monografia de conclusao de curso de licenciatura em
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monografia de conclusao de curso de licenciatura em
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA LISANDRA INVERNIZZI EDUCAÇÃO FÍSICA NA CLASSE HOSPITALAR: Subsídios para a construção de uma perspectiva educacional nas séries iniciais FLORIANÓPOLIS 2005 LISANDRA INVERNIZZI EDUCAÇÃO FÍSICA NA CLASSE HOSPITALAR: Subsídios para a construção de uma perspectiva educacional nas séries iniciais Monografia Apresentada ao Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado em Educação Física. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Fernadez Vaz FLORIANÓPOLIS 2005 Não se pode ensinar coisa alguma a alguém, pode-se apenas auxiliar a descobrir por si mesmo. (GALILEU) iv Esta monografia é dedicada com carinho ao meu namorado, à minha família, em especial à Minha mãe e ao querido professor Alexandre Fernandez Vaz. v AGRADECIMENTOS Dentre as tantas pessoas que devo agradecer gostaria de explicitar que todas elas foram de suma importância para a conclusão do curso e que cada uma contribuiu para a elaboração deste trabalho monográfico. Agradeço primeiramente à pessoa que tornou possível meu ingresso e permanência na faculdade. Minha mãe foi e é a pessoa mais importante e que agradeço pelo estímulo, motivação e pelos tantos ensinamentos que me deu ao longo da vida. O mais sábio e precioso e que guardarei para sempre é “jamais desista minha filha, você vai conseguir”. Neste mesmo sentido agradeço muito à minha querida Nôna que esteve comigo em todos os momentos e me ensinou a ter paciência e fez com que eu me sentisse uma pessoa muito especial. Minha Nôna é a única pessoa que me entende...Eu amo vocês duas! Ao longo do curso conheci pessoas legais que me incentivaram e tornaram as aulas mais agradáveis. Meus colegas de curso colaboraram muito durante minha formação, seja pelas brincadeiras, seja pela inteligência que apresentavam nas aulas. Agradeço em especial ao Doidão, Marquito, PatiLú, Gabi, Paula, Maria, Priscilla e Renata. Renata mostrou-se ao longo do curso uma amiga fiel e companheira, sendo que nos momentos que mais precisei estava lá ao meu lado. Formamos uma bela dupla durante toda a faculdade, como colegas de turma e como colegas no PET, uma dupla dinâmica de migués e enroleixans sempre baseadas em um fundo de verdade bastante subjetivo. Obrigada Migues !!! Aos meus colegas de PET que me agüentaram durante todo este tempo nos momentos de mau humor e tristes que passei. Por terem tentado me alegrar e por me ensinarem a conviver e trabalhar em grupo. Ao querido tutor Giovani por todo o apoio e várias dicas que recebi desde a primeira fase. Agradeço também a Sesu por ter pago a bolsa de tutores que renderam vários churrascos e cafés e também ao pagamento, mesmo que atrasado, das bolsas dos petianos. Afinal, antes tarde do que nunca!!! Agradeço à Professora Marize por ter acreditado em mim e oportunizado a experiência de trabalhar no Projeto de Atividades Físicas e Danças folclóricas para a Terceira idade. A todos que foram meus alunos durante os 3 anos e meio que dei aula, especialmente para as turmas 12ª e 12b da ACOJAR- Santa Mônica. Ao João Carlos e Valquíria por terem me recebido de braços abertos e pelo carinho e dedicação. Também agradeço muito ao Walmir e a Lúcia pela acolhida, por todo auxílio, preocupação e zelo. Ainda, Dona Lúcia, Margareth, Nilton, Lúcio e Maria do Carmo pela amizade e pelos conselhos. Estas pessoas me oportunizaram uma nova forma de viver e uma vi nova maneira de ver o mundo. Jamais esquecerei de vocês!!!!! Em especial agradeço ao meu grande amor Tito que acompanhou os 3 últimos anos do curso. O primeiro ano de faculdade, quando ainda não o conhecia, foi um suplício, mas após ter ele ao meu lado o curso ficou “fichinha”. Obrigada meu amor por ter me dado todo o seu amor, carinho, compreensão, atenção e por ter se dado para mim. Este trabalho com certeza é seu também. Eu te amo Miumiu!!! Não poderia esquecer de agradecer a todas aquelas pessoas que torceram contra mim, que achavam que iria desistir e que não acreditavam em mim. Essa é pra vocês... Não preciso falar mais nada né!!! Obrigada, vocês focaram minha motivação!!! Ao meu orientador Prof Alexandre por ter acreditado em mim, pela compreensão, cobrança, amizade e dedicação. Obrigada pela confiança, fostes um verdadeiro e excelente orientador, motivo de muito orgulho para mim. Agradeço às minhas amigas Fran e Patty que participaram diretamente na fase mais importante da pesquisa. Espero que tenha auxiliado como monitora da mesma forma que auxiliaram na monografia. Sem vocês este trabalho com certeza não seria o mesmo. Muito do gosto que tenho pela Classe Hospitalar se deve à professora Tânia, por isso, sou grata pelo grande auxilio durante os dois semestres de estágio e na pesquisa de campo realizada nesta monografia. Muito obrigada pelas dicas, conversas, apoio, incentivo e, principalmente, pelo exemplo. Por fim, à toda a minha família, Deus, amigos de Bento, de Floripa, meu papagaio, familiares do meu amor e a todas as pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram ou não atrapalharam para que esta formatura fosse possível. Do fundo do coração, obrigada! vii RESUMO A Educação Física é uma disciplina curricular que contempla conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito do movimento e do corpo. Esta condição se estende também para o ensino em classes hospitalares. Estas são destinadas ao atendimento pedagógico a crianças e jovens internados e com isto impedidas de freqüentar escolas regulares. Em função da inserção da Educação Física ser recente nesses ambientes, coloca-se a necessidade de formular propostas e aprofundar conhecimentos teóricos e metodológicos visando dar continuidade ao processo de desenvolvimento de crianças e jovens hospitalizados. Com o presente trabalho, propomos desenvolver uma sistematização de subsídios para um conjunto de temáticas a serem trabalhadas na Educação Física Escolar. Para tal, realizamos uma pesquisa de caráter experimental na classe hospitalar que funcional no Hospital Infantil Joana de Gusmão. Para experimentar a proposta metodológica, sistematizamos alguns elementos balizadores que consideramos essenciais para o desenvolvimento das aulas em tal ambiente. Dentre eles, uma seqüência de ações organizadas em etapas que organizam as aulas e os temas propostos: Ginástica Geral, Jogos e Brincadeiras Tradicionais e Atividades Rítmicas e Expressivas. As intervenções aconteceram em um período de seis semanas, sendo que cada temática, exceto a inicial no primeiro ciclo, foi desenvolvida em duas aulas semanais, cada qual com hora e meia, caracterizando o que denominamos Temática. A metodologia é caracterizada por uma organização cíclica, na qual cada um dos três grandes temas propostos foi abordado durante uma semana, de forma seriada, retornando-se, em seguida, para a temática inicial. Nossa experiência prévia na classe hospitalar mostra que as principais dificuldades se referem ao peso dado à doença, às diferentes condições de saúde dos alunos, à rotatividade da turma, à legitimidade da Educação Física, à dispersão nas aulas, ao caráter multi-seriada, ao atendimento no leito, entre outros. A pesquisa foi vinculada ao estágio supervisionado em Educação Física e as foram ministradas por duas alunas do curso de Educação Física. A coleta de dados foi realizada ao longo do planejamento, docência e avaliação das aulas, que foram observadas e registradas em caderno de campo. Analisadas por meio de categorias que cruzaram os objetivos da pesquisa e as expressões próprias do objeto, as questões centrais que nortearam as reflexões se referem à: a) participação e inclusão, b) diferenças nos tempos de ensino e aprendizagem, c) importância dos conhecimentos prévios das crianças e a organização das aulas e d) saúde e participação. As principais limitações para a realização desta pesquisa se deram em função do não acesso aos prontuários dos pacientes, a recente inserção da Educação Física em ambientes hospitalares e, conseqüentemente, à escassez de referencial bibliográfico sobre o tema, e por fim, considerado primordial, a necessidade de encerrarmos em seis semanas dado o prazo de entrega deste trabalho. Concluindo, analisamos organização das atividades em ciclos temáticos como positiva, tendo em vista o bom andamento das aulas. Dentre as sugestões propomos ao professor que desejar atuar em Classes Hospitalares que tenha conhecimentos referentes aos procedimentos médicos em sua formação. Palavras - chaves: Classe Hospitalar; Metodologia de Ensino; Conteúdos. viii SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................1 1.1 APRESENTANDO O HOSPITAL E A CLASSE ......................................................................................................3 2. EDUCAÇÃO FÍSICA NA CLASSE HOSPITALAR: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA .... 7 2.1 PRÁTICA DE ENSINO I: PRIMEIROS PASSOS ....................................................................................................7 2.2 PRÁTICA DE ENSINO II: UM PASSO A MAIS ....................................................................................................12 2.2.1 “Inversão de poderes”....................................................................................................................... 14 2.2.2 Saúde e estética................................................................................................................................ 15 2.2.3 “Tempo da atividade X tempo da criança”..................................................................................... 16 2.3 Principais entraves encontrados......................................................................................................... 18 3. ALGUMAS ABORDAGENS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS SÉRIES INICIAIS......................................................................................................... 23 3.1 3.2 3.3 3.4 Parâmetros Curriculares Nacionais....................................................................................................... 23 Abordagem Desenvolvimentista ............................................................................................................ 24 Concepção de Aulas Abertas a Experiências (Hildebrandt & Laging) ............................................. 25 Concepção Crítico-Superadora.............................................................................................................. 26 4. METODOLOGIA............................................................................................................ 27 5. ELEMENTOS TEÓRICOS METODOLÓGICOS ............................................................ 28 6. PROSPOSTAS TEMÁTICAS ........................................................................................ 34 6.1 JOGOS E BRINCADEIRAS TRADICIONAIS .......................................................................................................34 6.2 GINÁSTICA GERAL .........................................................................................................................................36 6.3 ATIVIDADES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS ........................................................................................................38 7. ANÁLISE DA PESQUISA DE CAMPO.......................................................................... 40 7.1 7.2 7.3 7.4 PARTICIPAÇÃO E INCLUSÃO ..........................................................................................................................41 DIFERENÇAS NOS TEMPOS DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM ......................................................................45 O CONHECIMENTO PRÉVIO DAS CRIANÇAS E A ORGANIZAÇÃO DAS AULAS .................................................47 SAÚDE E PARTICIPAÇÃO ...............................................................................................................................51 CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS .................................................................................... 55 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 59 ANEXOS .............................................................................................................................. 63 ix 1 1. INTRODUÇÃO As Classes Hospitalares são ambientes educacionais destinadas ao atendimento pedagógico a crianças e jovens internados e, com isto, impedidos de freqüentar escolas regulares. No Brasil, surgiram com o intuito de dar continuidade à escolarização de crianças hospitalizadas, independente do tempo de internação (FONSECA, 2003). Pesquisadores da área educacional e da saúde investigaram as Classes Hospitalares em estudos que enfocam diversas relações entre os problemas da hospitalização e da infância. Ceccim e Fonseca (1999) pesquisaram os aspectos emocionais e o desenvolvimento da criança hospitalizada que freqüenta a Classe Hospitalar com a finalidade de testar a hipótese de uma relação significativa entre o atendimento pedagógico-educacional proporcionado às crianças hospitalizadas e a recuperação de seu estado de saúde. Linhares e Minardi (1999) se dedicaram às atividades psicopedagógicas coletivas de crianças hospitalizadas, verificando que as crianças demonstram participação e envolvimento ativo, disciplina, disposição e dinamismo nas atividades propostas, apesar de estarem doentes e de serem freqüentemente submetidas a procedimentos médicos. Outros estudos enfocam também a questão do professor que atua no ambiente hospitalar. França (1999) discute o papel do professor que trabalha na classe como mediador do processo de promoção de educação neste espaço junto aos pacientes da Rede Sarah de Hospitais. Sherlock (1988) estudou a importância de atividades recreativas para a criança hospitalizada e Gonçalves e Bresan (1999) verificaram os diferentes aspectos de atuação do pedagogo em ambiente hospitalar. Desde 2003, Núcleo de Estudos e Pesquisas Processos de Escolarização em Ambientes Hospitalares desenvolve uma pesquisa na classe que funciona junto ao Hospital infantil Joana de Gusmão (HIJG). Intitulada “Convergindo olhares para alunos hospitalizados: conteúdos, metodologias e práticas”, esta proposta de pesquisa está voltada para o estudo e proposição de metodologias para classes hospitalares de 5ª a 8ª série em várias disciplinas do conhecimento. Fruto desta pesquisa, em 2005 foi publicado um artigo1 que aponta alguns resultados de uma investigação que buscou alternativas social e pedagogicamente relevante para o ensino de Educação Física em Classe Hospitalar. Mesmo com tais estudos, as pesquisas ainda carecem de subsídios para a formulação de diretrizes curriculares e metodologias de ensino-aprendizagem a serem desenvolvidas junto 1 VAZ, A. F. ; VIEIRA, Carmen Lúcia Nunes ; GONÇALVES, Michelle Carreirão . Educação do corpo e seus limites: possibilidades para a Educação Física na classe hospitalar. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 71-87, 2005. 2 às crianças e adolescentes que se encontram em situação particularmente desafiadora. Há a necessidade de fornecer suporte pedagógico para a estruturação de um currículo que atenda às crianças e jovens com diferentes tipos de problemas de saúde e que, por isso, têm permanência curta, média ou de longa duração nas instituições hospitalares. Quando nos deparamos com a situação de ministrar aulas de Educação Física para crianças hospitalizadas, além de ser a primeira inserção da prática de ensino em educação Física Escolar na classe de 1ªa 4ª série do HIJG, percebemos a escassez de pesquisas que fornecessem embasamento teórico na tentativa de responder a seguinte questão: Como ministrar aulas de Educação Física para esta turma com características peculiares, como heterogeneidade, rotatividade, não obrigatoriedade de participação, limitações físicas e outras tantas que podem estar implícitas? O estágio de dois semestres na Classe Hospitalar de 1a a 4a série nos forneceu alguns achados que mereceram maiores reflexões. Neste momento, havia a necessidade de formularmos propostas e aprofundarmos conhecimentos teóricos e metodológicos, ou seja, avançarmos em relação ao que já foi feito, elaborando algo com maior profundidade e que fornecesse subsídios para uma melhor compreensão sobre as Classes Hospitalares. A Educação Física é uma disciplina curricular que contempla conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito do movimento e do corpo. Esta condição se estende também para o ensino em classes hospitalares. Em função da inserção da Educação Física ser recente nesses ambientes, coloca-se a necessidade de formular propostas e aprofundar conhecimentos teóricos e metodológicos visando dar continuidade ao processo de desenvolvimento de crianças e jovens hospitalizados. Com o presente trabalho, visamos avançar no desenvolvimento de uma sistematização de subsídios para a organização pedagógica e para um conjunto de temáticas a serem trabalhadas na Educação Física Escolar. Para tal, realizamos uma pesquisa experimental na Classe Hospitalar que funciona no HIJG. O relatório de pesquisa que segue está desenvolvido em partes. Na continuidade desta introdução faremos a explanação sobre o hospital e a classe, abordando aspectos legais, de regulamentação e também apresentando o campo da pesquisa. No segundo momento, trataremos de relatar a experiência dos dois semestres de estágio2 no qual expomos os principais entraves e problemáticas com os quais nos deparamos durante o referido período. Mantivemos, em grande medida, a linguagem e as análises de então (2004.1 e 2004.2), tentando mostrá-las fiéis à hora histórica. A seguir, consideramos, resumidamente, algumas 2 Estágio obrigatório realizado na Disciplina de prática de ensino do curso de Educação Física I e II da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 3 abordagens pedagógicas da Educação Física que nos referenciam no estudo. Com base nas experiências anteriores de estágio supervisionado, apresentamos os elementos teóricos e metodológicos que nos propusemos a experimentar na classe. Por último, analisamos os relatórios das aulas, elencando as principais categorias encontradas e analisamos a proposta metodológica elaborada por nós. 1.1 Apresentando o hospital e a classe A legislação brasileira reconhece o direito de crianças e jovens hospitalizados ao atendimento pedagógico-educacional. A modalidade de atendimento denominada Classe Hospitalar, prevista pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1994 na Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEESP, 1994), propõe que a educação em hospital seja realizada por meio da organização de classes hospitalares, devendo-se assegurar oferta educacional não só aos pequenos pacientes com transtornos do desenvolvimento, mas, também, às crianças e adolescentes em situações de risco, como é o caso da internação hospitalar (FONSECA, 2003). A Secretaria de Educação Especial define como Classe Hospitalar o atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambientes de tratamento de saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecido, no atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental. No Brasil, a legislação reconheceu no Estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado, por meio da Resolução3 nº 41 de outubro de 1995, no item 9, o “Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar”. Em 2002 o Ministério da Educação, por meio de sua Secretaria de Educação Especial, elaborou um documento de estratégias e orientações para o atendimento nas classes hospitalares e Atendimento Domiciliar, assegurando o acesso à educação básica. Segundo tal documento, estas modalidades: Tem por objetivo informar aos sistemas de ensino e saúde os direitos educacionais dos alunos em situação especial. Oferecer subsídios para a organização de serviços pedagógicos em ambiente hospitalar e domiciliar, assim como fundamentar a atuação do professor que trabalha com crianças e jovens matriculados ou não no sistema de ensino, quando se encontrarem impossibilitados de freqüentar a escola. (CLASSE HOSPITALAR E ATENDIMENTO PEDAGÓGICO DOMICILIAR: Estratégias e orientações, 2002) 3 A Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados decorreu de formulação da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a chancela do Ministério da Justiça em 1995. 4 O prenúncio da hospitalização da criança representa a admissão em relação à gravidade da doença pelos familiares, sendo, na maior parte dos casos, acompanhada de inseguranças, incertezas, medo e angústia nos primeiros momentos. Em meio a tantas preocupações frente aos problemas relativos à saúde física da criança, os pais geralmente se esquecem dos aspectos escolares ou os relegam a um segundo plano (GONÇALVES; VALLE, 1999). Apesar disto, se faz necessário apreender a importância da continuidade nos estudos, ainda que em fase de tratamento médico. Mesmo doente é importante que a criança se sinta ativa, em desenvolvimento e com atividades semelhantes às demais crianças da sua idade. O fato de que a criança ou jovem, mesmo hospitalizado, tenha sua escolaridade continuada torna-se importante para a visão que ela ou ele tem de si, da sua doença, de seu desempenho escolar e de seu papel social. A Classe Hospitalar ratifica seu direito à cidadania. A educação em hospital pauta-se pelo respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana e no especial direito das crianças e adolescentes à proteção integral. (CECCIM; FONSECA, 1999, p. 34) Em função de escola ser considerada um lugar no qual a criança, além de aprender habilidades escolares, desenvolve e estabelece elos sociais diversos, afastar-se desse espaço de vivências é árduo para a criança ou adolescente hospitalizado. Segundo Ceccim e Carvalho (1997, p. 31-32) "(...) para todas as crianças em nossa sociedade, a escola é um espaço social, de vida. A manutenção desse espaço é uma necessidade para a criança." Enquanto hospitalizada, se for oportunizada a possibilidade de continuidade de escolarização, ela contará com uma importante e positiva interferência na percepção que possa ter de si mesma, de sua doença, de seu desempenho escolar e de seu papel social (CECCIM, 1999). Ao ser afastada de seu meio familiar, escolar e social para um tratamento de saúde, no caso, a hospitalização, a criança vivencia situações invasivas e dolorosas. Nesse sentido, a pedagogia hospitalar lhe propicia uma aproximação com este cotidiano temporariamente distante, onde a professora pode representar o elo de ligação entre o hospital e o mundo externo. Na classe a criança pode encontrar com outros colegas, formar grupo, fazer trocas, explorar o seu potencial por meio dos conteúdos escolares que lhe são proporcionados. Apesar de não apresentar as mesmas características de estrutura física, rotina e turma de uma escola regular, a Classe Hospitalar procura resgatar a dinâmica escolar por meio dos conteúdos programáticos e da sistematização da aprendizagem, promovendo um espaço de interação, desafiando e estimulando o aluno a solucionar problemas, desenvolver o raciocínio, pensar criticamente, dentre outras particularidades educacionais. 5 Em Santa Catarina4, a Secretaria Estadual de Educação e Desporto (SED) baixou Portaria que “Dispõe sobre a implantação de atendimento educacional na Classe Hospitalar para crianças e adolescentes matriculados na Pré-Escola e no Ensino Fundamental, internados em hospitais”. (Portaria nº 30, SED, de 05/03/2001). A partir de um convênio entre o HIJG e das Secretarias de Educação e de Saúde do Estado de Santa Catarina, em agosto de 1999 foi implementada uma Classe Hospitalar vinculada à escola Estadual Padre Anchieta5. A classe destina-se ao atendimento de crianças da educação infantil, de primeira à quarta série e quinta à oitava séries, procedentes de todo o estado de Santa Catarina e até mesmo de fora deste, e que estão no hospital em razão das mais diversas enfermidades. A educação de primeira à quarta série, objeto de estudo deste trabalho, funciona de forma multisseriada, ou seja, atende alunos de diferentes séries na mesma turma, dispõe de duas professoras para seu funcionamento e organização, sendo que uma delas atua em sala de aula e outra atende crianças no leito6, pois estão impossibilitadas de dirigirem-se até a classe. Para cada aluno que freqüenta a classe é efetuado um cadastro com os dados pessoais, de hospitalização e da escola de origem. Ao término de cada aula a professora registra nesta ficha os conteúdos que foram trabalhados e outras informações pertinentes. Para o aluno que freqüenta a classe por três dias ou mais, é necessário que se contate (via telefone) sua escola de origem, comunicando da sua participação na classe e também com o intuito de obter informações referentes aos conteúdos que estão sendo trabalhados naquele momento em sua turma. Ao receber alta hospitalar, é enviado o relatório descritivo7 das atividades realizadas, bem como do seu desempenho, posturas adotadas e dificuldades apresentadas. Em relação ao espaço físico, o hospital possui atualmente uma área de 22.000 m²; conta com 147 leitos ativos dividindo-se nas unidades de internação especializadas em Cardiologia, Desnutrição, Cirurgia (Plástica, Oftalmologia, Pediátrica Geral, Ortopedia, Otorrinolaringologia, Urologia), Gastroenterologia, Nefrologia, Neurocirurgia, Neurologia, Oncologia, Queimadura, Pneumologia, Terapia Intensiva Geral e Neonatal, Neonatologia e Isolamento. No segundo piso do hospital, em uma área em que a circulação de pessoas é restrita, 4 Os dados apresentados no I Encontro Nacional sobre Atendimento Pedagógico-Hospitalar realizado no Rio de Janeiro em julho de 2000, apontam 64 classes hospitalares existentes em 15 unidades federadas. Aproveitando os dados deste evento, a escola hospitalar da UERJ iniciou uma pesquisa de atualização, enviando para os participantes, e disponibilizando on-line, um questionário a ser respondido e remetido para a instituição. Segundo a última atualização, em dezembro de 2003, havia 85 classes hospitalares distribuídas por 14 estados e no Distrito Federal 5 Para ser reconhecida, necessariamente, a Classe Hospitalar deve estar vinculada à uma escola regular de ensino, sendo dela uma extensão. 6 Atendimento pedagógico realizado no quarto que a criança está internada. Quem realiza é uma professora específica que permanece de 30 a 45 min em cada leito. 7 Para que este seja legitimado, são necessários o carimbo e assinatura do diretor da EEB. Pe. Anchieta. 6 porém de fácil acesso às unidades de internação, está localizada uma sala de aula com uma área de 36,27 m², destinada à classe de 1ª à 4ª séries. O ambiente está de acordo com as normas da Comissão de Infecção Hospitalar8 e foi adaptado para a circulação de cadeiras de roda e macas. Está organizada em espaços que possam atender o ensino fundamental e a educação de quatro a seis anos, sendo equipada com um computador, quadro branco preso à parede, estante de livros infantis (com altura que permite às crianças a manipulação sem o auxílio das professoras), estante de jogos e brinquedos, mesas e cadeiras escolares de dois tamanhos diferentes, colchões com almofadas, além de duas estantes destinadas às professoras, com materiais didáticos e pedagógicos. Além disto, possui aparelho de som, vídeo e televisão, bebedouro e um telefone para comunicação com o setor de enfermagem das unidades onde as crianças estão internadas. 8 As normas estão disponíveis no site http://www.saude.sc.gov.br/hijg/Servicos/CCIH.htm 7 2. EDUCAÇÃO FÍSICA NA CLASSE HOSPITALAR: um relato de experiência9 O curso de Licenciatura em Educação Física da UFSC prevê em seu currículo dois semestres de estágio supervisionado. O acadêmico opta por estagiar em uma escola da rede pública, escolas rurais ligadas ao movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) 10 ou Classe Hospitalar e, em seguida, forma uma dupla ou trio com colegas da disciplina. Dentre estas possibilidades, as colegas Danielle Torri, Renata Barcelos Chaves e eu formamos um grupo e optamos pelo desafio de estagiarmos no campo que então considerávamos gerador de boas reflexões: a Classe Hospitalar. Matriculadas na disciplina de Prática de Ensino em Educação Física I (2004.1), meu trio estava incumbido então de observar para em seguida intervir na classe hospitalar de 1ª à 4ª séries, ministrando aulas referentes à disciplina de Educação Física. 2.1 Prática de ensino I: primeiros passos A Educação Física é parte integrante dos currículos escolares do ensino fundamental. Como é importante que a criança não se afaste da vida e dos conteúdos escolares, ao ser privada da Educação Física poderia estar perdendo conteúdos relevantes para sua formação. A intervenção prática seguiu nesta direção, auxiliando para que a escolarização das crianças não ficasse de forma alguma prejudicada. No primeiro semestre de intervenção junto à classe de 1ª a 4ª séries do Hospital Infantil Joana de Gusmão, meu grupo optou em estruturar as aulas em forma de “oficinas”11. A cada semana uma temática era apresentada e desenvolvida nas duas aulas12 destinadas à Educação Física. Com esta proposta pretendíamos dar certa continuidade nas aulas, ou seja, que os dois encontros semanais tivessem os conteúdos relacionados, com uma aula sendo a continuação da outra, já que, como se descreve a seguir, a seqüência dos conteúdos foi uma das principais problemáticas enfrentadas. Tendo em vista que na classe não são previsíveis quantos e nem quais os alunos que estarão presentes, visto que aos alunos a presença é facultativa e também pela rotatividade de altas e internações, optamos preferencialmente para que as aulas tivessem um fim em si mesmas, porém não dispensando a relação que deveria existir entre elas. A cada intervenção deveria ser proporcionado ao aluno um fechamento para que não restassem muitas dúvidas e 9 As questões apresentadas neste relato dizem respeito também à autoria das colegas que integraram os grupos que fiz parte nos estágios curriculares. 