O custo da coerção - Organização Internacional do Trabalho
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O custo da coerção - Organização Internacional do Trabalho
O custo da coerção RELATÓRIO DO DIRETOR GERAL O custo da coerção Relatório Global no seguimento da Declaração da OIT sobre os Direitos e Princípios Fundamentais do Trabalho CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO TRABALHO 98ª Sessão 2009 Relatório I(B) ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO • GENEBRA Copyright © Organização Internacional do Trabalho 2009 1ª edição 2009 As publicações da Organização Internacional do Trabalho gozam da proteção dos direitos autorais sob o Protocolo 2 da Convenção Universal do Direito do Autor. Breves extratos dessas publicações podem, entretanto, ser reproduzidos sem autorização, desde que mencionada a fonte. Para obter os direitos de reprodução ou de tradução, as solicitações devem ser dirigidas ao Departamento de Publicações (Direitos do Autor e Licenças), International Labour Office, CH-1211 Geneva 22, Suíça, ou por email: [email protected] Os pedidos serão bem-vindos. As bibliotecas, instituções e outros usuários registrados em uma organização de direitos de reprodução podem fazer cópias de acordo com as licenças que emitidas para este fim. A instituição de direitos de reprodução do seu país pode ser encontrada no site www.ifrro.org O custo da coerção ISBN: 978-972-704-336-1 (print) Também disponível em: Inglês: The cost of coercion, Geneva, 2009, Copyright © International Labour Organisation (ISBN 978-92-2-120628-6), Francês: Le coût de la coercition, Genève, 2009, Copyright © Organisation Internationale du Travail, (ISBN 978-92-2-220628-5), Espanhol: El costo de la coacción, Ginebra, 2009, Copyright © Organización Internacional del Trabajo (ISBN 978-92-2-320628-4), Português (Portugal): O custo da coerção, Genebra, 2009, Copyright © Bureau International do Trabalho, (ISBN 978-972-704-336-1). As designações empregadas nas publicações da OIT, segundo a praxe adotada pelas Nações Unidas, e a apresentação de material nelas incluídas não significam, da parte da Organização Internacional do Trabalho, qualquer juízo com referência à situação legal de qualquer país ou território citado ou de suas autoridades, ou à delimitação de suas fronteiras. A responsabilidade por opiniões contidas em artigos assinados, estudos e outras contribuições recai exclusivamente sobre seus autores, e sua publicação pela OIT não significa endosso às opiniões nelas expressadas. Referências a firmas e produtos comerciais e a processos não implicam qualquer aprovação pela Secretaria Internacional do Trabalho, e o fato de não se mencionar uma firma em particular, produto comercial ou processo não significa qualquer desaprovação. As publicações da OIT podem ser obtidas nas principais livrarias ou no Escritório da OIT no Brasil: Setor de Embaixadas Norte, Lote 35, Brasília DF, 70800-400, tel.: (61) 2106-4600, ou no International Labour Office, CH-1211. Geneva 22, Suíça. Catálogos ou listas de novas publicações estão disponíveis gratuitamente nos endereços acima, ou por email: [email protected] Visite nossa site: www.oit.org.br Advertência O uso da linguagem que não discrimine nem estabeleça a diferença entre homens e mulheres, meninos e meninas é uma preocupação deste texto. O uso genérico do masculino ou da linguagem neutra dos termos criança e adolescente foi uma opção inescapável em muitos casos. Mas fica o entendimento de que o genérico do masculino se refere a homem e mulher e que por trás do termo criança e adolescente existem meninos e meninas com rosto, vida, histórias, desejos, sonhos, inserção social e direitos adquiridos. Impresso no Brasil Índice Lista de abreviaturas ix Introdução 1 Capítulo 1. O conceito de trabalho forçado: questões emergentes 5 Trabalho forçado: a definição da OIT Trabalho forçado, escravidão moderna e vulnerabilidade à exploração: desafios conceituais e políticos 5 8 Capítulo 2. Trabalho forçado: captar as tendências 11 Introdução Melhorar a base do conhecimento: coleta e análise de dados Estudo Piloto na República da Moldávia Perspectivas regionais África Ásia Américas Europa e Ásia Central Oriente Médio Problemas específicos Contratação laboral e recrutamento Honorários por serviços de recrutamento e de colocação Canais e mecanismos de recrutamento Contratos de trabalho Impedir a restrição e a coerção Desafios futuros Trabalhadores marítimos Trabalhadores domésticos A economia do trabalho forçado: medir o custo da coerção 11 12 15 15 15 17 20 22 23 24 24 26 27 27 28 30 31 33 34 Capítulo 3. Ação nacional contra o trabalho forçado: o papel dos governos 37 Introdução Elaboração de leis e políticas Condenações e aplicações da lei contra o trabalho forçado Políticas, planos de ação e mecanismos de coordenação nacionais Iniciativas regionais Desafios para a administração e inspeção do trabalho Lições da experiência 37 37 40 44 46 47 50 v O CUSTO DA COERÇÃO Capítulo 4. O trabalho forçado e a economia privada: desafios às organizações de empregadores e de trabalhadores Introdução O papel das organizações de empregadores As questões Princípios e orientações gerais Iniciativas das organizações nacionais de empregadores Medidas e respostas de empresas individuais Auditoria ao trabalho forçado O papel e a experiência dos sindicatos Uma aliança sindical global Um plano de ação para uma aliança global sindical: principais áreas de atividade Planejamento regional e reforço de capacidades Iniciativas das federações sindicais Ação nacional: orientação e kits de ferramentas Campanhas informativas Organização de migrantes e apoio às suas reivindicações Detecção e documentação de casos de trabalho forçado Cooperação entre sindicatos de diferentes países Colaboração com as ONGs e a sociedade civil Os desafios futuros Conjugar esforços: a importância das iniciativas de multi-stakeholders Capítulo 5. Combater o trabalho forçado através da cooperação técnica: conquistas e desafios Introdução Aumentar a pressão mundial para obter mudanças políticas: difundir a mensagem Compreender os problemas e as soluções: gerar e partilhar o conhecimento Construir um consenso nacional: programas e enquadramentos políticos Reforçar capacidades: da formação à ação Construir parcerias Da prevenção à libertação e reinserção das vítimas: definição do papel dos projetos da OIT O caminho a seguir: conduzir uma aliança global contra o trabalho forçado Capítulo 6. Um plano de ação global contra o trabalho forçado 1. Questões e abordagens globais Coleta e pesquisa de dados Sensibilizar o mundo Melhorar a aplicação da lei e as respostas da justiça no trabalho Reforçar uma aliança entre trabalhadores e empregadores contra o trabalho forçado e o tráfico As organizações dos trabalhadores As organizações dos empregadores vi 53 53 55 55 57 58 59 60 60 61 62 62 63 63 64 64 65 65 67 67 68 71 71 72 73 74 75 76 77 81 83 84 84 84 85 85 85 86 ÍNDICE 2. Questões e prioridades regionais Ampliar a base do conhecimento em países em vias de desenvolvimento: pesquisa aplicada Trabalho forçado e redução da pobreza em países em vias de desenvolvimento: o foco na prevenção Trabalho forçado, trabalhadores migrantes e contratados: colaboração entre países de origem e de destino Problemas dos países industrializados 87 87 87 87 88 Caixas Quadro 2.1. O método Delphi Quadro 2.2. Medir o trabalho forçado Quadro 2.3. Trabalho forçado, tráfico e exploração laboral na Zâmbia Quadro 2.4. Compreensão ampliada do trabalho forçado no Brasil Quadro 2.5. A armadilha da escravidão Quadro 2.6. Orientações do COMMIT para a sub-região do Grande Mekong Quadro 2.7. Estimar os custos da coerção: a metodologia Quadro 3.1. Peru: a institucionalização da luta contra o trabalho forçado Quadro 3.2. Implementação do Plano de Ação Nacional contra o Tráfico Humano na Ucrânia Quadro 3.3. Orientações para a política e prática de recrutamento na sub-região do Grande Mekong Quadro 4.1. Princípios para os líderes empresariais para o combate ao trabalho forçado e ao tráfico Quadro 4.2. Recomendações da reunião de Atlanta sobre a integração de empresas dos E.U.A no combate ao trabalho forçado Quadro 4.3. Recomendações para as organizações de empregadores e empresas na Ásia Quadro 4.4. Pontos de ação adotados pelo Conselho Geral da CSI Quadro 4.5. Iniciativas de multi-stakeholders contra o trabalho forçado no Brasil Quadro 5.1. O caso da Birmânia / Mianmar 13 14 16 19 23 25 31 44 45 45 54 56 57 61 66 79 Tabelas Tabela 2.1. Tráfico de seres humanos na Ucrânia Tabela 2.2. Estimativa do custo total da coerção 21 32 vii Lista de abreviaturas ACFTU ACWF AFL-CIO ASEAN Asica AWU BAD BERD BWI CCEM CEACR CES CGTP-IN CIETT CSI COMENSHA COMMIT CONATRAE COTU DWCP ECHR ECOWAS EMN ETI ETUC FAO FITIM FLA FLSA FNV FTUB GLA GSEE GFJTU IALI ICC Federação de Sindicatos da China Federação das Mulheres da China Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais Associação das Nações do Sudeste Asiático Associação das Siderúrgicas de Carajás Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Quirguistão Banco Asiático de Desenvolvimento Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira Comissão contra a Escravidão Moderna (França) Comitê de Peritos sobre a Aplicação de Convenções e Recomendações Confederação Européia de Sindicatos Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses–Intersindical Nacional Confederação Internacional das Agências Privadas de Emprego ITUC – Confederação Sindical Internacional Centro de Coordenação de Tráfico Humano (Holanda) Iniciativa Ministerial Coordenada do Mekong contra o Tráfico de Humanos Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Brasil) Organização Central dos Sindicatos (Quênia) Programas de Trabalho Decente por País TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (França) CEDEAO – Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental Empresa Multinacional Iniciativa do Comércio Ético CES – Confederação Europeia de Sindicatos Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura Federação Internacional de Trabalhadores da Indústria Metalúrgica Associação do Trabalho Justo Lei do Trabalho Justo (Estados Unidos) Federação Holandesa de Sindicatos Federação dos Sindicatos da Birmânia Autoridade de Licenciamento de Agentes Empregadores do Reino Unido Confederação Geral de Trabalhadores da Grécia Federação Geral de Sindicatos da Jordânia AIIT – Associação Internacional da Inspeção do Trabalho Instituto Carvão Cidadão (Brasil) ix O CUSTO DA COERÇÃO ICEM IG-BAU IGT* IMF IPAR ISP ITF ITGLWF JGATE Kommunal KSPI MDG MRCI MSI MSPA MTUC NAPTIP OCLTI OIE OIM OSCE PNUD POEA PRS PSI QIZ RSE SAI SAP-FL SAWS SIPTU SMEs SPE SUB TGWU TUC UE UN.GIFT UNDAF UNI UNIAP UNODC USDOL ZZPR Federação Internacional dos Sindicatos de Trabalhadores de Química, Energia, Minas e Indústrias Diversas Sindicato da Construção, Agricultura e Meio-Ambiente (Alemanha) Inspeção Geral do Trabalho (Portugal) Federação Internacional dos Metalúrgicos (Suíça) Instituto de Análise e Pesquisa Política (Quênia) Internacional de Serviços Públicos Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes FITTVC Federação Internacional dos Trabalhadores do Têxtil, Vestuário e Couro Associação dos Exportadores de Vestuário, Acessórios e Têxteis da Jordânia Sindicato dos Trabalhadores Municipais Suecos Congresso de Sindicatos da Indonésia ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Centro de Direitos dos Migrantes da Irlanda Iniciativa multi-stakeholder Lei de Proteção ao Trabalhador Migrante e de Agricultura Sazonal (Estados Unidos) Central Sindical da Malásia Agência Nacional para a Luta contra o Tráfico de Seres Humanos (Nigéria) Escritório Central de Combate ao Trabalho Ilegal Organização Internacional dos Empregadores Organização Internacional para as Migrações Organização para a Segurança e Cooperação na Europa Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Administração Filipina Ultramarina do Emprego ERP – Estratégia de Redução da Pobreza ISP – Internacional de Serviços Públicos Zona Industrial Qualificada (Jordânia) Responsabilidade Social das Empresas RSI Responsabilidade Social Internacional Programa Especial de Ação de Combate ao Trabalho Forçado Administração Estatal de Segurança Laboral (China) Sindicato dos Trabalhadores de Serviços, Industriais, Profissionais e Técnicos (Irlanda) PMEs – Pequenas e Médias Empresas Serviços Públicos de Emprego Sindicato dos Trabalhadores Marítimos da Birmânia União Geral dos Trabalhadores dos Transportes (Reino Unido) Confederação de Sindicatos do Reino Unido União Europeia Iniciativa Global das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas Marco de Assistência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Organização Sindical Mundial Projeto Interagências das Nações Unidas sobre o Tráfico Humano na Sub-região do Grande Mekong Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime Departamento do Trabalho dos Estados Unidos Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas da Polônia * NT – Desde 2006 a IGT passou a designar-se ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, incluindo as mulheres e os jovens, os povos indígenas e os trabalhadores migrantes. O trabalho forçado moderno pode ser erradicado com empenho e recursos sustentáveis. x Introdução 1. O trabalho forçado é a antítese do trabalho decente. São particularmente vulneráveis as pessoas menos protegidas, incluindo as mulheres e os jovens, os povos indíginas e os trabalhadores migrantes. O trabalho forçado moderno pode ser erradicado com empenho e recursos sustentáveis. Enfrentar essa preocupação com determinação constitui uma forma concreta de conceder efeito prático à visão de justiça social, com vista a uma globalização justa, definida na Declaração adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 2008. Podem ser realizados progressos através de uma estratégia diversificada, atacando as práticas criminosas do trabalho forçado na sua origem, salvando e reabilitando suas vítimas, bloqueando outros aspectos de exploração laboral e promovendo oportunidades de trabalho decente para todas as mulheres e homens. 2. O anterior Relatório Global sobre o trabalho forçado, publicado em 2005, forneceu dados que revelaram o verdadeiro âmbito global do problema, que afeta praticamente todos os países e todos os tipos de economias. Cerca de 12,3 milhões de pessoas em todo o mundo já passaram por alguma forma de trabalho forçado ou de servidão. Destas, 9.8 milhões foram exploradas por agentes privados, incluindo mais de 2,4 milhões em trabalho forçado resultante do tráfico humano. Os dados mais elevados encontram-se na Ásia, com cerca de 9,4 milhões, seguidos de aproximadamente 1,3 milhões na América Latina e no Caribe, e de pelo menos 360.000 nos países industrializados. Cerca de 56% de todas as pessoas vítimas de trabalho forçado são mulheres e meninas. Os lucros anuais provenientes apenas do tráfico humano foram, pelo menos, de US$32 bilhões. 3. Qual é a situação quatro anos mais tarde? A maioria dos países possui legislação que considera o trabalho forçado uma ofensa criminal séria, mas ele ainda persiste. Os fatores sistêmicos que sustentam esse dramático abuso dos direitos humanos nos mercados de trabalho mundiais precisam ser devidamente clarificados. Os governos, os agentes responsáveis pela aplicação da lei, as autoridades laborais, as organizações de empregadores e *NT Também conhecida por ITUC. trabalhadores, as agências de recrutamento, os consumidores, e outros, têm que assumir as suas respectivas responsabilidades para a erradicação do trabalho forçado. É urgente partilhar o conhecimento sobre as boas práticas, no sentido de orientar esforços futuros. 4. Estabelecer uma nova estimativa mundial seria prematuro. Repetir a metodologia, que envolveu extrapolações de casos reais de trabalho forçado relatados durante um período de 10 anos poderia ter um resultado limitado. Em vez disso, este Relatório aborda as tendências básicas do trabalho forçado durante os últimos quatro anos, incluindo os principais padrões e a incidência geográfica do abuso do trabalho forçado, e também a legislação e as respostas políticas, apresentando os principais desafios que terão que ser enfrentados nos próximos anos. 5. No plano político, tem-se registrado um certo progresso durante este período. Embora muitos casos de trabalho forçado tenham escapado à pesquisa, esse tema já não é abafado nem constitui um tabu. Tem havido uma série de novas leis e de diretrizes ou declarações políticas, de novos instrumentos regionais, particularmente contra o tráfico humano, e de novas comissões e planos de ação. Algumas dessas leis tratam especificamente do trabalho forçado, outras abarcam o tráfico para exploração laboral ou sexual, escravidão ou práticas semelhantes. Tem havido um aumento constante de medidas de proteção social para pessoas ou grupos particularmente em risco de trabalho forçado e tráfico, sobretudo para migrantes vulneráveis em situação irregular. 6. Os meios de comunicação de todo o mundo têm sido providenciais na manutenção da atenção no trabalho forçado, incrementando a conscientização e estimulando ações. Houve um constante aumento da ação contra o trabalho forçado e o tráfico por parte dos constituintes da OIT, de organizações de empregadores e trabalhadores, de inspeções e tribunais de trabalho e outros. A Confederação Internacional de Sindicatos (CIS*) adotou, no seu Conselho Geral de 2007, um plano de ação de três anos no sentido de construir uma União Sindical do Comércio Global contra o Trabalho Forçado e o Tráfico. Depois 1 O CUSTO DA COERÇÃO de uma série de reuniões do mais alto nível, envolvendo organizações de empregadores e de trabalhadores, bem como de líderes empresariais provenientes de diferentes continentes, incluindo uma conferência asiática de organizações de empregadores em junho de 2008, a Organização Internacional dos Empregadores (OIE), no início de 2009, emitiu suas próprias orientações políticas relativamente ao trabalho forçado. 7. No que diz respeito à aplicação da lei, a administração do trabalho internacional assumiu o desafio de lutar contra o trabalho forçado, identificando o seu próprio papel, quer na prevenção quer na ação, e trabalhando em conjunto com outros responsáveis para o cumprimento da lei visando erradicar os abusos. Foi lançado um manual para os inspetores do trabalho sobre o trabalho forçado e o tráfico, em Genebra e Lima, respectivamente, em junho de 2008, primeiro no 12º Congresso da Associação Internacional da Inspeção do Trabalho, e, posteriormente, em uma conferência especial de inspetores do trabalho da América Latina. 8. Os juízes e os procuradores públicos estão sendo conscientizados a respeito de suas futuras tarefas, uma vez que têm sido alterados cada vez mais códigos penais de modo a incluir as ofensas do tráfico e da exploração do trabalho forçado, e existe um constante aumento, apesar de ainda lento, dos casos apresentados perante os tribunais penais, do trabalho e civis. Os juízes têm tido por vezes que enfrentar novos conceitos de servidão por dívidas, de práticas de escravidão e de exploração laboral. Muitas vezes, a dificuldade na interpretação de uma nova legislação é passada para o poder judicial e, onde existe jurisprudência, tanto em países de direito comum como de direito civil, todos devem aprender uns com os outros. Para orientar a prática judicial, e para assegurar que os instrumentos da OIT sobre o trabalho forçado serão considerados em julgamentos futuros, foi publicado, em 2009, uma coletânea de jurisprudência sobre o trabalho forçado destinado a juízes e promotores públicos. 9. Dessa forma, muitas peças já estão no seu lugar, no intuito de preparar o mundo para uma ação intensiva contra o trabalho forçado nos próximos anos. No entanto, se os países e a comunidade internacional quiserem assumir o desafio de libertar o mundo do trabalho forçado durante a próxima década, será necessário então empenharse mais. A ação direcionada contra o trabalho forçado tem de se tornar a peça central dos direitos humanos, contra a discriminação, de programas de desenvolvimento e da redução da pobreza. Para alcançar esse objetivo, todos os que intervêm têm que compreender claramente seus papéis e responsabilidades, e agir em conformidade, caso desejem contribuir para este esforço comum de erradicação do trabalho forçado. 2 10. Ainda mais, há a necessidade de avaliações e análises mais rigorosas das questões sistêmicas, que permitem a continuidade dos padrões de trabalho forçado nos países em vias de desenvolvimento mais pobres e que também podem estar propagando novas formas de exploração laboral coerciva por todo o mundo. Em 2001, o nosso primeiro Relatório Global chamava a atenção para o fato do tráfico de migrantes vulneráveis para exploração laboral constituir o “lado negro” da globalização contemporânea. Esse alarme foi acionado alguns meses após os Estados Membros da ONU terem adotado, em dezembro de 2000, o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças. À medida em que um número crescente de Estados se tornou signatário desse Protocolo, que entrou em vigor em dezembro de 2003, o cenário para um processo intensivo de elaboração de leis e políticas foi definido, no intuito de desacelerar o tráfico, quer de exploração laboral, quer de exploração sexual, 11. O Relatório Global de 2005 discutiu as preocupações políticas relativas ao trabalho forçado e à economia global. As pressões competitivas e de custos, que poderiam ter um impacto adverso nas condições de contratação e que, em casos extremos, poderiam conduzir ao trabalho forçado, foram acompanhadas por duas outras tendências, que contribuíram para o trabalho forçado: o aumento dos trabalhadores migrantes e uma desregulamentação dos mercados de trabalho, sob formas que podem atenuar as fronteiras entre as economias formais e informais. Além disso, fortes pressões para desregulamentar os mercados laborais e diminuir os serviços de inspeção do trabalho podem ter permitido a proliferação de agências de trabalho não-registradas, escapando ao controle estatal. 12. Foram expressas sérias preocupações em relação aos lucros substanciais obtidos por uma gama de recrutadores intermediários, desde agentes laborais informais a agências registradas, à custa de migrantes e de outros trabalhadores que estes recrutam ou contratam. Não é fácil determinar as circunstâncias nas quais o recrutamento de trabalhadores migrantes poderá conduzir ao trabalho forçado e merecer sanções ao abrigo do direito penal. Certamente tem sido dada uma atenção considerável aos aspectos potencialmente criminais da exploração laboral, pois cada vez mais países têm corrigido suas leis penais no sentido de reconhecerem o delito do tráfico para exploração laboral, e de estabelecer penalizações mais fortes. Além disso, estimamos que o “custo da oportunidade” de coerção para os trabalhadores afetados por essas práticas abusivas, em termos de ganhos perdidos, INTRODUÇÃO atualmente atinja mais de US$20 bilhões. Isso representa um argumento econômico poderoso, bem como um imperativo moral, razão pela qual os governos devem agora atribuir maior prioridade a essas preocupações. 13. O presente Relatório visa definir os desafios dos principais atores e das instituições envolvidas em uma aliança global contra o trabalho forçado. Os desafios são enormes, tanto no sentido políticos como no legal, jurídico, institucional, e outros. O Relatório revela a resposta dada a esses desafios, muitas vezes com o apoio ou com o envolvimento de programas de cooperação técnica da OIT. Existe atualmente uma quantidade substancial de boas práticas que podem orientar esforços futuros no intuito de enfrentar o trabalho forçado em todas as suas formas. 14. O primeiro capítulo do Relatório discute o conceito do trabalho forçado, ligado a práticas de abuso a ele relacionadas, como a escravidão e afins, servidão por dívidas, tráfico e exploração laboral. É necessário compreender essa definição com base na lei laboral e nas decisões políticas tomadas desde o último relatório, particularmente relacionadas com o tráfico humano. Como o trabalho forçado pode assumir muitas formas sutis na economia atual, é importante recordar que ele é uma grave ofensa criminal, punida por lei. Um Estudo recente1 ajuda a esclarecer o significado do trabalho forçado nas circunstâncias atuais. 15. O segundo capítulo avalia a situação do conhecimento do trabalho forçado e examina as recentes tendências. Algumas análises são elaboradas por região, revelando onde foram realizadas pesquisas inovadoras sobre o trabalho forçado, das suas causas e consequências. Dadas as preocupações expressas durante os últimos quatro anos, este Relatório concentra-se em determinados assuntos temáticos, incluindo a vulnerabilidade ao trabalho forçado e o tráfico de pessoas recrutadas através de agenciadores laborais, e nos problemas particulares vivenciados por grupos profissionais, incluindo trabalhadores marítimos e trabalhadores domésticos. Uma seção final representa o esforço inicial no intuito de estimar o preço da coerção, e apresenta ideias para futuras pesquisas relativas a esse assunto criticamente importante. 16. O Capítulo 3 refere-se ao papel dos governos, desde os legisladores e elaboradores de políticas a administradores, agentes responsáveis pela aplicação da lei até os prestadores de serviços. O capítulo discute a forma através da qual, em uma época de considerável dinamismo no âmbito desse assunto, os legisladores têm sabido refletir formas modernas de coerção, as novas leis relativas ao trabalho forçado, ao tráfico, ou até a questões mais abrangentes de exploração. Esse capítulo analisa os diversos mecanismos de legislação, com particular atenção para o papel da administração laboral e dos inspetores do trabalho. Também focaliza o papel preventivo dos inspetores do trabalho e a sua contribuição na proteção à vítima. 17. O Capítulo 4 refere-se ao papel das organizações de empregadores e de trabalhadores contra o trabalho forçado. Ambas aumentaram seu investimento na luta contra o trabalho forçado de forma marcante durante os últimos anos; este Relatório documenta uma quantidade substancial de boas práticas, quer por parte das empresas, quer por parte dos sindicatos. Existem crescentes alegações que as práticas de trabalho forçado penetram a cadeia produtiva das principais indústrias, e há cada vez mais pressões para identificar os bens que são ou possam ser produzidos sob condições de trabalho forçado. No sentido de que sejam tomadas as adequadas medidas corretivas, e para providenciar a adequada orientação para os seus funcionários e associados acerca dos meios de combate ao trabalho forçado nas cadeias produtivas, as empresas necessitam de orientações, o mais claras possível, acerca do que é ou não considerado trabalho forçado. Também esperam que os governos assumam as suas responsabilidades na promulgação de legislação clara a respeito desses problemas, como a cobrança de taxas por parte das agências de recrutamento. Para os sindicatos, poderá haver questões relativas ao alcance de seu campo de ação que vão além de seus tradicionais associados, ou seja, a outros trabalhadores, incluindo os migrantes. Diversos sindicatos têm adotado medidas inovadoras, algumas das quais, envolvendo a cooperação entre os sindicatos dos países de origem e de destino. As questões relativas ao trabalho forçado devem ser incluídas de forma proeminente no diálogo entre os governos e os parceiros sociais. Os governos devem fornecer orientações políticas claras acerca das “áreas cinzas” da exploração laboral, que possam vir a extravasar para trabalho forçado. 18. O Capítulo 5 analisa os aspectos do programa de cooperação técnica da OIT contra o trabalho forçado nos últimos quatro anos. Esse capítulo debruça-se tanto nas atividades consideradas como boas práticas como nos obstáculos mais impeditivos a uma ação eficaz, identificando igualmente os desafios para uma futura cooperação técnica. Cria também o enquadramento para o capítulo final, identificando um novo plano de ação, através do qual a OIT possa intensificar os seus próprios esforços, e ajudar a liderar uma ação global contra essa prática inaceitável. 1. ILO: Report III (Part 1B), General Survey concerning the Forced Labour Convention, 1930 (No. 29), and the Abolition of ForcedLabour Convention, 1957 (No. 105), ILC, 96th Session, Geneva, 2007. 3 Capítulo 1 O conceito de trabalho forçado: questões emergentes 19. Antes de discutirmos as recentes tendências globais, é importante esclarecermos a utilização do termo trabalho forçado e analisar algumas das atuais discussões relativas às relações entre o conceito legal de trabalho forçado e as práticas abusivas a ele relacionadas (incluindo o tráfico de seres humanos, a escravidão, a servidão por dívidas e a exploração laboral). Esses assuntos foram discutidos em nossos Relatórios Globais anteriores acerca do trabalho forçado. No entanto, têm de ser novamente revistos, por dois grandes motivos. 20. Primeiro, em 2007, a Comissão de Peritos da OIT para a Aplicação das Convenções e Recomendações publicou o seu primeiro estudo geral desde 1979, sobre as duas Convenções da OIT versando a temática do trabalho forçado. Esse estudo apresenta observações importantes no que diz respeito aos problemas atuais na implementação dessas Convenções, incluindo questões como: escravidão, práticas análogas à escravidão e outras formas ilegais de coação ao trabalho; tráfico de pessoas com o objetivo de exploração; trabalho forçado ou obrigatório imposto pela exploração; trabalho forçado ou obrigatório imposto pelo Estado, com o objetivo de produção ou serviço; privatização de prisões e do trabalho prisional; sentenças de trabalho comunitário; trabalho obrigatório como condição para obter benefícios de desemprego; e a obrigação de trabalho suplementar sob ameaça de penalizações. 21. Segundo, nos últimos quatro anos verificou-se um aumento marcante de leis e tomadas de decisão relativas ao tráfico de seres humanos, incluindo o tráfico para exploração laboral ou sexual. Isso resultou na constituição de novos instrumentos regionais ou alterações significativas à legislação penal e em outra legislação pertinente em âmbito nacional, assim como na adoção de novas políticas e mecanismos de implementação. Trabalho forçado: A definição da OIT. 22. Na Convenção (Nº 29) sobre o Trabalho Forçado, 1930, a OIT define trabalho forçado, para efeitos da lei internacional, como “todo trabalho ou serviço que seja exigido a qualquer pessoa, sob ameaça de qualquer penalidade, e para o qual a essa pessoa não se tenha oferecido voluntariamente” (Artigo 2(1)). O outro instrumento fundamental da OIT, a Convenção (Nº 105) sobre a Abolição do Trabalho Forçado, 1957, especifica certos pressupostos perante os quais o trabalho forçado nunca deverá ser imposto, mas não altera a definição básica da lei internacional. 23. O trabalho forçado não pode ser simplesmente conotado com baixos salários ou com más condições de trabalho. Nem inclui situações de pura necessidade econômica, como quando um trabalhador sente dificuldade em abandonar um emprego, devido à ausência real ou suspeitada de alternativas. O trabalho forçado representa uma grave violação dos direitos humanos, e uma restrição à liberdade humana, conforme definido pelas Convenções da OIT acerca do assunto, e em outros instrumentos afins relacionados com a escravidão, práticas análogas à escravidão, servidão por dívidas ou servidão feudal. 24. A definição da OIT de trabalho forçado compreende dois elementos básicos: o trabalho ou serviço é exigido sob ameaça de castigo, e é realizado involuntariamente. O trabalho das entidades de fiscalização da OIT serviu para esclarecer esses dois elementos. O castigo não tem de ser realizado na forma de sanções penais, mas também pode assumir a forma de perda de direitos e privilégios. Além disso, a ameaça de uma penalização pode assumir muitas formas diferentes. Comprovadamente, a sua forma mais extrema envolve violência física ou repressão, ou até mesmo ameaças de morte dirigidas à vítima ou a 5 O CUSTO DA COERÇÃO seus familiares. Também podem existir formas sutis de ameaça, por vezes de natureza psicológica. As situações analisadas pela OIT incluem ameaças de denúncia das vítimas às autoridades policiais ou de imigração, quando sua situação laboral é ilegal, ou denúncia aos líderes de seus povoados, no caso de jovens forçadas a se prostituírem em cidades distantes. Outras punições podem assumir um caráter financeiro, incluindo penalizações econômicas relacionadas com dívidas. Os empregadores muitas vezes exigem que os trabalhadores entreguem os seus documentos de identificação, e podem usar a ameaça da confiscação desses documentos para exigir trabalho forçado. 25. No que diz respeito à “oferta voluntária”, os responsáveis da OIT focaram um conjunto de aspectos, que incluem: a forma e objeto de consentimento; o papel das restrições externas ou da coerção indireta; e a possibilidade de revogar o consentimento dado livremente. Também aqui podem existir muitas formas sutis de coerção. Muitas vítimas entram em situações de trabalho forçado, inicialmente por iniciativa própria, mesmo que através de fraude e logro, para apenas mais tarde descobrirem que não são livres de abandonar o tal trabalho, devido a coerção de natureza jurídica, física ou psicológica. O consentimento inicial pode ser considerado irrelevante quando for obtido através de fraude ou logro. 26. Apesar de as situações de trabalho forçado poderem ser particularmente frequentes em determinadas atividades econômicas ou indústriais, uma situação de trabalho forçado pode ser determinada através da natureza da relação entre um indivíduo e um “empregador”, e não através do tipo de atividade realizada, independentemente da dureza ou do perigo das condições de trabalho. Nem a legalidade ou ilegalidade conforme a lei nacional da atividade são decisivas para determinar se o trabalho é ou não trabalho forçado. Uma mulher que seja obrigada a prostituir-se encontra-se em uma situação de trabalho forçado, dada a natureza involuntária do trabalho e a ameaça sob a qual ela trabalha, independentemente da legalidade ou ilegalidade daquela atividade em particular. Da mesma forma, uma atividade não tem de ser reconhecida oficialmente como uma “atividade econômica”, para se constituir como trabalho forçado. Por exemplo, uma criança ou um adulto que peçam esmola sob coerção são consideradas como estando em situação de trabalho forçado. 27. O trabalho forçado de meninas e meninos com idade inferior a 18 anos também é uma das piores formas de trabalho infantil, conforme se definiu na Convenção (Nº 182) sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil da OIT, de 1999. O trabalho infantil é uma forma de trabalho forçado, não só quando as crianças são forçadas por terceiros a trabalhar sob ameaça, mas também quando o 6 trabalho de uma criança for incluído no trabalho forçado desempenhado pela família como um todo. O conceito e a definição de tráfico humano 28. O Relatório Global de 2005 discutiu a crescente preocupação global com o tráfico de pessoas e a sua relação com o trabalho forçado. Em alguns casos, a situação despertou a atenção dos Estados membros para o conceito e para a definição de trabalho forçado na sua legislação penal ou outra. Nos últimos anos, a legislação nacional de muitos países focou as provisões penais sobre o tráfico humano, cuja aplicação da lei inclui a exploração sexual ou laboral. Esse movimento não tem parado, desde que entrou em vigor em 2003 o Protocolo de Palermo, para a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Todos os Estados membros têm que adotar essa legislação, bem como outras medidas que possam ser necessárias para definir como ofensas criminais a conduta enunciada no artigo de definição (Artigo 3), o qual especifica inter alia que: “O tráfico de pessoas deverá significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recepção de pessoas, por meio de ameaça ou de uso da força ou de outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de logro, ou de abuso de poder, ou de uma posição de vulnerabilidade, ou pela realização ou recepção de pagamentos ou benefícios visando a obtenção do consentimento de uma pessoa que controle outra com o objetivo de exploração. A exploração deverá incluir, no mínimo, a exploração da prostituição de outros, ou outras formas de exploração sexual, trabalhos ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escravidão, servidão ou remoção de órgãos”. No que se refere a crianças com menos de 18 anos de idade, não é necessária a presença de nenhum desses meios ilícitos: o recrutamento, a transferência ou a recepção de uma criança com o objetivo de exploração constitui por si só delito de tráfico. 29. À medida que os Estados se esforçam para elaborar uma legislação nacional adequada, ou para alterar as leis existentes, no intuito de cumprir com as provisões do Protocolo de Palermo sobre o tráfico, foi levantada uma série de questões. O texto do Artigo 3 desse Protocolo sugere que o tráfico que visa o trabalho forçado é apenas uma das formas de exploração laboral, juntamente com a escravidão ou com as práticas análogas à escravidão, ou à servidão. No que concerne ao conceito legal de exploração, o qual serve de base à definição de tráfico no Protocolo de Palermo, quase não existe qualquer precedente no direito internacional, nem há significativa legislação nacional. 30. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), como zelador do sistema da ONU da 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional e seus protocolos, publicou um manual legislativo para a sua implementação. Esse manual explica que o principal motivo para a definição de “tráfico de pessoas” na lei internacional consistia em providenciar certo nível de consenso-base na normalização de conceitos. Além disso, a obrigação é criminalizar o tráfico “como uma combinação dos elementos componentes, e não os elementos em si”. O tráfico, conforme definido pelo Protocolo, consiste em três elementos básicos: primeiro, a ação (de recrutamento, etc.); segundo, os meios (de ameaça ou de uso da força ou outras formas de coerção, etc.); e, terceiro, o objetivo da exploração. Dessa forma, qualquer conduta que combine qualquer ato ou meios referidos e que seja realizada para atingir qualquer um dos objetivos mencionados, tem de ser criminalizada como tráfico. Elementos individuais como o rapto ou a exploração da prostituição não têm necessariamente de ser criminalizados (apesar de que, em alguns casos, os crimes suplementares possam suportar os propósitos do Protocolo, sendo os Estados livres de os adotar ou manter, se assim o desejarem). Nenhum dos elementos individuais, como o trabalho forçado ou as práticas análogas à escravidão, é definido com maiores detalhes no próprio Protocolo. 31. Essas questões foram consideradas pela Comissão de Peritos da OIT há dois anos, no seu mais recente Estudo Geral sobre a aplicação das Convenções de trabalho forçado. A Comissão observou que o objetivo do tráfico, ou seja, a exploração, é um elemento crucial de sua definição, que é especificamente determinada com o intuito de abranger o trabalho forçado ou serviços, escravidão ou práticas análogas, servidão e várias formas de exploração sexual. Por conseguinte, a noção de exploração laboral inerente a essa definição permite uma ligação entre o Protocolo e a Convenção (Nº 29) sobre Trabalho Forçado da OIT, 1930, e torna claro que o tráfico de pessoas com o objetivo de exploração está incluído na definição de trabalho forçado ou obrigatório, prevista na Convenção. Tal consideração facilita a tarefa da implementação de ambos os instrumentos em âmbito nacional. 32. A definição de tráfico humano estabelecida pelo Protocolo de Palermo é complexa. Dessa forma, não seria surpreendente que, mais de cinco anos depois da sua entrada em vigor, os juristas e os legisladores continuem debatendo determinadas questões em torno da definição. Por exemplo, houve considerável debate sobre se o tráfico deveria envolver algum movimento da pessoa traficada, quer dentro ou fora das fronteiras nacionais, juntamente com o processo de recrutamento, ou se o foco deveria recair sobre exploração que ocorre ao final. Outra questão é se o tráfico com o objetivo de exploração envolve necessariamente a coerção. 33. O General Survey da OIT, realizado em 2007, forneceu alguns esclarecimentos úteis no que diz respeito a essas questões. Um é o conceito de oferta voluntária para um trabalho ou serviço, e como podem ser impostas as restrições e a coerção. Uma restrição externa ou uma coerção indireta, que interfira na liberdade de um trabalhador para “se oferecer voluntariamente”, pode resultar não só de um ato das autoridades, mas também de uma prática de um empregador, por exemplo, quando os trabalhadores migrantes são induzidos – por logro, falsas promessas e retenção de documentos de identidade – ou forçados a permanecer à disposição do empregador. Tais práticas representam uma clara violação da Convenção (Nº 29) da OIT. No entanto, nem o empregador nem o Estado são, na prática, responsáveis por quaisquer limitações ou coerções existentes. 34. Conforme também se pode observar no General Survey, o Protocolo de Palermo sobre o tráfico tem implicações importantes na interpretação do conceito do consentimento em uma relação laboral ou de serviço. Contém também uma provisão de qualificação, que considera que o consentimento de uma vítima de tráfico para a desejada exploração é irrelevante caso sejam utilizados meios de coerção, como a ameaça do uso da força, rapto, fraude, logro, abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade, que excluem a oferta voluntária ou o consentimento. Como os meios de coerção não são de maneira alguma relevantes no caso de crianças, não se levanta nesse caso a questão do consentimento. 35. A Comissão de Peritos da OIT utilizou ainda o conceito de “abuso de vulnerabilidade” no Estudo Geral, no sentido de analisar as circunstâncias nas quais a obrigação de fazer horas extras sob ameaça de castigo possa ser incompatível com a Convenção (Nº 29). Apesar de os trabalhadores poderem teoricamente recusar-se a trabalhar além do horário laboral normal, sua vulnerabilidade significa que, na prática, poderão não ter escolha e serem obrigados a fazê-lo para ganharem o salário mínimo, ou para manterem os seus postos de trabalho. Trabalho forçado, escravidão moderna e vulnerabilidade à exploração: desafios conceituais e políticos 36. Um princípio fundamental estabelecido na Convenção (Nº 29) consiste no fato de que a exigência ilegal de trabalho forçado ou obrigatório dever ser punida como infração penal, e é obrigação de qualquer Estado Membro que ratifique esse princípio assegurar que as penas impostas por lei sejam realmente adequadas e estritamente cumpridas. 7 O CUSTO DA COERÇÃO 37. Atualmente, a taxa mais elevada de trabalho forçado ocorre, sobretudo, na economia privada, sendo altamente impune. A exigência de que os Estados, que ratificam o Protocolo de Palermo, identifiquem o tráfico para exploração sexual e laboral como uma grave infração penal suscitou o aparecimento de uma série de medidas legislativas e juridicas contra essas práticas abusivas, incluídas na Convenção do Trabalho Forçado da OIT. Nesse sentido, a ação legislativa e judicial contra o trabalho forçado e o tráfico humano podem servir os mesmos objetivos, e apoiar-se mutuamente. Para este fim, os Estados devem legislar contra o tráfico no seu sentido mais lato, concedendo total atenção a todos os aspectos do trabalho forçado, somados à exploração sexual e à elaboração de cláusulas para a identificação e processamento do crime de trabalho forçado, conforme definido nas Convenções da OIT. 38. O trabalho forçado consiste essencialmente na exploração no local onde o trabalho ou serviço é executado. Poderá ser possível identificar diferentes fatores, por exemplo, as práticas de recrutamento abusivas, que negam a liberdade de escolha por parte do trabalhador. Os intermediários que realizem tais práticas com intenção deliberada de colocar pessoas em uma situação em que lhes possa ser exigido trabalho forçado podem certamente ser considerados como cúmplices de trabalho forçado. Mas qualquer ação judicial contra o trabalho forçado tomaria como seu ponto de partida as condições de trabalho ou serviço, prestando menor atenção ao conjunto de fatores que criassem ou exacerbassem a vulnerabilidade dos trabalhadores à exploração. 39. Ao analisar essa vulnerabilidade, um elemento básico consiste na compreensão do conceito de servidão por dívidas. A servidão por dívidas é um dos aspectos das práticas análogas à escravidão, definidas em um instrumento das Nações Unidas de 1956, a Convenção Suplementar para a Abolição da Escravidão, o Comércio de Escravos e Instituições e Práticas Similares à Escravidão. Esse instrumento identificou o que eram as então consideradas formas contemporâneas de escravidão. Chamou a atenção de todos os Estados para que abolissem progressivamente, e tão cedo quanto possível, práticas como a servidão por dívidas e a servidão feudal. A servidão por dívidas é definida como o “estado ou condição resultante de uma obrigação de um devedor de seus serviços pessoais, ou daqueles pertencentes a um indivíduo sob o seu controle, como garantia de uma dívida, se o valor desses serviços, conforme razoavelmente analisados, não é aplicado para a liquidação da dívida, ou que a extensão e a natureza desses serviços não sejam respectivamente limitadas e definidas”. Esse instrumento foi concebido para captar as práticas de 8 servidão por dívidas e de trabalho servil, que estavam naquela época bastante difundidas nos países em vias de desenvolvimento. 40. A pesquisa da OIT revelou de forma consistente que a manipulação de crédito e débito, quer pelos empregadores, quer pelas agências de recrutamento, é ainda um fator-chave que conduz trabalhadores vulneráveis para situações de trabalho forçado. Os camponeses pobres e os povos indígenas da Ásia e da América Latina podem ser induzidos ao endividamento, através da aceitação de pequenos, mas acumulativos, empréstimos ou de adiantamentos salariais por parte de empregadores ou de agências de recrutamento, em tempos de escassez. Em alternativa, os candidatos a migrantes podem ter que liquidar elevados montantes aos agentes que os ajudaram a assegurar trabalho no exterior e que lhes facilitaram a viagem, contraindo empréstimos de agiotas e de outras fontes, no intuito de pagar esses custos. A General Survey de 2007 incluiu na sua tipologia de trabalho forçado as práticas de servidão por dívidas, sob a qual os trabalhadores e as suas famílias são forçados a trabalhar para um empregador, no intuito de liquidar suas dívidas atuais ou herdadas, salientando que essas práticas afetam ainda um grande número de pessoas. Salienta ainda a necessidade de se agir legalmente para declarar tal obrigação como sendo ilegal, e de providenciar sanções penais contra os empregadores que mantêm os seus trabalhadores em situação de escravidão. Mesmo assim, pode haver dificuldade na aplicação do conceito legal de servidão por dívidas aos trabalhadores que se encontrem em situação de dívida grave, particularmente no caso de trabalhadores migrantes, cujo endividamento é sobretudo perante as agências de recrutamento e não tanto perante o empregador final no país de destino. 41. O recente foco colocado no conceito de “exploração” tem originado alguns acesos debates sobre como pode ser compreendido como um crime específico, de que maneira determinar a gravidade do crime, e como pode ser punido. Além disso, a experiência aponta para uma fronteira muito tênue entre a exploração coerciva e não-coerciva. Enquanto a definição da OIT de trabalho forçado acentua o caráter involuntário da relação de trabalho ou serviço, o Protocolo de Palermo e os subsequentes debates políticos enfatizam os meios através dos quais o consentimento inicial pode ser negado, através de diferentes formas de engano, tanto ao longo do percurso que culmina no relacionamento laboral como durante este. Ao mesmo tempo, a Comissão de Peritos da OIT, no seu General Survey de 2007, reconheceu a importância dos instrumentos internacionais de tráfico humano, os quais são considerados como sendo do âmbito das Convenções da OIT. 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS 42. Só os tribunais dos Estados individuais podem de- terminar, em última instância, se um ato individual pode ser punido como trabalho forçado, ou como tráfico, através da imposição de severas penas criminais. Em alguns Estados tem-se registrado a tendência de abordar a questão do tráfico humano da perspectiva de condições laborais que são consideradas intoleráveis, se abrangerem circunstâncias análogas à escravidão, ou incompatíveis com a dignidade de um ser humano. Pode ser discutido que estas circunstâncias não constituem trabalho forçado, conforme definido na Convenção da OIT de 1930. 