André Luís de Souza Canelas e outro

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André Luís de Souza Canelas e outro
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INVESTIMENTOS EM E&P DE
PETRÓLEO NO BRASIL APÓS
A ABERTURA: IMPACTOS
ECONÔMICOS
André Luís de Souza Canelas*
Carmen Alveal**
RESUMO
O trabalho trata como tema central os impactos econômicos dos investimentos na atividade de exploração e produção de petróleo e gás (ou E&P) realizados no Brasil, a partir da
abertura da indústria no país. O trabalho analisa os investimentos em E&P, por parte da
Petrobras e das companhias entrantes, no que concerne a seus efeitos sobre geração de
valor agregado e renda, considerando seu impacto sistêmico sobre a economia brasileira em
termos de encadeamento sobre outras indústrias e de impactos na balança comercial do
país, impactos estes que têm sido realçados pelas novas determinações da Petrobras e da
Agência Nacional de Petróleo no que tange à política de aumento do “conteúdo local” dos
investimentos em E&P. No trabalho, demonstra-se que estes investimentos têm sido de
considerável importância como geradores de renda e de aquecimento do nível de atividade
econômica no Brasil, sobretudo durante os anos mais recentes.
1- INTRODUÇÃO
A mudança representada pela abertura da indústria brasileira de petróleo, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 9/1995 e da Lei nº 9.478/97, gerou um fluxo considerável de investimentos em E&P no Brasil, por parte de grande número de companhias entrantes.
* Mestrando do Programa de Planejamento Energético da COPPE-UFRJ. Bolsista do Programa PRH-21, da Agência
Nacional de Petróleo - ANP. E-mail: [email protected].
** Professora do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ. E-mail: [email protected]. Este artigo
baseia-se em monografia de graduação em Ciências Econômicas, de autoria de André Luís de Souza Canelas e orientada por
Carmen Alveal, entitulada “Investimentos em Exploração e Produção após a Abertura da Indústria Petrolífera no Brasil:
Impactos Econômicos” e defendida em março de 2004 no Instituto de Economia da UFRJ. Este trabalho foi desenvolvido
no âmbito do PRH-21, Programa de Recursos Humanos da Agência Nacional de Petróleo. Este artigo está sendo submetido
para o X CBE, dentro do Tema “Novos Instrumentos de Planejamento Energético”, sob a perspectiva Econômica. 1ª opção:
apresentação oral, 2ª opção: apresentação em pôster.
2133
Estes investimentos intensificaram os já consideráveis impactos econômicos dos investimentos nesta atividade no Brasil, que antes eram unicamente da Petrobras.
2 - Mensuração dos Investimentos em Exploração e Produção Realizados no Brasil
Os investimentos em E&P no Brasil têm acompanhado a tendência de crescimento
dos investimentos mundiais em E&P. O gráfico 1 mostra a evolução dos investimentos
mundiais em E&P, mostrando aumento contínuo dos montantes totais de investimento
anual, sobretudo a partir do ano de 1998. È possível perceber pelos dados a magnitude da
indústria de petróleo: no período de 1995 a 2003, foram investidos mundialmente no
segmento de E&P cerca de US$ 910,03 bilhões, perfazendo média superior a US$ 100
milhões de investimento por ano.
Gráfico 1 - Evolução dos investimentos mundiais em E&P (US$ bilhões)
140
120
100
80
60
40
20
0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
U S $ B ilh õ e s
Fonte: Elaboração própria a partir de DITTRICK e FLETCHER (2001), e TOWNSEND (2002)
Os investimentos totais em E&P de petróleo e gás são mostrados na tabela 1 abaixo:
Tabela 1 - Investimentos em E&P no Brasil a partir da abertura
Ano
Investimento Total (US$ Milhões)
1998
3.090,61
1999
2.550,65
2000
3.471,67
2001
3.752,48
2002
4.545,22
De 2003 a 2007
21.000
Total
38.410,63
Fonte: CANELAS, 2004
A estimativa de US$ 21 bilhões de investimentos E&P de 2003 a 2007 equivale a uma
média anual de US$ 4,2 bilhões de investimentos no período considerado. Ao se considerar investimentos deste montante (US$ 4,2 bilhões) para o ano de 2003, pode-se calcular
o total de investimentos em E&P no Brasil de 1998 a 2003 como sendo de US$ 21.610,23
milhões. Ao se inserir este dado nos investimentos mundiais em E&P de 1998 a 2003, de
valor de US$ 697,22 bilhões (gráfico 1), pode-se encontrar um percentual de 3,1% de
participação do Brasil nos investimentos mundiais em E&P nesse período, uma participação muito significativa para um país de fronteira na indústria mundial de petróleo.
2134
No que tange aos investimentos em E&P no Brasil, é importante notar que cerca de
85% destes investimentos são da Petrobras (CANELAS, 2004). Os investimentos em
E&P doméstico da companhia, após a abertura da indústria, têm apresentado acelerado e
contínuo crescimento, atingindo patamares extremamente altos em comparação aos investimentos realizados nos anos anteriores à abertura. O gráfico 2 evidencia a tendência
de substantiva elevação dos investimentos em E&P doméstico da Petrobras no período
pós-abertura, sobretudo em comparação aos montantes de investimento observados durante o período de monopólio da companhia. O pico do período do pós-abertura é
inclusive superior ao pico registrado imediatamente após o segundo choque de petróleo,
quando se deu o grande impulso à produção de petróleo no Brasil em larga escala, sobretudo em offshore de águas profundas.
Gráfico 2 - Investimento anual da Petrobras em E&P (US$ Bilhões) (1954-2003)
(a linha indica separação entre antes e depois – abertura: antes e depois de 1997)
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
19 54
19 58
1 9 62
1 96 6
1 97 0
19 7 4
19 78
19 82
1 98 6
1 99 0
1 99 4
19 9 8
20 02
Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados do Boletim Infopetro
Considerando as estimativas de investimentos em E&P doméstico da Petrobras, de US$
18 bilhões de 2003 a 2007, e de investimentos totais em E&P no Brasil de US$ 21 bilhões
no mesmo período, observa-se que a Petrobras seria responsável por 85,71% dos investimentos em E&P no Brasil neste período, o que é bastante condizente com a estrutura da
indústria brasileira de petróleo, e com a posição das companhias entrantes em relação a um
país de fronteira. De fato, como as atividades de E&P no Brasil eram de uma estrutura de
monopólio institucional de uma empresa, que tem expertise única no mundo inteiro em
termos de E&P em águas profundas, e dado também que as atividades de E&P no Brasil
são caracterizadas por uma dominância do offshore principalmente em águas profundas, e
que poucas companhias petrolíferas podem investir nessa modalidade de E&P, explica-se
tal nível de dominância da Petrobras nos investimentos em E&P, e explica-se também porque foi um condicionante tão fundamental da abertura o fato de a companhia ter investido
em parcerias com as entrantes.
È possível perceber pela tabela 1 e pelo gráfico 2 que tem havido no pós-abertura uma
substantiva elevação dos investimentos anuais em E&P no Brasil, com os investimentos das
companhias entrantes intensificando o aumento dos investimentos da Petrobras, em comparação aos montantes de investimento realizados ao longo da década de 90. Tem havido
também elevação da participação do segmento E&P no total de investimentos na economia
brasileira, quase triplicando sua participação neste total durante o período do pós-abertura,
conforme pode ser mostrado na tabela 2.
2135
Enquanto o montante total de investimento no Brasil, em dólares americanos, tem continuamente se reduzido durante os anos mais recentes, quase caindo à metade entre 1998 e
2002, a participação do segmento E&P no total de investimentos na economia brasileira
cresceu de 1,99% em 1998 para 5,51% em 2002, um crescimento de participação de 176,88%
num período de apenas cinco anos.
Tabela 2 - Estimativa da participação dos investimentos em E&P
no montante total de investimento no Brasil a partir da abertura
$QR ,QYHVWLPHQWR7RWDOQR%UDVLO86%LOK}HV 3DUWLFLSDomRGR(3
1998
155,22
1,99
1999
101,42
2,52
2000
116,22
2,99
2001
99,53
3,77
2002
82,53
5,51
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE, disponível em
http://www.ibge.gov.br).
3 - Impactos Econômicos dos Investimentos em E&P no Brasil após a Abertura
O impacto econômico total1 dos investimentos na atividade petrolífera foi estimado em
trabalho entitulado “Impacto Econômico da Expansão da Indústria do Petróleo” (KUPFER
et al., 2000). Partindo da hipótese de que cerca de 75,5% dos investimentos na indústria de
petróleo são direcionados a E&P e refino juntos, e supondo investimentos totais na indústria de petróleo de US$ 5 bilhões (cerca de US$ 3,7 bilhões em E&P e refino juntos),
montante que aumentaria a produção nacional de petróleo em 5%, os autores do trabalho
consideraram duas situações hipotéticas para estimar o impacto econômico total dos investimentos no setor petrolífero. Na primeira hipótese, chamada pelos autores de “situação
atual” (op. cit., 2000), considerou-se, para os cálculos, que o valor das demandas de bens e
serviços requeridos para os investimentos e fornecidos por empresas brasileiras seria, em
média, de 54,53% das demandas totais de bens e serviços; ou seja, um conteúdo local de
54,53 % em média. Na segunda hipótese, chamada de “situação potencial”, considerou-se
que fornecedores locais seriam os supridores de todos os bens e serviços demandados
pelos investimentos. Segundo a conclusão do trabalho, na “situação atual”, cada bilhão de
dólares investido no setor petróleo geraria US$ 1.263,51 milhões em termos de valor da
produção, 37,14 mil empregos em todos os setores da economia, renda de US$ 644,32
milhões, US$ 179,18 milhões em impostos e importações de cerca de US$ 376,8 milhões. Já
na “situação potencial”, um investimento do mesmo montante produziria US$ 2.318,65
milhões em valor de produção, 63,32 mil empregos, renda de US$ 1.124,05 milhões, US$
225,13 milhões em impostos e importações de cerca de US$ 14,86 milhões (op. cit., 2000).
A partir destes dados, pode-se perceber a enorme importância do aumento do nível de
conteúdo local para a internalização dos impactos econômicos dos investimentos. Ao se
comparar as estimativas destes impactos encontradas na “situação potencial” com aquelas
encontradas na “situação atual”, encontram-se diferenças bastante expressivas: o impacto
estimado dos investimentos em E&P e refino, em termos de valor da produção, é na
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“situação potencial” 83,50 % superior ao impacto na “situação atual”. No que tange à renda
gerada, há uma elevação do impacto estimado em 74,45 % na “situação potencial” em
relação à “situação atual”. Considerando os impactos sobre arrecadação tributária, na “situação potencial” o impacto estimado foi 25,64% superior ao estimado na “situação atual”;
nesse caso particular, a diferença não foi tão vultosa em razão de, na “situação potencial”,
haver diminuição da arrecadação de imposto de importação, pois para o cálculo da “situação potencial” considera-se que é nula a importação de bens e serviços relacionados a
investimentos em E&P e refino. Na “situação potencial”, o valor estimado das importações
resultantes dos investimentos em E&P e refino é apenas 3,94 % do valor estimado das
importações resultantes destes investimentos na “situação atual”, mostrando que a “situação potencial” representaria uma substantiva economia de divisas para o país; também nesse caso, a diferença é mais uma vez explicada pela nulidade das importações de bens e
serviços relacionados aos investimentos na indústria de petróleo, que é suposta na “situação
potencial”. No que concerne ao número de empregos gerados, a diferença entre as estimativas para a “situação potencial” e para a “situação atual” é de que o impacto é em 70,48 %
superior na primeira. Enfim, pode-se concluir que aumentos do nível de conteúdo local dos
investimentos na indústria de petróleo representam expressivos incrementos nos impactos
destes investimentos sobre a economia brasileira, em variáveis como valor da produção,
renda gerada, empregos gerados, arrecadação tributária e economia de divisas. Isso ocorre
pois, quanto maior o nível de conteúdo local, maior o encadeamento dos investimentos na
indústria de petróleo sobre as demais indústrias no Brasil, e assim, maiores os impactos
diretos e indiretos destes investimentos. Logo, quanto maior o percentual de conteúdo
local, maior o impacto econômico total dos investimentos na indústria de petróleo.
Os impactos econômicos dos investimentos em E&P sobre a economia brasileira após a
abertura podem ser estimados, como exercício, a partir das estimativas da tabela 1 e do trabalho de KUPFER et. al 2 . Pode-se elaborar, como exercício, a tabela 3, que mostra a estimativa
dos impactos econômicos totais dos investimentos em E&P no Brasil no pós-abertura da
indústria. Os resultados dos exercícios fornecem os impactos tanto “na situação atual” (média
de 54,53 % de fornecimento nacional de bens e serviços demandados para os investimentos)
, e potencial (100% de fornecimento local), e cinco indicadores, a saber: valor da produção,
renda gerada, empregos gerados, arrecadação tributária e impacto na balança comercial.
O impacto total é a soma dos impactos diretos, indiretos e do efeito renda, que são impactos resultantes de investimentos.
Os impactos diretos correspondem ao valor da demanda de bens e serviços realizada no país, medido a preços básicos (não
considerando impostos e outras margens); ou seja, o aumento da produção nacional e do nível de emprego de um setor X
para atender às demandas resultantes de investimentos em um dado setor da economia. Os impactos indiretos são o valor da
produção e empregos gerados nos vários setores da economia para atender à expansão inicial provocada pelos impactos
diretos. O efeito renda corresponde ao valor gerado em todos os setores da economia (renda e emprego) em função do
aumento da renda e do consequente aumento do consumo final motivado pelos impactos direto e indireto. O Modelo
Insumo-produto, formulado pelo economista russo Wassily Leontieff, e o Multiplicador Keynesiano, conceito formulado
pelo economista inglês John M. Keynes, são as ferramentas necessárias para a determinação desses impactos- o primeiro para
determinar os impactos diretos e indiretos, e o segundo para determinar o efeito renda (KUPFER et al., 2000).
1
2
É válido esclarecer que a utilização das estimativas de KUPFER et al. para a mensuração dos impactos dos investimentos em E&P
é uma simplificação, pois estas estimativas foram calculadas para investimentos não apenas em E&P, mas também em refino de
petróleo. Os impactos foram estimados por KUPFER et al. para uma dada hipótese de estrutura de investimentos na indústria de
petróleo, na qual E&P e refino respondem juntos por cerca de 75,5% dos investimentos nesta indústria, respondendo o E&P por
cerca de 62,56% destes 75,5%, ou 82,88% da estrutura de investimento considerada, e o refino por 12,94% dos 75,5%, ou 17,12%
da estrutura considerada. Ademais, a estrutura da tributação sobre as atividades da indústria de petróleo utilizada por KUPFER et al.
é aquela que prevalecia em dezembro de 2000, não sendo considerada qualquer alteração posterior (KUPFER et al., 2000).
2137
Tabela 3 - Impactos totais dos investimentos em E&P (1998-2007) (US$ milhões)
Situação Considerada:
Situação Atual (A)
Situação Potencial (B)
(B) –(A)
Valor da Produção /ano
4.853,24
8.906,08
4.052,84
Impostos / ano
688,28
864,76
176,48
Importação / ano
1.447,15
57,10
-1.390,05
Pessoal Ocupado*
142.664,35
243.227,53
100.563,18
Renda Gerada /ano
2.474,89
4.317,56
1.842,67
* medido em unidades, não em US$ milhões.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados mostrados anteriormente.
Os valores são significativos, e tem sido de relevância para a economia brasileira
nos anos mais recentes. É mais uma vez possível perceber a importância do aumento
do nível de conteúdo local para a internalização dos impactos dos investimentos.
Observando as estimativas de impactos mostradas na tabela 3, e assumindo como
hipótese que o conteúdo local médio dos investimentos em E&P no Brasil seja de
fato 54,53 %, pode-se observar que, se empresas nacionais fossem capazes de fornecer 100% das demandas de bens e serviços relacionadas aos investimentos em E&P
no Brasil, um adicional médio anual de US$ 4.052,84 milhões seria gerado no país
em termos de valor da produção no período de 1998 a 2007. Da mesma forma, uma
renda adicional de US$ 1.842, 67 milhões seria gerada por ano, em média, no mesmo
período considerado. Ainda considerando a hipótese de que o país fosse auto-suficiente no fornecimento de bens e serviços para as atividades de E&P, haveria no período 1998-2007 uma economia anual de divisas de US$ 1.390,05 milhões, um acréscimo anual de arrecadação tributária de US$ 176,48 milhões, e a geração de mais
100.563 empregos, em comparação aos resultados estimados com a suposição de
54,53 % de conteúdo local.
É importantíssimo considerar que desde a abertura da indústria tem havido elevação considerável do nível de conteúdo local ao qual as empresas vencedoras das rodadas de licitação da ANP têm se comprometido; o próprio governo brasileiro tem
uma política de incentivo à indústria nacional fornecedora de bens e serviços para
E&P, manifesta tanto na alteração da forma de bidding na quinta rodada, na qual houve comprometimento com níveis de conteúdo local muito superiores aos das rodadas
anteriores, quanto na decisão da Petrobras de demandar conteúdo local mínimo de
65% para aquisições relacionadas a seus investimentos em E&P. 3
3
Fonte: Petrobras vai manter exigência de conteúdo nacional mínimo de 65%. EFEI Energy News, Itajubá, 03 de outubro de 2003,
disponível em <http://www.energynews.efei.br>.
2138
Assim, o atual nível de conteúdo local dos investimentos em E&P no Brasil é
superior a 54,53%, de forma que os valores reais dos impactos dos investimentos
tornam-se maiores que os estimados e mostrados na coluna “situação atual” da tabela 3. Desta forma, é correto considerar que os impactos reais dos investimentos em
E&P no Brasil sejam intermediários entre os valores estimados na “situação atual” e
na “situação potencial”, obviamente bastante inferiores à “situação potencial”, mas
já bastante superiores à “situação atual”.4
Os impactos dos investimentos tornam-se mais representativos ao se considerar o
valor total da produção do setor E&P, incluindo também o valor total da produção
de óleo cru gerada pelos investimentos passados, e não apenas o reflexo dos investimentos realizados após a abertura. O crescimento contínuo da produção de petróleo
cru da Petrobras e dos investimentos em E&P no país tem levado ao contínuo crescimento da participação do setor E&P no PIB do setor petróleo e no PIB brasileiro
durante os anos da abertura (tabela 4):
Tabela 4 - Produto Interno Bruto: Brasil, setor petróleo e segmento E&P
$QR 3,%GR%UDVLODSUHoRVEiVLFRV
86%LOK}HV
1997
1998
1999
2000
2001
724,00
707,40
474,03
528,95
447,50
1997
1998
1999
2000
2001
2,74
3,06
4,27
5,32
5,94
3,%GRVHWRUSHWUyOHR
86%LOK}HV
19,85
21,63
20,22
28,16
26,57
3,%GRVHJPHQWR(3
86%LOK}HV
3,62
1,90
4,96
11,37
10,52
3DUWLFLSDomRGR6HJPHQWR
3DUWLFLSDomR
$QR 3DUWLFLSDomRGRVHWRU3HWUyOHR
QR3,%GR%UDVLOSUHoRVEiVLFRV (3QR3,%GR3HWUyOHR GR(3QR3,%GR%UDVLO
18,34
8,58
24,53
40,38
39,59
0,50
0,26
1,05
2,15
2,35
Fonte: Elaboração própria a partir de dados de MACHADO (2003) e do IPEA (disponível em <http://www.ipeadata.gov.br>)
Ao longo da história da indústria brasileira de petróleo, a Petrobras teve presença marcante no desenvolvimento do parque
industrial brasileiro, e em alguns projetos de investimento demandou níveis de conteúdo local bastante altos, tendo atingido
pico histórico de 93% (anterior ao da plataforma P-51), para as sete primeiras plataformas fixas usadas na Bacia de Campos,
em 1986 (FERNANDEZ Y FERNANDEZ e RAPPEL, 2003). Na década de 90, houve diminuição perceptível do nível de
conteúdo local dos investimentos em E&P da Petrobras, em função do aprofundamento do direcionamento da companhia a
atividades de E&P em águas profundas, “modalidade” de E&P para a qual as empresas brasileiras tem capacidade menor de
suprimento de bens e serviços. Essa diminuição está na raiz da crise do setor naval brasileiro na década de 90, na qual quase
todos os estaleiros brasileiros foram desativados. A recuperação do setor de construção naval brasileiro nos últimos anos se
deve indubitavelmente ao aumento dos investimentos em E&P realizados no pós-abertura da indústria brasileira de petróleo.
Desta forma, o aumento do conteúdo local dos investimentos em E&P é até certa medida uma restauração da situação
anterior da indústria fornecedora brasileira de bens e serviços para as atividades de E&P, o que implicou em uma verdadeira
“salvação” do setor naval brasileiro. A construção da plataforma P-51, integralmente no país, é até o momento o principal
exemplo de eficácia da política de aumento do nível de conteúdo local para incentivar o crescimento da produção e geração
de renda e emprego na indústria brasileira fornecedora de bens de capital e serviços de produção para atividades de E&P.
4
2139
Os dados da tabela 4 mostram acelerado crescimento do setor petróleo e, sobretudo, do segmento E&P na economia brasileira. O PIB brasileiro tem apresentado evolução bastante instável nos últimos anos, tendo apresentado taxas relativamente baixas de variação anual real (tabela 5). Em termos de divisa estrangeira, o PIB do Brasil
tem apresentado contínuas reduções de valor: uma redução de US$ 724 bilhões para
US$ 447,5 bilhões entre 1997 e 2001, ou redução acumulada de 38,19%. Já o PIB do
setor petróleo cresceu 33,85% entre 1997 e 2001, e o PIB do segmento E&P cresceu
a taxas muito superiores, totalizando 190,60% no mesmo período de tempo. Assim, a
participação percentual do setor petróleo no PIB brasileiro cresceu 116,56% de 1997
a 2001, enquanto as participações percentuais do segmento E&P no PIB do setor
petróleo e no PIB nacional cresceram 117,10 e 370,16% no mesmo período, respectivamente, demonstrando que este segmento em particular tem sido o motor de expansão da indústria de petróleo no Brasil.
Tabela 5 - Taxa de variação anual real do PIB brasileiro
$QR
1998
1999
2000
2001
2002
2003
3,%QRPLQDOGR%UDVLO
7D[DGHFUHVFLPHQWRDQXDO
SUHoRVGHPHUFDGR5%LOK}HV UHDOGR3,%EUDVLOHLUR
914,2
973,8
1.101,3
1.198,7
1.346,0
1.480,6
0,13
0,79
4,36
1,31
1,93
- 0,22
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPEA
Na verdade, as únicas atividades que têm apresentado crescimento na economia
brasileira nos anos mais recentes são a indústria petrolífera, o setor bancário e os
setores direcionados à exportação (basicamente agricultura, papel, celulose e siderurgia). Entre estes pouquíssimos setores, o setor petróleo é o único a possuir todas as
seguintes características, que distinguem seu crescimento qualitativamente do crescimento dos demais setores mencionados e de quaisquer outros: 1- Altíssimo dinamismo tecnológico, alta capacidade de encadeamento sobre outros setores industriais, e
por conseguinte geração de renda e emprego; 2- Direcionamento ao suprimento da
demanda interna e não a exportações, contribuindo para a futura auto-suficiência do
país no consumo dos bens de maior peso na pauta brasileira de importações (óleo
cru e derivados); 3- Característica infra-estrutural, cujos produtos (derivados de petróleo) são insumos fundamentais para o funcionamento da economia como um todo,
insubstituíveis em uma matriz produtiva no curto e médio prazos, e de grande impacto nos índices de preços de uma economia; 4- Substantiva “independência” das
flutuações do ritmo de crescimento da economia. Esta última característica é de imensa
relevância e singularidade à indústria de petróleo: enquanto os demais setores em
crescimento têm se baseado no estímulo da demanda externa para sustentar seu crescimento, as atividades de E&P no Brasil são direcionadas ao suprimento da demanda
nacional de óleo cru, que não apresenta retração mesmo no ambiente recessivo ca2140
racterístico da economia brasileira. Pode-se dizer que a indústria de petróleo é a única
relativamente “a salvo” do efeito negativo de uma recessão generalizada sobre os
diferentes setores de atividade econômica: enquanto a economia brasileira tem evoluído de maneira instável e precária na última década, a indústria de petróleo, sobretudo o segmento E&P, tem experimentado grande crescimento, que transcende o
nível de atividade econômica do país.
4 - Evolução da Produção e Reservas Nacionais
A relevância mais notória dos investimentos em E&P é como estes alavancam o
aumento da produção nacional de petróleo cru. O gráfico 3 mostra o crescimento da
produção e das reservas de petróleo durante o período abertura, evidenciando como
os investimentos da Petrobras antes e depois da abertura têm promovido continuamente recordes na produção e no aumento de reservas nacionais de petróleo cru.
9.0
1.8
8.0
1.6
7.0
1.4
6.0
1.2
5.0
1
4.0
0.8
3.0
0.6
2.0
0.4
1.0
0.2
0.0
Milhões de barris por dia
Bilhões de barris
Gráfico 3 - Produção e reservas de petróleo no Brasil (1980-2002)
(a linha indica separação entre antes e depois – abertura: antes e depois de 1997)
0
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002
Reservas Provadas de Petróleo no Brasil (bilhões de barris)
Produção de Petróleo no Brasil (m ilhões de barris por dia)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da British Petroleum (disponível em <http://www.bp.com>)
É possível observar no gráfico 3 que a partir da abertura houve um crescimento muito
acelerado nas reservas e na produção nacional de óleo cru, superando inclusive o desempenho ocorrido a partir do final dos anos 70, e resultando na redução da dependência nacional
de óleo cru e derivados. Entretanto, como turning point histórico na indústria brasileira de
petróleo, os choques de petróleo foram qualitativamente mais importantes que a abertura,
pelo impulso dado ao desenvolvimento da exploração em águas cada vez profundas; a descoberta dos super-campos, como Marlim e Roncador nos anos 80, é a razão de o país
atualmente estar próximo da auto-suficiência.5
5
É importante notar que os dados do gráfico 3, últimos dados oficiais disponíveis, não incluem importantes descobertas
realizadas no ano de 2003, como por exemplo a descoberta da Petrobras de grande quantidade de óleo, 4,5 bilhões de barris,
de ótima qualidade (40 a 42 graus API), realizada no poço 1-ESS-130 situado no bloco BC-60, na costa do Espírito Santo.
Também são relevantes as descobertas de gás natural em 2003: a descoberta de novas reservas de gás natural de cerca de 419
bilhões de metros cúbicos de gás (equivalente e 2,6 bilhões de barris de óleo equivalente), no bloco BS-400 da Bacia de
Santos, elevou as reservas brasileiras de gás para 741,6 bilhões de m³ (Fonte: Reserva gigante pode incentivar política de expansão do
consumo. EFEI Energy News, Itajubá, 10 de setembro de 2003, disponível em <http://www.energynews.efei.br>).
2141
7
70
6
60
5
50
4
40
3
30
2
20
1
10
%
US$ Bilhões
Gráfico 4 - Importação de óleo cru antes e depois da abertura (1984-2002)
(a linha indica separação entre antes e depois – abertura: antes e depois de 1997)
0
0
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
Importações de petróleo (US$ bilhões)
Participação da Importação de Petróleo nas Importações Totais (%)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IPEA (disponível em <http://www.ipeadata.gov.br>)
A despeito de a dependência externa de petróleo e derivados ser atualmente pequena, a contínua redução do nível de dependência brasileira de importações destes produtos (em direção à
auto-suficiência) ainda é importantíssima, pelo fato de o petróleo ainda representar, individualmente (sem contar importações de derivados), grande peso nas importações brasileiras, em
termos de divisas gastas (gráfico 4). A importância da redução da dependência de petróleo
importado é particularmente grande quando se leva em consideração a evolução da balança
comercial e do balanço de pagamentos do Brasil. Durante a década de 90, a economia brasileira
foi deficitária nas suas relações com o exterior, como resultado do processo de sobrevalorização
cambial e da abertura da economia brasileira ocorrida no período. Nos três anos mais recentes, o
país tem apresentado superávit na sua balança comercial e na sua balança de pagamentos, o que
pode ser explicado pela desvalorização dos patamares médios de flutuação cambial da moeda
brasileira em relação ao período de 1994-2000, e pelo ambiente de baixo crescimento da economia brasileira nos últimos três anos. Entretanto, a tendência a ter balanço de pagamentos deficitário é estrutural na economia brasileira, do que advém a importância da redução da demanda de
importações de bens como petróleo e derivados, de demanda inelástica a preços.
Tabela 6 - Evolução da Balança Comercial e do
Balanço de Pagamentos do Brasil (US$ Milhões)
6DOGRGD%DODQoD&RPHUFLDO)2% 5HVXOWDGR*OREDOGR%DODQoRGH3DJDPHQWRV
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
13.298,77
10.466,47
-3.465,62
-5.599,04
-6.752,89
-6.574,50
-1.198,87
-697,7475
2.650,47
13.121,30
24.824,55
8.708,80
7.215,20
12.918,90
8.666,10
-7.907,16
-7.970,21
-7.822,04
-2.261,65
3.306,60
302,0872
8.495,65
Fonte: IPEA (disponível em <http://www.ipeadata.gov.br>)
2142
Assim, em termos de produção e acréscimo de reservas, o incremento dos investimentos
da Petrobras no período pós-abertura deverá representar aparentemente a continuação da
tendência em direção à auto-suficiência no consumo de cru, sendo estes investimentos tão
relevantes quanto os investimentos realizados durante os anos imediatamente anteriores à
abertura, conforme é demonstrado pela evolução da dependência brasileira de petróleo e
derivados importados durante o período pós-abertura, mostrada na tabela 7 abaixo.
Tabela 7 - Dependência externa de petróleo e de seus derivados (%)
47,5%
...
46,9%
45,4%
39,4%
34,6%
28,4%
19,8%
9,4%
Fonte: ANP (Anuário Estatístico 2003, disponível em <http://www.anp.gov.br>)
4 - Conclusão
O trabalho mostrou que a abertura da indústria de petróleo no Brasil e o aumento no
fluxo de capital investido em atividades de E&P no país, em função do aumento dos investimentos da Petrobras e da entrada de novos players, têm resultado numa intensificação dos
impactos econômicos dos investimentos em E&P da Petrobras, que sempre foram de grande importância para a economia brasileira, desde o período de monopólio. Além do aumento no montante de investimentos em E&P realizados no Brasil após a abertura, outro fator
responsável pela intensificação dos impactos econômicos do segmento E&P é a elevação
do nível de conteúdo local dos investimentos, em função de um acertado mecanismo de
política de incentivo do governo brasileiro, representado tanto pelo aumento do peso do
conteúdo local nos critérios de bidding das rodadas de licitação da ANP, a partir da Quinta
Rodada de Licitações de blocos, quanto pela nova determinação da Petrobras acerca do
conteúdo local de suas demandas. Na atual conjuntura recessiva da economia brasileira, é
altamente positivo o crescimento de um setor que pode contribuir tanto para a superação
da restrição externa da economia brasileira e para o catch-up tecnológico e competitivo da
indústria brasileira fornecedora de bens de capital e serviços de produção.
Os dados e estimativas apresentados no trabalho são suficientes para evidenciar a importância econômica dos investimentos neste tipo de atividade, latente em qualquer contexto
econômico, ainda mais no contexto da economia brasileira, importadora líquida de petróleo, derivados e gás natural, marcada atualmente por um padrão de crescimento absolutamente instável e por profundas restrições fiscais, monetárias e de balanço de pagamentos,
tendo nos últimos anos atravessado ambiente econômico recessivo.
Através da evolução dos indicadores mostrados neste trabalho, como a evolução dos
investimentos em E&P no Brasil após a abertura da indústria petrolífera no país, a participação do Brasil no total de investimentos mundiais em E&P, a evolução da participação
dos investimentos em E&P no total de investimento na economia brasileira, e a evolução
da participação do segmento E&P e do setor petróleo no PIB do país, observa-se o
contínuo aumento do destaque desta atividade na economia brasileira, sendo uma das
poucas indústrias a apresentar crescimento no Brasil durante os últimos anos, e a única
entre estas cujo crescimento é voltado para o suprimento das necessidades do país e não
para a exportação. O acelerado crescimento de uma indústria grande geradora de valor
agregado, de grande dinamismo tecnológico e voltada para o mercado interno é imensamente importante na atual conjuntura recessiva da economia brasileira.
2143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ANP. Agência Nacional do Petróleo. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo e do Gás Natural 2003. Rio de Janeiro: ANP, 2003.
Disponível em: <http://www.anp.gov.br>.
2. ______. ______. Investimentos em E&P. Rio de Janeiro: Superintendência de Promoção de Licitações - ANP, 2003.
3. CANELAS, A. Investimentos em Exploração e Produção Após a Abertura da Indústria Petrolífera no Brasil: Impactos Econômicos.
