Revista Arautos do Evangelho
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Revista Arautos do Evangelho
Número 93 Fevereiro 2011 Primado e infalibilidade de Pedro Estátua equestre de São Nuno de Santa Maria Mosteiro da Batalha (Portugal) Nuno Moura / Ricardo Castelo Branco E m qualquer situação, mesmo de caráter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus. (Bento XVI, Homilia da canonização, 26 de abril de 2009) SumáriO Flashes de Fátima Escrevem os leitores ���������������������������������������� Pedro e os novos Carismas (Editorial) . . . . . . . Editor: Associação dos Custódios de Maria R. Dr. António Cândido, 16 1050-076 Lisboa I.C.S./D.R. nº 120.975 Dep. Legal nº 112719/97 Tel: 212 338 950 / Fax: 212 338 959 www.arautos.pt / www.arautos.org.br E-mail: [email protected] A voz do Papa – Criação e Sagradas Escrituras no mistério da Epifania ........................ 36 5 Director: Manuel Silvio de Abreu Almeida Conselho de redacção: Guy Gabriel de Ridder, Juliane Vasconcelos A. Campos, Luis Alberto Blanco Cortés, Mariana Morazzani Arráiz, Severiano Antonio de Oliveira Entrevista com Mons. Vittorio Formenti – Testemunha da vitalidade da Igreja ...................... Boletim da Campanha “O Meu Imaculado Coração Triunfará!” Ano XIII nº 93 - Fevereiro 2011 4 Aconteceu na Igreja e no mundo ...................... 39 6 Comentário ao Evangelho – O verdadeiro cumprimento da Lei está no que dizem os fariseus? ...................... 10 História para crianças... Salvo por uma Missa ...................... 44 Assinatura anual: 24 euros Com a colaboração da Associação Privada Internacional de Fiéis de Direito Pontifício Arautos do Evangelho Impressão e acabamento: Multiponto, S.A. Rua de D. João IV 691/700 4000-299 - Porto ...................... Os artigos desta revista poderão ser reproduzidos, desde que se indique a fonte e se envie cópia à Redacção. O conteúdo das matérias assinadas é da responsabilidade dos respectivos autores. Arautos no mundo Membro da ...................... Associação de Imprensa de Inspiração Cristã Tiragem: 39.000 exemplares Os santos de cada dia Primado e infalibilidade de Pedro 18 ...................... 46 São Cláudio de La Colombière – Servo fiel e amigo perfeito do Sagrado Coração 26 ...................... 48 E screvem Valor cultural muito alto Recebo a revista Arautos do Evangelho e fico impressionada com a beleza da impressão e com o conteúdo, pois ela tem um valor cultural muito alto que enriquece minha vida e a de minha família. Espero em Deus que possa usufruir durante muito tempo dessa leitura, e que Jesus e Nossa Senhora continuem ajudando vocês cada vez mais. Sinto-me orgulhosa de fazer parte desta entidade. Dercy Melhem de Carvalho São Fidélis – Brasil Paz e bom conselho que chegam a cada um de nós A vossa obra é sublime e a vossa Revista nos faz meditar em tudo quanto é belo, pois através dos Arautos do Evangelho vemos resplandecer a luz de Deus. Gosto muito do modo como a Revista é orientada, em especial as fotografias, que são muitíssimo belas. As leituras são de uma clareza extrema e em tudo há saber. Ao ler a Revista, mergulho e vivo com intensidade as maravilhas que o coração contempla. É tudo perfeito, são as riquezas de Deus que envolvem os leitores, é a paz e o bom conselho que chegam a cada um de nós. Tudo na Revista é santo, é a janela virada para o mundo da anunciação da palavra de Deus. Maria de Lurdes dos Santos Custódio Leiria – Portugal Ensina e fascina A revista Arautos do Evangelho é fundamental para melhor compreendermos os ensinamentos da San4 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 os leitores ta Igreja Católica Apostólica Romana. Ela possui harmonia de conteúdo e beleza, ensina com pedagogia, adequando a doutrina ao enlevo pelas maravilhas celestiais, sendo, por isso, fonte de pesquisa e aprendizado singular. Sempre é imperdível o Comentário ao Evangelho, de Mons. João, também as atividades dos Arautos do mundo; enfim, é bela e completa porque ensina e fascina. Avante e parabéns! Janel Cavalcante Ferreira Schurig São Paulo – Brasil Mensagem renovadora que nos fortalece Ao longo do ano de 2010 recebemos regularmente a revista Arautos do Evangelho, e a temos como um material de reflexão que nos convida a meditar, à luz da Fé, nesse mistério tão grande de Deus, que nos chama à santidade e à felicidade, afiançadas nos ensinamentos da Santa Madre Igreja. Queremos oferecer-lhes uma lembrança sincera nas intenções de nossas orações e durante a celebração do Santo Sacrifício da Missa. Agradecemos-lhes seus esforços em elaborar um material construtivo, que nos alenta na esperança e na verdadeira caridade. Num mundo que vive sem Deus — que O esqueceu e crê poder viver sem Ele —, vocês, que preparam a Revista, apresentam uma mensagem renovadora que nos fortalece e anima a dar uma resposta generosa à chamada do Senhor. Na Eucaristia da Noite Santa de Natal, ao congregar-nos para dar graças a Deus pelo dom maravilhoso de sua Encarnação, os lembraremos de forma especial. Junto com o pão e o vinho do Sacrifício, apresentaremos também suas vidas, as de todos os que tor- nam possível a Revista e as das pessoas que no mundo inteiro a recebem, para todos crescerem na fé e no amor a Cristo Jesus, Senhor Nosso. Sor Margarita María del Sagrado Corazón, OSC Abadessa do Mosteiro das Pobres Clarissas Bello – Colômbia Um tesouro para toda a família A seção que mais me atrai é o Comentário ao Evangelho, feito por Mons. João, pois sua leitura me prepara para viver mais intensamente a Liturgia do domingo, que está sendo comentada. Outra seção que leio, em seguida, é A voz do Papa: quanta clareza e quanta sabedoria explicitada de modo tão acessível! As crianças, no entanto, correm logo para ler a História para crianças... ou adultos cheios de fé! E se encantam com as mesmas. A Revista constitui, assim, um tesouro para toda a família. Adelina Rangel Ribeiro Matos Campos dos Goytacazes – Brasil Forças para percorrer o caminho Agradeço o envio da Revista, que apresenta ensinamentos com bela fluidez verbal, fazendo as crianças e adultos sentirem um como que refrescar de alma e de coração, uma brisa matinal, convidando-nos a nos aproximarmos mais de Nosso Senhor, em companhia da Virgem Maria, com orações que brotam do mais íntimo de nosso ser. Suas comunicações iluminam nossos pensamentos e nos dão forças para seguir percorrendo o caminho e vencer nossas dificuldades. Amelia Avilés de Arteaga Guayaquil – Equador Editorial Pedro e os novos carismas A 93 Número o 2011 Fevereir oe P r imad o de Pedr e d a id infalibil Bento XVI em Birmingham, Inglaterra. Ao fundo, altar da Cátedra de São Pedro. (Fotos: Gustavo Kralj e Victor Toniolo ) o longo dos séculos, superando todas as vicissitudes, vai a barca de Pedro singrando os mares rumo à plenitude do Reino de Cristo. Disso dão mostra as sempre renovadas inspirações do Espírito Santo suscitando novos carismas, desdobrando um maravilhoso leque de formas de amor a Deus nas mais diversas situações, como novas joias acrescentadas ao diadema da Esposa de Cristo, sempre bela, triunfante, luz do mundo e encanto do Criador. Há dez anos, um desses novos carismas dava um passo fundamental em sua história: João Paulo II erigia canonicamente os Arautos do Evangelho como Associação Internacional de Fiéis de Direito Pontifício. Após o encontro com o Sumo Pontífice, os Arautos comemoraram sua nova situação com uma Missa solene no altar da Cátedra de Pedro na Basílica do Vaticano, presidida pelo Cardeal Jorge María Mejía, então Arquivista da Santa Igreja Romana e Presidente da Biblioteca Vaticana. Na homilia, o insigne celebrante explicava que nossa associação adquirira, “com a Cátedra de Pedro, com o centro da Igreja Católica, uma relação especial”. A partir daquela ocasião — afirmava ele —, os Arautos se tornavam “o braço do Papa”. Tal circunstância geraria, de fato, consequências inúmeras para a nova Associação de Direito Pontifício, obtendo-lhe do Céu abundantes graças para seu desenvolvimento. Uma vez estabelecido o vínculo íntimo e particular com o Doce Cristo na Terra, a obra dos Arautos do Evangelho não cessou de se expandir por dezenas de países, enquanto a compreensão cada vez maior do próprio carisma favorecia novos desdobramentos dentro da sua família religiosa. Entre os mais eminentes, vale citar como, de uma associação de leigos — e que continua a cultivar seu carisma laical nos seus empreendimentos de evangelização —, surgiria também um ramo sacerdotal (a Sociedade de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli), e uma Sociedade de Vida Apostólica feminina (Regina Virginum). Entre as outras alegrias desta década, os Arautos viram seu fundador, o Mons. João Scognamiglio Clá Dias, ser honrado pelo Papa Bento XVI com a condecoração Pro Ecclesia et Pontifice e com o título de Cônego honorário da Basílica Papal de Santa Maria Maior. Além disso, em seu mais recente livro, o Santo Padre nos brinda com uma honrosa menção, ao afirmar estarmos assistindo “a um grande renascimento católico, a uma dinâmica do florescimento de novos movimentos, como por exemplo os Arautos do Evangelho, jovens cheios de entusiasmo por haver reconhecido em Cristo o Filho de Deus e desejosos de anuncia-Lo ao mundo”. Tudo isto nos leva a render jubilosa ação de graças a Nossa Senhora, Mãe insuperável, que nos obteve esses dons, já agradecendo por aquilo que Ela ainda fará. E, genuflexos, pedimos-Lhe que seu divino esposo, o Espírito Santo, suscite logo na Igreja muitos novos carismas, refulgentes de entusiasmo e de amor a Deus, que contribuam para renovar a face da Terra. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 5 A voz do Papa Criação e Sagradas Escrituras no mistério da Epifania Diante da incerteza dos discursos e da ciência humana, é a Palavra de Deus a verdadeira estrela que nos deve guiar, oferecendo-nos o imenso esplendor da verdade divina. N o Evangelho ouvimos que os Magos, vindos do Oriente, perguntam em Jerusalém: “Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo” (Mt 2, 2). Que tipo de pessoas eram eles, e que espécie de estrela era aquela? Os Magos eram provavelmente sábios que perscrutavam o céu, mas não para procurar “ler” nos astros o futuro, visando eventualmente obter uma vantagem; eram homens piedosos “à busca” de algo a mais, à busca da verdadeira luz capaz de indicar o caminho a ser percorrido na vida. Eram pessoas convictas de que na criação existe aquilo que poderíamos definir como a “assinatura” de Deus, uma assinatura que o homem pode e deve tentar descobrir e decifrar. Talvez o modo de conhecer melhor esses Magos e captar seu desejo de deixar-se guiar pelos sinais de Deus seja pararmos para considerar o que eles encontram em seu caminho na grande cidade de Jerusalém. 6 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Não ser, como Herodes, cegos diante dos sinais de Deus Antes de tudo deparam com o rei Herodes. Este, certamente, estava interessado no Menino de que lhe falavam; não com a intenção de adorá-Lo, como, mentindo, quer dar a entender, mas para matá-Lo. Herodes é um homem de poder, que somente consegue ver no outro um rival a combater. No fundo, se refletirmos bem, também Deus parece-lhe um rival, e um rival particularmente perigoso, que quereria privar os homens do seu espaço vital, da sua autonomia, do seu poder; um rival que indica o caminho a ser percorrido na vida e impede, assim, de se fazer tudo o que se quer. Herodes escuta dos seus peritos em Sagradas Escrituras a palavra do profeta Miqueias (Mq 5, 1), mas o seu único pensamento é o trono. Portanto, o próprio Deus deve ser ofuscado e as pessoas devem reduzir-se a simples peões a serem movidos no grande tabuleiro do poder. Herodes é um personagem que não nos é simpático e que instinti- vamente julgamos de modo negativo por sua brutalidade. Mas deveríamos perguntar: não existe qualquer coisa de Herodes também em nós? Também nós, por vezes, não vemos Deus como uma espécie de rival? Não somos igualmente cegos diante dos seus sinais, surdos às suas palavras, porque pensamos que põem limites à nossa vida e não nos permitem dispor da existência conforme o nosso bel-prazer? Caros irmãos e irmãs, quando vemos Deus desse modo, acabamos por nos sentir insatisfeitos e descontentes, porque não nos deixamos guiar por Aquele que está no fundamento de todas as coisas. Devemos tirar da nossa mente e do nosso coração a ideia de rivalidade, a ideia de que dar espaço a Deus é um limite para nós mesmos; devemos nos abrir à certeza de que Deus é o amor onipotente que não tira nada, não ameaça; antes, é o Único capaz de oferecer a possibilidade de viver em plenitude, de experimentar a verdadeira alegria. Os Magos encontram, pois, os estudiosos, os teólogos, os peritos que sabem tudo sobre as Sagradas Escrituras, conhecem as suas possíveis interpretações e podem citar de memória cada passagem. São, portanto, uma preciosa ajuda para os que querem percorrer as vias de Deus. Mas, afirma Santo Agostinho, enquanto gostam de ser guias para os outros, indicando-lhes o caminho, eles próprios não andam, permanecem imóveis. Para eles as Escrituras se tornaram uma espécie de atlas para ser lido com curiosidade, um conjunto de palavras e de conceitos para examinar e sobre os quais discutir doutamente. E novamente podemos nos perguntar: não existe também em nós a tentação de considerar as Sagradas Escrituras, esse tesouro riquíssimo e vital para a Igreja, mais como objeto de estudo e discussão dos especialistas que como o Livro que nos indica o caminho para chegar à vida? Penso que, como indiquei na Exortação apostólica Verbum Domini, em nós deveria sempre renascer a profunda disposição para ver nas palavras da Sagrada Escritura, lida na Tradição viva da Igreja (n.18), a verdade que nos diz o que é o homem e como ele pode realizar-se plenamente, a verdade que é o caminho a ser percorrido cotidianamente, junto com os outros, se queremos construir a nossa existência sobre a rocha e não sobre a areia. O universo não é resultado do acaso E assim chegamos à estrela. Que tipo de estrela era aquela que os Magos viram e seguiram? Ao longo dos séculos esta pergunta tem sido objeto de discussões entre os astrônomos. Kepler, por exemplo, acreditava tratar-se de uma “nova” ou uma “supernova”, ou seja, uma daque- L’Osservatore Romano Estudiosos que indicam o caminho, mas permanecem imóveis Vista do Altar da Confissão durante a Missa da Epifania do Senhor las estrelas que normalmente emanam uma luz fraca, mas que podem sofrer repentinamente uma violenta explosão interna emanando uma luz excepcional. É algo interessante, sem dúvida, mas que não nos conduz àquilo que é essencial para compreender a estrela. Devemos retornar ao fato de que aqueles homens procuravam os vestígios de Deus; procuravam ler a sua “assinatura” na criação; sabiam que “os céus narram a glória de Deus” (Sl 19, 2); estavam certos de que Deus pode ser vislumbrado nas criaturas. Mas, conhecemos pelos homens sábios que não é com nenhum telescópio, mas com os olhos profundos da razão à busca do sentido último da realidade e com o desejo de Deus movido pela fé, que é possível encontrá-Lo, e assim também se torna possível que Deus se aproxime de nós. O universo não é o resultado do acaso, como alguns quiseram fazer crer. Contemplando-o, somos convidados a interpretar algo profundo: a sabedoria do Criador, a inexaurível imaginação de Deus, o seu infinito amor por nós. Não devemos limitar a mente com teorias que só chegam até certo ponto e que — se observamos bem — não estão, de modo algum, em competição com a fé, mas não são capazes de explicar o sentido último da realidade. Na beleza do mundo, no seu mistério, na sua grandeza e na sua racionalidade, não podemos deixar de ler a racionalidade eterna, e não podemos senão deixar-nos guiar por ela até o único Deus, criador do Céu e da Terra. Se tivermos esse olhar, veremos que tanto Aquele que criou o mundo como Aquele que nasceu numa gruta em Belém e continua a viver em nosso meio na Eucaristia são o mesmo Deus vivo que nos interpela, nos ama e nos quer conduzir à vida eterna. Deus tem critérios diferentes daqueles dos homens Herodes, os peritos das Escrituras, a estrela. Mas sigamos o caminho dos Magos que chegaram a Jerusalém. Sobre a grande cidade a estrela desaparece, não é mais vista. Que significa isso? Também neste caso devemos interpretar o sinal com profundidade. Para aqueles homens era lógico procurar o rei no palácio real, onde se encontravam os sábios conselheiros da corte. Mas, provavelmente com estupor, eles constataram que Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 7 Aquele recém-nascido não se encontrava nos lugares do poder e da cultura, ainda que nesses lugares tenham oferecido preciosas informações a seu respeito. Ao contrário, damo-nos conta de que, por vezes, o poder, mesmo o do conhecimento, obstrui o caminho do encontro com o Menino. A estrela os guiou, então, a Belém, uma pequena cidade; guiou-os entre os pobres, entre os humildes, para encontrar o Rei do mundo. Os critérios de Deus são diferentes daqueles dos homens; Deus não se manifesta no poder deste mundo, mas na humildade do seu amor, aquele amor que pede à nossa liberdade para acolhê-lo a fim de transformar-nos e tornar-nos capazes de chegar Àquele que é o Amor. Todavia, também para nós as coisas não são diferentes de como eram para os Magos. Se nos tivessem perguntado nossa opinião sobre como Deus deveria salvar o mundo, tal- vez tivéssemos respondido que Ele deveria manifestar todo o seu poder para dar ao mundo um sistema econômico mais justo, no qual cada um pudesse ter tudo o que desejasse. Na realidade, isso constituiria uma espécie de violência sobre o homem, porque o privaria dos elementos fundamentais que o caracterizam. De fato, dessa maneira não seriam postos em causa nem a nossa liberdade, nem o nosso amor. O poder de Deus se manifesta de um modo totalmente diferente: em Belém, onde encontramos a aparente impotência do seu amor. E é para lá que nós devemos ir, e é lá que reencontramos a estrela de Deus. A Palavra de Deus é a verdadeira estrela Assim, aparece-nos bem claro ainda um último elemento importante do episódio dos