Dois Novos Métodos para a Teoria do Silogismo

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Dois Novos Métodos para a Teoria do Silogismo
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Dois Novos Métodos para a Teoria do Silogismo:
Método diagramático e método equacional
Frank Thomas Sautter
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
[email protected]
Abstract: I develop a new diagrammatic method for the Theory of
the Syllogism, based on criticism of the method developed by Lewis
Carroll. I also develop a new equational method for the Theory of
the Syllogism, based on criticism of the method developed by Max
Black.
Key-Words: Theory of the Syllogism; diagrammatic method;
equational method; Lewis Carroll; Max Black.
Resumo: Desenvolvo um novo método diagramático para a Teoria
do Silogismo, baseado em crítica ao método desenvolvido por Lewis
Carroll. Também desenvolvo um novo método equacional para a
Teoria do Silogismo, baseado em crítica ao método desenvolvido
por Max Black.
Palavras-Chave: Teoria do Silogismo; método diagramático; método
equacional; Lewis Carroll; Max Black.
“Sem a linguagem dificilmente estaríamos em condições de pensar”, Leonhard Euler.
“Carecemos sempre dos sinais sensíveis para pensar”, Gottlob Frege.
Examino os métodos diagramáticos de Leonhard Euler, John Venn e Lewis
Carroll para, a partir de crítica dirigida a eles, desenvolver um novo método
diagramático para a Teoria do Silogismo. Também desenvolvo um novo método
equacional para a Teoria do Silogismo, a partir do novo método diagramático e de
crítica dirigida ao método equacional de Max Black. Entendo por “Teoria do Silogismo”
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a teoria circunscrita aos silogismos assertóricos cujas proposições categóricas não
contêm termos singulares e cujos termos gerais não têm pressuposição existencial. A
exclusão de termos singulares é irrevogável, pois os dois novos métodos se valem de
termos negativos; já a restrição a termos gerais sem pressuposição existencial não é
decisiva e, inclusive, esses novos métodos podem ser fácil e elegantemente estendidos
para incluir pressuposição existencial.
A representação de proposições categóricas isoladas pelo Método Euleriano
por intermédio de inclusão e exclusão total ou parcial de círculos correspondentes às
extensões de suas noções gerais1 tem um forte apelo intuitivo. Entretanto, a situação
se altera substancialmente quando é necessário representar a composição de
proposições categóricas: em geral a representação se faz por intermédio de diversos
casos e a consideração de novas proposições categóricas para representação conjunta
com as anteriormente dadas impõe dificuldades.
Venn dirige uma série de críticas ao Método Euleriano, baseadas nessa
dificuldade com a representação conjunta de proposições categóricas. Segundo Venn
(2007,p.424), o Método Euleriano apenas ilustra as relações atuais das classes umas
em relação às outras, e não o conhecimento imperfeito de suas relações. Ele quer
dizer, com isso, que o processo representacional, pelo Método Euleriano, não é
cumulativo: a representação como um todo precisa ser refeita toda vez que uma nova
proposição categórica é acrescentada. A solução de Venn consistirá em separar a
representação dos termos (gerais) da representação das proposições (categóricas).
Quanto à representação dos termos gerais, Venn utiliza círculos, embora
possam ser utilizadas quaisquer figuras fechadas, desde que uma nova figura fechada
intersecte cada um dos compartimentos anteriormente produzidos, duplicando o seu
número (Venn, 2007, p. 103)2. Essa última restrição está relacionada à operação de
abstração, considerada a operação básica na obtenção de noções gerais, cujo
resultado é uma dicotomia entre o que foi retido na abstração e aquilo que foi
1
Euler (2007, p.340) concede que espaços podem ser utilizados no lugar de círculos; a representação
das noções gerais por círculos (espaços) é ditada pela infinidade de objetos individuais que uma noção
geral contém (Euler, 2007, p.339).