10 Em assentamento situado na cidade de Fraiburgo no interior de Santa Catarina. 11 Uma oficina compreendia as duas aulas da semana. 12 As aulas aconteceram nas segundas, quartas e sextas-feiras, no horário das 13 horas e 30 minutos até as 15 horas. 8 questionamentos pendentes sobre o conteúdo. Isto quer dizer que a aula deveria ter um fim, mas não completo, ou seja, havendo um fechamento do conteúdo, porém com a expectativa de continuação. As atividades desenvolveram-se em quatro oficinas temáticas, organizadas em unidades13 de ensino, que totalizaram onze aulas. A unidade de ensino I compreendia a ginástica escolar, mais propriamente a Ginástica Rítmica Desportiva, conteúdo que, por ser menos divulgado, acreditávamos proporcionar para as crianças um conhecimento maior sobre esportes menos conhecidos do que os populares. Era importante, ainda, pela variedade de implementos e beleza nos gestos desenvolvidos. Devido à grande variedade de movimentação que a Ginástica propicia, compreendemos que neste ambiente seria relevante desenvolvermos atividades deste tipo, visto que lá as realizações de movimentos são podadas, pelas recomendações médicas ou pelo próprio senso comum, na crença de que estas crianças não deveriam ou não poderiam se cansar, como se todo o movimento fosse extenuante. Tendo como foco esta temática, foram desenvolvidas quatro aulas. As duas primeiras transcorreram bem, com as atividades planejadas sendo desenvolvidas com a participação dos alunos. As duas últimas aulas nos apresentaram situações em que os alunos não estavam motivados e as atividades que sofreram interferência da professora no seu decorrer, constituindo assim, as primeiras problemáticas que deveríamos enfrentar. O trecho abaixo extraído do relatório da terceira aula mostra a questão: “Além do fato de ter poucos alunos ainda tinha o caso do menino que não estava com muita vontade de participar. Neste momento percebi e senti literalmente na pele o quanto seria difícil ministrar a aula na Classe Hospitalar. Senti dificuldade em lidar com alunos com grau de motivação que ia um em cada extremo (...).” O fato é que a motivação dos alunos para a participação na aula, de certa forma, é afetada pelo ambiente em que estão, que também é influenciado pela condição da doença e suas representações, já que estar internado em um hospital não é nada agradável. É possível em um passeio rápido pelos corredores encontrar semblantes tristonhos e abatidos, assim a criança, além de estar doente, deve lidar com a situação de conviver com a amargura explícita nos rostos das demais pessoas que freqüentam o hospital. Outra problemática enfrentada foi a interferência da professora da classe várias vezes nas atividades durante a aula, dada a dispersão e super atividade da turma. Interferiu algumas 13 Unidades foi o termo utilizado na ocasião para designar cada oficina e respectivo tema. 9 vezes para restabelecer a ordem e outras vezes para fazer perguntas educativas referentes ao tema da aula. Considerei importante a interferência da professora da classe, pois a experiência que ela possui permitia que soubéssemos com maior nitidez qual é o momento ideal de interferir e como deve ser o trabalho pedagógico na Classe Hospitalar. As intervenções dela só acrescentaram para o bom desenvolvimento da aula e contribuíram para a formação acadêmica do grupo, tendo em vista nosso constante processo de aprendizado. Por outro lado, em alguns momentos parecíamos não ter autonomia para direcionar a aula, tanto quando estivesse transcorrendo bem, ou quando estávamos nos distanciando do idealizado. De certa forma, quando há uma interferência externa não planejada, isto influi no direcionamento da aula, pois fica confuso prever como a atividade que sofreu interposição terminaria ou como nos sairíamos daquela situação. Outro aspecto importante é o fato de perdermos a autoridade perante a turma, já que naquelas ocasiões, assim como eles, obedecíamos às orientações da professora. Pode ser que, desta forma, quando os alunos estivessem perante estagiários atuando como professores, não os valorizassem e respeitassem como tais. Acredito que esta questão é um tanto quanto complexa e merecedora de melhores reflexões em outra oportunidade. Eis aqui um problema de autoridade e sua distribuição na dinâmica da prática pedagógica. Ao término desta unidade de ensino foi possível perceber o grau de dificuldade em seguir o planejamento, fato este que comprova a necessidade da flexibilidade na sua elaboração, ficando claro que deve estar repleto de atividades “coringa”. Realizada em três aulas, a unidade de ensino II compreendia o tema das formas em geral. A variedade de formatos existentes e a complexidade destes instigaram-nos a desenvolver atividades sobre este tema, para que os alunos conhecessem, reconhecessem e que fosse possível atribuírem sentidos e significados para as mais diferentes formas. O escopo das atividades nesta oficina era proporcionar meios para que os alunos soubessem distinguir as formas concretas, compreendidas por nós como aquelas que podem ser vistas e tocadas naquele momento, das abstratas, entendidas como as que são criadas na imaginação e não podem ser tocadas, apenas significadas e desenhadas. Ao se tratar de concretas, nosso intuito principal estava no fato de os alunos reconhecerem a diversidade encontrada no cotidiano delas e, com as abstratas, que imaginassem o que não podem ver, atribuindo significados para as formas que elas mesmas podem criar. A partir desta temática surgiu o fato gerador de maiores reflexões nas intervenções, a fala de um aluno, descrita no relatório da primeira aula da seguinte forma: 10 (...) “aquilo não parecia atividades e nem aula de Educação Física e sim parecia uma aula de ciências.” Esta colocação refletiu a imagem de alguns alunos de que uma aula de Educação Física é aquela que tem movimento. Acreditamos que esta idéia não seja totalmente incorreta, pois se o foco principal da Educação Física é o movimento, nesta aula o corpo deve, em princípio, movimentar-se. A Educação Física, no entanto, não pode ser só isso, mas são questões que nos alertam para seguir pensando em uma que supere a concepção de que é ela apenas movimento. Esta problemática põe em xeque a legitimidade da Educação Física. Uma disciplina que por muito tempo foi sinônimo de “atividade” sofre, ainda hoje, os efeitos dessa prática. O senso comum compreende-a com a visão de uma prática isolada que deve se preocupar com a preparação para a prática desportiva institucionalizada. Entendê-la e trabalhá-la no sistema educacional de forma diferenciada e com vistas à preparação dos alunos de forma a lhes possibilitar autonomia frente ao mundo motor, entendida como liberdade de escolha e significado perante a diversidade de movimentos existentes, deve se constituir a busca constante dos profissionais da área14. Na terceira aula desta unidade, quando estava visitando as crianças no leito, uma menina que havia participado de uma aula anterior, ao me ver apontou o dedo e falou: “olha mãe, foi ela que me ensinou a fazer a fita!”. Neste instante “A mãe dela falou que desde aquela aula a menina vivia falando da fita e também brincando com ela.” 15 Esta lembrança da menina reflete que às vezes uma atividade por mais banal e simples que pareça, para uma criança (para um ser humano) pode representar muito, pois por meio do significado que ela dá para a ação, estabelece sentido e torna suas atitudes e entendimentos significativos. Percebe-se aqui a importância da seleção das atividades, o professor deve estar sempre consciente quanto à proposta e objetivos, pois através de estímulos estruturados e adequados, a intervenção torna-se mais objetiva, precisa e coerente com as possibilidade e limitações, sempre tendo em vista os objetivos presentes no planejamento inicial. Percebendo a necessidade de uma integração entre o planejamento das professoras da classe e o de estágio, optamos pelo tema “Festas Juninas” na unidade de ensino III, já que este compreende conhecimentos culturais sobre história, tradições, danças folclóricas, dentre outros. Na essência deste tema pretendíamos enfatizar as danças, visto que estas fazem parte dos 14 Tal busca e conquista deve levar em consideração uma série de etapas, a começar pelo respeito ao entendimento do processo histórico percorrido pela Educação Física Escolar. Isso quer dizer ter respeito às pessoas que não conseguem visualizar que a Educação Física possa ser muito mais do que prática pela prática e a vivência motora apenas para o momento da aula. 15 As falas em questão se tratam de extratos dos relatórios elaborados na época. 11 conteúdos trabalhados nas aulas de Educação Física. Nas três aulas desta unidade de ensino nos defrontamos mais uma vez com a problemática da dispersão da turma e com o questionamento de um aluno quanto ao conteúdo desenvolvido nas atividades da aula. A dispersão deu-se em função de as crianças ao chegarem à classe antes do horário de início da aula e indagarem à professora se poderiam brincar. Assim, cada criança que chegava escolhia uma atividade e brincava. Tinha um aluno no computador, outro lendo revista, um brincando com arcos e até um que montou um jogo de futebol de botão. Esta dispersão dos alunos antes da aula prejudicou o andamento dela, pois ficou difícil tirar os alunos das brincadeiras nas quais estavam entretidos para participarem da aula. Naquela ocasião, percebemos que eles não tinham claro que aquele era um momento de aula e que nós éramos as professoras, apresentando mais uma vez a problemática da autoridade - pelo seu não reconhecimento. No relatório de intervenção sobre as atividades da aula a situação foi descrita da seguinte forma: “Após alguns instantes de conversa um aluno perguntou quando começaria a aula, pois aquilo parecia aula de Ciências. Este aluno desde as aulas anteriores está dizendo que aula de Educação Física não é só conversar e tem que ter bola e outras coisas.” Após o questionamento do aluno procuramos explicar que a Educação Física envolve elementos que vão além de “bolas e outras coisas”. De uma forma simplificada dialogamos com a turma sobre a disciplina e mais especificamente sobre a nossa proposta de aula. Os alunos prestaram atenção à explicação e não houve mais questionamentos, entretanto, não podemos afirmar se eles compreenderam ou se apenas resolveram aceitar a situação e prosseguir mesmo assim com a atividade. Neste instante percebemos a dificuldade em trabalharmos com Educação Física nas séries iniciais, pois se crianças nesta faixa etária já possuem (pré) conceitos semelhantes a este sobre a Educação Física, fica complicada a aceitação de propostas que viessem mostrar outras possibilidades para estas aulas. Na unidade de ensino IV, ainda procurando integrar nossos planos de aula ao planejamento elaborado pelas professoras da classe, procuramos na última oficina uma temática que contemplasse nossos objetivos estruturados no que pesquisávamos e acreditávamos estar apropriado ao ensino da primeira à quarta série, porém que não se distanciasse das aulas ministradas pelas professoras. 12 Entendemos que cabe à escola trabalhar com o repertório cultural local das crianças, partindo das experiências vividas, mas também proporcionando novas vivências aos alunos. A gama de brincadeiras existentes no Brasil é enorme. Cada região ou escola tem diferentes contextos que possibilitam que essa gama aumente. Nosso objetivo nessa oficina foi de proporcionar para as crianças que freqüentavam a classe contato com as diferentes brincadeiras que seus colegas conhecem. Também possibilitar a esses alunos conhecimento sobre brincadeiras com as quais eles nunca brincaram ou sequer ouviram falar. No entanto, o objetivo não era apenas brincar com as crianças, mas situar as brincadeiras em um contexto histórico e geográfico. Em função do cronograma da classe e do nosso estágio, o qual já estava com o tempo esgotado, para esta unidade apenas uma aula nos restava. Em função de um problema de comunicação esta aula não transcorreu da maneira que desejávamos. Ao chegarmos à classe, a professora havia se dirigido com as crianças para a área de sol para que colassem bandeirinhas juninas em alguns fios. Apesar de a professora possibilitar que os alunos participassem da nossa aula, acreditamos que seria importuno retirar os alunos das atividades as quais estavam envolvidos. Assim, permanecemos o período destinado à aula com os alunos conversando de forma descontraída e participando das atividades. 2.2 Prática de ensino II: um passo a mais No Estágio Supervisionado II16 optamos pela temática única Jogos Cooperativos, já que permite certa flexibilidade na elaboração do planejamento, visto que as atividades possuem objetivos que convergem, ou seja, todas as atividades, por mais diferenciadas que sejam têm por fim a cooperação. Como não era possível conhecer previamente os alunos que encontraríamos na Classe, para não corrermos o risco de propormos atividades que de certa forma poderiam minimizar a participação de um aluno mais impossibilitado, elaboramos um planejamento “aberto” no qual listamos diversas atividades. Com isso, acreditávamos não estarmos rotulando alunos impossibilitados e nem ressaltando as diferenças de potenciais físicos, apenas destacamos que dependendo das atividades propostas, mesmo com Jogos Cooperativos pode ocorrer de algum aluno não se integrar completamente ao grupo, dada as dificuldades individuais. Neste aspecto, se evidencia a possibilidade do planejamento de atividades distintas para grupos diferentes, ou seja, duas ou mais direções na mesma aula. Mesmo com a probabilidade do baixo número de alunos, isso deve ser considerado como uma estratégia possível. 16 Neste estágio o trio foi alterado, permanecendo Danielle Torri e eu, com a inclusão da acadêmica Fabiana Cristina Turelli. 13 Como o foco da Educação Física está no movimento, pode ocorrer do aluno, em função das “atuais” limitações, não poder efetuar determinadas atividades. Os Jogos Cooperativos vêm ao encontro disto, buscando suprir a deficiência metodológica nas classes heterogêneas, para que as atividades e os conteúdos previamente estabelecidos sejam alcançados. Entretanto, cabe ressaltar que o sucesso dos Jogos Cooperativos depende da estruturação das aulas, da escolha correta e da forma como serão desenvolvidos, pois uma mesma atividade pode ser considerada competição ou cooperação, dependendo do enfoque e do sentido atribuído. Não há como negar que vivemos numa sociedade competitiva, que está presente no cotidiano e, portanto, a escola não deve negligenciar sua existência. Assim sendo, nosso intuito não era de extinguir a competição, mas sim atribuir ênfase à cooperação, visto que, ao se tratar destes temas, de certa forma, uma é complementar à outra. Ao analisarmos crianças em atividade, é possível perceber com alguma facilidade a passagem da brincadeira individual para a de competição. Pode se tratar de correr, pular, arremessar , tudo pode ser jogo de uma criança isolada, no entanto, se duas crianças brincam lado a lado, uma rivalidade poderá nascer rapidamente: quem salta mas longe? Quem corre mais depressa? A competição exige a presença do outro. Ninguém sairá vencedor em um jogo se não houver alguém que esteja competindo. Aquele que é o primeiro colocado numa disputa individual, só o é porque houve um outro que foi o segundo. Nos jogos de ação coletiva, depende de cada um o resultado do grupo. Nesse sentido, a competição ganha características de verdadeira cooperação. Em todas as civilizações, desde as mais antigas, as formas lúdicas de competição sempre estiveram presentes. A competição está na raiz da sobrevivência do homem. Ser competitivo é um recurso humano para estar no mundo. Não cabe à escola eliminar formas culturais de manifestação. Entendemos que o professor deva encontrar formas de trabalhar os aspectos positivos da competição, abrindo espaço para o exercício da autonomia e da independência, na discussão e definição de regras, na organização de equipes, na análise dos resultados e da própria competição, atuando assim num corpo livre, lúdico e criativo. Isto pode ser feito através do jogo, onde a competição assume o caráter de cooperação. Durante as doze aulas realizadas nesta única unidade de ensino, surgiram vários pontos de reflexão, entretanto, identificamos três categorias que acreditamos apresentarem maior relevância. 14 2.2.1 “Inversão de poderes” Denominada de “Inversão de poderes”, esta categoria exemplifica a diferença existente entre a relação professor x aluno em dois ambientes educacionais distintos. Em uma escola “tradicional” os professores muitas vezes obrigam seus alunos a permanecerem sentados em suas carteiras assistindo as aulas. Usam do poder que acreditam ter para coibir as vontades e os desejos dos alunos. Na Classe Hospitalar isso não acontece da mesma maneira. O aluno é convidado a freqüentá-la. Se não o deseja não é obrigado a ir. Se aceita participar das aulas e quando as assistindo perde a vontade ou simplesmente desiste, pode voltar para seu quarto sem que tenha que esperar que a atividade daquele momento ou a aula terminem. O trecho do relatório da aula de dezessete de novembro de 2004 descreve a situação da seguinte forma: (...) “Um menino disse que não queria mais participar e que iria até seu quarto buscar seu brinquedo. Após algumas instantes ele retornou para a área de sol com um brinquedo eletrônico e apesar das tentativas e convites, ele não quis mais participar da aula. Enquanto ele estava entretido com seu brinquedo, dava sugestões e palpites nas atividades que estavam sendo realizadas na aula pelos demais colegas”. Entendemos que de certa forma o aluno participou, entretanto, utilizaremos o fato em questão para exemplificar a problemática denominada dessa categoria de análise. O exemplo descrito acima é gerador de reflexões, pois mesmo que quiséssemos seguir o legado dos educadores autoritários, isto não seria possível, já que a presença dele dependia apenas de sua vontade individual. Neste campo de intervenção ocorre certa inversão de polaridade, visto que o professor não pode usar de imposição do medo ou de represálias para manter o aluno na aula. A inversão de polaridade entre o professor e o aluno que ocorre na Classe Hospitalar, diferente de uma escola “tradicional”, faz com que o educador não utilize o poder para manter os educandos em aula, mas sim que esta por si só os mantenha interessados, atuantes e participativos. Isto não se direciona apenas para a Educação Física, mas para todas as disciplinas que compõem o currículo escolar. Em uma escola regular, mesmo que o aluno não queira participar, este é “obrigado”, já que disto também depende sua nota e conseqüentemente a provação ao término do ano letivo. A “presença” do aluno na aula é garantida pelos meios formais, por questões que não consideram o querer, mas sim o fazer. Nestas circunstâncias, o professor tem o aval da 15 obrigatoriedade para ter alunos freqüentando suas aulas, o que muitas vezes implica em corpos presentes, mas sem qualquer motivação. Esta inversão somente acontece porque em uma escola dita “tradicional” alguns professores confundem autoridade com autoritarismo. A prática de alguns educadores nas escolas nos dá o exemplo de que se deve usar do poder que o atributo autoridade proporciona. Sabe-se que esta não é a forma adequada de educar, mas sim de domar, já que se faz baseada no medo da represália e da punição. 2.2.2 Saúde e estética A relação entre saúde e estética expressa uma segunda categoria que consideramos importante. Atribuímos esta denominação tendo em vista a dificuldade em dissociar estética da saúde, já que, muitas vezes uma serve de argumento para a outra. Ainda que não seja preconizada explicitamente, a estética também é um dos objetivos dos que freqüentam os locais descritos como contexto de atuação da categoria saúde. Exemplificando: alguém que freqüenta uma academia ou spa, mesmo que vise primordialmente à saúde, em linhas gerais, não a dissocia da estética, ou seja, “aproveita” para melhorar o corpo, unindo o útil ao agradável – ou mesmo, em alguns casos, usando o discurso sobre saúde como desculpa para a “corpolatria”. (CODO; SENNE, 1993) Neste sentido, Lovisolo (1997), apresenta distintas “tribos da Educação Física”: da “Conservação” que tem um discurso voltado para a manutenção da saúde, para moderação; a da “Potência”, que se apóia no campo da fisiologia, biomecânica e da psicologia em nome da performance, do rendimento em busca de recordes olímpicos; e por fim, a da “educação” que se ocupa de escolas e instituições de ensino, tendo como limites de atuação as duas tribos anteriores, quer quando delas se aproxima ou se distancia. Além destas tribos, que contam com programas de formação e investigação, com revistas e circuitos científicos, o autor apresenta um movimento navegando sob estes, ainda não tão organizado, com o objetivo primordial de desenvolver e manter a beleza dos corpos. Esta tribo, a da “modelagem corporal”, por vezes se apropria do discurso da “Conservação” por um certo pudor em enunciar seus objetivos, mas também, por receio de serem classificados como ególatras, narcisos ou egocêntricos se apóiam no discurso da linguagem da saúde ou da recreação. Algumas situações enfrentadas nas aulas em relação à preocupação com a estética, quando um aluno falou que seu olho estava feio, e em relação à saúde, quando percebemos as 16 manifestações fisiológicas da doença vieram à tona, fazendo-nos refletir sobre as implicações destas sobre os movimentos corporais. Na classe pudemos perceber diferentes situações em que ocorreram manifestações corporais e, mais especificamente, circunstâncias nas quais questões ligadas à estética emergiram. Percebemos crianças com conceitos de beleza impostos, já arraigados, e outras ainda inocentes neste sentido e que não explicitaram nenhuma preocupação relacionada a parâmetros estéticos. Acreditamos que em boa parte seja fruto da família, do círculo social ou mesmo dos meios de comunicação que detém uma visão própria em relação à beleza, apresentando modelos que devem ser imitados e perseguidos. Tendo em vista o comprometimento estético que uma doença pode causar, refletimos sobre como ampliar o quadro de possibilidades de aceitação, tanto do indivíduo por ele mesmo, quanto por parte da sociedade em que está inserido. Desta forma, devemos praticar a alteridade e nos libertar de preconceitos, esforçando-nos para que aconteça a solidariedade e não a pena. 2.2.3 “Tempo da atividade X tempo da criança” O “Tempo da atividade X tempo da criança” mereceu destaque como uma categoria, pois, diferentemente de uma escola “tradicional”, na Classe Hospitalar o tempo para a realização de uma atividade não pode ser pré-definido, também porque tínhamos um período de aula maiores as atividades poderiam durar o quanto fosse necessário. Tudo dependia da criança, poderia prolongar-se a aula toda ou apenas cinco minutos. O tempo que a criança necessitava para viver aquela experiência é que era o regulamentar. Mesmo na escola regular há dificuldades em, de antemão, delimitarmos o tempo pedagógico. Cada criança necessita de um tempo peculiar para experimentar as situações que criamos em uma aula. O tempo que uma criança leva para sentir, “perceber” o que está vivenciando, não é idêntico ao dos colegas de classe que estão realizando a mesma atividade. A forma e o tempo que cada aluno necessita para interpretar, entender e codificar as informações é uma variável que interfere no processo de aprendizagem, pois na maioria das vezes costuma-se estipular o tempo inicial e final sem ao menos considerar o real sentido da atividade. Isso pode podar os alunos na “melhor” parte da brincadeira ou tornar a aula extremamente monótona e desmotivante. Quando cito que ocorre na maioria das vezes, me refiro a experiências próprias, como aluna, em tempos de colégio, quando participava das atividades estipuladas, mas também 17 como professora, quando algumas vezes acabei tolhendo os alunos de finalizarem as atividades em função do tempo previsto. Tendo em vista que tínhamos planos de aula e horário definidos, por muitas vezes almejamos apressar ou até mesmo passar para outra atividade. Uma atividade que consistia em colar palavras sinônimas à cooperação e competição em uma cartolina, em seqüência da explanação sobre o tema, exemplifica a questão conforme descrito no relatório do dia 27 setembro: “A atividade dura vários minutos, acho então, que a atividade está monótona e proponho aos alunos que passemos para outra. Eles, todavia, se negam a parar e me dizem que querem continuar até que acabem os papéis da caixa.” Na aula do dia 20 de novembro, durante uma atividade de cooperação que consistia em um circuito em que cada estação deveria ser concluída por todos alunos, ocorreu a seguinte situação: (...) “permaneceram tentando acertar por um longo período de tempo. Nós, as professoras, já nos encontrávamos entediadas e sugerimos algumas vezes que passássemos a outra atividade, no entanto, as crianças queriam continuar tentando e, de fato, acertaram o alvo, encerrando somente aí a brincadeira que realizavam.” Nestes dois exemplos torna-se claro a diferença entre a percepção17 de tempo para os professores e para os alunos. A nossa impressão é, freqüentemente, diferente da dos alunos. Nestes casos nós queríamos interromper as atividades por julgarmos estarem entediantes, porém, para os alunos o desafio era mais importante do que meramente concluir a atividade. Nas escolas “tradicionais” o problema alcança patamar mais alto tendo em vista que é o tempo que delimita as atividades e não o professor. O relógio é o instrumento regulador da aula, já que o professor geralmente não tem nem mesmo a possibilidade de escutar seus alunos quanto à duração e o sentido da atividade naquele momento. Uma possibilidade seria a reestruturação das escolas em termos de horário, turmas, disciplinas e outras formas de classificação e delimitação (administrativas). Torna-se importante repensar temas que realmente incitassem os alunos a aprenderem com maior proximidade às suas vivências, respeitando o tempo de aprendizagem e vontade de conhecer temas que não estão nos programas. 17 Segundo CHAUÍ (2004), percepção “é sempre uma experiência dotada de significação, isto é, o percebido é dotado de sentido e tem sentindo em nossa história de vida, fazendo parte de nosso mundo e de nossas vivências”. (pág 135). Ainda, (...) “percepção seria, pois, uma síntese de sensações simultâneas”. (pág 133) 18 2.3 Principais entraves encontrados Durante os dois semestres de estágio, os principais impasses identificados foram a grande importância dada à doença, as diferentes condições de saúde dos alunos, a rotatividade da turma, a legitimidade da Educação Física posta em questão, a dispersão e participação nas aulas, o fato de a Classe Hospitalar funcionar de forma multisseriada, ou seja, alunos de diferentes idades assistem aulas ao mesmo tempo e, dentre outros, o atendimento no leito18 para os alunos impossibilitados de deslocarem-se até a sala. Está implícito que as pessoas presentes no ambiente hospitalar de alguma forma estavam envolvidos com a doença. Entretanto, o que mais pude perceber sobre a doença é que foi colocada sempre em primeiro plano, recebia uma importância excessiva esquecendo-se que nem sempre estar doente é sinônimo de morte. Penso que as pessoas fazem uma relação restrita entre doença e morte. Assim como estar doente não é sinônimo de morte, do mesmo modo não é o antônimo de saúde. Dependendo do entendimento sobre saúde, não quer dizer que uma pessoa doente não tenha saúde, mas sim que ela esteja aquém de uma condição saudável. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), em sua Carta Magna de 7 de abril de 1948, “Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Este conceito subjetivo e idealizado que é explicitado para a população está longe de ser uma realidade, remetendo à idéia de uma “saúde ótima”, possivelmente inatingível já que a mudança, e não a estabilidade é predominante na vida. Saúde não é um “estado estável” que uma vez atingido possa ser mantido. (CARVALHO) A própria compreensão de saúde tem também alto grau de subjetividade e determinação histórica, na medida em que indivíduos e sociedades consideram ter mais ou menos saúde dependendo do momento, do referencial e dos valores que atribuam a uma situação. Diversas tentativas vêm sendo feitas a fim de se construir um conceito mais dinâmico, que dê conta de tratar a saúde não como imagem complementar da doença e sim como construção permanente de cada indivíduo e da coletividade, que se expressa na luta pela ampliação do uso das potencialidades de cada pessoa e da sociedade, refletindo sua capacidade de defender a vida. Realizada em Brasília em março de 2005, a VIII Conferência Nacional de Saúde conceitua da seguinte forma: "Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação; 18 Atendimento pedagógico realizado no quarto que a criança está internada. Quem realiza é uma professora específica que permanece de 30 a 45 min em cada leito. 