Revista Arautos do Evangelho

Transcrição

Revista Arautos do Evangelho
Número 93
Fevereiro 2011
Primado e
infalibilidade de Pedro
Estátua equestre de São
Nuno de Santa Maria Mosteiro da Batalha
(Portugal)
Nuno Moura / Ricardo Castelo Branco
E
m qualquer
situação, mesmo de caráter militar e bélico, é possível atuar e realizar
os valores e princípios da vida cristã,
sobretudo se esta é
colocada ao serviço
do bem comum e da
glória de Deus.
(Bento XVI, Homilia da canonização,
26 de abril de 2009)
SumáriO
Flashes de
Fátima
Escrevem os leitores ����������������������������������������
Pedro e os novos Carismas (Editorial) . . . . . . .
Editor:
Associação dos Custódios de Maria
R. Dr. António Cândido, 16
1050-076 Lisboa
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Dep. Legal nº 112719/97
Tel: 212 338 950 / Fax: 212 338 959
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E-mail: [email protected]
A voz do Papa –
Criação e Sagradas Escrituras no mistério da Epifania
........................
36
5
Director:
Manuel Silvio de Abreu Almeida
Conselho de redacção:
Guy Gabriel de Ridder, Juliane
Vasconcelos A. Campos, Luis Alberto
Blanco Cortés, Mariana Morazzani
Arráiz, Severiano Antonio
de Oliveira
Entrevista com Mons. Vittorio Formenti – Testemunha da vitalidade da Igreja
......................
Boletim da Campanha
“O Meu Imaculado Coração Triunfará!”
Ano XIII  nº 93 - Fevereiro 2011
4
Aconteceu na Igreja e
no mundo
......................
39
6
Comentário ao Evangelho –
O verdadeiro cumprimento
da Lei está no que dizem
os fariseus?
......................
10
História para crianças...
Salvo por uma Missa
......................
44
Assinatura anual: 24 euros
Com a colaboração
da Associação
Privada Internacional de Fiéis
de Direito Pontifício
Arautos do Evangelho
Impressão e acabamento:
Multiponto, S.A.
Rua de D. João IV 691/700
4000-299 - Porto
......................
Os artigos desta revista poderão ser reproduzidos,
desde que se indique a fonte e se envie cópia à
Redacção. O conteúdo das matérias assinadas
é da responsabilidade dos respectivos autores.
Arautos no mundo
Membro da
......................
Associação de Imprensa de
Inspiração Cristã
Tiragem: 39.000 exemplares
Os santos de
cada dia
Primado e
infalibilidade de Pedro
18
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São Cláudio de La Colombière – Servo fiel e amigo
perfeito do Sagrado Coração
26
......................
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E screvem
Valor cultural muito alto
Recebo a revista Arautos do
Evangelho e fico impressionada com
a beleza da impressão e com o conteúdo, pois ela tem um valor cultural muito alto que enriquece minha
vida e a de minha família. Espero
em Deus que possa usufruir durante muito tempo dessa leitura, e que
Jesus e Nossa Senhora continuem
ajudando vocês cada vez mais. Sinto-me orgulhosa de fazer parte desta entidade.
Dercy Melhem de Carvalho
São Fidélis – Brasil
Paz e bom conselho que
chegam a cada um de nós
A vossa obra é sublime e a vossa Revista nos faz meditar em tudo quanto é belo, pois através dos
Arautos do Evangelho vemos resplandecer a luz de Deus.
Gosto muito do modo como a
Revista é orientada, em especial as
fotografias, que são muitíssimo belas. As leituras são de uma clareza
extrema e em tudo há saber. Ao ler
a Revista, mergulho e vivo com intensidade as maravilhas que o coração contempla. É tudo perfeito, são
as riquezas de Deus que envolvem
os leitores, é a paz e o bom conselho
que chegam a cada um de nós. Tudo
na Revista é santo, é a janela virada
para o mundo da anunciação da palavra de Deus.
Maria de Lurdes dos Santos Custódio
Leiria – Portugal
Ensina e fascina
A revista Arautos do Evangelho é
fundamental para melhor compreendermos os ensinamentos da San4      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
os leitores
ta Igreja Católica Apostólica Romana. Ela possui harmonia de conteúdo e beleza, ensina com pedagogia, adequando a doutrina ao enlevo
pelas maravilhas celestiais, sendo,
por isso, fonte de pesquisa e aprendizado singular. Sempre é imperdível o Comentário ao Evangelho, de
Mons. João, também as atividades
dos Arautos do mundo; enfim, é bela e completa porque ensina e fascina. Avante e parabéns!
Janel Cavalcante Ferreira Schurig
São Paulo – Brasil
Mensagem renovadora
que nos fortalece
Ao longo do ano de 2010 recebemos regularmente a revista Arautos
do Evangelho, e a temos como um
material de reflexão que nos convida a meditar, à luz da Fé, nesse
mistério tão grande de Deus, que
nos chama à santidade e à felicidade, afiançadas nos ensinamentos da
Santa Madre Igreja.
Queremos oferecer-lhes uma
lembrança sincera nas intenções
de nossas orações e durante a celebração do Santo Sacrifício da Missa. Agradecemos-lhes seus esforços
em elaborar um material construtivo, que nos alenta na esperança e na
verdadeira caridade. Num mundo
que vive sem Deus — que O esqueceu e crê poder viver sem Ele —, vocês, que preparam a Revista, apresentam uma mensagem renovadora
que nos fortalece e anima a dar uma
resposta generosa à chamada do Senhor.
Na Eucaristia da Noite Santa
de Natal, ao congregar-nos para
dar graças a Deus pelo dom maravilhoso de sua Encarnação, os
lembraremos de forma especial.
Junto com o pão e o vinho do Sacrifício, apresentaremos também
suas vidas, as de todos os que tor-
nam possível a Revista e as das
pessoas que no mundo inteiro a
recebem, para todos crescerem na
fé e no amor a Cristo Jesus, Senhor Nosso.
Sor Margarita María del
Sagrado Corazón, OSC
Abadessa do Mosteiro das
Pobres Clarissas
Bello – Colômbia
Um tesouro para toda a família
A seção que mais me atrai é o
Comentário ao Evangelho, feito por
Mons. João, pois sua leitura me prepara para viver mais intensamente a
Liturgia do domingo, que está sendo
comentada. Outra seção que leio,
em seguida, é A voz do Papa: quanta
clareza e quanta sabedoria explicitada de modo tão acessível!
As crianças, no entanto, correm
logo para ler a História para crianças... ou adultos cheios de fé! E se encantam com as mesmas.
A Revista constitui, assim, um tesouro para toda a família.
Adelina Rangel Ribeiro Matos
Campos dos Goytacazes – Brasil
Forças para percorrer
o caminho
Agradeço o envio da Revista, que apresenta ensinamentos
com bela fluidez verbal, fazendo
as crianças e adultos sentirem um
como que refrescar de alma e de
coração, uma brisa matinal, convidando-nos a nos aproximarmos
mais de Nosso Senhor, em companhia da Virgem Maria, com orações que brotam do mais íntimo de
nosso ser. Suas comunicações iluminam nossos pensamentos e nos
dão forças para seguir percorrendo o caminho e vencer nossas dificuldades.
Amelia Avilés de Arteaga
Guayaquil – Equador
Editorial
Pedro e os
novos carismas
A
93
Número
o 2011
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Bento XVI em
Birmingham, Inglaterra. Ao fundo,
altar da Cátedra
de São Pedro.
(Fotos: Gustavo Kralj e
Victor Toniolo )
o longo dos séculos, superando todas as vicissitudes, vai a barca de Pedro singrando os mares rumo à plenitude do Reino de Cristo. Disso dão mostra as
sempre renovadas inspirações do Espírito Santo suscitando novos carismas,
desdobrando um maravilhoso leque de formas de amor a Deus nas mais diversas situações, como novas joias acrescentadas ao diadema da Esposa de Cristo, sempre bela,
triunfante, luz do mundo e encanto do Criador.
Há dez anos, um desses novos carismas dava um passo fundamental em sua
história: João Paulo II erigia canonicamente os Arautos do Evangelho como Associação Internacional de Fiéis de Direito Pontifício.
Após o encontro com o Sumo Pontífice, os Arautos comemoraram sua nova situação com uma Missa solene no altar da Cátedra de Pedro na Basílica do Vaticano, presidida pelo Cardeal Jorge María Mejía, então Arquivista da Santa Igreja
Romana e Presidente da Biblioteca Vaticana. Na homilia, o insigne celebrante explicava que nossa associação adquirira, “com a Cátedra de Pedro, com o centro da
Igreja Católica, uma relação especial”. A partir daquela ocasião — afirmava ele
—, os Arautos se tornavam “o braço do Papa”.
Tal circunstância geraria, de fato, consequências inúmeras para a nova Associação de Direito Pontifício, obtendo-lhe do Céu abundantes graças para seu desenvolvimento. Uma vez estabelecido o vínculo íntimo e particular com o Doce
Cristo na Terra, a obra dos Arautos do Evangelho não cessou de se expandir por
dezenas de países, enquanto a compreensão cada vez maior do próprio carisma
favorecia novos desdobramentos dentro da sua família religiosa.
Entre os mais eminentes, vale citar como, de uma associação de leigos — e que
continua a cultivar seu carisma laical nos seus empreendimentos de evangelização
—, surgiria também um ramo sacerdotal (a Sociedade de Vida Apostólica Virgo
Flos Carmeli), e uma Sociedade de Vida Apostólica feminina (Regina Virginum).
Entre as outras alegrias desta década, os Arautos viram seu fundador, o
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, ser honrado pelo Papa Bento XVI com a
condecoração Pro Ecclesia et Pontifice e com o título de Cônego honorário da
Basílica Papal de Santa Maria Maior. Além disso, em seu mais recente livro, o
Santo Padre nos brinda com uma honrosa menção, ao afirmar estarmos assistindo “a um grande renascimento católico, a uma dinâmica do florescimento de
novos movimentos, como por exemplo os Arautos do Evangelho, jovens cheios
de entusiasmo por haver reconhecido em Cristo o Filho de Deus e desejosos de
anuncia-Lo ao mundo”.
Tudo isto nos leva a render jubilosa ação de graças a Nossa Senhora, Mãe insuperável, que nos obteve esses dons, já agradecendo por aquilo que Ela ainda fará. E, genuflexos, pedimos-Lhe que seu divino esposo, o Espírito Santo, suscite logo na Igreja muitos novos carismas, refulgentes de entusiasmo e de amor a Deus,
que contribuam para renovar a face da Terra. 
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      5
A voz do Papa
Criação e
Sagradas Escrituras
no mistério da Epifania
Diante da incerteza dos discursos e da ciência humana, é
a Palavra de Deus a verdadeira estrela que nos deve guiar,
oferecendo-nos o imenso esplendor da verdade divina.
N
o Evangelho ouvimos
que os Magos, vindos
do Oriente, perguntam
em Jerusalém: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de
nascer? Porque vimos a sua estrela no
Oriente e viemos adorá-Lo” (Mt 2, 2).
Que tipo de pessoas eram eles, e que
espécie de estrela era aquela?
Os Magos eram provavelmente
sábios que perscrutavam o céu, mas
não para procurar “ler” nos astros o
futuro, visando eventualmente obter
uma vantagem; eram homens piedosos “à busca” de algo a mais, à busca da verdadeira luz capaz de indicar o caminho a ser percorrido na vida. Eram pessoas convictas de que na
criação existe aquilo que poderíamos
definir como a “assinatura” de Deus,
uma assinatura que o homem pode e
deve tentar descobrir e decifrar.
Talvez o modo de conhecer melhor esses Magos e captar seu desejo de deixar-se guiar pelos sinais de
Deus seja pararmos para considerar
o que eles encontram em seu caminho na grande cidade de Jerusalém.
6      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Não ser, como Herodes, cegos
diante dos sinais de Deus
Antes de tudo deparam com o rei
Herodes. Este, certamente, estava
interessado no Menino de que lhe
falavam; não com a intenção de adorá-Lo, como, mentindo, quer dar a
entender, mas para matá-Lo.
Herodes é um homem de poder,
que somente consegue ver no outro
um rival a combater. No fundo, se refletirmos bem, também Deus parece-lhe um rival, e um rival particularmente perigoso, que quereria privar os homens do seu espaço vital, da
sua autonomia, do seu poder; um rival
que indica o caminho a ser percorrido na vida e impede, assim, de se fazer
tudo o que se quer. Herodes escuta
dos seus peritos em Sagradas Escrituras a palavra do profeta Miqueias (Mq
5, 1), mas o seu único pensamento é
o trono. Portanto, o próprio Deus deve ser ofuscado e as pessoas devem reduzir-se a simples peões a serem movidos no grande tabuleiro do poder.
Herodes é um personagem que
não nos é simpático e que instinti-
vamente julgamos de modo negativo por sua brutalidade. Mas deveríamos perguntar: não existe qualquer
coisa de Herodes também em nós?
Também nós, por vezes, não vemos
Deus como uma espécie de rival?
Não somos igualmente cegos diante
dos seus sinais, surdos às suas palavras, porque pensamos que põem limites à nossa vida e não nos permitem dispor da existência conforme o
nosso bel-prazer?
Caros irmãos e irmãs, quando vemos Deus desse modo, acabamos
por nos sentir insatisfeitos e descontentes, porque não nos deixamos
guiar por Aquele que está no fundamento de todas as coisas. Devemos
tirar da nossa mente e do nosso coração a ideia de rivalidade, a ideia
de que dar espaço a Deus é um limite para nós mesmos; devemos
nos abrir à certeza de que Deus é o
amor onipotente que não tira nada,
não ameaça; antes, é o Único capaz
de oferecer a possibilidade de viver em plenitude, de experimentar a
verdadeira alegria.
Os Magos encontram, pois, os estudiosos, os teólogos, os peritos que
sabem tudo sobre as Sagradas Escrituras, conhecem as suas possíveis interpretações e podem citar de memória cada passagem. São, portanto,
uma preciosa ajuda para os que querem percorrer as vias de Deus. Mas,
afirma Santo Agostinho, enquanto
gostam de ser guias para os outros, indicando-lhes o caminho, eles próprios
não andam, permanecem imóveis.
Para eles as Escrituras se tornaram uma espécie de atlas para ser lido com curiosidade, um conjunto de
palavras e de conceitos para examinar e sobre os quais discutir doutamente. E novamente podemos nos
perguntar: não existe também em nós
a tentação de considerar as Sagradas
Escrituras, esse tesouro riquíssimo e
vital para a Igreja, mais como objeto
de estudo e discussão dos especialistas que como o Livro que nos indica
o caminho para chegar à vida?
Penso que, como indiquei na
Exortação apostólica Verbum Domini, em nós deveria sempre renascer
a profunda disposição para ver nas
palavras da Sagrada Escritura, lida
na Tradição viva da Igreja (n.18), a
verdade que nos diz o que é o homem e como ele pode realizar-se
plenamente, a verdade que é o caminho a ser percorrido cotidianamente, junto com os outros, se queremos construir a nossa existência
sobre a rocha e não sobre a areia.
O universo não é
resultado do acaso
E assim chegamos à estrela. Que
tipo de estrela era aquela que os Magos viram e seguiram? Ao longo dos
séculos esta pergunta tem sido objeto de discussões entre os astrônomos.
Kepler, por exemplo, acreditava tratar-se de uma “nova” ou uma
“supernova”, ou seja, uma daque-
L’Osservatore Romano
Estudiosos que indicam
o caminho, mas
permanecem imóveis
Vista do Altar da Confissão durante a Missa da Epifania do Senhor
las estrelas que normalmente emanam uma luz fraca, mas que podem
sofrer repentinamente uma violenta explosão interna emanando uma
luz excepcional. É algo interessante,
sem dúvida, mas que não nos conduz àquilo que é essencial para compreender a estrela. Devemos retornar ao fato de que aqueles homens
procuravam os vestígios de Deus;
procuravam ler a sua “assinatura”
na criação; sabiam que “os céus narram a glória de Deus” (Sl 19, 2); estavam certos de que Deus pode ser
vislumbrado nas criaturas.
Mas, conhecemos pelos homens
sábios que não é com nenhum telescópio, mas com os olhos profundos
da razão à busca do sentido último
da realidade e com o desejo de Deus
movido pela fé, que é possível encontrá-Lo, e assim também se torna possível que Deus se aproxime de nós.
O universo não é o resultado do
acaso, como alguns quiseram fazer
crer. Contemplando-o, somos convidados a interpretar algo profundo: a
sabedoria do Criador, a inexaurível
imaginação de Deus, o seu infinito
amor por nós.
Não devemos limitar a mente
com teorias que só chegam até certo
ponto e que — se observamos bem
— não estão, de modo algum, em
competição com a fé, mas não são
capazes de explicar o sentido último
da realidade. Na beleza do mundo,
no seu mistério, na sua grandeza e
na sua racionalidade, não podemos
deixar de ler a racionalidade eterna, e não podemos senão deixar-nos
guiar por ela até o único Deus, criador do Céu e da Terra.
Se tivermos esse olhar, veremos
que tanto Aquele que criou o mundo
como Aquele que nasceu numa gruta
em Belém e continua a viver em nosso meio na Eucaristia são o mesmo
Deus vivo que nos interpela, nos ama
e nos quer conduzir à vida eterna.
Deus tem critérios diferentes
daqueles dos homens
Herodes, os peritos das Escrituras, a estrela. Mas sigamos o caminho dos Magos que chegaram a Jerusalém. Sobre a grande cidade a estrela desaparece, não é mais vista.
Que significa isso?
Também neste caso devemos interpretar o sinal com profundidade. Para aqueles homens era lógico procurar o rei no palácio real, onde se encontravam os sábios conselheiros da corte. Mas, provavelmente com estupor, eles constataram que
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      7
Aquele recém-nascido não se encontrava nos lugares do poder e da cultura, ainda que nesses lugares tenham
oferecido preciosas informações a
seu respeito. Ao contrário, damo-nos
conta de que, por vezes, o poder,
mesmo o do conhecimento, obstrui o
caminho do encontro com o Menino.
A estrela os guiou, então, a Belém, uma pequena cidade; guiou-os
entre os pobres, entre os humildes,
para encontrar o Rei do mundo. Os
critérios de Deus são diferentes daqueles dos homens; Deus não se manifesta no poder deste mundo, mas
na humildade do seu amor, aquele amor que pede à nossa liberdade
para acolhê-lo a fim de transformar-nos e tornar-nos capazes de chegar
Àquele que é o Amor.
Todavia, também para nós as coisas não são diferentes de como eram
para os Magos. Se nos tivessem perguntado nossa opinião sobre como
Deus deveria salvar o mundo, tal-
vez tivéssemos respondido que Ele
deveria manifestar todo o seu poder para dar ao mundo um sistema
econômico mais justo, no qual cada um pudesse ter tudo o que desejasse. Na realidade, isso constituiria
uma espécie de violência sobre o homem, porque o privaria dos elementos fundamentais que o caracterizam. De fato, dessa maneira não seriam postos em causa nem a nossa
liberdade, nem o nosso amor.
O poder de Deus se manifesta de
um modo totalmente diferente: em
Belém, onde encontramos a aparente impotência do seu amor. E é para
lá que nós devemos ir, e é lá que reencontramos a estrela de Deus.
