As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas

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As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas
As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas
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06-07
Com a missão de suprir a carência de informações históricas e
culturais acerca do mundo das instalações elétricas e sua evolução no
Brasil, nasceu o projeto da Coleção Elétrica. Trata-se de uma publicação
seccionada em quatro edições, que deverá trazer à tona importantes
relatos de personagens que, direta ou indiretamente, contribuíram para
o desenvolvimento dos projetos e da normalização que rege a engenharia
elétrica no País.
Com a coordenação do engenheiro eletricista, consultor e presidente
da Associação Nacional dos Fabricantes de Materiais Elétricos – Nema
Brasil –, Hilton Moreno, esta Coleção tem o intuito de contar parte
da trajetória da eletricidade até os tempos contemporâneos. As quatro
edições, a serem lançadas no decorrer do ano de 2008, serão alicerçadas
em quatro bases: normalização e certificação de produtos, normalização
e certificação de instalações elétricas. Essa estrutura foi eleita por
representar – as quatro bases juntas – os pedestais essenciais à segurança
pessoal e patrimonial e por ser, há anos, os principais temas discutidos
pela comunidade técnica do setor.
Os conceitos de historicidade, normalização e evolução tecnológica –
intrínsecos às reportagens aqui publicadas – são ilustrados nas capas das
revistas que constituem esta Coleção. Com uma chave-faca cravada em um
livro, conotamos a idéia de um dispositivo que certamente está na memória
dos engenheiros mais experientes e, embora não seja adequado à utilização,
remonta ao início das experiências com eletricidade e, ao mesmo tempo,
o livro simboliza conhecimento, pesquisa e aprendizado. Representaremos
cada passo desta Coleção por meio da evolução dos equipamentos elétricos.
Dessa forma, cada edição trará uma surpresa na capa, indo ao encontro das
soluções desenvolvidas ao longo do tempo para o mundo das instalações
elétricas.
Caro leitor, esta Coleção é um trabalho realizado com o envolvimento
e a dedicação de diversos profissionais, com a colaboração de importantes
fontes do setor elétrico, com o apoio de amigos e familiares daqueles que
não mais desfrutam dessa vida e com a confiança de empresas que estão
apostando nesse trabalho. Esperamos que aprecie esta obra.
Boa leitura!
Adolfo Vaiser, Sergio Bogomoltz e Flávia Lima
Apoio
atitude editorial
Apresentação
prefácio
Hilton Moreno, engenheiro eletricista, consultor
e presidente da Associação Nacional de
Fabricantes de Produtos Elétricos - Nema Brasil
Caro amigo do setor de instalações elétricas,
Quando fui apresentado pela equipe da Atitude Editorial ao
projeto da “Coleção Elétrica”, que na época ainda nem tinha este
nome, fiquei imediatamente fascinado.
Disponibilizar para os profissionais brasileiros um conjunto de
cadernos especiais com a “história dos principais personagens do
mundo das instalações elétricas e dos caminhos percorridos em busca
de soluções técnicas” era, e é, um grande presente que a Atitude
Editorial nos dá em reconhecimento à importância que o setor e seus
profissionais têm no cenário nacional.
O objetivo desta Coleção é oferecer um conjunto de informações
históricas, técnicas, normativas, de exercício profissional, educacionais,
biográficas, entre outras, focadas no setor de instalações elétricas.
Este setor emprega no Brasil milhares de pessoas, fatura milhões de
reais, recolhe outros tantos milhões de impostos e, além de tudo, gera
e distribui para a população este bem tão indispensável às sociedades
modernas – a eletricidade.
Foi com muita honra, acompanhada da proporcional
responsabilidade, que aceitei então coordenar a preparação do
conteúdo da Coleção. Ao mesmo tempo, confiei na alta qualidade dos
profissionais que estavam sendo reunidos nesta empreitada. E, com a
publicação deste primeiro caderno da Coleção Elétrica, posso afirmar
com todas as letras que não errei no meu julgamento inicial.
Em particular, este primeiro caderno da Coleção Elétrica presta
uma homenagem especial ao grande e imortal ícone de nosso setor,
o inesquecível professor Cotrim, de quem somos todos, direta ou
indiretamente, alunos. É um tributo a uma pessoa e a um profissional
único que nos marcou para sempre com sua breve passagem.
Sinceramente, espero que você, leitor, aprecie esta Coleção
Elétrica e que ela possa contribuir para seu crescimento pessoal e
profissional.
Abraços e boa leitura!
08-09
Hilton Moreno
Gerência de planejamento
Sergio Bogomoltz
[email protected]
Assistente de pesquisa
Marina Marques
[email protected]
10
grandes questões
12
história
18
Colaboradores
Bruno Moreira, Leonardo Faria,
Sergio Bogomoltz e Mauro Júnior
Contatos Publicitários
Ana Maria rancoleta
[email protected]
Vanessa Marquiori
[email protected]
Ademaro Cotrim: parte da história e do legado de um dos
elétricas.
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dentro da lei
Arquitetos, técnicos em eletrotécnica, engenheiros civis e
eletricistas. Quem é responsável por projetos elétricos em
Revisão
Gisele Folha Mós
Publicidade
Diretor comercial
Adolfo vaiser
[email protected]
biografia
profissionais mais consagrados do mundo das instalações
Coordenador técnico
Hilton Moreno
Direção de arte e produção
Leonardo Piva
[email protected]
O nascimento e a evolução do motor elétrico, invento
indispensável à vida moderna.
Administração
Paulo Martins Oliveira Sobrinho
[email protected]
Jornalista responsável
Flávia Lima
MTB 40.703
[email protected]
A importância do aterramento em projetos elétricos.
instalações de baixa tensão?
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normalização
Reportagem mostra como a padronização técnica chegou
ao Brasil. O País se espelhou na Europa e acompanhou a
evolução da normalização mundial.
Capa
Kanji Design
Impressão
Gráfica Ipsis
Distribuição
ACF Alfonso Bovero
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formação
A história da eletricidade, as primeiras instituições
brasileiras de ensino e a popularização do curso de
engenharia elétrica.
Atitude Editorial Ltda.
Rua Piracuama, 280 cj. 72 / Pompéia
CEP 05017-040 / São Paulo - SP
Fone/Fax - (11) 3872-4404
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Apoio
índice
expediente
Diretores
Adolfo Vaiser
José Guilherme Leibel Aranha
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descontração
Histórias em quadrinhos especialmente criadas, de acordo
com a realidade do engenheiro, para a sua diversão.
por Hilton Moreno
grandes questões
Aterramento
Sistema fundamental para o pleno e seguro funcionamento das instalações elétricas
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A superfície da Terra é eletricamente condutiva e mantida permanentemente em um potencial negativo por
um “circuito elétrico global”. Este circuito tem três fontes geradoras principais: o vento solar, que penetra pela
magnetosfera; o vento da ionosfera; e as tempestades acompanhadas de descargas atmosféricas (raios).
Estima-se que milhares de tempestades com raios aconteçam diariamente no planeta, emitindo,
conseqüentemente, milhares de descargas elétricas por minuto. Isso gera uma corrente elétrica constante de
milhares de ampères, que transfere cargas positivas para as camadas superiores da atmosfera e cargas negativas
para a superfície da Terra. Assim, a superfície de nosso planeta é uma abundante fonte de elétrons livres.
Nos seres humanos, quando estão em contato direto com a terra (descalços), elétrons livres são conduzidos
pela superfície da pele e pelo interior do corpo por meio de membranas mucosas dos sistemas respiratório e
digestivo. Dessa forma, o corpo é mantido no mesmo potencial da Terra. Quando não está em contato com o
solo (por exemplo, calçando sapatos com solas isolantes), o corpo não aterrado equilibra-se com o potencial da
atmosfera ao seu redor, que é eletricamente positivo em condições climáticas normais. Quando um corpo não
aterrado está em pé ou deitado dentro de uma edificação, ele torna-se eletrificado pelo campo eletromagnético do
ambiente. Alguns estudos evidenciaram que as tensões elétricas de corpos humanos não aterrados diminuíram de
uma média de 3,27 V para 0,007 V após o aterramento. Isso contribuiu, dentre outros efeitos benéficos, para a
regularização dos perfis de cortisol e redução de disfunções do sono, dores e estresse.
Em uma instalação elétrica de baixa tensão, o aterramento é uma parte fundamental para a garantia do
funcionamento adequado dos sistemas de proteção contra choques elétricos, sobretensões, descargas atmosféricas,
descargas eletrostáticas, além de ajudar a garantir o pleno funcionamento dos equipamentos de tecnologia de
informação (computadores, centrais telefônicas, modems, controladores lógicos, etc.).
As normas de instalações elétricas e as boas práticas de engenharia fornecem diversas recomendações para
realizar adequados sistemas de aterramento (e de eqüipotencialização), de modo a serem atingidos ótimos graus
de proteção e de operação das instalações e seus equipamentos.
Histórico
Os primeiros sistemas telegráficos eletromagnéticos de grandes
comprimentos instalados a partir de 1820 nos Estados Unidos usavam
dois ou mais condutores para conduzir os sinais. Foi descoberto,
provavelmente pelo cientista alemão Carl August Steinheil, entre 1836
e 1837, que o solo poderia ser utilizado como caminho de retorno das
correntes elétricas para completar os circuitos, tornando, assim, os
condutores de retorno, até então utilizados, desnecessários. Entretanto,
houve problemas com esse sistema, como o desenvolvimento de uma
grande resistência de aterramento durante o verão seco, obrigando que as
hastes de aterramento fossem “regadas” para permitir que funcionassem o
telégrafo e os telefones.
Mais tarde, quando o telefone começou a substituir o telégrafo, foi
descoberto que as correntes que circulavam pela terra induzidas pelos
sistemas de potência, redes ferroviárias elétricas, redes de outros sistemas
telefônicos e fontes naturais, inclusive as descargas atmosféricas, causavam
interferências inaceitáveis aos sinais de áudio e, dessa forma, o sistema a
dois fios foi novamente utilizado.
Na área de instalações elétricas, a primeira edição do Código Norteamericano de Eletricidade (National Electrical Code – NEC) de 1897
não fazia menção ao aterramento, sendo este tema incluído na edição de
1903 como uma recomendação e, na edição de 1913, como obrigatório.
Neste ano, o NEC incluiu regras de aterramento para circuitos em
corrente alternada. Uma das regras fundamentais era que deveria ser feito
o aterramento do ponto neutro da alimentação quando e onde possível.
Como se sabe, tal prescrição mantém-se até hoje não apenas no NEC, mas
na maioria das normas de instalações elétricas de todos os países.
É curioso o fato de que, já em 1890, a associação New York
Board of Fire Underwriters condenava a prática de aterrar o neutro da
alimentação, enquanto a concessionária de energia elétrica da cidade
(Edison Company) utilizava largamente essa prática (para economizar
cobre e, conseqüentemente, dinheiro). Outra curiosidade remete aos
anos da Segunda Guerra Mundial, em que as carcaças de equipamentos
elétricos nos Estados Unidos eram aterradas pelo condutor neutro como
forma de economizar cobre para uso em material bélico (tal prática foi
terminantemente proibida pela edição do NEC de 1996). Em função dessa
medida, a maioria das tomadas instaladas até 1960 nos Estados Unidos
não possuía contato de aterramento, até que, finalmente, a edição de 1962
do NEC exigiu que todas as instalações e tomadas fossem aterradas.
Comparando-se com o Brasil, a primeira norma brasileira de instalações
elétricas de baixa tensão foi a NB 3, publicada em 1941. Embora baseada
no NEC, a NB 3, que teve sua última edição publicada em 1960, nunca
exigiu de modo claro o aterramento de instalação e tomadas. Foi apenas
com a substituição da NB 3 pela NBR 5410, em 1980, que o assunto
começou, de fato, a ser tratado de modo mais específico e com prescrições
mais rigorosas em relação aos quesitos de segurança contra choques
elétricos, envolvendo, assim, os assuntos de aterramento.
Principais funções do aterramento
Aterrar os sistemas, ou seja, ligar intencionalmente o condutor neutro
à terra tem o objetivo de controlar a tensão em relação à terra dentro
de limites previsíveis, além de fornecer um caminho para a circulação
de correntes de falta ou de fuga entre os condutores vivos e a terra. O
controle dessas tensões limita as solicitações elétricas sobre as isolações
Apoio
dos condutores, diminui as interferências eletromagnéticas e permite a
redução dos perigos de choques elétricos para as pessoas e os animais.
Aterramentos adequados também permitem o correto funcionamento de
sistemas de proteção contra sobretensões, descargas atmosféricas, sistemas de
telecomunicações, sistemas de informática, televisão a cabo, entre outros.
Sistemas de aterramento e
eqüipotencialização segundo a NBR 5410
A Figura 1 resume a estrutura de um sistema de aterramento e
eqüipotencialização, de acordo com as prescrições da norma ABNT NBR
5410:2004 – Instalações elétricas de baixa tensão.
É importante tratar, nesse ponto, a diferença entre aterramento e
eqüipotencialização. O conceito de “aterramento” envolve, necessariamente,
algum tipo de ligação das massas e os elementos condutores com a terra,
visando a levar todos os componentes do sistema de aterramento a ficarem
no potencial mais próximo possível da terra. Assim, por exemplo, quando
“aterramos” a carcaça condutiva de um equipamento, queremos que sua
massa fique idealmente no potencial da terra.
