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BOLETIM DA
GESTÃO 2013-2015 | EDIÇÃO SETEMBRO DE 2014
SET/14
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia - www.sbnpbrasil.com.br
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04
TEXTO INICIAL
RESERVA COGNITIVA: O QUE É E QUAIS
SUAS IMPLICAÇÕES AO LONGO DO
ENVELHECIMENTO?
06
POLÍTICAS PÚBLICAS
AS POLÍTICAS VOLTADAS AO IDOSO E
A NEUROPSICOLOGIA
08
RELATO DE PESQUISA
A RELAÇÃO ENTRE ESTADO DE HUMOR
E MEDIDAS DE PERSONALIDADE
10
ENTREVISTA
ROSA MARIA MARTINS DE ALMEIDA—
PESQUISA EM NEUROPSI COLOGIA
12
ESPECI AL
TRINTA ANOS DE REDES NEURAIS E NEUROIMAGEM FUNCIONAL: O QUE SOBROU DA
NEUROPSICOLOGIA?
16
SBNP 25 ANOS
NOSSA HISTÓRIA
SET/14
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SET/14
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BOLETIM
SBNp
TEXTO INICIAL
RESERVA COGNITIVA:
O QUE É E QUAIS SUAS IMPLICAÇÕES AO LONGO DO
ENVELHECIMENTO?
LAISS BERTOLA DE MOURO RICARDO
A
tualmente o uso do termo Reserva
Cognitiva vem ganhando espaço
principalmente nas áreas de atuação que
envolvem o envelhecimento. Questões
como por que idosos respondem diferentemente a quadros demenciais em nível
histopatológico parecidos? ou por que
alguns cooperam melhor com os sintomas ou os apresentam mais tardiamente
que outros idosos? resultaram na formulação e estudo desse termo que se cunhou como um conceito.
Por definição Reserva Cognitiva se refere
a qualquer circunstância onde o cérebro
é capaz de sustentar, de forma ativa ou
passiva, um dano sofrido, que justifique
porque indivíduos com lesões ou patologias cerebrais de similar extensão não
apresentam mesma manifestação clínica
(Stern, 2002). Para tanto, dois modelos
foram formulados para explicar as formas
passivas e ativas da capacidade de reserva dos indivíduos.
Os modelos de reserva passiva incluem o
conceito de Reserva Cerebral, em que
variáveis como o volume cerebral, espessura do córtex, número de sinapses e
ramificações dendríticas estabelecem um
limite de comprometimento cerebral tole-
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rável antes que ocorram manifestações clínicas (Tate et al., 2011). Os
modelos ativos incluem o conceito de
Reserva Cognitiva, visto que o cérebro busca ativamente compensar o
dano sofrido através do uso de redes
e paradigmas cognitivos anteriormente não necessários à execução de
uma tarefa (Stern, 2002).
Dessa forma, idosos com um mesmo
grau de degeneração cerebral podem
manifestar os sintomas cognitivos de
diferentes formas, bem como idosos
com similar manifestação clínica podem estar em diferentes estágios demenciais, quando considerado o dano
cerebral envolvido (Stern, 2012).
A mensuração desse conceito hipotético de reserva encontra desafios,
uma vez que apenas alcançamos
medidas chamadas proxies, ou seja,
representantes mensuráveis desse
conceito (Jones et al., 2011). Representantes mensuráveis de reserva
identificados que atuam de certa forma como mediadores do processo de
envelhecimento, incluem principalmente anos de escolarização formal e
a qualidade do ensino (Perneczky et
al., 2006; Jefferson, et al., 2011; Meng
and D’Arcy, 2012).
No entanto, outras medidas como habilidades linguísticas, inteligência, nível ocupacional, atividades de lazer e físicas realizadas durante a vida adulta e idosa também se apresentaram como potenciais
proxies em diferentes estudos (Trucker &
Stern, 2011; Foubert-Samier et al., 2012;
Staff, 2012).
Sabemos hoje que idosos com maior reserva (seja ela representada por mais
anos de escolarização, por maior capacidade intelectual prévia ou pelo maior nível
ocupacional atingido) demoram em média
7 anos mais para manifestar sintomas
como esquecimentos (Amieva et al.,
2014), e, quando o manifestam no dia-adia, esses podem não ser encontrados
em uma situação de testagem não ecológica. Sabemos também que esses idosos
com maior reserva quando manifestam os
sintomas, apresentam uma curva de declínio cognitivo mais intensa que a de
idosos com pouca reserva, atingindo o
ápice de sintomas visíveis da demência
em menos anos que os idosos com baixa
reserva (Singh-Manoux, et al., 2011).
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Dessa forma, a aferição de nível intelectual pré-mórbido e, principalmente,
de estimativas de reserva cognitiva,
tem se tornado ferramentas auxiliares
importantes não só na compreensão
de casos individuais na prática clínica,
mas também na compreensão de grupos de idosos com maior ou menor
risco de apresentarem um envelhecimento patológico.
A boa notícia é que a reserva cognitiva apresenta uma formação contínua
ao longo do ciclo vital, incluindo a senescência (Scarmeas & Stern, 2004;
Valenzuela & Sachdev, 2006). Diversos fatores como o envolvimento em
atividades de lazer, mais anos de escolarização (representando a aquisição contínua de conhecimentos variados e aprofundados), a realização de
atividades profissionais desafiantes
cognitivamente, além de questões de
saúde básica, como realização de
exercícios físicos e qualidade de sono
(Zimmerman, et al., 2012), contribuem
para que o cérebro funcione de maneira adequada e a reserva possa se
consolidar.
Apesar de reserva cognitiva ainda ser
um conceito hipotético por definição,
os resultados das pesquisas demonstram que de fato o desenvolvimento
contínuo de uma base cognitiva contribuem para a capacidade de enfrentamento ante a uma degeneração. Aspectos cognitivos menos relevantes
ao seu funcionamento diário podem
ser perdidos muito antes daqueles
que o fazem claramente independente
em sua vida. Por isso, mãos à obra!