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A figura produzida desse modo para representar os termos gerais de um silogismo é conhecida como
“Anel de Borromeo”, em homenagem a uma família italiana cujo brasão continha a mesma figura; essa
mesma figura costumava ser utilizada no período medieval para representar a Santíssima Trindade.
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descartado na abstração. Segundo Venn (2007, p.110), as regiões geradas estão por
compartimentos, e não por classes, porque não temos assegurado, de antemão, que
as “classes” assim geradas são possíveis ou não; somente se forem possíveis é que se
pode legitimamente falar de classes.
Quanto à representação das proposições categóricas, Venn utiliza um único
tipo de marcação aplicada à representação da combinação dos termos gerais, ao
contrário da versão contemporânea de seu método. Ele utiliza esse único tipo de
marcação – o hachurado na versão contemporânea de seu método – para indicar quais
classes são “negativadas” por uma dada proposição categórica (Venn, 2007, p. 112).
Esse modus operandi segue-se, imediatamente, de sua crítica a Euler. Esse tipo de
marcação elimina absoluta e incondicionalmente de consideração a classe à qual ela é
aplicada, de tal modo que um acréscimo de conhecimento somente se pode dar por
intermédio de novas eliminações; Venn caracteriza as classes não eliminadas de
“sobreviventes” (Venn, 2007, p. 113). Venn (2007, p. 113) destaca que o seu método
tem a vantagem sobre o Método Euleriano de representar os sucessivos incrementos
de conhecimento.
O Método de Venn é uma melhoria em relação ao Método Euleriano, mas ele
não está isento de críticas. Carroll o critica, porque o Método de Venn não é
suficientemente expressivo para provar a validade de todos os silogismos assertóricos
válidos. Carroll (1986, p. 247) fornece, em apoio à sua alegação, o seguinte “silogismo”
válido da quarta figura: Nenhum P é M (premissa maior); Algum M não é S (premissa
menor); Algum não-S não é P (conclusão). Carroll exigirá que a representação de
termos contenha oito compartimentos, e não apenas sete como é o caso no Método
de Venn. Venn recusará a crítica de Carroll, alegando que o oitavo compartimento é
dado pela região externa a todos os círculos; Carroll retrucará que essa solução é
inadmissível, porque a região externa a todos os círculos é uma região ilimitada.
A solução de Carroll consistirá em introduzir termos negativos. Ele os utilizará
para construir diagramas n-literais. O Método de Carroll é muito parecido com o
Método de Venn: há uma separação entre a representação de termos e a
representação de proposições; a representação de novos termos se dá pela bipartição
dos compartimentos anteriormente gerados; e há dois tipos de marcação – uma para
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as proposições universais, outra para as proposições particulares. Mas há, pelo menos,
duas diferenças importantes:
a) A representação dos termos inicia com uma região delimitada – o universo
do discurso. Isso permitirá a inclusão de um oitavo compartimento, sem o
suposto problema produzido pela admissão de um compartimento não
delimitado.
b) No teste de validade de um silogismo, Carroll explicita todas as etapas: há a
produção de um diagrama triliteral para a premissa maior, há a produção
de um diagrama triliteral para a premissa menor, há a produção de um
diagrama triliteral correspondente à “fusão” das premissas, e, finalmente,
há um diagrama biliteral correspondente à conclusão que pode ser
validamente obtida, resultante da “redução” do diagrama triliteral
correspondente à “fusão” das premissas. A versão contemporânea do
Método de Venn sugere que todo o procedimento de verificação de
validade se dá em um único diagrama, e isso tem como consequência a
exigência extra-lógica – pelo menos extra-lógica em relação à lógica clássica
– de que as representações de premissas universais devem preceder as
representações das premissas particulares. Se admitirmos distintos
diagramas no teste de validade de um silogismo pelo Método de Venn, ele
funcionará tão bem quanto o Método de Carroll, pelo menos sob esse
aspecto.
O Método de Carroll é uma melhoria em relação ao Método de Venn; ele tem,
contudo, os seus próprios problemas. O principal problema do Método de Carroll,
problema compartilhado com o Método de Venn, é que por seu intermédio cada
proposição categórica é representada pela marcação de dois compartimentos.