A Palavra de Deus é a
verdadeira estrela
Assim, aparece-nos bem claro
ainda um último elemento importante do episódio dos Magos: a linguagem da criação que permite per-
correr um bom trecho do caminho
rumo a Deus, mas não alcança a luz
definitiva. No fim, foi indispensável
para os Magos escutar a voz das Sagradas Escrituras: só elas podiam indicar-lhes o caminho.
É a Palavra de Deus a verdadeira
estrela, que, na incerteza dos discursos humanos, nos oferece o imenso
esplendor da verdade divina.
Caros irmãos e irmãs, deixemo-nos guiar por essa estrela que é a Palavra de Deus, sigamo-la na nossa vida, caminhando com a Igreja, onde
a Palavra armou sua tenda. O nosso
caminho será sempre iluminado por
uma luz que nenhum outro sinal pode nos dar. E poderemos também
nos tornar estrela para os outros, reflexo daquela luz que Cristo fez resplandecer diante de nós. Amém.
(Excerto da Homilia na Missa da
Epifania do Senhor, 6/1/2011 – Tradução: Arautos do Evangelho)
A luminosa beleza de Maria
apoia e alimenta nossa esperança
Reflexão teológica e espiritual, liturgia, devoção mariana e
representação artística formam um conjunto realmente capaz de
suscitar uma compreensão mais profunda do mistério de Maria.
A
XV Sessão Pública foi
preparada pela Pontifícia Academia Mariana Internacional e
pela Pontifícia Academia da Imaculada, as quais muito oportunamente quiseram que nesta solene reunião fosse recordado o 60º aniver-
8      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
sário da Proclamação do Dogma da
Assunção de Maria, propondo o tema: A Assunção de Maria, sinal de
consolação e de esperança segura.
Com efeito, a 1º de novembro de
1950, durante um memorável Jubileu, o Venerável Pio XII, promulgando a Constituição Apostólica
Munificentissimus Deus, proclamava solenemente tal Dogma, na Praça de São Pedro. Alguns anos antes, em 1946, o padre Carlo Balić,
OFM, tinha fundado a Academia
Mariana Internacional exatamente para apoiar e coordenar o movimento assuncionista.
Modelo e paradigma da
nova humanidade
No difícil e delicado momento histórico que se seguiu à conclusão da Segunda Guerra Mundial,
Pio XII, com aquele gesto solene,
quis indicar não só aos católicos,
mas a todos os homens e mulheres de boa vontade, a singular figura de Maria como modelo e paradigma da nova humanidade remida
por Cristo: “É lícito esperar — afirmava — que, ao meditarem sobre
os exemplos gloriosos de Maria, todos se persuadam cada vez mais do
valor da vida humana, [...] espera-se ainda que este exemplo luminoso e incomparável, posto diante dos olhos de todos, mostre com
plena luz qual é o fim a que se destinam a nossa alma e o nosso corpo. E, finalmente, esperamos que a
fé na assunção corpórea de Maria
ao Céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição” (Munificentissimus Deus: AAS
42, 1950, 753-771).
Considero estes votos mais atuais que nunca, e também exorto todos vós a deixar-vos guiar por Maria para serdes anunciadores e
testemunhas da esperança que
brota da contemplação dos
Mistérios de Cristo, morto e
ressuscitado para a nossa salvação.
gir a sua perfeição no século futuro, assim também já agora na Terra, enquanto não chega o dia do
Senhor (cf. II Pd 3, 10)” (n.68).
Na Carta Encíclica Spe salvi, dedicada à esperança cristã, não podia deixar de mencionar o particular papel de Maria, que apoia e
guia o caminho dos crentes rumo à
pátria do Céu. Dirigi-me a Ela invocando-a como Estrela da Esperança para a Igreja e para toda a
humanidade (cf. n.49). Maria é a
estrela resplandecente de luz e beleza, que anuncia e antecipa o nosso futuro, a condição definitiva para a qual Deus, Pai rico em misericórdia, nos chama.
Os Padres e os Doutores da Igreja, fazendo-se eco inclusive do sentimento comum dos fiéis e refletindo sobre o que a liturgia celebrava,
proclamaram o singular privilégio
de Maria, ilustraram a sua luminosa
beleza, que apoia e alimenta a nossa
esperança. [...]
G
ta
us
vo
Kr
alj
Estrela resplandecente
de luz e beleza
De fato, como ensina o
Concílio Vaticano II na Constituição dogmática Lumen gentium, Maria é sinal de esperança
certa e de consolação para o Povo de Deus peregrino na História:
“A Mãe de Jesus, já glorificada no
Céu em corpo e alma, é imagem e
primícias da Igreja, que há de atin-
“Coroação de Nossa Senhora
Assumpta aos Céus”, Basílica de
Santa Maria Maior, Roma (Itália)
Convite a percorrer a
“via pulchritudinis”
Portanto, percorrendo a via pulchritudinis que o Servo de Deus Paulo VI indicou como itinerário fecundo de busca teológica e mariológica,
gostaria de notar a profunda sintonia entre o pensamento teológico e
místico, a liturgia, a devoção mariana e as obras de arte que, com o esplendor das cores e das formas, cantam o mistério da Assunção de Maria e a sua glória celeste ao lado do
Filho. Entre estas últimas, convido-vos a admirar duas particularmente significativas em Roma: os mosaicos absidais das basílicas marianas de
Santa Maria Maior e de Santa Maria
in Trastevere.
Reflexão teológica e espiritual, liturgia, devoção mariana e representação artística formam um conjunto,
uma mensagem completa e eficaz,
deveras capaz de suscitar a maravilha dos olhos, de tocar os corações e
de estimular a inteligência para uma
compreensão ainda mais profunda
do mistério de Maria, no qual vemos
claramente refletido e anunciado o
nosso destino, a nossa esperança.
Por conseguinte, aproveito a
ocasião para convidar os estudiosos de teologia e de mariologia a percorrer a via pulchritudinis e faço votos de que,
também nos nossos dias, graças a uma maior colaboração
entre teólogos, liturgistas e artistas, se possam oferecer mensagens incisivas e eficazes à admiração e contemplação de todos.
(Excertos da mensagem do Papa Bento XVI ao Cardeal Gianfranco Ravasi, para a XV Sessão Pública das Academias Pontifícias,
15/12/2010)
Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana.
A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      9
a  Evangelho  A
“Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 17 ‘Não penseis que vim abolir a Lei
e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. 18 Em verdade, Eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou
vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo
se cumpra.
19
Portanto, quem desobedecer a um só
destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino
dos Céus. Porém, quem os praticar e ensinar, será considerado grande no Reino
dos Céus. 20 Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos
mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus. 21 Vós ouvistes
o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás!
Quem matar será condenado pelo tribunal’. 22 Eu, porém, vos digo: todo aquele
que se encoleriza com seu irmão será réu
em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem
chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno. 23 Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o
altar, e aí te lembrares que teu irmão tem
alguma coisa contra ti, 24 deixa a tua oferta aí diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai
apresentar a tua oferta. 25 Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o
adversário te entregará ao juiz, o juiz te
entregará ao oficial de justiça, e tu serás
jogado na prisão. 26 Em verdade Eu te digo: dali não sairás, enquanto não pagares
o último centavo.
Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás
adultério’. 28 Eu, porém, vos digo: Todo
aquele que olhar para uma mulher, com
o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29 Se o
teu olho direito é para ti ocasião de
pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder
um de teus membros, do que todo
o teu corpo ser jogado no inferno. 30 Se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a
e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perder um dos teus
membros, do que todo o teu
corpo ir para o inferno.
31 Foi dito também: ‘Quem se divorciar de sua mulher, dê-lhe uma certidão de divórcio’. 32 Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se divorcia de sua
mulher, a não ser por motivo de união
irregular, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a mulher divorciada comete adultério.
33
Vós ouvistes o que foi dito aos
antigos: ‘Não jurarás falso’, mas
‘cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor’. 34 Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum: nem
pelo céu, porque é o trono de Deus;
35
nem pela terra, porque é o suporte onde apoia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei. 36 Não jures tampouco pela tua
cabeça, porque tu não podes tornar
branco ou preto um só fio de cabelo.
37
Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso
‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso
vem do Maligno’” (Mt 5, 17-37).
27
Detalhe do pórtico da Sainte Chapelle, Paris
10      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Comentário ao Evangelho – VI Domingo do Tempo Comum
O verdadeiro
cumprimento da Lei
está no que dizem
os fariseus?
Sergio Hollmann
A Liturgia deste domingo nos mostra que o Messias não
veio abolir nem diminuir a Lei, mas sim dar-lhe pleno
cumprimento. Ora, diz-nos São Paulo que ninguém se
justifica pela prática da Lei, mas só pela fé em Jesus Cristo.
Como resolver essa aparente contradição?
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
I – O pecado e a Lei
No Paraíso Terrestre, o homem refletia de modo admirável o Criador na perfeita harmonia reinante entre Fé e razão, vontade e sensibilidade. A Fé iluminava o entendimento, e este governava uma vontade inteiramente equilibrada, contra a qual
a concupiscência não se revoltava, pois no
primeiro homem — ensina São Tomás —
“a alma estava submetida a Deus, seguindo
os preceitos divinos, e também a carne estava
submetida em tudo à alma e à razão”.1
Gozavam ainda nossos primeiros pais do dom
de integridade, pelo qual sua alma tendia ao mais
elevado e tinha propensão para escolher o bem. A
ausência de conflitos entre as diversas partes desse microuniverso chamado homem — mineral,
vegetal, animal e espiritual — outorgava-lhe a fe-
licidade e lhe proporcionava toda a facilidade para cumprir a Lei Natural.
Ora, com o pecado, Adão e Eva perderam
esse dom, a harmonia na qual se encontravam,
estabelecida graças à justiça original, foi destruída; e rompeu-se o domínio das faculdades espirituais sobre o corpo.2 A carne, afirma São Tomás de Aquino, “passou a ser desobediente à
razão”,3 e cada uma das partes que compõem o
homem quis fazer valer sua própria lei. A desordem introduziu-se em nosso interior.
Necessidade de preceitos
claros e insofismáveis
Deus implantou na alma humana uma luz intelectual pela qual o homem conhece que o bem
deve ser praticado e o mal, evitado. Essa luz —
denominada sindérese pela Escolástica — não
Fevereiro 2011 · Flashes
Pelo dom de
integridade, a
alma de nossos
primeiros
pais tinha
propensão
para escolher
o bem
de Fátima      11
Julgando-se os
únicos donos
da verdade, os
Doutores da
Lei serviramse de sua
autoridade
para criar
uma moral
baseada nas
exterioridades
se apagou com o primeiro pecado, mas permanece em nossa alma. Conforme afirma o Concílio Vaticano II, o homem “tem no coração uma
lei escrita pelo próprio Deus”,4 a Lei Natural.
E como nosso espírito é governado por uma
lógica monolítica, não conseguimos praticar
qualquer ação má sem procurar justificá-la de
alguma maneira. Por isso, para poder pecar,
o homem recorre a falsas razões que sufocam
sua reta consciência e levam o entendimento a
apresentar à vontade o objeto desejado como
um bem. É essa a origem dos sofismas e doutrinas errôneas com os quais procuramos dissimular nossas más ações.
À vista disso, tornou-se indispensável —
além do selo impresso por Deus no mais íntimo
das nossas almas — a existência de preceitos
concretos a lembrar-nos de forma clara e insofismável o conteúdo da Lei Natural.5 São eles os
Dez Mandamentos entregues por Deus a Moisés no monte Sinai.6
Com efeito, de forma muito sintética, compendia o Decálogo as regras postas por Deus
na alma humana. Deus “escreveu em tábuas”
o que os homens “não conseguiam ler em seus
corações”, afirma Santo Agostinho.7 E o fato de
ter sido gravado em pedra — elemento firme,
estável e duradouro — simboliza o caráter perene da sua vigência.
Os fariseus deturpam a Lei de Moisés
Face a toda norma jurídica, há sempre duas
correntes: a dos laxistas que, em nome da “moderação”, justificam sua inobservância com todo gênero de ardis e racionalizações; e a dos
exagerados, apreciadores da lei pela lei, abstraindo do seu verdadeiro espírito e do seu vínculo com o Legislador.
Na segunda categoria estavam os escribas e
fariseus. Negligenciavam o cumprimento dos
mais fundamentais preceitos do Decálogo, mas
acrescentaram à Lei mosaica, ao longo dos tempos, numerosas obrigações e regras, levando
sua prática a extremos ridículos. Ora, essa
Lei, escreve Fillion, “deveria ser para os israelitas um privilégio, e não um fardo; entretanto, por obra dos fariseus e das numerosas
prescrições coligidas por eles, pesava de modo opressivo sobre os ombros dos judeus”.8
Julgando-se os únicos donos da verdade, os
Doutores da Lei serviram-se de sua autoridade
para criar uma moral baseada nas exteriorida-
12      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
des, enquanto o orgulho, a inveja, a ira e outros
vícios borbulhavam sem freio em seus corações.
Mereciam, portanto, a terrível censura de Nosso Senhor: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce
e do cominho, e deixais de lado os ensinamentos mais importantes da Lei. Ai de vós, escribas
e fariseus hipócritas! Limpais o copo por fora,
mas por dentro estais cheios de roubo e cobiça.
Serpentes! Víboras que sois! Como escapareis
da condenação do inferno?” (Mt 23, 23.25.33).
II – Cristo é a plenitude da Lei
“Não penseis que vim abolir a Lei e os
Profetas. Não vim para abolir, mas para
dar-lhes pleno cumprimento”.
17
De tal forma Jesus abstraia de algumas normas farisaicas, que muitos poderiam imaginar
ter vindo Ele revogar a Lei mosaica, substituindo-a por outra.
Os Doutores da Lei, por exemplo, proibiam
o contato com os pecadores e publicanos, enquanto o Divino Mestre ia jantar em casa deles. Rompia também os preceitos farisaicos do
sábado, permitia que seus discípulos omitissem
as abluções rituais antes da refeição e afirmava não estar a impureza nos alimentos, mas sim
no coração. Tudo isso poderia dar a impressão
de ser Ele um laxista disposto a abolir as antigas
práticas, excessivamente rigorosas.
O Decálogo é um reflexo do Criador
Não ignorando essa objeção dos seus ouvintes, começa Jesus por mostrar-lhes não ser a
Boa Nova “uma doutrina de facilidades e uma
religião a preços promocionais, menos ainda
uma anarquia ou um rompimento revolucionário com o passado de Israel”.9 Pelo contrário, Ele vai edificar o Evangelho “sobre os antigos fundamentos, e da Lei divina nada passará, a menos que se diga que um botão de rosa acaba quando a flor desabrocha, ou que um
esboço traçado a lápis é suprimido quando a
pintura definitiva vem completá-lo, fixá-lo para sempre”.10
Em que consiste, então, o “pleno cumprimento” anunciado pelo Messias?
A antiga Lei era, segundo São Tomás, a “da
sombra”, pois apenas “figurava com alguns atos
cerimoniais e prometia por palavras” a justifi-
Decálogo e moral de situação
“Em verdade, Eu vos digo: antes que
o céu e a terra deixem de existir, nem
uma só letra ou vírgula serão tiradas da
Lei, sem que tudo se cumpra”.
18
Os adeptos da chamada “moral de situação”
defendem a mutabilidade dos princípios éticos
em função do contexto no qual são eles aplicados. Assim, segundo essa filosofia, se os costumes evoluem ao longo dos tempos, o mesmo
deve ocorrer com as normas morais. Ou então,
mesmo admitindo serem elas universais e perenes, deve-se evitar sua aplicação de forma absoluta nas situações concretas, reduzindo seu valor
ao de meras orientações a serem ponderadas em
função das circunstâncias do momento.13
Ora, a Lei sintetizada nos preceitos do Decálogo é absoluta e permanente, conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Visto que
exprimem os deveres fundamentais do homem
para com Deus e para com o próximo, os Dez
Mandamentos revelam, em seu conteúdo primordial, obrigações graves. São essencialmente imutáveis, e sua obrigação vale sempre e em
toda parte. Ninguém pode dispensar-se deles”.14
Portanto, aquilo que era pecado quando
Adão e Eva saíram do Paraíso, sê-lo-á também
até o último dia, quando for morto o Anticristo
e vier o fim do mundo.
O pecado de escândalo
“Portanto, quem desobedecer a um
só destes mandamentos, por menor
que seja, e ensinar os outros a fazerem
o mesmo, será considerado o menor
no Reino dos Céus. Porém, quem
os praticar e ensinar, será considerado grande no Reino dos
Céus”.
19
Sergio Hollmann
cação dos homens.11 A nova, entretanto, é a “da
verdade”, porque realiza em Cristo tudo quanto
a Lei antiga prometia e figurava. Ou seja, a Lei
nova realiza a antiga enquanto supre o que faltara a esta.12
Nosso Senhor não é só o Autor da Lei, mas
também a Lei viva. Assim como dizemos que “o
Verbo de Deus Se fez carne”, podemos afirmar
que “a Lei de Deus Se fez carne e habitou entre
nós”. No Divino Mestre se encontram os Dez
Mandamentos no estado de divindade, pois,
por exemplo, o que fez Ele na sua vida terrena senão praticar a todo o momento o Primeiro
Mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus sobre todas as coisas”?
Nessa perspectiva, fácil é vermos no Decálogo um reflexo do Criador, compreendermos a
beleza que existe nos seus preceitos e acatá-los
com amor, de modo a criar em nossa alma a aspiração de cumpri-los com integridade, como
meio de nos aproximarmos de Deus.
Ora, pior que desobedecer aos preceitos da Lei divina é criar ou propagar uma
doutrina que convide a transgredi-los. Quem
assim procede perde, sem dúvida, a graça de
Deus e, caso não se emendar, “será considerado mínimo no momento do Juízo; ou seja, será reprovado, será o último. E o último
cairá inexoravelmente no inferno”.15
A “justiça” dos fariseus
“Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça
dos mestres da Lei e dos fariseus, vós
não entrareis no Reino dos Céus”.
20
Os escribas e fariseus conheciam perfeitamente a Lei e sabiam pesar cada ato em função dela. Apresentavam-se como a “lei viva”,
mas era justamente isto o que não se podia
afirmar deles.
Como já foi dito acima, sua justiça fundava-se nas exterioridades. “Quanto ao repouso sabático, haviam eles multiplicado as interdições, entrando nos mais ínfimos detalhes. Sobre a questão das impurezas, deram livre curso
à imaginação e acrescentaram à legislação mosaica as mais minuciosas prescrições”.16
Jesus nos adverte aqui ser indispensável, para entrar no Reino dos Céus, praticar uma virtude “maior” que a dos fariseus e mestres da
Lei. Ou seja, não se prender às exterioridades,
nem fazer enganosas racionalizações, mas cumprir de fato em sua integridade, amorosamente,
os Dez Mandamentos.
A Lei sintetizada
nos preceitos
do Decálogo
é absoluta e
permanente,
conforme ensina
o Catecismo da
Igreja Católica
“Moisés” - Vitral da
Catedral de
São Benigno, Dijon
(França)
III – Jesus condena a
moral farisaica
Nos versículos seguintes, Nosso Senhor utiliza várias vezes as expressões “Vós ouvistes...”
e “Eu vos digo...” para confrontar a moral de
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      13
exterioridades, praticada pelos fariseus, com a
verdadeira moral. Cristo, Ele mesmo, é a Palavra eterna, posta aqui em contraposição à palavra dos fariseus. A Lei antiga e imutável vai
ser levada agora até as últimas consequências,
denunciando as interpretações errôneas daqueles que se apresentavam diante do povo como
“mestres” infalíveis.