Magos: a linguagem da criação que permite per- correr um bom trecho do caminho rumo a Deus, mas não alcança a luz definitiva. No fim, foi indispensável para os Magos escutar a voz das Sagradas Escrituras: só elas podiam indicar-lhes o caminho. É a Palavra de Deus a verdadeira estrela, que, na incerteza dos discursos humanos, nos oferece o imenso esplendor da verdade divina. Caros irmãos e irmãs, deixemo-nos guiar por essa estrela que é a Palavra de Deus, sigamo-la na nossa vida, caminhando com a Igreja, onde a Palavra armou sua tenda. O nosso caminho será sempre iluminado por uma luz que nenhum outro sinal pode nos dar. E poderemos também nos tornar estrela para os outros, reflexo daquela luz que Cristo fez resplandecer diante de nós. Amém. (Excerto da Homilia na Missa da Epifania do Senhor, 6/1/2011 – Tradução: Arautos do Evangelho) A luminosa beleza de Maria apoia e alimenta nossa esperança Reflexão teológica e espiritual, liturgia, devoção mariana e representação artística formam um conjunto realmente capaz de suscitar uma compreensão mais profunda do mistério de Maria. A XV Sessão Pública foi preparada pela Pontifícia Academia Mariana Internacional e pela Pontifícia Academia da Imaculada, as quais muito oportunamente quiseram que nesta solene reunião fosse recordado o 60º aniver- 8 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 sário da Proclamação do Dogma da Assunção de Maria, propondo o tema: A Assunção de Maria, sinal de consolação e de esperança segura. Com efeito, a 1º de novembro de 1950, durante um memorável Jubileu, o Venerável Pio XII, promulgando a Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, proclamava solenemente tal Dogma, na Praça de São Pedro. Alguns anos antes, em 1946, o padre Carlo Balić, OFM, tinha fundado a Academia Mariana Internacional exatamente para apoiar e coordenar o movimento assuncionista. Modelo e paradigma da nova humanidade No difícil e delicado momento histórico que se seguiu à conclusão da Segunda Guerra Mundial, Pio XII, com aquele gesto solene, quis indicar não só aos católicos, mas a todos os homens e mulheres de boa vontade, a singular figura de Maria como modelo e paradigma da nova humanidade remida por Cristo: “É lícito esperar — afirmava — que, ao meditarem sobre os exemplos gloriosos de Maria, todos se persuadam cada vez mais do valor da vida humana, [...] espera-se ainda que este exemplo luminoso e incomparável, posto diante dos olhos de todos, mostre com plena luz qual é o fim a que se destinam a nossa alma e o nosso corpo. E, finalmente, esperamos que a fé na assunção corpórea de Maria ao Céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição” (Munificentissimus Deus: AAS 42, 1950, 753-771). Considero estes votos mais atuais que nunca, e também exorto todos vós a deixar-vos guiar por Maria para serdes anunciadores e testemunhas da esperança que brota da contemplação dos Mistérios de Cristo, morto e ressuscitado para a nossa salvação. gir a sua perfeição no século futuro, assim também já agora na Terra, enquanto não chega o dia do Senhor (cf. II Pd 3, 10)” (n.68). Na Carta Encíclica Spe salvi, dedicada à esperança cristã, não podia deixar de mencionar o particular papel de Maria, que apoia e guia o caminho dos crentes rumo à pátria do Céu. Dirigi-me a Ela invocando-a como Estrela da Esperança para a Igreja e para toda a humanidade (cf. n.49). Maria é a estrela resplandecente de luz e beleza, que anuncia e antecipa o nosso futuro, a condição definitiva para a qual Deus, Pai rico em misericórdia, nos chama. Os Padres e os Doutores da Igreja, fazendo-se eco inclusive do sentimento comum dos fiéis e refletindo sobre o que a liturgia celebrava, proclamaram o singular privilégio de Maria, ilustraram a sua luminosa beleza, que apoia e alimenta a nossa esperança. [...] G ta us vo Kr alj Estrela resplandecente de luz e beleza De fato, como ensina o Concílio Vaticano II na Constituição dogmática Lumen gentium, Maria é sinal de esperança certa e de consolação para o Povo de Deus peregrino na História: “A Mãe de Jesus, já glorificada no Céu em corpo e alma, é imagem e primícias da Igreja, que há de atin- “Coroação de Nossa Senhora Assumpta aos Céus”, Basílica de Santa Maria Maior, Roma (Itália) Convite a percorrer a “via pulchritudinis” Portanto, percorrendo a via pulchritudinis que o Servo de Deus Paulo VI indicou como itinerário fecundo de busca teológica e mariológica, gostaria de notar a profunda sintonia entre o pensamento teológico e místico, a liturgia, a devoção mariana e as obras de arte que, com o esplendor das cores e das formas, cantam o mistério da Assunção de Maria e a sua glória celeste ao lado do Filho. Entre estas últimas, convido-vos a admirar duas particularmente significativas em Roma: os mosaicos absidais das basílicas marianas de Santa Maria Maior e de Santa Maria in Trastevere. Reflexão teológica e espiritual, liturgia, devoção mariana e representação artística formam um conjunto, uma mensagem completa e eficaz, deveras capaz de suscitar a maravilha dos olhos, de tocar os corações e de estimular a inteligência para uma compreensão ainda mais profunda do mistério de Maria, no qual vemos claramente refletido e anunciado o nosso destino, a nossa esperança. Por conseguinte, aproveito a ocasião para convidar os estudiosos de teologia e de mariologia a percorrer a via pulchritudinis e faço votos de que, também nos nossos dias, graças a uma maior colaboração entre teólogos, liturgistas e artistas, se possam oferecer mensagens incisivas e eficazes à admiração e contemplação de todos. (Excertos da mensagem do Papa Bento XVI ao Cardeal Gianfranco Ravasi, para a XV Sessão Pública das Academias Pontifícias, 15/12/2010) Todos os direitos sobre os documentos pontifícios estão reservados à Libreria Editrice Vaticana. A íntegra dos documentos acima pode ser encontrada em www.vatican.va Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 9 a Evangelho A “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 17 ‘Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. 18 Em verdade, Eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra. 19 Portanto, quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus. Porém, quem os praticar e ensinar, será considerado grande no Reino dos Céus. 20 Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus. 21 Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal’. 22 Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno. 23 Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e aí te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa a tua oferta aí diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta. 25 Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás jogado na prisão. 26 Em verdade Eu te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo. Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. 28 Eu, porém, vos digo: Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29 Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser jogado no inferno. 30 Se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perder um dos teus membros, do que todo o teu corpo ir para o inferno. 31 Foi dito também: ‘Quem se divorciar de sua mulher, dê-lhe uma certidão de divórcio’. 32 Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por motivo de união irregular, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a mulher divorciada comete adultério. 33 Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não jurarás falso’, mas ‘cumprirás os teus juramentos feitos ao Senhor’. 34 Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35 nem pela terra, porque é o suporte onde apoia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei. 36 Não jures tampouco pela tua cabeça, porque tu não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo. 37 Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno’” (Mt 5, 17-37). 27 Detalhe do pórtico da Sainte Chapelle, Paris 10 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Comentário ao Evangelho – VI Domingo do Tempo Comum O verdadeiro cumprimento da Lei está no que dizem os fariseus? Sergio Hollmann A Liturgia deste domingo nos mostra que o Messias não veio abolir nem diminuir a Lei, mas sim dar-lhe pleno cumprimento. Ora, diz-nos São Paulo que ninguém se justifica pela prática da Lei, mas só pela fé em Jesus Cristo. Como resolver essa aparente contradição? Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP I – O pecado e a Lei No Paraíso Terrestre, o homem refletia de modo admirável o Criador na perfeita harmonia reinante entre Fé e razão, vontade e sensibilidade. A Fé iluminava o entendimento, e este governava uma vontade inteiramente equilibrada, contra a qual a concupiscência não se revoltava, pois no primeiro homem — ensina São Tomás — “a alma estava submetida a Deus, seguindo os preceitos divinos, e também a carne estava submetida em tudo à alma e à razão”.1 Gozavam ainda nossos primeiros pais do dom de integridade, pelo qual sua alma tendia ao mais elevado e tinha propensão para escolher o bem. A ausência de conflitos entre as diversas partes desse microuniverso chamado homem — mineral, vegetal, animal e espiritual — outorgava-lhe a fe- licidade e lhe proporcionava toda a facilidade para cumprir a Lei Natural. Ora, com o pecado, Adão e Eva perderam esse dom, a harmonia na qual se encontravam, estabelecida graças à justiça original, foi destruída; e rompeu-se o domínio das faculdades espirituais sobre o corpo.2 A carne, afirma São Tomás de Aquino, “passou a ser desobediente à razão”,3 e cada uma das partes que compõem o homem quis fazer valer sua própria lei. A desordem introduziu-se em nosso interior. Necessidade de preceitos claros e insofismáveis Deus implantou na alma humana uma luz intelectual pela qual o homem conhece que o bem deve ser praticado e o mal, evitado. Essa luz — denominada sindérese pela Escolástica — não Fevereiro 2011 · Flashes Pelo dom de integridade, a alma de nossos primeiros pais tinha propensão para escolher o bem de Fátima 11 Julgando-se os únicos donos da verdade, os Doutores da Lei serviramse de sua autoridade para criar uma moral baseada nas exterioridades se apagou com o primeiro pecado, mas permanece em nossa alma. Conforme afirma o Concílio Vaticano II, o homem “tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus”,4 a Lei Natural. E como nosso espírito é governado por uma lógica monolítica, não conseguimos praticar qualquer ação má sem procurar justificá-la de alguma maneira. Por isso, para poder pecar, o homem recorre a falsas razões que sufocam sua reta consciência e levam o entendimento a apresentar à vontade o objeto desejado como um bem. É essa a origem dos sofismas e doutrinas errôneas com os quais procuramos dissimular nossas más ações. À vista disso, tornou-se indispensável — além do selo impresso por Deus no mais íntimo das nossas almas — a existência de preceitos concretos a lembrar-nos de forma clara e insofismável o conteúdo da Lei Natural.5 São eles os Dez Mandamentos entregues por Deus a Moisés no monte Sinai.6 Com efeito, de forma muito sintética, compendia o Decálogo as regras postas por Deus na alma humana. Deus “escreveu em tábuas” o que os homens “não conseguiam ler em seus corações”, afirma Santo Agostinho.7 E o fato de ter sido gravado em pedra — elemento firme, estável e duradouro — simboliza o caráter perene da sua vigência. Os fariseus deturpam a Lei de Moisés Face a toda norma jurídica, há sempre duas correntes: a dos laxistas que, em nome da “moderação”, justificam sua inobservância com todo gênero de ardis e racionalizações; e a dos exagerados, apreciadores da lei pela lei, abstraindo do seu verdadeiro espírito e do seu vínculo com o Legislador. Na segunda categoria estavam os escribas e fariseus. Negligenciavam o cumprimento dos mais fundamentais preceitos do Decálogo, mas acrescentaram à Lei mosaica, ao longo dos tempos, numerosas obrigações e regras, levando sua prática a extremos ridículos. Ora, essa Lei, escreve Fillion, “deveria ser para os israelitas um privilégio, e não um fardo; entretanto, por obra dos fariseus e das numerosas prescrições coligidas por eles, pesava de modo opressivo sobre os ombros dos judeus”.8 Julgando-se os únicos donos da verdade, os Doutores da Lei serviram-se de sua autoridade para criar uma moral baseada nas exteriorida- 12 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 des, enquanto o orgulho, a inveja, a ira e outros vícios borbulhavam sem freio em seus corações. Mereciam, portanto, a terrível censura de Nosso Senhor: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixais de lado os ensinamentos mais importantes da Lei. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais o copo por fora, mas por dentro estais cheios de roubo e cobiça. Serpentes! Víboras que sois! Como escapareis da condenação do inferno?” (Mt 23, 23.25.33). II – Cristo é a plenitude da Lei “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. 17 De tal forma Jesus abstraia de algumas normas farisaicas, que muitos poderiam imaginar ter vindo Ele revogar a Lei mosaica, substituindo-a por outra. Os Doutores da Lei, por exemplo, proibiam o contato com os pecadores e publicanos, enquanto o Divino Mestre ia jantar em casa deles. Rompia também os preceitos farisaicos do sábado, permitia que seus discípulos omitissem as abluções rituais antes da refeição e afirmava não estar a impureza nos alimentos, mas sim no coração. Tudo isso poderia dar a impressão de ser Ele um laxista disposto a abolir as antigas práticas, excessivamente rigorosas. O Decálogo é um reflexo do Criador Não ignorando essa objeção dos seus ouvintes, começa Jesus por mostrar-lhes não ser a Boa Nova “uma doutrina de facilidades e uma religião a preços promocionais, menos ainda uma anarquia ou um rompimento revolucionário com o passado de Israel”.9 Pelo contrário, Ele vai edificar o Evangelho “sobre os antigos fundamentos, e da Lei divina nada passará, a menos que se diga que um botão de rosa acaba quando a flor desabrocha, ou que um esboço traçado a lápis é suprimido quando a pintura definitiva vem completá-lo, fixá-lo para sempre”.10 Em que consiste, então, o “pleno cumprimento” anunciado pelo Messias? A antiga Lei era, segundo São Tomás, a “da sombra”, pois apenas “figurava com alguns atos cerimoniais e prometia por palavras” a justifi- Decálogo e moral de situação “Em verdade, Eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra”. 18 Os adeptos da chamada “moral de situação” defendem a mutabilidade dos princípios éticos em função do contexto no qual são eles aplicados. Assim, segundo essa filosofia, se os costumes evoluem ao longo dos tempos, o mesmo deve ocorrer com as normas morais. Ou então, mesmo admitindo serem elas universais e perenes, deve-se evitar sua aplicação de forma absoluta nas situações concretas, reduzindo seu valor ao de meras orientações a serem ponderadas em função das circunstâncias do momento.13 Ora, a Lei sintetizada nos preceitos do Decálogo é absoluta e permanente, conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Visto que exprimem os deveres fundamentais do homem para com Deus e para com o próximo, os Dez Mandamentos revelam, em seu conteúdo primordial, obrigações graves. São essencialmente imutáveis, e sua obrigação vale sempre e em toda parte. Ninguém pode dispensar-se deles”.14 Portanto, aquilo que era pecado quando Adão e Eva saíram do Paraíso, sê-lo-á também até o último dia, quando for morto o Anticristo e vier o fim do mundo. O pecado de escândalo “Portanto, quem desobedecer a um só destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus. Porém, quem os praticar e ensinar, será considerado grande no Reino dos Céus”. 19 Sergio Hollmann cação dos homens.11 A nova, entretanto, é a “da verdade”, porque realiza em Cristo tudo quanto a Lei antiga prometia e figurava. Ou seja, a Lei nova realiza a antiga enquanto supre o que faltara a esta.12 Nosso Senhor não é só o Autor da Lei, mas também a Lei viva. Assim como dizemos que “o Verbo de Deus Se fez carne”, podemos afirmar que “a Lei de Deus Se fez carne e habitou entre nós”. No Divino Mestre se encontram os Dez Mandamentos no estado de divindade, pois, por exemplo, o que fez Ele na sua vida terrena senão praticar a todo o momento o Primeiro Mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus sobre todas as coisas”? Nessa perspectiva, fácil é vermos no Decálogo um reflexo do Criador, compreendermos a beleza que existe nos seus preceitos e acatá-los com amor, de modo a criar em nossa alma a aspiração de cumpri-los com integridade, como meio de nos aproximarmos de Deus. Ora, pior que desobedecer aos preceitos da Lei divina é criar ou propagar uma doutrina que convide a transgredi-los. Quem assim procede perde, sem dúvida, a graça de Deus e, caso não se emendar, “será considerado mínimo no momento do Juízo; ou seja, será reprovado, será o último. E o último cairá inexoravelmente no inferno”.15 A “justiça” dos fariseus “Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”. 20 Os escribas e fariseus conheciam perfeitamente a Lei e sabiam pesar cada ato em função dela. Apresentavam-se como a “lei viva”, mas era justamente isto o que não se podia afirmar deles. Como já foi dito acima, sua justiça fundava-se nas exterioridades. “Quanto ao repouso sabático, haviam eles multiplicado as interdições, entrando nos mais ínfimos detalhes. Sobre a questão das impurezas, deram livre curso à imaginação e acrescentaram à legislação mosaica as mais minuciosas prescrições”.16 Jesus nos adverte aqui ser indispensável, para entrar no Reino dos Céus, praticar uma virtude “maior” que a dos fariseus e mestres da Lei. Ou seja, não se prender às exterioridades, nem fazer enganosas racionalizações, mas cumprir de fato em sua integridade, amorosamente, os Dez Mandamentos. A Lei sintetizada nos preceitos do Decálogo é absoluta e permanente, conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica “Moisés” - Vitral da Catedral de São Benigno, Dijon (França) III – Jesus condena a moral farisaica Nos versículos seguintes, Nosso Senhor utiliza várias vezes as expressões “Vós ouvistes...” e “Eu vos digo...” para confrontar a moral de Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 13 exterioridades, praticada pelos fariseus, com a verdadeira moral. Cristo, Ele mesmo, é a Palavra eterna, posta aqui em contraposição à palavra dos fariseus. A Lei antiga e imutável vai ser levada agora até as últimas consequências, denunciando as interpretações errôneas daqueles que se apresentavam diante do povo como “mestres” infalíveis. Participação no pecado de homicídio “Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal’. 