Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho

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Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
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Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho
Lin Tchia Yeng, Manoel Jacobsen Teixeira, Maciel M. Fernandes,
Thelma R. M. Zakka e Adrianna Loduca
INTRODUÇÃO
Os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT) correspondem a um conjunto de afecções relacionadas
às atividades laborativas e que acometem músculos, fáscias musculares, tendões, ligamentos, articulações, nervos, vasos sanguíneos e tegumento. Lesões por esforços repetitivos (LER), doenças cervicobraquiais ocupacionais, afecções traumáticas cumulativas, síndrome do overuse e tenossinovite dos digitadores foram
também terminologias utilizadas para cognominar esta entidade.
As várias formas clínicas de manifestação dos DORT têm
como aspecto comum a dor e as incapacidades funcionais, e freqüentemente são causas de incapacidade laborativa temporária ou permanente. Representam enorme custo econômico para o trabalhador,
órgãos de assistência à saúde e sociedade. Países industrializados
testemunharam aumento vertiginoso do número de casos de DORT
devido, provavelmente, a vários fatores, como a mecanização e a
informatização do trabalho, a intensificação do ritmo das atividades, a redução da flexibilidade do tempo de trabalho, as posturas
inadequadas, a repetição e a constância da execução de movimentos, a ausência de pausas durante os períodos de trabalho, a exigência pelo aumento da produtividade e o uso de mobiliário e equipamentos inadequados. Os avanços nas técnicas diagnósticas, que
possibilitaram diagnósticos mais precoces e freqüentes das
síndromes clínicas que caracterizam os DORT, a divulgação de
sua existência, que a tornou mais conhecida e identificada pela
população leiga, e as mudanças macroestruturais, originadas pela
revolução tecnológica nas últimas décadas e que inter-relacionamse com mudanças econômico-sociais e políticas e repercutiram
profundamente no plano individual, são, entre outros, os fatores
que contribuíram para aumentar o número de casos de DORT.
HISTÓRICO
Apesar de os DORT apresentarem-se como subproduto da
tecnologia moderna não são fenômenos exclusivos da moderni-
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dade. Em 1713, no livro De Morbis Artificum Diatriba (Doença
dos Trabalhadores), Bernardino Ramazzini descreveu diversas
doenças em escrivães e costureiras e outros trabalhadores, possivelmente causadas por movimentos repetitivos, posturas inadequadas e outros estresses físicos e psicológicos. No século XIX,
vários autores identificaram a cãibra do escrivão e do telegrafista
com alterações musculoesqueléticas em artesãos, artistas, músicos e leiteiros, caracterizada por ocorrência de dor, espasmos
musculares e outras disfunções nos membros superiores (MMSS).
Solly hipotetizou que as lesões relacionavam-se à excessiva
movimentação e poderiam associar-se a possíveis disfunções
localizadas na medula espinal e no cerebelo. Outros autores atribuíram origem psicogênica a estes quadros e consideraram-nos
expressões de neuroses ocupacionais. Monell sugeriu que, entre as causas dos DORT, figurariam a fadiga crônica e as alterações metabólicas e nutricionais das fibras musculares relacionadas aos microtraumatismos e à inadequada reparação tecidual. No princípio do século XX, Paul e Norstrom, entre outros, concluíram que os traumatismos segmentares seriam a
causa de disfunções musculares, fasciais, tendíneas, articulares e nervosas periféricas.
EPIDEMIOLOGIA E IMPACTO
PSICOSSOCIOECONÔMICO DOS DORT
No Japão, nas décadas de 1960 e 70, ocorreu aumento do
número de casos de DORT em várias categorias profissionais, o
que justificou, no final da década de 1970, a organização pelo
Ministério do Trabalho do Comitê Nacional de Cervicobraquialgia para avaliar o problema. Na década de 1980, a Austrália apresentou uma epidemia de DORT que se tornou conhecida
mundialmente. Os índices discrepantes do comprometimento de
trabalhadores com dores musculoesqueléticas em funções e postos de trabalhos similares em diversas regiões daquele país sugerem haver outros fatores determinantes do adoecimento, além
dos físicos incluindo os psicossociais, o que fez a epidemia ter a
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conotação de “histeria em massa” da sociedade. A descaracterização dos DORT como doença ocupacional e a melhora das estratégias de prevenção proporcionaram um decréscimo importante
dos casos de cervicobraquialgia profissional naquele país. Recentemente, nos países escandinavos, tal fenômeno repetiu-se de
modo explosivo.
Nos Estados Unidos da América, os DORT constituem
grave e crescente problema de saúde pública e destacam-se de
outras doenças ocupacionais. Segundo o United States Bureau
of Labour Statistics, o número de casos aumentou 14 vezes entre 1981 e 1994. Naquele país, no ano de 1996, foram acometidos 425.000 indivíduos por DORT, o que representou 65% das
doenças ocupacionais. O custo direto dos programas de compensação das doenças ocupacionais que foi de US$ 27 bilhões em
1984 ultrapassou US$ 68 bilhões em 1992. Em 1999, um estudo
da Academia Nacional de Ciências dos EUA observou que os
DORT constituem um grave problema de saúde pública, com
mais de um milhão de trabalhadores acometidos, a um custo de
US$ 50 bilhões ao ano, e os custos indiretos (redução da produtividade, contratação e treinamento de novos funcionários e problemas legais) estimados acima de um trilhão de dólares, ou 10%
do produto interno bruto. O estudo conclui que haverá aumento
deste número por vários motivos se não houver medidas de intervenção ativas, e que tais medidas auxiliarão de fato a reduzir
o número de trabalhadores acometidos, além dos custos e das
incapacidades.
As compensações envolvidas em casos de DORT correspondem, em média, a 2 a 5 vezes mais que as outras causas de
compensação. O custo total do tratamento e do afastamento do
trabalho de um caso agudo de DORT, sem complicações, foi
estimado em US$ 500 dólares, e em US$ 24.158 dólares quando
houve intervenção cirúrgica. Nos casos de incapacidade funcional crônica, o custo elevou-se para US$ 80 mil a US$ 100 mil
dólares per capita. É importante enfatizar que a maioria dos indivíduos com DORT continua a trabalhar apesar da dor. Quanto
aos indivíduos que se ausentam do trabalho devido à síndrome
do túnel do carpo (84 dias), a média de dias de afastamento foi
muito similar à dos doentes com queixas cervicais/dorsais (100
dias). A maior parte do custo (65,1%) é atribuída aos custos
indenizatórios, e apenas 32,9% são gastos em tratamentos. Os
DORT são causa tanto de ganhos secundários quanto de perdas
secundárias. As perdas financeiras e de qualidade de vida dos
doentes com DORT são incalculáveis e freqüentemente tornamse crônicas. O ciclo vicioso de incapacidade–comprometimento
da qualidade de vida estabelece-se; à medida que o indivíduo
torna-se incapacitado para o trabalho, as possibilidades de retorno às atividades tornam-se mais remotas. Em doentes com
lombalgia crônica, a possibilidade de retorno ao trabalho após 6
meses de incapacidade é de 50%, torna-se 25% após 1 ano e é
praticamente nula após 2 anos de afastamento.
No Brasil, o sistema nacional de informação do Sistema
Único de Saúde não discrimina os acidentes de trabalho em geral e nem os DORT, o que prejudica a avaliação dos dados
epidemiológicos. As estatísticas disponíveis são fornecidas pela
Previdência Social e referem-se apenas aos trabalhadores do
mercado formal e com contrato trabalhista regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, o que totaliza menos de 50% da
população brasileira economicamente ativa. Cabe ressaltar que
esses dados são coletados com finalidades pecuniárias e não
epidemiológicas. Alguns poucos estudos brasileiros tiveram
como preocupação central a epidemiologia dos DORT. Das doenças consideradas ocupacionais pela Previdência Social (INSS),
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segundo os critérios da Classificação Internacional de Doenças
de acordo com a qual são codificados os DORT, “tenossinovites
e sinovites” são amplamente majoritárias. O grande aumento da
ocorrência de DORT no país, à semelhança do que ocorreu em
outros países, provavelmente deveu-se a mudanças nos padrões
culturais, sociais e econômicos, a maior freqüência do diagnóstico e a melhora da notificação, entre outros fatores. Fenersteins
e Huang (1998) apontaram, além das variáveis médicas e
ergonômicas, fatores psicossociais, como estresse ocupacional
elevado, inadequação do suporte social, monotonia das atividades, ansiedade e depressão, contribuintes significativos para o
prognóstico desfavorável de doentes com DORT.
QUADRO CLÍNICO DOS DORT
Os doentes com DORT apresentam queixa de dor,
parestesias, sensação de peso e fadiga nos MMSS e na região
cervical, geralmente com instalação insidiosa. Não raramente,
apresentam também dor na região dorsolombar e nos membros
inferiores. Outros sintomas incluem adormecimento, alterações
neurovegetativas, tróficas e outras anormalidades, sensitivas e
motoras regionais. A dor evoca emoções e fantasias, muitas vezes incapacitantes, que traduzem sofrimento, incertezas, medo
da incapacidade e da desfiguração, medo de que o trabalho possa agravar o quadro clínico, preocupações com perdas materiais
e sociais, limitações para a execução das atividades de vida diária, profissionais, sociais e familiares, comprometimento do ritmo do sono, do apetite e do lazer. A dor crônica pode modificar
os projetos de vida dos doentes e gerar incapacidades profissionais, sociais e familiares, devido à perda da identidade dos indivíduos nos ambientes de trabalho, na família e na sociedade.
As afecções musculoesqueléticas relacionadas aos DORT
são representadas pelas tendinites, tenossinovites, peritendinites
(ombros, cotovelos, punhos, mãos), epicondilites, dedo em gatilho, cistos sinoviais, síndromes dolorosas miofasciais (SDM),
lesões vasculares, tegumentares e subtegumentares e neuropatias
compressivas ou traumáticas dos MMSS, incluindo a síndrome
do túnel do carpo, a síndrome de compressão do nervo ulnar no
cotovelo, a síndrome do desfiladeiro torácico, a distrofia simpático-reflexa e a causalgia (síndrome complexa de dor regional
tipos I e II). Há doentes que apresentam generalização da dor e
evoluem de uma condição de dor localizada para quadro de dor
difusa inespecífica de membros superiores (DDIMMSS), e outros, para o corpo todo, como a síndrome fibromiálgica (SF),
caracterizada por dores difusas e, muitas vezes, migratórias, fadiga, sono não reparador, sensações parestésicas nos membros,
cefaléia de tensão, síndrome do intestino irritável e de cistite
inespecífica.
