ISTOÉ Dinheiro - Revista Semanal de Negócio, Economia, Finanças

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ISTOÉ Dinheiro - Revista Semanal de Negócio, Economia, Finanças
4/11/2009
ISTOÉ Dinheiro - Revista Semanal de…
Entrevista
Carlos Ferreirinha, dono da MCF Consultoria
"Não há um boom de luxo no Brasil"
por Carlos Sambrana
Ex-presidente da Louis Vuitton no País e atualmente no comando da MCF, consultoria
especializada em gestão de empresas de luxo, Carlos Ferreirinha, 40 anos, é considerado uma
espécie de oráculo do mercado de alta renda no Brasil.
De Marc Jacobs a Rei do Mate, de Stella McCartney a Casas Bahia, mais de uma centena de
empresas já o procurou para decifrar o comportamento dos consumidores classe A. Tanto é
que, desde que fundou sua consultoria, há oito anos, treinou nove mil profissionais. Na
entrevista que segue, ele revela como os consumidores mudaram, o que as empresas estão
buscando e analisa o mercado nacional. "O que há no Brasil é uma demanda reprimida", diz
Ferreirinha. Acompanhe:
DINHEIRO - Atualmente, muitas empresas que trabalham com o público de massa estão
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usando técnicas de gestão do luxo. O que explica esse fenômeno?
FERREIRINHA - Há uma mudança profunda no comportamento de consumo das pessoas.
Para o indivíduo, não basta mais uma linguagem em cima da qualidade do produto e do
serviço. Isso virou commodity. Você olha para o lado e enxerga uma quantidade enorme de
produtos e serviços extraordinários. Existe, por exemplo, um posto de gasolina, entre Joinville e
Jaraguá do Sul, chamado Rota 66. Quando você para o carro para abastecer, vem um
indivíduo estendendo um tapete vermelho na porta do seu carro. Se você não sair do carro,
vem um outro frentista com uma bandeja te oferecendo água, chá, bolacha. Eu falo para os
executivos da TAM, que são meus clientes: "Vocês percebem que o posto de gasolina, no
interior, entre Joinville e Jaraguá do Sul, já alcançou o nível de serviço de bordo?"A equiparação
do nível dos serviços já é muito alta.
DINHEIRO - Como se diferenciar?
FERREIRINHA - Nas experiências, no diálogo
emocional, na capacidade e na habilidade do
indivíduo de estimular o outro pela observação.
Isso virou obrigação. Só que para isso você tem
que recapacitar o indivíduo para olhar para o
cliente. Ele tem que ler o consumidor não mais
por renda, mas pelo comportamento. As coisas
mudaram. Acabou essa palhaçada de fidelidade.
Isso é de uma época em que só produto fazia diferença. As marcas têm que surpreender com
algo diferenciado.
DINHEIRO - Mas o que é esse algo diferenciado?
FERREIRINHA - É conseguir surpreender acima do inesperado. Que seja um produto inovador
ou o treinamento daquele indivíduo para que ele seja capaz de observar o cliente com mais
atenção. Falo para o Michael Klein [presidente da Casas Bahia: "Você não precisa virar uma
Fast Shop, mas tem que se perguntar o que leva um indivíduo a comprar um Bentley mesmo
100 anos depois de essa marca ter sido fundada. O que leva um indivíduo a fazer fila para
comprar bolsa Hermès?" Se você entende o que está por trás disso, talvez você consiga
vender a sua televisão por R$ 2,1 mil e não por R$ 2 mil.
DINHEIRO - No caso das Casas Bahia, por exemplo, como é possível oferecer esse
serviço diferenciado sem parecer pedante?
FERREIRINHA - A primeira coisa a ser feita é desconstruir o processo levando o vendedor da
Casas Bahia a entender que ele faz o mesmo movimento de consumo aspiracional no dia a dia
dele. E, se ele tivesse a chance de estar na posição daquele cliente, ele também compraria
produtos desnecessários. Quando aquele vendedor da Casas Bahia vai vender aquela
televisão de LCD de R$ 2 mil divididos em dez parcelas, ele pode muitas vezes pensar: "Para
que uma pessoa precisa comprar uma televisão de LCD?"
