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VISÕES D’ALÉM FRONTEIRA: A TENTATIVA GOLPISTA E A CAMPANHA DA
LEGALIDADE ATRAVÉS DA IMPRENSA ARGENTINA E URUGUAIA
Enrique Serra Padrós1
Ananda Simões Fernandes2
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar como a Campanha da Legalidade, ocorrida no Rio
Grande do Sul, nos meses de agosto e setembro de 1961, foi percebida pela imprensa
argentina (jornais La Nación e Clarín) e uruguaia (jornal El Día e semanário Marcha). Para
tanto, situamos o episódio na conjuntura que a sociedade e a política brasileira vivenciavam,
assim como também o inserimos no contexto maior da Guerra Fria na América Latina. Desta
maneira, pretendemos destacar o grau de interesse dos jornais escolhidos, a qualidade do
conhecimento que possuíam em relação aos acontecimentos brasileiros bem como as
avaliações que eram feitas a partir de um olhar extrabrasileiro.
Palavras-chave: Campanha da Legalidade. Imprensas argentina e uruguaia. Anticomunismo.
ABSTRACT
This article aims to present how the Campanha da Legalidade, held in Rio Grande do Sul in
the months of August and September, 1961, was perceived by the argentine press (newspapers
La Nación and Clarín) and Uruguay (March newspaper and the weekly newspaper El Día). In
order to do so, we situate the episode in the situation experienced by brazilian society and
politics, as well as insert it in the larger context of the Cold War in Latin America. Thus, it is
intended to highlight the degree of interest of the selected newspapers, the quality of
knowledge it possessed related to the brazilian events and the assessments made from an
outside Brazil look.
Keywords: Campanha da Legalidade. Argentine and uruguayan press. Anti-communism.
1 INTRODUÇÃO
A Campanha da Legalidade, movimento desencadeado no Rio Grande do Sul a partir
da renúncia do presidente Jânio Quadros e da tentativa golpista dos ministros militares e das
forças conservadoras para impedir a posse do vice-presidente João Goulart, em agosto de
1961, notabilizou-se pela forte mobilização popular em defesa da Constituição e da
democracia e pela liderança política do governador Leonel Brizola.
1
Professor do Departamento de História e dos Programas de Pós-Graduação em História e de Relações
Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]
2
Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Historiadora e Técnica em Assuntos
Culturais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]
2
Este movimento inseriu-se no cenário da Guerra Fria, conflito que havia chegado à
América Latina com a vitoriosa Revolução Cubana, em 1959. O próprio presidente Jânio
Quadros, procurando demarcar uma atuação independente da sua política externa, condecorou
o líder revolucionário Ernesto Che Guevara, poucos dias antes da sua renúncia, com a Ordem
do Cruzeiro do Sul.
A inserção da Campanha da Legalidade dentro de uma perspectiva histórica latinoamericana realça seu significado diante de um processo de avanço do autoritarismo e posterior
consolidação regional de ditaduras de segurança nacional. Através desse prisma é possível
captar, em uma dimensão mais complexa, o sentido de uma ação de resistência concreta
contra uma tendência que, em pouco tempo, transformou o cone sul em um cenário marcado
por estruturas políticas profundamente repressivas e antidemocráticas.
Pensar a Campanha da Legalidade a partir de marcos explicativos latino-americanos
significa refletir sobre o desenlace político, que foi adiado até 1964. Mas implica, também,
reconhecer que, enquanto fato histórico singular, situa-se no meio de uma cronologia
carregada de elementos traumáticos, como podem ser considerados os bombardeios da Praça
de Maio, em Buenos Aires (1955), e do palácio de La Moneda, em Santiago (1973). Num
esforço comparativo ou de paralelismo pode-se concluir que a Praça da Matriz e o Palácio
Piratini, de Porto Alegre, não sofreram as dramáticas consequências que impactaram a Casa
Rosada ou o La Moneda. Porém, é necessário lembrar e ressaltar: assim como naquelas
cidades citadas, também no Brasil a ordem para o ataque aéreo foi dada, e foi dada por
alguém que, evidentemente, representava grupos político-econômicos concretos, ideias
concretas e interesses concretos. E, se a Praça da Matriz não virou uma Praça de Maio de
1955, ou o Palácio Piratini não sofreu o que o La Moneda em 1973 enfrentou, isso ocorreu
por ações de resistência e de desobediência a ordens. Essa é uma dimensão dos fatos que não
pode passar desapercebida e que permite reavaliar, com maior precisão histórica, o
significado dessa épica resistência democrática.
Para proceder a esta análise, utilizaremos os jornais diários argentinos Clarín3 e La
Nación4 e os uruguaios El Día5 e o semanário Marcha6. Pretendemos, com isso, avaliar qual o
3
4
5
6
Clarín. Jornal diário editado em Buenos Aires desde 1945. De tradição levemente liberal. Desde 1965, é o
jornal mais vendido na Argentina.
La Nación. Jornal diário editado em Buenos Aires desde 1870 e de orientação política conservadora.
El Día. Jornal diário editado em Montevidéu (1886-1993). De origem colorada (batllista) e liberal, teve
várias fases políticas.
Marcha. Semanário da esquerda uruguaia independente, de forte transcendência durante a sua existência.
Editado entre 1939 e 1974, acabou fechado pela ditadura.
3
grau de acompanhamento, conhecimento e preocupação que a imprensa desses dois países
vizinhos, fronteiriços com o Rio Grande do Sul, manifestou coetaneamente à sequência de
acontecimentos desencadeada a partir da renúncia de Quadros e que se prolongou até a posse
de João Goulart, mediante a solução parlamentarista.
É de suma importância perceber de que forma foram lidos e interpretados tais
acontecimentos em ambos os países. No caso do Uruguai7, cabe lembrar que esse país, menos
de três anos depois, acolheu, solidariamente, aquela que foi reconhecida como a primeira
onda de exilados brasileiros após o golpe de 1964. Efetivamente, a partir dos primeiros dias
de abril desse ano, instalaram-se, principalmente em Montevidéu, expressivas autoridades do
governo deposto, inclusive o próprio presidente João Goulart, Darcy Ribeiro, o Marechal
Cândido Aragão e o ex-governador do Rio Grande do Sul e principal artífice da Campanha da
Legalidade, Leonel Brizola. Quanto à Argentina8, a instabilidade política estava incorporada
ao cotidiano do país e as suas tensões internas fariam eclodir novo movimento golpista em
1966 (do general Onganía), que antecedeu em dez anos a ditadura das juntas militares, aquela
de milhares de desaparecidos e da Guerra das Malvinas.
2 BRASIL E AMÉRICA LATINA NO CONTEXTO DA GUERRA FRIA
Desde o advento da Guerra Fria, os Estados Unidos (EUA) pressionavam, na América
Latina, contra a implementação de projetos reformistas e políticas de aproximação à União
Soviética (URSS), a fim de evitar fissuras na sua estratégia de contenção do comunismo.
Dentro da lógica da ordem global bipolar, os EUA procuravam formar blocos militares com
países aliados, assegurar a manutenção dos seus mercados tradicionais e aceder a outros que
estavam se abrindo, em decorrência dos processos de descolonização dos antigos impérios
coloniais. Nesse sentido, a obtenção de mercados correspondia, também, ao desenvolvimento
de necessidades geradas pela Guerra Fria, tais como expansão de bases militares e enclaves
geopolíticos e controle de novas zonas energéticas.
