O custo da coerção - Organização Internacional do Trabalho

Transcrição

O custo da coerção - Organização Internacional do Trabalho
O custo da coerção
RELATÓRIO DO DIRETOR GERAL
O custo da coerção
Relatório Global no seguimento da Declaração da OIT
sobre os Direitos e Princípios Fundamentais do Trabalho
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO
98ª Sessão 2009
Relatório I(B)
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO • GENEBRA
Copyright © Organização Internacional do Trabalho 2009
1ª edição 2009
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O custo da coerção
ISBN: 978-972-704-336-1 (print)
Também disponível em: Inglês: The cost of coercion, Geneva, 2009, Copyright © International Labour Organisation (ISBN 978-92-2-120628-6), Francês:
Le coût de la coercition, Genève, 2009, Copyright © Organisation Internationale du Travail, (ISBN 978-92-2-220628-5), Espanhol: El costo de la coacción, Ginebra, 2009, Copyright © Organización Internacional del Trabajo (ISBN 978-92-2-320628-4), Português (Portugal): O custo da coerção, Genebra,
2009, Copyright © Bureau International do Trabalho, (ISBN 978-972-704-336-1).
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Advertência
O uso da linguagem que não discrimine nem estabeleça a diferença entre homens e mulheres, meninos e meninas é uma preocupação
deste texto. O uso genérico do masculino ou da linguagem neutra dos termos criança e adolescente foi uma opção inescapável em muitos
casos. Mas fica o entendimento de que o genérico do masculino se refere a homem e mulher e que por trás do termo criança e adolescente
existem meninos e meninas com rosto, vida, histórias, desejos, sonhos, inserção social e direitos adquiridos.
Impresso no Brasil
Índice
Lista de abreviaturas
ix
Introdução
1
Capítulo 1. O conceito de trabalho forçado: questões emergentes
5
Trabalho forçado: a definição da OIT
Trabalho forçado, escravidão moderna e vulnerabilidade à exploração: desafios conceituais e políticos
5
8
Capítulo 2. Trabalho forçado: captar as tendências
11
Introdução
Melhorar a base do conhecimento: coleta e análise de dados
Estudo Piloto na República da Moldávia
Perspectivas regionais
África
Ásia
Américas
Europa e Ásia Central
Oriente Médio
Problemas específicos
Contratação laboral e recrutamento
Honorários por serviços de recrutamento e de colocação
Canais e mecanismos de recrutamento
Contratos de trabalho
Impedir a restrição e a coerção
Desafios futuros
Trabalhadores marítimos
Trabalhadores domésticos
A economia do trabalho forçado: medir o custo da coerção
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Capítulo 3. Ação nacional contra o trabalho forçado: o papel dos governos
37
Introdução
Elaboração de leis e políticas
Condenações e aplicações da lei contra o trabalho forçado
Políticas, planos de ação e mecanismos de coordenação nacionais
Iniciativas regionais
Desafios para a administração e inspeção do trabalho
Lições da experiência
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37
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44
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47
50
v
O CUSTO DA COERÇÃO
Capítulo 4. O trabalho forçado e a economia privada:
desafios às organizações de empregadores e de trabalhadores
Introdução
O papel das organizações de empregadores
As questões
Princípios e orientações gerais
Iniciativas das organizações nacionais de empregadores Medidas e respostas de empresas individuais Auditoria ao trabalho forçado
O papel e a experiência dos sindicatos
Uma aliança sindical global
Um plano de ação para uma aliança global sindical: principais áreas de atividade
Planejamento regional e reforço de capacidades
Iniciativas das federações sindicais
Ação nacional: orientação e kits de ferramentas
Campanhas informativas
Organização de migrantes e apoio às suas reivindicações
Detecção e documentação de casos de trabalho forçado
Cooperação entre sindicatos de diferentes países
Colaboração com as ONGs e a sociedade civil
Os desafios futuros
Conjugar esforços: a importância das iniciativas de multi-stakeholders
Capítulo 5. Combater o trabalho forçado através da cooperação técnica:
conquistas e desafios
Introdução
Aumentar a pressão mundial para obter mudanças políticas: difundir a mensagem
Compreender os problemas e as soluções: gerar e partilhar o conhecimento
Construir um consenso nacional: programas e enquadramentos políticos
Reforçar capacidades: da formação à ação
Construir parcerias
Da prevenção à libertação e reinserção das vítimas:
definição do papel dos projetos da OIT
O caminho a seguir: conduzir uma aliança global contra o trabalho forçado
Capítulo 6. Um plano de ação global contra o trabalho forçado
1. Questões e abordagens globais
Coleta e pesquisa de dados
Sensibilizar o mundo
Melhorar a aplicação da lei e as respostas da justiça no trabalho
Reforçar uma aliança entre trabalhadores e empregadores contra o trabalho forçado e o tráfico
As organizações dos trabalhadores
As organizações dos empregadores
vi
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53
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85
85
86
ÍNDICE
2. Questões e prioridades regionais
Ampliar a base do conhecimento em países em vias de desenvolvimento: pesquisa aplicada
Trabalho forçado e redução da pobreza em países em vias de desenvolvimento:
o foco na prevenção
Trabalho forçado, trabalhadores migrantes e contratados:
colaboração entre países de origem e de destino
Problemas dos países industrializados
87
87
87
87
88
Caixas
Quadro 2.1. O método Delphi
Quadro 2.2. Medir o trabalho forçado
Quadro 2.3. Trabalho forçado, tráfico e exploração laboral na Zâmbia
Quadro 2.4. Compreensão ampliada do trabalho forçado no Brasil
Quadro 2.5. A armadilha da escravidão
Quadro 2.6. Orientações do COMMIT para a sub-região do Grande Mekong
Quadro 2.7. Estimar os custos da coerção: a metodologia
Quadro 3.1. Peru: a institucionalização da luta contra o trabalho forçado
Quadro 3.2. Implementação do Plano de Ação Nacional contra o Tráfico Humano na Ucrânia
Quadro 3.3. Orientações para a política e prática de recrutamento na sub-região do Grande Mekong
Quadro 4.1. Princípios para os líderes empresariais para o combate ao trabalho forçado e ao tráfico
Quadro 4.2. Recomendações da reunião de Atlanta sobre a integração
de empresas dos E.U.A no combate ao trabalho forçado
Quadro 4.3. Recomendações para as organizações de empregadores e empresas na Ásia
Quadro 4.4. Pontos de ação adotados pelo Conselho Geral da CSI
Quadro 4.5. Iniciativas de multi-stakeholders contra o trabalho forçado no Brasil
Quadro 5.1. O caso da Birmânia / Mianmar
13
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25
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61
66
79
Tabelas
Tabela 2.1. Tráfico de seres humanos na Ucrânia
Tabela 2.2. Estimativa do custo total da coerção
21
32
vii
Lista de abreviaturas
ACFTU
ACWF
AFL-CIO
ASEAN
Asica
AWU
BAD
BERD
BWI
CCEM
CEACR
CES
CGTP-IN
CIETT
CSI COMENSHA
COMMIT
CONATRAE
COTU
DWCP
ECHR
ECOWAS
EMN
ETI
ETUC
FAO
FITIM
FLA
FLSA
FNV
FTUB
GLA
GSEE
GFJTU
IALI
ICC
Federação de Sindicatos da China
Federação das Mulheres da China
Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais
Associação das Nações do Sudeste Asiático
Associação das Siderúrgicas de Carajás
Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Quirguistão
Banco Asiático de Desenvolvimento
Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento
Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira
Comissão contra a Escravidão Moderna (França)
Comitê de Peritos sobre a Aplicação de Convenções e Recomendações
Confederação Européia de Sindicatos
Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses–Intersindical Nacional
Confederação Internacional das Agências Privadas de Emprego
ITUC – Confederação Sindical Internacional
Centro de Coordenação de Tráfico Humano (Holanda)
Iniciativa Ministerial Coordenada do Mekong contra o Tráfico de Humanos
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Brasil)
Organização Central dos Sindicatos (Quênia)
Programas de Trabalho Decente por País
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (França)
CEDEAO – Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental
Empresa Multinacional
Iniciativa do Comércio Ético
CES – Confederação Europeia de Sindicatos
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
Federação Internacional de Trabalhadores da Indústria Metalúrgica
Associação do Trabalho Justo
Lei do Trabalho Justo (Estados Unidos)
Federação Holandesa de Sindicatos
Federação dos Sindicatos da Birmânia
Autoridade de Licenciamento de Agentes Empregadores do Reino Unido
Confederação Geral de Trabalhadores da Grécia
Federação Geral de Sindicatos da Jordânia
AIIT – Associação Internacional da Inspeção do Trabalho
Instituto Carvão Cidadão (Brasil)
ix
O CUSTO DA COERÇÃO
ICEM
IG-BAU
IGT*
IMF
IPAR
ISP
ITF
ITGLWF
JGATE
Kommunal
KSPI
MDG
MRCI
MSI
MSPA
MTUC
NAPTIP
OCLTI
OIE
OIM
OSCE
PNUD
POEA
PRS
PSI
QIZ
RSE
SAI SAP-FL
SAWS
SIPTU
SMEs
SPE
SUB
TGWU
TUC
UE
UN.GIFT
UNDAF
UNI
UNIAP
UNODC
USDOL
ZZPR
Federação Internacional dos Sindicatos de Trabalhadores de Química,
Energia, Minas e Indústrias Diversas
Sindicato da Construção, Agricultura e Meio-Ambiente (Alemanha)
Inspeção Geral do Trabalho (Portugal)
Federação Internacional dos Metalúrgicos (Suíça)
Instituto de Análise e Pesquisa Política (Quênia)
Internacional de Serviços Públicos
Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes
FITTVC Federação Internacional dos Trabalhadores do Têxtil, Vestuário e Couro
Associação dos Exportadores de Vestuário, Acessórios e Têxteis da Jordânia
Sindicato dos Trabalhadores Municipais Suecos
Congresso de Sindicatos da Indonésia
ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
Centro de Direitos dos Migrantes da Irlanda
Iniciativa multi-stakeholder
Lei de Proteção ao Trabalhador Migrante e de Agricultura Sazonal (Estados Unidos)
Central Sindical da Malásia
Agência Nacional para a Luta contra o Tráfico de Seres Humanos (Nigéria)
Escritório Central de Combate ao Trabalho Ilegal
Organização Internacional dos Empregadores
Organização Internacional para as Migrações
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Administração Filipina Ultramarina do Emprego
ERP – Estratégia de Redução da Pobreza
ISP – Internacional de Serviços Públicos
Zona Industrial Qualificada (Jordânia)
Responsabilidade Social das Empresas
RSI Responsabilidade Social Internacional
Programa Especial de Ação de Combate ao Trabalho Forçado
Administração Estatal de Segurança Laboral (China)
Sindicato dos Trabalhadores de Serviços, Industriais, Profissionais e Técnicos (Irlanda)
PMEs – Pequenas e Médias Empresas
Serviços Públicos de Emprego
Sindicato dos Trabalhadores Marítimos da Birmânia
União Geral dos Trabalhadores dos Transportes (Reino Unido)
Confederação de Sindicatos do Reino Unido
União Europeia
Iniciativa Global das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas
Marco de Assistência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Organização Sindical Mundial
Projeto Interagências das Nações Unidas sobre o Tráfico Humano na Sub-região do Grande Mekong
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos
Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas da Polônia
* NT – Desde 2006 a IGT passou a designar-se ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, incluindo as mulheres e os jovens, os povos
indígenas e os trabalhadores migrantes. O trabalho forçado moderno pode ser erradicado com empenho e recursos sustentáveis.
x
Introdução
1. O trabalho forçado é a antítese do trabalho decente.
São particularmente vulneráveis as pessoas menos protegidas, incluindo as mulheres e os jovens, os povos indíginas e os trabalhadores migrantes. O trabalho forçado
moderno pode ser erradicado com empenho e recursos
sustentáveis. Enfrentar essa preocupação com determinação constitui uma forma concreta de conceder efeito
prático à visão de justiça social, com vista a uma globalização justa, definida na Declaração adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 2008.
Podem ser realizados progressos através de uma estratégia
diversificada, atacando as práticas criminosas do trabalho
forçado na sua origem, salvando e reabilitando suas vítimas, bloqueando outros aspectos de exploração laboral
e promovendo oportunidades de trabalho decente para
todas as mulheres e homens.
2. O anterior Relatório Global sobre o trabalho forçado,
publicado em 2005, forneceu dados que revelaram o
verdadeiro âmbito global do problema, que afeta praticamente todos os países e todos os tipos de economias.
Cerca de 12,3 milhões de pessoas em todo o mundo
já passaram por alguma forma de trabalho forçado ou
de servidão. Destas, 9.8 milhões foram exploradas por
agentes privados, incluindo mais de 2,4 milhões em trabalho forçado resultante do tráfico humano. Os dados
mais elevados encontram-se na Ásia, com cerca de 9,4
milhões, seguidos de aproximadamente 1,3 milhões na
América Latina e no Caribe, e de pelo menos 360.000
nos países industrializados. Cerca de 56% de todas as
pessoas vítimas de trabalho forçado são mulheres e meninas. Os lucros anuais provenientes apenas do tráfico humano foram, pelo menos, de US$32 bilhões.
3. Qual é a situação quatro anos mais tarde? A maioria dos países possui legislação que considera o trabalho
forçado uma ofensa criminal séria, mas ele ainda persiste. Os fatores sistêmicos que sustentam esse dramático
abuso dos direitos humanos nos mercados de trabalho
mundiais precisam ser devidamente clarificados. Os governos, os agentes responsáveis pela aplicação da lei, as
autoridades laborais, as organizações de empregadores e
*NT Também conhecida por ITUC.
trabalhadores, as agências de recrutamento, os consumidores, e outros, têm que assumir as suas respectivas responsabilidades para a erradicação do trabalho forçado.
É urgente partilhar o conhecimento sobre as boas práticas, no sentido de orientar esforços futuros.
4. Estabelecer uma nova estimativa mundial seria prematuro. Repetir a metodologia, que envolveu extrapolações
de casos reais de trabalho forçado relatados durante um
período de 10 anos poderia ter um resultado limitado.
Em vez disso, este Relatório aborda as tendências básicas do trabalho forçado durante os últimos quatro anos,
incluindo os principais padrões e a incidência geográfica
do abuso do trabalho forçado, e também a legislação e
as respostas políticas, apresentando os principais desafios
que terão que ser enfrentados nos próximos anos.
5. No plano político, tem-se registrado um certo progresso durante este período. Embora muitos casos de trabalho forçado tenham escapado à pesquisa, esse tema já
não é abafado nem constitui um tabu. Tem havido uma
série de novas leis e de diretrizes ou declarações políticas,
de novos instrumentos regionais, particularmente contra
o tráfico humano, e de novas comissões e planos de ação.
Algumas dessas leis tratam especificamente do trabalho
forçado, outras abarcam o tráfico para exploração laboral ou sexual, escravidão ou práticas semelhantes. Tem
havido um aumento constante de medidas de proteção
social para pessoas ou grupos particularmente em risco
de trabalho forçado e tráfico, sobretudo para migrantes
vulneráveis em situação irregular.
6. Os meios de comunicação de todo o mundo têm sido
providenciais na manutenção da atenção no trabalho
forçado, incrementando a conscientização e estimulando
ações. Houve um constante aumento da ação contra o
trabalho forçado e o tráfico por parte dos constituintes da
OIT, de organizações de empregadores e trabalhadores,
de inspeções e tribunais de trabalho e outros. A Confederação Internacional de Sindicatos (CIS*) adotou, no seu
Conselho Geral de 2007, um plano de ação de três anos
no sentido de construir uma União Sindical do Comércio Global contra o Trabalho Forçado e o Tráfico. Depois
1
O CUSTO DA COERÇÃO
de uma série de reuniões do mais alto nível, envolvendo
organizações de empregadores e de trabalhadores, bem
como de líderes empresariais provenientes de diferentes
continentes, incluindo uma conferência asiática de organizações de empregadores em junho de 2008, a Organização Internacional dos Empregadores (OIE), no
início de 2009, emitiu suas próprias orientações políticas
relativamente ao trabalho forçado.
7. No que diz respeito à aplicação da lei, a administração
do trabalho internacional assumiu o desafio de lutar contra o trabalho forçado, identificando o seu próprio papel,
quer na prevenção quer na ação, e trabalhando em conjunto com outros responsáveis para o cumprimento da
lei visando erradicar os abusos. Foi lançado um manual
para os inspetores do trabalho sobre o trabalho forçado
e o tráfico, em Genebra e Lima, respectivamente, em
junho de 2008, primeiro no 12º Congresso da Associação Internacional da Inspeção do Trabalho, e, posteriormente, em uma conferência especial de inspetores do
trabalho da América Latina.
8. Os juízes e os procuradores públicos estão sendo conscientizados a respeito de suas futuras tarefas, uma vez
que têm sido alterados cada vez mais códigos penais de
modo a incluir as ofensas do tráfico e da exploração do
trabalho forçado, e existe um constante aumento, apesar
de ainda lento, dos casos apresentados perante os tribunais penais, do trabalho e civis. Os juízes têm tido por
vezes que enfrentar novos conceitos de servidão por dívidas, de práticas de escravidão e de exploração laboral.
Muitas vezes, a dificuldade na interpretação de uma nova
legislação é passada para o poder judicial e, onde existe
jurisprudência, tanto em países de direito comum como
de direito civil, todos devem aprender uns com os outros. Para orientar a prática judicial, e para assegurar que
os instrumentos da OIT sobre o trabalho forçado serão
considerados em julgamentos futuros, foi publicado, em
2009, uma coletânea de jurisprudência sobre o trabalho
forçado destinado a juízes e promotores públicos.
9. Dessa forma, muitas peças já estão no seu lugar, no intuito de preparar o mundo para uma ação intensiva contra o trabalho forçado nos próximos anos. No entanto, se
os países e a comunidade internacional quiserem assumir
o desafio de libertar o mundo do trabalho forçado durante a próxima década, será necessário então empenharse mais. A ação direcionada contra o trabalho forçado
tem de se tornar a peça central dos direitos humanos,
contra a discriminação, de programas de desenvolvimento e da redução da pobreza. Para alcançar esse objetivo,
todos os que intervêm têm que compreender claramente
seus papéis e responsabilidades, e agir em conformidade,
caso desejem contribuir para este esforço comum de erradicação do trabalho forçado.
2
10. Ainda mais, há a necessidade de avaliações e análises
mais rigorosas das questões sistêmicas, que permitem a
continuidade dos padrões de trabalho forçado nos países
em vias de desenvolvimento mais pobres e que também
podem estar propagando novas formas de exploração
laboral coerciva por todo o mundo. Em 2001, o nosso
primeiro Relatório Global chamava a atenção para o
fato do tráfico de migrantes vulneráveis para exploração
laboral constituir o “lado negro” da globalização contemporânea. Esse alarme foi acionado alguns meses após os
Estados Membros da ONU terem adotado, em dezembro
de 2000, o Protocolo Adicional à Convenção das Nações
Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do
Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças. À
medida em que um número crescente de Estados se tornou signatário desse Protocolo, que entrou em vigor em
dezembro de 2003, o cenário para um processo intensivo
de elaboração de leis e políticas foi definido, no intuito
de desacelerar o tráfico, quer de exploração laboral, quer
de exploração sexual,
11. O Relatório Global de 2005 discutiu as preocupações
políticas relativas ao trabalho forçado e à economia global. As pressões competitivas e de custos, que poderiam
ter um impacto adverso nas condições de contratação
e que, em casos extremos, poderiam conduzir ao trabalho forçado, foram acompanhadas por duas outras
tendências, que contribuíram para o trabalho forçado:
o aumento dos trabalhadores migrantes e uma desregulamentação dos mercados de trabalho, sob formas que
podem atenuar as fronteiras entre as economias formais
e informais. Além disso, fortes pressões para desregulamentar os mercados laborais e diminuir os serviços de
inspeção do trabalho podem ter permitido a proliferação
de agências de trabalho não-registradas, escapando ao
controle estatal.
12. Foram expressas sérias preocupações em relação aos
lucros substanciais obtidos por uma gama de recrutadores intermediários, desde agentes laborais informais a
agências registradas, à custa de migrantes e de outros trabalhadores que estes recrutam ou contratam. Não é fácil
determinar as circunstâncias nas quais o recrutamento
de trabalhadores migrantes poderá conduzir ao trabalho
forçado e merecer sanções ao abrigo do direito penal.
Certamente tem sido dada uma atenção considerável aos
aspectos potencialmente criminais da exploração laboral,
pois cada vez mais países têm corrigido suas leis penais no sentido de reconhecerem o delito do tráfico para
exploração laboral, e de estabelecer penalizações mais
fortes. Além disso, estimamos que o “custo da oportunidade” de coerção para os trabalhadores afetados por
essas práticas abusivas, em termos de ganhos perdidos,
INTRODUÇÃO
atualmente atinja mais de US$20 bilhões. Isso representa
um argumento econômico poderoso, bem como um imperativo moral, razão pela qual os governos devem agora
atribuir maior prioridade a essas preocupações.
13. O presente Relatório visa definir os desafios dos
principais atores e das instituições envolvidas em uma
aliança global contra o trabalho forçado. Os desafios são
enormes, tanto no sentido políticos como no legal, jurídico, institucional, e outros. O Relatório revela a resposta dada a esses desafios, muitas vezes com o apoio ou
com o envolvimento de programas de cooperação técnica
da OIT. Existe atualmente uma quantidade substancial
de boas práticas que podem orientar esforços futuros no
intuito de enfrentar o trabalho forçado em todas as suas
formas.
14. O primeiro capítulo do Relatório discute o conceito
do trabalho forçado, ligado a práticas de abuso a ele relacionadas, como a escravidão e afins, servidão por dívidas,
tráfico e exploração laboral. É necessário compreender
essa definição com base na lei laboral e nas decisões políticas tomadas desde o último relatório, particularmente
relacionadas com o tráfico humano. Como o trabalho
forçado pode assumir muitas formas sutis na economia
atual, é importante recordar que ele é uma grave ofensa
criminal, punida por lei. Um Estudo recente1 ajuda a
esclarecer o significado do trabalho forçado nas circunstâncias atuais.
15. O segundo capítulo avalia a situação do conhecimento do trabalho forçado e examina as recentes tendências.
Algumas análises são elaboradas por região, revelando
onde foram realizadas pesquisas inovadoras sobre o trabalho forçado, das suas causas e consequências. Dadas as
preocupações expressas durante os últimos quatro anos,
este Relatório concentra-se em determinados assuntos
temáticos, incluindo a vulnerabilidade ao trabalho forçado e o tráfico de pessoas recrutadas através de agenciadores laborais, e nos problemas particulares vivenciados
por grupos profissionais, incluindo trabalhadores marítimos e trabalhadores domésticos. Uma seção final representa o esforço inicial no intuito de estimar o preço da
coerção, e apresenta ideias para futuras pesquisas relativas a esse assunto criticamente importante.
16. O Capítulo 3 refere-se ao papel dos governos, desde os
legisladores e elaboradores de políticas a administradores,
agentes responsáveis pela aplicação da lei até os prestadores
de serviços. O capítulo discute a forma através da qual,
em uma época de considerável dinamismo no âmbito
desse assunto, os legisladores têm sabido refletir formas
modernas de coerção, as novas leis relativas ao trabalho
forçado, ao tráfico, ou até a questões mais abrangentes de
exploração. Esse capítulo analisa os diversos mecanismos
de legislação, com particular atenção para o papel da administração laboral e dos inspetores do trabalho. Também
focaliza o papel preventivo dos inspetores do trabalho e a
sua contribuição na proteção à vítima.
17. O Capítulo 4 refere-se ao papel das organizações
de empregadores e de trabalhadores contra o trabalho
forçado. Ambas aumentaram seu investimento na luta
contra o trabalho forçado de forma marcante durante os
últimos anos; este Relatório documenta uma quantidade
substancial de boas práticas, quer por parte das empresas, quer por parte dos sindicatos. Existem crescentes
alegações que as práticas de trabalho forçado penetram
a cadeia produtiva das principais indústrias, e há cada
vez mais pressões para identificar os bens que são ou possam ser produzidos sob condições de trabalho forçado.
No sentido de que sejam tomadas as adequadas medidas corretivas, e para providenciar a adequada orientação
para os seus funcionários e associados acerca dos meios
de combate ao trabalho forçado nas cadeias produtivas,
as empresas necessitam de orientações, o mais claras possível, acerca do que é ou não considerado trabalho forçado. Também esperam que os governos assumam as suas
responsabilidades na promulgação de legislação clara a
respeito desses problemas, como a cobrança de taxas por
parte das agências de recrutamento. Para os sindicatos,
poderá haver questões relativas ao alcance de seu campo
de ação que vão além de seus tradicionais associados,
ou seja, a outros trabalhadores, incluindo os migrantes.
Diversos sindicatos têm adotado medidas inovadoras, algumas das quais, envolvendo a cooperação entre os sindicatos dos países de origem e de destino. As questões relativas ao trabalho forçado devem ser incluídas de forma
proeminente no diálogo entre os governos e os parceiros
sociais. Os governos devem fornecer orientações políticas
claras acerca das “áreas cinzas” da exploração laboral, que
possam vir a extravasar para trabalho forçado.
18. O Capítulo 5 analisa os aspectos do programa de
cooperação técnica da OIT contra o trabalho forçado
nos últimos quatro anos. Esse capítulo debruça-se tanto
nas atividades consideradas como boas práticas como nos
obstáculos mais impeditivos a uma ação eficaz, identificando igualmente os desafios para uma futura cooperação técnica. Cria também o enquadramento para o
capítulo final, identificando um novo plano de ação, através do qual a OIT possa intensificar os seus próprios
esforços, e ajudar a liderar uma ação global contra essa
prática inaceitável.
1. ILO: Report III (Part 1B), General Survey concerning the Forced Labour Convention, 1930 (No. 29), and the Abolition of ForcedLabour Convention, 1957 (No. 105), ILC, 96th Session, Geneva, 2007.
3
Capítulo 1
O conceito de trabalho forçado:
questões emergentes
19. Antes de discutirmos as recentes tendências globais, é
importante esclarecermos a utilização do termo trabalho
forçado e analisar algumas das atuais discussões relativas
às relações entre o conceito legal de trabalho forçado e as
práticas abusivas a ele relacionadas (incluindo o tráfico
de seres humanos, a escravidão, a servidão por dívidas e a
exploração laboral). Esses assuntos foram discutidos em
nossos Relatórios Globais anteriores acerca do trabalho
forçado. No entanto, têm de ser novamente revistos, por
dois grandes motivos.
20. Primeiro, em 2007, a Comissão de Peritos da OIT
para a Aplicação das Convenções e Recomendações publicou o seu primeiro estudo geral desde 1979, sobre as
duas Convenções da OIT versando a temática do trabalho forçado. Esse estudo apresenta observações importantes no que diz respeito aos problemas atuais na implementação dessas Convenções, incluindo questões como:
escravidão, práticas análogas à escravidão e outras formas
ilegais de coação ao trabalho; tráfico de pessoas com o
objetivo de exploração; trabalho forçado ou obrigatório
imposto pela exploração; trabalho forçado ou obrigatório
imposto pelo Estado, com o objetivo de produção ou
serviço; privatização de prisões e do trabalho prisional;
sentenças de trabalho comunitário; trabalho obrigatório
como condição para obter benefícios de desemprego; e
a obrigação de trabalho suplementar sob ameaça de penalizações.
21. Segundo, nos últimos quatro anos verificou-se um
aumento marcante de leis e tomadas de decisão relativas
ao tráfico de seres humanos, incluindo o tráfico para exploração laboral ou sexual. Isso resultou na constituição
de novos instrumentos regionais ou alterações significativas à legislação penal e em outra legislação pertinente em
âmbito nacional, assim como na adoção de novas políticas e mecanismos de implementação.
Trabalho forçado: A definição da OIT.
22. Na Convenção (Nº 29) sobre o Trabalho Forçado,
1930, a OIT define trabalho forçado, para efeitos da lei
internacional, como “todo trabalho ou serviço que seja
exigido a qualquer pessoa, sob ameaça de qualquer penalidade, e para o qual a essa pessoa não se tenha oferecido voluntariamente” (Artigo 2(1)). O outro instrumento
fundamental da OIT, a Convenção (Nº 105) sobre a
Abolição do Trabalho Forçado, 1957, especifica certos
pressupostos perante os quais o trabalho forçado nunca
deverá ser imposto, mas não altera a definição básica da
lei internacional.
23. O trabalho forçado não pode ser simplesmente
conotado com baixos salários ou com más condições
de trabalho. Nem inclui situações de pura necessidade
econômica, como quando um trabalhador sente dificuldade em abandonar um emprego, devido à ausência real
ou suspeitada de alternativas. O trabalho forçado representa uma grave violação dos direitos humanos, e uma
restrição à liberdade humana, conforme definido pelas
Convenções da OIT acerca do assunto, e em outros instrumentos afins relacionados com a escravidão, práticas
análogas à escravidão, servidão por dívidas ou servidão
feudal.
24. A definição da OIT de trabalho forçado compreende
dois elementos básicos: o trabalho ou serviço é exigido
sob ameaça de castigo, e é realizado involuntariamente.
O trabalho das entidades de fiscalização da OIT serviu
para esclarecer esses dois elementos. O castigo não tem
de ser realizado na forma de sanções penais, mas também
pode assumir a forma de perda de direitos e privilégios.
Além disso, a ameaça de uma penalização pode assumir
muitas formas diferentes. Comprovadamente, a sua forma mais extrema envolve violência física ou repressão,
ou até mesmo ameaças de morte dirigidas à vítima ou a
5
O CUSTO DA COERÇÃO
seus familiares. Também podem existir formas sutis de
ameaça, por vezes de natureza psicológica. As situações
analisadas pela OIT incluem ameaças de denúncia das
vítimas às autoridades policiais ou de imigração, quando sua situação laboral é ilegal, ou denúncia aos líderes
de seus povoados, no caso de jovens forçadas a se prostituírem em cidades distantes. Outras punições podem
assumir um caráter financeiro, incluindo penalizações
econômicas relacionadas com dívidas. Os empregadores
muitas vezes exigem que os trabalhadores entreguem
os seus documentos de identificação, e podem usar a
ameaça da confiscação desses documentos para exigir
trabalho forçado.
25. No que diz respeito à “oferta voluntária”, os responsáveis da OIT focaram um conjunto de aspectos, que
incluem: a forma e objeto de consentimento; o papel das
restrições externas ou da coerção indireta; e a possibilidade de revogar o consentimento dado livremente. Também aqui podem existir muitas formas sutis de coerção.
Muitas vítimas entram em situações de trabalho forçado,
inicialmente por iniciativa própria, mesmo que através
de fraude e logro, para apenas mais tarde descobrirem
que não são livres de abandonar o tal trabalho, devido
a coerção de natureza jurídica, física ou psicológica. O
consentimento inicial pode ser considerado irrelevante
quando for obtido através de fraude ou logro.
26. Apesar de as situações de trabalho forçado poderem
ser particularmente frequentes em determinadas atividades econômicas ou indústriais, uma situação de trabalho forçado pode ser determinada através da natureza
da relação entre um indivíduo e um “empregador”, e não
através do tipo de atividade realizada, independentemente
da dureza ou do perigo das condições de trabalho. Nem a
legalidade ou ilegalidade conforme a lei nacional da atividade são decisivas para determinar se o trabalho é ou não
trabalho forçado. Uma mulher que seja obrigada a prostituir-se encontra-se em uma situação de trabalho forçado,
dada a natureza involuntária do trabalho e a ameaça sob
a qual ela trabalha, independentemente da legalidade ou
ilegalidade daquela atividade em particular. Da mesma
forma, uma atividade não tem de ser reconhecida oficialmente como uma “atividade econômica”, para se constituir como trabalho forçado. Por exemplo, uma criança ou
um adulto que peçam esmola sob coerção são consideradas como estando em situação de trabalho forçado.
27. O trabalho forçado de meninas e meninos com idade
inferior a 18 anos também é uma das piores formas de
trabalho infantil, conforme se definiu na Convenção (Nº
182) sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil da OIT,
de 1999. O trabalho infantil é uma forma de trabalho
forçado, não só quando as crianças são forçadas por terceiros a trabalhar sob ameaça, mas também quando o
6
trabalho de uma criança for incluído no trabalho forçado
desempenhado pela família como um todo.
O conceito e a definição de tráfico humano
28. O Relatório Global de 2005 discutiu a crescente preocupação global com o tráfico de pessoas e a sua relação
com o trabalho forçado. Em alguns casos, a situação despertou a atenção dos Estados membros para o conceito
e para a definição de trabalho forçado na sua legislação
penal ou outra. Nos últimos anos, a legislação nacional
de muitos países focou as provisões penais sobre o tráfico
humano, cuja aplicação da lei inclui a exploração sexual
ou laboral. Esse movimento não tem parado, desde que
entrou em vigor em 2003 o Protocolo de Palermo, para
a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Todos os Estados membros têm
que adotar essa legislação, bem como outras medidas que
possam ser necessárias para definir como ofensas criminais a conduta enunciada no artigo de definição (Artigo
3), o qual especifica inter alia que: “O tráfico de pessoas
deverá significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recepção de pessoas, por meio de ameaça
ou de uso da força ou de outras formas de coerção, de
rapto, de fraude, de logro, ou de abuso de poder, ou de
uma posição de vulnerabilidade, ou pela realização ou recepção de pagamentos ou benefícios visando a obtenção
do consentimento de uma pessoa que controle outra com
o objetivo de exploração. A exploração deverá incluir, no
mínimo, a exploração da prostituição de outros, ou outras
formas de exploração sexual, trabalhos ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão
ou remoção de órgãos”. No que se refere a crianças com
menos de 18 anos de idade, não é necessária a presença
de nenhum desses meios ilícitos: o recrutamento, a transferência ou a recepção de uma criança com o objetivo de
exploração constitui por si só delito de tráfico.
29. À medida que os Estados se esforçam para elaborar
uma legislação nacional adequada, ou para alterar as leis
existentes, no intuito de cumprir com as provisões do Protocolo de Palermo sobre o tráfico, foi levantada uma série
de questões. O texto do Artigo 3 desse Protocolo sugere
que o tráfico que visa o trabalho forçado é apenas uma
das formas de exploração laboral, juntamente com a escravidão ou com as práticas análogas à escravidão, ou à
servidão. No que concerne ao conceito legal de exploração,
o qual serve de base à definição de tráfico no Protocolo de
Palermo, quase não existe qualquer precedente no direito
internacional, nem há significativa legislação nacional.
30. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e
Crime (UNODC), como zelador do sistema da ONU da
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional
e seus protocolos, publicou um manual legislativo para
a sua implementação. Esse manual explica que o principal motivo para a definição de “tráfico de pessoas” na
lei internacional consistia em providenciar certo nível de
consenso-base na normalização de conceitos. Além disso, a obrigação é criminalizar o tráfico “como uma combinação dos elementos componentes, e não os elementos
em si”. O tráfico, conforme definido pelo Protocolo,
consiste em três elementos básicos: primeiro, a ação (de
recrutamento, etc.); segundo, os meios (de ameaça ou
de uso da força ou outras formas de coerção, etc.); e,
terceiro, o objetivo da exploração. Dessa forma, qualquer
conduta que combine qualquer ato ou meios referidos e
que seja realizada para atingir qualquer um dos objetivos
mencionados, tem de ser criminalizada como tráfico. Elementos individuais como o rapto ou a exploração da
prostituição não têm necessariamente de ser criminalizados (apesar de que, em alguns casos, os crimes suplementares possam suportar os propósitos do Protocolo,
sendo os Estados livres de os adotar ou manter, se assim
o desejarem). Nenhum dos elementos individuais, como
o trabalho forçado ou as práticas análogas à escravidão,
é definido com maiores detalhes no próprio Protocolo.
31. Essas questões foram consideradas pela Comissão de
Peritos da OIT há dois anos, no seu mais recente Estudo Geral sobre a aplicação das Convenções de trabalho
forçado. A Comissão observou que o objetivo do tráfico,
ou seja, a exploração, é um elemento crucial de sua definição, que é especificamente determinada com o intuito
de abranger o trabalho forçado ou serviços, escravidão ou
práticas análogas, servidão e várias formas de exploração
sexual. Por conseguinte, a noção de exploração laboral
inerente a essa definição permite uma ligação entre o Protocolo e a Convenção (Nº 29) sobre Trabalho Forçado da
OIT, 1930, e torna claro que o tráfico de pessoas com
o objetivo de exploração está incluído na definição de
trabalho forçado ou obrigatório, prevista na Convenção.
Tal consideração facilita a tarefa da implementação de
ambos os instrumentos em âmbito nacional.
32. A definição de tráfico humano estabelecida pelo Protocolo de Palermo é complexa. Dessa forma, não seria
surpreendente que, mais de cinco anos depois da sua entrada em vigor, os juristas e os legisladores continuem
debatendo determinadas questões em torno da definição.
Por exemplo, houve considerável debate sobre se o tráfico
deveria envolver algum movimento da pessoa traficada,
quer dentro ou fora das fronteiras nacionais, juntamente
com o processo de recrutamento, ou se o foco deveria recair sobre exploração que ocorre ao final. Outra questão
é se o tráfico com o objetivo de exploração envolve necessariamente a coerção.
33. O General Survey da OIT, realizado em 2007, forneceu alguns esclarecimentos úteis no que diz respeito
a essas questões. Um é o conceito de oferta voluntária
para um trabalho ou serviço, e como podem ser impostas
as restrições e a coerção. Uma restrição externa ou uma
coerção indireta, que interfira na liberdade de um trabalhador para “se oferecer voluntariamente”, pode resultar
não só de um ato das autoridades, mas também de uma
prática de um empregador, por exemplo, quando os trabalhadores migrantes são induzidos – por logro, falsas
promessas e retenção de documentos de identidade – ou
forçados a permanecer à disposição do empregador. Tais
práticas representam uma clara violação da Convenção
(Nº 29) da OIT. No entanto, nem o empregador nem o
Estado são, na prática, responsáveis por quaisquer limitações ou coerções existentes.
34. Conforme também se pode observar no General
Survey, o Protocolo de Palermo sobre o tráfico tem implicações importantes na interpretação do conceito do
consentimento em uma relação laboral ou de serviço.
Contém também uma provisão de qualificação, que
considera que o consentimento de uma vítima de tráfico
para a desejada exploração é irrelevante caso sejam utilizados meios de coerção, como a ameaça do uso da força,
rapto, fraude, logro, abuso de poder ou de uma posição
de vulnerabilidade, que excluem a oferta voluntária ou
o consentimento. Como os meios de coerção não são de
maneira alguma relevantes no caso de crianças, não se
levanta nesse caso a questão do consentimento.
35. A Comissão de Peritos da OIT utilizou ainda o conceito de “abuso de vulnerabilidade” no Estudo Geral, no
sentido de analisar as circunstâncias nas quais a obrigação
de fazer horas extras sob ameaça de castigo possa ser incompatível com a Convenção (Nº 29). Apesar de os trabalhadores poderem teoricamente recusar-se a trabalhar
além do horário laboral normal, sua vulnerabilidade significa que, na prática, poderão não ter escolha e serem
obrigados a fazê-lo para ganharem o salário mínimo, ou
para manterem os seus postos de trabalho.
Trabalho forçado, escravidão moderna e
vulnerabilidade à exploração: desafios
conceituais e políticos
36. Um princípio fundamental estabelecido na Convenção (Nº 29) consiste no fato de que a exigência ilegal de trabalho forçado ou obrigatório dever ser punida
como infração penal, e é obrigação de qualquer Estado
Membro que ratifique esse princípio assegurar que as penas impostas por lei sejam realmente adequadas e estritamente cumpridas.
7
O CUSTO DA COERÇÃO
37. Atualmente, a taxa mais elevada de trabalho forçado
ocorre, sobretudo, na economia privada, sendo altamente
impune. A exigência de que os Estados, que ratificam o
Protocolo de Palermo, identifiquem o tráfico para exploração sexual e laboral como uma grave infração penal
suscitou o aparecimento de uma série de medidas legislativas e juridicas contra essas práticas abusivas, incluídas
na Convenção do Trabalho Forçado da OIT. Nesse sentido, a ação legislativa e judicial contra o trabalho forçado
e o tráfico humano podem servir os mesmos objetivos, e
apoiar-se mutuamente. Para este fim, os Estados devem
legislar contra o tráfico no seu sentido mais lato, concedendo total atenção a todos os aspectos do trabalho
forçado, somados à exploração sexual e à elaboração de
cláusulas para a identificação e processamento do crime
de trabalho forçado, conforme definido nas Convenções
da OIT.
38. O trabalho forçado consiste essencialmente na exploração no local onde o trabalho ou serviço é executado.
Poderá ser possível identificar diferentes fatores, por exemplo, as práticas de recrutamento abusivas, que negam
a liberdade de escolha por parte do trabalhador. Os intermediários que realizem tais práticas com intenção deliberada de colocar pessoas em uma situação em que lhes
possa ser exigido trabalho forçado podem certamente ser
considerados como cúmplices de trabalho forçado. Mas
qualquer ação judicial contra o trabalho forçado tomaria
como seu ponto de partida as condições de trabalho ou
serviço, prestando menor atenção ao conjunto de fatores
que criassem ou exacerbassem a vulnerabilidade dos trabalhadores à exploração.
39. Ao analisar essa vulnerabilidade, um elemento
básico consiste na compreensão do conceito de servidão
por dívidas. A servidão por dívidas é um dos aspectos
das práticas análogas à escravidão, definidas em um instrumento das Nações Unidas de 1956, a Convenção
Suplementar para a Abolição da Escravidão, o Comércio de Escravos e Instituições e Práticas Similares à
Escravidão. Esse instrumento identificou o que eram
as então consideradas formas contemporâneas de escravidão. Chamou a atenção de todos os Estados para
que abolissem progressivamente, e tão cedo quanto possível, práticas como a servidão por dívidas e a servidão
feudal. A servidão por dívidas é definida como o “estado
ou condição resultante de uma obrigação de um devedor de seus serviços pessoais, ou daqueles pertencentes
a um indivíduo sob o seu controle, como garantia de
uma dívida, se o valor desses serviços, conforme razoavelmente analisados, não é aplicado para a liquidação
da dívida, ou que a extensão e a natureza desses serviços
não sejam respectivamente limitadas e definidas”. Esse
instrumento foi concebido para captar as práticas de
8
servidão por dívidas e de trabalho servil, que estavam
naquela época bastante difundidas nos países em vias
de desenvolvimento.
40. A pesquisa da OIT revelou de forma consistente que
a manipulação de crédito e débito, quer pelos empregadores, quer pelas agências de recrutamento, é ainda um
fator-chave que conduz trabalhadores vulneráveis para
situações de trabalho forçado. Os camponeses pobres e
os povos indígenas da Ásia e da América Latina podem
ser induzidos ao endividamento, através da aceitação de
pequenos, mas acumulativos, empréstimos ou de adiantamentos salariais por parte de empregadores ou de agências de recrutamento, em tempos de escassez. Em alternativa, os candidatos a migrantes podem ter que liquidar
elevados montantes aos agentes que os ajudaram a assegurar trabalho no exterior e que lhes facilitaram a viagem,
contraindo empréstimos de agiotas e de outras fontes, no
intuito de pagar esses custos. A General Survey de 2007
incluiu na sua tipologia de trabalho forçado as práticas
de servidão por dívidas, sob a qual os trabalhadores e as
suas famílias são forçados a trabalhar para um empregador, no intuito de liquidar suas dívidas atuais ou herdadas, salientando que essas práticas afetam ainda um
grande número de pessoas. Salienta ainda a necessidade
de se agir legalmente para declarar tal obrigação como
sendo ilegal, e de providenciar sanções penais contra os
empregadores que mantêm os seus trabalhadores em
situação de escravidão. Mesmo assim, pode haver dificuldade na aplicação do conceito legal de servidão por dívidas aos trabalhadores que se encontrem em situação de
dívida grave, particularmente no caso de trabalhadores
migrantes, cujo endividamento é sobretudo perante as
agências de recrutamento e não tanto perante o empregador final no país de destino.
41. O recente foco colocado no conceito de “exploração”
tem originado alguns acesos debates sobre como pode ser
compreendido como um crime específico, de que maneira determinar a gravidade do crime, e como pode ser
punido. Além disso, a experiência aponta para uma fronteira muito tênue entre a exploração coerciva e não-coerciva. Enquanto a definição da OIT de trabalho forçado
acentua o caráter involuntário da relação de trabalho ou
serviço, o Protocolo de Palermo e os subsequentes debates políticos enfatizam os meios através dos quais o
consentimento inicial pode ser negado, através de diferentes formas de engano, tanto ao longo do percurso que
culmina no relacionamento laboral como durante este.
Ao mesmo tempo, a Comissão de Peritos da OIT, no seu
General Survey de 2007, reconheceu a importância dos
instrumentos internacionais de tráfico humano, os quais
são considerados como sendo do âmbito das Convenções
da OIT.
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
42. Só os tribunais dos Estados individuais podem de-
terminar, em última instância, se um ato individual pode
ser punido como trabalho forçado, ou como tráfico, através da imposição de severas penas criminais. Em alguns Estados tem-se registrado a tendência de abordar a
questão do tráfico humano da perspectiva de condições
laborais que são consideradas intoleráveis, se abrangerem
circunstâncias análogas à escravidão, ou incompatíveis
com a dignidade de um ser humano. Pode ser discutido
que estas circunstâncias não constituem trabalho forçado, conforme definido na Convenção da OIT de 1930.
43. O presente Relatório não duplica o trabalho das entidades supervisoras da OIT, e, por esse motivo, não opina
sobre quando é que as ações individuais ou específicas
constituem trabalho forçado. Aceita, tal como diversas
análises realizadas nesse âmbito, que existe uma sequência contínua, incluindo o que pode ser claramente identificado como trabalho forçado, bem como outras formas
de exploração e abuso. Pode ser útil considerar um conjunto de possíveis situações: por um lado, as práticas de
escravidão e análogas, e por outro, situações de liberdade
de escolha no trabalho. No meio desses dois extremos,
há uma variedade de relacionamento laboral, no qual, o
elemento da livre escolha pelo empregado começa por ser
diminuido ou limitado, e pode eventualmente ser posto
em dúvida.
44. A esse respeito, a OIT, em sua Convenção (Nº 122)
sobre Política do Emprego, de 1964, estabeleceu o importante princípio de que cada Estado membro deverá
seguir uma política ativa para promover o “emprego
livremente escolhido” total e produtivo. O conceito de
“emprego livremente escolhido” amplia a área de preocupação para além da imposição do trabalho forçado,
incluindo todas as situações nas quais a liberdade de escolha de um trabalhador seja de algum modo restringida.
