Euclides Pereira de Mendonça 2ª Edição
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Euclides Pereira de Mendonça 2ª Edição
Euclides Pereira de Mendonça 2ª Edição 5 © by Euclides Pereira de Mendonça 1ª Edição 1957 2ª Edição 2008 Revisão O Autor Programação visual Hugo Oliveira Arte final de capa Beto Paixão Editor Victor Alegria ISBN: 978-85-7062-954-8 M537f Mendonça, Euclides Pereira A força do Estilo de Napoleão / Euclides Pereira Mendonça. — Brasília : Thesaurus, 2008. 141 p. 1. Biografia, Napoleão Bonaparte 2.Literatura,França 3. Estilo Literário I. Título CDU 82-94- Napoleão Bonaparte CDD 920 Contato com o autor: [email protected] Todos os direitos em língua portuguesa, no Brasil, reservados de acordo com a lei. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou informação computadorizada, sem permissão por escrito do Autor. THESAURUS EDITORA DE BRASÍLIA LTDA. SIG Quadra 8, lote 2356 - CEP 70610-400 - Brasília, DF. Fone: (61) 3344-3738 - Fax: (61) 3344-2353 * End. Eletrônico: [email protected] *Página na Internet: www.thesaurus.com.br Composto e impresso no Brasil Printed in Brazil 6 A meus filhos, Cristiano, Maria Inês e Letícia. Aos amigos Jacinto Guerra e Otacílio Miranda, a cujo apoio e reiterados incentivos há de ser debitada a ousadia desta edição. 7 8 “Le plus puissant souffle de vie qui jamais anima l’argile humaine” “O mais potente sopro de vida que, um dia, animou a argila humana.” Chateaubriand 9 10 Sumário Prefácio .................................................................. 13 Introdução .............................................................. 17 1. Presença de Napoleão na Literatura Francesa 17 2. Objetivo deste Estudo ................................. 27 I – O Homem ...................................................... 29 1 . Formação .................................................. 31 2. Fermentação do Gênio ............................... 37 3. Influências Culturais .................................. 41 4. Alguns Traços Morais ................................ 49 II – A Obra ......................................................... 55 1. Obras da Juventude ................................... 57 2. Obras da Fase Gloriosa .............................. 63 3. Obras de Santa Helena .............................. 65 III – A Força do Estilo......................................... 69 1. Dados Gerais .............................................. 71 2. Força do Estilo na Correspondência ........... 73 IV – A Força do estilo nas Proclamações ............. 97 1. Eloqüência Militar e Política ..................... 101 11 V – Projeção da epopéia Napoleônica na posteridade ................................................... 119 1. Reflexos na Ação Política .......................... 121 2. Reflexos na Inspiração Literária................ 125 VI – Conclusão ................................................ 133 VII – Bibliografia .............................................. 137 12 Prefácio O erudito professor Euclides Pereira de Mendonça honrame ao pedir-me que cometa uma temeridade: prefaciar seu magnífico livro, constante de tese de concurso para a cadeira de Francês do Colégio Militar de Belo Horizonte. Rachel de Queiroz dizia que quando o livro é bom, prescinde de prefácio, e quando é mau, não há prefácio que o salve. Estou, pois, preso ao dilema, e por isso falei em temeridade, pois o livro, de tão bom, dispensa o prefácio e expõe o prefaciador ao perigo de ficar muito aquém da excelência do texto a que se propõe apresentar ao leitor. Quando tenente do Exército brasileiro,de André Maurois, notável escritor francês, li e reli, empolgado, a biografia do famoso general Louis Hubert Lyautey, conquistador do Marrocos. Major, servindo, sob as ordens do famoso general Gallieni, comandante das tropas coloniais francesas em luta na