43. O presente Relatório não duplica o trabalho das entidades supervisoras da OIT, e, por esse motivo, não opina sobre quando é que as ações individuais ou específicas constituem trabalho forçado. Aceita, tal como diversas análises realizadas nesse âmbito, que existe uma sequência contínua, incluindo o que pode ser claramente identificado como trabalho forçado, bem como outras formas de exploração e abuso. Pode ser útil considerar um conjunto de possíveis situações: por um lado, as práticas de escravidão e análogas, e por outro, situações de liberdade de escolha no trabalho. No meio desses dois extremos, há uma variedade de relacionamento laboral, no qual, o elemento da livre escolha pelo empregado começa por ser diminuido ou limitado, e pode eventualmente ser posto em dúvida. 44. A esse respeito, a OIT, em sua Convenção (Nº 122) sobre Política do Emprego, de 1964, estabeleceu o importante princípio de que cada Estado membro deverá seguir uma política ativa para promover o “emprego livremente escolhido” total e produtivo. O conceito de “emprego livremente escolhido” amplia a área de preocupação para além da imposição do trabalho forçado, incluindo todas as situações nas quais a liberdade de escolha de um trabalhador seja de algum modo restringida. Esse tipo de situação pode também envolver outras ofensas, como a violação da legislação laboral em relação a salários ou horários de trabalho, ou violação do contrato de trabalho, que não constituem necessariamente uma grave violação dos direitos humanos como a representada pelo trabalho forçado. É evidente que essas situações também precisam ser identificadas e resolvidas através das apropriadas correções legais e outras. 45. Outro instrumento relevante consiste na Recomendação (Nº 198) sobre Relação de Trabalho da OIT, de 2006. Este instrumento, notando que há situações em que os acordos contratuais podem resultar na privação dos trabalhadores da proteção à qual têm direito, sugere diversas medidas que os Estados membros podem adotar, através da política nacional, para reforçar essa proteção concedida aos trabalhadores em uma relação laboral. O enquadramento multilateral da OIT sobre a migração laboral é outra ferramenta valiosa, conjuntamente com as Convenções da OIT acerca dos trabalhadores migrantes1, e muitos outros. Enquanto nenhuma destas abordagens por si só providencia soluções simples ou imediatas, quando observadas em conjunto com os instrumentos da OIT para o trabalho forçado fornecem orientações acerca da forma como as várias questões emergentes relacionadas com trabalho forçado, incluindo o tráfico humano, podem ser identificadas de forma eficaz. 1. Convenção (Nº 197) sobre Migração para o Emprego (Revista), 1949, Convenção (Nº. 143) sobre Trabalhadores Migrantes (Disposições Complementares), 1975, e as respectivas Recomendações (Nº 86 e Nº 15) anexas. 9 Capítulo 2 Trabalho forçado: captar as tendências Introdução 46. Este é o nosso terceiro esforço, em um período de mais de nove anos, de apresentar de um “quadro dinâmico global” do trabalho forçado no mundo atual. Uma primeira análise realizada em 2001 evidenciou diferentes questões temáticas, que podem ser contornadas através de um programa futuro de assistência técnica. Para esse efeito, apresentou-se uma tipologia das formas modernas de trabalho forçado, incluindo assuntos como: o problema contínuo da escravidão e raptos; a participação obrigatória em obras públicas; trabalho forçado na agricultura e áreas rurais remotas, incluindo práticas de recrutamento coercivo; trabalhadores domésticos em situações de trabalho forçado; servidão por dívidas, particularmente na região do sul da Ásia; trabalho forçado exigido pelas forcas militares, com particular ênfase na Birmânia/Mianmar; trabalho forçado relacionado com o tráfico de pessoas, caracterizado como “o lado negro da globalização”; e trabalho forçado nas prisões. 47. A análise do Relatório de 2005 baseou-se em estimativas globais e regionais de trabalho forçado, incluindo o abuso do trabalho forçado que resulta do tráfico humano. Uma distinção ampla foi retirada das três formas principais de trabalho forçado no mundo atual, nomeadamente: o trabalho forçado imposto pelo Estado por motivos econômicos, políticos ou outros; o trabalho forçado ligado à pobreza e à discriminação em países em vias de desenvolvimento; e o trabalho forçado resultante da migração e do tráfico internacional, muitas vezes associado à globalização. Os dados e a análise serviram para salientar duas mensagens fulcrais. Primeiro, a abolição do trabalho forçado representa um desafio para praticamente todos os países do mundo, quer sejam industrializados, em fase de transição ou em vias de desenvolvimento. Segundo, a maior parte do trabalho forçado atual é efetuado na economia privada, mais do que diretamente pelo Estado, e principalmente na economia informal dos países em vias de desenvolvimento. Mas o Relatório também fez soar o aviso de que, com a crescente desregulamentação dos mercados laborais, da tendência para o outsourcing, e de formas cada vez mais complexas de subcontratação, havia sinais de que o abuso do trabalho forçado era algo que penetrava a cadeia de fornecimento das empresaschave da economia formal. 48. Quais as alterações que foram detectadas nos últimos quatro anos? O ideal seria que nossas estimativas globais e regionais de 2005 tivessem encorajado os governos a realizar suas próprias estimativas nacionais de trabalho forçado. Apesar de terem sido lançadas algumas iniciativas por parte da OIT, este processo foi iniciado com dificuldade na maioria dos países. No entanto, um número de pesquisas qualitativas continua enaltecendo a compreensão das principais formas de trabalho forçado, suas causas, e uma adequada resposta política. Em outros casos, uma política deliberada pelos governos, visando fortalecer a aplicação da lei contra o trabalho forçado, incluindo o tráfico para exploração sexual ou outras formas de exploração econômica, evidenciou algumas formas de abuso até então não detectadas. 49. Ao mesmo tempo que um número cada vez maior de agências, organizações, grupos de pressão e de indivíduos expressaram a sua preocupação acerca do trabalho forçado, as questões conceituais discutidas no capítulo anterior demonstram que ocorreram alguns debates complexos acerca do que poderá ou não ser considerado trabalho forçado, o que deveria ter sido feito em relação a essa questão, e por quem. 50. Este capítulo começa com analisando a base do conhecimento sobre o trabalho forçado, incluindo experiências recentes, através da coleta e da análise de dados. Posteriormente, é efetuada uma breve análise dos prob- 11 O CUSTO DA COERÇÃO lemas por região, antes de se debruçar sobre certas preocupações temáticas, as quais têm atraído a atenção desde o nosso último Relatório Global. Melhorar a base do conhecimento: coleta e análise de dados 51. As estimativas globais e regionais da OIT sobre o trabalho forçado, incluindo o trabalho forçado resultante do tráfico humano, foram salientadas de forma muito extensiva. Estas serviram para um propósito importante – indicar as principais formas de trabalho forçado em todo o mundo, bem como a sua distribuição por idade e sexo, e demonstrar que o trabalho forçado permanece como um verdadeiro problema mundial. No entanto, ainda permanecem várias lacunas na compreensão das dimensões quantitativas do trabalho forçado. As poucas estimativas nacionais disponíveis são geralmente calculadas com base em informação secundária. 52. As estimativas nacionais do trabalho forçado podem ser consideradas fiáveis? Como é que os dados devem ser recolhidos e como devem ser estabelecidos os critérios? Em dezembro de 2006, a OIT realizou uma reunião de peritos para uma consulta técnica acerca desse assunto, no intuito de examinar formas de melhorar os indicadores e os dados sobre o trabalho forçado, incluindo o trabalho forçado resultante do tráfico humano, com vista a melhor promover o cumprimento da lei e acompanhar o impacto das políticas nacional e internacional. Os participantes discutiram: (a) um conjunto de critérios para a identificação de situações de trabalho forçado, incluindo o trabalho forçado resultante do tráfico; (b) sistemas de coleta nacional de dados e análises de vítimas e autores; (c) metodologias para realizar estimativas nacionais e para acompanhar e avaliar políticas e tendências; (d) uma base de dados global de casos relatados de trabalho forçado e de tráfico humano; e (e) o desenvolvimento de metodologias adequadas para avaliar o progresso global e regional na detecção de casos de trabalho forçado e tráfico humano. 53. Desde então tem havido um aumento de pedidos de dados comparáveis e fiáveis acerca do trabalho forçado e do tráfico. Em algumas regiões, talvez com maior incidência na Europa, estão sendo promovidas iniciativas para desenvolver regras e abordagens comuns. No entanto, apesar de estarem disponíveis dados sobre acusações criminais, pouquíssimos países têm realizado esforços rigorosos para estimar o número provável de pessoas em situação de trabalho forçado. Nos últimos anos, o crime de tráfico para exploração sexual ou laboral tem sido o que tem chamado mais a atenção. Têm havido esforços pioneiros, como os do Dutch National Rapporteur sobre o Tráfico de Seres Humanos e o Centro de Coordenação do Tráfico Humano (COMENSHA), ambos para identificar possíveis vítimas de tráfico e registrá-las anualmente, e identificar metodologias adequadas para obter melhor informação.1 Esses esforços permitiram detectar algumas tendências importantes, indicando, por exemplo, que o número de possíveis vítimas traficadas tem crescido anualmente, de 424, em 2005, para 579, em 2006, com 716 notificações em 2007. 54. No entanto, o Dutch Rapporteur também salientou as dificuldades na obtenção de dados fiáveis, questionando se é realmente possível que os pesquisadores realizem uma estimativa da dimensão das populações de vítimas traficadas. Um estudo exaustivo realizado em 2006 pelo Gabinete de Responsabilidade Governamental dos Estados Unidos questionou igualmente a veracidade das estimativas dos Estados Unidos sobre o tráfico global, apontando fraquezas metodológicas, lacunas nos dados e discrepâncias numéricas.2 55. No que concerne a estimativas quantitativas, existem dois desafios principais. Um consiste em obter e harmonizar os dados a partir de fontes e de bases de dados existentes, assegurando, sempre que possível, que estes sejam comparáveis. As fontes são variáveis, incluindo os registros policiais, as bases de dados criminais, os relatórios de inspeção do trabalho e as decisões dos tribunais. O segundo desafio consiste em estimar o número provável de pessoas em situação de trabalho forçado ou de tráfico, sabendo que um número elevado escapa à identificação e ao processo penal, e que os registros oficiais e as bases de dados podem, assim, apresentar apenas uma visão parcial. 56. A estimativa da OIT de 2005 baseou-se em um exercício de extrapolação, utilizando mais de 5.000 casos relatados de trabalho forçado em todo o mundo (cada um dos quais cuidadosamente validado), no intuito de obter estimativas globais e regionais. Enquanto tal esclareceu a gravidade do problema e constituiu um impulso para a intensificação das ações contra o mesmo, o passo seguinte seria desenvolver a capacidade de sólidas estimativas nacionais. 1. Ver o Fifth Report of the Dutch National Rapporteur on Trafficking in Human Beings, Bureau NRM, The Hague, 2007; e o Sixth Report of the Dutch National Rapporteur: Supplementary Figures, Bureau NRM, The Hague, 2008. 2. Human trafficking: Better data, strategy and reporting needed to enhance US antitrafficking efforts abroad, United States Government Accountability Office, GAO-06-825, Washington, DC, July 2006. 12 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Quadro 2.1. O método Delphi: construir consensos entre peritos sobre os indicadores do tráfico humano No seguimento da definição do tráfico humano no âmbito do Protocolo de Palermo, primeiro solicitou-se aos peritos que fornecessem uma lista dos elementos típicos do engano, da exploração e da vulnerabilidade que eles considerassem relevantes para casos de tráfico humano na Europa. Em uma segunda rodada de consultas, solicitou-se aos peritos que classificassem todos os indicadores propostos, por ordem de relevância, desde o mais significativo até o mais insignificante. Participaram da pesquisa um total de 68 peritos,39 mulheres e 29 homens, de 23 países europeus. Como resultado desse processo, os peritos acordaram na realização de uma lista de 67 indicadores, cada um deles cabendo dentro de seis elementos principais, observados em casos de tráfico humano. Estes eram: • • • • • • Recrutamento enganoso Recrutamento coercivo Recrutamento por abuso de uma situação de vulnerabilidade Exploração no trabalho Formas de coerção no destino Abuso de situações de vulnerabilidade no destino 10 10 16 9 15 7 indicadores indicadores indicadores indicadores indicadores indicadores Além de cobrirem todas as formas graves de abuso normalmente associadas ao tráfico humano (por exemplo, rapto, violência e cativeiro físico), esses indicadores vão ainda mais longe. Sua combinação pode fornecer uma orientação útil sobre o modo de compreender a variedade e a complexidade das formas do tráfico moderno. Por exemplo, a lista total dos indicadores sugere que as pessoas traficadas, mais do que terem vivenciado formas graves de abuso físico, podem ter sido: ludibriadas durante a fase de recrutamento a respeito dos salários que iriam ganhar (1º Indicador); enganadas sobre sua situação legal no país de destino (2º Indicador); ou até ludibriadas acerca do tipo de trabalho ou serviço que esperavam desempenhar (3º indicador). Uma vez no local de destino, podem ter tido seu passaporte confiscado (4º Indicador); os seus empregadores podem ter retido seus salários (5º Indicador); ou podem ter sido ameaçados de denúncias às autoridades (6º Indicador). Dado que alguns indicadores são considerados mais fortes do que outros, os 67 indicadores foram classificados como fortes, médios ou fracos. Ao mesmo tempo que um pequeno número de fortes indicadores são considerados suficientes para identificar uma situação provável de tráfico humano, uma grande acumulação de indicadores fracos pode conduzir ao mesmo resultado. O conjunto final de indicadores pode ser facilmente traduzido em um guia de análise prática por qualquer organização que apoie pessoas potencialmente traficadas, ou através de questionários para inquiridores e pesquisadores. A expectativa é que a abordagem da Delphi, ao melhorar a compreensão das complexidades do tráfico humano, aumentará a compreensão do problema e, sobretudo, permitir aos Estados membros que detectem uma percentual superior de vítimas de tráfico humano. 57. Quando os países tentaram fornecer tais estimativas, como, por exemplo, os Estados Unidos, no caso de tráfico, os críticos rapidamente apontaram as diferenças entre as estimativas globais e o número de casos identificados. Argumentou-se que o problema do tráfico humano nos Estados Unidos pode ter sido significativamente exagerado, dada a discrepância entre o número de pessoas traficadas identificado desde o ano 2000 (1.362), e as estimativas oficiais governamentais, que eram mais de dez vezes maiores do que esse número.3 Da mesma forma, no Canadá, enquanto a Royal Canadian Mounted Police estimou que, pelo menos, 800 mulheres são traficadas para o país anualmente, um estudo recente demonstrou que apenas foram relatados às autoridades de imigração 31 casos em dois anos, após maio de 2006, quando foram recolhidos os primeiros dados sobre a exploração de estrangeiros para o comércio de sexo e de trabalho forçado4. 58. Na Europa, foram atualmente realizadas diversas iniciativas, no sentido de se desenvolver orientações para a coleta de dados relativos a tráfico, incluindo indicadores comparáveis. No âmbito desse projeto, conduzido pela Organização Internacional para as Migrações (IOM) e pelo Governo Austríaco, foi realizada, em setembro de 2008, uma conferência sobre as Abordagens Europeias na Coleta de Dados sobre o Tráfico de Seres Humanos. 3. The Washington Post, 23 set. 2007. 4. Universidade da British Columbia Public Affairs: Um perito legal da UBC apresenta as primeiras estatísticas do Canadá relativas às vítimas de tráfico humano, 28 out. 2008. 13 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 2.2. Medir o trabalho forçado: a necessidade de amostras representativas Dada a natureza do trabalho forçado, as técnicas de amostragem têm de ser cuidadosamente consideradas. Técnicas simples, como a seleção aleatória de famílias em uma região em particular, não produzirá os resultados pretendidos quando os trabalhadores forçados estão escondidos ou agrupados. Nesse tipo de situação, a simples amostragem aleatória pode não incluir todas as pessoas afetadas, e erroneamente concluir que não existe trabalho forçado ou tráfico. Entretanto, para assegurar que os resultados da pesquisa por amostragem são aplicáveis a uma maior população de interesse, têm de ser cumpridas duas condições. Primeiro, cada membro da população tem de ter uma probabilidade não-nula de ser selecionado. Segundo, a amostra deve ser suficientemente grande para assegurar que as margens de erro das estimativas finais sejam razoavelmente baixas. Na prática, no entanto, os indivíduos em situação de trabalho forçado podem nem sempre ser escondidos ou difíceis de detectar. A servidão por dívidas no sul da Ásia funciona abertamente, em campos ou em empresas do setor informal, como acontece com os povos indígenas da América Latina, que são particularmente vulneráveis ao trabalho forçado. Os trabalhadores migrantes, nos países de destino, muitas vezes reúnem-se em clubes nos seus dias de folga. Nesse tipo de casos, é perfeitamente possível utilizar simples técnicas de amostragem. Os migrantes também podem ser avaliados sobre suas experiências no exterior, depois de terem regressado aos seus países de origem. Os participantes salientaram a necessidade de alcançar um consenso sobre as diversas formas de tráfico, incluindo o tráfico de crianças, o tráfico para exploração laboral, e outras formas. 59. Nessa última questão, a OIT, em colaboração com a União Europeia (UE), deu uma particular contribuição. Os esforços da OIT procuram promover um entendimento em relação ao que constitui tráfico humano, desenvolvendo indicadores que englobassem todos os elementos, muitas vezes sutis, envolvidos no engano, coerção e exploração. Para esse efeito, a OIT e a UE realizaram juntas um estudo, interrogando por via eletrônica peritos de todos os Estados Membros da UE, desde agências governamentais e inspetores do trabalho, organizações de empregadores e de trabalhadores, forças policiais nacionais, população, acadêmicos, e grupos da sociedade civil. O estudo utilizou a metodologia denominada “método Delphi”, desenvolvida em 1950 para facilitar um consenso entre grupos de peritos, e largamente utilizada no âmbito das ciências médicas, políticas e sociais. 60. Com base nessa abordagem, um número limitado de países começou, com a assistência da OIT, a examinar a provável incidência numérica do trabalho forçado e do tráfico, através de técnicas inovadoras de pesquisa. Esses esforços tiveram que enfrentar dois grandes desafios: primeiro, como obter uma amostra representativa que possa ser utilizada para extrapolação no âmbito nacional; e, segundo, como assegurar que a informação obtida pelas pessoas da amostra é fidedigna e útil. 61. Uma outra dificuldade consiste na obtenção de in- formação fidedigna por parte dos indivíduos inquiridos, que podem se sentir relutantes em admitir terem sido traficados para trabalho forçado, incluindo a prostituição forçada, e de quem, com medo de represálias, pode sentir-se igualmente relutante em fornecer detalhes de sua verdadeira situação. Além disso, é essencial que os inquéritos estatísticos não coloquem em risco as pessoas entrevistadas, quer por parte da polícia, quer por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei. Essas pesquisas quantitativas deviam, assim, focar a amostra das pessoas que foram libertadas do trabalho forçado e do tráfico, como os emigrantes que regressam ao seu país de origem. Mais do que confrontá-los com questões diretas sobre o trabalho forçado, é preferível colocar questões indiretas, que possam, assim, ser utilizadas como indicadores de trabalho forçado e de tráfico. No processo de concepção de uma metodologia de estimativas nacionais de trabalho forçado, foi realizada uma análise extensiva dos métodos estatísticos existentes, utilizados para estimar fenômenos escondidos, como o número de toxicodependentes. Foi desenvolvido um guia metodológico acerca desse assunto pela OIT, no início de 2009.5 5. ILO: Estimating forced labour: A manual on survey methods, SAP-FL, no prelo. 14 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Estudo Piloto na República da Moldávia 62. Um estudo nacional realizado na República da Moldávia avaliou a extensão na qual os trabalhadores estão sujeitos a tráfico para trabalho forçado nos países de destino. O Escritório Nacional de Estatística adicionou um módulo acerca de migração laboral ao seu Inquérito sobre Força de Trabalho, em 2008, no qual mais de 12.000 famílias serviram como amostra e 846 emigrantes foram entrevistados. Foram entrevistadas mais de 2.500 famílias, que mencionaram, pelo menos, um membro familiar em trabalho no estrangeiro em 2007. Ao todo, a pesquisa englobou 3.631 emigrantes, atualmente trabalhando no exterior, e 2.084 emigrantes que regressaram. Os resultados permitiram uma estimativa sólida da percentagem de trabalhadores migrantes que vivenciaram coerção grave, e daqueles que sofreram alguma forma de exploração. A pesquisa estimou que 328.300 emigrantes trabalharam ou procuravam trabalho no ano, até abril de 2008. Desses, 75.000 regressaram durante esse período, alguns dos quais só temporariamente. Supondo que as respostas desses migrantes que regressaram são representativas de todos os migrantes, estima-se que, nesse período, 60% dos migrantes moldavos (196.900) foram bem-sucedidos (ou seja, não foram sujeitos a enganos, coerção ou exploração), 24,2% (79.600) foram explorados, e 8% (26.300) foram enganados e explorados. Os remanescentes 7,8% (25.500) foram vítimas de tráfico para trabalho forçado. Os principais meios de coerção utilizados incluíam a retenção do salário por parte do empregador, ser forçado a desempenhar tarefas contra a vontade, ameaças de violência ou de denúncia às autoridades, e o confisco de documentos de viagem ou de identificação pessoal. Perspectivas regionais África 63. O trabalho forçado na África tem talvez recebido menor atenção do que em outras regiões. Os abusos de trabalho forçado, alguns de natureza grave, chegam até a implicar o investimento de empresas estrangeiras em áreas de conflito. Em um desses casos, em agosto de 2008, a empresa Afrimex, com sede no Reino Unido, foi censur- ada pelo Governo Britânico por suas atividades em uma região destruída pela guerra da República Democrática do Congo, por aplicar diligências insuficientes para evitar que os minerais utilizados na cadeia de abastecimento provinhessem de minas com utilização de trabalho forçado e infantil.6 Tem sido prestada uma contínua atenção em relação ao problema das crianças-soldado nessas áreas afetadas pelo conflito. 64. As práticas relacionadas à escravidão permanecem uma questão polêmica em determinados países da África Ocidental. No Níger, grupos da sociedade civil continuam denunciando que a escravidão é frequente, enquanto o governo afirma que, apesar do fenômeno não estar totalmente erradicado, a sua dimensão tem sido exagerada. Em 2006, seguindo recomendações da OIT, o Ministério do Trabalho constituiu uma Comissão Nacional para combater os vestígios de trabalho forçado e de discriminação, sendo incumbida de desenvolver e implementar um plano de ação. Um estudo de campo em pequena escala realizado pela OIT, não encontrou provas evidentes de escravidão, mas sim indicações de forte estratificação social, conduzindo a contínuas relações de dependência entre descendentes de escravos e os seus antigos senhores.7 Em 2008, os resultados de uma pesquisa realizada pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais foram inconclusivas no que diz respeito às percepções da extensão do trabalho forçado e do trabalho infantil no país. Recentemente, o Tribunal de Justiça da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS), ao analisar o caso de uma mulher que foi “escrava” durante cerca de dez anos antes de ser libertada pelo seu “senhor”, considerou que o Níger estava em situação de incumprimento perante as suas leis e obrigações internacionais de proteger os seus cidadãos da escravatura.8 65. Na Mauritânia, uma missão de coleta de dados notou um número de medidas positivas que ilustraram o empenho do Governo em combater vestígios de escravidão, não mais considerado um tema tabu. Logo depois, a Assembleia Nacional adotou uma nova Lei que criminalizava e penaliza práticas análogas à escravidão.9 6. Declaração final realizada pelo UK National Contact Point para as OECD Orientações para as Empresas Multinacionais: Afrimex (UK) Ltd, 28 ago. 2008. A declaração foi realizada como resposta a uma queixa apresentada em 2007 pela Global Witness, uma organização de sociedade civil sediada no Reino Unido, que investiga as ligações entre a exploração de recursos naturais, conflitos armados e corrupção. 7. PACTRAD Etude diagnostique 2006. 15 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 2.3. Trabalho forçado, tráfico e exploração laboral na Zâmbia No início de 2006, o Ministério Zambiano do Trabalho e da Segurança Social (MLSS) abordou a OIT no intuito de obter ajuda para determinar a existência de trabalho forçado na Zâmbia. O MLSS demonstrava particular preocupação com as operações de alguns “agentes laborais” do setor mineiro, que foram acusados de explorar os candidatos que empregavam, retendo uma parte significativa dos seus salários como taxa. A pesquisa incluiu: as agências de recrutamento e suas práticas; a exploração laboral, conforme registrada em queixas apresentadas nos escritórios do MLSS e na Comissão dos Direitos Humanos; e o trabalho forçado, o tráfico e a migração, através de pesquisa de campo. Na análise de queixas laborais, registraram-se 1.542 casos, quase todos eles provenientes de cidadãos Zambianos. Foram registradas queixas em 21 setores, incluindo a agricultura, a construção, a hotelaria e o turismo, a segurança e os transportes. As queixas estavam maioritariamente relacionadas com falta de pagamento de salários e indenizações de fim de contrato; ameaças de demissão, ou demissão efetiva, no caso de o trabalhador apresentar queixa; engano relacionado com a natureza do trabalho; retenção de documentação pessoal; salários excessivamente baixos; transporte para um local de trabalho distante e não-repatriação; e condições de trabalho calamitosas. Alguns trabalhadores não tinham recebido o salário durante meses, e em algumas situações, durante vários anos. Emergiram três setores nos quais os trabalhadores estavam particularmente vulneráveis, devido à natureza informal do trabalho ou ao apelo a contratadores laborais intermediários, nomeadamente: trabalho nas minas, serviço doméstico e agricultura. Os trabalhadores desses três setores eram especialmente expostos ao risco de nãopagamento de salários, entre outras práticas de exploração. Enquanto o não-pagamento de salários por si só não constitui trabalho forçado, o mesmo indica que ocorrem práticas de exploração que poderão conduzir ao trabalho forçado. Em resumo, o estudo encontrou provas da existência de trabalho forçado e de tráfico na Zâmbia. Como resposta, o Governo desenvolveu uma política antitráfico e nova legislação, e constituiu uma comissão interagências para o tráfico humano. A Unidade de Apoio à Vítima do Serviço Policial Zambiano recebeu formação em pesquisa de casos de tráfico, enquanto serviços sociais do Estado forneciam aconselhamento, abrigo e proteção às vítimas traficadas. O MLSS está analisando as disposições jurídicas e institucionais para a regulamentação das agências de recrutamento privadas. 66. No norte de Gana, um estudo10 comparativo re- alizado em diversos distritos, concentrou-se na migração sazonal e a longo prazo como um mecanismo para lidar com a pobreza em áreas de monocultura. Concluiu-se que as pessoas que migravam por motivos de trabalho sazonal no Sul do Gana estavam expostas ao trabalho forçado, em particular, homens e mulheres jovens que trabalhavam em condições de trabalho indignas. Foram relatadas muitas situações de empregadores que se recusavam o a pagar os trabalhadores migrantes, ou de intermediários e de agentes que os enganavam quanto a seus salários. 67. Ainda uma outra questão preocupante é a exigência de trabalho forçado de povos que vivem em florestas, incluindo pigmeus de diversos países da região central da África. Está em curso uma série de estudos relacionados a um projeto que visa promover a política da OIT junto dos povos indígenas e tribais. A pesquisa realizada em países que incluíam o Congo, o Gabão e os Camarões, conduziu a conclusões semelhantes de que os pigmeus e as suas famílias estariam sob o controle efetivo de pessoas não-indígenas, que podiam determinar seu o salário, caso esse existisse, pelo trabalho realizado.11 68. Muitos países africanos adotaram uma nova legislação antitráfico, como o caso de Moçambique em 2008, a República Unida da Tanzânia, e a Zâmbia mais tarde, nesse mesmo ano. Esses são instrumentos legais mais abrangentes, que fornecem uma boa base para intensificar a ação futura contra o tráfico. Verificou-se igualmente um crescimento de reuniões de alto nível na região, para colocar ainda mais em evidência as situações de trabalho forçado e de tráfico. Na África do Sul, por exemplo, no lançamento de uma “semana do tráfico humano”, em setembro de 2007, foi acordado que a colaboração entre a OIT, a OIM, a UNICEF e a UNODC poderiam dar um melhor apoio à região sul-africana como um todo, 8. CEDEAO Arrêt No. ECW/CCJ/JUD/06/08 de 27 out. 2008. 9. CEACR: Individual observation concerning the Forced Labour Convention, 1930 (No. 29), Mauritania (ratification: 1961), published in 2008. 10. PATWA: Report of Baseline Study on Human Trafficking and Forced Labour in Northern Ghana, ILO, 2005, unpublished. 11. Series of studies conducted by Dr Albert K. Barume under the ILO project to promote the Indigenous and Tribal Peoples Convention, No. 169 (1989), forthcoming. 16 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS enaltecendo acordos transfronteiriços entre os países. Em junho de 2008, uma conferência antitráfico na capital Ugandesa de Kampala, reuniu chefes policiais, agentes de imigração e ajuda humanitária de 11 países da África Oriental. 69. Em junho de 2008, um workshop regional na África sobre o trabalho forçado e o tráfico, organizado pela CSI, em Nairobi, serviu para evidenciar alguns dos desafios. O trabalho forçado era considerado um problema real, e em geral crescente; as mulheres, em particular, eram o grupo social mais vulnerável; a legislação laboral contra o trabalho forçado estava em vigor, mas era insuficientemente aplicada. O tráfico interno de pessoas também era considerável na África, e era tão sério como sua dimensão externa. Os países europeus, norte-americanos e do Oriente Médio, eram referidos como sendo os principais destinos dos migrantes traficados provenientes da África. Apesar desta conscientização geral, foram realizados alguns estudos sistemáticos dos padrões de trabalho forçado e de suas causas em países africanos. Um desses estudos foi realizado pela OIT na Zâmbia a pedido do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, e foi publicado em 2008.12 70. Um estudo conduzido pelo Instituto de Análise e Pesquisa Política (Quênia) (IPAR) para o Centro de Solidariedade estabelecido nos Estados Unidos em 2007 salientou a experiência queniana com o tráfico para exploração laboral.13 O Quênia foi identificado como um país de origem, de trânsito e de destino de tráfico de mulheres, homens e crianças para trabalho forçado e exploração sexual comercial. O tráfico interno envolve maioritariamente crianças e mulheres jovens, que são traficadas de áreas rurais para áreas urbanas, para serviço doméstico e prostituição. Havia igualmente provas significativas de movimentos além-fronteiras no leste África para trabalho doméstico feminino e masculino e para prostituição com cidadãos quenianos a serem objeto de tráfico para muitos outros países, a maioria através de práticas enganosas perpetradas por agências de colocação. O estudo evidenciou o importante papel do movimento laboral queniano no combate ao tráfico. Ásia 71. Na Ásia, destacam-se três questões particularmente preocupantes. A primeira remete aos sistemas de persistência da servidão por dívidas, particularmente no sul da Ásia, apesar de, há bastante tempo, existir uma legislação que proíbe e pune essas práticas, em conjunto com os mecanismos de identificação, de libertação e de reabilitação de vítimas de servidão por dívidas. A segunda é a incidência difundida do tráfico de crianças para exploração sexual e laboral. A terceira é a evidente persistência do trabalho forçado na Birmânia/Mianmar, exercida diretamente pelo Estado e pelas instituições oficiais. 72. Uma característica da Ásia consiste no movimento migratório de trabalhadores dos países mais pobres para os países mais ricos da região, bem como de países asiáticos para o Oriente Médio, Europa e Américas. Nos maiores países asiáticos, como a China e a Índia, ocorrem movimentos similares em larga escala, das províncias pobres para aquelas com um crescimento industrial significativo, com uma consequente exigência de trabalho temporário, e em alguns casos, uma transferência mais permanente da força de trabalho. 73. Pesquisas recentes revelaram a existência de sistemas de servidão por dívidas em um conjunto de setores econômicos, incluindo aqueles que vivenciam pressões econômicas intensas, como a tecelagem artesanal, a moagem do arroz, e outros, como os fornos de tijolos e a exploração de pedreiras, que se encontravam em franca expansão. Parte da pesquisa centrou-se em determinados setores, como por exemplo, as explorações de pedreiras em Tamil Nadu, na Índia.14 Nesse caso, grande parte da força de trabalho é constituída pelos migrantes, e a principal característica da gestão do recrutamento e da força de trabalho é a realização dos pagamentos de adiantamentos de salários por agentes laborais, durante a época de chuva no local de origem dos trabalhadores. Os adiantamentos são substanciais, sendo muitas vezes equivalentes entre três e sete meses dos rendimentos familiares. O trabalho é árduo, com horários extremamente longos, normalmente de seis dias por semana. No final da época, os trabalhadores são remunerados por peça. Se parte do adiantamento permanecer não-liquidado, o que muitas vezes acontece, o trabalhador é obrigado a regressar ao trabalho na mesma pedreira na época seguinte. Por sua vez, os agentes laborais recebem uma comissão do proprietário da pedreira por cada mil tijolos produzidos. 74. A sindicalização dos trabalhadores dos fornos de tijolos resultou em algumas melhorias em alguns casos. Em um estudo de caso, no qual os trabalhadores dos tijolos eram membros do sindicato Bharatiya Mazdoor Sangh (BMS), dos trabalhadores do setor da construção em Punjab, na Índia, os salários nas pedreiras, onde o 12. C. Fox: Investigating forced labour and trafficking. Do they exist in Zambia?, Government of Zambia and ILO/SAP–FL, Lusaka, Sep. 2008. 13. Trafficking in persons from a labor perspective: The Kenyan experience, Solidarity Center, Washington, DC, Oct. 2007. 17 O CUSTO DA COERÇÃO BMS se encontrava ativo, eram um quarto (25%) superiores aos salários oficiais, e o trabalhador também podia assegurar outros direitos, como fundos de previdência e assistência médica.15 Os estudos apontam para o papel ambivalente dos agentes laborais na mediação da relação entre os empregadores e os trabalhadores.16 Normalmente, são originários das mesmas comunidades dos trabalhadores que contratam, apresentando fortes laços sociais com eles. Como as suas comissões por vezes dependem do montante à peça, serão beneficiados por qualquer aumento. No entanto, registraram-se casos em que os proprietários das pedreiras, ao perceberem que os agentes laborais apoiavam as reclamações dos trabalhadores em relação aos seus salários, resolveram o assunto trocando-os por outros agentes de outras regiões.17 75. Reconhecendo que o pagamento de adiantamentos é um sistema profundamente enraizado, que precisa urgentemente ser analisado, o Governo da Índia, as autoridades Estatais em Tamil Nadu, e as organizações de empregadores e de trabalhadores iniciaram recentemente um programa de cooperação com a OIT. Entre outros objetivos, o programa visava melhorar a transparência do sistema de adiantamentos, desenvolvendo algumas regras básicas e abordagens que serviriam aos interesses das partes envolvidas. 76. No Nepal, a atenção centrou-se até recentemente em uma forma particular de servidão por dívidas, conhecida como o sistema Kamaiya, que prevalecia na agricultura e na região ocidental de Terai. A legislação anterior, que previa a reabilitação dos trabalhadores afetados por esta situação e por outros sistemas relacionados com a área da agricultura, o cancelamento das obrigações pendentes dessas vítimas de servidão por dívidas, incluía igualmente no seu âmbito outras formas de servidão por dívidas. Na sua grande maioria, estas foram pouco investigadas e documentadas. Uma é o sistema Haliya ou “tiller”, que, na zona ocidental do Nepal, afeta uma estimativa de cerca de 20.000 pessoas que estão em dívida para com os seus patrões, e que recebem pouco ou nenhum pagamento em troca do seu trabalho agrícola e doméstico. Também se acredita que a servidão por dívidas existe em setores que incluem o trabalho doméstico, a exploração de pedreiras, as fábricas de bordados, as casas de chá e os pequenos restaurantes. Também existem evidências de tráfico de mulheres e de crianças para áreas urbanas e para outros países, com o objetivo de exploração sexual comercial. Estas formas de servidão são signifi- cativamente menos conhecidas, apesar de atualmente o Governo prestar mais atenção a esses problemas. Uma política laboral e de emprego adotada em 2005, inclui entre seus objetivos, a eliminação da servidão por dívidas, e em setembro de 2008, o Governo anunciou que estava abolindo o sistema Haliya, uma indicação clara de empenho em uma ação abrangente contra todas as formas de servidão por dívidas. 77. Dada a complexa natureza da servidão por dívidas na região da Ásia, poderá ser conveniente realizar uma abordagem direcionada a determinados setores por região. Esta abordagem foi efetuada pelo Governo da província de Punjab, no Paquistão, que, com o apoio da OIT, analisou um programa integrado de combate à servidão por dívidas nas explorações de pedreiras. 78. Na China, em uma época de intensa transição econômica, o estudo conduzido no âmbito dos projetos da OIT centrou-se em diferentes formas de trabalho forçado, e procurou igualmente interpretar e aplicar o conceito de trabalho forçado no atual contexto chinês. Foram identificadas três principais dimensões. Em primeiro lugar, o trabalho forçado imposto pelo cativeiro dos trabalhadores, somado a violências físicas e ameaças, e outras formas de coerção. Estas são situações extremas, fáceis de identificar mas difíceis de detectar, que ocorrem principalmente em locais de trabalho e em áreas rurais isoladas, onde há carência de serviços de inspeção de todo o tipo de trabalho forçado. Um exemplo bem documentado foi o caso de trabalho forçado detectado em 2007 nos fornos de tijolos em Shanxi. Surgiram acusações semelhantes de trabalho forçado em outras províncias, como, por exemplo, em fornos de tijolos e explorações de pedreiras, que produziam materiais de construção. 79. Em segundo lugar, o trabalho forçado em condições perigosas, principalmente na indústria mineira. Registraram-se casos em que os salários dos trabalhadores eram retidos pelos proprietários das minas, ou ameaçados com multas ou demissões, caso não continuassem a trabalhar, mesmo quando eram evidentes os sinais de perigo ou de acidente. Um exemplo grave foi a inundação da mina de Zuoyun, da província de Shanxi, em 2006, que causou a morte a 56 mineiros. Nesse caso em particular, os trabalhadores foram ameaçados com multas, caso se recusassem a trabalhar na mina. Como resposta a esta situação, o Código Penal foi alterado, em 2006, no sentido de penalizar os indivíduos que forcem outros a desempenhar atividades arriscadas. Em terceiro lugar, foram 14. I. Guérin: Corridors of migration and chains of dependence: Brick kiln moulders in Tamil Nadu, in J. Breman, I. Guérin, e A. Prakash (eds), India’s unfree workforce. Of bondage old and new, OUP, New Delhi, no prelo. 15. A. Prakash: How (un)free are the workers in the labour market? A case study of brick kilns, in Breman et al., op. cit. 16. D. Picherit: Workers trust us! Middlemen and the rise of the lower castes in Andhra Pradesh, in Breman et al., op. cit. 17. A. Prakash, in Breman et al., op. cit., p. 214. 18 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Quadro 2.4. Compreensão ampliada do trabalho forçado no Brasil No Brasil, estudos recentes esclareceram ainda mais o perfil dos indivíduos sujeitos ao trabalho forçado. Um desses estudos incluiu a realização de entrevistas a 121 trabalhadores de quatro estados, principalmente do Pará e do Mato Grosso, que foram identificados pela Unidade Móvel de Fiscalização como sendo sujeitos a trabalho forçado, bem como a sete agentes de recrutamento. Descobriu-se que a maioria dos entrevistados se movimentava constantemente no Brasil, e apenas um quarto residia ainda no estado onde nascera. Quase todos começaram a trabalhar antes dos 16 anos, e mais de um terço antes dos 11 anos, na sua grande maioria para ajudar os pais na lida nas fazendas. Do total da amostra, 48 foram recrutados através de um amigo ou por parte de um conhecido, e 33 através de um agente de recrutamento, ou diretamente na fazenda. O Governo do Brasil continuou a publicar a sua “lista negra” dos proprietários individuais e empresas que foram identificados como utilizadores de trabalho forçado. Esta lista é atualizada semestralmente, encontrando-se acessível ao público através do Ministério do Trabalho e do Emprego. A política consiste em manter o nome na lista durante dois anos, e posteriormente removê-lo, desde que o crime não seja repetido e que os salários sejam devidamente liquidados aos trabalhadores. Em julho de 2008 a lista continha o nome de 212 pessoas e entidades, principalmente ligados à criação de gado. Uma parte significativa das atividades encontrava-se ligada a práticas ilegais, que causaram o desmatamento da região amazônica. De fato, muitas dessas propriedades são de substancial dimensão, de até 30.000 hectares ou mais. Grupos acadêmicos e da sociedade civil utilizaram técnicas criativas para compreender melhor o trabalho forçado. Um exemplo disso é o Atlas Brasileiro do Trabalho Forçado, compilado pela ONG Amigos da Terra, com o apoio do Governo, da Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica, e da OIT. Esse atlas utiliza bases de dados provenientes de fontes governamentais e não-governamentais, para localizar a incidência do trabalho forçado em diferentes áreas geográficas. Além de apresentar dados referenciados geograficamente em regiões originárias de trabalho forçado, bem como aquelas de onde foram salvos, o estudo relacionou a incidência do trabalho forçado com outras condições sócio-econômicas, como o desmatamento, a incidência de homicídios em áreas rurais, e as taxas de letramento e de pobreza. A partir dessa informação foi desenvolvido um índice da probabilidade de trabalho forçado. As autoridades governamentais podem utilizar estrategicamente essas descobertas para planejar e gerir políticas públicas e prestar assistência a essas áreas. avaliados os casos e as circunstâncias em que as horas extras obrigatórias pudessem conduzir a uma situação de trabalho forçado. Em resposta aos relatórios das horas de trabalho excessivas em empresas de trabalho intensivo em áreas do sudeste costeiro, as horas extras obrigatórias foram especialmente tratadas em uma Lei do Contrato de Trabalho, adotada em 2007. De uma forma mais geral, o Governo adotou várias medidas para melhorar a situação social dos trabalhadores rurais migrantes, incluindo reformas ao sistema Hukou, do registro dos agregados familiares e das medidas que permitissem que os trabalhadores migrantes pudessem se sindicalizar. 80. Outras questões incluíam a decisão ilegal da retenção dos salários pelos proprietários e agentes de recrutamento, salientando também a necessidade de um melhor acompanhamento das agências de recrutamento. De acordo com um estudo realizado em 2006 nas províncias de Zhejiang, Henan, Sichuan e Xinjiang18, cerca de um terço dos trabalhadores das empresas privadas tinham o pagamento de seus salários em atraso. E, em um terço desses casos, o pagamento atrasado de salários foi considerado uma ação deliberada para impedir que os trabalhadores abandonassem a empresa. O estudo da OIT de- tectou que os trabalhadores rurais migrantes, mais tarde sujeitos a exploração, foram antes vítimas de recrutamento enganoso ou abusivo. A detecção desses problemas na emergente economia privada, impulsionou a China para a realização de reformas legais e políticas, que visassem a identificação de diferentes formas de exploração e de trabalho forçado, incluindo a promoção da aplicação da Lei de Contrato de Trabalho, e o estabelecimento local de mecanismos de garantia de salários. 81. A Birmânia/Mianmar ainda apresenta circunstâncias particulares. Com base no Entendimento Complementar alcançado entre o Governo da Birmânia/Mianmar e a OIT no início de 2007, um agente representante da OIT teve as facilidades necessárias para avaliar as queixas de trabalho forçado de maneira objetiva e confidencial; realizar uma avaliação preliminar no sentido de apurar se a queixa envolvia uma situação de trabalho forçado; comunicar esses casos ao Governo, para a sua diligente pesquisa; e relatar ao o Conselho de Administração do BIT - Bureau Internacional do Trabalho o número e tipo de queixas recebidas, bem como os resultados.19 Em novembro de 2008, foram recebidas um total de 120 queixas, 70 das quais foram avaliadas e consideradas 19 O CUSTO DA COERÇÃO como encontrando-se no enquadramento da definição de trabalho forçado. Delas, 21 eram casos de trabalho forçado, sob as instruções das autoridades civis, 10 envolviam trabalho forçado sob as ordens das autoridades militares, e 39 casos envolviam o recrutamento de menores para as forças armadas. O objetivo acordado consistia na erradicação do trabalho forçado em todas as suas formas. O mecanismo da queixa é uma ferramenta que serve esse propósito, concebido para apoiar a aplicação de leis nacionais, permitindo às vítimas o acesso à justiça, incluindo o estabelecimento dos seus direitos, a aplicação de penas adequadas aos criminosos, e permitindo o conhecimento dos seus respectivos direitos e responsabilidades com a mudança de padrões comportamentais. 82. A CSI (Confederação Internacional de Sindicatos) disponibilizou extensa informação sobre as principais formas de trabalho forçado na Birmânia/Mianmar. Em 2007, essas foram identificadas da seguinte forma: transportadores de grupos militares ou paramilitares; construção ou reparação de campos e instalações militares; outro tipo de apoio aos acampamentos, como guias, mensageiros, cozinheiros e empregados de limpeza; vários projetos de infra- estrutura; e limpeza ou embelezamento de zonas rurais e urbanas.20 83. Estudos clarificaram a existência de trabalho forçado em diferentes áreas de produção da Ásia, incluindo indústrias que haviam passado despercebidas em estudos anteriores. Um exemplo é a indústria do camarão e as fábricas de processamento de frutos do mar. Um relatório de 2006, de co-autoria da OIT e da Universidade Mahidol, de Banguecoque, identificou práticas de trabalho forçado nos setores de pesca e de processamento de frutos do mar tailandês. Em 2008, um relatório de acompanhamento realizado pelo Centro de Solidariedade dos EUA, afirmava ter documentado as condições de trabalho forçado nas indústrias de camarão de Bangladesh e da Tailândia.21 Américas 84. Os países da América Latina tomam cada vez mais consciência do risco das práticas de trabalho forçado, particularmente contra os trabalhadores migrantes de fábricas de trabalho clandestino, ou contra grupos vul- neráveis, incluindo os trabalhadores domésticos, que migraram de suas próprias comunidades. O fenômeno do trabalho forçado foi detectado em regiões remotas e desmatadas, bem como em várias indústrias, algumas delas orientadas para a exportação, incluindo o carvão vegetal, o ferro gusa, a madeira, e diversos setores agrícolas. Acima de tudo, a pesquisa da OIT sugere que a forma mais comum de trabalho forçado consiste na servidão por dívidas, na qual os trabalhadores temporários são recrutados por meio de intermediários informais e não-licenciados, que atraem os trabalhadores através do pagamento de adiantamentos, e posteriormente lucram cobrando de uma série de custos inflacionados. Esse processo pode acontecer dentro ou fora das fronteiras nacionais. 