A “eqüipotencialização”, por sua vez, não envolve diretamente a
terra, mas está relacionada ao objetivo de colocarmos todas as massas e os
elementos condutores no mesmo potencial entre si, independentemente
de qual seja esse potencial em relação à terra. Isso sempre remete-nos
ao exemplo clássico do avião, em que todas as massas e os elementos
condutores da aeronave são interligados (eqüipotencializados), mas,
obviamente, é impossível ligar tais massas e elementos condutores à terra
propriamente dita.
LEGENDA:
1 - Eletrodo de aterramento (infraestrutura de aterramento)
2 - Condutor de aterramento
3 - BEP (Barramento de Eqüipotencialização Principal)
4 - Condutor de eqüipotencialização principal
5 - Condutor de proteção principal
6 - Condutor de eqüipotencialização suplementar
7 - Condutor de proteção
8 - BEL (Barramento de Eqüipotencialização Local)
9 - Elemento condutor estranho à instalação elétrica
10 - Massa
Fotos extraídas do livro O motor elétrico, publicado pela Weg.
Por Bruno Moreira
história
Criado por August Haselwander, este gerador trifásico - com potência de 2,7 kW - entrou em operação em 1887 em uma fábrica alemã.
O mundo
em movimento
A história do motor elétrico, invenção que acelerou a industrialização mundial e transformou radicalmente
o modo de vida das pessoas
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O advento do motor elétrico no final do século XIX trouxe ao mundo facilidades que até
então não eram sequer sonhadas. Simples tarefas como a fabricação de materiais ou o transporte
de uma grande carga a uma pequena distância exigiam, por parte de seus realizadores, a aplicação
de força de muitos homens, a utilização de animais ou, mais tarde, o uso de máquinas ainda não
tão desenvolvidas. Gastava-se dias para a realização dessas tarefas, o que retardava o início de novos
trabalhos. Em um mundo cada vez mais industrializado e capitalizado, o resultado era sentido no
retardamento da produção e na conseqüente diminuição do lucro.
Pode-se imaginar qual não foi o alvoroço quando em 1866, o cientista berlinense, Werner
Von Siemens, resolveu mostrar à população alemã a sua mais nova criação: o gerador de corrente
Princípio de um gerador elétrico: primeiro dínamo elétrico, de Werner von Siemens (1866).
contínua auto-induzida. A invenção de Siemens é considerada,
por consenso, o primeiro motor elétrico produzido pelo homem,
contudo, como todas as grandes obras inventadas na história
do mundo, muito teve de ser desenvolvido e experimentado em
épocas anteriores para que a máquina criada pelo inventor alemão
obtivesse êxito e fosse considerada modelo para outros cientistas
em aprimoramentos futuros.
O começo
O início dessa história pode ser creditado ao filósofo grego
Tales de Mileto que, em 41 a.C., ao esfregar um pedaço de resina
fóssil denominada âmbar-amarelo a um pano, teria percebido que
a resina adquirira uma força de atração com corpos leves, como
seus fios de cabelo. Quinze séculos mais tarde, o experimento
de Mileto seria completado pelo físico e médico inglês da corte
elizabethiana, William Gilbert, que, em 1600, descobriu que
além do âmbar, muitos outros materiais poderiam atrair se fossem
friccionados.
Muitos outros inventos surgiram desde então. Em 1663, o
cientista alemão Otto Von Guericke construiu a primeira máquina
eletrostática, que consistia em uma esfera de enxofre em cima de
um eixo, que transformava energia mecânica em energia elétrica.
Era uma invenção estratégica, já que tempos depois, no final do
século XVIII, verificou-se que, por meio do princípio eletrostático,
poderia ser possível também gerar energia mecânica.
Apoio
Antes dessa constatação, o físico norte-americano Benjamin
Franklin observou, em 1752, durante seu experimento, no qual
empinou uma pipa em uma tempestade, que a eletricidade
podia ser captada e conduzida por fios. E o professor italiano de
medicina e anatomia, Luigi Galvani, verificou, em 1786, que as
coxas de uma rã contraíam-se depois de separadas do corpo, se
colocadas em um suporte de ferro. Denominou esse fenômeno
como eletrecidade animal, mas não soube explicá-lo. A solução
desse fenômeno só viria com outro italiano, o físico Alessandro
Volta, que ao colocar dois metais distintos imersos em um líquido
condutor de corrente observou que ao contrário do que pensava
Galvani não era necessário tecido animal para gerar eletricidade.
Foi somente após o final do século XVIII, porém, com o físico
dinamarquês Hans Christian Oersted e o físico francês André
Marie Ampère que foi dado, verdadeiramente, o primeiro passo
rumo ao surgimento do motor elétrico. Oersted, ao observar a
agulha magnética de sua bússola desviar da posição original nortesul perto de um condutor de energia elétrica e voltar à posição
inicial ao ser afastado dele, verificou a conexão entre magnetismo
e eletricidade. Já Ampére, em 1821, um ano após a constatação
de Oersted, complementou a experiência do cientista nórdico,
criando a “lei da mão direita” que tomou como base a orientação
de uma agulha imantada no sentido da corrente.
Os cientistas ingleses William Sturgeon e Michael Faraday,
inspirados pelas descobertas de seus contemporâneos foram
os responsáveis pelos últimos passos rumo à construção do
Motor trifásico patenteado em 1889 pelo cientista radicado na Alemanha, Dolivo-Dobrowolsky.
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motor elétrico. Sturgeon inventou, em 1825, o eletroimã, que
posteriormente teria grande papel na construção de máquinas
elétricas gigantes. Já Faraday foi responsável por descobrir,
finalmente, a indução eletromagnética. Ele verificou que uma
corrente elétrica era induzida nos terminais de um condutor elétrico
quando este se movimentava em um campo magnético e provou,
definitivamente, a ligação entre magnetismo e eletricidade que já
havia sido intuída por Tales de Mileto há quase dois mil anos.
Era 1831 quando Faraday comprovou o eletromagnetismo.
Ainda faltavam 35 anos para que o primeiro motor elétrico da
história surgisse. Isso não impediu, no entanto, que durante
esse período relativamente pequeno, outras máquinas com o
mesmo princípio fossem inventadas, a começar por um gerador
construído pelo próprio Faraday e que consistia em um disco de
cobre com diâmetro de 30 cm. Ele girava no campo magnético
formado entre os pólos de um imã com forma de ferradura e
produzia eletricidade.
Outro inglês, ainda na década de 1830, o cientista W. Ritchie
inventou o comutador, peça que seria importante na composição
do motor elétrico e o mecânico francês H. Pixii colocou o invento
em prática. Pixii construiu um gerador composto de um imã
em ferradura que girava na frente de duas bobinas presas com
um núcleo de ferro. Este núcleo, utilizado pela primeira vez em
um experimento, permitiu o aumento do fluxo magnético e da
tensão da indução, fazendo a tensão alternada das bobinas ser
transformada pelo comutador em uma tensão contínua pulsante.
No final dessa mesma década, o arquiteto e professor de física
alemão, Moritz Hermann von Jacobi, deu um objetivo para a
nova invenção. Instalou um motor movido a pilhas galvânicas
dentro de uma lancha e transportou 14 pessoas durante algumas
horas. Mostrou-se, pela primeira vez, que a energia elétrica podia
ser utilizada a favor do trabalho mecânico. Contudo, as baterias
galvânicas eram muito caras e descarregavam rapidamente,
tornando a invenção um artigo de luxo.
A mudança de perspectiva viria com Siemens, que, em 1866,
já tendo criado um gerador de tensão elétrico baseado no princípio
de indução eletromagnética desenvolvido por Faraday, construiu
um dínamo e provou que a tensão necessária para o magnetismo
podia ser extraída do próprio enrolamento do rotor. Ou seja, a
máquina podia gerar sua própria energia e não ficar dependente
dos imãs. Assim, a invenção barateou o gerador, que também
funcionava como motor quando alimentado por energia elétrica.
Com preço menor, estavam criadas as condições para uma maior
difusão do novo velho invento.
A evolução
Em 1879, uma empresa criada, anos antes, por Siemens em
conjunto com Johann George Halske para fabricar telégrafos,
expandiu sua gama de produtos e, na feira industrial de Berlim,
apresentou ao público a nova invenção aplicada: uma locomotiva
movida por um motor elétrico de dois quilowatts. O motor,
apesar de mais barato que no início, continuava com o custo
muito elevado para ser produzido em escala industrial, além de
apresentar problemas de ordem técnica.
Nomes como o do italiano Galileu Ferraris, do iugoslavo
Nicolau Tesla e do alemão Friedrich Haselwander surgiram
para tentar tornar mais viável a nova máquina. Suas descobertas
pareciam solucionar os problemas em um primeiro momento,
mas logo se mostram ineficazes. Em 1890, as atenções se voltaram
para o cientista russo radicado na Alemanha, Michael von DolivoDobrowolsky, que já um ano antes, trabalhando como construtor
da AG berlinense, desenvolve um motor trifásico de corrente
alternada com potência contínua de 80 watts e rendimento de
aproximadamente 80%. O equipamento mostrou-se ideal para
os planos da indústria crescente, por apresentar alto rendimento,
ótima partida, relativo silêncio durante o funcionamento e baixa
complexidade – o que facilitava a manutenção –, alta resistência
e nenhuma interferência de correntes parasitas, tornando-o mais
seguro para a operação.
Em 1891, o construtor russo já tinha conseguido produzir o
novo equipamento em série. Concomitantemente, começaram a
aparecer as primeiras indústrias de motores que logo se tornaram
muitas. Os equipamentos se padronizaram e aos poucos diminuíram
Primeiro motor elétrico
fabricado pela brasileira Weg.
Gerador, criado pelo mecânico parisiense H. Pixii, foi instalado pelo arquiteto e professor de
física alemão Moritz Hermann von Jacobi em uma lancha, no fim da década de 1930.
Apoio
Dínamo desenvolvido por Thomas Edison.
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de tamanho ao ponto de ainda no início de sua produção seriada
já terem seu tamanho reduzido em 25%. Nada comparado com os
motores de hoje, cujo peso representa somente 8% das máquinas
com a mesma potência fabricadas no início do século XIX.
Contudo, nos dias atuais, a tendência da diminuição do
tamanho do motor elétrico está sendo revertida. Para o diretor
de engenharia da Weg, Siegfried Kreutzfeld, isso acontece por
causa da carência da oferta de energia elétrica em quase todo o
mundo. Faz-se necessária a adoção de medidas para economia de
energia que, no caso do motor elétrico, aumenta o rendimento do
equipamento. “E para aumentar o rendimento é preciso o emprego
de materiais como cobre e chapa, o que, conseqüentemente,
acarreta em mais peso“, afirma.
De volta ao passado, após a invenção de um princípio ideal de
funcionamento para o motor elétrico, as atenções dos cientistas
voltaram-se para o aprimoramento da fórmula estabelecida e
questões como aumento de potência, melhor rendimento do
aparelho, maior durabilidade e economia foram colocadas em
foco. Para que desenvolvimentos e inovações ocorressem, no
entanto, foram necessários diversos motivos. O primeiro deles
pode ser creditado na conta dos estudiosos da área, que ao analisar
mais detalhadamente os aspectos técnicos do motor elétrico,
consolidaram a teoria necessária para que construtores pudessem
a partir delas realizar melhorias.
O segundo fator deve-se à competição. Em busca de maiores
fatias do mercado, indústrias de motores buscavam destaque,
lançando equipamentos diferentes da concorrência. Neste afã,
eram colocados à disposição dos consumidores motores com
potência igual à do competidor só que com menor tamanho.
Essa variedade de tipos ocasionava um problema já que não havia
como substituir modelos de fabricantes diferentes sem ajustes.
Por essa questão é que se fez premente uma normalização que
ditasse os parâmetros de construção dos equipamentos. A terceira
razão foi o uso de matérias-primas mais nobres e apropriadas na
estrutura dos motores e a quarta, e talvez mais importante, foi o
uso em grande escala dos motores pela população mundial que
impulsionou os fabricantes a desenvolverem mais e melhores
produtos.
Aplicações
Prestando minimamente atenção no mundo que nos cerca
percebe-se sem muito esforço que o uso de motores elétricos
não ficou restrito somente à lancha de von Jacobi e nem à
locomotiva exposta pela empresa de Halske e Siemens na feira
industrial de Berlim. Depois dessas primeiras utilizações,
o invento começou a ser empregado nas indústrias que se
proliferavam nos países mais ricos do mundo. Não demorou
muito tempo, no entanto, para se perceber que, se os motores
elétricos eram úteis para os países mais desenvolvidos,
certamente deveriam ser mais úteis ainda para nações mais
pobres, em que o desenvolvimento industrial era ainda
incipiente. Assim, começou a surgir indústrias especializadas
na fabricação de motores elétricos.
Logo, o equipamento, antes restrito ao ambiente industrial,
alcançou estabelecimentos comerciais e residenciais. Na área
doméstica, por exemplo, houve o surgimento de diversas máquinas
que utilizavam o novo invento. Torradeiras, liquidificadores e
espremedores propiciaram às donas de casa a otimização de seus
afazeres, possibilitando, conseqüentemente, que houvesse mais
tempo para outras atividades. Nos Estados Unidos, de acordo
com o livro Mundo Elétrico, quase todos os eletrodomésticos
apareceram entre 1890 e 1910. Na fronteira entre comércio e
atividade doméstica, a confecção de roupas foi transformada
pela invenção da máquina de costura. Profissionais liberais como
dentistas também se beneficiaram com o surgimento do motor;
suas velhas ferramentas foram substituídas por equipamentos
elétricos e o trabalho ficou mais preciso e seguro.