A política estadunidense aumentou a sua essência anticomunista. Nesse sentido, dois
expedientes foram lançados em 1947 para o fortalecimento do sistema capitalista. Em
7
8
Na época, o Uruguai era um dos países de maior tradição democrática da região. Desde 1958, seu Poder
Executivo tinha uma estrutura de Conselho Colegiado (com rodízio anual dos seus integrantes no cargo de
presidente). Também é necessário informar que o Partido Nacional (Blanco) ocupava, naquela conjuntura, o
cargo desse Poder Executivo.
A Argentina era governada por Arturo Frondizi, da União Cívica Radical, desde 1958, administração de
certos traços desenvolvimentistas. Foi derrubado por um golpe militar em 1962.
4
primeiro lugar, o Plano Marshall, elaborado para reconstruir a economia europeia,9 visando a
barrar o avanço do comunismo nessa região através de reformas sociais e econômicas que
realçassem um certo bem-estar social dos trabalhadores, para esvaziar os focos de tensão
gerados pelas dificuldades de sobrevivência do imediato pós-guerra. Em segundo lugar, a
Doutrina Truman e sua política de contenção, através da qual os EUA se comprometiam a
fornecer suporte material e militar a qualquer país do mundo ameaçado pela URSS ou pela
subversão interna insuflada pelo comunismo.
O fato de os EUA terem privilegiado a Europa e a Ásia, até meados dos anos 50, não
impediu um certo olhar vigilante sobre o continente americano. Assim, diante de ameaças
concretas contra seus interesses, a superpotência reagiu imediatamente, de forma direta ou
por meio dos seus aliados internos. Diante de processos de radicalização reformista ou
simplesmente nacionalista, a reação não se fez esperar, como nos casos do Brasil de Getúlio
Vargas e da Guatemala de Jacob Arbenz (ambos fatos em 1954) e da Argentina de Perón, em
1955.
O êxito da Revolução Cubana, entretanto, levou os EUA a reavaliarem a sua política
regional e a adotarem nova estratégia para conter o avanço do “comunismo”: a
contrainsurreição. Cuba inspirou ou radicalizou novos e velhos movimentos nacionalistas,
reformistas e comunistas em todo o subcontinente, tendo como principal fator mobilizador o
anti-imperialismo. Como consequência, os gastos dos EUA com a América Latina
aumentaram consideravelmente,10 e a difusão da estratégia da contrainsurgência se
intensificou através das escolas de guerra, principalmente após a fracassada invasão da Baía
dos Porcos (1961) e a Crise dos Mísseis (1962). O medo da cubanização latino-americana
passou a ser um fator político de peso, inclusive na agenda política interna dos EUA, como se
verifica no discurso vitorioso de John F. Kennedy na disputa eleitoral: “Castro é apenas o
início de nossas dificuldades na América Latina. A grande batalha será evitar que a influência
de Castro se espalhe para outros países. É tempo de ganhar os corações e mentes dos pobres
da América Latina” (KENNEDY apud SCHOULTZ, 2000, p. 393).
É dentro desse contexto que precisamos inserir a dinâmica histórica brasileira que leva
ao impasse de agosto/setembro de 1961. Sem desconsiderar os traços específicos da realidade
do país naquele momento, entendemos que a Campanha da Legalidade pode ser percebida
paralelamente ao processo de radicalização continental, no qual a Revolução Cubana e os
9
Inclusive foi oferecida ajuda à União Soviética e ao Leste Europeu. Entretanto, Joseph Stalin a recusou,
temendo uma interferência norte-americana nas questões internas do bloco socialista.
10
Em poucos anos, o patamar de 1% (na década de 1950) subiu para 6% (MARTINS FILHO, 1999, p. 74).
5
interesses e iniciativas dos EUA não foram fatores menores.
No Brasil as forças armadas, em particular o Exército, sempre tiveram atuação
marcante nas decisões políticas do país, notadamente desde o Estado Novo, e passaram por
um processo de modernização que implicou maior coesão, homogeneidade política e
permeabilização às classes média e alta da população. Desde então, as forças armadas
passaram a ser os principais fiadores da ordem social e da política de desenvolvimento
nacional do regime (MARTINS FILHO, 2003, p. 104-105). Este papel seria reforçado com a
criação da Escola Superior de Guerra, em 1949, e sua centralidade na segurança nacional
(MIYAMOTO; GONÇALVES, 2000, p. 177). De qualquer forma, deve-se recordar certa
tradição intervencionista de determinados setores militares, caso das Revoltas de Jacareacanga
(1956), descontentes com o governo Juscelino Kubitschek - percebido como associado ao
getulismo -, e de Aragarças, rebelião militar que pretendia ocupar a cidade de Aragarças, em
Goiás (1959). Esta rebelião teria sido provocada pela desistência de Jânio Quadros de
concorrer à eleição presidencial de 1960 e pela existência de informações que alegavam que o
governador gaúcho Brizola estaria preparando um levante popular para impedir as eleições.
2 A RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS
A renúncia de Jânio Quadros foi anunciada com surpresa e consternação pela imprensa
11
platina
e divulgada em manchetes e matéria de capa. O El Día, no dia 26 de agosto, dava
ampla cobertura ao fato, destacando a carta de renúncia. Desde o primeiro momento, ecoava
nas suas páginas a incerteza dos desdobramentos políticos. Assim, informava que no
momento da posse provisória da Presidência, pelo deputado Ranieri Mazzilli, os ministros
militares asseguraram a este que seriam respeitadas as instituições e garantias democráticas12.
Na mesma página, o jornal afirmava que o governador Carlos Lacerda, artífice da campanha
de desestabilização contra Jânio Quadros, permaneceria no seu posto, no Estado da
Guanabara, para “defender a legalidade democrática”.13
11
Em relação aos fatos concernentes à renúncia de Jânio Quadros e à Campanha da Legalidade é necessário
fazer um esclarecimento inicial. Por conta da velocidade dos acontecimentos, as notícias publicadas pela
imprensa escrita envelheciam rapidamente e até poderiam induzir a leituras ambíguas de uma realidade muito
dinâmica e cambiante. A divulgação de informações contraditórias na mesma data, e até na mesma página,
por terem sido colhidas em horários diferentes do dia anterior, certamente geravam no leitor argentino, ou
uruguaio, certo grau de confusão, impedindo-o de ter uma percepção mais precisa da cronologia e das
tendências dos acontecimentos.
12
Janio Cuadros renunció a la presidencia de Brasil. El Día, Montevideo, 26 ago. 1961.
13
El Día, Montevideo, 26 ago. 1961.
6
Entretanto, em pequenos espaços indicava a existência de desmentidos quanto a
rumores de que Lacerda e setores das forças armadas se oporiam à posse de Jango, nesse
momento, fora do país. Explicitava, ainda, que o governo da Guanabara fora taxativo: Lacerda
considerava a posse de Goulart “o procedimento constitucional normal” diante das
circunstâncias.14 Quanto aos militares, trazia a posição do próprio ministro do Exército,
general Denys, que declarava “ser favorável aos meios e procedimentos legais”.15
La Nación, por sua vez, destacava o perfil dos principais envolvidos na crise, como
Jânio Quadros, Carlos Lacerda e o marechal Lott, e trazia pequenas matérias sobre a
percepção da crise por parte do governo argentino. Também apresentava João Goulart como
filho político de Getúlio Vargas e herdeiro da sua base eleitoral.
