O diálogo e seus sentidos na clínica fonoaudiológica
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O diálogo e seus sentidos na clínica fonoaudiológica
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM O DIÁLOGO E SEUS SENTIDOS NA CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA MARIA LUCIA HAGE MASINI SÃO PAULO 2004 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem O diálogo e seus sentidos na clínica fonoaudiológica Maria Lucia Hage Masini Tese apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem Sob a orientação da profª drª Roxane Helena Rodrigues Rojo São Paulo – 2004 BANCA EXAMINADORA ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos. A quem trago sempre comigo, Luiz, Julia e Eduardo. Agradecimentos A todos aqueles cuja leitura deste trabalho evocar lembranças de encontros cotidianos, suscitar o reconhecimento, seja pela concordância ou discordância, do que aqui está dito e provocar o desejo de resposta, o meu mais sincero agradecimento. Foi da possibilidade desses encontros, em toda sua diversidade, que esta obra se constituiu. Uma menção especial se faz necessária. Pela seiva e pelo tempo de espera do florescer, meu muito obrigada à Profª. Drª Roxane Helena Rodrigues Rojo, orientadora desta pesquisa e mentora do meu amadurecimento intelectual. Ao CEPE/PUC-SP, agradeço a bolsa concedida para a realização deste trabalho. RESUMO O diálogo sempre esteve no horizonte fonoaudiológico, quer como objetivo final, quer como parte de seus métodos, tomado ora como estratégia para obtenção de novos comportamentos verbais, ora como condição essencial para a constituição do sujeito. A partir da discussão da inserção da Fonoaudiologia na sociedade, buscando reconhecer, em seu discurso, as marcas de outros discursos que o compõem e com base na perspectiva enunciativa proposta por Bakhtin e sua noção de interlocutores como sujeitos sociais e históricos, nossa pesquisa teve como objetivo rediscutir a noção de diálogo na clínica fonoaudiológica. Na metodologia, seguimos princípios bakhtinianos concernentes à pesquisa no campo das ciências humanas, procurando responder às perguntas formuladas, a partir do estabelecimento de uma relação dialógica com textos provenientes de duas esferas, a saber: 1. Acadêmica: discursos fonoaudiológicos que elaboram ideologicamente a clínica, na perspectiva sócio-interacionista; 2. Clínica: depoimentos de fonoaudiólogos sobre situações terapêuticas em que o diálogo se faz presente. Embora haja a assunção da premissa de que o diálogo é elemento da metodologia terapêutica fonoaudiológica, a análise do material mostrou-nos que ele ainda não figura como tal entre os temas mais estudados por profissionais da área, nem é a ele atribuído um estatuto de instrumento terapêutico. Sua conceitualização e uso na atividade terapêutica são dados por supostos, a partir da explicitação da base teórica. Encontramos referências ao diálogo, somente de forma indireta. Em ordem decrescente de incidência, ele é entendido como meio propiciador: da cura do sintoma manifesto na linguagem; do confronto entre funcionamentos lingüísticos; do cruzamento de vozes e da observação do estágio cognitivo. O aprofundamento da análise mostrou-nos ainda que faz toda a diferença quando o terapeuta fonoaudiólogo retoma os enunciados do paciente com o objetivo de respondê-los seja pela argumentação, dúvida, complementação, concordância. Ao reconhecer no enunciado alheio suas próprias palavras acolhidas dessa forma, o paciente sente-se pleno de palavras interiores e essa é uma condição fundamental para a ressignificação de linguagem em sua vida. Índice Introdução ......................................................................................................... 1 Capítulo 1 – A clínica fonoaudiológica no final do século XX ............................ 8 Capítulo 2 – Metodologia ................................................................................... 42 Capítulo 3 – Produção científica da área I – publicações em revista especializada ........................................................................................................ 57 Capítulo 4 – Produção científica da área II – dissertações e teses defendidas em programas de fonoaudiologia...........................................................................99 Capítulo 5 – Depoimentos de fonoaudiólogos atuantes na área clínica ............ 123 Conclusão ......................................................................................................... 173 Anexos INTRODUÇÃO Clarice Lispector inicia seu livro Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres com uma vírgula. Há leitores que se apressam em trocar o exemplar, julgando-o com defeito de edição. Outros aceitam o estranhamento que isso lhes causa e buscam desfazê-lo com a continuidade da leitura. Aos poucos, vêem-se em meio ao fluxo do pensamento de Lóri, personagem principal, tornando-se evidente que ela já existia antes deles. A vírgula marcaria, então, a idéia de que a vida já estava lá, antes do encontro autor, personagem e leitor. Poderíamos dizer que Lispector exemplifica, com esse início de livro, o conceito bakhtiniano de língua como fluxo ininterrupto de comunicação verbal. Ao iniciar sua história com uma vírgula, a autora assume que os enunciados ali presentes não são inaugurais da vida de Lóri; eles, por certo, estão ali em resposta a enunciados anteriores. É o encontro entre o leitor e a personagem que se instaura em meio a esse fluxo de enunciados. Isso cria um estranhamento e, igualmente, a possibilidade de criação de novos sentidos para além do contar uma história. De maneira análoga, os enunciados desta tese não são inaugurais do tema que aborda. No entanto, colocar a vírgula exige uma reflexão sobre a quem este trabalho se dirige. Esta tese parte do universo fonoaudiológico e a ele se dirige fundamentalmente. No entanto sua construção encontra-se em outra esfera acadêmica de produção de conhecimento, a saber, o Programa de Estudos PósGraduados em Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem. Isso implica a copresença de interlocutores, entre os seus destinatários reais, com conhecimentos diversos acerca do universo abordado, exigindo da pesquisadora uma especial atenção à escolha do marco inicial, de modo que não lhes pareça tão familiar que beire o óbvio ou tão estranho que sugira problemas conceituais. O tema aqui abordado é o diálogo na clínica fonoaudiológica. Algumas afirmações são correntes entre profissionais da área. A atividade terapêutica fonoaudiológica é essencialmente dialógica. Ou ainda: O diálogo como elemento da metodologia terapêutica fonoaudiológica é, atualmente, um fato incontestável na área. Ambas merecem um esclarecimento. Como veremos em capítulos posteriores, a prática fonoaudiológica inicia-se muito antes da regulamentação da profissão de fonoaudiólogo, sob a forma de combate aos desvios da língua que se buscava unificar, no período da história política brasileira caracterizado como Estado Novo. O fazer do profissional preparado para tal – na sua maioria professores da rede pública – era caracterizado basicamente por exercícios de correção da pronúncia e de inibição do uso de estrangeirismos. Embora toda a atividade fosse baseada no diálogo, a ele não era atribuído o estatuto de método de trabalho. Com o surgimento dos cursos de graduação de Fonoaudiologia, que visavam a regulamentação da profissão, teorias e métodos fonoaudiológicos foram sendo elaborados. No entanto, durante muito tempo (cerca de duas décadas desde a institucionalização acadêmica), a premissa foi a mesma: enfoque num trabalho pontual com aspectos lingüísticos isolados que necessitassem de correção. O diálogo caracterizava-se como parte secundária do trabalho: ou como um aquecimento inicial, ou como uma possibilidade de verificação da eficácia dos exercícios realizados ao final das atividades terapêuticas. É bastante conhecida na área a expressão: Depois a gente continua a conversa, agora vamos trabalhar! Como se qualquer trabalho com a linguagem pudesse prescindir de diálogo. Quando profissionais da área começam a atribuir valor ao diálogo na terapia e assumem a atividade terapêutica como essencialmente dialógica, isso não significa necessariamente a assunção de uma abordagem com base no dialogismo bakhtiniano, mas antes uma contraposição ao trabalho fragmentário de linguagem até então realizado na clínica fonoaudiológica. Talvez o mais correto, por ora, fosse dizer que os fonoaudiólogos passaram a valorizar a atividade dialogal realizada com seus pacientes e a teorizar sobre ela. Compreender os sentidos atribuídos ao diálogo pelos profissionais que assumem a terapia fonoaudiológica como atividade essencialmente dialogal é assunto ainda a ser amplamente discutido. Esta tese não nasceu com a determinação primeira de estudar e discutir o diálogo e seus sentidos na clínica fonoaudiológica. O projeto inicial pretendido para o doutorado enfocava a clínica da escrita, ainda carente de uma maior explicitação na área fonoaudiológica. A partir de um olhar bakhtiniano, o objetivo era o de buscar caracterizar a clínica como lugar da ressignificação da escrita na vida de crianças, adolescentes e adultos que, por diversas razões, passam a ter uma relação de sofrimento com essa linguagem. Autores como Nagamine (1995) e Calheta (1997), também apoiados em noções bakhtinianas como dialogismo, vozes, recepção ativa e gêneros discursivos para discutir o caráter terapêutico do trabalho com a escrita, apontaram o diálogo como meio fecundo para a transformação da relação que o paciente estabelece com a escrita. Aprofundar a idéia, decorrente de uma postura dialógica bakhtiniana de trabalho fonoaudiológico, em que terapeuta, paciente e todas as vozes que compõem seus discursos seriam responsáveis pela construção de novos sentidos que o paciente possa atribuir à sua linguagem, redimensionou o foco desse projeto inicial. Deste modo, independentemente de se na clínica da escrita, entendemos que o diálogo tem fundamental importância no decorrer de qualquer processo terapêutico fonoaudiológico. Estudá-lo revelou-se uma tarefa necessária para a construção de conhecimento na área e, assim, o diálogo como método da clínica fonoaudiológica tomou forma como objeto de nossa pesquisa. A Fonoaudiologia sofreu mudanças significativas nesta última década. Os anos noventa do séc. XX foram profícuos na revelação de tendências no trabalho terapêutico fonoaudiológico. Parcerias com a Medicina e a Lingüística foram não só ampliadas pela diversidade de correntes teóricas que contemplam, como também cederam espaço a outras, como a Psicanálise, de modo a nos depararmos hoje com uma variedade de vertentes para a construção de um referencial teórico-metodológico na área. A aproximação com tais vertentes colocou em evidência o diálogo como instrumento básico do trabalho terapêutico. Sobre esse debate, Arantes (1994), ao discutir as clínicas de linguagem existentes e suas filiações teóricas, diferencia a intervenção fonoaudiológica clássica – aquela que se mantém no limite da descrição da linguagem, aproximando-se da pedagogia, na medida em que trabalha com noções de ensinar e corrigir – da que propõe como terapêutica – aquela comprometida com a produção singular do paciente e com a interlocução como responsável pela construção de novos sentidos. Perrotta, Märtz & Masini (1995) afirmam que dialogar com as crianças, em terapia, significa valorizar seu interesse pela reflexão e pelo conhecimento que pode ser construído, confrontado ou partilhado, através de situações em que práticas orais e escritas estejam presentes. É através do diálogo, segundo as autoras, que a criança pode depreender um significado muito importante para o ato de expressar-se verbalmente, que é o de dar-se a conhecer por meio de temas com os quais se ocupa, das idéias e raciocínios que elabora sobre eles, bem como da maneira singular com que busca dizê-los a seus interlocutores. Tubero (1996), discorrendo sobre o trabalho com pessoas afásicas, afirma que, num processo terapêutico, não há correção, não há erro. São possibilidades históricas de escolha, a aceitação das mesmas e as trocas entre fonoaudiólogo e afásico, buscando a compreensão e a comunicação, que tornam possível a reconstrução da linguagem. Pensar numa perspectiva dialógica, para autores como Aronis (1992), Tassinari (1995) e Cunha (1997), significa abranger discussões sobre o setting fonoaudiológico, a relação terapeuta-paciente nos seus aspectos transferenciais e contratransferenciais, a dimensão da existência de um inconsciente na formação do sintoma de linguagem. Essas discussões, presentes no cenário fonoaudiológico, são aqui apenas alguns exemplos de um debate ainda inicial na área. O fato de o diálogo ser considerado como instrumento básico terapêutico pode garantir uma mudança de práticas e de discursos fundantes, mas não invalida um questionamento sobre eles. Há, no discurso dos fonoaudiólogos que assumem uma postura dialogal, modos distintos de abordar a linguagem. Quais as conseqüências que isso traria para a conceitualização e uso do diálogo na terapia fonoaudiológica? Esta pesquisa teve como objetivo discutir a noção de diálogo na clínica fonoaudiológica, procurando responder as seguintes perguntas: 1. Que noções de diálogo circulam no discurso fonoaudiológico atual? 2. Com quem o fonoaudiólogo dialoga em sua atividade terapêutica, que vozes circulam na esfera terapêutica? 3. Como o par terapêutico tem vivenciado suas interações verbais? Esta tese, em sua fundamentação teórica, alimenta-se de conceitos da obra bakhtiniana. A primeira justificativa dessa escolha está no fato de Bakhtin nos oferecer uma abordagem dialógica como metodologia nas ciências humanas.Tal abordagem confere à pesquisa a possibilidade de falar sobre seu objeto – sujeito tal qual o pesquisador, tomado por seu discurso – sem que sua voz seja suprimida. A abordagem dialógica bakhtiniana nos possibilita dar um tratamento à palavra do outro de modo a assegurar a presença das vozes do pesquisador e do pesquisado, sem que isto signifique fusão das mesmas. E o que garante tal possibilidade é a permanência do pesquisador num lugar exotópico, ou seja, um lugar extraposicionado, a partir do qual o pesquisador possa ir ao encontro do outro para ver como ele vê e depois ao seu lugar retornar para dar sentido ao que o outro vê. Assim, neste trabalho, para falar do diálogo na clínica fonoaudiológica foi necessário conhecer os discursos da área, interrogá-los, deixar-se influenciar por eles, buscar influenciá-los. Realizou-se um jogo de aproximações e distanciamentos necessários para que a familiaridade – na medida em que o pesquisador é um profissional da área – cedesse espaço ao estranhamento, ao desconhecido que impulsiona a construção do conhecimento. Nesse sentido, a compreensão daquilo que se busca compreender, uma compreensão ativa, como nos mostra Bakhtin, deu-se através do exercício da palavra, em que a interpenetração de vozes prevaleceu. Do referencial teórico bakhtiniano, trabalhamos fundamentalmente com o conceito de dialogismo e com os que dele decorrem como palavra autoritária e palavra internamente persuasiva, compreensão ativa e responsiva e enunciado concreto. Tais conceitos foram fundamentais para a compreensão dos discursos e das práticas vigentes na fonoaudiologia, enfocadas nesta pesquisa. Como veremos adiante, o conceito de plurilingüismo social também foi utilizado para uma possível explicação, dentro de da perspectiva bakhtiniana por nós adotada, sobre as escolhas de trabalho fonoaudiológico. Tomamos como material a ser analisado, nesta pesquisa, produções científicas da área – artigos, dissertações e teses – e depoimentos de fonoaudiológicos acerca de suas práticas clínicas. O cuidado com a análise de materiais tão diversos em seus contextos de produção está contemplado nos capítulos referentes a cada um deles. A seleção inicial tanto das produções quanto dos profissionais teve um ponto de partida: a assunção de uma concepção interacionista de linguagem no processo terapêutico. Sob a rubrica interacionista ou socio-interacionista, que na história da fonoaudiologia surge como uma resposta a uma vertente comportamentalista do trabalho terapêutico, estão diferentes concepções de linguagem e de sujeito. Esclarecê-las tornou-se condição essencial para uma maior compreensão do(s) uso(s) do diálogo no trabalho terapêutico. O primeiro capítulo desta tese está dedicado à caracterização da clínica fonoaudiológica no final do século XX, a partir de seus principais conceitos e aportes teóricos. Dentre esses últimos, especial atenção será dada às visões interacionistas de linguagem, apresentadas no decorrer da caracterização da clínica, na medida em que sejam necessárias suas explicitações. Nosso objetivo é o de elucidar diferenças, entre essas visões, particularmente de conceitos relacionados ao que nos cabe neste trabalho, a saber, os de interação e diálogo, de modo que os fonoaudiólogos possam assumir um ou outro referencial com o discernimento dos conceitos que dele decorre. O segundo capítulo traz a explicitação da metodologia utilizada na elaboração desta pesquisa e no tratamento dado ao material de análise. Seguem-se, então, os capítulos de análise, que trazem, separadamente, a produção científica na área realizada por pesquisadores seniores e por pesquisadores juniores (respectivamente, artigos e dissertações/teses) e os depoimentos de profissionais. Como veremos, é na produção científica de pesquisadores seniores que encontramos um amplo leque de discussões que nos possibilitaram a caracterização do diálogo na clínica fonoaudiológica. Nas dissertações e teses, o tema, já não tão diretamente abordado e apresentando indícios de simples reiteração de conceitos discutidos na área, levou-nos a analisar os dados encontrados, segundo os conceitos de ciência normal e ciência revolucionária de Thomas Kuhn (1962). A análise dos depoimentos, diferenciada das anteriores dada a natureza de seu contexto de produção, ainda que nos tenha apontado aspectos interessantes quanto à prática terapêutica fonoaudiológica, mostrou-nos uma preocupação com o diálogo como método terapêutico ainda mais incipiente que a observada nas análises anteriores. O capítulo final configura-se, na verdade, como ponto de partida para outras pesquisas na área. A partir da síntese do que discutimos ao longo desta tese, evidenciando-se o que consideramos pertinente ao trabalho fonoaudiológico com a linguagem, buscamos apresentar uma possibilidade de trabalho terapêutico em que se articulem a visão dialógica bakhtiniana de linguagem e a postura winnicottiana de trabalho terapêutico. CAPÍTULO 1 A CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA NO FINAL DO SÉCULO XX Com quais características apresentava-se a clínica fonoaudiológica no final do século XX? Em pesquisa realizada, Freire & Ferreira (1994)1 observaram que o atendimento terapêutico na área da linguagem é a principal atividade do fonoaudiólogo: 85,9% dos 1276 fonoaudiólogos ouvidos, na época, atuavam exclusivamente em terapia fonoaudiológica, com uma expressiva concentração (67,2%) em consultórios particulares. A segunda esfera de maior concentração de profissionais atuando terapeuticamente era a do serviço público de saúde (14,7%). Confirmando a tendência apontada em pesquisas anteriores, a maior parte dos pacientes em processos terapêuticos concentrava-se nas áreas dos distúrbios articulatórios (15,3%), retardo de linguagem (14,4%) e distúrbios de leitura e escrita (13,7%). O Perfil do Fonoaudiólogo no Estado de São Paulo, apresentado em 1997, pelo Conselho Regional de Fonoaudiologia, com 4507 profissionais, corroborou, em parte, os dados já divulgados anteriormente. No final dos anos noventa do séc.XX, o fonoaudiólogo mantinha como atividade principal o trabalho terapêutico autônomo (54,61%), seguido do trabalho realizado em serviços públicos de saúde (12,4%). Sua maior clientela concentrava-se na faixa etária de dois a dezenove anos (92,51%), apresentando porém um expressivo crescimento nas faixas dos bebês (31,11%) e idosos (40,07%). A área predominante de atuação ainda era a da Linguagem (63,07%). Nessa pesquisa, no entanto, observou-se uma tendência de crescimento de atuação na área de Audiologia (12,26%)2. 1 A pesquisa realizada em 1994 representa a terceira etapa de uma pesquisa maior, que teve início em 1987, e que pretendia caracterizar o profissional da área dos Distúrbios da Comunicação. Nessa última etapa, foram pesquisados os fonoaudiólogos dos Estados de São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. 2 A Fonoaudiologia ainda apresenta-se dividida nas áreas: Linguagem, Audiologia e Voz. O rápido panorama sobre o perfil do profissional da área fonoaudiológica, mais do que esgotar a questão relativa a ele, tem a intenção de apontar características de sua principal atividade, qual seja, a clínica da linguagem. Desde finais da década de oitenta do séc. XX, diversos profissionais vêm se dedicando a aprofundar fundamentos teóricos e práticos da clínica fonoaudiológica (Maia, 1987; Masini, 1989; Souza, 1987, 1991; Arantes, 1994, 2001; Cunha, 1997; Silva, 1999; Palladino, 2000, 2001; Guilhermino & Palladino, 2001; Amoroso & Freire, 2001, entre outros). Há uma tendência, nesses trabalhos, ainda que sob enfoques diversos, em se analisar criticamente aquela que tem sido denominada clínica da objetividade. 2.1. A Clínica da Objetividade Apontada como a clínica tradicionalmente voltada para a correção do erro, a clínica da objetividade procurou respaldar-se na medicina, na psicologia do desenvolvimento e na lingüística normativa, para legitimar sua prática e produção teórica. Nessa perspectiva clínica, o sintoma de linguagem foi normatizado, isto é, foi passível de uma classificação prévia, advinda de áreas de conhecimento que não têm a linguagem patológica como seu objeto primário de estudo. Como atestam Amoroso & Freire (2001: 19), a concepção de sintoma de linguagem pela clínica da objetividade foi construída a partir da noção de erro, visto como o negativo do positivo. Almeja-se a remoção do erro para o restabelecimento de uma normalidade que, tratando-se de linguagem, significa conformidade às estruturas que a compõem. Segundo Palladino (2000: 66), a leitura do pathos, sob a ótica da objetividade, subtrai a diferença, a singularidade, pois impõe um tratamento ortopédico às realidades humanas, conformando uma leitura por expectativa em que o novo será aplacado, apagado, silenciado. No exercício cotidiano da prática terapêutica fonoaudiológica, isso se traduz em prescrições de atividades que visam a adequação ora de aspectos orgânicos, considerados pré-requisitos para a aquisição da linguagem, ora de elementos lingüísticos indispensáveis para o estabelecimento de uma comunicação eficiente. O terapêutico cede, assim, espaço ao pedagógico e, como diz Arantes (1994), a (rel) ação que melhor caracteriza essa perspectiva clínica é a de ensinar/aprender. Mas, na medida em que a construção do saber da área se aloja na prática, como afirmam Cassavia & Maia (2001: 123), a existência da diversidade no que se refere à linguagem, no âmbito da prática terapêutica fonoaudiológica, não pôde passar desapercebida por seus profissionais. Assim, como resposta à clínica da objetividade, surgem, na Fonoaudiologia, dois movimentos favoráveis a mudanças na atuação e na compreensão dos problemas de linguagem. Estamos nos referindo à denominada clínica da subjetividade e ao que por ora denominamos clínica da intersubjetividade3. 2.2. A Clínica da Subjetividade É consenso entre os profissionais que discutem essa perspectiva clínica a instauração de um novo paradigma na área: o do saber aberto a múltiplas possibilidades, já que o sujeito e a linguagem são caracterizados pela singularidade. Essa perspectiva traz à tona novos enfoques para questões fonoaudiológicas como: conceito de sintoma de linguagem, lugar do terapeuta, técnicas do trabalho terapêutico. Traz, em seu bojo, também, a assunção de outras concepções de linguagem e novas parcerias na construção do conhecimento. No decorrer deste capítulo, veremos que há, por parte dos profissionais favoráveis a essa perspectiva, uma ênfase maior em uma ou outra concepção, o que acarreta diferenças significativas no conceito de sintoma de linguagem e, 3 Clínica da objetividade e clínica da subjetividade são termos já encontrados na literatura da área para designar diferentes tendências de trabalho terapêutico e suas bases teóricas. O mesmo não ocorre com clínica da intersubjetividade, termo que está sendo por nós cunhado para categorizar uma outra tendência existente na área que, como veremos, tem por base em seus procedimentos terapêuticos a natureza social da língua. principalmente, no manejo do processo terapêutico. Como não há denominações oficiais para essas diferenças de ênfase, optamos por apresentar as características da clínica da subjetividade a partir dos enfoques dados ao conceito de sintoma de linguagem, à interpretação como técnica do trabalho terapêutico e ao lugar do terapeuta, entendendo que, dessa forma, as semelhanças e diferenças originadas pela ênfase dada a determinado construto teórico serão apontadas. Antes, porém, faz-se necessário apresentar a qual concepção de linguagem os partidários da clínica da subjetividade estão filiados. Para Andrade (2001), Lier-De Vitto & Fonseca (2001), Palladino (2001), Amoroso & Freire (2001) e Rubino & Fonseca (1998), a singularidade na linguagem surge a partir do estranhamento que uma fala pode causar aos falantes em geral, tanto o que fala quanto o que escuta. Essa noção de singularidade tem no interacionismo brasileiro, proposto por Claudia de Lemos, sua inspiração. Retomemos alguns de seus aspectos que mais subsidiaram o pensamento fonoaudiológico no interior da clínica da subjetividade. Claudia de Lemos, pesquisadora brasileira da Aquisição de Linguagem de linha interacionista, passa por duas fases distintas na elaboração de sua teoria de aquisição de linguagem. Desenvolvida na década de oitenta, a primeira fase está apoiada na idéia de que a condição básica para a aquisição da linguagem é a interação com o outro, aproximando-se de teses socio-interacionistas de aquisição de linguagem. De Lemos tomou como unidade de análise da aquisição de linguagem o diálogo adulto-criança e não mais a fala da criança isoladamente, como era corrente nas áreas da Lingüística e da Psicolingüística, cuja tentativa era a de se descrever uma gramática infantil. Suas formulações iniciais, segundo Teresa de Lemos (2002), estudiosa da teoria interacionista brasileira, partem de estudos de Melissa Bowerman (1973), Ronald Scollon (1973) e Jerome Bruner (1975)4. De Bowerman, apreende que há uma flexibilidade na fala da criança que rejeita a criação de gramáticas infantis. Construções gramaticais realizadas por crianças, inesperadas do ponto de vista do adulto, são classificadas como enigmas e não simplesmente erros, pois são construções possíveis em relação à estrutura da língua. De Lemos encontra no trabalho de Scollon, que descobriu sentenças verticais na fala de crianças que ainda não formavam sentenças, uma possibilidade de desvendar tais enigmas. Essa descoberta permitiu a De Lemos a formulação de sua hipótese de que a criança depende do outro, do ponto de vista da língua. Vem, também, de Bruner a inspiração de tomar a linguagem como uma atividade conjunta. Para esse autor5, a aquisição da linguagem pela criança requer muito mais do adulto do que Chomsky suspeitou. Ficar exposto a um fluxo de linguagem está longe de ser tão importante quanto usá-la em meio ao ‘fazer’. Em outras palavras, não basta o input, mas é necessária a interação. Um tipo de interação que asseguraria o domínio lingüístico por parte da criança e que Bruner (1982: 177) denomina Sistema de Apoio para a Aquisição da Linguagem (SAAL). 4 5 Bowerman e Scollon são autores de pouca projeção na área da Aquisição da Linguagem, mas que , segundo Tereza de Lemos (2002), influenciaram De Lemos em sua teoria interacionista de Aquisição de Linguagem, por apresentarem hipóteses acerca da fala da criança que se distanciavam da conduta corrente na época de se encontrar universais de aquisição de linguagem. Esses dois autores são desconhecidos do público fonoaudiológico. Já o trabalho de Bruner, autor respeitado entre os teóricos do socio-interacionismo, embora pouco citado na Fonoaudiologia, pode ser facilmente reconhecido em alguns trabalhos da área, como veremos adiante. Por esse motivo deter-nos-emos um pouco mais em alguns de seus conceitos. Bruner, representante da geração de psicólogos evolutivos americanos, foi um dos estudiosos de Piaget que encontrou, em suas pesquisas, evidências da importância da interação social no desenvolvimento intelectual da criança. Para ele, a linguagem exerce importante papel no avanço intelectual, tanto através do processo formal de ensino-aprendizagem, quanto das diversas situações cotidianas, em contato com adultos em suas diversas atividades. Aproximando-se das idéias de Vygotsky, tendo sido, inclusive, um dos importantes pesquisadores no resgate para o ocidente da produção vygotskiana, Bruner mostra-se particularmente sensível ao papel do meio e das diferenças culturais em relação ao desenvolvimento intelectual. Todo seu estudo sobre a aquisição de linguagem deriva desta noção de interação, em que as relações sociais adquirem relevância. Bruner não descarta a influência do fator biológico sobre o desenvolvimento, mas é ele mesmo que afirma que a cultura e a busca por significado são a mão modeladora, a biologia é a restrição e (...) cabe à cultura o poder de afrouxar essas limitações (Bruner, 1990: 30). Bruner sugere que as primeiras interações entre um adulto e uma criança são férteis em procedimentos, empregados por ambos, que constituem um instrumento fundamental para a aquisição da linguagem verbal pela criança. Baseado na idéia de Fillmore (1977)6, ele acredita que, para que a criança receba as chaves da linguagem, ela deva participar primeiro de um tipo de relação social que atue de modo consonante com os usos de linguagem no discurso, ou seja, uma relação em que haja uma intenção compartilhada, uma especificação dêitica e o estabelecimento de uma pressuposição. A esse tipo de relação, Bruner denominou format. Os formats pressupõem uma relação de complementaridade e reciprocidade de papéis. A resposta de um dos participantes existe em função da ação/resposta do outro, havendo não só um acordo como também divisão de tarefas e iniciativas. A princípio, eles lidam com aspectos mais canônicos de determinada cultura, permitindo à criança incorporar-se, de modo ainda provisório, em suas regras fundamentais. Aos poucos, podem ser incorporados em rotinas superiores, estabelecendo-se uma estrutura hierárquica. A criação de formats de ordem superior mediante a incorporação de formats de sub-rotina é uma das principais fontes de pressuposição (Bruner, 1982: 180). Os primeiros formats (de ação e de petição) implicam uma ação conjunta, ritualizada e sucessiva como, por exemplo, os jogos de dar e tomar, cadê/achou (pee-ka-boo). Bruner observou que, uma vez tendo aprendido a responder a esses formats, a criança é capaz de provocá-los e, aos poucos, assumir a iniciativa. 6 Fillmore propõe que a função das gramáticas seja a de estabelecer uma perspectiva sobre a cena que uma oração representa. Segundo as observações do pesquisador, é a partir desses formats que a criança passa a realizar funções lingüísticas básicas como pedir ou indicar, tendo sempre o adulto a orientá-la para que seu pedido seja compreendido. Assim, para Bruner, é pela familiaridade e estrutura dos formats iniciais que a criança apreende as estruturas lingüísticas básicas, aprendendo também a relacioná-las a suas intenções. Graças à estrutura de conservação de pressupostos de um format, a criança e o adulto envolvidos substituem, aos poucos, procedimentos indicativos para outros do tipo intralingüísticos. É aí que entram os jogos de linguagem que proporcionarão à criança elementos necessários para a construção do seu discurso. Com sua teoria de formats, Bruner (1982: 183) defende a hipótese de que: Todas as culturas têm formas para criar formats de interação e discurso cujo fim é o de fazer sobressair aspectos do mundo e da interação social que se projetam mais facilmente nas categorias lingüísticas e nas regras gramaticais. Nessas interações iniciais, o adulto atua como modelo e organizador daquilo que ainda não é domínio da criança, até que ela se sinta capaz de fazê-lo sozinha. A idéia aí contida é a da Zona de Desenvolvimento Proximal, de Vygotsky7, caracterizada pelas possibilidades de aprendizagem da criança 7 Vygotsky vê a relação com o adulto ou com parceiros mais experientes como a mola propulsora de todo o desenvolvimento infantil. Para ele, desenvolvimento e aprendizado estão inter-relacionados desde os primeiros focadas a partir dos processos ainda em formação. Nas palavras de Bruner (1982: 184), a ZDP seria como um préstimo de consciência que a criança recebe das mãos do adulto e que conserva até que possa valer-se por si mesmo. Para Teresa de Lemos (2002:170), Bruner com sua teoria instaurou a intersubjetividade nos estudos da Aquisição de Linguagem, pois fez reconhecer que a língua, afinal, é do Outro, auxiliando De Lemos (1982) na construção do conceito de processos dialógicos na aquisição da linguagem pela criança. Para a autora, especularidade e complementaridade8 constituem-se os processos constitutivos do diálogo e da aquisição da linguagem. Por momentos de vida de uma criança, sendo que o aprendizado humano pressupõe uma natureza social e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam (Vygotsky, 1935: 117). No aprofundamento dessa questão, Vygotsky desenvolveu um dos mais importantes conceitos de sua teoria: o de zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Para ele, há pelo menos dois níveis de desenvolvimento intelectual. Um está relacionado aos ciclos de desenvolvimento já completados (Vygotsky, 1935: 111), daí o nome de nível de desenvolvimento real. Vygotsky atenta para o fato de toda a psicologia da época voltar-se apenas para esse nível quando se avalia a capacidade intelectual de uma criança apenas por aquilo que ela consegue fazer sozinha. Ele, por outro lado, acredita que soluções alcançadas em colaboração com adultos ou colegas mais experientes são um indicativo maior de desenvolvimento do que aquilo que ela faz sozinha. Isto porque o fazer sozinha reflete funções já amadurecidas, enquanto que o fazer em colaboração define as funções em maturação, ainda em processo embrionário. Eis aí o nível de desenvolvimento potencial. A distância entre o nível de desenvolvimento real e o de desenvolvimento potencial é a zona de desenvolvimento proximal ou imediato. Paulo Bezerra (2001), tradutor diretamente do russo do texto integral de Pensamento e Linguagem de Vygotsky, chama a atenção do leitor brasileiro para a tradução feita até então do termo zona de desenvolvimento proximal. Segundo ele, o termo correto idealizado por Vygotsky seria zona de desenvolvimento imediato e não proximal, por dois motivos. Nas palavras do tradutor: Primeiro: o adjetivo que Vigotski acopla ao substantivo desenvolvimento (razuítie, substantivo neutro) é blijáichee, adjetivo neutro do grau superlativo sintético absoluto, derivado do adjetivo positivo blízkii, que significa próximo. Logo, blijáichee significa o mais próximo, proximissimo, imediato. Segundo: a própria noção implícita no conceito vigotskiano é a de que, no desempenho do aluno que resolve problemas sem a mediação do professor, pode-se aferir incontinenti o nível de seu desenvolvimento mental imediato, fator de mensuração da dinâmica de seu desenvolvimento intelectual e do aproveitamento da aprendizagem. Daí o termo zona de desenvolvimento imediato (prólogo de A construção do pensamento e da linguagem, 2001: XI). A denominação ZDP ou ZPD também é objeto de discussão de outros autores. A idéia trazida por Bezerra de desenvolvimento mais próximo, imediato é observada nas palavras de Vygotsky (1935:113): (...) a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de formação. 8 Esses termos são emprestados do trabalho desenvolvido por Camaioni (1978) acerca de interações adultocriança e criança-criança. Na teoria de De Lemos eles deixam de corresponder à interação propriamente dita, passando a se referir à relação entre os enunciados (cf. Lemos, 2002: 192) especularidade entende-se a incorporação pela criança de parte ou do todo do enunciado do adulto. Complementaridade seria a resposta da criança a um enunciado imediatamente anterior do adulto. De Lemos subdivide esse processo em complementaridade inter-turnos (a resposta a um enunciado anterior) e intraturnos (a incorporação de parte do enunciado anterior do adulto com uma complementação da própria criança). Para a autora, a especularidade no nível segmental e a complementaridade no nível suprasegmental fazem surgir a complementaridade no nível segmental. Como vimos, na definição dos processos dialógicos, De Lemos aproxima-se de Bruner. A importância conferida por ele à mãe por estar atenta aos gestos do filho, imitando-os e também atribuindo-lhes significados, o que equivaleria a projetar a criança como sujeito intencional, é reconhecida, de modo análogo, na conceituação de De Lemos dos processos dialógicos. O processo de especularidade, também observado nos enunciados da mãe em relação aos da criança, seria uma forma de o adulto representá-la como sujeito de um enunciado. Um sujeito que só se vê através do outro, que dele depende para fazer sentido. No entanto, o conceito de sujeito (e de outro), para De Lemos, não é o sujeito psicológico ou social. Nesse aspecto, a autora demonstra maior afinidade aos estudos de Scollon, na medida em que, como ele, não toma a via do recobrimento do lingüístico com um funcionalismo social ou cognitivo (Lemos, 2002:190). Assim como Scollon, entende que não é a intenção comunicativa o primeiro apelo da criança, mas antes um apelo de ver reconhecido o que ela produz. Assim, especularidade e complementaridade não se referem a sujeitos, mas a estruturas lingüísticas. Os processos que governam o diálogo estabelecem, portanto, uma relação de submetimento à ordem lingüística. Isto significa o abandono à intersubjetividade9. No aprofundamento de sua teoria e na busca de explicações para a aquisição da linguagem pela criança, De Lemos resguarda a idéia da flexibilidade na fala da criança e de seu submetimento à ordem lingüística, mas faz críticas tanto à visão cognitiva de aquisição de linguagem quanto à socio-interacionista. Para ela, os teóricos destas correntes não conseguiram demonstrar como a estrutura e as categorias da língua podem derivar de processos interativos. O fato de Bruner admitir que a interação é importante para a aprendizagem da linguagem em uso, não havendo, entretanto, correspondência entre a comunicação prélingüística e a aquisição de estruturas lingüísticas, é, para a autora, prova de que o socio-interacionismo falhou na explicação da aquisição da linguagem. O compromisso com a fala da criança e seus enigmas, sem que isso significasse o abandono de uma interpretação estrutural em favor de uma funcional, fez com que De Lemos se aproximasse, em sua segunda fase, da lingüística de Saussure. Mais especificamente, foi o retorno de Lacan a Freud, com sua releitura de Saussure e Jakobson, que inspirou o modelo de aquisição de 9 Lemos (2002) observa que o terceiro processo dialógico, o da reciprocidade, caracterizado pela capacidade da criança de iniciar uma interação, tomando o outro como seu interlocutor, quebra com a relação de submetimento à ordem da língua pois é pura intersubjetividade. Talvez essa seja a razão, segundo ela, do não aprofundamento desse conceito na teoria interacionista brasileira. No trabalho em que De Lemos discute os processos dialógicos (1982), por exemplo, o conceito de reciprocidade nem aparece. De Lemos (1992), na medida em que essa releitura reacendeu a importância da noção de estrutura na lingüística saussuriana. Para Saussure, a língua é um sistema cujos termos são solidários: o valor de cada um reside em relação à presença/ausência de outro. A noção de valor é dada por um princípio paradoxal: diferença e semelhança de um significante em relação a outro significante. Para o autor, não existem simplesmente unidades lingüísticas, mas sim relações entre elas. Tais unidades estruturam-se em relações sintagmáticas ou relações de contigüidade (o valor de uma unidade é obtido a partir da relação estabelecida entre as unidades que a precedem e as que a sucedem) e em relações paradigmáticas ou relações de similaridade (unidades que podem ser substituídas por outra de igual valor). Jakobson (1955), na busca de uma sistematicidade subjacente ao discurso afásico, amplia as noções de paradigma e sintagma. A observação desse discurso levou-o a crer na existência de uma redistribuição das funções lingüísticas. As perdas e compensações na afasia apontam para a inter-relação dos elementos lingüísticos, tal qual Saussure havia desenvolvido em sua teoria. Utilizando-se dos conceitos de metáfora e metonímia, Jakobson reafirma a existência de dois modos básicos de relação: a relação interna de similaridade servindo de base à metáfora (que é uma ampliação do conceito saussuriano de paradigma) e a relação externa de contigüidade determinando a metonímia (como ampliação do conceito de sintagma). Para Jakobson (1955: 48), os componentes de qualquer mensagem estão ligados necessariamente ao código por uma relação interna de equivalência e ao contexto por uma relação externa de contigüidade. Usar esses conceitos de Saussure, relidos por Jakobson, para compreender como se dá a aquisição de língua materna foi o caminho proposto por De Lemos, por dois motivos: a relação de solidariedade existente entre léxico e estruturas e a condição de interdependência entre os processos metafórico e metonímico. Em outras palavras, a escolha/presença de um elemento lingüístico pressupõe não só a ausência de outro que poderia substituí-lo como também a noção de sua posição no encadeamento dos elementos. Para De Lemos (1992), considerar essa interdependência significa dizer que não há uma aquisição ordenada dos componentes da língua, isto é, não há como sustentar a hipótese de que a aquisição do léxico, por exemplo, preceda a da sintaxe. A aquisição da linguagem se dá, portanto, a partir da submissão dos significantes da criança a processos metafóricos e metonímicos, através de relações com outros significantes. É a partir de fragmentos do discurso do outro – assumido agora como discurso ou instância de funcionamento da língua constituída (de Lemos, 1992: 128) – que a criança vai, em interação com esse discurso, adquirindo não só o léxico como também as posições desse léxico numa estrutura. Uma vez que existe o pressuposto de que a experiência da linguagem em uso vivida pela criança antecede o conhecimento lingüístico exigido para tal, a reorganização é, para de Lemos, um efeito de linguagem sobre a linguagem. E a autora completa (1992: 132): Na aquisição inicial da linguagem, o enunciado da criança é ouvido e ressignificado pelo enunciado do adulto, já que seus significantes são formas isoladas, independentes, cuja significação é dada por sua posição em uma estrutura frasal ou textual. O momento em que a criança passa a se autocorrigir é um indício de que sua condição de interpretado mudou para a de intérprete de seu próprio discurso e dos de outros. A idéia do sujeito capturado pela língua, assumido como efeito da língua/fala (Lier-De Vitto & Fonseca, 2001: 436), é incorporada por fonoaudiólogos partidários da clínica da subjetividade. No caso da linguagem patológica, o que se propõe é a observação do funcionamento de língua na fala e os efeitos por ela produzidos nos falantes de uma mesma língua. Passemos, então, para os conceitos fonoaudiológicos desenvolvidos por essa vertente clínica. 2.2.1. Sintoma de linguagem Para Andrade (2001: 264), se uma criança chega à clínica fonoaudiológica é porque sua fala já produziu um efeito de estranhamento em alguém. Este estranhamento inicial, no entanto, precisa ser compreendido pelo fonoaudiólogo, para que se justifique ou não uma possível intervenção fonoaudiológica. Rubino & Fonseca (1998) discorrem sobre o conceito de sintoma de linguagem, apoiadas, por um lado, na idéia desenvolvida por De Lemos, de que não é possível falar em padronização da emergência da linguagem, na medida em que a homogeneização da produção lingüística não é observada nem mesmo numa única criança. Por outro lado, respaldadas em Canguilhem (1966) e seus conceitos de normal e patológico, entendem que, ainda que haja a tendência de se buscar a norma na média das produções infantis observadas, nem tudo que é menos freqüente é patológico10. Tomando o erro tal como proposto na visão interacionista de De Lemos – como um dos produtos possíveis do funcionamento da língua, que se estende a toda manifestação na fala que ultrapassa e diverge da língua constituída – para conceitualizar sintoma de linguagem, as autoras põem em cena a presença de um falante e de sua escuta e a noção de efeito. Sendo a noção de divergência próxima da de desvio, a noção de efeito que causa uma manifestação desviante na fala é de estranhamento. Para as autoras, há estranhamento quando há simultaneamente familiaridade e diferença. Ninguém estranha aquilo que não é familiar na língua constituída. Em suas palavras, o que se estranha na fala da criança é o modo através do qual a língua opera sobre os fragmentos (escutados como familiares) rearranjando-os e produzindo o imprevisível e o equívoco (escutados como diferença). Vê-se que só é possível falar em estranhamento quando se está submetido à língua (Rubino & Fonseca, 1998: 9). Numa definição tautológica, para as autoras, o patológico seria o efeito particular que a fala desviante patológica produz; um efeito que, segundo elas, não é alheio ao funcionamento da língua, mas, sim, um dos seus produtos. Para Rubino & Fonseca (1998: 10), a distinção entre normal e patológico, no âmbito da Fonoaudiologia, faz-se no espaço clínico propriamente dito. O fonoaudiólogo não se desvencilha de sua condição de falante, mas, nesse espaço, não se porta como um falante qualquer, porque sua escuta incide já sobre a 10 Canguilhem, em seu livro O Normal e o Patológico, discute a noção de norma, na área médica, advinda da média aritmética. Ele defende a idéia de que o que está fora da norma não significa necessariamente um desvio porque é precisamente nas diferenças em relação à norma que consiste a individualidade do ser humano. Partindo da tese de que o corpo humano é produto da atividade social, a normatividade vital não poderia ser obtida por um cálculo aritmético. escuta de um outro que, porque estranhou a fala de alguém, dirige uma demanda para o fonoaudiólogo de confirmação ou não de um estado patológico, bem como de superação desse estado. A escuta do fonoaudiólogo, de acordo com as autoras, diferenciar-se-ia da do falante comum por estar impregnada de um saber técnico que busca confrontar uma fala singular com a língua constituída. Para Amoroso & Freire (2001), igualmente, a idéia de tomar a linguagem em seu funcionamento trouxe novo foco para o diagnóstico em Fonoaudiologia, pois inaugurou a incidência do olhar sobre a fala do sujeito e suas mudanças num determinado período e não mais sobre a norma lingüística. Tal perspectiva permitiu que o fonoaudiólogo concebesse o erro como indicativo do processo de aquisição, pois previsto no funcionamento da língua. No entanto, afirmam as autoras que a interpretação do sintoma de linguagem não deve ficar na descrição do funcionamento da linguagem11 e do efeito da fala de outro sobre esta. Na clínica da subjetividade, o sintoma deve alçar o estatuto de possível elemento-chave na decifração do funcionamento das estruturas da linguagem patológica (Amoroso & Freire, 2001: 22). E isso, seguem as autoras, só é possível tomando o sintoma à semelhança de como é concebido na psicanálise12. Aí, ele é definido como produto de uma formação psíquica sobredeterminada (Amoroso & Freire, 2001: 22) e possui valor simbólico, pois sinaliza algo sem sê-lo especificamente. 11 As autoras, no trabalho citado, ora utilizam-se da expressão ‘funcionamento de língua’, ora da expressão ‘funcionamento de linguagem’. Inicialmente, quando marcam suas posições teóricas, o uso de ‘funcionamento de língua’ está vinculado à teoria interacionista desenvolvida por De Lemos que, entre outros aspectos, toma o outro como instância do funcionamento da língua constituída, regido por processos de troca metafóricos e metonímicos. O termo ‘funcionamento de linguagem’ surge quando as autoras procuram ampliar a noção de linguagem, a partir de conceitos propostos pela Análise do Discurso. Aí, a noção de funcionamento leva em consideração as condições de produção como parte integrante do processo e ‘linguagem’ é tomada como lugar de confronto ideológico. Trata-se, portanto, de expressões que remetem a teorizações diversas. No entanto, no decorrer do trabalho citado, a expressão ‘funcionamento de linguagem’ é utilizada em contextos em que o correto, pelo sentido atribuído pelas autoras, seria ‘funcionamento de língua’. Esse fato é observado também em outros textos assinados por Freire. 12 Cabe um esclarecimento. Quando as autoras tomam o sintoma como é concebido na psicanálise, é necessário ressaltar que se trata de uma determinada visão de psicanálise, a saber, a freudiana. Por vezes, observamos o uso indiscriminado do termo psicanálise, por parte de alguns fonoaudiólogos. É salutar para a área que seus teóricos explicitem a visão psicanalítica que usam como aporte teórico para a elaboração de seus trabalhos. Para as autoras, o sintoma de linguagem é concebido como uma elaboração discursiva sobredeterminada13, de caráter imprevisível e contingente (Amoroso & Freire, 2001: 22-23). A leitura do fonoaudiólogo dessa elaboração discursiva deverá revelar regularidades no funcionamento da linguagem patológica. E é no decorrer do processo terapêutico, a partir dos efeitos da interpretação14 do fonoaudiólogo sobre a fala do outro (paciente), que deslocamentos do sintoma poderão ser observados. Segundo as autoras, a presença desses deslocamentos indica sinal de funcionamento de linguagem (Amoroso & Freire, 2001: 26) e a ausência de deslocamentos, um funcionamento patológico. A determinação desse funcionamento patológico, para as autoras, pode estar relacionada à regularidade de uma interpretação de um falante comum sobre uma manifestação lingüística fixada como erro. O que poderia ser característica de um processo de aquisição torna-se, então, patológico. Em outras palavras, para Amoroso & Freire (2001), o sintoma de linguagem seria uma espécie de retorno de um recalque sobre determinada elaboração discursiva, considerada regularmente como erro por interlocutores do falante em questão. Em nosso entender, levanta-se a questão: por que aquilo que é característica de um processo de aquisição de linguagem para uns torna-se patológico para outros? E, ainda: é possível existir base para a fixação de determinada manifestação lingüística como erro que desconsidere valores sociais e culturais de uma determinada época? Sintoma de linguagem na clínica da subjetividade também é entendido como o estranho que insistentemente se repete. Palladino (2001: 160) nos diz que o sintoma de linguagem é uma afetação em que a fala do paciente, repetida e 13 Segundo Laplanche e Pontalis (1983: 641-642), há dois sentidos, na psicanálise freudiana, para o conceito de sobredeterminação: 1º - não há uma causa para a formação psíquica, que é determinada por vários fatores. 2º - cada formação remete a uma pluralidade de elementos inconscientes. A sobredeterminação, como vista em Freud, implica uma rede complexa de elementos e uma determinação da qual o sujeito é efeito. Do ponto de vista da língua, falar em sobredeterminação é admitir a equivocidade como característica positiva da língua. A sobredeterminação impede que a língua seja uma; ao contrário aponta para uma revelação imprevisível de combinações da língua. 14 O conceito de interpretação fonoaudiológica será detalhado adiante, ainda neste capítulo. estranha, nos envolve. (...) O que vem provocar uma qualidade de ‘pathos’ é uma trangressão que insinua a dor, e essa insinuação se apresenta no mesmo que se repete. Para a autora, esse mesmo que se repete também leva a um efeito de estranhamento que não nos remete ao riso ou compaixão preconceituosa, porém surpreende pela dor que aí imprime sem pudor (Palladino, 2001: 160). A noção de estranhamento – e, conseqüentemente, a de sintoma de linguagem – ganham novos contornos quando a elas se associa a dor. Uma dor que não se localiza no orgânico; uma dor psíquica. Paralelo, então, ao movimento realizado em direção à visão interacionista de aquisição de linguagem, outro movimento, em direção às teorias psicanalíticas, desenvolve-se no interior da clínica da subjetividade. Cunha (1997: 37) aponta para esse movimento, quando sublinha a necessidade de o fonoaudiólogo abandonar uma surdez fonoaudiológica em favor de uma escuta fonoaudiológica. Segundo a autora, isso significa deixar de ouvir apenas a linguagem e o sintoma na sua literalidade e dar ouvidos também ao seu conteúdo psíquico latente. Aqui, o sintoma de linguagem tem valor simbólico e o discurso não pode ser tomado como autônomo em relação ao psiquismo. Isso seria o mesmo que negar a existência de sujeitos dotados de aparelhos psíquicos. Nesse trabalho, a autora procura demonstrar que, mesmo quando enfermo, o discurso evidencia uma relação com o psiquismo. Respaldada pela teoria freudiana, mais especificamente pelas noções de aparelho psíquico e de pulsão, Cunha entende que critérios somáticos e lingüísticos, no procedimento fonoaudiológico, não são suficientes para explicar e/ou resolver as questões de linguagem que o cliente15 apresente. Para ela, sempre existirá algum sentido nos ditos dos nossos clientes, mesmo quando forem, aparentemente, mal ditos (Cunha, 1997: 84). Ao fonoaudiólogo cabe, então, uma escuta diferenciada desse discurso, uma escuta com duas orelhas, como a própria autora denomina. Uma para escutar os sintomas na sua especificidade; outra para seus conteúdos latentes. 15 Esta autora refere-se ao paciente, denominação usual ao sujeito que procura atendimento fonoaudiológico, como cliente. Procurando ser fiel à denominação utilizada pelos profissionais aqui citados, passaremos então a usar a denominação ‘cliente’ quando no referirmos ao trabalho da autora em questão. Cunha defende uma concepção de linguagem que tem o discurso como sua unidade de análise. Assim, a atividade dialógica vem substituir procedimentos metalingüísticos comumente usados na clínica fonoaudiológica. Pelas palavras da autora, caberia ao fonoaudiólogo tomar o seu cliente numa ordem discursiva ao invés de tentar ensiná-lo a falar direito (Cunha, 1997: 82). A autora se refere a uma visão de linguagem que trate de seu funcionamento. Embora use o termo funcionamento, Cunha não o toma como funcionamento de língua ou funcionamento de linguagem como outros fonoaudiólogos já discutidos neste capítulo. O uso, em seu trabalho, equivaleria a pensar na relação entre sistema lingüístico e produção de sentidos que, uma vez assumida a existência do aparelho psíquico, esta traria marcas do inconsciente. Nas palavras da autora, se a linguagem é concebida como um trabalho simbólico de produção de sentidos, se resulta da atividade dialógica intersubjetiva, ela não pode ser tomada apenas na materialidade do código (Cunha, 1997: 73). A atividade dialógica é aí tomada como a base para o exercício da intervenção fonoaudiológica proposta pela autora, qual seja, a interpretação fonoaudiológica. 2.2.2. Interpretação Pelo exposto até agora, podemos afirmar que partidários da clínica da subjetividade assumem a atividade terapêutica fonoaudiológica como essencialmente dialogal e apresentam a interpretação como a intervenção terapêutica mais adequada à compreensão e transformação dos sintomas de linguagem que chegam às clínicas fonoaudiológicas. Retomando o que Rubino & Fonseca (1998) dizem sobre sintoma de linguagem, vimos que a relação normal/patológico, no que se refere à linguagem, realiza-se no espaço clínico fonoaudiológico. Sem abandonar sua condição de falante comum, cabe ao fonoaudiólogo ter uma escuta diferenciada da fala do paciente, apresentando-lhe interpretações possíveis de seus enunciados, observando os efeitos nele produzidos. Arantes & Lier-De Vitto (1998), ao apresentarem a interpretação fonoaudiológica, inicialmente diferenciam-na da interpretação psicanalítica. Esta seria uma interpretação aberta a novos sentidos; uma interpretação que amplia16. A interpretação fonoaudiológica – a respaldada na teoria interacionista – teria a função inversa, qual seja, a de restringir sentidos, sugerindo uma nova ordem a fragmentos dispersos na fala do paciente. As autoras entendem que a interpretação fonoaudiológica ocorre em dois tempos: a interpretação em cena e a interpretação dos dados. A interpretação em cena é semelhante a do já-falante, no contexto clínico, em que fonoaudiólogo e paciente estão submetidos um à fala do outro, levando-se em consideração o fato da escuta diferenciada do terapeuta já citada anteriormente. A interpretação dos dados é posterior a esse momento e é feita pelo fonoaudiólogo que, agora, debruça-se sobre o material lingüístico produzido na sessão fonoaudiológica e os analisa segundo critérios da teoria interacionista. Como vimos anteriormente, tal teoria sustenta a idéia da autonomia do funcionamento lingüístico, regido por leis internas de relações de valor. Caberia ao fonoaudiólogo, ao interpretar os dados lingüísticos obtidos a partir de uma sessão terapêutica, identificar o modo como essas leis regem o funcionamento da linguagem dita patológica. Para os fonoaudiólogos compromissados com a teoria interacionista proposta por De Lemos, a interpretação fonoaudiológica coloca-se sempre na articulação entre a singularidade dos acontecimentos lingüísticos que têm lugar na clínica fonoaudiológica e a universalidade de um funcionamento da língua à qual a fala, tanto do paciente quanto do terapeuta, está submetida. Também Amoroso & Freire (2001) consideram a interpretação fonoaudiológica um instrumento de investigação e intervenção no funcionamento da linguagem patológica. Para as autoras, no entanto, não basta o reconhecimento de traços estruturais, embora considerem de fundamental 16 Novamente parece-nos importante enfatizar que, no campo da Psicanálise, cada autor elabora sua teoria a partir de uma situação clínica específica, situada num tempo histórico, que fornece princípios fundamentais para essa elaboração. É a partir dessa matriz que também são elaborados seus modos de conduzir o tratamento psicanalítico. Assim, a interpretação psicanalítica não é a mesma para as diferentes visões teóricas da área. Quando as autoras afirmam que a interpretação psicanalítica amplia, parecem desconsiderar debates existentes na área sobre o uso dessa técnica. importância o aprofundamento desse conhecimento específico da área17. Apoiadas em trabalho anterior de Freire (2000), apontam para a necessidade da interpretação abranger a demanda familiar, isto é, o dizer do outro sobre a criança, pois existem, segundo Freire (2000), duas formas opostas de interpretação da fala da criança pelo outro, na estrutura familiar. Uma, considerada desviante dada a semelhança aparente que as pausas, auto correções e substituições mantêm com o que comumente é rotulado como patológico e outra, considerada não desviante pois, na medida em que a mãe interpreta a fala de seu filho como semelhante à sua, a criança se aliena nessa interpretação por se reconhecer nessa fala. Daí ocorreria uma forma de desvio (Amoroso & Freire, 2001: 112). Assim, para Amoroso & Freire (2001), a interpretação abrange dois caminhos: um relativo ao aspecto estrutural da linguagem do sujeito e outro, à apreensão do sentido do sintoma para os membros da família. É dessa forma que as autoras vêem diferenciadas as interpretações de um falante comum e do fonoaudiólogo em seu exercício profissional. Guilhermino & Palladino (2001) consideram que o que faz a diferença entre a interpretação do falante comum e a do fonoaudiólogo é o setting terapêutico, na medida em que ele demarca o território que comporta apenas o que é fruto da relação terapeuta/paciente, ou seja, o texto, e dessa forma garante a interpretação como um instrumento de pesquisa clínico-terapêutico (Guilhermino & Palladino, 2001: 36). Para as autoras, a interpretação fonoaudiológica deve permitir ao fonoaudiólogo entrever para além dos sintomas de fala apresentados pelo paciente e lançam mão da psicanálise e da análise do discurso de linha francesa (ADF) para aprofundarem seu conceito de interpretação fonoaudiológica. 17 Em comunicação apresentada no 2o. Congresso Nacional da Associação Brasileira de Lingüística, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1999, Freire & Cordeiro reconhecem a existência de três estruturas clínicas, a partir da observação de certa regularidade no funcionamento da linguagem patológica. São elas: (a) uma primeira em que os significantes repõem-se de forma estável, à semelhança do processo de aquisição. Tais fenômenos dizem respeito aos chamados distúrbios articulatórios, retardo de linguagem e distúrbio de leitura e escrita; (b) uma segunda, em que a alteração não pode ser vista sob a cristalização de uma forma, mas na desorganização de um funcionamento, que nada tem de semelhante com o processo de aquisição, pois implica um sujeito já da linguagem, são os casos de afasia; (c) uma terceira em que a alteração do funcionamento opera na relação com o outro (outro suporte de língua), por exemplo, no caso da gagueira (Freire & Cordeiro apud Amoroso & Freire, 2001: 24). Apoiadas em Hermann (1991), as autoras entendem que a interpretação depende da escuta do terapeuta, algo muito diferente do ato mecânico de ouvir. Para elas, assim como para Hermann, o terapeuta precisa descobrir o que está oculto nas palavras do paciente, do texto confeccionado a cada sessão terapêutica (Guilhermino & Palladino, 2001: 39). Desse texto não faz parte apenas o que foi dito, mas também os silêncios, os atos, a própria relação terapêutica. Assim como entendido na ADF, segundo Orlandi (1999), o empírico na fala de um sujeito é apenas parte de seu processo discursivo. É a interpretação desse processo, no re-arranjo dos seus sentidos, que permite o conhecimento daquele que discursa. Também na clínica fonoaudiológica, a escuta e o re-arranjo dos sentidos dos discursos do paciente e de sua família são propostos pelas autoras como fundamentais para a interpretação dos sintomas de fala. Embora não apontem especificamente como isso acontece – dizendo que é no decorrer do processo que o terapeuta vai se aventurar nos entremeios do discurso de seu paciente (Guilhermino & Palladino, 2001: 48) –, as autoras sugerem que é na relação transferencial que a interpretação ganha corpo, sendo possível a elucidação de conteúdos latentes tão caros à compreensão dos sintomas da fala dos pacientes. A preocupação com o setting fonoaudiológico e a valorização das relações transferenciais presentes em qualquer relação terapêutica levam fonoaudiólogos partidários da clínica da subjetividade que se movimentam em direção a teorias psicanalíticas a delinearem novos contornos para a interpretação como técnica fonoaudiológica. Retomemos Cunha (1997). Sua proposta de interpretação fonoaudiológica é a de uma interpretação fonoaudiológica psicanalítica. Para ela, as noções de transferência e de interpretação não são exclusivas da psicanálise, assim como os fenômenos inconscientes também não o são. Assim, a interpretação fonoaudiológica psicanalítica constitui-se numa modalidade de intervenção que possibilita que o cliente ascenda à linguagem oral a partir da articulação entre representações simbólicas corporais e conteúdos psíquicos inconscientes (Cunha, 1997: 141). Para a autora, também na terapia fonoaudiológica, temos a fala marcada pelo inconsciente. A diferença entre essa terapia e a psicanalítica está no fato de, nessa última, a fala ser reveladora de conteúdos inconscientes e, na fonoaudiológica, a fala é um fim em si, sendo os conteúdos inconscientes um meio através do qual é possível interpretar os sintomas que se manifestam na fala (Cunha, 1997: 146). São dois, portanto, os tipos de intervenção propostos pela autora: intervenção no plano psíquico (estabelecimento das relações do sintoma e a história de vida singular) e a intervenção no plano corporal (abordagem específica do sintoma). A atuação terapêutica fonoaudiológica estaria na articulação entre esses dois planos. 2.2.3. Lugar do Terapeuta Ao explicitarmos os conceitos de sintoma de linguagem e de interpretação na clínica da subjetividade que, como vimos, desdobram-se segundo as diferentes teorias de base adotadas, acreditamos ter apresentado também o lugar do terapeuta nessa visão de clínica. É no espaço clínico ou setting terapêutico – denominação utilizada pelos fonoaudiólogos, dependendo do enfoque dado à determinada teoria de base – que se desenvolve o trabalho terapêutico. Ao fonoaudiólogo, a partir do exposto até aqui, cabe o papel de intérprete diferenciado dos falantes comuns, pois tem a função de estabelecer uma ordem e dar clareza à opacidade dos sintomas de fala dos pacientes, quer identificando uma regularidade no funcionamento da linguagem patológica, quer elucidando conteúdos latentes para além dos manifestos nos sintomas. Nossa intenção, ao discorrermos separadamente sobre este item, lugar do terapeuta, vem da observação da existência de uma tendência, no interior da clínica da subjetividade, de reconhecer o setting terapêutico fonoaudiológico como um espaço em que seja possível fazer emergir a singularidade do sujeito, a partir de uma relação terapêutica propiciadora do autoconhecimento. Tal perspectiva de trabalho tem por base a teoria psicanalítica de cunho winnicottiano. O papel do terapeuta, sob essa perspectiva, é o de propiciar um espaço terapêutico potencializador – análogo ao espaço potencial de Winnicott18 – do conhecimento da realidade e da construção da singularidade do sujeito. Dois eixos são fundamentais para o desenvolvimento desse espaço: a percepção do outro e a relação terapêutica compartilhada. Maia (1997, 2000), Louro (2000), De Matteo (2001) são unânimes em afirmar que a clínica fonoaudiológica é uma clínica centrada nas questões da linguagem, sob um olhar humanizador, de forma a se presentificar, no encontro entre terapeuta e paciente, não só os sintomas aparentes na linguagem do paciente, mas toda sua história de vida. As autoras entendem que o paciente pode, ao compartilhar sua história com o outro, compreender como o sintoma de linguagem se manifesta. Através dessa compreensão e reconhecimento, o fonoaudiólogo pode ajudálo em sua transformação e, conseqüentemente, ajudá-lo também em seu vir-a-ser na relação com o mundo. Segundo De Matteo (2001: 25), graças ao espaço potencial o paciente pode restabelecer sua historicidade, na medida em que: 18 Winnicott define o espaço potencial como o lugar do acontecimento humano, em que, de forma criativa e compartilhada com o outro, a criança vai gradualmente passando da dependência absoluta à dependência relativa rumo à independência; isto é, à sua constituição como sujeito, ao acontecimento humano. Na relação terapêutica, o terapeuta e o paciente fazem parte de um processo no qual cada um está sendo criado e descoberto pelo outro. (...) Nesta relação torna-se possível o nascimento de uma realidade compartilhada, que o paciente pode usar para enriquecê-lo, encorajá-lo e sustentá-lo (De Matteo, 2001: 62). Para os fonoaudiólogos que adotam a visão psicanalítica winnicottiana, a linguagem é tomada como reveladora da historicidade do sujeito. Não por acaso, os processos terapêuticos, nessa visão, apresentam inúmeros relatos de vida de pacientes. Segundo De Matteo (2001: 93), as alterações de linguagem19 freqüentemente provocam nos pacientes um estado de dispersão de si mesmos, cabendo ao fonoaudiólogo o acolhimento, a escuta de sua linguagem, em seu aspecto discursivo, procurando observar o que se revela de sua existência. Poder, então, manifestar-se através de histórias guardadas na memória é, para o paciente, uma forma de se integrar novamente: ao ser reconhecido pelo outro, voltar a se reconhecer. Desse reconhecimento nasce a possibilidade de organização na construção do ser. 2.3 Um excedente de visão Como foi dito no início deste capítulo, os trabalhos aqui citados analisam criticamente a clínica fonoaudiológica tradicional, a chamada clínica da objetividade. Chamou-nos a atenção, no entanto, a constante referência a essa vertente clínica, ainda que o autor em questão estivesse mais voltado, no momento, para a explicitação de sua própria visão. Maia (1987: 162), por exemplo, ao discutir esse enfoque do trabalho fonoaudiológico, diz que o encontro com a linguagem doente jamais era uma descoberta, mas uma afirmação da presença dos desvios já conhecidos e a única alternativa presente era a de corrigí-los. Dez anos mais tarde, as palavras de 19 Pelos autores aqui citados dentro dessa tendência, as alterações de linguagem também se referem a alterações de voz e de articulação da fala. Cunha (1997: 38) evidenciam a sobrevivência dessa visão quando ela diz, como que complementando a afirmação anterior, ouve-se/percebe-se uma fala ‘defeituosa’ na perspectiva de ‘consertá-la’ e, somente depois, ela se tornará algo passível de atribuição de sentidos. O que leva uma visão de clínica ser retomada e debatida por profissionais diversos, por tanto tempo e até tão recentemente? Em nosso entender, a alusão constante a essa visão leva-nos a crer que ela ainda figure – com vida e muita força – no horizonte fonoaudiológico e mereça atenção. A perspectiva bakhtiniana de análise adotada nesta pesquisa ajuda-nos a responder essa questão. Um novo enfoque pode completar-lhe o horizonte ou, ao menos, acrescentar-lhe novos elementos. Além das constantes retomadas da visão mais tradicional de clínica fonoaudiológica, ainda que para criticá-la ou negá-la, não é raro os fonoaudiólogos depararem-se com depoimentos semelhantes a este que se segue: Ele saiu daqui [de uma sessão terapêutica] animado, falante. Fomos no carro conversando e então ele me disse: Mãe, posso te dar uma pergunta? Eu lhe falei que não era ‘dar uma pergunta’, era ‘fazer uma pergunta’. Ele então disse: Mãe, posso te fazer uma pergunta? E aí ele fez a pergunta e eu respondi. Pouco tempo depois, ele falou de novo: Mãe, posso te dar uma pergunta? Eu comecei a ficar intrigada – será que ele não escutou o que eu falei? – e insisti: Não é dar, meu filho, é fazer uma pergunta. Aí ele fez a pergunta e eu respondi. Pouco tempo depois, mas bem pouco mesmo, ele falou outra vez a mesma coisa: Posso te dar uma pergunta? Aí eu não agüentei, eu estourei, disse que ele não podia nem me dar, nem me fazer uma pergunta enquanto não aprendesse a falar direito. Será que esse menino não vai aprender nunca a conversar corretamente? (depoimento de uma mãe à fonoaudióloga de seu filho de seis anos, em terapia fonoaudiológica por apresentar as chamadas trocas fonológicas e discurso pouco elaborado). Aprender a falar corretamente para depois conversar com as pessoas. A preocupação com o como se fala e a busca de um trabalho que vise a eliminação de falhas e erros para se garantir uma comunicação eficiente está presente no desejo daqueles que procuram uma terapia fonoaudiológica. Como pudemos observar, a clínica da subjetividade responde a isso, ora voltando-se ao funcionamento lingüístico ora voltando-se ao funcionamento psíquico daqueles considerados portadores de patologias de linguagem, o que, de nossa parte, não esgota a questão. Conforme nos ensina Bakhtin/Volochinov (1929), a partir de sua proposta metodológica, é voltando-se para a história do objeto de análise, neste caso, a Fonoaudiologia, que podemos melhor compreender sua constituição como esfera de atividade humana e suas complexas características. A Fonoaudiologia, no Brasil, surgiu como instituição acadêmica, no princípio da década de sessenta do séc. XX, tendo como objetivo formar profissionais especialistas no trato com pessoas portadoras de anormalidades ou dificuldades na oralidade e na escrita, os chamados distúrbios da comunicação. Sua origem, no entanto, remonta a uma época anterior, na qual a idéia de distúrbio da comunicação, mais do que uma dificuldade de origem orgânica ou emocional, era fruto de tensões sociais oriundas da busca de uma sociedade homogênea20. O período compreendido entre as décadas de vinte e de quarenta do séc.XX, marcou o início das primeiras práticas fonoaudiológicas. Nesse período, vivia-se, no Brasil, a formação de um Estado forte e de uma identidade nacional. A heterogeneidade da população era entendida como um entrave ao desenvolvimento pretendido e, com o movimento nacionalista em expansão, as discussões em torno da unificação da língua ganharam espaço. O espírito de 20 Este tema foi amplamente discutido por Figueiredo Neto (1988) e Silva (1999), em suas dissertação de Mestrado e tese de Doutorado, respectivamente. nacionalização e a necessidade de unificação da língua nacional provocaram discursos inflamados, que disseminaram a idéia de que o português era uma língua difícil, que poucos dominam e, conseqüentemente, reservada a uma pequena parcela da população. Médicos, filólogos, educadores procuraram, em seus discursos, justificativas para a necessidade do controle do Estado sobre a língua. Silva (1999) que, em sua tese de Doutorado, estuda a relação entre a formação da língua nacional e a origem das práticas fonoaudiológicas e questiona a forma pela qual o fonoaudiólogo concebe e lida com o conceito de norma em seu trabalho terapêutico e científico, oferece-nos alguns exemplos desses discursos que contribuíram para a cristalização da idéia de que o português era uma língua para poucos. Ei-los: Os delinqüentes da língua portuguesa fazem do princípio histórico – ‘quem faz a língua é o povo’ – verdadeiro moto para justificar o desprezo de seu estudo, de sua gramática, de seu vocabulário, esquecidos de que a falta de escola é que ocasiona a transformação, a deteriorização, o apodrecimento de uma língua. Cozinheiras, babás, engraxates, trombadinhas, criminosos é que devem figurar, segundo esses derrotistas, como verdadeiros mestres de nossa sintaxe e legítimos defensores do nosso vocabulário. (Almeida, N. Dicionário de Questões Vernáculas. 