Participação no pecado de homicídio
“Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será
condenado pelo tribunal’. 22 Eu, porém,
vos digo: todo aquele que se encoleriza
com seu irmão será réu em juízo; quem
disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo
do inferno. 23 Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e
aí te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa a tua oferta
aí diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai
apresentar a tua oferta”.
21
O relacionamento
entre os
homens deve
pautar-se
pelo respeito,
consideração
e estima
Os fariseus consideravam o homicídio um
pecado gravíssimo, mas não reputavam ser falta
moral encolerizar-se com o irmão, ou dizer-lhe
toda espécie de desaforos.
Nosso Senhor mostra-lhes que quem assim
procede também será réu no dia do Juízo, pois,
ao se deixar levar deste modo pelo ódio, ele já
encetou as vias conducentes ao homicídio, participando em certa medida desse crime e merecendo por isso análogo castigo.
Mais ainda. Com sua palavra e exemplo, ensinou Jesus que na Nova Aliança o relacionamento entre os homens deve, pelo contrário,
pautar-se pelo respeito, consideração e estima
de forma a não dar ocasião a qualquer queixa recíproca.
Preparemo-nos para o dia do Juízo
“Procura reconciliar-te com teu
adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás
25
14      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
jogado na prisão. 26 Em verdade Eu te
digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo”.
O “adversário” de que fala Nosso Senhor
neste versículo simboliza, sob certo prisma,
Ele mesmo: o Bem substancial do qual nos tornamos inimigos ao pecar.17 O mais necessário
e urgente, portanto, é procurar primeiro nos
reconciliar com Ele, reconhecendo as nossas
faltas, pedindo perdão por elas e fazendo firme propósito de doravante não nos desviarmos das retas vias do Redentor. Pois, cedo ou
tarde, terminará nossa peregrinação terrena e
compareceremos diante do Supremo Juiz, que
pronunciará uma sentença justíssima e inapelável. Se nesse dia nosso divino Adversário ainda tiver algo a declarar contra nós, a dívida será saldada, na melhor das hipóteses, no fogo
do Purgatório, do qual não se sai sem pagar até
o último centavo.
Trata-se, portanto, de agir com total integridade no caminho rumo ao derradeiro julgamento. De nada valerão racionalizações com
as quais burlamos nossa consciência, porque
jamais será possível ludibriar a Deus. Ele está
dentro de nós e nós estamos dentro d’Ele. Tudo
se faz em sua presença, e todos os nossos atos
virão à tona no dia do Juízo Final para serem
conhecidos pela humanidade e pelos anjos.
Vigilância e fuga das ocasiões
“Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. 28 Eu, porém, vos digo:
Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração.
29 Se o teu olho direito é para ti ocasião
de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de
teus membros, do que todo o teu corpo
ser jogado no inferno. 30 Se a tua mão
direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é
melhor perder um dos teus membros, do
que todo o teu corpo ir para o inferno”.
27
A Lei de Moisés condenava o adultério e castigava-o com a morte (cf. Lv 20, 10). Mas a moral farisaica, fundada em ritos e exterioridades,
Timothy Ring
A Lei de Moisés condenava o adultério, mas a moral farisaica em nada se importava
com a lascívia dos olhares e dos maus desejos
Detalhe do quadro “Nosso Senhor com a mulher adúltera” – Catedral de Ávila (Espanha)
em nada se importava com a lascívia dos olhares
ou dos maus desejos.
“Todo aquele que olhar para uma mulher,
com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério
com ela no seu coração”: refere-Se aqui Nosso
Senhor ao nono Mandamento do Decálogo, o
qual condena também o pecado interior: “Não
cobiçaras a mulher do teu próximo” (Dt 5,21).
Logo a seguir, o Divino Mestre frisa a radicalidade com que devem ser praticados os Mandamentos, exortando-nos a levar até os últimos extremos o princípio da fuga das ocasiões de pecado. “Vigiai e orai para não cairdes em tentação” (Mt 26, 41), dirá Ele no Horto das Oliveiras. A oração é indispensável, mas não suficiente: é também necessário vigiar e afastar-se completamente daquilo que conduz ao pecado, sobretudo em matéria de castidade.
Uma concessão temporária em
desacordo com a Lei Natural
Foi dito também: ‘Quem se divorciar de sua mulher, dê-lhe uma certidão de divórcio’. 32 Eu, porém, vos digo:
Todo aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por motivo de união irregular, faz com que ela se torne adúltera;
e quem se casa com a mulher divorciada
comete adultério”.
31 “
Moisés estabeleceu no Deuteronômio que
“se um homem toma uma mulher e se casa com
ela, e esta não lhe agrada, porque descobriu nela algo inconveniente, ele lhe escreverá um ates-
tado de divórcio e assim despedirá a mulher”
(Dt 24, 1). Ora, as interpretações laxistas dessa passagem bíblica deram margem a escandalosos abusos, a ponto de ser o divórcio, segundo o Cardeal Gomá, “um mal gravíssimo do povo judeu, no tempo de Jesus”.18
Com efeito, explica Fillion: “As palavras ‘algo inconveniente’, utilizadas pelo Deuteronômio, eram de si vagas. Mas tinham recebido de
Hillel e dos de sua escola um interpretação escandalosa, que abria de par em par as portas
para a paixão. Admitiam que a mulher, mesmo
fidelíssima, podia ser despedida por qualquer
motivo ou, digamos melhor, por qualquer frívolo pretexto: um prato mal preparado, a vista de uma mulher mais formosa — atreviam-se a dizer os rabinos — eram razão para o divórcio”.19
Acrescia-se a isto o fato de o divórcio não ser
conforme à Lei Natural.20 Como mais adiante
afirmará o próprio Nosso Senhor, tratava-se de
uma concessão temporária feita por Moisés devido à dureza de coração dos hebreus, “mas não
foi assim desde o princípio” (Mt 19, 8).
Comenta a este propósito São Cromácio de
Aquileia: “Com razão, nosso Senhor e Salvador,
eliminada aquela permissão, restaura agora os
preceitos de sua antiga constituição. Ordena,
pois, conservar como lei indissolúvel a união do
matrimônio casto, mostrando que a lei conjugal
estava instituída originariamente por Ele”.21
Ao nos exortar
a levar até
os últimos
extremos o
princípio
da fuga das
ocasiões
de pecado,
Jesus frisa a
radicalidade
com que
devem ser
praticados os
mandamentos
A fé elimina o mau costume de jurar
“Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não jurarás falso’, mas ‘cumpri33
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      15
L’Osservatore Romano
rás os teus juramentos
feitos ao Senhor’. 34 Eu,
porém, vos digo: Não
jureis de modo algum:
nem pelo céu, porque é
o trono de Deus; 35 nem
pela terra, porque é o
suporte onde apoia os
seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade
do Grande Rei. 36 Não
jures tampouco pela tua
cabeça, porque tu não
podes tornar branco ou
preto um só fio de cabelo”.
“Aprendei a
chamar pecado ao
pecado, e a não lhe
chamar libertação
e progresso, ainda
que toda a moda e a
propaganda fossem
contrárias” (João
Paulo II)
A Lei de Moisés, afirma o padre Tuya, “proibia expressamente o falso juramento, mas, ressalvado isso, a casuística rabínica fez um prodígio de subtilezas e distinções para justificar os
juramentos”.22 No tempo de Jesus, o abuso de
jurar a qualquer propósito alcançara um grau
inacreditável, e isso O levou a condenar expressamente, neste Sermão da Montanha, todo tipo de juramento: “Não jureis de modo algum”.
Os três versículos do sintético texto de São Mateus, acima transcritos, indicam bem a gravidade desse mal.
1
SÃO TOMÁS DE AQUINO. A Luz da Fé – Comentários ao Credo, Pai-nosso, Ave-Maria e Mandamentos. Lisboa: Verbo, 2002, p.133. –
No mesmo sentido, ensina o
Catecismo da Igreja Católica
que o homem tinha então o
domínio de si mesmo e “estava intacto e ordenado em
todo o seu ser” (n.377).
Cf. Catecismo da Igreja
Católica, n.400.
2
CONCÍLIO VATICANO
II. Gaudium et spes, n.16.
5
Ensina o Doutor Angélico:
“Dado que, deste modo, a
16      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
“Aprendei a chamar de pecado o pecado”
“Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso
‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso
vem do Maligno”.
37
Nossa vida deve ser um perpétuo “sim” a
tudo quanto Cristo espera de nós, e um firme
“não” às propostas e sugestões do demônio. A
isso nos convida o Papa João Paulo II: “Aprendei a pensar, a falar e atuar segundo os princípios da simplicidade e da clareza evangélica: ‘Sim, sim; não, não’. Aprendei a chamar de
Lei Natural foi destruída pela lei da concupiscência, era
necessário que o homem fosse reconduzido às obras da
virtude e restabelecido na vida. Para isso era necessária a
lei da Escritura” (SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit.,
p.134).
6
Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.2070.
7
SAN AGUSTÍN. Enarrationes
in Ps. 57, 1. In: Obras de San
Agustin. Madrid: BAC, 1965,
v.XX, p.417.
8
FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, 2000, v.III,
p.53.
3
SÃO TOMÁS DE
AQUINO, op. cit., p.134.
4
Ocorria que, levados pelo orgulho, julgaram
os fariseus haver maior honra e mérito em “fazer todas as coisas por Deus, obrigando-se por
juramento”; e do preceito “não tomarás o nome
de Deus em vão” deduziram, por uma interpretação forçada: “logo, tomarás o nome de Deus
sempre que seja como garantia de algo que não
seja falso”.23
Entre os cristãos, pelo contrário, devem reinar a sinceridade e a confiança, fruto da retidão
de almas habitualmente em estado de graça,
conforme ensina Santo Hilário de Poitiers: “A
fé elimina o costume de jurar. Fundamenta na
verdade a atividade de nossa vida e, rechaçando a inclinação para mentir, prescreve a lealdade tanto no falar como no ouvir. [...] Portanto,
quem vive na simplicidade da fé não precisa recorrer a juramentos”.24
9
GRANDMAISON, SJ,
Léonce de. Jésus-Christ, sa
personne, son message, ses
preuves. 6.ed. Paris: Beauchesne, 1928, v.II, p.14.
10
Idem, ibidem.
11
SÃO TOMÁS DE AQUINO.
Suma Teológica, I-II, q.107,
a.2, resp.
12
Cf. idem, ibidem.
13
Sobre este tema ver, por
exemplo, PIO XII. Soyez les
Bienvenues – Discurso sobre
os erros da moral de situação, 18/4/1952.
14
Catecismo da Igreja Católica,
n.2072.
IV – Não devemos fazer concessões
em matéria moral
A leitura do Evangelho deste domingo nos
reporta a um dos problemas mais graves do
mundo moderno: a terrível perda do senso moral que assola as almas de tantos dos nossos
contemporâneos.
Com efeito, afirma o Papa Bento XVI, “vivemos num contexto cultural marcado pela
mentalidade hedonista e relativista, que propende para eliminar Deus do horizonte da vida, não favorece a aquisição de um quadro claro de valores de referência e não ajuda a discernir o bem do mal e a maturar um justo sentido
do pecado”.26
Companheiro inseparável da mentalidade
descrita pelo Santo Padre é um falso e deletério
conceito de liberdade, sintetizado por um dos
mais famosos lemas de Maio de 68, É proibido
proibir!, segundo o qual toda regra ou preceito
devem ser banidos.
Hoje, portanto, mais do que nunca, é preciso lembrar que a Lei de Deus não é um castigo
pelo pecado dos nossos primeiros pais, mas sim
15
SAN JUAN CRISÓSTOMO.
Homilías sobre el Evangelio
de Mateo, 16, 4, apud ODEN,
Thomas C. e SIMONETTI,
Manlio. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva,
2004, p.153.
16
ROBERT, A. et TRICOT, A.
Initiation Biblique. Tournai:
Desclée & Cie., 1948, p.729.
17
Outros comentaristas, como
Maldonado, consideram ser
o adversário “aquele a quem
ferimos, a quem chamamos
raca ou néscio, que tem motivos para acusar-nos diante
de Deus; o caminho é o tempo desta vida e o juiz é Cristo, o qual dirá: ‘O que fizes-
um precioso meio de nos tornar mais semelhantes a Ele.
Pois, ao contrário do afirmado pelos revolucionários da
Sorbonne, são as faltas praticadas pelo homem — e não
os preceitos divinos — que tolhem sua liberdade: “O pecador se torna escravo do pecado” (Jo 8, 34).
No Céu, a Lei reluzirá gloriosa para aqueles que a praticaram nesta vida, os bem-aventurados; enquanto se
apresentará como eterna
censura aos que se revoltaram contra ela e foram condenados ao fogo eterno. Dessa inexorável alternativa, ninguém escapa:
quem não está na Lei da misericórdia divina,
cai na Lei da justiça de Deus. Não há uma terceira opção.
Aproveitemos esta Liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum para analisarmos nossa
consciência à procura de alguma racionalização
que nos esteja conduzindo a concessões morais,
em nossa vida profissional ou particular.
Que Maria Santíssima jamais permita nos desviarmos das abençoadas sendas da integridade
de alma, ajudando-nos a nunca dar consentimento a nenhuma relativização da Lei de Deus. 
tes a algum destes pequeninos, a Mim o fizestes’”
(MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC,
1950, v.I, p.263).
18
19
GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El
Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.II,
p.178.
FILLION, op. cit., v.II, p.104105.
20
Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.2384.
21
CROMACIO DE AQUILEYA. Comentario al Evangelio de Mateo, 24, 1, 1-3,
L’Osservatore Romano
branco ao branco, e preto ao preto — mal ao
mal, e bem ao bem. Aprendei a chamar pecado
ao pecado, e a não lhe chamar libertação e progresso, ainda que toda a moda e a propaganda
fossem contrárias”.25
“Vivemos num
contexto cultural
marcado pela
mentalidade
hedonista e
relativista, que não
ajuda a discernir
o bem do mal e a
maturar um justo
sentido do pecado”
(Bento XVI)
apud ODEN e SIMONETTI,
op. cit., p.169.
22
TUYA, OP, Manuel de. Biblia
Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.II, p.115.
23
Idem, ibidem.
24
SAN HILARIO DE POITIERS. Sobre el Evangelio de
Mateo, 4, 23, apud ODEN e
SIMONETTI, op. cit., p.172.
25
JOÃO PAULO II. Homilia na
Santa Missa em preparação
para a Páscoa dos universitários (26/03/1981).
26
BENTO XVI. Discurso aos
participantes no curso anual sobre foro íntimo, promovido pela Penitenciaria Apostólica, 11/3/2010.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      17
Primado e infalibilidade
A infalibilidade pontifícia e o primado de jurisdição do Pontífice,
necessariamente unidos, devem ser, para todo católico, alvo de um amor
preferencial. Mas como fundamentá-los na Escritura, na Tradição e na
História?
E
“
u te declaro: tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas
do inferno não prevalecerão
contra ela” (Mt 16, 18).
Nos últimos cem anos, poucas
passagens do Evangelho têm sido
objeto de discussões tão veementes
e apaixonadas, pois, segundo alegam alguns, a formulação atual não
corresponderia ao original escrito
por Mateus, mas tratar-se-ia de um
texto manipulado por volta do ano
130 com vistas a justificar o primado de Pedro e seus sucessores sobre
seus irmãos no episcopado.
Entretanto, durante séculos ninguém pusera em dúvida a autenticidade dessa passagem. Foi preciso aguardar a infiltração do racionalismo na exegese bíblica no século
XIX e o historicismo protestante do
século XX, para começarem as tentativas de desqualificá-la.
Argumentos bíblicos em favor
do primado de Pedro
Sob o ponto de vista documental,
a tese da suposta manipulação desse versículo não se sustenta. Os textos mais antigos que reproduzem a
passagem em questão não apresentam nenhum vestígio de adultera-
ção: nem o Diatessaron (concordância dos quatro Evangelhos) de Taciano, de meados do segundo século, nem os escritos dos Padres da
Igreja anteriores ao século IV e nem
os 4 mil códices dos oito primeiros
séculos que hoje se conhecem.
Pelo contrário, como pode-se ver
no box da próxima página, mais de
160 passagens do Novo Testamen-
De especial importância
para o estudo do
primado de Pedro é a
história dos primeiros
séculos da Igreja
to mencionam Pedro ocupando, em
muitos deles, uma posição de preeminência sobre os demais Apóstolos. Até mesmo São João, que trata
em menor medida do Príncipe dos
Apóstolos em seu Evangelho, devido
às circunstâncias históricas nas quais
foi escrito — em plena polêmica com
os gnósticos —, traz duas importantes referências à entrega do primado
petrino: “Serás chamado Cefas (que
18      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Pe. Eduardo
quer dizer pedra)” (Jo 1, 42); e “Simão, filho de João, amas-Me mais do
que estes? [...] Apascenta meus cordeiros” (Jo 21, 15-17).
Ora, é em Mt 16, 18-19 que se
baseia principalmente a doutrina
sobre o Papado, realçando-se normalmente na interpretação destes
versículos a tríplice metáfora usada
por Nosso Senhor: São Pedro é fundamento da Igreja, pois é comparado com os alicerces que dão coesão e estabilidade a todo o edifício; seu poder de jurisdição está figurado nas chaves, as quais, na linguagem bíblica e profana, são símbolo do domínio; e, por último, a
imagem de ligar e desligar simboliza
a capacidade de criar ou abolir leis
que obrigam em consciência.
Considerada isoladamente, a interpretação acima poderá suscitar
ceticismo; mas unida a outros trechos do Novo Testamento, bem como aos escritos dos Padres da Igreja e à praxe dos primeiros séculos de
cristianismo constitui um poderoso aparato argumentativo. Todos esses indícios somados convergem em
afirmar o primado indiscutível de
São Pedro, dado por Cristo e reconhecido ininterruptamente ao longo
da História da Igreja.
de Pedro
Caballero Baza, EP
Testemunhos que vêm dos
tempos Apostólicos
Victor Toniolo
De especial importância para o
tema que nos ocupa é a história dos
primeiros séculos da Igreja, por chocar frontalmente com a gratuita suposição de que o primado de jurisdição universal do Romano Pontífice
tenha sido uma invenção posterior
aos tempos apostólicos.1
Ora, já na carta enviada pelo Papa São Clemente aos fiéis de Corinto, a respeito da rebelião ocorrida
nessa comunidade em torno do ano
96, fica patente o primado romano.
Com efeito, nela o Pontífice não pede desculpas por imiscuir-se nos assuntos internos de outra Igreja —
como seria normal, caso fosse um
simples primus inter pares, chefe de
outra Igreja irmã —, mas escusa-se
por não ter tido oportunidade de intervir no assunto com mais rapidez;
adverte do perigo de cometer pecado grave quem não obedecer às suas
admoestações; e mostra-se convencido de que sua atitude é inspirada
pelo Espírito Santo.2 Por outro lado, a carta foi recebida em Corinto
sem resistências e considerada como
uma grande honra, a ponto de ainda no ano de 170, segundo testemunhas, ser lida na liturgia dominical.3
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      19
Gustavo Kralj
Fundamento
bíblico do
primado petrino
Gustavo Kralj
Se
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Ho
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an
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S
ão Pedro ocupa posição preeminente no Novo Testamento, onde é mencionado 114 vezes nos Evangelhos e
57 vezes nos Atos dos Apóstolos.
