Revista Psicopedagogia Edição 99

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Revista Psicopedagogia Edição 99
PSICOPEDAGOGIA
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 99 • 2015 • ISSN 0103-8486
EDITORIAL / EDITORIAL....................................................................................................283
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
• Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista..............285
• Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem?
Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade,
dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem..........................................................293
• Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual
limítrofe e deficiência intelectual leve.............................................................................. 302
• Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires
para creches públicas da cidade do Rio de Janeiro.......................................................... 314
RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT
• Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento:
relato de experiência......................................................................................................... 326
ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE
• Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas........................336
ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES
• A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a
síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade
e transtornos de aprendizagem........................................................................................ 346
• O brincar na clínica psicopedagógica............................................................................... 361
• Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica..............................................366
VOLUME
32
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Espanha
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Sônia Maria Pallaoro Moojen
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da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp
é indexada nos seguintes órgãos:
1) LILACS - Literatura Latino-Americana e
do Caribe em Ciências da Saúde BIREME
2) Clase - Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades. Universidad
Nacional Autónoma de Mexico
3) Edubase - Faculdade de Educação, Unicamp
4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE
CIBEC / INEP / MEC
5) Latindex - Sistema Regional de Información en Línea para Revistas Científicas
de América Latina, El Caribe, España y
Portugal
6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto
Brasileiro em Ciência e Tecnologia –
IBICT
7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho
Federal de Psicologia
8) DBFCC – Descrição Bibliográfica
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Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia /
Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). São
Paulo: ABPp, 1991Quadrimestral
ISSN 0103-8486
Continuação, a partir de 1991, vol. 10, nº 21 de Boletim da
Associação Brasileira de Psicopedagogia.
1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia.
CDD 370.15
Acesse a revista na íntegra: www.revistapsicopedagogia.com.br
Diretoria da Associação
Brasileira de Psicopedagogia
TRIÊNIO 2014/2016
Presidente
Luciana Barros de Almeida (GO)
1ª Secretária Administrativa
Maria Teresa Messeder Andion (SP)
Vice-Presidente
Edimara de Lima (SP)
2ª Secretária Administrativa
Heloísa Beatriz Alice Rubman (RJ)
1ª Tesoureira
Quézia Bombonatto (SP)
1ª Assessora Científica
Marisa Irene Siqueira Castanho (SP)
2ª Tesoureira
Ana Paula Loureiro e Costa (RJ)
2ª Assessora Científica
Evelise Maria Labatut Portilho (PR)
Assessorias
Assessora de Publicações Científicas
Maria Irene Maluf (SP)
Assessoras de Relações Públicas
Débora Silva de Castro Pereira (Ba)
Galeára Matos de França Silva (Ce)
Marilene Ribeiro de Azevedo (Go)
Assessoras de Comunicação e Divulgação
Iara Caierão (Rs)
Maria José Weyne Melo de Castro (Ce)
Maria Katiana Veluk Gutierres (Rj)
Conselheiras Vitalícias
Beatriz Judith Lima Scoz
Edith Rubinstein
Leda Maria Codeço Barone
Maria Cecília Castro Gasparian
Maria Célia Malta Campos
Sp
Sp
Sp
SP
Sp
Assessora de Formação e Regulamentação
Neide De Aquino Noffs (SP)
Maria Irene Maluf
Sp
Mônica H. Mendes
Sp
Neide de Aquino Noffs
Sp
Nívea Maria de Carvalho Fabrício
Sp
Quézia BombonattoSP
Conselheiras Eleitas – Gestão 2014/2016
Ana Paula Loureiro e Costa
Clarissa Farinha Candiota
Débora S. de Castro Pereira
Evelise Maria Labatut Portilho
Fabiani Ortiz Portella
Francisca Francineide Cândido
Galeára Matos de França Silva
Iara Caierão
Joyce Maria Barbosa de Pádua
Luciana Barros de Almeida
Luciana Queiroz Bem Portela
RJ
RS
BA
PR
RS
CE
CE
RS
PI
GO
CE
Márcia Alves Simões Maria Cristina Natel
Maria José Weyne M. de Castro
Maria Teresa Messeder Andion
Marisa Irene Siqueira Castanho
SP
SP
CE
SP
SP
Suplentes
Edimara de Lima
Heloisa Beatriz Alice Rubman
Jozélia de Abreu Testagrossa
Márcia Alves Affonso
SP
RJ
BA
SP
sumário
EDITORIAL / EDITORIAL
Irene Maluf....................................................................................................................................283
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES
• Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista
Self-efficacy of caregivers of children with autism spectrum disorder
Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira;
Ana Paula Ribeiro Razera; Sylvia Maria Ciasca..........................................................................285
• Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem?
Estudo comparativo de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade,
dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem
There is relationship between psychomotor development and learning disability?
Comparative study in children with attention deficit hyperactivity disorder, school difficulties
and learning disorder
Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues..........................293
• A
valiação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe
e deficiência intelectual leve
Memory evaluation in children and adolescents with limitrophe intellectual capacity
and mild intellectual disability
Amanda Morão Pereira; Carolina Rabelo Araújo; Sylvia Maria Ciasca;
Sônia das Dores Rodrigues ..........................................................................................................302
• Análise de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para
creches públicas da cidade do Rio de Janeiro
Item analysis of the Ages and Stages Questionnaires Brazilian version for
public day care centers in Rio de Janeiro
Luis Filipe F.A. Tavares; Daniel C. Mograbi; Jesus Landeira-Fernandez..................................314
RELATO DE EXPERIÊNCIA / EXPERIENCE REPORT
• Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento:
relato de experiência
Psychopedagogical evaluation of one child with developmental abnormalities:
experience report
Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves; Márcia Siqueira de Andrade....................................326
ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE
• Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas
Inclusion strategy: rescue of embodiment within schools
Sandra Maria Correa Miller; Maira Miller Ferrari.....................................................................336
ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES
• A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação com a síndrome
de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtornos de aprendizagem
The twice-exceptionality: relations between giftedness with Asperger’s syndrome,
attention deficit hyperactivity disorder and learning disorders
Rauni Jandé Roama Alves; Tatiana de Cássia Nakano...............................................................346
• O brincar na clínica psicopedagógica
The play in clinic psychopedagogical
Rosanita Moschini; Iara Caierão..................................................................................................361
• Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica
Higher education: vicissitudes of psycho-pedagogical action
Sílvia Maria de Oliveira Pavão; Amanda do Prado Ferreira Cezar............................................366
EDITORIAL
N
esta 99ª edição, a revista Psicopedagogia oferece aos seus leitores artigos de alta qualidade acadêmica, que abordam questões envolvidas na
aprendizagem, na Psicopedagogia, na Educação, fundamentando-se
em autores diversos, embasados em experiências bem distintas, o que confere
a este número uma característica muito interessante.
Iniciamos com a apresentação aos leitores de quatro excelentes artigos de
pesquisa.
O primeiro dentre eles, “Autoeficácia de cuidadores de crianças com o
transtorno do espectro autista”, de autoria de Maria de Lourdes Merighi
Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira; Ana Paula Ribeiro Razera e Sylvia
Maria Ciasca, discorre sobre um estudo que teve como objetivo identificar a
relação do padrão de independência da criança com transtorno do espectro
autista e o nível de autoeficácia do seu cuidador.
“Há relação entre desenvolvimento psicomotor e dificuldade de aprendizagem?” é um trabalho comparativo entre crianças com transtorno de déficit
de atenção e hiperatividade, dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem,
de interesse especial para educadores e especialistas em Psicopedagogia,
que foi escrito por Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca e Sônia
das Dores Rodrigues. A avaliação do desempenho psicomotor de crianças com
transtorno de aprendizagem, dificuldade escolar e transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade foi o primordial objetivo das autoras, que ressaltam
a necessidade de se inserir a educação psicomotora na escola, com o objetivo
se prevenir e minimizar problemas acadêmicos.
Não menos interessante e produtivo é o artigo que segue, “Avaliação da
memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe
e deficiência intelectual leve”, uma contribuição de Amanda Morão Pereira,
Carolina Rabelo Araújo, Sylvia Maria Ciasca e Sônia das Dores Rodrigues, que
teve como objetivo avaliar e comparar a memória de crianças e adolescentes
classificados como intelectualmente deficientes (grau leve), inteligência limítrofe e sem comprometimento intelectual. Especificamente, foram analisadas
a memória operacional, memória de curto prazo imediata e memória de longo
prazo (episódica e semântica), nos três grupos mencionados, e o resultado
desse trabalho reveste-se de maior importância, pois remete à ideia de que
estratégias de ensino embasadas nos resultados de tais estudos podem favorecer a aprendizagem dessas crianças.
Ao lado desses trabalhos figura ainda neste número o artigo original “Análise
de itens da versão brasileira do Ages and Stages Questionnaires para creches
públicas da cidade do Rio de Janeiro”, um teste de rastreamento usado para
avaliar o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses),
utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro como
instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches municipais,
que nos foi encaminhado por Luis Filipe F. A. Tavares; Daniel C. Mograbi e
Jesus Landeira-Fernandez.
Na atualidade, a concepção de avaliação psicopedagógica vem ganhando
novas abrangências e, como exemplo, trazemos a público o interessante artigo
de Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves e Márcia Siqueira de Andrade,
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 283-4
283
EDITORIAL
 “Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento:
relato de experiência”.
“Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas”
é o artigo especial da 99ª edição desta Revista. Associando duas questões de
relevância para reflexão do leitor, as autoras Sandra Maria Correa Miller e
Maira Miller Ferrari realizam um contraponto entre educação e corporeidade
no contexto do sistema oficial de ensino, enfatizando a importância de resgatar
o ato motor e o significado da corporeidade em diferentes etapas da educação
básica.
“A dupla-excepcionalidade: relações entre altas habilidades/superdotação
com a síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção de hiperatividade e transtornos de aprendizagem”, de Rauni Jandé Roama Alves e
Tatiana de Cássia Nakano, é o primeiro entre três artigos de revisão desta
edição e, certamente, nos remete a um complexo tema que decorre de uma
condição onde a presença de capacidades superiores em uma ou mais áreas
ocorre conjuntamente a deficiências ou condições tidas como incompatíveis
a essas capacidades.
Vemos emergir em seguida um outro tema de grande importância, “O brincar
na clínica psicopedagógica”, escrito por Rosanita Moschini e Iara Caierão,
um trabalho elaborado a partir da revisão de literatura acerca da temática, em
complementaridade com a prática psicopedagógica.
Segue-se a este o último artigo deste número, “Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica”, de Sílvia Maria de Oliveira Pavão e Amanda
do Prado Ferreira Cezar, um trabalho centrado nas discussões sobre as opções
da intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação
Superior, um campo ainda pouco estudado entre nós.
Findo o segundo ano da gestão de Luciana Almeida e após o X Congresso
Brasileiro de Psicopedagogia, eis-nos agora organizando com imensa alegria
o 100º número da revista Psicopedagogia, uma edição comemorativa para a
qual estamos desde já convidando nossos leitores a aguardarem.
Agradecendo a colaboração generosa dos autores, desejamos a todos excelentes momentos de leitura, de compreensão intensa sobre tantos e profundos
temas que envolvem a aprendizagem humana e que compõem este número.
Irene Maluf
Editora
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 283-4
284
Autoeficácia de cuidadores de
crianças
com o transtorno do espectro autista
ARTIGO
ORIGINAL
Autoeficácia de cuidadores de crianças
com o transtorno do espectro autista
Maria de Lourdes Merighi Tabaquim; Roberta Gelain de Souza Vieira;
Ana Paula Ribeiro Razera; Sylvia Maria Ciasca
RESUMO – O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerado
um transtorno global do desenvolvimento, com características graves e
comprometedoras. A sobrecarga materna é apontada por diversos autores
como sendo uma consequência da própria condição da criança, a qual
implica em uma dependência intensa e constante do portador em relação
à sua mãe. O objetivo deste estudo foi identificar a relação do padrão
de independência da criança com TEA e o nível de autoeficácia do seu
cuidador. Participaram do estudo 13 cuidadores, sendo 15,4% do sexo
masculino e 84,6% do sexo feminino. Para a coleta de dados foram utilizados
dois protocolos: Escala de Percepção de Autoeficácia e Índice de Katz de
Atividades de Vida Diária. Os resultados demonstraram que os cuidadores
possuíam um bom índice de Autoeficácia, com ausência de sobrecarga do
cuidador (M=40,3). As pontuações no Índice de Katz (M=11,3) evidenciaram
3 crianças dependentes, 4 que necessitavam de ajuda e 6 independentes.
O estudo apontou para a ausência de correlação do nível de dependência
da criança com TEA e da percepção de autoeficácia do cuidador, sugerindo
Correspondência
Maria de Lourdes Merighi Tabaquim
Rua Bandeirantes, 9-60 – apto 61 – Centro – Bauru, SP,
Brasil – CEP 17015-012
E-mail: [email protected]
Maria de Lourdes Merighi Tabaquim – Neuropsicóloga,
Doutora em Ciências Médicas, Docente do Departa­
mento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia
de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB/USP) e
da Pós-Graduação do Hospital de Reabilitação de
Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo
(HRAC/USP). Bauru, SP, Brasil.
Roberta Gelain de Souza Vieira – Psicóloga, Especialista
em Neuropsicologia aplicada à Neurologia Infantil pela
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Es­
tadual de Campinas (FCM/Unicamp), Campinas, SP,
Brasil.
Ana Paula Ribeiro Razera – Enfermeira, Doutoranda
em Ciências da Reabilitação pelo Programa de PósGraduação do Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/
USP), Bauru, SP, Brasil.
Sylvia Maria Ciasca – Neuropsicóloga, Doutora em
Neu­rociências e Livre-docente em Neurologia Infantil,
Professora Associada da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
285
Tabaquim MLM et al.
limitação e particularidade da amostra, cujos cuidadores se manifestaram
com disponibilidade prática e afetiva, para atender às demandas da criança,
minimizando o impacto decorrente.
UNITERMOS: Eficácia. Cuidadores. Criança. Transtorno autístico.
pirações e o envolvimento com metas estabeleci­
das, o nível de motivação, a perseverança diante
das dificuldades, a resiliência às adversidades,
relacionando-se com a qualidade de pensamento
analítico, a atribuição causal para o sucesso ou
fracasso e a vulnerabilidade para o estresse e
depressão9. Esse conceito tem sido transposto
para o campo das relações familiares e sugerido
que o senso de autoeficácia para o desempenho
de atividades de cuidados gerais, prestados por
pais a seus filhos, está relacionado ao quanto
esses pais se sentem capazes de realizar as
tarefas com sucesso10. Um estudo demonstrou
que a autoeficácia parental é negativamente
relacionada aos problemas comportamentais de
crianças11. Outros autores complementam essa
noção, demonstrando que baixos níveis de autoeficácia estão associados a pouca persistência,
depressão e diminuição da satisfação quanto ao
papel parental12.
Diante deste contexto, o objetivo deste estudo
foi identificar a relação do padrão de independência da criança com TEA e o nível de percepção
de autoeficácia do seu cuidador.
INTRODUÇÃO
O transtorno autista ou autismo infantil faz
parte de um grupo de transtornos do neurodesenvolvimento denominados Transtornos Globais do
Desenvolvimento (TGDs), Transtornos Invasi­
vos do Desenvolvimento (TIDs) ou Transtornos
do Espectro do Autismo (TEAs). Esse grupo de
transtornos compartilha sintomas centrais no
comprometimento em duas áreas específicas do
desenvolvimento: déficits sociais e de comunicação e presença de comportamentos repetitivos e
restritivos1. A incidência de casos do Transtorno
do Espectro Autista (TEA) tem crescido de forma
significativa em todo o mundo, especialmente
durante as últimas décadas, atingindo a média
de 40 e 60 casos a cada 10.000 nascimentos2-4.
Atualmente, não há uma estimativa oficial que
indique o número de portadores do transtorno,
sendo utilizados dados de pesquisas internacionais como referência5.
A presença de uma criança com TEA tende
a modificar as relações familiares e, em alguns
casos, o rompimento de vínculos6. As dificuldades pertinentes ao transtorno devido à sua
cronicidade, condições físicas e mentais resultam em uma maior dependência em relação às
suas mães, sendo elas a principal cuidadora
dos portadores de autismo e, por isso, está mais
propensa ao desenvolvimento de altos níveis de
estresse, resultando em sobrecarga, agravos à
saúde física e psicológica7.
A partir da perspectiva da aprendizagem social, a autoeficácia é definida como o julgamento
do sujeito sobre sua habilidade para desempenhar com sucesso um padrão específico de comportamento. Este envolve o julgamento sobre as
capacidades para mobilizar recursos cognitivos
e ações de controle sobre eventos e demandas
do meio8. Tais crenças podem influenciar as as-
MÉTODO
Participaram deste estudo 13 cuidadores de
crianças diagnosticadas com TEA, de ambos os
sexos, na faixa etária de 3 a 12 anos, matriculadas em um centro de equoterapia localizado em
uma cidade do interior do Estado de São Paulo. O
critério para inclusão no estudo foi o diagnóstico
clínico realizado pela equipe interdisciplinar da
instituição participante e a adesão por meio do
consentimento formal dos responsáveis com a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
Após os procedimentos éticos da pesquisa sob
o protocolo no 903.528, foi realizado o convite
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
286
Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista
para a participação espontânea na pesquisa.
Aos interessados, foi apresentado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para a devida formalização da autorização. Durante o
período de permanência na instituição onde os
pais aguardam o tempo de terapia dos filhos,
um horário foi agendado para a coleta de dados
em um único encontro de aproximadamente 50
minutos, visando à aplicação dos instrumentos
Escala de Percepção de Autoeficácia13 e o Índice
de Katz de Atividades de Vida Diária14, de acordo
com as normas estabelecidas em cada protocolo,
com o cuidador. O ambiente foi programado na
instituição participante, em sala adequada para
os devidos procedimentos, e foi realizada a devolutiva aos cuidadores.
A Escala de Percepção de Autoeficácia tem o
objetivo de identificar a percepção do cuidador
sobre a sobrecarga do trabalho e relação com
a pessoa sob seus cuidados. É um instrumento
composto por 22 itens que avaliam os comportamentos mais apresentados por indivíduos com
autismo e o quanto os pais e cuidadores acreditam serem capazes de manejá-los. É formada
por três categorias: autoeficácia para obtenção
de uma pausa; autoeficácia para responder a
comportamentos inadequados da pessoa cuidada; autoeficácia para controlar pensamentos
negativos sobre o ato de cuidar. A pontuação é
obtida por meio de uma escala Likert de seis
pontos, que varia de “Nenhuma confiança” (0)
até “Completamente confiante” (4)13.
Já o Índice de Katz de Atividades de Vida
Diária é um instrumento que tem o objetivo de
identificar o nível de independência de pessoas
com deficiência ou necessidades especiais, por
meio da avaliação do impacto da doença/deficiência, com ênfase na limitação imposta pelas
condições crônicas. É constituído de seis atividades de rotina, tais como: tomar banho, vestir-se,
controlar os esfíncteres, usar o banheiro, locomoção e alimentação. Apresenta a pontuação
de 1 a 3, representando o nível de dependência,
dependência parcial e independência, sendo:
1 – Dependente; 2 – Necessidade de ajuda; 3
– Independente. Cada participante pode ter a
pontuação com um mínimo de 6 até um máximo
de 18 pontos, onde resulta a seguinte classificação: ≤6 – Dependente; 7-12 – Dependência
parcial; 13-18 – Independente14.
Os dados foram pontuados de acordo com os
critérios normativos de cada instrumento utilizado na pesquisa e descritos visando à análise
do desempenho e a correlação com a sobrecarga
dos cuidadores. Tabelas descritivas das variáveis observadas foram elaboradas, analisadas e
comparadas em relação ao grau de percepção de
autoeficácia e independência da criança, tendo
como referência a classificação proposta pelo
instrumento utilizado, utilizando como base o
software de análise estatística Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS), sendo adotado
nível de 5% para que as diferenças fossem consideradas estatisticamente significantes. Na análise dos dados foi também considerado o estudo
estatístico sobre a média e desvio padrão, para
obtenção dos escores brutos e transformados.
RESULTADOS
Os resultados foram apresentados por meio
da caracterização da amostra, seguido dos dados
obtidos com os instrumentos previstos na metodologia. Foram consideradas as ponderações
e os percentuais resultantes das informações
analisadas.
Os dados sociodemográficos dos cuidadores, submetidos aos instrumentos requeridos,
indicaram que 84,6% dos cuidadores eram do
gênero feminino e 15,4% do gênero masculino.
Em relação à escolaridade, 15,4% dos cuidadores
possuíam o ensino fundamental, 61,5% o ensino
médio e 23,1% o ensino superior. No que concerne à atividade laboral, 46,2% dos cuidadores
declararam trabalhar fora e 53,8% colocaram-se
como “do lar”, ou seja, dono(a) de casa ou aposentado (Tabela 1).
A média de idade dos participantes foi de 42
± 7,49 anos, sendo o máximo 62 anos e o mínimo
34 anos. Quanto ao gênero da criança cuidada, constatou-se que predominou o masculino
(76,92%) e média de idade de 7 anos, sendo a
máxima de 12 anos e a mínima de 3 anos.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
287
Tabaquim MLM et al.
(M=40,30 ± 12,09). As pontuações no Índice
de Katz (M=11,31 ± 4,40) evidenciaram que 3
crianças eram dependentes, 4 necessitavam de
ajuda e 6 eram independentes.
A Tabela 3 apresenta o intervalo de confiança,
a média e o desvio padrão, conforme a Escala
de Autoeficácia aplicada. Quanto às categorias, os dados apontaram que houve um nível
baixo de autoeficácia para “obtenção de uma
pausa” (M=11,84 ± 8,53), um nível moderado
em relação à “autoeficácia para responder a
Para identificar o grau de independência da
criança e o nível de percepção de autoeficácia
do cuidador, foram administrados os instrumentos, conforme descrito na metodologia. A
Tabela 2 demonstra as medidas da avaliação de
autoeficácia do cuidador e as características de
independência da criança com TEA.
Os resultados demonstraram que, de modo
geral, os cuidadores possuíam um bom índice
de Autoeficácia, já que os resultados apontaram que não houve sobrecarga do cuidador
Tabela 1 – Representação dos dados sociodemográficos dos cuidadores e das crianças com TEA.
Gênero do
Cuidador
Idade do
Cuidador
Escolaridade
Gênero da
Criança
Trabalha Fora
Idade da
Criança
Feminino
45
Ensino médio
Sim
Feminino
6
Feminino
62
Ensino fundamental
Não
Masculino
12
Feminino
35
Ensino médio
Não
Masculino
8
Feminino
40
Superior
Sim
Masculino
3
Feminino
42
Ensino fundamental
Não
Feminino
7
Feminino
40
Ensino médio
Sim
Masculino
12
Feminino
38
Superior
Sim
Feminino
6
Feminino
34
Ensino médio
Sim
Masculino
3
Feminino
39
Ensino médio
Não
Masculino
10
Feminino
39
Ensino médio
Não
Masculino
11
Feminino
43
Ensino médio
Não
Masculino
7
Masculino
39
Superior
Sim
Masculino
3
Masculino
52
Ensino médio
Não
Masculino
12
Tabela 2 – Avaliação de autoeficácia do cuidador e nível de independência da criança.
Instrumentos
n
Mínimo
Máximo
Média
Desvio padrão
Escala de Autoeficácia
13
27,00
64,00
40,30
12,09
Índice de Katz
13
6,00
18,00
11,31
4,40
Tabela 3 – Representação das categorias da Escala de Percepção de Autoeficácia.
Categorias
N
Mínimo
Máximo
Média
Desvio padrão
1) Autoeficácia para obtenção de uma pausa
13
0,00
25,00
11,84
8,53
2) Autoeficácia para responder a
comportamentos inadequados da pessoa cuidada
13
10,00
24,00
15,23
4,30
3) Autoeficácia para controlar pensamentos
negativos sobre o ato de cuidar
13
8,00
24,00
13,15
5,06
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
288
Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista
comportamentos inadequados da pessoa cuidada” (M=15,23 ± 4,30), e um nível moderado
no que se refere à “autoeficácia para controlar
pensamentos negativos sobre o ato de cuidar”
(M=13,15 ± 5,06).
Observando o grau de parentesco na amostra, constatou-se que 70% dos participantes
eram mães, 16% pais, 7% avó e 7% tia. Dentre
as mães, 5 exerciam atividades profissionais
fora de casa (Tabela 4). A caracterização da
amostra do estudo quanto à relação parental
com a criança está representada na Figura 1,
onde se observa que as mães se apresentam
em maior número como cuidadoras e, portanto,
como participantes.
Para análise de correlação entre os fatores da
escala foi utilizado o teste de Spearman (Tabela
4). Os escores obtidos na escala Katz possuem
correlação negativa com os escores da escala
de Autoeficácia (rs=-0,042; p=0,893), indicando
que são variáveis que se movem em sentido contrário, ou seja, há uma tendência de que quando
há mais pontos na escala Katz, menos ocorre na
escala de Autoeficácia e vice-versa. No entanto,
é uma correlação muito fraca e não significativa.
DISCUSSÃO
A motivação de todos os cuidadores para
participar da pesquisa foi surpreendente, todos
se mostraram disponíveis ao agendamento e
compareceram como solicitado. À medida que
as perguntas foram feitas, houve reflexão, por
parte do cuidador, antes da resposta. Em alguns
momentos, houve manifestação de sentimentos
relacionados à sobrecarga e preocupação com
o futuro, manifestada com choro e, em outros
momentos, demonstraram autocontrole em situações exigidas pela criança.
A distribuição dos cuidadores em relação
ao gênero apontou para o padrão tradicional
familiar do Brasil, onde o papel de cuidar dos
filhos, sobretudo aqueles portadores de cuidados
especiais, é delegado às mães ou às mulheres,
que constituem 84,6% da nossa amostra7.
Os resultados indicaram um percentual
significativo de cuidadoras que não exercem
atividades laborais fora do domicílio. Esse dado
sugere que, diante das necessidades e fragilidade da criança, possam ter se mobilizado a
proteger cada vez mais o filho, muitas vezes,
dificultando a convivência da criança com outras
pessoas além do círculo familiar, como amigos,
por exemplo.
Durante a aplicação dos testes foi possível
observar que a maior parte dos cuidadores demonstrava sentir-se incapaz de obter uma pausa
no ato de cuidar, evidenciando culpa ao pensar
em ter um tempo para si próprio e ter que pedir
a um amigo ou familiar para cuidar da criança.
No que diz respeito à avaliação de Autoeficácia do cuidador e as características de Inde-
Tabela 4 – Correlações dos tipos de Autoeficácia.
Índice
de Katz
Valor de Correlação
Escala de Autoeficácia
rs
-0,042
p
0,893
Autoeficácia para obtenção de
uma pausa
rs
0,124
p
0,687
Autoeficácia para responder a
comportamentos inadequados da
pessoa cuidada
rs
0,017
p
0,956
Autoeficácia para controlar
pensamentos negativos sobre o
ato de cuidar
rs
-0,243
p
0,424
Figura 1 – Demonstrativo da condição parenteral dos
participantes.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
289
Tabaquim MLM et al.
pendência da criança com TEA, os resultados
demonstraram que, de modo geral, os cuidadores
possuíam um bom índice de Autoeficácia. As
pontuações no Índice de Katz demonstraram que
poucas crianças eram dependentes, a maioria
com necessidades de assistência, ou mesmo,
independente.
Os escores obtidos na escala Katz tiveram
correlação negativa com os escores da escala de
Autoeficácia, porém trata-se de uma correlação
frágil e não significante. Por isso, esses dados
devem ser analisados com cautela, haja vista
o tamanho limitado da amostra, assim como os
desvios padrão.
Considerando que a autoeficácia consiste no
julgamento da pessoa sobre a sua habilidade
para desempenhar com sucesso um padrão específico de comportamento, no caso, de cuidador,
um dos participantes do estudo, na figura do
pai, teve o índice de impacto “intenso” na escala
aplicada. Este dado remete à compreensão sobre
as dificuldades de ordem prática, uma vez que
essa expectativa interfere e regula o pensamento
(reações afetivas) e as ações (desempenho com a
criança) realizadas intencionalmente, podendo
inclusive gerar ansiedade e desmotivação. Os
sucessos obtidos contribuem para a construção
de uma forte crença na eficácia pessoal. Por
outro lado, as falhas podem comprometê-la,
especialmente se estas ocorrerem antes que
um sentimento de eficácia esteja firmemente
estabelecido15.
Os cuidadores que conseguem trocar informações e falar sobre suas dificuldades apresentaram o índice de impacto “ausente”. As
crenças de eficácia podem ser desenvolvidas
por meio de fontes de informação, uma delas é
constituída pelas experiências vicárias, fornecidas por modelos sociais. Ver pessoas parecidas
a si mesmo, sendo bem-sucedidas por esforços
mantidos, aumenta a crença dos observadores de
que eles possuem as capacidades e habilidades
para dominar atividades comparáveis de forma
bem sucedida15.
Na experiência vicária, o impacto da modelagem na percepção de autoeficácia é influenciado
pela semelhança percebida em relação aos mo-
delos, o que pode encorajar e empoderar. Neste
estudo, os cuidadores tinham a oportunidade de
vivenciar a troca de experiências pela proximidade na instituição participante, o que pode ter
contribuído para a minimização das situações
impactantes e estressoras advindas da sobrecarga no cuidado com a criança com necessidades
especiais, como no caso da criança com TEA.
No que diz respeito à variável emprego, do
total de 6 participantes que trabalham fora, 4
apresentaram índice de impacto “ausente” de
sobrecarga. Sugere-se que, além desse ofício
complementar à renda familiar, exista a possibilidade compensatória de redirecionar os interesses e as responsabilidades, tornam-se mais
disponíveis, oferecendo mais oportunidades
para uma relação mais prazerosa com a criança,
sentindo-se eficazes no papel de cuidadores.
Enquanto alguns estudos apresentam discordâncias sobre as fontes do estresse familiar como
típicas ou não da sintomatologia do autismo16-18,
outros estudos não levam em conta fatores importantes nesse processo, tal como o apoio social
disponível a essas famílias ou a gravidade dos
sintomas presentes na criança19-21. Depreende-se
disso que essa questão permanece controversa.
Contudo, os resultados parecem apontar para
uma sobrecarga maior nas mulheres, pelo menos em termos de cuidado direto da criança. De
qualquer modo, a relação entre autoeficácia em
cuidadores de indivíduos com o espectro autista
tem sido pouco investigada na literatura.
O conhecimento gerado neste estudo objetivou, nesse sentido, contribuir com dados empíricos, para uma maior compreensão da situação
atual dos cuidadores de crianças com TEA. Os
dados encontrados são importantes, portanto, pois
possibilitam uma melhor compreensão da sobrecarga dos cuidadores dessas crianças, fornecendo
suporte para uma proposta de intervenção.
CONCLUSÃO
O estudo apontou para a ausência de correlação do nível de dependência da criança com
TEA e da percepção de autoeficácia do cuidador, sugerindo limitação e particularidade da
amostra, cujos cuidadores se manifestaram com
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
290
Autoeficácia de cuidadores de crianças com o transtorno do espectro autista
mesmo, independente. No que diz respeito à
avaliação de Autoeficácia do Cuidador e às características de Independência da criança com
TEA, os resultados demonstraram que, de modo
geral, os cuidadores possuíam um bom índice
de Autoeficácia.
disponibilidade, prática e afetiva, para atender
às demandas da criança, minimizando o impacto
decorrente.
As pontuações no Índice de Katz demonstraram que poucas crianças eram dependentes,
a maioria com necessidades de assistência, ou
SUMMARY
Self-efficacy of caregivers of children with autism spectrum disorder
Disorder Autism Spectrum (TEA) is considered a global development
disorder with serious and compromising features. Maternal overhead
is mentioned by several authors as a consequence of their own child’s
condition, which implies an intense and constant dependence carrier in
relation to his mother. The objective of this study was to identify the child’s
independence pattern of relationship with TEA and the self-efficacy level
of your caregiver. This study was attended by 13 caregivers, 15.4% male
and 84.6% female. To collect data we used two protocols: Perception Scale
Self-efficacy and Katz Index of Activities of Daily Living. The results
showed that the caregivers had a good Self-efficacy rate with no caregiver
burden (M=40.3). Scores on Katz Index (M=11.3) showed three dependent
children, 4 needed help and 6 independent. The study pointed to the lack
of correlation of the child’s level of dependency with ASD and perception of
caregiver self-efficacy, suggesting limitation and particularity of the sample,
whose caregivers demonstrated with practical and emotional availability,
to meet the demands of the child, minimizing the impact.
KEY WORDS: Efficacy. Caregivers. Child. Autistic disorder.
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Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médi­
cas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/
Uni­camp), Campinas, SP, Brasil.
Artigo recebido: 22/8/2015
Aprovado: 4/11/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 285-92
292
Desenvolvimento psicomotor
e problemas de aprendizagem
ARTIGO ORIGINAL
Há relação entre desenvolvimento
psicomotor e dificuldade de aprendizagem?
Estudo comparativo de crianças com
transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade, dificuldade escolar
e transtorno de aprendizagem
Mariana Coelho Carvalho; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues
RESUMO – Introdução: O objetivo deste estudo foi avaliar o desempenho
psicomotor de crianças com transtorno de aprendizagem (TA), dificuldade
escolar (DE) e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
Especificamente, foi identificada a relação entre habilidades psicomotoras
nos diferentes tipos de problemas com a aprendizagem. Método: Foram
avaliadas 25 crianças, de ambos os gêneros, com idade entre 7 e 11 anos de
idade, com diagnóstico de TDAH (n=8), TA (n=6) e DE (n=11), avaliadas
no DISAPRE/FCM/UNICAMP. A Escala de Desenvolvimento Motor (Rosa
Neto, 2002) foi utilizada para avaliar motricidade fina, motricidade global,
equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e organização temporal.
Resultados e Conclusões: Todas as crianças tiveram idade motora inferior à
idade cronológica. Comparando as habilidades psicomotoras, constatou-se que
Correspondência
Sônia das Dores Rodrigues
Rua Heitor Ernesto Sartori, 730, apto 204 – bloco 9 –
Praça dos Profetas – Santa Genebra – Campinas, SP,
Brasil – CEP: 13080-657.
E-mail: [email protected]
[email protected]
Mariana Coelho Carvalho – Graduação em Psicologia
(Uni­versidade de Ribeirão Preto - UNAERP), Aprimo­ra­
mento em Psicopedagogia aplicada à Neuro­lo­gia Infantil
(UNICAMP), Especialização em Neu­ropsicologia apli­
cada à Neurologia Infantil (UNICAMP), Mestrado em
Ciências Médicas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.
Sylvia Maria Ciasca – Graduação em Psicologia (PUC –
Campinas), Mestrado em Psicologia (Neurociências e
Comportamento) (USP), Doutorado em Neurociências
(UNICAMP), Livre-docência em Neurologia Infantil,
Campinas, SP, Brasil.
Sônia das Dores Rodrigues – Graduação em Pedagogia
(UNICAMP), Especialização em Psicopedagogia (PUCCampinas), Especialização em Psicomotrocidade (ISPEGAE/FMABC), Mestrado e Doutorado em Ciências
Médicas (FCM-UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
293
Carvalho MC et al
o grupo com TDAH teve pior desempenho, porém diferença estatisticamente
significativa foi encontrada apenas em esquema corporal (quando se com­
parou o grupo TDAH com o grupo com TA). As autoras chamam a atenção
para a relação entre baixo desempenho em habilidades psicomotoras
com problema de aprendizagem e ressaltam a necessidade de se inserir a
educação psicomotora na escola, com o objetivo de se prevenir e minimizar
problemas acadêmicos.
UNITERMOS: Desempenho psicomotor. Transtornos de aprendizagem.
Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade
TDAH é um termo utilizado para se referir a
um transtorno mental crônico, cujas manifestações essenciais são moduladas pelos estágios
evolutivos por que passam os indivíduos. Caracteristicamente, portadores de TDAH têm
dificuldade de prestar atenção e de mantê-la,
de adaptar o nível de atividade e de moderar
as ações impulsivas. Como resultado, condutas
ina­daptadas que não correspondem à idade e
nem ao nível de desenvolvimento do sujeito são
observadas2-4.
Dados da literatura demonstram que o TDAH
é mais frequente em meninos (três a quatro vezes
mais), porém também há relatos de que as meninas não são devidamente encaminhadas para
diagnóstico e, além disso, na adolescência a diferença entre os gêneros é menos pronunciada5.
Com relação à prevalência, estima-se que
3% a 6% da população escolar tenha TDAH6.
Entretanto, dependendo da metodologia utiliza­
da, bem como do local de realização da pesquisa
(Centros de Atenção Primária ou Centros de Referência de Transtornos Psiquiátricos), os índices
podem ser superiores ao mencionado.
Do ponto de vista etiológico, ainda não é
pos­sível definir e estabelecer uma etiologia específica responsável pelo TDAH. Sabe-se, porém,
que: a) se trata de um transtorno hereditário, com
índices que variam de 80% a 90%5-7; b) não existe
um único gene responsável pelo TDAH, já que
vários genes associados e de pequenos efeitos
levam à propensão do desenvolvimento do quadro8; c) estudos com neuroimagem demonstram
INTRODUÇÃO
No momento em que nasce, a criança se vê
num mundo extremamente complexo, repleto
de estímulos visuais, auditivos e táteis, principalmente. Nessa etapa, o bebê é dotado basica­
mente de reflexos e suas estruturas nervosas
ainda não estão devidamente mielinizadas.