85. O trabalho forçado na América Latina encontra-se intimamente ligado aos padrões de desigualdade e de discriminação, particularmente contra os povos indígenas. A ação de combate a esta situação precisa, assim, ser incorporada a um enquadramento mais abrangente de medidas e de programas de redução da pobreza, lutando contra a discriminação, e promovendo os direitos dos povos indígenas, bem como a melhoria da situação dos trabalhadores mais pobres nas zonas urbanas. 86. Apesar de a OIT estimar que a América Latina possui o segundo maior número de pessoas em situação de trabalho forçado em todo o mundo (depois da Ásia), só alguns países esforçaram-se sistematicamente para investigar e documentar o trabalho forçado e a sua incidência. No entanto, os fortes esforços realizados por alguns países, principalmente pelo Brasil e pelo Peru, melhoraram a compreensão do trabalho forçado contemporâneo e as suas causas subjacentes. Esses esforços também foram acompanhados por medidas políticas e práticas, no intuito de coordenar a ação de diferentes ministérios e instituições contra o trabalho forçado, e para definir e libertar indivíduos em situação de trabalho forçado. Em novembro de 2008, foi aprovado um Decreto Supremo pelo Governo da Bolívia, o qual dispunha que as propriedades rurais que utilizassem o trabalho forçado e a servidão por dívidas, seriam transferidas para o Estado, sob a vigilância do Instituto Nacional da Reforma Agrária.22 87. No Peru, a primeira pesquisa governamental sobre o trabalho forçado, foi realizada pelo Grupo Especial de Inspeção do Trabalho contra o trabalho forçado, criado 18. Survey on employment relations in private enterprises in Zhejiang, Henan, Sichuan and Xinjiang, Institute of International Labour e Information, China, junho de 2006. 19. The 2007 Supplementary Understanding extended the facilities and support made available to an ILO Liaison Officer under an original Understanding of March 2002. 20. Comunicação de 31 de agosto de 2007, citada no Relatório da Comissão de Peritos para a Aplicação de Convenções e de Recomendações (CEACR), Relatório III (Parte 1A), ILC, 97ª Sessão, Genebra, 2008. 21. The true cost of shrimp, Solidarity Center, Washington, DC, jan. 2008. 20 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Tabela 2.1 – Tráfico de seres Humanos na Ucrânia: formas de exploração Tipo de exploração 2004 2005 2006 2007 Primeiro semestre de 2008 Sexual 403 558 597 584 229 Laboral 189 232 319 500 306 24 28 15 33 4 Mendicidade 9 10 5 4 8 Atividades criminosas 1 – 1 – 2 Mista Fonte: Base de dados da OIM de vítimas de tráfico identificadas. em agosto de 2008. Esse grupo compilou informações acerca das práticas de recrutamento e das cadeias produtivas do setor florestal e da madeira, na região amazônica de Loreto, confirmando a existência de trabalho forçado em explorações de madeira. Esse estudo, o primeiro de muitos que agora tratam do trabalho forçado em diversos setores, foi financiado quase totalmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com a assistência técnica da OIT. 88. Na Argentina, os sindicatos chamaram a atenção para as alegações dos órgãos supervisores da OIT, relacionadas com o tráfico para exploração laboral e sexual.23 Tais alegações se referem ao tráfico de homens bolivianos, bem como de suas famílias, para exploração laboral em fábricas de vestuário de muitos estados argentinos. Os mecanismos de coerção incluíam a retirada dos documentos de identidade, o trancamento dos trabalhadores nas instalações fabris, e a obrigação de trabalhar até 17 horas por dia. Depois de um incidente particularmente grave ocorrido em março de 2006: um incêndio em uma fábrica que causou a morte de muitos bolivianos, um programa de inspeção culminou no fechamento de mais de metade das fábricas inspecionadas. Desde de então, o governo local de Buenos Aires passou a organizar uma grande campanha para erradicar essas fábricas clandestinas de produção têxtil. Em abril de 2006 foi implementada uma linha direta gratuita, denominada “O Trabalho escravo mata”, tendo sido amplamente divulgada na televisão, no rádio, bem como através de grandes outdoors pelas ruas. 89. Outro problema da América Latina é a imposição de horas extras obrigatórias sob a ameaça de castigos. Na Guatemala, por exemplo, a organização de trabalhadores UNSITRAGUA, chamou a atenção da Comissão de Peritos da OIT para vários casos dessa natureza, que afetavam diretamente a mão-de-obra tanto do setor público quanto do privado. As alegações referiam-se principalmente a casos de funcionários que tinham que trabalhar longos turnos, de até 24 horas, e, que quando se recusavam a trabalhar sob tais condições, podiam ser demitidos e até mesmo sofrer condenação penal, no caso de funcionários públicos.24 90. Nos Estados Unidos e no Canadá, cada vez mais temse prestado atenção nas condições de trabalho forçado que possam ser submetidas a trabalhadores estrangeiros no serviço doméstico, na agricultura e em outros setores da economia. Em ambos os países, a criação de grupos de intervenção e o reforço da aplicação da lei contra o tráfico humano serviram para trazer à tona cada vez mais casos (ver os últimos capítulos). Apesar de muitos dos que se encontravam em situações de trabalho forçado serem migrantes em situação irregular, foram expressas as preocupações de que os trabalhadores recrutados por intermediários sob programas oficiais de “guestworker”, pudessem terminar em situações de servidão por dívidas quando já estivessem pesadamente endividados e existissem restrições ao seu direito de mudar de entidade patronal. Europa e Ásia Central 91. Por toda a Europa, a evidência incidia principal- mente no trabalho forçado como o resultado de proces- 22. Supreme Decree 29802. 23. CEARC, ILC, 2008, op. cit. 21 O CUSTO DA COERÇÃO sos de migração irregulares. Enquanto o tráfico para exploração laboral só recentemente foi alvo de atenção por parte dos responsáveis políticos, essa é a forma de tráfico predominante na Federação Russa, e, possivelmente, em alguns países da Europa Ocidental. Determinados países de origem de pessoas traficadas, como a República Tcheca e a Polônia, parecem agora ter se tornado países de destino, depois de sua integração à União Europeia. 92. Os novos Estados Membros da UE do Sudeste da Europa, a Bulgária e a Romênia, permanecem como países de trânsito e de destino para o tráfico humano. Muitos países da Europa Central e do Leste Europeu verificaram um número crescente de vítimas de tráfico dentro das suas fronteiras nacionais. Apesar de a maioria das vítimas identificadas serem mulheres destinadas à exploração sexual, atualmente o número de casos identificados envolvendo homens está em crescimento. à medida em que é dada maior atenção ao tráfico para trabalho forçado nessa região. 93. Na Ucrânia nota-se uma situação semelhante. Em 2004, os casos identificados de exploração sexual eram mais que o dobro dos casos de exploração laboral. Em 2007, por sua vez, foram identificadas 584 pessoas traficadas para exploração sexual, contra 500 para exploração laboral, e, nos primeiros seis meses de 2008, o número de casos de exploração laboral foi superior (ver tabela 2.1). 94. Tendências recentes indicam que a Ucrânia é atualmente um país de trânsito e de destino, bem como de origem, para pessoas traficadas com objetivos de exploração laboral e sexual. A maioria dos cidadãos estrangeiros traficados para ou através da Ucrânia durante os últimos seis anos, são provenientes da República da Moldávia (quase três quartos do total), seguidos do Quirguistão, do Uzbequistão e da Federação Russa. A República da Moldávia continua sendo um importante país de origem para as pessoas traficadas para vários países de destino da Europa Ocidental, bem como para a Federação Russa e para a Turquia. 95. No Cáucaso, um estudo realizado no Azerbaijão, patrocinado pela OIT, detectou algumas alterações recentes. Com o aumento da qualidade de vida no país, o número de trabalhadores azeris expostos ao trabalho forçado no exterior parecia estar diminuindo. Por outro lado, as pessoas que esperavam viajar através do país para a Europa, com a ajuda de intermediários, foram, em vez disso, levadas para estaleiros de construção no Azerbaijão, e, posteriormente, deportadas após terem sido localizadas pelas autoridades. 96. Dados recentes obtidos pela Federação Russa e outros países da Comunidade dos Estados Independentes 24. CEARC, ILC, 2008, op. cit. 22 revelaram um regular aumento no número de pessoas traficadas para exploração laboral. Entre 2002 e 2006, foram identificadas pela OIM 1.331 pessoas traficadas, metade das quais para exploração laboral. Permanecem escassas as informações acerca das tendências na Ásia Central. No Quirguistão, a Comissão Estatal sobre a Migração e o Emprego, relatou que as formas mais disseminadas do trabalho forçado estão relacionadas com a servidão por dívidas e com a retenção dos salários dos cidadãos quirguistaneses, que trabalhavam no exterior, nos setores agrícola e da construção, principalmente na Federação Russa e no Casaquistão.25 No Uzbequistão, com o seguimento de relatórios difundidos nos meios de comunicação sobre o uso do trabalho forçado infantil na indústria do algodão, muitos grandes retalhistas e compradores afirmaram que não comercializariam mais algodão com esse país. 97. Na Europa Ocidental, um estudo inovador realizado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de Portugal, com a assistência da OIT, fornece um modelo útil para futuras pesquisas.26 Foca, separadamente, em primeiro lugar, a exploração laboral dos trabalhadores migrantes em Portugal e, em segundo lugar, a exploração laboral e o tráfico de migrantes portugueses em outros países europeus. As conclusões sugerem que mesmo os migrantes na Europa em situação regular podem ser expostos à exploração e ao trabalho forçado. No caso português, a maioria era pessoas pouco qualificadas, incluindo minorias de ciganos romanis, que trabalhavam na agricultura ou em fábricas. As agências de recrutamento informais e de emprego temporário, que triplicaram o seu número durante os últimos anos, desempenharam um papel fundamental na condução dos trabalhadores portugueses para situações de exploração laboral e de trabalho forçado. 98. Quase todos os países europeus atualmente prestam certa atenção no fato de as práticas de trabalho forçado poderem, em algum grau, penetrar nos seus próprios mercados de trabalho. Em maio de 2007, o Governo da Suécia realizou um seminário exploratório acerca do tráfico para trabalho forçado, que reuniu peritos da Dinamarca, da Finlândia, da Noruega e da Suécia. Era consensual que o tráfico laboral era um problema relativamente menor nos países nórdicos, em comparação com outras regiões, que pareciam estar em situação de maior risco. No entanto, os participantes identificaram setores e indústrias – a construção, a restauração, o trabalho doméstico, as vindimas no norte da Finlândia e na Suécia – onde os incentivos para a contratação de trabalhadores estrangeiros em situação irregular poderiam 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Quadro 2.5. A armadilha da escravidão: um canal crescente do comércio global que engana milhões, levando-os ao trabalho forçado (in Newsweek, 15 de abril de 2008) Este é um novo capítulo na história da globalização: uma crescente força de trabalho migratória forçada a trabalhar em condições no limiar da escravidão. (...) Muitas vezes, as condições em que esses migrantes trabalham fazem um estatuto de escravidão parecer relativamente agradável. Removidos de suas casas por agentes laborais que fazem falsas promessas de elevados salários, os trabalhadores traficados dão por si em uma terra cujo idioma não conhecem, dominados por dívidas incomportáveis, e privados de seu passaporte, necessário para o regresso a casa. “A antiga forma de escravidão consistia na premissa de que o patrão era realmente o seu dono”, referiu Rene Ofreneo, Diretor do Centro de Justiça Laboral da Universidade das Filipinas, de Manila. “Mas, atualmente, as agências legais de recrutamento e os empregadores trabalham em conjunto para enganar os trabalhadores que, vulneráveis e isolados em uma cultura estranha, são forçados a aceitar condições duras. É nesse contexto que atualmente existe trabalho forçado local.” criar um terreno fértil para o trabalho forçado e para o tráfico. Os oradores salientaram de forma consistente a necessidade de melhorar as regulamentações laborais, principalmente aquelas relativas à sub-contratação, e a abertura dos mercados nórdicos bem regulamentados para os novos trabalhadores não-nacionais.27 Oriente Médio 99. Verifica-se por toda a região do Oriente Médio, um sólido crescimento de relatos de situações relacionadas com o tráfico humano em particular e, a um grau inferior, com o trabalho forçado. Como muitos países adotaram novas leis contra o tráfico, por vezes apoiados por mecanismos de coordenação ministerial, esse fato conduziu a uma maior atenção para as situações que, pelo menos até muito recentemente, pareciam ser muito raras perante a opinião pública. O nosso Relatório Global anterior evidenciou as condições de algumas pessoas que prestam serviços domésticos nessa região, dado que a ausência de garantias nos sistemas de recrutamento poderiam, em alguns casos, expô-los a situações de tráfico. 100. As preocupações também se extenderam até a falta de garantias gerais no recrutamento e a colocação de migrantes para contratos de trabalho temporário nessa região. Apesar de a questão das garantias adequadas afetar todos os países que contam com o trabalho migrante para determinados tipos de trabalho, são de particular importância para países como os Estados do Golfo, tendo em conta a enorme percentagem de trabalhadores migrantes em relação às suas populações nacionais. Nos últimos anos, alguns países dessa região foram alvo de relatórios críticos, que alegavam, por exemplo, um grande número de situações com duras condições de trabalho no setor da construção e na indústria do vestuário, ou sugerindo que o sistema Kafeel de responsabilidade individual do empregador para a contratação temporária de trabalhadores seja desencadeador do trabalho forçado e do tráfico. Estas são situações complexas, pelas quais os governos da região recentemente se integraram consideravelmente com o BIT, na tentativa de promover os princípios e direitos fundamentais em um plano mais geral do trabalho, ou melhorar os sistemas de gestão da migração. Por um lado, o nível de consciência do problema do trabalho forçado nos países do Golfo é baixo entre o público em geral e entre muitos funcionários, e existe uma certa relutância em aceitar que existem abusos que possam, de fato, constituir trabalho forçado e tráfico. Muitos governos contentam-se em reagir à pressão atual e a relatórios específicos, em vez de agirem por antecipação e atacarem os problemas na raiz, adotando recomendações. Por outro lado, alguns governos dos Estados do Golfo e da vasta região do Oriente Médio deram passos positivos quanto à formação, análise, reformas legais e políticas, e mecanismos de implementação. Problemas específicos 101. Esta seção não propõe incluir todas as questões sobre o trabalho forçado atual, como acontece, por exemp- 25. B. Hancilova: The dimensions of forced labour and trafficking in persons in Kazakhstan, Kyrgyzstan and Uzbekistan, relatório não-publicado preparado para a ILO SAP–FL, feb. 2008. 26. S. Pereira e J. Vasconcelos: Tráfico humano e trabalho forçado: estudos de caso e respostas de Portugal, OIT, Genebra, 2008. 27. Seminário de Peritos Nórdicos sobre o Tráfico para Trabalho Forçado, Ministério do Emprego, Governo da Suécia, Estocolmo, dezembro de 2007. 23 O CUSTO DA COERÇÃO lo, com a General Survey de 2007. Em vez disso, concentra-se em uma gama limitada de questões que atraíram atenção considerável nos últimos anos, e que poderiam ser vitais para o BIT ajudar a identificar os problemas, no quadro de uma futura cooperação técnica. Uma primeira questão consiste na contribuição que pode ser atribuída ao risco de trabalho, causado por sistemas inadequados de contratação e de recrutamento, incluindo aqueles praticados para com os trabalhadores migrantes. A situação dos trabalhadores marítimos e dos trabalhadores dos serviços domésticos levantam outras questões. Contratação laboral e recrutamento 102. Os mecanismos inadequados de recrutamento e de colocação de trabalhadores podem resultar em exploração laboral, incluindo o trabalho forçado. A relação entre os esquemas informais de colocação e a servidão por dívidas em locais da Ásia e da América Latina foi há muito tempo reconhecida. É também igualmente aceito que os trabalhadores que emigram através de intermediários ilegais, muitas vezes encontrando apenas trabalho clandestino nos países de destino, encontram-se em particular risco de trabalho forçado. 103. Nos últimos anos, uma nova questão atraiu a atenção de organizações governamentais, de empregadores e de trabalhadores, e também foi debatida na literatura acadêmica e política. Trata-se dos trabalhadores que migram através de canais perfeitamente legais, até mesmo utilizando agências de recrutamento licenciadas, contratadas por programas laborais reconhecidos oficialmente no país de destino, e que podem também ser expostos ao trabalho forçado, a menos que sejam tomados os devidos cuidados. 104. Um número de publicações sindicais e relatórios de ONGs evocam já essas questões. No entanto, foram salientados mais vigorosamente os pontos de uma série de relatórios do Governo dos EUA, os relatórios anuais “Tráfico de Pessoas”, publicados pelo Departamento de Estado dos EUA, como parte dos seus esforços no combate ao tráfico humano em todo o mundo. O relatório de 2006 visava esclarecer o “tráfico laboral através do recrutamento global”, particularmente na Ásia e no Oriente Médio. Argumentou-se que uma percentagem dos trabalhadores migrantes, após a chegada, enfrentava agências de emprego sem escrúpulos ou empregadores que os colocavam em uma situação de servidão involuntária, que “se transformou em trabalho forçado ou em trabalho em cativeiro, dependendo das ferramentas de coerção utilizadas para obrigar os trabalhadores a entrarem ou a continuarem em uma situação de servidão”. O relatório identificou o uso de certas medidas abusivas, incluindo: alteração das condições de trabalho estipuladas nos contratos assinados antes dos trabalhadores abandonarem seu país natal; confiscação e retenção de documentos de viagem; cativeiro; ameaças físicas; e retenção de salários. Observava ainda que os elevados custos de transação impostos para o trabalho no exterior poderiam vulnerabilizar os trabalhadores migrantes para uma situação de servidão por dívidas. Quando somados a práticas exploradoras por parte de agentes laborais sem escrúpulos ou de empregadores no país de destino, esses custos ou dívidas, quando excessivas, tornavam-se uma forma de servidão por dívidas. 105. O relatório de 2007 do Departamento Estatal, ao prosseguir com essa análise, estudou as ligações entre leis de patrocínio e o trabalho forçado. Analisou as formas através das quais os patrocinadores poderiam abusar dessas leis nos países de destino, por exemplo, ameaçando os trabalhadores com prisão, caso eles tentassem queixar-se das condições abusivas ou do prolongado nãopagamento de seus salários. O relatório mais recente de 2008 identificou diferentes estratégias através das quais os países de origem e de destino poderiam opor-se ao tráfico dos trabalhadores migrantes trasnacionais, encorajando os governos a “colaborar com o BIT, no âmbito de seu mandato de eliminação do trabalho forçado ou obrigatório”. As estratégias propostas incluíam o recrutamento nos países de origem e de destino, a identificação das vítimas e suas queixas, em conjunto com a prevenção do abuso do contorno da lei, em países de destino. 106. Como o BIT abordou essas questões? De diversas formas, através de esforços combinados, com base nos seus programas de gestão das migrações, do trabalho forçado e da aplicação de normas. Em primeiro lugar, investigou a forma como esses sistemas funcionavam na prática em diferentes partes do mundo. Foram investigadas as agências privadas e os sistemas de recrutamento em áreas e países, incluindo a Ásia Central, o Cáucaso, e a Federação Russa. Também se realizaram estudos em Bangladesh, na Índia e no Paquistão, analisando principalmente a experiência dos trabalhadores desses países contratados temporariamente nos Estados do Golfo. Foram apresentadas algumas conclusões no Fórum do Golfo sobre o Trabalho Contratual Temporário, realizado em Abu Dabi, no início de 2008. Em segundo lugar, os funcionários governamentais receberam uma 28. R. Plant: Temporary contract labour in the Gulf States: Perspectives from two countries of origin, paper presented at Gulf Forum on Temporary Contractual Labour, Abu Dhabi, 23–24 January 2008. 24 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Quadro 2.6. Orientações do COMMIT para a sub-região do Grande Mekong Honorários por serviços de recrutamento • Os governos e as agências de recrutamento deveriam tentar minimizar os custos do recrutamento e da contratação de migrantes, que devem ser pagos pelos trabalhadores e empregadores. • As taxas para as agências de recrutamento devem ser custeadas pelos empregadores. Quando tal não for possível, os governos, em consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores, devem regulamentar a taxa máxima pelos serviços que as agências de recrutamento devem cobrar aos trabalhadores. • As agências de recrutamento devem apresentar aos empregadores e trabalhadores todos os custos e condições do negócio, assegurando a transparência dos custos (por exemplo, custos relacionados com a documentação), e as taxas pelo serviço de recrutamento. • Os governos devem regulamentar e acompanhar a forma através da qual as agências de recrutamento poderão deduzir os honorários dos salários dos trabalhadores. • Os empregadores e as agências de recrutamento têm que obter o consentimento escrito por parte dos trabalhadores para poderem realizar as deduções dos seus salários e assegurar que os trabalhadores tenham total acesso às suas contas poupança a qualquer altura. • Os empregadores ou as agências de recrutamento que fazem a gestão das deduções salariais dos trabalhadores devem solicitar declarações por escrito aos trabalhadores sobre o seu salário bruto e todas as deduções. • Os governos devem promover o próprio estabelecimento, das instituições financeiras ou de outras organizações de financiamento, de facilidades de crédito com juros baixos aos trabalhadores que não podem custear os honorários das agências de recrutamento. formação aprofundada para o reforço de capacidades, incluindo os inspetores do trabalho, bem como empregadores e sindicatos. É o caso, por exemplo do programa realizado na Jordânia, como resposta às alegações de que os trabalhadores migrantes asiáticos tinham sido sujeitos a trabalho forçado e ao tráfico em indústrias de exportação. O Governo recebeu assistência na elaboração de uma nova lei sobre o tráfico, na alteração do seu Código do Trabalho e no estabelecimento de uma Comissão Interministerial sobre o Tráfico. Em outubro de 2008, essa Comissão acordou estabelecer uma unidade conjunta, que combinasse os poderes de aplicação da lei dos inspetores do trabalho e dos funcionários da segurança pública, para facilitar a pesquisa de crimes de tráfico e a sua denúncia às autoridades oficiais. O BIT abordou igualmente essas questões com inspetores do trabalho e funcionários do serviço de estrangeiros e de segurança pública em outros países de origem ou de destino para os trabalhadores contratados temporariamente, incluindo a China, diversos Estados do Golfo, os Estados Unidos e o Vietnã. Da mesma forma, conduziu uma detalhada análise documental desses assuntos. O estado do conhecimento sobre essas questões pode ser resumido, com base nos instrumentos da OIT acerca do trabalho forçado e de outros tópicos relacionados, como a seguir se descreve. Honorários por serviços de recrutamento e de colocação 107. A Convenção (No. 181) sobre Agências Privadas de Emprego da OIT, 1997, estabelece como princípio básico que as agências privadas de emprego não devem cobrar direta ou indiretamente, no todo ou em parte, quaisquer taxas ou custos aos trabalhadores. Nos interesses dos trabalhadores em questão, e após consultar as organizações de empregadores e de trabalhadores mais representativas, a autoridade competente pode autorizar exceções a esse princípio, em relação a certas categorias de trabalhadores, bem como a tipos específicos de serviços prestados pelas agências de emprego privadas. 108. Em certas regiões, o diálogo entre os governos e outros investidores resultou em orientações mais detalhadas. Um exemplo consiste nas orientações recomendadas para a política de recrutamento em prática na sub-região do Grande Mekong, negociadas com vários investidores como parte da Iniciativa Ministerial Coordenada do Mekong contra o Tráfico (COMMIT). 109. Mais importante, a Confederação Internacional das Agências Privadas de Emprego (CIETT) reconhece, no seu próprio código de conduta, o princípio do respeito pela prestação de serviços gratuitos àqueles que procuram trabalho. O CIETT também assumiu compromissos específicos para a prevenção do tráfico humano. 25 O CUSTO DA COERÇÃO 110. Na prática, muitos migrantes pagam honorários de colocação que podem ser muito elevados, se comparados com os ganhos antecipados. Um estudo de 2005 realizado pela ONG Verite dos EUA, baseado principalmente em entrevistas realizadas a migrantes que haviam regressado de quatro países asiáticos, constatou que, enquanto os limites legais das taxas eram geralmente de um mês de salário, as taxas de fato liquidadas variavam entre 1,8 a 4,8 meses de salário. Para financiar esses honorários, os migrantes tiveram que recorrer a empréstimos de diversas fontes com juros. Como os juros eram muito elevados, por vezes até 60%, eles podiam demorar entre dez meses a três anos para liquidar esses empréstimo.29 111. A pesquisa do BIT sobre os migrantes regressados dos Estados do Golfo, conduzida em 2007 em Bangladesh e no Paquistão, concluiu que a experiência da maioria dos migrantes foi positiva. No entanto também demonstrou que os custos elevados da migração a estavam tornando menos lucrativa, em termos financeiros, para os trabalhadores. Em Bangladesh, onde a média dos custos era em torno de US$1.400 para os homens, e metade desse valor para as mulheres, o custo total da migração subiu mais de 130% entre 2000 e 2007, e, geralmente, não foi equilibrado por uma subida de rendimentos. No Paquistão, o custo médio total para as pessoas que trabalhavam no exterior era de US$1.000, 12 vezes superior ao limite definido pelo Governo do Paquistão. A maioria dos migrantes paquistaneses pagou todos os honorários previamente, e metade deles financiou os custos da migração com as suas próprias economias. Canais e mecanismos de recrutamento 112. Enquanto algumas pessoas utilizam as agências de recrutamento licenciadas para procurar emprego em lugares distantes do seu próprio país ou no exterior, muitos não o fazem. O recrutamento inicial é normalmente realizado através de agentes de pequena escala. O papel desses intermediários pode variar, dependendo da existência de livre circulação de mão-de-obra ou exigência de visto. As pessoas provenientes dos países da Ásia Central, que procuram emprego, não necessitam de vistos para trabalhar na Federação Russa, apesar de terem que se registrar por motivos de residência e de trabalho. Por exemplo, no Tajiquistão, onde o fluxo anual estimado de trabalhadores migrantes é de mais de meio milhão, as agências privadas de recrutamento só colocam alguns milhares de trabalhadores em empregos no exterior. O recrutamento e a colocação laboral são conduzidos através de redes de 29. Protecting overseas workers, Verité Research Paper, Dec. 2005. 26 agências de recrutamento informais, sendo muitas vezes elas constituídas por antigos migrantes, através de contratos com empregadores russos. Os migrantes podem pagar aos intermediários uma soma equivalente a metade do seu salário durante os meses iniciais, por diversos serviços, incluindo o registro e o contato com os empregadores. Uma pesquisa realizada na Federação Russa, incluindo grupos de trabalhadores migrantes considerados vulneráveis ao tráfico, revelou que 90% dos migrantes procuram trabalho através de redes informais, enquanto menos de 5% utilizam agências públicas ou privadas. 113. No Sul da Ásia, os “sub-agentes” normalmente operam sob a proteção de agências maiores e oficialmente reconhecidas. Os agentes locais de recrutamento podem simplesmente transferir o trabalhador para uma agência maior, em troca de uma taxa; podem também fornecer outros serviços, como a aquisição de passaportes e de documentos de identificação, vistos ou outras autorizações. Na Índia, onde a contratação de mão-de-obra se faz em um mercado laboral largamente informal, perto de metade dos migrantes estrangeiros podem contar com agentes não-registrados. Em Bangladesh, na Indonésia e no Paquistão, os migrantes usam um misto de canais, incluindo redes familiares, agências de recrutamento registradas, e um grande número de agentes laborais informais ou de “sub-agentes”. Esses últimos podem realizar o recrutamento em nome das agências licenciadas, apesar da legislação nacional o proibir. Mas também podem realizar as suas próprias atividades de recrutamento, a pedido dos empregadores de certos países de destino, juntamente com serviços adicionais, incluindo o fornecimento de vistos e de passagens. Muitos desses acordos estão fora do controle das agências oficiais responsáveis pela proteção aos trabalhadores migrantes nos países emissores. 114. Na China, um estudo realizado pelo BIT faz a distinção entre os trabalhadores organizados que migram através de canais legais, e aqueles que usam intermediários laborais ou canais individuais. Quando são utilizados canais ilegais, as taxas dos passadores podem chegar a US$70.000 para viajar para os Estados Unidos. Aqueles que viajam para países asiáticos vizinhos pagam valores muito mais baixos. As empresas privadas têm se envolvido cada vez mais na exportação de trabalho. O Governo realizou esforços evidentes para exercer um maior controle sobre a colocação laboral no exterior, criminalizando a cobrança dos honorários de recrutamento aos trabalhadores, e incluindo medidas eficazes de aplicação da lei. A proliferação de pequenas e médias agências regionais tem, no entanto, dificultado uma adequada supervisão. 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Contratos de trabalho Impedir a restrição e a coerção 115. Muitos trabalhadores sazonais e migrantes nunca assinam contratos de trabalho escritos, contando exclusivamente com os acordos verbais com as agências de recrutamento. Em Bangladesh, um estudo acerca dos migrantes transfronteiriços30, concluiu que cerca de 90% dos inquiridos não receberam qualquer contrato escrito antes de emigrarem, independentemente do seu tipo de visto. No Paquistão31, mais de 60% daqueles que migraram através de amigos e familiares e mais de 20% daqueles que migraram com um visto direto só tinham um contrato verbal. Outros trabalhadores migrantes assinavam contratos, mas não estavam autorizados a guardá-los, ou recebiam contratos em um idioma que não compreendiam. 116. Ao chegarem aos países de destino, os migrantes encontravam muitas vezes condições de trabalho substancialmente diferentes das definidas nos seus contratos de trabalho originais, quer por escrito, quer verbais. Uma pesquisa realizada na Índia a migrantes que regressaram32 concluiu que, em 12% dos casos, os empregadores insistiram em fazer contratos totalmente novos. A imposição era mais elevada, de quase um quinto, no caso daqueles que tinham migrado através de agências de recrutamento. Uma pesquisa realizada no Paquistão33, assinalou as diferentes formas através das quais são assinados novos contratos, à chegada dos trabalhores aos países de destino no Golfo. No primeiro caso, é preparado um novo contrato com as condições claras, para ser assinado pelos migrantes. No segundo caso, no ato do pagamento do primeiro salário, os migrantes recebem um novo contrato e documentos adicionais para serem assinados, no entanto, a maioria dos trabalhadores não têm consciência de seu conteúdo. Acima de tudo, estima-se que os salários, de acordo com os novos contratos, são 10% inferiores em relação aos contratos originais assinados no Paquistão. 117. Também foram registrados casos extremos de recrutamento fraudulento, com consequências trágicas. Um caso bem divulgado envolvia trabalhadores nepaleses, originalmente recrutados em 2004, que esperavam trabalhar como pessoal de cozinha na Jordânia. Seus passaportes foram retirados e enviados para o Iraque, onde todos os trabalhadores, exceto um, foram posteriormente raptados e assassinados. Embora esses casos sejam excepcionais, representam um motivo evidente para que sejam assumidas fortes medidas preventivas contra práticas fraudulentas. 118. As práticas coercivas podem começar no próprio país de origem. Em certos países asiáticos, as agências de recrutamento mantinham “centros de reagrupamento” ou campos de treino, onde os potenciais migrantes eram colocados no período entre seu recrutamento e a colocação no exterior. Foram elaborados relatórios que indicavam restrições à liberdade de movimentos às pessoas retidas nesses centros, muitas vezes mulheres preparadas para serviços domésticos no exterior. Na Indonésia, por exemplo, os trabalhadores migrantes domésticos normalmente passavam até seis meses nesses centros, por vezes sendo exigido que trabalhassem por um pagamento mínimo ou nulo. Aparentemente, as agências, que tiveram gastos ao pagar aos agentes laborais informais encarregados do recrutamento inicial e que não recebem qualquer pagamento até que o trabalhador doméstico tenha sido colocado em um trabalho no estrangeiro, impõem essas restrições a fim de impedir perdas de investimento. 119. Nos países de destino, a informação sobre as condições na prática é muitas vezes fragmentada. Tem havido exemplos de restrição e de coerção, no âmbito de diferentes tipos de contratos de trabalho temporário. Muitas vezes os limites entre as práticas legais e ilegais são difíceis de identificar, pois as agências legalmente registradas podem envolver-se em práticas sem escrúpulos, à margem da lei. Além disso, é impressionante que tantos países tenham experimentado algum tipo de problema relacionado com os seus mecanismos e programas especiais responsáveis por trazer trabalhadores temporários do exterior. Mesmo quando os esquemas oficiais são administrados por leis e regulamentações, ocorrem casos documentados de práticas abusivas por parte das agências que fornecem os trabalhadores aos empregadores. 120. Pode ser difícil identificar o relacionamento exato entre esses agentes, que estão principalmente preocupados com o recrutamento e com o transporte para o país de destino, com a colocação no país de destino, e com o trabalho efetivo para os trabalhadores contratados. Uma análise independente de um esquema de vistos especiais para migrantes temporários, conduzida pelo Governo da Austrália em 2008, salientou alguns desses dilemas.34 Constatou, por exemplo, que os agentes de migração podem cobrar honorários elevados, muitas vezes pagos antes da chegada ao país de destino, as quais um empregador pode nunca vir a ter conhecimento. Também detectou muitos casos de fraude cometidos por esses agentes, como a cobrança de valores excessivos aos em- 30. R. Afsar: Unravelling the vicious cycle of labour recruitment: Migration from Bangladesh to Gulf countries, pesquisa da OIT não publicada, 2008. 31. G.M. Arif: Recruitment of Pakistani workers for overseas employment: Mechanisms, exploitations and vulnerabilities, Pakistan Institute for Development Economics, pesquisa da OIT não-publicada, 2008. 27 O CUSTO DA COERÇÃO pregados e aos empregadores pela renovação de vistos que ainda se encontravam válidos, e identificou outras formas em que os empregadores, que podem eles próprios ter incorrido em custos consideráveis para patrocinar os titulares dos vistos, passavam os custos para os trabalhadores, realizando deduções regulares dos seus salários. Nesses casos, a análise foi submetida a um painel consultivo, que abrangia representantes de governos estatais, grupos empresariais, industriais e sindicatos, para aconselhamento sobre reformas futuras. 121. Um programa realizado nos Estados Unidos permite que os empregadores contratem trabalhadores estrangeiros com vistos temporários quando eles não encontram trabalhadores nacionais para desempenhar os trabalhos disponíveis.35 Os empregadores utilizaram agências privadas, situadas na América Central e em outros locais, sobre cujas atividades exercem pouco ou nenhum controle. Em alguns casos extremos, o tratamento desses migrantes deu origem a processos judiciais. Como resposta, foi implementado um projeto de legislação perante o Congresso dos EUA em 2007, que exigia o relato claro e fiável das condições de trabalho dos trabalhadores recrutados, criminalizando a cobrança de honorários de recrutamento aos trabalhadores, e incluindo medidas efetivas de aplicação da lei. 122. Os esquemas de patrocínio conferem ao patrono, que tem em sua posse o visto de trabalho, um controle significativo sobre o trabalhador. O comércio ilegal desses vistos tem sido considerado um problema, sendo um assunto que suscita certa preocupação nos Estados do Golfo, por exemplo. Alguns empregadores estão diretamente envolvidos nesse negócio; outros transferem seu trabalho de recrutamento para empresas de colocação laboral, as quais, por sua vez, comercializam os vistos a agências de recrutamento localizadas nos países emissores. Os custos são então passados para os potenciais migrantes, através do inflacionamento dos custos dos vistos. 123. Em qualquer situação nacional, há a necessidade de uma análise cuidada em relação aos aspectos de uma relação de recrutamento e de emprego que possa ter elementos coercivos. É excessivamente simplista argumentar que o trabalho forçado diz principalmente respeito às atividades ilegais, enquanto as atividades legais são necessariamente isentas de coerção. Na China, por exemplo, onde os pagamentos aos agentes de recrutamento são, muitas vezes, os mais elevados do mundo, muito da literatura acerca da migração chinesa salienta a natureza estri- tamente voluntária e consensual do processo.36 Apesar dos elevados pagamentos resultarem em endividamento durante um período fixo de tempo, esse fato é muitas vezes compreendido como uma escolha racional, na qual é evidente que a coerção tem um papel diminuto ou inexistente. 124. Também é importante analisar a forma através da qual estas dívidas são normalmente reembolsadas. Em muitos casos, os trabalhadores migrantes realizam o pagamento em dinheiro às agências de recrutamento, antes de emigrarem, recorrendo às suas próprias economias, vendendo propriedades e outros bens, e pedindo dinheiro emprestado a familiares ou outros. Em outros casos, o reembolso dos adiantamentos pode ser realizado através de deduções salariais. 125. No que se refere ao valor médio desses pagamentos, à forma como estas dívidas são reembolsadas, e à identidade dos beneficiários desses pagamentos, estão disponíveis algumas informações sobre alguns países específicos. Por exemplo, na Indonésia, os trabalhadores domésticos que se encontram nos centros no país assinam os documentos antes de sua partida, indicando sua vontade de que sejam realizadas deduções aos seus salários, pagos diretamente pelo empregador à agência de recrutamento durante os primeiros meses de seu trabalho. Os pagamentos podem cobrir dívidas de um vasto conjunto de custos de transação, incluindo: comissão do intermediário, acomodação e consumo no centro de exploração, formação, exames médicos, emissão de passaportes e documentos de identificação, recomendações do escritório de mão-de-obra, fornecimento de contrato de trabalho, despesas ligadas à isenção de impostos, seguro, aquisição de passagens antes da partida e despesas associadas. As deduções variam de acordo com as qualificações do trabalhador doméstico e com o salário esperado. No caso de ser a primeira vez e de se tratar de trabalhadores menos qualificados, podem ser deduzidos 90% do salário durante os primeiros nove meses de trabalho no exterior para cobrir as taxas de agenciamento. Além disso, nos casos em que as agências de recrutamento recebem adiantamentos por parte dos potenciais empregadores e migrantes, é comum os empregadores passarem esses custos para os trabalhadores domésticos, através de novas deduções salariais. 126. Nos próximos trabalhos acerca dessas questões, é importante desenvolver um estudo mais sistemático do conjunto de despesas cobradas quer por parte dos órgãos 32. S. Rajan; V. Varghese; M. Jayakumar: Overseas recruitment practices in India, Research Unit on International Migration, Centre for Development Studies (CDS), Thiruvananthapuram, Ministry of Overseas Indian Affairs (MOIA), Government of India, 2009. 33. G.M. Arif, op. cit. 34. Visa Subclass 457 Integrity Review, by Ms Barbara Duggan, Ministry for Immigration and Citizenship, Government of Australia, Canberra, Oct. 2008. 28 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS governamentais quer por parte das agências de recrutamento privadas; a sua relação com os ganhos antecipados, incluindo o salário mínimo; os meios através dos quais esses são reembolsados, incluindo as deduções salariais; e a forma pela qual os governos controlam esses processos com vista a prevenir abusos. Desafios futuros 127. Há uma crescente conscientização de que muitos acordos atuais para o recrutamento de trabalhadores temporários apresenta graves deficiências. Em parte, isso devem-se aos vazios existentes nas leis laborais, que falham em articular as responsabilidades respectivas dos agentes de recrutamento e dos empregadores finais, e em providenciar garantias contra práticas abusivas, incluindo o trabalho forçado. Também existem muitos casos em que a regulamentação detalhada acerca da cobrança de honorários não é simplesmente cumprida, e os trabalhadores podem, na prática, pagar dez vezes mais, ou ainda mais, do que o valor máximo previsto nas leis e regulamentações nacionais. 128. Foram aplicadas muitas sanções contra práticas abusivas ou fraudulentas, e pedidos para um maior reforço. No entanto, na maioria dos casos, é necessário maior clareza a respeito da situação da legislação nacional antes que a lei seja aplicada com mais vigor. 129. A entrada em vigor das disposições do código penal, com a aplicação de pesadas penalizações, pode ser necessária nos casos de maior gravidade. No entanto, antes de delinear as leis e de procurar a sua efetiva aplicação, é essencial gerar um consenso em relação às práticas aceitáveis, através de consulta entre governos e representantes de organizações de empregadores e de trabalhadores. Esses são desafios fundamentais, embora difíceis para os parceiros sociais, que procuram não só impedir o trabalho forçado no comércio e nas cadeias de fornecimento, mas também contribuir para um enquadramento regulamentado, que concilie a eficiência empresarial com a proteção dos direitos humanos e os direitos fundamentais dos trabalhadores. 130 As normas da OIT sobre o trabalho forçado podem fornecer certos indicadores, que poderão orientar a aplicação política e legal. Mais recentemente, em 2007, a Comissão de Peritos da OIT esclareceu sua posição a respeito da coerção indireta à qual os trabalhadores migrantes podem ser particularmente sujeitos.37 Em alguns dos casos acima referidos, ocorreu uma inequívoca coerção. No entanto, muitas vezes, tal não acontece. O retrato global parece ser o de uma variedade de agentes que utilizam estratégias criativas, muitas vezes agindo à margem da lei, no intuito de extorquir grandes somas de dinheiro de uma força de trabalho vulnerável. 131. Casos individuais, que são considerados crime penal de trabalho forçado, só podem ser determinados através da instauração de processos e de decisões dos tribunais, caso haja algum enquadramento legal para detectar esses casos de abuso. Estas questões são tratadas no capítulo seguinte, que analisa os respectivos papéis da justiça penal e dos tribunais do trabalho. 132. O próximo passo consiste em negociar a resposta política adequada, possivelmente incluindo novas regulamentações e mecanismos de controle, através do diálogo social tripartido. No Reino Unido, por exemplo, foi o diálogo social que conduziu ao consenso entre diferentes investidores sobre a necessidade de licenciar os “gangmasters” dos setores agrícolas e da pesca. A recente iniciativa australiana em criar um painel consultivo tripartido em seu programa temporário de vistos aos trabalhadores, foi já acima salientada. Em uma esfera mais global, também houve um espaço de diálogo entre empregadores e sindicatos. Em novembro de 2008, os membros da Organização Sindical Mundial (UNI) da União Global e da CIETT — incluindo grandes empresas como a Adecco, a Kelly Services e a Manpower — lançaram um diálogo social global no intuito de obter condições justas para a indústria das agências de trabalho temporário, inter alia, para prevenir a concorrência desleal das agências que recorrem a práticas fraudulentas e combater o tráfico humano. Ambas as partes expressaram o seu apoio ao estabelecimento de um enquadramento regulamentar adequado para a indústria. 133. Um diálogo político esclarecido desse tipo, apoiado por análises rigorosas acerca das formas como esses sistemas de contrato de trabalho funcionam na prática, e também a opinião de todas as partes sobre a relação de trabalho, irão preparar o terreno para uma melhor orientação global a respeito de temas tão controversos, como a cobrança de taxas excessivas, que constituem o âmago de diversos problemas que trabalhadores vulneráveis atualmente enfrentam. 35. O programa H-2, introduzido em 1986, tem dois componentes, nomeadamente o programa agrícola H-2A e o programa não agrícola H-2B. Os trabalhadores são predominantemente provenientes do México, seguidos pela Guatemala e Jamaica. 36. Ver por exemplo, S.X. Zhang: Chinese human smuggling operations: Families, social networks and cultural imperatives, Palo Alto, CA, Stanford University Press, 2008. 29 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 2.7. Estimar os custos da coerção: a metodologia Na ausência de estimativas novas fiáveis sobre o trabalho forçado desde aquele momento, o número de vítimas desta estimativa deriva dos dados apresentados no Relatório Global de 2005, adicionando o número de vítimas de exploração econômica forçada, juntamente com metade do número de vítimas de várias ou indeterminadas formas de exploração. O pagamento insuficiente de salários em uma dada região é estimado como a soma do pagamento insuficiente dos salários nos principais setores de atividade onde se considera ser mais provável a ocorrência do trabalho forçado, nomeadamente na agricultura, na indústria e nos serviços. Para cada setor, o pagamento insuficiente é definido como a diferença entre a parte do valor total, adicionado do setor contabilizado por trabalho, e os custos globais de contratação. Dividindo esse número pelo número de trabalhadores desse setor, podemos calcular o valor que deixou de ser pago a cada trabalhador. Como os dados econômicos sobre o valor acrescentado e os custos de contratação são de âmbito nacional, os dados regionais foram calculados na base de dois ou três países por cada região. Posteriormente, assumimos que a distribuição do trabalho forçado pelos três setores de atividade na região podem ser extrapolados a partir da distribuição geral dos trabalhadores dos países selecionados. Os dados regionais relativos ao pagamento insuficiente de salários em cada setor são calculados multiplicando o a parte não-paga de salários por cada trabalhador de cada setor, pelo número de vítimas de trabalho forçado no respectivo setor e região. Esse método baseia-se em quatro hipóteses básicas: • Uma estimativa regional pode ser produzida a partir de uma extrapolação dos dados nacionais de um número de países selecionados da região. • Em cada país selecionado, a distribuição das vítimas de trabalho forçado por vários setores de atividade pode ser produzida a partir da distribuição do total da força de trabalho contratada. • A parte do trabalho em produção variava de um terço até 90%, dependendo da região e do setor de atividade. • Em cada país selecionado, o custo do trabalho por cada trabalhador em situação de trabalho forçado é igual a 80% do salário mínimo do país. Esta percentagem baseia-se em uma série de estudos de caso, que revelaram que os trabalhadores forçados recebiam menos do que o salário mínimo. Todas as suposições acima mencionadas podem ser testadas e aperfeiçoadas através de novas pesquisas, tendo em vista obter dados mais precisos no futuro. Trabalhadores Marítimos 134. É cada vez mais evidente que os Trabalhadores Marítimos estão particularmente expostos ao risco de trabalho forçado e de tráfico. Em dezembro de 2007, uma publicação acadêmica na Itália dedicada ao “trabalho forçado no oceano” concentrou-se na situação dos grupos vulneráveis, que escapavam de longe a uma sistemática observação.38 As circunstâncias de isolamento e de cativeiro desse grupo de trabalhadores, ao lado das dificuldades frequentes na identificação de responsabilidades legais perante as tripulações, podem torná-los particularmente vulneráveis. 