Estudo e análise de obras de arte através de micro espectroscopia
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Estudo e análise de obras de arte através de micro espectroscopia
Universidade de Coimbra Faculdade de Ciências e Tecnologias Departamento de Física Estudo e análise de obras de arte através de micro espectroscopia Raman e difracção de raios-X Relatório de Projecto Isabel Pinto Matias Orientador: Doutor Francisco Paulo de Sá Campos Gil I Agradecimentos Quero agradecer de uma maneira muito especial ao Doutor Francisco Gil, meu orientador, pela ajuda que me prestou, a sua constante disponibilidade e o interesse que demonstrou ao longo deste trabalho. À Doutora Ana Maria Matos Beja agradeço a preciosa e incansável ajuda que me prestou durante a aprendizagem e aperfeiçoamento das técnicas e na utilização do equipamento experimental, além de toda a sua simpatia. Agradeço à Dra. Catarina Alarcão do Museu Machado de Castro a amabilidade com que me recebeu no museu e a disponibilidade que manifestou para esclarecer as minhas dúvidas. Agradeço ao Doutor Jorge Soares do Departamento de Física da Universidade de Aveiro a oportunidade que me deu de executar a parte do trabalho experimental relativa à espectroscopia Ramam no seu laboratório. À Guadalupe, fico grata pela sua cumplicidade como colega de trabalho. Aos meus Pais que sempre me encorajaram e para quem este trabalho é o fim de mais uma etapa. Finalmente, ao Nuno, por tudo. II Introdução A aplicação de diversas técnicas de análise ao estudo de obras de arte é hoje um trabalho de indiscutível interesse e importância para os mais diversos fins, como por exemplo para estudos em História de Arte ou para o desenvolvimento consciente de estratégias de conservação e restauro. Em causa estão frequentemente a análise dos materiais que constituem as obras, como os pigmentos, aglutinantes e vernizes. Estes trabalhos podem fornecer dados importantes para a caracterização de uma obra quer através da análise da cronologia de utilização e do valor dos pigmentos usados, quer em termos das preferências do artista ou de uma escola relativamente aos materiais que utiliza. Permitem assim inserir uma obra num determinado contexto histórico e inferir acerca das condições em que foi criada mas também para confirmar ou contradizer uma classificação já existente [1]. Dado que os artefactos alvo deste tipo de estudo são únicos e de inquestionável valor, a não destrutibilidade de uma técnica, ou seja, o facto de não ser necessário retirar amostras do artefacto, é, sem dúvida, uma das características mais procuradas e apreciadas. Idealmente, uma técnica de análise adequada ao estudo deste tipo de obras aliaria outras qualidades, tais como a universalidade, a possibilidade de realização de análise in situ, uma boa resolução espacial, sensibilidade e capacidade de resistência a interferências. Uma vez que alia os requisitos mais importantes para ser considerada apropriada a este tipo de investigação, a espectroscopia Raman, sobretudo na sua variante microscópica, tem vindo a ser amplamente usada neste tipo de estudos [2,3]. A principal desvantagem de que pode padecer é a fluorescência que o objecto em estudo pode apresentar mascarando assim o espectro de Raman, pois a intensidade da radiação produzida por difusão Raman é muito pequena. Nestes casos os problemas podem ser parcialmente ultrapassados através da utilização de filtros adequados ou de uma técnica de análise complementar, escolha que no caso deste trabalho recaiu sobre a difracção de raios X, nomeadamente a difracção de pó. Esta técnica é extremamente específica e permite identificar compostos com base nas suas estruturas atómicas, dando a indicação clara do composto presente na amostra. Apresenta também alguns inconvenientes pois apenas permite o estudo de compostos cristalinos e, à excepção de difractómetros mais modernos e dispendiosos, apenas se conseguem efectuar análises ex-situ. Também III apenas as substâncias presentes no capilar com uma concentração superior a 5% serão geralmente identificadas. Outras técnicas são de uso comum neste género de estudos [4], como a fluorescência de raios-X ou abreviadamente XRF (X-Ray Fluorescence); a espectroscopia de infravermelhos sem ou com transformada de Fourier, FTIR (Fourier Transform Infrared Spectroscopy); a PIXE (Proton Induced X-ray Emission) entre outras (ver apêndice II). Cada uma destas e outras técnicas apresentam simultaneamente vantagens e limitações que levam a que umas sejam preteridas em favor de outras em determinados casos. Não obstante, todas elas devem ser encaradas como completandose mutuamente. O principal objectivo deste trabalho é assim de identificar e estudar os pigmentos, e eventualmente outros materiais, usados na execução ou em possíveis intervenções de conservação de duas obras de escultura atribuídas a João de Ruão ou às suas oficinas. João de Ruão, um importante artista do Renascimento, é um escultor de origem francesa que terá vindo para Portugal em 1517 e aqui desenvolveu a sua arte deixando muitas obras de relevo nas regiões norte e centro do nosso país. As obras em questão são duas predelas em baixo relevo policromadas, semelhantes na forma, que representam as aparições de Jesus Cristo à Virgem e a Maria Madalena respectivamente e que pertencem ao Museu Nacional Machado de Castro. As esculturas são esculpidas em pedra de Ançã, uma pedra calcária originária de uma localidade do concelho de Coimbra com o mesmo nome. Ambas as obras encontram-se algo danificadas pela passagem do tempo mas apresentam ainda bastantes vestígios da sua policromia. Das amostras retiradas foram identificados vários pigmentos e alguns dos seus produtos de degradação que se encontram cronologicamente bem enquadrados no período a que se sabem pertencer as esculturas; surgem, contudo, algumas dúvidas quanto às épocas em que foram utilizados dois dos compostos identificados devido à disparidade de opiniões de diversos autores. Põe-se-nos assim a questão de saber se esses pigmentos foram aplicados por ocasião da execução das obras ou posteriormente a esta época. Digna de nota é a possível descoberta de um pigmento azul numa das predelas que é considerado dos mais valiosos, o Lápis-lazúli. O preço que este atingia durante o Renascimento levanos a crer que a predela em questão possa ter sido encomendada por uma personalidade abastada, disposta a pagar matéria prima desta qualidade. Os problemas inerentes à micro-espectroscopia Raman fizeram-se, de facto, sentir durante a recolha de certos espectros, no entanto, as dificuldades de identificação dos compostos puderam ser ultrapassadas em determinados casos através da técnica complementar. IV 1. Métodos experimentais A escolha das técnicas utilizadas neste trabalho recaiu sobre a espectroscopia Raman, que é aqui usada para fingerprinting e sobre a difracção de raios-X pelo método do pó. Por fingerprinting entende-se uma aproximação à análise que se faz por comparação de resultados obtidos de amostras desconhecidas com resultados obtidos a partir de amostras conhecidas, por exemplo pigmentos puros ou preparados a partir de receitas medievais. Se tivermos um conjunto de espectros de Raman relativos a um grande número de pigmentos comummente utilizados deveremos ser capazes de, por comparação, identificar o ou os pigmentos presentes na amostra a que o espectro sujeito a estudo diz respeito. Para servir de base de dados de pigmentos para este trabalho usaram-se espectros de amostras puras publicados na literatura [5,6] e disponíveis nos sites de centros de investigação [7,8,9] A difracção de pó foi usada como técnica complementar à espectroscopia Raman em primeiro lugar pela sua disponibilidade mas também por ser capaz de fornecer uma análise molecular específica, isto é, por distinguir substâncias com a mesma composição química mas de estrutura distinta, apesar de se restringir ao estudo de materiais cristalinos. Dado que a maior parte dos pigmentos são geralmente materiais de origem cristalina e que as excepções são bem conhecidas, esta desvantagem aparente da difractometria de pó não será de grande importância neste trabalho. Também aqui se faz a comparação dos difractogramas experimentalmente obtidos com os de uma base de dados internacional com o intuito de identificar os constituintes das amostras. 1.1 Recolha de amostras As duas obras estudadas neste trabalho são predelas atribuídas a João de Ruão, “Aparição de Cristo a Maria Madalena” (PACMM) e “Aparição de Cristo à Virgem” (PACV) apresentadas nas figuras 1 e 2 respectivamente. Esta última encontra-se bastante danificada, pelo que o processo de recolha de amostras para estudo posterior teve que ser levado a cabo com todo o cuidado. Após seleccionar os locais de onde se iriam retirar amostras em ambas as predelas, levou-se a cabo, sempre que possível, um estudo estratigráfico em cada um V desses locais recorrendo a uma lupa binocular, de modo a identificar as camadas policromáticas presentes (ver apêndice II). Com a ajuda de um bisturi recolheram-se então as amostras de modo a que os seus tamanhos fossem os mais reduzidos possível para salvaguardar a integridade das obras. Cada local de amostragem foi identificado com uma sigla que refere a cor da amostra, um número e a predela a que diz respeito, por exemplo, a amostra VM24PACV é de cor vermelha, a 24ª a ser escolhida e pertence à Predela da Aparição de Cristo à Virgem. Figura 1 – Predela da Aparição de Cristo à Virgem VI Figura 2 – Predela da Aparição de Cristo a Maria Madalena O estudo estratigráfico atrás mencionado foi efectuado em todos os locais escolhidos para futura amostragem, no entanto apenas se levou a cabo a análise de 10 amostras seleccionadas de forma criteriosa. Pretendeu-se assim estudar amostras da mesma cor em cada uma das predelas e tentar averiguar a composição de uma camada cinzenta presente em alguns locais nas duas obras de modo a perceber se se trata ou não de uma camada cromática intencional. Escolheu-se estudar as seguintes cores: amarelo, vermelho vivo, azul claro e verde. A camada cinzenta foi recolhida por raspagem do local seleccionado. Entendeu-se ainda estudar uma amostra vermelha adicional por apresentar dimensões excepcionais para este tipo de estudo. Ao escolher amostras de cores semelhantes à vista desarmada pretendeu-se verificar se teriam sido utilizados os VII mesmos materiais em ambas as predelas. Cada amostra foi a posteriori ainda dividida em duas, uma destinada a espectroscopia Raman e outra à difracção de raios-X. 1.2 Estudos por difractometria de raios-X pelo método do pó A difractometria de raios-X pelo método do pó carece de uma preparação prévia das amostras a serem estudadas. É uma técnica destrutiva uma vez que as amostras são reduzidas a pó antes da análise. O difractómetro de pó usado, um ENRAF NONIUS FR590, de geometria de DebyeScherrer é constituído por um gerador de alta tensão que em