Como consequência, dependerá do cuidado de
terceiros para sobreviver e se desenvolver adequadamente. Tais cuidados incluem não só alimentação, higiene e homeostasia, mas também
suporte afetivo e emocional. Gradativamente, a
criança se torna um ser cada vez mais independente e, à medida que isso ocorre, alterações
comportamentais são observadas.
Esse processo evolutivo, no entanto, requer
a intersecção de uma série de fatores, que
en­­volvem o desenvolvimento constitucional (in­­­
tegridade e maturação do sistema nervoso,
cons­­tituição física, capacidade intelectual, etc.),
psicomotor, intelectual, afetivo-social e as expe­
riências transmitidas pelos agentes sociais (fa­
mília, escola, sociedade)1. Falha em qualquer
um desses fatores pode resultar em atrasos,
disfunções ou transtornos neuropsiquiátricos diversos e, como consequência, comprometimento
na aprendizagem.
Dentre os transtornos resultantes de fatores
intrínsecos à criança que podem interferir no
desenvolvimento e na aprendizagem infantil,
destacam-se o Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) e o transtornos de apren­
dizagem (TA), a seguir sintetizados.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
294
Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem
que há evidências de alterações em determinadas áreas cerebrais, sendo essas significativas
nas regiões do córtex pré-frontal dorsolateral,
regiões do gânglio da base e cerebelo5.
Em relação ao último aspecto, o fato da região
frontal do cérebro estar mais comprometida nos
indivíduos com TDAH resulta em dificuldades
acentuadas nas funções executivas. Tal termo
engloba várias funções que são essenciais para
o funcionamento normal dos indivíduos, tais
como: elaboração do raciocínio abstrato, alternância de tarefas, planejamento e organização
das atividades, elaboração de objetivos, geração
de hipóteses, fluência e memória operacional;
resolução de problemas; formação de conceitos;
inibição de comportamentos, automonitoramento; iniciativa; autocontrole; flexibilidade mental;
controle da atenção; manutenção do esforço
sustentado; antecipação; regulação de comportamentos e criatividade.
No referente ao transtorno de aprendizagem,
as evidências mostram que se trata de um distúrbio do desenvolvimento, que afeta em torno
de 5% a 15% da população escolar. Caracteris­ti­
camente, o TA está presente desde a fase precoce,
persiste na vida adulta e é evidente a dis­crepância
entre o potencial cognitivo e desempenho acadêmico. Sinais neurológicos leves (soft signs) e/ou
outras comorbidades (como o TDAH) podem (ou
não) estar presentes9-11.
Tanto no que se refere ao TDAH, quanto ao
TA, é importante que se faça a distinção destes
com um problema bastante comum em nosso
meio, ou seja, com a dificuldade de aprendizagem secundária a fatores ambientais (pedagógico, por exemplo). Nesse caso, preferimos nos
referir a estes como tendo quadro de dificuldade
escolar (DE).
Como o ato de aprender é extremamente com­
plexo, há necessidade de abordagem interdisciplinar, com o objetivo de se investigar todos os
fatores envolvidos (cognitivo, acadêmico, familiar, comportamental, psicomotor) com a problemática e se realizar o diagnóstico diferencial.
No referente ao aspecto psicomotor, a literatura demonstra que há íntima relação entre este
com dificuldades no contexto acadêmico (leitura,
escrita, matemática). A questão que se coloca,
então, é se há relação entre etiologia da dificuldade de aprendizagem com desenvolvimento
psicomotor. Nesse sentido, o presente estudo
teve como objetivo geral avaliar o desempenho
psi­comotor de crianças com TA, DE e TDAH.
Especificamente, pretendeu-se identificar se
haveria diferenças nas habilidades psicomotoras
dos grupos estudados e, com isso, verificar a possibilidade de se estabelecer processo interven­
tivo adequado.
MÉTODO
Contexto geral
Trata-se de um estudo descritivo, que avaliou
as habilidades psicomotoras de crianças com
dificuldade de aprendizagem decorrente de dis­
função do sistema nervoso central (transtorno
de aprendizagem - TA), de ordem pedagógica
(di­ficuldade escolar - DE) e de transtornos de
atenção (TDAH). Fizeram parte do estudo 25 sujeitos, com idade entre 7 e 11 anos, sendo a maioria
(19/25) do gênero masculino.
Os sujeitos avaliados foram selecionados no
Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Apren­
dizagem e Transtorno Atenção (DISAPRE), da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da
Uni­­versidade Estadual de Campinas. Rotineira­
mente, as crianças chegam a esse laboratório
com queixa de dificuldade de aprendizagem para
avaliação diagnóstica, de modo a identificar
se a dificuldade de aprendizagem tem origem
funcional (transtorno de aprendizagem, atencional (relacionada ao transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade), pedagógica (dificuldade escolar), ou decorrente de outros fatores
neuropsiquiátricos.
Inicialmente, as crianças passaram por protocolo do Serviço, que inclui avaliação neuropsicológica de base, constituída por dados objetivos e
subjetivos (tais como anamnese, entrevista com
a família, contato com a escola e observação
clínica durante o processo de avaliação e discus­
são do caso).
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
295
Carvalho MC et al
Aquelas que receberam hipótese diagnóstica
de TA, DE e TDAH foram selecionadas para o
estudo. Os pais foram informados sobre o teor da
pesquisa e assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido.
cronológica à idade motora, foi observado que
todos tiveram idade negativa. Com relação à
classificação final, apenas 5/25 sujeitos foram
classificados como normal médio. Os demais
foram classificados como normal baixo (9/25),
inferior (10/25) e muito inferior (1/25). Nenhum
sujeito foi classificado como normal alto, superior ou muito superior.
Na Tabela 2, é apresentado o desempenho de
todos os sujeitos, segundo as áreas motoras avaliadas. Como se nota, a organização espacial, seguida
de equilíbrio, organização temporal e esquema
corporal, foram as áreas mais comprometidas.
Considerando-se o desempenho motor em
função da etiologia da dificuldade de aprendizagem (DE, TA ou TDAH), verifica-se na Tabela
3 que:
a) O grupo TDAH teve pior desempenho
que o grupo TA em todas as habilidades
motoras avaliadas (motricidade final,
motricidade global, equilíbrio, esquema
corporal, orientação espacial e orientação
temporal), porém a diferença foi estatisticamente significativa apenas em uma
habilidade motora (esquema corporal);
b) Comparando-se os grupos DE e TA, nota-se que o primeiro obteve pior desempenho em todas as habilidades motoras
avaliadas (motricidade final, motricidade
global, equilíbrio, esquema corporal,
orientação espacial e orientação temporal), porém a diferença não foi estatisticamente significativa;
c) Comparando-se os grupos DE e TDAH,
nota-se que o segundo obteve pior desempenho, uma vez que ficou abaixo em 4/6
funções avaliadas (motricidade global,
esquema corporal, orientação espacial e
orientação temporal), porém a diferença
não foi estatisticamente significativa;
Instrumento de avaliação
Uma vez selecionadas, as crianças foram
sub­­metidas à avaliação motora complementar,
por meio da Escala de Desenvolvimento Motor
(EDM) de Rosa Neto12. Esta compreende um
conjunto de provas diversificadas e de dificuldade graduada, conduzindo a uma exploração
minuciosa das seguintes áreas do desenvolvimento: motricidade fina (óculo manual); motricidade global (coordenação); equilíbrio (postura
estática); esquema corporal (imitação de postura,
rapidez); organização espacial (percepção do espaço); organização temporal (linguagem, estruturas temporais) e lateralidade (mãos, olhos e pés).
A Escala de Desenvolvimento Motor (EDM)
é de aplicação individual, com duração média
de 30 a 45 minutos, permitindo a classificação
do desenvolvimento motor, desde o nível “Muito
Inferior” até “Muito Superior”, traçando um perfil motor que abrange todas as áreas avaliadas.
Análise dos dados
Os dados obtidos foram avaliados quantitativamente e qualitativamente. A análise estatística
foi feita por meio do programa SAS System for
Windows (versão 8.02) e SPSS for Windows (versão 10.0.5) e a escolha do teste para a avaliação
dos resultados foi realizada segundo o tipo de
variável analisada. Foi considerado significativo
valor de p > 0, 05.
RESULTADOS
Por meio da Escala de Desenvolvimento
Motor (EDM)12, constatou-se que todos os sujeitos apresentaram idade motora inferior à idade
cro­nológica.
Conforme se observa na Tabela 1, a maioria
dos sujeitos teve desempenho motor abaixo do
esperado, já que quando se comparou a idade
DISCUSSÃO
Conforme se pôde observar na exposição dos
resultados, a maioria das crianças avaliadas era do
gênero masculino. Tal dado está de acordo com
a literatura, que tem indicado que os meninos
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
296
Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem
Tabela 1 – Apresentação do resultado na Escala de Desenvolvimento Motor (Rosa Neto, 2002),
em função da idade cronológica, idade motora, quociente motor geral, idade negativa e classificação geral.
Idade cronológica
(meses)
Idade motora
(meses)
Idade negativa
1
127
91
-36
I
2
108
98
-10
NB
3
127
100
-27
I
4
108
78
-30
I
5
132
118
-14
NB
6
95
77
-18
NB
7
120
101
-19
NB
8
96
81
-15
NB
9
102
80
-22
I
10
127
91
-36
I
11
120
107
-13
NB
12
132
100
-32
I
13
108
102
-6
NM
14
120
84
-36
I
15
132
121
-11
NM
16
132
119
-13
NM
17
132
116
-16
NB
Sujeito
Classificação
18
92
73
-19
I
19
120
110
-10
NM
20
108
80
-28
I
21
108
100
-8
NM
22
108
87
-21
NB
23
132
113
-19
NB
24
132
98
-34
I
25
108
74
-34
MI
Legenda: MI = muito inferior, I = inferior, NB = normal baixo, NM = normal médio.
Tabela 2 – Síntese da classificação dos sujeitos na EDM, em função das áreas motoras avaliadas.
Áreas avaliadas
Motricidade fina
Classificação/no. de sujeitos
MI
I
NB
NM
NA
S
MS
3
2
10
10
0
0
0
Motricidade global
5
3
6
11
0
0
0
Equilíbrio
5
5
8
7
0
0
0
Esquema corporal/Rapidez
3
6
10
6
0
0
0
Organização espacial
9
6
3
7
0
0
0
Linguagem/Organização temporal
3
7
7
8
0
0
0
Legenda: I = inferior, MI = muito inferior, NB = normal baixo, NM = normal médio, NA = normal alto, S = superior, MS =
muito superior.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
297
Carvalho MC et al
Tabela 3 – Comparação do desempenho motor, em função da etiologia da dificuldade de aprendizagem.
Funções motoras avaliadas
Grupos
Motricidade
Fina
Motricidade
Global
Equilíbrio
Esquema
corporal
Orientação
Espacial
Orientação
Temporal
DE (n=11)
TA (n=6)
97,6
105,0
p=0,36
105,2
106,0
p=0,44
91,6
104,0
p=0,20
96,5
109,0
p=0,16
91,6
94,0
p=0,95
95,4
109,0
p=0,18
DE (n=11)
TDAH
(n=8)
97,6
103;5
p=0,55
105,2
94.5
p=0,58
91,6
93,0
p=0,93
96,5
86,2
p=0,25
91,6
84,0
p=0,25
95,4
90,7
p=0,58
105,0
103.5
0,84
106,0
94,5
0,17
104,0
93,0
0,29
109,0
86,2
0,05
94,0
84,0
0,28
109,0
90,7
0,08
TA (n=6)
TDAH
(n=8)
Valor de p: Teste de Mann-Whitney
costumam ter mais transtornos de aprendizagem
e da atenção do que as meninas13.
Ciasca11,14 descreve a prevalência de meninos
com dificuldades de aprendizagem quando
comparados às meninas, numa proporção de
6:1. Este predomínio do sexo masculino tem sido
explicado por hipóteses genéticas, anatômicas,
de especialização hemisférica e devido a causas
sociais, dependendo da população estudada.
No referente à idade cronológica no momento
da avaliação, observa-se que a média do grupo
foi de 10 anos. A esse respeito é interessante
destacar que, anteriormente, as crianças eram encaminhadas mais precocemente13. Possivelmente,
a progressão continuada explica esse fato, pois
é mais comum se proceder à reprovação no 5º
ano, quando as crianças têm em torno de 10 anos
de idade. Assim, essas são encaminhadas nesse
momento crítico, quando se constata que a aprendizagem está aquém daquilo que é esperado.
No presente estudo, foi constatado que a idade motora de todos os sujeitos foi inferior à idade
cronológica. Tal dado reforça o que é mencionado
por Fonseca15, de que a motricidade organiza as
sensações e percepções que dão origem a aprendizagens cada vez mais complexas. Depreende-se, então, que a desorganização psicomotora
resulta em alterações na aprendizagem infantil.
A esse respeito vale mencionar o trabalho desenvolvimento por Moreira et al.16. Ao comparar
escolares da 2ª e 3ª série do primeiro grau (com
dificuldade de aprendizagem e com rendimento
escolar normal), por meio do teste de proficiência motora de Bruininks-Oseretsky, os autores
encontraram que as crianças sem histórico de
fracasso escolar tiveram desempenho motor superior, quando comparado àquelas que tinham
dificuldade de aprendizagem.
No que se refere às funções psicomotoras
mais comprometidas, é importante citar o trabalho desenvolvido por Rosa Neto12. Crianças de
4 a 12 anos com dificuldades de aprendizagem,
apresentaram perfil motor geral classificado como
“inferior”, com maior comprometimento no equilíbrio, esquema corporal, organização espacial e
temporal. Os mesmos resultados foram encontrados em estudo realizado com escolares de 5 a
14 anos com problemas na aprendizagem, tendo
a organização temporal, o equilíbrio e a organização espacial como áreas de maiores déficits.
De fato, Fonseca15 menciona que as crianças
com dificuldades de aprendizagem costumam ter
mais deficiência na noção de corpo, orientação,
adaptação e exploração espacial.
No presente estudo, tais dados são comprovados, já que as funções psicomotoras mais deficitárias foram organização espacial, equilíbrio,
organização temporal e esquema corporal.
No que se refere à relação entre funções psi­
comotoras e TDAH, Bardy et al.17, utilizando
a EDM12, encontraram que a defasagem mais
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
298
Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem
considerável foi em esquema corporal, seguida
da função de equilíbrio e organização espacial.
No nosso estudo, encontramos mais defasagem
em orientação espacial, seguida de esquema
corporal e orientação temporal.
Após realização da pesquisa, foi possível avaliar o desempenho psicomotor de crianças com
transtorno de aprendizagem (TA), dificuldade
escolar (DE) e transtorno de déficit de atenção
e hiperatividade (TDAH). A análise dos dados
demonstrou que todas as crianças apresentaram
idade motora inferior à idade cronológica.
Comparando-se as habilidades psicomotoras em função da etiologia da dificuldade de
aprendizagem, constatou-se que o grupo TDAH
teve o pior desempenho que o grupo DE em
algumas habilidades (motricidade global, es­
quema corporal e orientação espaço temporal). Quando comparado ao grupo TA, o grupo
TDAH apresentou pior desempenho em todas
as habilidades, sendo estatisticamente significativo em esquema corporal. Surpreendentemente, embora não tenha havido diferença
estatisticamente significativa, o grupo DE teve
pior desempenho que o grupo TA, em todas as
habilidades motoras. Apesar do tamanho da
amostra analisada, tais dados reforçam a ideia
de que há relação entre desenvolvimento de
habilidades psicomotoras com problemas de
aprendizagem, independente da etiologia da
mesma.
Nesse sentido, chama-se a atenção para o pa­pel
da escola (notadamente educadores/professores)
no que diz à necessidade de inserir no seu planejamento pedagógico educação psicomotora,
principalmente no ensino infantil e séries iniciais
do ensino fundamental. Pelo fato da abordagem
psicomotora integrar funções cognitivas, socioemocionais, simbólicas, psicolinguísticas e motoras, esta pode promover o desenvolvimento global
do individuo e, ainda, minimizar a dificuldade de
aprendizagem das crianças.
CONCLUSÕES
Neste estudo, foram avaliadas e comparadas
as habilidades psicomotoras de indivíduos com
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de aprendizagem e dificuldade
escolar. Os dados demonstraram que todos os
sujeitos apresentaram idade motora inferior à
idade cronológica. Quando se comparou o desempenho em função dos diferentes diagnósticos
(TDAH, TA e DE), verificou-se que o grupo com
TDAH teve pior desempenho que o DE e o TA,
porém diferença estatisticamente significativa
só foi identificada em esquema corporal (em
comparação ao grupo DE). As autoras chamam
a atenção para a relação entre desenvolvimento
psicomotor e aprendizagem e ressaltam a importância da educação psicomotora na escola desde
o ensino infantil, com o objetivo de se minimizar
a dificuldade acadêmica das crianças.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
299
Carvalho MC et al
SUMMARY
There is relationship between psychomotor development and
learning disability? Comparative study in children with attention
deficit hyperactivity disorder, school difficulties and learning disorder
Introduction: The study aimed to evaluate psychomotor performance
of children with learning disabilities, learning difficulties and attention
deficit hyperactivity disorder (ADHD). The specific objective was to evaluate
psychomotor skills in different types of learning disability. Methods: 25
children both genders were evaluated. The age at evaluation was 7-11 years.
After evaluation at the DISAPRE/FCM/ UNICAMP the children received
the following diagnoses: ADHD (8), learning disabilities (6) and learning
difficulties (11). Motor Development Scale (Rosa Neto, 2002) was used to
assess fine motor skills, gross motor skills, equilibration, body perception,
spatial organization and temporal organization. Results and Conclusions:
All children had lower motor age than expected for their chronological age.
Children with ADHD had worst performance than children with learning
disabilities and learning difficulties, but result statistically significant was
found only in body perception This study show that there is relationship
between poor performance on psychomotor skills in all children with
different types of learning problem. So, it is important introduce psychomotor
education at school in order to prevent and minimize academic problems.
KEY WORDS: Psychomotor performance. Learning disorders. Attention
deficit disorder with hyperactivity.
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5. Kuntcher S. Declaración de consenso inter­
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300
Desenvolvimento psicomotor e problemas de aprendizagem
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Ciasca SM. Distúrbio de aprendizagem: proposta de avaliação Interdisciplinar. São Paulo:
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Bardy LR et al. A correlação entre TDAH e
psicomotricidade. In: IV Congresso Brasileiro
Multidisciplinar de Educação Especial. Londrina –PR, de 29 a 31 de outubro de 2007,
Anais em CD-ROM.
Artigo recebido: 5/9/2015
Aprovado: 12/11/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 293-301
301
Pereira AM
et al.
ARTIGO
ORIGINAL
Avaliação da memória em crianças e
adolescentes com capacidade intelectual
limítrofe e deficiência intelectual leve
Amanda Morão Pereira; Carolina Rabelo Araújo; Sylvia Maria Ciasca; Sônia das Dores Rodrigues
RESUMO – O presente estudo teve como objetivo avaliar e comparar a
memória de crianças e adolescentes classificados como intelectualmente
deficiente (grau leve), inteligência limítrofe e sem comprometimento
intelectual. Especificamente, foram analisadas a memória operacional,
memória de curto prazo imediata e memória de longo prazo (episódica
e semântica) nos três grupos mencionados. Participaram deste estudo 38
sujeitos divididos em três grupos: deficientes intelectuais de grau leve (GDI),
limítrofes (GL) e controle (GC), constituído por crianças com quociente de
inteligência dentro da normalidade. Para avaliação dos diferentes tipos
de memória foram utilizados os instrumentos: Figura Complexa de Rey,
Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), Blocos de Corsi
(TBC) e os subtestes da WISC-IV dígitos, sequência de números e letras
e vocabulário. Os dados obtidos demonstram que, quando comparado ao
GC, o GDI apresentou prejuízo significativo na memória operacional e na
memória de longo prazo semântica, mas não na memória episódica. Em teste
que utiliza a repetição de informações, as crianças do GDI tiveram melhor
desempenho. Tal dado é importante, pois remete à ideia de que estratégias
de ensino embasadas nessa abordagem podem favorecer a aprendizagem
dessas crianças. Quanto ao GL, constatou-se prejuízo significativo em todos
Correspondência
Amanda Morão Pereira
Rua Padre Teixeira, 2670 – bloco Roma – apto. 153 –
Vila Nery – São Carlos, SP, Brasil – CEP: 13560-210
E-mail: [email protected]
Amanda Morão Pereira – Psicóloga, São Carlos, SP, Bra­sil.
Carolina Rabelo Araújo – Neuropsicóloga, mestre em
Ciências Médicas pela FCM/UNICAMP, Campinas,
SP, Brasil.
Sylvia Maria Ciasca – Professora Livre-Docente do
Departamento de Neurologia e Coordenadora do
DISAPRE – Laboratório de Pesquisa em Distúrbios de
Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Trans­
torno de Atenção – FCM/UNICAMP, Campinas, SP,
Brasil.
Sônia das Dores Rodrigues – Pedagoga, Psicopedagoga
e Psicomotricista, Mestre e Doutora em Ciências Médi­
cas pela FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
302
Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve
os tipos de memória avaliados, quando comparado ao GC. A comparação
entre o GL e o GDI demonstrou que os primeiros tiveram melhor desempenho
(estatisticamente significativo) apenas na memória semântica. Diante disso,
considera-se importante que se discuta a necessidade de crianças com
inteligência limítrofe receberem na escola o mesmo suporte educacional
especializado oferecido às crianças intelectualmente deficientes.
UNITERMOS: Memória. Aprendizagem. Inteligência. Deficiência in­
telectual.
até 3 a 6 horas, o que representa o tempo de efeti­
vação da MLP. O papel da MCP é permanecer
tempo suficiente para que o indivíduo possa dar
continuidade a alguma tarefa por meio de uma
“cópia” momentânea da memória principal, que
será gradativamente substituída pela MLP1.
A MLP armazena grande quantidade de informações e permanece por muitas horas, dias
ou até anos e, neste ultimo caso, tem o que se
denomina de memória remota4.
Quanto ao conteúdo, a memória costuma ser
di­vidida em declarativas, que registram fatos,
eventos ou acontecimentos, e procedimentais,
que estão relacionadas com procedimentos automáticos (motores) e com informações adquiridas
por condicionamento e habituação4,6.
A memória declarativa se subdivide ainda em
função do tipo de conteúdo, ou seja, denominam-se de memória episódica os eventos aos quais
assistimos ou dos quais participamos e de memória semântica àquelas relacionadas a conhecimentos gerais, fatos, conceitos e vocabulário.
É a memória operacional que define o que será
guardado na memória declarativa ou procedimental e que memória deverá ser evocada em
cada caso1.
A memória operacional é um forte preditor da
capacidade de raciocínio, ou seja, quanto maior
o nível de agregação da memória operacional,
maior a capacidade de raciocínio e inteligência
geral. Nesse sentido, a memória operacional
tem papel essencial na realização de tarefas
complexas7.
A literatura indica que o treinamento da memória operacional pode melhorar a inteligência, já
INTRODUÇÃO
O aprendizado pode ser definido como a mo­
dificação de comportamentos em resposta ao
meio, cuja principal característica é aquisição de
informações. A base do aprendizado é composta
por diversas funções cognitivas, como atenção,
percepção, gnosias, memória, linguagem, praxia, inteligência e funções executivas, além de
adequado aparato neuropsicológico. Interessa-nos,
neste estudo, abordar a memória, função cogni­
tiva responsável pela aquisição, formação, conservação e evocação de informações1-3.
Existem diferentes tipos e classificações de
memória. No que se refere ao tempo, esta função
é normalmente dividida em memória operacional, memória de curto prazo (MCP), memória de
longo prazo (MLP) e memória remota1,4.
A memória operacional mantém a informa­ção
durante alguns segundos, no máximo poucos
minutos, até que seja utilizada para solu­cionar alguma tarefa. Tem também como característica a
possibilidade de atualizar as informações necessárias para a concretização de uma atividade, ou
para realizar outra tarefa. Quatro componentes
compõem a memória operacional: a alça fonológica, que armazena as informações auditivas;
o esboço visuoespacial, que sustenta as informações espaciais e visuais; o buffer episódico,
que integra as informações auditivas, visuais e
espaciais provenientes dos outros subsistemas;
e o executivo central, que gerencia e controla
o fluxo de informações e tem a capacidade de
acessar a informação, manipulá-la e modificá-la5.
Quanto à MCP, esta se estende dos primeiros
segundos ou minutos seguintes ao aprendizado
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
303
Pereira AM et al.
que as tarefas desse tipo de memória necessitam
de processos de execução variados, intimamente
associados à inteligência fluida8.
A titulo de esclarecimento, entende-se por in­
teligência a capacidade mental geral, que inclui
raciocínio, planejamento, resolução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de
ideias complexas e aprendizagem. Inteligência
fluida e cristalizada são subtipos desse conceito
mais amplo. Enquanto a primeira se refere às
operações mentais utilizadas pelo indivíduo em
tarefas novas que não podem ser executadas de
forma automática, a segunda refere-se à habilidade de aplicar definições, métodos e procedimentos aprendidos previamente, para lidar com
situações-problema8-10.
Um dos modos de medir a inteligência é a
quan­tificação, o que pode ser realizado com
o uso de instrumentos psicológicos variados.
Dentre estes instrumentos, destaca-se a Escala
Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-­
IV), que utiliza a seguinte classificação em termos de Quociente de Inteligência (QI): muito
superior (QI de 130 ou mais), superior (QI de
120 a 129), médio superior (QI de 110 a 119),
médio (QI de 90 a 109), médio inferior (QI de 80
a 89), limítrofe (QI de 70 a 79) e intelectualmente
deficiente (QI abaixo de 69)11.
No presente estudo, atentamo-nos para deficiência intelectual e para inteligência limítrofe.
A deficiência intelectual é definida pela
American Association on Mental Retardation
(AAMR) como incapacidade que se caracteriza
por limitações consideráveis principalmente no
funcionamento intelectual e também na capacidade adaptativa, competências práticas, sociais
e emocionais. Desenvolve-se antes dos 18 anos e
resulta em prejuízos no funcionamento social do
indivíduo. Aprendizagem, raciocínio e resolução
de problemas são capacidades cognitivas que
também são prejudicadas nesse quadro9.
A deficiência intelectual subdivide-se em
leve (QI na faixa de 50 a 69), moderada (QI na
faixa de 35 a 49), grave (QI na faixa de 20 a 34)
e profunda (QI abaixo de 20). Na deficiência
in­telectual leve, ocorrem dificuldades na apren-
dizagem, porém há facilidade na adaptação;
quando adultos, podem conseguir trabalhar e
manter relacionamentos sociais9,12.
Indivíduos classificados com inteligência
limítrofe apresentam capacidade suficiente para,
com apoio, alcançar bom grau de autonomia nas
atividades de vida diária. Quanto às características dessa população, destacam-se: ausência de
traços físicos aparentes; defasagem entre a idade
cronológica e a idade mental; carecem de iniciativa; tem dificuldade para generalizar mecanismos racionais que lhes permitam desenvolver-se
com autonomia em situações cotidianas; dificuldade na tomada de decisões e na resolução de
conflitos; dificuldade para adaptar-se com êxito
em situações difíceis; baixo desempenho escolar;
dificuldade para estabelecer e manter relações
interpessoais, bem como em organizar o tempo
livre; baixa autoestima e baixa tolerância ao fra­
casso e à frustração13.
Em se tratando da relação entre aprendiza­
gem e memória, chama-se a atenção para a
me­mória operacional, pois há relatos de que
dificuldade nessa habilidade pode impactar de
forma negativa o aprendizado.
No caso de crianças e adolescentes com deficiência intelectual, estudos referem que estes
apresentam estrutura de memória operacional
semelhante à de indivíduos com desenvolvimento cognitivo dentro do esperado. Considera-se
que, possivelmente isto ocorre porque tais sujeitos se apoiam em conhecimentos armazenados
na memória de longo prazo, ou nas habilidades
executivas centrais, o que maximiza o seu desempenho nessa habilidade. Assim, quando se
compara a memória operacional de deficientes
intelectuais com aqueles que têm desenvolvimento cognitivo dentro do esperado, pode não
haver diferença significativa entre ambos14.
Há estudos, no entanto, que sugerem o contrário, ou seja, que há diferenças significativas
entre os dois grupos mencionados, no que diz
respeito a vários elementos da memória operacional. Essa diferença estaria relacionada, principalmente, ao comprometimento na alça fonológica, região responsável pelo armazenamento
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
304
Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve
MÉTODO
O presente estudo foi realizado no Labora­
tório de Pesquisa em Distúrbios de Aprendizagem, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção (DISAPRE/FCM/UNICAMP)
e em duas escolas públicas dos municípios de
Campinas e Limeira, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer: 923.066).
Contou com a participação de 38 sujeitos, de
ambos os gêneros, com idade entre 7 e 15 anos.
Os sujeitos foram divididos em três grupos:
onze indivíduos no grupo experimental 1, com
deficiência intelectual (GDI); 10 no grupo expe­
rimental 2, com inteligência limítrofe (GL) e
17 no grupo controle, sem comprometimento
cognitivo (GC).
Os sujeitos dos grupos experimentais (GDI
e GL) foram avaliados no referido laboratório,
enquanto que as crianças do grupo controle
(GC) foram avaliados na própria escola que
frequentavam. Os seguintes critérios foram defi­
nidos para inclusão nos grupos experimentais:
1) os sujeitos do GDI deveriam ter QI entre 50
e 69, segundo a Escala Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-IV)9 e, assim, serem
classificadas como deficientes intelectuais de
grau leve; 2) os sujeitos do GL deveriam ter QI
entre 70 e 79, segundo a mesma escala e, assim,
serem classificadas como inteligência limítrofe;
3) Ambos os grupos (GDI e GL) não poderiam
apresentar nenhuma síndrome ou patologia
de base que justificasse tal quadro; 4) Os pais
ou responsáveis deveriam assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), após
esclarecimento sobre o teor da pesquisa; 5) As
crianças/adolescentes deveriam ser informadas
sobre a pesquisa e concordarem em participar
da mesma, assinando o Termo de Assentimento
para Menores.
Os sujeitos do grupo controle (GC) foram es­
colhidos aleatoriamente em duas escolas públicas dos municípios de Campinas/SP e Limeira/
SP, tendo sido estabelecidos como critérios de
inclusão: 1) crianças/adolescentes sem alteração
neurológica ou queixas de dificuldade de aprendizagem, de acordo com seus professores; 2)
de informações auditivas. Nesse caso, haveria
re­dução da capacidade de armazenamento, e
não na precisão de processamento. Supõe-se,
ainda, que esse prejuízo seria fator causal na
deficiência intelectual, cujos efeitos ocorrem
desde o início do desenvolvimento cognitivo15,16.
Estudo comparando o desempenho de defi­
cientes intelectuais e sujeitos classificados como
limítrofes com crianças de grupo controle constatou que somente crianças com deficiência
intelectual tiveram defasagem em atividades
processadas pela alça fonológica; sujeitos com
inteligência limítrofe obtiveram o mesmo desem­
penho que o grupo com desenvolvimento cognitivo dentro do esperado15.
Em relação à recuperação de informações
complexas, dados sugerem que crianças e adolescentes com deficiência intelectual apresen­tam
melhor desempenho quando estas são aprendidas de forma implícita, e não explícita, enquanto
os sujeitos com desenvolvimento cognitivo dentro da normalidade apresentam desempenho
eficiente, independente da forma que são dadas
as instruções17.
Diante do até então exposto, a questão que se
coloca é se crianças e adolescentes com deficiência intelectual leve e com inteligência limítrofe
se diferenciam em termos de funcionamento nos
diferentes tipos de memória. O conhecimento de
tal dado é importante, pois a partir disso se pode
direcionar e elaborar estratégias eficazes que
possam favorecer positivamente o aprendizado
de tais crianças.
Nesse sentido, o presente estudo teve como
objetivo principal avaliar e comparar a memó­
ria de crianças/adolescentes classificados como
intelectualmente deficiente de grau leve e
crianças/adolescentes com inteligência classifi­
cada como limítrofe. Especificamente, foram
avaliadas e comparadas a memória de curto
prazo (imediata e operacional) e de longo prazo
(episódica e semântica) de crianças com deficiência intelectual leve, inteligência limítrofe
e com desenvolvimento cognitivo dentro da
normalidade.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
305
Pereira AM et al.
foram analisados de forma qualitativa e quantitativa. A análise estatística foi feita por meio
de programas SAS System for Windows (versão
16.0). Foi considerado significativo valor de p
igual ou menor que 0,05.
deveriam estar regularmente matriculados na
série correspondente à sua idade cronológica; 3)
deveriam ter QI acima de 80, segundo a WISC-­
IV e, assim, serem classificadas no mínimo com
inteligência dentro dos padrões de normalidade;
4) os pais ou responsáveis deveriam assinar
o TCLE, após esclarecimento sobre o teor da
pesquisa; 5) as crianças/adolescentes deveriam
ser informadas sobre a pesquisa e concordarem
em participar da mesma, assinando o Termo de
Assentimento para Menores.
Para avaliação da memória foram utiliza­­dos
os seguintes instrumentos: WISC-IV, Figura
Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem
Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) e Blocos de
Corsi (TBC).
A memória de curto prazo imediata foi avaliada pelo subteste dígitos ordem direta da WISC-IV
e Blocos de Corsi (ordem direta). A memória operacional foi avaliada pelo teste Blocos de Corsi
(ordem inversa) e pelos subtestes dígitos ordem
inversa e sequência de números e letras da
WISC-IV. A memória de longo prazo episódica
verbal foi avaliada pela evocação tardia (RAVLT
– A7) e aprendizagem verbal (RAVLT – A1-A5);
a memória de longo prazo episódica visual pelo
teste Figura Complexa de Rey (reprodução); a
memória de longo prazo semântica foi avaliada
pelo subteste vocabulário da WISC-IV.
Foram realizadas duas sessões com duração
de aproximadamente uma hora com cada participante para aplicação dos testes neuropsicológicos citados. Após coleta de dados, os mesmos
RESULTADOS
Dos 38 sujeitos que constituíram a presente
casuística, 23 eram do gênero masculino. A
idade variou de 7 a 15 anos (média de 10 anos).
Conforme mencionado anteriormente, a
WISC-IV foi o instrumento utilizado para classificar as crianças dos grupos experimentais (GDI
e GL) e controle. Em relação a este último, fo­ram
obtidas as seguintes classificações: superior (2
sujeitos), médio superior (3 sujeitos), médio (7
sujeitos) e médio inferior (5 sujeitos). Nos tópicos
seguintes serão apresentados os dados relativos
à comparação dos três grupos analisados, nos
diferentes tipos de memória.
Desempenho e comparação dos grupos nos
testes de memória operacional
Nos subtestes dígitos ordem inversa e se­
quência de números e letras da WISC-IV, GDI
e GL apresentaram desempenho significativamente inferior quando comparados ao GC. Entretanto, não houve diferença estatisticamente
significativa entre o GDI e GL nos referidos
subtestes (Tabela 1).
No Teste Blocos de Corsi (ordem inversa), é
possível observar que GDI e GL apresentaram
Tabela 1 – Comparação do desempenho dos grupos nos testes de memória operacional da WISC-IV –
dígitos ordem inversa (DOI) e sequência de números e letras (SNL).
Grupo
“mean rank”
DOI
GDI
GC
8,00
18,71
GL
GC
7,25
17,97
GDI
GL
10,41
11,65
Valor de “p” (*)
“mean rank”
SNL
Valor de “p” (*)
0,000
8,27
18,53
0,000
0,019
9,35
16,74
0,000
0,336
9,77
12,35
0,636
Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
306
Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve
desempenho significativamente inferior ao GC.
Porém, o mesmo não foi observado quando se comparou o desempenho entre GDI e GL (Tabela 2).
Desempenho e comparação dos grupos nos
testes de memória de longo prazo
No subteste vocabulário da WISC-IV, GDI e
GL apresentaram desempenho significativamente inferior quando comparado ao GC; também
houve diferença estatisticamente significativa na
comparação do GDI e GL, com melhor desempenho do GL (Tabela 4).
Na avaliação da aprendizagem verbal (A1-A5
do RAVLT), observa-se que apenas GL apresentou desempenho significativamente inferior,
quando comparado ao GC. GDI obteve resulta­
dos inferiores ao GC, mas superiores ao GL,
po­rém, em ambos os casos, não houve diferença
estatisticamente significativa. Já a avaliação da
evocação tardia (A7 do RAVLT), GDI teve desem­
penho inferior ao GC e superior ao GL, mas ambos sem diferença estatisticamente significati­va.
GL teve desempenho significativamente infe­­rior,
quando comparados ao GC (Tabela 5).
Na cópia da Figura Complexa de Rey, GDI e
GL apresentaram desempenho inferior, estatisticamente significativo, quando comparados ao
GC. Entre GDI e GL, GDI obteve melhores resultados na cópia, mas não foi significativo do ponto
de vista estatístico. Em relação à reprodução
da figura, apenas GL apresentou desempenho
significativamente inferior, quando comparado
ao GC. GDI apresentou resultados inferiores ao
GC e superiores ao GL, mas essa diferença não
foi estatisticamente significativa em ambos os
casos (Tabela 6).