Eu digo para ele: "O cliente não precisa e nem você", e ainda mostro de uma forma bem
simples que eles também fazem esses movimentos diferenciados. Nas convenções da Casas
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Bahia, pergunto: "Quem faz barba com a Gillette Mach 3?" Quase todos levantam as mãos.
Mach 3, uma gilete de R$ 22. Para que se existe uma Bic de R$ 3,50? Eles têm que entender
que o movimento de consumo é o mesmo, acontece com todos. Um dia desses, vi que o
consulado português lançou no Brasil um serviço premium. A Perdigão, isso mesmo, a
Perdigão, antes de virar a Sadigão, lançou uma campanha no mercado que virou escola dentro
da MCF. Muitos podem nem ter percebido, mas estava lá a Coleção Salaminho e Mortadela
Ouro. Coleção é termo de moda, ouro tem a ver com a joalheria, com o raro. A Perdigão
posicionou o salaminho num patamar premium!
DINHEIRO - A mudança de abordagem dos funcionários melhora as vendas das
empresas?
FERREIRINHA - É claro que sim. O tíquete médio aumenta e, mais do que isso, é bacana ver
como os funcionários também mudam e reconhecem essa diferença. Recentemente, fizemos
um treinamento com uma loja de varejo em Campinas e uma das nossas áreas era a
capacitação dos funcionários. Estava lá a dona Severina, que serve o café, e ela disse que
havia ido a uma grande loja e desistido de comprar porque chegou no lugar e o vendedor nem
olhou para ela.
Aí falei: "Dona Severina, imagine que a senhora está numa loja servindo o café e serve para
todos indiscriminadamente. Agora vamos imaginar que a Paula, a vendedora da loja, chega
para a senhora lá dentro e diz quem são as clientes para a senhora oferecer o café chamandoas pelo nome. Não muda?" Ela cristalizou aquilo de uma forma e disse que aquilo mudaria
tudo. Ela percebeu que se relacionar de forma personalizada faz toda a diferença.
DINHEIRO - Falemos agora do mercado de luxo. A que se deve as vendas de marcas
como Hermès, Mini Cooper e de outras grifes estarem além das previsões?
FERREIRINHA - Seria ingênuo da nossa parte achar que isso é uma ação isolada. Não é. O
Brasil vive um momento importante economicamente, de inclusão social, de crescimento de
riqueza. Se estivéssemos com a autoestima lá embaixo ou ferrados com a inflação, isso
certamente não estaria acontecendo. Vivemos, acima de tudo, um momento de prosperidade e
não é apenas econômica, é também uma prosperidade psicológica. O brasileiro virou
novamente fã do Brasil. Isso é um lado importante. Sou muito pragmático nisso. As pessoas
dizem que há um boom no mercado.
Não há um boom de luxo no Brasil, o que há é uma demanda reprimida de movimentos
atrasados. Eu brinco que as pessoas estão transformando o bom em boom. Pegue os maiores
grupos do mundo em gestão de luxo e veja quantas lojas cada um tem. Que marcas o LVMH
tem no Brasil? Louis Vuitton e Dior. A-ca-bou, a-ca-bou! O grupo que tem quase 40 mil
funcionários no mundo e portffólio de 60 marcas tem poucas lojas aqui. Boom é o que viveu o
Leste Europeu até o ano passado, é o que vive a China mesmo com a crise. A Louis Vuitton
tem dezenas de lojas na China e tem só cinco no Brasil. Se existisse boom aqui, ela estaria
abrindo mais 20 lojas.
DINHEIRO - Mas a Hermès, que acabou de
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ser inaugurada, está vendendo, bem acima
das previsões, bolsas que custam mais de R$
20 mil...