todas as recolhas operou a 45KV e 45mA; um monocromador constituído por um cristal de quartzo; uma ampola de raios-X de cobre; um goniómetro, que roda durante a recolha para evitar orientações preferenciais de monocristais e um detector, CPS – 120 (curved position sensitive detector), que regista os feixes difractados pela amostra numa região angular de 120º. O detector foi calibrado sempre que necessário (após troca da garrafa de gás e da ampola de raios-X e quando se suspeitou de choques) usando uma substância com máximos de difracção bem conhecidos e bem definidos em toda a região angular coberta pelo detector, o aluminato de potássio (cúbico, a = 12,157 Å), como mostra a figura 3. Em cada calibração é também recolhido o feixe directo, em condições de tensão e corrente mínimas, apenas durante o tempo suficiente para se conseguir observar o seu pico. Após a recolha do difractograma obtido, o programa de tratamento de dados DIFFRACTINEL, descrito mais adiante, cria um ficheiro de calibração que é posteriormente utilizado para calibrar cada espectro recolhido. VIII 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 canal Figura 3 – Difractograma do aluminato de potássio 1.2.1 Preparação das amostras e recolha dos difractogramas As amostras escolhidas para este estudo foram todas preparadas da mesma forma. Tentou-se separar a camada cromática das amostras da sua base de modo a obter, quando possível, apenas pó colorido com o intuito de optimizar os futuros resultados. Os grãos resultantes desta raspagem foram moídos num almofariz e com o pó resultante encheram-se capilares de vidro com um diâmetro interior de 0,2mm. Optou-se por não passar o pó resultante da moagem por um crivo, como seria habitual, de modo a garantir a maior quantidade de pó possível para análise uma vez que as amostras eram já por si muito reduzidas. Após esta preparação, os capilares foram colocados no goniómetro do difractómetro e foram devidamente centrados. Todas as recolhas tiveram a duração de 24 horas e foram realizadas à temperatura ambiente. A radiação utilizada em todas as recolhas foi Cu Kα1 com λ = 1.5405981 Å. 1.2.2 Identificação dos pigmentos Uma vez obtido o difractograma, este é transferido para o computador onde se efectua a análise através do programa DIFFRACTINEL. Este programa procura automaticamente os máximos de difracção presentes no difractograma e propõe-os ao utilizador para selecção, ou não. Após efectuada a escolha dos picos considerados IX relevantes, o programa procede à sua análise fazendo um ajuste dos máximos a funções Gaussianas e Lorentzianas através do método dos mínimos quadrados, criando assim um ficheiro com a informação das posições dos picos escolhidos (em distâncias interplanares) assim como das suas intensidades relativas. Este ficheiro é posteriormente lido pelo programa SEARCH-MATCH que faz a comparação dos dados experimentais com os da sua base de dados, a μPDSM, apresentando uma lista de possíveis substâncias presentes na amostra estudada. A partir desta lista, cabe ao utilizador identificar as soluções mais correctas para cada caso, baseando-se nos critérios discriminados pelo programa para cada possibilidade mas também nos seus conhecimentos e bom senso. Foi possível restringir as comparações com substâncias que continham apenas determinados elementos ou que se sabia estarem ausentes, consoante indicação do utilizador através da opção CHEM. Esta opção foi bastante útil para a descoberta da presença de certos pigmentos, pois de outra forma não teriam sido apontados pelo programa, dado que se apresentavam em muito pouca quantidade na amostra. Outra ferramenta utilizada foi o programa PC-PDF que permitiu efectuar pesquisas necessárias para a resolução dos problemas inerentes à identificação dos pigmentos presentes nas amostras. Este programa permite aceder à base de dados cristalográficos (JCPDS) e efectuar pesquisas usando diversos critérios. 1.3 Estudos por espectroscopia Raman Ao contrário da técnica apresentada anteriormente, os estudos por espectroscopia Raman não necessitam de uma preparação prévia das amostras nem são destrutivos, o que pode ser apontado como uma vantagem relativamente à difracção de raios X. O único cuidado que se teve em relação às amostras foi o de retirar o pó ou outra impureza mais evidente que estas pudessem apresentar de modo a não se verificarem interferências que se pudessem evitar. Os espectros de Raman apresentados neste trabalho foram adquiridos usando um sistema micro-Raman composto de um espectrómetro Jobin Yvon T64000 com monocromador triplo, acoplado a um microscópio óptico e a um detector CCD arrefecido a azoto líquido. A fonte de excitação usada foi um laser de Ar+ a operar a X 514,5 nm. A potência máxima do laser era de 3 W e a potência na amostra não foi medida mas situa-se na ordem dos 10mW. É desejável que a potência colocada na amostra seja da ordem do mW (tipicamente inferior a 5 mW [3]) de modo a evitar que a amostra sofra algum tipo de degradação induzida pelo laser. Foram tomadas as devidas precauções para não queimar as amostras. É de salientar que não foi efectuada uma calibração prévia do espectrómetro nem uma simples verificação do seu estado com uma substância adequada (por exemplo CCl4). Este facto compromete e dificulta até certo ponto o estudo de certas amostras, sobretudo aquelas cujas bandas possam ser explicadas por vários pigmentos que possuam bandas em números de onda próximos uns dos outros. Na análise subsequente dos espectros verificou-se um desvio médio sistemático das bandas da ordem dos 10 cm-1 o que permitiu ultrapassar algumas destas dificuldades. O processo para obtenção de espectros foi o mesmo para todas as amostras. Cada amostra foi colocada no suporte do microscópio e foi focada com a ajuda de uma câmara. Uma vez escolhido e focado o local de interesse a ser estudado, permitiu-se a passagem do feixe de laser, tendo a radiação dispersa sido recolhida pela objectiva do microscópio e dirigida de modo a entrar no espectrómetro. É possível focar áreas da ordem do μm2 o que permite estudar áreas bastante específicas mesmo numa amostra de dimensões reduzidas. Assim foi possível a obtenção de espectros de grãos de diferentes cores presentes em certas amostras e que constituem possivelmente misturas como se verá adiante. O feixe disperso é separado nas suas componentes de frequência pelas redes de difracção e o detector permite adquirir os sinais que correspondem à gama de frequências dentro dos limites da janela do detector, durante o tempo de integração escolhido pelo utilizador. Para as amostras em que foi necessário efectuar um estudo para gama de desvios de números de onda elevados devido à suspeita de existência de bandas nessas zonas, os respectivos espectros foram adquiridos em várias janelas. Este tipo de aquisição é controlado através de software por rotação e posicionamento das redes de difracção. A lente objectiva usada tinha uma ampliação de 50x e todas as aquisições foram efectuadas à temperatura ambiente. As condições de recolha variaram consoante a amostra estudada e encontram-se compiladas na tabela 1. XI Tabela 1 – Condições de recolha de espectros Raman para cada amostra estudada. Amostra Intervalo de recolha -1 Tempo de integração Nº de acumulações Nº de janelas (cm ) (s) VM16PACMM 50-660 300 1 1 VM24PACV-A 200-800 300 2 1 VM24PACV-B 900-1200 45 2 1 VM24PACV-C 50-650 90 2 1 VM24PACV-D 1100-2100 30 2 1 VD10PACV-A 50-1800 30 2 3 VD10PACV-B 50-1200 60 2 2 VD10PACV-C 50-1200 30 2 2 VD10PACV-D 50-1800 30 2 3 VD22PACMM-A 50-660 30 2 1 VD22PACMM-B 50-650 30 2 1 VD22PACMM-C 600-1600 30 2 1 VD22PACMM-D 1600-3600 30 2 5 VD22PACMM-E 900-1900 30 2 1 VD22PACMM-F 50-1100 30 2 1 VD22PACMM-G 1000-3200 30 2 5 VD22PACMM-H 700-1200 60 2 1 AM14PACV 50-1800 30 2 3 AM3PCMM-A,D 50-1800 30 2 3 AM3PACMM-B 2000-4000 30 2 5 AM3PACMM-C 50-1800 30 2 3 AM3PACMM-E 50-1800 7 2 3 AZ8PACMM-A 50-1800 30 2 3 AZ8PACMM-B 50-1800 120 2 1 AZ8PACMM-C 700-1200 120 2 1 AZ4PACV 50-660 120 2 1 VM13PACV Não foi estudada por espectroscopia Raman XII 2. Resultados Apresentam-se a seguir os resultados da análise de pigmentos aos dados obtidos para as amostras estudadas através das duas técnicas utilizadas neste estudo. O critério escolhido para a apresentação dos resultados é a cor de modo a facilitar a comparação dos pigmentos homólogos identificados. No final da análise de cada cor são apresentados quadros resumo das fases identificadas com dois indicadores provenientes do programa de busca. Quanto mais elevados forem estes indicadores mais provável é a presença do composto em questão na amostra. Os espectros de Raman são apresentados em cada secção. Todos os difractogramas referentes às amostras estudadas encontram-se em anexo para que sejam mais facilmente examináveis e comparáveis. As informações mineralógicos referidas provêm de sites da especialidade [10,11]. Os dados que se referem à cronologia de utilização dos pigmentos identificados e aos seus processos de sintetização são provenientes de sites dedicados ao estudo de pigmentos e outros materiais em obras de arte [12,13]. 2.1 Amostras vermelhas Das três amostras vermelhas alvo de estudo, apenas a VM24PACV apresentava uma tonalidade mais viva enquanto as outras duas, VM13PACV e VM16PACMM, eram semelhantes na cor. Em relação a VM16 1 , a difracção raios-X (DRX) permitiu identificar a presença das seguintes fases, por ordem decrescente de probabilidade: Mínio (Pb3O4), Hidrocerussite (ou Carbonato básico de chumbo (Pb(CO3)2(OH)2 )), Cristobalite (SiO2), Anidrite (CaSO4), Plattnerite (PbO2) e Cinnabar (HgS). A primeira fase, o Mínio, é um mineral que está na base de um pigmento vermelho conhecido como vermelho de chumbo. É usado desde a antiguidade e também desde essa altura é sintetizado a partir de branco de chumbo (Pb(CO3)2(OH)2 ) e Litarga (PbO) mas é, embora pouco, ainda utilizado actualmente. O seu aparecimento nesta obra faz assim todo o sentido. 