2a ed. São Paulo: LCTE, 1994 apud Bagno, M. Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999, pp79-80). Nós de jornal temos freqüentemente ensejo de comprovar como escrevem mal, não só os próprios jornalistas, mas também os advogados, os médicos, os engenheiros, e outros diplomatas que comparecem às redações com artigos e conferências. A oratória, nas sociedades científicas, nas assembléias políticas, no tribunal do júri, por toda parte, é quase sempre um torneio de mau português. Jornais, revistas, livros são repositários de erros contra a língua que bradam aos céus. O rádio não lhe fica atrás. E tudo atesta que os brasileiros, em geral, não sabem português. (Amaral, R. O ensino do português. Revista da Academia Paulista de Letras, no 8: 48. São Paulo. 1939) Desde o período colonial até meados deste século, havia um consenso quanto à gravidade da situação da língua nacional, com base na idéia de que poucos sabiam ler e escrever no Brasil. Havia a idéia da ´pecha de colonial’ à qual era associada não só a idéia de deslize gramatical como a suspeita de sangue africano. Práticas que ridicularizavam os vícios, dialetos e outras particularidades da colônia, além de comuns eram aprovadas e incentivadas pela monarquia instalada no Brasil. Era propagada a idéia de que ‘falar um bom português’ demonstrava não só ‘fidelidade política, como de cultura, de educação social e até mesmo (quando a evidência do sangue não desmentisse) de pureza de sangue. (Luccock, T. Notas sobre o Rio de Janeiro, 1942 apud Lima Sobrinho, B. A língua portuguesa e a Unidade do Brasil. Rio de Janeiro: Coleção Documentos Brasileiros. J. Olímpio/MEC, v.99, 1a ed. 1958, 2a ed. 1977: 72). Silva (1999) entende que a fixação de uma língua padrão – a que representava a erudição e o poder das classes mais altas do país – em detrimento de diversas variantes construídas pelos também diversos grupos sociais que compunham a sociedade brasileira levava a um exercício de discriminação social. O português adotado como padrão, segundo a autora, cumpria dupla função: carregava a herança do reino e dispunha em lados opostos a língua culta e a vulgar, a nacional e as variantes, a urbana e a rural e, por que não dizer, a normal e a patológica. Grupos sociais, para se nacionalizarem, foram pressionados a abandonar seus costumes, sua cultura, sua língua, sendo alvo de práticas de normatização da língua nacional, das quais a reabilitação – a prática fonoaudiológica – fazia parte. Bakhtin (1965), com a análise que faz da obra literária de Rabelais, mostra-nos a importância de se considerar o contexto histórico e social no estudo da linguagem. Para ele, qualquer análise desvinculada desse contexto pode ser superficial e até equivocada. Nesse estudo, ele nos mostrou o quanto é impossível compreender profundamente a linguagem rabelaisiana, o chamado realismo grotesco, sem mergulhar na cultura cômica popular da era medieval e, mais precisamente, no rito carnavalesco. A linguagem de Rabelais, para o autor, reflete o tipo de comunicação que se estabelecia no carnaval: uma comunicação mais condizente com a eliminação provisória das hierarquias e diferenças sociais. Uma espécie de linguagem familiar em praça pública (Bakhtin, 1965: 15). A obra de Rabelais retratou a transformação lingüística ocorrida na época, oriunda da emergência do novo mundo e das novas forças sociais, o que levou Bakhtin (1965: 415) a afirmar: As línguas são concepções do mundo, não abstratas, mas concretas, sociais, atravessadas pelo sistema das apreciações, inseparáveis da prática corrente e da luta de classes. Voltando ao contexto nacional aqui focalizado, é importante ressaltar que o movimento de nacionalização e de integração de imigrantes e migrantes aos valores da elite urbana foi acolhido e assimilado pela opinião pública, na medida em que já existia disputa de espaço nos centros industriais entre trabalhadores brasileiros (oriundos dos centros urbanos) e trabalhadores estrangeiros e brasileiros de outras regiões do país. Pode-se dizer que, conseqüentemente, o sentido político-ideológico da unificação da língua foi igualmente acolhido e assimilado. Falar bem, seguindo os padrões da norma culta, tornou-se um valor social com características ideológicas. Em Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), Bakhtin/Volochinov afirmam que, diferentemente do que defendiam na época a filosofia idealista e a visão psicologista, todo signo é fenômeno do mundo exterior e tem caráter ideológico. A consciência é um fato sócio-ideológico (Bakhtin/Volochinov, 1929: 35). Os signos, criados nas interações sociais, dão forma à consciência humana individual. E a palavra, por acompanhar e apoiar todos os outros signos, constitui-se como o signo ideológico por excelência, privilegiado pela consciência e pela comunicação entre os homens na vida cotidiana. O modo de funcionamento de grupos sociais, a que os autores denominaram, com base em Plekánov (1922), psicologia do corpo social, realizase através da interação verbal. Nessa perspectiva, a palavra, para Bakhtin/Volochinov, penetra em todas as relações humanas, registra as lentas mudanças sociais e é determinada pelas relações de produção e pela estrutura sócio-política. A palavra como fruto de criação ideológica de cada época histórica tem sua sobrevivência como signo vinculada à ideologia do cotidiano. Desta se alimenta e ganha novos contornos. Ainda que, em uma determinada época, uma palavra, uma obra literária, por exemplo, pareça adormecida, é do vínculo com a ideologia de uma outra época que ela pode renascer. Assim, entendemos que o bem falar tornou-se um valor ideológico que foi sendo realimentado nas esferas de comunicação do cotidiano de diferentes épocas e de diferentes grupos sociais e que, ainda hoje, re-acende em situações de conflito, não apenas advindas da luta de classes, mas também de qualquer relação intersubjetiva em que haja hierarquia e poder. Como a trazida pela mãe do paciente, no depoimento acima citado. Nossa hipótese é a de que a concepção de clínica tradicional sobrevive porque a visão de linguagem que a sustenta – a que reconhece e partilha os preceitos da ideologia do bem falar – ganha eco em outras esferas do cotidiano, como a escolar, a familiar e outras de trabalho, em que o uso da linguagem é fundamental. A ideologia do bom/mau falante ainda está viva em nossa sociedade e é a clínica fonoaudiológica uma das esferas de atividade humana a ela mais identificadas. O questionamento da mãe, bem como as afirmações das autoras acima citadas são, nas palavras de Orlandi (1992: 12), enunciados que ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia-a-dia. Mesmo que, com a criação dos primeiros cursos acadêmicos, a origem da Fonoaudiologia tenha sido desprovida de seus determinantes históricos em nome de um processo de especialização do saber científico, as alusões atuais a essa prática clínica denunciam que seu primeiro discurso fundador21 talvez tenha sido apenas aparentemente descartado. 2.4. Clínica da intersubjetividade Há profissionais preocupados com a relação entre a clínica fonoaudiológica e a ideologia do bem falar. Na elaboração de seus trabalhos, procuram levar em conta o contexto de produção em que determinado evento lingüístico é produzido para avaliar a dimensão do que é considerado patológico e intervir de modo a que o paciente possa transformar a relação conflituosa que estabelece com a linguagem em seu cotidiano. Masini (1989); Levy (1994); Perrotta, Martz e Masini (1995); Morato (1995, 1996); Dauden e Mori (1997); Coudry (2002); Berberian (2003), dentre outros, dentro de suas especificidades, são unânimes em afirmar que o trabalho terapêutico, desde o momento de sua avaliação, leva o paciente ao exercício vivo da linguagem. Esses profissionais assumem a proposição de que a linguagem só se efetiva na prática dialógica, segundo acepção bakhtiniana. Isso significa considerar a interação verbal como o lugar de produção de enunciados em que se explicite o para quê, para quem, onde, quando e porquê dizer e/ou escrever algo. Em 1952-53/1979, Bakhtin afirma que aprender a falar é aprender a dominar os gêneros discursivos, aprender a estruturar seus enunciados mais típicos. Sempre atribuindo importância ao estudo das mudanças históricas para a compreensão das mudanças nos gêneros e no interior do sistema da língua, 21 Entendemos por fundador, o discurso que inaugura uma nova significação diferenciada. Aquele que, como diz Orlandi (1992: 13), cria uma nova tradição, re-significa o que veio antes e institui aí uma memória outra. (...) O sentido anterior é desautorizado. Instala-se outra “tradição” de sentidos. Bakhtin dá ênfase, nesse estudo, àquilo que caracteriza o gênero – o enunciado – e adverte: ignorar sua natureza e particularidades é enfraquecer o vínculo entre a língua e a vida. É ele quem diz: A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua (Bakhtin, 1952-53/1979: 282). Aquilo que é fundamental para a teoria bakhtiniana – a relação dialógica – pressupõe uma língua, mas não existe no interior do sistema lingüístico. Assim, não são as palavras, nem as orações - como unidades de língua - as responsáveis pelo significado do enunciado. Este, sempre orientado pela interação social dos participantes da enunciação, compreende tanto a parte verbal quanto a extraverbal de uma dada situação de comunicação concreta e imediata. Somente o enunciado, e não a oração, dirige-se a alguém, pressupõe o outro, incita uma atitude responsiva em relação a enunciados anteriores, confirmando-os ou não, antecipando-lhes futuras respostas. Daí o enunciado ser considerado a unidade real da comunicação verbal, o elo da cadeia da comunicação verbal. Suas particularidades que o definem como tal e o distinguem, portanto, da oração são: acabamento específico do enunciado; a expressividade do locutor e sua relação com os outros. Centremos nossa atenção no acabamento específico do enunciado. O mais importante critério para o acabamento é a possibilidade de responder (respondibilidade). Não basta que o enunciado seja inteligível no nível da língua (Bakhtin, 1952-53/1979: 299). É preciso que ele suscite essa possibilidade de resposta, diretamente relacionada à totalidade do enunciado. E o que determina essa totalidade são três fatores interdependentes e relacionados às esferas de comunicação verbal em que os sujeitos estão inseridos: tratamento exaustivo do tema; intuito ou querer dizer do locutor; as formas típicas de estruturação do gênero (Bakhtin, 1952-53/1979: 299). Seja num simples diálogo seja na elaboração de um trabalho científico, esses fatores operam na elaboração do enunciado. O primeiro deles – tratamento exaustivo do tema – varia conforme a esfera de comunicação em que esteja inserido. Nas simples perguntas do cotidiano, será quase que total, na medida em que há padronização de enunciados em determinados gêneros discursivos. Na literatura e nas ciências, será relativo, justamente pela maior possibilidade de criação. O que é importante de se ressaltar, tanto para um pólo quanto para o outro, é a condição do enunciado suscitar uma resposta. E tal condição está relacionada ao segundo fator responsável pela totalidade do enunciado, o intuito discursivo ou querer dizer do locutor. O intuito discursivo está vinculado à situação concreta de comunicação e aos parceiros dessa situação que, conhecedores de seus enunciados anteriores, são capazes de captar o querer dizer do locutor logo nas primeiras palavras. Estamos nos remetendo ao último fator, as formas típicas de estruturação do gênero. Bakhtin o considera o mais importante dos três fatores. O autor fala em escolha do gênero por parte do locutor em determinada situação de comunicação, no entanto não há escolha intencional por parte do falante. Há sim uma coerção, não da língua – como afirma Saussure - mas dos gêneros discursivos que penetram na vida e na consciência do falante22. Nas palavras de Bakhtin (1952-53/1979: 302): Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentirlhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim. (...) Se não existissem os gêneros discursivos e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. É a partir do domínio que temos de gêneros discursivos diversos que saberemos lidar com a coerção dos mesmos sobre nós, que saberemos usá-los com criatividade e eficiência. Na prática terapêutica, para Morato (1995: 2), que trabalha fundamentalmente com afásicos, isso equivale a que nos voltemos para variadas formas e posições enunciativas dos sujeitos, sua capacidade pragmática de reconhecer seus interlocutores e suas propostas discursivas, suas possibilidades de manipular 22 Bakhtin fala do valor normativo dos enunciados estáveis de determinado gênero e afirma não haver combinação absolutamente livre das formas da língua num enunciado para contrapor à idéia saussuriana de que o enunciado – a fala – é um ato puramente individual, sendo a língua um sistema social e esta sim, prescritiva. diferentes sistemas de referência e de (re) construção de condutas simbólicas em meio a diferentes atividades discursivas. O enfoque dado a contextos efetivos de produção de sentidos é também privilegiado por autores como Berberian (2003: 26), que afirma: A análise da introdução ao uso da leitura e escrita para a criança mostra o ‘para que’ e ‘onde está’ o ler e escrever em sua vida. A construção de conhecimentos por parte da criança acerca da leitura e escrita depende, decisivamente, da forma como a escrita está situada em seu cotidiano familiar, escolar e no contexto mais amplo da sociedade, ou seja, nos usos, nas representações, nas funções e nos valores atribuídos à escrita, nas diferentes interações sociais vivenciadas por ela. E, ainda, por Levy (1994: 11), ao afirmar que, no trabalho com pacientes com dificuldades de leitura e escrita, (...) além das regras [gramaticais] há valores sociais atribuídos a elas. (...) O que se diz (o que se deixa de dizer) não é dito (ou silenciado) por acaso. (...) A situação em que se está é constitutiva da linguagem que se usa. Essa perspectiva de trabalho fonoaudiológico reconhece a existência de uma diversidade social de linguagens (Bakhtin, 1934/35). A idéia de uma língua única só existe, para Bakhtin, como um sistema abstrato de normas lingüísticas. Seu estudo não reflete, de modo algum, a evolução histórica da linguagem. Tiremos o discurso de sua orientação exterior e teremos somente seu cadáver nu nos braços a partir do qual nada saberemos, nem de sua posição social, nem de seu destino (Bakhtin, 1934-35: 99). Os gêneros discursivos são conceituados como linguagens socialmente típicas com vocabulário próprio e um sistema de acentos específicos23. Em cada período da vida sócio-ideológica, convivem dialogicamente diversas linguagens. Para Bakhtin, a linguagem, em cada período histórico, é verdadeiramente pluridiscursiva. À convivência dialógica da linguagem de diversos grupos sócioideológicos, de diferentes momentos históricos, Bakhtin denominou plurilingüismo social, e é aí que reside a riqueza de seu estudo. Para o autor (1934/35: 74), plurilingüismo social é a coexistência, no interior de uma língua nacional única, de Maneirismos de grupos, jargões profissionais, linguagens de gêneros, fala de gerações, das idades, das tendências, das autoridades, dos círculos e das modas passageiras, das linguagens de certos dias e mesmo de certas horas (cada dia tem sua palavra de ordem, seu vocabulário, seus acentos). Uma coexistência longe de ser pacífica. Bakhtin nos mostra que, no interior do plurilingüismo social, opõem-se dinamicamente forças criadoras da vida lingüística. São as chamadas forças centrípetas – responsáveis pela centralização lingüística, pela idéia de língua única – e forças centrífugas – responsáveis pela descentralização, pela diversidade. Para o autor (1934/35: 82), cada enunciação que participa de uma língua única (das forças centrípetas e das tendências) pertence também, ao mesmo tempo, ao plurilinguismo social e histórico (às forças centrífugas e estratificadoras). 23 Aparecendo, nesta tese, pela primeira vez, o termo acento na acepção bakhtiniana corresponde à orientação apreciativa da palavra. Além dos dois níveis de significação, tema e significação, toda palavra carrega também um acento apreciativo. Este pode ser transmitido pela entoação expressiva, determinada pela situação mais imediata e também pelo horizonte social de grupos sociais específicos, que tem em sua infraestrutura econômica a base de sua determinação. A questão do acento é tão importante para a teoria bakhtiniana que Bakhtin/Volochinov (1929: 132) afirmam: Sem acento apreciativo, não há palavra. Assim, ao tomarmos a língua como um sistema de categorias gramaticais abstratas, não o fazemos por ser o natural; estamos sim orientados ideologicamente para isso. A tendência a se considerar a língua única nada mais é que supervalorizar as forças centrípetas em detrimento das centrífugas. No exercício da clínica fonoaudiológica, deparamo-nos freqüentemente com a dinâmica dessas forças. No entanto, a Fonoaudiologia constituiu-se historicamente como uma atividade que age a favor das forças centrípetas da vida lingüística. Do que observamos, neste capítulo, a respeito da clínica tradicional, é possível dizer que, nela, o trabalho fonoaudiológico com a palavra neutraliza sua natureza dialógica. Ao submeter o paciente a uma língua padrão, nega-se-lhe o papel de participante ativo de uma comunidade lingüística. A clínica da subjetividade, por sua vez, ao assumir a natureza dialogal do processo terapêutico, representa um avanço para o trabalho fonoaudiológico. No entanto, com sua complexa composição de forças, o que resulta, como vimos, em diferentes conceitos e olhares terapêuticos, parece-nos desconsiderar a existência do plurilingüismo social. Plurilingüismo social reconhecido e contemplado na clínica da intersubjetividade e tão caro a quem cotidianamente trabalha com vozes consideradas dissonantes na sociedade. A assunção da natureza interativa da linguagem, por parte de fonoaudiólogos, representa, sem dúvida, um divisor de águas na área terapêutica, mas um olhar mais apurado à noção de diálogo na reflexão teórica da área e ao seu uso na terapia fonoaudiológica se faz necessário. E isso é assunto para os próximos capítulos. CAPÍTULO 2 METODOLOGIA Esta tese, em sua metodologia, seguiu princípios bakhtinianos concernentes à pesquisa no campo das ciências humanas. Segundo Bakhtin (1959-1961), as ciências humanas não tomam o homem como seu objeto de estudo, mas aquilo que lhe é mais caracteristicamente humano: o discurso. Mais propriamente, um discurso construído numa relação dialógica, na medida em que é coletado e trabalhado como tal, em discurso. Discursos teóricos, ou coletados em campo, apresentam-se ao pesquisador sob a forma de textos. Assim, para o autor, o texto é a substância das ciências humanas: Lá onde o homem é estudado fora do texto e independentemente do texto, não se trata mais de ciências humanas (mas de anatomia, de fisiologia humanas, etc) (Bakhtin, 1959-1961: 334).24 Texto tomado como enunciado, pois produzido por alguém e dirigido a um outro, numa dada situação concreta. Como vimos, em Bakhtin, o enunciado é um elo na cadeia de comunicação verbal ininterrupta e seus sentidos não existem fora de seu contexto dialógico. Quando tomado para análise por um outro sujeito – o pesquisador –, num outro tempo, cria-se uma nova relação dialógica, um novo sentido, já que a posição única em que o pesquisador se encontra possibilita a emergência de um novo olhar. É o lugar exotópico de que fala Bakhtin, aquele que garante possibilidades de completude naquilo que o outro não pode completar-se, justamente por não ter um excedente de visão de si mesmo. Amorin (2001), em trabalho que retoma Bakhtin nas Ciências Humanas, ajuda-nos a clarear esses conceitos. Segundo a autora, o conceito bakhtiniano de exotopia instaura necessariamente um tratamento dialógico dos dados nas Ciências Humanas, posto que o objeto de que se fala já é objeto falado e objeto falante. Verdadeira polifonia que o pesquisador deve poder transmitir ao mesmo tempo que dela participa (Amorin, 2001: 19). 24 Esta citação encontra-se em um texto, cujo título é O problema do texto nas áreas da lingüística, da filologia, das ciências humanas, tentativa de uma análise filosófica, não revisto pelo autor e publicado postumamente, em Estética da Criação Verbal, em 1979. Polifonia25 que dá vida à criação: não existe trabalho criador, construção de conhecimento, sem o confronto de enunciados, sem o reconhecimento da pluralidade de vozes e contextos que habita um texto. Esta tese procurou responder às perguntas que formula, a partir do estabelecimento de uma relação dialógica com textos provenientes de duas esferas, a saber: 3. Acadêmica: discursos fonoaudiológicos que elaboram ideologicamente a clínica, na perspectiva enfocada; 4. Clínica: depoimentos de fonoaudiólogos sobre situações terapêuticas em que o diálogo se faz presente. 1. Esfera Acadêmica No que se refere à primeira esfera, o corpus foi composto pelas teses e dissertações defendidas por profissionais da área, nas universidades Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), antiga Escola Paulista de Medicina, por serem ambas as únicas que possuem programa de pós-graduação26 na área de Fonoaudiologia, no Estado de São Paulo, e também por artigos publicados em uma revista científica da área, a Revista Distúrbios da Comunicação. O foco da análise está centrado na discussão que esses artigos, dissertações ou teses fazem a respeito do diálogo e da interação na clínica fonoaudiológica. O levantamento das dissertações e teses dos programas de pós-graduação já citados foi feito nas bibliotecas centrais de ambas as Universidades. Utilizamos um procedimento básico para ambas, qual seja, a busca bibliográfica a partir de palavras-chave como fonoaudiologia, clínica, diálogo, com a intenção de selecionar apenas as pesquisas relativas ao tema em questão. Cabe salientar que essa primeira busca não trouxe resultado positivo, pois a palavra diálogo não figura entre aquelas consideradas chave. Foi necessário então que se ampliasse o leque dessas palavras, a saber: fonoaudiologia, clínica, linguagem, terapia. 25 Amorin assume polifonia como sinônimo de dialogismo, sublinhando que o próprio Bakhtin, ao longo de sua obra, utiliza indiscriminadamente os dois termos, apesar de designar polifonia como variante de dialogismo. No trabalho aqui citado, Amorin (2001: 139) diz preferir o termo polifonia a dialogismo por esse último evocar, mais facilmente, a idéia de diálogo face a face, que é a forma mais exterior e superficial do dialogismo. 26 Na época da coleta dos dados. A Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), no decorrer do desenvolvimento desta pesquisa, iniciou seus trabalhos de pós-graduação na área. A escolha da Revista Distúrbios da Comunicação deve-se ao fato de ser a primeira revista científica da área, iniciada em 1981, com publicações ininterruptas e periódicas de artigos, comunicações, resenhas de livros e de teses sobre temas pertinentes à área fonoaudiológica e afins. De responsabilidade da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-SP, atualmente, essa revista é indexada pela base de dados LILACS e arbitrada pela CAPES com conceito B. Segundo levantamento feito, a Revista Distúrbios da Comunicação publicou, desde seu primeiro número até o momento da coleta dos dados, encerrada em 2001, um total de 152 artigos, sendo 45 (aproximadamente 29% do total) os que abordam linguagem e terapia fonoaudiológica. 1.1. Procedimento de Análise Os textos selecionados foram escaneados e analisados pelo Word Smith Tools (WS Tools)27, um software que auxilia a análise lingüística de um corpus. É importante salientar que a análise quantitativa, que um programa de computador oferece, não invalida uma análise mais qualitativa do discurso; ao contrário, dá-lhe credibilidade, uma vez que o software opera a partir de princípios básicos que garantem a consistência e a abrangência do que se busca analisar. São três os princípios do WS Tools, segundo Sardinha (1999: s.p): 1. Ocorrência: o item procurado deve estar presente. Não é possível fazer uma previsão de um item inexistente. 2. Recorrência: os itens devem se repetir para que seja possível observar a relevância dos mesmos. Isso não significa, no entanto, que um item que ocorra uma única vez seja desprezado. 3. Co-ocorrência: os itens existem na presença de outros. É a coocorrência, isto é, as fronteiras do item que vão garantir-lhe o sentido. Na presente pesquisa, utilizamos as seguintes ferramentas do programa: 1. Wordlist: é uma ferramenta que realiza listas de palavras. As listas podem ser elaboradas por ordem alfabética ou por freqüência no corpus 27 Word Smith Tools é um software de análise lingüística, criado por Mike Scott e publicado pela Oxford University Press, com cinco anos de existência. em questão. Nesta pesquisa, privilegiamos a lista por freqüência, que já nos trazia dados sobre a recorrência das palavras. Cabe explicitar que o programa foi preparado para identificar todas as palavras, inclusive as de uma única ocorrência. A tabela abaixo é um exemplo de parte de uma lista de palavras por freqüência, trazendo as trinta palavras mais freqüentes de determinado corpus desta pesquisa28. É apenas parte de uma lista, para visualização do leitor (ela, na íntegra, ocupa vinte e oito páginas). De todas as palavras computadas pelo programa, nosso foco incidia sobre os substantivos. Assim, no caso desta lista, podemos observar que a palavra de maior recorrência nesse corpus é linguagem, seguida de clínica e trabalho. N 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 28 Word DE A E QUE O DA DO SE EM UM LINGUAGEM UMA PARA COMO NA COM NO AS É OS AO À NÃO POR DOS OU DAS CLÍNICA TRABALHO SER Freqüência 1.032 886 663 626 541 453 301 280 275 224 216 211 208 203 203 189 188 158 156 156 154 147 141 126 115 104 97 96 81 75 % 4,65 3,99 2,99 2,82 2,44 2,04 1,36 1,26 1,24 1,01 0,97 0,95 0,94 0,92 0,92 0,85 0,85 0,71 0,70 0,70 0,69 0,66 0,64 0,57 0,52 0,47 0,44 0,43 0,37 0,34 Trata-se da lista por freqüência das dissertações e teses defendidas no período de 1996 a 1999. 2. Concord: é a ferramenta que possibilita a visualização das fronteiras da palavra em questão, isto é, de quais modos a palavra selecionada está combinada no corpus em estudo. Trata-se de uma ferramenta essencial para o estabelecimento dos sentidos atribuídos à palavra. Quando solicitado o uso dessa ferramenta para determinada palavra, o programa abre novas janelas pelas quais é possível se observar os contextos em que a palavra aparece, em cada um dos textos do corpus selecionado. Há ainda a possibilidade de se ampliar o contexto até a visualização do texto integral, caso necessário. A tabela abaixo é exemplo de visualização dessa ferramenta, com o mínimo de contextualização da palavra diálogo nas dissertações e teses do período de 1996 a 1999: N 1 2 3 4 5 6 Concordance psicanalíticas vão exercer influências na execução deste trabalho; Algumas dessas abordagens serviram de interlocutoras no diálogo entre teoria e prática. E no decorrer da apresentação do caso, essas referências estarão aparecendo. Mesmo a evolução do modo de compreensão do quadro por descaracterizá-la, uma vez que o que se faz é a "importação", o "empréstimo" de conceitos e teorias sem um diálogo efetivo, sem uma real articulação com as especificidades de nossa clínica. Hoje se fala da necessidade de se "re"construir um método clínico fonoaudiológico precisamos estabelecer cada vez mais efetivos diálogos com as "áreas mães" da Fonoaudiologia. Na possibilidade do diálogo está posta como condição, que se marquem dois lugares, dois olhares que possam se cruzar, se relacionar. E, portanto esse é o ponto de parti na origem e na história do desenvolvimento psicanalítico o modelo de pesquisa em psicanálise: o diálogo permanente entre teoria e a prática. A articulação teórica sem referência à clínica corre o risco de aproximar-se das manifestações do pensamento delirante. lugares, dois olhares que possam se cruzar, se relacionar. E, portanto esse é o ponto de partida e o de chegada desse diálogo: o estabelecimento de um lugar para a Fonoaudiologia. De um lugar que permita contemplar questões e estabelecer novos diálogos contatos físicos substituíam a comunicação através da palavra. Na sala de espera, por exemplo, não se ouvia qualquer diálogo entre os pais e meu paciente e, ao Set 3.879 Tag Word No. c:\meusdo~1\te 77 sesp~1\teses9~ 1\oproce~1.txt 1.336 c:\meusdo~1\te 41 sesp~1\teses9~ 2\entreo~1.txt 1.584 c:\meusdo~1\te 49 sesp~1\teses9~ 2\entreo~1.txt 2.961 c:\meusdo~1\te 90 sesp~1\teses9~ 2\entreo~1.txt 1.615 c:\meusdo~1\te 49 sesp~1\teses9~ 2\entreo~1.txt 578 c:\meusdo~1\te 29 sesp~1\teses9~ 1\escuta~1.txt invés de chamá-lo, eles geralmente preferiam buscá-lo para conduzi-lo a outro lugar. É importante ressaltar que essa postura também opta por uma determinada terapêutica. No 2.062 presente trabalho, a visão de linguagem está em posição de diálogo e não de palavra, isto é, o papel do interlocutor não é neutro, não é de treinador. "A criança adquire linguagem por sua inserção na língua, o que geralmente dramatiza a exposição, reproduzindo sons 2.002 da natureza -o trovão, a chuva, o vento - e anima o diálogo dos bichos com voz peculiar..." [15] Da mesma forma oral, são feitos os relatos históricos, as reprimendas, os conselhos e a transmissão de regras, porém o linguagem, um questionamento sobre as práticas e as 1.632 representações que o corpo tem recebido parece fundamental. O diálogo com essa ou aquela área de conhecimento, a pluralidade de opções de atuação oferecem, a um só tempo, conhecimentos e reflexões baseados em saber 7 8 9 c:\meusdo~1\te 86 sesp~1\teses9~ 1\proces~1.txt c:\meusdo~1\te 59 sesp~1\teses9~ 1\anarra~1.txt c:\meusdo~1\te 51 sesp~1\teses9~ 2\pratic~1.txt 3. Keywords: é a ferramenta capaz de identificar quais as palavras-chave de um corpus. Palavra-chave não significa necessariamente a palavra de maior freqüência no texto. A escolha de tais palavras dá-se a partir do contraste entre as listas de palavras do corpus em estudo e a lista de um corpus referência, que não pertence à mesma área ou temática do primeiro. As palavras chaves seriam aquelas cujas freqüências são estatisticamente diferentes no corpus de estudo e no corpus de referência (Sardinha, 1999: s.p). Em outras palavras, o que se sobressai num corpus em estudo, em relação ao de referência, é o que o caracteriza. O corpus de referência utilizado, nesta pesquisa, é o oficial do Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem – LAEL/PUC-SP –, utilizado por todos os pesquisadores deste programa que fazem essa análise lingüística. Abaixo, um exemplo da visualização de palavras-chave de parte do corpus desta tese. N WORD FREQ. 1 2 3 4 5 6 É NÃO LINGUAGEM À CLÍNICA CRIANÇA 716 645 585 405 260 253 TESES.LST % 0,82 0,74 0,67 0,47 0,30 0,29 FREQ. 0 0 287 0 0 0 FOLHA.LST % 5.806,1 5.229,9 3.648,1 3.282,8 2.107,0 2.050,3 KEYNESS 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 SÃO FONOAUDIOLÓGIC+ RELAÇÃO SEU DESENVOLVIMENT+ PRÁTICA FONOAUDIOLOGIA HISTÓRIA SEUS OUTRO AINDA DISTÚRBIOS JÁ OUTROS TERAPÊUTICO 250 220 213 184 168 158 152 138 129 122 105 121 103 99 102 0,29 0,25 0,24 0,21 0,19 0,18 0,17 0,16 0,15 0,14 0,12 0,14 0,12 0,11 0,12 0 0 0 0 0 0 10 0 0 0 0 26 0 0 3 2.026,0 1.782,8 1.726,0 1.491,0 1.361,3 1.280,2 1.156,9 1.118,2 1.045,2 988,5 850,7 844,1 834,5 802,1 799,3 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000 O uso dessas ferramentas auxiliou na determinação dos conceitos de diálogo e de interação utilizados pelos fonoaudiólogos em sua produção acadêmica. Com base nessa determinação, pudemos discutir diferenças observadas no uso desses conceitos, agrupando-os em categorias. O resultado obtido da análise desse corpus documental está no capítulo dedicada à produção científica da área (capítulo 4). 2. Esfera clínica A segunda esfera está relacionada ao âmbito da atividade terapêutica do fonoaudiólogo, a mais exercida entre os profissionais da área, segundo o Perfil do Fonoaudiólogo de 1997 (54,61%). Para a constituição desse outro corpus documental, um grupo de seis fonoaudiólogos foi formado com o objetivo, inicialmente, de se discutir sobre o diálogo em curso de processos terapêuticos escolhidos pelos profissionais. Isso não pôde acontecer por dois motivos, um de ordem mais pragmática e outro, diria, mais teórico-metodológica dentro da área da Fonoaudiologia. O primeiro motivo refere-se ao fato de os profissionais que compuseram o grupo não estarem com processos terapêuticos a serem iniciados, na época da organização do corpus. Este entrave tinha solução possível, viabilizando-se um acordo com uma instituição que, por receber um grande número de pacientes novos, poderia fazer encaminhamentos para que esses profissionais atendessem nas mesmas condições que a instituição. A concretização desse convênio levaria um tempo maior do que o planejado inicialmente, mas seria um caminho para a coleta de dados, se o impasse relativo ao segundo motivo não fosse, do nosso ponto de vista, mais difícil de resolver em curto prazo. Como toda atividade terapêutica, a fonoaudiológica segue princípios de um setting terapêutico. Entende-se por setting ou enquadramento, o rigor na maneira como a dupla – terapeuta e paciente – vai se relacionar a fim de que possam se estabelecer as relações pertinentes ao processo terapêutico. Setting é um tema bastante debatido na área da Psicanálise. Embora haja entendimentos diversos nas diferentes teorias psicanalíticas, é consenso que nele estão envolvidos fatores como: tempo, freqüência, dia, local e também a função do terapeuta, disponibilidade e atitude profissional. As diferenças ficam por conta do manejo do setting. Há correntes psicanalíticas que consideram um erro qualquer modificação no enquadre para responder a solicitações de pacientes que não se encaixam no setting mais tradicional. Há também, na direção oposta, aqueles psicanalistas que entendem o setting como o lugar que proporciona o desenvolvimento psíquico do paciente e procuram, assim, considerar e compreender as modificações do setting terapêutico como facilitador de um processo psicanalítico que leve a uma mudança psíquica29. Na Fonoaudiologia, embora tenhamos os primeiros movimentos para essa discussão datados da década de 90 (Aronis, 1992 e Tassinari, 1995), o tema ainda é novo e controverso (são do ano de 2000 as primeiras teses que explicitamente trazem o termo setting como discussão principal30). No que tange a esta pesquisa, duas questões foram levantadas. Num primeiro momento, pensamos em desenvolvê-la com processos terapêuticos em curso. Ponderou-se, no momento da configuração do grupo, que discussões regulares sobre casos terapêuticos em desenvolvimento, ainda que com objetivo de coleta de dados para uma pesquisa, assemelhar-se-iam a uma supervisão, e, inevitavelmente, os processos terapêuticos estariam sendo influenciados por isso. Do ponto de vista estrito da pesquisa, não víamos nisso grande problema, se a análise dos dados pudesse comportar essa variável. Qualquer terapeuta no exercício de seu trabalho há de reavaliá-lo, pelas inquietações que sua prática provoca, a partir da busca de novos conhecimentos em que se inclui a supervisão. No entanto, quando se pensa no enquadre terapêutico, a idéia de se desenvolver pesquisa com pacientes ainda em tratamento não está de todo amadurecida na área, talvez por rigores na visão do setting ou mesmo por poucos debates sobre o assunto. A polêmica recai, inclusive, sobre a metodologia da coleta de dados e que, aqui, relaciona-se à segunda questão. Ainda é bastante atual a discussão sobre gravar e/ou filmar processos terapêuticos. Arantes (2001) considera fundamentais os registros em áudio e/ou vídeo, principalmente num processo de avaliação da linguagem. Acredita que a leitura do que foi vivido na situação terapêutica pode ganhar novos contornos, uma nova compreensão, quando tomada à distância, pois para ela – e também 29 Este é o tema da tese de doutorado de Sueli Hisada, doutora em Psicologia Clínica pela USP. Quem tiver interesse em entrar em contato com os diversos entendimentos sobre setting psicanalítico, sugerimos a leitura de seu livro Clínica do Setting em Winnicott, Revinter, Rio de Janeiro, 2002. 30 Estou me referindo às teses de Magalhães Jr, Hipólito V. O setting na terapia fonoaudiológica: estudo de caso de atendimento domiciliar e de Lembi, Patrícia M.T.R O setting na clínica fonoaudiológica: um estudo através de discursos de fonoaudiólogos, ambas defendidas no Programa de Fonoaudiologia, em 2000. para Andradre (2000)31 – o discernimento só vem depois do momento em que fala e seus efeitos são produzidos. Em outra direção caminha Cunha (2000), que considera a memória do terapeuta fundamental, não só para o trabalho terapêutico, mas também para o científico. Apesar de não excluir, necessariamente, a utilização de variadas formas de registro, acredita que Recordar-se da própria experiência é, ao meu ver, critério essencial e, dito nos cânones do discurso científico altamente fidedigno. É na atemporalidade dessas lembranças e nas marcas dos afetos que elas carregam que podemos também justificar nossas escolhas. (Cunha, 2000: 97) Quando esta polêmica começou, por volta de meados da década de oitenta, não havia discussão quanto à necessidade de transcrições das sessões. Simplesmente tudo era transcrito para posterior análise. Ocorre que esta se fazia à luz do rigor da língua escrita e, fatalmente, os fonoaudiólogos incorriam em erros de avaliação, na medida em que buscavam na oralidade dos pacientes características próprias da escrita. Foi no sentido de alertar para essa postura equivocada e perigosa que Masini (1989) e Garcia & Cunha (1991) posicionaramse na época. Vale salientar que essa postura equivocada não é privilégio da Fonoaudiologia e, ainda hoje, está longe de ser considerada caduca, não podendo ser, infelizmente, ignorada. Bagno (1999) descreve e analisa mitos que contribuem para a perpetuação do que chama de preconceito lingüístico, que ainda existe em nosso país, e a valorização da oralidade pelas características da escrita é um deles32. Posicionarse então, na época, contra a transcrição feita pelos fonoaudiólogos era antes uma posição política que ingenuidade teórica, como fez parecer Arantes (2001). Movimento semelhante pôde ser observado quando o tema em questão foi o uso da técnica na terapia fonoaudiológica. Atualmente, vemos que estamos, na Fonoaudiologia, em um outro patamar para abordar essa questão. E devemos essa nossa condição atual ao esforço dos diversos profissionais que procuraram compreender mais profundamente nossas práticas. Acreditamos que: (1) se, como fonoaudiólogos, não avaliarmos a oralidade segundo características da escrita, compreendendo que há mesmo outras perspectivas de olhar, de ler a linguagem do outro; (2) se não nos abstivermos de viver a interlocução em nome da reflexão posterior, pois o processo terapêutico ocorre, de fato, a partir das situações vividas pelo par terapeuta-paciente; (3) se não abrirmos mão dos sentimentos despertados pela fala do outro no momento da 31 Em texto inédito citado por Arantes, em sua tese de Doutorado. 32 O mito em questão é o de número 6: O certo é falar assim porque se escreve assim. interlocução, também em nome do olhar mais distanciado, então gravar e/ou filmar sessões terapêuticas podem ser elemento constitutivo do setting fonoaudiológico, uma vez que há aspectos da corrente verbal que só o registro audio-visual da situação é capaz de reter. Este recurso seria válido tanto para a terapia quanto para a pesquisa fonoaudiológica. No caso da presente pesquisa, no entanto, a opção foi de trabalhar com casos já encerrados, evitando-se assim qualquer influência sobre eles. Cada integrante do grupo escolheu, segundo os próprios critérios, um atendimento para ser apresentado e debatido pelos outros participantes. Todos os profissionais trouxeram seus casos na forma de relatos orais baseados em suas anotações terapêuticas, que, nem sempre, continham transcrições de diálogos ou mesmo observações sobre eles, o que em si já é um dado relevante para a análise. São sujeitos desta pesquisa seis fonoaudiólogos que caracterizam suas práticas terapêuticas como atividades dialógicas (consideremos, por ora, o sentido dialogal como explicitado na introdução). O grupo foi formado a partir de um convite feito via e-mail33 – que explicitava o propósito da pesquisa – a quinze profissionais da área, sugeridos por outros fonoaudiólogos do conhecimento do pesquisador. Constavam da lista inicial, profissionais formados pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e São Camilo. Vale salientar que respostas positivas ao convite só foram dadas por profissionais que, de certa forma, já conheciam a pesquisadora como professora do curso de Fonoaudiologia da PUC-SP. Todos os profissionais que integram o grupo são formados por esta instituição, alguns tendo sido, inclusive, alunos da pesquisadora. Isso nos parece compreensível na medida em que há pouca disponibilidade de profissionais da área em colaborar com exposição de suas práticas em trabalhos científicos de pesquisadores a eles desconhecidos. No entanto, não desqualifica a pesquisa na medida em que os dados são analisados levando-se em conta essa variável. Segue-se a caracterização desses profissionais34: Rita: Tempo de atividade terapêutica: cinco anos. Trabalha, desde que se formou, numa escola, nos setores educacional e clínico. Desde 2000, desenvolve atividade acadêmica, ministrando aulas no Curso de Fonoaudiologia e atuando no setor de clínica 33 Infelizmente, não temos mais o texto original do e-mail, pois, num lamentável incidente, muitos dos dados desta tese se perderam, alguns dos quais irrecuperáveis como é o caso dos e-mais de convites e respostas dos participantes. 34 Os nomes dos participantes da pesquisa, assim como das pessoas citadas nos depoimentos foram trocados, no intuito de se preservar suas identidades. fonoaudiológica. É mestre em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e organiza cursos e palestras na área de fonoaudiologia. Carmen: Tempo de atividade terapêutica: quatro anos. Além do consultório, atua clinicamente numa instituição assistencial e numa instituição de pesquisa da limitrofia, onde trabalha com crianças e jovens que têm dificuldades de aprendizagem. Branca: Tempo de atividade terapêutica: cinco anos. Atua em consultório com outros profissionais, como psicólogos e psicopedagogos, o que contribuiu para a configuração de um atendimento um pouco diferenciado. Defendeu seu mestrado em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no decorrer dos trabalhos deste grupo. Leila: Tempo de atividade terapêutica: dois anos. Na época de faculdade, realizou trabalhos com pacientes paralíticos cerebrais. Depois de formada, trabalhou um ano no berçário de alto risco de um hospital público. Atualmente, numa instituição de cuidados infantis, trabalha na parte de Audiologia Ocupacional, com operadoras de telemarketing. Procurou dar um caráter terapêutico ao trabalho com essas operadoras, daí o fato de ter aceitado o convite para compor o grupo. Regina: Tempo de atividade terapêutica: treze anos. Fonoaudióloga e psicóloga, formou-se em audiologia numa universidade do sul da França. Foi professora na PUC de Campinas, na área de Audiologia. Anos depois, começou o Curso de Psicologia. Trabalha como psicóloga clínica e fonoaudióloga, depois de revalidar seu curso de fonoaudiologia aqui no Brasil. Heloisa: Tempo de atividade terapêutica: dois anos. Atuou numa escola para deficientes mentais e atualmente trabalha numa instituição de deficiente mental, onde atende pessoas portadoras de paralisia cerebral, síndrome de West e autismo. Os encontros, realizados no segundo semestre de 2001, foram quinzenais, por vezes com alguns intervalos maiores devido a feriados, com duas horas de duração, e, em cada um, a discussão teve por base um trabalho desenvolvido por um profissional. Estas discussões compõem o corpus de depoimentos sobre práticas fonoaudiológicas destes profissionais. 2.1. Procedimento de Análise Os encontros com o grupo, seis ao todo, foram filmados e transcritos. Cabe salientar que os depoimentos foram transcritos com pausas, prolongamentos, repetições e hesitações presentes na linguagem oral do expositor e dos demais participantes, por considerarmos que determinadas características dos enunciados construídos no momento da exposição foram significativas para a compreensão da relação dialógica que ali se instaurava e para a análise dos dados. A transcrição seguiu algumas normas usadas no projeto NURC/SP, a saber: Ocorrências Incompreensão de palavras ou segmentos Sinais ( ) Exemplos o menino ROB...( ) e: eu ia fazendo Hipótese do que se ouviu Truncamento (havendo homografia, usa-se acento indicativo da tônica e/ou timbre) Entonação enfática (hipótese) / e que tava intervin/ interferindo muito na escrita maiúscula Prolongamento de vogal e consoante (como s, r) - Interrogação ? Qualquer pausa Comentários que quebram a seqüência temática da exposição Leituras de textos assim de CARA já chega com/olha só: : Silabação Comentários descritivos do transcritor ela tem muito (a simbolizar)... e: comecei a: eu disse ... no começo: hi-pe-ra-tividade... tinha irmãos ela? ... então... eu trouxe um caso... para vocês ((minúscula)) -- ((risos)) -- “ ” Superposição, simultaneidade de vozes Sublinhando os segmentos superpostos Diferenciação de vozes nas citações literais de um diálogo Alternância entre negrito e itálico eu perguntei primeiro --eu faço essa pergunta para a criança... uma criança um pouquinho maior se ela sabe porque que ela ta vindo ali comigo... -“Clara fez um túnel escondido e escreveu meu nome... as iniciais do meu nome... ROB”. mas essa cobra é perigosa? • é perigosa... eu falava que eu vou lhe conhecer ; porque ela viu os brinquedos eu quero brincar • Obs: Nas duas últimas ocorrências estão sendo usadas notações elaboradas pela pesquisadora para atender exigência do corpus em questão. Os depoimentos dos profissionais, isto é, os textos colhidos em campo trazem relatos de processos terapêuticos. Já que, sempre a partir da perspectiva bakhtiniana, o sentido é da ordem do acontecimento, tais textos trazem, então, várias enunciações e sentidos: os construídos na própria situação terapêutica, os do momento da elaboração/preparação dos depoimentos e os do instante mesmo de cada depoimento perante o grupo. Assim, ficamos diante de textos em que a pluralidade de vozes se fez evidente e nosso trabalho, fundamentalmente, foi o de reinterpretá-los, buscando, na palavra do outro, marcas que ressaltassem sentidos do diálogo na prática fonoaudiológica. De certa forma, em diversos momentos, os depoimentos mostraram conservar fragmentos do diálogo ocorrido na sessão fonoaudiológica, dando-nos indícios de como ele é compreendido e construído pelo par terapêutico. O resultado dessa re-interpretação está no capítulo de análise dos depoimentos (capítulo 5). CAPÍTULO 3 PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA ÁREA ARTIGOS EM REVISTA ESPECIALIZADA No capítulo de Metodologia, já havíamos dito que foram selecionados para análise quarenta e cinco artigos, publicados na Revista Distúrbios da Comunicação, por tratarem de assuntos relativos à terapia fonoaudiológica, dentro da perspectiva enfocada, qual seja, a da assunção de uma visão interacionista de linguagem no processo terapêutico. Este número corresponde a aproximadamente 29% do total de textos publicados (152 artigos), desde o número inaugural, em 1981, até o final da coleta, em 2001, envolvendo autores profissionais de diferentes localidades brasileiras, vinculados ou não a universidades diversas, como mostra o gráfico 1: Podemos observar que, dos artigos selecionados, a maioria (aproximadamente, 69%) foi produzida por profissionais vinculados à PUC-SP. Há duas possibilidades de leitura deste dado. A revista científica em questão, como vimos na Metodologia, é de responsabilidade da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-SP, sendo, portanto, compreensível que seus profissionais privilegiem-na para publicação de seus trabalhos. Por outro lado, é importante considerar o recorte feito para esta pesquisa. Como já dissemos, foram selecionados artigos que abordam aspectos relacionados à terapia fonoaudiológica. Teixeira (1993), ao analisar as tendências temáticas de pesquisas acadêmicas na área fonoaudiológica, constatou que, a partir da segunda metade da década de oitenta do séc XX, houve uma concentração de trabalhos na área de atuação e procedimentos terapêuticos fonoaudiológicos (também observada na análise dos artigos, como veremos, aqui agrupados na categoria Métodos Fonoaudiológicos), apontando para uma crescente reflexão sobre a clínica fonoaudiológica. Segundo a autora, esses estudos foram fundamentalmente desenvolvidos por pesquisadores da PUC-SP (Teixeira, 1993: 46). Embora a autora enfoque exclusivamente a produção de dissertações e teses, essa mesma tendência é observada, nesta pesquisa, na produção de artigos científicos. Os artigos selecionados tratam de assuntos referentes à terapia fonoaudiológica, a partir de temas específicos. Para nossa análise, tomamos o foco principal do artigo como critério de categorização. O mesmo critério foi utilizado quando havia sobreposição de temas. Um artigo, por exemplo, que abordasse o trabalho terapêutico com a escrita com foco no contexto terapêutico grupal, para efeito de categorização, foi privilegiado o enfoque no trabalho grupal. Chegamos, assim, às seguintes categorias: • Métodos fonoaudiológicos: agrega artigos que discutem princípios fonoaudiológicos e procedimentos terapêuticos, de modo geral, na clínica fonoaudiológica. Estão nesta categoria artigos que discutem a interpretação na clínica fonoaudiológica, a relação com outras áreas de conhecimento, tais como, lingüística, medicina e psicanálise, a questão da subjetividade no contexto terapêutico, o contexto terapêutico grupal. • Avaliação de linguagem: agrega artigos que discutem especificamente a problemática da avaliação de linguagem no processo terapêutico fonoaudiológico. • Escrita: traz artigos que discutem o trabalho com a escrita, no contexto terapêutico, em seus aspectos singulares, tais como, a interpretação da escrita na clínica fonoaudiológica, a caracterização de uma demanda terapêutica, a compreensão da escrita em situações terapêuticas. • Transtornos psíquicos: os artigos classificados nesta categoria discorrem sobre o trabalho fonoaudiológico com pacientes psicóticos e autistas. • Transtornos neurológicos: apresenta artigos que fazem a discussão de casos terapêuticos de pacientes com seqüelas neurológicas, tais como afasia e paralisia cerebral. • Voz: apresenta artigos que discutem as possibilidades terapêuticas de trabalho com a voz. • Surdez: apresenta artigos que discutem especificamente aspectos do trabalho fonoaudiológico com sujeitos surdos, tais como a identificação de estratégias utilizadas no processo terapêutico, o desenvolvimento de um trabalho grupal, o trabalho com pais desses sujeitos. • Família: o artigo classificado nesta categoria discute a inserção da família, de modo geral, no trabalho terapêutico fonoaudiológico. No gráfico 2, podemos ver a distribuição dos artigos por temas: Como dissemos anteriormente, seguindo a tendência da produção de dissertações e teses, há uma maior concentração de artigos na categoria Métodos Fonoaudiológicos, com 49%. Transtornos Neurológicos vem em seguida, com 16% do total. Os outros temas têm uma distribuição mais equilibrada: Surdez e Avaliação de Linguagem (9%), Escrita (7%), Transtornos Psíquicos e Voz (4%) e Família (2%). O gráfico 3 apresenta a relação entre a distribuição dos artigos por temas e a vinculação acadêmica dos autores: Podemos observar que as duas categorias de maior concentração de artigos são também as que apresentam autores com maior diversidade de vinculação institucional. Levando-se em conta o recorte realizado para a análise dos dados desta pesquisa, este gráfico nos traz indícios da circulação acadêmica dos temas da área fonoaudiológica. Vemos, então, que princípios fonoaudiológicos e procedimentos terapêuticos da clínica de cunho interacionista são os temas mais desenvolvidos por pesquisadores de diferentes universidades, a saber, PUC-SP, USP, UNIMEPPiracicaba e UNICAP. Trabalhos que abordam aspectos relativos à afasia e à paralisia cerebral, temas da segunda categoria, Transtornos Neurológicos, são desenvolvidos, fundamentalmente, por profissionais da PUC-SP, USP e UNICAMP. Nas categorias Surdez e Transtornos Psíquicos, temos, respectivamente, profissionais da PUC-SP e PUC-CAMP e PUC-SP e USP. Nas demais categorias, Avaliação de Linguagem, Escrita, Voz e Família, apenas profissionais da PUC-SP. Em relação à análise do conteúdo dos artigos, como também já anunciamos na metodologia, todo o corpus foi submetido ao WS Tools, com o objetivo de verificar o uso de duas palavras especificamente – diálogo e interação – e os sentidos atribuídos a elas. Procuramos, assim, rastrear as noções de diálogo que circulam no discurso sobre a clínica fonoaudiológica, após a assunção da atividade terapêutica como sendo com base no diálogo. Ainda retomando o que foi dito na metodologia, trabalhamos, por meio do WS Tools, com a ocorrência, a recorrência e a co-ocorrência dessas palavras, nos artigos selecionados, analisados separadamente, por categorias e no seu conjunto. 3.2. A não ocorrência dos termos diálogo e interação Quando submetidos separadamente Tools, ao WS observamos a ausência de uso de ambas as palavras – diálogo e interação – em aproximadamente 25% do total de artigos (11 artigos). Esta não ocorrência, no entanto, não se caracteriza por artigos que fujam ao tema aqui analisado. Embora não tenham feito uso explícito das palavras, demonstram, em seu conteúdo, sentidos diversos de atividade com ênfase no diálogo na clínica fonoaudiológica, como mostra o anexo 1. Observamos, artigos, nesses uma importante característica que marca a produção científica na área. Aqueles datados de meados da década de apresentam oitenta uma clara preocupação em discutir a fonoaudiologia como prática social, em que sejam considerados a história e os papéis sociais protagonistas. de seus Esse fato também foi observado por Teixeira (1993), em sua análise das dissertações e teses produzidas na área. Segundo a autora, a preocupação em se discutir o papel do fonoaudiólogo e as condições históricas e políticas sua que atividade determinam levou os profissionais a direcionarem seus trabalhos para novos procedimentos terapêuticos. Há, nessa perspectiva, germes de uma concepção de terapêutica atividade voltada ao diálogo. Conceitualizar, por exemplo, a voz como sendo o resultado de um esforço histórico contínuo da humanidade na construção da relação falada ou explicitar a necessidade de compreender a história do paciente na intersecção da história da doença e do contexto mais geral da vida do paciente ou, ainda, alertar o terapeuta para os usos sociais durante da o escrita processo terapêutico é, no nosso entender, apresentar a atividade terapêutica como dialógica dentro de determinada acepção, ainda que assim não tenha sido explicitada. Remete-nos a Bakhtin e sua concepção de que uma comunicação constante é o fundamento da própria vida. Da mesma forma, tomar o paciente pelo que dele é dito em discursos alheios é também partir concepção de dialógica atividade uma de terapêutica, embasada, no entanto, em outros pressupostos teóricos. É o que aqui observamos, fundamentalmente, nos artigos datados de meados da década de noventa. Estes partem da idéia de discurso (e é esse o termo mais usado em seus artigos) como efeito dos sentidos35 e também das premissas por desenvolvidas Lacan36. O desdobramento disso, no processo fonoaudiológico, terapêutico aparece sob a forma de uma escuta do profissional voltada para os discursos – familiares, escolares e outros –, uma 35 A idéia de discurso como efeito de sentidos é desenvolvida pela Análise do Discurso de linha francesa (ADF), mais especificamente por Pêcheux. Para chegar a esse conceito, a ADF parte da relação entre línguadiscurso-ideologia. Toma a língua como a materialidade do discurso, com ordem própria, mas não autonomia e o discurso como resultado de um processo de significações realizado por sujeitos afetados pela ideologia e pela língua. Uma vez assim afetados, os sujeitos não transmitem informações simplesmente. Estão emaranhados nesse complexo processo, cujos sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de discurso como efeito de sentidos (Orlandi, 1999). 36 Lacan, com sua releitura de Freud, contribui para o arcabouço teórico da Análise do Discurso, na medida em que estabelece como premissa de sua clínica o inconsciente estruturado como linguagem. vez que o paciente é tomado pelo que dele é dito no discurso dos outros. Temos ainda artigos, no decorrer desse mesmo período, que, explicitamente, privilegiam as contribuições de clínicas psicanalíticas para a clínica fonoaudiológica. Sendo a atividade terapêutica psicanalítica baseada no diálogo, essa passa a ser condição primeira para a atividade fonoaudiológica. Assim, entendemos que esses artigos apresentam sim conteúdo do que se busca integrando-se compreender, à análise, como veremos a seguir. 3.2. A ocorrência e recorrência dos termos Observemos o gráfico 4: Todas as categorias apresentam artigos em que podemos observar presença dos termos diálogo e interação. gráfico 4 aponta, categorias, o a O por número absoluto dos artigos que apresentam apenas um dos termos e dos apresentam que ambos, coerentemente relacionados à sua base teórica37. 37 O anexo 2 traz, discriminadamente, por categoria, quais foram os artigos analisados. Não há referência ao autor, porque não é a autoria que nos interessa nessa análise, mas sim as tendências observadas na produção científica da área. Os sentidos atribuídos aos termos são diversos, embora se observe certa constância em todas as categorias. Tomêmo-las uma a uma. 3.2.1. Métodos Fonoaudiológicos Em Métodos Fonoaudiológicos, houve a maior variedade de sentidos atribuídos ao termo diálogo. Isso pode estar relacionado ao fato de essa categoria congregar artigos que discutem a fonoaudiologia e seus métodos, sob enfoques distintos. Assim, o diálogo foi tomado como: • Intercâmbio entre teorias; • A cura do sintoma manifesto na linguagem por ele mesmo; • Confrontação entre funcionamentos de linguagem; • Cruzamento de vozes. Nessa categoria, recorrência ao houve termo diálogo como intercâmbio de teorias (em 20% dos artigos), próprio processo de de um teorização, refletindo o movimento da área, já descrito em capítulos anteriores. Aqui, reivindicou-se, mais explicitamente, o diálogo com a psicanálise, com a aquisição de linguagem de cunho interacionista, com a saúde pública, com a análise do discurso de linha francesa. O diálogo, quando tomado como comunicação entre duas pessoas, apresentou sentidos diversos. O sentido de recorrência, maior porque desenvolvido num maior número de artigos (60% do total), é o que entende o diálogo numa perspectiva psicanalítica, qual seja, o da cura por ele mesmo. No caso trata-se da fonoaudiologia, da cura da linguagem pelo diálogo. A contribuição advinda da psicanálise é a de que o diálogo entre terapeuta e paciente faz emergir uma terceira voz (Fonoaudiologia Psicanálise e 38 I, 1997) , o inconsciente, garantindo ao fonoaudiólogo uma escuta psicanalítica da história do paciente, que o torna capaz de atribuir novos sentidos para experiências, conflitos e dificuldades do paciente. A possibilidade de serem consideradas, no espaço terapêutico fonoaudiológico, as relações transferenciais, próprias de relação qualquer humana, mas especificamente trabalhadas psicanalítico, trabalho no cenário confere ao fonoaudiológico, segundo os analisados, uma artigos maior compreensão do paciente em questão conseqüentemente, 38 e, uma O título colocado entre parênteses refere-se, doravante, ao artigo analisado em que se encontra o fragmento ou expressão citada. maior eficácia do tratamento. São representativos desse enfoque, os fragmentos: Não qualquer clínica, nem qualquer linguagem [encontro entre clínica e linguagem]. Mas uma clínica que acolhe a instância do inconsciente, tanto quanto ao funcionamento psíquico do cliente quanto do terapeuta (é sempre conveniente ressaltar). E uma linguagem que deve ir além da materialidade da fala (embora dessa não prescinda), e, polissêmica, dirigir-se a um outro que a recria (Fonoaudiologia e Psicanálise I, 1997). A relação terapêutica é o que há de mais subjetivo no método clínico-fonoaudiológico: a partir dela a transferência opera, tanto em relação aos pais, quanto em relação à criança. (...) Deste modo, o sintoma, mesmo que primariamente de etiologia orgânica, sempre carregará as marcas subjetivas do sujeito, estando muitas vezes os conflitos psíquicos ancorados nessa disfunção plausível para o quando patológico, ou seja, podendo-se aqui pensar numa sobreposição de sintomas (Objetividade e subjetividade nos processos terapêuticos fonoaudiológicos, 2000). (...) a assimilação de pressupostos psicanalíticos pela clínica fonoaudiológica [significa] um redimensionamento [de seus construtos] com base em uma escuta voltada para o sujeito, sua história e a história de suas relações. (...) se o fonoaudiólogo trabalha com linguagem, com todas as variantes que advêm deste trabalho, e se a linguagem é constituinte do sujeito, seu trabalho clínico precisa ser sustentado numa concepção própria de sujeito e nos fundamentos que permitem a compreensão do desenvolvimento sujeito-linguagem. (Fonoaudiologia e Psicanálise: um encontro possível, 1995) (...) fazer migrar – sem profanar, sem sacralizar – conceitos psicanalíticos para o campo fonoaudiológico pressupõe: 1. Abandonar a surdez em favor de uma escuta fonoaudiológica deliberadamente dissociada, que nos possibilite... 2. Rever a noção de sintoma de linguagem, agora com duas metafóricas orelhas, uma para ouvir a materialidade da palavra, outra para escutar os seus possíveis sentidos e, assim, estaremos autorizados a... 3. Realizar interpretações fonoaudiológicas, isto é: intervir terapeuticamente de forma a possibilitar que o cliente ascenda à linguagem a partir da articulação entre representações corporais e conteúdos psíquicos inconscientes. (Fonoaudiologia e Psicanálise I, 1997). De um prisma, [trabalhar] aquilo que efetivamente não funciona na criança e para isso opera-se com múltiplas técnicas terapêuticas necessárias ao tratamento da especificidade de cada caso. Entram em cena a neurologia, psicomotricidade, foniatria etc. De outro prisma, é necessário que se desenvolva uma certa escuta analítica, que permita ao fonoaudiólogo ser um outro na relação com o paciente, capaz de significar para este suas experiências e seus conflitos. (Fonoaudiologia e Psicanálise: um encontro possível, 1995). Ao sentido acima descrito, seguem-se, proporção na de mesma recorrência (20%), outros dois sentidos: confrontação entre funcionamentos de linguagem e cruzamento de vozes. A idéia de diálogo como confrontação de funcionamentos de linguagem está vinculada à perspectiva interacionista de aquisição de linguagem, elaborada por De Lemos (1982, 1992), já explicitada anteriormente. Nessa perspectiva, interação é diálogo, é movimento da linguagem sobre a linguagem (Subjetividade e Linguagem: um olhar sobre a psicologia do desenvolvimento e a aquisição da linguagem, 1997). Aqui, o sujeito não é socius (De Lemos, 1992), não é ele que se apropria da linguagem. Ao contrário, é capturado por ela e cindido em falante/ouvinte. Dialogia (Processo terapêutico fonoaudiológico: um enfoque para a relação terapeuta-paciente, 2001) é tomada aqui na acepção de comunicação face a face não por dois sujeitos históricos, tal como Bakhtin os toma em sua teoria dialógica de linguagem, mas sim como duas instâncias de funcionamento discursivo (Subjetividade e Linguagem: um olhar sobre a psicologia do desenvolvimento e a aquisição da linguagem, 1997). Podemos observar esse enfoque em um dos artigos que analisa a postura do terapeuta ao questionar o paciente quando não compreende o que ele diz: Há um constante questionamento da terapeuta aos dizeres da criança, o que poderia indicar uma quebra da dialogia. No entanto, tal fato não foi visto desta forma, ao contrário, foi a mola propulsora do funcionamento da linguagem, pela constante atribuição de sentidos. (...) Há indícios de interpretação, atribuição de forma e sentido para as produções lingüísticas desta criança fora do âmbito terapêutico e, portanto, ela está atravessada pela linguagem. (Processo terapêutico fonoaudiológico: um enfoque para a relação terapeuta-paciente, 2001) Um outro sentido atribuído ao diálogo é o de cruzamento de vozes. Vozes de outros que compõem o discurso do sujeito. Diálogo ou interação verbal aqui aparece como lugar da produção da linguagem e dos sujeitos processo, se que, nesse constituem pela linguagem (O grupo terapêutico fonoaudiológico, 1999). A linguagem é compreendida como: Um processo sócio-histórico, cuja origem possa ser rastreada em práticas discursivas, recolocando a questão do distúrbio em um referencial que considere os usos efetivos e comunicativos da língua. (A linguagem na clínica fonoaudiológica: implicações de uma abordagem discursiva, 2001) Um pressuposto básico observado nos artigos que compõem essa categoria é o da constituição social, história e cultural do ser humano. Como conseqüência desse pressuposto, tem-se a assunção de que também a consciência se forma por meio de processos internos de retomada e réplica da interação sobre os objetos sociais (A consciência, esta replicante, 1991). O sujeito, constituindo-se como desdobramento do outro (A consciência, esta replicante, 1991), é tomado, nessa perspectiva terapêutica, como sujeito histórico. Para ele, o trabalho terapêutico deve estabelecer rotinas significativas de interação, de linguagem, de dialogia, um espaço em que ele possa assumir seu papel de interlocutor (A linguagem na clínica fonoaudiológica: implicações de uma abordagem discursiva, 2001). A linguagem é tomada na sua natureza dialógica e, usando as palavras de Bakhtin (1953/1979: 313-314), isso equivale a dizer que: A experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É (...) um processo de assimilação, mais ou menos criativo, das palavras do outro (e não das palavras da língua). A discussão sobre a condição de linguagem patológica não se faz isolada das condições culturais de determinado grupo social. Retoma-se aqui a ideologia do bem falar e de que forma e com que intensidade o paciente e seus interlocutores estão sob seu domínio. O trabalho terapêutico, delineado nesta categoria, busca a ressignificação para o paciente do uso da linguagem, envolvendo-o em situações significativas discursivas, em práticas orais ou escritas. O papel do terapeuta aqui é o de co-autor dos processos discursivos, desenvolvendo um trabalho conjunto no espaço de elaboração, de interação, de relação dialógica entre o sujeito e o [fonoaudiólogo] avaliador (A linguagem na clínica fonoaudiológica: implicações de uma abordagem discursiva, 2001). Nessa categoria, cabe salientar, pudemos observar o desenvolvimento de um trabalho terapêutico grupal justificado pela própria tomada de posição teórica. Observemos o fragmento de um dos artigos, cujo enfoque da perspectiva de trabalho é a dialogia e seu cruzamento de vozes: Crianças em contexto terapêutico grupal que já vêm equipadas com recursos e estratégias lingüísticas representativas de seu legado cultural irão, no processo terapêutico, apropriar-se de outras estratégias/recursos – e amadurecer/diversificar as possibilidades de uso daquelas já trazidas inicialmente -, num processo de crescimento e enriquecimento contínuo, que vem a contribuir para o seu próprio desenvolvimento ulterior quanto para o desenvolvimento do outro e, assim, da sua cultura (O grupo terapêutico fonoaudiológico, 1999). 3.2.2. Transtornos Neurológicos Em Transtornos Neurológicos, o termo diálogo aparece em 71,4% dos artigos. Observamos, aqui, alguns dos sentidos atribuídos ao diálogo na categoria anterior e um novo: • Intercâmbio entre teorias; • Confrontação entre funcionamentos de linguagem; • Cruzamento de vozes; • Forma de observação do estágio cognitivo. Iniciemos a discussão por esse último. O diálogo compreendido como forma de observação do estágio cognitivo tem por base a visão construtivista piagetiana. A interação adulto-criança (no caso, o terapeuta e seu paciente) é vista como propiciadora do desenvolvimento cognitivo. Aqui, o diálogo considerado é como possibilidade de avaliação da linguagem da criança, para classificá-la dentro dos esquemas piagetianos. A linguagem fica submetida ao desenvolvimento cognitivo e o foco do trabalho terapêutico recai sobre a função simbólica mais geral. seguintes Vejamos os fragmentos de um mesmo artigo: Era deixado num primeiro momento para que o material fosse manipulado e para que criança o explorasse e conhecesse. A partir daí, ou espontaneamente era dito o que ela estava fazendo ou então respondia à pergunta característica inicial de um diálogo sobre uma situação que está sendo construída: "0 que você está fazendo?".(...) Quanto à análise dos dados relativos à linguagem, observamos que as amostras obtidas durante as sessões de trabalho forneceram os elementos essenciais para nossa avaliação. Nossa preocupação fundamental não é fazer uma análise do ponto de vista lingüístico com relação ao nível de desenvolvimento fonético-fonológico, sintático e semântico. O que nos interessa é averiguar se, com os elementos disponíveis cada criança consegue, do ponto de vista semiótico, estruturar sua realidade e comunicá-la. É por esse motivo que, ao selecionarmos nossas variáveis de controle do estudo, incluímos a comunicação não oral (gestos, mímica, desenho, escrita).(...) Já é sabido que determinados objetos podem facilitar a manipulação por parte do paralítico cerebral, ou mesmo dificultar. Assim, por exemplo, objetos muito pequenos, de forma escorregadia e sem arestas, ou mais pesados, podem prejudicar o desempenho da criança em vista da dificuldade que podem trazer com relação ao manuseio. Mas, o mais importante é acrescentar a esses dados o fato de como interferem diretamente no próprio desenvolvimento da linguagem e da cognição, uma vez que limitam a ação exploratória e estruturadora da criança sobre o objeto, o conjunto de objetos, a realidade de uma forma mais ampla. (Considerações sobre o brinquedo e a linguagem de crianças PCs, 1992). Nessa categoria, interação é o termo mais recorrente, sendo entendido como ação da criança sobre o meio, geradora do desenvolvimento de estruturas cognitivas responsáveis pela compreensão e pela adaptação da criança à realidade. Observemos o seguinte fragmento: Podemos afirmar que o ponto de partida dessa gênese é a ação, responsável pelas trocas, pela interação organismo-meio, realizando-se através da adaptação. A criança, exercitando seus reflexos, constrói seus esquemas motores que são, por sua vez, a condição de ação no meio, que acabará por atribuir significado à sua experiência, isso do ponto de vista exógeno, além de o serem do ponto de vista endógeno, isto é, da organização interna em nível neurológico. (Considerações sobre o brinquedo e a linguagem de crianças PCs, 1992) O termo diálogo entendido como confrontação entre funcionamentos de linguagem e cruzamento de vozes aparece, aqui, tal como foi descrito na categoria anterior. Há, no entanto, nos artigos analisados, fragmentos de processos terapêuticos em ambas as perspectivas, que nos permitem aprofundar nossa análise quanto aos sentidos atribuídos ao diálogo na terapia fonoaudiológica. Tais fragmentos referem-se a terapias desenvolvidas com sujeitos afásicos. Em O papel do fonoaudiólogo na terapia do afásico39 (1994), a situação terapêutica é tida como uma situação discursiva e o fonoaudiólogo como coconstrutor da linguagem do paciente. Os fragmentos que se seguem (doravante chamados de F-1), segundo informações contidas no artigo, são de um atendimento a um senhor de sessenta e um anos, de classe média baixa e nível primário de escolaridade, que apresentava, como seqüela de um acidente vascular isquêmico, dificuldades na linguagem, apresentando um distúrbio de similaridade, isto é, dificuldades quanto ao pólo metafórico da linguagem. Nos fragmentos de diálogo apresentados no artigo, segundo as autoras, será possível observar o terapeuta utilizando-se principalmente do processo de especularidade de natureza metafórica como instrumento básico na reconstrução da linguagem do paciente. Situação 1. (referindo-se a uma foto de um álbum de família) T.: quem é, seu Nelson? Quem é esse? P.: esse aqui, Mau, Mau, Mauricío, Mauricío... T.: Mauricío? P.: Mauricío, então, Mauricío. T.: Esse aqui é o Maurício? P.: Maurocío, então Maurocía, Mauro, Maurocía, Maurocía, T.: Maurocía? P.: e Marocí, Ma, Ma, Maurocía... T.: Num sei quem é! P.: Maurocía, Marassú, Marúcia, Maurocío... T.: Vamo vê? P.: Maurocío. T.: Maurício? P.: Maurúcio esse aqui. Situação 2. (ainda referindo-se ao álbum de fotografia) T.: Vizinho? P.: é. T.: Hum! 39 Todas as informações aqui citadas, bem como os termos utilizados e a transcrição dos fragmentos de diálogo são de responsabilidade dos autores do texto. Possíveis incorreções no uso de teorias e vaguidão na caracterização das sessões serão discutidas na análise subseqüente. P.: Lá em cima, desse mulhé, dessa senhora, aqui já feriado, já, já, foi, cabo. T.: Morreu? P.: já, já foi. T.: Esse homem aqui morreu? (indicando a foto) P.: Esse aqui, esse aqui, esse aqui, outro, esse aqui morreu. T.: Hum! Situação 3. (vendo um livro de animais) T.: como chama esse passarinho aí? P.: nu sei, é, num sei, como chama esse T.: aqui ta dizendo que chama pica-pau P.: isso, aquele, que joga to-tó-tó-tó, to-tó-tó-tó, é, passarinho, esse, (SI)40, ganta esse aqui (depois de alguns segundos de conversa sobre o passarinho) T.: este passarinho aqui? P.: é passa, para, passarapa, para, pau T.: passarinho P.: é T.: ahn...pica-pau P.: é é, esse aqui, então, esse aqui... (aponta para o passarinho) (depois de alguns segundos de conversa sobre o passarinho) T.: então fala esse passarinho aqui... (apontando para o pica-pau) P.: ahn? Arapau, ara... T.: pica-pau... P.: pi, picãu, pi, picáu, pi, pi, picau T.: pica... P.: cau... (mais alguns segundos) T.: este também é pica-pau P.: é, esse aqui, só esse aqui, esse aqui também T.: este passarinho também é pica-pau P.: pi, picau, pi, pi, ca, u T.: pau Em Discutindo a classificação das alterações da linguagem escrita nas afasias a partir de uma perspectiva discursiva (2001), a linguagem é tomada na perspectiva enunciativo-discursiva. Segundo informações contidas no artigo41, os fragmentos (doravante, F-2) referem-se a diálogos construídos em uma sessão de 40 (SI) – segmento ininteligível 41 Todas as informações bem como as notações das sessões são de responsabilidade do autor. grupo e entrevista pessoal, no Centro de Convivência de Afásicos (CCA), com o foco sobre a linguagem do sujeito EF, um senhor de sessenta e oito anos, advogado. Observa-se no trabalho desenvolvido no CCA a simultaneidade de práticas significativas orais e escritas no curso de uma mesma sessão terapêutica. Situação 1. Este texto do qual temos um esboço foi realizado no contexto do diálogo que se segue. EF comenta com os demais integrantes do CCA sobre a viagem que fará a Petrolina. Enquanto está falando, ele escreve com a mão em sua perna, na perna da investigadora e procura uma caneta para escrever. PETRO JUZEI RIO EF: //usando a escrita no ar como prompting, fala//Pe::to::li::na. Imc: Petrolina? É a divisa? EF: Ah //afirmando// Imc: (...) Bahia...Pernambuco...