Desempenho e comparação dos grupos nos
testes de memória de curto prazo
GDI e GL apresentaram desempenho significativamente inferior, quando comparados ao GC
no subteste dígitos ordem direta da WISC-IV. Na
comparação entre ambos, no entanto, constatou-se
que o GL teve melhor desempenho que o GDI,
porém a diferença não foi estatisticamente significativa. No Teste Blocos de Corsi (ordem direta),
apenas GL teve desempenho significativamente
inferior ao GC; não houve diferença estatisticamente significativa entre GDI e GL (Tabela 3).
Tabela 2 – Comparação do desempenho dos
grupos no Teste “Blocos de Corsi” (TBC) –
ordem inversa.
Grupo
“mean rank”
TBC
Ordem inversa
Valor de
“p”(*)
GDI
GC
9,45
17,76
0,008
GL
GC
8,90
17,00
0,010
GDI
GL
10,36
11,70
0,619
Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.
Tabela 3 – Comparação do desempenho dos grupos no subteste dígitos ordem direta (DOD)
da WISC-IV e Teste Blocos de Corsi (TBC) ordem direta.
Grupo
“mean rank”
DOD
Valor de “p” (*)
“mean rank”
TBC ordem direta
Valor de “p”
(*)
GDI
GC
7,55
19,00
0,000
11,64
16,35
0,134
GL
GC
7,40
17,88
0,001
9,40
16,71
0,020
GDI
GL
10,18
11,90
0,507
12,14
9,75
0,375
Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
307
Pereira AM et al.
atividades de ensino, então, deveria levar em
con­sideração o desempenho desses sujeitos nos
diferentes tipos de memória.
Isso, no entanto, requer que os profissionais
da educação tenham conhecimento sobre os
subtipos de memória e seu funcionamento. Entretanto, comparado a outras causas que resultam em dificuldade de aprendizagem, pode-se
dizer que são escassos os estudos sobre funções
cognitivas nessa população, principalmente no
que diz respeito às crianças com inteligência limítrofe. Tal constatação é que motivou a realização
deste estudo, que teve como objetivo principal
investigar memória operacional, de curto prazo
e de longo prazo em crianças com quociente de
inteligência abaixo dos padrões de normalidade,
mais especificamente, em crianças com deficiência intelectual leve e com inteligência limítrofe.
Os resultados obtidos trazem informações interessantes que serão a seguir relatadas.
Em relação à memória operacional, consta­
tou-se que os grupos experimentais (GDI e GL)
DISCUSSÃO
Indivíduos com limitação intelectual muitas
vezes são prejudicados na aprendizagem acadêmica e, em parte, isso decorre do fato de que a
escola não costuma se atentar para as defasagens
e habilidades cognitivas dessa população.
A memória é uma dessas habilidades que
merece atenção, já que está intimamente relacionada à aprendizagem. O planejamento das
Tabela 4 – Comparação do desempenho dos
grupos no subteste vocabulário da WISC-IV.
Grupo
“mean rank”
Valor de “p” (*)
GDI
GC
7,05
19,32
0,000
GL
GC
8,60
17,18
0,006
GDI
GL
8,00
14,30
0,01
Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente In­
telectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.
Tabela 5 – Comparação do desempenho dos grupos no RAVLT – A1-A5 e RAVLT – A7.
Grupo
“mean rank”
A1-A5
Valor de “p” (*)
“mean rank”
A7
Valor de “p” (*)
GDI
GC
11,36
16,53
0,104
12,91
15,53
0,405
GL
GC
9,20
16,82
0,016
9,10
16,88
0,013
GDI
GL
11,73
10,20
0,573
12,00
9,90
0,431
Legenda: (*) Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.
Tabela 6 – Comparação do desempenho dos grupos no teste Figura Complexa de Rey.
Grupo
“mean rank”
Cópia
Valor de “p” (*)
“mean rank”
Reprodução
Valor de “p” (*)
GDI
GC
10,59
17,03
0,036
11,09
16,71
0,071
GL
GC
8,00
17,53
0,002
9,05
16,91
0,010
GDI
GL
11,64
10,30
0,509
12,09
9,80
0,333
Legenda: (*)Teste de Mann-Whitney, GDI = Deficiente Intelectual, GL = Limítrofe, GC = Controle.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
308
Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve
tiveram pior desempenho (estatisticamente sig­
nificativo) que o controle (GC) nos testes que
avaliam processamento de informações auditivas (avaliado por meio dos subtestes de dígitos
ordem inversa e sequência de números e letras
da WISC-IV). A hipótese que se levanta é que
tal fato está relacionado à menor capacidade de
armazenamento da alça fonológica, um dos componentes da memória operacional responsável
pelo armazenamento de informações auditivas.
A literatura a respeito dessa temática é con­
troversa, pois trazem dados divergentes. En­
contram-se dados que sugerem não haver diferenças estruturais na memória operacional de
deficientes intelectuais quando comparados a
grupo controle, pelo menos no que diz respeito
à alça fonológica, esboço visuoespacial e executivo central14. Por outro lado, outros estudos
de­monstram o contrário.
Alloway18, por exemplo, avaliou e comparou
o desempenho da memória operacional de defi­
cientes intelectuais (grau leve), limítrofes e grupo
sem comprometimento cognitivo. Os dados obtidos demonstraram déficit específico na capacidade de armazenamento da alça fonológica
em crianças com deficiência intelectual leve.
Entretanto, diferente do nosso estudo, não foi
encontrada diferença significativa no grupo de
crianças com inteligência limítrofe.
Brankaer et al.16 também investigaram o desempenho na memória operacional de crianças
deficientes intelectuais e grupo controle e encontraram alteração não só no processamento
da alça fonológica, mas também em outros dois
componentes da memória operacional, ou seja,
no esboço visuoespacial e executivo central.
Sugere-se, ainda, que tais alterações seriam pro­
porcionais ao grau de deficiência intelectual.
Nesse estudo depreendeu-se que os sujeitos
dos grupos experimentais tiveram prejuízo no
esboço visuoespacial, uma vez que foram encontradas alterações no processamento de informações visuoespaciais, como confirmado por
outros autores15,16.
No que se refere ao grau de comprometimento cognitivo, há relato de que sujeitos limítrofes
também apresentam prejuízo na memória operacional, quando comparado a controle, tanto em
relação ao domínio verbal, quanto visuoespacial.
Quanto aos deficientes intelectuais, sugere-se
que, quanto maior o prejuízo cognitivo, menor a
sua capacidade de memória operacional, o que
justificaria o desempenho inferior desse grupo
em tais testes16,18.
Vale ressaltar que, no nosso estudo, os deficientes intelectuais tiveram pior desempenho
que os limítrofes, no entanto, a comparação entre
ambos não foi estatisticamente significativa.
No que se refere à memória de curto prazo,
verificou-se que, nas tarefas que envolvem informações auditivas, o desempenho dos nossos
grupos experimentais (GDI e GL) foi significativamente inferior ao grupo controle.
Uma possível explicação para esse fato é en­
contrada na literatura, quando menciona que a
memória operacional seria o melhor preditor de
habilidades intelectuais para tarefas de memória de curto prazo. Logo, prejuízo na memória
operacional resultaria em prejuízos também nas
tarefas de memória de curto prazo, em relação
à capacidade de armazenamento das informa­
ções auditivas. Há relato também de que o pre­
juízo dos deficientes intelectuais não estaria
relacionado somente à redução na capacidade
de armazenamento, mas também à lentidão no
processamento da informação7,19.
Interessante mencionar que neste estudo
uma situação diferente aconteceu nas tarefas
que avaliam aprendizagem verbal, que envolve
informações auditivas com repetição. Embora o
grupo de deficientes intelectuais tenha obtido
resultados inferiores, a diferença não foi estatisticamente significativa. A hipótese que se
levanta, a partir de dados fornecidos pela literatura19, é que tais sujeitos teriam capacidade para
aprender, entretanto, diferentemente daqueles
que não possuem comprometimento cognitivo,
estes necessitariam de mais tempo e do uso de
repetições do conteúdo para o favorecimento da
memorização. Quanto maior o comprometimento, maior seria a necessidade de repetições. Isso
demonstra que estratégias de ensino envolvendo
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
309
Pereira AM et al.
repetições seriam mais eficazes para o aprendizado desses indivíduos.
No que se refere ao desempenho no teste
Blocos de Corsi, que avalia memória de curto
prazo com informações visuoespaciais, não foi
encontrada diferença significativa, quando se
comparou o desempenho dos grupos experimentais (GDI e GL) em relação ao controle (GC).
Uma possível explicação para tal fato é que esse
tipo de memória envolve um sistema baseado
em coordenadas visuoespaciais e um sistema
cinestésico, que armazena séries de movimentos,
além de componentes motores20, o que pode ter
favorecido os referidos grupos a obterem melhor
desempenho.
Além disso, tanto a codificação, como o armazenamento das sequências espaciais a serem executadas pelo examinando, estariam envolvidos
com o sistema executivo central, além do esboço
visuoespacial. A simetria utilizada na realização
das sequências espaciais poderia ser uma contribuição da memória de longo prazo, integrada à
informação da memória visuoespacial21,22.
Apesar do desempenho no teste Blocos de
Corsi ser favorecido por componentes visuoespaciais, ocorreu diferença em relação ao desempenho na ordem direta e inversa, o que pode ser
justificado pelo prejuízo na memória operacional.
O pior desempenho, significativo estatisticamente, na memória de longo prazo semântica no
GDI e GL, quando comparados ao GC, pode ser
justificado pela capacidade de armazenamento
limitada desses indivíduos, que dificulta aquisição de vocabulário. Dessa forma, a dificuldade
na linguagem também teria influência no pior
desempenho desse teste. A literatura indica15
que nos sujeitos com limitação intelectual o
processo para adquirir o conhecimento é lento,
assim, menos conteúdo é inserido e processado,
consequentemente, diminuindo o volume de
informações na memória de longo prazo.
Já os resultados obtidos na memória episódica (evocação tardia) demonstraram que o
GDI teve pior desempenho, mas este não foi
estatisticamente significativo. Isso pode ser indicativo de que tais indivíduos se apoiam mais
em conhecimentos armazenados na memória
de longo prazo para compensar seus prejuízos na memória operacional. Tal estratégia foi
observada nos deficientes intelectuais, que se
lembraram mais facilmente das primeiras palavras (efeito de primazia), que é proveniente da
recuperação da memória de longo prazo. Houve
ainda sujeitos do GDI que se lembraram com
mais facilidade das últimas palavras (efeito de
recência), o que pode indicar tanto limitação
maior na capacidade de armazenamento, como
ausência de revisão. Porém, em relação ao grupo experimental de limítrofes, a diferença de
desempenho foi significativa, o que demonstra
que a memória de longo prazo episódica desse
grupo apresenta prejuízos14,23,24.
O mesmo aconteceu no teste da Figura
Complexa de Rey, que também avalia memória
de longo prazo episódica. Ambos os grupos
experimentais (GDI e GL) tiveram pior desempenho (estatisticamente significativo) quando
comparados ao controle na cópia de figura; importante destacar que certo nível de dificuldade
foi também observado no GC, possivelmente,
isso se deve ao fato de que nesta atividade são
exigidos também planejamento e habilidade
motora. Os sujeitos com limitação cognitiva,
neste caso, têm pior desempenho. No que se
refere ao subteste de reprodução da Figura
Complexa de Rey, apenas os limítrofes tiveram
desempenho significativamente inferior ao controle. Destaca-se que a literatura é escassa, em
se tratando desse instrumento de avaliação em
crianças e adolescentes. São mais frequentes
os estudos que o utilizam para avaliar memória
de longo prazo em idosos que tenham sofrido
lesões cerebrais.
A escassez de literatura sobre as habilidades
cognitivas, especificamente a memória, de sujeitos com inteligência limítrofe, demonstra maior
necessidade de estudos nesse contexto.
CONCLUSÃO
De acordo com os dados obtidos neste estudo, conclui-se que crianças e adolescentes com
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
310
Avaliação da memória em crianças e adolescentes com capacidade intelectual limítrofe e deficiência intelectual leve
e memória de longo prazo episódica e semântica.
Quando comparados aos deficientes intelec­tuais,
os limítrofes apresentaram diferença significativa apenas na memória semântica, com melhor
desempenho que os deficientes intelectuais de
grau leve. Com isso, sugere-se que discussões
amplas sejam realizadas no contexto escolar,
principalmente, no sentido de se avaliar a necessidade de crianças com inteligência limítrofe
receberem na escola o mesmo suporte educacional oferecido às crianças com deficiência intelectual. Além disso, sugere-se que seja realizada
a análise pormenorizada dos diferentes tipos de
memória das crianças que apresentem qualquer
nível de comprometimento cognitivo (limítrofe e
deficiente intelectual), a fim de que sejam pla­
nejadas estratégias adequadas de ensino e de
intervenção.
deficiência intelectual apresentam pior desempenho nas habilidades de memória operacional
auditiva e visuoespacial, memória de curto prazo
auditiva e na memória de longo prazo semântica,
quando comparados a crianças com desempenho
cognitivo global preservado. Na memória de
longo prazo episódica, no entanto, o desempenho, apesar de inferior, não foi estatisticamente
significativo; em relação à aprendizagem verbal,
este dado pode ser útil, pois aponta o benefício
do uso dessa habilidade no desenvolvimento
de métodos de aprendizagem na população de
deficientes intelectuais.
Finalizando, ressalta-se que o grupo de sujeitos com inteligência limítrofe teve desempenho significativamente inferior ao controle na
memória operacional auditiva e visuoespacial,
memória de curto prazo auditiva e visuoespacial
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
311
Pereira AM et al.
SUMMARY
Memory evaluation in children and adolescents with
limitrophe intellectual capacity and mild intellectual disability
This study aimed to evaluate and compare the memory of children and
adolescents classified as intellectually disabled (mild degree), limitrophe
intelligence and with no intellectual impairment. Particularly the operational
memory, the short-term immediate memory and long-term memory (episodic
and semantic) were subjected to analysis in the three aforementioned groups.
Thirty-eight subjects participated in this study divided in three groups, all of
which were composed by children with intelligence quotient of normality:
intellectually disabled of mild (GDI), limitrophe (GL) and control degree
(GC). In order to evaluate the different types of memory the Rey Complex
Figure, the Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT), the Corsi Block
Test (TBC) and the WISC-IV digits, sequence of numbers and letters, and
vocabulary subtests were performed. The obtained data shows that when
compared to GC, the GDI presented meaningful loss in the operational
and in the long-term semantic memory, but not in the episodic memory.
With tests that use information repetition, children with GDI had better
performance. Such data is important because refers to the idea that tea­
ching strategies based on this approach may favor these children learning.
As for the GL, a meaningful loss in all the types of evaluated memory was
noticed, when compared to the GC. The comparison between GL and GDI
presented that the firsts had better performance (statistically meaningful)
only in the semantic memory. Accordingly, the debate regarding the need
of children with limitrophe intelligence receiving at school the same
specialized educational support offered to children intellectually disabled
is considered important.
KEY WORDS: Memory. Learning. Intelligence. Intellectual disability.
REFERÊNCIAS
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Seabra AG, Laros JA, Macedo EC, Abreu
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Artigo recebido: 28/9/2015
Aprovado: 3/11/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 302-13
313
Tavares LFFA
et al.
ARTIGO
ORIGINAL
Análise de itens da versão brasileira do
Ages and Stages Questionnaires
para creches públicas da cidade do
Rio de Janeiro
Luis Filipe F.A. Tavares; Daniel C. Mograbi; Jesus Landeira-Fernandez
RESUMO – O Ages & Stages Questionnaires 3ª Edição, na tradução para
o português-BR (ASQ3-BR), é um teste de rastreamento usado para avaliar
o desenvolvimento de crianças na idade pré-escolar (8 a 60 meses), tendo
sido utilizado pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro
como instrumento para avaliar a qualidade do atendimento em creches
municipais. No presente estudo, foram analisados os resultados obtidos nos
testes aplicados entre 2010 e 2012, para 124.292 crianças de 468 creches
públicas do município do Rio de Janeiro, avaliando a consistência interna
dos resultados para os 6 itens de cada um dos 5 domínios do ASQ3-BR,
para cada uma das 16 faixas etárias estabelecida pelo instrumento. Embora
o ASQ3-BR tenha sido resultado de uma retrotradução, bem como tenha
recebido adaptações culturais para assegurar a adaptação do teste para a
cultura brasileira, os coeficientes de “Alfa de Cronbach” abaixo de 0,7, bem
como a “Correlação Item-Total” abaixo de 0,3, identificam itens relevantes
para serem analisados e discutidos. Os resultados constataram que, embora
o ASQ3-BR seja um bom instrumento para avaliação do desenvolvimento de
crianças na pré-escola, quando na sua aplicação em ambiente de creches,
pode ter fidedignidade aumentada por algumas adaptações em função dos
procedimentos operacionais específicos dessas creches.
UNITERMOS: Desenvolvimento infantil. Psicometria. Pré-escolar.
Questionários.
Correspondência
Luis Filipe F. A. Tavares
Rua Humaitá, 12 – apt. 303 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil
– CEP 22261-001
E-mail: [email protected]
Luis Filipe F. A. Tavares – Mestrando em Psicologia
Clínica da PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Daniel C. Mograbi – Doutor em Neurociências e Psi­
cologia, Professor assistente, Departamento de Psi­
cologia, PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Jesus Landeira-Fernandez – Doutor em Neurociências
e Comportamento, Bolsista de Produtividade em Pes­­
quisa do CNPq - Nível 1B - CAPS - Psicologia e Serviço
Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
314
ASQ3-BR: análise de Itens
passa em média com o profissional durante a
consulta, quanto pela ausência de instrumentos
específicos para a avaliação global do desenvolvimento infantil. Sendo que as pessoas mais
indicadas a fazer o acompanhamento e a triagem
de crianças com potenciais déficits são aquelas
que convivem diariamente com as crianças, isto
é, pais, cuidadores e educadores.
Em 1980, os pesquisadores Diane Bricker,
Jane Squires e Linda Mounts, da Universidade
do Oregon (Estados Unidos), criaram o Infant/
Child Monitoring Questionnaires (IFMQ: Questionário de Monitoramento Infantil/da Criança),
com o objetivo de rastrear e acompanhar o desenvolvimento em crianças de 4 meses a 5 anos
de idade por meio daqueles que convivem com
o bebê ou a criança, possibilitando monitorar
o seu desenvolvimento e identificar potenciais
problemas. Em 1995, o IFMQ foi revisado gerando o Ages e Stages Questionnaires (ASQ),
tendo sua última versão em 2009 designada
como ASQ37, sendo considerado um instrumento
confiável e preciso para identificação de crianças com possível atraso e que necessitariam de
receber outra avaliação complementar de maior
profundidade9.
Hoje, o ASQ3 é utilizado por diversos paí­
ses, como Estados Unidos, França, Espanha,
Dinamarca, Noruega, Quênia, Zâmbia, China e
Coréia. Há, ainda, uma recomendação da Academia Norte-Americana de Pediatria (American
Academy of Pediatrics) para o uso do ASQ3 como
parte da avaliação de bebês e crianças durante a
anamnese, juntamente com os pais ou responsáveis, para vislumbrar a possibilidade de déficits
em seu desenvolvimento10.
O ASQ3-BR foi selecionado pela Secretaria
de Educação do município do Rio de Janeiro
como uma ferramenta de rastreio para avaliar
a qualidade do atendimento pelas creches para
crianças de 8 a 60 meses, numa versão ajustada
da versão original inglesa, mas ainda sem uma
validação para as características socioculturais
da população atendida.
O objetivo do presente trabalho foi o de verificar, por meio de uma análise estatística dos
INTRODUÇÃO
As transformações da criança na fase da primeira infância, ou seja, os primeiros 6 anos de
vida, excedem tanto em velocidade quanto em
amplitude qualquer outra fase da vida. Durante
a primeira infância ocorrem o crescimento físico,
o amadurecimento do cérebro, a aquisição dos
movimentos, o desenvolvimento da capacidade
de aprendizado, a iniciação social e afetiva, entre
outros, e cada um desses aspectos é interligado
com os demais e influenciado pela realidade na
qual a criança vive1-3.
O desenvolvimento infantil sempre foi um
foco de pesquisa das Ciências da Educação e da
Saúde. Contribuições importantes foram dadas
pela Pedagogia, Psicologia, Pediatria e Neuro­
ciências, campos do conhecimento que produzem as principais teorias do desenvolvimento.
Jean Piaget4 delimitou saltos no desenvolvimento infantil baseados em comportamentos
motores e sociais emanados pela criança. Já
Arnold Gesell5 procurou detalhar a fase pré-escolar considerando os domínios da linguagem,
do desenvolvimento motor, desenvolvimento
adaptativo e desenvolvimento pessoal-social de
crianças desde o nascimento até os 5 anos. De
acordo com Gesell6, embora esses domínios compreendam a maioria dos padrões visíveis de comportamento da criança, eles não se apresentam
em compartimentos separados. A criança reage
sempre como por inteiro. Essa classificação por
domínios é, portanto, apenas uma conveniência
para facilitar sua observação e análise, entretanto é importante que se avalie também a interação
psicológica de um determinado comportamento.
Instrumentos que se proponham a avaliar o
desenvolvimento da primeira infância de modo
rápido e econômico são raros. Outrossim, a detecção de problemas no desenvolvimento global
de crianças em idade pré-escolar tornou-se uma
questão cada vez mais difícil de avaliar, visto
que os profissionais responsáveis por seu diagnóstico, os pediatras, não conseguem vislumbrar
problemas de desenvolvimento infantil em 60%
a 80% dos casos7,8. A justificativa pode se dar
tanto por conta do pouco tempo que a criança
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
315
Tavares LFFA et al.
dos serviços oferecidos, além promover a melhoria na qualidade e a organização das atividades
e rotinas diárias das creches.
Os resultados de 8 meses não foram considerados devido ao reduzido número de participantes.
A população avaliada foi distribuída conforme pode ser observado na Tabela 1.
resultados obtidos entre os anos de 2010 e 2012,
em ambiente de creche pública, como os itens
do instrumento apresentaram suas propriedades
psicométricas para avaliação dos 5 constructos
que o compõem, e como poderiam ser aperfeiçoados para esse tipo de aplicação.
MÉTODO
Participantes
O presente estudo considerou os resultados
do ASQ3-BR aplicado entre 2010 e 2012 para
crianças na faixa etária de 10 a 60 meses, nas
creches públicas do Rio de Janeiro. O objetivo
inicial desta aplicação, definido pela Secretaria
Municipal de Educação, foi de estabelecer um
sistema de indicadores de resultados alcançados,
permitindo monitorar e avaliar o desenvolvimen­
to infantil relacionado com a qualidade e eficácia
Instrumento
As características psicométricas do ASQ3 podem ser avaliadas por meio de três parâmetros: a
primeira se refere à validade do instrumento. De
acordo com estudos de Squires, a validade para o
ASQ3 foi estabelecida comparando os resultados
dos testes com o teste Battelle Developmental
Inventory (BDI)12. Estudos desenvolvidos por
Squires et al.13 apresentaram correlação alta
entre a ASQ3 e a BDI através das faixas etárias
Tabela 1 – Distribuição por idade e gênero nos 3 anos do estudo.
Faixa
etária
Total
2010
2011
2012
Masc
Fem
Masc
Fem
Masc
Fem
Masc
Fem
10
135
129
87
91
30
27
18
11
12
272
258
167
169
59
50
46
39
14
594
606
280
281
75
78
239
247
16
717
655
86
86
226
205
405
364
18
1410
1294
456
456
420
365
534
473
20
1565
1460
506
439
498
447
561
574
22
1416
1273
384
382
506
417
526
474
24
2066
1865
622
539
702
610
742
716
27
3306
2904
995
832
1059
945
1252
1127
30
3799
3463
1164
1078
1066
1032
1569
1353
33
4443
4060
1565
1502
1295
1162
1583
1396
36
7170
6690
2564
2414
1882
1714
2724
2562
42
11258
10400
4360
4008
2953
2724
3945
3668
48
10317
9568
4069
3909
2616
2436
3632
3223
54
8457
8082
3683
3404
3270
3257
1504
1421
60
7403
7257
21
21
7382
7234
0
2
64.328
59.964
21.009
19.611
24.039
22.703
19.280
17.650
51,8%
48,2%
51,7%
48,3%
51,4%
48,6%
52,2%
47,8%
124.292
40.620
46.742
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
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36.930
ASQ3-BR: análise de Itens
e áreas de desenvolvimento, variando de 82,6%
a 88,9%.
O segundo parâmetro se refere à Fidedignidade. Estudos realizados por Squires et al.14
consideraram a fidedignidade de teste-reteste,
comparando-se os resultados de pais que completaram dois questionários sobre seu filho
dentro de um intervalo de duas semanas. Os
resultados apresentaram 92% de concordância
dos 2 testes, considerando crianças com desenvolvimento típico ou não. A fidedignidade in­
ter-avaliadores foi analisada comparando-se os
resultados das avaliações do pai com os de um
examinador treinado para a mesma criança. Os
resultados obtidos foram de 93% de concordância. Já as correlações intraclasse considerando
os 5 domínios e as diferentes idades resultaram
em valores de 0,43 a 0,69, sendo o mais forte o
domínio da Comunicação e o mais fraco para o
domínio Pessoal-Social13. Outrossim, a consistência interna corresponde a como o indicador é
capaz de apresentar resultados semelhantes para
o mesmo constructo. Nos estudos de Squires et
al.14, foi realizada correlação de Pearson entre o
domínio específico e o resultado geral, bem como
calculado o alfa de Cronbach. Os resultados da
correlação de Pearson variaram de 0,60 a 0,85,
exceto para o domínio Motora Ampla, com 2
resultados abaixo de 0,60, e os resultados para
o alfa de Cronbach se mantiveram na faixa de
moderada a alta, variando de 0,51 a 0,8714.
Finalmente, quanto maior for a sensibilidade
e especificidade de uma dada medida, maior
será a precisão da medida. O ASQ3 apresentou
nos estudos desenvolvidos por Squires et al.14,
níveis moderados de sensibilidade (82,5-89,2%)
e especificidade (77,9-92,1%)13.
Considerando que o ASQ3 foi originalmente
desenvolvido para a língua inglesa e cultura
americana, para aplicação do ASQ3 nas creches do Rio de Janeiro foi necessária não só a
tradução para o português brasileiro, bem como
a adequação à cultura brasileira, de forma a
conseguir ser entendido pelas responsáveis pela
aplicação do teste, mas que também mantivesse
a capacidade de medir o constructo original. O
primeiro passo foi utilizar o procedimento de
retrotradução como parte da metodologia. Três
tradutores bilíngues diferentes fizeram a versão
do ASQ3 para o português/brasileiro. Em seguida, um estudo piloto foi feito para determinar
problemas de compreensão e entendimento dos
itens com 120 professores e agentes auxiliares
de creche, resultando em adaptações culturais
para melhor entendimento do ASQ3-BR7.
Procedimento
Para a aplicação do instrumento, na primeira rodada em 2010, os diretores das creches
públicas foram convidados a participarem de
uma reunião de treinamento do ASQ3-BR, com
duração de 8 horas, previamente agendada pela
Secretaria de Educação da cidade do Rio de
Janeiro. Cada reunião teve aproximadamente
30 diretores de creches e os 20 questionários
ASQ3-BR foram apresentados no que consistiam,
critérios de avaliação e procedimentos de preenchimento e registro. Cada diretor ficou responsável por levar os instrumentos necessários para
serem aplicados em suas respectivas creches.
Cada diretor ficou também responsável pelo
treinamento das cuidadoras, que, por sua vez,
foi responsável pela administração do ASQ3-BR
para as crianças em suas salas de aula. Em seguida, as cuidadoras ou diretores tabularam os
dados de cada criança de sua respetiva creche
em um banco de dados. Nas rodadas de 2011
e 2012, foram realizadas apenas reuniões de
atualização entre os diretores e as cuidadoras7.
Análise estatística
Os dados coletados pela Secretaria Municipal de Ensino do Rio de Janeiro foram disponibilizados para o Departamento de Psicologia
da PUC-Rio em base ACCESS (2010 e 2011) e
Excel (2102).
Foi feita inicialmente uma análise de consistência, verificando a correção de gênero, idade,
e digitação dos resultados do ASQ3-BR, que
originalmente foram pontuados, para cada item,
como 1 = sim, 2 = às vezes e 3 = ainda não,
bem como dados faltantes que foram digitados
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
317
Tavares LFFA et al.
como 9. Participantes que foram identificados
com alguma discrepância foram removidos da
população em estudo, tendo alcançado 4% em
2010, 10% em 2011 e 6% em 2012, estando distribuídos uniformemente entre todas as faixas
etárias do estudo. Posteriormente, os valores 1,
2 e 3 do questionário foram substituídos pelos
valores de classificação correspondentes de 10,
5 e 0, respectivamente.
Os resultados dos testes aplicados entre os
anos de 2010 e 2012 foram analisados estatisticamente no sentido de se observar sua consis­
tência e representatividade das questões ou itens
utilizados nos domínios mencionados. Para
tan­to, foram analisados os resultados do Alfa de
Cronbach para cada faixa etária e cada domínio,
ressaltando os resultados com valores abaixo de
0,70. Complementarmente, para os resultados
significativos do Alfa como mencionado, foi feita
uma análise de correlação item-total para cada
uma das questões ou itens em cada domínio. Foi
feita uma análise semântica para as questões que
apresentaram correlações abaixo de 0,3.
A ferramenta utilizada para realização dos
cálculos estatísticos foi o SPSS 22.0.
Aspectos éticos
Os dados utilizados foram fornecidos pela
Secretaria de Educação do Município do Rio de
Janeiro, e foram trabalhados estatisticamente,
selecionando apenas as faixas etárias estabelecidos pelo instrumento ASQ3-BR. Nenhuma
relação com as creches ou indivíduos foi objeto
de estudo pelo presente trabalho. O trabalho
foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pontifícia
Universidade Católica - Rio.
RESULTADOS
Análise dos itens para o domínio comunicação
Os resultados da análise de consistência
interna para o domínio comunicação podem
ser observados na Tabela 2, sendo que, conside­
Tabela 2 – Dados normativos e consistência interna do domínio comunicação.
Idade
meses
Score 2010/2011/2012
Total
Masc
Fem
Alfa
Cronbach
Correlação item-total
Item Item Item Item Item Item
1
2
3
4
5
6
Média
dp
Média
dp
Média
dp
10
34,6
16,0
31,7
16,5
38,3
14,6
0,70
0,47
0,50
0,55
0,38
0,26
0,46
12
38,7
15,4
38,4
14,7
38,9
16,0
0,72
0,41
0,40
0,49
0,48
0,49
0,48
14
37,0
15,2
35,9
15,2
38,1
15,2
0,71
0,53
0,49
0,43
0,28
0,52
0,43
16
34,0
13,8
33,4
14,9
34,6
1,4
0,74
0,23
0,64
0,35
0,42
0,60
0,58
18
35,6
15,5
34,7
15,2
36,6
15,6
0,75
0,27
0,35
0,61
0,66
0,45
0,63
20
38,2
18,0
36,2
18,0
40,3
17,7
0,82
0,71
0,67
0,47
0,70
0,26
0,67
22
40,3
16,8
39,0
17,0
41,8
16,4
0,79
0,60
0,25
0,48
0,63
0,61
0,71
24
48,2
15,4
47,0
15,7
49,6
14,9
0,82
0,52
0,72
0,30
0,71
0,71
0,61
27
51,1
12,3
49,9
13,0
52,5
11,3
0,74
0,29
0,59
0,47
0,60
0,58
0,43
30
52,0
11,5
50,7
12,4
53,5
10,3
0,73
0,56
0,31
0,45
0,60
0,39
0,60
33
51,6
11,7
50,5
12,5
52,8
10,6
0,70
0,36
0,54
0,37
0,57
0,37
0,41
36
49,8
10,3
49,0
10,9
50,7
9,6
0,60
0,30
0,42
0,34
0,49
0,35
0,28
42
49,4
11,2
48,6
11,7
50,4
10,6
0,62
0,33
0,41
0,31
0,33
0,40
0,45
48
51,7
11,4
50,9
12,0
52,5
10,7
0,75
0,48
0,44
0,54
0,54
0,37
0,56
54
52,9
10,7
52,1
11,3
53,6
10,0
0,75
0,49
0,60
0,55
0,32
0,52
0,48
60
48,8
11,1
47,7
11,7
50,0
10,3
0,63
0,37
0,37
0,38
0,37
0,36
0,42
Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
318
ASQ3-BR: análise de Itens
faixa etária de 20 meses (0,26) e a questão 1 da
faixa de 27 meses (0,29) com a frase: “Sem que
você dê dicas à criança, apontando ou usando
gestos, ela atende pelo menos três dos comandos
abaixo: a) Ponha o brinquedo na mesa; b) Feche
a porta; c) Pegue a bola para mim; d) Ache sua
mochila; e) Pegue minha mão; f) Pegue um livro”.
rando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7,
verificou-se que as faixas de 36, 42 e 60 meses
se apresentam como relevantes. Complementarmente, analisando a correlação item-total
dessas faixas, observa-se uma reincidência de
valores mínimos para o item 6 em 36 meses
(0,28) que correspondem à mesma frase ‘Quando
você pergunta: Qual é o seu nome completo? A
criança diz seu nome e sobrenome?’ Essa mesma
questão corresponde ao item 4 da faixa etária de
42 meses (0,33).
Outrossim, embora o alfa tenha permanecido
acima de 0,7, observa-se a correlação item-total
baixo para as questões 4 da faixa de 14 meses
(0,28) e a questão 1 da faixa de 16 meses (0,23)
com a frase “O bebê/criança aponta, toca ou tenta
pegar as figuras de um livro?” A disponibilidade
de livros adequados para essa idade, bem como
a observação sistemática dessa interação, pode
afetar a avaliação desse constructo.
Observa-se, também, correlação item-total
abaixo da linha de corte, para as questões 5 da
Análise dos itens para o domínio coordenação
motora ampla
Os resultados da análise de consistência interna para o domínio coordenação motora ampla
podem ser observados na Tabela 3. Considerando-se o alfa de Cronbach menor que 0,7, verifica-se
que, na faixa de 24 meses, a questão 1 com correlação item-total de 0,26, que tem como pergunta:
“A criança desce escadas se você segurar uma
das mãos dela?”, apresenta uma condição em
comum com as questões 3 da faixa de 36 meses
(0,27) e a questão 1 da faixa etária de 42 meses
(0,25), que questionam: “A criança sobe as escadas colo­cando apenas um pé em cada degrau?”,
Tabela 3 – Dados normativos e consistência interna para coordenação motora ampla.
Idade
meses
Score 2010/2011/2012
Total
Média
Masc
dp
Média
Alfa
Cronbach
Fem
dp
Média
dp
Correlação item-total
Item Item Item Item Item Item
1
2
3
4
5
6
10
44,2
14,8
45,1
14,5
43,1
15,1
0,74
0,28 0,23
0,55
0,64
0,69
0,50
12
46,2
15,5
46,5
15,9
45,9
15,1
0,80
0,44
0,52
0,57
0,53
0,70
0,59
14
52,2
13,6
52,2
13,4
52,1
13,8
0,84
0,52
0,61
0,83
0,39
0,77
0,82
16
55,3
9,4
55,6
9,2
54,9
9,6
0,76
0,55
0,52
0,60
0,56
0,55
0,52
18
56,5
7,2
56,9
7,0
56,2
7,3
0,64
0,39
0,32
0,45
0,39
0,37
0,46
20
55,0
8,7
55,1
8,6
54,9
8,8
0,67
0,32
0,48
0,40
0,40
0,48
0,46
22
52,5
10,1
53,2
9,4
51,7
10,8
0,65
0,44
0,44
0,31
0,35
0,42
0,48
24
54,7
8,6
55,1
8,1
54,2
9,0
0,62
0,26
0,43
0,34
0,37
0,42
0,47
27
54,4
9,3
54,7
9,0
54,0
9,5
0,67
0,33
0,37
0,56
0,36
0,55
0,35
30
55,2
8,4
55,4
8,2
55,1
8,6
0,64
0,37
0,33
0,37
0,49
0,36
0,41
33
55,4
8,4
55,7
8,2
55,2
8,6
0,65
0,34
0,38
0,47
0,30
0,44
0,39
36
56,4
7,7
56,6
7,5
56,2
8,0
0,67
0,32
0,50
0,27
0,44
0,37
0,51
42
56,5
7,0
56,5
7,0
56,5
7,1
0,60
0,25
0,38
0,35
0,43
0,39
0,24
48
55,8
8,0
55,9
8,0
55,8
8,0
0,66
0,39
0,20
0,36
0,47
0,46
0,49
54
54,7
9,1
54,5
9,2
54,9
8,9
0,69
0,44
0,37
0,46
0,43
0,48
0,43
60
52,9
10,2
52,6
10,4
53,1
10,0
0,72
0,31
0,44
0,49
0,50
0,56
0,48
Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
319
Tavares LFFA et al.
que também se repete na questão 6 da faixa de
42 meses (0,24) “A criança sobe os degraus de um
escorregados e escorrega sem ajuda”.
podem ser observados na Tabela 5, apresentando
resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de
forma generalizada, ressaltando com os menores
valores as faixas de 20 e 27 meses (0,58).
Na faixa de 20 meses, pode-se notar o item 2,
relativo à questão “Depois de ver você desenhar
uma linha em uma folha de papel com um giz
de cera (ou lápis ou caneta), a criança imita você
desenhando uma única linha em qualquer direção? (Marque “ainda não” se a criança rabisca
em várias direções)”, que apresentou correlação
item-total de 0,27. Essa mesma questão é apresentada como item 4 para a faixa de 22 meses
(0,29) e o item 5 para a faixa de 18 meses (0,29).