Os sinais e sintomas observados nos doentes com DORT
podem ser decorrentes dos traumatismos, dos processos de reparação tecidual ou dos comportamentos adaptativos. Essas
modificações adaptativas, freqüentemente subclínicas, podem,
diante de eventos traumáticos físicos e/ou emocionais, agravar a
dor, a incapacidade funcional e os sofrimentos físico e
psicoafetivo dos doentes. As queixas podem não traduzir exclusivamente a dimensão das lesões; o ciclo retroalimentador de dor–
inflamação–espasmo–dor induz, perpetua e/ou agrava os sinais
e sintomas dos DORT. Apesar de não haver critérios bem estabelecidos para qualificar a presença de sintomas como DORT,
Silverstein et al. sugeriram a persistência de sintomatologia durante mais de 1 semana ou ocorrência de mais de 20 episódios
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sintomáticos para caracterizar os DORT. Entretanto, há necessidade da comprovação de relação entre os numerosos aspectos
adversos ou não do ambiente de trabalho e a natureza das afecções
musculoesqueléticas apresentadas pelos doentes. O estabelecimento de nexo causal é fundamental para se caracterizar DORT.
O médico do trabalho, conhecendo as condições ergonômicas do
trabalho, é o profissional capacitado para tal função, porém, em
termos legais, para efeitos de afastamento e recebimento de benefícios, há necessidade de o médico perito do INSS reconhecer
o nexo causal e caracterizar as afecções como DORT.
A dor pode ser localizada, referida ou generalizada, superficial ou profunda, de origem somática, neuropática e/ou
psicogênica. Quando resultante do acometimento de estruturas
musculoesqueléticas profundas é vaga e descrita como peso, pressão, queimor, latejamento ou tensão exagerada e é freqüentemente, referida em estruturas distantes daquelas comprometidas. A
dor neuropática é descrita como queimor, formigamento ou choques e pontadas em áreas em que a sensibilidade, a motricidade
e/ou as funções neurovegetativas estão alteradas. A dor
psicogênica, que se manifesta em doentes com queixas álgicas,
diante da escassez de achados clínicos, é rara nos doentes com
DORT; entretanto, anormalidades psicoafetivas contribuem significativamente para o agravamento e a manutenção da dor.
Emoções negativas, como diminuição da auto-estima, sensação
de culpa e de impotência e outros estressores, diante das diversas contradições das vidas diária e profissional também são agravantes da dor.
De acordo com a duração, os episódios de dor podem ser
agudos ou crônicos. A dor aguda geralmente ocorre na fase inicial da doença; é mais bem localizada, tem causa geralmente
definida e atua como alerta biológico diante de fatores irritativos
potencialmente lesivos ou de lesões teciduais instaladas; é decorrente de tendinopatias, sinovites e SDM. Associa-se a quadro inflamatório agudo, representado pela instalação de sinais
flogísticos, rubor e tumor. A dor crônica é definida como aquela que persiste além do tempo esperado para resolução da condição clínica que provocou a sua ocorrência. Tem função biológica diferente da dor aguda e gera incapacidade para as atividades
profissionais, sociais e familiares. A etiologia pode ser imprecisa. Geralmente é vaga e, muitas vezes, decorrente ou agravada
por estressores físicos ambientais ou psicogênicos. Caracterizase pela pequena expressão de sinais físicos e pela ocorrência de
depressão, ansiedade, hostilidade, adoção de posturas antálgicas
específicas, aumento das preocupações somáticas e do período
de inatividade com as óbvias conseqüências financeiras e sociais. As atividades de vida diária, o lazer, o sono e o apetite são
significativamente comprometidos em decorrência da dor, das
alterações psicoafetivas e das iatrogenias induzidas pelos procedimentos terapêuticos clínicos e/ou cirúrgicos.
A seqüência de eventos relacionados à dor e à inflamação
induz modificações reacionais no aparelho locomotor e nas unidades motoras sensitivas e neurovegetativas do sistema nervoso. As alterações musculoesqueléticas incluem os espasmos
musculares, o desequilíbrio de atividade entre os grupamentos
musculares agonistas e antagonistas, as posturas antálgicas, as
retrações musculares e tendíneas, a aderência das estruturas
miofasciais e a fadiga muscular. Havendo comprometimento das
unidades nervosas motoras, podem ocorrer déficits motores e
amiotrofias. A lesão das estruturas nervosas sensitivas causa dor
e alterações sensitivas proprioceptivas, e o acometimento das
unidades do sistema nervoso neurovegetativo evoca alterações
neurovegetativas e alterações tróficas.
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EXAME FÍSICO
Os exames físicos geral, do aparelho locomotor, do sistema nervoso e do psiquismo devem ser realizados em todos os
doentes acometidos pelos DORT. Os exames subsidiários apenas complementam o raciocínio clínico e podem, quando mal
interpretados, gerar diagnósticos incorretos. O insucesso dos
programas terapêuticos dos DORT deve-se, muitas vezes, ao
insatisfatório diagnóstico etiológico e nosológico da dor, à incorreta interpretação das incapacidades funcionais e dos fatores
que contribuem ou agravam o quadro doloroso. A identificação
precisa das estruturas anatômicas lesadas, o estabelecimento do
perfil psicodinâmico e social dos doentes e a elucidação dos fatores perpetuantes contribuem para melhorar a estratégia
reabilitacional e o prognóstico da doença.
As afecções do aparelho locomotor caracterizadas por dor,
sinais flogísticos, limitação de amplitude articular e retrações
tendíneas e articulares; o comprometimento do sistema nervoso
periférico motor caracterizado por déficits motores representados por perda de destreza, fasciculações, amiotrofias e hiporreflexia; o comprometimento das fibras sensitivas que resulta em
hipoestesia, alodínea e hiperpatia; e anormalidades neurovegetativas caracterizadas por hiperidrose, anidrose, vasodilatação ou
palidez cutâneos, dermografismo, piloereção, distrofia cutânea,
óssea, muscular e dos anexos da pele são evidências comuns em
doentes com DORT.
Depressão, angústia, ansiedade, insegurança, desconfiança e medo são freqüentemente observados nestes casos. Os doentes vivenciam situações de extrema dificuldade no ambiente
de trabalho e nos círculos familiares e sociais; enfrentam olhares de descrença quanto ao seu adoecimento devido à disparidade
entre a intensidade dos sintomas e a escassez de sinais físicos.
De funcionários úteis e integrados à estrutura da empresa, passam a ter a sensação de serem indesejáveis e excluídos do convívio profissional e a sentir desconfiança e hostilidade por parte
das chefias. Além disso, encontram-se em situação indefinida e
incerta, seja pela dificuldade para tratamento ou recuperação, seja
pela possibilidade de demissão. Esses sentimentos geralmente
associam-se a graves conseqüências financeiras e sociais, que
agravam a sensação da alteração de sua realidade. A espoliação
física devida ao imobilismo gera inapetência e agrava as repercussões psíquicas. As atividades de vida diária, as trocas afetivas,
o lazer, o sono e o apetite tornam-se significativamente comprometidos em decorrência da dor, das alterações psicoafetivas, das
manipulações e das iatrogenias induzidas durante os procedimentos terapêuticos. O desapontamento com os resultados insatisfatórios das várias terapias propostas e aplicadas é as razões da
constante busca por serviços e profissionais dos quais esperam
verdadeiros milagres. A dor e as suas repercussões passam a ser
razões de sua existência, os distanciam progressivamente da
possibilidade de recuperação e de reabilitação profissional e social, prolongam o período de afastamento e impossibilitam o
retorno ao trabalho, gerando incerteza em relação ao futuro. O
sofrimento crônico modifica o inter-relacionamento familiar e
contribui para a instalação de depressão, ansiedade e desespero,
que também agravam os desconfortos.
PRINCIPAIS SÍNDROMES CLÍNICAS
A unidade musculoesquelética, constituída pelo conjunto
tendão-músculo-osso, é mais freqüentemente acometida que as
estruturas nervosas e vasculares.
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Afecções do Aparelho Locomotor
As anormalidades do aparelho locomotor envolvidas na
ocorrência dos DORT incluem hiperpressões osteoarticulares,
inflamações, síndromes compartimentais por estreitamentos anatômicos, cicatrizes e aumento da tensão das interfaces das estruturas resultando em aderências e espasmos musculares. Todas
estas anormalidades podem sensibilizar os nociceptores no local
da lesão ou a distância.
Bursites. Caracterizam-se pela ocorrência de processo
inflamatório das bursas, ou seja, das pequenas bolsas de parede
finas, constituídas de fibras colágenas e revestidas de membrana
sinovial localizadas nas proximidades das inserções tendíneas e
articulações, ou seja, nas regiões onde as estruturas teciduais
sofrem fricção. As bursites localizam-se mais freqüentemente nos
ombros e causam dor regional, principalmente durante a realização de certos movimentos como abdução, rotação externa e elevação do membro superior. Quando o tratamento não é adequado, a dor irradia-se para a região escapular ou braços e gera incapacidade funcional, que culmina com a instalação do “ombro
congelado” (capsulite adesiva) ou da síndrome ombro-mão
(distrofia simpático-reflexa). A bursite causa comumente dor no
ombro; entretanto, as bursites não são causa freqüente de ombro
doloroso em DORT.
Tenossinovites. Os tendões, devido à disposição em paralelo das fibras colágenas que os constituem, têm a propriedade
de minimizar e dissipar as forças resultantes da contração muscular. O espasmo muscular pode aumentar a tensão muscular e a
força de estresse em arrancamento nas junções miotendíneas
(entésio), do que resultam reação inflamatória, sensibilização e
alterações morfofuncionais locais e a distância, tendinites,
tenossinovites, entesites, epicondilites e microrroturas miotendíneas. Exercícios excessivos, posturas inadequadas, traumatismos locais, atividades repetitivas e prolongados intervalos com
períodos de recuperação insuficientes dos MMSS estão envolvidos na gênese das tendinites e são condições normalmente relatadas pelos doentes com DORT. O traumatismo dos tendões é
relacionado a tensão, compressão, estresse por arrancamento e
deformação do tendão. Os músculos e os tendões trabalham como
uma unidade funcional única. A circulação sanguínea nos tendões depende dos ângulos do deslocamento articular e é inversamente proporcional ao aumento da tensão do músculo. À medida que aumenta o trabalho muscular, há redução da perfusão
sanguínea e, como conseqüência, ocorre deformação e perda da
capacidade tênsil dos tendões, do que resulta aumento de fragilidade estrutural e predisposição para ocorrência de tendinopatias.