Nunca é tarde para aprender sempre
um pouco mais.
Referências
Amieva, H., Mokri, H., Le Goff, M., Meillon,
C., Jacqmin-Gadda, H., Foubert-Samier,
A., ... Dartigues, F. (2014). Compensatory
mechanisms in higher-educated subjects
with Alzheimer's disease: a study of 20
years of cognitive decline. Brain, 137(4),
1167-1175.
Foubert-Samier, A., Catheline, G., Amieva,
H., Dilharreguy, B., Helmer, C., Allard, M.,
& Dartigues, J.-F. (2012). Education, occupation, leisure activities, and brain reserve:
a population-based study. Neurobiology of
Aging, 33(2), 423.e15–423.e25.
Jefferson, A. L., Gibbons, L. E., Rentz, D.
M., Carvalho, J. O., Manly, J., Bennett, D.
A., & Jones, R. N. (2011). A Life Course
Model of Cognitive Activities, Socioeconomic Status, Education, Reading Ability, and
Cognition. Journal of the American Geriatrics Society, 59(8), 1403–1411.
SET/14
Jones, R. N., Manly, J., Glymour, M. M.,
Rentz, D. M., Jefferson, A. L., & Stern, Y.
(2011). Conceptual and Measurement
Challenges in Research on Cognitive Reserve. Journal of International Neuropsychology Society, 17(04), 593–601.
Meng, X., & D’Arcy, C. (2012). Education
and Dementia in the Context of the Cognitive Reserve Hypothesis: A Systematic Review with Meta-Analyses and Qualitative
Analyses. PLoS ONE, 7(6), e38268.
rociência Clínica (LINC-INCT-MM).
Presidente da Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia Jovem - SBNp Jovem
(2014-2015). Desenvolve pesquisa na
área de neuropsicologia do envelhecimento, memória semântica, reserva
cognitiva e cerebral.
Perneczky, R. (2006). Schooling mediates
brain reserve in Alzheimer's disease: findings of fluoro-deoxy-glucose-positron
emission tomography. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 77(9),
1060-1063.
Responsável pelo convite
ISABELA SALLUM
Scarmeas, N., & Stern, Y. (2004). Cognitive reserve: Implications for diagnosis and
prevention of Alzheimer’s disease. Current
Neurology and Neuroscience Reports, 4
(5), 374–380.
Staff, R. T. (2012). Reserve, Brain Changes, and Decline. Neuroimaging Clinics of
North America, 22(1), 99–105.
Singh-Manoux, A., Marmot, M. G.,
Glymour, M., Sabia, S., Kivimäki, M., &
Dugravot, A. (2011). Does cognitive reserve shape cognitive decline? Annals of
Neurology, 70(2), 296–304.
Stern, Y. (2002). What is cognitive reserve? Theory and research application of
the reserve concept. Journal of the International Neuropsychological Society, 8, 448–
460.
Stern, Y. (2012). Cognitive Reserve in
aging and Alzheimer’s disease. The Lancet
Neurology, 11(11), 1006-1012
Tate, D. F., Neeley, E. S., Norton, M. C.,
Tschanz, J. T., Miller, M. J., Wolfson, L., …
Bigler, E. D. (2011). Intracranial volume
and dementia: Some evidence in support
of the cerebral reserve hypothesis. Brain
Research, 1385, 151–162.
Tucker, A., & Stern, Y. (2011). Cognitive
Reserve in Aging. Current Alzheimer Research, 999(999), 1–7.
Valenzuela, M. J., & Sachdev, P. (2005).
Brain reserve and dementia: a systematic
review. Psychological Medicine, 36(04),
441.
Zimmerman, M. E., Bigal, M. E., Katz, M.
J., Brickman, A. M., & Lipton, R. B. (2012).
Sleep Onset/Maintenance Difficulties and
Cognitive Function in Nondemented Older
Adults: The Role of Cognitive Reserve
Journal of the International Neuropsychological Society, 18(03), 461–470.
Laiss Bertola de Mouro Ricardo
Psicóloga. Mestre em Medicina Molecular (INCT-MM-UFMG). Doutoranda
no Programa de Pós-Graduação em
Medicina
Molecular
(INCT-MMUFMG). Coordenadora Discente do
Laboratório de Investigações em Neu-
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POLÍTICAS PÚBLICAS
AS POLÍTICAS VOLTADAS AO IDOSO E A
NEUROPSICOLOGIA
A
RENATA KOCHHANN
longevidade é cada vez mais presente em
nossa sociedade e, com o aumento da expectativa
de vida, também aumentam a incidência e prevalência das doenças associadas ao envelhecimento,
incluindo quadros neurodegenerativos, como a doença de Alzheimer. A doença de Alzheimer (DA) é o
tipo mais prevalente de demência e o envelhecimento é um dos principais fatores de risco conhecidos
até o momento.
No Brasil, um estudo na população com mais de 65
anos demonstrou a prevalência de 7,1% de demência, sendo que a DA foi responsável por 55% dos
casos (Herrera, Caramelli, Silveira & Nitrini, 2002).
Outros dois estudos demonstraram a taxa de incidência de 7,7 por 1.000 pessoas-ano no estudo de
São Paulo (Nitrini, Caramelli, Herrera, Bahia, Caixeta, Radanovic et al., 2004) e 14,8 por 1.000 pessoas-ano no estudo do Rio Grande do Sul (Chaves,
Camozzato, Godinho, Piazenski & Kaye, 2009).
O aumento deste tipo de patologia, além de causar
diminuição da qualidade de vida para o paciente e
seus familiares, também gera gastos públicos relacionados ao tratamento, devido ao dispêndio com medicações e internações hospitalares. Os custos diretos e indiretos para cuidar de uma pessoa com DA é
de aproximadamente U$200 bilhões e ela é considerada como a sexta maior causa de morte nos Estados Unidos (Alzheimer’s Association, 2013).