Esse tipo de situação pode também envolver outras ofensas, como a violação da legislação laboral em relação a
salários ou horários de trabalho, ou violação do contrato
de trabalho, que não constituem necessariamente uma
grave violação dos direitos humanos como a representada pelo trabalho forçado. É evidente que essas situações
também precisam ser identificadas e resolvidas através
das apropriadas correções legais e outras.
45. Outro instrumento relevante consiste na Recomendação (Nº 198) sobre Relação de Trabalho da OIT,
de 2006. Este instrumento, notando que há situações em
que os acordos contratuais podem resultar na privação
dos trabalhadores da proteção à qual têm direito, sugere
diversas medidas que os Estados membros podem adotar,
através da política nacional, para reforçar essa proteção
concedida aos trabalhadores em uma relação laboral. O
enquadramento multilateral da OIT sobre a migração
laboral é outra ferramenta valiosa, conjuntamente com
as Convenções da OIT acerca dos trabalhadores migrantes1, e muitos outros. Enquanto nenhuma destas abordagens por si só providencia soluções simples ou imediatas,
quando observadas em conjunto com os instrumentos
da OIT para o trabalho forçado fornecem orientações
acerca da forma como as várias questões emergentes relacionadas com trabalho forçado, incluindo o tráfico humano, podem ser identificadas de forma eficaz.
1. Convenção (Nº 197) sobre Migração para o Emprego (Revista), 1949, Convenção (Nº. 143) sobre Trabalhadores Migrantes (Disposições Complementares), 1975, e as respectivas Recomendações (Nº 86 e Nº 15) anexas.
9
Capítulo 2
Trabalho forçado: captar as tendências
Introdução
46. Este é o nosso terceiro esforço, em um período de
mais de nove anos, de apresentar de um “quadro dinâmico global” do trabalho forçado no mundo atual. Uma
primeira análise realizada em 2001 evidenciou diferentes
questões temáticas, que podem ser contornadas através
de um programa futuro de assistência técnica. Para esse
efeito, apresentou-se uma tipologia das formas modernas de trabalho forçado, incluindo assuntos como:
o problema contínuo da escravidão e raptos; a participação obrigatória em obras públicas; trabalho forçado
na agricultura e áreas rurais remotas, incluindo práticas
de recrutamento coercivo; trabalhadores domésticos em
situações de trabalho forçado; servidão por dívidas, particularmente na região do sul da Ásia; trabalho forçado
exigido pelas forcas militares, com particular ênfase na
Birmânia/Mianmar; trabalho forçado relacionado com o
tráfico de pessoas, caracterizado como “o lado negro da
globalização”; e trabalho forçado nas prisões.
47. A análise do Relatório de 2005 baseou-se em estimativas globais e regionais de trabalho forçado, incluindo
o abuso do trabalho forçado que resulta do tráfico humano. Uma distinção ampla foi retirada das três formas
principais de trabalho forçado no mundo atual, nomeadamente: o trabalho forçado imposto pelo Estado por motivos econômicos, políticos ou outros; o trabalho forçado
ligado à pobreza e à discriminação em países em vias de
desenvolvimento; e o trabalho forçado resultante da migração e do tráfico internacional, muitas vezes associado
à globalização. Os dados e a análise serviram para salientar duas mensagens fulcrais. Primeiro, a abolição do trabalho forçado representa um desafio para praticamente
todos os países do mundo, quer sejam industrializados,
em fase de transição ou em vias de desenvolvimento. Segundo, a maior parte do trabalho forçado atual é efetuado
na economia privada, mais do que diretamente pelo Estado, e principalmente na economia informal dos países
em vias de desenvolvimento. Mas o Relatório também fez
soar o aviso de que, com a crescente desregulamentação
dos mercados laborais, da tendência para o outsourcing,
e de formas cada vez mais complexas de subcontratação,
havia sinais de que o abuso do trabalho forçado era algo
que penetrava a cadeia de fornecimento das empresaschave da economia formal.
48. Quais as alterações que foram detectadas nos últimos quatro anos? O ideal seria que nossas estimativas
globais e regionais de 2005 tivessem encorajado os governos a realizar suas próprias estimativas nacionais de
trabalho forçado. Apesar de terem sido lançadas algumas
iniciativas por parte da OIT, este processo foi iniciado
com dificuldade na maioria dos países. No entanto, um
número de pesquisas qualitativas continua enaltecendo a
compreensão das principais formas de trabalho forçado,
suas causas, e uma adequada resposta política. Em outros
casos, uma política deliberada pelos governos, visando
fortalecer a aplicação da lei contra o trabalho forçado, incluindo o tráfico para exploração sexual ou outras formas
de exploração econômica, evidenciou algumas formas de
abuso até então não detectadas.
49. Ao mesmo tempo que um número cada vez maior
de agências, organizações, grupos de pressão e de indivíduos expressaram a sua preocupação acerca do trabalho
forçado, as questões conceituais discutidas no capítulo
anterior demonstram que ocorreram alguns debates
complexos acerca do que poderá ou não ser considerado
trabalho forçado, o que deveria ter sido feito em relação
a essa questão, e por quem.
50. Este capítulo começa com analisando a base do conhecimento sobre o trabalho forçado, incluindo experiências recentes, através da coleta e da análise de dados.
Posteriormente, é efetuada uma breve análise dos prob-
11
O CUSTO DA COERÇÃO
lemas por região, antes de se debruçar sobre certas preocupações temáticas, as quais têm atraído a atenção desde
o nosso último Relatório Global.
Melhorar a base do conhecimento: coleta e
análise de dados
51. As estimativas globais e regionais da OIT sobre o
trabalho forçado, incluindo o trabalho forçado resultante
do tráfico humano, foram salientadas de forma muito
extensiva. Estas serviram para um propósito importante
– indicar as principais formas de trabalho forçado em
todo o mundo, bem como a sua distribuição por idade
e sexo, e demonstrar que o trabalho forçado permanece
como um verdadeiro problema mundial. No entanto,
ainda permanecem várias lacunas na compreensão das
dimensões quantitativas do trabalho forçado. As poucas
estimativas nacionais disponíveis são geralmente calculadas com base em informação secundária.
52. As estimativas nacionais do trabalho forçado podem
ser consideradas fiáveis? Como é que os dados devem ser
recolhidos e como devem ser estabelecidos os critérios?
Em dezembro de 2006, a OIT realizou uma reunião de
peritos para uma consulta técnica acerca desse assunto,
no intuito de examinar formas de melhorar os indicadores e os dados sobre o trabalho forçado, incluindo o
trabalho forçado resultante do tráfico humano, com vista
a melhor promover o cumprimento da lei e acompanhar
o impacto das políticas nacional e internacional. Os participantes discutiram: (a) um conjunto de critérios para a
identificação de situações de trabalho forçado, incluindo
o trabalho forçado resultante do tráfico; (b) sistemas de
coleta nacional de dados e análises de vítimas e autores;
(c) metodologias para realizar estimativas nacionais e
para acompanhar e avaliar políticas e tendências; (d)
uma base de dados global de casos relatados de trabalho
forçado e de tráfico humano; e (e) o desenvolvimento de
metodologias adequadas para avaliar o progresso global e
regional na detecção de casos de trabalho forçado e tráfico humano.
53. Desde então tem havido um aumento de pedidos de
dados comparáveis e fiáveis acerca do trabalho forçado
e do tráfico. Em algumas regiões, talvez com maior incidência na Europa, estão sendo promovidas iniciativas
para desenvolver regras e abordagens comuns. No entanto, apesar de estarem disponíveis dados sobre acusações
criminais, pouquíssimos países têm realizado esforços
rigorosos para estimar o número provável de pessoas em
situação de trabalho forçado. Nos últimos anos, o crime
de tráfico para exploração sexual ou laboral tem sido o
que tem chamado mais a atenção. Têm havido esforços
pioneiros, como os do Dutch National Rapporteur sobre
o Tráfico de Seres Humanos e o Centro de Coordenação
do Tráfico Humano (COMENSHA), ambos para identificar possíveis vítimas de tráfico e registrá-las anualmente, e identificar metodologias adequadas para obter
melhor informação.1 Esses esforços permitiram detectar
algumas tendências importantes, indicando, por exemplo, que o número de possíveis vítimas traficadas tem
crescido anualmente, de 424, em 2005, para 579, em
2006, com 716 notificações em 2007.
54. No entanto, o Dutch Rapporteur também salientou
as dificuldades na obtenção de dados fiáveis, questionando se é realmente possível que os pesquisadores realizem
uma estimativa da dimensão das populações de vítimas
traficadas. Um estudo exaustivo realizado em 2006 pelo
Gabinete de Responsabilidade Governamental dos Estados Unidos questionou igualmente a veracidade das
estimativas dos Estados Unidos sobre o tráfico global,
apontando fraquezas metodológicas, lacunas nos dados
e discrepâncias numéricas.2
55. No que concerne a estimativas quantitativas, existem dois desafios principais. Um consiste em obter e harmonizar os dados a partir de fontes e de bases de dados
existentes, assegurando, sempre que possível, que estes
sejam comparáveis. As fontes são variáveis, incluindo os
registros policiais, as bases de dados criminais, os relatórios de inspeção do trabalho e as decisões dos tribunais. O
segundo desafio consiste em estimar o número provável
de pessoas em situação de trabalho forçado ou de tráfico,
sabendo que um número elevado escapa à identificação e
ao processo penal, e que os registros oficiais e as bases de
dados podem, assim, apresentar apenas uma visão parcial.
56. A estimativa da OIT de 2005 baseou-se em um exercício de extrapolação, utilizando mais de 5.000 casos
relatados de trabalho forçado em todo o mundo (cada
um dos quais cuidadosamente validado), no intuito de
obter estimativas globais e regionais. Enquanto tal esclareceu a gravidade do problema e constituiu um impulso para a intensificação das ações contra o mesmo, o
passo seguinte seria desenvolver a capacidade de sólidas
estimativas nacionais.
1. Ver o Fifth Report of the Dutch National Rapporteur on Trafficking in Human Beings, Bureau NRM, The Hague, 2007; e o Sixth Report of the
Dutch National Rapporteur: Supplementary Figures, Bureau NRM, The Hague, 2008.
2. Human trafficking: Better data, strategy and reporting needed to enhance US antitrafficking efforts abroad, United States Government Accountability Office, GAO-06-825, Washington, DC, July 2006.
12
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Quadro 2.1.
O método Delphi: construir consensos entre peritos sobre os indicadores do tráfico humano
No seguimento da definição do tráfico humano no âmbito do Protocolo de Palermo, primeiro solicitou-se aos
peritos que fornecessem uma lista dos elementos típicos do engano, da exploração e da vulnerabilidade que
eles considerassem relevantes para casos de tráfico humano na Europa. Em uma segunda rodada de consultas, solicitou-se aos peritos que classificassem todos os indicadores propostos, por ordem de relevância,
desde o mais significativo até o mais insignificante. Participaram da pesquisa um total de 68 peritos,39
mulheres e 29 homens, de 23 países europeus. Como resultado desse processo, os peritos acordaram na
realização de uma lista de 67 indicadores, cada um deles cabendo dentro de seis elementos principais,
observados em casos de tráfico humano. Estes eram:
•
•
•
•
•
•
Recrutamento enganoso
Recrutamento coercivo
Recrutamento por abuso de uma situação de vulnerabilidade
Exploração no trabalho
Formas de coerção no destino
Abuso de situações de vulnerabilidade no destino
10
10
16
9
15
7
indicadores
indicadores
indicadores
indicadores
indicadores
indicadores
Além de cobrirem todas as formas graves de abuso normalmente associadas ao tráfico humano (por exemplo,
rapto, violência e cativeiro físico), esses indicadores vão ainda mais longe. Sua combinação pode fornecer
uma orientação útil sobre o modo de compreender a variedade e a complexidade das formas do tráfico
moderno. Por exemplo, a lista total dos indicadores sugere que as pessoas traficadas, mais do que terem
vivenciado formas graves de abuso físico, podem ter sido: ludibriadas durante a fase de recrutamento a respeito dos salários que iriam ganhar (1º Indicador); enganadas sobre sua situação legal no país de destino
(2º Indicador); ou até ludibriadas acerca do tipo de trabalho ou serviço que esperavam desempenhar (3º
indicador). Uma vez no local de destino, podem ter tido seu passaporte confiscado (4º Indicador); os seus
empregadores podem ter retido seus salários (5º Indicador); ou podem ter sido ameaçados de denúncias
às autoridades (6º Indicador). Dado que alguns indicadores são considerados mais fortes do que outros,
os 67 indicadores foram classificados como fortes, médios ou fracos. Ao mesmo tempo que um pequeno
número de fortes indicadores são considerados suficientes para identificar uma situação provável de tráfico
humano, uma grande acumulação de indicadores fracos pode conduzir ao mesmo resultado. O conjunto final
de indicadores pode ser facilmente traduzido em um guia de análise prática por qualquer organização que
apoie pessoas potencialmente traficadas, ou através de questionários para inquiridores e pesquisadores. A
expectativa é que a abordagem da Delphi, ao melhorar a compreensão das complexidades do tráfico humano,
aumentará a compreensão do problema e, sobretudo, permitir aos Estados membros que detectem uma percentual superior de vítimas de tráfico humano.
57. Quando os países tentaram fornecer tais estimativas,
como, por exemplo, os Estados Unidos, no caso de tráfico, os críticos rapidamente apontaram as diferenças entre
as estimativas globais e o número de casos identificados.
Argumentou-se que o problema do tráfico humano nos
Estados Unidos pode ter sido significativamente exagerado, dada a discrepância entre o número de pessoas
traficadas identificado desde o ano 2000 (1.362), e as estimativas oficiais governamentais, que eram mais de dez
vezes maiores do que esse número.3 Da mesma forma,
no Canadá, enquanto a Royal Canadian Mounted Police
estimou que, pelo menos, 800 mulheres são traficadas
para o país anualmente, um estudo recente demonstrou
que apenas foram relatados às autoridades de imigração
31 casos em dois anos, após maio de 2006, quando foram recolhidos os primeiros dados sobre a exploração
de estrangeiros para o comércio de sexo e de trabalho
forçado4.
58. Na Europa, foram atualmente realizadas diversas iniciativas, no sentido de se desenvolver orientações para a
coleta de dados relativos a tráfico, incluindo indicadores
comparáveis. No âmbito desse projeto, conduzido pela
Organização Internacional para as Migrações (IOM) e
pelo Governo Austríaco, foi realizada, em setembro de
2008, uma conferência sobre as Abordagens Europeias
na Coleta de Dados sobre o Tráfico de Seres Humanos.
3. The Washington Post, 23 set. 2007.
4. Universidade da British Columbia Public Affairs: Um perito legal da UBC apresenta as primeiras estatísticas do Canadá relativas às vítimas de tráfico
humano, 28 out. 2008.
13
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 2.2.
Medir o trabalho forçado: a necessidade de amostras representativas
Dada a natureza do trabalho forçado, as técnicas de amostragem têm de ser cuidadosamente consideradas. Técnicas simples, como a seleção aleatória de famílias em uma região em particular, não produzirá
os resultados pretendidos quando os trabalhadores forçados estão escondidos ou agrupados. Nesse tipo de
situação, a simples amostragem aleatória pode não incluir todas as pessoas afetadas, e erroneamente concluir que não existe trabalho forçado ou tráfico. Entretanto, para assegurar que os resultados da pesquisa
por amostragem são aplicáveis a uma maior população de interesse, têm de ser cumpridas duas condições.
Primeiro, cada membro da população tem de ter uma probabilidade não-nula de ser selecionado. Segundo, a
amostra deve ser suficientemente grande para assegurar que as margens de erro das estimativas finais sejam
razoavelmente baixas. Na prática, no entanto, os indivíduos em situação de trabalho forçado podem nem
sempre ser escondidos ou difíceis de detectar. A servidão por dívidas no sul da Ásia funciona abertamente,
em campos ou em empresas do setor informal, como acontece com os povos indígenas da América Latina,
que são particularmente vulneráveis ao trabalho forçado. Os trabalhadores migrantes, nos países de destino,
muitas vezes reúnem-se em clubes nos seus dias de folga. Nesse tipo de casos, é perfeitamente possível
utilizar simples técnicas de amostragem. Os migrantes também podem ser avaliados sobre suas experiências
no exterior, depois de terem regressado aos seus países de origem.
Os participantes salientaram a necessidade de alcançar
um consenso sobre as diversas formas de tráfico, incluindo o tráfico de crianças, o tráfico para exploração laboral,
e outras formas.
59. Nessa última questão, a OIT, em colaboração com a
União Europeia (UE), deu uma particular contribuição.
Os esforços da OIT procuram promover um entendimento em relação ao que constitui tráfico humano,
desenvolvendo indicadores que englobassem todos os
elementos, muitas vezes sutis, envolvidos no engano, coerção e exploração. Para esse efeito, a OIT e a UE realizaram juntas um estudo, interrogando por via eletrônica
peritos de todos os Estados Membros da UE, desde agências governamentais e inspetores do trabalho, organizações de empregadores e de trabalhadores, forças policiais
nacionais, população, acadêmicos, e grupos da sociedade
civil. O estudo utilizou a metodologia denominada “método Delphi”, desenvolvida em 1950 para facilitar um
consenso entre grupos de peritos, e largamente utilizada
no âmbito das ciências médicas, políticas e sociais.
60. Com base nessa abordagem, um número limitado
de países começou, com a assistência da OIT, a examinar
a provável incidência numérica do trabalho forçado e do
tráfico, através de técnicas inovadoras de pesquisa. Esses
esforços tiveram que enfrentar dois grandes desafios: primeiro, como obter uma amostra representativa que possa
ser utilizada para extrapolação no âmbito nacional; e, segundo, como assegurar que a informação obtida pelas
pessoas da amostra é fidedigna e útil.
61. Uma outra dificuldade consiste na obtenção de in-
formação fidedigna por parte dos indivíduos inquiridos,
que podem se sentir relutantes em admitir terem sido
traficados para trabalho forçado, incluindo a prostituição forçada, e de quem, com medo de represálias, pode
sentir-se igualmente relutante em fornecer detalhes de
sua verdadeira situação. Além disso, é essencial que os
inquéritos estatísticos não coloquem em risco as pessoas
entrevistadas, quer por parte da polícia, quer por parte
das autoridades responsáveis pela aplicação da lei. Essas
pesquisas quantitativas deviam, assim, focar a amostra
das pessoas que foram libertadas do trabalho forçado e
do tráfico, como os emigrantes que regressam ao seu país
de origem. Mais do que confrontá-los com questões diretas sobre o trabalho forçado, é preferível colocar questões
indiretas, que possam, assim, ser utilizadas como indicadores de trabalho forçado e de tráfico. No processo de
concepção de uma metodologia de estimativas nacionais
de trabalho forçado, foi realizada uma análise extensiva
dos métodos estatísticos existentes, utilizados para estimar fenômenos escondidos, como o número de toxicodependentes. Foi desenvolvido um guia metodológico
acerca desse assunto pela OIT, no início de 2009.5
5. ILO: Estimating forced labour: A manual on survey methods, SAP-FL, no prelo.
14
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Estudo Piloto na República da Moldávia
62. Um estudo nacional realizado na República da
Moldávia avaliou a extensão na qual os trabalhadores estão sujeitos a tráfico para trabalho forçado nos países de
destino. O Escritório Nacional de Estatística adicionou
um módulo acerca de migração laboral ao seu Inquérito sobre Força de Trabalho, em 2008, no qual mais de
12.000 famílias serviram como amostra e 846 emigrantes
foram entrevistados. Foram entrevistadas mais de 2.500
famílias, que mencionaram, pelo menos, um membro
familiar em trabalho no estrangeiro em 2007. Ao todo, a
pesquisa englobou 3.631 emigrantes, atualmente trabalhando no exterior, e 2.084 emigrantes que regressaram.
Os resultados permitiram uma estimativa sólida da percentagem de trabalhadores migrantes que vivenciaram
coerção grave, e daqueles que sofreram alguma forma de
exploração. A pesquisa estimou que 328.300 emigrantes
trabalharam ou procuravam trabalho no ano, até abril de
2008. Desses, 75.000 regressaram durante esse período,
alguns dos quais só temporariamente. Supondo que as
respostas desses migrantes que regressaram são representativas de todos os migrantes, estima-se que, nesse
período, 60% dos migrantes moldavos (196.900) foram
bem-sucedidos (ou seja, não foram sujeitos a enganos,
coerção ou exploração), 24,2% (79.600) foram explorados, e 8% (26.300) foram enganados e explorados. Os
remanescentes 7,8% (25.500) foram vítimas de tráfico
para trabalho forçado. Os principais meios de coerção
utilizados incluíam a retenção do salário por parte do
empregador, ser forçado a desempenhar tarefas contra
a vontade, ameaças de violência ou de denúncia às autoridades, e o confisco de documentos de viagem ou de
identificação pessoal.
Perspectivas regionais
África
63. O trabalho forçado na África tem talvez recebido
menor atenção do que em outras regiões. Os abusos de
trabalho forçado, alguns de natureza grave, chegam até a
implicar o investimento de empresas estrangeiras em áreas de conflito. Em um desses casos, em agosto de 2008, a
empresa Afrimex, com sede no Reino Unido, foi censur-
ada pelo Governo Britânico por suas atividades em uma
região destruída pela guerra da República Democrática
do Congo, por aplicar diligências insuficientes para evitar que os minerais utilizados na cadeia de abastecimento
provinhessem de minas com utilização de trabalho forçado e infantil.6 Tem sido prestada uma contínua atenção
em relação ao problema das crianças-soldado nessas áreas
afetadas pelo conflito.
64. As práticas relacionadas à escravidão permanecem
uma questão polêmica em determinados países da África
Ocidental. No Níger, grupos da sociedade civil continuam denunciando que a escravidão é frequente, enquanto o governo afirma que, apesar do fenômeno não
estar totalmente erradicado, a sua dimensão tem sido
exagerada. Em 2006, seguindo recomendações da OIT,
o Ministério do Trabalho constituiu uma Comissão Nacional para combater os vestígios de trabalho forçado e
de discriminação, sendo incumbida de desenvolver e implementar um plano de ação. Um estudo de campo em
pequena escala realizado pela OIT, não encontrou provas evidentes de escravidão, mas sim indicações de forte
estratificação social, conduzindo a contínuas relações de
dependência entre descendentes de escravos e os seus antigos senhores.7 Em 2008, os resultados de uma pesquisa
realizada pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos
e Liberdades Fundamentais foram inconclusivas no que
diz respeito às percepções da extensão do trabalho forçado e do trabalho infantil no país. Recentemente, o Tribunal de Justiça da Comunidade Econômica dos Estados
da África Ocidental (ECOWAS), ao analisar o caso de
uma mulher que foi “escrava” durante cerca de dez anos
antes de ser libertada pelo seu “senhor”, considerou que
o Níger estava em situação de incumprimento perante as
suas leis e obrigações internacionais de proteger os seus
cidadãos da escravatura.8
65. Na Mauritânia, uma missão de coleta de dados
notou um número de medidas positivas que ilustraram o empenho do Governo em combater vestígios de
escravidão, não mais considerado um tema tabu. Logo
depois, a Assembleia Nacional adotou uma nova Lei que
criminalizava e penaliza práticas análogas à escravidão.9
6. Declaração final realizada pelo UK National Contact Point para as OECD Orientações para as Empresas Multinacionais: Afrimex (UK) Ltd, 28 ago.
2008. A declaração foi realizada como resposta a uma queixa apresentada em 2007 pela Global Witness, uma organização de sociedade civil sediada
no Reino Unido, que investiga as ligações entre a exploração de recursos naturais, conflitos armados e corrupção.
7. PACTRAD Etude diagnostique 2006.
15
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 2.3.
Trabalho forçado, tráfico e exploração laboral na Zâmbia
No início de 2006, o Ministério Zambiano do Trabalho e da Segurança Social (MLSS) abordou a OIT no
intuito de obter ajuda para determinar a existência de trabalho forçado na Zâmbia. O MLSS demonstrava
particular preocupação com as operações de alguns “agentes laborais” do setor mineiro, que foram acusados
de explorar os candidatos que empregavam, retendo uma parte significativa dos seus salários como taxa.
A pesquisa incluiu: as agências de recrutamento e suas práticas; a exploração laboral, conforme registrada
em queixas apresentadas nos escritórios do MLSS e na Comissão dos Direitos Humanos; e o trabalho forçado,
o tráfico e a migração, através de pesquisa de campo. Na análise de queixas laborais, registraram-se 1.542
casos, quase todos eles provenientes de cidadãos Zambianos. Foram registradas queixas em 21 setores,
incluindo a agricultura, a construção, a hotelaria e o turismo, a segurança e os transportes. As queixas estavam maioritariamente relacionadas com falta de pagamento de salários e indenizações de fim de contrato;
ameaças de demissão, ou demissão efetiva, no caso de o trabalhador apresentar queixa; engano relacionado
com a natureza do trabalho; retenção de documentação pessoal; salários excessivamente baixos; transporte
para um local de trabalho distante e não-repatriação; e condições de trabalho calamitosas. Alguns trabalhadores não tinham recebido o salário durante meses, e em algumas situações, durante vários anos. Emergiram três setores nos quais os trabalhadores estavam particularmente vulneráveis, devido à natureza informal
do trabalho ou ao apelo a contratadores laborais intermediários, nomeadamente: trabalho nas minas, serviço
doméstico e agricultura. Os trabalhadores desses três setores eram especialmente expostos ao risco de nãopagamento de salários, entre outras práticas de exploração. Enquanto o não-pagamento de salários por si só
não constitui trabalho forçado, o mesmo indica que ocorrem práticas de exploração que poderão conduzir
ao trabalho forçado.
Em resumo, o estudo encontrou provas da existência de trabalho forçado e de tráfico na Zâmbia. Como
resposta, o Governo desenvolveu uma política antitráfico e nova legislação, e constituiu uma comissão interagências para o tráfico humano. A Unidade de Apoio à Vítima do Serviço Policial Zambiano recebeu formação
em pesquisa de casos de tráfico, enquanto serviços sociais do Estado forneciam aconselhamento, abrigo e
proteção às vítimas traficadas. O MLSS está analisando as disposições jurídicas e institucionais para a regulamentação das agências de recrutamento privadas.
66. No norte de Gana, um estudo10 comparativo re-
alizado em diversos distritos, concentrou-se na migração
sazonal e a longo prazo como um mecanismo para lidar
com a pobreza em áreas de monocultura. Concluiu-se
que as pessoas que migravam por motivos de trabalho
sazonal no Sul do Gana estavam expostas ao trabalho
forçado, em particular, homens e mulheres jovens que
trabalhavam em condições de trabalho indignas. Foram
relatadas muitas situações de empregadores que se recusavam o a pagar os trabalhadores migrantes, ou de intermediários e de agentes que os enganavam quanto a
seus salários.
67. Ainda uma outra questão preocupante é a exigência
de trabalho forçado de povos que vivem em florestas, incluindo pigmeus de diversos países da região central da
África. Está em curso uma série de estudos relacionados
a um projeto que visa promover a política da OIT junto
dos povos indígenas e tribais. A pesquisa realizada em
países que incluíam o Congo, o Gabão e os Camarões,
conduziu a conclusões semelhantes de que os pigmeus e
as suas famílias estariam sob o controle efetivo de pessoas não-indígenas, que podiam determinar seu o salário,
caso esse existisse, pelo trabalho realizado.11
68. Muitos países africanos adotaram uma nova legislação antitráfico, como o caso de Moçambique em 2008,
a República Unida da Tanzânia, e a Zâmbia mais tarde,
nesse mesmo ano. Esses são instrumentos legais mais
abrangentes, que fornecem uma boa base para intensificar a ação futura contra o tráfico. Verificou-se igualmente
um crescimento de reuniões de alto nível na região, para
colocar ainda mais em evidência as situações de trabalho
forçado e de tráfico. Na África do Sul, por exemplo, no
lançamento de uma “semana do tráfico humano”, em setembro de 2007, foi acordado que a colaboração entre
a OIT, a OIM, a UNICEF e a UNODC poderiam dar
um melhor apoio à região sul-africana como um todo,
8. CEDEAO Arrêt No. ECW/CCJ/JUD/06/08 de 27 out. 2008.
9. CEACR: Individual observation concerning the Forced Labour Convention, 1930 (No. 29), Mauritania (ratification: 1961), published in 2008.
10. PATWA: Report of Baseline Study on Human Trafficking and Forced Labour in Northern Ghana, ILO, 2005, unpublished.
11. Series of studies conducted by Dr Albert K. Barume under the ILO project to promote the Indigenous and Tribal Peoples Convention, No. 169
(1989), forthcoming.
16
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
enaltecendo acordos transfronteiriços entre os países. Em
junho de 2008, uma conferência antitráfico na capital
Ugandesa de Kampala, reuniu chefes policiais, agentes
de imigração e ajuda humanitária de 11 países da África
Oriental.
69. Em junho de 2008, um workshop regional na África
sobre o trabalho forçado e o tráfico, organizado pela CSI,
em Nairobi, serviu para evidenciar alguns dos desafios.
O trabalho forçado era considerado um problema real,
e em geral crescente; as mulheres, em particular, eram o
grupo social mais vulnerável; a legislação laboral contra
o trabalho forçado estava em vigor, mas era insuficientemente aplicada. O tráfico interno de pessoas também
era considerável na África, e era tão sério como sua dimensão externa. Os países europeus, norte-americanos e
do Oriente Médio, eram referidos como sendo os principais destinos dos migrantes traficados provenientes da
África. Apesar desta conscientização geral, foram realizados alguns estudos sistemáticos dos padrões de trabalho
forçado e de suas causas em países africanos. Um desses
estudos foi realizado pela OIT na Zâmbia a pedido do
Ministério do Trabalho e da Segurança Social, e foi publicado em 2008.12
70. Um estudo conduzido pelo Instituto de Análise
e Pesquisa Política (Quênia) (IPAR) para o Centro de
Solidariedade estabelecido nos Estados Unidos em 2007
salientou a experiência queniana com o tráfico para exploração laboral.13 O Quênia foi identificado como
um país de origem, de trânsito e de destino de tráfico
de mulheres, homens e crianças para trabalho forçado e
exploração sexual comercial. O tráfico interno envolve
maioritariamente crianças e mulheres jovens, que são
traficadas de áreas rurais para áreas urbanas, para serviço
doméstico e prostituição. Havia igualmente provas significativas de movimentos além-fronteiras no leste África
para trabalho doméstico feminino e masculino e para
prostituição com cidadãos quenianos a serem objeto
de tráfico para muitos outros países, a maioria através
de práticas enganosas perpetradas por agências de colocação. O estudo evidenciou o importante papel do movimento laboral queniano no combate ao tráfico.
Ásia
71. Na Ásia, destacam-se três questões particularmente
preocupantes. A primeira remete aos sistemas de persistência da servidão por dívidas, particularmente no
sul da Ásia, apesar de, há bastante tempo, existir uma
legislação que proíbe e pune essas práticas, em conjunto com os mecanismos de identificação, de libertação
e de reabilitação de vítimas de servidão por dívidas. A
segunda é a incidência difundida do tráfico de crianças
para exploração sexual e laboral. A terceira é a evidente
persistência do trabalho forçado na Birmânia/Mianmar,
exercida diretamente pelo Estado e pelas instituições oficiais.
72. Uma característica da Ásia consiste no movimento
migratório de trabalhadores dos países mais pobres
para os países mais ricos da região, bem como de países
asiáticos para o Oriente Médio, Europa e Américas. Nos
maiores países asiáticos, como a China e a Índia, ocorrem movimentos similares em larga escala, das províncias
pobres para aquelas com um crescimento industrial significativo, com uma consequente exigência de trabalho
temporário, e em alguns casos, uma transferência mais
permanente da força de trabalho.
73. Pesquisas recentes revelaram a existência de sistemas de servidão por dívidas em um conjunto de setores
econômicos, incluindo aqueles que vivenciam pressões
econômicas intensas, como a tecelagem artesanal, a moagem do arroz, e outros, como os fornos de tijolos e a
exploração de pedreiras, que se encontravam em franca
expansão. Parte da pesquisa centrou-se em determinados
setores, como por exemplo, as explorações de pedreiras
em Tamil Nadu, na Índia.14 Nesse caso, grande parte da
força de trabalho é constituída pelos migrantes, e a principal característica da gestão do recrutamento e da força
de trabalho é a realização dos pagamentos de adiantamentos de salários por agentes laborais, durante a época
de chuva no local de origem dos trabalhadores. Os adiantamentos são substanciais, sendo muitas vezes equivalentes entre três e sete meses dos rendimentos familiares.
O trabalho é árduo, com horários extremamente longos,
normalmente de seis dias por semana. No final da época,
os trabalhadores são remunerados por peça. Se parte do
adiantamento permanecer não-liquidado, o que muitas
vezes acontece, o trabalhador é obrigado a regressar ao
trabalho na mesma pedreira na época seguinte. Por sua
vez, os agentes laborais recebem uma comissão do proprietário da pedreira por cada mil tijolos produzidos.
74. A sindicalização dos trabalhadores dos fornos de
tijolos resultou em algumas melhorias em alguns casos.
Em um estudo de caso, no qual os trabalhadores dos
tijolos eram membros do sindicato Bharatiya Mazdoor
Sangh (BMS), dos trabalhadores do setor da construção
em Punjab, na Índia, os salários nas pedreiras, onde o
12. C. Fox: Investigating forced labour and trafficking. Do they exist in Zambia?,
Government of Zambia and ILO/SAP–FL, Lusaka, Sep. 2008.
13. Trafficking in persons from a labor perspective: The Kenyan experience, Solidarity Center, Washington, DC, Oct. 2007.
17
O CUSTO DA COERÇÃO
BMS se encontrava ativo, eram um quarto (25%) superiores aos salários oficiais, e o trabalhador também
podia assegurar outros direitos, como fundos de previdência e assistência médica.15 Os estudos apontam para
o papel ambivalente dos agentes laborais na mediação
da relação entre os empregadores e os trabalhadores.16
Normalmente, são originários das mesmas comunidades
dos trabalhadores que contratam, apresentando fortes
laços sociais com eles. Como as suas comissões por vezes
dependem do montante à peça, serão beneficiados por
qualquer aumento. No entanto, registraram-se casos em
que os proprietários das pedreiras, ao perceberem que
os agentes laborais apoiavam as reclamações dos trabalhadores em relação aos seus salários, resolveram o assunto trocando-os por outros agentes de outras regiões.17
75. Reconhecendo que o pagamento de adiantamentos é um sistema profundamente enraizado, que precisa
urgentemente ser analisado, o Governo da Índia, as autoridades Estatais em Tamil Nadu, e as organizações de
empregadores e de trabalhadores iniciaram recentemente
um programa de cooperação com a OIT. Entre outros
objetivos, o programa visava melhorar a transparência
do sistema de adiantamentos, desenvolvendo algumas
regras básicas e abordagens que serviriam aos interesses
das partes envolvidas.
76. No Nepal, a atenção centrou-se até recentemente em
uma forma particular de servidão por dívidas, conhecida
como o sistema Kamaiya, que prevalecia na agricultura
e na região ocidental de Terai. A legislação anterior, que
previa a reabilitação dos trabalhadores afetados por esta
situação e por outros sistemas relacionados com a área
da agricultura, o cancelamento das obrigações pendentes
dessas vítimas de servidão por dívidas, incluía igualmente no seu âmbito outras formas de servidão por dívidas. Na sua grande maioria, estas foram pouco investigadas e documentadas. Uma é o sistema Haliya ou “tiller”,
que, na zona ocidental do Nepal, afeta uma estimativa
de cerca de 20.000 pessoas que estão em dívida para com
os seus patrões, e que recebem pouco ou nenhum pagamento em troca do seu trabalho agrícola e doméstico.
Também se acredita que a servidão por dívidas existe em
setores que incluem o trabalho doméstico, a exploração
de pedreiras, as fábricas de bordados, as casas de chá e
os pequenos restaurantes. Também existem evidências
de tráfico de mulheres e de crianças para áreas urbanas e para outros países, com o objetivo de exploração
sexual comercial. Estas formas de servidão são signifi-
cativamente menos conhecidas, apesar de atualmente o
Governo prestar mais atenção a esses problemas. Uma
política laboral e de emprego adotada em 2005, inclui
entre seus objetivos, a eliminação da servidão por dívidas, e em setembro de 2008, o Governo anunciou que
estava abolindo o sistema Haliya, uma indicação clara
de empenho em uma ação abrangente contra todas as
formas de servidão por dívidas.
77. Dada a complexa natureza da servidão por dívidas
na região da Ásia, poderá ser conveniente realizar uma
abordagem direcionada a determinados setores por
região. Esta abordagem foi efetuada pelo Governo da
província de Punjab, no Paquistão, que, com o apoio
da OIT, analisou um programa integrado de combate à
servidão por dívidas nas explorações de pedreiras.
78. Na China, em uma época de intensa transição
econômica, o estudo conduzido no âmbito dos projetos
da OIT centrou-se em diferentes formas de trabalho
forçado, e procurou igualmente interpretar e aplicar o
conceito de trabalho forçado no atual contexto chinês.
Foram identificadas três principais dimensões. Em primeiro lugar, o trabalho forçado imposto pelo cativeiro
dos trabalhadores, somado a violências físicas e ameaças,
e outras formas de coerção. Estas são situações extremas,
fáceis de identificar mas difíceis de detectar, que ocorrem
principalmente em locais de trabalho e em áreas rurais
isoladas, onde há carência de serviços de inspeção de todo
o tipo de trabalho forçado. Um exemplo bem documentado foi o caso de trabalho forçado detectado em 2007
nos fornos de tijolos em Shanxi. Surgiram acusações
semelhantes de trabalho forçado em outras províncias,
como, por exemplo, em fornos de tijolos e explorações de
pedreiras, que produziam materiais de construção.
79. Em segundo lugar, o trabalho forçado em condições
perigosas, principalmente na indústria mineira. Registraram-se casos em que os salários dos trabalhadores eram
retidos pelos proprietários das minas, ou ameaçados com
multas ou demissões, caso não continuassem a trabalhar,
mesmo quando eram evidentes os sinais de perigo ou de
acidente. Um exemplo grave foi a inundação da mina
de Zuoyun, da província de Shanxi, em 2006, que causou a morte a 56 mineiros. Nesse caso em particular, os
trabalhadores foram ameaçados com multas, caso se recusassem a trabalhar na mina. Como resposta a esta situação, o Código Penal foi alterado, em 2006, no sentido
de penalizar os indivíduos que forcem outros a desempenhar atividades arriscadas. Em terceiro lugar, foram
14. I. Guérin: Corridors of migration and chains of dependence: Brick kiln moulders in Tamil Nadu, in J. Breman, I. Guérin, e A. Prakash (eds), India’s
unfree workforce. Of bondage old and new, OUP, New Delhi, no prelo.
15. A. Prakash: How (un)free are the workers in the labour market? A case study of brick kilns, in Breman et al., op. cit.
16. D. Picherit: Workers trust us! Middlemen and the rise of the lower castes in Andhra Pradesh, in Breman et al., op. cit.
17. A. Prakash, in Breman et al., op. cit., p. 214.
18
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Quadro 2.4.
Compreensão ampliada do trabalho forçado no Brasil
No Brasil, estudos recentes esclareceram ainda mais o perfil dos indivíduos sujeitos ao trabalho forçado. Um
desses estudos incluiu a realização de entrevistas a 121 trabalhadores de quatro estados, principalmente do
Pará e do Mato Grosso, que foram identificados pela Unidade Móvel de Fiscalização como sendo sujeitos a
trabalho forçado, bem como a sete agentes de recrutamento. Descobriu-se que a maioria dos entrevistados se
movimentava constantemente no Brasil, e apenas um quarto residia ainda no estado onde nascera. Quase todos começaram a trabalhar antes dos 16 anos, e mais de um terço antes dos 11 anos, na sua grande maioria
para ajudar os pais na lida nas fazendas. Do total da amostra, 48 foram recrutados através de um amigo ou
por parte de um conhecido, e 33 através de um agente de recrutamento, ou diretamente na fazenda. O Governo do Brasil continuou a publicar a sua “lista negra” dos proprietários individuais e empresas que foram
identificados como utilizadores de trabalho forçado. Esta lista é atualizada semestralmente, encontrando-se
acessível ao público através do Ministério do Trabalho e do Emprego. A política consiste em manter o nome
na lista durante dois anos, e posteriormente removê-lo, desde que o crime não seja repetido e que os salários
sejam devidamente liquidados aos trabalhadores. Em julho de 2008 a lista continha o nome de 212 pessoas
e entidades, principalmente ligados à criação de gado. Uma parte significativa das atividades encontrava-se
ligada a práticas ilegais, que causaram o desmatamento da região amazônica. De fato, muitas dessas propriedades são de substancial dimensão, de até 30.000 hectares ou mais. Grupos acadêmicos e da sociedade
civil utilizaram técnicas criativas para compreender melhor o trabalho forçado. Um exemplo disso é o Atlas
Brasileiro do Trabalho Forçado, compilado pela ONG Amigos da Terra, com o apoio do Governo, da Comissão
Pastoral da Terra da Igreja Católica, e da OIT. Esse atlas utiliza bases de dados provenientes de fontes
governamentais e não-governamentais, para localizar a incidência do trabalho forçado em diferentes áreas
geográficas. Além de apresentar dados referenciados geograficamente em regiões originárias de trabalho
forçado, bem como aquelas de onde foram salvos, o estudo relacionou a incidência do trabalho forçado com
outras condições sócio-econômicas, como o desmatamento, a incidência de homicídios em áreas rurais, e
as taxas de letramento e de pobreza. A partir dessa informação foi desenvolvido um índice da probabilidade
de trabalho forçado. As autoridades governamentais podem utilizar estrategicamente essas descobertas para
planejar e gerir políticas públicas e prestar assistência a essas áreas.
avaliados os casos e as circunstâncias em que as horas
extras obrigatórias pudessem conduzir a uma situação de
trabalho forçado. Em resposta aos relatórios das horas de
trabalho excessivas em empresas de trabalho intensivo em
áreas do sudeste costeiro, as horas extras obrigatórias foram especialmente tratadas em uma Lei do Contrato de
Trabalho, adotada em 2007. De uma forma mais geral,
o Governo adotou várias medidas para melhorar a situação social dos trabalhadores rurais migrantes, incluindo
reformas ao sistema Hukou, do registro dos agregados
familiares e das medidas que permitissem que os trabalhadores migrantes pudessem se sindicalizar.
80. Outras questões incluíam a decisão ilegal da retenção
dos salários pelos proprietários e agentes de recrutamento, salientando também a necessidade de um melhor
acompanhamento das agências de recrutamento. De
acordo com um estudo realizado em 2006 nas províncias
de Zhejiang, Henan, Sichuan e Xinjiang18, cerca de um
terço dos trabalhadores das empresas privadas tinham o
pagamento de seus salários em atraso. E, em um terço
desses casos, o pagamento atrasado de salários foi considerado uma ação deliberada para impedir que os trabalhadores abandonassem a empresa. O estudo da OIT de-
tectou que os trabalhadores rurais migrantes, mais tarde
sujeitos a exploração, foram antes vítimas de recrutamento enganoso ou abusivo. A detecção desses problemas na
emergente economia privada, impulsionou a China para
a realização de reformas legais e políticas, que visassem
a identificação de diferentes formas de exploração e de
trabalho forçado, incluindo a promoção da aplicação da
Lei de Contrato de Trabalho, e o estabelecimento local
de mecanismos de garantia de salários.
81. A Birmânia/Mianmar ainda apresenta circunstâncias
particulares. Com base no Entendimento Complementar alcançado entre o Governo da Birmânia/Mianmar e
a OIT no início de 2007, um agente representante da
OIT teve as facilidades necessárias para avaliar as queixas
de trabalho forçado de maneira objetiva e confidencial;
realizar uma avaliação preliminar no sentido de apurar
se a queixa envolvia uma situação de trabalho forçado;
comunicar esses casos ao Governo, para a sua diligente
pesquisa; e relatar ao o Conselho de Administração do
BIT - Bureau Internacional do Trabalho o número e
tipo de queixas recebidas, bem como os resultados.19
Em novembro de 2008, foram recebidas um total de
120 queixas, 70 das quais foram avaliadas e consideradas
19
O CUSTO DA COERÇÃO
como encontrando-se no enquadramento da definição
de trabalho forçado. Delas, 21 eram casos de trabalho
forçado, sob as instruções das autoridades civis, 10 envolviam trabalho forçado sob as ordens das autoridades
militares, e 39 casos envolviam o recrutamento de menores para as forças armadas. O objetivo acordado consistia na erradicação do trabalho forçado em todas as suas
formas. O mecanismo da queixa é uma ferramenta que
serve esse propósito, concebido para apoiar a aplicação
de leis nacionais, permitindo às vítimas o acesso à justiça,
incluindo o estabelecimento dos seus direitos, a aplicação
de penas adequadas aos criminosos, e permitindo o conhecimento dos seus respectivos direitos e responsabilidades com a mudança de padrões comportamentais.
82. A CSI (Confederação Internacional de Sindicatos)
disponibilizou extensa informação sobre as principais
formas de trabalho forçado na Birmânia/Mianmar. Em
2007, essas foram identificadas da seguinte forma: transportadores de grupos militares ou paramilitares; construção ou reparação de campos e instalações militares;
outro tipo de apoio aos acampamentos, como guias,
mensageiros, cozinheiros e empregados de limpeza; vários projetos de infra- estrutura; e limpeza ou embelezamento de zonas rurais e urbanas.20
83. Estudos clarificaram a existência de trabalho forçado
em diferentes áreas de produção da Ásia, incluindo indústrias que haviam passado despercebidas em estudos
anteriores. Um exemplo é a indústria do camarão e as fábricas de processamento de frutos do mar. Um relatório
de 2006, de co-autoria da OIT e da Universidade Mahidol, de Banguecoque, identificou práticas de trabalho
forçado nos setores de pesca e de processamento de frutos do mar tailandês. Em 2008, um relatório de acompanhamento realizado pelo Centro de Solidariedade dos
EUA, afirmava ter documentado as condições de trabalho forçado nas indústrias de camarão de Bangladesh e da
Tailândia.21
Américas
84. Os países da América Latina tomam cada vez mais
consciência do risco das práticas de trabalho forçado,
particularmente contra os trabalhadores migrantes de
fábricas de trabalho clandestino, ou contra grupos vul-
neráveis, incluindo os trabalhadores domésticos, que migraram de suas próprias comunidades. O fenômeno do
trabalho forçado foi detectado em regiões remotas e desmatadas, bem como em várias indústrias, algumas delas
orientadas para a exportação, incluindo o carvão vegetal,
o ferro gusa, a madeira, e diversos setores agrícolas. Acima
de tudo, a pesquisa da OIT sugere que a forma mais comum de trabalho forçado consiste na servidão por dívidas, na qual os trabalhadores temporários são recrutados
por meio de intermediários informais e não-licenciados,
que atraem os trabalhadores através do pagamento de
adiantamentos, e posteriormente lucram cobrando de
uma série de custos inflacionados. Esse processo pode
acontecer dentro ou fora das fronteiras nacionais.