19 educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acessos aos serviços de saúde, é assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social”. Para Lobo (1994), essa forma ampla de entender Saúde demanda a capacidade de luta contra os fatores que limitam o desenvolvimento físico, mental e social do ser humano, ou seja, requer a capacidade de atuar contra todos os fatores que levam à doença relacionada com as formas de organização da sociedade civil e sua atuação frente aos problemas sociais. Além disso, segundo o autor supracitado, em relação ao novo conceito de saúde, a conquista de novas e melhores condições de vida da população deve fazer parte do projeto educacional que, junto com o setor de Saúde, podem, através da Educação em Saúde, produzir resultados produtivos no seu campo de ação dentro e fora da escola. A necessidade de cuidados especiais em locais específicos (hospitais e clínicas de saúde) pode mobilizar sentimentos de ansiedade e instabilidade que dependem da sua visão da instituição hospitalar. Conforme Pitta (1991), falar em hospital, doença, possibilidade de perda, sofrimento, dependência e rompimento do processo produtivo, causa ansiedade e desconforto às pessoas. As pessoas acabam criando mecanismos de defesa conscientes ou não a fim de amenizar esta dura realidade diária. A doença cria ansiedade e medo porque que as pessoas dificilmente estão preparadas para agirem diante de tais sentimentos. Falta discussão, não se fala em doença ou morte no cotidiano procurando compreender o ciclo de vida de cada ser humano, mas sim se espera o momento em que a situação se faz presente. Ao decorrer da vida protela-se ao máximo as discussões sobre doença e, quando finalmente ocorrem, é porque a morte já chegou. Mesmo assim, sobre morte a reflexão fica apenas implícita, já que se fala nas entrelinhas e não claramente a realidade dos fatos, ou seja, a morte propriamente dita. Isto acontece principalmente nos hospitais, pois o ambiente onde os óbitos são freqüentes deveria ser um dos principais locais para se falar e pensar sobre a morte, entretanto, a comunicação se dá através da linguagem corporal, expressa pelos olhares e estados caquéticos em que as pessoas se encontram. Durante as aulas, outro aspecto importante relaciona-se com as limitações individuais de cada aluno. Cada qual estava em uma situação ímpar e vivenciava momentos distintos, pois a doença de um não era a mesma que a do outro. Assim, na mesma aula podíamos ter alunos com lesões traumáticas, fazendo quimioterapia, em recuperação no período pós-cirurgia, ou até mesmo um aluno que estava apenas internado para realizar alguns exames, não apresentando problemas ou dificuldades aparentes. 20 Nas escolas regulares de ensino, na tentativa de homogeneizar ao máximo as turmas, estas são formadas com alunos da mesma faixa etária. Assim, se o aluno seguir o ciclo formal da escola terá colegas da mesma idade. Esta forma de “classificar” os alunos nada mais é do que uma visão biologicista da criança, segundo a qual esta teria etapas a serem alcançadas de acordo com a faixa etária. Com isto, se esquece que cada aluno é uno, que tem maior ou menor capacidade de aprendizagem, que seu desenvolvimento cognitivo não é idêntico ao do seu colega que tem a mesma idade. Sobre esta problemática surgiu o seguinte questionamento: Por que todas as crianças da turma devem fazer a mesma atividade proposta pelo professor? Conforme citado anteriormente, se cada criança está em um nível diferenciado de desenvolvimento cognitivo, se possui maior ou menor facilidade de aprendizagem, ou também pelo fato de apresentarem interesses e capacidades distintas, torna-se óbvio que nem sempre as tarefas devem ser iguais. Quando os alunos estão envolvidos com atividades distintas, além da questão da aprendizagem, a aula torna-se dinâmica, mais envolvente e motivante. As crianças ficam curiosas para saberem o que o colega está fazendo e algumas vezes sentem-se desafiadas a tentarem fazer a tarefa alheia depois de concluírem as suas. Na Classe Hospitalar não ocorre desta forma, já que alunos de 1ª a 4ª série freqüentam a mesma aula, ou seja, funciona de forma multisseriada. Lecionar para alunos em diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo e de aprendizagem é, na realidade, muito custoso, mais trabalhoso, já que exige mais do professor na elaboração e no direcionamento das aulas. Durante o período de estágio observei algumas aulas da professora da classe. Um aspecto que considero extremamente importante foi a maneira como ela as ministrava. Nem sempre os alunos faziam as mesmas atividades, ou seja, a turma não realizava tarefas sempre semelhantes ao mesmo tempo. Ora, se lá estavam alunos de 1ª a 4ª série é importante pensar que estavam em níveis de aprendizagem diferenciados e nem sempre deveriam fazer as mesmas atividades. Considerávamos no início do estágio, que esta questão seria um empecilho, já que acreditávamos que seria muito difícil trabalhar com crianças que, além das diferentes limitações físicas, ainda estavam em diferentes níveis de ensino. No entanto, focalizando a questão, pudemos perceber que na verdade representava um obstáculo o qual deveríamos superar, 21 apontando caminhos e criando alternativas. Foi o que fizemos quando elaboramos as aulas, sempre considerando o fato de que nem sempre os alunos devem fazer as mesmas atividades. Levando-se em consideração a heterogeneidade da turma, tanto na questão das limitações físicas quanto nas diferenças nas faixas etárias, deve-se pensar que antes mesmo de as pessoas que ali estão freqüentando nossas aulas estarem doentes, elas são crianças e, também, alunos. Isto significa dizer que por estarem em uma situação especial não devemos nos esquecer de que, apesar de estarem em um ambiente hospitalar cuidando de alguma enfermidade, acima de tudo são alunos-crianças que estão ali para aprender. Estes aspectos devem ser considerados primordiais na relação ensino-aprendizagem, devemos deixar de lado o receio, que é normal no início, em função das crianças estarem doentes, e ministrarmos as aulas normalmente, pois, como citado anteriormente, é uma escola como outra qualquer, o que a distingue são as peculiaridades do ambiente. Neste sentido, confesso que algumas vezes não os via como crianças ou como alunos, mas sim via a doença em si. Quando recebia na aula alguém com as marcas da enfermidade exposta, não conseguia desviar meus olhares e pensamentos daquilo que presenciava. Era comum enquanto elas faziam as atividades, pensar se poderiam realizá-la, policiar-me quanto às falas, tudo em função do receio em relação à doença. Considero que este aspecto não ocorreu apenas comigo, mas também com outras pessoas, tendo em vista a relação restrita que temos com a doença. O atendimento que é realizado no leito para as crianças que estão impossibilitadas de se deslocarem até a sala de aula foi considerado por nós um empecilho para o estágio. Não sabíamos, na realidade, o que poderíamos fazer em relação aos conteúdos quando estivéssemos com um aluno no leito. Não tínhamos a mínima noção de que atividades fazermos quando uma criança estivesse quase sem movimento. Nós mesmas acabávamos nos confundindo em relação à Educação Física, já que frisávamos que não era só o movimento em si, entretanto, quando nos deparamos com uma situação como esta, preferimos não enfrentar a situação. Outro aspecto é que no leito as crianças estão mais frágeis e tínhamos medo de fazer algo que pudesse prejudicá-las. Não quer dizer que não sabíamos o que estaríamos fazendo ou se aquilo oferecia algum risco, apenas significa que a condição física da criança nos deixava com receio. Outro ponto intricado é que na maioria das situações a criança estava acompanhada da mãe que a protegia talvez excessivamente, algumas vezes interferindo dizendo se poderia ou não fazer, cobrindo com cobertores a todo instante, perguntando se estava com sede ou fome, 22 controlado a febre, perguntando se sentia algo, enfim, com aquela preocupação excessiva de mãe que conhecemos por experiência própria. A presença da mãe nos deixava mais inquietas, já que não conseguíamos sequer concluir uma atividade sem a interferência dela. Também quando a mãe estava no mesmo ambiente algumas crianças não se sentiam à vontade e acabavam se acanhando, não se envolvendo com a atividade, ficando inibidas. Algumas vezes a mãe, na tentativa de mostrar para nós que o filho é inteligente, ou de protegê-lo do que pode parecer uma insuficiência, dava palpites nas atividades e respondia por ele, e este acabava não realizando mais a tarefa, pedindo para que a mãe o fizesse. Uma outra problemática que também interferiu nas aulas foi a rotatividade. Nos referimos aos alunos que estavam presentes em cada aula. A criança estava internada no hospital, não estava matriculada na classe, quando recebesse alta, automaticamente pressupõe-se que retornasse para as suas atividades normais, inclusive para sua escola regular. Assim, poderia estar em uma aula e não na outra, pois recebeu alta. Como já foi dito, as crianças não são obrigadas a freqüentar as aulas, por isto, quando estão indispostas, ou necessitam fazer alguns exames no horário das aulas, pode ocorrer de não irem para a classe. Algumas vezes, quando os alunos chegam a ir para a aula, acontece de necessitarem se retirar por motivo de medicação, exames, fisioterapia ou até mesmo por não estarem se sentindo bem. Os fatores citados colaboram na rotatividade da turma, assim, além de não sabermos quantos alunos estariam presentes, não sabíamos ainda quem seriam e se a aula aconteceria até o final com os alunos que ali estavam no início, se estes estariam até o término. Esta problemática implica em uma maior preocupação em relação ao planejamento, pois não estamos habituados a enfrentar situações em aulas em que alunos podem entrar ou sair momentaneamente das atividades. Exige um maior empenho na hora de conduzir as explicações, pois se a atividade atual envolve o conhecimento de uma anterior, e se um aluno não estava nela, devemos estar atentos para que compreenda a atual. O desafio encontrado foi o de ministrar aulas que contemplassem diferentes estágios de escolarização e que proporcionassem aos alunos socialização de conhecimento para todos. Diante de tais adversidades, a cada aula fui surpreendida por situações inusitadas as quais se tornava necessário adaptar o planejamento. Enfrentar tais dificuldades e criar situações para que, mesmo diante de tais empecilhos, os objetivos explícitos no planejamento fossem concluídos, orientou o foco de reflexão de nossa intervenção pedagógica. 23 3. ALGUMAS ABORDAGENS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE EDUCAÇÃO FÍSICA NAS SÉRIES INICIAIS As Abordagens Pedagógicas da Educação Física podem ser definidas como movimentos engajados na renovação teórico-prático com o objetivo de estruturação do campo de conhecimentos que são específicos da área. Souza Júnior (1999) afirma que estes movimentos surgem “Na busca de uma nova dimensão, tais proposições sugerem desde o que entendem como elemento específico (objetivo de estudo) da E.F., passando por operacionalização de conteúdos do ponto de vista pedagógico, indo até o entendimento de como avaliar em Educação Física” (p. 20-21). Os conteúdos escolares têm um caráter histórico, eles vão sendo elaborados e reelaborados conforme as necessidades de cada época e dos interesses sociais vigentes. Existem disputas pela hegemonia no pensamento pedagógico e científico da Educação Física, assim como a construção de seu campo acadêmico tem gerado uma razoável diversidade de abordagens. No sentido de examinar algumas facetas dos conteúdos da Educação Física na escola, neste tópico procuramos analisar as abordagens de maior expressão no cenário nacional. 3.1 Parâmetros Curriculares Nacionais Os Parâmetros Curriculares Nacionais fazem uma distinção entre o organismo e o corpo, passando de uma visão estritamente fisiológica para um corpo que se relaciona dentro de um contexto sociocultural, valorizando a cultura corporal na Educação Física. O processo de ensino-aprendizagem deve considerar as características dos alunos em todas as suas dimensões (cognitiva, corporal, afetiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social) e, portanto, não se restringe ao simples exercício de certas habilidades e destrezas, mas sim procura capacitar o indivíduo a refletir sobre suas possibilidades corporais e, com autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada. Os PCNs da Educação Física, tendo em vista a preocupação de garantir a coerência com a concepção exposta e de efetivar os objetivos, elegem os critérios de relevância social, características dos alunos e características da própria área para a seleção e organização dos conteúdos propostos. Com a função de evidenciar quais são os objetos de ensino e aprendizagem que estão sendo priorizados, servindo como subsídio ao trabalho do professor, que deverá distribuir os conteúdos a serem trabalhados de maneira equilibrada e adequada, estes estão organizados em três blocos, que se articulam entre si e que devem ser desenvolvidos ao longo de todo o ensino fundamental. 24 O bloco dos Conhecimentos sobre o corpo diz respeito aos conhecimentos e conquistas individuais que subsidiam as práticas corporais expressas nos blocos seguintes. De maneira simplificada abordam-se apenas os conhecimentos básicos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e bioquímicos que possam capacitar a análise crítica dos programas de atividade física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realização que regulem as próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer. No ciclo final da escolaridade obrigatória, podem ser ampliados e aprofundados. Incluindo as informações históricas das origens e características, valorização e apreciação, compreende-se o bloco dos esportes, jogos, lutas e ginásticas. O bloco de conteúdos das atividades rítmicas e expressivas inclui as manifestações da cultura corporal que têm como características a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento corporal, ou seja, trata-se das danças e brincadeiras cantadas. Três aspectos da proposta dos PCNs representam pontos relevantes a serem buscados dentro de um projeto de melhoria da qualidade das aulas, quais sejam: princípio da inclusão, as dimensões dos conteúdos e os temas transversais. Assim, a proposta destaca uma Educação Física na escola dirigida a todos os alunos, sem discriminação, propondo uma articulação com as grandes problemáticas da sociedade brasileira. 3.2 Abordagem Desenvolvimentista O modelo desenvolvimentista é explicitado no Brasil principalmente na obra Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista (TANI et al, 1988). Fazendo um breve resumo, esta abordagem tem como base a área da psicologia do desenvolvimento, mais especificamente o que se refere à aprendizagem motora, em especial o trabalho de D. Gallahue, com objetivos voltados para a adaptação fisiológica. Pretende oferecer ao aluno condições de desenvolver seu comportamento motor por meio da diversidade e complexidade de movimentos. Os conteúdos compreendem as habilidades básicas, jogos, esportes e danças, sendo que a estratégia metodológica é a aprendizagem do, sobre e através do movimento. Tais conteúdos devem ser desenvolvidos segundo uma ordem de habilidades, das mais simples, que são as básicas, para as mais complexas ou específicas. As habilidades básicas podem ser classificadas em locomotoras (por exemplo: andar, correr, saltar, saltitar), manipulativas (por exemplo: arremessar, chutar, rebater, receber) e de estabilização (por exemplo: girar, flexionar, realizar posições invertidas). Os movimentos específicos são mais influenciados pela cultura e 25 estão relacionados à prática dos esportes, do jogo e, também, da dança. Os autores desta abordagem defendem a idéia de que o movimento é o principal meio e fim da Educação Física, atribuindo à habilidade motora maior importância dentre os conceitos, pois seria através dela que os seres humanos se adaptam ao cotidiano, resolvendo problemas motores. O ponto crítico desta abordagem está na utilização do movimento como meio e fim da aprendizagem na Educação Física. Prioriza o movimento como objeto principal sendo visto como fim em si mesmo. Cabe ressaltar ainda neste modelo a não intencionalidade no desenvolvimento dos domínios afetivos, cognitivos e sociais, já que estes ocorreriam ocasionalmente com a aprendizagem do movimento. 3.3 Concepção de Aulas Abertas a Experiências (Hildebrandt & Laging) Hildebrandt e Laging (1986), com base na experiência alemã de crítica ao modelo conservador/opressor das práticas corporais adestradoras, procuram colocar o aluno como centro do processo pedagógico, apresentando uma metodologia denominada Aulas Abertas a Experiências para o ensino da Educação Física. Ela busca capacitar os alunos para tratar de tal modo os conteúdos esportivos nas mais diversas condições, dentro e fora da escola, que estejam em condições de criar, no presente ou no futuro, sozinhos ou em conjunto, situações desportivas de modo crítico, determinadas autonomamente ou em conjunto. Dentro desta perspectiva pedagógica, os contextos de aprendizagem e ação levam em conta o significado da experiência. Esta é entendida como meio de conhecimento, produto e processo da vida, como um resultado objetivo com um significado subjetivo. São interesses didáticos as experiências sociais construídas e as possibilidades de assimilação pelos sujeitos. A obra Visão Didática da Educação Física (GTP/UFPE/UFSM, 1991) apresenta exemplos práticos de aulas abertas a experiências, defendendo uma aula de Educação Física que procure uma ligação do aprender escolar com a vida de movimento dos alunos. Além disso, que não olhe para o esporte apenas como rendimento motor, não levando em conta as necessidades, interesses, medos e aflições dos alunos, não os reduzindo à condições prévias de aprendizagem motora. Ainda, que mantenha o caráter de brincadeira no movimento e na forma espontânea dos alunos, isto é, que faça com que isso se desenvolva na discussão social, considerando a relação entre movimento, percepção e realização, e que faça os alunos participarem do planejamento e da construção das aulas. A metodologia é direcionada a ampliar o grau de possibilidades de co-decisão com os alunos, quando o planejamento do professor dá lugar a uma orientação dos desejos e 26 interesses dos estudantes como forma de ampliar a sua inserção nas aulas, na sociedade e, sendo assim, no mundo. As aulas são orientadas no aluno, no processo, na problematização e na comunicação. Isto significa que os alunos podem apresentar suas opiniões e realizar suas experiências que resultam das suas histórias individuais. O ponto forte desta concepção de aula está na compreensão dos professores e alunos sobre o sentido que ela tem e, ao mesmo tempo, sobre os objetivos, conteúdos e métodos. As concepções de ensino são abertas, quando os alunos participam das decisões em relação aos objetivos, conteúdos e âmbitos de transmissão ou dentro deste complexo de decisão. O grau de abertura depende do grau de possibilidade de co-decisão. As possibilidades de decisão dos alunos são determinadas cada vez mais pela decisão prévia do professor. (HILDEBRANDT; LANGING, 1986, p.15). 3.4 Concepção Crítico-Superadora A abordagem Crítico-Superadora é uma proposta do Coletivo de Autores19 embasada no discurso da justiça social no contexto da sua prática, buscando questões de poder, interesse e contestação, fazendo uma leitura dos dados da realidade à luz da crítica social dos conteúdos. A principal obra sobre a abordagem é Metodologia do Ensino de Educação Física, publicada em 1992. Esta concepção busca contribuir para a afirmação dos interesses das classes populares, desenvolvendo uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal. É um projeto político-pedagógico: político porque encaminha propostas de intervenção em determinada direção; pedagógico porque possibilita uma reflexão sobre a ação dos homens na realidade. Para os autores, a Educação Física trata do conhecimento de uma área denominada Cultura Corporal, configurada em temas como o esporte, o jogo, a dança e a ginástica, e que expressa um sentido/significado nos quais se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade. O conteúdo advém da cultura corporal com princípios metodológicos da lógica dialética, caracterizados por meio da relevância, da contemporaneidade, da adequação às possibilidades sócio-cognoscitivas do aluno e da provisoriedade do conhecimento. Estes princípios devem ser organizados, sistematizados e fundamentados, e desta maneira selecionados como constituintes curriculares. 19 Composto por Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zülke Taffarel, Maria Elizabeth Medicis Pinto Vargal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht. 27 4. METODOLOGIA20 Para experimentar a proposta metodológica, sistematizamos alguns elementos balizadores que consideramos essenciais para o desenvolvimento das aulas em tal ambiente. Dentre eles, uma seqüência de ações organizadas em etapas que organizam as aulas e os temas propostos: “Jogos e Brincadeiras Tradicionais”, “Ginástica Geral” e “Atividades Rítmicas e Expressivas”. Inicialmente as intervenções deveriam acontecer em um período de seis semanas, podendo, caso possível, serem estendendidas até nove. Cada tema será desenvolvido em duas aulas semanais, cada qual com hora e meia, caracterizando o que denominamos ”Temática”. A metodologia foi caracterizada por uma organização cíclica, na qual cada um dos três grandes temas propostos será abordado durante uma semana, de forma seriada, retornando-se, em seguida, para a Temática inicial. A coleta de dados será realizada ao longo do planejamento, docência e avaliação das aulas, que serão observadas na totalidade e registradas em caderno de campo. As docentes21 elaborarão um relatório a cada intervenção que consultaremos para fins de subsídios. Ainda em relação à coleta de dados, utilizaremos instrumentos etnográficos, análises documentais, e poderemos ou não fazer entrevistas. Posteriormente, os dados dos relatórios e do caderno de campo, serão analisados por meio de categorias que cruzarão os objetivos da pesquisa e a análise das fontes. Na Classe Hospitalar, além de várias problemáticas que acompanham a escola regular, outras ainda se fazem presentes, as quais nos permitimos identificar devido à experiência de dois semestres de estágio e um de pesquisa na turma de 1ª a 4ª séries. Nossa experiência prévia mostra que as principais dificuldades se referem ao peso dado à doença, às diferentes condições de saúde dos alunos, à rotatividade da turma, ao questionamento quanto à legitimidade da Educação Física, à dispersão nas aulas, ao caráter de classe multisseriada, ao atendimento no leito, entre outros. 20 Optamos manter a redação tal qual elaborada no projeto de pesquisa, no sentido de facilitar que o leitor acompanhe e melhor compreenda nossa proposta. 21 A pesquisa será vinculada ao estágio supervisionado em Educação Física e as aulas foram ministradas por estudantes do curso de Educação Física matriculadas na disciplina de Prática de Ensino em Educação Física Escolar II. 28 5. ELEMENTOS TEÓRICOS METODOLÓGICOS Neste tópico apresentamos alguns elementos metodológicos que foram balizadores e norteadores para a pesquisa. Nossa proposta foi estipular alguns subsídios que mais bem sistematizassem as intervenções na Classe Hospitalar. Cabe salientar que todos os aspectos desta pesquisa experimental são decorrências de ensaios anteriores. Em nenhum momento foram sugeridas ações não pensadas ou irrefletidas sobre suas possíveis implicações. Para que o leitor possa acompanhar o desenvolvimento do trabalho, optamos por manter a redação elaborada inicialmente no projeto de pesquisa. Consideramos que isto seja um elemento facilitador para compreensão do que pretendíamos em relação a esta proposta. Esta metodologia será empregada para ministrar aulas na Classe Hospitalar de 1ª a 4ª séries, conforme campo e objetivos foram descritos anteriormente. Inicialmente propomos que o período de intervenção seja de seis semanas, sendo ministradas duas aulas22 semanais. Consideramos ideal para uma análise e fundamentação com mais profundidade um período de nove semanas de intervenção, caracterizando 18 aulas. Desta forma, caso transcorra conforme o programado, se o fator tempo permitir, pretendemos acrescentar à proposta inicial (seis semanas) as três semanas idealizadas. Avaliamos que estender o período no campo de intervenção nos forneça um aporte maior de dados para fundamentar nossa argumentação. Porém, salientamos que caso não seja possível estender o período de intervenção, de forma alguma a pesquisa será minimizada ou considerada superficial, mas acreditamos que um período maior de atividades em campo enriqueceria e forneceria maiores subsídios para os achados, permitindo assim uma análise mais acurada dos fatos. As aulas serão ministradas por duas acadêmicas23 que estão matriculadas na disciplina de Prática de Ensino de Educação Física Escolar II que atribui como tarefa estagiar em uma área de atuação da Educação Física Escolar. As acadêmicas estagiaram um semestre em uma escola regular e, apesar de não conhecerem o campo de intervenção onde a pesquisa será realizada, acreditamos que não seja um empecilho que interfira na realização desta, visto que o orientador e eu 22 Cada aula dura cerca de 1h e 30 min, com início as 13h e 30 min e término previsto para as 15h. Apesar do tempo de duração das aulas não ser idêntico ao das escolas regulares, que geralmente é de 50 min, consideramos cada encontro uma aula. 23 Acadêmicas: Francimara Budal Arins e Patrícia Boos. 29 faremos a monitoria do estágio. Durante as intervenções farei as observações e anotarei as questões em um caderno de campo para em seguida fazer as reflexões necessárias sobre o desenvolvimento das aulas. O início das atividades se dará com alguns encontros24 na última semana de julho e primeira semana de agosto, quando o orientador, as duas estagiárias e eu discutiremos algumas questões referentes à classe, sobre os conteúdos, problemáticas, possibilidades, necessidades, enfim, quando elaboraremos em conjunto o planejamento das atividades. Na terceira semana de agosto, conforme as condições das estagiárias e do andamento do planejamento inicial, realizaremos a primeira intervenção junto à classe. A cada intervenção nos reuniremos para realizar a avaliação e discutirmos quanto à necessidade ou não de alterações no planejamento inicial. Nestes encontros refletiremos em conjunto quanto à intervenção anterior e as idéias e hipóteses para as futuras. Cabe salientar que estamos cientes de que a cada aula pode surgir novas possibilidades que serão discutidas e acrescentadas ao planejamento, visto que há uma construção coletiva das intervenções. Assim sendo, acreditamos que haverá um progresso das aulas, do estágio das acadêmicas e da pesquisa, tendo em vista a relação direta existente entre intervenção, análise, reflexão e ação. Quando mencionamos que as construções das intervenções serão coletivas, nos referimos principalmente aos alunos que são o ponto-chave desta pesquisa. Compreendemos que a maior parcela do que será desenvolvido na classe dependerá da repercussão que causar entre as crianças, dependendo do comportamento de cada um em resposta ao que experimentarmos. Em relação à organização, as aulas serão realizadas preferencialmente em dois dias consecutivos, tendo em vista a rotatividade dos alunos, que se dá em função das internações e altas. Como na classe não são previsíveis quantos e nem quais os alunos que estarão presentes, visto que a presença é facultativa, as aulas em dias consecutivos possivelmente minimizarão a problemática. Dependendo da disponibilidade de horários da classe, os dias semanais que optamos são terça, quarta ou quinta, uma vez que se exclui a possibilidade das sextas-feiras em função da maior parte das crianças receberem alta hospitalar e as segundas-feiras porque geralmente é dia de internação, fator que prejudicaria o andamento das aulas, pois algumas crianças estão se familiarizando com o ambiente. 24 Os encontros de orientação serão relatados no caderno de campo. 