135. Existem relatos de casos em que a fraude e o nãopagamento de salários eram práticas deliberadas. Em um desses casos, relatado pela CSI e pela Federação Internacional dos Trabalhadores de Transportes (ITF), um filipino esteve vários meses sem receber seu salário antes de contatar o sindicato. As últimas investigações sugerem que, apesar de os proprietários originais terem reclamado ter vendido o navio a outra empresa, que se recusou a cooperar com a ITF, pode, na verdade, não ter existido alteração genuína de proprietário. Esse é um caso de fraude deliberada, na qual o proprietário não tem a intenção de pagar os salários devidos. 136. Foram realizados amplos relatórios sobre as práticas de trabalho forçado envolvendo o cativeiro físico na indústria da pesca em países asiáticos, com maior incidência na Tailândia. A CSI forneceu informações detalhadas em nome do seu afiliado, o Sindicato dos Trabalhadores 37. Conforme explicado pela Comissão de Peritos, a restrição ou a coerção indireta externas, que interfiram na liberdade de um trabalhador e em sua livre escolha, podem resultar não só de um ato por parte das autoridades, como um instrumento legal, mas também de práticas adotadas por um empregador. São exemplos “quando os trabalhadores migrantes são induzidos por fraude, falsas promessas, e retenção de documentos de identificação, ou forçados a permanecer à disposição de um empregador”; tais práticas representam uma clara violação da Convenção para o Trabalho Forçado (2007 Pesquisa Geral, para. 39). 38. V. Zanin: I Forzati del Mare, Rome, Carocci editore, 2007. 30 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS Tabela 2.2. Estimativa do custo total da coerção (em US$) Número de vítimas de exploração por trabalho forçado Economias Industrializadas Número de vítimas traficadas Total do pagamento insuficiente de salários Total de Taxas de recrutamento Custo total da coerção 113.000 74.133 2.508.368.218 400.270.777 2.908.638.995 61.500 59.096 648.682.323 42.675.823 691.358.145 6.181.000 408.969 8.897.581.909 142.855.489 9.040.437.398 América Latina e Caribe 995.500 217.470 3.390.199.770 212.396.124 3.602.595.894 Áfria Subsaariana 537.500 112.444 1.494.276.640 16.994.438 1.511.271.079 Oriente Médio e Norte da África 229.000 203.029 2.658.911.483 551.719.266 3.210.630.769 Economias em transição Ásia e Pacífico 8.117.500 1.075.141 19.598.020.343 1.366.911.936 20.964.932.279 Nota: Os cálculos excluem vítimas de exploração sexual forçada para fins comerciais. Marítimos da Birmânia (SUB), em que muitos dos seus membros relataram práticas de trabalho forçado em traineiras tailandesas. Um Projeto Interagências das Nações Unidas sobre o Tráfico Humano na Sub-Região do Grande Mekong (UNIAP), retratou uma prática similar como sendo de tráfico humano.39 Testemunhos apontaram para práticas fraudulentas, tanto na Birmânia/Mianmar como entre a comunidade de migrantes birmaneses na Tailândia, e de um recrutamento seguido por limitações de liberdade de movimentos, através de cativeiro físico, em instalações vigiadas. Eram tiradas fotos para passaportes, e preparados falsos documentos de identificação, apresentando os trabalhadores birmaneses como cidadãos tailandeses. Dado o aparecimento de nomes diferentes no registro, essa prática mais tarde per- mitiria aos proprietários dos navios negar que essas pessoas tivessem sido contratadas. As comissões liquidadas aos agentes de recrutamento, posteriormente deduzidas dos salários, podem ser três vezes mais do que o inicialmente acordado. 137. Um estudo realizado em 2007 pelo Centro de Solidariedade estabelecido nos Estados Unidos40, sugere que os cidadãos tailandeses de áreas rurais também podem ser traficados para trabalho forçado na indústria pesqueira. O relatório, que citava fontes governamentais, mencionava que podem estar presos nessas traineiras mais de 10.000 trabalhadores.41 Em um caso extremo documentado pelo ITF42, 39 trabalhadores marítimos birmaneses morreram de fome depois de terem sido abandonados sem comida e água durante mais de dois meses. 39. Ibid., p. 1. 40. Justice for all, Solidarity Center, Thailand, Dec. 2007, p. 109. 41. Ibid. 42. ITF: Seafarers’ Bulletin, No. 22/2008. 43. ibid. 31 O CUSTO DA COERÇÃO 138. Existem relatórios de coerção semelhantes em navios de pesca nos mares europeus. O ITF menciona o caso de trabalhadores marítimos indonésios, em que cada um pagou uma taxa de US$500 a uma agência de recrutamento para trabalhar em um navio espanhol e posteriormente receberam menos de um terço do salário inicialmente acordado.43 Estes casos sugerem a necessidade de serem realizados estudos mais sistemáticos sobre os mecanismos de recrutamento e de colocação dos trabalhadores marítimos em todo o mundo, incluindo as restrições a seus direitos de abandonar os navios, e os custos ou penalidades que possam sofrer se desejarem abandonar o navio, depois de terem sido sujeitos a práticas laborais fraudulentas e abusivas. Trabalhadores domésticos 139. Os trabalhadores domésticos, na sua maioria mul- heres, são outro grupo em particular risco de trabalho forçado, dadas as circunstâncias de isolamento em casas particulares, e também porque, em muitos casos, não são protegidos pela legislação laboral nacional. Assim como os trabalhadores domésticos migrantes podem ser muito vulneráveis devido ao fato de estarem a milhares de quilômetros de distância das suas comunidades de origem e redes, podem igualmente ser expostos a trabalho forçado nos seus próprios países. Em março de 2008, o Conselho de Administração da OIT tomou a decisão fundamental de colocar o tema do trabalho decente para os trabalhadores domésticos na agenda da sessão de sua próxima Conferência, em 2010. No início destas discussões, algumas das circunstâncias em que os trabalhadores domésticos podem ser expostos ao trabalho forçado são abaixo analisadas, bem como os exemplos das ações de alteração à lei e à prática. 140. No seu Relatório Global de 2007 acerca da eliminação da discriminação no trabalho, a OIT salientou o “dupla carga” das mulheres migrantes trabalhadoras, principalmente as trabalhadoras domésticas. Reconhecia que as condições laborais são muito variáveis, ao mesmo tempo que salientava que essas trabalhadoras são “particularmente vulneráveis à discriminação, à exploração e a todo o tipo de abusos, incluindo assédio, violência por parte dos empregadores, e coerção por parte das agências de recrutamento, trabalho forçado, baixos salários e cobertura social inadequada”44. Uma publicação de 2006 de uma ONG apresenta uma visão geral mais ampla das práticas abusivas, que incluem o trabalho forçado e o tráfico sofrido pelos trabalhadores domésticos. Retirado em parte da pesquisa da OIT, o relatório baseiase em estudos de casos de países da África, da Ásia, da América Latina e do Oriente Médio, bem como dos Estados Unidos.45 Os resultados dividem-se da seguinte forma: os principais abusos de ordem penal, comuns a todos os trabalhadores domésticos; os principais abusos laborais, comuns a todos os trabalhadores domésticos e sua exclusão do campo de aplicação da legislação laboral; e as preocupações específicas do trabalho doméstico de crianças e de trabalhadores migrantes, respectivamente. Os abusos criminais são apresentados como abusos psicológicos e físicos, privação de comida, assédio sexual e agressões. As infrações de ordem penal relacionadas com a exclusão do campo de aplicação da legislação laboral, incluem a exploração salarial (como o não-pagamento de salários, a retenção de salários, e a falta de pagamento de trabalho extra), horas de trabalho excessivas e carga de trabalho pesada, dias de descanso insuficientes, cuidados de saúde e licença-maternidade insuficientes, condições de vida precárias, e questões relacionadas com o encerramento de contratos. Foram elaboradas algumas recomendações úteis para os Ministérios do Trabalho, complementando aquelas relacionadas com a aplicação das sanções e penas previstas na lei. Poderiam, ser por exemplo: recolher dados sobre os trabalhadores domésticos em pesquisas sobre forças de trabalho, incluindo dados acerca de queixas laborais e casos de ordem penal que envolvam trabalhadores domésticos; criar e divulgar mecanismos acessíveis de queixas para os trabalhadores domésticos; ampliar os poderes dos inspetores do trabalho para investigar as condições de trabalho dos trabalhadores domésticos em casas particulares; e aplicar as regulamentações que supervisionam as práticas de recrutamento laboral e dos centros de formação, providenciando sanções para aqueles que cometem abusos. 141. Entretanto, também há exemplos de boas práticas, à medida que os governos se tornam mais conscientes da necessidade de proteger seus trabalhadores domésticos das piores formas de abusos. Na América Latina, os inspetores do trabalho da Argentina e do Uruguai podem entrar em casas privadas. Na Bolívia e no Peru, foram adotadas leis específicas acerca do trabalho doméstico. Na Ásia, as leis laborais de Hong Kong (China), prevêem a proteção dos trabalhadores domésticos, enquanto Singapura aumentou as penas criminais para determinados crimes, caso estes tenham sido cometidos contra tra- 44. ILO: Equality at work: Tackling the challenges, Global Report under the follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work, 2007, p. 31. 45. Human Rights Watch: Swept under the rug: Abuses against domestic workers around the world, junho de 2006. 32 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS balhadores domésticos. As Filipinas também tomaram medidas para garantir os direitos de seus trabalhadores domésticos contratados no exterior através de, por exemplo, contratos-padrão, que incluíam um dia de descanso semanal, e regulamentações que exigiam que os empregadores pagassem a maior parte das taxas de recrutamento e de colocação. 142. No entanto, continuam a surgir evidências de práticas altamente abusivas em todo o mundo. Na Europa, os grupos de apoio à sociedade civil deram especial atenção aos trabalhadores domésticos, particularmente aos migrantes. A Comissão Francesa contra a Escravidão Moderna (CCEM) prestou assistência legal e apoio social às migrantes domésticas, tanto crianças como adultas. No Reino Unido, a ONG Kalayaan colaborou com o Congresso Sindical (TUC) para fornecer serviços semelhantes de promoção e apoio aos trabalhadores domésticos migrantes, documentando, igualmente, os casos de abuso. Em 2006, com base nas declarações de cerca de 250 pessoas registradas, a Kalayaan estimou que 70% dos trabalhadores domésticos não tinham tempo livre, 60% não podiam sair de casa, 26% sofriam abusos físicos, e 72%, abusos psicológicos.46 143. No Oriente Médio e nos Estados do Golfo, o Relator Especial das Nações Unidas sobre o tráfico humano deu especial atenção à situação dos trabalhadores domésticos. Uma visita realizada a três Estados do Golfo em novembro de 2006 identificou muitas das práticas abusivas acima referidas, incluindo: o confisco de passaportes e outros documentos de identificação, restrições à liberdade de movimentos, proibição de saída, não-pagamento de salários, trabalho em excesso, e muitas horas de trabalho. Também foram adotadas políticas em resposta a esses problemas nessa região. A Jordânia prepara uma linha especial para os trabalhadores domésticos migrantes, e os Emiratos Árabes Unidos estão preparados para, inter alia, aplicar sanções criminais contra os patrões que abusam de sua posição em relação aos trabalhadores domésticos. Também nos Estados Unidos, muitas das recentes condenações por trabalho forçado envolveram o abuso de trabalhadores domésticos. 144. Ao concentrar sua atenção na proteção aos trabalhadores domésticos em escala mundial, a OIT pode também tirar partido das lições do seu próprio trabalho operacional. Durante muitos anos, um projeto no sudoeste asiático, que combatia o trabalho forçado e o tráfico de trabalhadores domésticos migrantes indonésios, combinou seu trabalho no enquadramento político e legislativo, assim como o aumento da consciencialização e da sensibilização, com o alcance e reintegração de serviços. Um aspecto fundamental consistia na combinação do reforço das capacidades na Indonésia com intervenções paralelas nos países de destino de Hong Kong (China), Malásia, Singapura e China. O projeto providenciou apoio fundamental para novos enquadramentos legislativo e regulamentar, bem como para ordenanças locais. Também estimulou o alcance por parte de sindicatos e de outros grupos de apoio aos trabalhadores domésticos indonésios nos países asiáticos de destino. A economia do trabalho forçado: medir o custo da coerção 145. O nosso último Relatório Global estimou em US$31,7 bilhões o total de lucros ilícitos produzidos em um ano, provenientes do tráfico para trabalho forçado.47 Outros estudos da OIT da mesma época indicavam que, em todo o mundo, o total dos lucros ilegais realizados a partir de 8,1 milhões de trabalhadores forçados em exploração econômica, fora da indústria do sexo, alcançaram os US$10,4 bilhões.48 É igualmente importante examinar esta questão a partir de um ângulo diferente. Quais são, juntamente com o sofrimento humano, os custos financeiros da coerção exercida às pessoas que trabalham em situações de trabalho forçado? Por outras palavras, quanto dinheiro é ”roubado” das pessoas em situações de trabalho forçado? Responder a estas questões exige algumas estimativas dos “custos de oportunidade” de se estar em situação de trabalho forçado, nomeadamente o rendimento perdido por estar em situação de trabalho forçado, em vez de estar em uma relação contratual livre. 146. Com raras exceções, o assunto tem escapado do foco da literatura acerca do trabalho forçado e do tráfico. A pesquisa da OIT realizada durante os últimos anos sugere que a perda de rendimentos associada à coerção pode ser remetida em duas fontes principais. A primeira é o pagamento insuficiente de salários. De fato, podese argumentar que a exploração econômica é o principal motivo pelo qual os empregadores utilizam a coerção. Na maioria dos casos, as pessoas em situação de trabalho 46. Kalayaan and OXFAM: The new bonded labour: The impact of proposed changes to the UK immigration system on migrant domestic workers, June 2008. 47. ILO: A global alliance against forced labour, Global Report under the follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work, Report 1B, ILC, 93rd Session, Geneva, 2005. 48. P. Belser: Forced labour and trafficking: Estimating the profits, ILO, Special Action Programme to Combat Forced Labour, ILO DECLARATION Working Paper No. 42, Mar. 2005. 33 O CUSTO DA COERÇÃO forçado recebem salários mais baixos do valor de mercado, em alguns casos mais baixos do que o mínimo de subsistência. As pessoas em situação de trabalho forçado muitas vezes recebem salários líquidos com algumas deduções artificiais, impostas de forma arbitrária pelo empregador. Por exemplo, as vítimas podem ser excessivamente cobradas pelo custo de seu alojamento — um custo que é muitas vezes deduzido diretamente do salário nominal da vítima. Os trabalhadores vítimas da servidão por dívidas, que reembolsam um empréstimo através de seu trabalho, podem enfrentar deduções para alimentação ou alojamento, pelas quais os empregadores cobram um valor substancial superior ao valor de mercado. Todas essas deduções contribuem para reduzir ainda mais os pagamentos líquidos recebidos pelos indivíduos em situação de trabalho forçado. 147. O pagamento de baixos salários inclui horas extras obrigatórias e outras formas de “trabalho excessivo”, que não são remuneradas de forma adequada. As vítimas de trabalho forçado normalmente trabalham durante mais dias e mais semanas do que os trabalhadores livres, muitas vezes até 16 horas por dia, durante sete dias por semana. Essas horas extras não são remuneradas a uma taxa superior à das horas de trabalho normais; na melhor das hipóteses, as vítimas de trabalho forçado recebem o pagamento normal por hora. Além das longas horas de trabalho, por vezes, o “trabalho excessivo” inclui o trabalho de familiares, como das esposas e das crianças, que contribuem para a produção de bens e serviços, sem receber qualquer pagamento. Todas estas formas de nãopagamento ou de pagamento insuficiente do “trabalho excessivo” devem ser tidas em conta, quando for realizada a estimativa do custo total da coerção. 148. A segunda fonte de perda de rendimentos, que surge principalmente em casos de tráfico humano, consiste nos custos financeiros associados ao processo de recrutamento. Os trabalhadores migrantes traficados para trabalho forçado muitas vezes têm uma série de custos associados ao seu recrutamento, incluindo pagamentos a uma agência de recrutamento ou a um intermediário, para financiar um determinado tipo de formação necessária à sua admissão no país de destino, adquirindo competências linguísticas, ou o pagamento pelo visto e pelo transporte. Apesar de todos os tipos de trabalhadores migrantes terem esse tipo de custos, a nossa pesquisa aponta que há uma clara relação entre o valor despendido durante o processo de recrutamento e a probabilidade de se tornar uma vítima de trabalho forçado. 34 149. Será que o custo global da coerção pode ser estimado? Atualmente, os dados são ainda escassos, sendo que será necessário realizar muito mais estudos nessa área para se obter uma ideia precisa e sólida da magnitude do custo da coerção. Podem, no entanto, ser calculados alguns dados referenciais, excluindo as vítimas de exploração sexual comercial forçada, mas incluindo os outros setores econômicos, onde a incidência do trabalho forçado tem sido mais amplamente documentada. Com base na informação disponível, estimamos que o montante total de salários não-liquidados às pessoas vítimas de trabalho forçado atinja aproximadamente US$19,6 bilhões. A divisão regional é apresentada na tabela 2.2 (coluna 3). Os dados são obtidos através da multiplicação do número total de vítimas (na coluna 1) pela média estimada dos salários insuficientemente pagos em diferentes setores (agricultura, indústria transformadora, construção e serviços). O último, por sua vez, é estimado como a diferença entre os atuais pagamentos de salários realizados às vítimas de trabalho forçado, e a estimativa do que estas deveriam ter recebido, tendo em conta os dados relativos à produtividade do trabalho nesses setores. 150. Além disso, verificou-se que as vítimas traficadas pagaram custos de recrutamento, que podem variar entre US$150 nas regiões pobres, a uma média de mais de US$5.000, para garantir trabalho em países industrializados (em casos extremos os pagamentos podem ser dez vezes superiores a esse valor). Quando multiplicado pelo número de vítimas de tráfico de cada região (coluna 2), isso representa uma soma global de mais de US$1,4 bilhão. Quando adicionada ao rendimento perdido devido ao não-pagamento de salários, estimamos que o custo total da coerção aos trabalhadores alcance um número referencial de cerca de US$21 bilhões. 2. TRABALHO FORÇADO: CAPTAR AS TENDÊNCIAS 35 Capítulo 3 Ação nacional contra o trabalho forçado: o papel dos governos Introdução 151. O presente capítulo está relacionado com o papel dos governos na liderança e na coordenação da ação nacional contra o trabalho forçado. Em primeiro lugar, discute abordagens básicas de orientação dessa ação, tal como se reflete na legislação e nas políticas nacionais. Em segundo lugar, observa os mecanismos internacionais de implementação dessas leis e políticas, analisando algumas experiências recentes, com a aplicação da lei contra o trabalho forçado e o tráfico humano. Em terceiro lugar, discute os planos de ação nacionais e, por fim, salienta o papel particular que podem desempenhar as instituições laborais, incluindo a inspeção e a administração do trabalho, de uma forma mais geral, no fortalecimento da ação dos poderes políticos contra o trabalho forçado. 152. Ao apresentar as recentes experiências nacionais, devem ser realçados alguns problemas. Como o trabalho forçado e o tráfico são crimes graves, é razoável assumir que a ação governamental contra esses crimes, pelo menos no que concerne à instauração do processo, deverá ser conduzida pela justiça criminal. Ao mesmo tempo, tem havido um reconhecimento crescente de que os intervenientes laborais possam ser uma parte importante da resposta legal e política, seja da parte da acusação dos criminosos, seja da proteção de vítimas atuais ou potenciais, ou de outras medidas preventivas que possam identificar as causas básicas do trabalho forçado. Em alguns países e jurisdições, a inspeção do trabalho faz parte integrante da aplicação da lei criminal, procurando aplicar sanções criminais contra os criminosos. Em outros casos, os tribunais de trabalho funcionam separadamente da justiça penal, aplicando outras sanções diferentes das penalizações criminais. Por outro lado, os inspetores do trabalho podem ser principalmente motivados pela preocupação de assegurar condições de vida e de trabalho jus- tas para os trabalhadores, podendo incluir o pagamento de indenizações por qualquer tipo de dano sofrido. Por outro lado, também têm o poder de aplicar sanções contra empregadores abusivos, incluindo multas ou, em casos extremos, o fechamento das empresas. Também existem casos, como acontece em Itália, onde as unidades especiais, que combinam a polícia e a inspeção do trabalho, têm o poder de aplicar sanções criminais, laborais ou administrativas, dependendo das circunstâncias. 153. Uma coisa é certa. Como as leis e os responsáveis políticos despertaram para o risco da exploração laboral, incluindo o trabalho forçado, na economia privada, por vezes afetando trabalhadores no território nacional e em outras situações, como aqueles que emigram para o exterior sob condições precárias, tem havido múltiplas e pertinentes respostas políticas em relação aos mecanismos de elaboração e de implementação. Essas respostas foram muitas vezes conduzidas pelo movimento global contra o tráfico humano, apesar de, principalmente nos países desenvolvidos, serem também motivadas pela necessidade de se adaptar o conceito legal de trabalho forçado para que incluam novas formas de coerção durante uma época de transição econômica. Elaboração de leis e políticas 154. A proibição do trabalho forçado está atualmente consagrada em quase todos os países, seja no direito constitucional, penal do trabalho, ou administrativo. Isto era de se esperar, dado que as duas Convenções da OIT sobre o trabalho forçado foram quase que universalmente ratificadas. Alguns países podem não efetuar uma referência explícita ao “trabalho forçado” em si, mas podem utilizar outras formas que capturem a sua essência. No entanto, foram realizados debates que levantaram algumas questões. Uma diz respeito à gravidade relativa dos 37 O CUSTO DA COERÇÃO crimes, quando o trabalho forçado estiver coberto pelo direito penal e do trabalho. Outra debate se condições de trabalho precárias, como a coerção, deveriam ser consideradas uma característica essencial do crime do tráfico humano para exploração laboral e sexual. 155. Em diversos países, o recente impulso traduziu-se nas novas leis contra o tráfico humano, depois da entrada em vigor do Protocolo de Palermo sobre o tráfico. Em alguns casos, o crime específico do trabalho forçado era considerado sob essa legislação antitráfico. Um exemplo foi a legislação antitráfico de 2000 dos Estados Unidos, com alterações em 2005 e em 2008, que introduziu uma lei sobre o trabalho forçado, preparando o terreno para um crescimento sólido das acusações de crime de trabalho forçado nos últimos anos.1 Em outras situações, o ponto de entrada conceitual para definir o delito criminal do tráfico humano poderia não ser a coerção no mesmo âmbito dos instrumentos da OIT acerca do trabalho forçado. Na Bélgica e na França, o crime do tráfico envolve a imposição de residir e de trabalhar em condições laborais consideradas “contrárias à dignidade humana”. Na Alemanha, no Código Penal, que passou por emendas em 2005, o novo crime do tráfico para exploração incluía os conceitos das condições análogas à escravidão e à servidão por dívidas. O novo artigo aplica-se só a estrangeiros; e um dos critérios para o crime de tráfico para exploração laboral seria o pagamento de salários marcadamente inferiores aos dos cidadãos alemães. 156. Outras abordagens legislativas associam os conceitos de coerção e das condições degradantes. Um exemplo dessa abordagem pode ser encontrado no Brasil, onde uma alteração efetuada em 2003 no Código Penal estabeleceu como crime a “imposição de condições semelhantes às da escravidão”, o que inclui ações como sujeitar uma pessoa ao trabalho forçado, ou a condições do trabalho árduas e degradantes, ou a restrição de mobilidade por motivo de contração de dívida perante os seus empregadores ou representantes. Quaisquer pessoas que retenham os trabalhadores no local de trabalho, quer para os impedir de utilizar meios de transporte, retendo os seus documentos ou bens, ou mantendo controle manifesto, estão também sujeitas a sentença de prisão. 157. Em outros casos, surgiram debates sobre os adiantamentos, e as circunstâncias em que tal pode conduzir à servidão por dívidas e ao trabalho forçado. Nos países do sul da Ásia, como a Índia e o Paquistão, existe legislação muito detalhada contra a “servidão por dívidas”, em conjunto com as regulamentações e orientações sobre os 1. Lei de Proteção às Vítimas de Tráfico e Violência de 2000, artigo 1589. 2. Artigo 261 do Código Penal. 3. Artigo 263 do Código Penal. 38 procedimentos para detectar a sua incidência. Contudo parece ter havido muito poucas condenações, apesar da crença da existência de servidão por dívidas se encontrar altamente disseminada por diferentes setores econômicos. Dessa forma, recentemente, a atenção voltou-se para a necessidade de se esclarecer a diferença entre procedimentos incontestavelmente coercivos, que merecem ser penalizados por lei, e os sistemas de empréstimos e de adiantamentos salariais, baseados em consensos entre ambas as partes para uma relação laboral. 158. A China assinalou diferentes aspectos do trabalho forçado em sua legislação penal e do trabalho. A Lei Laboral de 1994 proíbe explicitamente o trabalho forçado por meio de violência, de ameaças, do cativeiro ilegal e da privação de liberdade pessoal. O Código Penal, conforme alteração em 2006, inclui penalizações para as pessoas que forcem outras a realizar trabalhos perigosos. Esse é ainda complementado pela Lei Contratual do Trabalho de 2008, com várias disposições que proíbem as horas extras forçadas, o confisco de documentos de identidade, e a servidão por dívidas. Quando as consequências do trabalho forçado forem graves para os trabalhadores, os criminosos sofrerão diversas penalizações de acordo com o Código Penal, incluindo até três anos de prisão, ou até dez anos, quando os trabalhadores forem forçados a trabalhar perante condições de trabalho perigosas. 159. Em outros casos, há uma tendência por parte dos legisladores a realizar uma classificação dos crimes que coloca a “exploração” com uma classificação inferior, o trabalho forçado no meio, e a escravidão no extremo. Em algumas zonas da África, a escravidão foi considerada a infração penal mais grave. Na Zâmbia, uma pessoa que comercialize, receba ou detenha uma pessoa como escrava, é culpada de crime capital, e sujeita a uma pena de sete anos de prisão2, enquanto um indivíduo que force ilegalmente qualquer pessoa para uma situação de trabalho forçado é culpada de ato ilícito.3 Além disso, o Código Penal passou por emenda em 2005 para prever uma condenação mínima de 20 anos para o crime capital do tráfico. A Mauritânia e o Níger, que há muito tempo reconheceram a necessidade de lidar com os vestígios da escravidão, adotaram recentemente novas leis contra a escravidão. Em agosto de 2007, a Mauritânia adotou uma nova lei para definir e criminalizar a escravidão, que entrou em vigor no início de 2008. O Novo Código do Trabalho, que entrou em vigor em 2004, previa já uma proibição geral ao trabalho forçado. No Níger, o Código Penal passou por emenda em 2003 para incluir 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS uma cláusula que criminalizasse a escravidão, sentenciada a uma severa pena de prisão. O trabalho forçado é também proibido no Código Penal, porém a condenação pelo crime é pequena. 160. A nova lei antitráfico de Israel, adotada pelo Parlamento Israelita em outubro de 2006, é conceitualmente baseada na noção de diferentes crimes de crescente grau de gravidade, para identificar as “gradações na exploração”.4 Conforme explicado pelo Ministério da Justiça, isso reflete a crença de que a exploração, mesmo que não leve ao tráfico ou à escravidão, poderá ainda criar um clima que conduza ao desenvolvimento dessas formas graves de exploração. No que concerne ao tráfico para efeitos de escravidão ou de trabalho forçado, a lei faz uma distinção entre diversos crimes. O mais grave é o tráfico de pessoas tendo em vista um vasto conjunto de objetivos, incluindo a escravidão e o trabalho forçado, prevendo uma pena máxima de 16 anos de prisão, ou de 20 anos, se for cometido contra um menor de idade. Considera-se que crime específico do “trabalho forçado”, que compreende condenações inferiores, cobre situações de “exploração inferior à escravidão ou o tráfico”. A nova lei também penaliza atos como a retenção de passaportes. 161. Na Europa, no relatório sobre tráfico de seres humanos publicado em 2007 pelo Relator Nacional Holandês é dada particular atenção à ligação entre o trabalho forçado e o conceito de exploração.5 Este relatório analisou, pela primeira vez, a questão da exploração em outros setores além da indústria do sexo, incluindo os desafios metodológicos envolvidos. O tráfico para exploração laboral fora da indústria do sexo constitui um crime capital na Holanda, desde janeiro de 2005. No entanto, a legislação não prevê uma linha divisória entre “situações de má contratação e de escravidão”, e é confiada ao poder judicial para posteriormente definir o conceito de exploração laboral. O conceito de exploração aplicado pelo Escritório do Relator Nacional Holandês baseia-se na combinação da falta de liberdade como um fator constante, e de, pelo menos, uma das outras três práticas, que são tomadas como indicadores de trabalho ou serviço forçado: a força, o uso abusivo da autoridade ou o abuso da vulnerabilidade; más condições de trabalho; e múltiplas dependências em relação ao empregador. Ao analisar uma situação, todos os detalhes do caso, como a duração, o grau de organização, e a idade da vítima são tidos em consideração. 162. Em resumo, e conforme se verificou na discussão dos conceitos do Capítulo 1, os legisladores têm de examinar com uma série de conceitos, que envolvem dif- erentes graus de perda de liberdade, em conjunto com abuso ou exploração graves na relação laboral. As leis emergentes, tenham elas como objeto o trabalho forçado ou o tráfico de seres humanos, visam principalmente prevenir o risco de práticas abusivas na economia privada. É possível dizer nos países em desenvolvimento, onde a proteção do trabalho é limitada nas indústrias e empresas localizadas em zonas remotas, a lei tem que responder a situações mais extremas de violência e de exploração. Nesses países, os legisladores podem ter de identificar formas mais sutis e menos claras de exploração. No entanto, em todo o mundo, são realizados debates importantes acerca dos limites que separam as formas de exploração coerciva e não-coerciva, das “classificações da exploração”, e dos meios para as identificar, através da lei penal ou do trabalho, ou de uma combinação de ambas. 163. Finalmente, cada vez mais países têm tomado consciência da necessidade de providenciar leis especiais de proteção a seus trabalhadores que emigram para o exterior através de práticas abusivas, incluindo o trabalho forçado. Uma Lei indonésia de 2004 que visava a proteção de seus trabalhadores no exterior, explicitamente motivada pelo fato desses trabalhadores terem sido frequentemente vítimas de trabalho forçado e de tráfico, prevê severas sanções criminais para as entidades que colocarem tais trabalhadores em situações definidas globalmente como “opostas aos valores humanos e às disposições legais”.6 Em 2007, da mesma forma, o Nepal aprovou um emenda a sua Lei do Trabalho no Exterior, no sentido de conferir maior proteção aos seus trabalhadores no exterior, decretando sanções penais para uma série de crimes, incluindo a cobrança excessiva de taxas. Condenações e aplicações da lei contra o trabalho forçado 164. Continua sendo difícil obter informações fiáveis acerca da instauração dos processos judiciais a respeito do trabalho forçado em âmbito nacional. Pouquíssimos Estados publicam dados estatísticos relativos a essa situação. No âmbito mundial, o relatório de 2007 do Departamento de Estado dos EUA, “Tráfico de Pessoas”, pela primeira vez indicou o número total de acusações e de condenações relacionadas com a exploração no trabalho em oposição ao tráfico sexual (490 acusações e 326 condenações, de um total de 5.682 acusações e de 3.427 condenações para todos os casos de tráfico). 4. Lei que Proíbe o Tráfico de Pessoas (Alterações Legislativas), 5766-2006, 19 out. 2006. 5. Quinto Relatório do Relator Nacional Holandês, op. cit. 6. Lei da República da Indonésia, Nº. 39, 2004, sobre a colocação e proteção dos trabalhadores indonésios no exterior. 39 O CUSTO DA COERÇÃO 165. O Governo do Brasil tem disponibilizado regu- larmente informações relativas às pessoas libertadas de situações de trabalho forçado. Em 2006, o Ministério do Trabalho e do Emprego libertou 3.266 indivíduos de condições laborais equivalentes ao trabalho forçado, através de mais de cem operações conduzidas pelos grupos especiais de inspeção móvel do Ministério, maioritariamente em áreas rurais remotas no Norte do país. Os empregadores responsáveis pelo trabalho forçado são sujeitos à instauração do processo e são legalmente obrigados a compensar os empregados pelo trabalho não-remunerado.7 Em 2007, o Ministério anunciou um novo recorde de pouco menos de 6.000 pessoas libertadas só naquele ano, e um total de mais de 30.000 libertações desde que os grupos de inspeção móvel iniciaram as suas atividades em 1995. Em meados de 2008, havia sete equipes de inspeção móveis nacionais, compostas por inspetores do trabalho e por procuradores do trabalho, em conjunto com oficiais da Polícia Federal, para assegurar a segurança da equipe. Nos primeiros seis meses de 2008, foram inspecionadas separadamente 96 propriedades rurais, geralmente em áreas remotas, tendo sido libertadas 2.269 vítimas de “trabalho escravo “ em 14 Estados.8 166. Apesar do número significativo de casos identificados e libertados, quase não existiam condenações por trabalho forçado no Brasil, no âmbito da justiça criminal. As principais armas à disposição dos procuradores do trabalho consistiam na imposição de multas aos criminosos, e na ordem de pagamento de indenizações às vítimas. Os pagamentos de indenizações, impostos pelos tribunais do trabalho, aumentaram recentemente, a fim de funcionarem como um sério dissuasor. A multa mais elevada, imposta em 2006 a um proprietário de cuja propriedade foram libertadas 180 pessoas em situação de “trabalho escravo”, alcançou 5 milhões de reais brasileiros (cerca de US$3 milhões). Só se conhece uma condenação criminal que tivesse envolvido uma sentença de prisão. Em maio de 2008, o Tribunal Federal do Maranhão sentenciou Gilberto Andrade a 14 anos de prisão, incluindo 11 anos pelo crime de redução de uma pessoa a condições análogas à escravidão. Foi igualmente condenado a pagar 7,2 milhões de reais relativos aos salários em atraso dos trabalhadores. 167. Em outros locais também existem exemplos de ações coordenadas por diferentes instâncias de aplicação da lei, em resposta a casos de trabalho forçado particularmente graves. Um exemplo disso são as intervenções nas províncias chinesas de Shanxi e Henan, em maio e junho de 2007, que envolviam casos graves de trabalho forçado em fornos de tijolos. Foi rapidamente preparada uma equipe de pesquisa - que abrangia os Ministérios do Trabalho e da Segurança Pública, bem como a Federação de Sindicatos da China (ACFTU) - para investigar os abusos alegados. A Administração Estatal da Segurança Laboral (China) (SAWS) foi também envolvida em inspeções posteriores. Mais tarde, os meios de comunicação chineses relataram que, no total, 1.340 pessoas foram resgatadas, desde que, pela primeira vez, estourou o escândalo do trabalho forçado. 168. Os Estados Unidos verificaram um sólido crescimento de acusações criminais contra o tráfico, incluindo o trabalho forçado. Uma medida importante foi a criação, em janeiro de 2007, da Unidade de Ação contra o Tráfico Humano, que forma parte da Seção Criminal da Divisão dos Direitos Civis do Departamento de Justiça. No ano de 2007 verificou-se um número recorde de condenações, desde que a Lei de Proteção às Vítimas de Tráfico foi pela primeira vez promulgada em 2000. As 103 condenações incluíam 17 por tráfico laboral e 86 por tráfico sexual. Os sentenciados a ordem de prisão receberam uma condenação média de mais de 11 anos, enquanto os traficantes condenados foram igualmente condenados a uma pena de cerca de US$2 milhões em bens, e ao pagamento de restituições de mais de US$3 milhões.9 169. Em agosto de 2008, duas decisões do Tribunal de Apelação dos EUA sobre casos de trabalho forçado, ambos incluindo a servidão doméstica, pareceram preparar uma tendência para uma ação judicial mais forte. No primeiro caso, o Tribunal de Apelação dos EUA para o Sétimo Circuito10 confirmou as anteriores condenações de dois médicos, pelo fato de terem mantido seus trabalhadores domésticos em situação de trabalho forçado. O tribunal decretou que o abuso da lei por ameaça de deportação era um método de violação do estatuto do trabalho forçado, mesmo nas situações em que essa deportação era legalmente permissível. Ações como a retenção do passaporte do trabalhador doméstico, ter dado a entender à vítima que esta poderia ser denunciada às autoridades de deportação, e falsas declarações de que eram as únicas pessoas que as podiam contratar legalmente foram todas consideradas como provas suficientes para manter uma condenação por trabalho forçado. No segundo caso, o Tribunal de Apelação dos EUA para o Sexto Circuito, também manteve a condenação de um homem que forçou uma jovem à servidão doméstica, através de agressões e espancamentos.11 7. Comunicado à Imprensa da Embaixada do Brasil em Londres, 9 de janeiro de 2007. 8. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, uma ONG da Igreja Católica Brasileira, 58% desses casos encontravam-se em zonas de criação de gado, seguidos de 11% na cana-de-açúcar e de 11% em outras colheitas. 40 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS 170. Na Índia, o Governo indicou que dá prioridade à identificação, libertação e reabilitação de servidão por dívidas. De acordo com as estatísticas oficiais, desde meados de 2008, foram relatadas pelos Estados 5.893 acusações e 1.289 condenações em virtude do Sistema Legal de Servidão por dívidas de 1976 (Abolição).12 Desde 1997 o Supremo Tribunal da Índia incubiu à Comissão Nacional dos Direitos Humanos responsabilidades para o acompanhamento da implementação da Lei de 1976. Desde então foram analisadas as situações de vários estados. Por exemplo, em Uttar Pradesh, uma análise realizada em setembro de 2005 pelo Relator Especial da Comissão concentrou-se no setor da tecelagem de tapetes, e disponibilizou alguns dados úteis sobre a aplicação da lei. Durante o período de 1996 a 2006, foram identificadas e libertadas um total de 2.778 vítimas de servidão por dívidas em todo o estado, insistindo-se ativamente na reabilitação. Foram apresentadas duzentas e trinta e uma (231) acusações até meados de junho de 2005, mas apenas seis casos foram deliberados nessa época e todos resultaram em absolvição. 171. No Paquistão, onde a legislação de 1992 prevê uma sentença de até cinco anos de prisão para a extorsão e servidão por dívidas, a ação judicial foram mais utilizada para assegurar a libertação das vítimas de servidão por dívidas do que para perseguir os criminosos. Recentemente, estimou-se que foram libertadas 8.530 vítimas de servidão por dívidas durante os últimos 17 anos, 563 das quais pelo Governo, 722 através da ação conjunta entre autoridades judiciais e a sociedade civil, e os remanescentes através de fuga, muitas vezes com a assistência de alguma ONG. De acordo com o relatório de 2007 da Comissão dos Direitos Humanos do Paquistão, em janeiro daquele ano, o Rawalpindi Bench do Supremo Tribunal de Lahore ordenou a libertação de 39 vítimas de servidão por dívidas que trabalhavam em fornos de tijolos. A Comissão também relatou casos em que os camponeses e os seus filhos fugiram de centros de detenção privados localizados nas propriedades dos empregadores. Em um outro caso, o Hyderabad Bench do Supremo Tribunal de Sindh, registrou um caso contra nove proprietários de fornos de tijolos, devido ao fato de manterem os trabalhadores em cativeiro e sob tratamento desumano. 172. Em geral, no sul da Ásia, a aplicação eficaz da lei contra a servidão por dívidas permanece um grande desafio. As vítimas de servidão por dívidas enfrentam claramente muitos obstáculos na apresentação de seus casos aos tribunais, incluindo muitas vezes a sua situação de iletramento e de falta de conhecimentos sobre a própria lei, ou de meios de acesso à justiça. No entanto, a falta de um claro consenso a respeito da natureza e incidência da servidão por dívidas é também um problema-chave. 173. Em diversos países se vê a tendência de aumentar a instauração dos processos de crimes de tráfico, incluindo a exploração laboral e sexual. A Federação Russa, por exemplo, adicionou o artigo 127 a seu Código Penal em 2003, para proibir o tráfico com o objetivo de exploração sexual e de trabalho forçado. Em 2007, a polícia conduziu 139 investigações de tráfico, 35 das quais estavam relacionadas com casos de trabalho forçado. Estima-se que quarenta e seis traficantes foram condenados em 2007, representando uma tendência ascendente sólida das acusações e das condenações, desde que o Código Criminal passou por uma emenda. Na Ucrânia, o Ministério do Interior relatou que o número de acusações de tráfico laboral aumentou de três em 2006 para 23 em 2007. Também foi notado um aumento semelhante das acusações, incluindo por tráfico sexual e laboral, em diversos países da Europa Central e Leste Europeu. 174. Geralmente, a informação disponível sugere que o sucesso das acusação de casos individuais de trabalho forçado é provavelmente maior quando se trata de crime do tráfico para exploração laboral e sexual. Além disso, a aplicação efetiva da lei é mais provável quando uma unidade particular foi estabelecida por uma agência de aplicação da lei, provida dos recursos adequados, e com um mandato específico para investigar e processar judicialmente esses casos. Esse era o caso da Unidade de Combate contra o Tráfico Humano, estabelecida em 2007 nos Estados Unidos. 175. Esse era também o caso da Ucrânia, onde os recursos humanos para combater o tráfico foram consideravelmente fortalecidos, e foi fornecida formação pericial aos membros do poder judicial. Em 2008, foram contratados 30 oficiais antitráfico pelo Departamento Antitráfico do Ministério dos Assuntos Internos da Ucrânia, com unidades semelhantes existentes no oblast (distrito administrativo) e níveis jurisdicionais, totalizando mais de 600 oficiais antitráfico. É igualmente ministrada formação pericial sobre o tráfico humano aos membros do serviço de segurança, e aos juízes, como parte do seu currículo normal de formação. 176. Os tribunais regionais podem desempenhar um papel importante caso os tribunais nacionais não reconheçam a gravidade do trabalho forçado. Um julgamento 9. Relatório Anual da Procuradoria-Geral ao Congresso, maio de 2008. 10. US v. Calimlim, decidido em ago. 2008. O Sétimo Circuito tem autoridade sobre os estados federais de Illinois, Indiana e Wisconsin. 11. Caso Nº. 07-1740, decidido e depositado, 20 de agosto de 2008. 12. Declaração pelo representante do Governo da Índia na Conferência Internacional do Trabalho, Genebra, junho de 2008. 41 O CUSTO DA COERÇÃO realizado em 2008 no Tribunal de Justiça de ECOWAS, decretou que o Governo do Níger pagasse uma indenização a uma antiga “escrava” vendida ao seu “senhor” com 12 anos de idade, para trabalhar durante um período de quase dez anos. A escravidão tornou-se um crime penal em 2003, mas os tribunais nacionais não reconheciam o direito da mandante da queixa de se libertar do seu “senhor” e de casar com outro homem. Da mesma forma, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH*) subverteu a ordem de um Tribunal Francês, por falhar em reconhecer a gravidade da servidão doméstica no caso Siliadin v. France. O Tribunal também verificou que a lei Francesa falhou no reconhecimento do sofrimento da vítima, sendo que as disposições do código penal eram demasiado ambíguas para proteger os cidadãos dos abusos do trabalho forçado com eficácia, sob o Artigo 4 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.13 Nas duas situações as ONGs foram fundamentais na apresentação desses casos perante o tribunal. 177. Foi também processada ação judicial através de mecanismos especiais, como a Autoridade de Licenciamento de Agentes Empregadores do Reino Unido (GLA). Enquanto o principal instrumento da GLA consistia na revogação das licenças, nos casos mais graves também podia instigar a instauração criminal dos processos. A primeira sentença por violação da Lei dos Agentes (Licenciamento) de 2004, foi deliberada por um tribunal escocês em maio de 2008, envolvendo uma pena relativamente pequena para o crime de exercício de atividade sem uma licença de gangmaster. No mesmo mês, os oficiais da GLA investigaram um caso mais grave, envolvendo principalmente colhedores de flores poloneses, que relataram não poder sair antes do contrato, sem a contrapartida do pagamento de uma soma substancial de dinheiro, recebendo ameaças contra familiares no regresso à casa. No contexto dos relatos de abusos contínuos, desde essa época a GLA expandiu suas atividades, lançando em junho de 2008, a “Operação Ajax”, um programa de 18 meses de aplicação direcionada a ações-surpresa pelo Reino Unido. Dessa forma, a GLA é um modelo de intervenção direcionada, com uma resposta legal variada, e que chama cada vez mais a atenção para os abusos que permaneceram anteriormente impunes, com a opção de poder aplicar sanções penais em relação aos crimes mais graves. 