No ano de 2003 foi instituído o Estatuto do Idoso no
Brasil, onde no Capítulo IV consta o Direito à Saúde.
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Neste capítulo é instituído tanto o direito ao atendimento médico através do SUS quanto ao fornecimento gratuito de medicamentos. Neste sentido, medicamentos que são recomendados para o tratamento da
doença de Alzheimer também são disponibilizados
gratuitamente (Ministério da Saúde, 2013).
No entanto, não há no Brasil, até o momento, uma
política pública específica para as demências como
existem em outros países. Políticas neste sentido são
abordadas, por exemplo, nos Estados Unidos, onde
atualmente existe o National Alzheimer's Project Act
(NAPA, 2013). Na Austrália o Aged care inclui assistência para pessoas com demência; na França, entre
2008 e 2012, foi instituído o National Alzheimer Disease Plan; na Coréia do Sul, em 2008, foi criado o
“Dementia Comprehensive Management Measures”;
na Holanda, entre 2004 e 2008, foi implementado o
National Dementia Program, que teve seguimento entre 2008 e 2010 com o Integrated Dementia Care; na
Dinamarca há o “National Dementia Action Plan”; na
Inglaterra, atualmente, existe o “The National Dementia Strategy”; na Suécia, em 2010, foi publicado o The
National Guideline for care in cases of Dementia; e no
Japão, em 2012, foi anunciado o “Five-Year Plan for
Promotion of Measures Against Dementia (Orange
Plan) (Nakanishi & Nakashima, 2014).
Como a maioria das condições neurodegenerativas é
caracterizada pelo início insidioso e declínio gradual
progressivo, o estado de transição entre as alterações
cognitivas normais do envelhecimento e os primeiros
aspectos clínicos de demência, denominado de Com-
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POLÍTICAS PÚBLICAS
prometimento Cognitivo Leve (CCL), tornou-se um
tema importante na prática clínica (Kelley & Petersen,
2009).
O CCL é uma síndrome clínica que representa uma
diminuição da função cognitiva, mas que não é suficiente para satisfazer os critérios de demência. O declínio cognitivo é maior do que o esperado para o envelhecimento normal, mas não é suficiente para interferir com a maioria das atividades de vida diária. Em
adultos com mais de 65 anos de idade, o declínio
cognitivo sem demência é duas a cinco vezes mais
comum do que a demência e ocorre em aproximadamente 11-27% do população (Johnson, 2009). A conversão deste estado para demência chega a ser cerca de 12% ao ano, em comparação com adultos idosos saudáveis que convertem em cerca de 1-2% ao
ano (Petersen, Stevens, Ganguli, Tangalos,
Cummings & DeKosky, 2001).
O envolvimento da neuropsicologia nas demências se
dá devido ao fato de que as alterações cognitivas fazem parte da evolução dos quadros demenciais e sua
avaliação está incluída nos critérios diagnósticos, assim como a sugestão de que o desempenho cognitivo
seja preferencialmente documentado por testes neuropsicológicos padronizados (American Psychiatric
Association, 2013).
Além disso, a realização de psicoeducação com os
familiares e cuidadores é de extrema importância, já
que os fármacos disponíveis não são capazes de reverter a progressão dos quadros demenciais provenientes de neurodegeneração como é o caso da doença de Alzheimer. Ainda, a reabilitação ou o treino cognitivo vem sendo demonstrado como efetivo, inclusive
para a modificação neural através da neuroplasticidade cerebral (Belleville, Clément, Mellah, Gilbert, Fontaine & Gauthier, 2011).
Deste modo, todos os idosos deveriam ter acesso à
avaliação neuropsicológica no momento em que mudanças cognitivas são percebidas por eles e/ou pelos
familiares, bem como ao acompanhamento durante a
evolução de um quadro demencial. E, se todos os
idosos pudessem se beneficiar de treino cognitivo,
seria o ideal para a manutenção de sua independência por mais tempo, o que consequentemente geraria
menos gastos ao governo e à sociedade.
Psychiatric Publishing.
Belleville, S., Clément, F., Mellah, S., Gilbert, B., Fontaine, F. &
Gauthier, S. (2011). Training-related brain plasticity in subjects at
risk of developing Alzheimer’s disease. Brain, 134, 1623-1634.
Chaves, M.L., Camozzato, A.L., Godinho, C., Piazenski, I. & Kaye,
J. (2009). Incidence of mild cognitive impairment and Alzheimer
disease in Southern Brazil. Journal of Geriatric Psychiatry and Neurology, 22(3), 181-7.
Herrera, E., Caramelli, P., Silveira, A.S. & Nitrini, R. (2002). Epidemiologic survey of dementia in a community-dwelling Brazilian population. Alzheimer Disease and Associated Disorders, 16(2), 103-8.
Johnson, J. (2009). Mild Cognitive Impairment subgroups. In Miller
BL & Boeve BF (Eds.), The Behavioral Neurology of Dementia (pp.
172-187). Cambridge: Cambridge University Press.
Kelley, B.J. & Petersen, R.C. (2009). Mild Cognitive Impairment. In
Miller BL & Boeve BF (Eds.), The Behavioral Neurology of Dementia
(pp. 172-187). Cambridge: Cambridge University Press.
Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria Nº
1.298, de 21 de novembro de 2013. Disponível em:
ftp://
ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/bibliote/informe_eletronico/2013/
iels.nov.13/Iels221/U_PT-MS-SAS-1298_211113.pdf. Acessado em
12/08/2014.
Nakanishi, M. & Nakashima, T. (2014). Features of the Japanese
national strategy in comparison with international dementia policies:
How should a national dementia policy interact with the public health
- and social-care systems? Alzheimer’s & Dementia, 10, 468-476.
NAPA: National Alzheimer’s Project Act. Disponível em: http://
aspe.hhs.gov/daltcp/napa/. Acessado em 12/08/2014.