Outrossim, ainda para a faixa de 20 meses,
observa-se o item 3 relativo à questão “Se você
fizer algum dos seguintes gestos, a criança imita
pelo menos um deles? A) Abrir e fechar a boca;
B) Piscar os olhos; C) Colocar a mão na cabeça;
D) Mandar Beijo”, que apresentou uma correlação item-total de 0,16. Essa mesma questão é
repetida no domínio Pessoal/Social para o item
Análise dos itens para o domínio coordenação
motora fina
Os resultados da análise de consistência interna para o domínio coordenação motora fina
podem ser observados na Tabela 4. Embora
tenham sido identificados alguns resultados do
alfa de Cronbach abaixo de 0,7 com correlações
item-total abaixo de 0,3, apenas a questão 4 da
faixa etária de 22 meses e a questão 6 da faixa
etária de 30 meses, ambas com correlação item-total de 0,29, apresentaram conteúdo similar “A
criança vira as páginas de um livro...”.
Análise dos itens para o domínio resolução
de problemas
Os resultados da análise de consistência
interna para o domínio resolução de problemas
Tabela 4 – Dados normativos e consistência interna para coordenação motora fina.
Idade
meses
Score 2010/2011/2012
Total
Média
Masc
dp
Média
Alfa
Cronbach
Fem
dp
Média
dp
Correlação item-total
Item Item Item Item Item Item
1
2
3
4
5
6
10
43,3
15,5
42,7
15,4
44,1
15,6
0,77
0,25
0,47
0,55
0,58
0,65
0,55
12
41,3
15,1
42,0
15,3
40,5
14,8
0,72
0,44
0,43
0,50
0,47
0,45
0,43
0,56
14
41,7
15,0
41,7
14,8
41,7
15,1
0,70
0,26
0,40
0,43
0,59
0,36
16
48,3
13,1
48,2
13,1
48,5
13,0
0,71
0,47
0,32
0,59
0,54
0,32
0,46
18
48,3
12,6
48,2
12,6
48,3
12,6
0,68
0,33
0,61
0,37
0,57
0,33
0,34
20
46,2
12,8
45,4
12,9
47,1
12,6
0,65
0,29
0,52
0,31
0,37
0,48
0,37
22
46,3
11,6
46,4
11,5
46,3
11,7
0,61
0,32
0,42
0,42
0,29
0,30
0,37
24
48,4
11,1
48,0
11,1
48,8
11,0
0,62
0,28
0,33
0,44
0,32
0,45
0,41
27
41,6
14,7
41,1
14,5
42,2
14,8
0,72
0,32
0,20
0,65
0,41
0,51
064
30
41,0
16,8
39,1
17,1
43,1
16,2
0,77
0,29
0,70
0,47
0,71
0,62
0,29
33
43,8
16,3
42,2
16,7
45,5
15,6
0,76
0,63
0,45
0,65
0,57
0,30
0,38
36
48,5
14,6
46,8
15,4
50,4
13,4
0,76
0,61
0,44
0,57
0,64
0,40
0,33
0,44
42
45,9
13,3
44,6
13,9
47,2
12,6
0,67
0,47
0,48
0,36
0,34
0,36
48
44,2
15,0
42,4
15,6
46,2
14,1
0,72
0,42
0,38
0,54
0,36
0,51
0,50
54
45,7
13,4
43,4
14,2
48,2
12,1
0,69
0,46
0,31
0,49
0,41
0,44
0,40
60
47,9
13,0
45,7
14,0
50,1
11,6
0,75
0,33
0,46
0,40
0,56
0,61
0,58
Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
320
ASQ3-BR: análise de Itens
Tabela 5 – Dados normativos e consistência interna para resolução de problemas.
Idade
meses
Score 2010/2011/2012
Total
Masc
Alfa
Cronbach
Fem
Correlação item-total
Item Item Item Item Item Item
1
2
3
4
5
6
Média
dp
Média
dp
Média
dp
10
42,3
16,0
41,23
17,1
43,6
14,4
0,73
0,43
0,47
0,50
0,62
0,36
0,41
12
37,89
16,0
36,92
16,1
38,8
15,8
0,73
0,29
0,45
0,41
0,60
0,57
0,45
14
41,63
14,6
41,27
14,5
42,0
14,7
0,71
0,46
0,55
0,37
0,47
0,53
0,38
16
43,92
14,9
43,93
14,9
43,9
15,0
0,73
0,49
0,54
0,35
0,44
0,52
0,51
18
40,92
13,7
41,12
13,7
40,7
13,7
0,68
0,25
0,46
0,57
0,37
0,29
0,58
20
43,54
11,8
42,89
11,7
44,2
11,9
0,58
0,31
0,27 0,16
0,37
0,43
0,36
22
45,19
11,8
44,84
12,1
45,6
11,5
0,60
0,30
0,40
0,29
0,40
0,38
24
45,8
11,9
45,34
11,9
46,3
11,8
0,61
0,32
0,41
0,32
0,27
0,33
0,45
27
51,7
10,3
51,21
10,6
52,3
9,8
0,58
0,32
0,26
0,39
0,32
0,36
0,37
30
48,19
13,3
46,94
13,8
49,5
12,6
0,68
0,34
0,25
0,34
0,47
0,52
0,54
33
50,9
11,7
50,08
12,2
51,8
11,1
0,64
0,33
0,31
0,24
0,41
0,46
0,50
36
51,86
11,1
51,23
11,5
52,5
10,6
0,64
0,32
0,20 0,28
0,54
0,38
0,51
0,32
42
51,39
10,9
50,52
11,4
52,3
10,3
0,60
0,26
0,43
0,32
0,45
0,30
0,28
48
47,38
12,9
46,26
13,3
48,6
12,2
0,65
0,34
0,38
0,39
0,44
0,25
0,45
54
41,68
14,0
40,24
14,3
43,2
13,5
0,68
0,50
0,19
0,46
0,30
0,47
0,51
60
43,31
15,4
41,96
15,7
44,7
15,0
0,74
0,29
0,51
0,52
0,38
0,61
0,56
Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.
(0,28) e o item 1 da faixa etária de 42 meses
(0,26) têm a mesma questão, que é: “Quando
você aponta para a figura ao lado e pergunta à
criança “O que é isso?”, ela diz uma palavra que
se refere a uma pessoa ou algo similar? (Marque
“sim” para respostas como “boneco”, “menino”,
“menina”, “papai”, “mamãe”, “Homem-Aranha”,
“Ben 10” ou “Macaco”.) Escreva a resposta da
criança:”.
Finalmente, podemos destacar o grupo com
alfa de Cronbach baixo referente aos 42 meses
(0,60), 48 meses (0,65) e 54 meses (0,68) e que
apresentam a mesma questão com índices de
correlação item-total reduzidos, ou seja “A criança se fantasia e faz de conta que é outra pessoa ou
outra coisa? Por exemplo, a criança pode se vestir
com roupas diferentes e fingir que é a mamãe, o
papai, um irmão, uma irmã ou um personagem
ou animal imaginário”. Apresentaram correlação
item-total nos itens 6 da faixa de 42 meses (0,28);
item 5 da faixa de 48 meses (0,25) e no item 2
da faixa de 54 meses (0,19).
2 da faixa de 22 meses (0,27) meses, item 1 da
faixa de 27 meses (0,23) e item 1 da faixa 30
meses (0,23).
Na faixa de 27 meses, pode-se notar o item 2
(0,26) que é o mesmo item 4 na faixa de 24 meses
(0,27), a questão “A criança coloca as coisas de
volta no lugar? Por exemplo, ela sabe onde os
brinquedos ficam guardados ou os sapatos ou
os pratos?”
Um outro grupo relevante cujos índices de
correlação item-total apresentaram valores bai­­
xos, observa-se para os itens 2 para faixa de 30
meses (0,25), item 3 para a faixa de 33 meses
(0,24) e item 2 para a faixa de 36 meses (0,20)
com a questão “Se a criança quer algo que não
consegue alcançar, ela procura alguma coisa
para subir e pegar o objeto (por exemplo, para
pegar um brinquedo numa prateleira ela sobe
no bloco de espuma)?”
O terceiro grupo relevante é das faixas de 36
e 42 meses que apresentaram alfa de 0,64 e 0,60,
respectivamente. O item 3 da faixa de 36 meses
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
321
Tavares LFFA et al.
com “A criança aguarda a sua vez enquanto é a
vez de outra criança ou adulto?”
Ainda na faixa dos 30 meses encontra-se
uma correlação item-total baixa para o item 3
(0,29) para a questão “A criança empurra um
pequeno carrinho de compras ou de bebê ou outro
brinquedo com rodas conduzindo-o em torno de
objetos, recuando de cantos que não consegue
contornar?”. Essa mesma questão se apresenta
no item 2 para a faixa de 33 meses (0,28) e o item
2 da faixa de 36 meses (0,26).
Semelhantemente, a questão “A criança fala
para você o nome de dois ou mais colegas, sem
contar irmãos e irmãs?” está presente nos itens 4
da faixa de 48 meses e item 2 da faixa de 54 meses.
A mesma situação se encontra nos itens 1 das
faixas de 33 meses (0,29) e 36 meses (0,29) com a
questão “A criança usa colher para se alimentar
sem derramar quase nada?”, o item 4 para a faixa
etária de 36 meses (0,28) e item 2 da faixa de
42 meses (0,29) com a questão “A criança veste
casaco ou camisa sozinha?”, bem como o item
Análise dos itens para o domínio pessoal
e social
Os resultados da análise de consistência
interna para o domínio pessoal e social podem
ser observados na Tabela 6, que apresenta resultados de alfa de Cronbach abaixo de 0,7 de
forma ainda mais intensa. Podemos ressaltar,
inicialmente, o grupo das faixas etárias de 27
meses (0,59), 30 meses (0,58), 36 meses (0,51),
42 meses (0,48), 48 meses (0,53), 54 meses (0,51)
e 60 meses (0,52).
Podemos ressaltar a correlação item-total baixo para a questão 1 para as faixas de 27 (0,23) e
30 meses (0,23), correspondente à pergunta “Se
você fizer algum dos seguintes gestos, a criança
imita pelo menos uma delas: a. Abrir e fechar
a boca; b. Piscar os olhos; c. Colocar a mão na
cabeça; d. Mandar beijo”.
Semelhantemente, as questões 6 da faixa
etária de 36 meses com correlação item-total de
0,24 e a questão 4 da faixa de 42 meses com correlação 0,24 consistem na mesma problemática
Tabela 6 – Dados normativos e consistência interna para pessoal e social.
Idade
meses
Score 2010/2011/2012
Total
Média
Masc
dp
Média
Alfa
Cronbach
Fem
dp
Média
dp
Correlação item-total
Item Item Item Item Item Item
1
2
3
4
5
6
10
41,85
15,6
42,1
15,7
41,55
15,6
0,62
0,22
0,36
0,12
0,56
0,42
0,53
12
36,34
14,9
35,63
15,7
37,04
14,1
0,70
0,44
0,43
0,49
0,52
0,44
0,27
0,39
14
36,9
15,4
35,86
15,3
37,92
15,3
0,69
0,49
0,42
0,30
0,40
0,51
16
39,6
14,5
39,01
14,5
40,23
14,5
0,65
0,31
0,40
0,31
0,35
0,43
0,47
18
45,95
13,0
45,16
13,7
46,82
12,0
0,64
0,32
0,31
0,42
0,46
0,27
0,47
20
42,39
12,9
40,28
13,4
44,64
12,0
0,63
0,37
0,29
0,37
0,44
0,40
0,33
22
46,22
11,7
44,94
12,3
47,65
11,0
0,61
0,45
0,23
0,32
0,33
0,44
0,37
24
43,29
13,0
41,87
13,4
44,87
12,5
0,65
0,28
0,48
0,37
0,43
0,39
0,40
27
41,93
12,5
40,5
12,9
43,56
11,7
0,59
0,23
0,37
0,33
0,32
0,39
0,41
30
49,1
10,3
47,97
10,6
50,34
9,7
0,58
0,23
0,31
0,29
0,35
0,42
0,34
33
50,46
10,6
49,15
11,2
51,9
9,7
0,60
0,29 0,28
0,37
0,36
0,37
0,39
36
52,24
8,9
51,09
9,6
53,48
8,0
0,51
0,29 0,26 0,29 0,28
0,33
0,24
42
51,24
9,1
50,15
9,7
52,41
8,3
0,48
0,21 0,29 0,24 0,24
0,31
0,30
48
51,47
9,8
50,86
10,1
52,14
9,4
0,53
0,33
0,29 0,27 0,22
0,40
0,29
54
50,93
9,7
50,21
10,1
51,68
9,1
0,51
0,23 0,20
0,38
0,32
0,25
0,32
60
51,34
9,0
50,21
9,4
52,5
8,3
0,52
0,31
0,25
0,37
0,23 0,24
0,33
Dados Normativos: média, desvio padrão, consistência interna: alfa Cronbach e correlação item-total.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
322
ASQ3-BR: análise de Itens
3 da faixa para 48 meses (0,27) e o item 1 para
54 meses (0,23) com a questão “A criança lava
as mãos com água e sabão e depois se seca com
uma toalha, sem ajuda?”
vro...”. Tais questões relativas à disponibilidade
de livros podem ser ampliados na sua abrangência
para livro, revista ou outro meio.
No domínio Resolução de Problemas, da
mesma maneira que a versão original do ASQ
3 em inglês, que apresentou suas características psicométricas com alfa de Cronbach até de
0,51, os resultados da versão adaptada também
demonstraram consistência interna baixa, entretanto 4 características se sobressaem.
A primeira é a ausência de comando nas
questões. Se espera uma ação da criança na qual
ela talvez ainda não possua autonomia suficiente
para executar o que se espera no teste. Não está
clara na questão a orientação de “comando”.
Não está claro porque a criança iria imitar. A
questão poderia ser completada pela afirmação:
“Faça igual à tia/professora!”, ou definir um comando: “Agora vamos arrumar as coisas!”
A segunda é em relação às condições de risco
restritas ao ambiente de creche quanto à questão
de segurança em que as crianças estariam sujeitas caso fossem disponibilizadas condições para
subir em algum objeto. Essa condição bastante
factível num ambiente doméstico se torna arriscada num ambiente de creche. Subir em alguma
coisa para pegar objeto poderia ser substituído
por abrir gaveta ou caixa para pegar objeto.
Na terceira, a interpretação de um desenho
incompleto pode significar outras coisas, mais
comuns da realidade da criança. Como a referida figura pode ter outro significado além de
um personagem, como por exemplo um inseto,
dependerá do ambiente em que a criança se
desenvolve para ser capaz de estabelecer associação como se espera. Dessa forma, em vez de
marcar positivamente para respostas que remetem a figuras humanas, poderia se perguntar
“o que é isso?”, e pedir para explicar, já que o
domínio visa “Resolução de Problemas” e não
Comportamento Social/Pessoal”.
Finalmente, no domínio Resolução de Problemas, se remete à questão da existência ou não na
creche de utensílios que a criança possa utilizar
para “fazer de conta”. Num ambiente familiar
é muito fácil usar os sapatos da mãe ou do pai,
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos pelo presente estudo
indicam que diversas questões poderiam ser
modificadas no sentido de tornar o instrumento
mais fidedigno na avaliação dos constructos propostos quando aplicado em ambiente de creche.
Verificou-se que, no domínio Comunicação,
um dos itens com a correlação baixa está relacionado com as particularidades culturais
brasileiras e que podem ser adequadas na sua
característica semântica e um segundo item é
relativo à inexistência de comando.
Para o primeiro caso, observou-se, na relação
de nomes das crianças em questão, que apenas
1% das crianças têm apenas 1 sobrenome, sendo
comum 2 ou 3 sobrenomes, dificultando a criança definir qual seria o sobrenome principal, o que
poderia acarretar correlações item-total baixas.
Questionar pelo nome da criança e de sua mãe
poderia ser mais producente.
Para o segundo caso, não está claro a quem
o comando foi dirigido quando se fala em uma
creche com diversas crianças juntas. A nomeação
antecipada de qual criança está sendo solicitada pode deixar mais clara a questão. Chamar
a criança pelo nome antes do gesto poderá explicitar a ordem de comando. Outrossim, itens
relativos à disponibilidade de livros, podem ser
ampliados na sua abrangência mencionando “figuras impressas”, podendo ser em livro, revista
ou outro meio.
No domínio da Coordenação Motora Ampla,
verificou-se três questões com correlação baixa
em função das condições de segurança relativas
à existência e acesso ou não de escada na instituição em que as crianças pudessem acessar
sozinhas. Avaliação considerando um substituto,
como por exemplo, o jogo de “Amarelinha” (Céu),
pode ser mais factível em ambiente de creche.
No domínio Motora Fina, a questão comum
se refere a “A criança vira as páginas de um li-
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
323
Tavares LFFA et al.
mas na creche não existe essa possibilidade. A
questão sobre se vestir pode ser impraticável,
po­dendo ser alterada de “vestir e fingir” para
“vestir ou fingir”.
No último domínio Pessoal e Social, um grande
número de faixas etárias apresentou con­sistência
interna reduzida semelhante ao estudo do ASQ3
original13. Entretanto, na versão do ASQ3-BR podemos ressaltar dois pontos que podem agravar
essa característica psicométrica, quais sejam:
comando e práticas operacionais de uma creche.
As questões com a indefinição de comando,
como mencionado nos domínios anteriores,
não esclarecem para a criança o que se espera
dela. No ambiente doméstico, é mais fácil para
a mãe/pai solicitar ações de imitação devido à
linguagem corporal dos mesmos. Já, em um ambiente de creche, a abordagem necessitaria de
uma dinâmica diferenciada, o que às vezes não
é possível. Da mesma forma, “A criança aguarda da vez do outro” deve ser consequência de
um comando, já que na fase de 36 e 42 meses a
criança ainda está num período egocêntrico4,6,
onde a criança é muito autocentrada e tem muitas exigências, mas que é capaz de obedecer
às regras domésticas quando lhe explicadas ou
ordenadas5. Esperar que uma criança imite um
adulto sem um comando, em um ambiente com
outras crianças, seria muito improvável. Questões como “a criança coloca de volta o copo”,
“escova os dentes ou se veste sozinha”, ou “fala
o nome de colegas ou irmãos” sem um comando
ou solicitação explicita entram em conflito com
as características para essa faixa de idade. Para
as questões identificadas, uma frase inicial tal
como “depois que a professora ter orientado, …”
poderia ter melhor repercussão para avaliar o
constructo em questão.
O segundo ponto são as práticas operacionais. Num ambiente de creche, não é possível a
criança se servir, já que ela recebe a alimentação
pronta. Substituição desta frase por, “a criança
entrega o prato e os talheres para serem lavados
após a refeição?”, está mais alinhada com a realidade da creche onde o ASQ3-BR for aplicado.
CONCLUSÃO
Conforme verificado, o instrumento ASQ3 na
sua versão original apresenta propriedades psicométricas suficientes para identificar possíveis
desvios de desenvolvimento para a população
de língua inglesa em ambiente familiar13 (13).
A versão ASQ3-BR, embora tenha sido produto
de uma retrotradução para a língua portuguesa
utilizada no Brasil, também apresenta características psicométricas para o mesmo objetivo,
com restrições para o domínio Pessoal e Social.
Entretanto, quando aplicado em ambiente de
creches, foram identificados diversos itens que
apresentavam índices de correlação item-total
com o domínio em questão abaixo dos limites
razoáveis, sendo que alguns deles afetam a
consistência interna do domínio verificado pelo
alfa de Cronbach. O domínio Comunicação apresentou 6% dos itens com correlação abaixo de 0,3
ligados a três condições comuns aos itens relevantes. O domínio Coordenação Motora Ampla
apresentou 7% dos itens com correlação baixa,
referentes a uma condição comum. O domínio
Coordenação Motora Fina, embora também
apresentasse 7% dos itens com correlação baixa,
nenhum item comum foi observado. No domínio
Resolução de problemas, observou-se 16% dos
itens com correlação baixa, ligados a 4 condições
comuns. Finalmente, o domínio Pessoal e Social
apresentou 32% dos itens com correlação baixa,
ligados a 3 condições comuns.
Dessa forma, podemos concluir que a ferramenta ASQ3-BR aplicada para avaliação do
desenvolvimento infantil em creches pode ter
sua fidedignidade aumentada pela adequação
das questões para as condições semânticas, de
risco, comando e operacionais da realidade e
ambiente onde serão utilizadas.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
324
ASQ3-BR: análise de Itens
SUMMARY
Item analysis of the Ages and Stages Questionnaires
Brazilian version for public day care centers in Rio de Janeiro
The Ages & Stages Questionnaire Third Edition in the Portuguese-BR translation
(ASQ3-BR) is a screening test used to evaluate the development of children in preschool age (8-60 months), having been used by the Department of Education of Rio
de Janeiro as a tool to assess the quality of care in public kindergartens. In this study,
the results obtained in the tests between 2010 and 2012, for 124. 292 children in 468
public kindergartens in the city of Rio de Janeiro, were assessed for internal consistency
of the results for the six items of each of the 5 domains ASQ3-BR for each of the 16
age groups established by the instrument. Although ASQ3-BR went through back
translation and cultural adaptation to ensure the adaptation of the test to the Brazilian
culture, coefficients of “Cronbach’s alpha” below 0.7 and the “Item-Total correlations”
below 0.3 identified relevant items to be analyzed and discussed. The results indicated
that although the ASQ 3-BR is a good tool to evaluate the development of children in
preschool, its reliability can be improved with some adaptations considering specific
procedures at these nurseries
KEY WORDS: Child development. Psychometrics. Child, preschool. Questionnaires.
8. Rodrigues OMPR. Escalas de desenvolvimento infantil e o uso com bebês. Curitiba:
Editora UFPR; 2012.
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Publishing Co.; 2009.
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13. Squires J, Bricker D, Twonbly E, Potter L, Bricker D. Psychometric Studies of ASQ3. 2009.
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Rio de Janeiro: Forense; 1984.
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Paulo: Martins Fontes; 2003.
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da cidade do Rio de Janeiro. Psicologia, PUC-Rio. Rio de Janeiro: PUC-Rio; 2011.
Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
Artigo recebido: 21/9/2015
Aprovado: 18/11/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 314-25
325
Batista
LS et al.
Relato
de experiência
Avaliação psicopedagógica de criança
com alterações no desenvolvimento:
relato de experiência
Leila Santos Batista; Bárbara Gonçalves; Márcia Siqueira de Andrade
RESUMO – Objetivo: Apresentar relato de avaliação psicopedagógica
de criança com queixa de alterações no desenvolvimento. O caso rela­
tado é o de menino, 9 anos de idade, atendido em clínica-escola de ins­
tituição da grande São Paulo. O relatório médico reportou alterações no
desenvolvimento, especificamente atraso do desenvolvimento neu­rop­
si­comotor, desatenção e dificuldade de aprendizado, com diagnóstico
de transtorno específico misto do desenvolvimento e outro transtorno
com­portamental e emocional especificado com início habitualmente na
infância ou adolescência (F83 e F98-8). Método: O relato foi elaborado a
partir da descrição do protocolo utilizado para avaliação, que constou de
oito sessões em que foram aplicados os instrumentos: Desenho da Família,
Desenho da Família Cinética, Desenho do Par Educativo, Hora do Jogo
Diagnóstica, Sondagem da escrita e Provas Piagetianas. Resultados: A
avaliação psicopedagógica indicou atraso na aprendizagem da escri­ta, no
desenvolvimento cognitivo, além de dificuldades de coordenação mo­tora,
interação e comunicação. Verificou-se vínculo saudável com o objeto de
conhecimento, percepção saudável da estrutura familiar, ausên­cia de vínculo
entre os membros da família, e vínculo comprometido com o ensinante.
Conclusão: A avaliação psicopedagógica permitiu uma aná­lise abrangente
do sujeito e de sua aprendizagem, e sugestões de encaminhamento ba­
seadas nos resultados alcançados.
UNITERMOS: Psicopedagogia. Diagnóstico. Aprendizagem.
Correspondência
Márcia Siqueira de Andrade
Centro Universitário FIEO- UNIFIEO
Programa de Psicologia Educacional
Av. Franz Voegeli, 300 – Vila Yara – Osasco, SP, Brasil –
CEP: 06020-190
E-mail: [email protected]
Leila Santos Batista – Psicopedagoga, mestranda do
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psi­­co­lo­
gia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO,
Osasco, SP, Brasil.
Bárbara Gonçalves – Psicopedagoga, Mestranda do
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psico­­
logia Educacional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO,
Osasco, SP, Brasil.
Márcia Siqueira de Andrade – Doutora em Psicologia
Educacional pela PUC/SP, Coordenadora do Programa
de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia Educa­
cional, Centro Universitário FIEO-UNIFIEO, Osasco,
SP, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
326
Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento
do processo de aprendizagem, postura clínica,
capacidade de observação e instrumentos e
métodos adequados5.
O objetivo do diagnóstico psicopedagógico
clínico é identificar a modalidade de aprendizagem, o nível da escrita e o nível cognitivo. Os
instrumentos aplicados no diagnóstico psicopedagógico aqui relatado são descritos no item
método e fazem parte do protocolo utilizado na
clínica-escola campo desta pesquisa5.
INTRODUÇÃO
O Código de Ética do Psicopedagogo, no seu
artigo 1o, define a Psicopedagogia como “(...) um
campo de atuação em Saúde e Educação que
lida com o processo de aprendizagem humana:
seus padrões normais e patológicos considerando a influência do meio, família, escola e
so­ciedade no seu desenvolvimento, utilizando
procedimentos próprios da Psicopedagogia”1.
A Psicopedagogia surge para atender a uma
demanda específica de auxílio à superação das
dificuldades de aprendizagem, atuando de forma
preventiva e terapêutica2.
A Psicopedagogia se divide em três processos:
prevenção, diagnóstico e intervenção. Na prevenção, o psicopedagogo realiza uma investigação institucional, avaliando os processos didáticos e metodológicos aplicados, e a dinâmica dos
profissionais, buscando compreender o processo
ensino/aprendizagem e propondo alternativas
que otimizem os esforços empreendidos pelos
envolvidos3.
A Psicopedagogia, na forma clínica, busca a
promoção da saúde mental auxiliando o indivíduo na superação das dificuldades de aprendizagem, investigando os sintomas, a modalidade
de aprendizagem e desenvolvendo atividades
interventivas. O atendimento psicopedagógico
com uma postura clínica considera a singularidade do sujeito, os aspectos inconscientes
envolvidos no não aprender nos seus diversos
contextos (biológico, afetivo e cognitivo), além
da família e da escola4.
O presente estudo se desenvolveu a partir
do relato de um processo de Diagnóstico Psicopedagógico numa perspectiva teórica clínica.
Modalidade de aprendizagem
A forma como cada indivíduo entra em contato com o objeto de conhecimento, a modalidade de aprendizagem, é particular, individual
e oferece um saber que é singular para cada
indivíduo. A modalidade de aprendizagem é
construída desde o nascimento e nas várias si­
tuações de aprendizagem, constituindo-se como
um esquema de operar ou processar as informações6. Com a identificação da modalidade de
aprendizagem do sujeito com dificuldades de
aprendizagem, o psicopedagogo poderá introduzir a intervenção adequada, que atenda às
necessidades específicas do paciente.
Para melhor compreensão do processo que
resulta em modalidade de aprendizagem, é
importante compreender o movimento definido
como “adaptação”. Adaptação é o resultado de
um duplo movimento complementar de assimilação e acomodação. Por meio da assimilação,
o sujeito transforma a realidade para integrá-la
às suas possibilidades de ação e, através da acomodação, transforma e coordena seus próprios
esquemas ativos, para adequá-los às exigências
da realidade7.
As modalidades de aprendizagem sintomá­
ticas são geradas por um desequilíbrio nos
movimentos de assimilação e/ou acomodação.
O excesso (hiper) ou escassez (hipo) em um
desses movimentos afeta o resultado (aprendizagem), ou seja, dificuldades de aprendizagem
estão relacionadas a uma hiperatuação ou hipo-atuação de um desses processos8. Quando há
o predomínio da assimilação, as dificuldades
Diagnóstico Psicopedagógico Clínico
O diagnóstico, para o terapeuta, tem a mesma
função que a rede para um equilibrista6, ou seja,
ele dará o suporte para que o psicopedagogo
caminhe de maneira segura durante o processo
de intervenção. O sucesso e a eficácia do diagnóstico psicopedagógico pressupõem por parte
do terapeuta: profundo conhecimento teórico
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
327
Batista LS et al.
de aprendizagem são da ordem da não resignação, o que leva o sujeito a interpretar os
ob­jetos de modo subjetivo, não internalizando
as características próprias do objeto. Quando a
acomodação predomina, o sujeito não empresta
sentido subjetivo aos objetos, antes, resigna-se
sem criticidade8.
As modalidades de aprendizagem sintomáticas são assim descritas8:
• Hiperassimilação: sendo a assimilação o
movimento de adaptação que permite a
alteração das informações fornecidas pelo
meio, para que possam ser incorporadas
pelo sujeito, na aprendizagem sintomati­
zada pode ocorrer um exagero desse mo­
vimento, de forma que o sujeito não se
submete ao aprender. Nesse movimento,
há o predomínio dos aspectos subjetivos
sobre os objetivos;
• Hipoacomodação: a acomodação consiste
em adaptar-se para que ocorra a internali­
zação. A sintomatização da acomodação
ocorre pela resistência em acomodar
elementos do meio (informações), que
pode ser definida como a dificuldade de
internalizar os objetos;
• Hiperacomodação: se acomodar significa
internalizar os elementos do meio (informações), o exagero nesse processo pode
levar a uma pobreza de contato com a
subjetividade, levando à submissão e à
obediência acrítica às normas;
• Hipoassimilação: nesta sintomatização
ocorre uma assimilação pobre ou baixa, o
que resulta na pobreza no contato com o
objeto. As informações, ou elementos do
meio, são pouco alterados, de forma que
não podem ser incorporados pelo sujeito,
apenas acomodados.
Analisando a forma como operam as modali­
dades de aprendizagem, existem três grupos
de modalidades (organizações) que perturbam
o aprender: hipoassimilação-hipoacomodação;
hiperassimilação-hipoacomodação; e hipoassimilação-hiperacomodação9.
Desenvolvimento Infantil
O conceito de desenvolvimento infantil pode
ser entendido como um processo que envolve
vários aspectos: crescimento físico, maturação
neurológica, construção de habilidades relacionadas ao comportamento e às esferas cognitivas,
social e afetiva da criança. O desenvolvimento
adequado habilita a criança a atender à demanda
do meio, tornando-a “competente” para responder às suas necessidades, considerando o seu
contexto de vida10.
O desenvolvimento infantil relaciona-se diretamente com fatores biológicos e ambientais.
Os fatores biológicos estão relacionados a danos
ocorridos nos períodos pré, peri e pós-parto, que
podem conduzir a deficiências e problemas no
desenvolvimento neurológico. Neste grupo estão
os distúrbios de ordem genética, malformações
congênitas, prematuridade, hipóxia cerebral,
meningites e condições da gestação da mãe (uso
de drogas, fumo e doenças) que podem impactar o desenvolvimento da criança. Os fatores
ambientais estão relacionados à exposição da
criança aos estímulos e situações do meio, tais
como condições de habitação, higiene, conforto,
nutrição, estímulo familiar e vida social11.
Neste contexto, a reabilitação é o processo
pelo qual a criança com alterações no desenvolvimento poderá ser adequadamente estimulada
com o objetivo de melhorar a funcionalidade
das suas habilidades físicas, mental e/ou social.
Nessa perspectiva, todo trabalho de reabilitação,
independente da idade, deve estar centrado
nas habilidades da criança, lembrando que sua
integridade e dignidade devem sempre ser respeitadas. Para tal, importa que, ao planejar os
programas de reabilitação e de apoio, o terapeuta
possa impreterivelmente considerar os costumes,
possibilidades e as estruturas da família e da
comunidade, adequando sua proposta terapêutica às dificuldades e necessidades da criança12.
No entanto, para orientar qualquer proposta
terapêutica, a avaliação diagnóstica é a primeira
etapa. Neste contexto, o objetivo do presente
artigo é apresentar o relato de avaliação diagnóstica psicopedagógica de menino encaminhado à
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
328
Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento
clínica-escola por apresentar alterações no desenvolvimento e dificuldades de aprendizagem.
zagem, que são específicos e de origem
neurobiológica. Assim, dificuldades de
aprendizagem podem estar associadas a
problemas pedagógicos, sociais, deficiência intelectual ou ser secundários a outros
transtornos16.
F83: Transtornos específicos misto do desenvolvimento. Esta categoria agrupa transtornos
que apresentam ao mesmo tempo sinais de um
transtorno específico do desenvolvimento da
fala e da linguagem, das habilidades escolares,
e das funções motoras, mas sem a predominância
suficiente de elementos para constituir o diagnóstico principal13.
F98.8: Outros transtornos comportamentais
e emocionais especificados com início habitualmente na infância ou adolescência. Inclui
sintomas como comer unhas, déficit de atenção
sem hiperatividade, enfiar os dedos no nariz,
masturbação exagerada e sucção do polegar.
MÉTODO
Campo da pesquisa
A criança, submetida à avaliação psicopedagógica relatada no presente estudo, será tratada
pelo nome fictício “Pedro”. Pedro foi atendido
pelo serviço de atendimento psicopedagógico,
desenvolvido no âmbito de uma clínica-escola
de uma instituição particular de ensino superior,
localizada na grande São Paulo. A clínica recebe
crianças, adolescentes e adultos encaminhados
por serviços de saúde e educação e possui um
protocolo de avaliação, por meio do qual todos os
indivíduos encaminhados são avaliados. Pedro
foi atendido em grupo de 5 crianças, da mesma
faixa etária (9 anos)5.
Participante
É estudante do 3o ano do Ensino Fundamental I, com idade de 9 anos, lê e escreve
com dificuldade, não apresenta problemas de
comportamento e foi encaminhado ao atendimento psicopedagógico pelo Neurologista por
apresentar:
a) atraso no desenvolvimento neuropsicomotor: refere-se a atraso no desenvol­
vimento de dois ou mais domínios: mo­
tricidade, linguagem, cognição, habilida­
des sociais ou aquelas requeridas em
ati­­vidades da vida diária, e/ou ainda,
uma inadequação no desenvolvimento
que impossibilita a saudável sequência
de estágios considerados importantes
marcadores semiológicos de integridade
do sistema nervoso central14,15;
b) desatenção: refere-se à dificuldade de
concentração ou à falta de atenção;
c) dificuldade de aprendizado: refere-se a
problemas na aquisição e uso de habilidades como leitura, escrita e matemática,
conduzindo a rendimento escolar abaixo
do esperado. As dificuldades de aprendizagem possuem etiologias diversas e
são distintas dos transtornos de aprendi-
Instrumentos
Em conformidade com o protocolo implantado na clínica-escola citada, os instrumentos
utilizados no processo e considerados para o
presente estudo foram5:
• Desenho da Família: nessa atividade,
ob­serva-se a estrutura familiar, a fim de
investigar como se dá a relação entre seus
membros como um todo e individualmente;
• Desenho da Família Cinética: essa atividade busca compreender como se dá
o estabelecimento de vínculos entre os
membros da família;
• Desenho do Par Educativo: essa prova
traz subsídios específicos para a compreensão da relação entre quem ensina,
quem aprende, e o objeto de conhecimento, como é percebido pelo sujeito;
• Hora do Jogo Diagnóstica: a aplicação
dessa prova tem como objetivo geral identificar a modalidade de aprendizagem do
sujeito e de analisar como o mesmo se
apropria do objeto de conhecimento desejado. Por outro lado, analisa-se, também,
como ele lida com o não conhecer, como
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
329
Batista LS et al.
liberados e foi desenvolvida atividade para estabelecimento de vínculo.
A sala para atendimento do grupo foi escolhida levando em consideração a necessidade
de interação social e comunicação apresentadas
por Pedro. A terapeuta escolheu uma sala pequena, com mesa redonda, que proporcionou uma
maior aproximação dos integrantes e facilitou
a comunicação. Os materiais disponibilizados
para realização das atividades foram de uso coletivo, também pensando na proposta de interação
social e comunicação.
Na segunda sessão, foi aplicado Desenho da
Família; na terceira, Desenho da Família Cinética; na quarta, Desenho do Par Educativo; na
quinta, entrevista com pais, na sexta, Hora do jogo
Diagnóstica; na sétima, Sondagem da escrita;
e, por fim, na oitava sessão, Provas Piagetianas.
Ao término das sessões de avaliação diagnóstica, os testes foram analisados de acordo com
Andrade4 e as informações compiladas em um relatório, cujas informações foram compartilhadas
e esclarecidas com o responsável pela criança.
ele trabalha com questões cognitivas
relacionadas às habilidades mentais de
classificar, ordenar e seriar;
• Sondagem da Escrita: essa prova tem
por objetivo identificar o nível conceitual
da escrita do sujeito: se ele já reconhece
as letras, se já está alfabetizado ou não e
como está seu processo de aquisição da
leitura e escrita. Com base em Ferreiro
é possível identificar em que nível de
aquisição da leitura/escrita o paciente
se encontra, dentro das seguintes possibilidades: pré-si­lábico, silábico, silábico
alfabético, alfabético e ortográfico;
• Provas Piagetianas: tem por finalidade
identificar o estágio do desenvolvimento
cognitivo em que o sujeito se encontra.