178. A cooperação internacional pode ser a chave para a instauração de processos bem sucedidos, particularmente nos casos de tráfico além-fronteiras. Em um caso referido em 2006, foram recrutados trabalhadores poloneses sob falsos pretextos de trabalho agrícola na província de Apulia, no sul de Itália. Os trabalhadores da propriedade rural foram alojados em condições sórdidas, e eram obrigados a trabalhar gratuitamente, sob a vigilância de guardas armados. A Embaixada Polonesa começou a receber relatórios de trabalhadores que fugiram em 2005. A polícia polonesa acabou por iniciar investigações em colaboração com os Carabinieri Italianos. Mas, dado que estavam em falta acordos necessários, não pôde ser constituída uma equipe de pesquisa conjunta. No entanto, em 2006, foram realizadas reuniões na EUROPOL e na EUROJUST para preparar uma operação conjunta e facilitar a troca de informações e de provas. Pouco tempo depois, foram emitidas 27 ordens de prisão, nove das quais emitidas na Polônia, através de um mandato de prisão europeu. No total, foram emitidas 22 ordens de prisão na Polônia, e os criminosos ainda enfrentavam julgamento ao fim de 2008. Mais de uma centena de trabalhadores foram salvos e receberam assistência por parte de ONGs italianas e polonesas.14 179. Um aspecto importante da aplicação da lei é o tratamento e a proteção disponibilizados às atuais e potenciais vítimas de trabalho forçado e de tráfico. Ser classificado como “vítima” pode ter implicações positivas e negativas. Por um lado, as vítimas podem receber proteção e assistência especiais de acordo com a lei nacional; mas, por outro, podem sofrer estigmatização ou traumas pelos procedimentos de aplicação da lei. No que concerne às pessoas traficadas, a maioria dos países concede residência temporária e outra assistência condicional, desde que a vítima esteja disposta a cooperar com a aplicabilidade da lei e a testemunhar em tribunal. A Itália é uma exceção, onde as pessoas traficadas recebem incondicionalmente uma permissão de residência e acesso a apoios sócio-econômicos. Elas podem, 18 meses depois, candidatar-se à residência permanente, desde que tenham encontrado trabalho. 180. Por vários motivos, as vítimas de trabalho forçado muitas vezes consideram difícil a reparação através de procedimentos criminais ou do recebimento de compensações através de fundos estatais especiais, ocasionalmente preparados para estas situações. Os tribunais do trabalho, no entanto, podem providenciar uma importante oportunidade para que os trabalhadores possam contestar condições de trabalho abusivas, incluindo o trabalho forçado, através de procedimentos administrativos. 181. Um estudo realizado em 2008 analisou as questões de compensação às vítimas nos países da Organização *NT - Também conhecido por ECHR 13. Ver Affaire Siliadin v. France, Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Requête Nº. 73316/01 (2005). 42 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).15 Esse estudo concluiu que o direito a essa compensação deve ser exercido principalmente contra o traficante ou o explorador, apesar de nos casos de crimes violentos também existir o direito de compensação oriunda de fundos estatais. As queixas civis podem normalmente ser instauradas em paralelo com o procedimento criminal, exceto no Reino Unido. As queixas civis podem também ser instauradas independentemente da existência de uma ação penal; os Estados Unidos são a única nação onde uma reclamação de indenização para uma vítima faz automaticamente parte dos procedimentos penais em casos de tráfico. 182. Um exemplo dessa situação é a denúncia de um tribunal civil, em nome de mais de 500 migrantes indianos do sexo masculino, apresentada perante um tribunal distrital da Luisiana, nos Estados Unidos, em março de 2008. Foi alegado que os homens tinham sido traficados para os Estados Unidos através do programa federal do Governo “Trabalhador Hóspede H-2B”, que fornece trabalho e presta serviços a uma determinada empresa, tendo sido sujeitos a trabalho forçado como soldadores, montadores de tubos, montadores de navios, e outros trabalhos nos estados do Mississipi e Texas. A ação foi apresentada para recuperação dos danos infligidos pelos agentes da empresa que operava na Índia, nos Emiratos Árabes Unidos e nos Estados Unidos. Entre um vasto conjunto de alegações de tratamento abusivo, persistiu a queixa de que eles tinham incorrido em dívidas substanciais e liquidado suas economias, no intuito de pagar taxas de recrutamento, em um total de US$20.000 por trabalhador. 183. As vítimas de trabalho forçado e de tráfico podem muitas vezes ser dissuadidas de apresentar queixa, com medo de serem punidas por terem entrado ilegalmente em um país. No entanto, as leis da imigração da maioria dos países da Europa, não impedem o acesso dos trabalhadores não-documentados aos tribunais de trabalho, nem exigem que os tribunais denunciem os migrantes em situação irregular às autoridades. Em Portugal, um Magistrado do Tribunal do Trabalho não vai inquirir acerca da situação de imigração dos trabalhadores. Da mesma forma, os tribunais espanhóis reconhecem o direito dos trabalhadores em situação irregular de recorrerem aos tribunais do trabalho em busca de proteção e compensação por violação dos direitos laborais básicos, independentemente da sua situação de imigração. Políticas, planos de ação e mecanismos de coordenação nacionais 184. As políticas e os planos de ação desenvolvidos em âmbito nacional fornecem um enquadramento para dar prioridade e planear ações contra o trabalho forçado e o tráfico e, mais importante, para assegurar a coordenação eficaz entre os vários atores, incluindo os constituintes da OIT e outros que tenham um papel a ser desempenhado nessa ação. Demonstram um empenhamento claro da política nacional na identificação dos problemas, e constituem um veículo para canalizar os recursos necessários à sua implementação. Dependendo das circunstâncias nacionais, esses planos podem identificar o trabalho forçado e o tráfico humano separadamente, ou, em menor frequência, em simultâneo. 185. Alguns dos melhores exemplos dos planos de ação contra o trabalho forçado são originários da América Latina. O primeiro plano de ação do Brasil sobre o “trabalho escravo” foi adotado em 2003, fornecendo a base para uma forte coordenação interministerial, através da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE). Construído com base nessa experiência, um Segundo Plano de Ação, adotado em setembro de 2008, inclui novas medidas importantes, como uma proposta de alteração constitucional, que autoriza a expropriação e a redistribuição da propriedade de empregadores que usufruem do trabalho forçado, e outras alterações legais, no intuito de promover a proteção dos trabalhadores sujeitos a esse tipo de trabalho no Brasil. O Plano também propõe sanções econômicas mais pesadas contra os empregadores que usam o trabalho forçado, privando-os de receber empréstimos por parte de entidades privadas e públicas, e de assinar qualquer contrato com uma entidade pública. Aumentou os poderes da Unidade Móvel de Inspeção, e propôs o estabelecimento de agências de emprego nas áreas de origem do trabalho forçado. Finalmente, o plano inclui novas medidas de prevenção e de reintegração, como o direito a documentos de identidade, assistência legal, benefícios sociais e formação profissional para os trabalhadores libertos do trabalho forçado. 14. Ver Operation Terra Promessa, presentation by Gianfranco Albanese, Captain, CC Command Labour Protection, Italy, ILO Labour Inspection Expert Meeting, 5–6 December 2007. 15. Compensation for trafficked and exploited persons in the OSCE region, OSCE Office for Democratic Institutions and Human Rights (ODIHR), Warsaw, 2008. 43 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 3.1 Peru: a institucionalização da luta contra o trabalho forçado Um estudo realizado em 20041 pela OIT e pelo Ministério do Trabalho e do Emprego do Peru confirmou a existência de trabalho forçado em alojamentos ilegais na região tropical da Amazônia. Esse estudo estimou que existiam cerca de 33.000 vítimas, na sua maioria indígenas. Pouco tempo depois, com o apoio da OIT, o governo iniciou a elaboração de um plano de ação nacional de combate ao trabalho forçado, através de um processo liderado pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, e que envolvia a participação de um vasto conjunto de instituições e de peritos do setor público e da sociedade civil. O plano do projeto estava sujeito a um processo de validação participativa em diversas regiões, com principal destaque para a região amazônica, incluindo organizações dos povos indígenas e as ONGs, de forma a promover a apropriação local. Em janeiro de 2007, foi criada uma Comissão Nacional permanente tripartida contra o trabalho forçado, para coordenar políticas e ações nas esferas nacional e regional.2 O Plano Nacional de Combate ao Trabalho Forçado foi oficialmente lançado pelo Presidente García, no dia 1 de maio de 2007.3 Isse plano engloba um conjunto de medidas de prevenção e de eliminação do trabalho forçado, incluindo a ação legal para o cancelamento das licenças das empresas envolvidas no trabalho forçado, a coleta e a pesquisa de dados estatísticos, a educação, o aumento da comunicação e da conscientização, o reforço de capacidades e a coordenação entre diferentes instituições. Foi estabelecido um determinado financiamento público para apoiar a implementação do plano, que teve início em diferentes setores em que a Comissão Nacional revê o progresso e coordena a ação. As realizações incluem a criação de uma divisão na Polícia Nacional contra o tráfico humano, e a inclusão de questões sobre o trabalho forçado no programa do Ministério da Educação, a introdução de sanções pesadas para a exploração ilegal de madeiras, a elaboração de uma estratégia de comunicação sobre o trabalho forçado, e a formação extensiva de funcionários públicos e de outros atoreschave. O próximo desafio consiste na incorporação dos objetivos do Plano Nacional em agendas políticas mais amplas, estabelecendo os recursos suficientes para uma ação sustentada a longo prazo, com vista à erradicação do trabalho forçado em todo o país. O plano estratégico do Ministério do Trabalho e do Emprego para 2006-2011 salienta as questões do trabalho forçado no âmbito de uma ação mais aprofundada, no intuito de promover os direitos fundamentais no trabalho, inclusive através do fortalecimento da inspeção do trabalho. El Trabajo Forzoso en la Extracción de la Madera en la Amazonia Peruana, Alvaro Bedoya Silva-Santisteban, Eduardo Bedoya Garland, BIT, 2005. 2 Decreto Supremo Nº. 001-2007-TR. 3 Decreto Supremo Nº. 009-2007-TR. 1 186. Outros países da América Latina inspirados no ex- emplo do Brasil fortaleceram seu próprio enquadramento nacional, muitas vezes com o apoio da OIT. Na Bolívia, foi criado em outubro de 2007 um Conselho Interdepartamental para erradicar as condições de servidão, de trabalho forçado e de práticas análogas à escravidão.16 Foi adotado um plano específico para a população Guarani da região do Chaco, que visa assegurar adequadas condições de vida aos Guaranis “cativos”, depois de sua libertação de servidão em fazendas remotas. Paralelamente, um plano nacional mais aprofundado contra o trabalho forçado está sendo preparado por um grupo técnico interministerial. 187. Os planos de ação contra o tráfico humano são em maior número do que contra o trabalho forçado, muitas vezes refletindo a recente adoção de uma legislação nacional nessa área. Apesar de a maioria desses planos declaram assumir uma abordagem abrangente, que inclua todas as formas de tráfico e todos os tipos de ação contra o tráfico, é muito raro encontrar uma concen- 44 tração sistemática nas dimensões do trabalho forçado na prática.17 Um bom exemplo neste sentido é o Plano de Ação do Reino Unido “Action Plan on Tackling Human Trafficking”, lançado em março de 2007. Ao mesmo tempo que reconhece a falta de informação sólida sobre a escala do problema, cada capítulo identifica o tráfico para trabalho forçado, bem como para exploração sexual. 188. Nos Emiratos Árabes Unidos, a Comissão Nacional de Combate ao Tráfico Humano elaborou um plano de ação que incluía a legislação, a aplicação da lei, o apoio à vítima, e acordos bilaterais e internacionais. Algumas medidas já tomadas incluem um novo contrato unificado para regulamentar os direitos e deveres dos trabalhadores domésticos, promulgado em abril de 2007, e a introdução de disposições que permitem aos trabalhadores a transferência de patronatos, no intuito de favorecer sua mobilidade no trabalho.18 189. O plano de ação contra o tráfico19 realizado no Paquistão em 2005, inclui todas as formas de tráfico, identifica quer a prevenção, quer a instauração do proc- 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS Quadro 3.2 Implementação do Plano de Ação Nacional contra o Tráfico Humano na Ucrânia: o papel dos agentes no mercado de trabalho Uma característica fundamental da Ucrânia é o papel proeminente do Serviço Público de Emprego (SPE), em conjunto com o Ministério do Trabalho e da Política Social, na implementação das medidas do plano de ação relativas à sensibilização e prevenção. Por exemplo, o pessoal do centro de emprego local recebeu formação para aconselhar as pessoas que procuram emprego acerca dos perigos da migração irregular e do tráfico humano. O PES também verifica a legitimidade dos trabalhos oferecidos no exterior, no negócio da moda, do turismo e do entretenimento. Também foi dada atenção ao licenciamento, por parte do Ministério do Trabalho e a Política Social, das agências que realizam recrutamento para o exterior, e a sua posterior inspeção no que diz respeito às conformidades. Como nova medida preventiva, com o apoio da OIT, o PES produziu o vídeo “Não veja o trabalho no exterior com óculos cor-de-rosa”, vastamente transmitido na televisão e no metrô. O PES é também responsável pela prestação de proteção e assistência às vítimas de tráfico humano; em 2007, o PES direcionou 520 pessoas para obterem apoio por parte das instituições competentes em oito oblasts (distritos administrativos). Quadro 3.3 Orientações para a política e prática de recrutamento na sub-região do Grande Mekong As orientações do COMMIT emitidas em 2008 procuram encorajar a migração, reduzindo a vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes à exploração laboral e ao tráfico humano. Desenvolvido através de um processo consultivo envolvendo constituintes tripartidos da OIT, agências internacionais e ONGs, e partindo de pesquisas específicas por país, as orientações cobrem temas como os procedimentos e serviços antes da partida; a regulamentação das agências de recrutamento; as taxas pelos serviços de recrutamento; e as condições de trabalho e os direitos. Seu papel é disponibilizar orientação para as políticas nacionais, no intuito de se adaptarem às circunstâncias individuais do país. esso, e define uma Comissão interministerial sobre o Tráfico Humano, representado pelo Ministério do Interior. O acompanhamento e o controle das agências de recrutamento são identificados como sendo da responsabilidade do Ministério do Trabalho, em conjunto com a Agência Federal de Pesquisa. 190. Como acontece no Brasil, alguns países têm tido a possibilidade de rever os planos de ação contra o tráfico com base na experiência. Na Ucrânia, foram melhorados planos de ação sucessivos desde o primeiro que surgiu em 1999; o plano atual (terceiro) é bastante completo, e, pela primeira vez, possui orçamento para a sua implementação. Também está sendo desenvolvido um mecanismo de controle. Enquanto em planos anteriores se salientava a aplicação da lei penal, o novo plano en- volve instituições de mercado de trabalho em pelo menos metade das atividades planejadas. 191. Acontece às vezes de uma ação coordenada contra o tráfico incluindo o trabalho forçado ser cuidadosamente planificada sem contudo estar inscrita em um plano de ação. Os Estados Unidos investiram esforços e recursos substanciais na ação contra todas as formas de tráfico, quer internacional, quer nacionalmente. A Lei de 2005 relativa às medidas de Proteção às Vítimas de Tráfico de 200520, aprova novos recursos na luta contra o tráfico, incluindo garantias de prestação de assistência aos esforços na aplicação da lei de combate ao tráfico, e de reforçar os programas de assistência às vítimas. Um Grupo de Trabalho próximo ao Gabinete do Presidente coordena esforços federais nesta área, enquanto um Grupo 16. Decreto Supremo Nº. 29292 de 3 out. 2007. 17. A análise conduzida por este Relatório Global incluiu 11 países europeus, principalmente da Europa Central e do Leste Europeu; seis países africanos, principalmente da África Ocidental; seis países asiáticos, principalmente da sub-região do Mekong; um da América Latina; e um dos Emiratos Árabes Unidos (o único país do Oriente Médio que tem esse plano no momento em que se prepara este relatório). 18. Combating Human Trafficking, United Arab Emirates Annual Report, Ministry of State for Federal National Council Affairs, Abu Dhabi, 2007. 45 O CUSTO DA COERÇÃO Operacional de Alto Nível coordena a implementação internacional da legislação antitráfico. Uma das oito recomendações do relatório do Ministro da Justiça consiste no aumento dos esforços interagências para combater o tráfico para exploração laboral, juntamente com o tráfico sexual.21 192. Outros países prepararam equipes ou agências especializadas para lidarem com os casos de tráfico e de trabalho forçado. O envolvimento de diferentes ministérios governamentais e de parceiros da sociedade civil nesses esforços é crucial para promover respostas multidisciplinares e para reunir apoios políticos de diferentes partidos do governo. A Agência Nacional Nigeriana para a Luta contra o Tráfico de Seres Humanos (NAPTIP), estabelecida ao abrigo da lei federal antitráfico de 2003, é um desses exemplos. A NAPTIP detém um vasto mandato que cobre questões relacionadas com a instauração de processos, proteção de vítimas e testemunhas, prevenção, e cooperação internacional. Encorajou, de forma bem sucedida, as operações com as instituições análogas em países de destino europeus, liderando a instauração de processos a mais de 60 traficantes nigerianos em nove países diferentes.22 193. Uma análise realizada nos 25 planos de ação nacionais contra o tráfico humano salientou duas falhas. Primeiro, a falta de dados estatísticos fiáveis; só dois dos planos analisados se baseavam em dados estatísticos. Segundo, apenas sete dos planos analisados indicavam claramente a fonte e o montante das dotações orçamentais destinados a apoiar a implementação. Os futuros planos de ação certamente terão que contornar essas deficiências. Iniciativas regionais 194. Dado que muitos dos que se encontram em risco de trabalho forçado e tráfico são migrantes em situação irregular, longe dos seus países de origem, são necessárias políticas e abordagens coordenadas entre os países de origem e de destino. As iniciativas regionais podem facilitar essa tal abordagem comum. Na região asiática, a Declaração contra o Tráfico de Pessoas, adotada pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) em novembro de 2004, estimulou a realização de planos de ação nacionais em diversos países membros, bem como a cooperação entre esses países. Outra iniciativa impor- tante foi a Iniciativa Ministerial Coordenada do Meong contra o Tráfico (COMMIT), um processo conduzido pelo governo envolvendo os seis países da sub-região do Grande Mekong (Camboja, China, República Democrática Popular do Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã). Em dezembro de 2007, foi aprovado um Plano de Ação Sub-regional, com compromissos e objetivos de reforço de capacidades, elaboração de planos de ação nacionais, desenvolvimento de parcerias multilaterais e bilaterais, enquadramentos legais e aplicação das leis, identificação, proteção, reintegração das vítimas e prevenção. Esta última inclui medidas de identificação das práticas de recrutamento abusivas contra os trabalhadores migrantes.23 195. Na África, o “Plano de Ação de Ougadougou” contra o tráfico humano foi formalmente adotado pela União Europeia e pelos Estados Africanos em novembro de 2006. Esse plano representa um amplo compromisso de cooperação entre os estados europeus e africanos, e identifica os princípios gerais de ação. Na América Latina, na Quarta Cúpula das Américas, realizada em novembro de 2005, os líderes comprometeram-se a eliminar o trabalho forçado até 2010, através de políticas mais incisivas e da adoção de planos de ação nacionais, com o apoio da OIT. Desafios para a administração e inspeção do trabalho 196. O trabalho forçado e o tráfico humano não têm constituído um ponto prioritário no trabalho da administração e da inspeção do trabalho na maioria dos países. Talvez tal seja compreensível, dado que a maioria dos casos de trabalho forçado ocorrem na economia informal, bem como em casas particulares e no comércio do sexo, onde os inspetores do trabalho enfrentam grandes dificuldades no acompanhamento e na aplicação da legislação do trabalho. Dada a natureza criminal do trabalho forçado, os inspetores do trabalho podem também sentir a necessidade de instruções claras para agir. 197. Ainda assim, os inspetores do trabalho podem desempenhar um papel fundamental de diversas formas, na prevenção, identificação e resolução de situações de trabalho forçado e de tráfico. A Comissão de Peritos da OIT afirmou que “em determinadas situações, violações à legislação laboral podem conduzir ao trabalho forçado e deverão, dessa forma, ser consideradas infração penal”. 19. Pakistan Action Plan for Combating Human Trafficking, Ministry of Interior, Government of Pakistan, 12 dec. 2005.20. TVPRA 2005, Pub. L. 109-164. 21. Relatório Anual da Procuradoria-Geral ao Congresso e análise das atividades do Governo dos EUA para combater o tráfico de pessoas, ano fiscal 2007, Washington, DC, maio de 2008. 22. Fonte de informação: NAPTIP, consultado em: 27 out. 2008 [www.naptip.gov.ng]. 46 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS A ação eficaz contra o trabalho forçado tem necessariamente que envolver um conjunto de instituições encarregadas da aplicação e fiscalização, a utilização eficaz de mandatos, as capacidades e as competências de cada uma delas, extrapolando a justiça criminal e laboral, para também mobilizar os funcionários das fronteiras, imigração e das alfândegas, e outros. Em certas circunstâncias, são necessárias unidades especiais de pesquisa e de instauração do processo, que poderão integrar a polícia e a inspeção do trabalho. Estes esforços conjuntos foram implementados com sucesso em alguns países, incluindo o Brasil, a China e a Itália. 198. Os inspetores do trabalho podem aplicar um conjunto de métodos de pesquisa que não se encontram disponíveis em outras autoridades de execução da lei. Por exemplo, têm o direito de entrar livremente em qualquer local de trabalho sujeito a inspeção, a qualquer momento e sem aviso prévio. Devem investigar qualquer queixa relativa a violações da lei laboral, sem revelar sua origem. Podem aplicar um vasto conjunto de ferramentas de forma arbitrária e flexível, como a emissão de notificações antes de iniciar a instauração do processo contra um empregador, ou encerrar a produção no caso de perigo iminente para a saúde e segurança dos trabalhadores. Assim, os inspetores do trabalho podem usufruir de uma vantagem no combate a questões relacionadas com o trabalho forçado, em comparação com outras agências de cumprimento da lei, cujos mandatos são muito diferentes e, por vezes, muito limitados. 199. É evidente que os serviços de inspeção do trabalho também enfrentam grandes desafios na identificação do trabalho forçado. Nos países em vias de desenvolvimento, os inspetores têm poucos recursos e geralmente estão sobrecarregados demais para inspecionar as empresas de forma eficaz mesmo na economia formal, quanto mais as empresas informais, as residências privadas e os locais de trabalho em zonas remotas, onde as práticas de trabalho forçado prevalecem. Os canais de subcontratação, as práticas de outsoursing e os relacionamentos laborais “triangulares”, muitas vezes associados aos problemas do trabalho forçado, apresentam particulares dificuldades quando os inspetores procuram provar a responsabilidade pelas violações. Um novo desafio está associado com a tendência recente, principalmente na Europa, de estender o mandato de inspeção do trabalho para cobrir a detecção da contratação ilegal. Por exemplo, na Polônia, a legislação foi alterada em 2007 para dar à inspeção do trabalho a responsabilidade e o controle da legalidade da contratação de cidadãos estrangeiros. Da mesma forma, os governos da França, da Alemanha e da Bélgica concederam atenção considerável aos mecanismos contra a contratação não-declarada e ilegal. Nesse contexto, os inspetores do trabalho podem ter que equilibrar cuidadosamente a sua principal responsabilidade de proteger os direitos dos trabalhadores com outros aspectos de aplicação da lei. 200. Estes desafios estão sendo respondidos de diferentes formas ao redor do mundo. Um número crescente de países ampliou a cobertura da lei aos trabalhadores domésticos. Por exemplo, o Uruguai e a Argentina adotaram leis especiais para a proteção de trabalhadores domésticos e para a inspeção dos locais de trabalho em casas privadas. Em 2008, o Código do Trabalho da Jordânia foi revisto, ampliando a lei laboral ao trabalho agrícola e doméstico. 201. Também na Jordânia, o sistema de inspeção do trabalho foi reforçado para impedir o abuso dos trabalhadores em fábricas das zonas industriais qualificadas (QIZ) que se dedicam sobretudo à exportação, e onde a maioria da força de trabalho é originária de países asiáticos. Em 2006, a Comissão Nacional Laboral, estabelecida nos Estados Unidos, publicou um relatório que denunciava as condições de trabalho exploradoras, incluindo o trabalho forçado, em fábricas que se beneficiavam de acesso preferencial ao mercado dos EUA. Pouco tempo depois, o Ministério do Trabalho iniciou uma campanha de inspeção, que levou ao fechamento de cinco fábricas, a transferência de 1.200 trabalhadores para fábricas que respeitavam a lei, e a imposição de 2.500 multas. Quatro casos foram levados ao tribunal, e foi estabelecida uma linha direta de apoio aos trabalhadores migrantes.25 202. Nos seus esforços de investigar o tráfico de pessoas, o Departamento do Trabalho dos EUA (USDOL) focou o cumprimento das leis laborais, como a Lei do Trabalho Justo (FLSA) e a Lei de Proteção ao Trabalhador Migrante e de Agricultura Sazonal (MSPA). Os investigadores da Divisão dos Serviços de Duração do Trabalho e Salários do USDOL entrevistaram os trabalhadores a fim de analisar se eles poderiam ter sido vítimas de tráfico, no intuito de orientar progressivamente outras autoridades na aplicação da lei. Seus investigadores também analisaram os registros dos pagamentos, inspecionaram o alojamento dos trabalhadores migrantes na propriedade, e articularam esforços com outras autoridades que 23. Plano de Ação Sub-regional da COMMIT (SPA II 2008-10), Pequim, China, dez. 2007. 24. Eradication of forced labour, Report III (Part 1B), ILC, 96th Session, Geneva, 2007, para. 2009. 47 O CUSTO DA COERÇÃO aplicam a lei, para indenizar as vítimas de tráfico.26 O USDOL indicou que vai continuar reforçando a FLSA e a MSPA, independentemente do empregado estar ou não documentado.27 203. No enquadramento do Plano de Ação Nacional, o Ministério do Trabalho do Peru criou em 2008 um grupo especial de inspeção do trabalho para o trabalho forçado. O grupo é composto por cinco inspetores do trabalho e por um supervisor, que podem ser enviados para diferentes partes do país para detectar e agir em situações de trabalho forçado. O grupo iniciou seu trabalho com um estudo de campo na região de Loreto, confirmando a existência de trabalho forçado em acampamentos de exploração de madeiras, e identificando os canais de produção associados. Está sendo igualmente implementada a coordenação com outros agentes, como a polícia nacional. 204. Na França, o Escritório Central de Combate ao Trabalho Ilegal (OCLTI) foi estabelecido em maio de 2005, para coordenar as pesquisas contra a contratação ilegal, incluindo o tráfico humano. Tal inclui inspetores do trabalho, a polícia e oficiais da gendarmerie, designados para investigar alegações de violações ao Código Laboral e ao Código Criminal, incluindo as disposições relacionadas com as “condições de trabalho e de vida que atentam contra a dignidade humana”. As audiências podem ser iniciadas pelo inspetor do trabalho ou por elementos da Polícia Judicial, a pedido do Ministério Público. Os empregadores podem ser detidos por até 48 horas e posteriormente apresentados ao tribunal. Os trabalhadores que tenham sido sujeitos a condições que atentam contra a dignidade humana podem receber compensações iguais a seis meses de salário correspondentes. 205. Um estudo acerca do trabalho forçado em Portugal28, realizado pelo Ministério do Trabalho e Solidariedade Social de Portugal e pela OIT, salientou algumas dificuldades encontradas pela Inspeção-Geral do Trabalho (IGT), na identificação de casos de tráfico. Por exemplo, a IGT só pode agir quando esteja documentada uma situação contratual; por conseguinte, os casos relativos a migrantes em situação irregular são de responsabilidade da polícia. A IGT também tem dificuldade em intervir em situações que se encontrem sob pesquisa criminal, mesmo que estas tenham a ver com condições de trabalho degradantes, trabalho forçado e coerção. A IGT só pode intervir quando os procedimentos criminais estiverem concluídos e o veredito se tornar público. 206. Nos países em vias de desenvolvimento, foram experimentados modelos alternativos para detectar as vítimas de tráfico. Por exemplo, na África Ocidental, os Grupos de Vigilância Comunitária (CVG) liderados por chefes tradicionais e líderes religiosos de diversas comunidades mobilizaram membros da comunidade em áreas rurais para identificar e prevenir o tráfico humano. As Comissões Distritais das Aldeias também fazem parte do sistema nos países do Sul da Ásia, como a Índia e o Paquistão, para a identificação e reabilitação de pessoas em situação de servidão por dívidas. Foi igualmente sugerido que a eficácia dessas comissões pudesse ser fortalecida com sua ligação aos sistemas formais de inspeção do trabalho. Por exemplo, uma aplicação ativa da Lei do Salário Mínimo, associada à regulamentação das unidades de proteção em virtude da lei sobre as empresas, poderia funcionar como um mecanismo de prevenção eficaz contra a servidão por dívidas.29 207. As agências de trabalho privadas merecem particular atenção em qualquer discussão acerca do papel da administração do trabalho no combate ao trabalho forçado. Este relatório provou a forma como essas agências podem ser parte do problema, bem como parte da solução, para o tráfico humano para exploração laboral. Dado que as regulamentações relativas às agências de trabalho privadas fazem normalmente parte do Código do Trabalho, os inspetores do trabalho ou outras agências do sistema de administração do trabalho desempenham um papel fundamental no controle da indústria. Alguns países desenvolveram regulamentações e instituições específicas que combinam a capacidade de aplicação das leis laboral e criminal. Um exemplo é o GLA do Reino Unido. Estabelecido em 2005, seguindo a adoção da Lei de Licenciamento de Agentes, de 2004, que licencia fornecedores de trabalho na agricultura, horticultura, pesca, e nas indústrias transformadoras e embalamento associadas. Suas principais tarefas visam assegurar o cumprimento das normas e a aplicação de sanções, incluindo sanções criminais.30 208. Em Portugal a IGT desempenhou um papel fundamental ao dirigir uma ação de inspeção junto às agências de trabalho temporário. Em maio de 2007, lançou uma operação de larga escala, resultando no cancelamento das 25. The Ministry of Labour, Hashemite Kingdom of Jordan: Labour administration and compliance in Jordan: A multi-stakeholder collaboration, feb. 2008. 26. Attorney General’s Annual report, 2008, op. cit. 27. Hoffman Plastic Compounds Inc. v. NLRB, 535 US 137 (2002) and US Department of Labor, Employment Standards Administration, Wage and Hour Division: Fact Sheet No. 48. 28. S. Pereira e J. Vasconcelos, op. cit. 48 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS atividades de 195 agências. Os motivos incluíam falha na realização dos depósitos obrigatórios para a agência governamental responsável pelo registro e licenciamento, incumprimento no pagamento de seguros de acidentes e de outras prestações para a segurança social, e atrasos superiores a 30 dias no pagamento dos salários aos trabalhadores. 209. Na Malásia, o Ministério dos Recursos Humanos introduziu um esquema de registro para os contratantes de trabalhadores para as plantações. Em 2008, o Ministério, trabalhando de perto com a polícia, efetuou diversas intervenções para identificar contratantes abusivos e para assegurar a proteção dos trabalhadores. Um novo esquema de registro exige que todos os contratantes forneçam registros de seus trabalhadores, incluindo detalhes dos pagamentos dos salários mensais e as contribuições para os Fundos de Previdência dos Trabalhadores e para o Organismo de Segurança Social.31 210. Outros esforços centram-se na proteção dos trabalhadores nacionais colocados no exterior. Esta função nem sempre é da competência dos ministérios do trabalho. Outros ministérios, ou unidades especiais sob a autoridade dos ministérios do trabalho, podem servir esse objetivo. A Administração Laboral das Filipinas no Exterior (POEA) oferece um vasto conjunto de serviços a seus trabalhadores migrantes, incluindo prestação de informações sobre práticas de recrutamento e de contratação ilegal, como a retenção de documentos de viagem, excesso de taxas de colocação e substituição de contratos de trabalho. A Comissão Nacional das Relações Laborais está receptiva a queixas contra as agências de recrutamento por parte de empregadores estrangeiros relativas ao não-pagamento de salários, incumprimento contratual ou despedimento ilegal. 211. Os conselheiros do trabalho no exterior também têm um importante papel de proteção. Podem, por exemplo, facilitar a resolução de litígios entre os seus cidadãos e empregadores estrangeiros, antes que as queixas sejam apresentadas aos tribunais do trabalho. As Filipinas mantêm agências de trabalho no exterior em mais de 20 países da Ásia, do Oriente Médio, da Europa e da América do Norte. Recentemente, países do Leste Europeu, como a Romênia e a Bulgária, também colocaram conselheiros laborais na maior parte dos países de destino. 212. Para melhor desempenhar o seu papel de proteção aos trabalhadores e de prevenção da exploração do trabalho forçado, os inspetores do trabalho podem receber formação especializada e se beneficiar da troca de experiências. A Associação Internacional da Inspeção do Trabalho (IALI), em conjunto com as organizações membros de cerca de cem países, é um veículo importante de troca de informação e de colaboração além-fronteiras. Em junho de 2008, a IALI adotou um novo plano de ação, que exigia uma cooperação mais próxima com a OIT para combater e prevenir o trabalho forçado. A OIT apoiou seminários regionais para os inspetores do trabalho sobre o trabalho forçado e o tráfico, inicialmente na Europa e na América Latina. A formação realizada nacionalmente — em países que incluíam a China, a Jordânia e o Vietnã — alertaram os inspetores do trabalho para essas novas questões. OIT também produziu o material de formação, para apoiar essas iniciativas de aquisição de competências.32 Lições da experiência 213. Em resumo, que lições podemos tirar a partir da ação nacional até aos dias de hoje, protagonizada pelo conjunto de atores públicos envolvidos na proteção de indivíduos contra o trabalho forçado moderno? 214. Uma delas é que a administração laboral e as várias instituições que a integram estão cada vez mais envolvidas em políticas e ações contra o trabalho forçado e o tráfico. Esse fato é particularmente verdade no que se refere ao tráfico, que no passado era tendencialmente gerido pelas autoridades de imigração e pela polícia. Em princípio, a administração laboral pode cobrir todos os aspectos relacionados com a instauração do processo, com a prevenção e a proteção, em colaboração com outras agências governamentais, parceiros sociais e organizações da sociedade civil. As Inspeções do Trabalho desempenham um papel fundamental no controle do local de trabalho, na educação e no aumento da conscientização para a prevenção da exploração, e na penalização às violações da lei laboral. Se as instituições laborais efetivamente desempenharão um papel ativo na prática já é uma questão que depende muito dos enquadramentos legais, da capacidade de seu pessoal em influenciar políticas e dos recursos estabelecidos para sua implementação. 29. S. Maria: “Bonded labour in Tamil Nadu – A challenge for labour administration”, in Sivananthiran/Venkata Ratnam: Informal economy: The growing challenge for labour administration, ILO, 2005. 30. See press release 27 Aug. 2008, downloaded at: www.gla.gov.uk/. 31. Government of Malaysia, Ministry of Human Resources, downloaded at: www.mohr.gov.my on 28 Oct. 2008. 32. ILO: Forced labour and human trafficking: A handbook for labour inspectors, Geneva, 2008. 49 O CUSTO DA COERÇÃO 215. Em segundo lugar, há a tendência de ampliar os mandatos institucionais ou fazer uso criativo dos já existentes, com a finalidade de criar equipes multidisciplinares de aplicação e promover a cooperação entre países. Isto resultou em um número crescente de instauração de processos em alguns países, embora seja difícil obter dados comparativos. A aplicação da lei laboral poderá funcionar como complemento da aplicação da lei penal ou como um canal alternativo de se procurar a justiça. É particularmente relevante assegurar a compensação financeira dos trabalhadores que, de outra forma, não poderiam ser elegíveis para compensação em virtude da lei criminal ou principalmente em virtude das leis contra o trabalho forçado e o tráfico. 216. Em terceiro lugar, os governos compreendem cada vez mais que mais vale prevenir do que remediar, e que a aplicação da legislação está intrinsecamente ligada à proteção à vítima. Muitos exemplos citados neste relatório apresentam provas desse desenvolvimento positivo. No entanto, existem muitos obstáculos a serem contornados, como, por exemplo, remediar as lacunas existentes na legislação, a formação e o reforço de capacidades, a promoção de conduta ética entre as autoridades de aplicação e a melhor proteção àqueles que se encontram em risco de trabalho forçado. 217. Até agora tem havido análises limitadas do im- pacto da aplicação da lei atual e de outras estratégias de erradicação do trabalho forçado.33 Poucos governos desenvolveram ferramentas de avaliação e de controle a fim de analisar o impacto de suas leis e políticas nacionais. Simultaneamente, com a ajuda de países doadoreschave, que acordaram dar total prioridade à ação contra o tráfico humano, foram investidos centenas de milhões de dólares em programas antitráfico por todo o mundo. Uma quantidade substancial destes recursos foi estabelecida para formar e equipar a polícia, guardas fronteiriços, funcionários da imigração e agências relacionadas, apesar de ter sido gasto muito menos dinheiro para melhorar a capacidade das instituições do mercado de trabalho. 218. Por fim, é importante que a aplicação das leis proteja e não penalize os trabalhadores em questão. A Comissão de Peritos da OIT recordou, na sua Pesquisa Global de 2006 sobre a inspeção do trabalho, que o principal dever dos inspetores do trabalho é proteger os trabalhadores, e não aplicar a lei da imigração. Os princípios e os mecanismos de justiça laboral e criminal podem complementar-se entre si, em conjunto, abrangendo uma resposta integral de aplicação da lei a formas inaceitáveis de exploração laboral moderna. 33. See, for example, a report by the US Government Accountability Office (GAO), Human trafficking. Better data, strategy and reporting needed to enhance US anti-trafficking efforts abroad, Washington, DC, 2006. Este revela que foram realizadas poucas avaliações para determinar as atividades antitráfico em operacão, ou como as adotar para ir ao encontro de necessidades específicas. 50 3. AÇÃO NACIONAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO: O PAPEL DOS GOVERNOS 51 Capítulo 4 O trabalho forçado e a economia privada: desafios às organizações de empregadores e de trabalhadores Introdução 219. A ação contra o trabalho forçado, incluindo o tráfico humano, não tem parado de se desenvolver na agenda das organizações de empregadores e trabalhadores. Os empregadores estão cada vez mais conscientes de que o trabalho forçado pode penetrar em suas próprias atividades, bem como naquelas compreendidas em suas cadeias produtivas. Os sindicatos de todo o mundo estão cada vez mais conscientes de que precisam ampliar suas atividades a fim de defender os direitos dos trabalhadores do setor informal e dos desprotegidos, incluindo os trabalhadores migrantes em situação regular ou irregular. 220. O papel de liderança tem sido desempenhado por duas organizações de proteção, a OIE, do lado dos empregadores, e a CSI, do lado dos trabalhadores, em estreita colaboração com o Programa Especial de Ação da OIT de combate ao Trabalho Forçado (SAP-FL). O Conselho de Administração do BIT reconheceu, em novembro de 2005, que o envolvimento das organizações de empregadores e de trabalhadores seria de importância fundamental para uma aliança global eficaz contra o trabalho forçado, contemplando uma aliança empresarial e de trabalhadores sobre o assunto, e designada para este efeito a fim de intensificar o reforço de capacidades entre os parceiros sociais. 221. Essas iniciativas já deram consideráveis frutos. O Conselho Geral da CSI adotou na sua sessão de dezembro de 2007 em Washington, DC, um Plano de Ação para uma Aliança Sindical Global contra o Trabalho Forçado e o Tráfico, por um período de três anos 20082010, e identificando as áreas chave para futuras atividades sindicais. Desde então, foi tomada uma série de medidas de acompanhamento regional e nacional. A OIE, após patrocinar diversos eventos durante o ano de 2008 para integrar as organizações de empregadores e as empresas individuais em uma ação mais intensiva contra o trabalho forçado, emitiu, no final do ano, uma orientação geral em conjunto com uma política ampliada sobre o trabalho forçado. 222. Dessa forma, estão lançados os alicerces para a consolidação dos elementos fundamentais para uma aliança global. Vai ser impossível realizar progressos consideráveis contra o trabalho forçado, a menos que os parceiros sociais tenham uma compreensão clara e partilhada do significado de trabalho forçado, e de seus respectivos papéis, seja separadamente ou em colaboração entre si e com os governos, para a sua prevenção e erradicação. Os empregadores e os trabalhadores podem alcançar grandes resultados através de suas próprias estruturas organizacionais, prestando orientações claras e formação aos seus membros, fomentando e disseminando boas práticas, e fornecendo assistência direta àqueles que se encontram em risco de trabalho forçado ou em situações de trabalho forçado. 223. No entanto, existem questões políticas complexas que requerem o envolvimento tripartite para poder gerar o consenso necessário quanto aos meios de prevenção e de correção das formas modernas de trabalho forçado. Em uma reunião de cúpula realizada em Atlanta em 2008 no intuito de integrar os líderes empresariais dos Estados Unidos contra o trabalho forçado, patrocinada pela OIE e outras entidades, foi reafirmado que os empregadores não podem identificar por si só os problemas, mesmo dentro das suas cadeias produtivas, a menos que os governos estabeleçam um enquadramento legal claro e adequado. O desafio consiste em encontrar os meios adequados, através de planos de ação nacionais ou de outros mecanismos de implementação, para reunir os grupos tripartites, examinar as razões que estão na base das práticas de trabalho coercivo, e analisar a necessidade de regras e de regulamentações em conjunto com adequados mecanismos de controle. 53 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 4.1 Princípios para os líderes empresariais para o combate ao trabalho forçado e ao tráfico • Ter uma política empresarial clara e transparente, definindo as medidas para impedir o trabalho forçado e o tráfico. Deixar claro que as políticas se aplicam a todas as empresas envolvidas em um produto e às cadeias produtivas de uma empresa; • Formar auditores, responsáveis por recursos humanos e controle de normas, no intuito de identificar práticas de trabalho forçado e procurar medidas de correção adequadas; • Fornecer regularmente informações aos acionistas e potenciais investidores, atraindo-os para os produtos e serviços onde exista um compromisso claro e sustentável da prática da ética empresarial, incluindo a prevenção do trabalho forçado; • Promover acordos e códigos de conduta por setor industrial (como a agricultura, a construção e os têxteis), identificando as áreas de risco de trabalho forçado, e tomar as adequadas medidas corretivas; • Tratar os trabalhadores migrantes de forma justa. Acompanhar cuidadosamente as agências que oferecem contratos de trabalho, especialmente as transfronteiriças, colocando em uma lista pública todas as que tenham utilizado práticas abusivas e trabalho forçado; • Assegurar que todos os trabalhadores tenham contratos escritos, em um idioma que eles compreendam facilmente, especificando os seus direitos em relação ao pagamento de salários, horas extras, retenção de documentos de identidade, e outras questões relacionadas com a prevenção do trabalho forçado; • Encorajar a realização de eventos nacionais e internacionais entre intervenientes empresariais, identificando áreas problemáticas e partilhando boas práticas; • Contribuir para a realização de programas e projetos de assistência, através de formação profissional e de outras medidas adequadas às vítimas de trabalho forçado e de tráfico; • Construir pontes entre governos, trabalhadores, agências de aplicação da lei e a inspeção do trabalho, promovendo a cooperação na ação contra o trabalho forçado e o tráfico; • Encontrar meios inovadores de recompensar as boas práticas, em conjunto com os meios de comunicação. Fonte: OIT, Programa de Ação Especial de Combate ao Trabalho Forçado, fevereiro de 2007. 224. Para este efeito, as iniciativas multi-stakeholder (MSI) estão neste momento desempenhando um papel útil, tendo sido bem-sucedidas em reunir os representantes de empregadores e de trabalhadores com outros grupos da sociedade civil, e, por vezes, com os governos. Algumas dessas iniciativas são organizadas por setor de produção, como a indústria do cacau, do algodão e do açúcar. Outras, como a Iniciativa para o Comércio Ético (ETI), estabelecida no Reino Unido, têm um foco mais generalizado na promoção do comércio justo e das práticas empresariais. Outras estão especificamente preocupadas com a certificação, com a rotulagem e com a auditoria social. Cada uma dessas iniciativas foi dando progressivamente maior atenção às preocupações relativas ao trabalho forçado como parte dos seus esforços na promoção de normas fundamentais do trabalho. Em uma disposição similar, as organizações preocupadas com a promoção de empresas socialmente responsáveis ou da responsabilidade social das empresas (RSE) têm-se envolvido cada vez mais nas questões relacionadas com o trabalho forçado e o tráfico. Muitas destas organizações são compostas por empresas e procuram fornecer orientações ou meios de prevenção do trabalho forçado em 54 cadeias produtivas, assim como tratar essas situações com certos instrumentos, como os códigos de conduta por indústria, ou aqueles adotados pelas empresas individuais. 225. No âmbito do sistema das Nações Unidas, um fórum muito útil foi o Global Compact, que promoveu seus dez princípios para a prática empresarial na área dos direitos humanos, das condições do trabalho, do ambiente e da anticorrupção. Em sua cúpula realizada em Genebra em julho de 2007, o Global Compact disseminou largamente os dez princípios básicos desenvolvidos pela OIT, como as formas de prevenção do trabalho forçado por parte dos empregadores em suas próprias empresas, e colaborou com esforços mais amplos de combate ao trabalho forçado e tráfico (ver caixa 4.1). Estes ainda foram discutidos no Grupo de Trabalho do Global Compact para os Princípios Laborais, presidido em conjunto pela OIE e pela CSI em maio de 2008. 226. Em resumo, existe atualmente uma oportunidade para combater o trabalho forçado, quer politicamente, quer através de ações práticas nessa área. Ainda existe um longo caminho a percorrer até alcançar uma compreensão abrangente do trabalho forçado atual na economia privada e dos meios para identificá-lo, e antes que as 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA questões se estabeleçam mais firmemente entre as preocupações principais dessas organizações. Este capítulo analisa o progresso até o presente, exemplificando as boas práticas. Tem início com a experiência de organizações de empregadores em conjunto com diferentes empresas, seguido pela experiência do movimento sindical. Depois volta-se para as MSI, com o enquadramento do movimento RSE. Procura identificar os principais desafios perante o movimento empresarial e laboral, para que a oportunidade que foi agora criada seja alvo de maior consolidação. O papel das organizações de empregadores As questões 227. Os atores no mundo empresarial e as empresas privadas podem ter muitas preocupações diferentes. Para empresas globais, com extensivas cadeias produtivas e de terceirização, é provável que a principal questão seja a gestão da cadeia de abastecimento. Um número proeminente de empresas viu sua imagem ser seriamente afetada por alegações de trabalho forçado em suas cadeias produtivas. Isto não inclui só as empresas em atividades produtivas nos setores que geralmente são considerados de risco, como a agricultura e a construção, com sua grande incidência de trabalho temporário e de “trabalhos sujos, difíceis e perigosos”. Nos últimos quatro anos registrou-se uma onda de alegações que afetavam as empresas ligadas ao aço, à eletrônica, ao calçado e aos têxteis, e muitas mais. Os fornecedores de empresas multinacionais e de pequenas e médias empresas (SMEs), integrados em cadeias mundiais de fornecimento, também enfrentam desafios semelhantes. Para eles, o risco do trabalho forçado nas atividades dos seus sub-contratantes pode afetar negativamente não só sua própria reputação, como a reputação de toda a indústria, o que, por sua vez, pode causar um grande impacto nos relacionamentos com os compradores em geral e no acesso aos mercados globais. 