30 Sobre a funcionalidade e organização das atividades, no início de cada semana as docentes devem entrar em contato com as enfermarias de cada unidade para saber quais crianças serão seus possíveis alunos, adotando alguns procedimentos de rotina. O primeiro passo é chegar antes do início das atividades, previsto para as 13h e 30 min, e acessar o banco de dados do hospital que informa quais pacientes estão internados naquele dia. De posse do nome dos possíveis alunos, é hora então de ir a cada unidade convidar as crianças para participarem das aulas. Cabe salientar que este passo é um processo de convencimento. Também deve-se explicar para os acompanhantes os objetivos pelos quais a criança está sendo convidada. Após convidar todos os pacientes de cada unidade, as docentes e os alunos se dirigem para a sala. Ao chegar na classe, é importante que se leia o prontuário de cada criança, que é disponibilizado pela enfermaria, para se ter um pré-conhecimento da origem/naturalidade e para se ter uma noção dos problemas e dificuldades que cada uma apresenta. Com isto pode-se extrair alguma atividade que seja nociva ou até mesmo servir para diálogo sobre as doenças, quando isso se apresentar como razoável25. As intervenções serão organizadas na forma de ciclos compostos por três Temáticas desenvolvidas uma em cada semana. Inicialmente apontaremos três temas que serão desenvolvidos, um em cada “Temática” durante as três primeiras semanas de aula para, em seguida, nas três seguintes repeti-las, constituindo assim os dois ciclos inicialmente propostos. Deste modo, um ciclo compreende findar os três temas que constituem cada Temática. Esta metodologia é caracterizada por uma lógica cíclica, onde cada temática fixa será abordada durante uma semana de forma seriada e em seguida retorna-se para a temática inicial. Quando se expõe que a aula terá a temática reproduzida, nos referimos para a questão da auto-análise e da reflexão da intervenção e do planejamento. Ao final de cada ciclo temático, antes de prosseguir com as atividades, as intervenções serão refletidas e analisadas para que as aulas seguintes sejam ministradas de forma que haja um avanço em relação ao ciclo anterior. Desta forma, espera-se que com o replanejamento, a reestruturação, a análise e reflexão, as aulas ganharem mais consistência e embasamento teórico, na medida em que deve haver progresso na elaboração das aulas, tanto metodológica 25 Para elucidar o leitor, segundo exposto anteriormente, além desta rotina, a professora da classe preenche um formulário individual que serve para controle da classe e também, caso a criança fique internada por três dias ou mais, fornecer dados para a elaboração do relatório completo que deve ser enviado para a escola regular que o aluno freqüenta. Por volta das quinze horas, momento que acaba a aula de Educação Física, ocorre o intervalo para o lanche que é disponibilizado pela cozinha do hospital de acordo com a dieta de cada criança, e apanhado pela estagiária da classe. 31 quanto tecnicamente. Sinteticamente falando, ministraremos uma aula e esta será analisada e reelaborada para ser aplicada no segundo ciclo. Caso o período de intervenção seja estendido para as nove semanas, a aula que foi reestruturada será analisada da mesma forma que anteriormente e aplicada sob nova perspectiva e igualmente sucessivamente até serem completados os três ciclos temáticos. SEMANA Primeira Segunda Terceira TEMA Jogos e Brincadeiras Tradicionais Ginástica Geral Atividades Rítmicas e Expressivas SEMANA Quarta Quinta Sexta TEMA Jogos e Brincadeiras Tradicionais (b) Ginástica Geral (b) Atividades Rítmicas e Expressivas (b) Mesmo cientes de que o tempo pedagógico necessário para o desenvolvimento de uma atividade não depende do professor, mas sim do trabalho desenvolvido com os alunos e tendo em mente que o planejamento não deve ser fechado, mas sim flexível para que permita adaptações em determinadas situações, indicamos que o primeiro ciclo não extrapole o tempo determinado para que possamos garantir que os três temas sejam contemplados e que se mantenham os ciclos. Ao findar o primeiro ciclo faremos uma avaliação da prática pedagógica para estabelecer se no segundo ciclo a flexibilização no planejamento poderá ou não ocorrer. Como as Temáticas serão desenvolvidas em dois encontros semanais, na primeira aula será apresentada uma abordagem ampla do tema, uma explanação geral do assunto. No início de cada aula deve ser feita uma síntese do que será realizado, não só naquela, mas também no decorrer da respectiva Temática. Ao partirmos para outro tema, quando estiverem presentes alunos que participaram da aula anterior, deverá ser explanado brevemente o que foi realizado na que antecedeu, procurando sempre contar com a colaboração das crianças que participaram da respectiva intervenção. Conforme problematizado no relato de experiência, um dos entraves encontrados foi relacionado à heterogeneidade da turma, por esta ser multisseriada ou até mesmo pelas situações peculiares de cada criança. Considerando que cada criança estava em uma situação ímpar e vivenciava momentos distintos, pois a doença de um não era a mesma do que a do outro, na mesma aula poderíamos ter alunos com lesões traumáticas, fazendo quimioterapia, período pós-cirurgia ou até mesmo um aluno que está apenas internado para realizar alguns exames, não apresentando problemas ou dificuldades aparentes. Neste aspecto, uma das sugestões que indicamos, e que deve constar já no 32 planejamento, é a realização de atividades distintas simultaneamente durante a aula. Devemos considerar que cada criança está em um nível diferenciado de desenvolvimento cognitivo, podendo ter maior ou menor facilidade de aprendizagem, ou também por apresentarem interesses e capacidades dispares, se torna necessário planejarmos de forma que, enquanto um aluno realiza uma atividade, não necessariamente o colega a realizará de forma idêntica. Outro fator a ser considerado é que como os alunos algumas vezes chegam após o início das atividades ou necessitam sair antecipadamente em função do tratamento médico, é preciso elaborar estratégias de inclusão. No primeiro caso, propomos que os alunos que estejam presentes colaborem para familiarizar o colega com o que está sendo realizado, e no segundo, sugerimos elaborar um meio para que finalize a atividade, na classe ou em outro momento que desejar. Um dos objetivos desta metodologia consiste em incentivar os alunos a realizarem atividades extraclasse, na tentativa de que, quando além da sala de aula as crianças façam exercícios referentes à disciplina de Educação Física, utilizaremos algumas estratégias metodológicas tais como teatros, esculturas, maquetes, fantoches, lições, desenhos, pinturas etc. Para exemplificar, os alunos poderiam ficar encarregados de apresentar uma dramatização, assim possibilitaria que as crianças se encontrassem não apenas na sala de aula, mas que se reunissem para criar e ensaiar a peça teatral. Acreditamos que esta tarefa não seja fácil de ser operacionalizada, visto que em escolas regulares os alunos costumeiramente levam para casa tarefas de todas as disciplinas, menos de Educação Física. Outro fator limitante é o ambiente que, por se tratar de um hospital, torna mais difícil a locomoção, seja por impossibilidades físicas ou por motivos pessoais, como de acanhamento, inibição ou constrangimento pela condição de paciente, por exemplo. Um ponto importante da pesquisa é a observação sistemática, pois, como dito anteriormente, as respostas das intervenções dependem do comportamento dos alunos. O olhar deve ser clínico e direcionado para este fim, evitando dispersar a atenção. Assim, mais do que observar o que está acontecendo, é preciso analisar as respostas e prever a ação seguinte. Além da observação é necessário fazer um bom relatório que descreva o que aconteceu na aula, inclusive as falas, para que a análise se efetue sob os acontecimentos, tornando assim a avaliação coerente com os fatos. Uma das limitações na observação das aulas se refere ao fato de que estarão presentes cinco adultos na sala, que não é muito espaçosa, fato que pode, de certa forma, contribuir para que as crianças fiquem inibidas e não respondam igualmente à 33 mesma situação, se presentes apenas as docentes. Caso tudo transcorra de acordo com o esperado, no período de seis semanas, a intervenção no campo está prevista para ser finalizada em meados do mês de setembro. Entretanto, se algum imprevisto acontecer, estamos preparados com algumas semanas para intervir junto à classe no hospital, mas isso impossibilitaria estender para nove semanas, e ainda traria uma limitação por diminuir o período para análise do conteúdo das observações relatadas no caderno de campo. 34 6. PROSPOSTAS TEMÁTICAS 6.1 Jogos e Brincadeiras Tradicionais Uma das temáticas propostas para o ensino de Educação física na Classe Hospitalar diz respeito aos Jogos e Brincadeiras tradicionais que de alguma forma, fizeram parte da história da vida de todos nós, indiferente de credo, raça ou gênero. Este tema tem o respaldo de distintas concepções de ensino as quais consideram estes conteúdos importantes para a aula de Educação Física, como por exemplo, na Abordagem Construtivista26, para a qual a intenção é a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, respeitando o universo cultural do aluno, explorando as diversas possibilidades educativas de atividades lúdicas espontâneas, privilegiando o jogo como ‘um instrumento pedagógico’, significando o principal modo/meio de ensinar. Além desta, para citar algumas, fundamentam ainda o tema as concepções que se baseiam na cultura de movimento/corporal, a abordagem Crítico-Superadora27, Crítico Emancipatória28 e Sistêmica29. Outra proposição com fins de fundamentação é que enquanto a criança brinca, aprende, desde que este momento ocorra em um ambiente lúdico e prazeroso. Freire (1992a) enfatiza que o fundamental é que todas as situações de ensino sejam interessantes para a criança, e que “corpo e mente devem ser entendido como componentes que integram um único organismo, ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o corpo) para transportar, mas ambos para se emancipar”. (p. \13). Esta escolha em grande parte se deu em função da necessidade de incentivar a preservação das brincadeiras e jogos tradicionais, de uma importância fundamental para a cultura popular, e de se respeitar os saberes que os alunos trazem consigo. De acordo com os registros históricos, muitas brincadeiras foram criadas como celebrações de rituais e, ao sofrerem um processo de dessacralização30, vão sendo incorporadas ao patrimônio lúdico cultural da humanidade. Por exemplo, dentre as antigas tradições dos esquimós, estava a de ritualizar a passagem das estações e, no final do verão, fios eram entrelaçados entre os dedos, formando inúmeras figuras. Nessas figuras ficariam 26 FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro : teoria e pratica da educação fisica. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1991. 27 COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez,1992. 28 KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Ed. UNIJUI, 1994. 29 BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade . 1ª ed. São Paulo: Movimento, 1991. 30 Que deixa de ser sacro, sagrado. Segundo Dicionário Aurélio, [De dessacralizar + -ção] Substantivo feminino. Ato ou efeito de dessacralizar. [De des- + sacralizar.] Verbo transitivo direto. Tirar o caráter sagrado de. 35 "presas" as pernas do Sol, impedindo-o de partir e ampliando assim o verão. Hoje, essa brincadeira é bastante conhecida como "cama-de-gato". O mesmo ocorre com a pipa, também conhecida no Brasil como papagaio, pandorga ou arraia. Em países como a China, é usada ainda hoje para enviar maus espíritos para longe. Mesmo com a grande popularidade atualmente, a pipa já foi um importante artifício de guerra, que agregada a lanternas ou objetos sonoros era usada para avisar a chegada de inimigos31. Brincadeiras deste cunho se disseminaram pelo mundo inteiro e são praticadas em cada região com características específicas. O pular corda, por exemplo, é uma brincadeira muito conhecida principalmente entre as meninas, que entoam versos do imaginário infantil enquanto fazem movimentos ritmados conforme a velocidade da corda. Até o fim do século XVIII, os jogos, de modo geral, eram praticados entre adultos e crianças, coletivamente. Com a industrialização, essas atividades passam a ter caráter infantil e adulto distintos32. Muitas brincadeiras acabam por sofrer transformações, se afastam dos centros urbanos, ganham embalagens e nomes industriais, aderem à era da televisão e computadores e se escondem dos olhos de alguns, mas não abandonam o imaginário do homem. Um exemplo é o bambolê, um brinquedo usado desde o Egito Antigo, feito de madeira ou vime. Nos anos 1950, ganhou uma versão de plástico e fez enorme sucesso. (Id.) Uma possibilidade desta temática é que possibilita que as crianças continuem ativas na transmissão, elaboração e recriação dessas atividades, que não perderam seu caráter universal e específico, nem suas características de serem acumuladas e modificadas pelo tempo, transmitidas oralmente entre as gerações e representativas de um valor inestimável da cultura popular de cada povo. Um exemplo é o popular jogo de Bete, uma versão simplificada do críquete e do baseball, inventado no Brasil e que utiliza elementos simples como pedaços de madeira, latas ou garrafas de refrigerante e bolas. (Id.) Para Vygotsky (1984), o jogo facilita o desenvolvimento da imaginação e da criatividade. A criança em idade pré-escolar experimenta necessidades irrealizáveis, aparecendo o brinquedo e a atividade lúdica, com seu conteúdo imaginário, como possibilidade de realização dos desejos irrealizáveis. O brinquedo é uma contribuição para o desenvolvimento inclusive da língua escrita, já que nele ocorre uma representação do significado. Outro fator ressaltado pelo autor diz respeito à presença de regras na brincadeira: qualquer forma de brinquedo imaginativo contém regras "a priori", embora não seja uma situação de jogo com regras formais estabelecidas. 31 Fonte: http://www.aliancapelainfancia.org.br/paginas/brincadeiras_rua.htm 32 Fonte: http://www.correios.com.br/selos/selos_postais/selos_2003/selos_2003_18.cfm 36 O resgate dos jogos tradicionais infantis possibilita uma construção e reconstrução da identidade individual e coletiva, baseada na experiência. Benjamim (1984), analisando a obra de Karl Gröber (1899), dizendo que “o brinquedo é um mudo diálogo da criança com o seu povo" (p. 74). Para Benjamin brincar significa sempre libertação e, neste sentido, "a brincadeira determina o conteúdo imaginário, não o contrário" (p. 69). A relação da brincadeira e seu representante material (brinquedo) com a cultura é visto por Benjamim atrelada à função da imaginação no desenvolvimento da criança, na sua relação com os brinquedos. Por este motivo, afirma que, quanto mais a imitação se anuncia nos brinquedos, tanto mais estes se desviam da brincadeira viva: “A essência do brincar não está no 'fazer como se', mas um 'fazer sempre de novo', transferência da experiência mais comovente em hábito” (BENJAMIM, 1984). Para esta Temática cabe a difícil tarefa de possibilitar experiências para que as crianças prossigam, à sua maneira, imaginando, recriando e transformando as brincadeiras e jogos, respeitando seus conhecimentos prévios e, acima de tudo, estimulando para que socializem estas “imaginações” com os demais, permitindo assim uma construção coletiva que constitui um processo de criação e transformação do conhecimento. 6.2 Ginástica Geral Para a segunda Temática propomos como tema central “Ginástica Geral”, por compreender um vasto leque de atividades físicas orientadas para o lazer, fundamentadas nas atividades gímnicas, assim como manifestações corporais com particular interesse no contexto da cultural nacional. Consideramos importante este conteúdo porque todo movimento ginástico, assim como os movimentos característicos dos esportes, evoluíram dos movimentos naturais33 ou habilidades específicas do ser humano, que segundo Pérez Gallardo & Sousa (1993), “são aquelas que se caracterizam por estar presentes em todos os seres humanos, independentes de seu lugar geográfico e nível sócio-cultural e que servem de base para aquisição de habilidades culturalmente determinadas...”. Nossa compreensão de Ginástica Geral para esta Temática está embasada na definição de Santos (2001, p. 23); 33 Esta expressão é um tanto problemática, já que os movimentos humanos sempre são culturais. 37 [...] é um campo bastante abrangente da ginástica, valendo-se de vários tipos de manifestações, tais como danças, expressões folclóricas e jogos, apresentados através de atividades livres e criativas, sempre fundamentadas em atividades ginásticas. Objetiva promover o lazer saudável, proporcionando bem estar físico, psíquico e social aos praticantes, favorecendo a performance coletiva, respeitando as individualidades, em busca da auto-superação pessoal, sem qualquer tipo de limitação para sua prática, seja quanto às possibilidades de execução, sexo ou idade, ou ainda quanto à utilização de elementos materiais, musicais e coreográficos, havendo a preocupação de apresentar neste contexto aspectos da cultura nacional, sempre sem fins competitivos. A Ginástica Geral é uma modalidade essencialmente caracterizada pela participação, onde o praticante tem a condição de criar, experimentando novos movimentos e refletindo sobre os já adquiridos. O ser humano tem o direito à liberdade de movimentar-se conforme sua história, seu momento e seus desejos, e pode quebrar o paradigma da ginástica contemporânea, que ainda é vista como forma de manter o corpo saudável, sendo a saúde restrita ao ser biológico, separado de sua história e da sociedade em que vive (AYOUB, 2003). A proposta deste tema tem respaldo dos Parâmetros Curriculares Nacionais que, dentre os três blocos que se articulam entre si e que deverão ser desenvolvidos ao longo de todo o ensino fundamental, dedica um deles para os Jogos, Lutas e Ginásticas. Em tal documento, as ginásticas são técnicas de trabalho corporal que, de modo geral, assumem um caráter individualizado com finalidades diversas. Ressalta que este conteúdo tem relação privilegiada com “Conhecimentos sobre o corpo”, pois nas atividades ginásticas estes conhecimentos se explicitam com bastante clareza. Além desta justificativa, distintas concepções de ensino as quais consideram estes conteúdos importantes para a aula de Educação Física nos amparam na escolha deste tema, como por exemplo a Crítico - Superadora34, Abordagem Sistêmica35, Humanista36, Educação física plural37, dentre outras. A ginástica como conteúdo da Educação Física proporciona aos alunos vivências variadas para conhecer seu corpo e suas diferentes possibilidades de movimento. Estimular a 34 COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez,1992. 35 BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade . 1ª ed. São Paulo: Movimento, 1991. 36 OLIVEIRA, Vitor Marinho de. Educação fisica humanista. Rio de Janeiro: Ao Livro Tecnico, 1985. 37 DAOLIO, Jocimar. Educação física escolar: uma abordagem cultural. In: PICCOLO, V.L.N., org. Educação física escolar: ser...ou não ter? Campinas, UNICAMP, 1993. 38 criatividade, imaginação e o poder de criação favorece ao aluno o desenvolvimento da sua autonomia. A Ginástica permite às crianças se expressarem de maneira única e individual. Muito da ginástica é a busca do desconhecido, as crianças são constantemente desafiadas a tentarem novos exercícios, a descobrir o quanto elas são capazes de conseguir através da experimentação e do pensamento criativo. Martins (2001, p. 49) afirma que a ginástica “(...) explora o máximo das experiências vividas, procura resgatar os movimentos básicos, por meio de atividades da vida cotidiana, levando-o a compreensão de sua prática (...) possibilita uma nova leitura do movimento corporal de forma natural, criativa e expressiva, contribuindo com aspectos da formação humana”. 6.3 Atividades Rítmicas e Expressivas O terceiro tema contempla a temática “Atividades Rítmicas e Expressivas”, a qual compreende o movimento como instrumento de expressão e comunicação, por meio de manifestações que combinam expressões e sons, como danças, mímicas e brincadeiras cantadas, já que por meio delas o aluno caracteriza diferentes movimentos expressivos, sua intensidade e duração. Diz respeito às manifestações que combinam diferentes estruturas rítmicas e as qualidades do movimento, tais como pesado/leve, forte/fraco, rápido/lento. Nesta proposta, os conteúdos da Atividade Rítmica constituem um conhecimento legítimo e efetivo da Educação Física que têm como objetivo principal aflorar o potencial e desenvolver o senso rítmico do ser humano, contribuindo para a educação rítmica, proporcionando o divertimento e o desenvolvimento pessoal e social das pessoas. Nesta temática almejamos aprimorar o sentido de percepção e desenvolvimento da expressão corporal, ritmo, esquema corporal e, sobretudo, enfocar atividades que forneçam aos alunos informações sobre o seu próprio corpo para que, através de atividades corporais, conheçam a si próprio e aos outros, respeitando-se as individualidades. De certa maneira, encontramos respaldo na escolha nos PCN’s no que diz respeito a dois blocos de conhecimentos sugeridos por tal documento, já que nossa proposta reúne traços de ambos. Do bloco “Atividades Rítmicas e Expressivas” envolve as manifestações da cultura corporal que têm como características comuns a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento corporal. Do bloco “Conhecimentos sobre o corpo” abarca os conhecimentos e conquistas individuais que fornecem recursos para o indivíduo gerenciar sua atividade corporal de forma autônoma. Ainda, a percepção do próprio corpo, que por meio de suas sensações, o aluno poderá analisar e compreender as alterações que ocorrem em seu corpo e seus movimentos no 39 tempo e no espaço, durante e depois de fazer atividades. Além dos PCN‘s, este tema é fundamentado por distintas concepções de ensino as quais consideram estes conteúdos importantes para a aula de Educação Física, como por exemplo, Aulas Abertas38, Crítico - Superadora39, Crítico Emancipatória40, Abordagem Sistêmica41, Educação física plural42, dentre outras. Sob este panorama, enquanto conteúdo das aulas de Educação Física, as Atividades Rítmicas e Expressivas devem ter caráter lúdico e recreativo para que tenham sentido para as pessoas. Lúdico com o significado de alegria, divertimento, brincadeira, prazer, satisfação e recreação no sentido de criar, transformar, modificar e recriar, fazendo com que as vivências e experiências educacionais dêem vida nova, com novo vigor, e transformem a realidade, adquirindo o “saber com sabor” ( MARCELLINO, 1990a, 1990b) Em outra direção, em vários estudos, educadores musicais, psicólogos, especialistas em educação e psicomotricidade, ressaltam a importância e os valores da estimulação e do desenvolvimento do potencial e do senso rítmico, por meio de atividades rítmico-motoras, como recurso educativo, preventivo ou terapêutico, considerando que as ações ritmadas constituem um dos caminhos para proporcionar o desenvolvimento integral. Segundo Cauduru (1989), estes estudiosos consideram: “(...) que o menor gesto regido por um ritmo implica uma complexa organização e coordenação no plano motor, que se reflete no plano mental e afetivo. Ou seja, a atividade rítmica-motora bem orientada fornece ao sistema nervoso central impulsos de imagens motoras estruturadas que geram ordem interior e propiciam sensação de equilíbrio, e autodomínio”. (p. 25) Finalizando esta temática, é importante destacar que as “Atividades Rítmicas e Expressivas” são propiciadas para distintos grupos etários e sociais, em diferentes instituições e locais, desenvolvidas de forma específica ou integrada em relação aos seus conteúdos com outros conhecimentos. 38 HILDEBRANDT, Reiner & LAGING, Ralf. (1986). Concepções abertas no ensino da Educação Física. Trad. Sonnhilde van der Heide. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1986. 39 COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez,1992. 40 KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Ed. UNIJUI, 1994. 41 BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade . 1ª ed. São Paulo: Movimento, 1991. 42 DAOLIO, Jocimar. Educação física escolar: uma abordagem cultural. In: PICCOLO, V.L.N., org. Educação física escolar: ser...ou não ter? Campinas, UNICAMP, 1993. 40 7. Análise da pesquisa de campo A pesquisa de campo, pretendida para experimentar nossa proposta de elementos teóricos metodológicas, data seu início aos dezesseis dias do mês de agosto e término em vinte e dois de setembro. Nossa proposta visava contemplar as temáticas “Jogos e Brincadeiras Tradicionais”, “Ginástica Geral” e “Atividades Rítmicas e Expressivas”. A proposta para primeira Temática, denominada “Jogos e Brincadeiras Tradicionais”, surgiu da necessidade de incentivar a preservação das brincadeiras e jogos tradicionais, de uma importância fundamental para a cultura popular, e de se respeitar os saberes que os alunos trazem consigo. Nosso objetivo foi possibilitar experiências para que as crianças prosseguissem, à sua maneira, imaginando, recriando e transformando as brincadeiras e jogos, respeitando seus conhecimentos prévios e, acima de tudo, estimulando para que socializassem estas “imaginações” com os demais, permitindo assim uma construção coletiva que constitui um processo de criação e transformação do conhecimento. Para a segunda Temática, propusemos o tema “Ginástica Geral” que, por sua vez, visava proporcionar aos alunos vivências variadas para conhecer seu corpo e suas diferentes possibilidades de movimento, estimulando a criatividade, imaginação e o poder de criação. O tema “Atividades Rítmicas e Expressivas” foi proposto para a terceira Temática. Pretendíamos explorar manifestações que combinassem expressões e sons, como danças, mímicas e brincadeiras cantadas, já que por meio delas o aluno pode caracterizar diferentes movimentos expressivos, sua intensidade e duração. Procuramos enfocar atividades que fornecessem aos alunos informações sobre o seu próprio corpo para que, através de atividades corporais, conhecessem a si próprio e aos outros, respeitando as individualidades. Em um dos dias destinados à aula de Educação Física não houve atividade na classe, acarretando no desenvolvimento de apenas um encontro na primeira Temática. Em relação às demais, aconteceram normalmente em duas aulas. Analisando as informações sobre os dois ciclos completos que constam no diário de campo, e também de posse dos relatórios das estagiárias que ministraram as aulas como suporte, foi possível identificar algumas questões que merecem destaque. Durante o período de intervenção, diversas problemáticas se mostraram presentes, algumas por diversas vezes e outras nem tanto. Para descrever o que aconteceu neste primeiro ciclo, analisamos as principais questões que engendram este ambiente educacional sob a perspectiva de quatro eixos temáticos: Participação e inclusão; Diferenças nos tempos de ensino e de aprendizagem; O conhecimento prévio das crianças e a organização das aulas; Saúde e Participação. 41 7.1 Participação e inclusão A participação foi uma das questões que se fez presente, senão em todas, na maioria das intervenções. Consideramos como participação quando as crianças realizam as atividades propostas, ativamente ou passivamente, com possibilidades de papéis diferenciados entre os atores. Participar é, de alguma forma, tomar parte do processo de tomada de decisões, das discussões, ser levado em conta, ter escolha e utilizar esse poder. Atrelamos participação com inclusão, compreendendo que esta é um processo que leva o aluno a participar. Se caracteriza por um processo em etapas, aos poucos, levando à participação efetiva. Para exemplificar a inclusão como um processo, recorremos à descrição de uma situação ocorrida em uma aula, no qual é possível compreender o exposto. Na segunda aula referente à Temática “Atividades Rítmicas e Expressivas”, desde o instante que entrou na sala, um menino alegou que não queria participar. Percebendo isto, as estagiárias utilizaram diversas estratégias inclusivas para que o fizesse. A estratégia fundamental foi o convite constante, que resultou em pequenas incursões do aluno nas atividades. Nestas, ele fazia parte da tomada de decisões, colaborava com as escolhas, até que o convite se tornou desnecessário. Uma atividade em que o grupo dançava até que a música parasse, formando uma “escultura”, e quando o som recomeçasse deviam desfazê-la para que um colega tentasse montar novamente a “escultura” segundo formada inicialmente, exemplifica uma das estratégias de inclusão utilizada pelas estagiárias: 43 (...) “nesta atividade o Giovani sempre ser o companheiro de um aluno para organizar a turma na posição de estátua. A partir deste instante Giovani participava da aula sem que as estagiárias necessitassem convencê-lo.” (Diário de campo, 01 de setembro de 05). Segundo o caderno de campo, naquela ocasião, avaliamos que: “A aula foi marcada principalmente pela inclusão do menino que não queria participar das atividades. As estagiárias foram muito felizes nas suas intervenções e estratégias de motivação, sempre o convidando e solicitando participação. A inclusão ocorreu como um processo, ele não foi obrigado a participar, mas sempre convidado, primeiro com contribuições pequenas que eram somadas gradativamente, até que ele estava participando sem que as estagiárias o motivasse.” (Diário de campo, 1 de setembro de 2005). Compreendemos por inclusão também quando, em algumas atividades, mesmo que a criança quisesse participar, não poderia fazê-lo de forma idêntica aos colegas, tendo em vista as limitações individuais. O soro na mão, braço engessado, movimentos impossibilitados em função de cirurgias, entre outras questões, limitavam a participação dos alunos, necessitando 43 Nome fictício. 