[...] Goulart es también, y por encima de todas las cosas, un hombre de
izquierda. Su política está inscripta en el izquierdismo brasileño con
muestras de adhesión y de afirmación muy radicales en el escenario social y
económico. El no tiene dudas acerca del destino político de las masas
continentales, y su izquierdismo es una tarjeta de presentación en todos los
escenarios del mundo: tiene que mostrar las “favelas” y las masas del
Nordeste […]. Su política se caracterizó siempre por hacer sentir esa tajante
diferencia que existe entre los que están arriba y los que están abajo.16
Por outro lado, desde um primeiro momento, os jornais abrem espaço para o
pronunciamento oficial de atores internacionais cuja opinião se faz sentir na crise. La Nación,
por exemplo, reproduzia uma matéria do The Evening Star (de Washington), ressaltando o
caráter contraditório da administração Quadros: apesar de suas mensagens contra os
comunistas, havia se aproximado da URSS e da China comunista. Mas, na sua avaliação, o
motivo da ruptura final com seus aliados havia sido:
Su decisión extraña, ostentosa – y ultrajante para ellos -, de otorgar la
condecoración más alta de Brasil a Ernesto Guevara, el asesor económico
castrista enteramente siniestro, enteramente antinorteamericano y
enteramente comunista”.17
Clarín informava que o governo dos EUA se posicionava, veladamente, por uma
sucessão estritamente constitucional, justificada pelo fato de o Brasil ser exemplo para outras
14
Idem.
Idem.
16
Semblanza de las figuras de la crisis. La Nación, Buenos Aires, 26 ago. 1961, p. 2.
17
Opinión sobre la disputa Cuadros y Lacerda. La Nación, Buenos Aires, 26 ago. 1961, p. 1.
15
7
nações latino-americanas e a maior nação da América Latina.18 Mesmo reconhecendo a
gravidade do fato, o teor da notícia apontava para a tentativa dos EUA de mandar uma
mensagem de tranquilidade à região.
[…] [o embaixador dos Estados Unidos na Organização dos Estados
Americanos, Delesseps S. Morrison] dijo que los acontecimientos en Brasil
muy seguramente tendrán un gran efecto en el resto de América Latina y en
las relaciones de Estados Unidos con las naciones del continente. “Siempre
hemos considerado a Brasil un facto clave en todo lo que hemos venido
haciendo”, dijo, para añadir que “no importa lo que pase en Brasil dentro de
los próximos días. Nos aferraremos al gran programa de la Alianza para el
Progreso”.19
Em longa matéria, Clarín publicava, ainda em 27 de agosto, um desmentido
estadunidense sobre as acusações, feitas por variados setores da esquerda latino-americana, de
ingerência dos EUA nos acontecimentos brasileiros:
Se ha tenido conocimiento de acusaciones irresponsables en el sentido de
que el gobierno de Estados Unidos ejerció presiones que tuvieron influencia
en la decisión del presidente Quadros de renunciar. Se trata, desde luego, de
necesidades resultantes de la obra de intrigantes internacionales de mala fe.
Las relaciones cooperativas establecidas entre los gobiernos de Brasil y
Estados Unidos desde que asumiera el mando el presidente Quadros el 31 de
enero de 1961 hablan por sí mismas.
Estados Unidos ha convenido en prestar al gobierno brasileño asistencia
financiera en gran escala, y asimismo acordó colaborar en proyectos tan
importantes como el de rehabilitación y desarrollo económico de la zona
nordoriental de Brasil.
Nuestras relaciones con el presidente Quadros fueron amistosas mientras
trabajamos juntos en esos problemas. Con motivo de una invitación personal
del presidente Kennedy, el presidente Quadros era esperado en Estados
Unidos para una visita en diciembre.
En todos los aspectos de sus relaciones con el gobierno brasileño, ha sido el
constante objetivo del gobierno de Estados Unidos cooperar en todas las
formas posibles con los esfuerzos de las autoridades brasileñas para
promover el desarrollo social y económico del gran pueblo de Brasil.
Estados Unidos alienta la esperanza de que esas relaciones cordiales
continuarán.20
É claro que, naquele contexto de Guerra Fria, em nível regional, a opinião de Cuba
polarizava o debate. Clarín também reproduzia nas suas páginas a avaliação de Fidel Castro
sobre a renúncia do presidente brasileiro:
18
Idem.
Reacción en Estados Unidos. Clarín, Buenos Aires, 28 ago. 1961, p. 6.
20
Declaración de Estados Unidos refuta acusaciones sobre una presunta intervención en Brasil. Clarín, Buenos
Aires, 27 ago. 1961, p. 6.
19
8
“Con su ausencia del poder – dijo Castro –, las Américas pierden a uno de
los más firmes baluartes del principio de la autodeterminación, el presidente
que condujo a la gran nación sudamericana a una política exterior
independiente de paz, amistad e intercambio comercial con todos los
pueblos”. Recuerda que “defendió tenazmente a Cuba contra la política
intervencionista de Estados Unidos”.
Castro añadió que “Cuba siente solidaridad con él, y con el pueblo brasileño
en esta hora difícil, y desea a los obreros, campesinos, estudiantes, militares
honestos, al gran pueblo del Brasil, que puedan resistir con éxito al
traicionero zarpazo de los imperialistas y reaccionarios y salir victoriosos de
esta dura prueba.21
As matérias mais analíticas sobre os fatos e interesses que estavam por detrás da
renúncia de Quadros foram elaboradas pelo Marcha, tanto pelo seu formato semanal quanto
pelo seu estilo analítico-opinativo. Inegavelmente, contribuiu qualitativamente para o debate
da opinião pública uruguaia e dos círculos de esquerda e intelectuais latino-americanos. Para
o semanário, o curto governo Jânio Quadros concluía com uma avaliação positiva.
Particularmente, eram valorizadas as medidas que procuravam reforçar posições de autonomia
e de soberania em relação aos históricos interesses e influências regionais dos Estados
Unidos. Em editorial de 1° de setembro de 196122, o jornalista e diretor Carlos Quijano, ao
perguntar-se sobre o porquê da renúncia, especulava a partir das diretrizes gerais da Guerra
Fria e dos desdobramentos da Revolução Cubana. E mostrava-se muito preocupado diante da
constatação de que, mesmo naquele distante contexto, já expressava um fato incontestável: o
Brasil era o maior país da região em tamanho, população e diversidade de riquezas naturais.
Para Marcha, a opção por uma política externa independente (restabelecimento de
relações com a URSS, aproximação com os países do leste europeu, defesa da presença da
China comunista na ONU) gerou pressões dos setores conservadores e anticomunistas da
sociedade brasileira. Para Quijano, Jânio Quadros, “católico, conservador e desconcertante”,
porém, marcado como “comunista”, foi a primeira grande vítima da Guerra Fria e do que ele
chamava “neoimperialismo desencadeado pelo governo Kennedy”. Quijano, ao realçar a
pressão de “forças ocultas”, denunciadas por Quadros, apontou para a miopia dos setores
conservadores brasileiros e dos EUA por não distinguirem entre nacionalismo e comunismo.
E ainda, especulando, vaticinou que a saída militar (o impedimento da posse de Goulart)
poderia acelerar a revolução que os golpistas queriam evitar; mas, alertava, ela poderia
ocorrer em escala ampliada, pois o que ocorria no Brasil impactaria toda a América Latina:
21
22
Adhesión castrista a Quadros. Clarín, Buenos Aires, 27 ago. 1961, p. 6.
La otra Revolución de los Farrapos. Marcha, Montevideo, 1° set. 1961, p. 5.
