+info sobre o estudo

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+info sobre o estudo
De que falamos quando falamos de cópia privada?
O estudo de Martin Kretschmer.
Um dos aspectos mais disputados em torno do tema cópia privada é, claro, o dos
seus “dados”. Como qualificar e quantificar usos de equipamentos e suportes,
ganhos e prejuízos, como calcular tarifas e, principalmente, qual o seu impacto na
formação de preços de suportes e equipamentos.
Assinalemos, para já de modo esquemático, que em torno desta exceção ao direito
de autor e direitos conexos, a cópia privada, e das respectivas compensações
devidas a artistas, autores e produtores, estes se defrontam com uma das mais ricas
– senão a mais rica das – indústrias mundiais, as tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e seus distribuidores.
Apetece citar, como ilustração, um estudo feito em 2010 para uma associação de
consumidores inglesa, muito ativa nesta área e contra a existência de tarifas, onde
se passa em revista o trabalho existente, os “dados”, sobre o impacto económico das
tarifas.
Concluem os autores que, além de dois estudos, abaixo referenciados, quanto ao
restante: “Para ser claro, existem muitíssimas declarações sobre o papel das tarifas,
e algumas delas podem incluir números mas estes não são considerados nem
análise económica nem prova”1.
Não é só a escassez ou a qualidade dos “dados” que se questiona. Quando surgem
é também o seu significado que pode ser posto em causa.
1
Rogers, Mark; Corrigan, Ray and Tomalin, Joshua (2010). The economic impact of consumer copyright
exceptions: A literature review, Consumer Focus, London, UK, Tradução do autor. Os estudos em causa
foram encomendados por entidades em pontos opostos do debate : Nathan Associates (2006) Private
Copying Levies on Digital Equipment and Media: Direct Effects on Consumers and Producers and
Indirect Effects on Sales of Online Music and Ringtones, um estudo encomendado pela Copyright Levy
Reform Alliance’s, uma associação criada no essencial pelas TIC; o segundo estudo citado é o
EconLaw Strategic Consulting (2007). Economic Analysis of Private Copy Remuneration, estudo
encomendado pela GESAC (Groupement Européen des Sociétés d’Auteurs et Compositeurs),
traduzindo diretamente, um agrupamento europeu de sociedades de autores e compositores.
1
Iremos aqui considerar um exemplo, o estudo realizado por Martin Kretschmer para o
Intellectual Property Office do Reino Unido em finais de 2011, bastante referenciado,
também em Portugal, e que pela data de publicação escapa naturalmente ao exame
de Rogers et ali. 2.
O documento integra, em cerca de 70 páginas, um relatório e três estudos. Iremos
focar-nos no segundo desses estudos, o que analisa os efeitos empíricos das tarifas,
e num dos aspectos particulares que pondera, central para as discussões: “quem
paga o sistema”.
O estudo utiliza como base os preços finais, online e loja, de três categorias de
equipamentos que incluem tarifas: 2 impressoras, 3 pod’s, e 3 pad’s.
Cobre um conjunto de 20 países apresentando os valores dos impostos sobre o
consumo que são praticados, que em dois casos, EUA e Canadá, são objecto de
construção, justificada. Os valores são apresentados em euros.
Quanto ao valor das tarifas o estudo utiliza aquela que é provavelmente a mais
citada das fontes quanto às questões de cópia privada ou de gestão colectiva: os
relatórios anuais da sociedade holandesa de gestão de cópia privada Stichting de
Thuiskopie.
A primeira página do relatório é sintomática da interpretação criativa a que estão
sujeitos os trabalhos sobre este tema, muitas vezes para além do que poderia
suportar a integridade dos dados em que se baseiam e das conclusões a que
efetivamente chegam os seus autores.
Logo na primeira nota substancial do estudo o Autor distancia-se de uma
interpretação abusiva das suas conclusões, feita a partir de uma versão preliminar do
seu trabalho e onde lhe é atribuída uma posição contrária à exceção da cópia
privada.