Portanto, na maioria dos casos, onde há tendinite, o músculo está
comprometido associadamente.
A tendinite tanto do manguito rotador, como do supra-espinhoso e do tendão bicipital constituem causas comuns das incapacidades na região do ombro. A tendinite do supra-espinhoso é causada por relações anatômicas desfavoráveis que geram
isquemia tecidual e degeneração da estrutura ligamentar. Acima
de 60 graus do ângulo de flexão do ombro, há acentuada redução do suprimento sanguíneo (isquemia) do tendão e do músculo espinhoso. A isquemia prolongada pode desencadear ou perpetuar a tendinite e a SDM.
A tendinite bicipital pode constituir entidade isolada; freqüentemente é secundária à lesão da bainha dos rotadores. A
tendinite bicipital primária pode ser devida a traumatismos diretos e indiretos do ombro e a exercícios excessivos ou repetitivos
do braço. Caracteriza-se por sensação de peso ou de dor locali-
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zada nas proximidades da pequena tuberosidade do úmero e na
face anterior do braço e é exacerbada por movimentos; pode
comprometer a função articular. Em casos graves, a dor irradiase para todo o membro superior.
A tenossinovite de De Quervain decorre do espessamento
do ligamento anular do carpo no primeiro compartimento dos
extensores, por onde trafegam dois tendões: o longo abdutor e o
extensor curto do polegar. O processo inflamatório, com o tempo, acomete os tecidos sinoviais peritendíneos e dos tendões.
Caracteriza-se pela ocorrência de dor com instalação insidiosa,
fenômenos inflamatórios, localizados na apófise estilóide do rádio, e, em alguns casos, por crepitação durante a movimentação
do polegar. A dor pode irradiar-se para o polegar, antebraço e
cotovelo e acentua-se com os movimentos do polegar. Causa
impotência funcional do polegar ou do punho e associa-se, algumas vezes, a alterações da sensibilidade no território do ramo
superficial do nervo radial, que é comprometido devido à sua
proximidade com o primeiro compartimento dos extensores. A
manobra de Finkelstein, que consiste em preensão da face dorsal
da mão do doente, seguida do desvio ulnar quando positiva, gera
dor intensa localizada na apófise do rádio, que pode irradiar-se
ao longo do trajeto dos tendões.
As tendinites dos flexores e extensores do punho e dos
dedos são normalmente acompanhadas de outras afecções inflamatórias distais do membro superior e causam prejuízo funcional, principalmente da articulação do punho, dos dedos e das
metacarpofalangianas.
Epicondilites. São resultantes do estiramento e da inflamação do local de inserção dos músculos flexores ou extensores
do punho no cotovelo, onde se instala um processo inflamatório
dos tendões, fáscias musculares, músculos e tecidos sinoviais. No
epicôndilo lateral inserem-se os músculos extensores, e no
epicôndilo medial, os flexores. Em caso de epicondilite medial
pode haver comprometimento do nervo ulnar, e na epicondilite
lateral, do nervo radial. A epicondilite caracteriza-se pela ocorrência de dor na região do epicôndilo lateral ou medial, na proximidade da inserção dos músculos extensores ou flexores que é
exacerbada durante a movimentação das mãos e dos punhos e
durante a pronossupinação, e pode ser desencadeada pela
palpação da musculatura adjacente, ou pelos movimentos fortes
e bruscos de pronossupinação com o cotovelo em flexão. A dor,
quando não tratada, torna-se difusa e irradia-se proximal e
distalmente.
Síndrome Dolorosa Miofascial (SDM). A SDM é uma
afecção álgica do aparelho locomotor que acomete músculos e
suas fáscias. Caracteriza-se pela ocorrência de dor e aumento da
tensão dos músculos afetados. Sua fisiopatologia é controversa.
É uma disfunção localizada, secundária a contração muscular
isométrica prolongada, repetição de movimentos, posturas inadequadas e/ou estresses psíquicos. Estas condições geram
acúmulo de substâncias algiogênicas e anormalidades circulatórias, caracterizadas fundamentalmente pela isquemia nos músculos acometidos. O acúmulo localizado de serotonina, prostaglandinas, bradicinina, íons potássio, radicais ácidos, fator de
ativação dos macrófagos e de neutrófilos, ou seja, de substâncias algiogênicas, agrava o ciclo vicioso de dor–espasmo muscular–dor e gera hiperalgesia e alodínea primária. Os potenciais de
ação induzidos nos aferentes primários causam liberação retrógrada pelas terminações nociceptivas de substâncias vasodilatadoras e mediadoras da inflamação, como a substância P, peptídeo relacionado a calcitonina e neurocininas, que interagem com
leucócitos, células de Schwann e fibroblastos. Estas liberam nos
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tecidos substanciais algiogênicos que induzem a instalação dos
padrões bioquímico e celular compatíveis com a inflamação
neurogênica. O sistema nervoso neurovegetativo simpático libera,
sob a ação da bradicinina, noradrenalina e prostaglandinas que
também sensibilizam os nociceptores. A liberação de aminoácidos excitatórios (glumato, aspartato) neuropeptídeos (substância
P) e outros neurotransmissores pelos aferentes nociceptivos no
corno posterior da substância cinzenta da medula espinal acarreta sensibilização e deformação plástica dos neurônios espinais,
e é causa de hiperalgesia, alodínea mecânica secundária e ampliação da superfície dolorosa, e contribui para a cronificação da
SDM. A disfunção do sistema supressor de dor devido à imobilização pela dor agrava a condição nociceptiva. O espasmo é
caracterizado pelo deslizamento concêntrico das fibras musculares das extremidades tendíneas em direção ao ventre muscular. Há desenvolvimento de tensão contínua sem relaxamento
apropriado. O espasmo muscular na SDM pode ser retroalimentado por estímulos nociceptivos somáticos e/ou viscerais. O
mecanismo do espasmo muscular reflexo envolve a sensibilização dos neurônios sensitivos na substância cinzenta do corno
posterior da medula espinal e a ativação dos interneurônios, que,
por sua vez, acionam os motoneurônios do corno anterior da
substância cinzenta da medula espinal. Ocorre, associadamente,
sensibilização dos neurônios da coluna intermediolateral, que é
causa de anormalidades neurovegetativas reflexas.
Nos músculos dos doentes com DORT foram observadas
microrroturas do retículo sarcoplasmático e liberação extracelular de Ca⫹⫹, que é um co-fator da contração da musculatura vascular lisa e estriada. O espasmo muscular compromete o suprimento sanguíneo devido à compressão vascular e, conseqüentemente, causa lesão tecidual. O desequilíbrio entre a demanda e a
necessidade metabólica predispõe à fadiga muscular e ao comprometimento do desempenho funcional. O reparo das microlesões musculares e tendíneas inclui a regeneração e a remodelação do tecido conectivo e das fibras contráteis.
Síndrome fibromiálgica (SFM). É caracterizada pela
ocorrência de dor generalizada, simetricamente distribuída, nos
quatro quadrantes do corpo, associada a rigidez do corpo, em
especial pela manhã. A duração destes sintomas deve ser superior a 3 meses. A queixa de fadiga é outro fator associado, promovendo diminuição da resistência para a execução de atividades
físicas e mentais.
As alterações na qualidade do sono estão presentes.
Outros sintomas incluem dolorimento de tecidos moles e
parestesia nos membros. Cefaléia, déficit de memória e de concentração, síndrome dos braços ou pernas inquietos, ansiedade,
depressão, hiperemia em pregas cutâneas, dismenorréia, síndrome do cólon irritável e da bexiga irritável e fenômeno de Raynaud
são outras queixas comuns apresentadas pelos doentes. Os sintomas sofrem alternância de melhora e piora, tornam-se mais
intensos durante alguns meses e, em seguida, estabilizam-se, de
forma que a incapacitação física, em diferentes graus, é geralmente presente e esses sintomas acentuam-se e reduzem-se de
intensidade durante dias e semanas. As crises agravam-se com
repouso exagerado, esforços físicos, infecções sistêmicas e lesões dos tecidos moles, sono inadequado, exposição ao frio e
estressores psicológicos.
Parestesias e adormecimento, principalmente de extremidades, sem padrão dermatomérico, e sensação de inchaço e edema em mãos, pés e tornozelos podem ocorrer na ausência de
anormalidades neurológicas. Em doentes com DORT e fibromialgia, é necessária a exclusão de síndromes compressivas nos
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membros como a síndrome do túnel do carpo. As anormalidades
do sono caracterizadas por dificuldade para iniciar, despertar freqüente durante a noite, dificuldade para retornar a dormir, sono
agitado e superficial, despertar precoce e sono não reparador são
comuns. As cefaléias crônicas são também comuns nestes casos,
geralmente diárias, muitas vezes intensas e freqüentemente tipo
tensão e, às vezes, com características cervicogênicas.
As anormalidades sensitivas múltiplas ou síndrome de sensibilidade química múltipla e hipocondria com intolerância
medicamentosa ocorrem em muitos casos, e associam-se à síndrome da fadiga crônica.
Admite-se que as anormalidades do SNC estejam primariamente correlacionadas ao aumento da sensibilidade dolorosa
em doentes com SFM. A SFM é considerada produto da modulação inadequada da sensibilidade dolorosa; ocorre deficiência
serotoninérgica ou da regulação serotoninérgica no eixo hipotálamo-pituitário, pituitário-adrenal e hiperatividade da substância
P. A íntima relação entre a substância P e o peptídeo geneticamente relacionado à calcitonina parece também ter atividade alterada. Evidências experimentais indicam que os receptores de
N-metil-D-aspartado (NMDA) no SNC estejam envolvidos nos
mecanismos de dor em fibromiálgicos. Anormalidades tireoidianas podem também contribuir para a instalação da fibromialgia. Estímulos nociceptivos musculares acionam unidades
neuronais sensibilizadas e agravam a dor fibromiálgica.
O fator desencadeante da SFM é obscuro. Muitos doentes
não identificam eventos que possam ter sido a causa dos sintomas. Alguns referem ocorrência de viroses, traumatismos físicos, estresses emocionais e uso de certos medicamentos. Doentes com dor não controlada em regiões circunscritas do corpo
podem apresentar progressiva generalização do quadro. A dor
aguda que acompanha os traumatismos diretos (acidentes) ou
indiretos (DORT, posturas inadequadas) pode evoluir para dor
generalizada e gerar vários pontos dolorosos.