22 Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: ‘patife!’ será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de ‘tolo’ será condenado ao fogo do inferno. 23 Portanto, quando tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e aí te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa a tua oferta aí diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta”. 21 O relacionamento entre os homens deve pautar-se pelo respeito, consideração e estima Os fariseus consideravam o homicídio um pecado gravíssimo, mas não reputavam ser falta moral encolerizar-se com o irmão, ou dizer-lhe toda espécie de desaforos. Nosso Senhor mostra-lhes que quem assim procede também será réu no dia do Juízo, pois, ao se deixar levar deste modo pelo ódio, ele já encetou as vias conducentes ao homicídio, participando em certa medida desse crime e merecendo por isso análogo castigo. Mais ainda. Com sua palavra e exemplo, ensinou Jesus que na Nova Aliança o relacionamento entre os homens deve, pelo contrário, pautar-se pelo respeito, consideração e estima de forma a não dar ocasião a qualquer queixa recíproca. Preparemo-nos para o dia do Juízo “Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu serás 25 14 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 jogado na prisão. 26 Em verdade Eu te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo”. O “adversário” de que fala Nosso Senhor neste versículo simboliza, sob certo prisma, Ele mesmo: o Bem substancial do qual nos tornamos inimigos ao pecar.17 O mais necessário e urgente, portanto, é procurar primeiro nos reconciliar com Ele, reconhecendo as nossas faltas, pedindo perdão por elas e fazendo firme propósito de doravante não nos desviarmos das retas vias do Redentor. Pois, cedo ou tarde, terminará nossa peregrinação terrena e compareceremos diante do Supremo Juiz, que pronunciará uma sentença justíssima e inapelável. Se nesse dia nosso divino Adversário ainda tiver algo a declarar contra nós, a dívida será saldada, na melhor das hipóteses, no fogo do Purgatório, do qual não se sai sem pagar até o último centavo. Trata-se, portanto, de agir com total integridade no caminho rumo ao derradeiro julgamento. De nada valerão racionalizações com as quais burlamos nossa consciência, porque jamais será possível ludibriar a Deus. Ele está dentro de nós e nós estamos dentro d’Ele. Tudo se faz em sua presença, e todos os nossos atos virão à tona no dia do Juízo Final para serem conhecidos pela humanidade e pelos anjos. Vigilância e fuga das ocasiões “Ouvistes o que foi dito: ‘Não cometerás adultério’. 28 Eu, porém, vos digo: Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29 Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e joga-o para longe de ti! De fato, é melhor perder um de teus membros, do que todo o teu corpo ser jogado no inferno. 30 Se a tua mão direita é para ti ocasião de pecado, corta-a e joga-a para longe de ti! De fato, é melhor perder um dos teus membros, do que todo o teu corpo ir para o inferno”. 27 A Lei de Moisés condenava o adultério e castigava-o com a morte (cf. Lv 20, 10). Mas a moral farisaica, fundada em ritos e exterioridades, Timothy Ring A Lei de Moisés condenava o adultério, mas a moral farisaica em nada se importava com a lascívia dos olhares e dos maus desejos Detalhe do quadro “Nosso Senhor com a mulher adúltera” – Catedral de Ávila (Espanha) em nada se importava com a lascívia dos olhares ou dos maus desejos. “Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração”: refere-Se aqui Nosso Senhor ao nono Mandamento do Decálogo, o qual condena também o pecado interior: “Não cobiçaras a mulher do teu próximo” (Dt 5,21). Logo a seguir, o Divino Mestre frisa a radicalidade com que devem ser praticados os Mandamentos, exortando-nos a levar até os últimos extremos o princípio da fuga das ocasiões de pecado. “Vigiai e orai para não cairdes em tentação” (Mt 26, 41), dirá Ele no Horto das Oliveiras. A oração é indispensável, mas não suficiente: é também necessário vigiar e afastar-se completamente daquilo que conduz ao pecado, sobretudo em matéria de castidade. Uma concessão temporária em desacordo com a Lei Natural Foi dito também: ‘Quem se divorciar de sua mulher, dê-lhe uma certidão de divórcio’. 32 Eu, porém, vos digo: Todo aquele que se divorcia de sua mulher, a não ser por motivo de união irregular, faz com que ela se torne adúltera; e quem se casa com a mulher divorciada comete adultério”. 31 “ Moisés estabeleceu no Deuteronômio que “se um homem toma uma mulher e se casa com ela, e esta não lhe agrada, porque descobriu nela algo inconveniente, ele lhe escreverá um ates- tado de divórcio e assim despedirá a mulher” (Dt 24, 1). Ora, as interpretações laxistas dessa passagem bíblica deram margem a escandalosos abusos, a ponto de ser o divórcio, segundo o Cardeal Gomá, “um mal gravíssimo do povo judeu, no tempo de Jesus”.18 Com efeito, explica Fillion: “As palavras ‘algo inconveniente’, utilizadas pelo Deuteronômio, eram de si vagas. Mas tinham recebido de Hillel e dos de sua escola um interpretação escandalosa, que abria de par em par as portas para a paixão. Admitiam que a mulher, mesmo fidelíssima, podia ser despedida por qualquer motivo ou, digamos melhor, por qualquer frívolo pretexto: um prato mal preparado, a vista de uma mulher mais formosa — atreviam-se a dizer os rabinos — eram razão para o divórcio”.19 Acrescia-se a isto o fato de o divórcio não ser conforme à Lei Natural.20 Como mais adiante afirmará o próprio Nosso Senhor, tratava-se de uma concessão temporária feita por Moisés devido à dureza de coração dos hebreus, “mas não foi assim desde o princípio” (Mt 19, 8). Comenta a este propósito São Cromácio de Aquileia: “Com razão, nosso Senhor e Salvador, eliminada aquela permissão, restaura agora os preceitos de sua antiga constituição. Ordena, pois, conservar como lei indissolúvel a união do matrimônio casto, mostrando que a lei conjugal estava instituída originariamente por Ele”.21 Ao nos exortar a levar até os últimos extremos o princípio da fuga das ocasiões de pecado, Jesus frisa a radicalidade com que devem ser praticados os mandamentos A fé elimina o mau costume de jurar “Vós ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não jurarás falso’, mas ‘cumpri33 Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 15 L’Osservatore Romano rás os teus juramentos feitos ao Senhor’. 34 Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35 nem pela terra, porque é o suporte onde apoia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei. 36 Não jures tampouco pela tua cabeça, porque tu não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo”. “Aprendei a chamar pecado ao pecado, e a não lhe chamar libertação e progresso, ainda que toda a moda e a propaganda fossem contrárias” (João Paulo II) A Lei de Moisés, afirma o padre Tuya, “proibia expressamente o falso juramento, mas, ressalvado isso, a casuística rabínica fez um prodígio de subtilezas e distinções para justificar os juramentos”.22 No tempo de Jesus, o abuso de jurar a qualquer propósito alcançara um grau inacreditável, e isso O levou a condenar expressamente, neste Sermão da Montanha, todo tipo de juramento: “Não jureis de modo algum”. Os três versículos do sintético texto de São Mateus, acima transcritos, indicam bem a gravidade desse mal. 1 SÃO TOMÁS DE AQUINO. A Luz da Fé – Comentários ao Credo, Pai-nosso, Ave-Maria e Mandamentos. Lisboa: Verbo, 2002, p.133. – No mesmo sentido, ensina o Catecismo da Igreja Católica que o homem tinha então o domínio de si mesmo e “estava intacto e ordenado em todo o seu ser” (n.377). Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.400. 2 CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et spes, n.16. 5 Ensina o Doutor Angélico: “Dado que, deste modo, a 16 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 “Aprendei a chamar de pecado o pecado” “Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno”. 37 Nossa vida deve ser um perpétuo “sim” a tudo quanto Cristo espera de nós, e um firme “não” às propostas e sugestões do demônio. A isso nos convida o Papa João Paulo II: “Aprendei a pensar, a falar e atuar segundo os princípios da simplicidade e da clareza evangélica: ‘Sim, sim; não, não’. Aprendei a chamar de Lei Natural foi destruída pela lei da concupiscência, era necessário que o homem fosse reconduzido às obras da virtude e restabelecido na vida. Para isso era necessária a lei da Escritura” (SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., p.134). 6 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.2070. 7 SAN AGUSTÍN. Enarrationes in Ps. 57, 1. In: Obras de San Agustin. Madrid: BAC, 1965, v.XX, p.417. 8 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, 2000, v.III, p.53. 3 SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., p.134. 4 Ocorria que, levados pelo orgulho, julgaram os fariseus haver maior honra e mérito em “fazer todas as coisas por Deus, obrigando-se por juramento”; e do preceito “não tomarás o nome de Deus em vão” deduziram, por uma interpretação forçada: “logo, tomarás o nome de Deus sempre que seja como garantia de algo que não seja falso”.23 Entre os cristãos, pelo contrário, devem reinar a sinceridade e a confiança, fruto da retidão de almas habitualmente em estado de graça, conforme ensina Santo Hilário de Poitiers: “A fé elimina o costume de jurar. Fundamenta na verdade a atividade de nossa vida e, rechaçando a inclinação para mentir, prescreve a lealdade tanto no falar como no ouvir. [...] Portanto, quem vive na simplicidade da fé não precisa recorrer a juramentos”.24 9 GRANDMAISON, SJ, Léonce de. Jésus-Christ, sa personne, son message, ses preuves. 6.ed. Paris: Beauchesne, 1928, v.II, p.14. 10 Idem, ibidem. 11 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q.107, a.2, resp. 12 Cf. idem, ibidem. 13 Sobre este tema ver, por exemplo, PIO XII. Soyez les Bienvenues – Discurso sobre os erros da moral de situação, 18/4/1952. 14 Catecismo da Igreja Católica, n.2072. IV – Não devemos fazer concessões em matéria moral A leitura do Evangelho deste domingo nos reporta a um dos problemas mais graves do mundo moderno: a terrível perda do senso moral que assola as almas de tantos dos nossos contemporâneos. Com efeito, afirma o Papa Bento XVI, “vivemos num contexto cultural marcado pela mentalidade hedonista e relativista, que propende para eliminar Deus do horizonte da vida, não favorece a aquisição de um quadro claro de valores de referência e não ajuda a discernir o bem do mal e a maturar um justo sentido do pecado”.26 Companheiro inseparável da mentalidade descrita pelo Santo Padre é um falso e deletério conceito de liberdade, sintetizado por um dos mais famosos lemas de Maio de 68, É proibido proibir!, segundo o qual toda regra ou preceito devem ser banidos. Hoje, portanto, mais do que nunca, é preciso lembrar que a Lei de Deus não é um castigo pelo pecado dos nossos primeiros pais, mas sim 15 SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilías sobre el Evangelio de Mateo, 16, 4, apud ODEN, Thomas C. e SIMONETTI, Manlio. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva, 2004, p.153. 16 ROBERT, A. et TRICOT, A. Initiation Biblique. Tournai: Desclée & Cie., 1948, p.729. 17 Outros comentaristas, como Maldonado, consideram ser o adversário “aquele a quem ferimos, a quem chamamos raca ou néscio, que tem motivos para acusar-nos diante de Deus; o caminho é o tempo desta vida e o juiz é Cristo, o qual dirá: ‘O que fizes- um precioso meio de nos tornar mais semelhantes a Ele. Pois, ao contrário do afirmado pelos revolucionários da Sorbonne, são as faltas praticadas pelo homem — e não os preceitos divinos — que tolhem sua liberdade: “O pecador se torna escravo do pecado” (Jo 8, 34). No Céu, a Lei reluzirá gloriosa para aqueles que a praticaram nesta vida, os bem-aventurados; enquanto se apresentará como eterna censura aos que se revoltaram contra ela e foram condenados ao fogo eterno. Dessa inexorável alternativa, ninguém escapa: quem não está na Lei da misericórdia divina, cai na Lei da justiça de Deus. Não há uma terceira opção. Aproveitemos esta Liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum para analisarmos nossa consciência à procura de alguma racionalização que nos esteja conduzindo a concessões morais, em nossa vida profissional ou particular. Que Maria Santíssima jamais permita nos desviarmos das abençoadas sendas da integridade de alma, ajudando-nos a nunca dar consentimento a nenhuma relativização da Lei de Deus. tes a algum destes pequeninos, a Mim o fizestes’” (MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. Madrid: BAC, 1950, v.I, p.263). 18 19 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.II, p.178. FILLION, op. cit., v.II, p.104105. 20 Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.2384. 21 CROMACIO DE AQUILEYA. Comentario al Evangelio de Mateo, 24, 1, 1-3, L’Osservatore Romano branco ao branco, e preto ao preto — mal ao mal, e bem ao bem. Aprendei a chamar pecado ao pecado, e a não lhe chamar libertação e progresso, ainda que toda a moda e a propaganda fossem contrárias”.25 “Vivemos num contexto cultural marcado pela mentalidade hedonista e relativista, que não ajuda a discernir o bem do mal e a maturar um justo sentido do pecado” (Bento XVI) apud ODEN e SIMONETTI, op. cit., p.169. 22 TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, v.II, p.115. 23 Idem, ibidem. 24 SAN HILARIO DE POITIERS. Sobre el Evangelio de Mateo, 4, 23, apud ODEN e SIMONETTI, op. cit., p.172. 25 JOÃO PAULO II. Homilia na Santa Missa em preparação para a Páscoa dos universitários (26/03/1981). 26 BENTO XVI. Discurso aos participantes no curso anual sobre foro íntimo, promovido pela Penitenciaria Apostólica, 11/3/2010. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 17 Primado e infalibilidade A infalibilidade pontifícia e o primado de jurisdição do Pontífice, necessariamente unidos, devem ser, para todo católico, alvo de um amor preferencial. Mas como fundamentá-los na Escritura, na Tradição e na História? E “ u te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Nos últimos cem anos, poucas passagens do Evangelho têm sido objeto de discussões tão veementes e apaixonadas, pois, segundo alegam alguns, a formulação atual não corresponderia ao original escrito por Mateus, mas tratar-se-ia de um texto manipulado por volta do ano 130 com vistas a justificar o primado de Pedro e seus sucessores sobre seus irmãos no episcopado. Entretanto, durante séculos ninguém pusera em dúvida a autenticidade dessa passagem. Foi preciso aguardar a infiltração do racionalismo na exegese bíblica no século XIX e o historicismo protestante do século XX, para começarem as tentativas de desqualificá-la. Argumentos bíblicos em favor do primado de Pedro Sob o ponto de vista documental, a tese da suposta manipulação desse versículo não se sustenta. Os textos mais antigos que reproduzem a passagem em questão não apresentam nenhum vestígio de adultera- ção: nem o Diatessaron (concordância dos quatro Evangelhos) de Taciano, de meados do segundo século, nem os escritos dos Padres da Igreja anteriores ao século IV e nem os 4 mil códices dos oito primeiros séculos que hoje se conhecem. Pelo contrário, como pode-se ver no box da próxima página, mais de 160 passagens do Novo Testamen- De especial importância para o estudo do primado de Pedro é a história dos primeiros séculos da Igreja to mencionam Pedro ocupando, em muitos deles, uma posição de preeminência sobre os demais Apóstolos. Até mesmo São João, que trata em menor medida do Príncipe dos Apóstolos em seu Evangelho, devido às circunstâncias históricas nas quais foi escrito — em plena polêmica com os gnósticos —, traz duas importantes referências à entrega do primado petrino: “Serás chamado Cefas (que 18 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Pe. Eduardo quer dizer pedra)” (Jo 1, 42); e “Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes? [...] Apascenta meus cordeiros” (Jo 21, 15-17). Ora, é em Mt 16, 18-19 que se baseia principalmente a doutrina sobre o Papado, realçando-se normalmente na interpretação destes versículos a tríplice metáfora usada por Nosso Senhor: São Pedro é fundamento da Igreja, pois é comparado com os alicerces que dão coesão e estabilidade a todo o edifício; seu poder de jurisdição está figurado nas chaves, as quais, na linguagem bíblica e profana, são símbolo do domínio; e, por último, a imagem de ligar e desligar simboliza a capacidade de criar ou abolir leis que obrigam em consciência. Considerada isoladamente, a interpretação acima poderá suscitar ceticismo; mas unida a outros trechos do Novo Testamento, bem como aos escritos dos Padres da Igreja e à praxe dos primeiros séculos de cristianismo constitui um poderoso aparato argumentativo. Todos esses indícios somados convergem em afirmar o primado indiscutível de São Pedro, dado por Cristo e reconhecido ininterruptamente ao longo da História da Igreja. de Pedro Caballero Baza, EP Testemunhos que vêm dos tempos Apostólicos Victor Toniolo De especial importância para o tema que nos ocupa é a história dos primeiros séculos da Igreja, por chocar frontalmente com a gratuita suposição de que o primado de jurisdição universal do Romano Pontífice tenha sido uma invenção posterior aos tempos apostólicos.1 Ora, já na carta enviada pelo Papa São Clemente aos fiéis de Corinto, a respeito da rebelião ocorrida nessa comunidade em torno do ano 96, fica patente o primado romano. Com efeito, nela o Pontífice não pede desculpas por imiscuir-se nos assuntos internos de outra Igreja — como seria normal, caso fosse um simples primus inter pares, chefe de outra Igreja irmã —, mas escusa-se por não ter tido oportunidade de intervir no assunto com mais rapidez; adverte do perigo de cometer pecado grave quem não obedecer às suas admoestações; e mostra-se convencido de que sua atitude é inspirada pelo Espírito Santo.2 Por outro lado, a carta foi recebida em Corinto sem resistências e considerada como uma grande honra, a ponto de ainda no ano de 170, segundo testemunhas, ser lida na liturgia dominical.3 Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 19 Gustavo Kralj Fundamento bíblico do primado petrino Gustavo Kralj Se rg io Ho llm an n S ão Pedro ocupa posição preeminente no Novo Testamento, onde é mencionado 114 vezes nos Evangelhos e 57 vezes nos Atos dos Apóstolos. Fala em nome de todos os Apóstolos (Lc 12, 41, Mt 19, 27, Mc 10, 28, Lc 18, 28), responde por eles (Jo 6, 68, Mt 16, 16, Mc 8, 29) e age por todos (Mt 14, 28, Mc 8, 32, Mt 16, 22, Lc 22, 8, Jo 18, 10). Outras vezes os evangelistas referem-se aos Apóstolos dizendo “Pedro e os seus” (Mc 1, 36, Lc 8, 45; 9, 32, Mc 16, 7, At 2, 14. 