(...) Bom!!! Escreve aí. Vamos ver o que ele vai escreve...//EF escreve enquanto fala ao grupo// Iem: O sr. EF contou uma história uma vez...cês lembram? Ele morava numa cidade, atravessava o rio e estudava na outra. Lembra disso?//pergunta ao grupo// Depois o sr. EF explica. Parece que atravessando o rio já é outro estado, né? Bahia/Pernambuco. Não tem uma história assim? Imc: Tinha. Que é Petrolina. Ele escreveu “Petrolina” e “Juazeiro” //Imc lê o que EF escreveu Imc: Ah. É isso aí então. E tem um rio no meio.// a EF// Como é que se chama esse rio no meio? É o rio São Francisco? //EF afirma com a cabeça// Iem: mas, sabe, sr. EF, a gente não conhece a região. É isso mesmo? EF: //EF fala enquanto escreve// Ri::o São Fan::cis::co. Iem: Tem o rio São Francisco entre Petrolina e Juazeiro. Juazeiro pertence à Bahia e Petrolina a Pernambuco? Imc: Tem uma ponte que vai pra Petrolina...que vai pra Pernambuco. Ele escreveu só um pedaço. Ele só escreveu um pedacinho e pronto. Iem: //Iem lê a escrita de EF// Petro, Petrolina, Juazeiro e Rio São Francisco. Situação 2. Trata-se do esboço de uma produção escrita de EF. Ele havia combinado de assistir ao jogo do Brasil no CCA, junto com o grupo. A investigadora pediu-lhe que simulasse uma situação hipotética e escrevesse um bilhete para as outras investigadoras (de apelidos Maza e Dudu, presentes no momento), desculpando-se por não poder assistir mais ao jogo no CCA e dizendo que assistiria com os filhos. DUDO E MAZA NA Fui AO jogo não Filhos Sem mais. FRANÇA (EF escreve novamente o texto procurando organizá-lo melhor) foi Não com jogo filhos Em F-1, em primeiro lugar, é importante observar que não há uma preocupação dos autores em passar para o leitor uma contextualização da situação de produção do diálogo. Qual seria, por exemplo, o propósito de se olhar um livro de animais com um senhor de 61 anos de idade? Teria partido desse senhor o interesse em observar o álbum de fotografias; tratava-se de um evento especial que ele desejava partilhar com a terapeuta? A resposta a essas questões aparentemente óbvias ou até desnecessárias faz toda diferença na compreensão do discurso elaborado. O que podemos depreender do diálogo construído é que as situações criadas serviram apenas como suporte para o estabelecimento de uma estrutura ou uma categoria lingüística qualquer. Como citado pelas próprias autoras no decorrer do artigo, o terapeuta utilizou-se principalmente do processo de especularidade de natureza metafórica como instrumento básico na reconstrução da linguagem do paciente. Em seu procedimento terapêutico, terapeuta e paciente são tomados como instâncias de funcionamento lingüístico. Assim, o diálogo desenvolvido nas sessões fonoaudiológicas assume o lugar de meio propiciador do encontro desses funcionamentos, objetivando a reorganização do funcionamento tomado como desviante ou patológico em outros discursos. Nos episódios de F-1, o objetivo proposto pelo terapeuta era o de diminuir o distúrbio de similaridade apresentado pelo paciente e, para tal, o fonoaudiólogo recortou do discurso do paciente os paradigmas considerados sem significados, contribuindo para que ele pudesse reestruturá-lo. Na situação 2 de F-1, observa-se a dificuldade do paciente em usar a palavra morreu. Em seu lugar, ele diz: já, já foi, cabô. A retomada do terapeuta – esse homem aqui morreu? – faz com que o paciente, em sua resposta, incorpore em seu discurso a mesma palavra, demonstrando aceitação do sentido atribuído às suas palavras. Movimento similar não foi observado nos outros dois episódios. O recurso usado pelo terapeuta não levou o paciente a uma reorganização do enunciado considerado patológico. Ao contrário, o apresentado nos fragmentos sugere um silenciamento do paciente nas situações discursivas. Nesses dois episódios, a idéia de autonomia da língua, assumida pelo terapeuta, autorizou-o a perseguir um objetivo lingüístico – e não discursivo – qual seja, a nomeação correta de duas palavras. De modo diverso do que ocorreu na situação 2, quando o terapeuta buscou um paradigma que melhor expressasse a idéia de já foi, cabô, nessas outras situações, o fonoaudiólogo pôs em evidência a face fonológica da palavra em detrimento dos sentidos a ela atribuídos e possíveis de serem partilhados por ambos os interlocutores. Retomemos alguns construtos teóricos que subsidiam o trabalho desse fonoaudiólogo. Segundo Jakobson (1955), o comportamento verbal normal é bipolar, ou seja, há trânsito entre os dois modos básicos de relação entre os elementos lingüísticos (relação interna de similaridade e relação externa de contigüidade). Já o comportamento afásico tende à unipolaridade. No caso em questão, o senhor N. apresentava distúrbio de similaridade, ou seja, dificuldade em ordenar as unidades do código de acordo com sua semelhança. Palavras sugeridas pelo contexto tendem a ser mais fácil de serem encontradas que as selecionadas dentro de uma mesma categoria. A atitude adotada pela terapeuta, na situação 2, mostrou coerência com esse princípio, o que não podemos dizer das outras situações. Um outro construto teórico assumido pelas autoras, dentro da visão interacionista de aquisição de linguagem, é o de que o erro (na elaboração da linguagem) é considerado um dos produtos possíveis do funcionamento da língua. Em decorrência disso, podemos inferir que, nos enunciados produzidos pelo paciente, o considerado desviante foi assim determinado pelo interlocutor do momento. Amoroso & Freire (2001), conforme explicitado em capítulo anterior, afirmam que o caráter patológico da linguagem é determinado por uma regularidade de interpretação de um falante comum sobre uma manifestação lingüística fixada como erro. Essa regularidade de interpretação se dá pelo estranhamento que se repete a esse falante/ouvinte, em diversas situações discursivas em que tal manifestação lingüística ocorra. No caso em questão, não é possível, ao menos na situação 1 de F-1, atestar que o enunciado destacado pelo terapeuta para reorganização – o nome do filho – seja tomado como erro por uma regularidade de interpretação de um falante comum sobre essa manifestação lingüística. Seria possível afirmar que, em situações cotidianas de comunicação, seu filho Maurício não o atenda quando chamado de Mauricío? A escolha do enunciado para reorganização, portanto, não parece ter partido da regularidade de que falam os autores, mas sim de critérios do terapeuta fonoaudiólogo que, como sabemos, historicamente busca eliminar desvios da norma padrão. Como sustentar a tese, ao menos no curso do processo terapêutico, de que terapeuta e paciente são instâncias de funcionamentos lingüísticos? Estamos diante, sim, de sujeitos socius, cujas escolhas não estão desvinculadas de suas histórias. No caso do terapeuta, vale acrescentar: e da história da profissão para a qual foi formado. Uma leitura bakhtiniana de F-1 autoriza-nos a dizer que houve, por parte do terapeuta, um discurso orientado para um interlocutor, em que as forças centrífugas e a palavra autoritária tiveram forte influência. Como vimos, anteriormente, palavra autoritária é a que exige reconhecimento e assimilação incontestes e as forças centrífugas trabalham em favor da unificação e normalização da língua padrão. Ou é Maurício ou não sei quem é, ainda que a foto, a história e o vínculo terapêutico digam o contrário. A busca da nomeação correta eliminou a possibilidade de se observar as réplicas do paciente aos enunciados do terapeuta e a uma possível relação dialógica ali instaurada. Volochinov (1926: 191) nos diz que o todo de um enunciado é composto por uma parte verbal e por outra extra-verbal, sendo que esta integra-se ao enunciado como um elemento indispensável à sua constituição semântica. Munidos desse olhar, parece-nos que o paciente, na situação 3, sabe de que pássaro se trata, quando aponta para a figura no livro, ou quando faz uso do que nos parece ser uma onomatopéia de seu movimento característico (to-tó-tó – bicar em árvores), ou quando fala sobre seu canto. É curioso observar, também, uma desvalorização pelo que poderia ter sido o tema42 desse encontro: toda vez que parece ter havido um desenvolvimento do diálogo, o fonoaudiólogo/co-autor do texto opta por colocar uma observação entre parênteses – depois de alguns segundos de conversa sobre o passarinho – tal qual apontado, em capítulo anterior, no depoimento da mãe que se recusava a responder quando seu filho queria lhe dar uma pergunta. Essa observação reitera a idéia de que o terapeuta/interlocutor não estava voltado para seu outro (um senhor de sessenta e um anos, afásico, mas consciente de sua condição) e nem para os sentidos de seus enunciados. 42 Tema, na acepção bakhtiniana, como produto de enunciados numa dada situação concreta, levando em conta os enunciados anteriores que o determinaram. Perguntamos então: que tema faria desse encontro uma prática discursiva significativa? Em F-2, observamos um movimento diverso. Enquanto o paciente, EF, procura dizer – com a ajuda da escrita – para onde vai viajar, as investigadoras buscam retomar o que ele falou ou escreveu não como palavra a ser corrigida no interior da língua, mas como mais um enunciado da cadeia verbal daquele paciente e daquele grupo, remetendo-os a um universo conhecido, fazendo referências a outras elaborações discursivas. O interlocutor de EF, ao tomar suas produções – PETRO (escrita) e Pe::to::li::na (oral) – e indagar: Petrolina? A Divisa?, não está simplesmente repetindo o que ele diz. Diferente do que vimos anteriormente, quando retoma em seu próprio discurso as mesmas palavras do seu interlocutor, fá-lo como forma de reiterar o discurso do outro, procurando garantir sua compreensão ativa. Ao ver sua suposição confirmada por EF, seu interlocutor se volta para o grupo, solicitando a participação, com a retomada de enunciados anteriores de EF: o sr. EF contou uma história uma vez...cês lembram? Ele morava numa cidade, atravessava o rio e estudava na outra. Lembra disso// pergunta ao grupo// Depois o sr. EF explica. Não se furtando a completar, a indagar, a propor novas elaborações, as investigadoras adotam uma atitude de responsividade43 de que fala Bakhtin, isto é, a de serem responsáveis por um enunciado que nasce em resposta a um outro. E essa atitude, no interior de situações discursivas significativas, tende a levar os outros interlocutores a fazerem o mesmo, ou seja, sentirem-se responsáveis por outros enunciados nos diversos contextos em que circulam. É o que podemos observar na situação 2 de F-2. Sugerida a situação discursiva – deixar um bilhete para as outras investigadoras que não estavam ali presentes, avisando-lhes da impossibilidade de assistir ao jogo como combinado – EF não só escreveu, sentindo-se portanto minimamente capaz de fazê-lo, como procurou reelaborá-lo, 43 Bakhtin, em toda sua obra, trabalha com o conceito de responsabilidade. Responsabilidade tornou-se responsividade, que significa responsabilidade de seguir com a palavra do outro, o que dá à linguagem sua orientação dialógica. tomando para si o enunciado, com a consciência de que é necessário dar-lhe acabamento de modo a incitar no outro o movimento de resposta. Voltando à situação 1 de F-2, mais adiante, uma das investigadoras diz: Ah. É isso aí então. E tem um rio no meio.// a EF// Como é que se chama esse rio no meio? É o rio São Francisco? EF afirma com a cabeça e a investigadora continua: mas, sabe, sr. EF, a gente não conhece a região. É isso mesmo? E enquanto escreve, EF fala: Ri::o São Fan::cis::co. Ao perguntar ao paciente se era do rio São Francisco que falavam, a investigadora mostra que não estava tomando a palavra de EF como oração/constituinte da língua, mas sim como enunciado/elo de uma cadeia verbal ininterrupta de comunicação. Como dissemos acima, tomar o enunciado, numa postura responsiva, isto é, complementá-lo, questioná-lo, leva o interlocutor a seguir em seu próprio discurso, na medida em que se sente instigado a fazer sua réplica. É o que acontece com EF, quando, com a ajuda da escrita no ar, diz: Ri::o São Fan::cis::co. Esse seu enunciado é, por certo, uma apreensão da palavra do outro bastante significativa, pois aquele que apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário um ser cheio de palavras interiores (Bakhtin/Volochinov, 1929: 147). Aspecto tão caro para aquele que se tornou afásico. Em F-2, vemos um sujeito com dificuldades na elaboração do discurso, mas que, com a co-autoria de seus interlocutores – pelo uso da palavra internamente persuasiva – segue adiante no diálogo, sentindo-se presente e produtivo nas situações discursivas a ele significativas. Retomando F-1, podemos dizer que, na situação 2, o terapeuta tomou a produção de seu interlocutor já, já foi, cabô, como um enunciado na situação discursiva que ali se instaurava. Ao usar em sua réplica, esse homem aqui já morreu?, proporcionou a seu paciente sua retomada, não como palavra da língua corrigida, mas como enunciado, já que se mostrava dentro dos possíveis sentidos a serem construídos naquele contexto. A palavra do terapeuta, nessa situação, caracterizou-se como internamente persuasiva, pois foi compreendida pelo paciente fazendo surgir uma nova palavra sua em resposta. Voltaremos a essa questão mais adiante. 3.2.3. Surdez Observamos, na categoria Surdez, o uso do termo diálogo em 75% dos artigos analisados. Embora a amostra, nessa categoria, seja pequena, há, em relação aos sentidos atribuídos ao diálogo, uma tendência importante de ser apontada, que diz respeito ao modo como o sujeito privado de audição é denominado. Há trabalhos em que ele é apresentado como deficiente auditivo. Nesse caso, o enfoque recai sobre o déficit de audição e suas conseqüências decorrentes no uso da linguagem oral. O objetivo do trabalho, nessa perspectiva, é o de desenvolver sua capacidade de comunicação oral. A necessidade de se considerar o diálogo, na terapia fonoaudiológica com o deficiente auditivo, surge no momento em que fonoaudiólogos observam que apenas a exposição da criança deficiente auditiva à linguagem oral não é suficiente para o desenvolvimento da oralidade. Observemos os seguintes fragmentos: Havia a crença de que a partir do uso de amplificação sonora, intensa estimulação auditiva e exposição adequada a padrões de fala e linguagem, a comunicação oral emergiria naturalmente, chegando a criança deficiente auditiva a alcançar, desta forma, pleno domínio da linguagem oral. Tinha-se então como objetivo principal, nessa época, desenvolver na criança uma atitude ouvinte. (...) As sessões de terapia serviam de modelo para a mãe e esta procurava absorver o padrão da terapeuta: "Aprender a encher a criança de sons", de acordo: com Whetnall (1971), falar para a criança e pela criança, verbalizar ações e situações, eram os princípios básicos. (...) Isto [a modificação no trabalho] ocorreu a partir das observações das emissões orais das crianças deficientes auditivas que participaram deste programa e da atitude de comunicação de suas mães, que se caracteriza pela maneira incessante de falar, descrição da situação desvinculada do contexto interacional. (...) Aos objetivos iniciais do trabalho acrescentou-se uma preocupação com os comportamentos comunicativos não verbais e a ênfase na relação dialógica. Pôde-se observar que havia grande preocupação com o contexto situacional, mas não se criava a situação de diálogo. (Programa clínico para o deficiente auditivo em idade precoce: uma crítica retrospectiva, 1986). Nessa perspectiva enfocada, a tendência é a de se caracterizar o diálogo como interação face a face, levando em conta os requisitos básicos de uma conversação. (...) ficar atenta cada vez mais em uma atividade; olhar para o rosto do falante; perceber que a comunicação verbal existe; iniciar a interação. (Programa clínico para o deficiente auditivo em idade precoce: uma crítica retrospectiva, 1986). A imitação verbal passou a ser uma das estratégias de aquisição de linguagem levando a criança a perceber os vários momentos e as diferentes funções da linguagem oral. (Programa clínico para o deficiente auditivo em idade precoce: uma crítica retrospectiva, 1986). O processo terapêutico com a criança deficiente auditiva deve ter como foco de atenção a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, com a utilização máxima da audição residual pela amplificação sonora. (Identificação de estratégias no processo terapêutico de uma criança deficiente auditiva, 2001). A partir do pressuposto que a aquisição de linguagem se dá na interação com o outro, o momento terapêutico inicial, segundo as autoras, deve privilegiar o reconhecimento, por parte dos pais, do potencial de interlocução de sua criança. O trabalho de linguagem apóia-se na situação interacional em que terapeuta e criança constroem sua história a partir de situações lúdicas, o conhecimento mútuo facilitando a atribuição de significados. O terapeuta tem por desafio criar situações lúdicas das quais deve emergir o diálogo, descobrindo as estratégias mais atrativas para cada criança. É desejável que ambos terapeuta e criança - venham a se tornar parceiros num jogo de múltiplos sentidos. Acreditamos que esta concepção de linguagem tem trazido transformações significativas no desenvolvimento de linguagem de crianças deficientes auditivas, questionando propostas de treinamento auditivo e de fala. A constituição do sujeito como falante, de fato, se dá nas experiências de linguagem vividas nas situações dialógicas e não em situações de aprendizado de estruturas da língua. (Identificação de estratégias no processo terapêutico de uma criança deficiente auditiva, 2001). Semelhanças podem ser observadas nas citações de um e outro artigo, ainda que quinze anos os separem. A perspectiva interacional é mantida como meio propiciador de desenvolver a linguagem oral; de fazer com que a criança reconheça e utilize as diferentes formas dessa linguagem, sempre visando a ampliação de sua capacidade em utilizar sua audição residual. No último artigo mencionado, há uma maior preocupação com o desenvolvimento do diálogo na terapia e um exemplo ali exposto pode nos ajudar a compreender o que está sendo considerado por situações dialógicas44. Terapeuta (T.) e Carolina (C.) compartilham a brincadeira de procurar e achar o fantoche, proporcionando o suspense, a expectativa de procurar e a surpresa do que vai ser encontrado. O suspense e a surpresa mantêm o contato de olho de C. com a T., garantindo sua atenção; C. sabe do que está sendo falado, podendo chamar, procurar, olhar, apontar e achar. Usualmente, o fantoche fica em uma caixa, em cima de um armário, e C. tem conhecimento disto. Quadro 1 -Transcrição da Situação 1 Procurar e achar o fantoche que não está no lugar usual T: Vamo chamá agora a dona barata? (coloca a mão ao lado da boca e vira o pescoço em direção aonde o fantoche costuma ficar guardado) Dona barata. C: Baa (simultaneamente ao chamado do fantoche, vira o pescoço na mesma direção que T.) T: Cadê a dona barata? (gesto de cadê com as mãos) C: Lá (aponta para o lado oposto de onde o fantoche está) T: Não (gesto de negação com dedos e cabeça) C: (gesto de negação com a cabeça) T: Olha a dona barata ali, ó (aponta na direção do fantoche) C: (olha na direção do fantoche, levanta-se e segura a cadeira) T: Dona barata úú úú (põe a mão ao lado da boca) Olha a barata ali, ó, CaroI (aponta na direção do fantoche) C: (larga a cadeira e busca o fantoche) T: Achô! 44 O fragmento de diálogo citado obedece a transcrição feita pelo autor do artigo. Embora os autores do artigo não se refiram às idéias de Bruner, é a essa visão de interacionismo que nos remete o trabalho por eles apresentado. Como já vimos anteriormente, Bruner considera que a interação social assegura o domínio lingüístico. Para ele, não basta input lingüístico e sim interação. É o que vemos nas citações de ambos os artigos. No fragmento de terapia, podemos observar uma preocupação do terapeuta em trabalhar com assuntos já conhecidos pela criança, num formato de interação bastante definido. Trata-se dos formats de Bruner, um tipo de relação com intenção compartilhada, especificação dêitica e estabelecimento de uma pressuposição que pode ser, por diversas vezes, repetido, variando-se os temas. Nos formats, como vimos anteriormente, o adulto trabalha com aspectos mais canônicos de uma determinada cultura, o que permite à criança uma possibilidade de incorporação gradativa de suas regras fundamentais. Essas interações pressupõem uma relação de complementaridade e reciprocidade de papéis: a resposta de um dos participantes existe em função da ação/resposta do outro, havendo também divisão de tarefas e iniciativas. O que observamos no fragmento citado é o conhecido jogo infantil cadê/achou que se enquadra na estrutura dos formats. A inserção da criança nesse tipo de interação é para garantir, a partir de uma sensibilidade ao contexto da criança, sua compreensão e progressiva participação nas regras da cultura ouvinte. Assim como Bruner, que admite que a cultura afrouxa os limites impostos pelo fator biológico, as autoras dos artigos entendem que a inserção de crianças deficientes auditivas na cultura ouvinte, por meio de interações sociais próprias dessa cultura, ajuda-as a lidarem com seu déficit de audição. É o que podemos depreender da explicação que dão ao realizado em terapia: Chamar o brinquedo pelo nome, privilegiando a pista auditiva, propicia que a criança esteja atenta para o que vai ouvir e estabeleça o feedback acústico e articulatório em uma situação em que está à procura de algo que já conhece. (...) A face acústica do que está sendo dito é relacionada ao vivido, promovendo a atribuição de sentido ao que é falado pelo outro. Nesse sentido, desencadeia-se o processo de significação em uma situação previsível e acusticamente facilitada, o que leva à compreensão, mais tarde, em situações em que o sinal esteja distorcido ou com pouca intensidade. Numa situação terapêutica posterior, o terapeuta retoma a brincadeira dos fantoches – entre eles, o da dona Barata – e com eles canta uma conhecida música infantil: T: Olha a barata aqui ó, vamu vê como ela faz (coloca o fantoche na mão) C: (coloca a mão em cima de sua boca simultaneamente à ação acima) T: A barata diz que tem sete saias de filó, é mentira da barata, ela tem é uma só (aponta para o fantoche e faz o número um com o dedo) C: (aponta para o fantoche e faz o número um com o dedo simultaneamente à ação da T.) T: Rá rá rá (cobrindo a boca) C: Á á á (cobrindo a boca) T: Ró ro ró (cobrindo a boca) C: Ú ú ú (cobrindo a boca) T: Ela tem é uma só rá rá rá ró ró ró ela tem é uma só (faz gesto do número um) C: (vira a cabeça para o lado e pega o fantoche da mão da T. simultaneamente à ação acima) Bakhtin (1952-53/1979: 316) nos diz que todo enunciado é repleto de ecos e lembranças de outros enunciados. É o que podemos inferir da inserção da música da barata à brincadeira com o fantoche da dona barata. No entanto, pela ausência de qualquer alusão nesse sentido, por parte do terapeuta, tanto na sessão fonoaudiológica como na análise do artigo, observamos que essa inserção não tem necessariamente relação com uma possível ampliação de conhecimento de mundo da criança. Ainda que se configure como uma possível ressonância dialógica, de que fala Bakhtin (1952-53/1979), não foi esse o valor atribuído pelos autores, como podemos observar em: Na Situação 2 (Quadro 2), T. e C. cantam uma música infantil sincronizada com movimentos corporais próprios e do fantoche; aqui, ocorrem trocas dinâmicas entre criança e adulto, trocas de pistas auditivas e visuais, e de quando e como é o modo de preencher os espaços visuais e auditivos, permitindo a utilização de estratégias que visam o uso máximo do sinal acústico. A ênfase no trabalho de atenção auditiva visa também, conforme a Situação I, o aprimoramento do feedback acústico e articulatório, mas, neste caso, a música e, em outra situações, as rimas proporcionam oportunidades significativas para aumentar as estruturas suprasegmentais da linguagem oral, objetivando uma melhora da inteligibilidade da fala (Flexer, 1994). Desta forma, a situação interacional desenvolvida no processo terapêutico parece levar em conta apenas o contexto imediato em que terapeuta e paciente estão, frente a frente, desenvolvendo um diálogo que, na acepção bakhtiniana, é a forma mais fraca do dialogismo. Vimos até aqui os possíveis sentidos atribuídos ao diálogo quando se toma o sujeito privado da audição por deficiente auditivo. Quando, no entanto, ele é tomado por surdo, há indícios de que a relação educacional ou terapêutica se estabeleça sob outras bases. Dentro de nossa pequena amostra, nessa categoria, encontramos um único artigo que aponta para essa outra tendência, sem, no entanto, desenvolvê-la. Nele, o autor enfatiza a importância de se pensar sob que condições a criança surda está sendo levada a produzir linguagem. Vejamos alguns fragmentos: O sucesso ou o fracasso do trabalho com crianças surdas têm sido freqüentemente relacionado à forma como elas têm acesso à linguagem. Raramente se leva em conta o fato de que os problemas em relação à linguagem e à constituição da língua não são decorrentes apenas dos limites impostos pela surdez ao acesso à oralidade, mas, sobretudo das alterações que se desencadeiam no processo interativo da criança surda com os ouvintes e que, portanto, acarretam modificações nas condições de produção da linguagem. (...) no âmbito da Educação Especial tanto a escolha da abordagem como da língua na qual o diálogo em sala de aula deva se dar envolve não só fundamentos lingüísticos, mas também aspectos sociais, culturais, antropológicos, políticos e educacionais-pedagógicos. Assim, tanto uma como outra são escolhas orientadas por diferentes razões, tais como: maior possibilidade de integração com os ouvintes ou maior possibilidade de desenvolvimento cognitivo e lingüístico. Tais objetivos, no entanto, não serão alcançados apenas por intermédio dos recursos utilizados para compensar as limitações impostas pela surdez ao acesso à linguagem. Eles serão atingidos à medida que forem fornecidas à criança surda as condições de produção da linguagem de que ela necessita. (Considerações sobre a escolha de uma abordagem que viabilize à criança surda o acesso à linguagem, 1995) No artigo, não há referências explícitas às interações verbais estabelecidas com o sujeito surdo, mas a alusão à atenção a aspectos sociais, políticos, culturais, antropológicos nos leva a crer que esse sujeito não é considerado apenas por seu déficit de audição, mas por sua identidade de surdo construída historicamente, o que provavelmente provoca diferenças qualitativas no estabelecimento da interação e do diálogo45. 3.2.4. Avaliação de Linguagem Na categoria Avaliação de Linguagem, o termo interação prevalece sobre o termo diálogo, aparecendo em 100% dos artigos analisados. Nesses em que só há a ocorrência do termo interação, observamos uma filiação dos autores a teorias que, como já vimos em outras passagens desta pesquisa, não consideram o caráter histórico e social da linguagem, tomando a interação adulto-criança ou como a interação que o sujeito (no caso a criança) estabelece com o meio, ou como interação entre estruturas de língua. Estamos nos referindo às visões piagetiana e interacionista proposta por De Lemos, respectivamente. Essas teorias têm auxiliado os fonoaudiólogos a pensarem as avaliações fundamentalmente de crianças que apresentam ausência ou atraso de linguagem verbal. Destacamos os fragmentos: 45 Esta pesquisa não tem como objetivo aprofundar o tema no âmbito da surdez, trabalhando apenas com o material coletado, conforme já explicitado. Para um mergulho no tema sugiro a leitura das teses de doutorado de Ana Claudia Lodi e Rossana Arcoverde, defendidas no Programa de Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem, PUC-SP, 2004. Costuma-se privilegiar a linguagem para avaliar e compreender a própria linguagem. Mas será isto possível quando ela está ausente ou mesmo pouco desenvolvida? Tarefa difícil! Até mesmo pouco produtiva, principalmente porque sabemos que a linguagem não é algo que se desenvolve de forma autônoma, como se fosse uma simples questão de tempo. Encontrar soluções que nos ajudem em nosso trabalho depende de conhecermos melhor os problemas com que lidamos. Por isso, há necessidade de irmos além da linguagem. (...) A questão pode ser colocada da seguinte forma: temos à nossa frente uma criança apresentando uma história de atraso de linguagem. Como podemos tentar compreender o problema desta criança que ainda não fala, ou que tem uma linguagem muito elementar? O que proponho aqui é procurar situar o desenvolvimento mais amplo da criança para, daí, tentarmos compreender o atraso de sua linguagem. Precisamos buscar respostas para perguntas do tipo: Qual o nível de desenvolvimento cognitivo que a criança possivelmente já atingiu? Todo o desenvolvimento está prejudicado? Ou o comprometimento maior é em relação à linguagem? Existem outras condutas simbólicas? Que nível de representação a criança pode ter alcançado? Quais as diferenças entre estas diversas situações? É possível detectar fatores causais? Que implicações esses conhecimentos podem ter para a terapia? (A evolução do simbolismo como base para a compreensão e diagnóstico do retardo de linguagem, 1991) *** Pode-se pensar que a interpretação da fala da criança pelo outro nem sempre se apresenta com os mesmos efeitos, ou seja, pode caminhar em direções diferentes daquelas observadas pelos estudos em aquisição de linguagem. Quero dizer que a interpretação coloca em cena não qualquer adulto e qualquer criança, mas um certo adulto e uma certa criança. Para desenvolver esta afirmação, proponho um retorno ao trabalho de Faria (op.cit), que identifica a criança a um dos elementos de uma estrutura pai-mãe-criança. A concepção da estrutura, na qual o valor de cada elemento não depende apenas do que ele é por si mesmo, mas sobretudo da posição que ele ocupa em relação aos outros elementos do conjunto, permite a circunscrição de posições que são ocupadas por cada um desses elementos. Essas posições são definidas pela autora como as seguintes: 1. a de sujeitos - ou seja, considerando que temos sempre diante de nós não apenas um pai, uma mãe e um filho, mas antes de mais nada um homem, uma mulher e uma criança. 2. a de funções - lembrando que cada um dos elementos dessa estrutura está exercendo um papel em relação aos outros, que cada um desses elementos deve ser considerado como exercendo uma única e determinada função em relação ao outro elemento, além de não apenas o segundo elemento participar dessa relação, mas dele depender também a função do terceiro elemento. 3. a de lugares - em que a combinação de todas as relações estabelecidas, a interação desses sujeitos com as funções permitirão que se deduza uma tópica para além das funções. Trata-se de uma tópica não encarnada, em que os lugares se definem a partir da posição que puderem ocupar os sujeitos com funções; é uma tópica dedutível da inter-relação desses elementos. Se isso for verdadeiro, essas posições, materializadas na interpretação da fala da criança, podem ser determinantes do processo de aquisição de linguagem. Ou seja, estou supondo que, além da interpretação que leva ao deslocamento da criança em seu processo de aquisição de linguagem, tal como propõe o interacionismo, pode haver outras formas de interpretação, que terão outros efeitos. Parto, ainda, do pressuposto de que o funcionamento da linguagem da criança, em decorrência das posições que esta ocupa em relação a seus intérpretes - pai -mãe- o outro - pode sofrer perturbações e que nem sempre ocorrerá como dele fala a aquisição da linguagem. (O diagnóstico nas alterações de linguagem, 2000) Não privilegiando a interação social e as construções conjuntas de conhecimento que dela decorrem, as visões piagetiana e interacionista que subsidiam o pensamento fonoaudiológico no âmbito da avaliação de linguagem, contribuíram para que o terapeuta assumisse uma postura de observação e escuta. Há, nos artigos elaborados a partir da visão interacionista, ênfase no direcionamento do trabalho do fonoaudiólogo à escuta cuidadosa dos outros discursos que compõem o universo do paciente. Vejamos o que nos mostra este fragmento: Isto sinalizaria a necessidade de se pensar uma intervenção terapêutica específica para cada uma dessas formas. Estas, ainda, apontam não só para a inexorabilidade de se incluir a mãe e seu discurso sobre a fala da criança na reflexão sobre a patologia, como também a necessidade de escutar a criança e não simplesmente tomá-la a partir da queixa dos pais. Escutá-la, para decidir com ela sobre sua própria terapia, uma vez que ela se apresenta inicialmente não por uma demanda sua, mas pela demanda de seus pais. (O diagnóstico nas alterações de linguagem, 2000) O termo diálogo, que, nessa categoria, aparece em 50% dos artigos, vem referendar a postura de escuta e de observação dos movimentos da língua, estando, portanto, vinculado à categoria que aqui denominamos como confrontação entre funcionamentos de linguagem. Observemos o seguinte fragmento: (...) O método de avaliação muda, e o que se põe em foco é o funcionamento da linguagem do paciente, descrita a partir dos processos dialógicos e analisados pelo modo como os princípios metafórico e metonímico se articulam nos atos enunciativos. A gravação é recomendada, já que a unidade mínima de análise deve ser o diálogo (ou, mais especificamente, o espaço discursivo): a fala do outro interpretando as produções da criança. Assim, será possível vislumbrar como a criança, enquanto sujeito da linguagem (que opera movimentos na estrutura da linguagem), assume posições discursivas e, portanto, como se engendram as redes de significação e os efeitos de sentido que daí germinam. (Questões sobre o diagnóstico fonoaudiológico em crianças pequenas, 1999) É importante que se ressalte que processos dialógicos aí citados não se referem ao processo de encadeamento de enunciados em que se transparece a multiplicidade de vozes que compõem a linguagem em uso, mas sim, ao suporte em que se articulam os eixos metafórico e metonímico da estrutura da língua. Na mesma direção segue a expressão espaço discursivo que, seguindo a teoria interacionista, seria o encontro entre instâncias de funcionamento da língua constituída. 3.2.5. Escrita Na categoria Escrita, tivemos um número muito pequeno de artigos a analisar. O termo diálogo aparece em 50% dos artigos, o que significa figurar em apenas um deles. Embora o contexto em que apareça denote o sentido de situação conversacional (trata-se do título de um texto produzido por um paciente - Um diálogo sobre a reportagem "Índio cresce na base do sofrimento", em A escrita na clínica fonoaudiológica, 1999), o artigo apresenta um trabalho terapêutico que aponta para uma articulação entre textos que circulam no cotidiano, no contexto terapêutico. Aponta, ainda, para a construção de diferentes sentidos que a leitura de um texto pode suscitar em diversos pacientes, a partir do olhar e da posição em que cada um se encontra. Ainda que não haja explicitação de uma posição teórica do trabalho com a linguagem, a postura terapêutica adotada nos remete especificamente a alguns conceitos bakhtinianos, como os de gêneros discursivos e ressonância dialógica constituída no encontro de enunciados de diferentes interlocutores. Isso é semelhante ao que observamos, em outro artigo referente ao tema escrita, discutido no início deste capítulo, em que nem o termo diálogo, nem o termo interação figuram. Naquele momento, dizíamos que alertar o terapeuta para os usos sociais da escrita durante o processo terapêutico (tema do artigo) era, no nosso entender, apresentar a atividade terapêutica como dialógica dentro da concepção bakhtiniana. O termo interação aparece no outro artigo que completa a amostra desta categoria. Nele, fala-se em interação entre o sujeito e o objeto escrita, visando construção de valores e usos sociais. Longe de tomar a escrita como domínio do código gráfico e das regras do português, o artigo enfatiza que é no mergulho no processo social de constituição da escrita – práticas de letramento – que a criança é preparada para a alfabetização. No entanto, quando o artigo enfoca a questão do erro, afirma Privilegiamos uma outra direção, ou seja, aquela na qual o processo de aquisição da escrita será significado a partir de: uma releitura de erro, que passa a ser considerado como lugar privilegiado de análise,indício da relação que a criança tem com a escrita; uma concepção que atribui à escrita o lugar de constituição do sujeito e do funcionamento da língua. (Interpretação da escrita infantil, 2001) Passa a assumir, então, a teoria interacionista proposta por De Lemos para o desenvolvimento do trabalho terapêutico, reinterpretando o erro, visto agora como indícios de saber a língua. Oscilando entre tomar a escrita como objeto histórico-social e interpretar as produções de pacientes que contenham erros como indícios do funcionamento da língua tal qual propõe De Lemos, o artigo enfoca a questão da autoria do texto, buscando inspiração na Análise do Discurso de linha francesa. Um novo deslocamento se produz: o sujeito que mantém uma relação histórica e social com a escrita constitui-se – segundo afirmação presente no artigo – no que Pêcheux chama de forma-sujeito, pois ao mesmo tempo em que é assujeitado pela ideologia, ocupa um lugar verdadeiramente seu na formação discursiva que o determina. O artigo passa a falar, então, da relação – da interação – entre interlocutores na construção de sentidos como uma troca de efeitos de linguagem, não derivada da intenção ou da consciência dos interlocutores. O sentido de interação, portanto, está mais próximo do que temos aqui colocado, na categorização dos sentidos do diálogo, como confrontação de funcionamentos de língua. 3.2.6. Transtornos Psíquicos Em Transtornos Psíquicos, encontramos a ocorrência do termo diálogo em 100% dos artigos, com sentidos similares. Neles, o diálogo foi tomado como interação face a face. A amostra analisada, nessa categoria, também foi pequena: apenas dois artigos. Um deles traz um estudo de caso de uma criança autista. Nesse artigo, as teorias que subsidiam o trabalho terapêutico estão explicitadas no seguinte fragmento: Adotando as influências da lingüística sócio-interacionista e da psicanálise, parto de uma visão de sujeito constituído nas suas relações com o outro, e de linguagem como sendo o campo discursivo de uma dada família inserida numa dada cultura "no interior da qual o sujeito encontrará seus enunciados identificatórios" (Aulagnier, 1979). (Aprendendo a falar com Marie, 1999) Ainda que, segundo afirmação do autor, toda a relação esteja mediada por um campo discursivo, a ênfase da análise recai sobre as relações transferenciais e contratransferencias desenvolvidas no processo terapêutico. Quando seu olhar se volta para a linguagem verbal, fala sobre o diálogo colocando-o entre aspas, como se não considerasse efetivamente um diálogo a forma pela qual a criança escolheu para se comunicar com seu terapeuta. Numa sessão, ela estava repetindo em inglês uma das histórias Disney, falando muito enrolado. Eu então disse: "Marie, sabe por que você só tem historinhas Disney na sua cabecinha? É por que você não tem a sua história". Como acontece-me às vezes, digo ou faço coisas sem saber porquê e comecei a falar "Sapsuí, pukabá", uma seqüência de palavras por ela criada e que durante algum tempo ela repetia muitas vezes, mas que há dois anos tinha desaparecido dos nossos "diálogos". (Aprendendo a falar com Marie, 1999) As palavras inventadas pelo paciente parecem-nos não terem sido reconhecidas como enunciados, na medida em que o próprio diálogo não foi valorizado como tal. O foco do trabalho terapêutico não está na linguagem em seu uso, mas sim na experiência emocional vivida pelo par terapêutico. Embora o segundo artigo caminhe em outra direção, o sentido atribuído ao diálogo também é o de interação face a face. É tomado como sinônimo de conversa, como podemos observar no seguinte fragmento: Essas crianças se caracterizam por uma linguagem fluente, não apresentam alterações fonológicas e sintáticas e parecem estabelecer um diálogo ou uma conversa com seu interlocutor fonoaudiólogo (...) (A relação discursiva entre terapeutas e crianças psicóticas, 1996) O artigo visa analisar os enunciados produzidos pelo paciente e pelo terapeuta a fim de estabelecer possíveis categorias e classificações de linguagem do psicótico. Parte da relação idéia de uma discursiva, mas volta seu estudo para a produção de enunciados e, mais especificamente, para a utilização de determinado léxico que classificaria os enunciados em interacionais, de memória, perceptuais, cognitivos, sobre estados mentais e sobre estados físicos. Sobre a terapia fonoaudiológica, diz: O modelo terapêutico adotado no ambulatório é o de interação; a relação entre a terapeuta e a criança se dá por meio de atividades lúdicas e no discurso ou na linguagem de ambos, na tentativa de estabelecer alguma relação. Não existe planejamento terapêutico, treinamento de fala ou de linguagem, tampouco previsibilidade da duração do processo terapêutico. (A relação discursiva entre terapeutas e crianças psicóticas, 1996) Discurso aqui parece se adequar mais à Teoria dos Atos de Fala (Austin e Searle, 1969), que classifica os enunciados tomados numa determinada situação de fala. Eliminando as ecolalias e também aqueles enunciados que não se encaixam na categorização, como afirmado no artigo, o autor incompatibiliza-se com a idéia de discurso como prática de linguagem, cujos sentidos construídos são histórica e socialmente. Há, neste observação artigo, uma curiosa a respeito do que se produziu em termos de linguagem, nas sessões fonoaudiológicas. Constatou-se pelos corpora uma sucessão de enunciados iguais e que giravam em torno de um mesmo tema. interpretado inflexibilidade destas Isto como foi uma ou rigidez crianças para reconhecerem em seu interlocutor um sujeito com papel diferente do delas e com idéias próprias. No entanto, verificou-se também que o terapeuta repetiu freqüentemente os enunciados das crianças, com a mesma entonação, estrutura frasal e léxico. O diálogo estruturou-se em um conjunto de perguntas e respostas, sempre voltado para a nomeação das ações que estavam sendo executadas na terapia. Na conclusão, rigidez, fala-se em inflexibilidade e mesmice na linguagem de crianças psicóticas. Lembrando Bakhtin e o campo de força criado pelo embate das centrífugas e forças centrípetas, um olhar como o apontado nesse artigo discurso(s) leva à para de psicóticos estagnação movimentos, possibilidade o(s) dos da de novas construções de sentidos e da transformação de estados patológicos. É a prevalência das forças centrípetas e isso se reflete na situação mantida dialogal na terapia fonoaudiológica: não há lugar para a dúvida, para a argumentação, para o conflito, para a exposição de idéias, estejamos ainda que falando de sujeitos com dificuldades de ordens diversas. Do nosso ponto de vista, reside aí a verdadeira rigidez. Mantendo-se dependente exclusivamente do contexto próprio de cada terapêutica, sessão entendemos que o diálogo tido como situação dialogal ou interação face a face – não visa o favorecimento da ressignificação do uso da linguagem por parte do paciente. A fim de ilustrar o que estamos querendo dizer, voltemos ao artigo anterior, para vermos o desfecho da sessão em que o terapeuta, sem saber o porquê, repete as palavras inventadas pela paciente: Ela me olhou e para meu completo espanto, começou a reproduzir a maneira como eu a chamava nesta mesma época. Eu conseguia fazê-la rir, chamando-a pelo seu nome com várias entonações, timbres, ritmos e freqüências. Diante disto, eu disse para ela: "Você se lembrou! Era assim que eu falava seu nome! Então você tem uma história comigo na sua cabeça!". Marie, me olhando, sorriu para mim com uma expressão de vitória no rosto. (Aprendendo a falar com Marie, 1999). Vitória no rosto talvez por ter reconhecido enunciado no alheio suas próprias palavras, o que a fez se sentir um ser pleno de palavras interiores, como já vimos, neste anteriormente, mesmo capítulo. Podemos, aqui, levantar a hipótese que isso possa ter remetido a criança situações e enunciados anteriores, fazendo a das palavras alheias (o modo como o terapeuta a chamava), agora, palavras próprias. Involuntariamente, o terapeuta recuperou alguns elos da cadeia de comunicação estabelecendo paciente. E que com isso fazer toda diferença. 3.2.7. Voz vinha sua parece A última categoria analisada, Voz, apresenta, em seu único artigo, os termos diálogo e interação. O objetivo principal do artigo parece-nos ser o de não dissociar a voz do uso da linguagem, estendendo essa implicação ao trabalho com pacientes que trazem queixas de voz. Observemos os seguintes fragmentos: Penso que a voz faz parte do movimento incessante da linguagem. Aquilo que um bebê, a princípio, compreende do discurso do adulto é a sua voz, ou seja, as entonações melódicas e não necessariamente as palavras - quando se diz algo, a forma de dizer vem junto. E essa forma varia enormemente, e, muitas vezes, nela aparecem alguns paradoxos da linguagem - a cada palavra dita, por exemplo, corresponde uma penumbra de significações que podem obscurecê-la ou até mesmo negá-la. A voz evidencia também, em variadas situações, o confronto entre sentimentos e idéias contraditórios dentro e fora de quem fala. (Algumas reflexões sobre a terapia de voz, 1999). O que ressoa em nós e nos outros, quando falamos? Sons? Idéias? Palavras? Imagens? Sensações físicas? Afetos de várias ordens, até então insuspeitos? De onde falamos? A intenção de falar é atravessada por assertividades, angústias, desejos de esclarecimento, poder, sedução, por medo. Nem sempre é possível discernir a intenção, portanto, faz-se necessária uma disponibilidade de escuta do terapeuta para além das categorias vocais por ele já estudadas. Disponibilidade para o que o paciente diz e para o que ele não diz, mas que transparece em sua voz, em seu modo de expressão, para que, aos poucos, isso que não se sabe possa ser conhecido, talvez compreendido. (Algumas reflexões sobre a terapia de voz, 1999). A queixa de voz está necessariamente comprometida com o uso da voz, ou seja, surge quando é necessário estabelecer uma comunicação com o outro. Surge, portanto, na interação verbal (Bakhtin, 1979) - a voz está implicada com a linguagem oral e é nela que ganha sentido, orgânico inclusive. Afinal, não há um aparelho fonador já constituído a princípio no homem. (Algumas reflexões sobre a terapia de voz, 1999). Neste artigo, vemos uma ênfase na construção social da linguagem para compreender e trabalhar os problemas de voz que, tradicionalmente, na Fonoaudiologia, são tomados em sua dimensão orgânica. Quando diz que não há um aparelho fonador já constituído a princípio no homem, a autora do texto aponta para o fato de existir um processo histórico em sua constituição – ligado à construção social da linguagem – já que os órgãos que o compõem, originalmente, fazem parte do aparelho respiratório. Essa hipótese associada ao fato de admitir o atravessamento de outras idéias e desejos no instante mesmo de um dizer e a necessária presença do outro para que a voz e suas queixas ganhem sentido, são idéias que nos remetem à categoria de diálogo cruzamento de vozes, já anteriormente desenvolvida. Nos artigos agrupados a partir de seus temas principais, observamos diferentes noções de diálogo em circulação. Vimos que, na conceitualização do diálogo, há penetração de diversas teorias e conceitos que visam responder às demandas dos diferentes objetos de análise, aqui representados nas categorias métodos fonoaudiológicos, transtornos neurológicos, transtornos psíquicos, voz, escrita, surdez, avaliação de linguagem. Podemos hipotetizar que, para cada um dos objetos em pauta, a Fonoaudiologia apresenta propostas de métodos clínicos, ligadas às teorias de base. Métodos Fonoaudiológicos, categoria que traz discussões sobre princípios fonoaudiológicos e procedimentos terapêuticos, agrega as noções que mais aparecem nas demais categorias, a saber, diálogo como propiciador: da cura do sintoma manifesto na linguagem, do confronto entre funcionamentos de linguagem e do cruzamento de vozes. Em Transtornos Neurológicos, o diálogo foi tomado como propiciador: do confronto entre funcionamentos de linguagem, do cruzamento de vozes e da observação do estágio cognitivo, na medida em que as bases teóricas de tais categorias são as que, tradicionalmente, na Fonoaudiologia, proporcionam uma reflexão sobre os transtornos de linguagem provocados por problemas orgânicos. Movimento análogo foi observado em Avaliação de Linguagem, que fundamentalmente, apresentou trabalhos referentes à linguagem de crianças com atraso de linguagem. Nesta categoria, observamos a presença do conceito de diálogo como propiciador: da observação do estágio cognitivo e do confronto entre funcionamentos de linguagem. Em Voz e Escrita, encontramos o diálogo como propiciador do cruzamento de vozes que corresponde a uma tendência, observada na área fonoaudiológica, de considerar a natureza social da linguagem. O diálogo entendido como interação face a face foi observado nas categorias cujo foco de análise centrava-se em aspectos tangenciais à linguagem como vimos em Surdez e Transtornos Psíquicos. A assunção de uma ou outra noção de diálogo implica diferentes noções de sujeito que fazem diferença na condução do processo terapêutico, observada tanto no acolhimento dado ao que o paciente diz, quanto na atribuição de valor às vozes que circulam no contexto terapêutico. Determinadas escolhas teóricas contribuem para uma conduta mais rígida do terapeuta no decorrer do processo terapêutico, levando-o, muitas vezes, a não responder necessariamente ao que seu paciente diz, mas sim ao que a teoria diz. Vimos que eventuais fragilidades no domínio do arcabouço teórico e técnico assumido fazem prevalecer ainda uma outra voz, a do discurso fundante mais arraigado na Fonoaudiologia, o da correção das formas lingüísticas baseadas numa determinada norma padrão. No próximo capítulo, analisamos os sentidos atribuídos ao diálogo nas dissertações e teses elaboradas no campo da Fonoaudiologia, buscando verificar se, na elaboração dos trabalhos de pesquisadores em formação, existe a mesma distribuição de conceitos aqui encontrada. Mais adiante, veremos se há eco dessa elaboração teórica na prática terapêutica dos fonoaudiólogos. CAPÍTULO 4 PRODUÇÃO CIENTÍFICA DA ÁREA DISSERTAÇÕES E TESES Trabalhamos com dissertações e teses produzidas no período compreendido entre o final da década de oitenta do século XX e o ano de 2001, data limite da coleta de dados. Como critérios iniciais de coleta, privilegiamos os trabalhos que continham, na busca bibliográfica, as seguintes palavras-chaves: Fonoaudiologia, Linguagem, Clínica, Terapia. O resultado desta busca inicial mostrou-se bastante diverso, nas bibliotecas centrais das duas universidades consultadas, a saber, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), antiga Escola Paulista de Medicina. Encontramos, na PUC-SP, uma lista de dissertações trazendo pesquisas realizadas não só no Programa de Pós-Graduação da área de Fonoaudiologia, mas também de áreas afins, como Lingüística Aplicada, Psicologia Social, Psicologia da Educação, Psicologia Clínica, para onde costumam migrar vários fonoaudiólogos. Já na UNIFESP, a busca inicial constava de nenhum trabalho. Nova busca foi feita utilizando-se das palavras-chaves fornecidas pela própria biblioteca, quais sejam, Fonoterapia e Distúrbios da Comunicação. Tais termos para busca, no nosso entender, podem já marcar uma diferença de olhar para a produção científica na área fonoaudiológica: em lugar da linguagem, os distúrbios da comunicação, possivelmente determinando um foco mais específico de análise nas patologias que originam problemas de linguagem. Talvez não por acaso continuamos não encontrando nada na biblioteca central. A especificidade do trabalho nos levou à biblioteca setorial onde encontramos os trabalhos voltados para a área fonoaudiológica. Estes visavam, na grande maioria, a descrição e caracterização de aspectos relacionados aos distúrbios da comunicação e à população atendida. Como temas desenvolvidos, podemos citar a especificação de um teste de discriminação auditiva; o conhecimento de senso comum e senso acadêmico e sua influência no tratamento da gagueira, do ponto de vista do aluno de Fonoaudiologia; a caracterização da população atendida pelo serviço das unidades básicas de saúde do município de Embu; avaliação curricular dos cursos de Fonoaudiologia no Brasil. Nada havia, porém, dentro do último critério escolhido para esta coleta, qual seja, trabalhos que discutissem temas relacionados à terapia fonoaudiológica, tendo como pressuposto o caráter interacional do processo terapêutico. Ainda que haja trabalhos sobre o tema proposto realizados por fonoaudiólogos em outros programas de pós-graduação desta instituição, estes não aparecem numa busca bibliográfica que enfoque a Fonoaudiologia e, portanto, não puderam ser computados46. Deste modo, chegamos a um número significativo de trabalhos realizados por profissionais da fonoaudiologia a partir do levantamento obtido na biblioteca da PUC-SP, que nos trouxe também um trabalho produzido em outra instituição. O corpus, então, consta de setenta e uma dissertações de mestrado e seis teses de doutorado. É significativa a desproporção encontrada entre dissertações e teses coletadas para análise. Segundo o Perfil do Fonoaudiólogo do Estado de São Paulo (1997), 37% dos 4507 fonoaudiólogos entrevistados fizeram cursos pósgraduação. Destes, 92,33% optaram por cursos classificados como de aperfeiçoamento, aprimoramento, especialização e pós-graduação lato sensu. Somente 5,48% concluíram mestrado e 1,09%, o doutorado. Embora o Perfil aponte para uma tendência de aumento no número de mestres e doutores, a busca maior dos fonoaudiólogos tem sido por cursos destinados à reciclagem profissional, visando um aprimoramento de seu trabalho clínico. A baixa porcentagem de fonoaudiólogos mestres e doutores, do nosso ponto de vista, pode também ser explicada pelo fato de a realização de uma pósgraduação strictu-sensu, na área de Fonoaudiologia, estar relacionada à carreira acadêmica, que está distante de ser a principal atividade do fonoaudiólogo (ainda 46 Numa busca posterior ao término da coleta e análise dos dados e utilizando-nos de outros caminhos de navegação na Internet, encontramos uma tese de doutorado, produzida no Programa de Distúrbios da Comunicação Humana, UNIFESP, cujo título Vamos publicar um livro? A pessoa deficiente auditiva e a escrita na clínica fonoaudiológica levar-nos-ia a incluí-la no corpus desta tese. segundo o Perfil, são 3,25% os profissionais que se dedicam à docência universitária). A desproporção entre dissertações e teses, encontrada na coleta, deve-se ainda ao fato de termos, na área, um único programa de estudos pós-graduados, nível doutorado, a saber, Programa de Distúrbios da Comunicação Humana, da UNIFESP, cujas linhas de pesquisa enfocam prioritariamente aspectos orgânicos da comunicação humana47. Profissionais que optem por desenvolver suas pesquisas em linhas teóricas diversas, vinculam-se a outras áreas de conhecimento. As mais procuradas têm sido Psicologia, Lingüística Aplicada, Educação, seguidas por Saúde Pública, Comunicação e Semiótica e Neurociências. O fato de o Programa de Distúrbios da Comunicação Humana não incluir, em suas linhas de pesquisa, visões socio-interacionistas de linguagem é indicativo da ausência de teses advindas desse programa em nosso corpus48. Interpretação semelhante pode ser feita quanto à elaboração de teses em programas inseridos em outras áreas de conhecimento. Embora suas linhas de pesquisa possam contemplar visões teóricas que alimentem a construção do conhecimento fonoaudiológico, não é característica da maioria desses programas a discussão da dimensão clínica da linguagem. Isto pode levar os pesquisadores da área a desenvolverem seus trabalhos em enfoques mais próximos dos 47 Em ata da sessão ordinária do Conselho Universitário da UNIFESP, realizada em 16 de junho de 2003, consta a aprovação da criação do Departamento de Fonoaudiologia composto pelas disciplinas de Distúrbios da Comunicação Humana e Audiologia. A comissão designada a dar o parecer relativo à criação do Departamento enfatiza a evolução do curso de Fonoaudiologia, hoje com departamento próprio e o ensino em Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana. A ênfase das linhas de pesquisa nos aspectos orgânicos da comunicação humana fica transparente na seguinte afirmação expressa no documento: Estas atividades de fonoaudiologia em nossa universidade trazem uma contribuição social expressiva, reintegrando diariamente na sociedade pessoas que perderam, de uma forma ou de outra, a eficiência dos órgãos que nos propiciam a comunicação verbal e que antes eram condenadas a viver na dependência de terceiros ou de recursos públicos onerando a Sociedade. (...) Este departamento [Fonoaudiologia] juntamente com os departamentos de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Oftalmologia, Neurologia e Psiquiatria formará uma sólida estrutura no campo das Ciências dos Distúrbios da Comunicação. (site oficial da UNIFESP) 48 Com exceção da tese anteriormente mencionada, outras produzidas, neste Programa, desenvolvem temas como: Teste de escuta dicótica de dissílabos (SSW) e teste dicótico não verbal em pacientes epiléticos; Diagnóstico fonoaudiológico: reconhecimento semântico e reconhecimento de frases acusticamente distorcidas (PSI) em paralíticos cerebrais; Da disfunção vestíbulo-oculomotora em crianças com migrânea sem áurea à vestibulometria com vectoelectronistagmografia digital; Análise perceptivo-auditiva e acústica da emissão de vogal sustentada falada e cantada de regentes de coral; Eletromiografia: avaliação dos músculos orbiculares da boca em crianças respiradoras bucais, pré e pós mioterapia, entre outros. programas aos quais estão vinculados, distanciando-se do tema proposto para esta tese. Procuramos dividir as pesquisas selecionadas nas mesmas categorias utilizadas na análise dos artigos, com algumas modificações necessárias para contemplar temas que não apareceram nos artigos. Por este motivo, as categorias Surdez e Transtornos Neurológicos sofreram fusão e ampliação, agora sob a denominação Transtornos Orgânicos e/ou Neurológicos. Assim, em ordem decrescente de produção, temos49: • Métodos Fonoaudiológicos: Reúne trinta e quatro dissertações e teses que abordam temas relativos ao contexto terapêutico individual e grupal fonoaudiológico, compreendendo: aspectos específicos do processo terapêutico, uso de técnicas, métodos de abordagem terapêutica, relação terapeuta-paciente, relação entre o fonoaudiólogo e outros profissionais, relação entre as áreas de conhecimento. Reúne também pesquisas que teorizam sobre problemas de linguagem sem etiologia orgânica. • Transtornos Orgânicos e/ou Neurológicos: Reúne dissertações que abordam trabalhos com pacientes portadores de patologias com tais características, tais como: paralisia cerebral, afasia, fissura lábio-palatina, síndrome de Down e surdez. Cabe salientar o alto índice de trabalhos cujo interesse centra-se no estudo da surdez e suas implicações terapêuticas. Dos dezenove trabalhos, total da categoria, dez são sobre este tema. • Avaliação Fonoaudiológica: Reúne dissertações e teses que abordam temas relativos, fundamentalmente, ao momento inaugural do processo terapêutico. São oito os trabalhos nesta categoria. • Escrita: Reúne dissertações que discutem a linguagem escrita na clínica fonoaudiológica. São seis pesquisas. 49 Os quadros que trazem discriminadamente as dissertações e teses analisadas estão no anexo 3. • Família: Reúne dissertações que enfocam a relação entre o terapeuta e a família de seus pacientes. São ao todo cinco trabalhos. • Transtornos Psíquicos: Reúne dissertações que abordam especificamente o trabalho fonoaudiológico com pacientes com tais transtornos, no caso desta amostra, a psicose infantil. São ao todo três trabalhos. • Voz: Reúne uma dissertação e uma tese que discutem a voz na dimensão terapêutica. São dois trabalhos. O gráfico 5 nos mostra a distribuição das dissertações e teses por categorias: Explicitando, por categoria, o número de dissertações e teses produzidas, temos a seguinte configuração, como nos mostra o gráfico 6: A maior parte das teses de doutorado produzidas (80%) encontra-se na categoria de Métodos Fonoaudiológicos. São trabalhos que teorizam sobre temas ligados a princípios e procedimentos terapêuticos da área, valendo-se das contribuições advindas de outras áreas de conhecimento. Esse dado reforça a idéia, já defendida anteriormente, de que a vinculação a um Programa de PósGraduação de outra área de conhecimento leva os pesquisadores a desenvolverem, em seus trabalhos, temas pertinentes ao campo fonoaudiológico, respeitando as perspectivas adotadas nas linhas de pesquisa próprias dos programas escolhidos. É compreensível, então, que as teses (assim como as dissertações realizadas em outros programas que não os de Fonoaudiologia) que apareceram em nossa coleta, advenham dos Programas de Lingüística Aplicada e Psicologia (Social, Clínica e da Educação), cujas linhas de pesquisa possibilitam a reflexão da dimensão clínica da linguagem. Vejamos o gráfico 7 das dissertações e teses produzidas em outros programas: Na medida em que os temas das pesquisas enfatizam aspectos mais específicos da linguagem (ver anexo 4), o programa escolhido tende a ser o de Lingüística Aplicada. No que diz respeito ao tema central desta tese, o diálogo na clínica fonoaudiológica, não encontramos nenhum trabalho em todo o corpus que o abordasse especificamente como parte da metodologia terapêutica fonoaudiológica. Submetido ao exame do léxico, por meio do Word Smith Tools (conforme explicitado na Metodologia), o corpus nos revela que nosso conceito tema, diálogo, é tomado majoritariamente nas acepções de conversação, interação diádica, seqüência de turnos conversacionais, desmerecendo maior detalhamento em sua conceitualização. Se tomarmos as categorias de diálogo trabalhadas no capítulo anterior, quais sejam, intercâmbio entre teorias; a cura do sintoma manifesto na linguagem por ele mesmo; confrontação entre funcionamentos de linguagem; cruzamento de vozes; forma de observação do estágio cognitivo, veremos que é a idéia de intercâmbio entre teorias e entre teoria e prática a mais recorrente nas pesquisas analisadas. E a maior incidência dessa concepção de diálogo concentra-se na categoria Métodos Fonoaudiológicos, evidenciando a busca da interlocução, ainda tão necessária à Fonoaudiologia, com diferentes áreas de conhecimento. Foram pouco expressivas em termos quantitativos50 e qualitativos as aparições do termo diálogo e de relação dialógica numa concepção diversa da citada acima. É em Transtornos Orgânicos e/ou Neurológicos, que o termo diálogo mais aparece em concepções diversas: confrontação entre funcionamentos de linguagem e cruzamento de vozes. Vejamos o fragmento: A visão de linguagem está em posição de diálogo e ao da palavra, isto é, o papel do interlocutor não é neutro, não é de treinador. A criança adquire linguagem por sua inserção na língua. O adulto interpreta a criança como forma de dar sentido dentro do que ele próprio está submetido. (Processo terapêutico na clínica fonoaudiológica: estudo do caso de uma criança com síndrome de Down, 1999) Na citação acima, a explicitação da visão de linguagem vem na perspectiva de respaldar o papel atribuído ao adulto como interlocutor. A idéia de que ele interpreta a criança está ancorada na visão interacionista de linguagem, discutida anteriormente, sem trazer nenhuma problemática nova à questão. Passemos para os outros fragmentos: (...) diálogo na perspectiva histórica, interlocução com o afásico como possibilitadora de reconstrução de sua linguagem. A terapia fonoaudiológica fundamenta-se principalmente na relação dialógica terapeuta/paciente tomando caminhos os da história enquanto narração e a memória enquanto refacção da história vivida. (A narração do afásico:busca de um caminho em fonoaudiologia, 1992) 50 Em números absolutos o termo diálogo aparece 15 vezes em todo o corpus. Para se ter uma idéia da dimensão diminuta desse número, basta compará-lo ao termo de maior recorrência, linguagem, com 585 aparições. O maior número de combinações com esse termo é feito com as palavras clínica e terapia. A idéia de clínica/terapia de linguagem está vinculada à também freqüente expressão alterações/sintomas/distúrbios de linguagem. A partir do deslocamento aqui proposto [partir da neurolingüística de cunho discursivo para o estudo da linguagem escrita nas afasias], devem ser levadas em conta, tanto na oralidade quanto na escrita, as categorias que são próprias aos momentos discursivos: o jogo dialógico, a construção conjunta da significação, a intersubjetividade, a intercompreensão, a interdiscursividade, as condições e modos de produção da linguagem escrita e oral, os aspectos históricos-culturais da sociedade escrita e sua influência na oralidade. Assim, a compreensão da linguagem (oral e escrita) como essencialmente dialógica faz com que a escrita e a leitura também sejam vistas como um trabalho conjunto, uma parceria entre sujeitos, resultantes dessa dialogia própria da linguagem.