Fala em nome de todos os Apóstolos (Lc 12, 41, Mt 19,
27, Mc 10, 28, Lc 18, 28), responde por eles (Jo 6, 68, Mt
16, 16, Mc 8, 29) e age por todos (Mt 14, 28, Mc 8, 32, Mt
16, 22, Lc 22, 8, Jo 18, 10). Outras vezes os evangelistas referem-se aos Apóstolos dizendo “Pedro e os seus” (Mc 1,
36, Lc 8, 45; 9, 32, Mc 16, 7, At 2, 14. 37). Jesus o elege depois de fazer um grande milagre (Lc 5, 1-11); serve-Se de
sua barca para pregar às multidões (Lc 5, 3); hospeda-Se
em sua casa (Mc 1, 29); associa-o a Si no pagamento do
tributo (Mt 17, 23-26); escolhe-o, com Tiago e João, para
assistir à ressurreição da filha de Jairo (Mc 5, 37), à transfiguração (Mc 9, 2) e à agonia no Getsêmani (Mc 14, 33);
é o primeiro a quem aparece ressuscitado (Lc 24, 34). É o
único dos Doze que o anjo nomeia para ser-lhe comunicada a mensagem da Páscoa (Mc 16, 7). São João espera
a chegada de São Pedro, para deixá-lo entrar primeiro no
Sepulcro de Jesus (Jo 20, 2-8).
Depois da Ascensão e de Pentecostes, vemos São Pedro
exercendo a autoridade máxima na Igreja. Completa o Colégio Apostólico com a eleição de São Matias (At 1, 5ss);
fala em nome dos Apóstolos no dia de Pentecostes (At 2,
14ss); defende perante as autoridades judaicas o direito dos
Apóstolos, de pregar a Fé em Cristo (At 4, 8-12); condena
Ananias e Safira (At 5, 1-11); é inspirado a abrir as portas
da Igreja também aos pagãos, com a conversão do centurião Cornélio (At 10, 47); preside o Concílio de Jerusalém
(At 15, 6ss); toda a Igreja orava por sua libertação, quando
foi encarcerado por ordem de Herodes (At 12, 5).
Por outro lado, São Paulo assinala de modo preeminente a importância de São Pedro como cabeça da Igreja. Depois de sua estada na Arábia, dirige-se a Jerusalém para
vê-lo (Gal 1, 18); reconhece nele uma das colunas da Igreja (Gal 2, 9); coloca-o como o primeiro entre as testemunhas das aparições de Cristo ressuscitado (Cor 15, 5); e
mesmo quando lhe resiste “em face” em Antioquia, age
como quem reconhece sua autoridade e, portanto, confirma de algum modo seu primado (Gal 2, 11-14).
“Vocação dos Apóstolos Pedro e André”, por Duccio di
Buoninsegna - National Gallery of Art, Washington DC. “Cristo
entrega as chaves a São Pedro” - Basílica de Paray-le-Monial,
França. “Pregação de São Pedro” - Catedral de Manresa, Espanha.
20      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
to Bispo de Antioquia escreve em
tom submisso; nas demais, em tom
de autoridade.
Além do mais, Santo Inácio reconhece à Igreja de Roma o poder
de dirigir as outras Igrejas, instruindo-as como a discípulos do Senhor
e recomenda sua diocese na Síria à
solicitude pastoral da Sé Romana, e
não à de qualquer outra Igreja, talvez mais próxima.5
Um terceiro testemunho é o de
Santo Irineu de Lyon, Padre da Igreja. Nascido entre 130 e 140, falecido
por volta de 202, foi discípulo de São
Policarpo, o qual, por sua vez, havia
sido discípulo de São João. Portanto, esteve em contato quase direto
com a idade apostólica.
Em seu tratado Adversus hæreses,
fala clara e explicitamente do primado da Igreja Romana sobre todas as outras Igrejas e faz referência à mencionada carta de São Clemente Romano aos fiéis de Corinto,
que tinha entre outros objetivos “re-
David Santos Domingues
novar sua Fé” e “declarar a tradição que havia recebido dos Apóstolos”.6
Eloquente também é a
intervenção do Papa Vítor
I (189-199) a propósito da
data da comemoração
da Páscoa, que ele resolveu unificar. Na Província da Ásia se obedecia a outro calendário. Para solucionar a questão, o Papa convocou um Sínodo dos Bispos italianos em Roma, escreveu aos Bispos
do mundo inteiro e, por fim, conclamou os Bispos da Ásia a adotar a prática da Igreja universal, de
sempre celebrar a Páscoa no domingo. Caso não o atendessem, ele
os declararia excluídos da comunhão da Igreja.7 Vários Bispos tentaram moderar a decisão papal, incluindo Santo Irineu, sem resultado, ao que parece. Fato é que pouco a pouco o costume romano se
tornou prática comum em toda a
Gustavo Kralj
Gustavo Kralj
Esses fatos adquirem especial relevo ao considerar-se que o Apóstolo São João, ainda vivo, encontrava-se em Éfeso, bem mais perto de Corinto do que de Roma.4 E não consta
que nem São Clemente, nem os fiéis de Corinto, nem o próprio São
João tenham duvidado da autoridade do Sucessor de Pedro para dirimir a questão.
Outro importante testemunho
dessa época a favor do primado do
Sucessor de Pedro é a carta enviada por Santo Inácio de Antioquia
(†107) à Igreja de Roma. Nela também se manifesta de modo evidente, e mais explícito que no caso anterior, o primado da Sé Romana sobre as outras. Com efeito, essa missiva é substancialmente diferente das enviadas por ele nas mesmas
circunstâncias (prisioneiro levado da Síria para Roma, onde seria
martirizado) a outras Igrejas, como
Éfeso, Magnésia, Trália, Filadélfia e Esmirna. Na primeira, o san-
Dois Padres Apostólicos e um Padre da Igreja dão importante testemunho do reconhecimento universal do
primado do Bispo de Roma nos primeiros séculos da Igreja
“São Clemente Romano” - Basílica de São Marcos, Veneza. “Santo Inácio de Antioquia” - Igreja do Gesù, Roma.
“Santo Irineu de Lyon” - Paróquia de Santo Irineu, Centocelle, Itália.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      21
Gustavo Kralj
Igreja. Trata-se de mais
uma amostra do reconhecimento universal do
primado do Papa.
Supremacia fundada
sobre uma rocha divina
São Leão Magno —
cujo pontificado, entre
os anos 440 e 461, constiInsuspeito testemunho
tui um interessante ponde um herege
to de inflexão na história
do primado petrino — reMas os argumentos
feria-se à Igreja de Roma
não provêm apenas do
como magistra (mestra) e
campo católico. Por volta
não tinha dúvida alguma a
do ano 220, Tertuliano, já
respeito da autoridade do
então envolvido na herePapa sobre o concílio.
sia montanista, escreveu
Em nome dessa autoum libelo8 atacando o Paridade confirmou a doupa Calisto I, que publicara
trina definida pelo Conum edito para ser lido em
cílio de Calcedônia (451),
todas as igrejas, suavizaniniciando assim uma prádo a disciplina penitencial
tica que será mantida por
aplicada aos adúlteros e
seus sucessores e considefornicadores.
rada como necessária paAtribuindo de modo
ra conferir validez a qualsarcástico ao sucessor de
quer concílio ecumêniPedro a expressão “Ponco.10 Sua conhecida Epístífice Máximo, ou seja, o
9
Bispo dos Bispos” — títola dogmática11 foi aclatulos então usados pelo
mada com transportes
Imperador romano —, o
de entusiasmo pelos Pamalfadado escritor eclesidres reunidos em Calceástico mostra quão abrandônia, quase todos orien“Cristo entrega as chaves a São Pedro” - Paróquia de Saint
gente era o poder espiritais, com a famosa sentenPatrick, Roxbury (MA), Estados Unidos
tual do Papado. Ademais,
ça: “Isto disse Pedro atratermina sua longa objurgatória com
vés de Leão!”.12
uma crítica à reivindicação de CalisOra, São Leão Magno desenvolto I de que sua autoridade “de ligar e
ve o conceito de soberania petridesligar” se fundamentava na de São
na tomando justamente por base o
Pedro, dando um precioso testemujá citado versículo de São Mateus:
nho de quão antiga é a consciência
“Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre
da origem divina dessa autoridade.
esta pedra edificarei a minha IgreDetalhe importante: ao tentar
ja; as portas do inferno não prevarefutar o Papa, Tertuliano — acérlecerão contra ela” (Mt 16, 18). Ele
rimo adversário da Igreja que anpõe em realce que essa declaração
tes amara — cita sem qualquer obdo Divino Mestre aplica-se efetivajeção a passagem do Evangelho de
mente à Sé Romana e que o Papa,
São Mateus contestada pelos raciocomo Sucessor de Pedro, tem a misnalistas dezoito séculos mais tarde:
são especialíssima de guiar e goversim, o Senhor disse a Pedro que esnar a Igreja universal, bem como o
te era a rocha sobre a qual construi- feria a um fato pacificamente aceito direito de intervir e tomar decisões
ria a Igreja; deu-lhe, de fato, as cha- por todos em sua época, tão próxi- nas questões eclesiásticas das Igreves, assim como o poder de ligar e ma dos tempos apostólicos, nem se jas locais.
desligar, e confiou-lhe o cuidado da permitindo alguma suspeita relacioInfelizmente, fatos históricos inIgreja. Basta ler as palavras de Ter- nada com adulteração do texto bí- dicam, a partir do século VII, uma
tuliano para constatar que ele se re- blico.
latente recusa do primado de juris-
São Leão Magno
desenvolve o conceito
de soberania petrina
tomando justamente por
base o citado versículo
de São Mateus
22      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Gu
st
av
o
dição universal do Bispo de Roma por parte de alguns líderes
da Igreja do Oriente, embora
reconhecendo em geral a autoridade papal em matéria
doutrinária.13 O exaltar dos
ânimos teria como triste
desfecho o cisma de 1054.
Jurisdição plena
e universal
Duas importantes prerrogativas dimanam do primado de Pedro: o primado
de jurisdição universal e a
infalibilidade pontifícia.
A jurisdição do Papa14 se
aplica plena e supremamente à Igreja universal, porque ela
abrange toda a potestade outorgada por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja. Essa jurisdição é também monárquica, pois Cristo a concedeu a São Pedro e não aos outros
Apóstolos, e ilimitada, o que significa que o Papa não presta contas senão a Deus, por não existir na Igreja instância alguma superior a ele.15
Além do mais, abarca os poderes legislativo, judiciário e executivo. Diz-se também que é uma potestade ordinária no sentido de que é constitutiva do próprio exercício do ministério petrino; imediata porque se exerce por direito próprio, sem necessidade de intermediários; e episcopal,
visto ser eminentemente pastoral o
objetivo de seu exercício.16
Em consequência, o Papa é, por
um lado, livre de entrar em contato direto com seus Pastores e com os
fiéis, sem coerção por parte do poder civil;17 e por outro, é o juiz supremo dos fiéis, ao qual todos têm o
direito de recorrer e ninguém pode
impugnar, nem mesmo um concílio
ecumênico.18
Magistério ordinário
e extraordinário
A infalibilidade pontifícia, por sua
vez, é um carisma inerente ao pró-
Bento XVI em Birgminham, Inglaterra,
em novembro de 2010
Cristo não chamou São
Pedro por causa das suas
qualidades naturais;
foi a graça de Deus
que o converteu numa
rocha firme e sólida
prio ministério petrino que confere
uma assistência especial do Espírito
Santo ao Papa quando este — falando ex cathedra, ou seja, como supremo Pastor da Igreja universal — define uma doutrina de Fé e moral.19
Sobre ela pronunciou-se claramente o Concílio Vaticano II nos
termos seguintes: As definições do
Romano Pontífice “com razão se dizem irreformáveis por si mesmas, e
não pelo consenso da Igreja, pois fo-
Kr
alj
ram pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, que
lhe foi prometida na pessoa de São Pedro. Não
precisam, por isso,
de qualquer alheia
aprovação, nem
são susceptíveis de apelação a outro juízo.
Pois, nesse caso, o Romano Pontífice não fala como
pessoa privada, mas expõe
ou defende a doutrina da
Fé Católica como mestre
supremo da Igreja universal,
no qual reside de modo singular o carisma da infalibilidade da mesma Igreja”.20
Junto com essa forma de Magistério extraordinário, o Papa exerce também o ordinário, por meio de
orientações e ensinamentos através
de encíclicas, constituições, exortações apostólicas, discursos, etc.
Infalibilidade não significa
impecabilidade
Convém lembrar, por fim, que
nem do exercício do ministério petrino, nem do carisma da infalibilidade advém ao Romano Pontífice a
impecabilidade ou, por outras palavras, a confirmação em graça.
Um dos argumentos racionalistas contra o primado de Pedro é que
o pescador da Galileia era sujeito a
pecar, como todo homem. E, sem
dúvida, o era. Entretanto, seu primado não repousa sobre qualidades
humanas, mas na onipotente força
do Fundador da Igreja.
Cristo não chamou São Pedro por
causa das suas qualidades naturais;
foi a graça de Deus que o converteu
numa rocha firme e sólida. “Simão,
Simão, eis que Satanás vos reclamou
para vos peneirar como o trigo; mas
Eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça” (Lc 22, 31-32).
No seu livro-entrevista recentemente divulgado, Bento XVI re-
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      23
Victor Toniolo
A
A festa da
Cátedra de Pedro
lembrou que a tarefa exercida pelo
Romano Pontífice não foi dada por
ele a si mesmo.21 Pelo contrário, é o
Espírito Santo quem escolhe o Papa, usando critérios divinos: “Não
fostes vós que Me escolhestes, mas
Eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o
vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16).
A santidade de um Papa, portanto,
não é inerente ao ministério petrino,
mas provém do esforço pessoal e, sobretudo, da ação da graça. As eventuais infidelidades na vida de qualquer
1
2
Curiosamente, as manifestações contra o primado de jurisdição universal do Romano Pontífice são muito maiores do
que contra a infalibilidade pontifícia. Ambos são
dogmas de Fé definidos
solenemente no Concílio
Vaticano I (cf. Dz 30503075).
Cf. QUASTEN, J. Patrología. Hasta el Concilio
de Nicea. Madrid: BAC,
1961, v.I, p.55.
3
4
Igreja celebra a festa de São Pedro em dois dias diferentes: em 29 de junho, junto com São Paulo, e em 22
de fevereiro, a Cátedra de Pedro. A antiquíssima origem desta última festa está documentada por sua inclusão num calendário do ano 354 e no Martyrologium Hieronymianum, o
mais antigo da Igreja Latina, composto entre 431 e 450. Há
também referências a ela em duas homilias do século V.24
Essa longa existência mostra a relevância do símbolo
da Cátedra para a vida da Igreja e reforça com o testemunho da Tradição a importância dada ao primado petrino, pelo menos a partir de meados do século IV, pois, segundo explica o Martyrologium Romanum, a Sé de Pedro é
“chamada a presidir a comunhão universal da caridade”.
O Missal Romano acrescenta que a comemoração da Cátedra de São Pedro põe em relevo a missão de mestre e de
pastor conferida por Cristo a São Pedro que, em sua pessoa e na de seus sucessores, é fundamento visível da unidade da Igreja.
Pontífice Romano serão sempre gravíssimas, mas não abolem sua autoridade, já que Deus pode servir-Se de
instrumentos infiéis, e o Espírito Santo impedirá com sua assistência que
os pecados pessoais ponham em risco a integridade da Igreja, garantida
pela promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: “As portas do inferno não
prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).
Quis a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao fundar a sua Igreja, estabelecer como chefe supremo
um homem pecável, mas infalível
Cf. ORLANDIS, J. El Pontificado Romano en la
Historia. Madrid: Palabra,
1996, p.36; BEATRICE,
P.F., Clemente Romano (Lettere di). In: Nuovo Dizionario Patristico e
di Antichità Cristiane. Genova-Milano: Marietti,
2008, p.1073-1077.
Santo Ireneu assevera que
São João permaneceu na
Igreja de Éfeso até o reinado do Imperador Trajano (98-117). (Cf. Adversus
hæreses, III, 3, 4).
24      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
5
em matéria de Fé e moral. Isto que
foi aceito pelo consensus fidelium
sem restrição, forma com a pessoa e
o primado de Pedro uma feliz união
fundada na caridade e na fé.
O amor ao elo mais fraco
de uma corrente mística
que une a Terra ao Céu
O primado de Pedro e sua infalibilidade são as garantias da invencibilidade da Igreja, de modo que se pode ver no Papa a expressão da unidade e verdade ecle-
Cf. SANTO IGNACIO DE
ANTIOQUÍA. Epístola a los Romanos, III, 1;
IV, 3; IX, 1. In: D. RUIZ
BUENO. Padres Apostólicos. Madrid: BAC, 1950,
p.476-477.480.
6
Cf. SANTO IRINEU DE
LYON, op. cit., III, 3, 2-3.
7
Eusébio de Cesareia faz
a descrição dessa polêmica. Cf. EUSÉBIO DE
CESAREIA. História da
Igreja, l.5, 23-25. In: Eusebius — The Church His-
tory. A new translation
with commentary by Paul
L. Mayer. Grand Rapids (MI): Kregel, 1999,
p.197-200.
8
TERTULIANO. De pudicitia, 21. In: QUASTEN, J.,
op. cit., p.631.
9
Idem, ibidem.
10
Cf. SESBOÜE, B. –
THEOBALD, C. Historia
de los dogmas. La Palabra
de la Salvación. Salamanca: Secretariado Trinitario, 1997, v.IV, p.59.
siais. Mas a sujeição à autoridade suprema de um homem,
não representa uma humilhação para todos os fiéis?
A esta pergunta dá luminosa resposta um líder católico de
projeção internacional, que teve dois de seus numerosos livros elogiados pela Santa Sé: o
brasileiro Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995).22 O amor por
sua condição de súdito do Papa,
enquanto católico, era um dos
principais traços de sua personalidade, e não perdia oportunidade de manifestá-lo. Porque
tal submissão ao Romano Pontífice, longe de ser humilhante,
é motivo de elevação e alegria
para todo o gênero humano.
Afirmou em certa ocasião o
insigne pensador que, assim como todos os relógios da terra
precisam se regular pela hora solar,
assim também os católicos devem se
orientar por um outro “sol”: a infalibilidade pontifícia, na qual podem
depositar toda sua confiança.
De fato, atingida pelo pecado original, a razão humana está sujeita a
toda espécie de incertezas e erros,
dos quais nascem o caos e a discórdia. Por isso — concluía Plinio Corrêa de Oliveira —, o Papa, infalível
em virtude da assistência do Espíri11
12
13
Também denominada Tomus ad Flavianum, na
qual expõe com inspirada
clareza a doutrina católica sobre as duas naturezas, divina e humana, de
Cristo (cf. TREVIJANO,
R. Patrología. Madrid:
BAC, 2004, p.314).
Cf. CONCILIUM CHALCEDONENSE, Actio
II(III), n.23.
Cf. DE VRIES, W. Orient
et Occident. Paris: Les
editions du Cerf, 1974.
14
O Professor Plinio Corrêa de Oliveira,
na década de 1980
O Papa é o ponto de
referência indispensável
para guiar em função
da fé a razão humana,
sujeita a toda espécie
de incertezas e erros
Cf. Dz 3064.
21
15
“A Sé Primeira não pode
ser julgada por ninguém”
(CDC, c.1404).
16
Cf. Dz 3059.
17
Cf. Dz 3062; CONCÍLIO
VATICANO II. Lumen
gentium, n.22.