37). Jesus o elege depois de fazer um grande milagre (Lc 5, 1-11); serve-Se de sua barca para pregar às multidões (Lc 5, 3); hospeda-Se em sua casa (Mc 1, 29); associa-o a Si no pagamento do tributo (Mt 17, 23-26); escolhe-o, com Tiago e João, para assistir à ressurreição da filha de Jairo (Mc 5, 37), à transfiguração (Mc 9, 2) e à agonia no Getsêmani (Mc 14, 33); é o primeiro a quem aparece ressuscitado (Lc 24, 34). É o único dos Doze que o anjo nomeia para ser-lhe comunicada a mensagem da Páscoa (Mc 16, 7). São João espera a chegada de São Pedro, para deixá-lo entrar primeiro no Sepulcro de Jesus (Jo 20, 2-8). Depois da Ascensão e de Pentecostes, vemos São Pedro exercendo a autoridade máxima na Igreja. Completa o Colégio Apostólico com a eleição de São Matias (At 1, 5ss); fala em nome dos Apóstolos no dia de Pentecostes (At 2, 14ss); defende perante as autoridades judaicas o direito dos Apóstolos, de pregar a Fé em Cristo (At 4, 8-12); condena Ananias e Safira (At 5, 1-11); é inspirado a abrir as portas da Igreja também aos pagãos, com a conversão do centurião Cornélio (At 10, 47); preside o Concílio de Jerusalém (At 15, 6ss); toda a Igreja orava por sua libertação, quando foi encarcerado por ordem de Herodes (At 12, 5). Por outro lado, São Paulo assinala de modo preeminente a importância de São Pedro como cabeça da Igreja. Depois de sua estada na Arábia, dirige-se a Jerusalém para vê-lo (Gal 1, 18); reconhece nele uma das colunas da Igreja (Gal 2, 9); coloca-o como o primeiro entre as testemunhas das aparições de Cristo ressuscitado (Cor 15, 5); e mesmo quando lhe resiste “em face” em Antioquia, age como quem reconhece sua autoridade e, portanto, confirma de algum modo seu primado (Gal 2, 11-14). “Vocação dos Apóstolos Pedro e André”, por Duccio di Buoninsegna - National Gallery of Art, Washington DC. “Cristo entrega as chaves a São Pedro” - Basílica de Paray-le-Monial, França. “Pregação de São Pedro” - Catedral de Manresa, Espanha. 20 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 to Bispo de Antioquia escreve em tom submisso; nas demais, em tom de autoridade. Além do mais, Santo Inácio reconhece à Igreja de Roma o poder de dirigir as outras Igrejas, instruindo-as como a discípulos do Senhor e recomenda sua diocese na Síria à solicitude pastoral da Sé Romana, e não à de qualquer outra Igreja, talvez mais próxima.5 Um terceiro testemunho é o de Santo Irineu de Lyon, Padre da Igreja. Nascido entre 130 e 140, falecido por volta de 202, foi discípulo de São Policarpo, o qual, por sua vez, havia sido discípulo de São João. Portanto, esteve em contato quase direto com a idade apostólica. Em seu tratado Adversus hæreses, fala clara e explicitamente do primado da Igreja Romana sobre todas as outras Igrejas e faz referência à mencionada carta de São Clemente Romano aos fiéis de Corinto, que tinha entre outros objetivos “re- David Santos Domingues novar sua Fé” e “declarar a tradição que havia recebido dos Apóstolos”.6 Eloquente também é a intervenção do Papa Vítor I (189-199) a propósito da data da comemoração da Páscoa, que ele resolveu unificar. Na Província da Ásia se obedecia a outro calendário. Para solucionar a questão, o Papa convocou um Sínodo dos Bispos italianos em Roma, escreveu aos Bispos do mundo inteiro e, por fim, conclamou os Bispos da Ásia a adotar a prática da Igreja universal, de sempre celebrar a Páscoa no domingo. Caso não o atendessem, ele os declararia excluídos da comunhão da Igreja.7 Vários Bispos tentaram moderar a decisão papal, incluindo Santo Irineu, sem resultado, ao que parece. Fato é que pouco a pouco o costume romano se tornou prática comum em toda a Gustavo Kralj Gustavo Kralj Esses fatos adquirem especial relevo ao considerar-se que o Apóstolo São João, ainda vivo, encontrava-se em Éfeso, bem mais perto de Corinto do que de Roma.4 E não consta que nem São Clemente, nem os fiéis de Corinto, nem o próprio São João tenham duvidado da autoridade do Sucessor de Pedro para dirimir a questão. Outro importante testemunho dessa época a favor do primado do Sucessor de Pedro é a carta enviada por Santo Inácio de Antioquia (†107) à Igreja de Roma. Nela também se manifesta de modo evidente, e mais explícito que no caso anterior, o primado da Sé Romana sobre as outras. Com efeito, essa missiva é substancialmente diferente das enviadas por ele nas mesmas circunstâncias (prisioneiro levado da Síria para Roma, onde seria martirizado) a outras Igrejas, como Éfeso, Magnésia, Trália, Filadélfia e Esmirna. Na primeira, o san- Dois Padres Apostólicos e um Padre da Igreja dão importante testemunho do reconhecimento universal do primado do Bispo de Roma nos primeiros séculos da Igreja “São Clemente Romano” - Basílica de São Marcos, Veneza. “Santo Inácio de Antioquia” - Igreja do Gesù, Roma. “Santo Irineu de Lyon” - Paróquia de Santo Irineu, Centocelle, Itália. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 21 Gustavo Kralj Igreja. Trata-se de mais uma amostra do reconhecimento universal do primado do Papa. Supremacia fundada sobre uma rocha divina São Leão Magno — cujo pontificado, entre os anos 440 e 461, constiInsuspeito testemunho tui um interessante ponde um herege to de inflexão na história do primado petrino — reMas os argumentos feria-se à Igreja de Roma não provêm apenas do como magistra (mestra) e campo católico. Por volta não tinha dúvida alguma a do ano 220, Tertuliano, já respeito da autoridade do então envolvido na herePapa sobre o concílio. sia montanista, escreveu Em nome dessa autoum libelo8 atacando o Paridade confirmou a doupa Calisto I, que publicara trina definida pelo Conum edito para ser lido em cílio de Calcedônia (451), todas as igrejas, suavizaniniciando assim uma prádo a disciplina penitencial tica que será mantida por aplicada aos adúlteros e seus sucessores e considefornicadores. rada como necessária paAtribuindo de modo ra conferir validez a qualsarcástico ao sucessor de quer concílio ecumêniPedro a expressão “Ponco.10 Sua conhecida Epístífice Máximo, ou seja, o 9 Bispo dos Bispos” — títola dogmática11 foi aclatulos então usados pelo mada com transportes Imperador romano —, o de entusiasmo pelos Pamalfadado escritor eclesidres reunidos em Calceástico mostra quão abrandônia, quase todos orien“Cristo entrega as chaves a São Pedro” - Paróquia de Saint gente era o poder espiritais, com a famosa sentenPatrick, Roxbury (MA), Estados Unidos tual do Papado. Ademais, ça: “Isto disse Pedro atratermina sua longa objurgatória com vés de Leão!”.12 uma crítica à reivindicação de CalisOra, São Leão Magno desenvolto I de que sua autoridade “de ligar e ve o conceito de soberania petridesligar” se fundamentava na de São na tomando justamente por base o Pedro, dando um precioso testemujá citado versículo de São Mateus: nho de quão antiga é a consciência “Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre da origem divina dessa autoridade. esta pedra edificarei a minha IgreDetalhe importante: ao tentar ja; as portas do inferno não prevarefutar o Papa, Tertuliano — acérlecerão contra ela” (Mt 16, 18). Ele rimo adversário da Igreja que anpõe em realce que essa declaração tes amara — cita sem qualquer obdo Divino Mestre aplica-se efetivajeção a passagem do Evangelho de mente à Sé Romana e que o Papa, São Mateus contestada pelos raciocomo Sucessor de Pedro, tem a misnalistas dezoito séculos mais tarde: são especialíssima de guiar e goversim, o Senhor disse a Pedro que esnar a Igreja universal, bem como o te era a rocha sobre a qual construi- feria a um fato pacificamente aceito direito de intervir e tomar decisões ria a Igreja; deu-lhe, de fato, as cha- por todos em sua época, tão próxi- nas questões eclesiásticas das Igreves, assim como o poder de ligar e ma dos tempos apostólicos, nem se jas locais. desligar, e confiou-lhe o cuidado da permitindo alguma suspeita relacioInfelizmente, fatos históricos inIgreja. Basta ler as palavras de Ter- nada com adulteração do texto bí- dicam, a partir do século VII, uma tuliano para constatar que ele se re- blico. latente recusa do primado de juris- São Leão Magno desenvolve o conceito de soberania petrina tomando justamente por base o citado versículo de São Mateus 22 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Gu st av o dição universal do Bispo de Roma por parte de alguns líderes da Igreja do Oriente, embora reconhecendo em geral a autoridade papal em matéria doutrinária.13 O exaltar dos ânimos teria como triste desfecho o cisma de 1054. Jurisdição plena e universal Duas importantes prerrogativas dimanam do primado de Pedro: o primado de jurisdição universal e a infalibilidade pontifícia. A jurisdição do Papa14 se aplica plena e supremamente à Igreja universal, porque ela abrange toda a potestade outorgada por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja. Essa jurisdição é também monárquica, pois Cristo a concedeu a São Pedro e não aos outros Apóstolos, e ilimitada, o que significa que o Papa não presta contas senão a Deus, por não existir na Igreja instância alguma superior a ele.15 Além do mais, abarca os poderes legislativo, judiciário e executivo. Diz-se também que é uma potestade ordinária no sentido de que é constitutiva do próprio exercício do ministério petrino; imediata porque se exerce por direito próprio, sem necessidade de intermediários; e episcopal, visto ser eminentemente pastoral o objetivo de seu exercício.16 Em consequência, o Papa é, por um lado, livre de entrar em contato direto com seus Pastores e com os fiéis, sem coerção por parte do poder civil;17 e por outro, é o juiz supremo dos fiéis, ao qual todos têm o direito de recorrer e ninguém pode impugnar, nem mesmo um concílio ecumênico.18 Magistério ordinário e extraordinário A infalibilidade pontifícia, por sua vez, é um carisma inerente ao pró- Bento XVI em Birgminham, Inglaterra, em novembro de 2010 Cristo não chamou São Pedro por causa das suas qualidades naturais; foi a graça de Deus que o converteu numa rocha firme e sólida prio ministério petrino que confere uma assistência especial do Espírito Santo ao Papa quando este — falando ex cathedra, ou seja, como supremo Pastor da Igreja universal — define uma doutrina de Fé e moral.19 Sobre ela pronunciou-se claramente o Concílio Vaticano II nos termos seguintes: As definições do Romano Pontífice “com razão se dizem irreformáveis por si mesmas, e não pelo consenso da Igreja, pois fo- Kr alj ram pronunciadas sob a assistência do Espírito Santo, que lhe foi prometida na pessoa de São Pedro. Não precisam, por isso, de qualquer alheia aprovação, nem são susceptíveis de apelação a outro juízo. Pois, nesse caso, o Romano Pontífice não fala como pessoa privada, mas expõe ou defende a doutrina da Fé Católica como mestre supremo da Igreja universal, no qual reside de modo singular o carisma da infalibilidade da mesma Igreja”.20 Junto com essa forma de Magistério extraordinário, o Papa exerce também o ordinário, por meio de orientações e ensinamentos através de encíclicas, constituições, exortações apostólicas, discursos, etc. Infalibilidade não significa impecabilidade Convém lembrar, por fim, que nem do exercício do ministério petrino, nem do carisma da infalibilidade advém ao Romano Pontífice a impecabilidade ou, por outras palavras, a confirmação em graça. Um dos argumentos racionalistas contra o primado de Pedro é que o pescador da Galileia era sujeito a pecar, como todo homem. E, sem dúvida, o era. Entretanto, seu primado não repousa sobre qualidades humanas, mas na onipotente força do Fundador da Igreja. Cristo não chamou São Pedro por causa das suas qualidades naturais; foi a graça de Deus que o converteu numa rocha firme e sólida. “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça” (Lc 22, 31-32). No seu livro-entrevista recentemente divulgado, Bento XVI re- Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 23 Victor Toniolo A A festa da Cátedra de Pedro lembrou que a tarefa exercida pelo Romano Pontífice não foi dada por ele a si mesmo.21 Pelo contrário, é o Espírito Santo quem escolhe o Papa, usando critérios divinos: “Não fostes vós que Me escolhestes, mas Eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15, 16). A santidade de um Papa, portanto, não é inerente ao ministério petrino, mas provém do esforço pessoal e, sobretudo, da ação da graça. As eventuais infidelidades na vida de qualquer 1 2 Curiosamente, as manifestações contra o primado de jurisdição universal do Romano Pontífice são muito maiores do que contra a infalibilidade pontifícia. Ambos são dogmas de Fé definidos solenemente no Concílio Vaticano I (cf. Dz 30503075). Cf. QUASTEN, J. Patrología. Hasta el Concilio de Nicea. Madrid: BAC, 1961, v.I, p.55. 3 4 Igreja celebra a festa de São Pedro em dois dias diferentes: em 29 de junho, junto com São Paulo, e em 22 de fevereiro, a Cátedra de Pedro. A antiquíssima origem desta última festa está documentada por sua inclusão num calendário do ano 354 e no Martyrologium Hieronymianum, o mais antigo da Igreja Latina, composto entre 431 e 450. Há também referências a ela em duas homilias do século V.24 Essa longa existência mostra a relevância do símbolo da Cátedra para a vida da Igreja e reforça com o testemunho da Tradição a importância dada ao primado petrino, pelo menos a partir de meados do século IV, pois, segundo explica o Martyrologium Romanum, a Sé de Pedro é “chamada a presidir a comunhão universal da caridade”. O Missal Romano acrescenta que a comemoração da Cátedra de São Pedro põe em relevo a missão de mestre e de pastor conferida por Cristo a São Pedro que, em sua pessoa e na de seus sucessores, é fundamento visível da unidade da Igreja. Pontífice Romano serão sempre gravíssimas, mas não abolem sua autoridade, já que Deus pode servir-Se de instrumentos infiéis, e o Espírito Santo impedirá com sua assistência que os pecados pessoais ponham em risco a integridade da Igreja, garantida pela promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Quis a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao fundar a sua Igreja, estabelecer como chefe supremo um homem pecável, mas infalível Cf. ORLANDIS, J. El Pontificado Romano en la Historia. Madrid: Palabra, 1996, p.36; BEATRICE, P.F., Clemente Romano (Lettere di). In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Genova-Milano: Marietti, 2008, p.1073-1077. Santo Ireneu assevera que São João permaneceu na Igreja de Éfeso até o reinado do Imperador Trajano (98-117). (Cf. Adversus hæreses, III, 3, 4). 24 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 5 em matéria de Fé e moral. Isto que foi aceito pelo consensus fidelium sem restrição, forma com a pessoa e o primado de Pedro uma feliz união fundada na caridade e na fé. O amor ao elo mais fraco de uma corrente mística que une a Terra ao Céu O primado de Pedro e sua infalibilidade são as garantias da invencibilidade da Igreja, de modo que se pode ver no Papa a expressão da unidade e verdade ecle- Cf. SANTO IGNACIO DE ANTIOQUÍA. Epístola a los Romanos, III, 1; IV, 3; IX, 1. In: D. RUIZ BUENO. Padres Apostólicos. Madrid: BAC, 1950, p.476-477.480. 6 Cf. SANTO IRINEU DE LYON, op. cit., III, 3, 2-3. 7 Eusébio de Cesareia faz a descrição dessa polêmica. Cf. EUSÉBIO DE CESAREIA. História da Igreja, l.5, 23-25. In: Eusebius — The Church His- tory. A new translation with commentary by Paul L. Mayer. Grand Rapids (MI): Kregel, 1999, p.197-200. 8 TERTULIANO. De pudicitia, 21. In: QUASTEN, J., op. cit., p.631. 9 Idem, ibidem. 10 Cf. SESBOÜE, B. – THEOBALD, C. Historia de los dogmas. La Palabra de la Salvación. Salamanca: Secretariado Trinitario, 1997, v.IV, p.59. siais. Mas a sujeição à autoridade suprema de um homem, não representa uma humilhação para todos os fiéis? A esta pergunta dá luminosa resposta um líder católico de projeção internacional, que teve dois de seus numerosos livros elogiados pela Santa Sé: o brasileiro Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995).22 O amor por sua condição de súdito do Papa, enquanto católico, era um dos principais traços de sua personalidade, e não perdia oportunidade de manifestá-lo. Porque tal submissão ao Romano Pontífice, longe de ser humilhante, é motivo de elevação e alegria para todo o gênero humano. Afirmou em certa ocasião o insigne pensador que, assim como todos os relógios da terra precisam se regular pela hora solar, assim também os católicos devem se orientar por um outro “sol”: a infalibilidade pontifícia, na qual podem depositar toda sua confiança. De fato, atingida pelo pecado original, a razão humana está sujeita a toda espécie de incertezas e erros, dos quais nascem o caos e a discórdia. Por isso — concluía Plinio Corrêa de Oliveira —, o Papa, infalível em virtude da assistência do Espíri11 12 13 Também denominada Tomus ad Flavianum, na qual expõe com inspirada clareza a doutrina católica sobre as duas naturezas, divina e humana, de Cristo (cf. TREVIJANO, R. Patrología. Madrid: BAC, 2004, p.314). Cf. CONCILIUM CHALCEDONENSE, Actio II(III), n.23. Cf. DE VRIES, W. Orient et Occident. Paris: Les editions du Cerf, 1974. 14 O Professor Plinio Corrêa de Oliveira, na década de 1980 O Papa é o ponto de referência indispensável para guiar em função da fé a razão humana, sujeita a toda espécie de incertezas e erros Cf. Dz 3064. 