42 estratégias de inclusão. Neste ponto, acontecia a realização de papéis distintos na atividade, pois mesmo que não fizessem o mesmo que o colega realizava outra função, sendo, desta forma, participante das ações coletivas. No caderno de campo há registradas diversas situações que descrevem esta forma de inclusão: “Todas as crianças participaram da construção das bolinhas e, um menino que estava com soro em uma das mãos, por isso impossibilitado de construir sozinho, participava da atividade modelando, dando forma para o brinquedo.” (Diário de Campo, dia 23 de agosto de 2005). “Primeiramente deveriam jogar a bolinha para o alto e bater palma, com exceção do menino com o soro na mão que tocaria a mão no nariz...” (Idem). “Na aula tinha um menino com o braço engessado e, por ser o mais alto, pegava os balões para os colegas.” (Diário de campo, 31 de agosto de 2005). No caderno de campo é possível identificar outras tantas situações semelhantes. No entanto, acreditamos que os exemplos supracitados expõem de forma clara a questão que consideramos importante e merecedora de realce e que, desta forma, destacamos como uma categoria de análise. A problemática da participação ocorreu principalmente no primeiro ciclo, pois, na medida em que as aulas iam acontecendo, as estagiárias perceberam que era um aspecto a ser trabalhado, já que nas aulas sempre havia uma criança que manifestava o desejo de não participar. No segundo ciclo não houve problemas em relação à participação, ocorrendo apenas situações em que era necessário incluir a criança na brincadeira, o que foi realizado com êxito em todas as situações. Para exemplificar, recorremos ao Diário de campo: “A atividade iniciou com apenas um balão, o que de certa forma acabou por não incluir todas as crianças. Percebendo isto, para que todos pudessem participar, as estagiárias acrescentaram mais balões, até que todos estavam envolvidos na brincadeira.” (Diário de campo, 8 de setembro de 2005). Na mesma aula, outra situação demonstra como as estagiárias lidaram no momento em que duas crianças abdicaram de participar: “(...) duas crianças não quiseram participar, alegando não gostarem de estourar balão”. (...). “Para que todos participassem, a sugestão foi que o rabinho de balão fosse substituído pelo de papel preso na cintura.” (Diário de campo, 8 de setembro de 2005). Nestas duas situações as estagiárias demonstraram a habilidade ao propor estratégias para que todas as crianças participassem da atividade. Na Classe Hospitalar é corriqueiro ocorrer nas aulas alguns impedimentos que fazem 43 com que a criança, mesmo manifestando o desejo de participar, não o faça devido a questões de saúde, como período pós-cirurgia, limitações nos movimentos causados por talas, soros, seringas, ou até mesmo por causarem dor. Nestas circunstâncias, se torna necessário flexibilizar o planejamento e ter certo “jogo de cintura” para que a situação seja contornada e o aluno participe normalmente das atividades. De acordo com o Diário de campo “Uma menina que havia realizado uma cirurgia não participou correndo, mas controlava quem ficava por tempo excessivo na barra e quem era o pegador”. (Diário de campo, 9 de setembro de 2005). “O soro na mão de uma menina impedia que fizesse a tarefa como os colegas, no entanto, não influenciou na sua participação na atividade, já que ela estava incumbida de moldar as bolinhas, de deixá-las no formato redondo.” (Diário de Campo, 13 de setembro de 2005). Nos exemplos acima é possível visualizar que nas atividades os alunos podem desempenhar papéis diferenciados, não significando necessariamente que um participe mais e outro menos. No segundo exemplo, a atividade que a menina desempenhou também é importante e nada impede que ela, ou mesmo outras crianças, desempenhem esse papel. Um dos objetivos da educação em Classes Hospitalares no Brasil é a tentativa de inclusão das crianças e adolescentes que, por estarem internados, não podem freqüentar as aulas nas escolas regulares de ensino nas quais estão matriculadas. Para que não percam o ano letivo, em função de algumas vezes a internação ser longa, e para que não se afastem por completo das atividades educativas, esta modalidade de ensino se designa à educação inclusiva. Desta forma, a inclusão que deve ocorrer nas aulas da Classe Hospitalar seria uma espécie de inclusão da inclusão, visto que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a modalidade de Classe Hospitalar faz parte da Educação Especial, o que significa que já é caracterizada como uma forma de inclusão. Diante do exposto, se torna necessário destacar que nas aulas a problemática da inclusão e participação ocupa lugar de destaque, merecedora de reflexões mais aprofundadas, tendo em vista que o professor necessita trabalhar com uma educação inclusiva dentro de uma modalidade que já é caracterizada pela inclusão. Por vezes esta tarefa não é fácil de ser administrada, já que a heterogeneidade, já apontada em outros momentos deste trabalho, é acentuada. Em algumas situações ela pode aparecer de forma mais tranqüila, pois salvo as exceções de auto-exclusão, a maioria das crianças que freqüenta as aulas é porque deseja participar e acaba se incluindo nas atividades sem que o professor interfira, dada a vontade de interagir nas dinâmicas. Cabe salientar que as crianças que não querem de forma alguma participar, geralmente apenas não aceitam o convite que lhes é feito na rotina antes do início das aulas. Mas, para as aulas de Educação Física, sobretudo no início, com 44 professoras/estagiárias novas – e talvez com as lembranças do que é a Educação Física na escola, com seu caráter segregador – a coisa pode ter sido algo mais difícil. A suposição de que as crianças relutariam em participar das aulas justamente por ser Educação Física, não se confirmou, já que não houve, segundo os relatos das estagiárias, situações em que os alunos não aceitaram o convite por este motivo, mas sim pelas mais variadas questões, seja por indisposição ou opção momentânea. No entanto, devemos pensar que isto pode ocorrer, ainda mais em função das limitações individuais, o que poderia levar o aluno a pensar que será excluído das atividades, assim como muitas vezes acontece em uma aula desta disciplina em uma escola regular. Quando o educador se dispõe a trabalhar com a educação inclusiva, primeiramente se faz necessária a aceitação da heterogeneidade das crianças e da diferença entre as pessoas, envolvendo, em âmbito geral, questões políticas, filosóficas e psicológicas. Trabalhar com a diversidade em sala de aula implica numa abertura para o novo e o diferente, em um enfrentamento do impacto causado pela deficiência que toca na nossa onipotência e na construção de uma noção compartilhada de deficiência. Todos apresentamos as nossas dificuldades que devemos superar, visto que, como educadores, trabalhar com a diversidade demanda, ainda, um comprometimento com este trabalho, coragem, curiosidade científica e interesse (LIMA, 2002). Posteriormente, implica em conhecer as particularidades de grupos heterogêneos, como os das diversas necessidades especiais, e requer contato e comunicação com esses sujeitos. Também demanda o conhecimento de trabalhos existentes sobre a educação de grupos específicos e na construção de outras formas de trabalhos e na elaboração de novas metodologias e perspectivas de ensino junto com os sujeitos. Em todas as aulas a proposta foi de trabalhar a mesma atividade para todos os alunos. Talvez tivesse sido o momento de avançar em relação à proposta e experimentar atividades distintas ocorrendo simultaneamente, ou seja, propor que nas aulas duas atividades fossem desenvolvidas no mesmo instante. Desta forma, enquanto uma estagiária explicasse para um grupo, a outra ficaria responsável em ministrar uma dinâmica distinta para os demais alunos. Isto seria facilitado em função de duas estagiárias ministrarem a aula, o que poderia ser facilmente administrado. O número reduzido de alunos pode ser considerado como positivo para a realização de atividades distintas, pois as explicações seriam orientadas individualmente, ou no máximo para duas ou três crianças. Por outro lado, pode ser considerado negativo, visto que o aluno poderia achar a atividade desmotivante em função de realizá-la sozinho. Por outro lado, talvez não, já que na realidade não há como sabermos exatamente, pois há os que 45 preferem trabalhar individualmente – e que, talvez, precisem aprender a trabalhar em grupo. A organização dos temas em ciclos temáticos visava minimizar o problema da eventual falta de participação. Neste caso, observamos que foi uma decisão acertada, já que, como prevíamos nos elementos teórico-metodológicos, a repetição da temática seria uma possibilidade para avançar em relação à primeira intervenção. Por meio da análise, reflexão e replanejamento das atividades foi possível contornar, em segunda instância, uma problemática da participação que se evidenciou no primeiro ciclo. 7.2 Diferenças nos tempos de ensino e de aprendizagem Problematizada anteriormente no Relato de Experiência, uma categoria de análise merecedora de destaque está relacionada às diferenças nos tempos de ensino e de aprendizagem. Diferentemente de uma escola tradicional, em que a aula é regida pelo relógio, já que as disciplinas são estruturadas em hora-aula e têm horários determinados, na Classe Hospitalar, por funcionar de forma multisseriada e com professora unidocente, as aulas não detêm tempo rígido estipulado para início e fim de cada atividade. Em função do estágio supervisionado e da realização da pesquisa, para as aulas de Educação Física foram destinadas duas tardes semanais, sempre em sua primeira metade, ou seja, antes do intervalo44 para o lanche. Dependendo do desenvolvimento das atividades, poderiam ter seu fim em pouco tempo ou ultrapassar o horário do lanche, tudo dependia dos alunos, já que a atividade durava pouco tempo ou a aula inteira. Cada aula estava planejada com determinadas atividades, com um esboço de duração aproximada, no entanto, havia certa flexibilidade, já que a maior parte das aulas estava estruturada de forma que dependia muito das crianças. Por exemplo, na Temática “Jogos e Brincadeiras Tradicionais”, como algumas atividades eram propostas pelos alunos, além de não poderem prever quantas e quais crianças estariam presentes, de antemão as estagiárias não tinham como saber quanto tempo e quais as atividades seriam desenvolvidas naquele dia. Desta forma, as estagiárias se baseavam nas respostas dos alunos perante as atividades para decidirem se trocariam ou permaneceriam naquela. Em grande parte, isto foi o que gerou a necessidade de análise e reflexão sobre este tema. Apesar da flexibilidade existente na Classe Hospitalar, as estagiárias tinham planos de aula a cumprir e também um horário pré-indicado, o que as levou certas vezes a querer 44 O horário para o lanche era previsto para as 15 h, no entanto, poderíamos finalizar a aula antes ou depois deste horário base. 46 “atropelar” a atividade, propondo a finalização por acreditarem que as crianças não estavam mais entusiasmadas. Em três momentos ocorreram as seguintes situações similares: “As estagiárias perguntaram para as crianças se gostariam de continuar ou trocar de atividade. Elas optaram por trocar, mas continuaram jogando vôlei, até que decidiram que brincariam com o bambolê”. (Diário de campo, 08/09/2005). “Percebendo que algumas crianças não queriam mais participar, as estagiárias sugeriram que essa atividade se concluísse para que se fizesse outra. Alguns alunos não quiseram, mas falaram que cada um estouraria mais uma vez e depois sim poderia acabar”. (Diário de campo, 31 de agosto de 2005). “A atividade seguinte foi o boliche, na qual as crianças brincaram por diversas vezes e continuaram até que as estagiárias perguntaram se gostariam de fazerem outra atividade. Elas jogaram mais uma vez cada e passaram para a atividade seguinte, denominada tocha”. (Diário de campo, 15/09/2005). Estas ocorrências demonstram que as estagiárias acreditavam que as atividades não eram mais atrativas para as crianças e propunham o fim. No entanto, o que ocorreu foi que as crianças, quando questionadas, optavam pela conclusão, mas continuavam a realizar a tarefa anterior, podendo significar que ainda gostariam de continuar naquela. O que ocorreu foi que as crianças foram convencidas a se desvincular da atividade atual para iniciarem outra. Nesta passagem se torna visível que a percepção de tempo e da atividade é diferente para o professor e os alunos. Dentre as crianças, cada uma necessita de um tempo peculiar para experimentar as situações que o professor cria na aula. O tempo que um aluno leva para sentir, “perceber” o que está vivenciando, não é idêntico ao dos colegas que estão realizando a mesma atividade. Duas variáveis que interferem no processo de aprendizagem são a forma e o tempo que cada aluno necessita para interpretar, entender e codificar as informações, pois é comum estipular o tempo inicial e final sem ao menos considerar o real sentido da atividade. Esta medida pode podar os alunos na “melhor” parte da brincadeira ou tornar a aula monótona e sem sentido para eles. Em virtude da impressão e da percepção de tempo do professor e dos alunos serem diferentes, o que deve ocorrer é a observação nas respostas dos alunos perante as atividades propostas, e sempre questionar sobre a vontade deles, para que não continuem na tarefa sem que ela tenha sentido para eles, ou que concluam antes mesmo de sentir o que estão vivenciando. No segundo ciclo foi o que as estagiárias adotaram como estratégia para um melhor desenvolvimento das aulas, algo que pode ser descrito segundo os seguintes exemplos: “Quando as estagiárias perceberam que estava no momento de mudar de atividade, ao observarem as reações das crianças, sugeriram que esta tivesse seu fim. Os alunos aceitaram e, a pedido das ministrantes, logo estavam em duplas aguardando as explicações”. (Diário de campo, 22/09/2005). “Esta atividade durou a maior parte da aula, já que as crianças demonstravam interesse em prosseguir”. (Idem). 47 Em relação às diferenças de aprendizagem, há de se pensar que cada ser humano é único, se constituindo frente à história do desenvolvimento de sua espécie (filogênese) e de seu desenvolvimento individual, desde o nascimento, como participante de um grupo cultural (ontogênese). A heterogeneidade, em termos de culturas, idade, escolaridade, experiências prévias do grupo de alunos, marca a necessidade de considerar diferentes ritmos e tempos de aprendizagem. Cada um tem uma história, uma necessidade, uma expectativa, além de um nível de aprendizado diferente. Na tentativa de homogeneizar ao máximo, nas escolas tradicionais as turmas são compostas por crianças que se encontram na mesma faixa etária, salvo algumas exceções, como por exemplo, por reprovação ou evasão, ou ainda entrada tardia na escolarização. Mesmo assim há problemas no processo de ensino-aprendizagem, dada a disparidade de aprendizagem de cada um, já que cada criança tem um ritmo, apresenta maior ou menor facilidade em aprender através de determinados sentidos. Um aluno, por exemplo, compreende facilmente através da visualização, outro pela verbalização, enquanto que um terceiro por meio da experimentação. Diante do exposto sobre a problemática, considerando que cada criança é única no seu desenvolvimento e na forma de se relacionar com o meio, o fundamental é perceber o aluno em sua singularidade, captá-lo em sua especificidade, em um programa direcionado a atender as suas necessidades, “especiais” ou não. Segundo o exposto acima sobre a heterogeneidade, na Classe Hospitalar isto não é uma tarefa fácil de ser resolvida, pois as necessidades são ainda mais especiais e dificultam a elaboração e execução de um programa. Sem esquecer as atividades coletivas em prol de um hiper-individualismo, o que deve ser feito, em dados momentos, é avançar na proposta de atividades distintas para que seja possível ocorrer esse direcionamento segundo as peculiaridades de cada aluno. 7.3 O conhecimento prévio das crianças e a organização das aulas Existe um rico e vasto mundo de cultura dos alunos, repleto de movimentos, jogos e fantasias que não podem ser ignorados pelo professor e sim valorizados. Diante disto, um dos principais objetivos que propusemos nos elementos teórico-metodológicos visava a participação do aluno na construção das aulas, considerando os conhecimentos prévios de cada um. Podemos dizer que na totalidade das aulas os alunos participaram de alguma forma na construção da prática pedagógica. Na maioria das intervenções fizeram parte da tomada de decisões quando da escolha e ordem das atividades, sendo que em algumas sugeriam as dinâmicas e também retificaram e/ou criaram regras. Para exemplificar, recorremos a algumas 48 descrições que constam no caderno de campo: “As estagiárias perguntaram para as crianças qual seria a primeira brincadeira dentre as que estavam descritas no quadro. Os alunos optaram por voleibol e instigadas definiram conjuntamente os materiais, tamanho da quadra e as regras. Eles ataram um barbante na janela e em uma haste para ser a rede, esticaram e colaram barbantes no chão para delimitar o espaço e escolheram o balão para ser a bola.” (Diário de campo, 08 de setembro de 2005). “Combinaram as regras, estabelecendo apenas uma barra (local que o pegador não poderia pegar) e que não era permitido permanecer por muito tempo naquele local.” (Diário de campo, 09 de setembro de 2005). “Na medida em que a atividade acontecia, as crianças, estimuladas pelas estagiárias, modificavam as regras, diminuindo a dimensão de espaço e a forma de toque, delimitando ora só com os pés, ora só com a cabeça.” (Diário de campo, 16 de agosto de 2005). “As estagiárias iniciaram explicando a atividade quando foram interrompidas pelo aluno que havia sugerido, retificando as regras do jogo, alegando que não “era daquele jeito” que se jogava.” (Idem). As passagens retiradas do caderno de campo nos fornecem subsídios para analisar, de forma geral ,o que esteve presente nos dois ciclos de intervenção. A participação dos alunos na escolha, regras e ordem das atividades, estiveram presentes em todas as aulas. As aulas foram centradas principalmente nas respostas dos alunos frente às atividades e regras propostas por eles. Um fato importante é que as estagiárias procuraram sempre contar com a participação dos alunos nas explanações sobre o ocorrido na aula anterior e, quando necessário, nas explicações sobre o que estava acontecendo para os alunos que chegavam após o início. Segundo o caderno de campo: “Durante esta atividade uma menina chegou na classe e foi informada do que estava acontecendo pelas explicações dos colegas e das estagiárias.” (Diário de campo, 31 de agosto de 2005). “Neste momento entrou na sala um menino que participara daquela aula, e que auxiliou nas explicações até que sabia, pois saíra no decorrer dela, antes do término.” (Diário de campo, 01 de setembro de 2005). “Os alunos que participaram da aula anterior, questionados pelas estagiárias, explicaram sobre o ocorrido, falando da tarefa para esta aula, as brincadeiras realizadas e que brincaram de várias porque cada criança sugeriu uma”. (Diário de campo, 08 de setembro de 2005). “Uma das crianças que sugeriu esta atividade explicou-a para os demais colegas”. (Idem). “Ao término do relato das crianças a proposta foi que se inventasse uma nova brincadeira mesclando as referidas pelas crianças. As estagiárias procuraram problematizar a situação abordando questões como as possibilidades de cada um e da estrutura material, perguntando para os alunos o que poderia ser feito, como e se todos poderiam participar da devida invenção.” (Diário de campo, 16 de agosto de 2005). “Um menino começou a explicar as atividades que havia proposto (...) Na seqüência foi a vez de uma menina explicar a sua proposta.” (Diário de campo, 25 de agosto de 2005). 49 Outro aspecto merecedor de destaque coloca-se em relação às tarefas de quarto. Com elas as estagiárias procuraram estimular os alunos a refletirem sobre suas brincadeiras preferidas e questionarem as dos acompanhantes, que pintassem um desenho do próprio corpo segundo a criatividade e que elaborassem brincadeiras possíveis utilizando um material que fora construído em sala de aula. O objetivo central das tarefas de quarto buscava integrar o aluno ainda mais nas atividades das aulas, visando contar com seu conhecimento prévio na construção coletiva da aula. Todas as tarefas propostas tiveram retorno nas aulas seguintes, inclusive uma sendo entregue por uma mãe porque o aluno estava em período pós-cirúrgico, algumas apresentadas em uma aula que não era de Educação Física porque as crianças receberam alta e outras foram entregues passados alguns dias, quando as crianças retornaram ao hospital para realizarem alguns exames.Os trechos abaixo retirados do diário de campo apresentam alguns exemplos. “Os dois alunos apresentaram a tarefa designada na aula anterior, que consistia na elaboração de brincadeiras possíveis com a bolinha construída.” (Diário de campo, 25 de agosto de 2005). “Cada criança apresentou a sua tarefa de quarto para a turma.” (Diário de campo, 8 de setembro de 2005). “Os alunos que participaram da aula anterior, questionados pelas estagiárias, explicaram sobre o ocorrido, falando da tarefa para esta aula, as brincadeiras realizadas e que brincaram de várias porque cada criança sugeriu uma.” (Idem). “No início desta aula de terça-feira, 3 crianças entregaram a tarefa e, mesmo impossibilitado de se dirigir à classe, um aluno pediu para que a mãe a entregasse, totalizando 4 tarefas entregues.” (Diário de campo, 23 de agosto de 2005). “A professora Tânia falou que na aula de quarta-feira três crianças apresentaram a tarefa, porque receberam alta e, portanto, não estariam na aula de hoje. Isto é um fato importante, já que as crianças fizeram a tarefa mesmo sabendo que não estariam no dia que fora solicitado, demonstrando comprometimento.” (Diário de campo, 15 de setembro de 2005). “As estagiárias explicaram como fora feito, mostrando o de uma menina que fizera a tarefa e deixara na sala para a professora Tânia, e explicaram o que seria realizado na aula de hoje.” (Diário de campo, 01 de setembro de 05). Um dos objetivos da primeira Temática – “Jogos e Brincadeiras Tradicionais” – consistia em socializar as brincadeiras que cada aluno conhecesse, visto que eles eram procedentes de diferentes localidades do estado de Santa Catarina e, por isso, vivem culturas distintas. Esta afirmação se dá em função de que o grupo de convívio de cada um não ser o mesmo, portanto possuírem costumes diferentes. De certa forma isto ocorreu, segundo os exemplos descritos no diário de campo: 50 “Na sala havia crianças que nunca tinham brincado com este brinquedo, desta forma o conhecendo por intermédio dos colegas. Este é um fato importante, pois nesta oficina um dos objetivos é que se socializem as brincadeiras que cada um conhece, já que variam de acordo com a região.” (Diário de campo, 08 de setembro de 2005). “Uma das crianças sugeriu que brincassem de caçador, pois não sabia como era. As estagiárias e os alunos que conheciam explicaram, combinaram algumas regras e, após todos entenderem a dinâmica, iniciaram a atividade.” (Idem). No início do processo de escolarização a criança não é uma tábua rasa, uma folha de papel em branco que a escola deve encher de conteúdos. Pelo contrário, ao chegar à escola o aluno traz consigo um vasto conhecimento que foi construído através da interação com o meio desde seu nascimento. Segundo a visão de Piaget, ao entrar na escola o aluno possui conceitos – não científicos, ou seja, os chamados conceitos espontâneos que lhe permite entender a realidade e se relacionar com ela. Na medida em que esta relação vai sendo estabelecida com a realidade, durante o processo da própria experiência, por formas possivelmente nem sempre previstas e determinadas de antemão, a criança desenvolve conceitos. Levar isto em consideração implica a escola ver o aluno com experiências importantes, como ponto de partida para formação dos conceitos científicos, sendo possível o desenvolvimento desses últimos tão somente quando os conceitos espontâneos da criança já alcançaram um nível determinado, próprio do começo da idade escolar. Na Classe Hospitalar, considerar o conhecimento prévio do aluno e servir-se dele é ainda mais importante, visto que neste ambiente, em que deve ocorrer a inclusão na inclusão, um dos objetivos cruciais é dar continuidade ao processo educativo iniciado na escola de origem. Desta forma, como cada criança se encontra em uma fase de aprendizagem e desenvolvimento diferenciados, que não sabemos ao certo qual é, e também por não conhecermos quais conteúdos estão sendo desenvolvidos nas escolas de origem de cada um, o atendimento pedagógico hospitalar deve orientar-se principalmente nos alunos, respeitando seus conhecimentos manifestos e suas diferenças. As crianças são constituídas a partir de processos diversificados de relações sociais, de ação e interação com o meio. Desta forma, na Classe Hospitalar, por não ser homogênea e nem padronizada, há de considerar esta heterogeneidade e tirar proveito dessa diversidade de possibilidades de interação conhecimentos e habilidades. social, procurando promover a construção coletiva de 51 7.4 Saúde e participação Atrelada à problemática da participação, em alguns momentos das intervenções nos deparamos com situações que nos fizeram refletir acerca da saúde das crianças. Tendo em vista que estão no hospital prioritariamente para tratamento médico, é evidente que apresentam limitações para realizarem algumas atividades. Além disso, há ainda as condições de saúde que as crianças apresentam e que, mesmo questionando as unidades de enfermaria do hospital, não sabemos ao certo, já que as informações costumavam ser vagas. Tampouco tínhamos acesso aos prontuários45. Desta forma, se torna perigoso em dados momentos da aula propor um ritmo mais intenso ou até mesmo um movimento que porventura prejudique o tratamento de determinada criança. Na primeira aula, na realização de uma atividade que envolvia bastante movimentação, ocorreu a seguinte situação: “Nesta atividade as crianças demonstraram entusiasmo ao realizarem, sendo considerado o pico da aula, já que os alunos se movimentaram até evidenciarem estafa física.” (Diário de campo, 16 de agosto de 2005). Diante desta ocorrência, consideramos perigosas determinadas atividades e intensidade elevada nas aulas, visto que poderia ser prejudicial para algumas crianças e influenciar no seu tratamento de saúde. Outras questões estão relacionadas com a saúde e as limitações nas atividades. Nas primeiras aulas ocorreram duas situações em que, dada a agitação da turma, houve choque entre duas crianças, sendo que uma estava com soro e o resultado foi dor. Além disto, há de se pensar sobre as limitações que algumas crianças podem apresentar em relação a determinados movimentos como, por exemplo, injeções realizadas nas nádegas que podem resultar em dor ao sentar. Para que os acontecimentos não se repetissem, nas aulas seguintes as estagiárias passaram a solicitar cautela nas atividades. Mesmo assim, em algumas atividades as crianças estavam bastante agitadas, conforme descrito abaixo: “Apesar de diversas vezes as estagiárias solicitarem calma, as crianças continuaram agitadas, correndo, algumas ofegantes e demonstrando cansaço.” (Diário de campo, 25 de agosto de 2005). 45 Antes de iniciarmos as atividades contatamos uma das pedagoga da Classe Hospitalar sobre a possibilidade de acesso aos prontuários, que nos informou que seria muito difícil conseguirmos. Mesmo assim, na primeira semana de aula nos dirigimos à uma unidade do hospital (D) e perguntamos na enfermaria sobre a possibilidade de disponibilizarem os prontuários das crianças que freqüentassem a Classe Hospitalar. Consideramos que nossa tentativa foi válida, no entanto pouca, pois deveríamos ter insistido, perguntando em outras unidades e à outras pedagogas. Esse é um fator que devemos refletir e mais bem encaminhar para as próximas pesquisas. 