Indo-China, dele aprendeu o que se transformaria em hábito seu : uma vez prontos todos os planos operacionais, de cada batalha decisiva, reservar pelo menos uma hora por noite para uma conversa com um amigo inteligente, sobre ensaios civis, ou leituras de autores renomados. Nada de assuntos militares. Uma espécie de banho lustral, “a fim de ter o cérebro livre para dirigir a tropa na batalha do dia seguinte”. Lembrei-me dele, ao ler A Força do Estilo de Napoleão, não pela identidade de procedimento na vigília das batalhas, mas na semelhança de Lyautey e Napoleão associando a arte da guerra à literatura, ligadas por amálgama, cantada nos versos, imorredouros para os militares, de Castro Alves: 13 EUCLIDES PEREIRA DE MENDONÇA “Não cora o livro de ombrear com o sabre/Nem cora o sabre de chamá-lo irmão”. Os capítulos da tese são absolutamente harmônicos, na revelação do estilo sintético, a concisão típica “da imperatoria brevitas”, a despeito da concessão parcimoniosa no declamatório. Ressaltam o suporte da cultura greco-romana, que lhe inspirou as primeiras incursões na História e na literatura em geral, bem assim a particularidade do “escritor que não escreve, dita”. Um escritor oral, se me é permitido o oxímoro. No metier militar, Napoleão foi o líder que galvaniza os subordinados, sem as perífrases que distinguem o chefe, do líder. Ao longo da leitura, aprendi em cada um dos capítulos, sempre muito bem escritos e enriquecidos com as citações adequadas, de escritores franceses, o cultivo da combinação incomum da sintaxe exigida na redação militar (clara, concisa e precisa) com a literária. Eisenhower exigia que os relatórios mais importantes jamais ultrapassassem duas páginas de memorando. As Proclamações nunca poderiam seguir esse modelo.Como enfatiza o autor, são pequenas peças oratórias, “um paradigma de eloqüência militar e política, pela força que concentra, pelos efeitos que desencadeia”, e que o projetam na História da Literatura Francesa Antes de opinar elogiosamente sobre o talento literário de Napoleão (uma cautela que provém de sua modéstia) o autor recheia seu livro com testemunhos de consagrados escritores chamados à colação. Dentre todos, o conceito que mais apreciei, da conjunção da sintaxe militar com o estilo literário de Napoleão, destaco o de Sainte-Beuve:”son style militaire offre un digne pendant aux styles les plus parfaits de l’antiquité en ce genre à Xenophon et à César”. Com muita propriedade, porém, o professor mostra que o domínio da palavra Napoleão a exercia também no estilo memorialístico, nas reuniões do Alto Comando, relatadas nas reminiscências dos ensinamentos ditados no exílio, anotados e publicadas no Mémorial de Saint-Héléne, de Las Cases, 14 A FORÇA DO ESTILO DE NAPOLEÃO que ninguém menos que Thiers , também citado pelo professor, considerou de “ uma beleza inexaurível” O acervo de lições históricas, que traduziram a conjugação do gênio militar com o do estadista, o estrategista com o ensaísta, nas aulas de Francês, do Colégio Militar de Belo Horizonte, comparei inevitavelmente com a indigência com que me deparei nas salas de aula de meu ginásio, em que o francês nunca foi além da conjugação de verbos defectivos e o ensinamento militar não passou do que cabe a um Tiro de Guerra. Nele, a figura solar de militar e escritor foi Júlio César, famoso desde o Alea jacta est, no Rubicon, aos autoelogiosos Commentarii de bello Gallico da guerra da Gália Cisalpina. De Napoleão não mais que vaga referência ao herói de Austerlitz e ao autor do Código Civil. Felizes foram os alunos do mestre emérito Euclides de Mendonça, no Colégio Militar de Belo Horizonte. Aprenderam concomitantemente a língua de Vitor Hugo e o estilo de Napoleão Bonaparte “vigor expressivo da palavra, arrebatamento das imagens, energia da frase tensa e concisa”... Jarbas Passarinho 