Para isso, foram aplicadas provas de
conservação: conservação de pequenos
conjuntos discretos de elementos, conservação de quantidades contínuas e
conservação de líquido (transvasamento);
• Entrevista com os Pais: pretende-se obter
o máximo de informação possível sobre
a história de vida do sujeito, a relação
estabelecida entre ele, enquanto alguém
com possibilidades de aprender, e os pais
como aqueles que podem ensinar. Tem de
se ter em conta não só o que é dito, mas
também como é dito, bem como observar
a linguagem corporal dos entrevistados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise da produção do paciente se deu
conforme descrito a seguir.
Estabelecimento do Vínculo: na primeira
sessão, o paciente não interagiu com o grupo.
Comportou-se de maneira tímida, introvertida e
apresentou problemas na fala (linguagem). Participou da atividade proposta (jogo pega-varetas),
porém não demonstrou compreensão das regras.
Desenho da Família: após a consigna “desenhe uma família”, Pedro desenhou os três
membros da família (ele, pai e mãe); conforme
Figura 1, notam-se esquemas corporais empobrecidos, olhos vazados e ausência de braços;
observa-se que Pedro se desenhou ao lado da
mãe; o tamanho relativo dos personagens foi
evidenciado e a produção foi centralizada na
folha; por fim, evidencia-se que Pedro desenhou
a sua família real, composta por ele, pai e mãe, o
que sugere uma percepção de relação saudável
entre os membros.
Procedimentos
O processo de avaliação diagnóstica psicopedagógica ocorreu ao longo de 8 sessões, cada
qual com duração de 60 minutos. Para o fortalecimento do vínculo paciente/terapeuta, foram
desenvolvidas, ao término da aplicação de cada
uma das provas, atividades lúdicas como brincadeiras, jogos diversos, montagem de quebra-ca­
beça, leitura de histórias e desenho livre.
Na primeira sessão, os responsáveis foram
informados sobre os procedimentos de avaliação
diagnóstica e sobre as normas da clínica-escola.
Nessa sessão, foi ouvida a queixa principal dos
pais com relação à criança. Após, os pais foram
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
330
Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento
Desenho da Família Cinética: nesta atividade
foi solicitado o desenho de uma família fazendo
alguma coisa. Pedro desenhou os personagens
sem diferenciação de sexo; todos os membros
da família num mesmo ambiente, porém cada
um fazendo uma coisa diferente. Essa situação
sugere comprometimento no vínculo familiar.
Desenho do Par Educativo: foi solicitado ao
grupo o desenho de alguém aprendendo alguma
coisa e alguém ensinando. Pedro se desenhou
fazendo uma prova; observa-se no desenho que
ele está ao lado de uma folha, com um lápis na
mão; a ausência de ensinante sugere vínculo
comprometido com quem ensina e não com o
objeto de conhecimento (folha de prova); o tamanho do aprendente, o tamanho do objeto de
conhecimento e o contato do aprendente com o
lápis sugere vínculo saudável com o objeto de
conhecimento.
Entrevista com os pais: durante a entrevista
a mãe relatou que Pedro é autista (apesar dessa
informação não constar no relatório médico), tem
problemas na fala e dificuldades de socialização.
Faz acompanhamento neurológico, fonoaudiólogo e usa os medicamentos Risperidona e Tofranil.
Na entrevista, foi evidenciado que Pedro tem
um primo (filho de um tio por parte de mãe),
com a idade de 7 anos, que também é autista. A
mãe relatou que Pedro nasceu de parto normal,
sem complicações e começou a falar com 1 ano
2 meses.
Hora do Jogo Diagnóstica: após apresentar a
caixa, foi solicitado ao grupo para realizar a atividade. Pedro não fez inventário, pegou um livro
e ficou folheando, depois pegou a lata de palitos
e brincou um pouco, sem demonstrar muita
vontade, por fim, fez um desenho, utilizando
canetinhas e papel sulfite, porém não terminou.
Essa atitude demonstra a dificuldade da criança
em se apropriar do objeto de conhecimento desejado; o contato superficial com a caixa e com os
objetos oferecidos sugere dificuldades em lidar
com a situação e com o não conhecer.
Sondagem da Escrita: conforme Figura 2, a
escrita de Pedro foi classificada como silábica-alfabética, sem o registro da sílaba de três letras,
estando aquém do esperado para a idade, de
acordo com a padronização do teste. As palavras
ditadas ao paciente foram: elefante, rã, formiga,
cachorro e tigre; e a frase foi: “O elefante pisou
na formiga”.
Frente às Provas Piagetianas, apresentou respostas perceptivas e de não-conservação, quando
o esperado para a idade seria uma res­posta cognitiva (lógica) e conservativa, próprias do estágio
Figura 1 – Desempenho de Pedro na Prova da Família.
Figura 2 – Desempenho de Pedro na Sondagem da Escrita.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
331
Batista LS et al.
do desenvolvimento cognitivo operacional-con­
creto, adequado a crianças de 7 a 11 anos.
No mais, observações gerais com relação
ao desempenho, comportamento e conduta do
paciente durante o processo foram registradas
conforme relato a seguir. Pedro esteve presente
em todas as sessões e realizou todos os testes
aplicados com dedicação. Utilizou o material
de maneira adequada e se mostrou organiza­
do devolvendo os lápis de cor na caixa correta,
guar­dando borracha e apontador no estojo após
o uso e recolocando cadeiras no lugar ao término
das sessões.
Desde a primeira sessão, Pedro apresentou
di­ficuldades relacionadas à interação social e
comunicação (linguagem verbal). Nota-se o
com­prometimento do desenvolvimento da fala
e da linguagem de forma acentuada, conforme
descrição da CID-10 F8311. Interagiu pouco com
o grupo e com a psicopedagoga, limitando muitas respostas a “sim” ou “não”. Respostas mais
complexas, adequadas às perguntas, surgiam
apenas quando abordado de forma mais precisa e individualizada, o que sinaliza prejuízos
associados às possíveis alterações das funções
cognitivas, dentre elas a linguagem, apresentadas pelo quadro (CID-10 F83).
Déficits relacionados às funções motoras,
descritos na CID-10 F83, foram evidenciados
durante a execução das atividades de Sondagem da Escrita, e nos Testes piagetianos, e
percebidos também nas brincadeiras e jogos
lúdicos (montagem de quebra-cabeça, pega-varetas, entre outras). Prejuízos relacionados
à desatenção não foram evidenciados na avaliação, Pedro se mostrou atento às normas e às
consignas solicitadas.
À medida que os encontros foram se constituindo, Pedro foi se integrando ao grupo, e
essa integração pôde ser percebida em atitudes
comportamentais, tais como: rir com os colegas
diante de uma situação engraçada; chamar a terapeuta pelo nome; expressar o desejo de contar
histórias diante dos testes projetivos (família,
família cinética e par educativo) e contar sobre
sua rotina diária.
Mesmo com evidente dificuldade de comunicação e socialização, Pedro não se isolou completamente do grupo. No decorrer dos encontros
ao longo do processo diagnóstico, à sua maneira,
esteve presente, realizando as propostas e par­
ticipando das atividades lúdicas (jogos, contagem de histórias, desenho e pintura, dentre outras). Apresentou muitas vezes comportamento
motor estereotipado e repetitivo, movimentando
dedos e/ou mãos, fazendo caretas, rindo sozinho
e evitando contato visual. Demonstrou também,
durante a execução das atividades, a fixação por
rotinas e regras.
Foi principalmente nas atividades lúdicas, a
partir da 4ª sessão, que se tornaram evidentes
uma melhor compreensão do grupo com relação
às dificuldades apresentadas pelo Pedro (co­
municação e coordenação motora fina). Essa
evidência se embasa no auxílio que o grupo
passou a prestar, ajudando-o em atividades
onde o mesmo demonstrava mais dificuldades,
esclarecendo com calma as regras dos jogos e
esperando com paciência e respeito a sua resposta ou fala.
Com relação à modalidade de aprendiza­gem,
Pedro foi classificado como Hipoassimilativo/
Hi­poacomodativo. Na hipoassimilação, ocorre
pobreza de contato com o objeto, e déficit lúdico
e criativo; na hipoacomodação, além de pobreza
de contato com o objeto, ocorre também dificuldade na interiorização das imagens6.
Apesar dos déficits e prejuízos apresentados,
Pedro cumpriu todas as atividades propostas. A
avaliação psicopedagógica demonstrou déficits
da aprendizagem da escrita, dificuldades relacionadas à coordenação motora e à comunicação
(linguagem verbal), além de prejuízo no desenvolvimento cognitivo. Com relação aos aspectos
emocionais, os resultados obtidos a partir das
análises da produção da criança sugerem a
existência de percepção saudável da estrutura
familiar; vínculo saudável com o objeto de conhecimento, percepção de ausência de vínculo
familiar, e vínculo comprometido com o ensinante. Essas informações sugerem que, com relação
à dimensão afetiva da aprendizagem (dimensão
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
332
Avaliação psicopedagógica de criança com alterações no desenvolvimento
subjetivante), na qual opera a lei do desejo que
permite dar um significado à ignorância16, Pedro
apresenta potencial de aproximação do objeto do
conhecimento para construção e apropriação da
aprendizagem.
Frente ao desempenho do paciente nas atividades propostas, presume-se que as dificuldades de aprendizagem apontadas pelo relatório
médico sejam oriundas, em parte, das alterações
no desenvolvimento (CID-10 F83; F98-8), e em
parte da falta de atendimento adequado às suas
necessidades especiais, considerando a realidade das instituições públicas de ensino e das
políticas sociais nacionais.
Assim, tendo em vista as dificuldades elencadas, e a importância do funcionamento independente e simultâneo dos aspectos afetivos e cognitivos do pensamento do sujeito que aprende,
algumas recomendações para atendimento de
Pedro são: scompanhamento psicopedagógico
com oferecimento de atividades que contribuam
para o desenvolvimento das suas habilidades
cognitivas (pensar, simbolizar, perceber, criar,
analisar, etc) e sociais (comunicação e linguagem), que favoreçam o desenvolvimento da
coor­denação motora fina e que possibilitem o
pro­cesso criativo; e atividades que contemplem
os aspectos emocionais e afetivos, favorecendo
o contato com o objeto de conhecimento e alimentando o desejo que leva à aprendizagem.
É importante também acompanhamento peda-
gógico, se possível, individualizado, visando à
alfabetização, e um aprofundamento na análise
das percepções da criança, a fim de se compreender a sua relação com quem ensina (ensinante).
CONCLUSÃO
A descrição do processo avaliativo da criança
com alterações no desenvolvimento teve como
objetivo ilustrar o processo diagnóstico psicopedagógico, seus instrumentos e possibilida­
des de interpretação de seus resultados. Dessa
for­ma, a avaliação psicopedagógica permitiu
uma análise abrangente do sujeito e de sua
aprendizagem, contribuindo para a compreen­
são de como Pedro se coloca na construção do
conhecimento, subsídios que auxiliarão ao en­
caminhamento do caso.
A avaliação psicopedagógica deve possibilitar o entendimento das especificidades e
necessidades da criança, suas dificuldades, sua
relação com o outro e com a aprendizagem,
possibilitando delinear ações terapêuticas para
atendimento dessas necessidades. Limitações e
direções futuras apontam para o fato de que o
atendimento em grupo não otimiza o processo
de avaliação e o próprio desenvolvimento das
crianças, exceto com relação à interação social e
comunicação, uma vez que muitas crianças que
chegam às clínicas de psicopedagogia podem
requerer atenção individualizada para lidar com
suas dificuldades.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
333
Batista LS et al.
SUMMARY
Psychopedagogical evaluation of one child
with developmental abnormalities: experience report
Objective: Present psychoeducational valuation report of child complaint
changes in development. The case reported is a boy, 9 years old, attended
by clinic-school located in greater São Paulo. The medical report tells
developmental abnormalities, specifically developmental delay, learning
difficulties with inattention, with a diagnosis of mixed specific developmental
disorders and other specified behavioral and emotional disorders with onset
usually occurring in childhood and adolescence (F83 and F98-8). Methods:
The experience report was drawn from the description of the protocol used
for evaluation which consisted of eight sessions in which the instruments
were applied: Family drawing, Kinetics family drawing, Educative pair
drawing, Diagnostic playtime, Writing survey, Piagetian tasks. Results:
The psychopedagogic evaluation showed delayed literacy, and cognitive
development, and difficulties in motor coordination, interaction and
communication. There was perception of healthy link with the object of
knowledge and healthy perception of the family structure, although there
was perception of lack of link between family members and impaired
with teacher. The psychopedagogic evaluation provided a comprehensive
analysis of the subject and their learning, and routing suggestions based
on the achieved results.
KEY WORDS: Psychopedagogy. Diagnosis. Learning.
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Trabalho realizado no Centro Universitário FIEOUNIFIEO, Osasco, SP, Brasil.
Artigo recebido: 10/8/2015
Aprovado: 7/11/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 326-35
335
Miller
SMC &
Ferrari MM
ARTIGO
ESPECIAL
Estratégia de inclusão: resgate da
corporeidade no interior das escolas
Sandra Maria Correa Miller; Maira Miller Ferrari
RESUMO – O presente trabalho faz uma reflexão sobre os caminhos
da educação no futuro, centrada na condição humana, sob a égide do
princípio da unidade-diversidade proposto por Edgar Morin. Realiza
um contraponto entre educação e corporeidade no contexto do sistema
ofi­cial de ensino, enfatizando a importância de resgatar o ato motor e o
sig­nificado da corporeidade em diferentes etapas da educação básica.
Reapresenta o papel do corpo como um elemento essencial no processo de
aprendizagem e apresenta a valorização da corporeidade e do movimento
como estratégias para o sucesso da educação inclusiva e da escola como
espaço de convivência, inclusive durante a adolescência, considerando o
Ensino Fundamental e Médio. A educação inclusiva é vinculada à busca
incessante de proporcionar a autonomia de ser e de saber da(o) educanda(a),
valorizando e respeitando o seu conhecimento prévio, sua singularidade e
linguagem corporal, visto ser o estudante um sujeito social em construção.
UNITERMOS: Inclusão educacional. Percepção. Imagem corporal.
Correspondência
Sandra Maria Correa Miller
Secretaria de Estado do Meio Ambiente
Rua Ulysses Jamil Cury, 715 – Distrito Industrial
Ulisses Guimarães – São José do Rio Preto, SP, Brasil –
CEP: 15092-601
E-mail: [email protected]
Sandra Maria Correa Miller – Educadora e Especialista
Ambiental da Secretaria de Estado do Meio Ambien­
te-SP e Psicopedagoga e Educadora do Centro Paula
Souza – São José do Rio Preto, SP, Brasil.
Maira Miller Ferrari – Doutoranda do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Ambientais – Linha:
Ambiente e Sociedade – Universidade Federal de
São Carlos (UFSCAR), São Carlos, SP, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45
336
Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas
na rua, na igreja, no trabalho, na escola e em
todos os espaços sociais3. Tem um sentido amplo,
extrapola o compromisso com a transmissão de
conhecimentos via razão e busca abranger outras
dimensões, valorizando os processos criativos4.
Henri Wallon, psicólogo e educador, ressalta que é dever da escola oferecer, sem discri­
minação, o que há de melhor na cultura, pois
a interação com o outro e a interação com a
cul­­tura ampliam o conceito de socialização5.
Nessa visão, para respeitar o aluno é necessário
conhecê-lo, identificar sua etapa de formação,
não impor limites ao seu desenvolvimento e,
principalmente, aceitar que a Educação é uma
relação evolutiva em transformação, que deveria
tender para a autonomia do aluno6. Em suma,
uma forte ética de trabalho cultural é traduzida
em maior motivação, zelo e persistência, uma
vantagem emocional. O significado básico da
palavra emoção é “mover ”7. Goleman7 destaca que o psicólogo Robert Adler investigou e
apresentou a descoberta de rotas biológicas que
levam a considerar que mente, emoção e corpo
não são entidades separadas, mas intimamente
interligadas.
A vida humana é substantivada por meio
do corpo. Ele materializa a nossa existência e
é expressão dessa identidade. “Entretanto, as
relações que estabelecemos com o nosso corpo
estão inseridas e marcadas por uma visão de
mundo em que a razão ocupa o centro da cena”4.
Contudo, a corporeidade do ser humano é investigada por filósofos, psicólogos, educadores
físicos, pedagogos e psicopedagogos, assim
como por especialistas da área da saúde. Na
Psicopedagogia, por exemplo, é o ato motor no
campo da Educação, que leva indubitavelmente
à questão da corporeidade.
As bases da psicomotricidade, em sua origem, são profundamente reeducativas e com a
crescente complexidade das teorias cognitivas,
das neurociências e das teorias da afetividade,
passou-se a discutir mais objetivamente a integração dessas funções na formação do sujeito e
da sua corporeidade, de forma interdisciplinar
e transdisciplinar8. Ferreira & Ramos8 indicam
INTRODUÇÃO
Quais são os caminhos para que a educação
possa ser centrada na condição humana e consiga ilustrar o princípio de unidade-diversidade?
É a unidade humana que traz em si os princípios
de suas diversidades, portanto, unidades complexas como o ser humano ou a sociedade, são
multidimensionais. Compreender o humano é
compreender sua unidade na diversidade, sua
diversidade na unidade. O ser humano é, ao
mesmo tempo, biológico, psíquico, social, afetivo
e racional e existem condições que permitem
interrogações fundamentais sobre o mundo, o ser
humano e o próprio conhecimento. Entretanto,
para isso, é necessária a reforma do pensamento,
uma reforma paradigmática, e não programática.
Essa é a questão emergencial da educação, já
que se refere à nossa aptidão para organizar o
conhecimento1.
A educação é um subsistema, e ao mesmo
tempo um sistema, ele próprio, confrontado com
o sistema global de que faz parte. Está moldado
sobre o paradoxo da pessoa humana, a rela­
ção dialética entre o indivíduo e a sociedade, a
parte e o todo, que preocupa todos os sistemas
políticos e pedagógicos. A educação da pessoa,
como a própria pessoa, é parcialidade e totali­
dade2. O ser humano é um ser de cultura e o que
ele acrescenta à natureza é, basicamente, obra
da educação. No futuro, modelos inteiramente
diferentes do atual podem acarretar o gradativo
desaparecimento do aparelho escolar tradicional. A escola, se sobreviver, será a instância
des­tinada a produzir estímulos, referências e
coordenações, atuando, portanto, muito menos
por si que por intermédio de outras instâncias2.
Entre as contribuições positivas da educação
para a sociedade destacam-se duas: a reorganização da cidadania e o desenvolvimento das
habilidades, competências para a vida, que
permitam menos exclusão e desigualdades
sociais e econômicas, levando-se em conta a
di­­versidade e a pluralidade cultural balizadas
pelo conhecimento científico, técnico e humanista na formação dos aprendizes. A educação é
uma atividade para vida, que ocorre na família,
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45
337
Miller SMC & Ferrari MM
que Henri Wallon, Paul Schilder e Ajuriaguerra
já dialogavam interdisciplinar e transdisciplinarmente na primeira metade do século XX.
Desaprendemos a conviver com a realidade
corpórea e a aprender partindo da reversibili­
dade dos sentidos. Privilegiamos a razão sem
corpo. O corpo como elemento acessório no
processo educativo ainda é predominante, entretanto, a percepção, compreendida como um
acontecimento da motricidade, pode resgatar
esse saber. Existem caminhos de compreensão
do corpo na educação que buscam ampliar as
referências educativas ao considerar a fenomenologia do corpo e sua relação com o conhecimento, incluindo reflexões contemporâneas
sobre os processos cognitivos advindos de uma
nova compreensão da percepção9.
Goldberg10 destaca que, tanto em Freud como
em Lacan11, as discussões sobre o conceitos
de corpo e percepção configuram um aspecto
im­portante, pois o estudo da percepção é fundamental para se entender a noção de sujeito10.
Especialmente nos estudos da percepção
apresentados por Merleau-Ponty12, há uma aproximação com a pesquisa científica atual da cognição e, nessa visão, existe a crítica ao conceito
mentalista de representação, enfatizando-se a
compreensão interpretativa do conhecimento
baseada na percepção e no movimento. Esses
estudos têm contribuído para ampliar a compreensão de cognição, no sentido de tornar mais
claro como acontece a realização do fenômeno
conhecer9.
Merleau-Ponty12 redimensiona a compreensão de sujeito no processo de conhecimento e
essa nova compreensão de sensação modifica a
noção de percepção proposta pelo pensamento
objetivo, fundado no empirismo e no intelec­
tualismo10. A cognição emerge da corporeidade,
expressando-se na compreensão da percepção
como movimento e não como processamento de
informações. O movimento tem a capacidade
não apenas de modificar as sensações, mas de
reorganizar o organismo como um todo, considerando ainda a unidade mente-corpo. Assim,
a percepção não apenas decodifica estímulos,
linear­mente, mas reflete a estrutura do nosso
corpo perante o entorno, em contextos múltiplos9.
Se o corpo sempre suscitou questões, gerando
formulações diversas no interior de tantos campos do conhecimento humano, ele certamente
também não deixou de chamar a atenção dos
psicoterapeutas, como atesta o sucesso das terapias ditas “corporais”. O corpo toma a frente
da cena social13.
Entretanto, qual é o lugar, de fato, do corpo
na educação básica e formal? A proposta é iden­
tificar e discutir o conceito da corporeidade no
ensino fundamental e médio, em resposta às
novas necessidades de transformações exigidas
na realidade educacional, que se apresenta em
condições inusitadas com o processo de inclusão
vigente.
Ferreira & Ramos8 propõem a aplicação da
psicomotricidade ao atendimento de pessoas
com necessidades especiais, na perspectiva da
inclusão dessa clientela. E quando Nóbrega9
questiona o lugar do corpo na educação, indaga
sobre o modo pelo qual o corpo foi compreendido
nos currículos escolares, na construção e apropriação dos saberes na cultura escolar. Por sua
vez, o documento construído pelo Ministério da
Educação (MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA)4 traz recomendações que são aqui
destacadas, entre outras: reinventar as relações
com o corpo em movimentos de encontro de
cada um consigo mesmo; atentar às concepções
e práticas de trabalho que reproduzem a cisão
entre corpo e mente; pensar um novo modo de
funcionamento escolar que permita aprender a
respeitar as vontades do corpo; ampliar os espaços e tempos de movimentar-se livremente,
assim como relaxar, estar atento à respiração e
cuidar da postura.
Graciani3 aponta que, no amplo cenário só­
cio-econômico-cultural, reaparece a educação,
cuja má qualidade, a falta de formação de seus
agentes, a pouca infraestrutura onde ocorre,
dentre outros inúmeros fatores, é responsável
também pela pobreza, desigualdade e exclusão
social no Brasil, reafirmadas em estudos e pesquisas que comprovam essa relação por falta
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45
338
Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas
condições que respeitem as leis que regulam o
processo de desenvolvimento, levando em consideração as possibilidades orgânicas e neurológicas do momento e as condições de existência
do aluno. A essência do educar é respeitar essa
integração no seu movimento constante5.
O estudo e a teoria de desenvolvimento de
Henri Wallon5,6 facilitou compreender o indivíduo em sua totalidade, mostrando uma visão
integrada da pessoa no aluno. Para esse autor,
é preciso escapar de um raciocínio dicotômico,
motor ou afetivo ou cognitivo, na direção de
um raciocínio que apreenda a pessoa como se
cons­tituindo dessas dimensões em conjunto.
Qualquer atividade motora tem ressonâncias
afe­tivas e cognitivas. Toda disposição afetiva
tem ressonâncias motoras e cognitivas, toda
operação mental tem ressonâncias afetivas e
motoras. Wallon, afirma ainda que a questão
fundamental é o estudo da consciência e que o
melhor caminho para a entender é buscar sua
origem. Para ele a pessoa está continuamente
em processo, aberto, sempre a caminho de sua
formação e nunca acabado. O resultado é a pessoa individual, única, que ao mesmo tempo em
que garante essa integração, é resultado dela. O
afetivo e o cognitivo têm sempre como suporte a
atividade motora, ou em sua expressão exterior
(deslocamento no espaço) ou em sua expressão
plástica (a forma do corpo mediante seu tônus),
reagem como um todo diferenciado aos estímulos internos e externos5.
Entre os pontos que se destacam na Teoria de
Wallon está a sua proposta de não limitar a ação
da escola na instrução e sim em converter-se em
um instrumento para o desenvolvimento e este
pressupõe a integração entre todas as dimensões
da pessoa inteira5,6. No texto, O Estádio do Espelho11,17,18, Lacan reforça que a apreensão do corpo
é prematura em relação ao próprio domínio motor
e fisiológico insuficientes da criança.
Mesmo antes de nascer, já somos movimento.
Esse princípio de vida, pelo movimento, parece
não ter espaço na tradição escolar que se serve
do corpo como mero instrumento de acesso às
faculdades mentais. Cindidos, corpo e mente
de condições para o pleno êxito do aprendiz
no que se refere ao seu espírito crítico, criativo
e participativo, a partir de uma aprendizagem
competente e consequente, ampla e inquietan­
te. Há um movimento em marcha, na sociedade
global, onde as manifestações da sociedade civil
se propõem a novas crenças e capacidades de
organizar-se, mobilizar-se e conquistar por si
pró­pria aquilo que os setores públicos não conseguem proporcionar, frente à pobreza e a exclusão3.
O médico e educador Decroly foi um dos precursores dos métodos ativos, fundamentados na
possibilidade do aluno conduzir o próprio aprendizado e aprender a aprender14. Dedicou-se a
experimentar uma escola centrada no aluno, e
não no professor, e que preparasse as crianças
para viverem em sociedade14,15. Para esse educador, a pedagogia se modifica e se renova a
cada idade, e é fundada sobre as relações que
se estabelecem entre o indivíduo e a realidade
de cada época15. Poderíamos dizer que a educação compreende quatro dimensões básicas: a
cidadania, o lazer, o trabalho e a cultura. Cada
uma delas, com a sua nota distintiva: a dimensão
política, a dimensão criativa, a dimensão social e
a dimensão que é chave e síntese das demais – a
da consciência significante, através da qual se organiza o universo humano. É evidente que o que
distinguimos são apenas predominâncias, já que
os quatro aspectos basicamente se confundem6.
Ivic16, na obra sobre Vygotsky, traz que todos
os instrumentos culturais são “extensões do ho­
mem”, isto é, são considerados prolongamen­
tos e amplificadores das capacidades humanas
e que “a análise crítica das instituições e dos
agentes socioculturais – incluindo uma crítica
das instituições escolares – poderia contribuir
para determinar as condições nas quais “os instrumentos” socioculturais se tornam fatores de
formação do desenvolvimento”16.
Se o homem se forma e seu limite é determinado pelo social, a escola, como meio, deve ser
um centro de divulgação da cultura, nas diferentes áreas, pois essa diferenciação possibilita
um desenvolvimento mais completo e integrado
das várias aptidões6. Educar significa promover
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parecem travar batalhas diárias no ambiente
escolar19. Podemos apreender o interesse pelo
corpo descrito nos Parâmetros Curriculares
Na­­cional para a Educação Infantil (2006)19,20
no eixo de trabalho Movimento. Nesse nível de
ensino, vários espaços curriculares e físicos são
legalmente previstos para o corpo. O corpo da
criança é estimulado pelo toque e por atividades
sensório-motoras. Porém, observa-se, na prática
e nas disposições legais da Educação Básica,
gradativa perda do espaço para o corpo em sala
de aula e nos espaços físicos e curriculares da
escola como um todo. É notório que há nas escolas pouco interesse em apresentar uma visão
integral do corpo, assim como não há discussão
em torno da interdependência entre corpo e
mente. Portanto, a Educação ainda carece de
práticas que ultrapassem o modelo limitado da
resposta moral-disciplinadora dos corpos. Em
diversas etapas da aprendizagem escolar, é possível apontar diferenças tanto nas proposições
pedagógicas quanto na própria atuação dos
corpos, de discentes e docentes19.
Freire21, inclusive, afirma que os profissionais
da Educação necessitam conhecer suas próprias
limitações e potencialidades, mantendo um eterno diálogo entre os seus sentimentos e o mundo
de forma consciente, buscando compreender
o significado de cada uma de suas sensações
pelo reconhecimento da importância delas no
cotidiano e na estruturação de ações flexíveis
em relação aos seus educandos.
Para crianças com necessidades educati­vas
especiais o contato com este tipo de profissionais pode representar a diferença entre buscar
alternativas para superar suas dificuldades
(fí­­sicas, sensoriais, mentais e outras) através
da possibilidade de reconhecer não apenas os
seus limites, mas as suas potencialidades, pois
“a experiência do próprio corpo é uma unidade
em construção”22.
A adolescência, por exemplo, é o tempo de
descoberta da falta e do impossível, que atinge
o saber. É o tempo da destituição dos pais e da
instauração da falta como constitutiva do corpo.
O corpo é, então, o primeiro elemento pelo qual
se anuncia aquilo que faz a adolescência. É, portanto, aí dentro que há algo a pacificar, a velar.
Pacificar esse efeito de real da novidade puberal23. Impulsionado pelas novas necessidades,
o jovem alterna e combina o espírito de dúvida
e de construção, de invenção, de descoberta,
de aventura e de criação. Não se restringe simplesmente à parte do saber, pois, a afetividade
predomina nesse período e as leis, mágicas ou
científicas, dão ao mundo uma nova dimensão e
põem à prova a personalidade do jovem24.
Embora cada área do cérebro se desenvolva
em ritmo diferente durante a infância, o início
da puberdade assinala um dos períodos mais
abrangentes de poda neuronal em todo o cérebro. Várias áreas cerebrais críticas para a vida
emocional são as de mais lento amadurecimento. Embora as áreas sensoriais amadureçam
durante a primeira infância, e os sistemas límbicos, na puberdade, os lobos frontais, sede do
autocontrole emocional, compreensão e hábil
resposta, continuam a se desenvolver até o fim
da adolescência, num momento qualquer entre
os dezesseis e os dezoito anos7.
O jovem expressa seus sentimentos com o
corpo todo. Mímicas, gestos exagerados frequentes, que orientam seu comportamento exterior,
traduzindo a falta de habilidade para dominar
todo o potencial de que o novo corpo é capaz,
com o crescimento acelerado na estatura. De
modo geral, é por meio de brincadeiras, risadas,
conversas em tom de voz elevado e muita movimentação que o jovem expressa o prazer em
estar realizando diferentes atividades24. Tantas e
intensas transformações fazem surgir no jovem a
necessidade de se apropriar, novamente, de um
corpo que se transforma rapidamente e que já
não reconhece. Apresenta maior sensibilidade à
imagem corporal e surge, então, a necessidade
de reorganização do esquema corporal que é
condição para a construção da pessoa, de sua
personalidade. Reajustar-se ao novo corpo vai
exigir do jovem um mergulho para dentro de si e
confere uma orientação centrípeta a esse estágio
de desenvolvimento. Uma das características
mais marcantes da adolescência é a ambiva-
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Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas
lência de atitudes e sentimentos, resultante da
riqueza da vida afetiva e imaginativa que traduz
o desequilíbrio interior24.
Nos cursos de formação em Pedagogia e de
Psicopedagogia, há recomendações a respeito da
utilização do corpo como instrumento essencial
para o desenvolvimento cognitivo e proprioceptivo na Educação Infantil. Porém, esse mesmo
corpo, é suscetível a preconceitos e discriminações desde a Educação Infantil, culminando
com o “bulling” comum no Ensino Fundamental,
marcante na adolescência. E ainda, estudos referentes às diversas síndromes e transtornos de
aprendizagem são excluídos do “cardápio” de
formação e especialização em Educação. Este fato
impulsiona a atenção dos profissionais envolvidos, seja da saúde ou da educação, em direção
ao polêmico processo de inclusão em andamento,
que gerou até o momento críticas e experiências
frustrantes nas instituições escolares.
Entendemos, dessa forma, a educação como
condição de saúde, por se tratar de processo nos
quais subjetividades são produzidas. Saúde é
a possibilidade de nos manter criativos, capazes de (re) inventar-nos em todas as situações
imagináveis. Dessa forma, a educação pode ser
entendida como condição de saúde, por se tratar
de processo nos quais subjetividades são produzidas. Como compreender que a questão da
inclusão deve ultrapassar os corpos excluídos, se
as práticas escolares, como têm se dado, produzem sujeitos desiguais, oprimidos, impotentes,
deficientes?25
A fim de encontrar o lugar de cada um no
processo de aprendizagem e para contribuir com
a afirmação do processo inclusivo no âmbito
escolar, propõe-se repensar o ato de aceitação
do outro e entender, de forma multidisciplinar, a
unicidade de cada corpo na prática pedagógica,
independente de deficiências físicas ou necessidades especiais.
Desde a Declaração de Salamanca (1994)26,
discute-se sobre espaços e formas de inclusão.
Profissionais da área da Educação e da Saúde
buscaram alternativas no campo psicomotor que
pudessem contemplar o sujeito para além de
suas necessidades especiais, buscando na interação psique-soma novas formas de comunicação,
desenvolvimento emocional e interação social.
No campo psicomotor, considera-se relevante o
estudo da interação entre a imagem e o esquema
corporal e estes são conceitos e objetos precisos
da psicomotricidade, cada vez mais discutidos na
contemporaneidade. Buscam fugir de velhos paradigmas e apostar no sujeito que está presente8.
Ainda segundo a Declaração de Salamanca26, “o
princípio fundamental da escola inclusiva é o de
que todas as crianças deveriam aprender juntas,
independentemente de quaisquer dificuldades
ou diferenças que possam ter, acomodando tanto
estilos como ritmos diferentes de aprendizagem
e deveriam receber qualquer apoio extra que
possam precisar, para que se lhes assegure uma
educação afetiva”.
Na medida em que há uma superação da hierarquização entre pensamento e vida, é possível
chegar à seguinte lógica: existem as vivências,
e isso é o que há de essencial; existem pessoas
pensando as vivências, o que já é algo tardio e
existem pessoas a pensar o pensamento. Se a
escola não consegue abarcar o mais simples, que
é o que há de mais fundamental, como poderá
abarcar o mais complexo?27
Educação e Saúde são áreas indissociáveis
no atendimento a pessoas com necessidades
especiais, porém a ausência de diálogo entre
essas áreas é sentida na formulação das políticas
e ações governamentais de atenção à pessoa
e na organização da prestação de serviços terapêuticos e educacionais. Embora o trabalho
com essa clientela seja por princípio de natureza multidisciplinar, verifica-se com frequência
uma fragmentação de serviços, em que cada
profissional considera sua área prioritária. Se
não houver troca de saberes e experiências, in­­
clusive, os futuros profissionais continuarão com
uma postura fragmentada e especializada8.
O processo de formação se tornou mais um
procedimento do que um processo, mais algo
externo do que uma vivência. É por meio dessa
mentalidade de longa duração, fruto de uma
hierarquização, que separa o pensamento da
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Miller SMC & Ferrari MM
vida, que diversas leis foram criadas, como a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevista na constituição, revogado pela Lei
nº 9.394 de 199628. Não é possível utilizar o
modelo pedagógico da Escola Tradicional para
embasar as políticas inclusivas dos séculos XX
e XXI, na medida em que é problemática a
visão da escola enquanto ambiente, apenas, de
“instrução formal”. Uma nova forma de conceber
a educação gera uma nova forma de conceber o
humano. Inclusão não é submissão, “integração”
às normas a que os “normais” estão submetidos27.
Segundo Rumpf29, as práticas escolares supervalorizam as operações cognitivas e distancia progressivamente o sujeito da experiência
sensorial direta. Para esse autor, a escola, nos
últimos 150 anos de processo civilizatório, pretende não somente disciplinar o corpo e, com
ele, os sentimentos, as ideias e as lembranças a
ele associadas, mas também anulá-lo. Este autor
analisou as formas atuais de controle do corpo:
nos regulamentos da escola, no conteúdo das
disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos
e hábitos metodológicos do professor30.
Alunos em fileiras, professor à frente, livros
didáticos, programas de estudo sobrecarregados
e falta de motivação, sugerem que, infelizmente,
décadas de pesquisa em educação pouco fizeram
para mudar nossas escolas. Há avanços, mas,
de um modo geral, nossas escolas comportam-se como se Piaget, Vygostky, Freire ou Papert
jamais tivessem existido. A maioria concordaria
que conhecimento se constrói (Piaget), que a
escola precisa fornecer ferramentas de leitura
do mundo (Freire), que o “fazer” é um grande
instrumento de aprendizado (Papert) e poucos
afirmariam que o melhor jeito de aprender é
com um aluno sentado durante horas, ouvindo
o professor4.
Existe inadequação cada vez mais ampla,
profunda e grave entre, de um lado, os saberes
desunidos, divididos, compartimentados e, de
outro lado, as realidades ou os problemas cada
vez mais multidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais e planetários. O global é mais que o contexto, é o conjunto
das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional e a sociedade é o
todo organizador de que fazemos parte1.
A aprendizagem de conteúdos é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela exigência do aluno ficar sem movimentar-se, mas,
sobretudo, pelas características dos conteúdos
e dos métodos de ensino, que o colocam em
um mundo diferente daquele no qual ele vive
e pensa com seu corpo. Na escola, constata-se
o privilégio dado às operações cognitivas abstratas, dissociando-as da participação corporal
e desvinculando-as de experiências sensoriais
concretas, além de esquecer o sentido existencial
do presente em função de um futuro abstrato30.