Fatores psicológicos estão também relacionados com a
instalação da SFM. Em muitos doentes, os primeiros sintomas
surgiam após período de estresse crônico, e outros doentes relatam agravamento dos sintomas durante períodos curtos de
estresses emocionais. Isso significa que a condição psicossocial
dos doentes influencia não apenas a magnitude dos sintomas
como também o grau de incapacitação funcional.
Neuropatias Periféricas
Após a lesão de nervos periféricos surgem atividades ectópicas neuronais que aumentam na primeira semana e decaem
progressivamente a seguir. Correntes efáticas (curtos circuitos)
parecem ocorrer entre fibras sensitivas motoras, neurovegetativas,
nos neuromas de amputação das fibras nervosas em degeneração. Concomitantemente surgem alterações anatômicas nos núcleos das células ganglionares dos nervos sensitivos e nas projeções centrais das raízes nervosas. Há evidências de que em casos de dor neuropática periférica exista participação concomitante
de mecanismos centrais e periféricos, uma vez que, freqüentemente, a dor atinge territórios distantes dos da distribuição das
estruturas nervosas lesadas e o bloqueio anestésico dos troncos
nervosos não controla o desconforto de muitos pacientes. Há
hiperatividade neuronal do corno posterior da medula espinhal
e, tardiamente, no tálamo contralateral à lesão das raízes nervosas. A desinibição das vias nociceptivas e a excitação das sinapses centrais estão envolvidas no mecanismo de hiperatividade
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DISTÚRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO TRABALHO 431
neuronal nas células da medula espinhal. Os produtos da degradação neuronal, durante o processo de degeneração, e a proliferação das células gliais alteram a constituição bioquímica do meio
ambiente na medula espinhal e resultam em hiperatividade neuronal segmentar e em expansão do campo receptivo dos neurônios espinhais e talâmicos. Havendo neuropatias, os neurônios
predominantemente excitados pelos estímulos nociceptivos passam a responder também a estímulos de baixa intensidade. A
perda das conexões sinápticas normais, o aumento do número de
receptores da membrana neuronal, o aumento das dimensões dos
botões remanescentes e o aumento do volume celular e da superfície dos dendritos proximais justificam a hipersensibilidade
por desnervação segmentar.
Síndrome do desfiladeiro torácico. A síndrome do desfiladeiro torácico caracteriza-se pela ocorrência de parestesias e
dor irradiada para os MMSS, principalmente durante a elevação
de um deles, alterações neurovegetativas (temperatura, cor,
sudorese), hipoestesia, déficits de força e amiotrofia nos MMSS.
É devida à compressão do plexo braquial ou de seus ramos, em
sua passagem pelo espaço cervicobraquial delineado pela clavícula, primeira costela, músculos escaleno anterior e médio e
fáscias regionais, além do músculo peitoral menor. Estas estruturas delimitam um estreito canal, que pode tornar-se ainda mais
exíguo quando há alterações anatômicas primárias ou decorrentes de traumatismos, vícios de postura ou de fatores ocupacionais,
tais como transporte de cargas pesadas nos ombros ou o trabalho com a cabeça elevada. Pode também decorrer da utilização
do membro superior na posição elevada, situação em que os nervos do plexo braquial são comprimidos. A compressão do plexo
braquial ou de seus ramos sob o músculo peitoral menor em condições em que há espasmo muscular ou adoção da postura de
ombro caído e aterrorizado é outro mecanismo da lesão dinâmica desta estrutura nervosa. As manobras de Adson, de Allen, de
Hausted e o teste de compressão costoclavicular podem ser positivos. Estas manobras, entretanto, são também positivas em
muitos indivíduos assintomáticos.
Síndrome do pronador redondo. Decorre da compressão
do nervo mediano distalmente à prega do cotovelo. Esta pode
ocorrer entre os dois ramos musculares do pronador redondo ou
da fáscia do bíceps, ou na arcada dos flexores dos dedos.
Dor espontânea na região proximal do antebraço e nos três
primeiros dedos, ocorrência de dor quando é realizada pronação
do antebraço contra-resistência com o punho firmemente cerrado, déficit da oponência do polegar e dos flexores dos três primeiros dedos e comprometimento sensitivo da eminência tenar
podem ser constatados nestes doentes. Esta síndrome pode manifestar-se em condições de movimentos repetitivos e de força
de pronossupinação, ou quando há hipertrofia dos músculos do
antebraço.
Síndrome do túnel do carpo. Decorre da compressão do
nervo mediano no carpo, devido ao espessamento do ligamento
anular do carpo. Devido também ao estreitamento do compartimento do túnel do carpo, a resistência ao livre trânsito dos flexores
dos dedos que ali trafegam torna-se elevada e há, conseqüentemente, aumento do atrito entre os tendões e os ligamentos, do
que resulta desenvolvimento de tenossinovite e tendinite.
Há dor, parestesias e impotência funcional que acometem
primordialmente a face palmar dos 1.º, 2.º e 3.º dedos e a região
tenar, principalmente o oponente do polegar, ocorrência de sinal
de Tinel quando da percussão ou a compressão súbita da região
do ligamento volar do carpo na base da mão, que desencadeia a
dor na região inervada pelo nervo mediano e positividade de
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manobra de Phalen que consiste em flexão máxima dos punhos
durante, no mínimo, 1 minuto, e do que resulta desencadeamento
dos sintomas da síndrome do túnel do carpo, ou seja, parestesias
e dor são habitualmente observadas. O exame eletroneuromiográfico geralmente é anormal.
Síndrome do nervo interósseo posterior. O comprometimento do nervo interósseo posterior, ramo motor do nervo radial, por compressão nas duas porções da cabeça do músculo
suciando causa dor na região do epicôndilo lateral do úmero e
no terço proximal dorsal do antebraço na ausência de alterações
sensitivas. Em casos graves há déficit de extensão dos dedos na
região das articulações metacarpofalangianas. Nesta região localiza-se a arcada de Frohsen, que constitui estrutura fibrotendínea em 30% dos indivíduos. Na grande maioria dos casos,
ocorre primariamente síndrome dolorosa miofascial dos músculos extensores do punho e de dedos ou epicondilite lateral.
Síndrome do canal de Guyon. Caracteriza-se pelo comprometimento do nervo ulnar, no canal de Guyon, que é limitado pelo osso pisiforme.
Dor, parestesias, “garra ulnar”, impotência funcional e
amiotrofia dos músculos interósseos e lumbricais são evidenciados nestes casos. A eletromiografia permite confirmar o diagnóstico.
Síndrome complexa de dor regional tipos I e II (SCDR
I e II). Distrofia simpático-reflexa (DSR), dor mantida pela atividade simpática (DMS) e causalgia foram, entre outros, os termos mais empregados para cognominar esta síndrome.
Modernamente, estas expressões foram englobadas sob a denominação síndrome complexa de dor regional (SCDR). Caracterizam-se pela ocorrência de dor em queimor, latejamento ou peso
e paroxismos de choque ou pontadas, associadas a alodínea,
hiperestesia, hiperpatia e hiperalgesia na região comprometida,
além de alterações vasomotoras e sudomotoras, comprometimento da função motora, amiotrofia, atrofia da pele, anexos, ossos e
articulações, retrações músculo-tendíneas e fixações articulares.
Quadros semelhantes, mas refratários aos bloqueios da atividade neurovegetativa simpática, foram denominados dor independente da atividade simpática (DIS). A distrofia simpático-reflexa ou SCDR tipo I manifesta-se quando não há lesão nervosa, e
a causalgia ou SCDR tipo II manifesta-se quando há lesão parcial de um nervo ou de seus ramos principais.
Os vários componentes destas síndromes podem variar
expressivamente entre os doentes, do que resultam os numerosos padrões de apresentação. Classicamente as SCDR evoluem
em três fases: a primeira ou aguda caracteriza-se pela ocorrência
de dor constante, alterações neurovegetativas e discrasias; a segunda ou distrófica caracteriza-se pela ocorrência de dor,
alodínea, alterações neurovegetativas mais expressivas que as da
primeira fase e sinais incipientes de distrofia; e na terceira ou fase
atrófica prevalece a atrofia e a limitação funcional do segmento
acometido e a dor tende a reduzir de intensidade ou desaparecer.
Dependendo da magnitude do quadro clínico do retardo do diagnóstico e da instituição do tratamento apropriado, pode ocorrer déficit funcional significativo, muitas vezes irreversível, do
membro acometido. Em doentes com DORT não raramente a
SCDR se desenvolve após procedimentos médicos tais como as
imobilizações prolongadas, cirurgias para descompressão dos
tendões e dos nervos periféricos. Nestes casos, freqüentemente,
as alterações neurovegetativas, sensitivas e motoras não são muito
significativas, e o componente doloroso da síndrome dolorosa
miofascial exerce papel importante na geração ou manutenção
da dor.
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MEDICINA DE REABILITAÇÃO
As variadas subcategorias, as numerosas formas de apresentação, a incerta fisiopatologia, a imprevisão quanto ao padrão
evolutivo e a escassez de critérios precisos que permitem o diagnóstico da SCDR são as razões da existência do grande número de procedimentos terapêuticos, com resultados freqüentemente
insatisfatórios, destinados ao seu controle. Isso é devido, entre
outras razões, à inexistência de investigações sistemáticas quantitativas e qualitativas dos pacientes com dor, em que anormalidades funcionais do sistema nervoso neurovegetativo simpático
estão presentes, e à crença de que as alterações do fluxo sanguíneo e da temperatura, as lesões tróficas e o edema, observados
em pacientes com SCDR, sejam relacionados a disfunções
neurovegetativas apenas e de que haja relação causa–efeito entre estas disfunções e a dor. Estudos recentes sobre a percepção
e a modulação da dor sugerem haver anormalidades neurovegetativas decorrentes das modificações anatômicas e microanatômicas das unidades neuronais centrais e periféricas.
A SCDR acarreta a adoção de um padrão auto-alimentador
caracterizado por dor–imobilização–edema–desuso–dor. Quando cronificada, limita a função motora, causa alterações tróficas
irreversíveis, compromete o humor, o sono, o apetite e as atividades familiares, sociais e profissionais dos doentes.
Cistos sinoviais. Os cistos sinoviais são tumores císticos,
circunscritos, freqüentemente localizados na região dorsal do
punho. São decorrentes da degeneração mixóide do tecido
sinovial e podem ocorrer nas articulações, tendões, polias e ligamentos. Raramente causam dor, exceto quando volumosos, situações em que comprimem estruturas nervosas periféricas ou
tecidos vizinhos.