52 “Apesar das diversas manifestações e pedidos de calma por parte das estagiárias, as crianças continuaram agitadas, até que, semelhantemente ao fato da aula anterior, um menino agitado bateu na mão em que estava o soro do colega, resultando em dor.” (Idem). Nos elementos teórico-metodológicos, propusemos que antes de cada aula se consultasse o prontuário de cada criança, no entanto, isto não foi possível, já que, como dito acima, não tivemos acesso a ele. O prontuário é de propriedade do paciente, nele constam todas as informações sobre sua estadia no hospital, os procedimentos, as respostas e horários dos medicamentos e exames, diagnósticos, enfim, tudo o que diz respeito ao tratamento. O hospital tem a guarda destes documentos, é seu fiel depositário com a finalidade de preservar o histórico de atendimento de cada paciente. O atual Código de Ética Médica, em vigor desde 1988, assegura aos pacientes o direito a um prontuário, ficha ou registro médico, acesso a todas as informações que dizem respeito à sua saúde, inclusive em uma linguagem que possa entender e compreender, além de receita em letra legível. O paciente tem direito à cópia do seu material médico, incluindo exames laboratoriais, raio x, notas de enfermagem, laudos diversos, avaliações psicológicas e psiquiátricas, entre outros. Estes direitos estão também confirmados no atual Código de Defesa do Consumidor que, no artigo 7246, explicita que o prestador de serviços, tal como o médico ou profissional de saúde, não pode "impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, bancos de dados, fichas e registros”. Os pacientes possuem direito assegurado de acesso ao seu prontuário de acordo com o item 13 dos Direitos dos Pacientes47, no entanto, muitas vezes o que ocorre é a omissão das informações por parte dos médicos, que mantêm as informações sigilosas inclusive para o próprio interno. Segundo o Código de Ética Médica, artigo 70 “É vedado ao médico negar ao paciente o acesso ao seu prontuário”. Também é comum a pouca importância que é dada ao armazenamento das informações no prontuário. A prioridade do trabalho é, sem sombra de dúvida, o cuidado à saúde, e as anotações sobre os procedimentos e decisões são tidas como secundárias no processo de atendimento médico, sendo realizadas com pouco cuidado e sem utilização de métodos estruturados formalmente. No entanto, no cuidado à saúde, as informações são cruciais, portanto, se torna necessário cuidar para que sejam mantidas com conteúdo apropriado e inteligível para que possam ser acessadas, sempre que necessário, de modo que possam servir 46 Código de Defesa do Consumidor (CDC) - LEI Nº 8.078, de 11 de setembro https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm [acessado em 25 de outubro de 2005] 47 Disponível em http://www.hospitalgeral.com.br/1_centro/direitos/default.htm [acessado em 16 de outubro de 2005] de 1990, disponível em 53 como instrumento de decisão e ponto de partida para a continuidade do atendimento ao paciente, seja no tratamento médico ou pedagógico. As informações acerca de cada criança foram obtidas nas enfermarias e, principalmente, nas conversas antes das aulas com a professora que nos comunicava sobre as condições das que já haviam freqüentado a classe e, portanto, sobre as quais fizera o cadastro com vários dados, inclusive sobre os motivos de estarem internadas, sempre através de perguntas dirigidas a eles. Isto implicou em não sabermos se determinadas atividades e/ou movimentos eram permitidos ou não para cada criança, restando-nos prestar atenção nas respostas, sendo que algumas vezes ficou a critério delas decidirem sobre o perigo ou não. Na primeira aula, quando proposta a atividade da “Dança das Cadeiras”, um aluno respondeu da seguinte maneira: “Eu não quero, não vou me matar.” Naquela situação consideramos que a manifestação poderia ser vista como uma tentativa de autopreservação, tendo em vista suas condições de saúde, e percebemos que o menino pensou se a atividade poderia ou não causar algum malefício a ele. Semelhantemente, em uma atividade que exigia movimentação intensa: (...) “uma menina realizou com cautela, em função de estar em período pós-operatório. Mesmo impossibilitada de realizar alguns movimentos, ela participou de toda aula, da maneira que lhe foi possível.” (Diário de campo, 15 de setembro de 2005). Ao término do primeiro ciclo as estagiárias analisaram as intervenções e avaliaram se havia ou não a necessidade de reestruturação do planejamento das aulas. Em função da problemática das atividades relacionadas à saúde, sobre os benefícios ou malefícios que determinadas atividades poderiam ocasionar, no segundo ciclo optaram em excluir do planejamento uma atividade que no primeiro foi bastante agitada e que os alunos demonstraram cansaço, inclusive estando ofegantes e bebendo água algumas vezes durante a dinâmica. Naquela ocasião, avaliamos que: “Foi uma opção de cautela por parte das estagiárias, pois naquela aula, de nada adiantou solicitar que as crianças tivessem calma, inclusive acontecendo que uma delas se chocou com um colega que estava com soro, e que resultou em dor.” (Diário de campo, 15 de setembro de 2005). As peculiares situações de saúde em que as crianças se encontram, há especificidades na participação nas aulas. Materiais que os alunos carregam permanentemente, como gesso, tala, seringas, cadeira de rodas, haste para o soro, e até mesmo um coletor urinário, interferem na participação na aula como um todo ou em determinadas atividades. Diante disto, ocorreu em 54 uma situação em que um aluno estava com um coletor urinário a professora propôs que este fosse pendurado com um barbante no pescoço, permitindo assim que a criança participasse normalmente das atividades propostas naquele dia. Certamente, a estratégia proposta é resultado da sua experiência de 6 anos atuando na Classe Hospitalar. Além disto, outro fator que interfere é o tratamento médico, pois algumas vezes a criança está impossibilitada de participar por estar em período pré ou pós-cirúrgico, em função da realização de exames no mesmo horário da aula, não apresentando condições físicas (fraqueza, por exemplo), acontecendo até mesmo de se retirarem no decorrer das atividades, podendo retornar ou não. Tudo isto está relacionado com a participação dos alunos vinculada às condições de saúde das crianças. Neste ponto, cabe ressaltar que sua presença se dá essencialmente por conta da condição de enfermidade e que assim que o tratamento médico obtenha o êxito necessário, ela deve retornar o mais breve possível para as atividades das quais fora afastada, tais como o convívio com a família, amigos, escola etc. 55 CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS A inserção da Educação Física em Classes Hospitalares ainda é recente, e no Hospital Infantil Joana de Gusmão data seu início no primeiro semestre de 2004, quando realizamos o estágio supervisionado em tal ambiente. Na Prática de Ensino I e II experimentamos, respectivamente, as intervenções estruturadas em oficinas com temas distintos e temática única. Diante dos entraves encontrados e sobre os quais refletimos, deparamo-nos com a necessidade de formular propostas e aprofundar conhecimentos teóricos e metodológicos, visando dar continuidade ao processo de desenvolvimento de crianças e jovens hospitalizadas. Nesta pesquisa visamos avançar no desenvolvimento de uma sistematização de subsídios para a organização pedagógica e para um conjunto de temáticas a serem trabalhadas na Educação Física Escolar. Para isto, elaboramos alguns elementos teóricos metodológicos e sistematizamos uma seqüência de ações organizadas em etapas para os temas que nos propusemos a experimentar na classe: “Jogos e Brincadeiras Tradicionais”, “Ginástica Geral” e “Atividades Rítmicas e Expressivas”. Algumas problemáticas já estão elucidadas e outras nem tanto. A organização em ciclos temáticos visava minimizar alguns entraves encontrados em nossa experiência e conhecimento prévio em tal ambiente educacional. Uma problemática central nesta pesquisa foi relacionada à participação, já que se fez presente na maioria das intervenções do primeiro ciclo. Podemos dizer que houve um avanço em relação a isto, pois quando da repetição da temática, após a reflexão das aulas, não ocorreram situações similares de abstenção nos encontros subseqüentes. A questão das diferenças entre os tempos de ensino e aprendizagem apresentada no relato de experiência novamente se fez presente, desta vez nesta pesquisa experimental. Na primeira ocasião percebemos que deveríamos trabalhar na tentativa de contornar essa problemática que dificultava o desenvolvimento das aulas rumo aos objetivos propostos, já que nosso intento parecia muito vinculado a cumprir com os planos de aula, do que voltado para a execução de atividades dotadas de sentido educacional. Já na experimentação dos elementos balizadores propostos por nós, o enfoque dado à estrutura e desenvolvimento das aulas esteve direcionado para as crianças, pois de acordo com as respostas delas é que a aula tomava seu rumo. Mesmo assim, houve situações em que as diferenças emergiram em algumas situações em aula. Acreditamos que a questão supracitada dependa muito de como o professor entende a aula em si. Caso compreenda como sendo “dele”, como “dono” da aula e das atividades, sem 56 considerar os alunos, é provável que esta problemática se faça presente na maioria das intervenções. No entanto, se compreender a aula como resultado da interação entre professor, aluno e conteúdo, considerando o aprendiz importante para o processo, provavelmente minimizará as ocorrências das diferenças nos tempos de ensino e aprendizagem que interferem neste, podendo, inclusive, ser um elemento facilitador desta última. Uma problemática com as quais nos deparamos nesta pesquisa diz respeito às aulas e os riscos de saúde. É interessante destacar que nos dois semestres de estágio não percebemos nas aulas situações que nos fizessem refletir sobre isto. Pode ser que naquele momento não foi possível visualizar por estarmos atentas a outros entraves, algo que não tenha sido tão significativo ou até mesmo por negligência nossa que não atináramos sobre tal questão. Acreditamos que este ponto demande maiores reflexões em futuras pesquisas, pois se relaciona com os motivos pelos quais as crianças estão em tal ambiente, podendo ou não interferir no tratamento de saúde a que são submetidas. Uma reflexão que deve ser levantada sobre esta questão está em função de não sabermos ao certo as condições de saúde dos alunos. Nos elementos teórico-metodológicos propomos que antes do início de cada aula as estagiárias lessem os prontuários dos possíveis alunos visando um pré-conhecimento das limitações para aquela intervenção, para que, se necessário, adaptassem ou excluíssem atividades que porventura fossem nocivas. No entanto, em nenhuma ocasião isto foi possível, já que não tivemos acesso aos prontuários; desta forma, limitando nossas informações acerca dos alunos às respostas obtidas nas enfermarias ou da professora da classe. Por outro lado, de nada adianta se o professor/estagiário tiver acesso livre aos prontuários se não compreender o que estiver escrito em tal documento. Nesta afirmação há duas coisas a serem pensadas: a primeira se relaciona com a forma como os médicos descrevem as informações, que deve ser clara, de fácil entendimento, o que na maioria das vezes não é, já que não é de praxe se importarem com o relato dos procedimentos para o entendimento de todos, mas sim se preocuparem com a prática em si. Posteriormente, acreditamos que os educadores devem ter um conhecimento mínimo sobre as mais diferentes enfermidades e procedimentos médicos. Desta forma, a formação de professores que desejam atuar nesta área educacional deve incluir conhecimentos acerca de tais assuntos que permeiam o hospital, indo desde a linguagem específica até as implicações de determinados procedimentos hospitalares. A rotatividade e heterogeneidade da turma, citada anteriormente no relato de experiência, se fizeram presentes na pesquisa experimental, demonstrando que são 57 problemáticas típicas em tal ambiente. Sobre a primeira não há muito que possa ser feito, já que não depende do professor e nem do aluno, mas sim das circunstâncias. O que pode ser pensado é a organização dos conteúdos em forma de temáticas, como realizamos, e que as aulas tenham fim em si mesmas. Em relação à heterogeneidade, devemos avançar na proposta de atividades distintas ocorrendo simultaneamente nas aulas e a realização de papéis distintos na mesma dinâmica. Propomos isto, pois como na turma há crianças de 1ª a 4ª séries, e conseqüentemente, com idades, capacidades, limitações e etc diferenciadas, indicar as mesmas atividades significaria evidenciar uma problemática presente na escola regular, em que um aluno da 5ª série participa sem problema algum de uma aula de Educação Física para a 8ª série – o que é um sério problema da área, a organização curricular. Quando colocamos que na mesma situação devem acontecer diferentes atividades, não estamos aderindo para um hiperindividualismo, esquecendo da coletividade, mas sim que em alguns momentos seja interessante experimentar a idéia, ao menos para fins de avaliação e reflexão, já que não ocorreu até então. Analisamos a organização das atividades em ciclos temáticos como positiva, tendo em vista o bom andamento das aulas. Também porque em todas as Temáticas esteve presente pelo menos um aluno nas duas aulas, o que de certa forma é positivo, já que prevíamos que cada Temática durasse uma semana visando que as crianças, na medida do possível, fossem as mesmas. Ao elaborarmos os elementos balizadores, sinalizamos que dificilmente os alunos que participassem de uma Temática no primeiro ciclo estivessem presentes na respectiva aula no segundo ciclo. E realmente foi o que ocorreu, já que não tivemos a presença de nenhuma criança por duas vezes na mesma Temática. Desta forma, a organização em forma de ciclos é considerada por nós como um bom elemento norteador, já que permite que as intervenções sejam pensadas e refletidas para uma nova experimentação, visando sempre avançar em relação ao que foi efetivado. Infelizmente não foi possível estendermos as intervenções para nove semanas, dada a questão do tempo. Acreditamos que a realização de um terceiro ciclo seria interessante para fins de análise em relação às problemáticas apresentadas nos dois primeiros ciclos de intervenção. A tendência seria que no ciclo seguinte as problemáticas tivessem uma evolução na perspectiva de superação e também que outras questões emergissem das situações geradas em aula. No entanto, não há como sabermos ao certo o que aconteceria neste período extra idealizado por nós. As principais limitações para a realização desta pesquisa se deram em função do não 58 acesso aos prontuários dos pacientes, a recente inserção da Educação Física em ambientes hospitalares e, conseqüentemente, à escassez de referencial bibliográfico sobre o tema, e por fim, considerado primordial, a necessidade de encerrarmos em seis semanas dado o prazo de entrega deste trabalho. Diante do acima exposto, acreditamos que a organização em forma de ciclos temáticos seja uma boa alternativa para o ensino da Educação Física em Classes Hospitalares. Sugerimos que sejam acrescentadas mais temáticas aos ciclos, já que limitar os conteúdos de tal disciplina em três temas, elegendo tais como merecedores de maior destaque, seria relegar os demais conhecimentos da área a segundo plano, atribuindo-lhes certa inutilidade. Também, propomos que sejam desenvolvidos três ciclos para que possa ser possível a reelaboração e reestruturação das aulas, no sentido de avançar em relação ao já alcançado. Dois ciclos já nos fornecem alguns achados, mas acreditamos que a realização de um terceiro nos trariam algo a mais já elucidado e também novas questões a serem pensadas. Nossa pergunta inicial sobre as possibilidades de ensino em Classes Hospitalares em parte foi elucidada, já que os elementos propostos inicialmente surtiram positivamente. No entanto, de posse deste estudo há a necessidade de aprofundarmos os conhecimentos cada vez mais, para que possamos chegar ao centro das questões, não nos limitando em ficarmos na superficialidade dos fatos. Consideramos esta pesquisa como o início de reflexões acerca de elementos balizadores para o ensino da Educação Física em Classes Hospitalares. Ainda há muito a ser pensado e refletido. Portanto, não é nosso intuito encerrar aqui as discussões e tomar tudo como verdade absoluta, mas sim que este estudo seja um embrião, que seja o início de algo maior e em constante mutação. 59 REFERÊNCIAS BRASIL Secretaria Nacional de Educação Especial (MEC).Política Nacional de Educação Especial: livro 1. Brasília: SNEE, 1994. 66 p. ______ Conselho nacional dos direitos da criança e do adolescente. Resolução no 41, de 13 de outubro de 1995. ______Direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Diário Oficial, Brasília, 17 out. 1995. 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Em função de na próxima quinta-feira não haver aula na classe, fato que impossibilita que a primeira oficina seja efetuada em duas aulas nesta semana, esta intervenção foi a única da oficina “Jogos e Brincadeiras” e contribuiu para que as estagiárias se familiarizassem com o ambiente e observassem as peculiaridades deste, tendo em vista que visitaram apenas uma aula. As estagiárias chegaram em torno de uma hora antes do início previsto das atividades para organizarem os materiais necessários. Ambas acompanharam a professora Valíria ao leito para que as crianças fossem convidadas a participarem da aula. Na medida em que as crianças aceitavam o convite, uma delas acompanhava esta até a sala de aula. Assim foi até que seis crianças significassem o total de alunos neste dia. Inicialmente foi realizada uma apresentação geral em que as estagiárias explicaram quem eram, para que estavam ali e qual a proposta para a aula que estava acontecendo. Em seguida, as crianças falaram os nomes, idade e a cidade de origem. Para “quebrar o clima” (expressão usada pelas ministrantes) a primeira atividade consistia em brincar livremente com os mais de 50 balões que estavam espalhados pelo chão da sala de aula. A primeira reação das crianças foi estourar os balões e, neste momento, uma menina pareceu se assustar com o estrondo provocado pelo estouro e se dirigiu prontamente à professora Tânia para que a acolhesse. Após todos os balões serem estourados, as crianças colaboraram para deixar a sala limpa novamente, jogando no lixo os restos das bexigas de borracha. A atividade seguinte foi uma tentativa de resgate das brincadeiras preferidas de cada criança, sendo elaborado no quadro uma tabela com todas as informações para que esta servisse de norte no decorrer da aula. Dentre as brincadeiras citadas constavam: futebol, caçador, dorminhoco, quebra-cabeça, desenhar, voleibol e dança das cadeiras, sendo que estas duas últimas foram sugestões das estagiárias. Nota-se que apenas cinco foram mencionadas pelas crianças, pois uma menina, a mesma que demonstrou receio na atividade com balões, optou por não participar. Ao término do relato das crianças a proposta foi que se “inventasse” uma nova brincadeira mesclando as referidas pelas crianças. As estagiárias procuraram problematizar a situação abordando questões como as possibilidades de cada um e da estrutura material, 65 perguntando para os alunos o que poderia ser feito, como e se todos poderiam participar da devida “invenção’”. Dentre as sugestões foi elaborado um jogo que detinha características de futebol e voleibol. Foi esticado um barbante em uma distância de 4 metros e um no intermédio desta distância na altura em torno de 1,5 metros, representando a rede, delimitando assim o espaço da quadra. Neste jogo as crianças tocavam no balão da maneira que quisessem para passar para os colegas e para o outro lado da quadra. Na medida em que a atividade acontecia, as crianças, estimuladas pelas estagiárias, modificavam as regras, diminuindo a dimensão de espaço e a forma de toque, delimitando ora só com os pés, ora só com a cabeça. A modificação seguinte da atividade ocorreu com a inclusão de outra sugestão das crianças, a qual se denominava caçador. Utilizando o mesmo espaço da atividade anterior, o objetivo agora era passar vários balões para o outro lado da rede na expectativa de acertar um componente da outra equipe e, quando ocorria, este ia para o outro lado da quadra, passando a integrar a equipe que o acertou. Nesta atividade as crianças demonstraram entusiasmo ao realizarem, sendo considerado o pico da aula, já que os alunos se movimentaram até evidenciarem estafa física. De certa forma, devemos considerar perigoso que os alunos cheguem a esse ponto, pois poderia resultar em prejuízos à saúde, já que estão internadas por este motivo. Prosseguindo com as atividades, dentre as exemplificações que estavam no quadro, as crianças optaram por brincarem da “danças das cadeiras”. Esta foi realizada na forma tradicional, onde a cada pausa na música a criança que ficasse sem cadeira para sentar se retirava da brincadeira. Quando sugerida um menino falou “eu não quero, não vou me matar”. Essa manifestação pode ser vista como uma tentativa de auto preservação, tendo em vista suas condições de saúde, decidiu se a atividade poderia ou não causar algum malefício à ele. Para incluí-lo na brincadeira, as estagiárias indicaram para que ele ficasse responsável pela pausa nas músicas, sendo o “comandante”. Neste aspecto cabe ressaltar duas questões que estão interligadas: a primeira diz respeito à realização da atividade na forma tradicional, que na dinâmica acaba por excluir a criança e a segunda, que talvez explique a primeira, se deve pela fala da criança que abdicou a participar. Acredito que a manifestação da criança seja reflexa da forma como se conhece a brincadeira tradicionalmente, que acaba excluindo aos poucos os participantes até que reste apenas um vencedor. Uma solução que consta nos “Jogos Cooperativos”, sugerido pela professora Tânia ao termino da atividade, foi que continuasse se retirando uma cadeira a cada pausa, mas que ao invés da criança sair continuaria na brincadeira, restando possibilidade de 66 cooperação na medida em que as cadeiras poderiam ser ocupadas por mais de uma criança. No entanto, isso precisa ser balanceado com o ímpeto que o jogo pode ter na competição – não como fim último, mas como um recurso de motivação, fato este que na maioria das vezes não é fácil fazer isso. A menina que não participou de nenhuma atividade até então, convidada pela professora Tânia, argumentando que também participaria, decidiu entrar na brincadeira com o restante da turma. Neste ponto transparece a questão da participação, abordada e refletida em outros momentos, pois na medida em que a criança se abstém da atividade por opção, não dispomos soluções para tal, dada dificuldade de lidarmos com a problemática da autoridade. Após a atividade da “Dança das Cadeiras”, bastante agitada, foi realizado o jogo denominado “dorminhoco”, o qual também foi sugestão no início da aula por uma das crianças. As estagiárias iniciaram explicando a atividade quando foram interrompidas pelo aluno que havia sugerido, retificando as regras do jogo, alegando que não “era daquele jeito” que se jogava. As crianças jogaram esta atividade com cartas durante três vezes, modificando as regras, até a hora no lanche, quando a aula se deu por encerrada. Analisando a metodologia, as estagiárias seguiram a proposta, porém com algumas ressalvas. Os pontos positivos foram que convidaram as crianças no leito, explicaram o que seria feito e a questão de considerar o conhecimento das crianças que esteve presente em todos os momentos da aula. Os pontos a serem melhorados se relacionam ao fato de não ser realizada atividade que finalizasse a aula (conversa final), pois esta acabou quando a professora trouxe o lanche, ainda, a questão da não utilização de estratégias na tentativa de inclusão para que a menina que se absteve participasse da aula, mesmo sabendo-se da problemática da autoridade. Em função disto, consideramos que deveremos, em algum momento, avançar com propostas para este ponto. 67 Diário de Campo, dia 23 de agosto de 2005. Neste dia 23 de agosto de 2005 iniciamos as atividades no campo de estágio realizando a primeira aula da Oficina 2: “Ginástica Geral”. Ao chegarmos à classe 5 crianças estavam aguardando o início da aula. Em função disto, a professora Valíria, após verificar a lista dos possíveis alunos, se dirigiu para as unidades de Isolamento1 e D2, retornando com duas crianças. As estagiárias não acompanharam a professora porque esta achou melhor não, já que na sala já estavam 5 alunos. Desta forma, as estagiárias ficaram aguardando enquanto ela não voltava, fato este que resultou no atraso do início da aula em 20min. Neste tempo de atraso, a professora Tânia iniciou uma atividade relacionada ao folclore, perguntado aos alunos que descobrissem as respostas para algumas charadinhas. Em seguida, as crianças perguntavam umas para as outras, para a professora e para as estagiárias, demonstrando criatividade e imaginação em inventar perguntinhas de “o que é o que é”. As estagiárias haviam solicitado que a professora Tânia entregasse aos alunos que estivessem na aula de segunda-feira uma tarefa para ser entregue na aula de terça-feira. Se caracterizava por ser uma pesquisa que as crianças deveriam fazer com seus pais ou acompanhantes sobre as brincadeiras que conheciam. No início desta aula de terça-feira, 3 crianças entregaram a tarefa e, mesmo impossibilitado de se dirigir à classe, um aluno pediu para que a mãe a entregasse, totalizando 4 tarefas entregues. Com a presença de sete alunos na sala, as estagiárias se apresentaram e pediram para que cada um fizesse o mesmo, falando nome, idade, cidade, o que mais gostavam de brincar e o que faziam nas aulas de Educação Física. A maior parte das respostas relacionadas ao último item foi que faziam “um monte de coisas”, não exemplificando e nem falando exatamente o quê. Um menino (Gabriel), que estava no hospital apenas para realizar alguns exames, respondeu que nas aulas de Educação Física “quem me bate eu dou porrada porque ninguém me bate de graça”. Acredito que as estagiárias poderiam/deveriam ter problematizado um pouco mais, inquirindo, de maneira adequada, os alunos sobre as atividades e trabalhando um pouco a resposta do garoto. A aula de educação física e recreio são os espaços na escola em que ocorrem a maior parte das brigas e desentendimentos entre os alunos. Isto pode se dar em função de ser nestes momentos que o aluno tem espaço para se expressar corporalmente. A sala de aula é um local 1 Esta unidade presta assistência ao paciente na faixa etária de 31 dias a 15 anos incompletos, portadores de doenças infecciosas e infecto-contagiosas; 2 Compete à esta unidade, prestar assistência ao paciente na faixa etária de 31 dias a 15 anos incompletos, nas especialidades de pneumologia, nefrologia e clínica pediátrica geral; 68 que aprisiona os corpos, dicotomiza o aluno entre corpo e mente o reduzido apenas a pensar e escrever. O corpo se torna um empecilho para aula, atrapalha, deve ficar estático nas cadeiras. Por outro lado, nas aulas de Educação Física e no recreio o aluno encontra espaço para se manifestar corporalmente, não se sente mais policiado e pode de certa forma se libertar. A atividade proposta pelas estagiárias foi a construção de bolinhas, mostrando algumas prontas, o que resultou na empolgação doa alunos na realização desta atividade. Ao verem o material construído, as crianças logo falaram que era constituída de isopor, plástico, borracha ou massinha de modelar, mas na realidade é de alpiste3 e balões. As estagiárias iniciaram explicando passo a passo como se construía a bolinha. Primeiramente uma garrafinha pequena era utilizada como funil para encher um balão com alpiste até que a forma ficasse semelhante a uma bolinha. Essa etapa foi feita pelas estagiárias e professora Tânia, dada a probabilidade do perigo de engolirem alpiste ao soprarem. Em seguida, o bico do balão foi cortado, colocado outro balão em volta da bolinha formada, e assim sucessivamente até que ficasse firme e sem risco de estourar. De acordo com a criatividade de cada um, as bolinhas construídas eram de cores variadas, com uma ou mais cores, enfeitadas ou não. Durante o desenrolar da atividade, os alunos falaram que o brinquedo poderia ser construído também com farinha ou sagu. Todas as crianças participaram da construção das bolinhas e, um menino que estava com soro em uma das mãos, por isso impossibilitado de construir sozinho, participava da atividade modelando, dando forma para o brinquedo. A proposta inicial era que cada criança construísse uma bolinha, no entanto, dada a empolgação, ao todo foram 16 construídas. No decorrer da atividade, as estagiárias falaram para que cada um pensasse em brincadeiras que poderiam ser feitas com as bolinhas. Gabriel estava agitadíssimo e pediu para a professora Tânia uma caixa, cortou a tampa, utilizando-a como uma espécie de cesta para arremessar as bolinhas dentro e, acompanhado por um aluno que já havia finalizado a tarefa de construção, brincaram até que as demais crianças concluíssem a atividade. Este mesmo aluno estava muito agitado, empurrando cadeiras, passando por baixo da mesa, falando a todo instante e jogando com força as bolinhas no chão. Ele não parou durante um minuto sequer da aula, sendo que até acabou batendo na mão do colega que tinha o soro, resultando em dor. 3 Semente utilizada na alimentação de pássaros. 