda de peso apresentados
pelos pacientes no momento de sua morte. A pesquisa ganhou popularidade, porém foi rejeitada pela comunidade científica
devido a sua frágil fundamentação (HOLLANDER, 2001).
7
Kikuchi) tem uma vida conflituosa devido a sua deficiência auditiva em uma Tóquio
repleta de estímulos sensoriais. Após a morte da mãe, Chieko tenta enfrentar os
preconceitos e o relacionamento problemático com o pai, Yasujiro. Os destinos
dessas quatro famílias se cruzam por meio de um evento: Susan é atingida por uma
bala disparada pela arma de Yussef e Ahmed; Richard enfrenta diversas barreiras
políticas e culturais para salvar sua esposa. Simultaneamente, Amelia e as crianças
do casal Jones se perdem no deserto mexicano, uma vez que a governanta é
acusada do seqüestro de Debbie e Mike por tentar cruzar a fronteira sem seus
documentos.
Babel, portanto, estabelece um paradoxo ao aproximar as distâncias culturais
existentes entre Marrocos, México, Estados Unidos e Japão. Os conflitos retratados
unem e afastam as personagens, sublinhando traços em comum entre os diferentes
núcleos ao mesmo tempo em que problematizam as relações humanas, criando um
certo distanciamento. A síntese resultante destes contrastes serve como cenário
para Iñárritu e Arriaga narrarem histórias caóticas que caminham sempre para a
tragédia graças à incapacidade de comunicação entre os homens em um mundo
“globalizado” pela tecnologia e padrões político-econômicos.
Percebe-se, portanto, que os três filmes em estudo tratam de histórias que discutem,
de maneira progressiva quanto a sua abrangência geográfica, os efeitos dos
conflitos sociais, econômicos e políticos nos relacionamentos entre indivíduos. As
histórias presentes nos filmes, apesar de não estabelecerem continuações entre si,
são similares quanto aos conflitos elaborados, à linguagem discursiva adotada na
abordagem dos mesmos e à multiplicidade de contextos e vozes que narram as
histórias envolvidas.
Quanto
à
multiplicidade
de
vozes
discursivas,
sabe-se
que
a
narração
cinematográfica se dá, invariavelmente, pelo ponto de vista e de escuta
determinados pela câmera, por vezes personificada em alguma personagem ou
dando a impressão da existência de um “observador oculto”, um terceiro alguém
presente na história que é ignorado pelo universo diegético, revelando ao
espectador, porém, este mesmo universo (MACHADO, 2007).
8
Cabe, aqui, introduzir ao leitor o conceito de diegese que, em poucas palavras, pode
ser considerada
a história compreendida como pseudomundo, como universo fictício, cujos
elementos se combinam para formar uma globalidade. A partir de então, é
preciso compreendê-la como significado último da narrativa: é a ficção no
momento em que não apenas ela se concretiza, mas também se torna una.
Sua acepção é, portanto, mais ampla do que a de história, que ela acaba
englobando: é também tudo o que a história evoca ou provoca para o
espectador. Por isso, é possível falar de universo diegético, que
compreende tanto a série das ações, seu suposto contexto (seja ele
geográfico, histórico ou social), quanto o ambiente de sentimentos e de
motivações nos quais elas surgem (AUMONT, 1995: 114).
A diegese, portanto, é a tendência da história em apresentar-se como universo
completo, autônomo e independente da narrativa que a constrói, desfrutando de
uma existência própria que, quase sempre, pode ser considerada uma simulação do
mundo real (Ibid.: 114).
No caso da trilogia em questão, observa-se que a narração se dá por meio do
“observador oculto” acima descrito, indiferente ao universo diegético, porém
determinante para o discurso dos filmes. Esta “humanização” do papel da câmera
pode ser identificável por meios dos ângulos, perspectivas e movimentos tomados
durante o processo de filmagem.
As formas como isso se dá variam desde a adoção pelo narrador do ponto
de vista de uma personagem, o que implica a parcialidade e a subjetivação
do universo diegético, até a dissolução do narrador numa multiplicidade de
vozes que se defrontam e se contradizem ao longo de uma narrativa
descentralizada e aberta (MACHADO, 2007: 11).
Este “narrador múltiplo” presente nos três filmes analisados, pode ser descrito como
o eixo entre a diegese e o espectador, ainda que este eixo esteja dissolvido na
multiplicidade de vozes propostas por Arriaga e Iñárritu que atuam como enunciação
de uma complexa trama de relações entre conflitos. Amores Brutos, 21 Gramas e
Babel são filmes que possuem inter-relações não somente quanto à abordagem
9
similar das narrativas cinematográficas, mas também por apresentarem um fato
central e um elemento narrativo (personagem ou objeto), que ligam os eventos e
personagens, conferindo um ponto de confluência entre as diversas instâncias. Não
se trata apenas de aproximar todas as realidades que compõem o universo diegético
das narrativas, mas de justapô-las e, a partir de sua aproximação, distanciá-las
ainda mais por meio da comparação e da ironia. Estas aproximações de aspectos
aparentemente desconexos compõem a síntese semântica desejada por Iñárritu e
Arriaga. Sendo esta síntese de cunho metafórico, as relações entre os elementos
narrativos
propiciam
abertura
para
diferentes
níveis
de
interpretação
e
compreensão.
No website oficial do filme Amores Brutos, encontra-se a seguinte afirmação: “se a
sua história acabou bem, encontre sua razão na linha do „Amores‟. Se acabou mal,
encontre sua razão em „Brutos2‟”. Esta frase exemplifica o objetivo dos produtores
dos filmes em deixar as interpretações das histórias que os compõem a cargo do
espectador.
Uma vez determinadas as características gerais da trilogia em estudo, parte-se para
um exame detalhado das narrativas cinematográficas por meio de 21 Gramas.
2
Ver texto completo em <http://movies.filmax.com/ amoresperros/>
10
3
ANÁLISE ESTRUTURAL: O ROTEIRO DE 21 GRAMAS
A análise do roteiro é fundamental para a compreensão de uma narrativa
cinematográfica. É o roteirista o responsável por organizar inicialmente o conteúdo
da obra; enquanto o diretor determina a forma por meio da qual a narrativa se
estrutura, o escritor de um roteiro determina os alicerces do discurso, o que deve ser
contado.
Conforme afirmado anteriormente, na trilogia analisada o trabalho do roteirista é
particularmente interessante por ser desenvolvido em conjunto com o diretor, a fim
de gerar um produto final cuja complexidade não poderia ser atingida sem um
projeto em parceria. Ao construírem uma estrutura não-linear, Arriaga e Iñárritu
propõem que a montagem explore a linguagem discursiva do filme em fragmentos,
ou seja, a ordem do tempo narrativo difere da ordem do tempo cronológico inerente
ao universo diegético. Em outras palavras, os filmes da trilogia são composições de
recortes feitos em diversos momentos da história, tendo seus nós informacionais
(cenas e seqüências) compostos de elementos narrativos que atuam como links
entre eles. Tal procedimento permite que o espectador realize um processo de
“colagem mental”, uma vez que 21 Gramas se trata de uma narrativa audiovisual
que exige maior participação do espectador para sua compreensão. O espectador é
instigado a ligar os nichos de informação no filme segundo seus critérios pessoais, o
que torna as narrativas presentes nos filmes mais “particulares”, ligadas à
experiência individual e não só ao que é exibido na tela.
3.1
CONFLITO
O escritor é o primeiro a visualizar a trama a ser contada: a princípio apenas
idealizada pelo autor, ela é posteriormente registrada no papel como roteiro. Nesse
sentido, Frank Daniel afirma que “Quando as pessoas me perguntam o que vem a
ser escrever roteiros, tenho uma resposta padrão – é contar histórias interessantes
11
sobre gente interessante de uma forma interessante. Só isso. (…) sim, porque
roteirizar é fazer um filme no papel” (HOWARD; MABLEY, 2002: 21).
Em entrevista, Arriaga afirma que a idéia para escrever os roteiros parte muitas
vezes de situações pelas quais passou ou surge através de sonhos e, antes de
serem escritas, as idéias passam por um período de amadurecimento, sendo
pensadas e repensadas. 21 Gramas, conforme conta, surgiu de uma ocasião real
em que o roteirista atrasou-se para sua própria festa de aniversário, o que irritou sua
esposa. Para ser perdoado, Arriaga imaginou relatar que havia atropelado uma
família (ARRIAGA, 2004).
No que se refere à teoria clássica do cinema, padrão adotado para análise de 21
Gramas, Howard e Mabley (2002) destacam que uma história intrigante, ao ser
narrada, envolve um personagem principal (podendo haver mais de um), com um
difícil desejo a ser satisfeito, de maneira a impactar emocionalmente o
leitor/observador e evocar assim sua participação no enredo. O final dessa história
deve ser satisfatório, o que não significa propriamente um desfecho feliz. A visão
fundamental que um roteirista pode desenvolver sobre sua obra, segundo
mencionam os autores, é a seqüência de eventos, por sua vez constituída de vários
elementos primordiais ao ritmo da narrativa, por exemplo: o diálogo entre
personagens, o contexto da história, a ambientação, o figurino, os efeitos sonoros, a
música, a fotografia, entre outros. Arriaga trabalhou cautelosamente com esses
elementos ao longo dos roteiros que desenvolveu para a trilogia. O escritor acredita
que ao mesmo tempo em que cada cena tem seu próprio significado, a justaposição
das passagens altera sua semântica dentro do contexto da obra (ARRIAGA, 2004).
O caráter semântico de uma narrativa, conforme observa BORDWELL (2005)
“confere significação a um mundo ou conjunto de idéias”. Como exemplo de
justaposição, cita-se a cena de 21 Gramas em que Cristina sai da piscina após
nadar com sua irmã Claudia (Clea DuVall), despedindo-se da mesma com um
sorriso. Na ordem cronológica não-linear em que o filme foi disposto, a cena
seguinte apresenta Jack e sua família em um centro religioso, exaltando o contraste
entre as diferentes personagens (figura 1). Contudo, em uma reorganização lógica e
linear, este é o mesmo momento que suas filhas e marido estão saindo da
12
lanchonete, e que também Jack se despede de seu amigo e segue em direção à
caminhonete; na seqüência, ocorre o acidente causado por Jack que tira a vida do
marido e filhas de Cristina (figura 2).
FIGURA 1: Justaposição de cenas em 21 Gramas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
13
FIGURA 2: Reorganização linear de seqüência de 21 Gramas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Para que sua idéia se torne tangível na tela, uma boa prática é o escritor ter
conhecimento das artes cinematográficas e comunicação clara e objetiva com o
diretor e os demais profissionais do cinema.
Nota-se tal preocupação na estruturação do roteiro original de 21 Gramas, em que
Guillermo Arriaga descreve minuciosamente cada personagem, estruturando-os
física e psicologicamente. Detalha ainda cada cena, cada elemento de composição,
buscando criar junto à equipe um filme próximo às suas intenções iniciais.
Jack (trinta e cinco anos) é um homem forte e nervoso, com a barba a fazer
e características de um lobo. Ele veste jeans azul e camisa de manga curta.
A frase “Jesus ama você” é tatuada em seu antebraço esquerdo, a sua
direita há um ideograma chinês e runas, e existe uma estrela atrás de sua
mão direita. Um coração pequeno é tatuado em seu pescoço (ARRIAGA,
2004).
14
Acrescentamos que “No fim roteirizar resume-se ao planejamento meticuloso da
representação física da história (…)” (HOWARD;MABLEY, 2002: 32).
Ao contar uma história, o roteirista leva em consideração como o público vai
vivenciá-la, o que o espectador sabe, o que desconhece, o que pode ser antecipado,
e de que forma pode surpreendê-los. Já o diretor torna a trama o mais verossímil
possível, concretizando suas intenções na tela, o que difere a experiência estética
cinematográfica da experiência de um leitor que conta com sua imaginação para
visualizar imagens relativas à história contada. Assim, Arriaga diz que a narrativa no
cinema é compreendida pelo espectador através de ações e imagens (ARRIAGA,
2004).
Para a organização das idéias acerca do enredo, uma técnica comum aos escritores
é a estruturação da trama em atos. No intuito de colaborar com o potencial imersivo
do filme, o roteirista suaviza as transições entre os atos a ponto destas passarem
despercebidas pelo público. Esse recurso possibilita que a história evolua
homogeneamente, considerando ainda os cortes e mudanças no tempo e no
espaço. Nas palavras de Howard e Mabley (2002: 54), “A vivência ideal que um filme
pode dar ao público é a de um sonho ininterrupto, a de uma trama evoluindo e
progredindo sem cessar”.
Dentro da teoria clássica do cinema, em geral, os filmes podem ser divididos em três
atos (genericamente: princípio, meio e fim), sendo o primeiro a apresentação das
personagens principais e do conflito matriz ao espectador. Até o final do primeiro
ato, o objetivo das personagens centrais terá sido revelado, bem como alguns
indícios dos obstáculos a serem superados. Durante o segundo ato, os obstáculos
são mais explorados e detalhados, para que sua superação por parte das
personagens seja uma forma de manter o espectador envolvido emocionalmente
com o enredo. Em paralelo, as personagens se desenvolvem e são movidas por
uma força que será compreendida apenas no terceiro ato, que amarra a história e
resolve os conflitos.
15
Em 21 Gramas a compreensão total dos atos se dá apenas com o término da
narrativa3, pois os fatos que os compõem encontram-se dispersos cronologicamente.
A narrativa, nesta forma de organização, torna-se menos previsível e é
potencialmente mais imersiva.
O conflito é o nó central de uma trama. É através dele que uma história é contada,
ganha força e movimento e é impulsionada adiante. “A palavra-chave para mim, é
sempre o conflito. Qual é o conflito da história? Qual é o conflito que vai contar a
história que você quer escrever?” (BERNSTEIN apud HOWARD; MABLEY, 2002:
82).
O conflito está intrinsecamente ligado à concepção das personagens, que por sua
vez está relacionada ao desenvolvimento de uma história. O conflito se instaura a
partir do momento que uma personagem tem um objetivo, um desejo intenso e
desesperado por algo e está tendo dificuldade em obtê-lo devido a uma força
opositora externa, ou seja, outra personagem, ou ainda a natureza, circunstâncias
da história, ou uma força interior da própria personagem. O objetivo precisa
despertar oposição para produzir conflito, e é dessa forma que se garante uma
história forte e a atenção do público. Este aspecto deve estar presente tanto na
história como um todo quanto nas cenas individuais, pois conforme mencionam
Howard e Mabley (2002), se ninguém deseja nada em uma cena ela murcha, e se
ninguém desejar nada na história inteira o roteiro não progride. “Na verdade, não se
cria conflito com histrionices ou comportamentos exagerados e sim com um
personagem querendo algo que é difícil de obter ou conseguir.” (HOWARD;
MABLEY, 2002: 83).
As personagens centrais podem ser constituídas de conflitos internos ou externos,
ou ainda possuírem ambos. Conforme citam Howard e Mabley (2002), são estes
aspectos que mostram o que vai por dentro de uma personagem. Diz-se conflitos
internos aqueles que se apresentam como batalhas travadas internamente na
personagem, que possui dentro de si tanto desejos quanto resistência aos mesmos.
3
Procedimento também encontrado em Amores Brutos.
16
Já os conflitos externos são aqueles travados diretamente com outras personagens,
causados por oposições entre seus desejos particulares.
Guillermo Arriaga criou o roteiro de 21 Gramas de forma a desconstruir a linearidade
cronológica. É possível dividir o filme em três atos, mas é necessário ressaltar que
alguns fatos que teoricamente pertenceriam ao segundo ato, por exemplo, são
exibidos no primeiro; da mesma forma, o que faria parte do primeiro é exibido
somente no terceiro ato da trama. Isso significa que começo meio e fim estão
dissolvidos ao longo do enredo.
De acordo com Murray (1997: 50), “o início de uma trama é carregada de
possibilidades”. O primeiro ato de 21 Gramas não demonstra ser diferente, sendo
que este aspecto se amplia para o espectador pelo fato de a narrativa ser
estruturada não-linearmente, pois a incerteza do que pode ou não acontecer é um
fator de grande peso que mantém a participação do espectador ativa. O truque para
manter a participação do público no drama é a “incerteza sobre o futuro imediato,
incerteza sobre o desenrolar dos acontecimentos” (HOWARD; MABLEY, 2002: 72).
No ato inicial de 21 Gramas, é possível identificar as personagens centrais Cristina
Peck, Paul Rivers e Jack Jordan e seus respectivos conflitos, a princípio, apenas
internos.
O conflito interno inicial de Cristina gira ao redor do vício das drogas e a
possibilidade de cura. Esse objetivo fica evidente em uma das primeiras cenas em
que a personagem aparece: ela está depondo em uma associação sobre seu
distanciamento das drogas, viável somente, a seu ver, em virtude do seu casamento
e de suas filhas. Posteriormente, com a compreensão do universo em que a
personagem está inserida, toma-se conhecimento de sua família, composta por pai,
irmã, marido e duas filhas. No final do primeiro ato, Cristina descobre que sua família
é vítima de um acidente (a personagem não sabe, mas para o público já fica claro
que se trata de um acidente de carro). Há vestígios de que a perda de sua família,
ainda não completamente delineada, será um dos obstáculos enfrentados pela
personagem.
17
Jack é apresentado como um homem religioso, que através de sua fé busca a
salvação. Ele deseja inicialmente reconstruir sua vida, inserir-se na sociedade
novamente após ter sido preso diversas vezes desde a adolescência. Muitas são as
cenas no primeiro ato que mostram Jack Jordan prestando trabalho voluntário no
Centro Religioso, lidando com delinqüentes juvenis, sendo constante o confronto
com seu passado. Dentro do mundo no qual está inserido, Jack conhece sua
esposa, filhos, e o reverendo John (Eddie Marsan), personagens estas que se
destacam por terem uma ligação grande com Jordan na trama. Ao término do
primeiro ato, é revelado ao público que Jack é o responsável pelo atropelamento do
marido e das filhas de Cristina. Nitidamente, um dos obstáculos pelos quais a
personagem passará será aprender a conjugar sua fé com o fato de ter provocado o
acidente. O conflito acentua-se uma vez que a sua caminhonete, a mesma que
atropelou um homem e duas garotinhas, foi ganha em uma rifa por vontade divina.
Outro provável obstáculo é a relação com sua família, como encarar seus filhos
pequenos e conviver com sua esposa Marianne (Melissa Leo).