Os primeiros motores elétricos foram instalados
no Brasil em 1898, sendo um de 30 CV
“Westinghouse”, na fábrica de tecidos Bernardo
Mascarenhas, e outro de 20 CV, italiano, na
firma Pantaleone Arcuri & Timpani, ambos em
Juiz de Fora (MG).
O equipamento consolidou-se e mesmo com o advento
da era digital no século XX, permaneceu firme. A máquina
que teve seu tamanho diminuído e tornou-se silenciosa com
o passar dos anos e hoje pode ser encontrada em todos os
lugares em que um ser humano esteja realizando uma atividade.
Brinquedos, escadas rolantes, portões eletrônicos, impressoras,
computadores, condicionadores de ar, caixas eletrônicos,
banheiras de hidromassagem, limpadores de pára-brisa e muitos
outros equipamentos utilizam de alguma forma o motor elétrico
em suas composições. Aliada com a eletrônica, a eletricidade e
seus aplicativos são os principais impulsionadores do progresso
humano. Segundo o diretor de engenharia da Weg, Siegfried
Kreutzfeld, o motor elétrico de indução foi, é, e continuará sendo
considerado o impulsor ou a força motriz da indústria em todo
mundo.
No Brasil
Se no final do século XIX e início do século XX, o motor elétrico
já era realidade em diversos países da Europa e nos Estados Unidos,
o mesmo não podia ser dito em relação ao Brasil. Se antes de 1900,
os motores trifásicos de indução já eram utilizados nas indústrias dos
países desenvolvidos e se nas vésperas da primeira guerra mundial,
Estados Unidos e Alemanha já despontavam como potências nessa
área, o Brasil apresentava uma economia totalmente atrelada a
produtos agrícolas, como a borracha, a cana-de-açúcar e o café.
Nas primeiras décadas do século XX, as indústrias
eram quase todas movidas a vapor ou a força hidráulica. A
eletricidade, quando existente, era, em geral, somente para a
iluminação. “Era difícil convencer a muitos dos industriais
daquela época que o pequeno motor elétrico substituía com
vantagem as barulhentas e fumegantes caldeiras e máquinas
a vapor”, afirma Pedro Carlos da Silva Telles, em seu livro
História da Engenharia no Brasil.
Apoio
A situação só se modificou com a queda da produção cafeeira
no País que afetou a taxa de câmbio e encareceu em demasia os
produtos de importação. Como eles eram muitos e fariam falta para
a sociedade brasileira, só restou uma solução ao governo da época:
incentivar a produção interna por meio de indústrias. Os governos
de Getúlio Vargas de 1934 a 1945 e depois de 1950 a 1954 foram
um dos grandes responsáveis pelo primeiro empurrão rumo à difusão
das indústrias no País.
Mais indústrias demandavam mais energia e o País não possuía,
pelo menos naquele momento, meios que aumentassem sua produção
energética, A perspectiva começou a se modificar no governo de
Juscelino Kubitschek (JK), entre 1956 e 1960. Foi na sua gestão, por
exemplo, que foram construídas as usinas de Furnas e Três Marias.
Os investimentos deram certo e a capacidade de produção de energia
passou de 3,5 milhões de quilowatts para 4,7 milhões de quilowatts
no final de 1960. Estava criada uma infra-estrutura suficiente para
atender à demanda de produção industrial brasileira que havia
crescido cerca de 80% durante o mandato de JK.
A partir de então, o País entrou de vez na era industrial e
os motores elétricos, tomando carona nessa onda, começaram a
ser comercializados em grande escala. As empresas fabricantes
do equipamento se situaram, em um primeiro momento, na
região Sudeste do País, mais especificamente em São Paulo, como
Siemens, General Electric, Arno, Búfalo, Wazgner, Brasil Motores
e Indústria Paulista de Motores. Posteriormente, a região Sul
também entrou no mapa da produção de motores elétricos do
País com o surgimento no Estado de Santa Catarina de empresas
como a Weg, a Motores Eberle (atual Metal Corte) e a Kolbach.
Na atualidade, o progresso tecnológico do motor elétrico tem
sido surpreendente tanto em termos de otimização de volume e peso,
em virtude das inovações de materiais isolantes, como das novas
ferramentas de engenharia no uso do cálculo dos motores elétricos.
Pesquisa:
O motor elétrico, publicação da Weg.
Por Bruno Moreira
biografia
Ao mestre com carinho
Engenheiro foi e continua sendo um dos nomes mais consagrados da
normalização brasileira de instalações elétricas de baixa tensão
18-19
Falecido em 15 de agosto de 2000, Ademaro Alberto Bittencourt Cotrim deixou em seus parentes,
amigos, conhecidos e admiradores uma imensa lacuna que só pode ser preenchida e remediada por
lembranças de momentos marcantes vividos junto a ele. Este espaço é destinado a relatar essas
lembranças e tem o intuito de, por meio delas, mostrar um pouco de como viveu o professor Cotrim,
rendendo, dessa forma, uma justa homenagem ao homem que tanto contribuiu intelectualmente
para o fortalecimento do setor elétrico, mais especificamente, da área de normalização.
Aos 61 anos, a vida de Cotrim foi subitamente interrompida, de modo fulminante, dentro
de um avião, ao se aproximar de Fortaleza, para onde se dirigia para ministrar mais uma de suas
imperdíveis palestras. Nos seus conhecidos, a certeza de que saíra de cena cedo demais, por ainda
ser jovem, mas também porque sempre fora um realizador e que, se não fosse a morte, muitas outras
coisas ainda teria por realizar. Convicto do que queria ser, em 1966, Cotrim formou-se na primeira
turma de engenharia elétrica, modalidade eletrotécnica, pela Escola de Engenharia Mauá, tornandose professor nessa mesma universidade um ano depois por convite do professor e pesquisador do
Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia, José Thomaz Senise. Talvez sempre tivesse
permanecido no campo docente não fosse a entrada em cena de uma norma que mudaria sua
trajetória profissional.
Cotrim, representando o Cobei, (extrema direita), à mesa com representantes do Comitê Eletrotécnico Internacional (IEC) e da Nema no Fórum Abinee Tec, em 1999.
A NBR 5410
No final da década de 1970, a norma brasileira (NB 3), que
regulava as instalações elétricas do País, já havia tido duas edições: a
primeira em 1940 e a segunda em 1960, ambas baseadas no NEC,
norma americana de instalações elétricas. Embora o NEC sempre tenha
sido bastante completo e com centenas de páginas, a NB 3 limitavase a cerca de vinte páginas, com um conteúdo bastante limitado. De
acordo com o engenheiro eletricista e amigo de Cotrim, Paulo Barreto,
no final dos anos 1970, a realidade brasileira havia mudado um pouco;
o sistema internacional de unidades já estava em vigor e o sistema
métrico dos condutores elétricos também. Nada mais necessário que
uma nova revisão da norma fosse levada a cabo.
De acordo com Barreto, em sua terceira versão, a norma, que
até aquele momento era denominada somente Norma Brasileira 3
(NB 3), passou a ser denominda NBR 5410, nome recebido quando
o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial (Inmetro) surgiu e passou a ser o responsável pelo registro
de todas as normas brasileiras. Contudo, durante muito tempo, para
efeito de divulgação, a norma de instalações elétricas em baixa tensão,
apesar de seu registro NBR 5410, ainda foi chamada de “nova NB
3”. A nova NB 3 foi inovadora porque tomou como base um modelo
misto da norma internacional IEC 364 e da norma francesa NFC
15-100. Além disso, a nova versão ainda teve sua estrutura totalmente
transformada. “Ficou mais detalhada e abrangente, acompanhando o
crescente desenvolvimento tecnológico da época”, explica Barreto.
A relação de Cotrim com a NBR 5410 teve início com a participação do
Apoio
até então professor da Mauá na comissão da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) que realizaria a nova versão da norma de instalações
elétricas de baixa tensão. Entretanto, talvez seu nome ficasse somente restrito
a essa participação não fosse a entrada em cena do engenheiro eletricista e
editor da revista Eletricidade Moderna, José Rubens Alves de Souza.
Cotrim sempre fora um estudioso do campo normativo, mas
nunca tivera a oportunidade de difundir seu conhecimento para um
grande número de pessoas; seu público-alvo restringia-se ao alunato. A
situação, no entanto, mudou de figura quando, incentivado por José
Rubens, iniciou uma série de artigos na revista Eletricidade Moderna,
com o intuito de difundir a nova norma. De acordo com o editor, a
idéia de divulgação da nova NB 3 surgiu de uma frustração sua em ler
revistas estrangeiras e ver publicado em suas páginas artigos que diziam
respeito às normas dos respectivos países e não conseguir fazer algo
semelhante no Brasil. Quando José Rubens soube que uma nova versão
da NB 3 estava sendo realizada, ele vislumbrou ali uma oportunidade
de concretizar seu plano. “Vi que um membro da comissão que
iria fazer a revisão da norma era de São Paulo e fui falar com ele”.
Este membro era Ademaro Cotrim. Surgia, naquele momento, uma
parceria que seria extremamente benéfica para ambas as partes.
Com a publicação e o sucesso dos artigos na revista, um problema
veio à tona: o interesse que eles despertavam nos leitores não era
recompensado com a difusão da norma em larga escala. “Muitas pessoas
interessadas me ligavam e perguntavam como eles poderiam ter acesso
ao texto da norma e eu não sabia responder”, diz José Rubens. Isso
porque, até aquela época, os textos da ABNT eram editados por meio
de mimeógrafo e, conseqüentemente, o processo era mais demorado
e a tiragem muito pequena. Em março de 1981, porém, com suporte
de José Rubens, foi lançado, pela primeira vez na história da ABNT, a
norma em formato de livro. A tiragem de 8 mil exemplares resolveu o
problema de divulgação do texto normativo.
Para sedimentar ainda mais o trabalho de difusão maciça da nova
norma, a revista Eletricidade Moderna começou a promover, no mesmo
ano, seminários que eram ministrados pelo professor Cotrim. Dessa
forma, torna-se evidente a participação importantíssima de Cotrim
tanto na elaboração como na difusão da normalização das instalações
elétricas de baixa tensão em território nacional. Importância que
pode ser explicada também por sua dedicação ao assunto. “Eu fui
testemunha de como ele doou muitas horas de sua vida a este assunto
sem retorno financeiro algum”, conta Barreto.
Amigos e família
20-21
Após ter seu nome atrelado a tão importante acontecimento,
Cotrim tornou-se referência nacional na área de normalização, passou a
ser chamado para ministrar palestras e cursos pelo país afora e dividiu-se
entre professor da Mauá, palestrante e consultor de diversas empresas de
produtos elétricos que começaram a utilizar o conhecimento de Cotrim
para elaboração de pesquisas ligadas à área de normalização e à fabricação
de equipamentos mais adequados às instalações elétricas brasileiras.
É como consultor da empresa de fios e cabos Pirelli, atual Prysmian,
que Cotrim conheceu, em 1985, o engenheiro eletricista, consultor e
atual presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos
Elétricos (Nema Brasil), Hilton Moreno. Eles trabalharam juntos no
Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Pirelli, criando produtos
e soluções na área de baixa tensão. “Fazíamos um trabalho de ponta e
precisávamos muito do conhecimento das normas”, diz Moreno. Com
a convivência e os interesses em comum, os dois acabaram estreitando
os laços e passaram de meros colegas a grandes amigos. “Nos tornamos
amigos de viajar juntos com familiares, de conversas diárias sobre
temas pessoais e profissionais”, conta.
Com o trabalho na área de consultoria consumindo grande parte
de seu tempo e o aumento do número de palestras e cursos, Cotrim
foi diminuindo o número de aulas na Escola de Engenharia Mauá. Até
que, em 1987, já acumulando as funções de consultor da Pirelli, da
Btcino e do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação
e Laminação de Metais Não Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel),
Cotrim desistiu de vez do posto de professor da Escola de Engenharia
Mauá e passou a sua última matéria para Hilton Moreno. Tratava-se
da disciplina de Instalações Elétricas Industriais que, segundo Moreno,
“era a menina dos olhos do Professor Cotrim”.
A amizade de Cotrim e Moreno foi ficando cada vez mais forte ao
longo dos anos e os dois permaneceram parceiros até o falecimento do
consultor. Dessa convivência surgiram muitas histórias que Moreno
relembra com saudades; como a ligação forte que Cotrim possuía
com a esposa Maria Helena, ao ponto de inúmeras vezes ele dispensar
o almoço com os amigos para fazer sua refeição com ela. Esse amor
era expresso até no nome da empresa de consultoria do Cotrim, a
MHC Engenharia (Maria Helena Cotrim). E também o carinho que o
consultor tinha pelos animais e que lhe ocasionou transtornos. “Cotrim
e a esposa compravam sacos de alpiste e jogavam na laje para alimentar
passarinhos e pombos; esse hábito, entretanto, costumava lhes causar
alguns transtornos, já que o local enchia de pombos, causando um
mal-estar nos vizinhos, que mais de uma vez chamaram a vigilância
sanitária”, conta.