18
Cf. Dz 3063.
19
Cf. Dz 3073-3075.
20
CONCÍLIO VATICANO
II. Lumen gentium, n.25.
to Santo e com poder de jurisdição in universo orbe, é o
ponto de referência indispensável para guiar a razão humana em função
da Fé.
Assim, a infalibilidade pontifícia e o
primado de jurisdição do Pontífice, necessariamente unidos, devem ser,
para todo católico, alvo de um
amor preferencial.
Como diz Dr. Plinio, “na
gloriosa corrente constituída
pela Santíssima Trindade, Nossa Senhora e o Papado, este último vem a ser o elo menos vigoroso: porque mais terreno,
mais humano e, em certo sentido, estando envolto por aspectos que o podem menoscabar. Costuma-se dizer que o valor de uma corrente se mede exatamente pelo seu elo mais frágil.
Assim, o modo mais excelente de
amarmos essa extraordinária cadeia é oscular o seu elo menos vigoroso: o Papado. É devotar à Cátedra de Pedro, em relação à qual esmorecem tantas fidelidades, a nossa fidelidade inteira!”.23
A essa mesma atitude de espírito, todos somos convidados pela
graça. ²
Cf. BENTO XVI – SEEWALD, Peter. Licht der
Welt. Der Papst, die Kirche
und die Zeichen der Zeit.
Freiburg-Basel-Wien:
Herder, 2010, p.166.
22
As ideias do Prof. Corrêa
de Oliveira aqui expostas
foram extraídas de palestras e conferências inéditas, pronunciadas nas décadas de 80 e 90.
23
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. “Non prævalebunt”. In: Dr. Plinio. São
Paulo. N.47 (Fev., 2002);
p.2.
24
Cf. J. DRESKEN-WEILAND. Cattedra. In: BERARDINO A. Di (ed.).
Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane.
Genova-Milano: Marietti,
2008, p.965-969; SAXER,
V. – HEID, S. Martirologio. In: BERNARDINO,
op cit., p.3098-3101.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      25
Há dez anos...
Em fevereiro de 2001, o Venerável João Paulo II erigia
canonicamente os Arautos do Evangelho como Associação
Internacional Privada de Fiéis de Direito Pontifício. Era o ponto de
partida para uma década pródiga em atividades missionárias.
R
oma, fevereiro de 2001.
Mais de mil arautos se
reuniram na Cidade
Eterna para participar
da anelada aprovação como Associação de Direito Pontifício.
Os pontos culminantes daqueles históricos dias foram a singela
cerimônia de entrega do documento de ereção, feita na sede do Pontifício Conselho para os Leigos, no
próprio dia 22; a Celebração Eucarística presidida pelo Cardeal Jor-
ge María Mejía na Basílica de São
Pedro, no dia 27; e o cumprimento
concedido pelo Papa João Paulo II a
Mons. João Scognamiglio Clá Dias,
EP, na Audiência Geral do dia 28.
26      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
“O braço do Papa”
Na mensagem dirigida aos Arautos nessa ocasião, o Papa urgiu-lhes
a serem “mensageiros do Evangelho
pela intercessão do Coração Imaculado de Maria”. E o Cardeal Mejía, na
homilia da Missa solene no Altar da
Cátedra, lembrando que a ereção canônica dava à associação “uma relação especial” com a Santa Sé, asseverou: “O que os senhores quiseram fazer, o que está expresso nos estatutos dos senhores e nas tradições dos
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      27
Timothy Ring
L’Osservatore Romano
fico Aristotélico-Tomista e o
senhores, isso recebe agora, a
Instituto Filosófico-Teológico
partir daqui, uma bênção esSanta Escolástica.
pecial. Isso é incluído no grande número de instituições de
O mais recente desafio
religiosos, de religiosas, mas
também de associações leigas
Mas é preciso pensar
Mons. João cumprimenta João Paulo II em 2001
que o Papa, por seus órgãos
também no presente. Os dez
especiais, neste caso o Conseanos transcorridos são apesos sacerdotes e irmãs, dedicados inlho para os Leigos, aprova e envia”.
nas um marco para uma Associação
teiramente ao serviço do próximo.
Assim, os Arautos do Evangeque transborda de atividades e olha
Seria longo enumerar sequer
lho passavam a ser, em palavras do
o futuro com esperança.
as atividades desenvolvidas nestes
Cardeal, “o braço do Papa”, e sua
Além do encargo da igreja de
dez anos, muitas das quais têm simissão evangelizadora transformaSan Benedetto in Piscinula, em Rodo sintéticamente resumidas nesta
va-se em um mandato pontifício.
ma, e da Paróquia Nossa Senhora
seção, ao longo dos 110 números da
das Graças, na Grande São Paulo,
Dez anos de atividades
nossa Revista.
receberam recentemente os Arautos
Mencionemos apenas as Missões
do Evangelho um novo desafio pasDesde aquele abençoado momenMarianas, o Apostolado do Oratório
toral-missionário: a administração
to, as atividades dos Arautos tomaMaria Rainha dos Corações, o Fundo Vicariato Apostólico de São Miram um renovado vigor.
do Misericórdia, ou o projeto Futuro
guel de Sucumbíos, no Equador, um
Multiplicaram-se as vocações pae Vida, destinado a atrair as novas
extenso território de 18.000 km² sira esta Associação Privada de Figerações para o seio da Igreja.
tuado na Amazônia equatoriana.
éis de Direito Pontifício, em cujo seio
Sob o ponto de vista acadêmico,
Às atividades ali desenvolvidas
desabrocharam também duas Sociecabe mencionar a fundação, em São
dedicaremos as próximas páginas.
dades de Vida Apostólica: uma cleriPaulo, de três instituições de ensical, outra feminina. Ao labor missiono superior: o Instituto Teológico São
nário próprio dos leigos, somava-se,
Tomás de Aquino, o Instituto Filosóassim, o dos cada vez mais numero-
No coração da Ama
N
o Vicariato Apostólico de Sucumbíos — região amazônica do Equador —, a cargo dos
Arautos do Evangelho desde 30 de outubro
pp., o labor pastoral tem sido intenso, apesar das dificuldades inerentes às precárias condições locais.
Os sacerdotes arautos procuram celebrar a Missa
com a possível assiduidade até nas capelas mais distantes, assistindo os fiéis com todos os sacramentos.
E a acolhida da população tem superado as expectativas: “A cidade inteira está com vocês! Continuem
avançando e fazendo o bem”, disse um senhor. E outro completou: “Estamos com o Papa, estamos com
vocês!”. Uma comerciante comentou ao ver um arauto entrando em seu estabelecimento: “Que honra para mim, vocês aqui. Dou graças a Deus por
terem chegado à cidade. Agora estou
tranquila porque sei que meus netos vão receber uma boa formação
e os sacramentos com vocês”. E
uma jovem concluiu: “Tudo o
que vocês fazem tem algo de
especial: vocês estão mais próximos de Deus”.
A propósito do apostolado
dos Arautos, afirmou um pai
de família: “Muito lindo o trabalho com as crianças. O coro,
os coroinhas, tudo maravilhoso!”. Ao que acrescentou uma senhora: “Não é preciso observar muito para
perceber o bem que vocês fazem”.
No mês de dezembro, foram visitadas por barco, ao
longo do rio San Miguel, várias comunidades indígenas que receberam os missionários com entusiasmo.
“Obrigado pelo trabalho que estão fazendo! É disso que estávamos precisando: espiritualidade!”, dizia
uma senhora numa dessas aldeias.
Em cada comunidade, são celebradas Missas, atendem-se confissões, ministram-se outros sacramentos e
se catequizam as crianças, tudo em um clima de muita
receptividade e gratidão por parte daquela sofrida população indígena. “Muito obrigado por terem vindo!
Vocês serão sempre bem-vindos aqui, e, por
favor, voltem mais vezes!”, foi a emocionada despedida numa das comunidades Kichwa.
Naquele sufocante calor e nas
condições mais inóspitas, são
essas manifestações, oriundas
do fundo daqueles corações,
autêntica consolação para todos os arautos que se dedicam
na região à árdua tarefa de difundir a Boa Nova, a devoção à
Santa Igreja, a Maria e ao Papa.
Atividades do Administrador Apostólico – Mons. Rafael Ibarguren, EP, tem procurado participar de todos os
eventos do Vicariato. Nas fotos: com os alunos do Colégio Técnico Pacífico, presidindo a procissão em honra de
Santa Bárbara e com o Vice-Presidente da República, Lic. Lenín Moreno, durante a inauguração da escola Yanbal,
para crianças especiais, em Shushufindi.
28      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
zônia equatoriana
Confissões em Lago Agrio
Comunidade Virgen del Rosario
Comunidade intercultural bilíngue
Kassent i Domingo
Bênção dos táxis em Lago Agrio
Bênção das crianças em Puerto Aguarico
Comunidade Virgen del Carmen
Batizado na catedral
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      29
Festas de Natal
no Vicariato
N
Lago Agrio – O Administrador Apostólico, Mons.
Rafael Ibarguren, EP, apresenta o Menino Jesus aos
fiéis, no fim da Missa do Galo na Catedral.
a Catedral de Lago Agrio, ainda em construção, mais de mil fiéis participaram da
solene Missa do Galo, presidida pelo Administrador Apostólico.
Nas comunidades houve Missas, novenas, presépios vivos e entrega de presentes para as crianças. Dezesseis meninos e meninas foram batizados
na comunidade da Divina Providência, em Puerto El Carmen, durante a Missa de Natal. Ali houve também uma jornada de cânticos e entrega de
presentes.
Lago Agrio – No dia 23 de dezembro o Pe. Marlon Jiménez, EP, presidiu a Celebração Eucarística e abençoou
as dependências do Centro de Educación Inicial de Lago Agrio (CEILA). A Missa foi animada
pelos alunos e professores. No final, todos foram venerar o Menino Jesus.
Puerto El Carmen – Um arauto do Evangelho conta
histórias natalinas para as crianças dessa comunidade,
situada na fronteira com a Colômbia.
30      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Palma Roja – Antes de fazer a entrega dos
presentes, Pe. Ryan Murphy, EP,
reza junto com os jovens.
Percorrendo o
Putumayo
A
companhando os responsáveis pelo monitoramento das instalações educacionais das comunidades Kichwa situadas ao longo do rio Putumayo,
o Pe. Ryan Murphy, EP e o arauto Roberto Vega embarcaram numa canoa para um percurso fluvial de
cinco dias. A viagem iniciou-se em Puerto El Carmen
e prosseguiu pelas diversas aldeias ribeirinhas até o
povoado de Tres Fronteras.
Além de colaborar com os instrutores no trabalho pedagógico, Pe. Ryan celebrou a Eucaristia em
diversas comunidades. Os arautos deram também
aulas de catequese, além de distribuir medalhas e
outros objetos religiosos.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      31
Natal: Evangelizando
através do Belo!
O
tempo do Natal foi vivido intensamente pelos Arautos do Evangelho e por todos os fiéis
que puderam participar ativamente nas Eucaristias solenes e nas Homenagens Musicais ao Divino
Menino Jesus, realizadas pelo coro e orquestra juvenil dos Arautos, durante vinte dias, numa tournée de
Norte a Sul de Portugal.
Viseu, Guimarães, Porto, Braga, Lisboa, Cascais,
Mafra, Montijo, Alverca, São Paio de Oleiros, Sever do
Vouga, Valbom e Évora foram alguns dos locais onde a
oração, a música e teatro se conciliaram harmoniosamente num ciclo de apresentações natalícias, promovidas no âmbito da Evangelização pela Arte e pelo Belo.
As cerimónias tinham início com a celebração da
Eucaristia, habitualmente presidida pelo Revmo. Pe.
Luiz Henrique Oliveira Alves EP, superior dos Arautos
do Evangelho em Portugal. Centenas de fiéis participaram em cada uma delas.
Nos concertos que se seguiam após a Santa Missa,
eram executadas músicas de Natal de diferentes países,
intercaladas por encenações catequéticas, alusivas à História da Salvação. A solene entrada dos Reis Magos e
dos Pastores — que executavam solos, retirados da Oratória de Natal de Heinrich Schütz, antes de se colocarem
aos pés da Sagrada Família, no Presépio — constituía um
dos momentos altos dessas meditações de Natal.
Entusiasticamente acompanhadas pelos fiéis, as cerimónias findavam com o tradicional ósculo ao Menino
Jesus, ao som do Stille Nacht — Noite Feliz —, cantado
por todos os presentes.
Igreja da Trindade, Porto
Igreja de São Francisco, Guimarães
32      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Base Aérea, Alverca
Basílica do Convento de Mafra
Igreja do Pópulo, Braga
Santuário do Sameiro, Braga
Basílica dos Mártires, Lisboa
Igreja Nossa Senhora de Fátima, Évora
Igreja Matriz, Sever do Vouga
Visita ao Presépio Artístico dos Arautos, Lisboa
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      33
Estados Unidos – Mais de cem pessoas, preparadas pelos arautos, fizeram sua consagração a Maria pelo método
de São Luís Maria Grignion de Montfort. O evento foi presidido por Dom Felipe de Jesús Estévez, Bispo
Auxiliar de Miami. Houve também entrega de oratórios e recepção de dois novos cooperadores (ao centro).
Peru – Em cerimônia presidida pelo Bispo Castrense, Dom Salvador Piñeiro, o Comandante Geral da Força Aérea,
General-do-Ar Carlos Eduardo Samamé Quiñones, em presença do seu Estado Maior e dos membros da Escola
de Oficiais, renovou a consagração da Arma a Nossa Senhora na base aérea de Las Palmas.
República Dominicana – A pedido de mais de cem jovens alunos
do grupo Paz e Bem, arautos ministraram a aula de encerramento do
curso realizado em 2010, no colégio Serafín de Asís.
34      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Chile – A Imagem Peregrina do Imaculado
Coração de Maria levou consolo aos doentes
do Hospital da Universidade Católica,
em Santiago.
Natal das Crianças
na Cantareira
N
o dia 23 de dezembro, uma animada tarde de jogos foi a festa para 510 crianças das comunidades da Paróquia Nossa Senhora das
Graças, confiada pelo Bispo de Bragança Paulista, SP, aos Arautos do
Evangelho.
Após horas de brincadeiras, primorosamente organizadas pelo setor feminino, apareceu São Nicolau numa carruagem trazendo presentes aos pequenos. Alguns, mais afortunados, foram chamados ao
palco para recebê-lo das mãos do próprio santo.
Brasil – O Coro e Orquestra Internacional dos Arautos do Evangelho ofereceu um concerto natalino
na Catedral de São Paulo, antes da Missa do Galo. No fim da apresentação o Arcebispo, Cardeal Odilo Pedro
Scherer dirigiu umas palavras de agradecimento (foto à esquerda).
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      35
Testemunha
da vitalidade
da Igreja
Gonzalo Raymundo
Entrevista com Mons. Vittorio Formenti
Por trás do árduo labor de coleta e
armazenamento de dados, o trabalho no
Escritório Central de Estatísticas da Igreja
revela uma feição extraordinária do Corpo
Místico de Cristo: sua universalidade,
riqueza cultural e complexa organização.
Pe. José Francisco Hernández Medina, EP
Monsenhor, como foi que
um sacerdote de Brescia
começou a trabalhar na
Secretaria de Estado?
Quando jovem, meu ideal de sacerdote considerava só a vida pastoral, à
qual me dediquei com muita satisfação nos primeiros doze anos, como vigário paroquial e diretor de um animado oratório na periferia de minha
cidade e diocese, Brescia: catequese,
grupos de jovens, esportes, acampamentos, atividades sem fim. Mas um
encontro casual, em 1980, com o então Assessor da Secretaria de Estado,
Dom Giovanni Battista Re, hoje Cardeal, determinou a minha convocação
para o serviço direto da Santa Sé.
O autor da entrevista e Mons. Formenti conversam diante da
Basílica Papal de Santa Maria Maior
Por dezesseis anos dirigi a seção
onde chega e é classificada toda a
correspondência recebida do mundo inteiro pelo Santo Padre. Trata-se geralmente de dois ou três sacos
diários de cartas e pequenos dons
que podem ser enviados pelo correio. Foi comovente observar o carinho crescente e a devoção que uma
infinidade de pessoas, crentes ou
não, tributavam ao Servo de Deus
João Paulo II. Nossa tarefa era assegurar uma resposta adequada a
essas cartas, às vezes acompanhada
pela oferta de um terço abençoado
pelo Papa, sobretudo para as pessoas afetadas por um grande sofrimento ou aflição.
36      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Poderia contar algum episódio
que o tenha marcado de modo
especial, nessa função?
Uma recordação entre muitas.
Certa senhora idosa expressou ao
Santo Padre o desejo de convidá-lo à sua modesta casa para um chá
da tarde. Mas, bem consciente de
ser um sonho irrealizável, enviou
uma encomenda postal contendo
uma caçarola, um saquinho de chá,
um pacote de biscoitos e uma toalha bordada por ela. Tudo endereçado às religiosas que prestam serviço no apartamento papal, para
que assim se realizasse pelo menos
em parte o seu desejo, como de fato aconteceu.
Contudo, as cartas mais tocantes
e espontâneas eram as das crianças.
Lembro-me da de um menino que
vivia numa fazenda isolada no campo e tinha como único companheiro de divertimentos o seu burrico, e
este morreu de uma doença súbita.
Em termos aflitos, pedia ele ao Santo Padre o milagre de restituir a vida
ao seu “amiguinho”.
Uma emergência nesse trabalho
aconteceu por ocasião do trágico
atentado contra João Paulo II, em
1981. Durante alguns meses, multiplicaram-se os sacos de correspondência: a todos, em todo o mundo
e em todas as línguas dos destinatários, mesmo as menos conhecidas,
foi enviada uma resposta de agradecimento em nome do Santo Padre.
Vossa Reverendíssima é o atual
responsável pelo Escritório
Central de Estatísticas da
Igreja. Como começou a
desempenhar esse trabalho?
Depois de dezesseis anos lendo
cartas e redigindo minutas para respostas, recebi de meus superiores
esse encargo, sempre dentro da Secretaria de Estado. Julgava tratar-se de um trabalho árido, de recolhimento e armazenamento de números e dados estatísticos. Ao invés, essa tarefa revelou-me uma feição ex-
traordinária da Igreja que eu não
conhecia: a sua verdadeira universalidade, a complexa organização das
circunscrições eclesiásticas no mundo, a riqueza das instituições culturais, educacionais e de solidariedade, o experiente organismo da Cúria Romana.
Guardam-se desde sempre nos
arquivos do Vaticano os relatos
dos missionários, com as estatísticas dos convertidos que, ao longo dos séculos, foram ampliando
as fronteiras numéricas e geográficas da Igreja. Mas deve-se à clarividência do Papa Paulo VI a criação
e organização, em bases científicas,
da coleta dos dados que proporcionam e atualizam anualmente a “radiografia” da Igreja no mundo, em
todos os seus componentes de números e de pessoas.
Como se desenvolve a coleta
dos dados que constam no
Anuário Pontifício e no
Anuário Estatístico da Igreja?
O método, muito resumidamente, é simples: o envio de nove mil
questionários impressos (mas já está em vigor o método de coleta por
e-mail) através dos quais todas as
dioceses reúnem e enviam os dados
fornecidos pelas paróquias: número
de católicos, batizados, crismas, ca-
samentos, etc. Acrescentam-se a isto
os dados de todas as congregações
religiosas do mundo.