1 Para simplificação, omite-se doravante o sufixo que identifica a predela no nome das amostras. XIII Outra das fases, o Carbonato básico de chumbo ocorre na natureza sob a forma de Hidrocerussite, um mineral raro, mas é sintetizado há mais de 2 mil anos. É vulgarmente conhecido como branco de chumbo e é um dos pigmentos brancos mais usados em pintura, sendo mencionada a sua utilização, juntamente com óleo, em pedra esculpida como camada de preparação para a restante policromia [15]. Uma vez que a estratigrafia denuncia a presença de uma camada branca por baixo do vermelho, é provável que a presença de branco de chumbo constitua essa camada de preparação. Apesar de as restrições impostas à procura na bases de dados permitirem a comparação com a Hidrocerussite, esta não foi apontada pelo programa como podendo estar presente na amostra, apesar de se situar numa posição mais favorável relativamente a outras fases como se pode ver na tabela 2. Dado se suspeitar da sua presença impôs-se uma comparação directa do seu difractograma com o difractograma experimental que assim permitiu a sua identificação. A Anidrite, ou sulfato de cálcio (CaSO4) é também um conhecido pigmento branco, pelo que não será de estranhar que pudesse estar presente na camada vermelha para de algum modo servir os propósitos do autor. O Cinnabar, outro mineral, permite obter um valioso pigmento vermelho sobejamente conhecido e utilizado, o vermelhão. A denominação Cinnabar é exclusiva do mineral enquanto o pigmento é geralmente apelidado de vermelhão. A presença simultânea de vermelho de chumbo e de vermelhão sugere que o pigmento usado na zona onde foi retirada a amostra seja uma mistura dos dois. A origem da Cristobalite, um mineral do grupo de Quartzo, não é clara. Uma possibilidade é que provenha do suporte da policromia, ou seja, da pedra em si, daí também representar apenas uma pequena parte do difractograma. Esta possível explicação aplica-se a todos os outros casos em que este mineral seja identificado. A Plattnerite é um mineral preto ou castanho e um conhecido produto de degradação de compostos que contêm chumbo [6], pode portanto dever-se à degradação do branco de chumbo ou do vermelho de chumbo. Este composto pode explicar o escurecimento que se observa nesta zona da obra. Como já foi referido, a análise por DRX permite-nos obter uma visão de conjunto dos materiais usados no local de onde provém a amostra. As considerações anteriores podem assim ser interpretadas da seguinte maneira: a camada cromática seria uma mistura de vermelho de chumbo, de vermelhão e eventualmente de um pigmento branco, a Anidrite, sendo que o primeiro estaria presente em maiores quantidades e os XIV dois últimos em quantidades diminutas. A camada de preparação, o segundo maior constituinte do pó, fundamentaria a presença de branco de chumbo. A Plattnerite, em muito pequenas quantidades, vem evidenciar a degradação dos pigmentos à base de chumbo e a Cristobalite representaria um afloramento da pedra em si. O espectro de Raman obtido a partir desta amostra diz respeito a um cristal de cor vermelha e foi registado nas condições conforme a tabela 1. Como mostra a figura 4, apenas se observa uma banda nos 266 cm-1 que poderá corresponder ao vermelhão uma vez que este apresenta uma banda característica muito intensa nos 252 cm-1 e um ombro de fraca intensidade nos 282 cm-1. 266 0 100 200 300 400 500 600 700 Desvio de Raman (cm-1) Figura 5 – Espectro Raman de um cristal vermelho da amostra VM16PACMM Para a amostra VM13 a inserção dos dados obtidos por DRX no SEARCH MATCH revelou, por ordem, a presença de Barite (BaSO4), Cristobalite, Hidrocerussite, Cinnabar, Vaterite (CaCO3), Calcite (CaCO3), Cerussite (PbCO3) e Realgar (AsS). O difractograma da Barite aparece quase totalmente contido no desta amostra, daí a sua elevada classificação obtida no SEARCH-MATCH. A Barite é um mineral a partir do qual se obtém um pigmento branco, o branco de bário, sobretudo para diluir pigmentos muito caros ou de cor muito intensa. Este pode ser o caso uma vez que outro dos constituintes da amostra é o Cinnabar que permite obter vermelhão, valioso durante esta época e de cor intensa ao mesmo tempo. Certos autores afirmam que a utilização de XV sulfato de bário como pigmento branco apenas se verificou a partir da segunda metade do século XVIII [15], enquanto outros referem a sua utilização desde a antiguidade até aos dias de hoje [1], o que é plausível dado estar disponível na natureza como mineral. O sulfato de bário aqui presente pode então fazer parte da policromia original da bandeira ou ser fruto de um repinte efectuado a partir da segunda metade do século XVIII. A Hidrocerussite denuncia a presença de branco de chumbo já referido na análise da amostra anterior e que pode ter sido usado nos mesmos moldes que se descrevem para essa amostra. A Cerussite, outra fase detectada pelo programa, é um mineral que surge frequentemente associado à Hidrocerussite. É de notar que o branco de chumbo comercializado actualmente, na sua forma sintética, é muitas vezes uma mistura destes dois minerais [16]. A Calcite e a Vaterite são polimorfas, ou seja, têm a mesma composição química mas estruturas cristalinas e propriedades de simetria diferentes, a Calcite é trigonal e a Vaterite hexagonal. Existe ainda outro polimorfo da Calcite, a Aragonite ainda com propriedades diferentes; a Calcite pode apresentar, ela própria, 3 formas diferentes. O giz, pigmento obtido a partir do carbonato de cálcio, é muitas vezes uma mistura destas fases que são facilmente distinguíveis através de DRX mas também através de espectroscopia Raman usando um espectrómetro cuidadosamente calibrado e com boa resolução. Podem surgir naturalmente associadas, associação que é comum entre minerais do grupo dos carbonatos. A Calcite pode provir de uma aplicação intencional ou de uma contaminação do Cinnabar, uma vez que, dependendo da sua proveniência, este mineral pode estar associado à Calcite. Todas as considerações aqui efectuadas relativamente à Hidrocerussite, Cerussite, Calcite e seus polimorfos são válidas para todas as restantes amostras estudadas mais adiante. O vermelhão parece ser o principal pigmento vermelho contido nesta amostra. O SEARCH MATCH sugere a presença de outro pigmento vermelho ou mineral, o Realgar (AsS). A cor vermelha da bandeira pode assim ser o resultado da mistura destes dois pigmentos, em que o vermelhão está em maior concentração. Pode também acontecer que o Realgar seja apenas uma “impureza” mineralógica do Cinnabar [18] e que por isso apareça numa posição relativamente baixa na classificação. No entanto, para que um composto seja detectado, tem que existir na amostra com uma concentração superior XVI a 5%. Isto poderá colocar de parte a hipótese de o Realgar ser uma impureza pois foi detectado e colocado numa posição que, embora baixa, é significativa. As dimensões desta amostra não permitiram que se separasse a camada cromática do resto, assim sendo grande parte das intensidades relativas no difractograma deverão dizer respeito aos constituintes da camada de preparação, como será o caso da Barite e do branco de chumbo. O pó relativo à camada cromática, claramente em menor proporção na amostra seria constituído por vermelhão e eventualmente por Realgar e Calcite à mistura. Esta amostra não foi estudada por espectroscopia Raman. A partir da última amostra vermelha que fez parte deste estudo, VM24, obtiveram-se espectros de um cristal vermelho e do branco da sua parte de trás em duas zonas, representados nas figuras 6, 7 e 8 respectivamente. O espectro da primeira destas figuras diz seguramente respeito ao vermelhão. A banda mais intensa em 264 cm-1 é a que corresponde à dos 266 cm-1 na figura 1 para VM16 e que nos permitiu identificar este composto nesta amostra. Adicionalmente temos aqui mais duas bandas de fraca intensidade, em 292 e 352 cm-1 e que correspondem às duas outras bandas características do vermelhão em 282 e 343 cm-1. Verificamos em média um desvio de 10 cm-1 das nossas bandas experimentais em relação aos valores da literatura. 264 352 292 150 250 350 450 550 650 750 Desvio de Raman (cm-1) Figura 6 – Espectro de Raman de um cristal vermelho da amostra VM24 (VM24PACV-teste) XVII Observam-se, no espectro de Raman relativo a branco da parte de trás da amostra, algumas bandas médias em desvios de número de onda bastante baixos, em 60, 68, 82 e 115 cm-1. Apenas a Cerussite apresenta bandas semelhantes nessa zona, em 57, 73 e 102 cm-1, como consta de um espectro de referência obtido com um comprimento de onda de 1064 nm [6]. Este mineral possui também uma banda muito intensa em 1053 cm-1 à qual deve corresponder a banda em 1063 cm-1 que se observa no espectro da figura 8. Mais uma vez a banda obtida encontra-se desviada de 10 cm-1 relativamente ao valor de referência. Este mineral não foi, como se verá, proposto pela análise por DRX o que é compreensível pois apenas se levou a análise o pó proveniente da raspagem da camada superficial da amostra e que este espectro se refere à base desta amostra. 68 60 0 164 82 115 100 188 200 300 400 500 600 Desvio de Raman (cm-1) Figura 7 – Espectro de Raman da parte de baixo de VM24 (cor branca) (VM24PACV-c) XVIII 700 1063 850 900 950 1000 1050 1100 1150 1200 1250 Desvio de Raman (cm-1) Figura 8 – Espectro de Raman da parte de baixo de VM24 (VM24PACV-b) Através da análise por DRX, verifica-se a presença das seguintes fases: Calcite, Hidrocerussite, Cinnabar, Minium, Massicot e Gypsum. A par da Calcite, a fase principal nesta amostra, encontram-se também presentes dois dos seus polimorfos, a Aragonite e a Vaterite. O Cinnabar identificado através desta técnica vem confirmar as conclusões retiradas da análise através de espectroscopia Raman de que o vermelhão seria o ou um dos pigmentos usados nesta zona da obra. Contudo, a atribuição, por parte do SEARCH MATCH, de certos picos do difractograma ao Mínio leva-nos a pensar que, à semelhança de VM16, também aqui o pigmento usado seria uma mistura de vermelhão com vermelho de chumbo. O Massicot é um pigmento amarelo cuja fórmula química é PbO 2 é conhecido desde a Antiguidade mas a sua utilização tem sido pouco reportada e pensa-se que terá sido pouco usado. O mais provável é que constitua uma impureza mineralógica do Mínio, o que é comum e não que se trate de uma aplicação propositada como pigmento [12]. Esta última possibilidade deverá ser investigada com mais cuidado. O Gypsum, conhecido como gesso, é um pigmento branco cuja fórmula é CaSO4.2H2O. Falta no nosso difractograma experimental um pico característico (entre 2 Não confundir com Litarga, pigmento vermelho, com a mesma fórmula química mas pertencente ao sistema cristalográfico tetragonal ao passo que o Massicot pertence ao ortorrômbico. XIX outros) do gesso à distância 2,6840 Å com uma intensidade relativa ainda apreciável de 15%. Este pico, caso existisse, deveria ter sido atribuído visto que outros, com intensidades inferiores o foram, mas efectivamente o pico não existe no difractograma experimental o que pode querer dizer que este composto não se encontra na amostra. A maior parte do pó contido no capilar provinha com certeza da camada de preparação visto que os pigmentos brancos (Calcite e branco de chumbo) abarcam grande parte das intensidades do difractograma. De novo a camada cromática está em minoria como uma mistura de vermelhão e vermelho de chumbo. Tabela 2 – Fases identificadas nas amostras vermelhas pelo Search Match através de difracção de pó. Amostra VM16PACMM Fases: * ** Mínio Cristobalite Hidrocerussite Anidrite Plattnerite Cinnabar SI 65 51 35 31 27 24 At% 29 11 8 29 4 11 Barite Cristobalite Hidrocerussite Cinnabar CaCO3 Cerussite Realgar SI 209 101 73 62 61 42 25 19 At% n.d. n.d. 13 48 50 35 34 n.d. Calcite Hidrocerussite Cinnabar Vaterite Minium Aragonite Massicot SI 157 62 61 60 47 35 24 At% 44 14 54 23 21 10 30 VM13PACV Fases: VM24PACV Fases: * - Índice de similaridade: é um número adimensional que classifica as fases propostas. ** - Percentagem da intensidade relativa de um determinado padrão no difractograma experimental. 