Nitrini, R., Caramelli, P., Herrera, E., Bahia, V.S., Caixeta, L.F., Radanovic, M. et al.(2004). Incidence of dementia in a communitydwelling Brazilian population. Alzheimer Disease and Associated
Disorders, 18(4), 241-6.
Petersen, R.C., Stevens, J.C., Ganguli, M., Tangalos, E.G.,
Cummings, J.L. & DeKosky, S.T. (2001). Practice parameter: early
detection of dementia: mild cognitive impairment (an evidence-based
review). Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology, 56(9),1133–42.
Renata Kochhann
Psicóloga formada pela UNISINOS; Doutora em Medicina pela UFRGS, Pós-doutoranda pela PUCRS
(Programa de Pós-graduação em Psicologia: ênfase
em Cognição Humana) com bolsa DOCFIX. Pesquisadora do Centro de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Referências
Alzheimer’s Association (2013). Alzheimer’s Disease Facts and
Figures. Alzheimer’s & Dementia, 9(2), 1-69.
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical
manual of mental disorders (5th ed.). Arlington, VA: American
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Responsável pelo convite
MORGANA SCHEFFER
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BOLETIM
SBNp
RELATO DE PESQUISA
A relação entre estado de humor e medidas
de personalidade
Juliana Nassau Fernandes
Traços de personalidade são endofenótipos que podem auxiliar o estudo de transtornos psiquiátricos
(Savitz & Ramesar, 2006) e suas correspondências genéticas, contribuindo para o esclarecimento das etiologias dos transtornos. O Inventário de Caráter e Temperamento (TCI) foi desenvolvido com base em um
modelo geral psicobiológico de personalidade (Peirson
e Heuchert, 2000), a fim de favorecer o entendimento
do comportamento a partir de variáveis biológicas.
Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Pesquisadora voluntária de Iniciação Científica do Laboratório de Investigações em Neurociências
Cloninger e colaboradores postulam que a personali-
Clínicas (LINC-INCT-MM;UFMG). Desenvolve pesquisas na
dade consiste em um sistema complexo e hierárquico,
area de Neuropsicologia aplicada à Psiquiatria.
e que pode ser naturalmente decomposto em dimensões psicobiológicas distintas, categorizadas sob
mo sentimentalidade, apego social e dependência da
caráter ou temperamento (Cloninger, Svrakic &
aprovação de terceiros. As dimensões de caráter, por
Przybeck, 1993).
outro lado, se referem às identificações do self como
(1) um indivíduo autônomo – auto-direcionamento –,
As dimensões de temperamento são entendidas em
(2) parte integral da sociedade humana – cooperativi-
termos de diferenças individuais para respostas a novi-
dade – e (3) parte integral do universo – autotransce-
dades, perigo/punição e recompensa. O primeiro fator
dência (Cloninger, Svrakic & Przybeck, 1993).
de temperamento, busca por novidades, se refere ao
viés herdado de ativação ou iniciação de comporta-
Estudos preliminares apontam que pacientes com
mentos em resposta à novidade. O segundo fator, evi-
transtorno bipolar apresentam escores superiores em
tação a danos, consiste no viés herdado de inibir ou
evitação a danos e inferiores em dependência de re-
cessar comportamentos, como preocupação pessimis-
forço, auto-direcionamento e cooperatividade em re-
ta em antecipar problemas futuros, e aqueles de evita-
lação a controles saudáveis (Engström, Brändström,
ção passiva, como medo ou timidez. O terceiro fator,
Sigvardsson, Cloninger, Nylander, 2004). Sabe-se que
dependência de reforço, é entendido como viés herda-
a memória não-verbal é dependente do estado de hu-
do para manter comportamentos, e se manifesta co-
mor em pessoas com transtorno bipolar (Nutt & Lam,
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2011), e que este transtorno é primariamente caracteri-
entre os grupos em relação aos quatro fatores de tem-
zado por suas alterações no estado de humor.
peramento e três de caráter avaliados.
Tendo em vista estudos anteriores, a nossa equipe en-
Os resultados serão disponibilizados à comunidade aca-
controu a necessidade de averiguar, de forma explorató-
dêmica em breve. O estudo foi idealizado por Isabela
ria, se pessoas com transtorno bipolar respondem em
M. Magalhães Lima, e vem sendo conduzido com o
padrões diferentes ao TCI conforme seu estado de hu-
apoio de Ana Paula Jelihovschi, Juliana Nassau Fernan-
mor. A hipótese, então, era que o estado de humor in-
des, Carolina Soraggi e supervisionado por Fernando
terferiria ativamente na recuperação de memória episó-
Neves, Humberto Correa e Leandro Fernandes Malloy-
dica. Possivelmente, pacientes com humor deprimido
Diniz.
recuperariam conteúdos mnemônicos a respeito de si
próprios compatíveis com o seu estado atual. Considerando-se os sintomas listados no Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – 5a edição
(American Psychiatric Association, 2013), hipotetizou-se
que os participantes com humor deprimido apresentariam escores reduzidos em busca por novidades, autodirecionamento e cooperatividade, ao passo que teriam
escores aumentados em evitação a danos e dependência de reforço se comparados com pacientes em eutimia.
Para tal investigação, uma amostra de 197 participantes
com diagnóstico de Transtorno Bipolar e média de idade
43 anos foi submetida à avaliação de humor a partir do
Beck Depression Inventory e preencheram o TCI. Destes,
114 apresentavam sintomas depressivos (BDI>10) e 83
apresentavam-se em eutimia (BDI<10; Young Mania Rating Scale<10). Os grupos foram pareados quanto a idade, sexo e escolaridade. A avaliação foi realizada no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Ge-
Referências:
American Psychiatric Association. (2013). The Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders:
DSM 5. bookpointUS.
Cloninger, C. R., Svrakic, D. M., & Przybeck, T. R. (1993).
A psychobiological model of temperament and
character. Archives of general psychiatry, 50
(12), 975-990.