O ensino, ligado até agora à educação especulativa e verbal, tem de refazer-se no todo
para fazer-se prático. É ilusão supor-se que
existe oposição entre educação geral e educação prática. O que existe são diversos tipos de
educação geral, cada um deles estruturado de
modo diferente segundo as condições próprias
de cada tipo de sociedade2.
“A aprendizagem formal, está presente de
corpo inteiro. Pois o ser que pensa é também o
ser que age e que sente. O sujeito realiza-se e
se constrói movido pela intenção, pelo desejo,
pelos sentidos, pela emoção, pelo movimento,
pela expressão corporal e criativa31”. “A percepção do corpo é confusa na imobilidade, pois
lhe falta a intencionalidade do movimento. A
intencionalidade não é algo intelectual, mas
uma experiência da motricidade”9.
Apesar de filósofos contemporâneos explicarem o corpo na sua totalidade, este não é um
problema resolvido. Ao contrário, o resgate da
totalidade e, com isso, da corporeidade deve ser
uma preocupação perene para aqueles que, de
alguma forma, lidam com a questão do corpo e
com a educação. “A aprendizagem ocorre via
corporeidade em meio à cultura que nos cerca”32.
Para responder à pergunta inicial colocada no
início desse artigo, quais são os caminhos para
que a educação do futuro possa ser centrada
na condição humana e que consiga ilustrar o
princípio de unidade/diversidade em todas as
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Estratégia de inclusão: resgate da corporeidade no interior das escolas
esferas? Buscou-se realizar um contraponto
entre educação e corporeidade no contexto do
sistema oficial de ensino; resgatar o ato motor
e o significado da corporeidade em diferentes
etapas da educação básica; reapresentar o papel do corpo como um elemento essencial no
processo de aprendizagem e apresentá-lo como
estratégia para o sucesso da escola inclusiva e
como espaço de convivência, inclusive durante a
adolescência, no Ensino Fundamental e Médio.
e jovens sem pensar nas deficiências e necessidades especiais do sistema educacional vigente?
A escola, como parte do sistema, apresenta deficiências que deveriam ser sanadas para acolher
toda diversidade de ser que nela adentra. E
constata-se como um agravante que os espaços
educadores, na contemporaneidade, ainda estão
impregnados do conceito do dualismo cartesiano, cisão entre corpo e mente. Contudo alguns
autores citados, entre outros, apontam há muito
tempo caminhos e descaminhos presentes na
Educação, na tentativa de superar este modelo
ainda arraigado na sociedade ocidental.
O ato motor reconsiderado e a corporeidade
valorizada no fazer pedagógico, como estratégia
no processo de inclusão, de socialização e difusão de cultura, especialmente no Ensino Fundamental, contribuiria para amenizar dificuldades
relacionadas ao processo de aprendizagem,
minimizando deficiências e carências presentes
no próprio sistema educacional e no subsistema
Escola e poderia ganhar significado na prática
incipiente da inter e a transdisciplinaridade.
Como aponta Nóbrega9: “ler, escrever, contar,
narrar, dançar, jogar são produções do sujeito
humano que é corpo”. A gestualidade e os cuidados com o corpo podem e devem ser tematizados
nas diferentes práticas educativas propostas nos
currículos e viabilizados por diferentes disciplinas. Afinal, a educação inclusiva é vinculada à
busca incessante de proporcionar a autonomia
de ser e de saber da(o) educanda(a), valorizando
e respeitando o seu conhecimento prévio, sua
singularidade e linguagem corporal, visto ser o
estudante um sujeito social em construção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, podemos considerar que na
Educação estamos diante de dois desafios: o
primeiro deles é responder à pergunta que se
estende há anos: “qual escola que queremos?” E,
finalmente, começar a “co-responder” por meio
de uma prática efetiva. Considera-se o fato de que
há subsídios teóricos em quantidade e diversidade para sustentar a prática. O outro e, talvez,
o maior desafio para um sistema edu­cacional
padronizado, sempre será a “unicidade do ser”.
No cotidiano escolar é possível conferir a
singularidade de cada um. O que possibilita
argumentar: se cada ser é único e diferente do
outro, não se deveria trabalhar a questão da
diversidade apenas quando se depara com um
processo de inclusão no âmbito escolar. Este
deveria ser um processo planejado e permanente para não proporcionar o constante paradoxo
inclusão/exclusão.
Durante reflexões sobre possíveis contribuições à inclusão, a questão que se apresenta à
frente é: como pensar em inclusão de crianças
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SUMMARY
Inclusion strategy: rescue of embodiment within schools
This work is a reflection on the education of paths in the future, centered
on the human condition, under the aegis of the principle of unity-diversity
proposed by Edgar Morin. Performs a counterpoint between education and
corporeality in the context of the official education system, emphasizing the
importance of rescuing the motor act and the meaning of corporeality in
different stages of basic education. Restates the body’s role as an essential
element in the learning process and presents the valuation of corporeality
and movement as strategies for the success of inclusive education and
the school as living space, including during adolescence, considering the
elementary and high school. Inclusive education is linked to the incessant
quest to provide autonomy to be and to know the student, valuing and
respecting their prior knowledge, their uniqueness and body language, as
it is the student a social subject in construction.
KEY WORDS: Mainstreaming (Education). Perception. Body image.
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Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 336-45
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AARTIGO
lves RJR de
& Nrevisão
akano TC
A dupla-excepcionalidade: relações entre
altas habilidades/superdotação com a
síndrome de Asperger, transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade e
transtornos de aprendizagem
Rauni Jandé Roama Alves; Tatiana de Cássia Nakano
RESUMO – A “dupla-excepcionalidade” pode ser definida como a
presença de capacidades superiores em uma ou mais áreas, que ocorre
conjuntamente a deficiências ou condições tidas como incompatíveis a
essas capacidades. O presente estudo objetivou apresentar e discutir a
presença das Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) na Síndrome de
Asperger (SA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
e nos Transtornos de Aprendizagem (TA). Comportamentos sociais e
criatividade mostraram-se características fundamentais para diferencia­
ção ou diagnóstico concomitante da SA e AH/SD. Em relação ao TDAH,
verificou-se que comportamentos característicos a esse transtorno também
podem ser observados nas AH/SD. Os TA representam o diagnóstico mais
incomum de ser realizado em conjunto às AH/SD, pois corriqueiramente o
bom desempenho acadêmico é atrelado à superdotação.
UNITERMOS: Inteligência. Criatividade. Síndrome de Asperger. Trans­
torno do deficit de atenção com hiperatividade. Transtornos de apren­dizagem.
Correspondência
Rauni Jandé Roama Alves
PUC-Campinas – Programa de Pós-Graduação em
Psicologia
Av. John Boyd Dunlop, s/n – Jardim Ipaussurama –
Campinas, SP, Brasil – CEP: 13060-904.
E-mail: [email protected]
Rauni Jandé Roama Alves – Psicólogo, doutorando em
Psicologia, Pontifícia Universidade Católica (PUC) –
Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Tatiana de Cássia Nakano – Psicóloga, professora dou­
tora do programa de pós-graduação em Psicologia,
Pontifícia Universidade Católica (PUC) – Campinas,
Cam­pinas, SP, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
346
A dupla-excepcionalidade
Faz-se notar que uma grande parcela de pro­
fissionais das mais diversas áreas, desde a educação até a saúde, corriqueiramente não possui
preparo teórico e/ou clínico para o reconhe­ci­
mento de que sujeitos com algum tipo de dé­
fi­cit possam possuir melhores habilidades do
que aqueles com desenvolvimento considerado
normal9. Os educandos continuam sendo “categorizados” e atendidos, em sua grande maioria,
apenas por suas dificuldades10. Os modelos
prevalentes de avaliação cognitiva, principalmente em âmbito nacional, frequentemente
também apresentam foco em características de­
ficitárias (como, por exemplo, em expectativas
estereotipadas de baixo desempenho, em atrasos
desenvolvimentais, nos déficits em oportunida­
des e experiências, nas visões restritas de su­
perdotação e nas preocupações específicas com
a deficiência), mesmo quando realizados interdisciplinarmente3. Pouca atenção tem sido dada
ao quadro oposto, marcado pela alta habilidade
em alguma área ou mesmo para uma possível
dupla-excepcionalidade.
Além disso, nota-se um despreparo na ope­
ra­­cionalização das práticas previstas nas legislações, somadas à grande quantidade de
con­cepções equivocadas acerca do fenômeno e
problemas na formação docente, de modo que
prejuízos podem ser notados não somente no reconhecimento, mas também na forma como rea­
bilitar e estimular esses quadros11. Justifica-se,
assim, a importância do trabalho com todos os
pro­fissionais que lidam direta e principalmente
com crianças, os quais devem ser incentivados
com o objetivo de ampliar seu papel na indicação
e atuação em relação àqueles que possuam a
dupla-excepcionalidade12.
Neihart13 afirma que é possível se observar
a existência de três grandes grupos de crianças
duplamente-excepcionais com AH/SD, os quais
exigem características diferentes para identificação e formas de intervenção. O primeiro grupo engloba aqueles em que a alta capacidade
linguística possibilita bons desempenhos no
ensino infantil, mas os níveis de desempenho e
realização diminuem conforme a elevação das
INTRODUÇÃO
A “dupla-excepcionalidade” pode ser definida
como a presença de alta performance, talento,
habilidade ou potencial, ocorrendo em conjunto
com uma desordem psiquiátrica, educacional,
sensorial e física1. Envolve, também, a ideia de
que pessoas que demonstram capacidades superiores em uma ou mais áreas poderiam apresentar ao mesmo tempo deficiências ou condições
incompatíveis com essas características2. Como
exemplo, na área cognitiva, pode-se citar casos
em que crianças possuem Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) juntamente com transtornos
do neurodesenvolvimento, como a Síndrome de
Asperger (SA), Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade (TDAH), Transtornos de Aprendizagem (TA), dentre outros3.
A literatura aponta que o reconhecimento
dessa dupla condição é, sobretudo, resultado
de observações clínicas, muito mais do que de
estudos teóricos e empíricos, haja vista também
que até o momento nenhuma teoria específica
tenha sido elaborada para explicá-la 4. Esse
tema vem se constituindo cada vez mais em
uma área de grande interesse científico, mesmo
com a escassez de estudos no Brasil, e tem sido
tomado como detentor de grande potencial para
a compreensão mais global da população com
necessidade educacional especializada5.
Especificamente em relação às AH/SD, ainda
é comum em práticas institucionais observar-se
o mito de que os indivíduos que as possuem não
apresentam dificuldades educativas, emocionais,
comportamentais ou especiais6,7, mesmo estando
inclusas pela lei brasileira como uma condição
que necessita de atendimento educacional especializado8. De acordo com material disponibilizado pela Organização dos Estados Ibero Americanos (www.oei.es/quipu/brasil/educ_especial.pdf),
de 2012, é papel da educação especial ser “uma
modalidade de ensino destinada a educandos
portadores de necessidades educativas especiais
no campo da aprendizagem, originadas quer de
deficiência física, sensorial, mental ou múltipla,
quer de características como altas habilidades,
superdo­tação ou talentos”.
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Alves RJR & Nakano TC
exigências do currículo escolar, principalmente
quando relacionadas à área da dificuldade,
tornando os déficits mais evidentes. O segundo
grupo é referente a crianças que apresentam
dificuldades percebidas precocemente, as quais,
muitas vezes, acabam mascarando seus talentos.
Tais crianças são encaminhadas frequentemente
para salas de reforços, mas não para as de aceleração de suas potencialidades e talentos. Por fim,
há crianças cujos talentos mascaram as dificuldades, atuando de forma a impedir a percepção
e estimulação do seu potencial, as quais podem,
inclusive, nunca serem identificadas. Ainda de
acordo com o autor, de forma geral, os comportamentos, atitudes e realizações de crianças com
essas características não se assemelham com as
comumente atribuídas a pessoas com habilidades cognitivas desenvolvidas, pelo contrário, são
comuns aspectos como: resistência e comportamentos perturbadores em sala, hiperatividade,
negativismo, desempenho abaixo da média em
leitura, escrita e matemática, imaturidade social,
etc. McEachern & Bornot14 verificaram que esse
último seria o grupo mais prevalente desse tipo
de dupla-excepcionalidade, e atingiria cerca de
41% da população com esse quadro. Reconhe­
ce-se, assim, a possibilidade de existência de
diferentes modos da superdotação, bem como a
heterogeneidade dos indivíduos que compõem
esse grupo15.
Nesse sentido, Kalbfleisch & Iguchi5 propõem
que três grandes áreas devem permear o atendimento e pesquisa sobre essa dupla-excepcio­
nalidade: (a) identificação apropriada, (b) intervenção e (c) suporte emocional e social. Na
primeira estariam os cuidados a serem tomados
na identificação do quadro, considerando-se
principalmente que o processo de identificação
é complexo e envolve, além de dados psicométricos, a utilização de uma variedade de recursos11,16, os quais contemplam análises clínicas
do histórico do indivíduo, resultados de uma
bateria de conhecimentos, teste de inteligência
e de criatividade, indicadores de processamento
cognitivo e observações comportamentais, assim
como avaliação de pais e professores. Tais informações podem auxiliar na decisão acerca da pre-
sença de critérios indicativos da dupla excepcio­
nalidade, já que muitas vezes os testes podem
não apresentar claramente esse perfil, exigindo
experiência dos que estiverem envolvidos na
avaliação. Entretanto, Kerr & Sodano17 chamam
a atenção para o fato de que, muitas vezes, infelizmente, após todo o processo avaliativo, os
resultados da avaliação das AH/SD mostram-se
inconclusivos, apontando que alterações devem
ser feitas também na própria estrutura dos instrumentos, cujos processos de validade preditiva
e de normatização deveriam ser realizados de
modo a contemplar essa população específica,
considerando-se suas especificidades18.
Na segunda área, da intervenção, há algumas
modalidades de programas que vêm sendo implementados e estudados em diferentes países
no atendimento às necessidades de pessoas
com AH/SD, dentre eles: programas de enriquecimento curricular, programas de aceleração
e pro­gramas de treinamento19-21. No caso da
dupla-excepcionalidade, independentemente do
programa, a literatura tem reforçado a necessidade de se investigar como realizar a estimulação
das habilidades e a superação das dificuldades,
ambas ocorrendo concomitantemente. Estratégias que possam envolver as habilidades na
superação das deficiências são uma das táticas
que devem ser abordadas. Infelizmente, na prática, essas ações não atingiram todas as escolas
ou cidades do Brasil, pois há ainda problemas
na identificação desses alunos2.
Em relação ao suporte emocional, deve-se
tomar um grande cuidado em relação a esses in­­
divíduos duplamente excepcionais. A literatu­ra
tem apontado que grandes dificuldades emo­
cionais, comportamentais e sociais podem apa­
recer em comorbidade a esses casos, mas que
frequentemente somente aspectos cognitivos
são levados em consideração em processos
de avaliação e intervenção8,13,20,22-24. Por outro
lado, pesquisas vêm investigando como a forte
motivação, aliada à utilização de es­tratégias de
coping, permite a compensação das dificuldades
em muitos casos5,25.
Considerando-se as características gerais que
foram expostas até o momento sobre a dupla-ex­
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
348
A dupla-excepcionalidade
os mais evidentes: prejuízo grave e persistente
na interação social; desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento,
interesses e atividades; alto poder de memorização e velocidade de raciocínio relacionados às ati­vidades repetitivas; nenhum atraso
signi­ficativo no desenvolvimento da linguagem;
não há atrasos clinicamente significativos no
de­­senvolvimento cognitivo (inteligência) ou no
desenvolvimento de habilidades de autoajuda
apropriadas à idade26. Atualmente, está inclusa
dentro do Transtorno do Espectro Autista, sendo
sua nomenclatura considerada em desuso pelo
Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders (DSM-V)27.
Tendo como foco estudos sobre a SA e a
dupla-excepcionalidade, primeiramente aqueles
teóricos e de levantamento bibliográfico, pode-se
citar o estudo realizado por Neihart28. A autora
destaca a alta frequência de relações feitas entre
essa síndrome e as AH/SD, muitas vezes sem
base científica, tanto na própria literatura como
no senso comum, provavelmente em razão de
que, em alguns casos, os indivíduos que apresentam SA também apresentam inteligência
acima da média. A autora aponta, também, que
clinicamente são verificadas dificuldades na rea­
lização do diagnóstico das AH/SD em crianças
com SA, pois esse tipo de autismo muitas vezes
está relacionado à dificuldade de aprendizagem,
ao contrário do que é frequentemente pensado,
sendo tal dificuldade usualmente focada na
ava­liação e no diagnóstico, não havendo a preo­
cupação em identificar as AH/SD. Nesse sentido,
a autora propõe que algumas observações mais
centrais sejam realizadas para que haja o correto
diagnóstico da dupla-excepcionalidade entre a
SA e as AH/SD (SA/AH/SD): unidos a critérios
diagnósticos para AH/SD, devem ser observadas
também maiores dificuldades de mudança de
rotina e de contato social, ausência de compreensão de abstrações (considerando tudo “ao pé da
letra”), maiores complicações de ordem motora
e estereotipias.
Outras características que podem ser observadas em sujeitos com essa dupla-excepcionali-
cepcionalidade envolvendo as AH/SD, o presente estudo, teórico, foi proposto. Dessa forma,
objetivou-se apresentar e discutir a presença das
AH/SD em transtornos que mais comumente acometem a infância, especificamente a SA, TDAH e
nos TA3,18, a partir de uma revisão da literatura.
MÉTODO
Foi realizada revisão da literatura de estudos
teóricos e empíricos sobre a dupla-excepciona­
lidade. Investigaram-se livros (presentes na
bi­­­blioteca da Pontifícia Universidade Católica
de Campinas), bases de dados eletrônicas nacionais (Scientific Electronic Library Online e a
base de teses e dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)
e internacionais (American Psychological Association, Education Resources Information Center,
PubMed e Scopus).
Nas bases de dados foram utilizados e cruza­
dos os seguintes descritores na busca das publicações: dupla-excepcionalidade, inteligência,
autismo, Síndrome de Asperger, Transtorno de
Dé­ficit de Atenção e Hiperatividade, TDAH,
transtornos de aprendizagem, dificuldades de
aprendizagem, superdotação, altas habilidades;
nas bases internacionais foram utilizadas suas
respectivas traduções em inglês. Foi delimitado tempo de busca de 2000 a 2015. Foram
selecionadas as investigações que possuíssem
no título os descritores citados, bem como seus
objetivos de análise tivessem sido a ocorrência
da dupla-excepcionalidade nesses casos. Os
aspectos metodológicos e resultados que compunham essas produções foram brevemente
descritos e formaram o corpo das três principais
seções desse artigo: discussões sobre a dupla-excepcionalidade na (1) SA, no (2) TDAH e nos
(3) TA. Ao final de cada seção, foi realizado um
resumo dos achados encontrados considerados
mais relevantes sobre cada temática.
DUPLA-EXCEPCIONALIDADE EM TRANSTORNOS DA INFÂNCIA
Síndrome de Asperger
A SA diferencia-se do autismo clássico e
possui critérios diagnósticos próprios, sendo
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dade são apontadas por Alencar & Guimarães29,
Horn30 e Norris & Dixon31: discurso fluente aliado a um pensamento original e analítico (na SA
pura haveria um discurso mais pedante e menos
coeso); assim como somente ocorre na SA, nesses
indivíduos haveria uma maior dificuldade em
comportamentos que envolvam empatia e expressão da afetividade; são criativos com jogos
de palavras e em trocadilhos, mas o humor estará
alterado, não entendendo piadas e situações que
exigiam maior abstração (comumente isso não
ocorre em crianças com AH/SD puramente); as
dificuldades no contato social serão frequentes,
corriqueiramente esses sujeitos falarão incessan­
temente sobre um tema de interesse sem perceber a reação do outro (o que não acontece com
aqueles que possuem somente AH/SD).
Dentro desse quadro duplamente-excepcional, importante estudo foi conduzido por Vieira
& Simon32, tendo como objetivo o levantamento
das publicações científicas sobre a temática, entre
os anos de 2000 a 2011, em livros, artigos e teses
pertencentes a diversas bases de dados nacionais e internacionais. A partir desse estudo, as
au­toras pretendiam conhecer as características
comuns e diferentes dos sujeitos com SA e AH/
SD. Para tanto, agruparam as características em
quatro categorias: cognição, interação social,
comportamento adaptativo e comunicação. Cate­
gorias semelhantes também foram apontadas
por Simões et al.33.
Sobre a primeira categoria, a cognição, as se­
melhanças compartilhadas entre SA e AH/SD
seriam a ausência de atrasos significativos na
linguagem e desenvolvimento cognitivo, assim
como presença de fluência, precocidade em lin­
guagem falada e escrita (hiperlexia), vocabulário
sofisticado, linguagem sofisticada e formal, de­
senvolvimento superior em determinada área
de interesse e desenvolvimento não equiparado
entre cognitivo e social/afetivo. Em indivíduos
com AH/SD, diferentemente daqueles que apresentam SA, encontrar-se-ia um maior desenvolvimento das seguintes habilidades: alto grau de
curiosidade, atenção concentrada, interesse por
problemas filosóficos, morais, políticos e sociais,
assim como originalidade para resolver problemas, e, consequentemente, criatividade - sendo
essa última uma das principais características
que os diferenciam32.
Em relação à área da interação social, as autoras destacam que, ao contrário de sujeitos que
possuem AH/SD, os sujeitos com SA apresentam
comprometimento grave e persistente nesse
quesito, com dificuldades em se colocar no lugar
do outro, rigidez de pensamento, dificuldade
em discernir a ficção da realidade e dificuldade
em perceber o perigo. Em relação ao comportamento adaptativo, enquanto sujeitos com AH/SD
mostram-se independentes, autônomos, perfeccionistas, persistentes, contrários a atividades
curriculares regulares e questionares de regras,
os sujeitos com SA usualmente mostram comportamentos restritos e estereotipados, área única de
interesse intenso, movimento repetitivo, contato
visual mínimo, respostas afetivas inadequadas,
passividade, agressividade, apego a rotina32.
Por fim, dentre as características de comunicação mais comumente observadas nos indivíduos com SA, e que não se fazem presentes nas
AH/SD, estariam as dificuldades para iniciar ou
manter conversa, o discernimento de um assunto
como adequado, a falta de linguagem corporal
adequada, a incapacidade de interpretar a linguagem corporal e expressões faciais alheias,
a fala pedante e exagerada, as dificuldades em
identificar diferenças e variedade de sons da linguagem (prosódia)32. Apesar disso, costumam-se
diferenciar-se do autismo clássico, quando há a
dupla-excepcionalidade em ambos os diagnósticos, por melhores desempenhos em habilidades
verbais do que em matemática (essa última seria
mais desenvolvida no autismo clássico)34.
Em relação aos estudos especificamente empíricos, primeiramente pode-se citar o conduzi­do
por Mettrau et al.35, que teve como objetivo ava­liar
o Quociente de Inteligência (QI) de 100 crianças diagnosticadas com SA, por meio da Escala
Wechsler de Inteligência para Crianças – 3a
Edição (WISC-III). Os resultados demonstraram
que 5 crianças obtiveram classificação muito
superior (QI acima de 130), tanto no QI verbal
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350
A dupla-excepcionalidade
como no de execução (com exceção de um sujeito
classificado como superior nesse último, com 129
pontos de QI), assim como nos índices fatoriais
de velocidade de processamento, resistência à
distração, organização perceptual e compreensão
verbal, todos com classificação muito superior.
As autoras concluíram que, dentre algumas
poucas crianças diagnosticadas com SA, pôde-se
verificar a dupla-excepcionalidade.
Em estudo desenvolvido por Guimarães36, foi
investigado o desenvolvimento, características
cognitivas e socioemocionais de um indivíduo
com SA (sexo masculino, 11 anos, estudante do
5o ano do Ensino Fundamental na escola regular
e frequentador de sala de recursos para AH/SD).
Os dados coletados por meio de entrevistas e
documentos, assim como acompanhamento das
atividades realizadas pelo sujeito, apontaram
para uma inteligência superior, habilidades em
diferentes áreas (português, língua estrangeira,
ciências, matemática, informática e desenho),
concomitantemente à presença de dificuldades
emocionais e sociais, claramente con­cluído
como um caso de dupla-excepciona­lidade. A
au­tora finaliza argumentando que, quando há a
dupla-excepcionalidade, pode haver benefícios
significativos para a melhora do nível adaptativo do transtorno, principalmente por as AH/SD
fornecerem bases importantes para a superação
das dificuldades apontadas.
Verificou-se, de forma geral, que em relação
à SA e às AH/SD, os estudos visaram diferenciar
e entender a integração desses diagnósticos que
são frequentemente considerados altamente
correlacionados, desmistificando essa afirmação,
assim como a de que todo SA apresentaria inteligência superior. O comportamento social foi
um dos indicadores mais marcantes e importante
de ser investigado mais detalhadamente, assim
como também comportamentos de comunicação
e emocionais, para que o diagnóstico diferencial
de ambos os diagnósticos, principalmente quando houver suspeita de dupla-excepcionalidade,
seja bem realizado. Esse comportamento se
mostrou em prejuízo sempre quando há a SA,
mesmo acompanhada das AH/SD. Já a criativi-
dade se mostrou como um indicativo cognitivo
importante de ser observada em um processo
avaliativo, pois corriqueiramente não estará de­
senvolvida em casos puros de SA, ao contrário
do que ocorreria nos casos de AH/SD.
Transtorno de Déficit de Atenção e Hipera­
tividade
O TDAH caracteriza-se por um padrão persis­
tente de desatenção e/ou hiperatividade, mais
frequente e grave do que aquele tipicamente
obser­vado em indivíduos em nível equivalente
de desenvolvimento. Pode-se apresentar em
três grupos: predominantemente desatento,
pre­dominantemente hiperativo/impulsivo e combinado. Esses sintomas interferem diretamente
em atividades da vida diária, sendo um dos
transtornos mais comuns da infância27.
Em relação aos estudos teóricos e de revisão
bi­­bliográfica que envolveram a dupla-excepcionalidade entre o TDAH e as AH/SD (TDAH/AH/
SD), pode-se citar primeiramente o realizado por
Kaufmann et al.37, que verificaram que, apesar
de condições diferentes, apresentam inúmeras
habilidades semelhantes, tais como uma fala rápida, impulsividade, alta sensibilidade à estimulação ambiental, intensa curiosidade, tendência
a misturar realidade e ficção, comportamentos
exacerbados, constantes queixas comportamentais por parte de seus cuidadores, e dificuldades
de ajustamento a novos ambientes.
Hosda et al.38 também afirmaram que os sujeitos com AH/SD ou TDAH apresentam comportamentos aparentemente semelhantes, fato que
causa equívocos na caracterização e na identificação de ambos os quadros. Muitos comportamentos típicos do TDAH (tais como agitação
constante, problemas em permanecer sentado,
distração, respostas impulsivas, dificuldade em
terminar tarefas, desorganização e exposição a
riscos) também podem ser apresentados por alunos com AH/SD, devido principalmente a fatores
como frustração, atividades pouco desafiadoras,
currículo escolar insuficiente e procedimentos
inadequados de ensino-aprendizagem. Como
exemplo, a agitação, principal característica do
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
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Alves RJR & Nakano TC
TDAH, costuma se manifestar nas AH/SD quan­
do o conteúdo que está sendo desenvolvido em
sala de aula já é de conhecimento, ou quando o
indivíduo conclui suas tarefas em sala de aula e
está em período ocioso. A diferença situar-se-ia
no fato de que nas crianças com TDAH a agitação está presente na maioria dos ambientes que
frequenta e naquelas com AH/SD somente em
contextos que fujam da área do seu interesse,
sendo comum serem observados questionamentos relacionados a uma curiosidade ou conhecimento fora do que está sendo debatido. Tem-se,
então, que a impulsividade e hiperatividade
possam ser características de ambos os quadros,
mas se diferenciam principalmente em relação à
frequência e intensidade, assim como as ocasiões
em que acontecem8.
Ainda que semelhanças possam ser encontradas entre ambos os quadros, Hosda & Romanowski39 e Antshel et al.40 defendem a existência de
características específicas para quando estiverem associados. O sujeito que apresentar TDAH/
AH/SD poderá ter um desempenho acadêmico
inconstante, o que corriqueiramente não acontece com aqueles que possuem somente AH/SD,
além de prejuízos em habilidades motoras finas
e, consequentemente, na escrita, como em indivíduos somente com TDAH. Poderá ser obser­
vada também área de interesse relacionada a
conhecimentos não acadêmicos41. Esses sujeitos
apresentarão maior facilidade na aquisição de
um conhecimento, mais rapidamente que um sujeito com apenas o TDAH37. Interessantemente,
em estudo exploratório realizado por Silva42, foi
encontrada a prevalência de 37,8% de sintomas
de TDAH em crianças com alta inteligência.
Os sujeitos que possuem ambas as condições
podem ser reconhecidos somente por um padrão
de comportamento durante o processo de avaliação, o que será prejudicial para um bom prognóstico. Budding & Chidekel43 apontam que um dos
grandes diferenciais de uma criança que possui
apenas TDAH ou apenas AH/SD para uma criança que possua o TDAH/AH/SD é o desempenho
criativo e o pensamento divergente, que tendem
a estar mais desenvolvidos nesse último quadro
e deverão ser detalhadamente observados no
processo avaliativo. Outro cuidado apontado
re­fere-se à avaliação da inteligência, visto que
alguns autores44 observaram que os testes comumente aplicados no grupo com TDAH tendem
a não demonstrar seus verdadeiros potenciais
intelectuais, de modo que o aspecto clínico
deve prevalecer sobre o raciocínio nos testes
a serem utilizados, sem desconsiderar como
os comportamentos característicos do TDAH
podem influenciá-los e, dessa forma, facilitar a
identificação das AH/SD.
Em termos de resultados empíricos, Germani45 estudou crianças que apresentavam AH/
SD, TDAH e TDAH/AH/SD. O objetivo de sua
pesquisa foi investigar quais padrões de comportamento seriam semelhantes e diferentes entre
os três grupos. A metodologia utilizada foi a qualitativa, baseada em análise de entrevistas realizadas com os professores, pais e com as próprias
crianças. Após análise de tais entrevistas, foram
organizadas oito categorias de comportamento:
(1) aprendizagem; (2) relacionamento social
entre seus pares; (3) motivação e persistência;
(4) criatividade; (5) organização e planejamento;
(6) atenção e memória; (7) regras e comunicação
e (8) interesses e/ou habilidades. Foram verificadas muitas diferenças entre os diagnósticos
de AH/SD e TDAH em praticamente todas as
categorias. Entre os quadros de TDAH/AH/SD e
AH/SD foram verificadas maiores diferenças nas
categorias 1, 5, 6 e 7, com melhor desempenho
do último grupo. Entre os quadros de TDAH/
AH/SD e TDAH foram vistas poucas diferenças,
mais em relação às categorias 4 e 7, com piores
desempenhos das crianças com TDAH, a autora
afirma que a observação de tais categorias poderá ser decisiva em um processo de avaliação.
Também Ourofino & Fleith8 desenvolveram
estudo com o objetivo de comparar alunos com
AH/SD, TDAH e TDAH/AH/SD em relação a
criatividade, inteligência, autoconceito, déficit
de atenção e hiperatividade/impulsividade,
com­portamento antissocial e dificuldades de
aprendizagem. Participaram do estudo 114
crianças, sendo 52 com AH/SD, 43 com TDAH e
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
352
A dupla-excepcionalidade
19 com TDAH/AH/SD. Os resultados indicaram
diferenças significativas entre as crianças dos
três grupos em favor dos que possuíam AH/SD
em praticamente todas as habilidades investigadas, com diferença estatística significativa
nas medidas de inteligência, autoconceito e
criativi­dade (originalidade verbal). As crianças
com TDAH apresentaram um escore mais elevado nas me­didas de desatenção, hiperatividade/
im­pulsividade, comportamento antissocial e
dificuldades de aprendizagem, em comparação
aos outros grupos. Especificamente em relação
ao grupo com dupla-excepcionalidade quando
comparado ao grupo com TDAH houve somente
uma diferença: apresentaram resultado maior
em inteligência.
Por outro lado, em estudo realizado por Fugate
et al.46, foi encontrado um outro perfil de di­
ferença em criatividade. Os autores realizaram
uma investigação que teve por objetivo avaliar e
comparar a memória de trabalho e criatividade
de alunos com AH/SD (n=20) e TDAH/AH/SD
(n=17). Foram encontradas diferenças significativas em memória de trabalho, com os alunos
TDAH/AH/SD apresentando pior desempenho.
Foram encontradas diferenças significativas em
criatividade também, porém com o grupo TDAH/
AH/SD apresentando melhores desempenhos, ao
contrário do que visto no estudo anterior.
Foley-Nicpon et al.47 buscaram examinar a
autoestima e autoconceito de crianças e adoles­
centes com TDAH/AH/SD. Os dados foram coletados em 112 sujeitos, com idade entre 6 e 18
anos, identificadas como tendo alta capacidade
cognitiva (QI de 120, percentil 91, ou superior),
sendo que 54 também preenchiam critérios
diagnósticos para TDAH. Os autores verificaram que os alunos TDAH/AH/SD apresentaram
menores escores em medidas de autoestima e
autoconceito do que os que possuíam somente
AH/SD. Além disso, as crianças relataram maior
felicidade geral do que os adolescentes, em
ambos os grupos.
Whitaker et al.48 realizaram uma investigação
que buscou identificar possíveis diferenças entre
processos estratégicos de memória verbal entre
crianças com AH/SD, TDAH/AH/SD e TDAH; 125
participantes foram avaliados por meio da Escala
de Inteligência Wechsler para Crianças (4a Ed.)
e o California Verbal Learning Test para crianças
(CVLT-C). Os resultados revelaram diferenças
significativas entre os grupos, com as crianças
TDAH/AH/SD obtendo pontuações mais baixas
no CVLT-C em comparação às crian­ças que possuíam somente AH/SD, mas escores mais altos
do que aqueles que possuíam somente TDAH.
Verificou-se que o TDAH e AH/SD, muitas
vezes, compartilham comportamentos semelhantes e que, corriqueiramente, são atribuíveis
somente ao TDAH. A presença contextual de com­
portamentos de desatenção, impulsividade e hiperatividade se mostrou como um dos principais
focos de investigação no diagnóstico, tanto para
diferenciá-los como para considerá-los concomitantes. No TDAH, eles tenderiam a ser mais
generalizados, nas AH/SD se apresentariam
quando os sujeitos são expostos a situações já
conhecidas (como, por exemplo, uma atividade
escolar) e, consequentemente, não motivadoras.
A criatividade também se mostrou como um foco
rico de investigação quando ocorre a dupla-ex­
cepcionalidade, uma vez que, em alguns estudos, a identificaram como desenvolvida e outros
não, quando comparada a casos de AH/SD puros.
De modo geral, tal habilidade encontrou-se mais
desenvolvida em casos de TDAH/AH/SD do que
em casos puros de TDAH. Além disso, foi encontrado um estudo sobre memória verbal, que
apontou piores desempenhos de crianças com
TDAH/AH/SD quando comparadas a crianças
com AH/SD.
Transtornos de aprendizagem
Os TA caracterizam-se como dificuldades na
aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas, com substancial desempenho abaixo
do esperado para idade cronológica, que não
devem ser explicadas por deficiências intelectuais, acuidade visual ou auditiva não corrigida,
outros transtornos mentais ou neurológicos,
adversidades psicossociais, falta de proficiência
na língua de instrução acadêmica ou instrução
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Alves RJR & Nakano TC
educacional inadequada. Podem ser encontrados
também sob as nomenclaturas de “distúrbios
de aprendizagem”, “dislexia” (para transtorno
específico de leitura), “discalculia” (para transtorno específico de matemática) e “disgrafia”
(para transtorno específico de escrita)27.
Em estudos teóricos e de levantamento bibliográficos relacionados à dupla-excepcionalidade
nos TA, pode-se citar primeiramente os realizados por Fetzer49, Lovett50 e Silverman51, que
verificaram que os TA constituem diagnósticos
que mais raramente são reconhecidos como
passíveis de acompanhar um quadro de AH/SD.
Atualmente, os modelos mais atuais na área das
AH/SD permitem que sujeitos com dificulda­
des acadêmicas também possam receber esse
diagnóstico15,52-54.
De forma geral, autores apontam os seguintes
comportamentos como característicos de crianças TA/AH/SD55-57: ao contrário do que é frequentemente visto em crianças que possuiriam
somente AH/SD, costumam ser consideradas
crianças desleixadas, desorganizadas e com
dificuldades em memória, dentro do ambiente
escolar; frequentemente fracassam em atividades que exijam atividades de leitura, escrita e/
ou aritmética, esperadas para sua série e idade
escolar; apresentariam maior disposição à depressão e ansiedade que crianças que somente
possuam TA; necessitam de um tempo maior
para realização de atividades acadêmicas do que
uma criança somente com AH/SD; possuem alta
produção criativa; possuem facilidade em atividades que envolvam processamento visual, como
quebra-cabeças; apresentam facilidade em atividades que envolvam pensamento abstrato; bom
vocabulário; boa percepção de condutas sociais;
são observadoras; apresentam-se moti­vados em
tarefas que exijam a resolução de pro­blemas não
acadêmicos; autoconceito mais rebaixado que
uma criança com AH/SD.