15 16 INTRODUÇÃO 1 . P R ES ENÇ A DE N A POL E à O NA LI TERAT U RA FRA N CESA É natural que uma tese que se proponha a estudar a personalidade de Napoleão sob o ângulo literário suscite, à primeira vista, insopitável surpresa. Não é freqüente, afinal, ver-se esse nome associado à sutil arte de escrever. O gênio do lendário vencedor de Austerlitz antes parece, definitivamente, ligado à majestade do poder ou ao esplendor dos triunfos nos campos de batalha. O exame, porém, ainda que sumário, da enorme bibliografia napoleônica não tarda a desfazer essa primeira impressão. Max Friedrich Kircheisee, autor de uma preciosa “Bibliographie Napoléonienne”, levantou cerca de duzentas mil fichas relativas a estudos napoleônicos, enquanto Jacques Bainville estima que uma biblioteca completa sobre o assunto deverá reunir dez mil volumes, aceitando como apenas provida do essencial a que acumule cinco mil volumes1. O que ressalta, de pronto, dessa bibliografia verdadeiramente avassaladora é a pluralidade de facetas que o gênio de Bonaparte oferece aos estudiosos2. 1. Jacques Bainville. Napoléon. 2. Edouard Driault, em -Pensées pour L’actiom., p. XVII. Presses Universitaires de France, Paris. 1943. menciona simplesmente ‘plus de cent mille titres en sa bibliographie, 17 EUCLIDES PEREIRA DE MENDONÇA Se nela se encontram, abundantemente como era de esperar, obras em que o grande cabo de guerra é estudado sob o ângulo político-militar, por outro lado, não são menos numerosos os ensaios que abordam temas de certo modo inesperados, tais como: Napoleão e os homens de letras... o escritor militar... o jornalista... o crítico literário... o orador; Napoleão e os poetas alemães, Bonaparte e suas obras literárias, etc. Nesse terreno dos temas inesperados, a enumeração estender-se-ia, indefinidamente, abrangendo quase todos os setores relevantes da atividade humana, que, de uma forma ou de outra, sofreram o influxo genial do grande corso. Não será, entretanto, supérfluo lembrar que há um Napoleão escritor, e ao designá-lo como tal adotamos o mesmo conceito de A. Tomiche: “Nous n’entendons pas donner à ce mot le sens particulier de “homme qui compose des livres”, mais celui plus absolu de “l’homme habile dans l’art d’écrire”, selon les définitions de Littré”3. “Não é intenção nossa dar a este vocábulo um sentido restrito de “homem que compõe livros”, mas outro mais abrangente, de “homem hábil na arte de escrever”. Conforme a definição de Littré.” Também não será demais evocar o lugar preenchido pelo nome de Bonaparte na História da Literatura Francesa, no período que compreende o fim do século XVIII e início do século XIX. Esse lugar corresponde a um plano de primeira grandeza ou a um segundo plano? Evidentemente, manifestaremos nossa opinião sobre o problema, não porém antes de darmos a conhecer a opinião de alguns eminentes homens de letras contemporâneos de Napoleão ou representativos do julgamento póstero, procurando, com isso, situá-lo no panorama da literatura 3. A. Tomiche. Napoléon Ecrivain, Avant-Propos, Ed. Armand Colin, Paris. 18 A FORÇA DO ESTILO DE NAPOLEÃO francesa. Só então entraremos no assunto que será objeto de nossa tese. Thiers tinha quinze anos quando assistiu à queda do Imperador. Em artigo de 24 de junho de 1830 ele classifica-o como: “le plus grand écrivain de son temps” “O maior escritor de seu tempo” Sainte-Beuve, que na mesma época contava onze anos, não é menos categórico em sua opinião, quando nos seus “Portraits Contemporains” aponta Bonaparte como: “le plus grand écrivain du siècle”4. “O maior escritor do século” É ainda em Sainte-Beuve que lemos: “son style militaire offre un digne pendant aux styles les plus parfaits de l’antiquité en ce genre à Xenophon et à César”5. “seu estilo militar oferece-nos uma réplica comparável aos mais perfeitos estilos da antigüidade, tais