9
“Brasil no es Cuba, [...]. Cuanto há sucedido y sucederá, tendrá fatalmente [...] una
extraordinaria repercusión en nuestro continente”.23
Na mesma edição, em matéria assinada por um jovem Eduardo Galeano24,
destacavam-se tanto as contradições da administração Quadros quanto as do processo político
brasileiro. Galeano via na aplicação de medidas como a aceitação das orientações do FMI, a
repressão aos movimentos grevistas e a prisão de lideranças sindicais, a predisposição em
defender os interesses dos seus apoiadores na campanha eleitoral (particularmente vinculados
à União Democrática Nacional). Porém, a defesa do princípio de autodeterminação dos povos,
a busca de maior soberania internacional e a aproximação dos países socialistas produziam
profunda desconfiança e rechaço daqueles setores.
Uma semana depois, o semanário retomava o tema da renúncia de Jânio Quadros e, em
matéria assinada por K. S. Karol25, apresentava a identidade das “forças ocultas” apontadas na
carta renúncia: a comunidade financeira e industrial dos EUA e os setores dominantes de cada
um dos países do continente. A matéria concluía com a seguinte reflexão: as questões
enfrentadas pelo presidente renunciante não eram diferentes, na sua essência, daquelas que
confrontava a esquerda em outros países da América do Sul.
3 O MOVIMENTO GOLPISTA EM AÇÃO
No dia 27 de agosto, os sinais de alarma disparavam e as primeiras manifestações
golpistas ganhavam espaço na imprensa platina. El Día registrava os movimentos para evitar
a posse de Goulart e a existência de um ultimato militar. Jango era advertido: caso recorresse
à força para assumir o cargo, poderia provocar uma guerra civil.26 Outra matéria, no mesmo
dia, confirmava oficialmente a posição militar: Goulart não podia ocupar o cargo.27
“Ha llegado la hora para el Brasil de elegir entre la democracia y el
comunismo”, ha declarado el ministro de Guerra, Odilio Denys, por la radio
Nacional. “No tengo nada en contra de la persona del vicepresidente Goulart,
pero sí contra el régimen que representa”, añadió el ministro.
“Siento haber tenido que sancionar al mariscal Lott, uno de mis camaradas”
[arrestado por ter defendido públicamente a defesa da Constituição].28
23
24
25
26
27
28
Marcha, Montevideo, 1° set. 1961, p. 5.
Ruido de sables en el Brasil. Marcha, Montevideo, 1° set. 1961, p. 24.
Jânio Quadros y Fidel Castro. Marcha, Montevideo, 8 set. 1961, p. 12.
Janio Quadros renunció a la presidencia de Brasil. El Día, Montevideo, 27 ago. 1961.
Idem.
Denys: “No estoy contra Goulart sino contra lo que representa”. Clarín, Buenos Aires, 28 ago. 1961, p. 2.
10
A imprensa dos países vizinhos registrava que a contundência militar não deixava
margem para dúvidas.
Como presidente de la República en un régimen que otorga amplia
autoridad al jefe de gobierno, Joao Goulart constituiría sin duda el más
evidente incentivo para los que desean ver el país sumido en el caos, la
anarquía, la guerra civil. Las mismas fuerzas armadas, infiltradas y
sometidas, serían transformadas, como ha ocurrido en otros países en una
simples milicia comunista.29
No dia 29, novas manchetes expunham o tensionamento crescente com os
desdobramentos da prisão do marechal Lott e o endurecimento dos setores golpistas. Ainda
um tanto timidamente, começavam a aparecer as primeiras notícias sobre o ativismo político
que se desenhava em Porto Alegre. O pequeno subtítulo valorativo “Inútil insistencia de la
asamblea estatal riograndense” não encontrava eco no teor informativo da pequena matéria
que o acompanhava:
A assembléia estatal continuava insistindo hoje em uma solução da crise
política dentro da estrutura constitucional. A assembléia se encontra em
sessão permanente desde a renúncia de Jânio Quadros A sede está
custodiada por forte guarda, rodeada de soldados federais [sic] e com
metralhadoras montadas nos telhados.30
Em outra matéria intitulada “Confusa situação em Rio Grande do Sul”, avaliava-se
que o III Exército estava se decantando pela defesa da Constituição, mas ainda de forma
incerta. Em poucas horas, o Rio Grande do Sul, Porto Alegre e as figuras de Brizola e do
general Machado Lopes (este secundariamente) ganhavam destaque na cartografia da crise e
nas páginas internacionais dos jornais analisados.
O encontro entre Machado Lopes e Brizola no Piratini, efusivamente aclamado pela
multidão que ocupava a Praça da Matriz, foi muito destacado nas publicações de 29 de agosto.
Mas também se anunciavam maus presságios com o deslocamento de navios de guerra contra
o Rio Grande do Sul. Enquanto as manchetes revelavam o dramatismo da situação, a Rede da
Legalidade obtinha destaque, bem como as adesões que começava a colher Brizola em outros
estados (Pernambuco, Goiás). O longo périplo da volta de Goulart ao país também era
acompanhado passo a passo, como um longo roteiro marcado de dúvidas e desencontradas
29
30
Las fuerzas armadas explican su oposición a Joao Goulart. El Día, Montevideo, 1º set. 1961, p. 3.
Inútil insistencia de la asamblea estatal riograndense. El Día, Montevideo, 28 ago. 1961.
11
informações sobre hipotéticas negociações. Isto era interpretado como fato estratégico para
dar tempo para a consolidação popular das demandas pela sua posse.
Estes acontecimentos repercutiram na análise e no enfoque dado por Marcha. Não é
gratuito o fato de o semanário ocupar metade da capa do seu número de 1° de setembro com
um retrato de João Goulart e as manchetes: “Nuestra América con Goulart” e “La Revolución
de los Farrapos”. A primeira, expressão concreta de solidariedade e apoio a uma saída
constitucionalista; a segunda, o reconhecimento de um novo fator que irrompia desde o Rio
Grande do Sul: a Campanha da Legalidade.
4 A CAMPANHA DA LEGALIDADE NA IMPRENSA ARGENTINA E URUGUAIA
A irrupção do protagonismo do legalismo gaúcho e de outras regiões do Brasil
adquiriu significativo destaque internacional. A Rádio da Legalidade virou referência de
estratégia de resistência:
Una emisora que se denomina a si misma “Legalidad” anunció esta noche,
transmitiendo en cadena desde el sur de Brasil, que las fuerzas del tercer
Ejército y la Quinta Área de la Fuerza Aérea se han levantado en defensa
del vicepresidente Goulart y en contra del ministro de Defensa, general
Denys.31
O governador Brizola adquiriu notoriedade e um estatuto político até então
desconhecido, sobretudo do outro lado da fronteira. A imprensa conservadora,
particularmente a Argentina, procurou superdimensionar suas inclinações esquerdistas e
“castristas”.
Leonel Brizola… gobernador del importante estado brasileño de Río Grande
del Sur, se ha convertido en el más poderoso aliado con que cuenta João
Goulart, y ha pasado a una notoriedad internacional repentina.
Su mensaje desde Porto Alegre, capital del estado, ha creado una tensa
expectación en torno al problema de la sucesión del ex presidente Janio
Quadros. Brizola ha declarado enfáticamente que el estado de Río Grande
del Sur no presenciará pasivamente ningún intento dirigido a impedir que el
“presidente Joao Goulart” – así lo llama él – ejerza su cargo.