De acordo com Baum58 e Baum et al.59, as
crian­ças com TA/AH/SD podem ser divididas
em três grupos: (1) que apresentam claramente
um determinado talento e sutis dificuldades de
aprendizagem; (2) aquelas em que não fica clara
a presença de ambos os quadros, pois suas ha­
bilidades mascarariam suas dificuldades e
proporcionariam um desempenho acadêmico
mediano; (3) aquelas que possuem claramente
ambas as características, desde o início de seu
desenvolvimento e vida escolar.
O primeiro grupo seria facilmente diagnosticado, em razão de seu alto desempenho, principalmente em testes de QI. No entanto, conforme
os sujeitos se desenvolvem, as discrepâncias
entre o desempenho acadêmico e inteligência
começam a ficar mais evidentes. Nos anos escolares iniciais, nos quais há um maior tempo
para realização das atividades, maior ênfase na
independência e na compreensão daquilo que
está sendo trabalhado, esses estudantes, muitas
vezes já possuidores do diagnóstico de AH/
SD, apresentariam também bom desempenho
escolar. No entanto, com o passar do tempo, por
exemplo, costumariam impressionar seus professores por suas altas habilidades em linguagem oral, enquanto que, na linguagem escrita
(especificamente leitura, escrita e soletração),
o desempenho ficaria cada vez mais rebaixado
(quando houver um transtorno com dislexia ou
disgrafia). Seus cuidadores e educadores, frequentemente, acreditam que, caso as crianças
se desempenhem individualmente em superar
as dificuldades, as farão sem maiores problemas.
Porém, se realmente possuírem algum TA, isso
não irá ocorrer, e causará confusão e muitas
demandas emocionais para todos os envolvidos,
principalmente para as crianças58,59.
No segundo grupo estariam aquelas crianças
que não costumam ser diagnosticadas nem com
TA nem com AH/SD. Suas altas capacidades
estariam constantemente trabalhando de forma
a superar as dificuldades acadêmicas, no caso
o TA mascararia a AH/SD e vice-versa. Seus
talentos e habilidades costumariam aparecer
em alta demanda em forma de criatividade
para diversos modos de aprender, ao contrário
de crianças sem dificuldades de aprendizagem
com AH/SD, que investiriam seu potencial em
desempenhos que estariam além do esperado
para seu nível de desenvolvimento. De acordo
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A dupla-excepcionalidade
com Lovett & Sparks60, deve-se ainda tomar
cuidado com a análise dos testes psicométricos
utilizados na avaliação, pois essas habilidades
também podem mascarar desempenhos em instrumentos de medida de habilidades escolares.
Esses estudantes são os mais difíceis de serem
diagnosticados, pois não necessitam tão claramente de atendimento especializado (sejam por
suas habilidades, quanto por suas dificuldades).
Os TA frequentemente serão descobertos no ensino médio ou quando adultos, quando ao acaso
têm contato com informações do que seria um
TA, identificando-se58,59,61.
As crianças pertencentes ao último grupo
fre­quentemente são identificadas em grupos de
atendimento a TA. Os profissionais que lidarão
com crianças com TA/AH/SD ainda não identificadas com AH/SD poderão observar inúmeras
habilidades antes nunca observadas, como na
resolução de problemas cotidianos (inter e intrapessoais), habilidades musicais, científicas,
fi­losóficas, entre outras. Em contextos fora do
am­biente escolar, elas costumam ser bem mais
evidenciadas. Durante um processo diagnóstico,
a investigação dessa diferença de desempenho
em diferentes contextos deverá ser criteriosamente realizada, já que, muitas vezes, na escola
não há oportunidade para que haja expressão
desses potenciais. De forma geral, esse seria o
grupo mais afetado em aspectos emocionais,
pois convivem constantemente com a percepção
de suas dificuldades desde o início de sua vida
escolar. Sentimentos mais introspectivos até
comportamentos inadequados no contexto escolar
podem ser observados58,62,63.
Infelizmente, ainda é senso comum a ideia de
que quando há AH/SD dificuldades acadêmicas
não existirão64. Salienta-se que o acompanhamento realizado por profissionais especializados
em aprendizagem é recomendado também para
crianças com AH/SD, por se tratar de crianças
em pleno desenvolvimento e que, consequente­
mente, possam vir a apresentar desempenhos
incompatíveis com o que seja o esperado. As difi­
culdades de aprendizagem num quadro de AH/
SD poderão ser decorrentes de inúmeros fatores,
como um despreparo pedagógico para lidar
com esse diagnóstico, problemas emocionais e
sociais, ou mesmo a existência de TA. Cada um
ne­cessitará de intervenções específicas, sendo
dessa forma essencial para profissionais que as
acompanharão (e não menos importante para
aqueles que as avaliarão) o conhecimento de que
todos esses fatores possam coexistir concomi­
tantemente65.
Em relação a estudos empíricos, pode-se citar
primeiramente o realizado por Foley-Nicpon et
al.66. Os autores buscaram identificar o conhecimento sobre a dupla-excepcionalidade dentro
da comunidade educacional e psicológica, mais
especificamente de profissionais que trabalham
diretamente com a população de alunos com
necessidades educacionais especializadas. Para
isso, um questionário on-line, com 14 perguntas, foi respondido por 317 profissionais. Os resultados indicaram que os educadores estavam
mais familiarizados com as legislações dentro
da sua área de especialização (por exemplo,
educação de superdotados ou de deficientes),
assim como demonstraram mais conhecimento
empírico que teórico sobre o tema. Por sua vez,
os profissionais da Psicologia estavam mais
fa­miliarizados com o uso de programas de ava­
liação e intervenção, como os do modelo de
Res­ponse to Intervention (RtI).
Interessantemente, por meio de programas de
Rti, McCallum et al.67 verificaram que esse modelo de avaliação/intervenção seria uma ferra­
menta importante na identificação de crianças
com TA/AH/SD. Para isso, aplicaram RtI em 1242
crianças com alta inteligência. Os resultados
indicaram a prevalência de 5,48% das crianças
com dificuldades em matemática e 4,83% em
leitura. De modo geral, concluíram, por meio de
análises de discrepância, que 10% da amostra
necessitariam de uma avaliação mais aprofundada sobre suas dificuldades, a fim de verificar
um possível transtorno de aprendizagem.
Gilger et al.68 compararam exames de imagem
de ressonância magnética funcional (fMRI)
durante a realização de tarefas de rima, leitura e processamento espacial em adultos com
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
355
Alves RJR & Nakano TC
dislexia, com AH/SD, com AH/SD e dislexia e
controle. Os resultados evidenciaram que o grupo duplamente-excepcional apresentou redes
neurais semelhantes às do grupo que somente
possuía dislexia durante a realização de todas
as tarefas, assim como encontrado em outro estudo realizado Gilger & Olulade69. Por sua vez,
o grupo com AH/SD apenas apresentou redes
neurais semelhantes ao do grupo controle. Os
autores concluíram que as AH/SD, quando em
conjunto com a dislexia, não modificam as redes
de leitura corriqueiramente alteradas nesse
transtorno. Berninger & Abbott70 e Viersen et al.57
verificaram que, muitas vezes, as AH/SD podem
mascarar o baixo desempenho em habilidades
escolares de crianças com dislexia, mas que,
no entanto, quando avaliadas habilidades cog­
nitivo-linguística, como de processamento fo­
nológico, são encontrados prejuízos.
Foram ainda encontrados trabalhos de es­
tudos de caso. Chakravarty 71 e Kim & Ko 72
apon­taram para o fato de que, de modo geral,
indivíduos com TA/AH/SD apresentariam como
característica desempenho criativo acima do
que é observado em casos puros de AH/SD. Especificamente em relação à dislexia, os autores
afirmam que, provavelmente, esse padrão seria
explicado por condições cerebrais: o hemisfério
direito seria mais desenvolvido, principalmente
o lobo parietal, sendo tal condição responsável
pelo talento e por produções criativas. Chakravarty73 cita alguns casos famosos de AH/SD,
como o de Leonardo Da Vinci e de Albert Einstein,
que provavelmente possuíam dislexia, e argumenta que tal diferença anatômica cerebral po­
deria estar presente.
Por fim, dentre os achados mais interessantes,
verificou-se que o quadro de TA/AH/SD seria um
dos diagnósticos mais incomuns de ocorrência,
pois a AH/SD está comumente atrelada a um
bom desempenho acadêmico, relação essa desmistificada por estudos mais atuais na área da
superdotação. Como visto, em razão da AH/SD,
os TA podem se manifestar de diversos modos
quando em conjunto e mascarar um ao outro,
é preciso que muitas vezes acompanhamentos
com caráter avaliativo sejam realizados longitu­
dinalmente, tanto para aquelas crianças com
diagnósticos realizados transversalmente de um
quadro ou outro. Verificou-se que, quando houver
TA/AH/SD, a criatividade provavelmente estará
desenvolvida. Estudos de caso, com especulações teóricas sobre grandes pensadores tidos
como superdotados, apontaram a criatividade
frequentemente como desenvolvida quando há
a dupla-excepcionalidade TA/AH/SD, mais do
que em um quadro puro de AH/SD.
CONCLUSÕES
Os estudos apresentados aqui apontaram
para diferentes padrões de comportamentos característicos das AH/SD quando concomitantes
a SA, TDAH e TA. Percebeu-se que as pesquisas
buscaram investigar padrões cognitivos esperados, que possam ser semelhantes ou diferentes,
em cada quadro duplamente-excepcional, sendo
dado maior foco à comparação com casos puros
de AH/SD. Fez-se notar que essa dupla-condição
é passível de existência em termos probabilísticos, e que as avaliações devem possuir extrema
atenção a detalhes, como respostas maquiadas
em testes psicométricos, verificar possíveis habilidades em diversos ambientes, assim como ser
proposta uma investigação mais longitudinal,
sendo realizada uma intervenção com características também avaliativas, como ocorre em
programas de RtI.
Observou-se que a criatividade foi uma das
habilidades mais frequentemente investigadas
quando houve a comparação entre grupos, com
resultados apontando que ela deve ser considerada um foco de extrema importância durante o
processo avaliativo. Principalmente quando se
comparou grupos puros com AH/SD com grupo
de indivíduos duplamente-excepcionais, a criatividade mostrou-se estar desenvolvida em ambos,
com algumas vezes melhores desempenhos no
segundo grupo. Esse dado se torna importante
devido ao fato de que crianças são encaminha­
das, avaliadas e passam por intervenções so­
mente por suas dificuldades, e que mesmo com
testes indicando alto QI, suas habilidades ficam
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
356
A dupla-excepcionalidade
abor­dados. Outros transtornos e deficiências são
pas­­­síveis de serem estudados dentro da proposta
da dupla-excepcionalidade, além de também ser
possível abordar outras características desenvolvidas, não somente as AH/SD.
De qualquer forma, acredita-se que o presente
estudo atingiu seus objetivos, e, além disso, espera-se que promova ainda mais o reconhecimento
de que habilidades possam estar desenvol­vidas
em quadros considerados debilitantes.
em segundo plano ou, muitas vezes, não são
iden­­tificadas, em todos esses procedimentos. Vale
lembrar que, tanto a criatividade como a inteligência são consideradas elementos constituintes
das AH/SD dentro dos modelos explicativos mais
atuais desse fenômeno15,53,54,74, e ambas devem ser
analisadas para que haja um diagnóstico mais
completo, como o da identificação da dupla-ex­
cepcionalidade.
Como limitação do presente estudo tem-se
o número limitado de estudos e transtornos
SUMMARY
The twice-exceptionality: relations between giftedness
with Asperger’s syndrome, attention deficit hyperactivity
disorder and learning disorders
The “twice-exceptionality” can be defined as a presence of high capacity
in one or more areas occurring along deficiencies or conditions incompatible
with these capabilities. This study aimed to present and discuss the presence
of the Giftedness (GF) taking place concurrently in Asperger Syndrome (AS),
Attention Deficit Disorder and Hyperactivity Disorder (ADHD) and Learning
Disorders (LD). Social behavior and creativity proved to be as fundamental
characteristics for differentiation or concomitant diagnosis of AS and GF.
In relation to ADHD, it was found that this characteristic behavior disorder
may also be observed in GF. The LD was the most unusual diagnosis to be
held in conjunction with GF, commonly due to academic performance be
linked giftedness.
KEY WORDS: Intelligence. Creativity. Asperger syndrome. Attention
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Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica
(PUC) – Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Artigo recebido: 30/8/2015
Aprovado: 21/10/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 346-60
360
O brincar
na clínica
psicopedagógica
ARTIGO
DE REVISÃO
O brincar na clínica psicopedagógica
Rosanita Moschini; Iara Caierão
RESUMO – O presente artigo visa apresentar aspectos do brincar re­la­
cionados com a clínica psicopedagógica, com base na revisão de lite­ratura
acerca da temática, em complementaridade com a prática psicopedagógica.
As reflexões baseiam-se na importância de se estabelecer um espaço de jogo
na clínica psicopedagógica visando a qualificação do processo terapêutico,
como um espaço de criatividade.
UNITERMOS: Psicopedagogia. Aprendizagem. Jogos e Brinquedos.
Correspondência
Iara Caierão
Av. Venâncio Aires, 1119, cj 09 – Porto Alegre, RS, Brasil
CEP: 90040-193
E-mail: [email protected]
Rosanita Moschini – Psicopedagoga; Mestre em Edu­
cação (UFSM); Especialista em Infância e Família
(UFRGS) e Orientação Educacional (UNINTER); Li­
cen­­ciada em Pedagogia (UNISINOS); Membro do
Gru­po Didático Psicopedagógico, Coordenado por Alícia
Fernàndez (2011-2015); Membro da Diretoria da
ABPp-RS, Gestão 2011–2013 e 2014-2016; Docente em
Cursos de Pós-Graduação em diversas IES; Assessora
e Consultora em Educação, Porto Alegre, RS, Brasil.
Iara Caierão – Psicopedagoga; Doutora em Educação
(UFRGS); Mestre em Educação (PUCRS); Licenciatura
em Pedagogia – Habilitação em Supervisão Escolar;
Habilitação em Letras/UPF; Membro Comissão Cien­
tífica ABPp Nacional; Presidente ABPp-RS Gestão
2011-2013; 2013-2016. Docente em Cursos de Pós-Gra­
duação em diversas IES. Assessoria Psicopeda­gógica
a Secretarias Municipais de Educação, Porto Alegre,
RS, Brasil.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5
361
Moschini R & Caierão I
INTRODUÇÃO
A valorização da autoria de pensamento
é, sem dúvida, emergente nos tempos atuais,
acompanhada da capacidade de estar a sós e ao
desenvolvimento da potência do brincar.
O presente artigo busca tecer algumas considerações acerca da importância do brincar e
na criação do espaço potencial, enfocando este
conceito no espaço terapêutico psicopedagógico
no que tange as dificuldades de aprendizagem.
Enquanto psicopedagogos, compreendemos
que se faz necessário nutrir a própria autoria e
a permissão para o brincar, a fim de descobrir
nossa singularidade, nossa diferença, nossa
marca e, partindo disso, abrir espaços potenciais.
Só assim é possível construir esses espaços em
tempos que se acredita que as máquinas tendem
a substituir-nos como sujeitos pensantes e desejantes. Assim, torna-se imperioso nosso trabalho
de abrir espaços de criatividade1.
Para Winnicott2, qualquer que seja a definição que tenhamos a respeito de criatividade, ela
deverá incluir a ideia de que a vida só é digna
de ser vivida quando a criatividade forma parte da experiência vital do indivíduo. “Para ser
criativa, uma pessoa tem que existir e sentir que
existe”. Para esse autor, a criatividade é o “fazer
que surge do ser. Indica que aquele que é, está
vivo”. O impulso poderá estar adormecido, mas
quando a palavra “fazer” se torna apropriada,
então já há criatividade. Nesse sentido, o brincar
e a criatividade são inseparáveis, pois brincar
(e não o brinquedo) implica, sempre, em criar.
Portanto, para que o aprender se constitua como
processo significativo, há que conter os elementos
da arquitetura lúdica, ou seja, a curiosidade, o
desafio, o desejo, o prazer no processo, a produção
(e não o produto) e a síntese. Essa síntese não precisa ser conclusiva, mas síntese de um percurso
em que a palavra substitui o fazer. Ao fazer meu,
um conhecimento estou (re)criando-o, (trans)
formando-o e (in)corporando-o, caso contrário
trata-se apenas e tão somente de (in)formação.
Reconhecer o brincar como po­­tência é essencial
para quem faz mediação psicopedagógica.
a
O ESPAÇO DE JOGO COMO POTENCIALIZADOR DA APRENDIZAGEM
Entender o espaço de jogo no atendimento
psicopedagógico como um espaço de criativi­da­
de, no qual estão envolvidos o brincar, o pa­ciente
e o terapeuta, é primordial quando pen­samos
em constituição psíquica e desenvolvimento da
imaginação. É por meio desses espaços lúdicos
que os espaços de pensamento serão efetivos,
assim, sendo capaz de autorizar-se a ressignificar
sua história sem perder a memória (recordação)
do passado.
Para Rodulfo3, não há no brincar apenas uma
função, pois, “nos diferentes momentos da ação
subjetiva, observaremos variantes e transformações
na função do brincar”. Alinhado à perspecti­va de
Winnicott2, o autor insiste no conceito brincar, pois,
diferentemente de brinquedo, que remete a um
produto de certa atividade, o brincar, no infinitivo,
indica seu caráter de produção. O autor argentino diz que o brincar se constitui no fio condutor
“que podemos tomar para não nos perdermos na
complexa problemática da constituição subjetiva.
(...) não há nenhuma atividade significativa no
desenvolvimento da simbolização da criança que
não passe vertebralmente por ele (o brincar)”.
Já Huizinga4 também dá ênfase ao caráter
pro­­­cessual, mas o termo por ele adotado é “o
jogo” e não o “brincar”. Para ele o jogo é uma fun­
ção significante que encerra um determinado
sentido em si mesmo e, nas diferentes concepções
do jogo, há nelas um elemento comum: “todas
elas partem do pressuposto de que o jogo se acha
ligado a alguma coisa que não seja o próprio
jogo, (...) pois, o jogo seja qual for sua essência,
ela não é material”. Quanto à limitação de tempo e espaço, a segunda é mais flagrante, pois
todo e qualquer jogo acontece no interior de um
campo previamente delimitado, seja de maneira
concreta ou imaginária, mas há essa delimitação, por vezes com precisão. Nessa perspectiva,
é possível dizer que a floresta, a fazendinha e
os planetas têm todos a forma e a função de
territóriosa de jogo, em cujo lugar se respeitam
Prefere-se o termo território ao invés de terreno, pois o conceito de território remete a uma apropriação do espaço: espaço
habitado, espaço apropriado por alguém, espaço que se faz seu.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5
362
O brincar na clínica psicopedagógica
Para tanto, só há possibilidade de haver a construção do saber, se o indivíduo for capaz de jogar
com o conhecimento. Por isso a importância de
entendermos o espaço de jogo não relacionado
a um ato e sim a um processo. Winnicott2 chama
de espaço transicional, espaço de confiança de
criatividade. Transicional entre o crer e não crer,
entre o dentro e o fora. O espaço transicional é o
único onde se pode aprender. Espaço transicional e espaço de aprendizagem são coincidentes,
como destaca Fernàndez6.
Para construir um saber, para se apropriar de
um conhecimento, devemos jogar com a informação e relativizá-la, sendo certa e sendo não certa.
É neste processo que irá se construir o espaço de
criação, a possibilidade de transformar o objeto,
de acordo com a experiência individual e, por
sua vez, deixar-se transformar pela inclusão do
objeto.
A capacidade de jogar, reordenar, tomando,
separando, com ideias, com informações, é fundamental no processo de aprendizagem, pois a
criança que não realiza tais ações em território
lúdico terá, possivelmente, dificuldade em fazê-lo
em espaço escolar.
Na clínica psicopedagógica, é perceptível nos
atendidos um déficit no jogar, correlacionado
com o déficit na aprendizagem. Na medida em
que potencializamos o brincar no tratamento psicopedagógico, a partir de um espaço de confiança,
vão-se modificando a rigidez, estereotipias das
modalidades de aprendizagem.
“A Psicopedagogia, cuja função é mediar
o processo de aprendizagem de quem
se encontra impossibilitado de fazê-lo e
resgatar o prazer de aprender fazendo-se
autor do seu próprio aprender, encontra
na ação do brincar os principais fundamentos para a sua prática emancipatória
com crianças, pois não há como fazer
Psicopedagogia fora da perspectiva lúdica, já que lúdico implica construção,
autoria e prazer7”.
determinadas regras. Mundos temporários, efêmeros, fugazes, mas não menos real.
Agamben5, no capítulo “O país dos brinquedos:
reflexões sobre a história e sobre o jogo”, utiliza
o termo “brinquedo” e “brincadeira” para designar o lúdico na sua dimensão processual. Nessa
altura e com a entrada do jogo e da brincadeira
no cotidiano, o tempo passa a ter outra dimensão.
Há dois tempos: o tempo do calendário, do reló­
gio, da repetição e o tempo do jogo que altera
completamente essa estrutura lógica do tempo
real. “O jogo carrega na sua essência a esfera
do sagrado; por meio dele o homem conserva
o passado – com o qual as crianças brincam”. O
jogo, para o autor, transforma e fragmenta toda
a estrutura em eventos e rompe a conexão entre o passado e o presente. O jogo transforma a
sincronia (do tempo rígido e ritual) em diacronia.
Contudo, se houvesse uma sociedade que tomasse o tempo pela perspectiva do jogo como
re­ferido pelo autor no país dos brinquedos, as
horas poderiam correr como faíscas ou aconteceria como a roda de Íon, que gira em chamas
por toda a eternidade.
O tempo do brincar é o tempo da alma, da fantasia e do poder, pois em território lúdico a criança se empodera e realiza o que, no cotidiano,
se sente impedida ou limitada para fazer. Num
passe de mágica se transforma em personagens
bons ou maus, mas geralmente mais fortes que
elas, como podemos ver na letra da canção “João
e Maria”, de Chico Buarque: “Agora eu era herói e o meu cavalo só falava inglês e a noiva do
cowboy era ... além das outras três (...)”.
Mas como brinca uma criança em sofrimento?
Como lida com o descompasso de suas apren­
dizagens e de sua atenção fragmentada?
De acordo com Fernàndez1, quando nos en­
contramos ante um sujeito que padece de um pro­­
blema de aprendizagem, tal tarefa não só se faz
mais imperiosa, como tem, por sua vez, especificidades. A inteligência, a elaboração obje­tivante,
participa da tarefa autobiográfica e, por sua vez,
a realização de tal obra alimenta a inteligência.
Necessitamos da inteligência para construir nossa
autoria e, reciprocamente, para crescer, a inteligência precisa de um sujeito que se assuma autor.
Com isso, podemos considerar que o objeti­
vo do trabalho psicopedagógico é auxiliar a
recu­peração do prazer perdido de aprender e a
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5
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Moschini R & Caierão I
brincar possibilita o desenvolvimento das significações de aprender, o que na criança se expressa
por meio da atividade lúdica6.
Estabelecemos a hora do jogo no primeiro
mo­mento do processo de diagnóstico psicopeda­
gógico, antes da primeira reflexão interdiscipli­
nar, para assim termos uma aproximação inteligência-desejo-corporeidade, a partir da qual
optaremos pela necessidade ou não de observar
outros aspectos.
De acordo com Fernández6, a Hora do Jogo
Psico­pedagógica “supera a dicotomia dos testes
projetivos, pois ajuda a observar em seu operar,
aqueles aspectos que tradicionalmente foram
estudados de forma isolada e somente em seus
produtos (testes de performance, psicomotricidade, maturidade visomotora, etc.). A Hora do Jogo
per­mite observar a dinâmica da aprendizagem”.
autonomia do exercício da inteligência, a partir
da recuperação do prazer de jogar. Nessa perspectiva, Caierão7 afirma que, é na arquitetura
lúdica realizada pela criança, no ato dinâmico do
brincar, que colhemos significativos elementos
para conhecer e compreender o funcionamento
cognitivo do sujeito e a partir dele realizar a
devida intervenção psicopedagógica.
Assim, frente ao processo de diagnóstico psicopedagógico, temos dentre outros momentos um
que é de grande importância: a Hora do Jogo.
Na sessão intitulada Hora do Jogo, a criança
não está jogando (uma vez que responde a ordem
para que brinque), mas nos mostrando como
pode jogar. Por isso um dos parâmetros de obser­
vação na Hora do Jogo Psicopedagógica vai ser
o mostrar-ocultar-esconder6.
Como afirma Winnicott2, “é no jogo que a criança relaciona as ideias com a função corporal”.
Portanto, é através do jogo que a criança vai
expressar agressão, para adquirir experiência,
para controlar a ansiedade, para estabelecer con­
tatos sociais como integração da personalidade
e por prazer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das considerações acima, podemos
afirmar que, entender o brincar como um processo
e um espaço de criatividade, portanto po­tencial
e de aprendizagem, é fator primordial quando
se trata da clínica psicopedagógica.
Para tanto, faz-se necessário buscar compreen­
der como se estabelece o brincar e os espaços
transicionais, para, assim, compreender como se
dá a constituição psíquica e, consequentemente,
o desenvolvimento da imaginação.
O processo de autoria está intimamente vinculado ao processo de aprender, assim como o
aprender está relacionado à capacidade de jogo,
de tomar para si o objeto e transformá-lo, re­criá-lo
construindo novos significados, novas possibilidades e novas aprendizagens.
HORA DO JOGO PSICOPEDAGÓGICA
A Hora do Jogo no setting psicopedagógico
tem como objetivo compreender alguns processos que podem ter levado às dificuldades de
apren­dizagem, uma vez que o espaço de aprendizagem e de jogar são coincidentes; ambos os
processos têm nome analogizáveis (inventário
– organização – integração); a modalidade de­sen­
volvida no jogo e o tipo de tratamento do objeto
lançam luz sobre a cena de aprendizagem; o
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5
364
O brincar na clínica psicopedagógica
SUMMARY
The play in clinic psychopedagogical
This article presents aspects of playing-related psychoeducational
clinic, based on a review of literature on the theme, complementing the
psychoeducational practice. The reflections are based on the importance
of establishing a space game in psychoeducational clinic aiming to qualify
the therapeutic process as a space for creativity.
KEY WORDS: Psychopedagogy. Learning. Play and Playthings.
REFERÊNCIAS
5. Agamben G. Infância e história: destruição da
experiência e origem da história. Belo Hori­
zon­te: Editora UFMG; 2005.
6. Fernàndez A. A inteligência aprisionada: abor­
dagem psicopedagógica clínica da criança e
sua família. Porto Alegre: Artmed; 2008.
7. Caierão I. Hora do jogo: a arquitetura lúdica
como instrumento de avaliação psicopedagógica. In: Scicchitano RMJ, Castanho MIS,
eds. Avaliação psicopedagógica: recursos para
a prática. Rio de Janeiro: Wak Editora; 2013.
1. Fernàndez A. Os idiomas do aprendente:
análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto
Alegre: Artmed; 2001.
2. Winnicott DW. O brincar & a realidade. Rio de
Janeiro: Imago; 1975.
3. Rodulfo R. O brincar e o significante: um estudo psicanalítico sobre constituição precoce.
Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.
4. Huizinga J. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva; 2001.
Trabalho realizado na Associação Brasileira de Psi­co­
pe­dagogia – Seção Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
RS, Brasil.
Artigo recebido: 10/11/2015
Aprovado: 8/12/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 361-5
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Pavão
SMO
Cezar APF
ARTIGO
de&revisão
Educação Superior: vicissitudes
da ação psicopedagógica
Sílvia Maria de Oliveira Pavão; Amanda do Prado Ferreira Cezar
RESUMO – Objetivo: Discutir as vicissitudes da intervenção psico­
pe­­­dagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior. Método:
Abordagem qualitativa, classificado como um estudo com enfoque analítico
do tipo análise de conteúdo clássica. Resultados: A ação psicopedagógica
para estudantes da Educação Superior se diferencia quanto à abordagem.
Formação profissional na área e seleção de procedimentos e recursos
adequados a cada caso são determinantes nesse processo. Práticas de
reconhecimento do estilo de aprender, sistematização dos modos de estudo e
diálogo consistem em práticas recomendadas, por mostrarem certa eficácia
no desempenho acadêmico. Conclusão: A dinâmica dos acontecimentos na
trajetória universitária desafia o psicopedagogo a desenvolver ações que
atendam às diferentes necessidades dos sujeitos.
UNITERMOS: Educação Superior. Universidades. Aprendizagem. Psico­
pedagogia.
Correspondência
Sílvia Maria de Oliveira Pavão
Rua Portugal, 199 – Bairro São João – Santa Maria,
RS, Brasil – CEP: 97030490
E-mail: [email protected]
Sílvia Maria de Oliveira Pavão – graduada em Edu­
ca­ção Especial pela Universidade Federal de Santa
Maria, mestre em Inovação e Sistema Educativo pela
Uni­versidad Autonoma de Barcelona e doutora em
Educação pela Universidad Autonoma de Barcelona.
Pro­fessor adjunto da Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, RS, Brasil.
Amanda do Prado Ferreira Cezar – pedagoga com
es­pecialização em Psicopedagogia Clínica e Insti­
tucional pela Faculdade Internacional de Curi­tiba,
mestranda do Programa de Pós-graduação em Edu­
cação da Universidade Federal de Santa Maria, Santa
Maria, RS, Brasil.
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366
Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica
educacional, dada sua extensão e complexidade,
se efetiva na prática.
Diante disso, parece que as instituições educacionais com vistas a favorecer os processos de
aprendizagem de sujeitos que apresentam diferentes formas de aprender, devem desenvolver
ações que possam garantir o mínimo de êxito
es­perado. A Psicopedagogia, enquanto área de
conhecimento e prática na Educação, parece
caminhar nesse sentido, qual seja: de compreender os diferentes estilos de aprendizagem, tendo
como foco sua potencialização e prevenção aos
problemas de aprendizagem e, quando necessário, de uma intervenção dirigida.
Salienta-se que a Psicopedagogia executa sua
função no meio educacional ao realizar ações
que envolvam os eixos da potencialização, prevenção e intervenção direta ou dirigida (quando
se realiza um contato com o sujeito da aprendizagem). Consiste em ações de potencialização e
prevenção aos problemas de aprendizagem, a
oferta de recursos e serviços de apoio pedagógi­
co e didático que viabilizem o sucesso acadêmi­
co e possíveis identificações de problemas que
possam vir a interferir na aprendizagem (seminários, grupos de discussão, palestras, orientação profissional, outros). É nesse sentido que a
in­tervenção psicopedagógica mostra-se necessária, isto é, quando são observadas que certas
dificuldades podem estar mais prontamente
relacionadas com os problemas exatamente de
ensinar10. Práticas que favorecem os modos de
ensinar e aprender são consideradas práticas
in­clusivas. Ao comprometer os sujeitos de um
processo educacional com os propósitos e fins
al­mejados, está-se permitindo que o conhecimento seja construído e significado por aquele
ou aqueles que dela farão uso.
O estudo se circunscreve a partir de um questionamento que se pauta nas práticas psicopedagógicas: quais são as vicissitudes da intervenção
psicopedagógica com estudantes da Educação
Superior? A partir desse problema, o objetivo con­
figura-se na ação de discutir as vicissitudes da
intervenção psicopedagógica direcionada aos estudantes da Educação Superior. Compreende-se
INTRODUÇÃO
A inclusão educacional é um dos temas recorrentes na atualidade, no Brasil, foi impulsionada principalmente pela Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva1, que fortalece a ideia de transversalidade no ensino e aponta um novo cenário educacional, inaugurando e motivando diferentes
ações pedagógicas. A repercussão dessa política
impactou todos os níveis e modalidades de ensino, da Educação Infantil à Educação Superior.
Essa última tem se estruturado, no que tange ao
acesso de estudantes com deficiência por meio
das políticas de acessibilidade, e mais especificamente pelo Programa Incluir2. Ainda são
consideradas recentes as ações desenvolvidas
nas universidades, com o público de estudantes
que apresentam algum tipo de dificuldade ou
especificidades para aprender3-9.
Esse novo cenário nacional da Educação tem
provocado mudanças no interior das instituições
educacionais, tornando evidente que as práticas
de educadores, instituições e sistemas de ensino,
bem como a sociedade, necessitam ser reestruturadas para atender às necessidades dessas
pessoas com características diferentes, tendo em
vista a inclusão. No que tange as instituições e
sistemas de ensino, uma das mudanças necessárias implica na qualidade do ensino, razão pela
qual a inclusão educacional incita a compreensão das diferentes formas e estilos de aprender
dos sujeitos, bem como das dificuldades de
apren­dizagem desses sujeitos compreendidas na
maior parte das vezes a partir das limitações ou
deficiências do próprio indivíduo10.
As instituições e sistemas de ensino são
historicamente reconhecidos como espaços de
correção das muitas desigualdades, principalmente aquelas geradas ou evidenciadas nas
sociedades de sistema capitalista11. Nota-se que,
mesmo considerando os preceitos de uma educação inclusiva, que implicam em proporcionar
condições de igualdade e atendimento a todos os
tipos de diferenças ou condições sociais, ainda
não é possível observar a diminuição da exclusão10, pois nem sempre esse processo de inclusão
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Pavão SMO & Cezar APF
conduzir o profissional a uma análise mais profunda, a uma avaliação, um diagnóstico e tra­tamento
mais eficazes. Com adultos essas considerações
são muito específicas, por se tratar de pessoas
que já têm uma consciência firmada sobre si
mesmo, sobre o que buscam, sobre o que querem, tem uma vida relativamente definida, tanto
pessoal como profissional.
A intervenção psicopedagógica prevê a elaboração de um planejamento onde constarão os
objetivos a serem seguidos, tais como: adultos já
definem a priori aquilo que desejam, apesar de
muitas das vezes não identificar seu desejo com
tanta clareza; quando um adulto procura por um
auxílio psicopedagógico, geralmente sabe especificar o motivo que o levou até o profissional e
quer resolutividade no processo de avaliação,
diagnóstico e encaminhamento assertivo, buscando e solicitando esclarecimento para todo tipo de
procedimento utilizado pelo profissional13.
Por outro lado, o psicopedagogo, ao considerar todas essas questões evidenciadas pelo
adulto em processo de acompanhamento psicopedagógico, tem nesse manancial subsídios para
o levantamento de hipóteses e de canalização
para um trabalho mais efetivo, não perdendo
de vista questões extremamente importantes,
específicas da ação psicopedagógica que são
inerentes aos processos de diagnóstico, encaminhamento e intervenção, estas são possivelmente as vicissitudes da ação psicopedagógica,
dentre as quais se pode citar: queixas e motivos
que levam o sujeito à busca de ajuda, contexto de
vida pessoal, profissional; condições de aprendizagem que envolvam os aspectos cognitivos,
afetivos e sociais.
A passagem da adolescência para a vida adul­
ta envolve transformações orgânicas. O desenvolvimento cognitivo, principalmente o emocional,
passa por desajustamentos devido às expectativas e dificuldade de adaptação. Com vistas a isso,
se observa a necessidade de estruturas no interior
das instituições de Ensino Superior, voltadas ao
atendimento das especificidades de aprendizagem dos sujeitos que delas participam. Portanto,
se constata a importância de estudos e pesquisas
que poucos estudantes com dificuldades no
desempenho e ajustamento acadêmico buscam
apoio especializado para obter êxito acadêmico.
Dessa forma, este estudo se justifica, visto que
traz contribuições importantes para o debate em
questão, uma vez que se percebe carências na
produção e difusão de investigações que tenham
como propósito compreender possíveis impactos
que vem sendo gerados pelas iniciativas das
práticas psicopedagógicas com o estudante
da Educação Superior, visando não só ampliar
ações para o campo de atuação do profissional
da Psicopedagogia abrangendo a aprendizagem
de adultos, mas também buscando o tratamento
ou prevenção das dificuldades de aprendizagem.
PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA
Quando direcionada a adultos em situação
de aprendizagem, a Psicopedagogia estende sua
ação na busca do tratamento ou da prevenção
das dificuldades de aprendizagem. É necessá­
rio compreender que essa prática não está so­
mente dirigida a pessoas com dificuldades de
aprendizagem, mas também ao processo de
apren­dizagem com todas as suas nuances, canalizando o seu fazer para o como se aprende,
para o sujeito que aprende e para os processos
de aprendizagem.
A partir da análise de um esquema evolutivo
da aprendizagem12, observou-se que a aprendizagem começa a se manifestar desde as primeiras relações vinculares entre a mãe e a criança e
vai se estendendo pela família, pela comunidade, pela escola até a vida adulta e continua existindo sempre. Nesse caso, se pode inferir sobre a
construção subjetiva do estilo de aprendizagem
pessoal que acompanhará o sujeito por toda sua
trajetória vital. Idealmente, considera-se que o
estilo de aprender também adquira diferentes
formas ao longo da vida, caracterizando-se por
efetivamente ser um processo em construção,
pois cada pessoa vai imprimindo, a partir de suas
vivências cotidianas, as formas de relacionar-se
com o mundo e aprendê-lo.
No trabalho psicopedagógico, é importante
atentar para uma série de fatores que possam
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Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica
os estudantes da Educação Superior7-9,16. Com
vistas à construção de um quadro comparativo
da ação diferenciada entre esses dois públicos,
usando os referenciais teóricos apontados, foi
desenvolvida uma proposta comparativa aberta
com ênfase na elaboração dessa análise para
a intervenção direcionada a jovens e adultos
(Quadro 1).