Paul Rivers é exposto no primeiro ato de forma bastante complexa: na primeira cena
do filme, por exemplo, ele está junto de Cristina; todavia, em uma cena mais adiante
no filme, notamos que ele é casado com Mary. O prosseguimento do filme denota
que um envolvimento com Cristina é iminente. Seu problema de saúde é
evidenciado durante este primeiro ato; Paul está morrendo, tem cerca de um mês de
vida, e deseja um transplante de coração – este jogo de forças entre vida e morte
configura seu conflito interno. Em contrapartida, é revelada ao público a existência
também de um conflito externo do personagem. O desejo de Mary por um filho opõese ao fato de Paul ter de conviver com a hipótese de que, caso venha a ser pai,
possa não chegar a conhecer a criança. Outro empecilho pelo qual Paul terá que
passar é como será sua vida do momento do transplante em diante.
O conflito matriz do enredo de 21 Gramas se passa dentro do personagem Paul. Ele
deseja, necessita de um transplante de coração no prazo de um mês, que é a sua
estimativa de vida.
Em declaração, ao referir-se ao transplante de coração de Paul, Arriaga (2004) diz
que imagina haver um momento na vida de um transplantado em que ele se sente
18
vazio, pois ora ele não tem coração, e de repente encontra-se portador do coração
de uma pessoa diferente. Guillermo exemplifica, e cita a cena em que Paul vê e
segura uma jarra com seu próprio coração, que simbolicamente armazenou alegrias
e infelicidades, e que agora está separado dele. O coração que bate em seu peito é
de uma outra pessoa, que viveu emoções diferentes das suas. O coração é um
órgão historicamente carregado de simbologias românticas, além de constituir-se
como centro vital do corpo humano – assim, um transplante de coração não é
encarado da mesma forma que outro tipo de transplante.
De fato, em entrevista, o roteirista foi questionado a respeito do coração da
personagem. “Então o coração de Paul é realmente o „coração‟ do filme?”. Em
resposta, disse: “Exatamente.” (ARRIAGA, 2004: 21).
No segundo ato de 21 Gramas a trama se desenvolve e as personagens mudam; as
contradições presentes no filme transparecem. Essa característica pode ser
observada de uma cena para a outra. Logo em uma das primeiras cenas do
segundo ato, Paul está no hospital satisfeito com seu transplante realizado com
sucesso, está feliz ao lado de Mary, e na cena subseqüente Cristina recebe a notícia
que suas filhas faleceram. Outro fato similar é a cena em que Paul está em um
almoço com amigos após o transplante. Na cena seguinte, Marianne limpa
resquícios de sangue da caminhonete, para que seu marido não seja incriminado
por homicídio. Na cena posterior, Cristina está no funeral de sua família e diz que
não irá denunciar ninguém. Cenas opostas como essas são comuns ao longo da
narrativa.
A contradição é ainda a própria essência do roteiro, que trata da vida e da morte.
Para Arriaga (2004), a contradição é a “epidemia da natureza humana”. Os seres
humanos são contraditórios, são essencialmente paradoxais. Em complemento, o
roteirista afirma em entrevista4 que vivemos em uma sociedade muito polarizada,
com oposições muito profundas. 21 Gramas é fundamentalmente uma história
multiforme, pois trata da imprevisibilidade da vida. A narrativa multiforme nos permite
ter em mente ao mesmo tempo múltiplas e contraditórias alternativas. São estas
4
Entrevista concedida ao programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura em 04 de julho de 2007.
19
composições de possibilidades que pressionam os formatos lineares do passado a
exprimir o século XX enquanto conjunto de possibilidades paralelas (MURRAY,
1997).
“Viver no século XX é ter consciência das diferentes pessoas que podemos ser, dos
mundos possíveis que se alternam e das histórias que se entrecruzam infinitamente
no mundo real” (Ibid, 1997: 50-51).
Para ater o público emocionalmente no segundo ato, de acordo com Howard e
Mabley (2002), é necessário que o escritor utilize equilibradamente a esperança
sobre o futuro, potencialmente o que está por vir, versus o medo do que pode
acontecer. Esse é um fator que se expande em um filme não-linear, como é o caso
de 21 Gramas, pois devido a algumas cenas de um futuro próximo serem
antecipadas, o espectador formula hipóteses sobre o que virá em seguida, o que
aconteceu de fato, e, mais importante, qual é o tempo em que se insere determinada
cena, já que os limites passado – presente – futuro não são claros. Para
exemplificar, é possível citar a personagem Paul que em uma das primeiras cenas
do segundo ato aparece coberto de sangue, no carro com Jack e Cristina. Depois,
ele está no hospital e quer saber quem lhe doou o coração, e mais adiante ele
observa Cristina nadar tranqüilamente. São cenas que misturam eventos do
passado, presente e futuro, e trazem questionamentos a respeito do envolvimento
entre Paul e Cristina, acerca do temor (não se sabe se Paul sobrevive), a mesmo
ansiedade com relação à potencial cura e felicidade com Cristina. Tudo isso leva o
espectador a um engajamento na construção de uma ordem lógica, que faça
sentido.
O desejo que motiva Paul no segundo ato é saber quem ele é a partir do transplante,
e de quem é seu novo coração; movido por este interesse, ele se distancia cada vez
mais da idéia de ter um filho com Mary. Esta, por sua vez, opõe-se a Jack por
desejar um filho e por não aprovar o interesse do marido pelo doador de seu
coração. Após saber que a doação do órgão tem sua origem em um trágico acidente
que matou Michael (Danny Huston), suas pequenas filhas Katie (Carly Nahon) e
Laura (Claire Pakis), Paul é inundado por um sentimento de intensa gratidão pela
família que consentiu a doação. Deste ponto em diante, a personagem se afasta de
20
seu conflito com Mary ao passo que seus conflitos internos e aqueles relacionados à
Cristina tornam-se mais agudos.
“Uma fonte de conflito externo, numa história onde o grande conflito é
essencialmente interno ajuda a tornar visíveis e palpáveis os dois lados do
personagem” (HOWARD; MABLEY, 2002: 59-60), o que deseja e suas barreiras.
Uma vez que se aproxima de Cristina alguns de seus objetivos são alcançados, e
novamente Paul experimenta mudanças em seus desejos. Seu agradecimento
transforma-se em vontade de ajudar uma mulher que sofre, que pede por vingança.
A esperança das personagens, por sua vez, traz o amor. Seu principal obstáculo é
como sanar a dor física e psicológica que Cristina causa em Jack, e vice-versa, já
que ele sente-se responsável pela situação, afinal o “coração”, ou seja, o cerne de
toda a tensão, está dentro dele.
A culminância neste ato pode ser vista sob três perspectivas diferentes, cada uma
condizente com as personagens centrais da trama. Howard e Mabley (2002: 94)
explicam que tal ferramenta “é o ponto alto ou fraco do roteiro, o acontecimento para
o qual se encaminha tudo que houve antes”.
A culminância referente a Paul ocorre quando ele atira em si mesmo com um
revólver (o qual deveria ser usado para matar Jack), como forma de pedido
desesperado para que Cristina e Jack parem com toda a brutalidade em que estão
envolvidos. Cansado de ser conivente com tal situação, e principalmente por amor a
Cristina, Paul comete este ato.
Neste segundo ato, para Cristina a vida não segue adiante sem o marido e suas
filhas; sem encontrar motivos para viver ou para se manter saudável e longe das
drogas, ela tem uma recaída, e deseja drogar-se como uma fuga da cruel realidade
em que se encontra. Contudo, este conflito interno esbarra na resistência que Paul
representa ao tentar ajudá-la, devolver-lhe a esperança. Esta oposição, no entanto,
é deixada de lado quando o envolvimento com Paul se torna profundo e,
aproveitando-se deste sentimento, Cristina deseja matar o homem que tirou a vida
de sua família.
21
A culminância deste ato para a personagem em questão ocorre quando ela chega
perto de tirar a vida de Jack através da ajuda e cumplicidade de Paul. Em uma ação
violenta, ela bate repetidamente em Jack, só não o mata pois sua conduta é
paralisada pelo tiro de Paul em si mesmo.
A aspiração pela retaliação de Jack é a tensão principal do segundo ato de 21
Gramas. Howard e Mabley (2002) citam que a tensão principal é resolvida na
culminância; uma vez resolvida, o enredo caminha para a resolução de todos os
conflitos.
Jack no segundo ato apresenta sérias indagações com relação à sua vida espiritual.
O que o estimulava era sua fé, e neste campo o seu grande conflito interno é o
questionamento da crença em Jesus Cristo. O mesmo Cristo que lhe deu uma bela
caminhonete, usou-a como instrumento para causar um sério acidente e muito
sofrimento, e Jack é quem estava na direção, segundo diálogo da personagem com
o reverendo John.
Jack é preso, e para ele a situação de ter matado pai e filhas é angustiante; sem
vislumbrar saída, pretende cometer suicídio, mesmo que isso signifique renegar sua
família e sua fé. Contudo, a tentativa de suicídio não sai como esperado: o cano ao
qual tentou se enforcar não era forte o suficiente para agüentar seu peso, e Jack
volta ao seu inferno interior. Para conduzir a trama adiante, Jack sai da prisão, e seu
desejo muda de foco. Envergonhado diante de sua família e amigos, almeja se
esconder de todos e de si mesmo, e busca refúgio em um hotel afastado da cidade.
A dificuldade que enfrenta é o desejo de vingança de Cristina, que é exaltado na
cena em Jack busca pela personagem e por Paul no hotel, após sofrer uma tentativa
de homicídio por parte do segundo. Jack apanha sem parar de Cristina que é
movida pelo ódio, pela perda, pelo vazio, e em cada agressão Jack busca o perdão,
mesmo que o desejo pelo perdão signifique a sua morte. O foco está novamente no
desejo de morte como forma de remissão da culpa pelo homicídio de Michael e suas
filhas, e esta é a culminância deste ato para o personagem em questão. Entretanto,
Jack tem seu desejo interrompido pelo inesperado tiro de Paul em si mesmo.
22
O terceiro ato é o ponto onde os conflitos se encerram satisfatoriamente, não
necessariamente o que se espera ou teme, mas todo o círculo aberto inicialmente no
primeiro ato se fecha neste último. Após a culminância, este é o momento em que o
público pode relaxar.
“De qualquer modo, o conflito some e com ele o drama; uma situação fluída
transforma-se numa situação estável.” (HOWARD; MABLEY, 2002: 93).
A resolução é estável, pois ela não suscita mais nenhum tipo de expectativa por
parte dos espectadores. Ela se caracteriza em uma trama quando a personagem
central (no caso da produção analisada há três protagonistas) perde a vontade de
lutar por ter atingido seu objetivo, ou por ter reconhecido sua derrota, conforme
explicam Howard e Mabley (Ibid).
Em 21 Gramas Paul encontra em sua morte uma forma de ajudar Cristina, pois atira
em seu coração, o centro de todo o conflito da trama, num desejo de devolver-lhe a
paz perdida no momento em que ela teve sua família morta no acidente de carro.
Neste ato, Paul chama atenção de Cristina para si, desviando a sua raiva e
sentimento de ódio de Jack, e, assim, Cristina não consegue matá-lo.
Cristina não se vinga como planejava, pois a esperança na vida e não na morte lhe é
transferida por Paul, que torna a possibilidade de ser mãe viável novamente, uma
vez que Cristina está grávida.
Jack, por sua vez, sente que foi perdoado por Cristina, após ajudá-la a conduzir Paul
ao hospital. Ele não tem mais do que se envergonhar ou razões para se esconder, e
por esse motivo retorna para casa e para os braços de sua família.
O roteiro de 21 Gramas é acima de tudo sobre esperança. Como complemento,
Arriaga (2004) cita em entrevista que 21 Gramas é uma metáfora da vida, cuja
importância é devidamente reconhecida somente em situações intensas, adversas e
obscuras.
23
“O poder da vida é muito, muito maior do que o poder da morte.” (MÁRQUEZ apud
ARRIAGA, 2004: 23)
Portanto, 21 Gramas, apesar de não-linear, estrutura-se em 3 atos, segundo análise
feita a partir da teoria clássica do cinema. A não-linearidade evoca na narrativa uma
participação mais ativa por parte do público, pois passado, presente e futuro
intercalam-se e trazem consigo questionamentos e incertezas sobre o que pode vir a
acontecer. O conflito é a força que impele o filme de um ato ao seguinte, e no caso
de 21 Gramas, o conflito principal da trama se instaura dentro de Paul. Além do
conflito matriz, existem conflitos dentro de cada cena que são responsáveis por dar
movimento à trama e manter o espectador imerso na narrativa. Quando os conflitos
são superados, é sinal de que o final da história e do drama estão próximos, e a
tensão gerada por incertezas e questionamentos é substituída por momentos que
propiciam relaxamento ao espectador, uma vez que a situação torna-se estável.
A seguir são apresenados três mapas desenvolvidos de acordo com os conflitos
internos e externos apresentados pelas protagonistas de 21 Gramas, como forma de
ilustrar a trama informacional abordada neste item.
24
FIGURA 3: Fluxo que representa os conflitos e ações que movimentam o personagem Paul.
25
FIGURA 4: Fluxo que representa os conflitos e ações que movimentam a personagem Cristina.
26
FIGURA 5: Fluxo que representa os conflitos e ações que movimentam o personagem Jack.
27
3.2
PERSONAGENS
Conforme visto no item anterior, o conflito é um embate entre uma força e uma
personagem. É a personagem que auxilia a construção do argumento, é ela que dá
movimento ao drama.
A construção das personagens deve ser minuciosa, pois é através delas que os
espectadores são imersos dentro da ação dramática. Para o início da construção de
uma personagem é necessário que o storyline (argumento ou sinopse) esteja
desenvolvido. Nele é delineado o conflito matriz da história; uma vez construído,
passa-se à composição das personagens.
O nascimento do personagem que vai começar a desenvolver o conflito é
determinado no próprio instante em que se começa a escrever a sinopse.
Poder-se-ia dizer que a sinopse é o reino da personagem, e, quanto mais
desenvolvida estiver, mais possibilidade terá o roteiro (COMPARATO, 1995:
112).
Segundo o autor supracitado (Ibid), a protagonista é a personagem básica do núcleo
dramático principal, aquela que é mais trabalhada e desenvolvida. No filme 21
gramas, observa-se que a história é narrada com três protagonistas, Paul Rivers
(figura 6), Cristina Peck (figura 7) e Jack Jordan (figura 8).
28
FIGURA 6: Paul Rivers.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 7: Cristina Peck.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
29
FIGURA 8: Jack Jordan.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Para dar vida a essas personagens foi necessário que o roteirista Guillermo Arriaga
criasse um perfil para cada uma delas, características básicas que se adequassem
ao conflito. Essas características vão desde físicas a emocionais, que são os valores
das personagens. No decorrer da narrativa, o objetivo da personagem pode mudar,
mas suas características mais fortes permanecem as mesmas. Para criar o perfil das
protagonistas, pode-se representar a estrutura destas personagens como na figura
9, em que a partir de um assunto que irá percorrer do primeiro ao terceiro ato, o
roteirista precisará criar protagonistas com as características de acordo com sua
necessidade.
“Perfil é o conjunto dos traços característicos de um personagem” (CAMPOS, 2007:
156).
30
FIGURA 9: Esquema de estrutura da caracterização de um personagem, nela consta quais são as
características que o roteirista deve se preocupar no momento de montar o perfil de um personagem.
31
Pode-se descrever o perfil destes protagonistas da seguinte forma:
Paul Rivers: Quarenta e um anos, fumante. É professor de matemática,
sarcástico, está à espera de um transplante de coração. Tem um
relacionamento instável com sua namorada Mary.
Cristina Peck: Trinta e quatro anos, ex-viciada em drogas É uma mulher
vulnerável, tem um casamento estável e feliz com o marido Michael com o
qual tem duas filhas, Katie e Laura. Ela não tem contato com drogas desde o
nascimento de sua primeira filha, há cinco anos.
Jack Jordan: Trinta e cinco anos, forte, violento, rude, ex-presidiário, com
quatro tatuagens, uma imagem religiosa no braço direito, um coração no
pescoço e dois ideogramas chineses. Tem uma vida perturbada desde os
seus 16 anos quando foi preso pela primeira vez. Tem um grande histórico
criminal que engloba roubos de carros, golpes, cheques sem fundos e
envolvimento com drogas e álcool.
Em entrevista5 Guillermo Arriaga afirma que quis trabalhar com três protagonistas
com características diferentes, pois queria retratar três tipos de “inferno” diferentes, o
inferno das drogas, o inferno da falta de saúde e ainda o inferno de um prisioneiro.
Em algumas histórias existem personagens estereotipadas, ou seja, totalmente boas
ou más. Estas personagens são chamadas de planas. Esse tipo de estereótipo não
é encontrado nas protagonistas de 21 Gramas, que apresenta personagens
redondas, aquelas que não são exatamente previsíveis.
“Personagem redondo é aquele constituído de traços plurais de perfil e personagem
raso (planas) aquele constituído de um ou pouco mais de um traço de perfil”
(FORSTER apud CAMPOS 2007: 140).
5
Entrevista concedida ao programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura em 04 de julho de 2007.
32
Uma das características de Arriaga é trabalhar com personagens com forte
motivação, o que pode ser um resgate das situações presentes na obra de
Shakespeare.
As características básicas citadas acima foram apresentadas ao espectador no
primeiro ato quando da apresentação dos personagens e do problema inicial. Com
isso, o roteiro começa a envolver o espectador na trama.
Em 21 Gramas os objetivos das personagens mudam de acordo com a fluidez da
trama, a partir de um movimento interno nas personagens que pode alterar sua
índole e seus obstáculos.
Por esse motivo, temos de conhecê-la [a personagem] tanto quanto seja
possível, e respeitar a sua originalidade, a sua individualidade, para não
incorremos na atrocidade de pôr nos seus lábios palavras que são nossas e
não suas. (COMPARATO, 1995: 134).
Como as protagonistas são personagens redondas, que nos surpreendem, as
referidas mudanças (em índole / obstáculos) podem ser observadas no andamento
dos atos, pois o objetivo principal de cada um sofre modificações consideráveis no
decorrer da narrativa.
No início, Cristina Peck é descrita como uma mãe dedicada, livre do vício em drogas
e feliz com sua família: pai, irmã, marido e filhas. Em um segundo momento, após a
perda de seu marido e filhas, Cristina mostra sua fragilidade, vulnerabilidade, e
diante do mais duro obstáculo de sua vida, recorre novamente às drogas. A
personagem perde o gosto pela vida e acredita que nada vai mudar esse
sentimento. Quando conhece Paul, demonstra ser ainda mais vulnerável, ao deixarse envolver com ele, o que irrita e confunde Cristina e agrava seu desejo por
vingança da morte de sua família. Na conclusão da história, depois da morte de Paul
e de descobrir que esta grávida, Cristina volta a ter uma atitude esperançosa, seu
temperamento voltando ao estado apresentado no primeiro ato.