21 15 “A Sé Primeira não pode ser julgada por ninguém” (CDC, c.1404). 16 Cf. Dz 3059. 17 Cf. Dz 3062; CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.22. 18 Cf. Dz 3063. 19 Cf. Dz 3073-3075. 20 CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.25. to Santo e com poder de jurisdição in universo orbe, é o ponto de referência indispensável para guiar a razão humana em função da Fé. Assim, a infalibilidade pontifícia e o primado de jurisdição do Pontífice, necessariamente unidos, devem ser, para todo católico, alvo de um amor preferencial. Como diz Dr. Plinio, “na gloriosa corrente constituída pela Santíssima Trindade, Nossa Senhora e o Papado, este último vem a ser o elo menos vigoroso: porque mais terreno, mais humano e, em certo sentido, estando envolto por aspectos que o podem menoscabar. Costuma-se dizer que o valor de uma corrente se mede exatamente pelo seu elo mais frágil. Assim, o modo mais excelente de amarmos essa extraordinária cadeia é oscular o seu elo menos vigoroso: o Papado. É devotar à Cátedra de Pedro, em relação à qual esmorecem tantas fidelidades, a nossa fidelidade inteira!”.23 A essa mesma atitude de espírito, todos somos convidados pela graça. ² Cf. BENTO XVI – SEEWALD, Peter. Licht der Welt. Der Papst, die Kirche und die Zeichen der Zeit. Freiburg-Basel-Wien: Herder, 2010, p.166. 22 As ideias do Prof. Corrêa de Oliveira aqui expostas foram extraídas de palestras e conferências inéditas, pronunciadas nas décadas de 80 e 90. 23 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. “Non prævalebunt”. In: Dr. Plinio. São Paulo. N.47 (Fev., 2002); p.2. 24 Cf. J. DRESKEN-WEILAND. Cattedra. In: BERARDINO A. Di (ed.). Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane. Genova-Milano: Marietti, 2008, p.965-969; SAXER, V. – HEID, S. Martirologio. In: BERNARDINO, op cit., p.3098-3101. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 25 Há dez anos... Em fevereiro de 2001, o Venerável João Paulo II erigia canonicamente os Arautos do Evangelho como Associação Internacional Privada de Fiéis de Direito Pontifício. Era o ponto de partida para uma década pródiga em atividades missionárias. R oma, fevereiro de 2001. Mais de mil arautos se reuniram na Cidade Eterna para participar da anelada aprovação como Associação de Direito Pontifício. Os pontos culminantes daqueles históricos dias foram a singela cerimônia de entrega do documento de ereção, feita na sede do Pontifício Conselho para os Leigos, no próprio dia 22; a Celebração Eucarística presidida pelo Cardeal Jor- ge María Mejía na Basílica de São Pedro, no dia 27; e o cumprimento concedido pelo Papa João Paulo II a Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, na Audiência Geral do dia 28. 26 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 “O braço do Papa” Na mensagem dirigida aos Arautos nessa ocasião, o Papa urgiu-lhes a serem “mensageiros do Evangelho pela intercessão do Coração Imaculado de Maria”. E o Cardeal Mejía, na homilia da Missa solene no Altar da Cátedra, lembrando que a ereção canônica dava à associação “uma relação especial” com a Santa Sé, asseverou: “O que os senhores quiseram fazer, o que está expresso nos estatutos dos senhores e nas tradições dos Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 27 Timothy Ring L’Osservatore Romano fico Aristotélico-Tomista e o senhores, isso recebe agora, a Instituto Filosófico-Teológico partir daqui, uma bênção esSanta Escolástica. pecial. Isso é incluído no grande número de instituições de O mais recente desafio religiosos, de religiosas, mas também de associações leigas Mas é preciso pensar Mons. João cumprimenta João Paulo II em 2001 que o Papa, por seus órgãos também no presente. Os dez especiais, neste caso o Conseanos transcorridos são apesos sacerdotes e irmãs, dedicados inlho para os Leigos, aprova e envia”. nas um marco para uma Associação teiramente ao serviço do próximo. Assim, os Arautos do Evangeque transborda de atividades e olha Seria longo enumerar sequer lho passavam a ser, em palavras do o futuro com esperança. as atividades desenvolvidas nestes Cardeal, “o braço do Papa”, e sua Além do encargo da igreja de dez anos, muitas das quais têm simissão evangelizadora transformaSan Benedetto in Piscinula, em Rodo sintéticamente resumidas nesta va-se em um mandato pontifício. ma, e da Paróquia Nossa Senhora seção, ao longo dos 110 números da das Graças, na Grande São Paulo, Dez anos de atividades nossa Revista. receberam recentemente os Arautos Mencionemos apenas as Missões do Evangelho um novo desafio pasDesde aquele abençoado momenMarianas, o Apostolado do Oratório toral-missionário: a administração to, as atividades dos Arautos tomaMaria Rainha dos Corações, o Fundo Vicariato Apostólico de São Miram um renovado vigor. do Misericórdia, ou o projeto Futuro guel de Sucumbíos, no Equador, um Multiplicaram-se as vocações pae Vida, destinado a atrair as novas extenso território de 18.000 km² sira esta Associação Privada de Figerações para o seio da Igreja. tuado na Amazônia equatoriana. éis de Direito Pontifício, em cujo seio Sob o ponto de vista acadêmico, Às atividades ali desenvolvidas desabrocharam também duas Sociecabe mencionar a fundação, em São dedicaremos as próximas páginas. dades de Vida Apostólica: uma cleriPaulo, de três instituições de ensical, outra feminina. Ao labor missiono superior: o Instituto Teológico São nário próprio dos leigos, somava-se, Tomás de Aquino, o Instituto Filosóassim, o dos cada vez mais numero- No coração da Ama N o Vicariato Apostólico de Sucumbíos — região amazônica do Equador —, a cargo dos Arautos do Evangelho desde 30 de outubro pp., o labor pastoral tem sido intenso, apesar das dificuldades inerentes às precárias condições locais. Os sacerdotes arautos procuram celebrar a Missa com a possível assiduidade até nas capelas mais distantes, assistindo os fiéis com todos os sacramentos. E a acolhida da população tem superado as expectativas: “A cidade inteira está com vocês! Continuem avançando e fazendo o bem”, disse um senhor. E outro completou: “Estamos com o Papa, estamos com vocês!”. Uma comerciante comentou ao ver um arauto entrando em seu estabelecimento: “Que honra para mim, vocês aqui. Dou graças a Deus por terem chegado à cidade. Agora estou tranquila porque sei que meus netos vão receber uma boa formação e os sacramentos com vocês”. E uma jovem concluiu: “Tudo o que vocês fazem tem algo de especial: vocês estão mais próximos de Deus”. A propósito do apostolado dos Arautos, afirmou um pai de família: “Muito lindo o trabalho com as crianças. O coro, os coroinhas, tudo maravilhoso!”. Ao que acrescentou uma senhora: “Não é preciso observar muito para perceber o bem que vocês fazem”. No mês de dezembro, foram visitadas por barco, ao longo do rio San Miguel, várias comunidades indígenas que receberam os missionários com entusiasmo. “Obrigado pelo trabalho que estão fazendo! É disso que estávamos precisando: espiritualidade!”, dizia uma senhora numa dessas aldeias. Em cada comunidade, são celebradas Missas, atendem-se confissões, ministram-se outros sacramentos e se catequizam as crianças, tudo em um clima de muita receptividade e gratidão por parte daquela sofrida população indígena. “Muito obrigado por terem vindo! Vocês serão sempre bem-vindos aqui, e, por favor, voltem mais vezes!”, foi a emocionada despedida numa das comunidades Kichwa. Naquele sufocante calor e nas condições mais inóspitas, são essas manifestações, oriundas do fundo daqueles corações, autêntica consolação para todos os arautos que se dedicam na região à árdua tarefa de difundir a Boa Nova, a devoção à Santa Igreja, a Maria e ao Papa. Atividades do Administrador Apostólico – Mons. Rafael Ibarguren, EP, tem procurado participar de todos os eventos do Vicariato. Nas fotos: com os alunos do Colégio Técnico Pacífico, presidindo a procissão em honra de Santa Bárbara e com o Vice-Presidente da República, Lic. Lenín Moreno, durante a inauguração da escola Yanbal, para crianças especiais, em Shushufindi. 28 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 zônia equatoriana Confissões em Lago Agrio Comunidade Virgen del Rosario Comunidade intercultural bilíngue Kassent i Domingo Bênção dos táxis em Lago Agrio Bênção das crianças em Puerto Aguarico Comunidade Virgen del Carmen Batizado na catedral Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 29 Festas de Natal no Vicariato N Lago Agrio – O Administrador Apostólico, Mons. Rafael Ibarguren, EP, apresenta o Menino Jesus aos fiéis, no fim da Missa do Galo na Catedral. a Catedral de Lago Agrio, ainda em construção, mais de mil fiéis participaram da solene Missa do Galo, presidida pelo Administrador Apostólico. Nas comunidades houve Missas, novenas, presépios vivos e entrega de presentes para as crianças. Dezesseis meninos e meninas foram batizados na comunidade da Divina Providência, em Puerto El Carmen, durante a Missa de Natal. Ali houve também uma jornada de cânticos e entrega de presentes. Lago Agrio – No dia 23 de dezembro o Pe. Marlon Jiménez, EP, presidiu a Celebração Eucarística e abençoou as dependências do Centro de Educación Inicial de Lago Agrio (CEILA). A Missa foi animada pelos alunos e professores. No final, todos foram venerar o Menino Jesus. Puerto El Carmen – Um arauto do Evangelho conta histórias natalinas para as crianças dessa comunidade, situada na fronteira com a Colômbia. 30 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Palma Roja – Antes de fazer a entrega dos presentes, Pe. Ryan Murphy, EP, reza junto com os jovens. Percorrendo o Putumayo A companhando os responsáveis pelo monitoramento das instalações educacionais das comunidades Kichwa situadas ao longo do rio Putumayo, o Pe. Ryan Murphy, EP e o arauto Roberto Vega embarcaram numa canoa para um percurso fluvial de cinco dias. A viagem iniciou-se em Puerto El Carmen e prosseguiu pelas diversas aldeias ribeirinhas até o povoado de Tres Fronteras. Além de colaborar com os instrutores no trabalho pedagógico, Pe. Ryan celebrou a Eucaristia em diversas comunidades. Os arautos deram também aulas de catequese, além de distribuir medalhas e outros objetos religiosos. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 31 Natal: Evangelizando através do Belo! O tempo do Natal foi vivido intensamente pelos Arautos do Evangelho e por todos os fiéis que puderam participar ativamente nas Eucaristias solenes e nas Homenagens Musicais ao Divino Menino Jesus, realizadas pelo coro e orquestra juvenil dos Arautos, durante vinte dias, numa tournée de Norte a Sul de Portugal. Viseu, Guimarães, Porto, Braga, Lisboa, Cascais, Mafra, Montijo, Alverca, São Paio de Oleiros, Sever do Vouga, Valbom e Évora foram alguns dos locais onde a oração, a música e teatro se conciliaram harmoniosamente num ciclo de apresentações natalícias, promovidas no âmbito da Evangelização pela Arte e pelo Belo. As cerimónias tinham início com a celebração da Eucaristia, habitualmente presidida pelo Revmo. Pe. Luiz Henrique Oliveira Alves EP, superior dos Arautos do Evangelho em Portugal. Centenas de fiéis participaram em cada uma delas. Nos concertos que se seguiam após a Santa Missa, eram executadas músicas de Natal de diferentes países, intercaladas por encenações catequéticas, alusivas à História da Salvação. A solene entrada dos Reis Magos e dos Pastores — que executavam solos, retirados da Oratória de Natal de Heinrich Schütz, antes de se colocarem aos pés da Sagrada Família, no Presépio — constituía um dos momentos altos dessas meditações de Natal. Entusiasticamente acompanhadas pelos fiéis, as cerimónias findavam com o tradicional ósculo ao Menino Jesus, ao som do Stille Nacht — Noite Feliz —, cantado por todos os presentes. Igreja da Trindade, Porto Igreja de São Francisco, Guimarães 32 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Base Aérea, Alverca Basílica do Convento de Mafra Igreja do Pópulo, Braga Santuário do Sameiro, Braga Basílica dos Mártires, Lisboa Igreja Nossa Senhora de Fátima, Évora Igreja Matriz, Sever do Vouga Visita ao Presépio Artístico dos Arautos, Lisboa Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 33 Estados Unidos – Mais de cem pessoas, preparadas pelos arautos, fizeram sua consagração a Maria pelo método de São Luís Maria Grignion de Montfort. O evento foi presidido por Dom Felipe de Jesús Estévez, Bispo Auxiliar de Miami. Houve também entrega de oratórios e recepção de dois novos cooperadores (ao centro). Peru – Em cerimônia presidida pelo Bispo Castrense, Dom Salvador Piñeiro, o Comandante Geral da Força Aérea, General-do-Ar Carlos Eduardo Samamé Quiñones, em presença do seu Estado Maior e dos membros da Escola de Oficiais, renovou a consagração da Arma a Nossa Senhora na base aérea de Las Palmas. República Dominicana – A pedido de mais de cem jovens alunos do grupo Paz e Bem, arautos ministraram a aula de encerramento do curso realizado em 2010, no colégio Serafín de Asís. 34 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Chile – A Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria levou consolo aos doentes do Hospital da Universidade Católica, em Santiago. Natal das Crianças na Cantareira N o dia 23 de dezembro, uma animada tarde de jogos foi a festa para 510 crianças das comunidades da Paróquia Nossa Senhora das Graças, confiada pelo Bispo de Bragança Paulista, SP, aos Arautos do Evangelho. Após horas de brincadeiras, primorosamente organizadas pelo setor feminino, apareceu São Nicolau numa carruagem trazendo presentes aos pequenos. Alguns, mais afortunados, foram chamados ao palco para recebê-lo das mãos do próprio santo. Brasil – O Coro e Orquestra Internacional dos Arautos do Evangelho ofereceu um concerto natalino na Catedral de São Paulo, antes da Missa do Galo. No fim da apresentação o Arcebispo, Cardeal Odilo Pedro Scherer dirigiu umas palavras de agradecimento (foto à esquerda). Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 35 Testemunha da vitalidade da Igreja Gonzalo Raymundo Entrevista com Mons. Vittorio Formenti Por trás do árduo labor de coleta e armazenamento de dados, o trabalho no Escritório Central de Estatísticas da Igreja revela uma feição extraordinária do Corpo Místico de Cristo: sua universalidade, riqueza cultural e complexa organização. Pe. José Francisco Hernández Medina, EP Monsenhor, como foi que um sacerdote de Brescia começou a trabalhar na Secretaria de Estado? Quando jovem, meu ideal de sacerdote considerava só a vida pastoral, à qual me dediquei com muita satisfação nos primeiros doze anos, como vigário paroquial e diretor de um animado oratório na periferia de minha cidade e diocese, Brescia: catequese, grupos de jovens, esportes, acampamentos, atividades sem fim. Mas um encontro casual, em 1980, com o então Assessor da Secretaria de Estado, Dom Giovanni Battista Re, hoje Cardeal, determinou a minha convocação para o serviço direto da Santa Sé. O autor da entrevista e Mons. Formenti conversam diante da Basílica Papal de Santa Maria Maior Por dezesseis anos dirigi a seção onde chega e é classificada toda a correspondência recebida do mundo inteiro pelo Santo Padre. Trata-se geralmente de dois ou três sacos diários de cartas e pequenos dons que podem ser enviados pelo correio. Foi comovente observar o carinho crescente e a devoção que uma infinidade de pessoas, crentes ou não, tributavam ao Servo de Deus João Paulo II. Nossa tarefa era assegurar uma resposta adequada a essas cartas, às vezes acompanhada pela oferta de um terço abençoado pelo Papa, sobretudo para as pessoas afetadas por um grande sofrimento ou aflição. 