Engström, C., Brändström, S., Sigvardsson, S., Cloninger, R., & Nylander, P.-O. (2004). Bipolar disorder. Journal of Affective Disorders, 82(1), 131
–134. doi:10.1016/j.jad.2003.09.004;
Nutt, R. M., & Lam, D. (2011). A Comparison of MoodDependent Memory in Bipolar Disorder and
Normal Controls. Clinical Psychology & Psychotherapy,18(5), 379-386.
Peirson , A. R & Heuchert J.W,. (2000). The relationship
between personality and mood: comparison of
the BDI and the TCI.
Savitz, J. B., & Ramesar, R. S. (2006). Personality: is it a
viable endophenotype for genetic studies of
bipolar affective disorder? Bipolar Disorders, 8
(4),
322–337.
doi:10.1111/j.1399
5618.2006.00309.
rais (HC-UFMG) por pesquisadores do Núcleo de Transtornos Afetivos (NTA). O diagnóstico clínico de Transtorno Bipolar foi realizado por psiquiatras residentes do HC
-UFMG. Os dados apresentaram distribuição normal,
justificando o uso do test t para comparação de médias
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Responsável pelo convite
ISABELLA STARLING
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BOLETIM
SBNp
ENTREVISTA
Responsável pelo convite
ADRIANA HESS
ROSA MARIA MARTINS DE ALMEIDA
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) possuiu pósdoutorado pela Tufts University (Boston, USA) na área de neuropsicofarmacologia. É professora adjunta da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora adjunta do PPG em Psicologia da UFRGS. Coordena o Núcleo de
Pesquisa Translacional em Adição e o Núcleo de Pesquisa em Neurociência Clínica. Trabalha com modelos clínicos e pré
-clínicos. Orienta alunos de Pós-Graduação do Programa em Psicologia e Neurociências da UFRGS.
SBNp: Rosa, muito obrigada por
quisa com humanos e a pesquisa
do atualmente no seu laborató-
nos conceder esta entrevista.
com animais. Com humanos esta-
rio?
Inicialmente, gostaria que nos
mos trabalhando mais especifica-
Rosa: Com humanos temos vários
contasse um pouco sobre as
mente com funções executivas e
projetos envolvendo funções execu-
principais linhas de pesquisa do
uso/dependência de drogas, fo-
tivas, tarefas comportamentais, as-
grupo que você coordena.
cando no controle inibitório, em
pectos emocionais da impulsividade,
diversos grupos clínicos e não
agressividade, ansiedade, depres-
Rosa: O Laboratório de Psicologia
clínicos e, sempre que possível,
são em diferentes grupos clínicos e
Experimental,
e
temos associado medidas biológi-
não clínicos, além de pesquisas
Comportamento (LPNeC) da Uni-
cas. Nos estudos com animais
com indução de humor. Com mode-
versidade Federal do Rio Grande
temos focado nossas investiga-
los animais temos nos dedicado a
do Sul (UFRGS) tem dois núcleos
ções empíricas no córtex, pré-
investigar agressividade, impulsivi-
de pesquisas: o Núcleo de Pesqui-
frontal, agressividade e impulsivi-
dade, ansiedade e sistemas seroto-
sas em Neurociência Clínica - NU-
dade.
nérgico e gabaérgico e uso de álcool
PENC e o Núcleo de Estudos
SBNp: Você poderia nos contar
e outras drogas, além do estresse
Translacionais em Adições - NE-
um pouco sobre os projetos de
agudo e crônico (provocação social,
TAD. Em linhas gerais, temos dois
pesquisa que está desenvolven-
derrota social) e separação materna
Neurociência
principais focos de trabalho: a pesSET/14
e comportamento maternal.
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10
BOLETIM
SBNp
ENTREVISTA
SBNp: Conte-nos como surgiu o
tanto em grupos clínico quanto
entrevista com um DQ e no próximo
interesse pela pesquisa com
não clínicos, e sempre que possí-
encontro o mesmo tenha desistido
animais.
vel discutimos questões relaciona-
do tratamento e não esteja mais na
Rosa: Desde a graduação me inte-
das a pesquisa translacional.
CT.
ressava pela pesquisa com ani-
SBNp: Quais as maiores dificul-
SBNp: Qual conselho você daria
mais, pois queria estudar o cére-
dades que são encontradas na
para jovens pesquisadores brasi-
bro e suas funções, e isso foi pos-
pesquisa com animais?
leiros, que estão iniciando sua
sível na época com a iniciação
Rosa: Os maiores entraves na
trajetória na pesquisa em neu-
científica. Depois dei prossegui-
pesquisa com animais, sem dúvi-
ropsicologia?
mento nas pesquisas com ani-
da, são as verbas para pesquisa e
Rosa: Que tenham muita motivação
mais, realizando mestrado e dou-
a questão do espaço físico, para
e perseverança para realizar as pes-
torado pela Universidade Federal
armazenamento
quisas.
do Rio Grande do Sul, onde inves-
animais, que devem seguir nor-
tiguei os efeitos dos agonistas 5-
mas do Comitê de Ética no Uso
HT1A, 5-HT1B e 5-HT2 sobre o
de Animais (CEUA).
comportamento agressivo mater-
SBNp: E com dependentes quí-
nal de ratas, e no pós-doutorado
micos... Quais as maiores difi-
na Tufts University (Boston, USA)
culdades na pesquisa?
na área de neuropsicofarmacolo-
Rosa: Com relação à dependência
gia.
química em humanos, a maior
SBNp: E o interesse em pesqui-
dificuldade reside na participação
sa com humanos? Como sur-
dos voluntários, que muitas vezes
giu?
estão medicados ou abandonam o
Rosa: Quando percebi que era
tratamento. As nossas pesquisas
importante unir os estudos de ani-
com DQ tem sido realizadas em
mais e humanos, fazendo pesqui-
Comunidades Terapêuticas (CT)
sa translacional. A partir disso,
para desintoxicação e tratamento
começamos a realizar, também,
da DQ e também em hospitais.
pesquisas com seres humanos,
Não é raro que iniciemos uma
SET/14
adequado
dos
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11
BOLETIM
SBNp
Especial
Trinta anos de redes neurais e neuroimagem funcional:
O que sobrou da neuropsicologia?