33
Paul, no início da trama, é um doente terminal. A partir da gravidade do seu estado,
observa-se o seu descaso pela vida, sua falta de esperança e o conformismo com
uma morte aparentemente iminente. No segundo ato, após sofrer operação, Paul
deixa transparecer sua curiosidade sobre a origem do coração transplantado. Na
busca pela sua nova identidade, apaixona-se por Cristina. Por meio deste
relacionamento, Paul demonstra a frieza e a inconseqüência que podem existir por
detrás de um sentimento intenso como o amor, e planeja com Cristina a morte de
Jack. O desfecho de Paul revela um personagem confuso a respeito de seu estado
entre a vida e a morte, e, incapaz de continuar a viver com um coração que não era
seu, comete suicídio.
Já no caso de Jack, todos os obstáculos enfrentados pela personagem revelam sua
forma resoluta e rígida de tomar decisões. No início, sua crença religiosa parece
inabalável. Jack deseja educar os filhos e fazer trabalhos comunitários para honrar
sua fé e a salvação pessoal que a mesma lhe propiciou. O atropelamento o leva à
confusão e ao desespero. Jack abandona sua família para se entregar à polícia,
assumindo a sua culpa no assassinato. Porém sua confiança começa a demonstrarse abalada, pois a personagem passa a se questionar sobre o motivo de sua
condição, se havia se portado como um cristão correto. Deus passa a ser um
questionamento constante, e Jack, desesperado com a perda de sua fé, tenta se
matar. Logo após sair da prisão, inseguro, prefere permanecer longe da família,
procurando conforto nos vícios e na solidão. Após seu encontro com Cristina e Paul,
Jack consegue enfrentar suas responsabilidades familiares e retorna ao seu lar para
viver junto de sua família.
Uma vez esclarecidos os comportamentos das protagonistas na narrativa de 21
Gramas, prossegue-se com a função das personagens secundárias, que segundo
Comparato (1995), convivem próximas à protagonista, porém são pouco detalhadas
e apresentam inexpressivas transformações ao longo da trama. No objeto de estudo
em questão, podem ser citados como personagens secundárias Marianne, esposa
de Jack (figura 10); Mary, namorada de Paul (figura 11) e Claudia, irmã de Cristina
(figura 12).
34
FIGURA 10: Marianne, esposa de Jack Jordan.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 11: Mary, namorada de Paul Rivers.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
35
FIGURA 12: Claudia, irmã de Cristina Peck.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Estas personagens são consideradas secundárias ou coadjuvantes por estarem
contracenando ao lado da protagonista e, apesar de terem seus objetivos pessoais,
estes não são explorados pela narrativa. O espectador pouco sabe sobre o conflito
destas personagens. Sua função é conferir complementaridade e fluidez à narrativa.
Marianne, Mary e Claudia são secundárias e planas, pois suas ações são previsíveis
e possuem um perfil praticamente inalterado até o fim da trama, não causando
surpresa alguma ao espectador.
Dentro das classificações das personagens, ainda podem ser citados os
componentes dramáticos ou figurantes, que de acordo com Campos (2007) e
Comparato (1995), são elementos de união, explicação ou solução: têm uma ação
de compor um cenário que interfere na história, ainda que estas personagens não
apresentem profundidade. Sua função é complementar o conflito dos protagonistas.
O prisioneiro que salva Jack no momento em que ele tenta se suicidar (figura 13) é
um tipo componente dramático, não se sabe de onde ele veio, quem ele é, nem ao
menos o nome dele, a única coisa que sabemos é que ele esta ali para salvar a
protagonista. Jack poderia ser salvo por qualquer outra personagem secundária,
36
sem prejuízo para o andamento da narrativa. Entretanto, a função desta
personagem era essencial para complementar o drama.
FIGURA 13: Figurante ou componente dramático que salva Jack no momento em que tenta se
suicidar.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Os elementos que auxiliam o espectador no seu entendimento da narrativa são as
unidades de ação e tempo e a exposição. As protagonistas têm seus objetivos e,
focados na busca de suas metas, constituem um ciclo que cria a unidade de ação.
“Sendo assim, contar uma história transforma-se na seqüência de acontecimentos
que ocorrem a um personagem central envolvido na busca de seu objetivo”
(HOWARD; MABLEY, 2002, p.100).
Como 21 Gramas é um filme não-linear em uma mídia linear, ele precisa lançar
elementos que atuem de modo a orientar o espectador. Arriaga e Inñáritu utilizam
tais elementos em vários momentos para que não haja dispersão por parte dos
espectadores.
37
A unidade de ação e de tempo é utilizada para que o espectador entenda a narrativa
que, no caso, apresenta-se de maneira fragmentada e não-linear. Segundo Howard
e Mabley (2002) é possível fazer isso porque mesmo utilizando regressão, avanço
no tempo, inversões temporais ou ainda lembranças, o roteirista, através da unidade
contida na busca de um objetivo, mantém o público orientado e dá a sensação de
continuidade a ele.
Isso pode ser observado no primeiro ato, no qual temos a apresentação das
personagens. Na primeira cena, vemos Paul e Cristina em um quarto onde se
estabelece um relacionamento. Nas cenas seguintes, a vida particular de cada um
deles é retratada: Cristina em um de seus encontros de recuperação de drogas, Paul
em um quarto de hospital enquanto Jack prega a um delinqüente juvenil (figura 14).
A apresentação dos protagonistas continua, com uma montagem cada vez mais
nítida de seus perfis. A próxima seqüência se apresenta com Cristina se drogando,
Jack brigando com o mesmo garoto a quem pregava anteriormente, ao que se
segue a apresentação da família de Jack. Paul está sentado com uma arma nas
mãos, conforme a figura 15. Cada uma das três protagonistas vive uma situação
diferente, cujos contrastes são explorados por meio da aproximação dos conflitos na
seqüência narrativa; isso faz com que o espectador envolva-se cada vez mais com o
enredo de 21 Gramas.
38
FIGURA 14: Primeira seqüência de cena que apresenta os protagonistas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 15: Segunda seqüência de cena que apresenta os protagonistas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
39
Um outro elemento também utilizado para guiar o espectador nesta obra é a
exposição.
Os fatos que não ficam evidentes ao público através do desenrolar dos
acontecimentos na tela, mas dos quais o espectador precisa estar ciente [...]
Podem ser fatos que aconteceram no passado, antes do começo da
história, pode ser sentimento [...] A exposição só é necessária ao
espectador, não é uma coisa que os personagens precisem saber no
decorrer da trama. (HOWARD; MABLEY, 2002: 101)
Pode-se levantar como exemplo de exposição quando Jack chega à prisão depois
de ter se entregado, reconhecendo sua culpa pelo atropelamento (figura 16). Um
dos prisioneiros então, diz: “Ei! Wolf, voltou filho da mãe.” Neste momento, uma nova
informação vem à tona para o espectador: no passado, Jack já havia sido preso.
Uma outra cena que também usa esse elemento de exposição é aquela em que
Cristina acorda no quarto de hotel onde ela esta hospedada com Paul e, não o
encontrando, vai até o banheiro fumar. Com isso, vê-se que ela permanece
desmotivada e busca a resolução dos problemas, mesmo que seja através da
autodestruição com as drogas.
FIGURA 16: Cena em que Jack chega à prisão e um dos prisioneiros o reconhece.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
40
Observa-se, portanto, que a construção de uma personagem deve ser minuciosa,
pois cada ponto de sua caracterização influenciará o decorrer da narrativa. As
protagonistas desta obra são personagens redondas, que tendem a nos surpreender
a cada obstáculo. E a fluidez e o entendimento desta narrativa se ligam à unidade de
ação e tempo, em conjunto com os elementos de exposição.
3.3
O TEMPO NA NARRATIVA
Segundo Howard, Mabley (2002) e Comparato (1995), a importância do tempo
enquanto elemento estrutural de uma narrativa pode ser descrita por meio de
algumas funções elementares, tais como atuar na transição entre as cenas, proverlhes ritmo (andamento), intensificar o seu teor dramático e determinar os lapsos de
tempo longos ou curtos, lentos ou rápidos, quais ações são apresentadas ao
espectador.
Recorre-se a diferentes termos para classificar os distintos empregos do tempo em
uma história. Para efeito de estudo, serão adotados na análise de 21 Gramas os
chamados tempo dramático, tempo real, e tempo da estória.
Ainda segundo os autores por último mencionados, caracteriza-se como tempo
dramático o intervalo de tempo utilizado para mostrar determinada ação ao
espectador. Em complemento, Comparato (1995) cita que cada cena possui um
tempo interior próprio, um tempo parcial, durante o qual os acontecimentos
decorrem de acordo com certo ritmo. Desta forma, é possível conceber que a soma
dos tempos parciais é igual ao tempo dramático total.
O ritmo, segundo o mesmo autor, é um conjunto de ações (por exemplo, fala,
respiração, batimento cardíaco) dentro de um tempo ideal que transmita ao
41
espectador o peso dramático de uma cena. Em adição, Campos (2007: 218) cita que
“num sentido largo, ritmo é a velocidade com que se narra”.
Em 21 Gramas, o ritmo sobre o qual a seqüência final foi pautada emana da
personagem Paul, de sua saúde debilitada, de sua respiração lenta e batimentos
vagarosos. O ritmo com que fala sobre a perda ou ganho relacionados a 21 Gramas
provém da emoção suscitada pelo conteúdo dramático de uma cena, o que explica a
desaceleração em determinadas passagens.
FIGURA 17: Paul em estado emocional fragilizado em virtude de sua saúde. Ritmo da seqüência final
(ver figura 18) foi construído a partir desta cena.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
42
FIGURA 18: Algumas cenas da seqüência final de 21 Gramas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Em linhas gerais, Campos (2007) menciona o segundo ato como decisivo para o
ritmo, pois é neste período que a trama se torna intensa e acelerada, devido às
ações que se intensificam e se estendem. Em 21 Gramas, este aspecto mostra-se
diferente uma vez que sua cronologia não segue uma linearidade. Na película,
cenas que comporiam o primeiro, segundo, e terceiro ato se interpõem, confundindo
o que seria passado, presente ou futuro para o espectador. Por esse motivo, o ritmo
do filme é inconstante e repleto de descontinuidades. Graficamente, o ritmo da
narrativa do filme seria irregular em todos os seus atos.
43
GRÁFICO 1: Representação da relação tempo da estória X tempo dramático, presente em 21
Gramas, com suas descontinuidades e mudanças bruscas no ritmo da narrativa, ainda que limitada a
uma mídia linear.
O tempo dramático não é necessariamente igual ao tempo real. Como tempo real,
Howard e Mabley (2002) tomam o tempo que uma ação leva para se completar
(figura 19).
44
FIGURA 19: Sequência retratada em tempo real. Todo o trajeto do Paul até o banheiro é exibido, não
houve cortes, é como se qualquer pessoa pudesse executar esta ação dentro do tempo proposto.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Para que a diferença entre ambos os tempos se evidencie, é possível citar a
seqüência de 21 Gramas relativa à briga de Jack com seu aluno em um centro
religioso. Após o desentendimento, vê-se Jack ao lado de sua caminhonete. Na
cena seguinte, a personagem está dentro do carro e, devido ao movimento da
câmera, há um momento em que temos a visão de Jack da perspectiva do interior
do veículo. Na cena posterior, Jack chega em sua casa. O deslocamento espacial de
Jack ocorre de forma acelerada na linha do tempo dramático, pois em segundos o
personagem atravessa uma distância que, em tempo real, tomaria minutos. Nota-se
então que a transição de tempo foi suavizada no tempo dramático devido à elipse
existente entre as cenas, de forma que o espectador não saia do gancho da ação
retratada.
“Chama-se elipse, o ato de saltar períodos pequenos ou grandes de tempo sem tirar
o público de seu sonho ininterrupto” (HOWARD; MABLEY, 2002: 67)
45
FIGURA 20: Seqüência que utiliza a elipse como recurso temporal.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
A elipse pode ainda ser utilizada dentro de uma mesma cena. Isto ocorre, por
exemplo, na cena em que Jack está trabalhando no campo de golf, e é avisado
através de outro funcionário que seu chefe gostaria de conversar com ele. Não é
exibido ao público o caminho que Jack faz do campo até o escritório de seu chefe
Brown (Paul Calderon); pelo contrário, de forma brusca, em poucos segundos é
possível acompanhar a conversa entre os dois. Isto ocorre porque o foco está no
diálogo a ser retratado, e não no trajeto que a personagem deve percorrer.
A narrativa sob a qual se estruturou 21 Gramas, conforme visto anteriormente, não
segue uma ordem cronológica linear. Por esse motivo, a percepção de elipse como
recurso a ser usado na transição entre as cenas torna-se difícil de ser identificada ao
longo da trama, já que em geral uma cena não é a continuação do trecho anterior.
Segundo Howard, Mabley (2002) e Campos (2007), em oposição à elipse encontrase a elaboração, elemento que prolonga o tempo de uma determinada ação se
comparada ao tempo real, exibindo-a de forma detalhada.
46
A elaboração como elemento inerente do tempo dramático pode ser observada no
final de 21 Gramas, na seqüência em que Michael e as pequenas filhas de Cristina
estão saindo da lanchonete, logo após Jack caminhar em direção a sua
caminhonete. Posteriormente, Cristina sai de sua sessão de natação. Estes três
momentos que ocorrem em câmera lenta convergem no acidente de carro, situação
que aproxima as personagens centrais Cristina, Jack e Paul. Para ampliar a tensão
dramática da cena, fez-se o uso de câmera lenta para prolongar a vivência de um
momento importante (HOWARD; MABLEY, 2002).
Com relação ao ato de encurtar (elipse) ou prolongar (elaboração) o tempo de uma
determinada ação em uma cena, é possível dizer que “O tempo da narrativa é a
atenção que o narrador dedica aos seus pontos de foco” (CAMPOS, 2007: 210)
Além da elipse e elaboração, vale ressaltar o figurino, imagem, música, e diálogo,
como importantes recursos temporais dramáticos utilizados para ilustrar a passagem
de tempo e transição entre as cenas. Howard e Mabley (2002: 69) sublinham que “O
importante é que o espectador consiga cobrir o intervalo de tempo graças a alguma
coisa que o escritor insere”.
Os figurinos e maquiagem em 21 Gramas representam um importante papel no que
diz respeito a facilitar a identificação do momento representado para o espectador, já
que passado, presente, e futuro estão emaranhados (figura 21).
FIGURA 21: Paul antes do transplante, e após alguns meses recuperado, quando inicia sua busca
para conhecer Cristina
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
47
Cenas em que imagens são sucedidas por sons, como por exemplo, o uso da
imagem de pássaros voando no terceiro ato da narrativa, têm o intuito de dar um
descanso ao espectador, pois seu teor dramático é baixo e não requer grande nível
de concentração para ser assimilado. A desaceleração do enredo pode preparar o
público para um ritmo acelerado que a história tomará adiante.
“Se o interesse do espectador pede complicação dos incidentes, intensificação das
ações e aceleração do ritmo da narrativa, o fôlego dele pede pausas nisso”
(CAMPOS, 2007: 224).
ESQUEMA 1: Representação das diferentes articulações que podem ser feitas entre o tempo
narrativo e o tempo da enunciação.
Baseado em: (PALACIOS, s/d).
Através de diálogos, Arriaga informa os espectadores que a data em que ocorre o
acidente de carro é a mesma data da festa de aniversário de Jack, 10 de outubro. E
que também Jack de fato cometeu diversos crimes, passando cerca de dezesseis
anos na cadeia, e de forma condensada passa ao espectador uma idéia de como foi
o passado desta personagem. A sua pena por ter matado o marido e filhas de
Cristina é de 2 anos, e este dado indica que o tempo da estória, que “é o tempo que
a estória percorre” (CAMPOS, 2007: 210), ocorre em torno de 2 anos, não sendo
este número exato, considerando que este elemento temporal não aparece de forma
explícita na trama. O diálogo no filme atuou como um reforço da tensão dramática, a
chamada moldura temporal, que Campos (Ibid) observa como sendo a ação que
supera determinado obstáculo em um tempo imediato. Em 21 Gramas, essa
representação fica explícita na conversa que Mary tem com o médico de fertilidade.
No diálogo, vem à tona o fato de Paul ter somente cerca de um mês de vida, e assim
48
o espectador antecipa que a personagem deve obter o órgão nesse rápido prazo, e
a história deve prosseguir paralela a este dado que tem certo teor de urgência.
Sendo assim, é possível notar que o roteiro de 21 Gramas é ditado por ações que
motivam reações em um espaço que aproxima as três personagens centrais, que
ora são agentes, ora reagentes (CAMPOS, 2007). Mais importante que entender se
o filme narra o tempo da estória em 2 anos ou mais, é notar que é a sucessão de
causalidades que define o que será contado e o tempo da trama que será
configurado na narrativa.
49
4
RELAÇÃO TEXTO-IMAGEM: A MONTAGEM E A PÓS-PRODUÇÃO
Segundo Rodrigues, em Cinema e produção (2002), pode-se compreender como
montagem o conjunto de planos, ângulos, movimentos de câmera e demais recursos
cinematográficos que compõem o universo de um filme. Este trabalho parte da
análise de tais recursos no objeto de estudo, no tocante a sua contribuição para a
narrativa.
A montagem cinematográfica, portanto, constitui uma sintaxe cuja forma de
utilização de seus elementos resulta em um discurso. A forma final da apresentação
deste discurso é definida segundo as manipulações feitas pelo diretor e sua equipe
técnica, e são sempre influenciadas por uma perspectiva sobre a experiência
humana. Neste sentido, a câmera possui um papel fundamental, pois ela apresenta
o universo construído durante o processo de montagem, dos cenários às
personagens e aos conflitos. Para o espectador, a câmera torna-se a simulação de
um estado consciente, que substitui momentaneamente o universo presente do
público por meio da imersão. Nesse sentido, a câmera aproxima-se do conceito do
cineasta russo Dziga Vertov, o kino-eye.
“Kino-eye significa a conquista do espaço. A ligação visual de pessoas pelo
mundo inteiro baseada no intercâmbio contínuo dos fatos visíveis (...). Kinoeye é a possibilidade de ver os processos da vida em qualquer ordem
temporal ou em qualquer velocidade (...). Kino-eye usa todos os meios
possíveis na montagem, comparando e ligando todos os pontos do universo
em qualquer ordem temporal, rompendo, quando necessário, todas as leis e
convenções da construção de filmes” (AMERIKA, 2003: 144).