85. O trabalho forçado na América Latina encontra-se
intimamente ligado aos padrões de desigualdade e de
discriminação, particularmente contra os povos indígenas. A ação de combate a esta situação precisa, assim, ser
incorporada a um enquadramento mais abrangente de
medidas e de programas de redução da pobreza, lutando
contra a discriminação, e promovendo os direitos dos
povos indígenas, bem como a melhoria da situação dos
trabalhadores mais pobres nas zonas urbanas.
86. Apesar de a OIT estimar que a América Latina possui o segundo maior número de pessoas em situação de
trabalho forçado em todo o mundo (depois da Ásia), só
alguns países esforçaram-se sistematicamente para investigar e documentar o trabalho forçado e a sua incidência. No entanto, os fortes esforços realizados por alguns
países, principalmente pelo Brasil e pelo Peru, melhoraram a compreensão do trabalho forçado contemporâneo e as suas causas subjacentes. Esses esforços também
foram acompanhados por medidas políticas e práticas,
no intuito de coordenar a ação de diferentes ministérios
e instituições contra o trabalho forçado, e para definir
e libertar indivíduos em situação de trabalho forçado.
Em novembro de 2008, foi aprovado um Decreto Supremo pelo Governo da Bolívia, o qual dispunha que as
propriedades rurais que utilizassem o trabalho forçado
e a servidão por dívidas, seriam transferidas para o Estado, sob a vigilância do Instituto Nacional da Reforma
Agrária.22
87. No Peru, a primeira pesquisa governamental sobre
o trabalho forçado, foi realizada pelo Grupo Especial de
Inspeção do Trabalho contra o trabalho forçado, criado
18. Survey on employment relations in private enterprises in Zhejiang, Henan, Sichuan and Xinjiang, Institute of International Labour e Information,
China, junho de 2006.
19. The 2007 Supplementary Understanding extended the facilities and support made available to an ILO Liaison Officer under an original Understanding of March 2002.
20. Comunicação de 31 de agosto de 2007, citada no Relatório da Comissão de Peritos para a Aplicação de Convenções e de Recomendações (CEACR), Relatório III (Parte 1A), ILC, 97ª Sessão, Genebra, 2008.
21. The true cost of shrimp, Solidarity Center, Washington, DC, jan. 2008.
20
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Tabela 2.1 – Tráfico de seres Humanos na Ucrânia: formas de exploração
Tipo de exploração
2004
2005
2006
2007
Primeiro semestre de 2008
Sexual
403
558
597
584
229
Laboral
189
232
319
500
306
24
28
15
33
4
Mendicidade
9
10
5
4
8
Atividades criminosas
1
–
1
–
2
Mista
Fonte: Base de dados da OIM de vítimas de tráfico identificadas.
em agosto de 2008. Esse grupo compilou informações
acerca das práticas de recrutamento e das cadeias produtivas do setor florestal e da madeira, na região amazônica
de Loreto, confirmando a existência de trabalho forçado
em explorações de madeira. Esse estudo, o primeiro de
muitos que agora tratam do trabalho forçado em diversos
setores, foi financiado quase totalmente pelo Ministério
do Trabalho e Emprego, com a assistência técnica da
OIT.
88. Na Argentina, os sindicatos chamaram a atenção para
as alegações dos órgãos supervisores da OIT, relacionadas com o tráfico para exploração laboral e sexual.23 Tais
alegações se referem ao tráfico de homens bolivianos,
bem como de suas famílias, para exploração laboral em
fábricas de vestuário de muitos estados argentinos. Os
mecanismos de coerção incluíam a retirada dos documentos de identidade, o trancamento dos trabalhadores
nas instalações fabris, e a obrigação de trabalhar até 17
horas por dia. Depois de um incidente particularmente
grave ocorrido em março de 2006: um incêndio em uma
fábrica que causou a morte de muitos bolivianos, um
programa de inspeção culminou no fechamento de mais
de metade das fábricas inspecionadas. Desde de então, o
governo local de Buenos Aires passou a organizar uma
grande campanha para erradicar essas fábricas clandestinas de produção têxtil. Em abril de 2006 foi implementada uma linha direta gratuita, denominada “O Trabalho
escravo mata”, tendo sido amplamente divulgada na televisão, no rádio, bem como através de grandes outdoors
pelas ruas.
89. Outro problema da América Latina é a imposição
de horas extras obrigatórias sob a ameaça de castigos. Na
Guatemala, por exemplo, a organização de trabalhadores
UNSITRAGUA, chamou a atenção da Comissão de
Peritos da OIT para vários casos dessa natureza, que afetavam diretamente a mão-de-obra tanto do setor público
quanto do privado. As alegações referiam-se principalmente a casos de funcionários que tinham que trabalhar
longos turnos, de até 24 horas, e, que quando se recusavam a trabalhar sob tais condições, podiam ser demitidos
e até mesmo sofrer condenação penal, no caso de funcionários públicos.24
90. Nos Estados Unidos e no Canadá, cada vez mais temse prestado atenção nas condições de trabalho forçado
que possam ser submetidas a trabalhadores estrangeiros
no serviço doméstico, na agricultura e em outros setores
da economia. Em ambos os países, a criação de grupos
de intervenção e o reforço da aplicação da lei contra o
tráfico humano serviram para trazer à tona cada vez mais
casos (ver os últimos capítulos). Apesar de muitos dos
que se encontravam em situações de trabalho forçado
serem migrantes em situação irregular, foram expressas
as preocupações de que os trabalhadores recrutados por
intermediários sob programas oficiais de “guestworker”,
pudessem terminar em situações de servidão por dívidas
quando já estivessem pesadamente endividados e existissem restrições ao seu direito de mudar de entidade
patronal.
Europa e Ásia Central
91. Por toda a Europa, a evidência incidia principal-
mente no trabalho forçado como o resultado de proces-
22. Supreme Decree 29802.
23. CEARC, ILC, 2008, op. cit.
21
O CUSTO DA COERÇÃO
sos de migração irregulares. Enquanto o tráfico para exploração laboral só recentemente foi alvo de atenção por
parte dos responsáveis políticos, essa é a forma de tráfico
predominante na Federação Russa, e, possivelmente, em
alguns países da Europa Ocidental. Determinados países
de origem de pessoas traficadas, como a República Tcheca e a Polônia, parecem agora ter se tornado países de
destino, depois de sua integração à União Europeia.
92. Os novos Estados Membros da UE do Sudeste da
Europa, a Bulgária e a Romênia, permanecem como
países de trânsito e de destino para o tráfico humano.
Muitos países da Europa Central e do Leste Europeu
verificaram um número crescente de vítimas de tráfico
dentro das suas fronteiras nacionais. Apesar de a maioria das vítimas identificadas serem mulheres destinadas à
exploração sexual, atualmente o número de casos identificados envolvendo homens está em crescimento. à medida em que é dada maior atenção ao tráfico para trabalho
forçado nessa região.
93. Na Ucrânia nota-se uma situação semelhante. Em
2004, os casos identificados de exploração sexual eram
mais que o dobro dos casos de exploração laboral. Em
2007, por sua vez, foram identificadas 584 pessoas traficadas para exploração sexual, contra 500 para exploração
laboral, e, nos primeiros seis meses de 2008, o número de
casos de exploração laboral foi superior (ver tabela 2.1).
94. Tendências recentes indicam que a Ucrânia é atualmente um país de trânsito e de destino, bem como
de origem, para pessoas traficadas com objetivos de
exploração laboral e sexual. A maioria dos cidadãos estrangeiros traficados para ou através da Ucrânia durante
os últimos seis anos, são provenientes da República da
Moldávia (quase três quartos do total), seguidos do
Quirguistão, do Uzbequistão e da Federação Russa. A
República da Moldávia continua sendo um importante
país de origem para as pessoas traficadas para vários países de destino da Europa Ocidental, bem como para a
Federação Russa e para a Turquia.
95. No Cáucaso, um estudo realizado no Azerbaijão,
patrocinado pela OIT, detectou algumas alterações recentes. Com o aumento da qualidade de vida no país,
o número de trabalhadores azeris expostos ao trabalho
forçado no exterior parecia estar diminuindo. Por outro
lado, as pessoas que esperavam viajar através do país para
a Europa, com a ajuda de intermediários, foram, em vez
disso, levadas para estaleiros de construção no Azerbaijão, e, posteriormente, deportadas após terem sido localizadas pelas autoridades.
96. Dados recentes obtidos pela Federação Russa e outros países da Comunidade dos Estados Independentes
24. CEARC, ILC, 2008, op. cit.
22
revelaram um regular aumento no número de pessoas
traficadas para exploração laboral. Entre 2002 e 2006,
foram identificadas pela OIM 1.331 pessoas traficadas,
metade das quais para exploração laboral. Permanecem
escassas as informações acerca das tendências na Ásia
Central. No Quirguistão, a Comissão Estatal sobre a
Migração e o Emprego, relatou que as formas mais disseminadas do trabalho forçado estão relacionadas com
a servidão por dívidas e com a retenção dos salários dos
cidadãos quirguistaneses, que trabalhavam no exterior,
nos setores agrícola e da construção, principalmente na
Federação Russa e no Casaquistão.25 No Uzbequistão,
com o seguimento de relatórios difundidos nos meios
de comunicação sobre o uso do trabalho forçado infantil na indústria do algodão, muitos grandes retalhistas e
compradores afirmaram que não comercializariam mais
algodão com esse país.
97. Na Europa Ocidental, um estudo inovador realizado
pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de
Portugal, com a assistência da OIT, fornece um modelo
útil para futuras pesquisas.26 Foca, separadamente, em
primeiro lugar, a exploração laboral dos trabalhadores
migrantes em Portugal e, em segundo lugar, a exploração
laboral e o tráfico de migrantes portugueses em outros
países europeus. As conclusões sugerem que mesmo os
migrantes na Europa em situação regular podem ser expostos à exploração e ao trabalho forçado. No caso português, a maioria era pessoas pouco qualificadas, incluindo minorias de ciganos romanis, que trabalhavam na
agricultura ou em fábricas. As agências de recrutamento
informais e de emprego temporário, que triplicaram o
seu número durante os últimos anos, desempenharam
um papel fundamental na condução dos trabalhadores
portugueses para situações de exploração laboral e de trabalho forçado.
98. Quase todos os países europeus atualmente prestam
certa atenção no fato de as práticas de trabalho forçado
poderem, em algum grau, penetrar nos seus próprios
mercados de trabalho. Em maio de 2007, o Governo
da Suécia realizou um seminário exploratório acerca
do tráfico para trabalho forçado, que reuniu peritos da
Dinamarca, da Finlândia, da Noruega e da Suécia. Era
consensual que o tráfico laboral era um problema relativamente menor nos países nórdicos, em comparação
com outras regiões, que pareciam estar em situação de
maior risco. No entanto, os participantes identificaram
setores e indústrias – a construção, a restauração, o trabalho doméstico, as vindimas no norte da Finlândia e na
Suécia – onde os incentivos para a contratação de trabalhadores estrangeiros em situação irregular poderiam
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Quadro 2.5.
A armadilha da escravidão: um canal crescente do comércio global que engana milhões, levando-os ao
trabalho forçado (in Newsweek, 15 de abril de 2008)
Este é um novo capítulo na história da globalização: uma crescente força de trabalho migratória forçada a
trabalhar em condições no limiar da escravidão. (...) Muitas vezes, as condições em que esses migrantes
trabalham fazem um estatuto de escravidão parecer relativamente agradável. Removidos de suas casas por
agentes laborais que fazem falsas promessas de elevados salários, os trabalhadores traficados dão por si em
uma terra cujo idioma não conhecem, dominados por dívidas incomportáveis, e privados de seu passaporte,
necessário para o regresso a casa. “A antiga forma de escravidão consistia na premissa de que o patrão era
realmente o seu dono”, referiu Rene Ofreneo, Diretor do Centro de Justiça Laboral da Universidade das Filipinas, de Manila. “Mas, atualmente, as agências legais de recrutamento e os empregadores trabalham em
conjunto para enganar os trabalhadores que, vulneráveis e isolados em uma cultura estranha, são forçados a
aceitar condições duras. É nesse contexto que atualmente existe trabalho forçado local.”
criar um terreno fértil para o trabalho forçado e para o
tráfico. Os oradores salientaram de forma consistente a
necessidade de melhorar as regulamentações laborais,
principalmente aquelas relativas à sub-contratação, e a
abertura dos mercados nórdicos bem regulamentados
para os novos trabalhadores não-nacionais.27
Oriente Médio
99. Verifica-se por toda a região do Oriente Médio, um
sólido crescimento de relatos de situações relacionadas
com o tráfico humano em particular e, a um grau inferior, com o trabalho forçado. Como muitos países adotaram novas leis contra o tráfico, por vezes apoiados por
mecanismos de coordenação ministerial, esse fato conduziu a uma maior atenção para as situações que, pelo
menos até muito recentemente, pareciam ser muito raras
perante a opinião pública. O nosso Relatório Global anterior evidenciou as condições de algumas pessoas que
prestam serviços domésticos nessa região, dado que a
ausência de garantias nos sistemas de recrutamento poderiam, em alguns casos, expô-los a situações de tráfico.
100. As preocupações também se extenderam até a falta
de garantias gerais no recrutamento e a colocação de
migrantes para contratos de trabalho temporário nessa
região. Apesar de a questão das garantias adequadas afetar todos os países que contam com o trabalho migrante
para determinados tipos de trabalho, são de particular
importância para países como os Estados do Golfo,
tendo em conta a enorme percentagem de trabalhadores
migrantes em relação às suas populações nacionais. Nos
últimos anos, alguns países dessa região foram alvo de
relatórios críticos, que alegavam, por exemplo, um
grande número de situações com duras condições de trabalho no setor da construção e na indústria do vestuário,
ou sugerindo que o sistema Kafeel de responsabilidade
individual do empregador para a contratação temporária
de trabalhadores seja desencadeador do trabalho forçado
e do tráfico. Estas são situações complexas, pelas quais
os governos da região recentemente se integraram consideravelmente com o BIT, na tentativa de promover os
princípios e direitos fundamentais em um plano mais
geral do trabalho, ou melhorar os sistemas de gestão da
migração. Por um lado, o nível de consciência do problema do trabalho forçado nos países do Golfo é baixo
entre o público em geral e entre muitos funcionários, e
existe uma certa relutância em aceitar que existem abusos
que possam, de fato, constituir trabalho forçado e tráfico.
Muitos governos contentam-se em reagir à pressão atual
e a relatórios específicos, em vez de agirem por antecipação e atacarem os problemas na raiz, adotando recomendações. Por outro lado, alguns governos dos Estados
do Golfo e da vasta região do Oriente Médio deram passos positivos quanto à formação, análise, reformas legais
e políticas, e mecanismos de implementação.
Problemas específicos
101. Esta seção não propõe incluir todas as questões sobre o trabalho forçado atual, como acontece, por exemp-
25. B. Hancilova: The dimensions of forced labour and trafficking in persons in Kazakhstan, Kyrgyzstan and Uzbekistan, relatório não-publicado
preparado para a ILO SAP–FL, feb. 2008.
26. S. Pereira e J. Vasconcelos: Tráfico humano e trabalho forçado: estudos de caso e respostas de Portugal, OIT, Genebra, 2008.
27. Seminário de Peritos Nórdicos sobre o Tráfico para Trabalho Forçado, Ministério do Emprego, Governo da Suécia, Estocolmo, dezembro de 2007.
23
O CUSTO DA COERÇÃO
lo, com a General Survey de 2007. Em vez disso, concentra-se em uma gama limitada de questões que atraíram
atenção considerável nos últimos anos, e que poderiam
ser vitais para o BIT ajudar a identificar os problemas, no
quadro de uma futura cooperação técnica. Uma primeira
questão consiste na contribuição que pode ser atribuída
ao risco de trabalho, causado por sistemas inadequados
de contratação e de recrutamento, incluindo aqueles
praticados para com os trabalhadores migrantes. A situação dos trabalhadores marítimos e dos trabalhadores
dos serviços domésticos levantam outras questões.
Contratação laboral e recrutamento
102. Os mecanismos inadequados de recrutamento e
de colocação de trabalhadores podem resultar em exploração laboral, incluindo o trabalho forçado. A relação
entre os esquemas informais de colocação e a servidão
por dívidas em locais da Ásia e da América Latina foi
há muito tempo reconhecida. É também igualmente
aceito que os trabalhadores que emigram através de intermediários ilegais, muitas vezes encontrando apenas
trabalho clandestino nos países de destino, encontram-se
em particular risco de trabalho forçado.
103. Nos últimos anos, uma nova questão atraiu a atenção de organizações governamentais, de empregadores
e de trabalhadores, e também foi debatida na literatura
acadêmica e política. Trata-se dos trabalhadores que migram através de canais perfeitamente legais, até mesmo
utilizando agências de recrutamento licenciadas, contratadas por programas laborais reconhecidos oficialmente
no país de destino, e que podem também ser expostos ao
trabalho forçado, a menos que sejam tomados os devidos
cuidados.
104. Um número de publicações sindicais e relatórios
de ONGs evocam já essas questões. No entanto, foram
salientados mais vigorosamente os pontos de uma série
de relatórios do Governo dos EUA, os relatórios anuais
“Tráfico de Pessoas”, publicados pelo Departamento de
Estado dos EUA, como parte dos seus esforços no combate ao tráfico humano em todo o mundo. O relatório de
2006 visava esclarecer o “tráfico laboral através do recrutamento global”, particularmente na Ásia e no Oriente
Médio. Argumentou-se que uma percentagem dos trabalhadores migrantes, após a chegada, enfrentava agências de emprego sem escrúpulos ou empregadores que
os colocavam em uma situação de servidão involuntária,
que “se transformou em trabalho forçado ou em trabalho
em cativeiro, dependendo das ferramentas de coerção
utilizadas para obrigar os trabalhadores a entrarem ou a
continuarem em uma situação de servidão”. O relatório
identificou o uso de certas medidas abusivas, incluindo:
alteração das condições de trabalho estipuladas nos contratos assinados antes dos trabalhadores abandonarem
seu país natal; confiscação e retenção de documentos de
viagem; cativeiro; ameaças físicas; e retenção de salários.
Observava ainda que os elevados custos de transação
impostos para o trabalho no exterior poderiam vulnerabilizar os trabalhadores migrantes para uma situação de
servidão por dívidas. Quando somados a práticas exploradoras por parte de agentes laborais sem escrúpulos
ou de empregadores no país de destino, esses custos ou
dívidas, quando excessivas, tornavam-se uma forma de
servidão por dívidas.
105. O relatório de 2007 do Departamento Estatal, ao
prosseguir com essa análise, estudou as ligações entre leis
de patrocínio e o trabalho forçado. Analisou as formas
através das quais os patrocinadores poderiam abusar dessas leis nos países de destino, por exemplo, ameaçando
os trabalhadores com prisão, caso eles tentassem queixar-se das condições abusivas ou do prolongado nãopagamento de seus salários. O relatório mais recente de
2008 identificou diferentes estratégias através das quais
os países de origem e de destino poderiam opor-se ao
tráfico dos trabalhadores migrantes trasnacionais, encorajando os governos a “colaborar com o BIT, no âmbito
de seu mandato de eliminação do trabalho forçado ou
obrigatório”. As estratégias propostas incluíam o recrutamento nos países de origem e de destino, a identificação
das vítimas e suas queixas, em conjunto com a prevenção
do abuso do contorno da lei, em países de destino.
106. Como o BIT abordou essas questões? De diversas
formas, através de esforços combinados, com base nos
seus programas de gestão das migrações, do trabalho
forçado e da aplicação de normas. Em primeiro lugar,
investigou a forma como esses sistemas funcionavam na
prática em diferentes partes do mundo. Foram investigadas as agências privadas e os sistemas de recrutamento
em áreas e países, incluindo a Ásia Central, o Cáucaso,
e a Federação Russa. Também se realizaram estudos em
Bangladesh, na Índia e no Paquistão, analisando principalmente a experiência dos trabalhadores desses países
contratados temporariamente nos Estados do Golfo.
Foram apresentadas algumas conclusões no Fórum do
Golfo sobre o Trabalho Contratual Temporário, realizado em Abu Dabi, no início de 2008. Em segundo
lugar, os funcionários governamentais receberam uma
28. R. Plant: Temporary contract labour in the Gulf States: Perspectives from two countries of origin, paper presented at Gulf Forum on Temporary
Contractual Labour, Abu Dhabi, 23–24 January 2008.
24
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Quadro 2.6.
Orientações do COMMIT para a sub-região do Grande Mekong
Honorários por serviços de recrutamento
• Os governos e as agências de recrutamento deveriam tentar minimizar os custos do recrutamento e da
contratação de migrantes, que devem ser pagos pelos trabalhadores e empregadores.
• As taxas para as agências de recrutamento devem ser custeadas pelos empregadores. Quando tal não for
possível, os governos, em consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores, devem regulamentar a taxa máxima pelos serviços que as agências de recrutamento devem cobrar aos trabalhadores.
• As agências de recrutamento devem apresentar aos empregadores e trabalhadores todos os custos e
condições do negócio, assegurando a transparência dos custos (por exemplo, custos relacionados com a
documentação), e as taxas pelo serviço de recrutamento.
• Os governos devem regulamentar e acompanhar a forma através da qual as agências de recrutamento
poderão deduzir os honorários dos salários dos trabalhadores.
• Os empregadores e as agências de recrutamento têm que obter o consentimento escrito por parte dos trabalhadores para poderem realizar as deduções dos seus salários e assegurar que os trabalhadores tenham
total acesso às suas contas poupança a qualquer altura.
• Os empregadores ou as agências de recrutamento que fazem a gestão das deduções salariais dos trabalhadores devem solicitar declarações por escrito aos trabalhadores sobre o seu salário bruto e todas as
deduções.
• Os governos devem promover o próprio estabelecimento, das instituições financeiras ou de outras organizações de financiamento, de facilidades de crédito com juros baixos aos trabalhadores que não podem
custear os honorários das agências de recrutamento.
formação aprofundada para o reforço de capacidades,
incluindo os inspetores do trabalho, bem como empregadores e sindicatos. É o caso, por exemplo do programa realizado na Jordânia, como resposta às alegações
de que os trabalhadores migrantes asiáticos tinham sido
sujeitos a trabalho forçado e ao tráfico em indústrias de
exportação. O Governo recebeu assistência na elaboração de uma nova lei sobre o tráfico, na alteração do
seu Código do Trabalho e no estabelecimento de uma
Comissão Interministerial sobre o Tráfico. Em outubro
de 2008, essa Comissão acordou estabelecer uma unidade conjunta, que combinasse os poderes de aplicação
da lei dos inspetores do trabalho e dos funcionários da
segurança pública, para facilitar a pesquisa de crimes de
tráfico e a sua denúncia às autoridades oficiais. O BIT
abordou igualmente essas questões com inspetores do
trabalho e funcionários do serviço de estrangeiros e de
segurança pública em outros países de origem ou de destino para os trabalhadores contratados temporariamente,
incluindo a China, diversos Estados do Golfo, os Estados
Unidos e o Vietnã. Da mesma forma, conduziu uma detalhada análise documental desses assuntos. O estado do
conhecimento sobre essas questões pode ser resumido,
com base nos instrumentos da OIT acerca do trabalho
forçado e de outros tópicos relacionados, como a seguir
se descreve.
Honorários por serviços de recrutamento e de
colocação
107. A Convenção (No. 181) sobre Agências Privadas
de Emprego da OIT, 1997, estabelece como princípio
básico que as agências privadas de emprego não devem
cobrar direta ou indiretamente, no todo ou em parte,
quaisquer taxas ou custos aos trabalhadores. Nos interesses dos trabalhadores em questão, e após consultar as
organizações de empregadores e de trabalhadores mais
representativas, a autoridade competente pode autorizar
exceções a esse princípio, em relação a certas categorias de trabalhadores, bem como a tipos específicos de
serviços prestados pelas agências de emprego privadas.
108. Em certas regiões, o diálogo entre os governos e
outros investidores resultou em orientações mais detalhadas. Um exemplo consiste nas orientações recomendadas
para a política de recrutamento em prática na sub-região
do Grande Mekong, negociadas com vários investidores
como parte da Iniciativa Ministerial Coordenada do Mekong contra o Tráfico (COMMIT).
109. Mais importante, a Confederação Internacional das
Agências Privadas de Emprego (CIETT) reconhece, no
seu próprio código de conduta, o princípio do respeito
pela prestação de serviços gratuitos àqueles que procuram
trabalho. O CIETT também assumiu compromissos específicos para a prevenção do tráfico humano.
25
O CUSTO DA COERÇÃO
110. Na prática, muitos migrantes pagam honorários de
colocação que podem ser muito elevados, se comparados
com os ganhos antecipados. Um estudo de 2005 realizado pela ONG Verite dos EUA, baseado principalmente
em entrevistas realizadas a migrantes que haviam regressado de quatro países asiáticos, constatou que, enquanto
os limites legais das taxas eram geralmente de um mês de
salário, as taxas de fato liquidadas variavam entre 1,8 a
4,8 meses de salário. Para financiar esses honorários, os
migrantes tiveram que recorrer a empréstimos de diversas fontes com juros. Como os juros eram muito elevados, por vezes até 60%, eles podiam demorar entre dez
meses a três anos para liquidar esses empréstimo.29
111. A pesquisa do BIT sobre os migrantes regressados
dos Estados do Golfo, conduzida em 2007 em Bangladesh e no Paquistão, concluiu que a experiência da
maioria dos migrantes foi positiva. No entanto também
demonstrou que os custos elevados da migração a estavam tornando menos lucrativa, em termos financeiros,
para os trabalhadores. Em Bangladesh, onde a média
dos custos era em torno de US$1.400 para os homens, e
metade desse valor para as mulheres, o custo total da migração subiu mais de 130% entre 2000 e 2007, e, geralmente, não foi equilibrado por uma subida de rendimentos. No Paquistão, o custo médio total para as pessoas
que trabalhavam no exterior era de US$1.000, 12 vezes
superior ao limite definido pelo Governo do Paquistão.
A maioria dos migrantes paquistaneses pagou todos os
honorários previamente, e metade deles financiou os custos da migração com as suas próprias economias.
Canais e mecanismos de recrutamento
112. Enquanto algumas pessoas utilizam as agências de
recrutamento licenciadas para procurar emprego em lugares distantes do seu próprio país ou no exterior, muitos
não o fazem. O recrutamento inicial é normalmente realizado através de agentes de pequena escala. O papel desses intermediários pode variar, dependendo da existência
de livre circulação de mão-de-obra ou exigência de visto.
As pessoas provenientes dos países da Ásia Central, que
procuram emprego, não necessitam de vistos para trabalhar na Federação Russa, apesar de terem que se registrar
por motivos de residência e de trabalho. Por exemplo,
no Tajiquistão, onde o fluxo anual estimado de trabalhadores migrantes é de mais de meio milhão, as agências
privadas de recrutamento só colocam alguns milhares de
trabalhadores em empregos no exterior. O recrutamento
e a colocação laboral são conduzidos através de redes de
29. Protecting overseas workers, Verité Research Paper, Dec. 2005.
26
agências de recrutamento informais, sendo muitas vezes
elas constituídas por antigos migrantes, através de contratos com empregadores russos. Os migrantes podem
pagar aos intermediários uma soma equivalente a metade do seu salário durante os meses iniciais, por diversos
serviços, incluindo o registro e o contato com os empregadores. Uma pesquisa realizada na Federação Russa, incluindo grupos de trabalhadores migrantes considerados
vulneráveis ao tráfico, revelou que 90% dos migrantes
procuram trabalho através de redes informais, enquanto
menos de 5% utilizam agências públicas ou privadas.
113. No Sul da Ásia, os “sub-agentes” normalmente operam sob a proteção de agências maiores e oficialmente
reconhecidas. Os agentes locais de recrutamento podem
simplesmente transferir o trabalhador para uma agência
maior, em troca de uma taxa; podem também fornecer
outros serviços, como a aquisição de passaportes e de
documentos de identificação, vistos ou outras autorizações. Na Índia, onde a contratação de mão-de-obra se
faz em um mercado laboral largamente informal, perto
de metade dos migrantes estrangeiros podem contar com
agentes não-registrados. Em Bangladesh, na Indonésia e
no Paquistão, os migrantes usam um misto de canais,
incluindo redes familiares, agências de recrutamento registradas, e um grande número de agentes laborais informais ou de “sub-agentes”. Esses últimos podem realizar o
recrutamento em nome das agências licenciadas, apesar
da legislação nacional o proibir. Mas também podem
realizar as suas próprias atividades de recrutamento, a
pedido dos empregadores de certos países de destino,
juntamente com serviços adicionais, incluindo o fornecimento de vistos e de passagens. Muitos desses acordos
estão fora do controle das agências oficiais responsáveis
pela proteção aos trabalhadores migrantes nos países emissores.
114. Na China, um estudo realizado pelo BIT faz a distinção entre os trabalhadores organizados que migram através de canais legais, e aqueles que usam intermediários
laborais ou canais individuais. Quando são utilizados
canais ilegais, as taxas dos passadores podem chegar a
US$70.000 para viajar para os Estados Unidos. Aqueles
que viajam para países asiáticos vizinhos pagam valores
muito mais baixos. As empresas privadas têm se envolvido
cada vez mais na exportação de trabalho. O Governo realizou esforços evidentes para exercer um maior controle
sobre a colocação laboral no exterior, criminalizando a cobrança dos honorários de recrutamento aos trabalhadores,
e incluindo medidas eficazes de aplicação da lei. A proliferação de pequenas e médias agências regionais tem, no
entanto, dificultado uma adequada supervisão.
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Contratos de trabalho
Impedir a restrição e a coerção
115. Muitos trabalhadores sazonais e migrantes nunca
assinam contratos de trabalho escritos, contando exclusivamente com os acordos verbais com as agências de
recrutamento. Em Bangladesh, um estudo acerca dos
migrantes transfronteiriços30, concluiu que cerca de
90% dos inquiridos não receberam qualquer contrato
escrito antes de emigrarem, independentemente do seu
tipo de visto. No Paquistão31, mais de 60% daqueles
que migraram através de amigos e familiares e mais de
20% daqueles que migraram com um visto direto só tinham um contrato verbal. Outros trabalhadores migrantes assinavam contratos, mas não estavam autorizados a
guardá-los, ou recebiam contratos em um idioma que
não compreendiam.
116. Ao chegarem aos países de destino, os migrantes
encontravam muitas vezes condições de trabalho substancialmente diferentes das definidas nos seus contratos de trabalho originais, quer por escrito, quer verbais.
Uma pesquisa realizada na Índia a migrantes que regressaram32 concluiu que, em 12% dos casos, os empregadores insistiram em fazer contratos totalmente novos.
A imposição era mais elevada, de quase um quinto, no
caso daqueles que tinham migrado através de agências de
recrutamento. Uma pesquisa realizada no Paquistão33,
assinalou as diferentes formas através das quais são assinados novos contratos, à chegada dos trabalhores aos países
de destino no Golfo. No primeiro caso, é preparado um
novo contrato com as condições claras, para ser assinado
pelos migrantes. No segundo caso, no ato do pagamento do primeiro salário, os migrantes recebem um novo
contrato e documentos adicionais para serem assinados,
no entanto, a maioria dos trabalhadores não têm consciência de seu conteúdo. Acima de tudo, estima-se que
os salários, de acordo com os novos contratos, são 10%
inferiores em relação aos contratos originais assinados no
Paquistão.
117. Também foram registrados casos extremos de recrutamento fraudulento, com consequências trágicas.
Um caso bem divulgado envolvia trabalhadores nepaleses, originalmente recrutados em 2004, que esperavam
trabalhar como pessoal de cozinha na Jordânia. Seus passaportes foram retirados e enviados para o Iraque, onde
todos os trabalhadores, exceto um, foram posteriormente
raptados e assassinados. Embora esses casos sejam excepcionais, representam um motivo evidente para que sejam assumidas fortes medidas preventivas contra práticas
fraudulentas.
118. As práticas coercivas podem começar no próprio
país de origem. Em certos países asiáticos, as agências de
recrutamento mantinham “centros de reagrupamento”
ou campos de treino, onde os potenciais migrantes eram
colocados no período entre seu recrutamento e a colocação no exterior. Foram elaborados relatórios que indicavam restrições à liberdade de movimentos às pessoas
retidas nesses centros, muitas vezes mulheres preparadas
para serviços domésticos no exterior. Na Indonésia, por
exemplo, os trabalhadores migrantes domésticos normalmente passavam até seis meses nesses centros, por vezes
sendo exigido que trabalhassem por um pagamento mínimo ou nulo. Aparentemente, as agências, que tiveram
gastos ao pagar aos agentes laborais informais encarregados do recrutamento inicial e que não recebem qualquer
pagamento até que o trabalhador doméstico tenha sido
colocado em um trabalho no estrangeiro, impõem essas
restrições a fim de impedir perdas de investimento.
119. Nos países de destino, a informação sobre as
condições na prática é muitas vezes fragmentada. Tem
havido exemplos de restrição e de coerção, no âmbito
de diferentes tipos de contratos de trabalho temporário.
Muitas vezes os limites entre as práticas legais e ilegais são
difíceis de identificar, pois as agências legalmente registradas podem envolver-se em práticas sem escrúpulos, à
margem da lei. Além disso, é impressionante que tantos
países tenham experimentado algum tipo de problema
relacionado com os seus mecanismos e programas especiais responsáveis por trazer trabalhadores temporários
do exterior. Mesmo quando os esquemas oficiais são administrados por leis e regulamentações, ocorrem casos
documentados de práticas abusivas por parte das agências que fornecem os trabalhadores aos empregadores.
120. Pode ser difícil identificar o relacionamento exato
entre esses agentes, que estão principalmente preocupados com o recrutamento e com o transporte para o país
de destino, com a colocação no país de destino, e com o
trabalho efetivo para os trabalhadores contratados. Uma
análise independente de um esquema de vistos especiais
para migrantes temporários, conduzida pelo Governo da
Austrália em 2008, salientou alguns desses dilemas.34
Constatou, por exemplo, que os agentes de migração
podem cobrar honorários elevados, muitas vezes pagos
antes da chegada ao país de destino, as quais um empregador pode nunca vir a ter conhecimento. Também
detectou muitos casos de fraude cometidos por esses
agentes, como a cobrança de valores excessivos aos em-
30. R. Afsar: Unravelling the vicious cycle of labour recruitment: Migration from Bangladesh to Gulf countries, pesquisa da OIT não publicada, 2008.
31. G.M. Arif: Recruitment of Pakistani workers for overseas employment: Mechanisms, exploitations and vulnerabilities, Pakistan Institute for Development Economics, pesquisa da OIT não-publicada, 2008.
27
O CUSTO DA COERÇÃO
pregados e aos empregadores pela renovação de vistos
que ainda se encontravam válidos, e identificou outras
formas em que os empregadores, que podem eles próprios ter incorrido em custos consideráveis para patrocinar
os titulares dos vistos, passavam os custos para os trabalhadores, realizando deduções regulares dos seus salários.
Nesses casos, a análise foi submetida a um painel consultivo, que abrangia representantes de governos estatais,
grupos empresariais, industriais e sindicatos, para aconselhamento sobre reformas futuras.
121. Um programa realizado nos Estados Unidos permite que os empregadores contratem trabalhadores estrangeiros com vistos temporários quando eles não encontram trabalhadores nacionais para desempenhar os
trabalhos disponíveis.35 Os empregadores utilizaram
agências privadas, situadas na América Central e em outros locais, sobre cujas atividades exercem pouco ou nenhum controle. Em alguns casos extremos, o tratamento
desses migrantes deu origem a processos judiciais. Como
resposta, foi implementado um projeto de legislação perante o Congresso dos EUA em 2007, que exigia o relato
claro e fiável das condições de trabalho dos trabalhadores
recrutados, criminalizando a cobrança de honorários de
recrutamento aos trabalhadores, e incluindo medidas
efetivas de aplicação da lei.
122. Os esquemas de patrocínio conferem ao patrono,
que tem em sua posse o visto de trabalho, um controle
significativo sobre o trabalhador. O comércio ilegal desses
vistos tem sido considerado um problema, sendo um assunto que suscita certa preocupação nos Estados do Golfo, por exemplo. Alguns empregadores estão diretamente
envolvidos nesse negócio; outros transferem seu trabalho
de recrutamento para empresas de colocação laboral, as
quais, por sua vez, comercializam os vistos a agências de
recrutamento localizadas nos países emissores. Os custos
são então passados para os potenciais migrantes, através
do inflacionamento dos custos dos vistos.
123. Em qualquer situação nacional, há a necessidade
de uma análise cuidada em relação aos aspectos de uma
relação de recrutamento e de emprego que possa ter elementos coercivos. É excessivamente simplista argumentar que o trabalho forçado diz principalmente respeito às
atividades ilegais, enquanto as atividades legais são necessariamente isentas de coerção. Na China, por exemplo,
onde os pagamentos aos agentes de recrutamento são,
muitas vezes, os mais elevados do mundo, muito da literatura acerca da migração chinesa salienta a natureza estri-
tamente voluntária e consensual do processo.36 Apesar
dos elevados pagamentos resultarem em endividamento
durante um período fixo de tempo, esse fato é muitas
vezes compreendido como uma escolha racional, na qual
é evidente que a coerção tem um papel diminuto ou inexistente.
124. Também é importante analisar a forma através
da qual estas dívidas são normalmente reembolsadas.
Em muitos casos, os trabalhadores migrantes realizam
o pagamento em dinheiro às agências de recrutamento,
antes de emigrarem, recorrendo às suas próprias economias, vendendo propriedades e outros bens, e pedindo
dinheiro emprestado a familiares ou outros. Em outros
casos, o reembolso dos adiantamentos pode ser realizado
através de deduções salariais.
125. No que se refere ao valor médio desses pagamentos, à forma como estas dívidas são reembolsadas, e à
identidade dos beneficiários desses pagamentos, estão
disponíveis algumas informações sobre alguns países específicos. Por exemplo, na Indonésia, os trabalhadores
domésticos que se encontram nos centros no país assinam os documentos antes de sua partida, indicando
sua vontade de que sejam realizadas deduções aos seus
salários, pagos diretamente pelo empregador à agência
de recrutamento durante os primeiros meses de seu trabalho. Os pagamentos podem cobrir dívidas de um vasto
conjunto de custos de transação, incluindo: comissão do
intermediário, acomodação e consumo no centro de exploração, formação, exames médicos, emissão de passaportes e documentos de identificação, recomendações do
escritório de mão-de-obra, fornecimento de contrato de
trabalho, despesas ligadas à isenção de impostos, seguro,
aquisição de passagens antes da partida e despesas associadas. As deduções variam de acordo com as qualificações
do trabalhador doméstico e com o salário esperado. No
caso de ser a primeira vez e de se tratar de trabalhadores
menos qualificados, podem ser deduzidos 90% do salário
durante os primeiros nove meses de trabalho no exterior para cobrir as taxas de agenciamento. Além disso,
nos casos em que as agências de recrutamento recebem
adiantamentos por parte dos potenciais empregadores
e migrantes, é comum os empregadores passarem esses
custos para os trabalhadores domésticos, através de novas
deduções salariais.
126. Nos próximos trabalhos acerca dessas questões, é
importante desenvolver um estudo mais sistemático do
conjunto de despesas cobradas quer por parte dos órgãos
32. S. Rajan; V. Varghese; M. Jayakumar: Overseas recruitment practices in India, Research Unit on International Migration, Centre for Development
Studies (CDS), Thiruvananthapuram, Ministry of Overseas Indian Affairs (MOIA), Government of India, 2009.
33. G.M. Arif, op. cit.
34. Visa Subclass 457 Integrity Review, by Ms Barbara Duggan, Ministry for Immigration and Citizenship, Government of Australia, Canberra, Oct.
2008.
28
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
governamentais quer por parte das agências de recrutamento privadas; a sua relação com os ganhos antecipados, incluindo o salário mínimo; os meios através dos
quais esses são reembolsados, incluindo as deduções salariais; e a forma pela qual os governos controlam esses
processos com vista a prevenir abusos.
Desafios futuros
127. Há uma crescente conscientização de que muitos
acordos atuais para o recrutamento de trabalhadores
temporários apresenta graves deficiências. Em parte,
isso devem-se aos vazios existentes nas leis laborais, que
falham em articular as responsabilidades respectivas dos
agentes de recrutamento e dos empregadores finais, e em
providenciar garantias contra práticas abusivas, incluindo o trabalho forçado. Também existem muitos casos
em que a regulamentação detalhada acerca da cobrança
de honorários não é simplesmente cumprida, e os trabalhadores podem, na prática, pagar dez vezes mais, ou
ainda mais, do que o valor máximo previsto nas leis e
regulamentações nacionais.
128. Foram aplicadas muitas sanções contra práticas
abusivas ou fraudulentas, e pedidos para um maior reforço. No entanto, na maioria dos casos, é necessário
maior clareza a respeito da situação da legislação nacional
antes que a lei seja aplicada com mais vigor.
129. A entrada em vigor das disposições do código
penal, com a aplicação de pesadas penalizações, pode
ser necessária nos casos de maior gravidade. No entanto, antes de delinear as leis e de procurar a sua efetiva
aplicação, é essencial gerar um consenso em relação às
práticas aceitáveis, através de consulta entre governos
e representantes de organizações de empregadores e de
trabalhadores. Esses são desafios fundamentais, embora
difíceis para os parceiros sociais, que procuram não só
impedir o trabalho forçado no comércio e nas cadeias
de fornecimento, mas também contribuir para um enquadramento regulamentado, que concilie a eficiência
empresarial com a proteção dos direitos humanos e os
direitos fundamentais dos trabalhadores. 130 As normas
da OIT sobre o trabalho forçado podem fornecer certos
indicadores, que poderão orientar a aplicação política e
legal. Mais recentemente, em 2007, a Comissão de Peritos da OIT esclareceu sua posição a respeito da coerção
indireta à qual os trabalhadores migrantes podem ser
particularmente sujeitos.37 Em alguns dos casos acima
referidos, ocorreu uma inequívoca coerção. No entanto,
muitas vezes, tal não acontece. O retrato global parece
ser o de uma variedade de agentes que utilizam estratégias criativas, muitas vezes agindo à margem da lei, no
intuito de extorquir grandes somas de dinheiro de uma
força de trabalho vulnerável.
131. Casos individuais, que são considerados crime penal de trabalho forçado, só podem ser determinados através da instauração de processos e de decisões dos tribunais, caso haja algum enquadramento legal para detectar
esses casos de abuso. Estas questões são tratadas no capítulo seguinte, que analisa os respectivos papéis da justiça
penal e dos tribunais do trabalho.
132. O próximo passo consiste em negociar a resposta
política adequada, possivelmente incluindo novas regulamentações e mecanismos de controle, através do diálogo social tripartido. No Reino Unido, por exemplo, foi o
diálogo social que conduziu ao consenso entre diferentes
investidores sobre a necessidade de licenciar os “gangmasters” dos setores agrícolas e da pesca. A recente iniciativa australiana em criar um painel consultivo tripartido
em seu programa temporário de vistos aos trabalhadores,
foi já acima salientada. Em uma esfera mais global, também houve um espaço de diálogo entre empregadores e
sindicatos. Em novembro de 2008, os membros da Organização Sindical Mundial (UNI) da União Global e da
CIETT — incluindo grandes empresas como a Adecco,
a Kelly Services e a Manpower — lançaram um diálogo
social global no intuito de obter condições justas para
a indústria das agências de trabalho temporário, inter
alia, para prevenir a concorrência desleal das agências
que recorrem a práticas fraudulentas e combater o tráfico humano. Ambas as partes expressaram o seu apoio
ao estabelecimento de um enquadramento regulamentar
adequado para a indústria.
133. Um diálogo político esclarecido desse tipo, apoiado
por análises rigorosas acerca das formas como esses sistemas de contrato de trabalho funcionam na prática, e
também a opinião de todas as partes sobre a relação de
trabalho, irão preparar o terreno para uma melhor orientação global a respeito de temas tão controversos, como
a cobrança de taxas excessivas, que constituem o âmago
de diversos problemas que trabalhadores vulneráveis atualmente enfrentam.
35. O programa H-2, introduzido em 1986, tem dois componentes, nomeadamente o programa agrícola H-2A e o programa não agrícola H-2B. Os
trabalhadores são predominantemente provenientes do México, seguidos pela Guatemala e Jamaica.
36. Ver por exemplo, S.X. Zhang: Chinese human smuggling operations: Families, social networks and cultural imperatives, Palo Alto, CA, Stanford
University Press, 2008.
29
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 2.7.
Estimar os custos da coerção: a metodologia
Na ausência de estimativas novas fiáveis sobre o trabalho forçado desde aquele momento, o número de
vítimas desta estimativa deriva dos dados apresentados no Relatório Global de 2005, adicionando o número
de vítimas de exploração econômica forçada, juntamente com metade do número de vítimas de várias ou
indeterminadas formas de exploração.
O pagamento insuficiente de salários em uma dada região é estimado como a soma do pagamento insuficiente dos salários nos principais setores de atividade onde se considera ser mais provável a ocorrência do
trabalho forçado, nomeadamente na agricultura, na indústria e nos serviços. Para cada setor, o pagamento
insuficiente é definido como a diferença entre a parte do valor total, adicionado do setor contabilizado por
trabalho, e os custos globais de contratação. Dividindo esse número pelo número de trabalhadores desse setor, podemos calcular o valor que deixou de ser pago a cada trabalhador. Como os dados econômicos sobre o
valor acrescentado e os custos de contratação são de âmbito nacional, os dados regionais foram calculados
na base de dois ou três países por cada região. Posteriormente, assumimos que a distribuição do trabalho
forçado pelos três setores de atividade na região podem ser extrapolados a partir da distribuição geral dos
trabalhadores dos países selecionados. Os dados regionais relativos ao pagamento insuficiente de salários em
cada setor são calculados multiplicando o a parte não-paga de salários por cada trabalhador de cada setor,
pelo número de vítimas de trabalho forçado no respectivo setor e região. Esse método baseia-se em quatro
hipóteses básicas:
• Uma estimativa regional pode ser produzida a partir de uma extrapolação dos dados nacionais de um
número de países selecionados da região.
• Em cada país selecionado, a distribuição das vítimas de trabalho forçado por vários setores de atividade
pode ser produzida a partir da distribuição do total da força de trabalho contratada.
• A parte do trabalho em produção variava de um terço até 90%, dependendo da região e do setor de atividade.
• Em cada país selecionado, o custo do trabalho por cada trabalhador em situação de trabalho forçado é
igual a 80% do salário mínimo do país. Esta percentagem baseia-se em uma série de estudos de caso, que
revelaram que os trabalhadores forçados recebiam menos do que o salário mínimo.