Diversas limitações se seguem desse problema básico.
Para superar as limitações dos métodos acima mencionados, desenvolvi um
novo método diagramático para a Teoria do Silogismo que batizei de “Grafos de
Carroll”, por ser uma modificação do Método de Carroll de tal modo que a
representação de termos se dá por intermédio de grafos.
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Na Figura 1 é representado o grafo dual, em traço reforçado, do diagrama
triliteral de Carroll, em traço simples. Essa modificação permitirá que cada proposição
categórica seja representada por uma única aresta do grafo.
Figura 1. Grafo dual do Diagrama Triliteral de Carroll.
Na Figura 2 é representado o Grafo de Carroll para três termos, com a inclusão
de índices para as distintas classes representadas pelas arestas. Por exemplo, “SM” é a
aresta correspondente à classe das coisas às quais atribuímos S e M, enquanto que
uma letra com um traço acima dela indica, como é usual na Teoria dos Conjuntos, a
classe complementar à classe indicada pela letra somente, ou seja, ela indica o termo
negativo associado ao termo positivo.
Figura 2. Grafo de Carroll a três termos com indicação das classes associadas às
arestas.
Na Figura 3 são representadas as proposições categóricas: a aresta
correspondente a cada uma, dependendo dos termos gerais de que se compõe, e a
marcação correspondente a cada uma, dependendo de sua quantidade – universais
são representadas por marcação cinza (o hachurado nos Diagramas de Venn ou as
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peças cinzas nos Diagramas de Carroll) e particulares são representadas por marcação
escura (“X” nos Diagramas de Venn ou as peças vermelhas nos Diagramas de Carroll).
Figura 3. Representações das proposições categóricas.
Os Grafos de Carroll são regidos por apenas duas regras de inferência: na Figura
4 está representada a regra referente a silogismos compostos exclusivamente por
proposições categóricas universais, e na Figura 5 está representada a regra referente a
silogismos mistos, ou seja, silogismos compostos por uma premissa universal e por
duas proposições categóricas particulares. Denominei aquela “Regra Suprema de
Todos os Silogismos Universais” e essa “Regra Suprema de Todos os Silogismos
Mistos”. Essa denominação não é gratuita: a Regra Suprema de Todos os Silogismos
Universais e a Regra Suprema de Todos os Silogismos Mistos correspondem,
respectivamente, à Regra Suprema de Todos os Silogismos Afirmativos e à Regra
Suprema de Todos os Silogismos Negativos, propostas por Kant como fundamento de
validade de todos os silogismos assertóricos; sugeri (Sautter, 2010a) que a indicação da
qualidade, ao invés da quantidade, por parte de Kant é enganosa: uma interpretação
da Teoria do Silogismo como uma Teoria da Subordinação e da Não Subordinação, e a
utilização de termos negativos, permite uma perfeita correlação entre os dois
conjuntos de regras, tal como indicado acima.
Figura 4. Regra suprema de todos os silogismos universais.
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Figura 5. Regra suprema de todos os silogismos mistos.
Os Grafos de Carroll permitem uma formulação simples da pressuposição
existencial de um termo geral, seja ele positivo, seja ele negativo: qualquer ciclo de
comprimento quatro corresponde a um pressuposto existencial, ou seja, se o termo
correspondente ao ciclo tem pressuposição existencial, ao menos uma aresta exige
marcação escura.
A correção do novo método é simples: basta comprovar a validade das duas
regras por quaisquer métodos para a Lógica Quantificacional Clássica, por exemplo,
pelo Método das Árvores de Refutação. A completude é igualmente simples. Utilizei
um trabalho anterior (Sautter, 2010b), no qual há, módulo operações de reflexão e de
rotação de diagramas, apenas seis classes de equivalência de Diagramas de Venn
‘válidos’, e demonstrei que representantes dessas classes de equivalência podem ser
obtidos pela utilização das duas regras de inferência propostas pelo novo método.