2.2 Amostras azuis As amostras azuis analisadas apresentavam tonalidades semelhantes, mas a amostra AZ4 era a mais clara que a AZ8, talvez por conter alguma quantidade de pigmento branco à mistura. As bandas que se conseguem observar no espectro de Raman da amostra AZ8 na figura 9 são de baixa intensidade relativa e encontram-se mascaradas pela fluorescência o que torna difícil a sua análise. Tratando-se de um pigmento azul e dada a época a que pertencem as obras, os pigmentos obtidos de modo natural ou que já eram fabricados na XX altura são os candidatos mais óbvios, não excluindo a possibilidade de se tratar de um pigmento de fabrico posterior. De entre os pigmentos constantes das bases de dados, estão nestas condições a Azurite, a Cuprorivaite ou azul egípcio, o lápis-lazúli, a Posnjakite e o esmalte (desde 1500). Qualquer um destes compostos apresentaria bandas na zona abrangida pelo espectro experimental da figura 9. A banda mais intensa da Azurite situa-se nos 403 cm-1 [5] mas não há indícios da sua presença no nosso espectro, portanto à partida poder-se-á excluir esta possibilidade. Também se poderá excluir o azul egípcio pois este possui uma banda em 430 cm-1 que, a existir, é indistinguível no nosso espectro. O lápis-lazúli, representado nas bases de dados pela Lazurite, apresenta uma banda intensa nos 548 cm-1 e uma fraca em 258 cm-1 segundo Clark [5], e uma banda intensa em 552 cm-1, uma média em 590 cm-1 e uma fraca nos 264 cm-1 segundo a Universidade de Firenze [9]. Talvez se possam fazer corresponder às bandas que se observam no espectro em 286 cm-1, 550 cm-1 e 580cm-1. A banda mais intensa da Posnjakite, que de resto apenas possui bandas fracas e muito fracas, em 983 cm-1, não é abrangida pela gama em que o espectro foi obtido e a do esmalte, nos 462 cm-1, não se encontra representada. O Hauyne, mineral constituinte do Lápis-lazúli, possui, segundo um espectro proveniente da Universidade de Siena (Itália) [8], bandas em 445, 544, 623, 651, 1091 e 1635 cm-1. Podem-se atribuir algumas das bandas experimentais a este mineral, em 544 e 623 cm-1, mas não se observa nenhuma em 445 cm-1 que deveria ser intensa. 623 550 580 286 220 122 0 100 200 300 400 500 600 Desvio de Raman (cm-1) Figura 9 – Espectro de Raman de um cristal azul de AZ8 (AZ8PACMM-b) XXI 700 Ao submeter-se o difractograma a uma procura no SEARCH MATCH impôs-se que o composto pudesse incluir todos os elementos individuais que os pigmentos azuis podem possuir (Cu, Co, Na, Al, Si, S, N, Ca, Pb, Cl, C, O e H). As fases propostas pelo programa são: Laurionite, Hauyne, Lazurite, Ureia, Cristobalite, Hidrocerussite, Sodalite e Calcite. Os indícios da presença de Hauyne, Lazurite e Sodalite levam a crer que o pigmento azul aqui presente é o Lápis-lazúli. Todos os compostos se encontram representados na amostra pelos seus picos de maior intensidade e por alguns dos seus picos de menor intensidade que se sobrepõem ou estão muito próximos das distâncias de referência. Também as intensidades relativas que apresentam são concordantes com as dos espectros de referência. O Lápis-lazúli é uma rocha que resulta da mistura de vários minerais do grupo da Sodalite (Na8Al6Si6O24Cl2) e o principal mineral que o constitui é a Lazurite mas também a própria Sodalite e Hauyne. Os minerais deste grupo surgem por vezes acompanhados de minerais secundários como a Diopside (CaMg (Si2O6)), a Wollastonite (CaSiO3) e Orthoclase (KAlSi3O8). Sabe-se que vai perdendo a sua cor azul libertando H2S. Como pigmento natural, o Lápis-lazúli apresenta-se contaminado de Calcite e de Pirite o que o distingue da sua forma artificial, o azul ultramarino obtido em 1828. O Lápis-lazúli natural foi, e continua a ser, um pigmento extremamente dispendioso, tendo atingido preços superiores ao do ouro em determinadas épocas, nomeadamente durante o Renascimento. O seu preço levava a que apenas fosse utilizado por artistas cujos patronos o pudessem e quisessem disponibilizar e em obras destinadas a lugares importantes ou consideradas de relevo como por exemplo, representações de Cristo e da Virgem. Era também muitas vezes usado sobre outros azuis como a Azurite. Tendo-se conhecimento desta utilização combinada, forçou-se o SEARCH MATCH a uma comparação directa do difractograma da Azurite com o obtido experimentalmente mas o resultado foi nulo o que pode querer dizer que este pigmento não está presente ou que a sua concentração não é suficiente para que seja detectado. No difractograma experimental apenas se distingue o pico mais intenso da Calcite, mas muito poucos dos seus picos de menor intensidade, que na sua maior parte ficam cobertos pelo background. A sua presença pode, como mencionado, vir do Lápislazúli, o que, caso se confirme ser este o pigmento, é provável visto parecer estar em muito pequena quantidade. XXII Como o espectro de Raman deste cristal é de certo modo inconclusivo, se nos basearmos apenas nos dados da DRX somos levados a crer que o lápis-lazúli é o pigmento azul usado nesta zona da predela. Esta hipótese parece ser plausível do ponto de vista do local de onde provém a amostra, o manto de Maria Madalena, pois é sabido que os pigmentos mais valiosos eram reservados às figuras de maior importância nas representações religiosas. A Ureia explica um pico muito intenso do difractograma em d = 4.029 Å (que também pertence à Cristobalite). Se a predela em questão tiver estado durante algum período ao ar livre, à mercê de intempéries e animais, a presença de Ureia é explicável. De outro modo, não se encontra explicação para ter sido descoberta aqui. A Laurionite é um mineral raro constituído por chumbo e cloro (PbClOH) que deve o seu nome aos depósitos de Laurion na Grécia, onde existe em grandes quantidades. O uso da Laurionite como pigmento ou como ingrediente de pigmento branco foi investigado por várias equipas que se dedicam ao estudo de antigos cosméticos egípcios [17]. Estes propõem que o uso deste mineral era, de facto, intencional em pigmentos brancos e que os Egípcios conseguiam obtê-lo artificialmente em abundância. O difractograma da Laurionite contém muitos picos de intensidade semelhante distribuídos ao longo de toda a gama de distâncias interplanares, o que faz com que seja muito provável que muitos desses picos possam ser atribuídos aos do nosso difractograma experimental. Fica ao critério do utilizador decidir se as propostas do SEARCH MATCH, mesmo as de boa classificação, fazem sentido face ao que sabem da amostra em estudo. Neste caso, e visto que a única referência a Laurionite como pigmento provém dos estudos mencionados anteriormente, não parece muito provável que possa estar aqui presente. Os picos que lhe pertencem no difractograma experimental pertencem simultaneamente aos outros compostos identificados, assim sendo poderá ser legítimo excluir a Laurionite como possível componente desta amostra. Como prova a figura 10, o espectro de Raman obtido de um cristal azul da amostra AZ4 não apresenta nenhuma banda evidente. A fluorescência emitida por esta amostra quando excitada com este comprimento de onda (514 nm) cobre o espectro de Raman. Qualquer pigmento azul presente deveria possuir bandas nesta gama de diferenças de números de onda. Como esta foi a única tentativa que se efectuou, neste caso a espectroscopia Raman não nos permitirá retirar nenhuma conclusão. XXIII 0 100 200 300 400 500 600 700 Desvio de Raman (cm-1) Figura 10 – Espectro de Raman de um cristal azul em AZ4PACV A análise por DRX também não nos fornece indícios directos que identifiquem o pigmento azul aqui presente. A elevada classificação da Laurionite aponta para que exista na amostra em elevada concentração o que, dada a sua origem natural ou as circunstâncias em que se pensa ser sintetizada, pode não fazer sentido. Como polimorfa da Calcite e apresentando a mesma cor que esta, justifica-se a presença de Vaterite. A Malaquite é o único componente apontado pelo programa que poderá ter alguma relação com a cor apresentada por esta amostra pois como se referiu para AZ8 a Azurite pode sofrer uma transformação para Malaquite com o tempo. Uma das possibilidades, portanto, é que o azul de AZ4 possa vir da Azurite e que esta se tenha progressivamente transformado em Malaquite. Mesmo assim sendo, deveria ainda haver vestígios de Azurite nesta amostra pois a cor que apresenta é azul. Seguindo esta hipótese dever-se-ia ter identificado Azurite, o que não aconteceu. A baixa classificação obtida pela Malaquite nesta análise, à qual faltam muitos picos no difractograma e cujos outros estão mascarados pelo background, significa que este composto está em muito pequena concentração na amostra, se é que está presente de todo. O pó levado à análise devia efectivamente conter muito pouco da camada cromática pois a base da amostra era muito grande comparativamente. Para além disso, esta amostra apresentava uma cor muito clara o que dá indícios de que o pigmento talvez tivesse uma grande quantidade XXIV de branco à mistura. Esta hipótese da Malaquite poderá não ser viável, o que, sem outras indicações, nomeadamente da espectroscopia Raman, impossibilita a identificação do pigmento azul aqui presente. Tabela 5- Percentagem das intensidades das principais fases presentes nas amostras azuis obtidas com o Search Match Amostra AZ8PACMM Fases: Laurionite Hauyne Lazurite Cristobalite Malaquite Hidrocerussite Sodalite Calcite SI 113 58 56 12 16 13 11 11 At% 17 62 35 71 22 18 46 26 Fases: Laurionite Vaterite Cristobalite Malaquite SI 194 50 27 3 At% 78 27 10 26 AZ4PACV 2.3 Amostras amarelas Os espectros de Raman obtidos a partir da amostra AM3 3 , de cor amarela alaranjada, apresentam bandas bastante bem definidas. Relativamente ao espectro de um grão de cor amarela, representado na figura 11, e por comparação com os espectros disponíveis na literatura, o único pigmento amarelo que lhe é possível atribuir é o amarelo de crómio (PbCrO4). A comparação foi feita com um espectro de PbCrO4 proveniente da base de dados da Universidade de Firenze [9] cujas bandas características se situam nos 140, 340, 362, 404 e 843 cm-1. As bandas do espectro experimental nos 145, 349, 369, 411 e 849 cm-1 dizem certamente respeito a este pigmento mesmo apresentando um desvio médio de 7 cm-1 no sentido dos números de onda crescentes em relação ao espectro de referência, como já se tinha referido para as 3 A amostra amarela da PACMM que foi de facto estudada foi a amostra AM3*. Por uma questão de simplificação omite-se neste trabalho o *, mas não deve confundir-se esta amostra com a AM3 que pertence a outra zona da obra. XXV amostras vermelhas. É de notar a referência na literatura à utilização do amarelo de crómio como pigmento sintético apenas a