Todas as suposições acima mencionadas podem ser testadas e aperfeiçoadas através de novas pesquisas,
tendo em vista obter dados mais precisos no futuro.
Trabalhadores Marítimos
134. É cada vez mais evidente que os Trabalhadores
Marítimos estão particularmente expostos ao risco de
trabalho forçado e de tráfico. Em dezembro de 2007,
uma publicação acadêmica na Itália dedicada ao “trabalho forçado no oceano” concentrou-se na situação dos
grupos vulneráveis, que escapavam de longe a uma sistemática observação.38 As circunstâncias de isolamento
e de cativeiro desse grupo de trabalhadores, ao lado das
dificuldades frequentes na identificação de responsabilidades legais perante as tripulações, podem torná-los particularmente vulneráveis.
135. Existem relatos de casos em que a fraude e o nãopagamento de salários eram práticas deliberadas. Em um
desses casos, relatado pela CSI e pela Federação Internacional dos Trabalhadores de Transportes (ITF), um filipino esteve vários meses sem receber seu salário antes de
contatar o sindicato. As últimas investigações sugerem
que, apesar de os proprietários originais terem reclamado
ter vendido o navio a outra empresa, que se recusou a cooperar com a ITF, pode, na verdade, não ter existido alteração genuína de proprietário. Esse é um caso de fraude
deliberada, na qual o proprietário não tem a intenção de
pagar os salários devidos.
136. Foram realizados amplos relatórios sobre as práticas
de trabalho forçado envolvendo o cativeiro físico na indústria da pesca em países asiáticos, com maior incidência na Tailândia. A CSI forneceu informações detalhadas
em nome do seu afiliado, o Sindicato dos Trabalhadores
37. Conforme explicado pela Comissão de Peritos, a restrição ou a coerção indireta externas, que interfiram na liberdade de um trabalhador e em sua
livre escolha, podem resultar não só de um ato por parte das autoridades, como um instrumento legal, mas também de práticas adotadas por um empregador. São exemplos “quando os trabalhadores migrantes são induzidos por fraude, falsas promessas, e retenção de documentos de identificação,
ou forçados a permanecer à disposição de um empregador”; tais práticas representam uma clara violação da Convenção para o Trabalho Forçado
(2007 Pesquisa Geral, para. 39).
38. V. Zanin: I Forzati del Mare, Rome, Carocci editore, 2007.
30
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
Tabela 2.2. Estimativa do custo total da coerção (em US$)
Número de
vítimas de
exploração
por trabalho
forçado
Economias Industrializadas
Número
de vítimas
traficadas
Total do
pagamento
insuficiente
de salários
Total de
Taxas de
recrutamento
Custo total
da coerção
113.000
74.133
2.508.368.218
400.270.777
2.908.638.995
61.500
59.096
648.682.323
42.675.823
691.358.145
6.181.000
408.969
8.897.581.909
142.855.489
9.040.437.398
América Latina e Caribe
995.500
217.470
3.390.199.770
212.396.124
3.602.595.894
Áfria Subsaariana
537.500
112.444
1.494.276.640
16.994.438
1.511.271.079
Oriente Médio e Norte da África
229.000
203.029
2.658.911.483
551.719.266
3.210.630.769
Economias em transição
Ásia e Pacífico
8.117.500
1.075.141 19.598.020.343 1.366.911.936 20.964.932.279
Nota: Os cálculos excluem vítimas de exploração sexual forçada para fins comerciais.
Marítimos da Birmânia (SUB), em que muitos dos
seus membros relataram práticas de trabalho forçado
em traineiras tailandesas. Um Projeto Interagências das
Nações Unidas sobre o Tráfico Humano na Sub-Região
do Grande Mekong (UNIAP), retratou uma prática
similar como sendo de tráfico humano.39 Testemunhos
apontaram para práticas fraudulentas, tanto na Birmânia/Mianmar como entre a comunidade de migrantes
birmaneses na Tailândia, e de um recrutamento seguido
por limitações de liberdade de movimentos, através de
cativeiro físico, em instalações vigiadas. Eram tiradas fotos para passaportes, e preparados falsos documentos de
identificação, apresentando os trabalhadores birmaneses
como cidadãos tailandeses. Dado o aparecimento de nomes diferentes no registro, essa prática mais tarde per-
mitiria aos proprietários dos navios negar que essas pessoas tivessem sido contratadas. As comissões liquidadas
aos agentes de recrutamento, posteriormente deduzidas
dos salários, podem ser três vezes mais do que o inicialmente acordado.
137. Um estudo realizado em 2007 pelo Centro de Solidariedade estabelecido nos Estados Unidos40, sugere que
os cidadãos tailandeses de áreas rurais também podem ser
traficados para trabalho forçado na indústria pesqueira. O
relatório, que citava fontes governamentais, mencionava
que podem estar presos nessas traineiras mais de 10.000
trabalhadores.41 Em um caso extremo documentado pelo
ITF42, 39 trabalhadores marítimos birmaneses morreram
de fome depois de terem sido abandonados sem comida e
água durante mais de dois meses.
39. Ibid., p. 1.
40. Justice for all, Solidarity Center, Thailand, Dec. 2007, p. 109.
41. Ibid.
42. ITF: Seafarers’ Bulletin, No. 22/2008.
43. ibid.
31
O CUSTO DA COERÇÃO
138. Existem relatórios de coerção semelhantes em
navios de pesca nos mares europeus. O ITF menciona
o caso de trabalhadores marítimos indonésios, em que
cada um pagou uma taxa de US$500 a uma agência de
recrutamento para trabalhar em um navio espanhol e
posteriormente receberam menos de um terço do salário
inicialmente acordado.43 Estes casos sugerem a necessidade de serem realizados estudos mais sistemáticos sobre os mecanismos de recrutamento e de colocação dos
trabalhadores marítimos em todo o mundo, incluindo
as restrições a seus direitos de abandonar os navios, e os
custos ou penalidades que possam sofrer se desejarem
abandonar o navio, depois de terem sido sujeitos a práticas laborais fraudulentas e abusivas.
Trabalhadores domésticos
139. Os trabalhadores domésticos, na sua maioria mul-
heres, são outro grupo em particular risco de trabalho
forçado, dadas as circunstâncias de isolamento em casas
particulares, e também porque, em muitos casos, não
são protegidos pela legislação laboral nacional. Assim
como os trabalhadores domésticos migrantes podem ser
muito vulneráveis devido ao fato de estarem a milhares
de quilômetros de distância das suas comunidades de
origem e redes, podem igualmente ser expostos a trabalho forçado nos seus próprios países. Em março de
2008, o Conselho de Administração da OIT tomou a
decisão fundamental de colocar o tema do trabalho decente para os trabalhadores domésticos na agenda da
sessão de sua próxima Conferência, em 2010. No início
destas discussões, algumas das circunstâncias em que os
trabalhadores domésticos podem ser expostos ao trabalho forçado são abaixo analisadas, bem como os exemplos
das ações de alteração à lei e à prática.
140. No seu Relatório Global de 2007 acerca da eliminação da discriminação no trabalho, a OIT salientou
o “dupla carga” das mulheres migrantes trabalhadoras,
principalmente as trabalhadoras domésticas. Reconhecia
que as condições laborais são muito variáveis, ao mesmo
tempo que salientava que essas trabalhadoras são “particularmente vulneráveis à discriminação, à exploração e
a todo o tipo de abusos, incluindo assédio, violência por
parte dos empregadores, e coerção por parte das agências
de recrutamento, trabalho forçado, baixos salários e cobertura social inadequada”44. Uma publicação de 2006
de uma ONG apresenta uma visão geral mais ampla
das práticas abusivas, que incluem o trabalho forçado e
o tráfico sofrido pelos trabalhadores domésticos. Retirado em parte da pesquisa da OIT, o relatório baseiase em estudos de casos de países da África, da Ásia, da
América Latina e do Oriente Médio, bem como dos
Estados Unidos.45 Os resultados dividem-se da seguinte
forma: os principais abusos de ordem penal, comuns a
todos os trabalhadores domésticos; os principais abusos
laborais, comuns a todos os trabalhadores domésticos e
sua exclusão do campo de aplicação da legislação laboral;
e as preocupações específicas do trabalho doméstico de
crianças e de trabalhadores migrantes, respectivamente.
Os abusos criminais são apresentados como abusos psicológicos e físicos, privação de comida, assédio sexual e
agressões. As infrações de ordem penal relacionadas com
a exclusão do campo de aplicação da legislação laboral,
incluem a exploração salarial (como o não-pagamento de
salários, a retenção de salários, e a falta de pagamento
de trabalho extra), horas de trabalho excessivas e carga
de trabalho pesada, dias de descanso insuficientes, cuidados de saúde e licença-maternidade insuficientes, condições de vida precárias, e questões relacionadas com o
encerramento de contratos. Foram elaboradas algumas
recomendações úteis para os Ministérios do Trabalho,
complementando aquelas relacionadas com a aplicação
das sanções e penas previstas na lei. Poderiam, ser por
exemplo: recolher dados sobre os trabalhadores domésticos em pesquisas sobre forças de trabalho, incluindo
dados acerca de queixas laborais e casos de ordem penal
que envolvam trabalhadores domésticos; criar e divulgar
mecanismos acessíveis de queixas para os trabalhadores
domésticos; ampliar os poderes dos inspetores do trabalho para investigar as condições de trabalho dos trabalhadores domésticos em casas particulares; e aplicar as
regulamentações que supervisionam as práticas de recrutamento laboral e dos centros de formação, providenciando sanções para aqueles que cometem abusos.
141. Entretanto, também há exemplos de boas práticas,
à medida que os governos se tornam mais conscientes
da necessidade de proteger seus trabalhadores domésticos das piores formas de abusos. Na América Latina, os
inspetores do trabalho da Argentina e do Uruguai podem
entrar em casas privadas. Na Bolívia e no Peru, foram
adotadas leis específicas acerca do trabalho doméstico.
Na Ásia, as leis laborais de Hong Kong (China), prevêem
a proteção dos trabalhadores domésticos, enquanto Singapura aumentou as penas criminais para determinados
crimes, caso estes tenham sido cometidos contra tra-
44. ILO: Equality at work: Tackling the challenges, Global Report under the follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights
at Work, 2007, p. 31.
45. Human Rights Watch: Swept under the rug: Abuses against domestic workers around the world, junho de 2006.
32
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
balhadores domésticos. As Filipinas também tomaram
medidas para garantir os direitos de seus trabalhadores
domésticos contratados no exterior através de, por exemplo, contratos-padrão, que incluíam um dia de descanso
semanal, e regulamentações que exigiam que os empregadores pagassem a maior parte das taxas de recrutamento e de colocação.
142. No entanto, continuam a surgir evidências de
práticas altamente abusivas em todo o mundo. Na Europa, os grupos de apoio à sociedade civil deram especial
atenção aos trabalhadores domésticos, particularmente
aos migrantes. A Comissão Francesa contra a Escravidão
Moderna (CCEM) prestou assistência legal e apoio social às migrantes domésticas, tanto crianças como adultas. No Reino Unido, a ONG Kalayaan colaborou com o
Congresso Sindical (TUC) para fornecer serviços semelhantes de promoção e apoio aos trabalhadores domésticos migrantes, documentando, igualmente, os casos de
abuso. Em 2006, com base nas declarações de cerca de
250 pessoas registradas, a Kalayaan estimou que 70%
dos trabalhadores domésticos não tinham tempo livre,
60% não podiam sair de casa, 26% sofriam abusos físicos, e 72%, abusos psicológicos.46
143. No Oriente Médio e nos Estados do Golfo, o
Relator Especial das Nações Unidas sobre o tráfico humano deu especial atenção à situação dos trabalhadores
domésticos. Uma visita realizada a três Estados do Golfo
em novembro de 2006 identificou muitas das práticas
abusivas acima referidas, incluindo: o confisco de passaportes e outros documentos de identificação, restrições à
liberdade de movimentos, proibição de saída, não-pagamento de salários, trabalho em excesso, e muitas horas de
trabalho. Também foram adotadas políticas em resposta
a esses problemas nessa região. A Jordânia prepara uma
linha especial para os trabalhadores domésticos migrantes, e os Emiratos Árabes Unidos estão preparados para,
inter alia, aplicar sanções criminais contra os patrões
que abusam de sua posição em relação aos trabalhadores
domésticos. Também nos Estados Unidos, muitas das recentes condenações por trabalho forçado envolveram o
abuso de trabalhadores domésticos.
144. Ao concentrar sua atenção na proteção aos trabalhadores domésticos em escala mundial, a OIT pode
também tirar partido das lições do seu próprio trabalho operacional. Durante muitos anos, um projeto no
sudoeste asiático, que combatia o trabalho forçado e o
tráfico de trabalhadores domésticos migrantes indonésios, combinou seu trabalho no enquadramento político
e legislativo, assim como o aumento da consciencialização e da sensibilização, com o alcance e reintegração
de serviços. Um aspecto fundamental consistia na combinação do reforço das capacidades na Indonésia com
intervenções paralelas nos países de destino de Hong
Kong (China), Malásia, Singapura e China. O projeto
providenciou apoio fundamental para novos enquadramentos legislativo e regulamentar, bem como para ordenanças locais. Também estimulou o alcance por parte de
sindicatos e de outros grupos de apoio aos trabalhadores
domésticos indonésios nos países asiáticos de destino.
A economia do trabalho forçado: medir o custo
da coerção
145. O nosso último Relatório Global estimou em
US$31,7 bilhões o total de lucros ilícitos produzidos em
um ano, provenientes do tráfico para trabalho forçado.47
Outros estudos da OIT da mesma época indicavam
que, em todo o mundo, o total dos lucros ilegais realizados a partir de 8,1 milhões de trabalhadores forçados
em exploração econômica, fora da indústria do sexo,
alcançaram os US$10,4 bilhões.48 É igualmente importante examinar esta questão a partir de um ângulo diferente. Quais são, juntamente com o sofrimento humano,
os custos financeiros da coerção exercida às pessoas que
trabalham em situações de trabalho forçado? Por outras
palavras, quanto dinheiro é ”roubado” das pessoas em
situações de trabalho forçado? Responder a estas questões
exige algumas estimativas dos “custos de oportunidade”
de se estar em situação de trabalho forçado, nomeadamente o rendimento perdido por estar em situação de
trabalho forçado, em vez de estar em uma relação contratual livre.
146. Com raras exceções, o assunto tem escapado do
foco da literatura acerca do trabalho forçado e do tráfico.
A pesquisa da OIT realizada durante os últimos anos
sugere que a perda de rendimentos associada à coerção
pode ser remetida em duas fontes principais. A primeira
é o pagamento insuficiente de salários. De fato, podese argumentar que a exploração econômica é o principal
motivo pelo qual os empregadores utilizam a coerção.
Na maioria dos casos, as pessoas em situação de trabalho
46. Kalayaan and OXFAM: The new bonded labour: The impact of proposed changes to the UK immigration system on migrant domestic workers,
June 2008.
47. ILO: A global alliance against forced labour, Global Report under the follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at
Work, Report 1B, ILC, 93rd Session, Geneva, 2005.
48. P. Belser: Forced labour and trafficking: Estimating the profits, ILO, Special Action Programme to Combat Forced Labour, ILO DECLARATION
Working Paper No. 42, Mar. 2005.
33
O CUSTO DA COERÇÃO
forçado recebem salários mais baixos do valor de mercado, em alguns casos mais baixos do que o mínimo de
subsistência. As pessoas em situação de trabalho forçado
muitas vezes recebem salários líquidos com algumas
deduções artificiais, impostas de forma arbitrária pelo
empregador. Por exemplo, as vítimas podem ser excessivamente cobradas pelo custo de seu alojamento —
um custo que é muitas vezes deduzido diretamente do
salário nominal da vítima. Os trabalhadores vítimas da
servidão por dívidas, que reembolsam um empréstimo
através de seu trabalho, podem enfrentar deduções para
alimentação ou alojamento, pelas quais os empregadores
cobram um valor substancial superior ao valor de mercado. Todas essas deduções contribuem para reduzir ainda
mais os pagamentos líquidos recebidos pelos indivíduos
em situação de trabalho forçado.
147. O pagamento de baixos salários inclui horas extras obrigatórias e outras formas de “trabalho excessivo”,
que não são remuneradas de forma adequada. As vítimas
de trabalho forçado normalmente trabalham durante
mais dias e mais semanas do que os trabalhadores livres,
muitas vezes até 16 horas por dia, durante sete dias por
semana. Essas horas extras não são remuneradas a uma
taxa superior à das horas de trabalho normais; na melhor
das hipóteses, as vítimas de trabalho forçado recebem o
pagamento normal por hora. Além das longas horas de
trabalho, por vezes, o “trabalho excessivo” inclui o trabalho de familiares, como das esposas e das crianças, que
contribuem para a produção de bens e serviços, sem receber qualquer pagamento. Todas estas formas de nãopagamento ou de pagamento insuficiente do “trabalho
excessivo” devem ser tidas em conta, quando for realizada a estimativa do custo total da coerção.
148. A segunda fonte de perda de rendimentos, que surge
principalmente em casos de tráfico humano, consiste nos
custos financeiros associados ao processo de recrutamento. Os trabalhadores migrantes traficados para trabalho
forçado muitas vezes têm uma série de custos associados
ao seu recrutamento, incluindo pagamentos a uma agência de recrutamento ou a um intermediário, para financiar um determinado tipo de formação necessária à sua
admissão no país de destino, adquirindo competências
linguísticas, ou o pagamento pelo visto e pelo transporte.
Apesar de todos os tipos de trabalhadores migrantes
terem esse tipo de custos, a nossa pesquisa aponta que
há uma clara relação entre o valor despendido durante o
processo de recrutamento e a probabilidade de se tornar
uma vítima de trabalho forçado.
34
149. Será que o custo global da coerção pode ser estimado? Atualmente, os dados são ainda escassos, sendo
que será necessário realizar muito mais estudos nessa
área para se obter uma ideia precisa e sólida da magnitude do custo da coerção. Podem, no entanto, ser calculados alguns dados referenciais, excluindo as vítimas
de exploração sexual comercial forçada, mas incluindo
os outros setores econômicos, onde a incidência do trabalho forçado tem sido mais amplamente documentada.
Com base na informação disponível, estimamos que
o montante total de salários não-liquidados às pessoas
vítimas de trabalho forçado atinja aproximadamente
US$19,6 bilhões. A divisão regional é apresentada na
tabela 2.2 (coluna 3). Os dados são obtidos através da
multiplicação do número total de vítimas (na coluna 1)
pela média estimada dos salários insuficientemente pagos
em diferentes setores (agricultura, indústria transformadora, construção e serviços). O último, por sua vez, é
estimado como a diferença entre os atuais pagamentos
de salários realizados às vítimas de trabalho forçado, e
a estimativa do que estas deveriam ter recebido, tendo
em conta os dados relativos à produtividade do trabalho
nesses setores.
150. Além disso, verificou-se que as vítimas traficadas
pagaram custos de recrutamento, que podem variar entre US$150 nas regiões pobres, a uma média de mais de
US$5.000, para garantir trabalho em países industrializados (em casos extremos os pagamentos podem ser dez
vezes superiores a esse valor). Quando multiplicado pelo
número de vítimas de tráfico de cada região (coluna 2),
isso representa uma soma global de mais de US$1,4 bilhão. Quando adicionada ao rendimento perdido devido
ao não-pagamento de salários, estimamos que o custo
total da coerção aos trabalhadores alcance um número
referencial de cerca de US$21 bilhões.
2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS
35
Capítulo 3
Ação nacional contra o trabalho forçado:
o papel dos governos
Introdução
151. O presente capítulo está relacionado com o papel dos governos na liderança e na coordenação da ação
nacional contra o trabalho forçado. Em primeiro lugar,
discute abordagens básicas de orientação dessa ação, tal
como se reflete na legislação e nas políticas nacionais. Em
segundo lugar, observa os mecanismos internacionais de
implementação dessas leis e políticas, analisando algumas experiências recentes, com a aplicação da lei contra
o trabalho forçado e o tráfico humano. Em terceiro lugar,
discute os planos de ação nacionais e, por fim, salienta o
papel particular que podem desempenhar as instituições
laborais, incluindo a inspeção e a administração do trabalho, de uma forma mais geral, no fortalecimento da
ação dos poderes políticos contra o trabalho forçado.
152. Ao apresentar as recentes experiências nacionais,
devem ser realçados alguns problemas. Como o trabalho
forçado e o tráfico são crimes graves, é razoável assumir que a ação governamental contra esses crimes, pelo
menos no que concerne à instauração do processo, deverá ser conduzida pela justiça criminal. Ao mesmo tempo, tem havido um reconhecimento crescente de que os
intervenientes laborais possam ser uma parte importante
da resposta legal e política, seja da parte da acusação dos
criminosos, seja da proteção de vítimas atuais ou potenciais, ou de outras medidas preventivas que possam identificar as causas básicas do trabalho forçado. Em alguns
países e jurisdições, a inspeção do trabalho faz parte integrante da aplicação da lei criminal, procurando aplicar
sanções criminais contra os criminosos. Em outros casos, os tribunais de trabalho funcionam separadamente
da justiça penal, aplicando outras sanções diferentes das
penalizações criminais. Por outro lado, os inspetores do
trabalho podem ser principalmente motivados pela preocupação de assegurar condições de vida e de trabalho jus-
tas para os trabalhadores, podendo incluir o pagamento
de indenizações por qualquer tipo de dano sofrido. Por
outro lado, também têm o poder de aplicar sanções contra
empregadores abusivos, incluindo multas ou, em casos extremos, o fechamento das empresas. Também existem casos, como acontece em Itália, onde as unidades especiais,
que combinam a polícia e a inspeção do trabalho, têm o
poder de aplicar sanções criminais, laborais ou administrativas, dependendo das circunstâncias.
153. Uma coisa é certa. Como as leis e os responsáveis
políticos despertaram para o risco da exploração laboral,
incluindo o trabalho forçado, na economia privada, por
vezes afetando trabalhadores no território nacional e em
outras situações, como aqueles que emigram para o exterior sob condições precárias, tem havido múltiplas e pertinentes respostas políticas em relação aos mecanismos
de elaboração e de implementação. Essas respostas foram
muitas vezes conduzidas pelo movimento global contra
o tráfico humano, apesar de, principalmente nos países
desenvolvidos, serem também motivadas pela necessidade de se adaptar o conceito legal de trabalho forçado
para que incluam novas formas de coerção durante uma
época de transição econômica.
Elaboração de leis e políticas
154. A proibição do trabalho forçado está atualmente
consagrada em quase todos os países, seja no direito constitucional, penal do trabalho, ou administrativo. Isto era
de se esperar, dado que as duas Convenções da OIT sobre o trabalho forçado foram quase que universalmente
ratificadas. Alguns países podem não efetuar uma referência explícita ao “trabalho forçado” em si, mas podem
utilizar outras formas que capturem a sua essência. No
entanto, foram realizados debates que levantaram algumas questões. Uma diz respeito à gravidade relativa dos
37
O CUSTO DA COERÇÃO
crimes, quando o trabalho forçado estiver coberto pelo
direito penal e do trabalho. Outra debate se condições
de trabalho precárias, como a coerção, deveriam ser consideradas uma característica essencial do crime do tráfico
humano para exploração laboral e sexual.
155. Em diversos países, o recente impulso traduziu-se
nas novas leis contra o tráfico humano, depois da entrada
em vigor do Protocolo de Palermo sobre o tráfico. Em
alguns casos, o crime específico do trabalho forçado era
considerado sob essa legislação antitráfico. Um exemplo
foi a legislação antitráfico de 2000 dos Estados Unidos,
com alterações em 2005 e em 2008, que introduziu uma
lei sobre o trabalho forçado, preparando o terreno para
um crescimento sólido das acusações de crime de trabalho forçado nos últimos anos.1 Em outras situações, o
ponto de entrada conceitual para definir o delito criminal do tráfico humano poderia não ser a coerção no mesmo âmbito dos instrumentos da OIT acerca do trabalho
forçado. Na Bélgica e na França, o crime do tráfico envolve a imposição de residir e de trabalhar em condições
laborais consideradas “contrárias à dignidade humana”.
Na Alemanha, no Código Penal, que passou por emendas em 2005, o novo crime do tráfico para exploração
incluía os conceitos das condições análogas à escravidão
e à servidão por dívidas. O novo artigo aplica-se só a estrangeiros; e um dos critérios para o crime de tráfico para
exploração laboral seria o pagamento de salários marcadamente inferiores aos dos cidadãos alemães.
156. Outras abordagens legislativas associam os conceitos de coerção e das condições degradantes. Um exemplo
dessa abordagem pode ser encontrado no Brasil, onde
uma alteração efetuada em 2003 no Código Penal estabeleceu como crime a “imposição de condições semelhantes às da escravidão”, o que inclui ações como sujeitar
uma pessoa ao trabalho forçado, ou a condições do trabalho árduas e degradantes, ou a restrição de mobilidade
por motivo de contração de dívida perante os seus empregadores ou representantes. Quaisquer pessoas que retenham os trabalhadores no local de trabalho, quer para
os impedir de utilizar meios de transporte, retendo os
seus documentos ou bens, ou mantendo controle manifesto, estão também sujeitas a sentença de prisão.
157. Em outros casos, surgiram debates sobre os adiantamentos, e as circunstâncias em que tal pode conduzir à
servidão por dívidas e ao trabalho forçado. Nos países do
sul da Ásia, como a Índia e o Paquistão, existe legislação
muito detalhada contra a “servidão por dívidas”, em
conjunto com as regulamentações e orientações sobre os
1. Lei de Proteção às Vítimas de Tráfico e Violência de 2000, artigo 1589.
2. Artigo 261 do Código Penal.
3. Artigo 263 do Código Penal.
38
procedimentos para detectar a sua incidência. Contudo
parece ter havido muito poucas condenações, apesar da
crença da existência de servidão por dívidas se encontrar
altamente disseminada por diferentes setores econômicos. Dessa forma, recentemente, a atenção voltou-se para
a necessidade de se esclarecer a diferença entre procedimentos incontestavelmente coercivos, que merecem ser
penalizados por lei, e os sistemas de empréstimos e de
adiantamentos salariais, baseados em consensos entre
ambas as partes para uma relação laboral.
158. A China assinalou diferentes aspectos do trabalho
forçado em sua legislação penal e do trabalho. A Lei Laboral de 1994 proíbe explicitamente o trabalho forçado
por meio de violência, de ameaças, do cativeiro ilegal e
da privação de liberdade pessoal. O Código Penal, conforme alteração em 2006, inclui penalizações para as pessoas que forcem outras a realizar trabalhos perigosos. Esse
é ainda complementado pela Lei Contratual do Trabalho
de 2008, com várias disposições que proíbem as horas
extras forçadas, o confisco de documentos de identidade,
e a servidão por dívidas. Quando as consequências do
trabalho forçado forem graves para os trabalhadores, os
criminosos sofrerão diversas penalizações de acordo com
o Código Penal, incluindo até três anos de prisão, ou até
dez anos, quando os trabalhadores forem forçados a trabalhar perante condições de trabalho perigosas.
159. Em outros casos, há uma tendência por parte dos
legisladores a realizar uma classificação dos crimes que
coloca a “exploração” com uma classificação inferior, o
trabalho forçado no meio, e a escravidão no extremo. Em
algumas zonas da África, a escravidão foi considerada a
infração penal mais grave. Na Zâmbia, uma pessoa que
comercialize, receba ou detenha uma pessoa como escrava, é culpada de crime capital, e sujeita a uma pena
de sete anos de prisão2, enquanto um indivíduo que
force ilegalmente qualquer pessoa para uma situação de
trabalho forçado é culpada de ato ilícito.3 Além disso, o
Código Penal passou por emenda em 2005 para prever
uma condenação mínima de 20 anos para o crime capital
do tráfico. A Mauritânia e o Níger, que há muito tempo
reconheceram a necessidade de lidar com os vestígios
da escravidão, adotaram recentemente novas leis contra
a escravidão. Em agosto de 2007, a Mauritânia adotou
uma nova lei para definir e criminalizar a escravidão,
que entrou em vigor no início de 2008. O Novo Código
do Trabalho, que entrou em vigor em 2004, previa já
uma proibição geral ao trabalho forçado. No Níger, o
Código Penal passou por emenda em 2003 para incluir
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
uma cláusula que criminalizasse a escravidão, sentenciada a uma severa pena de prisão. O trabalho forçado é
também proibido no Código Penal, porém a condenação
pelo crime é pequena.
160. A nova lei antitráfico de Israel, adotada pelo Parlamento Israelita em outubro de 2006, é conceitualmente baseada na noção de diferentes crimes de crescente grau de gravidade, para identificar as “gradações
na exploração”.4 Conforme explicado pelo Ministério da
Justiça, isso reflete a crença de que a exploração, mesmo
que não leve ao tráfico ou à escravidão, poderá ainda
criar um clima que conduza ao desenvolvimento dessas
formas graves de exploração. No que concerne ao tráfico
para efeitos de escravidão ou de trabalho forçado, a lei
faz uma distinção entre diversos crimes. O mais grave é
o tráfico de pessoas tendo em vista um vasto conjunto de
objetivos, incluindo a escravidão e o trabalho forçado,
prevendo uma pena máxima de 16 anos de prisão, ou
de 20 anos, se for cometido contra um menor de idade.
Considera-se que crime específico do “trabalho forçado”,
que compreende condenações inferiores, cobre situações
de “exploração inferior à escravidão ou o tráfico”. A nova
lei também penaliza atos como a retenção de passaportes.
161. Na Europa, no relatório sobre tráfico de seres humanos publicado em 2007 pelo Relator Nacional Holandês é dada particular atenção à ligação entre o trabalho
forçado e o conceito de exploração.5 Este relatório analisou, pela primeira vez, a questão da exploração em outros
setores além da indústria do sexo, incluindo os desafios
metodológicos envolvidos. O tráfico para exploração laboral fora da indústria do sexo constitui um crime capital
na Holanda, desde janeiro de 2005. No entanto, a legislação não prevê uma linha divisória entre “situações de má
contratação e de escravidão”, e é confiada ao poder judicial para posteriormente definir o conceito de exploração
laboral. O conceito de exploração aplicado pelo Escritório
do Relator Nacional Holandês baseia-se na combinação
da falta de liberdade como um fator constante, e de, pelo
menos, uma das outras três práticas, que são tomadas
como indicadores de trabalho ou serviço forçado: a força, o
uso abusivo da autoridade ou o abuso da vulnerabilidade;
más condições de trabalho; e múltiplas dependências em
relação ao empregador. Ao analisar uma situação, todos os
detalhes do caso, como a duração, o grau de organização,
e a idade da vítima são tidos em consideração.
162. Em resumo, e conforme se verificou na discussão
dos conceitos do Capítulo 1, os legisladores têm de examinar com uma série de conceitos, que envolvem dif-
erentes graus de perda de liberdade, em conjunto com
abuso ou exploração graves na relação laboral. As leis
emergentes, tenham elas como objeto o trabalho forçado
ou o tráfico de seres humanos, visam principalmente prevenir o risco de práticas abusivas na economia privada.
É possível dizer nos países em desenvolvimento, onde a
proteção do trabalho é limitada nas indústrias e empresas
localizadas em zonas remotas, a lei tem que responder
a situações mais extremas de violência e de exploração.
Nesses países, os legisladores podem ter de identificar
formas mais sutis e menos claras de exploração. No
entanto, em todo o mundo, são realizados debates importantes acerca dos limites que separam as formas de
exploração coerciva e não-coerciva, das “classificações da
exploração”, e dos meios para as identificar, através da lei
penal ou do trabalho, ou de uma combinação de ambas.
163. Finalmente, cada vez mais países têm tomado consciência da necessidade de providenciar leis especiais de
proteção a seus trabalhadores que emigram para o exterior através de práticas abusivas, incluindo o trabalho
forçado. Uma Lei indonésia de 2004 que visava a proteção de seus trabalhadores no exterior, explicitamente
motivada pelo fato desses trabalhadores terem sido frequentemente vítimas de trabalho forçado e de tráfico,
prevê severas sanções criminais para as entidades que
colocarem tais trabalhadores em situações definidas globalmente como “opostas aos valores humanos e às disposições legais”.6 Em 2007, da mesma forma, o Nepal
aprovou um emenda a sua Lei do Trabalho no Exterior,
no sentido de conferir maior proteção aos seus trabalhadores no exterior, decretando sanções penais para uma
série de crimes, incluindo a cobrança excessiva de taxas.
Condenações e aplicações da lei contra o
trabalho forçado
164. Continua sendo difícil obter informações fiáveis
acerca da instauração dos processos judiciais a respeito
do trabalho forçado em âmbito nacional. Pouquíssimos
Estados publicam dados estatísticos relativos a essa situação. No âmbito mundial, o relatório de 2007 do Departamento de Estado dos EUA, “Tráfico de Pessoas”,
pela primeira vez indicou o número total de acusações
e de condenações relacionadas com a exploração no trabalho em oposição ao tráfico sexual (490 acusações e 326
condenações, de um total de 5.682 acusações e de 3.427
condenações para todos os casos de tráfico).
4. Lei que Proíbe o Tráfico de Pessoas (Alterações Legislativas), 5766-2006, 19 out. 2006.
5. Quinto Relatório do Relator Nacional Holandês, op. cit.
6. Lei da República da Indonésia, Nº. 39, 2004, sobre a colocação e proteção dos trabalhadores indonésios no exterior.
39
O CUSTO DA COERÇÃO
165. O Governo do Brasil tem disponibilizado regu-
larmente informações relativas às pessoas libertadas de
situações de trabalho forçado. Em 2006, o Ministério
do Trabalho e do Emprego libertou 3.266 indivíduos
de condições laborais equivalentes ao trabalho forçado,
através de mais de cem operações conduzidas pelos grupos especiais de inspeção móvel do Ministério, maioritariamente em áreas rurais remotas no Norte do país. Os
empregadores responsáveis pelo trabalho forçado são sujeitos à instauração do processo e são legalmente obrigados a compensar os empregados pelo trabalho não-remunerado.7 Em 2007, o Ministério anunciou um novo
recorde de pouco menos de 6.000 pessoas libertadas só
naquele ano, e um total de mais de 30.000 libertações
desde que os grupos de inspeção móvel iniciaram as suas
atividades em 1995. Em meados de 2008, havia sete
equipes de inspeção móveis nacionais, compostas por inspetores do trabalho e por procuradores do trabalho, em
conjunto com oficiais da Polícia Federal, para assegurar a
segurança da equipe. Nos primeiros seis meses de 2008,
foram inspecionadas separadamente 96 propriedades rurais, geralmente em áreas remotas, tendo sido libertadas
2.269 vítimas de “trabalho escravo “ em 14 Estados.8
166. Apesar do número significativo de casos identificados e libertados, quase não existiam condenações por trabalho forçado no Brasil, no âmbito da justiça criminal.
As principais armas à disposição dos procuradores do trabalho consistiam na imposição de multas aos criminosos,
e na ordem de pagamento de indenizações às vítimas. Os
pagamentos de indenizações, impostos pelos tribunais do
trabalho, aumentaram recentemente, a fim de funcionarem como um sério dissuasor. A multa mais elevada,
imposta em 2006 a um proprietário de cuja propriedade
foram libertadas 180 pessoas em situação de “trabalho
escravo”, alcançou 5 milhões de reais brasileiros (cerca de
US$3 milhões). Só se conhece uma condenação criminal que tivesse envolvido uma sentença de prisão. Em
maio de 2008, o Tribunal Federal do Maranhão sentenciou Gilberto Andrade a 14 anos de prisão, incluindo 11
anos pelo crime de redução de uma pessoa a condições
análogas à escravidão. Foi igualmente condenado a pagar
7,2 milhões de reais relativos aos salários em atraso dos
trabalhadores.
167. Em outros locais também existem exemplos de
ações coordenadas por diferentes instâncias de aplicação
da lei, em resposta a casos de trabalho forçado particularmente graves. Um exemplo disso são as intervenções
nas províncias chinesas de Shanxi e Henan, em maio e
junho de 2007, que envolviam casos graves de trabalho
forçado em fornos de tijolos. Foi rapidamente preparada
uma equipe de pesquisa - que abrangia os Ministérios do
Trabalho e da Segurança Pública, bem como a Federação
de Sindicatos da China (ACFTU) - para investigar os
abusos alegados. A Administração Estatal da Segurança
Laboral (China) (SAWS) foi também envolvida em inspeções posteriores. Mais tarde, os meios de comunicação chineses relataram que, no total, 1.340 pessoas
foram resgatadas, desde que, pela primeira vez, estourou
o escândalo do trabalho forçado.
168. Os Estados Unidos verificaram um sólido crescimento de acusações criminais contra o tráfico, incluindo
o trabalho forçado. Uma medida importante foi a criação, em janeiro de 2007, da Unidade de Ação contra o
Tráfico Humano, que forma parte da Seção Criminal da
Divisão dos Direitos Civis do Departamento de Justiça.
No ano de 2007 verificou-se um número recorde de condenações, desde que a Lei de Proteção às Vítimas de Tráfico foi pela primeira vez promulgada em 2000. As 103
condenações incluíam 17 por tráfico laboral e 86 por tráfico sexual. Os sentenciados a ordem de prisão receberam
uma condenação média de mais de 11 anos, enquanto os
traficantes condenados foram igualmente condenados a
uma pena de cerca de US$2 milhões em bens, e ao pagamento de restituições de mais de US$3 milhões.9
169. Em agosto de 2008, duas decisões do Tribunal de
Apelação dos EUA sobre casos de trabalho forçado, ambos incluindo a servidão doméstica, pareceram preparar
uma tendência para uma ação judicial mais forte. No
primeiro caso, o Tribunal de Apelação dos EUA para o
Sétimo Circuito10 confirmou as anteriores condenações
de dois médicos, pelo fato de terem mantido seus trabalhadores domésticos em situação de trabalho forçado.
O tribunal decretou que o abuso da lei por ameaça de
deportação era um método de violação do estatuto do
trabalho forçado, mesmo nas situações em que essa deportação era legalmente permissível. Ações como a retenção do passaporte do trabalhador doméstico, ter dado
a entender à vítima que esta poderia ser denunciada às
autoridades de deportação, e falsas declarações de que
eram as únicas pessoas que as podiam contratar legalmente foram todas consideradas como provas suficientes
para manter uma condenação por trabalho forçado. No
segundo caso, o Tribunal de Apelação dos EUA para o
Sexto Circuito, também manteve a condenação de um
homem que forçou uma jovem à servidão doméstica, através de agressões e espancamentos.11
7. Comunicado à Imprensa da Embaixada do Brasil em Londres, 9 de janeiro de 2007.
8. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, uma ONG da Igreja Católica Brasileira, 58% desses casos encontravam-se em zonas de criação de gado,
seguidos de 11% na cana-de-açúcar e de 11% em outras colheitas.
40
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
170. Na Índia, o Governo indicou que dá prioridade
à identificação, libertação e reabilitação de servidão por
dívidas. De acordo com as estatísticas oficiais, desde
meados de 2008, foram relatadas pelos Estados 5.893
acusações e 1.289 condenações em virtude do Sistema
Legal de Servidão por dívidas de 1976 (Abolição).12
Desde 1997 o Supremo Tribunal da Índia incubiu à
Comissão Nacional dos Direitos Humanos responsabilidades para o acompanhamento da implementação da
Lei de 1976. Desde então foram analisadas as situações
de vários estados. Por exemplo, em Uttar Pradesh, uma
análise realizada em setembro de 2005 pelo Relator Especial da Comissão concentrou-se no setor da tecelagem
de tapetes, e disponibilizou alguns dados úteis sobre a
aplicação da lei. Durante o período de 1996 a 2006, foram identificadas e libertadas um total de 2.778 vítimas
de servidão por dívidas em todo o estado, insistindo-se
ativamente na reabilitação. Foram apresentadas duzentas e trinta e uma (231) acusações até meados de junho
de 2005, mas apenas seis casos foram deliberados nessa
época e todos resultaram em absolvição.
171. No Paquistão, onde a legislação de 1992 prevê uma
sentença de até cinco anos de prisão para a extorsão e
servidão por dívidas, a ação judicial foram mais utilizada
para assegurar a libertação das vítimas de servidão por
dívidas do que para perseguir os criminosos. Recentemente, estimou-se que foram libertadas 8.530 vítimas
de servidão por dívidas durante os últimos 17 anos, 563
das quais pelo Governo, 722 através da ação conjunta
entre autoridades judiciais e a sociedade civil, e os remanescentes através de fuga, muitas vezes com a assistência
de alguma ONG. De acordo com o relatório de 2007
da Comissão dos Direitos Humanos do Paquistão, em
janeiro daquele ano, o Rawalpindi Bench do Supremo
Tribunal de Lahore ordenou a libertação de 39 vítimas
de servidão por dívidas que trabalhavam em fornos de
tijolos. A Comissão também relatou casos em que os
camponeses e os seus filhos fugiram de centros de detenção privados localizados nas propriedades dos empregadores. Em um outro caso, o Hyderabad Bench do
Supremo Tribunal de Sindh, registrou um caso contra
nove proprietários de fornos de tijolos, devido ao fato
de manterem os trabalhadores em cativeiro e sob tratamento desumano.
172. Em geral, no sul da Ásia, a aplicação eficaz da lei
contra a servidão por dívidas permanece um grande desafio. As vítimas de servidão por dívidas enfrentam claramente muitos obstáculos na apresentação de seus casos
aos tribunais, incluindo muitas vezes a sua situação de
iletramento e de falta de conhecimentos sobre a própria
lei, ou de meios de acesso à justiça. No entanto, a falta
de um claro consenso a respeito da natureza e incidência
da servidão por dívidas é também um problema-chave.
173. Em diversos países se vê a tendência de aumentar a
instauração dos processos de crimes de tráfico, incluindo
a exploração laboral e sexual. A Federação Russa, por exemplo, adicionou o artigo 127 a seu Código Penal em
2003, para proibir o tráfico com o objetivo de exploração
sexual e de trabalho forçado. Em 2007, a polícia conduziu 139 investigações de tráfico, 35 das quais estavam
relacionadas com casos de trabalho forçado. Estima-se
que quarenta e seis traficantes foram condenados em
2007, representando uma tendência ascendente sólida
das acusações e das condenações, desde que o Código
Criminal passou por uma emenda. Na Ucrânia, o Ministério do Interior relatou que o número de acusações de
tráfico laboral aumentou de três em 2006 para 23 em
2007. Também foi notado um aumento semelhante das
acusações, incluindo por tráfico sexual e laboral, em diversos países da Europa Central e Leste Europeu.
174. Geralmente, a informação disponível sugere que
o sucesso das acusação de casos individuais de trabalho
forçado é provavelmente maior quando se trata de crime
do tráfico para exploração laboral e sexual. Além disso,
a aplicação efetiva da lei é mais provável quando uma
unidade particular foi estabelecida por uma agência de
aplicação da lei, provida dos recursos adequados, e com
um mandato específico para investigar e processar judicialmente esses casos. Esse era o caso da Unidade de
Combate contra o Tráfico Humano, estabelecida em
2007 nos Estados Unidos.
175. Esse era também o caso da Ucrânia, onde os recursos humanos para combater o tráfico foram consideravelmente fortalecidos, e foi fornecida formação pericial
aos membros do poder judicial. Em 2008, foram contratados 30 oficiais antitráfico pelo Departamento Antitráfico do Ministério dos Assuntos Internos da Ucrânia,
com unidades semelhantes existentes no oblast (distrito
administrativo) e níveis jurisdicionais, totalizando mais
de 600 oficiais antitráfico. É igualmente ministrada formação pericial sobre o tráfico humano aos membros do
serviço de segurança, e aos juízes, como parte do seu currículo normal de formação.
176. Os tribunais regionais podem desempenhar um
papel importante caso os tribunais nacionais não reconheçam a gravidade do trabalho forçado. Um julgamento
9. Relatório Anual da Procuradoria-Geral ao Congresso, maio de 2008.
10. US v. Calimlim, decidido em ago. 2008. O Sétimo Circuito tem autoridade sobre os estados federais de Illinois, Indiana e Wisconsin.
11. Caso Nº. 07-1740, decidido e depositado, 20 de agosto de 2008.
12. Declaração pelo representante do Governo da Índia na Conferência Internacional do Trabalho, Genebra, junho de 2008.
41
O CUSTO DA COERÇÃO
realizado em 2008 no Tribunal de Justiça de ECOWAS,
decretou que o Governo do Níger pagasse uma indenização a uma antiga “escrava” vendida ao seu “senhor” com
12 anos de idade, para trabalhar durante um período de
quase dez anos. A escravidão tornou-se um crime penal
em 2003, mas os tribunais nacionais não reconheciam o
direito da mandante da queixa de se libertar do seu “senhor” e de casar com outro homem. Da mesma forma,
o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH*)
subverteu a ordem de um Tribunal Francês, por falhar
em reconhecer a gravidade da servidão doméstica no caso
Siliadin v. France. O Tribunal também verificou que a
lei Francesa falhou no reconhecimento do sofrimento da
vítima, sendo que as disposições do código penal eram
demasiado ambíguas para proteger os cidadãos dos abusos do trabalho forçado com eficácia, sob o Artigo 4 da
Convenção Europeia dos Direitos Humanos.13 Nas duas
situações as ONGs foram fundamentais na apresentação
desses casos perante o tribunal.
177. Foi também processada ação judicial através de
mecanismos especiais, como a Autoridade de Licenciamento de Agentes Empregadores do Reino Unido
(GLA). Enquanto o principal instrumento da GLA consistia na revogação das licenças, nos casos mais graves
também podia instigar a instauração criminal dos processos. A primeira sentença por violação da Lei dos Agentes
(Licenciamento) de 2004, foi deliberada por um tribunal
escocês em maio de 2008, envolvendo uma pena relativamente pequena para o crime de exercício de atividade
sem uma licença de gangmaster. No mesmo mês, os oficiais da GLA investigaram um caso mais grave, envolvendo principalmente colhedores de flores poloneses, que
relataram não poder sair antes do contrato, sem a contrapartida do pagamento de uma soma substancial de dinheiro, recebendo ameaças contra familiares no regresso à
casa. No contexto dos relatos de abusos contínuos, desde
essa época a GLA expandiu suas atividades, lançando
em junho de 2008, a “Operação Ajax”, um programa
de 18 meses de aplicação direcionada a ações-surpresa
pelo Reino Unido. Dessa forma, a GLA é um modelo de
intervenção direcionada, com uma resposta legal variada,
e que chama cada vez mais a atenção para os abusos que
permaneceram anteriormente impunes, com a opção de
poder aplicar sanções penais em relação aos crimes mais
graves.