O convívio entre as famílias dos dois também rendeu outras boas
histórias. Certa vez, relata Moreno, em uma viagem a trabalho para
França e Itália, ele e o amigo conseguiram levar as esposas. “Chegando
em Paris, pedimos um táxi até o hotel, mas como eram muitas malas,
decidimos pegar um carro para a bagagem e outro para a gente”,
lembra. Na viagem, um motorista sério e calado fez Cotrim comentar,
em bom português, ao grupo: “Motorista de táxi é mal-humorado em
qualquer lugar”. No final, na hora de pagar, o condutor do veículo
disse, também em bom português, qual era o preço da corrida. “Foi
quando percebemos que ele era de Portugal e havia entendido tudo
que tínhamos falado sobre ele”, conta.
As lembranças dos fatos vividos junto a Cotrim só reforçam a
imagem que o amigo guarda dele. “Era um grande sujeito: bonachão,
brincalhão e, mesmo quando estava de baixo-astral, era engraçado”,
diz. O engenheiro também salienta o caráter pacífico do amigo e sua
generosidade com os outros. “Não brigava por nada desse mundo. Era
um cara positivo e gostava de fazer as pessoas se sentirem muito bem”.
O engenheiro Paulo Barreto, outro amigo de Cotrim, também faz eco
aos elogios tecidos por Moreno. “Apesar de toda sua projeção nacional
e internacional, o Cotrim sempre foi uma pessoa supernormal, aberta
ao diálogo e humilde”.
No que concerne à vida profissional, Moreno, colega de trabalho
do consultor na Pirelli, relata que Cotrim tinha um grande domínio
matemático. Segundo o presidente da Nema Brasil, isto não acontecia
por acaso. “Ele era um estudioso, estava sempre lendo, sempre
pesquisando”. Por isso o consultor era muito respeitado. “As pessoas
sabiam que quando ele falava era porque tinha certeza”, completa.
Como palestrante, o engenheiro eletricista também era ótimo,
segundo Moreno. “Ele era um exímio palestrante, dominava a platéia
de maneira muito fácil, até porque conhecia muito do assunto do qual
falava”, explica.
Ironicamente, todo o conhecimento teórico de Cotrim na parte
elétrica não foi suficiente para que seu filho seguisse seus passos. Luis
Henrique Cotrim também é engenheiro, mas sua especialidade é outra.
Químico e engenheiro químico por formação, Luis Henrique até
questionou sua escolha em épocas difíceis, quando profissionalmente
Cotrim (à direita) e Hilton Moreno (à esquerda) em seminário do Encontro Nacional de Instalações Elétricas (Enie) em junho do ano 2000, dois meses antes de seu falecimento.
Apoio
Cotrim em viagem com a família. Com a esposa, Maria Helena, e a nora, Márcia, à esquerda, e com a esposa à direita.
22-23
portas não se abriam e talvez sua atuação na mesma área de Cotrim
tornasse mais fácil o caminho. No entanto, a dificuldade em aprender
os conceitos de Física ligados à eletricidade já no colegial criaram uma
espécie de bloqueio em Luis Henrique, que preferiu manter distância da
área preferida do pai. Por conta disso, Cotrim e o filho tiveram algumas
brigas. “Ele me explicava a matéria como se fosse a coisa mais tranqüila
do mundo, mas eu não conseguia entender e ficava irritado”, relembra.
Luis Henrique, porém, pondera sua decisão de ter mantido
distância da engenharia elétrica. O “afastamento” que teve em
relação à profissão de seu pai serviu para que outras pessoas, também
muito importantes, entrassem em seu caminho. “Podia ter tido mais
facilidades profissionalmente, mas não teria conhecido minha esposa
e, conseqüentemente, não teria tido minha filha”, argumenta. Ele
e a esposa conheceram-se no Mackenzie, universidade em que Luis
Henrique cursou Química e Engenharia Química.
A ausência de Cotrim deixa na memória de Luis Henrique algumas
histórias divertidas para contar como aquela em que, presenteado por
Henrique e pela irmã com uma calculadora HP de nova geração,
Cotrim preferiu continuar usando sua velha máquina de calcular da
marca Texas com os números já gastos, porque a outra possuía um
pequeno detalhe que lhe deixava nervoso: a tecla Enter. “Papai tinha
ojeriza a computador, ao termo inicializar e à tecla enter”, relembra.
Certamente, Cotrim faz e continuará fazendo falta para sua
família e para seus colegas e amigos, não só na esfera pessoal, por
causa de seu jeito agradável e bem-humorado, mas também no âmbito
profissional. “Eu tenho comigo que o setor de baixa tensão seria
ligeiramente diferente se hoje ele estivesse vivo. A área de normalização
perdeu muito da pureza, do idealismo com a morte de Cotrim”, conta
Moreno. O engenheiro Paulo Barreto ainda é mais veemente. “Se ele
estivesse vivo, não tenho dúvidas de que a tão esperada certificação das
instalações elétricas já teria saído. Ele saberia encontrar os argumentos
certos para que isso acontecesse”.
Uma importante e muito estressante fase da vida profissional
de Cotrim foi aquela em que esteve, por dois anos, à frente da
superintendência do Comitê Brasileiro de Eletricidade (CB 3) da
ABNT, localizado em sua antiga sede na Rua Líbero Badaró, no centro
velho de São Paulo. O CB 3 vivia, naquela época, o auge de sua crise
financeira, praticamente sem verbas para pagar aluguel, telefone,
contas de água, luz, condomínio, salários, etc. Moreno lembra as
diversas vezes em que viu o professor Cotrim ligar para organizações e
companhias pedindo contribuições extras que pudessem fechar o mês
e honrar os compromissos da entidade. “Foi uma fase desgastante para
o Cotrim, mas nunca o vi desanimar um só instante e ele nem recebia
nada para desempenhar esta função”, lembra Moreno.
Foi no CB 3 que Cotrim conheceu o engenheiro eletricista e atual
diretor-executivo da Target Engenharia, Antonio Sartório. Durante os
anos em que Cotrim esteve à frente do Comitê, Sartório foi o secretárioexecutivo da instituição. Nessa época, desenvolveram uma relação
mais próxima que ainda ecoa nas lembranças de Sartório. “Cotrim foi
diferenciado. Na parte profissional, acima de qualquer suspeita e, no
âmbito pessoal, também uma pessoa maravilhosa”, conta.
No que diz respeito ao trabalho de Cotrim no Comitê Brasileiro
de Eletricidade, o diretor-executivo afirma que, por ser uma figura
respeitada, Cotrim era chamado para harmonizar os interesses dos
diferentes membros que compunham o CB 3. E ele sempre conseguia.
Segundo Sartório, duas linhas antagônicas, diante das argumentações
de Cotrim, tornavam-se consensuais. “Uma pessoa pacificadora que
não se vê mais hoje em dia”, diz.
Instalações Elétricas, de Ademaro Cotrim, é considerada pelos técnicos brasileiros como a
“bíblia” dos projetistas de instalações elétricas de baixa tensão. Ao lado, a capa da quarta
edição do livro, revisada, ampliada e adaptada, pelo engenheiro Geraldo Kindermann, de
acordo com a versão de 1997 da NBR 5410.
Mesmo um profissional renomado, Cotrim sempre manteve
uma sincera humildade, lembra Sartório . Em diversas reuniões ao
ser chamado de senhor, o engenheiro dizia: “Chame-me de Cotrim;
senhor está no céu”. O caráter impoluto e único do engenheiro deixou
marcas benéficas em Sartório que por isso lhe rendeu uma “singela
homenagem”. O auditório na empresa da qual Sartório é diretorexecutivo chama-se Professor Ademaro Cotrim.
A “Bíblia” do setor
Paralelamente à docência, às consultorias, às palestras e aos cursos,
Cotrim também arrumava tempo para escrever livros, obviamente
ligados à área a que tanto se dedicou: normalização de instalações
elétricas de baixa tensão. Todos redigidos manualmente, sem qualquer
intervenção digital, a não ser aquela feita pela editora. Cotrim não
era do tipo que usava computador e seus manuscritos, depois de
terminados, eram digitados pela editora Makron Books para que
pudessem ser publicados.
A considerada “Bíblia” dos projetistas de instalações elétricas de
baixa tensão, redigida por Cotrim, data de 1993 e versa sobre a quarta
revisão da norma NBR 5410, realizada em 1990. Antes de chegar
nesta versão, no entanto, o engenheiro realizou outras duas: a primeira
na década de 1970, em que comenta as mudanças da norma realizadas
em 1960 e a segunda edição, na década de 1980, que traz explicações e
exemplos sobre a revisão feita em 1980. No ano de sua morte, Cotrim
estava preparando a quarta edição do livro, a respeito da revisão da
NBR 5410 feita em 1997, mas faleceu antes de finalizá-la. Os direitos
autorais da publicação foram repassados pela família ao engenheiro
eletricista e professor Geraldo Kindermann, que completou as
Apoio
anotações de Cotrim e publicou o livro em 2003.
Para Paulo Barreto, a terceira edição do livro Instalações Elétricas é
considerada a mais importante de todas por causa de seu tamanho. O
exemplar com mais de 800 páginas é quase o dobro da versão anterior,
e reflete, certamente, o cuidado e a dedicação que o engenheiro
mantinha com relação ao tema normalização. Dedicação esta que
foi recompensada com o Prêmio Jabuti em 1993 e também com a
repercurssão de seu trabalho entre os profissionais do setor. “Nós
costumávamos brincar que quem nunca leu um livro do Cotrim não é
profissional atuante em instações elétricas”, diz Barreto.
Em suas palestras, seminários e em seus livros, o professor
Cotrim traduzia com muitos exemplos as prescrições das normas
técnicas da área de baixa tensão. De acordo com Barreto, Cotrim
conseguia realizar isso com maestria porque detinha um profundo
conhecimento do assunto. Além disso, para Moreno, deve-se
juntar a esse imenso domínio normativo a redação fantástica de
Cotrim. “Ele escrevia muito bem e conseguia explicar de forma
clara os motivos de tais normas estarem escritas de determinados
jeitos”, explica. Apesar do didatismo, não deve se pensar que
o livro de Cotrim permanecia na superfície. “Ele ia fundo, ia
longe, quando necessário também recorria ao uso de matemática
avançada”, conta Moreno.
O professor Cotrim viveu cercado de inúmeros familiares, amigos,
colegas e admiradores que têm, certamente, muitas outras histórias
para nos contar. Citar todos neste artigo seria impossível, mas temos
certeza que os que lerem esta matéria estarão recompensados pela justa
homenagem que se presta a este ser humano e profissional brilhante
que, durante sua breve passagem, iluminou este mundo de um modo
muito especial.
Ilustração: Mauro Jr.
Por Bruno Moreira
dentro da lei
Profissionais em conflito
Quem é responsável por projetos de instalação elétrica em baixa tensão? Leis com múltiplas interpretações e envolvidos,
cada qual com seu ponto de vista, deixam a pergunta sem uma resposta definitiva.
24-25
Arquitetos, técnicos em eletrotécnica, engenheiros eletricistas e civis apresentam algo em comum:
são peças que deveriam ser fundamentais em um projeto de edificação, porém, devido à situação
econômica do País, isso nem sempre acontece. Contudo, a importância desses profissionais para que
uma obra de construção civil seja bem-sucedida é inegável.
Não obstante a ligação entre eles, quando se pensa no papel que cada um deve ter em uma
determinada construção, as diferenças tornam-se bem definidas: a grosso modo, o arquiteto deve ser
o responsável pela elaboração física do projeto, definindo sua forma interior e exterior; o engenheiro
civil pela análise dos materiais a serem utilizados e pela viabilização técnica da obra; engenheiros
eletricistas e técnicos eletrotécnicos acumulariam a responsabilidade por tudo que fosse relacionado
à parte elétrica de uma edificação, com a diferença de que os primeiros, pela formação, seriam
responsáveis por tarefas mais complexas.
No entanto, a aparente convivência pacífica não reflete a verdadeira luta existente, há muitos
anos, entre os representantes dessas profissões quando o assunto envolve atribuições profissionais que
transitam entre uma área e outra, mais especificamente, atribuições como a de instalações elétricas
em baixa tensão. Por causa dela muito já se discutiu dentro do Conselho Federal de Engenharia e
Arquitetura (Confea).
Em um primeiro momento, algo que não pareceria um tema
polêmico vem preocupando, principalmente, dos engenheiros
eletricistas, que, muitas vezes, têm problemas com arquitetos,
técnicos eletrotécnicos e engenheiros civis por entenderem que
estes, em sua maioria, não são os mais habilitados a projetarem
instalações elétricas em baixa tensão. Como a discussão levantada
por eles é complexa e divide-se em duas frentes: engenheiros
eletricistas versus engenheiros civis e arquitetos; e engenheiros
eletricistas versus técnicos eletrotécnicos, foi decidido separá-las
aqui para um melhor entendimento.
Engenheiros eletricistas,
engenheiros civis e arquitetos
A confusão entre engenheiros eletricistas, civis e arquitetos
no que se refere à responsabilidade pelos projetos de instalações
elétricas em baixa tensão de edificações deve-se muito a uma falha
no Decreto Federal nº 23.569 de 1933, que regula o exercício das
profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor.