partir de 1809 [5], data em que foi pela primeira vez obtido artificialmente. O PbCrO4 existe também na natureza sob a forma de um mineral raro, a Crocoite, o que implica que, caso o pigmento fosse obtido a partir deste mineral, ele seria certamente bastante valioso. Tal como para o caso do branco de bário na amostra VM13, surge a dúvida se esta aplicação de amarelo é a original ou se é obra de repintes posteriores, desta feita, a 1809. Quanto à banda situada nos 1687 cm-1, conclui-se que não diz respeito a nenhum pigmento amarelo presente nas bases de dados pois nenhum apresenta bandas para números de onda superiores a 1633 cm-1 [5]. A observação de bandas em números de onda tão elevados atribui-se geralmente a meios aglutinantes como a clara de ovo por exemplo, mas o estudo deste tipo de materiais requer a recolha de espectros em zonas superiores do espectro, tipicamente até aos 3000 cm-1, de modo a se poder fazer uma atribuição inequívoca e tal não foi levado a cabo. 849 1687 145 0 200 349 369 388 411 400 920 600 800 1102 1000 1200 1400 1600 1800 2000 Desvio de Raman (cm-1) Figura 11 - Espectro Raman de um grão amarelo (AM3PACMM3-a) Outro espectro foi recolhido focando desta vez um cristal branco sobre a superfície amarela da mesma amostra, figura 12. É ainda visível uma banda de fraca intensidade nos 850 cm-1 que é provavelmente a banda de maior intensidade do amarelo de crómio aqui mascarada pela elevada fluorescência. Outra banda de fraca intensidade XXVI aparece nos 1097 cm-1. O pigmento branco cuja banda mais intensa se situa nesta gama de números de onda é a Calcite (1088 cm-1) tendo já em conta o desvio médio sistemático de 10 cm-1 observado nos restantes espectros. Esse cristal será portanto de Calcite, o que nos faz supor que este pigmento se encontraria misturado com o amarelo. 1097 850 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 Desvio de Raman (cm-1) Figura 12 - Espectro de Raman de um cristal branco sobre amarelo (AM3PACMM-c) O difractograma obtido por DRX apresenta alguns picos evidentes cuja análise resultou na identificação das seguintes fases: Hidrocerussite, Cerussite, Calcite, Chalcopirite e Crocoite. A Chalcopirite é um mineral frequentemente confundido com o Ouro, pela cor e brilho que apresenta. Não é reportada a sua utilização como pigmento mas constitui uma das principais fontes naturais de Cobre e ocorre frequentemente associado a Calcite e Barite, entre outros minerais. Nesta amostra, a Chalcopirite poderá provir da Calcite ou ter sido usado intencionalmente, o que é pouco provável pois a área de onde provém AM3 não é de dourados. Os três picos de maior intensidade da Crocoite coincidem com três dos picos do espectro experimental, apresentando uma boa concordância de intensidades relativas. Os restantes picos são de uma intensidade muito baixa confundindo-se no background do espectro. A presença deste mineral, que está na origem do amarelo de crómio vem confirmar, juntamente com a identificação por espectroscopia de Raman, que foi este o pigmento utilizado no local de onde provém a amostra, a coluna esquerda. O facto de XXVII apenas os seus picos de maior intensidade terem sido identificados vem reforçar a ideia de que o pigmento se encontraria em baixa concentração na amostra quando comparado com os constituintes da preparação cujos picos cobrem grande parte da intensidade do difractograma. Para a amostra AM14 também foi recolhido o espectro de Raman de um cristal amarelo. Este espectro apresenta bastantes semelhanças com o de AM3 o que permite afirmar que o pigmento amarelo correspondente é provavelmente também o amarelo de crómio. A banda mais intensa, 850 cm-1, e as situadas nos 153, 352, 370 e 413 cm-1, bem visíveis na figura 13, devem pertencer-lhe apesar de estarem desviadas em média de 10 cm-1em relação ao espectro de referência. A interpretação dada à banda nos 1687 cm-1 da figura 11 aplica-se também à que se observa nos 1688 cm-1 na figura 13. 850 1688 916 998 153 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 Desvio de Raman (cm-1) Figura 13 – Espectro de Raman de um cristal amarelo da amostra AM14 (AM14PACV) XXVIII 2000 370 388 413 352 250 300 350 400 cm-1 450 500 550 Figura 14 – Expansão do gráfico da figura 13 entre 300 e 500 cm-1 Os resultados obtidos por DRX não apontam para a presença de Crocoite apesar de se terem incluído na procura parâmetros que impusessem, entre outros elementos possíveis, a presença de chumbo e crómio na amostra. Uma possível explicação para o facto de não se encontrar Crocoite representada no difractograma pode residir na sua baixa concentração no capilar sujeito ao estudo. Como já se referiu, se um composto não tiver pelo menos uma concentração de 5% na amostra, muito dificilmente será identificado. O programa aponta no entanto para as seguintes fases: Barite, Vaterite, Chalcopirite, Pb2SnO4 e Cerussite. Mais uma vez, a Chalcopirite dever-se-á provavelmente a uma contaminação, desta vez, da Barite ou do próprio carbonato de cálcio sob a forma de Vaterite. Interessante é verificar-se a possível presença de Pb2SnO4, um pigmento amarelo conhecido desde a Antiguidade como amarelo de chumbo e estanho e muito usado entre os séculos XV e XVII. Como era vulgarmente usado na folhagem das árvores juntamente com ocres e pigmentos verdes seria mais provável que tivesse sido identificado nas amostras verdes tratadas mais adiante neste trabalho. Como a zona da amostra é de amarelo apenas, é de pensar que este amarelo de chumbo e estanho se encontre misturado com outros pigmentos, nomeadamente com amarelo de crómio identificado por espectroscopia Raman. A sua identificação inequívoca requererá uma análise mais cuidada. XXIX Tabela 3 - Percentagem das intensidades das principais fases presentes nas amostras amarelas obtidas com o Search Match Amostra AM3PACMM Fases: Hidrocerussite Cerussite Calcite Chalcopirite Crocoite SI 196 94 50 20 9 At% 18 39 23 35 36 Barite Vaterite Chalcopirite Pb2SnO4 Cerussite SI 164 161 30 18 16 At% 69 70 35 57 32 AM14PACV Fases: 2.4 Amostras verdes Foi evidente durante o estudo estratigráfico, e mesmo apenas com observação à vista desarmada, que as duas amostras verdes apresentavam tonalidades diferentes. Enquanto a amostra VD10 se apresentava de um verde escuro quase azulado, VD22 tinha uma cor verde clara não uniforme, incluindo grãos pretos dispersos visíveis à lupa binocular e ao microscópio. Não foi possível obter amostras de cores semelhantes nas duas predelas uma vez que o verde está apenas presente num local em cada uma delas. Esperava-se assim a obtenção de resultados diferentes para estas duas amostras. O espectro de Raman da figura 15 obtido a partir de grãos de cor verde na amostra VD10 revelou-se de difícil compreensão. Dos pigmentos verdes constantes das bases de dados [5], apenas a Atacamite possui uma banda característica intensa próxima da que se encontra em 850 cm-1 no espectro experimental, em 846 cm-1. No entanto, apresenta também uma banda muito intensa em 513 cm-1 e outras duas em 911 e 974 cmP-1 que não constam do espectro experimental pelo que a hipótese da Atacamite, sem outros dados, poderá ser posta de parte. Este espectro apresenta semelhanças com os obtidos a partir de grãos amarelos nas amostras AM3 e AM14. A mesma banda intensa em 850 cm-1 e as que se situam em 145, 370, 389 e 413 cm-1 podem ser relacionadas XXX com as bandas características do PbCrO4. Uma vez que a amostra apresenta cristais verdes visíveis a microscópio e como este espectro não corresponde a nenhum dos que podem representar pigmentos verdes, somos levados a pensar que talvez o cristal a partir do qual se obteve este espectro fosse amarelo, o que poderia ter acontecido se o pigmento presente na amostra fosse resultado de uma mistura. Dado que a imagem observada na câmara ligada ao microscópio não era da melhor qualidade é difícil assegurar com certeza qual a cor do cristal focado. Outra hipótese é que as bandas correspondam à Azurite, neste caso apenas 4 das suas 13 bandas se consideram presentes com intensidades relativas que não estão de acordo com as usuais. Se pusermos de lado a possibilidade de termos focado um cristal amarelo, a análise por espectroscopia Raman não é esclarecedora quanto ao pigmento presente. Outros grãos de cor verde deveriam ter sido analisados de modo a por de lado a hipótese de uma mistura de pigmentos. 850 998 370 468 389 148 98 0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 Desvio de Raman (cm-1) Figura 15 – Espectro de Raman de um cristal verde da amostra VD10 (VD10PACV-a) XXXI 2000 370 389 250 300 350 413 400 449 468 450 500 550 Desvio de Raman (cm-1) Figura 16 – Expansão do gráfico da figura 15 entre 300 e 500 cm-1 À semelhança do exame dos dados espectroscópicos, o estudo por DRX revelouse de difícil interpretação. Houve necessidade de obter dois difractogramas de duas amostras preparadas separadamente porque a primeira análise não nos permitiu obter indícios da presença de nenhum pigmento verde. A segunda análise acabou por ser mais esclarecedora. As fases que sobressaíram da pesquisa pelo programa foram: Hidrocerussite, Ureia, Cristobalite, Atacamite e Malaquite. Da Atacamite (Cu2Cl(OH)3), um mineral de cor verde, não existe registo como pigmento. No entanto, surge naturalmente associada à Malaquite, outro mineral verde, tal como grande parte dos minerais à base de cobre o que poderá justificar de algum modo que tenha sido apontada pelo programa. A Malaquite é um mineral na base de um dos pigmentos verdes mais usados da história e é descrita em pormenor na análise da amostra seguinte. Embora a sua classificação no SEARCH MATCH seja baixa, o que indica também uma baixa concentração no capilar, a sua presença faz sentido nesta amostra. O espectro de Raman de VD22 para um cristal verde, figura 18, apresenta bastantes semelhanças com os das figuras 11 e 13 para os cristais amarelos identificados como PbCrO4. Não parece provável que também aqui se tenha acidentalmente focado um cristal amarelo em vez de verde, no entanto, vista a microscópio esta amostra é completamente diferente de VD10; apresenta uma tonalidade muito mais clara com alguns cristais de cor transparente e amarela sobre verde claro o que nos faz pensar numa mistura. Mesmo havendo mais probabilidade de termos focado um desses cristais XXXII em vez de um verde, as conclusões são as mesmas que para VD10. Os picos de muito baixa intensidade que se observam na figura 17 muito dificilmente são atribuíveis a qualquer pigmento. Outros estudos serão necessários para se poder identificar o ou os pigmentos aqui presentes. 