36 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Poderia contar algum episódio que o tenha marcado de modo especial, nessa função? Uma recordação entre muitas. Certa senhora idosa expressou ao Santo Padre o desejo de convidá-lo à sua modesta casa para um chá da tarde. Mas, bem consciente de ser um sonho irrealizável, enviou uma encomenda postal contendo uma caçarola, um saquinho de chá, um pacote de biscoitos e uma toalha bordada por ela. Tudo endereçado às religiosas que prestam serviço no apartamento papal, para que assim se realizasse pelo menos em parte o seu desejo, como de fato aconteceu. Contudo, as cartas mais tocantes e espontâneas eram as das crianças. Lembro-me da de um menino que vivia numa fazenda isolada no campo e tinha como único companheiro de divertimentos o seu burrico, e este morreu de uma doença súbita. Em termos aflitos, pedia ele ao Santo Padre o milagre de restituir a vida ao seu “amiguinho”. Uma emergência nesse trabalho aconteceu por ocasião do trágico atentado contra João Paulo II, em 1981. Durante alguns meses, multiplicaram-se os sacos de correspondência: a todos, em todo o mundo e em todas as línguas dos destinatários, mesmo as menos conhecidas, foi enviada uma resposta de agradecimento em nome do Santo Padre. Vossa Reverendíssima é o atual responsável pelo Escritório Central de Estatísticas da Igreja. Como começou a desempenhar esse trabalho? Depois de dezesseis anos lendo cartas e redigindo minutas para respostas, recebi de meus superiores esse encargo, sempre dentro da Secretaria de Estado. Julgava tratar-se de um trabalho árido, de recolhimento e armazenamento de números e dados estatísticos. Ao invés, essa tarefa revelou-me uma feição ex- traordinária da Igreja que eu não conhecia: a sua verdadeira universalidade, a complexa organização das circunscrições eclesiásticas no mundo, a riqueza das instituições culturais, educacionais e de solidariedade, o experiente organismo da Cúria Romana. Guardam-se desde sempre nos arquivos do Vaticano os relatos dos missionários, com as estatísticas dos convertidos que, ao longo dos séculos, foram ampliando as fronteiras numéricas e geográficas da Igreja. Mas deve-se à clarividência do Papa Paulo VI a criação e organização, em bases científicas, da coleta dos dados que proporcionam e atualizam anualmente a “radiografia” da Igreja no mundo, em todos os seus componentes de números e de pessoas. Como se desenvolve a coleta dos dados que constam no Anuário Pontifício e no Anuário Estatístico da Igreja? O método, muito resumidamente, é simples: o envio de nove mil questionários impressos (mas já está em vigor o método de coleta por e-mail) através dos quais todas as dioceses reúnem e enviam os dados fornecidos pelas paróquias: número de católicos, batizados, crismas, ca- samentos, etc. Acrescentam-se a isto os dados de todas as congregações religiosas do mundo. Poderia fornecer alguns dados mais significativos, extraídos dessas estatísticas? Delas emerge, por exemplo, o dado negativo de um declínio substancial e persistente do número de religiosas de vida ativa, enquanto se mantém substancialmente o número das de vida contemplativa. Em sentido contrário, um dado positivo é que desde o ano 2000 se caminha contra a corrente no tocante às vocações sacerdotais. Após uma crise de várias décadas, está em sensível ascensão o saldo entre o número de novos presbíteros ordenados, diocesanos e religiosos, e o dos que morreram ou abandonaram o exercício do sacerdócio. Em oito anos voltamos a crescer, com cerca de 4 mil unidades (de 405.178 para 409.166), com uma surpresa: em 2008 voltaram à ativa cerca de 400 sacerdotes que, por vários motivos, haviam sido suspensos a divinis. Também o número de seminaristas aumentou significativamente nos últimos anos, embora não nas nações de longa tradição cristã, como as europeias e norte-americanas. Neste momento, o continen- Algumas páginas do Anuário Estatístico da Igreja publicado em 2010, no qual são refletidos os dados do ano de 2008 Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 37 L’Osservatore Romano te mais promissor no tocante ao número de candidatos ao sacerdócio é a Ásia, onde, paradoxalmente, é mais acentuada a perseguição contra os cristãos. Apesar da reduzidíssima porcentagem de católicos, há seminários florescentes na Índia, Vietnã, Coreia, até mesmo em Mianmar e, claro, nas Filipinas, único país asiático de maioria católica. Também a África e a América Latina continuam a ser um bom reservatório de vocações, Após a impressão, o Anuário Pontifício é ainda que de modo desiapresentado antes de tudo ao Santo Padre, gual. Uma curiosidade: sendo-lhe oferecidos alguns exemplares com a diocese do mundo que encadernação especial, em couro branco possui o maior número de vocações é a de Guadalajara, no lume (cerca de 25 mil) na sua digMéxico, com 654 seminaristas de fi- nidade de Protonotário Apostólico como Cônego honorário da Basílilosofia e teologia (dados de 2008). É bom deixar registrado: no Anu- ca Papal Liberiana de Santa Maria ário 2010 foi incluída pela primeira Maior, em Roma. E é belo constatar como a vitalivez a Sociedade Clerical Virgo Flos Carmeli, com os seguintes dados: dade da Igreja se enriquece constan18 casas, 319 membros, dos quais temente com novos e fecundos re77 sacerdotes, que têm como finali- bentos da vida religiosa, em compadade “a evangelização e a santifica- ração com outros que, por diversas ção do mundo através da assistên- razões, estão em declínio. Hoje os batizados na Igreja Cacia espiritual e sacramental ao povo de Deus e fazendo resplandecer to- tólica constituem um percentual de dos os atos da vida cotidiana”. Na- 17,4% da população mundial. Com turalmente, entrou também no Anu- os irmãos ortodoxos, evangélicos ário o nome do Superior Geral dos e anglicanos, excluindo as seitas, o Arautos do Evangelho, Mons. João percentual dos que creem em CrisScognamiglio Clá Dias, citado inclu- to é quase de 33%. O Cristianissive no longo índice de nomes do vo- mo continua a ser, de longe, a reli- M ons. Vittorio Formenti, nascido em Castrezzato (Brescia), Itália, em 29 de dezembro de 1944, foi ordenado sacerdote em agosto de 1968. É Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Lateranense, professor universitário, jornalista, escritor e poeta. Entre seus numerosos títulos honoríficos destacam-se os de Commendatore al merito della Repubblica Ita- 38 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 gião com mais seguidores no mundo, em lento, mas constante e ininterrupto crescimento. Poderia explicar o que são o Anuário Pontifício e o Anuário Estatístico da Igreja? Todos os dados estatísticos relativos à estrutura organizativa eclesial, incluindo comparações com anos anteriores, podem ser lidos no Annuarium Statisticum Ecclesiæ, uma publicação com textos explicativos em latim, francês e inglês. Mas o livro mais conhecido em todo o mundo é o Anuário Pontifício, “o grande livrinho vermelho”, como o definiu o diário francês La Croix. Em 2.550 páginas (e crescendo a cada ano!), fornece os dados estatísticos essenciais relativos às Dioceses, às Famílias religiosas, mas sobretudo o elenco de nomes e cargos de todos quantos têm na Igreja responsabilidade de governo e de serviço, com um documentado complemento de notas históricas. Após a impressão, o volume é apresentado antes de tudo ao Santo Padre — em alguns exemplares, os únicos em couro branco — e logo depois presenteado a todos os Chefes de Estado, Primeiros Ministros e Embaixadores das 178 nações que mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé. ² liana e Prelado de Honra de Sua Santidade. Em 1980 começa a trabalhar como Oficial na Secretaria de Estado do Vaticano. Desde 1996, é responsável pelo Escritório Central de Estatísticas, tendo a seu cargo a edição do Anuário Pontifício e do Anuário Estatístico da Igreja. É também coadjutor do Capítulo Liberiano da Basílica Papal de Santa Maria Maior. Foi publicado recentemente o primeiro volume da Vida cotidiana e santidade nos ensinamentos de São Josemaría, de autoria dos sacerdotes Ernst Burkhart e Javier López Díaz, ambos da Prelazia do Opus Dei e professores de Teologia Espiritual na Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Neste primeiro volume os autores apresentam teologicamente, de modo sistemático, o conjunto da mensagem de São Josemaría sobre a santificação do trabalho profissional e da vida cotidiana. Os tomos seguintes — que estão em fase de preparação e devem ser lançados ainda neste ano —, serão dedicados a expor “a identificação do cristão com Cristo” e “o caminho de santificação nesta Terra”. Museu missionário da “Propaganda Fide” Numa entrevista coletiva realizada na sede da Congregação para a Evangelização dos Povos, foi apresentado aos profissionais da mídia o “Museu Missionário da Propaganda Fide”. Ocupando quase 1.250 m² no prédio do dicastério, em Roma, ele “foi concebido e desenvolvido, sobretudo, em função de um valor propriamente pastoral”, explicou o Pe. Massimo Cenci, subsecretário da Congregação. www.legionariesofchrist.org Lançada obra em três volumes sobre o pensamento de São Josemaría Por sua vez, o coordenador do Comitê Científico do Museu, Francisco Paleari, destacou o grande patrimônio de informações, documentos e obras de arte recolhidos ao longo dos quatro séculos de existência do dicastério, e assinalou que, na sala multimídia, pode ser consultada uma seleção de 10 mil imagens do arquivo fotográfico da agência Fides, tiradas durante viagens em terras de missão, desde o início do séc. XX. Ryłko, assinou em 27 de dezembro o decreto de aprovação ad experimentum dos estatutos da Comunidade Novos Horizontes, informa a Rádio Vaticano. Fundada na Itália em 1993 por Chiara Amirante, a nova Associação de Fiéis de Direito Pontifício atua em favor de jovens em dificuldades, de modo especial na recuperação de toxicodependentes. “Recebemos a notícia com grande emoção e alegria”, declarou Chiara Amirante à Rádio Vaticano. “Trata-se de um novo e importante selo da Igreja, que nos assegura ser esse carisma um dom do Espírito Santo”, acrescentou. Aparições de Nossa Senhora nos Estados Unidos são declaradas “dignas de fé” Legião de Cristo tem 61 novos sacerdotes Cerca de três mil fiéis participaram da cerimônia realizada em 24 de dezembro na Basílica de São Paulo Extramuros, em Roma, durante a qual o Cardeal Velasio De Paolis conferiu a ordenação presbiteral a 61 diáconos da Legião de Cristo. Em sua homilia, o Cardeal lembrou que o sacerdote “não pode apresentar-se a si mesmo, mas sim a doutrina e o amor de Cristo”. Em consequência, afirmou, precisa ter como principal preocupação anunciar nosso Salvador. Dom Velasio De Paolis dirige a Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé e é Delegado Pontifício para a Congregação dos Legionários de Cristo. Comunidade Novos Horizontes recebe aprovação pontifícia O Presidente do Pontifício Conselho para os Leigos, Cardeal Stanisław Dom David Ricken, Bispo de Green Bay, Estados Unidos, deu em 8 de dezembro aprovação oficial às aparições de Nossa Senhora do Bom Socorro na cidade de Champion. “Declaro com certeza moral e em conformidade com as normas da Igreja”, que essas aparições apresentam substância de caráter sobrenatural e, portanto, são “dignas de fé para o povo cristão, embora não obrigatoriamente” — afirmou o Bispo, no decreto de aprovação. Em outubro de 1859, a Virgem Maria apareceu três vezes a Adele Brise, jovem imigrante de origem belga, que A descreveu como uma Senhora trajada de deslumbrante vestido branco, com uma faixa amarela na cintura e uma coroa de estrelas na cabeça. Nossa Senhora incentivou-a a rezar pela conversão dos pecadores e deu-lhe uma missão: ensinar o Catecismo às crianças. No mesmo decreto, Dom David Ricken elevou a igreja de Nossa Senhora do Bom Socorro à categoria de Santuário diocesano. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 39 Aberto processo de beatificação de casal com 21 filhos A Diocese de Roma abriu o processo de beatificação de Settimio Manelli e sua esposa Licia Gualandris, apresentando-os como modelo de pais católicos e de matrimônio abençoado por Deus. O casal teve 21 filhos, entre os quais o fundador dos Frades Franciscanos da Imaculada, Pe. Stefano Maria Manelli e conta hoje com mais de 200 descendentes diretos. Settimio nasceu em 25 de abril de 1886, laureou-se em Letras e Filosofia, e combateu na Primeira Guerra Mundial, sendo reformado como capitão. Faleceu em 26 de abril de 1978. Licia nasceu em 13 de julho de 1907 e faleceu em 18 de janeiro de 2004. Contraíram matrimônio em 1926, quando ele tinha 38 anos e ela apenas 17. Estando em dúvida sobre a conveniência do casamento, consultaram o São Pio de Pietrelcina, conselheiro espiritual de ambos, o qual abençoou a união e lhes profetizou que teriam “mais de 20 filhos”. Durante a Segunda Guerra Mundial, a carência de alimentos tornou muito dura a vida daquela família tão numerosa. Mas “papai e mamãe sempre nos convidavam a confiar na Providência, a esperar sua vinda como se fosse uma pessoa”, declarou ao jornal La Reppublica seu filho Stefano. Papa fará quatro viagens internacionais neste ano Com os últimos acertos sobre as datas da viagem de Bento XVI à Alemanha, ficou completo o calendário das viagens apostólicas do Papa para o ano 2011, informou a Rádio Vaticano (14/12/2010). Ao todo, estão previstas quatro viagens internacionais e quatro visitas a dioceses italianas. Nos dias 4 e 5 de junho, o Papa estará na Croácia, onde deverá re- zar ante o túmulo do Beato Stepinac. Em 19 de junho, visitará San Marino, pequeno país situado nas Montanhas Apeninas. De 18 a 21 de agosto, Sua Santidade viajará novamente à Espanha, para a Jornada Mundial da Juventude. E de 22 a 25 de setembro, estará nas cidades alemãs de Berlim, Friburgo e Erfurt. Responsáveis das Cáritas europeias fazem retiro espiritual Eis-me aqui, Senhor! (Is 6, 8) foi o tema do retiro espiritual para os responsáveis das Cáritas diocesanas e outras agências eclesiais do continente europeu, realizado de 29 de novembro a 3 de dezembro, no Santuário Mariano de Jasna Gora, Polônia. Participaram do evento, promovido pelo Pontifício Conselho Cor Unum, 320 responsáveis das organizações caritativas católicas europeias, além de cinco Cardeais e 50 Bispos, entre os quais o Cardeal Robert Sarah, Presidente do Cor Unum. Em mensagem aos participantes, o Papa Bento XVI ressaltou que o fator que diferencia as obras de caridade cristãs é o espírito com que oferecem seu serviço aos mais necessitados: com o coração e os sentimentos de Jesus. Religiosa portuguesa mais perto da beatificação “Penso que dentro de um ou dois anos teremos uma nova beata, a celebrar em Portugal” — disse à Agência Ecclesia a Irmã Maria Lucília, vice-postuladora da causa de canonização da Madre Maria Clara do Menino Jesus, fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Bento XVI autorizou, no dia 6 de Dezembro de 2008, a publicação do decreto que reconhece as “virtu- 40 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 des heróicas” da Irmã Maria Clara do Menino Jesus, a religiosa é assim proclamada “venerável”, ficando mais perto da beatificação. Atualmente, o milagre a tribuído à fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição está a ser estudado pelas devidas instâncias. “Ocorreu em Baiona (Espanha), numa devota da mãe Clara que, em 1998, foi ao túmulo e pediu a cura de um pioderma gangrenoso (doença cutânea ulcerativa)” — sublinhou a vice-postuladora. A cura realizou-se a 12 de novembro de 2003. No entanto, “essa senhora levou 34 anos com o braço preso ao peito e com intervenções cirúrgicas amiudadas” — referiu a Irmã Maria Lucília. No passado mês de fevereiro, a vice-postuladora esteve em Roma e soube que “já estava feito o sumário do processo do milagre”. Nascida em 15 de junho de 1843 na cidade de Amadora, funda a primeira comunidade, em S. Patrício Lisboa, no dia 3 de maio de 1871 e, cinco anos depois, a 27 de março de 1876, a Congregação é aprovada pela Santa Sé. Ao longo da sua vida abre grande número de casas para recolher pobres e necessitados, em Portugal, e envia Irmãs para as Missões: Angola, Goa e Guiné-Bissau. Morreu em Lisboa, no dia 1 de dezembro de 1899. Igreja em Portugal preocupada com ensino O Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) refletiu em Fátima sobre as últimas decisões governativas no campo do Ensino Particular e Cooperativo em Portugal. Segundo informa a Sala de Imprensa do Santuário de Fátima, em declarações à imprensa após o encerramento dos trabalhos, o Pa- Novo Prefeito da Congregação para os Religiosos O Santo Padre nomeou Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica o brasileiro Dom João Braz de Aviz, até então Arcebispo de Brasília. “Sei que não se trata de uma dignidade, mas apenas de um serviço mais próximo do Papa na Igreja”, declarou ele no mesmo dia à Assessoria de Imprensa da CNBB (Conferência Episcopal Brasileira). Doutor em Teologia Dogmática e professor universitário, o novo Prefeito da Congregação dos Religiosos tem uma longa lista de serviços prestados à Igreja no Brasil. Ordenado em 1972, foi pároco em diversas paróquias. Exerceu o encargo de diretor espiritual em três seminários maiores: de Apucarana, de Londrina e do Ipiranga, na capital paulista. Foi membro do Conselho de Presbíteros, do Colégio de Consultores e, por fim, Coordenador geral de Pastoral da Diocese de Apucarana. O Papa João Paulo II o nomeou Bispo Auxiliar de Vitória, em 1994, e o elevou à dignidade arquiepiscopal quatro anos depois, confiando-lhe a Arquidiocese de Maringá; ali permaneceu até 27 de março de 2004, quando foi designado Arcebispo de Brasília. dre Manuel Morujão, porta-voz da CEP, sublinhou a “grande preocupação” dos bispos portugueses relativamente a esta matéria. De acordo com esse responsável, as novas regras de financiamento cortam 10% às verbas do Ensino Público e 30% às verbas do Ensino Particular e Cooperativo. “Mas é bom clarificar que quando falamos de Ensino Particular e Cooperativo não falamos de um gueto, para umas tantas pessoas abastadas e que podem financiar esse ensino.” Dom João Braz de Aviz, com o Vice-Presidente do Brasil, Michel Temer e o Presidente do Senado, José Sarney “Alegrias e dificuldades” marcaram os sete anos de Dom João à frente da Arquidiocese da Capital Federal. “Temos aqui uma realidade bonita, mas complexa. Foi uma grande missão” — declarou na entrevista à Assessoria de Imprensa da CNBB. Dom João Braz de Aviz encara com serenidade a situação das instituições religiosas, agora sob sua jurisdição. “Existem certamente sinais de dificuldades, tais como a diminuição das vocações”, declarou ao jornal americano National Catholic Reporter. Mas vê também muitos sinais de esperança. “Cada carisma concedido à Igreja é uma semente da Palavra, dado num momento particular. Com vistas a ajudá-los a perseverar e crescer; precisamos acompanhá-los, não com autoritarismo, mas com misericórdia e fidelidade”, acrescentou. O novo Prefeito recordou também que as instituições eclesiásticas necessitam da orientação do Papa, e devem recebê-la “não como uma imposição da autoridade, mas como uma certa luz que nos ajuda a perceber o que Deus nos está pedindo”. “Estamos a falar num espectro largo de cerca de cem escolas, com milhares de alunos, que envolvem milhares de pais e também milhares de professores e funcionários. Então, é um serviço público do ensino particular”, disse. Os bispos consideram, nas palavras do Padre Manuel Morujão, que o que está em causa é a própria democracia. “É um dever do Estado favorecer esta liberdade que devem ter os pais de poder escolher a educação, e, consequentemente, a es- cola que desejam para os seus filhos. Mais ligada a esta ou àquela ideologia, confissão religiosa ou agnóstica ou ateia”, disse o P. Morujão, sublinhando que os bispos portugueses visam “promover a liberdade de escolha dos pais”. Padre Manuel Morujão enfatizou a importância desta questão da “liberdade prática” de os pais poderem escolher o tipo de ensino que querem dar aos seus filhos, e que o Ensino Particular fica mais barato ao Estado do que o Ensino Público. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 41 Os bispos portugueses pretendem que “as instâncias governativas abram o coração e a inteligência para esta realidade de dezenas e dezenas de escolas terem que fechar, causando problemas e instabilidade social” e alertam para o “retrocesso não democrático” que o país pode sofrer nesta matéria – informou a Agência Zenit Movimento de Shoenstatt inaugura novo santuário em Miami Foi consagrado em Miami (EUA) o santuário mariano Via ad Patrem Misericordem (Caminho para o Pai Misericordioso), erigido pelo Movimento Apostólico de Schoenstatt nesse país. Seu nome indica “a missão que a Santíssima Virgem quer levar adiante aqui na Flórida”, declarou à agência Zenit a jornalista Belsay Henning. O novo santuário aberto ao público é um convite a todos os fiéis para participarem das abundantes graças próprias ao carisma do Pe. José Kentenich, fundador do Movimento Internacional de Schoenstatt: acolhimento, transformação e envio apostólico. Mais de 200 mil jovens acompanham a JMJ no Facebook “A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) acaba de atingir os 200 mil fãs no Facebook, que se mantêm constantemente informados sobre as novidades da Jornada, além de participarem com as suas opiniões e contribuições” informa a página web da organização do evento. Com as incorporações do húngaro e do romeno, já são 20 as línguas nas quais se podem acompanhar as notícias da JMJ através dessa rede social. Mais de 70 voluntários animam, traduzem e respondem as questões que surgem em cada um dos perfis do Facebook. Por outro lado, desde a sua estreia em novembro de 2009, as vi- sitas à página web da organização (http://www.madrid11.com) não pararam de crescer, atingindo quase 200 mil em novembro de 2010. No total, o site — que já está disponível em oito idiomas — recebeu mais de um milhão de visitas. No início de dezembro, mais de 200 mil jovens haviam já confirmado sua presença na JMJ em Madri. Entre estes, 45 mil franceses, 41 mil italianos, 25 mil espanhóis e 13 mil norte-americanos. O novo sócio da Academia das Ciências, foi distinguido no ano passado com o Prémio Pessoa. Licenciado em História e doutorado em Teologia Histórica, o prelado natural de Torres Vedras é autor de dezenas de obras e estudos sobre História, Teologia e Pastoral, reativou a Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, de que é presidente, e dirige a Diocese do Porto desde 25 de março de 2007, informou a agência Ecclesia. Cardeal Cañizares é investido Doutor “Honoris Causa” Bispo do Porto distinguido pela Academia das Ciências O Bispo do Porto recebeu as insígnias de sócio da Academia das Ciências, que considera D. Manuel Clemente uma voz “com poder encantatório” no combate à degradação dos valores. Na cerimónia que decorreu no Palácio da Bolsa no Porto, D. Manuel Clemente disse que acolheu o prémio com simplicidade, humildade e responsabilidade acrescidas. D. Manuel Clemente recebeu o galardão das mãos do presidente da Academia de Ciências, Adriano Moreira, que deixou palavras de elogio. “São precisas vozes com poder encantatório, que sejam capazes de se opor à degradação de valores que a sociedade ocidental está a sofrer e ele é uma dessas vozes. Mas é uma dessas vozes com consistência, com autoridade científica e com capacidade pedagógica”, sublinhou o professor Adriano Moreira. 42 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 O Cardeal Antonio Cañizares, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, recebeu em 9 de dezembro o doutorado Honoris Causa, conferido pela Universidade Católica de Valência, Espanha. Em seu discurso de investidura, intitulado Em defesa do homem e da estruturação da sociedade: a atuação de um Bispo, afirmou o Purpurado: “A falta de fé, a perda do senso de Deus, que dilacera nosso mundo, eu as percebo como a maior indigência, a ameaça mais grave e de mais desastrosas consequências para nosso tempo”. O ato foi presidido por Dom Carlos Osoro, Arcebispo de Valência e Grão Chanceler da Universidade, e contou com a presença de numerosas personalidades eclesiásticas e civis, entre as quais o presidente da Generalitat Valenciana, Francisco Camps, e a presidente das Cortes Valencianas, Milagrosa Martínez. Cardeal Scherer nomeado membro do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização O Papa Bento XVI nomeou, em 5 de janeiro, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, membro do recém-criado Pontifício Conselho para Promoção da Nova Evangelização. Solicitude do Papa pelos irmãos carentes O da luz do amor de Deus”. E afirmou que comemorar seu centésimo aniversário é um motivo de gratidão e reflexão para um renovado e gaudioso empenho no serviço do Senhor e dos irmãos, especialmente dos mais necessitados. “Queridos irmãos e irmãs, é grande nossa gratidão pela vossa presença humilde, discreta, oculta aos olhos humanos, mas extraordinária e preciosa para o Coração de Deus”, disse ele, dirigindo-se às Missionárias e Missionários da Caridade. * * * Também as crianças doentes foram objeto de um gesto de carinho do Vigário de Cristo, que visitou em 5 de janeiro o Centro Pediátrico do Hospital Gemelli, onde entregou pessoalmente lembranças a cerca de cinquenta pacientes, acompanhados de seus pais. “Trouxe-lhes alguns presentes para fazê-los sentir, por meio desse pequeno gesto, a simpatia, a vizinhança e o afeto do Papa. Mas desejo que neste tempo de Natal todos, adultos e crianças, recordem que o maior presente foi feito por Deus a cada um de nós”. Sua Santidade dirigiu ainda palavras de agradecimento aos pais, aos dirigentes e a todo o pessoal de serviço na Policlínica Gemelli “que com competência e caridade cuidam dos sofrimentos humanos”. L’Osservatore Romano Santo Padre participou em 26 de dezembro do almoço por ele oferecido às pessoas assistidas pelas diversas comunidades romanas das Missionárias da Caridade, por ocasião do 100º aniversário de nascimento da Beata Teresa de Calcutá. O almoço teve lugar no átrio da Sala Paulo VI. Além de 350 indigentes, participaram dele cerca de 180 religiosas e religiosos da família fundada por Madre Teresa. Em breve discurso, a Irmã Mary Prema, Superiora Geral das Missionárias da Caridade, manifestou ao Santo Padre a alegria de todos os presentes por poderem participar desse “momento de festa particularmente belo”. E concluiu recordando “o grande amor que todos têm pelo Sucessor de Pedro”. “Caros amigos, sinto-me feliz de estar hoje convosco”, para “vivermos juntos este momento fraternal”, disse o Papa. Recordando que o Menino reclinado no presépio “é o próprio Deus feito homem para mostrar-nos quanto nos ama”, Bento XVI exortou seus ouvintes a invocá-Lo com toda confiança, certos de serem atendidos, inclusive nas situações mais difíceis. Relembrou também o testemunho da Beata Teresa de Calcutá, a qual definiu como “um reflexo A fundação desse novo dicastério está na linha do Concílio Vaticano II para “recomeçar rumo a novos horizontes” em meio a uma sociedade secularizada, explicou seu Presidente, Dom Rino Fisichella, em de- clarações à Rádio Vaticano, no dia 14 de janeiro. Além do Cardeal brasileiro, o Papa nomeou como membros desse dicastério outros 18 Cardeais e Bispos, da Europa, das Américas e da Austrália, áreas de cultura ocidental e de antiga cristianização, as mais afetadas pelo indiferentismo religioso, pelo avanço das seitas e do neoateísmo, necessitadas assim de uma nova evangelização. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 43 História para crianças... ou adultos cheios de fé? Salvo por uma Missa Desprezando aquela Celebração Eucarística, Pedro decidiu viajar sozinho, para poder adiantar-se ao amigo e fazer bons negócios. Não sabia, porém, o que lhe esperava no caminho... Fernanda Cordeiro da Fonseca N as pequenas cidades todos se conhecem. Os laços de amizade se tornam mais estreitos e os bons amigos tratam-se como verdadeiros irmãos. Foi o que se passou com Marcos e Pedro. Os dois cresceram na acolhedora Lagoa Dourada: juntos fizeram a Primeira Comunhão na Matriz do Senhor Bom Jesus, estudaram na Escola Municipal e participaram ativamente das atividades paroquiais, sendo coroinhas em todas as Missas solenes. Marcos pertencia a uma família muito católica e recebera ali uma grande devoção à Santa Missa. Desde muito pequenino, dona Matilde, sua avó, o levava bem cedo à igreja para participar da Sagrada Eucaristia e lhe explicava cada passo do Santo Sacrifício, deixando-o encantado com o amor de Jesus por cada um de nós. Pedro, entretanto, não recebera no lar tão piedosas influências. Seus pais eram católicos, porém, pouco devotos; preocupava-lhes apenas ter boa saúde e êxito nos negócios. Fora dona Matilde, a avó do amigo, quem lhe dera formação religiosa. Era ela quem ensinava às duas inseparáveis crian- Dona Matilde ensinava o catecismo às duas inseparáveis crianças 44 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 ças o catecismo. Foi ela quem os preparou para a Primeira Comunhão e os animou a serem coroinhas na Matriz. Passou o tempo e os dois amigos tornaram-se homens feitos. Constituíram família e tiveram filhos, continuando a viver na mesma Lagoa Dourada. Marcos era um pai dedicado e procurava transmitir aos filhos toda a boa formação recebida de dona Matilde. Mas, sobretudo esforçava-se em dar-lhes o exemplo de um bom cristão: rezava o Rosário em família, ensinava o catecismo aos pequenos e ia à Missa todos os dias, pois esta sempre fora sua maior devoção. Pedro, ao contrário, esqueceu-se dos ensinamentos recebidos e começou a preocupar-se, como seus progenitores, apenas com o bem-estar material da família. Em matéria de religião seu comportamento não era dos melhores: nunca rezava com os filhos e somente ia à Missa aos domingos... se não tivesse sido organizado para esse dia algum passeio pelas fazendas dos amigos. Todas as manhãs, Marcos deixava as crianças na escola e ia à Missa. Depois do Sagrado Banquete, dirigia-se à sua padaria para comer um pão quentinho com deliciosa man- teiga derretida, feita com o leite puro e gordo de sua fazenda. De vez em quando Pedro ia visitá-lo, mas a amizade entre os dois foi ficando cada vez menos firme. As conversas passaram a ser quase exclusivamente de negócios e, embora procurasse manter as aparências, notava-se serem seus interesses cada vez mais distantes dos de Marcos. Do esfriamento, havia apenas um passo para a inveja. Marcos não vivia para os negócios, como Pedro; entretanto, a padaria dele era invejável, sua fazenda muito produtiva e a fábrica de laticínios um modelo de usina bem levada. Qual seria a razão do sucesso de Marcos, pensava Pedro, enquanto ele, que não poupava esforços para tornar prósperos seus negócios, sofria com a colheita fraca, o desgaste da terra e as doenças do gado? E isso sem falar das dívidas crescentes, a ponto de ameaçar-lhe o patrimônio... Um dia, os dois amigos foram convidados para um encontro de fazendeiros, a realizar-se na capital da região. Marcos propôs fazerem a viagem juntos e Pedro aceitou por puro interesse, pois assim os gastos seriam menores. A saída ficou marcada para quarta-feira, depois da Missa matutina. Entretanto, naquele dia, o pároco não pôde celebrar na hora habitual por ter sido chamado para atender um enfermo em uma aldeia próxima. Mandou avisar, entretanto, que haveria Missa ao meio-dia. Marcos decidiu retardar a viagem, mas Pedro tentou dissuadi-lo, dizendo: — Que bobagem! Qual é o mal se perder a Missa apenas um dia? — A Missa tem um valor infinito — replicou-lhe Marcos — Prefiro esperar. — Bem, então você vai sozinho depois. Eu já estou partindo... E antes de se afastar do amigo acrescentou: — Como é possível você atrasar uma viagem dessas só por causa de uma Missa? Você tem a vida inteira para assistir a muitas outras... Na realidade, Pedro sentia-se satisfeito com a situação criada. Pensava que, chegando à cidade antes de Marcos, ficaria com os melhores negócios e obteria resultados superiores. Porém, no meio da estrada cheia de curvas que unia Lagoa Dourada com a cidade vizinha, houve um deslizamento de terra, justamente quando Pedro passava com sua caminhonete. A avalanche o fez perder o controle do veículo, capotando ribanceira abaixo. Pedro foi levado para o hospital e passou vários dias em coma. Quando recuperou a consciência e conseguiu lembrar-se do acontecido, logo fez um balanço de sua vida: percebera o quanto estava afastado de Deus e dos Sacramentos, e perguntou-se se aquele desastre de automóvel não era um sinal de alerta vindo da eternidade. Que loucura tinha sido haver menosprezado assim uma Missa! Quão perto tinha estado de não poder participar de mais nenhuma! Mandou chamar seu amigo Marcos, e quando este entrou em seu quarto de convalescente, no hospital, disse-lhe: — Você foi salvo por uma Missa! Eu fui muito ganancioso, e desprezei o valor supremo e infinito de uma única Celebração Eucarística... Marcos logo procurou animá-lo e Pedro contou-lhe como estava arrependido pela vida que levava. Confidenciou-lhe haver o acidente feito recordar-se de tudo o que havia aprendido com dona Matilde e, sobretudo, dessa frase repetida por ela com tanta seriedade: “Se soubesse haver uma Missa no rincão mais afastado da Terra, e não tivesse oportunidade de participar em outra, faria qualquer coisa para ir até lá!”. Quando Pedro se recuperou e voltou para casa, mudou radicalmente de vida. Voltou a ser um amigo leal e passou a frequentar outra vez os Sacramentos, com toda a família. Seus negócios também melhoraram e sua alma, livre de invejas e egoísmos, encontrou novamente a paz. Aquela única Missa salvou Marcos de um acidente, mas também deu nova vida para a alma de Pedro! Eu fui muito ganancioso, e desprezei o valor supremo e infinito de uma única Missa Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 45 ________ Os Santos de cada dia Beato Hugo de Fosses, abade (†cerca de 1163). Seu mestre São Norberto, ao ser eleito Arcebispo de Magdeburgo, confiou-lhe a direção da recém-fundada Ordem Premonstratense, que ele governou durante 35 anos. ©Santiebeati.it to para as freiras e a de Santo Agostinho para os clérigos. 5. Santa Águeda, virgem e mártir (†cerca de 251). São Jesus Méndez Montoya, presbítero e mártir (†1928). Fuzilado, por ser sacerdote, durante a perseguição mexicana na Arquidiocese de Morelia. 1. Santa Brígida da Irlanda, virgem (†cerca de 525). Fundou o mosteiro de Kildare, na Irlanda, do qual foi abadessa. Continuou a obra evangelizadora de São Patrício. 2. Apresentação do Senhor. Beato Estêvão Bellesini, presbítero (†1840). Religioso agostiniano que, sendo pároco em Genazzano, destacou-se por sua ardente devoção à Mãe do Bom Conselho. 3. São Brás, Bispo e mártir (†cerca de 316). Santo Oscar, Bispo (†865). Beata Maria Elena Stollenwerk, virgem (†1900). Colaborou com Santo Arnaldo Janssen na fundação da Congregação das Servas Missionárias do Espírito Santo em Steyl, Holanda. Após deixar o cargo de superiora passou para o ramo conventual da Congregação, dedicando-se à Adoração perpétua. 4. São Gilberto de Sempringham, presbítero (†1189). Consagrado ao serviço de Deus e da Igreja desde sua mocidade, fundou na Inglaterra a Ordem Gilbertina, com dupla disciplina de vida: a regra de São Ben- 6. V Domingo do Tempo Comum. São Paulo Miki e companheiros, mártires (†1597). Santo Amando de Elnon, Bispo (†cerca de 679). Foi eleito Bispo após longos anos de vida eremítica. Pregou missões na região de Flandres e ao longo do Danúbio. Morreu no mosteiro de Elnon, na França, por ele fundado. 12. Beatos Tomás Hemmerford, Tiago Fenn, João Nutter, João Munden e Jorge Haydock, presbíteros e mártires (†1584). Eviscerados ainda vivos em Tyburn, Londres, durante o reinado de Elizabeth I. 7. Beata Rosália Rendu, virgem (†1856). Religiosa das Filhas da Caridade, trabalhou no subúrbio mais pobre de Paris, visitando as casas dos mais necessitados. Incentivou muitos jovens ricos à prática da caridade. 8. São Jerônimo Emiliano, presbítero (†1537). Santa Josefina Bakhita, virgem (†1947). São Juvêncio (ou Evêncio), Bispo (†397). Foi eleito Bispo de Pavia por Santo Ambrósio. Participou dos concílios de Aquileia e Milão. 13. VI Domingo do Tempo Comum. São Paulo Lê-Văn-Lôc, presbítero e mártir (†1859). Decapitado às portas da cidade vietnamita de ThịNghè durante o reinado do imperador Tu Ðúc. ©Santiebeati.it Beata Rosália Rendu 11. Nossa Senhora de Lourdes. São Pascoal I, Papa (†824). Promoveu as primeiras missões nos países escandinavos e trasladou muitas relíquias dos mártires das catacumbas para as igrejas. Reconstruiu a Basílica de Santa Cecília, em Roma. 9. São Miguel Febres Cordero, religioso (†1910). Membro da Congregação dos Irmãos das Escolas Cristãs, nascido em Cuenca, Equador. Dedicou-se durante quase quarenta anos à formação dos jovens e dos professores. 10. Santa Escolástica, virgem (†547). 46 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Beata Rafaela Ybarra ___________________ Fevereiro 15. São Cláudio de La Colombière, presbítero (†1682). Sacerdote jesuíta, superior do Colégio de Paray-le-Monial, França. Grande apóstolo da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. 16. Beato José Allamano, presbítero (†1926). Aluno de São João Bosco e sobrinho de São José Cafasso. Fundou as Congregações masculina e feminina de Missionários da Consolata. 17. Sete Santos Fundadores dos Servitas (†1310). São Bonoso, Bispo (†cerca de 373). Sendo Bispo de Trier, Alemanha, empenhou-se, junto com Santo Hilário de Poitiers, em manter a integridade da Fé na Gália. 18. Santo Heládio, Bispo (†632). Abandonou o cargo de administrador da corte visigótica para se tornar monge. Foi eleito abade do mosteiro, e depois Arcebispo de Toledo, Espanha. 19. Beato José Zapłata, mártir (†1945). Religioso da Congregação do Sagrado Coração de Jesus, preso na Polônia pela polícia nazista e encarcerado no campo de concentração de Dachau, onde morreu vítima dos maus tratos. 20. VII Domingo do Tempo Comum. Beata Jacinta Marto, virgem (†1920). A mais nova dos três videntes de Fátima, Portugal. Morreu aos dez anos, após suportar com paciência atrozes sofrimentos, oferecidos para a conversão dos pecadores. Victor Toniolo 14. São Cirilo, monge (†869) e São Metódio, Bispo (†885). Santo Auxêncio, presbítero e arquimandrita (†séc. V). Após abandonar a carreira militar, fundou um mosteiro perto de Constantinopla e dirigiu nas vias da santidade grande número de discípulos. 21. São Pedro Damião, Bispo e Doutor da Igreja (†1072). São Germano, abade (†667). Assassinado por ladrões, dos quais tentava defender, com palavras pacíficas, os habitantes vizinhos do mosteiro de Grandfelt, Suíça. 22. Cátedra de São Pedro. São Maximiano de Ravena, Bispo (†556). Deu grande desenvolvimento à Diocese de Ravena, Itália, defendeu com denodo a unidade da Igreja contra os hereges da época. 