Monografia (Graduação em Ciências Econômicas) –Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
4. DESCOBERTA triplica reserva de gás do país. EFEI Energy News, Itajubá, 04 set. 2003. Disponível em <http://
www.energynews.efei.br>.
5. DITTRICK, P. ; FLETCHER, S. “Andersen: E&P Spending to Keep Climbing in US, Canada”. Oil & Gas Journal, USA, p.
12-15, Jul. 2001.
6. FERNANDEZ Y FERNANDEZ, E. ; RAPPEL, E. Exportar, a chave para o equilíbrio.. Rio de Janeiro: Organização
Nacional da Indústria de Petróleo (ONIP), 2003. Disponível em <http://www.onip.org.br>.
7. GRANDES reservas da Amazônia ainda não atraem investidores. EFEI Energy News, Itajubá, 15 out. 2003. Disponível em
<http://www.energynews.efei.br>.
8. KUPFER, D. et al. Impacto Econômico da Expansão da Indústria do Petróleo. Rio de Janeiro: Grupo Indústria e Competitividade
- Instituto de Economia/UFRJ, 2000. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/gic/pdfs/2000-1_Kupfer_et_al.pdf>.
9. MACHADO, G.V. Estimativa da Contribuição do Setor Petróleo ao Produto Interno Bruto do Brasil: 1997-2001. Rio de Janeiro:
Superintendência de Estudos Estratégicos -ANP, 2003.
10. PETROBRAS encontra óleo de ótima qualidade no Espírito Santo. EFEI Energy News, Itajubá, 03 out. 2003. Disponível
em <http://www.energynews.efei.br>.
11. PETROBRAS vai manter exigência de conteúdo nacional mínimo de 65%. EFEI Energy News, Itajubá, 03 out. 2003.
Disponível em <http://www.energynews.efei.br>.
12. RESERVA de Santos muda cenário. EFEI Energy News, Itajubá, 08 out. 2003. Disponível em <http://
www.energynews.efei.br>.
13. RESERVA gigante pode incentivar política de expansão do consumo. EFEI Energy News, Itajubá, 10 set. 2003. Disponível
em <http://www.energynews.efei.br>.
14. TOWMSEND, D. “Another Cautious Year”. Petroleum Economist, UK, p. 20-22, Fev. 2002.
2144
AVALIAÇÃO PROSPECTIVA DE TECNOLOGIAS DE
ENERGIA: INVESTIGAÇÃO DA INFLUÊNCIA DO
GRAU DE ESPECIALIDADE DE RESPONDENTES
EM UMA CONSULTA DELPHI
Gilberto de Martino Jannuzzi1
Paulo Henrique de Mello Sant’Ana2
RESUMO
O objetivo deste artigo é mostrar se existe diferença significativa entre as opiniões de
respondentes categorizados de acordo com seu grau de conhecimento sobre um determinado grupo de tecnologias, de uma consulta Delphi. A consulta tinha como objetivo avaliar
características técnico-econômicas, ambientais, sociais e estratégicas de grupos de tecnologias
de energia. Os respondentes foram divididos em peritos, conhecedores, familiarizados e
não familiarizados e responderam à 16 questões envolvendo um total de 63 tópicos
tecnológicos que foram divididos em três grupos: geração de eletricidade; combustíveis; e
geração, transmissão e uso final da energia. É importante saber se existe esta diferença para
mapear em quais conjuntos de questões existe uma heterogeneidade de respostas dos diferentes níveis de especialistas para auxiliar na decisão de se atribuir pesos para os respondentes
em futuras análises. No geral, em aproximadamente 90% dos tópicos tecnológicos analisados não é possível afirmar que o nível de especialidade dos respondentes influencie nas
respostas; as questões de cunho social nos três grupos apresentaram as opiniões menos
diferenciadas entre os especialistas. Os tópicos tecnológicos em que houve a maior divergência de opiniões entre os diferentes níveis de especialistas foram os tópicos relacionados
com as fontes renováveis e com a conservação/uso final da energia.
1 - INTRODUÇÃO
O planejamento energético é uma tarefa que exige uma visão de médio e longo prazo e o
conhecimento da evolução tecnológica do setor é um forte elemento estruturante do futuro
Professor do Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica da UNICAMP; Diretor Executivo da
International Energy Initiative
2
Mestrando em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP; Estudante Pesquisador da International Energy Initiative
1
2145
energético de um país, seja do lado da demanda como da oferta de energia. O desenvolvimento tecnológico do setor de energia é um condicionante importante para garantir adequadas opções futuras com relação a energéticos a serem utilizados pelo país.
A recente disponibilidade de recursos para investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área de energia através dos fundos setoriais CTPETRO e CTENERG
oferece a oportunidade e o desafio de iniciar programas de porte para P&D no setor
e que poderão viabilizar a utilização econômica de tecnologias que se mostrem relevantes para o país no futuro próximo.
A escolha de tecnologias implica na avaliação de seus impactos em relação quatro
aspectos (ou dimensões) que tem sido considerados importantes nos estudos de prospecção
tecnológica realizados pelo CGEE durante o período 2001-2003: a dimensão técnicoeconômica, a dimensão social, a dimensão ambiental e a dimensão estratégica (CGEE,
2003). A área de energia é extremamente interdisciplinar e decisões sobre oportunidades
de investimentos em P&D devem ser tomadas entre atores atuantes na iniciativa privada,
academia e governo (incluindo as agências de regulação também). Além das diferentes
afiliações, a percepção dos impactos que tecnologias poderão representar pode ser diferente de acordo com o grau de conhecimento e especialização do avaliador.
Neste artigo procuramos testar se a avaliação de um conjunto de 63 tópicos tecnológicos
era significativamente diferente entre quatro grupos de respondentes categorizados como
especialistas, conhecedores, familiarizados, e não familiarizados com cada um dos tópicos
analisados1. Essa análise permite verificar a importância de se atribuir diferentes pesos às
avaliações segundo o grau de especialização do respondente.
A consulta Delphi em energia foi realizada como parte das atividades desenvolvidas pelo
CGEE e este artigo apresenta uma das analises realizadas. Foram consultadas pessoas de
centros de pesquisas, governo e iniciativa privada atuantes na área de energia (eletricidade,
petróleo, gás, fontes renováveis, regulação, etc...).
2 - A consulta Delphi
A técnica Delphi foi desenvolvida durante a década de 50 pela RAND Coorporation em
um projeto financiado pela Força Aérea dos EUA, onde se procurava um método em que se
obtivesse um consenso sobre as opiniões de vários especialistas militares sobre os efeitos de
um grande ataque nuclear (ZOLINGEN et al, 2003); o método é geralmente recomendado
para realizar previsões quando modelos puramente estatísticos não podem ser utilizados e o
julgamento pessoal é pertinente.
A técnica Delphi é uma pesquisa iterativa que permite que os respondentes expressem
seus pontos de vista anonimamente, com a possibilidade de mudança de opinião tendo
como base as respostas dos outros especialistas da pesquisa. De acordo com ROWE et
WRIGHT (1999), se conduzida com as perguntas certas e com os especialistas corretos,
Delphi é uma técnica que permite uma convergência de respostas que pode auxiliar
na solução de problemas complexos, que não poderiam ser resolvidos apenas por métodos matemáticos.
As definições e metodologia da consulta realizada serão apresentadas nas seções seguintes.
1
2146
No projeto de prospecção tecnológica em energia, 123 especialistas da academia, governo e indústria foram convidados a responder um questionário composto de 16
Tabela 1 - Critérios adotados no questionário
4XHVWmR
7LSRGDTXHVWmR
1
Auto-avaliação no tópico
Tecnico-Econômica
2
Custos da energia
Tecnico-Econômica
3
Impacto na balança comercial
Tecnico-Econômica
4
Riscos técnicos e comerciais
Tecnico-Econômica
5
Capacidade nacional
Estratégica
6
Efeitos de transbordamento
Estratégica
7
Impacto da tecnologia na geração e/ou
Estratégica
no aumento da eficiência energética
8
Impacto da tecnologia na geração e/ou
Estratégica
no aumento da eficiência energética
9
Contribuição para a qualidade da
energia e a segurança do suprimento
Estratégica
10
Impactos no clima global
Ambiental
11
Impactos sobre os recursos naturais
Ambiental
12
Impactos no ambiente local
Ambiental
13
Impacto sobre o emprego
Social
14
Impacto sobre o desenvolvimento
econômico regional
Social
15
Impacto na universalização do
atendimento de energia
Social
16
Avaliação pessoal sobre desempenho
futuro
perguntas, onde foram exploradas questões técnico-econômicas, ambientais, sociais e
estratégicas. A figura 1 descreve como foi a divisão dos critérios das questões, enfatizando
que algumas delas foram divididas em duas ou mais sub-questões para uma melhor análise.
Como pode ser visto na tabela 1, na primeira questão foi perguntado aos respondentes
seu nível de conhecimento sobre cada tópico, como forma de melhor avaliar as espostas de
cada respondente nas futuras análises.
Armstrong (2001) mostra que melhores resultados podem ser atingidos quando os especialistas são identificados e pesados de acordo com o seu nível de expertise. Apesar de ser
uma auto-avaliação, uma orientação de como proceder com esta avaliação foi fornecida,
com o objetivo de homogeneizar os diferentes níveis de especialidade. O texto abaixo foi
fornecido aos respondentes para cada tópico tecnológico:
ü
Perito: assinale se você se considerar dentro do grupo de pessoas que atualmente se
dedica a este tópico com profundidade.
2147
ü
Conhecedor: use essa classificação nos seguintes casos:
l
Se você está se tornando um perito, mas falta alguma experiência para dominar o tópico;
l
Se você já foi um perito no tópico há alguns anos, mas se considera no momento
pouco atualizado no tópico;
l
Se você trabalha em área próxima, mas contribui regularmente com temas relacionados a esse tópico.
ü
Familiarizado: assinale se você conhece a maioria dos argumentos usados nas discussões sobre o tópico, leu sobre o assunto, e tem uma opinião sobre ele.
ü
Não familiarizado: marque esta opção se você não se enquadra em nenhuma das
categorias anteriores.
No total foram avaliados 63 tópicos tecnológicos divididos em três grupos, que envolveram as áreas de geração de eletricidade (G1 com 30 tópicos), combustíveis (G2 com 16
tópicos) e transmissão e uso final (G3 com 17 tópicos). Os tópicos foram extraídos da
etapa 1 do projeto de prospecção em energia, no relatório “Estado da arte e tendências das
tecnologias para energia”.
As 16 perguntas juntamente com os 63 tópicos foram enviados a 123 especialistas da
academia, empresa e governo, para que todas as classes de respondentes tivessem uma
representatividade equilibrada. Apesar de haver 123 especialistas, o total de respondentes
por grupo foi de 149, porque ainda que a maioria dos especialistas convidados tenha respondido a apenas um dos três grupos, alguns responderam a dois ou até três grupos.
No final da primeira rodada, 64 especialistas terminaram o questionário (52%), totalizando
73 respostas se decompusermos por grupo (51%). Detalhes na figura 1.
Figura 1 - Especialistas convidados por setor
7RWDO,QLFLDO
100%
15
9
14
38
22
16
14
52
80%
60%
Empresa
40%
20%
Governo
24
17
18
G1
G2
G3
59
Academia
0%
TOTAL
Nº de respondentes
Como este artigo irá analisar apenas a análise de variância das respostas válidas
obtidas pelos grupos de respondentes da primeira rodada, os dados sobre a segunda
rodada serão omitidos.
2148
Figura 2 - Respondentes que terminaram a 1ª rodada
5HVSRQGHQWHVSRU*UXSRURGDGD
40
6
30
1ž
14
20
18
10
6
9
5
8
13
13
Governo
Empresa
Academia
0
G1
G2
G3
3 - Metodologia
A metodologia utilizada para as análises foi a análise de variância, onde foi utilizado 5%
de nível de significância. Análise de variância (ANOVA) são técnicas estatísticas que estudam a variabilidade de diferentes fontes, comparando-as para entender a importância relativa entre elas. Ela é também usada para fazer inferências sobre a população através dos
testes de significância, incluindo a comparação das médias de duas ou mais populações.
ANOVA é um teste estatístico que permite examinar a associação entre uma variável
categórica (grupos) e variáveis numéricas (medidas em que as médias são baseadas). Suponha que queremos comparar as médias de três populações sobre algumas variáveis dependentes. As médias são µ 1 , µ 2 , µ 3 e a hipótese a ser testada é
+ 0 : µ1 = µ 2 = µ 3
Se de alguma forma as médias forem diferentes, a hipótese é rejeitada. Isto quer dizer que
se o teste estatístico refletir uma variação significante entre as amostras analisadas, como
+0 é
por exemplo exceder o ponto de significância correspondente, então a hipótese
2
V1
2
rejeitada. O ponto de significância é testado através do teste F, onde ) = 2 , V1 H V 22 que
V
são as variâncias amostrais de duas populações. O valor excedido por uma2 probabilidade p
tem a notação de I P, Q (S ) cujos valores são encontrados em tabelas de livros de estatística
para vários valores de m, n e p; m é o número de graus de liberdade da variância no numerador da razão-F, e n, o número de graus de liberdade da variância no denominador. Obviamente a escolha da probabilidade p pode ter um efeito importante no resultado de uma
análise estatística. Neste trabalho p será a probabilidade de ocorrência do erro de se rejeitar
a hipótese nula ( ) quando ela é correta, ou seja, de dizer que as respostas dos diferentes
especialistas (peritos, conhecedores, familiarizados e não familiarizados) são diferentes quando
elas não são. De acordo com ANDERSON et FIN, (1996), deve-se escolher a probabilidade p de acordo com os custos envolvidos em um erro estatístico, mas uma probabilidade p
com 5% de nível significância já é considerado significante.
2149
Para se realizar a análise ANOVA, algumas hipóteses devem ser assumidas:
1 - Se as observações são humanas, elas não podem ter a oportunidade de ouvir,
ver, ou ser influenciados pelas respostas dos outros respondentes.
2 - A distribuição das médias dos subgrupos devem se aproximar de uma distribuição normal.
3 - O teste F é baseado na hipótese de que as variâncias das populações são iguais,
pois para realizar uma ANOVA é necessário ter o mesmo alcance de respostas
entre as populações.
O principal motivo de se escolher apenas a 1ª rodada para as análises foi para satisfazer a
hipótese 1; os questionários foram respondidos via web através de uma senha fornecida aos
participantes sem que eles tivessem nenhum contato com algum outro respondente.
Pode-se assumir também que a variância entre as populações dos peritos, conhecedores,
familiarizados e não familiarizados são iguais, pois o alcance das respostas é o mesmo já que
as respostas foram quantificadas através de valores discretos para as análises, não se fazendo então necessário um teste de homogeneidade. O mesmo é válido sobre a distribuição
normal das respostas, onde assumimos que isto ocorra para os grupos de respondentes.
Para os cálculos foi utilizado o software estatístico SPSS versão 11.5.
4 - Resultados
Para facilitar a compreensão, dois tópicos da questão 2 serão detalhados. Um deles a
hipótese rejeitando + 0 com 5% de significância e outro aceitando.
6RPDGRV *UDXVGH
$129$4XHVWmR TXDGUDGRV OLEHUGDGH
7ySLFR Between Groups 9,91666667
Within Groups
Total
10,75
20,6666667
3 3,30555556
17 0,63235294
20
6RPDGRV *UDXVGH
$129$4XHVWmR TXDGUDGRV OLEHUGDGH
7ySLFR Between Groups 2,23333333
Within Groups
Total
10,7
12,9333333
0pGLD
TXDGUDGD
0pGLD
TXDGUDGD
5D]mR 6LJQLILFkQFLD
5,22739
0,97%
5D]mR 6LJQLILFkQFLD
3 0,74444444 0,765317
11 0,97272727
14
53,69%
Como pode ser visto, o tópico 60 na questão 2 é aceito até 0,97%, pois a razão das
médias quadradas "between groups" pela "within groups" (5,22739), só seria rejeitado se a
significância fosse 0,97%. (menor do que 5%), por isso se considerarmos um nível de
significância de 5% esta hipótese + 0 é rejeitada. No caso do tópico 8 na questão 2 a hipótese
+ 0 é aceita porque a sua razão seria rejeitada apenas com um nível de significância de
53,69% (bem maior do que 5%). A figura 3 ajuda a ilustrar o conceito da ANOVA, mostrando as barras de erro dos diferentes níveis dos especialistas.
2150
6
5
5
4
4
3
3
2
95% CI Tópico 60
95% CI Tópico 8
Figura 3 - Barras de erro (95%) para os tópico 8 (à esquerda) e 60 (à direita)
2
1
N=
1
3
5
6
perito
conhec
f am
não f am
1
0
N=
Nível de conhecimento
2
4
11
4
perito
conhec
fam
não fam
Nível de conhecimento
Como a população dos três grupos de tópicos (G1, G2 e G3) são consideradas diferentes, as análises serão feitas separadamente. A tabela 2 ilustra o resultado da ANOVA realizada para o G1, onde cada questão foi respondida pelos 30 tópicos tecnológicos do G1. A
coluna "rejeitar" significa que a hipótese + 0 foi aceita com 5% de significância, e a coluna
"aceitar" é que ela foi rejeitada com 5%, isto é, a variabilidade dentro de cada grupo é tão
grande que as pequenas diferenças na média dos valores dos grupos não justificam afirmar
que o nível de especialidade dos respondentes influencie nas respostas.
G1 - Tecnologia de geração de eletricidade (30 tópicos tecnológicos)
Social
Ambiental
3,33%
6,67%
13,33%
13,33%
16,67%
26,67%
20,00%
13,33%
13,33%
3,33%
13,33%
0,00%
3,33%
10,00%
16,67%
16,67%
6,67%
13,33%
6,67%
3,33%
3,33%
3,33%
3,33%
Estratégica
2151
5HMHLWDU
TécnicoEconômica
$
1
2
9$
*
4XHVWmR 5HMHLWDU $FHLWDU
1
29
2
28
D
4
26
E
4
26
5
25
D
8
22
E
6
24
F
4
26
G
4
26
1
29
4
26
D
0
30
E
1
29
3
27
5
25
5
25
2
28
D
4
26
E
2
28
F
1
29
G
1
29
1
29
1
29
VLP
QmR
727$/
Tabela 2 - ANOVA das questões do grupo 1
G2 - Tecnologia de combustíveis (16 tópicos tecnológicos)
QmR
5,00%
12,50%
6,25%
Social
0,00%
12,50%
12,50%
0,00%
0,00%
37,50%
6,25%
0,00%
6,25%
6,25%
12,50%
6,25%
25,00%
6,25%
12,50%
0,00%
6,25%
6,25%
6,25%
0,00%
6,25%
0,00%
12,50%
Ambiental
5HMHLWDU
16
14
14
16
16
10
15
16
15
15
14
15
12
15
14
16
15
15
15
16
15
16
14
Estratégica
$FHLWDU
TécnicoEconômica
$1
2
9$
*
4XHVWmR 5HMHLWDU
0
2
D
2
E
0
0
D
6
E
1
F
0
G
1
1
2
D
1
E
4
1
2
0
1
D
1
E
1
F
0
G
1
0
2
VLP
727$/
4,17%
Tabela 3 - ANOVA das questões do grupo 2
As tabelas 3 e 4 ilustram os resultados dos outros dois grupos
G3: Tecnologia de combustíveis (17 tópicos tecnológicos)
13,73%
Social
11,76%
12,50%
Ambiental
11,76%
17,65%
11,76%
0,00%
17,65%
11,76%
17,65%
5,88%
23,53%
0,00%
5,88%
29,41%
5,88%
11,76%
23,53%
5,88%
17,65%
11,76%
11,76%
0,00%
11,76%
11,76%
11,76%
Estratégica
2152
5HMHLWDU
TécnicoEconômica
$129$*
4XHVWmR 5HMHLWDU $FHLWDU
2
15
3
14
D
2
15
E
0
17
3
14
D
2
15
E
3
14
F
1
16
G
4
13
0
17
1
16
D
5
12
E
1
16
2
15
4
13
1
16
3
14
D
2
15
E
2
15
F
0
17
G
2
15
2
15
2
15
VLP
QmR
727$/
10,78%
Tabela 4 - ANOVA das questões do grupo 3
A tabela 5 ilustra, em porcentagem, os tópicos tecnológicos em que as opiniões entre os
diferentes níveis de especialistas mais divergiram, levando em conta todas as questões.
Tabela 5 - Tópicos tecnológicos com maiores rejeições
7ySLFRWHFQROyJLFR
*UXSR 5HMHLomR
SOLAR FOTOVOLTAICA: Metodologias e instrumentação para previsão e
prognóstico de afluências
1
30,43%
HIDRÁULICA: Metodologias e instrumentação para previsão e prognóstico de
afluências
1
26,09%
GEOTÉRMICA: Acompanhamento dos desenvolvimentos para sistemas
hidrotérmicos no exterior
1
26,09%
CONSERVAÇÃO/USO FINAL: Tecnologias e materiais para aumento da
eficiência energética em equipamentos e sistemas: uso doméstico
3
26,09%
CONSERVAÇÃO/USO FINAL: Tecnologias e materiais para aumento da
eficiência energética em equipamentos e sistemas: setor de comércio e
serviços
3
26,09%
4 - Discussão
No G1, em apenas 10,00% das questões é possível afirmar que o nível de especialidade
influencie nas respostas, ainda que no conjunto de questões ambientais este número suba
para 14,44% e no conjunto das sociais seja apenas de 6,11%. É interessante observar que os
peritos, conhecedores, familiarizados e não familiarizados têm visões mais diferenciadas
nas questões ambientais do que nas sociais.
No G2 em apenas 7,88% das questões é possível afirmar que o nível de especialidade
influencie nas respostas. O conjunto de questões estratégicas teve a maior rejeição da hipótese + 0 neste grupo, que foi de 12,50%, em contrapartida o conjunto de questões sociais
teve a menor rejeição, com 4,17%.
No G3 em 12,02% das questões é possível afirmar que o nível de especialidade influencie
nas respostas. A maior rejeição da hipótese + 0 neste grupo foi de 13,73% para o conjunto
de questões ambientais, e a menor para o conjunto de questões sociais, com 10,78%.
A comparação entre os grupos três grupos (G1, G2 e G3) não pode ser feita porque de
acordo com a estrutura da consulta, abrangeram diferentes grupos de respondentes. No
entanto, pode-se verificar que para cada um deles as questões sociais são as que apresentam
menor rejeição da hipótese + 0 , ou seja, os peritos, conhecedores, familiarizados e não
familiarizados têm visões menos diferenciadas em relação às questões sociais do que nas
questões técnico-econômicas, estratégicas e ambientais.
A tabela 5 mostrou os tópicos em que houve a maior divergência de opiniões entre os
diferentes níveis de especialistas, e é interessante notar que os cinco tópicos listados são
ou de fontes renováveis (tópicos do G1) ou de conservação e uso racional da energia
(tópicos do G3). Isto mostra de certa forma as diferentes interpretações ou visões de
tecnologias que estão relacionadas com o desenvolvimento sustentável e estão ainda em
fase de maturação e implementação comercial.
2153
5 - Conclusões
De um modo geral é possível afirmar que para o universo consultado não existem
diferenças significativas nas avaliações realizadas de acordo com o grau de especialidade do respondente.
Em 90% dos casos avaliados, é possível concluir que a variabilidade dentro de cada
tópico para cada questão é maior do que as diferenças na média dos valores dos grupos.
Peritos, conhecedores, familiarizados e não familiarizados tiveram somente em 10% das
questões opiniões diferenciadas sobre os tópicos tecnológicos avaliados.
Para os três grandes grupos tecnológicos (G1, G2 e G3) pode-se concluir que o
conjunto de questões sociais se mostrou com a menor variabilidade entre os diferentes
níveis de respondentes.
Estes resultados podem auxiliar na decisão de se pesar as avaliações de cada respondente
de acordo com seu grau de conhecimento do tópico tecnológico. Para a maior parte dos
tópicos esse procedimento não se justifica. A tabela 5 ilustra alguns tópicos tecnológicos
em que a inclusão de pesos pode ser importante em futuras análises.
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERSON et FINN (1996) “The new statistical analysis of data” Spring-Verlag New York
ARMSTRONG, J.S. (2001) “Role playing: a method to forecast decisions” p. 15-30 Artigo do livro de ARMSTRONG, J.S.
(2001) “Principles of forecasting: a handbook for researchers and practitioners”;
ZOLINGEN, S. et al (2003) “Selection processes in a Delphi study about key
qualifications in Senior Secondary Vocational Education” Technological Forecasting & Social Change. n. 70, p. 317–340;
ROWE,G ; WRIGHT,G (1999) “The Delphi technique as a forecasting tool: issues and analysis” International Journal of
Forecasting. n.15, p. 353–375;
MACEDO, I. Levantamento do estado-da-arte e levantamento de tendências das tecnologias em energia. JANNUZZI, G. M. (coord.)
Prospecção Tecnológica em Energia – Fase I. CGEE, Brasília, 2003.
CGEE(2003) Ação de Prospecção Tecnológica em energia. Relatório parcial de atividades
2154
FOTOSSÍNTESE E
ENERGIA RENOVÁVEL
Joaquim Francisco de Carvalho*
RESUMO
O aumento da população mundial e o crescimento do consumo per capita nos países em
desenvolvimento são processos que se somam, provocando um aumento acelerado da demanda de energia na Terra.
Para atender a essa crescente demanda, o emprego das fontes de energia disponíveis na atualidade fica limitado por disputas comerciais, que têm provocado litígios
de caráter geopolítico e até guerras. A prevalecerem essas tendências, seria previsível
um conflito de escala mundial, motivado por disputas em torno de fontes de energia
cujo esgotamento é inexorável.
A gravidade desse quadro poderia ser atenuada pelo uso de fontes alternativas de energia,
que sejam renováveis e geograficamente bem distribuídas.
Neste artigo mostra-se que a fotossíntese permite o aproveitamento indireto da energia
solar, para a obtenção de combustíveis derivados de vegetais, que podem ser plantados e
cultivados, de forma renovável, praticamente pelo mundo inteiro.
INTRODUÇÃO
Consideram-se renováveis as fontes de energia que são continuamente reconstituídas
pela incidência da radiação solar sobre a Terra. Essas radiações podem ser aproveitadas
diretamente, por exemplo, em coletores termo-solares e em conversores fotovoltaicos. E
podem ser aproveitadas indiretamente, mediante a intervenção humana sobre fenômenos
naturais por elas provocados, como os ventos, o ciclo hidrológico e a fotossíntese, que dá
origem a vegetais como gramíneas (cana de açúcar, sorgo, etc.); leguminosas (soja);
euforbiáceas (mamona, mandioca); palmáceas (babaçu, dendê); mirtáceas (eucalipto); pináceas
(pinus); ninfeáceas e pontederiáceas (aguapé, jacinto de água), etc. A partir dessas plantas,
podem ser produzidos combustíveis como o etanol, o biodiesel, o metanol de madeira, a
lenha, o carvão vegetal, os biogases e o hidrogênio.
*Membro do Conselho de Energia da FIRJAN e do Conselho Consultivo do ILIMINA.
Diretor Técnico da Lightpar.
2155
A energia solar que banha a Terra
Nos limites extremos da atmosfera terrestre, a energia solar incide sobre uma superfície
normal à direção da radiação com uma potência da ordem de 1,353 kW/m2 (constante
solar). Assim, a quantidade total de energia solar que incide anualmente sobre a Terra é igual
ao produto da constante solar, pela área da projeção do globo terrestre sobre um plano
normal às radiações, pelo número de horas do ano, ou seja:
1,353 kW/m2 x 1,269 x 1014 m2 x 8766 h/ano = 1,5 x 1018 kWh/ano.
Esta energia apresenta-se sob a forma de radiação eletromagnética, numa larga faixa de
comprimentos de onda que vai desde os raios-X até as ondas de rádio, embora a parte
preponderante concentre-se numa faixa mais estreita, entre o ultravioleta e o infravermelho.
Como ilustra a figura 1, do total incidente, 30% são refletidos pela camada extrema da
atmosfera, sob a forma de radiações de onda curta, que compõem a franja ultravioleta,
violeta e azul do espectro. Os 70% restantes têm os seguintes destinos: pouco mais de 46%
são absorvidas na atmosfera e na superfície terrestre, degradando-se em calor à temperatura
superficial dos continentes e oceanos. A energia degradada é reemitida pela Terra na faixa
infravermelha, ou seja, a freqüências muito menores do que a radiação. Como alguns gases
da atmosfera (gás carbônico e vapor de água, por exemplo), são opacos às radiações
infravermelhas, este fenômeno dá origem ao chamado efeito estufa, que mantém a temperatura média da atmosfera em torno de 15°C, possibilitando, entre outras coisas, a vida
humana, desde que não cresça anormalmente a concentração dos referidos gases.
Figura 1
Radiação
solar
Onda curta
Onda longa
Soma
1,5x1018kWh/ano
1,5x1018kWh/ano
Energia das marés
Reflexão direta (onda curta) 30%
*HLVHUV e vulcões
Conversão em calor (efeito estufa) 46%
Condução do calor do magma
terrestre, em rochas
Ciclohidrológico
hidrológico23%
23%
Ciclo
(Evaporação, chuvas, acumulação em geleiras, etc.)
Ventos, ondas e correntes marítimas 0,15%
Fotossíntese 0,02%
Decomposição
Decomposição
Armazenamento em
plantas e animais
Combustíveis
fósseis
Queima de combustíveis fósseis
2156
Cerca de 23% da energia incidente respondem pelo ciclo hidrológico, ou seja, pela evaporação das águas e pelos fenômenos de convecção, formação de nuvens, precipitações
sob forma de chuvas e nevadas, acumulação em geleiras, lagos e rios, etc., e também acabam reemitidos na faixa térmica. Uma pequena parte da radiação que penetra na biosfera
(em torno de 0,15%) responde pela formação das ondas e dos ventos.
Por fotossíntese, nas plantas, armazenam-se 0,02% do total, ou seja, 3,04·1011 MWh/
ano, o que eqüivale a quase 10 vezes o consumo mundial de energia, que é de 0,35·1011
MWh/ano, somando-se todas as fontes.
A contribuição da energia própria da Terra (vulcões, geisers, calor do magma conduzido
em rochas, etc.), somada à energia gravitacional (marés), eqüivale a apenas 0,02% da
energia recebida do sol.
Toda a energia solar que chega à Terra (aí incluído o calor gerado pela decomposição
de plantas e animais, cuja formação resultou de energia solar incidente há milhões de
anos) é reemitida na faixa térmica, juntamente com a energia própria da Terra, de sorte
que o total incidente eqüivale à soma das energias reemitidas, equilibrando o balanço,
como mostra a figura 1.
Termodinâmica e vida: conversão fotossintética de energia luminosa em biomassa
O fenômeno da fotossíntese ocorre sob a ação de fótons (luz), na presença de clorofila
(plantas verdes) e de certos compostos fosfatados, que desempenham o papel de transportadores de energia entre os centros de reação fotossintética.
No processo de fotossíntese, através da função clorofiliana, a energia solar é captada e
transformada em tecidos vegetais, constituídos, em última instância, por energia química
potencial: celulose, glicídeos, lipídeos, proteínas, lignina, etc. Portanto, a fotossíntese
nada mais é que a síntese de carboidratos e outros compostos orgânicos de alto teor
energético, a partir de substâncias de baixo potencial energético existentes na atmosfera,
como o dióxido de carbono e a água.
Nas reações fundamentais da fotossíntese, que são de oxi-redução, o agente redutor é a
água (H2O), que é oxidada a oxigênio (O2). O agente oxidante é o gás carbônico (CO2), que
é reduzido ao nível de carboidrato (CH2O). Esta sintetização é endergônica, e a energia que
ela consome provém da faixa visível do espectro.
De maneira simplificada, podemos representar a fotossíntese pela seguinte reação, onde
hn é a energia dos fótons:
CO2 + H2O + hn ® CH2O + O2
Experimentos realizados com o emprego de técnicas laboratoriais sofisticadas, tais como
a ressonância paramagnética eletrônica, a difração de raios-X, a cromatografia, e a
eletroforese, revelam detalhes importantes dos centros de reação fotossintética e dos mecanismos de transporte de energia e síntese de matéria orgânica.
Entre outros fenômenos, constata-se que, a partir dos carboidratos sintetizados e juntamente com outras substâncias existentes no solo, formam-se todos os compostos orgânicos da planta (proteínas, gorduras, pigmentos, etc.) através de reações bioquímicas catalisadas
por enzimas, que ocorrem nos referidos centros de reação.