394 416 370 292 136 0 100 184 213 200 300 400 500 600 700 Desvio de Raman (cm-1) Figura 17 – Espectro de Raman de um cristal verde da amostra VD22 (VD22PACMM-b) 1209 1096 849 663 400 600 800 1000 1200 1400 1600 Desvio de Raman (cm-1) Figura 18 – Espectro de Raman de um cristal verde em VD22 (VD22PACMM-c) XXXIII 1800 Recolheu-se igualmente um espectro de Raman relativo a um dos pequenos cristais pretos que tão bem visíveis eram a microscópio e que se encontra na figura 19. A recolha incidiu directamente sobre a zona dos 900 a 1900 cm-1 pois os pigmentos pretos apenas apresentam bandas nessa gama. De facto existem duas bandas em 1380 e 1616 cm-1 que correspondem a um pigmento preto. Dois pigmentos pretos são possíveis, o negro de osso constituído essencialmente por fosfato de cálcio (Ca3 (PO4) 2 + C + MgSO4) ou o negro de fumo constituído apenas por carbono amorfo. Exclui-se a possibilidade da grafite uma vez que esta não é sensível ao efeito Raman. Como não se efectuou uma calibração, torna-se um pouco difícil atribuir com exactidão este espectro a um dos pigmentos uma vez que estes apresentam bandas muito próximas ou mesmo coincidentes segundo diferentes autores. 1325 e 1580 cm-1 segundo Clark [5] para ambos os compostos enquanto a base de dados da Universidade de Firenze propõe 1354 e 1609 cm-1 para o negro de osso e 1350 e 1573 para o negro de fumo. Nem tendo em conta o desvio sistemático referido anteriormente se consegue fazer uma atribuição. A dúvida poderia ser tirada com um estudo por DRX se o cristal negro se encontrasse em quantidades suficientes na amostra. No entanto, caso se tratasse de negro de fumo este não poderia ser identificado pois é um material amorfo. 1616 1387 800 1000 1200 1400 1600 1800 2000 Desvio de Raman (cm-1) Figura 19 – Espectro de Raman de um cristal preto sobre verde na amostra VD22 (VD22PACMM-e) A análise do difractograma desta amostra pelo DIFFRACTINEL foi repetida 2 vezes. A primeira envolveu apenas a escolha dos picos mais evidentes, 12 no total, e na XXXIV segunda tentou-se incluir todos os picos possíveis mesmo os de intensidade muito pequena. A comparação no SEARCH MATCH foi efectuada usando os mesmos critérios em ambos os casos. Relativamente à primeira escolha de picos, foi identificada Hidrocerussite, Calcite, Cerussite e Malaquite. Quanto à segunda escolha, identificaram-se as mesmas fases e adicionalmente Plattnerite e Azurite. É de referir que a Malaquite foi classificada desta segunda vez numa posição muito baixa face às demais fases. O facto de a Malaquite possuir inúmeros picos de pouca intensidade aliado à sua provável baixa concentração no capilar enquanto as restantes fases apresentam muito menos picos pode fornecer uma explicação para que tal tenha acontecido. A Malaquite é um dos pigmentos verdes mais conhecidos e utilizados sendo proveniente de um mineral com o mesmo nome. Pode ter aqui origem numa aplicação cromática intencional ou ser fruto da transformação de outro pigmento, a Azurite, através das seguintes reacções com o meio: Cu (OH ) 2 .2(CuCO3 ) + Cu (OH ) 2 → 2{Cu (OH ) 2 CuCO3 } 144424443 14442444 3 (eq.1) 2{Cu (OH ) 2 .2(CuCO3 )} + H 2 O → 3{Cu (OH ) 2 CuCO3 } + CO2 1444 424444 3 14442444 3 (eq.2) Azurite Malaquite Azurite Malaquite Quimicamente, a Malaquite pode então resultar da oxidação da Azurite. Esta transformação é muito lenta mas permanente e é sobejamente conhecida e relatada. Os dois minerais surgem também frequentemente e naturalmente associados um ao outro assim como a outros minerais contendo Cobre, a Cuprite (Cu2O) por exemplo. Como VD22 foi retirada da folhagem das árvores (ver figura 2) é natural que a Malaquite tenha sido, de facto, o pigmento verde aqui usado e não que seja fruto de uma transformação química. A Azurite encontrada é que poderá surgir como mineral associado à Malaquite ou da zona contígua às árvores, o céu, no entanto estas duas explicações são meras hipóteses que terão que ser examinadas com mais atenção. A Plattnerite é o já mencionado mineral castanho a preto que resulta da degradação de compostos de chumbo como é o caso do branco de chumbo. A sua presença faz assim todo o sentido nesta amostra. XXXV À semelhança do que aconteceu nos estudos por DRX para as amostras anteriores, a maior parte do pó presente nos capilares destas duas amostras verdes correspondia à camada de preparação enquanto a camada cromática se encontrava em baixa concentração. Tal como para os restantes casos, isto reflectiu-se nos resultados obtidos, pois a maior parte das intensidades dos difractogramas correspondem aos pigmentos brancos. Tabela 4 - Percentagem das intensidades das principais fases presentes nas amostras verdes obtidas com o Search Match Amostra VD22PACMM Fases: 1ª escolha 2ª escolha Hidrocerussite Calcite Cerussite Malaquite SI 66 34 19 14 At% 70 69 76 71 Hidrocerussite Calcite Cerussite Malaquite Azurite Hidrocerussite Ureia Cristobalite Atacamite Malaquite SI 52 39 37 9 8 At% 18 82 100 15 17 Fases: * SI * At% Plattnerite VD10PACV Fases: * - Dados não disponíveis devido a avaria de equipamento. 2.5 Cinzento Durante o estudo estratigráfico verificou-se a existência de uma camada cinzenta que cobria algumas áreas da PACV, nomeadamente as carnações de Cristo tendo sido esta a zona de onde foi recolhida a amostra CZ17 raspando a superfície obtendo assim um pó (ver Figura 1). Um estudo da policromia de baixos-relevos provenientes de uma basílica italiana refere também a existência de um depósito cinzento sobre várias camadas cromáticas. Verificou-se nesse caso que este depósito era rico em sulfato de cálcio hidratado (Gesso), mas a sua origem não é mencionada [14]. Os estudos por difracção de pó desta amostra apontam para a presença das seguintes fases principais: Cerussite (PbCO3), Anidrite (CaSO4) e Laurionite (Pb(OH)Cl). Como XXXVI todos estes compostos foram já mencionados anteriormente, dispensam-se mais explicações. Fica por explicar se esta camada é fruto de uma aplicação propositada ou não. Caso tenha sido premeditada, poderá ser posterior à policromia original e indicar uma mudança de gostos quanto às cores usadas nestes tipos de representações, o que não é invulgar. Pode também resultar da acumulação de pó e sujidade ou de um afloramento dos compostos da base da policromia subjacente. Esta amostra não foi estudada por espectroscopia Raman. Tabela 6 – Resumo dos principais pigmentos identificados em cada amostra. Os compostos seguidos de (?) suscitam algumas dúvidas. Cor Código da amostra Pigmentos identificados Amarelo AM14PACV Amarelo de crómio, amarelo de chumbo e estanho (?) AM3PACMM Amarelo de crómio VM16PACMM Vermelhão, vermelho de chumbo VM13PACV Vermelhão, realgar (?) AZ8PACV Lápis-lazúli (?), branco de chumbo. AZ4PACMM Malaquite (?), Azurite (?) VD10PACV Branco de chumbo, Malaquite (?) VD22PACMM Malaquite, Azurite, branco de chumbo Vermelho Azul Verde Estudos adicionais Vermelho VM24PACV Branco de chumbo, Calcite, vermelhão, vermelho de chumbo Cinzento CZ17PACV Cerussite, Anidrite XXXVII 3. Conclusões De todas as amostras estudadas apenas uma, AZ4PACV, não permitiu a identificação de qualquer composto que se pudesse relacionar directamente com o pigmento que se pensava estar presente. Todas as restantes revelaram a presença de um ou mais pigmentos e, em certos casos, de produtos de degradação que se podem relacionar com a época em que as predelas foram realizadas. Na tabela 6 encontram-se resumidos os principais compostos identificados em cada amostra. É de salientar que caso se confirme a presença de Lápis-lazúli, um pigmento azul extremamente caro, algumas conclusões importantes poderão ser retiradas quanto às condições em que as predelas foram executadas e quanto ao fim a que se destinavam. Fica por esclarecer se o pigmento amarelo identificado nas duas amostras da mesma cor, o amarelo de crómio, foi aplicado contemporaneamente aos restantes ou se provém de um repinte como pode levar a crer a cronologia de utilização presente na literatura. A mesma dúvida surge quanto à Barite. Certos factores estão na causa de algumas das dificuldades enfrentadas na identificação destes compostos. No caso da espectroscopia de Raman, a ausência de uma calibração foi uma delas. As bandas obtidas teriam sido mais facilmente e inequivocamente atribuídas se se pudessem sobrepor com as de uma substância bem conhecida, contudo a identificação e posterior confirmação de um desvio médio de 10 cm-1 relativamente aos valores tabelados permitiu ultrapassar este contratempo. A fluorescência emitida por certas amostras e que mascarou os seus espectros de Raman foi outra das dificuldades com que nos deparámos. Nos espectros mais marcados por este fenómeno, ele constituiu um obstáculo à distinção das intensidades e das posições das bandas presentes. O monocromador triplo leva a uma perda significativa da intensidade da luz difundida o que dificultou a obtenção de espectros de qualidade. Uma montagem experimental diferente em que o monocromador seria substituído por filtros adequados, nomeadamente notch filters permitir-nos-ia melhorar a qualidade dos espectros a obter. Também o facto de dispormos de apenas um comprimento de onda de excitação foi uma limitação. Nem todos os materiais são susceptíveis de serem excitados vibracionalmente com o comprimento de onda usado. A solução ideal seria de dispormos de um laser sintonizável ou na falta dele, de, pelo menos, mais um laser de XXXVIII comprimento de onda distinto do usado. Do lado da difractometria de raios-X, é de realçar a reduzida espessura da camada cromática das amostras e que pouco contribuiu para o pó. Este facto pode ter levado a que a concentração dos pigmentos no pó fosse muito baixa em relação à dos componentes da base e que, por isso, tivesse havido dificuldades em detectá-los. Nos casos em que se separou a camada cromática da sua base, na tentativa de melhorar a qualidade dos resultados, verificamos que esses difractogramas apresentam uma “bossa” mais pronunciada no seu início. Esta bossa no início dos difractogramas é característica da existência de elementos metálicos na amostra, o que faz sentido visto que grande parte dos pigmentos aqui presentes é constituída por metais; no entanto dificulta a identificação de picos eventualmente presentes nessa zona. É de notar que em determinadas circunstâncias a análise por DRX foi mais conclusiva que por Raman o que pode parecer contraditório se tivermos em conta que a DRX foi aqui usada como técnica complementar. Se as condições experimentais em que se realizaram os espectros de Raman fossem mais adequadas a este tipo de amostra, os resultados teriam, como já se disse, sido muito mais conclusivos. Há também que ter presente que a DRX nos dá uma visão global dos constituintes da amostra enquanto a espectroscopia Raman nos permite obter informação acerca do local preciso de análise, no nosso caso um ponto da superfície da amostra. Um mapeamento mais completo das amostras, em que se varreriam mais pontos de interesse obtendo os seus espectros, permitir-nos-ia verificar a existência ou não de misturas de pigmentos assim como de outros constituintes. À excepção das zonas de lacuna também não nos é possível obter uma análise muito mais profunda em termos estratigráficos, daí que