178. A cooperação internacional pode ser a chave para a
instauração de processos bem sucedidos, particularmente
nos casos de tráfico além-fronteiras. Em um caso referido em 2006, foram recrutados trabalhadores poloneses
sob falsos pretextos de trabalho agrícola na província de
Apulia, no sul de Itália. Os trabalhadores da propriedade rural foram alojados em condições sórdidas, e eram
obrigados a trabalhar gratuitamente, sob a vigilância de
guardas armados. A Embaixada Polonesa começou a receber relatórios de trabalhadores que fugiram em 2005.
A polícia polonesa acabou por iniciar investigações em
colaboração com os Carabinieri Italianos. Mas, dado que
estavam em falta acordos necessários, não pôde ser constituída uma equipe de pesquisa conjunta. No entanto,
em 2006, foram realizadas reuniões na EUROPOL e na
EUROJUST para preparar uma operação conjunta e facilitar a troca de informações e de provas. Pouco tempo
depois, foram emitidas 27 ordens de prisão, nove das
quais emitidas na Polônia, através de um mandato de
prisão europeu. No total, foram emitidas 22 ordens de
prisão na Polônia, e os criminosos ainda enfrentavam
julgamento ao fim de 2008. Mais de uma centena de
trabalhadores foram salvos e receberam assistência por
parte de ONGs italianas e polonesas.14
179. Um aspecto importante da aplicação da lei é o
tratamento e a proteção disponibilizados às atuais e potenciais vítimas de trabalho forçado e de tráfico. Ser classificado como “vítima” pode ter implicações positivas e
negativas. Por um lado, as vítimas podem receber proteção e assistência especiais de acordo com a lei nacional;
mas, por outro, podem sofrer estigmatização ou traumas
pelos procedimentos de aplicação da lei. No que concerne às pessoas traficadas, a maioria dos países concede
residência temporária e outra assistência condicional,
desde que a vítima esteja disposta a cooperar com a aplicabilidade da lei e a testemunhar em tribunal. A Itália é
uma exceção, onde as pessoas traficadas recebem incondicionalmente uma permissão de residência e acesso a
apoios sócio-econômicos. Elas podem, 18 meses depois,
candidatar-se à residência permanente, desde que tenham encontrado trabalho.
180. Por vários motivos, as vítimas de trabalho forçado
muitas vezes consideram difícil a reparação através de
procedimentos criminais ou do recebimento de compensações através de fundos estatais especiais, ocasionalmente preparados para estas situações. Os tribunais do
trabalho, no entanto, podem providenciar uma importante oportunidade para que os trabalhadores possam
contestar condições de trabalho abusivas, incluindo o
trabalho forçado, através de procedimentos administrativos.
181. Um estudo realizado em 2008 analisou as questões
de compensação às vítimas nos países da Organização
*NT - Também conhecido por ECHR
13. Ver Affaire Siliadin v. France, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Requête Nº. 73316/01 (2005).
42
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).15
Esse estudo concluiu que o direito a essa compensação
deve ser exercido principalmente contra o traficante ou
o explorador, apesar de nos casos de crimes violentos
também existir o direito de compensação oriunda de
fundos estatais. As queixas civis podem normalmente ser
instauradas em paralelo com o procedimento criminal,
exceto no Reino Unido. As queixas civis podem também
ser instauradas independentemente da existência de uma
ação penal; os Estados Unidos são a única nação onde
uma reclamação de indenização para uma vítima faz automaticamente parte dos procedimentos penais em casos
de tráfico.
182. Um exemplo dessa situação é a denúncia de um
tribunal civil, em nome de mais de 500 migrantes indianos do sexo masculino, apresentada perante um tribunal distrital da Luisiana, nos Estados Unidos, em março
de 2008. Foi alegado que os homens tinham sido traficados para os Estados Unidos através do programa federal
do Governo “Trabalhador Hóspede H-2B”, que fornece
trabalho e presta serviços a uma determinada empresa,
tendo sido sujeitos a trabalho forçado como soldadores,
montadores de tubos, montadores de navios, e outros
trabalhos nos estados do Mississipi e Texas. A ação foi
apresentada para recuperação dos danos infligidos pelos
agentes da empresa que operava na Índia, nos Emiratos
Árabes Unidos e nos Estados Unidos. Entre um vasto
conjunto de alegações de tratamento abusivo, persistiu
a queixa de que eles tinham incorrido em dívidas substanciais e liquidado suas economias, no intuito de pagar
taxas de recrutamento, em um total de US$20.000 por
trabalhador.
183. As vítimas de trabalho forçado e de tráfico podem
muitas vezes ser dissuadidas de apresentar queixa, com
medo de serem punidas por terem entrado ilegalmente
em um país. No entanto, as leis da imigração da maioria
dos países da Europa, não impedem o acesso dos trabalhadores não-documentados aos tribunais de trabalho,
nem exigem que os tribunais denunciem os migrantes
em situação irregular às autoridades. Em Portugal, um
Magistrado do Tribunal do Trabalho não vai inquirir
acerca da situação de imigração dos trabalhadores. Da
mesma forma, os tribunais espanhóis reconhecem o direito dos trabalhadores em situação irregular de recorrerem aos tribunais do trabalho em busca de proteção e
compensação por violação dos direitos laborais básicos,
independentemente da sua situação de imigração.
Políticas, planos de ação e mecanismos de
coordenação nacionais
184. As políticas e os planos de ação desenvolvidos em
âmbito nacional fornecem um enquadramento para dar
prioridade e planear ações contra o trabalho forçado e o
tráfico e, mais importante, para assegurar a coordenação
eficaz entre os vários atores, incluindo os constituintes
da OIT e outros que tenham um papel a ser desempenhado nessa ação. Demonstram um empenhamento
claro da política nacional na identificação dos problemas, e constituem um veículo para canalizar os recursos
necessários à sua implementação. Dependendo das circunstâncias nacionais, esses planos podem identificar o
trabalho forçado e o tráfico humano separadamente, ou,
em menor frequência, em simultâneo.
185. Alguns dos melhores exemplos dos planos de ação
contra o trabalho forçado são originários da América Latina. O primeiro plano de ação do Brasil sobre o “trabalho escravo” foi adotado em 2003, fornecendo a base
para uma forte coordenação interministerial, através da
Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE). Construído com base nessa experiência, um Segundo Plano de Ação, adotado em setembro de 2008, inclui novas medidas importantes, como
uma proposta de alteração constitucional, que autoriza
a expropriação e a redistribuição da propriedade de empregadores que usufruem do trabalho forçado, e outras
alterações legais, no intuito de promover a proteção dos
trabalhadores sujeitos a esse tipo de trabalho no Brasil. O
Plano também propõe sanções econômicas mais pesadas
contra os empregadores que usam o trabalho forçado,
privando-os de receber empréstimos por parte de entidades privadas e públicas, e de assinar qualquer contrato com uma entidade pública. Aumentou os poderes da
Unidade Móvel de Inspeção, e propôs o estabelecimento
de agências de emprego nas áreas de origem do trabalho
forçado. Finalmente, o plano inclui novas medidas de
prevenção e de reintegração, como o direito a documentos de identidade, assistência legal, benefícios sociais e
formação profissional para os trabalhadores libertos do
trabalho forçado.
14. Ver Operation Terra Promessa, presentation by Gianfranco Albanese, Captain, CC Command Labour Protection, Italy, ILO Labour Inspection
Expert Meeting, 5–6 December 2007.
15. Compensation for trafficked and exploited persons in the OSCE region, OSCE Office for Democratic Institutions and Human Rights (ODIHR),
Warsaw, 2008.
43
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 3.1
Peru: a institucionalização da luta contra o trabalho forçado
Um estudo realizado em 20041 pela OIT e pelo Ministério do Trabalho e do Emprego do Peru confirmou a
existência de trabalho forçado em alojamentos ilegais na região tropical da Amazônia. Esse estudo estimou
que existiam cerca de 33.000 vítimas, na sua maioria indígenas. Pouco tempo depois, com o apoio da OIT,
o governo iniciou a elaboração de um plano de ação nacional de combate ao trabalho forçado, através de
um processo liderado pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, e que envolvia a participação de um vasto
conjunto de instituições e de peritos do setor público e da sociedade civil. O plano do projeto estava sujeito a
um processo de validação participativa em diversas regiões, com principal destaque para a região amazônica,
incluindo organizações dos povos indígenas e as ONGs, de forma a promover a apropriação local.
Em janeiro de 2007, foi criada uma Comissão Nacional permanente tripartida contra o trabalho forçado,
para coordenar políticas e ações nas esferas nacional e regional.2 O Plano Nacional de Combate ao Trabalho
Forçado foi oficialmente lançado pelo Presidente García, no dia 1 de maio de 2007.3 Isse plano engloba
um conjunto de medidas de prevenção e de eliminação do trabalho forçado, incluindo a ação legal para o
cancelamento das licenças das empresas envolvidas no trabalho forçado, a coleta e a pesquisa de dados
estatísticos, a educação, o aumento da comunicação e da conscientização, o reforço de capacidades e a
coordenação entre diferentes instituições. Foi estabelecido um determinado financiamento público para
apoiar a implementação do plano, que teve início em diferentes setores em que a Comissão Nacional revê o
progresso e coordena a ação. As realizações incluem a criação de uma divisão na Polícia Nacional contra o
tráfico humano, e a inclusão de questões sobre o trabalho forçado no programa do Ministério da Educação,
a introdução de sanções pesadas para a exploração ilegal de madeiras, a elaboração de uma estratégia de
comunicação sobre o trabalho forçado, e a formação extensiva de funcionários públicos e de outros atoreschave.
O próximo desafio consiste na incorporação dos objetivos do Plano Nacional em agendas políticas mais
amplas, estabelecendo os recursos suficientes para uma ação sustentada a longo prazo, com vista à erradicação do trabalho forçado em todo o país. O plano estratégico do Ministério do Trabalho e do Emprego para
2006-2011 salienta as questões do trabalho forçado no âmbito de uma ação mais aprofundada, no intuito de
promover os direitos fundamentais no trabalho, inclusive através do fortalecimento da inspeção do trabalho.
El Trabajo Forzoso en la Extracción de la Madera en la Amazonia Peruana, Alvaro Bedoya Silva-Santisteban, Eduardo Bedoya
Garland, BIT, 2005.
2
Decreto Supremo Nº. 001-2007-TR. 3 Decreto Supremo Nº. 009-2007-TR.
1
186. Outros países da América Latina inspirados no ex-
emplo do Brasil fortaleceram seu próprio enquadramento
nacional, muitas vezes com o apoio da OIT. Na Bolívia,
foi criado em outubro de 2007 um Conselho Interdepartamental para erradicar as condições de servidão, de trabalho forçado e de práticas análogas à escravidão.16 Foi
adotado um plano específico para a população Guarani
da região do Chaco, que visa assegurar adequadas condições de vida aos Guaranis “cativos”, depois de sua libertação de servidão em fazendas remotas. Paralelamente,
um plano nacional mais aprofundado contra o trabalho
forçado está sendo preparado por um grupo técnico interministerial.
187. Os planos de ação contra o tráfico humano são em
maior número do que contra o trabalho forçado, muitas vezes refletindo a recente adoção de uma legislação
nacional nessa área. Apesar de a maioria desses planos
declaram assumir uma abordagem abrangente, que inclua todas as formas de tráfico e todos os tipos de ação
contra o tráfico, é muito raro encontrar uma concen-
44
tração sistemática nas dimensões do trabalho forçado na
prática.17 Um bom exemplo neste sentido é o Plano de
Ação do Reino Unido “Action Plan on Tackling Human
Trafficking”, lançado em março de 2007. Ao mesmo
tempo que reconhece a falta de informação sólida sobre
a escala do problema, cada capítulo identifica o tráfico
para trabalho forçado, bem como para exploração sexual.
188. Nos Emiratos Árabes Unidos, a Comissão Nacional de Combate ao Tráfico Humano elaborou um
plano de ação que incluía a legislação, a aplicação da lei,
o apoio à vítima, e acordos bilaterais e internacionais.
Algumas medidas já tomadas incluem um novo contrato unificado para regulamentar os direitos e deveres
dos trabalhadores domésticos, promulgado em abril de
2007, e a introdução de disposições que permitem aos
trabalhadores a transferência de patronatos, no intuito
de favorecer sua mobilidade no trabalho.18
189. O plano de ação contra o tráfico19 realizado no
Paquistão em 2005, inclui todas as formas de tráfico,
identifica quer a prevenção, quer a instauração do proc-
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
Quadro 3.2
Implementação do Plano de Ação Nacional contra o Tráfico Humano na Ucrânia: o papel dos agentes no
mercado de trabalho
Uma característica fundamental da Ucrânia é o papel proeminente do Serviço Público de Emprego (SPE), em
conjunto com o Ministério do Trabalho e da Política Social, na implementação das medidas do plano de ação
relativas à sensibilização e prevenção. Por exemplo, o pessoal do centro de emprego local recebeu formação
para aconselhar as pessoas que procuram emprego acerca dos perigos da migração irregular e do tráfico
humano. O PES também verifica a legitimidade dos trabalhos oferecidos no exterior, no negócio da moda, do
turismo e do entretenimento. Também foi dada atenção ao licenciamento, por parte do Ministério do Trabalho
e a Política Social, das agências que realizam recrutamento para o exterior, e a sua posterior inspeção no que
diz respeito às conformidades. Como nova medida preventiva, com o apoio da OIT, o PES produziu o vídeo
“Não veja o trabalho no exterior com óculos cor-de-rosa”, vastamente transmitido na televisão e no metrô. O
PES é também responsável pela prestação de proteção e assistência às vítimas de tráfico humano; em 2007,
o PES direcionou 520 pessoas para obterem apoio por parte das instituições competentes em oito oblasts
(distritos administrativos).
Quadro 3.3
Orientações para a política e prática de recrutamento na sub-região do Grande Mekong
As orientações do COMMIT emitidas em 2008 procuram encorajar a migração, reduzindo a vulnerabilidade
dos trabalhadores migrantes à exploração laboral e ao tráfico humano. Desenvolvido através de um processo
consultivo envolvendo constituintes tripartidos da OIT, agências internacionais e ONGs, e partindo de pesquisas específicas por país, as orientações cobrem temas como os procedimentos e serviços antes da partida;
a regulamentação das agências de recrutamento; as taxas pelos serviços de recrutamento; e as condições
de trabalho e os direitos. Seu papel é disponibilizar orientação para as políticas nacionais, no intuito de se
adaptarem às circunstâncias individuais do país.
esso, e define uma Comissão interministerial sobre o
Tráfico Humano, representado pelo Ministério do Interior. O acompanhamento e o controle das agências de
recrutamento são identificados como sendo da responsabilidade do Ministério do Trabalho, em conjunto com a
Agência Federal de Pesquisa.
190. Como acontece no Brasil, alguns países têm tido a
possibilidade de rever os planos de ação contra o tráfico
com base na experiência. Na Ucrânia, foram melhorados
planos de ação sucessivos desde o primeiro que surgiu
em 1999; o plano atual (terceiro) é bastante completo,
e, pela primeira vez, possui orçamento para a sua implementação. Também está sendo desenvolvido um
mecanismo de controle. Enquanto em planos anteriores
se salientava a aplicação da lei penal, o novo plano en-
volve instituições de mercado de trabalho em pelo menos
metade das atividades planejadas.
191. Acontece às vezes de uma ação coordenada contra o
tráfico incluindo o trabalho forçado ser cuidadosamente
planificada sem contudo estar inscrita em um plano de
ação. Os Estados Unidos investiram esforços e recursos
substanciais na ação contra todas as formas de tráfico,
quer internacional, quer nacionalmente. A Lei de 2005
relativa às medidas de Proteção às Vítimas de Tráfico de
200520, aprova novos recursos na luta contra o tráfico,
incluindo garantias de prestação de assistência aos esforços na aplicação da lei de combate ao tráfico, e de reforçar os programas de assistência às vítimas. Um Grupo
de Trabalho próximo ao Gabinete do Presidente coordena esforços federais nesta área, enquanto um Grupo
16. Decreto Supremo Nº. 29292 de 3 out. 2007.
17. A análise conduzida por este Relatório Global incluiu 11 países europeus, principalmente da Europa Central e do Leste Europeu; seis países africanos, principalmente da África Ocidental; seis países asiáticos, principalmente da sub-região do Mekong; um da América Latina; e um dos Emiratos
Árabes Unidos (o único país do Oriente Médio que tem esse plano no momento em que se prepara este relatório).
18. Combating Human Trafficking, United Arab Emirates Annual Report, Ministry of State for Federal National Council Affairs, Abu Dhabi, 2007.
45
O CUSTO DA COERÇÃO
Operacional de Alto Nível coordena a implementação
internacional da legislação antitráfico. Uma das oito
recomendações do relatório do Ministro da Justiça consiste no aumento dos esforços interagências para combater o tráfico para exploração laboral, juntamente com
o tráfico sexual.21
192. Outros países prepararam equipes ou agências especializadas para lidarem com os casos de tráfico e de
trabalho forçado. O envolvimento de diferentes ministérios governamentais e de parceiros da sociedade civil
nesses esforços é crucial para promover respostas multidisciplinares e para reunir apoios políticos de diferentes
partidos do governo. A Agência Nacional Nigeriana para
a Luta contra o Tráfico de Seres Humanos (NAPTIP),
estabelecida ao abrigo da lei federal antitráfico de 2003,
é um desses exemplos. A NAPTIP detém um vasto mandato que cobre questões relacionadas com a instauração
de processos, proteção de vítimas e testemunhas, prevenção, e cooperação internacional. Encorajou, de forma
bem sucedida, as operações com as instituições análogas
em países de destino europeus, liderando a instauração
de processos a mais de 60 traficantes nigerianos em nove
países diferentes.22
193. Uma análise realizada nos 25 planos de ação nacionais contra o tráfico humano salientou duas falhas.
Primeiro, a falta de dados estatísticos fiáveis; só dois dos
planos analisados se baseavam em dados estatísticos. Segundo, apenas sete dos planos analisados indicavam claramente a fonte e o montante das dotações orçamentais
destinados a apoiar a implementação. Os futuros planos
de ação certamente terão que contornar essas deficiências.
Iniciativas regionais
194. Dado que muitos dos que se encontram em risco
de trabalho forçado e tráfico são migrantes em situação
irregular, longe dos seus países de origem, são necessárias
políticas e abordagens coordenadas entre os países de
origem e de destino. As iniciativas regionais podem facilitar essa tal abordagem comum. Na região asiática, a
Declaração contra o Tráfico de Pessoas, adotada pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em
novembro de 2004, estimulou a realização de planos de
ação nacionais em diversos países membros, bem como
a cooperação entre esses países. Outra iniciativa impor-
tante foi a Iniciativa Ministerial Coordenada do Meong
contra o Tráfico (COMMIT), um processo conduzido
pelo governo envolvendo os seis países da sub-região do
Grande Mekong (Camboja, China, República Democrática Popular do Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã).
Em dezembro de 2007, foi aprovado um Plano de Ação
Sub-regional, com compromissos e objetivos de reforço
de capacidades, elaboração de planos de ação nacionais,
desenvolvimento de parcerias multilaterais e bilaterais,
enquadramentos legais e aplicação das leis, identificação,
proteção, reintegração das vítimas e prevenção. Esta última inclui medidas de identificação das práticas de recrutamento abusivas contra os trabalhadores migrantes.23
195. Na África, o “Plano de Ação de Ougadougou” contra o tráfico humano foi formalmente adotado pela União Europeia e pelos Estados Africanos em novembro de
2006. Esse plano representa um amplo compromisso de
cooperação entre os estados europeus e africanos, e identifica os princípios gerais de ação. Na América Latina, na
Quarta Cúpula das Américas, realizada em novembro de
2005, os líderes comprometeram-se a eliminar o trabalho forçado até 2010, através de políticas mais incisivas e
da adoção de planos de ação nacionais, com o apoio da
OIT.
Desafios para a administração e inspeção do
trabalho
196. O trabalho forçado e o tráfico humano não têm
constituído um ponto prioritário no trabalho da administração e da inspeção do trabalho na maioria dos países.
Talvez tal seja compreensível, dado que a maioria dos casos de trabalho forçado ocorrem na economia informal,
bem como em casas particulares e no comércio do sexo,
onde os inspetores do trabalho enfrentam grandes dificuldades no acompanhamento e na aplicação da legislação do trabalho. Dada a natureza criminal do trabalho
forçado, os inspetores do trabalho podem também sentir
a necessidade de instruções claras para agir.
197. Ainda assim, os inspetores do trabalho podem
desempenhar um papel fundamental de diversas formas,
na prevenção, identificação e resolução de situações de
trabalho forçado e de tráfico. A Comissão de Peritos da
OIT afirmou que “em determinadas situações, violações
à legislação laboral podem conduzir ao trabalho forçado
e deverão, dessa forma, ser consideradas infração penal”.
19. Pakistan Action Plan for Combating Human Trafficking, Ministry of Interior, Government of Pakistan, 12 dec. 2005.20.
TVPRA 2005, Pub. L. 109-164.
21. Relatório Anual da Procuradoria-Geral ao Congresso e análise das atividades do Governo dos EUA para combater o tráfico de pessoas, ano fiscal
2007, Washington, DC, maio de 2008.
22. Fonte de informação: NAPTIP, consultado em: 27 out. 2008 [www.naptip.gov.ng].
46
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
A ação eficaz contra o trabalho forçado tem necessariamente que envolver um conjunto de instituições encarregadas da aplicação e fiscalização, a utilização eficaz
de mandatos, as capacidades e as competências de cada
uma delas, extrapolando a justiça criminal e laboral, para
também mobilizar os funcionários das fronteiras, imigração e das alfândegas, e outros. Em certas circunstâncias, são necessárias unidades especiais de pesquisa e de
instauração do processo, que poderão integrar a polícia
e a inspeção do trabalho. Estes esforços conjuntos foram
implementados com sucesso em alguns países, incluindo
o Brasil, a China e a Itália.
198. Os inspetores do trabalho podem aplicar um conjunto de métodos de pesquisa que não se encontram disponíveis em outras autoridades de execução da lei. Por
exemplo, têm o direito de entrar livremente em qualquer
local de trabalho sujeito a inspeção, a qualquer momento
e sem aviso prévio. Devem investigar qualquer queixa
relativa a violações da lei laboral, sem revelar sua origem.
Podem aplicar um vasto conjunto de ferramentas de forma arbitrária e flexível, como a emissão de notificações
antes de iniciar a instauração do processo contra um empregador, ou encerrar a produção no caso de perigo iminente para a saúde e segurança dos trabalhadores. Assim,
os inspetores do trabalho podem usufruir de uma vantagem no combate a questões relacionadas com o trabalho
forçado, em comparação com outras agências de cumprimento da lei, cujos mandatos são muito diferentes e, por
vezes, muito limitados.
199. É evidente que os serviços de inspeção do trabalho
também enfrentam grandes desafios na identificação do
trabalho forçado. Nos países em vias de desenvolvimento, os inspetores têm poucos recursos e geralmente estão
sobrecarregados demais para inspecionar as empresas de
forma eficaz mesmo na economia formal, quanto mais
as empresas informais, as residências privadas e os locais
de trabalho em zonas remotas, onde as práticas de trabalho forçado prevalecem. Os canais de subcontratação,
as práticas de outsoursing e os relacionamentos laborais
“triangulares”, muitas vezes associados aos problemas do
trabalho forçado, apresentam particulares dificuldades
quando os inspetores procuram provar a responsabilidade pelas violações. Um novo desafio está associado
com a tendência recente, principalmente na Europa, de
estender o mandato de inspeção do trabalho para cobrir
a detecção da contratação ilegal. Por exemplo, na Polônia, a legislação foi alterada em 2007 para dar à inspeção
do trabalho a responsabilidade e o controle da legalidade
da contratação de cidadãos estrangeiros. Da mesma forma, os governos da França, da Alemanha e da Bélgica
concederam atenção considerável aos mecanismos contra
a contratação não-declarada e ilegal. Nesse contexto, os
inspetores do trabalho podem ter que equilibrar cuidadosamente a sua principal responsabilidade de proteger
os direitos dos trabalhadores com outros aspectos de
aplicação da lei.
200. Estes desafios estão sendo respondidos de diferentes formas ao redor do mundo. Um número crescente
de países ampliou a cobertura da lei aos trabalhadores
domésticos. Por exemplo, o Uruguai e a Argentina adotaram leis especiais para a proteção de trabalhadores
domésticos e para a inspeção dos locais de trabalho em
casas privadas. Em 2008, o Código do Trabalho da Jordânia foi revisto, ampliando a lei laboral ao trabalho agrícola e doméstico.
201. Também na Jordânia, o sistema de inspeção do
trabalho foi reforçado para impedir o abuso dos trabalhadores em fábricas das zonas industriais qualificadas
(QIZ) que se dedicam sobretudo à exportação, e onde a
maioria da força de trabalho é originária de países asiáticos. Em 2006, a Comissão Nacional Laboral, estabelecida
nos Estados Unidos, publicou um relatório que denunciava as condições de trabalho exploradoras, incluindo
o trabalho forçado, em fábricas que se beneficiavam de
acesso preferencial ao mercado dos EUA. Pouco tempo
depois, o Ministério do Trabalho iniciou uma campanha
de inspeção, que levou ao fechamento de cinco fábricas,
a transferência de 1.200 trabalhadores para fábricas que
respeitavam a lei, e a imposição de 2.500 multas. Quatro
casos foram levados ao tribunal, e foi estabelecida uma
linha direta de apoio aos trabalhadores migrantes.25
202. Nos seus esforços de investigar o tráfico de pessoas,
o Departamento do Trabalho dos EUA (USDOL) focou
o cumprimento das leis laborais, como a Lei do Trabalho
Justo (FLSA) e a Lei de Proteção ao Trabalhador Migrante e de Agricultura Sazonal (MSPA). Os investigadores da Divisão dos Serviços de Duração do Trabalho e
Salários do USDOL entrevistaram os trabalhadores a fim
de analisar se eles poderiam ter sido vítimas de tráfico,
no intuito de orientar progressivamente outras autoridades na aplicação da lei. Seus investigadores também
analisaram os registros dos pagamentos, inspecionaram
o alojamento dos trabalhadores migrantes na propriedade, e articularam esforços com outras autoridades que
23. Plano de Ação Sub-regional da COMMIT (SPA II 2008-10), Pequim, China, dez. 2007.
24. Eradication of forced labour, Report III (Part 1B), ILC, 96th Session, Geneva, 2007, para. 2009.
47
O CUSTO DA COERÇÃO
aplicam a lei, para indenizar as vítimas de tráfico.26 O
USDOL indicou que vai continuar reforçando a FLSA
e a MSPA, independentemente do empregado estar ou
não documentado.27
203. No enquadramento do Plano de Ação Nacional,
o Ministério do Trabalho do Peru criou em 2008 um
grupo especial de inspeção do trabalho para o trabalho
forçado. O grupo é composto por cinco inspetores do
trabalho e por um supervisor, que podem ser enviados
para diferentes partes do país para detectar e agir em
situações de trabalho forçado. O grupo iniciou seu trabalho com um estudo de campo na região de Loreto,
confirmando a existência de trabalho forçado em acampamentos de exploração de madeiras, e identificando os
canais de produção associados. Está sendo igualmente
implementada a coordenação com outros agentes, como
a polícia nacional.
204. Na França, o Escritório Central de Combate ao
Trabalho Ilegal (OCLTI) foi estabelecido em maio de
2005, para coordenar as pesquisas contra a contratação
ilegal, incluindo o tráfico humano. Tal inclui inspetores
do trabalho, a polícia e oficiais da gendarmerie, designados para investigar alegações de violações ao Código
Laboral e ao Código Criminal, incluindo as disposições
relacionadas com as “condições de trabalho e de vida
que atentam contra a dignidade humana”. As audiências
podem ser iniciadas pelo inspetor do trabalho ou por
elementos da Polícia Judicial, a pedido do Ministério
Público. Os empregadores podem ser detidos por até 48
horas e posteriormente apresentados ao tribunal. Os trabalhadores que tenham sido sujeitos a condições que atentam contra a dignidade humana podem receber compensações iguais a seis meses de salário correspondentes.
205. Um estudo acerca do trabalho forçado em Portugal28, realizado pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade Social de Portugal e pela OIT, salientou algumas dificuldades encontradas pela Inspeção-Geral do Trabalho
(IGT), na identificação de casos de tráfico. Por exemplo,
a IGT só pode agir quando esteja documentada uma
situação contratual; por conseguinte, os casos relativos a
migrantes em situação irregular são de responsabilidade
da polícia. A IGT também tem dificuldade em intervir
em situações que se encontrem sob pesquisa criminal,
mesmo que estas tenham a ver com condições de trabalho degradantes, trabalho forçado e coerção. A IGT
só pode intervir quando os procedimentos criminais estiverem concluídos e o veredito se tornar público.
206. Nos países em vias de desenvolvimento, foram
experimentados modelos alternativos para detectar as
vítimas de tráfico. Por exemplo, na África Ocidental, os
Grupos de Vigilância Comunitária (CVG) liderados por
chefes tradicionais e líderes religiosos de diversas comunidades mobilizaram membros da comunidade em áreas
rurais para identificar e prevenir o tráfico humano. As
Comissões Distritais das Aldeias também fazem parte
do sistema nos países do Sul da Ásia, como a Índia e
o Paquistão, para a identificação e reabilitação de pessoas em situação de servidão por dívidas. Foi igualmente
sugerido que a eficácia dessas comissões pudesse ser fortalecida com sua ligação aos sistemas formais de inspeção
do trabalho. Por exemplo, uma aplicação ativa da Lei do
Salário Mínimo, associada à regulamentação das unidades de proteção em virtude da lei sobre as empresas,
poderia funcionar como um mecanismo de prevenção
eficaz contra a servidão por dívidas.29
207. As agências de trabalho privadas merecem particular atenção em qualquer discussão acerca do papel
da administração do trabalho no combate ao trabalho
forçado. Este relatório provou a forma como essas agências podem ser parte do problema, bem como parte da
solução, para o tráfico humano para exploração laboral.
Dado que as regulamentações relativas às agências de trabalho privadas fazem normalmente parte do Código do
Trabalho, os inspetores do trabalho ou outras agências
do sistema de administração do trabalho desempenham
um papel fundamental no controle da indústria. Alguns
países desenvolveram regulamentações e instituições específicas que combinam a capacidade de aplicação das
leis laboral e criminal. Um exemplo é o GLA do Reino
Unido. Estabelecido em 2005, seguindo a adoção da Lei
de Licenciamento de Agentes, de 2004, que licencia fornecedores de trabalho na agricultura, horticultura, pesca,
e nas indústrias transformadoras e embalamento associadas. Suas principais tarefas visam assegurar o cumprimento das normas e a aplicação de sanções, incluindo
sanções criminais.30
208. Em Portugal a IGT desempenhou um papel fundamental ao dirigir uma ação de inspeção junto às agências
de trabalho temporário. Em maio de 2007, lançou uma
operação de larga escala, resultando no cancelamento das
25. The Ministry of Labour, Hashemite Kingdom of Jordan: Labour administration and compliance in Jordan: A multi-stakeholder collaboration,
feb. 2008.
26. Attorney General’s Annual report, 2008, op. cit.
27. Hoffman Plastic Compounds Inc. v. NLRB, 535 US 137 (2002) and US Department of Labor, Employment Standards Administration, Wage
and Hour Division: Fact Sheet No. 48.
28. S. Pereira e J. Vasconcelos, op. cit.
48
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
atividades de 195 agências. Os motivos incluíam falha
na realização dos depósitos obrigatórios para a agência
governamental responsável pelo registro e licenciamento,
incumprimento no pagamento de seguros de acidentes
e de outras prestações para a segurança social, e atrasos
superiores a 30 dias no pagamento dos salários aos trabalhadores.
209. Na Malásia, o Ministério dos Recursos Humanos
introduziu um esquema de registro para os contratantes
de trabalhadores para as plantações. Em 2008, o Ministério, trabalhando de perto com a polícia, efetuou diversas intervenções para identificar contratantes abusivos
e para assegurar a proteção dos trabalhadores. Um novo
esquema de registro exige que todos os contratantes
forneçam registros de seus trabalhadores, incluindo
detalhes dos pagamentos dos salários mensais e as contribuições para os Fundos de Previdência dos Trabalhadores e para o Organismo de Segurança Social.31
210. Outros esforços centram-se na proteção dos trabalhadores nacionais colocados no exterior. Esta função
nem sempre é da competência dos ministérios do trabalho. Outros ministérios, ou unidades especiais sob a
autoridade dos ministérios do trabalho, podem servir
esse objetivo. A Administração Laboral das Filipinas no
Exterior (POEA) oferece um vasto conjunto de serviços
a seus trabalhadores migrantes, incluindo prestação de
informações sobre práticas de recrutamento e de contratação ilegal, como a retenção de documentos de
viagem, excesso de taxas de colocação e substituição de
contratos de trabalho. A Comissão Nacional das Relações Laborais está receptiva a queixas contra as agências
de recrutamento por parte de empregadores estrangeiros
relativas ao não-pagamento de salários, incumprimento
contratual ou despedimento ilegal.
211. Os conselheiros do trabalho no exterior também
têm um importante papel de proteção. Podem, por exemplo, facilitar a resolução de litígios entre os seus cidadãos e empregadores estrangeiros, antes que as queixas
sejam apresentadas aos tribunais do trabalho. As Filipinas mantêm agências de trabalho no exterior em mais
de 20 países da Ásia, do Oriente Médio, da Europa e da
América do Norte. Recentemente, países do Leste Europeu, como a Romênia e a Bulgária, também colocaram
conselheiros laborais na maior parte dos países de destino.
212. Para melhor desempenhar o seu papel de proteção
aos trabalhadores e de prevenção da exploração do trabalho forçado, os inspetores do trabalho podem receber
formação especializada e se beneficiar da troca de experiências. A Associação Internacional da Inspeção do Trabalho (IALI), em conjunto com as organizações membros de
cerca de cem países, é um veículo importante de troca de
informação e de colaboração além-fronteiras. Em junho
de 2008, a IALI adotou um novo plano de ação, que exigia
uma cooperação mais próxima com a OIT para combater
e prevenir o trabalho forçado. A OIT apoiou seminários
regionais para os inspetores do trabalho sobre o trabalho
forçado e o tráfico, inicialmente na Europa e na América
Latina. A formação realizada nacionalmente — em países
que incluíam a China, a Jordânia e o Vietnã — alertaram
os inspetores do trabalho para essas novas questões. OIT
também produziu o material de formação, para apoiar essas iniciativas de aquisição de competências.32
Lições da experiência
213. Em resumo, que lições podemos tirar a partir da
ação nacional até aos dias de hoje, protagonizada pelo
conjunto de atores públicos envolvidos na proteção de
indivíduos contra o trabalho forçado moderno?
214. Uma delas é que a administração laboral e as várias
instituições que a integram estão cada vez mais envolvidas
em políticas e ações contra o trabalho forçado e o tráfico.
Esse fato é particularmente verdade no que se refere ao
tráfico, que no passado era tendencialmente gerido pelas
autoridades de imigração e pela polícia. Em princípio,
a administração laboral pode cobrir todos os aspectos
relacionados com a instauração do processo, com a prevenção e a proteção, em colaboração com outras agências governamentais, parceiros sociais e organizações da
sociedade civil. As Inspeções do Trabalho desempenham
um papel fundamental no controle do local de trabalho,
na educação e no aumento da conscientização para a prevenção da exploração, e na penalização às violações da lei
laboral. Se as instituições laborais efetivamente desempenharão um papel ativo na prática já é uma questão que
depende muito dos enquadramentos legais, da capacidade de seu pessoal em influenciar políticas e dos recursos estabelecidos para sua implementação.
29. S. Maria: “Bonded labour in Tamil Nadu – A challenge for labour administration”, in Sivananthiran/Venkata Ratnam: Informal economy: The
growing challenge for labour administration, ILO, 2005.
30. See press release 27 Aug. 2008, downloaded at: www.gla.gov.uk/.
31. Government of Malaysia, Ministry of Human Resources, downloaded at: www.mohr.gov.my on 28 Oct. 2008.
32. ILO: Forced labour and human trafficking: A handbook for labour inspectors, Geneva, 2008.
49
O CUSTO DA COERÇÃO
215. Em segundo lugar, há a tendência de ampliar os
mandatos institucionais ou fazer uso criativo dos já existentes, com a finalidade de criar equipes multidisciplinares de aplicação e promover a cooperação entre países.
Isto resultou em um número crescente de instauração
de processos em alguns países, embora seja difícil obter
dados comparativos. A aplicação da lei laboral poderá
funcionar como complemento da aplicação da lei penal
ou como um canal alternativo de se procurar a justiça.
É particularmente relevante assegurar a compensação financeira dos trabalhadores que, de outra forma, não poderiam ser elegíveis para compensação em virtude da lei
criminal ou principalmente em virtude das leis contra o
trabalho forçado e o tráfico.
216. Em terceiro lugar, os governos compreendem cada
vez mais que mais vale prevenir do que remediar, e que a
aplicação da legislação está intrinsecamente ligada à proteção à vítima. Muitos exemplos citados neste relatório
apresentam provas desse desenvolvimento positivo. No
entanto, existem muitos obstáculos a serem contornados, como, por exemplo, remediar as lacunas existentes
na legislação, a formação e o reforço de capacidades, a
promoção de conduta ética entre as autoridades de aplicação e a melhor proteção àqueles que se encontram em
risco de trabalho forçado.
217. Até agora tem havido análises limitadas do im-
pacto da aplicação da lei atual e de outras estratégias
de erradicação do trabalho forçado.33 Poucos governos
desenvolveram ferramentas de avaliação e de controle a
fim de analisar o impacto de suas leis e políticas nacionais. Simultaneamente, com a ajuda de países doadoreschave, que acordaram dar total prioridade à ação contra
o tráfico humano, foram investidos centenas de milhões
de dólares em programas antitráfico por todo o mundo.
Uma quantidade substancial destes recursos foi estabelecida para formar e equipar a polícia, guardas fronteiriços,
funcionários da imigração e agências relacionadas, apesar
de ter sido gasto muito menos dinheiro para melhorar a
capacidade das instituições do mercado de trabalho.
218. Por fim, é importante que a aplicação das leis
proteja e não penalize os trabalhadores em questão. A
Comissão de Peritos da OIT recordou, na sua Pesquisa Global de 2006 sobre a inspeção do trabalho, que o
principal dever dos inspetores do trabalho é proteger
os trabalhadores, e não aplicar a lei da imigração. Os
princípios e os mecanismos de justiça laboral e criminal
podem complementar-se entre si, em conjunto, abrangendo uma resposta integral de aplicação da lei a formas
inaceitáveis de exploração laboral moderna.
33. See, for example, a report by the US Government Accountability Office (GAO), Human trafficking. Better data, strategy and reporting needed to
enhance US anti-trafficking efforts abroad, Washington, DC, 2006. Este revela que foram realizadas poucas avaliações para determinar as atividades
antitráfico em operacão, ou como as adotar para ir ao encontro de necessidades específicas.
50
3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS
51
Capítulo 4
O trabalho forçado e a economia privada:
desafios às organizações de empregadores e de
trabalhadores
Introdução
219. A ação contra o trabalho forçado, incluindo o tráfico humano, não tem parado de se desenvolver na agenda
das organizações de empregadores e trabalhadores. Os
empregadores estão cada vez mais conscientes de que o
trabalho forçado pode penetrar em suas próprias atividades, bem como naquelas compreendidas em suas cadeias produtivas. Os sindicatos de todo o mundo estão
cada vez mais conscientes de que precisam ampliar suas
atividades a fim de defender os direitos dos trabalhadores
do setor informal e dos desprotegidos, incluindo os trabalhadores migrantes em situação regular ou irregular.
220. O papel de liderança tem sido desempenhado
por duas organizações de proteção, a OIE, do lado dos
empregadores, e a CSI, do lado dos trabalhadores, em
estreita colaboração com o Programa Especial de Ação
da OIT de combate ao Trabalho Forçado (SAP-FL). O
Conselho de Administração do BIT reconheceu, em novembro de 2005, que o envolvimento das organizações
de empregadores e de trabalhadores seria de importância
fundamental para uma aliança global eficaz contra o trabalho forçado, contemplando uma aliança empresarial e
de trabalhadores sobre o assunto, e designada para este
efeito a fim de intensificar o reforço de capacidades entre
os parceiros sociais.
221. Essas iniciativas já deram consideráveis frutos. O
Conselho Geral da CSI adotou na sua sessão de dezembro de 2007 em Washington, DC, um Plano de Ação
para uma Aliança Sindical Global contra o Trabalho
Forçado e o Tráfico, por um período de três anos 20082010, e identificando as áreas chave para futuras atividades sindicais. Desde então, foi tomada uma série de
medidas de acompanhamento regional e nacional. A
OIE, após patrocinar diversos eventos durante o ano de
2008 para integrar as organizações de empregadores e as
empresas individuais em uma ação mais intensiva contra
o trabalho forçado, emitiu, no final do ano, uma orientação geral em conjunto com uma política ampliada
sobre o trabalho forçado.
222. Dessa forma, estão lançados os alicerces para a consolidação dos elementos fundamentais para uma aliança
global. Vai ser impossível realizar progressos consideráveis
contra o trabalho forçado, a menos que os parceiros sociais
tenham uma compreensão clara e partilhada do significado
de trabalho forçado, e de seus respectivos papéis, seja separadamente ou em colaboração entre si e com os governos,
para a sua prevenção e erradicação. Os empregadores e os
trabalhadores podem alcançar grandes resultados através
de suas próprias estruturas organizacionais, prestando orientações claras e formação aos seus membros, fomentando
e disseminando boas práticas, e fornecendo assistência direta àqueles que se encontram em risco de trabalho forçado ou em situações de trabalho forçado.
223. No entanto, existem questões políticas complexas
que requerem o envolvimento tripartite para poder gerar
o consenso necessário quanto aos meios de prevenção e
de correção das formas modernas de trabalho forçado.
Em uma reunião de cúpula realizada em Atlanta em
2008 no intuito de integrar os líderes empresariais dos
Estados Unidos contra o trabalho forçado, patrocinada
pela OIE e outras entidades, foi reafirmado que os empregadores não podem identificar por si só os problemas,
mesmo dentro das suas cadeias produtivas, a menos que
os governos estabeleçam um enquadramento legal claro
e adequado. O desafio consiste em encontrar os meios
adequados, através de planos de ação nacionais ou de
outros mecanismos de implementação, para reunir os
grupos tripartites, examinar as razões que estão na base
das práticas de trabalho coercivo, e analisar a necessidade
de regras e de regulamentações em conjunto com adequados mecanismos de controle.
53
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 4.1
Princípios para os líderes empresariais para o combate ao trabalho forçado e ao tráfico
• Ter uma política empresarial clara e transparente, definindo as medidas para impedir o trabalho forçado
e o tráfico. Deixar claro que as políticas se aplicam a todas as empresas envolvidas em um produto e às
cadeias produtivas de uma empresa;
• Formar auditores, responsáveis por recursos humanos e controle de normas, no intuito de identificar práticas de trabalho forçado e procurar medidas de correção adequadas;
• Fornecer regularmente informações aos acionistas e potenciais investidores, atraindo-os para os produtos
e serviços onde exista um compromisso claro e sustentável da prática da ética empresarial, incluindo a
prevenção do trabalho forçado;
• Promover acordos e códigos de conduta por setor industrial (como a agricultura, a construção e os têxteis),
identificando as áreas de risco de trabalho forçado, e tomar as adequadas medidas corretivas;
• Tratar os trabalhadores migrantes de forma justa. Acompanhar cuidadosamente as agências que oferecem
contratos de trabalho, especialmente as transfronteiriças, colocando em uma lista pública todas as que
tenham utilizado práticas abusivas e trabalho forçado;
• Assegurar que todos os trabalhadores tenham contratos escritos, em um idioma que eles compreendam
facilmente, especificando os seus direitos em relação ao pagamento de salários, horas extras, retenção de
documentos de identidade, e outras questões relacionadas com a prevenção do trabalho forçado;
• Encorajar a realização de eventos nacionais e internacionais entre intervenientes empresariais, identificando áreas problemáticas e partilhando boas práticas;
• Contribuir para a realização de programas e projetos de assistência, através de formação profissional e de
outras medidas adequadas às vítimas de trabalho forçado e de tráfico;
• Construir pontes entre governos, trabalhadores, agências de aplicação da lei e a inspeção do trabalho,
promovendo a cooperação na ação contra o trabalho forçado e o tráfico;
• Encontrar meios inovadores de recompensar as boas práticas, em conjunto com os meios de comunicação.
Fonte: OIT, Programa de Ação Especial de Combate ao Trabalho Forçado, fevereiro de 2007.
224. Para este efeito, as iniciativas multi-stakeholder
(MSI) estão neste momento desempenhando um papel
útil, tendo sido bem-sucedidas em reunir os representantes de empregadores e de trabalhadores com outros
grupos da sociedade civil, e, por vezes, com os governos.
Algumas dessas iniciativas são organizadas por setor
de produção, como a indústria do cacau, do algodão e
do açúcar. Outras, como a Iniciativa para o Comércio
Ético (ETI), estabelecida no Reino Unido, têm um foco
mais generalizado na promoção do comércio justo e das
práticas empresariais. Outras estão especificamente preocupadas com a certificação, com a rotulagem e com a
auditoria social. Cada uma dessas iniciativas foi dando
progressivamente maior atenção às preocupações relativas ao trabalho forçado como parte dos seus esforços
na promoção de normas fundamentais do trabalho. Em
uma disposição similar, as organizações preocupadas
com a promoção de empresas socialmente responsáveis
ou da responsabilidade social das empresas (RSE) têm-se
envolvido cada vez mais nas questões relacionadas com o
trabalho forçado e o tráfico. Muitas destas organizações
são compostas por empresas e procuram fornecer orientações ou meios de prevenção do trabalho forçado em
54
cadeias produtivas, assim como tratar essas situações com
certos instrumentos, como os códigos de conduta por indústria, ou aqueles adotados pelas empresas individuais.
225. No âmbito do sistema das Nações Unidas, um
fórum muito útil foi o Global Compact, que promoveu
seus dez princípios para a prática empresarial na área dos
direitos humanos, das condições do trabalho, do ambiente e da anticorrupção. Em sua cúpula realizada em
Genebra em julho de 2007, o Global Compact disseminou largamente os dez princípios básicos desenvolvidos
pela OIT, como as formas de prevenção do trabalho
forçado por parte dos empregadores em suas próprias
empresas, e colaborou com esforços mais amplos de
combate ao trabalho forçado e tráfico (ver caixa 4.1).
Estes ainda foram discutidos no Grupo de Trabalho do
Global Compact para os Princípios Laborais, presidido
em conjunto pela OIE e pela CSI em maio de 2008.