Poderia fornecer alguns
dados mais significativos,
extraídos dessas estatísticas?
Delas emerge, por exemplo, o dado negativo de um declínio substancial e persistente do número de religiosas de vida ativa, enquanto se
mantém substancialmente o número
das de vida contemplativa.
Em sentido contrário, um dado positivo é que desde o ano 2000
se caminha contra a corrente no tocante às vocações sacerdotais. Após
uma crise de várias décadas, está em
sensível ascensão o saldo entre o número de novos presbíteros ordenados, diocesanos e religiosos, e o dos
que morreram ou abandonaram o
exercício do sacerdócio. Em oito
anos voltamos a crescer, com cerca de 4 mil unidades (de 405.178 para 409.166), com uma surpresa: em
2008 voltaram à ativa cerca de 400
sacerdotes que, por vários motivos,
haviam sido suspensos a divinis.
Também o número de seminaristas aumentou significativamente
nos últimos anos, embora não nas
nações de longa tradição cristã, como as europeias e norte-americanas. Neste momento, o continen-
Algumas páginas do Anuário Estatístico da Igreja publicado em 2010,
no qual são refletidos os dados do ano de 2008
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      37
L’Osservatore Romano
te mais promissor no tocante ao número de candidatos ao sacerdócio é
a Ásia, onde, paradoxalmente, é mais acentuada a perseguição contra
os cristãos. Apesar da reduzidíssima porcentagem
de católicos, há seminários florescentes na Índia,
Vietnã, Coreia, até mesmo em Mianmar e, claro,
nas Filipinas, único país asiático de maioria católica. Também a África
e a América Latina continuam a ser um bom reservatório de vocações,
Após a impressão, o Anuário Pontifício é
ainda que de modo desiapresentado antes de tudo ao Santo Padre,
gual. Uma curiosidade:
sendo-lhe oferecidos alguns exemplares com
a diocese do mundo que
encadernação especial, em couro branco
possui o maior número
de vocações é a de Guadalajara, no lume (cerca de 25 mil) na sua digMéxico, com 654 seminaristas de fi- nidade de Protonotário Apostólico
como Cônego honorário da Basílilosofia e teologia (dados de 2008).
É bom deixar registrado: no Anu- ca Papal Liberiana de Santa Maria
ário 2010 foi incluída pela primeira Maior, em Roma.
E é belo constatar como a vitalivez a Sociedade Clerical Virgo Flos
Carmeli, com os seguintes dados: dade da Igreja se enriquece constan18 casas, 319 membros, dos quais temente com novos e fecundos re77 sacerdotes, que têm como finali- bentos da vida religiosa, em compadade “a evangelização e a santifica- ração com outros que, por diversas
ção do mundo através da assistên- razões, estão em declínio.
Hoje os batizados na Igreja Cacia espiritual e sacramental ao povo
de Deus e fazendo resplandecer to- tólica constituem um percentual de
dos os atos da vida cotidiana”. Na- 17,4% da população mundial. Com
turalmente, entrou também no Anu- os irmãos ortodoxos, evangélicos
ário o nome do Superior Geral dos e anglicanos, excluindo as seitas, o
Arautos do Evangelho, Mons. João percentual dos que creem em CrisScognamiglio Clá Dias, citado inclu- to é quase de 33%. O Cristianissive no longo índice de nomes do vo- mo continua a ser, de longe, a reli-
M
ons. Vittorio Formenti, nascido em Castrezzato (Brescia), Itália, em 29 de dezembro de 1944, foi ordenado sacerdote em
agosto de 1968. É Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense, professor universitário, jornalista, escritor e poeta. Entre seus
numerosos títulos honoríficos destacam-se os de
Commendatore al merito della Repubblica Ita-
38      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
gião com mais seguidores no
mundo, em lento, mas constante e ininterrupto crescimento.
Poderia explicar o
que são o Anuário
Pontifício e o Anuário
Estatístico da Igreja?
Todos os dados estatísticos
relativos à estrutura organizativa eclesial, incluindo comparações com anos anteriores, podem ser lidos no Annuarium Statisticum Ecclesiæ,
uma publicação com textos
explicativos em latim, francês
e inglês.
Mas o livro mais conhecido em todo o mundo é o
Anuário Pontifício, “o grande livrinho vermelho”, como o definiu o diário francês La
Croix. Em 2.550 páginas (e crescendo a cada ano!), fornece os dados estatísticos essenciais relativos
às Dioceses, às Famílias religiosas,
mas sobretudo o elenco de nomes
e cargos de todos quantos têm na
Igreja responsabilidade de governo e de serviço, com um documentado complemento de notas históricas. Após a impressão, o volume é
apresentado antes de tudo ao Santo
Padre — em alguns exemplares, os
únicos em couro branco — e logo
depois presenteado a todos os Chefes de Estado, Primeiros Ministros
e Embaixadores das 178 nações que
mantêm relações diplomáticas com
a Santa Sé. ²
liana e Prelado de Honra de Sua Santidade. Em
1980 começa a trabalhar como Oficial na Secretaria de Estado do Vaticano. Desde 1996, é responsável pelo Escritório Central de Estatísticas,
tendo a seu cargo a edição do Anuário Pontifício
e do Anuário Estatístico da Igreja. É também coadjutor do Capítulo Liberiano da Basílica Papal
de Santa Maria Maior.
Foi publicado recentemente o
primeiro volume da Vida cotidiana
e santidade nos ensinamentos de São
Josemaría, de autoria dos sacerdotes
Ernst Burkhart e Javier López Díaz,
ambos da Prelazia do Opus Dei e
professores de Teologia Espiritual
na Pontifícia Universidade da Santa Cruz.
Neste primeiro volume os autores apresentam teologicamente, de
modo sistemático, o conjunto da
mensagem de São Josemaría sobre
a santificação do trabalho profissional e da vida cotidiana. Os tomos seguintes — que estão em fase de preparação e devem ser lançados ainda
neste ano —, serão dedicados a expor “a identificação do cristão com
Cristo” e “o caminho de santificação
nesta Terra”.
Museu missionário da
“Propaganda Fide”
Numa entrevista coletiva realizada na sede da Congregação para a Evangelização dos Povos, foi
apresentado aos profissionais da
mídia o “Museu Missionário da
Propaganda Fide”.
Ocupando quase 1.250 m² no
prédio do dicastério, em Roma, ele
“foi concebido e desenvolvido, sobretudo, em função de um valor
propriamente pastoral”, explicou o
Pe. Massimo Cenci, subsecretário da
Congregação.
www.legionariesofchrist.org
Lançada obra em três
volumes sobre o pensamento
de São Josemaría
Por sua vez, o coordenador do Comitê Científico do Museu, Francisco
Paleari, destacou o grande patrimônio de informações, documentos e
obras de arte recolhidos ao longo dos
quatro séculos de existência do dicastério, e assinalou que, na sala multimídia, pode ser consultada uma seleção de 10 mil imagens do arquivo
fotográfico da agência Fides, tiradas
durante viagens em terras de missão,
desde o início do séc. XX.
Ryłko, assinou em 27 de dezembro o
decreto de aprovação ad experimentum dos estatutos da Comunidade
Novos Horizontes, informa a Rádio
Vaticano.
Fundada na Itália em 1993 por
Chiara Amirante, a nova Associação
de Fiéis de Direito Pontifício atua
em favor de jovens em dificuldades,
de modo especial na recuperação de
toxicodependentes.
“Recebemos a notícia com grande emoção e alegria”, declarou
Chiara Amirante à Rádio Vaticano. “Trata-se de um novo e importante selo da Igreja, que nos assegura ser esse carisma um dom do Espírito Santo”, acrescentou.
Aparições de Nossa Senhora
nos Estados Unidos são
declaradas “dignas de fé”
Legião de Cristo tem 61
novos sacerdotes
Cerca de três mil fiéis participaram da cerimônia realizada em
24 de dezembro na Basílica de São
Paulo Extramuros, em Roma, durante a qual o Cardeal Velasio De
Paolis conferiu a ordenação presbiteral a 61 diáconos da Legião de
Cristo.
Em sua homilia, o Cardeal lembrou que o sacerdote “não pode
apresentar-se a si mesmo, mas sim
a doutrina e o amor de Cristo”. Em
consequência, afirmou, precisa ter
como principal preocupação anunciar nosso Salvador.
Dom Velasio De Paolis dirige a
Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé e é Delegado Pontifício para a Congregação dos Legionários de Cristo.
Comunidade Novos Horizontes
recebe aprovação pontifícia
O Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, Cardeal Stanisław
Dom David Ricken, Bispo de
Green Bay, Estados Unidos, deu
em 8 de dezembro aprovação oficial
às aparições de Nossa Senhora do
Bom Socorro na cidade de Champion. “Declaro com certeza moral
e em conformidade com as normas
da Igreja”, que essas aparições apresentam substância de caráter sobrenatural e, portanto, são “dignas de
fé para o povo cristão, embora não
obrigatoriamente” — afirmou o Bispo, no decreto de aprovação.
Em outubro de 1859, a Virgem
Maria apareceu três vezes a Adele Brise, jovem imigrante de origem belga, que A descreveu como
uma Senhora trajada de deslumbrante vestido branco, com uma
faixa amarela na cintura e uma coroa de estrelas na cabeça. Nossa
Senhora incentivou-a a rezar pela
conversão dos pecadores e deu-lhe
uma missão: ensinar o Catecismo
às crianças.
No mesmo decreto, Dom David
Ricken elevou a igreja de Nossa Senhora do Bom Socorro à categoria
de Santuário diocesano.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      39
Aberto processo de beatificação
de casal com 21 filhos
A Diocese de Roma abriu o processo de beatificação de Settimio
Manelli e sua esposa Licia Gualandris, apresentando-os como modelo de pais católicos e de matrimônio
abençoado por Deus. O casal teve
21 filhos, entre os quais o fundador
dos Frades Franciscanos da Imaculada, Pe. Stefano Maria Manelli e
conta hoje com mais de 200 descendentes diretos.
Settimio nasceu em 25 de abril de
1886, laureou-se em Letras e Filosofia, e combateu na Primeira Guerra Mundial, sendo reformado como
capitão. Faleceu em 26 de abril de
1978. Licia nasceu em 13 de julho de
1907 e faleceu em 18 de janeiro de
2004. Contraíram matrimônio em
1926, quando ele tinha 38 anos e ela
apenas 17.
Estando em dúvida sobre a conveniência do casamento, consultaram o São Pio de Pietrelcina, conselheiro espiritual de ambos, o qual
abençoou a união e lhes profetizou
que teriam “mais de 20 filhos”.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a carência de alimentos tornou
muito dura a vida daquela família
tão numerosa. Mas “papai e mamãe
sempre nos convidavam a confiar na
Providência, a esperar sua vinda como se fosse uma pessoa”, declarou
ao jornal La Reppublica seu filho
Stefano.
Papa fará quatro viagens
internacionais neste ano
Com os últimos acertos sobre as
datas da viagem de Bento XVI à
Alemanha, ficou completo o calendário das viagens apostólicas do Papa para o ano 2011, informou a Rádio Vaticano (14/12/2010). Ao todo,
estão previstas quatro viagens internacionais e quatro visitas a dioceses
italianas.
Nos dias 4 e 5 de junho, o Papa
estará na Croácia, onde deverá re-
zar ante o túmulo do Beato Stepinac. Em 19 de junho, visitará San
Marino, pequeno país situado nas
Montanhas Apeninas. De 18 a 21
de agosto, Sua Santidade viajará
novamente à Espanha, para a Jornada Mundial da Juventude. E de
22 a 25 de setembro, estará nas cidades alemãs de Berlim, Friburgo e
Erfurt.
Responsáveis das Cáritas
europeias fazem retiro espiritual
Eis-me aqui, Senhor! (Is 6, 8) foi
o tema do retiro espiritual para os
responsáveis das Cáritas diocesanas
e outras agências eclesiais do continente europeu, realizado de 29 de
novembro a 3 de dezembro, no Santuário Mariano de Jasna Gora, Polônia.
Participaram do evento, promovido pelo Pontifício Conselho Cor
Unum, 320 responsáveis das organizações caritativas católicas europeias, além de cinco Cardeais e
50 Bispos, entre os quais o Cardeal Robert Sarah, Presidente do Cor
Unum.
Em mensagem aos participantes,
o Papa Bento XVI ressaltou que o
fator que diferencia as obras de caridade cristãs é o espírito com que
oferecem seu serviço aos mais necessitados: com o coração e os sentimentos de Jesus.
Religiosa portuguesa mais
perto da beatificação
“Penso que dentro de um ou
dois anos teremos uma nova beata, a celebrar em Portugal” — disse à Agência Ecclesia a Irmã Maria Lucília, vice-postuladora da
causa de canonização da Madre
Maria Clara do Menino Jesus,
fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da
Imaculada Conceição.
Bento XVI autorizou, no dia 6
de Dezembro de 2008, a publicação
do decreto que reconhece as “virtu-
40      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
des heróicas” da Irmã Maria Clara do Menino Jesus, a religiosa é assim proclamada “venerável”, ficando
mais perto da beatificação.
Atualmente, o milagre a­ tribuído
à fundadora da Congregação das
Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição está a
ser estudado pelas devidas instâncias. “Ocorreu em Baiona (Espanha), numa devota da mãe Clara
que, em 1998, foi ao túmulo e pediu a cura de um pioderma gangrenoso (doença cutânea ulcerativa)”
— sublinhou a vice-postuladora. A
cura realizou-se a 12 de novembro
de 2003. No entanto, “essa senhora
levou 34 anos com o braço preso ao
peito e com intervenções cirúrgicas
amiudadas” — referiu a Irmã Maria Lucília.
No passado mês de fevereiro, a
vice-postuladora esteve em Roma e
soube que “já estava feito o sumário
do processo do milagre”.
Nascida em 15 de junho de 1843
na cidade de Amadora, funda a primeira comunidade, em S. Patrício Lisboa, no dia 3 de maio de 1871 e,
cinco anos depois, a 27 de março de
1876, a Congregação é aprovada pela Santa Sé.
Ao longo da sua vida abre grande
número de casas para recolher pobres e necessitados, em Portugal, e
envia Irmãs para as Missões: Angola,
Goa e Guiné-Bissau.
Morreu em Lisboa, no dia 1 de dezembro de 1899.
Igreja em Portugal
preocupada com ensino
O Conselho Permanente da
Conferência Episcopal Portuguesa
(CEP) refletiu em Fátima sobre as
últimas decisões governativas no
campo do Ensino Particular e Cooperativo em Portugal.
Segundo informa a Sala de Imprensa do Santuário de Fátima,
em declarações à imprensa após o
encerramento dos trabalhos, o Pa-
Novo Prefeito da
Congregação para
os Religiosos
O
Santo Padre nomeou Prefeito da Congregação para
os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica o brasileiro Dom João Braz de Aviz, até
então Arcebispo de Brasília.
“Sei que não se trata de uma dignidade, mas apenas
de um serviço mais próximo do Papa na Igreja”, declarou
ele no mesmo dia à Assessoria de Imprensa da CNBB
(Conferência Episcopal Brasileira).
Doutor em Teologia Dogmática e professor universitário, o novo Prefeito da Congregação dos Religiosos
tem uma longa lista de serviços prestados à Igreja no
Brasil.
Ordenado em 1972, foi pároco em diversas paróquias. Exerceu o encargo de diretor espiritual em
três seminários maiores: de Apucarana, de Londrina e do Ipiranga, na capital paulista. Foi membro do
Conselho de Presbíteros, do Colégio de Consultores
e, por fim, Coordenador geral de Pastoral da Diocese de Apucarana.
O Papa João Paulo II o nomeou Bispo Auxiliar de
Vitória, em 1994, e o elevou à dignidade arquiepiscopal quatro anos depois, confiando-lhe a Arquidiocese de
Maringá; ali permaneceu até 27 de março de 2004, quando foi designado Arcebispo de Brasília.
dre Manuel Morujão, porta-voz da
CEP, sublinhou a “grande preocupação” dos bispos portugueses relativamente a esta matéria.
De acordo com esse responsável, as novas regras de financiamento cortam 10% às verbas do
Ensino Público e 30% às verbas do
Ensino Particular e Cooperativo.
“Mas é bom clarificar que quando falamos de Ensino Particular e
Cooperativo não falamos de um
gueto, para umas tantas pessoas
abastadas e que podem financiar
esse ensino.” Dom João Braz de Aviz, com o Vice-Presidente
do Brasil, Michel Temer e o Presidente do
Senado, José Sarney
“Alegrias e dificuldades” marcaram os sete anos de
Dom João à frente da Arquidiocese da Capital Federal.
“Temos aqui uma realidade bonita, mas complexa. Foi
uma grande missão” — declarou na entrevista à Assessoria de Imprensa da CNBB.
Dom João Braz de Aviz encara com serenidade a situação das instituições religiosas, agora sob sua jurisdição.
“Existem certamente sinais de dificuldades, tais como a
diminuição das vocações”, declarou ao jornal americano National Catholic Reporter. Mas vê também muitos sinais de esperança. “Cada carisma concedido à Igreja é
uma semente da Palavra, dado num momento particular.
Com vistas a ajudá-los a perseverar e crescer; precisamos
acompanhá-los, não com autoritarismo, mas com misericórdia e fidelidade”, acrescentou.
O novo Prefeito recordou também que as instituições
eclesiásticas necessitam da orientação do Papa, e devem
recebê-la “não como uma imposição da autoridade, mas
como uma certa luz que nos ajuda a perceber o que Deus
nos está pedindo”.
“Estamos a falar num espectro
largo de cerca de cem escolas, com
milhares de alunos, que envolvem
milhares de pais e também milhares de professores e funcionários.
Então, é um serviço público do ensino particular”, disse.
Os bispos consideram, nas palavras do Padre Manuel Morujão,
que o que está em causa é a própria democracia.
“É um dever do Estado favorecer esta liberdade que devem ter
os pais de poder escolher a educação, e, consequentemente, a es-
cola que desejam para os seus filhos. Mais ligada a esta ou àquela ideologia, confissão religiosa ou
agnóstica ou ateia”, disse o P. Morujão, sublinhando que os bispos
portugueses visam “promover a liberdade de escolha dos pais”.
Padre Manuel Morujão enfatizou a importância desta questão
da “liberdade prática” de os pais
poderem escolher o tipo de ensino que querem dar aos seus filhos,
e que o Ensino Particular fica mais
barato ao Estado do que o Ensino
Público.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      41
Os bispos portugueses pretendem que “as instâncias governativas abram o coração e a inteligência para esta realidade de dezenas
e dezenas de escolas terem que fechar, causando problemas e instabilidade social” e alertam para o
“retrocesso não democrático” que
o país pode sofrer nesta matéria –
informou a Agência Zenit
Movimento de Shoenstatt
inaugura novo santuário em
Miami
Foi consagrado em Miami (EUA)
o santuário mariano Via ad Patrem
Misericordem (Caminho para o Pai
Misericordioso), erigido pelo Movimento Apostólico de Schoenstatt
nesse país. Seu nome indica “a missão que a Santíssima Virgem quer
levar adiante aqui na Flórida”, declarou à agência Zenit a jornalista
Belsay Henning.
O novo santuário aberto ao público
é um convite a todos os fiéis para participarem das abundantes graças próprias ao carisma do Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Internacional de Schoenstatt: acolhimento,
transformação e envio apostólico.