Para Vertov, o cineasta não só registra uma realidade, como altera aquelas de todos
os que assistem aos registros da câmera, justamente por fazer com que o
espectador abandone concepções e lógicas pertencentes ao seu mundo. Dessa
forma, podemos dizer que existem possibilidades definidas pelo universo do filme
que são apresentadas visualmente pelo “cine-olho”.
50
Observa-se que o kino-eye é um conceito muito particular ao cinema de vanguarda
russo de meados da década de 1920, consistindo numa teoria sobre a linguagem
cinematográfica que, apesar de sua forte ligação com o período histórico, pode ser
resgatada sob o prisma das narrativas contemporâneas no cinema. A idéia exposta,
em conjunto com a malha sonora, pode auxiliar na concepção da forma como uma
história é contada. Entre todas as possibilidades de ângulos, movimentos, focos,
tempos e espaços, a câmera está em um ponto que, narrativamente, estabelece um
elo entre todos os elementos, definindo as características da sua ausência ou
presença. Este exato ponto determina, simultaneamente, uma visão sobre estes
elementos, influenciada por fatores culturais relevantes ao cineasta na montagem do
filme.
Em 21 Gramas, e nos filmes presentes na trilogia em geral, percebe-se que a
abordagem adotada na concepção de cenários, personagens, filmagens e edições
gira em torno do conceito de contraste. A relação entre estrutura definida pelo
roteiro e o discurso cinematográfico visa sempre justapor oposições entre realidades
sociais, políticas, espaciais, temporais e históricas dos elementos narrativos. A
câmera, neste caso, está sempre posicionada para estabelecer uma dialética, na
qual diferentes personagens, eventos e contextos convivem simultaneamente em
uma sociedade desigual em sua essência.
Assim, muitos dos recursos de montagem são utilizados de forma a enfatizar esse
contraste. A iluminação, as diferentes naturezas, índoles e contextos das
personagens, os eventos e conflitos que as unem e as separam, os ângulos de
câmera: todos suportam a lógica da montagem que caracteriza o discurso
cinematográfico ao longo dos três filmes.
Cada aspecto da montagem relevante à narrativa presente em 21 Gramas é
discutido a seguir.
51
4.1
SEQUÊNCIAS, CENAS E PLANOS
A montagem de um filme a partir de um roteiro não se limita a um simples trabalho
de cortes e colagens. O sistema é, sobretudo, um trabalho de criação, em que a
linguagem do realizador impõe um estilo e revela uma visão original do mundo. Ela
norteia a organização do real, visando satisfazer simultaneamente a inteligência e a
sensibilidade, provocando a emoção artística, o efeito dramático ou onírico, capaz
de criar um jogo de equilíbrio com o tempo e o espaço, a fim de retratar uma
narrativa em certo limite de tempo (BETTON, 1987).
Para atingir o objetivo de análise do filme 21 Gramas quanto às características
de sua estrutura e discurso narrativos passíveis de diálogo com a hipermídia, iremos
ressaltar e examinar o arranjo da montagem explorada por Alejandro González
Iñárritu, assim como os tipos de seqüências, cenas e planos utilizados para o
desenvolvimento da trama.
Iñárritu incorpora em seu filme os três tipos de categoria existentes na estrutura de
montagem. A primeira delas é a montagem rítmica, encarregada de configurar ritmo
ao filme, alternando os tempos fortes com os tempos fracos, dando ordem e
proporção no espaço e na duração da narrativa. Acontecimentos que se precipitam
em ritmo rápido conotando ações violentas, trágicas e dinâmicas são traduzidas por
uma seqüencia de planos curtos, enquanto que fatos que exploram o tédio, a tristeza
ou sensualidade são revelados através de uma sucessão de planos longos (Ibid:
72).
Esse estilo de montagem fica explícito, por exemplo, na cena (figura 22) em que
Paul aparece sentado na cadeira, olhando Cristina dormir e logo após passa-se para
a cena (figura 23) em que Paul está apontando uma arma para Jack. Arriaga utiliza a
alternância de tempos fortes e fracos para criar ritmo à trama, uma vez que na
primeira cena citada os planos longos são explorados para produzir a sensação de
tristeza e depressão e logo após são substituídos por diversos curtos tipos de
planos, dispostos em sucessão a fim de criar a tensão dramática proposta na cena.
52
Planos cada vez mais curtos traduzem, em princípio, um aumento da
intensidade dramática em direção ao nó ou à reviravolta da ação. Os planos
cada vez mais longos provocam normalmente a impressão inversa: volta à
calma, relaxamento progressivo, abrandamento da angústia (BETTON,
1987: 73).
FIGURA 22: Cena do filme 21 Gramas que explora planos longos.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 23: Seqüência de curtos planos do filme 21 Gramas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
53
O ritmo cinematográfico não consiste apenas na percepção das relações de tempo
entre os planos, mas se baseia essencialmente na coincidência entre a duração de
cada plano e os movimentos de atenção que ela suscita e satisfaz. É alternando as
durações e variando com freqüência a extensão dos planos que o filme capta e
revela as diversas tensões e sentimentos de uma cena (BETTON, 1987: 72).
Visto que a montagem rítmica abordada no filme 21 Gramas visou atingir uma
totalidade de percepção intuitiva do ritmo da dramaticidade narrativa, discutiremos
agora a respeito de um segundo tipo de montagem, também utilizado como base
para a construção da história. A montagem intelectual ou ideológica, assim
denominada por Gérard Betton em Estética do Cinema, explora a justaposição entre
dois planos para que de tal forma dê origem a uma nova idéia ou exprima algo que
não existia em nenhum dos dois planos utilizados separadamente.
Segundo Betton (1997), a aproximação entre os planos busca comunicar um ponto
de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador, podendo criar ou
evidenciar relações puramente intelectuais, conceituais, de valor simbólico: relações
de tempo, de lugar, de causa e conseqüência.
As imagens só adquirem poder através de sua relação. È fácil constatar
que imagens (ou sons) neutras, tomadas isoladamente, são “influenciadas”
pela justaposição de outras imagens (ou de outros sons). Da mesma forma,
um pintor não se exprime por cores, mas por relações de cores: um azul é
um azul por si mesmo, mas se está ao lado de um verde, já não é o mesmo
azul (Ibid: 77)
Compreende-se ainda, no filme de Iñárritu, o uso da montagem narrativa que possui
uma função “descritiva”, utilizada para contar uma ação através de uma reunião de
diversos fragmentos de realidade, cuja sucessão se destina a formar uma totalidade
significativa. A mais simples e mais clássica, normalmente utilizada nas produções
cinematográficas, é a narrativa linear que compreende uma sucessão de cenas
dispostas uma após as outras numa ordem lógica e cronológica, sendo assim
totalmente o oposto do estilo de montagem presente na trilogia cinematográfica do
diretor Iñárritu. Nesse caso, a ordem cronológica não é respeitada: assim como visto
no filme 21 Gramas, a narrativa é construída a partir de vários trechos da trama,
54
dispostos de maneira não linear. Fragmentos da história são apresentados ao
espectador de maneira atemporal, a fim de incitá-lo a criar ligações entre uma cena
e outra, dando pistas através do comportamento das personagens ou através de
alguns pequenos detalhes no cenário.
Para atingir essa estrutura de montagem, o filme agrega diferentes tipos de planos,
que dizem respeito à proporção em que a figura humana e o ambiente são
enquadrados. Os planos ou shots podem ser fixos ou estar em movimento. A
princípio, veremos os principais planos fixos explorados na construção do filme 21
Gramas, para que no capítulo seguinte sejam abordados os planos em movimento.
Iñárritu explora cenas em que o objetivo é criar uma pausa, um tempo de “respiro”,
para que o espectador consiga refletir acerca da narrativa e assim propiciar
equilíbrio e ritmo à trama. Para elaborar esse efeito, utiliza-se o plano geral que
possui como base o enquadramento do ambiente em sua totalidade, abarcando
tanto o cenário completo como todas as personagens.
Nas ultimas cenas do filme, após Paul atirar contra si próprio, há a utilização do
método apontado acima. A câmera filma, em plano geral, pássaros voando sobre um
céu azulado. Essa cena (figura 24) descrita serve como método de “afastamento” do
espectador provavelmente aflito e ansioso, após uma cena trágica. Essa pausa
oferece ao espectador um tempo para que ocorra uma assimilação entre todos os
fatos que se sucederam nesses últimos instantes, afastando assim o observador por
alguns minutos para que o mesmo possa absorver os fortes acontecimentos que
acabaram de ser retratados.
55
FIGURA 24: Cena do filme 21 Gramas filmada em plano geral.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Há ainda, outra cena semelhante a esta reproduzida acima que utiliza o mesmo
estilo de plano, mas com um diferente objetivo. Logo no início do filme, após a
seqüência de cenas onde são apresentadas as personagens, a câmera filma, em
plano geral, pássaros voando sobre os edifícios em um fim de tarde. A exploração
desse plano (figura 25) tem agora como papel servir de preparação para a imersão
do espectador na trama.
56
FIGURA 25: Cena do filme 21 Gramas filmada em plano geral.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
O plano geral toma outro papel na montagem, além de auxiliar em “cenas de
preparação” ou no “tempo de respiro” entre as cenas: pode também situar a
personagem na história, identificando o lugar onde a ação irá decorrer. Exemplo
disso é a cena (figura 26) na qual se vê em plano aberto o local da igreja, e logo na
cena seguinte, Jack e sua família acompanham a missa no interior da construção.
FIGURA 26: Cena do filme 21 Gramas filmada em plano geral.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
57
Outra cena (figura 27) em que ocorre o plano geral é aquela na qual Jack está
conversando com o seu chefe na rua, pouco antes de atropelar as filhas e o marido
de Cristina. Nesta cena, enquadram-se as personagens por inteiro e o ambiente
ocupa grande parte da tela reduzindo os atores a silhuetas minúsculas, causando
uma sensação de afastamento entre as personagens.
FIGURA 27: Cena do filme 21 Gramas filmada em plano geral.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Outro método de filmagem explorado por Iñárritu na composição das cenas é o
enquadramento em que predomina o sujeito em relação ao ambiente, denominado
como plano médio ou americano, onde a personagem é vista da cintura para cima
ou a figura é cortada pelos joelhos (GRIMALDI; MIRANDA, 1988). Com o intuito de
atrair a atenção do espectador para a ação executada na trama, a cena (figura 28)
em que Paul está andando com a arma na mão foi filmada utilizando o plano médio.
Essa escolha de plano acaba por sugerir mobilidade e aproximação, podendo captar
pormenores acerca da personagem e assim conduzir a atenção do espectador com
relação aos acontecimentos.
58
FIGURA 28: Cena do filme 21 Gramas filmada em plano médio.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Ainda como plano fixo explorado no filme, temos o primeiro plano ou close up, que
põe em evidência um detalhe e amplia a expressão da personagem na cena e,
conseqüentemente, aumenta a intensidade do momento revelando emoções.
(COMPARATO, 1995). Esse efeito se traduz claramente na cena (figura 29) em que
Paul revela a verdade à Cristina sobre o fato de ter recebido a doação de órgão do
falecido marido dela. No close, o fundo fica totalmente subordinado ao motivo do
primeiro plano, e apesar de seu tempo de leitura ser breve, consegue suportar um
grande poder expressivo captando todas as mudanças de expressão da
personagem.
59
FIGURA 29: Cena do filme 21 Gramas filmada em close up.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Por extensão, também há o “primeiríssimo plano”, designado pelo termo big close ou
very close up, tendo como função ressaltar um detalhe da personagem ou de um
objeto de determinada cena (COMPARATO, 1995: 314). Esse tipo de filmagem foi
utilizado por Iñárritu em cenas que prevêem grande impacto, como na cena (figura
30) em que Jack produz um corte sobre sua tatuagem em forma de cruz com uma
faca quente. Identifica-se ainda a cena (figura 31) em que Paul segura seu próprio
coração em um recipiente de vidro. Com o uso do big close, estas cenas adquirem
um maior grau de intensidade pelo fato desse tipo de filmagem ter um notável poder
expressivo, causando no espectador um impacto visual muito grande.
60
FIGURA 30: Cena do filme 21 Gramas filmada em big close.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 31: Cena do filme 21 Gramas filmada em big close.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Outra técnica da câmera utilizada para criar uma unidade dramática é a
desfocagem, que leva a câmera a focalizar apenas um ponto ou personagem,
removendo do foco tudo aquilo que rodeia o ponto de destaque. Na cena (figura 32)
em que Cristina recebe a notícia da morte de suas filhas e do grave estado de seu
marido, o método de filmagem apontado acima é explorado com o fim de pôr em
61
relevo o estado de choque da personagem, enaltecendo o momento dramático da
cena.
FIGURA 32: cena que demonstra a utilização do desfoque para criar a unidade dramática.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Enfim, através dos métodos de filmagem citados e explorados nesta seção, fica
explícita a grande importância do entendimento de cada ângulo que a câmera pode
captar, para que uma narrativa seja explorada da melhor forma possível. A câmera
penetra no terreno do cinema com todos os seus recursos, a fim de proporcionar
uma experiência única ao espectador, através de sua aproximação, tornando-se
íntima dos personagens, rompendo barreiras com o observado e ainda revelando
pormenores de situações.
Nesta seção abordamos a estrutura de montagem do filme 21 Gramas, analisando
os tipos de seqüências, cenas e planos utilizados. Incorporamos os três tipos de
montagem – rítmica, intelectual ou ideológica e narrativa, abordadas por Betton em
seu livro Estética do Cinema – para melhor compreender os métodos de montagem
explorados. Discorremos também acerca dos tipos de planos fixos trabalhados no
filme, apontando o efeito que um enquadramento ou um desfoque pode ter na
narrativa.
62
4.2
ILUMINAÇÃO E MOVIMENTOS DE CÂMERA
Ao se juntarem aos planos em movimento, os planos fixos descritos anteriormente
acabam por explorar outras formas de combinação entre planos para a criação da
montagem. Com a câmera em movimento, é possível focalizar melhor os diversos
elementos que compõem a cena, em busca, assim, de maiores efeitos de
intensificação expressiva, para uma melhor abordagem da narrativa.
O chamado efeito de “câmera na mão” esteve presente não somente no filme 21
Gramas, mas também em toda a trilogia de que ele faz parte, com o objetivo de
transmitir ao público um grau maior de veracidade e realidade à narrativa. Esse
estilo de movimentação acaba por apresentar
(...) o resultado de uma modalidade de filmagem em que os sobressaltos e
as irregularidades de deslocamento se tornaram a marca de uma
participação que se pode definir como física, envolvente, no evento filmado
(COSTA, 2003: 187)
Há também a técnica por meio da qual a câmera pode se deslocar, acompanhando
o movimento da personagem ou de alguma coisa que se mexe na mesma
velocidade. Neste caso, o termo usado é o travelling shot (Ibid: 316). Na cena em
que Cristina chega ao hospital após receber a ligação sobre o acidente envolvendo
sua família, a câmera acompanha os movimentos da personagem de duas formas
distintas. O primeiro modo (figura 32) foi filmar a personagem de frente,
movimentando a câmera para trás a cada passo que a personagem dava. A
segunda forma (figura 33) foi seguir a personagem, filmando a sua movimentação de
costas para a câmera. Esse estilo de filmagem, travelling shot, foi utilizado com o
intuito de aumentar a intensidade do instante, dando a sensação de movimento ao
espectador.
63
FIGURA 32: Cena do filme 21 Gramas filmada em travelling shot.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 33: Cena do filme 21 Gramas filmada em travelling shot.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Outro método de movimentação de câmera usualmente utilizado é a panorâmica ou
pan, que consiste em movimentar a câmera para explorar uma visão geral do
ambiente (COSTA, 2003: 316). Esse tipo de filmagem foi usado na cena (figura 34)
em que Cristina e Paul estão chegando de carro ao local em que Jack está
trabalhando. A câmera se desloca, explorando o ambiente em que as personagens
estão inseridas, identificando o local onde a ação está ocorrendo.
64
FIGURA 34: Cena do filme 21 Gramas filmada em panorâmica.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Há também a movimentação de câmera, denominada ponto de vista, que se situa ao
nível dos olhos da personagem, criando a sensação de ver através dela (COSTA,
2003: 315). Na cena (figura 35) em que Cristina observa pela primeira vez o homem
(Jack) que matou sua família, Iñárritu trabalha com a movimentação de câmera do
ponto de vista da personagem, nos dando a impressão de ver o que a personagem
vê, o que aproxima o espectador do momento.
FIGURA 35: Cena do filme 21 Gramas filmada em ponto de vista.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
65
Após estudar os estilos de movimentação de câmera explorados no filme 21
Gramas, fica clara, portanto a influência que o modo de filmagem causa no contar da
história. A escolha certa dos planos em movimento favorece ainda mais o despertar
das emoções, acaba por atrair a atenção do espectador para o que ocorre na trama,
incitando-o a imergir e desfrutar da narrativa.
Cabe, ainda nessa seção, destacar as diferentes funções que a iluminação exerce
sobre a narrativa na arte cinematográfica. A luz, juntamente com outros elementos
relacionados à estética do filme, ajuda a compor a cena e ainda poupa o uso de
meios óbvios para explicitar uma emoção, passando assim a exercer o papel de
elemento simbólico.
“O cinema aprendeu bem cedo a singularizar certas zonas da imagem, e da cena,
por uma iluminação apropriada, a salientar, significantemente, certos elementos”
(AUMONT, 2004: 174).
Essa função simbólica liga a presença da luz na imagem a um sentido, como na
cena (figuras 36 e 37) em que Cristina está fechando a porta, após olhar o quarto de
suas filhas que acabaram de falecer. Nesta cena, a luz aparece estourada enquanto
a porta ainda está aberta, e quando ela se fecha há um corte seco da iluminação
proveniente do quarto. Sem precisar de falas ou expressões faciais, o filme
consegue transpor, através do jogo de iluminação, o sofrimento da mãe, como se
aquela interrupção do foco de luz representasse o fim de toda a vida e esperança de
Cristina após a morte de suas filhas.
66
FIGURAS 36 e 37: Cena do filme 21 Gramas em que a luz exerce função simbólica.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Há ainda a cena em que Cristina está sentada em uma das camas do quarto de
suas filhas, segurando um urso de pelúcia (figura 38). Nesse momento, a luz
presente no ambiente está focada diretamente em sua barriga, transmitindo a
sensação de algo divino, algo novo e maravilhoso em sua vida. O foco de luz no
ventre de Cristina serve, provavelmente, como metáfora para sua gravidez, já que,
ao final da trama, ela recebe a notícia de que espera um filho de Paul.