2157
Na reação de fotossíntese são produzidos dois átomos de oxigênio e, como cada molécula de água contém apenas um átomo de oxigênio, pelo menos duas moléculas de água
devem participar. Assim, seria mais apropriado escrever a reação da seguinte forma:
CO2 + 2H2O + hn ® CH2O + O2 + H2O
A luz desagrega as moléculas de água, liberando oxigênio e hidrogênio. Os átomos de
hidrogênio vão, por um lado, reduzir o CO2 em CH2O e, por outro lado, produzir uma
nova molécula de água. Testes feitos com água marcada com o isótopo 18O do oxigênio
(H218O), liberaram oxigênio gasoso contendo o isótopo 18O, e testes feitos com água normal, liberaram o isótopo estável, 16O. Por conseguinte, o oxigênio liberado na fotossíntese
vem da água e não do dióxido de carbono. Isto significa que, ao fotolizar a água, a luz
fornece a energia para o trabalho consubstanciado no processo de fotossíntese.
Eficiência da fotossíntese
A eficiência da fotossíntese é a razão entre a energia química armazenada e a energia solar
absorvida. A energia armazenada equivale à diferença entre a energia química contida nos
compostos orgânicos e no oxigênio gasoso liberado, e aquela contida nos reagentes, ou
seja, no dióxido de carbono e na água. Essa diferença pode ser medida em termos da
variação da energia livre (∆G). Em condições normais de temperatura e pressão, temos,
para a reação de fotosíntese, ∆G = 0,47 MJ/mol, ou seja, 112 kcal/mol.
Como foi dito, a energia absorvida vem da luz solar ou, mais precisamente, de uma faixa
que abrange cerca de 50% do espectro completo, com comprimento de onda médio em
torno de 0,68µm, ou 6,8´10-7m, compreendendo a luz visível, na região vermelha.
A energia de um fóton é diretamente proporcional à freqüência da respectiva radiação,
isto é E = hν, onde h é a constante de Planck, cujo valor é 6,63´10-34 joules×segundo e n
é a freqüência da radiação, que é igual a c/λ, onde λ é o comprimento de onda e c é a
velocidade da luz (3´108m·s-1).
A lei da equivalência fotoquímica, de Einstein, estabelece que cada molécula reage ao
absorver um fóton (ou quantum de luz), de forma que, para reduzir uma molécula-grama (1
mol) de CO2 e sintetizar 1 mol de CH2O, absorve-se 1 mol-quantum de energia, ou seja, N·hc/
λ onde N é o número de Avogadro (N = 6,02 × 1023 ). Calculemos essa energia:
6,02´1023 ´ 6,63´10 -34´3´10 8 / 6,8´10 -7 = 0,176 MJ = 42 kcal.
Esta energia refere-se à excitação inicial da molécula que absorve o fóton, mas o
resultado final, isto é, a quantidade de matéria sintetizada (ou o número de moléculas transformadas, por fóton absorvido) depende da eficiência das reações que se seguem à excitação inicial. Este número é chamado eficiência quântica da reação, e o número de fótons
necessário para sintetizar uma molécula, é o requerimento quântico.
Como cada molécula-grama de CO2 reduzida (ou molécula-grama de O2 liberada)
requer 42 kcal, armazenando 112 kcal sob a forma de energia livre na molécula de
carboidrato sintetizada, segue-se que o requerimento quântico teórico da reação de
fotossíntese é igual a 112/42 = 2,67. Constata-se entretanto que, para reduzir cada molécula-grama de CO2 e sintetizar uma molécula-grama de CH2O, são necessários, no mínimo, de 8 mol-quanta de luz visível, isto é 8×42 = 336 kcal.
2158
Por outras palavras, uma variação de energia livre de 112 kcal, correspondente à
redução de cada molécula-grama de CO2 da atmosfera, para a sintetização de CH2O,
absorve 336 kcal de energia solar. Isto significa que, na escala molecular, a eficiência
termodinâmica líquida da fotossíntese, no tocante à absorção dos quanta de luz, para a
redução das moléculas de CO2 e armazenamento de energia livre nas moléculas de
CH2O, é de 112/336 = 0,33 ou seja, 33%.
O requerimento quântico é influenciado pelas reações intermediárias que compõem
o processo de fotossíntese, que se subdivide em duas etapas muito complexas. A primeira, extremamente rápida, é uma fase fotoquímica, luminosa ou de fixação dos fótons.
A segunda, que é lenta, é uma fase enzimática, obscura ou de redução do dióxido de
carbono e síntese da matéria orgânica. Nesta fase, o nitrogênio também desempenha
um papel muito importante.
É na fase luminosa que os compostos fosfatados intervêm, transportando os quanta de
luz, cuja energia é absorvida pela clorofila, como energia de fixação. Essas reações têm
lugar nos cloroplastos, que são corpúsculos em forma de disco, nos quais ficam a clorofila e pigmentos acessórios, associados à fotossíntese. Nas plantas superiores, os
cloroplastos têm de 4 a 8µm de diâmetro, por 1µm de espessura e cada cloroplasto compõe-se de corpos granulados com diâmetro entre 0,3 e 0,5µm. Essas dimensões devem
influir na absorção luminosa, portanto a eficiência da fotossíntese poderia talvez ser melhorada por manipulações genéticas.
Na realidade a eficiência da fotossíntese é bem menor que os 33% acima calculados, pois,
na folhagem das plantas, há perdas diretas por reflexão, transmissão e espalhamento, e
perdas indiretas por convecção e calor latente de evaporação. Há ainda as perdas relativas à
respiração e metabolismo, e ao transporte de matéria dos centros de reação fotossintética,
para o desenvolvimento da planta. A figura 2 ilustra o fenômeno.
Figura 2
Luz incidente
Luz refletida
Evaporação,
conveccção, etc.
Respiração,
Metabolismo, etc.
Luz transmitida
2159
Voltando à reação de fotossíntese, observamos que seis unidades de CH2O constituem uma unidade de C6H12O6, de sorte que o processo ficaria mais corretamente modelado pela seguinte reação:
6CO2 + 12H2O + hn ® C6H12O6 + 6O2 + 6H2O
Os principais compostos orgânicos sintetizados na planta são essencialmente glucídeos
(C6H12O6), com poder calorífico da ordem de 3.600 kcal/kg (matéria seca), armazenados
basicamente na forma de polímeros naturais, como a celulose, as hemiceluloses e a lignina.
O componente mais abundante é a celulose, que entra com cerca de 20% em certas gramíneas,
até cerca de 90%, nas fibras de algodão.
Esses compostos podem ser convertidos em combustíveis sólidos, líquidos e gasosos,
mediante processamento mecânico, pirólise, hidrólise, fermentação, etc.
Como foi dito acima, a faixa do espectro solar, aproveitável para a fotossíntese,
corresponde a aproximadamente 50% da radiação que chega ao solo, ou às folhas das plantas. A tabela 1 indica os destinos dessa energia.
Tabela 1
Luz incidente nas folhas
100%
Não disponível para fotossíntese
Disponível
0,68µm: 50%
50%
Reflexão, transmissão, espalhamento: 30%
35%
Calor latente de evaporação: 25%
24,5%
Respiração, metabolismo, transporte: 72%
6,9%
Luz fora da faixa com
Fotossíntese
médio =
Formação de biomassa
0,5 a 5,5%
A reflexão, absorção e transmissão das radiações nas folhas absorve cerca de 30%, e há
uma perda da ordem de 72% no metabolismo da planta. Ao final, computadas outras perdas, dependendo da espécie vegetal, a eficiência da fotossíntese fica entre 0,5% e 5,5%.
Considerando que a insolação média na maior parte do território brasileiro é de aproximadamente 3.000 horas/ano e descontando-se as perdas por absorção e espalhamento em
nuvens e particulados de poluição, a energia que chega ao solo é 2.800 kWh/m2/ano.
Mesmo que se possa aproveitar apenas uma fração disso, ainda assim é significativa a
quantidade de energia que se pode extrair de determinadas espécies vegetais.
Plantações de energia
A grande extensão territorial e as condições climáticas brasileiras são muito favoráveis
para as chamadas “plantações de energia”, isto é, plantações de espécies vegetais direta ou
indiretamente utilizadas como fonte de energia.
Além de serem renováveis e armazenarem energia para uso no momento oportuno, as
plantações de energia oferecem as seguintes vantagens:
l
Podem ser implantadas em larga escala, com tecnologia já dominada, em glebas descentralizadas (por exemplo, no cerrado ou em regiões degradadas), obedecendo a zoneamentos
2160
agro-ecológicos a serem elaborados em nível municipal, sob orientação dos órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela pesquisa agrícola (IBAMA, ANA, EMBRAPA e
entidades estaduais e municipais correlatas).
l
Não requerem grandes capitais, criam numerosos empregos na zona rural e não agridem o
meio ambiente, pelo contrário, contribuem para a estabilização das condições climáticas.
l
Em muitos casos, as plantações de energia podem ser feitas nas proximidades do local de
consumo, dispensando extensos e onerosos sistemas de transportes de combustíveis.
l
A queima dos combustíveis vegetais não interfere no balanço de dióxido de carbono da
atmosfera, pois, em princípio, as plantas consomem, em sua formação por fotossíntese,
a mesma quantidade de dióxido de carbono que liberam, ao serem usadas como combustível. Aqui as coisas devem ser analisadas com cautela, pois essa vantagem só prevalece se
as plantações de energia forem adequadamente dimensionadas e obedecerem a manejos
em que os ciclos de plantio e colheita garantam que, ao crescerem, as novas plantas
absorvam a mesma quantidade de CO2 que a emitida pela queima dos combustíveis
produzidos nas safras anteriores. E é necessário ter em conta que, nas operações de
plantio e manejo das culturas energéticas, empregam-se máquinas que consomem combustíveis fósseis, além de fertilizantes e pesticidas derivados de petróleo.
A propósito de absorção de CO2 da atmosfera, é oportuno voltar à reação de fotossíntese
(6CO2 + 12H2O + hν → C6H12O6 + 6O2 + 6H2O) e fazer o balanço, com base nas massas
atômicas dos reagentes, que são: hidrogênio = 1, carbono = 12 e oxigênio = 16.
Reagentes
Massas
Produtos
Massas
6&2
&+2
12H2O
216
6O2
192
-
6H2O
Totais →
480
108
480
Vê-se daí que o dióxido de carbono (CO2) fixado e a matéria vegetal (C6H12O6) sintetizada estão na proporção de 264/180 = 1,47 para 1,00, de modo que, para absorver-se o CO2
emitido por uma simples termelétrica de pequeno porte, seria necessário reflorestar-se anualmente uma área tão extensa, que muito do que se tem divulgado sobre os chamados
“créditos de carbono” parece baseado em números afastados da realidade.
A tabela 2 indica algumas espécies vegetais apropriadas para plantações de energia, com
os respectivos processos de conversão economicamente utilizáveis.
Tabela 2
%LRPDVVDRXGHULYDGR
Cana de açúcar
Fermentado de cana de açúcar, sorgo, etc.
Eucalipto e outras espécies florestais
Óleos vegetais
Resíduos agrícolas, lixo urbano, etc.
Aguapé, jacinto de água, etc.
Resíduos agrícolas e da indústria madeireira
Etanol
Algas verdes &ODPLGRPRQDV)
3URFHVVR
&RPEXVWtYHO
Processamento mecânico
Destilação
Processamento mecânico
Transesterificação
Digestão anaeróbica
Digestão anaeróbica
Pirólise e reforma
Reforma direta
Bioconversão
Bagaço
Etanol
Lenha, FKLSV, etc.
Biodiesel
Metano
Metano
Hidrogênio
Hidrogênio
Hidrogênio
2161
As informações a seguir permitem que se forme uma idéia do potencial de algumas dessas plantações.
l
Cana de açúcar - A produtividade média dos canaviais brasileiros está em torno
de 70 toneladas de cana, por hectare×ano e de cada tonelada extraem-se 80 litros
de álcool com poder calorífico de 7.000 kcal/kg (5.600 kcal/litro), e 265 quilogramas de bagaço, com 50% de umidade e poder calorífico de 1.950 kcal/kg. Assim,
uma destilaria de 18.000 m3/ano (120.000 litros/dia, operando 150 dias/ano), processaria 225.000 toneladas/ano de cana, utilizaria metade do bagaço para consumo
próprio e com o excedente (29.800 toneladas/ano), poderia gerar 15.000.000 kWh
de energia elétrica. Para isso, a área de plantio deveria ser de 3.860 hectares (3.215,
mais uma margem de 20%, para que parte das terras fique em regeneração). Temos
portanto, com base na cana de açúcar, um potencial energético equivalente a 0,51
barris de petróleo, por hectare/dia. Em determinadas regiões, onde a produtividade tem-se revelado mais baixa, a área de plantio (com a margem de regeneração)
deveria ser de 5.300 hectares. Quanto à geração termelétrica, cumpre assinalar que
já se fabricam no Brasil caldeiras a bagaço, com capacidade de até 40 toneladas/
hora de vapor, à pressão de 65 bar e temperatura de 400°C.
l
Florestas industriais-energéticas - O Brasil acumulou grande experiência no
plantio, manejo e exploração de florestas industriais. A produtividade de uma floresta de eualipto, por exemplo, pode chegar a 12 toneladas/hectare×ano, em regime sustentado. Assim, uma plantação de, digamos 30.000 hectares, com finalidade
industrial e energética, com 50% da madeira destinada à produção de energia, poderia fornecer 153.000 toneladas/ano de madeira industrial e o equivalente em
energia a 58 toneladas de petróleo, na forma de pellets de madeira, aglutinados de
serragem, lenha, etc.
l
Plantas oleaginosas - Apesar dos esforços de alguns centros de pesquisa, são
escassas as informações disponíveis, de modo que não se pode afirmar com segurança que haja experiência concreta, em escala industrial, para a produção e utilização de biodiesel.
Um problema crítico seria o da purificação e transesterificação dos óleos vegetais.
Há notícia de resultados promissores, obtidos por grupos da Petrobrás, Embrapa e
Coppe, para os casos do dendê e da mamona. Quanto à produtividade, as informações são algo desencontradas, situando-se entre 3m 3/hectare×ano, para o dendê, e
6m 3/ hectare×ano, para a mamona. Seja como for, as pesquisas nesse campo são de
grande importância estratégica e interesse comercial, visando sobretudo aos veículos
de transporte coletivo urbano.
Conclusão
O crescimento da população mundial, por si, induz um aumento vegetativo do consumo global de energia, ao qual soma-se o aumento decorrente do desenvolvimento
dos países do terceiro mundo, que implantam suas infra-estruturas industriais e nos
quais a população adquire hábitos que levam a um maior consumo de energia per capita.
2162
Avolumam-se, por outro lado, desacordos comerciais e restrições estratégicas, que
limitam o emprego das fontes de energia disponíveis na atualidade. Isso tem provocado litígios de caráter geopolítico e até guerras regionais, que autorizam a previsão
de um conflito de escala mundial, motivado pela disputas em torno de fontes de
energia cujo esgotamento é inexorável.
Para evitar que se chegue a um quadro tão sombrio, deve-se, entre outras coisas,
investir decididamente no desenvolvimento das fontes renováveis, daí a importância
das biomassas, para cujo emprego existem, em muitos casos, soluções tecnicamente
dominadas e economicamente viáveis.
BIBLIOGRAFIA
1. Mathis, P. – Les centres réationnels photosynthétiques”, in Clefs CEA (Revista do Commissariat à l’Énergie
Atomique), n° 5, abril de 1987.
2. Dumon, R. – “La Forêt - source dénergie et d’activités nouvelles” – Masson, 1980.
3. Kreith, F. and Kreider, J. – “Principles of solar engineering” – Mc Graw Hill, 1978.
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5. N.K. Boardman and A.W Larkun – “Biological Conversion of Solar Energy”, in “Solar Energy” –
Pergamon Press (Série de conferências realizadas na Universidade de Sydney, em 1.974).
2163
DESENVOLVIMENTO INTEGRADO
DOS BALANÇOS ENERGÉTICOS
NACIONAL E ESTADUAIS
Helcio Blum
Alexandre Salem Szklo
Giovani Machado
Roberto Schaeffer1
RESUMO
Balanços energéticos são instrumentos básicos para o planejamento e a avaliação do
setor de energia. Tipicamente, descrevem características da oferta e da demanda de energia para um dado período de tempo e podem ser desenvolvidos tanto em escala nacional
quanto em escala regional, estadual ou municipal. A elaboração independente de balanços energéticos com abrangências nacional e estaduais, além da redundância de esforços,
pode levar a resultados discrepantes e colocar em risco a credibilidade dos estudos. Neste
trabalho propõe-se uma estratégia para o desenvolvimento integrado de um balanço
energético nacional que inclua também os balanços energéticos estaduais. A abordagem
proposta adota um processo cooperativo entre órgãos dos governos federal e estaduais,
podendo ser estendida a governos municipais de grandes centros urbanos. Envolve também agentes econômicos e entidades de classe de todo o País. Busca, assim, uma ampla e
diversificada participação no seu desenvolvimento, aumentando a capilaridade das informações e a confiabilidade dos resultados.
1. INTRODUÇÃO
Estatísticas oficiais são desenvolvidas com o objetivo de facilitar a avaliação do desenvolvimento de setores econômicos e sociais e antecipar o entendimento da evolução da sociedade que descrevem. No caso particular do setor de energia, dada a sua influência nos
demais setores da economia e na sociedade como um todo, as informações estatísticas têm
um papel ainda maior: orientar a formulação de políticas públicas, as decisões dos agentes
econômicos e as escolhas dos consumidores.
Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ.
1
Contatos: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]
2164
O Balanço Energético é a publicação oficial que descreve o comportamento do setor
de energia através de informações sobre a oferta e a demanda de energéticos. O documento vem sendo publicado anualmente no Brasil, em nível nacional, desde a década de
70. Além deste, alguns Estados também publicam seus balanços energéticos com estatísticas sobre oferta e demanda locais de energia.
Essas iniciativas têm sido conduzidas de forma independente e, além de requererem
esforços redundantes, podem levar a resultados inconsistentes pelo uso de metodologias
e critérios diferenciados. Destarte, o aumento da quantidade de dados não leva necessariamente a um aumento da qualidade da informação energética, mas sim amiúde a uma
entropia informacional. Outro ponto crítico é que nem todos os Estados estão preparados para o desenvolvimento de seus balanços energéticos, o que leva a um
desbalanceamento com relação à disponibilidade de informações energéticas no País.
Neste artigo, desenvolve-se uma abordagem de implantação de um processo integrado
para a elaboração de balanços energéticos nacional e estaduais no Brasil. O processo é de
grande importância para outras atividades, tais como a de monitoramento das condições
de atendimento à demanda, avaliação do desempenho setorial, regulação econômica e
planejamento público e privado. Ademais, o processo de formulação de balanços regionais capacita planejadores energéticos localmente e favorece o planejamento integrado de
recursos no País, em nível federal.
A abordagem sugerida adota um processo cooperativo entre órgãos de governo (federais, estaduais e municipais), agentes econômicos e entidades de classe, explorando suas
naturais competências, atividades e interesses no assunto.
O trabalho está organizado em quatro partes. Na seção 2 são discutidos os objetivos
e escopo do processo proposto, bem como as fontes primárias para as informações e
uma sugestão para a distribuição de responsabilidades entre os governos federal e estaduais. Na seção 3 é descrita uma experiência de desenvolvimento de um balanço
energético estadual, destacando as dificuldades encontradas e os aprimoramentos do
processo em curso. Na seção 4 é apresentado um conjunto de ações necessárias para a
implantação do processo proposto e, finalmente, na seção 5 são feitas considerações
sobre a abordagem proposta.
2. Processo Integrado para o Desenvolvimento de um Balanço Energético
O balanço energético é um instrumento que contribui para o planejamento energético,
seja em nível governamental, seja em nível empresarial. A sua preparação e a sua divulgação envolvem quatro etapas, conforme apresentado a seguir.
A primeira etapa para a produção de um balanço energético é a definição clara do
sistema de energia, alvo das estatísticas. É com base na representação desse sistema que é
possível determinar as informações necessárias e suas fontes.
Um sistema de energia pode ser representado por uma rede de processos, tipicamente relacionados com as atividades de produção, conversão, transporte e utilização de
produtos energéticos [1]. A descrição do sistema envolve, portanto, a caracterização de
cada um desses processos em termos técnicos e econômicos, sendo os processos relacionados à oferta de energia organizados por fonte de energia e os relacionados à demanda por setor econômico.
2165
Para os processos relativos à oferta de energia, são relevantes informações a respeito de suas
capacidades, eficiências, custos e níveis de produção no período observado. Já os processos
relacionados à demanda de energia devem ser descritos tanto em função dos energéticos utilizados (energia final) como de acordo com o tipo de uso que se faz desses energéticos (uso final).
Um ponto importante aqui é a discriminação e agrupamento das atividades econômicas.
Não necessariamente um balanço energético deve seguir a classificação de atividades segundo
o sistema internacional ou o Sistema de Contas Nacionais. No entanto, deve ele ser transparente quanto à sua classificação, de forma a tornar compatíveis os dados econômicos, oriundos de fontes estatísticas não energéticas, e os dados energéticos. Em outras palavras, ainda
que os códigos de classificação das estatísticas, energéticas e econômicas (e mesmo os de
produção física setorial), sejam distintos, os sistemas de classificação dessas estatísticas devem
ser tais que permitam, por simples agregação, recompor o nível exato, sem ambigüidades, de
um patamar mínimo de desagregação estabelecido; por exemplo, o nível sub-setorial (ramo de
atividade: minerais não-metálicos, siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, papel e celulose etc.)
do código de atividades internacional, o ISIC. A compatibilidade estrita entre as estatísticas
energéticas e econômicas é fundamental para qualquer processo de planejamento energético
que se queira empreender. Afinal, um dos mais relevantes determinantes, talvez o mais importante, da evolução do uso de energia (primária e final) é a atividade econômica do sistema
sócio-político que se aborda (país, estados, municípios etc.).
Além dos processos, a representação de um sistema de energia deve também envolver a
descrição dos fluxos entre processos. Os fluxos representam a movimentação de energéticos (e
consequentemente de energia): são relevantes as informações que indicam as capacidades, eficiências e custos de movimentação, além das quantidades de energia movimentadas no período.
A segunda etapa do processo de desenvolvimento de um balanço energético é coletar e
organizar essas informações segundo um banco de dados, de forma a atenderem aos objetivos propostos. Deve-se ressaltar, contudo, que um banco de dados confiável não pode
prescindir de mecanismos de verificação e validação das informações depositadas, sob pena
de se tornar um conjunto de dados não confiáveis ou, mesmo, inaproveitáveis.
A coleta de informações relativas à oferta de energia é, em geral, mais simples do que as
relativas à sua demanda. Como as atividades relacionadas à oferta de energia, desde a extração (ou importação) de recursos naturais até a distribuição de energia, são em geral reguladas, as informações relativas a esses processos podem ser encontradas junto aos respectivos
órgãos competentes pela sua regulação. Já as informações relacionadas ao mercado consumidor de energia são normalmente levantadas, através de pesquisas, pelas empresas que
atuam na distribuição ou por órgãos governamentais.
Uma das dificuldades existentes hoje com relação à formação desse banco de dados é
que, com as recentes liberalizações dos mercados de energia,2 o acesso a essas informações
tornou-se mais restrito [2,3]. Agentes privados e estatais fornecem suas informações às
agências reguladoras e/ou a quaisquer outros órgãos de governo apenas por “força de lei”
ou de algum outro instrumento compulsório. Muitas informações são consideradas estratégicas e confidenciais e, com isso, mesmo quando informadas aos órgãos oficiais, são protegidas com relação à sua publicação.3
2
Isso inclui não só o Brasil, mas também diversos outros países. A despeito disto, há países com informações empresariais
muito mais detalhadas do que no Brasil, uma vez que em certos países discute-se o que é de fato estratégico e o que não é.
3
Segundo Carra [2], certos agentes produzem simultaneamente dois tipos de informações: as públicas e as estratégicas.
2166
No entanto, é adequado o sistema de estatísticas se basear na “força da lei”, assim
como os balanços financeiro-contábeis, inclusive prevendo punições para erros de informação (misreporting) e para vazamento de informações sigilosas. Isto sim contribui
para a confiabilidade das estatísticas e para a segurança das empresas. Ademais, é necessário discutir adequadamente quais informações são de fato estratégicas para as empresas e, por isso, sigilosas, e quais não são. Hoje, na falta de clareza sobre esse ponto, as
empresas, ou seus prepostos, definem como estratégicas e sigilosas informações que
muitas vezes já se encontram disponíveis ao público em algum lugar – trabalhos disponíveis na literatura, apresentações, outras bases de dados etc. É a adoção do “motivo
precaucional” às informações: na dúvida sobre se a informação é ou não estratégica,
presume-se que a mesma seja estratégica e sigilosa.
A terceira etapa do processo está relacionada à consolidação e ajustes dos dados do
banco de dados. Essas são atividades tipicamente necessárias para balancear informações sobre oferta e demanda de energia, oriundas de fontes diferentes, compensar perdas energéticas não registradas ou até mesmo diferenças entre resultados de conversões entre unidades de medida.
Finalmente, a quarta etapa do processo refere-se à divulgação das informações. A
disseminação dos resultados de um balanço energético é feita, hoje, normalmente a
partir de publicações impressas e/ou eletrônicas, ou através da disponibilidade de acesso às informações do banco de dados via internet.
O Balanço Energético Nacional (BEN) [4], desenvolvido pelo MME 4 , é uma publicação com informações energéticas do Brasil que já integra, hoje, dados oriundos de
agências reguladoras federais, de outros ministérios, do IBGE, de agentes setoriais, de
entidades de classe e de grandes consumidores. No entanto, seria interessante ampliar
o anexo metodológico do BEN, conferindo maior transparência aos procedimentos de
compatibilização e reprodução das informações.
O sistema energético representado abrange os setores de energia elétrica, petróleo e
derivados, gás natural, cana de açúcar e carvão mineral. Considera também a lenha e o
carvão vegetal, dada a significativa participação destes na matriz energética brasileira.
Os dados nacionais são apresentados segundo os seguintes critérios: as informações
sobre a oferta de energia são apresentadas por fontes primárias e secundárias; a demanda de energia é apresentada segundo sete setores econômicos (incluindo o próprio
setor de energia), sendo os setores de transportes e industrial decompostos, respectivamente, em quatro e onze subsetores, os quais não seguem a classificação do Sistema de
Contas Nacionais. O documento apresenta, ainda, informações socioeconômicas relacionadas à oferta e à demanda de energia.
Em nível estadual, o BEN apresenta informações relativas à produção de energia e à
capacidade instalada de refino de petróleo e gás natural e para geração elétrica (incluindo os autoprodutores, segundo os setores industriais). Apresenta também as demandas
residenciais de eletricidade e de GLP.
Ministério das Minas e Energia.
4
2167
O BEN vem evoluindo nos últimos anos tanto no que se refere a seu processo de
elaboração quanto ao produto final. Apesar disso, ainda carece de um maior detalhamento
das informações sobre a demanda de energia 5 e apresenta um desequilíbrio entre o nível
de informação nacional e o estadual.
Um banco de dados como o do BEN deve ser abrangente e detalhado o suficiente para
subsidiar o desenvolvimento de estudos, políticas e estratégias de âmbitos nacional e estadual. Para tanto, deve contemplar, em nível estadual, o mesmo conjunto de informações
sobre oferta, demanda e indicadores energéticos apresentado em nível nacional; ou seja,
deve incluir os balanços energéticos estaduais (BEEs).
Essa abordagem requer, entretanto, uma quantidade de recursos significativamente maior do que a provavelmente empregada hoje no processo. Uma alternativa interessante para
sua implementação é, portanto, a descentralização de algumas atividades, através de uma
divisão de responsabilidades entre o órgão federal responsável e os Estados.
Considerando-se a importância do desenvolvimento de balanços energéticos estaduais
para os Estados e a proximidade destes aos mercados consumidores, sugere-se que o processo de levantamento e tratamento preliminar de dados sobre a demanda de energia seja
desenvolvido pelas secretarias estaduais que tratam desse assunto, sob coordenação do MME
ou da recém-criada EPE. Este processo não apenas aprimora a base de dados, mas também
capacita equipes regionais para lidar com sistemas de informação energética, que podem
servir de núcleo para planos locais de desenvolvimento energético integrado.
Outro critério que pode ser adotado para a divisão de responsabilidades pela coleta e
tratamento inicial dos dados entre o MME e os Estados leva em conta a competência pela
regulação e fiscalização de atividades relacionadas à oferta de energia. Nesse caso, caberia ao
MME obter as informações referentes à oferta de energia junto aos agentes reguladores
federais (ANEEL, ANP) e aos Estados junto aos reguladores estaduais.
3. Desenvolvimento do Balanço Energético do Estado do Rio de Janeiro
A recente experiência da equipe de trabalho do Programa de Planejamento Energético
da COPPE/UFRJ com a elaboração do Balanço Energético do Estado do Rio de Janeiro,
em parceria com a Secretaria de Energia, Indústria Naval e Petróleo do Rio de Janeiro
(SEINPE/RJ), indica objetivamente as seguintes dificuldades para a elaboração de um sistema de informações energéticas, em nível estadual:
l
As informações energéticas foram coletadas através de correspondências remetidas pela SEINPE/RJ às empresas consultadas para as versões anteriores do BEE.
Esse procedimento demonstra o envolvimento efetivo da secretaria do Estado
com o estudo. Contudo, quatro dificuldades principais foram encontradas pela
equipe de trabalho da COPPE.
Primeiro, como a equipe não elaborou os balanços anteriores do Estado, cujo anexo
metodológico incluindo as fontes de dados era bastante sucinto, a mesma não interferiu no
processo de coleta de informações. Sugere-se, neste caso, que a equipe de processamento e
Seria desejável conhecer o uso final de cada energético em cada setor da economia. Por exemplo:
• para o setor de transportes: carga, passageiros; intermunicipal e intramunicipal;
• para o setor industrial: calor, tração, iluminação...
5
2168
análise dos dados dos balanços estaduais participe, em parceria com as secretarias estaduais,
da definição da estratégia e dos critérios metodológicos de coleta de informações.
Segundo, como a coleta de informações se baseou em correspondências das versões anteriores do Balanço, isto é, na reprodução da mesma base de coleta de dados do passado, determinadas evoluções do sistema energético estadual não foram contempladas nesse processo.
Isto é particularmente verdadeiro no caso de centrais elétricas autoprodutoras, como
cogeradores, e na instalação de geradores de emergência. Neste caso, buscou-se outras bases
estatísticas de dados, como o SIESE, e utilizou-se a própria experiência da COPPE/UFRJ
com os projetos de cogeração dentro do estado do Rio de Janeiro. Novamente, sugere-se que
a equipe de processamento e análise dos dados dos balanços estaduais participe, em parceria
com as secretarias estaduais, da definição da amostragem de coleta de informações.
Terceiro, as informações fornecidas pelos agentes requisitados não necessariamente se
encontravam no nível de desagregação solicitado pela SEINPE/RJ em suas correspondências. Além disso, nem todas as informações solicitadas pela SEINPE/RJ tornaram-se disponíveis. Sugere-se, neste caso, que se formule um arcabouço legal em nível estadual que
favoreça o trabalho de coleta de dados das secretarias estaduais.6
Quarto, as informações dos segmentos de consumo de energia, amiúde, foram respondidas de forma manuscrita pelo responsável técnico da empresa consultada, o que levou a
dificuldades quanto à compreensão dos dados e conseqüentes atrasos. A elaboração de uma
metodologia de solicitação, preenchimento e coleta de dados integralmente digital resolveria essa questão, tornando o processo mais ágil, menos oneroso e mais confiável.
l
O anexo metodológico das versões anteriores do Balanço Energético do Rio de Janeiro não provia informação detalhada das fontes de dados e das metodologias de tratamento das informações presentes nas publicações. Nem todas as informações contidas num balanço energético vêm de dados declarados (vide, por exemplo, o caso da
lenha consumida nas residências). Aliás, mesmo determinados dados declarados precisam amiúde ser tratados para o formato de um balanço. Nesse caso, é fundamental a
elaboração de um anexo metodológico com as fontes de dados e o tratamento das
informações (estimativas necessárias, lacunas nas informações solicitadas, etc.), para
que o balanço energético seja não apenas uma fonte de dados, mas também um instrumento de revisão periódica dessas fontes. Nesse sentido, a versão do Balanço Energético
do Estado do Rio de Janeiro desenvolvida pela COPPE teve a transparência
metodológica como uma das suas principais metas. No entanto, a equipe desta versão
atual não logrou depreender das versões anteriores do Balanço as metodologias então
aplicadas. Assim, não foi possível compatibilizar as metodologias entre as versões dos
balanços. Isso também é válido para a compatibilização entre os níveis estadual e
federal, porquanto o anexo metodológico do BEN também é bastante sucinto.7
Este ponto será ainda abordado neste texto.
6
O que se ressalta aqui é a necessidade de se levantar as metodologias utilizadas na obtenção, tratamento e classificação dos
dados direta ou indiretamente relacionados à demanda e à oferta de energia no País e introduzir “tradutores” capazes de,
rapidamente e de forma inteligível, garantir a compatibilização entre a base de dados única em energia e as outras bases de
dados empregadas no País. Isto, entre outras vantagens, tornará possível ao analista da área de energia lidar, fácil e rapidamente,
com diferentes fontes de dados em suas análises retrospectivas e em suas projeções.