Mais de 200 mil jovens
acompanham a JMJ no Facebook
“A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) acaba de atingir os 200
mil fãs no Facebook, que se mantêm constantemente informados sobre as novidades da Jornada, além
de participarem com as suas opiniões e contribuições” informa a página web da organização do evento.
Com as incorporações do húngaro e do romeno, já são 20 as línguas nas quais se podem acompanhar as notícias da JMJ através dessa rede social. Mais de 70 voluntários animam, traduzem e respondem
as questões que surgem em cada um
dos perfis do Facebook.
Por outro lado, desde a sua estreia em novembro de 2009, as vi-
sitas à página web da organização
(­http://www.madrid11.com) não pararam de crescer, atingindo quase
200 mil em novembro de 2010. No
total, o site — que já está disponível
em oito idiomas — recebeu mais de
um milhão de visitas.
No início de dezembro, mais de
200 mil jovens haviam já confirmado sua presença na JMJ em Madri.
Entre estes, 45 mil franceses, 41 mil
italianos, 25 mil espanhóis e 13 mil
norte-americanos.
O novo sócio da Academia das Ciências, foi distinguido no ano passado com o Prémio Pessoa. Licenciado em História e doutorado em Teologia Histórica, o prelado natural de
Torres Vedras é autor de dezenas de
obras e estudos sobre História, Teologia e Pastoral, reativou a Comissão
Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, de que
é presidente, e dirige a Diocese do
Porto desde 25 de março de 2007, informou a agência ­Ecclesia.
Cardeal Cañizares é investido
Doutor “Honoris Causa”
Bispo do Porto distinguido
pela Academia das Ciências
O Bispo do Porto recebeu as insígnias de sócio da Academia das
Ciências, que considera D. Manuel
Clemente uma voz “com poder encantatório” no combate à degradação dos valores.
Na cerimónia que decorreu no
Palácio da Bolsa no Porto, D. Manuel Clemente disse que acolheu o
prémio com simplicidade, humildade e responsabilidade acrescidas.
D. Manuel Clemente recebeu o
galardão das mãos do presidente da
Academia de Ciências, Adriano Moreira, que deixou palavras de elogio.
“São precisas vozes com poder
encantatório, que sejam capazes de
se opor à degradação de valores que
a sociedade ocidental está a sofrer e
ele é uma dessas vozes. Mas é uma
dessas vozes com consistência, com
autoridade científica e com capacidade pedagógica”, sublinhou o professor Adriano Moreira.
42      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
O Cardeal Antonio Cañizares,
Prefeito da Congregação para o
Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, recebeu em 9 de dezembro o doutorado Honoris Causa,
conferido pela Universidade Católica de Valência, Espanha.
Em seu discurso de investidura,
intitulado Em defesa do homem e da
estruturação da sociedade: a atuação
de um Bispo, afirmou o Purpurado:
“A falta de fé, a perda do senso de
Deus, que dilacera nosso mundo, eu
as percebo como a maior indigência,
a ameaça mais grave e de mais desastrosas consequências para nosso
tempo”.
O ato foi presidido por Dom Carlos Osoro, Arcebispo de Valência e
Grão Chanceler da Universidade,
e contou com a presença de numerosas personalidades eclesiásticas
e civis, entre as quais o presidente
da Generalitat Valenciana, Francisco Camps, e a presidente das Cortes
Valencianas, Milagrosa Martínez.
Cardeal Scherer nomeado
membro do Pontifício Conselho
para a Nova Evangelização
O Papa Bento XVI nomeou, em
5 de janeiro, o Cardeal Odilo Pedro
Scherer, Arcebispo de São Paulo,
membro do recém-criado Pontifício
Conselho para Promoção da Nova
Evangelização.
Solicitude do Papa
pelos irmãos carentes
O
da luz do amor de Deus”. E afirmou que comemorar seu centésimo aniversário é um motivo de gratidão e reflexão para um renovado e gaudioso empenho no serviço do Senhor e dos irmãos, especialmente dos mais necessitados.
“Queridos irmãos e irmãs, é grande nossa gratidão pela vossa presença humilde, discreta, oculta aos
olhos humanos, mas extraordinária e preciosa para o
Coração de Deus”, disse ele, dirigindo-se às Missionárias e Missionários da Caridade.
* * *
Também as crianças doentes foram objeto de um
gesto de carinho do Vigário de Cristo, que visitou em
5 de janeiro o Centro Pediátrico do Hospital Gemelli,
onde entregou pessoalmente lembranças a cerca de
cinquenta pacientes, acompanhados de seus pais.
“Trouxe-lhes alguns presentes para fazê-los sentir, por meio desse pequeno gesto, a simpatia, a vizinhança e o afeto do Papa. Mas desejo que neste tempo de Natal todos, adultos e crianças, recordem que o
maior presente foi feito por Deus a cada um de nós”.
Sua Santidade dirigiu ainda palavras de agradecimento aos pais, aos dirigentes e a todo o pessoal de
serviço na Policlínica Gemelli “que com competência
e caridade cuidam dos sofrimentos humanos”.
L’Osservatore Romano
Santo Padre participou em 26 de dezembro do almoço por ele oferecido às pessoas assistidas pelas
diversas comunidades romanas das Missionárias da Caridade, por ocasião do 100º aniversário de nascimento
da Beata Teresa de Calcutá.
O almoço teve lugar no átrio da Sala Paulo VI.
Além de 350 indigentes, participaram dele cerca de
180 religiosas e religiosos da família fundada por Madre Teresa.
Em breve discurso, a Irmã Mary Prema, Superiora Geral das Missionárias da Caridade, manifestou
ao Santo Padre a alegria de todos os presentes por
poderem participar desse “momento de festa particularmente belo”. E concluiu recordando “o grande
amor que todos têm pelo Sucessor de Pedro”.
“Caros amigos, sinto-me feliz de estar hoje convosco”, para “vivermos juntos este momento fraternal”, disse o Papa. Recordando que o Menino reclinado no presépio “é o próprio Deus feito homem para mostrar-nos quanto nos ama”, Bento XVI exortou
seus ouvintes a invocá-Lo com toda confiança, certos de serem atendidos, inclusive nas situações mais
difíceis.
Relembrou também o testemunho da Beata Teresa de Calcutá, a qual definiu como “um reflexo
A fundação desse novo dicastério está na linha do Concílio Vaticano II para “recomeçar rumo a novos
horizontes” em meio a uma sociedade secularizada, explicou seu Presidente, Dom Rino Fisichella, em de-
clarações à Rádio Vaticano, no dia
14 de janeiro.
Além do Cardeal brasileiro, o Papa nomeou como membros desse dicastério outros 18 Cardeais e Bispos, da Europa, das Américas e da
Austrália, áreas de cultura ocidental e de antiga cristianização, as mais
afetadas pelo indiferentismo religioso, pelo avanço das seitas e do neoateísmo, necessitadas assim de uma
nova evangelização.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      43
História para crianças... ou adultos cheios de fé?
Salvo por uma Missa
Desprezando aquela Celebração Eucarística, Pedro decidiu viajar
sozinho, para poder adiantar-se ao amigo e fazer bons negócios.
Não sabia, porém, o que lhe esperava no caminho...
Fernanda Cordeiro da Fonseca
N
as pequenas cidades todos se conhecem. Os laços de amizade se tornam mais estreitos e
os bons amigos tratam-se como verdadeiros irmãos. Foi o que se passou
com Marcos e Pedro. Os dois cresceram na acolhedora Lagoa Dourada:
juntos fizeram a Primeira Comunhão
na Matriz do Senhor Bom Jesus, estudaram na Escola Municipal e participaram ativamente das atividades paroquiais, sendo coroinhas em todas as
Missas solenes.
Marcos pertencia a uma família muito católica e recebera ali uma
grande devoção à Santa Missa. Desde
muito pequenino, dona Matilde, sua
avó, o levava bem cedo à igreja para participar da Sagrada Eucaristia e
lhe explicava cada passo do Santo Sacrifício, deixando-o encantado com o
amor de Jesus por cada um de nós.
Pedro, entretanto, não recebera no
lar tão piedosas influências. Seus pais
eram católicos, porém, pouco devotos; preocupava-lhes apenas ter boa
saúde e êxito nos negócios. Fora dona Matilde, a avó do amigo, quem lhe
dera formação religiosa. Era ela quem
ensinava às duas inseparáveis crian-
Dona Matilde ensinava o catecismo às duas inseparáveis crianças
44      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
ças o catecismo. Foi ela quem os preparou para a Primeira Comunhão e os
animou a serem coroinhas na Matriz.
Passou o tempo e os dois amigos
tornaram-se homens feitos. Constituíram família e tiveram filhos, continuando a viver na mesma Lagoa
Dourada.
Marcos era um pai dedicado e
procurava transmitir aos filhos toda a
boa formação recebida de dona Matilde. Mas, sobretudo esforçava-se
em dar-lhes o exemplo de um bom
cristão: rezava o Rosário em família,
ensinava o catecismo aos pequenos
e ia à Missa todos os dias, pois esta
sempre fora sua maior devoção.
Pedro, ao contrário, esqueceu-se
dos ensinamentos recebidos e começou a preocupar-se, como seus progenitores, apenas com o bem-estar
material da família. Em matéria de
religião seu comportamento não era
dos melhores: nunca rezava com os
filhos e somente ia à Missa aos domingos... se não tivesse sido organizado para esse dia algum passeio pelas fazendas dos amigos.
Todas as manhãs, Marcos deixava as crianças na escola e ia à Missa.
Depois do Sagrado Banquete, dirigia-se à sua padaria para comer um
pão quentinho com deliciosa man-
teiga derretida, feita com o leite puro e gordo de sua fazenda.
De vez em quando Pedro ia visitá-lo, mas a amizade entre os dois
foi ficando cada vez menos firme. As
conversas passaram a ser quase exclusivamente de negócios e, embora procurasse manter as aparências,
notava-se serem seus interesses cada
vez mais distantes dos de Marcos.
Do esfriamento, havia apenas um
passo para a inveja. Marcos não vivia para os negócios, como Pedro;
entretanto, a padaria dele era invejável, sua fazenda muito produtiva e
a fábrica de laticínios um modelo de
usina bem levada. Qual seria a razão
do sucesso de Marcos, pensava Pedro, enquanto ele, que não poupava
esforços para tornar prósperos seus
negócios, sofria com a colheita fraca, o desgaste da terra e as doenças
do gado? E isso sem falar das dívidas crescentes, a ponto de ameaçar-lhe o patrimônio...
Um dia, os dois amigos foram
convidados para um encontro de fazendeiros, a realizar-se na capital
da região. Marcos propôs fazerem
a viagem juntos e Pedro aceitou por
puro interesse, pois assim os gastos
seriam menores. A saída ficou marcada para quarta-feira, depois da
Missa matutina.
Entretanto, naquele dia, o pároco não pôde celebrar na hora habitual por ter sido chamado para
atender um enfermo em uma aldeia próxima. Mandou avisar, entretanto, que haveria Missa ao
meio-dia. Marcos decidiu retardar
a viagem, mas Pedro tentou dissuadi-lo, dizendo:
— Que bobagem! Qual é o mal se
perder a Missa apenas um dia?
— A Missa tem um valor infinito — replicou-lhe Marcos — Prefiro esperar.
— Bem, então você vai sozinho
depois. Eu já estou partindo...
E antes de se afastar do amigo
acrescentou:
— Como é possível você atrasar
uma viagem dessas só por causa de
uma Missa? Você tem a vida inteira
para assistir a muitas outras...
Na realidade, Pedro sentia-se satisfeito com a situação criada. Pensava que, chegando à cidade antes
de Marcos, ficaria com os melhores negócios e obteria resultados superiores. Porém, no meio da estrada cheia de curvas que unia Lagoa
Dourada com a cidade vizinha, houve um deslizamento de terra, justamente quando Pedro passava com
sua caminhonete. A avalanche o fez
perder o controle do veículo, capotando ribanceira abaixo.
Pedro foi levado para o hospital e
passou vários dias em coma. Quando recuperou a consciência e conseguiu lembrar-se do acontecido, logo fez um balanço de sua vida: percebera o quanto estava afastado de
Deus e dos Sacramentos, e perguntou-se se aquele desastre de automóvel não era um sinal de alerta
vindo da eternidade.
Que loucura tinha sido haver menosprezado assim uma Missa! Quão
perto tinha estado de não poder
participar de mais nenhuma!
Mandou chamar seu amigo Marcos, e quando este entrou em seu
quarto de convalescente, no hospital, disse-lhe:
— Você foi salvo por uma Missa! Eu fui muito ganancioso, e desprezei o valor supremo e infinito de
uma única Celebração Eucarística...
Marcos logo procurou animá-lo e
Pedro contou-lhe como estava arrependido pela vida que levava. Confidenciou-lhe haver o acidente feito recordar-se de tudo o que havia
aprendido com dona Matilde e, sobretudo, dessa frase repetida por ela
com tanta seriedade: “Se soubesse
haver uma Missa no rincão mais afastado da Terra, e não tivesse oportunidade de participar em outra, faria
qualquer coisa para ir até lá!”.
Quando Pedro se recuperou e voltou para casa, mudou radicalmente
de vida. Voltou a ser um amigo leal e
passou a frequentar outra vez os Sacramentos, com toda a família. Seus
negócios também melhoraram e sua
alma, livre de invejas e egoísmos, encontrou novamente a paz.
Aquela única Missa salvou Marcos de um acidente, mas também deu
nova vida para a alma de Pedro! 
Eu fui muito ganancioso, e desprezei o valor supremo
e infinito de uma única Missa
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      45
________
Os Santos de cada dia Beato Hugo de Fosses, abade
(†cerca de 1163). Seu mestre São
Norberto, ao ser eleito Arcebispo
de Magdeburgo, confiou-lhe a direção da recém-fundada Ordem Premonstratense, que ele governou durante 35 anos.
©Santiebeati.it
to para as freiras e a de Santo Agostinho para os clérigos.
5. Santa Águeda, virgem e mártir
(†cerca de 251).
São Jesus Méndez Montoya,
presbítero e mártir (†1928). Fuzilado, por ser sacerdote, durante a perseguição mexicana na Arquidiocese
de Morelia.
1. Santa Brígida da Irlanda, virgem (†cerca de 525). Fundou o mosteiro de Kildare, na Irlanda, do qual
foi abadessa. Continuou a obra
evangelizadora de São Patrício.
2. Apresentação do Senhor.
Beato Estêvão Bellesini, presbítero (†1840). Religioso agostiniano
que, sendo pároco em Genazzano,
destacou-se por sua ardente devoção à Mãe do Bom Conselho.
3. São Brás, Bispo e mártir (†cerca de 316).
Santo Oscar, Bispo (†865).
Beata Maria Elena Stollenwerk,
virgem (†1900). Colaborou com
Santo Arnaldo Janssen na fundação
da Congregação das Servas Missionárias do Espírito Santo em Steyl,
Holanda. Após deixar o cargo de superiora passou para o ramo conventual da Congregação, dedicando-se
à Adoração perpétua.
4. São Gilberto de Sempringham,
presbítero (†1189). Consagrado ao
serviço de Deus e da Igreja desde
sua mocidade, fundou na Inglaterra
a Ordem Gilbertina, com dupla disciplina de vida: a regra de São Ben-
6. V Domingo do Tempo Comum.
São Paulo Miki e companheiros,
mártires (†1597).
Santo Amando de Elnon, Bispo (†cerca de 679). Foi eleito Bispo
após longos anos de vida eremítica.
Pregou missões na região de Flandres e ao longo do Danúbio. Morreu no mosteiro de Elnon, na França, por ele fundado.
12. Beatos Tomás Hemmerford,
Tiago Fenn, João Nutter, João Munden e Jorge Haydock, presbíteros e
mártires (†1584). Eviscerados ainda
vivos em Tyburn, Londres, durante o
reinado de Elizabeth I.
7. Beata Rosália Rendu, virgem
(†1856). Religiosa das Filhas da Caridade, trabalhou no subúrbio mais
pobre de Paris, visitando as casas
dos mais necessitados. Incentivou
muitos jovens ricos à prática da caridade.
8. São Jerônimo Emiliano, presbítero (†1537).
Santa Josefina Bakhita, virgem
(†1947).
São Juvêncio (ou Evêncio), Bispo (†397). Foi eleito Bispo de Pavia
por Santo Ambrósio. Participou dos
concílios de Aquileia e Milão.
13. VI Domingo do Tempo Comum.
São Paulo Lê-Văn-Lôc, presbítero e mártir (†1859). Decapitado às
portas da cidade vietnamita de ThịNghè durante o reinado do imperador Tu Ðúc.
©Santiebeati.it
Beata Rosália Rendu
11. Nossa Senhora de Lourdes.
São Pascoal I, Papa (†824). Promoveu as primeiras missões nos países escandinavos e trasladou muitas
relíquias dos mártires das catacumbas para as igrejas. Reconstruiu a
Basílica de Santa Cecília, em Roma.
9. São Miguel Febres Cordero,
religioso (†1910). Membro da Congregação dos Irmãos das Escolas
Cristãs, nascido em Cuenca, Equador. Dedicou-se durante quase quarenta anos à formação dos jovens e
dos professores.
10. Santa Escolástica, virgem
(†547).
46      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Beata Rafaela Ybarra
___________________ Fevereiro
15. São Cláudio de La Colombière,
presbítero (†1682). Sacerdote jesuíta,
superior do Colégio de Paray-le-Monial, França. Grande apóstolo da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
16. Beato José Allamano, presbítero (†1926). Aluno de São João
Bosco e sobrinho de São José Cafasso. Fundou as Congregações masculina e feminina de Missionários da
Consolata.
17. Sete Santos Fundadores dos
Servitas (†1310).
São Bonoso, Bispo (†cerca de
373). Sendo Bispo de Trier, Alemanha, empenhou-se, junto com Santo
Hilário de Poitiers, em manter a integridade da Fé na Gália.
18. Santo Heládio, Bispo (†632).
Abandonou o cargo de administrador
da corte visigótica para se tornar monge. Foi eleito abade do mosteiro, e depois Arcebispo de Toledo, Espanha.
19. Beato José Zapłata, mártir
(†1945). Religioso da Congregação
do Sagrado Coração de Jesus, preso
na Polônia pela polícia nazista e encarcerado no campo de concentração de Dachau, onde morreu vítima
dos maus tratos.
20. VII Domingo do Tempo Comum.
Beata Jacinta Marto, virgem
(†1920). A mais nova dos três videntes
de Fátima, Portugal. Morreu aos dez
anos, após suportar com paciência atrozes sofrimentos, oferecidos para a conversão dos
pecadores.
Victor Toniolo
14. São Cirilo, monge (†869) e
São Metódio, Bispo (†885).
Santo Auxêncio, presbítero e arquimandrita (†séc. V). Após abandonar a carreira militar, fundou um
mosteiro perto de Constantinopla e
dirigiu nas vias da santidade grande
número de discípulos.
21. São Pedro Damião, Bispo e Doutor da Igreja (†1072).
São Germano, abade (†667).
Assassinado por ladrões, dos
quais tentava defender, com
palavras pacíficas, os habitantes vizinhos do mosteiro de
Grandfelt, Suíça.
22. Cátedra de São Pedro.
São Maximiano de Ravena, Bispo (†556). Deu grande
desenvolvimento à Diocese de
Ravena, Itália, defendeu com
denodo a unidade da Igreja
contra os hereges da época.
23. São Policarpo, Bispo e
mártir (†cerca de 155).