como o de Xenofonte e de Cesar.” Joseph Chénier, sublinhando o valor literário das Proclamações, assim se exprimia: “Dans les camps... naquit une autre eloquence inconnue jusqu’alors aux peuples modernes... elles partirent de I’armée d’Italie, ces belles proclamations, où le vainqueur de Lodi et d’Arcole, en même temps qu’il créait un nouvel art de la guerre, créa l’éloquence militaire dont il restera le modèle”6. “Nos campos de batalha... nasce uma outra eloqüência, até então, desconhecida dos povos modernos... essas belas proclamações partiram do exército da Itália. Nelas o vencedor de Lodi e de Arcole, 4. Apud Tomiche, Napeléon Ecrivain, p. 287. 5. Sainte-Beuve, Causeries du Lundi. T. 1, p. 144 (ed. 1852). 6. Apud Tomiche. idem, p. 185. 19 EUCLIDES PEREIRA DE MENDONÇA enquanto criava uma nova arte da guerra, criou a eloqüência militar, da qual ele será o modelo.” Desiré Nisard, outro contemporâneo de Napoleão, coloca-o ao lado de Tácito devido à majestade de seu estilo histórico7. Léonce de Lavergne resumia assim sua opinião literária sobre o Imperador: “Empéreur, sa voix s’élève aussi haut que sa destinée; avec les aigles Romaines et le manteau des Césars, il prend le ton fier et bref de l’antique langue impériale, l’énergie lapidaire, la simplicité sublime du latin: imperatoria brevitas8. “Imperador, sua voz se ergueu tão altaneira quanto seu destino. Com as águias romanas e o manto de César, ele adota o tom altivo e conciso da antiga língua imperial, a energia lapidar, a simplicidade sublime do latim: a concisão própria de um imperador.” Não é outro o sentir da posteridade. “Un écrivain de genie”, dirá Aulard9. “Um escritor genial, dirá Aulard.” Investido do “don d’écrire avec génie”, reconhece Barbey d ‘Aurevilly10. Possuía “mieux que César l’imperatoria brevitas, le martellement des phrases claires, incisives et puissantes”, dirá Frédéric Masson11 . Possuía “mais do que César, a concisão, e o marte7. Nisard, considérations sur la Révolution Française 887, p. 158. Apud Tomiche. Napoléon, Écrivain, p. 290. 8. Préface des oeuvres choisies de Napoléon, 1844, citado por Antoine Guillois Napoléon, L’homme, le politique, l’orateur. T. Il. p. 362. Paris. Ed. Perrin, 1889. 9. Article publié in La Justice. 28.11.1887. Apud Tomiche. Napoléon écrivain, p. 290. 10. Les oeuvres et les hommes, 2ª partie, vol. 14, p. 344, Paris. 1893. Apud Tomiche, idem. 11. Masson et Biagi. T. I. p. 103. apud Tomiche, idem 20 A FORÇA DO ESTILO DE NAPOLEÃO lamento das frases incisivas e vigorosas, dirá Frédéric Masson”. Finalmente, para citar uma opinião atual, lembraremos os conceitos de M. Émile Henriot, autorizado crítico literário do jornal “Le Monde” de Paris, o qual atribui a Napoleão: “un style exceptionnel... le don du style et le talent de s’exprimer avec une force, une justesse, une couleur et dans un tour, avec un accent et un rythme méme qui ne sont qu’à lui. Ce sont là qualités d’écrivain-né”12. “Um estilo excepcional... O dom do estilo, o talento de se expressar com vigor, com precisão, com elegância e colorido, na tonalidade e no ritmo inconfundíveis que lhe são peculiares. Tais atributos são próprios de um escritor nato.” Cumpre-nos, agora, examinar a acolhida que lhe fazem alguns autores de História da Literatura Francesa.’ Gustave Lanson situa-o no capítulo da eloqüência política do século XVIII, atribuindo-lhe “une voix impérieuse mais éloquente”... Segundo esse autor, Napoleão, teria sido “le dernier des grands orateurs révolutionnaires”. Dando-lhe, porém, a companhia de Mirabeau, Danton, Desmoulins, Lanson não deixa de pôr em relevo o mérito de Bonaparte ao se ter esquivado do vício da verbosidade peculiar aos tribunos da revolução, e de haver, progressivamente, atingido um estilo próprio, inconfundível: “II se fit une forme courte, brusque, tendue, nerveuse, admirablement expressive et de sa nature réelle et de l’idée qu’il voulait donner de lui, admirablement adaptée à l’âme élémentaire des foules ou des armées”. “Ele desenvolveu uma forma curta, brusca, tensa, nervosa, admiravelmente expressiva, e seja por seu realismo, seja pela imagem que ele procura12. Emite Henriot, Courrier Littéraire, XIXème Siècle. p. 14. La Renaissance du Livre, Ed. Marcel Daubin, Paris 1948. 