Conviene recordar que Leonel Brizola no solo es correligionario de Goulart
en el poderoso Partido Trabalhista (Laborista), sino que además es su
cuñado. Por otra parte, sus simpatías por el régimen castrista se hicieron bien
31
Las fuerzas que apoyan a Goulart, según una emisora. La Nación, 29 ago. 1961, capa.
12
manifiestas en la reciente Conferencia de Punta del Este, donde
espontáneamente se acercó a Guevara para felicitarlo por su política.32
Em um primeiro momento, a situação do Rio Grande do Sul foi percebida como de
anomalia diante do que ocorria no restante do país.
El ministro de Guerra, mariscal Odylio Denys, está recibiendo apoyo
integral de los jefes militares del ejército y otras fuerzas armadas, así como
de las altas autoridades y dirigentes sindicales de todo el país. Reina
tranquilidad en todo el territorio nacional, con excepción del Estado del Río
Grande del Sur, donde la acción antipatriótica del gobierno de Brizola está
tratando de lanzar a los hermanos del sur contra el resto del Brasil.
El general Machado Lopes, constituyendo una excepción entre los restantes
jefes militares, se ha solidarizado con el gobernador del Río Grande y cuenta
con el apoyo de reducidos elementos del ejército que tienen su base en Porto
Alegre. El grueso de la tropa de Río Grande es solidario con el mariscal
Denys, como así también los comandantes de las grandes unidades.33
Ainda no dia 29, a manchete de El Día entrava em contradição com a notícia
que antecipava: “Parece ir decreciendo la tensión siendo Porto Alegre el centro”. Entretanto, o
corpo do texto mostrava a radicalização de posições e a justificativa golpista de preocupação
com a segurança nacional.34 Provavelmente, esta preocupação relacionava-se com o fato de
que, a cada novo dia, cresciam, em todo o país, a resistência e a mobilização em defesa da
Constituição. A presença de correspondentes em Porto Alegre aumentava o questionamento
das versões oficiais. A ameaça concreta do general Denys em deflagrar um “golpe militar de
direita” e o vazamento da ordem de bombardear o Palácio Piratini levou o conservador La
Nación, em “Es una época peligrosa para la América latina”, a afirmar que podiam ocorrer
desdobramentos desestabilizadores na região:35
El Sr. Goulart quizá gire demasiado hacia la izquierda como para que nos
agrade, pero un golpe militar para evitar que un vicepresidente, legalmente
elegido, asuma la presidencia, está lejos de ser una solución ideal. El
empleo de la fuerza producirá, por cierto, una grave lucha y aún quizá la
guerra civil y la revolución. Es una época peligrosa para la América latina.36
32
Leonel Brizola. Clarín, Buenos Aires, 29 ago. 1961, p. 5.
Acusa el mariscal Denys al gobernador Brizola. La Nación, Buenos Aires, 31 ago. 1961, p. 3.
34
Parece ir decreciendo la tensión siendo Porto Alegre el centro. El Día, Montevideo, 29 ago. 1961.
35
La Nación, Buenos Aires, 29 ago. 1961.
36
Idem.
33
13
O mesmo jornal, em “Presta el tercer ejército firme apoyo a João Goulart”, avaliava as
relações Brasil-Argentina diante dos caminhos possíveis da crise. E concluía que, caso
Goulart fosse derrotado, seria a vitória de um projeto que se distanciaria de qualquer
referência terceiro-mundista; mas, em caso de vitória, dificultaria a posição da Argentina e
sua opção ocidental e cristã.
A crônica política do El Día de 31 de agosto centrava seu interesse em Porto Alegre.
A capital gaúcha virava objeto de análise jornalística. A matéria “Tensão na capital
‘rebelde’”, de autoria do correspondente Joseph E. Brant, informava o seguinte:
PORTO ALEGRE, 30 (UPI). (Especial, por Joseph E. Brant). Esta capital
provincial del sur de Brasil, bastión del vicepresidente izquierdista Sr. João
Goulart, se mostraba hoy en calma pero presa de tensión, frente a la
posibilidad de un ataque por parte de los enemigos de Goulart.
La bahía ha sido cerrada a toda la navegación, y circulan rumores de que las
autoridades partidarias de Goulart están preparadas para hundir varios
barcos a la entrada de la estrecha bahía y bloquearla en caso de que algún
buque de guerra trate de entrar en ella.
Las escuelas de la ciudad están cerradas y los bancos funcionan en estado
de emergencia, pero la mayoría de los establecimientos comerciales,
prosiguen su actividad normal.
Despachos no confirmados dicen que se establecerá un “gobierno
provisional” de Brasil en esta ciudad si Goulart llega a la ciudad sin ser
interceptado por sus enemigos.
El lunes hubo un momento de pánico, cuando circularon rumores de que el
ejército se disponía a abrirse paso a la fuerza hasta el interior de la
residencia del gobernador Leonel Brizola, que se encuentra fuertemente
custodiada. Según esos rumores, el ejército estaba dispuesto, en caso de
necesidad, a bombardear la residencia.
Hasta Brizola se alarmó cuando el general José Machado Lopes,
comandante de la base militar de Porto Alegre, se presentó en su residencia
con varios miembros de su estado mayor, aparentemente para entregar un
ultimátum.
El gobernador se apodero de un fusil-ametralladora y pronuncio lo que se
considero un “discurso de despedida” por una radioemisora instalada en la
propiedad. Dijo que acaso esa fuese su última transmisión, pero “tendrán
que matarme para hacerme callar.”
El discurso de Brizola provocó aún mayor alarma en la ciudad, y algunos
dueños de establecimientos comerciales cerraron inmediatamente sus
puertas.
Poco después se supo que Machado Lopes había acudido a la residencia del
gobernador para ofrecerle su respaldo a la “causa de la legalidad” de los
partidarios de Goulart.
También era portador de una promesa del general J. Passos, de que la quinta
fuerza aérea no atacaría la residencia.
14
Cuando se dio a conocer la causa de la visita de Lopes, el gobernador lo
condujo a un balcón de la residencia, donde ambos fueron aplaudidos por
una multitud de más de mil almas que se había congregado en la calle.37
No dia 1º de setembro, a chegada de Jango a Buenos Aires mereceu grande destaque
nos jornais argentinos, descartando qualquer situação mais tensa no país vizinho fora o
incremento do dispositivo de segurança diante da Embaixada do Brasil.38 A proximidade da
volta de Goulart ao Brasil era acompanhada por rumores sobre negociações com
congressistas, os quais seriam portadores da proposta da via do parlamentarismo.
A escala em Montevidéu foi destaque no mundo inteiro. Até pela chegada a
Montevidéu de dois aviões com jornalistas brasileiros querendo saber do próprio vicepresidente a definição do seu futuro político. Duas grandes entrevistas coletivas foram
registradas: no próprio aeroporto, na chegada, e outra na embaixada do seu país.
Simultaneamente a isso, El Día também destacava um clima de incerteza dos setores
polarizados no Brasil. De um lado, registrava que Brizola não aceitava modificações
constitucionais enquanto afirmava estar tudo calmo em Porto Alegre. E que, em caso de
conflito, “o primeiro tiro será das forças que conspiram contra a Constituição e o segundo
procederá dos seus defensores”. Do outro lado, noticiavam-se mobilizações militares dos
setores golpistas (existência de 1.500 paraquedistas prontos para entrar em ação, prontidão de
unidades navais que se deslocariam para o sul do país, etc.).