a espectroscopia Raman não nos forneça dados sobre a camada de preparação. Sugere-se que certas amostras, em particular as azuis e verdes, sejam alvo de um estudo complementar que possa vir a retirar as dúvidas que restam quanto à sua caracterização. Uma análise de tipo elemental, como por exemplo a espectroscopia de raios-X, poderia fornecer dados suficientes e esclarecedores nestes casos. Deve-se também considerar a repetição da análise destas amostras por espectroscopia Raman com um espectrómetro de características adequadas a este tipo de estudos e com um comprimento de excitação diferente do usado. A procura específica de outros constituintes para além de pigmentos, por exemplo aglutinantes, ligantes e produtos de degradação, viria enriquecer a caracterização das obras em questão. XXXIX Apêndice I Espectroscopia Raman As técnicas de espectroscopia vibracional constituem uma ferramenta de grande utilidade no estudo de obras de arte em geral, em especial a micro-espectroscopia Raman [2,3], uma das técnicas utilizadas neste trabalho. Outra técnica de espectroscopia vibracional bastante utilizada é a espectroscopia de infravermelho, (IR spectroscopy ou FTIR - Fourier Transform InfraRed spectroscopy). Os processos físicos envolvidos nestes dois efeitos não são da mesma natureza. A espectroscopia de Raman é baseada no efeito Raman, observado pela primeira vez por C. V. Raman em 1928, ou seja uma difusão inelástica da luz visível pelas moléculas presentes numa amostra: a porção do feixe de luz difundido por uma amostra apresenta uma frequência diferente da luz que nela incide devido à ocorrência de transições entre estados vibracionais. Na espectroscopia de infravermelho é a absorção da radiação infravermelha a responsável pelas transições vibracionais ocorridas na amostra. Dadas as diferenças nos fenómenos por detrás destes dois efeitos é natural que as regras de selecção para estes dois tipos de espectroscopia sejam, em geral, diferentes, isto é, transições vibracionais permitidas no efeito Raman podem ser proibidas para a absorção no infravermelho e vice-versa. Sendo assim, para se obter um estudo vibracional completo de uma amostra terão que se usar ambas as técnicas o que as torna complementares. A espectroscopia Raman tornou-se numa técnica rápida e poderosa para a análise de diferentes materiais, principalmente devido ao desenvolvimento na área dos lasers e dos detectores ocorrido nas últimas décadas. A análise de amostras cada vez mais pequenas tornou-se possível com o desenvolvimento da microscopia Raman. Nesta técnica, a luz proveniente de uma fonte monocromática, tipicamente um laser, é direccionada através de um microscópio óptico até à amostra colocada em suporte apropriado. Dado que o feixe é extremamente colimado é possível seleccionar com grande precisão as áreas de interesse de estudo na amostra. Alguma da luz é então XL absorvida ou reflectida e uma porção é difundida com um comprimento de onda diferente do da luz incidente. A luz assim difundida é então recolhida através do microscópio e enviada para o espectrómetro. O espectro obtido é específico da molécula que lhe deu origem, constituindo como que uma “impressão digital” de um determinado material. Esta técnica é particularmente adequada no estudo de pigmentos em manuscritos, quadros, entre outros. A difusão de luz por efeito Raman Ao fazer incidir um feixe de luz numa amostra, grande parte do feixe não sofre qualquer alteração, uma parte é absorvida e uma pequena fracção do feixe é difundida pela amostra. A maior parte da luz difundida apresenta aproximadamente o mesmo comprimento de onda, e logo aproximadamente a mesma energia, do feixe incidente. Esta difusão elástica da luz é conhecida como difusão de Rayleigh (≈10-3 da intensidade da radiação incidente). A outra fracção de luz difundida é-o inelasticamente, isto é, o seu comprimento de onda, e consequentemente a sua energia, é diferente do da luz incidente. Este fenómeno é conhecido como difusão de Raman e diz respeito a, tipicamente, apenas 1 em cada 107 fotões incidentes na amostra. Como resultado desta difusão inelástica, a molécula no estado fundamental pode sofrer uma transição para um nível de energia vibracional mais elevado, caso em que a desexcitação é acompanhada da emissão de um fotão com energia menor que a da radiação incidente – o chamado desvio de Stokes. Caso a molécula já se encontre num estado vibracional excitado, esta pode sofrer uma transição para um estado de menor energia havendo emissão de um fotão com energia superior à da radiação incidente – desvio de anti-Stokes. XLI Figura I.1 – Diagrama de energias ilustrativo dos desvios de Stokes e anti-Stokes. Sendo assim, num espectro Raman observam-se várias linhas, uma linha central que diz respeito à energia do feixe incidente e linhas desviadas em relação a esta que expressam as alterações de energia vibracional sofridas pela amostra. Um espectro Raman típico assemelhar-se-á ao da figura I.2. A linha Stokes corresponde a uma diminuição de energia e é muito mais intensa que a linha anti-Stokes que expressa um aumento de energia. A linha anti-Stokes tem uma intensidade muito inferior à linha Stokes uma vez que apenas moléculas que já se encontrem vibracionalmente excitadas podem sofrer essa transição. As moléculas nestas condições encontram-se em inferioridade numérica em relação às do estado fundamental uma vez que os estados vibracionais excitados se encontram menos populados à temperatura ambiente. Ambas as linhas apresentam o mesmo espaçamento relativamente à linha de Rayleigh pois em ambos os casos está em jogo a perda ou ganho de um quantum de energia vibracional. A intensidade relativa das duas linhas relaciona-se com a temperatura da amostra através da seguinte relação: I anti − Stokes ⎛ ν 0 + Δν = ⎜⎜ I Stokes ⎝ ν 0 − Δν 4 ⎞ hΔν ⎞ ⎟⎟ exp⎛⎜ − ⎟ ⎝ kT ⎠ ⎠ (eq I.1) em que ν 0 é a frequência da radiação incidente, Δν o valor do desvio Raman, k a constante de Boltzmann e T a temperatura da amostra. O desvio de Raman é então a diferença de frequência entre a radiação dispersa e a radiação incidente e é geralmente expresso em cm-1. Experimentalmente, apenas são medidas as linhas Stokes obtendo-se um espectro de intensidade em função do desvio de Raman. XLII Figura I.2 – Exemplo de um espectro de Raman onde se observa a linha central Como mencionado anteriormente, a difusão por efeito Raman é um evento de baixa probabilidade (tipicamente 1 em cada 107 fotões incidentes sofrem este efeito) e como tal, para o fomentar, é conveniente que a radiação incidente seja a mais intensa possível. Como também estamos interessados em medir desvios energéticos é importante que seja altamente monocromática. A fonte de excitação mais adequada é assim um laser de elevada potência. Os detectores usados são tipicamente do tipo CCD (Charged Coupled Device) devido à sua elevada sensibilidade. Dado que os desvios de frequência a medir são muito pequenos, o elemento dispersor colocado à entrada do espectrómetro, um monocromador por exemplo, deverá ter um elevado poder de resolução. Em termos físicos, o efeito Raman deve-se à interacção do campo electromagnético da radiação incidente com as moléculas da amostra. A presença do campo eléctrico pode induzir um dipólo eléctrico na molécula que se relaciona com o campo da seguinte maneira: r r p ind . = αE (eq I.2) em que α é a polarizabilidade eléctrica da molécula e que dá uma medida da forma como a nuvem electrónica da molécula é afectada pela presença do campo eléctrico. r r Uma vez que p e E são vectores, α é geralmente um tensor com componentes α ij . O campo eléctrico é um campo que oscila no tempo o que faz com que o dipólo induzido oscile também com a mesma frequência. Este dipólo oscilante é então responsável pela emissão de radiação com a mesma frequência que a radiação incidente – a dispersão de Rayleigh. O campo eléctrico dependente do tempo é dado por: r r E = E 0 cos(2πν t ) XLIII (eq. I.3) em que ν é a frequência da radiação incidente. Se a molécula vibrar, a sua polarizabilidade irá variar no tempo. Na aproximação harmónica, todas as vibrações moleculares podem ser vistas como a sobreposição de um número limitado de modos normais de vibração, cada um com a sua frequência de oscilação própria, ν n . Para vibrações de baixa amplitude e na aproximação harmónica, a polarizabilidade é então dada por: α = α 0 + ∑ α n cos 2πν n t (eq. I.4) em que α 0 é a polarizabilidade no equilíbrio e o segundo termo é uma soma que depende das frequências dos modos normais da molécula, ν n , e do tempo. Conjugando as equações I.2, I.3 e I.4 obtém-se a seguinte equação para o dipólo induzido na molécula: r r r pind = α 0 E 0 cos 2πν t + E 0 ∑ α n cos 2πν t ⋅ cos 2πν n t (eq. I.5) Ou seja: r r r 1 pind = α 0 E 0 cos 2πν t + ∑ α n E 0 [cos 2π (ν − ν n )t + cos 2π (ν + ν n )t ] 2 (eq.1.6) O primeiro termo representa o dipólo induzido que oscila com a mesma frequência que a radiação incidente, representando assim a dispersão de Rayleigh. Temos depois outras duas componentes, uma com frequência (ν + ν n ) e outra com frequência (ν − ν n ) que representam as bandas Raman Stokes e anti-Stokes respectivamente. Haverá actividade Raman, ou seja, haverá um desvio energético, sempre que haja uma variação da polarizabilidade da molécula em relação à polarizabilidade no equilíbrio. Isto é, a derivada da polarizabilidade em ordem a uma coordenada (q) que indique a variação da posição dos átomos uns em relação aos outros durante uma dada vibração terá que ser não nula. ⎛ ∂α ⎞ ⎜⎜ ⎟⎟ ≠ 0 ⎝ ∂q ⎠ q0 (eq. I.7) O tratamento clássico efectuado anteriormente prevê a existência do efeito Raman mas é o tratamento quântico do problema que fornece as regras de selecção para o efeito Raman. Esta descrição quântica envolve o cálculo da probabilidade de transição entre um estado vibracional inicial (n) e um estado vibracional final (m) com funções de onda ψ n e ψ m respectivamente o que leva às seguintes regras de selecção: Δυ = ±1 para XLIV que haja transições vibracionais. Transições para Δυ = ±2 também são possíveis, contudo apresentam uma intensidade muito reduzida. Para efeito de comparação, fazem-se a seguir algumas considerações acerca das regras de selecção para a espectroscopia de infravermelho, o outro método de espectroscopia vibracional referido no início da secção. Enquanto para o efeito Raman se regista actividade numa vibração se houver uma variação de polarizabilidade, para que essa vibração seja activa no infravermelho terá que ocorrer uma variação no momento dipolar da molécula, ou em qualquer uma das suas componentes. Por exemplo, considere-se a elongação simétrica da molécula de dióxido de carbono representada na figura I.3. Figura I.3 – Elongações simétricas da molécula de CO2, O momento dipolar não varia durante esta elongação que corresponde a um modo normal da molécula de CO2, sendo assim esta vibração não está activa no