FERREIRINHA - A Hermès está vendendo muito
bem? Tem que vender. Eu falo para o Richard
[Richard Barczinski, diretor da Hermès no Brasil]:
"Tem que ser burro para fazer a Hermès dar
errado." Em qualquer lugar do mundo, a Hermès
é um sucesso. Ela abre no Brasil numa cultura brasileira de consumo aspiracional, desse
indivíduo que está disposto a comprar avião, helicóptero, lanchas extraordinárias. Você acha
que esse indivíduo não vai comprar uma bolsa? Esse cara, que paga US$ 5 milhões num
helicóptero, não se incomoda de pagar R$ 25 mil numa bolsa. A Hermès está para abrir no
Brasil há 15 anos e não vai vender da mesma forma como agora porque não é real. Se fosse
real, ela teria feito planejamento para ter dez pontos no País.
DINHEIRO - Na sua opinião, quais são as principais deficiências do mercado brasileiro?
FERREIRINHA - O custo Brasil é muito alto, o produto chega aqui num preço irreal e a
capilaridade disso fica comprometida. Às vezes, você tem o consumidor, mas não tem o ponto
de venda. Você quer abrir uma Vuitton ou uma Hermès, em Pernambuco, mas não tem um
shopping que possa abraçar essa marca. Não tem linguagem de comportamento, de lidar com
um investidor ou um operador como esse que demanda coisas diferenciadas. O grupo
Multiplan [dono do Barra Shopping, do Morumbi Shopping, do BH Shopping], por exemplo, é o
melhor operador do Brasil, mas não consegue lidar com marcas premium. O Multiplan ainda
tem todos os operadores numa grande cesta. É preciso entender que algumas marcas exigem
e demandam tratamentos diferentes.
DINHEIRO - Isso quer dizer privilégios?
FERREIRINHA - Não digo privilégios, mas condições diferenciadas. Quando você coloca uma
Salvatore Ferragamo dentro do seu shopping, você imediatamente atrai algumas empresas
que querem estar dentro do seu shopping porque você tem até Ferragamo. Essas grifes
entregam tráfego, tíquete médio diferenciado, consumidor diferenciado. É uma contrapartida
muito alta.
DINHEIRO - Quais são as características do consumidor brasileiro?
FERREIRINHA - É impulsivo. Não sabe lidar com renda discricionária, ele gasta no cartão de
crédito o que não pode. Paga o mínimo do cartão dois anos depois que fez a compra. Estoura
o limite do cheque especial, liga para o gerente e pede para estender o crédito. Temos que
considerar também que o brasileiro não entende que uma bolsa custa R$ 10 mil.
Culturalmente, na cabeça daquele indivíduo, aquela bolsa custa dez prestações de R$ 1 mil. O
brasileiro tem um viés de consumo americano, mas gosta de achar que é europeu. O brasileiro
não admite que o produto que está nas vitrines de Paris não esteja aqui. Os outros países da
América Latina trabalham com coleções passadas. O Brasil, esse país megatropical, compra a
coleção de inverno em pleno verão porque é a que está sendo vendida lá fora. O brasileiro é
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novidadeiro.
DINHEIRO - O brasileiro compra o rótulo ou o produto?
FERREIRINHA - Ainda compra a marca. Mas estamos numa primeira fase de educação. Há
17 anos, o brasileiro via no Lada, um carro da Rússia, de neve, cafona, medonho, o modelo
mais incrível que existia. Assim éramos nós há 17 anos. Hoje, gostamos de Mini Cooper, de
smart, de Vuitton, de Hermès.
DINHEIRO - Mas ao mesmo tempo que compra esses produtos, o brasileiro tem
vergonha de dizer que ganhou dinheiro. O que acontece?
FERREIRINHA - Acho que é um problema de autoestima. Nossa colonização foi exploratória. É
intrínseco no Brasil ter a observação de que, quando o outro está se dando bem, é porque ele
roubou ou sacaneou alguém. O Brasil também sempre foi uma das maiores sociedades
católicas do mundo, tem a questão da culpa, do pecado, do dinheiro maculado. Por isso que eu
acho que o Eike Batista é uma figura que tem uma função mercadológica brutal porque ele tem
coragem de dizer o que ele fez, o que conquistou, o que comprou. Isso é fundamental numa
educação de longo prazo.
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