67
FIGURA 38: O foco de luz no ventre de Cristina serve como metáfora para sua gravidez.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
O papel da luz no cinema não se baseia apenas na função simbólica que ela
desempenha, uma vez que a luz é responsável também pelo aumento do efeito
dramático da cena. A intensificação da iluminação sobre um determinado ponto do
enquadramento transmite ao espectador um grande impacto, necessário para a
progressão da história.
De acordo com Stephenson em O cinema como arte, a iluminação pode fazer com
que uma composição tenha uma estrutura unificada, salientando-lhe o significado,
concentrando a atenção no que é importante e deixando na sombra demais
detalhes.
Um exemplo da utilização da luz como efeito dramático é a cena em que a esposa
de Jack, Marianne (Melissa Leo), aparece extremamente abalada lavando o carro do
marido, logo após tomar conhecimento do acidente, que o tornou um assassino
(figura 39). A intensificação da luminosidade na cena, juntamente com a filmagem
em close up, possibilitaram o aumento da perspectiva dramática, enriquecendo
ainda mais o impacto visual da cena.
68
FIGURA 39: Cena do filme 21 Gramas em que a luz exerce função dramática.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Há ainda, no filme, efeitos criados pela iluminação para compor a atmosfera que
envolve os acontecimentos desencadeados na trama. O uso de luzes mais suaves e
avermelhadas favorecem o tom emocional que determinadas cenas procuram
exprimir. Exemplo disso é o caso da cena em que Cristina está recebendo consolo
de seu pai no velório de sua família (figura 40). A iluminação suave e mais sombria,
acompanhada do tom avermelhado, proporciona uma função atmosférica cênica de
consternação e desalento à imagem, que reflete claramente os sentimentos
expostos pela personagem de Naomi Watts.
69
FIGURA 40: Cena do filme 21 Gramas na qual a luz proporciona uma função atmosférica.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Compreende-se, então, que a iluminação, quando habilmente elaborada e atrelada à
narrativa do filme, determina o tom emocional e dá às personagens um caráter
adequado às cenas, contribuindo para a criação de uma forma expressiva que incita
a imersão do espectador na trama.
Em suma, nesta seção tratamos dos tipos de movimentação de câmera explorados
no filme 21 Gramas, enfocando sua importância para o desenrolar da narrativa.
Continuando com a análise, abordamos o efeito que a iluminação pode causar em
determinadas cenas, tornando-as ainda mais fortes e dramáticas.
70
4.3
TRATAMENTO DE IMAGEM
O roteiro intrincado e fragmentado de 21 Gramas escrito por Arriaga significou para
Iñárritu um desafio com relação à transcrição em imagem e som. Para auxiliá-lo
nesta tarefa, o diretor de fotografia do filme Rodrigo Prieto tornou-se responsável,
juntamente com a designer de produção Brigitte Broch, por todas as locações e
estratégias visuais utilizadas em 21 Gramas. Ressalta-se ainda que Prieto também
assina a direção de fotografia de Amores Brutos e Babel e que, exatamente por isso,
os pontos de análise da imagem aqui levantados também se encaixam, em maior ou
menor grau, nos outros dois filmes da trilogia, visto que Prieto mantém uma unidade
visual entre as obras.
O ponto principal a ser destacado no que diz respeito ao tratamento visual de 21
Gramas é o que o próprio Prieto denomina “estrutura granular”, obtida através da
filmagem com diversos tipos de película (SMITH, 2003). Por meio das texturas das
imagens – que podem variar de um tom límpido e brilhante a um tom granulado e
obscuro – o diretor de fotografia consegue interpretar e ressaltar os sentimentos
vividos pelas personagens nos diversos ciclos da trama, e desenvolver uma espécie
de “sugestão visual”, capaz de orientar o público no sentido de saber em qual das
três histórias ele se encontra, bem como qual o momento cronológico e emocional
que determinada personagem está vivendo.
Dessa forma, as propriedades técnicas da película passam a funcionar como
elemento dramático, ficando evidente a diferença na granulosidade da imagem de
acordo com a situação vivida pelas personagens. Paul, por exemplo, começa o filme
sendo captado por uma película bastante granulada, já que se encontra em uma
situação não muito esperançosa – está à beira da morte, aguardando um transplante
de coração; após ter seu coração transplantado, passa a vivenciar cenas mais
nítidas e reluzentes, conseqüência de uma condição mais otimista (figuras 41 e 42).
71
FIGURAS 41 e 42: Paul à beira da morte no hospital (antes do transplante), e após ter seu coração
transplantado: a diferença no tratamento da imagem é evidente e contribui significativamente para
aumentar ou diminuir a dramaticidade das cenas.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
O mesmo acontece com Cristina e Jack: a primeira passa a vivenciar cenas mais
obscuras e granuladas a partir do instante em que perde marido e filhas no acidente,
bem como quando volta a usar drogas (figuras 43 e 44); já Jack é captado através
72
da película especial nas cenas que se passam cronologicamente após o
atropelamento e, principalmente, nas cenas da prisão (figuras 45 e 46).
FIGURAS 43 e 44: Cristina antes e depois da morte do marido e das filhas: as cenas posteriores ao
acidente também apresentam granulação na imagem.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
73
FIGURAS 45 e 46: Jack antes e depois do acidente: a película texturizada é capaz de ajudar a
transmitir as emoções do personagem.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Percebe-se que Prieto opta por utilizar sua “estrutura granular” em cenas cuja
dramaticidade
é
elevada,
a
fim
de,
segundo
ele
mesmo,
poder
tocar
emocionalmente o espectador sem que este se dê conta, aproveitando o poder da
74
imperfeição e do “erro” para aumentar a urgência e a imprevisibilidade das cenas
(SMITH, 2003: 77).
A granulosidade da imagem, no entanto, não é o único recurso imagético utilizado
pelo diretor de fotografia no momento de conferir clima às cenas e expor os
sentimentos vividos pelas personagens. As cores dos ambientes e paisagens
também desempenham um importante papel ao ajudarem a traduzir a evolução ou
regressão moral, sentimental e afetiva dos personagens.
Sem cair num simbolismo elementar, a cor pode ter um eminente valor
psicológico e dramático. Assim, sua utilização bem compreendida pode ser
não apenas uma fotocópia do real exterior, mas preencher igualmente uma
função expressiva e metafórica da mesma forma que o preto-e-branco é
capaz de traduzir e dramatizar a luz (MARTIN, 2003: 71).
Em 21 Gramas, Prieto optou por utilizar variações na temperatura e na paleta de
cores para definir cada personagem, bem como para caracterizar suas emoções.
Assim, percebe-se que as cenas da personagem Paul são, na maioria das vezes,
mais azuladas e iluminadas, apresentando uma gama maior de cores frias (figura
47); as cores presentes nas cenas de Jack são mais vibrantes e tendem mais ao
vermelho e alaranjado (figura 48); o mundo de Cristina pode ser caracterizado como
intermediário, variando bastante entre tons quentes e frios, já que ela representa o
ponto de encontro entre os dois opostos (figura 49). Nota-se, ainda, a mistura entre
esses tons na medida em que as vidas dos personagens passam a se relacionar,
até atingirem o clímax no final da narrativa.
75
FIGURA 47: As cenas da personagem Paul apresentam cores mais azuladas e frias.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 48: As cores presentes nas cenas de Jack tendem a ser mais vibrantes (tons vermelhos e
alaranjados).
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
76
FIGURA 49: As cenas em que Cristina aparece variam entre tons quentes e frios.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Fica evidente, até aqui, que, além de cumprir uma função técnica, as cores servem
também para cumprir funções metafóricas e narrativas, pois assim como outros
elementos fílmicos (como a montagem, os enquadramentos, os movimentos de
câmera, a iluminação, as locações e a trilha sonora), auxiliam na comunicação e
propagação de emoções, sentimentos e sensações, chegando a ampliar a
dramaticidade das cenas.
Exemplo claro disso é a seqüência na qual Cristina prepara um bolo junto com as
filhas (figura 50): a paleta de cores mais quentes torna a cena muito mais
acolhedora e viva, despertando sentimentos positivos no espectador. O mesmo não
acontece, no entanto, na cena em que Cristina lava as roupas das filhas após o
acidente (figura 51): ao abusar dos tons esverdeados, a cena é bem menos
acolhedora que a primeira, transmitindo ao espectador a angústia, sofrimento e
desejo de vingança da personagem naquele momento. Já na cena em que Cristina
vai sozinha a uma casa noturna (figura 52), os tons avermelhados do ambiente
remetem, certamente, à paixão, sexo e luxúria. Os tons mais frios e pálidos
presentes na seqüência do almoço entre Cristina e Paul (figura 53) transmitem a
sensação de paz, harmonia e uma possível relação entre o casal.
77
FIGURA 50: Cristina prepara bolo com as filhas: a paleta de cores mais quentes torna a cena mais
acolhedora e viva.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 51: Cristina lava as roupas das filhas após o acidente: os tons esverdeados transmitem a
angústia, sofrimento e desejo de vingança da personagem.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
78
FIGURA 52: Cristina vai sozinha a uma casa noturna: os tons avermelhados remetem à paixão, sexo
e luxúria.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
FIGURA 53: Cristina e Paul almoçam juntos: Os tons mais frios e pálidos transmitem a sensação de
paz, harmonia e uma possível relação entre o casal.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
São inúmeras as cenas em 21 Gramas nas quais a cor representa um forte atributo
no momento de transmitir sentimentos e emoções, auxiliando diretamente no
79
discurso narrativo da trama. Cabe aqui, no entanto, ressaltar a importância de outros
elementos narrativos que não estão sendo estudados mais a fundo nesse trabalho,
mas que, somados à cor e ao tratamento da película já analisados, moldam um
grupo harmônico e influente: o figurino e os cenários e locações. Esses últimos são
trabalhados por Prieto principalmente através de ambientes sujos, sórdidos e
depressivos, que ajudam a compor as texturas das cenas – como é o caso do
hospital, da prisão e do próprio hotel no qual Paul e Cristina se hospedam.
Tomando-se como exemplo a prisão de Jack (figuras 54 e 55), percebe-se que o
diretor de fotografia explora a rispidez do ambiente, criando (juntamente com o
tratamento de cor, iluminação e textura da película) uma composição apertada e
claustrofóbica, capaz de transmitir o sofrimento e terror vividos pela personagem de
Benicio del Toro.
80
FIGURAS 54 e 55: A prisão de Jack: o fotógrafo Rodrigo Prieto opta, quase sempre, por trabalhar
com ambientes sujos e depressivos.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Outro aspecto que merece destaque na direção de fotografia de Rodrigo Prieto são
as cores ultra-contrastadas e pouco saturadas de algumas seqüências, obtidas
através de uma técnica denominada skip-bleach ou bleach-bypass (sem tradução
para o português), na qual alguns tons são deteriorados enquanto outros
(principalmente os azuis e os tons mais escuros) são consideravelmente
ressaltados, tornando as imagens mais densas e escuras. Em outras palavras, a
técnica do skip-bleach “pula” parte da etapa de remoção da prata da película,
fazendo com que grande quantidade dessa prata fique retida, adicionando cinza ou
preto à coloração, e aumentado o contraste e a dessaturação das imagens (KODAK,
2008).
É dessa maneira que Prieto consegue desgastar os tons de pele dos personagens,
salientar as cores escuras dos ambientes e figurinos e aumentar a reticulação da
película, potencializando o momento dramático das cenas. Essa técnica pode ser
percebida nas cenas em que Cristina e Paul olham de dentro do carro Jack trabalhar
(figura 56); na cena em que Cristina revisita o restaurante onde seu marido e filhas
81
fizeram a última refeição (figura 57); na cena em que a piscina do hotel no qual Paul
e Cristina estão hospedados é mostrada (figura 58), entre outras.
Figura 56: Cristina e Paul olham de dentro do carro Jack trabalhar. Fica claro nessa seqüência as
cores ultra-contrastadas e o desgaste na cor da pele dos personagens.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Figura 57: Cristina retorna ao restaurante onde marido e filhas tiveram a última refeição. Prieto opta
por realçar os tons escuros e desgastar os tons mais claros para potencializar a dramaticidade da
cena.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
82
Figura 58: A cena da piscina do hotel onde Cristina e Paul estão hospedados representa o exemplo
máximo da técnica do skip-bleach: cores altamente contrastadas, realce dos tons azuis e aumento na
granulosidade da película.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Por meio de todas as técnicas acima levantadas e analisadas, Rodrigo Prieto exerce
com habilidade o verdadeiro papel de um diretor de fotografia, produzindo condições
de luz adequadas que, combinadas com as técnicas de filmagem e de cópia,
conseguem criar os resultados fotográficos previstos pelo roteiro e exigidos pelo
diretor (COSTA, 2003). Através de sua fotografia contrastada e texturizada, das
locações degradadas e impactantes, e das cores que traduzem personagens e
momentos narrativos, Prieto definitivamente consegue adicionar à trama um poder
imagético e dramático importante, capaz de tocar imperceptivelmente o público e
fazer com que as cenas de 21 Gramas pareçam sempre muito intensas.
4.4
ANÁLISE DO TECIDO SONORO
Nesta seção pretende-se analisar os elementos que compõem o tecido sonoro do
filme 21 Gramas, trazendo à tona não somente uma abordagem técnica (que
também se faz necessária), mas, principalmente, uma análise de como o som ajuda
83
a contar a história, estando sempre a serviço da narrativa e auxiliando o propósito
primordial do filme.
Sendo assim, entende-se que é necessário pensar o som em associação à
montagem da obra cinematográfica, e não como um elemento particular e/ou
coadjuvante a ela. Fica cada vez mais claro que, atualmente,
[...] o som já se torna uma potencialidade, abre novas possibilidades
gramaticais e traz uma série de implicações para a linguagem fílmica. No
cinema sonoro, a imagem torna-se mais relativa, precisa de uma
complementação do tecido sonoro para uma leitura mais “correta”, para sua
legitimação. O som passa a interferir na leitura, senão a determiná-la
(MANZANO, 2003: 108).
O som, atrelado ao filme, portanto, não só ambienta, contextualiza e aumenta a
potencialidade de imersão do espectador nos acontecimentos da história, como
também cria uma nova dimensão, abrindo espaço para uma grande gama de
potencialidades narrativas. Através dele, cria-se a possibilidade de expor
acontecimentos que, se contados por meio de imagens, seriam menos subjetivos e,
conseqüentemente, menos interessantes.
A partir da idéia do “indivisível”, pode-se entender a colocação de Deleuze
de que os sons fazem parte de um todo orgânico, estão associados à
imagem visual modificando-a, daí só se separem “na abstração de sua
audição pura”. Uma vez dentro do filme, os sons devem ser entendidos em
função do conjunto, formando um único componente, um “contínuo” (Ibid.:
113).
A idéia de um “contínuo sonoro” proposta por Deleuze remete a idéia de “tecido
sonoro” proposta por Marshall McLuhan, que pode ser entendida como o “conjunto
de elementos que constituem o espaço acústico e que vem somar-se a imagem – e
que produz, em conjunto com a imagem, um sentido audiovisual que não pode ser
realizado autonomamente nem pela imagem nem pelo som” (BASBAUM, 2007: 2).
Entende-se como espaço acústico, por sua vez, um espaço que
84
[...] não tem um ponto de localização favorecido. É uma esfera sem limites
fixos, espaço feito pela própria coisa [som], não espaço contendo a coisa.
Não é um espaço pictórico, encaixado, mas dinâmico, em fluxo constante,
criando suas próprias dimensões de momento em momento. Não tem
fronteiras rígidas; é indiferente ao background, ao meio circundante. Os
olhos focalizam, localizam, abstraem, situam cada objeto no espaço físico,
contra um fundo; o ouvido, porém, acolhe o som proveniente de qualquer
direção (MCLUHAN apud BASBAUM, 2007: 1).
Cabe aqui, ainda, retomar rapidamente o conceito de diegese que, em poucas
palavras, corresponde ao mundo definido pela narrativa, um espaço-tempo em que
há coisas, habitado por certas personagens, onde se desenrola uma história
(BASBAUM, 2007). Sendo assim, os eventos sonoros de um filme podem ser
classificados em diegéticos e não-diegéticos, correspondendo os primeiros aos sons
que fazem parte da cena e os quais os personagens podem escutar, e os outros,
não-diegéticos, aos sons que somente o espectador pode ouvir, pois não emanam
do espaço da cena.
Assim, o tecido sonoro acima citado é composto basicamente por três elementos
distintos: voz, ruído e música. O elemento voz pode ser classificado como diegético
ou não-diegético e, a partir daí como on – o emissor está em quadro na cena e é
visível ao espectador; off – o emissor está em cena, porém fora do espaço fílmico; e
over – onde a voz integra a cena, mas é sobreposta a imagem, vindo, quase
sempre, de um lugar fora do mundo diegético (por exemplo, narradores de
documentários). Os ruídos também podem ser classificados em diegéticos e nãodiegéticos (sendo esses últimos bastante explorados na sonorização de filmes de
suspense e terror) e, então, em on e off. Por último, a música classifica-se em:
diegética – podendo aqui ser on ou off, e não-diegética – podendo, neste caso, ser
over.
Logo nas primeiras cenas, percebe-se a exploração do silêncio como um valor
positivo à narrativa. A ausência de qualquer intervenção musical e de vozes e a
presença apenas de alguns ruídos ambientes reforçam a tensão dramática das
cenas, chamam a atenção do espectador para seu visual, ao mesmo tempo em que
85
transmitem as sensações de vazio, afastamento, tédio, tensão, neutralidade (todas
as personagens parecem estar no mesmo patamar na trama), ou mesmo paz.
Quanto ao uso do silêncio, é importante destacar seu potencial, tanto por
seu valor dramático, ressaltando a tensão ou carga dramática num
determinado momento, como também estabelecendo um elo com o cinema
“mudo” e o conceito de imagem pura, de um visual elaborado e aceito
“naturalmente”. Sem dúvida, o silêncio – presente ou não – ajuda-nos a
revelar o “teor” da cena que se desenvolve. (...) Seu valor dramático é
grande, se bem usado em relação à imagem (e à montagem). Da mesma
forma, tal qual pensamos o conceito de ruídos (ou até diálogo), associados
ao conceito de montagem, o silêncio pode surgir para ressaltar o visual, a
imagem, valorizando esse elemento. (...) Partindo do cinema “mudo”,
chegamos ao silêncio enquanto possibilidade dramática do cinema sonoro
(MANZANO, 2003: 116).