O capítulo uruguaio da crise foi marcado pela euforia diante do próximo reencontro do
presidente com seus seguidores, no seu país, pelo temor diante da reação dos setores golpistas
e pela incerteza da continuação das negociações com os emissários do Congresso (Tancredo
Neves, deputado federal, e Hugo Farinas, ministro do Trabalho). A seguir, a partida de Jango
rumo ao Brasil foi notícia de capa: “A las 19.24 de ayer el vicepresidente Goulart partió
rumbo a Porto Alegre”. Sua chegada no Brasil ganhou grande manchete: “Goulart se
encuentra en Porto Alegre, donde esperará la normalización”. A matéria fazia referência,
ainda, à apoteótica e massiva acolhida oferecida pelos seus simpatizantes gaúchos.39
5) A SOLUÇÃO PARLAMENTAR
37
Tensión en la capital “rebelde”. El Día, Montevideo, 31 ago. 1961.
Sin noticias en la Cancillería del arribo de Goulart. La Nación, Buenos Aires, 31 ago, p. 3.
39
Goulart se encuentra en Porto Alegre, donde esperará la normalización. El Día, Montevideo, 2 set. 1961.
38
15
O Congresso, no meio da crise, voltaria a ganhar relevância quando - diante da
polarização provocada pela posição dos militares golpistas e pelo crescimento da resistência
liderada por Brizola - assumiu a iniciativa de buscar uma alternativa que superasse o impasse
e, simultaneamente, lhe devolvesse o protagonismo que se havia deslocado para os setores
envolvidos na mobilização legalista.
Dentro dessa perspectiva, as negociações sobre a aprovação do parlamentarismo
ganhavam maior espaço, mas geravam, em contrapartida, fricções no interior dos setores
constitucionalistas. El Día captou muito bem essa tensão. No dia 4 de setembro, por exemplo,
no meio de notícias que davam conta dos avanços e recuos na proposição da solução
parlamentar e das posições dos militares golpistas, o jornal acolhia as divergências de Jango
com as lideranças do Movimento da Legalidade. Efetivamente, diante da postura destas em
não aceitar nenhuma concessão que implicasse a redução das funções da presidência da
República, colhia opiniões e avaliações. Trazia, inclusive, a opinião de Erico Verissimo,
apresentado como “destacado literato brasileño”, que defendia a tese parlamentarista com a
justificativa de que “uma democracia imperfeita é melhor que qualquer forma de ditadura.”40
Registrava, ainda, que enquanto ocorriam esses embates internos, havia uma perigosa
movimentação de tropas legalistas e golpistas ao redor da fronteira de São Paulo-Paraná,
separadas, segundo a fonte citada, por menos de 200 quilômetros.
A principal notícia do dia, porém, era a de que as forças armadas teriam de respeitar a
decisão do Congresso de criar um sistema parlamentar, embora permanecesse a dúvida sobre
a aceitação ou não do nome de Goulart para assumir uma presidência agora esvaziada. Da
mesma forma, faziam-se comentários em relação ao futuro das forças legalistas, caso a opção
pelo parlamentarismo fosse aprovada. O governador Brizola, apesar de marcar distanciamento
da posição de Jango de aceitar a emenda parlamentar, afirmava que ele não dificultaria as
negociações. Segundo ele, a decisão cabia a Goulart, a quem havia entregado a liderança da
resistência ao voltar ao Brasil. Mesmo assim, insistia em uma solução diferente daquela que
estava sendo negociada; Brizola defendia uma consulta popular plebiscitária sobre a
permanência do parlamentarismo. De qualquer forma, no meio das notícias contrapostas,
primava a tendência da procura de algum tipo de entendimento, o que recuperava a
capacidade de atuação e articulação dos agentes políticos.
40
Las Fuerzas Armadas Brasileñas acordaron garantizar la asunción de Goulart a la Presidencia. El Día,
Montevideo, 4 set. 1961.
16
Com um título paradoxal, o enviado especial do La Nación, Santiago Ferrari,
publicava, desde Porto Alegre, a matéria “La partida está concluída: há ganado Goulart contra
Goulart”41. No texto, fazia uma síntese da evolução da crise até então e avaliava que a viagem
de Goulart a Brasília, no dia 5, havia desconcertado boa parte dos seus seguidores no Rio
Grande do Sul, pois enquanto esses haviam sido mobilizados para defender a Constituição e o
vice-presidente, este negociava com Brasília e conciliava. Por isso a afirmação:
“Tecnicamente, pues, la partida está concluída. Pero de um modo curioso: há ganado Goulart
contra Goulart”, ou seja, o pragmatismo de Goulart acabou entrando em contradição com a
essência das motivações que haviam caracterizado a Campanha da Legalidade.
Nessa mesma linha de raciocínio, o correspondente do Clarín, Justo Piernes, dizia que,
no momento em que Goulart afirmou que “Acepto en principio las enmiendas y viajaré a
Brasilia para asumir la presidencia”, suas palavras produziram enorme efeito sobre a
sociedade gaúcha: “Y esa frase fue un baldazo de água helada lanzado al corazón fogoso de
los riograndenses [...].”42
O desfecho das negociações de Goulart com o Congresso Nacional e a expectativa da
sua posse eram notícias do El Día em 6 de setembro. No meio das especulações sobre o nome
do futuro primeiro-ministro a ser indicado para o cargo, vazavam notícias sobre as tensas
negociações que envolviam Ranieri Mazzilli e os ministros militares. Diante do previsível
sucesso conciliatório, ainda havia espaço para uma última revolta de descontentamento e
mobilização de setores da força aérea, a denominada Operação Mosquito, tentativa
desesperada de facções da extrema-direita militar para impedir que o avião de Goulart
chegasse a Brasília. A manchete estampada pelo El Día “Goulart llegó a Brasília luego de una
acción subversiva”43 atesta o grau de incerteza reinante até o último momento. Também o La
Nación acolhia esta notícia em matéria denominada “Goulart obtuvo garantias”.44
Inegavelmente, os países vizinhos não só estavam a par das dificuldades para a superação da
crise brasileira como temiam seus desdobramentos.
Brasília passara a ser o centro das atenções. A discussão, agora, era para saber quem
assumiria o cargo de primeiro-ministro, se ocorreria a substituição dos ministros militares
(golpistas) e se seria possível realizar uma consulta plebiscitária a médio prazo. No meio
dessas notas, uma, bem pequena, quase inadvertida, e que vinha de Buenos Aires, assinalava
41
La Nación, Buenos Aires, 5 set. 1961, p. 2.
Orden y Progreso: Vigencia de un lema. Clarín, Buenos Aires, 8 set. 1961, p. 10.
43
Goulart llegó a Brasília luego de una acción subversiva. El Día, Montevideo, 6 set. 1961.
44
La Nación, 6 set. 1961, capa.
42
17
que dez oficiais – certamente adversários de Goulart -, da guarnição militar de São Borja
(fronteira gaúcha com a Argentina), haviam solicitado asilo político no país vizinho.
Enquanto isso, Porto Alegre voltava a sua pacata rotina, passada a grande turbulência.
Santiago Ferrari relatava para La Nación suas impressões sobre o fim das mobilizações e o
impacto do desfecho no cotidiano da cidade. Suas pertinentes impressões (que contrastam
com seu acentuado anticomunismo, no final da matéria) constituem um verdadeiro documento
de como aqueles últimos dias, tão marcados por entusiasmo e dramaticidade, haviam
perturbado a rotina dos cidadãos porto-alegrenses:
Esta ciudad despertó hoy con una sensación de alivio. La crisis había
terminado y era el momento de volver a trabajar. Por una especie de
acuerdo tácito, los diarios relegan a las páginas interiores la información del
momento. […] Se quiere volver a la vida normal que estaba trastornada.