7
2169
l
Para um balanço estadual, como o do Rio de Janeiro, é necessária a utilização de
dupla-estratégia: pesquisa censitária de atributos básicos de domicílios, estabelecimentos e veículos, que permita estratificar a população em classes mais homogêneas (menor variância em torno da média), e pesquisas amostrais para acompanhar a evolução temporal de informações de escala (número de domicílios, estabelecimentos e veículos por estrato) e de informações específicas sobre o perfil
energético. Na atual versão do balanço, este procedimento foi esboçado para o
consumo de lenha tanto industrial quanto residencial, mas merece ser aperfeiçoado e compatibilizado com o sistema nacional de informações energéticas do BEN.
Sugere-se, ainda, a participação do IBGE nessa empreitada, visto que ele domina
os procedimentos técnico-estatísticos do desenho de amostra, para garantir o intervalo de confiança das estimativas em níveis aceitáveis.
Finalmente, merece elogios a iniciativa e o esforço voluntário da SEINPE/RJ em manter
o Balanço Energético Estadual permanentemente atualizado. Por outra, a experiência
mostra que tanto a secretaria estadual de energia, quanto equipes de trabalhos regionais,
como a constituída no estudo citado, têm maior facilidade de compreender as informações energéticas e acessar os dados junto aos segmentos consumidores de energia locais.
De fato, o estado do Rio de Janeiro mantém um órgão de planejamento, com publicações
estatísticas e levantamentos econômicos, e a COPPE/UFRJ, assim como outros centros
de pesquisa localizados no Estado, como o Instituto Nacional de Tecnologia, tem experiência em elaborar estudos de consumo específico de energia de plantas industriais, unidades consumidoras de energia do setor de serviços e outras, localizadas no Rio de Janeiro.
Isso confere ao Balanço Energético Estadual perspectivas promissoras, desde que se lhe
associe uma metodologia compatível com a do BEN, que prime também pela transparência e capacidade de difusão e aplicação em outros estados da federação.
4. Implantação do Modelo Proposto
O sucesso do desenvolvimento do BEN pelo MME pode ser relacionado à utilização de metodologias adequadas e à capacitação da equipe nessas metodologias, além da
organização do processo e das tecnologias adotadas em sua automação.
Por outro lado, a proposta de descentralização de parte do processo de desenvolvimento do BEN para os Estados pode não se viabilizar, a menos que certas medidas
venham a ser tomadas, conforme proposto a seguir.
Arcabouço Legal
A importância que um sistema de informações estatísticas sobre o setor de energia tem
para a sociedade exige que este seja construído sob a égide de um arcabouço legal que suporte
toda a sua estrutura. A legislação vigente deve ser estendida para dar cobertura ao processo de
coleta de informações, garantindo não somente a sua disponibilidade por parte de suas fontes
primárias, mas também a sua confiabilidade. Além disso, face à presença de assimetria de
informação, o que garante confiabilidade não é a existência de legislação pertinente, mas sim a
existência de mecanismos de verificação e de validação das informações. Finalmente, aspectos
relativos à garantia de privacidade dos dados devem também ser considerados.
Com base nesse arcabouço legal, devem ser firmados acordos de cooperação entre o
MME ou a EPE, agentes coordenadores do processo, e as demais instituições participantes.
2170
Os acordos devem envolver definições de responsabilidades, prazos, critérios e padrões de
qualidade, tanto no caso de fornecimento de informações quanto no de delegação para a
execução de atividades. No caso de fornecimento de informações, os acordos devem ainda
levar em conta as regras vigentes de garantia de privacidade dos dados.
Suporte Metodológico
A descentralização das atividades de um processo requer a definição de metodologias
padronizadas para sua execução. Segundo a proposta apresentada, parte das atividades de
desenvolvimento do BEN deve ser descentralizada através dos Estados e exige, portanto, a
definição prévia de metodologias de trabalho que cubram essas atividades. Trata-se de estabelecer não só procedimentos, mas também critérios de decisão e medidas padrão para
serem usados na coleta e tratamento dos dados sob responsabilidade das equipes estaduais.
As metodologias definidas devem ser objeto de capacitação das equipes de levantamento
de dados nos Estados 8 . À capacitação deve-se adicionar uma estratégia de atendimento e
apoio a essas equipes durante todo o desenvolvimento do trabalho, por parte da equipe
responsável pela concepção das metodologias.
Outro fator crítico de sucesso é a realização de encontros entre as equipes 9 , sejam
regionais ou setoriais, para a troca de experiências e para a resolução conjunta de problemas e dificuldades comuns 10 . De fato, embora o BEN possa ser tomado como a síntese
dos dados em energia do País, existem várias fontes de dados primários e secundários de
energia, com diferentes metodologias de obtenção e tratamento dos mesmos. Associações industriais e de consumidores de energia, por exemplo, produzem esses dados, mas
nem sempre os classificam segundo os critérios do BEN. Ademais, com a abertura do
setor energético brasileiro, impende conhecer as bases de dados oriundas do setor privado da economia: sua regularidade, disponibilidade e confiabilidade. Impende também,
como antes ressaltado, utilizar uma dupla-estratégia: pesquisa censitária de atributos básicos de domicílios, estabelecimentos e veículos, e pesquisas amostrais de informações de
escala e específicas sobre perfis energéticos. Neste caso, contar com o IBGE nessa empreitada pode ser a chave do êxito.
Novas questões para o setor energético tornam, ainda, imprescindível a obtenção de
dados adicionais relacionados à demanda e à oferta de energia no Brasil, especialmente
no que diz respeito à emissão de poluentes atmosféricos específicos da realidade nacional. Neste caso, informações sobre os processos tecnológicos de produção, transporte e
uso final da energia devem ser compatibilizadas, à semelhança das estatísticas energéticas,
com os dados econômicos.
Recursos Tecnológicos
A área de tecnologia da informação oferece hoje um amplo conjunto de recursos para a
coleta, tratamento, consolidação e análise de dados. No caso do desenvolvimento de balanços energéticos, a necessidade de integração à distância das atividades que compõem o
Isso pode envolver equipes que farão os levantamentos estaduais como também equipes com atuação específica em alguns
grandes centros urbanos.
8
Os encontros podem se dar tanto de forma presencial como virtual.
9
Essa é uma prática comum em processos similares desenvolvidos em outros países [5].
10
2171
processo requer o uso intensivo de mecanismos de comunicação de dados e de bases de
dados. Processos automatizados para verificação e consolidação de informações, bem como
para o controle das atividades em curso, são também recursos que certamente agregam
produtividade e qualidade ao trabalho.
Financiamento
O modelo proposto aumenta significativamente o escopo e o esforço para o desenvolvimento do BEN, o que certamente ultrapassa as expectativas correntes de recursos para o
financiamento do processo. Há, portanto, que se buscar, após a definição de um orçamento
adequado para o processo, fontes de financiamento para sua execução. Essas fontes devem
ser estabelecidas no arcabouço legal de suporte ao processo.
5. Considerações Finais
Neste trabalho foi apresentada uma proposta para o desenvolvimento integrado dos
balanços energéticos nacional e estaduais no Brasil. Segundo a abordagem sugerida, o BEN
deve apresentar informações com maior grau de detalhe em nível estadual e, para tanto,
passa a contemplar os balanços energéticos estaduais e a ser desenvolvido em cooperação
entre o MME e os Estados.
Outro importante documento estatístico oficial é a Matriz Energética, que indica tendências de crescimento de demanda e oferta de energéticos, segundo diferentes cenários de
crescimento econômico, demográfico e evolução tecnológica. Assim como o Balanço
Energético, a Matriz Energética vem sendo também publicada por alguns Estados no nível
de seu mercado local.
O Balanço e a Matriz Energética apresentam informações de mesma natureza, que variam
apenas em relação ao seu período de referência: o Balanço expressa o passado, e a Matriz, expectativas sobre o futuro. Por questões de consistência, ambos os documentos, bem como outras estatísticas sobre o setor, devem ser produtos de um mesmo sistema de informações energéticas.
A iniciativa de estabelecer no País metodologias e sistemas de informações estatísticas relacionadas ao setor de energia não é nova. Em 1976 a Eletrobrás implantou o “Sistema de Informações
Estatísticas do Setor Elétrico” (SIESE) [6], talvez o primeiro sistema dessa natureza no Brasil. O
Sistema foi reestruturado nos anos de 1982 e 1992. Diversos outros exemplos mais recentes podem também ser citados, tais como o “Sistema de Gestão dos Indicadores de Qualidade na Distribuição de Energia Elétrica” [7,8], implantado pela ANEEL em 2000, e o “Sistema de Informações
de Movimentação de Produtos”, em desenvolvimento pela ANP. O próprio sistema através do
qual o BEN é desenvolvido vem sendo modernizado. Hoje, parte dos dados é coletada através de
formulários eletrônicos e já é possível acessar, via internet, a sua base de dados [9,10].
A proposta apresentada tem caráter evolucionário e acompanha as tendências mundiais
de formação de bases de dados estatísticos para o setor de energia. A Agência Internacional
de Energia desenvolve esse trabalho integrando informações sobre cerca de 30 países membros da OECD e 100 países não-membros [13]. Na Europa, o Eurostat 11 , órgão de estatística da Comunidade Européia (CE), integra informações energéticas sobre os países membros e candidatos à CE, coordenando as atividades que são realizadas por parte de cada país
[11]. Na região do Pacífico, os países membros da APEC 12 também mantêm, em conjunto,
uma base estatística de dados energéticos da região.
2172
Nos três exemplos, o movimento observado é no sentido da integração das informações de cada país ao nível do bloco geográfico ou político. Na proposta apresentada o movimento segue o sentido inverso: o da busca pelos dados com maior nível de
desagregação.
Independentemente do sentido em que o processo se dá, são necessárias medidas que o
viabilizem em termos legais, técnicos e financeiros. Países com diferentes legislações, economias, idiomas e culturas são capazes de se reunir e sobrepassar essas diferenças, estabelecendo as bases para o desenvolvimento de um sistema comum de informações estatísticas,
em busca de um maior conhecimento a respeito de seus sistemas de energia. No caso brasileiro, acredita-se que isso também seja possível.
Finalmente, falta explorar sucintamente os conceitos teóricos da informação “supranão-rival” mas excludente, com características de bens meritórios, ou seja, que geram spill
overs ou externalidades positivas sobre outros setores.13 Isto justificaria o esforço do poder público em viabilizar o incremento dos fluxos de informação entre os agentes em
níveis estadual e regional, favorecendo não apenas a redução do risco de investimentos
(maior confiabilidade de informações reduz o risco considerado no fluxo de caixa dos
empreendimentos), mas também o surgimento ou a identificação de oportunidades de
negócios e de inovações tecnológicas.
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11
Statistical Office of the European Communities.
12
Ásia-Pacific Economic Cooperation.
Uma informação disponível pode gerar, por “cruzamento”, uma nova informação não disponível anteriormente, talvez nem existente.
13
2173
MODELOS DE PLANEJAMENTO DA
EXPANSÃO DE SISTEMAS ENERGÉTICOS
Sergio Valdir Bajay*
RESUMO
Este trabalho apresenta os diversos tipos de modelos que tem sido empregados no
planejamento da expansão de sistemas energéticos, destacando as suas vantagens relativas e
dificuldades de implementação.
1. INTRODUÇÃO
Define-se, inicialmente, os objetivos que se pretende alcançar com os modelos de planejamento da expansão de sistemas energéticos; eles determinam a escolha da abordagem mais
adequada. As vantagens comparativas dos vários tipos de modelos são discutidas em seguida.
Descreve-se, então, a evolução destes modelos e seus principais usos ao longo do tempo. O
trabalho é encerrado abordando-se as várias maneiras como tem sido tratadas, nestes modelos, as incertezas inevitavelmente presentes em qualquer exercício de planejamento da expansão de sistemas energéticos e cuja magnitude cresce com o horizonte da prospecção.
2. OBJETIVOS
O planejamento da expansão de sistemas energéticos tem como objetivos auxiliar na
formulação de políticas públicas, estabelecer referências e diretrizes, indicativas ou
normativas, de planejamento para os agentes que atuam, direta ou indiretamente, na indústria de energia, e propiciar balizadores para a mensuração de indicadores de eficiência
e qualidade, pelos órgãos reguladores.
Nestes três objetivos, cabe ao planejamento analisar diferentes contextos
macroeconômicos, sociais e políticos plausíveis no futuro e sobre os quais os decisores de
hoje pouco ou nenhum controle possuem. É neste contexto que se situam, por exemplo, as
já tradicionais cenarizações sobre crescimentos alto, médio e baixo da economia e cenários
envolvendo melhorias na distribuição de renda, ou incrementos substanciais na
competitividade da indústria local.
[email protected] - Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético e Departamento de Energia/FEM Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
*
2174
Um dos objetivos fundamentais do planejamento energético é a quantificação dos principais impactos de novas políticas econômicas, tecnológicas, energéticas e ambientais.
Uma boa regulação por performance de segmentos da indústria de energia que se caracterizam como monopólios naturais, tais como a distribuição de eletricidade ou de gás canalizado, assim como a mensuração do poder de mercado de empresas em segmentos
oligopolizados em que se busca incrementar o nível de competição, tais como a produção e
comercialização de eletricidade ou de gás, exigem o conhecimento de soluções eficientes,
para balizar o comportamento dos agentes no mercado, que o planejamento pode e deve
prover aos órgãos reguladores.
3. Tipologia e vantagens comparativas
De uma forma geral, os modelos de planejamento da expansão de sistemas energéticos
podem ser classificados como modelos de demanda, modelos de oferta e modelos integrados demanda/oferta (Araújo, 1988).
Eles podem ser modelos setoriais, multisetoriais e globais. Os primeiros abordam um
só setor da indústria de energia, como, por exemplo, o setor elétrico ou o setor de petróleo. Os modelos multisetoriais representam dois ou mais setores energéticos, em geral
fortemente relacionados entre si, como, por exemplo, os setores de petróleo e de gás
natural, ou, então, mais recentemente, por conta da crescente geração termelétrica à gás,
os setores elétrico e de gás natural. Finalmente, os modelos globais trabalham com todos
os setores que compõem a indústria de energia em uma dada região de um país, um país
como um todo ou, ainda, um conjunto de países.
Os modelos de projeção da demanda de energia podem ser classificados como:
econométricos; técnico-econômicos, contábeis, ou de simulação, incluindo estes últimos,
como casos particulares importantes, o uso de matrizes insumo-produto, os métodos de
decomposição estrutural (Araújo, 1988) e os modelos que simulam processos industriais
(Meier, 1984); e mistos. Na categoria “modelos de demanda” ainda podem ser classificados
os modelos que selecionam novas programas de eficiência energética, que, em geral, são
algoritmos de simulação envolvendo análises custo/benefício de programas concorrentes
entre si e, eventualmente, no caso do planejamento integrado de recursos, com programas
de expansão da oferta, e que interagem com modelos de projeção da demanda energética
desagregada por usos finais e tipos de equipamentos.
Os modelos econométricos realizam projeções da demanda de energia utilizando relações econométricas que tem como variáveis explanatórias grandezas econômicas clássicas
como renda, investimento, valor adicionado e, evidentemente, preços; as relações funcionais empregadas podem ser simples regressões empíricas, ou, então, elaboradas funções de
demanda ou de produção, como a translog, com mecanismos de ajuste parcial do estoque
de equipamentos ao longo do tempo, que exigem técnicas estatísticas avançadas para a
estimação dos parâmetros dos modelos (Bajay, 1983).
Os modelos puramente econométricos são mais adequados para a projeção a curto e médio
prazos da demanda energética e, em geral, não são adequados para representar possíveis rupturas
futuras em padrões tecnológicos ou econômicos consolidados. Logo, para projeções a longo
prazo, assim como quando se deseja modelar tais possíveis rupturas, foram desenvolvidos os mo2175
delos técnico-econômicos, contábeis ou de simulação. Nestes modelos, diferente dos econométricos,
não se precisa ter séries históricas, e/ou em seção transversal, de consumos de energia e de suas
supostas variáveis explanatórias. Basta se ter estes dados para um ano de referência, o mais próximo possível do presente, e os modelos projetam os parâmetros escolhidos – indicadores de atividades econômicas, sociais e políticas, estoques de equipamentos e seus rendimentos energéticos,
consumos energéticos específicos, etc. – para os momentos desejados no futuro, sem se preocupar
com as trajetórias envolvidas. Em geral, estes modelos trabalham com uma estrutura de demanda
bastante desagregada, por usos finais da energia e, eventualmente, tipos de equipamentos por uso
final. Por não se preocupar com as trajetórias envolvidas e, também, por conta de envolver um
grande número de variáveis e parâmetros, boa parte dos quais tem que ser estimada a partir de caros
levantamentos de campo, difíceis de serem financiados em muitos países, sobretudo os em desenvolvimento, este tipo de modelo de projeção da demanda energética pode gerar resultados completamente irrealistas; Carra (2003), por exemplo, relata que aplicações do amplamente difundido
modelo francês MEDEE, feitas na década de 80 no Estado de São Paulo (Goldemberg & Prado,
1987), produziram erros de projeção no ano 2000 que se situaram, no caso dos derivados de
petróleo, gás natural e eletricidade, em torno de 100%.
Para se tentar minimizar as restrições intrínsecas aos modelos puramente econométricos
e aos modelos técnico-econômicos desenvolveu-se os chamados modelos mistos de projeção, que utilizam relações econométricas para estabelecer cenários tendênciais ou de
referência e para explicar a evolução de algumas variáveis dos modelos, mas que empregam uma estrutura de projeção a mais desagregada possível (por usos finais e tipos de
equipamentos), compatível com a quantidade e qualidade dos dados disponíveis, e empregam vários tipos de simulações em cenários alternativos que representam possíveis
rupturas futuras em relação aos padrões, tecnológicos, macroeconômicos, sociais e políticos, hoje estabelecidos. Quanto mais longo for o horizonte de projeção, maior é a
importância da simulação destas possíveis rupturas. Este é o tipo de modelo mais empregado atualmente no mundo pelas instituições que realizam regularmente e com qualidade
projeções da demanda energética a médio e longo prazos.
Há modelos de oferta que empregam só técnicas de simulação, só técnicas de programação matemática, ou ambas. As principais técnicas de programação matemática que tem sido
utilizadas no planejamento da expansão de sistemas energéticos são a programação linear,
programação mista: linear-inteira e programação dinâmica. Se o problema de programação
matemática analisado for de grande porte, pode-se empregar técnicas de decomposição em
problemas de menor porte, que interagem entre si, como ocorre com o modelo MELP, que
emprega a decomposição de Benders no planejamento da expansão, a médio e longo prazos, de sistemas hidrotérmicos de potência. Os modelos de oferta podem ser estáticos,
projetando a oferta em determinados momentos no futuro sem se preocupar com a trajetória percorrida, ou, então, dinâmicos, modelando a trajetória da expansão ao longo do tempo; para horizontes de planejamento a longo prazo normalmente se adota a primeira opção,
enquanto que para o médio prazo eventualmente se prefere a segunda alternativa.
Os modelos integrados demanda/oferta contemplam a importante família dos modelos
de equilíbrio, que podem ser aplicados a determinados segmentos da indústria de energia,
como tem sido o caso dos modelos empregados nos exercícios de planejamento integrado
de recursos nos setores elétrico e de gás canalizado (Bajay et alii, 1996a), ou ao setor
2176
energético como um todo, como é o caso, por exemplo, do modelo MIDAS (Capros et
alii, 1996), assim como os modelos corporativos, que simulam os impactos financeiros de
um plano de expansão de uma empresa, de um segmento, como o elétrico (Faria & Bajay,
1996), ou de todo o setor energético.
Os modelos de equilíbrio podem ser de equilíbrio parcial ou setorial (setor energético ou
seus segmentos), ou de equilíbrio geral (Bajay, 2003).
Um modelo de equilíbrio geral típico simula a evolução da economia como um todo
e as principais relações econômicas entre os seus segmentos componentes, mas representa, usualmente, de uma forma pouco detalhada o setor energético. Apesar disto, ele
pode ser útil em estudos prospectivos onde não se exige um nível de detalhe muito
grande na representação deste setor.
Já um modelo de equilíbrio setorial representa com detalhes a evolução do setor para o
qual ele foi construído, como, por exemplo, é o caso dos modelos IDEAS (Bajay, 2003) e
MIDAS (Capros et alii, 1996), para o setor energético. O equilíbrio entre demanda e oferta
pode ser atingido nos modelos através de ajustes nas quantidades dos energéticos
transacionados, ou, então, em seus preços; o primeiro caso tem sido aplicado quando predominam mercados monopolistas (os preços, regulados, são determinados com base nos
custos médios) e o segundo quando há um razoável nível de competição no mercado dos
energéticos. Pode-se fazer, também, uma combinação entre as duas abordagens, quando o
conjunto dos mercados simulados assim o exigir.
A utilização de modelos de equilíbrio parcial de uma forma isolada, no entanto, pode gerar
problemas de consistência macroeconômica nos cenários alternativos de desenvolvimento
empregados na modelagem. Como pode se despreender das descrições, feitas por Bajay
(2003), do sistema NEMS de modelagem, do uso integrado dos modelos MIS e IKARUS-LP
e do modelo MARKAL-MACRO, a tendência, já há alguns anos, tem sido a de se empregar
modelos de equilíbrio parcial, para o setor energético, com uma estrutura modular ou não,
junto com modelos macoeconômicos, eventualmente de equilíbrio geral, de uma forma iterativa.
Como os níveis de agregação e as convenções utilizadas no modelo de equilíbrio parcial e no
modelo macroeconômico são, em geral, bem diferentes, o trabalho de compatibilização pode
ser grande, dificultando, ou, até mesmo, impossibilitando a obtenção de resultados confiáveis.
Mathiesen sinalizou, em 1985, uma terceira via, que possibilita se resolver problemas de equilíbrio geral através de uma seqüência de problemas lineares de complementariedade. Esta abordagem permite a solução de modelos de equilíbrio com representações simultâneas ascendente
(bottom-up) e desagregada, por tipo de tecnologias, para o setor energético, e descendente (topdown) e mais agregada para o resto da economia. Böhringer (1998) elaborou um modelo estático
com este tipo de formulação, enquanto que Frei, Haldi & Sarlos (2003) desenvolveram uma
versão dinâmica, que foi utilizada na simulação dos impactos, ao longo do tempo, sobre o setor
energético e sobre o resto da economia, da adoção de uma taxa sobre o carbono.
4. Desenvolvimento histórico e usos
Até a década de 1960 os modelos de planejamento da expansão de sistemas energéticos
eram quase todos setorias, com modelagens separadas da demanda, empregando técnicas
econométricas, e da oferta, usando técnicas relativamente simples de simulação ou pro2177
gramação matemática. Os setores estudados eram o elétrico, o de petróleo e gás, e, em
alguns países, o de carvão. O desafio das projeções da demanda energética era se tentar
capturar as principais tendências do mercado. O planejamento da oferta era determinativo.
Os choques dos preços do petróleo, em 1973 e 1979, provocaram uma verdadeira revolução na modelagem de sistemas energéticos:
l
aumentou muito o interesse nos modelos multisetoriais e globais, assim como nos
modelos integrados demanda/oferta;
l
desenvolveu-se rapidamente a categoria dos modelos técnico-econômicos, contábeis
ou de simulação para a projeção da demanda energética, com a conseqüente valorização, nos países desenvolvidos, de levantamentos de campo para se determinar as distribuições, por usos finais e/ou tipos de equipamentos, da demanda de energia e se
realizar pesquisas de posse e hábitos destes equipamentos. Tais modelos se mostraram convenientes para simular rupturas de padrões estabelecidos de consumo de energia,
com estavam ocorrendo na época (Bajay, 1983);
l
por conta da competição criada com os novos modelos de projeção da demanda
energética supra-citados, houve grandes avanços metodológicos no uso dos modelos
econométricos (Griffin, 1990), incluindo formulações teóricas mais elaboradas, envolvendo ajustes parciais ao longo do tempo e variáveis explanatórias mudas, um uso
intenso do cruzamento de dados em séries temporais com dados em seção transversal, para se resolver os freqüentes problemas de multicolinearidade ocasionados pelo
emprego de modelos com mais variáveis e, sobretudo, variáveis defasadas no tempo, e
a utilização crescente de métodos estatísticos mais sofisticados, tais como o de mínimos quadrados generalizado e o da máxima verosemelhança, para se estimar os
parâmetros dos modelos; e
l
os planos de expansão, incluindo as projeções do mercado, passaram, paulatinamente,
a adquirir um caráter de estudos prospectivos (Araúlo, 1988), empregando, em geral, a
técnica de cenários, utilizada antes só por algumas grandes corporações militares ou
civis, como, por exemplo, a Rand Corporation, nos EUA, em exercícios de planejamento estratégico. Além disso, o planejamento da oferta, sobretudo no longo prazo,
passou a ter uma conotação indicativa, que se transformava em determinativa só no
curto e médio prazos.
Até hoje há ferrenhos defensores das abordagens econométrica ou de simulação para a
projeção da demanda energética. Como o objetivo de conciliar as vantagens comparativas
e minimizar as limitações de ambas as abordagens, a partir da década de 1980 se passou a
desenvolver modelos mistos, cujo componente de simulação costuma ser dominante quando as projeções são para o longo prazo.
Os modelos integrados demanda/oferta foram, em sua grande maioria, desenvolvidos
na segunda metade da década de 1970 e primeira metade da década de 1980, tendo como
principal motivação a busca de alternativas para se diminuir a dependência de derivados de
petróleo, em grande parte importados para a maioria dos países, e se aumentar a segurança
do suprimento energético, de preferência com fontes locais, ou, então, pelo menos, fontes
externas menos voláteis, em termos de preços, do que o petróleo na época.
2178
A queda e posterior estabilização nos preços do petróleo a partir de meados da década de
1980 freou este processo e diminuiu o interesse no desenvolvimento e uso destes modelos.
Por outro lado, as preocupações sobre os impactos ambientais da indústria de energia nos
âmbitos regional e global – chuvas ácidas, “smog” e efeito estufa – reascenderam o interesse
pelo uso destes modelos para se tentar avaliar estes impactos; esta nova utilização destes
modelos praticamente se iniciou em meados da década de 1980 e atingiu um pico em meados da década seguinte, declinando um pouco até os dias atuais por conta da resistência de
alguns países chaves, como os EUA e a Rússia, em ratificar os termos do Protocolo de Kioto.
Huntington e Weyant (2002), do Energy Modeling Forum, Stanford University, CA, EUA,
descrevem as características básicas dos principais modelos integrados que tem sido utilizados
nos últimos anos para se mensurar a emissão de gases que causam o efeito estufa.
Schumpeter (1942) identificou três tipos de mudanças tecnológicas que tem ocorrido em economias modernas: (i) a invenção de novos meios de se satisfazer as necessidades e desejos humanos,
ou a criação de novas necessidades ainda não identificadas ou satisfeitas; (ii) a inovação, que ocorre
através de melhorias e refinamentos contínuos dos meios existentes para se satisfazer tais necessidades; e (iii) a difusão de novas tecnologias ao longo do tempo e entre os diversos segmentos da
economia. Huntington e Weyant (2002) comentam que a maior parte dos modelos integrados
demanda/oferta que tem avaliado recentemente as emissões dos gases que causam o efeito
estufa procuram levar em conta os impactos dessas inovações tecnológicas, mas que eles ainda
não incorporam o efeito dos preços dos energéticos sobre estas inovações – difusão no curto
prazo, inovação no médio prazo e invenção no longo prazo, processo este só iniciado há pouco.
A principal categoria de modelos energéticos integrados demanda/oferta – os modelos de
equilíbrio – se desenvolveu tanto na forma de modelos de equilíbrio parcial ou setorial – setor
energético, como na forma de modelos de equilíbrio geral. Apesar das vantagens teóricas desta
segunda categoria, os modelos de equilíbrio parcial tem sido mais empregados, até agora, no setor
energético (Bajay, 2003), por conta da possibilidade de se representar as características, sobretudo
tecnológicas e econômicas, deste setor com o detalhe necessários aos estudos, limitado tão somente às restrições inerentes ao nível de agregação dos dados disponíveis. A possibilidade recente de
se empregar a abordagem híbrida descendente/ascendente, discutida na seção anterior deste
trabalho, que permite um tratamento mais detalhado do setor energético, tende a valorizar mais,
no futuro, o uso dos modelos de equilíbrio geral, seja de uma forma isolada, ou em conjunto
com modelos de equilíbrio parcial, nos estudos de planejamento da expansão do setor energético.
A família de modelos Markal (ETSAP, 2004) ilustra bem boa parte do desenvolvimento
histórico resumido nesta seção. A primeira versão desta família foi desenvolvida pelo
Brookhaven National Laboratory (BNL), dos EUA, no fim da década de 1970, para o Energy
Technology Systems Analysis Programme (ETSAP), da International Energy Agency (IEA),
e para o United States Department of Energy (DoE). Tratava-se de um modelo de programação linear dinâmica que otimizava a expansão das diversas cadeias de energéticos, que
compõem o que o BNL chama de “Sistema Energético de Referência” (SER), a fim de se
atender demandas energéticas projetadas, por usos finais; a função objetivo do problema é
a minimização do custo total desta expansão ao longo do horizonte de planejamento. Desde a sua concepção, o modelo tem representado com bastante detalhe as tecnologias de
conversão e uso final de energia envolvidas no SER analisado, sendo este o principal motivo
responsável pelo uso deste modelo pelo ETSAP, da IEA, até hoje.
2179
Com o passar do tempo, novas versões foram surgindo. Uma delas incorpora variáveis
inteiras, enquanto que uma outra, financiada pela Environmental Protection Agency, do
governo americano, emprega programação multiobjetivo, através da técnica conhecida como
“goal programming”, com duas funções objetivo, a tradicional, de minimização do custo total
da expansão, e uma outra que visa objetivos ambientais. Há uma versão, denominada “programação estocástica”, que permite se associar probabilidades às diversas variáveis de cenário simuladas. Uma outra versão detalha os fluxos de materiais do SER, permitindo uma
otimização mais criteriosa da reciclagem e disposição final de resíduos industriais e municipais. O modelo Markal também tem sido utilizado em estudos multi-regionais, envolvendo
diversos estados ou províncias de um país, assim como diversos países; neste contexto, a US
Energy Information Administration, que faz parte do DoE, escolheu uma versão do Markal,
denominada “System for Analysis of Global Energy Markets” (SAGE), para servir como
principal ferramenta de modelagem na preparação de sua publicação anual denominada
International Energy Outlook, a partir de 2003, e a IEA pretende agregar os trabalhos do
ETSAP em suas projeções bianuais do World Energy Outlook.
Na família Markal, uma primeira tentativa de se levar em conta as elasticidades-renda e preço
da demanda foi através da interação entre o modelo de otimização da oferta e um modelo
macroeconômico clássico, o Macro, que utiliza funções de produção com elasticidade de substituição constante envolvendo três fatores de produção agregados: capital, trabalho e energia. As
limitações desta abordagem foram superadas com a transformação do modelo original, de
otimização do suprimento energético, em um modelo de equilíbrio parcial, onde o equilíbrio é
obtido através da intersecção das curvas de demanda e de oferta para cada uso final. As elasticidades-preço das curvas de demanda são fornecidas pelo usuário; elas são linearizadas por partes
pelo modelo, a fim de poderem ser incorporadas na estrutura do problema. A nova função
objetivo passa a ser a maximização da soma dos excedentes do produtor e do consumidor, o que
garante se atingir uma situação de equilíbrio parcial para o setor energético analisado.
Uma outra versão, recente, do Markal permite um tratamento endógeno de inovações
tecnológicas, no longo prazo, através da incorporação de relações estimadas entre vendas
acumuladas, em uma escala global, e os custos de investimento em algumas “tecnologias chaves”, que tendem a declinar com a experiência no desenvolvimento e uso destas tecnologias.
Finalmente, a também recente versão Times desta família, que é uma integração dos
modelos Markal e Efom, permite o uso de intervalos de planejamento variáveis ao longo
tempo e a classificação e tratamento das tecnologias por geração, ou idade, dos equipamentos, o que flexibiliza bastante a modelagem, possibilitando, por exemplo, a distinção entre a
vida econômica e a vida útil dos equipamentos e a análise do possível interesse de modernizações visando a extensão da vida de equipamentos ou usinas.
5. Tratamento das incertezas
Os principais métodos que tem sido utilizados no tratamento de incertezas em modelos
de planejamento da expansão de sistemas energéticos são: análise de sensibilidade; análise
paramétrica; métodos de otimização empregando álgebra nebulosa; emprego de distribuições de probabilidades em modelos de otimização ou de simulação; emprego de processos
estocásticos em modelos de otimização ou de simulação; elaboração de cenários alternativos de desenvolvimento; pesquisas de opinião do tipo Delphi; uso de técnicas de inteligência artificial; e emprego da teoria de jogos e teoria de leilões.