Exemplo disso é a cena de abertura do filme 21 Gramas, na qual Paul encontra-se
ao lado de Cristina na cama (figura 59); a cena em que Paul está sentado de frente
à piscina do hotel, com uma arma na mão (figura 60); e algumas cenas que exercem
a função do que chamamos de “inserções”, que funcionam como transições de um
momento narrativo para outro (figura 61).
86
Figura 59: Cena inicial do filme 21 Gramas: Paul fuma ao lado de Cristina na cama. Aqui, o silêncio
ajuda a aumentar a tensão dramática da cena.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Figura 60: Paul, sentado à beira da piscina do hotel, planeja qual a melhor maneira de vingar-se de
Jack. Também nesse caso, o silêncio auxilia a imersão do espectador na narrativa, abrindo espaço
para outras interpretações (o que Paul está pensando no momento, por exemplo).
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
87
Figura 61: As "inserções", algumas vezes silenciosas, funcionam como transições de um momento
narrativo para outro.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Percebe-se, ainda, a utilização da trilha sonora (assinada pelo mexicano Gustavo
Santaolalla) como método de “afastamento” do espectador em relação à narrativa,
ou seja, em muitas das cenas, as músicas (na grande maioria das vezes serenas,
minimalistas e, até mesmo um pouco depressivas e angustiantes) servem como
“escape” para o espectador possivelmente agoniado e ansioso. É o que visivelmente
acontece em quase todas as inserções, através das quais o espectador tem a
possibilidade de emergir do universo diegético criado pela narrativa e refletir acerca
da história.
Tais inserções (ou cenas de transição), em conjunto com seus respectivos
tratamento sonoros, no entanto, não funcionam somente para afastar o espectador
da trama. Ao contrário do que se imagina, tais cenas podem servir, também, como
um método de inclusão do espectador na história, ou seja, podem funcionar ora
como preparação para determinados momentos narrativos, ora como conseqüência
de outros, aumentando a vivência na narrativa.
88
Uma cena de preparação é aquela em que o espectador e em geral o
personagem ou os personagens se preparam para uma próxima cena
dramática. (...) Uma cena de conseqüência (aftermath, em inglês) é aquela
em que se permite ao personagem e ao público “digerirem” uma cena
dramática imediatamente anterior. Nos dois tipos de cena, música e
atmosfera, juntamente com poesia visual e auditiva, são usadas como apelo
direto às emoções do público (HOWARD; MABLEY, 2002: 116).
Conforme visto anteriormente, a utilização do silêncio em determinados momentos
pode servir para ressaltar o teor dramático da cena, bem como valorizar seu
tratamento visual, e que a trilha sonora, em muitos casos, é utilizada como método
de “afastamento” do espectador em relação à narrativa. Sendo assim, pode-se dizer
que as “inserções silenciosas”, ou seja, aquelas em que não há presença de trilha
sonora, funcionam como cenas de preparação e imersão do espectador na trama,
visto que antecedem seqüências cuja dramaticidade é bastante elevada. Observa-se
tal recurso, por exemplo, na cena que antecede a de Paul no hospital e na cena de
Cristina se drogando; já as “inserções sonorizadas”, ou seja, aquelas que
apresentam fundo musical, exercem o papel de cenas de conseqüência, ao afastar
(justamente com o auxílio da trilha sonora) o espectador da narrativa para que possa
“digerir” e refletir acerca do que se passou anteriormente – caso da cena posterior
ao tiro que Paul dispara contra si no quarto de hotel.
Se por um lado a trilha sonora é, muitas vezes, utilizada como um artifício para
resgatar o espectador do universo paralelo criado pela narrativa, por outro lado é
constantemente utilizada para conferir clima às cenas, ressaltando o seu valor
dramático e fazendo com que o espectador mergulhe ainda mais na diegese fílmica.
Neste caso, ela pode servir “apenas” para ambientar e contextualizar as situações –
como é o caso das músicas que tocam durante a festa de aniversário na casa de
Jack, ou na discoteca na qual Cristina vai para se distrair. A trilha sonora serve ainda
para ajudar a transmitir e potencializar sensações que somente as imagens não
conseguiriam propagar, tornando-se, assim, um “elemento útil à compreensão da
tonalidade humana do episódio” (MARTIN, 2003: 125), e servindo realmente como
um suporte à narrativa. É exatamente o recurso utilizado por Santaolalla na
seqüência em que Cristina revisita todos os ambientes freqüentados por seu marido
e suas filhas antes de morrerem (figura 62). A personagem conversa com o
89
jardineiro que presenciou o acidente e vai até o restaurante onde marido e filhas
fizeram a última refeição, sentando na esquina na qual foram atropelados, tudo isso
acompanhado por uma música melancólica, deprimente e penosa, o que vai ao
encontro do sofrimento e da angústia vividos pelo personagem de Naomi Watts
naquele momento.
Figura 62: Cristina revisita os locais do acidente. Nesta seqüência, a trilha sonora de Gustavo
Santaolalla transmite ao espectador toda angústia e sofrimento vividos pelo personagem de Naomi
Watts nesse momento.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Outro recurso utilizado por Santolalla na composição do tecido sonoro de 21 Gramas
é o que será chamado de “contraste sonoro”. Algumas seqüências passam de um
silêncio quase que total ou de uma trilha sonora bastante singela para um espaço
acústico preenchido por músicas agitadas e festivas que em nada remetem ao que
acabou de acontecer. Esse tipo de recurso é conhecido como preparação por
contraste, e
[...] nesse tipo de cena você vai instilando no público uma expectativa
emocional oposta aos efeitos que a próxima cena dramática provocará.
Pouco antes das más notícias ou de um acontecimento indesejado, a
preparação por contraste pode ser usada para fazer com que o espectador
se sinta bem, esperançoso ou tenha uma atitude positiva. O inverso
90
também funciona muito bem. A preparação por contraste aumenta o
impacto do momento dramático seguinte porque acentua sensivelmente a
reviravolta emocional do espectador (HOWARD; MABLEY, 2002:
117).
É exatamente o que acontece na transição entre as cenas em que Cristina chega ao
hospital para saber o estado de seu marido e suas filhas e a festa de aniversário na
casa de Jack na mesma noite do atropelamento: existe um contraste claro entre o
ambiente silencioso, aflitivo e mórbido do hospital, e o clima descontraído e animado
da casa de Jack. Um pouco mais adiante, o contraste sonoro dar-se-á entre o
interior da casa de Jack, onde acontece a festa, e o exterior silencioso da casa, onde
Jack conta a mulher a respeito do ato que acabou de cometer.
Parafraseando McLuhan (1980), podemos dizer que o som no filme amplia
consideravelmente o espaço fílmico e, dentre outras coisas, é capaz de tornar
presente a coisa ausente. Assim,
“(...) uma chuva (...) cai do lado de fora de uma sala onde se passa uma
cena (ouvimos, sabemos que chove lá fora, mas não vemos a chuva); uma
ambulância passa lá fora e ouvimos a sua sirene; um tiro ressoa na noite
etc”. (MCLUHAN apud BASBAUM, 2007: 5).
Manipulado dessa maneira, o som (e principalmente a utilização de ruídos) é
perfeitamente capaz de expandir o espaço visual e apontar para o que está além do
espaço on da tela. É justamente essa a técnica utilizada por Iñárritu e Santaolalla no
momento de contar ao espectador um dos pontos-chave da história de 21 Gramas: o
atropelamento do marido e das filhas de Cristina (figuras 63, 64 e 65). Nessa cena, o
diretor opta por fixar a câmera em um local específico (nesse caso, em frente a uma
casa na qual um jardineiro limpa o gramado) e narrar o acontecimento somente
através de ruídos: primeiramente, a câmera mostra uma caminhonete passando em
alta velocidade; depois, escuta-se uma freada forte de carro e o ruído de choque; o
jardineiro, assustado, presencia o acidente e corre para prestar socorro (saindo do
espaço on da cena); e, por último, escuta-se o arranque da caminhonete, já
sugerindo que o motorista responsável pelo acidente não prestou ajuda aos feridos.
91
92
FIGURAS 63, 64 e 65: A seqüência do atropelamento da família de Cristina, uma das mais
importantes para a trama, é narrada por Iñárritu somente através da “referência sonora”.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Dessa maneira, através de uma “referência sonora” (já que o acidente não foi
explicitamente exibido), Iñárritu consegue narrar um dos pontos principais da trama,
mantendo o suspense e subjetividade necessários para aquele instante da narrativa,
e unindo imagem e som com o intuito de aumentar a densidade dramática do
acontecimento.
Outro item relevante no tratamento sonoro concedido a 21 Gramas é o recurso o
qual se costuma chamar de ponto de escuta, uma analogia ao já conhecido ponto de
vista.
A representação da percepção do som pelos personagens depende daquilo
que é chamado de seu ponto de escuta (...). Em princípio, em nome do
realismo da representação audiovisual, há coincidência entre o ponto de
escuta e o ponto de vista, tanto para os personagens quanto para o
espectador. Mas pode ser que este ouça o som através do ponto de escuta
de um personagem: de maneira subjetiva (...) ou de maneira objetiva (...),
ou então que um ponto de escuta lhe seja mostrado como surdo (...); [e]
pode ocorrer ainda que o espectador escute os sons antes dos
personagens (...) (MARTIN, 2003: 131).
93
Assim, através do ponto de escuta, o espectador é capaz de “vivenciar”, entender a
situação e até mesmo ser levado para dentro da mente de um determinado
personagem, sem que necessariamente este esteja presente no espaço on da cena.
Um exemplo claro da utilização do ponto de escuta em 21 Gramas é a seqüência em
que Jack é espancado por Cristina após invadir o quarto de hotel onde está
hospedada com Paul (figuras 66 e 67). O ruído crescente que toma conta do
ambiente enquanto Cristina bate em Jack com o abajur afasta o público da briga e o
conduz para dentro da mente transtornada de Paul, que se encontra no espaço off
da cena. O forte ruído só é amenizado com o som do tiro que Paul dispara contra si,
reforçando a idéia de que se tratava realmente de seu ponto de escuta,
subjetivamente narrado para o espectador através do som.
94
FIGURAS 66 e 67: Enquanto Cristina vinga-se de Jack, o espectador é convidado a entrar na mente
de Paul através do recurso do ponto de escuta. O ruído que o representa só é amenizado depois do
tiro que dispara contra si mesmo.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Cabe, aqui, destacar uma seqüência do terceiro filme da trilogia, Babel, na qual
Iñárritu, também através do ponto de escuta, permite ao espectador vivenciar a
experiência da personagem Chieko, uma adolescente surda-muda, ao ir com os
colegas a uma discoteca (figura 68). A alternância entre a música eletrônica em
volume elevado e som abafado (supostamente aquele escutado pela personagem)
traduz ao espectador toda angústia e aflição vividos pela jovem naquele instante.
Aqui, som e imagem são combinados para aumentar a dramaticidade da cena e
ajudar no desenvolvimento da narrativa.
95
FIGURA 68: Em Babel, a utilização do ponto de escuta é evidente na cena em que Chieko, a
adolescente surda-muda, vai à danceteria com os colegas. A alternância entre música e silêncio faz
com que o público realmente vivencie a condição da deficiente auditiva.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
De volta a 21 Gramas, ainda na seqüência do quarto de hotel, é evidente o
tratamento distorcido dado ao som da voz de Cristina a partir do momento em que
Paul atira em si mesmo. Ao pedir para que Jack chame uma ambulância, percebe-se
o som de sua voz um tanto quanto “sujo” e “rasgado”, parecendo de fato
acompanhar a granulação da imagem. Sem dúvida, o diretor opta por esse tipo de
tratamento com a intenção de expressar e ampliar ainda mais a atmosfera onírica e
o ambiente claustrofóbico e inquietante ocupado pelos personagens naquele
instante.
Exatamente o mesmo acontece na seqüência em que Cristina e Paul conversam na
cozinha (figura 69): a mãe exalta-se ao lembrar a morte das filhas e o fato de que
Jack, o responsável por tudo, ainda não foi preso, e pede, então, a ajuda de Paul
para matá-lo. Aqui também a distorção do som é evidente e ajuda a transmitir ao
público toda a revolta, depressão e abatimento da personagem de Naomi Watts na
ocasião.
96
Figura 69: Cristina exalta-se ao relembrar a morte das filhas, e pede a ajuda de Paul para matar
Jack. O tratamento “sujo” concedido ao som da voz de Naomi Watts auxilia a transmitir a angústia e
sofrimento vividos por sua personagem.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Se a trilha sonora composta por Santaolalla para 21 Gramas consegue, através de
suas canções “arrastadas” e angustiantes, expor e ampliar os dramas e dores
vividos pelas três protagonistas, vale ressaltar, também, o papel importante que sua
música exerce nos momentos em que se deseja adiantar a história, acelerando o
seu tempo narrativo e contando em um espaço de tempo bem mais curto do que o
normal os acontecimentos que se passam nas vidas dos personagens.
É o que acontece na seqüência de fechamento do filme, na qual a música (dessa
vez soando um pouco mais esperançosa e próspera) serve para acelerar o tempo da
história e mostrar ao espectador o que acontece com cada uma das personagens
em um futuro próximo. Após a morte de Paul, Cristina e Jack parecem cansados de
tantas perdas e sofrimentos e decidem seguir seus caminhos – Jack retorna para
casa e reencontra a família (figura 70), e Cristina volta a morar sozinha, cuidando de
sua gravidez que, através das cenas, parece já estar um pouco avançada,
insinuando um progresso considerável no tempo da narrativa (figura 71). Dessa
maneira, mais uma vez, a música transporta o espectador para fora da narrativa e
ajuda a construir, juntamente com as imagens, um panorama geral dos fatos que
97
marcaram as vidas das protagonistas após tantas tragédias, apresentando o
desfecho de cada uma delas.
Figura 70: Jack retorna para casa.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
Figura 71: Cristina, grávida, no antigo quarto das filhas. Aqui, nota-se a passagem considerável do
tempo e a aceleração da narrativa com o auxílio da trilha sonora.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
98
Ponto essencial também na seqüência de fechamento do filme é a voz over de Paul,
que está prestes a morrer no hospital e, naquele momento, chega a assumir o papel
de narrador, sendo de suma importância para explicar o significado primordial do
filme: 21 Gramas, na verdade, refere-se ao peso que um corpo perde quando sua
alma o deixa com a morte (figura 72).
Em entrevista6, o roteirista Guillermo Arriaga ressalta que não existe explicação
concreta para o fato de Paul ser o único personagem a “desfrutar” de uma voz over
no filme. Segundo ele, trata-se simplesmente de uma decisão poética, através da
qual ele (Arriaga) proporciona ao personagem a oportunidade de explicar seus mais
profundos sentimentos e mostrar ao público seu ponto de vista no momento da
morte. Nada mais justo, já que, ainda segundo o roteirista, Paul é o personagem
capaz de fazer o sacrifício máximo da trama: atirar em seu coração transplantado
que, querendo ou não, é um dos pontos de partida para os acontecimentos trágicos
que marcam as vidas de todos.
Figura 72: Paul na cama do hospital. Nesse momento, a voz over do personagem serve para expor
ao espectador o suposto ponto de vista de uma pessoa prestes a morrer, bem como explicar ao
público o significado primordial do filme.
Fonte: 21 GRAMAS (Estados Unidos, 2003).
6
Entrevista concedida a Kevin Conroy Scott presente no livro “21 grams: a screenplay” (2004).
99
Fica claro, portanto, que quando bem manipulado e aliado à idéia de montagem, o
som encontra seu devido papel dentro de um filme, transformando-se em uma
ferramenta narrativa tão poderosa quanto a imagem, e sendo realmente capaz de
complementá-la e/ou modificá-la, construindo uma nova realidade (MANZANO,
2003).
Em 21 Gramas, Gustavo Santaolalla consegue, através da exploração do silêncio,
da composição da trilha sonora, do contraste e das referências sonoras, do ponto de
escuta e de tantos outros recursos que foram expostos e estudados nesse item, criar
um universo paralelo, manipulando as emoções do público que, ao menos por
algumas horas, passa a viver e a compartilhar as mesmas dores e sofrimentos dos
personagens Paul, Cristina e Jack.
100
5
OS DISCURSOS CINEMATOGRÁFICO E HIPERMIDIÁTICO:
DA TRILOGIA À HIPERMÍDIA
Uma vez examinadas as características das narrativas presentes na trilogia
cinematográfica de Arriaga e Iñárritu por meio da análise estrutural-discursiva de 21
Gramas, parte-se para a relação de alguns dos aspectos levantados com a
linguagem da hipermídia.
Tratando-se de um estudo sobre narrativas, primeiramente, parece interessante citar
o que dizem Porter e Sotelo (2004) quanto à narratividade do universo do Design.
Por serem constituídos de diversos tipos de discurso, sejam eles psicológicos,
formais, ideológicos, teóricos, entre outros, a práxis e o estudo em design jamais são
“silenciosos”: todo o produto de Design narra uma história segundo uma perspectiva
de um designer sobre a experiência humana.
Por meio da análise das características narrativas da trilogia em estudo, percebe-se
que as relações que a constituem – entre o que se narra e como é narrado –
equiparam-se à natureza do universo digital quanto a sua trama de estados
continuamente mutáveis. Ao utilizar um sistema hipermidiático, o interator envolve-se
em uma experiência cujo rumo é definido segundo suas decisões tomadas no
ciberespaço, e cada ação sua, por meio de aparatos de hardware, é decodificada
por um software, que providencia uma reação equivalente segundo sua
programação. Assim, a experiência no ciberespaço, como uma estrutura narrativa,
pode ser definida em termos de causalidade, em que cada ação corresponde a uma
reação e assim sucessivamente. Essencialmente, portanto, narrativas e sistemas
hipermidiáticos são compostos de mudanças e diálogos entre estados.
A análise de narrativas no cinema e na hipermídia é de interesse aos designers
devido às diversas relações passíveis de discussão. No que diz respeito aos meios
hipermidiáticos, as possibilidades são ainda maiores, justamente devido ao caráter
múltiplo dos mesmos. Entre as relações passíveis de discussão, podem ser citadas
a complementaridade entre discurso e estrutura, o caráter imersivo por meio da
diegese, a exploração das relações causa-efeito e observador/interator-mídia, entre
101
outras possibilidades. As narrativas constituem, sobretudo, uma abordagem
interessante do diálogo homem-máquina por meio da interface, a hipermídia estando
totalmente envolvida na transcrição e decodificação de linguagens em relações
causa-efeito estruturadas na sua lógica binária: o sim e o não, o zero e o um
(MANOVICH, 2001). Discutir o papel das narrativas no meio hipermidiático, portanto,
significa discutir relações de causalidade entre o mundo real e o virtual: a trama de
estados e elementos informacionais constitui a narrativa da experiência no
ciberespaço. Em certo sentido, narrar é propor realidades virtuais, sendo o cinema
precursor de muitos aspectos explorados atualmente no design de hipermídia.