69 O fato supracitado reforça a problemática da heterogeneidade da turma, pois na mesma aula estão presentes crianças internadas permanentemente e as que estão apenas realizando exames médicos. A diferença entre estes alunos reforça ainda mais a problemática do que fazer na aula, mas por outro lado, aponta para a sugestão de atividades distintas ocorrendo simultaneamente. Além disso, há também a necessidade de trabalhar as diferenças, uma Pedagogia que aponte para o reconhecimento e a valorização da diversidade. Finalizada a construção do brinquedo, as estagiárias explicaram que cada um poderia escolher e levar para casa umas das bolinhas, pois as outras ficariam na classe para serem utilizadas na próxima aula. Tentaram iniciar uma atividade, mas não conseguiram porque as crianças reclamaram que só poderiam levar uma. Cada criança escolheria uma para a próxima atividade, mas, no entanto, ficaram inquietas, com receio de que não conseguissem escolher a bolinha que queriam para levar para casa. A professora Tânia sugeriu então que escolhessem antes da atividade, para que brincassem mais tranqüilas. Essa é uma situação interessante, mostrando, como aponta Vigotsky, que o jogo pode também gerar angústia. A reação das crianças frente à situação de escolha do brinquedo pode ser reflexo da relação de posse que criador estabelece com sua criação. As crianças queriam o que elas haviam construído, eram possuidoras do que fizeram, a obra era delas. Essa relação de posse demonstra um certo egoísmo em querer para si o que foi construído, não aceitando que outras crianças pudessem brincar com o que foi feito por elas. Mas também indica o reconhecimento de que o trabalho é uma exteriorização delas, a materialização da vida delas. Na seqüência, com cada aluno de posse da bolinha escolhida, foi realizado ‘mestre mandou’, caracterizada por uma atividade na qual as crianças deviam efetuar o que a estagiária sugerisse. Primeiramente deveriam jogar a bolinha para o alto e bater palma, com exceção do menino com o soro na mão que tocaria a mão no nariz. Esta foi uma forma de solução para as diferenças entre as crianças, visto que mesmo impossibilitado de fazer exatamente o que o restante da turma fazia, ele realizava com uma adaptação, desta forma incluso na brincadeira. Em seguida aconteceram diversas variações: colocar a mão no pé, no chão, em duplas batendo palma e em grande grupo. Daquele momento em diante, as crianças começaram a sugerir modificações na brincadeira, alterando as formas de pegar: todos colocando uma das mãos no centro do círculo, um joga e o seguinte segura, depois tocavam a mão no chão e assim por diante, até que sugeriram a brincadeira “alerta”. A dinâmica da brincadeira aconteceu da seguinte forma: uma pessoa jogava a bolinha para cima e chamava por um colega que deveria segurá-la. Ao jogar ao alto, todos deveria 70 “fugir” em passos rápidos, com exceção daquele chamado pela pessoa que jogou. Ao segurar a bolinha, a pessoa chamada falaria “alerta” e então os demais teriam que parar de se afastarem. Em seguida ela escolheria um colega para acertar, sendo que o alvo era escolhido por este. Algumas crianças ainda não lembravam ao certo o nome dos colegas, então foi realizada uma breve apresentação. Brincaram por alguns instantes, quando uma aluna acertada pela bolinha imediatamente se retirou da brincadeira. Como inicialmente não foi combinada nenhuma regra, a menina saiu da brincadeira porque da maneira que ela conhecia, tradicionalmente realizada, quem é acertado está fora, vencendo quem ficar por último. Mesmo sendo convidada para participar ela recusou e sentou ao lado de uma menina que não estava participando porque estava querendo o lanche. Também tinha um menino que não estava participando da brincadeira porque estava com dor de cabeça, ficando então colocando mais camadas de balões em sua bolinha. Quando a professora Tânia chegou com o lanche a atividade foi encerrada. As crianças passaram álcool nas mãos, mas se recusaram a largar as bolinhas para se alimentarem. A professora falou que poderiam ficar tranqüilos que ninguém ia roubar as bolinhas e que eles poderiam colocar no bolso. Antes de finalizar a aula, as estagiárias atribuíram como tarefa escrever no caderno as brincadeiras que seriam possíveis com as bolinhas que foram construídas. Analisando a proposta, ainda que as crianças já estivessem na classe ao chegarem e mesmo a professora Valíria dizendo que não era necessário, um problema identificado foi o fato das estagiárias não irem até as unidades fazer o convite para as crianças participarem da aula. Os pontos positivos foram que incluíram na atividade o menino que estava impossibilitado de participar da mesma forma que os colegas, atribuíram uma tarefa para a próxima aula e sempre buscaram seguir a sugestão dos alunos para as atividades, considerando o conhecimento de cada um. 71 Diário de campo, 25 de agosto de 2005. Nesta data foi realizada a segunda aula referente ao tema Ginástica Geral. As duas estagiárias, acompanhadas pela professora Tânia, se dirigiram até as unidades de internação para convidar as crianças para que participassem da aula. Enquanto isso, quatro crianças que não aguardaram o convite chegaram à classe, gesto esse que pode significar a motivação e o gosto em freqüentarem as aulas. As estagiárias e professora retornaram com um aluno para participar das atividades. Três crianças iniciaram uma conversa sobre o dia anterior contando que freqüentaram a aula da turma de 5ª a 8ª série. Isso se deu em função destas crianças não acompanharem a turma de 1ªa 4ª séries no passeio, sendo uma alternativa para que não ficassem sem lição. Na aula referida, ocasionalmente de Educação Física, realizaram uma pesquisa na internet sobre o recorde na prova dos cem metros rasos. Comentaram que encontraram as respostas e, mais ainda, acrescentaram informações sobre a localidade e a data do evento ocorrido. Inicialmente os alunos fizeram uma breve apresentação falando o nome, cidade, idade e a série que freqüentavam. Por diversas vezes as estagiárias solicitaram atenção, dada a agitação da turma. A professora Tânia também interferiu para auxiliar quando então um aluno falou: “o professora, não tem castigo? Pode colocar dentro do armário”. Nos dias atuais poderíamos pensar que os castigos não estão presentes na escola, no entanto, o que mudou foi a estratégia desta punição, uma vez que na escola a palmatória foi substituída por castigos que limitam os movimentos e impedem a comunicação com os outros. O castigo é entendido como uma forma de estabelecer a disciplina que utiliza processos sutis que vão do castigo físico leve a ligeiras e pequenas humilhações. A punição, que objetiva a reeducação do indivíduo, é tudo aquilo que é capaz de fazer as crianças sentirem a falta que cometeram, de humilhá-las e de confundi-las. Uma menina chegou calmamente e sentou abraçada com seu coelhinho rosa. Ela não prestava atenção na aula, mas ficou vidrada olhando os brinquedos que estavam nas prateleiras da sala. As estagiárias tentaram por diversas vezes convidá-la a participar, no entanto, todas as tentativas foram em vão. Em seguida as estagiárias solicitaram para que os dois alunos que estavam presentes na aula anterior desta oficina apresentassem o que foi feito. Eles explicaram tudo o que foi realizado, do início ao fim da aula, e após, as estagiárias explanaram o que seria realizado na aula de hoje. 72 Os dois alunos apresentaram a tarefa designada na aula anterior, que consistia na elaboração de brincadeiras possíveis com a bolinha construída. Foram escritas no quadro as sugestões dos alunos e das estagiárias, e em seguida estipulado um acordo que primeiro se realizassem as atividades propostas por elas e em seguida as dos alunos. As atividades sugeridas pelas estagiárias foram a dança da bolinha, malabarismo e batata quente. Por parte das crianças, a sugestão foi passar a bola por baixo da perna, jogar para o alto e saltitar, em duplas jogando sem deixar cair, equilibrar no pé e boliche. Provavelmente estas atividades elas já fizeram nas aulas de Educação Física na escola ou brincaram com amigos. Inicialmente realizaram uma atividade de aquecimento, amarrando um balão em cada perna das crianças, propondo que cada um tentasse estourar os dos colegas. As regras estipuladas foram que não poderia pisar no pé, correr e nem empurrar os demais colegas. Apesar de diversas vezes as estagiárias solicitarem calma, as crianças continuaram agitadas, correndo, algumas ofegantes e demonstrando cansaço. Esse fato já ocorreu na aula anterior quando comentamos que levar as crianças até este nível de agitação pode ser perigoso, dada as condições de saúde de cada um que não conhecemos ao certo. Isso nos mostra a necessidade de avançar no sentido de propor, mais adiante – não nesse semestre – atividades para grupos menores, diferenciadas. Ao término da atividade um aluno comentou: “eu ganhei né?”. As demais crianças não deram importância se houve ou não vencedor, apenas estavam brincando, no entanto, para o menino aquilo foi uma espécie de competição. Semelhante à “dança da laranja”, em seguida foi realizada a “dança da bolinha” que consistiu em dois alunos dançando ao ritmo da música com uma bolinha presa entre as testas. Apesar das diversas manifestações e pedidos de calma por parte das estagiárias, as crianças continuaram agitadas, até que, semelhantemente ao fato da aula anterior, um menino agitado bateu na mão em que estava o soro do colega, resultando em dor. A menina que chegou por último na sala por diversas vezes foi convidada a participar da aula, mas recusou optando por ficar brincando com um balão, lendo uma revistinha e mexendo nos brinquedos que estavam na estante. Um fato curioso foi que a menina conversava enquanto brincava, não sei ao certo se com ela mesma ou com os brinquedos. Essa manifestação da menina pode ser considerada fruto da sua imaginação. A criança quando brinca imagina e cria uma situação, mas na maioria das vezes, fica internalizado. No caso desta menina, ela exteriorizou o que estava criando e imaginando se expressando verbalmente, ainda que seja para ela mesma. 73 A atividade seguinte foi a de malabarismo, na qual as crianças andavam na sala jogando a bolinha para cima e pegando com apenas uma das mãos. Na seqüência diversas variações foram feitas: jogar com uma mão e pegar com a outra, jogar para o alto e tocar a mão do chão antes de pegar, jogar para o alto e tocar a mão na cabeça e aí por diante de acordo com a criatividade das crianças. As atividades foram realizadas primeiro com uma mão e depois com a outra, exceto dois meninos que estavam impossibilitados e que fizeram com a mesma, adaptando as atividades, pois um estava com o braço engessado e o outro com soro em uma das mãos. No decorrer desta atividade de malabarismo um menino entrou na sala e foi falar com a professora Tânia. Quando ela explicou que a aula era de Educação Física, ficou um pouco acanhado e não quis participar, no entanto, uma das estagiárias percebeu e foi conversar com ele, entregando uma bolinha para que brincasse. As estagiárias e as demais crianças explicaram o que estava acontecendo e aos poucos ele foi participando, até que se familiarizou com a atividade. As estagiárias organizaram 8 cadeiras em duas colunas e com um barbante contornaram cada uma em zig-zag em torno de 50 cm do chão. Com uma bolinha nas mãos, as crianças passavam por cima dos barbantes realizando as mesmas atividades anteriores, acrescentando mais algumas variações. Passando o obstáculo equilibrando a bolinha em cima de um copinho plástico; jogando para o alto e pegando com o copo; em duplas passando de um para o outro, acertando a bolinha dentro dos copinhos, e por fim, passando por cima e por baixo dos barbantes. Durante toda a atividade, o menino com o soro e o com o gesso foram auxiliados pelas estagiárias e demais colegas, exceto na última em que ficaram observando e orientando os colegas ao passarem por cima e por baixo do barbante. Uma menina que havia se retirado da brincadeira anterior, alegando dor de cabeça, após as estagiárias convidarem decidiu participar, demonstrando a importância do convite que deve ser constante durante a aula. Em alguns momentos percebi que elas querem apenas um pouco de atenção e saem das atividades para ver se alguém se importava com isso, podendo ser considerada uma forma de testar as professoras. Pode ser que ela se sinta inútil por estar distante da sua rotina, longe dos amigos, colegas, escola, familiares e círculo social. Mesmo as estagiárias falando que iam passar para outra atividade, os alunos continuaram fazendo até que os dois que ficaram por último não quiseram mais. Esse ponto nos faz pensar na relação tempo da criança e tempo da atividade. Nem sempre o tempo que estipulamos é o que elas querem realizar, não se pode generalizar em função de cada criança 74 ter seu ritmo e tempo uno. Esse é um ponto interessante a ser mais bem explorado em outro momento. Finalizada a brincadeira do obstáculo, conforme combinado anteriormente, primeiro seriam realizadas as atividades propostas pelas estagiárias e posteriormente as que os alunos haviam feito como tarefa. Um menino começou a explicar as atividades que havia proposto. Os alunos deveriam passar a bolinha por baixo da perna três vezes, jogar para o alto e pegar com a mesma mão, com ambas as pernas. Na seqüência foi a vez de uma menina explicar a sua proposta. Ela sugeriu que a brincadeira fosse como a de boliche, mas com garrafas de refrigerante como pinos a serem derrubados. Em função de na sala não ter as garrafas necessárias, foram utilizados os pinos de um jogo de boliche de brinquedo que estava em meio aos materiais. As crianças brincaram com bastante entusiasmo, demonstrando alegria até que o lanche chegou e a aula terminou. O fato das crianças demonstrarem alegria durante a aula me levou a pensar que não aparentavam doentes, e também, porque mesmo hospitalizadas, naquele momento a doença não transparecia. Nas experiências anteriores os alunos estavam tristonhos, com semblantes que demonstravam dor ou desanimadas. Nesta perspectiva, cabe ressaltar a importância da Classe hospitalar para a criança, já que contribui para o fortalecimento da auto-estima das crianças internadas, permitindo que permaneçam vinculadas a seu cotidiano, continuem seus estudos e assim tenham seu retorno social facilitado após a saída do hospital. A doença perdeu o protagonismo, mesmo estando a criança no hospital. 75 Diário de campo, 31 de agosto de 2005 A aula desta terça-feira, 31 de agosto, foi a primeira da oficina referente ao tema “Atividades expressivas e rítmicas”. Como de praxe, uma das estagiárias e a professora Tânia foram até as unidades de internação convidar as crianças para que participassem das atividades na classe. Mais uma vez, como na aula anterior, duas crianças chegaram na sala antes mesmo de receber o convite no leito. No início da aula estavam presentes quatro alunos, uma que participara da primeira intervenção no dia 16 de agosto, dois que estiveram em uma das intervenções da oficina anterior, e apenas um era novato nas aulas de Educação Física. Apesar de presentes em algumas aulas os mesmos alunos, a problemática da rotatividade se expressa em função da presença não ser linear, contínua, ou seja, a participação é flutuante porque participam de uma aula um dia, ficam alguns sem freqüentar e após certo tempo retornam para a classe. É claro que devemos considerar que a falta nas aulas não se dá sem motivo, mas sim em função do tratamento de saúde, pois realizam exames, alguns dias estão impossibilitados por razões cirúrgicas, outros por indisposição, ou talvez porque de fato alguns dias não querem. A problemática da flutuação dos alunos nas aulas sempre vai existir, tendo em vista que estão no hospital prioritariamente por razões de saúde, em função de estarem neste ambiente por um certo período, como se estivessem de “passagem", e também porque o tempo de internação na maioria das vezes não há previsão de alta. Inicialmente as estagiárias se apresentaram para a turma e solicitaram que os alunos fizessem o mesmo, falando nome, idade, cidade de origem e a série escolar. Na seqüência, cada aluno tinha diversos balões amarrados nas pernas e nos antebraços. Em duplas, as crianças deveriam estourar os balões e venceria quem o fizesse primeiro. Essa atividade foi uma mescla de competição com cooperação, já que a dupla deveria se ajudar para estourar os balões e ao mesmo tempo competir para vencer a atividade. Isto é um exemplo em que a competição foi utilizada como meio de motivação e não como finalidade única, como fim da brincadeira. Os alunos auxiliaram na limpeza da sala e na seqüência sentaram em almofadas que estavam dispostas em círculo no chão. No teto da sala tinha vários balões pendurados que em seu interior continha bilhetinhos com desenhos de animais. Para iniciar a brincadeira uma criança escolhia um, estourava, e ao ver o bilhete deveria imitar apenas com gestos para que os colegas adivinhassem qual bicho a mímica se referia. 76 As crianças imitaram a baleia, ovelha, galinha, mosca, sapo, barata, preguiça, aranha, mosquito, porco, jacaré, cachorro, girafa, tartaruga, pingüim e onça que foi gesticulada pela professora Tânia. Algumas vezes os alunos não sabiam ao certo como imitar e pediram auxílio para a professora, que procurou estimular para que cada um pensasse no animal, dando algumas dicas e fazendo algumas perguntas para as crianças. Durante esta atividade uma menina chegou na classe e foi informada do que estava acontecendo pelas explicações dos colegas e das estagiárias. Ela se familiarizou logo com a brincadeira e, mesmo quieta e acanhada, ela participou fazendo as mímicas sem solicitar auxílio. Na aula tinha um menino como braço engessado e, por ser o mais alto, pegava os balões para os colegas. Acredito que tenha sido uma forma de incluí-lo na brincadeira, ainda que pudesse fazer, para que se sentisse mais participativo. Percebendo que algumas crianças não queriam mais participar, as estagiárias sugeriram que essa atividade se concluísse para que se fizesse outra. Alguns alunos não quiseram mas falaram que cada um estouraria mais uma vez e depois sim poderia acabar. Da mesma forma que acontecera em outras aulas, o tempo dos alunos nas atividades é distinto entre eles, cada um tem o seu necessário para brincar. Após findar a atividade anterior, em pé de mãos dadas, os alunos formaram um círculo para que se realizasse a brincadeira denominada “cabra-cega”. No meio da roda estava uma criança com uma venda que a impedia de ver os colegas. Estes dançavam ao som de músicas variadas, girando em roda e, ao cessar o som, quem estava no centro deveria encontrar o colega que a estagiária solicitava. Em seguida quem foi encontrado ia para o centro da roda. Essa atividade tinha como objetivos principais o ritmo, quando dançavam as diversas musicas, e o tato, quando se identificava através do toque o colega. Mais uma vez as estagiárias almejaram encerrar a atividade mas os alunos quiseram continuar por pelo menos mais uma vez. Um menino recebera alta neste dia se retirou da sala e, por estar de aniversário nesta data, a turma cantou parabéns e lhe entregou um presente. Ele demonstrava inquietação desde o início da aula porque aguardava a ambulância que o levaria pra casa, e perguntava a todo instante para que a professora Tânia que avisasse seus pais que estava na classe. Acredito que a vontade de retornar para a sua casa era muita e tenha ficado com medo que os pais fossem e o deixasse no hospital. Neste momento chegou na sala mais uma menina e quando a estagiária ia apresentá-la para a turma, uma aluna perguntou para que ela o fizesse, dizendo que a conhecia. 77 Acompanhada pela mãe, a menina logo entrou nesta próxima brincadeira que descrevo a seguir. Em duplas os alunos deveriam desenhar o colega em tamanho real. Um aluno de cada vez deitava em cima de uma folha de papel do seu tamanho enquanto que o outro o desenhava. Em seguida eles deveriam pintar e recortar o desenho, separando em segmentos: pernas, braços, tronco e cabeça. Na folha de cada parte do corpo do desenho deveria ser escrito a que se referia, por exemplo perna direita, e no verso o nome da criança. Neste final de aula, ao passo que um aluno saiu e levou sua tarefa, mais um menino chegou e, após uma explicação da atividade, mesmo não participando da aula desde o início, aceitou fazer a tarefa, deitando sob o papel sem receio algum e prontamente foi desenhado por um colega. Esta atividade foi iniciada em sala de aula, mas também se caracterizava pela continuação como tarefa extraclasse. As estagiárias fizeram um como exemplo para que os alunos compreendessem o que lhe era solicitado. As crianças que não estariam na quinta-feira falaram que entregariam no dia seguinte ou em outra oportunidade, como aqueles que receberam alta, mas que retornariam para exames. Sobre as tarefas, neste dia uma menina entregou a primeira lição que as estagiárias haviam solicitado para que a professora Tânia entregasse para os alunos. Na aula anterior mais dois deveres foram entregues, de certa forma demonstrando o empenho e dedicação dos alunos em fazerem as tarefas mesmo estando distantes da escola regular e internados no hospital. A aula foi finalizada com uma breve explicação da tarefa e sobre o que seria feito com ela na próxima aula. Após a confirmação dos alunos sobre o entendimento da lição a aula teve seu fim. 78 Diário de campo, 01 de setembro de 2005. Esta foi a segunda aula referente à temática “Atividades Rítmicas e Expressivas”. As duas estagiárias acompanharam a professora Tânia até as unidades de internação para convidarem as crianças que, de acordo com a listagem consultada no sistema do hospital, eram possíveis alunos. A aula iniciou com uma breve apresentação das estagiárias e das três crianças que estavam presentes, que informaram nome, idade, série escolar, a cidade de origem e o que mais faziam nas aulas de Educação Física. Durante a apresentação, entrou na sala um menino que estava acompanhado por sua mãe e que não queria participar da aula, reclamando e pedindo para ir embora. As estagiárias pediram para que ele se apresentasse, no entanto, quem o fez foi sua mãe. Giovani tem uma história interessante que acredito ser importante relatar. Internado com problemas renais, ficou algumas semanas e recebeu alta no dia 23 de abril. No entanto, como em outras ocasiões que esteve internado e retornava para a sua casa após alguns dias estava com infecção, desta vez foi diferente. O menino mora no interior do estado e vive em uma casa humilde, de chão batido. Em função disto, pela casa não apresentar as mínimas condições de higiene e de moradia que pudesse, de certa forma, minimizar os riscos de infecção, o menino continuou internado no hospital. Após algumas semanas internado, mesmo recebido alta, seu caso foi apresentado em um programa de televisão com repercussão em todo estado, iniciando-se uma campanha para conseguir uma nova casa. Três meses após o recebimento de alta, como o garoto estava internado, os médicos decidiram aproveitar a oportunidade para fazer uma cirurgia na bexiga que sempre era protelada. No entanto, após a cirurgia as condições de saúde do menino pioraram. Mesmo que recebesse alta mais uma vez não poderia deixar o hospital, pois a casa ele ganhara de doações, mas a família não tinha mobília, iniciando-se outra campanha que perdura atualmente. As estagiárias iniciaram as atividades explanando resumidamente o que havia acontecido na aula anterior. Neste momento entrou na sala um menino que participara daquela aula, e que auxiliou nas explicações até que sabia, pois saíra no decorrer dela, antes do término. As atividades foram continuação da aula anterior, se iniciando com a de estourar os balões que estavam pendurados no teto e imitar o bicho desenhado em um papel que estava em seu interior. 79 As estagiárias estavam a todo instante dialogando com Giovani, estimulando para que participasse da aula. Após vários convites ele escolheu um balão para ser estourado, mas a mímica foi realizada pela estagiária. Mesmo que estivesse até então observado atentamente a atividade, neste momento se iniciou o processo de inclusão deste aluno que de forma alguma queria participar. A atividade seguinte envolvia os desenhos construídos na aula anterior. As estagiárias explicaram como fora feito, mostrando o de uma menina que fizera a tarefa e deixara na sala para a professora Tânia, e explicaram o que seria realizado na aula de hoje. O boneco estava seccionado em diversas partes: cabeça, perna direita e esquerda, tronco e braço direito e esquerdo. Com o desenho montado na forma original, a atividade consistia em diversificar as posições dos membros e que se tentasse fazê-la com o corpo. Inicialmente uma estagiária mexia nas partes do corpo do boneco e as crianças imitavam a posição. Após algumas variações, cada criança fazia mudanças no arranjo, sempre sendo imitado pelos alunos. Giovani não queria participar da atividade, no entanto uma das estagiárias insistia em convencê-lo. Então ele aceitou participar e dava as coordenadas para a estagiária ir modificando o desenho. Esta foi mais uma incursão de participação na aula. Quando a estagiária mexeu primeiramente a cabeça, as crianças sugeriram que isto fosse feito por último, porque senão não conseguiriam ver o que deveria ser feito com os demais membros. Outra incursão dos alunos foi quando ela colocou a cabeça no lugar de uma das pernas e eles falaram que isto seria impossível. Em seguida, ao invés de uma criança mexer e o restante fazer a posição com o corpo, apenas uma era desafiada a fazer o que os demais arranjavam com os membros do desenho. Nesta atividade Giovani também participou, ficando responsável pela modificação de uma das partes do boneco, e posteriormente, fez o desafio para o restante do grupo. Esta atividade envolveu a lateralidade, quando deveria ser movimentado o membro direito ou esquerdo, percepção de espaço ao se movimentar, equilíbrio e capacidade de criação nos diferentes arranjos possíveis. A atividade seguinte foi explicada como um todo primeiramente e depois em partes durante o desenvolvimento, já que era muita informação ao mesmo tempo. Esta envolvia principalmente a capacidade de memorização e de ritmo ao se deslocar. A dinâmica da atividade aconteceu da seguinte forma: Giovani e mais uma criança ficavam de costas para o grupo que dançava ao som de uma música. Quando esta parava, os alunos deveriam ficar como estátua e os dois que estavam de costas poderiam olhar por alguns 80 instantes para que memorizassem as posições dos colegas. Quando a música prosseguia, a turma voltava a se deslocar dançando na sala, até que fosse pausado novamente o som. Os dois alunos que estavam de costas deveriam usar a memória e colocar cada colega na posição de estátua que fez na primeira pausa na música. Uma estratégia de inclusão utilizada pelas estagiárias foi de nesta atividade o Giovani sempre ser o companheiro de um aluno para organizar a turma na posição de estátua. A partir deste instante Giovani participava da aula sem que as estagiárias necessitassem convencê-lo. Nesta atividade os alunos usavam de estratégias na tentativa de enganar quem estava montando a estátua. Tentavam induzir o colega, afirmando que estavam em um local que não era verdadeiro para que a estátua não fosse montada corretamente. Ao término da aula percebi alterações no semblante das crianças. Quando entrei na sala estavam quietas, não falavam, não se movimentavam, recusaram brincar antes do início da aula, ficando apenas sentados aguardando. No encerramento estavam todos falantes, rindo e teve até uma menina que ficou brincando com o boneco que fora utilizado em uma das atividades e que estava colado no armário. Esta aula foi marcada principalmente pela inclusão do menino que não queria participar das atividades. As estagiárias foram muito felizes nas suas intervenções e estratégias de motivação, sempre o convidando e solicitando participação. A inclusão ocorreu como um processo, ele não foi obrigado a participar, mas sempre convidado, primeiro com contribuições pequenas que eram somadas gradativamente, até que ele estava participando sem que as estagiárias o motivasse. 81 Diário de campo, 08 de setembro de 2005. Iniciando as atividades do segundo ciclo, hoje foi realizada a primeira aula referente à oficina de “Jogos e Brincadeiras Tradicionais”. Mantendo a rotina, as estagiárias acompanharam a professora Tânia até as unidades de internação. A aula se iniciou com cinco alunos, três que aceitaram o convite, mais dois que estavam aguardando na classe o retorno da professora e das estagiárias. Neste dia não estavam presentes alunos que participaram desta oficina no primeiro ciclo. Cada criança se apresentou falando nome, idade, cidade de origem e série escolar. Nesta aula um aluno freqüentava a primeira, dois a segunda e dois a terceira série. As estagiárias iniciaram a aula explicando a dinâmica. Uma das estagiárias escrevia o nome das crianças no quadro, que elas soletravam, cidade de origem e quais brincadeiras cada aluno preferia. A proposta foi que até o término da aula tentariam brincar de todas as propostas relacionadas no quadro. Durante esta atividade chegaram duas meninas que se apresentaram e falaram as suas brincadeiras preferidas. Os alunos sugeriam as brincadeiras de pular corda, vôlei, bambolê, pega-pega, dança da cadeira, futebol, bicicleta, ping-pong, caçador e pega rabinho. Antes de brincarem com as propostas das crianças, as estagiárias sugeriram uma atividade para iniciar a aula. Na explicação da dinâmica, pediram para que os alunos tivessem cautela ao se chocarem com os colegas que estavam com soro nas mãos. Se tratava de um desafio em que a turma deveria manter por dois minutos vários balões no ar, ou seja, sem deixar caírem no chão. A proporção dos balões em relação aos alunos era de 3x1, desta forma, foi difícil mantê-los no ar durante muito tempo, mas as crianças acabaram ficando com um balão cada, permanecendo por alguns minutos assim. As estagiárias perguntaram para as crianças qual seria a primeira brincadeira dentre as que estavam descritas no quadro. Os alunos optaram por voleibol e instigadas definiram conjuntamente os materiais, tamanho da quadra e as regras. Eles ataram um barbante na janela e em uma haste para ser a rede, esticaram e colaram barbantes no chão para delimitar o espaço e escolheram o balão para ser a “bola”. A atividade iniciou com apenas um balão, o que de certa forma acabou por não incluir todas as crianças. Percebendo isto, para que todos pudessem participar, as estagiárias acrescentaram mais balões, até que todos estavam envolvidos na brincadeira. 