228. Enquanto as empresas dão mais atenção a suas próprias cadeias produtivas, os líderes de mercado estão cada vez mais conscientes de que existem áreas onde são necessárias plataformas, princípios e abordagens comuns. Os capítulos anteriores concentraram-se em novas questões, que são colocadas aos legisladores tributários, aos responsáveis políticos, e na aplicação das leis relativas às diferentes formas ou graus de coerção nos mercados de trabalho. Essas questões são de particular importância para as empresas participantes, que tentam ser competitivas em um mercado global restrito, mas que, ao mesmo tempo, estão preocupadas em desempenhar suas atividades comerciais de uma forma socialmente responsável, em conformidade com as leis nacionais dos países onde realizam suas atividades, e também em conformidade com quaisquer regras internacionais sob as quais possam ser responsabilizadas. 229. Nos últimos anos, verificaram-se intensos debates entre as empresas e a sociedade civil, em relação à extensão do compromisso das empresas perante a RSE que, conforme normalmente expresso nos seus códigos de conduta, é voluntária; e se essa ampliação deverá representar obrigações vinculativas, sujeitas a controle por parte de terceiros. 230. Como o trabalho forçado é um crime grave, as empresas têm a obrigação legal de o prevenir e de o erradicar de suas atividades empresariais, e, no caso de não o fazerem, podem ser sujeitas a processos criminais e a sanções. No entanto, existem pelo menos duas questões pendentes. A primeira é que, quando as redes modernas de abastecimento são tão complexas, surge a questão da extensão da responsabilidade de uma empresa. A segunda é que, quando a jurisprudência sobre o trabalho forçado na economia privada é ainda tão recente, surgem incertezas e “áreas cinzentas” no que diz respeito às práticas empresariais que constituem risco de trabalho forçado. Conforme se tem verificado em alguns dos mais recentes litígios nacionais, as interpretações judiciais vão também variar de país para país. 231. Vistas em conjunto, as questões do trabalho forçado que afetam os negócios podem ser classificadas conforme se indica em seguida. 232. Em primeiro lugar, existem vários problemas disseminados, que afetam as pequenas indústrias, por vezes em zonas remotas de países em vias de desenvolvimento. Essas são questões muito antigas da economia informal, como o caso dos fornos de tijolos ou das pequenas fábricas de vestuário de países asiáticos, como a Índia e o Paquistão, que provavelmente incluem práticas de servidão por dívidas profundamente enraizadas. Também foram encontrados problemas graves de trabalho forçado em fornos de tijolos de economias em transição, como aconteceu em 2007 em Shanxi, uma província da China. O caso chinês foi diversas vezes retratado como um caso “isolado”, envolvendo uma grave coerção contra pessoas vulneráveis, como crianças em zonas remotas, seguido por uma vigorosa tomada de posição governamental. Ainda falta concluir se essas práticas de trabalho forçado podem ser reduzidas através de uma rápida resposta governamental desse tipo. 233. Em segundo lugar, há indústrias que parecem estar em risco de práticas de trabalho forçado dentro de países em vias de desenvolvimento, principalmente devido à 55 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 4.2 Recomendações da reunião de Atlanta sobre a integração de empresas dos E.U.A. no combate ao trabalho forçado Os líderes empresariais de diferentes empresas e setores – desde a eletrônica e aço, até à alimentação e bebidas e o recrutamento de forças de trabalho – reuniram-se para discutir o risco do trabalho forçado em suas cadeias produtivas, a resposta adequada a dar, e sua necessidade de ferramentas de orientação. Era consensual que a maioria das empresas estava exposta a esse risco, mas também urgia clarificar as definições, de forma que todos os operadores empresariais pudessem compreender. Havia a exigência de um melhor “mapeamento estratégico” das questões relacionadas com o trabalho forçado, por país e por setor econômico, e também para a melhoria da coordenação da auditoria, e para um mecanismo global de promoção de maior coerência entre as iniciativas de auditoria, possivelmente envolvendo a OIT. Como os códigos de conduta existentes estão sendo agora consolidados, era necessária a existência de total clareza na forma como o trabalho forçado poderia se manifestar nos locais de trabalho dos fornecedores bem como em outras empresas. Os participantes salientaram a necessidade da existência de ferramentas de orientação prática por parte da OIT que identificassem os passos a serem tomados para resolver os problemas logo que estes fossem identificados. natureza das práticas de recrutamento. Verifica-se um risco muito claro de trabalho forçado através da servidão por dívidas quando os trabalhadores temporários são recrutados através de intermediários informais e nãolicenciados, que atraem os trabalhadores através do pagamento de adiantamentos, e que posteriormente lucram através de uma série de custos inflacionados. Na América Latina, o trabalho forçado foi detectado em várias indústrias, algumas delas exportadoras. 234. Em terceiro lugar, registram-se os problemas que as empresas multinacionais enfrentam (MNE), quando realizam a sua produção em regime de outsourcing a empresas cuja atividade se desenvolve em países em vias de desenvolvimento. Estas podem ser uma extensão da primeira questão, dado que os bens amplamente produzidos, sob condições de trabalho forçado e de trabalho infantil de pequenas indústrias do vestuário e em outras fábricas de países em vias de desenvolvimento, podiam penetrar a rede de abastecimento das MNE. No entanto, foram levantadas questões particulares quando a incidência do trabalho forçado alegadamente ocorreu de forma mais sistemática, em um modelo particular de produção para fornecimento às MNE. Esse fato foi exemplificado por alegações feitas em maio de 2006 pela Comissão Nacional do Trabalho, um grupo de pressão constituído por ONGs influentes. Tais alegações afirmavam que havia um amplo uso de trabalho forçado nos QIZ da Jordânia, produzindo essencialmente para o mercado de exportação dos EUA no âmbito de um acordo datado de 2000, que prevê condições preferenciais para os bens produzidos na Jordânia. As empresas integram, na sua maioria, trabalhadores estrangeiros de diversos países asiáticos. As alegações incluíam práticas como a retenção 56 de passaportes, o não pagamento de salários, conduzindo à servidão por dívidas, abuso físico, e a remoção forçada para os países de origem. 235. Em quarto lugar, verificam-se os problemas potenciais que todas as empresas enfrentam nos países desenvolvidos, e também nos países em vias de desenvolvimento, que incluem contratos de trabalho através de diferentes tipos de contratação ou de agências de recrutamento. Não existe consenso suficiente em relação ao que é aceitável para a prática da cobrança de taxas, sistemas de patronato e restrições resultantes aos direitos dos trabalhadores migrantes em mudar de patrão. Assim, pode-se afirmar que não faz sentido a focalização em uma indústria em particular ou em um grupo de indústrias, pois as questões podem provavelmente afetar todos os empregadores que usufruem do trabalho dos migrantes. Nesses casos, se existirem argumentos convincentes de que as práticas de recrutamento existentes podem constituir trabalho forçado ou o risco de o facilitar, então o papel dos empregadores e das suas organizações é trabalhar em conjunto com os governos ou com outros interventores stakeholders para promover as regulamentações apropriadas, e também para encontrar formas de controlar sua aplicação prática. Princípios e orientações gerais 236. Em resposta a esses desafios, a OIE aumentou pro- gressivamente seu compromisso com as suas próprias afiliadas e empresas em geral, a fim de esclarecer malentendidos acerca do conceito de trabalho forçado, para dar orientação sobre as formas de o identificar e prevenir, 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA Quadro 4.3 Recomendações para as organizações de empregadores e empresas na Ásia (Workshop regional organizado conjuntamente pela OIE e o BIT) As organizações de empregadores e empresas que operam na região, conscientes da sua influência e do papel que podem desempenhar na luta contra o trabalho forçado, e tendo em conta os desafios que enfrentam em relação à capacidade institucional, propõem explorar as seguintes ações: • Afirmar e apoiar o papel central desempenhado pelos governos na luta contra o trabalho forçado, e a importância de enquadramentos de meios de aplicação e instituições eficazes; • Colaborar com os governos no apoio a pesquisas, inquéritos e coleta de dados estatísticos para definir o alcance do problema no âmbito nacional e setorial; • Desempenhar um papel de liderança na contribuição para a luta contra o trabalho forçado nacional, regional e internacionalmente; • Utilizar as plataformas e redes disponíveis fornecidas pela OIE e pelo BIT para promover a cooperação regional e internacional, trocar informação e apresentar as boas práticas; • Responder aos desafios do trabalho forçado como questão política fundamental para as organizações de empregadores e seus membros; • Incentivar atividades de sensibilização junto aos empregadores e empresas a respeito do risco que o trabalho forçado representa em suas atividades; • Promover ferramentas de assistência na luta para a eliminação do trabalho forçado e utilizar as ferramentas já existentes para promover a compreensão do fenômeno entre empresas membros; • Informar os membros acerca da importância e do benefício de identificar o trabalho forçado como uma questão de gestão de risco; • Promover as atividades dos empregadores contribuindo para a luta contra o trabalho forçado, por exemplo através de newsletters, websites e editoriais nas colunas mensais nos meios de comunicação nacionais; • Trabalhar com parceiros relevantes para identificar e alcançar objetivos comuns e, sempre que for adequado, desenvolver ferramentas e orientações dirigidas aos atores empresariais, em todos os níveis das atividades empresariais. e para fornecer diretivas gerais sobre as formas como as organizações empregadoras podem identificar a questão. 237. Foi realizada uma reunião na sede social da Empresa Coca-Cola em Atlanta, para encorajar as empresas a lutarem contra o trabalho forçado, em fevereiro de 2008. A reunião, que envolveu cerca de 80 representantes de organizações de empregadores e de empresas, em conjunto com elementos governamentais e MSI, ajudou a identificar as principais preocupações e a delinear as prioridades para ações de acompanhamento.1 238. Outro evento realizado em 2008 reuniu os principais representantes de organizações de empregadores e de empresas de toda a Ásia, em conjunto com os representantes da sociedade civil. Os participantes discutiram o papel que as organizações de empregadores e as empresas podem desempenhar no combate ao trabalho forçado na região, e definiram uma série de recomendações direcionadas aos atores do setor privado.2 Essas recomendações identificaram os seguintes temas: estratégias e desafios para as empresas, ferramentas e recursos de promoção da integração, e o papel de liderança das organizações de empregadores. 239. Desde então, a OIE emitiu um documento de orientação e uma política aprofundada para serem utilizados por suas afiliadas em todo o mundo, esclarecendo a concepção de trabalho forçado e salientando questões como: como identificar o trabalho forçado; a maneira que este afeta as atividades empresariais e por que os empregadores devem se envolver na identificação do trabalho forçado; o que as empresas podem fazer para evitar o trabalho forçado em suas atividades, bem como para remediar os problemas identificados. 240. A OIT, por sua vez, respondeu à crescente exigência de orientação em como identificar o trabalho forçado, preparando um conjunto de materiais de orientação e de ferramentas em cooperação com a OIE. O material é composto por sete folhetos, dirigidos a empresas de todas as dimensões, organizações de empregadores e outras, in- 1. Envolvendo as empresas: enfrentando o trabalho forçado, foi uma reunião patrocinada pelo Conselho das Empresas Internacionais dos EUA, pela Câmara do Comércio dos EUA, e pela OIE, em cooperação com a OIT, recepcionada pela empresa Coca Cola, Atlanta, Estados Unidos, 20 de fevereiro de 2008. 57 O CUSTO DA COERÇÃO cluindo gestores seniores, responsáveis por recursos humanos, RSE e respectivo pessoal, auditores sociais e funcionários públicos. Os folhetos incluem os princípios de orientação para o combate ao trabalho forçado, uma lista de verificação e de orientação para avaliar sua conformidade, um guia e dicas práticas de atuação, e uma série de estudos de caso de boas práticas, que salientam as diferentes ações que as empresas tomaram individualmente ou em conjunto com as indústrias. O material fornece conselhos práticos para ajudar as empresas a identificar o risco de trabalho forçado em suas próprias atividades e em cadeias produtivas globais, explicando o que é o trabalho forçado, por que é que este é uma preocupação significativa para as empresas, e as ações que podem ser tomadas para o identificar. Neste sentido, o material tem o papel de aumentar a conscientização e de reforçar as capacidades de organizações de empregadores e empresas . Iniciativas de organizações nacionais e empregadores 241. Algumas organizações de empregadores encararam o fenômeno do trabalho forçado e do tráfico nacionalmente. Elas têm procurado combater estas questões através de uma série de medidas que incluem programas de conscientização e formação de membros através de uma cooperação transfronteiriça para lidar com os problemas regionais e globais do tráfico humano e da exploração dos trabalhadores migrantes. 242. Em maio de 2008, a Federação dos Empregadores da Ucrânia realizou um seminário regional sobre estratégias contra o tráfico e o trabalho forçado em cooperação com o BIT, a UE e com o Centro Internacional de Desenvolvimento da Política de Emigração.3 Esse seminário visava informar e aumentar a conscientização das organizações de empregadores, e agir como um catalisador para cooperações e parcerias futuras em questões como: a migração laboral e o tráfico; o papel das agências de recrutamento; boas práticas em Planos de Ação Nacional em desenvolvimento para combate ao trabalho forçado; e avaliar o papel da RSE e da gestão da cadeia produtiva. O workshop incluiu representantes da Ucrânia, Bulgária, Romênia, República da Moldávia e Polônia. 243. Foram realizados outros workshops, feitos por organizações de empregadores em países tão diversos como a Geórgia, o Vietnã e a China, com o objetivo de sensi- bilizar os membros das empresas e discutir o papel que eles podem desempenhar nas iniciativas antitráfico e nos programas de localização do trabalho forçado. Entretanto, com o apoio técnico do BIT e em colaboração com o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), a indústria da construção na Federação Russa, através de seu órgão representante, a KSORR, desenvolveu um código de conduta no setor industrial, para impedir as violações dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, incluindo o trabalho forçado e o tráfico humano. Em particular, o código prevê a supervisão do local de trabalho e medidas de transparência para assegurar a responsabilidade e a credibilidade da iniciativa. 244. As organizações de empregadores da Malásia e do Vietnã têm trabalhado em conjunto para impedir os abusos enfrentados por trabalhadores vietnamitas na Malásia nos últimos anos, com maior incidência nas indústrias da construção e do vestuário. As práticas de coerção salarial, confiscação de documentos pessoais e repatriação forçada emergiram em relatórios dos meios de comunicação e de organizações da sociedade civil. Em resposta, a Federação do Emprego da Malásia e a Câmara do Comércio e Indústria do Vietnã aliaram-se para disponibilizar informação legal e cultural aos trabalhadores migrantes no Vietnã, antes que estes aceitassem trabalhar na Malásia. Esta informação foi distribuída através das agências de recrutamento do Vietnã que fornecem serviços de colocação, incluindo a associação nacional dessas agências. Os pacotes de informação aos migrantes esclarecem as partes relevantes da lei da Malásia, questões sobre fiscalidade, informações sobre segurança social e cuidados de saúde, e como fazer contato em caso de emergência. 245. Foram também tomadas medidas nacionais e locais por associações industriais e empresariais em países como os Estados Unidos. A Associação Têxtil Nacional, em conjunto com a Federação Americana do Trabalho e o Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO), apresentou uma queixa conjunta com o Governo dos EUA, sob o Acordo de Comércio Livre com a Jordânia, alegando “violações grosseiras” dos direitos dos trabalhadores. Neste caso singular, uma associação empresarial assumiu um papel de liderança ao apresentar um caso de direitos dos trabalhadores no marco de um acordo comercial. 2. Workshop regional sobre o combate ao trabalho forçado: o papel das organizações de empregadores e das empresas, reunião realizada em conjunto pela OIE e pela OIT em Bangcoc, Tailândia, 30 de junho - 1 de julho de 2008. 3. Relatório sobre o seminário regional para as organizações de empregadores sobre as estratégias contra o tráfico e o trabalho forçado, Kiev, Ucrânia, 21—22 de maio de 2008. 58 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA Medidas e respostas de empresas individuais 246. Tem sido dada especial atenção às questões do tra- balho forçado, em particular pelas MNE que têm consciência do risco de trabalho forçado em suas operações de terceirização outsourcing e em cadeias produtivas complexas. O risco é considerado cada vez mais grave, lesando a reputação de um número significativo de empresas, através de alegações amplamente divulgadas sobre a existência de trabalho forçado (de adultos e de crianças) em algumas de suas operações comerciais. Durante os dois últimos anos, muitas destas empresas tiveram que enfrentar reportagens dos meios de comunicação alegando que suas atividades recorreram ao trabalho forçado. Além das indústrias consideradas normalmente em risco, como a agricultura e o vestuário, o risco do trabalho forçado abrange todos os tipos de indústrias com cadeias produtivas vinculadas aos bens utilizados nos seus produtos finais, como as indústrias do aço e automóvel, que utilizam amplamente o metal, ou as indústrias de alta tecnologia, incluindo as telecomunicações. 247. Tem ser feita uma distinção entre as medidas preventivas de segurança contra o risco de trabalho forçado e as respostas às alegações específicas. 248. A maioria dos códigos de conduta das empresas, bem como os códigos industriais para setores específicos, contém uma proibição geral do trabalho forçado. Para a maior parte, limita-se a uma breve declaração sem grandes detalhes. Em alguns casos, no entanto, os códigos das empresas forneceram orientações extensas contra práticas de recrutamento abusivas. No entanto, existem situações em que a empresa define detalhadamente as condições de trabalho por escrito aos trabalhadores em seus países de origem, com a especificação das taxas de recrutamento (se impostas pelas leis do país de acolhimento ou de origem), e para assegurar que o fornecedor assuma todos os passos razoáveis necessários no trabalho com agências de prestígio, que não cobram dos trabalhadores taxas superiores às permitidas pela lei do país de acolhimento. 249. Nos casos de alegações específicas contra empresas, houve exemplos de respostas rápidas. Um dos casos referia-se a uma grande empresa de informática dos EUA. Depois dos relatórios dos meios de comunicação sobre as condições de trabalho forçado existentes em uma fábrica chinesa de um dos seus fornecedores, a empresa iniciou de imediato uma auditoria independente para realizar uma pesquisa no local. Descobriu-se que as alegações de trabalho forçado não tinham fundamento, mas as violações ao código de conduta da empresa relativas ao horário de trabalho e às condições de vida exigiam medidas de correção. Em outro caso, de julho de 2008, um programa de televisão australiano alegou a existência de trabalho forçado em uma fábrica de um fornecedor malaio de uma grande empresa de calçado dos EUA. Nesse caso, a empresa americana, após conduzir uma rápida avaliação, aceitou muitas das alegações e anunciou a realização de alterações a sua prática empresarial, enquanto a fábrica também concordou em solucionar tais questões. Os trabalhadores de quem inicialmente foram retirados os passaportes tinham então acesso livre e imediato a esses documentos, e acesso a uma linha telefônica disponível 24 horas, caso a gerência da fábrica não disponibilizasse esses documentos. Todos os trabalhadores migrantes da fábrica seriam reembolsados por quaisquer taxas de recrutamento associadas com sua contratação na Malásia e qualquer futura taxa associadas com a contratação seriam pagas pela fábrica. Dessa forma, a empresa dos EUA tomou a importante decisão de manter o fornecedor e de corrigir o problema, através de alterações de sua prática empresarial publicamente anunciadas. 250. Muitas empresas, tanto fornecedoras como compradoras, enfrentaram extensas acusações em fábricas exportadoras da Jordânia em 2006, depois de um relatório vastamente divulgado pela Comissão Nacional do Trabalho com sede nos EUA. Esse relatório estimulou uma resposta significativa por parte dos principais compradores, localizados na sua maioria nos Estados Unidos, e por parte dos fornecedores e de suas organizações de representantes na Jordânia. Alguns dos compradores intensificaram as suas próprias auditorias, documentando, por vezes, algumas melhorias. Muitos fornecedores colaboraram desde essa época com o BIT, procurando uma melhor compreensão das questões relacionadas com o trabalho forçado e das respectivas ações corretivas. Em março de 2008, por exemplo, foram realizados vários seminários acerca do trabalho forçado, com a Associação dos Exportadores de Vestuário, Acessórios e Têxteis da Jordânia (JGATE), reunindo cerca de 70 altos funcionários das fábricas exportadoras. As reuniões serviram não só para debater princípios de uma forma mais ampla, mas também para analisar os motivos da continuação da ocorrência de certas práticas ainda muito criticadas. Os pontos de debate incluíam as horas extras, a retenção de documentos de viagem, as taxas de recrutamento e de facilitação, e a consistência das auditorias. Ao notar que os diferentes procedimentos de codificação e de auditoria exigiam muito tempo e recursos, com interpretações diferentes relativamente aos indicadores do trabalho forçado, os participantes solicitaram análises e procedimentos mais uniformes, bem como por uma melhor comunicação entre compradores e fornecedores a respeito destas questões. 59 O CUSTO DA COERÇÃO Auditoria ao trabalho forçado 251. A experiência citada levanta algumas questões im- portantes em relação à utilidade da auditoria social para a erradicação do trabalho forçado. Existem muitos obstáculos à eficácia de auditorias de questões tão complexas como o trabalho forçado. Estes podem incluir a brevidade relativa da auditoria, as limitações dos métodos utilizados para conduzir essas avaliações, e a falta generalizada de formação em auditoria sobre trabalho forçado e tráfico. Além disso, a auditoria social normalmente não tem a possibilidade de se introduzir no primeiro escalão de uma cadeia produtiva de uma empresa, o que significa que muitos sub-contratantes escapam à atenção. 252. Um relatório da ETI, iniciativa sediada no Reino Unido, contendo os resultados de seu projeto para combater alguns dos piores abusos na indústria agrícola do Reino Unido, salienta alguns dos desafios enfrentados pelos auditores sociais ao analisarem as práticas dos empregadores conhecidos como “gangmasters”. Entre eles questões básicas como a capacidade dos auditores de comunicarem-se com os trabalhadores que falam diferentes idiomas, e assuntos mais complexos, como a necessidade de assegurar a consistência e o mesmo nível de normas na aplicação das auditorias em diferentes locais de trabalho, com forças de trabalho de diferentes dimensões. A questão da subcontratação também é citada. Neste caso, a experiência da ETI reforça a opinião amplamente sustentada de que os maiores problemas ocorrem em áreas de subcontratação da cadeia produtiva. De acordo com o relatório, avaliar o principal fornecedor de trabalho não implica necessariamente ter mais problemas na cadeia, e, ao verificar-se tal situação, será necessário realizar uma auditoria a cada fornecedor de trabalho. 253. Por esses motivos, o BIT reuniu os auditores sociais e compradores e fornecedores globais, em países-chave de exportação, promovendo o desenvolvimento de novas e melhores formas de identificar situações de trabalho forçado através dessas avaliações. Foi elaborado um manual sobre o trabalho forçado para os auditores sociais, como parte da série de materiais desenvolvidos a esse respeito, para organizações de empregadores e empresas. O manual salientava a importância do diálogo social e a necessidade dos auditores se relacionarem com agentes públicos, particularmente com inspetores do trabalho. O papel e a experiência dos sindicatos 254. O apelo lançado pelo CSI, em dezembro de 2007, para uma Aliança Global Sindical de Combate ao Trabalho Forçado e ao Tráfico surgiu oportunamente. In- 60 úmeras organizações de trabalhadores de todo o mundo estavam prontas para entender esse apelo, e foram rápidas em responder. Muitas já haviam iniciado ações inovadoras para alcançar grupos vulneráveis, incluindo os trabalhadores migrantes, no sentido de exigir uma melhor regulamentação e supervisão dos contratos de trabalho, e para promover a cooperação entre as suas afiliadas em diferentes partes do mundo. 255. Os passos para alcançar uma aliança global de trabalhadores nesta matéria, em conjunto com a preparação e adoção de planos de ação sindicais em diferentes regiões, impulsionaram os esforços existentes e serviram para lhes conferir maior evidência. Recentemente, muitos sindicatos destacaram funcionários e elaboraram programas que lidam com assuntos como os direitos dos trabalhadores domésticos e migrantes e trabalho infantil, servindo para chamar maior atenção para questões relacionadas com o trabalho forçado e o tráfico. No entanto, uma situação particular sobre o trabalho forçado agora parece ter atingido uma repercussão especial. Os sindicalistas compreendem cada vez mais que seus membros têm um papel fundamental a ser desempenhado na ação geral contra o trabalho forçado, através do apoio direto às vítimas, do controle das condições de recrutamento e da contratação em áreas onde a inspeção do trabalho e outras medidas de aplicação da lei normalmente não chegam, e através da participação de iniciativas multistakeholder, que são cada vez mais utilizadas na procura do consenso na resposta política ao trabalho forçado. 256. Esta seção começa descrevendo a oportunidade internacional de envolver os sindicatos de forma mais abrangente no combate ao trabalho forçado, e identificar os principais problemas. Posteriormente, analisa as iniciativas tomadas em esfera nacional ou através da cooperação entre países, muitas destas dentro do enquadramento dos projetos e através da assistência técnica do BIT. Uma aliança sindical global 257. No início de 2007, a CSI iniciou um projeto global de desenvolvimento e de disseminação de estratégias para lidar com o trabalho forçado e o tráfico, em colaboração próxima com o BIT. No intuito de procurar alcançar a adesão sindical a esta estratégia, foi realizada, em setembro de 2007, na Malásia, uma conferência internacional sobre os sindicatos e suas estratégias, patrocinada em conjunto pela CIS, pela Central Sindical da Malásia (MTUC) e o programa do BIT, SAP-FL. Os participantes optaram por dividir suas abordagens e atividades em três bases principais de pesquisa e coleta de dados, aumentando a conscientização e realizando campanhas, 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA Quadro 4.4 Pontos de ação adotados no Conselho Geral da CSI, dezembro de 2007 • Promover a ratificação e a implementação efetiva das Convenções da OIT sobre o trabalho forçado, inspeção do trabalho, agências de recrutamento privadas e trabalhadores migrantes. • Aumentar a sensibilização de membros e funcionários sindicais e o grande público a respeito do trabalho forçado e do tráfico de seres humanos. • Identificar as questões relativas ao trabalho forçado e ao tráfico através de acordos bipartites e tripartites. • Promover o apoio político e material no meio das organizações sindicais para o desenvolvimento de políticas contra o trabalho forçado. • Controlar as agências de recrutamento e as empresas, incluindo suas cadeias produtivas, a fim de detectar e combater as práticas de trabalho forçado e tráfico de seres humanos. • Identificar, documentar e expor publicamente questões e casos de trabalho forçado. • Acordos de colaboração sindical bilateral, setorial ou regional e alianças adequadas ou coligações com organizações da sociedade civil com experiência relevante. • Cooperar com serviços de inspeção do trabalho, aplicação da lei e outras autoridades relevantes ou grupos de trabalho. • Alcançar e direcionar apoio aos trabalhadores migrantes informais, desprotegidos e vulneráveis, para identificar as necessidades e a situação específica, incluindo sua integração nas classificações sindicais. • Assegurar a adequada atenção a todos os aspectos relacionados com racismo e discriminação, incluindo particularmente sua dimensão de gênero, dado que as mulheres estão sujeitas a um maior risco. • Trabalhar em estreita relação com as federações da Global Union para identificar os setores onde é mais provável a ocorrência de trabalho forçado e tráfico. e reduzindo a vulnerabilidade. Foram também selecionadas quatro áreas prioritárias de intervenção futura, nomeadamente: servidão por dívidas no sul da Ásia e na América Latina, a exploração dos trabalhadores domésticos, o tráfico na Europa e na Ásia, e o caso particular de Mianmar. Foi realizada uma assembleia de acompanhamento no mês seguinte, no Centro da OIT em Turim, para assegurar a validação da estratégia concebida por sindicalistas sênior e pelas federações da Global Union. 258. Foi igualmente enviado um questionário às afiliadas da CSI e às federações da Global Union, para avaliação das capacidades dos sindicatos, bem como suas necessidades e oportunidades nesta área. Os resultados indicaram claramente um compromisso do movimento sindical mundial para com o combate do trabalho forçado e o tráfico. Também confirmou que em muitos países, as atividades e estruturas sindicais já identificavam estas questões sob diferentes ângulos. No entanto, enquanto muitos sindicatos em todo o mundo já enfrentavam as questões do trabalho forçado e do tráfico, muitos não tinham o conhecimento nem as capacidades e os recursos para poder fazer o mesmo. A pesquisa detectou uma forte necessidade de reforçar as capacidades, o aconselhamento e a assistência técnica. Um plano de ação para uma aliança global sindical: principais áreas de atividade 259. No seguimento destas preparações, a CSI adotou no seu Conselho Geral um plano de ação inicial que consiste em 11 pontos, realizado em Washington, DC, em dezembro de 2007. 260. Esse plano de ação apresentou os princípios gerais e as áreas de atuação, no intuito de orientar as futuras atividades dos sindicatos. O passo seguinte seria desenvolver prioridades mais específicas por região. Foi o que o CSI fez em 2008, produzindo materiais de informação para intensificar a sensibilização. Foi criado um website sobre a luta dos sindicatos contra o trabalho forçado e o tráfico, dentro do website principal da CIS e uma newsletter da aliança global sindical, disponível em sete idiomas, além de outras publicações. Além disso, um “Mini guia de ação” sobre o combate ao trabalho forçado fornece aconselhamento aos sindicalistas sobre definições de trabalho forçado, com dados e indicadores de identificação do problema, e com aconselhamentos sobre medidas corretivas. A CIS também contatou ONGs e grupos da sociedade civil que têm conhecimento e competências especializadas para ajudar mais eficazmente a combater o 61 O CUSTO DA COERÇÃO trabalho forçado. Em 2008, foi assinado um memorando de entendimento entre a CIS e a ONG Antiescravatura Internacional. A CIS comprometeu-se a envolver parceiros da ONG em atividades de sensibilização, seminários de formação e em projetos para a resposta a grupos marginalizados no quadro do seu plano de ação. Da mesma forma, a ONG Antiescravatura Internacional, comprometeu-se a maximizar o envolvimento adequado dos sindicatos em suas atividades, permitindo, assim, que seus parceiros se beneficiem da experiência sindical sobre as questões do mercado de trabalho. Planejamento regional e reforço de capacidades 261. O primeiro evento de acompanhamento regional ocorreu no Quênia em julho de 2008, reunindo sindicalistas de 20 países africanos. Com base nos relatórios nacionais apresentados por cada país, os participantes puderam apresentar propostas gerais e uma série de recomendações direcionadas separadamente ao governo, aos empregadores e aos próprios sindicalistas. No que concerne às atividades sindicais, as principais recomendações envolviam aspectos organizacionais e independentes. Tomou-se a decisão de se estabelecer uma rede nacional, coordenada pelo escritório africano da CSI, com os pontos centrais de cada país para tratarem os casos em conjunto e partilharem informação. No fundo, as recomendações salientaram, entre outras, a importância dos acordos bilaterais e sub-regionais entre os centros sindicais de diferentes países, e a necessidade de dar maior atenção aos trabalhadores migrantes e aos trabalhadores na economia informal. 262. Foi realizada em Atenas, em novembro de 2008, uma segunda grande conferência sobre o combate ao trabalho forçado e tráfico humano, organizada pela Confederação Geral de Trabalhadores da Grécia (GSEE) em colaboração com a CSI, a Confederação Europeia de Sindicatos (ETUC) e o Conselho Regional Pan-Europeu. Seu objetivo geral consistia em providenciar uma plataforma de debate e de conscientização, e em fornecer uma estratégia sindical internacionalmente abrangente para combater o trabalho forçado e o tráfico na Europa, com especial atenção para a situação das mulheres e das crianças. Esse evento de elevado impacto foi bem sucedido na identificação de uma estratégia Pan-Europeia de ação sindical contra o trabalho forçado, em conjunto com um plano de ação de dois anos. A “Declaração de Atenas” versando esse assunto foi alvo de grande destaque por parte dos meios de comunicação, uma vez mais confirmando o fato do trabalho forçado resultante do tráfico de migrantes em situação irregular, em particular de mulheres e de crianças, ser um problema significativo na Europa. Iniciativas das federações sindicais 263. As federações sindicais internacionais, concentrando-se nos direitos dos trabalhadores e na proteção de setores produtivos ou organizacionais específicos, podem ter um papel de liderança na identificação do trabalho forçado. Um bom ponto de partida pode ser a negociação de acordos com determinadas indústrias ou empresas privadas, incluindo as garantias contra o trabalho forçado como parte de um compromisso mais amplo perante os direitos laborais. Por exemplo, a Federação Internacional dos Trabalhadores do Têxtil, Vestuário e Couro (ITGLWF) chamou constantemente a atenção para as práticas de trabalho forçado que afetavam os trabalhadores migrantes. Em outubro de 2007, assinou um acordo de enquadramento com a empresa Espanhola Inditex, comprometendo a empresa a agir contra o trabalho forçado como parte de um acordo mais amplo para promover as normas fundamentais do trabalho da OIT. A Inditex comprometeu-se a aplicar essas regras a todos os trabalhadores, e por toda a sua rede de abastecimento, fossem eles contratados diretamente pela Inditex ou através de fabricantes e de fornecedores externos. Em setembro de 2007, a Federação Internacional dos Sindicatos de Trabalhadores de Química, Energia, Minas e Indústrias Diversas (ICEM) e a Federação Internacional dos Metalúrgicos (IMF) assinaram, conjuntamente, um novo acordo global com a Umicore, uma empresa multinacional relacionada principalmente com serviços e produção de metais. A proibição do trabalho forçado figurava entre os pontos do acordo. 264. Em maio de 2006, o Escritório da OIT em Lima e a Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (BWI) estabeleceram um importante precedente ao assinar o primeiro acordo entre um sindicato e a OIT, no intuito de combater particularmente o trabalho forçado. Dadas as cada vez maiores evidências do trabalho forçado na indústria florestal da madeira e nos países dos Andes, particularmente na Bolívia e no Peru, as duas organizações comprometeram-se a realizar uma série de atividades conjuntas visando o aumento da conscientização e a disseminação de informação, e esforços para organizar os trabalhadores da madeira. Em dezembro de 2007, um novo acordo ampliou esta cooperação a toda a América Latina e Caribe. Como resultado, em agosto de 2008 foi 4. Slave and forced labour in the twenty-first century: A TUC fact file and activities pack for trade union tutors, Unionlearn/TUC 62 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA lançado pela BWI um projeto sindical de combate ao trabalho forçado no setor florestal na Bolívia e no Peru. O projeto é financiado pela Federação Holandesa de Sindicatos (FNV), com a assistência do BIT. Seu objetivo é defender as vítimas atuais ou potenciais de trabalho forçado nesse setor, através da sensibilização, da organização dos trabalhadores e da construção de alianças. 265. Os sindicatos também adotaram estratégias preventivas, identificando as necessidades dos trabalhadores no seu setor particular. Os Serviços Públicos Internacionais (PSI) alcançaram de forma extensiva potenciais migrantes no setor dos serviços de saúde. Os parceiros da PSI na implementação do Projeto dos Trabalhadores Migrantes e da Saúde da Mulher produziram um dossiê de orientação em 16 países de origem e de destino. O dossiê informativo visava ajudar as mulheres trabalhadoras saudáveis a tomarem a opção certa, quando confrontadas com decisões complexas sobre o país de destino desejado. Contém informações práticas acerca do custo de vida, dos direitos legais e laborais, e associações sindicais nos países de destino. Inclui também informação generalizada sobre questões de emigração no setor da saúde, e o papel dos sindicatos do setor público. 266. A UNI, o sindicato global do setor dos serviços, introduziu seu “Passaporte UNI” para manter o contato com sua rede de afiliadas, que podem auxiliar e aconselhar os migrantes, onde quer que eles estejam. As afiliadas decidem o nível de apoio que providenciarão aos migrantes, que são membros sindicais nos seus próprios países e divulgam esta informação em seus próprios websites. Ação nacional: orientação e kits de ferramentas 267. Como primeiro passo para promover a conscientização e a integração, os kits gerais de ferramentas são de significativa importância. Um deles foi emitido pelo TUC do Reino Unido, em fevereiro de 2007, como parte das atividades nesse país para comemorar o 200º aniversário da abolição do comércio transatlântico de escravos na Europa. Direcionado principalmente aos formadores sindicais, seu objetivo era aumentar a confiança na identificação das questões do trabalho forçado em fóruns de aprendizagem públicos, assim como também atrair o interesse e a militância entre sindicalistas individuais. Uma “auditoria para a conscientização sobre o trabalho forçado” ajuda os utilizadores a verificar os seus próprios níveis de conhecimento, e a agir a respeito. O BIT desenvolveu com os sindicatos da Zâmbia outro kit de ferramentas sobre o trabalho forçado e o tráfico, como parte de um projeto conjunto sobre o trabalho forçado entre a OIT e seus constituintes tripartidos. Fornecendo informação de fundo sobre o problema do trabalho forçado e do tráfico na Zâmbia, explica as razões do envolvimento por parte dos sindicatos e identifica as ações específicas que podem ser realizadas. O objetivo era desenvolver um modelo que se adaptasse facilmente às necessidades dos sindicalistas em outros países africanos, e talvez até mais amplamente. Campanhas informativas 268. A primeira etapa do contato com todos os que es- tão em risco de trabalho forçado consiste em fornecer informação adequada acerca desses riscos, e também acerca dos benefícios sociais e dos direitos dos trabalhadores em questão, pontos que se interrelacionam. Os sindicatos podem ser parte dos grupos de apoio, contactando os cidadãos que têm a intenção de emigrar. Também podem ajudar a contactar os migrantes em seus próprios países. Existem muitos exemplos nacionais de situações em que os sindicatos têm vindo a desenvolver experiência considerável e enriquecido suas ideias. Na Colômbia, a Confederação Geral do Trabalho estabeleceu um centro informativo e de serviços em Bogotá, ligado aos oito principais países de destino para os trabalhadores migrantes colombianos. Na Costa Rica, um centro de apoio sindical aos migrantes produziu uma newsletter destinada aos migrantes, principalmente para aqueles que vêm da Nicarágua, em conjunto com folhetos sobre os direitos dos trabalhadores e a regulamentação do trabalho neste país. Na Espanha, funcionam atualmente muitos centros de informação aos migrantes, geridos pelas Comissões de Trabalhadores e pelo Sindicato Geral dos Trabalhadores, aconselhando da mesma forma os migrantes sobre a regulamentação do trabalho e os procedimentos de autorizações do trabalho, e também ministrando aos migrantes cursos de línguas e outros tipos de formação. A Federação dos Trabalhadores dos Hotéis de Chipre, o Sindicato da Construção, Agricultura e Meio-Ambiente da Alemanha (IG-BAU), o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas da Polônia (ZZPR) e o Sindicato dos Trabalhadores Municipais Suecos (Kommunal) estão entre os muitos outros que fornecem esse tipo de serviços. Organização de migrantes e apoio às suas reivindicações 269. Organizar os migrantes, particularmente aqueles em situação irregular, pode ser um imenso desafio. Em alguns casos, os sindicatos podem ter que enfrentar re- 63 O CUSTO DA COERÇÃO strições legais nestas atividades. Entretanto, existe um sólido crescimento desse tipo de trabalho organizacional em diferentes regiões. 270. A Federação Geral de Sindicatos da Jordânia (GFJTU) obteve autorização oficial para estabelecer escritórios sindicais nas zonas francas de exportação, onde mais de dois terços dos trabalhadores são de origem asiática. Os migrantes podem agora tornar-se membros de sindicatos da Jordânia, apesar de ainda não serem elegíveis para assumir cargos sindicais. Na zona industrial de AdDu-layl, por exemplo, em 2008, os migrantes sindicalizados totalizavam um décimo de um total de 30.000 trabalhadores. Os métodos de trabalho dos sindicatos foram adaptados aos métodos de produção, com os seus escritórios abertos durante todo o dia e toda a noite para fornecer serviços através de três turnos sucessivos. As queixas são formalizadas por escrito e traduzidas para o árabe. Em um caso em particular, uma intervenção de última hora feita pelo sindicato têxtil da Jordânia pôs fim à ameaça de deportação de seis mulheres trabalhadoras, com base em sua associação sindical. 271. Em 2006, a União Geral dos Trabalhadores dos Transportes (TGWU), sediado no Reino Unido, organizou uma campanha especial nas fábricas de produtos alimentícios na cidade de Birmingham, onde a maioria dos trabalhadores eram migrantes. Ao utilizar organizadores com a mesma cultura e idioma dos migrantes, a campanha obteve cerca de 300 novos membros sindicais e beneficiou os trabalhadores com aumentos de cerca de 12%. 272. O Malaysian Liaison Council, na qualidade de órgão coordenador das afiliadas da UNI nesse país, operou uma rede de assistência aos migrantes em mais de 20 zonas da Malásia, prestando assistência aos trabalhadores migrantes de diversos países de origem asiática. Os casos incluíram trabalho forçado e abusos relacionados, como a confiscação de passaportes, ameaças físicas e horas de trabalho excessivas através de horas extras obrigatórias. 273. Em Portugal, os trabalhadores migrantes em situação irregular podem registrar suas queixas de exploração laboral perante um fiscal que se ocupa de questões sociais, que não questionará se sua situação migratória encontra-se de acordo com as leis. Os sindicatos portugueses apresentaram à Segurança Social diversos casos de abuso contra trabalhadores migrantes perante os serviços de trabalho. Os tribunais de trabalho decidiram a favor dos migrantes não-documentados, nos inúmeros casos que lhes foram apresentados pelos sindicatos. 64 Detecção e documentação de casos de trabalho forçado 274. Quando dispõem de formação adequada, os sindicalistas estão particularmente bem colocados para identificar as particulares situações do trabalho forçado e para tomarem as medidas de reparação apropriadas em nome das vítimas. Por exemplo, na Bélgica, a Confederação dos Sindicatos Cristãos de Alimentação e Serviços, deu particular atenção ao problema dos trabalhadores domésticos. Um exemplo disso foi um caso em Bruxelas que envolveu graves abusos a trabalhadores domésticos em um hotel pertencente a uma família proveniente dos Estados do Golfo, que confiscou os documentos dos trabalhadores e limitou sua liberdade de movimentos. O sindicato levou ao tribunal vários casos semelhantes e organizou uma campanha geral sobre o trabalho doméstico. 275. Em meados de 2007, no seguimento de revelações publicadas pelos meios de comunicação acerca do abuso grave do trabalho forçado na província de Shanxi, a Federação dos Sindicatos da China (ACFTU), assumiu um papel fundamental de acompanhamento nas investigações, em conjunto com as agências de aplicação da lei. Logo depois, o BIT deu formação a funcionários seniores da ACFTU da maioria das províncias da China, sobre como detectar e conduzir casos de abuso de trabalho forçado. 276. Este tipo de trabalho pode ser realizado pelos sindicatos em circunstâncias de risco e difíceis. Em Mianmar, a Federação dos Sindicatos da Birmânia (FTUB) recolhe informações detalhadas acerca das vítimas e dos autores do trabalho forçado, e da localização, duração e das formas de trabalho a que os membros da comunidade são obrigados. A FTUB possui uma rede de sindicalistas no local, que devido aos riscos consideráveis têm que permanecer anônimos. Os resultados de suas ações são publicados no website da FTUB. Cooperação entre sindicatos de diferentes países 277. Esta cooperação, de particular importância quan- do os migrantes se encontram em risco de trabalho forçado, pode ser realizada através de mecanismos mais ou menos formais. Podem ser dados exemplos de acordos formais realizados na Ásia Central e no Sudeste 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA Asiático. Em 2006, o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Quirguistão (AWU) e o Sindicato AgroIndustrial da região Almaty do Casaquistão concluiu um projeto de cooperação para melhorar a proteção aos trabalhadores migrantes quirguistaneses na agricultura do Casaquistão. Antes de emigrarem, a AWU fornece informações sobre os custos da viagem e os procedimentos de transferência dos fundos, as condições de trabalho e os contatos com o sindicato do Casaquistão. O Sindicato Agro-Industrial da região Almaty concordou em informar os migrantes quirguistaneses acerca de seus direitos contratuais no Casaquistão e a possibilidade de aderirem a um sindicato local. Um acordo semelhante entre os sindicatos da indústria da construção do Tajiquistão e a Federação Russa permitiu que quase 3.000 trabalhadores tadjiques se tornassem membros do sindicato russo. Na região asiática foi assinado um acordo de parceria em setembro de 2006 pela Central Sindical da Malásia (MTUC) e pelo Congresso de Sindicatos da Indonésia (KSPI). Os contatos regulares entre ambos visam assegurar uma ação imediata, no caso de qualquer violação dos direitos humanos dos trabalhadores migrantes na Malásia. 