2180
O mínimo de informação que se espera ter para se realizar algum tratamento de
incerteza no planejamento da expansão de sistemas energéticos é o conhecimento de
intervalos de realização dos principais parâmetros da modelagem, que envolvem incertezas significativas. Identificadas estes parâmetros, a análise de sensibilidade consiste
em se obter os resultados do modelo, que em geral é de simulação, para diversos valores
destes parâmetros nas suas faixas de realização pré-estabelecidas. Quando se realiza
este tipo de abordagem em modelos de programação matemática, ela é denominada
análise paramétrica. No caso de modelos de programação linear, a análise paramétrica
permite que se obtenha as faixas de variação dos principais parâmetros do modelo sem
se alterar uma determinada solução ótima. Uma variante mais sofisticada e complexa,
ainda desta abordagem, em modelos de programação matemática é o emprego da álgebra nebulosa, que permite não só se trabalhar com intervalos ao invés de valores pontuais, determinísticos, para parâmetros e variáveis, como também com variáveis que
representam avaliações qualitativas de certas grandezas que apresentam muitas dificuldades para uma quantificação precisa (Satoh & Serizawa, 1984).
O emprego de distribuições de probabilidades em modelos de otimização ou de
simulação vem sendo feito há décadas, sobretudo nos setores elétrico e de petróleo e gás.
Pode-se citar como exemplos clássicos a utilização das distribuições normal e log-normal no setor elétrico, para representar variações nas projeções da demanda de eletricidade e nas vazões naturais afluentes aos reservatórios de usinas hidrelétricas, respectivamente, e da distribuição triangular nas análises custo/benefício da produção de campos
de petróleo e gás. Uma vez conhecida a distribuição de probabilidades que se aplica a
uma determinada variável, ela pode ser facilmente aplicável a praticamente qualquer tipo
de modelo de simulação ou otimização. Às vezes, no entanto, não se conhece, ou não se
consegue ajustar com um razoável grau de confiabilidade, tal distribuição; nestes casos,
uma abordagem alternativa é se empregar processos estocásticos nestes modelos, bastando, para isso, que se tenha bem definido o tipo de processo que se aplica à variável
desejada. Como exemplos, pode-se mencionar a modelagem da saída forçada de equipamentos do setor elétrico, em geral, e de usinas de potência, em particular, através de
modelos markovianos, a geração de séries sintéticas de vazões na operação de sistemas
hidrotérmicos de potência e o uso do método de Monte Carlo em inúmeras aplicações
tanto no setor elétrico como no de petróleo e gás.
Conforme mencionado na seção anterior, desde a década de 70 o setor energético
tem utilizado, no mundo todo, cenários alternativos de desenvolvimento em projeções
da demanda e da oferta de energéticos. Emprega-se estes cenários para se explorar
distintas rotas de crescimento da economia, ou, então, para se testar o impacto de novas
políticas públicas, nas áreas econômica, tecnológica, energética ou ambiental. Os cenários podem ser usados só em projeções da demanda energética, ou de uma forma conjunta com alternativas do lado da oferta. Neste último caso, tem sido comum se empregar
modelos de otimização que minimizam o máximo arrependimento associado às possíveis combinações de cenários de demanda e de oferta em estudos de planejamento da
expansão de sistemas energéticos; tem-se um exemplo desta abordagem na elaboração
do plano de longo prazo do setor elétrico brasileiro conhecido como “Plano 2015”
(Ventura Filho, 1996), que utilizou o modelo Deselp, de programação linear. Esta abor2181
dagem, no entanto, é reconhecidamente conservadora, conduzindo a políticas de custo
médio elevado. Araújo (1988) propõe que se divida a política que norteia o plano de
expansão em duas partes. Na primeira se separa os elementos comuns a todas, ou à
maioria das combinações de cenários de demanda e de oferta, formando um cerne
robusto da política de expansão; este cerne deve ser completado por ações específicas a
determinados contextos, que formarão a parte flexível da política.
As pesquisas de opinião do tipo Delphi tem sido utilizadas, desde a década de 1980,
para se compilar as expectativas de uma amostra de especialistas a respeito da evolução
futura de variáveis de interesse no planejamento da expansão de sistemas energéticos; em
geral, as respostas dos especialistas são processadas através de técnicas estatísticas. Estas
pesquisas foram utilizadas recentemente pela Eletrobrás e Petrobrás para auxiliar a montagem dos planos decenais do setor elétrico e do plano estratégico da Petrobrás, respectivamente, e pelo Centro de Estudos Estratégicos, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia,
para realizar um exercício de prospecção de novas tecnologias na área de energia.
O emprego de técnicas de inteligência artificial tem aumentado em diversas áreas do
conhecimento, incluindo a modelagem de sistemas energéticos. Neste caso, destaque-se o
uso do algoritmo genético e das redes neurais, tanto em estudos de operação como de
expansão (Almeida, Santos & Bajay, 2000) de sistemas energéticos.
A quebra de monopólios legais nas áreas de produção e comercialização dos setores
elétrico e de petróleo e gás a partir da década de 1990 tem criado um novo tipo de incerteza
no planejamento da expansão destes setores, associado não só às futuras parcelas de mercado das empresas concorrentes, mas também à oferta global destas empresas, que pode
variar substancialmente, sobretudo se elas exercerem práticas de cartel. Aplicações das
teorias de jogos e de leilões tem permitido se explicitar estas incertezas e se simular estratégias para diminuí-las, seja do ponto de vista do governo, em termos de formulação de
políticas energéticas e práticas regulatórias adequadas (Correia, Bajay & Correia, 2004), seja
do ponto de vista das estratégias a serem assumidas pelos agentes setoriais.
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2183
SEGURANÇA DO ABASTECIMENTO
DE ELETRICIDADE E GESTÃO DOS
RESERVATÓRIOS: LIÇÕES DA CRISE#
Luciano Dias Losekann*
Adilson de Oliveira**
RESUMO
O racionamento de eletricidade, durante o biênio 2001/2002, gerou graves resultados econômicos e sociais para a sociedade brasileira e evidenciou que a segurança do abastecimento é
extremamente importante em uma sociedade moderna. No momento que o modelo institucional
do setor elétrico brasileiro está sendo revisto, esse artigo tem como objetivo identificar as lições
que a crise de abastecimento pode conceder. Desta forma, são estudados os elementos do desenho institucional atual que conduziram o setor à crise. A análise aponta como determinantes da
crise energética o ambiente pouco incitativo a investimentos, particularmente em termelétricas, e
o sistema de coordenação do despacho que acarretou em uso excessivo dos recursos hídricos.
Apesar de ter como objetivo afastar a possibilidade de uma nova experiência de racionamento, o
novo modelo setorial não contorna os motivantes da crise setorial. O tratamento para o problema da segurança do abastecimento mais apropriado às características do sistema elétrico brasileiro consiste na utilização dos reservatórios como reserva estratégica.
I - INTRODUÇÃO
Assegurar que a evolução da capacidade instalada de geração acompanhe o crescimento
da demanda é uma tarefa crucial das experiências de reforma do setor elétrico, especialmente em mercados dinâmicos como o brasileiro. As crises de desabastecimento recentes
(Califórnia, Itália, além do Brasil) indicam que a solução desse problema não é trivial.
O foco do artigo é o tratamento da segurança do abastecimento elétrico no Brasil após a
reforma setorial. O racionamento mostrou que o modelo institucional passado não foi adequando para promover a segurança do abastecimento de eletricidade. O artigo procura analisar a razão dessa inadequação e se o novo modelo é adequado para atender esse objetivo.
*
Pesquisador associado do IE/UFRJ. O autor agradece o financiamento do CNPq. Endereço para contato: Av. Pasteur, 250.
Instituto de Economia. Sala 119. Urca. CEP 22290-240. Rio de Janeiro – RJ. Tel 38735272. e-mail: [email protected].
**
Professor Titular do IE/UFRJ.
2184
O artigo está organizado em quatro partes. A primeira apresenta sucintamente a reforma
do setor elétrico brasileiro ocorrida nos anos 1990, destacando as características setoriais que
condicionaram as escolhas e o desenho institucional implantado. A segunda procura identificar os determinantes da crise elétrica de 2001-02. A terceira analisa se os mecanismos anunciados no novo modelo institucional são adequados para garantir a segurança do abastecimento.
Por último, é apresentada uma proposta alternativa para o tratamento desse aspecto.
II – SEGURANÇA DO ABASTECIMENTO
A complexidade da coordenação da segurança do abastecimento elétrico advém de suas características de bem público. A segurança do abastecimento é uma qualidade do sistema elétrico como
um todo e consumidores específicos não podem ser privados dessa (consumo não excludente). E,
dentro de certos limites, oferecer segurança a mais um consumidor não diminui a quantidade
oferecida aos demais consumidores (consumo não rival). Assim, há necessidade da adoção de
mecanismos de coordenação para evitar a segurança do abastecimento seja inferior à ótima.
Nas experiências internacionais de reforma, a segurança de abastecimento tem sido um
fator crítico e a solução freqüentemente adotada é a remuneração da capacidade para estimular investimentos em expansão da geração (Losekann, 2003). Turvey (2003) aponta que
existem várias formas de efetivar a remuneração da capacidade.
No Reino Unido1 , os geradores além de serem remunerados pela energia gerada também
recebiam o encargo de capacidade (capacity payment), cujo valor era proporcional à sobra de
capacidade de geração disponível no sistema. No entanto, em função de problemas de
manipulação pelos geradores, esse tipo de remuneração foi eliminada com a implantação do
Novo Arranjo para o Comércio de Energia (NETA), em 2001.
O requerimento de capacidade foi implementado com sucesso no PJM2 e faz parte do
desenho padrão de mercado proposto pelo FERC3 . No caso do PJM, os requerimentos de
capacidade instalada são impostos aos fornecedores finais de eletricidade (distribuidores ou
comercializadores) no volume de 118% de demanda de pico de seus mercados. Os fornecedores podem atender a essa exigência através de auto-suprimento, contratos bilaterais ou de
um mercado centralizado criado para este fim (mercado de capacidade). Uma penalidade é
imposta para o caso do não cumprimento do requerimento.
III – A REFORMA BRASILEIRA DO SETOR ELÉTRICO
Seguindo a tendência internacional, as autoridades brasileiras optaram por reformar a
industria de suprimento elétrico brasileira durante a década passada. O modelo institucional
baseado na centralização estatal, que obtivera êxitos no período de construção do sistema
nacional de eletricidade, já havia dado evidências de esgotamento. O Estado não era mais
capaz de atender às necessidades de investimento no setor e o regime monopolista gerava
ineficiências4 . Tais evidências justificaram a implantação de um modelo que promovesse
a participação privada e a introdução da concorrência.
Esquemas semelhantes foram implementados na Espanha e Argentina.
Sistema interconectado de eletricidade que envolve cinco estados do Centro-leste dos Estados Unidos (entre os quais
Pensilvânia, New Jersey e Maryland, que originaram o nome) e o Distrito de Columbia.
3
Os operadores dos sistemas da Nova Inglaterra e de Nova Iorque também adotam esta alternativa.
4
As deficiências do modelo institucional já eram evidentes no final da década de 1980, quando foi realizado o REVISE
(Revisão Institucional do Setor de Energia Elétrica). Mas os conflitos setoriais não permitiram que uma solução de consenso
fosse delineada (De Oliveira, 2003).
1
2
2185
Ainda que as experiências de reforma partam de uma justificativa comum, os desenhos
institucionais e os resultados alcançados apresentam grandes diferenças (Losekann e Evans,
2003). A situação inicial condiciona as escolhas de desenho de reforma e o desempenho da
reforma é fruto da adequação entre esses elementos.
Condicionantes
A principal particularidade do sistema elétrico brasileiro é a predominância hidrelétrica,
que influencia fortemente a forma de coordenar a indústria. As decisões das usinas que
compõem o parque hidráulico brasileiro são, em larga medida, interdependentes, pois (De
Oliveira, 1998): (i) várias usinas possuem reservatórios com grande capacidade de
armazenamento5 ; (ii) existem diversas usinas ao longo de uma mesma cascata hidrográfica6 ;
(iii) as bacias apresentam substancial diversidade hidrológica7 .
Por outro lado, a existência de reservatórios permite contornar parcialmente o principal
problema da coordenação do setor elétrico que é a incapacidade de estocar eletricidade. As
complexidades usuais da coordenação da operação do sistema elétrico diminuem. As hidrelétricas simplificam a gestão das reservas operacionais, pois a entrada em produção dessas
centrais é quase instantânea, bastando abrir as compotas8 . Mas a decorrência mais importante para o argumento desenvolvido no artigo é que o estoque de energia nos reservatórios
pode ser utilizado para garantir a segurança do abastecimento elétrico futuro.
Outro importante condicionante é a situação da indústria de gás natural. Historicamente,
esse combustível teve uma participação marginal na evolução da matriz energética nacional.
Com a construção do gasoduto Brasil-Bolívia, a oferta foi ampliada, mas o custo de transporte torna o preço do combustível elevado, especialmente quando a taxa de câmbio estiver
apreciada. Por outro lado, mercados interruptíveis ainda não foram desenvolvidos. Como
não é possível de deslocar a oferta de gás para outros mercados, os contratos de suprimento
de gás devem conter inflexibilidades (cláusulas do tipo take or pay). A utilização da geração
termelétrica como complementação da geração hidrelétrica, i.e. somente em períodos de
hidrologia crítica, não é viável nesse contexto.
Desenho Institucional da Reforma
O desenho da reforma brasileiro procurou contornar os problemas relacionados a esses
condicionantes. O Mecanismo Realocativo de Energia (MRE) coordena as decisões das centrais
hidrelétricas, socializando o risco hidrológico dessas centrais9 , que são operadas pelo ONS como
um conjunto. A receita das centrais não é determinada pela quantidade produzida, mas pela
quantidade de energia assegurada alocada à central10 , o que afasta a hipótese de oportunismo.
São 62 plantas com mais de 30 MW de capacidade, distribuídas por 12 bacias hidrográficas, com 52 reservatórios capazes de
armazenar 177 TWh de eletricidade, o que corresponde a metade do consumo anual.
6
Portanto, o uso da água das centrais a jusante está condicionada pelas decisões de uso das usinas a montante.
7
O período de chuvas não ocorre na mesma época do ano.
8
Assim é contornado um aspecto muito evidenciado na literatura sobre a coordenação de sistemas elétricos, o problema do
compromisso das unidades, que decorre da não convexidade dos custos de plantas termelétricas (Stoft, 2002 e Hogan, 2001).
9
As centrais termelétricas com despacho centralizado, contempladas nos contratos iniciais e que têm os custos de combustíveis
cobertos pela CCC também fazem parte do MRE.
10
A energia assegurada é determinada pela ANEEL com base na energia que a central pode colocar no sistema com grau de probabilidade
pré-definido. O MRE determina que o total produzido seja divido entre as centrais conforme as proporções de energia assegurada. As
centrais podem vender energia através de contratos até o limite da energia assegurada e o excedente deve ser comercializado através do
MAE. Inicialmente, a energia excedente era repartida metade pela energia assegurada e metade pela quantidade gerada por cada central.
5
2186
Em função da rigidez da oferta de gás natural, as centrais termelétricas tiveram sua
geração enquadrada em dois regimes: inflexível e flexível. A parcela inflexível das centrais termelétricas é despachado independente do mérito, refletindo a rigidez da produção11 , mas não forma o preço no mercado de curto prazo12 . A parcela flexível é despachada segundo o mérito econômico, i.e. seu despacho ocorrerá quando seu lance for
inferior ao custo marginal do sistema13 .
Ainda que tenha sido cogitada a implantação de encargo de capacidade, nenhum
mecanismo específico para remunerar a capacidade de geração foi adotado com a reforma brasileira. Dessa forma, a execução de projetos de expansão dependia apenas da
expectativa de receita referente à energia gerada.
IV - DETERMINANTES DA CRISE ELÉTRICA
Ainda que fatores exógenos 14 tenham contribuído para a crise, os determinantes
institucionais são os mais relevantes para analisar a crise energética, pois uma qualidade fundamental de modelos institucionais para setores de infra-estrutura é sua capacidade de suportar choques externos. Dois aspectos do desenho institucional foram determinantes da crise elétrica: (i) o ambiente institucional não estimulou investimentos em projetos termelétricos e (ii) a inadequação do mecanismo que define o
despacho das centrais.
(i) Atratividade das Centrais Termelétricas
A expectativa dos reformadores era que os investimentos em termeletricidade iriam
dominar a expansão da capacidade instalada após a reforma. Isso contribuiria para
elevar a segurança do abastecimento elétrico, comprometida por um longo período em
que a expansão da capacidade havia sido inferior ao crescimento da demanda, resultando no esvaziamento dos reservatórios.
A expansão termelétrica tem duas vantagens: reduz a dependência do suprimento
elétrico brasileiro em relação à hidrologia e tem prazo de maturação dos investimentos
mais curto em relação às hidrelétricas, permitindo a correção mais rápida do desequilíbrio
entre oferta e demanda. No entanto, os projetos termelétricos representaram parcela
diminuta da expansão da geração na segunda metade dos anos 1990 (Figura 1).
Essa pode ser causada por sistemas de cogeração e contratos de aquisição de combustíveis (cláusulas take-or-pay).
11
Desta forma a demanda considerada no mercado de curto prazo é a demanda residual (demanda total – oferta
inflexível das térmicas).
12
Restrições de transmissão e operacionais também podem determinar seu despacho.
13
A baixa hidrologia observada no ano de 2001 foi inicialmente apresentada pelo governo como a causa da crise. A energia
natural afluente (ENA) no período que antecedeu o racionamento foi substancialmente inferior à média histórica. Nos
primeiros três meses de 2001, a ENA observada no subsistema Sudeste/Centro-Oeste foi, 70% e inferior à média histórica.
No Nordeste segundo subsistema a ENA de 2001 foi a menor da história de observações (a partir de 1931), correspondendo
a 50% da média histórica. Outro fator importante para detonar a crise foi a desvalorização do Real que aumentou os custos
de projetos de expansão.
14
2187
Figura 1 - Adição de Capacidade 1995 - 2003 – MW
5
4
Nuclear
3
Termel
2
Hidrául
1
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Fonte: MME (1995-1997) e ANEEL (1998-2003)
Devido às características do desenho institucional, a importância “técnica” dos projetos
termelétricos não acarretava em benefícios econômicos para os empreendedores. Mesmo
quando o racionamento se aproximava, as concessionárias de distribuição contavam com
contratos que atendiam plenamente à demanda de seus mercados e, portanto, não se interessavam em negociar novos contratos com termelétricas. Como enfatizou o Relatório da
Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, “[a]s energias asseguradas que respaldaram os contratos iniciais foram superdimensionadas, resultando numa sinalização equivocada para a contratação de nova geração”15 . Ou seja, os contratos de centrais hidrelétricas envolviam um volume de energia maior do que essas podiam gerar sem
comprometer os reservatórios. A inoperância do mercado spot também desestimulava o
desenvolvimento de projetos voltados para transações de curto prazo.
Os projetos termelétricos ficavam sujeitos a elevados riscos hidrológicos e regulatórios.
Em função da forma centralizada de coordenação das centrais hidrelétricas (MRE), a incerteza hidrológica era repassada às centrais termelétricas e a vantagem potencial das centrais
termelétricas, relacionada à capacidade de firmar a geração hidráulica, não foi devidamente
valorizada. Na ocorrência de uma série de períodos de hidrologia favorável, as centrais
termelétricas podem passar anos sem ser despachadas segundo mérito16 . Se isso ocorre
durante os primeiros anos de operação da central, dificilmente o fluxo de caixa será viabilizado.
15
Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica (2001).
Mesmo que parcela da geração seja inflexível, se o preço no mercado de curto prazo é baixo, isso não é suficiente para
viabilizar os investimentos.
16
2188
Os riscos regulatórios foram causados pelas lacunas no marco regulatório e pela instabilidade institucional. Como aponta Holburn e Spiller (2002), os riscos regulatórios são substanciais em países onde as instituições não são fortes, desestimulando investimentos. A
reforma brasileira não definiu plenamente o marco institucional para o setor elétrico e vários pontos foram frutos de incerteza. As indefinições da política de preços para o gás natural
e do funcionamento do mercado atacadista prejudicaram a formação de expectativas que
permitissem a tomada de decisões e foram elementos de confronto entre agentes.
Procurando estimular investimentos em termelétricas, o governo criou o Programa
Prioritário de Termeletricidade (PPT). Esse instituía incentivos aos investimentos em
centrais térmicas alimentadas à gás natural, mas não eliminou todos os obstáculos para a
execução dos projetos17 . A remuneração ficava limitada pelo Valor Normativo18 , que,
segundo os empreendedores, não permitia uma margem de lucro razoável e o risco cambial passou a ser uma variável crucial em função da discrepância entre a política de reajustes para o gás e para a eletricidade.
(ii) Mecanismo de Despacho
Os eventos que antecederam o racionamento mostraram que o modelo que define o
despacho não é adequado para gerir o sistema. Desde sua criação, o MAE convivia com
preços elevados. No entanto, em dezembro de 2000 e janeiro 2001, houve uma redução
brusca dos preços quando os reservatórios estavam em níveis extremamente baixos. Como
o modelo é muito sensível ao curto prazo e as expectativas de precipitação futura eram
fortemente influenciadas pela ocorrência relativamente elevada de chuvas no final de 2000,
os preços se reduziram em dezembro de 2000 e janeiro de 2001. Assim, o menor preço da
história de funcionamento do MAE até então foi observado apenas três meses antes do
início do racionamento. Essa evolução dos preços constituiu não apenas um sinal errôneo
para o comportamento do consumo, mas também indica que nem toda a capacidade de
geração e transmissão foi utilizada para reduzir o ritmo de depleção dos reservatórios.
Evolução da Energia Armazenada nos Reservatórios (EAR %), da curva guia 2002 e
do preço do MAE no submercado Sudeste/Centro-Oeste
17
Do total previsto pelo Programa, 49 usinas e 15 GW de capacidade instalada, estão em operação somente 18 usinas (14
termelétricas convencionais e 4 de cogeração), que adicionaram 2,7 GW de capacidade de geração. A participação da Petrobras,
que assumiu os riscos dos projetos, foi preponderante para que esses fossem completados.
18
O Valor Normativo (VN) serve como referência para limitar o repasse para os consumidores cativos do custo da energia
adquirida palas distribuidoras, conforme determina a resolução da Aneel 266/98.
2189
Figura 2 - Evolução da Energia Armazenada nos Reservatórios (EAR %),
da curva guia 2002 e do preço do MAE no submercado Sudeste/Centro-Oeste
700
600
500
400
300
K
:
0
5
200
100
0
ag
o/
99
ou
t/9
de 9
z/
99
fe
v/
0
ab 0
r/ 0
0
ju
n/
0
ag 0
o/
00
ou
t/0
de 0
z/
00
fe
v/
0
ab 1
r/ 0
1
ju
n/
0
ag 1
o/
0
ou 1
t/0
de 1
z/
01
800
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Curva guia
EAR %
Preço
Fonte: Elaboração Própria. Dados Asmae e Aneel
A utilização de curvas guias para orientar o despacho das centrais termelétricas após
o racionamento evidencia que o Operador do Sistema reconhece que o modelo não
define o custo futuro da água adequadamente. A Figura 2 descreve um exercício que
ajuda a compreender a inadequação do modelo, apresentando conjuntamente a curva
guia válida para 2002, a evolução dos reservatórios entre agosto de 1999 e dezembro de
2001 e o preço do MAE no submercado Sudeste/Centro-Oeste nesse mesmo período.
Sempre que a energia acumulada nos reservatórios é inferior a curva guia, todo parque
térmico deveria ser despachado e o preço do MAE deveria ser máximo. No entanto,
isso não ocorreu em várias ocasiões. Em fevereiro de 2000 e janeiro de 2001, o preço
do MAE diminuiu quando o armazenamento era inferior a curva guia.
Comparando o montante de energia que poderia ser produzido por termelétricas e
importado do Sul (região que não foi submetida ao racionamento) com o que foi programado, é possível estimar o esvaziamento dos reservatórios do Sudeste e Centro/
Oeste que poderia ter sido evitado se a programação fosse definida refletindo adequadamente o valor d’água. Entre os meses analisados (de outubro de 2000 a março de
2001), o mês de janeiro de 2001 é o que apresenta a maior diferença entre a alternativa
potencial à geração hidrelétrica e o programado. Nesse mês, não foi despachada parcela
flexível de nenhuma térmica (excluindo geração nuclear) e não foi importada energia
do Sul. Desconsiderando eventuais restrições que não permitam a utilização máxima
da capacidade, a geração de 2,9 TWh hidrelétricos poderia ser evitada somente neste
mês, o que corresponde a 2,5% da capacidade de armazenagem dos reservatórios do
submercado. No acumulado dos meses analisados, esses totais são estimados em 5
TWh e 4,3% da capacidade de armazenagem (Tabela 1).
2190
Tabela 1 - Geração flexível termelétrica e Importação de eletricidade potenciais
e programadas no submercado Sudeste/Centro-Oeste - MWmédio
7pUPLFDV)OH[tYHLV
,PSRUWDomR
'LIHUHQoD
3RWHQFLDO 3URJUDPDGR 'LIHUHQoD 3RWHQFLDO 3URJUDPDGD'LIHUHQoD
7RWDO
2XW
892
475
417
2.900
2329
571
988
1RY
841
741
100
2.900
2624
276
376
'H]
1.171
446
725
2.900
2581
319
1.044
-DQ
1.062
0
1.062
2.900
0
2.900
3.962
)HY
1.117
702
415
2.900
2878
22
437
0DU
756
527
229
2.900
2862
38
267
-
-
2.123
-
-
2.971
5.093
$FXPXODGR
*:K
Fonte: Elaboração própria. Dados Asmae
Notas: Térmicas não incluem nucleares e centrais CCC. Capacidade corresponde ao total disponível para despacho, calculada
como o máximo gerado durante o racionamento descontado da potência em manutenção e da entrada de novas centrais.
V - NOVO MODELO INSTITUCIONAL
Com a publicação das Leis 10.847 e 10.848, em março de 2004, o governo deu o primeiro
passo para instituir um novo modelo setorial para o setor elétrico brasileiro. Os principais
objetivos da re-reforma são promover a modicidade tarifária e afastar o risco de novas
crises de abastecimento. O segundo objetivo é o objeto de nossa análise.
Ainda que vários aspectos ainda estejam por definir, a ferramenta escolhida para garantir
a segurança do abastecimento consiste na obrigação das concessionárias de distribuição
contratarem no longo prazo através do mercado regulado energia suficiente para atender
100% de seu mercado cativo previsto19 . O governo pretende organizar licitações competitivas20 para selecionar os projetos que atenderão a essa carga prevista, seguindo o “planejamento indicativo”21 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O papel das
termelétricas continua sendo complementar a geração hidrelétrica. Segundo o MME (2003),
as térmicas constituirão a reserva de capacidade que fornece segurança ao abastecimento22 .
As distribuidoras devem realizar previsões da evolução de seu mercado para os próximos 5 anos, sendo possível ajustá-las
após dois anos.
19
A literatura econômica indica que a competição por licitação não é um meio eficaz para induzir o comportamento eficiente. O
esquema de licitação competitiva foi inicialmente proposto por Demsetz (1968) como alternativa à regulação de monopólios
naturais. Segundo o autor, o resultado de leilões competitivos seria o mesmo da concorrência efetiva. Ou seja, o tarifa se
aproximaria do custo marginal. Williamson (1976) aponta que como é impossível definir contratos completos e antecipar as
condições futuras, a licitação competitiva não elimina a necessidade de regulação. Ou seja, competição ex-ante (no momento do
leilão) não gera o mesmo resultado da concorrência efetiva. O argumento de Williamson é particularmente válido em indústrias
com elevadas especificidade de ativos e incerteza, como ocorre no setor elétrico (Armstrong, Cowan e Vickers, 1994)
20
O planejamento deve ser considerado como indicativo por apresentar uma ordenação dos projetos, que pode ser seguida ou
não e por não determinar o executor do projeto. Os projetos chamados estruturantes têm tratamento diferente.
21
Ainda não foi definida a forma de remunerar essas centrais, mas já foram dados indícios que centrais térmicas serão
remuneradas pela capacidade.
22
2191
A questão relevante é se as ferramentas adotadas no novo modelo institucional são as
mais adequadas para afastar o risco de uma nova crise de abastecimento.
O fato das concessionárias de distribuição contarem com total cobertura contratual para
atender seus mercados não evitou a crise energética de 2001-02. Por outro lado, a opção de
manter as térmicas como reserva de capacidade não é adequada às características do sistema
brasileiro. Nas experiências internacionais, as políticas de segurança são usualmente
instrumentalizadas por requerimentos e encargos de capacidade. Aplicados em sistemas de
base termelétrica, esses instrumentos induzem o investimento em sobre-capacidade em
relação à demanda de pico, aumentando a margem de segurança do sistema.
As características do sistema elétrico brasileiro, predominância hidrelétrica e, principalmente, disponibilidade de grandes reservatórios, modificam a natureza do problema de
segurança do abastecimento. No Brasil, a capacidade de armazenagem nos reservatórios
corresponde à metade do consumo anual de eletricidade (180 TWh). Ou seja, se os reservatórios estão cheios, mesmo que não chova uma gota, o mercado pode ser atendido durante
seis meses sem considerar a geração termelétrica. Assim, a segurança do abastecimento no
Brasil não é determinada pela folga entre capacidade instalada e demanda de pico23 , mas,
essencialmente, pelo volume de energia acumulado nos reservatórios.
VI – CONCLUSÃO E ALTERNATIVA
Considerando as características do sistema elétrico, a política orientada à segurança de
abastecimento no Brasil deve focalizar a administração do volume de energia nos reservatórios. Um instrumento para alcançar esse objetivo consiste na administração pelo Estado de
parcela dos reservatórios como estoque estratégico de energia, em semelhança ao que ocorre com outros bens e serviços essenciais.
O Estado definiria os valores mínimos de acumulação de água nos reservatórios que permitam que a demanda futura seja atendida com certa folga mesmo na ocorrência de cenários
de desempenho da economia mais elevado e de hidrologia mais desfavorável24. O nível flutuaria conforme a percepção do Estado quanto aos riscos e custos associados. Uma analogia
interessante é com as reservas compulsórias (encaixes) que o Banco Central obriga os bancos
comerciais a manter em caixa para administrar o volume de meio circulante na economia.
Como decorrência dessa proposta, a função primordial dos reservatórios se torna garantir o abastecimento futuro no médio prazo e não minimizar o uso de combustíveis pelo
parque hidro-térmico. Desta forma, o papel reservado às termelétricas deixa de ser “complementar” ao das hidrelétricas. As térmicas seriam despachadas com maior regularidade,
mesmo fora dos períodos críticos, para manter o nível dos reservatórios elevados. É preciso
destacar que a adoção dessa solução implica na revisão (ou rejeição) do conceito de energia
assegurada das centrais hidrelétricas.
23
A capacidade instalada de geração no sistema integrado nacional é cerca de 50% superior à sua demanda de pico.
Apesar do conceito ser semelhante ao da curva de aversão ao risco definida pelo ONS, o esquema de reserva estratégica é
qualitativamente e quantitativamente distinto. Enquanto que o primeiro define o limite em que o despacho de térmicas
emergenciais se torna necessário, o segundo define o volume de energia de energia que deve funcionar como margem de
reserva para o sistema. A reserva emergencial não é formada pelas térmicas mas pelo estoque de energia nos reservatórios.
Assim, o nível de reserva estratégica tende a ser superior ao nível definido pela curva de aversão ao risco.
24
2192
O principal benefício dessa escolha consiste em diminuir a necessidade de capacidade
em relação aos instrumentos usuais de política de segurança. Esse benefício deve ser comparado à elevação dos custos operacionais para definir o volume adequado de energia que o
Estado deveria manter nos reservatórios como reserva estratégica.
Outra vantagem desse esquema é que o perfil de despacho de termelétricas seria mais
coerente com o estágio inicial de desenvolvimento da indústria de gás natural brasileira. Já
que a inexistência de mercado interruptível, essencial para a operação das térmicas em regime complementar, constituiu uma importante barreira à implantação de centrais termelétricas.
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WILLIAMSON, O. (1976). “Franshise Bidding for Natural Monopolies: In General and with Respect to CATV.” Bell
Journal of Economics 7: 73-104.
2193
QUESTÕES CRÍTICAS RELACIONADAS
COM OS NOVOS COMPORTAMENTOS
ESTRATÉGICOS DAS EMPRESAS DE ENERGIA
Helder Queiroz Pinto Jr.*
Letícia Roxo**
SUMÁRIO
O artigo examina os novos comportamentos estratégicos das empresas de energia, e
os seus principais problemas, focalizando o processo de reestruturação da indústria de
energia elétrica brasileira. O objetivo do artigo é destacar que o processo recente de
abertura desta indústria permitiu a entrada de novos agentes, mas já apresenta um
elevado grau de reversibilidade, o que será ilustrado a partir da análise dos casos específicos da Enron e da AES, ressaltando os principais problemas relacionados com seus
desempenhos econômico-financeiros.