Dedo em gatilho. É a dificuldade da extensão do dedo após
sua flexão máxima, na tentativa de extensão do dedo forçada contra obstáculo, condição que gera sensação de ressalto e, freqüentemente, dor. Decorre da constrição da polia dos flexores que dificulta o deslocamento dos tendões, devido ao aumento do atrito
entre a polia e os tendões. Disto resulta reação inflamatória localizada que, com o passar do tempo, alcança o tecido sinovial
peritendinoso e os tecidos próprios dos flexores. A sinovite e a
tendinite, quando associadas, podem ser decorrentes de fasciite.
Dor difusa inespecífica de membros superiores
(DDIMMSS). Há doentes que apresentam dor difusa em MMSS
que é denominada dor difusa inespecífica de membros superiores (DDIMMSS). São condições dolorosas de MMSS em que não
são identificadas condições específicas como a síndrome do túnel do carpo, as tenossinovites e outras condições específicas que
acometem os MMSS. Estudo de Cooper e Baker (1996) observou que aproximadamente metade dos casos de DORT era de
indivíduos com DDIMMSS. Enquanto nas síndromes dolorosas
decorrentes de afecções localizadas específicas as etiologias são
bem definidas e os tratamentos já estabelecidos, como repouso
relativo, medidas antiinflamatórias, procedimentos de reabilitação e operações, as DDIMS são condições muito mais freqüentes, principalmente quando os doentes apresentam cronificação
das dores relacionada ao trabalho ou cronificações de origem
recreacional.
Há uma outra síndrome bastante freqüente que pode sobrepor estas DDIMS, que é a síndrome fibromiálgica (SFM). Os
doentes com SFM apresentam dor difusa e presença de pontos
dolorosos preestabelecidas difusamente pelo corpo. Alguns doentes com DORT podem apresentar pontos dolorosos difusos
durante exames físicos, contudo, não apresentam queixas de dor
pelo corpo. Entretanto, os doentes com DORT não apresentam
dor difusa pelo corpo, fadiga e não há relação de nexo causal em
029liaa
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SFM. Há alguns doentes que evoluem de uma dor regional para
dor difusa pelo corpo. É possível que a dor ocorra por causa da
sensibilização central que ocorre em ambas condições.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E CONDIÇÕES ASSOCIADAS
Os sintomas vagos e nebulosos de dor crônica localizada
ou generalizada, a fadiga e o sono não reparador podem estar
presentes em qualquer condição de dor crônica e em afecções
reumáticas e não reumáticas. Certas doenças como artrite
reumatóide, síndrome de Sjögren, lúpus eritematoso sistêmico e
artrites soronegativas podem causar, inicialmente, dor difusa nos
membros e no esqueleto axial e fadiga. Espondilite anquilosante
ou outras condições inflamatórias lombares podem causar dor e
rigidez no eixo axial. As características clínicas e radiológicas e
os exames séricos possibilitam o diagnóstico. A polimialgia reumática pode mimetizar a SF, embora pontos dolorosos não sejam habitualmente presentes. A velocidade de hemossedimentação geralmente é levada na maioria dos casos com
polimialgia reumática e há melhora com doses moderadas de
corticosteróides, fato incomum em casos de DORT. Miosite inflamatória e miopatias metabólicas causam fraqueza muscular
usualmente não associada a dor muscular. O hipotireoidismo pode
inicialmente causar mialgias; entretanto, não há evidências de que
a correção das anormalidades da glândula tireóide melhore estas
condições.
FISIOPATOLOGIA DOS DORT
Ainda não há conhecimento pleno dos mecanismos de
geração e perpetuação dos DORT. Sabe-se que decorrem das
solicitações do aparelho locomotor durante a execução das atividades de vida diária e profissionais e das modificações
morfofuncionais adaptativas, freqüentemente subclínicas. Estas,
diante de eventos traumáticos físicos e/ou emocionais, podem
desencadear dor, incapacidade funcional e sofrimento físico e
psicoafetivo. Os fatores relacionados ao desenvolvimento dos
DORT incluem a repetição dos movimentos, a vibração, o uso
de força incompatível com a capacidade do indivíduo, as posturas incorretas, ergonomia inadequada e as solicitações cumulativas do aparelho locomotor. Os estresses tendem a aumentar o
tônus muscular e predispor à instalação das SDM.
Havendo lesão, instala-se processo inflamatório primário,
inflamação neurogênica e hiperatividade neurovegetativa simpática. Estes últimos mecanismos sensibilizam os receptores
nociceptivos periféricos e agravam o desconforto. A sensibilização das unidades neuronais na medula espinhal e no tálamo
causa alodínea, hiperalgesia secundária, amplia a área de referência de dor e magnifica a sensação dolorosa. Secundariamente, ocorre imobilismo e hipofunção do sistema supressor de dor
e, reflexamente, devido à aferência dolorosa, é gerada ativação
de interneurônios que ativa motoneurônios da substância cinzenta
da medula espinhal que acionam unidades musculares, do que
resultam compensações posturais, hiperatividade muscular e instalação de SDM que modificam a atividade neurovegetativa. A
ativação de neurônios da coluna intermédio lateral da medula
espinhal causa hiperatividade neurovegetativa, sensibiliza os
nociceptores e agrava a dor.
Parece haver predisposição individual para o desenvolvimento de síndromes dolorosas crônicas. O descondicionamento
dos aparelhos cardiovascular e locomotor, a constituição física,
as características sexuais, o perfil comportamental psíquico, o
elevado grau de estresse e de insatisfações no ambiente de tra-
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DISTÚRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO TRABALHO 433
balho, familiar e social, o reforço da condição de incapacidade,
a negação da condição de bem-estar e os ganhos e perdas pessoais são fatores implicados na gênese e na perpetuação da
sintomatologia. O acúmulo de tarefas no trabalho e no lar (dupla
jornada), a existência de maior proporção de fibras musculares
do tipo I no músculo trapézio nas mulheres (as fibras tipo I são
as mais freqüentemente acometidas em DORT) e a maior concentração de pessoas do sexo feminino em postos de risco justificam a maior prevalência dos DORT nas mulheres. A
sintomatologia pode surgir dias, semanas, meses ou anos após a
exposição aos fatores desencadeantes, agravantes ou perpetuantes. Co-morbidades como osteoartrose, diabetes melito,
hipotireoidismo, neuropatias, fibromialgia entre outras podem
agravar ou perpetuar a sintomatologia dos DORT.
A intensidade da dor, da inflamação, da fadiga e da incapacidade funcional dos doentes com DORT depende da interação de vários fatores representados, principalmente, pelo tempo
de evolução da doença, natureza das estruturas envolvidas, manutenção dos mecanismos geradores das lesões, resposta aos
procedimentos terapêuticos apropriados ou inapropriados, perfis biopsicossociais dos doentes, incluindo as atitudes ativas ou
passivas de enfrentamento das doenças, as perdas, os interesses
e ganhos secundários.
Os fatores genéticos podem estar contribuindo para a
fisiopatologia da dor. Há estudos com genes que apontam maior
concordância em doentes com síndrome do túnel do carpo em
gêmeos monozigotos que os dizigotos, indicando que haveria uma
incidência relacionada a 50% decorrente de fatores genéticos.
Para dores mais difusas, há estudos díspares, como os estudos
com gêmeos que sugerem que a contribuição genética é insignificante. Finalmente, entre os fatores individuais, os aspectos psicológicos e comportamentais podem contribuir para geração ou
manutenção da dor, tanto em doentes com DORT como nos com
outras condições dolorosas.
Na fase crônica, os doentes apresentam diversas afecções
que, sinergicamente, integram o ciclo retroalimentador de dor–
inflamação–espasmo–dor, que pode induzir, perpetuar e/ou agravar os sinais e sintomas dos DORT.
Apesar da ausência de sinais objetivos de compressão nervosa, há evidências claras de que os movimentos do nervo mediano no punho estão anormais para a maioria dos pacientes com
DDIMMSS. Observou-se que em doentes com a síndrome do
túnel do carpo há uma menor mobilidade do nervo no espaço entre
os tendões flexores e o retináculo dos flexores do túnel carpal.
Em pessoas normais, há uma movimentação lateral do nervo
mediano durante a movimentação do punho e dos dedos durante
a flexão do punho; o nervo desliza radialmente na maioria dos
indivíduos normais. Porém, em indivíduos com DDIMS, esses
movimentos estão muito reduzidos, muito similar à restrição de
movimentação transversal do nervo mediano observada em doentes com síndrome do túnel do carpo. Durante o uso do teclado, em indivíduos normais, por exemplo, há uma movimentação
pequena e rápida do nervo, que possivelmente protege das compressões efetivas. Os doentes com DORT, por outro lado, apresentam diminuição de mobilidade neural, podendo apresentar
queixas de paresia, parestesia e falta de firmeza e destreza, mesmo com o exame eletroneuromiográfico normal. Haveria modificações ambientais ao redor do nervo, como a ocorrência da
inflamação neurogênica de baixa amplitude, justificando em parte
os mecanismos que contribuem para a redução de mobilidade do
nervo. Há uma associação entre tendinopatias no punho, o desenvolvimento da síndrome do túnel do carpo e sinais de presença
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433
de macrófagos e de outros elementos da inflamação, observados
em animais de experimentação. A movimentação longitudinal dos
nervos ao longo do seu trajeto é normal em doentes com DORT,
como também na síndrome do túnel do carpo, mas as manobras
que se destinam a estirar o nervo periférico são dolorosas, possivelmente pelo aumento de forças envolvidas, irritação local e/
ou isquemia, apesar de a movimentação do nervo ser normal.
Outro achado é que os indivíduos que desenvolvem síndrome do
túnel do carpo normalmente executam as atividades com MMSS
utilizando mais força quando comparados aos indivíduos controles, havendo sobrecarga crônica sobre o nervo mediano, por
exemplo. Os nervos periféricos em indivíduos com DORT estão
mais sensíveis, pela presença da inflamação neurogênica crônica, justificando o achado do aumento da sensibilidade dolorosa
local e a reprodução de sintomas, quando se pressiona os troncos nervosos nestes indivíduos. Esse padrão de sensibilidade
aumentada dos nervos é observado em múltiplos pontos ao longo dos troncos nervosos dos nervos periféricos. Quando os sintomas são predominantemente unilaterais, o dolorimento do nervo é mais marcante no lado sintomático, achado muito similar
quando há dolorimento e hipersensibilidade neuronal após lesão
traumática dos nervos ou em doentes com síndrome complexa
de dor regional.