Assim, aceita-se aqui a tese de Lev Manovich (2001), quando o autor aborda o
cinema como mídia precursora da hipermídia – e das mídias digitais em geral –
justamente
por
introduzir
diversos
aspectos
característicos
da
linguagem
computacional, hoje amplamente difundidos graças à expansão da computação e à
crescente valorização da interface como forma de manifestação cultural enquanto
mecanismo de leitura, produção e distribuição da informação.
Por sua vez, as narrativas e o universo fílmico, ao se apresentarem como realidades
virtuais, se equiparam à proposta dos sistemas hipermidiáticos se abordados como
“fábulas” computacionais, compostas de duas faces: de um lado, a estrutura
subjacente, identificável por meio de análise do esqueleto informacional; de outro, a
interface, ou o discurso em si, potencialmente infinito em termos de variabilidade
quanto à hibridização de linguagens. Conforme discutido, a narrativa no cinema se
apresenta de maneira semelhante, ao alicerçar-se em uma estrutura subjacente – o
roteiro – e ao apresentar-se como discurso cinematográfico audiovisual, a sua forma
ou a sua interface.
Com estas reflexões em mente, neste momento se fazem necessários resgates de
algumas características específicas anteriormente citadas na análise da trilogia de
Iñárritu e Arriaga por meio de 21 Gramas, quanto a sua estrutura e discurso, como
princípio de detalhamento das relações com a linguagem da hipermídia.
A primeira delas é quanto ao aspecto talvez mais saliente da trilogia: o seu enredo
não-linear e modular. Segundo Manovich (2001), a modularidade na hipermídia se
refere a sua “estrutura fractal”. Ou seja, a fragmentação do todo em unidades
102
(pixels, polígonos, scripts) idênticas quanto a sua natureza, porém discernentes
quanto a sua finalidade. Estas unidades existem em diferentes escalas: por
exemplo, pixels formam imagens, que por sua vez formam animações, que
compõem websites, e assim sucessivamente. Estas composições, contudo, mantém
as características individuais de cada unidade. A hipermídia é uma estrutura
completamente modular, pois é composta de unidades individuais intercambiáveis e
maleáveis em termos de escala.
Assim como um fractal mantém sua estrutura em diferentes níveis de
escala, um objeto das novas mídias mantém sua modularidade ao longo de
sua estrutura. Elementos midiáticos, tais como imagens, sons, formas,
behaviors, são representados como conjuntos de amostras discernentes
(pixels, polígonos, voxels, caracteres, scripts). Estes elementos são
congregados em objetos de maior escala, mas mantêm sua identidade
separável. Os objetos em si podem ser combinados em outros de escala
ainda maior – novamente, sem perder sua independência (Ibid: 30).
Este trabalho propõe que o roteiro de 21 Gramas, conforme identificável na trilogia
como um todo (ainda que em diferentes níveis), possua características da
modularidade proposta por Manovich no intuito de construir uma obra audiovisual
mais possível quanto às combinações entre os módulos narrativos, gerando assim
diferentes experiências aos espectadores.
A proposta estrutural dos filmes, portanto, pode ser discutida dentro do campo de
estudos sobre a hipermídia, uma vez que se aproxima do que Mark Amerika (2003)
denomina estrutura cinemática pós-filme.
Pensem nas escritas de roteiros digitais – isto é, escrever pela rede – como
uma espécie de estrutura cinemática pós-filme, como uma chance de
brincar com uma máquina remixagem inventiva que é também um
dispositivo de registro de memória, uma plataforma multimídia de
publicação na rede, um espaço de exposição, uma zona de trabalho
colaborativo, etc. (AMERIKA, 2003: 143).
103
Amerika, desta forma, sugere que a hipermídia propicie o “escrever do próprio
escrever”, ou seja, são várias as narrativas pelas quais o usuário transita ou mesmo
cria para si em uma rede de dados continuamente metamórfica, como a Internet.
O caráter modular das narrativas da trilogia de Iñárritu e Arriaga, em especial a
presente em 21 Gramas, é o que as torna não-lineares quanto ao tempo da
narrativa, estando, porém, limitadas à linearidade da mídia e sendo, portanto,
lineares quanto à discursividade propiciada pelo cinema. Em outras palavras, a
narrativa se desenrola não-linearmente, porém o processo de leitura da mesma
ainda é linear. Em paralelo, a hipermídia oferece múltiplos caminhos possíveis a
serem percorridos, ou seja, estruturalmente também são não-lineares. A diferença
está na possibilidade de modificação por parte do usuário. Enquanto no cinema a
película é um objeto “lacrado”, a narrativa é sepultada em um começo, meio e fim
definidos como “obra final”. Na hipermídia, não há uma “obra final”, e sim uma
contínua “obra possível”, na qual os designers e desenvolvedores projetam as
interfaces que compõem os diversos estados ou elementos narrativos possíveis. O
interator, em última instância, determina a sua “obra final”, segundo os critérios que
adota na sua experiência de navegação. Neste aspecto, as narrativas aplicadas aos
meios hipermidiáticos são infinitamente expansíveis e possíveis, ampliando as
discussões das narrativas cinematográficas e aproximando-se do caráter rizomático
proposto por Deleuze e Guatarri (apud MOURA, 2003).
Segundo esses autores, no campo da hipermídia, a não-linearidade é uma
característica que se refere à possibilidade de trânsito entre caminhos diversos,
paralelos, simultâneos, múltiplos desvios adotáveis a qualquer momento ou posição
no ciberespaço (MOURA, 2003).
21 Gramas aproxima-se do que Janet Murray (2003) defende como narrativa
multiforme, ou seja, histórias contadas por diferentes perspectivas, com diversos
conflitos internos e externos que se justapõem e se sobrepõem em diferentes
espaços, personagens e tempos. Segundo Murray, este tipo de narrativa vem sendo
explorado pelo cinema desde 1920, no cinema de vanguarda russo e surrealista, e
principalmente após a década de 1960, com a difusão das teorias pós-estruturalistas
e com a produção de filmes mais próximos às teorias contemporâneas do cinema.
104
Como essa grande variedade de narrativas multiformes demonstra, as
histórias impressas e nos filmes estão pressionando os formatos lineares do
passado, não por mera diversão, mas num esforço para exprimir uma
percepção que caracteriza o século XX, ou seja, a vida enquanto
composição de possibilidades paralelas (Ibid: 49).
Por tentar retratar a simultaneidade e a paradoxalidade da vivência humana
contemporânea, o cinema passou a explorar histórias descontínuas, inacabadas,
incoerentes ou mesmo incompreensíveis. Esta forma fragmentada de representação
da realidade não é exclusividade dos cineastas: já vem sendo trabalhada desde o
princípio do século XX, por exemplo, na pintura de Picasso e nas propostas de
autores como Borges e Bakthin. Estes autores possibilitam que o leitor utilize do
processo de leitura de várias formas, construindo sua obra de maneira aberta e
múltipla (MOURA, 2003). O cinema, portanto, passou a explorar este tipo de
narrativa para adequar-se à aceleração das transformações culturais do seu tempo,
no qual o pensamento dito “pós-moderno” instaurou novos modos de leitura e
produção da informação baseados em uma quebra de paradigmas por vezes quase
niilista (MACHADO, 2007). Aqui se lembra Manovich e a sua afirmação quanto à
precedência do cinema em relação à lógica computacional.
Apesar de não se poder tratar as narrativas presentes na trilogia e em 21 Gramas
como diretamente reconfiguráveis (afinal, a mídia cinematográfica é linear e
“fechada”), observa-se que Arriaga e Iñárritu construíram seus filmes modularmente,
permitindo diferentes tipos de leitura segundo diferentes critérios. Não obstante, os
autores não visionaram os filmes como histórias guiadas segundo uma moral e valor
definidos, mas sim como resultantes de choques entre valores e morais. Estas
colisões ideológicas, que tomam forma por meio espaço fílmico, realizam
intermediações entre realidades interiores e exteriores à narrativa, o que aproxima o
processo de montagem dos filmes ao projeto de interface.
Neste aspecto, na adaptação da proposta de não-linearidade e modularidade – tais
como expostas em 21 Gramas – às narrativas hipermidiáticas, deve-se considerar a
fundamental diferença entre mídias: no cinema, as lexias e links são puramente
mentais, não diretamente editáveis por parte do espectador, que assume uma
105
posição passiva ainda que imerso na história. Em contrapartida, ao utilizar uma
hipermídia, o interator pode movimentar-se virtualmente pela informação, sendo seu
trajeto apenas previsível segundo determinados inputs criados pelo designer de
interface. Ainda assim, as escolhas do usuário sempre permanecem no campo da
probabilidade.
21 Gramas e a trilogia da qual faz parte propõem um maior nível de participação do
espectador, uma vez que sua estrutura informacional é complexa o suficiente para
possibilitar diferentes níveis de compreensão da trama. Não obstante, o processo de
montagem adotado como enunciação evidencia esta complexidade ao justapor
cenas que relacionam diferentes realidades sócio-econômicas e afetivas entre as
personagens em uma configuração temporal desordenada e imprecisa. Além da
justaposição de cenas, diferentes recursos de montagem e pós-produção – como a
colorização proposital de cenas e seqüências, a escolha de planos similares para
contextos diferentes, a granulação da película, entre outros citados na análise do
filme – tornam-se links disponíveis nas “interfaces” ou módulos de informação da
narrativa cinematográfica. Em suma, Iñárritu compõe suas cenas, seqüências e
planos de forma a organizar elementos que simultaneamente aproximem e
distanciem as diferentes instâncias envolvidas pela trama. Certos elementos são tão
camuflados pelo seu nível de detalhe que é necessário atenção por parte do
espectador para a sua percepção. Dificilmente estes “links” são percebidos se o
espectador assiste ao filme apenas uma ou duas vezes. Por isso, percebe-se que
podem existir diferentes níveis de compreensão da narrativa.
Assim, ressalta-se que a não-linearidade é um conceito não inserido culturalmente pelo
hipertexto ou pela hipermídia, podendo-se identificar em contextos e linguagens anteriores
a sua existência. Entretanto, as linguagens hipertextuais e hipermidiáticas enaltecem essa
possibilidade, enfatizando a não-linearidade não somente tecnologicamente, mas
principalmente culturalmente. No âmbito das narrativas, a não-linearidade as torna tão mais
multiplamente possíveis (e efetivamente aplicadas) quanto o nível de hipertextualidade e
conectividade que um determinado aplicativo ou mídia possibilitar. A história se desenvolve
segundo as escolhas do usuário e não mais segundo a continuidade da mídia. Com isso
em mente, e de acordo com necessidades específicas de projeto, designers e
desenvolvedores de hipermídia podem se apropriar das características narrativas para
106
condicionar ou não os caminhos a serem percorridos por um usuário, possibilitando
diferentes níveis de leitura e perspectiva sobre o objeto ou assunto do qual trata a
hipermídia. Este é apenas um exemplo da atuação política do designer e de como cada
decisão projetual determina, acima de tudo, um ponto de vista no espectro da realidade. A
narrativa torna-se um processo, por meio do qual se obtém um ambiente hipermidiático
cuja complexidade das relações entre estrutura e discurso possibilita a utilização por parte
de diferentes tipos de usuário, pertencentes a contextos sociais diversos.
Apesar de suas possibilidades interessantes, a não-linearidade aplicada às narrativas
acarreta em duas dificuldades comuns a designers, cineastas e roteiristas: a falta de
objetividade e o fechamento (PALACIOS, 2008). 21 Gramas é um exemplo de uma
narrativa que não é clara quanto ao discernimento entre atos, os elementos narrativos
sendo revelados de maneira confusa, por vezes insuficiente. A proposta de Arriaga e
Iñárritu é desenvolver uma obra audiovisual baseada em uma malha informacional
complexa, expressada por meio de uma enunciação labiríntica. A objetividade, portanto, é
desconsiderada em prol da abertura às possibilidades de experiência por parte do
espectador. Esta é uma tendência muito recente para designers de meios hipermidiáticos:
a quebra de paradigmas de leitura a fim de privilegiar experiências de interação
inovadoras.
Ainda
que
muitas
destas
pesquisas
tenham cunho
meramente
mercadológico, sabe-se que também é papel do design revelar novas formas de se
pensar e construir o universo humano. Nesse aspecto, os elementos narrativos podem
ser recursos interessantes ao designer de hipermídia se utilizados como metáforas,
mapas e sistemas para auxiliar o usuário em sua experiência de utilização. Por
estabelecerem relações de interdependência, os elementos narrativos conferem
dinamismo e caráter imersivo ao sistema.
Quanto ao fechamento de narrativas que experimentam a não-linearidade, Marcos
Palacios comenta:
Uma narrativa tradicional, ou seja, não hipertextual, independentemente de
que suporte esteja sendo usado, chega sempre a um fim (...). O mesmo se
pode afirmar com relação a produções cinematográficas que pretendem
experimentar com a não-linearidade (...); queira-se ou não, eventualmente
chegamos a um "fechamento", representado pela projeção do último
fotograma no processo de projeção do filme (s.d.)7.
107
Assim, apesar de 21 Gramas e da trilogia de Iñárritu e Arriaga não apresentarem os
fatos de maneira hierárquica, as narrativas possuem um “fim”, por mais aberto que
este seja quanto às conclusões dos conflitos. Este fim é dado, conforme Palacios,
pela finitude da duração do filme, decretado pelos produtores e pela restrição física
da mídia. O “fechamento” de Palacios, no entanto, trata de um encerramento
“satisfatório” proporcionado ao observador/interator por parte da narrativa.
O fechamento é um conceito psicológico (...) que se refere à completude
bem sucedida de uma tarefa antes que a próxima tenha o seu começo. Uma
vez que os links hipertextuais podem levar a qualquer nó da estrutura, cada
ligação mantém uma boa chance de que o nó inicial será “abortado” em
favor do link. Isso significa que um leitor talvez possa nunca completar a
leitura da informação em um nó específico. Links podem, portanto, colocar
em risco um fechamento porque eles encorajam o começo de algo novo
antes do término do atual (SCHLEGEL apud PALACIOS, s.d.).
Na hipermídia e no hipertexto, não há um fechamento propriamente dito, uma vez
que a duração e os rumos da experiência de imersão no universo diegético proposto
pela narrativa estão totalmente nas mãos do interator. Enquanto no cinema o diretor
tem o controle sobre o tempo de narração em cada “nó” da trama – e a própria trama
possui um tempo definido – o tempo da narrativa na hipermídia é uma variável
imprevisível. O designer pode tentar influenciar o interator de algumas formas,
criando estímulos para que este tome uma ou outra decisão em maior ou menor
tempo, mas nunca o designer poderá ter certeza dos caminhos e do fator
cronológico do processo de narração. Tais fatores são intrínsecos à experiência.
Assim, se o cinema modularizou o tempo, preservando ainda sua ordem
linear
(momentos
subseqüentes
no
tempo
tornaram-se
momentos
subseqüentes em frames), as novas mídias abandonam esta sólida
representação 'humanista' – para colocar o tempo totalmente sobre o
controle humano. O tempo é mapeado em um espaço bidimensional, onde
pode ser gerenciado, analisado e manipulado mais facilmente (MANOVICH,
2001: 51).
7
Trata-se de documento eletrônico de páginas não numeradas. Ver < http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/
palacios/ hipertexto.html > para todas as referências a esta obra.
108
Sob a perspectiva da usabilidade, o ideal é que o usuário tenha o tempo que quiser
para realizar a tarefa que deseja ao interagir com uma interface digital. Em uma
narrativa, entretanto, certas metas de usabilidade podem ser deixadas de lado em
prol da experiência de imersão, navegação e interação. O usuário pode e deve ter
seus sentimentos, emoções, noções de tempo e espaço modificados pela narrativa,
para que de fato esta se torne o seu universo durante o período de sua duração. O
designer, similarmente ao trabalho do roteirista, deve projetar minuciosamente cada
estado de navegação, cada nó hipermidiático; e, de maneira análoga à do diretor,
deve projetar cada interface, pois ao estruturar uma história, é importante que o
tempo e os demais elementos narrativos sejam representados em consonância com
o propósito da narrativa. O design da informação é fundamental para um enredo
bem estruturado e coeso.
Os mapas dos conflitos presentes na narrativa de 21 Gramas são tentativas de se
evidenciar o caráter múltiplo da trama, principalmente quanto ao que Palacios se refere
como o real caráter da não-linearidade: as multi-linearidades possíveis. O termo “nãolinear” seria inclusive mal utilizado, segundo o autor, uma vez que nem todas as
narrativas propiciam leituras por meio de diferentes linhas de discurso ou conflito:
A noção de "não-linearidade", tal como vem sendo generalizadamente
utilizada, parece-nos aberta a questionamentos. Nossa experiência de
leitura dos Hipertextos deixa claro que é perfeitamente válido afirmar-se que
cada leitor, ao estabelecer sua leitura, estabelece também uma determinada
"linearidade" específica, provisória, provavelmente única. Uma segunda ou
terceira leituras do mesmo texto podem levar a "linearidades" totalmente
diversas, a depender dos links que sejam seguidos e das opções de leitura
que sejam escolhidas, em momentos em que a história se bifurca ou
oferece múltiplas possibilidades de continuidade (s.d.).
A não-linearidade presente em meios hipermidiáticos, portanto, seria sempre uma
potencialidade resolvida pelo usuário durante seu processo de utilização, admitindo
este processo como uma sucessão de estados entre os nós da hipermídia que
constituem uma linearidade dentre diversas possíveis. As narrativas da trilogia de
Iñárritu e de Arriaga possuem em sua estrutura diversas linhas de conflito que se
entrelaçam por meio de um fato central, um acontecimento, uma tragédia. Estas
109
linhas se tornam tangíveis e “manipuláveis” mentalmente por meio da enunciação
cinematográfica. Os recursos referentes aos processos de montagem e pósprodução adotados por Iñárritu (como a granulação e o uso de cores para indicar
estados da narrativa) estabelecem relações entre estados, personagens, fatos e
tempos. Esses inputs possibilitam que o espectador monte a sua história de acordo
com os estímulos que perceber, havendo, portanto, diferentes formas de se amarrar
os fatos e compreender-se a evolução dos conflitos.