Quando o Decreto discorre sobre as atribuições de cada
profissional, não há uma discriminação do que são “obras
complementares” de uma construção de edifício. De acordo com
o engenheiro eletricista e membro da Câmara de Engenharia
Elétrica (CEE) do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura
e Agronomia de São Paulo (Crea-SP), Paulo Barreto, essa pequena
indefinição, que poderia passar despercebida, proporciona muitas
interpretações, podendo, por isso, ser utilizada por profissionais
para realizarem funções que não seriam de sua responsabilidade.
O projeto e a execução de instalações elétricas seria uma delas.
Protegidos por essa indefinição do Decreto, engenheiros civis e
arquitetos conseguiram a emissão de diversos pareceres favoráveis
pelos Creas. “Ao longo dos últimos 20 anos, criou-se uma série de
polêmicas e até de aberrações baseadas em interpretações equivocadas
(algumas até levianas), no sentido de estender atribuições na área
da engenharia elétrica para outras modalidades profissionais”, diz o
conselheiro Barreto. Isso teria gerado muita confusão no meio e até
mesmo na sociedade. “Como ninguém teve o empenho de resolver
essa questão, o mal se instalou”, afirma.
Apoio
Mudanças no sentido de acabar com essa distorção já
foram feitas, segundo Barreto. Em uma Decisão Plenária do
Confea nº PL–1329 de 2006, por exemplo, decidiu-se rejeitar
uma Deliberação nº 796/2006-CEP que pretendia firmar
entendimento referente à concessão de atribuições aos engenheiros
civis e arquitetos no tocante às atividades de projeto e execução de
instalações elétricas de baixa tensão e telefônicas.
Ficou decidido pelo Confea que as atribuições deveriam
ser concedidas exclusivamente por meio da análise curricular,
entendendo isso como a estrutura curricular do profissional, o
perfil de sua formação e o projeto pedagógico dos cursos, sendo
consideradas, apenas, as matérias caracterizadas pelas ementas
que dão conhecimento específico profissionalizante. Definiuse também que a análise do currículo ficaria a cargo da câmara
especializada inerente à atividade que está sendo requerida.
A decisão do Confea toca em um aspecto que Barreto
acredita ser de suma importância quando se fala em concessão
de atribuições profissionais: a formação escolar. Assim como foi
definido pelo conselho federal, o engenheiro eletricista afirma:
“As atribuições têm vínculo direto com o conteúdo das disciplinas
consideradas de ‘formação’ profissional, excluindo-se aquelas
disciplinas que são meramente ”informativas”.
Recentemente, a polêmica voltou ao meio técnico. Isso
porque o plenário do Confea reuniu entre os dias 26 e 28 de
março de 2008 e ficou decidido o cancelamento da Instrução
de Serviço n° 01/2004, da Câmara Especializada de Engenharia
Civil (CEEC), do Crea-BA, que determinava que engenheiros
civis formados possuíam atribuições nas áreas de eletricidade,
com ou sem restrições de tensão, conforme artigos da Instrução.
A medida foi tomada para evitar jurisprudência, tendo em vista
que a prescrição não constava de nenhum outro conselho regional
da classe.
Para o membro da Câmara de Engenharia Elétrica (CEE),
há que separar o “poder fazer” do “saber fazer”. A legislação
trata do “poder fazer”, no entanto, se o profissional não estiver
suficientemente capacitado para o exercício de determinada
atividade, mesmo protegido pela lei, ele não deverá faze-la. “Caso
o faça sem estar devidamente preparado pode ser considerado
26-27
infrator pelo Código de Ética”, comenta o engenheiro.
A regra não vale somente para engenheiros civis e arquitetos,
mas também para profissionais de sua própria área. O engenheiro
eletricista, por exemplo, tem de cursar a disciplina de “Resistência
dos Materiais”, porém, isso não lhe dá a atribuição para se
responsabilizar por cálculos estruturais. Do mesmo modo, o
engenheiro civil e o arquiteto possuem disciplinas com conteúdo
sobre instalações elétricas de caráter “informativo”, mas isso não
os habilita a realizar tarefas nesta área.
Neste ponto, o arquiteto, urbanista e coordenador nacional
da Câmara de Arquitetos do Confea, Ary Demóstenes Montelo,
discorda de Barreto. Segundo ele, a formação dada no curso
de arquitetura é suficiente para que os profissionais sejam
considerados aptos a projetar instalações elétricas em baixa tensão.
“Podemos ter essa atribuição porque tivemos a cadeira de elétrica
na faculdade”, argumenta.
De acordo com Montelo, em relação às instalações elétricas em
alta tensão, não há o que se discutir, os engenheiros são os únicos
habilitados e, por isso, somente eles podem projetá-las. Contudo,
em pequenas edificações, em que não há muita complexidade,
as aulas ministradas na faculdade de arquitetura sobre o assunto
atendem aos requisitos pedidos. “Nós temos este entendimento
na Câmara de que quem estuda tem atribuição”, diz o urbanista
que, no entanto, concorda, caso determinada faculdade não tenha
uma disciplina relacionada à eletricidade, que os profissionais
saídos dela sejam proibidos de realizarem tarefas nessa área.
Engenheiro eletricista de formação, mas com uma vida
profissional toda dedicada à luminotécnica, área relacionada à
arquitetura, Plinio Godoy sente-se confortável em afirmar que
está apto a fazer projetos de instalações elétricas, mas acredita que
deve haver uma diferenciação e que cada profissional deve atuar
na área de sua especificação. Entretanto, entende também que,
em uma obra muito singela, na qual o orçamento não comporta
gastos elevados, sejam utilizados profissionais habilitados que não
sejam engenheiros eletricistas. A solução deste problema, para
Godoy, deve passar por consenso.
Já Montelo acredita que a solução definitiva de quem pode
ou não fazer determinada tarefa relativa a diversas profissões virá
quando a Resolução 1010 de 2005 do Confea entrar em vigor.
A resolução, que já foi aprovada, torna obrigatória a análise do
currículo dos egressos por parte dos Creas. Decisão que dificultará
o exercício por parte do profissional de alguma atividade para
qual ele não tiver sido devidamente instruído.
Não obstante, o coordenador afirma que já existe um
acordo entre as câmaras de arquitetura e engenharia elétrica do
Confea para que possam realizar instalações elétricas somente
os egressos que tiveram, na faculdade, uma disciplina que os
tornaram aptos para isso. Montelo vê nesse descontentamento
de alguns engenheiros eletricistas uma tentativa de proteger seus
profissionais, realizando uma espécie de reserva de mercado.
Posição semelhante é a do engenheiro civil, de segurança do
trabalho e coordenador nacional da Câmara de Engenharia Civil
do Confea, Carlos Henrique Rossi. “Isso é uma briga interna
muito boba”, diz. E ela só existe, segundo o engenheiro civil, por
causa da falta de investimento em grandes empreendimentos de
energia elétrica. “Isso ocasiona uma falta de campo de trabalho;
situação que deve ser mudada com o Programa de Aceleramento
do Crescimento (PAC)”, complementa.
Assim como o arquiteto, Rossi confia na capacidade dos
engenheiros civis para realizarem projetos elétricos de edificações.
“Eles têm plenas condições de realizarem tal tarefa”, afirma. Aliás,
segundo Rossi, engenheiros civis apresentam até um requisito a mais
que engenheiros eletricistas. “Por causa de sua formação, sabem até
melhor quais materiais utilizar em instalações”, argumenta.
O coordenador da Câmara de Engenharia afirma também que
a maioria dos cursos de engenharia civil apresenta uma cadeira
de instalações elétricas em edificações em sua grade curricular; o
que não acontece nos cursos de elétrica, por exemplo. Segundo
Rossi, estudantes de engenharia elétrica não têm essa disciplina
específica, mas seria inapropriado afirmar que não estão habilitados
a realizarem tais tarefas, já que seus ensinamentos nessa área são
diluídos durante todo curso.
Engenheiros eletricistas e técnicos eletrotécnicos
No que diz respeito à disputa envolvendo engenheiros
eletricistas e técnicos em eletrotécnica, o foco da discussão, de
acordo com o engenheiro eletricista Paulo Barreto, gira em torno
do Decreto Federal nº 90.922 de 1985 que concede aos técnicos
a realização de instalações elétricas em edificações de até 800 kVA
de demanda. Ao legislar sobre o fator demanda, no entanto, o
decreto estaria cometendo um erro, segundo Barreto, já que fator
de demanda seria um fator subjetivo que não pode estar na lei.
Além disso, 800 kVA, de acordo com o engenheiro, representam
4 mil kVA de potência instalada, ou seja, indústrias de médio e
grande portes. O que seria, para Barreto, uma responsabilidade
extremamente grande para um técnico.
Apesar do decreto, os Creas de todos os estados se recusaram a
habilitar os técnicos em eletrotécnica para trabalharem em demandas
de até 800 kVA. O que não poderia ser feito, segundo o ex-conselheiro
do Crea de São Paulo e assistente do Departamento Jurídico do
Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado de
São Paulo (Sintec-SP), Paulo Roberto Santos, porque consta na
Resolução 1000 de 2002 do Confea que os Creas não podem dispor
sobre atribuições profissionais em seus atos normativos.
Munido dessas informações e com o Decreto Federal ao seu
lado, os técnicos foram à luta, por meio de seus sindicatos, e
conseguiram, nos Estados de Goiás e de São Paulo, que o Tribunal
Regional Federal (TRF) das respectivas regiões concedesse liminar
em mandado de segurança para que eles pudessem realizar
instalações elétricas em alta, média e baixa tensão. Só restou
aos Creas paulista e goiano cumprirem a lei e concederem aos
profissionais o exercício dessas atividades.
Entretanto, no Rio Grande do Norte, o quadro mostra-se
bem mais complicado, já que, segundo Barreto, uma recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Norte (STJ-RN) reconheceu a ilegalidade do Decreto nº
9090.922/85 e concordou com o Crea local na redução das
atribuições dos técnicos em eletrotécnica para demanda de
Apoio
10 kVA; o que equivale a um condomínio residencial de
luxo, segundo o engenheiro eletricista. “Muita água ainda
passará por baixo dessa ponte”, afirma Barreto. Constatação
confirmada por Santos que promete uma contrapartida.
“Estamos fazendo um estudo muito sério desse caso e
conversando com diversos Sintecs do Brasil para analisar a
melhor medida a ser tomada”, diz.
Apesar do embate, Santos argumenta que não há nada contra
os engenheiros eletricistas, por parte do Sintec, muito pelo
contrário. “O Brasil está carente de engenheiros, precisamos deles,
mas para o planejamento estratégico de energia”, diz. Segundo o
ex-conselheiro do Crea-SP, não tem cabimento utilizar os serviços
de profissionais tão gabaritados, por exemplo, para esticar uma
rede elétrica em uma rua de 200 metros. “Engenheiro deve pensar,
projetar e não realizar o trabalho que um técnico pode muito bem
fazer”, diz. De acordo com Santos, os técnicos podem fazer este
serviço, porque recebem o aval das escolas técnicas.
Contudo, Barreto não se convence com os argumentos
contrários e continua batendo na tecla da formação escolar. Para
o engenheiro, os profissionais formados em escolas técnicas, assim
como os engenheiros civis e arquitetos, não devem ser responsáveis
por projetos de instalações elétricas. Barreto destaca ainda que
muitas vezes os profissionais nem sabem disso e acreditam que
têm competência técnica. Dessa forma, colocariam a vida alheia
em risco. Contra isso, o assistente do Departamento Jurídico do
Sintec-SP argumenta que não há registros de técnicos punidos
por incapacidade profissional dentro do Crea-SP.
O conflito está longe de uma trégua; nem arquitetos, nem
engenheiros civis, nem técnicos em eletrotécnica e nem muito
menos engenheiros eletricistas devem desistir de lutar pelo
que acreditam ser o melhor para si e para a população. Muita
discussão ainda promete ser travada, dentro dos conselhos
regionais, no que se refere ao confronto entre arquitetos,
engenheiros eletricistas e civis e também na justiça comum, na
pendência envolvendo engenheiros eletricistas e técnicos. Agora
é só aguardar.
Por Flávia Lima
normalização
Os caminhos da
padronização técnica
Acompanhando o ritmo da normalização mundial, o Brasil cria sua estrutura normativa e se espelha na
Europa para estabelecer seus documentos técnicos. Eletricidade é um dos setores que mais se desenvolveu nessa área.
28-29
Com o advento da indústria e, conseqüentemente, da produção em massa, surge uma grande
variedade de formas e tamanhos dos produtos e componentes fabricados. Esse problema contribuiu
para o aparecimento de alguns entraves na fabricação e, principalmente, na comercialização das
peças. Os industriais tinham de empregar um maior número de ferramentas, moldes e dispositivos
de fabricação e controle, o que lhes rendia grandes custos de produção e dificuldades no atendimento
à demanda, que também era diversificada.
Foram essas novas necessidades e escalas produtivas que culminaram em iniciativas de elaboração
de normas técnicas que estabelecessem parâmetros e padrões universais para determinado produto
ou serviço. Tudo começou quando o engenheiro mecânico inglês Joseph Withworth estabeleceu uma
padronização para rosca de parafuso em 1839. A partir de então, todos os elementos que compõem
uma rosca, como o passo, os raios, a altura e os ângulos do filete, passaram a seguir os métodos
criados por Withworth, criando uma linguagem comum entre
fabricantes e consumidores.