Os doentes com dor decorrente de DORT apresentam a
sensibilidade vibratória também comprometida, e a sensibilidade vibratória é conhecida como um indicativo sensitivo de lesão
nervosa periférica incipiente. Há também uma redução de 20%
no reflexo simpático cutâneo nos doentes que apresentam
DDIMMSS, apesar da ausência de achados significativos eletrofisiológicos que indique neuropatias periféricas. Observa-se também alteração no fluxo sanguíneo e também de temperatura nestes membros. O fluxo de repouso da artéria radial estava reduzido em 33% no membro superior doloroso, quando comparado
com o do membro colateral menos comprometido. Observou-se
também ausência de elevação do fluxo sanguíneo após exercícios no membro doloroso, com comprometimento de até 71% do
fluxo sanguíneo pós-exercício, quando comparado com o de indivíduos controles. Supõe-se que haja uma inibição de óxido
nítrico do sistema endotelial para explicar a redução do fluxo
sanguíneo, e é possível que a alteração de perfusão sanguínea
possa ser decorrente, em parte, da perda de fatores neuronais,
sugerindo haver uma alteração da funcionalidade neuronal. Observaram-se também alterações evidentes do sistema nervoso
central em doentes com DDIMS. Há redução de tolerabilidade a
estímulos elétricos e vibratórios, e estes estímulos podem ocasionar disestesias durante o procedimento ou mesmo após o período de teste. Sugere-se haver uma sensibilização central nociceptiva em doentes que apresentam DDIMS. Há também uma redução na capacidade de realizar controle de movimentos finos ou
discriminatórios em doentes com DORT. Alguns doentes apresentam a forma de distonia focal. Eyl et al. (1996b) observaram
que em macacos treinados para realizar movimentos repetitivos
com mãos e dedos há também perda de acurácia em tarefas manuais e, curiosamente, o mapa cortical da mão não estava bem
definido nestes macacos, quando comparado com o de animais
controles.
As alterações funcionais observadas em doentes com
DDIMMSS são similares aos achados em indivíduos assintomáticos que utilizam intensamente MMSS, assim como há alteração no limiar de sensibilidade vibratória em indivíduos
assintomáticos que trabalham em escritórios, como também os
testes clínicos para avaliar mobilidade do nervo mediano podem
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MEDICINA DE REABILITAÇÃO
estar alterados em alguns indivíduos assintomáticos que trabalham com movimentos de repetição, ou então nos testes de imagem de ultra-sonografia que demonstram processo inflamatório
e degenerativo em ombro de esportistas que realizam atividades
físicas de alto impacto, sem queixas ativas. Portanto, uma boa
história, um exame físico acurado, em conjunto com os exames
complementares pertinentes, auxiliam o diagnóstico clínico das
afecções.
REABILITAÇÃO DOS DOENTES
COM DORT
A grande freqüência de DORT e suas características geram dúvidas e discussões que envolvem profissionais da área de
prevenção de acidentes e doenças ocupacionais, empresários,
seguradoras, sindicalistas, epidemiologistas, sociólogos, médicos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, assistentes sociais, advogados e juristas. Entretanto, os
métodos e instrumentos utilizados pelos prevencionistas tradicionais não controlam a ocorrência de DORT, pois os fatores de
risco são variados e sinérgicos. Esse controle não se limita à eliminação de uma fonte de risco localizada, mas está sim na reorganização do modo de trabalhar, na redefinição de conceitos,
metas e modificação de metodologia de controle da produtividade, na qualidade das relações interpessoais, além de nas alterações dos mobiliários e das ferramentas utilizadas para a execução de tarefas.
Essas reflexões exemplificam o grau da complexidade do
fenômeno, justificam a elevada freqüência dos DORT e reafirmam a concepção de que a preservação da saúde de cada indivíduo e da sociedade como um todo envolve vários segmentos da
sociedade, incluindo empresários, trabalhadores, governo e o
próprio cidadão. Vários estudos enfatizam a necessidade de se
superar modelos tradicionais de análise e enfrentamento das chamadas enfermidades emergentes ou de adaptação devido ao caráter multifacetário do fenômeno do adoecer e a necessidade da
construção de modelos mais capazes de abranger a noção de
multiplicidade exigida pelos novos contextos societários. Isto
sugere a necessidade urgente da adoção de modelos interdisciplinares de intervenção, com o objetivo de dar novos contornos à
grande variedade dos fenômenos biológicos, emocionais, sociais e econômicos envolvidos no processo do adoecimento, sobretudo naqueles relacionados aos processos laborativos.
Apesar do grande desenvolvimento observado nestes últimos anos no campo do conhecimento sobre a fisiopatologia da
dor, em várias situações clínicas o fenômeno doloroso ainda não
é adequadamente controlado, pois, freqüentemente, muitos dos
componentes não nociceptivos do sofrimento não são enfocados
e tratados. O modelo cartesiano de doença considera ser a dor
sinal de lesão tecidual e causadora de déficits e incapacidades
físicas. Havendo alívio da dor, as incapacidades deveriam também melhorar. Entretanto, tais aforismas não necessariamente se
aplicam a doentes com dor crônica, particularmente quando a
origem é musculoesquelética. Freqüentemente não há evidências claras da existência de sintomas e sinais em doentes com
DORT. As crenças, os estressores psíquicos e sociais e os comportamentos aberrantes ou não do doente exercem influências
marcantes sobre a dor, as incapacidades e os resultados dos tratamentos. A inclusão dos conceitos biomédicos, psicocomportamentais e sociais nas estratégias de avaliação e tratamento
resultou na organização de modelos mais amplos de assistência
029liaa
434
ao doente com dor e incapacidade e constituiu a base filosófica
para a organização dos centros multidisciplinares de tratamento
da dor. O tratamento multidisciplinar da dor crônica proporciona mais economia que os tratamentos convencionais. O tratamento dos doentes com DORT deve envolver interações biológicas
e psicossociais. O modelo interprofissional integrado de assistência e de avaliação deve adaptar-se às características complexas da dor e pressupõe a formulação individualizada de planos
diagnósticos e terapêuticos que, freqüentemente, exigem a adoção de várias modalidades de intervenções concomitantes ou
seqüenciais. O controle dos sintomas, a modificação do valor
simbólico da dor, a normalização ou restauração das funções físicas, psíquicas e sociais dos doentes, a maximização dos potenciais remanescentes e a prevenção da deterioração das condições
físicas e comportamentais são alguns dos objetivos do tratamento e da reabilitação. O encorajamento para o desenvolvimento de
auto-estima e para a execução das tarefas, a eliminação do medo
de que novas lesões possam se instalar, a correção dos
desajustamentos familiares, sociais e profissionais que contribuem para o sofrimento, a diminuição do uso indiscriminado de
medicamentos, a independência dos doentes quanto ao sistema
de saúde e a adaptação dos indivíduos para o desempenho de
atividades compatíveis com as capacidades funcionais individuais devem ser os alvos da equipe multiprofissional que atende os
doentes com DORT. A completa eliminação da sensação dolorosa muitas vezes não é possível, principalmente naqueles indivíduos com dor crônica e afecções estruturadas, e não deve ser a
única razão das intervenções implementadas nos doentes com dor
crônica. O tratamento deve objetivar a melhora da qualidade de
vida e não apenas o controle da dor, pois, apesar de o alívio da
dor permitir melhora da qualidade de vida em significativa parcela dos indivíduos, nem sempre há correlação entre ambas as
condições. Componentes biológicos, emocionais e sociais podem
estar tão comprometidos devido à prolongada duração da condição álgica ou à concorrência de outras situações causais que o
controle somente da dor não é suficiente para normalizá-los.
Portanto, a identificação dos fatores que a perpetua e a agrava,
como as anormalidades posturais, psicocomportamentais e fatores ambientais, é fundamental para a instituição do tratamento
nos doentes com DORT. O tratamento visa à melhora da qualidade de vida, à readaptação e à reabilitação social e profissional
dos indivíduos. O enfoque multidisciplinar é, portanto, fundamental para promover a reintegração destes doentes.
Para haver reabilitação adequada, é necessário o diagnóstico correto da natureza da lesão e das estruturas acometidas. O
envolvimento isolado ou associado de músculos, articulações,
tendões, nervos periféricos é freqüente em doentes com DORT.
O prognóstico e o tratamento de cada afecção variam significativamente. A ocorrência concomitante de tendinites, das
síndromes neuropáticas e da SDM exige terapêuticas específicas para cada uma das afecções, podendo alterar as estratégias
do plano terapêutico. O não diagnóstico e tratamento adequado
das afecções fatalmente implicará uma reabilitação parcial e ineficaz. A reabilitação deve ser abrangente e não dirigida unicamente para o segmento doloroso. Quanto mais precoce a instituição do programa de reabilitação, melhor o resultado do tratamento.
A elaboração de estratégias básicas para o controle da dor,
a modificação de hábitos e atitudes de enfrentamento dos processos dolorosos e dos conflitos cotidianos, o estímulo para o
desenvolvimento de atividades lúdicas, físicas e culturais que
melhorem a qualidade de vida, a readaptação de atividade física
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DISTÚRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO TRABALHO 435
regular e a expansão das possibilidades de comunicação inter e
intrapessoal, objetivando independência e autonomia dos doentes são fundamentais para cumprir o compromisso de reabilitação. A correção dos fatores que desencadeiam ou que perpetuam o quadro clínico é possível após avaliação das condições
ergonômicas e das situações de estresse nos ambientes de trabalho e no lar, análise da organização do trabalho e das atitudes dos
doentes durante a execução de suas tarefas. O tratamento deve
também focalizar a readaptação dos indivíduos às suas atividades profissionais. O simples afastamento temporário do trabalho
seguido do retorno aos padrões prévios das atividades desencadeia e pode agravar a síndrome de DORT, tornando-os incapacitantes. A adaptação de alguns instrumentos para a execução
das tarefas, a adequação das posturas durante a execução do trabalho e o respeito aos períodos de repouso são também de grande importância para tal mister.
Crenças inadequadas e especialmente o medo e as evitações
às atividades físicas e aos exercícios são uma das maiores barreiras à reabilitação, inclusive em casos de DORT, e devem ser
trabalhados adequadamente. Há, portanto, necessidade de modificação das crenças, dos conceitos errôneos e dos instrumentos de reabilitação e de reintegração dos indivíduos com DORT.
A reabilitação dos doentes com dor crônica é mais complexa.