2
Kretschmer, Martin, (2011). Private Copying and Fair Compensation: An empirical study of copyright
levies in Europe, Por ocasião do debate em torno do Projeto-lei 118/XII, este estudo é citado na nota
técnica que analisa o documento, e também por três entidades que se opõem, com argumentos
distintos, ao regime de cópia privada (Creative Commons Portugal, pela AGEFE - Associação
Empresarial dos Setores Elétrico, Eletrodoméstico, Fotográfico e Eletrónico e NOKIA) Recomenda-se a
consulta do estudo para uma análise da metodologia seguida pelo Autor, reconhecido especialista na
área, que aqui, evidentemente, não cabe na sua plenitude.
2
É no entanto nos critérios utilizados para apresentação de alguns dos seus
resultados que se revela alguma ambiguidade interpretativa. As operações de
ordenação dos dados que realiza não tornam evidente, senão com dificuldade, as
relações entre imposto, tarifa e preço final.
Apresentaremos aqui, por razões óbvias, apenas um exemplo de cada uma das
categorias selecionadas.
O gráfico 1 apresenta os preços para o IPod 8GB.
Os valores de imposto, em percentagem, devem ser lidos na escala da direita,
enquanto preço de venda e tarifas, em euros se podem cotar na escala da esquerda.
Os dados são retirados da tabela 5 do estudo, agora simplesmente em ordem
crescente de valor de venda.
A haver uma relação, ela parece evidente entre preços e a fiscalidade, mas não entre
aqueles e as tarifas.
3
Utilizando os mesmos critérios, no gráfico 2 (tabela 7 do estudo) vemos o preço para
o IPad2 16GB.
De novo as relações não são demasiado evidentes, mas orientam-se para preço e
imposto. No caso alemão, a maior das tarifas tem o terceiro melhor preço.
Um último exemplo, de uma impressora multifunções, a HP 4500, expressa no
gráfico 3 (tabela 3 do estudo), é aquele que torna mais evidente que a formação de
preços não depende de qualquer modo significativo das tarifas aplicadas:
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Os valores mais altos da tarifa, Alemanha e Espanha estão no grupo dos preços
mais baixos e mesmo o caso da Bélgica tem um valor praticamente em cima da
média.
Como assinala o Autor na nota ao seu gráfico existe uma fraca correlação positiva
entre a soma dos valores de IVA e tarifa e o valor de venda: +0.29. Alguns autores
diriam que esse valor não é sequer significativo.
Mas se realizarmos a operação exclusivamente entre o IVA e o valor de venda essa
correlação é ainda fraca, mas já significativa, de + 0,47.
Isto porque entre tarifas e valor de venda existe uma correlação negativa de -0,21,
insignificante, a não ser pelo seu sinal. A formação dos preços tem claramente
outros determinantes que não as tarifas.
Apetece evocar um dos mais influentes pioneiros das ciências sociais em Portugal,
Adérito Sedas Nunes, que sugeria a substituição do termo “dados” pelo mais
esclarecedor “captados”, também porque permitiria tornar evidente a existência de
uma
agenda,
diríamos
hoje,
na
sua
recolha,
ordenação,
classificação
e
apresentação.
As TIC dispõem de vastos recursos, da experiência em agir num mercado que
criaram e obviamente dominam, cada vez mais online e por isso rico de
oportunidades de estudo do comportamento dos consumidores, extensamente
exploradas em diversas outras dimensões.
Seria
de
esperar
que
tivessem
já
produzido
estudos
que
provassem
inequivocamente alguns dos pontos que defendem, nomeadamente que os
equipamentos e os suportes não se destinam significativamente á exploração da
cópia privada, logo não causando qualquer prejuízo, ou que os preços finais dos
equipamentos são fortemente influenciados pelas tarifas. Mas não…
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