226. Em resumo, existe atualmente uma oportunidade
para combater o trabalho forçado, quer politicamente,
quer através de ações práticas nessa área. Ainda existe um
longo caminho a percorrer até alcançar uma compreensão abrangente do trabalho forçado atual na economia
privada e dos meios para identificá-lo, e antes que as
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
questões se estabeleçam mais firmemente entre as preocupações principais dessas organizações. Este capítulo
analisa o progresso até o presente, exemplificando as boas
práticas. Tem início com a experiência de organizações
de empregadores em conjunto com diferentes empresas,
seguido pela experiência do movimento sindical. Depois
volta-se para as MSI, com o enquadramento do movimento RSE. Procura identificar os principais desafios
perante o movimento empresarial e laboral, para que
a oportunidade que foi agora criada seja alvo de maior
consolidação.
O papel das organizações de empregadores
As questões
227. Os atores no mundo empresarial e as empresas privadas podem ter muitas preocupações diferentes. Para
empresas globais, com extensivas cadeias produtivas e
de terceirização, é provável que a principal questão seja a
gestão da cadeia de abastecimento. Um número proeminente de empresas viu sua imagem ser seriamente afetada por alegações de trabalho forçado em suas cadeias
produtivas. Isto não inclui só as empresas em atividades
produtivas nos setores que geralmente são considerados
de risco, como a agricultura e a construção, com sua
grande incidência de trabalho temporário e de “trabalhos sujos, difíceis e perigosos”. Nos últimos quatro
anos registrou-se uma onda de alegações que afetavam
as empresas ligadas ao aço, à eletrônica, ao calçado e
aos têxteis, e muitas mais. Os fornecedores de empresas multinacionais e de pequenas e médias empresas
(SMEs), integrados em cadeias mundiais de fornecimento, também enfrentam desafios semelhantes. Para
eles, o risco do trabalho forçado nas atividades dos seus
sub-contratantes pode afetar negativamente não só sua
própria reputação, como a reputação de toda a indústria, o que, por sua vez, pode causar um grande impacto
nos relacionamentos com os compradores em geral e no
acesso aos mercados globais.
228. Enquanto as empresas dão mais atenção a suas
próprias cadeias produtivas, os líderes de mercado estão
cada vez mais conscientes de que existem áreas onde são
necessárias plataformas, princípios e abordagens comuns.
Os capítulos anteriores concentraram-se em novas
questões, que são colocadas aos legisladores tributários,
aos responsáveis políticos, e na aplicação das leis relativas
às diferentes formas ou graus de coerção nos mercados
de trabalho. Essas questões são de particular importância
para as empresas participantes, que tentam ser competitivas em um mercado global restrito, mas que, ao mesmo
tempo, estão preocupadas em desempenhar suas atividades comerciais de uma forma socialmente responsável,
em conformidade com as leis nacionais dos países onde
realizam suas atividades, e também em conformidade
com quaisquer regras internacionais sob as quais possam
ser responsabilizadas.
229. Nos últimos anos, verificaram-se intensos debates
entre as empresas e a sociedade civil, em relação à extensão do compromisso das empresas perante a RSE
que, conforme normalmente expresso nos seus códigos
de conduta, é voluntária; e se essa ampliação deverá representar obrigações vinculativas, sujeitas a controle por
parte de terceiros.
230. Como o trabalho forçado é um crime grave, as
empresas têm a obrigação legal de o prevenir e de o erradicar de suas atividades empresariais, e, no caso de não
o fazerem, podem ser sujeitas a processos criminais e a
sanções. No entanto, existem pelo menos duas questões
pendentes. A primeira é que, quando as redes modernas
de abastecimento são tão complexas, surge a questão da
extensão da responsabilidade de uma empresa. A segunda
é que, quando a jurisprudência sobre o trabalho forçado
na economia privada é ainda tão recente, surgem incertezas e “áreas cinzentas” no que diz respeito às práticas
empresariais que constituem risco de trabalho forçado.
Conforme se tem verificado em alguns dos mais recentes
litígios nacionais, as interpretações judiciais vão também
variar de país para país.
231. Vistas em conjunto, as questões do trabalho forçado que afetam os negócios podem ser classificadas conforme se indica em seguida.
232. Em primeiro lugar, existem vários problemas disseminados, que afetam as pequenas indústrias, por vezes
em zonas remotas de países em vias de desenvolvimento.
Essas são questões muito antigas da economia informal,
como o caso dos fornos de tijolos ou das pequenas fábricas de vestuário de países asiáticos, como a Índia e
o Paquistão, que provavelmente incluem práticas de
servidão por dívidas profundamente enraizadas. Também foram encontrados problemas graves de trabalho
forçado em fornos de tijolos de economias em transição,
como aconteceu em 2007 em Shanxi, uma província da
China. O caso chinês foi diversas vezes retratado como
um caso “isolado”, envolvendo uma grave coerção contra pessoas vulneráveis, como crianças em zonas remotas,
seguido por uma vigorosa tomada de posição governamental. Ainda falta concluir se essas práticas de trabalho
forçado podem ser reduzidas através de uma rápida resposta governamental desse tipo.
233. Em segundo lugar, há indústrias que parecem estar
em risco de práticas de trabalho forçado dentro de países
em vias de desenvolvimento, principalmente devido à
55
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 4.2
Recomendações da reunião de Atlanta sobre a integração de empresas dos E.U.A. no combate ao trabalho
forçado
Os líderes empresariais de diferentes empresas e setores – desde a eletrônica e aço, até à alimentação e
bebidas e o recrutamento de forças de trabalho – reuniram-se para discutir o risco do trabalho forçado em
suas cadeias produtivas, a resposta adequada a dar, e sua necessidade de ferramentas de orientação. Era
consensual que a maioria das empresas estava exposta a esse risco, mas também urgia clarificar as definições, de forma que todos os operadores empresariais pudessem compreender. Havia a exigência de um
melhor “mapeamento estratégico” das questões relacionadas com o trabalho forçado, por país e por setor
econômico, e também para a melhoria da coordenação da auditoria, e para um mecanismo global de promoção de maior coerência entre as iniciativas de auditoria, possivelmente envolvendo a OIT. Como os códigos
de conduta existentes estão sendo agora consolidados, era necessária a existência de total clareza na forma
como o trabalho forçado poderia se manifestar nos locais de trabalho dos fornecedores bem como em outras
empresas. Os participantes salientaram a necessidade da existência de ferramentas de orientação prática
por parte da OIT que identificassem os passos a serem tomados para resolver os problemas logo que estes
fossem identificados.
natureza das práticas de recrutamento. Verifica-se um
risco muito claro de trabalho forçado através da servidão
por dívidas quando os trabalhadores temporários são
recrutados através de intermediários informais e nãolicenciados, que atraem os trabalhadores através do pagamento de adiantamentos, e que posteriormente lucram
através de uma série de custos inflacionados. Na América
Latina, o trabalho forçado foi detectado em várias indústrias, algumas delas exportadoras.
234. Em terceiro lugar, registram-se os problemas que
as empresas multinacionais enfrentam (MNE), quando
realizam a sua produção em regime de outsourcing a empresas cuja atividade se desenvolve em países em vias de
desenvolvimento. Estas podem ser uma extensão da primeira questão, dado que os bens amplamente produzidos, sob condições de trabalho forçado e de trabalho
infantil de pequenas indústrias do vestuário e em outras
fábricas de países em vias de desenvolvimento, podiam
penetrar a rede de abastecimento das MNE. No entanto,
foram levantadas questões particulares quando a incidência do trabalho forçado alegadamente ocorreu de forma
mais sistemática, em um modelo particular de produção
para fornecimento às MNE. Esse fato foi exemplificado
por alegações feitas em maio de 2006 pela Comissão
Nacional do Trabalho, um grupo de pressão constituído por ONGs influentes. Tais alegações afirmavam que
havia um amplo uso de trabalho forçado nos QIZ da
Jordânia, produzindo essencialmente para o mercado de
exportação dos EUA no âmbito de um acordo datado
de 2000, que prevê condições preferenciais para os bens
produzidos na Jordânia. As empresas integram, na sua
maioria, trabalhadores estrangeiros de diversos países
asiáticos. As alegações incluíam práticas como a retenção
56
de passaportes, o não pagamento de salários, conduzindo
à servidão por dívidas, abuso físico, e a remoção forçada
para os países de origem.
235. Em quarto lugar, verificam-se os problemas potenciais que todas as empresas enfrentam nos países
desenvolvidos, e também nos países em vias de desenvolvimento, que incluem contratos de trabalho através
de diferentes tipos de contratação ou de agências de recrutamento. Não existe consenso suficiente em relação
ao que é aceitável para a prática da cobrança de taxas,
sistemas de patronato e restrições resultantes aos direitos
dos trabalhadores migrantes em mudar de patrão. Assim, pode-se afirmar que não faz sentido a focalização
em uma indústria em particular ou em um grupo de
indústrias, pois as questões podem provavelmente afetar todos os empregadores que usufruem do trabalho dos
migrantes. Nesses casos, se existirem argumentos convincentes de que as práticas de recrutamento existentes podem constituir trabalho forçado ou o risco de o facilitar,
então o papel dos empregadores e das suas organizações
é trabalhar em conjunto com os governos ou com outros
interventores stakeholders para promover as regulamentações apropriadas, e também para encontrar formas de
controlar sua aplicação prática.
Princípios e orientações gerais
236. Em resposta a esses desafios, a OIE aumentou pro-
gressivamente seu compromisso com as suas próprias
afiliadas e empresas em geral, a fim de esclarecer malentendidos acerca do conceito de trabalho forçado, para
dar orientação sobre as formas de o identificar e prevenir,
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
Quadro 4.3
Recomendações para as organizações de empregadores e empresas na Ásia
(Workshop regional organizado conjuntamente pela OIE e o BIT)
As organizações de empregadores e empresas que operam na região, conscientes da sua influência e do papel que podem desempenhar na luta contra o trabalho forçado, e tendo em conta os desafios que enfrentam
em relação à capacidade institucional, propõem explorar as seguintes ações:
• Afirmar e apoiar o papel central desempenhado pelos governos na luta contra o trabalho forçado, e a
importância de enquadramentos de meios de aplicação e instituições eficazes;
• Colaborar com os governos no apoio a pesquisas, inquéritos e coleta de dados estatísticos para definir
o alcance do problema no âmbito nacional e setorial;
• Desempenhar um papel de liderança na contribuição para a luta contra o trabalho forçado nacional,
regional e internacionalmente;
• Utilizar as plataformas e redes disponíveis fornecidas pela OIE e pelo BIT para promover a cooperação
regional e internacional, trocar informação e apresentar as boas práticas;
• Responder aos desafios do trabalho forçado como questão política fundamental para as organizações
de empregadores e seus membros;
• Incentivar atividades de sensibilização junto aos empregadores e empresas a respeito do risco que o
trabalho forçado representa em suas atividades;
• Promover ferramentas de assistência na luta para a eliminação do trabalho forçado e utilizar as ferramentas já existentes para promover a compreensão do fenômeno entre empresas membros;
• Informar os membros acerca da importância e do benefício de identificar o trabalho forçado como uma
questão de gestão de risco;
• Promover as atividades dos empregadores contribuindo para a luta contra o trabalho forçado, por
exemplo através de newsletters, websites e editoriais nas colunas mensais nos meios de comunicação
nacionais;
• Trabalhar com parceiros relevantes para identificar e alcançar objetivos comuns e, sempre que for
adequado, desenvolver ferramentas e orientações dirigidas aos atores empresariais, em todos os níveis
das atividades empresariais.
e para fornecer diretivas gerais sobre as formas como as
organizações empregadoras podem identificar a questão.
237. Foi realizada uma reunião na sede social da Empresa Coca-Cola em Atlanta, para encorajar as empresas a
lutarem contra o trabalho forçado, em fevereiro de 2008.
A reunião, que envolveu cerca de 80 representantes de
organizações de empregadores e de empresas, em conjunto com elementos governamentais e MSI, ajudou a
identificar as principais preocupações e a delinear as prioridades para ações de acompanhamento.1
238. Outro evento realizado em 2008 reuniu os principais representantes de organizações de empregadores e de
empresas de toda a Ásia, em conjunto com os representantes da sociedade civil. Os participantes discutiram o
papel que as organizações de empregadores e as empresas
podem desempenhar no combate ao trabalho forçado na
região, e definiram uma série de recomendações direcionadas aos atores do setor privado.2 Essas recomendações
identificaram os seguintes temas: estratégias e desafios
para as empresas, ferramentas e recursos de promoção
da integração, e o papel de liderança das organizações de
empregadores.
239. Desde então, a OIE emitiu um documento de orientação e uma política aprofundada para serem utilizados por suas afiliadas em todo o mundo, esclarecendo
a concepção de trabalho forçado e salientando questões
como: como identificar o trabalho forçado; a maneira
que este afeta as atividades empresariais e por que os
empregadores devem se envolver na identificação do trabalho forçado; o que as empresas podem fazer para evitar
o trabalho forçado em suas atividades, bem como para
remediar os problemas identificados.
240. A OIT, por sua vez, respondeu à crescente exigência de orientação em como identificar o trabalho forçado,
preparando um conjunto de materiais de orientação e
de ferramentas em cooperação com a OIE. O material é
composto por sete folhetos, dirigidos a empresas de todas
as dimensões, organizações de empregadores e outras, in-
1. Envolvendo as empresas: enfrentando o trabalho forçado, foi uma reunião patrocinada pelo Conselho das Empresas Internacionais dos EUA, pela
Câmara do Comércio dos EUA, e pela OIE, em cooperação com a OIT, recepcionada pela empresa Coca Cola, Atlanta, Estados Unidos, 20 de
fevereiro de 2008.
57
O CUSTO DA COERÇÃO
cluindo gestores seniores, responsáveis por recursos humanos, RSE e respectivo pessoal, auditores sociais e funcionários públicos. Os folhetos incluem os princípios de
orientação para o combate ao trabalho forçado, uma lista
de verificação e de orientação para avaliar sua conformidade, um guia e dicas práticas de atuação, e uma série de
estudos de caso de boas práticas, que salientam as diferentes ações que as empresas tomaram individualmente
ou em conjunto com as indústrias. O material fornece
conselhos práticos para ajudar as empresas a identificar
o risco de trabalho forçado em suas próprias atividades
e em cadeias produtivas globais, explicando o que é o
trabalho forçado, por que é que este é uma preocupação
significativa para as empresas, e as ações que podem ser
tomadas para o identificar. Neste sentido, o material tem
o papel de aumentar a conscientização e de reforçar as capacidades de organizações de empregadores e empresas .
Iniciativas de organizações nacionais e
empregadores
241. Algumas organizações de empregadores encararam
o fenômeno do trabalho forçado e do tráfico nacionalmente. Elas têm procurado combater estas questões através de uma série de medidas que incluem programas de
conscientização e formação de membros através de uma
cooperação transfronteiriça para lidar com os problemas
regionais e globais do tráfico humano e da exploração
dos trabalhadores migrantes.
242. Em maio de 2008, a Federação dos Empregadores da
Ucrânia realizou um seminário regional sobre estratégias
contra o tráfico e o trabalho forçado em cooperação com
o BIT, a UE e com o Centro Internacional de Desenvolvimento da Política de Emigração.3 Esse seminário visava
informar e aumentar a conscientização das organizações
de empregadores, e agir como um catalisador para cooperações e parcerias futuras em questões como: a migração
laboral e o tráfico; o papel das agências de recrutamento;
boas práticas em Planos de Ação Nacional em desenvolvimento para combate ao trabalho forçado; e avaliar o papel da RSE e da gestão da cadeia produtiva. O workshop
incluiu representantes da Ucrânia, Bulgária, Romênia,
República da Moldávia e Polônia.
243. Foram realizados outros workshops, feitos por organizações de empregadores em países tão diversos como
a Geórgia, o Vietnã e a China, com o objetivo de sensi-
bilizar os membros das empresas e discutir o papel que
eles podem desempenhar nas iniciativas antitráfico e nos
programas de localização do trabalho forçado. Entretanto, com o apoio técnico do BIT e em colaboração com
o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento
(BERD), a indústria da construção na Federação Russa,
através de seu órgão representante, a KSORR, desenvolveu um código de conduta no setor industrial, para
impedir as violações dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, incluindo o trabalho forçado e o tráfico
humano. Em particular, o código prevê a supervisão do
local de trabalho e medidas de transparência para assegurar a responsabilidade e a credibilidade da iniciativa.
244. As organizações de empregadores da Malásia e do
Vietnã têm trabalhado em conjunto para impedir os abusos enfrentados por trabalhadores vietnamitas na Malásia
nos últimos anos, com maior incidência nas indústrias da
construção e do vestuário. As práticas de coerção salarial,
confiscação de documentos pessoais e repatriação forçada emergiram em relatórios dos meios de comunicação
e de organizações da sociedade civil. Em resposta, a Federação do Emprego da Malásia e a Câmara do Comércio
e Indústria do Vietnã aliaram-se para disponibilizar informação legal e cultural aos trabalhadores migrantes no
Vietnã, antes que estes aceitassem trabalhar na Malásia.
Esta informação foi distribuída através das agências de
recrutamento do Vietnã que fornecem serviços de colocação, incluindo a associação nacional dessas agências.
Os pacotes de informação aos migrantes esclarecem as
partes relevantes da lei da Malásia, questões sobre fiscalidade, informações sobre segurança social e cuidados de
saúde, e como fazer contato em caso de emergência.
245. Foram também tomadas medidas nacionais e locais
por associações industriais e empresariais em países como
os Estados Unidos. A Associação Têxtil Nacional, em
conjunto com a Federação Americana do Trabalho e o
Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO), apresentou uma queixa conjunta com o Governo dos EUA,
sob o Acordo de Comércio Livre com a Jordânia, alegando “violações grosseiras” dos direitos dos trabalhadores.
Neste caso singular, uma associação empresarial assumiu
um papel de liderança ao apresentar um caso de direitos
dos trabalhadores no marco de um acordo comercial.
2. Workshop regional sobre o combate ao trabalho forçado: o papel das organizações de empregadores e das empresas, reunião realizada em conjunto
pela OIE e pela OIT em Bangcoc, Tailândia, 30 de junho - 1 de julho de 2008.
3. Relatório sobre o seminário regional para as organizações de empregadores sobre as estratégias contra o tráfico e o trabalho forçado, Kiev, Ucrânia,
21—22 de maio de 2008.
58
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
Medidas e respostas de empresas individuais
246. Tem sido dada especial atenção às questões do tra-
balho forçado, em particular pelas MNE que têm consciência do risco de trabalho forçado em suas operações
de terceirização outsourcing e em cadeias produtivas
complexas. O risco é considerado cada vez mais grave,
lesando a reputação de um número significativo de empresas, através de alegações amplamente divulgadas sobre
a existência de trabalho forçado (de adultos e de crianças)
em algumas de suas operações comerciais. Durante os
dois últimos anos, muitas destas empresas tiveram que
enfrentar reportagens dos meios de comunicação alegando que suas atividades recorreram ao trabalho forçado.
Além das indústrias consideradas normalmente em risco,
como a agricultura e o vestuário, o risco do trabalho
forçado abrange todos os tipos de indústrias com cadeias produtivas vinculadas aos bens utilizados nos seus
produtos finais, como as indústrias do aço e automóvel,
que utilizam amplamente o metal, ou as indústrias de
alta tecnologia, incluindo as telecomunicações.
247. Tem ser feita uma distinção entre as medidas preventivas de segurança contra o risco de trabalho forçado
e as respostas às alegações específicas.
248. A maioria dos códigos de conduta das empresas,
bem como os códigos industriais para setores específicos, contém uma proibição geral do trabalho forçado.
Para a maior parte, limita-se a uma breve declaração sem
grandes detalhes. Em alguns casos, no entanto, os códigos das empresas forneceram orientações extensas contra
práticas de recrutamento abusivas. No entanto, existem
situações em que a empresa define detalhadamente as
condições de trabalho por escrito aos trabalhadores em
seus países de origem, com a especificação das taxas de
recrutamento (se impostas pelas leis do país de acolhimento ou de origem), e para assegurar que o fornecedor
assuma todos os passos razoáveis necessários no trabalho
com agências de prestígio, que não cobram dos trabalhadores taxas superiores às permitidas pela lei do país de
acolhimento.
249. Nos casos de alegações específicas contra empresas,
houve exemplos de respostas rápidas. Um dos casos referia-se a uma grande empresa de informática dos EUA.
Depois dos relatórios dos meios de comunicação sobre as
condições de trabalho forçado existentes em uma fábrica
chinesa de um dos seus fornecedores, a empresa iniciou de
imediato uma auditoria independente para realizar uma
pesquisa no local. Descobriu-se que as alegações de trabalho forçado não tinham fundamento, mas as violações
ao código de conduta da empresa relativas ao horário de
trabalho e às condições de vida exigiam medidas de correção. Em outro caso, de julho de 2008, um programa
de televisão australiano alegou a existência de trabalho
forçado em uma fábrica de um fornecedor malaio de
uma grande empresa de calçado dos EUA. Nesse caso, a
empresa americana, após conduzir uma rápida avaliação,
aceitou muitas das alegações e anunciou a realização de
alterações a sua prática empresarial, enquanto a fábrica
também concordou em solucionar tais questões. Os
trabalhadores de quem inicialmente foram retirados os
passaportes tinham então acesso livre e imediato a esses
documentos, e acesso a uma linha telefônica disponível
24 horas, caso a gerência da fábrica não disponibilizasse
esses documentos. Todos os trabalhadores migrantes da
fábrica seriam reembolsados por quaisquer taxas de recrutamento associadas com sua contratação na Malásia e
qualquer futura taxa associadas com a contratação seriam
pagas pela fábrica. Dessa forma, a empresa dos EUA tomou a importante decisão de manter o fornecedor e de
corrigir o problema, através de alterações de sua prática
empresarial publicamente anunciadas.
250. Muitas empresas, tanto fornecedoras como compradoras, enfrentaram extensas acusações em fábricas exportadoras da Jordânia em 2006, depois de um relatório vastamente divulgado pela Comissão Nacional do Trabalho
com sede nos EUA. Esse relatório estimulou uma resposta
significativa por parte dos principais compradores, localizados na sua maioria nos Estados Unidos, e por parte dos
fornecedores e de suas organizações de representantes na
Jordânia. Alguns dos compradores intensificaram as suas
próprias auditorias, documentando, por vezes, algumas
melhorias. Muitos fornecedores colaboraram desde essa
época com o BIT, procurando uma melhor compreensão
das questões relacionadas com o trabalho forçado e das
respectivas ações corretivas. Em março de 2008, por exemplo, foram realizados vários seminários acerca do trabalho
forçado, com a Associação dos Exportadores de Vestuário,
Acessórios e Têxteis da Jordânia (JGATE), reunindo cerca
de 70 altos funcionários das fábricas exportadoras. As reuniões serviram não só para debater princípios de uma
forma mais ampla, mas também para analisar os motivos
da continuação da ocorrência de certas práticas ainda
muito criticadas. Os pontos de debate incluíam as horas
extras, a retenção de documentos de viagem, as taxas de recrutamento e de facilitação, e a consistência das auditorias.
Ao notar que os diferentes procedimentos de codificação e
de auditoria exigiam muito tempo e recursos, com interpretações diferentes relativamente aos indicadores do trabalho forçado, os participantes solicitaram análises e procedimentos mais uniformes, bem como por uma melhor
comunicação entre compradores e fornecedores a respeito
destas questões.
59
O CUSTO DA COERÇÃO
Auditoria ao trabalho forçado
251. A experiência citada levanta algumas questões im-
portantes em relação à utilidade da auditoria social para a
erradicação do trabalho forçado. Existem muitos obstáculos à eficácia de auditorias de questões tão complexas
como o trabalho forçado. Estes podem incluir a brevidade relativa da auditoria, as limitações dos métodos utilizados para conduzir essas avaliações, e a falta generalizada de formação em auditoria sobre trabalho forçado e
tráfico. Além disso, a auditoria social normalmente não
tem a possibilidade de se introduzir no primeiro escalão
de uma cadeia produtiva de uma empresa, o que significa
que muitos sub-contratantes escapam à atenção.
252. Um relatório da ETI, iniciativa sediada no Reino
Unido, contendo os resultados de seu projeto para combater alguns dos piores abusos na indústria agrícola do
Reino Unido, salienta alguns dos desafios enfrentados
pelos auditores sociais ao analisarem as práticas dos empregadores conhecidos como “gangmasters”. Entre eles
questões básicas como a capacidade dos auditores de
comunicarem-se com os trabalhadores que falam diferentes idiomas, e assuntos mais complexos, como a necessidade de assegurar a consistência e o mesmo nível de
normas na aplicação das auditorias em diferentes locais
de trabalho, com forças de trabalho de diferentes dimensões. A questão da subcontratação também é citada.
Neste caso, a experiência da ETI reforça a opinião amplamente sustentada de que os maiores problemas ocorrem em áreas de subcontratação da cadeia produtiva. De
acordo com o relatório, avaliar o principal fornecedor de
trabalho não implica necessariamente ter mais problemas
na cadeia, e, ao verificar-se tal situação, será necessário
realizar uma auditoria a cada fornecedor de trabalho.
253. Por esses motivos, o BIT reuniu os auditores sociais
e compradores e fornecedores globais, em países-chave
de exportação, promovendo o desenvolvimento de novas
e melhores formas de identificar situações de trabalho
forçado através dessas avaliações. Foi elaborado um manual sobre o trabalho forçado para os auditores sociais,
como parte da série de materiais desenvolvidos a esse respeito, para organizações de empregadores e empresas.
O manual salientava a importância do diálogo social e
a necessidade dos auditores se relacionarem com agentes
públicos, particularmente com inspetores do trabalho.
O papel e a experiência dos sindicatos
254. O apelo lançado pelo CSI, em dezembro de 2007,
para uma Aliança Global Sindical de Combate ao Trabalho Forçado e ao Tráfico surgiu oportunamente. In-
60
úmeras organizações de trabalhadores de todo o mundo
estavam prontas para entender esse apelo, e foram rápidas em responder. Muitas já haviam iniciado ações inovadoras para alcançar grupos vulneráveis, incluindo os
trabalhadores migrantes, no sentido de exigir uma melhor regulamentação e supervisão dos contratos de trabalho, e para promover a cooperação entre as suas afiliadas
em diferentes partes do mundo.
255. Os passos para alcançar uma aliança global de trabalhadores nesta matéria, em conjunto com a preparação
e adoção de planos de ação sindicais em diferentes
regiões, impulsionaram os esforços existentes e serviram para lhes conferir maior evidência. Recentemente,
muitos sindicatos destacaram funcionários e elaboraram
programas que lidam com assuntos como os direitos dos
trabalhadores domésticos e migrantes e trabalho infantil,
servindo para chamar maior atenção para questões relacionadas com o trabalho forçado e o tráfico. No entanto,
uma situação particular sobre o trabalho forçado agora
parece ter atingido uma repercussão especial. Os sindicalistas compreendem cada vez mais que seus membros
têm um papel fundamental a ser desempenhado na ação
geral contra o trabalho forçado, através do apoio direto
às vítimas, do controle das condições de recrutamento
e da contratação em áreas onde a inspeção do trabalho
e outras medidas de aplicação da lei normalmente não
chegam, e através da participação de iniciativas multistakeholder, que são cada vez mais utilizadas na procura
do consenso na resposta política ao trabalho forçado.
256. Esta seção começa descrevendo a oportunidade
internacional de envolver os sindicatos de forma mais
abrangente no combate ao trabalho forçado, e identificar
os principais problemas. Posteriormente, analisa as iniciativas tomadas em esfera nacional ou através da cooperação entre países, muitas destas dentro do enquadramento dos projetos e através da assistência técnica do BIT.
Uma aliança sindical global
257. No início de 2007, a CSI iniciou um projeto global
de desenvolvimento e de disseminação de estratégias para
lidar com o trabalho forçado e o tráfico, em colaboração
próxima com o BIT. No intuito de procurar alcançar
a adesão sindical a esta estratégia, foi realizada, em setembro de 2007, na Malásia, uma conferência internacional sobre os sindicatos e suas estratégias, patrocinada
em conjunto pela CIS, pela Central Sindical da Malásia
(MTUC) e o programa do BIT, SAP-FL. Os participantes optaram por dividir suas abordagens e atividades
em três bases principais de pesquisa e coleta de dados,
aumentando a conscientização e realizando campanhas,
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
Quadro 4.4
Pontos de ação adotados no Conselho Geral da CSI, dezembro de 2007
• Promover a ratificação e a implementação efetiva das Convenções da OIT sobre o trabalho forçado, inspeção do trabalho, agências de recrutamento privadas e trabalhadores migrantes.
• Aumentar a sensibilização de membros e funcionários sindicais e o grande público a respeito do trabalho
forçado e do tráfico de seres humanos.
• Identificar as questões relativas ao trabalho forçado e ao tráfico através de acordos bipartites e tripartites.
• Promover o apoio político e material no meio das organizações sindicais para o desenvolvimento de políticas contra o trabalho forçado.
• Controlar as agências de recrutamento e as empresas, incluindo suas cadeias produtivas, a fim de detectar
e combater as práticas de trabalho forçado e tráfico de seres humanos.
• Identificar, documentar e expor publicamente questões e casos de trabalho forçado.
• Acordos de colaboração sindical bilateral, setorial ou regional e alianças adequadas ou coligações com
organizações da sociedade civil com experiência relevante.
• Cooperar com serviços de inspeção do trabalho, aplicação da lei e outras autoridades relevantes ou grupos
de trabalho.
• Alcançar e direcionar apoio aos trabalhadores migrantes informais, desprotegidos e vulneráveis, para
identificar as necessidades e a situação específica, incluindo sua integração nas classificações sindicais.
• Assegurar a adequada atenção a todos os aspectos relacionados com racismo e discriminação, incluindo
particularmente sua dimensão de gênero, dado que as mulheres estão sujeitas a um maior risco.
• Trabalhar em estreita relação com as federações da Global Union para identificar os setores onde é mais
provável a ocorrência de trabalho forçado e tráfico.
e reduzindo a vulnerabilidade. Foram também selecionadas quatro áreas prioritárias de intervenção futura, nomeadamente: servidão por dívidas no sul da Ásia e na
América Latina, a exploração dos trabalhadores domésticos, o tráfico na Europa e na Ásia, e o caso particular de
Mianmar. Foi realizada uma assembleia de acompanhamento no mês seguinte, no Centro da OIT em Turim,
para assegurar a validação da estratégia concebida por
sindicalistas sênior e pelas federações da Global Union.
258. Foi igualmente enviado um questionário às afiliadas da CSI e às federações da Global Union, para avaliação das capacidades dos sindicatos, bem como suas
necessidades e oportunidades nesta área. Os resultados
indicaram claramente um compromisso do movimento
sindical mundial para com o combate do trabalho forçado e o tráfico. Também confirmou que em muitos países,
as atividades e estruturas sindicais já identificavam estas
questões sob diferentes ângulos. No entanto, enquanto
muitos sindicatos em todo o mundo já enfrentavam as
questões do trabalho forçado e do tráfico, muitos não
tinham o conhecimento nem as capacidades e os recursos para poder fazer o mesmo. A pesquisa detectou uma
forte necessidade de reforçar as capacidades, o aconselhamento e a assistência técnica.
Um plano de ação para uma aliança global
sindical: principais áreas de atividade
259. No seguimento destas preparações, a CSI adotou
no seu Conselho Geral um plano de ação inicial que consiste em 11 pontos, realizado em Washington, DC, em
dezembro de 2007.
260. Esse plano de ação apresentou os princípios gerais e
as áreas de atuação, no intuito de orientar as futuras atividades dos sindicatos. O passo seguinte seria desenvolver
prioridades mais específicas por região. Foi o que o CSI
fez em 2008, produzindo materiais de informação para
intensificar a sensibilização. Foi criado um website sobre
a luta dos sindicatos contra o trabalho forçado e o tráfico, dentro do website principal da CIS e uma newsletter da aliança global sindical, disponível em sete idiomas,
além de outras publicações. Além disso, um “Mini guia
de ação” sobre o combate ao trabalho forçado fornece
aconselhamento aos sindicalistas sobre definições de trabalho forçado, com dados e indicadores de identificação
do problema, e com aconselhamentos sobre medidas
corretivas. A CIS também contatou ONGs e grupos da
sociedade civil que têm conhecimento e competências
especializadas para ajudar mais eficazmente a combater o
61
O CUSTO DA COERÇÃO
trabalho forçado. Em 2008, foi assinado um memorando
de entendimento entre a CIS e a ONG Antiescravatura
Internacional. A CIS comprometeu-se a envolver parceiros da ONG em atividades de sensibilização, seminários
de formação e em projetos para a resposta a grupos marginalizados no quadro do seu plano de ação. Da mesma
forma, a ONG Antiescravatura Internacional, comprometeu-se a maximizar o envolvimento adequado dos sindicatos em suas atividades, permitindo, assim, que seus
parceiros se beneficiem da experiência sindical sobre as
questões do mercado de trabalho.
Planejamento regional e reforço de capacidades
261. O primeiro evento de acompanhamento regional
ocorreu no Quênia em julho de 2008, reunindo sindicalistas de 20 países africanos. Com base nos relatórios nacionais apresentados por cada país, os participantes puderam
apresentar propostas gerais e uma série de recomendações
direcionadas separadamente ao governo, aos empregadores
e aos próprios sindicalistas. No que concerne às atividades
sindicais, as principais recomendações envolviam aspectos
organizacionais e independentes. Tomou-se a decisão de se
estabelecer uma rede nacional, coordenada pelo escritório
africano da CSI, com os pontos centrais de cada país para
tratarem os casos em conjunto e partilharem informação.
No fundo, as recomendações salientaram, entre outras, a
importância dos acordos bilaterais e sub-regionais entre os
centros sindicais de diferentes países, e a necessidade de
dar maior atenção aos trabalhadores migrantes e aos trabalhadores na economia informal.
262. Foi realizada em Atenas, em novembro de 2008,
uma segunda grande conferência sobre o combate ao trabalho forçado e tráfico humano, organizada pela Confederação Geral de Trabalhadores da Grécia (GSEE) em
colaboração com a CSI, a Confederação Europeia de Sindicatos (ETUC) e o Conselho Regional Pan-Europeu.
Seu objetivo geral consistia em providenciar uma plataforma de debate e de conscientização, e em fornecer uma
estratégia sindical internacionalmente abrangente para
combater o trabalho forçado e o tráfico na Europa, com
especial atenção para a situação das mulheres e das crianças. Esse evento de elevado impacto foi bem sucedido
na identificação de uma estratégia Pan-Europeia de ação
sindical contra o trabalho forçado, em conjunto com um
plano de ação de dois anos. A “Declaração de Atenas”
versando esse assunto foi alvo de grande destaque por
parte dos meios de comunicação, uma vez mais confirmando o fato do trabalho forçado resultante do tráfico
de migrantes em situação irregular, em particular de
mulheres e de crianças, ser um problema significativo na
Europa.
Iniciativas das federações sindicais
263. As federações sindicais internacionais, concentrando-se nos direitos dos trabalhadores e na proteção de setores produtivos ou organizacionais específicos, podem
ter um papel de liderança na identificação do trabalho
forçado. Um bom ponto de partida pode ser a negociação de acordos com determinadas indústrias ou empresas privadas, incluindo as garantias contra o trabalho
forçado como parte de um compromisso mais amplo
perante os direitos laborais. Por exemplo, a Federação
Internacional dos Trabalhadores do Têxtil, Vestuário e
Couro (ITGLWF) chamou constantemente a atenção
para as práticas de trabalho forçado que afetavam os
trabalhadores migrantes. Em outubro de 2007, assinou
um acordo de enquadramento com a empresa Espanhola Inditex, comprometendo a empresa a agir contra o
trabalho forçado como parte de um acordo mais amplo
para promover as normas fundamentais do trabalho da
OIT. A Inditex comprometeu-se a aplicar essas regras a
todos os trabalhadores, e por toda a sua rede de abastecimento, fossem eles contratados diretamente pela Inditex
ou através de fabricantes e de fornecedores externos. Em
setembro de 2007, a Federação Internacional dos Sindicatos de Trabalhadores de Química, Energia, Minas e
Indústrias Diversas (ICEM) e a Federação Internacional
dos Metalúrgicos (IMF) assinaram, conjuntamente,
um novo acordo global com a Umicore, uma empresa
multinacional relacionada principalmente com serviços
e produção de metais. A proibição do trabalho forçado
figurava entre os pontos do acordo.
264. Em maio de 2006, o Escritório da OIT em Lima e a
Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (BWI) estabeleceram um importante precedente ao
assinar o primeiro acordo entre um sindicato e a OIT, no
intuito de combater particularmente o trabalho forçado.
Dadas as cada vez maiores evidências do trabalho forçado
na indústria florestal da madeira e nos países dos Andes,
particularmente na Bolívia e no Peru, as duas organizações comprometeram-se a realizar uma série de atividades
conjuntas visando o aumento da conscientização e a disseminação de informação, e esforços para organizar os
trabalhadores da madeira. Em dezembro de 2007, um
novo acordo ampliou esta cooperação a toda a América
Latina e Caribe. Como resultado, em agosto de 2008 foi
4. Slave and forced labour in the twenty-first century: A TUC fact file and activities pack for trade union tutors, Unionlearn/TUC
62
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
lançado pela BWI um projeto sindical de combate ao trabalho forçado no setor florestal na Bolívia e no Peru. O
projeto é financiado pela Federação Holandesa de Sindicatos (FNV), com a assistência do BIT. Seu objetivo é defender as vítimas atuais ou potenciais de trabalho forçado
nesse setor, através da sensibilização, da organização dos
trabalhadores e da construção de alianças.
265. Os sindicatos também adotaram estratégias preventivas, identificando as necessidades dos trabalhadores
no seu setor particular. Os Serviços Públicos Internacionais (PSI) alcançaram de forma extensiva potenciais
migrantes no setor dos serviços de saúde. Os parceiros da
PSI na implementação do Projeto dos Trabalhadores Migrantes e da Saúde da Mulher produziram um dossiê de
orientação em 16 países de origem e de destino. O dossiê informativo visava ajudar as mulheres trabalhadoras
saudáveis a tomarem a opção certa, quando confrontadas
com decisões complexas sobre o país de destino desejado.
Contém informações práticas acerca do custo de vida,
dos direitos legais e laborais, e associações sindicais nos
países de destino. Inclui também informação generalizada sobre questões de emigração no setor da saúde, e o
papel dos sindicatos do setor público.
266. A UNI, o sindicato global do setor dos serviços,
introduziu seu “Passaporte UNI” para manter o contato
com sua rede de afiliadas, que podem auxiliar e aconselhar os migrantes, onde quer que eles estejam. As afiliadas decidem o nível de apoio que providenciarão aos
migrantes, que são membros sindicais nos seus próprios
países e divulgam esta informação em seus próprios websites.
Ação nacional: orientação e kits de ferramentas
267. Como primeiro passo para promover a conscientização e a integração, os kits gerais de ferramentas são
de significativa importância. Um deles foi emitido pelo
TUC do Reino Unido, em fevereiro de 2007, como
parte das atividades nesse país para comemorar o 200º
aniversário da abolição do comércio transatlântico de
escravos na Europa. Direcionado principalmente aos
formadores sindicais, seu objetivo era aumentar a confiança na identificação das questões do trabalho forçado
em fóruns de aprendizagem públicos, assim como também atrair o interesse e a militância entre sindicalistas
individuais. Uma “auditoria para a conscientização sobre
o trabalho forçado” ajuda os utilizadores a verificar os
seus próprios níveis de conhecimento, e a agir a respeito.
O BIT desenvolveu com os sindicatos da Zâmbia outro
kit de ferramentas sobre o trabalho forçado e o tráfico,
como parte de um projeto conjunto sobre o trabalho
forçado entre a OIT e seus constituintes tripartidos. Fornecendo informação de fundo sobre o problema do trabalho forçado e do tráfico na Zâmbia, explica as razões
do envolvimento por parte dos sindicatos e identifica as
ações específicas que podem ser realizadas. O objetivo era
desenvolver um modelo que se adaptasse facilmente às
necessidades dos sindicalistas em outros países africanos,
e talvez até mais amplamente.
Campanhas informativas
268. A primeira etapa do contato com todos os que es-
tão em risco de trabalho forçado consiste em fornecer informação adequada acerca desses riscos, e também acerca
dos benefícios sociais e dos direitos dos trabalhadores em
questão, pontos que se interrelacionam. Os sindicatos
podem ser parte dos grupos de apoio, contactando os
cidadãos que têm a intenção de emigrar. Também podem
ajudar a contactar os migrantes em seus próprios países. Existem muitos exemplos nacionais de situações em
que os sindicatos têm vindo a desenvolver experiência
considerável e enriquecido suas ideias. Na Colômbia, a
Confederação Geral do Trabalho estabeleceu um centro
informativo e de serviços em Bogotá, ligado aos oito principais países de destino para os trabalhadores migrantes
colombianos. Na Costa Rica, um centro de apoio sindical aos migrantes produziu uma newsletter destinada
aos migrantes, principalmente para aqueles que vêm da
Nicarágua, em conjunto com folhetos sobre os direitos
dos trabalhadores e a regulamentação do trabalho neste
país. Na Espanha, funcionam atualmente muitos centros
de informação aos migrantes, geridos pelas Comissões
de Trabalhadores e pelo Sindicato Geral dos Trabalhadores, aconselhando da mesma forma os migrantes
sobre a regulamentação do trabalho e os procedimentos
de autorizações do trabalho, e também ministrando aos
migrantes cursos de línguas e outros tipos de formação.
A Federação dos Trabalhadores dos Hotéis de Chipre, o
Sindicato da Construção, Agricultura e Meio-Ambiente
da Alemanha (IG-BAU), o Sindicato dos Trabalhadores
Agrícolas da Polônia (ZZPR) e o Sindicato dos Trabalhadores Municipais Suecos (Kommunal) estão entre os
muitos outros que fornecem esse tipo de serviços.
Organização de migrantes e apoio às suas
reivindicações
269. Organizar os migrantes, particularmente aqueles
em situação irregular, pode ser um imenso desafio. Em
alguns casos, os sindicatos podem ter que enfrentar re-
63
O CUSTO DA COERÇÃO
strições legais nestas atividades. Entretanto, existe um
sólido crescimento desse tipo de trabalho organizacional
em diferentes regiões.
270. A Federação Geral de Sindicatos da Jordânia (GFJTU) obteve autorização oficial para estabelecer escritórios sindicais nas zonas francas de exportação, onde mais
de dois terços dos trabalhadores são de origem asiática.
Os migrantes podem agora tornar-se membros de sindicatos da Jordânia, apesar de ainda não serem elegíveis
para assumir cargos sindicais. Na zona industrial de AdDu-layl, por exemplo, em 2008, os migrantes sindicalizados totalizavam um décimo de um total de 30.000
trabalhadores. Os métodos de trabalho dos sindicatos
foram adaptados aos métodos de produção, com os seus
escritórios abertos durante todo o dia e toda a noite para
fornecer serviços através de três turnos sucessivos. As
queixas são formalizadas por escrito e traduzidas para o
árabe. Em um caso em particular, uma intervenção de
última hora feita pelo sindicato têxtil da Jordânia pôs fim
à ameaça de deportação de seis mulheres trabalhadoras,
com base em sua associação sindical.
271. Em 2006, a União Geral dos Trabalhadores dos
Transportes (TGWU), sediado no Reino Unido, organizou uma campanha especial nas fábricas de produtos alimentícios na cidade de Birmingham, onde a maioria dos
trabalhadores eram migrantes. Ao utilizar organizadores
com a mesma cultura e idioma dos migrantes, a campanha obteve cerca de 300 novos membros sindicais e beneficiou os trabalhadores com aumentos de cerca de 12%.
272. O Malaysian Liaison Council, na qualidade de
órgão coordenador das afiliadas da UNI nesse país, operou uma rede de assistência aos migrantes em mais de 20
zonas da Malásia, prestando assistência aos trabalhadores
migrantes de diversos países de origem asiática. Os casos
incluíram trabalho forçado e abusos relacionados, como
a confiscação de passaportes, ameaças físicas e horas de
trabalho excessivas através de horas extras obrigatórias.
273. Em Portugal, os trabalhadores migrantes em situação irregular podem registrar suas queixas de exploração
laboral perante um fiscal que se ocupa de questões sociais, que não questionará se sua situação migratória
encontra-se de acordo com as leis. Os sindicatos portugueses apresentaram à Segurança Social diversos casos de
abuso contra trabalhadores migrantes perante os serviços
de trabalho. Os tribunais de trabalho decidiram a favor
dos migrantes não-documentados, nos inúmeros casos
que lhes foram apresentados pelos sindicatos.
64
Detecção e documentação de casos de trabalho
forçado
274. Quando dispõem de formação adequada, os sindicalistas estão particularmente bem colocados para
identificar as particulares situações do trabalho forçado
e para tomarem as medidas de reparação apropriadas em
nome das vítimas. Por exemplo, na Bélgica, a Confederação dos Sindicatos Cristãos de Alimentação e Serviços,
deu particular atenção ao problema dos trabalhadores
domésticos. Um exemplo disso foi um caso em Bruxelas
que envolveu graves abusos a trabalhadores domésticos
em um hotel pertencente a uma família proveniente dos
Estados do Golfo, que confiscou os documentos dos trabalhadores e limitou sua liberdade de movimentos. O
sindicato levou ao tribunal vários casos semelhantes e
organizou uma campanha geral sobre o trabalho doméstico.
275. Em meados de 2007, no seguimento de revelações
publicadas pelos meios de comunicação acerca do abuso grave do trabalho forçado na província de Shanxi, a
Federação dos Sindicatos da China (ACFTU), assumiu
um papel fundamental de acompanhamento nas investigações, em conjunto com as agências de aplicação da lei.
Logo depois, o BIT deu formação a funcionários seniores
da ACFTU da maioria das províncias da China, sobre
como detectar e conduzir casos de abuso de trabalho
forçado.
276. Este tipo de trabalho pode ser realizado pelos sindicatos em circunstâncias de risco e difíceis. Em Mianmar,
a Federação dos Sindicatos da Birmânia (FTUB) recolhe
informações detalhadas acerca das vítimas e dos autores
do trabalho forçado, e da localização, duração e das formas de trabalho a que os membros da comunidade são
obrigados. A FTUB possui uma rede de sindicalistas no
local, que devido aos riscos consideráveis têm que permanecer anônimos. Os resultados de suas ações são publicados no website da FTUB.