23. São Policarpo, Bispo e mártir (†cerca de 155). Beata Rafaela Ybarra, religiosa (†1900). Mãe de sete filhos, obteve o consentimento do marido para fazer os votos religiosos e fundou em Bilbao, Espanha, o Instituto das Irmãs dos Anjos Custódios, para assistência e formação de meninas necessitadas. 24. Beato Tomás Maria Fusco, presbítero (†1891). Tomado de grande amor pelos pobres e doentes, fundou em Nocera, Itália, o Instituto das Filhas da Caridade do Preciosíssimo Sangue. 25. São Nestor de Magido, Bispo e mártir (†cerca de 250). Por professar sua Fé em Cristo Crucificado, foi condenado pelo governador da Panfília, na atual Turquia, ao mesmo suplício do Divino Redentor. 26. Santa Paula de São José de Calasanz, virgem (†1889). Dotada “São Cirilo e São Metódio” Basílica de São Clemente, Roma de extraordinário carisma de educadora, tinha como lema: Piedade e letras. Fundou em Barcelona, Espanha, a Congregação das Filhas de Maria das Escolas Pias. 27. VIII Domingo do Tempo Comum. Beata Maria da Caridade do Espírito Santo Brader, virgem (†1943). Religiosa franciscana suíça enviada para Pasto, Colômbia, onde fundou a Congregação das Irmãs Franciscanas de Maria Imaculada. Soube conciliar a vida contemplativa com a atividade missionária. 28. São Romano, abade (†463). Viveu inicialmente como eremita na região do Jura, na França. Sua fama de santidade atraiu numerosos seguidores, com os quais fundou dois mosteiros. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 47 São Cláudio de La Colombière Servo fiel e amigo perfeito do Sagrado Coração Confessor e confidente de Santa Margarida Maria Alacoque, São Cláudio de La Colombière foi escolhido por Deus para propagar o amor e a confiança, por meio da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Irmã Juliane Vasconcelos Almeida Campos, EP N o ano de 1675, um novo superior foi designado para a casa dos jesuítas em Paray-le-Monial. Sendo ele confessor extraordinário das vizinhas freiras da Visitação, foi estar com a superiora, Madre de Saumaise, a fim de se pôr à disposição do mosteiro. Esta lhe apresentou toda a comunidade e, enquanto o sacerdote dirigia às religiosas breves palavras de incentivo à prática da virtude heroica, uma delas, Irmã Margarida Maria Alacoque, ouviu uma voz interior lhe dizendo: — Eis aí quem te envio! Fazia poucos anos que pertencia a freira à Congregação e já havia sido beneficiada pelo Sagrado Coração de Jesus com numerosas visões e revelações. Naquele momento, porém, passava ela pelo drama da dúvida. Seus superiores e algumas autoridades eclesiásticas a consideravam “uma visionária”, levando-a a se perguntar se não estaria sendo vítima da ilusão ou enganada pelo demônio. O Divino Mestre fizera-lhe, então, uma promessa: “Eu te mandarei meu fiel servo e amigo perfeito”.1 Tratava-se do padre Cláudio de La Colombière, que Jesus enviava naquele momento à Irmã Margarida, para confirmar-lhe “em seus caminhos e para torná-lo participante de grandes graças do seu Sagrado Coração”.2 Formação em colégios da Companhia Da infância do padre de La Colombière, pouco se conhece. Nasceu a 2 de fevereiro de 1641, na aldeia de Saint-Symphorien, mas aos nove anos mudou-se com a família para Vienne, onde os beneditinos de Saint Andrés-le-Bas lançaram em sua alma as primeiras sementes de sua ardorosa devoção à Sagrada Eucaristia e lhe ministraram a Primeira Comunhão. Pouco depois de ter chegado à cidade, começou a estudar gramática com os padres jesuítas e, três anos depois, mudou-se para Lyon, a fim de cursar Humanidades, no colégio da Companhia. Foi também nes- 48 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 sa cidade, na qual morou por cinco anos, que começou a tomar contato com a obra do grande Francisco de Sales, através das Irmãs da Visitação de Bellecour, em cujo convento falecera o santo fundador. Cumpridos já dezessete anos, enquanto passava alguns dias de férias na casa dos pais, Cláudio decidiu tornar-se jesuíta. De temperamento reservado, um pouco tímido e muito afetuoso, custou-lhe separar-se da família. Mas o fez de bom grado e por completo, compreendendo consistir a verdadeira felicidade na entrega a Deus por um amor exclusivo. Mais tarde afirmaria: “Jesus Cristo prometeu cem por um, e posso dizer que nunca fiz nada sem ter recebido, não cem por um, mas mil vezes mais do que havia abandonado”.3 Do noviciado ao sacerdócio Corria o ano de 1658, quando Cláudio ingressou no Noviciado de Avignon. Ali se alternaram provas e alegrias, períodos de aridez com outros marcados por uma luz transbor- www.vatican.va dante. Dois anos depois, proferiu os primeiros votos e, havendo concluído o curso de Filosofia, dedicou-se ao magistério no colégio da Companhia, conforme determinavam as regras, antes de prosseguir os estudos para o sacerdócio. Por sua grande capacidade intelectual, estro literário e modo de fazer os sermões, o Superior Geral decidiu enviá-lo, em 1666, para estudar Teologia no Colégio de Clermont, em Paris. Ali se revelou exímio orador e excelente professor de retórica. Seu valor acadêmico e o exemplo ilibado de vida religiosa valeram-lhe o cargo de preceptor dos filhos de Colbert, o célebre Ministro do Tesouro de Luís XIV. Teve, assim, de frequentar os ambientes da corte, fazendo neles muitos amigos e dando mostras de grande talento, fino trato e elevada educação, além de se destacar pela firmeza de princípios e exímia virtude. A Terceira Provação Em 6 de abril de 1669, Cláudio recebeu as sagradas ordens e cinco anos depois chegou para ele o tempo chamado por Santo Inácio de “Escola do Afeto”. A sabedoria do fundador bem via quanto os largos anos de estudo, magistério e apostolado podiam ser para seus filhos espirituais motivo de diminuição do fervor inicial, contaminado por aspirações mundanas, quando não por sentimentos de vanglória pelos êxitos obtidos. Por isso, estabeleceu que cada jesuíta passasse por este novo período de noviciado, também chamado de Terceira Provação, antes de fazer a profissão solene. Nesse tempo, sob a orientação paternal de um instrutor, o religioso fazia um balanço de sua vida, visando desapegar-se de toda preocupação humana para deixar-se levar inteiramente pela luz divina. suítas em Paray-le-Monial. Sua alma estava com a têmpera ideal para empreender a grande missão que o aguardava. Três corações unidos para sempre São Cláudio de La Colombière A Casa São José, em Lyon, foi o lugar onde o padre Cláudio atravessou esse período, durante o qual fez um voto particular de cumprimento exímio das regras do Instituto, “sem reservas”, dispondo-se a aceitar com alegria as determinações da Santa Obediência e romper de uma vez por todas as cadeias do amor-próprio. Ao mesmo tempo consolidou-se em sua alma a confiança — também sem reservas — na misericórdia divina, sem a qual ser-lhe-ia impossível manter-se fiel aos propósitos feitos em prol da própria santificação e a dos outros. Esse tempo de solidão e recolhimento fê-lo também desapegar-se de todos os relacionamentos humanos, aos quais era extremamente sensível, para ter Nosso Senhor como único e verdadeiro amigo: “Meu Jesus [...] tenho certeza de ser amado, se vos amo. [...] Por mais miserável que eu seja, não me tirará vossa amizade nenhum indivíduo mais nobre que eu, nem mais culto ou mais santo”.4 Antes mesmo de concluir o tempo regulamentar, foi admitido aos votos solenes, feitos quando completava 34 anos, em 2 de fevereiro de 1675. Logo em seguida, recebeu o encargo de superior da casa dos je- O padre de La Colombière não sabia o que encontraria nessa pequena cidade, mas seus superiores, inteirando-se das visões de Santa Margarida Maria Alacoque e das polêmicas que haviam gerado, o escolheram exatamente por causa do seu equilíbrio de alma. Padre Cláudio era perfeitamente capaz de sustentar os bons critérios frente às controvérsias criadas, dentro e fora do convento. De fato, sem se importar com as críticas e juízos desfavoráveis, logo viu a mão de Deus nas visões de Irmã Margarida Maria e a tranquilizou e apoiou, recebendo, como recompensa, recados e favores do Divino Mestre. Um deles ocorreu, certa vez, durante a Missa celebrada para a comunidade, quando a religiosa viu, na hora da Comunhão, o Sagrado Coração de Jesus como uma fornalha ardente e dois outros corações abismando-se n’Ele: o do padre de La Colombière e o seu próprio, enquanto ouvia estas palavras: “É assim que meu puro amor une esses três corações para sempre. Esta união destina-se à glória de meu Sagrado Coração. Quero que descubras seus tesouros, ele fará conhecer seu preço e utilidade. Para tanto, sejais como irmão e irmã, partilhando igualmente os bens espirituais”.5 Apressou-se ela em transmitir o fato ao sacerdote e depois relatou sua reação. “As mostras de humildade e as ações de graças com que ele recebeu essa comunicação e várias outras coisas que lhe transmiti da parte de meu soberano Senhor e que lhe diziam respeito, comove- Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 49 ram-me e foram-me mais proveitosas que todos os sermões que eu poderia ouvir”.6 Apostolado da confiança e do reafervoramento No curto período de dezoito meses de sua permanência em Paray-le-Monial, quiçá tenha feito o padre de La Colombière mais pelas almas que em todos os anos anteriores de sua vida. O jansenismo, então em pleno auge na França, minava nos corações a confiança na bondade de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima, e afastava os fiéis dos Sacramentos, sobretudo da Sagrada Comunhão. O apostolado feito por São Cláudio em suas cartas, pregações e direções espirituais ia justamente no sentido contrário: promovia a confiança em Maria e a devoção ao Santíssimo Sacramento. Atraiu assim muitas ovelhas desgarradas, trazendo-as de volta ao redil do Salvador. Fundou uma Congregação Mariana para nobres e burgueses, na qual agrupou os cavalheiros católicos da cidade, bem como reorganizou a dos alunos do colégio da Companhia. Reestruturou o hospital dos peregrinos e indigentes, e pregou missões nos povoados vizinhos, com grandíssimos frutos de reafervoramento. “Eis o Coração que tanto amou os homens” Mas sua máxima missão foi participar, por desígnio do próprio Jesus, na chamada “Grande Revelação” feita a Santa Margarida Maria, em um dia da Oitava de Corpus Christi de 1675, quando rezava diante do Santíssimo Sacramento: a difusão da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, bem como a instituição de sua festa e da consagração reparadora. Assim transcreveu a santa as célebres palavras proferidas por Nosso Senhor, enquanto lhe mostrava seu Divino Coração: “Eis o Coração que tanto amou os homens, que não poupou nada até esgotar-Se e consumir-Se, para manifestar-lhes seu amor. E como reconhecimento, não recebo da maior parte deles senão ingratidões, desprezos, irreverências, sacrilégios, friezas que têm para comigo neste Sacramento de amor. E é ainda mais repugnante, porque são corações a Mim consagrados”.7 Em seguida, pediu-lhe o Senhor que a primeira sexta-feira após a Oitava de Corpus Christi fosse consagrada como festa especial para honrar seu Coração, com um ato público de desagravo e comunhões reparadoras. Acrescentou a promessa formal de conceder copiosos favores espirituais para quem praticasse tal devoção. A religiosa alegou sua indignidade e incapacidade de realizar a missão, e recebeu esta resposta: “Dirige-te a meu servo Cláudio e dize-lhe, de minha parte, que faça todo o possível para estabelecer esta devoção e dar esse gosto a meu Divino Coração; que não desanime diante das dificuldades que encontrará, pois estas não faltarão, mas ele deve saber que é todo poderoso quem desconfia de si mesmo para confiar unicamente em Mim”.8 Assim, na sexta-feira seguinte, São Cláudio, Santa Margarida e a comunidade da Visitação de Paray-le-Monial celebraram, pela primeira vez, a Festa do Sagrado Coração de Jesus, consagrando-se inteiramente a Ele. Missão junto à Duquesa de York Quando estava no auge de suas atividades em Paray-le-Monial, o padre de La Colombière recebeu ordem de partir para Londres, como capelão da Duquesa de York, Maria de Módena, que era católica fervorosa e só consentira em se casar com o Duque, irmão de Carlos II, após ser autorizada pelo governo inglês a ter sempre um sacerdote junto a ela. 50 Flashes de Fátima · Fevereiro 2011 Por meio da santa vidente, o Coração de Jesus recomendou a São Cláudio algumas atitudes a serem observadas em sua nova missão: não se assustar com a investida dos infernos contra seu carisma para atrair as almas, mas confiar inteiramente na bondade de Deus, pois seria Ele seu sustentáculo; usar de doçura e compaixão para com os pecadores; ter o cuidado de nunca separar o bem de sua fonte.9 Sua partida foi muito dolorosa para Santa Margarida, valendo-lhe uma censura de Nosso Senhor: “Não te basto Eu, que sou teu princípio e teu fim?”.10 De sua parte, São Cláudio permaneceu fiel ao voto e aos propósitos feitos no período da Terceira Provação, mantendo-se, “sem reservas”, afastado da vida da Corte. Sendo capelão da Duquesa de York, vivia no palácio Saint James, mas fazia-o num regime de profundo recolhimento e grandes mortificações. Preocupava-se apenas em propagar a devoção à Sagrada Eucaristia e ao Sagrado Coração de Jesus, apesar das dificuldades criadas pela hostilidade contra a Igreja. Acabou, entretanto, por converter famílias inteiras e atrair para a vida consagrada muitos membros da aristocracia londrina. Alguns destes os encaminhou para instituições religiosas na França; outros, os reuniu na própria Londres, num mosteiro clandestino, por ele fundado, próximo da Catedral de São Paulo. Foi por essa época que Titus Oates acusou injustamente os jesuítas e outros membros da Igreja de estarem tramando o assassinato de Carlos II, a fim de substituí-lo por seu irmão, o Duque de York, convertido ao catolicismo. Embora o próprio rei considerasse absurda essa denúncia, ela deu origem a violentas perseguições contra os católicos, injustamente acusados de terem participado no chamado “complô papista”. Consumação do holocausto Chegou de volta à França em meados de 1679, quase sem forças. Depois de recuperar um pouco a saúde, dirigiu-se para o Colégio da Santíssima Trindade, em Lyon, onde outrora fizera seus primeiros estudos, para assumir o cargo de diretor espiritual dos alunos de Filosofia. Ali, embora fisicamente muito desgastado, não deixava de propagar a devoção ao Divino Coração, defendendo-a contra os inúmeros ataques e incompreensões de que era objeto. No inverno de 1681, retornou a Paray-le-Monial, cujo clima parecia resultar-lhe um pouco mais benéfico. À vista, porém, do intenso frio daquela rigorosa estação, pensou-se em trasladá-lo para Vienne, onde ficaria aos cuidados de seu irmão, arcediago daquela Diocese. Mas o superior da casa www.vatican.va A pretexto de tais acontecimentos, São Cláudio foi denunciado e encarcerado pelo crime de proselitismo religioso. Cumpria-se, assim, a premonição que tivera quatro anos antes, quando se havia visto “coberto de ferros e correntes, e arrastado a uma prisão, acusado, condenado por ter pregado Cristo crucificado”.11 As péssimas condições da enxovia onde foi lançado terminaram de minar sua saúde, já debilitada por uma tuberculose incipiente. Ali teria morrido em pouco tempo, se não tivesse sido libertado por força de uma intervenção de Luís XIV. mandou-lhe permanecer, após ter recebido São Cláudio um bilhete de Santa Margarida, com este recado do seu Divino Amigo: “Ele me disse que quer o sacrifício de sua vida aqui”.12 O holocausto não tardaria muito em ser consumado. Em 15 de fevereiro de 1682, com apenas 41 anos de idade, Cláudio de La Colombière foi encontrar-se com Aquele de quem fora servo fiel e amigo perfeito nesta Terra. Algumas horas depois dos funerais, Irmã Margarida, cujo coração permanecia unido ao seu, no Sagrado Coração de Jesus, pôde fazer esta recomendação: “Deixem já de afligir-se; invoquem“Eis aí quem te envio!”, disse o Sagrado Coração de -no com toda confianJesus a Santa Margarida Maria, a propósito da chegada ça porque ele pode sode São Cláudio de La Colombière correr-nos”.13 “Aparição do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Contudo, a grande Maria” - Basílica de Santa Cecília in Trastevere (Roma) missão de São CláuUm ano mais tarde, Cláudio de dio só se realizaria plenamente muitos anos depois, em 8 de maio La Colombière seria beatificado pelo de 1928, quando Pio XI elevou à mesmo Papa. E coube a João Paulo suprema categoria litúrgica a Sole- II, em 31 de maio de 1992, a honra de nidade do Sagrado Coração de Je- incluir no catálogo dos santos o nosus, por meio da Encíclica Miseren- me deste sacerdote jesuíta, tão amado pelo Divino Coração de Jesus. tissimus Redemptor. 1 DUFOUR, Gérard. Na Escola do Coração de Jesus com Cláudio de La Colombière. São Paulo: Loyola, 2000, p.7. 4 2 SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE. Autobiografia. São Paulo: Loyola, 1985, p.59. 5 DUFOUR, op. cit., p.14-15. 6 SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE, op. cit., p.61. 7 SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE, Ouevres complètes, VI, 118 s, apud GUITTON, op. cit., p.156. 8 Idem, p.157. 9 Cf. DUFOUR, op. cit., p.19. 3 SÃO CLÁUDIO DE LA COLOMBIÈRE. Oeuvres, II, 99, apud GUITTON, SJ, Jorge. El Beato Cláudio La Colombière: su medio y su tiempo. Bilbao: El Mensajero del Corazón de Jesús, 1956, p.26. SÃO CLÁUDIO DE LA COLOMBIÈRE. Reflexões cristãs, Oeuvres, V, 429, apud GUITTON, op. cit., p.121. 10 SANTA MARGARIDA MARIA ALACOQUE, Autobiografia, op. cit., p.68. 11 GUITTON, op. cit., p.116. 12 DUFOUR, op. cit., p.20. 13 ECHEVERRÍA, Lamberto de. San Cláudio de La Colombière. In: ECHEVERRÍA, L., LLORCA, B., BETES, J. (Org.). Año Cristiano. Madrid: BAC, 2003, v.II, p.340. Fevereiro 2011 · Flashes de Fátima 51 Imagem do Imaculado Coração de Maria pertencente aos Arautos do Evangelho C onsagrar o mundo ao Coração Imaculado de Maria significa aproximarnos, mediante a intercessão da Mãe, da própria Fonte da Vida, nascida no Gólgota. Este Manancial escorre ininterruptamente, dele brotando a redenção e a graça. (Homilia do Papa João Paulo II, Timothy Ring Fátima, 13 de maio de 1982)
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