278. Na Europa, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses Intersindical Nacional (CGTP-IN) assinou acordos com os sindicatos dos principais países de destino dos trabalhadores migrantes, entre eles Luxemburgo, Espanha, Suíça e Reino Unido, promovendo a sindicalização desses trabalhadores. Colaboração com as ONGs e a sociedade civil 279. Naturalmente os sindicatos se beneficiam da co- operação com os especialistas das ONGs e da sociedade civil, quer na pesquisa e na coleta de dados, quer no fornecimento de serviços de apoio e acompanhamento. O rápido crescimento de todos os tipos de ONGs ligadas às atividades “antitráfico” oferece uma ampla oportunidade para essas redes e coligações. Na África, a Organização Central dos Sindicatos do Quênia (COTU) colaborou, na região do Leste Africano, com ONGs envolvidas na ação contra o tráfico. Na Ásia, a Federação Geral dos Sindicatos Nepaleses cooperou com a Anti-Slavery International e com grupos de pesquisa e de sensibilização da sociedade civil na Índia e no Paquistão para analisar o progresso de erradicação dos sistemas de servidão por dívidas. Um estudo publicado em 20075 descreveu a experiência nepalesa na organização de trabalhadores em situação de servidão por dívidas e salientou a importância da negociação coletiva para a luta geral contra o trabalho forçado. 280. Na Europa, um modelo dessa cooperação é o do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços, Industriais, Profissionais e Técnicos da Irlanda (SIPTU) e do Centro de Direitos dos Migrantes na Irlanda (MRCI). Este último prestou assistência aos migrantes dos setores agrícola, de trabalho doméstico e de hotelaria e catering, disponibilizando serviços de apoio em diversos idiomas e também prestando assistência aos trabalhadores migrantes na formação dos seus próprios grupos de apoio. Também colaborou com a SIPTU no intuito de informar os migrantes acerca das vantagens da filiação sindical. Muitos migrantes acabam por aderir aos sindicatos como resultado desses esforços. Os desafios futuros 281. Apesar do crescimento da conscientização, a ação contra o trabalho forçado continua sendo uma área nova para a maioria dos sindicatos e pode colocar desafios diferentes daqueles enfrentados nas anteriores campanhas sindicais de elevada dimensão contra o trabalho infantil, relacionando a sensibilidade política, bem como os problemas logísticos para chegar àqueles trabalhadores que se encontram em partes escondidas da economia e em regiões isoladas. 282. Em primeiro lugar, é importante considerar as sensibilidades políticas. Os trabalhadores migrantes podem ser vistos como uma ameaça aos trabalhadores nacionais que constituem o grosso dos filiados dos sindicatos e estes poderão mostrar-se relutantes em assumir a sua causa. Inversamente, os trabalhadores migrantes em situação irregular podem se sentir relutantes em abordar os sindicatos, por medo de perderem seus empregos e arriscarem-se a uma rápida deportação. Um grande obstáculo às organizações de trabalhadores migrantes podem ser as restrições na lei laboral nacional no que diz respeito ao direito por parte dos trabalhadores migrantes em aderirem a um sindicato. 283. Os desafios logísticos são significativos e complexos. Os setores com maior incidência de risco de trabalho forçado muitas vezes são os que apresentam uma taxa de sindicalização mais baixa. A intensificação da ação sindical contra o trabalho forçado exige maior organização nos setores difíceis de serem alcançados, como a construção e os têxteis, bem como entre os trabalhadores migrantes dos setores doméstico e informal, em um plano mais geral. Os trabalhadores migrantes tendem a enfrentar mais horas de trabalho e podem não ter a possibilidade de sair do local de trabalho para procurar ajuda. É ter uma estratégia proativa, bem como um debate político entre líderes sindicais para desenvolver a política e visão adequadas. 65 O CUSTO DA COERÇÃO Quadro 4.5 Iniciativas de multi-stakeholders contra o trabalho forçado no Brasil Os esforços conjuntos de empresas, da sociedade civil e do governo para combater o trabalho forçado no Brasil constituem um excelente exemplo daquilo que pode ser alcançado através de iniciativas de multistakeholders. Em primeiro lugar, o setor privado providencia apoio financeiro e técnico para uma grande campanha nacional, desenvolvida com a ajuda do BIT, a fim de aumentar a sensibilização a respeito do trabalho forçado. Foram concebidos e difundidos, em parceria com o setor privado, bandeiras, posteres, anúncios na rádio e na TV, pés de mouse, bem como camisetas. Foram doados mais de US$11 milhões, principalmente através de espaços publicitários nos meios de comunicação. As maiores empresas de minas e de transportes apoiaram uma segunda fase da campanha, imprimindo cerca de 300.000 brochuras e 4.000 posteres e disponibilizando espaço para publicidade nos aeroportos. As bandeiras da campanha estiveram à vista durante três meses nos 27 maiores aeroportos do Brasil. A televisão mostrou oito pequenos filmes acerca do trabalho forçado e foi realizada uma transmissão com atores famosos, apresentada pelo maior canal de televisão do país em horário de grande audiência, alcançando milhões de brasileiros. Houve uma significativa ação conjunta contra o trabalho forçado na indústria do aço. Esta teve início em 2004, quando a Associação das Indústrias do Aço da Região de Carajás (ASICA), assistida pelo Instituto Ethos para a responsabilidade social e empresarial e pelo BIT, assinaram um Pacto da Indústria do Aço, que envolvia 13 empresas de aço do estado do Maranhão. Foi então criado o Instituto Carvão Cidadão (ICC) ao abrigo do Pacto para erradicar o trabalho forçado na rede de produção do aço. O ICC realiza auditorias sociais aos fornecedores de carvão vegetal, com base em um código de conduta. No caso de incumprimento, a certificação dos fornecedores é retirada, e outras empresas membros param de negociar com eles. O ICC também iniciou um projeto inovador, em colaboração com o Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). O Ministério fornece ao ICC uma lista dos trabalhadores forçados que foram libertados pelos inspetores do trabalho, e o ICC procura colocálos em trabalhos decentes, com a formalização de contratos. A tarefa é muitas vezes complicada, pois só se conseguem localizar apenas 30% dos trabalhadores libertados, e a grande maioria possui um baixo nível de educação e de letramento. Foram reinseridos quarenta e seis trabalhadores em 2006 e 115 em 2007, com empregos em empresas do aço do Maranhão, Pará e Tocantins. Além disso, as empresas do Pacto da Indústria do Aço despenderam cerca de US$350.000 para a reinserção, até o final de 2010, de pelo menos mais 400 trabalhadores libertos. A pedido do Secretário de Estado dos Direitos Humanos, a ONG Repórter Brasil trabalhou com o BIT para realizar um estudo acerca dos bens produzidos pelas empresas que se encontravam na “lista negra” (uma lista emitida pelo MTE semestralmente com os nomes dos que utilizaram as práticas de trabalho forçado). Um primeiro estudo em 2005 identificou a incidência do trabalho forçado na produção de diferentes produtos agrícolas, entre outros. Um outro estudo, realizado em 2007, fornecia informações sobre as ligações entre outras redes comerciais e o trabalho forçado. Essas informações constituíram ferramentas poderosas para aumentar a conscientização do público em geral, bem como por parte dos empregadores, relativamente ao risco do trabalho forçado em suas cadeias produtivas. Como resultado do primeiro estudo, o BIT e o Instituto Ethos contataram as empresas identificadas na pesquisa, no intuito de alertá-las para a existência do trabalho forçado em sua cadeia produtiva. O Pacto Nacional para Erradicar o Trabalho Escravo emergiu a partir desta iniciativa em maio de 2005. O Pacto Brasileiro envolvia compromissos contra o trabalho forçado por parte de empresas individuais, incorporando cláusulas em seus contratos de compra e venda, e facilitando a reinserção dos trabalhadores libertados. Mais de 180 signatários (em 15 de julho de 2008) incluíam grandes cadeias de supermercados, grupos industriais e financeiros, totalizando, juntos, um quinto do PIB do Brasil. O acompanhamento ao Pacto foi estabelecido pela Ethos em conjunto com os grupos da sociedade civil, com a realização de vigilância pela ONG Instituto Observatório Social. A vigilância envolvia a análise do cumprimento das disposições do Pacto Nacional e outro acompanhamento incluía a documentação das boas práticas e a garantia de que as empresas tomariam as medidas concretas para demonstrar o seu empenho. Como consequência da vigilância, uma empresa signatária foi excluída do Pacto em julho de 2008, depois de se ter concluído que utilizava trabalho forçado e práticas degradantes, incluindo a servidão por dívidas em duas ocasiões, entre 2007 e 2008. 5. Paying back in sweat and tears, Anti-Slavery International, 2007. 66 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA 284. Como as estratégias e os planos de ação contra o trabalho forçado e o tráfico estão mais desenvolvidos, é evidente que têm que ser abrangentes, abraçando amplo enquadramento político, como a aplicação de uma medida contra a exploração coerciva dos trabalhadores em situação precária, e de uma ação muito prática no local de trabalho e na comunidade. 285. Podem existir muitos exemplos interessantes na área política, mas a título de ilustração um apenas será o suficiente. Na Malásia, os sindicatos reuniram-se com as organizações da sociedade civil em Selangor, em agosto de 2008, para a realização de uma Consulta Nacional sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes, ao abrigo do mecanismo de proteção da Força de Trabalho dos Trabalhadores Migrantes da ASEAN. Foram desenvolvidas uma série de recomendações para o Governo e para o Parlamento da Malásia, bem como para os Estados da ASEAN, incluindo questões como: princípios políticos mais abrangentes; recrutamento e colocação dos trabalhadores; condições de vida e de trabalho; tráfico de pessoas; e aplicação da lei e acesso à justiça. 6 Estas incluíram recomendações assertivas para o sistema em externalização, que havia criado os acordos de servidão por dívidas e que encorajou o tráfico humano para efeitos de exploração laboral; e de instrumentos como o Imposto do Trabalhador Estrangeiro, que contribuiu para o agravamento do cativeiro dos trabalhadores. Este tipo de recomendações políticas cuidadosamente formuladas preparou o terreno para sistemáticas campanhas sindicais. Na Malásia, a MTUC comemorou posteriormente o Dia Mundial do Trabalho Decente, em 7 de outubro de 2008, com um grande comício para protestar contra as políticas de externalização e as condições de trabalho forçado vivenciadas pelos trabalhadores migrantes. 286. Está claro que as particularidades do mercado de trabalho de cada país determina as prioridades sindicais em relação a esse assunto. No entanto, a situação indica que quase todos os países atualmente estão conscientes da urgência dos problemas. Com isso, podem aprender através da experiência dos sindicatos malaios e de outras práticas analisadas nesta seção, no intuito de conceder uma real substância a uma aliança de trabalhadores contra o trabalho forçado e os seus diversos componentes estratégicos. Conjugar esforços: a importância das iniciativas de multi-stakeholders 287. Para identificar as questões mais complexas do tra- balho forçado nos dias de hoje, os constituintes tripartites da OIT necessitam conjugar seus esforços. Todos os parceiros precisam trabalhar intensivamente para desenvolver um consenso acerca das leis e das políticas contra o trabalho forçado, incluindo as suas formas mais sutis. Têm que construir um consenso a respeito dos papéis e das respostas adequadas ao trabalho forçado atual: como vigiá-lo; quando aplicar sanções e contra quem; que tipo de sanção aplicar a fim de punir ou dissuadir; e como reconciliar as abordagens da aplicação da lei com a prevenção e a proteção necessárias para identificar as causas básicas do problema. 288. Estas considerações trazem à tona o papel da MSI (iniciativas multi-stakeholder) e da RSE. Ambos os termos exigem algumas explicações, conforme utilizados nesta seção. 289. As MSIs apareceram para assumir diversas formas e envolvem diversos atores. No entanto, sua maioria estabeleceu-se como ONGs ou fundações e contam com membros provenientes de empresas, de entidades industriais, organizações de trabalhadores e grupos de sociedade civil ligados aos direitos humanos, direitos dos consumidores e outros direitos. Os organismos do setor público tendem a não participar diretamente nessas MSIs, apesar de poderem atuar como observadores ou fornecedores de assistência financeira. As MSIs estão tipicamente ligadas ao desenvolvimento de políticas, à pesquisa e ao reforço de capacidades, e realizam fóruns para tratar de questões relacionadas com a implementação de códigos. Algumas MSIs também desenvolveram sistemas de certificação, que utilizam a auditoria social como um método para medir a conformidade de uma empresa perante as normas estabelecidas 290. A RSE foi definida pelo BIT como a forma através da qual as empresas consideram o impacto das suas atividades na sociedade, afirmando os seus princípios e valores em seus métodos e processos internos e em sua interação com os outros. É uma iniciativa empresarial voluntária, e refere-se às atividades consideradas para além do mero cumprimento da lei.7 No entanto, o conceito de RSE também foi abraçado pelos governos e por grupos da sociedade civil. Foram estabelecidas muitas ONGs, em associações com empresas e indústrias, com o objetivo de promover práticas empresariais socialmente responsáveis. 291. De qualquer forma, as questões do trabalho forçado agora são proeminentemente incluídas nas agendas da MSI e da RSE. As iniciativas setoriais nas indústrias do cacau, algodão, óleo de palma, açúcar e tabaco, entre outras, deram ênfase à ação contra o trabalho forçado. Algumas ONGs procuram atualmente trabalhar com as empresas na auditoria ao trabalho forçado e no fornecimento de aconselhamento acerca das medidas corretivas para o prevenir. A Associação de Trabalho Justo (FLA), 67 O CUSTO DA COERÇÃO a Responsabilidade Social Internacional (SAI) e a Verité nos Estados Unidos são exemplos dignos de destaque. 292. Algumas MSIs desempenharam um papel de destaque na construção do consenso social sobre questões empresariais, incluindo o trabalho forçado, e, por vezes, facilitaram a realização de novas regulamentações. Um exemplo positivo é o da ETI, sediada no Reino Unido, mas com campo de ação e associativismo em muitos outros países. A ETI possui membros empresariais, sindicais e de ONGs com o apoio e financiamento do Governo Britânico. Constituiu um fórum político fundamental para a identificação de práticas laborais abusivas na indústria de sub-contratação do Reino Unido, incluindo as práticas por parte de “gangmasters” não registrados. A aliança que construiu entre organizações governamentais, empresariais e de trabalhadores foi muito importante para estabelecer um licenciamento estatutário, e um programa de registro dos fornecedores de trabalho dos setores agrícola e da pesca. A ETI também preparou materiais de orientação para seus membros sobre a situação de servidão por dívidas de trabalhadores em todo o mundo. 293. Algumas lições devem ser aprendidas a partir destas iniciativas e de outras similares, atualmente em curso. Um desafio fundamental consiste em encontrar o equilíbrio adequado entre o voluntarismo da maioria das abordagens da RSE, salientando os códigos de conduta e a autorregulamentação, e a clara obrigação legal de prevenir e de erradicar o trabalho forçado na economia privada, uma obrigação que exige uma vigilância vigorosa e eficaz. A presença das MSIs na auditoria pode ser bem-vinda, mas só se estas adotarem uma abordagem consistente baseada nas normas da OIT sobre o trabalho forçado e na relevante jurisprudência dos órgãos de controle da OIT. É igualmente importante que não sejam consideradas pelos governos ou entidades privadas como um substituto para agências governamentais responsáveis pela vigilância das condições de trabalho, que atualmente em muitos países precisam ser urgentemente reforçadas. As MSIs devem ser encorajadas a trabalhar com os órgãos públicos, a fim de explorarem as situações em que os esforços conjuntos possam conduzir a uma ação mais eficaz contra o trabalho forçado, particularmente nas funções das inspeções do trabalho e da auditoria social. 6. Declaração Nacional, Consulta Nacional da Malásia sobre a Declaração ASEAN acerca da Proteção e Promoção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes, 13—14 de agosto de 2008, Quality Inn, Shah Alam, Selangor, Malásia. 7. ILO: Governing Body document GB.295/MNE/2/1, Subcommittee on Multinational Enterprises, 295th Session, Geneva, march 2006. 68 4. O TRABALHO FORÇADO E A ECONOMIA PRIVADA 69 Capítulo 5 Combater o trabalho forçado através da cooperação técnica: conquistas e desafios Introdução 294. Como poderá a OIT exercer sua liderança global na ação de erradicação do trabalho forçado? Quais as lições tiradas das experiências atuais? O presente capítulo salienta algumas conquistas e desafios no trabalho da OIT contra o trabalho forçado durante os últimos quatro anos, apresentados através de exemplos. 295. A cooperação técnica da OIT foi determinada pelo plano de ação adotado pelo Conselho de Administração em novembro de 2005.1 Este incluiu: os alvos e objetivos fundamentais, incluindo a assistência aos Estados membros no estabelecimento de planos de ação com vínculo de tempo; os métodos de pesquisa e de coleta de dados; o aumento da sensibilização e das necessidades de pesquisa; a orientação política e os materiais de formação; os projetos operacionais para o reforço de capacidades e ação direta e o apoio às vítimas; o reforço de capacidades para organizações de empregadores e de trabalhadores; e a comunicação e sensibilização mundiais. O objetivo dominante visa a construção de uma aliança global contra o trabalho forçado, concentrando-se principalmente nos constituintes tripartites da Organização. 296. Enquanto esse trabalho tem sido principalmente conduzido através do programa SAP-FL, no âmbito da Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, diversas outras unidades do Escritório estão igualmente envolvidas. Um dos pontos fortes da OIT para combater problemas como o trabalho forçado e o tráfico de uma forma multidimensional, está em um conjunto de capacidades e de abordagens desta Organização. A assistência técnica do BIT é sustentada pela ação de fortalecimento da aplicação das normas internacionais do trabalho no âmbito do trabalho forçado e assuntos relacionados como os casos de trabalhadores migrantes, trabalho infantil, inspeção do trabalho e administração do trabalho, agências de recrutamento privadas, e muitas outras. Os departamentos técnicos da OIT, que identificam os trabalhadores migrantes e o trabalho infantil2 desempenham papéis particularmente importantes, assim como muitos outros. 297. O BIT detém atualmente um corpo considerável de conhecimentos e de experiências sobre como identificar o trabalho forçado e o tráfico, com base nos principais pontos fortes da organização. As atividades conduzidas mundialmente – como a pesquisa comparativa, as comunicações, o desenvolvimento de ferramentas e a construção de parcerias – foram realizadas através de projetos nacionais e regionais, a fim de identificar problemas, em colaboração direta com os constituintes da OIT e outros atores. De fato, a principal recomendação de uma avaliação independente realizada pela SAP-FL em 2006 consistia na concentração do programa e de seus esforços na defesa e alteração das políticas, evidenciando um equilíbrio adequado entre o trabalho político mais “contra a corrente” e os projetos de intervenção mais “a favor da corrente”, dos quais se podem tirar lições políticas. Como organização internacional tripartite, a OIT pode ter uma vantagem em comparação com o primeiro caso, mas também tem que lidar com os problemas reais na área. Aumentar a pressão mundial para obter mudanças políticas: difundir a mensagem 298. O BIT redobrou os seus esforços para comunicar ao mundo a urgência de combater o trabalho forçado. 1. GB.294/TC/2. 2. O Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) desenvolve programas na área de combate ao tráfico de crianças e de mulheres. O Programa Internacional para as Migrações (MIGRANT) lida com o tráfico a partir da perspectiva da gestão da migração laboral internacional para a melhor proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes. 71 O CUSTO DA COERÇÃO Um primeiro passo para despertar as respostas políticas é aumentar a conscientização pública e a pressão para que medidas sejam adotadas. A estimativa do BIT de, pelo menos, 12,3 milhões de indivíduos se encontrarem em situação de trabalho forçado em todo o mundo, publicada em 2005, continua sendo amplamente citada e serviu para despertar a consciência geral a respeito da necessidade de ação. A cobertura global por parte da imprensa de casos relacionados com o trabalho forçado triplicou entre 2004 e o final de 2007.3 Esta tendência reflete-se nacional e regionalmente, por exemplo, no Brasil e em países da sub-região do Grande Mekong. Obviamente, o assunto instiga a imaginação e chama a atenção de jornalistas, comentadores, e atrai público de todo o mundo. Consequentemente, tem havido um crescimento sólido de reuniões internacionais e de eventos sobre o trabalho forçado e o tráfico, nos quais tem sido procurada a participação da OIT. A posição da OIT de que o tráfico humano envolve mais do que a exploração sexual de mulheres e de crianças, e que o tráfico também deve ser visto como um problema de trabalho forçado para o qual se exigem soluções baseadas no mercado de trabalho, é amplamente aceita atualmente. Um indicador interessante desse movimento de percepção e de discurso político é o aumento vertiginoso da atenção dada ao trabalho forçado no relatório anual do Governo dos Estados Unidos, “Tráfico de Pessoas”: as meras 20 referências em 2001 saltaram para 535 em 2008. 299. O BIT também participou de vários fóruns de cúpula sobre a emigração, transmitindo a posição que a gestão da emigração internacional deverá ser baseada na igualdade de direitos para os trabalhadores migrantes, com total respeito pelas normas internacionais do trabalho. Uma importante ferramenta de sensibilização é o Enquadramento Multilateral sobre a Migração Laboral, adotado em 2005, que define princípios e orientações não vinculativos, com vista a uma abordagem baseada nos direitos da migração laboral. Inclui orientações específicas acerca da proteção aos trabalhadores migrantes contra práticas abusivas, incluindo o trabalho forçado e o tráfico. 300. A informação disseminada através da internet desempenha um papel fundamental em qualquer estratégia de comunicação. Desde que foi lançado um novo website sobre o trabalho forçado, em maio de 2007,4 o número de visitantes externos aumentou dez vezes, até o final de 2008. É um repositório abrangente de relatórios de pesquisa, notícias e informações acerca de projetos e eventos, com ligações a outros sites que abordam a temática do trabalho forçado e do tráfico. Foram produzidas numerosas publicações (brochuras, artigos, publicações acadêmicas, orientações políticas e ferramentas de formação) e materiais audiovisuais acerca dos vários aspectos do trabalho forçado, e de como combatêlo. Uma publicação geral sobre ação da OIT contra o tráfico, preparada no início de 2008, identifica as formas específicas através das quais as capacidades e a competência da OIT adicionam valor aos esforços internacionais. O desafio permanente é assegurar que os resultados das pesquisas e o aconselhamento político cheguem às mãos daqueles que podem vir a produzir mudanças de alcance nacional. 301. A experiência demonstra que a mudança pode acontecer quando os “opositores” do trabalho forçado o denunciarem e agirem em escala nacional. Tais opositores podem ter várias origens — parlamentares, altos funcionários, ativistas da sociedade civil, prestadores de serviços, líderes religiosos ou membros preocupados do público, incluindo antigas vítimas. Esse foi certamente o caso, por exemplo, da Bolívia, do Brasil e do Paraguai, bem como da Indonésia e das Filipinas. Um dos objetivos da aliança sindical mundial contra o trabalho forçado consiste em apoiar uma rede de ativistas sindicais em todo o mundo que assumam um papel de liderança nesta questão. Personalidades eminentes também podem ser identificadas entre a comunidade empresarial para defenderem a causa. O BIT identificaria mecanismos adequados para homenagear os indivíduos ou as instituições que agem corajosamente na luta contra o trabalho forçado. Compreender os problemas e as soluções: gerar e partilhar o conhecimento 302. Investigações sólidas constituem um elemento es- sencial no reforço da conscientização e sensibilização para as áreas politicamente sensíveis. O BIT tem continuado a ampliar a base de conhecimento global acerca do trabalho forçado, normalmente recorrendo aos acadêmicos nacionais no intuito de conduzirem estudos dirigidos ou para que apresentem problemas de metodologia. 3. Esse número tem origem em um estudo de artigos relacionados com o trabalho forçado em oito jornais (The Hindu, O Globo, Gulf News, Moscow Times, Le Monde, El Comercio, The New York Times, Dawn) e de um website que disponibiliza artigos de diversos jornais (All Africa). As fontes foram pesquisadas de janeiro de 2004 a dezembro de 2007, utilizando palavras-chave como “trabalho forçado”, “tráfico”, “servidão por dívidas”, “escravidão” e “exploração sexual comercial”. 4. www.ilo.org/forcedlabour. 5. ILO action against trafficking in human beings, ILO, Geneva, 2008. 72 5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA 303. Fora do BIT, os estudos acerca do trabalho forçado têm sido muito limitados. No entanto, atualmente existem sinais de um aumento do interesse da comunidade acadêmica na pesquisa do trabalho não livre e das práticas análogas à escravatura. Pelo contrário, tem havido abundância de estudos e publicações sobre o tráfico humano. Uma crítica recorrente desses esforços tem sido a falta de consistência na forma como o problema foi definido e analisado, o que significa que as comparações entre países raramente são possíveis. Espera-se que o trabalho inovador para firmar um consenso sobre os indicadores fundamentais do tráfico na Europa contribua para melhorar a qualidade de futuras pesquisas. 304. O próprio programa de ação e de pesquisa sobre elaboração de políticas orientada do BIT atribui muita importância à integração de parceiros nacionais no processo, desde o planejamento até à validação dos resultados, de modo a assegurar o adequado acompanhamento. A pesquisa sobre o trabalho forçado e o tráfico na Zâmbia foi analisada por uma comissão tripartite, presidida pelo Secretário Permanente do Ministério do Trabalho. Um estudo acerca dos mecanismos de recrutamento de trabalhadores migrantes paquistaneses foi orientado por uma comissão de supervisão, que envolvia elementos do governo e acadêmicos selecionados. 305. A pesquisa do BIT ocorre muitas vezes no enquadramento de projetos de cooperação técnica. No âmbito de um projeto contra o tráfico de seres humanos realizado na China, foram investigadas situações de pré-migração, de mecanismos de recrutamento e das causas fundamentais da migração em zonas selecionadas de emigração, bem como a exploração de migrantes chineses clandestinos e vítimas de tráfico na França, na Itália e no Reino Unido. Esta situação permitiu a compreensão dos sistemas de recrutamento na China e das formas através das quais os indivíduos financiavam a sua própria migração, e ajudando, com suas economias, outros membros da comunidade. Os estudos conduzidos na Europa oferecem uma nova perspectiva dos canais de recrutamento e das condições contratuais dos migrantes em diferentes profissões. Os resultados de ambos foram utilizadas em campanhas para aumentar a conscientização dos riscos da migração irregular. 306. No Tajiquistão, vários estudos foram utilizados para a implementação de um projeto da OIT/PNUD para a prevenção do tráfico humano, através da criação de postos de trabalho e da melhoria da gestão da emigração. O projeto concentra-se na zona empobrecida de Rasht, de onde muitos chefes de família emigram para procurarem melhores empregos no exterior. Estes estudos incluem análises de oportunidades de mercado de trabalho locais, agências de recrutamento privadas e o sistema de for- mação profissional. Dada a limitação da capacidade local de pesquisa, o BIT aposta na capacidade internacional para apoiar instituições locais de pesquisadores. 307. Prestigiadas instituições de pesquisa nacional desempenham um papel fundamental na sub-região do Grande Mekong. Foi produzida uma série de relatórios de pesquisa, o “Desafio Mekong”, no âmbito de um projeto do IPEC de combate ao tráfico de mulheres e de crianças. Estes relatórios retratam temas como o dos jovens trabalhadores migrantes na Tailândia, dos trabalhadores da hotelaria e bebidas no Camboja e das práticas de recrutamento de escala mais geral em toda a subregião do Grande Mekong. As parcerias de pesquisa com instituições acadêmicas respeitadas, em conjunto com o envolvimento de funcionários do governo, ajudaram a construir a confiança e um objetivo comum em torno do tema do trabalho forçado, ajudando a evitar acusações de interferência externa. Uma nova iniciativa de pesquisa sobre o trabalho forçado de crianças de seis países, em colaboração com os escritórios nacionais de estatística, visa compreender os mecanismos de recrutamento e os meios de coerção e exploração. 308. No Brasil, a pesquisa sobre o trabalho forçado em cadeias produtivas de empresas envolveu uma estreita colaboração entre a Secretaria Especial do Governo para os Direitos Humanos, o BIT, e a ONG Repórter Brasil, nacionalmente reconhecida pela sua competência em questões relacionadas com o trabalho forçado. As pesquisas realizadas por instituições nacionais respeitadas na Bolívia e no Peru permitiram esclarecer melhor as ligações entre a discriminação contra povos indígenas e o trabalho forçado. 309. Estudos realizados na Armênia, no Azerbaijão e na Geórgia, analisaram o funcionamento e os problemas das agências de recrutamento privadas, identificando as lacunas no enquadramento legal, político e de aplicação, e posteriores recomendações políticas. Com base nesses estudos, o reforço das capacidades por parte de funcionários do governo e representantes industriais e dos trabalhadores, visava melhorar o funcionamento destas agências, no sentido de prevenir o tráfico e a exploração dos trabalhadores migrantes. 310. Um aspecto do desafio desse estudo consiste em gerir e partilhar o conhecimento de forma eficaz. Os resultados desta pesquisa têm que ser disponibilizados de forma que possam ser facilmente acedidas e aplicadas pelos responsáveis políticos e por outros usuários. Os websites da OIT são veículos fundamentais para esta disseminação. Na China, foi adicionada uma seção especial sobre o trabalho forçado e o tráfico ao site da OIT de Pequim. As estratégias de disseminação dos materiais impressos do BIT, incluindo relatórios de orientação política do BIT deverão ser melhorados. 73 O CUSTO DA COERÇÃO Construir um consenso nacional: programas e enquadramentos políticos 311. A assistência técnica do BIT deve responder às ex- igências reais em âmbito nacional, conforme expresso pelos seus constituintes tripartites. Além disso, no contexto da reforma das Nações Unidas, a assistência da OIT deve ser disponibilizada em conjunto com os seus parceiros no sistema internacional, utilizando a vantagem comparativa de diferentes agências especializadas. 312. Os principais veículos para prestação de assistência são os Programas de Trabalho Decente por País (DWCP), que definem prioridades nacionais acordadas no mundo laboral. Por sua vez, estas deverão estar ligadas aos enquadramentos de desenvolvimento nacional, ao Marco de Assistência das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDAF), aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), e às Estratégias de Redução de Pobreza (PRS). O objetivo básico é concentrar os esforços do BIT de modo a alcançar resultados palpáveis em um determinado período de tempo. 313. A experiência indica que uma campanha cuidadosa pode favorecer o consenso para a inclusão de temas sensíveis, como o trabalho forçado, entre as prioridades nacionais fundamentais. Os constituintes da OIT, em um número cada vez maior de países, reconhecem atualmente a necessidade de dar uma atenção mais sistemática às questões relacionadas com o trabalho forçado e outras formas extremas de exploração de mão-de-obra. Os esforços para prevenir e erradicar o trabalho forçado exigem uma estratégia multifacetada, na qual a abordagem integrada da Agenda do Trabalho Decente seja bem enquadrada. A microfinança, a gestão de migrações, a formação profissional, o desenvolvimento de pequenas empresas, a proteção social, a negociação coletiva e outras áreas técnicas podem todas ser parte da resposta ao trabalho forçado e ao tráfico de seres humanos. Isso significa que as abordagens podem ser muitas, como por exemplo, a ação contra o trabalho forçado com ligação específica ao tráfico de seres humanos, a proteção de trabalhadores migrantes, os grupos vulneráveis ou mesmo a exploração da mão-de-obra em geral. 314. A Bolívia e a Nicarágua são exemplos de países que incluíram a abolição do trabalho forçado como uma prioridade específica da DWCP. A abolição do “trabalho escravo” e das piores formas de trabalho infantil figuram na Agenda Nacional do Brasil para o Trabalho Decente, enquanto na Ásia, o Paquistão assumiu um compromisso direto com a servidão por dívidas. Em ambos os casos, os enquadramentos políticos nacionais sobre o trabalho forçado por dívidas estavam já em curso antes do início do programa nacional da OIT para o trabalho decente. 74 315. A China inclui a ação contra o trabalho forçado e o tráfico de seres humanos na ampla promoção dos direitos fundamentais no trabalho, também salientando a importância de canais de migração seguros, no intuito de evitar situações de trabalho forçado e de tráfico. Tal constitui parte da ação geral de prevenção do abuso e da possível exploração no trabalho dentro e fora da China. Na Indonésia, a primeira das três prioridades do país é apresentada como “parar a exploração no trabalho”, que inclui um programa de combate ao tráfico e à exploração dos trabalhadores domésticos indonésios. O Nepal dá prioridade ao reforço da capacidade dos constituintes na proteção dos seus trabalhadores migrantes, especialmente do tráfico. 316. O programa do Tajiquistão faz ligação entre o tráfico humano com a emigração irregular e a exploração da mão-de-obra. A Ucrânia também salienta a prevenção do tráfico entre as suas prioridades de cooperação, conforme fazem diversos países europeus, incluindo a Albânia e a Romênia. 317. Como as questões da luta contra o tráfico foram solidamente incluídas nas agendas de outras organizações internacionais, a concentração no trabalho forçado provou ser um terreno fértil para a realização de parcerias entre a OIT e outras agências, com base nas vantagens comparativas de cada uma delas. Reforçar capacidades: da formação à ação 318. O reforço intensivo de capacidades dos parceiros é essencial para assegurar a sustentabilidade da ação contra o trabalho forçado e o tráfico de seres humanos. É naturalmente dada particular atenção a todos os projetos de fortalecimento dos constituintes da OIT. Também é importante a integração progressiva com vista a uma aliança global. 319. O reforço de capacidades para combater o trabalho forçado assume muitas formas diferentes. Pode envolver ações de capacitação e formação de formadores; intercâmbio de visitas, viagens de estudo e visitas ao local; reuniões informais e discussões; trocas de informação por internet e redes de contato; a produção e disseminação de manuais, ferramentas e orientações; a prática e a tutoria; o fornecimento de material de apoio; e muitos outros meios. O objetivo pode variar desde a sensibilização geral sobre o trabalho forçado e o tráfico, até alvos muito mais específicos, como a regulamentação das agências de recrutamento privadas, os mecanismos de orientação nacional para as vítimas, ou as estratégias sindicais a serem organizadas na economia informal. O desenho e o conteúdo das iniciativas de reforço de capacidades têm que 5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA ser claramente adaptados às necessidades do público-alvo e dos resultados desejados. O reforço eficaz de capacidades é mais facilmente alcançada através de uma integração mantida com os parceiros, de forma que cada um identifique e desempenhe progressivamente o seu papel para resolver os problemas existentes relacionados com o trabalho forçado. 320. A formação pode ser uma resposta às necessidades de certos grupos-alvo. Por exemplo, na QIZs na Jordânia, foram realizadas uma série de workshops de formação para juízes, promotores públicos e advogados especializados em direito do trabalho, inspetores do trabalho, policiais e empregadores (em colaboração com o JGATE), bem como com os trabalhadores migrantes (em colaboração com a GFJTU - Federação Geral de Sindicatos da Jordânia). 321. No Paquistão, foram realizados seminários sobre a servidão por dívidas pela Federação dos Empregadores do Paquistão para os seus membros, disponibilizando também uma plataforma de diálogo com os sindicatos do setor de tijolos. Uma iniciativa tomada em Tamil Nadu, Índia, em colaboração com seis centros sindicais, identificou agentes laborais para recrutaram trabalhadores migrantes em distritos no sul do Estado para trabalharem em fornos de tijolos no Norte. Os sindicatos indonésios foram apoiados no intuito de ajudarem os trabalhadores domésticos migrantes, quer na Indonésia quer em países de destino como a Malásia e Singapura. Foram igualmente desenvolvidos materiais de formação para os funcionários do serviço de estrangeiros indonésio, que têm agora responsabilidades maiores para com a proteção de seus trabalhadores migrantes no exterior. No Cáucaso, foram realizados seminários para juízes e procuradores públicos na Armênia e no Azerbaijão, conduzidos em conjunto com outras organizações,6 utilizando uma abordagem de resolução de problemas baseada em estudos de caso práticos. Na Ucrânia, os empregadores e os seus representantes receberam formação de instrutores na área da prevenção da migração irregular, do tráfico humano e do trabalho infantil. 322. A capacidade da Federação das Mulheres da China (ACWF) e de outros parceiros foi fortalecida através de um vasto conjunto de medidas, incluindo “a aprendizagem inter-provincial”.7 Esta abordagem reconheceu que os seis escritórios provinciais em questão não tinham a mesma experiência em matéria de parcerias internacionais, e que tinham para aprender uns com os outros. As inovações introduzidas em certas províncias, como as Spring Rain Campaign, poderiam, dessa forma, estender-se a outros locais. 323. Os líderes religiosos também podem ser parceiros importantes na luta contra o trabalho forçado. No Paquistão, os seminários de sensibilização entre eruditos religiosos permitiu-lhes transmitir a mensagem de que o trabalho forçado era repugnante para o Islã, e que o sistema de servidão por dívidas constitui uma violação dos preceitos islâmicos, conforme se especifica em uma referência de 2005, em um julgamento de um Tribunal Federal de Shariat.8 A Igreja Ortodoxa Moldava foi uma parceira nos esforços de prevenção do tráfico de crianças. Um folheto dirigido aos fiéis da Igreja e um guia pastoral para os padres permitiu que o tema fosse salientado em sermões e em aulas de catequese. Em Gana e na Nigéria, as sessões de sensibilização para a prevenção do tráfico foram realizadas por líderes religiosos das comunidades. 324. O reforço de capacidades pode também envolver vários grupos-alvo, esclarecendo os respectivos papéis e responsabilidades e identificando os meios de coordenação e de colaboração. O apoio a comissões nacionais de múltiplos stakeholders para o combate ao trabalho forçado ou o tráfico foi uma característica dos projetos na Bolívia, Brasil, República da Moldávia, Níger, Peru e Ucrânia. Um projeto europeu reuniu governos e parceiros sociais a partir de uma seleção de países de origem e de destino ( a Alemanha, República da Moldávia, Polônia, Portugal, Romênia, Ucrânia e o Reino Unido). Os workshops proporcionaram a oportunidade de formação e de discussão das medidas de combate ao trabalho forçado resultante do tráfico humano, concentrando-se na regulamentação das agências de recrutamento privadas e em questões de aplicação da lei. 325. A troca de ideias e experiências entre países que enfrentam situações semelhantes também pode ser importante. Uma viagem de estudo de uma delegação tripartite da República da Moldávia à Federação Russa permitiu a discussão de oportunidades de trabalho para migrantes moldavos. O BIT também apoiou mudanças na República da Moldávia e na Ucrânia, na qualidade de países de origem de trabalhadores migrantes, reunindo, por exemplo, peritos em formação profissional da Ucrânia para prestar assistência ao serviço da contratação pública na República da Moldávia, no intuito de desenvolver os seus próprios módulos de formação. 326. Recorrer a pessoal local para o fortalecimento de capacidade é fundamental, refletindo a “apropriação” da agenda do trabalho forçado e a crescente capacidade 6. The project has been implemented jointly with the IOM, the International Centre for Migration Policy Development, and the OSCE. 7. Project to prevent trafficking in girls and young women for labour exploitation within China (CP-TING). 8. Judgement of Federal Shariat Court on bonded labour (October 2005). 75 O CUSTO DA COERÇÃO dos constituintes e de outras pessoas para lidar com o assunto. Um desafio consiste em documentar e analisar as diferentes abordagens de aquisição de capacidades, desenvolvendo indicadores e técnicas rigorosas de avaliação do seu impacto. É essencial a compilação de ferramentas de aquisição de capacidades e de orientações de boas práticas com base na experiência na área, mas estas devem ir mais longe, para incluir os meios de vigilância e de avaliação. Existe também a necessidade de mais materiais de “formação de formadores”; mesmo os projetos relativamente grandes podem chegar a apenas um número limitado de participantes, portanto, o foco deve ser colocado em sistemas de formação em cascata. 327. Há também uma procura constante de materiais genéricos de elevada qualidade, que abordem questões e áreas de intervenção específicas, que possam ser ajustadas aos contextos nacionais. As recentes ferramentas de formação do BIT incluem: um pacote de pesquisa para os responsáveis políticos e profissionais sobre o tráfico de crianças para exploração laboral; um recolhimento de jurisprudência sobre trabalho forçado e tráfico para os inspetores do trabalho; um recolhimento de jurisprudência sobre o trabalho forçado para os juízes, promotores públicos e outros juristas; um manual para os empregadores e atores empresariais sobre o combate ao trabalho forçado; e guias sobre as agências de recrutamento privadas e sobre a vigilância do recrutamento dos trabalhadores migrantes. Muitos desses documentos foram traduzidos para várias línguas. Entre as ferramentas específicas de cada país relacionadas com o trabalho forçado e o tráfico podemos citar materiais para sindicatos e para encarregados das questões do trabalho da Zâmbia. Construir parcerias 328. Desde 2005 que tem sido dado particular realce ao fortalecimento da capacidade das organizações de empregadores e de trabalhadores para combater o trabalho forçado. Com este pressuposto, foram produzidas fortes alianças entre a OIE e a CSI em escala internacional, e com as suas respectivas organizações regionais e afiliadas nacionais. Têm sido igualmente conduzidos esforços no intuito de fortalecer a colaboração com as federações da Global Union, centrando-se nos setores econômicos conhecidos por serem especialmente vulneráveis ao trabalho forçado e ao tráfico, como a agricultura, o trabalho doméstico e a construção. A proteção dos trabalhadores do trabalho forçado pode ser considerada como uma causa “natural” a ser assumida pelo movimento sindical, e de fato já se encontrava bastante ativa nesse campo. As organizações de empregadores, cada vez mais, tomam 76 consciência de que o trabalho forçado não afeta apenas as empresas que operam ilegalmente na economia informal. Estão por isso cada vez mais conscientes dos riscos da penetração do trabalho forçado nas cadeias produtivas. Uma das recomendações que surgiu de um workshop com empregadores da Jordânia foi a necessidade de desenvolver incentivos positivos para que os empregadores se integrassem de forma proativa, a fim de equilibrar as sanções por incumprimento negativas. 329. No campo do tráfico humano, os parceiros incluem a OIM, a UNODC e a OSCE. Uma iniciativa conjunta que merece destaque é a Iniciativa Global das Nações Unidas contra o Tráfico de Pessoas (UN.GIFT), conduzida pela UNODC, lançada em março de 2007. Seus objetivos gerais visam assegurar melhores condições para as atividades de luta contra o tráfico em todo o mundo, aumentar a conscientização e melhorar um conjunto de atores estatais e não estatais nas iniciativas de luta contra o tráfico. A OIT desempenhou um papel fundamental na UN.GIFT do Fórum Viena em fevereiro de 2008, organizando painéis de discussão com organizações de empregadores e de trabalhadores. Os custos de transação dessa iniciativa são elevados, envolvendo reuniões frequentes e trocas interagências. No entanto, principalmente no contexto da reforma das Nações Unidas, é essencial que o BIT seja um parceiro ativo nesta e em outras iniciativas similares, assegurando que suas questões e abordagens sejam totalmente refletidas. 330. Os bancos de desenvolvimento são parceiros importantes, particularmente no que diz respeito à integração das iniciativas de eliminação do trabalho forçado em programas de redução de pobreza em larga escala. No entanto, com exceção da BERD e de alguma cooperação no âmbito do tráfico por parte do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD), a cooperação entre a OIT e as instituições financeiras internacionais tem sido relativamente limitada. Foram tomadas algumas medidas iniciais, como um evento realizado em dezembro de 2007 no Banco Mundial, abordando o tráfico e a redução da pobreza. Tais medidas permanecem um desafio importante a ser assumido futuramente pela OIT, no contexto de uma ação mais abrangente por parte da OIT para que o trabalho decente predomine na agenda política global, e para que seja implementada a Declaração sobre a Justiça Social para uma Globalização Justa. 331. Finalmente, os meios de comunicação são parceiros-chave para o aumento da conscientização global e difusão de mensagens políticas. O BIT colaborou de diversas formas com os meios de comunicação para apoiar a realização de relatórios responsáveis e fiáveis sobre as questões do trabalho forçado, evitando o sensacionalismo e o esteriótipo das vítimas. Os jornalistas investiga- 5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA tivos demonstram-se cada vez mais ativos na descoberta das duras realidades do trabalho forçado e do tráfico, agindo como um dissuasor adicional contra os criminosos. A campanha contra o trabalho escravo no Brasil é um exemplo de uma parceria criativa com os meios de comunicação, envolvendo muitos meios diferentes, incluindo a transmissão de uma novela televisiva em que as principais personagens conheciam vítimas de trabalho forçado. Na sub-região do Mekong, uma formação concentrada na contratação e nos direitos humanos dos trabalhadores migrantes foi dada aos meios de comunicação da República Democrática Popular do Laos, na Tailândia e no Vietnã. No Camboja, as campanhas dos meios de comunicação incluíam uma “novela” com roteiro sobre o tráfico, um filme de longa-metragem, anúncios no rádio e programas de participação telefônica. Da prevenção à libertação e reinserção das vítimas: definição do papel dos projetos da OIT 332. Regra geral, projetos da OIT compreendem tipicamente um conjunto de elementos que identificam os enquadramentos legais e políticos: o reforço da capacidade institucional; pesquisa, aumento da sensibilização e da conscientização; e, muitas vezes, uma ação “piloto” para fornecer assistência às vítimas e para prevenir o trabalho forçado ou o tráfico em determinadas áreas geográficas. Dadas as limitações dos recursos, as decisões difíceis que normalmente têm que ser tomadas em relação às áreas prioritárias, centrando-se naquelas em que a OIT adiciona valor real, em relação com outras agências. Em alguns casos, os projetos só podem visar a produção de lições políticas, de boas práticas e das ferramentas a serem aplicadas de forma mais vasta pelos investidores nacionais ou pelas agências de desenvolvimento; em outros, os projetos podem causar um impacto em larga escala. Dependerá muito da natureza dos problemas a serem combatidos e do número e duração dos recursos disponíveis para o projeto. 