Hoy debe terminar el racionamiento de agua en el centro de la ciudad. En
fecha próxima se reanudarán las clases. [...] pero lo más apremiante es la
apertura de los bancos […]. Los empleados públicos llevan dos meses sin
cobrar aquí. […]
Por el momento, pues, la gente tiene bastantes preocupaciones materiales
para olvidar un poco las políticas. Y las quiere olvidar. La parte más
humilde de la población interpreta la llegada de Jango al poder como una
victoria, sin reparar mucho en las condiciones. Otros sectores están un poco
desconcertados […]. Otros, finalmente, no se llaman a engaños: son
justamente los que más se apasionaron por él. “Dentro de unos meses – nos
decía uno de estos – va a haber otra revolución”.
Pero los factores de confusión son tantos que ni el odio ni el amor alcanzan
a diferenciar sus objetivos. En primer lugar, hasta los más extremistas, los
que le gritaron traidor a Goulart y quemaron sus retratos en las calles, se
alegran de que la crisis haya terminado. En segundo lugar, el campeón de
todo el movimiento, es decir, el gobernador Leonel Brizola, ha aceptado la
solución y, por lo tanto, el movimiento de resistencia no sólo ha perdido su
objeto con la retirada moral de Goulart, sino que ha quedado sin su líder:
Brizola. […] la ausencia de Quadros es otro factor de confusión para los
espíritus. En definitiva, la situación a largo plazo es tan peligrosa como
tranquilo parece el momento por fuera. Dentro de poco tiempo, todos los
problemas volverán a presentarse con más urgencia. Esa masa desorientada
que tuvo un momento de exaltación y ahora no sabe dónde está, se halla
nuevamente “revolucionarizada”, como dicen los marxistas. Y así, mientras
suenan las campanas celebrando la paz, los comunistas, momentáneamente
derrotados, se están frotando las manos pensando en el futuro.45
Nos dias seguintes, confirmava-se a posse de Jango, a escolha de Tancredo Neves
como primeiro-ministro, a indicação de um novo ministério e a confirmação da substituição
dos ministros militares. No discurso de posse do presidente, destacava-se, particularmente, a
45
Mirando hacia el futuro. La Nación, Buenos Aires, 7 set. 1961, p. 2.
18
defesa da necessidade de uma consulta plebiscitária sobre a confirmação da emenda que
instituíra o parlamentarismo.
El Día, em 10 de setembro, finalmente anunciava a manchete tão aguardada: “Goulart
Asumió ayer la Presidência de Brasil”. Mesmo assim, era evidente que nuvens carregadas
pairavam no horizonte. Em artigo analítico de Robert Katz, do La Nación, faziam-se duas
avaliações importantes, considerando o futuro imediato. Primeiro, que o parlamentarismo
havia sido aprovado em um contexto de “virtual estado de guerra”. Segundo, que caso
houvesse, em um futuro próximo, uma consulta à cidadania sobre a permanência do
parlamentarismo, a maioria o rejeitaria e votaria pela volta do presidencialismo.46
No editorial “En el Médio del Túnel”47, Marcha ressaltava que a solução brasileira
esvaziara o Poder Executivo, possibilitando a permanência nele daqueles percebidos quase
como inimigos e permitindo a persistência de uma postura militar que continuava “zelando”
sobre os acontecimentos em aberto. Quijano, o diretor do semanário, era lacônico na sua
conclusão: “Goulart será presidente; pero sin mando. [...] queda el título sin la función”.48 Não
duvidava, os militares haviam vencido; sendo assim, concluía que, na crise brasileira: “Los
políticos sobreviven, los militares mandan, Goulart es presidente, la guerra civil no fue. Todo
vuleve a su cauce. ¿Y después?”
Na mesma lógica, mas com uma avaliação mais dura, Sergio Deus49 manifestava que a
reforma constitucional que estabelecera a saída parlamentar era falsa, hipócrita e de origem
espúria, pois escondia a violência institucional das forças armadas. Mesmo assim, reconhecia
que as contradições do país e as demandas dos setores carentes podiam tornar ilusório o
domínio das elites empresariais e latifundiárias. Para os setores dominantes, dizia, “aun
mismo ese Goulart quebrado, ablandado, que llega a Brasília resignado a ser una figura
decorativa” não era confiável; portanto, a solução encontrada não era garantia de paz. Para
Sergio Deus, em síntese, um governo Goulart, com um primeiro-ministro conservador e com
um gabinete de coalizão, até poderia acalmar os setores conservadores. Porém, isso não seria
suficiente para resolver a contradição fundamental do país nem para corrigir as deformações
da sua economia. A ameaça do confronto continuaria e, mais cedo ou mais tarde, deveria
ocorrer.
46
Difícil esquema para el nuevo gobernante. La Nación, Buenos Aires, 8 set. 1961, capa.
En el Médio del Túnel. Marcha, Montevideo, 8 set. 1961, p. 5.
48
Brasil: un desenlace sin definición. Marcha, Montevideo, 8 set. 1961, p. 6.
49
Idem.
47
19
Finalmente, nessa mesma edição de Marcha, o editorial externava que os
acontecimentos no Brasil teriam enorme importância para o futuro do pequeno Uruguai.
Registre-se, nessa advertência de Quijano, uma clarividente maturidade diante dos
desdobramentos que em poucos anos varreram a região, com o advento da espiral autoritária e
a imposição de ditaduras de segurança nacional, dentro de um marco histórico no qual a
ditadura brasileira teve, sabidamente, particular relevância e responsabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A solução encontrada entre os grupos contrários e favoráveis à posse de João Goulart
como presidente da República foi a adoção de uma reforma constitucional que implementou o
parlamentarismo no Brasil. Dessa maneira, pode-se dizer que a Campanha da Legalidade não
alcançou todos os seus objetivos, pois, na prática, embora tenha impedido o golpe militar, não
se pode desconsiderar o fato de que João Goulart assumiu uma Presidência esvaziada de
maior conteúdo e de capacidade decisória. Curiosamente, para o La Nación, o maior vencedor
da crise tinha sido o Parlamento;50 na sua avaliação, a saída parlamentar teria fortalecido o
poder civil. Mas, no seu balanço final, concluía que ninguém havia perdido: o Parlamento,
porque encontrou a proposta que superou o impasse; os militares, porque haviam conseguido
limitar, sensivelmente, o poder concentrado nas mãos de Goulart; e Jango pelo
reconhecimento de que Tancredo Neves havia sido uma indicação sua, atendida pelo
Parlamento devido ao prestígio político do novo presidente. De qualquer forma, deste certo
equilíbrio de pequenas vitórias, a matéria reconhecia que os militares continuavam muito
fortes e constituíam um sério obstáculo para o poder civil.
Cabe lembrar ainda, como fato histórico, que, em janeiro de 1963, realizou-se um
plebiscito para consultar a população sobre a permanência do parlamentarismo ou a volta do
sistema presidencialista. Dos 18 milhões de eleitores que o Brasil possuía, 11.531.030
participaram da votação e o presidencialismo obteve uma vitória esmagadora: 9.457.448
contra 2.073.582 a favor do parlamentarismo, ou seja, quase 65% dos votos. Tal decisão
restabelecia os poderes retirados à presidência, fundamentais para a implementação das
ansiadas e aguardadas (por importantes setores da sociedade) reformas de base.