Em 1873, surgem as primeiras normas para chapas e fios, em
1875, o metro é instituído como unidade de medida em Paris e,
em 1877, é editada uma norma de especificações para cimentos
Portland. Posteriormente, já no século XX, são fundados os
organismos com a incumbência de estabelecer e controlar a
normalização técnica. Em 1901, é fundada a British Engineering
Standards Comitte na Inglaterra, o Bureau of Standards nos
Estados Unidos e, no Japão, edita-se a primeira norma.
As associações internacionais dedicam-se à elaboração de
normas técnicas que são consideradas válidas para diversos
países do mundo. Elas permitem que diferentes países utilizem
a mesma terminologia, os mesmos padrões e procedimentos para
produzir, avaliar e garantir a qualidade de determinado produto.
Em 1906, foi criada na Europa a Comissão Internacional de
Eletrotécnica (International Electrotechnical Comission – IEC),
com o intuito de elaborar normas que permitam aos fabricantes
de componentes elétricos e eletrônicos utilizarem os mesmos
parâmetros de terminologia, simbologia, segurança e desempenho.
Em 1946, representantes de 25 países – entre eles o Brasil –
encontraram-se em Londres e decidiram criar uma nova entidade,
a Organização Internacional para Padronização (International
Organization for Standardization – ISO), a fim de facilitar a
coordenação internacional e a unificação dos padrões industriais.
A nova organização iniciou suas operações oficialmente em 23
de fevereiro de 1947 e aprova normas internacionais em todos
os campos técnicos, exceto nas áreas de eletricidade e eletrônica,
cuja responsabilidade é da IEC, e na área de telecomunicações
sob o comando da União Internacional de Telecomunicação
(International Telecommunication Union – ITU).
Durante as primeiras décadas do século XX, toda a comunidade
técnica brasileira já reconhecia a necessidade da existência de
um órgão nacional de normalização técnica, que se encarregasse
oficialmente da elaboração de especificações e padrões de materiais.
Apoio
Em 1929, o deputado Ranulpho Bocayuva Cunha apresentou na
Câmara dos Deputados um Projeto de Lei criando o “Instituto
Nacional de Padrões”, que teria sido inspirado no Bureau of
Standards norte-americano, mas a proposta não foi aprovada.
Assim, a criação de uma entidade nacional de normalização ainda
esperaria 11 anos, quando, em 1940, a Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) foi criada.
Versão brasileira
Fundamental para a segurança, a normalização é também
essencial ao desenvolvimento da indústria moderna e ao progresso
tecnológico. Não por acaso, o mundo depende cada vez mais
desses documentos, que estabelecem padrões reguladores que
asseguram a qualidade de produtos industriais e a racionalização
da produção e de processos. Embora ainda haja muito por fazer,
o Brasil, nesse aspecto, não está na vanguarda, mas também não
é caudatário de outros países. O País traz, atualmente, um acervo
considerável de normas técnicas e participou, por meio da ABNT,
da criação da ISO, da constituição da Comissão Pan-Americana de
Normas Técnicas (Copant) e da fundação da Associação Mercosul
de Normalização (AMN).
Atualmente, o Brasil possui, apenas na área de eletricidade,
aproximadamente 1.400 normas, incluindo especificações para
produtos e para instalações e participa – representado pelo atual Comitê
Brasileiro de Eletricidade, Iluminação e Telecomunicações (Cobei) –
de cerca de 70 comissões da IEC, as quais reúnem um membro de cada
país para propor, estudar e validar normas para o setor elétrico.
Pelo menos 60% das normas brasileiras são inspiradas nas normas
IEC. “É natural, como todas as entidades normativas do mundo,
que os seus documentos técnicos sejam baseados em normas mais
avançadas de outros países”, afirma o professor da Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo e presidente da Fundação para o
Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), o engenheiro
eletricista e mecânico Antonio Hélio Guerra Vieira.
Fotos: ABNT
Primeira reunião de Laboratórios de Ensaios de Materiais, ocasião que deu origem à criação da ABNT.
Alguns especialistas dizem, no entanto, que falta ao Brasil
influência na elaboração de normas nos fóruns em que elas são
concebidas. “Embora o País tenha sido mais atuante na IEC nos
últimos anos, ele, com algumas poucas exceções, apenas participa
da votação, que é praticamente o processo final de elaboração de
uma norma”, afirma o presidente da Nema Brasil, o engenheiro
eletricista Hilton Moreno. Compartilha da mesma opinião a chefe
da Divisão de Normas e Qualidade da Eletrobrás, Juçara Silva Lopes:
“Mais do que utilizarmos como base as normas internacionais,
temos de influir na sua elaboração, o que só pode ser conseguido
com a presença de especialistas brasileiros nos diversos grupos das
entidades internacionais de normalização”. O diretor-geral da UL
no Brasil, Péricles Arilho, enxerga outra preocupação: “não existe
problema quando a norma internacional é traduzida na íntegra,
mas sim quando são excluídos do documento brasileiro itens de
segurança importantes utilizados em outros países”.
Ainda não estamos caminhando plenamente juntos com
a normalização internacional, mas estamos no caminho. De
acordo com o Cobei, apesar de o Brasil estar presente em muitas
comissões, ainda há algumas sem representatividade brasileira. Isso
se deve à falta de especialistas aptos a ingressarem nessas equipes,
como a comissão de carros elétricos da IEC, que não conta com
participação do País justamente por não terem encontrado ainda
um expert nacional no assunto.
O início da normalização nacional
30-31
Ainda que a história da normalização no Brasil seja da
década de 1940, com a criação da ABNT, a origem dos estudos
normativos na área elétrica é mais antiga. A entidade precursora
é o Comitê Eletrotécnico Brasileiro, fundada em 1908 com o
objetivo de representar o Brasil com a recém-criada IEC.
Naquele tempo, não havia nenhum organismo normativo no
País, mas as empresas, especialmente as de grande porte – como a
Light SP, a Light Rio e a General Electric – sentiam necessidade
de uma padronização dos produtos e de estarem atentas ao que
acontecia no mundo. Com esse fim, nasceu o comitê, criado por
um grupo de profissionais que tinham em comum o interesse
em receber informações sobre tendências normativas e sobre
os últimos acontecimentos nessa área. “O órgão funcionou de
forma truncada até o surgimento da ABNT, pois não havia uma
coordenação”, conta o engenheiro eletricista e civil Milton Martins
Ferreira, que seria, mais tarde, superintendente do Cobei.
A idéia da criação da ABNT começou em 1937 com o início
do desenvolvimento industrial brasileiro. O Instituto Nacional de
Tecnologia (INT) promoveu a primeira Reunião de Laboratórios
de Ensaios de Materiais, no Rio de Janeiro, com o objetivo de
aprimorar pesquisas e criar novas tecnologias. O sucesso do
encontro, envolvendo o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT),
fez ele ser repetido nos anos posteriores, lançando as bases para
a criação de um organismo de normalização brasileiro. O projeto
foi lançado pelos engenheiros Paulo Sá e Ary Frederico Torres e
concretizou-se com a instituição da ABNT em 28 de setembro
de 1940, na presença do então Ministro do Trabalho, Indústria
e Comércio, Waldemar Falcão. O Brasil participava da Segunda
Guerra Mundial e a nova associação teve papel relevante elaborando
normas de emergência, principalmente para o setor têxtil.
Fotos: ABNT
Manuscritos da ata da sessão de fundação da ABNT, de setembro de 1940.
Com orçamento apertado, a ABNT iniciou suas atividades
na Avenida Almirante Barroso, no centro do Rio de Janeiro,
contando apenas com uma secretária. A organização do trabalho
de normalização foi dividida em Comitês Brasileiros (CB): CB 1,
responsável por estudar normas para a área de metalurgia; CB 2,
para a área de construção civil; CB 3, para eletricidade; e assim
por diante. O já existente Comitê Eletrotécnico Brasileiro foi
então incorporado à Associação para constituir o CB 3 e passou a
ser responsável pelos estudos e normas técnicas elaboradas para os
segmentos de eletricidade e de iluminação.
As primeiras normas publicadas no Brasil foram aquelas que
já haviam sido preparadas pelos organismos que antecederam a
ABNT, como o INT, o IPT e o próprio Comitê Eletrotécnico
Brasileiro. Ferreira explica que os documentos normativos que
existiam eram informais, traduções ou adaptações baseadas
em normas internacionais e utilizadas por empresas que se
interessavam em seguir a tendência mundial. “Essas normas eram
geradas para cobrir as necessidades de segurança, de proteção
elétrica e de padronização de tensão e de outras unidades
elétricas”, conta Ferreira, que foi funcionário da General Electric
por, aproximadamente, 50 anos.
Como o comitê era constituído por profissionais
experientes e que representavam as suas respectivas empresas
e, conseqüentemente, os seus interesses, algumas divergências
começaram a surgir dentro do então Comitê Eletrotécnico
Brasileiro. A Light, por exemplo, optava pelo padrão europeu
(tensão de 220 V), ao passo que a General Electric dava preferência
à linha norte-americana (tensão de 110 V). “Não houve, de início,
Apoio
um trabalho organizado que coordenasse a equipe e que evitasse
essas discrepâncias, que perduram até hoje no País”, conclui
Ferreira.
Os assuntos relacionados à construção civil foram os primeiros
a serem normalizados. A primeira norma ABNT foi a NB 1
“Cálculo e execução de obras de concreto armado”, atual NBR
6118, seguida da normas de ensaio NB 2 “Cimento Portland –
Determinação da resistência à compressão e do procedimento
cálculo e execução de pontes de concreto armado”, hoje NBR
7187. Na área de eletricidade, a primeira norma de procedimento
a ser publicada foi a NB 3 “Norma de instalações elétricas de baixa
tensão”, editada em 1941 e hoje denominada NBR 5410. Segundo
o engenheiro Milton Ferreira, a primeira norma de especificação
de produto elétrico foi destinada à lâmpada incandescente, que
também teria sido elaborada antes mesmo da criação da ABNT.
Esses documentos recebiam uma numeração que indicava uma
seqüência de acordo com a data de publicação e uma sigla que os
organizavam em categorias: NB – norma de procedimento, TB –
norma de terminologia, SB – norma de simbologia, CB – norma
de classificação e EB – norma de especificação.
O primeiro superintendente do CB 3, o professor de
física da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, o engenheiro Dulcidio de Almeida Pereira, começou a
organizar as atividades do grupo técnico. As estatais Petrobras,
Telebrás e Eletrobrás constituíram-se nas grandes bases
financeiras apoiadoras do comitê, que passou rapidamente a ser
o maior produtor de normas da ABNT. Incorporando normas
de eletrotécnica, eletrônica e de iluminação, o CB 3 passou a
32-33
ser chamado, na década de 1950, de Cobei, sigla para Comitê
Brasileiro de Eletrotécnica, Eletrônica e Iluminação. Na década de
1960, decidiu-se simplificar a tradução da sigla e o Cobei passou
a chamar-se simplesmente de Comitê Brasileiro de Eletricidade e
Iluminação.
Nesse período, a Eletrobrás dava um apoio financeiro
bastante significativo, o que deu ênfase às normas que lhe
interessavam, por exemplo, normas para produtos, como
geradores, transformadores e outros equipamentos utilizados na
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. “Em 1963,
eu já estava no Cobei. Mais da metade das normas da ABNT
saíam desse comitê, que cresceu no mercado principalmente com
os recursos da Eletrobrás”, diz Ferreira.
Algumas crises permearam a história da ABNT. Uma
delas aconteceu entre 1975 e 1978, período em que se tentou
estatizar a Normalização. Como pressão, as anuidades da IEC,
do Copant e da ISO, na época, pagas com recursos oriundos do
Governo, deixaram de ser honradas. A dívida com os organismos
internacionais arrastou-se pelas décadas de 1980 e 1990.
Em 1995, a ABNT sofreu uma reforma administrativa e
desvinculou os funcionários de todos os comitês da organização
da Associação. Dessa maneira, o setor que prezava normalização
técnica deveria compor a sua própria estrutura. De 1996 a
2001, a comunidade técnica da área de eletricidade organizou-se
informalmente para sustentar a elaboração de normas na área.
Faziam parte dessa equipe as entidades de classe, como a Associação
Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux), a Associação
Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o Sindicato
da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de
Metais Não-Ferrosos do Estado de São Paulo (Sindicel), empresas
do setor e estatais. Mais tarde, algumas empresas deixaram de
contribuir com o Cobei e, com a saída da Eletrobrás, o comitê
enfrentou sérias conseqüências financeiras.
O Cobei, que possuía um corpo de 30 funcionários, foi
reduzido a três. Diante da gravidade da crise, o comitê decidiu
então procurar recursos para continuar suas atividades e tornar-se
independente da ABNT. “Como os trabalhos normativos do Cobei
eram de fundamental importância para o setor eletroeletrônico,
um amplo movimento empresarial foi então estimulado para
reativação de suas atividades, envolvendo associações de classe,
entidades privadas, governamentais e empresas, que decidiram
assumir a responsabilidade pelo seu gerenciamento e seus
custos”, conta Ferreira. Desta forma, nascia, em maio de 2002,
o “novo” Cobei, agora com a denominação “Comitê Brasileiro
de Eletricidade, Eletrônica, Iluminação e Telecomunicações”,
uma sociedade civil de direito privado e sem fins lucrativos,
que preservava a tradicional sigla, tornando-se responsável pelo
financiamento, estímulo, coordenação e execução dos trabalhos
normativos de interesse do setor.