Beata Rafaela Ybarra, religiosa (†1900). Mãe de sete
filhos, obteve o consentimento do
marido para fazer os votos religiosos e fundou em Bilbao, Espanha, o
Instituto das Irmãs dos Anjos Custódios, para assistência e formação de
meninas necessitadas.
24. Beato Tomás Maria Fusco,
presbítero (†1891). Tomado de grande amor pelos pobres e doentes,
fundou em Nocera, Itália, o Instituto das Filhas da Caridade do Preciosíssimo Sangue.
25. São Nestor de Magido, Bispo
e mártir (†cerca de 250). Por professar sua Fé em Cristo Crucificado, foi
condenado pelo governador da Panfília, na atual Turquia, ao mesmo suplício do Divino Redentor.
26. Santa Paula de São José de
Calasanz, virgem (†1889). Dotada
“São Cirilo e São Metódio”
Basílica de São Clemente, Roma
de extraordinário carisma de educadora, tinha como lema: Piedade e
letras. Fundou em Barcelona, Espanha, a Congregação das Filhas de
Maria das Escolas Pias.
27. VIII Domingo do Tempo Comum.
Beata Maria da Caridade do Espírito Santo Brader, virgem (†1943).
Religiosa franciscana suíça enviada
para Pasto, Colômbia, onde fundou
a Congregação das Irmãs Franciscanas de Maria Imaculada. Soube conciliar a vida contemplativa com a atividade missionária.
28. São Romano, abade (†463).
Viveu inicialmente como eremita na
região do Jura, na França. Sua fama
de santidade atraiu numerosos seguidores, com os quais fundou dois
mosteiros.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      47
São Cláudio de La Colombière
Servo fiel e amigo perfeito
do Sagrado Coração
Confessor e confidente de Santa Margarida Maria
Alacoque, São Cláudio de La Colombière foi escolhido por
Deus para propagar o amor e a confiança, por meio da
devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP
N
o ano de 1675, um novo superior foi designado para a casa dos jesuítas em Paray-le-Monial. Sendo ele confessor extraordinário das vizinhas freiras da Visitação, foi estar com a superiora, Madre
de Saumaise, a fim de se pôr à disposição do mosteiro. Esta lhe apresentou toda a comunidade e, enquanto o
sacerdote dirigia às religiosas breves
palavras de incentivo à prática da virtude heroica, uma delas, Irmã Margarida Maria Alacoque, ouviu uma
voz interior lhe dizendo:
— Eis aí quem te envio!
Fazia poucos anos que pertencia
a freira à Congregação e já havia sido beneficiada pelo Sagrado Coração de Jesus com numerosas visões
e revelações. Naquele momento, porém, passava ela pelo drama da dúvida. Seus superiores e algumas autoridades eclesiásticas a consideravam “uma visionária”, levando-a a
se perguntar se não estaria sendo vítima da ilusão ou enganada pelo demônio.
O Divino Mestre fizera-lhe, então,
uma promessa: “Eu te mandarei meu
fiel servo e amigo perfeito”.1 Tratava-se do padre Cláudio de La Colombière, que Jesus enviava naquele momento à Irmã Margarida, para confirmar-lhe “em seus caminhos e para
torná-lo participante de grandes graças do seu Sagrado Coração”.2
Formação em colégios
da Companhia
Da infância do padre de La Colombière, pouco se conhece. Nasceu
a 2 de fevereiro de 1641, na aldeia
de Saint-Symphorien, mas aos nove
anos mudou-se com a família para
Vienne, onde os beneditinos de Saint
Andrés-le-Bas lançaram em sua alma
as primeiras sementes de sua ardorosa devoção à Sagrada Eucaristia e lhe
ministraram a Primeira Comunhão.
Pouco depois de ter chegado à cidade, começou a estudar gramática
com os padres jesuítas e, três anos
depois, mudou-se para Lyon, a fim
de cursar Humanidades, no colégio da Companhia. Foi também nes-
48      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
sa cidade, na qual morou por cinco
anos, que começou a tomar contato
com a obra do grande Francisco de
Sales, através das Irmãs da Visitação
de Bellecour, em cujo convento falecera o santo fundador.
Cumpridos já dezessete anos, enquanto passava alguns dias de férias
na casa dos pais, Cláudio decidiu
tornar-se jesuíta. De temperamento
reservado, um pouco tímido e muito
afetuoso, custou-lhe separar-se da
família. Mas o fez de bom grado e
por completo, compreendendo consistir a verdadeira felicidade na entrega a Deus por um amor exclusivo.
Mais tarde afirmaria: “Jesus Cristo prometeu cem por um, e posso dizer que nunca fiz nada sem ter recebido, não cem por um, mas mil vezes
mais do que havia abandonado”.3
Do noviciado ao sacerdócio
Corria o ano de 1658, quando
Cláudio ingressou no Noviciado de
Avignon. Ali se alternaram provas e
alegrias, períodos de aridez com outros marcados por uma luz transbor-
www.vatican.va
dante. Dois anos depois, proferiu os primeiros votos e, havendo concluído o curso de Filosofia, dedicou-se ao magistério
no colégio da Companhia, conforme determinavam as regras,
antes de prosseguir os estudos
para o sacerdócio.
Por sua grande capacidade
intelectual, estro literário e modo de fazer os sermões, o Superior Geral decidiu enviá-lo, em
1666, para estudar Teologia no
Colégio de Clermont, em Paris.
Ali se revelou exímio orador e
excelente professor de retórica.
Seu valor acadêmico e o exemplo ilibado de vida religiosa valeram-lhe o cargo de preceptor
dos filhos de Colbert, o célebre Ministro do Tesouro de Luís XIV. Teve, assim, de frequentar os ambientes da corte, fazendo neles muitos
amigos e dando mostras de grande
talento, fino trato e elevada educação, além de se destacar pela firmeza de princípios e exímia virtude.
A Terceira Provação
Em 6 de abril de 1669, Cláudio
recebeu as sagradas ordens e cinco
anos depois chegou para ele o tempo chamado por Santo Inácio de
“Escola do Afeto”.
A sabedoria do fundador bem
via quanto os largos anos de estudo,
magistério e apostolado podiam ser
para seus filhos espirituais motivo
de diminuição do fervor inicial, contaminado por aspirações mundanas,
quando não por sentimentos de vanglória pelos êxitos obtidos. Por isso,
estabeleceu que cada jesuíta passasse por este novo período de noviciado, também chamado de Terceira
Provação, antes de fazer a profissão
solene. Nesse tempo, sob a orientação paternal de um instrutor, o religioso fazia um balanço de sua vida,
visando desapegar-se de toda preocupação humana para deixar-se levar inteiramente pela luz divina.
suítas em Paray-le-Monial. Sua
alma estava com a têmpera ideal para empreender a grande
missão que o aguardava.
Três corações unidos
para sempre
São Cláudio de La Colombière
A Casa São José, em Lyon, foi o
lugar onde o padre Cláudio atravessou esse período, durante o qual fez
um voto particular de cumprimento
exímio das regras do Instituto, “sem
reservas”, dispondo-se a aceitar com
alegria as determinações da Santa Obediência e romper de uma vez
por todas as cadeias do amor-próprio. Ao mesmo tempo consolidou-se em sua alma a confiança — também sem reservas — na misericórdia divina, sem a qual ser-lhe-ia impossível manter-se fiel aos propósitos feitos em prol da própria santificação e a dos outros.
Esse tempo de solidão e recolhimento fê-lo também desapegar-se de
todos os relacionamentos humanos,
aos quais era extremamente sensível,
para ter Nosso Senhor como único
e verdadeiro amigo: “Meu Jesus [...]
tenho certeza de ser amado, se vos
amo. [...] Por mais miserável que eu
seja, não me tirará vossa amizade nenhum indivíduo mais nobre que eu,
nem mais culto ou mais santo”.4
Antes mesmo de concluir o tempo regulamentar, foi admitido aos
votos solenes, feitos quando completava 34 anos, em 2 de fevereiro
de 1675. Logo em seguida, recebeu
o encargo de superior da casa dos je-
O padre de La Colombière não sabia o que encontraria nessa pequena cidade, mas
seus superiores, inteirando-se
das visões de Santa Margarida
Maria Alacoque e das polêmicas que haviam gerado, o escolheram exatamente por causa
do seu equilíbrio de alma. Padre Cláudio era perfeitamente
capaz de sustentar os bons critérios frente às controvérsias
criadas, dentro e fora do convento.
De fato, sem se importar com as
críticas e juízos desfavoráveis, logo
viu a mão de Deus nas visões de Irmã Margarida Maria e a tranquilizou e apoiou, recebendo, como recompensa, recados e favores do Divino Mestre.
Um deles ocorreu, certa vez, durante a Missa celebrada para a comunidade, quando a religiosa viu,
na hora da Comunhão, o Sagrado
Coração de Jesus como uma fornalha ardente e dois outros corações
abismando-se n’Ele: o do padre de
La Colombière e o seu próprio, enquanto ouvia estas palavras: “É assim que meu puro amor une esses três corações para sempre. Esta união destina-se à glória de meu
Sagrado Coração. Quero que descubras seus tesouros, ele fará conhecer
seu preço e utilidade. Para tanto, sejais como irmão e irmã, partilhando
igualmente os bens espirituais”.5
Apressou-se ela em transmitir o
fato ao sacerdote e depois relatou
sua reação. “As mostras de humildade e as ações de graças com que
ele recebeu essa comunicação e várias outras coisas que lhe transmiti da parte de meu soberano Senhor
e que lhe diziam respeito, comove-
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      49
ram-me e foram-me mais proveitosas que todos os sermões que eu poderia ouvir”.6
Apostolado da confiança
e do reafervoramento
No curto período de dezoito meses de sua permanência em Paray-le-Monial, quiçá tenha feito o padre de La Colombière mais pelas almas que em todos os anos anteriores
de sua vida.
O jansenismo, então em pleno auge na França, minava nos corações a confiança na bondade de
Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima, e afastava os fiéis dos Sacramentos, sobretudo da Sagrada Comunhão.
O apostolado feito por São Cláudio em suas cartas, pregações e direções espirituais ia justamente no
sentido contrário: promovia a confiança em Maria e a devoção ao Santíssimo Sacramento. Atraiu assim
muitas ovelhas desgarradas, trazendo-as de volta ao redil do Salvador.
Fundou uma Congregação Mariana para nobres e burgueses, na qual
agrupou os cavalheiros católicos da
cidade, bem como reorganizou a dos
alunos do colégio da Companhia.
Reestruturou o hospital dos peregrinos e indigentes, e pregou missões
nos povoados vizinhos, com grandíssimos frutos de reafervoramento.
“Eis o Coração que tanto
amou os homens”
Mas sua máxima missão foi participar, por desígnio do próprio Jesus,
na chamada “Grande Revelação”
feita a Santa Margarida Maria, em
um dia da Oitava de Corpus Christi de 1675, quando rezava diante do
Santíssimo Sacramento: a difusão da
devoção ao Sagrado Coração de Jesus, bem como a instituição de sua
festa e da consagração reparadora.
Assim transcreveu a santa as célebres palavras proferidas por Nosso
Senhor, enquanto lhe mostrava seu
Divino Coração: “Eis o Coração que
tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-Se e consumir-Se, para manifestar-lhes seu amor.
E como reconhecimento, não recebo
da maior parte deles senão ingratidões, desprezos, irreverências, sacrilégios, friezas que têm para comigo
neste Sacramento de amor. E é ainda mais repugnante, porque são corações a Mim consagrados”.7
Em seguida, pediu-lhe o Senhor
que a primeira sexta-feira após a Oitava de Corpus Christi fosse consagrada como festa especial para honrar seu Coração, com um ato público
de desagravo e comunhões reparadoras. Acrescentou a promessa formal
de conceder copiosos favores espirituais para quem praticasse tal devoção.
A religiosa alegou sua indignidade e incapacidade de realizar a missão, e recebeu esta resposta: “Dirige-te a meu servo Cláudio e dize-lhe, de minha parte, que faça todo
o possível para estabelecer esta devoção e dar esse gosto a meu Divino
Coração; que não desanime diante das dificuldades que encontrará,
pois estas não faltarão, mas ele deve saber que é todo poderoso quem
desconfia de si mesmo para confiar
unicamente em Mim”.8
Assim, na sexta-feira seguinte,
São Cláudio, Santa Margarida e a
comunidade da Visitação de Paray-le-Monial celebraram, pela primeira vez, a Festa do Sagrado Coração
de Jesus, consagrando-se inteiramente a Ele.
Missão junto à Duquesa de York
Quando estava no auge de suas atividades em Paray-le-Monial, o
padre de La Colombière recebeu ordem de partir para Londres, como
capelão da Duquesa de York, Maria
de Módena, que era católica fervorosa e só consentira em se casar com
o Duque, irmão de Carlos II, após
ser autorizada pelo governo inglês a
ter sempre um sacerdote junto a ela.
50      Flashes de Fátima · Fevereiro 2011
Por meio da santa vidente, o Coração de Jesus recomendou a São
Cláudio algumas atitudes a serem
observadas em sua nova missão: não
se assustar com a investida dos infernos contra seu carisma para atrair as
almas, mas confiar inteiramente na
bondade de Deus, pois seria Ele seu
sustentáculo; usar de doçura e compaixão para com os pecadores; ter o
cuidado de nunca separar o bem de
sua fonte.9
Sua partida foi muito dolorosa para Santa Margarida, valendo-lhe uma censura de Nosso Senhor:
“Não te basto Eu, que sou teu princípio e teu fim?”.10
De sua parte, São Cláudio permaneceu fiel ao voto e aos propósitos feitos no período da Terceira
Provação, mantendo-se, “sem reservas”, afastado da vida da Corte. Sendo capelão da Duquesa de York, vivia no palácio Saint James, mas fazia-o num regime de profundo recolhimento e grandes mortificações.
Preocupava-se apenas em propagar
a devoção à Sagrada Eucaristia e ao
Sagrado Coração de Jesus, apesar
das dificuldades criadas pela hostilidade contra a Igreja.
Acabou, entretanto, por converter famílias inteiras e atrair para a
vida consagrada muitos membros da
aristocracia londrina. Alguns destes
os encaminhou para instituições religiosas na França; outros, os reuniu
na própria Londres, num mosteiro
clandestino, por ele fundado, próximo da Catedral de São Paulo.
Foi por essa época que Titus Oates acusou injustamente os jesuítas e
outros membros da Igreja de estarem
tramando o assassinato de Carlos II,
a fim de substituí-lo por seu irmão, o
Duque de York, convertido ao catolicismo. Embora o próprio rei considerasse absurda essa denúncia, ela deu
origem a violentas perseguições contra os católicos, injustamente acusados de terem participado no chamado “complô papista”.
Consumação do holocausto
Chegou de volta à França em meados de 1679, quase sem forças. Depois de recuperar um pouco a saúde, dirigiu-se para o Colégio da Santíssima Trindade, em Lyon, onde outrora fizera seus primeiros estudos,
para assumir o cargo de diretor espiritual dos alunos de Filosofia. Ali,
embora fisicamente muito desgastado, não deixava de propagar a devoção ao Divino Coração, defendendo-a contra os inúmeros ataques e
incompreensões de que era objeto.
No inverno de 1681, retornou a Paray-le-Monial, cujo clima parecia resultar-lhe um pouco mais benéfico. À
vista, porém, do intenso frio daquela
rigorosa estação, pensou-se em trasladá-lo para Vienne, onde ficaria aos
cuidados de seu irmão, arcediago daquela Diocese. Mas o superior da casa
www.vatican.va
A pretexto de tais acontecimentos, São Cláudio foi denunciado e encarcerado pelo crime de proselitismo
religioso. Cumpria-se, assim, a premonição que tivera quatro anos antes, quando se havia visto “coberto
de ferros e correntes, e arrastado a
uma prisão, acusado, condenado por
ter pregado Cristo crucificado”.11
As péssimas condições da enxovia onde foi lançado terminaram de
minar sua saúde, já debilitada por
uma tuberculose incipiente. Ali teria morrido em pouco tempo, se não
tivesse sido libertado por força de
uma intervenção de Luís XIV.
mandou-lhe permanecer, após ter recebido
São Cláudio um bilhete de Santa Margarida,
com este recado do seu
Divino Amigo: “Ele me
disse que quer o sacrifício de sua vida aqui”.12
O holocausto não
tardaria muito em ser
consumado. Em 15 de
fevereiro de 1682, com
apenas 41 anos de idade, Cláudio de La Colombière foi encontrar-se com Aquele de
quem fora servo fiel e
amigo perfeito nesta
Terra. Algumas horas
depois dos funerais, Irmã Margarida, cujo coração permanecia unido ao seu, no Sagrado
Coração de Jesus, pôde fazer esta recomendação: “Deixem já de
afligir-se; invoquem“Eis aí quem te envio!”, disse o Sagrado Coração de
-no com toda confianJesus a Santa Margarida Maria, a propósito da chegada
ça porque ele pode sode São Cláudio de La Colombière
correr-nos”.13
“Aparição do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida
Contudo, a grande
Maria” - Basílica de Santa Cecília in Trastevere (Roma)
missão de São CláuUm ano mais tarde, Cláudio de
dio só se realizaria plenamente
muitos anos depois, em 8 de maio La Colombière seria beatificado pelo
de 1928, quando Pio XI elevou à mesmo Papa. E coube a João Paulo
suprema categoria litúrgica a Sole- II, em 31 de maio de 1992, a honra de
nidade do Sagrado Coração de Je- incluir no catálogo dos santos o nosus, por meio da Encíclica Miseren- me deste sacerdote jesuíta, tão amado pelo Divino Coração de Jesus. 
tissimus Redemptor.
1
DUFOUR, Gérard. Na Escola do Coração de Jesus com Cláudio de La Colombière. São Paulo: Loyola, 2000, p.7.
4
2
SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE. Autobiografia. São Paulo:
Loyola, 1985, p.59.
5
DUFOUR, op. cit., p.14-15.
6
SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE, op. cit., p.61.
7
SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE, Ouevres complètes, VI, 118
s, apud GUITTON, op. cit., p.156.
8
Idem, p.157.
9
Cf. DUFOUR, op. cit., p.19.
3
SÃO CLÁUDIO DE LA COLOMBIÈRE. Oeuvres, II, 99, apud GUITTON,
SJ, Jorge. El Beato Cláudio La Colombière: su medio y su tiempo. Bilbao: El
Mensajero del Corazón de Jesús, 1956,
p.26.
SÃO CLÁUDIO DE LA COLOMBIÈRE. Reflexões cristãs, Oeuvres, V, 429,
apud GUITTON, op. cit., p.121.
10
SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE, Autobiografia, op. cit., p.68.
11
GUITTON, op. cit., p.116.
12
DUFOUR, op. cit., p.20.
13
ECHEVERRÍA, Lamberto de. San
Cláudio de La Colombière. In: ECHEVERRÍA, L., LLORCA, B., BETES,
J. (Org.). Año Cristiano. Madrid: BAC,
2003, v.II, p.340.
Fevereiro 2011 · Flashes
de Fátima      51
Imagem do Imaculado Coração
de Maria pertencente aos
Arautos do Evangelho
C
onsagrar o mundo
ao Coração
Imaculado de Maria
significa aproximarnos, mediante a
intercessão da Mãe,
da própria Fonte
da Vida, nascida
no Gólgota. Este
Manancial escorre
ininterruptamente,
dele brotando a
redenção e a graça.
(Homilia do Papa João Paulo II,
Timothy Ring
Fátima, 13 de maio de 1982)

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