Usualmente tais doentes desenvolvem comportamentos inadequados devido a crenças de evitação por medo. Muitos doentes
acreditam que os movimentos habituais dos MMSS durante a
execução das atividades de vida diária (AVD) e profissionais
podem gerar novas lesões e dor. Estas fantasias são proporcionadas por experiências de dor manifestadas durante a realização
das atividades, insucessos dos retornos ao trabalho sem as devidas readaptações ou modificações da natureza ou organização dos
ambientes onde atuam, pela crença de que as atividades podem
contribuir para piorar ou recidivar a dor e/ou a lesão. Muitos indivíduos sentem mais dor quando estão em atividade e crêem que
não podem ou não devem realizar tais atividades. Há crença errônea generalizada de que os movimentos, as atividades físicas
e o trabalho induzem novas lesões. Wadell et al. observaram que
crenças de evitação por medo em doentes lombálgicos estavam
intimamente relacionadas a auto-relatos de incapacidades para
as AVD e ausências no trabalho e que agravavam a incapacidade real dos doentes; a incapacidade estava mais intimamente relacionada às crenças do que à dor ou às afecções físicas propriamente ditas. As crenças de medo de evitação em relação ao trabalho estão mais evidentes nos indivíduos com lombalgias
ocupacionais quando há litígio. Quanto mais prolongada a inatividade, maior as perdas físicas e psíquicas. As possibilidades de
que indivíduos com mais de 2 anos de afastamento retornem ao
trabalho são praticamente nulas. Vlaeyen et al. demonstraram que
doentes com medo de instalação de novas lesões apresentam mais
medo e atitudes de evitação quando solicitados para realizar
mesmo os movimentos mais simples e apresentam maior índice
de depressão e catastrofização. Doentes com elevados índices de
medo e evitação realizam menos satisfatoriamente as atividades
físicas. As crenças de medo e evitação na fase aguda de lombalgia
podem predizer a evolução e o prognóstico no 2.º e 12.º meses de
pós-operatório de laminectomias para o tratamento de hérnias
discais. Doentes que ignoram a dor, realizam exercícios físicos e
outras estratégias ativas de enfrentamento apresentam menos dor
e incapacidade e menor freqüência de ausência no trabalho do que
os que apenas utilizam analgésicos e realizam repouso. Atividades reduzidas e comportamento de evitação ocasionam mais desuso, atitudes compensatórias, depressão e incapacidade.
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O tratamento das anormalidades da fase aguda permite a
resolução completa do processo e a cicatrização das lesões. Se o
doente apresentar tendinopatia ou neuropatias compressivas na
fase inflamatória aguda, a cinesioterapia deve ser instituída com
cuidado, respeitando-se o grau de lesão, para não haver eventual
agravamento do quadro clínico. O manejo adequado dos fatores
que desencadearam o quadro clínico, ou seja, a correção dos fatores de sobrecarga física, as adaptações ergonômicas no ambiente de trabalho, a melhora da organização do trabalho, a redução do estressores psicofísicos e a melhora do condicionamento
físico tornam as recidivas da dor menos freqüentes.
O uso racional de medicamentos, medicina física, acupuntura e, quando necessário, de bloqueios anestésicos e de procedimentos cirúrgicos pode contribuir para minorar o sofrimento e permitir a reabilitação. Medicamentos analgésicos
antiinflamatórios controlam a dor e a inflamação. Quando a dor
é crônica, devem ser associados aos psicotrópicos, antidepressivos, especialmente tricíclicos, e neurolépticos, para que haja
melhora da analgesia, relaxamento muscular e resgate do padrão
normal do sono, do apetite e do humor. Os ansiolíticos devem
ser evitados, pois propiciam dependência física, psíquica e tolerância, e podem contribuir para piorar a depressão, a dor e a qualidade de sono. Os medicamentos devem ser administrados
programadamente e não apenas, “quando necessário”.
A inatividade e o repouso devem ser evitados ao máximo,
pois reforçam o comportamento de adoecimento, a incapacidade e a crença que gera medo e evitação. As atividades apropriadas devem ser estimuladas por serem essenciais à manutenção
de saúde, por melhorarem as capacidades funcionais e o condicionamento físico e promoverem a saúde. O controle da dor e
dos sintomas é fundamental, pois permite maior adesão aos programas de reabilitação, particularmente durante realização de
atividades físicas. Os doentes devem ser informados sobre a
possibilidade de haver exacerbação de sintomas nas fases iniciais dos exercícios e das atividades programadas e de a dor manter-se temporariamente; à medida que as atividades são mantidas,
há melhora da sintomatologia e da função. Foi demonstrado que
doentes com lombalgia que apenas realizavam testes monitorados
em aparelhos isocinéticos desenvolveram mais confiança na sua
capacidade física e apresentaram reabilitação facilitada.
Os procedimentos fisiátricos consistem no uso de meios
físicos, reeducação postural, cinesioterapia e agulhamento e/ou
infiltração anestésica nos pontos dolorosos miofasciais para auxiliar a reabilitação e minorar a dor. O alívio sintomático da dor
decorre da redução da inflamação e do relaxamento muscular,
e possibilita adicionalmente prevenção das deformidades e reabilitação da função motora e neurovegetativa e redução do uso
dos fármacos e do sofrimento tecidual. O mecanismo de contra-irritação é um dos mais eficientes instrumentos para ativação das unidades produtoras de neurotransmissores supressores
de dor, como as endorfinas, encefalinas e monoaminas (noradrenalina, serotonina) no SNC e, talvez, no sistema nervoso
periférico. Quando necessários, podem ser agulhados ou infiltrados com anestésicos locais os pontos gatilhos das SDM, os ligamentos supra-espinhosos e para-espinhais, o espaço entre
estes últimos e as fáscias dos músculos eretores espinais e as
junções entre o mioentésio e os ligamentos. Não há necessidade da associação de corticosteróides para realizar infiltrações
com anestésicos locais.
Os meios físicos, como a termoterapia pelo calor ou frio,
massoterapia, hidroterapia e eletroterapia, apresentam efeito
analgésico porque contribuem para a remoção das substâncias
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MEDICINA DE REABILITAÇÃO
responsáveis pela inflamação e pelo edema, promovem relaxamento muscular, melhoram a circulação local, a extensibilidade
do tecido colágeno, os atributos mecânicos osteoarticulares e
musculares e estimulam o sistema supressor da dor.
É fundamental a execução de exercícios de relaxamento e
alongamento para reduzir a tensão e aumentar a liberdade da atividade das fibras musculares e o desempenho mecânico. Estas
medidas habilitam o músculo a melhorar sua potência e o tornam mais resistente à fadiga. Exercícios de fortalecimento devem ser introduzidos com bom senso e gradualmente para não
reacutizar o processo inflamatório ou agravar a fadiga muscular; devem ser iniciados em fases tardias da reabilitação.
A identificação e a eliminação das condições que geram
dor, representadas por processos inflamatórios, espasmos musculares, posturas antálgicas, alterações funcionais e estruturais
do aparelho locomotor, contribuem para tornar a reabilitação mais
eficaz. A terapia ocupacional, a execução de atividades
laborativas e as simulações das atividades de vida diária estimulam a recuperação da força, a coordenação e a destreza da função dos membros lesados no ambiente domiciliar e profissional.
As atividades devem ser programadas em escala ascendente e
respeitando o aumento paulatino da flexibilidade e da força do
membro lesado. Na fase final de reabilitação, os doentes devem
ser expostos a condições exigidas para retornar ao trabalho, tendo como parâmetros a capacidade funcional e a ausência de
sintomatologia durante a realização das tarefas. Quando não há
condições de retorno ao mesmo posto de trabalho, a readaptação
pode ser necessária. Para cumprir esta finalidade, o condicionamento e o treinamento para executar outras atividades profissionais são essenciais. Adaptações que visam facilitar a melhora de
preensão de determinados objetos, como adaptações de borracha
ou de espuma que aumentam a circunferência das canetas, garfos, facas e outros utensílios do lar, são úteis, pois permitem
melhorar a preensão com menor sobrecarga dos músculos responsáveis pela oponência e pinça.
O repouso, com imobilização do segmento afetado, pode
ser útil na fase aguda, principalmente quando há dor em um segmento articular, tendinite ou tenossinovite inflamatória e
síndromes nervosas compressivas. As órteses podem ser confeccionadas com tecido, neoprene ou material termomoldável e
podem ser removidas periodicamente para a execução dos procedimentos fisiátricos. Devem ser usadas por curto período durante o dia, na realização das atividades domésticas e/ou profissionais, visando reduzir a inflamação e o traumatismo dos tendões e nervos ou durante a noite, para prevenir posturas inadequadas durante o sono. Não devem ser utilizadas cronicamente,
pois não há evidências de haver benefício a longo prazo, e, com
esta medida, pode ser causa de amiotrofia e dependência psicológica, quando aplicada indiscriminadamente. A imobilização
gessada deve ser evitada, pois pode acarretar amiotrofia e agravar a impotência funcional. Exercícios suaves de mobilização e
de relaxamento devem ser realizados no domicílio para manutenção do trofismo e da amplitude articular. Há bandagens adesivas e permeáveis (bandagens funcionais) que podem ser confeccionadas para limitar parcial ou totalmente a amplitude dos
movimentos e a função muscular, além de dissipar as forças em
tração transmitidas ao tendão sem causar danos ao trofismo. As
bandagens funcionais e as órteses funcionais previnem a recidiva de inflamação, garantem o trofismo muscular, a propriocepção,
a memória gestual e possibilitam a execução das atividades
gestuais e os exercícios de reabilitação nos processos crônicos
e/ou subagudos.
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436
A descompressão cirúrgica do tecido nervoso pode ser indicada em casos de neuropatias compressivas. Tais procedimentos devem ser indicados criteriosamente, pois podem não resultar em alívio da dor e dos sintomas associados, principalmente
se o acometimento nervoso é secundário às neuropatias decorrentes de microtraumatismos diretos do tecido nervoso e dos vasa
nervorum, e não apenas por compressão extrínseca. Quando o
tratamento conservador de algumas tendinopatias é insatisfatório,
a cirurgia deve ser indicada como ocorre em casos de tenossinovite estenosante de De Quervain ou de síndromes do impacto
do ombro.
Implantes de bombas para infusão de analgésicos e opióides
no compartimento liquórico ou a estimulação elétrica da medula
espinhal ou do encéfalo podem ser necessários para controle da
dor e das anormalidades neurovegetativas associadas, mas é prudente uma avaliação psicossocial adequada na seleção dos candidatos.