infravermelho, contudo como há variação da sua polarizabilidade é activa para o efeito Raman. Por exemplo, as moléculas diatómicas homonucleares não possuem espectro de infravermelho pois não têm momento dipolar, mas devido às interacções que ocorrem durante as elongações e contracções que sofrem há variação da sua polarizabilidade pelo que são activas para o efeito Raman. Difracção de raios-X A difracção de raios-X é uma técnica poderosa de análise em variados campos. Permite não só a identificação de materiais desconhecidos mas também a determinação das suas estruturas cristalinas, o estudo das simetrias dessas mesmas estruturas e de XLV outros parâmetros de interesse. No estudo de obras de arte em especial, a difracção de raios-X tem dado provas das suas capacidades para identificação de pigmentos e outros materiais [4]. É sobretudo usada em conjunto com e como complemento de outras técnicas como forma de confirmar e ajudar à melhor compreensão de resultados. Apesar de ser apenas eficaz para o estudo de materiais cristalinos, destrutiva e de necessitar de longos tempos de amostragem, o que nem sempre é aceitável nem permitido neste tipo de estudos, a utilidade e a especificidade desta técnica são sempre uma mais valia. Aspectos elementares da teoria da difracção de raios-X Se colocarmos um electrão no caminho de um feixe de raios-X com uma determinada energia, ele irá vibrar com a mesma frequência dessa radiação, absorver energia e emiti-la como raios-X ainda da mesma frequência. Estamos portanto perante um fenómeno de dispersão elástica. Se considerarmos agora um átomo, cujas dimensões são já da ordem de grandeza do comprimento de onda da radiação X, temos que a intensidade da radiação dispersa pelos seus electrões depende do número desses mesmos electrões assim como do seu arranjo espacial no átomo. Para um conjunto de átomos constituindo uma amostra cristalina todos os átomos que se encontrem na trajectória do feixe de raios-X dispersam a radiação em simultâneo em várias direcções. Os raios dispersos poderão então interferir destrutiva ou construtivamente consoante as suas direcções. Quando se observa uma interferência construtiva diz-se que há difracção construtiva de raios-X. A lei que rege a difracção de raios-X é a lei de Bragg. Esta lei descreve o fenómeno da difracção de raios-X por um cristal como uma simples “reflexão” dos feixes incidentes por famílias de planos paralelos que compõem a rede cristalina. Um cristal é assim visto como sendo constituído por planos paralelos, onde se dispõem os iões, espaçados de uma distância d que apenas “reflecte” a radiação incidente em determinadas condições dadas pela lei de Bragg: nλ = 2dsenθ XLVI (eq.I.8) em que n é um número inteiro conhecido como a ordem da reflexão, λ é o comprimento de onda da radiação incidente, d é o já referido espaçamento interplanar e θ é o ângulo segundo o qual o feixe incide nos planos. Esta condição tem uma interpretação geométrica muito simples como se pode ver na figura I.4. Figura I.4 – Interpretação geométrica da lei de Bragg. A dita reflexão só ocorre se a diferença de caminho óptico entre dois feixes difractados por planos sucessivos for um múltiplo inteiro do comprimento de onda da radiação incidente. Como θ não pode ser superior a 90º, as soluções da equação aparecem para os valores de n tais que nλ 2d ≤ 1 , para determinados valores de λ e d, havendo portanto um número limitado de reflexões possíveis para um cristal irradiado com um certo valor de λ . Difractometria de pó ou método de Debye-Scherrer Existem várias técnicas que permitem a determinação experimental dos valores para os quais se observam as “reflexões” de Bragg mencionadas anteriormente e que permitem o estudo de uma amostra. Um deles é utilizado neste trabalho, o método do pó ou de Debye-Scherrer. Neste método usam-se raios-X monocromáticos e uma amostra na forma policristalina ou em pó contida num pequeno tubo cilíndrico de vidro de diâmetro muito reduzido, tipicamente entre 0,5 e 0,1 mm. O comprimento de onda da radiação incidente mantém-se constante mas varia-se o ângulo de incidência do feixe XLVII incidente sobre a amostra fazendo com que esta rode sobre si própria. Apesar de a amostra estar sob a forma de pequenos grãos estes têm ainda uma dimensão suficiente para difractar os raios-X incidentes. Após incidir na amostra, os raios-X emergem dela segundo ângulos diferentes. Cada feixe reflectido corresponde a uma reflexão por um plano cristalográfico diferente cujo ângulo de incidência é obtido pelo detector. O padrão de difracção obtido a partir de uma amostra deste tipo, em que os pequenos grãos cristalinos estão dispostos ao acaso não apresentando, em princípio, direcções preferenciais, será o mesmo que o que se obteria da sobreposição dos padrões para todas a orientações possíveis de um cristal único. Como cada material cristalino tem o seu conjunto característico de distâncias entre planos, é possível identificar as diferentes fases que constituem uma amostra a partir das reflexões que apresenta aplicando simplesmente a lei de Bragg. Esta identificação faz-se por comparação das reflexões e intensidades relativas obtidas com as de uma base de dados constituída para o efeito. Outra aplicação da difractometria de pó é a determinação das estruturas cristalinas de materiais desconhecidos. XLVIII Apêndice II Tenta-se nesta secção apresentar de modo sucinto algumas técnicas de relevo geralmente usadas no estudo de obras de arte e que foram referidas no trabalho aqui apresentado. As técnicas são geralmente conhecidas pelas suas siglas inglesas, quando possível é aqui apresentado o nome pelo qual são conhecidas em Português. Espectroscopia de Infravermelhos (FTIR- Fourier Transform InfraRed spectrocopy) A espectroscopia de infravermelhos fornece o espectro de absorção de uma amostra na zona do infravermelho. Para o tipo de trabalho em questão é, como a espectroscopia Raman, uma técnica de fingerprint uma vez que cada molécula apresenta um espectro característico na região do infravermelho e que constitui a sua “impressão digital”. Esta especificidade molecular é inerente à espectroscopia vibracional que é capaz de detectar vibrações próprias de grupos moleculares e vibrações de rede. Uma das técnicas mais usadas de espectroscopia de infravermelhos, a FTIR, constitui uma melhoria em relação à espectroscopia de infravermelho convencional uma vez que o espectro final é o resultado do cálculo da transformada de Fourier do interferograma obtido experimentalmente pelo instrumento usado, um interferómetro. A informação resultante é uma representação da percentagem de transmitância da amostra em função do número de onda. É uma técnica rápida, com medições da ordem do segundo, sensível, com uma boa relação sinal-ruído e requer amostragem. PIXE – Particle Induced X-ray Emission Esta técnica permite efectuar a análise elemental de uma amostra medindo os raios-X característicos por ela emitidos ao ser irradiada por um feixe de protões. Deste modo, obtém-se informação acerca das quantidades relativas dos elementos presentes na amostra através de um espectro das contagens observadas em função da energia emitida. Cada elemento químico emite raios-X de uma energia característica quando XLIX convenientemente excitado e que constitui a sua “assinatura”. No espectro exemplificativo da figura II- é bem visível o tipo de informação possível de obter através deste método. A análise efectuada por PIXE é não destrutiva e requer um aparato complexo para se pôr em prática, nomeadamente a instalação de um acelerador de partículas de modo a que uma pequena área da amostra possa ser irradiada. É possível a sua utilização in situ, mas apenas com um equipamento transportável. Figura II.1 – Exemplo de um espectro de uma amostra amarela obtido por PIXE. Fluorescência de raios-X (XRF – X-Ray Fluorescence) A fluorescência de raios-X tira partido do facto de cada elemento possuir um espectro característico de emissão de raios-X quando excitado. À semelhança do PIXE, é um método de análise elemental fornecendo o mesmo tipo de informação que esta última. Apresenta a particularidade de apenas ser sensível a elementos cuja massa atómica seja superior a 14 que corresponde ao Silício, sendo portanto especialmente usada para análise de materiais inorgânicos. Dada a existência de equipamentos de XRF portáteis, embora dispendiosos, é possível realizar estudos in situ. Tem sido tipicamente usada como complemento de técnicas de fingerprint como a espectroscopia Raman. L Apêndice III Difractogramas de pó das amostras estudadas São apresentados a seguir os difractogramas de pó das amostras estudadas a partir deste método de análise. A ordem de apresentação é a mesma que se seguiu na secção dos resultados, ou seja, em primeiro lugar os vermelhos, de seguida os azuis, os amarelos, os verdes e finalmente o cinzento. No final do conjunto de difractogramas da mesma cor mostra-se uma sobreposição dos respectivos difractogramas para efeitos de comparação. LI LII 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 0 500 1000 Canal 1500 VM16PACMM 2000 2500 3000 LIII 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 160000 180000 0 500 1000 1500 VM13PACV 2000 2500 3000 LIV 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 0 500 1000 Canal 1500 VM24PACV 2000 2500 3000 LV 500 1000 1500 2000 2500 0 20000 40000 Canal 3000 80000 0 VM13PACV VM24PACV 60000 VM16PACV 100000 120000 140000 160000 180000 LVI 0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 0 500 1000 Canal 1500 AZ8PACMM 2000 2500 3000 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 LVII 0 500 1000 Canal 1500 AZ4PACV 2000 2500 3000 80000 100000 120000 140000 0 20000 40000 60000 LVIII 0 500 1000 Canal 1500 2000 2500 3000 AZ8PACMM AZ4PACV LIX 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 160000 0 500 1000 Canal 1500 AM3PACMM 2000 2500 3000 LX 0 2000 4000 6000 8000 10000 12000 14000 16000 18000 20000 0 500 1000 Canal AM14PACV 1500 2000 2500 LXI 0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 0 500 1000 Canal 1500 2000 2500 AM3PACMM AM14PACV LXII 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 0 500 1000 Canal VD10PACV 1500 2000 2500 LXIII 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 160000 0 500 1000 Canal VD22PACMM 1500 2000 2500 LXIV 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 160000 0 500 1000 Canal 1500 2000 2500 VD10PACV VD22PACMM LXV 0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000 100000 0 500 1000 Canal CZ17PACV 1500 2000 2500 Bibliografia Szymanski, H. 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Conclusões ………………………………………………………………… Pág.34 Apêndice I – Espectroscopia Raman e Difracção de raios-X ……………. Pág.35 Apêndice II – Algumas técnicas usadas no estudo de obras de arte ……... Pág.44 Apêndice III – Espectros de Raman das amostras estudadas ……………. Pág.47 Bibliografia …………………………………………………………………. Pág.62 LXVIII