Os Grafos de Carroll apresentam diversas vantagens em relação a métodos
diagramáticos tradicionais:
a) Há apenas duas regras e elas são de fácil aplicação.
b) A diagramação não requer operações de fusão e de redução; tudo é feito
em um único grafo.
c) Pode-se testar a validade de um dado silogismo, mas também se pode, com
igual facilidade:
i.
Buscar uma premissa tácita de um dado entimema.
ii.
Buscar uma conclusão para um dado par de premissas.
iii.
Buscar um par de premissas para uma dada conclusão.
Desenvolvi, também, uma versão equacional dos Grafos de Carroll. A inspiração
veio de um trabalho de Max Black (1945). O Método Equacional de Black utiliza um
vocabulário primitivo fiel à tradição aristotélica; ele utiliza os predicados monádicos
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“ser um gênero de”, “ser uma espécie de”, “ser o complemento de”, este último para
expressar termos negativos.
As versões equacionais da Regra Suprema de Todos os Silogismos Universais e
da Regra Suprema de Todos os Silogismos Mistos são obtidas, como teoremas, de um
sistema equacional para termos muito mais básico, que inclui axiomas para a adição
lógica, regras estruturais para a identidade e a diferença, e regras de introdução e de
eliminação para a adição lógica em relação à identidade e à diferença.
As proposições categóricas são expressas por equações em conformidade com
as correlações da Tabela 1.
Tabela 1. Correlação entre proposições categóricas e equações, segundo o Método
Equacional.
Essa correlação exige três esclarecimentos, que fazem parte do próprio cerne
do método:
1) Embora as proposições categóricas sejam compostas por dois termos
gerais, elas foram traduzidas em equações a três termos. Em rigor, isso não
é um problema, porque o método é utilizado para testar a validade de
silogismos, ou seja, no contexto de um silogismo sempre há um terceiro
termo envolvido.
2) As proposições categóricas foram traduzidas em equações em que há tanto
adição lógica como multiplicação lógica, mas o sistema equacional mais
geral não contém regras para a multiplicação lógica. De fato, manipulações
com a multiplicação como operador principal nunca são necessárias para o
teste da validade de silogismos. A multiplicação lógica ocorre aqui como
entidade ideal, um ‘operador ideal’, ou seja, para fins de simplificação do
sistema e não como um interesse em si mesma. As proposições categóricas
são, geralmente, traduzidas em equações em que a multiplicação lógica, e
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não a adição lógica, joga um papel dominante, mas isso somente dificulta a
realização de inferências.
3) Nunca é preciso, para fins de teste de validade de silogismos, dizer o que é
um termo negativo, ou seja, como ele se relaciona ao respectivo termo
positivo. A negação também opera basicamente como um elemento ideal,
um ‘operador ideal’.
Marco Panza observou, durante a apresentação deste trabalho no XV Colóquio
Conesul de Filosofia das Ciências Formais: Filosofia da Prática Matemática, que, por
não depender de operações de fusão e de redução das representações de proposições
categóricas, o novo método diagramático pertence a uma classe completamente
distinta de método em relação aos métodos de Euler, Venn, e Carroll. Os Grafos de
Carroll não operam dedutivamente, mas por “seleção” de marcações. Agradeço a ele
pela observação.
Bibliografia
BLACK, M. “A New Method of Presentation of the Theory of the Syllogism”. The Journal
of Philosophy, XLII, 17(1945): 449-455.
CARROLL, L. Symbolic Logic. New York: Clarkson N. Potter, 1986.
EULER, L. Letters of Euler V1: On Different Subjects in Natural Philosophy Addressed to
a German Princess. Whitefish: Kessinger, 2007.
SAUTTER, F. T. “As Regras Supremas dos Silogismos”. Kant e-Prints, 5, 1(2010a): 15-26.
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VENN, J. Symbolic Logic. Whitefish: Kessinger, 2007.
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