1. INTRODUÇÃO
As novas condições de base, favorecidas pela desregulamentação, as inovações tecnológicas
e a maturidade das indústrias de rede nos países industrializados (em função da redução do
ritmo de crescimento da demanda) requerem um exame cuidadoso da questão dos comportamentos empresariais das empresas de infra-estrutura e, em particular, das empresas energéticas.
A partir do final da década de 80, as perspectivas de crescimento começam a ser desenhadas fora dos mercados nacionais. Tal movimento coincidiu com o início dos processos
de abertura e de privatização das empresas de energia elétrica e de gás, bem como com a
flexibilização da estrutura monopolista da indústria de petróleo em diversos países em desenvolvimento. Os países latino-americanos se revelaram, em meados da década de 90,
bastante atrativos para estas empresas, devido à necessidade de expansão das redes e ao
potencial de crescimento da demanda.
Professor Adjunto - [email protected]
Assistente de Pesquisa - [email protected]
Grupo de Economia da Energia - Instituto de Economia - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Av. Pasteur 250, sala 22.
Praia Vermelha - CEP: 22290-240 Rio de Janeiro-RJ Brasil - Tel: (21) 38735269/ 5270
*
**
2194
No caso brasileiro, devido ao tamanho do mercado se constituir num fator complementar de atratividade, foi observada a atuação destacada de alguns players transnacionais no
processo de reestruturação das indústrias energéticas, apesar da importância ainda significativa das empresas estatais1 .
Este trabalho aborda os novos comportamentos estratégicos das empresas de energia e
os problemas da implementação das reformas, focalizando o processo recente de abertura
da indústria de energia elétrica no Brasil. Neste sentido, o objetivo é destacar que este movimento de abertura permitiu a ampliação do número de empresas operadoras. Entretanto,
pode-se observar um elevado grau de reversibilidade, em função da alteração dos objetivos
estratégicos destes grupos, dos seus problemas de gestão econômico-financeira e, do grau
de incerteza gerado pela não conclusão das reformas institucionais e regulatórias no Brasil.
A seção 2, a seguir, apresenta um marco analítico para apresentação dos problemas relacionados com os comportamentos estratégicos das empresas de energia. Na seção 3, examinamos o processo de abertura da industria elétrica no Brasil, destacando o papel dos novos
entrantes e as dificuldades para consolidar suas posições no Brasil. Ainda nesta seção, serão
analisados os casos específicos da Enron e da AES, identificando os principais problemas
relacionados com seus desempenhos econômico-financeiros. Finalmente, a seção 4 reúne
as principais conclusões.
2. Um marco de referência para a adoção de novos comportamentos estratégicos
Ao longo dos anos 90, as transformações estruturais e institucionais nas indústrias de
energia levaram as empresas a rever profundamente seus comportamentos estratégicos tradicionais. A emergência de pressões competitivas na indústria energética através da supressão de
barreiras institucionais à entrada de novos operadores nacionais e internacionais, implicou na
redefinição das estratégias empresariais e dos modos de gestão e operação, sobretudo para
preservar os mercados cativos dos ataques dos concorrentes internos e internacionais.
Além disso, a competitividade e o forte movimento de busca de novas oportunidades de
negócios tornou-se um aspecto essencial da agenda estratégica das empresas operadoras,
principalmente desde a década de 90. Esse aspecto explica o extraordinário movimento
registrado em vários países de formação de acordos de cooperação industrial e tecnológica,
de alianças estratégicas, de fusões e aquisições e de privatizações.
Num contexto de mercados globalizados, com acesso a crédito no mercado internacional, e facilidade de remessa de lucros às suas matrizes originais, os principais comportamentos estratégicos das empresas promoveram uma extensa reconfiguração patrimonial. Ademais, durante a maior parte da década de 90, a facilidade de acesso a diferentes formas de
captação de recursos financeiros viabilizou os planos de aquisição de ativos, demonstrada pelo
extraordinário incremento das operações de fusões e aquisições (Iootty e Pinto Jr., 2003).
No que diz respeito ao comportamento estratégico das empresas de energia é importante destacar que o movimento de crescimento externo tem sido conduzido principalmente
via compra de ativos, sobretudo através de formação de parcerias estratégicas.
Além desses grupos, cabe destacar igualmente a importância dos fundos de pensão, e de alguns grupos privados nacionais,
no processo de reconfiguração patrimonial das empresas de energia.
1
2195
A compra de ativos pode ser explicada pelas vantagens competitivas dos atos de aquisição, ou seja, ao comprar a participação acionária de empresas já existentes, o adquirente
passa a dispor imediatamente de uma capacidade instalada, marca, fatia de mercado e histórico creditício. No caso de empresas de distribuição de eletricidade, os novos proprietários
adquirem um mercado cativo, especialmente nos segmentos residencial e de serviços, os
quais, no caso brasileiro, operam com elevadas margens de comercialização (Pinto Jr., 2003).
A formação de parcerias é necessária devido ao elevado montante de recursos requerido
para compra de ativos na indústria elétrica, o que exige normalmente o endividamento das
empresas. Portanto, se duas grandes empresas se associam para a compra de uma terceira,
esses parceiros ampliam a capacidade de alavancagem. Além disso, é importante ressaltar a
aproximação de um parceiro nacional no ato da internacionalização, seja via processo de
privatização ou participação em projetos individuais. Este fato é importante, pois, geralmente, a empresa nacional já conhece as especificidades do país em questão, bem como tem
uma melhor noção sobre os riscos econômicos e conjunturais do país.
O processo de diversificação e internacionalização das atividades empresariais no setor
energético se revelou um traço marcante da última década. Esse processo de diversificação
vem sendo motivado pelo conjunto de inovações tecnológicas que têm permitido a entrada
em novas oportunidades de negócio. Essas, em geral, comportam menores economias de
escala e maiores economias de escopo, conferindo um melhor aproveitamento da capacidade instalada e menores custos de investimento.
Como se verá no exame do caso brasileiro, o processo de atração de novos players para o
setor de energia, iniciado em meados da década de 90, foi bem sucedido. Entretanto, já tem
sido observado um movimento de reversão desses comportamentos estratégicos, ou seja,
alguns grupos internacionais já têm manifestado ou realizado um movimento de saída do
mercado energético brasileiro.
3.
Os problemas derivados dos novos comportamentos estratégicos: casos
Enron e AES
O processo de reestruturação do setor elétrico brasileiro foi iniciado em 1993, com o
objetivo de atrair capitais privados nacionais e internacionais. É importante ressaltar que a
entrada de novos agentes depende da eficácia das mudanças estruturais e institucionais.
Contudo, a implementação das reformas no país não seguiu uma ordem seqüencial de etapas observadas em outros países que reformaram suas indústrias elétricas: (i) a definição da
nova estrutura de mercado e o grau de integração vertical das empresas; (ii) a definição dos
novos mecanismos de regulamentação; (iii) a criação do novo órgão regulador, (iv) as reformas patrimoniais, definidas no âmbito do programa de privatizações.
A privatização, por exemplo, diferentemente de muitos países, foi implementada antes da
conclusão de novas regras de mercado e a da criação do novo órgão regulador, a Agência
Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.
Apesar da implementação das reformas não ter seguido a ordem cronológica ideal, a
privatização, iniciada em 1995, possibilitou a entrada de empresas estrangeiras no mercado
brasileiro, como a EDF (França), Houston Energy (EUA), AES Corporation (EUA), Chilectra
(Chile), EDP (Portugal), Endesa (Espanha), Iberdrola (Espanha), Enersis (Chile), Enron
2196
(EUA), CEA (EUA), Tractebel (Bélgica), entre outras. Muitas dessas empresas, como a
Enron, CSW, CEA, AES Co., CMS e EDP estabeleceram parcerias estratégicas com empresas nacionais de energia.
A conciliação de novos comportamentos estratégicos com os encargos referentes
às missões de serviço público pode ocasionar uma série de problemas tanto para os
consumidores como para os órgãos reguladores. De uma maneira geral, após as operações de aquisição de ativos de empresas privatizadas, o interesse, de curto prazo, é
o retorno rápido do capital investido. Isto coloca em tela um trade off entre a política
de dividendos da empresa e o incremento de investimentos necessários à melhoria da
eficiência produtiva.
A médio e longo prazos, a questão principal diz respeito aos objetivos de expansão
determinados pelos novos controladores. Nesse caso, o trade off se estabelece entre as
decisões de investimentos de expansão e de melhoria da qualidade dos ativos do sistema elétrico e a busca de diversificação e/ou expansão transnacional, as quais comportam também a necessidade de mobilização expressiva de recursos financeiros.
Dois casos ilustram bem este tipo de problema e estão diretamente relacionados
com o processo de reforma das indústrias de energia no Brasil: Enron e AES. Estas
empresas foram atores importantes no processo de reforma das indústrias elétricas
na América Latina; entretanto, se tornaram uma referência negativa da adoção de
novos comportamentos estratégicos nas indústrias de energia.
A partir do fim da década de 90, o quadro macroeconômico positivo que favoreceu a expansão internacional das empresas de energia foi sendo alterado devido aos
problemas de desvalorização e mudança de regime cambial (Argentina, Brasil,
Venezuela) e de natureza política (Colômbia, Argentina, Venezuela).
Estes fatores forçaram a revisão rápida das estratégias empresariais. No caso da Enron
em fins de 2001 e, da AES, no início de 2002, a impressionante queda do valor das
ações revela o limite das estratégias de diversificação e das operações de project finance,
registradas como off balance sheet e que lançam dúvidas sobre a precisão de seus registros contábeis. O resultado destas sanções de mercado implicou na reestruturação
patrimonial e na alienação de ativos.
No que concerne a Enron, o grupo vinha ganhando destaque como um dos primeiros
a olhar o negócio de energia elétrica sem necessariamente concentrar seu portfolio de
atividades na vertical das cadeias produtivas seja de eletricidade, de gás ou de petróleo. As
reformas estruturais e institucionais dos setores de infra-estrutura criaram, de fato, a
possibilidade de comercializadores se tornarem atores importantes na indústria. A Enron
desenvolveu a atividade de comercialização e negociação de contratos e pautou seu projeto de expansão transnacional e entradas em outros países através de uma postura agressiva na aquisição de ativos. Este pilar de sua estratégia corporativa foi erguido graças à
excepcional situação de liquidez nos mercados de capitais entre 1993-1998 e à montagem
de diversos project finance. É precisamente ao longo deste período que o grupo Enron
foi se consolidando como empresa multinacional, aproveitando o processo de abertura
dos mercados energéticos em diferentes países. Seu faturamento cresceu de US$ 1 bilhão
para cerca de US$ 100 bilhões em uma década.
2197
A expansão no sentido da diversificação permitiu o surgimento de um leque de mercados muito amplo, de maneira que a empresa passou a atuar no segmento de gás
natural (transporte e distribuição), petróleo, geração de energia elétrica, e-commerce, carvão, turbinas de energia eólica, saneamento e comunicação. Entretanto, não deixou de
lado sua atividade principal de comercialização de energia, viabilizando um grau de
integração capaz de prover à empresa grandes vantagens comparativas, principalmente
no que concerne às economias de escopo e conseqüente redução de custos operacionais.
Seguindo este comportamento estratégico, a Enron adquiriu um portfolio de ativos
nas indústrias de gás e eletricidade em diversos países. Ademais, apostando na variável
estratégica, a Enron pagou elevados ágios em processos de privatização (100% no caso
da Elektro, distribuidora de eletricidade em São Paulo) e participou de uma longa série
de operações de fusões e aquisições na última década, na tentativa de assegurar os
objetivos fixados pela estratégia de diversificação.
Assim, no final de 2001, a empresa viu-se diante de um abismo financeiro com a
queda acentuada do valor de suas ações. A divulgação de comunicados a respeito de
dívidas pendentes, superiores a US$ 9 bilhões e com vencimento em 2002, do não
pagamento dos dividendos do terceiro trimestre do ano 2001, e a respeito de possíveis
distorções nos dados financeiros dos anos anteriores levaram à desconfiança dos acionistas quanto à real situação da empresa.
Logo, o caso da Enron é, em certa medida, ainda mais grave por duas razões. Primeiro coloca em xeque a questão da diversificação do core business das empresas. Segundo
reforça a importância dos mecanismos de controle de novos entrantes e de suas atividades no setor de energia, especialmente aquelas relacionadas com a comercialização, a
gestão de contratos e fluxos financeiros. A conseqüência direta diz respeito às dúvidas
sobre a adequação do papel das autoridades de regulação setorial e financeira, levando
ao questionamento dos princípios básicos que norteiam as reformas dos setores de
infra-estrutura econômica. Desse modo, a partir de 2002, teve início a recomposição
patrimonial das empresas onde a Enron detinha participações acionárias.
Quanto à AES, no início de 2002 foram divulgadas denúncias de manipulação de dados contábeis semelhantes aos da Enron, levando a forte queda das ações. Com o propósito de alavancar recursos financeiros para fortalecer o seu balanço, a empresa passou um
processo de revisão de seu portfolio de participações acionárias em diferentes países.
A AES é, do mesmo modo que a Enron, uma das principais empresas investidoras
no setor de energia do Cone Sul. Em 2002, seu portfolio contava com cerca de 30
usinas, 2 empresas geradoras, 6 distribuidoras de energia elétrica e empresas subsidiárias na área da telecom. Os principais ativos da empresa na região são as participações
nas geradoras CEMIG (Estado de Minas Gerais, Brasil) e Gener (Chile), além da distribuidora Eletropaulo (Estado de São Paulo, Brasil).
O fechamento do acordo com a empresa francesa EDF no tocante ao descruzamento
das participações das empresas nas distribuidoras Eletropaulo e Light (Rio de Janeiro),
concedeu à AES 70% do capital da Eletropaulo, cujo controle era estratégico para assegurar os objetivos da empresa na região.
2198
Entretanto, com uma dívida superior a US$ 2,5 bilhões, a Eletropaulo passou a se tornar
um grande problema para a matriz, em especial após o racionamento de eletricidade em
2001. As dificuldades de mobilização de recursos da AES tanto no plano internacional,
como no plano nacional contribuem para explicar o imbróglio financeiro que culminou com
o não pagamento das dívidas da AES Eletropaulo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A inadimplência da AES causou inúmeros transtornos e sucessivas rodadas de negociação da dívida No caso brasileiro, um dos principais
argumentos utilizados em favor da privatização das empresas estatais era referente à melhoria
da gestão econômico-financeira dos grandes operadores internacionais. Porém, os casos
examinados acima mostram que o cumprimento deste objetivo nada tem de automático.
Ainda que os problemas de Enron e AES não possam ser generalizados, estes episódios
suscitaram forte desconfiança quanto à capacidade das empresas entrantes para alavancar o
nível de investimentos na indústria elétrica brasileira.
Portanto, no caso brasileiro, esses problemas estão relacionados tanto com os equívocos das decisões de investimento e financiamento tomadas pelas empresas no passado,
em particular os empréstimos contraídos para financiar novas aquisições, quanto com as
restrições macroeconômicas e setoriais - impostas pelo estrangulamento da oferta de
eletricidade (efeitos do racionamento).
Estes problemas têm suscitado várias alterações nos comportamentos estratégicos das empresas, evidenciado pela recomposição dos portfolios de atividades e pela venda de posições nas
empresas privatizadas recentemente. Cabe observar, por exemplo, que, desde a data da privatização,
várias concessionárias privatizadas já alteraram a estrutura patrimonial (ver anexo 1).
Este aspecto reforça o argumento referente ao grau de reversibilidade do processo de
entrada e à relativa instabilidade das estruturas societárias9 . Estes fatores produzem impactos perversos sobre o processo de tomada de decisão de investimentos.
CONCLUSÃO
Ao longo da década de 90, o setor de energia experimentou importantes mudanças estruturais. Estas mudanças são resultantes da combinação de um conjunto de fatores, entre os
quais podemos destacar: (i) o avanço dos processos de desregulamentação, tanto nos países
desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, os quais ofereceram um novo leque de
oportunidades de negócio e de diversificação do core business das empresas de energia; (ii) o
acirramento da competição no plano internacional e necessidade de perseguir novos ganhos
de escala e de escopo resultaram num movimento expressivo de fusões e de aquisições.
Neste sentido, os processos de reformas estruturais e institucionais visando a atração de
novas empresas nas indústrias energéticas envolvem simultaneamente problemas relacionados com a expectativa de retorno dos investimentos e as condições macroeconômicas em
função do valor dos ativos e do peso dos investimentos.
Uma ilustração exemplar deste problema é o caso da empresa norte-americana PPL que adquiriu, em 2000, a
concessionária do estado do Maranhão (Cemar) e se retirou do negócio em 2002. A situação da empresa ficou indefinida
e, em janeiro de 2004, ela ainda se encontarava sob intervenção do órgão regulador ANEEL, à espera da decisão quanto
à venda a novos controladores.
9
2199
As crises econômicas na região no final da década de 90, seguidas de desvalorizações
cambiais, forçaram as empresas a redefinir suas estratégias a partir da reversão de expectativas para com a América Latina. O Brasil não escapou desse movimento. Como conseqüência, a queda, em dólares, do valor dos ativos forçou a redução dos investimentos na região
e mudanças nas estratégias. Este processo foi particularmente grave nos casos da Enron e
da AES, que se viram confrontadas com sérios problemas de suas estratégias de diversificação e de internacionalização de suas atividades. Estes problemas acarretaram a forte redução no valor de suas ações e exigem a alienação de seus ativos em diferentes regiões.
No setor elétrico, porém, os problemas são mais graves. A conjugação de uma série de
quatro fatores principais vem obrigando as empresas a alterarem seus comportamentos
estratégicos. São eles: i) os problemas relacionados com os desequilíbrios nos portfolios das
grandes empresas internacionais, ii) o caso emblemático da Enron, iii) a crise do racionamento de eletricidade e iv) os problemas decorrentes do desenho institucional e da
implementação das reformas.
Neste sentido, não chega a ser surpreendente o contínuo processo de reconfiguração
patrimonial das empresas elétricas brasileiras, como um reflexo da redefinição dos comportamentos estratégicos dos grupos controladores. Conforme destacamos, este aspecto tem
implicações sobre as decisões de investimento e sobre a estabilidade das relações contratuais.
Na prática, as pressões competitivas impõem a revisão dos modos de operação e gestão para preservar os mercados cativos dos ataques dos concorrentes. No Brasil, as mudanças estruturais e institucionais da indústria elétrica são igualmente profundas e ainda
estão em curso. De todo modo, elas têm alterado, por um lado, a forma de gerir o “negócio elétrico” e, por outro, criado pressões competitivas, exigindo das empresas a necessidade de adequação de seus critérios de gestão econômico-financeira e uma maior atenção
aos fatores de competitividade.
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2200
ANEXO 1
Alterações na Configuração Patrimonial das Empresas Elétricas Brasileiras
(035(6$ '$7$ 35(d2 &2035$'25(6
ESCELSA
LIGHT
CERJ
COELBA
ENERSUL
1995
0,38
1995
2,2
1996
1997
1997
0,6
3$57,&,3$d­2
$&,21È5,$(0
Iven S/A (52,27%), GTD (25%), Fundação
Iven S/A (45%), GTD Banco Central – Centrus (6,6%), Cinves –
Clube de Investimentos dos Empregados da
(25%), Eletrobrás,
Escelsa,
Outros.
Outros (15,21%).
Consórcio EDF,
Houston E. e AES
EDF (79,8%), Lidil Comer.** (14,7%),
(34%), CSN (7%),
Eletrobrás, Bndespar
Público (5,2%),
Ações em tesouraria (0,3%).
(9%), Empregados,
Outros.
Chilectra (42%), EDP
(21%), Endesa (7%),
Governo do RJ.
Enersis (40,26%), Endesa (39,7%),
EDP (19,5%), Outros (0,9%).
1,57
Iberdrola (39%),
Brasilcap (48%),
Outros Fundos (13%).
Guaraniana S/A (87,84%), Iberdrola
Energia S/A (8,5%), Previ – Caixa de
Previdência dos Funcionários do BB
(2,29%), Outros – Pessoa Física e Jurídica
(1,37%).
0,57
Escelsa
(100%).
Magistra Participações S/A
(65,2%), Pacific Overs Investiments
Ltd (10%), Outros (24,8%).
CPFL
1997
2,74
VCB (45%),
Fundos de
pensão (55%).
CPFL Energia S/A (90,8005%),
VBC Energia S/A (3,2156%), Ações
Resgatadas P/ (4,3574%), Prefeituras
(0,2368%), A Identificar (0,2145%),
Empregados (0,2611%), Mercado
(0,9142%).
CEMAT
1997
0,35
Grupo Rede (65%),
Inepar (35%).
Caiuá – Serviços de Eletricidade S/A
(37,54%), Eletrobrás (41,04%), Inepar S/A
(18,11%), Outros (3,3%).
ENERGIPE
1997
0,52
Cataguazes
Leopoldina e Fundos
de Pensão (100%).
Cataguazes Leopoldina (100%)
COSERN
1997
0,61
Coelba (63%),
Guaraniana (31%),
Uptick (6%).
Coelba (67,4%), Guaraniana S/A (25,2%),
Uptick Participações S/A (5,8%), Iberner
(1,3%), Outros (0,3%).
AES-SUL
1997
R$ 1.510
mi
AES Corporation.
AES Guaíba II Empreendimentos Ltda
(96,6%), Outros (3,4%).
2201
Alterações na Configuração Patrimonial das Empresas Elétricas Brasileiras (cont.)
RGE
1997
R$ 895 mi
Community Energy
Alternativas, VBS Energia
e Previ.
COELCE
1998
0,87
Enersis-Chilectra (26%),
Endesa (38%), Cerj (36%).
METROPO
LITANA
1998
1,8
CELPA
1998
0,39
ELEKTRO
GERASUL
BANDEIR
ANTE
ELETROP
AULO
CESPPARANA
PANEMA
CEMAR
CELPE
SAELPA
Light (100%).
CPFL (66,92%), Ipê Energia S/A
(32,61%), Outros (0,47%).
INVESTLUZ (56,59%), Investidores
Privados (35,14%), Eletrobrás (7,06%),
Prefeituras (0,31%), Outros (0,9%).
LIGHTGAS Ltda (31%), União Federal
(8%), Metro – Cia. Metropolitana de SP
(0,8%), AES Transgás Empreendimento
Ltda (38,6%), AES Empreendimento
Cemig Inc (4,4%), LightPar (1,3%),
Outros (15,9%).
Grupo Rede (65%) e
Inepar (35%).
Caiuá – Serviços de Eletricidade
S/A(0,61%), Eletrobrás (34,24%), QMRA
– Participações S/A (51,26%), Outros
(13,89%).
1,5
Enron (100%).
EPC – Empresa Paranaense Comercializ.
Ltda (46,8%), EIE – Enron Investimentos
Energéticos Ltda (5,2%), ETB – Energia
Total do Brasil Ltda (48%).
0,8
Tractebel (100%).
Tractebel (100%).
0,86
CPFL (44%), EDP (56%).
EDP (96%), Outros (4%).
R$ 2.027
Consórcio Lightgás
(corretora Brascan),
Secretaria da Fazenda do
Estado de SP.
AES Corporation.
1999
0,69
Duke Energy (100%).
2000
0,29
Pensylvannia Power &
Light (100%).
2000
1,0
Guaraniana (Iberdrola,
BBI, Previ).
2000
0,2
Cataguazes Leopoldina
(100%).
1998
1998
1998
1998
Grupo Rede
Sob intervenção da ANEEL e em
processo de venda, após a retirada do
grupo americano PPL
Guaraniana S/A (89,17%),
Outros (10,83%).
Cataguazes Leopoldina (100%).
Bilhões de dólares
Empresa do grupo Edf
Fonte: BNDES, sites das empresas, Banco de dados do Grupo de Economia da Energia
*
**
2202
QUAL INFLUÊNCIA PODE EXERCER A
RECÉM-CRIADA EMPRESA DE PESQUISA
EM ENERGIA (EPE) NO PROCESSO
DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Ricardo Luiz Camargo*
Célio Bermann**
RESUMO
Este artigo discute a criação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, no âmbito do
Ministério das Minas e Energia. Ao destacar entre suas atribuições a realização de estudos
ambientais para obtenção de licenças prévias, este artigo argumenta que a EPE poderá ter
um papel crucial não só para a melhoria desses estudos, mas também para acelerar a decisão
dentro do processo de licenciamento ambiental, além de reforçar os dispositivos de participação como as audiências públicas, uma vez que ela poderá oferecer uma resposta a um dos
principais entraves no licenciamento: a dificuldade de decisão devido a estudos ambientais
de baixa legitimidade. Para isso, um importante elemento é se seu desenho organizacional
vai contemplar a estruturação e fortalecimento das características centrais de burocracia,
entre elas a formação de um corpo coeso de técnicos e a independência de suas ações.
Palavras-chaves: licenciamento ambiental; participação; burocracia; administração.
INTRODUÇÃO
A perspectiva de recuperação da economia brasileira é uma realidade que vem se confirmando segundo dados recentes do IBGE; os três últimos trimestres reacenderam a expectativa de crescimento sustentável com a criação, em médio prazo, de postos de trabalho
imprescindíveis para reduzir o desemprego, principalmente nas regiões metropolitanas.
Contudo, como ocorreu em 2001, o fantasma da crise de oferta de energia ainda assombra
*
Mestre em energia pela USP, professor da Universidade Mackenzie e Consultor da Fundação Instituto de Administração - FIA
e-mail - [email protected] - Rua Gastão do Rego Monteiro, 654/São Paulo/05594-030.
**
Professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo - e-mail - [email protected] - Av.
Prof. Luciano Gualberto, 1289, Cidade Universitária, São Paulo/SP 05508-900.
2203
essa expectativa, isso porque, para sustentar as projeções de crescimento do PIB na ordem
de 3 ou 4% neste e nos próximos anos, existe a necessidade de incrementar a geração de
energia com investimentos na ordem de 15 a 20 bilhões de dólares.
A urgência requerida para suprir a demanda futura de energia traz novamente à discussão os percalços procedimentais por que passam os projetos, desde a sua etapa de concepção e de Project Finance para definição de risco em seus contratos fundamentais de
fornecimento de matéria-prima, venda e formas de financiamento, operação e manutenção, até a etapa de obtenção do licenciamento prévio ¯ de aprovação do projeto em
termos ambientais. É sobre o licenciamento ambiental que este artigo se concentra, principalmente porque é sobre ele que recaem todas as críticas em torno da morosidade para
viabilização desses projetos.
Em discurso recente, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva confirmou a preocupação
existente no âmbito do governo em torno dos impactos dos prazos dilatados para definição do licenciamento; isso demonstra que o processo de licenciamento ambiental está, de
fato, na agenda política, representando ponto de gargalo para a viabilização desses projetos. Além disso, o novo modelo do setor elétrico, proposto no Governo Lula e votado
recentemente no Legislativo, reforça esse fato com a constituição da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, com a Lei no 10.847, de 15 de março de 2004, com o objetivo de
conduzir e elaborar os Estudos de Impacto Ambiental de projetos energéticos numa fase
anterior à licitação ou autorização, dessa forma retirando do empreendedor o ônus pela
obtenção da licença, mas cabendo a ele os custos desses estudos.
A criação da EPE pode fornecer uma solução para além do mero objetivo de reduzir o
prazo de licenciamento para aprovação do projeto de empreendimento energético; traz a
possibilidade de recuperação da capacidade do Ministério das Minas e Energia em produzir e implantar políticas abrindo caminho para se estruturar, no âmbito desse Ministério,
um corpo técnico capaz de auferir a legitimidade necessária para a condução do processo
de licenciamento, especificamente num aspecto que influencia todo esse processo: os
estudos de impacto ambiental.
A criação da EPE, desde que garantidos os requerimentos discutidos neste artigo,
pode representar um divisor de águas e referência para o encaminhamento do processo de licenciamento em bases mais sólidas, diferentemente do que vem ocorrendo
e cujas conseqüências se resumem na demora para a obtenção de licenças ou mesmo
o abandono do projeto.
Este artigo discute a importância da EPE argumentando que o processo de
licenciamento ambiental pouco se efetiva devido ao fato de que seus estudos de impacto ambiental ¯ EIA/RIMA ¯, uma vez que são colocados sob suspeita quanto à sua
qualidade e independência, pouco fundamentam como base a partir da qual as decisões
de aprovação ou não-aprovação sejam tomadas; essa baixa efetividade encontra suas
causas não em eventual incapacidade de equipes consultoras na elaboração desses estudos, mas na incapacidade dos órgãos governamentais em garantir a idoneidade dos
estudos em análise e avaliação. A criação da EPE pode constituir-se nessa base de
legitimidade fortalecendo o processo de licenciamento como um todo, principalmente
fortalecendo as audiências públicas.
2204
Qualquer processo de negociação ou aprovação de um projeto estará prejudicado quando
não estiver garantida a base sobre a qual são colocados os interesses, pois é dela que se estrutura a legitimação dos agentes. No processo de licenciamento, essa base são os EIAs/RIMAs,
e quando não há credibilidade sobre eles pouca legitimidade é possível; em conseqüência,
qualquer decisão que se tomar sempre sofrerá impugnações, retardando o processo.
Como ponto de referência no argumento, toma-se o caso da avaliação ambiental no
Estado de São Paulo. Ao descrever o processo de licenciamento ambiental, no âmbito do
Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental – DAIA, com destaque para a forma
como as audiências públicas são realizadas, apontam-se alguns pontos nevrálgicos desse
processo como emblemáticos para então discutir a atuação da EPE.
Crise de Energia e Licenciamento
Com respeito à implantação de empreendimentos energéticos, especificamente os de geração de energia elétrica, e o tempo de tramitação no âmbito do órgão ambiental dos projetos
desses empreendimentos, levando-se em conta os reclamos de empreendedores e de autoridades públicas formuladoras e implementadoras de políticas públicas no setor energético, há
atualmente, tendo em vista o início das obras, um descompasso entre a urgência requerida
para sua implantação e o prazo excessivo para a obtenção da licença ambiental prévia.
A expedição da licença ambiental para usinas de grande porte pode levar de 12 a 36
meses (às vezes mais), o que torna longo o percurso para a obtenção desse documento; isso
porque os procedimentos de análise são minuciosos e são necessários estudos de impacto
ambiental com amplitude e rigor de tamanha ordem que, para sua elaboração, muitos empreendimentos contratam empresas especializadas nessa atividade, requerendo também
numerosas equipes que abrangem os vários ramos do conhecimento. Além de demandar
muito tempo, o processo de licenciamento exige grandes somas de recursos financeiros.
Muitos empreendedores não vêem com bons olhos o tempo gasto para a tramitação dos
processos pois, segundo eles, esse prazo denota a falta de alinhamento entre órgãos do
setor de energia, não muito afeitos às questões do licenciamento, e órgão ambiental, que
seria pouco sensível aos aspectos técnicos e financeiros dos empreendimentos.
A questão que sustenta este estudo — como os interesses individuais e de grupo são processados e negociados nas instâncias de mediação política, ou seja, nas instâncias voltadas para a
tomada de decisões coletivas (SOUZA, 1998: 54) — encontra nas relações presentes no transcurso do processo de licenciamento ambiental um objeto profícuo para ser analisado. Ainda
mais quando se toma como foco os empreendimentos de geração de energia elétrica num contexto fortemente marcado por uma conjuntura de crise, de transição e de adaptação institucional.
É, pois, no processo de licenciamento, mais especificamente quando da realização da
audiência pública, que se verifica o embate dos diversos interesses pondo em rota de conflito ou de consenso os órgãos estatais, que também conflitam entre si, as representações da
sociedade e os empreendedores.
A audiência pública é definida pelas Resoluções Conama 001/86 e 009/87 como um mecanismo institucional de participação pública no processo de avaliação ambiental dos empreendimentos potencialmente causadores de degradação ambiental. Sua realização se dá após a
conclusão do EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental,
2205
e tem como finalidade a discussão desses documentos, dirimindo dúvidas da população sobre
o empreendimento e seus impactos, bem como o recolhimento de críticas e sugestões. As
discussões nas audiências públicas devem ainda subsidiar o parecer técnico final do órgão
licenciador ambiental na concessão ou não da Licença Prévia Ambiental (LEMOS, 1999).
Embora a audiência pública tenha essa concepção, nos empreendimentos energéticos ela
se transforma numa verdadeira arena, onde, devido a conflitos de interesses, ocorre um
embate político, dada sua pretensa capacidade potencial de influenciar o parecer final. Isso
ocorre por variadas causas. A primeira delas se deve ao fato de a audiência pública ser a
única forma disponível de participação da sociedade nas questões relativas não só ao meio
ambiente mas também às questões energéticas.