Cooperação entre sindicatos de diferentes países
277. Esta cooperação, de particular importância quan-
do os migrantes se encontram em risco de trabalho
forçado, pode ser realizada através de mecanismos mais
ou menos formais. Podem ser dados exemplos de acordos formais realizados na Ásia Central e no Sudeste
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
Asiático. Em 2006, o Sindicato dos Trabalhadores
Agrícolas do Quirguistão (AWU) e o Sindicato AgroIndustrial da região Almaty do Casaquistão concluiu
um projeto de cooperação para melhorar a proteção aos
trabalhadores migrantes quirguistaneses na agricultura
do Casaquistão. Antes de emigrarem, a AWU fornece
informações sobre os custos da viagem e os procedimentos de transferência dos fundos, as condições de
trabalho e os contatos com o sindicato do Casaquistão.
O Sindicato Agro-Industrial da região Almaty concordou em informar os migrantes quirguistaneses acerca
de seus direitos contratuais no Casaquistão e a possibilidade de aderirem a um sindicato local. Um acordo semelhante entre os sindicatos da indústria da construção
do Tajiquistão e a Federação Russa permitiu que quase
3.000 trabalhadores tadjiques se tornassem membros
do sindicato russo. Na região asiática foi assinado um
acordo de parceria em setembro de 2006 pela Central
Sindical da Malásia (MTUC) e pelo Congresso de Sindicatos da Indonésia (KSPI). Os contatos regulares entre ambos visam assegurar uma ação imediata, no caso
de qualquer violação dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes na Malásia.
278. Na Europa, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses Intersindical Nacional (CGTP-IN)
assinou acordos com os sindicatos dos principais países
de destino dos trabalhadores migrantes, entre eles Luxemburgo, Espanha, Suíça e Reino Unido, promovendo a
sindicalização desses trabalhadores.
Colaboração com as ONGs e a sociedade civil
279. Naturalmente os sindicatos se beneficiam da co-
operação com os especialistas das ONGs e da sociedade
civil, quer na pesquisa e na coleta de dados, quer no fornecimento de serviços de apoio e acompanhamento. O
rápido crescimento de todos os tipos de ONGs ligadas às
atividades “antitráfico” oferece uma ampla oportunidade
para essas redes e coligações. Na África, a Organização
Central dos Sindicatos do Quênia (COTU) colaborou,
na região do Leste Africano, com ONGs envolvidas na
ação contra o tráfico. Na Ásia, a Federação Geral dos
Sindicatos Nepaleses cooperou com a Anti-Slavery International e com grupos de pesquisa e de sensibilização
da sociedade civil na Índia e no Paquistão para analisar
o progresso de erradicação dos sistemas de servidão por
dívidas. Um estudo publicado em 20075 descreveu a experiência nepalesa na organização de trabalhadores em
situação de servidão por dívidas e salientou a importância da negociação coletiva para a luta geral contra o trabalho forçado.
280. Na Europa, um modelo dessa cooperação é o do
Sindicato dos Trabalhadores de Serviços, Industriais,
Profissionais e Técnicos da Irlanda (SIPTU) e do Centro
de Direitos dos Migrantes na Irlanda (MRCI). Este último prestou assistência aos migrantes dos setores agrícola,
de trabalho doméstico e de hotelaria e catering, disponibilizando serviços de apoio em diversos idiomas e também prestando assistência aos trabalhadores migrantes
na formação dos seus próprios grupos de apoio. Também
colaborou com a SIPTU no intuito de informar os migrantes acerca das vantagens da filiação sindical. Muitos
migrantes acabam por aderir aos sindicatos como resultado desses esforços.
Os desafios futuros
281. Apesar do crescimento da conscientização, a ação
contra o trabalho forçado continua sendo uma área nova
para a maioria dos sindicatos e pode colocar desafios diferentes daqueles enfrentados nas anteriores campanhas
sindicais de elevada dimensão contra o trabalho infantil, relacionando a sensibilidade política, bem como os
problemas logísticos para chegar àqueles trabalhadores
que se encontram em partes escondidas da economia e
em regiões isoladas.
282. Em primeiro lugar, é importante considerar as sensibilidades políticas. Os trabalhadores migrantes podem
ser vistos como uma ameaça aos trabalhadores nacionais que constituem o grosso dos filiados dos sindicatos
e estes poderão mostrar-se relutantes em assumir a sua
causa. Inversamente, os trabalhadores migrantes em situação irregular podem se sentir relutantes em abordar os
sindicatos, por medo de perderem seus empregos e arriscarem-se a uma rápida deportação. Um grande obstáculo
às organizações de trabalhadores migrantes podem ser as
restrições na lei laboral nacional no que diz respeito ao
direito por parte dos trabalhadores migrantes em aderirem a um sindicato.
283. Os desafios logísticos são significativos e complexos. Os setores com maior incidência de risco de trabalho
forçado muitas vezes são os que apresentam uma taxa de
sindicalização mais baixa. A intensificação da ação sindical contra o trabalho forçado exige maior organização nos
setores difíceis de serem alcançados, como a construção e
os têxteis, bem como entre os trabalhadores migrantes dos
setores doméstico e informal, em um plano mais geral. Os
trabalhadores migrantes tendem a enfrentar mais horas de
trabalho e podem não ter a possibilidade de sair do local
de trabalho para procurar ajuda. É ter uma estratégia proativa, bem como um debate político entre líderes sindicais
para desenvolver a política e visão adequadas.
65
O CUSTO DA COERÇÃO
Quadro 4.5
Iniciativas de multi-stakeholders contra o trabalho forçado no Brasil
Os esforços conjuntos de empresas, da sociedade civil e do governo para combater o trabalho forçado no
Brasil constituem um excelente exemplo daquilo que pode ser alcançado através de iniciativas de multistakeholders. Em primeiro lugar, o setor privado providencia apoio financeiro e técnico para uma grande campanha nacional, desenvolvida com a ajuda do BIT, a fim de aumentar a sensibilização a respeito do trabalho
forçado. Foram concebidos e difundidos, em parceria com o setor privado, bandeiras, posteres, anúncios na
rádio e na TV, pés de mouse, bem como camisetas. Foram doados mais de US$11 milhões, principalmente
através de espaços publicitários nos meios de comunicação. As maiores empresas de minas e de transportes
apoiaram uma segunda fase da campanha, imprimindo cerca de 300.000 brochuras e 4.000 posteres
e disponibilizando espaço para publicidade nos aeroportos. As bandeiras da campanha estiveram à vista
durante três meses nos 27 maiores aeroportos do Brasil. A televisão mostrou oito pequenos filmes acerca
do trabalho forçado e foi realizada uma transmissão com atores famosos, apresentada pelo maior canal de
televisão do país em horário de grande audiência, alcançando milhões de brasileiros. Houve uma significativa
ação conjunta contra o trabalho forçado na indústria do aço. Esta teve início em 2004, quando a Associação
das Indústrias do Aço da Região de Carajás (ASICA), assistida pelo Instituto Ethos para a responsabilidade
social e empresarial e pelo BIT, assinaram um Pacto da Indústria do Aço, que envolvia 13 empresas de aço
do estado do Maranhão. Foi então criado o Instituto Carvão Cidadão (ICC) ao abrigo do Pacto para erradicar
o trabalho forçado na rede de produção do aço. O ICC realiza auditorias sociais aos fornecedores de carvão
vegetal, com base em um código de conduta. No caso de incumprimento, a certificação dos fornecedores
é retirada, e outras empresas membros param de negociar com eles. O ICC também iniciou um projeto inovador, em colaboração com o Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). O Ministério fornece ao ICC uma
lista dos trabalhadores forçados que foram libertados pelos inspetores do trabalho, e o ICC procura colocálos em trabalhos decentes, com a formalização de contratos. A tarefa é muitas vezes complicada, pois só
se conseguem localizar apenas 30% dos trabalhadores libertados, e a grande maioria possui um baixo nível
de educação e de letramento. Foram reinseridos quarenta e seis trabalhadores em 2006 e 115 em 2007,
com empregos em empresas do aço do Maranhão, Pará e Tocantins. Além disso, as empresas do Pacto da
Indústria do Aço despenderam cerca de US$350.000 para a reinserção, até o final de 2010, de pelo menos
mais 400 trabalhadores libertos.
A pedido do Secretário de Estado dos Direitos Humanos, a ONG Repórter Brasil trabalhou com o BIT para realizar um estudo acerca dos bens produzidos pelas empresas que se encontravam na “lista negra” (uma lista
emitida pelo MTE semestralmente com os nomes dos que utilizaram as práticas de trabalho forçado). Um
primeiro estudo em 2005 identificou a incidência do trabalho forçado na produção de diferentes produtos
agrícolas, entre outros. Um outro estudo, realizado em 2007, fornecia informações sobre as ligações entre
outras redes comerciais e o trabalho forçado. Essas informações constituíram ferramentas poderosas para
aumentar a conscientização do público em geral, bem como por parte dos empregadores, relativamente ao
risco do trabalho forçado em suas cadeias produtivas. Como resultado do primeiro estudo, o BIT e o Instituto
Ethos contataram as empresas identificadas na pesquisa, no intuito de alertá-las para a existência do trabalho forçado em sua cadeia produtiva. O Pacto Nacional para Erradicar o Trabalho Escravo emergiu a partir
desta iniciativa em maio de 2005. O Pacto Brasileiro envolvia compromissos contra o trabalho forçado por
parte de empresas individuais, incorporando cláusulas em seus contratos de compra e venda, e facilitando
a reinserção dos trabalhadores libertados. Mais de 180 signatários (em 15 de julho de 2008) incluíam
grandes cadeias de supermercados, grupos industriais e financeiros, totalizando, juntos, um quinto do PIB
do Brasil. O acompanhamento ao Pacto foi estabelecido pela Ethos em conjunto com os grupos da sociedade
civil, com a realização de vigilância pela ONG Instituto Observatório Social. A vigilância envolvia a análise do
cumprimento das disposições do Pacto Nacional e outro acompanhamento incluía a documentação das boas
práticas e a garantia de que as empresas tomariam as medidas concretas para demonstrar o seu empenho.
Como consequência da vigilância, uma empresa signatária foi excluída do Pacto em julho de 2008, depois
de se ter concluído que utilizava trabalho forçado e práticas degradantes, incluindo a servidão por dívidas
em duas ocasiões, entre 2007 e 2008.
5. Paying back in sweat and tears, Anti-Slavery International, 2007.
66
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
284. Como as estratégias e os planos de ação contra o
trabalho forçado e o tráfico estão mais desenvolvidos, é
evidente que têm que ser abrangentes, abraçando amplo
enquadramento político, como a aplicação de uma medida contra a exploração coerciva dos trabalhadores em
situação precária, e de uma ação muito prática no local
de trabalho e na comunidade.
285. Podem existir muitos exemplos interessantes na
área política, mas a título de ilustração um apenas será o
suficiente. Na Malásia, os sindicatos reuniram-se com as
organizações da sociedade civil em Selangor, em agosto
de 2008, para a realização de uma Consulta Nacional sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes,
ao abrigo do mecanismo de proteção da Força de Trabalho dos Trabalhadores Migrantes da ASEAN. Foram
desenvolvidas uma série de recomendações para o Governo e para o Parlamento da Malásia, bem como para os
Estados da ASEAN, incluindo questões como: princípios
políticos mais abrangentes; recrutamento e colocação
dos trabalhadores; condições de vida e de trabalho; tráfico de pessoas; e aplicação da lei e acesso à justiça. 6 Estas incluíram recomendações assertivas para o sistema em
externalização, que havia criado os acordos de servidão
por dívidas e que encorajou o tráfico humano para efeitos de exploração laboral; e de instrumentos como o Imposto do Trabalhador Estrangeiro, que contribuiu para
o agravamento do cativeiro dos trabalhadores. Este tipo
de recomendações políticas cuidadosamente formuladas
preparou o terreno para sistemáticas campanhas sindicais. Na Malásia, a MTUC comemorou posteriormente
o Dia Mundial do Trabalho Decente, em 7 de outubro
de 2008, com um grande comício para protestar contra
as políticas de externalização e as condições de trabalho
forçado vivenciadas pelos trabalhadores migrantes.
286. Está claro que as particularidades do mercado de
trabalho de cada país determina as prioridades sindicais
em relação a esse assunto. No entanto, a situação indica
que quase todos os países atualmente estão conscientes
da urgência dos problemas. Com isso, podem aprender
através da experiência dos sindicatos malaios e de outras
práticas analisadas nesta seção, no intuito de conceder
uma real substância a uma aliança de trabalhadores contra o trabalho forçado e os seus diversos componentes
estratégicos.
Conjugar esforços: a importância das iniciativas
de multi-stakeholders
287. Para identificar as questões mais complexas do tra-
balho forçado nos dias de hoje, os constituintes tripartites da OIT necessitam conjugar seus esforços. Todos os
parceiros precisam trabalhar intensivamente para desenvolver um consenso acerca das leis e das políticas contra
o trabalho forçado, incluindo as suas formas mais sutis.
Têm que construir um consenso a respeito dos papéis e
das respostas adequadas ao trabalho forçado atual: como
vigiá-lo; quando aplicar sanções e contra quem; que tipo
de sanção aplicar a fim de punir ou dissuadir; e como
reconciliar as abordagens da aplicação da lei com a prevenção e a proteção necessárias para identificar as causas
básicas do problema.
288. Estas considerações trazem à tona o papel da MSI
(iniciativas multi-stakeholder) e da RSE. Ambos os termos exigem algumas explicações, conforme utilizados
nesta seção.
289. As MSIs apareceram para assumir diversas formas e envolvem diversos atores. No entanto, sua maioria estabeleceu-se como ONGs ou fundações e contam
com membros provenientes de empresas, de entidades
industriais, organizações de trabalhadores e grupos de
sociedade civil ligados aos direitos humanos, direitos
dos consumidores e outros direitos. Os organismos do
setor público tendem a não participar diretamente nessas MSIs, apesar de poderem atuar como observadores
ou fornecedores de assistência financeira. As MSIs estão
tipicamente ligadas ao desenvolvimento de políticas, à
pesquisa e ao reforço de capacidades, e realizam fóruns
para tratar de questões relacionadas com a implementação de códigos. Algumas MSIs também desenvolveram
sistemas de certificação, que utilizam a auditoria social
como um método para medir a conformidade de uma
empresa perante as normas estabelecidas
290. A RSE foi definida pelo BIT como a forma através da qual as empresas consideram o impacto das suas
atividades na sociedade, afirmando os seus princípios e
valores em seus métodos e processos internos e em sua
interação com os outros. É uma iniciativa empresarial
voluntária, e refere-se às atividades consideradas para
além do mero cumprimento da lei.7 No entanto, o conceito de RSE também foi abraçado pelos governos e por
grupos da sociedade civil. Foram estabelecidas muitas
ONGs, em associações com empresas e indústrias, com
o objetivo de promover práticas empresariais socialmente
responsáveis.
291. De qualquer forma, as questões do trabalho forçado agora são proeminentemente incluídas nas agendas
da MSI e da RSE. As iniciativas setoriais nas indústrias
do cacau, algodão, óleo de palma, açúcar e tabaco, entre
outras, deram ênfase à ação contra o trabalho forçado.
Algumas ONGs procuram atualmente trabalhar com as
empresas na auditoria ao trabalho forçado e no fornecimento de aconselhamento acerca das medidas corretivas
para o prevenir. A Associação de Trabalho Justo (FLA),
67
O CUSTO DA COERÇÃO
a Responsabilidade Social Internacional (SAI) e a Verité
nos Estados Unidos são exemplos dignos de destaque.
292. Algumas MSIs desempenharam um papel de
destaque na construção do consenso social sobre questões
empresariais, incluindo o trabalho forçado, e, por vezes,
facilitaram a realização de novas regulamentações. Um
exemplo positivo é o da ETI, sediada no Reino Unido,
mas com campo de ação e associativismo em muitos outros países. A ETI possui membros empresariais, sindicais
e de ONGs com o apoio e financiamento do Governo
Britânico. Constituiu um fórum político fundamental
para a identificação de práticas laborais abusivas na indústria de sub-contratação do Reino Unido, incluindo
as práticas por parte de “gangmasters” não registrados.
A aliança que construiu entre organizações governamentais, empresariais e de trabalhadores foi muito importante para estabelecer um licenciamento estatutário, e
um programa de registro dos fornecedores de trabalho
dos setores agrícola e da pesca. A ETI também preparou
materiais de orientação para seus membros sobre a situação de servidão por dívidas de trabalhadores em todo o
mundo.
293. Algumas lições devem ser aprendidas a partir
destas iniciativas e de outras similares, atualmente em
curso. Um desafio fundamental consiste em encontrar
o equilíbrio adequado entre o voluntarismo da maioria
das abordagens da RSE, salientando os códigos de conduta e a autorregulamentação, e a clara obrigação legal de
prevenir e de erradicar o trabalho forçado na economia
privada, uma obrigação que exige uma vigilância vigorosa e eficaz. A presença das MSIs na auditoria pode ser
bem-vinda, mas só se estas adotarem uma abordagem
consistente baseada nas normas da OIT sobre o trabalho
forçado e na relevante jurisprudência dos órgãos de controle da OIT. É igualmente importante que não sejam
consideradas pelos governos ou entidades privadas como
um substituto para agências governamentais responsáveis
pela vigilância das condições de trabalho, que atualmente
em muitos países precisam ser urgentemente reforçadas.
As MSIs devem ser encorajadas a trabalhar com os órgãos
públicos, a fim de explorarem as situações em que os esforços conjuntos possam conduzir a uma ação mais eficaz
contra o trabalho forçado, particularmente nas funções
das inspeções do trabalho e da auditoria social.
6. Declaração Nacional, Consulta Nacional da Malásia sobre a Declaração ASEAN acerca da Proteção e Promoção dos Direitos dos Trabalhadores
Migrantes, 13—14 de agosto de 2008, Quality Inn, Shah Alam, Selangor, Malásia.
7. ILO: Governing Body document GB.295/MNE/2/1, Subcommittee on Multinational Enterprises, 295th Session, Geneva, march 2006.
68
4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA
69
Capítulo 5
Combater o trabalho forçado através da
cooperação técnica: conquistas e desafios
Introdução
294. Como poderá a OIT exercer sua liderança global
na ação de erradicação do trabalho forçado? Quais as
lições tiradas das experiências atuais? O presente capítulo salienta algumas conquistas e desafios no trabalho
da OIT contra o trabalho forçado durante os últimos
quatro anos, apresentados através de exemplos.
295. A cooperação técnica da OIT foi determinada pelo
plano de ação adotado pelo Conselho de Administração
em novembro de 2005.1 Este incluiu: os alvos e objetivos fundamentais, incluindo a assistência aos Estados
membros no estabelecimento de planos de ação com
vínculo de tempo; os métodos de pesquisa e de coleta de
dados; o aumento da sensibilização e das necessidades de
pesquisa; a orientação política e os materiais de formação;
os projetos operacionais para o reforço de capacidades e
ação direta e o apoio às vítimas; o reforço de capacidades
para organizações de empregadores e de trabalhadores;
e a comunicação e sensibilização mundiais. O objetivo
dominante visa a construção de uma aliança global contra o trabalho forçado, concentrando-se principalmente
nos constituintes tripartites da Organização.
296. Enquanto esse trabalho tem sido principalmente
conduzido através do programa SAP-FL, no âmbito da
Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no
Trabalho, diversas outras unidades do Escritório estão
igualmente envolvidas. Um dos pontos fortes da OIT para
combater problemas como o trabalho forçado e o tráfico de
uma forma multidimensional, está em um conjunto de capacidades e de abordagens desta Organização. A assistência
técnica do BIT é sustentada pela ação de fortalecimento da
aplicação das normas internacionais do trabalho no âmbito
do trabalho forçado e assuntos relacionados como os casos
de trabalhadores migrantes, trabalho infantil, inspeção do
trabalho e administração do trabalho, agências de recrutamento privadas, e muitas outras. Os departamentos técnicos da OIT, que identificam os trabalhadores migrantes e
o trabalho infantil2 desempenham papéis particularmente
importantes, assim como muitos outros.
297. O BIT detém atualmente um corpo considerável de
conhecimentos e de experiências sobre como identificar o
trabalho forçado e o tráfico, com base nos principais pontos fortes da organização. As atividades conduzidas mundialmente – como a pesquisa comparativa, as comunicações, o desenvolvimento de ferramentas e a construção
de parcerias – foram realizadas através de projetos nacionais e regionais, a fim de identificar problemas, em colaboração direta com os constituintes da OIT e outros atores.
De fato, a principal recomendação de uma avaliação independente realizada pela SAP-FL em 2006 consistia na
concentração do programa e de seus esforços na defesa e
alteração das políticas, evidenciando um equilíbrio adequado entre o trabalho político mais “contra a corrente” e
os projetos de intervenção mais “a favor da corrente”, dos
quais se podem tirar lições políticas. Como organização
internacional tripartite, a OIT pode ter uma vantagem
em comparação com o primeiro caso, mas também tem
que lidar com os problemas reais na área.
Aumentar a pressão mundial para obter
mudanças políticas: difundir a mensagem
298. O BIT redobrou os seus esforços para comunicar
ao mundo a urgência de combater o trabalho forçado.
1. GB.294/TC/2.
2. O Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) desenvolve programas na área de combate ao tráfico de crianças e de
mulheres. O Programa Internacional para as Migrações (MIGRANT) lida com o tráfico a partir da perspectiva da gestão da migração laboral internacional para a melhor proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes.
71
O CUSTO DA COERÇÃO
Um primeiro passo para despertar as respostas políticas é
aumentar a conscientização pública e a pressão para que
medidas sejam adotadas. A estimativa do BIT de, pelo
menos, 12,3 milhões de indivíduos se encontrarem em
situação de trabalho forçado em todo o mundo, publicada em 2005, continua sendo amplamente citada e serviu
para despertar a consciência geral a respeito da necessidade de ação. A cobertura global por parte da imprensa
de casos relacionados com o trabalho forçado triplicou
entre 2004 e o final de 2007.3 Esta tendência reflete-se
nacional e regionalmente, por exemplo, no Brasil e em
países da sub-região do Grande Mekong. Obviamente, o
assunto instiga a imaginação e chama a atenção de jornalistas, comentadores, e atrai público de todo o mundo.
Consequentemente, tem havido um crescimento sólido
de reuniões internacionais e de eventos sobre o trabalho forçado e o tráfico, nos quais tem sido procurada a
participação da OIT. A posição da OIT de que o tráfico humano envolve mais do que a exploração sexual
de mulheres e de crianças, e que o tráfico também deve
ser visto como um problema de trabalho forçado para
o qual se exigem soluções baseadas no mercado de trabalho, é amplamente aceita atualmente. Um indicador
interessante desse movimento de percepção e de discurso
político é o aumento vertiginoso da atenção dada ao trabalho forçado no relatório anual do Governo dos Estados
Unidos, “Tráfico de Pessoas”: as meras 20 referências em
2001 saltaram para 535 em 2008.
299. O BIT também participou de vários fóruns de
cúpula sobre a emigração, transmitindo a posição que
a gestão da emigração internacional deverá ser baseada
na igualdade de direitos para os trabalhadores migrantes,
com total respeito pelas normas internacionais do trabalho. Uma importante ferramenta de sensibilização é o
Enquadramento Multilateral sobre a Migração Laboral,
adotado em 2005, que define princípios e orientações
não vinculativos, com vista a uma abordagem baseada
nos direitos da migração laboral. Inclui orientações específicas acerca da proteção aos trabalhadores migrantes
contra práticas abusivas, incluindo o trabalho forçado e
o tráfico.
300. A informação disseminada através da internet
desempenha um papel fundamental em qualquer estratégia de comunicação. Desde que foi lançado um novo
website sobre o trabalho forçado, em maio de 2007,4
o número de visitantes externos aumentou dez vezes,
até o final de 2008. É um repositório abrangente de
relatórios de pesquisa, notícias e informações acerca de
projetos e eventos, com ligações a outros sites que abordam a temática do trabalho forçado e do tráfico. Foram
produzidas numerosas publicações (brochuras, artigos,
publicações acadêmicas, orientações políticas e ferramentas de formação) e materiais audiovisuais acerca dos
vários aspectos do trabalho forçado, e de como combatêlo. Uma publicação geral sobre ação da OIT contra o
tráfico, preparada no início de 2008, identifica as formas
específicas através das quais as capacidades e a competência da OIT adicionam valor aos esforços internacionais.
O desafio permanente é assegurar que os resultados das
pesquisas e o aconselhamento político cheguem às mãos
daqueles que podem vir a produzir mudanças de alcance
nacional.
301. A experiência demonstra que a mudança pode
acontecer quando os “opositores” do trabalho forçado
o denunciarem e agirem em escala nacional. Tais opositores podem ter várias origens — parlamentares, altos
funcionários, ativistas da sociedade civil, prestadores de
serviços, líderes religiosos ou membros preocupados do
público, incluindo antigas vítimas. Esse foi certamente
o caso, por exemplo, da Bolívia, do Brasil e do Paraguai, bem como da Indonésia e das Filipinas. Um dos
objetivos da aliança sindical mundial contra o trabalho
forçado consiste em apoiar uma rede de ativistas sindicais
em todo o mundo que assumam um papel de liderança
nesta questão. Personalidades eminentes também podem
ser identificadas entre a comunidade empresarial para
defenderem a causa. O BIT identificaria mecanismos
adequados para homenagear os indivíduos ou as instituições que agem corajosamente na luta contra o trabalho
forçado.
Compreender os problemas e as soluções: gerar
e partilhar o conhecimento
302. Investigações sólidas constituem um elemento es-
sencial no reforço da conscientização e sensibilização para
as áreas politicamente sensíveis. O BIT tem continuado
a ampliar a base de conhecimento global acerca do trabalho forçado, normalmente recorrendo aos acadêmicos
nacionais no intuito de conduzirem estudos dirigidos ou
para que apresentem problemas de metodologia.
3. Esse número tem origem em um estudo de artigos relacionados com o trabalho forçado em oito jornais (The Hindu, O Globo, Gulf News, Moscow
Times, Le Monde, El Comercio, The New York Times, Dawn) e de um website que disponibiliza artigos de diversos jornais (All Africa). As fontes
foram pesquisadas de janeiro de 2004 a dezembro de 2007, utilizando palavras-chave como “trabalho forçado”, “tráfico”, “servidão por dívidas”,
“escravidão” e “exploração sexual comercial”.
4. www.ilo.org/forcedlabour.
5. ILO action against trafficking in human beings, ILO, Geneva, 2008.
72
5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA
303. Fora do BIT, os estudos acerca do trabalho forçado
têm sido muito limitados. No entanto, atualmente existem sinais de um aumento do interesse da comunidade
acadêmica na pesquisa do trabalho não livre e das práticas análogas à escravatura. Pelo contrário, tem havido
abundância de estudos e publicações sobre o tráfico humano. Uma crítica recorrente desses esforços tem sido
a falta de consistência na forma como o problema foi
definido e analisado, o que significa que as comparações
entre países raramente são possíveis. Espera-se que o trabalho inovador para firmar um consenso sobre os indicadores fundamentais do tráfico na Europa contribua para
melhorar a qualidade de futuras pesquisas.
304. O próprio programa de ação e de pesquisa sobre
elaboração de políticas orientada do BIT atribui muita
importância à integração de parceiros nacionais no processo, desde o planejamento até à validação dos resultados, de modo a assegurar o adequado acompanhamento.
A pesquisa sobre o trabalho forçado e o tráfico na Zâmbia foi analisada por uma comissão tripartite, presidida
pelo Secretário Permanente do Ministério do Trabalho.
Um estudo acerca dos mecanismos de recrutamento de
trabalhadores migrantes paquistaneses foi orientado por
uma comissão de supervisão, que envolvia elementos do
governo e acadêmicos selecionados.
305. A pesquisa do BIT ocorre muitas vezes no enquadramento de projetos de cooperação técnica. No âmbito
de um projeto contra o tráfico de seres humanos realizado
na China, foram investigadas situações de pré-migração,
de mecanismos de recrutamento e das causas fundamentais da migração em zonas selecionadas de emigração,
bem como a exploração de migrantes chineses clandestinos e vítimas de tráfico na França, na Itália e no Reino
Unido. Esta situação permitiu a compreensão dos sistemas de recrutamento na China e das formas através das
quais os indivíduos financiavam a sua própria migração,
e ajudando, com suas economias, outros membros da
comunidade. Os estudos conduzidos na Europa oferecem uma nova perspectiva dos canais de recrutamento
e das condições contratuais dos migrantes em diferentes
profissões. Os resultados de ambos foram utilizadas em
campanhas para aumentar a conscientização dos riscos
da migração irregular.
306. No Tajiquistão, vários estudos foram utilizados para
a implementação de um projeto da OIT/PNUD para a
prevenção do tráfico humano, através da criação de postos de trabalho e da melhoria da gestão da emigração. O
projeto concentra-se na zona empobrecida de Rasht, de
onde muitos chefes de família emigram para procurarem
melhores empregos no exterior. Estes estudos incluem
análises de oportunidades de mercado de trabalho locais,
agências de recrutamento privadas e o sistema de for-
mação profissional. Dada a limitação da capacidade local de pesquisa, o BIT aposta na capacidade internacional
para apoiar instituições locais de pesquisadores.
307. Prestigiadas instituições de pesquisa nacional
desempenham um papel fundamental na sub-região do
Grande Mekong. Foi produzida uma série de relatórios
de pesquisa, o “Desafio Mekong”, no âmbito de um
projeto do IPEC de combate ao tráfico de mulheres e
de crianças. Estes relatórios retratam temas como o dos
jovens trabalhadores migrantes na Tailândia, dos trabalhadores da hotelaria e bebidas no Camboja e das práticas de recrutamento de escala mais geral em toda a subregião do Grande Mekong. As parcerias de pesquisa com
instituições acadêmicas respeitadas, em conjunto com o
envolvimento de funcionários do governo, ajudaram a
construir a confiança e um objetivo comum em torno do
tema do trabalho forçado, ajudando a evitar acusações
de interferência externa. Uma nova iniciativa de pesquisa
sobre o trabalho forçado de crianças de seis países, em
colaboração com os escritórios nacionais de estatística,
visa compreender os mecanismos de recrutamento e os
meios de coerção e exploração.
308. No Brasil, a pesquisa sobre o trabalho forçado em
cadeias produtivas de empresas envolveu uma estreita
colaboração entre a Secretaria Especial do Governo para
os Direitos Humanos, o BIT, e a ONG Repórter Brasil,
nacionalmente reconhecida pela sua competência em
questões relacionadas com o trabalho forçado. As pesquisas
realizadas por instituições nacionais respeitadas na Bolívia
e no Peru permitiram esclarecer melhor as ligações entre a
discriminação contra povos indígenas e o trabalho forçado.
309. Estudos realizados na Armênia, no Azerbaijão e na
Geórgia, analisaram o funcionamento e os problemas das
agências de recrutamento privadas, identificando as lacunas no enquadramento legal, político e de aplicação,
e posteriores recomendações políticas. Com base nesses
estudos, o reforço das capacidades por parte de funcionários do governo e representantes industriais e dos
trabalhadores, visava melhorar o funcionamento destas
agências, no sentido de prevenir o tráfico e a exploração
dos trabalhadores migrantes.
310. Um aspecto do desafio desse estudo consiste em
gerir e partilhar o conhecimento de forma eficaz. Os
resultados desta pesquisa têm que ser disponibilizados
de forma que possam ser facilmente acedidas e aplicadas pelos responsáveis políticos e por outros usuários.
Os websites da OIT são veículos fundamentais para esta
disseminação. Na China, foi adicionada uma seção especial sobre o trabalho forçado e o tráfico ao site da OIT
de Pequim. As estratégias de disseminação dos materiais
impressos do BIT, incluindo relatórios de orientação
política do BIT deverão ser melhorados.
73
O CUSTO DA COERÇÃO
Construir um consenso nacional: programas e
enquadramentos políticos
311. A assistência técnica do BIT deve responder às ex-
igências reais em âmbito nacional, conforme expresso pelos seus constituintes tripartites. Além disso, no contexto
da reforma das Nações Unidas, a assistência da OIT deve
ser disponibilizada em conjunto com os seus parceiros no
sistema internacional, utilizando a vantagem comparativa de diferentes agências especializadas.
312. Os principais veículos para prestação de assistência
são os Programas de Trabalho Decente por País (DWCP),
que definem prioridades nacionais acordadas no mundo
laboral. Por sua vez, estas deverão estar ligadas aos enquadramentos de desenvolvimento nacional, ao Marco
de Assistência das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDAF), aos Objetivos de Desenvolvimento
do Milénio (ODM), e às Estratégias de Redução de Pobreza (PRS). O objetivo básico é concentrar os esforços
do BIT de modo a alcançar resultados palpáveis em um
determinado período de tempo.
313. A experiência indica que uma campanha cuidadosa pode favorecer o consenso para a inclusão de temas sensíveis, como o trabalho forçado, entre as prioridades nacionais fundamentais. Os constituintes da OIT,
em um número cada vez maior de países, reconhecem
atualmente a necessidade de dar uma atenção mais sistemática às questões relacionadas com o trabalho forçado
e outras formas extremas de exploração de mão-de-obra.
Os esforços para prevenir e erradicar o trabalho forçado
exigem uma estratégia multifacetada, na qual a abordagem integrada da Agenda do Trabalho Decente seja
bem enquadrada. A microfinança, a gestão de migrações,
a formação profissional, o desenvolvimento de pequenas empresas, a proteção social, a negociação coletiva e
outras áreas técnicas podem todas ser parte da resposta
ao trabalho forçado e ao tráfico de seres humanos. Isso
significa que as abordagens podem ser muitas, como por
exemplo, a ação contra o trabalho forçado com ligação
específica ao tráfico de seres humanos, a proteção de trabalhadores migrantes, os grupos vulneráveis ou mesmo a
exploração da mão-de-obra em geral.
314. A Bolívia e a Nicarágua são exemplos de países
que incluíram a abolição do trabalho forçado como uma
prioridade específica da DWCP. A abolição do “trabalho
escravo” e das piores formas de trabalho infantil figuram
na Agenda Nacional do Brasil para o Trabalho Decente,
enquanto na Ásia, o Paquistão assumiu um compromisso
direto com a servidão por dívidas. Em ambos os casos,
os enquadramentos políticos nacionais sobre o trabalho
forçado por dívidas estavam já em curso antes do início
do programa nacional da OIT para o trabalho decente.
74
315. A China inclui a ação contra o trabalho forçado e
o tráfico de seres humanos na ampla promoção dos direitos fundamentais no trabalho, também salientando a
importância de canais de migração seguros, no intuito
de evitar situações de trabalho forçado e de tráfico. Tal
constitui parte da ação geral de prevenção do abuso e da
possível exploração no trabalho dentro e fora da China.
Na Indonésia, a primeira das três prioridades do país é
apresentada como “parar a exploração no trabalho”, que
inclui um programa de combate ao tráfico e à exploração
dos trabalhadores domésticos indonésios. O Nepal dá
prioridade ao reforço da capacidade dos constituintes
na proteção dos seus trabalhadores migrantes, especialmente do tráfico.
316. O programa do Tajiquistão faz ligação entre o tráfico humano com a emigração irregular e a exploração da
mão-de-obra. A Ucrânia também salienta a prevenção do
tráfico entre as suas prioridades de cooperação, conforme
fazem diversos países europeus, incluindo a Albânia e a
Romênia.
317. Como as questões da luta contra o tráfico foram
solidamente incluídas nas agendas de outras organizações internacionais, a concentração no trabalho forçado
provou ser um terreno fértil para a realização de parcerias
entre a OIT e outras agências, com base nas vantagens
comparativas de cada uma delas.
Reforçar capacidades: da formação à ação
318. O reforço intensivo de capacidades dos parceiros é
essencial para assegurar a sustentabilidade da ação contra o trabalho forçado e o tráfico de seres humanos. É
naturalmente dada particular atenção a todos os projetos
de fortalecimento dos constituintes da OIT. Também é
importante a integração progressiva com vista a uma aliança global.
319. O reforço de capacidades para combater o trabalho
forçado assume muitas formas diferentes. Pode envolver
ações de capacitação e formação de formadores; intercâmbio de visitas, viagens de estudo e visitas ao local;
reuniões informais e discussões; trocas de informação por
internet e redes de contato; a produção e disseminação
de manuais, ferramentas e orientações; a prática e a tutoria; o fornecimento de material de apoio; e muitos outros meios. O objetivo pode variar desde a sensibilização
geral sobre o trabalho forçado e o tráfico, até alvos muito
mais específicos, como a regulamentação das agências de
recrutamento privadas, os mecanismos de orientação nacional para as vítimas, ou as estratégias sindicais a serem
organizadas na economia informal. O desenho e o conteúdo das iniciativas de reforço de capacidades têm que
5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA
ser claramente adaptados às necessidades do público-alvo
e dos resultados desejados. O reforço eficaz de capacidades é mais facilmente alcançada através de uma integração mantida com os parceiros, de forma que cada um
identifique e desempenhe progressivamente o seu papel
para resolver os problemas existentes relacionados com o
trabalho forçado.
320. A formação pode ser uma resposta às necessidades de certos grupos-alvo. Por exemplo, na QIZs na
Jordânia, foram realizadas uma série de workshops de
formação para juízes, promotores públicos e advogados
especializados em direito do trabalho, inspetores do trabalho, policiais e empregadores (em colaboração com o
JGATE), bem como com os trabalhadores migrantes (em
colaboração com a GFJTU - Federação Geral de Sindicatos da Jordânia).
321. No Paquistão, foram realizados seminários sobre a
servidão por dívidas pela Federação dos Empregadores
do Paquistão para os seus membros, disponibilizando
também uma plataforma de diálogo com os sindicatos do
setor de tijolos. Uma iniciativa tomada em Tamil Nadu,
Índia, em colaboração com seis centros sindicais, identificou agentes laborais para recrutaram trabalhadores
migrantes em distritos no sul do Estado para trabalharem
em fornos de tijolos no Norte. Os sindicatos indonésios
foram apoiados no intuito de ajudarem os trabalhadores
domésticos migrantes, quer na Indonésia quer em países
de destino como a Malásia e Singapura. Foram igualmente desenvolvidos materiais de formação para os funcionários do serviço de estrangeiros indonésio, que têm
agora responsabilidades maiores para com a proteção de
seus trabalhadores migrantes no exterior. No Cáucaso,
foram realizados seminários para juízes e procuradores
públicos na Armênia e no Azerbaijão, conduzidos em
conjunto com outras organizações,6 utilizando uma
abordagem de resolução de problemas baseada em estudos de caso práticos. Na Ucrânia, os empregadores e os
seus representantes receberam formação de instrutores
na área da prevenção da migração irregular, do tráfico
humano e do trabalho infantil.
322. A capacidade da Federação das Mulheres da China
(ACWF) e de outros parceiros foi fortalecida através de
um vasto conjunto de medidas, incluindo “a aprendizagem inter-provincial”.7 Esta abordagem reconheceu que
os seis escritórios provinciais em questão não tinham a
mesma experiência em matéria de parcerias internacionais, e que tinham para aprender uns com os outros.
As inovações introduzidas em certas províncias, como
as Spring Rain Campaign, poderiam, dessa forma, estender-se a outros locais.
323. Os líderes religiosos também podem ser parceiros importantes na luta contra o trabalho forçado. No
Paquistão, os seminários de sensibilização entre eruditos
religiosos permitiu-lhes transmitir a mensagem de que
o trabalho forçado era repugnante para o Islã, e que o
sistema de servidão por dívidas constitui uma violação
dos preceitos islâmicos, conforme se especifica em uma
referência de 2005, em um julgamento de um Tribunal
Federal de Shariat.8 A Igreja Ortodoxa Moldava foi uma
parceira nos esforços de prevenção do tráfico de crianças.
Um folheto dirigido aos fiéis da Igreja e um guia pastoral
para os padres permitiu que o tema fosse salientado em
sermões e em aulas de catequese. Em Gana e na Nigéria,
as sessões de sensibilização para a prevenção do tráfico
foram realizadas por líderes religiosos das comunidades.
324. O reforço de capacidades pode também envolver
vários grupos-alvo, esclarecendo os respectivos papéis e
responsabilidades e identificando os meios de coordenação e de colaboração. O apoio a comissões nacionais
de múltiplos stakeholders para o combate ao trabalho
forçado ou o tráfico foi uma característica dos projetos
na Bolívia, Brasil, República da Moldávia, Níger, Peru e
Ucrânia. Um projeto europeu reuniu governos e parceiros sociais a partir de uma seleção de países de origem e
de destino ( a Alemanha, República da Moldávia, Polônia, Portugal, Romênia, Ucrânia e o Reino Unido). Os
workshops proporcionaram a oportunidade de formação
e de discussão das medidas de combate ao trabalho forçado resultante do tráfico humano, concentrando-se na
regulamentação das agências de recrutamento privadas e
em questões de aplicação da lei.
325. A troca de ideias e experiências entre países que enfrentam situações semelhantes também pode ser importante. Uma viagem de estudo de uma delegação tripartite
da República da Moldávia à Federação Russa permitiu a
discussão de oportunidades de trabalho para migrantes
moldavos. O BIT também apoiou mudanças na República da Moldávia e na Ucrânia, na qualidade de países
de origem de trabalhadores migrantes, reunindo, por
exemplo, peritos em formação profissional da Ucrânia
para prestar assistência ao serviço da contratação pública
na República da Moldávia, no intuito de desenvolver os
seus próprios módulos de formação.
326. Recorrer a pessoal local para o fortalecimento de
capacidade é fundamental, refletindo a “apropriação”
da agenda do trabalho forçado e a crescente capacidade
6. The project has been implemented jointly with the IOM, the International Centre for Migration Policy Development, and the OSCE.
7. Project to prevent trafficking in girls and young women for labour exploitation within China (CP-TING).
8. Judgement of Federal Shariat Court on bonded labour (October 2005).
75
O CUSTO DA COERÇÃO
dos constituintes e de outras pessoas para lidar com o
assunto. Um desafio consiste em documentar e analisar
as diferentes abordagens de aquisição de capacidades,
desenvolvendo indicadores e técnicas rigorosas de avaliação do seu impacto. É essencial a compilação de ferramentas de aquisição de capacidades e de orientações
de boas práticas com base na experiência na área, mas
estas devem ir mais longe, para incluir os meios de vigilância e de avaliação. Existe também a necessidade de
mais materiais de “formação de formadores”; mesmo os
projetos relativamente grandes podem chegar a apenas
um número limitado de participantes, portanto, o foco
deve ser colocado em sistemas de formação em cascata.
327. Há também uma procura constante de materiais
genéricos de elevada qualidade, que abordem questões e
áreas de intervenção específicas, que possam ser ajustadas aos contextos nacionais. As recentes ferramentas de
formação do BIT incluem: um pacote de pesquisa para
os responsáveis políticos e profissionais sobre o tráfico de
crianças para exploração laboral; um recolhimento de jurisprudência sobre trabalho forçado e tráfico para os inspetores do trabalho; um recolhimento de jurisprudência
sobre o trabalho forçado para os juízes, promotores públicos e outros juristas; um manual para os empregadores
e atores empresariais sobre o combate ao trabalho forçado; e guias sobre as agências de recrutamento privadas
e sobre a vigilância do recrutamento dos trabalhadores
migrantes. Muitos desses documentos foram traduzidos
para várias línguas. Entre as ferramentas específicas de
cada país relacionadas com o trabalho forçado e o tráfico
podemos citar materiais para sindicatos e para encarregados das questões do trabalho da Zâmbia.
Construir parcerias
328. Desde 2005 que tem sido dado particular realce
ao fortalecimento da capacidade das organizações de empregadores e de trabalhadores para combater o trabalho
forçado. Com este pressuposto, foram produzidas fortes
alianças entre a OIE e a CSI em escala internacional, e
com as suas respectivas organizações regionais e afiliadas
nacionais. Têm sido igualmente conduzidos esforços no
intuito de fortalecer a colaboração com as federações
da Global Union, centrando-se nos setores econômicos
conhecidos por serem especialmente vulneráveis ao trabalho forçado e ao tráfico, como a agricultura, o trabalho
doméstico e a construção. A proteção dos trabalhadores
do trabalho forçado pode ser considerada como uma
causa “natural” a ser assumida pelo movimento sindical,
e de fato já se encontrava bastante ativa nesse campo.
As organizações de empregadores, cada vez mais, tomam
76
consciência de que o trabalho forçado não afeta apenas
as empresas que operam ilegalmente na economia informal. Estão por isso cada vez mais conscientes dos riscos
da penetração do trabalho forçado nas cadeias produtivas. Uma das recomendações que surgiu de um workshop com empregadores da Jordânia foi a necessidade de
desenvolver incentivos positivos para que os empregadores se integrassem de forma proativa, a fim de equilibrar as sanções por incumprimento negativas.
329. No campo do tráfico humano, os parceiros incluem a OIM, a UNODC e a OSCE. Uma iniciativa
conjunta que merece destaque é a Iniciativa Global das
Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas (UN.GIFT),
conduzida pela UNODC, lançada em março de 2007.
Seus objetivos gerais visam assegurar melhores condições para as atividades de luta contra o tráfico em todo
o mundo, aumentar a conscientização e melhorar um
conjunto de atores estatais e não estatais nas iniciativas
de luta contra o tráfico. A OIT desempenhou um papel
fundamental na UN.GIFT do Fórum Viena em fevereiro de 2008, organizando painéis de discussão com organizações de empregadores e de trabalhadores. Os custos de transação dessa iniciativa são elevados, envolvendo
reuniões frequentes e trocas interagências. No entanto,
principalmente no contexto da reforma das Nações Unidas, é essencial que o BIT seja um parceiro ativo nesta
e em outras iniciativas similares, assegurando que suas
questões e abordagens sejam totalmente refletidas.
330. Os bancos de desenvolvimento são parceiros importantes, particularmente no que diz respeito à integração das iniciativas de eliminação do trabalho forçado
em programas de redução de pobreza em larga escala.
No entanto, com exceção da BERD e de alguma cooperação no âmbito do tráfico por parte do Banco Asiático
de Desenvolvimento (BAD), a cooperação entre a OIT e
as instituições financeiras internacionais tem sido relativamente limitada. Foram tomadas algumas medidas iniciais, como um evento realizado em dezembro de 2007
no Banco Mundial, abordando o tráfico e a redução da
pobreza. Tais medidas permanecem um desafio importante a ser assumido futuramente pela OIT, no contexto
de uma ação mais abrangente por parte da OIT para que
o trabalho decente predomine na agenda política global, e para que seja implementada a Declaração sobre a
Justiça Social para uma Globalização Justa.