(O lugar da linguagem escrita na afasiologia: implicações e perspectivas para a Neurolinguística, 1999) Assim como na análise dos artigos, são em pesquisas ligadas à linguagem de afásicos que encontramos uma atenção um pouco mais dirigida à questão do diálogo no processo terapêutico, provavelmente imposta pela dificuldade de interlocução observada nos sujeitos afásicos. A perspectiva da última dissertação citada põe em cena uma discussão que, do nosso ponto de vista, falta na área e muito viria a contribuir para elucidar o conceito de diálogo em nossa atividade terapêutica. Não é apenas uma coincidência o fato de essa dissertação ter sido produzida num programa de estudos pós-graduados em Lingüística Aplicada. A maior parte das pesquisas, como veremos a seguir, sugere-nos que a preocupação dos pesquisadores da área incide sobre conceitos da clínica da subjetividade, dentre os quais, com vimos anteriormente, a relação dialógica não faz parte. Para reafirmar essa nossa posição, tomemos um fragmento de dissertação pertencente à categoria Métodos Fonoaudiológicos: (No decorrer das sessões terapêuticas, sr P. fazia questão que eu o conhecesse através da sua história de vida, através das experiências que ele um dia vivenciou e que possibilitaram que ele se tornasse o sr. P.) P: Acho que eu tô precisando fazer um pouco de exercício, vai me ajudar! Minha voz tá entupida! Eu num trouxe texto, vamos ver o caderno? (me mostra o caderno que no início do processo terapêutico nós usávamos para anotar alguns exercícios) T: (pego o caderno e começo a folhear e a olhar juntos) Nossa! Quanta coisa já passamos juntos! P: (risadas) Faz tempo ne! A senhora tá ficando velha! (risadas) T: Quem tá ficando velha? P: A senhora! (risadas) T: Eu!!! P: Como passa o tempo não! Vai fazer dois anos que começamos! Vai fazer três anos que eu fui operado! T: O senhor lembra o que o senhor não gostava de fazer aqui? P: Eu num gostava de escrever...de ficar na frente do espelho... (...) P: No começo a gente fazia mais exercícios... T: Deixa eu ver, é.. nos primeiros seis meses! Faz muito tempo que a gente está na leitura dos textos e nas conversas ... o que o senhor tá achando? P: Tá bom! Eu pronuncio melhor as palavras... Quando eu fico nervoso fica ruim de eu falar direito! Eu tenho que me acostumar a falar mais calmo, ler mais calmo! As meninas falam pra eu falar mais devagar. T: O que o senhor sente quando elas fazem isso? P: Eu sinto que elas estão me ajudando a corrigir, pra eu falar melhor. (...) P: eu num me importo que a voz não saia bem, eu quero que os outros me entendam...eu num tenho do que reclamar...a vida é tão boa! T: O que é a coisa mais gostosa da vida? P: A amizade, a amizade é a coisa mais gostosa da vida! A gente tendo saúde e amizade, não falta mais nada na vida! (risadas) Eu comecei a trabalhar com oito anos e não parei mais.. eu casei de novo e vi o patrão desprezar um doente.. eu falei pro meu pai, vamos embora! O patrão só quer a gente com saúde, quando ficar velho ele vai desprezar também... olha aquilo me doeu por dentro! Eu tinha casado fazia um ano e meio! Se o senhor ficar doente o que vai acontecer ! Só quer nóis com saúde! O meu pai não quis... Um aspecto importante no processo terapêutico do sr. P., era investir num trabalho funcional, ou seja, precisávamos exercitar o direcionamento do fluxo aéreo nasal para a cavidade oral através de técnicas que utilizassem a função articulatória. Mas o seu desejo não era falar perfeitamente, mas sim poder voltar a habitar sua boca como um ser que tinha história (...) Na relação terapêutica, o terapeuta e o paciente fazem parte de um processo no qual cada um está sendo criado e descoberto pelo outro. Essa mutualidade e reciprocidade é muito mais do que mera relação dialógica (...) (A função terapêutica na clínica fonoaudiológica: um estudo de caso, 2001) Em detrimento de todo um processo de construção conjunta de um conhecimento, a atividade dialógica é aqui classificada pela autora da dissertação como mera, sendo-lhe, então, atribuído o sentido de interação face a face. Mais adiante, na mesma dissertação, encontramos a seguinte passagem: Um aspecto fundamental nesse tipo de trabalho foi poder estar atenta às comunicações pré-verbais do sr. P., para poder compreender elementos que só se manifestam ao nível pré-verbal, ao nível do ato. Visando a evolução do sr. P. a partir da clínica do self, pude contemplar nele, as concepções a respeito da vida, do estar no mundo e das características etno-culturais que fundamentam a subjetividade do sr. Pedro e do seu vir-a-ser na relação com o outro. (A função terapêutica na clínica fonoaudiológica: um estudo de caso, 2001) O desconhecimento ou desconsideração a uma concepção de linguagem que considere fatores históricos e sociais, num processo dialógico por excelência, em que sejam considerados aspectos verbais e extra-verbais para a produção de sentidos, levou a autora dessa dissertação a acreditar que a abrangência pretendida, em seu trabalho terapêutico, só seria possível a partir de um conceito psicanalítico, qual seja, o da clínica winnicottiana do self. Veremos, na seqüência desse capítulo, que a postura assumida pela autora dessa dissertação não se diferencia da maioria dos outros pesquisadores da área: em nome da comprovação de conceitos assimilados, no campo da Fonoaudiologia e áreas afins, deixa-se de indagar novas problemáticas que se nos apresentam. E o que encontramos, então, como produção científica da área fonoaudiológica nas dissertações e teses, no enfoque determinado? Tomando o conceito de ciência normal de Thomas Kuhn (1962: 29), entendemos que a produção científica de pesquisadores em formação, que desenvolvem mestrado ou doutorado no âmbito da Fonoaudiologia, caracteriza-se por uma pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas cujo objetivo é a articulação de fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma no qual a pesquisa está baseada. Em outras palavras, quando comparada à produção científica de pesquisadores seniores (publicada em livros e periódicos especializados) vemos que há uma forte tendência em se reiterar conceitos nela desenvolvidos. Do nosso ponto de vista, é isso que justifica encontrarmos, entre as dissertações, fundamentalmente, uma retomada do caminho percorrido pelo profissional para justificar sua filiação teórica. É a necessidade da reafirmação constante da assunção de um novo paradigma. Como era de se esperar, esta retomada foi observada na categoria Métodos Fonoaudiológicos. Vejamos os seguintes fragmentos: (...) Neste momento do meu fazer clínico [inicial], vejo o sujeito como sendo o responsável por sua linguagem (e suas alterações) e desta forma, sua história de vida está em segundo plano. Considero a presença de uma competência lingüística em cada criança e para tanto o meu papel seria o de propiciar situações para a utilização (e ativação) de sua linguagem, já instituída. Conjuntamente e contrapondo-se a teoria inatista, também aplicava-se a minha prática clínica alguns dos preceitos da teoria behaviorista de Skinner ou teoria comportamentalista (...) Busquei conhecer e entender mais profundamente os pressupostos teóricos dos processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem e suas contribuições clínicas. (...) Desta forma, a partir de uma necessidade do meu "fazer clínico", começou a ganhar valor uma concepção de linguagem, onde "a constituição do conhecimento e a constituição da linguagem são um processo de partilha: os aspectos fonológicos, sintáticos e mesmo semânticos são negociados pelos interlocutores" (DE LEMOS, 1982). A linguagem, segundo essa corrente teórica é sócio-construída, ou seja, "é através da linguagem, enquanto AÇÃO SOBRE O OUTRO (ou procedimento comunicativo) e enquanto AÇÃO SOBRE O MUNDO (ou procedimento cognitivo) que a criança constrói a linguagem, enquanto OBJETO sobre o qual vai poder operar" (DE LEMOS, 1989, p.120). [Num momento posterior a estas reflexões] este "fazer clínico" começou a acontecer sob um olhar mais observador e critico, impulsionado pelos pressupostos teóricos sócio-construtivistas de aquisição e desenvolvimento de linguagem e por uma visão contextualizada de cliente, o que conduzia a uma clínica bastante diferente da inicial. (Prática e teorização na Clínica Fonoaudiológica: relato de uma vivência, 1997). A clínica fonoaudiológica, aqui tomada na sua dimensão de clínica da linguagem, traz em sua prática ao longo do tempo a concepção de linguagem enquanto instrumento de comunicação. (...) Tomar a linguagem como instrumento de comunicação significa conceber que sujeitos já constituídos utilizam a linguagem como um código que possibilita a comunicação, código este que, comum a todos os falantes, deveria possibilitar uma comunicação perfeita. Dessa maneira se faz possível então, pensar na possibilidade de uma simples ‘adequação’ desse instrumento que num determinado momento não está servindo de forma satisfatória à sua função. Neste trabalho, me proponho a refletir acerca da clínica fonoaudiológica a partir de uma outra concepção de linguagem (...). Vejo a linguagem como estruturante do sujeito. É ela que marca e interpreta o indivíduo desde o nascimento colocando-o numa rede de sentidos que possibilita a emergência do sujeito. (...) Ao vermos a linguagem como fundante desta [da subjetividade] se faz absolutamente necessário repensarmos a Fonoaudiologia e seus ‘pilares de sustentação’. (Entre o olhar, o sentir e o escutar: um estudo sobre o fenômeno transferencial na Clínica da Linguagem, 1998). Idéias contidas, nestas passagens, tais como constituição da linguagem como processo de partilha; visão contextualizada de cliente; linguagem como estruturante do sujeito, ou ainda, linguagem como fundante da subjetividade, têm sido foco de debate na Fonoaudiologia há, pelo menos, uma década. O estatuto de constitutividade da linguagem ou de uma subjetividade fundada na linguagem permeia, desde então, o discurso fonoaudiológico. Palladino (1991), procurava, já nesta época, repensar a Fonoaudiologia, caracterizando o desenvolvimento da clínica fonoaudiológica, a partir de concepções de linguagem assumidas, tais como a de representação da realidade e a de [a linguagem ser] constitutiva da realidade. Para a autora, a assunção da linguagem como representação leva os profissionais a compreenderem a linguagem como reflexo de um real já préexistente, tornando-se imobilizante. Conhecida a patologia e suas características, conhecida está também a linguagem do paciente. O fazer e o dizer apresentam-se, nesta concepção, como dois domínios independentes, entre os quais não há reciprocidade observável em quaisquer contextos, inclusive o clínico. Já a assunção da idéia de constitutividade, ainda segundo a autora, possui um poder revolucionário, por ser a linguagem força propulsora na construção de todo e qualquer devir (Palladino, 1991: 139). No cenário clínico, isso se traduziria na singularização de um fenômeno – a patologia da linguagem – na figura do paciente e na possibilidade de transformação deste estado patológico. É Palladino (1991: 145) quem diz: A pessoa (a quem cabe a terapêutica, ‘o paciente’) é a fonte da singularização absoluta destes fazeres e dizeres já particularizados no fenômeno. (...) Na situação clínica, o fonoaudiólogo traz consigo este particular ‘geral’ [trazido pelo estudo do fenômeno] e, ao mesmo tempo, toma para si o particular ‘particular’ [trazido pelo estudo da pessoa], que ao serem recriados (reinterpretados) nessa partilha, promovem a construção de um caminho terapêutico único. A busca de um caminho terapêutico único e a necessidade de se considerar o sujeito, sua história e, a partir daí, compreender as alterações observadas em sua linguagem, ainda têm levado fonoaudiólogos, em suas pesquisas, a justificarem suas filiações teóricas em visões não reducionistas de linguagem. Mesmo que um conceito esteja sendo trabalhado por pesquisadores que pensam os princípios e métodos fonoaudiológicos, o que deveria valer para a comunidade científica da área, o que nos mostram as pesquisas é que esse mesmo conceito é desenvolvido repetidamente pelos profissionais que atuam em diferentes segmentos do campo fonoaudiológico. É o reconhecimento de realizações científicas passadas proporcionando os fundamentos para a prática posterior que se concretiza como continuação de uma pesquisa determinada. É o que vemos na categoria Transtornos Orgânicos e/ou Neurológicos. A recusa em reduzir os sintomas de linguagem a aspectos orgânicos e articulatórios revelou-se o mote, consensual na amostra analisada, para a realização das pesquisas na área, que giram em torno da justificativa da escolha do novo aporte teórico. Tomemos os seguintes fragmentos: Tendo como lugar de reflexão a minha atividade clínica, proponho-me a discutir um outro vértice desse atendimento - o da linguagem. Mostro que é a adoção de uma concepção de linguagem, no caso o Interacionismo em Aquisição de Linguagem, que diferencia o trabalho fonoaudiológico daquele realizado pelo fisioterapeuta. Desta forma os benefícios da técnica de manuseio oral e global da abordagem Bobath ficam restritos ao seu objetivo específico, isto é, a adequação das alterações motoras e sensoriais. A minha opção por uma teoria interacionista foi determinada em função do papel estruturante do adulto – enquanto instância da língua constituída – no processo de aquisição da linguagem. Segundo o interacionismo, é pela interpretação do adulto, pela interação da criança com a linguagem, em funcionamento no adulto, que esta é inserida no simbólico. É nesse sentido que esta teoria possibilita uma outra saída para a criança afetada e sua família. E também, um outro lugar teóricoclínico para o fonoaudiólogo. É pela possibilidade de ser falada pelo outro, via atividade interpretativa, que a criança pode ocupar uma outra posição, distinta daquela que é delimitada pelos sintomas da patologia. (Paralisia Cerebral na Clínica Fonoaudiologia: Primeiras Questões sobre Linguagem, 1996). (...) Propostas de trabalho com crianças surdas concentram-se em discussões metodológicas, investindo no aspecto acústico-articulatório. Porém, o que se vê são intermináveis anos de atendimento com resultados, na maioria das vezes, bem insatisfatórios. Será que o empenho em superar os obstáculos perceptuais na criança surda é suficiente para lidar com a questão da linguagem que nela se instala na sua interação com seu interlocutor ouvinte? Acredito que não. Refletir sobre a linguagem no trabalho com a criança surda é necessário à medida em que há um compromisso com sua fala e, conseqüentemente, com alguma concepção de linguagem. É esta filiação que determina o entendimento sobre a natureza do processo de aquisição de linguagem e do papel do outro na relação da criança com a língua, questão de suma importância para um profissional que ocupa um lugar/posição específico em relação à linguagem na sua atuação. ((Res)Significando a questão da linguagem no trabalho com a criança surda, 1998) (...) O sujeito é, na relação dos dizeres, assujeitado pela linguagem; ou seja, o dizer das falas dos pais ganha sentido no discursivo – no dizer do outro. Daí percebe-se através do discurso dos pais, que foram eles os primeiros a observar o sinal da surdez, e sente-se como este diagnóstico da deficiência interfere na vida, e no desenvolvimento psicosocial e na integração da família. A teoria interacionista proposta por De Lemos é identificada como lugar que leva em conta a questão da linguagem em sua autonomia. A partir do entendimento da linguagem como funcionamento, noções e procedimentos adotados na ‘orientação’ do atendimento à criança surda são repensados. (Os Efeitos do Diagnóstico nos Pais da Criança Surda: uma Análise Discursiva, 2001). A necessidade de se pontuar as especificações de uma terapia de linguagem em contrapartida à premência da adequação dos aspectos orgânicos, imposta tanto pela própria Fonoaudiologia como por áreas tangenciais, fez com que esta nova orientação fosse não só assumida pelos fonoaudiólogos mas retomada sempre no mesmo patamar. Observemos que a última citação data de 2001, sendo portanto uma pesquisa recente. No entanto, ela apresenta a teoria interacionista proposta por De Lemos como uma alternativa para que o trabalho fonoaudiológico com o surdo possa ser repensado, desconsiderando ou ainda reiterando o mesmo enfoque que já tenha sido desenvolvido numa pesquisa anterior. O movimento de reiteração de conceitos concernentes a um paradigma foi observado constantemente nas diferentes categorias. Vejamos o que acontece com o conceito de lugar do terapeuta na clínica da linguagem. Vimos, em capítulo anterior, que a clínica da subjetividade instaurou novas discussões em torno do tema, cabendo ao terapeuta o papel de intérprete diferenciado dos falantes comuns, com a função de dar clareza à opacidade dos sintomas da fala de seu paciente. Nas dissertações e teses, esse conceito foi retomado da seguinte forma: Em Métodos Fonoaudiológicos: [a tomada de posição sócio-construtivista] constitui o fonoaudiólogo como aquele cuja prática se apóia numa visão de que sua própria linguagem vai ser estruturante da linguagem do Outro – o sujeito da terapia fonoaudiológica. (A abordagem dialógica – uma proposta social em Fonoaudiologia, 1990). Ao atribuir à clínica da linguagem a condição de ser um espaço da fala do outro desloca-se o terapeuta de lugar. Ele passa de seu lugar tradicional de ‘modelo de fala’ para um lugar de ‘escuta’. (Entre o olhar, o sentir e o escutar: um estudo sobre o fenômeno transferencial na clínica da linguagem, 1998). (...) o fonoaudiólogo ocupa um lugar de não-saber, pois não é possível determinar imediatamente, como na Medicina, se tal manifestação é ou não patológica. O que pode ser alçada é a descrição do funcionamento da linguagem do sujeito e o efeito da interpretação do terapeuta sobre esta. (Os Sentidos do Sintoma na Clínica Fonoaudiologia, 2000). (...) o lugar do terapeuta é definido como sendo aquele que vai propiciar um encontro com o paciente testemunhando o lugar do servir, do interlocutor. Assumindo um lugar de ouvir o paciente como um ser histórico, o terapeuta abre espaço para o aparecimento do self, para o acontecimento humano. (A Função Terapêutica na Clínica Fonoaudiológica: um estudo de caso clínico, 2001). Citações de pesquisas produzidas de 1990 a 2001 não apontam necessariamente para um aprofundamento do conceito de lugar de terapeuta apresentado pela clínica da subjetividade. A pesquisa, nessa perspectiva, tem funcionado mais como uma senha para pertencer a uma mesma comunidade científica que para desvendar novos desafios impostos à área. Segundo Kuhn (1962: 30), comprometimento e consenso aparente às teorias que compõem um paradigma são pré-requisitos para o ingresso numa comunidade científica. Reunindo-se a outros membros dessa comunidade o novo integrante raramente provocará, com sua prática, desacordos sobre aspectos fundamentais do paradigma. Se, por um lado, isso vem a fortalecer o paradigma em questão, por outro, não há espaço para problemas que já não estejam previstos pelo paradigma. Nesse sentido é compreensível que, em pesquisas das diferentes categorias, reapareça o conceito (ou problema) da mesma forma. Em Avaliação da Linguagem: O fonoaudiólogo, em sua atividade clínica, lida com uma face da linguagem bastante peculiar: a fala que, em sua dimensão patológica, produz naquele que escuta um efeito de frustração e perplexidade. (Diagnóstico e Clínica de Linguagem, 2001). Em Voz: (...) além dos conhecimentos específicos [arsenal técnico-teórico que o fonoaudiólogo necessita adquirir sobre a patologia ou o distúrbio e seu respectivo tratamento], necessitava compreender a singularidade de cada paciente (...) (Processo terapêutico na Clínica das disfonias – constituição de um espaço potencial na relação terapêutica, 2000). Movimento semelhante é observado quanto ao conceito de sintoma de linguagem. Observemos novamente fragmentos por categorias: Em Métodos Fonoaudiológicos: A abordagem dialógica [proposta pela autora] entende os desvios de linguagem como indícios de subjetividade, como marcas da história interacional do sujeito, cuja significação precisa ser buscada.(A abordagem dialógica – uma proposta social em fonoaudiologia, 1990). (...) entende-se que a leitura do sintoma de linguagem, no processo diagnóstico, abrange dois caminhos: um, em relação à interpretação do aspecto estrutural (no tocante às diversas instâncias de estrutura da linguagem do sujeito) e outro, referente à apreensão do sentido do sintoma para cada elemento desta estrutura (pai, mãe, criança). (...) O que pode ser alçada é a descrição do funcionamento da linguagem do sujeito e o efeito de interpretação do terapeuta sobre esta. (Os Sentidos do Sintoma na Clínica Fonoaudiológica, 2000) Em Voz: Ao me deparar com os pacientes, intrigava-me com os possíveis significados de seus sintomas, já que a demanda de minha clínica se constituía, predominantemente, de pessoas que não apresentavam alterações orgânicas que justificassem os distúrbios presentes [aqui o conceito de sintoma é revozeado das palavras de Cunha (1995:49), tanto na presença quanto na ausência de disfunções somáticas, a dimensão psíquica não pode ser desprezada, isto é, o sintoma precisa ser também considerado como linguagem] (Processo Terapêutico na clínica das disfonias – constituição de um espaço potencial na relação terapêutica, 2000). Em Família: A história de Caio e de sua mãe revela íntima relação entre o sintoma de linguagem manifesto e a inserção do sujeito no contexto familiar. (...) o sintoma é a forma encontrada pelo sujeito para denunciar a sua angústia perante a situação de desajuste familiar na qual ele se encontra. (Implicações da Família nos transtornos de linguagem: um estudo de caso, 1999). Uma outra característica da ciência normal, que pode ser observada nas citações acima, é dar como pressuposto que a comunidade científica tem os mesmos conhecimentos e conhecem o mundo de uma mesma forma. Bastando a explicitação de alguns conceitos que identifiquem os pesquisadores como membros de uma mesma comunidade, o resto é dado como pressuposto pela área, de modo a se dispensar maiores explicações sobre possíveis divergências. O que funciona como a senha de identificação da comunidade científica apresentada até então é a assunção da linguagem como estruturante do sujeito, uma das teses centrais da teoria interacionista proposta por De Lemos, na área da Aquisição da Linguagem. A escolha desta teoria parece justificar-se pelo anseio da área fonoaudiológica em circunscrever seu objeto, qual seja, as manifestações patológicas da linguagem dita patológica. Como pudemos observar nas citações acima, a singularização quer do paciente, quer do processo terapêutico exigem uma visão de linguagem não homogeneizante. Para De Lemos (1992, 1994), como vimos em capítulos anteriores, não é possível falar em padronizações da emergência da linguagem, na medida em que a homogeneização da produção lingüística não é observada nem mesmo numa única criança. Aqui, o erro não parte da noção de regularidade e sim da de singularidade. Singularidade reconhecida por De Lemos, na medida em que a autora entende o erro como sendo um dos possíveis funcionamentos da língua, extensivo a toda e qualquer manifestação que se diferencie da língua constituída. Se, na Aquisição de Linguagem, o erro está atrelado à idéia de mudança em relação a um estado anterior da produção lingüística de uma mesma criança, na Fonoaudiologia, esta idéia de particularização trouxe nova luz à conceitualização de erro/sintoma de linguagem. Embora todos os trabalhos até agora citados partam da assunção inicial de uma visão interacionista de linguagem, o conceito de erro não pode ser considerado como uma conseqüência direta desta visão. Grosso modo, poderíamos afirmar que, por um lado, temos fonoaudiólogos empenhados em relacioná-lo ao universo lingüístico e, por outro, ao psicanalítico. Retomando algumas idéias discutidas em capítulo anterior, Rubino e Fonseca (1998: 1), ao abordarem a linguagem patológica, apresentam a idéia de estranhamento – uma qualidade diferente entrevista como patológica, por um falante leigo, de uma produção lingüística qualquer -, como a busca de um atendimento terapêutico. Segundo as autoras, há estranhamento quando há, simultaneamente, familiaridade e diferença. Para as autoras, a distinção entre o normal e o patológico será produzida no espaço clínico propriamente dito, cabendo ao fonoaudiólogo discernir, neste estranhamento inicial, o que justificaria a intervenção desse profissional. Enumerando alguns dos pressupostos desta visão, temos: 1. Somos todos falantes assujeitados, capturados pela estrutura da língua. 2. O erro é tomado como um dos possíveis funcionamentos da língua. 3. É o terapeuta que vai discernir, no espaço clínico, o normal do patológico. Sendo o erro considerado um funcionamento possível e, portanto, não parece haver nada que a estrutura da língua não suporte, a distinção entre o normal e o patológico recairá sempre para a escuta – impregnada por diversos fatores – de sujeitos, independente do funcionamento da língua e ainda que submetidos a ela. Quais os critérios, então, para a classificação do patológico? Talvez esse seja um dos problemas que o mundo imponha à área fonoaudiológica, mas que as pesquisas dentro da ciência normal acabam por suprimir por subverter seus compromissos básicos. E um dos compromissos básicos do paradigma aqui discutido é a noção de sujeitos enquanto instâncias de funcionamento de linguagem. Como dissemos há um outro universo ao qual está relacionado o sintoma de linguagem: o psicanalítico. A incorporação dessa perspectiva não invalida a assunção da teoria de linguagem citada anteriormente, como vemos em Cunha (1997: 30): A adoção de uma teoria de linguagem que favoreça a ‘reflexão teórica’ sobre os distúrbios da linguagem não é condição suficiente para a interpretação fonoaudiológica dos sintomas singulares manifestos na linguagem. Eis aí um deslize: uma condição necessária ao campo fonoaudiológico foi tomada como suficiente. Estamos, no entanto, diante de outra noção de sintoma de linguagem. Nesta linha, Tassinari (1995), citada em todas as dissertações que desenvolvem este tema, diz que as contribuições freudianas são inúmeras no campo das ciências humanas, especificamente no campo terapêutico, demonstrando que muitos sintomas emergentes no corpo podem ser constituídos por uma lógica inconsciente. Do mesmo raciocínio parece partilhar Cunha (1997: 51-53), quando apresenta alguns de seus pacientes, dos quais destacamos, a título de ilustração: A menina surda que agredia todos que não a compreendessem oralmente, indo depois refugiar-se no colo da mãe; a moça que engordava e emagrecia na proporção inversa ao aparecimento de suas crises vocais; a moça judia que detestava sua própria voz, por achar parecida com a voz da mãe. Sintomas que se manifestam na linguagem, ou ainda, dito de outra forma, a linguagem como o lugar do sintoma. Para ambas as autoras, impossível desconsiderar a existência de representações psíquicas, ainda que a linguagem continue sendo o lugar da resolução dos sintomas. Assim sendo, segundo Tassinari (1995), impossível separar sujeito desejante de sujeito falante, num trabalho que vise constituir sua linguagem. Temos aí mais um problema (que não vimos contemplado nas pesquisas da área). Da assunção inicial da linguagem como estruturante do sujeito à noção psicanalítica de escuta que, como a própria autora afirma, implica a noção de inconsciente, passamos por duas noções de sujeito. Seriam compatíveis essas noções? O sujeito de que fala o Interacionismo, proposto por De Lemos, é aquele assujeitado, submisso às leis das estruturas (da ideologia, da língua). Há uma ordem de determinação (sincrônica, atemporal) da qual a fala não escapa. Saussure nos fala de uma subjetividade sujeita (um sujeito assujeitado) a uma ordem anterior: o determinismo da língua sobre a fala e o falante. E em qualquer fala, como ensina Jakobson, há uma língua em operação. Quanto ao sujeito da Psicanálise, vimos que a noção de sujeito é dependente da teoria psicanalítica adotada. Ogden (1996) afirma que, no núcleo de uma experiência psicanalítica, está a criação de um terceiro sujeito, que existiria na tensão com o analista e analisando como sujeitos separados e no contexto do enquadre psicanalítico. Assim, existindo visões psicanalíticas diversas, há noções de sujeitos igualmente diversas. As dissertações, aqui analisadas, que enfocam o trabalho com a linguagem numa perspectiva psicanalítica, fazem referência, basicamente, a duas visões da área: freudiana e winnicottiana. O sujeito de Freud implica um descentramento de si mesmo, isto é, não é coincidente com sua consciência. Ele é o que resulta das relações entre consciência e inconsciente, ambos mutuamente dependentes. Já Winnicott refere-se ao ser humano e não ao sujeito. Para o autor é inerente ao humano a tendência ao amadurecimento e seu processo de personificação depende do encontro com o outro. O ser humano winnicottiano é o que vive e experencia, sempre dependente de seus contextos familiar e cultural no dado momento histórico. Quando pensamos no sujeito assujeitado às leis da língua do Interacionismo ou no sujeito sustentado pela inter-relação consciência/inconsciente de Freud, podemos supor que estamos diante de sujeitos submetidos a determinados funcionamentos que se prestam, necessariamente, a revelações e não a transformações. A clínica fonoaudiológica que se pauta em uma ou outra visão, ou em ambas, estruturalmente, não é diferente. Ambas rejeitam a idéia de que a clínica fonoaudiológica seja o lugar de se ensinar a falar corretamente. Ambas rejeitam, também, uma visão mais social da linguagem, fazendo, de nosso ponto de vista, uma leitura superficial do conceito51. 51 Encontramos em uma das dissertações, mais ligada à perspectiva psicanalítica, uma afirmação a respeito, ancorada numa voz representante da clínica de vertente interacionista. Ei-la: É bastante conhecida a caricata figura, da qual salientam-se louváveis exceções, do fonoaudiólogo que trabalha ‘na interação com a interação’. Sua teoria: interacionismo, sua técnica: interagir. Como nos aponta Arantes (1992) ‘sociologizouse’ a clínica, a partir de uma noção de interação como atividade relacional, expressa por ações recíprocas entre indivíduos, presentes no brincar e/ou dialogar, pressupondo-se alternância entre participantes, O manejo terapêutico revela-se também muito próximo, na medida em que ambas adotam a interpretação como técnica terapêutica. Ainda que autores representativos de cada vertente afirmem conceitualizá-la de modo diverso, a interpretação fonoaudiológica está atrelada: • Na clínica de linha interacionista, ao funcionamento da língua. Pela interpretação, o terapeuta oferece possíveis sentidos para a fala do paciente, visando criar efeitos de estranhamento do paciente à sua própria fala, o que o levaria à adoção da fala do terapeuta, considerado aí como funcionamento da língua constituída. • Na clínica de linha psicanalítica freudiana, à possibilidade de resolução de conflitos psíquicos. Na medida em que conteúdos psíquicos afloram à consciência através da linguagem e é na própria linguagem que se encontram os sintomas do paciente, a interpretação fonoaudiológica visa poder revelar tais conteúdos e, conseqüentemente, resolver o sintoma da linguagem. Ambas, ainda, entendem o fazer clínico como uma atividade baseada no diálogo, entendida como atividade dialogal como vimos, a partir da qual pode-se observar, em uma, o funcionamento da língua e, em outra, o funcionamento do psiquismo. Por outro lado, como vimos em capítulo anterior, uma clínica fonoaudiológica de linha psicanalítica winnicottiana, na medida em que trabalha com o conceito de espaço potencial, abre uma possibilidade para que o terapeuta lide com a teoria a qual se filia de forma menos dogmática, mais criativa. O terapeuta assume um papel de interlocutor de seu paciente, uma vez que toma como premissa que o ser humano é história com o outro. Isso reflete no modo como a linguagem é estabelecimento de contato ocular, partilha de intenções, além de outros comportamentos, linguísticos ou não, que caracterizam uma relação a dois. Sendo assim, onde estaria a especificidade dos atos clínicos fonoaudiológicos? (Fonoaudiologia e Psicanálise: a fronteira como território, 1997). abordada e construída, no contexto terapêutico. Ao assumi-la, tal qual foi concebida por Winnicott, a saber, reveladora do self em dimensões poéticas, terapeuta e paciente permitem-se utilizar a linguagem discursiva de maneira pessoal. No entanto, quando o fonoaudiólogo depara-se com rico material elaborado discursivamente com seu paciente associa-o exclusivamente a manejos dessa clínica psicanalítica (como explicitado no fragmento de dissertação apresentado anteriormente neste capítulo). Trazer à tona essas questões seria uma contribuição para a construção do conhecimento no campo da Fonoaudiologia. Estaríamos desenvolvendo pesquisas que, nos dizeres de Kuhn (1962: 25-26), caracterizar-se-iam como revoluções científicas, na medida em que alterariam os padrões daquilo que se tem considerado problema ou sua solução. E os resultados das revoluções científicas não seriam mero incrementos ao que já é conhecido, fato observado nas dissertações e teses aqui analisadas. No próximo capítulo, veremos como profissionais da área pensam o uso do diálogo em suas atividades terapêuticas. CAPÍTULO 5 ANÁLISE DOS DEPOIMENTOS O presente capítulo traz a análise de depoimentos feitos à pesquisadora por profissionais da área, em situações de discussão grupal, previamente estabelecidas. Nossa intenção, neste capítulo, é o de rastrearmos os sentidos do diálogo no discurso do fonoaudiólogo acerca de sua prática, buscando possíveis ressonâncias daqueles atribuídos na produção científica da área, analisada nos capítulos anteriores. Para tal foi composto um grupo de profissionais que, a cada encontro, discutiu um caso terapêutico apresentado por um dos participantes. Embora a formação do grupo tenha sido descrita no capítulo de metodologia, ela será aqui retomada, para melhor compreensão da análise. Para a configuração do grupo, fizemos contato com profissionais da área de nosso conhecimento, que atuam em diferentes setores, como saúde pública, hospitais particulares, clínicas fonoaudiológicas, para que pudessem fazer indicações de pessoas que se encaixavam no perfil desejado, qual seja, o de atuar como terapeuta e assumir uma visão interacionista de linguagem. Segundo indicações, quinze fonoaudiólogos foram convidados a participar da pesquisa. Constavam da lista inicial, como já dissemos, profissionais formados pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e São Camilo. O convite foi respondido positivamente por seis fonoaudiólogos. Cabe ressaltar que todos esses profissionais já conheciam a pesquisadora da Universidade a qual é vinculada, alguns tendo sido seus alunos na graduação. Tal fato deve ter influenciado na aceitação do convite e, como veremos, foi determinante no estabelecimento de algumas situações enunciativas. Foram necessários dois encontros iniciais para a apresentação da proposta de trabalho a ser desenvolvida com o grupo, pois não conseguimos, inicialmente, um único horário comum em que pudéssemos reunir todos os seis participantes. Ao todo, foram seis encontros, quinzenais, realizados na clínica da pesquisadora, em dias e horários em que não havia outra atividade em andamento. Em alguns momentos, devido a feriados, os intervalos foram de três semanas. Cada encontro, com duração de duas horas, foi gravado em áudio e vídeo e transcrito, seguindo os critérios adotados pelo projeto NURC-SP, como consta na metodologia. Uma característica marcante desse grupo foi a imprevisibilidade da presença de seus componentes. Não tivemos um único encontro em que todos os participantes estivessem presentes. Como, geralmente, a falta era justificada no próprio dia do encontro, a composição do grupo era sempre uma surpresa, inclusive para a pesquisadora. Tal como apontado por Amorin (2001: 261), o campo enunciativo aí instaurado era sempre da ordem da instabilidade e a configuração dos lugares enunciativos não era passível de ser prevista. Considerando a configuração sempre instável dos lugares enunciativos e considerando ainda a proposição bakhtiniana – a palavra se dirige – veremos que a exposição oral dos participantes foi constantemente determinada pelo caráter único de cada encontro. Os depoimentos, tomados como enunciados, carregavam uma pluralidade de vozes que buscamos aqui identificar. Cabe novamente relembrar as características de cada participante. Nome Formação Tempo de atuação profissional Área(s) de atuação Rita Fonoaudióloga (PUC-SP) Cinco anos Clínica e docência na área de linguagem Carmen Fonoaudióloga (PUC-SP) Quatro anos Clínica em instituição educacional para limítrofes Branca Fonoaudióloga (PUC-SP) Cinco anos Clínica multidisciplinar Leila Fonoaudióloga (PUC-SP) Dois anos Audiologia ocupacional Regina Fonoaudióloga (formação no exterior e revalidação na PUC-SP) e Psicóloga Treze anos Docência na área de Audiologia e clínica psicológica/fonoaudiológica. Heloisa Fonoaudióloga (PUC-SP) Dois anos Clínica em instituição para deficientes mentais, onde atende portadores de paralisia cerebral, síndrome de West e autismo 6.1. Os encontros O primeiro encontro foi dedicado a uma explicação bastante genérica sobre a pesquisa, mais com o intuito de situar os participantes no contexto da pesquisa que de influenciá-los em seus depoimentos. Houve um tempo dedicado também às apresentações dos profissionais, já que nem todos se conheciam. Dele participaram: Rita, Branca e Carmen. Cada uma delas teve um tempo determinado para apresentar-se às colegas. Rita foi a primeira, seguida de Branca e Carmen. 6.1.1. A apresentação de Leila No segundo encontro, novamente foi necessária a explicação da pesquisa e da forma de funcionamento do grupo, já que outros componentes, que não haviam comparecido ao primeiro, ali estavam. No entanto, nesse, já houve um depoimento de um profissional que não estava no primeiro dia. A justificativa para apresentar já seu trabalho, diferente dos outros participantes que ainda estavam escolhendo os casos para o relato, era a de que não falaria especificamente de um caso e sim do trabalho desenvolvido numa instituição que julgava vir ao encontro da proposta da pesquisa. Assim estava configurada a situação: Dos participantes do primeiro encontro, apenas Carmen estava presente. Outros dois, Leila e Regina, completaram o grupo, configurando o campo enunciativo da seguinte forma: entre os três sujeitos de pesquisa presentes não havia nenhum conhecimento prévio. Nas apresentações iniciais, ficou bastante evidente a diferença de formação entre Regina (mais tempo de atuação e formação em duas áreas, sendo uma no exterior) e Carmen e Leila (ambas com menos tempo, respectivamente cinco e dois anos, oriundas da mesma Universidade). Em algum período da graduação, todas foram alunas da pesquisadora. Leila usou de sua apresentação para também apresentar seu trabalho. As três sentaram-se nos sofás, que ficam encostados em paredes contíguas. Leila num deles e Carmen e Regina no outro. Pouca variação houve das posições tomadas inicialmente (Carmen, inclusive sentou-se no mesmo lugar escolhido, no primeiro dia. Como veremos sua participação foi mínima nesse episódio). Nos momentos finais do encontro, as participantes levantavam-se para buscar algo para beber, colocado num móvel disposto na parede oposta à do sofá em que Leila estava. A pesquisadora, também presente, ficou mais afastada do grupo, sentada próxima aos equipamentos de áudio e vídeo, procurando assim não caracterizar sua presença como efetiva na discussão. Por vezes, fez intervenções que levassem a expositora a explicitar mais o que estava falando. Pelo que foi proposto no primeiro encontro, eram esperadas exposições orais de um caso seguidas de debate entre as participantes. Considera-se a exposição oral de casos terapêuticos uma ‘esfera específica de atividade humana’52 bastante familiar aos fonoaudiólogos, na medida em que, freqüentemente, este profissional é solicitado a falar de um paciente em situações diversas. Uma exposição oral, seja de que temática for, pressupõe uma preparação, um planejamento do material que vai ser apresentado a interlocutores que se colocam como ouvintes até que lhes seja dada a possibilidade de falar. Estas características – de planejamento prévio e interlocutores/ouvintes – são típicas de uma elocução formal. Segundo Brait (1999: 99), constitui marca de estilo da elocução verbal uma cuidadosa escolha lexical trabalhada sintática e semanticamente, de modo que o assunto seja tratado segundo sua especificidade e segundo o ponto de vista do expositor. No entanto, a construção composicional e o estilo53 de uma elocução verbal ficam submetidos às especificidades da interação verbal estabelecida. No dia em questão, como dissemos, a participante acabou por expor seu trabalho ainda na sua apresentação para as outras participantes, desconhecidas para ela até o momento. Sabia que todas tinham feito a graduação na PUC-SP, mas em épocas diferentes, de modo que não as conhecia da Universidade. Leila era uma das participantes que menos tempo de formada e de atuação profissional tinha. O trabalho que veio a relatar estava sendo encerrado e ela desejava elaborar um relatório do mesmo para ser entregue à instituição. Embora não tivesse se preparado para uma elocução formal, tinha os dados, tanto na cabeça quanto no papel: fora para o encontro munida dos questionários que aplicava com as operadoras de telemarketing com quem trabalhava. Seu desejo de dizer vinha da ausência de respostas que sentia dos membros da instituição, em relação ao seu trabalho. São delas as palavras, ditas num certo momento de sua exposição: (84) To levantando tudo isso... ((mostra o material que tem em mãos)) todos esse dados aqui... todas essas queixas... o que eu vou fazer com elas? Por que eu/ assim como elas também não tem com quem dizer/ eu não tinha... entendeu? Eu falava pra ele/ pro médico... como um 52 Para usar uma terminologia bakhtiniana. Em Estética da Criação Verbal (1952-53), Bakhtin utiliza a expressão na conceitualização de gêneros do discurso, considerando que todas as esferas de atividade humana estão relacionadas ao uso da língua e elaboram tipos relativamente estáveis de enunciados por ele denominados gêneros do discurso. 53 Terminologia bakhtiniana. Segundo Bakhtin (1952-53: 279), conteúdo temático, estilo e construção composicional fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. desabafo... um estudo de caso... poxa... né:: mas assim/ pra eu poder/ eu não tinha um acesso à diretoria... à organização... às coordenadoras mesmo... Sua fala inicial é de apresentação da instituição54 em que trabalhava para situar em seguida a atividade que realizava: (1) Esse trabalho que eu desenvolvo... agora já estou um pouco afastada né: da Estrela da Vida... uma instituição filantrópica que tem um setor de telemarketing que é o que arrecada a verba para manter essa instituição... Então assim... as operadoras têm um período de seis a oito horas de trabalho... que elas ficam no telefone... contando um pouco qual é a dinâmica da instituição... por que/que elas precisam desse dinheiro: né: para colaborar e:: assim até convencer o colaborador... essas pessoas que ligam para a nossa casa mesmo né... com esse colaborador/ o doador dá uma certa quantia que vai ser depositada na conta da Estrela da Vida... então eu resolvi fazer um trabalho de fazer a audiometria admissional periódica e demissional dessas operadoras de telemarketing...porque elas ficam com fone o dia inteiro na orelha... a intenção inicialmente era de fazer um trabalho até um pouco mais extenso: né:: assim pensando na acústica do ambiente... que é deficitária por sinal... das condições do fone delas né... é:: não só pensando na audição... mas também na qualidade vocal... porque elas falam em ambiente que tem ar condicionado... tem carpete... muitas têm alergia:: rinite e por aí vai... mas isso não foi possível... em função da organi/da questão organizacional né:: a Estrela da Vida é uma instituição que tem uma filosofia muito forte religiosa...o importante lá é ta passando a filosofia da empresa... se preocupando mais com essa arrecadação né... são duas questões... eles tinham medo que entrando uma pessoa que falasse/desse outra visão para elas... outra forma de trabalhar e influenciasse na dinâmica que já existe há vinte anos né... uma coisa certa... já tem um discurso pronto quando elas ligam/na forma de colaborar... bom... então o meu trabalho seria fazer a audiometria mes::mo... audiometria admissional... como eu falei na primeira/na primeira palavra que eu tive... ficou muito vazio fazer só a audiometria... chega lá: entra na cabine faz a otoscopia... ta tudo íntegro na membrana timpânica... vamos fazer a áudio e acabou... então eu comecei a fazer uma anamnese antes... levantando o quê e pra quê... levantando o nome... informações gerais... função... data do exame... informações sobre a audição.. se acha que ouve bem... se acha que não ouve... porque que não acha... sintomas coceira zumbido tontura... se já teve dor de ouvido ou não... antecedentes pessoais... é:: doenças de infância.. catapora... sarampo -- a gente sabe que tem 54 O nome da instituição foi trocado, para que fique preservada sua identidade. influência na audição -- e outras também/ inflamação na garganta... bronquite... exposição a ruído... se mora em lugar ruidoso... se já teve uma outra ocupação em lugar/ambiente ruidoso ( ) há quanto tempo ta como operadora na instituição... o histórico familiar... atividades de lazer...hábitos e vícios... aí: eu faço a otoscopia e ao/e quanto à voz/se já apresentou rouquidão... por quanto tempo... se era acompanhada por quadro inflamatório ou não... se usa um medicamento... se usa essas soluções caseiras né:: mel::: própolis pra dar uma/uma mascarada nos sintomas...então eu ia levantando essas questões... é:: inicialmente eu fazia essa/essa anamnese individual... Ainda nesse turno inicial, Leila repetiu, por algumas vezes, o esquema de trabalho na instituição, talvez movida pela necessidade de falar e ser ouvida. Como sua apresentação se distanciava de uma elocução formal, logo algumas intervenções foram feitas pelas outras participantes. A pesquisadora foi a primeira a intervir, no sentido de Leila precisar mais o que estava dizendo em relação a uma mudança em seu trabalho. (1) Leila: (...) eu pensei... por que não juntar as quatro e fazer em grupo... será que não ia ser até mais rico? né:: porque às vezes... eu sentia até que individual era aquela coisa tete a tete... por que anamnese é muito restrita... por mais que você tente sair ela é restrita... ela é muito ligada é:: à doença mesmo... (2) Pesquisadora: (...) conta um pouco como é que era mesmo a chegada delas... elas chegavam... elas esperavam você falar... elas já falavam alguma coisa... elas só respondiam exatamente o que ta na anamnese ou você sentia que elas queriam falar uma outra coisa ou até elas falavam outras coisas...como era sua escuta para isso, ta? (3) Leila: ta:: então assim:: até quando você me faz essas perguntas/ essas questões... vêm milhares na minha cabeça né:: porque na hora eu tinha de correr contra o tempo... então hoje eu vejo que tinha coisas assim:: eu tampava a escuta ((bateu uma mão na outra)) se eu deixasse ia... como foi muitas vezes... Se pensa e fala... dane-se e vamos continuar... Regina, sentindo-se autorizada pela atitude da pesquisadora, passa a intervir mais no discurso de Leila. Sua primeira intervenção provoca o seguinte encadeamento de enunciados: (4) Regina: Quando/quando o paciente começa a falar muita coisa... tem que cortar... redirecionar e ( ) (5) Leila: redirecionar é:: redirecionar... sim:: eu sentia às vezes que era uma pena redirecionar/ não precisava direcionar... (6) Regina: sim:: Há pontos interessantes no enunciado (4), proferido por Regina. O primeiro deles é a escolha da palavra paciente, que aparece pela primeira vez nessa situação enunciativa. O trabalho descrito por Leila não se caracterizava como terapêutico – contexto em que mais circula tal palavra –, mas, mesmo assim, foi a ele que Regina se remeteu. Bakhtin nos ensina que selecionamos palavras para compor nosso enunciado, a partir de outros enunciados que geralmente circulam no mesmo gênero discursivo de uma dada esfera de atividade humana. A escolha, portanto, não se dá pelo sistema lexical da língua. Quando Regina toma a palavra paciente o faz a partir de seu referencial de trabalho, exclusivamente terapêutico, trazendo para a situação em questão, em que se presentificava outra forma de atuação fonoaudiológica, sua possibilidade de compreensão desse contexto. Outro aspecto interessante diz respeito à multiplicidade de sentidos que uma palavra carrega dentro do enunciado. Quando Regina afirma que tem de cortar quando o paciente começa a falar muito, aparentemente parece estar concordando com Leila em sua não escuta a possíveis necessidades das operadoras, tomando talvez parte de seu enunciado – (3) (...) eu tampava a escuta ((bateu uma mão na outra)) se eu deixasse ia... – pelo todo, sem considerar uma possível dúvida que tal enunciado carregava. Nesse sentido, acredita contribuir, acrescentando um dado novo – ter de redirecionar. Mas, já nos dizia Bakhtin (1929a: 132), compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra, ainda que seja uma mesma palavra, do ponto de vista de seu complexo sonoro. Leila, em seu enunciado subseqüente, retoma a palavra redirecionar, extraposicionada, isto é, situada em um outro lugar, o que lhe confere um novo sentido ao enunciado: (5) (...) redirecionar... sim:: eu sentia às vezes que era uma pena redirecionar/ não precisava direcionar... . Enquanto Regina parece dizer que é preciso sim redirecionar aquilo que o paciente fala, Leila questiona o valor desse redirecionamento. Estamos diante do que Bakhtin/Volochinov (1929) conceituam como valor apreciativo da palavra. Além dos dois estágios da capacidade de significar – significação e tema – a palavra possui valor apreciativo que indica o horizonte apreciativo social de seu locutor. Essa observação se faz necessária para compreendermos a seqüência desse encontro. Leila ainda demorou um pouco para entrar efetivamente no tema da mudança provocada no seu trabalho. Quando o fez, parecia ter consciência da circularidade do discurso, ao dizer: (26) que eu vi que quando eu fui pro grupo – você me puxa se eu ficar voando – (voltada para a pesquisadora. Mas não seria também uma resposta ao enunciado de Regina – tem que cortar...?) e continuou: (29) quando eu fui pro grupo... eu percebi... o quê? que uma falava: né: até então é:: tem coceira? não... não tenho... a primeira não tem:: a segunda não tem... aí a terceira:: eu tenho sim... sabe porque que eu tenho coceira às vezes? o fone não é bom..., o fone tem uma esponjinha que esfarela e ele pode dar uma infecção... anda me coçando e anda me incomodando... eu tenho coceira sim... essa era a terceira... a quarta já falava no discurso dela... sabe que eu também tenho? (31) (...) as outras duas que já tinham falado que não tinham:: muitas vezes... sabe que eu também tenho? E o fone me incomoda, né? Aí trazia... Isso que eu to falando que foi rico... Regina procura com uma nova intervenção – sobreposta ao enunciado de Leila – conferir o significado da riqueza de que falava Leila: (32) Regina: a fala de uma estimula a outra:: (33) Leila: é... (34) Regina: a dizer, se ela diz eu também posso dizer (34) Leila: referência né? mas é isso né:: é:: acho que assim:: (36) Regina: também... (37) Leila: é:: acho que:: (38) Regina: dividir... (39) Leila: dividir... se ela disse eu posso dizer também... uma referência... não tinha lembrado...é: é: bom né:: aí é que eu falo que foi rico... que aí ia/ sabe/ dava... aumentava... que disso vinha outras coisas também... Riqueza, para Regina, era a possibilidade de a fala de uma operadora estimular a fala da outra, o que para Leila significava referência. Nota-se, pelo enunciado (36), que Regina não havia pensado desta forma, qual seja, a de construção de referências a partir de diversas falas. Ao verbalizar também... Regina demonstra acolher esse sentido, mas procura apresentar o seu, qual seja, o de dividir [enunciado (38)]. No encadeamento dos enunciados, Leila age como da forma anterior: retoma a palavra, mas não a incorpora como quer seu interlocutor, reafirmando, logo em seguida, o sentido que atribui ao seu enunciado: dividir... (...) uma referência... (...) aumentava... que disso vinha outras coisas também... Ao dizer que a quarta operadora já falava no discurso da terceira, afirmando que isso era muito rico, Leila corrobora a importância que Bakhtin atribui à relação eu-outro. Para o autor, o sujeito toma consciência de si, originalmente, através do outro, de quem recebe a palavra e a orientação ideológica que servirão de base para a compreensão de si mesmo. Ao abandonar a anamnese individual e partir para a experiência grupal, Leila abre espaço à diversidade, ao conhecimento compartilhado e confrontado próprio de uma relação dialógica, ainda que o termo não tenha aparecido, até então, em sua apresentação oral. É no discurso citado das operadoras, em outros momentos dessa situação, que observamos o caráter dialógico que Leila desejava imprimir em seu trabalho: (41) Leila: (...) aí surgia:: antes não tinha isso... -- porque não tinha mesmo anamnese... era só audiometria -- antes não precisava disso... algumas já assim:: por que que hoje vai ter que ter? outras já se interessavam... hum:: vamos ter uma coisa diferente ((risos)) A certa altura de sua apresentação, Leila fala de sua posição no grupo formado com as operadoras de telemarketing: (62) Leila: então:: esse grupo que eu peguei... são três operadoras que é a coisa de duas delas têm dez anos de função.. na Estrela da Vida... não é função de telemarketing... Estrela da Vida foi o primeiro emprego... dez anos e uma delas tem quinze anos:: de função... aí eu vou falar... tem toda uma raiz da filosofia... da religião... que eu acredito que eu também ajudo a agüentarem essa pressão... porque é uma pressão muito grande... (63) Pesquisadora: você acha que você ajuda como? (64) Leila: ajudo como:: bom aí eu vou voltar... (65) Pesquisadora: ta, então volta lá... (66) Leila: me apresentei e tal... aí eu falo do discurso -- não sei se se encaixa no autoritário ou no persuasivo -- mas meu discurso é diferenciado que dá um efeito -- claro... afeta... todo discurso afeta -mas eu acho que esse mais:: quando eu falo assim pra elas... aqui é um espaço -- eu falava isso -- me ajudem até ((risos)), aqui é um espaço que eu quero que... é: gostaria que vocês trouxessem não só as questões que eu vou estar levantando ... mas é:: questões e/e acontecimentos que passam pelo campo que vocês trabalham... na unidade de arrecadação: que vocês ficam... vocês há de ( ) / vocês ficam de oito a dez horas naquela unidade de arrecadação... é muito tempo... quase metade do dia de vocês né:: então acontecem muitas coisas e eu quero que vocês tragam... sabe o que acontecia? eu abria um leque que depois eu não agüentava... Quando Leila vai explicar seu lugar no seu grupo de trabalho, lança mão de conceitos da teoria bakhtiniana – palavra autoritária e palavra persuasiva – não sabendo, no entanto, relacioná-los à sua atividade profissional. Aí, então, recorre ao discurso citado – fragmentos de seu próprio discurso – elaborado na situação discursiva com as operadoras, como podemos observar no enunciado (66). Busca, com isso, uma antiga parceria com a pesquisadora – sua professora do último ano de graduação –, época em que lhe foram ensinadas algumas noções da teoria de Bakhtin. Na ocasião, era comum os alunos relatarem situações terapêuticas por eles vividas para, no espaço da aula, serem analisadas a partir de uma perspectiva bakhtiniana. Esse não foi o primeiro momento em que Leila se referiu a Bakhtin no grupo de pesquisa. Na seqüência do enunciado (39), no qual fala da referência, dizendo: disso vinha outras coisas também..., a pesquisadora pergunta: (40) Pesquisadora: você lembra alguma coisa... quando você fala disso vinha outras coisas... tem alguma situação que você lembra isso? A intenção da pesquisadora era a de que Leila se lembrasse de algo vivido com o grupo de operadoras, mas para sua surpresa, a lembrança foi de seus tempos de aula. Aparece aí, pela primeira vez, a alusão aos conceitos. (41) Leila: quando você disse assim pra mim:: tava falando de Bakhtin... do discurso autoritário do discurso persuasivo... eu pensei numa coisa... quando eu chegava lá... eu sem/chamava as quatro na sala... me sentava... me posicionava e falava assim... me apresentava... bom dia: meu nome é Leila... sou fonoaudióloga aqui da Estrela da Vida... to trabalhando aqui no setor de telemarketing... por mais que vocês não me conheçam/ porque a relação que a gente tem é mesmo nos periódicos: o contato que a gente tem né:: mas aqui a gente vai fazer a audiometria, que vocês já fizeram... ahn, já fizemos sim... e hoje além disso/ não/ e hoje nós vamos fazer uma amamnese antes -- não falo amamnese claro -- um: algumas questõezinhas a gente vai levantar antes desse exame... até para iluminar o exame e a gente se conhecer melhor... aí surgia:: antes não tinha isso -- porque não tinha mesmo anamnese, era só audiometria -- antes não precisava disso... algumas já assim... por que que hoje vai ter que ter, outras já se interessavam, hum: vamos ter uma coisa diferente ((risos)) Nesse primeiro momento, também houve apenas a alusão aos conceitos. Com o recurso do discurso citado, Leila procura possíveis complementações de seus interlocutores, mais especificamente a pesquisadora/professora de outrora. Como não houve resposta da pesquisadora a essa solicitação, Leila retoma os conceitos, momentos depois, como observamos no enunciado (66). A pesquisadora, propositalmente, não toma para si a responsabilidade de responder a esse enunciado, a fim de evitar a reedição de uma outra situação discursiva – a de sala de aula –, já vivida, em épocas diferentes, com os componentes daquele grupo. Deixa que o tema seja trabalhado por ele. Regina, então, assume o papel de principal interlocutora de Leila, dizendo: (67) Regina: é... quando você abre isso: ela vai trazendo tantas/tantos problemas que surgem lá... Um desenvolvimento do que viria a ser o discurso autoritário ou persuasivo, como parecia Leila querer, não acontece. A situação discursiva segue tendo como interlocutores principais Regina e Leila, com algumas intervenções de ordem da pesquisadora e o silêncio de Carmen. A única a estar presente na primeira reunião marcada, não encontrou seu lugar na configuração enunciativa desse encontro. Melhor dizendo, seu lugar foi pontuado pelo silêncio e por intervenções inacabadas. Estamos considerando intervenções inacabadas aquelas que não suscitam respostas por parte dos interlocutores. A participação de Carmen, nesse encontro, fora o silêncio, é pautada por enunciados dessa natureza. Observemos uma dessas passagens. Aqui, Regina questiona Leila sobre o motivo de as operadoras não quererem alongar a anamnese: seria a pressão de voltar ao trabalho ou o medo de serem demitidas pela descoberta de uma perda auditiva? (13) Leila: não... acho que tem as duas...tem esse lado também claro... tem esse lado também... acho que não é só pela pressão... mas não só é:: não só perda auditi/de ter uma perda auditiva... é uma:: questão que tem que se levantar ta? acho que não só isso... tem outros fatores que eu levanto... é:: o fato mesmo de estar lá vamos lá.. entra e não me conhece... entendeu? você chegou para o exame periódico...a fono é lá. (risos) (14) Regina: a fono é lá é bom né? (risos) (15) Leila: não é? (16) Carmen: dá uma emoção ( ) (17) Leila: ( ) (18) Carmen: um convite ( ) que você possa... (19) Regina: Ali é o banheiro, ali é a fono (20) Leila: Não tem uma demanda, ela não ta indo lá porque ela quer. (21) Regina: risos Carmen faz seu primeiro comentário num momento da interação em que o tom é de deboche em relação ao trabalho de fonoaudiologia na instituição. Seu enunciado (16) tem esse tom, a emoção que dá... mas não é possível compreender o que ela fala em seguida, porque há, em seu enunciado, uma sobreposição da voz de Leila que fala algo também ininteligível, olhando para as duas. Em seu enunciado seguinte (18), Carmen mantém o tom irônico, novamente com um segmento ininteligível na sua fala. Sua intensidade de voz é baixa e some perto das outras. Agora é Regina que sobrepõe sua voz à dela, dirigindo à Leila seu olhar, que, com sua assertiva, retoma o tom mais sério da discussão. E novamente Carmen se cala. Carmen volta a se manifestar nos enunciados (42) e (57), com risos junto a Regina; no (89), com um comentário que pouca ressonância tem no contexto (Leila está falando que as operadoras trabalham nove horas com intervalo e ela diz: mas mesmo assim::) e no (132), já no final da gravação do encontro, quando procura discordar de Regina que aconselha Leila a fazer uma palestra inicial para as operadoras, falando de seu trabalho. Ela diz: mas é difícil se não dão valor pelo que ela tem... (fala que foi sobreposta pela voz de Regina que continuou a se dirigir a Leila). No nosso entender, esse é seu enunciado mais significativo, pois se coloca como resposta ao vivido nesse encontro e como anúncio do que será sua apresentação em um encontro futuro, seu trabalho desenvolvido em uma instituição que pouco acolhe. Embora o termo diálogo só apareça em enunciados de Regina, como quando ela procura sintetizar uma fala de Leila sobre as frustrações por que passavam as operadoras de telemarketing, naquela instituição, (79) Regina: acho que o que você está contando é que não tinha diálogo... assim:: falta de comunicação... a idéia de um trabalho permeado por uma relação dialógica nos parece evidente, ainda que Leila mostre muitas dúvidas de como encaminhá-lo. Sua tentativa de formar um grupo – e insistir nas referências e não na divisão – é claramente um exemplo de trabalho com a linguagem em sua diversidade, enfatizando a relação eu-outro, apontada anteriormente. Quando diz que a fala da quarta operadora já estava no discurso da terceira, concretamente está mostrando que a palavra do outro levada a um novo contexto – porque dito por uma outra pessoa, extraposicionada, ainda que numa mesma situação enunciativa – evidencia o caráter dialógico da linguagem, na medida em que ganha sempre novo sentido. No caso das operadoras, amplia as possibilidades de dizer: as duas primeiras não sentiam dor, a terceira sim, a quarta também e por quê. Logo, as duas primeiras retomam suas afirmações, modificando-as. Sobre sua postura diante do grupo, como ela própria sugere, parece-nos sim que faz uso da palavra internamente persuasiva. Tem em mãos a anamnese, um questionário previamente elaborado, mas abre a possibilidade de ouvir mais, de entrelaçar suas palavras às das operadoras. Para Bakhtin (1934-35: 146), a palavra internamente persuasiva organiza do interior as massas de nossas palavras, em vez de permanecer numa situação de isolamento e imobilidade. E isso provocou uma abertura de leque que Leila admitiu não agüentar mais. Do lugar em que se colocou, Leila pôde vivenciar a dor do outro, mas não soube (não pôde?) dar acabamento a ela. É de Bakhtin (1920-30/1979: 46) a afirmação: Quando me identifico com o outro, vivencio sua dor precisamente na categoria do outro, e a reação que ela suscita em mim não é o grito de dor, e sim a palavra de reconforto e o ato de assistência. Relacionar o que se viveu ao outro é a condição necessária de uma identificação e de um conhecimento produtivo, tanto ético quanto estético. A atividade estética [ética] propriamente dita começa justamente quando estamos de volta a nós mesmos, quando estamos no nosso próprio lugar, fora da pessoa que sofre, quando damos forma e acabamento ao material recolhido mediante a nossa identificação com o outro (...) Sem a volta ao seu lugar, Leila vive a dor alheia como sua própria [(108) gente:: parece que não... mas você se envolve de tal maneira que eu saí de lá e eu não peguei minhas coisas ainda... parece que eu ainda estou lá: com elas... sei lá o que é isso?] e, segundo nosso ponto de vista, busca, no grupo de pesquisa, novos olhares que a completem e que a ajudem a dar o acabamento necessário ao seu trabalho [(108) eu vou voltar né:: vou entregar o relatório...] Daí o pedido de ser a primeira a fazer a apresentação oral, sem mesmo ter feito preparo prévio da mesma. Antes de finalizar a análise desse encontro, gostaríamos de salientar um comentário de Regina, pouco antes do final da apresentação de Leila, que também nos dá indícios de uma maior compreensão de sua própria apresentação, realizada no encontro posterior a esse. (97) Regina: acho que você até pode ter pensado em proporcionar mais diálogo... com uma abertura maior também... será que você não pensou na mudança dessa dinâmica? uma coisa é você estar com seu paciente né:: outra coisa é estar com um grupo e abre o espaço... Consideramos importante destacar também que, ao final da apresentação, quando as três participantes estavam conversando informalmente, Leila levanta o seguinte questionamento: mas... eu caía tanto às vezes no questionamento que você [Regina] falou -- foi bom você ter falado -- era um fazer fonoaudiológico? Retomaremos essa questão mais adiante. 6.1.2. Regina e seu caso clínico Este foi o terceiro encontro do grupo de fonoaudiólogos e o segundo de exposição e debate do caso. Como vimos, no encontro anterior, Leila apresentou seu trabalho para dois outras componentes do grupo, além da pesquisadora. Nessa segunda exposição, novamente o grupo não estava completo; Mantêm-se em cena Regina e Leila; sai Carmen e entram Rita e Heloísa. Heloísa vem pela primeira vez, mas já sabendo do funcionamento do grupo, porque entrara em contato telefônico com a pesquisadora antes desse encontro. Branca falta pela segunda vez consecutiva e dificuldades de ordem pessoal impedem-na de prosseguir na pesquisa. A partir de então o grupo, oficialmente, terá a participação de cinco profissionais. Regina, a expositora da vez, é a que mais idade e tempo de formada tem. Além disso, sua formação difere da dos outros participantes, porque parte dela foi feita na França, na Universidade de Bordeaux, e parte, aqui no Brasil, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Além de fonoaudióloga, Regina também atua como psicóloga, tendo feito graduação em Psicologia. A preparação para o início da exposição é típica de uma situação de elocução formal. Regina traz consigo uma pasta com apontamentos de sessões com o paciente em questão, para utilizar na apresentação. Senta-se num dos sofás (no mesmo lugar em que sentara no encontro anterior), ladeada pelas outras três, que se acomodam nos lugares em que estão, num gesto característico de quem espera uma longa exposição. Estão todas relativamente próximas para poderem observar o material que Regina vai mostrar durante sua exposição. A pesquisadora como antes, colocou-se mais afastada da cena de discussão. Correspondendo a uma das características da elocução formal, a expositora desse segundo encontro é a que constrói os turnos mais longos, como podemos observar em sua fala inicial. (1) Regina: então... eu trouxe um caso... para vocês que eu trabalhei por um ano -- comecei no dia 24 de janeiro de/ desculpe desde 12 de abril de 2000 e terminei interrompido né o caso... no dia 2 do quatro...-então faz pouco tempo... então ta um pouco/ ta bem tranqüilo pra lembrar é: de muitas passagens né - - então... Carla de onze anos foi encaminhada para fazer uma avaliação de leitura e escrita... pela escola... e: - - pronto -- ((arrumando o material que trouxe para a apresentação)) ( ) ela não tinha uma escrita adequada para a idade...tinha tido já um acompanhamento por um psicopedagogo por alguns anos... desde que iniciou o ensino fundamental... primeira série... sempre mantendo uma certa dificuldade para ler e escrever...quer dizer... ela: Rejeitava... trabalhos em grupo na escola...dificuldades de relacionamento -- então: ahn eu fiquei aqui tentando organizar um pouquinho... só para dar pra vocês uma idéia -- ela chegou por intermédio de uma outra paciente que também já tinha feito um trabalho de leitura e escrita e: na primeira entrevista eu fiz só com a mãe... como eu costumo fazer eu entrevisto sempre os pais... às vezes eu chamo os pais e vem só um deles e no caso veio só a mãe... então aparentemente os sintomas eram dificuldades para escrever... e que ela ia mal em português... isso assim era a angústia da família em torno disso... chamei a Carla numa outra sessão para conhecê-la: Carla é filha única... quando ela chegou ela chegou com um comportamento um pouco estranho é: um pouco desconfiada e: diz que não adiantava fazer nenhum trabalho que ela já tinha feito um monte de traBAlho que não ia fazer não ia fazer nenhuma diferença porque ela ia mal porque ela não gostava mesmo e não ia escrever.... e que não tinha jeito de conseguir fazer ela escrever.... mas assim... desde a primeira sessão ela ficou: eu falava que eu vou lhe conhecer - - e eu costumo fazer as entrevistas com crianças quando eu faço psicodiagnóstico: eu faço do mesmo jeito só que no caso eu direciono para o trabalho de escrita mas no processo diagnóstico... eu sempre procuro trabalhar conversando fazendo jogos, desenhos sempre peço desenhos... - - eu tenho alguns desenhos do primeiro encontro que são bem/ que elucidam bem a questão familiar... que me pareceu muito forte o problema dela relacional e que tava intervin/ interferindo muito na escrita e no trabalho:: no comportamento: em tudo né.... e acho que ela se apresentou assim que eu/ sabe não precisava/ eu perguntei primeiro -- eu faço essa pergunta para a criança... uma criança um pouquinho maior se ela sabe porque que ela ta vindo ali comigo... e se ela sabe o que eu faço... e às vezes elas estão com uma idéia eu pergunto qual idéia que tem e depois eu falo também algumas coisas....-- e: comecei a: eu disse olha... você vai escrever algumas coisas também, mas primeiro você pode fazer uns desenhos... aqui tem material... -- eu tenho material pra desenhar material pra/ tem material de escritura que eu distribuo assim na mesa...deixo papéis... deixo alguns jogos... deixo umas revistas uns livros... deixo uma sala um pouco: digamos... convidativa pra fazer alguma atividade... que a criança sinta que tem alguma coisa ali que vai.../ eu trabalho com caixa/ com caixa lúdica como trabalho com criança em terapia psicodiagnóstico né... eu trabalho com material aberto pego jogos...-- num armário tem vários jogos --...então a gente começa a conversar -- e ela me chamou muita atenção ao comportamento dela... muito mais/ eu fiquei muito mais na hora que a gente começou a conversar... eu não quero, eu não quero... uma coisa assim mais de não/não ta se ligando mesmo a um trabalho: que eu pudesse propor né... ela disse eu só gosto de brincar... aí ela viu os brinquedos e eu quero brincar... eu disse então vamos fazer uns jogos aqui mas vamos fazer uns jogos e vamos também fazer algumas outras coisas... e aí ela começou... então no início assim: ela conseguiu fazer alguns jogos... e: A exposição, como podemos notar já neste primeiro fragmento, não demonstra ter sido planejada previamente. Ao contrário, a expositora valeu-se da memória que o contato com seus apontamentos do processo terapêutico, no momento mesmo da interlocução, pôde recuperar. Acreditamos que, mesmo tendo sido decidida, no primeiro encontro, a forma de funcionamento do grupo, a característica da interação verbal estabelecida – interação face a face com interlocutores, agora, mais conhecidos – prevaleceu, transformando a elocução formal de um caso terapêutico em relato oral de uma experiência vivida (terapêutica). Isso pode ser observado tanto pelo uso invariável da primeira pessoa do singular, quanto pelos vários momentos em que a enunciadora utilizase do discurso citado, fragmentos de sua própria fala ou de outros (paciente e pais). Vejamos alguns exemplos: (1) (...) e às vezes elas estão com uma idéia eu pergunto qual idéia que tem e depois eu falo também algumas coisas....-- e: comecei a: eu disse olha... você vai escrever algumas coisas também, mas primeiro você pode fazer uns desenhos... aqui tem material... -(1) (...) uma coisa assim mais de não/não ta se ligando mesmo a um trabalho: que eu pudesse propor né... ela disse eu só gosto de brincar... aí ela viu os brinquedos e eu quero brincar... eu disse então vamos fazer uns jogos aqui mas vamos fazer uns jogos e vamos também fazer algumas outras coisas... e aí ela começou... (15) ELA [a mãe] não me trouxe nada muito diferente no começo ela me trouxe depois... porque depois eu chamei aí eu digo olha no meu trabalho eu faço pelo menos uma reunião mensal com a mãe e o pai eu chamo no começo até eu entender melhor e direcionar o trabalho... (15) e aí o que eu vou vendo eu vou interpretando vou falando vou orientando... faço orientação também né: e isso/ o pavor era assim: o pai dizia Ah não: ela não/ eu vou falar com o diretor da escola.. ela não vai repetir de ano ela não pode repetir de ano mas imagina que ela vai repetir de ano... todo mundo passa porque que ela não passa? (153) com a psicopedagoga me perguntando algumas coisas como que tinha sido o tratamento... como que ela estava... eu disse olha ela estava muito perdida.. e acho que ela continuava assim... eu acho que essa menina precisa de muito tempo de terapia e a mãe também precisa de trabalho para ajudar melhor sua filha... os pais... e então a coisa ficou assim: No contexto dessa exposição oral, o uso do discurso citado tal qual o temos em esferas cotidianas de comunicação, em que o que foi citado não extrapola o âmbito de uma situação determinada, parece-nos servir à expositora não apenas para ilustrar um raciocínio, mas, por vezes, para substituí-lo. Isso já foi observado na exposição de Leila, discutida anteriormente, e volta a aparecer em exposições posteriores. Em ambas as exposições, vemos o uso do relato em contextos em que caberiam proposições mais conceituais. Isso nos faz lembrar Bruner (1990), que atribui às narrativas grande parte da responsabilidade de construção do significado, por serem elas formas poderosas de discurso, sobretudo para as crianças. Tanto Leila quanto Regina recorrem à narrativa de uma situação vivida, de modo a construírem com seus interlocutores, no momento de suas exposições orais, um conhecimento mais teórico do assunto, esperado para a presente situação enunciativa. Essa postura, no nosso entender, por vezes, desloca os interlocutores do foco da discussão principal, qual seja, o saber construído sobre aquele processo terapêutico, para dados secundários que adiam a construção desse saber. Isso pode ser observado na seqüência abaixo, já com a intervenção dos interlocutores que, também tomados pela contingência da interação face a face e pela forma de apresentação da expositora, logo se sentem livres para assumirem seus turnos com questões como: (58) Rita: ((lendo o texto de um dos desenhos de Carla)) “Um dia passou vários cachorros e eu comi eles”... (59) Regina: ((olhando para o desenho)) é... (60) Rita: ((ainda olhando o desenho)) aí ela desenha até você de cachorro? (61) Regina: tudo... aí ela me comia também.... (62) Rita: todo mundo é cachorro... ela é cachorro todo mundo é cachorro... ((todas vendo os desenhos em silêncio)) (63) Regina: nessa ela colocou editora Regina... (64) Pesquisadora: aí tem um texto dela? (65) Regina: tem um textinho... (66) Leila: ((vendo a folha)) editora Regina... (67) Pesquisadora: então Regina... deixa eu intervir nisso... então ela escreveu né: então no dia catorze aqui ela escreveu ((lendo)) “um dia uma pessoa estava no jardim e apareceu um monstro radical. Carla, editora Regina”... surgiu daonde esse desenho e este texto...você consegue se lembrar? da situação? surgiu como... qual foi a continuidade? eu acho que tem até um desenho desse né: que ta rodando... do monstro radical... que ela pôs toda a família.... será que é esse o desenho? (68) Regina: esse foi o primeiro... foi: ((olhando o texto)) ah, eu tenho a impre: (69) Pesquisadora: é no dia doze ela também escreveu... (70) Regina: eu acho que: eu acho que esse aqui tem é: pode ser que tenha sido no:: esse foi o primeiro desenho dela... (71) Pesquisadora: então... e aí no dia doze também ela escreveu ((lendo)) “um dia passou vários cachorros e eu comi eles. Gaston é gostoso que gostoso”. Então: os dois no mesmo dia... você lembra que contexto era isso? (72) Regina: eu tenho a impressão que esse tem a ver com aquele mas deixa eu procurar mais alguma coisa ((volta a procurar no material)) muitas vezes o contexto era uma história que ela fazia um comentário e um depois um desenho: agora eu não lembro mais: que livro de cachorro... ((procurando no material)) (73) Rita: nesse desenho do radical também tem cachorro né... de repente tem um monstro radical que comeu o cachorro ((risos)) (74) Regina: ela falava muito de cachorro/ ela não tinha cachorro e queria ter cachorro... (75) Heloisa: ela queria ter cachorro? (76) Regina: ela não tinha cachorro... (77) Heloisa: você não leu de uma historinha de cachorro: nada? (78) Regina: ((procurando no material)) pois é ( ) acho que o que eu poderia estar pensando aqui: às vezes eu peço pra olha: escreve o que ta pensando o que tem vontade... eu acho que quando não tem um contexto de livro de história eu peço para escrever o que tem vontade também tem isso.... eu não consigo lembrar:: porque eu não lembro de ter cachorro em algum livrinho dos que eu já/ dos que eu costumo ler com as crianças ou dar.... (79) Heloisa: e ela falava que gostava de cachorro que queria ter um cachorro... (80) Regina: tinha FIXAÇÃO por cachorro... e assim: durante um tempo a gente começou com ( ) isso aqui ((mostrando outro trabalho)) ela fez uma cópia quem tem medo de bruxa -- da coleção quem tem medo... que as crianças às vezes costumam ler -- e ela fez questão de levar para a casa dela só que ela não escreveu o que ela gostou... A pesquisadora, com a sua intervenção, procura fazer com que a expositora recupere o contexto em que foram produzidos os desenhos e textos observados por todas, de modo a compreenderem a natureza do trabalho com a escrita desenvolvido com sua paciente. Mesmo sem recordar o contexto preciso, em momentos distintos desse mesmo fragmento, a expositora fala sobre seu trabalho descrevendo algumas de suas ações, no decorrer do processo terapêutico: (72) (...) muitas vezes o contexto era uma história que ela fazia um comentário e um depois um desenho... (78) (...) eu não consigo lembrar:: porque eu não lembro de ter cachorro em algum livrinho dos que eu já/ dos que eu costumo ler com as crianças ou dar.... Em outras palavras, quando há uma leitura de algum suporte de texto, este serve de pretexto para a produção de um comentário escrito e um desenho. Na ausência da leitura, a escrita é sugerida a partir do que o paciente esteja pensando, aquilo que ele tenha vontade de escrever. Tomemos como pressupostos o conceito de gêneros discursivos de Bakhtin e a idéia subseqüente de que estamos sempre utilizando tais gêneros para falar. Inseridos em uma determinada esfera de atividade humana, é esperado que façamos uso do(s) gênero(s) relativos(s) a essa esfera e não é possível que se faça uma combinação absolutamente livre das formas da língua num enunciado. Estamos submetidos a uma coerção discursiva. Quanto maior for o domínio de diversos gêneros discursivos, maior a condição de se fazer escolhas de enunciado, dentro e fora de sua esfera de origem, e de se transitar nas diferentes esferas de atividade humana. Em contrapartida, pensamos que a inexperiência em determinado repertório de gêneros discursivos poderia levar o locutor a uma sensação de fracasso quanto à eficácia de seu discurso, em diferentes situações enunciativas. É com sujeitos com essa história de vida que os fonoaudiólogos, freqüentemente, deparam-se na clínica. O que podemos depreender, então, dos fragmentos do processo terapêutico relatado pela expositora? No trabalho relatado pela expositora, não parece haver orientação para um trabalho voltado para a diversificação de interações verbais significativas e conseqüente variação de gêneros discursivos. Há uma ênfase no uso da leitura como pretexto para a elaboração de um comentário, como vimos, e como nos mostra mais este fragmento (Regina lendo seus apontamentos de terapia): (34) “após a leitura dessa história [História de Babar], solicitei a Carla que fizesse um comentário por escrito, inicialmente Carla disse que estava cansada porque já havia escrito MUIto na escola... finalmente escreveu o comentário e desenhou o elefante”... ela fazia mais desenhos... o trabalho era muito com desenho e um pouquinho de escrita... era muito assim... Ainda utilizando o conceito bakhtiniano de enunciado e suas características, temos que todo enunciado é dirigido prioritariamente para o outro e sua construção se dá em função da apreciação que o locutor faz dele, antecipando respostas. Como veremos a seguir, a expositora queixa-se de que o trabalho com escrita com essa paciente era muito difícil. Talvez possamos levantar algumas hipóteses sobre por quê. Lembremos de que foi solicitado à paciente que fizesse um comentário sobre o texto lido. Para quem? Com que finalidade? Em que esfera de atividade humana estaria inserido tal comentário? O recorte a seguir nos traz algumas respostas: (a pesquisadora pergunta, na seqüência do fragmento anterior) (35) Pesquisadora: deixa eu te fazer uma pergunta Regina... ela fez/ela escreveu né: ela escreveu e desenhou você é: tem que intervenção nessa hora? você também comenta em cima do texto dela: não comenta... qual foi/ você tem uma lembrança de qual foi: (36) Regina: eu comentava os textos... eu comentava: eu pedi para ela ler o texto e às vezes quando ela observava falha eu dizia: ah:: ela observava às vezes alguma falha também... (37) Pesquisadora: Hum hum:: aí o comentário ia nesse sentido? (38) Regina: o comentário ia nesse sentido e ia no tratamento do erro né: como podia tratar que outro jeito ela tinha pra escrever aquela palavra...