Vitor Geraldi Haase
A década de 1980 testemunhou
dois avanços importantes na neurociência cognitiva. Em 1986 foi
publicado o livro de referência das
redes neurais conexionistas ou processamento distribuído e paralelo
(McClelland et al., 1986, Rumelhart et al., 1986). Dois anos depois foi publicado o estudo clássico de Petersen e cols. (1988) usando tomografia por emissão de pósitrons para identificar as áreas cerebrais ativadas pelo processamento
lexical. As redes neurais demonstraram que era possível simular
desempenhos cognitivos relativamente complexos utilizando modelos com algumas dezenas ou centenas de unidades muito simples,
organizadas de forma maciçamente
paralela, sem uma arquitetura prévia sofisticada, sem programação
explícita e servindo-se apenas de
uma regra de correção de erro nas
respostas do sistema. Os comportamentos complexos simplesmente
emergem da dinâmica de um sistema de input-output com uma camada intermediária, desde que seja
utilizada uma regra de aprendizagem ou correção de erro, a qual
diminui a discrepância entre os
padrões de ativação exibidos pela
rede e os padrões almejados de
output.
Aparentemente, os modelos de
rede neural questionaram a pressuposição tradicional em neuropsicoSET/14
logia de localizacionismo funcional, uma vez que desempenhos
cognitivos complexos podem
emergir em sistemas organizados
de forma não-modular. Mais ainda, lesões em sistemas nãomodulares podem, inclusive, resultar em efeitos de dissociação
dupla entre funções preservadas e
comprometidas (Kello, 2003), os
quais são tradicionalmente interpretados como evidência para uma
organização modular do cérebromente. A neuroimagem funcional
reforçou esta hipótese ao mostrar
que tarefas cognitivas relativamente simples e específicas podem recrutar uma rede distribuída
de estruturas cerebrais para sua
implementação.
As investigações com redes neurais e neuroimagem funcional parecem sugerir, portanto, que a atividade neural subjacente mesmo
às tarefas cognitivas mais simples
e específicas recruta uma rede
neuronal geograficamente dispersa
no cérebro. Isto contribuiu para
abalar a confiança dos neuropsicólogos nos postulados do localizacionismo. Ao longo das décadas
seguintes foi progressivamente
diminuindo a quantidade de estudos com pacientes e aumentando a
proporção de estudos com neuroimagem funcional nos principais
periódicos de neuropsicologia, tais
como Neuropsychologia ou Cor-
tex. A história da neuropsicologia se
caracteriza por uma disputa recorrente entre defensores e detratores
do “localizacionismo” (Haase et al.,
2012, Lecours et al., 1992). O localizacionismo parece estar mesmo em
baixa nos tempos atuais.
Alguns episódios vivenciados por
mim podem ser tomados como evidência do baixo astral localizatório
que assombra a neuropsicologia atual:
Uma aluna foi apresentar um pôster
em um congresso e ficou muito frustrada porque a avaliadora lhe disse
que sua interpretação dos resultados
era muito localizacionista e que o
localizacionismo teria “caído”. Ela
não soube o que responder;
O revisor de um artigo que eu enviei
para publicação também questionou
algumas das minhas interpretações
dos resultados por serem, supostamente, muito localizacionistas. Eu
soube o que responder e o paper foi
publicado;
Em uma discussão de um grupo de
trabalho eu defini a característica
distintiva da neuropsicologia como
sendo o estudo das correlações estrutura-função em pacientes com algum
tipo de lesão ou disfunção cerebral.
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12
Especial
Um dos colegas participantes da
discussão teve muita dificuldade
em aceitar essa afirmação. Não
ficou claro, entretanto, como ele
propunha caracterizar alternativamente e neuropsicologia. Ou seja,
o que ele colocaria no lugar da boa
e velha correlação anátomoclinica. Eu continuo convencido de
que a correlação anátomo-clinica
não morreu e permanece sendo a
característica distintiva da neuropsicologia. Antes eu andava nos
corredores da FAFICH e me xingavam de positivista. Agora me
xingam de localizacionista. Consola-me pensar que estou em boa
companhia.
lam, 1998).
Historicamente o pêndulo tem oscilado entre o localizacionismo e o
anti-localizacionismo. As redes
neurais e os métodos de neuroimagem parecem colocar a neuropsicologia clássica em questão. Mas
será que é assim mesmo? Acredito
que trinta anos depois temos condições de traçar um quadro mais
equilibrado da situação, incorporando as evidências de redes neurais e neuroimagem funcional ao
corpo de doutrina da neuropsicologia (Shallice & Cooper, 2011).
Esta perspectiva mais equilibrada
do localizacionismo deve considerar, entre outras, as seguintes evidências teóricas e empíricas:
Estudos de neuroimagem funcional usando a técnica de conectividade funcional mostram que o padrão de conexão para as principais
redes funcionais descobertas pelos
neuropsicólogos é tão forte que
pode ser identificado mesmo em
repouso (Meunier et al., 2010).
O localizacionismo estrito é um
mito. Talvez nem mesmo Broca
fosse um localizacionista tão ingênuo assim como se lhe comstuma
atribuir. O localizacionismo burro
parece existir apenas como um
espantalho criado na cabeça dos
seus adversários. Carl Wernicke, p.
ex., já tinha uma concepção conexionista e distribuída da localização cerebral (Gage & Hickok,
2005), muito semelhante à que é
defendida
contemporaneamente
(Haase et al., 2008, 2010, MesuSET/14
As duplas dissociações em redes
não estruturadas modularmente
ocorrem apenas quando o sistema
consiste de um número pequeno
de unidades. Em redes nãomodulares maciçamente maiores
predominam os efeitos de massa
após lesões de magnitude crescente (Bullinaria & Chater, 1995).