331. Finalmente, os meios de comunicação são parceiros-chave para o aumento da conscientização global e
difusão de mensagens políticas. O BIT colaborou de diversas formas com os meios de comunicação para apoiar
a realização de relatórios responsáveis e fiáveis sobre as
questões do trabalho forçado, evitando o sensacionalismo e o esteriótipo das vítimas. Os jornalistas investiga-
5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA
tivos demonstram-se cada vez mais ativos na descoberta
das duras realidades do trabalho forçado e do tráfico,
agindo como um dissuasor adicional contra os criminosos. A campanha contra o trabalho escravo no Brasil é
um exemplo de uma parceria criativa com os meios de
comunicação, envolvendo muitos meios diferentes, incluindo a transmissão de uma novela televisiva em que
as principais personagens conheciam vítimas de trabalho
forçado. Na sub-região do Mekong, uma formação concentrada na contratação e nos direitos humanos dos trabalhadores migrantes foi dada aos meios de comunicação
da República Democrática Popular do Laos, na Tailândia
e no Vietnã. No Camboja, as campanhas dos meios de
comunicação incluíam uma “novela” com roteiro sobre o
tráfico, um filme de longa-metragem, anúncios no rádio
e programas de participação telefônica.
Da prevenção à libertação e reinserção das
vítimas: definição do papel dos projetos da OIT
332. Regra geral, projetos da OIT compreendem tipicamente um conjunto de elementos que identificam os enquadramentos legais e políticos: o reforço da capacidade
institucional; pesquisa, aumento da sensibilização e da
conscientização; e, muitas vezes, uma ação “piloto” para
fornecer assistência às vítimas e para prevenir o trabalho
forçado ou o tráfico em determinadas áreas geográficas.
Dadas as limitações dos recursos, as decisões difíceis que
normalmente têm que ser tomadas em relação às áreas
prioritárias, centrando-se naquelas em que a OIT adiciona valor real, em relação com outras agências. Em alguns
casos, os projetos só podem visar a produção de lições
políticas, de boas práticas e das ferramentas a serem aplicadas de forma mais vasta pelos investidores nacionais
ou pelas agências de desenvolvimento; em outros, os
projetos podem causar um impacto em larga escala. Dependerá muito da natureza dos problemas a serem combatidos e do número e duração dos recursos disponíveis
para o projeto.
333. Enquanto outras agências podem se concentrar
particularmente na aplicação da lei, as intervenções da
OIT sobre o trabalho forçado e o tráfico têm salientado
consideravelmente a prevenção. Uma estratégia de eficácia de custos é a utilização massiva dos meios de comunicação em campanhas de aumento da conscientização
pública dos potenciais perigos de uma emigração mal
preparada ou “cega” ou da aceitação de propostas de emprego sem garantias adequadas ou proteção. No Brasil
foram realizados seminários para encorajar os jornalistas
a disseminar reportagens responsáveis acerca das questões
relacionadas com o trabalho escravo, conduzindo a um
aumento significativo da cobertura jornalística. Outra
iniciativa, denominada “Escravo, Nem Pensar”, foi dirigida às principais regiões de origem. O BIT trabalhou
com a ONG Repórter Brasil em uma campanha de prevenção envolvendo o aumento da conscientização e a
formação de professores, educadores e de líderes comunitários; entre 2004 e 2008, mais de 2.000 pessoas participaram em mais de 30 localidades diferentes. Apoiada
pelo Ministério da Educação, esta iniciativa cimentou o
caminho para a inclusão do tema trabalho forçado nos
programas escolares.
334. A campanha “Spring Rain” na China foi especialmente dirigida às redes de transportes. Em cada ano, depois do Festival da Primavera, dezenas de milhões de jovens mulheres migrantes concentravam-se nas cidades e
localidades da China, em busca de trabalho. A campanha
foi encetada em 22 rodoviárias e estações de trens ao longo de cinco municípios, alertando as jovens para os riscos
de tráfico e de como os evitar. Foram utilizados slogans
e um logotipo em diversos materiais (incluindo baralhos
de cartas, bolsas, calendários, folhetos de perguntas e respostas) distribuídos a viajantes locais por mais de 2.500
jovens voluntárias e funcionários do setor de transportes.
Foram distribuídos cerca de 1 milhão de itens, além de
banners e anúncios na rádio; também foi transmitida nos
trens e em salas de espera de estações uma animação de
dois minutos. Os líderes locais e as estações emissoras
foram mobilizados para fazer parte da campanha.
335. Esse projeto, em colaboração com a ACWF também estabeleceu a “Women’s Homes” para prestar informações e serviços às mulheres migrantes nas áreas de
origem e de destino. É dada ênfase à aprendizagem em
pares e na auto-ajuda e às trocas de informação entre casas de diferentes áreas. A rede cresceu rapidamente para
114 casas nos finais de 2008, e mais de 20.000 meninas
e jovens mulheres receberam informações, formação ou
orientação. A abordagem é promissora e poderá vir a ser
repetida no futuro, em uma escala ainda maior.
336. Outra campanha realizada na China dirigia-se a trabalhadores migrantes estrangeiros. Foi realizada pelos departamentos do trabalho municipais dos três municípios
de origem do Fujian, Jilin e Zhejiang. O BIT apoiou esta
campanha na preparação de guias com informação relevante acerca de sete países de destino populares. Foram
produzidos e disseminados diferentes materiais durante
mais de seis meses. Websites municipais disponibilizavam informações acerca do processo de emigração e dos
riscos envolvidos. Apesar de os stakeholders considerarem as campanhas bem sucedidas, tem sido um grande
desafio conceber formas práticas e compensadoras de
medir o impacto desse trabalho. Na mesma linha, foram
produzidos e disseminados guias de emigração segura
77
O CUSTO DA COERÇÃO
nos cinco países da sub-região do Mekong, dirigidos a
jovens e adolescentes e adaptados às circunstâncias específicas de cada país. Os estudos permitiram tanto a identificação da informação-chave para os migrantes como
uma avaliação posterior do impacto do programa.
337. Em Burkina Faso, uma “caravana de informação”
ajudou a aumentar a conscientização da comunidade
para a prevenção do tráfico de crianças. A campanha alcançou mais de 2.700 pessoas em regiões de fronteira e
ao longo das principais rotas de emigração, distribuindo
materiais como camisetas, bonés e posters. Uma estratégia-chave foi a união entre sindicatos e ONGs para esse
programa, conduzindo a uma melhor compreensão das
questões dos dois lados e engrandecendo o respeito uns
pelos outros.
338. Os sindicatos também são parceiros fundamentais
no sul do Cáucaso. Os guias de informação aos migrantes sobre os países de destino importantes (Áustria, Alemanha, Grécia, Federação Russa e Turquia) estão sendo
utilizados em programas de formação pré-emigração organizados pela Confederação Sindical da Geórgia. Eles
contêm informações sobre os requisitos legais para a emigração, recrutamento, condições de vida e de trabalho, e
detalhes dos contatos das organizações que podem prestar assistência.
339. O aumento da conscientização e a disseminação
da informação são componentes vitais de quaisquer estratégias de prevenção de trabalho forçado e de tráfico.
No entanto, as pessoas vulneráveis também necessitam
de outras formas de apoio, incluindo oportunidades locais de rendimento, caso não caiam nas malhas dos traficantes ou de agentes de recrutamento exploradores. No
Vietnã, tal como em outros países, os programas comunitários incluem o micro-financiamento e a formação
de competências profissionais para mulheres e crianças
em idade de trabalhar, seguidos de assistência na procura
de empregos locais. Na República Democrática Popular
do Laos, os bancos comunitários foram bem sucedidos
em desalojar agiotas e na implantação de uma cultura de
poupança e de planeamento em 120 pequenas cidades
com populações vulneráveis ao tráfico. Foram desenvolvidas abordagens comunitárias similares no sul da
Ásia, como parte dos programas integrados de redução
da vulnerabilidade à servidão por dívidas ou para reabilitar aqueles que foram libertos de uma situação de
cativeiro.
340. No Tajiquistão, o BIT estabeleceu uma parceria
com o PNUD no intuito de lutar contra a pobreza e aumentar a segurança das pessoas na região Rasht, uma área
de elevada emigração masculina. A formação profissional
e as atividades geradoras de rendimentos são combinadas
com o fortalecimento de capacidade institucional para
78
a prevenção do tráfico e da exploração de mão-de-obra.
Foi realizada uma pesquisa cuidadosa para identificar as
oportunidades do mercado local para gerar rendimentos.
341. Uma abordagem de prevenção comunitária pode
ser particularmente útil e compensadora em termos de
custos em zonas remotas onde a aplicação da lei é deficiente. Um projeto piloto nas regiões de Tamale, em
Gana, e Cross River State, na Nigéria, estabeleceu e formou comissões de vigilância comunitária para identificar possíveis situações de tráfico humano e de trabalho
forçado, e para chegar até as pessoas vulneráveis dessas
comunidades. Essas comissões são formadas por professores locais, sindicalistas, líderes mulheres, líderes comunitários e religiosos, entre outros.
342. A escala de intervenções vai depender dos recursos
disponíveis para o projeto, bem como da capacidade de
implementação local. No Nepal, um projeto do BIT possibilitou alcançar quase todos os que inicialmente foram
identificados como famílias Kamaiya anteriormente vinculadas em cinco distritos da região ocidental de Terai.
As atividades incluíram apoio sindical para organizar os
trabalhadores agrícolas e negociar o salário mínimo para
homens e mulheres, a formação de competências profissionais, a micro-finança, a educação não-formal e a integração de crianças em escolas.
343. Em Tamil Nadu, na Índia, com o apoio do Ministério Federal do Trabalho, foi adotada uma abordagem
por setor, enfocando os fornos de tijolos e de moinhos de
arroz nos distritos de Kanchipuram e de Thiruvallur. A
colaboração ativa com os empregadores e sindicatos visou construir soluções mutuamente aceitáveis para antigos problemas, relacionados, em parte, com o pagamento de adiantamentos salariais. Um papel fundamental do
governo consistiu em permitir que os trabalhadores migrantes vulneráveis e as famílias locais tivessem acesso a
vários esquemas governamentais de bem-estar, incluindo
seguros de saúde. Apesar de o projeto visar inicialmente
cerca de 11.000 homens e mulheres trabalhadores, havia
grande potencial para repetir abordagens bem sucedidas
em outras áreas que estivessem enfrentando questões semelhantes. Assim, os proprietários dos fornos solicitaram
cobertura em todo o estado de Tamil Nadu, de forma a
criar um “level playing field” (igualdade de condições)
no que diz respeito às práticas de recrutamento, sistemas
de adiantamentos e de salários.
344. Quando os orçamentos são limitados, intervenções
experimentais podem trazer resultados exemplares, como
mostra uma experiência no Níger, onde esse tipo de
abordagem foi adotada em três localidades rurais onde se
acreditava haver uma elevada percentagem de descendentes de escravos. Os habitantes locais selecionaram a
instalação de moinhos mecânicos de grão como uma
5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA
Quadro 5.1
O caso da Birmânia/Mianmar
O caso especial de Mianmar, onde a incidência grave e continuada do trabalho forçado imposta pelos poderes
públicos e autoridades nacionais levanta a importante questão das circunstâncias e condições em que uma
organização como a OIT, deverá articular-se na cooperação técnica sobre o trabalho forçado com um Estado
membro. O BIT tem conseguido estabelecer uma presença permanente no terreno através da designação de
um Agente de Ligação, que mantém contatos regulares com altos funcionários do governo. As subsequentes
negociações conduziram a um acordo em princípio em maio de 2003, para um Plano de Ação Conjunta entre
o Governo e a OIT, incluindo o programa de sensibilização para o trabalho forçado e um programa piloto de
construção de estradas de mão-de-obra intensiva, onde a proibição do trabalho forçado seria estritamente
aplicada. O plano incluiu igualmente os serviços de um facilitador para lidar com as queixas do uso do
trabalho forçado. Devido à situação do país após essa data, o BIT não se encontrava em posição de levar
adiante a implementação do Plano de Ação Conjunta. No âmbito de um protocolo de Entendimento Complementar alcançado entre a OIT e o Governo no início de 2007, acordou-se que o Agente de Ligação teria
a possibilidade de avaliar as queixas que os cidadãos de Mianmar eventualmente apresentassem, sem medo
de represálias. Desde 2007 os mecanismos de resposta dos altos funcionários do governo foram positivos,
apesar de existir um vazio entre esse princípio de aceitação e a situação prática no local. Há limitações no
número de missões que o Agente de Ligação pode iniciar no local e da capacidade deste Agente de operar
de forma proativa.
Novas circunstâncias surgiram após a tragédia provocada pelo ciclone Nargis, em meados de 2008, e em
resultado do envolvimento do BIT na resposta pós-crise do ciclone, a qual salientou em particular a questão
do trabalho forçado. Como modelo laboral contra o uso do trabalho forçado, foi lançado um projeto de mãode-obra intensiva pelo BIT, com o acordo do Governo. Esse projeto visa fornecer emprego decente temporário
à maioria das vítimas necessitadas do ciclone, valorizando as intervenções de outras agências internacionais,
incluindo a FAO e o PNUD. O resultado foi a reabilitação das infra-estruturas, cuja prioridade foi determinada
em consulta direta com comissões comunitárias. Esta abordagem permitiu ao BIT uma presença no local e
uma ampliação da prestação de assistência a grupos vulneráveis, ao mesmo tempo que ligava sua presença
ao objetivo principal, que consiste na erradicação do trabalho forçado no país.
medida prioritária, para que sobrasse algum tempo para
as mulheres realizarem outras atividades. Estes são geridos por comissões de mulheres que receberam formação
desse tipo.
345. Apesar de esses e muitos outros projetos desenvolverem e documentarem abordagens inovadoras e eficazes
de combater o trabalho forçado, existem ainda muitos
desafios. Primeiramente, uma questão fundamental será
mobilizar os recursos adequados para sustentar esse trabalho importante e necessário em resposta às crescentes
exigências dos constituintes. Uma grande quantidade de
projetos tem um orçamento baixo demais para cumprir
com as ambições e expectativas de seus participantes, e
a duração do projeto é muitas vezes curta demais para
poder demonstrar um impacto real e sustentável e para
produzir os resultados que orientem decisões políticas.
Como os esforços na mobilização de recursos se concentram cada vez mais no alcance dos objetivos do trabalho
decente no país, torna-se cada vez mais importante assegurar que as questões do trabalho forçado e do tráfico,
conforme identificadas no programa nacional, utilizem
os recursos existentes da maneira o mais eficaz possível.
346. Em segundo lugar, um financiamento adequado
deverá continuar sendo canalizado para as funções fundamentais de documentação de boas práticas, avaliações
rigorosas de impacto, desenvolvimento de metodologias
para pesquisa comparativa, produção e disseminação
de materiais de reforço de capacidades, e a síntese dos
ensinamentos úteis na formulação de políticas. O nível
máximo de impacto só poderá ser atingido se as lições
obtidas através de experiências internacionais forem
transformadas em boas práticas e aconselhamentos políticos, que podem ser assumidos por parceiros nacionais e
internacionais. De fato, essa é a vantagem comparativa
de uma organização internacional. Uma estratégia centrada na consecusão de fundos para o combate ao trabalho forçado necessita encontrar o equilíbrio adequado
entre os projetos e as funções políticas centrais. E como
é dada uma crescente importância à identificação do trabalho forçado na economia privada e à prevenção de sua
incidência nas cadeias produtivas, é essencial procurar
novos parceiros no setor privado, incluindo fundações
e empresas.
347. Restam ainda importantes questões relativas aos
grupos que são alvos de intervenção contra o trabalho
forçado, principalmente em relação a crianças e meno-
79
O CUSTO DA COERÇÃO
res. Alguns projetos visam o tráfico e, de forma menos
extensiva, o trabalho forçado de crianças, separadamente
dos adultos.9 A ação deve ser sensível às diferentes necessidades das crianças e dos adultos, bem como às dos
homens e mulheres de todas as idades. As respostas dirigidas a idades específicas são necessárias também para as
crianças; aquelas que têm idade inferior à mínima permitida por lei deverão receber educação, enquanto as crianças mais velhas deverão receber formação profissional
e trabalhos decentes. Mas sob que condições faz sentido
a adoção de projetos, planos ou políticas, específicos para
crianças, em vez de identificá-las como um grupo-alvo
específico de iniciativas mais amplas, incluindo aquelas
relativas ao trabalho forçado? Em situações em que são
afetadas famílias inteiras, como acontece em muitos sistemas de servidão por dívidas, parece fazer maior sentido
uma abordagem familiar, que inclua intervenções especiais para as crianças. No entanto, a situação do tráfico
é mais complexa. O tráfico envolve mais o indivíduo do
que as famílias, apesar de os adultos terem um papel a ser
desempenhado no tráfico de crianças. As crianças sofrem
vulnerabilidades muito específicas. Além disso, o tráfico
de crianças, com base na definição do Protocolo de Palermo, é materialmente diferente dos adultos — não exige o uso da coerção ou o engano. O simples fato de se
movimentar uma criança com o objetivo de exploração
(que pode incluir todas as formas de trabalho infantil) é
qualificado como tráfico de crianças, enquanto para os
adultos, a coerção e o engano são elementos necessários.
A ação deve ser sensível a estas distinções. Pode realmente fazer sentido em certas circunstâncias, dirigir a
ação contra o tráfico de crianças separadamente do tráfico de adultos, mas as condições para o fazer têm que ser
claramente compreendidas.
348. Em muitas outras questões acerca do trabalho
forçado, é necessário combinar esforços — com base na
gama de capacidades e competências da OIT e também
nas formas de abordagem — para poder ajudar os Estados membros a identificar determinados desafios políticos. Como o tráfico é em parte resultante de falhas de
gestão da emigração, bem como de aplicação inadequada
da lei, a reposta deve envolver as ferramentas da gestão da
emigração, bem como as específicas do trabalho forçado.
Da mesma forma, a resposta à servidão por dívidas terá
necessariamente que envolver uma grande variedade de
intervenções. Essas respostas integradas devem ser apresentadas de forma coerente e consistente.
349. Então, que tipo de projetos devem, de hoje em diante, ser desenvolvidos no âmbito das diversas formas de
trabalho forçado? Quais deverão ser os seus componentes,
cobertura e duração? Uma lição importante retirada da
experiência da SAP-FL, desde o início, é que os resultados não são rápidos. É necessário tempo para construir
um consenso nacional para identificar um problema,
identificar as suas principais formas e dimensões, fazer
com os enquadramentos legais, políticos e institucionais entrem em acordo, construir a capacidade de implementação destas instituições e desenvolver e disseminar
as ferramentas necessárias para assegurar uma ação eficaz
e sustentável contra o trabalho forçado. Quando são exigidas respostas coordenadas entre regiões de origem e de
destino de trabalhadores migrantes, a situação é ainda
mais complexa.
350. Isto significa que o BIT deve, como no passado,
concentrar-se em um número limitado de projetos para
os quais possua a competência e os conhecimentos evidentes para alcançar resultados, durante aquele que pode
ser considerado um longo período de tempo. A integração prolongada por mais de uma década com países
como o Brasil, os países dos Andes e o Paquistão, contribuiu para um progresso significativo no combate ao
trabalho forçado, mas isto permanece ainda como um
“trabalho inacabado”. Ao mesmo tempo, são necessárias
estratégias claramente definidas, que passem progressivamente as responsabilidades da implementação para
os parceiros e stakeholders nacionais, e permitam as
necessárias orientações estratégicas.
O caminho a seguir: conduzir uma aliança
global contra o trabalho forçado
351. Em primeiro lugar, é importante sublinhar a neces-
sidade de vigilância e de avaliações rigorosas, a fim de
avaliar o impacto da cooperação técnica sobre o fenômeno do trabalho forçado e das abordagens políticas que
o sustentam. Apesar de a base de conhecimento acerca
dos problemas do trabalho forçado continuar crescendo,
tem sido registrado globalmente um menor progresso
na análise da eficácia de diferentes respostas políticas e
das estratégias de intervenção. O que pode em parte ser
explicado pelo caráter jovem de muitos que se esforçam
pela causa da luta contra o trabalho forçado e o tráfico:
ainda não passou tempo suficiente para se poder avaliar o impacto real das diferentes respostas. São ainda
necessários esforços urgentes para que sejam realizadas
análises rigorosas dos pontos fortes e dos pontos fracos,
custos e benefícios das escolhas políticas alternativas.
Crescentes doações de financiamento e de recursos na-
9. O termo “crianças”, conforme especificado na Convenção da OIT (Nº. 182) sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999, abrange todos os
meninos e meninas com menos de 18 anos de idade, incluindo, então, os adolescentes.
80
5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA
cionais estão sendo investidas nos esforços de luta contra
o tráfico. Compreensivelmente, tem sido questionado
em que medida essas quantias se justificam considerando
o impacto que alcançam.
352. Também já foram dados passos importantes no que
diz respeito a projetos individuais. Alguns dos projetos
mais maduros permitiram documentar as boas práticas e
as lições aprendidas, por exemplo na sub-região do Mekong, enquanto outros têm sido preparados na China e
na África Ocidental. Foram realizadas avaliações detalhadas do impacto das intervenções básicas contra a servidão
por dívidas no sul da Ásia.
353. No entanto, é também necessário tirar conclusões
mais gerais no que diz respeito aos resultados positivos e
possivelmente negativos de diferentes abordagens políticas. Uma recente análise de uma ONG independente
salientou algumas consequências negativas para os direitos humanos de esforços talvez bem-intencionados,
mas deficientemente concebidos, de combate ao tráfico,
insistindo que já é tempo de se avaliar e analisar todas
as formas de operações contra o tráfico.10 A OIT, trabalhando com os seus parceiros, poderá realizar uma contribuição valiosa a esse respeito.
354. Ao transmitir claramente sua mensagem, demonstrando o que pode ser feito, e salientando as implicações
políticas, o BIT pode, assim, exercer a liderança global
de uma questão relacionada com direitos humanos que
está preocupando cada vez mais todo o mundo. Este
Relatório começa por afirmar que o trabalho forçado é
a antítese do trabalho decente e uma afronta ao conceito
de justiça social para uma globalização justa. Um programa de trabalho abrangente da OIT contra o trabalho
forçado, com base na visão da Declaração sobre a Justiça
Social para uma Globalização Justa, de 2008, vai ser fundamental para ajudar os Estados membros a realizarem
progressos concretos com esta finalidade. É com esse
espírito que têm sido apresentadas propostas específicas
para o plano de ação para os próximos quatro anos.
10. Collateral damage. The impact of anti-trafficking measures on human rights around the world, GAATW, 2007.
81
Capítulo 6
Um plano de ação global contra
o trabalho forçado
355. Uma aliança global contra o trabalho forçado, lid-
erada pela OIT e com cada vez maior número de parceiros, está atualmente tomando forma. Esse terceiro
plano de ação para a abolição do trabalho forçado deve
procurar salientar todos os pontos fortes da OIT, conforme refletido nos seus quatro objetivos estratégicos:
promover o pleno emprego total, produtivo, e de livre
escolha; melhorar a proteção social; promover o diálogo
social e o tripartismo; e promover todas as normas fundamentais de trabalho consagradas na Declaração sobre
os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de
1998. Deverá igualmente alcançar um conjunto ainda
maior de parceiros, dentro e fora do sistema das Nações
Unidas, assegurando que a erradicação do trabalho forçado se insira em seus alvos e objetivos de desenvolvimento
e redução da pobreza.
356. A erradicação do trabalho forçado continua sendo
um desafio em vários níveis, que exigem diferentes respostas. A maior parte das situações de trabalho forçado
ainda se encontra em países em vias de desenvolvimento,
muitas vezes na economia informal e em regiões isoladas
mal dotadas de infraestruturas de inspeção do trabalho e
de aplicação da lei. Estas situações podem ser atacadas através de políticas e programas integrados, que combinem
a aplicação da lei com medidas proativas de prevenção e
de proteção, e fortalecendo aqueles em situação de risco
de trabalho forçado para que defendam seus próprios direitos.
357. Este Relatório, assim como o anterior, de 2005,
salientou o trabalho forçado na economia privada. Também se concentrou nas questões emergentes, muitas
vezes ligadas à emigração e ao tráfico de seres humanos,
que afetam, da mesma forma, os países desenvolvidos e
em desenvolvimento. Um tema subjacente tem sido as
formas sutis de coerção, normalmente envolvendo intermediários do mercado de trabalho, através dos quais
os trabalhadores da economia formal e informal podem
ser privados de um salário justo ou de total liberdade
na relação de trabalho. Embora os estudos sobre as implicações econômicas ainda se encontrem em uma fase
preliminar, tanto em países em vias de desenvolvimento
como em países desenvolvidos, os custos desta coerção
parecem ser consideráveis. Isto também significa que a
resposta política, conjuntamente com as sanções penais,
precisa prever rendimentos perdidos, bem como para a
melhoria da gestão do mercado de trabalho quanto ao
recrutamento e à contratação.
358. Além disso, este Relatório foi elaborado no momento em que o mundo enfrenta a crise econômica e
financeira mais grave das últimas décadas. Em uma situação de crise, são os vulneráveis que mais sofrem. Nestas
horas, é necessário, antes de mais nada, assegurar que os
ajustamentos não são realizados em detrimento das garantias que têm sido cuidadosamente aplicadas para prevenir o abuso do trabalho forçado e do tráfico nas cadeias
produtivas.
359. Espera-se que os constituintes da OIT assumam a
liderança destas questões dentro do sistema das Nações
Unidas, conduzindo pesquisas, fornecendo orientação e
formação e demonstrando abordagens possíveis através
de intervenções direcionadas.
360. O plano de ação proposto baseia-se no plano de
ação anterior, adotado pelo Conselho de Administração
da OIT em novembro de 2005, o qual definiu a etapa
para o aumento do envolvimento das organizações de
empregadores e de trabalhadores na identificação do
trabalho forçado na economia privada. O plano de ação
proposto é estruturado conforme se descreve em seguida. Uma primeira parte identifica o amplo papel da OIT
na liderança de uma intensificada ação global contra o
trabalho forçado, com o envolvimento de seus próprios
constituintes e outros parceiros-chave. Esse procedimen-
83
O CUSTO DA COERÇÃO
to vai envolver o desenvolvimento de novas ferramentas
de pesquisa, orientação e formação, e de outros materiais
de sensibilização, no intuito de manter o momento atual
contra o trabalho forçado e o tráfico em todo o mundo.
Uma segunda parte salienta as áreas prioritárias para uma
ação regional.
1. Questões e abordagens globais
Coleta e pesquisa de dados
361. As pesquisas e as análises quantitativas e qualitati-
vas, as últimas envolvendo estudos temáticos e específicos por país, continuam sendo grandes prioridades.
362. Mesmo sendo amplamente reconhecida a necessidade de estatísticas fiáveis acerca do trabalho forçado e
do tráfico, tal constitui um exercício difícil. A abordagem
do BIT consiste em fornecer assistência técnica aos países interessados, permitindo-lhes produzir suas próprias
estatísticas. Em um pequeno número de países, tem
havido progressos através de parcerias sustentáveis com
o escritório nacional de estatísticas e outros stakeholders,
assumindo a capacidade de pesquisadores das ciências sociais e da estatística. O objetivo consiste em adicionar um
limitado número de países, em desenvolvimento e industrializados, aos atuais programas piloto, na esperança de
que outros países adiram a iniciativas semelhantes com a
assistência do BIT, sempre que necessário.
363. Durante os últimos quatro anos, o BIT, centrou-se
menos (em comparação com a fase inicial) na pesquisa
qualitativa e mais na preparação de ferramentas de orientação. Para serem eficazes e práticas, essas ferramentas
têm que se basear na pesquisa operacional. Além disso,
é normalmente devido às conclusões dessas pesquisas
que os governos têm estabelecido a implementação de
mecanismos contra o trabalho forçado, como resposta
política.
364. Se por um lado tem havido um recente aumento da
pesquisa sobre os diferentes aspectos do tráfico humano,
as outras formas de trabalho forçado continuam recebendo relativamente pouca atenção nas comunidades
acadêmicas e políticas. Dessa forma, o BIT vai continuar
trabalhando com a comunidade acadêmica e com outros
parceiros nacionais para preencher as lacunas na base do
conhecimento e também para promover maior destaque
para estas questões.
365. Em determinados países, ainda há a necessidade
de estudos de diagnósticos globais para identificar as
questões que podem justificar uma atenção mais detalhada. Esses estudos podem também ser uma forma útil
de salientar a capacidade local de pesquisa. Podem ser
84
procurados consensos através do estabelecimento de grupos de aconselhamento e orientação tripartite para analisar o estudo, como também através de consultas promovidas por todo o país para discutir os resultados e as
ações de acompanhamento.
366. Tem sido um assunto recorrente neste Relatório a
necessidade de um maior conhecimento e compreensão
dos sistemas de recrutamento de mão-de-obra, como e
por que razão os abusos de trabalho forçado podem daí
resultar, e quais poderiam ser as medidas mais adequadas
para a sua correção. Isso exige um programa de pesquisa
abrangente nos países de origem e de destino, cobrindo
diversas regiões. É também necessária uma maior pesquisa temática sobre os trabalhadores vulneráveis, incluindo
os trabalhadores domésticos, trabalhadores marítimos e
trabalhadores em zonas francas de exportação. Tudo isto
fornecerá a base para a criação das ferramentas de formação e de orientação.
367. É também essencial documentar as boas práticas
e conduzir análises críticas das políticas e dos programas contra o trabalho forçado e o tráfico. Estas devem
abranger-se para além dos programas implementados
pelo próprio BIT. Em parceria com outros interlocutores
e auxiliada por peritos independentes, o BIT pode contribuir para avaliações mais amplas acerca do impacto
dos programas nacional e internacional. Deve ser dada
particular atenção às abordagens do mercado de trabalho
para combater o trabalho forçado.
368. Finalmente, e estando os esforços iniciais deste
relatório em franca expansão, é essencial conduzir um
estudo mais sistemático dos aspectos econômicos do trabalho forçado, incluindo os custos sofridos pelos trabalhadores afetados.
Sensibilizar o mundo
369. No intuito de manter o assunto do trabalho
forçado no centro das atenções, ao mesmo tempo que
se evita o sensacionalismo, tem que ser cuidadosamente
produzida uma estratégia de mediatização e comunicação. Um ponto central pode ser uma página junto ao
site da OIT sobre o trabalho forçado, como um banco
de informações acerca dos problemas e das soluções para
o trabalho forçado continuamente atualizado. Será dada
particular atenção às ferramentas de formação interactivas e à produção de instruções de fácil utilização e de
resumos de pesquisa.
370. Fora da OIT o desafio consiste em manter o interesse dos meios de comunicação a respeito do trabalho forçado e no tráfico, e ao mesmo tempo encorajar
os próprios jornalistas a informarem sobre o progresso
6. UM PLANO DE AÇÃO GLOBAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO
e as soluções dos problemas. Ao cobrir temas tão complexos como o tráfico para exploração laboral, os meios
de comunicação podem realizar uma contribuição significativa para a promoção de um entendimento mais
profundo do seu âmbito e natureza. Isto pode encorajar
o apoio público para os esforços locais e internacionais
de combate ao tráfico para exploração laboral, bem como
para exploração sexual, e também alertar as pessoas que
se encontram em risco de tráfico. Os meios de comunicação podem posicionar o problema em seu contexto:
podem aconselhar vítimas atuais ou potenciais sobre a
quem recorrer para obter ajuda e, quando apropriado,
através da reportagem de pesquisa, também podem identificar os responsáveis pelo trabalho forçado e ajudar a
trazê-los perante a justiça.
371. Além disso, depois da publicação deste Relatório
Global, com uma análise do papel dos diferentes atores
e dos futuros desafios, os meios de comunicação podem
facilitar debates de alto nível acerca do assunto. O que
funciona? Quem agiu com coragem contra o trabalho
forçado? Quais são as causas básicas do trabalho forçado
moderno, e o que pode ser feito em relação a isso? Essas
questões podem ser acessadas através de blogs, debates
televisivos, colunistas convidados em jornais, e outros
meios. Sempre que possível, o BIT pode usar sua influência para integrar várias personalidades dos meios de
comunicação no assunto.
do poder judicial, especialmente juízes e procuradores,
para a definição e criminalização do trabalho forçado.
Os programas de formação podem também ser desenvolvidos para advogados e juristas independentes, por
exemplo, aqueles que, pertencendo a organizações de
empregadores e de trabalhadores, possam fornecer aconselhamento e assistência às vítimas de trabalho forçado.
374. O manual de jurisprudência sobre o trabalho forçado representa um primeiro esforço para avaliar a jurisprudência nacional sobre o assunto. Há espaço para um
trabalho mais amplo sobre esse tema para os próximos
anos, como, por exemplo, avaliando a forma como os
tribunais lidam com a questão da indenização das vítimas de trabalho forçado.
Melhorar a aplicação da lei e as respostas da
justiça no trabalho
376. Os sindicatos são parceiros fundamentais na luta
372. As ferramentas de formação foram desenvolvidas
por responsáveis de aplicação da lei, que incluem os inspetores do trabalho, juízes, procuradores e outros juristas. Estas ferramentas complementares de orientação,
desenvolvidas por outras organizações internacionais,
centram-se em questões particulares sobre o trabalho
forçado no âmbito do mandato e da estrutura da OIT.
Existe um espaço considerável para construir com base
nestas ferramentas de orientação, adaptando-as aos contextos nacional e regional e nos idiomas adequados. Um
programa futuro ampliará as parcerias existentes, apoiando novas atividades de formação de inspetores do trabalho e outros órgãos de aplicação da lei, como parte de
estratégias mais amplas para fortalecer o papel da administração do trabalho na prevenção do trabalho forçado e
na perseguição dos exploradores.
373. A cooperação com redes internacionais e regionais
de inspetores do trabalho pode estimular a disseminação
da informação e de boas práticas. Existe espaço para um
programa de formação que se extenda para os membros
Reforçar uma aliança entre trabalhadores e
empregadores contra o trabalho forçado e o tráfico
375. Ao identificar o trabalho forçado na economia pri-
vada, as organizações de trabalhadores e de empregadores
têm um papel crítico a desempenhar. Alcançar os trabalhadores na economia informal constitui um particular
desafio, assim como o trabalho conjunto e o reforço de
mecanismos públicos de inspeção e de aplicação da lei.
As organizações dos trabalhadores
contra o trabalho forçado. A assistência do BIT nas atividades de uma aliança sindical global contra o trabalho
forçado e o tráfico, conduzida pela CSI, tem aumentado
de forma sólida a sensibilização para o trabalho forçado
e o papel dos sindicatos no seu combate. Esse trabalho
deve ser progressivamente disseminado nas atividades
sindicais de alcance nacional, envolvendo um conjunto
de atividades de reforço de capacidades e de apoio a pontos centrais com responsabilidades que focam o trabalho
forçado e o tráfico. Também deve promover a participação sindical eficaz em comissões nacionais ou outras
estruturas institucionais contra o trabalho forçado e o
tráfico. Em futuras colaborações com os sindicatos, deverá ser dada particular ênfase nos seguintes aspectos:
377. Primeiramente, os programas da OIT devem fortalecer a capacidade organização dos trabalhadores em
maior risco de trabalho forçado dos sindicatos, inclusive
na economia informal, e apoiar seus esforços em uma
negociação coletiva. O trabalho será intensificado com
a representação sindical dos trabalhadores em setores
específicos tidos como particularmente vulneráveis ao
trabalho forçado e ao tráfico, como a agricultura, a con-
85
O CUSTO DA COERÇÃO
strução, o trabalho doméstico e a hotelaria. Os programas serão desenvolvidos em colaboração com as respectivas federações sindicais internacionais. Será efetuado um
esforço especial para alcançar e organizar as mulheres do
trabalho doméstico, ajudando a assegurar que os futuros
instrumentos para a proteção destas trabalhadoras contenham as adequadas medidas contra o trabalho forçado
e o tráfico.
378. A segunda prioridade será encorajar uma maior
cooperação entre os sindicatos de países vizinhos que enfrentam as mesmas questões relativas ao trabalho forçado, e também entre os sindicatos em países de origem
e de destino dos trabalhadores migrantes, incluindo os
trabalhadores migrantes domésticos. Os programas promoverão acordos recíprocos entre sindicatos, através dos
quais os trabalhadores migrantes afiliados nos sindicatos
no país de origem também possam receber os benefícios
das associações sindicais dos países de destino.
379. Em terceiro lugar, os sindicatos podem ser apoiados nos seus esforços de vigilância das condições de recrutamento e de contratação, particularmente em locais
e setores onde o risco do trabalho forçado e do tráfico
é considerado grave, e onde estas condições possam escapar à atenção dos serviços de inspeção do trabalho.
Os funcionários dos sindicatos e os seus membros podem precisar de formação específica para identificar e
documentar casos de abuso, processar queixas e procurar
reparação por parte das autoridades adequadas.
380. Uma outra tarefa dos sindicatos, por vezes atuando
em conjunto com outros grupos da sociedade civil, poderia ser a prestação de assistência e proteção às vítimas
de trabalho forçado. Os sindicatos podem querer apresentar os casos perante as autoridades e outras agências
de aplicação da lei, procurando, por exemplo, obter
compensações pelos danos sofridos pelos trabalhadores,
incluindo a perda de rendimentos.
381. Finalmente, há a necessidade de mais ferramentas para o aumento da conscientização, sensibilização
e orientação sobre o trabalho forçado, dirigidas a uma
audiência sindical. Algumas ferramentas para os sindicatos de determinados países começaram a ser elaboradas,
mas precisam ser mais desenvolvidas, adaptadas aos diferentes contextos nacionais e amplamente disseminadas.
As organizações dos empregadores
382. Com apoio por parte da OIE, as partes atuantes
do mundo empresarial têm integrado cada vez mais a
ação contra o trabalho forçado. Os programas da RSE,
em conjunto com os códigos de conduta de associações
industriais e de muitas empresas individuais, são cada vez
86
mais explícitos na identificação do trabalho forçado. O
manual do BIT de 2008 para os empregadores e empresas sobre o combate ao trabalho forçado define os
princípios de orientação para a ação, e também disponibiliza orientações práticas sobre as formas de solucionar
determinados problemas. O terreno encontra-se agora
preparado para um esforço intensificado, o que poderá
envolver as seguintes áreas de atividade.
383. Primeiramente, o BIT vai estabelecer contatos com
as várias MSIs, com instituições financeiras e de desenvolvimento que financiam as iniciativas do setor privado,
e promover fóruns como a Global Compact da ONU,
para assegurar a consistência na compreensão do conceito de trabalho forçado e as formas como este pode
afetar as atividades empresariais. Serão desenvolvidos
programas de formação específicos e disseminados em
diferentes idiomas, em colaboração com auditores e outros grupos que apostaram no desenvolvimento de competências sobre o trabalho forçado.
384. Em segundo lugar, enquanto muitas indústrias e
empresas até agora concentraram os seus esforços na vigilância dos fornecedores de “primeira linha”, o programa
do BIT vai agora avaliar formas de ultrapassar esta primeira linha nas cadeias globais de produção. Existe também uma clara necessidade de chegar aos fornecedores
de matérias-primas e produtos de segunda e de terceira
linhas, mais do que de produtos acabados, muitos desses
operando na economia informal onde os problemas do
trabalho forçado têm maior probabilidade de surgir. Esse
trabalho é mais bem conduzido em um setor específico,
através de amplas parcerias entre associações de empregadores e industriais, de inspeções e da administração
do trabalho, empresas individuais e grupos da sociedade
civil. Acumulando experiência em áreas como a indústria
Brasileira do carvão vegetal, os programas piloto podem
ser realizados em indústrias e regiões selecionadas, documentando as práticas e identificando as medidas correctivas adequadas. Deverá ser tida em total consideração a
contribuição e o valor das organizações de empregadores
no fornecimento das redes para chegarem a estas pequenas e médias empresas, salientando, assim, a propriedade
e a sustentabilidade dos programas.
385. Em terceiro lugar, será prestada assistência às organizações de empregadores e às empresas, ajudando-as
a assegurar que as práticas de recrutamento serão livres
da servidão por dívidas e de outras formas de coerção.
Pode ser prestado apoio a associações industriais relevantes, para produzir os enquadramentos para a vigilância
dos sistemas de contratação e de subcontratação e para
desenvolver códigos de conduta. Além de estudos piloto
anteriores, o BIT pode apoiar uma pesquisa com maior
profundidade, e os estudos de caso sobre os sistemas de
6. UM PLANO DE AÇÃO GLOBAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO
recrutamento praticados, analisando os fatores que contribuem para o trabalho forçado e para a servidão por
dívidas, e formular recomendações acerca dos meios
através dos quais os empregadores podem impedir sua
incidência.
386. Em quarto lugar, pode ser prestado apoio, através
de programas piloto, às iniciativas dos empregadores na
prestação de assistência na integração de antigas vítimas
de trabalho forçado e prevenir sua possível reincidência,
por exemplo, através de serviços de formação profissional, do desenvolvimento de competências e de programas
de aprendizagem. Ao promover esses esforços, será particularmente importante construir parcerias entre atores
empresariais, governos e organizações da sociedade civil,
trabalhando em conjunto para fornecer um conjunto integrado de medidas de assistência e de proteção sociais.
2. Questões e prioridades regionais
Ampliar a base do conhecimento em países em
vias de desenvolvimento: pesquisa aplicada
387. Embora tenha sido conduzida uma pesquisa im-
portante acerca do trabalho forçado em zonas da África,
Ásia e América Latina, ela foi limitada a apenas alguns
países desses continentes. Particularmente na África e na
América Latina, é necessário realizar pesquisas em outros
lociais, além do pequeno número de países onde o BIT
tem até agora conduzido seus programas de assistência
técnica. Ao desenvolver futuros programas de pesquisa, o
BIT beneficiará as redes desenvolvidas através dos programas existentes, permitindo a partilha das metodologias.
Trabalho forçado e redução da pobreza em países
em vias de desenvolvimento: o foco na prevenção
388. A pesquisa e os programas operacionais conduziram
a uma melhor compreensão dos grupos populacionais
em risco de trabalho forçado, muitas vezes como resultado de um extenso padrão de pobreza e de discriminação.
Poderão incluir castas e outras minorias na Ásia, povos
indígenas da América Latina e, em alguns casos, os descendentes de escravos na África. A experiência demonstrou que, em conjunto com a melhoria da aplicação da
lei e da inspeção do trabalho, é necessário melhorar as
estratégias de prevenção, incluindo a integração dos programas de redução de pobreza e o desenvolvimento de
recursos nas comunidades mais necessitadas.
389. A ação geral contra os sistemas de servidão por dívidas, particularmente na Ásia, vai continuar em prática
em diferentes níveis. No plano político, os indivíduos em
situação de risco de servidão por dívidas ou submetidas
a tal devem ser particularmente identificados, através de
programas de redução de pobreza, incluindo iniciativas
de microfinanciamento.
Os programas de sensibilização para agências e funcionários governamentais são de fundamental importância, apontando os vários meios disponibilizados
para identificar os sistemas e as práticas de servidão por
dívidas. Na esfera comunitária, é essencial a referência
às boas práticas até agora aprendidas, repetindo-as em
outras áreas conhecidas pela incidência da servidão por
dívidas. O envolvimento das organizações locais de empregadores e de trabalhadores será um elemento-chave
para abordagens futuras. Na América Latina, dada a particular vulnerabilidade dos povos indígenas ao trabalho
forçado e à servidão por dívidas, será atribuída a devida
importância às questões em programas de identificação
da pobreza através da promoção da identidade e dos direitos dos povos indígenas.
Trabalho forçado, trabalhadores migrantes e
contratados: colaboração entre países de origem e
de destino
390. Embora estas questões sejam globais, elas são de
particular importância em certas regiões. Há espaço para
construir uma cooperação entre os países de origem da
Ásia Central e da Europa, incluindo países como a Federação Russa, onde os trabalhadores migrantes podem
estar em risco de trabalho forçado em atividades do setor
formal, incluindo a construção.
391. A prioridade em toda a região asiática, com a sua
elevada incidência de emigração interna e internacional,
será melhorar a regulamentação, a vigilância e as atividades das agências de recrutamento, incluindo mecanismos de contratação laboral informal dentro de cada país e
entre países. Embora ainda seja necessário construir uma
base de conhecimento e pressionar para a elaboração de
regulamentações adequadas, o BIT pode desde agora realizar programas piloto acerca desse assunto, envolvendo
organizações de empregadores e de trabalhadores, agências de recrutamento e de colocação, e a administração
do trabalho. Também na África, pode ser dada particular
atenção à vigilância das agências de recrutamento, incluindo aquelas que fazem recrutamento para o exterior,
para prevenir o risco das práticas de trabalho forçado.
Novas pesquisas podem procurar impedir o tráfico humano, e promover a reintegração das pessoas traficadas,
através de programas de cooperação entre países africanos de origem e de destino, dentro e fora da África.
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O CUSTO DA COERÇÃO
392. A futura cooperação com os Estados do Golfo e
outros países do Oriente Médio pode centrar-se, em particular, na prevenção do tráfico e na proteção dos trabalhadores temporários contratados através de práticas
de recrutamento e de contratação abusivas. Servirão de
apoio estudos anteriores, que documentaram os mecanismos e as práticas de recrutamento nos países que enviam trabalhadores temporários para o Oriente Médio e
para países de destino dentro dessa região.
393. Foram adotadas recentemente medidas importantes na zona do Oriente Médio, no que diz respeito às
políticas contra o tráfico e de legislação. O BIT continuará prestando apoio contínuo, no intuito de identificar as
dimensões do tráfico laboral, envolvendo ministérios do
trabalho e outros constituintes da OIT em mecanismos
interministeriais para implementar os enquadramentos
legais e políticos. Poderá ser enfatizada a promoção de
melhores mecanismos de regulamentação do recrutamento e da melhoria da vigilância, em cooperação com
os países de origem. Finalmente, será dada particular atenção às associações público-privadas, assegurando que
os empregadores e os trabalhadores se encontrem em
total colaboração com os esforços do governo para melhorar os sistemas de contratação e colocação de mão-deobra.
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Problemas dos países industrializados
394. Mediante pedido, foi ministrada formação a altos
funcionários e a parceiros sociais de países industrializados,
como, por exemplo, da Europa e dos Estados Unidos, sobre
os meios de identificar e combater o trabalho forçado. Foi
prestada assistência semelhante para o estudo do trabalho
forçado e o tráfico. Isto ajudou a apoiar a ideia de que o
trabalho forçado é uma preocupação para todos os países e
para todos os tipos de economias. Espera-se que continue a
haver pedidos de assistência por parte dos países industrializados inclusive para formação e pesquisa. Igualmente mediante pedido, será equacionada a prestação de apoio para
estudos quantitativos sobre o trabalho forçado e o tráfico
em muitos desses países. Os materiais existentes - incluindo
aqueles dos inspetores do trabalho, dos juízes e dos procuradores, e dos atores empresariais - podem ser adaptados
aos contextos nacionais. O programa do BIT vai procurar
estabelecer uma relação mais estreita entre a comunidade
acadêmica e as principais instituições políticas, promovendo
o estudo e a aprendizagem acerca das questões econômicas e
outras questões relacionadas ao trabalho forçado na economia moderna global. Esses tipos de material constituem um
apoio essencial para a estratégia da mídia e dos meios de
comunicação sobre o trabalho forçado.

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