Os procedimentos de medicina psicossomática, centrados
no controle dos desajustes ou inseguranças no ambiente de trabalho e no domicílio, contribuem significativamente para melhorar a qualidade do tratamento.
O retorno ao trabalho é uma meta importante, mas nem
sempre fácil de ser cumprida. Questões socioeconômicas e culturais e o despreparo das empresas e empregadores para atender
a estas pleiteações são argumentos que justificam estas dificuldades. Segundo estudo metanalítico de Flor et al., a média de
tempo de afastamento do trabalho de doentes com dor crônica é
de 7 anos. As habilidades e os conhecimentos adquiridos no período que precede o afastamento podem desatualizar-se com o
passar do tempo. Isto, somado à instalação de possíveis déficits
funcionais, despreparo e perda das habilidades e medo real ou
infundado de novos episódios de lesão, podem tornar estes indivíduos menos competitivos e atraentes ao mercado de trabalho.
Além disto, há discriminação ou o medo por parte dos empregadores de contratar indivíduos com história prévia de DORT ou
algias vertebrais, especialmente para assumirem determinados
postos onde é necessária a força física.
Para reintegração profissional, a atuação multidisciplinar
é recomendada. Onze estudos demonstraram que indivíduos tratados seguindo os princípios multidisciplinares retornam mais ao
trabalho (67%) que os conduzidos por métodos convencionais
(24%). Um estudo que avaliou o tratamento de doentes com dor
crônica de causa variada revelou que o número de indivíduos
tratados em clínicas que adotaram o modelo interdisciplinar que
retornou ao trabalho foi o dobro em relação ao tratado convencionalmente. Outro estudo revelou que 71% dos doentes com
lombalgia crônica tratados em centros multidisciplinares
retornaram ao trabalho contra 44% dos tratados com terapias
convencionais.
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO E
TERAPÊUTICA EM DORT
A instituição do programa terapêutico deve seguir o modelo interdisciplinar, pois o controle da dor e da incapacidade
implica a necessidade de reabilitação física, psíquica e social
dos doentes, contemplando as mudanças da sua identidade. Situações aparentemente extrínsecas aos problemas de saúde, propriamente ditos, interferem na evolução e no sucesso terapêutico
incluindo o suporte familiar e social, a situação financeira, a
receptividade e o apoio das empresas e as unidades provi-
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DISTÚRBIOS OSTEOMUSCULARES RELACIONADOS AO TRABALHO 437
denciárias. É portanto necessário focalizar esses aspectos e
construir relação de parceria e corresponsabilidade com os
doentes durante a execução do programa de tratamento e reabilitação. A adequação dos postos e situações de trabalho de
risco para a ocorrência de DORT e a revisão dos estilos e dos
projetos de vida, a adoção de pausas, o uso do tempo e consciência corporal são fundamentais para a prevenção da progressão e para garantir possibilidade de reabilitação. A redefinição
do significado da noção de limite e do conceito de incapacidade, retirando o estigma da incapacidade total, substituindo-o
pelo conceito de restrição de atividades nocivas para o controle da dor, é instrumento necessário para que os doentes vislumbrem possibilidades de recuperação.
Como tentativa de modificar as atitudes dos indivíduos com
afecções clínicas complexas crônicas, a organização de programas educacionais e cognitivo-comportamentais fundamentados
na organização de preleções sobre as doenças e ensino da vivência
de técnicas para o enfrentamento ativo da dor e do estresse
(coping) durante as quais os doentes participam intensivamente
é uma opção que se demonstrou muito útil. Estes modelos estimulam os doentes a rever seus conceitos e atitudes diante da dor
crônica, a aprender novas estratégias para lidar com a dor (relaxamento, exercícios, técnicas de distração, automassagem, entre outras) e a assumir comportamentos mais adaptados e ativos
perante a vida.
Os programas educativos cognitivo-comportamentais,
com enfoque educativo e multidisciplinar, para indivíduos com
dor crônica apresentam as vantagens do atendimento em grupo, no qual os doentes são atendidos de forma global, com exposições teóricas e práticas que enfocam informações sobre
etiologias, nosologias e fisiopatologia da dor, sobre fatores que
concorrem para a instalação ou que agravam a sua expressão e
sobre as possibilidades das intervenções terapêuticas. Permitem também a troca de informações sobre as experiências positivas entre os doentes e profissionais da área de saúde, propiciam auto-reflexão sobre saúde física postural e gestual, a relação com indivíduos e com o trabalho, qualidade de vida, reações do corpo aos estressores físicos, emocionais e ambientais
e sobre a adoção de métodos de prevenção do adoecimento e
de novas intercorrências.
Entretanto, não há consenso sobre os benefícios esperados
com tais programas. Alguns estudos descreveram que ocorre
melhora das funcionalidades física e psíquica, maior freqüência
de retorno ao trabalho, melhora da intensidade da dor, melhor
incorporação das novas estratégias aprendidas e melhora na qualidade de vida em doentes com dor crônica após freqüentarem
programas de terapia cognitivo-comportamental. Outros estudos,
entretanto, demonstram que tais objetivos não são alcançados
totalmente ou a médio ou longo prazo. A diferença dos resultados deve-se, possivelmente, à diferença nos desenhos das pesquisas utilizadas, à variedade de condições clínicas dos doentes
e aos modelos dos resultados mensurados. Questionam-se quais
aspectos da experiência dolorosa podem ser modificados com
essas estratégias, que resultados devem ser avaliados e quais os
métodos e instrumentos mais indicados para avaliá-los. A ênfase de muitos desses programas é maior no ensino das estratégias
para lidar com a dor do que na reconceptualização das atitudes e
crenças sobre ela. A melhora observada em alguns programas
educativos pode ser decorrente das mudanças no modo de os
doentes interpretarem dor e de lidarem com ela.
Lin (2003) avaliou a efetividade do Programa Educativo
Cognitivo-Comportamental (PECC) em 88 pacientes que apre-
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sentavam Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Eram do sexo feminino 89,8% dos pacientes e a
média das idades foi de 38,8 anos. A duração média da condição álgica foi de 48,9 meses e a duração média total do afastamento foi de 29,1 meses. O membro superior direito estava
acometido em 30,7% dos pacientes, o esquerdo em 11,4% e
ambos em 57,9%. Havia mudança completa da dominância
funcional em 1,1% dos pacientes e mudança parcial em 51,2%.
Foi diagnosticada tendinopatia dos membros superiores em
61,4% dos casos, síndromes dolorosas miofasciais em 96,6%,
neuropatia periférica em 39,8%, síndrome complexa de dor
regional em 19,3% e fibromialgia em 34,1%. O PECC consistiu em um programa multidisciplinar teórico-prático de 40 horas, realizado em 1 semana, como última etapa de programa de
reabilitação do Centro de Dor do HC-FMUSP. Todos os pacientes já haviam sido submetidos exaustivamente aos programas
de tratamento no Centro de Dor ou na comunidade. Todos foram avaliados previamente no PECC, 6, 12 e 24 meses após o
término do programa. Após 2 anos do término do PECC, a
média das intensidades da dor reduziu-se de 5,9 para 5,3, diferença esta não significante estatisticamente. Houve discreta
melhora da qualidade de vida e discreto declínio do estado geral de saúde ao final do segundo ano de acompanhamento.
Ocorreu aumento do percentual de indivíduos que trabalhavam
de 28,4% para 72,2%, melhora do suporte psicossocial adequado de 26,2% para 58,2%, redução do comportamento doloroso
de 41,6% para 11,7% e menor interferência dos DORT na capacidade de trabalho de 73,9% para 51,8% dos pacientes, tendo sido todas estas diferenças estatisticamente significantes.
Ocorreu diminuição do uso de estratégias mal adaptativas
(órtese, calor superficial, medidas físicas de fisioterapia), diminuição do uso de recursos dos sistemas de saúde e aumento
do uso das estratégias adaptativas de enfrentamento da dor crônica (automassagem e caminhada). Observou-se também que,
2 anos após o PECC, os pacientes que estavam trabalhando
apresentaram menor freqüência do comportamento doloroso e
maior utilização das estratégias adaptativas de enfrentamento
da dor. Houve, entretanto, redução da prática de atividades físicas regulares. A intensidade média de dor 2 anos após o PECC
não se relacionou com funcionalidade dos membros superiores,
qualidade de vida e condição laboral. Concluiu-se, portanto, que
após o PECC ocorreu melhora da auto-eficácia e modificação da
percepção das incapacidades resultantes dos DORT, e a importância de implantação precoce deste tipo de programa no nosso
meio.
CONCLUSÃO
O modelo biopsicossocial da dor e da incapacidade, os
fatores que desencadeiam e perpetuam a sintomatologia dolorosa e as incapacidades em indivíduos com DORT são variadas e
complexas. A identificação e a abordagem destes fatores são
fundamentais para a reabilitação. O tratamento multi e interdisciplinar de doentes com dor crônica é mais eficaz e menos
dispendioso que a adoção das medidas terapêuticas tradicionais.
Medidas visando a modificação das atitudes, comportamento e
crenças são fundamentais para a reabilitação. Devem, entretanto, ser aplicadas de modo global e com fundamento multidisciplinar. Os métodos de enfrentamento ativo devem ser estimulados para proporcionar melhora da qualidade de vida e da
reintegração social e familiar.
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MEDICINA DE REABILITAÇÃO
LEITURA COMPLEMENTAR
RECOMENDADA
Bureau of Labor Statistics. Lost work time injuries: characteristics
resulting time away from work. Washington DC: U.S. Government
Printing Office, 1998.
EREL E., DILLEY A., GREETING J. et al. Longitudinal sliding of the
median nerve in patients with carpal tunnel syndrome. Journal of
Hand Surgery (Br), 28(5):439-43, 2003.
GREETING J., LYNN B., LEARY R. et al. Use of ultrasound imaging
to demonstrate reduced movement of the median nerve during wrist
flexion in patients with non-specific arm pain. Journal of Hand
Surgery (Br), 26(4):401-6, 2001.
029liaa
438
GREETING J., LYNN B., LEARY R. Sensory and autonomic function
in the hands of patients with non-specific arm pain (NSAP) and
asymptomatic office workers. Pain, 104(1-2):275-81, 2003.
LIN T.Y. Avaliação de um programa educacional multidisciplinar em
doentes com distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT). Tese (Doutorado) — Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, 2002.
LYNN B., GREETING J., LEARY R. Sensory and autonomic function
and ultrasound nerve imaging in RSI patients and keyboard workers.
HMSO, London, Health and Safety Executive, Contract Research
Reports, CRR 417/2002.
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