- - eu tenho mais/ mas ta tudo solto realmente ((procurando mais material de Carla)) esse aqui olha foi também um das primeiras sessões... vinte e dois do quatro de dois mil...- - A expositora explicita que sua devolutiva, isto é, sua resposta ao enunciado de sua paciente, vai em direção à abordagem do erro, reeditando assim uma prática escolar bastante conhecida. Ora, foi exatamente a esfera escolar que encaminhou a criança para um trabalho específico. E, provavelmente, nessa esfera, Carla tenha experimentado a sensação de fracasso citada anteriormente. Da mesma forma que a terapeuta reedita uma das práticas escolares, é assim que a paciente a percebe, entendendo então a escrita do comentário como mais um pretexto (também) para que seus erros sejam apontados. Compreende-se aí a resposta de Carla ao pedido da terapeuta: estava cansada porque já havia escrito MUIto na escola... Não havia mais espaço para o mesmo e a resistência de Carla talvez seja uma tentativa de comunicar essa saturação para sua terapeuta. Bakhtin (1929:112) nos diz que: (...) vemos a ‘ cidade e o mundo’ através do prisma do meio social concreto que nos engloba. [E] na maior parte dos casos, é preciso supor além disso um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral e do nosso direito. Embora estejamos, na Fonoaudiologia, num momento propício a novas reflexões, acreditamos que a prática fonoaudiológica ainda oscila entre novos paradigmas e seu discurso fundante mais arraigado: o da eliminação de erros da linguagem. Esse discurso data das primeiras práticas consideradas como precursoras da Fonoaudiologia. A configuração do profissional que trataria dos distúrbios da comunicação e o perfil do portador desses distúrbios estruturaram-se, como vimos, a partir de ideais de uniformização da língua do Movimento Nacionalista e de concepções da Saúde Escolar e da Escola Nova. Segundo Figueiredo Neto (1988), as deficiências deveriam ser eliminadas para que a língua pátria não fosse maculada. Estava instaurado o preconceito lingüístico55, ainda hoje fruto de debates e denúncias. A eliminação das deficiências não se efetivou, como se supunha, através de programas oficiais e sim pela determinação de um profissional especializado que se responsabilizasse pela re-educação (Figueiredo Neto, 1988: 78). Esse profissional, inicialmente, foi o próprio educador, que, aos poucos, ganhando novos conhecimentos e especializações nas áreas médica e lingüística, transformou-se em fonoaudiólogo. Vale salientar que o primeiro curso de Fonoaudiologia do Brasil, na Universidade de São Paulo, na década de sessenta, tinha a exigência de que os alunos tivessem formação anterior ligada ao Magistério, associando-se inevitavelmente a atividade do fonoaudiólogo à área educacional. Embora seja voz corrente entre os fonoaudiólogos, na atualidade, que sua atividade não é pedagógica e sim terapêutica, suas ações, no tocante ao trabalho com a linguagem, ainda denunciam esse horizonte social. Voltemos ao relato da expositora. Por várias vezes, no decorrer de sua exposição, ela fala que solicitava à Carla que escrevesse o que quisesse, o que tivesse vontade. Eis o que aconteceu: (89) Regina: ela falava disso [dos livros que ela queria copiar] ( ) eu queria dizer pra ela que não era aquilo que eu tava querendo fazer com ela...eu queria que ela escrevesse o que tava passando na cabeça dela... as idéias que a gente tava conversando e que era a partir daquele momento que a gente podia estar escrevendo alguma coisa... eu queria a escrita espontânea dela...não queria cópia mas ela tinha um hábito/ ela trazia/ uma vez ela trouxe pra fazer lição na sessão... foi difícil ela trouxe e ficou na minha frente e ficou fazendo... eu disse eu acho que eu não tenho nenhuma função aqui: você pode voltar para sua casa e fazer lição porque eu não vou fazer lição com você... eu acho que é outra coisa... ela ficou com muita raiva... aí uma hora ela pára/ aí ela guardou: aí ela ficou: dando a entender que ali não era lugar de fazer lição de casa eu não era professora particular dela como ela tinha dito mas a outra fazia lição comigo... 55 É do diretor do Laboratório de Fonética e Acústica, dr. João Lellis Cardoso, o depoimento sobre aquela época: ‘Fizeram um levantamento em todos os parques infantis, umas 50 mil crianças mais ou menos (...) Descobriu-se que as crianças dos Parques Infantis e das escolas eram uma calamidade, falavam tudo errado, não cantarolavam, não sabiam nada”. ( Figueiredo Netto, 1988: 82) Escrever o que tivesse vontade... e aí apareceu a lição de casa. Se era para escrever o que tivesse na cabeça e se parecia à Carla ser aquele espaço uma re-edição do escolar, por que não? Mas a terapeuta insiste em demarcar território, com um discurso autoritário que invalida a possibilidade de interlocução, embora Carla tenha arriscado uma insistência: mas a outra fazia lição comigo... Interessante notar como a conjunção mas aí funciona como um marcador conversacional que procura re-ordenar o dito (ou o interditado) num outro ponto de vista (Marcuschi, 1986). Uma nova tentativa de se fazer escutar. No entanto, no cruzamento de vozes que ecoavam naquele espaço terapêutico, a que se sobressaiu para a terapeuta/expositora foi a da outra, a psicopedagoga, que fez um trabalho anterior com a criança. Essa é a hipótese que a pesquisadora parece ter levantado, no momento da interação, na medida em que busca sua confirmação, na seqüência do diálogo, como podemos observar no seguinte fragmento: (180) Pesquisadora: na verdade: nessa situação -- vê se é isso -- você respondeu à/ao trabalho dessa psicopedagoga e não a uma solicitação que ela tava fazendo.. pode ser isso? (( silêncio)) (181) Pesquisadora : você lembrou: (182) Regina: (SI) (183) Pesquisadora: da psicopedagoga... (184) Regina: é... eu lembrei agora... e também quando ela me trouxe/ ela dizia assim por que você não vai comigo? isso foi um diálogo que eu tive com ela... porque eu sou: eu eu não sou: a outra fazia... a outra era a psicopedagoga que eu nunca/ não lembro do nome...não sei se eu anotei alguma vez esse nome e essa outra fazia... ela brigava comigo...ela brigou e eu dizia mas aqui é um lugar onde a gente vai trabalhar algumas dificuldades em relação à sua escrita e algumas dificuldades que você tenha outras... a gente vai fazer/ a gente pode escrever: a gente pode fazer jogos: a gente pode fazer muitas coisas... mas a gente não vai fazer a sua lição aqui... era catecismo tudo/ nada... ela trouxe outras coisas que não tinha assim né... ela trouxe coisas de:/ brigava comigo porque eu não fazia e no fim ela parou... (185) Pesquisadora: ela trazia coisas de: da escola em geral e: (186) Regina: da escola e de outras situações... a lição de catecismo/sei lá o que ela tinha que fazer ela queria usar a hora da sessão pra fazer... eu sempre me coloquei na outra posição: na posição mesmo de que ali não era um espaço para ela fazer digamos... tarefa de outro lugar... ... porque eu sou: eu eu não sou: Uma hesitação que parece denotar uma reformulação que, no entanto, não se concretiza, não se torna substantiva. Carla levava lição de casa para a terapia fonoaudiológica e também outros temas de sua vida. Como o catecismo. Mas se ali não era o lugar e se a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua (Bakhtin, 1952-53: 282) que trabalho de linguagem sobrava para ser feito? Nesta perspectiva, é possível de se compreender por que a terapeuta/expositora suspendeu o trabalho com a escrita. (91) Regina: a outra psicopedagoga que ela/ -- eu não sei: eu não sei nem quem é mas foi alguém que trabalhou com ela que a mãe me falou que era psicopedagoga que fazia lição de casa com ela – então: foi muito difícil ela mudar é: um pouco a estratégia e saber que ali era um outro lugar de trabalhar as dificuldades dela e ela dizia não preciso mais vir aqui, não tenho mais nenhum problema... às vezes ela era muito dura... às vezes ela me atacava me batia mesmo era muito agressiva ...tinha que dar uma contida legal... por isso que eu tive que parar realmente o tratamento/ o trabalho com a escrita por um tempo porque ela foi ficando... a mãe também tava:-- coincidentemente ou não-- a mãe tava fechando uma firma... tava na lua de nervosismo chegou comigo eu fiz umas sessões com a mãe até disse olha o que ta acontecendo que a Carla ta numa agressividade total e a mãe ficava a sessão INTEIRA esperando... Na tentativa de se distanciar do pedagógico, que parecia estar ameaçando seu trabalho terapêutico, a expositora busca, então, dar a contida legal, isto é, trabalhar a questão emocional. O distanciamento do pedagógico leva também ao distanciamento do trabalho com a linguagem. Vejamos outros enunciados: (101) Regina: (...) o que eu posso pensar desse caso é que essa rejeição com relação à escrita me parece:-- acho que até fundamentada um pouco na psicanálise-- que tem uma relação muito estreita com o conhecimento da mãe com a relação com a mãe... aquela coisa assim de: foi muito muito forte isso pra mim: nesse caso... se você for buscar/ se você for um pouquinho atrás... -- eu não sei qual a experiência que vocês têm também no trabalho com os pais -- mas esse caso foi muito muito muito:: eu acho que ela tinha um potencial para melhorar mas ela tinha um bloqueio e esse bloqueio tinha de ser trabalhado... e eu até cheguei a pensar em ficar realmente trabalhando com ela na parte que eu tinha pensado:no emocional e encaminhar/ quase que eu te encaminhei [dirigindo-se à pesquisadora] esse caso... pra escrita... (102) Leila: mas a mãe te procurou como fono... (103) Regina: exatamente... mas ela sabia que eu sou fono e psicóloga... eu me apresento como fono e psicóloga.... (104) Pesquisadora: eu acho que a gente pode abrir agora... até porque todo mundo ta falando... uma discussão interessante né... certamente com essa brecha que você ta dando aí: quase que encaminhei pra você... bom: estamos na mesma condição de fonoaudiólogas né: de fonoaudiólogas e terapeutas e de repente você percebe nesse caso -só to retomando o que você ta falando pra gente pensar que eu quero escutar todo mundo falar disso -- e aí você percebe nesse caso que tinha uma questão emocional e meio que: suspende a linguagem... vê se eu fiz uma leitura correta do que você falou... suspende a linguagem pra trabalhar o emocional...é isso ou não? (105) Regina: mas não a linguagem... a escrita... (106) Pesquisadora: a escrita... (107) Regina: a linguagem né:: (108) Pesquisadora: ta/ que você retomava muito dentro de uma linha de interpretação... (109) Regina: de interpretação... sempre interpretava (110) Pesquisadora: tudo o que ela tava colocando: você fazia uma interpretação... (111) Regina: desenho: escrita: tudo... (112) Pesquisadora: psicanalítica? (113) Regina: sim.... Como vimos no capítulo 2, Cunha (1997) faz um convite aos fonoaudiólogos para que escutem seus pacientes com duas orelhas: uma para os sintomas em sua especificidade e outra para os conteúdos latentes. O que observamos aqui, no entanto, parece apontar para uma dificuldade de se realizar um trabalho que considere efetivamente os dois aspectos. Na exposição de Regina, parece haver um conflito em se realizar uma escuta fonoaudiológica diferenciada, em que se considere a relação do discurso com o psiquismo, associada ao trabalho com a linguagem que, como vimos, aproxima-se do característico da clínica fonoaudiológica tradicional, a clínica da objetividade. Na falta de novos paradigmas que sustentem o trabalho fonoaudiológico com a linguagem, Regina opta por suspendê-lo, assumindo seu papel de psicanalista. A dúvida de Leila sobre seu fazer fonoaudiológico e a decisão de Regina em abandoná-lo parece-nos ser indícios da existência de um vácuo no trabalho com a linguagem. Por muitas vezes, os profissionais questionam se eles estão ou não sendo fonoaudiólogos. E, invariavelmente, a dúvida surge quando se procura aprofundar o trabalho com a linguagem. 6.1.3. Rita e o atendimento de uma criança com atraso de linguagem O quarto encontro – a terceira exposição oral – ficou sob a responsabilidade de Rita, fonoaudióloga atuante há cinco anos na área terapêutica e com experiência docente também na área de clínica de linguagem. Como já dissemos anteriormente, a presente situação discursiva também apresentou configuração inédita: Rita, sentada sozinha num dos sofás, Carmen e Heloísa sentadas no outro. Notamos que as posições escolhidas no primeiro dia mantiveram-se quase que inalteradas ao longo dos encontros, com exceção do dia em que cada participante fazia sua apresentação. Nessa situação, observamos que seu lugar ficava reservado no sofá no qual sentou-se o primeiro expositor. Este sofá tornou-se uma espécie de parlatório. Dos três participantes presentes neste encontro, apenas Carmen não estava no anterior. Regina, por sua vez, que havia apresentado seu caso nesse encontro, não compareceu aos posteriores. Ela justificou à pesquisadora motivos particulares para essa ausência. Rita trouxe apontamentos de sessões que serviriam de base para sua exposição, mas pouco os utilizou. Sua exposição teve características de relato oral, tal qual as anteriores já analisadas. Seus enunciados foram longos, pouquíssimo interrompidos pelas outras participantes, que fizeram intervenções mais de ordem de esclarecimento que de discordâncias ou complementações. O caso apresentado foi o de um menino, de três anos e dez meses (idade do início do processo terapêutico), levado à terapia fonoaudiológica por não estar desenvolvendo a linguagem. Segundo Rita, inicialmente, ele apenas fazia gestos indicativos daquilo que queria obter, prontamente atendido por seus familiares. O início do processo terapêutico foi marcado por brincadeiras motoras de encaixe, de formar torres com materiais diversos e o preferido pela criança era o lego56. Com poucas sessões de terapia, é assim que Rita descreve seu trabalho: (1) Rita: então ele ia fazendo vocalizações muito próximas do que a gente estava falando... a gente montava: e ele escolhia/sabe aqueles baldes de lego? Tinha os robozinhos:os jacarezinhos: e eu montava e ele ia me dando as pecinhas de cor igual pra eu ir montando aí ele destruía...aí eu ia jogando no balde e ia falando cesta... e ele eta e eu falando cesta e ele eta e a gente ia jogando e era uma maravilha... É interessante observar que, ainda que a expositora não faça menção a um trabalho numa perspectiva cognitiva, fazer a alusão ao fato de que o menino lhe dava as peças de cor igual é herança de uma visão interacionista piagetiana no trabalho terapêutico fonoaudiológico. Ecos dessa abordagem, em que se preze a hierarquização das estruturas cognitivas, aparecem na exposição de Rita, quando diz: (3) (...) e aí um dia ele pegou um carrinho e eu abri um jogo que tinha um tabuleiro e a gente brincava de passar o carrinho por baixo do 56 Lego, brinquedo conhecido mundialmente, é formado por um conjunto de peças variadas em cor, tamanho e forma, com um sistema próprio de encaixe que permite construções diversas. Normalmente, cada caixa de lego traz uma série de sugestões de objetos que podem ser construídos, mas as possibilidades são infinitas. tabuleiro como se fosse um túnel e aí ele queria ele passar por debaixo do tabuleiro como se fosse um túnel...só que o tabuleiro era desse tamanhinho ((mostra o tamanho com as mãos)) e aí começou a simbolizar um pouco mais e não ser só mais montar e desmontar o tempo todo... (13) (...) ele nunca pediu pra levar a gravata que a gente brincava...nada disso...dentro do que a gente fazia de mais simbólico ele não queria levar...era sempre os brinquedos mais concretos...da parte mais inicial da terapia... A idéia de se iniciar o trabalho pelo concreto para depois encaminhar-se para o simbólico traz a reboque uma das principais prerrogativas do pensamento piagetiano, qual seja, a de que todo o início do desenvolvimento cognitivo está relacionado às ações da criança. Para Piaget, o mesmo aconteceria com a linguagem. Longe de transmitir o pensamento, a linguagem da criança estaria, primeiramente, mais relacionada a modos de agir particulares (1923: 30). Numa terapia fonoaudiológica, isso se traduz no uso da linguagem como descrição da ação infantil. A linguagem aqui também é deslocada para um segundo plano. Ainda que a criança fale, como é o caso citado no fragmento (1), tal participação infantil na interlocução é tomada como imitação, sem a qual, admite Piaget (1923), a criança não aprenderia nunca a falar. O trabalho terapêutico parece incidir sobre a ação da criança, na medida em que a brincadeira se repete sempre do mesmo modo, com as mesmas verbalizações, até que um dia ela (criança) mude o seu foco de atenção. Em outras palavras, espera-se das descobertas da criança em interações que estabelece com o meio físico o seu desenvolvimento intelectual e lingüístico. Só a partir desse momento, a terapeuta mostra uma outra postura em relação à linguagem da criança e ao que pode ser construído nas interlocuções que surgem no decorrer do processo terapêutico. Vejamos o que Rita fala sobre esse momento terapêutico: (3) (...) e aí começou a simbolizar um pouco mais e não ser só mais montar e desmontar o tempo todo...e as brincadeiras começaram a ser muito mais interessantes...até eu também comecei a me divertir muito mais com o atendimento também... -- eu queria lembrar qual foi a brincadeira mais simbólica ((olha o material que trouxe para a apresentação)) – ele tinha uma hipotonia mas não era isso que caracterizava o seu atraso de linguagem...mas eu queria mexer na boca dele e ele não deixava de jeito nenhum... aí um dia ele chegou: ele abriu o armário: tinha dois telefones de plástico...tirou tudo o que tinha lá dentro: um monte de jogos e brinquedos: e aí ele entrou lá dentro e fechava feta tia feta...aí eu fechava o armário: ele ficava com um telefone lá dentro e eu com um fora.. aí eu eu vou telefonar... aí eu fazia o barulho trimm:: aí ele quem é? Aí eu é a tia... não é... aí ele abria a porta e dizia: é a médica... aí eu dizia: é a médica... e aí ele dizia como que tinha de ser a brincadeira... e aí a gente criou uma brincadeira que durou uns dois meses... Quando a expositora procura em seu material um exemplo mais explícito de brincadeira simbólica da criança, depara-se com um outro dado que julga importante mencionar: a criança tinha hipotonia dos órgãos da fala e, embora para a terapeuta isso não caracterizasse seu atraso de linguagem, parecia ser imprescindível o trabalho pontual com esse aspecto. Esse dado, no entanto, está relacionado à outra base teórica de forte influência no trabalho terapêutico da clínica da objetividade, como vimos em capítulo anterior. Falar (e falar bem) dependeria também da adequação funcional de lábios, língua, bochechas, pálato. A possibilidade de a criança abrir espaço para uma brincadeira mais simbólica configurou-se para a terapeuta também como uma possibilidade de intervir com o trabalho específico de motricidade oral. (3) (...) e me telefonava e dizia eu to doente...daquele jeito embolado que ele falava... aí eu dizia:eu to indo... aí eu fazia barulho de ambulância e tava chegando...aí eu abria o armário: aí dava pra pegar a espátula: o vibrador: e fazer alguma coisa na boca dele e ele curtia...era o único jeito de mexer na boca dele porque se saísse do armário não podia mexer na boca dele... Por mais que o aspecto miofuncional não fosse determinante nas dificuldades de linguagem, ele esteve no horizonte do trabalho desenvolvido pela terapeuta. É interessante observar que não há menções da expositora quanto aos possíveis temas que estavam em circulação no decorrer das sessões fonoaudiológicas. Sabemos que a brincadeira do armário durou por volta de dois meses e, segundo a expositora, sempre do mesmo jeito no início das sessões. Quando, num primeiro momento, nessa brincadeira, a terapeuta referiu-se a si mesma como é a tia, nota-se que a criança a corrige dizendo não é, é a médica. Havia, portanto, por parte daquela criança de três anos e dez meses, o discernimento de alguns papéis sociais e suas possíveis hierarquias dentro de contextos específicos. No instante dessa brincadeira, a terapeuta não era mais a tia, aquela com quem ela estabelecia uma tal relação a ponto de sentir-se segura, por exemplo, em dizer que não era para mexer em sua boca. A terapeuta era a médica, essa sim, com autoridade de tocar a região inicialmente proibida. Havia, então, a circulação de significados diversos e uma possibilidade de construção de outros novos, levando-se em conta o horizonte social dessa criança. Lembrando Vygotsky (1934), interação social e criação de significados são indissociáveis na emergência e desenvolvimento da linguagem. Mas, para isso, a criança tem de ser tomada como ser histórico, como parte de um todo social. Assim como sua atividade também o deve ser, na medida em que põe à mostra a capacidade da criança de reorganizar o que lhe é dado, transformando a realidade a partir de um movimento em que a ação e pensamento estão fundidos. Aquilo que, na brincadeira de médico no armário, poderia significar efetivamente um trabalho de linguagem, ficou reduzido à condição única de manipulação dos órgãos de fala da criança. No decorrer do processo terapêutico, outras situações discursivas surgiram apresentadas pela expositora como novas brincadeiras que a criança criava a partir de materiais presentes na sala de terapia. (5) Rita: (...) como começou isso [a brincadeira do pai que lutava contra o lobo mau para defender sua filha] eu não me lembro...mas que ele era meu pai foi ele que falou né: mas como começou eu não me lembro... ele era meu pai e eu a filha dele... aí tinha o lobo mau e ele lutava com o lobo mau e eu dizia ai pai to com medo... e ele calma minha filha e ele vinha e beijava minha testa e aí rolava no chão: lutava como um verdadeiro Jaspion57 e depois o lobo ia embora... 57 Jaspion: personagem de seriado infantil japonês. Trata-se de um guerreiro futurista que luta contra o mal. (17) Rita: (...) depois desse período [período em que ele só saía da sala de terapia se levasse algo de lá consigo] ele subia em cima da mesa e ficava procurando estação no rádio e ficava dançando e pegava na gaveta papel e ficava fazendo minhoca... era minhoca pai: minhoca mãe: minhoca tia: minhoca Bel – que é a irmã dele – e não tinha minhoca Pedro... ele dizia que não era minhoca... todo mundo era minhoca e ele depois pegava o papel e picava tudo.. aí eu peraí...antes de você desfazer a minhoca:vamos brincar... a minhoca Marcel – que é o primo dele – brincava com a minhoca tia e aí ele ficava bravo: a minhoca Marcel não vai brincar... aí eu falava então a minhoca da tia vai brincar com a minhoca da Bel... e aí até que ele se fez minhoca também e ele entrou como minhoca e se colocou no meio que ele tinha se excluído que era todo mundo que ele tinha contato... e nessa época que ele começou a sentar na mesa e a brincar comigo na mesa: ele já saía mais tranqüilo... É interessante notar que a expositora, durante sua apresentação para o grupo, compara o garoto e sua forma de lutar a Jaspion, personagem de desenho infantil. Pouco sabemos, entretanto, se essa comparação foi feita ao próprio garoto ou, ainda, se houve referência a outros lobos maus que circulam no universo da literatura infantil, o que seria uma forma de introduzir aspectos da cultura infantil no trabalho terapêutico com a linguagem. Somente a partir da entrada da criança na esfera da cultura humana é que se pode esperar que ela saiba lidar com o discurso. Pelo que foi explicitado na exposição oral do caso, a terapia era conduzida de uma mesma forma: novas situações, sempre introduzidas pela criança e assumidas pela terapeuta, que participava de acordo com o papel que lhe era atribuído. O que se construía em termos de linguagem, durante as sessões, girava em torno exclusivamente da situação em si, sem referências a outros contextos, a outros possíveis significados, à construção de novos conhecimentos. Aquilo que o garoto trazia como pertencente à sua cultura era sim acolhido pela terapeuta, mas descaracterizado como tal, na medida em que o olhar da terapeuta voltava-se para aspectos pontuais da fala da criança. Vejamos o seguinte fragmento do seu depoimento: (23) Rita: na brincadeira eu era participante mesmo... eu participava e em alguns momentos:depois de um tempo: quando ele já tinha condições de perceber até a questão a de fala dele:eu ia apontando algumas coisas pra ele mas eram pontuações assim...que eu não cortava muito a situação da brincadeira: por exemplo: na do médico dava pra falar nossa o senhor está muito doente mesmo...o senhor falou médito... não é médito... aí eu já ia com a espátula58 e é médico... aí ele fala médico e ai eu ia tentando por coisas na brincadeira e eu brincava muito com ele... era uma coisa de estar ali... ao mesmo tempo em que eu ia interagindo eu prestava atenção em como estava a linguagem dele/ a fala é:: eu participava de me esconder no chão: de ficar com medo e aí ele falava calma filha calma... ai pai: to com medo... é um monstro... aí ele pedia silêncio e ia lá: lutava de novo e voltava e me agradava: eu participava junto da dramatização que ele fazia tanto no médico como nas minhocas... eu intervinha de questionar: por que que ele não era minhoca:: então as minhocas iam brincar: por que que as minhocas só iam existir e deixar de existir... então assim de mostrar que de repente ele podia ter uma função: que todos os membros: pai:mãe:primo: irmã: eu: que ele conhecia estavam ali e ele não... e depois ele querer estar junto porque as minhocas brincavam e podia ser interessante que saísse daí... acho que em alguns momentos eu questionava um pouco se ele não ia se colocar como minhoca por exemplo... que música que ele gostava;quando ele ia mudando música...nas músicas deu pra trabalhar bastante a parte articulatória: porque ele cantava umas coisas que eu você não cantou isso... tal: e aí ele ia procurar e aí acabava a música... ele não queria por CD até porque os CDs que eu tinha eram muitos chatos e ele era muito moderninho para os CDs que tinham lá...então ele queria ir procurando outras músicas e ia cantando e a gente ia trabalhando bastante a articulação nas músicas que ele ia cantando... Assim como no depoimento anterior, o paciente traz para o contexto terapêutico temas que lhe são significativos no cotidiano. Enquanto Regina assume uma postura de recusar-se a fazer o que sua paciente desejava, porque ali não era o espaço – conforme discutido anteriormente –, Rita incorpora o que seu paciente tem a dizer. Em suas palavras, seu trabalho era o de estar ali, interagindo ao mesmo tempo em que prestava atenção em como estava sua linguagem. Embora aparentemente distintas em suas posturas, embora observemos esforços em se distanciarem de um trabalho fonoaudiológico 58 Uma das técnicas de produção do fonema /t/, muito difundida na prática fonoaudiológica, consiste em segurar a ponta da língua no assoalho da boca, com o auxílio de uma espátula, no momento em que o paciente emite esse fonema em substituição ao fonema /k/. Com a ponta da língua presa, o que se movimenta em elevação é o dorso da língua: em lugar da emissão de /t/ temos então /k/. Aos poucos a criança vai automatizando essa produção. tradicional, quando o foco recai sobre a linguagem, o que vemos em ambas é ainda uma reedição das prerrogativas do trabalho que nos parece ser o mais conhecido, o mais arraigado, aquele realizado na clínica da objetividade. Um último fragmento do depoimento de Rita ilustra essa constatação. (17) (...) e nessa época que ele começou a sentar na mesa e a brincar comigo na mesa: ele já saía mais tranqüilo: foi algo meio gradual... às vezes ele pedia para levar alguma coisa...mas não fazia tanto show...aí coincidiu com os sintomas de linguagem dele foram/ele chegou não falando nada: só apontando mesmo... aí começou a produzir mais anteriores...os posteriores: ficou mais para o final mesmo: eu não trabalhei isso diretamente... Falar da linguagem, dos sintomas que foram desaparecendo, é ainda falar de fonemas adquiridos. Curiosa e compreensível (provocativa?) é a pergunta de Heloísa, ao final da apresentação de Rita: por que você avaliou como atraso de linguagem e não como distúrbio articulatório? 6.1.4. Carmen e seu trabalho terapêutico numa instituição educacional Carmen foi a quarta integrante do grupo a fazer sua exposição oral. Foi a mais longa apresentação e também a mais interrompida por intervenções diversas dos outros dois participantes, Leila e Heloisa. Entendemos que tais intervenções resultaram do andamento dos encontros de forma geral. Talvez movida pela tendência observada de as expositoras não caracterizarem seus depoimentos como elocuções formais, Carmen também não trouxe material previamente elaborado, valendo-se igualmente da memória para relatar seu caso. Além disso, Carmen, Leila e Heloisa foram os sujeitos de pesquisa que compareceram a um maior número de encontros e que se identificavam por terem menos tempo de formadas e de experiência profissional. A familiaridade e cumplicidade entre elas garantiram certa informalidade no encontro. A apresentação de Carmen abriu três frentes de discussão: uma relacionada ao conceito de limitrofia (diagnóstico dado ao seu paciente), outra voltada para os procedimentos da instituição em que trabalha e a última ligada aos procedimentos terapêuticos utilizados por Carmen na condução do caso. Houve muitos questionamentos quanto às duas primeiras frentes de discussão aqui mencionadas, por existir, entre os ouvintes, desconhecimento e discordâncias quanto a determinados aspectos do trabalho desenvolvido na instituição. Optamos por centrar nossa análise em sua conduta terapêutica, por entendermos que abarcar integralmente os outros dois temas desviaria nosso foco de atenção. Carmen trouxe a história de Carlos, um jovem de vinte anos que ingressou na Instituição Rio Grande, que oferece apoio multidisciplinar a jovens limítrofes, por não conseguir concluir a educação formal em instituições educacionais comuns. Carlos chegou a cursar até a oitava série, mas sem demonstrar assimilação de conteúdos. Era um garoto agitado, sem capacidade de concentração e também muito agressivo. Quando pequeno, sua mãe o abandonara deixando-o aos cuidados do pai, que se casou novamente. Desde então, foi sua avó paterna que assumiu sua criação. Quando o pai conheceu o Instituto Rio Grande, Carlos já tinha dezessete anos e uma história de uso de remédios como Tegretol e Gardenal para baixar a ansiedade. Carmen entrou em contato com Carlos já no seu terceiro ano de Instituto. Ele já estava, nessa época, com uma maior estabilidade emocional e com perspectivas de fazer supletivo para assegurar o ensino fundamental. Os profissionais do Instituto dariam o suporte técnico para que Carlos conseguisse acompanhar as aulas do supletivo. (23) Carmen: (...) então o Carlos ia de segunda:: de terça quarta e quinta pro Rio Grande... terça quarta e quinta: e ainda saía mais cedo... eu comecei a ver o Carlos só na quarta... e mesmo assim ele estava sempre no corre corre por causa do supletivo pra tentar acompanhar... prova trabalho tudo ele precisava da gente...e: e ele tinha bastante dificuldade de organização... do pensamento: da fala... é:: de tudo ele tinha dificuldade de organizar... ele era uma criança agitada: um jovem que falava TUdo que vinha na cabeça...não interessa assim se era hora... se era para a pessoa certa... era imaturo e:: Nesse momento, Carmen foi interrompida por Heloisa que a questionou sobre o conceito de limitrofia. Assumindo a voz da instituição em que trabalha, ela diz que limitrofia é um estado do ser, um estado de viver na imaginação sem conseguir concretizá-la na realidade. Como dissemos anteriormente, tal definição gerou muitos questionamentos e Carmen procurou, ao longo de sua exposição, retomá-la, sempre tendo como parâmetro a voz institucional. Sobre Carlos, ela diz: (38) Carmen: o que ele criou...o que ele inventou...seria isso...então o Carlos ele imagina bastante... ele inventa...só que ele não consegue organizar e codificar isso no papel... (39) Pesquisadora: e nem na oralidade: (40) Carmen: e nem na oralidade... (41) Heloisa: então como é que você sabe que ele imagina tudo isso se nem na oralidade e nem no papel:: como ele tem/como você vê: (42) Carmen: então...porque/pelas atitudes dele...então: assim... só mais um dado do Carlos antes de situar...colocar uma situação da história...ele adora desenhar... e ele desenha muito bem -- pena que eu precisei deixar no Rio Grande essa papelada porque ele está internado atualmente -- então eu não pude trazer pra mostrar...o Carlos... ele por desenhar ele traz tudo...e até na fala se você deixar solto vem... no teatro ele representa:: ele vive o personagem... (43) Leila: quando você fala deixar solto vem... como assim? o que vem? (44) Carmen: vem assim é: uma fala desconexa... mas do que ta/você vê que é o Carlos... então ele vem de repente/vou por uma situação ( ) (45) Leila: Dá exemplo::que fica mais fácil (46) Carmen: que é mais fácil...ele bateu: entrou na sala: oi...entrou: sentou: sabe o que que é? me roubaram cinco reais da minha carteira...daí eu falei: ta:: e aí:: então me roubaram cinco reais da minha carteira...você tem dinheiro pra voltar Carlos: pra casa? Tenho... então: e nisso todo mundo que estava na sala -- porque eu trabalho em grupos -- todo mundo que estava na sala parou:: porque a gente estava fazendo ( ) e ele vem com essa fala...aí dessa vez eu saí da sala: falei espera só um pouquinho: é isso realmente que você quer dizer Carlos? Ele falou é...então espera aí... aí eu fui e fiz uma dramatização com eles que estavam na sala mas com outra coisa...eu bati na porta e falei assim...putz esqueci meu celular...e fiquei parada olhando...ele começou a rir... e aí ele pegou e falou assim: entendi...aí eu falei o que você queria dizer Carlos? Era que roubaram:: seu dinheiro ou que você não está com dinheiro e queria dinheiro emprestado pra outra coisa:: aí ele parou e falou sabe o que que é:: é que eu queria na verdade: eu vou ter que pagar: não lembro o que que era se era outro ônibus que ele ia ter que pegar: (54) Carmen: ele não foi roubado... ele veio sozinho... mas aí é que está a imaginação e o:: a criatividade e a coisa deles... ele queria ir comprar outra coisa no caminho ou pegar o ônibus mais longo que custava mais pra chegar mais rápido... e ele inventou a história de terem roubado pra pegar o dinheiro... Carmen desenvolve seu trabalho com grupos de alunos do Instituto. Conforme seu relato, nessa instituição, não há obrigatoriedade dos adolescentes freqüentarem todos os dias os trabalhos a eles destinados. Eles freqüentam quando querem. Isso faz com que alguns não obedeçam sequer os horários certos de cada atividade, que foi o que ocorreu na situação acima trazida por Carmen. Aquilo que seria um exemplo de fala desconexa, de pura imaginação, sintetizado no fragmento (54), confundiu ainda mais as outras participantes do grupo. A fala de Leila retrata essa afirmação: (55) Leila: agora pra mim ficou confuso quando você conta isso... é:: acredito que você tenha é:: outras vivênci/outras ocorrências com ele: é:: em outras situações outros contextos que fez você pensar automaticamente que na hora em que ele foi roubado: ele estava simulando... não simulando: ele estava trazendo isso...que quando você conta: me faz pensar assim é:: como uma pessoa normal que chega e fala assim: fui roubado e fala tipo ao invés de e aí? tipo assim: aonde? Como? Que que te levaram? Como você tá? Então assim:: se você está nesse caminho já é:: não sei é complicado... O que nos parece que Leila reclama é a necessidade de acabamento do enunciado. Ao falar da existência de outras vivências, Leila procura crer que enunciados anteriores dariam conta a ambos os interlocutores, nessa situação, de compreenderem os sentidos aí construídos. Só isso, para ela, daria sentido ao enunciado inicial de Carmen - tá: e aí? - em resposta ao de Carlos, porque, como ela mesma diz em seguida: (57) quando você fala e aí:: você fecha...tipo assim se eu falo pra você to super triste... hahan... se eu ia contar que estou triste por alguma coisa eu acabo me fechando... aí estou dizendo isso que você já deve ter tido outras ocorrências já pra tomar esse caminho...pra tomar essa atitude... O que Leila busca compreender é o que Bakhtin nos aponta, como vimos anteriormente, como o critério mais importante para o acabamento do enunciado: a possibilidade de responder. A resposta tá: e aí? não parece aos olhos de outros interlocutores dar um tratamento exaustivo ao tema de modo a fazer com que o diálogo prossiga. O que Leila aponta, na ausência de enunciados anteriores que sustentem o atual, é um certo descuido de Carmen em sua elaboração na presente situação discursiva. Ela se justifica dizendo: (62) o limítrofe ele:: se ele imaginar e não conseguir concretizar o que ele imaginou...ele traz uma história muito longa... muitas vezes... e ele vem te contar:: e fala e fala e é aquela coisa de rodear rodear rodear rodear pra conseguir um fim... e muitas vezes eles não sabem o fim que eles querem ter... O que nos faz supor que, na dada situação discursiva, Carmen dialogou com a voz institucional a respeito dos limítrofes em geral. A sua dramatização, citada no fragmento (46), a princípio não é o que facilita e organiza os enunciados posteriores de Carlos. Ela, inclusive, parece-nos muito similar ao que ele traz inicialmente. Carmen sai da sala, bate na porta e diz putz esqueci meu celular... Carlos ri, diz que entendeu, mas só explicita o que queria dizer depois das insistentes dúvidas levantadas por Carmen e de sua complementação: o que você queria dizer Carlos? Era que roubaram:: seu dinheiro ou que você não está com dinheiro e queria dinheiro emprestado pra outra coisa... É a insistência de Carmen motivada pela idéia genérica de que todo limítrofe vive na fantasia que leva Carlos à reformulação de seu enunciado inicial, agora muito mais próximo do que Carmen suspeitava (e talvez quisesse ouvir). Vejamos os seguintes fragmentos em que Carmen fala de uma atividade específica no Instituto, denominada vivência: (70) (...) então a gente conta o dia-a-dia: o que aconteceu no dia anterior: como foi o final de semana: alguma coisa que você queira contar: ele chegou nuns momentos da vivência e falou gente::olha: eu preciso falar... Vocês têm que dar muito valor para o Rio Grande...vocês têm que dar muito valor pras coisas que vocês fazem aqui...vocês precisam participar de tudo: (78) (...) era uma fala legal: tinha coerência o que ele estava falando: era importante: mas tava totalmente fora de contexto... Ao ser questionada sobre por que ela considerava esta uma fala fora do contexto, Carmen justifica: (80) porque às vezes ele chegava:: nessa vivência... a gente chega espera bater o sinal:: eles vêm: a gente forma um círculo e aí começa a atividade: o pessoal fala um pouco sobre as coisas que aconteceram no dia anterior: fala um pouco sobre as coisas que estão acontecendo: olha: soltaram uma bomba lá: vocês viram? Pela justificativa dada por Carmen a respeito do enunciado de Carlos estar fora de contexto, entende-se que o esperado pelos coordenadores, na dada atividade, era o relato de fatos que circulavam na mídia e não o relato pessoal de algo que lhe aconteceu. Carlos trazia o tema da discriminação que parecia estar sofrendo em seu cotidiano fora do Instituto Rio Grande, mas isso foi tomado como mais um exemplo de sua dispersão, de sua não adequação à realidade. Assim como no depoimento de Regina, o segundo da nossa série, falar o que se tem vontade é solicitado aos pacientes, sem que haja uma explicitação da situação discursiva instaurada e aquilo que é trazido por eles quase nunca corresponde àquilo que deseja o solicitante, que, por sua vez, não toma atitude responsiva em relação ao que está sendo dito pelos pacientes. A situação instaurada é atravessada pela voz institucional que se sobressai, influenciando na compreensão dos enunciados produzidos por Carlos e mantendo-o na condição de limítrofe. No decorrer de sua exposição, Carmen aponta como uma das maiores dificuldades dos limítrofes com quem trabalha, Carlos inclusive, a compreensão de leituras diversas. Cita trabalhos que realizou com contos de fada, contos de literatura infanto-juvenil e poemas. Sobre esse último, seguem-se os seguintes fragmentos: (113) Carmen: na época das poesias... eu peguei bastante José Paulo Paes...peguei para gostar de ler ((nome de uma coleção de literatura juvenil)) algumas coisas... tinham algumas crônicas mas que abordavam os mesmos temas...tinha algumas poesias que – eu não lembro o livro...você tinha citado um sem ser o José Paulo Paes... eu não me lembro – e aí: a gente sentou e eu comecei a ler o tema que eles queriam... aí comecei a ler José Paulo Paes é: algumas poesias e conforme vinha -- eu não lembro... eu sei que vinha pela música do funk que tava na moda na época – (114) Leila: da popozuda:: (115) Carmen: da popozuda...e aí ele vinha trazia a popozuda: levantava começava a dançar... nisso os outros alunos alguns riam... outros Carlos olha aí:: a Carmen ta querendo falar... Carlos pára presta atenção:: (116) Heloisa: do nada ele começava a cantar ou tinha alguma palavra:: (117) Carmen: a palavra chamava... é que eu não lembro uma palavra específica para poder estar falando... (118) Leila: você diria que nesse momento dispersava ou enriquecia? (119) Carmen: dispersava... ele dispersava todo o pessoal e ele não conseguia se ater ao conteúdo...eu via que muitas vezes:: é:: ele fazia isso porque ficava difícil para ele enfrentar o que estava sendo lido: o tema que estava sendo abordado... Podemos dizer que há, na postura de Carmen, uma preocupação em trabalhar com a linguagem inserida em contextos discursivos específicos. Ela atém-se aos temas (embora possa haver uma equivalência de sua parte entre tema na acepção bakhtiniana e assunto), observa sua recorrência em gêneros discursivos diversos, apresentando diferentes materiais ao grupo, abre espaço para o surgimento da palavra do outro. E é aí que a tentativa da abordagem dialógica fracassa. Na situação citada a partir do fragmento (113), um poema de José Paulo Paes suscita em Carlos a lembrança de uma música funk, presente no universo da maioria dos jovens dessa época. É a palavra de Paes despertando em Carlos a responsabilidade de tomá-la com novos contornos, mais próximos de sua realidade, de sua linguagem, conforme observamos nos fragmentos (116) e (117). A referência à popozuda não vem, no entanto, desvinculada de seu contexto de origem. Assim, Carlos não só se refere à letra da canção como também a canta e dança. Ainda que consideremos inadequada sua colocação (como parece ser a avaliação de Carmen, no fragmento (119)), é a interação e o confronto entre suas palavras e as de outrem que impulsionaria Carlos a continuar presente no fluxo de comunicação verbal (não é esse um de seus principais problemas?). Em lugar de acolher o enunciado de Carlos, Carmen autorizou, com seu silêncio, a ordem a ele dirigida por colegas do grupo (fragmento (115)). Usando as palavras de Bakhtin (1934-35), ao invés da terapeuta/expositora trabalhar no sentido de despertar em Carlos a palavra autônoma, proporcionou sua permanência em uma situação de isolamento e imobilismo. 6.1.5. Heloisa e seu caso de motricidade oral Este foi o último encontro do grupo de pesquisa. Nele, apenas Carmen, Heloisa e Leila compareceram, como no anterior. Heloisa foi a única do grupo que trouxe seu relato previamente elaborado para a exposição e o leu durante todo o encontro, mesmo sob protestos das colegas que lhe pediam para não ler. Heloisa insistiu na leitura, dizendo ter muitos detalhes dos quais não queria esquecer-se. Foram poucos os momentos em que recorreu exclusivamente à memória para esclarecer ou enfatizar um ou outro aspecto do trabalho realizado. A leitura impôs aos participantes uma postura de ouvintes, sendo que as intervenções ocorreram naqueles momentos em que Heloisa a dispensava, para se aprofundar em um determinado aspecto. O caso apresentado despertou o interesse do grupo, por tratar de um assunto típico do universo fonoaudiológico: o atendimento de um paciente com queixas relativas à motricidade oral, isto é, alguém com dificuldades no aparato motor da fala e não de linguagem. Pelo fato de o caso apresentado por Heloisa não estar finalizado no momento da exposição ao grupo, optamos por não inseri-lo na íntegra na análise. Dele, no entanto, selecionamos alguns tópicos, pela riqueza de dados que ele nos traz. Encaminhado por um dentista especialista em cirurgia buco-maxilar para uma avaliação mio-funcional, o paciente trazia queixas relativas a dores de cabeça, dificuldades na mastigação e também na articulação da fala por dores excessivas na articulação têmporo-mandibular e conseqüente afastamento de situações cotidianas de alimentação, por vergonha de estar com uma mastigação tão dificultosa e ruidosa. A diversidade de atuação na área fonoaudiológica se reflete também na elaboração de seu discurso. Para falar de caso tão específico, o expositor utilizase de termos até então inéditos no grupo de pesquisa: (3) Heloisa: na avaliação o resultado é : má oclusão: ela tem classe dois: o molar superior se encontra de topo com o molar inferior: o canino superior também se encontra à frente do canino inferior... toda a arcada superior está além da relação normal: a mandíbula está em posição distal da maxila... desgaste dental do lado esquerdo: principalmente do primeiro molar maxilar esquerdo e dos primeiros molares mandibulares... a dentina do primeiro molar maxilar está totalmente exposta... há um desgaste tão grande que está totalmente exposta: mas ela não tem sensibilidade... os côndilos mandibulares estão simétricos... na face frontal e de perfil a postura facial em repouso é ligeiramente/ tem ligeiro desnivelamento de simetria das rugas da testa: do arqueamento da sobrancelha e do sulco labial... do lado esquerdo: ao levantar as sobrancelhas: a sobrancelha dela não levanta e aqui ((aponta a ruga da testa)) levanta... é totalmente assimétrica... a mandíbula tem desvio lateral esquerdo mínimo e na postura mandibular em repouso... (...) ao apalpar as zonas temporais e dos masseteres encontra-se uma tensão muito grande do lado esquerdo: sendo que a região mais ativa dos masseteres na contração está situada próxima do ângulo mandibular... (7) (...) faz uma deslocação brusca da ATM na mastigação... observei que os músculos da mastigação entraram em espasmos: temporal masseter e pterigoideu medial da abertura ao encerramento da mandíbula... (58) pela ressonância: pelo côndilo ela está há três anos/ fazendo as contas pela eletromiografia: ela ta há três anos tendo desgaste... ela ta com o côndilo: o líquido sinuvial não está nem mais funcionando... Para Heloisa, nada mais natural que uma especificidade tão grande de caso gerasse igualmente uma especificidade de atuação. Assim sendo, esclareceu ao paciente que: (1) (...) a terapia no caso dela ia consistir em exercícios mio-funcionais: que no seu caso a terapia ia consistir basicamente da mesma forma... A preocupação em esclarecer esse aspecto veio do fato de o paciente, já na primeira sessão, dizer que estava na sua terceira tentativa de fazer terapia fonoaudiológica. A desistência das outras duas foi resultado da sensação de invasão e de pouco acolhimento, por se realizar um trabalho exclusivo de engole, abre, mastiga, engole de novo... Mesmo sendo alertado por Heloisa que o trabalho seria basicamente da mesma forma, o paciente se propôs a continuá-lo. As sessões de avaliação aconteceram, segundo o relato da expositora, num ritmo bem lento, pois o paciente sentia mesmo muita dor ao ter de movimentar sua mandíbula, chegando a chorar algumas vezes em determinadas manobras. Ao seu final e com todos os exames e avaliações em mãos, o paciente solicitou à fonoaudióloga/expositora que lhe explicasse todos aqueles nomes complicados. Nesse instante da exposição, Heloisa descreve ao grupo sua sala de terapia, que terá, como veremos, papel fundamental no decorrer desse atendimento. Nela, há dois ambientes quase que distintos. De um lado, uma mesa e duas cadeiras, onde o terapeuta faz a entrevista inicial. De outro, uma bancada com mais duas ou três cadeiras, todas de frente para um espelho disposto na parede, local onde se realizam os exercícios e a avaliação. Passado o momento da entrevista inicial, terapeuta e paciente acomodam-se sempre na bancada para a realização do trabalho. O paciente em questão parece ter entendido muito bem a dinâmica de trabalho, porque, ao término da avaliação e da explicação que lhe foi dada a respeito dos nomes complicados, invariavelmente, nas sessões em que comparecia, antecipava-se à terapeuta, sentando-se na cadeira em frente à mesa. Na primeira delas, ainda chegou a explicitar eu vim aqui hoje para conversar; quando percebeu que a terapeuta não esboçava reação à sua atitude. Nas outras, apenas sentava-se na cadeira, para desespero de Heloisa que se dizia sempre preparada para fazer os exercícios. Nessas sessões, o paciente trouxe histórias de vida, recentes e do passado, que, de alguma forma para ele, relacionavam-se a seu problema. Ali, ele chorou; chegou por vezes atrasado e também bastante adiantado em seu horário de atendimento; determinou ele mesmo o momento de acabar a sessão, em alguns dias, sob a alegação de ter reuniões importantíssimas, e, fundamentalmente, contou casos, falou de seu trabalho, confidenciou detalhes de sua vida familiar. Tudo isso ante a perplexidade de Heloisa que, embora aceitasse as atitudes de seu paciente, procurava também exercer o que julgava ser o seu papel naquele caso. (66) (...) ah:: nesse dia como ela sentou na minha cadeira: eu percebi que ela não queria fazer exercício: não queria fazer nada... então o que que eu fiz – saí da minha cadeira e fui para a bancada: peguei as luvas pra ver se ela tinha algum movimento de ir até a bancada... (116) (...) eu não fiz exatamente nada até agora em questão de OFA: em questão de ATM: em questão de côndilo... eu tenho quarenta mil idéias na cabeça e não consegui por a mão nela... Essas cenas vividas por Heloisa e seu paciente em contexto terapêutico remetem-nos ao conceito de contexto extraverbal que compõe, para o círculo de Bakhtin, o enunciado concreto. Volochinov (1926) desenvolve o conceito, explicitando que o contexto extraverbal é elemento indispensável à constituição semântica do enunciado. Três são os fatores que compõem o contexto extraverbal: o horizonte espacial comum, o conhecimento e compreensão da situação, a avaliação comum dessa situação. O paciente fez da forma como os móveis da sala estavam dispostos parte fundamental do enunciado que explicitaria à terapeuta o seu desejo em relação à continuidade do processo terapêutico. A força do seu gesto, repetido tantas outras vezes, foi tão grande que, como observamos no fragmento (66), é a terapeuta quem o utiliza, em determinado momento, para persuadi-lo do contrário. Enquanto, para a terapeuta, o tema desse atendimento deveria ser o trabalho mio-funcional, conforme explicita no fragmento (116), para o paciente o tema era a compreensão da existência desses sintomas, na medida em que insistia em saber que relação poderia ser feita entre eles e determinados episódios de sua vida. Quanto a isso, a expositora/terapeuta diz: (56) (...) neste momento pensei em falar será que ela está me vendo como analista? (86) (...) na primeira vez que ela chegou assim pra mim: eu não conseguia olhar pro olho dela e dar uma devolutiva pra ela... eu queria falar alguma coisa pra ela... pra me conter eu olhava e anotava... (88) Leila: mas porque você fala que não podia dar uma devolutiva para ela? (89) Heloisa: porque não era meu papel... (90) Leila: não era seu papel:: (91) Heloisa: não.. para mim não é: acho que não tenho cacife pra isso... de lidar com essas questões eu não tenho... (92) Leila: de questões emocionais? Você acha que não é pra você? (93) Heloisa: claro... não... ela precisa procurar uma terapia... aí eu já encaminhei... Lembremos que, em seu depoimento, Regina, a segunda a fazer sua exposição oral, opta por suspender o trabalho com a linguagem para tratar das questões emocionais. Heloisa, por sua vez, procura fechar qualquer possibilidade de trabalho com a linguagem, pelo receio de se deparar com questões emocionais. Vale citar que seu paciente afirmara já ter feito análise em outro momento e que, por ora, não tinha interesse em retomá-la. Ainda que corroída pela angústia de não estar trabalhando, Heloisa escutava o que seu paciente lhe contava e, por vezes, respondia-lhe a partir do que lhe era possível enxergar do lugar em que se encontrava. Isso foi surtindo um efeito positivo no trabalho. Em seu depoimento, afirma que seu paciente, a certa altura, lhe diz: (133) (...) eu sei que você não é nem analista nem psicóloga: mas eu me sinto muito bem com você... e sinto que saio daqui bastante aliviada principalmente a minha mandíbula...quando eu saio daqui sou capaz de ir até numa churrascaria... na semana seguinte ela vem: chega e senta onde:: na BANCADA... oi Helô estou à sua disposição... hoje vim aqui fazer exercícios... não é isso que você quer Helô: então vamos lá... hoje nós vamos fazer exercícios... Não se trata, então, prioritariamente de questões emocionais, mas antes de histórias de vida que, para o paciente, fazia sentido serem contadas a alguém. Já apresentamos, em outras partes desta tese, a importância da relação euoutro para Bakhtin. Neste capítulo, inclusive, já discutimos a necessidade de um excedente de visão, conhecimento que só o outro tem de mim e que pode completar-me. O primeiro encontro do homem consigo mesmo vem de fora. Nas palavras do autor (1920-30/1979: 67-68): Com efeito, assim que o homem começa a viver-se por dentro, encontra na mesma hora os atos – os de seus próximos, os de sua mãe – que se dirigem a ele: tudo quanto a determina em primeiro lugar, a ela e a seu corpo, a criança o recebe da boca da mãe e dos próximos. (...) Sua forma parece trazer a marca do abraço materno. A visão que o homem tem de si mesmo só passa da percepção interna para categorias cognitivas, éticas e estéticas a partir das relações que ele estabelece com um corpo exterior ao seu. O corpo não é algo que se baste a si mesmo, tem a necessidade do outro, de outro que o reconheça e que lhe proporcione sua forma (Bakhtin, 1920-30/1979: 69). No caso apresentado por Heloisa não há duas possibilidades de trabalho excludentes: o fonoaudiológico mio-funcional ou o psicanalítico. Há, em primeiro lugar, um sujeito que sofre, fisicamente inclusive, e que se apresenta a um outro pela linguagem. Um sujeito que, a todo o momento, busca a alteridade para compreender sua dor. O paciente de Heloisa não esperava dela uma intervenção técnica psicanalítica. Buscava antes um acolhimento que, para ele, consistia sim na intervenção técnica mio-funcional, mas, sobretudo, na partilha de suas histórias relacionadas a esse sofrimento. A necessidade de contá-las visava uma necessidade primeira de organizar esses momentos de vida vividos internamente e que, pelo olhar do outro, poderiam ter um acabamento. Os fonoaudiólogos participantes do grupo de pesquisa, mesmo partindo de atividades de trabalho e casos distintos, apresentaram, em seus depoimentos, um movimento muito similar em relação ao trabalho com a linguagem. A assunção de uma perspectiva interacionista no atendimento fonoaudiológico – critério para a participação no grupo – revelou-se, de modo geral, como a assunção da importância da interação verbal para o trabalho com as dificuldades que o paciente apresenta na linguagem. Falar da linguagem do paciente é, ainda, falar dos erros que apresenta; trabalhá-la no contexto terapêutico ainda visa a eliminação desses erros, só que não mais através de exercícios pontuais e sim através das conversas que surgem nas interações estabelecidas nas sessões terapêuticas. A maior parte dos diálogos construídos no decorrer dos trabalhos, apresentados direta ou indiretamente nos depoimentos, trazia características semelhantes: limitados às suas situações imediatas (a atividade realizada no momento), com ênfase nas respostas igualmente imediatas a enunciados construídos por um e outro interlocutor. Não houve, de modo geral, por parte dos terapeutas, uma preocupação em dar um tratamento dialógico, na concepção bakhtiniana, aos enunciados dos pacientes. Lembremos que o lobo mau presente na brincadeira do menino não fez eco para a terapeuta, que perdeu a oportunidade de confrontá-lo com outros lobos, trabalhando com aspectos da cultura infantil e, quem sabe, surpreendendose com possíveis respostas mais elaboradas do seu paciente. E essa possibilidade de respostas mais elaboradas e bem acabadas não é apenas teórica. Vimos terapeutas, no exercício de suas atividades, encaminhar um trabalho com a linguagem em situações discursivas significativas e específicas, fazendo valer a interdiscursividade. Vimos que isso impulsiona o paciente a se colocar, quer com palavras alheias, quer com as próprias, dandolhes novos sentidos. Foi o que aconteceu na situação do encontro do poema de José Paulo Paes e a música funk. Mas não sabemos o resultado desse encontro pois o mesmo foi precocemente abortado. A palavra do paciente, como vimos, não veio desvinculada do seu contexto de origem. Veio viva, provocativa e isso escapa à uniformização a que os fonoaudiólogos estão historicamente habituados em seu trabalho terapêutico. O pouco domínio ou desconhecimento demonstrado em relação a novos paradigmas da Fonoaudiologia tem feito com que os fonoaudiólogos não saibam lidar com a palavra do outro. E qualquer aspecto que escape à configuração conhecida de trabalho suscita dúvidas nos fonoaudiólogos quanto a seu papel profissional. Pelos depoimentos analisados, entendemos que admitir uma perspectiva de trabalho baseada na interação verbal é antes um meio facilitador da emergência da linguagem a ser corrigida que a assunção de um novo paradigma que exija uma nova conduta terapêutica. CONCLUSÕES Em cada um dos pontos do diálogo que se desenrola, existe uma multiplicidade inumerável, ilimitada de sentidos esquecidos, porém, num determinado ponto, no desenrolar do diálogo, ao sabor de sua evolução, eles serão rememorados e renascerão numa forma renovada. Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. (Bakhtin, 1974/1979: 414) Enfim, o que pudemos compreender do diálogo na clinica fonoaudiológica? Verdadeiro trabalho de arqueólogo foi realizado na elaboração desta tese. Delimitado o sítio, procuramos em inúmeras escavações encontrar evidências, dados que nos levassem a teorizar sobre o saber e fazer na clínica fonoaudiológica de cunho interacionista ou socio-interacionista. Deparamo-nos quase que de imediato com o que pode ser considerado como as questões fonoaudiológicas atuais no âmbito terapêutico: a caracterização do sintoma de linguagem, o lugar do fonoaudiólogo e seu saber técnico. Limpando um pouco mais o terreno, pudemos observar os caminhos percorridos no desenvolvimento dessas questões, tanto em direção às bases teóricas que as sustentam quanto na dos seus desdobramentos na atividade terapêutica. Não há uma resposta única para cada uma dessas questões que nos autorizasse a caracterizar a fonoaudiologia no âmbito terapêutico . Ao contrário, há o delineamento de fonoaudiologias distintas, cuja explicitação só seria salutar ao crescimento e fortalecimento da área. Tomar, portanto, a atividade terapêutica fonoaudiológica como essencialmente dialógica não significa muita coisa, se desvinculada dos conceitos próprios que a fundamentam. Na busca dos dados que nos auxiliaram na compreensão do conceito e do uso do diálogo na terapia fonoaudiológica de cunho interacionista ou sóciointeracionista, chegamos à seguinte constatação: embora haja a assunção da premissa de que o diálogo é elemento da metodologia terapêutica fonoaudiológica, ele ainda não figura como tal entre os temas mais estudados por profissionais da área. Sua conceitualização e uso na atividade terapêutica são dados por supostos, a partir da explicitação da base teórica. Nos artigos desenvolvidos por pesquisadores seniores, publicados em revista especializada, encontramos referências ao diálogo, somente de forma indireta. Em ordem decrescente de incidência, ele é entendido como um meio propiciador: da cura do sintoma manifesto na linguagem; do confronto entre funcionamentos lingüísticos; do cruzamento de vozes e da observação do estágio cognitivo. Não encontramos, nas dissertações e teses, interesse específico no estudo do diálogo. A tendência observada, nessa esfera de produção científica, é a de se referendar conceitos que caracterizam a clínica da subjetividade, sem que as diferenças existentes sejam explicitas ou questionadas. Uma primeira conseqüência desse quadro no âmbito da atividade terapêutica fonoaudiológica parece óbvia: ainda que se admita o uso do diálogo, não é atribuído a ele um estatuto de instrumento terapêutico. Uma segunda conseqüência nos parece mais preocupante. A incorporação dos temas desenvolvidos nas esferas de produção de conhecimento da área tem provocado transformações na atuação terapêutica fonoaudiológica que merecem maior atenção. Dissemos acima que a tendência das pesquisas acadêmicas para titulação é a de referendar conceitos da clínica da subjetividade, sem que diferenças sejam explicitadas. A primeira delas, e que define todas as outras, está relacionada à delimitação do objeto da fonoaudiologia. Quando entendido como a linguagem patológica, o aporte teórico de maior recorrência por pesquisadores da área é a teoria interacionista de aquisição de linguagem e particularmente as noções de estranhamento e de erro como um dos possíveis funcionamentos da língua. A linguagem patológica seria então aquela que causa um efeito de estranhamento em alguém. Teóricos da área que defendem essa tese, como vimos, diferenciam-se quanto ao conceito de sintoma de linguagem. Para uns é o efeito particular que a fala desviante produz, assim compreendida depois da escuta do fonoaudiólogo que busca confrontar uma fala singular à língua constituída. Para outros, é uma elaboração discursiva sobredeterminada, de caráter imprevisível e contingente, cabendo ao fonoaudiólogo revelar uma regularidade de funcionamento que a caracterize como linguagem patológica. A determinação desse funcionamento patológico estaria relacionada à regularidade de uma interpretação de um falante comum sobre uma manifestação lingüística fixada como erro. Para todos os que partilham dessa visão, o fonoaudiólogo não se caracteriza como um falante comum. Embora não possa se desvencilhar de sua condição de falante, mostra-se diferenciado, pois detentor de um saber que o autoriza a determinar o que seria o patológico. Na atividade terapêutica, o diálogo torna-se o meio propiciador do confronto entre funcionamentos lingüísticos. A interação verbal estabelecida, nesse contexto, não se dá entre sujeitos históricos e sim, entre instâncias desses funcionamentos, buscando-se, pelo estranhamento, a transformação do funcionamento patológico. No cotidiano terapêutico, isso se traduz pelo estabelecimento de qualquer conversa, porque o que está em jogo não é exatamente o que se diz para quem se diz quando se diz e sim, como a língua opera naquela instância de funcionamento. Não sendo sujeitos históricos, não há uma preocupação com uma contextualização mais ampla daquilo que se diz no contexto terapêutico. As interações verbais estabelecidas, sob esta ótica, levam terapeutas a restringirem o diálogo ao seu contexto imediato, caracterizando-se muitas vezes pela descrição das ações da situação ali instaurada. Como vimos pelos fragmentos de sessões anteriormente discutidos, as práticas de interpretação e de estranhamento, por parte do terapeuta, caracterizam-se pela repetição de parte do enunciado do paciente, de modo a propiciar-lhe reformulações. No entanto, a palavra que o paciente dirige ao terapeuta não é tomada como um enunciado concreto – em seus aspectos verbal e extraverbal –, porque o objetivo do terapeuta é lingüístico e não discursivo. O estranhamento não se dá por aquilo que se diz, mas sim pelo como se diz. A prática do estranhamento, portanto, caracteriza-se mais como uma prática negativa behaviorista: repete-se o modelo errado para que ele seja evitado. As reformulações feitas pelo paciente caracterizam-se como respostas a essa prática. Como observado nos mesmos fragmentos, tal conduta terapêutica tende a levar o paciente ao silenciamento. A idéia de estranhamento no contexto da linguagem patológica parece-nos apoiada em bases frágeis, na medida em que contempla parte de seus sentidos. É interessante notar que teóricos partidários dessa visão não reconhecem, no termo estranhamento, as idéias de desconhecimento ou preconceito. Fala-se em equívoco, em desvio, sempre em relação à língua constituída. Falar em preconceito implicaria a assunção do horizonte histórico-social no contexto terapêutico, o que não está na base teórica adotada nessa perspectiva clínica. No entanto, não podemos desconsiderar que tanto o preconceito como o desconhecimento de diferentes usos efetivos da linguagem são fatores determinantes na busca do atendimento fonoaudiológico e devem ser considerados pelo terapeuta na sua conduta clínica. Voltando à questão do objeto da área, não é para todos os teóricos da fonoaudiologia que ele seja a linguagem patológica. Há quem entenda sê-lo o sujeito que sofre, manifestando seu sofrimento na linguagem. Nessa perspectiva terapêutica, o aporte teórico mais recorrente é o psicanalítico. Ainda que profissionais filiados a essa perspectiva assumam a visão de linguagem interacionista acima referida em seu arcabouço teórico, consideram-na como condição necessária, mas não suficiente. Consideram-na necessária, pois não se concebe um terapeuta de linguagem sem uma concepção de linguagem e essa visão, como vimos, é a que respalda a idéia de singularidade requerida pela fonoaudiologia atual. Consideram-na necessária, mas não a desenvolvem no processo terapêutico tal qual observado na vertente anterior, porque a contribuição advinda da psicanálise – aporte teórico de maior peso – leva o terapeuta a uma escuta psicanalítica da história do paciente. O diálogo aqui é entendido como meio propiciador da cura do sintoma manifesto na linguagem, porque tende a evidenciar uma terceira voz, a do inconsciente. Observamos, dentre os trabalhos desenvolvidos sob esse enfoque, duas condutas terapêuticas distintas e que estão relacionadas à teoria psicanalítica assumida e sua concepção de sujeito correspondente. Estamos nos referindo ao trabalho fonoaudiológico de cunho freudiano e ao de cunho winnicottiano. Os fonoaudiólogos, cuja atividade terapêutica é respaldada pela teoria freudiana, desenvolvem seus processos terapêuticos enfocando o diálogo produzido nos contextos imediatos das sessões fonoaudiológicas. Assim, aqui também qualquer conversa que se estabeleça é pertinente ao trabalho, porque o que se privilegia, nesse momento, são as relações transferenciais e contratransferenciais desenvolvidas no processo terapêutico. Assumindo uma posição de escuta, o terapeuta tem ouvidos para os enunciados de seus pacientes, com objetivo determinado: o da busca da voz do inconsciente. Não há uma valorização da linguagem em uso, mas daquilo que a linguagem deixa transparecer do inconsciente. O foco, nessa visão terapêutica, está em poder revelar ao paciente conteúdos psíquicos conflituosos a fim de se resolver o sintoma manifesto na linguagem. Mantendo-se dependente do contexto próprio de cada sessão, o diálogo aí construído – caracterizado por interpretações fonoaudiológicas psicanalíticas – visa mais uma revelação ao que se diz que o favorecimento da ressignificação do uso da linguagem por parte do paciente. A adoção dessa visão traz o risco de descaracterizar o trabalho fonoaudiológico com a linguagem, na medida em que o terapeuta sente-se autorizado (ou não) para enfocar conteúdos psíquicos conflituosos. Nos depoimentos coletados, vimos os dois extremos da mesma questão. Num deles, o terapeuta optou por suspender o trabalho fonoaudiológico com a linguagem, para, ele mesmo, por ter formação psicanalítica, tratar das questões emocionais. No outro, vemos um terapeuta desqualificar aquilo que efetivamente poderia ser um trabalho fonoaudiológico, por se sentir atormentado pela pressão do entendia ser conteúdos psíquicos e despreparado para enfrentá-los. Já os fonoaudiólogos com atividade terapêutica respaldada na visão winnicottiana trabalham com a idéia de espaço potencial e a de que o ser humano é história com o outro. A adoção desses conceitos na terapia fonoaudiológica leva o terapeuta a assumir um papel de interlocutor de seus pacientes. Mais livres da obrigatoriedade da interpretação e revelação de conteúdos psíquicos inconscientes, esses terapeutas se mostram mais propensos a escutar e participar da construção das histórias de vida de seus pacientes. Isso se traduz em sessões fonoaudiológicas em que observamos o diálogo construído sob uma perspectiva discursiva, em que se consideram aspectos históricos e culturais, a compreensão dos enunciados levando em conta suas partes verbal e extraverbal, a retomada de enunciados anteriores que fazem sentido na constituição de outros posteriores. No entanto, corre-se o risco, nessa perspectiva também, de se esvaziar o trabalho fonoaudiológico com a linguagem, na medida em que se atribuem todas as características do trabalho realizado ao conceito psicanalítico da clínica do self. Em lugar de se construir um conhecimento que seja específico e criativo da área fonoaudiológica, com contribuições da clínica winnicottiana, temos apenas o referendo de conceitos produzidos em outra esfera de conhecimento. Do nosso ponto de vista, os conceitos propostos pela clínica da subjetividade prestam-se, no desenvolvimento da prática terapêutica, mais a revelações ao terapeuta sobre o funcionamento da linguagem que a transformações da linguagem em uso pelo paciente. Pelo que apontamos até aqui, podemos afirmar que existe uma fragilidade na incorporação e no próprio desenvolvimento desses conceitos produzidos na área. Se, por um lado, tal fragilidade faz com que exista a possibilidade de descaracterização do trabalho fonoaudiológico com a linguagem, por outro, faz com que discursos mais arraigados da fonoaudiologia ecoem na prática fonoaudiológica. É a explicação que vemos para a sobrevivência de conceitos piagetianos, tanto na produção científica da área quanto no decorrer de processos terapêuticos de crianças que não desenvolveram linguagem oral, quer pela ausência de etiologia definida, quer pela presença de patologias neurológicas. Embora com menor expressão dentro da área fonoaudiológica, o diálogo também é entendido como meio propiciador da observação de estágios cognitivos. E, em terapia, isso se traduz, novamente, na descrição das ações desenvolvidas nos contextos imediatos ali instaurados, com a expectativa de que o paciente repita, imite o enunciado do terapeuta, como forma de emergência de sua própria linguagem. Também em menor expressão, se comparada à clínica da subjetividade, mas numa direção que resgata a perspectiva histórica da linguagem, aparecem, na produção científica da área e de forma ainda difusa na prática terapêutica, conceitos relacionados ao que aqui denominamos de clínica da intersubjetividade. Para partidários dessa visão, o objeto da fonoaudiologia é o sujeito que estabelece uma relação conflituosa com a linguagem, considerando no entanto que esse conflito é de natureza social. Não há como determinar o que venha a ser patológico na linguagem de alguém sem considerarmos suas condições de produção: a(s) esfera(s) de atividade humana em que se encontra, a hierarquia dos interlocutores, suas apreciações de valor, os recursos lingüísticos e discursivos de que o sujeito dispõe. Dentre as bases teóricas dessa perspectiva fonoaudiológica, destacamos a visão dialógica bakhtiniana por encontrarmos ecos de alguns de seus conceitos, já explicitados ao longo desta pesquisa, na prática terapêutica concernente a essa visão. No diálogo entendido como cruzamento de vozes, destacamos a existência de uma preocupação com a palavra do outro. Os enunciados do paciente não são (re) tomados como orações constituintes da língua, mas sim como elos da cadeia de comunicação verbal. Foram produzidos em função de outros que os precederam e merecem resposta. Nesse sentido, observamos que os fonoaudiólogos, nessa perspectiva terapêutica, adotam uma atitude de responsividade que, como vimos, tende a levar seus interlocutores a fazerem o mesmo. Vemos, assim, pacientes/ interlocutores responsáveis por seus enunciados, sentindo-se capazes – dentro de suas possibilidades – de reelaborá-los de modo a dar-lhes o acabamento necessário para incitar no outro o movimento de resposta. Parece-nos fazer toda a diferença quando o terapeuta fonoaudiólogo retoma os enunciados do paciente com o objetivo de respondê-los seja pela argumentação, dúvida, complementação, concordância. Ao reconhecer no enunciado alheio suas próprias palavras acolhidas dessa forma, o paciente sentese pleno de palavras interiores e, como vimos em passagens anteriores, essa é uma condição fundamental para a ressignificação da linguagem em sua vida. Do lugar em que nos colocamos para a análise dos dados desta tese, pudemos apreender aspectos que escaparam à compreensão dos atores inseridos em determinadas situações terapêuticas. Conforme explicitamos ao longo das análises, acreditamos que uma leitura dialógica bakhtiniana ampliaria essa compreensão, favorecendo o fortalecimento do paciente no decorrer do processo terapêutico. A título de ilustração retomemos uma dessas situações. Em aprendendo a falar com Marie, o terapeuta apresenta um caso de uma criança autista com quem a comunicação era muito difícil de se estabelecer. Sua base teórica psicanalítica autorizava-o, como explicita no artigo, a direcionar seu foco para o estabelecimento das relações transferenciais e contratransferenciais e a fazer interpretações que a ajudassem a revelar conflitos inconscientes. É imbuída dessa autoridade que diz para a criança quando a vê contando de forma enrolada histórias da Disney, em inglês: "Marie, sabe por que você só tem historinhas Disney na sua cabecinha? É por que você não tem a sua história". O terapeuta continua dizendo em seu relato que, sem saber porquê, ele começou a falar palavras inventadas por ela (criança) em uma fase anterior e que há muito tinham desaparecido do contexto terapêutico. Para seu completo espanto, Marie começou a dizer seu próprio nome da forma como o terapeuta a chamava, nessa mesma época. "Você se lembrou! Era assim que eu falava seu nome! Então você tem uma história comigo na sua cabeça!". Marie, me olhando, sorriu para mim com uma expressão de vitória no rosto. Então, Marie tinha uma história. Assim como Carlos, Carla, as operadoras de telemarketing, o paciente que sofria dores terríveis em sua articulação temporo-mandibular, as crianças psicóticas, as crianças surdas, Douglas, sr. Pedro, sr E.F., sr. N. Assim também como todos os sujeitos que buscam atendimento fonoaudiológico, cujas queixas estão cada uma a seu modo relacionadas ao uso da linguagem. É preciso que, de fato e de direito, como também já dissemos anteriormente, consideremos nossos pacientes como participantes ativos de uma comunidade lingüística, em que se reconheça a existência de um plurilinguismo social. Assumir o sujeito que sofre como o sujeito de nosso trabalho terapêutico implica, do nosso ponto de vista, a adoção de uma postura de acolhimento dessa dor que só se dá no encontro com o outro. Para isso, no contexto terapêutico, são igualmente necessárias uma visão de linguagem e uma visão do ser humano que partam (de) e promovam esse encontro. Como vimos, Bakhtin nos ensina que o primeiro encontro do homem consigo mesmo vem de fora. Assim, a dor que o homem carrega em seu interior só ganha forma e acabamento no encontro com o outro, na medida em que este, ao se identificar com sua dor e de seu lugar, completa-o justamente onde ele sozinho não consegue completar-se. Encontramos também em Winnicott a idéia da incompletude do ser humano e de sua necessidade de se dirigir a um outro para que, através da experiência, possa ser compreendido. Para esse autor, ser testemunha da experiência, da existência do outro já é em si terapêutico. Tanto para um autor quanto para o outro, dos lugares que ocupam na construção do conhecimento, o sentido é da ordem do acontecimento humano. Há um exemplo bastante ilustrativo dessa questão e que nos ajuda a enfocar o trabalho terapêutico fonoaudiológico. A fotografia é um trabalho de memória. A afirmação de Evgen Bavcar, fotógrafo esloveno radicado na França, ganha um sentido especial quando dele sabemos uma particularidade: Evgen é cego. Perdeu a visão – de um olho e depois do outro – em acidentes diferentes, ainda na infância. Aos onze anos, seu mundo perdeu definitivamente a luz. Aos dezesseis, começou a fotografar. Complementando sua afirmação citada, Evgen Bavcar diz trazer os originais na cabeça. Entretanto, mais do que isso, seu processo de criação é pura alteridade. Para fotografar, Evgen alimenta-se fundamentalmente de descrições de amigos que o acompanham em seu trabalho. Entendemos que ouvir a descrição do amigo de uma paisagem que decide fotografar é como deslocar-se de sua posição para assumir a posição do outro; mas o instante mesmo da foto é o retorno ao seu lugar de origem para dar acabamento, com seu olhar de onze anos de mundo iluminado, à cena enunciada. Ousaríamos dizer que Evgen Bavcar fotografa enunciados e gostaríamos de ver junto às fotos as descrições dos amigos que as originaram. Teríamos aí o lugar da tensão, da materialização do que Evgen vê do que o outro vê. Enfocando o contexto terapêutico fonoaudiológico, entendemos que o trabalho do terapeuta é o de poder viver a dor de seus pacientes, mas de um outro lugar em que possa dar acabamento àquilo que vê do que eles vêem, àquilo que falam ou escrevem sem, muitas vezes, a suficiente materialização da palavra. É dessa possibilidade de exterioridade, de retorno ao seu lugar, que os pacientes da clínica fonoaudiológica poderão constituir outros olhares de si, diversos daqueles que só salientam a deficiência. Evgen Bavcar disse, em entrevista, só nos vemos com o olhar do outro. Criar a possibilidade de um olhar (para o outro) de ser produtivo, inserido na vida social e cultural, eis aí o que pensamos ser responsabilidade ética do fonoaudiólogo terapeuta. Entendemos que a possibilidade da ressignificação da linguagem daquele que procura a clínica fonoaudiológica é também da ordem do acontecimento humano e está relacionada à capacidade do terapeuta em propiciar, a seus pacientes, situações favoráveis ao acabamento de seus enunciados. E o que seria necessário para esse acabamento, no âmbito do contexto terapêutico fonoaudiológico? Os achados desta tese nos dão indícios de que a. o acolhimento às histórias que os pacientes contam a seus terapeutas, do modo como lhes é possível contar; b. a possibilidade e disponibilidade de o terapeuta responder aos enunciados dos pacientes, procurando garantir uma compreensão ativa; c. o cuidado de considerar os enunciados dos pacientes como elos de uma cadeia maior de comunicação verbal, reconhecendo e atribuindo real valor à existência de outras vozes na situação discursiva instaurada no contexto terapêutico, seriam as três condições básicas necessárias para que tal acabamento ocorra. Acreditamos que a adoção da perspectiva dialógica bakhtiniana e de preceitos winnicottianos acerca do humano em nosso trabalho terapêutico pode nos auxiliar na elaboração de uma metodologia de trabalho fonoaudiológico com a linguagem. Para isso é necessário imprimir esforços na elaboração de novas pesquisas na área. Isso vem explicar porque, na introdução desta tese, anunciamos o último capítulo não como conclusão mas como ponto de partida para novos trabalhos. E fiéis à idéia do diálogo inconcluso, pois há sempre uma multiplicidade de sentidos prontos para renascer, temos a ousadia de encerrar esta pesquisa, à moda de Clarice Lispector, assim, Referências Bibliográficas Amorim, M. (2001) O Pesquisador e seu outro – Bakhtin nas Ciências Humanas. São Paulo: Musa. Amoroso, M.R. & R.M. Freire (2001) Os sentidos do sintoma de linguagem na clínica fonoaudiológica. In M. C. Passos (org.) A Clínica Fonoaudiológica em questão, pp. 13-29. São Paulo: Plexus. Andrade, L. 