21 EUCLIDES PEREIRA DE MENDONÇA va passar de si mesmo, admiravelmente adaptada à alma elementar das multidões e das tropas.” Considerando-o, em tudo, um orador, até mesmo nos escritos de Santa Helena, ele conclui que: “ces récits de ses campagnes et de ses victoires sont de‘ l’histoire tout juste comme le tableau de la politique athénienne dans le Discours pour la couronne, de l’histoire arrangée pour persuader”. “as narrações de suas campanhas e de suas vitórias constituem autêntica história, tal como o painel da política ateniense no Discurso da Coroa. Trata-se, na verdade, de história maquiada para persuadir”. Finalmente, o que mais impressiona Lanson nos escritos de Napoleão, são suas fulgurantes imagens. Nisso ele merece uma aproximação com o mais representativo gênio do romantismo. “On se sent tout près de Hugo, bien plus près de Hugo que des Montagnards et du Conciones quand on lit des phrases comme celles-ci: “La victoire marchera au pas de charge; l’aigle volera de clocher en clocher jusqu’aux tours de NotreDame”13. “Sentimo-nos bem próximos de Hugo, bem mais próximos deste do que dos Montagnards e dos Conciones quando se lêem frases como estas: A vitória marchará em passo acelerado; a águia voará de Campanário em Campanário até as torres de Notre Dame.” Albert Thibaudet, na sua “Histoire de la Littérature Française de 1789 à nos jours”, não se mostra menos empol- 13. Lanson, Histoire de la Littérature Francaise, p. 872 — Hachette 12ème ed. 1912. 22 A FORÇA DO ESTILO DE NAPOLEÃO gado na sua acolhida14. “Thiers a dit et Sainte-Beuve l’approuve que Napoléon fut le premier écrivain de son temps, et l’on a soutenu ce paradoxe que sa vraie vocation était celle d’un homme de lettres, i1 ne faut pas exagérer, mais certainement, et des points de vue les plus divers, sa personnalité domine la littérature de son temps. L’image de Victor Hugo, dans les “Orientales”, Napoléon à l’horizon du siècle comme le Vésuve à l’horizon de Naples,est aussi vraie pour le siècle littéraire que pour le siècle politique”. “Thiers disse, e Sainte-Beuve o aprovou, que Napoleão foi o principal escritor de seu tempo. Houve quem sustentasse este paradoxo que sua verdadeira vocação seria a de um homem de letras. Não se deve exagerar. No entanto, certamente, sob vários pontos de vista, sua personalidade domina a literatura de seu tempo. A imagem de Victor Hugo, nas Orientales : Napoleão postado no horizonte do século, como o Vesúvio no horizonte de Nápoles, é tão verdadeira em relação ao século literário quanto em relação ao século político.” Apreciando sua obra literária, acrescenta: “Son oeuvre personnelle, comme littérature de Souverain, est unique. Très supérieure à celle de Frédéric II, elle ne pourrait se comparer qu’à ce qui nous reste des dictées de César”. “Sua obra pessoal, como literatura de soberano, é única. Bem superior à de Frederico II. Ela só seria comparável àquilo que nos resta dos ditados de César” E sobre as Memórias de Santa Helena: “...Bien des pages sont d’une beauté 14. Albert Thibaudet, Histoire de la Littérature Française, de 1789 à nos jours. T. ler. Père. Partie, p. 34. Arn. Ed. Rio de Janeiro-Brasil. 