82 As estagiárias perguntaram para as crianças se gostariam de continuar ou trocar de atividade. Elas optaram por trocar, mas continuaram jogando vôlei, até que decidiram que brincariam com o bambolê. Uma das crianças que sugeriu esta atividade explicou-a para os demais colegas. Enquanto brincavam os alunos sugeriram alterações, ao invés de girar apenas na cintura, também usar os braços, pernas e pescoço. Na sala havia crianças que nunca tinham brincado com este brinquedo, desta forma o conhecendo por intermédio dos colegas. Este é um fato importante, pois nesta oficina um dos objetivos é que se socializem as brincadeiras que cada um conhece, já que variam de acordo com a região. O bambolê não é propriamente uma atividade regional, mas uma brincadeira mais antiga, talvez, revivida nas escolas, mas que muitas crianças já não conhecem. Este brinquedo foi criado4 no Egito há três mil anos, feito de madeira ou vime - fios secos de parreira (o pé de uva). Nesta época as crianças egípcias imitavam com os bambolês as artistas que dançavam com aros em torno do corpo. O bambolê de plástico colorido, como conhecemos, surgiu nos EUA em 1958, quando os americanos Arthur Melin e Richards Knerr, donos de uma fábrica de brinquedos, trouxeram a idéia da Austrália, onde estudantes de ginástica se divertiam girando aros de bambu na cintura. A diferença é que eles fizeram seus bambolês de plástico e o batizaram de hula hoop. Uma das crianças sugeriu que brincassem de “caçador”, pois não sabia como era. As estagiárias e os alunos que conheciam explicaram, combinaram algumas regras e, após todos entenderem a dinâmica, iniciaram a atividade. Utilizando o mesmo espaço e equipes do jogo de vôlei, as crianças deveriam desviar dos balões que eram jogados pela equipe oposta, só podendo pegá-los após caírem no chão. O objetivo era que todas as crianças ficassem de um lado da “quadra”, compondo apenas uma equipe. A brincadeira iniciou calmamente, parecia que as crianças não haviam compreendido a dinâmica e, após as estagiárias explicarem novamente, logo prosseguiram na atividade com entusiasmo. Quando de um lado da quadra ficou apenas uma menina, esta perguntou para que a professora Tânia e a estagiária a auxiliasse. Os alunos participavam desta atividade com muito entusiasmo, jogando balões para o outro lado, acertando o colega, sendo acertado e passando de um lado para o outro, ora compondo uma equipe, ora compondo a outra. Considero que esta atividade envolveu toda a turma, inclusive as estagiárias que ministravam a aula, a professora e a outra estagiária da classe. As crianças brincavam alegres 4 O Guia dos Curiosos - Marcelo Duarte. Cia da Letras, S.P., 1995. (pág 215) 83 e sorridentes, se movimentaram bastante, tiraram os agasalhos pois sentiram calor e diversas vezes tomaram água durante a atividade. Na seqüência da aula, as crianças decidiram que a próxima atividade seria “pega rabinho”. Inicialmente as estagiárias amarraram em uma das pernas de cada criança um balão, no entanto, duas crianças não quiseram participar, alegando não gostarem de estourar balão. Pode ser para elas uma experiência de medo, algo que temos que levar em conta. Para que todos participassem, a sugestão foi que o rabinho de balão fosse substituído pelo de papel preso na cintura. Cada aluno deveria roubar o rabo do colega e ao mesmo tempo cuidar para que o seu não fosse roubado. A professora e a estagiária da classe também participaram por solicitação das crianças. Esta atividade foi realizada três vezes, até que as crianças quiseram passar para a “dança da cadeira”. Mais uma vez, na explicação da atividade as estagiárias alertaram para que as crianças tivessem cautela com os colegas que estavam com soro na mão. Ao contrário da aula anterior, desta vez na “dança da cadeira” os alunos não saíam da brincadeira quando a música pausasse, mas sim se retirava apenas a cadeira. Conforme analisado naquela ocasião primeira, acredito que esta seja uma forma cooperativa da brincadeira que não exclui e também não retira a graça da atividade, que está em diminuir cada vez mais as possibilidades de cadeiras para sentar. A cada pausa da música uma cadeira era retirada, obrigando que os alunos sentassem uns no colo dos outros. A atividade teve seu fim quando todas as crianças e as estagiárias sentaram em apenas uma cadeira. Analisando as atividades em relação à primeira intervenção na classe, na aula inicial, considero que as alterações feitas contribuíram para um êxito maior. O voleibol desta vez foi realizado com mais balões para que a participação fosse maior e também para que ficasse mais dinâmico, já que antes, enquanto um tocava no balão os demais ficavam observando. O caçador também foi realizado com maior número de balões e as crianças estavam mais entusiasmadas, parecia que jogavam porque queriam e não porque estavam em aula. A dança da cadeira de forma cooperativa, ao meu ver, agradou as crianças, ao mesmo tempo em que manteve todas participando por vontade própria, sem que as estagiárias necessitassem estimulá-las. Uma motivação para as brincadeiras se deu em função de convidarem a professora e a estagiária para participar. Também nesta aula, pareceu que as crianças mais bem compreenderam a dinâmica das atividades, mesmo com certa dificuldade no início. Acredito que esta aula obteve maior êxito em função de as estagiárias já terem uma experiência com as atividades na classe, já sabendo em parte como aconteceria. Claro que 84 tudo depende das crianças que estão presentes na aula, que não eram as mesmas que participaram no primeiro ciclo, já que o comportamento da turma frente às atividades varia de acordo com os alunos presentes. Mesmo assim, em virtude da experiência anterior, que permite maior segurança, foi possível evoluir na forma de ministrar e também de explicar a atividade. Para finalizar a aula, as estagiárias explicaram a tarefa a ser feita para o dia seguinte. Cada criança deveria fazer uma pesquisa com seu acompanhante sobre a brincadeira que ele mais gostava na infância, como era, quais as regras e se possível desenhá-la. Feito isto, as crianças responderiam algumas questões sobre a brincadeira do acompanhante, como por exemplo, se conhece, sabe como é, se teria algo para modificar e se alguma vez já brincou. Em seguida as crianças fizeram o lanche e foram para o auditório, pois hoje a segunda parte da aula, como todas as quintas-feiras, é dia de cinema. 85 Diário de campo, 09 de setembro de 2005. Em virtude de na terça-feira não ter acontecido a primeira aula da oficina 1 “Jogos e Brincadeiras”, a primeira intervenção foi realizada na quinta-feira e a segunda na sexta-feira. Neste dia, nove de setembro, as estagiárias e a professora da classe retornaram das unidades de internação, onde foram convidar as crianças, com seis alunos. Destes, quatro participaram da aula anterior, uma participara da oficina “Ginástica Geral”, e uma era nova na classe. Inicialmente as estagiárias fizeram um panorama do que aconteceria na aula. No primeiro momento explicariam o que fora realizado na aula anterior, qual fora a tarefa solicitada e o que seria feito neste dia. No segundo momento brincariam com as atividades que constavam nas tarefas de quarto. Os alunos que participaram da aula anterior, questionados pelas estagiárias, explicaram sobre o ocorrido, falando da tarefa para esta aula, as brincadeiras realizadas e que brincaram de várias porque cada criança sugeriu uma. Após a fala dos alunos, as estagiárias fizeram uma explanação geral sobre a aula anterior e a de hoje. Cada criança apresentou a sua tarefa de quarto para a turma. A lição de um menino que não estava na sala e que havia entregado para a professora Tânia foi apresentada pelas estagiárias, e, quando finalizavam, o garoto entrou na sala para participar da aula e colaborou na apresentação. Na pesquisa da brincadeira que os acompanhantes preferiam na infância apareceram diversas atividades, tais como: stop escrito, pular corda, futebol, bicicleta, bambolê, voleibol, pega-pega, esconde-esconde, amarelinha, peteca, cantiga de roda, passa - anel, bola e Joãobobo. Entusiasmadas com as explicações das atividades, as crianças sugeriram outras tantas brincadeiras e as explicavam, demonstrando o vasto repertório que conheciam. Propuseram o stop do pé, bate-manteiga, queimada, batata-quente, negrinho da áfrica, siga o mestre, patacega, pipa e outras de adivinhação em que um aluno se retirava da sala enquanto os demais modificavam os objetos do local para que aquele percebesse a mudança. A cada brincadeira apresentada os alunos falaram se conheciam ou não, se já haviam brincado e como se brincava. Algumas atividades as crianças conheciam por outra designação ou dinâmica de jogo, explicando para os demais como elas brincavam. Uma das estagiárias escrevia o nome das crianças no quadro, cidade de origem e quais brincadeiras os acompanhantes de cada aluno preferia. A proposta foi que até o término da aula tentariam brincar de todas as propostas relacionadas no quadro. 86 A primeira brincadeira que as crianças escolheram foi o “pega-pega”. Combinaram as regras, estabelecendo apenas uma barra (local que o pegador não poderia pegar) e que não era permitido permanecer por muito tempo naquele local. As estagiárias pediram para que tivessem cautela ao se chocarem com os colegas que estavam com soro nas mãos. Uma menina que havia realizado uma cirurgia não participou correndo, mas controlava quem ficava por tempo excessivo na barra e quem era o pegador. Na seqüência desta atividade fizeram algumas variações, brincando com dois pegadores, de pega-pega corrente e pegaajuda. Essa atividade que a menina desempenhou também é importante e nada impede que ela – mas mesmo outras crianças – desempenhem esse papel. A atividade seguinte que as crianças escolheram foi “Passa - anel”. A menina que havia sugerido explicou para os demais qual era a dinâmica. Enquanto um aluno saia da sala, sentados em círculo, os demais ficavam com as palmas das mãos unidas para que uma pessoa que estava com um anel na mão escolhesse um colega para deixá-lo. Quando a turma falava “pode vim”, quem estava fora da sala entrava e tinha três tentativas para descobrir com quem o passador deixara o anel. Quem estava com o anel na mão era o próximo passador e um voluntário era quem saia da sala. As crianças estavam envolvidas na atividade e todas gostariam de sair da sala ou passar o anel. Em função disto, as estagiárias sugeriram que duas pessoas saíssem da sala para descobrir com quem estava o anel, e em seguida que três saíssem. Isto contribuiu para que mais crianças estivessem “atuando” na brincadeira, não ficando apenas sentados aguardando que alguém colocasse o anel na sua mão. Ainda sentados em círculo, a atividade seguinte foi “batata-quente”, a qual foi explicada pelo menino que sugerira. Uma pessoa ficava de costas enquanto as crianças que estavam sentadas passavam em círculo um balão, cantando batata-quente repetidamente. Quando quem estava de costas dissesse “queimou”, aquele que estava com o balão na mão desenhava no quadro alguns traços do Bob Esponja. Assim ocorreu até que com a contribuição de todos os alunos o desenho estivesse completo. Para finalizar a aula as crianças quiseram brincar de “pata-cega”, que todos conheciam senão por esta nomenclatura, mas por cabra-cega, gata-cega ou cegueta. Esta atividade é uma espécie de pega-pega, em que uma pessoa deve pegar os demais que fogem dele. A alteração se dá em função de o pegador estar de olhos vendados. Quem era pego passava a ser o pegador. Esta aula foi baseada nas brincadeiras das crianças de acordo com o conhecimento delas, caracterizando assim o que foi proposto para esta oficina. Considero que transcorreu 87 bem, as crianças pactuaram nas escolhas, na formulação das regras e não houve problemas de participação como acontecera em outras aulas. NEGRINHO DA ÁFRICA Por não conhecermos esta brincadeira pesquisamos em que consistia, se havia algum tipo de preconceito racial. Após a leitura da dinâmica, que descrevemos abaixo, acreditamos que não seja ofensiva em termos raciais, tendo em vista que em alguns locais esta atividade também é chamada de Vovozinha. Dinâmica: Dispostos em 2 grupos um frente ao outro, com duas linhas que demarcam a distância entre os 2 grupos. Cada grupo se aproxima e combina uma ação que deverá realizar apenas com gestos. Um grupo inicia se aproximando do outro cantando a música: 1º G - nós somos negrinhos da África! 2º G - e daí que me importa? 1º G - muitas coisas! 2º G - podemos saber? 1º G - com muito prazer! 2º G - comecem a fazer! O grupo que se aproximou inicia a mímica e a outra tenta adivinhar o que eles estão realizando. Ao adivinhar o 1º grupo deverá fugir para atrás da linha onde estavam agrupados e o 2º grupo deverá tentar pega-los antes que atinjam o seu campo de proteção. Quem for pego deverá passar para a outra equipe. 88 Diário de campo, 13 de setembro de 2005. Neste dia aconteceu a primeira aula da oficina “Ginástica Geral”, agora referente ao segundo ciclo. Enquanto uma das estagiárias se dirigiu ao leito para convidar as crianças, a outra preparava os materiais necessários para as atividades daquele dia. A aula iniciou com seis crianças, três que participaram da última aula, oficina “jogos e Brincadeiras” e três novatos na classe. Destes, nenhum participou das atividades deste tema no primeiro ciclo. Inicialmente as estagiárias e as crianças se apresentaram para a turma, informando nome, idade e cidade de origem. As estagiárias explicaram que cada um construiria seu brinquedo, uma bolinha de alpiste, e que ao término da aula poderiam levá-la para casa. Mostraram três bolinhas prontas, os materiais necessários e iniciaram as explicações de como fazer. Após verem o brinquedo, combinaram que cada um faria não uma, mas pelo menos 2 cada. Da mesma forma que no primeiro ciclo, as estagiárias iniciaram a construção do brinquedo, tendo e vista que na primeira etapa existia a probabilidade de se engolir alpiste ao soprar. Após esta contribuição inicial, os alunos prosseguiram o processo de construção até que a bolinha estava pronta. O soro na mão de uma menina impedia que fizesse a tarefa como os colegas, no entanto, não influenciou na sua participação na atividade, já que ela estava incumbida de moldar as bolinhas, de deixá-las no formato redondo. Ao mesmo tempo em que crianças colocavam novas camadas de balões na bolinha, de acordo com as cores escolhidas, usando a imaginação elas atribuíam novos significados para o brinquedo, dizendo que parecia uma tartaruga, um ovo e até um cachorrinho. Durante a atividade chegou um menino que estava dormindo quando a estagiária passou em seu quarto. Quando acordou, se dirigiu para a sala de aula e se integrou na atividade, prosseguindo na construção da bolinha logo que a estagiária fez a parte inicial. Terminada a construção das bolinhas, as crianças ajudaram na limpeza da sala jogando no lixo os restos de balões que estavam sob a mesa. Das dezenove bolinhas, cada um escolheu uma e prestaram atenção nas explicações da estagiária sobre a tarefa para a próxima aula. Esta consistia em escrever o nome de duas brincadeiras ou mais, explicando como de brinca. Finalizando a aula, as estagiárias explicaram que as brincadeiras que eles iriam descrever na tarefa seriam as atividades da próxima aula de Educação Física, e que as bolinhas restantes ficariam na sala de aula. 89 Em relação as planejamento da aula, a diferença entre esta com a do primeiro ciclo, foi que as estagiárias programaram para esta apenas a construção de bolinhas. De acordo com elas, consideram importante um tempo maior para construir, já que as crianças se envolviam com esta, não querendo fazer apenas uma, mas várias bolinhas cada. Outra modificação foi que explicaram no início da aula que poderiam escolher e levar uma bolinha para casa, já que na aula anterior, quando foi falado depois que estas estavam prontas, as crianças ficaram preocupadas com a escolha no final da aula, com medo de que outro pegasse aquela que queriam. 90 Diário de campo, 15 de setembro de 2005. Finalizando as atividades no segundo ciclo da oficina “Ginástica Geral”, uma das estagiárias acompanhou a auxiliar da classe até as unidades de internação para efetuarem o convite às crianças. Retornaram com seis alunos, sendo que destes, 3 eram novatos na aula de Educação Física, dois participaram da oficina anterior, e um participara por alguns momentos da primeira aula desta oficina no primeiro ciclo, se retirando no início para fazer alguns exames, não retornando para a classe naquele dia. Inicialmente as crianças se apresentaram, falando nome, idade e cidade de origem. Em seguida as estagiárias disseram o motivo de estarem ali e o que seria realizado na aula, explicando que as atividades desta haviam acontecido em outro momento, falando sucintamente como acontecera. Iniciaram falando da tarefa de quarto, quando um menino que estava na aula anterior falou que não fizera porque ficou de jejum para realizar uma cirurgia no dia seguinte. A professora Tânia falou que na aula de quarta-feira três crianças apresentaram a tarefa, porque receberam alta e, portanto, não estariam na aula de hoje. Isto é um fato importante, já que as crianças fizeram a tarefa mesmo sabendo que não estariam no dia que fora solicitado, demonstrando comprometimento. Desta forma, pode ser que as crianças não fragmentam a aula em matérias, entendendo que a Educação Física não era isolada do restante das aulas, mas sim que fazia parte dela. Em relação ao menino que não fez a tarefa, cabe ressaltar que isto é um fato que devemos considerar, pois acontece, já que estão ali prioritariamente por questões de saúde. Não só em função da tarefa, mas na aula em si, algumas vezes os alunos não comparecem porque estão fazendo exames, quando estão em jejum não apresentam condições de freqüentar uma aula, além dos casos em que não querem participar. As duas crianças que fizeram a tarefa a apresentaram para a turma. Uma das estagiárias escreveu no quadro as atividades delas e também do restante da turma, que apesar de não terem feito, falaram suas brincadeiras preferidas. Sugeriram boliche, batata-quente, tocha, galinha chocou e malabarismo, esta última, sugestão das ministrantes. Cada criança escolheu uma bolinha, construídas na aula anterior, enquanto as estagiárias explicavam a atividade de “malabarismo”. As crianças estavam brincando com as bolinhas, quando a professora Tânia percebeu que um aluno estava com o coletor urinário pendurado na cadeira. Em função da sua experiência, sugeriu que se utilizasse um barbante 91 preso ao pescoço para facilitar nas atividades e evitar que o coletor caísse ou machucasse o menino. Dispostas em círculo, as crianças ouviram atentamente as explicações das estagiárias, fazendo os exercícios segundo o solicitado. As atividades se iniciaram de forma simples e aos poucos foram aumentando o grau de dificuldade. Explicaram que quem estivava com o soro utilizasse sempre a mão oposta, na tentativa de inclusão de todas as crianças nas atividades. Os alunos jogavam a bolinha para cima e com a mesma mão, pegava-na, tocavam no chão e na cabeça. Estas atividades foram realizadas com ambas as mãos, exceto o menino que estava com soro em uma delas. Em dupla, jogaram de um para o outro, segurando a bolinha com a mesma mão. Individualmente, com um copo plástico na mão e a bolinha dentro, cada criança jogava para o alto e a pegavam com ele. Mais uma vez em duplas, porém as estagiárias falaram que não poderia ser as mesmas combinações anteriores, fizeram o mesmo exercício anterior, passando de um para o outro com o copinho. Estas atividades foram realizadas com ambas as mãos. Conforme realizado no primeiro ciclo, as estagiárias colocaram oito cadeiras, dispostas em duas filas, e transpassaram um barbante em zig-zag, montando uma espécie de obstáculo. As crianças realizaram as mesmas atividades anteriores, porém desta vez, passando por cima dos barbantes. Nesta atividade, uma menina realizou com cautela, em função de estar em período pós-operatório. Mesmo impossibilitada de realizar alguns movimentos, ela participou de toda aula, da maneira que lhe foi possível. A atividade seguinte foi o boliche, na qual as crianças brincaram por diversas vezes e continuaram até que as estagiárias perguntaram se gostariam de fazerem outra atividade. Elas jogaram mais uma vez cada e passaram para a atividade seguinte, denominada “tocha”. A menina que sugeriu, com auxílio da estagiária da classe que conhecia a brincadeira, explicou a dinâmica. Semelhante ao boliche, as crianças deveriam jogar a bolinha e acertar cinco bolinhas pequenas e duas grandes que substituíam os pinos. Exceto a menina que sugeriu e explicou, os demais alunos não conheciam esta atividade. Para finalizar a aula, brincaram de Ovo-Choco. Sentadas nas almofadas que estavam dispostas em círculo, cantavam uma cantiga específica da brincadeira, enquanto uma criança andava em torno do círculo. Quando deixava a bolinha atrás de uma das crianças, esta se levantava e tentava pegá-la. Esta, por sua vez, tentava fugir e sentar no lugar de quem havia deixado a bolinha. Analisando os dois ciclos, neste último as estagiárias não realizaram a atividade de aquecimento com os balões e a “Dança das Bolinhas” que aconteceram no primeiro ciclo, já 92 que naquela ocasião as crianças se agitaram muito e, por não conhecermos ao certo as condições de saúde delas, optaram por excluir a atividade. Foi uma opção de cautela por parte das estagiárias, pois naquela aula, de nada adiantou solicitar que as crianças tivessem calma, inclusive acontecendo que uma delas se chocou com um colega que estava com soro, e que resultou em dor. 93 Diário de campo, 20 de setembro de 2005. Esta aula se caracteriza por ser a primeira da oficina “Atividades Rítmicas e Expressivas”. Neste dia, as estagiárias e a ajudante da classe retornaram das unidades de internação com dois alunos. As crianças e as estagiárias se apresentaram, falando nome, idade e cidade de origem. Em seguida, uma das docentes explicou qual seria a dinâmica da aula, destacando que as atividades seriam mais atraentes com a participação de um maior número de crianças. Esse fator é importante de ser ressaltado, já que devemos ter em mente que o planejamento deve ser aberto, ou seja, flexível, por não sabermos quantas e nem quais crianças estarão presentes na aula. Após a conversa inicial, as crianças auxiliaram na remoção das mesas e cadeiras para que a primeira atividade fosse realizada. No centro da sala foram colocados alguns objetos e uma mesinha em cada extremidade. As estagiárias participaram para compor pelo menos duas duplas, que deveriam pegar um objeto de cada vez no centro da sala e levá-lo até a mesinha da dupla oposta. Quando não houvesse mais abjetos no centro, as duplas poderiam pegar da sua mesinha e levar para a oposta. Eu fiquei responsável por cronometrar o tempo, que inicialmente era de dois minutos, mas como as crianças e as estagiárias já estavam cansadas, por indicação de uma delas, finalizei a atividade em um minuto e trinta segundos. Ao término, as duplas empataram na quantidade de objetos, não havendo vencedor, mas que também não importou muito para as crianças, já que demonstraram querer fazer a tarefa, indiferentemente de vencer ou não. Na seqüência da aula, após as crianças beberem água, sentaram nas almofadas que estavam dispostas em círculo no chão. Os alunos iniciaram um diálogo com a professora Tânia e as estagiárias, sobre a atividade e tarefa de ciências da aula anterior que fora designada para fazerem no quarto. Isto pode ser considerado como uma demonstração de que as crianças não separam a Educação Física das demais atividades da classe, como verdadeiramente deve ocorrer. A atividade seguinte foi similar à realizada na respectiva aula na primeira oficina, que consistia em pegar um balão que estava pendurado no teto, estourá-lo e fazer a mímica referente ao animal que estava escrito no papel que estava no interior do balão. As estagiárias, professora e auxiliar da classe, participaram da atividade em função do número reduzido de crianças. Os bichinhos imitados foram: macaco (2x), gato, preguiça, baleia, cachorro, golfinho, jacaré, arara, pato, galinha, elefante (2x), leão, girafa, mosca, canguru, 94 tartaruga, aranha, cabra, onça, peixe, boi, sapo, minhoca, pássaro, passarinho (2x), boto e mosquito. As crianças demonstraram vontade em continuar na brincadeira, no entanto, havia apenas trinta balões. A atividade seguinte também fora realizada no primeiro ciclo, e consistia em cada criança desenhar o colega que estava deitado sob um papel pardo. Após as duas desenharem, as estagiárias auxiliaram a escreverem em cada membro do boneco que parte do corpo se referia. Isto se deu em função das crianças estarem no início do processo de alfabetização, e para auxiliar, a professora Tânia escrevia no quadro para que elas copiassem para o papel. Enquanto as crianças pintavam o desenho, ouviam atentamente a tarefa que as estagiárias explicavam para a próxima aula. Elas deveriam pintar todo o desenho, recortá-lo e trazê-lo para a próxima aula. Em relação à primeira oficina, as estagiárias modificaram a atividade inicial, denominada por elas de aquecimento, e também a atividade do desenho, destinando mais tempo em aula para ser feito. De acordo com elas, como a tarefa envolvia recortar e pintar poderia acontecer das crianças não terem em seus quartos os materiais necessários. Neste aspecto, há de se pensar na possibilidade de disponibilizarmos materiais não-tóxicos para que as crianças pudessem levá-los para os quartos. Isto é um fato que dever ser mais bem pensado para que se aumentem as possibilidades de tarefas que podem ser designadas para que os alunos possam fazer no leito. 95 Diário de campo, 22 de setembro de 2005. Esta é a segunda aula referente à oficina “Atividades Rítmicas e Expressivas”, e se trata da última intervenção da pesquisa de campo. As duas estagiárias e a auxiliar da classe se dirigiram até as unidades de internação para efetuarem o convite às crianças, para que participassem das atividades. Logo em seguida, três crianças que não aguardaram o chamado entraram na sala. Após alguns instantes, uma estagiária retornou para buscar uma cadeira de rodas, para que um menino que não poderia se locomover, em função de estar com uma perna engessada, pudesse freqüentar a aula. Posteriormente, a auxiliar e a outra estagiária retornaram acompanhadas de uma criança. As crianças e as estagiárias se apresentaram, falando nome, idade e cidade de origem. Ao término, um menino entrou na sala para participar das atividades, quando então a turma se apresentou novamente. Uma das estagiárias explicou o que acontecera na aula anterior e o que aconteceria nesta aula. Primeiramente, as crianças sentaram em círculo, três sob almofadas, uma na cadeira e duas na cadeira de rodas. As duas crianças que estavam presentes na aula anterior também estavam nesta. Um aluno participou da primeira oficina de “Ginástica Geral” e duas eram novatas na turma. Infelizmente, em nenhuma momento estiveram presentes alunos que participaram de uma oficina nos dois ciclos, o que reforça a contingência que envolve a classe hospitalar. A atividade consistia em movimentar as partes do corpo, representadas pelo desenho do boneco realizado na aula anterior, para que as crianças tentassem reproduzir as posições se movimentando. Um menino que desenhara na aula anterior, seguido por uma menina que também esteve, iniciaram a atividade, e em seguida, todas as crianças comandaram as posições que os colegas deveriam fazer. Enquanto as crianças participavam da atividade, a professora que trabalha no leito trouxe uma menina para que ela observasse a aula, visto que não poderia se movimentar muito. A atividade prosseguiu logo após a garota se apresentar, e então uma das estagiárias explicou o que estava acontecendo. Neste momento a aula contava com a presença de seis crianças, permanecendo desta forma até o término. Mesmo algumas crianças com limitações nos movimentos, como, por exemplo, duas em cadeira de rodas, uma com soro pendurado em uma haste e outra com tala e seringa em uma das mãos, todas estavam envolvidas com a atividade do boneco, cada um fazendo de acordo 96 com suas possibilidades. Esta atividade durou a maior parte da aula, já que as crianças demonstravam interesse em prosseguir. Quando as estagiárias perceberam que estava no momento de mudar de atividade, ao observarem as reações das crianças, sugeriram que esta tivesse seu fim. Os alunos aceitaram e, a pedido das ministrantes, logo estavam em duplas aguardando as explicações. A atividade seguinte consistiu na “dança dos balões”, semelhante à dança da laranja. Com um balão na testa, as crianças deveriam dançar ao ritmo da música, sem deixar este cair. Assim prosseguiu a aula, as crianças, estagiárias e professora Tânia dançando em duplas, trios e quartetos. Cada vez que o ritmo mudava, as combinações também deveriam ser modificadas. A cadeira de rodas ou o soro pendurado em uma haste, não foram empecilhos para que as respectivas crianças também se envolvessem na brincadeira, dançando ao som dos mais variados ritmos, porém com suas limitações individuais. Em função de nas quintas-feiras a programação prever às quinze horas uma sessão de cinema, a aula terminou cinco minutos antes do previsto. As estagiárias se despediram da professora Tânia, das crianças e da auxiliar, agradecendo por todas as contribuições prestadas durante as seis semanas de intervenção junto à turma de 1ª a 4ª série. Esta aula foi marcada pela participação das crianças em todas as atividades. As crianças em cadeira de rodas, com soro ou tala e seringa nas mãos, se envolveram nas brincadeiras, demonstrando alegria e descontração a cada posição difícil que um aluno impunha para a turma. A menina que chegou na classe acompanhada pela professora que atende no leito, não se limitou apenas a observar, mas participou também, realizando movimentos segundo suas possibilidades.