Com as novas instalações devidamente acomodadas, a
relação com as entidades internacionais também foi restaurada.
Em dezembro de 2002, os sócios-fundadores, em conjunto com
o governo federal, reuniram-se novamente para regularizar o
passivo da IEC. A partir de então, o Cobei teve outra vez acesso
às normalizações internacionais. Atualmente, o CB 3 da ABNT
(mantido pelo Cobei) contribui tecnicamente com as normas para
o Mercosul por meio do Comitê Setorial Mercosul CSM 01.
Uma vez concluídos, tais trabalhos são encaminhados à ABNT,
por meio do CB 3 – que se mantém preservado e desvinculado
da sigla Cobei e que fica, assim, livre dos encargos de custos,
competindo-lhe instalar as Comissões de Estudo, quando recebe
mais uma vez o apoio do Cobei, como serviços de secretaria,
acomodações, etc. Todos os trabalhos subseqüentes ficam a cargo
da ABNT: reprodução e distribuição do projeto, consulta pública
e publicação final do texto, uma vez aprovado, como a Norma
Brasileira (NBR).
A partir do aparecimento de blocos que acelerou a
internacionalização da economia, o cenário foi tornando-se
favorável à ABNT. Explica-se: para competir externamente e ao
mesmo tempo fortalecer o mercado interno, a indústria nacional
buscou modernizar-se procurando elevados níveis de qualidade,
produtividade, competitividade e capacitação tecnológica.
O processo de normalização
Antigamente, as normas ABNT eram aprovadas nos Congressos
Anuais de Normalização Técnica, que foram realizados até 1953,
reunindo profissionais de todo o Brasil. Os projetos preparados
Revisão da antiga NB 3 - Norma de instalações elétricas de baixa tensão, publicada em
1941, é liberada para votação (foto), aprovada e publicada em 1960 pela ABNT.
pelas Comissões de Estudos (CEs) eram votados pelos associados
e tinham o caráter de recomendações. Depois, passaram a
ser colocados em votação entre os associados e, se aprovados,
passavam diretamente à condição de norma brasileira.
Atualmente, o processo de elaboração de uma norma
brasileira é iniciado com uma demanda da sociedade, pelo setor
envolvido ou mesmo pelos organismos regulamentadores. A
pertinência do pedido e da demanda é analisada pela ABNT
e, se tiver mérito, será levada ao Comitê Brasileiro do setor
para inserção no seu Plano de Normalização Setorial (PNS) da
Comissão de estudo pertinente. Caso contrário, é criada uma
Comissão de Estudo Especial (CEE/ABNT).
As Comissões de Estudo discutem e chegam a um consenso
para a elaboração do projeto de norma. De posse desse projeto,
a ABNT o submete à consulta nacional, como uma forma de
dar oportunidade a todas as partes envolvidas de examinar e de
emitir seus comentários.
Passado o tempo necessário para a consulta, a Comissão de
Estudo realiza uma reunião para análise da conveniência ou não
dos comentários recebidos. Não havendo impedimento, o projeto
Apoio
será encaminhado para homologação pela ABNT, recebendo a
sigla ABNT NBR e seu número respectivo. A seguir, a norma é
colocada no acervo de normas brasileiras. O processo é similar
aos existentes em todos os demais países signatários do acordo de
Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) da Organização Mundial
de Comércio (OMC).
Periodicamente as normas devem ainda passar por uma
revisão, processo que intenta o aprimoramento, a harmonização
e a atualização do texto normativo. As associações internacionais
recomendam que as normas sofram uma revisão a cada cinco
anos. Embora o País tenha uma quantidade alta de normas
antigas, ou seja, com mais de dez anos de elaboração, não se
pode dizer que normas velhas são obsoletas. Dependendo da
natureza do assunto, uma norma pode ser antiga em sua data
de publicação, mas manter-se atual em seu conteúdo técnico,
fato que só poderá ser comprovado com uma revisão, que pode
chegar a três possíveis conclusões: conservar o texto original
inalterado, isto é, o documento ainda é atual, portanto, e não
precisa sofrer nenhuma modificação (confirmação da norma);
cancelar a norma, considerando que o texto está completamente
Jantar oferecido pelo governador do Rio Grande
do Sul aos participantes da 8ª Reunião Geral da
ABNT (1950).
desatualizado e inadequado; ou revisar efetivamente a norma,
ou seja, introduzir alterações de forma a torná-la atual e
apropriada.
Pirâmide da normalização
34-35
Considerando normalização como “conjunto de critérios
estabelecidos entre as partes interessadas para padronizar
produtos, simplificar processos e garantir um produto confiável,
que atenda às suas necessidades”, existem vários níveis de normas
que constituem a chamada “pirâmide da normalização”.
A ABNT salienta que as normas podem ser elaboradas em
quatro níveis distintos:
O gerente de engenharia de distribuição da AES Eletropaulo,
Sérgio Basso, conta que as normas internas das concessionárias
– norma interna de nível empresa - vieram antes mesmo das
normas brasileiras. “As escadas de madeira, os cinturões e as
cordas de segurança, por exemplo, precisavam ter o mínimo
de segurança e as concessionárias foram desenvolvendo as suas
próprias condições de segurança”, afirma. Ele relata que, na
primeira metade do século XX, quando a área de manutenção de
equipamentos da Eletropaulo ocupava um prédio na região do
Cambuci, em São Paulo, a unidade funcionava como uma fábrica
de postes, transformadores, escadas e outras peças. A maioria
das concessionárias tinha de produzir os equipamentos a serem
utilizados nas ruas, pois não havia fornecedores suficientes.
A ABNT veio então para unificar esse trabalho que as
concessionárias já haviam começado. No entanto, Basso explica
que algumas normas são necessárias e inviáveis de se padronizar
entre as concessionárias devido às características particulares
de rede de cada uma das áreas de atuação das distribuidoras.
“Procuramos sempre a norma brasileira antes de criarmos as nossas
especificações”, diz. Segundo ele, os critérios da concessionária
são complementares às normas publicadas pela ABNT. “No
norma internacional:
normas destinadas ao uso
internacional, provenientes da
ativa participação das nações
com interesses comuns. Como
exemplos, temos a ISO e a IEC;
norma de nível regional:
normas destinadas ao uso regional,
resultantes da participação de um
limitado grupo de países de um mesmo
continente. É o caso de normas, como
da Copant (Américas), AMN (Mercosul),
CANENA (América do Norte – NAFTA) ,
PACS (Ásia e Pacífico) e do Comitê Europeu
de Normalização (CEN);
norma de nível nacional:
normas destinadas ao uso nacional, resultantes do
consenso entre os interessados em uma organização
nacional reconhecida como autoridade no respectivo
país. Como exemplos, citam-se as normas da ABNT
(Brasil), ANSI (Estados Unidos), IRAM (Argentina),
AFNOR (França), DIN (Alemanha), JISC (Japão), CAS
(China) e BSI (Reino Unido);
norma de nível de empresa ou grupos empresarias:
normas elaboradas por empresas ou grupos empresariais
(geralmente associações), com a finalidade de padronizar
construções e ensaios, garantir segurança, reduzir custos, etc.
São exemplos deste tipo de normas aquelas publicadas pela
Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos (Nema),
Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), UL,
Associação Alemã de Engenheiros Eletricistas (VDE), Associação
Americana de Ensaios dos Materiais (ASTM), etc.
Em 1888, o “Centro Technico de Eletricistas
Brasileiros” havia elaborado um código de segurança
denominado “Regras Preventivas de Incêndio nas
Instalações Elétricas”, trabalho pioneiro no campo
da normalização técnica no Brasil.
caso das eletroferragens, por exemplo, praticamente todas as
concessionárias adotam o mesmo padrão, que é o estabelecido
por uma NBR, o que não acontece com os postes, os quais devem
obedecer as especificações de cada concessionária para atender,
adequadamente, a cada uma das instalações”, esclarece.
O problema é que nem sempre há uma NBR disponível e
que atenda aos requisitos da concessionária. “Não há, por
exemplo, regulamentação brasileira para redes subterrâneas, há
normas para construção, mas não para os materiais, por isso nós
desenvolvemos nossas normas”, queixa-se. Ele conta que, não
raramente, recorrem a normas internacionais.
Juçara Lopes, da Eletrobrás, comenta que o mercado conhece
principalmente a normalização da ABNT e de alguns organismos
estrangeiros, mas “os níveis são importantes, pois a empresa que
pratica os níveis inferiores de normalização demonstra o quanto
a normalização já está internalizada nas suas rotinas, o que acaba
contribuindo, como já foi visto, para a melhoria da qualidade e
da segurança do consumidor”, completa.
Ao encontro dos objetivos da pirâmide da normalização, ela
enumera algumas vantagens para o consumidor e para o produtor:
• Organização do mercado;
• Constituição de uma linguagem única entre produtor e
consumidor;
• Melhor qualidade de produtos e serviços;
• Maior segurança dos produtos;
• Aumento da produtividade, com conseqüente redução dos custos
de produtos e serviços, contribuindo para o aumento da economia
do País e para o desenvolvimento da tecnologia nacional;
• Utilização adequada dos recursos;
• Uniformização do trabalho;
• Facilidade no treinamento e melhoria no nível técnico da mãode-obra;
• Registro do conhecimento tecnológico;
• Facilidade na contratação e na venda de tecnologia;
Apoio
• Redução do consumo e do desperdício;
• Padronização de componentes e equipamentos;
• Melhor especificação de matérias-primas;
• Melhor controle de produtos e processos;
• Melhor orientação para as concorrências públicas.
Considerando o acervo de normas dos países desenvolvidos e
o número de certificações de produtos, o Brasil ainda tem muito
a evoluir. A ABNT acumula, em seus 68 anos de existência,
aproximadamente 10 mil normas técnicas, enquanto a Inglaterra,
por exemplo, apresenta 27 mil. Para Juçara, muito ainda há a
se fazer: “é preciso buscar recursos e parcerias para que haja um
maior desenvolvimento das atividades de normalização e estimular
a conscientização da sociedade como um todo”.
O Brasil possui um número relativamente alto de normas
técnicas, especialmente na área de eletricidade. De 1940 a 2003, o
CB 3 havia produzido 1.370 normas técnicas, seguindo-se o CB 4
(máquinas e equipamentos mecânicos) com 1.058, o terceiro, 828
documentos, com o CB 10 (química) e todos os outros 48 comitês
com menos de 500 normas elaboradas cada. Nesse sentido, outra
comparação interessante refere-se à avaliação da conformidade.
Essa incumbência pertence ao Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Normalização Industrial (Inmetro), que coordena
certificações compulsórias e voluntárias de cerca de 130 produtos,
ao passo que, na Espanha, são mais de 300 produtos certificados.
Mas essa é uma outra história... Pesquisa:
O projeto como processo intelectual e como processo social, de Márcio M. Fabrício.
A normalização, a certificação e os sistemas de gestão da qualidade, de Patrícia Miranda
Lordêlo
Qualidade dos cursos de engenharia, de Antonio Helio Guerra
História da engenharia no Brasil – século XX, de Pedro Carlos da Silva Telles
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
Cômite Brasileiro de Eletricidade, Iluminação e Telecomunicações (Cobei)
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ)
Universidade de São Paulo (USP)
Por Flávia Lima
formação
A edificação da
engenharia elétrica
36-37
Historicamente, a engenharia elétrica nasceu com a ciência do eletromagnetismo, quando,
por volta do ano 100 a.C. foi encontrada uma pedra que atraía ferro na Grécia. Essa pedra
recebeu o nome de “magnetita” por ser originária das terras dos Magnésios, uma região da
Grécia antiga.
Bem mais tarde, o eletromagnetismo gerou também o primeiro livro da ciência moderna.
Willian Gilbert lançou a obra De Magnete em 1600, mostrando como fazer imãs permanentes
por meio do tratamento do ferro. O livro discutia também aplicações medicinais do magnetismo
e, pela primeira vez, representava o campo magnético por setas. Gilbert dedicou todo o seu tempo
ao estudo da eletricidade e do magnetismo. Foi ele quem cunhou o termo “eletricidade” e notou,
com propriedade, que o fenômeno da atração devido ao atrito do âmbar e aquele devido ao imã
permanente são de naturezas diferentes, de modo que essas duas classes de fenômenos deviam ser
estudadas separadamente, como ocorreu nos 200 anos seguintes.
Primeira sede da Escola Politécnica de São Paulo
A eletricidade foi cada vez mais explorada e novos conceitos,
técnicas e aplicações foram descobertos e, mais tarde, ensinado
em escolas de engenharia.
O ensino da engenharia no Brasil
O impacto social da eletricidade foi enorme em toda a
sociedade. O século XX foi denominado o “século da eletricidade”,
porque “nenhuma outra descoberta teve tão grande influência
em todos os aspectos da vida humana”, conforme explica Pedro
Carlos da Silva Telles em seu livro História da engenharia no
Brasil – século XX. Antes da eletricidade, as únicas fontes de
energia mecânica eram as máquinas a vapor e as rodas d’água.