333. Enquanto outras agências podem se concentrar particularmente na aplicação da lei, as intervenções da OIT sobre o trabalho forçado e o tráfico têm salientado consideravelmente a prevenção. Uma estratégia de eficácia de custos é a utilização massiva dos meios de comunicação em campanhas de aumento da conscientização pública dos potenciais perigos de uma emigração mal preparada ou “cega” ou da aceitação de propostas de emprego sem garantias adequadas ou proteção. No Brasil foram realizados seminários para encorajar os jornalistas a disseminar reportagens responsáveis acerca das questões relacionadas com o trabalho escravo, conduzindo a um aumento significativo da cobertura jornalística. Outra iniciativa, denominada “Escravo, Nem Pensar”, foi dirigida às principais regiões de origem. O BIT trabalhou com a ONG Repórter Brasil em uma campanha de prevenção envolvendo o aumento da conscientização e a formação de professores, educadores e de líderes comunitários; entre 2004 e 2008, mais de 2.000 pessoas participaram em mais de 30 localidades diferentes. Apoiada pelo Ministério da Educação, esta iniciativa cimentou o caminho para a inclusão do tema trabalho forçado nos programas escolares. 334. A campanha “Spring Rain” na China foi especialmente dirigida às redes de transportes. Em cada ano, depois do Festival da Primavera, dezenas de milhões de jovens mulheres migrantes concentravam-se nas cidades e localidades da China, em busca de trabalho. A campanha foi encetada em 22 rodoviárias e estações de trens ao longo de cinco municípios, alertando as jovens para os riscos de tráfico e de como os evitar. Foram utilizados slogans e um logotipo em diversos materiais (incluindo baralhos de cartas, bolsas, calendários, folhetos de perguntas e respostas) distribuídos a viajantes locais por mais de 2.500 jovens voluntárias e funcionários do setor de transportes. Foram distribuídos cerca de 1 milhão de itens, além de banners e anúncios na rádio; também foi transmitida nos trens e em salas de espera de estações uma animação de dois minutos. Os líderes locais e as estações emissoras foram mobilizados para fazer parte da campanha. 335. Esse projeto, em colaboração com a ACWF também estabeleceu a “Women’s Homes” para prestar informações e serviços às mulheres migrantes nas áreas de origem e de destino. É dada ênfase à aprendizagem em pares e na auto-ajuda e às trocas de informação entre casas de diferentes áreas. A rede cresceu rapidamente para 114 casas nos finais de 2008, e mais de 20.000 meninas e jovens mulheres receberam informações, formação ou orientação. A abordagem é promissora e poderá vir a ser repetida no futuro, em uma escala ainda maior. 336. Outra campanha realizada na China dirigia-se a trabalhadores migrantes estrangeiros. Foi realizada pelos departamentos do trabalho municipais dos três municípios de origem do Fujian, Jilin e Zhejiang. O BIT apoiou esta campanha na preparação de guias com informação relevante acerca de sete países de destino populares. Foram produzidos e disseminados diferentes materiais durante mais de seis meses. Websites municipais disponibilizavam informações acerca do processo de emigração e dos riscos envolvidos. Apesar de os stakeholders considerarem as campanhas bem sucedidas, tem sido um grande desafio conceber formas práticas e compensadoras de medir o impacto desse trabalho. Na mesma linha, foram produzidos e disseminados guias de emigração segura 77 O CUSTO DA COERÇÃO nos cinco países da sub-região do Mekong, dirigidos a jovens e adolescentes e adaptados às circunstâncias específicas de cada país. Os estudos permitiram tanto a identificação da informação-chave para os migrantes como uma avaliação posterior do impacto do programa. 337. Em Burkina Faso, uma “caravana de informação” ajudou a aumentar a conscientização da comunidade para a prevenção do tráfico de crianças. A campanha alcançou mais de 2.700 pessoas em regiões de fronteira e ao longo das principais rotas de emigração, distribuindo materiais como camisetas, bonés e posters. Uma estratégia-chave foi a união entre sindicatos e ONGs para esse programa, conduzindo a uma melhor compreensão das questões dos dois lados e engrandecendo o respeito uns pelos outros. 338. Os sindicatos também são parceiros fundamentais no sul do Cáucaso. Os guias de informação aos migrantes sobre os países de destino importantes (Áustria, Alemanha, Grécia, Federação Russa e Turquia) estão sendo utilizados em programas de formação pré-emigração organizados pela Confederação Sindical da Geórgia. Eles contêm informações sobre os requisitos legais para a emigração, recrutamento, condições de vida e de trabalho, e detalhes dos contatos das organizações que podem prestar assistência. 339. O aumento da conscientização e a disseminação da informação são componentes vitais de quaisquer estratégias de prevenção de trabalho forçado e de tráfico. No entanto, as pessoas vulneráveis também necessitam de outras formas de apoio, incluindo oportunidades locais de rendimento, caso não caiam nas malhas dos traficantes ou de agentes de recrutamento exploradores. No Vietnã, tal como em outros países, os programas comunitários incluem o micro-financiamento e a formação de competências profissionais para mulheres e crianças em idade de trabalhar, seguidos de assistência na procura de empregos locais. Na República Democrática Popular do Laos, os bancos comunitários foram bem sucedidos em desalojar agiotas e na implantação de uma cultura de poupança e de planeamento em 120 pequenas cidades com populações vulneráveis ao tráfico. Foram desenvolvidas abordagens comunitárias similares no sul da Ásia, como parte dos programas integrados de redução da vulnerabilidade à servidão por dívidas ou para reabilitar aqueles que foram libertos de uma situação de cativeiro. 340. No Tajiquistão, o BIT estabeleceu uma parceria com o PNUD no intuito de lutar contra a pobreza e aumentar a segurança das pessoas na região Rasht, uma área de elevada emigração masculina. A formação profissional e as atividades geradoras de rendimentos são combinadas com o fortalecimento de capacidade institucional para 78 a prevenção do tráfico e da exploração de mão-de-obra. Foi realizada uma pesquisa cuidadosa para identificar as oportunidades do mercado local para gerar rendimentos. 341. Uma abordagem de prevenção comunitária pode ser particularmente útil e compensadora em termos de custos em zonas remotas onde a aplicação da lei é deficiente. Um projeto piloto nas regiões de Tamale, em Gana, e Cross River State, na Nigéria, estabeleceu e formou comissões de vigilância comunitária para identificar possíveis situações de tráfico humano e de trabalho forçado, e para chegar até as pessoas vulneráveis dessas comunidades. Essas comissões são formadas por professores locais, sindicalistas, líderes mulheres, líderes comunitários e religiosos, entre outros. 342. A escala de intervenções vai depender dos recursos disponíveis para o projeto, bem como da capacidade de implementação local. No Nepal, um projeto do BIT possibilitou alcançar quase todos os que inicialmente foram identificados como famílias Kamaiya anteriormente vinculadas em cinco distritos da região ocidental de Terai. As atividades incluíram apoio sindical para organizar os trabalhadores agrícolas e negociar o salário mínimo para homens e mulheres, a formação de competências profissionais, a micro-finança, a educação não-formal e a integração de crianças em escolas. 343. Em Tamil Nadu, na Índia, com o apoio do Ministério Federal do Trabalho, foi adotada uma abordagem por setor, enfocando os fornos de tijolos e de moinhos de arroz nos distritos de Kanchipuram e de Thiruvallur. A colaboração ativa com os empregadores e sindicatos visou construir soluções mutuamente aceitáveis para antigos problemas, relacionados, em parte, com o pagamento de adiantamentos salariais. Um papel fundamental do governo consistiu em permitir que os trabalhadores migrantes vulneráveis e as famílias locais tivessem acesso a vários esquemas governamentais de bem-estar, incluindo seguros de saúde. Apesar de o projeto visar inicialmente cerca de 11.000 homens e mulheres trabalhadores, havia grande potencial para repetir abordagens bem sucedidas em outras áreas que estivessem enfrentando questões semelhantes. Assim, os proprietários dos fornos solicitaram cobertura em todo o estado de Tamil Nadu, de forma a criar um “level playing field” (igualdade de condições) no que diz respeito às práticas de recrutamento, sistemas de adiantamentos e de salários. 344. Quando os orçamentos são limitados, intervenções experimentais podem trazer resultados exemplares, como mostra uma experiência no Níger, onde esse tipo de abordagem foi adotada em três localidades rurais onde se acreditava haver uma elevada percentagem de descendentes de escravos. Os habitantes locais selecionaram a instalação de moinhos mecânicos de grão como uma 5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA Quadro 5.1 O caso da Birmânia/Mianmar O caso especial de Mianmar, onde a incidência grave e continuada do trabalho forçado imposta pelos poderes públicos e autoridades nacionais levanta a importante questão das circunstâncias e condições em que uma organização como a OIT, deverá articular-se na cooperação técnica sobre o trabalho forçado com um Estado membro. O BIT tem conseguido estabelecer uma presença permanente no terreno através da designação de um Agente de Ligação, que mantém contatos regulares com altos funcionários do governo. As subsequentes negociações conduziram a um acordo em princípio em maio de 2003, para um Plano de Ação Conjunta entre o Governo e a OIT, incluindo o programa de sensibilização para o trabalho forçado e um programa piloto de construção de estradas de mão-de-obra intensiva, onde a proibição do trabalho forçado seria estritamente aplicada. O plano incluiu igualmente os serviços de um facilitador para lidar com as queixas do uso do trabalho forçado. Devido à situação do país após essa data, o BIT não se encontrava em posição de levar adiante a implementação do Plano de Ação Conjunta. No âmbito de um protocolo de Entendimento Complementar alcançado entre a OIT e o Governo no início de 2007, acordou-se que o Agente de Ligação teria a possibilidade de avaliar as queixas que os cidadãos de Mianmar eventualmente apresentassem, sem medo de represálias. Desde 2007 os mecanismos de resposta dos altos funcionários do governo foram positivos, apesar de existir um vazio entre esse princípio de aceitação e a situação prática no local. Há limitações no número de missões que o Agente de Ligação pode iniciar no local e da capacidade deste Agente de operar de forma proativa. Novas circunstâncias surgiram após a tragédia provocada pelo ciclone Nargis, em meados de 2008, e em resultado do envolvimento do BIT na resposta pós-crise do ciclone, a qual salientou em particular a questão do trabalho forçado. Como modelo laboral contra o uso do trabalho forçado, foi lançado um projeto de mãode-obra intensiva pelo BIT, com o acordo do Governo. Esse projeto visa fornecer emprego decente temporário à maioria das vítimas necessitadas do ciclone, valorizando as intervenções de outras agências internacionais, incluindo a FAO e o PNUD. O resultado foi a reabilitação das infra-estruturas, cuja prioridade foi determinada em consulta direta com comissões comunitárias. Esta abordagem permitiu ao BIT uma presença no local e uma ampliação da prestação de assistência a grupos vulneráveis, ao mesmo tempo que ligava sua presença ao objetivo principal, que consiste na erradicação do trabalho forçado no país. medida prioritária, para que sobrasse algum tempo para as mulheres realizarem outras atividades. Estes são geridos por comissões de mulheres que receberam formação desse tipo. 345. Apesar de esses e muitos outros projetos desenvolverem e documentarem abordagens inovadoras e eficazes de combater o trabalho forçado, existem ainda muitos desafios. Primeiramente, uma questão fundamental será mobilizar os recursos adequados para sustentar esse trabalho importante e necessário em resposta às crescentes exigências dos constituintes. Uma grande quantidade de projetos tem um orçamento baixo demais para cumprir com as ambições e expectativas de seus participantes, e a duração do projeto é muitas vezes curta demais para poder demonstrar um impacto real e sustentável e para produzir os resultados que orientem decisões políticas. Como os esforços na mobilização de recursos se concentram cada vez mais no alcance dos objetivos do trabalho decente no país, torna-se cada vez mais importante assegurar que as questões do trabalho forçado e do tráfico, conforme identificadas no programa nacional, utilizem os recursos existentes da maneira o mais eficaz possível. 346. Em segundo lugar, um financiamento adequado deverá continuar sendo canalizado para as funções fundamentais de documentação de boas práticas, avaliações rigorosas de impacto, desenvolvimento de metodologias para pesquisa comparativa, produção e disseminação de materiais de reforço de capacidades, e a síntese dos ensinamentos úteis na formulação de políticas. O nível máximo de impacto só poderá ser atingido se as lições obtidas através de experiências internacionais forem transformadas em boas práticas e aconselhamentos políticos, que podem ser assumidos por parceiros nacionais e internacionais. De fato, essa é a vantagem comparativa de uma organização internacional. Uma estratégia centrada na consecusão de fundos para o combate ao trabalho forçado necessita encontrar o equilíbrio adequado entre os projetos e as funções políticas centrais. E como é dada uma crescente importância à identificação do trabalho forçado na economia privada e à prevenção de sua incidência nas cadeias produtivas, é essencial procurar novos parceiros no setor privado, incluindo fundações e empresas. 347. Restam ainda importantes questões relativas aos grupos que são alvos de intervenção contra o trabalho forçado, principalmente em relação a crianças e meno- 79 O CUSTO DA COERÇÃO res. Alguns projetos visam o tráfico e, de forma menos extensiva, o trabalho forçado de crianças, separadamente dos adultos.9 A ação deve ser sensível às diferentes necessidades das crianças e dos adultos, bem como às dos homens e mulheres de todas as idades. As respostas dirigidas a idades específicas são necessárias também para as crianças; aquelas que têm idade inferior à mínima permitida por lei deverão receber educação, enquanto as crianças mais velhas deverão receber formação profissional e trabalhos decentes. Mas sob que condições faz sentido a adoção de projetos, planos ou políticas, específicos para crianças, em vez de identificá-las como um grupo-alvo específico de iniciativas mais amplas, incluindo aquelas relativas ao trabalho forçado? Em situações em que são afetadas famílias inteiras, como acontece em muitos sistemas de servidão por dívidas, parece fazer maior sentido uma abordagem familiar, que inclua intervenções especiais para as crianças. No entanto, a situação do tráfico é mais complexa. O tráfico envolve mais o indivíduo do que as famílias, apesar de os adultos terem um papel a ser desempenhado no tráfico de crianças. As crianças sofrem vulnerabilidades muito específicas. Além disso, o tráfico de crianças, com base na definição do Protocolo de Palermo, é materialmente diferente dos adultos — não exige o uso da coerção ou o engano. O simples fato de se movimentar uma criança com o objetivo de exploração (que pode incluir todas as formas de trabalho infantil) é qualificado como tráfico de crianças, enquanto para os adultos, a coerção e o engano são elementos necessários. A ação deve ser sensível a estas distinções. Pode realmente fazer sentido em certas circunstâncias, dirigir a ação contra o tráfico de crianças separadamente do tráfico de adultos, mas as condições para o fazer têm que ser claramente compreendidas. 348. Em muitas outras questões acerca do trabalho forçado, é necessário combinar esforços — com base na gama de capacidades e competências da OIT e também nas formas de abordagem — para poder ajudar os Estados membros a identificar determinados desafios políticos. Como o tráfico é em parte resultante de falhas de gestão da emigração, bem como de aplicação inadequada da lei, a reposta deve envolver as ferramentas da gestão da emigração, bem como as específicas do trabalho forçado. Da mesma forma, a resposta à servidão por dívidas terá necessariamente que envolver uma grande variedade de intervenções. Essas respostas integradas devem ser apresentadas de forma coerente e consistente. 349. Então, que tipo de projetos devem, de hoje em diante, ser desenvolvidos no âmbito das diversas formas de trabalho forçado? Quais deverão ser os seus componentes, cobertura e duração? Uma lição importante retirada da experiência da SAP-FL, desde o início, é que os resultados não são rápidos. É necessário tempo para construir um consenso nacional para identificar um problema, identificar as suas principais formas e dimensões, fazer com os enquadramentos legais, políticos e institucionais entrem em acordo, construir a capacidade de implementação destas instituições e desenvolver e disseminar as ferramentas necessárias para assegurar uma ação eficaz e sustentável contra o trabalho forçado. Quando são exigidas respostas coordenadas entre regiões de origem e de destino de trabalhadores migrantes, a situação é ainda mais complexa. 350. Isto significa que o BIT deve, como no passado, concentrar-se em um número limitado de projetos para os quais possua a competência e os conhecimentos evidentes para alcançar resultados, durante aquele que pode ser considerado um longo período de tempo. A integração prolongada por mais de uma década com países como o Brasil, os países dos Andes e o Paquistão, contribuiu para um progresso significativo no combate ao trabalho forçado, mas isto permanece ainda como um “trabalho inacabado”. Ao mesmo tempo, são necessárias estratégias claramente definidas, que passem progressivamente as responsabilidades da implementação para os parceiros e stakeholders nacionais, e permitam as necessárias orientações estratégicas. O caminho a seguir: conduzir uma aliança global contra o trabalho forçado 351. Em primeiro lugar, é importante sublinhar a neces- sidade de vigilância e de avaliações rigorosas, a fim de avaliar o impacto da cooperação técnica sobre o fenômeno do trabalho forçado e das abordagens políticas que o sustentam. Apesar de a base de conhecimento acerca dos problemas do trabalho forçado continuar crescendo, tem sido registrado globalmente um menor progresso na análise da eficácia de diferentes respostas políticas e das estratégias de intervenção. O que pode em parte ser explicado pelo caráter jovem de muitos que se esforçam pela causa da luta contra o trabalho forçado e o tráfico: ainda não passou tempo suficiente para se poder avaliar o impacto real das diferentes respostas. São ainda necessários esforços urgentes para que sejam realizadas análises rigorosas dos pontos fortes e dos pontos fracos, custos e benefícios das escolhas políticas alternativas. Crescentes doações de financiamento e de recursos na- 9. O termo “crianças”, conforme especificado na Convenção da OIT (Nº. 182) sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, 1999, abrange todos os meninos e meninas com menos de 18 anos de idade, incluindo, então, os adolescentes. 80 5. COMBATER O TRABALHO FORÇADO ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO TÉCNICA cionais estão sendo investidas nos esforços de luta contra o tráfico. Compreensivelmente, tem sido questionado em que medida essas quantias se justificam considerando o impacto que alcançam. 352. Também já foram dados passos importantes no que diz respeito a projetos individuais. Alguns dos projetos mais maduros permitiram documentar as boas práticas e as lições aprendidas, por exemplo na sub-região do Mekong, enquanto outros têm sido preparados na China e na África Ocidental. Foram realizadas avaliações detalhadas do impacto das intervenções básicas contra a servidão por dívidas no sul da Ásia. 353. No entanto, é também necessário tirar conclusões mais gerais no que diz respeito aos resultados positivos e possivelmente negativos de diferentes abordagens políticas. Uma recente análise de uma ONG independente salientou algumas consequências negativas para os direitos humanos de esforços talvez bem-intencionados, mas deficientemente concebidos, de combate ao tráfico, insistindo que já é tempo de se avaliar e analisar todas as formas de operações contra o tráfico.10 A OIT, trabalhando com os seus parceiros, poderá realizar uma contribuição valiosa a esse respeito. 354. Ao transmitir claramente sua mensagem, demonstrando o que pode ser feito, e salientando as implicações políticas, o BIT pode, assim, exercer a liderança global de uma questão relacionada com direitos humanos que está preocupando cada vez mais todo o mundo. Este Relatório começa por afirmar que o trabalho forçado é a antítese do trabalho decente e uma afronta ao conceito de justiça social para uma globalização justa. Um programa de trabalho abrangente da OIT contra o trabalho forçado, com base na visão da Declaração sobre a Justiça Social para uma Globalização Justa, de 2008, vai ser fundamental para ajudar os Estados membros a realizarem progressos concretos com esta finalidade. É com esse espírito que têm sido apresentadas propostas específicas para o plano de ação para os próximos quatro anos. 10. Collateral damage. The impact of anti-trafficking measures on human rights around the world, GAATW, 2007. 81 Capítulo 6 Um plano de ação global contra o trabalho forçado 355. Uma aliança global contra o trabalho forçado, lid- erada pela OIT e com cada vez maior número de parceiros, está atualmente tomando forma. Esse terceiro plano de ação para a abolição do trabalho forçado deve procurar salientar todos os pontos fortes da OIT, conforme refletido nos seus quatro objetivos estratégicos: promover o pleno emprego total, produtivo, e de livre escolha; melhorar a proteção social; promover o diálogo social e o tripartismo; e promover todas as normas fundamentais de trabalho consagradas na Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998. Deverá igualmente alcançar um conjunto ainda maior de parceiros, dentro e fora do sistema das Nações Unidas, assegurando que a erradicação do trabalho forçado se insira em seus alvos e objetivos de desenvolvimento e redução da pobreza. 356. A erradicação do trabalho forçado continua sendo um desafio em vários níveis, que exigem diferentes respostas. A maior parte das situações de trabalho forçado ainda se encontra em países em vias de desenvolvimento, muitas vezes na economia informal e em regiões isoladas mal dotadas de infraestruturas de inspeção do trabalho e de aplicação da lei. Estas situações podem ser atacadas através de políticas e programas integrados, que combinem a aplicação da lei com medidas proativas de prevenção e de proteção, e fortalecendo aqueles em situação de risco de trabalho forçado para que defendam seus próprios direitos. 357. Este Relatório, assim como o anterior, de 2005, salientou o trabalho forçado na economia privada. Também se concentrou nas questões emergentes, muitas vezes ligadas à emigração e ao tráfico de seres humanos, que afetam, da mesma forma, os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Um tema subjacente tem sido as formas sutis de coerção, normalmente envolvendo intermediários do mercado de trabalho, através dos quais os trabalhadores da economia formal e informal podem ser privados de um salário justo ou de total liberdade na relação de trabalho. Embora os estudos sobre as implicações econômicas ainda se encontrem em uma fase preliminar, tanto em países em vias de desenvolvimento como em países desenvolvidos, os custos desta coerção parecem ser consideráveis. Isto também significa que a resposta política, conjuntamente com as sanções penais, precisa prever rendimentos perdidos, bem como para a melhoria da gestão do mercado de trabalho quanto ao recrutamento e à contratação. 358. Além disso, este Relatório foi elaborado no momento em que o mundo enfrenta a crise econômica e financeira mais grave das últimas décadas. Em uma situação de crise, são os vulneráveis que mais sofrem. Nestas horas, é necessário, antes de mais nada, assegurar que os ajustamentos não são realizados em detrimento das garantias que têm sido cuidadosamente aplicadas para prevenir o abuso do trabalho forçado e do tráfico nas cadeias produtivas. 359. Espera-se que os constituintes da OIT assumam a liderança destas questões dentro do sistema das Nações Unidas, conduzindo pesquisas, fornecendo orientação e formação e demonstrando abordagens possíveis através de intervenções direcionadas. 360. O plano de ação proposto baseia-se no plano de ação anterior, adotado pelo Conselho de Administração da OIT em novembro de 2005, o qual definiu a etapa para o aumento do envolvimento das organizações de empregadores e de trabalhadores na identificação do trabalho forçado na economia privada. O plano de ação proposto é estruturado conforme se descreve em seguida. Uma primeira parte identifica o amplo papel da OIT na liderança de uma intensificada ação global contra o trabalho forçado, com o envolvimento de seus próprios constituintes e outros parceiros-chave. Esse procedimen- 83 O CUSTO DA COERÇÃO to vai envolver o desenvolvimento de novas ferramentas de pesquisa, orientação e formação, e de outros materiais de sensibilização, no intuito de manter o momento atual contra o trabalho forçado e o tráfico em todo o mundo. Uma segunda parte salienta as áreas prioritárias para uma ação regional. 1. Questões e abordagens globais Coleta e pesquisa de dados 361. As pesquisas e as análises quantitativas e qualitati- vas, as últimas envolvendo estudos temáticos e específicos por país, continuam sendo grandes prioridades. 362. Mesmo sendo amplamente reconhecida a necessidade de estatísticas fiáveis acerca do trabalho forçado e do tráfico, tal constitui um exercício difícil. A abordagem do BIT consiste em fornecer assistência técnica aos países interessados, permitindo-lhes produzir suas próprias estatísticas. Em um pequeno número de países, tem havido progressos através de parcerias sustentáveis com o escritório nacional de estatísticas e outros stakeholders, assumindo a capacidade de pesquisadores das ciências sociais e da estatística. O objetivo consiste em adicionar um limitado número de países, em desenvolvimento e industrializados, aos atuais programas piloto, na esperança de que outros países adiram a iniciativas semelhantes com a assistência do BIT, sempre que necessário. 363. Durante os últimos quatro anos, o BIT, centrou-se menos (em comparação com a fase inicial) na pesquisa qualitativa e mais na preparação de ferramentas de orientação. Para serem eficazes e práticas, essas ferramentas têm que se basear na pesquisa operacional. Além disso, é normalmente devido às conclusões dessas pesquisas que os governos têm estabelecido a implementação de mecanismos contra o trabalho forçado, como resposta política. 364. Se por um lado tem havido um recente aumento da pesquisa sobre os diferentes aspectos do tráfico humano, as outras formas de trabalho forçado continuam recebendo relativamente pouca atenção nas comunidades acadêmicas e políticas. Dessa forma, o BIT vai continuar trabalhando com a comunidade acadêmica e com outros parceiros nacionais para preencher as lacunas na base do conhecimento e também para promover maior destaque para estas questões. 365. Em determinados países, ainda há a necessidade de estudos de diagnósticos globais para identificar as questões que podem justificar uma atenção mais detalhada. Esses estudos podem também ser uma forma útil de salientar a capacidade local de pesquisa. Podem ser 84 procurados consensos através do estabelecimento de grupos de aconselhamento e orientação tripartite para analisar o estudo, como também através de consultas promovidas por todo o país para discutir os resultados e as ações de acompanhamento. 366. Tem sido um assunto recorrente neste Relatório a necessidade de um maior conhecimento e compreensão dos sistemas de recrutamento de mão-de-obra, como e por que razão os abusos de trabalho forçado podem daí resultar, e quais poderiam ser as medidas mais adequadas para a sua correção. Isso exige um programa de pesquisa abrangente nos países de origem e de destino, cobrindo diversas regiões. É também necessária uma maior pesquisa temática sobre os trabalhadores vulneráveis, incluindo os trabalhadores domésticos, trabalhadores marítimos e trabalhadores em zonas francas de exportação. Tudo isto fornecerá a base para a criação das ferramentas de formação e de orientação. 367. É também essencial documentar as boas práticas e conduzir análises críticas das políticas e dos programas contra o trabalho forçado e o tráfico. Estas devem abranger-se para além dos programas implementados pelo próprio BIT. Em parceria com outros interlocutores e auxiliada por peritos independentes, o BIT pode contribuir para avaliações mais amplas acerca do impacto dos programas nacional e internacional. Deve ser dada particular atenção às abordagens do mercado de trabalho para combater o trabalho forçado. 368. Finalmente, e estando os esforços iniciais deste relatório em franca expansão, é essencial conduzir um estudo mais sistemático dos aspectos econômicos do trabalho forçado, incluindo os custos sofridos pelos trabalhadores afetados. Sensibilizar o mundo 369. No intuito de manter o assunto do trabalho forçado no centro das atenções, ao mesmo tempo que se evita o sensacionalismo, tem que ser cuidadosamente produzida uma estratégia de mediatização e comunicação. Um ponto central pode ser uma página junto ao site da OIT sobre o trabalho forçado, como um banco de informações acerca dos problemas e das soluções para o trabalho forçado continuamente atualizado. Será dada particular atenção às ferramentas de formação interactivas e à produção de instruções de fácil utilização e de resumos de pesquisa. 370. Fora da OIT o desafio consiste em manter o interesse dos meios de comunicação a respeito do trabalho forçado e no tráfico, e ao mesmo tempo encorajar os próprios jornalistas a informarem sobre o progresso 6. UM PLANO DE AÇÃO GLOBAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO e as soluções dos problemas. Ao cobrir temas tão complexos como o tráfico para exploração laboral, os meios de comunicação podem realizar uma contribuição significativa para a promoção de um entendimento mais profundo do seu âmbito e natureza. Isto pode encorajar o apoio público para os esforços locais e internacionais de combate ao tráfico para exploração laboral, bem como para exploração sexual, e também alertar as pessoas que se encontram em risco de tráfico. Os meios de comunicação podem posicionar o problema em seu contexto: podem aconselhar vítimas atuais ou potenciais sobre a quem recorrer para obter ajuda e, quando apropriado, através da reportagem de pesquisa, também podem identificar os responsáveis pelo trabalho forçado e ajudar a trazê-los perante a justiça. 371. Além disso, depois da publicação deste Relatório Global, com uma análise do papel dos diferentes atores e dos futuros desafios, os meios de comunicação podem facilitar debates de alto nível acerca do assunto. O que funciona? Quem agiu com coragem contra o trabalho forçado? Quais são as causas básicas do trabalho forçado moderno, e o que pode ser feito em relação a isso? Essas questões podem ser acessadas através de blogs, debates televisivos, colunistas convidados em jornais, e outros meios. Sempre que possível, o BIT pode usar sua influência para integrar várias personalidades dos meios de comunicação no assunto. do poder judicial, especialmente juízes e procuradores, para a definição e criminalização do trabalho forçado. Os programas de formação podem também ser desenvolvidos para advogados e juristas independentes, por exemplo, aqueles que, pertencendo a organizações de empregadores e de trabalhadores, possam fornecer aconselhamento e assistência às vítimas de trabalho forçado. 374. O manual de jurisprudência sobre o trabalho forçado representa um primeiro esforço para avaliar a jurisprudência nacional sobre o assunto. Há espaço para um trabalho mais amplo sobre esse tema para os próximos anos, como, por exemplo, avaliando a forma como os tribunais lidam com a questão da indenização das vítimas de trabalho forçado. Melhorar a aplicação da lei e as respostas da justiça no trabalho 376. Os sindicatos são parceiros fundamentais na luta 372. As ferramentas de formação foram desenvolvidas por responsáveis de aplicação da lei, que incluem os inspetores do trabalho, juízes, procuradores e outros juristas. Estas ferramentas complementares de orientação, desenvolvidas por outras organizações internacionais, centram-se em questões particulares sobre o trabalho forçado no âmbito do mandato e da estrutura da OIT. Existe um espaço considerável para construir com base nestas ferramentas de orientação, adaptando-as aos contextos nacional e regional e nos idiomas adequados. Um programa futuro ampliará as parcerias existentes, apoiando novas atividades de formação de inspetores do trabalho e outros órgãos de aplicação da lei, como parte de estratégias mais amplas para fortalecer o papel da administração do trabalho na prevenção do trabalho forçado e na perseguição dos exploradores. 373. A cooperação com redes internacionais e regionais de inspetores do trabalho pode estimular a disseminação da informação e de boas práticas. Existe espaço para um programa de formação que se extenda para os membros Reforçar uma aliança entre trabalhadores e empregadores contra o trabalho forçado e o tráfico 375. Ao identificar o trabalho forçado na economia pri- vada, as organizações de trabalhadores e de empregadores têm um papel crítico a desempenhar. Alcançar os trabalhadores na economia informal constitui um particular desafio, assim como o trabalho conjunto e o reforço de mecanismos públicos de inspeção e de aplicação da lei. As organizações dos trabalhadores contra o trabalho forçado. A assistência do BIT nas atividades de uma aliança sindical global contra o trabalho forçado e o tráfico, conduzida pela CSI, tem aumentado de forma sólida a sensibilização para o trabalho forçado e o papel dos sindicatos no seu combate. Esse trabalho deve ser progressivamente disseminado nas atividades sindicais de alcance nacional, envolvendo um conjunto de atividades de reforço de capacidades e de apoio a pontos centrais com responsabilidades que focam o trabalho forçado e o tráfico. Também deve promover a participação sindical eficaz em comissões nacionais ou outras estruturas institucionais contra o trabalho forçado e o tráfico. Em futuras colaborações com os sindicatos, deverá ser dada particular ênfase nos seguintes aspectos: 377. Primeiramente, os programas da OIT devem fortalecer a capacidade organização dos trabalhadores em maior risco de trabalho forçado dos sindicatos, inclusive na economia informal, e apoiar seus esforços em uma negociação coletiva. O trabalho será intensificado com a representação sindical dos trabalhadores em setores específicos tidos como particularmente vulneráveis ao trabalho forçado e ao tráfico, como a agricultura, a con- 85 O CUSTO DA COERÇÃO strução, o trabalho doméstico e a hotelaria. Os programas serão desenvolvidos em colaboração com as respectivas federações sindicais internacionais. Será efetuado um esforço especial para alcançar e organizar as mulheres do trabalho doméstico, ajudando a assegurar que os futuros instrumentos para a proteção destas trabalhadoras contenham as adequadas medidas contra o trabalho forçado e o tráfico. 378. A segunda prioridade será encorajar uma maior cooperação entre os sindicatos de países vizinhos que enfrentam as mesmas questões relativas ao trabalho forçado, e também entre os sindicatos em países de origem e de destino dos trabalhadores migrantes, incluindo os trabalhadores migrantes domésticos. Os programas promoverão acordos recíprocos entre sindicatos, através dos quais os trabalhadores migrantes afiliados nos sindicatos no país de origem também possam receber os benefícios das associações sindicais dos países de destino. 379. Em terceiro lugar, os sindicatos podem ser apoiados nos seus esforços de vigilância das condições de recrutamento e de contratação, particularmente em locais e setores onde o risco do trabalho forçado e do tráfico é considerado grave, e onde estas condições possam escapar à atenção dos serviços de inspeção do trabalho. Os funcionários dos sindicatos e os seus membros podem precisar de formação específica para identificar e documentar casos de abuso, processar queixas e procurar reparação por parte das autoridades adequadas. 380. Uma outra tarefa dos sindicatos, por vezes atuando em conjunto com outros grupos da sociedade civil, poderia ser a prestação de assistência e proteção às vítimas de trabalho forçado. Os sindicatos podem querer apresentar os casos perante as autoridades e outras agências de aplicação da lei, procurando, por exemplo, obter compensações pelos danos sofridos pelos trabalhadores, incluindo a perda de rendimentos. 381. Finalmente, há a necessidade de mais ferramentas para o aumento da conscientização, sensibilização e orientação sobre o trabalho forçado, dirigidas a uma audiência sindical. Algumas ferramentas para os sindicatos de determinados países começaram a ser elaboradas, mas precisam ser mais desenvolvidas, adaptadas aos diferentes contextos nacionais e amplamente disseminadas. As organizações dos empregadores 382. Com apoio por parte da OIE, as partes atuantes do mundo empresarial têm integrado cada vez mais a ação contra o trabalho forçado. Os programas da RSE, em conjunto com os códigos de conduta de associações industriais e de muitas empresas individuais, são cada vez 86 mais explícitos na identificação do trabalho forçado. O manual do BIT de 2008 para os empregadores e empresas sobre o combate ao trabalho forçado define os princípios de orientação para a ação, e também disponibiliza orientações práticas sobre as formas de solucionar determinados problemas. O terreno encontra-se agora preparado para um esforço intensificado, o que poderá envolver as seguintes áreas de atividade. 383. Primeiramente, o BIT vai estabelecer contatos com as várias MSIs, com instituições financeiras e de desenvolvimento que financiam as iniciativas do setor privado, e promover fóruns como a Global Compact da ONU, para assegurar a consistência na compreensão do conceito de trabalho forçado e as formas como este pode afetar as atividades empresariais. Serão desenvolvidos programas de formação específicos e disseminados em diferentes idiomas, em colaboração com auditores e outros grupos que apostaram no desenvolvimento de competências sobre o trabalho forçado. 384. Em segundo lugar, enquanto muitas indústrias e empresas até agora concentraram os seus esforços na vigilância dos fornecedores de “primeira linha”, o programa do BIT vai agora avaliar formas de ultrapassar esta primeira linha nas cadeias globais de produção. Existe também uma clara necessidade de chegar aos fornecedores de matérias-primas e produtos de segunda e de terceira linhas, mais do que de produtos acabados, muitos desses operando na economia informal onde os problemas do trabalho forçado têm maior probabilidade de surgir. Esse trabalho é mais bem conduzido em um setor específico, através de amplas parcerias entre associações de empregadores e industriais, de inspeções e da administração do trabalho, empresas individuais e grupos da sociedade civil. Acumulando experiência em áreas como a indústria Brasileira do carvão vegetal, os programas piloto podem ser realizados em indústrias e regiões selecionadas, documentando as práticas e identificando as medidas correctivas adequadas. Deverá ser tida em total consideração a contribuição e o valor das organizações de empregadores no fornecimento das redes para chegarem a estas pequenas e médias empresas, salientando, assim, a propriedade e a sustentabilidade dos programas. 385. Em terceiro lugar, será prestada assistência às organizações de empregadores e às empresas, ajudando-as a assegurar que as práticas de recrutamento serão livres da servidão por dívidas e de outras formas de coerção. Pode ser prestado apoio a associações industriais relevantes, para produzir os enquadramentos para a vigilância dos sistemas de contratação e de subcontratação e para desenvolver códigos de conduta. Além de estudos piloto anteriores, o BIT pode apoiar uma pesquisa com maior profundidade, e os estudos de caso sobre os sistemas de 6. UM PLANO DE AÇÃO GLOBAL CONTRA O TRABALHO FORÇADO recrutamento praticados, analisando os fatores que contribuem para o trabalho forçado e para a servidão por dívidas, e formular recomendações acerca dos meios através dos quais os empregadores podem impedir sua incidência. 386. Em quarto lugar, pode ser prestado apoio, através de programas piloto, às iniciativas dos empregadores na prestação de assistência na integração de antigas vítimas de trabalho forçado e prevenir sua possível reincidência, por exemplo, através de serviços de formação profissional, do desenvolvimento de competências e de programas de aprendizagem. Ao promover esses esforços, será particularmente importante construir parcerias entre atores empresariais, governos e organizações da sociedade civil, trabalhando em conjunto para fornecer um conjunto integrado de medidas de assistência e de proteção sociais. 2. Questões e prioridades regionais Ampliar a base do conhecimento em países em vias de desenvolvimento: pesquisa aplicada 387. Embora tenha sido conduzida uma pesquisa im- portante acerca do trabalho forçado em zonas da África, Ásia e América Latina, ela foi limitada a apenas alguns países desses continentes. Particularmente na África e na América Latina, é necessário realizar pesquisas em outros lociais, além do pequeno número de países onde o BIT tem até agora conduzido seus programas de assistência técnica. Ao desenvolver futuros programas de pesquisa, o BIT beneficiará as redes desenvolvidas através dos programas existentes, permitindo a partilha das metodologias. Trabalho forçado e redução da pobreza em países em vias de desenvolvimento: o foco na prevenção 388. A pesquisa e os programas operacionais conduziram a uma melhor compreensão dos grupos populacionais em risco de trabalho forçado, muitas vezes como resultado de um extenso padrão de pobreza e de discriminação. Poderão incluir castas e outras minorias na Ásia, povos indígenas da América Latina e, em alguns casos, os descendentes de escravos na África. A experiência demonstrou que, em conjunto com a melhoria da aplicação da lei e da inspeção do trabalho, é necessário melhorar as estratégias de prevenção, incluindo a integração dos programas de redução de pobreza e o desenvolvimento de recursos nas comunidades mais necessitadas. 389. A ação geral contra os sistemas de servidão por dívidas, particularmente na Ásia, vai continuar em prática em diferentes níveis. No plano político, os indivíduos em situação de risco de servidão por dívidas ou submetidas a tal devem ser particularmente identificados, através de programas de redução de pobreza, incluindo iniciativas de microfinanciamento. Os programas de sensibilização para agências e funcionários governamentais são de fundamental importância, apontando os vários meios disponibilizados para identificar os sistemas e as práticas de servidão por dívidas. Na esfera comunitária, é essencial a referência às boas práticas até agora aprendidas, repetindo-as em outras áreas conhecidas pela incidência da servidão por dívidas. O envolvimento das organizações locais de empregadores e de trabalhadores será um elemento-chave para abordagens futuras. Na América Latina, dada a particular vulnerabilidade dos povos indígenas ao trabalho forçado e à servidão por dívidas, será atribuída a devida importância às questões em programas de identificação da pobreza através da promoção da identidade e dos direitos dos povos indígenas. Trabalho forçado, trabalhadores migrantes e contratados: colaboração entre países de origem e de destino 390. Embora estas questões sejam globais, elas são de particular importância em certas regiões. Há espaço para construir uma cooperação entre os países de origem da Ásia Central e da Europa, incluindo países como a Federação Russa, onde os trabalhadores migrantes podem estar em risco de trabalho forçado em atividades do setor formal, incluindo a construção. 391. A prioridade em toda a região asiática, com a sua elevada incidência de emigração interna e internacional, será melhorar a regulamentação, a vigilância e as atividades das agências de recrutamento, incluindo mecanismos de contratação laboral informal dentro de cada país e entre países. Embora ainda seja necessário construir uma base de conhecimento e pressionar para a elaboração de regulamentações adequadas, o BIT pode desde agora realizar programas piloto acerca desse assunto, envolvendo organizações de empregadores e de trabalhadores, agências de recrutamento e de colocação, e a administração do trabalho. Também na África, pode ser dada particular atenção à vigilância das agências de recrutamento, incluindo aquelas que fazem recrutamento para o exterior, para prevenir o risco das práticas de trabalho forçado. Novas pesquisas podem procurar impedir o tráfico humano, e promover a reintegração das pessoas traficadas, através de programas de cooperação entre países africanos de origem e de destino, dentro e fora da África. 87 O CUSTO DA COERÇÃO 392. A futura cooperação com os Estados do Golfo e outros países do Oriente Médio pode centrar-se, em particular, na prevenção do tráfico e na proteção dos trabalhadores temporários contratados através de práticas de recrutamento e de contratação abusivas. Servirão de apoio estudos anteriores, que documentaram os mecanismos e as práticas de recrutamento nos países que enviam trabalhadores temporários para o Oriente Médio e para países de destino dentro dessa região. 393. Foram adotadas recentemente medidas importantes na zona do Oriente Médio, no que diz respeito às políticas contra o tráfico e de legislação. O BIT continuará prestando apoio contínuo, no intuito de identificar as dimensões do tráfico laboral, envolvendo ministérios do trabalho e outros constituintes da OIT em mecanismos interministeriais para implementar os enquadramentos legais e políticos. Poderá ser enfatizada a promoção de melhores mecanismos de regulamentação do recrutamento e da melhoria da vigilância, em cooperação com os países de origem. Finalmente, será dada particular atenção às associações público-privadas, assegurando que os empregadores e os trabalhadores se encontrem em total colaboração com os esforços do governo para melhorar os sistemas de contratação e colocação de mão-deobra. 88 Problemas dos países industrializados 394. Mediante pedido, foi ministrada formação a altos funcionários e a parceiros sociais de países industrializados, como, por exemplo, da Europa e dos Estados Unidos, sobre os meios de identificar e combater o trabalho forçado. Foi prestada assistência semelhante para o estudo do trabalho forçado e o tráfico. Isto ajudou a apoiar a ideia de que o trabalho forçado é uma preocupação para todos os países e para todos os tipos de economias. Espera-se que continue a haver pedidos de assistência por parte dos países industrializados inclusive para formação e pesquisa. Igualmente mediante pedido, será equacionada a prestação de apoio para estudos quantitativos sobre o trabalho forçado e o tráfico em muitos desses países. Os materiais existentes - incluindo aqueles dos inspetores do trabalho, dos juízes e dos procuradores, e dos atores empresariais - podem ser adaptados aos contextos nacionais. O programa do BIT vai procurar estabelecer uma relação mais estreita entre a comunidade acadêmica e as principais instituições políticas, promovendo o estudo e a aprendizagem acerca das questões econômicas e outras questões relacionadas ao trabalho forçado na economia moderna global. Esses tipos de material constituem um apoio essencial para a estratégia da mídia e dos meios de comunicação sobre o trabalho forçado.