Não obstante o fato de a audiência pública ter se constituído numa arena política, as discussões em torno do empreendimento ocorrem sem o devido amparo técnico, que poderia ser
disposto por um simples Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, o que fundamentaria os
embates e eliminaria a ocorrência de informações desencontradas e uso de subterfúgios.
Ante essa situação, a estratégia do empreendedor é mais de cooptar simpatizantes para o
projeto do que fornecer os elementos para sua avaliação, por isso jogam papel decisivo as
táticas para a realização da audiência. Dessa maneira, contratam-se pessoas da região do
futuro empreendimento para integrarem o grupo de apoiadores; essas, vestindo camisetas
que estampam palavras que exaltam o projeto e empunhando faixas e bandeiras, manifestam-se a cada fala dos oradores, vaiando os que são contrários ao empreendimento. Além
disso, é comum que pessoas influentes da região sejam cooptadas para o projeto,
freqüentemente, oferecendo-lhes uma visita a instalações de outros empreendimentos do
empreendedor, às vezes no exterior.
Em contrapartida, a manifestação daqueles que são contrários ao empreendimento ocorre fundamentada nas informações trazidas por ambientalistas, que, quando convictos de
sua oposição ao projeto, também jogam um papel de cooptação para sua causa, deixando
igualmente as questões técnicas em segundo plano.
Com grande evidência nas audiências públicas, o processo de licenciamento ambiental
aponta para o descompasso entre a necessidade dos investimentos no setor de energia e
outros interesses, sendo a questão ambiental um deles. Dentre outras razões, tal descompasso
é conseqüência do distanciamento verificado tanto entre os órgãos estatais responsáveis
pela formulação de políticas, planejamento e regulação em relação ao órgão ambiental, quanto
entre o Estado em relação à sociedade e aos empreendedores.
O baixo nível de capital social, isto é, de laços de confiança e fidelidade mútuos existentes no setor, pode ser uma das causas desse distanciamento. O planejamento do setor
elétrico brasileiro tem, historicamente, um caráter centralista e fechado, mesmo após a
reestruturação ocorrida nos anos 90 e que continua até hoje, a despeito da entrada de
capital privado, em sua maioria internacional.
Embora as audiências tenham um caráter jurídico meramente informativo, a experiência
demonstra que elas têm sido “ressignificadas” pela sociedade, tornando-se o momento de
efetivo embate político quando estão sobre a “mesma mesa” Estado, sociedade e empreendedor. Conforme a legislação, nas audiências deveriam ser discutidos os estudos de impacto
ambiental – EIAs e seus respectivos relatórios de impacto ambiental – RIMAS; contudo, e
2206
por várias razões, todos os aspectos acerca do empreendimento são colocados sob discussão, muitas vezes contrariando as vontades do empreendedor e do órgão ambiental. É um
embate político que põe frente a frente entidades representativas, como ONGs, cidadãos,
imprensa, órgãos ambientais, universidades, empreendedores e seus consultores.
A ressignificação das audiências públicas como momento para o embate político não é
compartilhada pelos três lados, Estado, empreendedor e sociedade. Se o é, é de uma forma
cujo entendimento é diferenciado segundo o ponto de vista. A legislação acerca dos documentos que devem ser objeto de discussão, os Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA,
diz que esses documentos devem ser elaborados e redigidos de forma que possam ser
plenamente entendidos por um público geral, não necessariamente afeito às questões técnicas ali presentes; contudo, tem sido comum a utilização pelos empreendedores de extensos
relatórios que nada informam sobre o empreendimento em discussão.
Pelo contrário, tornam-se instrumentos de uma tática de diversionismo, que desloca a
discussão para assuntos distantes do foco do empreendimento. Além disso, são utilizados
outros subterfúgios para esse intento diversionista: a contratação, pelos, empreendedores
de grandes grupos de pessoas para desempenharem o papel de apoiadores do projeto durante a realização das audiências; cooptação de figuras ilustres da região de localização do
empreendimento de variadas formas etc. Do ponto de vista do órgão ambiental, a audiência
ainda é compreendida como um mero procedimento no longo processo de licenciamento.
O Estado de São Paulo possui norma específica sobre as audiência públicas; a principal
encontra-se na Deliberação do Consema nº 50, de 1992. Segundo essa legislação, as audiências são espaços de consulta à população, cuja participação esclarecida é fundamental para a
tomada de decisão posterior pelo órgão pertinente.
Os principais aspectos das audiências públicas previstos na norma paulista são: as audiências são reuniões cujos objetivos principais são debater, conhecer e informar a opinião pública
sobre a implantação de determinada obra ou atividade potencialmente causadora de significativo impacto ambiental; são eventos públicos que permitem a presença de qualquer pessoa ou
entidade interessada no assunto objeto de discussão; serão realizadas sempre no município ou
área de influência em que a obra, atividade, plano ou programa já estiver implantado, ou em
fase de implantação, ou previsto para ser implantado, tendo prioridade para escolha o município onde os impactos forem mais significativos; todos os documentos apresentados à Mesa
serão anexados, para EIA/RIMA em análise na Secretaria de Meio Ambiente; durante a audiência, um exemplar, pelo menos, será mantido no recinto para consulta; todas as despesas da
realização são de responsabilidade do empreendedor (FURRIELA, 2002).
Segundo estudo do Ministério do Meio Ambiente, citado por FURRIELA (2002), a experiência acumulada desde a Resolução Conama 001/86 demonstra que a audiência pública tem
sido pouco explorada na prática de avaliação de impacto ambiental e que, por si só, não é
capaz de efetivar a participação social no processo de tomada de decisão quanto ao
licenciamento ambiental de atividades modificadoras do meio.
Algumas limitações da audiência pública como instrumento de participação dizem respeito a que grande parte das audiências só se realiza depois da conclusão do Estudo de
Impacto Ambiental – EIA. Em muitos casos isso pode implicar grandes desembolsos desnecessários por parte do empreendedor e do Estado. As audiências são marcadas pela po2207
larização das discussões nas quais se contrapõem partes numa “luta” em que buscam a todo
custo “vencer” uma disputa. O movimento ambientalista e outros movimentos sociais representados nesses atos públicos em sua maioria desconhecem o instrumento EIA/RIMA
e têm dificuldade em empreender uma análise técnica desses documentos, além disso têm
dificuldades financeiras para acompanhar referidos processos. As audiências são realizadas,
muitas vezes, após a decisão política acerca do assunto em discussão já ter sido tomada;
acabam sendo, freqüentemente, simples cumprimento de uma etapa de um processo burocrático. Os tomadores de decisão nem sempre estão presentes às audiências, as quais deveriam servir para seu esclarecimento para uma tomada de decisão justa. É bastante comum,
por parte dos empresários, políticos e interessados num apoio ao empreendimento ou questões sob discussão, a manipulação política das populações envolvidas.
Ainda, segundo RODRIGUES (1997) citado por FURRIELA (2002), apesar desses pontos
negativos, “existe potencialidade da audiência pública permitir o debate e a discussão dos
rumos da gestão ambiental suplantando os riscos anteriormente citados, e que, portanto,
merecem ser enfrentados”
Acerca das especificidades procedimentais (ou “burocráticas”), em seu estudo sobre o processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Tijuco Preto, LEMOS (1999) conclui
que “a norma criada para garantir efetiva a participação da sociedade pode também atuar
como elemento limitador, posto que seu cumprimento estrito (de “forma burocrática”) pode
impedir a ampliação do debate. Por outro lado, uma visão mais ampla do processo de
licenciamento ambiental e da aplicação dos seus instrumentos, pode permitir um melhor aproveitamento da participação da sociedade local, à medida que observações, reivindicações e
experiências podem ser incorporadas ao processo desde o início das discussões”.
Tendo em vista a crise energética que acomete o país, cuja resposta não se encontra em
soluções isoladas mas naquelas que sejam resultado da interconexão entre Estado, sociedade e mercado (empreendedores, investidores etc.), a assunção deste artigo é de que essa
interconexão pode ser subsidiada pela institucionalização de canais efetivos de participação.
A audiência pública é um desses canais, porque pode constituir-se num dos elementos centrais de articulação para a construção de capital social, pré-requisito essencial à construção
das soluções; nesse aspecto, o papel desempenhado pelo Estado, seja pelos órgãos ambientais
ou por aqueles ligados diretamente ao setor de energia, é o ponto crucial para isso, principalmente ao garantir que as informações sobre o empreendimento sejam verossímeis.
No entanto, a visão e práticas atuais do processo de licenciamento revelam, no caso do
estado de São Paulo, o caráter desse processo, marcadamente de fim de tubo, isto é, o órgão
ambiental estadual, quando da abertura do processo de licenciamento, já está diante de um
fato consumado: todo o projeto já está discutido, as alternativas de localização já foram
definidas, assim como a tecnologia a ser empregada no empreendimento, além dos aspectos
sociais e ambientais a serem impactados.
Além disso, a atuação do Consema no licenciamento ambiental ocorre nas fases finais do
processo, quando o EIA/RIMA já está elaborado e em discussão nas audiências públicas. A
tabela a seguir apresenta alguns empreendimentos ainda em tramitação no DAIA; ela busca
evidenciar a participação do Consema na avaliação dos Planos de Trabalho, que conforme
as etapas do processo correspondem à forma como os empreendedores irão conduzir a
2208
elaboração dos EIA/RIMAs, assim como a realização de Audiências Públicas para a análise
desses documentos e posterior elaboração do Termo de Referência. São destacados os
empreendimentos de termelétricas com capacidade acima de 200MW, o que denota o potencial impacto ambiental de sua implantação.
Tabela 1 - Empreendimentos recentes de termeletricidade em tramitação no DAIA
'DWD
37DYRFDGR $3 ,QWHUYHQo $3±(,$
(PSUHHQGLPHQWR 3RWrQFLD
SHOR
SDUD37 mRGH03 5,0$
0: &RQVHPD
19/02/02
UTE Ribeirão Preto
550
Sim
Não
Não
Não
07/02/02
UTE Andradina
357
Não
Não
Sim
Não
14/11/01
UTE Sorocaba
1.000
Não
Não
Sim
Não
19/10/01
UTE Anhanguera
290
Não
Não
Não
Não
18/05/01
UTE Bariri
750
Não
Não
Sim
Sim
21/09/01
UTE Paulínia II
550
Sim
Não
Sim
Não
23/01/01
UTE Araraquara
550
Não
Não
Sim
Não
21/10/98
UTE Jundiaí
800
Sim
Não
Sim
Sim
Fonte: SMA
Desses empreendimentos selecionados, verifica-se que o Consema pouco se manifestou
em relação a vários desses empreendimentos, como é o caso da termelétrica de Bariri, cuja
potência a ser instalada é de 750 MW. Também se verifica que nenhuma audiência pública foi
promovida para análise dos Planos de Trabalho.
Em face desses resultados, denota-se que há poucas ações, seja do órgão ambiental seja do
Consema, em direção da ampliação dos espaços de discussão de empreendimentos com significativo impacto ambiental ainda na fase de Plano de Trabalho.
Como foi salientado, o Plano de Trabalho é um documento produzido pelo empreendedor
no qual são apontados os procedimentos e os focos de avaliação que serão abordados no
Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento. A literatura relacionada aos estudos de
impacto chama essa fase, combinada com a elaboração do Termo de Referência, de scoping,
isto é, a fase quando são estabelecidos todos os itens que estarão contemplados no EIA.
Ao não se ampliar o leque de atores participantes do scoping, é abandonada uma importante
forma de participação da sociedade no processo de licenciamento, isto porque, se fosse garantida sua participação, muitas de suas demandas seriam contempladas no EIA; a informação
global sobre o projeto seria melhor difundida; as alternativas de localização do empreendimentos poderiam ser melhor debatidas.
Contudo, ao não se optar por essa possibilidade, transfere-se para a audiência pública
para apresentação do EIA/RIMA a possibilidade de participação da sociedade. Quando
isso ocorre, muitas vezes, é tarde para a interferência da sociedade no que tange à alteração
de algum elemento dentro do projeto. Pelo contrário, a não ser que haja uma forte interferência do Ministério Público.
2209
De qualquer forma, mesmo o Consema, Conselho que em tese agrupa os diferentes
interesses da sociedade e que tem a atribuição legal de avaliar todas as etapas de tramitação,
não exerce de forma integral suas responsabilidades.
Segundo a amostra de empreendimentos dispostos na tabela anterior, a avocação por
parte do Consema se deu de planos de trabalho daqueles empreendimentos a estarem localizados em municípios perto de São Paulo. A confirmação mais exata disso, bem como suas
eventuais razões obrigam a realização de uma pesquisa mais aprofundada.
Como salientado, a composição do Conselho, em sua maioria de representantes do próprio Estado, além da possibilidade de cooptação de outros representantes, dá um caráter
monolítico ao órgão, pouco promovendo o conflito de interesses mais pluralizado.
Portanto, a avaliação do órgão ambiental se mostra bastante prejudicada, além de essa
etapa se constituir em empecilho ao processo — das centenas de processos avaliados, pouco valor agrega. Após todo o processo, o EIA/RIMA apresentado para a sociedade nas
audiências públicas configuram-se em base pouco efetiva, pois recai sobre ele toda a desconfiança sobre sua idoneidade técnica; essa pouca efetividade vai influenciar decisivamente na qualidade das audiências como arenas ou fóruns potentes para o embate político. O
elemento essencial é que o foco das discussões não será mais o empreendimento em si e sua
capacidade de agregação de valor à comunidade e à sociedade em geral, avaliando-se todos
as suas influências físicas, sociais, econômicas, biológicas, mas em questões que se desviam
desse objetivo e que caminham para meros embates ideológicos, ou meros embates baseados em concepções e opiniões preconcebidas distantes da realidade do empreendimento e
dos interesses tanto de comunidade quanto de sociedade.
Conclusão: a Inserção da EPE no Processo de Licenciamento
O tópico anterior buscou evidenciar que parte dos impasses presentes no processo de
licenciamento ambiental de empreendimentos energéticos, principalmente os que ocorrem nas audiências públicas, tem correlação com a forma como o órgão ambiental conduz esse processo e a qualidade de sua intervenção que oferecem poucos elementos para
a legitimação dos EIA/RIMAS, base de todo o processo. Camargo (2003) aponta que
essa incapacidade de dotar legitimidade a esses estudos é conseqüência da frágil estrutura
técnico-adminsitrativa do órgão; isto é, após décadas, ainda não se configurou no sistema
uma estrutura técnica e administrativa que fosse capaz de resguardar a lisura do processo
e de oferecer à sociedade elementos norteadores para o alcance da sustentabilidade. Numa
palavra, não há uma burocracia estabelecida. Na contramão de estudos que colocam a
dimensão política como a causa da pouca efetividade, esse autor reforça a fragilidade da
estrutura como fonte da suscetibilidade do órgão ambiental.
A Lei no 10.847, de 15 de março de 2004, cria a Empresa de Pesquisa Energética – EPE,
cuja finalidade:
é prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento
do setor elétrico, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados,
carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras.
Compete à EPE: I. realizar estudos e projeções da matriz energética brasileira; II.
elaborar e publicar o balanço energético nacional; III. identificar e quantificar os po2210
tenciais de recursos energéticos; IV. dar suporte e participar das articulações relativas
ao aproveitamento energético de rios compartilhados com países limítrofes; V. realizar estudos para a determinação dos aproveitamentos ótimos dos potenciais hidráulicos; VI. obter a licença prévia ambiental e a declaração de disponibilidade hídrica
necessárias às licitações envolvendo empreendimentos de geração hidrelétrica e de
transmissão de energia elétrica, selecionados pela EPE; VII. elaborar estudos necessários para o desenvolvimento dos planos de expansão da geração e transmissão de
energia elétrica de curto, médio e longo prazos; VIII. promover estudos para dar
suporte ao gerenciamento da relação reserva e produção de hidrocarbonetos no
Brasil, visando à auto-suficiência sustentável; IX. promover estudos de mercado
visando definir cenários de demanda e oferta de petróleo, seus derivados e produtos
petroquímicos; X. desenvolver estudos de impacto social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental para os empreendimentos de energia elétrica e de fontes
renováveis; XI. efetuar o acompanhamento da execução de projetos e estudos de viabilidade realizados por agentes interessados e devidamente autorizados; XII. elaborar
estudos relativos ao plano diretor para o desenvolvimento da indústria de gás natural
no Brasil; XIII. desenvolver estudos para avaliar e incrementar a utilização de energia
proveniente de fontes renováveis; XIV. dar suporte e participar nas articulações visando à integração energética com outros países; XV. promover estudos e produzir informações para subsidiar planos e programas de desenvolvimento energético
ambientalmente sustentável, inclusive, de eficiência energética; XVI. promover planos de metas voltadas para a utilização racional e conservação de energia, podendo
estabelecer parcerias de cooperação para este fim; XVII. promover estudos voltados para programas de apoio para a modernização e capacitação da indústria nacional, visando maximizar a participação desta no esforço de fornecimento dos bens e
equipamentos necessários para a expansão do setor energético; e XVIII - desenvolver estudos para incrementar a utilização de carvão mineral nacional.
A EPE terá, portanto, um escopo bastante amplo de trabalho, mas o destaque cabe aos
estudos para obtenção da licença prévia ambiental e a declaração de disponibilidade hídrica
necessárias às licitações envolvendo empreendimentos de geração hidrelétrica e de transmissão de energia elétrica, selecionados pela EPE, além de desenvolver estudos de impacto
social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental para os empreendimentos de energia elétrica e de fontes renováveis. Poderá ser dado início a uma ação cujo resultado poderá
alavancar a qualidade de estudos ambientais realizados por outras instituições.
Essa possibilidade será viável se no desenho dessa nova empresa alguns atributos
organizacionais na linha do que conceituou Max Weber sobre burocracia forem considerados, melhor ainda se esses atributos se aproximarem do referencial de autonomia
inserida preconizada por EVANS (1995). O conjunto desses atributos deve oferecer
não só a realização plena das competências, com diálogo com o mercado e a sociedade,
mas também uma proteção às investidas de interesses alheios, ao mesmo tempo em que
não se perca em emaranhados de procedimentos.
As características definidoras de burocracia na acepção weberiana compreendem: a) forma de seleção dos funcionários; b) existência de plano de carreira, definindo-se uma política
de incentivos; c) existência de coerência corporativa que defina a relação entre a perspectiva
2211
individual e o cumprimento da função pública. Além disso, sua capacidade de inserção está
condicionada pelo grau de autonomia que possui levando-se em conta as características
definidoras dessa burocracia. A capacidade de inserção na sociedade, cujo resultado sejam
efeitos benéficos para o aumento da consciência ambiental com a disseminação da preocupação ambiental em amplos segmentos da sociedade, aqui definida sobre o termo de capital
social, está em relação direta com a presença das características definidoras de burocracia.
Sem um corpo coeso, imbuído de um objetivo próprio da corporação e que dê o status dessa
organização e que condicionem o trabalho de todos os seus membros segundo uma moral,
ao mesmo tempo em que possua autonomia para cumprir suas funções definidas em lei, a
capacidade de inserção torna-se frágil correspondendo, quando da sua realização, naquilo
que é geralmente criticado pelas teorias que apregoam o estado mínimo como um campo
aberto para a prática do caronismo, do clientelismo.
A oportunidade que se tem para estruturar a EPE requer o máximo cuidado para que a
certidão de seu nascimento seja o ponto fundamental e guie seu sucesso futuro; caso contrário, as imperfeições do processo de licenciamento, notadamente os relacionados aos estudos de impacto continuarão a existir, mas agora com a chancela oficial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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da Física/ FASE, 2002. 140 p.
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brasileiro. In: Anais do Congresso Brasileiro de Energia, 2002.
EVANS, P. Embedded autonomy: states and industrial transformation. Princeton: Princeton University Press, 1995.
_________. State-society synergy: government and social capital in development. Berkeley: University of California, 1996.
FURRIELA, R. B. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2002.
LEMOS, C. F. de. Audiências públicas, participação social e conflitos ambientais nos empreendimentos hidrelétricos: os casos de Tijuco Alto
e Irapé. Rio de Janeiro, 1999. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999.
PUTNAN, R. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
RONZA, C. A política de meio ambiente e as contradições do Estado: a avaliação de impacto ambiental em São Paulo. Campinas,
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SAUER, I. L. et al. Problemas e desafios do setor elétrico brasileiro: crise da energia ou crise do modelo? In: Anais do Congresso
Brasileiro de Energia, 2002.
SOUZA, C. Pesquisa em administração pública: uma agenda para o debate. Revista de Administração Pública, v. 32, nº 4, p. 4361, 1998.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1981.
__________. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da UNB, 1991.
2212
ANÁLISE DE SUSTENTABILIDADE DO
USO DE RESÍDUOS NO SETOR ELÉTRICO
Luciano Basto Oliveira*
Luiz Pinguelli Rosa**
Maria Silvia Muylaert***
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar alguns projetos elaborados e em desenvolvimento no IVIG/COPPE/UFRJ de geração de energia a partir de resíduos cujos resultados estão contemplados na tese de doutorado de Luciano Basto Oliveira a ser defendida
em 2004. O estudo envolve uma análise de sustentabilidade com metodologia elaborada
para a referida tese levando em consideração 2 metodologias pré existentes: Análise de
Sustentabilidade e Análise Envoltória de Dados.
INTRODUÇÃO
A partir do artigo “Proposta de Critérios e Indicadores de Elegibilidade Para Avaliação de
Projetos Candidatos ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)” (NOVAES et al.,
2002), apresentada no IX Congresso Brasileiro de Energia, foi elaborado um conjunto de
indicadores denominado “Análise de Sustentabilidade” (LA ROVERE, BARATA & OLIVEIRA, 2002) a serem aplicados na análise de projetos no setor de energia. A proposta original contava com 4 critérios de elegibilidade, 8 indicadores de sustentabilidade e 3 indicadores
de viabilidade operacional, a qual foi reformulada contando atualmente com 10 indicadores
distribuídos em 5 dimensões: ambiental, social, econômica, tecnológica e operacional.
Da proposta original foram mantidos a metodologia (de comparação com o Cenário de
Referência), a escala de pontuação e a maior parte dos indicadores, ainda que em outra
ordem. Os indicadores mantidos são: a contribuição para a mitigação da poluição global (1),
assim como para a poluição local (2), a geração líquida de empregos (3), o custo-efetividade
(5), a contribuição para a auto-suficiência tecnológica (7), o potencial de inovação tecnológica
(8) e a possibilidade de articulação e integração com outros setores (10). Os indicadores que
passaram a integrar o conjunto acima estão descritos abaixo:
[email protected]
[email protected]
***
[email protected]
*
**
2213
Contribuição para melhoria do IDH (indicador 4)
Indica os efeitos diretos e indiretos do empreendimento sobre a qualidade de vida da população abarcada pelo empreendimento, ou seja, na área de influência deste. Propomos que esta
avaliação considere a influência do empreendimento sobre o IDH de população de baixa renda.
Necessita que sejam apresentados:
l
Peso relativo da população beneficiada direta e indiretamente em relação à população
total do país.
l
Características socioeconômicas da população beneficiada pelo empreendimento.
l
Impactos distributivos do projeto para a população beneficiada direta e indiretamen
te pelo empreendimento, em comparação com o cenário de referência.
l
Impactos do empreendimento sobre a expectativa de vida da população beneficiada
direta e indiretamente pelo empreendimento;
l
Impactos do empreendimento no acesso ao conhecimento pela população beneficiada
pelo empreendimento.
A avaliação deste indicador deve ser feita em relação ao capital investido.
Contribuição para redução de custos contingentes e para obtenção de potenciais
benefícios contingentes (indicador 6)
Este indicador requer informações sobre:
l
Gastos contingentes associados ao empreendimento (ex: indenização a atingidos por
acidente, custo de abatimento de gases de efeito estufa, custo com saúde pública);
l
Benefícios contingentes associados ao empreendimento (ex: contribuição para maior
taxa de abatimento ou menores gastos com pagamento de indenizações e/ou compensações a terceiros pela empresa).
A avaliação deste indicador deve ser em relação ao capital investido.
Possibilidade de Implantação e Operação do Empreendimento (indicador 9)
Apresentar potencial de dificuldades (sociais, ambientais, políticas, econômicas e técnicas) à implantação e operação do empreendimento. Para tanto, é necessário dispor de diversas informações, tais sobre:
l
Grau de aceitação do empreendimento pela comunidade em sua área de influência;
l
As dificuldades de operação e manutenção dos equipamentos;
l
Legislações em diferentes níveis governamentais.
Sugere-se ponderar a superação dos obstáculos e expressá-los em função do tempo necessário para implantação, de acordo com a escala abaixo.
Obs: dividir esta escala em prazo de viabilidade e nível de pesquisa
Curtíssimo prazo: +3
Curto prazo: +2
2214
Médio prazo: +1
Longo prazo: zero
Sem planta piloto: -1
Sem domínio de todas as etapas: -2
Inicio do investimento em tecnologia: -3
Como esta Análise de Sustentabilidade tem características qualitativas e quantitativas,
houve algumas criticas sobre seus resultados no que diz respeito ao grande peso de subjetividade da opinião do analista. Para minimizar estes efeitos, foi associada à esta metodologia
a Análise Envoltória de Dados desenvolvida por Paulo Estelital, metodologia quantitativa
totalmente fundamentada em valores numéricos. Assim, ao aplicar as duas metodologias a
um conjunto de dados, a convergência entre os resultados representará a Sustentabilidade.
A seguir serão apresentadas as sínteses de dois estudos de caso (OLIVEIRA, 2004), um
sobre o aproveitamento de fontes alternativas de energia e outro sobre diversos insumos
para a produção de biodiesel, comparando ao óleo diesel, com vistas a identificar quais
insumos devem ser priorizados.
A SUSTENTABILIDADE DAS FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA
Tomando por base o trabalho de Oliveira (2004), em que são comparadas usinas
termelétricas a partir de fontes alternativas de geração elétrica com usinas termelétricas
movidas a gás natural, cujos dados de entrada encontram-se na tabela 1, foram aplicadas as
duas metodologias e foi obtida uma síntese conforme a tabela 2.
Nesta tabela foram compatibilizados os resultados, tendo em vista o critério da convergência, o que comprovou que os resíduos devem ser priorizados como fonte mais
adequada do ponto de vista da sustentabilidade.
Tabela 1 - Comparação entre diferentes fontes de energia para geração termelétrica
EMISSÃO
POTENCIAL
DE GASES
DE CRIAÇÃO
DO EFEITO
DE
ESTUFA
EMPREGOS
(tCO2/GWh)
1.UTE GN CC
2.UTE GN Merchant
3.EÓLICA
4.SOLAR
5.PCH
6.Casca de Arroz
7.GDL
8.DRANCO
9.INCINERAÇÃO
10.BEM
11.BAGAÇO
+ P&P (BIG/STIG)
POTENCIAL
DE
GERAÇÃO
DISTRIBUÍD
A (GWh/ano)
CUSTO DE
O&M + CC
(US$/MWh)
CUSTO DE
INVESTIMENTO
(US$/MWh)
449
600
1
-1.950
-7.033
-5.223
-3.113
-2.163
600
600
250
300
270
300
1.001.400
1.004.200
1.004.000
1.006.400
83.220
81.468
17.520
49.056
21.024
6.833
13.000
85.000
120.000
92.000
28,00
24,00
7,00
4,00
8,51
-3,28
42,78
34,04
32,83
38,70
18
27
43
76
21,49
24,98
42,56
50,66
49,78
29,39
-53,57
250
133.296
62,53
14,96
Fonte: Elaboração Própria
2215
Tabela 2 - Comparação entre duas metodologias de análise de sustentabilidade
de diferentes fontes de geração de energia elétrica
$1È/,6(
$1È/,6('(
(192/7Ï5,$
6867(17$%,/,'$'( '('$'26
&203$7,%,/,=$d­2
HQWUHDVGXDV
PHWRGRORJLDV
GÁS DE LIXO +
CONSERVAÇÃO
$
DIGESTÃO
ACELERADA
+ GDL +
CONSERVAÇÃO
$
B.E.M. + GDL +
CONSERVAÇÃO
$
INCINERAÇÃO
+ GDL +
CONSERVAÇÃO
$
Geração
Termelétrica
c/ Casca de Arroz
$
Sistemas
Fotovoltaicos
&
Pequenas Centrais
Hidrelétricas –
ELETROSOL
%
Usina Eólica –
COELCE,
CBEE/UFPE
%
Bagaço com
Palha e Pontas
%
UTE GN CC
&
UTE GN
MERCHANT
&
Fonte: OLIVEIRA, L.B., 2004
2216
A SUSTENTABILIDADE DO BIODIESEL
Como os preços atuais dos insumos, caso a análise aplicada seja estritamente financeira, permitem que apenas os resíduos sejam competitivos com o óleo diesel, a tabela 3 a seguir apresenta
dados com outros indicadores que não somente financeiros sobre as diversas matérias-primas
(divididas em cinco grupos) elaborados por Oliveira (2004) de modo a analisar sua sustentabilidade
Deve-se ressaltar que o preço considerado para os óleos vegetais novos levou em conta
o aumento de produção necessário para atender à escala energética, para o que foram utilizados dados sobre a área de cultivo disponível (MMA, 2003), que provocaria uma redução
nos preços atualmente praticados, levando-os a ficarem próximos aos custos. O caso da
mamona é exemplar, pois nesta tabela atinge apenas cerca de 30% do preço atualmente
praticado. Por outro lado, a soja não conta com alterações devido ao nível de competitividade
que o plantio desta oleaginosa já atingiu. Os resíduos, cujos custos deverão ser reduzidos
em virtude do aumento da oferta de insumos novos mais baratos, foram analisados de
maneira conservadora, mantendo os mesmo preços praticados atualmente no mercado.
Os custos de investimento das plantas industriais para utilização do etanol são superiores
aos custos para utilização do metanol, devido à necessidade de equipamento para reciclar o
azeótropo formado, inevitavelmente, pela combinação entre álcool etílico e água, mas a
indisponibilidade deste valor tornou a análise mais favorável à utilização do etanol. Em
seguida, a compatibilização entre as duas metodologias, com base no critério da convergência, cuja síntese é mostrada na tabela 4.
RESIDUAIS
Tabela 3 - Dados sobre os insumos para biodiesel1
EFEITO
NÚMERO
ESTUFA
DE
(kg
EMPREGOS
CO2Eq/L)
QUANTIDADE
CUSTO DE
INVESTIME
NTO (R$/L)
CUSTO
DE O&M
(R$/LITRO)
O. USADO +
METANOL
0,076
0,410
-1,294
1.000
10
ESCUMA +
METANOL
0,106
0,120
-1,294
100
50
SEBO + METANOL
0,076
0,570
-1,294
500
250
GRAXOS +
METANOL
0,091
0,250
-1,294
700
150
O. USADO +
ETANOL
0,076
0,420
-1,380
1.130
10
(MILHÕES
DE LITROS
POR ANO)
Continuação da tabela na próxima página
2217
MANUAL
ANUAL
MECANIZADO
ESCUMA +
ETANOL
0,106
0,130
-1,380
752
50
SEBO + ETANOL
0,076
0,580
-1,380
3.761
250
GRAXOS +
ETANOL
0,091
0,260
-1,380
2.657
150
MAMONA +
METANOL
0,076
0,750
0,636
3.000.000
5.584
MAMONA +
ETANOL
0,076
0,760
0,550
3.072.838
5.584
SOJA + METANOL
0,076
1,061
0,636
1.250.000
12.500
GIRASSOL +
METANOL
0,076
1,052
0,636
1.250.000
59.375
Fonte: Elaboração Própria a partir de dados da EMBRAPA e pesquisa de preços no mercado nacional.
1
Os potenciais de produção com o coco foram calculados com base em 20% da área disponível (10.000 hectares, com
produtividade anual de 2.375 L/ha). No caso do dendê, somente foram utilizados 13,5% da área desmatada na Floresta
Amazônica, o chamado “Arco do Desmatamento”, composto por 50 milhões de hectares, cuja produtividade anual é de 7.200
L/ha. O plantio de dendê em parte dos 90 milhões de hectares agricultáveis disponíveis no país possibilitaria a produção de
até 560 bilhões de litros anuais, permitindo ao Brasil tornar-se grande exportador de combustível e gerar até 10 milhões de
empregos, sendo 25% na produção do álcool etílico. Para soja e girassol foram considerados 25 milhões de hectares, sendo
a produtividade anual de 500 L/ha para a soja e 2.375 L/ha para o girassol. No caso da mamona foram considerados 6.000
hectares, com produtividade de 1.125 L/ha, dados fornecidos pela EMBRAPA (2003). O babaçu teve área considerada de 17
milhões de hectares e produtividade anual de 100L/ha, enquanto o buriti conta com 160 mil hectares capazes de produzir
anualmente 7.200 L/ha. (REFERÊNCIAè DI LASCIO e EXPEDITO)
Estabeleceu-se que a emissão da produção de óleos vegetais é de 0,5 kg CO2/L, para insumos cultivados e de 0,45 kg CO2/
L para insumos oriundos do extrativismo.