Com os motores elétricos, o progresso foi ainda maior.
É dispensável mencionar aqui os inúmeros progressos
conquistados com a eletricidade e sua contribuição para o conforto
doméstico, para a evolução da indústria, dos transportes e das
comunicações. Especialmente para os engenheiros, a eletricidade
exerceu uma grande influência. Como ela ainda era pouco
conhecida e muitos ainda a temiam, o engenheiro que a dominava
tinha muito mais valor que os engenheiros que construíam casas,
estradas e pontes.
A instalação de escolas de engenharia no Brasil foi um reflexo
do que já acontecia em outros países do mundo. Em 1506, teria
sido fundada em Veneza a primeira escola dedicada à formação
de engenheiros e artilheiros. Em 1747, foi criada, na França, a
Apoio
primeira escola de engenharia do mundo, a École des Ponts et
Chaussées; em 1778, fundou-se a École des Mines; e, em 1794,
o Conservatoire des Arts et Métiers. Essas escolas eram voltadas
para um ensino técnico diferente da École Polytechinque, de
1774, estabelecendo, assim, uma divisão da engenharia em dois
campos: o prático e o teórico.
Posteriormente, foram criadas escolas técnicas nos países de
língua alemã, como as escolas de Praga (1806), Viena (1815),
Karlsruhe (1825), Munique (1827) e Zurique (1854). Nos
Estados Unidos, a mais antiga escola de engenharia foi a Academia
Militar de West Point, criada em 1794, e a Califórnia Institute of
Technology, de 1919.
A engenharia entrou no Brasil principalmente por meio das
atividades dos oficiais-engenheiros e dos mestres construtores
de edificações civis e religiosas. De acordo com os professores
do Departamento de Eletrotécnica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), José Oliveira e Antonio Lopes de Souza,
devido ao modelo escravista, a engenharia no Brasil manteve-se
atrasada por muitos anos, pois esse modelo impedia a implantação
da indústria no País.
O professor da Politécnica da UFRJ, que foi diretor da escola
por dez anos, o engenheiro eletricista Heloi José Fernandes
Moreira, conta que é difícil precisar um instante em que o ensino
da engenharia elétrica chegou ao País e que foi um processo
evolutivo. “Há uma relação forte entre o ensino tecnológico e o
desenvolvimento da tecnologia: o ensino e a pesquisa provocam o
Gabinete de eletricidade da Escola Politécnica do Rio de Janeiro
38-39
desenvolvimento da tecnologia e esta, por sua vez, exige estudos e
pesquisas mais profundos e especializados”, diz.
Segundo ele, com o desenvolvimento da lâmpada elétrica,
do motor e do gerador elétrico e de outros dispositivos na
segunda metade do século XIX, o ensino da engenharia elétrica
foi se ampliando e tornando-se cada vez mais específico. Surgiu,
inicialmente, dentro de um conteúdo denominado “física
industrial”, que abrangia calor e eletricidade, para posteriormente
ser específico em matérias como “Aplicações da eletricidade” e
depois em “Produção, Transmissão e Distribuição de Energia
Elétrica”.
O professor relata que a história da engenharia no Brasil
começa com a fundação, em 1792, da Real Academia de
Artilharia, Fortificação e Desenho, na cidade do Rio de Janeiro. “A
preocupação daquela época era com a engenharia militar, voltada
para a construção de fortes resistentes às balas de canhões”, diz.
Com a chegada de Dom João VI ao Brasil, a escola é
transformada na Academia Real Militar (1810) e, em 1858, a
Academia Real Militar, agora com sede no largo São Francisco, no
Rio de Janeiro, passa a chamar-se Escola Central. Até então, não
havia eletricidade, tampouco existia qualquer ensino da engenharia
elétrica no País. A primeira experiência de iluminação elétrica
no País, segundo Moreira, foi em 1872, quando, por ocasião do
cinqüentenário da independência, foi inaugurada uma estátua de
José Bonifácio no largo São Francisco, em frente ao prédio da
Academia. Alguns fachos de luz elétrica foram lançados sobre a
estátua, constituindo-se em uma das primeiras demonstrações de
iluminação elétrica no Brasil. Naquela época, já havia iluminação
pública, mas movida a gás.
Dois anos depois, a Academia Real Militar foi dividida em duas
escolas: Politécnica e Militar. De 1874 a 1937 a escola transformouse em Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil
e, em 1966, passa a ser Escola de Engenharia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2005, recebe o nome de
Escola Politécnica da UFRJ.
A engenharia elétrica
Tendo em vista a longa e promissora existência da eletricidade,
muitas escolas formaram-se com o intuito de pesquisar e melhor
explorar o recurso. As Escolas de Engenharia que primeiro se
instalaram no País eram influenciadas, sobretudo, pelas idéias
européias, o que foi preservado por algum tempo.
O presidente do conselho da Fundação para o
Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE) e exreitor da Universidade de São Paulo, o engenheiro eletricista e
mecânico Antonio Helio Guerra, conta que a primeira reforma
das bases teóricas da engenharia aconteceu nos anos 1940/1950,
quando a relevância do ensino da física e da matemática cresceu
muito, especialmente para os cursos de engenharia elétrica,com
o aparecimento dos transistores. Segundo ele, outra grande
evolução para a engenharia foi o advento dos sistemas digitais
na década de 1960. Com a novidade, os cursos incorporaram
a computação – software e hardware – ao ensino e, logo mais,
Prédio da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1874
surgiria uma nova ramificação, a eletrônica digital.
Em 1913, é fundado o Instituto Eletrotécnico e Mecânico
de Itajubá (MG), primeira entidade de ensino superior no
Brasil especialmente dedicada ao estudo da engenharia elétrica.
A iniciativa foi do doutor Theodomiro Carneiro Santiago,
seu primeiro diretor. Nesse mesmo ano é organizada, em São
Paulo, a Escola Superior de Eletricidade, na rua Libero Badaró,
que ministrava um curso técnico de grau médio em três anos,
possuindo grandes e bem montados laboratórios de estudo.
Ainda referência na engenharia elétrica, a Universidade
Federal de Itajubá (Unifei) foi instituída com o propósito de
transmitir conhecimento voltado para a realidade prática. Silva
Telles conta que, na ocasião da inauguração oficial do instituto,
enquanto Santiago, diretor da escola, discursava sobre o seu
ponto de vista acerca do ensino da engenharia, levantou-se o
engenheiro Paulo de Frontin para rebater com veemência as
idéias do orador. A calorosa discussão resultou no encerramento
da sessão e na retirada do Presidente da República e demais
autoridades. O incidente, que repercutiu pelo País, foi visto por
alguns como um importante marco pelo choque de opiniões
entre os que defendiam o aspecto prático do ensino e os que
defendiam o caráter científico.
Os primeiros professores de Itajubá foram trazidos da Bélgica
e a primeira turma, de 16 engenheiros mecânicos-eletricistas,
formou-se em 1917, ano em que a escola foi oficialmente
reconhecia pelo Governo Federal. O curso, que tinha a duração
de três anos no início, passou para quatro anos em 1923 e para
Apoio
cinco em 1936, quando passou a ser chamado simplesmente
de engenharia elétrica. Em 1963, o curso foi subdividido em
engenharia mecânica e engenharia elétrica. Para se ter idéia da
importância de Itajubá nessa área, no início da década de 1960,
avaliava-se que a escola tinha formado cerca de 40% do total de
engenheiros mecânicos e eletricistas do País.
De acordo com Silva Telles, nas escolas de engenharia já
existentes, os primeiros cursos de engenheiros eletricistas, ainda
chamados de “mecânicos-eletricistas” ou “civis-eletricistas”,
começaram na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e na
Escola Politécnica de São Paulo, ambos em 1911, sendo que,
na primeira, o curso propriamente de engenheiros eletricistas
só veio com a reforma dos programas de 1925. Até a criação
do curso específico de engenharia elétrica, a eletricidade era
ensinada na disciplina de Física, nos primeiros anos do curso
geral. Assim como aconteceu com a engenharia civil, a prática
da eletricidade antecedeu o início formal do seu ensino. Dessa
forma, os engenheiros que tomaram parte nos pioneirismos
da eletricidade no País foram estrangeiros ou brasileiros que
estudaram no exterior.
A atual Escola Politécnica de São Paulo foi criada em 1893.
Seu primeiro diretor foi o professor Antonio Francisco de Paula
Souza. Ao contrário das duas primeiras escolas de engenharia –
Politécnica do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto,
sendo esta última criada em 1876 para o ensino da mineralogia
e da metalurgia – a Politécnica de São Paulo não teve influência
francesa, mas seguiu o modelo da Escola de Zurich, na qual
O Barão de Capanema,
professor de Física da Escola
Politécnica, diretor-geral
durante muitos anos dos
Telégrafos do Brasil foi o
único engenheiro brasileiro
com título de nobreza do
Império pelo simples fato de
ser um engenheiro.
Alguns documentos do final do século XIX e do início do século XX que
se referem, especificamente, à Escola Polytechnica do Rio de Janeiro:
Estatuto de 22/11/1890
O curso de Engenheiro Industrial estuda, na segunda cadeira, a
matéria de “Física industrial precedida de eletricidade”.
Decreto 3920, de 12/02/1901
Além da Física Industrial, estuda-se também “Eletrometalurgia”. O
emblema do engenheiro industrial era um fio metálico. O professor
40-41
o professor Paula Souza havia estudado. A escola passou por
diversas modificações curriculares. Em 1911, foi criado o curso
de engenheiro mecânico-eletricista e extinguido o curso de
engenheiros agrônomos. Com a criação do novo curso, a escola
foi ampliada com a construção do prédio “Ramos de Azevedo”,
inaugurado no mesmo ano.
O curso passou a ser apenas de engenheiros eletricistas na
reforma de 1918 e, em 1931, todos os cursos de engenharia
passaram dos seis anos para os tradicionais cinco anos de
formação. O professor Silva Telles destaca em seu livro que,
em caráter pioneiro no Brasil, a Politécnica de São Paulo teria
criado, em 1901, uma cadeira independente de eletrotécnica.
rgiram também outros cursos na área de eletricidade, como
os cursos de iluminação ministrados pelo catedrático de física
da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, o professor Dulcídio de
Almeida Pereira. O primeiro desses cursos foi em 1928, em São
Paulo, patrocinado pela General Electric. O mesmo professor,
na década de 1930, era responsável por cursos de extensão
universitária para engenheiros eletricistas, também mantidos
pela General Electric. Em 1932, é iniciada a Escola Técnica de
Eletricidade da Light do Rio de Janeiro, voltada para a formação
de profissionais de nível médio.
Muitas outras Escolas de Engenharia foram criadas no século
XIX, como a Escola de Engenharia de Pernambuco (1895),
Escola de Engenharia Mackenzie (1896), Escola de Engenharia
de Porto Alegre (1896) e Escola Politécnica da Bahia (1897), mas
eram voltadas para o ensino da engenharia civil. A engenharia
elétrica começou a integrar o currículo de mais escolas de ensino
superior a partir dos anos 1950.
Eugène Tisserandot era o catedrático de Física Industrial.
Decreto 8663, de 05/04/1911*
São criados três cursos: Civil, Industrial e Mecânico e eletricista.
Neste, passam a existir as seguintes cadeiras:
4º ano - Cadeira de Teoria da Eletrotécnica, Medidas
Elétricas e Magnéticas;
5º ano - Física Industrial, Aplicações Industriais da Eletricidade.
Decreto 11530, de 18/05/1915
Permanece o curso de Engenheiro Mecânico e Eletricista,
mas o conteúdo de eletricidade torna-se mais forte:
2ª cadeira: Física Industrial;
3ª cadeira: Eletrotécnica; Medidas elétricas e magnéticas;
Produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Decreto 16782-A, de 13/01/1925
Criado um curso exclusivamente de Engenheiro Eletricista,
mas ainda com muito conteúdo da engenharia civil.
* Há a indicação de que Edmundo França Amaral teria sido o único a fazer o curso de Mecânico
e eletricista, do Decreto de 1911, obtendo o diploma de engenheiro eletricista em 1914.
Pesquisa:
Uma breve história da engenharia elétrica, de José Roberto Cardoso
Qualidade dos cursos de engenharia, de Antonio Helio Guerra
História da engenharia no Brasil – século XX, de Pedro Carlos da Silva Telles
História da engenharia no Brasil – séculos XVI a XIX, de Pedro Carlos da Silva Telles
Festa das funções
Engenheiro x advogado
E os grandes gênios se encontram...
Sermão da montanha
E se Jesus fosse engenheiro....
Interatividade
Se você conhece alguma piada ou história divertida de engenheiro, não hesite em nos contar! Mande um e-mail para [email protected] e nos ajude a brincar
com esse profissional. Sua dica pode ser ilustrada nesta página!
Apoio
Ilustrações: Mauro Jr.
engenheiro. As histórias em quadrinhos (HQ) aqui publicadas intentam
retratar, de certa forma, a realidade desse profissional. Por isso, se você não
é engenheiro e não entender a piada, não desanime, procure o engenheiro
mais próximo e não se envergonhe de pedir uma explicação e aproveite para
conhecer um pouco mais desse universo da engenharia. Divirta-se!
descontração
Mundo HQ para engenheiro
Depois de tanta informação, dedicamos esta página à descontração do
Apoio

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