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Trabalho apresentado no XI Encontro nacional da ANPOLL. (mimeo) Morson & Emerson (1990) Mikhail Bakhtin: creation of a prosaics. Stanford: Stanford University Press. Nagamine, R. (1995) Produção e textos em uma situação clínica: novas possibilidades de sentido. Dissertação de Mestrado, PEPG Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem, PUC-SP. Newmann & Holzman (1993) Lev Vygotsky. Cientista Revolucionário. São Paulo: Edições Loyola. Ogden, T. (1996) Os sujeitos da Psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo Orlandi, E.P. (1992) Vão surgindo sentidos. In Discurso fundador – a formação do país e a construção da identidade nacional, pp. . Campinas: Pontes. _____ (1999) Análise de Discurso – princípios e procedimentos. Campinas: Pontes. Palladino, R. (1991) O Discurso em Fonoaudiologia: a construção de uma subjetividade. Revista Distúrbios da Comunicação,n.4 (2): 137146, São Paulo: EDUC. _____ (2000) A objetividade e a subjetividade na Fonoaudiologia. 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(1926) Le discours dans la vie et le discours dans le poésie. In T. Todorov (1981) Mikhail Bakhtine. Le principe dialogique. Paris: Editions du Seuil. Anexos ANEXO 1 – Tabela dos artigos que não apresentam os termos diálogo e interação. Título do artigo (categoria) Vinculação Considerações sobre a família no contexto fonoaudiológic o (família) PUC-SP Algumas considerações sobre a relação fonoaudiólogo -criança UNICAP Cenhamepani: o contexto da escrita (escrita) PUC-SP Repensando a fonoaudiologia ... PUC-SP Caminhos e descaminhos da terapia fonoaudiológic a PUC-SP Os usos sociais da Voz (Voz) PUC-SP Sobre a interdisciplinar idade no contexto terapêutico (métodos fonoaudiológic os) PUC-SP Título do artigo (categoria) Vinculação Dizer o dito (métodos fonoaudio lógicos) S/ vínculo Devaneios sobre o pensar e o agir (métodos fonoaudio lógicos) S/ vínculo A singularid ade e o trabalho clínico terapêutic o (métodos fonoaudio lógicos) PUC-SP ANEXO 2 – Tabela dos artigos que apresentam os termos diálogo e interação, por categoria 1. Métodos fonoaudiológicos Título A terapia fonoaudiológic a e a formação do eu (A1) Concepções clínicas em fonoaudiologia (A2) Reflexão sobre o papel do fonoaudiólogo (A3) A consciência, esta replicante (A4) Novas contribuições da lingüística para a fonoaudiologia (A5) Psicanálise e linguagem (A6) Fonoaudiologia e Psicanálise (I) (A7) Fonoaudiologia e psicanálise (II) (A8) Subjetividade e linguagem (A9) Subjetividade, corpo e linguagem (A10) Fonoaudiologia e Saúde Coletiva (A11) O grupo terapêutico A12) Objetividade e subjetividade nos processos terapêuticos e fonoaudiológic os (A13) A linguagem na clínica fonoaudiológic a (A14) O processo terapêutico fonoaudiológic o (A15) 2. Transtornos Neurológicos Título Vinculação Considerações sobre situações de brinquedo e a linguagem de crianças PCs (A16) USP O papel do fonoaudiólogo na terapia da afasia (A17) PUC-SP Eficácia de terapia na reabilitação de um paciente portador de Alexia Pura USP (A18) Avaliação do Afásico (A19) S/ vínculo A linguagem do envelhecer (A20) PUC-SP Rotinas significativas e práticas discursivas (A21) UNICAMP Discutindo a classificação das alterações da linguagem escrita nas afasias (A22) UNICAMP 3. Surdez Título Programa clínico do fonoaudiólogo com um grupo de pais de crianças D.A (A23) O trabalho fonoaudiológic o com um grupo de pais de crianças D.As. (A24) Considerações sobre a escolha de uma abordagem que viabilize acesso à linguagem (A25) Identificação de estratégias no processo terapêutico de uma criança D.A. (A26) 4. Avaliação de Linguagem Título Vinculação Reflexões sobre a investiga ção de linguage m em crianças pequenas (A27) PUC-SP Evolução do simbolis mo como base para o diagnósti co do retardo de linguage m (A28) PUC-SP Questões sobre o diagnósti co em crianças pequenas (A29) PUC-SP O diagnósti co nas alteraçõe s de linguage m (A30) PUC-SP 5. Escrita Título Vinculação A escrita na clínica fonoaudiológ ica (A31) PUC-SP Interpretação da escrita infantil (A32) PUC-SP 6. Transtornos Psíquicos Título Vinculação A relação discursiva entre terapeutas e crianças psicóticas (A33) USP Aprendendo a falar com Marie (A34) PUC-SP 7. Voz Título Vinculação Algumas reflexõe s sobre a terapia de voz (A35) PUC-SP ANEXO 3 – Tabela das dissertações e teses analisadas, por categoria 1. Métodos Fonoaudiológicos Título Sobre a gênese da gagueira Relações Entre o Desenvolvimento cognitivo e a constituição do simbolismo: a consideração de tais aspectos em uma proposta fonoaudiológica Instituição/Programa/Grau I. Ano PUC-SP – Psicologia Social - Mestrado 1985 PUC-SP – Distúrbios da Comunicação Mestrado 1988 A abordagem dialógica: uma proposta social em fonoaudiologia PUC-SP – Psicologia da Educação – Doutorado 1990 O texto literário da fonoaudiologia PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1990 PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1991 A construção do personagem bom falante PUC-SP – Psicologia Social – Doutorado 1992 Leituras em busca de uma prática fonoaudiológica PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1992 A alta na fonoaudiologia PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1992 A dimensão da técnica na clinica fonoaudiológica: um estudo preliminar PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1992 Os caminhos de um processo fonoaudiológico: uma possível descoberta PUC-SP - Distúrbios da Comunicação – Mestrado 1992 Prática: um caminho para a revisão da relação no atendimento fonoaudiológico PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1992 Fonoaudiologia e grupo: construção de um processo terapêutico PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1993 Escutando a criança na terapia fonoaudiológica PUC-SP -Distúrbios da Comunicação Mestrado 1994 Por entre os distúrbios articulatórios: questões e inquietações PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1995 Fonoaudiólogo e psicólogo: dialogando no processo terapêutico de uma criança PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1995 Relação terapêutica na clinica da linguagem PUC-SP – Distúrbios da Comunicação – Mestrado 1995 Refletindo sobre a clinica fonoaudiológica: um estudo de caso PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1995 Entre silêncios e falas: a criança e o atendimento fonoaudiológico Título Fonoaudiologia e Psicanálise: a fronteira como território Prática e teorização na clinica fonoaudiológica: relato de uma vivência Instituição/Programa/Grau II. Ano PUC-SP – Psicologia Clínica - Doutorado 1997 PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1997 Entre o olhar, o sentir e o escutar: um estudo sobre o fenômeno transferencial na clinica da linguagem. PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado Práticas e representações corporais em fonoaudiologia PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado A produção de sentido sobre gagueira para mães que consideram seus filhos gagos PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1999 Através dos discursos: a construção do saber na fono... PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 2000 Concepções teóricas e praticas fonoaudiológicas: o discurso do fonoaudiólogo PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 2000 O processo terapêutico fonoaudiológico sob o prisma da relação terapeuta/paciente: um estudo de caso PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 2000 Os sentidos do sintoma de linguagem na clinica fonoaudiológica PUC-SP - Fonoaudiologia - Mestrado A atividade lúdica na clinica fonoaudiológica PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado O "setting" na clinica fonoaudiológica: um estudo através de discursos de fonoaudiólogos PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado O "setting" na terapia fonoaudiológica: estudo de caso de atendimento domiciliar PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado Uma análise discursiva da gagueira: trajetórias de silenciamento e alienação na língua PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado A fusão das cores: o sentido terapêutico na clinica fonoaudiológica de grupo PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado A clinica fonoaudiológica: retrospectivas e prospectivas PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado A função terapêutica na clinica fonoaudiológica: um estudo de caso clinico PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado Omideio – o que é isto? Questões e reflexões sobre as dislalias (...) PUC-SP – LAEL – Doutorado 1998 1998 2000 2000 2000 2000 2000 2000 2001 2001 2001 2. Transtornos orgânicos e/ou neurológicos Título Instituição/Programa/Grau Ano Reflexões sobre a terapia fonoaudiológica da criança paraliticocerebral PUC-SP – Distúrbios da Comunicação Mestrado 1987 As correções no discurso de indivíduos idosos PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1990 A clinica fonoaudiológica: reflexões sobre a questão das crianças com fissuras labio-palatinas PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1990 A narração do afásico: busca de um caminho em fonoaudiologia PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1992 Oficina de leitura com um grupo de adolescentes surdos: uma proposta fonoaudiológica PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1994 Paralisia cerebral na clinica fonoaudiológica: primeiras questões sobre linguagem PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1996 Historias de vida: uma possibilidade de compreensão do surdo PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1997 (Res) significando a questão da linguagem no trabalho com a criança surda PUC-SP - Distúrbios da Comunicação – Mestrado 1998 Paralisia Cerebral: A fala na escrita PUC-SP – LAEL - Mestrado 1999 O lugar da linguagem escrita na afasiologia (...) UNICAMP – IEL - Mestrado 1999 PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1999 PUC-SP – LAEL – Mestrado 2000 Estratégias de comunicação usadas nas interações de crianças deficientes auditivas e seus interlocutores PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 2000 Os efeitos da interpretação na linguagem de uma criança surda PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 2000 Caderno de experiências no processo terapêutico da criança portadora de deficiência auditiva PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2000 As contribuições dos jogos na aprendizagem de alunos com deficiência auditiva PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2000 A utilização de musicas infantis na terapia fonoaudiológica da criança D.A. PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2001 Os efeitos do diagnostico nos pais da criança surda: uma analise discursiva PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2001 Processo terapêutico na clinica fonoaudiológica: estudo do caso de uma criança com Sindrome de Down Sob o efeito da afasia A escrita de uma criança surda: uma analise alternativa PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2001 3. Avaliação de Linguagem Título Instituição/Programa/Grau Ano Em busca da linguagem: na avaliação da linguagem PUC-SP – Distúrbios da Comunicação Mestrado 1989 A escuta: o jgeito das queixas fonoaudiológicas PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1991 A 1 entrevista na clinica fonoaudiológica PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1992 Avaliação da linguagem em indivíduos com Sindrome de Apert, Crouzon e Pfeiffer PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1996 Os sentidos da entrevista inicial na clinica fonoaudiológica PUC-SP - Distúrbios da Comunicação – Mestrado 1998 Anamnese ou entrevista: desfazendo equívocos na clinica fonoaudiológica PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1999 A entrevista inicial: potencializadora do estudo sobre clinica de fono PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2000 Diagnóstico e clínica de linguagem PUC-SP – LAEL - Doutorado 2001 a 4. Escrita III. Título Produção de textos em uma situação clínica: novas possibilidades IV. Instituição/Programa/Grau 1995 PUC-SP – LAEL - Mestrado A significação nos processos de leitura e escrita a partir da experiência clínico-fonoaudiológica PUC-SP – Psicologia da Educação – Mestrado Quando histórias reconstroem a história: em cena a linguagem escrita na clínica fonoaudiológica PUC-SP – LAEL – Mestrado Um eclipse anular no sol da linguagem escrita: desvendando os sentidos da avaliação fonoaudiológica (...) Sobre o efeito sintomático e as produções escritas de crianças V. 1997 1997 1999 PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado PUC-SP – LAEL – Mestrado 2000 A n o Processo terapêutico fonoaudiológico: um estudo de caso de linguagem escrita PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2001 5. Família VI. Título Instituição/Programa/Grau VII. A clinica fonoaudiológica escutando a mãe de crianças com Fra-X PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1994 A fala das mães gestantes e suas interações com seus filhos PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1995 Escutando Marcelo: sobre a dinâmica da família na produção de um sintoma de linguagem PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1995 Implicações da família nos transtornos de linguagem: um estudo de caso PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1999 PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2000 Instituição/Programa/Grau Ano Psicoses infantis: atuação fonoaudiológica e seus resultados PUC-SP – Distúrbios da Comunicação Mestrado 1990 O processo terapêutico fonoaudiológico de uma criança atendida em hospital-dia PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 1995 PUC-SP – Fonoaudiologia - Mestrado 2000 Da inclusão dos pais no atendimento fonoaudiológico de crianças com sintomas de linguagem: o que diz a literatura A n o 6. Transtornos Psíquicos Título A fonoaudiologia diante da posição psicótica na infância: uma perspectiva discursiva 7. Voz VIII. Título Processo terapêutico na clinica das disfonias: constituição de um espaço potencial na relação terapêutica A voz na interação verbal Instituição/Programa/Grau IX. PUC-SP - Distúrbios da Comunicação Mestrado 2000 PUC –SP – LAEL – Doutorado 2000 A n o ANEXO 4 – Tabela das dissertações e teses produzidas em programas de PósGraduação de áreas de conhecimentos afins Psicologia Social Sobre a Gênese da Gagueira A abordagem dialógica : uma proposta social para a fonoaudiologia A construção do personagem bom falante Fonoaudiologia e Psicanálise: a fronteira como território OMIDEO – o que é isto? Reflexões sobre as dislalias Paralisia cerebral: a fala na escrita Sob o efeito da afasia Diagnóstico e Clínica de Linguagem Produção de textos em situações clínicas A significação dos processos de leitura e escrita a partir de uma experiência fonoaudiológica Em cena a linguagem escrita na clínica fonoaudiológica Sob o efeito sintomático das produções de escrita A voz na interação verbal X Total 2 Psicologia Clínica Psicologia Educação da Lingüística Aplicada X X X X X X X X X X X X 1 2 8 ANEXO 5 – Depoimentos 1º EXPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA - 26/09/2001 Compareceram Leila, Regina, Carmen. Os encontros são realizados na sala de espera do consultório da pesquisadora. As participantes sentaram-se nos sofás, que ficam encostados em paredes contíguas. Pouca variação houve das posições tomadas inicialmente. Leila começou apresentando seu trabalho, com intervenções das outras duas que compareceram, conforme a transcrição abaixo. 1. Leila: Esse trabalho que eu desenvolvo... agora já estou um pouco afastada né: da Estrela da Vida... uma instituição filantrópica que tem um setor de telemarketing que é o que arrecada a verba para manter essa instituição... então assim: as operadoras têm um período de seis a oito horas de trabalho...que elas ficam no telefone... contando um pouco qual é a dinâmica da instituição: por que que elas precisam desse dinheiro né: para colaborar e: assim até convencer o colaborador essas pessoas que ligam para a nossa casa mesmo né... com esse colaborador... o doador dá uma certa quantia que vai ser depositada na conta da Estrela da Vida... então eu resolvi fazer um trabalho de fazer a audiometria admissional periódica e demissional dessas operadoras de telemarketing: porque elas ficam com fone o dia inteiro na orelha... a intenção inicialmente era de fazer um trabalho até um pouco mais extenso né: assim pensando na acústica do ambiente -- que é deficitária por sinal -- das condições do fone delas né:: é: não só pensando na audição: mas também na qualidade vocal porque elas falam em ambiente que tem ar condicionado: tem carpete: muitas têm alergia rinite e por aí vai... Mas isso não foi possível em função da organi/da questão organizacional né: a Estrela da Vida é uma instituição que tem uma filosofia muito forte religiosa... o importante lá é ta passando a filosofia da empresa... se preocupando mais com essa arrecadação né... são duas questões... eles tinham medo que entrando uma pessoa que falasse dessa outra visão para elas... outra forma de trabalhar e influenciasse na dinâmica que já existe há vinte anos né... uma coisa certa: já tem um discurso pronto quando elas ligam... na forma de colaborar... bom então o meu trabalho seria fazer a audiometria mesmo... audiometria admissional... como eu falei na primeira/ na primeira palavra que eu tive... ficou muito vazio fazer só a audiometria... chega lá entra na cabine faz a otoscopia... ta tudo íntegro na membrana timpânica vamos fazer a áudio e acabou.... então eu comecei a fazer uma anamnese antes... levantando o quê e pra quê... levantando o nome informações gerais: função: data do exame: informações sobre a audição: se acha que ouve bem: se acha que não ouve: porque que não acha sintomas: coceira: zumbido: tontura... se já teve dor de ouvido ou não... antecedentes pessoais é: doenças de infância: catapora: sarampo: a gente sabe que tem influência na audição... e outras também: inflamação na garganta: bronquite: exposição a ruído: se mora em lugar ruidoso: se já teve uma outra ocupação em lugar: ambiente ruidoso (SI)... há quanto tempo ta como operadora na instituição: o histórico familiar: atividades de lazer: hábitos e vícios... aí eu faço a otoscopia e ao/e quanto à voz... se já apresentou rouquidão por quanto tempo... se era acompanhada por quadro inflamatório ou não... se usa um medicamento... se usa essas soluções caseiras né: mel própolis pra dar uma: uma mascarada nos sintomas... então eu ia levantando essas questões...é: inicialmente eu fazia essa/essa anamnese individual... eu chamava quatro operadoras todo dia... geralmente logo: pedia né... que fosse antes de iniciar o trabalho... pelo repouso auditivo... era uma coisa difícil né: de ser cumprida também pela organização da empresa... né: eles queriam que elas fizessem logo esse exame: mesmo que fosse uma vez por ano...porque elas tinham que arrecadar: elas ganham por produtividade né... elas tinham que arrecadar... então era uma coisa difícil e eu precisava/era o único momento que eu tinha... eu precisava dar uma/ né aumentar aquilo lá: era o único contato que eu tinha... eu queria: é: como é que eu posso falar: destrinchar o máximo que eu pudesse aquilo lá... então é: a princípio era individual... eu fazia de oito horas a oito e vinte e cinco e de vinte e cinco a vinte e cinco minutos e acho até que vale a pena contar a história e um dia eu cheguei pra fazer esse exame... como tudo é um pouco desorganizado... a sala tava fechada e não tinha onde fazer o exame... a hora tava passando e eu pressionada com essa coisa que logo mais já iam começar a ligar da coordenação pedindo que elas voltassem pro posto de trabalho... e eu achei uma sala que tava cheia de cadeira até lá numerada e eu pensei: por que não juntar as quatro e fazer em grupo... será que não ia ser até mais rico né... por que às vezes eu sentia até que individual era aquela coisa tete a tete: por que anamnese é muito restrita... por mais que você tente sair: ela é restrita... ela é muito ligada é: à doença mesmo.... teve? Já teve a doença... já teve aquilo... já teve aquilo? eu sinto isso: eu sentia isso... então ficava um pouco fechada... elas deixavam de falar... só percebi isso depois... quando eu comecei a fazer em grupo... e aí nessa sala... essa sala era um espaço até pequeno... eu falei vamos entrar as quatro pra fazer a anamnese em grupo... Como assim em grupo... a princípio elas falaram... como... né: ah: vamos ver: ué: vamos dividir isso... todas não têm a mesma função... todas não tão trabalhando já não se conhecem de lá? vamos dividir? vamos... e foi muito bom... foi: rico... a experiência foi rica... então assim... foi a primeira vez: todo mundo apertado até na sala... porque não era um espaço ideal naquele momento né: mas fez eu mudar minha conduta... a partir daquele dia... eu comecei a fazer em grupo... mudei a convocação e... 2. Pesquisadora – Deixa eu perguntar uma coisa... conta um pouco que eu acho que é legal até pra gente ver essa diferença quando você fala mudou... foi bem rico... bem diferente... conta um pouco como é que era mesmo a chegada delas... elas chegavam: elas esperavam você falar: elas já falavam alguma coisa: elas só respondiam exatamente o que ta na anamnese ou você sentia que elas queriam falar uma outra coisa ou até elas falavam outras coisas...como era sua escuta para isso, ta? 3. Leila – Ta... então assim: até quando você me faz essas perguntas: essas questões: vêm milhares na minha cabeça né: porque na hora eu tinha de correr contra o tempo... então hoje eu vejo que tinha coisas assim: eu tampava a escuta (bateu uma mão na outra)... se eu deixasse ia... como foi muitas vezes... ce pensa e fala: dane-se e vamos continuar.... 4. Regina– Quando: quando o paciente começa a falar muita coisa... tem que cortar... redirecionar e (SI) 5. Leila – redirecionar é: redirecionar sim: eu sentia às vezes que era uma pena redirecionar... não precisava direcionar.... 6. Regina– Sim: 7. Leila – mas é essa coisa que eu falo: a organização é muito forte nessa instituição... a questão organizacional né: então assim é: tem várias questões... pensando no individual... muitas chegavam é: já apressadas querendo ir embora... eu via que tinha o que ser dito... eu sentia que tinha o que ser dito... mas elas cortavam na hora de falar por ter que voltar pro posto de arrecadação né: então assim é: um exemplo né: já teve dor de ouvido alguma vez? Tive...Quando? ah, já tive mas não lembro quando... foi na infância...foram meses... anos... ou foi recente? ah.. foram meses... Você vê assim... ela lembrava daquilo: ela podia estar falando melhor... mas ela também tava tão pressionada para hora de voltar que ela já cortava... 8. Regina: Você acha que ela tava se sentindo pressionada só por ter que voltar ou porque era difícil estar falando 9. Leila: então: 10. Regina: dela né: de alguma eventual doença dela: 11. Leila: Hanhan...claro... 12. Regina: que você descobrisse alguma perda auditiva? 13. Leila: não... acho que tem as duas... tem esse lado também: claro. tem esse lado também... acho que não é só pela pressão... mas não só é: não só perda auditi/ de ter uma perda auditiva... é uma: questão que tem que se levantar, ta: acho que não só isso...tem outros fatores que eu levanto... é: o fato mesmo de estar lá... vamos lá/entra e não me conhece... entendeu? Você chegou para o exame periódico: a fono é lá... (risos) 14. Regina: A fono é lá é bom... né: (risos) 15. Leila: Não é? 16. Carmen: Dá uma emoção... (SI) 17. Leila: (SI) 18. Carmen: um convite (SI) que você possa 19. Regina: ali é o banheiro... ali é a fono... 20. Leila: Não tem uma demanda... ela não ta indo lá porque ela quer... 21. Regina: risos 22. Leila: Ela não ta indo lá porque ela quer... é uma imposição... é imposto isso... você é obrigado a fazer o periódico e é hoje às oito horas você vai lá e ela ta te esperando né: tem isso... e daí eu chego e já você acha que ouve bem: como é o seu nome: há quanto tempo você ta aqui: quer dizer: pensa você né: peraí né: você não ta lá porque você escolheu... você vai lá porque te pediram para você estar lá.... então tem esse lado: bom/uma coisa que eu escutei muito também: pode ser que nem seja relevante: mas assim: é: logo de cara/ ta: depois mudava isso... mas logo de cara... nossa você é tão menina... você é tão menina... quantos anos você tem? no final já mudava essa postura... muitas vezes... mas isso é coisa que pegava e pega mesmo... atrai... então eu acho que/ uma coisa que deixava é: fugir além do horário era isso também de estar... a perda auditiva... essa coisa de pá/ acha/ acha... você tem você não tem... você é você não é... interrogatório... isso aqui é interrogação... 23. Pesquisadora: é interrogatório mesmo... 24. Leila: Por mais que eu não seguisse assim: b) acha que 25. Regina: O pior, né: 26. Leila: Não é? Eu tentava o máximo deixar isso mais à vontade né: nem levando/ claro que não eu seguia uma ordem... cada dia: cada hora era uma hora e ia indo... né: mas isso intimida né: eu acho que isso é uma coisa também... que eu vi que quando eu fui pro grupo -- você me puxa se eu ficar voando -27. Pesquisadora: ta/ não:: 28. Regina: ta ótimo assim... 29. Leila: quando eu fui pro grupo... eu percebi o quê? que uma falava né: até então é: tem coceira? Não ... não tenho... a primeira não tem, a segunda não tem... aí a terceira: eu tenho sim, sabe porque que eu tenho coceira às vezes? O fone não é bom... o fone tem uma esponjinha que esfarela e ele pode dar uma infecção... anda me coçando e anda me incomodando... eu tenho coceira sim... essa era a terceira... a quarta já falava no discurso dela... sabe que eu também tenho? 30. Regina: Isso no grupo: quando você chamou o grupo para fazer a anamnese? 31. Leila: quando eu juntei é: ao mesmo tempo...com a primeira e a segunda: tem coceira? não... tem coceira? Não... A terceira falava essa questão do fone: ah, tenho sim... o fone não é bom... me coça... aí a outra já associava e as outras duas que já tinham falado que não tinham/ muitas vezes: sabe que eu também tenho? E o fone me incomoda né: aí trazia... isso que eu to falando que foi rico.. 32. Regina: A fala de uma estimula a outra... 33. Leila: é... 34. Regina: a dizer... se ela diz eu também posso dizer... 35. Leila: referência né: mas é isso né: é acho que assim... 36. Regina: também:: 37. Leila: é: acho que: 38. Regina: dividir... 39. Leila: dividir... se ela disse eu posso dizer também... uma referência.... não tinha lembrado é: é: bom né: aí é que eu falo que foi rico que aí ia sabe/ dava/ aumentava... que disso vinha outras coisas também.... 40. Pesquisadora: Você lembra alguma coisa: quando você fala disso vinha outras coisas... tem alguma situação que você lembra isso? 41. Leila: Quando você disse assim pra mim... tava falando de Bakhtin... do discurso autoritário... do discurso persuasivo... eu pensei numa coisa... Quando eu chegava lá: eu sem/chamava as quatro na sala... me sentava: me posicionava e falava assim: me apresentava: bom dia... meu nome é Leila... sou fonoaudióloga aqui da ESTRELA DA VIDA... to trabalhando aqui no setor de telemarketing... por mais que vocês não me conheçam -- porque a relação que a gente tem é mesmo nos periódicos -- o contato que a gente tem né: mas aqui a gente vai fazer a audiometria... que vocês já fizeram... ahn: já fizemos sim... e hoje além disso/não... e hoje nós vamos fazer uma amamnese antes -- não falo amamnese claro – um/ algumas questõezinhas... a gente vai levantar antes desse exame... até para iluminar o exame e a gente se conhecer melhor... aí surgia: antes não tinha isso... porque não tinha mesmo anamnese: era só audiometria... antes não precisava disso... algumas já assim... por que que hoje vai ter que ter... outras já se interessavam... hum: vamos ter uma coisa diferente (risos) 42. Regina e Carmen: (risos) 43. Pesquisadora: esse exame periódico é periódico de quanto em quanto tempo? 44. Leila: seis em seis meses... 45. Pesquisadora: E elas são funcionárias com um tempo já grande de: 46. Leila: sim... 47. Pesquisadora: não tem uma funcionárias? 48. Leila: tem... tem... 49. Pesquisadora: também tem... alta rotatividade... uma troca muito grande de 50. Leila: tem... mas assim: por exemplo: eu peguei aqui uns casos né: é: uma coisa/ é: noventa e oito por cento da população da unidade de arrecadação é do sexo feminino... 51. Pesquisadora: hum hum 52. Leila: né: Até tem uma ação assim: porque a pressão é muito grande... acredito que a mulher acaba agüentando um pouco mais essa pressão né: de segurando lá é muito grande... 53. Pesquisadora: na verdade... na verdade... elas sofrem/ sofrem pressão dos dois lados porque -- quem já não recebeu telefone de uma mulher da ESTRELA DA VIDA... 54. Leila: hum,hum: 55. Regina: Quem não despachou... Olha, eu to sem tempo agora 56. Pesquisadora: É uma coisa completamente desagradável... 57. Regina e Carmen: (risos) 58. Leila: mas o que/na hora não to podendo e desliga mesmo... (SI) nós vemos isso também: pela anamnese né: é: foi isso que você me falou e eu vou voltar pro (SI) 59. Pesquisadora: Ta legal... 60. Leila: do tempo que elas tão lá... 61. Pesquisadora: Hum hum 62. Leila: Então, esse grupo que eu peguei: são três operadoras que é a coisa de duas delas têm dez anos de função... na ESTRELA DA VIDA... não é função de telemarketing... ESTRELA DA VIDA foi o primeiro emprego... dez anos e uma delas tem quinze anos: de função... aí eu vou falar... tem toda uma raiz da filosofia... da religião.... que eu acredito que eu também ajudo a agüentarem essa pressão... porque é uma pressão muito grande.... 63. Pesquisadora: Você acha que você ajuda como? 64. Leila: Ajudo como:: bom aí eu vou voltar.... 65. Pesquisadora: Ta, então volta lá. 66. Leila: me apresentei e tal.... aí eu falo do discurso... não sei se se encaixa no autoritário ou no persuasivo... mas meu discurso é diferenciado que dá um efeito... claro: afeta... todo discurso afeta.... mas eu acho que esse mais... quando eu falo assim pra elas: aqui é um espaço -- eu falava isso -- me ajudem até (risos) aqui é um espaço que eu quero que é: gostaria que vocês trouxessem não só as questões que eu vou estar levantando mas é: questões e e acontecimentos que passam pelo campo que vocês trabalham... na unidade de arrecadação: que vocês ficam: vocês há de (SI) vocês ficam de oito a dez horas naquela unidade de arrecadação... é muito tempo... quase metade do dia de vocês né: então acontecem muitas coisas e eu quero que vocês tragam... sabe o que acontecia? eu abria um leque que depois eu não agüentava... 67. Regina: é... quando você abre isso/ ela vai trazendo tantas/tantos problemas que surgem lá... 68. Leila: é, é... 69. Regina: que assim você vai ter que ter uma estrutura até... 70. Leila: não/ aí bom: 71. Regina: pra organizar isso e devolver mais organizado pra elas... 72. Leila: é:: eu abri muito... hoje eu vejo que eu abri muito... mas sabe porque eu abria? 73. Pesquisadora: Como é que era a receptividade quando você falava isso? 74. Leila: a receptividade? Bom: elas... era só queixa só reclamação era só reclamação: muita reclamação e muita queixa e em cima de tudo assim: ai que bom que agora eu tenho esse espaço para falar né: 75. Regina: não existe contentamento nessa atividade... nessa tarefa... 76. Leila: Não... 77. Regina: é só frustração... muitas pessoas desligando o telefone no ouvido delas... porque querem vender não sei o quê... querem passar não sei o quê... num local assim descontentes: 78. Leila: eram as queixas... as queixas as frustrações o alívio de poder estar falando ali... eu ficava né: tudo bem eu tava ali/ de poder falar ali e a fala de falar poxa... há oito anos atrás tinha até umas dinâmicas tão boas antes de iniciar o/ o/ a carga horária: o turno de trabalho elas cantavam se esticavam... sei lá... era bom... poxa porque que hoje não tem mais? Elas pensavam assim: que desconsideração, eles não olham para a gente... elas traziam isso... 79. Regina: Acho que o que você está contando é que não tinha diálogo... assim: falta de comunicação... 80. Leila: Lá dentro? 81. Regina: Parece mais unilateral... 82. Leila: É: é imposto... 83. Regina: é imposto... 84. Leila: e assim: é: eu eu me questionava muito... né: até assim: umas das/ o que me fez (SI)/ comecei a me olhar:: o que que eu to querendo fazer com isso... eu sei que por um lado ta sendo bom para elas.. vai:: que às vezes eu falava: não to fazendo nada... cheguei a pensar em falar isso questionar esse trabalho... não peraí/ nada não/ claro que não né: claro que não... mas o que eu queria ver é quero ver frutos... quero ver evolução nisso daí.... to levantando tudo isso ((mostra o material que tem em mãos)) todos esse dados aqui... todas essas queixas... o que eu vou fazer com elas? Por que eu: assim como elas também não tem com quem dizer... eu não tinha entendeu? Eu falava pra ele/ pro médico: como um desabafo um estudo de caso... poxa né: mas assim: pra eu poder/ eu não tinha um acesso à diretoria à organização às coordenadoras mesmo.... 85. Pesquisadora: Quando você fala que queria ver uma evolução... na sua cabeça o que que é essa evolução? O que que você vislumbrava como evolução? 86. Leila: O que eu vislumbrava? É: por exemplo né: uma coisa/ as condições de trabalho... primeiro a carga horária né: eu não tenho muito esclarecimento sobre isso mas assim: eu sei que nove horas não é um turno para uma operadora de telemarketing trabalhar... JAMAIS...entendeu? então isso era uma coisa que eu tinha que entrar... 87. Pesquisadora: Sem intervalo: nove horas sem intervalo? 88. Leila: Não, com intervalo... 89. Carmen: mas mesmo assim... 90. Leila: Mesmo assim: sabe: não há/né/ não há matéria humana que agüente isso... não tem como/ então/ horário de trabalho: as condições do fone... gente: subumanas sabe:: a esponja caindo: o fone/ headset né: o bocal: como eram poucos elas roubavam uma da outra para uma trabalhar com o da outra... o fone: e isso era uma coisa que eu falava como evolução... vamos melhorar essa condição: para elas se sentirem mais olhadas até... e produzir mais até... se sentirem melhores: entendeu? meu caso era a evolução... elas se sentirem melhores e olhadas mesmo... então o fone: a carga horária: a acústica do ambiente: acho que era uma coisa que eu podia movimentar... se eu tenho uma escuta lá dentro eu podia me movimentar para ganhar isso... não sozinha... 91. Regina: Quando você acabou esse trabalho você fez algum relatório? você devolveu isso para a instituição? 92. Leila: é o que eu to fazendo... eu to saindo de lá há uns dez dias....já fiz outros... já fiz alguns por exemplo: numa manhã -- to lembrando -- cinco operadoras vieram reclamar a mesma queixa: a gente ta com dor de ouvido, estamos com dor de ouvido... poxa... dor de ouvido não é tão simples de ter né: de aparecer uma dor de ouvido... como que é essa dor... aí você começa a esmiuçar essa dor de ouvido.... Você vai ver essa dor é dor assim: de orelha... de ouvido externo... dolorido tava.... como você trabalha/ você começa a ver tinha muita relação com as condições do fone: por que era um fone que elas não conseguem ouvir direito e o que elas fazem? elas ficam pressionando contra o pavilhão aquele fone: e realmente vai dar dor na orelha... aqui é cartilagem... se você dormir de mau jeito no travesseiro vai dor... 93. Pesquisadora: agora deixa eu te perguntar uma coisa... quando você deixou de fazer a anamanese individual e começou a fazer em grupo alguma coisa tinha na sua cabeça pra você fazer/ ta certo que culminou com o fato de não ter a sala e aí de repente estava apressada no horário e aí juntou todo mundo... mas tinha alguma idéia né: 94. Leila: tinha... 95. Pesquisadora: Na sua cabeça de botar todo mundo junto? aí você falou que foi super rico: falou da troca: deu o exemplo de duas primeiras não citarem a dor no ouvido a aí tem coceira e aí a terceira citou e a quarta acabou se sentindo talvez encorajada e citou também: aí as outras duas acabaram citando: aí você disse que tinha outros exemplos dessa dinâmica de grupo.... o que que você tinha em mente? vê se você consegue me responder isso... o que que você tinha em mente quando botou todo mundo em grupo e o que mais você pôde observar na hora em que elas começaram a falar.... então assim me parece que esse exemplo é um exemplo de cooperação... elas se sentiram mais fortalecidas de estarem em grupo e aí assumindo mais umas queixas que elas até tinham... só que individualmente ninguém ia assumir... na hora que uma começa a falar outra começa a falar... elas começam a assumir... e ai no que você estava falando... você até disse ahn: tinha uma coisa de referência que tipo de referência é essa? o que que vinha pra esse/ pra/ pelas falas delas/o que que vinha? você falou que vinha reclamação... era uma reclamação da direção: dos clientes: como que era isso? 96. Leila: é::assim: quando eu mudei essa forma de estar fazendo a anamnese né: se eu fosse pensar no que eu poderia articular depois com esses dados eu não faria... então eu até meio que vou fazer eu pensei assim de estar disponibilizando mais até elas: em grupo eu acreditei/ acredito que consigo disponibilizar mais por ser uma coisa: como você falou: tão assim fechada nesse caso né: não numa clínica normal... numa atividade clínica... como se uma anamnese fechada em grupo capaz que descontrair mais... deixar que isso viesse mais... cada um se colocasse... 97. Regina: Acho que você até pode ter pensado em proporcionar mais diálogo... com uma abertura maior também... será que você não pensou na mudança dessa dinâmica... uma coisa é você estar com seu paciente né: outra coisa é estar com um grupo e abre o espaço... 98. Leila: abre o espaço... 99. Regina: realmente para a conversa: para dividir... 100. Leila: pra dividir: 101. Regina: Dividir a dor pra dividir a alegria e uma porção de coisas... 102. Leila: dividir e as referências ...como eu falei... uma falando e a outra ia trazendo: agora além das queixas assim: quando em pensei num grupo eu pensei: já que eu não to podendo articular muito lá dentro com elas: porque não dar uma orientação aqui? uma orientação de conservação auditiva: uma orientação vocal: era uma coisa: um espaço que eu tinha para fazer isso... é: tinham coisas que elas já sabiam: que tinham escutado e não tinha uma anamnese antes... mas tinha uma breve conversa com uma outra fonoaudióloga que tava lá né: então: por exemplo: quando eu falava é: o porquê de estar alternando o fone né: ah só porque/ pra não ficar surdo e tal... será que é isso: vamos esmiuçar isso aí: será que é só por isso: por que que a gente alterna o fone né: e não a gente ia dividindo mais ampliando mais isso... Eu não queria só/ eu comecei a perceber que tinham condutas que elas tinham escutado e que muitas vezes eu perguntava e aí você ta fazendo? faz isso na prática? ah, não... e muito eu percebia que era assim: porque só tinham jogado/ mas o porquê/ o benefício que isso ia trazer a elas isso não tinham dado: então assim: ah: eu ouvi falar que comer maçã é muito bom.. eu como maçã e não como chocolate... por que maçã: porque que você come maça e não come chocolate? Ah sei lá, então maça é adstringente, ela limpa desde a fase oral até o trato vocal, chocolate é muito viscoso... né: pode atrapalhar... e assim a gente ia conversando mais sobre isso... era um modo que eu podia dar uma orientação de saúde vocal: orientação de conservação auditiva: porque isso também/ quando era individual eu falava... parece que elas tinham de agüentar tudo lá sim... Não sei: eu assim: até muito do que eu/ dessa prática eu to agora nesse espaço agora que eu to começando a cair outras fichas... a analisar... vou ser sincera pra vocês ta... agora: eu percebia que quando era individual essa orientação: não era como era em grupo... porque em grupo: umas já tinham feito: podia falar isso: ah eu já fiz... por que que você fez? Então era um espaço que eu podia/ porque você só vai fazer lá fora quando tiver sentido, fazer por fazer: não vai né: comer maça é bom, mas por que é bom? E elas não tinham procurado o porquê disso lá... Aí nisso quando você falava da orientação: dos benefícios e dos malefícios de algumas condutas: de alguns alimentos: de algumas posturas: sei lá... elas traziam também: ah sabe o que eu já ouvi falar: que: por exemplo: mastigar cravo da índia faz bem pra voz... olha eu nunca soube do cravo da índia... vou estar vendo/nunca soube/ mas eu sei disso disso: e colocava né: falava pra fazer inalação com água só pra ir hidratando... a água é excelente independente pra o que você está fazendo... ainda mais que estão no ar condicionado que vai ressecando...né: era o espaço também para dar orientação para elas... para dar... para dividir a orientação: elas me colocavam coisas que depois eu ia ver e realmente era bom e eu passava para o próximo grupo também... E eu nem sabia: começava a ver... 103. Pesquisadora: Você teve retorno com os grupos que você fazia: não? Por exemplo: esse grupo dessas pessoas que falaram: ah eu ouvi dizer que cravo da Índia é bom e aí você falava: olha nunca soube que cravo da Índia é bom, vou até ver, eu sei de, sei lá tal, tal, tal... aí você foi -- não sei se exatamente nesse exemplo -- falando que vou pesquisar e descobriu que de repente cravo da Índia é bom e passou para o outro grupo que cravo da índia é bom... Você teve algum encontro com este primeiro grupo aí que disse pra você que cravo da Índia era bom...você teve retorno desses grupos ou não? 104. Leila: Olha, tiveram operadoras encaminhamento de criança né: que retornaram: na procura de 105. Pesquisadora: O que eu queria saber era assim: a minha pergunta se teve retorno era como é que você sentiu essas pessoas no retorno né: Se essa conversa que você teve com elas gerou alguma coisa nelas... sei lá... ligou alguma luz... se você viu alguma alguma mudança... porque ta claro uma mudança do individual para o grupo né: do grupo na continuidade do grupo... na medida em que você mudou o jeito de se colocar: você mudou o jeito de se colocar com elas: você conseguiu ver alguma mudança: porque estaria aí talvez a continuidade do seu trabalho né: 106. Leila: o que eu vi quando eu tava na parte da orientação... quando eu dava orientação uma delas já chegou a se manifestar ah isso eu já sabia... ah é? de onde você soube: você teve alguma orientação... participou de uma outra dinâmica? Não... a operadora que teve orientação com você me falou... A fita acabou e pouco depois da troca elas se levantaram para fazer um intervalo. Foram, inicialmente, Regina e Leila, ao móvel onde tinham as bebidas e comidas. De pé, voltaram a falar do assunto. 107. Leila: Gente... parece que não: mas você se envolve de tal maneira que eu saí de lá e eu não peguei minhas coisas ainda... Parece que eu ainda estou lá com elas... sei lá o que é isso? Eu vou voltar né: Vou entregar o relatório... 108. Regina: Seria interessante você colocar muitas coisas nesse relatório né? Você fez um trabalho.... 109. Pesquisadora (posicionada atrás da câmara): Eu também acho... 110. Regina: um artigo.... 111. Pesquisadora: eu só estou com um receio da fita não ter gravado.... 112. ((risos gerais)) 113. Regina: Eu acho que como trabalho/ eu acho que foi um trabalho muito muito legal né: que a gente só pensou em diálogo na terapia... mas tava tendo diálogo em várias situações e você até revelou isso né: em grupo: 114. Leila: mas eu caía tanto às vezes no questionamento que você falou -- foi bom você ter falado -- era um fazer fonoaudiológico? você sentia que era? 115. Regina: ah sim: 116. Leila: eu me questionava muito... 117. Regina: é para os fonoaudiólogos saberem como que é isso né:: e a gente tem que ser criativo no nosso trabalho... 118. Leila: eu acho... 119. Regina: Em qualquer lugar... 120. Leila: em qualquer lugar, é.... 121. Regina: se tem/ se você/ se tem uma luz que bate: vai:: depois você vai ver o que acontece... você vai para uma supervisora: você sai correndo:: faz alguma coisa... mas na hora você só não pode colocar lá/ num foi pendurado a pessoa... as outras coisas... você pode sabendo o porquê que você... um pouco né: Acho que você vai seguindo né: não foi por acaso que você colocou/ porque você podia não ter a sala/ tava pensando aqui: e chamar uma por uma... 122. Leila: é: entrar uma de cada vez... 123. Regina: Por que ela chamou três? ((olhando para a câmara)), quer dizer tem uma coisa que você não sabe exatamente: quando você chamou porque nem deu tempo: mas você juntou essas pessoas... alguma coisa tinha... Tem alguma coisa que você nem sabe exatamente quando você chamou... mas você juntou essas pessoas... alguma coisa tinha.... 124. Pesquisadora: Então: foi aquilo que eu coloquei... alguma coisa te fez pensar pra botar essa mulherada junto... 125. Leila: E até assim: eu acho: que eu/ eu via assim quando tava individual: para tudo o que o/ esse contato que eu tenho aqui pra eu disseminar isso/ pra isso se expandir: ta difícil com uma só: eu to aqui e tem uma só: ta fechado e é uma só... na verdade, o que eu queria mesmo é estar na unidade de arrecadação fazendo o meu trabalho... 126. Regina: Queria ter mais: 127. Leila: Por isso que já tava na minha cabeça querendo ampliar... 128. Regina: Ampliar: exatamente.... 129. Leila: estar fazendo uma orientação grande.... estar fazendo uma orientação grande: chamar logo dez... 130. Regina: Fazer uma palestra inicial...Talvez seja uma proposta para um outro trabalho... Vou fazer sim... mas eu gostaria de ter um momento... 131. Carmen: Mas é difícil se não dão valor pelo que ela tem ... 132. Regina: É muito difícil... não/mas aí é você que tem o trabalho... você tem que/ tem que conversar com os dirigentes e olha meu trabalho é feito assim, vou fazer assim... você é que vai dando um pouco a direção... 133. Leila: É isso que você falou... acho que já tinha no meu inconsciente: um desejo:: acho não tinha.... eu fiz uma programação: gente: de fazer uma apresentação e uma palestra e tal... 134. Pesquisadora: Um desejo ou um conhecimento do que é um trabalho com linguagem? 135. Leila: um conhecimento:: 136. Pesquisadora: Que aí é que eu acho que entra a questão que a Regina colocou e que você falou né: de ficar angustiada se era fonoaudióloga ou se não era fonoaudióloga... 137. Leila: Como é que é? ((dirigindo-se para a pesquisadora)) fala de novo... 138. Regina: Ela está angustiada: angustiada com o trabalho... 139. Pesquisadora: Você tava falando de um desejo e aí eu to perguntando se é um desejo ou um conhecimento do trabalho com a linguagem... que fez parte da sua formação: entendeu? você se formou para trabalhar com linguagem e aí você consegue identificar um formato aí de linguagem que você até disse -- espero que tenha gravado em algum lugar -- que você até disse que elas chegam sabendo que tem que responder umas perguntas e isso de alguma forma te angustiou.... 140. Leila: humhum... 141. Pesquisadora: Não sei se isso é só um desejo ou se é um conhecimento aí que você tem outro... que você tava querendo colocar em prática.... 2ª EXPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA – 09/10/2001 Neste dia, compareceram Rita, Regina, Leila e Heloisa. Sentaram-se nos dois sofás da sala, ficando Regina entre as outras três. Foi ela quem apresentou o caso para discussão. Trazia consigo uma pasta com o material, apontamentos das sessões com seu paciente, para utilizar na apresentação. 1. Regina.: então... eu trouxe um caso... para vocês que eu trabalhei por um ano -comecei no dia 24 de janeiro de/ desculpe desde 12 de abril de 2000 e terminei interrompido né o caso... no dia 2 do quatro... então faz pouco tempo... então ta um pouco/ ta bem tranqüilo pra lembrar é: de muitas passagens né -- então... Carla de onze anos foi encaminhada para fazer uma avaliação de leitura e escrita... pela escola... e: -- pronto -- ((arrumando o material que trouxe para a apresentação)) ( ) ela não tinha uma escrita adequada para a idade...tinha tido já um acompanhamento por um psicopedagogo por alguns anos... desde que iniciou o ensino fundamental... primeira série... sempre mantendo uma certa dificuldade para ler e escrever...quer dizer... ela: rejeitava... trabalhos em grupo na escola...dificuldades de relacionamento -- então: ahn eu fiquei aqui tentando organizar um pouquinho... só para dar pra vocês uma idéia -- ela chegou por intermédio de uma outra paciente que também já tinha feito um trabalho de leitura e escrita e: na primeira entrevista eu fiz só com a mãe, como eu costumo fazer eu entrevisto sempre os pais, às vezes eu chamo os pais e vem só um deles e no caso veio só a mãe... então aparentemente os sintomas eram dificuldades para escrever... e que ela ia mal em português... isso assim era a angústia da família em torno disso... chamei a Carla numa outra sessão para conhecê-la Carla é filha única... quando ela chegou ela chegou com um comportamento um pouco estranho é: um pouco desconfiada e: diz que não adiantava fazer nenhum trabalho que ela já tinha feito um monte de trabalho que não ia fazer não ia fazer nenhuma diferença porque ela ia mal porque ela não gostava mesmo e não ia escrever.... e que não tinha jeito de conseguir fazer ela escrever.... mas assim... desde a primeira sessão ela ficou:: eu falava que eu vou lhe conhecer -- e eu costumo fazer as entrevistas com crianças... quando eu faço psicodiagnóstico eu faço do mesmo jeito... só que no caso eu direciono para o trabalho de escrita... mas no processo diagnóstico... eu sempre procuro trabalhar conversan:do... fazendo jogos... desenhos sempre peço desenhos... -- eu tenho alguns desenhos do primeiro encontro que são bem/ que elucidam bem a questão familiar... que me pareceu muito forte o problema dela relacional e que tava intervin/ interferindo muito na escrita e no trabalho no comportamento em tudo né.... e acho que ela se apresentou assim que eu: sabe não precisava/ eu perguntei primeiro --eu faço essa pergunta para a criança... uma criança um pouquinho maior se ela sabe porque que ela ta vindo ali comigo... e se ela sabe o que eu faço... e às vezes elas estão com uma idéia eu pergunto qual idéia que tem e depois eu falo também algumas coisas....-- e: comecei a: eu disse olha... você vai escrever algumas coisas também, mas primeiro você pode fazer uns desenhos... aqui tem material... -- eu tenho material pra desenhar material pra/ tem material de escritura que eu distribuo assim na mesa...deixo papéis deixo alguns jogos... deixo umas revistas uns livros... deixo uma sala um pouco: digamos... convidativa pra fazer alguma atividade... que a criança sinta que tem alguma coisa ali que vai... eu trabalho com caixa com caixa lúdica como trabalho com criança em terapia psicodiagnóstico né... eu trabalho com material aberto pego jogos... num armário tem vários jogos ...então a gente começa a conversar -- e ela me chamou muita atenção ao comportamento dela... muito mais/ eu fiquei muito mais na hora que a gente começou a conversar... eu não quero, eu não quero... uma coisa assim mais de não/não ta se ligando mesmo a um trabalho: que eu pudesse propor né... ela disse eu só gosto de brincar... aí ela viu os brinquedos e eu quero brincar... eu disse então vamos fazer uns jogos aqui mas vamos fazer uns jogos e vamos também fazer algumas outras coisas... e aí ela começou... então no início assim: ela conseguiu fazer alguns jogos... e: 2. Heloisa: isso foi na primeira sessão que ela disse eu gosto de brincar? 3. Regina.: é... porque ela viu os brinquedos eu quero brincar...ela olhou a sala: e viu que tinham algumas coisas que ela podia fazer e eu achei ótimo e: começo por onde: a criança vai né: então ta bom... então vamos escolher... e ela vai escolher direto os jogos aí eu... então aqui tem uma sessão... e tem também o trabalho com argila e -- eu trabalho com tudo... o mesmo material que eu uso... para diagnóstico de criança é: em fonoaudiologia é o mesmo... deixo tudo lá distribuído... só que é um material que fica mais aberto e é também/ -- uma das coisas que ela pegou foi a argila... trabalho com argila... então assim: ela logo quis manipular argila... e: então nós preparamos a mesa a gente fixou ( )... uma mesa baixinha e aí eu fui cortar a argila na cozinha... a gente tinha uma inteira e fui cortar um pedaço da argila...-- a gente fica perto da sala de ludo uma sala... tem uma pia é como se fosse uma edícula de uma casa... e lá tem o tanque... onde a gente vai lavar a mão: tem uma mesa pequena duas poltronas e vários armários de jogos... é bem grande é mais ou menos o tamanho dessa sala dividido um pouquinho com a lavanderia... é a lavanderia de uma casa só que ali que a gente faz o trabalho... e a criança vai lava suja limpa de novo: a gente limpa tudo junto então é assim... é uma sala mesmo de trabalho de terapia... então aqui... ah/ eu comecei a descrever -- a medida em que eu também vou escrevendo algumas coisas enquanto a criança vai fazendo principalmente nas primeiras entrevistas...então à medida que ela vai fazendo desenho ou fazendo algum: trabalho... não importa eu vou escrevendo... acho importante depois eu ler: e fazer algum elo associativo... alguma coisa vai: fazendo sentido... então aqui eu coloquei, ((leu as anotações de terapia)) “Carla fez um túnel escondido e escreveu meu nome... as iniciais do meu nome... REG”... né: ela tava me conhecendo a gente tava se conhecendo ( ) e ela é: “depois ela fez um trenzinho com o nome REG que virou uma cobra”... --com argila... né: eu tava trabalhando...-- “e essa cobra era uma cobra venenosa e perigosa”... assim de CARA já chega com/olha só: vem com queixa de distúrbio de leitura e escrita... olha: como que ela tava... extremamente agressiva mesmo muito agressiva... aí ela disse eu sei tirar o veneno das cobras... ela falou assim pra mim... né: mas essa cobra é perigosa... 4. Pesquisadora: ela falou? 5. Regina: ela falava...ela falava na lata ela dizia ela chu: 6. Pesquisadora: não/ela falou assim eu sei como tirar os venenos das cobras mas essa cobra é perigosa? 7. Regina: é perigosa... é só tirar o veneno mas essa morde e a gente morre ((risos))... ((volta a ler)) “tem um carinha com nome REG” aí ela põe o meu nome assim: marca assim o meu nome na:... né ali na cobra... “a cobra morde... morde o menino REG” aí ela muda o sexo também... não sou mais eu já é o menino... ela vai/ vai fazendo a versão dela... “dentro do túnel é perigoso” ela diz -- eu to falando o que ela disse... escrevendo o que ela falou e eu escutando – “tem um monte de morcegos”... -- ela tem muito (a simbolizar)... essa é a segunda sessão na primeira sessão a gente fez só uns jogos... essa sessão é que ta muito forte... ela já tinha tido um primeiro contato comigo—“eles chupam o sangue das pessoas”... ela ADORAVA contar as coisas assim de uma forma muito dramática... sempre ou ela estava atingindo alguém atacando alguém... ou ela se atacava também se machucava muito... “as pessoas morrem...e esses animais são como os leões que ficam com fome uma semana e comem o menino... o menino REG”...( ) e: eu ia fazendo com certeza as interpretações aqui assim né: perguntando né.. eu acho que você ta/ dizendo que ela tava realmente muito aterrorizada ali naquele lugar que ela também não me conhecia e: numa interpretação mesmo do que ela/do conteúdo que ela tava apresentando... né... que tava entendendo... ela não me conhecia... da primeira vez ela também tinha ficado muito tempo com uma pessoa que ela podia ta pensando que também eu podia estar é: sendo: uma: pessoa má que tinha um veneno mas que ela tava podendo lidar com o veneno... isso foi muito importante quer dizer: ela sabia lidar com o veneno das pessoas... ESSA/essa sessão foi uma sessão que por muito tempo: nós fomos trabalhando... alguns conteúdos que surgiram... ao mesmo tempo em que ela era agressiva ela sempre queria me dar algum presente... ela tinha uma culpa: uma culpa terrível... então a gente fabricava presente na sessão... então ela fazia algum objeto com argila depois ela pintava/ela fazia presente... pegava papel: e colocava num papel é: colorido e me dava de presente... cada vez que ela me atacava ela tinha que me dar um presente depois... ou ela chegava depois com algum presente ou ela queria que eu desse um presente para ela também... então...ela não fazia sozinha as tarefas -- isso é uma coisa importante -- sempre eu tinha de fazer junto alguma coisa, ela não conseguia é: se ela ia... fabricar algum presente pra mim: vamos fazer um presente hoje essa coisa do presente ficava como se tivesse camuflando toda uma agressividade dela e toda culpa que ela sentia...porque ela se sentia muito má... ( ) em mim: o que ela sentia o conteúdo digamos... mundo interno dela né: fui interpretando isso... até a gente conseguir chegar na escrita foi um pouquinho... foi assim um trabalho: que demorou um pouco né...é: peguei alguns livros: -- e não sei se vocês conhecem tem uns livrinhos da Flora:...é uma: autora muito/ela fez alguns livros numa linguagem muito interessante... os (Gêmeos Corintianos) -- e ela escolhe os livros, também tem essa coisa de ela escolher o que quer ler, então vamos vamos ler alguma coisa e ela gostava de ler algumas coisas... se interessava só.... 8. Leila: é: Regina você falou... você fala que tinha um histórico de que na escola ela tinha dificuldade em trabalho em grupo... mas ela tinha esse comportamento agressivo por agressividade ou por essa coisa de ter dificuldade de enfrentar o novo... o grupo... a diferença... 9. Regina: ela tinha dificuldade/ sempre teve dificuldade com todos os colegas ela não tinha, ela não conse/ ela tinha uma amiga que não da classe dela que era amiga do prédio onde ela morava... ela não conseguia ficar muito bem com as crianças da classe com os colegas e eu fui chamada pela direção da escola... eu tive uma entrevista longa com a diretora/ com a coordenadora... e que essa menina desde muito pequenininha ela tinha sido vista por um psiquiatra que ia na escola de vez em quando ver uns casos diferentes e era muito muito muito complicado com os professores e com os colegas também... ela sempre tinha uma agressividade muito forte... 10. Heloisa: tinha irmãos ela? 11. Regina: não... 12. Heloisa: não? 13. Regina: não tinha irmãos... e:: ela era muito/ ia muito bem em matemática... mas tinha todo um pensamento diferente... tinha uma resolução às vezes diferente do que era proposta pelas professoras de matemática e chegavam a um resultado idêntico... o pensamento dela era um.../ ela adorava fazer contas... adorava... mas escrever não despertou... tudo bem escrever as palavrinhas era mais difícil... era copiar ela tinha uma coisa de só copiar copiar copiar e: a relação dela com a mãe era uma relação extremamente ambivalente a mãe era muito muito muito tensa... nervosíssima não sabia lidar com ela... e o pai indulgente... tudo ela podia fazer: ele achava tudo ótimo... muito machão: deixa pra lá: então: era muito complicado...ela tinha uma relação com a mãe que a mãe chegava a um ponto que tinha que espancá-la...(SI) então era muito difícil... ela às vezes levava presente pra mãe também... ela saía da sessão com alguma coisa para a mãe...ela fazia para mim e pra mãe... é muito muito interessante isso... e: até um tempo: --eu ia falar...( ) ((barulho de avião passando, prejudicando a escuta)) -quando ela começou o diagnóstico uns meses depois ela começou em abril e logo vieram conversar comigo eu fui até lá e relatou todo o caso, como era a relação dela na escola e que não sabiam se ela ia passar de ano... ela não fazia nada direito... não tava conseguindo acompanhar as tarefas ela só queria BRINCAR né: não parava quieta... ela passava de uma atividade para outra como/ -- quando eu trabalho com criança pequenininha que às vezes não fica muito tempo numa atividade... tem que ficar mudando de atividade: de vez em quando cada dez quinze minutos você ta: fazendo um outro jogo a menos que ele fique uma meia hora se você conseguir que uma criança fique num jogo já é muito para uma criança de quatro ou cinco anos e era assim com ela -- ela ia mudando e fecha agora não quero agora não... no começo: hi-pe-ra-tividade... 14. Leila: e nessa primeira entrevista com a mãe no início ela trouxe alguma coisa diferente um dado assim: 15. Regina: ELA não me trouxe nada muito diferente no começo ela me trouxe depois... porque depois eu chamei aí eu digo olha no meu trabalho eu faço pelo menos uma reunião mensal com a mãe e o pai eu chamo no começo até eu entender melhor e direcionar o trabalho... e eles/ o que apavorou: que eles vieram né se tratar... vieram trazer a Carla pra se tratar/ no fim eles também tavam se tratando comigo/ acaba todo mundo se tratando né... que eu faço reuniões e... e aí o que eu vou vendo eu vou interpretando vou falando vou orientando... faço orientação também né: e isso/ o pavor era assim: o pai dizia Ah não: ela não/ eu vou falar com o diretor da escola.. ela não vai repetir de ano ela não pode repetir de ano mas imagina que ela vai repetir de ano... todo mundo passa porque que ela não passa? Sabe, tudo tentando facilitar: na cabeça dele facilitar a filha: a vida dela e tava cada vez dificultando mais e ele ficava com ela durante o dia a mãe saía pra trabalhar: só que ele não: não fazia as lições junto com ela... não tava nem aí: e ele não ligava e ela achava ótimo ela dizia meu pai não briga comigo meu pai é maravilhoso fazia tudo o que queria com o pai... 16. Heloisa: e a mãe que trabalhava 17. Regina: A MÃE/ o pai trabalhava: ele trabalhava assim: como se fosse um auditor de engenharia...então ele ia... fazer: inspeções... e era só a partir do meio dia o trabalho dele a partir das onze horas ele tinha um horário muito mais flexível... -ela vinha nas sessões no começo ela vinha de manhã depois ela mudou e ficou de tarde-- mas na escola quando eu tive na escola: foi muito assim: eu acho que o que eles puderam observar eu também pude observar nesses dois meses que eu já estava em tratamento com ela... e: cheguei à conclusão que: tinha que um pouco tratar: né do emocional mais direcionado para essa questão do que pegar realmente no trabalho de escrita... eu não conseguia chegar lá...tava tava tão: tão: aquém ainda... eu não conseguia mesmo... e quando/ eu acho esse trabalho com argila esse material ela era muito assim: de rasgar coisas ela não tinha muita/ tinha um limiar de frustração baixíssimo... ela rasgava os trabalhos dela e jogava no lixo... pra eu conseguir segurar o trabalho dela era muito difícil ela mesmo jogava e não deixava/ você não vai pegar é HORRÍVEL o que eu faço é horrível o que eu faço... Ela se colocava numa posição assim de que... tudo o que ela colocou nesse início nessa sessão que eu achei muito né -- até quando eu retomei o caso/ é bom a gente retomar os casos pra ver o quanto de conteúdo ela trouxe nessa sessão... tudo o que ela me deu durante um ano de tratamento... 18. Rita.: bem...queria te perguntar ... 19. Regina: diga... 20. Rita : é: você falou que demorou para entrar na parte de escrita mesmo... 21. Regina : demorei... 22. Rita: quando você entrou você já tinha na verdade feito um trabalho antes com ela ... e aí o que que você tinha de dados da escrita dela, por que tinha uma queixa de de 23. Regina: Ah, (SI) era uma coisa assim, eu fiz no começo... 24. Rita.: de: de: da escola tinha essa queixa... a queixa da mãe e por mais tinha tinha essa/ esse lado emocional todo até pra: ver o lado emocional e até deixar a escrita um tempo em latência assim: o que que tinha na escrita dela que ia fazer ela repetir de ano? 25. Regina.: olha... ela tava na acho que segunda série/ não ((procura no material dela)) 26. Rita.: ((risos)) quinta? se ela tava na segunda ela já tinha repetido várias vezes 27. Regina: já tinha repetido: ela tava na quarta série já tinha repetido tava na quarta série 28. Pesquisadora: ou então não... ela pode ser uma das/ daquelas atrasadas que faz aniversário no segundo semestre... nem atrasada mas faz aniversário no segundo semestre... entra com dez na quarta série mas termina a quarta série com onze... é esse o caso dela? então não tinha repetido ainda... qual é a data de nascimento dela? 29. Regina: data de nascimento deixa eu ver ((procurando o material)) é 24 de janeiro de noventa... 30. Pesquisadora: então ela tava um ano atrasada era pra estar na quinta série... 31. Regina: Ela fez em mais anos tem uma coisa assim: ficou mais tempo na pré escola... desde o começo já foi muito difícil...mas assim... eu acho que eu vou agora responder pra você...eu só decidi parar um pouquinho depois que eu conversei com a diretora da escola...que eu já tinha tentado um trabalho de leitura de escrita então o que eu tenho aqui um início de sessão aqui ((procurando no material)) que ela escolheu a leitura de um livrinho que eu tenho -- um livrinho de leitura cursi é: de mão é: leitura: 32. Rita.: cursiva 33. Pesquisadora: letra cursiva 34. Regina: letra cursiva leitura cursiva ((risos)) que era a história do Babar o elefante Babar -- são poucos os livros que tem né assim com letra cursiva -- e é uma história que encanta muito as crianças a história do Babar uma história que no comecinho o caçador mata a mãe... ela ficou nessa história um tempão: então eu fazia várias leituras com ela ((procurando nas anotações)) aí coloquei (lendo) “após a leitura dessa história, solicitei a Carla que fizesse um comentário por escrito, inicialmente Carla disse que estava cansada, porque já havia escrito muito na escola, finalmente escreveu o comentário e desenhou o elefante”... ela fazia mais desenhos o trabalho era muito com desenho e um pouquinho de escrita... era muito assim... 35. Pesquisadora: você tem esse comentário que ela escreveu? 36. Regina: ((procurando no material)) acho que tenho... eu tenho ( ) eu tenho o desenho ((mostra)) olha a “história de Babar” ((lendo a folha escrita e desenhada por Carla)) esse foi uma parte da história... algumas figuras que ela pôde observar no meio do livro 37. Pesquisadora: esses desenhos Regina: 38. Regina: ah, ta aqui, ta aqui 39. Pesquisadora: são desenhos copiados... 40. Regina: ela copia também os desenhos ela copia... 41. Leila: esse ta bem bonito...((vendo os desenhos que passam de mão em mão)) ela assina Carla ou Carla ela coloca a assinatura e o nome dela é isso? 42. Regina: é... ela risca/ olha a assinatura dela ela risca tudinho... 