No cinema, qualquer par de tomadas de câmera pode ser editado em
conjunto e nessa edição, um significado é gerado ou expresso (...). Além
disso, qualquer uma dessas tomadas pode ser também inserida em uma
seqüência diferente, e por sua vez, gerar um significado diferente. O
conteúdo da tomada, seu “corpo literal, continua intacto, por mais que seus
atributos sejam instantaneamente transformados no ato da edição. No
hipertexto, dois ou mais nós podem estar “linkados” de várias maneiras e as
séries de que participam, incluindo a repetição dos nós quando os links são
ativados, também produzem informações instantâneas dos atributos dos
“nós” (MILES, 2003: 160).
Aqui cabe mencionar Manovich (2001) quanto a sua teoria sobre a principal
diferença entre as narrativas ditas “tradicionais” e aquelas exploradas em meios
hipermidiáticos: os bancos de dados. Para o autor, a diferença crucial que a
hipermídia agrega ao universo da narrativa é a possibilidade da mesma se apropriar
de literalmente infinitos elementos para a sua construção, por meio de bancos de
dados
atualizáveis.
O
vasto
conteúdo
narrativo,
desta
forma,
propicia
concomitantemente diversas linhas de discurso possíveis de ser adotadas por parte
da instância narradora.
110
ESQUEMA 2 – Representações gráficas dos diferentes estados de discursos e histórias em meios
lineares e não-lineares.
Fonte: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/palacios/hipertexto.html
Acesso em 05 mai. 2008.
Esta é justamente a discussão estabelecida por Manovich e Krakty em Soft Cinema,
um software desenvolvido para manipular bancos de dados e gerar narrativas
segundo variáveis inseridas; assim, “Utilizando um conjunto de regras definidos
pelos autores, o software Soft Cinema controla tanto o layout da tela (número e
posição de frames) e as seqüências dos elementos midiáticos que aparecem nestes
frames” (2005: s/p). O objetivo é nunca propiciar a mesma estrutura e discurso
narrativos por uma segunda vez. Não obstante, este software estabelece uma
discussão sobre a máquina como determinante na composição de histórias
compreensíveis pelo ser humano, a narrativa como produto matemático resultante
de scripts, inputs, outputs e algoritmos (Ibid).
111
FIGURA 73 – exemplo de um nó de uma narrativa gerado pelo Soft Cinema, de Manovich.
Fonte: http://www.turbulence.org/blog/images/Soft Cinema.jpg
Acesso em 05 mai. 2008.
A permutabilidade, sendo um aspecto central trabalhado pelo Soft Cinema, é uma
das características que tornam a linguagem hipermidiática singular. Este atributo
serve como princípio para o próximo ponto de discussão de narrativas para o meio:
a interatividade.
A interatividade diz respeito à “ação mútua que é exercida entre duas ou mais
pessoas, duas ou mais coisas, estabelecendo a reciprocidade” (MOURA, 2003:
199). Na hipermídia, a interatividade é um processo caracterizado pelas polaridades
ação-reação ou comando-resposta (feedback), entre usuário e a interface do
aplicativo. Essa relação comunicacional se dá segundo uma série de variáveis
resultantes da configuração entre inputs e outputs.
Este processo, no qual cada ação e resposta entre usuário-máquina é caracterizada
pela modificação, se dá em tempo real, ou seja, a arquitetura virtual é continuamente
112
atualizada por um sistema cíclico subjacente, que mapeia comportamentos, ações,
tempos de ocorrência, enfim, entrada e saída de dados. Assim, o usuário permuta
entre a atividade e a passividade, e as modificações que realiza na interface
conferem caráter único à experiência, tornando-o um co-autor e não mais mero
espectador ou receptor da informação.
No cinema “tradicional”, obviamente, não se pode discutir uma “interatividade”
propriamente dita, uma vez que se trata de uma mídia fechada e não passível de
modificações por parte dos espectadores. No entanto, as narrativas aqui tomadas
como objetos de estudo, em especial 21 Gramas, propõem alguns recursos que
podem ser discutidos como “proto-interatividades”, participações principalmente
quanto à concepção mental de um todo fragmentado exibido pelos filmes, sendo que
cada espectador desenvolve a sua narrativa com base em seus critérios pessoais.
Além da estrutura informacional fragmentada e múltipla, volta-se a citar os recursos
de montagem e pós-produção que estabelecem links audiovisuais entre contextos e
nós da narrativa, como a granulação e a utilização de efeitos de cores. Assim, os
filmes fornecem exemplos da utilização do discurso como forma de enfatizar a
complexidade da trama, sendo o espectador o autor das relações por meio de
diferentes níveis de percepção e conexão.
Por sua vez, a já mencionada justaposição de cenas, seqüências e planos,
trabalhada segundo o conceito de “síntese” de Arriaga – que simultaneamente
afasta e aproxima as realidades das personagens, criticando as aparentes distâncias
e proximidades dos contextos sociais – é outro meio que o espectador possui para
relacionar os fragmentos narrativos no decorrer da experiência, seja através de um
detalhe, ou através da óbvia similaridade explicitada pelo diretor.
No âmbito da hipermídia, a interatividade se torna particularmente interessante na
discussão sobre a aplicação de narrativas quanto à definição de como e o que é
contado. Em outras palavras, as escolhas do usuário determinam a profundidade da
informação a que tem acesso. Sendo assim, personagens podem não ser mais
redondas ou planas em essência: sua profundidade ou não pode depender do grau
de interação que o usuário tiver com uma personagem. Neste aspecto, Machado
(2007) discute que a hipermídia amplifica uma discussão gerada pelo cinema quanto
113
ao “sujeito virtual” ou a “esquize” do olhar. Em outras palavras, a câmera
cinematográfica revela a visão de um “terceiro” sujeito oculto – no caso de uma
instância narradora não ativa na história narrada – ou a visão de uma personagem
específica, servindo como janela por meio da qual o espectador sabe o que
acontece e como acontece, tendo a imagem e o som o papel de criar subjetivação
segundo as peculiaridades do personagem. Desta forma, a câmera objetiva o “eu”
do espectador, sua consciência sendo projetada em um espaço virtual durante o
tempo da narração. O “eu” pode assumir outras identidades, tomar as dores e as
alegrias de uma situação vivenciada por um personagem. Na sala de projeção, o
espectador tem sua consciência transitando entre os estados propostos pelo
universo diegético e a sua “realidade objetiva”. Em suma, o “eu” é ubíquo.
“O que quer dizer que no cinema eu estou ao mesmo tempo nesta ação e fora dela,
nesse espaço e fora desse espaço. Tendo o tom da ubiqüidade, eu estou em toda a
parte e em parte alguma” (MITRY apud MACHADO, 2007: 29).
A hipermídia amplia as discussões quanto às virtualizações do ego e a ubiqüidade
do espaço. O indivíduo que interage com o ciberespaço compõe suas próprias
narrativas e identidades, sendo os processos interativos fundamentais para o
estabelecimento dessas colagens digitais. Neste conceito de fluxo de informações,
no qual o “eu” se dispersa, alicerçam-se termos muito comuns no ambiente digital,
como avatares (simulacros de identidades digitais), imersão, navegação, entre
outros.
Aqui se resgata o conceito de kino-eye sobre o prisma do hipertexto. Amerika (2003)
adapta o conceito de Vertov às mídias contemporâneas ligadas em rede, nas quais
o kino-eye é uma “consciência hipertextual” que reconfigura as relações sociais,
tornando todo o leitor um criador socialmente ativo em um ambiente de telepresença
e de uma sociedade virtual. O kino-eye é a consciência do interator imersa em uma
rede que conecta computadores por meio de um código aberto, que rompe toda a
convencionalidade na construção da sua realidade. Cada computador é uma
estação criadora e receptora de narrativas, com base em fatos reais ou fictícios, que
se amalgamam, se mesclam, tornam-se uma terceira 'verdade', devido à
permeabilidade do meio: informação binária infinitamente reconfigurável. Neste
114
contexto, o “cine-olho” configura-se como a possibilidade de contínua configuração
de identidades e narrativas por meio de um processo de colagem, no qual a
distinção entre realidade e ficção torna-se irrelevante.
Não se trata mais, portanto, de expressar a subjetividade, mas de diluí-la com outras
identidades e ficções, tornando o “eu” um fluxo de identidades e conflitos. A vida em
rede é um fluxo de narrativas simultâneas e hipertextuais. No mesmo espaço no
qual são armazenadas informações pessoais (memória do indivíduo), se produzem e
trocam dados com outros usuários (caracterizando uma mídia) também se produzem
biografias e ficções, igualadas pela natureza de seu contexto.
De modo que, quando aperto o botão vermelho na minha câmera de vídeo
digital, dizem que as pessoas são “capturadas” pelo meu equipamento à
medida que este escrutiniza a cena. Essas pessoas são também parte da
ficção? Ou são atores 'reais' atuando como eles próprios em “tempo real”, e
eu simplesmente os capturo em ação? (AMERIKA, 2003: 140).
Amerika propõe que os aparatos tecnológicos, por meio de suas interfaces e das
narrativas interativas que estas constroem, propiciam a "transferência" da
consciência do interator, o dito processo imersivo, a tal ponto
que a realidade
objetiva confunde-se com a virtualizada pela narrativa.
Sob um prisma contemporâneo, o kino-eye é fundamental para a diegese
cinematográfica; afinal, aquilo que está no seu horizonte auxilia o espectador a
construir o espaço fílmico e o universo que o contém. As características exibidas
pela câmera e perceptíveis pelo som constituem links que por sua vez possibilitam
ao espectador compreender e imergir na realidade proposta pelo filme.
Se o kino-eye presente nos filmes que compõem a trilogia gera links sonoros e
visuais que dão sentido à modularidade de suas cenas, seqüências e planos, podese então afirmar que a montagem confere aos filmes características da
multiplicidade, outro dos princípios da hipermídia segundo Manovich (2001) e Moura
(2003). Um objeto digital pode ser recriado segundo uma infinidade de fatores, que
variam das possibilidades oferecidas pela automação (capacidade do computador
115
de realizar tarefas sozinho segundo uma série de algoritmos complexos) às variáveis
que podem afetar um sistema computacional, como resolução, hardware, plug-ins e
comandos. Em suma, um objeto digital pode ter infinitas versões de si mesmo, ou
seja, jamais é absoluto.
Segundo Moura (2003), a multiplicidade é o princípio fundamental da hipermídia,
pois esta é justamente caracterizada pela pluralidade de mídias e linguagens que se
sobrepõem e justapõem em um mesmo suporte. Mais do que múltipla, a hipermídia
é hiper, podendo facilmente chegar ao excesso.
A relação que os diferentes tipos de linguagens (textual, verbal, sonora, visual etc.)
mantém entre si não só modificam a compreensão da informação que carregam,
mas também alteram a forma de percepção de tais linguagens. A combinação de
texto, imagem e som gera uma gestalt que, conforme seu princípio, organiza-se num
todo que é mais do que meramente a soma de seus elementos constituintes.
Moura (2003), lembrando o conceito de rizoma de Deleuze e Guatarri, aborda a
multiplicidade hipermidiática como geradora de um meio que
(...) não tem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas,
dimensões que não podem crescer sem que se mude de natureza (...) é
precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que
muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas
conexões (173).
Assim sendo, a linguagem, ao ser incorporada por um aplicativo hipermidiático, tem
sua essência modificada e agregada aos diversos planos que constituem uma
interface. Também ressaltamos que as linguagens, por serem compostas de dados
binários
reconfiguráveis,
tornam-se
metamórficas,
estando
em
constante
transitoriedade. Textos, imagens, animações e vídeos tornam-se linguagens
intercambiáveis graças à modularidade da tecnologia computacional.
A narrativa analisada em 21 Gramas pode ser caracterizada como múltipla devido
aos diversos pontos de vista sobre os fatos, que geralmente representam a
116
perspectiva das personagens principais. Ainda que possua um fato central que une
todos os elementos narrativos, os diferentes pontos de vista sobre este fato podem
diferenciar-se de tal forma que a unicidade do evento se perca em meio às várias
perspectivas que o abordam. Em suma, não se pode tratar o conjunto formado pela
estrutura narrativa e discursiva dos filmes da trilogia como “único”, “estático”, já que
as diversas linhas de conflito geram verdadeiros “novelos” narrativos cuja resolução
depende dos critérios e da percepção do espectador.
O princípio da multiplicidade, tão evidente em 21 Gramas, Amores Brutos e Babel, é
um dos aspectos pertinentes à hipermídia que mais caracterizam as ditas narrativas
multiformes, muito discutidas contemporaneamente quanto à narratividade na
hipermídia. O indivíduo que assimila uma grande quantidade de informações
simultaneamente tem sua apreensão dos aspectos espaço-temporais alterada
continuamente. O tempo se contrai e se expande, as delimitações espaciais perdemse em fluidas topografias de imagens, textos, sons. A paisagem torna-se multiplanar,
híbrida, multitemporal. “Mistura, sobreposição, empilhamento entre antigo e
moderno, entre sofisticação e elementar, entre artesanal e tecnológico são
características da multiplicidade” (MOURA, 2003: 174).
Ao propor que a resultante da montagem presente nos filmes, analisada aqui em
profundidade em 21 Gramas, aproxima o cinema e a hipermídia quanto ao princípio
da multiplicidade, cita-se novamente Manovich (1997), quando o autor observa que
o cinema tornou a linguagem audiovisual predominante em relação à linguagem
textual. Em certo sentido, a linguagem digital completa o que o cinema se propôs a
criar: a ligação contínua entre dados descontínuos em uma interface dinâmica cuja
inteligibilidade atravessa barreiras culturais.
Cem anos após o nascimento do cinema, maneiras cinemáticas de ver o
mundo, de estruturar o tempo, de narrar uma história, de ligar uma
experiência com a próxima, tornaram-se os meios básicos por meio dos
quais usuários de computadores acessam e interagem com todos os dados
culturais (Ibid).
117
Segundo esta abordagem, o universo computacional cumpre a promessa do cinema
como um “esperanto multimidiático”, não apenas possibilitando que os usuários
compreendam a linguagem cinemática, mas que a “falem” (Ibid). A interface
computacional torna completamente reconfiguráveis, por parte do usuário, a
variabilidade, a modularidade e a pluralidade midiática propostas pelo cinema.
Em suma, viu-se que a hipermídia expande as possibilidades de uma narrativa, tanto em
seus aspectos estruturais quanto nos discursivos. As obras cinematográficas, tais como
as analisadas por este trabalho, podem ser abordadas como precedentes de muitas das
discussões estabelecidas pela hipermídia no âmbito das narrativas. O estudo da
narratividade
em meios audiovisuais e
interativos acompanha
fatores muito
característicos da contemporaneidade e das tecnologias computacionais, como a crise da
identidade, da autoria e do “real-virtual”. Não se trata apenas de verificar como o narrar se
dá contemporaneamente, mas sim de verificar como a própria realidade é influenciada e
influencia diferentes narrativas, a ponto de sujeito e personagem, o “eu” e o “alter-ego
virtual”, a ficção e a objetividade se mesclarem até o nível da indistinção. Essas
problemáticas enfrentadas pela sociedade contemporânea tendem a se tornar
gradativamente mais relevantes nas décadas vindouras, não apenas pela difusão das
tecnologias digitais e das redes telemáticas, mas também através da concepção do ego
como dissolúvel e da realidade como ficcional.
118
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se propôs a analisar as narrativas presentes nos filmes de Alejandro
González Iñárritu e Guillermo Arriaga. Isso foi feito por meio da desconstrução de 21
Gramas, filme aqui considerado a obra mais emblemática da trilogia, em sua
estrutura informacional – o roteiro – e seu discurso resultante dos processos de
montagem e pós-produção. Os aspectos provenientes desta desconstrução foram
resgatados para uma discussão sobre o comportamento e as possibilidades da
narratividade aplicada à hipermídia.
Verificou-se que estudar narrativas no cinema e na hipermídia significa estabelecer
um diálogo entre linguagens multimidiáticas, ainda que estas sejam diferentes
quanto a sua natureza: o cinema é linear e não propicia interação direta por parte do
espectador; a hipermídia, por sua vez, é um sistema imprevisível, composto de
fragmentos continuamente expansíveis e modificáveis, que adquirem sentido apenas
durante a contextualização proveniente do processo de interação.
A trilogia em questão serve aqui para conduzir a reflexão sobre as narrativas em
meios hipermidiáticos. Entretanto, vemos que a discussão pode se expandir: através
do estudo assinalado, é possível repensar as narrativas no próprio cinema. Ao
buscar referências nas características do seu tempo, o cinema transformou o mundo
ao difundir o pensar e o produzir por meio de sua linguagem audiovisual. Hoje, o
cinema pode reconfigurar-se segundo as possibilidades tecnológicas e os novos
paradigmas de leitura e interação com a informação. Para tanto, este diálogo com a
hipermídia é fundamental.
Foram também abordados os elementos que compõem o processo de construção de
um filme quanto a sua importância narrativa, e assim, pôde-se acompanhar um
pouco do processo de design de produção cujo objeto finalizado caracteriza-se
como uma narrativa cinematográfica. Para o design, área do conhecimento
interdisciplinar por natureza, as discussões se mostram relevantes não somente
quanto ao estudo de linguagem, mas quanto ao próprio processo metodológico.
119
Outro apontamento feito se refere às formas de adaptação das narrativas entre
diferentes meios. Esta pesquisa não tem como objetivo apontar “traduções” do
cinema narrativo para a hipermídia, ou vice-versa: ao aproximar ambas as mídias, os
autores deste trabalho acreditam estar explorando construtivamente as semelhanças
e diferenças existentes entre os dois meios, observando sob o ponto de vista do
design de que forma as narrativas podem contribuir para o desenvolvimento de
projetos interativos.
Durante as discussões apontadas, 21 Gramas e o restante da trilogia de Iñárritu e
Arriaga foram abordados como eixos de uma discussão importante para os
princípios e características da hipermídia adaptadas ao discurso narrativo. A nãolinearidade, a modularidade e a multiplicidade são características da hipermídia
exploradas por meio da ótica da narrativa e do cinema, o que possibilita discussões
construtivas a ambas as áreas do conhecimento envolvidas.
Face ao exposto nos capítulos anteriores, e considerando-se a abrangência dos
tópicos discutidos, afirmamos que o estudo proposto não se esgota com o presente
trabalho. A relação entre produções cinematográficas e hipermídia constitui um
campo muito vasto para futuras pesquisas, que podem gerar discussões produtivas
acerca da temática explorada.
120
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124
ANEXOS
Mapa do fluxo narrativo de 21 Gramas – parte 1.
125
Mapa do fluxo narrativo de 21 Gramas – parte 2.
Mapa do fluxo narrativo de 21 Gramas – parte 2.
126
Mapa do fluxo narrativo de 21 Gramas – parte 3.
127
Mapa do fluxo narrativo de 21 Gramas – parte 4.

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