Consequentemente, não se pode
esperar efeitos de dissociação dupla após lesões de um sistema tão
complexo como cérebro humano
se ele não for organizado modular
e hierarquicamente.
As pesquisas sobre conectividade
funcional mostram também que as
principais redes funcionais desvendadas pelos neuropsicólogos já
estão ativas desde o nascimento
(Power et al., 2010). Ou seja, o
cérebro humano não é uma tábula
rasa ao nascimento, mas sim uma
estrutura complexa, modularmente
hierarquizada, mas que também
suporta processamento paralelo e
se adapta de forma plástica e dinâmica em função da experiência.
Além de validar a localização lesional das principais síndromes neuropsicológicas (Catani et al.,
2012), as pesquisas com tractografia têm demonstrado amplamente
a validade do conceito de síndrome de desconexão proposto pelos
neuropsicólogos clássicos (Catani
& ffythce, 2005, Geschwind,
1965a,b).
Os métodos de neuroimagem funcional atualmente disponíveis são muito
imprecisos quanto à sua resolução
espacial e temporal. Métodos neurofisiológicos com uma maior resolução temporal demonstram, por
exemplo, que padrões de ativação
que parecem distribuídos em uma
janela temporal de alguns segundos
correspondem, na verdade, a uma
ativação sequencial com uma dinâmica de dezenas a centenas de milissegundos (Sahin et al., 2009).
Os padrões de ativação distribuída
em estudos de neuroimagem funcional indicam as áreas cerebrais potencialmente envolvidas em uma tarefa,
mas não podem identificar as áreas
que são cruciais para um determinado desempenho cognitivo (Price,
2000). Desta forma, a neuroimagem
pode ser mais útil no contexto da
descoberta, ou seja, na identificação
de possíveis correlações estruturafunção. Os estudos com pacientes e
a estimulação magnética transcraniana, por outro lado, são imprescindíveis no contexto de verificação, para
identificar as áreas cuja integridade
funcional é absolutamente necessária
para um dado exercício funcional.
Até cerca de 30 anos atrás a neuropsicologia era o único método não
-invasivo para inferir relações sistemáticas entre a integridade anatômica de determinados circuitos funcionais e a implementação de diversos
processos psicológicos (Shallice,
1988). Este panorama mudou radicalmente. Em função do desenvolvimento tecnológico dispomos atualmente de recursos que permitem investigar as correlações estruturafunção in vivo. Entretanto, ao invés
de desbancarem a neuropsicologia,
as novas tecnologias contribuem
mais para validá-la, complementá-la
e expandi-la.
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13
Especial
À medida que o conhecimento se
acumula fica mais claro que as
novas tecnologias também se ressentem de importantes limitações.
As redes neurais são mais úteis na
formulação precisa e matematização de hipóteses do que na sua
verificação. Além de importantes
restrições estatísticas decorrentes
das análises superpostas e probabilidade de erro de tipo II, bem como
quanto à sua resolução espaçotemporal, a neuroimagem funcional também é mais útil na formulação de hipóteses do que na sua
verificação. Acrescida da estimulação magnética transcraniana, a
neuropsicologia permanece sendo
o único método disponível para
estabelecer relações necessárias
entre a integridade anatômica de
uma dada estrutura neural e um
determinado processo psicológico.
A melhor compreensão das vantagens e limitações de cada método
permite aos pesquisadores utilizarse de uma estratégia de validação
convergente para testar seus modelos (Shallice & Cooper, 2011). Os
modelos mais válidos são aqueles
sustentados por um conjunto maior
de evidências convergentes a partir
de diferentes abordagens. O localizacionismo não morreu. Seu sobrenome é distribuído. Mas você viu
algum autor na história recente da
neuropsicologia defender um localizacionismo estrito, burro? Do
tipo tal função é implementada por
tal centro? Desde Freud (1891)
ninguém mais pensa assim em
neuropsicologia. Só os adversários
e os quinta-coluna, que querem
corroer a neuropsicologia por dentro. A neuropsicologia não é mais
o único nem o principal método
inferencial para estabelecer correlações estrutura-função. Nasceram
uma série de irmãs mais jovens.
Mas a neuropsicologia continua aí
e até hoje não pode ser descartada.
Não é mais uma princesinha, mas
SET/14
também não é uma borralheira.
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SET/14
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15
25 anos
Nossa História
Por
A Sociedade Brasileira de Neuropsicologia ( SBNp) foi fundada em setembro de 1988, durante o XIII Congresso Brasileiro de Neurologia em São
Paulo, graças aos esforços de dois
grandes neurologistas e professores,
o Dr. Norberto Rodrigues, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
(PUCSP), e o Dr. Jayme Antunes Maciel Jr., da Universidade de Campinas
(UNICAMP).
Em 1989, o Dr. Norberto Rodrigues,
com o auxílio de uma comissão multidisciplinar composta por profissionais
de diversos grupos e instituições engajados na área da Neuropsicologia,
iniciou a organização do I Congresso
Brasileiro de Neuropsicologia e II Congresso Latino-Americano de Neuropsicologia que foi realizado em São Paulo em 1991, com grande sucesso.
Esse megaevento científico contou
com a participação de ilustres colegas
de vários países como Argentina, Uruguai, Canadá, Itália, Espanha, Bélgica
e França.
A partir desse Congresso foram lançados 4 volumes de uma série de livros
intitulada "Temas em Neuropsicologia".
Desde então, a SBNp assumiu o compromisso de realizar em anos alternados o Congresso Brasileiro de Neuropsicologia e o Congresso Brasileiro
de (RE)Habilitação Cognitiva, o qual
gerou a série de livros
"Tecnologia em (RE) Habilitação Cognitiva" com 3 volumes.