43. Leila: e põe ( ) 44. Regina: é... “Aí no final da sessão ((lendo novamente)) Carla pega outra folha e desenhou uma figura de leão”... essa figura aí ((mostra)) “Carla decidiu perguntar por lápis de cor”... ela gostava muito de fazer muito trabalho de pintar bem: bem repetido mesmo... ela era uma menina bonita graciosa sabe... olhava e não podia pensar que tivesse um trabalho tão: repetido aí eu disse assim: ((voltando a ler)) “Carla quis esconder o desenho e só me mostrar quando ela acabasse”... Ela fazia muito disso porque eu queria ver como ela começava por onde ela começava... que faz sentido como ela se direciona na folha as cores que ela vai usando... um pouco a ordem eu olho isso e comento isso com ela... mas ela fazia assim e virava: dizia que não fazia então tinha uma coisa assim... 45. Pesquisadora: deixa eu te fazer uma pergunta Regina... ela fez/ela escreveu né: ela escreveu e desenhou você é: tem que intervenção nessa hora? você também comenta em cima do texto dela: não comenta... qual foi/ você tem uma lembrança de qual foi: 46. Regina: qual foi intervenção? 47. Pesquisadora: é: sua intervenção... 48. Regina: eu comentava os textos... eu comentava: eu pedi para ela ler o texto e às vezes quando ela observava falha eu dizia: ah:: ela observava às vezes alguma falha também... 49. Pesquisadora: Hum hum:: aí o comentário ia nesse sentido? 50. Regina: o comentário ia nesse sentido e ia no tratamento do erro né: como podia tratar que outro jeito ela tinha pra escrever aquela palavra... eu tenho mais/ mas ta tudo solto realmente ((procurando mais material de Carla)) esse aqui olha foi também um das primeiras sessões... vinte e dois do quatro de dois mil... ((todos vendo os trabalhos de Carla)) 51. Pesquisadora: quem é Maura? 52. Regina: é a mãe... 53. Heloisa: é a/ é a mãe? 54. Pesquisadora: ela chama Carla... 55. Regina: o pai é Osmar... 56. Heloisa: por que atrás está escrito Maura? ((mostra um dos desenhos de Carla com o nome Maura atrás)) 57. Regina: ah: eu que escrevi: porque eu perguntei quem era e escrevi atrás... 58. Rita: ((lendo o texto de um dos desenhos de Carla)) “Um dia passou vários cachorros e eu comi eles”... 59. Regina: ((olhando para o desenho)) é... 60. Rita: ((ainda olhando o desenho)) aí ela desenha até você de cachorro? 61. Regina: tudo... aí ela me comia também.... 62. Rita: todo mundo é cachorro... ela é cachorro todo mundo é cachorro... ((todas vendo os desenhos em silêncio)) 63. Regina: nessa ela colocou editora Regina... 64. Pesquisadora: aí tem um texto dela? 65. Regina: tem um textinho... 66. Leila: ((vendo a folha)) editora Regina... 67. Pesquisadora: então Rita deixa eu intervir nisso... então ela escreveu né: então no dia catorze aqui ela escreveu ((lendo)) “um dia uma pessoa estava no jardim e apareceu um monstro radical. Carla, editora Regina”... surgiu daonde esse desenho e este texto...você consegue se lembrar? da situação? surgiu como... qual foi a continuidade? eu acho que tem até um desenho desse né: que ta rodando... do monstro radical... que ela pôs toda a família.... será que é esse o desenho? 68. Regina: esse foi o primeiro.. foi: ((olhando o texto)) ah, eu tenho a impre: 69. Pesquisadora: é no dia doze ela também escreveu... 70. Regina: Eu acho que: eu acho que esse aqui tem é: pode ser que tenha sido no: esse foi o primeiro desenho dela... 71. Pesquisadora: então... e aí no dia doze também ela escreveu ((lendo)) “um dia passou vários cachorros e eu comi eles. Gaston é gostoso que gostoso”. Então: os dois no mesmo dia... você lembra que contexto era isso? 72. Regina: eu tenho a impressão que esse tem a ver com aquele mas deixa eu procurar mais alguma coisa ((volta a procurar no material)) muitas vezes o contexto era uma história que ela fazia um comentário e um depois um desenho: agora eu não lembro mais: que livro de cachorro... ((procurando no material)) 73. Rita: nesse desenho do radical também tem cachorro né... de repente tem um monstro radical que comeu o cachorro (( risos)) 74. Regina: ela falava muito de cachorro/ ela não tinha cachorro e queria ter cachorro... 75. Heloisa: ela queria ter cachorro? 76. Regina: ela não tinha cachorro... 77. Heloisa: você não leu de uma historinha de cachorro: nada? 78. Regina: ((procurando no material)) pois é ( ) acho que o que eu poderia estar pensando aqui: às vezes eu peço pra olha: escreve o que ta pensando o que tem vontade... eu acho que quando não tem um contexto de livro de história eu peço para escrever o que tem vontade também tem isso.... eu não consigo lembrar porque eu não lembro de ter cachorro em algum livrinho dos que eu já: dos que eu costumo ler com as crianças ou dar.... 79. Heloisa: e ela falava que gostava de cachorro que queria ter um cachorro... 80. Regina: tinha FIXAÇÃO por cachorro... e assim: durante um tempo a gente começou com ( ) isso aqui ((mostrando outro trabalho)) ela fez uma cópia quem tem medo de bruxa -- da coleção quem tem medo... que as crianças às vezes costumam ler -- e ela fez questão de levar para a casa dela só que ela não escreveu o que ela gostou... 81. Pesquisadora: ela copiou... 82. Regina: ela copiou alguma coisa/ alguns trechos que ela gostou/ ta aqui/ da bruxa: ela sempre escolhia alguma coisa mas realmente: agora não consigo mesmo lembrar... 83. Pesquisadora: ta/ não/ tudo bem... 84. Regina: não consigo recordar... mas provavelmente: tem momentos que eu pego alguma coisa que ela tem vontade de escrever... ou então a gente ta falando/ ela podia estar falando de cachorro e aí eu pedi para ela escrever... isso pode acontecer também/ é a direção que eu daria... digamos... e eu sempre disse a ela... foi a única coisa que eu guardei de cópia ela queria sempre copiar eu dizia mas não precisa copiar... a gente vai escrever do jeito que você puder escrever (não gostaria:) não porque na escola eu faço assim... na escola... eu sempre tentava diferenciar da escola com a sessão: e tinha uma coisa de ela sempre querer fazer cópia e eu pegava... lia a história ficava com o livro e ela ficava imaginando... fazendo algum comentário e: foi muito difícil... eu não consegui chegar à abordagem do erro muito legal com ela... porque eu tive de voltar a partir de/da metade do ano passado a trabalhar mais a: parte emocional dela que tava muito muito complicado... trabalhei muito com os pais... fiz muitas sessões com eles/ assim praticamente de um mês e meio em um mês e meio eu chamava e: 85. Heloisa: quantas vezes por semana você atendia ela? 86. Regina: eu atendia duas vezes por semana... no começo era uma sessão... depois eu aumentei para duas... no segundo semestre até o final e ela infelizmente: a coisa tava andando: quando ela se mudou para Atibaia... 87. Rita: engraçado porque assim: ela não gostava de escrever mas ela levava um livro pra copiar em casa... 88. Heloisa: que ela mostrava copiava 89. Regina: ela falava disso ( ) eu queria dizer pra ela que não era aquilo que eu tava querendo fazer com ela...eu queria que ela escrevesse o que tava passando na cabeça dela... as idéias que a gente tava conversando e que era a partir daquele momento que a gente podia estar escrevendo alguma coisa... eu queria a escrita espontânea dela...não queria cópia mas ela tinha um hábito/ ela trazia/ uma vez ela trouxe pra fazer lição na sessão... foi difícil ela trouxe e ficou na minha frente e ficou fazendo... eu disse eu acho que eu não tenho nenhuma função aqui: você pode voltar para sua casa e fazer lição porque eu não vou fazer lição com você... eu acho que é outra coisa... ela ficou com muita raiva... aí uma hora ela pára/ aí ela guardou: aí ela ficou: dando a entender que ali não era lugar de fazer lição de casa eu não era professora particular dela como ela tinha dito mas a outra fazia lição comigo... 90. Heloisa: a outra você diz? 91. Regina: a outra psicopedagoga que ela/ -- eu não sei: eu não sei nem quem é mas foi alguém que trabalhou com ela que a mãe me falou que era psicopedagoga que fazia lição de casa com ela – então: foi muito difícil ela mudar é: um pouco a estratégia e saber que ali era um outro lugar de trabalhar as dificuldades dela e ela dizia não preciso mais vir aqui, não tenho mais nenhum problema... às vezes ela era muito dura... às vezes ela me atacava me batia mesmo era muito agressiva ...tinha que dar uma contida legal... por isso que eu tive que parar realmente o tratamento/ o trabalho com a escrita por um tempo porque ela foi ficando... a mãe também tava:-- coincidentemente ou não-- a mãe tava fechando uma firma... tava na lua de nervosismo chegou comigo eu fiz umas sessões com a mãe até disse olha o que ta acontecendo que a Carla ta numa agressividade total e a mãe ficava a sessão INTEIRA esperando... ela levava e ficava esperando... mas assim... ela era extremamente educada não parecia aquela agressividade toda não se manifestava tanto e ela tinha uma coisa de se machucar muito...ela começou a se machucar: 92. Pesquisadora: a Carla? 93. Regina: a Carla... 94. Leila: como? 95. Regina: fazendo tudo para cair e se machucar... na escola tinham me dito isso e no meio/ ela foi: assim: -- sabe aquela criança que não/ ela tinha algum problema acho... talvez assim até motor mesmo: ela saía correndo: ela não tinha muita é: digamos... 96. Heloisa: coordenação? 97. Regina: é uma coordenação pouco alterada... então facilmente ela se batia nas coisas assim: sabe? 98. Heloisa: mas era uma coisa proposital ou... 99. Regina: não... 100. Heloisa: não era... 101. Regina: não parecia proposital... ma/quando ela se machucava ela fazia questão de mostrar a ferida dela... olha como eu esto:, olha só: eu não chorei... e ela tinha um pouquinho de azar também/ ela quebrou o pé/ uma vez que estava lá e ela adorou.... minha sala era/ ela queria subir pra ir no banheiro... ela não foi no banheiro de baixo -- a gente tem um banheiro embaixo -- ela foi no lá de cima/ foi sentada... mostrando pra todo mundo na sala de espera como ela tava doente.... subia descia e fazia sempre um certo escândalo com as coisas dela.... Eu não consegui realmente fazer um trabalho de leitura e escrita com ela... mal consegui conter toda essa agressão dela... por um tempo e e aí a mãe depois foi pra/ veio dizer que ia mudar de cidade... que não tava conseguindo ficar aqui em São Paulo... ia abrir alguma coisa lá e o pai ia ficar viajando... eu fiquei me perguntando nesse caso né... como que/o que que eu pude ajudar... acho que eu ajudei um pouco na compreensão só dessas emoções porque o trabalho com leitura e escrita a gente fez muito pouco... na verdade só nos primeiros meses: depois eu tive que direcionar e logo no segundo semestre/foi a partir de agosto que começamos duas sessões por semana e no comecinho do ano ela já foi/ até tinha falado acho que talvez agora ela esteja um pouquinho melhor... a mãe tinha fechado uma firma e tava mais calma e ela foi se acalmando um pouco mais também... mas foi muito difícil.... o que eu posso pensar desse caso é que essa rejeição com relação à escrita me parece:-- acho que até fundamentada um pouco na psicanálise-- que tem uma relação muito estreita com o conhecimento da mãe com a relação com a mãe... aquela coisa assim de: foi muito muito forte isso pra mim: nesse caso... se você for buscar/ se você for um pouquinho atrás... -- eu não sei qual a experiência que vocês têm também no trabalho com os pais -- mas esse caso foi muito muito muito:: eu acho que ela tinha um potencial para melhorar mas ela tinha um bloqueio e esse bloqueio tinha de ser trabalhado... e eu até cheguei a pensar em ficar realmente trabalhando com ela na parte que eu tinha pensado:no emocional e encaminhar/ quase que eu te encaminhei Pesquisadora: esse caso... pra escrita... 102. Leila: mas a mãe te procurou como fono... 103. Regina: exatamente... mas ela sabia que eu sou fono e psicóloga... eu me apresento como fono e psicóloga.... 104. Pesquisadora: eu acho que a gente pode abrir agora... até porque todo mundo ta falando... uma discussão interessante né... certamente com essa brecha que você ta dando aí: quase que encaminhei pra você... bom: estamos na mesma condição de fonoaudiólogas né: de fonoaudiólogas e terapeutas e de repente você percebe nesse caso -- só to retomando o que você ta falando pra gente pensar que eu quero escutar todo mundo falar disso -- e aí você percebe nesse caso que tinha uma questão emocional e meio que: suspende a linguagem... vê se eu fiz uma leitura correta do que você falou... suspende a linguagem pra trabalhar o emocional...é isso ou não? 105. Regina: mas não a linguagem... a escrita... 106. Pesquisadora: a escrita... 107. Regina: a linguagem né: 108. Pesquisadora: ta/ que você retomava muito dentro de uma linha de interpretação... 109. Regina: de interpretação... sempre interpretava 110. Pesquisadora: interpretação... tudo o que 111. Regina: desenho: escrita: tudo... 112. Pesquisadora: psicanalítica... 113. Regina: sim.... ela tava colocando: você fazia uma 114. Pesquisadora: ta... agora eu quero jogar pra todo mundo...você tem uma formação também psicanalítica... -- psicanalítica né: que a gente fala? -- não sei se o resto do grupo tem essa formação psicanalítica... todo mundo acompanhou o caso... e aí? que que vocês pensam? como vocês encaminhariam essa questão? vou fazer uma outra pergunta também... na/na: avaliação né: na hora que você ta olhando o caso... quando você chega a essa conclusão que a Reginahegou ta difícil de entrar na escrita porque tem outras questões impossíveis 115. Regina: que já tava trabalhando que eu achei 116. Pesquisadora: Isso: 117. Regina: eu achei que não dava conta de trabalhar os dois: não dava pra eu fazer duas sessões de psicanálise e uma de escrita... não dava nesse caso: 118. Pesquisadora: então: é isso que eu quero ver como todo mundo ta pensando... 119. Regina: comigo... tinha uma relação transferencial aí de uma outra coisa aí que tava complicando... 120. Pesquisadora: então... no caso do fonoaudiólogo não ter essa/essa bagagem ou a condição de fazer um trabalho interpretativo como você fez...(SI) de não ter ou optar por não -- ou optar... to pensando agora -- por não fazer esse caminho... suspende o trabalho ou há outra coisa que fazer? 121. Rita: é: até o que eu tava pensando... e a mãe veio te procurar como fono aí você pensou em: e aí o trabalho meio que assumiu mais o lado psicológico psicanalítico do que o de fono que foi até o que a Pesquisadora falou: ficou em suspense... e AÌ você ia encaminhar para uma fono... pensou até em 122. Regina: ficou... pensei... 123. Rita: e aí eu pensei por que não o contrário... se ela te procurou como fono? 124. Regina: porque eu já tinha com ela uma relação estabelecida que eu achei que não seria mais... não seria conveniente mudar: eu tava numa outra posição... 125. 126. Heloisa: mas você tava numa posição de psicanalista ou de fono? Regina: eu assumi 127. Leila: ela estava na posição de psicanalista 128. Regina: Eu assumi de comum acordo com a escola com os pais... foi tudo conversado... quando eu assumi isso/que eu resolvi: fiquei pensando... eu fiquei dividida e agora ou eu me encaminho como psicóloga ou e aí eu já to conhecendo e aí conversei com os pais e eles preferiram que eu desse continuidade no momento nessa contenção da agressividade dela... porque ela já havia estabelecido uma relação comigo... 129. Pesquisadora: hum hum... 130. Regina: que positiva ou não ela era ambivalente tanto quanto era com a mãe dela... então ficava difícil sair nesse momento e ficar só com o outro trabalho...até porque ela recusava o outro trabalho também... 131. Rita: aí no trabalho de fono não entraria essa relação? não de interpretações psicanalíticas tão densamente assim: mas não entra/não seria a relação que ela estabeleceu no começo que até: de repente levar a lição lá pra: não confundindo com a psicopedagoga mesmo mas 132. Regina: é... mas eu fiz um corte... eu fiz um corte nessa questão de levar a lição porque não era o lugar e eu considero que não é o lugar de fazer lição... mas ela depois não trouxe mais lição... 133. Heloisa: você também... 134. Regina: eu tenho que definir o setting...eu tenho que definir o que eu faço como fono e eu converso com criança também olha: eu tava fazendo esse trabalho agora... agora a gente vai fazer uns jogos: vai parar um pouquinho... mas depois a gente pode de repente retomar num outro momento... A minha idéia era de/eu também tinha de dar conta da questão da escrita/ eu tava preocupada... 135. Heloisa: hum hum... 136. Regina: e eu conversei duas vezes com a diretora da escola... uma em julho e de alguma forma foi surgindo a questão também da escrita... eu acho que foi melhorando alguma coisa porque ela passou de ano... e ela se interessou em algumas coisas mas não era/ eu não estava centrada nesse trabalho.. não que eu tivesse abandonado... não abandonei mas não estava centrada como estou centrada em outras crianças que eu atendo e outros adolescentes que eu atendo...é diferente... com ela foi realmente uma das vezes que eu tive mais dificuldades de estabelecer essa/ eu tive que fazer uma definição e eu defini junto com a direção da/ com a coordenadora da escola que conhecia bastante o caso... e que via a: também a: digamos... a evolução dela na escola e com os pais que eram pessoas letradas (SI) que tavam entendendo e estavam me dando apoio... tavam vindo nas sessões os dois o pai inclusive estava vindo sempre... eu dizia quero vocês dois: não quero só um você é o pai... precisa saber... ele dizia ah: mas é difícil... às vezes a gente ficava duas horas conversando com os pais...eles brigavam... 137. Heloisa: Regina: 138. Regina: questões de/ desculpa/ vai ( dirigindo-se à Heloisa) 139. Heloisa: não/ desculpa... acaba de falar... 140. Regina: eles brigavam... às vezes um dizia você é indulgente... não você é que ta cobrando demais... então era aquela coisa que eu tinha que fazer uma mediação... mas eu acho que esse trabalho conjunto/ eu fiquei assim com pena de ser interrompido... eles mudaram de cidade e aí não teve jeito... tive que entrar em contato com uma pessoa de lá que deve ter dado continuidade ao trabalho...que tinha me procurado para saber e ela estava muito feliz lá... 141. Rita: e a outra pessoa você sabe se era fono ou: 142. Regina: era uma psicóloga... eles procuraram direto acho que psicopedagoga... acho que fez uma avaliação mas a última vez que vi a Carla -eu tava vendo esses cachorrinhos aqui.. não tinha (SI) esses cachorrinhos aqui -ela saiu do meu consultório me deu um abraço me deu um beijo: estou indo embora... olha: vou ter um cachorro agora porque eu vou pra uma casa e você vai ser comida pro meu cachorro tchau. 143. Heloisa: comida pro meu cachorro? 144. Regina: e eu nunca esqueço... ela saiu da porta (SI) ((risos)) então tinha coisas muito fortes e a mãe dela não sabia o que fazer... eu disse deixa ela ir e era do direito dela porque ela podia realmente dizer uma porção de coisas... mas não falava: só quando ela foi embora... falou lá do portãozinho assim: você vai ser comida pro meu cachorro.... 145. Pesquisadora: como é que você entendeu isso? 146. Regina: como eu entendi? 147. Leila: como? Imagina... ((risos)) 148. Pesquisadora: como você entendeu você vai ser comida para o meu cachorro? 149. Regina: ela falava tão/ ela era tão agressiva que realmente eu entendi que ela ia ser comida do meu cachorro... 150. Heloisa: VOCÊ ia ser comida do cachorro dela... 151. Regina: ((risos)) eu ia ser comida do cachorro dela... --a falha ((risos)) gravou?-152. Pesquisadora: ta aqui gravado... agora não tem jeito... 153. Regina: eu acho que era um desprezo... ela estava manifestando um desprezo em relação a mim... eu era um nada... você é comida... quer dizer é uma coisa: ao mesmo tempo que comida é boa ela pode ser uma coisa ruim...mas era o jeito que ela sempre lidava com as coisas... então eu/eu: ela falou sorrindo você vai ser comida pro meu cachorro... mas aí ela me contou muito feliz... ela saiu felicíssima porque ela ia para um lugar que ela se dava muito bem... e a notícia que eu tive foi por meio dessa entrevista que eu tive--por telefone... não foi pessoalmente... -- com a psicopedagoga me perguntando algumas coisas como que tinha sido o tratamento... como que ela estava... eu disse olha ela estava muito perdida.. e acho que ela continuava assim... eu acho que essa menina precisa de muito tempo de terapia e a mãe também precisa de trabalho para ajudar melhor sua filha... os pais... e então a coisa ficou assim: foi pouco tempo/um ano e era muita coisa: era muito: olha Pesquisadora eu ia te mandar de presente... ((risos)) você não ia ser a comidinha de cachorro dela não... ((risos)) pra fazer um trabalho de escrita sabe: separado mesmo... 154. Leila: Eu ia perguntar... até quando você tem essa colocação ah: eu ia encaminhar para a Pesquisadora... quando você fala: acho que ela tinha que ficar com uma psicanalista né: tendo um trabalho em/ pelo trabalho emocional/ pra dar suporte para um trabalho de escrita: 155. Regina: Sim: 156. Leila: você fala isso... agora assim: no caso se for encaminhar ela mesmo para outra fono né quer dizer... pela dificuldade você achou que ela precisava desse trabalho pré para chegar na escrita... será que essa fono não teria é: vai saber como: 157. Regina: tem um trabalho... tem um trabalho... digamos... continuar um trabalho como psicóloga dela e ( ) uma fono... acho que os dois juntos... eu não queria fazer um trabalho ao mesmo tempo que eu não tava dando conta ao mesmo tempo... 158. Leila: ao mesmo tempo... 159. Regina: eu tava privilegiando uma área... ((Leila e Reginaontinuam conversando, mas passa um avião que impossibilita a escuta de suas falas por alguns segundos)) 160. Regina: não tive... não tive muita opção mesmo nesse caso... primeira vez que isso me acontece... 161. Leila: (SI) uma opção dela mesmo: de defesa... a lição: essa resistência: né (SI) eu vejo que isso ta tudo muito ligado...porque esse é um trabalho mesmo emocional para chegar a isso... mas assim (SI) é trabalhada mesmo sem ela saber... claro ela ta percebendo até/de uma outra maneira você precisa disponibilizar para conseguir chegar (SI) num trabalho e assim é: 162. Rita: posso te interromper? 163. Leila: pode... 164. Rita: eu não sei se de repente precisa de um trabalho antes pra chegar... por que às vezes até teve um trabalho: vamos supor: com a psicanalista e com a fono junto porque ela vai apresentar a resistência por exemplo pra escrever (SI)... com a escrita... ela gosta de ler e faz cópia em casa e quer mostrar que também sabe... que também é capaz com aquilo que é difícil... gosta/vai bem em matemática... mas eu acho engraçado porque eu:/ é difícil pelo menos no que eu: assim: é difícil ver quem gosta: quem não gosta muito de escrever mas adora ler que gosta de ler né: e ela tem isso... 165. Regina: mas eu fiz alguns trabalhos no meio desse tempo só que não foi tão direcionado mas alguma coisa eu tentei: eu fazia livrinho com ela... recortava... fazia assim as folhinhas tipo diário... ela ia escrevendo algumas coisas: eu fazia: ela fazia cartinha:: 166. Heloisa: tipo diário você falou? 167. Regina: tipo diariozinho... algumas coisas que ela podia ir escrevendo... o livrinho a gente construía na sessão: pegava várias folhas: fazia o livrinho e ela ia escrevendo... entendeu... eu fui inserindo muitas coisas de escrita mas não era assim só trabalhar o texto não... Era assim: historinha: história em quadrinhos: a gente fazia -- é que eu não tenho aqui... 168. Leila: sabe: eu to te falando 169. Regina: ERA muita coisa...mas eu vou falando... história em quadrinho, vamos fazer uma? então pintava muitas coisas pra ela escrever um pouco... mas era muito pouco: ela precisava escrever mais... precisava trabalhar mais... mas foi o que eu pude fazer no meio de tudo isso... quando eu privilegiei uma área e não que eu estivesse esquecido totalmente da outra... eu sabia/eu tinha um foco ali também uma coisa que tava/e eu tava apreensiva porque ela tinha que terminar o ano... ela tinha que escrever: aí é que ta: como é que você faz? 170. Heloisa: Regina, quando ela trazia lição de casa pra você será que ela não sentia vontade de fazer lição de casa com você? 171. Regina: ah, sim, mas eu não, eu não: 172. Heloisa: não será que você podia aproveitar esse momento pra entrar pra introduzir a escrita, leitura: 173. Regina: só que ela queria fazer cópias que ela trouxe... a única coisa que ela trouxe: cópia e queria que fizesse junto com ela ((outro avião passando, prejudicando a escuta das falas)) ( ) realmente esse trabalho/ eu tava num outro espaço sabe não estava no espaço de professora de ajudar: 174. Rita: ( ) acho que tem muito ponto ( ) até para usar esse gancho... porque acho que tava mais definido: 175. Regina: ( ) então... eu acho que você ta assim: eu tava mais olhando um pouco como que ela tava assim se aproximando da escrita... eu vi que ela tava se aproximando ela tava se direcionando: 176. Heloisa: pegar como um gancho... 177. Regina: mas não pegar isso: é... é... eu não peguei... não peguei desse jeito não... porque chegou um momento que eu não queria repetir o que tinha acontecido com a outra psicopedagoga... acho que eu tinha isso na minha cabeça... estava muito definido para mim... 178. Pesquisadora: então deixa eu ver... deixa eu pegar uma coisa aí: é: você na/na hora -- retomando aí o que a Heloisa falou -- que ela traz a lição de casa... você não pegou por esse gancho de de repente ser um momento que ela queira mesmo fazer um par com você nisso até para reverter... porque na hora você pensou -- só to retomando o que você ta falando só pra ficar mais claro pra você me dizer se é isso mesmo -- você retomou a imagem da outra terapeuta da psicopedagoga (SI)? 179. Regina: (SI) senti não, eu me aproximei da escrita por outro meio: 180. Pesquisadora: na verdade: nessa situação -- vê se é isso -- você respondeu à/ao trabalho dessa psicopedagoga e não a uma solicitação que ela tava fazendo.. pode ser isso? (( silêncio)) 181. Pesquisadora: você lembrou: 182. Regina: (SI) 183. Pesquisadora: da psicopedagoga... 184. Regina: é... eu lembrei agora... e também quando ela me trouxe/ ela dizia assim por que você não vai comigo? isso foi um diálogo que eu tive com ela... porque eu sou: eu eu não sou: a outra fazia... a outra era a psicopedagoga que eu nunca/ não lembro do nome...não sei se eu anotei alguma vez esse nome e essa outra fazia... ela brigava comigo...ela brigou e eu dizia mas aqui é um lugar onde a gente vai trabalhar algumas dificuldades em relação à sua escrita e algumas dificuldades que você tenha outras... a gente vai fazer/ a gente pode escrever: a gente pode fazer jogos: a gente pode fazer muitas coisas... mas a gente não vai fazer a sua lição aqui... era catecismo tudo/ nada... ela trouxe outras coisas que não tinha assim né... ela trouxe coisas de:/ brigava comigo porque eu não fazia e no fim ela parou... 185. Pesquisadora: ela trazia coisas de: da escola em geral e: 186. Regina: da escola e de outras situações... a lição de catecismo/sei lá o que ela tinha que fazer ela queria usar a hora da sessão pra fazer... eu sempre me coloquei na outra posição: na posição mesmo de que ali não era um espaço para ela fazer digamos... tarefa de outro lugar... 187. Heloisa: você sentia mesmo que ela queria usar o espaço pra fazer lição? 188. Regina: sim sim ela queria usar em todas as outras situações eu acho que eu fui um pouquinho mais exigente: tentei ser mais rigorosa: porque ela tinha um problema muito sério de limite sabe: na escola era relatado que ela ia quase bater nos professores... ela batia na mãe: ela queria bater no pai... então lá também ela às vezes me bateu... algumas vezes... não assim de chegar: 189. Rita: e aí? 190. Regina: eu seguro a mão... digo não... o que é que houve?por que? seguro como se fosse um filho que seguro a mão... você não deixa o filho bater em você né? quando você tiver um ((risos)) mas é um pouco assim de segurar e de mostrar... depois ela morre de:/ te pedindo desculpas... mas não era de bater/ ela não vinha me dar um murro... assim: ela passava sem querer... era aquele sem querer querendo sabe: e me jogava tinta assim: ela sabia e eu dizia olha: não vale: tem algumas coisas que a gente não vai fazer aqui... jogar tinta: ela me jogava/ quando desenhava e me jogava tinta... teve uma vez que eu fiquei toda cheia de tinta e disse e agora? eu tinha que trabalhar o resto do dia cheia de tinta... então: tinha algumas coisas: que tinha que segurar... ela era muito muito agressiva... 191. Pesquisadora: oi: Heloisa... não entendi o que você falou... 192. Heloisa: falta de limite... nessas horas ela/ela: 193. Regina: você tem que dar o limite... aí ela ficava aí/ às vezes a gente só pintava um pouquinho e parava... mas aí: eu/aí aos poucos fui construindo um pouco: um espaço em que ela podia fazer umas coisas e não podia outras... e ela ia aceitando... isso foi o mais difícil... então: eu acho que tava assim: muita coisa tinha que ser trabalhada... né: no emocional dela... na própria/ na estrutura dela que tava complicada... a parte psíquica tava muito muito atingida... e os pais não tavam lidando com isso bem.. né... então: eu me pergunto... porque se essa menina tivesse digamos... uma relação com os pais... né/na família... diferente talvez ela: não tivesse tantos problemas... essa é a hipótese que eu faço...ela é inteligente mas para a escrita ela é bloqueada... 194. Leila: por que na escrita? 195. Regina: porque apareceu aí... às vezes aparece noutra área...pode aparecer uma disfluência pode aparecer é: um sintoma... eu vejo isso como um sintoma... aparece um sintoma em algum lugar então: ela tinha motricidade ela tinha uma certa inteligência que podia: por que ela não conseguia? Às vezes ela escrevia umas coisas que eu acho que era possível ela ir mais adiante... ela me dava dicas de que ela podia ir mais adiante mas ela não quis... 196. Heloisa: não queria? 197. Regina: assim ela /ela recusava... 198. Heloisa: ela tinha medo de errar? 199. Regina: tinha... 200. Heloisa: muito? 201. Regina: ela achava que era horrível o que ela fazia... ela se ela assim tinha uma atitude depreciativa com o que ela fazia... então: 202. Heloisa: o que eu achei interessante de quando ela estava com pé quebrado: que ela subiu né: e ela mostrava que: ela podia é: o fato que qualquer outra pessoa não ia conseguir fazer isso... e ela: 203. Regina: e ela ia/ ela podia (SI)... 204. Heloisa: mostrava: 205. Regina: ela mostrava e a mãe dela dizia ah ela adora... ela ficava/ colocava o pé bem pra cima assim: deitada no sofá da sala de espera... e ficava... colocando o pé pra cima -- que eu tinha um atendimento antes e então ela chegava e ficava esperando -- e por azar quando ela foi tirar o gesso: o médico lá/o enfermeiro sei lá quem tirou no pronto socorro... foi cortar com a tesoura e cortou a perna nesse pedaço assim: 206. Leila: nossa: 207. Regina: por azar mas ela achou o máximo... 208. Heloisa: ela achou o máximo? 209. Regina: ela vinha contando radiante... 210. Heloisa: porque ela não chorou... 211. Regina: ela não podia mostrar que ela sentia dor... 212. Heloisa: exato... 213. Regina: né? 214. Heloisa: e ela te contou que ela não chorou... 215. Regina: não chorei e mostrava pra mim... quer dizer: e eu assim: né: 216. Heloisa: realmente ela deve ter achava o máximo ter sido cortada... e o fato de ela não chorar OLHA como eu sou forte... 217. Regina: como eu sou forte... 218. Pesquisadora: agora a minha questão ainda permanece no ar... ((risos de todas)) ainda permanece no ar... porque a retomada que a Regina fez... deixou claro que teve uma opção pela postura psicanalítica né? Bom... estamos agora falando com pessoas: que não tem nem a formação para poder tomar essa direção... estamos falando com pessoas que até: estudam né: dentro de seus currículos... questões mais ligadas ao psiquismo... mas que tem: todo um/um material de trabalho dentro de uma terapia fonoaudiológica... e aí: o que fazer nesse caso? então é essa menina que a Ritaescreveu... com todas essas dificuldades emocionais que ela ta apontando... e aí o que você ia falar ((dirigindose à Rita.))? 219. Rita: eu ia falar... ((risos)) eu acho assim... se tem uma: não sei se vou usar o termo certo... 220. Pesquisadora: tudo bem... vai: (SI) 221. Rita: uma demanda que de repente é um encaminhamento... no caso... veio para mim como fono... e eu vou trabalhar como fono e tenho... trabalhando um pouco com os pais e: tem um espaço ali que cabe um encaminhamento... e que eles aceitam e que vai sendo... do jeito que você pondo: essa família é super complicada... a mãe precisa/os papéis ali são super confusos... a menina ta indo tão ambivalente como a mãe: em todas as questões tal/ acho que encaminharia ou a mãe e manteria a menina comigo... ou até para ver porque ela está confundindo vários espaços né: então: era com a psicopedagoga que era diferente de você: porque já é um outro trabalho... de repente manteria talvez: ela só comigo e: eu acho que: não de dar conta de um trabalho: de todo esse lado emocional... mas entrando pela escrita... entrando talvez: num espaço de deixar ela brincar... deixar ela se colocar e: acho que esse/eu ficaria aí por um bom tempo... 222. Heloisa: um bom tempo... 223. Rita: um tempo e aí até conforme for de fato até ela ir para um encaminhamento mas eu manteria ela comigo o tempo todo assim não só pela relação que ira estar se formando mas acho que ela estava demonstrando tudo isso num sintoma meu né do meu trabalho e aí eu ia estar entrando um tempo pela brincadeira que ela falou eu quero vir para brincar né então iria demorar um tempo para entrar também na escrita? Provavelmente mas ela também mostrava vou entrar na escrita né ela mesmo trazia a escrita a leitura e aí disso eu ia trabalhando com ela é: acho que dentro dos materiais que você foi colocando que nem eu gosto de trabalhar muito com diário com vários gêneros de escrita e trabalhando mas é: sem entrar tanto, eu não entraria direto nessa área emocional mas pensaria um encaminhamento ou dar uma idéia e veria o que isso dá se a mãe dela teria essa demanda pra estar indo ou de repente se a mãe não vai e o caso está empacando muito e que essas questões a escola está pedindo aí seria um outro profissional trabalhando, eu acho que pensaria mais ou menos dentro dessa forma não deixaria o lado de fono nem suspenso nem junto ou alguma coisa porque eu não daria conta de dar junto nem tenho formação para isso, mas pensaria primeiro até por vir procurar fono ficaria um tempo com isso como fono para ver o que dava para ser feito. 224. Heloisa: É difícil né, eu encaminharia para uma psicóloga com certeza tanto a Carla quanto os pais e ficaria comigo com certeza não sei quanto tempo 225. Pesquisadora: e ficaria de que forma com você? A Regina até falou um pouco que eu até queria retomar algumas coisas 226. Heloisa: Eu ia trabalhar o que ela ia me trazer eu ia trabalhar: é que é difícil falar por exemplo no meu caso quando ela falou que ali não era pra fazer lição de casa eu ia trabalhar a lição de casa, eu ia falar que ali não era espaço para isso eu já te disse anteriormente que não é espaço para isso mas no momento que eu visse que ela tava querendo fazer lição de casa se eu visse que ela não estava querendo usar o espaço pra catequese se ela se sentisse à vontade de fazer lição comigo ela ia fazer lição comigo, o que ela ia me trazendo eu ia ta trabalhando, mas acho que com certeza ela ia encaminhar para o psicólogo com certeza ia trabalhar junto. 227. Regina: Você acha a escrita fica você ia conseguir trabalhar a escrita fazendo lição de casa? 228. Heloisa: Não nesse momento não traz a lição de casa para fazer (outro avião passando prejudicando a escuta das falas) nesse momento se ela tava querendo fazer lição de casa comigo eu queria ver se ela tava interessada na coisa do tempo pra matar se ela se sentia à vontade ia tentar interpretar o que ela tava querendo com essa lição de casa ia só tentar pra saber não ia falar de primeiro momento não aqui não é com certeza você deve ter seus motivos, é muito difícil falar no genérico né? (dirigindo-se para Regina) 229. Regina: Não, não 230. Heloisa: Que por trás de tudo isso você já teve outras não sei 231. Pesquisadora: Na verdade a gente ta fazendo gente é uma leitura recortada de um momento que já foi, a própria Regina ta lembrando de outras coisas 232. Regina, Leila, Heloisa: É é isso claro 233. Pesquisadora: É tudo 234. Rita: O ruim é isso como são casos o que a gente ta não ta atendendo não dá para voltar atrás (risos) 235. Pesquisadora: Por isso mesmo, a idéia é tentar trazer o que foi pensar agora e assim mesmo nuns recortes e nessa releitura: de um caso que já acabou e que não dá para a gente voltar atrás, aí a gente segura essa coisa do setting não estamos invadindo nenhum setting (risos) 236. Regina: Eu acho que isso tudo quando eu digo olha eu não foquei a escrita, trabalhei algumas vezes um pouco de escrita um pouco de leitura mas não com o foco que eu tenho quando trabalho exatamente isso é: ela teve uma evolução na escola, a partir do momento em que algumas coisas dela puderam ser contidas na sessão, aí é que ta, como? A gente não soube a gente sabe depois porque vêm os pais e te falam vem a diretora e fala, o que que acontece ali a gente tem que estar pensando dia a dia, o que que acontece na cabeça de uma criança 237. Pesquisadora: Você sabe dizer que que melhoras são essas que ela teve na escola? Melhoras em que sentido 238. Regina: Ela conseguiu por exemplo ficar um pouquinho mais centrada nas lições, quer dizer acalmou um pouco, eles diziam olha ela está um pouco mais calma ela está conseguindo ficar um pouco mais com os coleguinhas então a situação dela da socialização que a gente pode pensar na escola ficou melhor a relação com os professores também, e isso também decorre no trabalho que ela pode ficar centrada e trabalhar melhor entender melhor as explicações essas coisas assim ela foi melhor ela passou de ano ela foi bem, e ela disse eu passei de ano ela ficou toda feliz quer dizer eu fiz assim vamos ver o que vai acontecer né eu fui por aqui se eu tivesse tentado tentado tentado só o trabalho de escrita com ela eu teria perdido todo o resto e acho que não estaria andando sabe você fica entre a cruz e a caldeirinha aí 239. Heloisa: é: eu imagino 240. Pesquisadora: Eu queria escutar a Leila falando disso 241. Leila: Quanto ao encaminhamento eu penso que eu não encaminharia nem mãe nem criança inicialmente eu também queria ter um tempo é: mesmo porque assim levando em conta é: você sente que não só a criança como a família toda ta uma turbulência aí, então chegar e você já falar que há uma necessidade sem ela mesma achar que necessita e você encaminhar não sei se caberia logo assim de início eu né pensaria, agora a paciente né a Carla né quanto à Carla eu penso é: não que eu daria conta de toda a questão emocional que não tenho formação psicanalítica mas assim eu ia sei se é aventurar mas entraria nessa questão um pouco assim como? Como até a Regina falou tem a demanda né ela tem essa demanda de leitura e escrita só que assim é: que seria o meu foco claro eu queria chegar lá meu objetivo final seria esse chegar lá, agora eu percebo que ela direcionou muito isso ela deu muitos toques ela acenou muito né, eu entraria por esse direcionamento dela é: queria chegar no meu onde eu queria mas ia pegar esse gancho dela (SI) por exemplo no brincar quando ela fala quero brincar, até pelo brincar, não que eu vá fazer uma leitura psicanalítica e tal mas seria até é: sanado vai um pouco essas questões essa: quando ela escreve que ela rabisca tipo uma auto estima um pouco uma auto-estima rebaixada essa agressividade essa dificuldade de lidar com o grupo com as outras crianças acho que o brincar proporcionaria isso para ela e claro que eu pegaria esse gancho com certeza de brincar, eu acredito que esse brincar essa coisa de sei lá de brincar de casinha brincar de misturar não importa o brincar né você sair você interpretar se colocar num papel essa mudança é: (SI) muito no trabalho da escrita porque a escrita se ela ta com essa aversão da escrita ela tem um sofrimento ela mostra um sofrimento, que fica na escrita, como ela lida na família como ela lida na escola como ela lida com a terapeuta né, então eu acho todo esse trabalho do brincar essa direção que ela dava a catequese mesmo até a: a lição de casa acho que eu ia dando assim é: credibilidade até do interesse dela para chegar na escrita para trabalhar a escrita, eu pegaria muito esse gancho porque é: (SI) escrever né, tudo o que você sabe melhor que você sabe falar melhor é: que você conhece sabe falar melhor, tudo o que você conhece sabe escrever melhor né, agora se nem ela mesma tava conseguindo se ver nem conseguindo lidar com essas questões como ela conseguiria chegar na escrita eu penso, né, é: então assim acredito que todo esse esse pré é para aproveitar muito essa chegada dela não se sentir, por exemplo quando você fala né ela não queria que visse, de não se sentir investigada como são os seus meios, acho que a gente tem que dar a oportunidade de assim, mostra como você é, acredito nisso, e vamos junto num caminho acho que por aí é por aí não é, claro que você não vai chegar hoje não vai fazer lição mas uma vez você vai poder falar não por que isso, né é: até que ponto ela tava também é: claro eu ia estar investigando ela tava querendo (SI) as questões dela pra ficar mais fácil de lidar ou era um interesse mesmo mas assim no meu objetivo eu ia pegar todos esses gan: muitos desses ganchos que é do interesse dela é ela que traz né, acho que eu tenho o ideal onde eu quero chegar mas assim como vai ser acho que não vamos brincar de carrinho se ela quer brincar de casinha vamos brincar de casinha, vai ser muito mais construtivo, eu acho que eu pegaria esse gancho pra chegar e assim vejo muito importante em estar assim é: mesmo no brincar é: acreditar nessa menina é: apostar nela deixar ela se movimentar para ver e assim cutucaria essa coisa é: essa agressão muito grande né é: essa escuridão ela ta se escondendo é o poço é o túnel o túnel vira uma cobra ao mesmo tempo em que você é o túnel escuro que é o novo que é o obscuro né eu não conheço você vira um trem você vai levar ela prum caminho né mas você vira uma cobra pode ser que você pique ela (SI) 242. Regina: Mas ela sabe lidar com o veneno da cobra essas primeiras entrevistas foram as mais elucidativas de todo o percurso, por isso que é sempre bom fazer um diagnóstico uma entrevista mais minuciosa e acho que quando a criança chega ou o adulto chega eles falam eles chegam muito, eles se abrem e colocam assim as situações extremamente importantes eu tava pensando em como a gente chega a atingir uma meta em termos de terapia né, uma meta de trabalho é: no caso de leitura e escrita você tem vários aspectos você aprendeu com a Pesquisadora muita coisa (risos gerais), você aprendeu com outro com outro e de repente e daí? Como você pode aplicar tudo isso quando de que jeito? Cada paciente é: um é diferente do outro você tem um jeito de chegar quando chegar só que você tem que pensar que tem uma escola que ta exigindo isso e aí? De repente eu questionei uma hora eu disse será que não é melhor essa menina repetir de ano e tratar do emocional? Pra mim isso era claro e eu conversei isso com os pais cheguei a conversar com os pais e conversei também com a direção eu tive que ter essa conversa, vamos ver mas ela tem potencial eu tinha idéia de que ela podia chegar de alguma forma ela me passou é: uma possibilidade ela tinha potencial que tinha que ser né mexido ali para que ela pudesse chegar, eu tava pensando assim né quando a demanda é uma eu tenho um paciente e outro que não é questão de leitura e escrita (SI) cuido muito dessa área (SI) e é um doce o menino mas de vez em quando ele manifesta essa agressi: ao o contrário dela só de vez em quando eu tenho que fazer de tudo para ele se manifestar para sair alguma coisa de alguma forma e um dia eu tava com um deles no computador no consultório eles começaram a escrever então o de leitura e escrita escrevia e os outros começaram a mexer (SI) e ele resolveu fazer um texto, fez um texto lindo e eu comecei a trabalhar o texto com ele como eu trabalho um texto de leitura e escrita ele estuda numa escola bilíngüe no Instituto Pasteur, então é uma farra o que ele faz o que escreve com v o que era com f não sei o que mas ele é um menino inteligentíssimo ele pegou o abc corrigiu tudo ficou um texto lindo e eu mandei para o jornal, quer dizer não tem nada a ver eu fiz isso eu no meio do meu trabalho mesmo como psicanalista eu pude fazer alguma coisa nada impede então é a linguagem tudo é o que eu digo eu to trabalhando tudo ele resolveu escrever então e ele escreveu exatamente a problemática dele que tava dentro da casa dele os pais estavam se separando e ele estava atrapalhado ele escreveu um texto muito bonito é que eu não tenho aqui comigo que é outra parte então eu não to meu foco não é esse mas de repente a gente começou a trabalhar ele achou ótimo foi só aquela vez não quis mais e a gente mudou de assunto (SI) então eu acho que a gente tem que ter um pouco de flexibilidade não é eu sou isso ou sou aquilo é: eu acho que tem uma bússola às vezes né pra onde que ta indo a coisa você tem um foco uma meta de tratamento mas nada impede de você ter algumas estratégias que permeiam uma área ou outra né em termos de técnica de atuação profissional... é isso... 3º EXPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA - 17 de outubro de 2001 Neste terceiro dia, novamente o grupo possui uma configuração diferente da anterior. Compareceram Rita e Heloísa, que estavam no encontro anterior, e Carmem, que não havia faltado no último encontro. Parte do início da apresentação de Rita não foi gravada por falhas do equipamento de áudio e vídeo. Temos a seqüência desse primeiro enunciado. 1. Rita: então ele ia fazendo vocalizações muito próximas do que a gente estava falando... a gente montava: e ele escolhia/sabe aqueles baldes de lego? Tinha os robozinhos:os jacarezinhos: e eu montava e ele ia me dando as pecinhas de cor igual pra eu ir montando aí ele destruía...aí eu ia jogando no balde e ia falando cesta... e ele eta e eu falando cesta e ele eta e a gente ia jogando e era uma maravilha...na hora de ir embora: ele só chorava lá embaixo...ele não queria ir embora:brigava com a mãe dele:mas ia embora...depois e um mês/um mês e pouco:ele começou a me chutar na sala na hora de ir embora...a gente fazia a cesta e depois ele pegava o balde e jogava pela sala inteira e chutava a porta do armário e aquela era uma coisa que eu não sabia como lidar...O que ele estava fazendo porque era claro que ele não queria ir embora...ele chegava feliz e satisfeito...tudo transcorria bem legal;ele participava de tudo mas na hora de ir embora:quando percebia que estava chegando o final: quando a gente começava a guardar o material: aí ele começava a se rebelar e isso durou até o final dos atendimentos...eu sempre atendia a mãe dele mais ou menos uma vez por mês...não era uma coisa fixa e a gente sempre conversava como estava em casa...ela dizia ele vem pegar minha mão o que que eu faço? Então sempre em cima do que ela vinha falando:: 2. Heloisa: ela vinha o quê? 3. Rita:ela vinha me perguntar o que fazer porque assim: ele vem pegar minha mão pra me mostrar que quer tal coisa...então: em cima do que ela ia perguntando eu ia falando... a gente tinha um encontro mais ou menos certo de pelo menos uma vez por mês a gente se encontrava... a gente chegou a um tal nível de vinculação que ela vinha e só contava as coisas dela: problemas com o marido: ele tinha outra mulher: o filho presenciava tudo isso/o Pedro: ele via a mãe chorando e então tinha toda essa confusão: ela o marido e que ele presenciava tudo... aí as sessões foram acontecendo dessa forma... e com o tempo – ele sempre ficava nos mesmos brinquedos -- e aí um dia ele pegou um carrinho e eu abri um jogo que tinha um tabuleiro e a gente brincava de passar o carrinho por baixo do tabuleiro como se fosse um túnel e aí ele queria ele passar por debaixo do tabuleiro como se fosse um túnel...só que o tabuleiro era desse tamanhinho ((mostra o tamanho com as mãos)) e aí começou a simbolizar um pouco mais e não ser só mais montar e desmontar o tempo todo...e as brincadeiras começaram a ser muito mais interessantes...até eu também comecei a me divertir muito mais com o atendimento também... -- eu queria lembrar qual foi a brincadeira mais simbólica ((olha o material que trouxe para a apresentação)) – ele tinha uma hipotonia mas não era isso que caracterizava o seu atraso de linguagem...ms eu queria mexer na boca dele e ele não deixava de jeito nenhum... aí um dia ele chegou: ele abriu o armário: tinha dois telefones de plástico...tirou tudo o que tinha lá dentro: um monte de jogos e brinquedos: e aí ele entrou lá dentro e fechava feta tia feta...aí eu fechava o armário: ele ficava com um telefone lá dentro e eu com um fora..aí eu 4. 5. 6. 7. 8. 9. 59 eu vou telefonar... aí eu fazia o barulho trimm:: aí ele quem é? Aí eu é a tia... não é... aí ele abria a porta e dizia: é a médica... aí eu dizia: é a médica... e aí ele dizia como que tinha de ser a brincadeira... e aí a gente criou uma brincadeira que durou uns dois meses...sempre o comecinho:sempre brincando do mesmo jeito...ele entrava no armário sempre numa pose assim ((fica na posição em que Pedro ficava no armário)) porque ele não cabia no armário: e me telefonava e dizia eu to doente...daquele jeito embolado que ele falava... aí eu dizia:eu to indo... aí e fazia barulho de ambulância e tava chegando...aí eu abria o armário: aí dava pra pegar a espátula: o vibrador: e fazer alguma coisa na boca dele e ele curtia...era o único jeito de mexer na boca dele porque se saísse do armário não podia mexer na boca dele...então era aquele posicionamento ÓTIMO...todo torto ((mostra como o trabalho era realizado, ironizando))... e aí brincava:fechava a porta...eu volto na semana que vem... ai ele ligava pra mim de novo e eu dizia: ta doente de novo:mas o que você tem? E ele dizia que tudo doía e eu ia lá de novo... aí começou a mudar a brincadeira...às vezes começava no armário e depois ele saía... eu tinha uma caixa com coisas de supermercado e tinha uma gravata velha que ele pegou e falou que ele era o meu pai e eu a filha dele... Heloisa: você que sugeriu esses papéis? Rita: como começou isso eu não me lembro...mas que ele era meu pai foi ele que falou né: mas como começou eu não me lembro... ele era meu pai e eu a filha dele... aí tinha o lobo mau e ele lutava com o lobo mau e eu dizia ai pai to com medo... e ele calma minha filha e ele vinha e beijava minha testa e aí rolava no chão: lutava como um verdadeiro Jaspion59 e depois o lobo ia embora... a mãe dele dizia que ele saía de lá lutando...entrava no ônibus lutando e ela tinha que dizer que ali não era lugar de fazer aquilo...ele saía lutando contra todos os lobos maus...com todas as brincadeiras: ele continuava fazendo o show na hora de ir embora... e ele sempre queria levar alguma coisa da sala e eu dizia não dá...quando você voltar vai estar aqui de novo... -- aquela coisa bem teórica né – eu segurava o jeito de ele me chutar... eu tentei de tudo: saía antes que ele da sala: falava eu vou sair você vai ficar? E ele vou... eu descia: a mãe chamava: a irmã chamava: e ele ficava lá... era eu que queria ir embora mais cedo mesmo... mais cedo não: no horário... Heloisa: ele ia na escola? Rita: não...ele ficava o dia inteiro com a mãe... ele tinha um nível sócio mais baixo... Carmen: quantos anos ele tinha? Rita: três anos e dez... logo ele fez quatro anos... ele até foi buscar escola: meio no momento em que a gente estava preparando a alta... a mãe estava se separando do marido procurando uma escolinha no bairro novo onde ela ia morar... e aí ele sempre pedia pra levar uma coisa para ir embora e teve um dia que eu não agüentava mais levar chute: e aquele escândalo: tinha paciente esperando e ele ia embora chorando e ele pediu para levar uma caminhonete de plástico e aí eu deixei...falei pra ele trazer na outra sessão e aí eu entendi o que que ele estava precisando mesmo...o pneuzinho de plástico da caminhonete estava gasto:empoeirado de tanto que ele rodou... de tanto que ele brincou como caminhãozinho... aí ele começou a levar o mesmo brinquedo e trazer de volta... aí ele levou um carrinho de ferro que voltava gasto de tanto usar... eu falava que era de responsabilidade dele cuidar e trazer o que ele levava e aí um dia o pneu do Jaspion: personagem de seriado infantil japonês. Trata-se de um guerreiro futurista que luta contra o mal. carrinho de ferro soltou e logo na sala de espera ele já falou ó tia soltou: foi sem querer..foi sem querer... aí a gente consertou e um dia ele quis levar o lego... aí a mãe mesmo disse que ele tinha lego e aí ele levou dois cubinhos e depois a mãe falou que ele ficou o tempo todo só brincando com os dois cubinhos: colocando um em cima do outro... só os dois que ele tinha levado da terapia... 10. Heloisa: você falou: o nível sócio-econômico dele: ele tinha brinquedos em casa? 11. Rita: tinha...tinha poucos mas tinha... tinha ele e a irmã... eles moravam no fundo da casa da cunhada da mãe... ms na separação ela conseguiu uma casa no Sonho Meu aquele projeto social... 12. Heloisa: e ele queria levar só os brinquedos que vocês usavam na terapia ou qualquer um? 13. Rita: não era sempre/jogos ele não queria/era sempre os brinquedos que a gente já tinha brincado:lego a gente já tinha brincado:carro a gente já tinha brincado: ele nunca pediu pra levar a gravata que a gente brincava...nada disso...dentro do que a gente fazia de mais simbólico ele não queria levar...era sempre os brinquedos mais concretos...da parte mais inicial da terapia... 14. Pesquisadora: e quando ele começou a levar os brinquedos para casa ele parou com as atitudes de chutar? 15. Rita: diminuiu... ele só falava que não queria ir embora e ele falava que queria levar esse e tal... 16. Pesquisadora: e essas atitudes foram diminuindo... 17. Rita: foram... aí um belo dia eu falei agora ele já está melhor e não vai levar... aí voltou tudo para trás ele quase me espancou na sala... ele ficou muito bravo...falou que ele ia continuar levando e aí eu vi que o vínculo que a gente tinha ainda precisava manter em outros lugares por mais tempo... e aí ele ficou levando e eu fiquei agüentando essa de ele levar e ele agüentou bem levar e tomar conta mais ou menos até abril do ano seguinte...depois desse período ele subia em cima da mesa e ficava procurando estação no rádio e ficava dançando e pegava na gaveta papel e ficava fazendo minhoca... era minhoca pai: minhoca mãe: minhoca tia: minhoca Bel – que é a irmã dele – e não tinha minhoca Pedro... ele dizia que não era minhoca... todo mundo era minhoca e ele depois pegava o papel e picava tudo.. aí eu peraí...antes de você desfazer a minhoca:vamos brincar... a minhoca Marcel – que é o primo dele – brincava com a minhoca tia e aí ele ficava bravo: a minhoca Marcel não vai brincar... aí eu falava então a minhoca da tia vai brincar com a minhoca da Bel... e aí até que ele se fez minhoca também e ele entrou como minhoca e se colocou no meio que ele tinha se excluído que era todo mundo que ele tinha contato... e nessa época que ele começou a sentar na mesa e a brincar comigo na mesa: ele já saía mais tranqüilo: foi algo meio gradual... às vezes ele pedia para levar alguma coisa...mas não fazia tanto show...aí coincidiu com os sintomas de linguagem dele foram/ele chegou não falando nada: só apontando mesmo... aí começou a produzir mais anteriores...os posteriores ficou mais para o final mesmo: eu não trabalhei isso diretamente...ele tinha a voz muito hiponasal60: ele vivia entupido e a casa onde ele morava tinha muito bolor...eu mandava pro otorrino ((médico otorrinolaringologista)) mas morando naquela casa isso não ia curar... ele tinha um quadro alérgico super complicado...então aí tava coincidindo a época que ele tava mudando de casa: a mãe se separando do marido e aí ele ficou comigo até novembro...em setembro a gente/em agosto começou a trabalhar a entrada dele numa escolinha meio período...ele não ia 60 Voz hiponasal: voz com pouca nasalização. No caso de Pedro, havia um quadro alérgico que fazia com que ele estivesse constantemente com o nariz entupido e, portanto, sem condições de produzir sons nasais. ainda todos os dias...ficava alguns dias só pra ir adaptando porque a mãe dele só tinha conseguido vaga pro ano seguinte... que aí iam conseguir colocar ele na escola... aí ele já tava empolgado com lancheira... de ter uma lancheira era o que ele mais queria: e ele falava que não: que aquilo lá era todo mundo muito chato... era aquela insegurança de vou para a escola: não vou pra escola né: quero ir mas ao mesmo tempo era um espaço muito novo...então ele começou a fazer uma adaptação de alguns dias da semana e a gente começou a intercalar o atendimento é: semanal...ao invés de duas vezes por semana:passou a ser semanal e em setembro passou a ser de quinze em quinze dias até novembro:que coincidiu com as férias e logo em seguida ele ia pra escola e acabou tendo alta... no último dia ele veio com uma máquina fotográfica e queria tirar foto... aí veio ele;veio a Bel:veio a mãe tirar fotografia...e é isso mais ou menos o Pedro... 18. Pesquisadora: você olhando agora...você disse que esse atendimento foi em 99... o que você diz desse trabalho? Faria tudo igual ou teria um novo olhar? 19. Rita: eu acho que não insisti muito pra trazer o pai para dentro do trabalho...acho que entrei no papo da mãe...acabei entrando nesse lado:não abri espaço para ele...acho que assumi a mãe como referencial único do Pedro... e ele era Junior e eu não trouxe o pai... e ele era muito engraçado... uma vez ele pediu para ir ao banheiro -- ele pedi algumas vezes pra ir ao banheiro – e banheiro de consultório á assim: tem box cheio de coisas e ele perguntava onde você toma banho? Ele achava que eu morava lá... eu explicava que eu não tomava banho lá...um dia ele tava apertado e eu perguntei você quer fazer xixi? E ele disse homem não faz xixi:homem mija... mas ele encheu a boca pra falar e eu achei a coisa mais linda e eu não trouxe o homem que era o referencial dele então: ficava assim: ele lavava a mão e voltava par a brincadeira do jeito que ela tava... se era o lobo mau ele voltava pra matar o lobo mau: se jogava no chão: fazia sonoplastia... 20. Heloisa: o lobo mau imaginário? 21. Rita: imaginário... 22. Pesquisadora: e que papel você tinha nas brincadeiras? 23. Rita: na brincadeira eu era participante mesmo... eu participava e em alguns momentos:depois de um tempo: quando ele já tinha condições de perceber até a questão a de fala dele:eu ia apontando algumas coisas pra ele mas eram pontuações assim...que eu não cortava muito a situação da brincadeira: por exemplo: na do médico dava pra falar nossa o senhor está muito doente mesmo...o senhor falou médito... não é médito... aí eu já ia com a espátula61 e é médico... aí ele fala médico e ai eu ia tentando por coisas na brincadeira e eu brincava muito com ele... era uma coisa de estar ali... ao mesmo tempo em que eu ia interagindo eu prestava atenção em como estava a linguagem dele/ a fala é:: eu participava de me esconder no chão: de ficar co medo e aí ele falava calma filha calma... ai pai:to com medo... é um monstro... aí ele pedia silêncio e ia lá: lutava de novo e voltava e me agradava: eu participava junto da dramatização que ele fazia tanto no médico como nas minhocas... eu intervinha de questionar: por que que ele não era minhoca:: então as minhocas iam brincar: por que que as minhocas só iam existir e deixar de existir... então assim de mostrar que de repente ele podia ter uma função: que todos os membros: pai:mãe:primo: irmã: eu: 61 Uma das técnicas de produção do fonema /t/, muito difundida na prática fonoaudiológica, consiste em segurar a ponta da língua no assoalho da boca, com o auxílio de uma espátula, no momento em que o paciente emite esse fonema em substituição ao fonema /k/. Com a ponta da língua presa, o que se movimenta em elevação é o dorso da língua: em lugar da emissão de /t/ temos então /k/. Aos poucos a criança vai automatizando essa produção. que ele conhecia estavam ali e ele não... e depois ele querer estar junto porque as minhocas brincavam e podia ser interessante que saísse daí... acho que em alguns momentos eu questionava um pouco se ele não ia se colocar como minhoca por exemplo... que música que ele gostava;quando ele ia mudando música...nas músicas deu pra trabalhar bastante a parte articulatória: porque ele cantava umas coisas que eu você não cantou isso... tal: e aí ele ia procurar e aí acabava a música... ele não queria por CD até porque os CDs que eu tinha eram muitos chatos e ele era muito moderninho para os CDs que tinham lá...então ele queria ir procurando outras músicas e ia cantando e a gente ia trabalhando bastante a articulação nas músicas que ele ia cantando... 24. Pesquisadora: qual era o repertório dele? 25. Rita: era o Tchan: boquinha da garrafa -- ele punha a boneca no chão e ia dançando como se a boneca fosse garrafa... ele dramatizava e cantava junto... ele era bem solto... eram sempre essas músicas que estavam mais no auge na época... a gente achava várias músicas no rádio que ele gostava de cantar... eu procurei ser diferenciada para ele...de primeiro mostrar que eu ia entender ele...que não ia aceitar algumas coisas que ele fazia como só apontar o que ele quer e eu falar e ele ficar mais quieto como os outros aceitavam... ao mesmo tempo: eu tentei mostrar para ele que o que ele tava falando:num primeiro momento: ia ser aceito e que depois aquilo lá podia ir se modificando e a mãe dele falava agora a gente tem que falar pra ele ficar quieto... ele brigava com a irmã o dia todo... 26. Carmen: a mãe não achava esquisito você só brincar com ele? 27.Rita: não...desde o começo: eu sempre falo para todos os casos que chegam...eu falo pra a mãe e para o pai: se eu fosse trabalhar alguma coisa na sua fala... a gente ia conversar e trabalhar na sua fala... com criança se eu fizer duas perguntas pra ela: ela não vai querer mais vir aqui... e aí os pais entendem porque tenta conversar com uma criança de três anos qual o seu nome? Em dois segundos ela já foi embora... então eu explico que o universo dele é brincando: que é assim que eu consigo que ele fique comigo; que ele fale: que eu possa falar com ele: que a gente tenha um assunto... e eles entendem que o assunto do filho é o brincar... 4ª EXPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA - 31 de outubro de 2001 Compareceram Carmen, Leila e Heloisa. Carmen não se baseia em material prévio para fazer sua apresentação que se caracteriza como um relato oral de uma experiência. 1. Carmen: Primeiro eu vou comentar de onde: esse paciente: me surgiu e como ele me conhece...eu trabalho num lugar chamado Instituto Nilo de Pesquisa e Apoio a familiares de jovens limítrofes...é uma:: instituição particular mas sem fins lucrativos...que pesquisa a limitrofia...que é uma dificuldade no aprendizado...dificuldade de concentração dificuldade de...é:: alfabetização muitas vezes...e essas são crianças que chegam pra lá...chegam normalmente quando já estão jovens adolescentes/jovens...e já com: um descrédito sócio-cultural...já têm um cotidiano conturBAdo familiar e são essas crianças que chegam...os pais chegam lá sem saber o que fazer... e esse jovem chegou com/em 1997...ele hoje tem vinte:: dezessete na época...e vem com o histórico que:: o pai tomava conta na verdade é a avó paterna...e a mãe tinha abandonado essa criança...aos cuidados do pai...o pai não tinha percebido até ele chegar aos sete/oito anos que:: começaram as primeiras dificuldades dele na escola...ele não conseguia se concenTRAR ficava muito agiTADO não conseguia é: apreender o conteúdo e por isso tudo se irritava muito...brigava: e chegou a várias psicólogas... por causa da escola e essas psicólogas não deram conta...segundo o pai...e ele chegou e ficou conhecendo o Nilo...nessa época eu não tive contato com eles...só fui ter contato em 2000... quando eu comecei o trabalho...e aí o pai já tava:: na angústia de saber o que fazer com ele soube que ele tava bem: mas não tinha nada de escolarização...tinha passado até:: oitava/nem oitava acho que sexta ou sétima série...não: tinha aprendido nada não tinha um bom:: conteúdo mesmo um bom aprendizado...então de repente um supletivo porque ele já tava bem::emocionalmente e ele até antes de chegar ao Nilo por conta dessas psicólogas ele tinha chegado também ao psiquiatra e tinha chegado a algumas intervenções... 2. Heloísa: Internações? Bebida? 3. Carmen: essa dificuldade esse agito essa agressividade... 4. Heloisa: ele tomava remédio? 5. Carmen: Chegou a tomar Tegretol e:: não sei se era Gardenal: 6. Heloisa: ele tinha convulsões? 7. Carmen: nada sem ter nenhuma... mas eles costumam medicar com Tegretol coisa assim mais para baixar ansiedade... e aí ele chegou ou ao Nilo e ficou sem nada sem medicação nenhuma e foi regredindo para a homeopatia... e aí ele já conseguiu:: por conseguir toda essa: estabilização emocional... ele já conseguiu chegar a fazer supletivo...a equipe toda pedagogo psicólogo a gente da área fonoaudiológica...ficamos assim: pensando se seria o melhor caminho já pro Carlos ou não... e:: 8. Heloisa: O supletivo você diz? 9. Carmen: o supletivo... se era época mesmo de ele estar fazendo o supletivo...mas o pai estava numa agonia numa coisa com o supletivo e por fim colocou e pediu só o apoio...e o Nilo ajudava nesse lado pedagógico...ia dar o suporte técnico pra ele... e ele começou:: 10. Heloisa: isso aos dezesseis, né:: [ ] 11. Carmen: Isso isso não quando ele entrou no Nilo mas ele já devia ter uns dezessete: 12. Heloisa: ta 13. Carmen: ta? Que foi aí já quando eu já estava no Nilo em 2000... 14. Heloisa: de segundo grau? 15. Carmen: primeiro grau...e aí ele começou a fazer supletivo e todas as atividades que tem no Nilo...porque o Nilo acredita que nós temos quatro corpos... o vital que dá força toda dá vontade... o psíquico que é toda a parte é: de sentimentos mesmo... o físico e o mental...no caso o mental que é essa parte da organização:: da parte pedagógica em si era o que estava sendo trabalhado com ele...mais diretamente...os outros corpos ele acabou não tendo tempo para fazer...tinha que sair mais cedo para poder chegar a tempo na escola que ele morava na zona leste e o Nilo num município vizinho, na zona sul...então ele levava duas horas e pouco e então ele tinha que sair mais cedo para poder estar dentro do horário... 16. Heloisa: e esses quatro corpos quem cuida... os pedagogos... fonoaudiólogos ou cada um tem:: 17. Carmen: Cada um dentro da sua área e [ ] 18. Heloisa: e a fono cuida de que corpo? 19. Carmen: do mental... 20. Heloisa: Só? 21. Carmen: por causa da linguagem... 22. Heloisa: perfeito... 23. Carmen: mas como nós somos quatro corpos em um::: nós acabamos trabalhando todos porque ele tem que estar com vontade para estar mexendo com esse lado pedagógico com esse lado da linguagem...precisa ter o físico para escrever essa coisa da linguagem...então você acaba trabalhando todos mas diretamente com um... e aí ele ficava nesse vai e vem e acabava não sendo trabalhado pelas outras áreas...e o pai começou/arranjou um emprego na/com o tio que tem uma gráfica...então o Carlos ia de segunda:: de terça quarta e quinta pro Nilo terça quarta e quinta: e ainda saía mais cedo... eu comecei a ver o Carlos só na quarta... e mesmo assim ele estava sempre no corre corre por causa do supletivo pra tentar acompanhar...prova trabalho tudo ele precisava da gente...e ( ) e ele tinha bastante dificuldade de organização... do pensamento: da fala... é:: de tudo ele tinha dificuldade de organizar...ele era uma criança agitada: um jovem que falava TUdo que vinha na cabeça...não interessa assim se era hora... se era para a pessoa certa... era imaturo e:: 24. Heloisa: vou te perguntar uma coisa Carmen... 25. Carmen: pode perguntar... 26. Heloisa: lá é classificado em limítrofes leves: severos...como que é essa classificação? Não? Não tem... 27. ((Carmen responde negativamente com a cabeça)) 28. Carmen: Não tem... a limitrofia lá vem:: limítrofes puros:: 29. Heloísa: puros que seria: 30. Carmen: Que é o que a gente não tem SÓ a limitrofia ou limitrofia com alguma coisa como a paralisia cerebral: com uma deficiência mental junto:: 31. Heloísa: ta... 32. Carmen: porque segundo:: a Cecília/que é o que a gente está pesquisando lá... a gente está pesquisando uma metodologia... e a Cecília que é a coordenadora do instituto... ela diz pra gente que a limitrofia é um estado do ser...igual a gente tem um estado de convulsão: a gente tem um estado da limitrofia...que é esse estado de não conseguir fazer a passagem do hemisfério direito pro esquerdo...então as dificuldades todas de ir no esquerdo...eles têm...que é a dificuldade do cognitivo do concreto...dificuldades do palpável... ele tem...ele não tem dificuldade com:: é:: o imaginário... a coisa de inventar... 33. Heloisa: a criação... 34. Carmen: a criação toda vem espontânea...tanto é que a gente trabalha o vital com eles...que é a parte da vontade nessa coisa da criatividade...eles fazem desenho argila escultura...tudo isso né... 35. Pesquisadora: deixa eu fazer uma pergunta já que a gente está aí na conceituação...o que é que seria uma limitrofia pura... que você falou que no Nilo vocês não têm... 36. Carmen: Não tem... seria esse estado de é:: viver no abstrato...porque limítrofe ele imagina e cria tudo...eles por terem essas deficiências associadas eles não conseguem é:: eles têm um déficit nos outros corpos...eles não conseguem concretizar o que eles têm de imaginação... 37. Leila: seria por exemplo um paralítico cerebral com uma dificuldade motora não poder executar o que ele criou? 38. Carmen: o que ele criou...o que ele inventou...seria isso...então o Carlos ele imagina bastante ele inventa...só que ele não consegue organizar e codificar isso no papel... 39. Pesquisadora: e nem na oralidade: 40. Carmen: e nem na oralidade... 41. Heloisa: então como é que você sabe que ele imagina tudo isso se nem na oralidade e nem no papel:: como ele tem/como você vê: 42. Carmen: então...porque/pelas atitudes dele...então: assim... só mais um dado do Carlos antes de situar...colocar uma situação da história...ele adora desenhar... e ele desenha muito bem...pena que eu precisei deixar no Nilo essa papelada porque ele está internado atualmente...então eu não pude trazer pra mostrar...o Carlos... ele por desenhar ele traz tudo...e até na fala se você deixar solto:vem...no teatro ele representa::ele vive o personagem... 43. Leila: quando você fala deixar solto: vem...como assim? o que vem? 44. Carmen: vem assim é: uma fala desconexa...mas do que ta/você vê que é o Carlos...então ele vem de repente/vou por uma situação ( ) 45. Leila: Dá exemplo::que fica mais fácil 46. Carmen: que é mais fácil...ele bateu:entrou na sala:oi...entrou: sentou:sabe o que que é?me roubaram cinco reais da minha carteira...daí eu falei:ta:: e aí::então me roubaram cinco reais da minha carteira...você tem dinheiro pra voltar Carlos pra casa?Tenho...então: e nisso todo mundo que estava na sala:porque eu trabalho em grupos...todo mundo que estava na sala parou:: porque a gente estava fazendo ( ) e ele vem com essa fala...aí dessa vez eu saí da sala: falei espera só um pouquinho: é isso realmente que você quer dizer Carlos? Ele falou é...então espera aí... aí eu fui e fiz uma dramatização com eles que estavam na sala mas com outra coisa...eu bati na porta e falei assim...putz esqueci meu celular...e fiquei parada olhando...ele começou a rir... e aí ele pegou e falou assim:entendi...aí eu falei o que você queria dizer Carlos? Era que roubaram:: seu dinheiro ou que você não está com dinheiro e queria dinheiro emprestado pra outra coisa::aí ele parou e falou sabe o que que é::é que eu queria na verdade: eu vou ter que pagar: não lembro o que que era se era outro ônibus que ele ia ter que pegar: 47. Heloisa: ele ia sozinho Carmen? 48. Carmen: que é mais longo...não... 49. Heloísa: com o pai? 50. Carmen: com o pai:uma:: um irmão pequeno que nasceu... 51. Heloisa: então ele realmente não foi roubado... 52. Carmen: e o pai tem uma madrasta... não... 53. Heloisa: ta... 54. Carmen: ele não foi roubado... ele veio sozinho...mas aí é que está a imaginação e o:: a criatividade e a coisa deles...ele queria ir comprar outra coisa no caminho ou pegar o ônibus mais longo que custava mais pra chegar mais rápido...e ele inventou a história de terem roubado pra pegar o dinheiro e: 55. Leila: agora pra mim ficou confuso quando você conta isso... é:: acredito que você tenha é:: outras vivênci/outras ocorrências com ele: é::em outras situações outros contextos que fez você pensar automaticamente que na hora em que ele foi roubado: ele estava simulando/não simulando: ele estava trazendo trazendo isso...que quando você conta:me faz pensar assim é::como uma pessoa normal que chega e fala assim: fui roubado e fala tipo ao invés de e aí? tipo assim: aonde? Como? Que que te levaram? Como você tá? Então assim:: se você está nesse caminho já é:: não sei é complicado: 56. Carmen: eu sei:é difícil: 57. Leila: se você já está nesse caminho – só um minuto – de ir por essa linha de que nesse momento ele está em criação: está representando alguma coisa::acreditei/tem furos::nem sempre é a mesma coisa...é: que às vezes pode ser uma coisa que/ pode ter acontecido alguma coisa...é que tem o bloqueio do diálogo/discurso mesmo que você disponibiliza pra ele...quando você fala e aí:: você fecha...tipo assim se eu falo pra você to super triste...hahan... se eu ia contar que estou triste por alguma coisa eu acabo me fechando... aí estou dizendo isso que você já deve ter tido outras ocorrências já pra tomar esse caminho...pra tomar essa atitude... 58. Carmen: sim...porque assim... 59. Leila: não sei se ficou confuso o que eu coloquei: 60. Carmen: não: eu consegui entender... 61. Heloisa: eu também... 62. Carmen: o limítrofe ele:: se ele imaginar e não conseguir concretizar o que ele imaginou...ele traz uma história muito longa... muitas vezes... e ele vem te contar:: e fala e fala e é aquela coisa de rodear rodear rodear rodear pra conseguir um fim... e muitas vezes eles não sabem o fim que eles querem ter... 63. Leila: Hahan... 