Diferenças cruciais são observadas na ação
psicopedagógica direcionada aos jovens adultos
comparativamente à criança. Notadamente, a
prática com adultos usa da exploração dos obje­
tos de aprendizagem, da interação dialogada e
de um processo de intervenção em que não há
protagonistas, ou seja, o processo é construí­
do com base nas necessidades e interesses do
sujeito adulto que busca pela intervenção psicopedagógica.
O jovem adulto, ou adulto que frequenta o
nível de Ensino Superior, e busca por uma intervenção psicopedagógica pode encontrar nela
algumas respostas às dificuldades que enfrenta.
Quase sempre o jovem adulto que busca por essa
intervenção no contexto universitário está enfrentando dificuldades para aprender. E, sendo
constatada essa situação, é dado encaminhamento à intervenção psicopedagógica e as ações
que podem ser desenvolvidas devem atender,
inicialmente, à identificação das diferenças das
áreas do conhecimento. Na universidade, cada
curso de graduação possui uma matriz curricular, não sendo possível desenvolver um planejamento da ação psicopedagógica, sem que haja
uma interação com os docentes e coordenador do
curso. Pois, na Educação Superior, a participa­
ção dos professores - conhecendo a necessidade
e dificuldade de aprender dos alunos - pode ser
decisiva no alcance dos resultados esperados
para esse nível de ensino.
Ato contínuo ao contato com o corpo docente
do curso em que o estudante está matriculado
na universidade, está a participação desse sujeito em encontros semanais ou mensais com
o psicopedagogo, construindo e apresentando
atividades que sejam pertinentes a sua formação
acadêmica. Nesses momentos pode-se adaptar
na área e de serviços de apoio psicopedagógico
para o estudante adulto, pela relação direta com
o desempenho acadêmico, visando ao alcance
da formação profissional almejada.
MÉTODO
O estudo foi classificado quanto ao tipo bi­
bliográfico, sendo que os dados foram coletados
em fontes primárias e secundárias, e de abor­
dagem qualitativa para a análise, já que se considera que o tema é permeado pela subjetividade
interpretativa. Foi classificado como um estudo
com enfoque analítico do tipo análise de conteú­
do clássica14. Nesses termos, consoante com a
pesquisa qualitativa em que se analisam textos15,
do mesmo modo, as observações in loco, ou coleta de falas dos sujeitos das pesquisas também
fazem referência aos modos de pensar, sentir e
planejar. Os principais referenciais utilizados
perpassam linhas e abordagens de atuação que
permitiram ampla e profunda análise do tema,
possibilitando e desafiando um olhar psicopedagógico sobre os problemas de aprendizagem
na Educação Superior4,7,10,12,13,15-18.
RESULTADOS
A prática psicopedagógica com o estudante
da Educação Superior apresenta vicissitudes
quanto aos procedimentos realizados e sua
abordagem, bem como quanto ao uso de recursos. Requer uma ação reflexiva que envolverá
sujeito da aprendizagem e o psicopedagogo em
ação, em uma permanente busca de ações que
possibilitem o encontro às vias de acesso ao
conhecimento.
Visando discutir as vicissitudes da inter­
ven­ção psicopedagógica direcionada a jovens
adultos, foi realizada uma análise comparativa
entre as propostas de intervenção direcionada a
crianças e a jovens adultos. A intervenção psicopedagógica realizada com crianças, estudantes
geralmente do nível de ensino da Educação
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental
e Médio) que antecedem a Educação Superior
conserva algumas características19-23 que as diferenciam daquelas que podem ser utilizadas com
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369
Pavão SMO & Cezar APF
Quadro 1 – Intervenção psicopedagógica: da criança ao jovem adulto, 2015.
Procedimento
Criança
Jovem adulto
Contato inicial
Pela escola ou pais
Geralmente o próprio sujeito procura atendimento,
mas há casos na Educação Superior em que o estudante
tem sua matrícula, ou permanência recomendada a um
atendimento psicopedagógico pela coordenação do
curso que frequenta, em virtude de rendimento acadêmico
defasado (muitas reprovações, ou problemas de conduta,
ajustamento, adaptação).
Quase sempre
realizada com testes,
levantamentos e
materiais lúdicos
Entrevista inicial que pode ser diagnóstica. O próprio sujeito
responde, salvo em casos especiais, como os estudantes
com alguma deficiência que impossibilite sua participação
na entrevista. Nesses casos, um familiar, cuidador ou um
docente que o acompanha no curso de graduação pode ser a
pessoa mais indicada para participar dessa entrevista inicial.
Há casos em que é necessário o uso de testes para avaliação
de áreas específicas da aprendizagem.
Avaliação
Parecer da avaliação
Devolução
Encaminhamentos
Intervenção
Verbal ou escrito
Verbal ou escrito.
Participação dos
pais, quase sempre é
necessário um parecer
escrito
Conversação dialogada com o próprio sujeito,
auxiliando na percepção das dificuldades encontradas
e na busca pela melhor forma de atuar face a
minimização ou supressão das dificuldades.
Apresentação de principais dificuldades encontradas,
analisando-as à luz das teorias do
desenvolvimento da aprendizagem.
Nem sempre é necessário a entrega
de um parecer diagnóstico.
Assessoramento aos
pais na procura por
uma rede de apoio
multiprofissional,
quando necessário
Conversação dialogada com o próprio sujeito.
Orientação para a participação de processos em espaços
coletivos que favoreçam a compreensão da diferença.
Acompanhamento
familiar e demais
profissionais pertencentes
à rede multiprofissional
Interação com o próprio sujeito e demais profissionais
envolvidos, visando a sua autonomia.
Quando o jovem está inserido em um espaço acadêmico
na Educação Superior, o desenvolvimento de um plano de
intervenção estratégico é necessário com vistas ao melhor
desempenho e rendimento. A Educação Superior é regida
por concepções amplamente diferenciadas da Educação
Básica, tendo como característica principal a autonomia
do sujeito. Espera-se que os estudantes sejam praticamente
autodidatas, o que nem sempre é possível nos casos em que
as dificuldades de aprendizagem somam-se ao quadro dos
desafios e propostas na Educação Superior. Diante ao fato,
uma das ações necessárias é o contato com professores do
curso que o estudante frequenta, analisando a possibilidade
de flexibilizações curriculares e outras formas de apoio,
como o atendimento na rede multiprofissional.
apropriação dos conhecimentos, organizando
agenda de estudo, realizando outros exercícios
materiais didáticos, discutir temas que serão
ava­liados no curso com vistas a corroborar a
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73
370
Educação Superior: vicissitudes da ação psicopedagógica
A intervenção psicopedagógica com os sujeitos em idade adulta, seja em caráter preventi­vo
ou de acompanhamento direcionado a uma causa
específica de não aprender, tem se mostrado
cada vez mais necessária, como apontado pelos
dados do censo da Educação Superior17. Esse
olhar psicopedagógico permitirá que os estudantes da Educação Superior concluam o curso
eleito com qualidade.
didáticos de acordo com área de saber específico,
entre outros.
Entretanto, dentre as muitas ações que podem ser desenvolvidas, está em primeiro plano
o reconhecimento por parte do profissional da
Psicopedagogia, do contexto universitário em
si, que apresenta per si uma série de diferenças
que incidirão sobre sua ação. Diferenças estas
que ocorrem em primeiro plano na área do conhecimento (exatas e da terra, biológicas, engenharias, agrárias, sociais e aplicadas, linguística,
letras e artes, multidisciplinar, saúde, humanas,
naturais, exatas, rurais) até aquelas no plano
subjetivo em que se incluem, a personalidade,
interesse, motivação.
Para além das diferenças cruciais em torno
de uma ação psicopedagógica que leva à compreensão de condutas práticas e resolutivas no
âmbito da Educação Superior, está a formação,
análise e interpretação das ações propostas e
desenvolvidas pelo profissional que conduz o
processo psicopedagógico. Para tanto, o conhecimento acerca das teorias do desenvolvimento
e a aprendizagem24, aliados a uma adequada
formação de profissionais da área da educação e
da intervenção psicopedagógica, são auxiliares
imprescindíveis no processo de intervenção psicopedagógica, desde a avaliação até os encaminhamentos e intervenção necessária. Orientação
tal que vale para a conduta do psicopedagogo
com a criança, adolescente ou adulto.
As teorias do desenvolvimento e aprendizagem podem ser classificadas em teorias psicanalíticas (Freud, Erikson); teorias cognitivas
desenvolvimentais (Piaget); teorias sociológicas
(ciclo familiar); teorias humanistas (Maslow,
Rogers); teorias comportamentais (Skinner)24.
Cada uma dessas teorias abarca conceitos acerca
do sujeito da aprendizagem, que são definidores
para o bom andamento do processo acadêmico e
da ação psicopedagógica. A apropriação desses
saberes pelo profissional da Psicopedagogia
contribui para que sua ação seja orientada pelos
pressupostos teóricos que auxiliam no esclarecimento dos muitos nexos causais originadores
dos sintomas e dificuldades para o aprender25,26.
CONCLUSÃO
O contexto universitário se caracteriza primordialmente pela diferença entre as áreas do
conhecimento. A partir do momento em que
um estudante elege uma área de conhecimento
e nela um curso de graduação universitária,
cuja estrutura curricular é regida por disciplinas com escopos teóricos específicos, inicia-se
um processo formativo que nem sempre ocorre
fluentemente.
As dificuldades de aprendizagem e os problemas associados a ela surgem no momento em que
esse estudante, não compreendendo os objetivos
do campo teórico disciplinar, apresenta desempenho acadêmico defasado. É nesse cenário que
ingressa e passa a atuar o psicopedagogo. Esse
estudo que teve por objetivo discutir as vicissitudes da intervenção psicopedagógica direcionada
aos estudantes da Educação Superior conclui
que a permanência e a conclusão do curso estão
na dependência da abrangência de ações que
com­preendem a vida adulta.
A prática psicopedagógica desenvolvida com
adultos tem peculiaridades complexas, visto que
o adulto tem posicionamentos e concepções
definidas ao longo de sua trajetória vital que
podem colaborar num plano de compreensão
dos propósitos de uma intervenção psicopedagógica ou serem elas a própria origem das atuais
dificuldades de aprendizagem. Do mesmo modo
como ocorre com crianças e adolescentes, para
desenvolver o trabalho com os adultos, a Psicopedagogia considera todas as questões apresentadas pelos sujeitos tendo em vista a construção
de uma intervenção psicopedagógica pautada
pela abordagem dialogada e crítica.
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73
371
Pavão SMO & Cezar APF
cimentos são produzidos e difundidos na universidade. O desafio da ação psicopedagógica é,
ao identificar as dificuldades de aprendizagem,
desenvolver ações que reconheçam a diferença
de ser e de aprender dos sujeitos.
Na universidade, o estudante vivencia processos de aprendizagem muito dinâmicos, essa é
uma característica positiva desse nível de ensino,
pois é justamente graças à impermanência de
saberes e verdades científicas que novos conhe-
SUMMARY
Higher education: vicissitudes of psycho-pedagogical action
Objective: To discuss the vicissitudes of pedagogical intervention tar­
geted to higher education students. Method: Qualitative approach, classified
as a study of analytical focus and classical content analysis type. Results:
Psychopedagogic action for students of higher education differs in the
utilized approach. Professional qualification in the area and selection of
procedures and adequate resources for each case, are crucial in this process.
Recognition practices of learning style and systematization of modes of
study and dialogue are both recommended for showing some effectiveness
in academic performance. Conclusion: The dynamics of events in the
university course challenges the educational psychologist to develop actions
that meet the different needs of individuals.
KEY WORDS: Education, higher. Universities. Learning. Psychopedagogy.
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Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa
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Artigo recebido: 30/10/2015
Aprovado: 4/12/2015
Rev. Psicopedagogia 2015; 32(99): 366-73
373
ASSOCIADOS TITULARES – 2015
ALAGOAS
Maceió
ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃO
[email protected]
(82) 3223-4258 – Farol
BAHIA
Itabuna
GENIGLEIDE SANTOS DA HORA
[email protected]
(73) 3617-0372 – São Caetano
Senhor do Bonfim
Tianguá
AMERICO FERREIRA DE ARAGÃO JÚNIOR
GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E SILVA
CEARÁ
Fortaleza
DISTRITO FEDERAL
Brasília
ANDRÉA AIRES COSTA
CLAUDIA DANTAS RIBEIRO STIVAL FONTOURA
[email protected]
(82) 3223-4258 – Pera
[email protected]
(85) 3261-0064 – Aldeota
DALMA RÉGIA MACEDO PINTO
Salvador
[email protected]
(85) 3491-2280 – Vila União
ADRIANA AGUDO RODRIGUES MIRANDA
ELIANE CÁSSIA ROCHA BLANES
[email protected]
(71) 9905-1911 – Barra
ARLENE NASCIMENTO PESSOA
[email protected]
(85) 3244-2820 – Dionísio Torres
ELIANE LACERDA FERNANDES DE ASSIS
[email protected]
(71) 3347-8777 – Caminho das Árvores
[email protected]
(85) 8699-3407 – Meireles
DEBORA SILVA DE CASTRO PEREIRA
ELISABETE SILVEIRA CASTELO BRANCO
[email protected]
(88) 9963-5854 – Centro
[email protected]
(61) 8116-6906 – Asa Norte
MARINA LIMA BEUST
[email protected]
(61) 3326-9314 – Asa Norte
MARLI LOURDES DA SILVA CAMPOS
[email protected]
(61) 3321-9666 – Plano Piloto
WALDERLENE RAMALHO DA SLVA
[email protected]
(61) 3037-5009 – Taguatinga
[email protected]
(71) 3341-2708 – Candeal
[email protected]
(85) 3281-1673 – Rodolfo Teófilo
Guará
GLEIDE MOREIRA TEIXEIRA GUIMARÃES
FRANCISCA FRANCINEIDE CÂNDIDO
[email protected]
(85) 3272-3966 – Fátima
ELINE LIMA MOREIRA DE AZEVEDO
[email protected]
(71) 3498-5000 – Graça
JOANICE MARIA BEZERRA SOUZA
GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA
[email protected]
(71) 9935-2192/8864-0897 – Mares
JOZELIA DE ABREU TESTAGROSSA
[email protected]
(71) 9609-3937 – Piatá
KARENINA TRINDADE S. DE AZEVEDO
[email protected]
(71) 3345-3535 – Pituba
MÁRCIA GONÇALVES NUNES
[email protected]/gnmarcia@
hotmail.com
(71) 3332-7055 – Federação
MARIA ANGELICA MOREIRA ROCHA
[email protected]
(71) 8625-2433 – Caminho das Árvores
MARIA AUXILIADORA DE A. RABELLO
[email protected]
(71) 3353-2207 – Pituba
MARIA DE FÁTIMA SOARES DE BRITO
[email protected]
(71) 3488-2939 – Nazaré
NILZAN GOMES SANTOS
[email protected]
(71) 3322-4133 – Nazaré
SIMAIA SAMPAIO MAIA
[email protected]
(71) 9971-2497 – Stella Maris
[email protected]
(61) 3901-7583 – Vila Tecnológica
[email protected]
(85) 3264-0322 – Aldeota
ESPÍRITO SANTO
Vitória
GERALDO LEMOS DA SILVA
CHEILA ARAUJO MUSSI MONTENEGRO
[email protected]
(85) 3246-7000 – Dionísio Torres
LUCIANA QUEIROZ BEM PORTELA
[email protected]
(85) 3101-2201 – Farias Brito
MARIA ENEIDA NOBRE PINHO
[email protected]
(85) 3294-2281 – Cj Ceará
MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO
[email protected]
(85) 3261-0064 – Parque Manibura
[email protected]
(27) 99969-5545 – Santa Lúcia
HIRAN PINEL
[email protected]
(27) 4009-2547 – Goiabeiras – Campus
MARIA DA GRAÇA VON KRUGER PIMENTEL
[email protected]
(27) 3225-9978 – Praia do Canto
MARISTELA DO VALLE
[email protected]
(27) 3215-5039 – Jardim da Penha
MARISA PASCARELLI AGRELLO
[email protected]
(85) 3267-5714 – Varjota
OTÍLIA DAMARIS QUEIROZ
[email protected]
(85) 3246-7000 – Dionísio Torres
ROSEANNE MARY ALVES FRAGA
[email protected]
(85) 4011-9999 – Benfica
GOIÁS
Goiânia
CARLA BARBOSA DE ANDRADE JAYME
[email protected]
(62) 3225-9805 – Setor Oeste
DENISE ARAUJO SANTOS BAIOCCHI CARNEIRO
Sobral
[email protected]
(62) 3259-6666 – Nova Suíça
SILVIA DE SOUZA AZEVEDO
LUCIANA BARROS DE ALMEIDA
[email protected]
(88) 9231-3136 – Dom Expedito Lopes
[email protected]
(62) 3636-6234 – Setor Oeste
LUCILA MENEZES GUEDES MONFERRARI
[email protected]
(62) 3259-3592 – Setor Bueno
MARILENE DE AZEVEDO RIBEIRO
[email protected]
(62) 9977-3952 – Setor Oeste
MARISTELA NUNES PINHEIRO
[email protected]
(62) 3259-0247 – Setor Bueno
MATO GROSSO
Cuiabá
ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ MALUF
[email protected]
(65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá
MARIA MASARELA MARQUES DOS PASSOS
[email protected]
(65) 3028-1372 – Campo Velho
MINAS GERAIS
Belo Horizonte
ÂNGELA MATILDE SOARES
[email protected]
(31) 3372-7231/3372-4079 – Gutierrez
DJANIRA DAMASCENO GONÇALVES
[email protected]
(31) 3418-6773 – Ouro Preto
ILKELINE DE PAULA
[email protected]
(31) 8685 2179 – Santo Antonio
REGINA MARIA CALDEIRA DO COUTO E
SILVA
[email protected]
(31) 3564-4506 – Santo Antonio
REGINA ROSA DOS SANTOS LEAL
São Gonçalo do Sapucaí
MARÍLIA VIEIRA SIQUEIRA DE ARANTES
[email protected]
(35) 3241-3195 – Centro
Uberlândia
SANDRA MEIRE DE O. RESENDE
[email protected]
(34) 9195-8911 – Lidice
Varginha
ELISA MARIA MAGANHA SOARES CÂNDIDO
ROSELMA SILVA
IVANI APARECIDA C. A. OLIVEIRA
[email protected]
(43) 3524-2377 – Centro
[email protected]
(41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus
[email protected]
(35) 3212-3496 – Centro
REGINA CLAUDIA A. S. FERRAZ
[email protected]
(35) 3214-5660 – Novo Horizonte
PARÁ
Belém
ANA CYLENE VALENTE COLINO
[email protected]/[email protected]
(91) 4009-7102 – Umarizal
ANA SYLVIA VALENTE COLINO
[email protected]
(91) 3204-3500 – Nazaré
CARMEM CYLBELLE PEREIRA ALVES VIÉGAS
[email protected]
(91) 3259-3531 – São Braz
CÉLI DENISE CORRÊA DA COSTA
[email protected]
(91) 3252-0201 – Nazaré
ELIANE SOUZA DE DEUS NETO ALMEIDA
Lavras
Cornélio Procópio
MARIA CLARA R. R. FORESTI
RAMONA CARVALHO FERNANDEZ NOGUEIRA
[email protected]
(35) 3264-3397 – Centro
[email protected]
(43) 3223-2654 – Centro
Curitiba
EDNA TOTI AMARO DA SILVA
JANAINA CRISTIANE GUIDI PEREIRA
NEOCLEIDE MILANI
[email protected]
(35) 3221-7949 – Vila Pinto
[email protected]
(31) 3239-5920 – Santa Efigênia
Campanha
[email protected]
(35) 3261-2119 – Centro
Elói Mendes
PARANÁ
Cambé
[email protected]
(91) 4008-1200 – Batista Campos
[email protected]
(91) 3259-3531 – Cidade Velha
HORTENCIA VITAL DE CASTRO
[email protected]
(91) 3257-4107 – Icoaraci
ILKA MARINA PAMPONET ELIAS DE MENDONÇA
[email protected]
(91) 99615-5380 – Umarizal
ADRIANE CREDIDIO R. C. DYMINSKI ARRUDA
ARLETE ZAGONEL SERAFINI
[email protected]
(41) 3363-1500 – Alto da Glória
CINTIA BENTO M. VEIGA
[email protected]
(41) 3332-2156 – Rebouças
EVELISE M. LABATUT PORTILHO
[email protected]
(41) 3271-1655 – Prado Velho
FABIANE CASAGRANDE C. O. MELLO
[email protected]
(41) 3022-4041 – Batel
MÁRCIA CRISTINA PINHEIRO BERTOLDI
[email protected]
(41) 3243-5779 – Bigorrilho
ROSE MARY DA FONSECA SANTOS
[email protected]
(41) 3026-2865 – Centro Cívico
SIMONE CALBERG
[email protected]
(41) 3363-1500 – Alto da Glória
SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER
[email protected]
(41) 3264-8061 – Centro
Foz do Iguaçu
ANA ZANIN ROVANI
[email protected]
(45) 3523-6103 – Maracanã
Londrina
ROSA MARIA JUNQUEIRA SCICCHITANO
[email protected]
(43) 3342-7308 – Jardim Caiçaras
[email protected]
(35) 3822-7676 - Centro
Pouso Alegre
LUZILENE ARAÚJO NEVES
[email protected]
(98) 98300-6548 – Parque Shalon
Maringá
CLAUDIA MARQUES CUNHA SILVA
MARIA DE NAZARÉ DO VALE SOARES
NERLI NONATO RIBEIRO MORI
[email protected]
(35) 3422-2050 – Fátima
[email protected]
(91) 9981-2076 – São Braz
[email protected]
(44) 3261-4887 – Campus Universitário
São José dos Pinhais
CÉLIA REGINA BENUCCI CHIODI
[email protected]
(41) 3282-0450 – Ouro Fino
LORIANE DE FÁTIMA FERREIRA
[email protected]
(41) 3282-9357 – Centro
SIMONI CAMARGO DE FRANÇA
[email protected]
(41) 3398-2771 – Centro
PERNAMBUCO
Jaboatão dos Guararapes
LEOPOLDINA MARIA ARAUJO DE MIRANDA
[email protected]
(81) 3341-8411 – Candeias
ROBERTA CLARO ROMÃO CORRÊA
[email protected]
(81) 3468-3529 – Piedade
Recife
JOJEMIMA ESTEVÃO DE MESQUITA LUCENA
[email protected]
(81) 3342-4094 – Boa Viagem
MANUELA BARBOSA PIMENTEL DE FREITAS
[email protected]
(81) 9694-7857 – Boa Viagem
MARIA ANETE MOURA CORDEIRO
[email protected]
(81) 3797-6060 – Boa Viagem
NEULIA DO CARMO PEREIRA DA SILVA CAVALCANTI
[email protected]
(81) 3355-4040 – Boa Viagem
PIAUÍ
Floriano
RAIMUNDA FERREIRA PAIVA NETA
[email protected]
(89) 3515-1156 – Centro
JOYCE MARIA BARBOSA DE PADUA
MARTHA IZAURA DO NASCIMENTO TABOADA
MARIA ALICE DE SANTANA RESENDE
VERA BEATRIZ DA COSTA NUNES MENDONÇA
[email protected]
(86) 3221-1013 – Centro/Sul
[email protected]
(86) 9482-6447 - Uruguai
MARIA DA SANTIDADE LOPES DIAS
[email protected]
(21) 2570-0065 – Barra da Tijuca
[email protected]
(21) 2266-0298 – Botafogo
[email protected]
(86) 3221-4444 – Centro/Norte
RIO GRANDE DO NORTE
Mossoró
MARIA DOS REMÉDIOS MENDES CHAVES
BARRETO
MARIA BERNADETE SILVA DE HOLANDA
GOMES
[email protected]
(86) 3220-2743 – Santa Fé
RIO DE JANEIRO
Niterói
FÁTIMA GALVÃO PALMA
[email protected]
(21) 2710-5577 – Icaraí
Rio de Janeiro
ANA MARIA ZENÍCOLA
[email protected]
(21) 2556-3767 – Flamengo
ANA PAULA LOUREIRO E COSTA
[email protected]
(21) 2436-1803 – Jacarepaguá
CLYTIA SIANO FREIRE DE CASTRO
[email protected]
(21) 2247-3185 – Ipanema
DIRCE MARIA MORRISSY MACHADO
[email protected]
(21) 2236-2012 – Copacabana
HELOISA BEATRIZ ALICE RUBMAN
[email protected]
(21) 2259-9959 – Jardim Botânico
JANE BRAVO GORNE
[email protected]
(21) 98746-4623 - Botafogo
LÚCIA HELENA MACHADO SAAVEDRA
Teresina
[email protected]
(21) 2239-5878 – Gávea
BENEDITA ILZA VIEIRA FORTES
MARIA HELENA C. LISBOA BARTHOLO
[email protected]
(86) 9921-3693 – Jóquei
[email protected]
(21) 2266-0818 – Humaitá
BENILDE FERREIRA DE ASSUNÇÃO FARIAS
MARIA KATIANA VELUK GUTIERREZ
[email protected]
(86) 3221-2620 – Centro
[email protected]
(21) 2527-1933 - Copacabana
CRISTINA MARIA DE SOUSA MIRANDA
MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO
[email protected]
(84) 3314-5878 – Centro
Natal
ADRIANNA FLÁVIA DE FIGUEIREDO M.P.
GUIMARÃES
[email protected]
(84) 3081-3623 – Tirol
CRHISTINA SALES NOVO
[email protected]
(84) 3206-4449 – Dix Sept Rosado
EDNALVA DE AZEVEDO SILVA
[email protected]
(84) 3221-6573 – Lagoa Seca
HEBERT EZEQUIEL FERNANDES DE MEDEIROS
[email protected]
(84) 8733-9780 – Lagoa Nova
Parnamirim
LUCIANA SIQUEIRA LIRA DE MIRANDA
[email protected]
(84) 3645-1218 – Cohabinal
RIO GRANDE DO SUL
Alto Alegre
CLAUDETE MORGAN
[email protected]
(54) 3382-1093 – Centro
Carazinho
LOVAINE SALETE STREIT JUNGES
[email protected]
(47) 9265-4827 – Centro
Casca
BEATRIZ ANA ZAMBON FERRONATO
[email protected]
(54) 3347-1394 – Centro
[email protected]
(86) 9461-4020 – Vila Operária
[email protected]
(21) 9345-4020 – Botafogo
Espumoso
FABRÍCIO CÉSAR MOURA BARBOSA
MARLENE DIAS PEREIRA PINTO
JUSSÂNIA MARIA GADENS SONDA
[email protected]
(86) 8801-0155 – Lourival Paarente
[email protected]
(21) 9739-5332 – Leblon
[email protected]
(54) 8411-1438 – Jardim dos Coqueiros
Farroupilha
LAURA CRISTINA NARDI CALLEGARI
[email protected]
(54) 9992-1893 – Centro
ROSANITA MOSCHINI VARGAS
[email protected]
(51) 3516-6859 – Boa Vista
SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER
Não-Me-Toque
[email protected]
(51) 3328-3872 – Chácara das Pedras
MARIA DE LOURDES EILERT MALAQUIAS
SONIA MARIA PALLAORO MOOJEN
[email protected]
(54) 3332-1400 – Centro
Nova Prata
CLADISMAR LUIZA GASPARETTO
[email protected]
(54) 3342-2507 – Centro
Paraí
LIANE FÁTIMA PASINATO RANZAN
[email protected]
(54) 3477-1158 – Centro
Passo Fundo
IARA SALETE CAIERÃO
[email protected]
(54) 3311-5230 – Centro
[email protected]/somoojen@
terra.com.br
(51) 3333-8300 – Centro
Tapejara
SOLANGE MARIA SCARIOT
[email protected]
(54) 3344-1289 – Centro
SANTA CATARINA
Balneário Gaivota
MARIA BERNADETE FRANCISCO PROENÇA
[email protected]
(48) 3526-2821 – Centro
[email protected]
(51) 3334-1675 – Petrópolis
FABIANI ORTIZ PORTELLA
[email protected]
(51) 3209-5722 – Cidade Baixa
HELENA VELLINHO CORSO
[email protected]
(51) 3388-7960 – Auxiliadora
MARIA MELANIA F. POKORSKI
[email protected]
(51) 3347-1604 – São Sebastião
MARILENE DA SILVA CARDOSO
[email protected]
(51) 8182-0721 – Higienópolis
NEUSA KERN HICKEL
[email protected]
(51) 3333-5478 – Petrópolis
OLÍVIA TEIXEIRA
[email protected]
(51) 3237-6556 – Boa Vista
PATRICIA APARECIDA PEDROSO
[email protected]
(48) 3566-5096 – Matriz
SÃO PAULO
Campinas
MARIA LAURA CASSOLI MACEDO
[email protected]
(19) 3254-2714 – Jardim N. Sra. Auxiliadora
Guarujá
VICTOR NASCIMENTO DOS SANTOS
[email protected]
(13) 3358-3083 – Santa Rosa
ADALGISA CRISTINA MARQUES BONI
ANA CRISTINA BARBOSA ROCHA
EVA ALDA MEDEIROS CAVASOTTO
Videira
Limeira
BRUNA MAINARDI ROSSO BORBA
[email protected]
(51) 3346-2243 – Moinhos de Vento
[email protected]
(49) 3664-2186 – Centro
ALBERTINA CELINA DE MATTOS CHRAIM
[email protected]
(48) 3244-5984 – Coqueiros
CLARISSA FARINHA CANDIOTA
SILVANA MARIA BEDUSCHI DA SILVEIRA
Florianópolis
Porto Alegre
[email protected]
(51) 3342-1624 – Higienópolis
Maravilha
[email protected]
(48) 3223-0641 – Centro
ANA PAULA DOS SANTOS
[email protected]
(48) 3232-6494 – Trindade
DANIELA CHAGAS PACHECO
[email protected]
(48) 3209-8035 – Estreito
JANICE MARIA BETAVE
[email protected]
(19) 3443-1654 – Centro
Santos
ANGELA COTROFE RODRIGUES
[email protected]
(13) 3232-5020 – Ponta da Praia
São Bernardo do Campo
BEATRIZ PICCOLO GIMENES
[email protected]
(11) 4368-0013 – Rudge Ramos
[email protected]
(48) 8453-7791 – Ingleses
São Paulo
LILIANA STADNIK
[email protected]
(11) 6261-2377 – Jardim França
[email protected]
(48) 9982-8901 – Balneário
ADA MARIA GOMES HAZARABEDIAN
ALEXANDRA MARIA CRISTINA COLINI
MÁRCIA FIATES
[email protected]
(48) 3224-0441 – Centro
[email protected]
(11) 5524-5415 / 99621-5900 – Jardim
Hípico, Santo Amaro
MARIA ALICE MOREIRA BAMPI
ANA LISETE P. RODRIGUES
MARIA LÚCIA ALMADA FERNANDES
ARIANE ZANELLI DE SOUZA
SANDRA LAMB
BEATRIZ JUDITH LIMA SCOZ
[email protected]
(48) 9116-0753 – Agronômica
[email protected]
(48) 3223-0641 – Trindade
[email protected]
(48) 3331-1944 – Trindade
[email protected]
(11) 3885-7200 – Jardim Paulista [email protected]
(11) 2659-5435 – Perdizes
[email protected]
(11) 3651-9914 – Alto de Pinheiros
CARLA LABAKI
MARIA TERESA MESSEDER ANDION
TELMA PANTANO
CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA
MARISA IRENE S. CASTANHO
VALÉRIA RIVELLINO LOURENZO
[email protected]
(11) 3491-0522 – Ipiranga
[email protected]
(11) 5041-7896 – Brooklin
MARISTELA HELENA BUK FORLI CATANOSO
VÂNIA M. CARVALHO BUENO DE SOUZA
[email protected]
(11) 99663-0693 – Vila Prudente
vâ[email protected]
(11) 3644-7133 – Lapa
MÔNICA ABUD PEREZ DE CERQUEIRA LUZ
VERA MEIDE MIGUEL RODRIGUES
[email protected]
(11) 3815-5774 – Vila Madalena
[email protected]
(11) 99302-5501 – Moema
CRISTIANE CÁSSIA MOURA
[email protected]
(11) 2778-4492 – Vila Santa Isabel
DILAINA PAULA DOS SANTOS
[email protected]
(11) 99219-5114 – Santana
EDIMARA DE LIMA
[email protected]
(11) 5563-1392 – Jardim Prudência
EDITH REGINA RUBINSTEIN
[email protected]
(11) 3743-0090 – Vila Sonia
ELIANE LAGHETTO M. ROSA
[email protected]
(11) 6128-4234 – Vila Prudente
ELISA MARIA DIAS DE TOLEDO PITOMBO
[email protected]
(11) 5184-1340 – Granja Julieta
LEDA MARIA CODEÇO BARONE
[email protected]
(11) 3045-9064 – Vila Olímpia
LUCIA BERNSTEIN
[email protected]
(11) 3209-8071 – Aclimação
MARCIA ALVES AFFONSO
[email protected]
(11) 5093-1188 – Brooklin
MÁRCIA ALVES SIMÕES DANTAS
[email protected]
(11) 98192-0921 – Tatuapé
MÁRCIA GOMES
[email protected]
(11) 97973-0667 – Moema
MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁSIO
[email protected]
(11) 2950-6072 – Santana
MARIA CÉLIA MALTA CAMPOS
[email protected]
(11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros
[email protected]
(11) 3782-8905 – Jd D’Abril
MÔNICA HOEHNE MENDES
[email protected]
(11) 5041-1988 – Indianópolis
NÁDIA APARECIDA BOSSA
[email protected]
(11) 2268-4545 – Mooca
NEIDE DE AQUINO NOFFS
[email protected]
(11) 3511-3888 – Pacaembu
YARA PRATES
[email protected]
(11) 2976-8937 – Vila Ester
Ribeirão Preto
FÁTIMA REGINA QUEIRÓZ PORTO
[email protected]
(16) 3237-2852 – Jd Canadá
[email protected]
(11) 3871-9115 – Perdizes
Taubaté
NÍVEA MARIA DE CARVALHO FABRÍCIO
BENEDITA ILZA VIEIRA FORTES
[email protected]
(11) 3868-3850 – Perdizes
[email protected]
(12) 3411-6637 – Centro
QUÉZIA BOMBONATTO SILVA
Valinhos
[email protected]
(11) 3815-8710 – Vila Madalena
SILVANA BRESSAN
REBECA LESCHER N. DE OLIVEIRA
[email protected]
(19) 3242-9889/3829-1704 – Paiquerê
REGINA A. S. I. FEDERICO
SERGIPE
Aracaju
[email protected]
(11) 3816-1066 – Alto de Pinheiros
[email protected]
(11) 5041-1988 – Brooklin
REGINA ZAIDAN PEREIRA MENDES
[email protected]
(11) 3872-2434 – Pacaembu
SANDRA G. DE SÁ KRAFT MOREIRA DO
NASCIMENTO
[email protected]
(11) 3805-9799 – Morumbi
SANDRA LIA NISTERHOFEN SANTILLI
[email protected]
(11) 3819-9097 – Pinheiros
[email protected]
(11) 3259-0837 – Higienópolis
MARIA CRISTINA NATEL
SILVIA AMARAL DE MELLO PINTO
[email protected]
(11) 5081-2067 – Vila Mariana
[email protected]
(11) 3097-8328 – Pinheiros
MARIA IRENE DE MATOS MALUF
SÔNIA MARIA COLLI DE SOUZA
[email protected]
(11) 3258-5715 – Higienópolis
[email protected]
(11) 3062-6580 – Jardins
[email protected]
(11) 3287-8406 – Bela Vista
AUREDITE CARDOSO COSTA
[email protected]
(79) 3211-8668 – São José
EDITE SOBRAL FREITAS REZENDE
[email protected]
(79) - 3254-1641 – Nossa Sra. do Socorro
MARIA BETANIA GONÇALVES DE ALMEIDA
betania_gonç[email protected]
(79) 9606-1326 – Centro
MARIA GORETTI DE ALMEIDA GONÇALVES
[email protected]
(79) 3211-8668 – Centro
NIELZA DA SILVA MAIA DE SOUZA
[email protected]
(79) 3214-5363 – São José
TÂNIA REGINA ESPIRIDIÃO DE FARIA
[email protected]
(79) 3211-8668 – Centro
A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) é
uma entidade de caráter científico-cultural, sem fins
lucrativos, que congrega profissionais militantes na área da
Psicopedagogia.
Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais já
envolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da
aprendizagem fundou a Associação Estadual de
Psicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP.
Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua
expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa.
Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente
foram sendo criados os seus escritórios de representação por
todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções.
Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões
referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao
reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo
alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação.
Atualmente (2015), a ABPp possui 15 Seções e 3 Núcleos,
distribuídos pelo território nacional, estando devidamente
vinculados e sob sua orientação.
A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas,
congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua área
de atuação, por meio da revista científica Psicopedagogia,
da Revista do Psicopedagogo, do informativo
Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br.
Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos que
organiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros e
interessados nos assuntos desta área.
Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da
ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunho
sociocientífico, que visa não só ao atendimento
da população carente, promovendo a inserção social e a
divulgação da importância da prática psicopedagógica,
como também à implantação de um novo modelo de estudo
e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos os
associados interessados em prestar um trabalho social.
Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas
nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua
especialização em Psicopedagogia.
Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000
São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567
www.abpp.com.br - [email protected]