Preocupada em discutir as questões
voltadas às "necessidades especiais",
a SBNp organizou eventos ( muitos
deles internacionais), com temas mais
específicos, como o de Língua de SiSET/14
Deborah Azambuja
nais (1993), o de Leitura e Escrita
(2005), o de Neuropsicologia e Inteligência- um Enfoque nas Altas Habilidades (2006) e o de Neuropsicologia
e Aprendizagem na Educação
(2007).Os eventos da SBNp tornaram
-se referência de atualização científica
na área da Neuropsicologia do Brasil
e por isso sempre foram prestigiados
por profissionais de renome atuantes
na área e por alunos interessados em
aprofundar seus conhecimentos.
A SBNp sempre teve como objetivo
expandir a Neuropsicologia por todo o
Brasil e atualmente possui representantes regionais em vário estados
como: Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Santa Catarina, Paraná, Goiás,
Alagoas, Rio Grande do Sul e Minas
Gerais.
Em 2004, a SBNp apoiou e reconheceu a criação da Sociedade Mineira
de Neuropsicologia (SMNp) que teve
como presidente de honra ao médico
Dr. Ramón Moreira Cosenza, e como
primeiro presidente o psicólogo Dr.
Leandro Fernandes Malloy-Diniz, atual presidente da SBNp na gestão
2013-2015.
Desde a sua fundação, a SBNp sempre considerou a Neuropsicologia
uma ciência multi, inter e transdisciplinar, promovendo parcerias e troca de
conhecimento entre as diversas profissões, que, respeitando seus limites
de atuação, desenvolvem um trabalho
clínico e de pesquisa na área.
classes a atuação de diferentes áreas
profissionais na Neuropsicologia. Desde
então, diversas questões legais e políticas marcaram essa disputa e têm sido
trabalhadas com a participação da
SBNp, por diferentes instituições com
alguns progressos consideráveis.
Até a presente data, a SBNp já realizou
21 congressos, sendo 19 nacionais e 2
internacionais, além de várias jornadas,
simpósios e cursos. Publicou 16 livros e
retomou, em 2013, a edição da série
"Temas em Neuropsicologia", lançando
o primeiro volume "Neuropsicologia Geriátrica".
Neste ano, a SBNp está comemorando
seus 25 anos de existência realizando
com o apoio de seus representantes
regionais uma série de jornadas, registrando uma vez mais, seu incansável
trabalho pela Neuropsicologia. Em novembro fecharemos as comemorações
com o XIII Congresso Brasileiro da
SBNp que será realizado em Belo Horizonte (MG).
A SBNp é, sem dúvida, a entidade científica que mais representa a história da
Neuropsicologia no Brasil e continuará
mantendo seus esforços para o desenvolvimento dessa ciência que consegue
unir conhecimentos e culturas tão heterogêneos, ao estudar o cérebro humano
e suas competências.
Em 2007 realizou o Fórum Multidisciplinar para discutir junto aos conselhos e entidades representativas de
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16
Presidente: Leandro Fernandes Malloy-Diniz (UFMG)
Vice-Presidente: Neander Abreu (UFBA)
Conselho Deliberativo:
Gabriel Coutinho (I'Dor - RJ)
Jerusa Fumagali de Salles (UFRGS)
Lucia Iracema Mendonça (PUC-SP e USP)
Vitor Haase (UFMG)
Presidente: Laiss Bertola (UFMG)
Conselho Fiscal:
Vice-Presidente: Annelise Júlio-Costa (UFMG)
Breno S. O. Diniz (UFMG)
Conselho Deliberativo:
Daniel Fuentes (USP)
Andréa Matos Oliveira Tourinho (IFBA)
Rodrigo Grassi Oliveira (PUC-RS)
Breno S. Vieira (PUC-RS)
Secretária Executiva: Carina Chaubet D'Aucante
Alvim
Secretaria Geral: Thiago Rivero (UNIFESP)
Emanuel Henrique Gonçalves Querino (UFMG)
Jaqueline de Carvalho Rodrigues (UFRGS)
Sabrina de Sousa Magalhães (UFMG)
Conselho Fiscal:
Natália Betker (UFRGS)
Ana Luiza Cosa Alves (UFMG)
Tesouraria Executiva: Eliane Fazion dos Santos
Tesouraria Geral: Deborah Azambuja.
Thaís Quaranta (USP)
Chrissie Ferreira de Carvalho (UFBA)
Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara
(UNEB)
Representantes regionais:
Secretário-Executivo: Bruno Schiavon (PUC-RS)
Acre: Lafaiete Moreira
Piauí: Inda Lages
Alagoas: Katiúscia Karine Martins da Silva
Rio de Janeiro: Flávia Miele
Secretário-Geral: Gustavo Marcelino Siquara
(UFBA)
Rio Grande do Norte: Katie
Almondes
Tesoureiro-Executivo: Alina Lebreiro G. Teldeschi
(CNA-I'Dor )
Rio Grande do Sul: Rochele Paz
Fonseca
Tesoureiro-Geral: Thiago da Silva Gusmão Cardoso (UNIFESP)
Rondônia: Kaline Prata
Setor de Marketing e Comunicação:
Centro Oeste: Leonardo Caixeta
Santa Catarina: Rachel Schlindwein-Zanini.
Andressa Antunes (UFMG)
DF: Danilo Assis Pereira
Sergipe: Ana Cláudia Viana
Silveira
Amazonas: Rockson Pessoa
Bahia: Tuti Cabuçu
Ceará: Silviane Pinheiro de Andrade
Minas Gerais: Jonas Jardim de
Paula e Annelise Júlio-Costa
Paraíba: Bernardino Calvo
Isabella Sallum (UFMG)
Adriana Binsfeld Hess (UFRGS)
Isabella Starling (UFMG)
Inda Lages (UFABC)
Morgana Scheffer (UFRGS)
Revisão: Isabela Sallum (UFMG)
SET/14
Editoração: Andressa Antunes (UFMG)
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