64. Carmen: não sei se eu consegui passar? 65. Heloisa: precisa organizar isso pra ele? 66. Carmen: aí eu preciso organizar pra ele...por isso que eu coloco pra ele: nesse caso::eu coloquei pra ele dessa maneira para ele pra ele perceber o que ele fez...pra deixar concreta a situação...pra que ele soubesse que:: primeiro bate na porta: fala dá licença...posso perguntar uma coisa? Aconteceu isso...eu to precisando de um dinheiro... para que ele consiga de uma maneira mais fiel chegar ao que ele quer/ de uma maneira mais efetiva... e:: o Carlos/ele:: é:: voltando um pouco nesse histórico dele: ele entrou nesse supletivo...fez isso/essa coisa conturbada por um ano: um ano e pouco... ele passou no supletivo de primeiro grau entrou no supletivo de segundo... chegou no supletivo de segundo ele estressou...ele não conseguiu mais porque era trabalho: corre corre: tem que estudar: e aí o Nilo começou: os outros profissionais tendo que fazer as coisas pra ele...na minha área ele não ia mais... 67. Heloisa: por que Carmen? 68. Carmen: Por conta de ter que dar conta: dos trabalhos das provas: ele não tava dando conta de tudo... e o Nilo estava tendo que dar conta:: então ele ia só na pedagoga... e a pedagoga tinha que fazer a tarefa por ele...tinha que estudar com ele... tinha que fazer as coisas com ele e ele não conseguia ser ele...ele não conseguia ter esses ((estala os dedos)) lapsos: essas viagens dele pra gente poder nortear... 69. Leila: hahan... 70. Carmen: e o trabalho que eu faço lá no Nilo é de: leitura e escrita porque eles têm muita dificuldade nisso... e junto com a leitura e escrita vem o discurso oral também...então muitas vezes vem o discurso oral: a gente debate conversa sobre o assunto: para depois vir o discurso escrito que é onde eles têm a dificuldade maior...então ele não estava tendo essa coisa pra gente poder organizar...não estava tendo toda essa parte...então ele estava perdido: ele chegava na vivência que é um momento que a gente é:: quase uma confraternização...um momento muito espiritualizado do Nilo...então a gente conta o dia-a-dia: o que aconteceu no dia anterior:como foi o final de semana: alguma coisa que você queira contar: ele chegou nuns momentos da vivência e falou gente::olha: eu preciso falar... Vocês têm que dar muito valor para o Nilo...vocês têm que dar muito valor pras coisas que vocês fazem aqui...vocês precisam participar de tudo: 71. Heloisa: Desculpa: me perdi...quem falou isso? 72. Carmen: o Carlos... ele chegava na vivência e o relato dele era esse...o quanto o Nilo era bom... o quanto precisava perceber que as pessoas fora não davam valor...desprezavam 73. Heloisa: tinha um momento: tinha um momento para ele: 74. Carmen: ele falava eu quero falar... 75. Heloisa: e como vocês reagiam diante disso? 76. Carmen: a gente ouvia... e muitas vezes assim:: um coordena... não são todos que opinam...e quem estava coordenando muitas vezes ouvia e falava hahan é isso...ta vendo gente: o quanto é importante: o quanto é legal o Nilo... quando vocês sofrem muitas vezes lá fora...não eram com essas as palavras mas era esse o debatido...nesses momentos que ele vinha... 77. Heloisa: nesse momento ele não estava fantasiando: não estava viajando no seu ponto de vista? 78. Carmen: não estava viajando: mas eu via muitas vezes que estava fora de contexto...era uma fala legal: tinha coerência o que ele estava falando: era importante: mas tava totalmente fora de contexto... 79. Heloisa: Como foi isso: ainda não entendi direito... 80. Carmen: porque às vezes ele chegava:: nessa vivência... a gente chega espera bate o sinal:: eles vêm a gente forma um círculo e aí começa a atividade: a o pessoal fala um pouco sobre as coisas que aconteceram no dia anterior: fala um pouco sobre as coisas que estão acontecendo: olha: soltaram uma bomba lá: vocês viram? 81. Heloisa: então a palavra ( ) ou se coloca um: 82. Carmen: se coloca aleatoriamente ou às vezes tem uma proposta dada...ah: hoje por exemplo ah de repente o que vocês colocaram de fantasia no Halloween? 83. Heloisa: todo dia é isso, Carmen? 84. Carmen: todo dia é uma coisa diferente e um debate assim sempre tem: 85. Heloisa: e nesse dia ele se colocou: 86. Carmen: ele soltou isso... do nada...que ele gosta do Nilo: que o Nilo é o que colocava as coisas:: que: 87. Heloisa: desculpa -- só para eu ter uma idéia – anteriormente alguém estava falando isso? 88. Carmen: não... 89. Heloisa: nada... 90. Carmen: nada... 91. Heloisa: nem no dia anterior aconteceu nada em relação ao Nilo? 92. Carmen: não: 93. Heloisa: nem no mesmo dia? 94. Carmen: não:não... 95. Heloisa: Foi assim:: por isso que você disse que foi um pouco fora: 96. Carmen: que um pouco fora de contexto o que ele tava colocando... 97. Heloisa: você trabalhou com ele por quanto tempo? 98. Carmen: então... eu fiquei com ele nesse ano de 2000... que foi quando ele conseguiu/a gente ainda conseguiu resgatar ele...mas o trabalho comigo assim: foi legal no começo mesmo de 2000... do meio de 2000 pro final: começaram a aumentar as provas: começaram a sugar bastante e aí ele começou a não aparecer mais e a sugar bem o lado pedagógico... 99. Leila: Quando você fala que o pai tinha uma expectativa muito grande de ver o filho estudando e ele tinha essa expectativa? 100. Carmen: não... ele até criou:: essa expectativa por conta do pai depois...e o cotidiano familiar dele era muito conturbado... só de ele não ser filho desejado pelo pai...ser desejado pela mãe: depois a mãe parou de tomar anticoncepcional pra depois rejeitar o filho... então ele já fica com essas coisas na cabeça.. né: 101. Heloisa: porque ele sabe disso? 102. Carmen: ele sabe de toda a história dele...então é complicado... e o trabalho em si nesse começo de ano – voltando um pouco no que você tinha falado de saber dessas coisas de viagem: de como é difícil:: eu coordenava e organizava um pouco a fala para ele – ele sentava em muitas situações e lia contos: fábulas: poesias e dependendo da época do que eles estavam trazendo era uma coisa que eu abordava com eles... 103. Heloisa: em grupo...era sempre em grupo... 104. Carmen: sempre em grupo... 105. Heloisa: de quantos? 106. Carmen: cinco:seis... dependendo... e não era fixo o grupo... ta: tinha hora que:: e não era fixo também o nível deles... de vez em quando pintava um deficiente mental assim no meio...nada severo: mas pintava...ou até mesmo quem tinha uma dificuldade muito maior de leitura... e outros que tinham uma facilidade maior...porque uma das limítrofes: ela já escreveu um livro de poesias...com autor: com auxílio nosso:: revisado:: lido com ela vai volta vem....então ele chegava e a situação era:: dois tatames/tapetes...ele vinha: sentava: e todos sentavam aí: vamos ler qual vocês querem? eu trouxe esse e esse tal e conforme ia/começava a ler por exemplo a poesia: vinha uma palavra na cabeça dele: dessa palavra já puxava uma música:: 107. Heloisa: ele? 108. ((Carmen afirma com movimentos de cabeça)) 109. Carmen: e aí ele já começava a cantar a música... 110. Pesquisadora: Carmen, você tem um exemplo concreto -- porque você fala assim tinha então uma poesia – você tem uma sessão ou fragmentos de uma sessão? 111. Carmen: vem mas não vêm as falas... 112. Pesquisadora: recupera e vamos ver o que é que vem...pode não vir a fala inteira dele...mas assim exemplos mais :: por exemplo li com eles a poesia x de José Paulo Paes sei lá: fala isso... e quem sabe recupera um pouco mais...pra gente ter um exemplo concretão... 113. Carmen: ta... na época das poesias... eu peguei bastante José Paulo Paes...peguei para gostar de ler ((nome de uma coleção de literatura juvenil)) algumas coisas... tinham algumas crônicas mas que abordavam os mesmos temas...tinha algumas poesias que – eu não lembro o livro...você tinha citado um sem ser o José Paulo Paes... eu não me lembro – e aí: a gente sentou e eu comecei a ler o tema que eles queriam... aí comecei a ler José Paulo Paes é: algumas poesias e conforme vinha -- eu não lembro... eu sei que vinha pela música do funk que tava na moda na época – 114. Leila: da popozuda... 115. Carmen: da popozuda...e aí ele vinha trazia a popozuda: levantava começava a dançar... nisso os outros alunos alguns riam... outros Carlos olha aí:: a Carmen ta querendo falar... Carlos pára presta atenção:: 116. Heloisa: do nada ele começava a cantar ou tinha alguma palavra:: 117. Carmen: a palavra chamava... é que eu não lembro uma palavra específica para poder estar falando... 118. Leila: você diria que nesse momento dispersava ou enriquecia? 119. Carmen: dispersava... ele dispersava todo o pessoal e ele não conseguia se ater ao conteúdo...eu via que muitas vezes:: é:: ele fazia isso porque ficava difícil para ele enfrentar o que estava sendo lido: o tema que estava sendo abordado... outras horas porque ele queria:: ter um tempo que ele não precisava ser cobrado...e aí eu tava sendo cobr/cobrando dele:: uma fala uma opinião...eu falava muitas vezes: eu parei o Carlos e disse Carlos:: aí eu ficava em silêncio até ele vir falar... aí quando ele vinha falar comigo eu falava/ ele parava de falar e ta ta bom Carmen...e aí eu falava é que eu quero a sua opinião... porque dentro da limitrofia ele tinha opiniões boas... ele tinha uma noção de mundo: conhecimento de mundo muito grande...experiências passadas assim de solidão: experiências passadas de relacionamento... de se apaixonar por uma pessoa e não ter: coisas que os outros muitas vezes não tiveram... 120. Leila: e ele tinha espaço pra ta trazendo isso? 121. Carmen: tinha... porque eu trazia essas poesias... eu deixava muito aberto... ele ia conversava com um: perguntava a opinião porque dessa poesia ah: que temas você quer escrever sobre? Porque a poesia sempre coloca alguma coisa...algum sentimento que a gente quer passar:: e aí ele trazia essas coisas de solidão: trazia essas coisas de dificuldade...de conviver no mundo... então isso seria muito interessante de ele estar passando – eu colocava isso pra ele –pra gente poder ajudar a enfrentar... 122. Heloisa: Você punha assim como uma ajuda? 123. Carmen: como uma ajuda... 124. Heloisa: ele tinha apoio psicológico também não tinha? 125. Carmen: tinha...mas o complicado do Nilo – aí é o déficit do Nilo com instituição -eles deixam as crianças: os jovens livres para escolher o que eles precisam o que eles querem o que eles estão com vontade de ir... 126. Heloisa: han:: 127. Carmen: então não tem o trabalho psicológico direto... não tem uma sessão psicológica... tem o aPOIO psicológico...então não é trabalhado a fundo muitas questões com eles... a psicóloga da época ela até participou muitas vezes dos grupos... a gente leu bastante Lygia Fagundes...Lygia Bojunga...a gente leu Tchau que coloca mil questões... 128. Heloísa: Tchau? 129. Carmen: Tchau... não sei se você conhece... é porque: ((olha para Pesquisadora)) 130. Heloisa: não... ((olha para Pesquisadora)) 131. ((este livro foi trabalhado numa disciplina ministrada pela pesquisadora na época em que Carmen foi sua aluna)) 132. Carmen: o Tchau: gente é fascinante o livro... é um livro de contos que a Lygia reúne algumas dificuldades assim:: cada conto é uma... um é a dificuldade de lidar com o outro: né: que é o Tchau:: ((busca aprovação no olhar de Pesquisadora)) o Tchau:: Não sei... O Tchau é o da dificuldade de lidar com a inveja: 133. Pesquisadora: esse não é o Tchau... 134. Carmen: como chama esse? 135. Pesquisadora: A troca e a tarefa... 136. Carmen: A troca e a tarefa...que é de trocar assim:: ela troca né: o que ela tem de dificuldade de lidar que é com a inveja da irmã: o ciúme da irmã pela tarefa.. que é o escrever... então ela escreve sobre isso e alivia esse peso do coração... o outro é a dificuldade de lidar com o econômico...um tem muito e um menino que não tem nada ganha uma bolsa de estudos e vai estudar nessa escola onde todos têm...então é de lidar com essas dificuldades co a frustração de não ter... de::será que ele vai gostar de mim... porque eu não tenho...nossa : ele tem o bife que eu sempre sonhei...ele come todo dia o bife... e eu ofereci uma pipoca numa casa que não tem nada... uma pipoca murcha: tenho uma mãe que tem dificuldades e tal...então eu começava a ler esses livros pra dar isso pra eles... essa oportunidade de eles estarem falando e colocando pra fora o que eles estavam sentindo...e nesse final de 2000 eles fizeram poesias e a gente montou um livro de poesias... e cada um trouxe o que ele é pra ele...então uma que é toda eufórica a poesia dela é sobre o fogo...a outra que tava pensando se ficava com um menino se namorava um menino... é sobre um super herói que vinha salvá-la... que era o amor da vida dela... a outra fez uma que era do beijo beijinho::que era na época a dificuldade do relacionamento: 137. Heloisa: O Carlos chegou a fazer? 138. Carmen: fez:: fez:: a dela era sobre solidão... e uma outra sobre Deus...que Deus é tudo que a gente tem que agradecer a Deus o que a gente tem...então a dificuldade toda lá no Nilo: é por conta dessa/de não ter uma coisa sistemática...de não ter horário das sessões... de não ter:: é:: cada um vai no que quer...então quando começa a apertar o calo numa determinada área eles não vão... 139. Leila: eles não têm o compromisso... 140. Carmen: e aí a gente tem que resgatar... 141. Heloisa: difícil isso, hein? 142. Carmen: Muito difícil...aí a gente tem que resgatar e aí resgatar ao mesmo tempo você não está deixando ele ser... 143. Heloisa: é lógico... 144. Carmen: então com o Carlos o difícil foi nesse final de ano continuar o trabalho com ele... porque eu já tinha conseguido assim mostrar para ele o discurso dele...ver que o discurso não estava sendo coerente com a situação: que muitas vezes os outros pedem um discurso coerente...que tendo um discurso coerente é que ele vai conseguir se mostrar fora...que ele vai conseguir argumentar com o pai: o que ele quer...ele vai conseguir pedir para o pai carinho...igual muitas vezes ele colocou pra gente num bilhete dos dias dos pais...o quanto ele queria que o pai estivesse presente... e eu falei você vai entregar esse bilhete pro seu pai? Não.. porque não Carlos? Ta hiper lindo seu bilhete...não: não ta bom...não ta legal... meu pai não vai ler...meu pai não vai gostar disso... e aí eu trabalhava com eles: o gostar do quê? Era porque estava com erros de português ou porque ele não tinha conseguindo colocar o que ele estava conseguindo no bilhete? Aí eu abria espaço para a gente JUNTOS estar colocando outras coisas que eles falavam muitas vezes:: entrecortadas no discurso e que não estavam colocadas no discurso escrito... então aos poucos eu direcionava o discurso oral: e aí direcionado o discurso oral para o que ele queria: a finalidade: como ele conseguiria aquela finalidade: o discurso escrito...aí ele estaria colocando ah: uma carta se faz assim: então vamos fazer um bilhete...legal:é pro seu pai:: aí no começo de 2001 ele veio pro Nilo solicitando MUITO e MUITO a parte pedagógica...e muito MAIS angustiado... e isso vinha na fala... Angustiado: porque ele via que os outros xavecavam as meninas e ele não...que é: já tinham um jeitão diferente do dele e que ele não estava acompanhando o discurso dos outros... que achavam que ele era bobo... 145. Heloisa: ele falava isso: não:: 146. Pesquisadora: os outros do:: 147. Carmen: do supletivo... e ele era... 148. Leila: era o quê? 149. Carmen: bobo... fora era bobo... 150. Heloisa: como assim: Carmen: 151. Carmen: na pra gente...mas assim: ele era um jovem; que a gente -- hoje ele tem vinte -- pelo discurso dele você não dava catorze pra ele... catorze quinze:: 152. Leila: então: assim:: 153. Carmen: porque ele não tinha um discurso de vinte anos... ele não conseguia organizar o que ele tinha de conteúdo: o que ele tinha de experiência já: pra mostrar os vinte anos dele... 154. Leila: ( ) não: porque:: você trabalhava o discurso só: no discurso né: claro... e: assim: a gente tomando né:: tendo já essa idéia da característica do limítrofe né: essa coisa da falta de concentração : de estar avoado: de viver mais na imaginação que na realidade: eu fico pensando se a gente não acaba mesmo perdendo no discurso: quando você está trabalhando até pra estar organizando melhor esse discurso:: porque ele está te trazendo um discurso desorganizado: você vai devolver estruturado...fico pensando se a gente não perde de estar nessa concepção né: de ele estar na imaginação e de não estar se colocando...porque quando você fala -você contou do discurso desorganizado e da defasagem do discurso de vinte anos – mas assim: ele traz coisas importantes nesse discurso por mais desestruturado:: passa os conflitos com o pai:: e de:: 155. Carmen: mas nessas horas que até mesmo ele não estava a fim de ouvir: eu trago alguns assuntos quando ele entrecortava algum discurso que eu tava tendo a leitura que eu tinha: vinham essas coisas muitas vezes... vinha dizendo que ah:: por que que você tá agitado hoje:Carlos?ah: não to agitado: foi sei lá o que:: fiz sei lá o que ontem... aí ele trazia outras coisas... ele fugia daquele discurso que ele tava da dança da bundinha... do funk... e já entrava de repente no discurso da coisa que acontecia em casa... 156. Leila: você acha que por desorganização do discurso ou por fuga mesmo do que você tava tocando? 157. Carmen: tinha os dois... 158. Leila: por que se a gente pensar em fuga é perfeitamente normal ( ) 159. Carmen: tinha os dois... tinha os dois... tinha momentos que eu via que era tranqüilo o que eu estava conversando pra ele... mas ele queria falar de outra coisa...que é aí que está o limítrofe né: de ele sair... ele queria falar sobre a coisa que estava perturbando ele em casa: então ele vinha e trazia o discurso de casa...entendeu: muitas vezes... apesar de ser fora de hora... aí a gente trabalhava isso com ele: e com todo mundo... aí a gente aproveitava: várias vezes eu comecei a ler a poesia e não conseguia terminar...aí a gente entrava em determinados assuntos: por exemplo... 160. Pesquisadora: não conseguia terminar por quê? Porque o grupo todo ficava nessa coisa de lembrar de uma palavra que lembrava outra coisa: é isso? 161. Carmen: não... por que assim: a palavra já trouxe a música: a música já trouxe uma situação: e a gente ficava na situação...porque era o que o grupo queria abordar...o grupo queria abordar a situação... 162. Pesquisadora: agora isso você encara como positivo ou negativo? 163. Carmen: positivo...eu acho positivo...no momento assim: eu consegui lucros..né: eu consegui desenvolver um trabalho com eles nisso...né: eu abordava determinado tema e quando vinha o trabalho com a poesia: que eu trazia aquele tema... eles já conseguiam mais fortemente colocar aquele tema...eles já traziam: já discutiam aquela poesia: pra estar colocando no trabalho ...então já vinham coisas na cabeça: de vivências mesmo de coisas que a gente falou: de coisas que eles leram... aí a gente afunilava e direcionava pra poesia... 164. Leila: humhum... 165. Carmen: e aí o Carlos nessa época de 2000: ele estressou completamente...e bastante... aí um dia: ele saiu -- ele tinha uma prova no supletivo – ele saiu cedo: eram umas duas horas... e com sempre fazia ele foi embora... e a gente percebendo essa angústia dele... quando a gente está indo embora na estrada... a gente encontra o Carlos andando na beira da estrada: e sozinho: e cantando e pulando pela estrada...isso quase cinco horas... 166. Heloisa: sem o pai ele estava? 167. Carmen: sem o pai: porque ele ia embora sozinho... ele pegava três ônibus pra chegar em casa... 168. Leila: e aí? 169. Carmen: e aí a gente viu o Carlos sozinho a gente:: no ato né: ligamos para o Nilo:porque ele andou simplesmente uns cinco quilômetros sozinho... ligamos pro Nilo porque a gente não conseguiu parar na estrada porque não tinha acostamento não tinha nada...aí a gente ligou e Sandra: olha o Carlos andando sozinho na estrada... Aí a Sandra que é a coordenadora foi::buscou o Carlos e disse que a gente não ia conversar agora...perguntou se ele tinha dinheiro e colocou ele dentro do ônibus para ele ir para casa como ele sempre fazia... 170. Heloisa: ele tinha prova naquele dia: né:: 171. Carmen: tinha prova naquele dia...e aí no telefone eu não tinha passado da questão financeira que ele queria juntar dinheiro: pra poder ajudar o pai que o pai gastava muito dinheiro com ele...ela perguntou se ele foi para a casa: só que ele não foi direto para a casa... ele foi para a casa da avó...paterna... ele ficou com vergonha de ir para a casa... aí na casa da avó já tinham avisado para a Sandra olha o Carlos chegou ta tudo bem... 172. Leila: posso falar uma coisinha? 173. Carmen: Claro... 174. Leila: se ele tinha essa autonomia de estar indo embora né: você acha que essa posição foi adequada de:: foi tipo uma bronca né: não sei: do meu ponto de vista né: vai para a casa:agora a gente não vai falar: depois a gente fala: achei... você acha essa posição adequada? 175. Carmen: aí é que está... o diferencial do Nilo...eu sou um ponto no Nilo e o pessoal é outro ponto...que eu to até na minha cabeça reorganizando... mas: não foi adequado...tanto é o que aconteceu depois foi o seguinte... ele ligou e: por não ter tido esse espaço para se colocar: ele chegou muito muito agressivo: 176. Heloisa: na casa da avó? 177. Carmen: na casa da avó... e chegou agitado... e pedindo para ser internado... aí o pai não sabia o que fazer: acabou internado ele aqui em São Paulo: eu não sei o nome do lugar: segundo o psicólogo do Nilo: barra pesada... 178. Pesquisadora: isso é agora... porque você falou que ele estava internado né: 179. Carmen: foi agora...mas isso foram outras coisas que aconteceram outras internações... ele foi internado: topado: por que aí é que está a noção do limítrofe né: esses devaneios essas coisas que a gente precisa organizar e por na real pra ele...ele começou a fazer o que ele tem a liberdade de fazer no Nilo com a gente que a gente leva na brincadeira e brinca com ele... ele fez de frente para uma equipe médica de um hospital barra pesada...ele começou a dizer eu to louco: o:o: eu sou doente o:o: e era uma brincadeira: a gente sabe que era uma brincadeira: 180. Heloisa: ele já fez com vocês? 181. Carmen: muitas vezes fez: pulava: falava e brincava ih: vou desenhar aqui: e ficava falando sozinho... escrevendo...ele fazia... ele tinha autonomia... 182. Heloisa: ele tem esse diagnóstico desde quantos anos? 183. Carmen: ele chegou: o pai conta nos relatórios do Nilo desde os oito anos quando: 184. Heloisa: ele começou a perceber... 185. Carmen: e não foi o pai.. foi a psicóloga que/a professora da escola que encaminhou... 186. Pesquisadora: eu estou me lembrando de uma corrente na homeopatia que diz que o sujeito que está com uma questão emocional grave que entra num surto: ele precisa viver o surto: porque é vivendo o surto que ele vai encontrar condições de elaborar o que precisa ser elaborado pra voltar...mas não tem nenhum médico que banque isso porque se deixar no surto por si: pode ser que o cara não volte mais... O Nilo será que tem isso? Quando você fica falando que lá o cara faz o que quer na hora que quer...quando aperta: 187. Carmen: Não tem isso: 188. Pesquisadora: não: então: será que não tem exatamente isso? O cara tem que viver essas coisas que ele passa que ele quer:: o Carlos: ele fala ah eu to louco O Nilo todo acolhe isso...mas ele fazer isso num outro contexto: por exemplo num hospital psiquiátrico tradicional:: bom o cara foi dopado: foi internado e vai ficar lá sei lá quanto tempo...será que vocês têm essa coisa de deixar aflorar isso? 189. Carmen: não... o Nilo ele peca por não ter a noção de mundo que os jovens precisam viver.. eles se vêem numa ilha... somos nós; nós acolhemos: somos nós: nós...não abre a possibilidade muitas vezes pra eles: de que existe um mundo aí e que o mundo tem várias coisas pra ser/várias situações... várias coisas que eles precisam viver...então no Nilo pode...mas se sabe que lá fora têm outras experiências a serem vividas...e quando a gente muitas vezes recorta algumas coisas pra eles: a gente é podada...no trabalho lá dentro... 190. Heloisa: Qual o objetivo do Nilo então? 191. Carmen: é difícil ... acho que nem o Nilo sabe qual é o objetivo dele... 192. Leila: e você num grupo: onde você intervém? O que você pretende nisso? Eles estão lá: você pensa em organizar a fala: o discurso: como? 193. Carmen: então: é: com eles eu dou experiências para eles... situações variadas assim discursivas... então: a gente escreve cartas quando eles estão trazendo alguma agonia tipo ah: eu não sei minha mãe mora longe eu preciso falar que ta tudo jóia... eu to com saudade...Ah: então como a gente podia matar essa saudade? Que tal uma carta assim assim assim...você não lembra que em determinado lugar a gente viu uma carta que sei lá quem pediu isso? Olha quantas cartas a gente tem aqui...vamos fazer uma carta então? Então a gente faz a carta...uma coisa que foi muito legal que a gente fez com eles a gente trabalhou muito no ano passado: foi com contos...contos de fada: os contos fantásticos... e aí eu conseguia trabalhar com eles assim bastante essa questão do devanear...era uma vez tal...muitas vezes são situações que podem acontecer... muitas vezes não... então eu trazia situações do Perrault muitas vezes porque o Perrault teve muita coisa do fiel né: do chapeuzinho ser comida pelo lobo... então eu dava pra eles esse contexto todo... que na verdade a chapeuzinho mesmo foi comida pelo lobo... e que se no dia a dia isso de repente acontece também né: você pode sair por aí e ser assaltada e estuprada por aí...então é: não esse exemplo mas eu já dei uns exemplos do dia a dia para eles... do legal e do que não/de repente fora não ia ser tão bom... então eu trabalhava bastante isso... ah: vamos ler o jornal...revistas: é vamos ver poesias... 194. Leila: você acha que seu trabalho ficava bem marcado em leitura e escrita? 195. Carmen: ((ri)) ficava... ficava sim... tanto é que o meu papel ali foi confundido com o pedagógico...não tinha claro o que eu fazia mas sabiam que eu trabalhava com a escrita com a linguagem escrita e para eles era o pedagógico... 196. Pesquisadora: Eu to aqui pensando... você com o pedagógico... 197. Carmen: ficou demarcada a parte da escritura/do trabalho com a escrita... 198. Pesquisadora: hum... 199. Carmen: não ficou demarcado como eu via a escrita como eu abordava o discurso escrito: como e abordava o discurso oral: isso não ficou visível para eles... essa noção do erro que o pedagógico tem... do ter que escrever certo... 200. Pesquisadora: e isso não era/ não fazia parte do seu trabalho: de escrever certo: de visar o erro? 201. Carmen: do meu trabalho ((nega com a cabeça)) pra mim ficou demarcada...pra equipe não...isso criou até uns atritos lá...nas reuniões: de eu falar eu não vou corrigir uma carta: se ela escreveu casa com z não tem porque eu corrigir agora... eu vou estar reforçando mais ainda que/ você não sabe: você não consegue: oh: ta vendo você presta atenção que casa é com s: porque aí vai ser importante vai esquecer escrevendo casa com s tudo o que você queria dizer sobre a casa...isso para eles não tinha importância... 202. Heloisa: eles não vêem isso: 203. Pesquisadora: e era isso que você: 204. Carmen: e era isso que eu via... o importante era ele dizer a casa foi pintada era azul era bonita: eu to sentindo falta da minha casa e não escrever casa com s ou z...e era mais ou menos isso... e o Carlos ficou uns dois dias na clínica e aí o pai veio pedir socorro para o Nilo dizendo o que aconteceu... e nessa época a Cecília ligou para ele e falou olha não vamos nos responsabilizar...tira o Carlos dessa clínica já que essa clínica não é o que a gente quer...dopar o menino...não precisa disso... 205. Heloisa: quem não quer? 206. Carmen: a gente como instituição não quer... e aí o Carlos saiu e não tava em condições emocionais e físicas para estar indo para casa...ele estava totalmente dopado...então ele veio ao Nilo: pra ficar na residência... que é uma casa de uma família de um dos alunos do Nilo que acolhe uma meia dúzia de alunos que os pais moram um no Ceará: um aqui em Pinda: o outro no Rio; o outro e Ribeirão Preto: e eles não podem estar indo e voltando pra casa e não tem um ponto aqui em São Paulo ali perto onde eles ficarem... então essa família é ma família queda alimentação: que dá o vínculo afetivo todo...então o Carlos ficou lá...parou o supletivo... 207. Heloisa: por que não com o pai e com o avô e sim na residência? 208. Carmen: ele não estava em condições emocionais... 209. Heloisa: o pai? 210. Carmen: o Carlos...porque ele que pediu para ser internado...o pai que que eu faço?levo não levo? Angustiado: olha o que aconteceu com o Carlos...e aí ele chegou dopado e foi para essa casa...nessa semana a mãe veio -- a madrasta no caso -- e o pai... essa a madrasta teve um menininho que não deve ter nem um ano... e ela começou a contar:chorar pro psicólogo: pro pessoal do Nilo: que ela estava angustiada pensando até em se separar do pai::porque não sabe o que fazer com o Carlos... o Carlos tava muito ansioso...muito agitado... que ela não sabe se porque a atenção de uma hora para outra que era só do Carlos: foi direto pro outro menino que nasceu... que eles não colocaram nada dessa questão de falar: de ter um espaço: ele tinha um mínimo de espaço e tudo o que ele fazia não tava certo: tudo o que ele fazia desenhar? pra quê? Que que você vai ser desenhando?fazer curso de computação pra quê?Você vai fazer computação gráfica pra quê? Então ele era muito:: é:: tinha toda essa dificuldade: essa falta de vínculo: de espaço naquela casa e aí já tiraram tudo... e a mãe falou tudo isso: tava agoniada e tal:e o Nilo conversou: falou que era importante ele estar passando por uma avaliação psicológica: de repente estar fazendo um trabalho sistemático psicológico...e estar pensando de repente em alguma coisa na homeopatia...ele procurou um psiquiatra nessa semana e ele avaliou e disse que o Carlos não tem muitos comprometimentos psiquiátricos...e não tem nada assim...mas achou interessante ele estar procurando por esses comprometimentos psicológicos...e aí procurar de repente uma psicanálise para ele... 211. Leila: Você fala que não tem um compromisso dos pacientes nas sessões...como você vê a evolução dos pacientes? Seria uma oficina ou acaba sendo um grupo de terapia mesmo... 212. Carmen: é difícil porque muitas vezes eles não têm objetivo: então fica difícil ver... eles na equipe Nilo...eu não ... eu tenho meu objetivo... pra mim é eles conseguirem se colocar em várias situações... se colocar bem...é: conseguir sacar que ali eu vou usar determinado discurso pra conseguir o que eu quero...para aquela pessoa eu não posso usar aquele mesmo discurso para conseguir o que eu quero...eu não posso chegar falando de abobrinha para conseguir o chuchu...eu tenho que chegar pelo menos falando de legumes e aí de repente chegar no chuchu... 213. Leila: dá um exemplo... 214. Carmen: por exemplo nesse caso dele... se ele quer dizer que ele está triste por causa do pai que o pai não dá atenção pra ele... vamos de repente chegar e falar de tristeza... aproveita o tema da poesia que fala de tristeza ou chega contando de repente que eu estou triste... 215. Heloisa: e ele normalmente vinha falando de: 216. Carmen: ah: eu vi que o Xuxa nadou ontem competiu ganhou o prêmio e depois e::: você viu que ontem meu pai chegou em casa e disse que não podia falar comigo e levar no parque que ele tinha prometido... 217. Heloisa: e você? 218. Carmen: eu pensei no dia dos pais eu só ficava olhando... 219. Heloisa: o que você falava? 220. Carmen: o que você quer mesmo falar: Carlos? O que você ta me contando? Você quer falar sobre o seu pai? O que está passando na sua cabeça? Aí ele vinha e trazia essa situação de casa: que o pai brigou com ele: um dia ele veio com uma fala que a residência era uma droga...que ele tava de saco cheio de ir para a residência...e que daí o Antunes vivia brigando na residência -- que é um dos caras da residência – aí eu disse pára...calma o que você está querendo dizer? por que o Antunes brigou com você?Você sabe que hoje me disseram para não usar um dos banheiros que estava ruim...mas eu acabei usando o banheiro e aí entupiu: o Antunes brigou comigo: aí eu fui lavar a mão e bati na pia: e aí a pia quebrou: e você quer que o Antunes não brigue com você? Você ta vendo que ele ta no direito de brigar com você? porque ele falou isso e isso... então eu punha num contexto:punha o porque ali do que ele estava sendo questionado e não fora... 221. Pesquisadora: já confundi tudo o que vocês estão falando... vamos pegar o exemplo do Xuxa... ele chega falando do Xuxa...o Xuxa nadou ontem:e aí então: sabe meu pai: aí ele introduz o pai que é o motivo de ele estar chateado...só que ele introduz o pai: na verdade o que eu entendi do seu exemplo: ele não conseguiu dizer estou chateado com meu pai.... ele contou um fato... ele relatou um fato...então os exemplos que você me deu me fazem a seguinte imagem na cabeça...ele vem relatando fatos e aí você pergunta por quê? Ele não consegue elaborar exatamente o porquê...logo de cara... ele não conseguiu dizer: porque o Antunes está pegando muito no meu pé...ele conta o fato...ontem eu fui lavar a mão:: e a pia quebrou:e depois o Antunes: então se você juntar: colocar num liquidificador e fazer um mix...ali está a cena que fez o Antunes ficar bravo com ele... mas ele não conseguiu dizer na forma já de argumentar pra você porque o Antunes está bravo...ele tem que retomar o fato todo... é isso? E aí o seu papel:: 222. Carmen: mas eu que tenho que ajudar ele a retomar:: porque ele não consegue retomar... 223. Pesquisadora: você tem que ajudá-lo a retomar O fato? 224. Carmen: o fato...muitas vezes ele traz um fato...mas não ta direcionado com o fato em si...não ta relacionado... 225. Leila:ele usa de outros acontecimentos:: 226. Pesquisadora: pelo que está me dizendo: ele começa por um assunto que não tem nada a ver::mas o seguinte pelo menos os personagens são os personagens que são:: 227. Carmen: os seguintes ou o outro:: 228. Pesquisadora: aí ele vem com o relato... é isso? 229. Carmen: aí ele vem com o relato... é isso... então eu organizo... 230. Leila: dá mais uma impressão da necessidade dessa organização...que tem uma desorganização: que ele tem essa intenção do que ele quer dizer...parece...mas quando ele fala : ele não consegue ligar a causa e efeito...( ) 231. Carmen: ele até sabe...eu não entendi o que você falou... 232. Leila: é:: ele junta umas coisas e você vai auxiliando a organizar...então me parece mais a necessidade de estar organizando tudo do que um devaneio...do que ele estar só devaneando... 233. Heloisa: é:: 234. Pesquisadora: então não é uma questão de devaneio... não é uma coisa que o limítrofe então: ele está sempre no imaginário: ou sempre fora da realidade... ele não está conseguindo é se colocar numa situação naquilo que a situação está pedindo... a situação está pedindo argumente...e ele está relatando... é isso você acha? 235. Carmen: algumas vezes sim outras não... 236. Pesquisadora: outras é o devaneio mesmo:: 237. Carmen: outras ele:: ele inventa uma situação mesmo... 238. Heloisa: difícil saber discernir isso né: Carmen:: 239. Carmen: saber a diferença...muito difícil...no começo eu penei bastante com eles porque eu não tinha essa experiência até saber um pouquinho do contexto de vida de cada um... quando se tem o contexto dele é mais fácil entender... aí ele parou o supletivo... e começou a fazer trabalho nessa clínica com esse psiquiatra: ele pediu relatório nosso::pediu várias coisas do que dá pra fazer...aí o Carlos iria continuar no Nilo e tendo esse apoio... 240. Leila: desse psiquiatra? 241. Carmen:isso desse psiquiatra e da psicóloga ou psicólogo que ele encaminhou...é: o que aconteceu é que o Carlos fez isso...passou um tempo com a gente no Nilo: indo sempre e desencanou do supletivo...o que aconteceu é que o pai achou que o supletivo:: 242. Leila: era importante:: 243. Carmen: e ele continuou com as mesmas coisas e voltou para o supletivo... e ele voltou com o mesmo apoio e voltou para o supletivo...o pai colocou na cabeça do Carlos a importância do supletivo e pro Carlos ficou importante o supletivo: até para adquirir: essa permissão em casa de mostrar olha como sou capaz... eu consigo... porque pro pai era muito importante mesmo...atualmente não sei se o Carlos continua no supletivo cursando ou não...porque o médico esse psiquiatra pediu para o Carlos estar internado por algum tempo para ele ter alguns dados mais fiéis do Carlos... 244. Heloisa: com que diagnóstico eles internam? 245. Carmen: não sei... então o que a gente sabe é que ele está internado: pra ele ter mais dados mais coisas: e por enquanto eu suponho que ele esteja: pausado... e nem largar o serviço que é uma coisa que a gente falou por pai... 5ª EXPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA - 28 de novembro de 2001. Este foi o último encontro do grupo de pesquisa. Nesse encontro, apenas Carmen, Heloisa e Leila compareceram como no anterior. A exposição ficou por conta de Heloísa que apresentou seu caso. Heloisa foi a única do grupo que trouxe material previamente elaborado para a exposição e o leu durante todo o encontro, mesmo sob protestos das colegas que lhe pediam para não ler. Heloisa insistiu na leitura, dizendo ter muitos detalhes dos quais não queria esquecer. Foram poucos os momentos em que dispensou a leitura. Nesses, recorria à memória para esclarecer um ou outro aspecto do trabalho realizado. 1. Heloisa: eu escolhi esse caso: eu estou atendendo há três meses exatamente...na realidade foram realizadas onze terapias e escolhi esse caso porque me chama muito a atenção... ele está em processo terapêutico ainda... não dei alta para ela ainda nem pretendo dar... eu até tinha comentado que eu não tinha nenhuma terapia que eu tivesse acabado né:: então o nome dela é Jussara e foi encaminhada pelo dr. Gustavo Mendes que é cirurgião buco-maxila... Ela tem trinta e quatro anos e é professora, é casada há oito anos e trabalha nas redes pública e privada de educação... a Jussara chegou no meu consultório em julho de 2001 encaminhada pelo dr. Gustavo e como a clínica ia entrar em férias em julho: eu marquei a avaliação só em agosto... então fiquei vinte dias sem vê-la... aí a Jussara chegou em agosto no consultório com queixa de dor de cabeça: principalmente na região das têmporas... dificuldades de abrir a boca e de mastigar queixando-se muito que nas horas das refeições sentia vergonha de comer ao lado dos outros: que sua alimentação estava ficando ruidosa... nesse momento – eu to lendo porque eu transcrevi tudo e tem muito detalhezinho: se não eu perco – nesse momento em que ela falou pra mim que ela tinha vergonha de comer em público: de comer na frente do marido: ela começou a chorar... ela começou a ficar vermelha e as lágrimas saíam dos olhos dela... era um choro silencioso... eu esperei ela parar de chorar e fiquei quieta... quando ela parou de chorar ela falou exatamente isso: que ela não agüentava mais viver assim: com essas dores horríveis: com essa vergonha de comer na frente dos outros... que nem quando ela tentou emagrecer num regime ela perdeu tantos quilos quanto agora... aí eu perguntei quantos quilos você emagreceu? Ela: três quilos e meio... como ela trabalha o dia inteiro: ela come no refeitório e como ela estava com muita vergonha de comer na frente dos outros: ela começou a só se alimentar de sanduíche... daí eu perguntei para ela como ela conseguiu perder tantos quilos em ta pouco tempo... aí ela falou assim: mas não é tão pouco tempo: são dois meses...aí eu falei: então demorou muito para você procurar uma fono... aí ela veio: não... você é a terceira fonoaudióloga que eu faço avaliação... terceira? Ela falou: é... falei: na primeira você fez o quê? Na primeira eu fiz avaliação...demorou um mês e meio... na segunda ela fez avaliação em duas sessões e eu fiquei mais um mês com aquela fono... aí eu perguntei: por que você não deu continuidade? Não dei continuidade porque não me sentia à vontade... eu falei: à vontade como? Sei lá...aliás só me tocava o tempo todo...abre e fecha: engole abre de novo mastiga... sei lá me sentia muito invadida... eu não gosto disso... tudo bem... quando expliquei para ela que apesar de não ter feito avaliação nela ainda... a terapia no caso dela ia consistir em exercícios mio-funcionais: que no seu caso a terapia ia consistir basicamente da mesma forma... é mas eu preciso de uma fono... então tudo bem... eu marquei primeiro uma avaliação: e a gente fez a avaliação... na avaliação: é: -- vou falar a conclusão da avaliação: tá – 2. Carmen: isso em agosto? 3. Heloisa: é em agosto... na avaliação o resultado é : má oclusão: ela tem classe dois: o molar superior se encontra de topo com o molar inferior: o canino superior também se encontra à frente do canino inferior... toda a arcada superior está além da relação normal: a mandíbula está em posição distal da maxila... desgaste dental do lado esquerdo: principalmente do primeiro molar maxilar esquerdo e dos primeiros molares mandibulares... a dentina do primeiro molar maxilar está totalmente exposta... há um desgaste tão grande que está totalmente exposta: mas ela não tem sensibilidade... os côndilos mandibulares estão simétricos... na face frontal e de perfil a postura facial em repouso é ligeiramente/ tem ligeiro desnivelamento de simetria das rugas da testa: do arqueamento da sobrancelha e do sulco labial... do lado esquerdo: ao levantar as sobrancelhas: a sobrancelha dela não levanta e aqui ((aponta a ruga da testa)) levanta... é totalmente assimétrica... a mandíbula tem desvio lateral esquerdo mínimo e na postura mandibular em repouso... observação: eu corrigi passivamente com a mão o desvio da paciente e daí ela sente muita dor... ela começou a lacrimejar... pedi para ela abrir eu fui corrigir porque ela tem desvio para o lado esquerdo: quando eu fui corrigir ela começa a chorar... na depressão e na abertura da boca a paciente não consegue ter máxima abertura estalando ao tentar abrir... é um estalo muito muito forte... ao apalpar as zonas temporais e dos masseteres encontra-se uma tensão muito grande do lado esquerdo: sendo que a região mais ativa dos masseteres na contração está situada próxima do ângulo mandibular -então quando ela contrai: do lado esquerdo aqui: ((mostra nela o lugar)) parece uma parede... é uma coisa impressionante: é muito muito duro --- as outras funções avaliadas estão em perfeitas condições: os lábios a língua palato duro e palato mole estão em perfeitas condições... ao introduzir um pedaço de cenoura na boca dela a mesma sente muita dor ao mastigar e com muito ruído... já quando se introduz um pedaço de bolo: também a mesma coisa: muito ruído e muita dor... ela na estava conseguindo comer absolutamente nada... 4. Leila: isso foi na avaliação que você fez? 5. Heloisa: é... isso durou quatro sessões... 6. Leila: não foi numa que já: 7. Heloisa: não: não: nem dava porque ela abria a boca dela já tinha que parar e massagear e fechar de novo... ela não tava nem falando na primeira terapia... não tava nem conseguindo falar... observação: faz uma deslocação brusca da ATM na mastigação... observei que os músculos da mastigação entraram em espasmos: temporal masseter e pterigoideu medial da abertura ao encerramento da mandíbula... eles entraram em espasmos uma coisa a olho nu absurda... a avaliação foi realizada em quatro sessões sendo que ela comparecia uma semana e na outra faltava alegando que tinha reuniões na escola... – eu atendia ela no sábado e ela tinha reuniões aos sábados: então ela vinha numa e faltava noutra... 8. Pesquisadora: ela tava desde quando com você? 9. Heloisa: desde agosto... terminada a avaliação da paciente Jussara: levei a avaliação para o dr. Gustavo e na próxima sessão Jussara voltou... e disse que queria dar continuidade ao tratamento... agora é setembro e outubro: ia começar o processo terapêutico... o início da sessão Jussara chega com a ressonância magnética nas mãos e com minha avaliação...querendo que lhe explicasse minha avaliação e todos os nomes estranhos... com a avaliação nas mãos comecei a explicar à Jussara e quando ela chega:: e quando ela chegou na explicação do desvio esquerdo: ela começou a chorar de novo... – a minha sala tem uma bancada e um espelho e duas cadeirinhas pequenininhas – então eu tava começando o desvio como que é e nisso ela se olha de frente para o espelho e começa a chorar novamente... chora chora chora chora:: 10. Carmen: ela não falou o que pegou? Ela começa a chorar e tal: 11. Heloisa: exatamente... ela começa a chorar... é um choro que ela começa a ficar vermelha e depois as lágrimas saem... não é ((mímica de um choro compulsivo)) é como se ela estivesse conversando com você e as lágrimas saindo... por um instante eu pensei será que ela estar com dor agora? Mas eu não tinha tocado nela... só tinha explicado o desvio pra ela... até aí tudo bem... esperei que ela se acalmasse e perguntei porque ela estava chorando e não respondia:: continuava chorando... saí da sala: peguei um pouco de água e assim que cheguei ela pediu desculpas: disse que ia embora que ela era muito sensível... então : na semana seguinte Jussara não compareceu à sessão:: eu já estava esperando... no outro era feriado que era doze de outubro também ela não compareceu... já na outra semana Jussara chega com quarenta minutos de antecedência... eu sei que eu passo pela sala de espera para chamar outro paciente; ela já está lá... abriu um sorriso para mim e diz podemos ir? Eu falei não Jussara seu horário é às onze: são 10:20h... ah ta bom... vou esperar...Ela estava com uma articulação boa... ao entrar na sala : já chegou pedindo desculpas da semana passada... eu sou muito sensível... choro por qualquer coisa: e começou a falar desde TPM, desde sensibilidade: que ela não pode ver um filme e começa a relatar tudo que era questão de sensibilidade... ta bom... nisso o dr. André que é dentista dela liga no consultório e a gente tinha conversado duas semanas antes que a gente ia por uma placa de relaxamento pra ela conseguir mastigar: conseguir articular que enquanto isso/ enquanto eu não começasse a terapia ela precisava da placa... eu ligo para o dr. André e aí ele entra na minha sala: a gente vai pra sala dele pra moldar ela: pra fazer a placa de silicone e acetato...70% silicone e 30% acetato... aí fizemos a placa: explicamos como ela ia funcionar com a placa: aí acabou a sessão porque a sessão é de 30 min... 12. Carmen: nossa:: 13. Heloisa: é tudo muito rápido... fim da sessão... 14. Leila: e não dava para falar mais nada? 15. Heloisa: não dava porque ela estava com molde na sala do dr. André: na sala do dentista... não tinha tempo de voltar para minha sala porque eu já tinha tempo de voltar para minha sala porque eu já tinha o paciente das 11:40h.... aí ta bom... 16. Carmen: esse que pediu o encaminhamento não trabalha com você? 17. Heloisa: exatamente: é só buco-maxila... exatamente... na semana seguinte a placa dela já estava pronta e a terapia se resumiu a explicações de como é que ela ia usar: pra como que ela ia usar: quando ela ia tirar: que ela ia mastigar de um lado e do outro ... ótimo... na OUTRA sessão: na sessão seguinte Jussara chega com CINQUENTA minutos antecipada... ao entrar na sala ela se senta na minha cadeira que fica de frente pra mesa : ou seja: em todas as avaliações ela fica na bancada: ela sabia que eu faço exercício de frente para o espelho e onde que ela senta? De frente pra mim... 18. Leila: na sua cadeira? 19. Heloisa: não: a gente tem duas cadeiras: é como se fosse aqui Leila: tem uma cadeira aqui e uma ali... 20. Leila: é que você tinha falado que ela sentou na sua cadeira... ela falou minha cadeira... falou né? 21. Carmen: é: ela falou: mas deu pra entender... 22. Heloisa: bom aí né:: bom: era só o que faltava: imagina ela sentar na minha cadeira... isso é muito importante... não: ela sentou na cadeira dela... é: que é pra fazer a entrevista né: mas pra terapia em si era a outra: na bancada... ela chegou e já sentou direto... e diz exatamente isso... ela senta – eu vou dramatizar --((Heloisa movimenta-se pela sala como a paciente o fez na sessão)) ela sentou: botou as duas mãos ((coloca as mãos sobre a mesa)) eu vim hoje aqui pra gente conversar... quer dizer...conversar...vamos conversar... então ta bom... com uma cara que ela esperava alguma coisa de mim... meu Deus... eu já estava pronta pros exercícios né: 23. ((risos de Leila e Carmen)) 24. Heloísa: já tava né:: hoje eu vou por a mão na massa: né:: fala né:: estamos aqui pra conversar... aí eu falei vamos lá... 25. Pesquisadora: desculpa: espera... ela falou vim hoje aqui para conversar... aí você falou conversar? 26. Heloísa: não... conversar... vamos lá... nesse dia ela me contou que tinha passado muito nervoso naquela semana... devido a problemas que estava passando na escola e que tinha notado que estava acordando com a mandíbula pesada... com um pouco de dor... que ela acordava com a mandíbula lateralizada para o lado direito e com muito peso e que não conseguia nem tomar o café da manhã... nisso ela começa a falar sem parar sobre toda semana que tinha passado... o nervosismo o estresse trânsito as crianças na escola:: a diretora: a nota que ela deu para um aluno:: um aluno que é deficiente mental que chegou na escola: que ela não estava conseguindo lidar com essas questões:: o marido que não tava conseguindo conversar com ela: que ela tava tão nervosa que não tava conseguindo conversar direito... ela simplesmente derrubou tudo em mim... era uma coisa atrás da outra... era um absurdo: era muito rápido: ela cuspia: e eu não conseguia nem tempo de respirar e voltar/ lógico que eu nem tinha que devolver nada pra ela: mas pelo menos um é... como eu não tinha nem tempo de falar isso... ela ia enganchando uma coisa atrás da outra... 27. Leila: Quantos anos ela tem? 28. Heloísa: 32.. é uma professora... ela é muito inteligente...não dava pra eu falar: ela falava e gesticulava o tempo todo... 29. Carmen: conta uma coisa pra mim... das outras sessões depois que você fez um trabalho... ela já entrava e sentava na cadeira? 30. Heloísa: não... eu abria a porta e dizia pode sentar aqui... tem do lado direito e do lado esquerdo e ela sabia que do lado direito era para fazer a avaliação... 31. Carmen: e você falava pode sentar aqui... 32. Heloisa: isso: pode sentar aqui: porque ela sabia que a gente ainda tava no processo de avaliação... 33. Carmen: ela já entrava e ficava quieta: 34. Heloisa: sentava e fazia a avaliação... 35. Carmen: e dessa vez você não falou nada: 36. Heloisa: não: eu abri a porta: no que eu abro a porta ela passa por trás de mim e senta na cadeira... 37. Carmen: entendi...perfeito... 38. Pesquisadora: na outra cadeira... 39. Heloisa: na outra cadeira de frente para mim... aí na semana seguinte Jussara chegou atrasada e perde o horário... era quinze para meio dia:: eu: 40. Carmen: como que fechou:: aquela que ela: soltou tudo:: 41. Heloisa: ela não parava de falar e gesticular gesticular...nisso toca o telefone: graças a Deus: aí a secretária Heloisa você está atrasada quinze minutos: eu tava a quarenta e cinco minutos com ela... 42. ((risos de Carmen)) 43. Leila: você não fechou nada...deixou ela falar e ela foi embora... 44. Heloisa: eu não falava nada: Leila...eu fiquei empactada...eu não tava esperando nada porque ela não dava nem tempo de eu falar assim ah: claro: não: nada... era uma coisa atrás da outra...nisso que toca o telefone: eu falei fala para ela que eu já estou indo: que eu vou me atrasar cinco minutos: ela pega -- isso é importante hein – nossa: eu to te atrasando hoje né: semana que vem a gente continua... pegou a bolsa e foi embora... 45. Leila: você não falou nada? 46. Heloisa: não ... eu fiquei assim ((faz cara de pasma)) 47. Leila: agora vem cá: deixa eu te falar uma coisa... quando ela foi te procurar: dizendo que estava com vergonha perante o marido: vergonha de comer:: de estar sentindo essa dor: que quando acorda está com a mandíbula pesada e tal: você falou com ela [gravador caiu] na história mesmo dela? 48. Heloisa: esse dia era o espaço pra eu conversar sobre isso... eu já tinha planejado... eu ia fazer os exercícios: acabar de fazer a avaliação que o dr. André havia me pedido por causa da placa: eu ia acabar de fazer isso e depois eu ia começar a destrinchar a história da vida dela: porque a articulação têmporo madibular tem muito a ver com o psicológico... 49. Leila: então... por isso que eu to perguntando... 50. Heloisa: muito: é: eu ia começar... não deu tempo: ela começou a jogar ...mas ela jogou da semana passada e não da vida dela... 51. Leila: você achou melhor fazer esse levantamento no meio e não no início quando: antes de começar a avaliar... 52. Heloisa: isso: 53. Leila: você achou melhor: 54. Heloisa: eu achei...que eu já me dei mal com uma assim... aí eu falei não... na semana seguinte já eram dez para o meio dia : eu tava indo pegar outro paciente: ela tava chegando na porta do consultório... nossa eu to atrasada né: aí:: cheguei atrasada: perdi o horário né? eu falei é: Jussara... perdeu o horário... não tem problema: é até melhor... hoje eu to muito sensível...pegou a bolsa dela e foi embora de novo... 55. Leila: piração é: ((risos)) 56. Heloisa: e a minha cabeça? E a minha cabeça? E eu: claro... ela mora vinte minutos do consultório: ela vem de ônibus quando o marido dela não dá pra trazer... não é uma coisa/ é melhor né: porque hoje eu to muito sensível... não deu tempo nem de eu falar espera: é capaz que eu te atenda... nada... neste momento pensei em falar será que ela está me vendo como analista? aí eu fiquei quieta – eu até anotei aqui – 57. Leila: pára de ler...pára de ler... 58. Heloisa: parar de ler? Não... se não eu me perco... não dá: é muito detalhezinho... na semana seguinte Jussara chega pontualmente às onze horas... então vamos começar com os né: entra na sala: senta-se na cadeira de frente para a mesa novamente e não na bancada: e começa a falar porque ela achou que estava tão sensível na semana passada... eu perguntei: Jussara o que aconteceu na semana passada... porque você achou que estava tão sensível? ai:: e ficou/pôs a mão no coração ((Heloisa imita os gestos da paciente)) ai:: e pôs a mão no coração... e eu falo meu Deus o que que eu faço? Heloisa: eu tava tão sensível que eu acho que eu tava a ponto de nem conseguir falar com você...Heloisa: eu ia chegar aqui e a gente não ia conseguir conversar... eu peguei o gancho...então Jussara: mas o caso é que você ia estar tão sensível que você não ia precisar falar: a gente ia conversar sobre outras coisas e eu ia conversar com você: você não ia precisar falar nada porque eu ia acabar de fazer o que o dr. André me pediu na semana passada...é: mas eu ia querer conversar... eu falei mas agora Jussara a gente tem que entender que seu espaço aqui é pra/ Eu tenho que reabilitar sua ATM... comecei a explicar: peguei a ressonância de novo: peguei a avaliação: comecei a explicar pra ver e ela olhava pra mim: não... de tudo isso eu já sei: eu já sei: você já me explicou... acho que faz um mês atrás né Helô: eu já entendi... tanto é que eu te expliquei do desvio e até agora você não me contou porque você chorou por causa do desvio... por causa do meu pai...seu pai: é: meu pai... seu pai: é: desvio: meu pai: -- ai gente: foi:: não gosto nem:: -- seu pai: é: sabe o que que é Helô: quando a gente era pequena a gente tinha uma fazenda... tinha gado: cavalo: lá em Fernandópolis... que é longe né: muito longe... e eu caí do cavalo e meu pai não gostou... -- exatamente como eu to te contando... eu to até: -- meu pai não gostou... por que seu pai não gostou? é: porque falava que eu não ia ser uma boa amazona: e que eu tinha que aprender: que o meu futuro era ser uma amazona... e ele me bateu aquele dia... na verdade ele me deu um soco... ele te deu um soco: quantos anos você tinha Jussara? Eu acho que eu tinha uns oito anos...falei: oito anos? é: por isso que eu comecei a olhar para o espelho aquele dia e comecei a chorar... se não fosse ele eu não estaria assim hoje... falei não... na época você teve algum problema? Ela falou não... quanto tempo você está assim Jussara? Pelo que eu vendo encaminhado -- eu não falei isso -- por que o dr. Gustavo disse que ela tava com essa queixa há oito meses... só que pela ressonância: pelo côndilo ela está há três anos gente: fazendo as contas pela eletromiografia: ela ta há três anos tendo desgaste ela ta com o côndilo: o líquido sinuvial não está nem mais funcionando...aí tudo bem... então Jussara naquela época...é: eu não sei se foi por causa disso...não: mas eu não ia estar assim... aí ela se levantou: ficou na frente do espelho e disse: olha o meu rosto: olha como ele está... -- e não dá pra ver gente... só fazendo uma avaliação mesmo que dá -eu disse não Jussara... se você olhar seu rosto você vai ver que não tem nada... falei vamos supor que você soubesse eu era isso que aconteceu antes... você teria vindo antes: você concorda? Se você olhar/você se olha no espelho todo dia: você ta vendo alguma assimetria? não: não to... falei acontece que quando eu te falei do desvio aquele dia: isso te pegou... 59. Carmen: e quando você falou que não deu para perceber como ela ficou? 60. Heloisa: ficou bem...voltou/olhou: olhamos para frente... 61. Carmen: então não dá para perceber? 62. Heloisa: meus olhos dá: mas qualquer um não dá... 63. Leila: por que não dá? 64. Heloisa: porque eu fiz a avaliação... porque olhando ela de frente não dá pra perceber... 65. Leila: olhando de frente não dá... 66. Heloisa: não: não dá pra ver... é porque você vê desgaste: você vê má oclusão: eu só comentei o desvio porque estava na avaliação... não falei olha você está com um desvio esquerdo aqui... era só a avaliação ... ela foi levar a avaliação para o dr. André e perguntou que que é esses nomes estranhos aqui: me explica... comecei a explicar... o desvio aqui... não sei o quê... e no desvio ela começou a chorar... aí ela ficou de frente para o espelho e sentou na cadeira de novo: sem eu pedir nada... e a gente tem duas cadeiras na bancada e ela voltou de novo... ela senta e fala assim...sabe porque eu também estou sensível Helô: porque o próximo feriado está chegando do primeiro de novembro: e minha mãe me ligou e perguntou se eu e o Miguel meu marido a gente ia pra lá em Fernandópolis... só que nisso minha mãe pôs o treco no telefone...pôs quem Jussara? É: o treco: meu pai: seu pai: o treco? Eu não queria falar com o treco e acabei falando e me sentindo um nada... sei lá: não queria falar com ele... se ele não sabe conversar: é um ignorante... não se interessa por nada: fiquei nervosa: fiquei sensível e eu não quero falar com ele... não quero ir para lá... aí eu falei: treco? Eu não entendi o que você quis dizer com treco... treco: meu pai... é: meu pai.. aquela coisa poderosa: aquela pessoa mais egocêntrica do mundo...antes disso quando ela falou aquela pessoa mais egocêntrica do mundo: ela começa a chorar de novo...chora chora chora e começa a falar que não queria ter falado com ele... eu não queria ter falado com ele: faz quatro meses que eu não falo com ele: não sei por que minha mãe pôs ele no telefone: ela sabe que me faz mal: que eu não me sinto bem quando eu falo com ele... o que que ele me traz de benefício? eu falei se ela perguntava pra mim... ele não me traz nada de benefício... ele não me acrescenta em nada... ela não gosta do Miguel: ele fala que ele é um inútil: ele fala que eu poderia ter sido outra coisa na minha vida... não uma professora: eu não sei mais o que eu faço da minha vida: eu não gosto do treco... do treco... ele sabe disso... eu não sei porque ele me deixa nervosa: olha o estado que eu estou... aí começa/ e ela chora e sai as lágrimas... é um choro silen/calado durante uns cinco minutos... sabe: e fica quieta e fica quieta que não tem/ dá pra eu falar Jussara pára de chorar/ o que ta acontecendo... me comove a ponto de eu ficar quieta olhando para a acara dela e eu fico olhando... até que ela vai... enxuga as lágrimas e começa a falar tudo novamente... aí eu falei: --- minto... nesse dia eu não fiquei quieta... eu pedi para ela se acalmar: peguei um copo de água e falei: semana que vem a gente continua... eu terminei... faltava uns:: acho que até tinha passado: mas eu terminei... eu não agüentei... não sabia o que eu ia falar para ela... não sabia o que poderia ter feito... falei: na semana que vem nós continuamos... ta bom...na semana seguinte Jussara compareceu no horário marcado... começamos novamente com Jussara de FRENTE para a minha mesa... eu já não pedia para ela senta aqui ou senta lá... eu já esperava que movimento ela ia ter... é nítido nesse momento que Jussara não queria sentar na bancada: ser tocada: fazer nenhum exercício... nesse momento comecei a arrumar minhas coisas... – ah:: nesse dia como ela sentou na minha cadeira: eu percebi que ela não queria fazer exercício: não queria fazer nada... então o que que eu fiz – saí da minha cadeira e fui para a bancada: peguei as luvas pra ver se ela tinha algum movimento de ir até a bancada...nada... Jussara ficou sentada no mesmo lugar e eu perguntei como tinha sido a semana... se sentiu dor: se a placa estava boa: se estava adiantando: se ela tinha amanhecido com a boca menos dolorida: se ela estava mais calma: se tava menos ansiosa:: ela me disse que estava muito bem... que a única coisa que a deixa desequilibrada é o fato que ela acha que vai ver o pai dela... falou bem isso... desequilibrada... nesse momento – pêra gente: me perdi ((mexe no material que trouxe)) – nesse momento eu não consegui ficar quieta... eu disse: Jussara que tanto seu pai te aflige? Pra que que eu fui perguntar... 67. ((risos de todas)) 68. Leila: o papo já tinha rolado... 69. Heloisa: mas do soco: 70. Leila: do soco... 71. ((Carmen ri)) 72. Heloisa: pra que que eu fui perguntar... aflige pelo seguinte... ele me aflige na pessoa de ser... na pessoa como é com minha mãe: como ele me criou... como era com meus irmãos... tudo... eu não gosto do meu pai... ta: e aí: o problema é o seguinte Helô: eu não gosto do meu pai... – ela é muito direta em algumas coisas... ao mesmo tempo em que chora calada ela fala assim jogado – o problema é o seguinte Helô: eu já fui varias vezes tro/ eu e minha mãe quase já fomos várias vezes trocadas por várias peor... 73. Leila: por o quê? 74. Heloisa: peor... eu: PEOR:: é : cozinheira: arrumadeira:lavadeira...meu pai tinha caso com todo mundo e minha mãe sabia disso... e eu tinha exatamente dez anos na época... 75. Pesquisadora: falou isso eu e minha mãe fomos trocadas? 76. Heloisa: eu e minha mãe já quase fomos trocadas pelas peor várias vezes... eu e minha mãe...eu e minha mãe já quase fomos trocadas pelas peor...arrumadeira: passadeira...interessante que nessa hora ela falou calma... sabe com ar de : não sei... como eu to falando aqui arrumadeira... cozinheira... lavadeira... é: jardineira... meu pai já quase casou várias vezes com essas... já peguei meu pai na cama... -assim... não é: ((aplica um tom mais dramático na voz)) já peguei meu pai na cama:: -- eu esperava isso dela de tanto que ela chorava... não foi nada disso... 77. Leila: ela já fez análise alguma vez? 78. Heloisa: calma... – perdi... espera aí – e eu na cama? é Helô:na cama com a arrumadeira... olha eu só não peguei ele com a cunhada da minha mãe porque a cunhada da minha mãe é: não: a tia? – espera gente ((procura em seu material o dado preciso)) – só não peguei com a cunhada da Odete porque a Odete gostava muito do meu pai... a Odete era a faxineira... só que ela falava comigo como se eu soubesse quem era a Odete... sabe: 79. Carmen: e você não perguntava quem era a Odete? 80. Heloisa: não... deixava ela jogar...só não peguei com a Odete porque ela gostava muito do meu pai: se não eu também pegava ele com a Odete... e aí Jussara: o que acontece? o que acontece é que eu não suporto meu pai por causa disso... ele não tem vergonha na cara... ele é uma pessoa super suja... pesada... suja pesada mesquinha arrogante: eu ia anotando tudo... 81. Leila: você ia anotando na hora? 82. Heloisa: não: eu não sabia o que fazia... ela falava: 83. Leila: você anotava e não gravava? 84. Heloisa: os dois:: 85. Leila: você gravava e transcrevia na hora? 86. Heloisa: porque Leila: na primeira vez que ela chegou assim pra mim: eu não conseguia olhar pro olho dela e dar uma devolutiva pra ela... eu queria falar alguma coisa pra ela... pra me conter eu olhava e anotava... 87. Carmen: hum hum... 88. Leila: mas porque você fala que não podia dar uma devolutiva para ela? 89. Heloisa: porque não era meu papel... 90. Leila: não era seu papel:: 91. Heloisa: não.. para mim não é: acho que não tenho cacife pra isso... de lidar com essas questões eu não tenho... 92. Leila: de questões emocionais? Você acha que não é pra você? 93. Heloisa: claro... não... ela precisa procurar uma terapia... aí eu já encaminhei... 94. ((Carmen ri )) 95. Leila: mesmo você falando que acha importante as questões emocionais relacionadas à queixa dela: da tensão... 96. Heloisa: eu expliquei tudo isso pra ela... aí ta bom...aí começou a falar da história conjugal do pai dela né... que eu já falei... ela pega – depois que ela fala do pai dela – ela pega e bom e aí: isso que eu tenho com me pai: você acha que eu tenho problema de ATM por causa do meu pai? e eu eu não sei... alguns meses atrás você me disse que ele tinha te dado um soco... agora você ta falando que é por causa das relações extraconjugais do seu pai... eu não sei onde ta a ligação aí.. o que você acha? Vou pensar nisso... semana que vem te respondo... 97. ((Carmen ri)) 98. Heloisa: ótimo...nisso ela levanta: levanta Helô: eu levantei: ela me abraça obrigada: do fundo do meu coração... 99. ((Carmen ri muito)) 100. Heloisa: vocês estão rindo né:: só comigo que acontece essas coisas... ta bom... dez minutos pra me recuperar e tudo bem... na semana seguinte – já ta acabando viu gente – 101. Carmen: já tenho a resposta... 102. Heloísa: do quê? 103. Carmen: ela já tem a resposta... 104. Heloisa: ah... na semana seguinte: ela entrou na sala antes do que eu ... ela entrou : eu não tinha visto – o meu paciente anterior tinha faltado: ela perguntou pra a secretária se eu já estava lá dentro: ela ligou para o meu consultório: como não tocava ela disse pode ir pra lá que ela não ta atendendo ninguém... --- quando eu saio da cozinha e vejo: ela já ta sentada... 105. Carmen: aonde? 106. Heloisa: na cadeira... aí senta toda bonitinha: aí eu entro no consultório e ela levanta oi tudo bom? me abraça de novo... tudo bom... e aí Jussara... tudo bom? é... tudo ótimo: mas essa semana também foi difícil viu... tive vários problemas: o Miguel ta quase para perder o emprego: aí começa a falar da engenharia do Miguel que é o marido dela... porque ele é engenheiro civil não sei há quanto tempo e a área dele vai não sei o quê... e começou a falar falar falar e eu to com medo que ele perca o emprego...falei: nossa é um problema... e aí Jussara você pensou naquela questão que a gente tinha pensado na semana passada? Eu pensei mas não consegui chegar a nenhuma conclusão... eu falei posso te ajudar? Ela falou pode... que que você acha de eu te encaminhar para você fazer análise? Já fiz... ah: você já fez? Já fiz durante dois anos... e aí o que que você achou? Não gostei... aí eu falei – eu to de costas para a Pesquisadora ela deve estar me achado maluca – 107. Pesquisadora: não: não estou... 108. Heloisa: ah:ta: aí:: eu já fiz durante dois anos... e aí Jussara... que que aconteceu? eu acho um dado super importante... porque você não me disse isso antes? Porque eu não tive confiança com ela... como assim relação de confiança? Porque eu não me sinto à vontade... não conseguia contar os problemas para ela... é: mas análise não é só para contar os problemas... é pra gente levantar o histórico de vida: o que realmente aconteceu nessa história com seu pai... é helô: mas eu chegava lá: ela mandava eu deitar : olhar para um ponto fixo e dizer o que vinha na minha mente... na minha mente não vinha nada.. 109. Leila: e ela ficou dois anos com ela? 110. Heloisa: dois anos... 111. Leila: sem gostar? 112. Heloisa: sem gostar... aí que eu questionei... então: você tinha tudo isso e não gostava da terapia e não gostava da linha: porque que você ficou dois anos com ela? porque meu pai –aí começa o meu pai de novo – porque meu pai é: fez análise durante quinze anos sabe:: é: e depois que ele fez análise ele deu uma melhorada... mas quando ele parou: ele voltou tudo a estaca zero... então: eu me pego... será que eu faço: será que eu não faço? Sim... mas seu pai é um caso e você é outro Jussara... – como é que você explica pra ela – não não não ... análise de divã pra mim não dá... mas tem outras linhas... você não precisa deitar no divã: eu posso te encaminhar: eu conheço uma psicóloga ótima... ela falou: Helô eu também conheço a área você esqueceu? Você é professora com conhecimento em psicopedagogia... trabalha com criança... então: obrigada... falei: justamente por você ser/ você tem mais clareza do que eu nesse assunto... não Helô: não adianta que eu não vou fazer análise... não quero: não vou e não vou... e começou a ficar nervosa e eu falei meu Deus... 113. Leila: na cabeça dela o problema era o pai o conflito original... você não tava tocando os exercícios de OFA: 114. Heloisa: Nada... 115. Leila: como que ela tava... porque ela não estava conseguindo comer... 116. Heloisa: depois da placa melhorou tudo... melhorou tudo... a placa melhora tudo... eu não fiz exatamente nada até agora em questão de OFA: em questão de ATM: em questão de côndilo... eu tenho quarenta mil idéias na cabeça e não consegui por a mão nela... 117. Pesquisadora: posso te fazer uma pergunta? 118. Heloisa: claro... 119. Pesquisadora: ela estava te trazendo questões emocionais ou histórias de vida? 120. ((Leila procura responder antecipando-se à Heloisa que fica quieta inicialmente)) 121. Leila: histórias dela... ela tava trazendo ela quando eu falo emocional e o que a pesquisadora pergunta me faz pensar: a gente é um ser emocional social etc et e nesse sentido também é emocional... ela ta trazendo ela... 122. Heloisa: como é que é ((dirigindo-se à pesquisadora))? 123. Pesquisadora: ela está trazendo as histórias dela... 124. Heloisa: os dois: viu Pesquisadora... 125. Pesquisadora: e as coisas que você tava mexendo com ela tava fazendo ela lembrar... 126. Heloisa: exatamente... 127. Pesquisadora: daí me chamou a atenção e a queixa? Ela tava comendo? E ela tava né: 128. Heloisa: então: eu vou chegar aí: após essa sessão Jussara sentou na mesa e começou literalmente a falar de seus problemas com o Miguel: a engenharia e tal... sempre se referindo aos seus problemas.. 129. Carmen: você já tinha passado... estava na parte que ela não ia : 130. Heloisa: na terapia? 131. Ah: ta... depois disso teve outra sessão que ela chegou falando que ela tinha problemas pessoais só que ela tava se referindo que seus problemas de ATM estavam cada vez melhor... estou ótima... quando ela sentou e falou estou ótima... eu falei pronto... ela ta querendo né: não ta querendo que eu toque nela de jeito nenhum...vem aqui fale: fale: to ótima Helô: olha aqui Helô olha... ((imita a paciente abrindo e fechando a boca)) você escutou alguma coisa? estou ótima... olha como eu to falando... ela olhava assim pro espelho: é a articulação né Helô: então... olha a minha articulação... e eu...é: realmente... aí eu falei pra ela: você ta bem não porque está vindo aqui; viu Jussara... você está bem por causa da placa de relaxamento... eu poderia muito mais te ajudar se a gente tivesse fazendo exercício... mas do eito que você ta falando que está ótima é só por causa da placa... aí ta bom... aí digo que ela está bem por causa da placa de relaxamento mas os exercícios iam ajudar muito... tentei começar a introduzir o que efetivamente poderíamos fazer: fazer exercícios: por que ela ta procurando a fono: pra que que ela tava indo lá... ela pega e nossa Helô: esqueci de te contar... tenho que ir embora... só vim falar quinze minutos com você hoje... o que Jussara? só vim falar quinze minutos com você hoje: que eu tenho uma reunião importantíssima... quando eu comecei a introduzir isso pra ela: por que ela veio fazer fono: sabe: eu tentava de qualquer jeito: Pesquisadora: estava me sentindo perdida... Helô: esqueci de te falar: hoje só vai dar pra ficar quinze minutos que eu tenho uma reunião... tchau Helô... um beijo ((levanta-se e sai andando pela sala imitando sua paciente)) na outra sessão dei continuidade ao assunto da semana passada... 132. Leila e Carmen: ela que deu? 133. Heloisa: eu.. eu.. eu nem esperei... ela entrou e eu já comecei a falar... expliquei que as terapias que tínhamos feito até hoje estavam sendo de grande benefício – espera aí: me confundi: foi aqui nessa sessão que falamos de análise... mas tudo bem... na altera os fatores ((lê rapidamente e para si as anotações)) olha o que ela falou... eu sei que você não é nem analista nem psicóloga: mas eu me sinto muito bem com você... e sinto que saio daqui bastante aliviada principalmente a minha mandíbula...quando eu saio daqui sou capaz de ir até numa churrascaria... está difícil de atender a Jussara porque eu não sei o que fazer... na semana seguinte Jussara falta e liga para dizer se eu poderia atender à uma da tarde... eu na verdade poderia atendê-la mas eu disse que não ... dei graças a Deus... na semana seguinte ela vem: chega e senta onde:: na BANCADA... oi Helô estou à sua disposição...à minha disposição como Jussara? hoje vim aqui fazer exercícios... não é isso que você quer Helô: então vamos lá... hoje nós vamos fazer exercícios...Jussara: não sou eu que quero...você que tem que querer... você: então vamos fazer os exercícios: olha: vu até fechar minha boca... e fechou a boca... aí fizemos umas manobras e essa foi a última semana e acabou por aí... foi sábado agora... eu não to dando conta porque vejo que estou com papel de psicóloga... ao mesmo tempo em que me sinto competente em poder devolver algo para ela: eu penso eu sou fonoaudióloga; não sou psicóloga... então eu fico em cima do muro... fico esperando ela falar....