Em relação ao acompanhamento dos acontecimentos realizados pelos jornais da
Argentina e do Uruguai, deve-se fazer algumas reflexões. Em primeiro lugar, a imprensa
50
El Parlamento salió vencedor de la crisis. La Nación, Buenos Aires, 10 set. p. 2.
20
platina seguiu de perto a crise. Cada veículo o fez de acordo com as suas possibilidades
materiais e técnicas, mas não há dúvidas de que a crise brasileira ocupou grande parte das
suas seções internacionais, capa e outros espaços internos. O que começou com a simples
reprodução de informações de agências de notícias, acabou em um trabalho mais elaborado e
coerente, dentro da linha argumentativa de cada um dos meios de comunicação, de enviados
especiais que se espalharam pelos principais locais dos acontecimentos, e que tornaram mais
conhecida a cidade de Porto Alegre e o estado do Rio Grande do Sul para um público não
brasileiro.
Um outro fato a levar em conta é que, além das informações sobre a marcha dos
acontecimentos, seus avanços e recuos, foram colocados, nas entrelinhas ou de forma mais
direta, os temores de que a crise pudesse extrapolar as fronteiras e se projetar pelo espaço
latino-americano. Nesse sentido, como exemplo, são bem distintas as avaliações que se
podem fazer a partir do Marcha, meio de comunicação marcado pelo latino-americanismo e
anti-imperialismo, ou do La Nación, que, independentemente, das manifestações pródemocráticas, deixa perpassar, na linha editorial e no teor dos textos elaborados por seus
enviados especiais, uma inflexão anticomunista, anticastrista e defensora de uma ordem social
conservadora. Todos os jornais utilizados neste texto, em algum momento, olham para o
cenário brasileiro pensando no impacto econômico, político ou social que pode ter no seu
próprio país de origem. De certa forma, embora os tempos e os ritmos possam ser diferentes,
as mazelas sociais e políticas existentes em cada um dos países da América Latina, nesse
contexto da Guerra Fria, demonstram que há muitas questões em comum.
Um elemento a ressaltar é o surgimento de Leonel Brizola, uma liderança política
quase desconhecida no cenário regional, transformado, em poucos dias, em uma liderança
popular de perfil anti-imperialista, reformista e com enorme capacidade de mobilização
política. A avaliação feita sobre a sua atuação varia de jornal para jornal. De uma visão mais
neutra e liberal, como a apresentada pelo Clarín e pelo El Día, passamos a uma percepção
que o identifica com atitudes inconsequentes e até extremistas, como faz o La Nación, e que
contrasta com a da liderança anti-imperialista elogiada com rigor crítico e no seu contexto
pelo semanário Marcha.
21
Aliás, em novembro de 1961, Marcha fez uma extensa reportagem com o líder da
Legalidade.51 Em longa entrevista52, Brizola respondeu perguntas de Juan José López Silveira
e foi apresentado como o líder mais popular e mais temido pelos setores abastados do Brasil e
cujo nome transcendeu fronteiras em função da sua liderança constitucionalista na crise de
agosto, no Brasil. O jornalista destacou três pontos relevantes da sua administração: a
construção de um banco de desenvolvimento regional; a implementação da indústria do aço; e
a expropriação da Light. Outros temas destacados foram os da educação53 e das reformas
estruturais.54
O anti-imperialismo do governador gaúcho ficava explícito nos seus
comentários sobre a ingerência dos EUA nos acontecimentos regionais. Perguntado se a
superpotência havia tido alguma vinculação com a crise de agosto, a resposta foi taxativa:
“Foi motivo fundamental”. Assumindo tais posições, Brizola passava a ocupar um espaço
importante dentro de uma esquerda latino-americana marcada pelo forte ativismo político dos
anos 60.
Por fim, interessa registrar que, mesmo sendo uma análise que trabalhou com
amostragens ou com uma certa lógica empírica (a mirada sobre a mirada dos outros a respeito
da realidade política do Brasil de 1961), permitiu constatar o enorme interesse das imprensas
argentina e uruguaia pelo que aqui ocorria. Reconheciam e tentavam mapear os protagonistas,
seus interesses e as diversas conjunturas anteriores que ajudavam a dar inteligibilidade ao
mosaico intenso de agosto/setembro de 1961. Mas o que mais surpreende é o grau de
compreensão de uma dinâmica regional, continental, com suas grandes tendências e
contratendências, e de como, na inter-relação com esses fatores, combinam a(s) leitura(s) dos
prováveis desdobramentos brasileiros e o impacto produzido na região. A leitura e análise dos
jornais abordados nesta proposta confirmam que, mesmo quando reconhecem a gesta popular
que foi a Legalidade, eles mantêm uma visão realista de que, se por um lado o Movimento
conseguiu impedir um golpe de Estado naquele momento, não conseguiu impedir a
desarticulação total ou parcial dos setores golpistas, nem desestruturar os mecanismos
desestabilizadores existentes. Em síntese, o recuo golpista e a faixa no peito de Goulart
51
Casualmente, a primeira entrevista que Brizola deu no exterior, já exilado em Montevidéu após o golpe de
Estado que derrubou João Goulart em 1964, também foi para Marcha.
52
Brizola habla para “Marcha”. Marcha, Montevideo, 24 nov. 1961, p. 32.
53
O ano de 1961 foi declarado o “Ano da escolarização”. A matéria resgata o ineditismo da proposta e rejeita a
ideia de ter sido cópia do modelo cubano, até porque este é de 1958. Dados concretos confirmam que,
quando Brizola assumiu o governo do Estado, havia 1.795 escolas. Três anos depois, o número atingia a
marca de 3.795 estabelecimentos. Idem.
54
Brizola defende a realização de um processo gradual de expropriações com indenizações deduzidas dos
ganhos que os grupos estrangeiros já acumularam e retiraram dos países explorados. Idem.
22
(descolorida pelo parlamentarismo aprovado e aceito) também foram comemorados pelos
meios de comunicação vizinhos, cada qual dentro do seu limite de contentamento. Entretanto,
as nuvens carregadas permaneciam; 1961 evitou ser 1964. Mas, depois de 1961, veio 1964. E
diante desse fato é necessário retomar a reflexão de Carlos Quijano, que ao analisar o
desfecho de 1961, perguntava: “¿Y después?”55
REFERÊNCIAS
MARTINS FILHO, J. R. Os Estados Unidos, a Revolução Cubana e a contra-insurreição.
Revista de Sociologia e Política da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n. 12, 1999,
p.67-82.
MIYAMOTO, S.; GONÇALVES, W. da S. Militares, diplomatas e política externa no Brasil
pós-64. In: ALBUQUERQUE, J. A. G. (Org.). Sessenta Anos de Política Externa
Brasileira (1930-1990): prioridades, atores e políticas. São Paulo: Annablume, 2000. V. 4. P.
173-213.
SCHOULTZ, L. Estados Unidos: poder e submissão: uma história da política norteamericana em relação à América Latina. Bauru: EDUSC, 2000.
Fontes:
El Clarín, Buenos Aires, Argentina
El Día, Montevideo, Uruguay
La Nación, Buenos Aires, Argentina
Marcha, Montevideo, Uruguay
55
En el Médio del Túnel. Marcha, Montevideo, 8 set. 1961, p. 5.