23 EUCLIDES PEREIRA DE MENDONÇA inépuisable. Telle interpellation à Chateaubriand venue de Sainte-Hélène vaut les plus belles pages des Memoires d’Outre-Tombe”. “... muitas de suas páginas são de uma beleza inesgotável. Aquela interpelação a Chateaubriand vinda de Santa Helena vale as mais belas páginas das “Memórias de Além-túmulo”. Sem entrar no mérito das opiniões de Thibaudet, cremos que seu julgamento se completa com a frase que damos a seguir: “Si la fortune politique de Bonaparte ne s’était pas fait jour, s’il avait couru une carriére d’homme de lettres, il est invraisemblable que de cette carrière ait pu sortir une oeuvre litteraire égale à celle que nous a valu sa fortune césarienne”. “Se a estrela política de Bonaparte não tivesse brilhado, se ele tivesse seguido uma carreira de homem de letras, é bem provável que de tal carreira pudesse ter repontado uma obra literária igual àquela produzida por seu gênio militar.” Em “Littérature Française”, preciosa obra publicada sob a direção de Joseph Bédier e Paul Hazard, ambos da Academia Francesa, Napoleão tem também seu lugar. É verdade que os autores não poupam críticas à tirania exercida pelo imperador sobre a livre expressão do pensamento. Toda a pobreza literária da fase imperial é aí atribuída a Bonaparte. Seus méritos de escritor são, todavia, largamente reconhecidos. “II inventa une éloquence nouvelle; celle des ordres du jour, des proclamations militaires, des harangues avant la bataille ou après la victoire”... Suas proclamações “solidement composées” estão impregnadas de “formules frappantes... qui touchent l’âme des soldats”15. 15. Joseph Bédier. Paul Hazard, Littérature Française, Nouvelle Édition, Tome Second. Librairie Larousse, Paris, 1949, p. 81. 24 A FORÇA DO ESTILO DE NAPOLEÃO “Ele inventou uma eloqüência nova, presente nas ordens do dia, nas proclamações militares, nas harengas pronunciadas antes das batalhas ou depois das vitórias. Suas proclamações solidamente estruturadas estão impregnadas de tiradas vibrantes que emocionavam a alma dos soldados.” Já que se torna impossível, além de fastidioso, estender nossa consulta a todos os compêndios de história literária, cedemos, muito propositadamente, a última palavra a um escritor da atual geração literária francesa. Trata-se de Émile Henriot, da Academia, o qual, no seu Courrier Littéraire, XIXème siècle, oferece-nos um julgamento equilibrado, penetrante e, sobretudo, impregnado daquela serenidade que só assiste aos críticos que julgam à distância, dentro da indispensável perspectiva histórica. Sua opinião parece-nos tanto mais preciosa quanto ela reflete exatamente nosso ponto de vista pessoal relativo à importância da presença de Napoleão nas letras francesas. “C’est Jacques Bainville, je crois bien, qui a fait cette observation que si Napoléon n’avait pas été ce qu’il fut il aurait été tout naturellment, un remarquable homme de lettres. Et c’est déjà I’opinion de Sainte-Beuve qui le plaçait, avec raison, au premier rang des écrivains occasionnels, j’entends par là écrivains dont Ia littérature n’est pas la spécialité ni Ia profession, mais des hommes qui un jour, la plume à la main, ont exprimeé leur pensée et leur expérience, d’un jet si ferme, avec tant de talent ou même de génie, que ce qu’ils ont écrit, finalement, relève de l’art16. “Foi Jacques Bainville, quero crer, que fez esta observação, segundo a qual se Napoleão não tivesse sido o que foi, ele teria sido, fora de dúvida, um notável literato. Essa era, então, a opinião de Sainte-Beuve, que o situava, com razão, na primeira 16. Emile Henriot, Courrier Litteraire, XIX. ème, siècle, T. — p. 5, 6. La Renaissance du Livre, Editions Marcel Daubin, Paris, 1948. 25 EUCLIDES PEREIRA DE MENDONÇA linha dos escritores ocasionais. Entendo eu, como tais, esses homens cuja especialidade ou profissão, não sendo a literatura, não obstante, quando, um dia, empunham a pena, logram exprimir seu pensamento e sua experiência com tão vigoroso élan, ou com tanto talento diria até, com inspiração tão genial, que o que eles escrevem, acaba por redundar em obra de arte” 26