2218
Tabela 4 - Síntese de classificações nas metodologias de sustentabilidade:
$1È/,6('(
6867(17$%,/,'$'(
$1È/,6(
(192/7Ï5,$
'('$'26
&203$7,%,/,=$d­2
5
5
A
2
8
5
4
9
7
A
B
B
3
1
A
1
5
3
3
8
6
A
B
A
15
14
C
13
21
12
17
C
C
21
16
C
15
15
15
13
C
C
21
19
D
15
21
11
21
C
D
15
18
C
13
14
11
11
9
9
25
10
20
23
25
22
24
2
C
C
C
C
C
C
C
ÓLEO USADO +
METANOL
ESCUMA + METANOL
SEBO + METANOL
GRAXOS + METANOL
ÓLEO USADO +
ETANOL
ESCUMA + ETANOL
SEBO + ETANOL
GRAXOS + ETANOL
MAMONA +
METANOL
MAMONA + ETANOL
SOJA + METANOL
GIRASSOL +
METANOL
SOJA + ETANOL
GIRASSOL + ETANOL
CASTANHA +
METANOL
BABAÇU + METANOL
BURITI + METANOL
CASTANHA +
ETANOL
BABAÇU + ETANOL
BURITI + ETANOL
DENDÊ + METANOL
COCO + METANOL
DENDÊ + ETANOL
COCO + ETANOL
ÓLEO DIESEL
Fonte: OLIVEIRA, L.B., 2004
Considerações Finais
Os resultados da aplicação das metodologias de Análise de Sustentabilidade e da Análise
Envoltória de Dados às Fontes Alternativas de Energia (FAE) e aos insumos para produção
de Biodiesel convergiram, na maioria das alternativas.
O presente trabalho permitiu avaliar diversas FAE simultaneamente. Os resultados da Análise
de Sustentabilidade mostraram as quatro tecnologias de aproveitamento energético dos resíduos urbanos2 nas primeiras posições, seguidas pelas cascas de arroz. A Análise Envoltória de
Dados (DEA) mostrou as mesmas cinco alternativas nas primeiras posições, apesar de classificar as cascas de arroz em primeiro lugar. Cabe ressaltar que houve empate entre as cinco
primeiras, e que a classificação final requereu a aplicação de critério de desempate.
Recuperação de Gás de Lixo, Incineração, Digestão Acelerada e B.E.M.
2
2219
Entretanto, como a escala de produção das cascas de arroz em nível nacional é pouco expressiva, seja em quantidade de energia a ser gerada, 6,8 TWh (tabela ) ou no que se refere à melhoria
da qualidade de vida das populações, face aos cerca de 120 TWh (tabela ) que o aproveitamento
energético do lixo pode oferecer em eletricidade e em solução sanitária, além de um milhão de
empregos para a população brasileira, fica evidente que o aproveitamento das cascas de arroz
integre o planejamento energético, mas não seja priorizada perante esta fonte.
Assim, é possível afirmar que os resultados das metodologias convergiram quanto à
priorização, à luz do conceito de Desenvolvimento Sustentável3 , do aproveitamento
energético de resíduos sólidos urbanos perante as outras FAE.
No caso do biodiesel, ficou claro que os resíduos são os mais sustentáveis no curtíssimo
prazo, uma vez que obtiveram os melhores resultados dentre os insumos disponíveis imediatamente nas duas metodologias.
Assim, fica claro que em uma competição natural os resíduos devem ser priorizados,
sendo a escuma e o óleo usado os mais eficientes quando compatibilizados os resultados
das duas metodologias. A perspectiva de consumo superior à escala disponível com estes
insumos residuais requer cultivos, sendo prioritários a mamona e o dendê, conforme mostraram os resultados das simulações.
No entanto, a política estabelecida pelo governo federal (GIT, 2004) instituiu que metade
da substituição do óleo diesel mineral por biodiesel seja feita com mamona, em virtude dos
benefícios sociais que esta atividade causará à região nordeste do Brasil. Como a diretriz
estabelecida é de que sejam substituídos 2% em 2005, com incremento anual até atingir 5%
no ano 2010, e a regra para atender ao complemento (desta metade) ainda não foi estabelecida,
a priorização dos resíduos não promoveria controvérsias, como comprovou este trabalho.
Como, em ambos os casos, são verificados benefícios ambientais (efeito estufa e
poluição local), sociais (geração de empregos e distribuição de renda), econômicos (redução
das importações de combustíveis), tecnológicos (pagamento de royalties) e operacionais
(capacidade de instalação, operação e reprodução nas diversas regiões brasileiras), a premissa deste trabalho, de que à luz do conceito de desenvolvimento sustentável o aproveitamento energético dos insumos residuais deveria ser priorizado, foi comprovada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LA ROVERE, BARATA & OLIVEIRA, 2002. Análise de Sustentabilidade. In: Plano de Desenvolvimento Sustentável –
PETROBRAS.
MUYLAERT, M.S. (coord) 2001– Consumo de Energia e Aquecimento do Planeta. COPPE/UFRJ. 247 p.
NOVAES, E. S, et al., 2002. Proposta de critérios e indicadores de elegibilidade para avaliação de projetos candidatos ao
mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). IX Congresso Brasileiro de Energia. P. 165-173.
OLIVEIRA, L.B., 2004. Aproveitamento energético de lixo e biodiesel no Brasil. Tese (de doutorado). COPPE. 204 p.
Análise integrada das viabilidades social, ambiental, técnica, operacional e econômica.
3
2220
ENERGIA RENOVÁVEL
NO BRASIL
A. Ricardo J. Esparta*
Oswaldo S. Lucon**
Alexandre Uhlig ***
RESUMO
Fontes renováveis de energia têm um papel importante no Brasil com mais de 40% do
suprimento total de energia primária, com destaque para a energia de origem hidráulica e a
biomassa. O país já é uma referência do uso de energia renovável, mas ainda detém um
enorme potencial para expansão. No âmbito local, o Brasil demonstra esse potencial com
a implementação do “Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia”, PROINFA, que
prevê o financiamento de 3300 MW de potência instalada de fontes renováveis de energia.
No âmbito internacional o país comprova através da Plataforma de Brasília o seu comprometimento com a meta de 10% de participação das energias renováveis na matriz energética
nos América Latina e Caribe, iniciativa regional que visa atingir a meta mundial de 10%
proposta na Cúpula de Joanesburgo de 2002.1.
INTRODUÇÃO
O debate sobre a sustentabilidade ambiental experimentou uma evolução significativa desde que o texto da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano1 em 1972. Nesse documento é expressa a convicção de que: os recursos da Terra devem ser utilizados de forma a
evitar o perigo do seu esgotamento futuro e a assegurar que toda a humanidade participe dos
benefícios de tal uso. Além disso estabelece que o homem é portador da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. Vinte anos depois, na
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente o e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro
em 1992, novos impulsos foram dados com novos acordos, a saber:, a Agenda 21, a Convenção
da Biodiversidade e a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas (Convenção do Clima). O tema
foi finalmente ampliado para incluir aspectos sociais durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo, África do Sul, em 2002, na declaração de Metas de
Desenvolvimento do Milênio, entre os quais consta a erradicação da exclusão social e combate à
pobreza extrema com garantia de sustentabilidade ambiental.
Ecoinvest, PIPGE-USP - Rua Padre João Manoel, 222 - 01411-000 São Paulo, SP - E-mail: [email protected]
SMA-SP - Av. Prof. Frederico Hermann Jr, 345 - 05459-900 São Paulo, SP - E-mail: [email protected]
***
CESP, PIPGE-USP - Av. Nossa. Sra. do Sabará, 5312 - 04447-011 São Paulo, SP - E-mail: [email protected]
1
Stockholm Declaration on the Human Environment. United Nations Conference on the Human Environment, 16 June 1972.
*
**
2221
Nesse sentido, a energia renovável exerce um papel importante na busca do desenvolvimento sustentável. Entretanto, abordagens regionais e globais de desenvolvimento do uso destas fontes somente começaram a ser propostas no início do
século XXI. Em 2001 a União Européia adotou uma meta de 12% de renováveis na
matriz elétrica até 2012 2 . Em 2002, a Iniciativa Brasileira de Energia propôs uma
meta global de 10% da matriz energética mundial de base renovável a ser atingida até
2010. A proposta foi aprovada em âmbito regional pelos países da América Latina e
o Caribe em maio de 2002 3 e reafirmada em 2003 pela Plataforma de Brasília4. Na
Cúpula de Joanesburgo de agosto de 2002, a meta de 10% globais de energias
renováveis sofreu uma fortíssima oposição por países produtores de petróleo e consumidores de grandes quantidades de energia. As decisões políticas desta Conferência eram baseadas em um consenso, que não foi atingido. Ainda assim, o Plano Final
de Implementação reconheceu a importância das metas regionais de energias
renováveis, atreladas a prazos. Ao final da Cúpula, o chanceler alemão Gerhard
Schroeder anunciou para 2004 a continuidade destas iniciativas, convidando os países a uma conferência sobre energias renováveis. Assim, em junho de 2004 foi realizada a Conferência Mundial sobre Energias Renováveis de 2004 em Bonn, com uma
estratégia “bottom-up”, alternativa ao estabelecimento de metas políticas globais.
Os resultados dessa conferência foram basicamente6 : (1) a Declaração Política, com
definições de objetivos comuns para promover as fontes de energia renovável; (2) um
Programa Internacional de Ações, onde governos, organizações e outros atores se comprometem voluntariamente a atividades para as renováveis e; (3) as Recomendações de
Políticas, aconselhamento para incrementar os mercados de renováveis no Norte e no
Sul. O acompanhamento das ações deverá ser feito pela Comissão para o Desenvolvimento Sustentável (CSD), no âmbito das Metas do Milênio e do Plano de Ação de
Joanesburgo 2002. A Declaração Política” conclama apenas aos países para que adotem energias renováveis (Goldemberg, 2004b). A União Européia e a China adotaram
unilateralmente metas e calendários para cumpri-las. A decisão da China é a de atingir,
no ano de 2020, uma fração de 10% pelas chamadas “novas” renováveis (mini-usinas
hidrelétricas, biomassa e energia eólica). A União Européia aumentou suas metas anteriores para 20% no ano 2020, e a região da América Latina e Caribe reafirmou sua meta
de 10% de energias renováveis acordada em 2002. A meta da região é ambiciosa apenas
no sentido de somar-se à da União Européia, criando uma iniciativa trans-regional (União
Européia mais América Latina e Caribe tinham, em 2002, 10,6% de renováveis em suas
matrizes conjuntas). Em termos internos, sem dúvida é preciso ter metas mais ambiciosas. Uma é a estabelecida para eletricidade pela segunda fase do PROINFA, que prevê
10% em 20 anos após o final da primeira fase.
2
European Commission Directive 2001/77/EC on the promotion of the electricity produced from renewable energy source
in the internal electricity market.
3
Final Report of the 7th Meeting of the Inter-Sessional Committee of the Forum of Ministers of Environment of Latin America and the
Caribbean, 15 to 17 May, 2002, São Paulo (Brazil).
4
Plataforma de Brasília sobre Energias Renováveis, 30 de outubro de 2003.
6
Documentos finais disponíveis em http://www.renewables2004.de/en/2004/outcome.asp.
2222
Sob protesto dos ambientalistas, o Brasil levou para Bonn a polêmica em torno
do status de renovável das grandes hidrelétricas, apoiando o protesto de países africanos que não queriam ver esta opção prejudicada por um fomento às outras fontes
renováveis. Buscando um consenso, o texto final de Bonn reconheceu a importância
de todas as fontes, deixando para o nível local a discussão sobre sustentabilidade.
Outro importante assunto levantado na Conferência foi a necessidade do chamado capital paciente, com menores expectativas de retorno financeiro de curto prazo,
para fomentar alternativas energéticas mais sustentáveis. Metas e prazos foram propostos ao Banco Mundial (Goldemberg, 2004a) e outros bancos de desenvolvimento.
Sob protesto dos ambientalistas, o Brasil levou para Bonn a polêmica em torno da
renovabilidade das grandes hidrelétricas, apoiando o protesto de países africanos que
não queriam ver esta opção prejudicada por um fomento às outras fontes renováveis.
Buscando um consenso, o texto final de Bonn reconheceu a importância de todas as
fontes, deixando para o nível local a discussão sobre sustentabilidade.
Outro importante assunto levantado na Conferência foi a necessidade do chamado capital paciente, com menores expectativas de retorno financeiro de curto prazo,
para fomentar alternativas energéticas mais sustentáveis. Metas e prazos foram propostos para o Banco Mundial (Goldemberg, 2004a) e outros bancos de desenvolvimento, gerando receio por parte de opositores ao chamado “dinheiro carimbado”.
Esta, porém, é a forma com que funcionam os orçamentos.
2. Oferta e demanda de energia no Brasil
O consumo de energia cresceu rapidamente desde 1975 (Figura 1).
Figura 1 - Oferta total de energia primária no Brasil em kbep (Fonte: MME, 2003).
1,600,000
outros
gás natural
1,400,000
lenha e carvão vegetal
produtos da cana
carvão
1,200,000
energia hidráulica
petróleo
1,000,000
800,000
600,000
400,000
200,000
0
1975
1980
1985
1990
2223
1995
2000
2002
A oferta total de energia primária (OTEP) cresceu em média 2,5% ao ano nos
últimos 20 anos, ligeiramente superior ao crescimento econômico de 2,1%. O uso
total de energia cresceu 200% (ou 100%?) entre 1975 e 2000, enquanto que o consumo per capita aumentou 60% e a razão energia por unidade de PIB subiu 22% (Geller
et al. 2004). A rápida industrialização, incluindo o alto crescimento de atividades
energo-intensivas, como por exemplo a produção de alumínio e aço, e o aumento da
oferta de serviços de energia aos setores comercial e residencial são as principais
causas da ampliação do uso e da intensidade da energia (Tolmasquim et al., 1998).
A política energética brasileira das últimas três décadas objetivou principalmente
a redução da dependência externa de suprimento e o estímulo ao desenvolvimento de
potenciais domésticos. No período, o uso de hidroeletricidade e de gás natural experimentaram crescimento constante; o petróleo diminuiu a sua fatia de mercado na
década de 1980 mas desde o choque de 1986 vem se recuperando lentamente; o carvão cresceu essencialmente na proporção do setor metalúrgico e a biomassa foi impulsionada pelo uso de fontes modernas em setores industrias e decresceu pela substituição da lenha no setor doméstico (Figura 1).
3. PARTICIPAÇÃO DAS FONTES RENOVÁVEIS DE ENERGIA NA MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA
Em 2002 a oferta total de energia (primária+secundária) no Brasil era de 1.425.832
kbep, dos quais 38,7% de origem renovável e sustentável (Figura 2). O Brasil importa
parte significativa da oferta interna de energia (Figura 3). O petróleo é responsável
pela maior parte da energia importada, apesar da forte redução da importação desde
o inicio da década de 1980, mas a eletricidade, o carvão mineral e, nos últimos anos,
o gás natural, também têm parte apreciável da oferta importada.
Nas últimas décadas, o consumo de eletricidade cresceu fortemente, atingindo 308
terawatt-horas (TWh) em 2000 (partindo de 36 TWh em 1970, 114 TWh em 1980 e
201 TWh em 1990).
Apesar da grande participação das renováveis na matriz energética, o Brasil ainda é
bastante dependente de combustíveis fósseis (55,8% da oferta), em grande parte derivados de petróleo para o setor de transportes (vide Figura 2). Entretanto o país
experimenta forte tendência de redução relativa dessa dependência nos últimos anos.
Por exemplo, de 2000 a 2002 a participação dos combustíveis fósseis caiu de 58,4%
(500.548 kbep) para 55,8% da OTEP (795.540 kbep), uma redução de quase 3 pontos
percentuais em apenas 2 anos, apesar do aumento da oferta de gás natural de 5,4%
para 7,5% da OTEP (44,9% de crescimento absoluto passando de 73.800 kbep para
500.548 kbep). A participação da energia nuclear também cresceu bastante no período com a entrada em operação comercial da Usina Angra II (de 14.613 kbep, 1,1% da
OTEP, para 42.902 kbep, 3,0% da OTEP), com o aumento da capacidade instalada
nacional de 657 MW para 2.007 MW.
2224
Figura 2 - Oferta total de energia,e participação por fonte (MME, 2003, desmembrada as
parcelas consideradas renováveis e não-renováveis conforme os cálculos de Patusco, 2002)
%5$6,/2)(57$727$/(1(5*,$35,0È5,$
&DUYmR
1XFOHDU
+LGURHOHWULFLGDGH
%LRPDVVDQmRVXVWHQWiYHO
*iV1DWXUDO
&DUYmRYHJHWDOVXVWHQWiYHO
/HQKDVXVWHQWiYHO
,QGXVWULDO
5HQRYiYHLV
/HQKDVXVWHQWiYHO
5HVLGHQFLDO
3HWUyOHR
/HQKDVXVWHQWiYHO
$JURSHFXiULR
3URGXWRVGDFDQD
2XWUDVUHQRYiYHLV
A participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira é significativa com
41,1% da OTEP (586.129 kbep) com 94% destas de fontes sustentáveis (excluindo a exploração não sustentável de biomassa, 38,7% da OTEP, 551.375 kbep).
As principais fontes modernas de biomassa são os produtos da cana de açúcar (etanol
como combustível automotivo e bagaço como combustível para cogeração de energia) e
florestas energéticas de reflorestamentos sustentáveis.
Produtos da cana são hoje a maior fonte de energia da biomassa com 182.101 kbep em
2002 (12,8% da OTEP). Lenha não sustentável ainda tem uma participação significativa
(34.754 kbep ou 2,4% da OTEP), basicamente para uso industrial (produção de carvão,
indústria cerâmica, etc.). Entretanto, o uso não sustentável de madeira tem declinado fortemente com uma redução absoluta de 65% desde 19907 .
De 24.355?103 mdc (“metros cúbicos de carvão,” onde 1 m3 de carvão = 0,250 tonelada e 6.800 kcal/kg) em 1990 para
8.367?103 mdc em 2001 (ABRACAVE, 2001).
7
2225
Figura 3 - Dependência externa de energia % (Fonte: MME, 2003)
100%
90%
80%
total
petróleo
carvão
eletricidade
gás
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
4. Status das fontes primárias de energia renovável
Como recursos só podem ser considerados úteis se são tecnicamente e economicamente exploráveis, a disponibilidade física da fonte em si tem pouco valor. Portanto a
ênfase nos próximos parágrafos será dada aos recursos com potencial de curto e médio
prazo de maturação comercial.
4.1 Hidro
O Brasil tem o segundo maior potencial de hidreletricidade do mundo de após o
Canadá. A energia de origem hídrica desempenhou um importante papel no desenvolvimento sócio-econômico do país. Apesar de pequenas variações em diferentes estimativas, hoje o potencial hidrelétrico do país é de 260 GW, dos quais apenas 80 GW estão
correntemente explorados (ANEEL, 2003).
Tabela 1 - Potencial técnico de hidreletricidade no Brasil por bacias hidrográficas em 2000
%DFLDKLGURJUiILFD
UHJLmR
5LR$PD]RQDV1
5LR7RFDQWLQV1
$WOkQWLFR11(
5LR6mR
)UDQFLVFR1(
$WOkQWLFR/
5LR3DUDQi6(6
5LR8UXJXDL6
$WOkQWLFR6(
7RWDO%UDVLO
Fonte: ANEEL, 2002
,QYHQWDULDGRD
0:
5HPDQHVFHQWH
QmRLQYHQWDULDGRE
7RWDO
DE
0:
0:
31.809
24.831
2.047
19,4
15,1
1,2
73.510
2.709
1.355
77,0
2,8
1,4
105.410
27.540
3.402
40,5
10,6
1,3
23.847
14,5
2.472
2,6
26.319
10,1
12.037
51.706
10.903
7.327
154.599
7,3
31,4
6,6
4,5
100,0
2.055
8.670
2.434
2.290
95.406
2,2
9,1
2,5
2,4
100,0
14.092
60.376
13.337
9.617
260.005
5,4
23,2
5,1
3,7
100,0
2226
Uma importante característica da hidreletricidade no Brasil é distribuição geográfica bastante desigual, com 144 GW dos recursos (44% do total) localizados na Bacia Amazônica,
ou seja, bastante distante dos maiores centros de carga do país na região sudeste. Fica claro
que a maior dificuldade na exploração desse potencial é saber como e se esse recurso poderá ser totalmente utilizado de uma maneira econômica e ambientalmente sustentável. Este é
sem dúvida o ponto nevrálgico da discussão sobre a continuação do uso da hidreletricidade
como pilar da matriz elétrica brasileira.
A Tabela 1 mostra os potenciais hidrelétricos por bacias hidrográficas. Muito desse potencial técnico ainda está inexplorado, e portanto, apesar de incertezas e possíveis mudanças de
estratégias, é razoável afirmar que a hidreletricidade continuará a ser a principal fonte operacional
de geração de eletricidade no Brasil ainda por algumas décadas, mesmo que em uma proporção que poder ser bastante menor, em especial devido as recentes descobertas de gás natural8 .
4.2 Biomassa
O potencial global de energia da biomassa é enorme (4.500 EJ). Desse potencial apenas
uma pequana fração pode ser considerada disponível em base sustentável e a preços competitivos (Hall and Rao, 1999).
Resíduos de biomassa formam um enorme e inexplorado potencial de recurso energético,
e apresenta muitas oportunidades de melhor utilização e estão prontamente disponíveis a
custos relativamente baixos. Entre os resíduos de grande escala estão aqueles de origem
agrícola, animal e resíduos sólidos urbanos.
Já houve algumas tentativas de calcular o potencial energético total de resíduos agrícolas,
mas esta é uma tarefa bastante complexa e somente estimativas foram possíveis.
O Brasil é líder mundial nas aplicações industriais de energia da biomassa e tem um dos
maiores potenciais ainda a ser explorado do mundo. O país tem as maiores reservas naturais
de florestas, das quais estima-se que pelo menos 400.·106 t/ano poderiam ser exploradas de
maneira sustentável. Além disso são produzidas enormes quantidades de resíduos agrícolas
e animais, 250 a 275.·106 t/ano apenas da agricultura comercial. Os potenciais são estimados em: de 4 a 9,2 GW do uso do bagaço de cana (capacidade instalada atual de cerca de 1
GW); cerca de 1,7 GW da indústria de papel e celulose (com cerca de 1,4.106 ha de florestas,
atualmente com pouco mais de 600 MW instalado; Eletrobrás, 1999).
Há ainda potenciais não estimados adequadamente, como por exemplo o do carvão
vegetal. Para ser ter uma idéia em 2001 foram contabilizados 20,.4·.106 m3 (6,35 Mt) de
carvão vegetal utilizados somente nas indústrias de metalurgia e cimento.
Atividades florestais, tanto para fins energéticos ou não, empregavam dois milhões de
pessoas em 2001, incluindo meio milhão de pessoas diretamente no cultivo. O setoro florestal representava então 4,5% do PIB brasileiro, equivalente a aproximadamente US$ 28
bilhões (Paim, 2002). A Tabela 2 sumariza a produção, consumo e principais usos de lenha
de 1985 a 2000. A lenha é utilizada majoritariamente em atividades industriais rústicas e de
pequeno porte, em geral com baixa eficiência energética. Por exemplo, estima-se que há
cerca de 7.000 indústrias cerâmicas operando nessas condições.
8
Em setembro de 2003 a Petrobras anunciou a descoberta de 419 bilhões de metros cúbicos de gás natural na bacia de
Santos, triplicando as reservas brasileiras.
2227
Tabela 2 - Produção/consumo e principais usos de lenha no Brasil, em 103 t
$QR
3URGXomR
106.252
92.091
75.066
71.403
74.398
8VRHQHUJpWLFR
64.289
50.459
42.098
43.565
43.976
'RPpVWLFR
34.735
25.687
19.710
20.722
21.202
$JUtFROD
8.500
7.000
6.081
5.562
5.286
,QGXVWULDO
20.511
17.386
16.016
17.010
17.245
Fonte: MME, 2003
Mundialmente o carvão vegetal é produzido em grandes quantidades, mas é extremamente difícil calcular com precisão a produção total pois na maioria dos casos essa atividade
é parte integrante da economia informal dos países em desenvolvimento, caracterizada pela
pequena escala envolvendo um grande número de pessoas em atividades com baixa geração
de renda. No Brasil entretanto há grandes diferenças em relação a outros países em desenvolvimento na produção de carvão vegetal. Em primeiro lugar, no Brasil a maior parte do
carvão-vegetal é produzidao em larga escala e em processos com alta eficiência, com eficiências de conversão de biomassa em carvão da ordem de 35%. Isso indica porque o país é
o maior produtor e consumidor mundial de carvão vegetal.
O carvão tem se tornado cada vez mais uma atividade profissional com a maior parte
sendo produzida a partir de florestas dedicadas ao uso energético (florestas energéticas),
por exemplo, estima-se que em 2000 cerca de 72% do carvão foi produzido a partir de
florestas exóticas, comparado com o valor de 34% em 1990 (ABRACAVE, 2002).
4.3 Solar fotovoltaica
Apesar das muitas limitações e incertezas, o potencial teórico de energia solar no Brasil é
enorme. Na média, o território nacional recebe 230 Wh/m2 de radiação solar. Como no
resto do mundo, a maior incerteza é prever se haverá um papel econômico de larga-escala
para essa forma de energia no país. Muitos avanços tecnológicos ainda são necessários pra
tornar a energia solar comercialmente viável em larga escala. Atualmente há aproximadamente 6.000 pequenos projetos com capacidade instalada de 3.000 kW-pico em uma variedade de aplicações, mas essencialmente em bombeamento de água e iluminação.
4.4 Eólica
O país conta com um elevado potencial para a exploração da energia eólica. Estimativas
deste potencial variam de 20 to 140 GW.
2228
Tabela 3 - Potencial de geração eólica no Brasil, por região
5HJLmR
&DSDFLGDGH*: 3RWHQFLDOGHJHUDomRGHHOHWULFLGDGH7:KDQR
Norte
12,84
36,45
Nordeste
75,05
144,29
Meio-Oeste
3,08
5,42
Sudeste
29,74
54,93
Sul
22,76
41,11
7RWDO%UDVLO
Fonte: CEPEL, 2001
Diferentemente da energia solar, a energia eólica está em melhor posição com 22
MW de potência instalada e forte crescimento previsto nos próximos anos9 com 1.110
MW previstos do “Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia”, PROINFA
(MME, 2004). O maior potencial está localizado no nordeste (Tabela 3), coincidentemente a região mais pobre em outros potenciais energéticos do país.
5. Políticas
Parte da realização do grande potencial brasileiro de energias renováveis depende de
políticas pública para a superação de barreiras ao investimento. A iniciativa do
PROALCOOL nos anos 1970 hoje é considerada por muitos o principal paradigma
mundial de sucesso em energias renováveis. O custo da tecnologia baixou sensivelmente com o aumento e melhorias na produção. Erros foram corrigidos pela curva de
experiência e novas perspectivas se abrem com os carros “flex-fuel” bicombustíveis.
Hoje, além do etanol, podem ser citada como significativa a política para fontes
renováveis o PROINFA. Grandes perspectivas podem se abrir com o biodiesel, promovido pelo Programa Combustível Verde-Biodiesel.
O PROINFA tem duas fases de implementação. A primeira fase do PROINFA prevê a celebração pela Eletrobrás de contratos de 20 anos para compra da energia gerada
por até 3.300 MW de potência instalada de fontes renováveis (1/3 para biomassa, 1/3
para pequenas centrais hidrelétricas e 1/3 para eólica) por empreendimentos com 60%
de índice de nacionalização e previstos para entrar em operação até 30 de dezembro de
2006. O preço de compra para cada fonte alternativa de energia foi determinado pelo
MME para ser suficiente para viabilizar economicamente um projeto médio, tendo
como piso 80% do valor da tarifa média nacional de fornecimento a consumidores
finais. Os custos da Eletrobrás com a compra de energia serão ressarcidos por rateio
entre os consumidores finais do Sistema Elétrico Interligado, proporcionalmente ao
consumo individual verificado. Em junho de 2004 foram selecionados 27 aproveitaHá hoje mais de 6 GW de projetos de energia eólica autorizados pela ANEEL
9
2229
mentos de energia eólica (1.100 MW), 62 PCHs (1.100 MW) e 26 de biomassa (569,5 MW).
A segunda fase do programa prevê uma obrigatoriedade de 15% de crescimento anual até
que 10% do consumo total seja de fontes renováveis (excetuando grandes hidrelétricas),
com uma previsão de inserção de cerca de 16 GW de fontes renováveis entre 2006 e 2019
com 90% de índice de nacionalização.O PROINFA representa um grande impulso às chamadas novas renováveis, que necessitam de fomento no atual estágio de desenvolvimento.
Em julho de 2003 o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou o programa Combustível Verde-Biodiesel que marca a tentativa em direção à produção de um combustível de
origem renovável: um éster de óleo vegetal, mais conhecido como biodiesel. Diversos projetos estão sendo desenvolvidos no país, com destaque a uma planta-piloto à base de mamona,
que está sendo construída em Mossoró (RN), cujos investimentos chegam a R$ 5 milhões.
Os principais objetivos do programa são: diversificação da bolsa de combustíveis, redução
das importações de diesel, criação de emprego, utilização de terras para o plantio de gêneros
alimentícios e a produção de um combustível ambientalmente sustentável. As principais
ações do programa são: estabelecer a cadeia plantio-produção-comercialização, garantir a
qualidade do biodiesel e estruturar a formação de preços do biodiesel. As metas anunciadas
do programa vão de 2% de substituição do diesel fóssil em 2005 a 5% em 2010 (meta de 1,5
milhões de toneladas). Há, contudo, ainda uma série de dúvidas sobre a confiabilidade deste
combustível vendido ao consumidor em larga escala. São necessários amplos testes de desempenho em motores, garantias do produto contra adulterações e variações de qualidade,
formas de estocagem, emissões atmosféricas (especialmente de aldeídos de origem orgânica
no óleo de mamona) e outros aspectos fundamentais, já bastante conhecidos para o etanol
de cana. Apesar do avançado conhecimento em outros países do biodiesel produzido a
partir do metanol, o fato é que há muito pouca informação científica disponível sobre o
biodiesel produzido pela trans-esterificação etílica de óleos vegetais, possivelmente decorrentes de uma corrida por patentes do produto. O biodiesel é uma forma nova e moderna
de energia renovável e deve ter seu desenvolvimento devidamente fomentado, com investigações profundas e acessíveis a toda a sociedade.
6. Conclusões
Apesar de participação significativa na matriz energética brasileira, as fontes renováveis
de energia ainda têm um enorme potencial econômico a ser explorado. Programas como
o PROINFA e outras metas ambiciosas de fontes renováveis de energia, demonstram
que este é um setor onde o Brasil pode e deve assumir um papel protagonista, acreditando na importância das novas renováveis (eólica, solar, pequenas hidrelétricas e
biomassa moderna) e em sua necessidade de impulsos especiais, tanto tecnológicos
como financeiros. São enormes as possibilidades de vantagens potencias do uso da
energia renovável a serem exploradas pelo país, passando pelas sociais da geração de
empregos, ambientais da sustentabilidade, até as vantagens competitivas e econômicas
da venda certificados verdes de energia renovável e de redução de emissões, tecnológicas
na reprodução de experiências de sucesso como a da produção de álcool combustível
em larga escala até no desenvolvimento de novas tecnologias, como a gaseificação de
biomassa. Todos esses fatores deixam claro que o desenvolvimento das energias
renováveis e de sua participação na matriz energética brasileira não deve ser tratado
como um assunto menor no planejamento setorial.
2230
As fontes renováveis de energia só avançarão, no Brasil e no mundo, se tiverem incentivos concretos, baseados em políticas consistentes e ambiciosas. O Brasil deve continuar
cumprindo sua parte, tanto através do PROINFA quanto pela proposição de crescentes
metas e prazos de introdução destas fontes e de seu financiamento.
Finalmente, não se pode negligenciar a importância da lenha tradicional nas matrizes
energéticas de grande parte dos países. O estabelecimento de metas de energias renováveis
parte do conhecimento da fração renovável deste energético, que não é a mesma para a
Escandinávia e para a África. Investigações como as promovidas por Patusco (2002) e
pela CEPAL (2004) são necessárias, em âmbitos local, nacional e regional.
As fontes renováveis de energia só avançarão, no Brasil e no mundo, se tiverem incentivos concretos, baseados em políticas consistentes e ambiciosas. O Brasil deve continuar
cumprindo sua parte, tanto através do PROINFA quanto pela proposição de crescentes
metas e prazos de introdução destas fontes e de seu financiamento.
Finalmente, não se pode negligenciar a importância da lenha tradicional nas matrizes
energéticas de grande parte dos países. O estabelecimento de metas de energias renováveis
parte do conhecimento da fração renovável deste energético, que não é a mesma para a
Escandinávia e para a África. Investigações como as promovidas por Patusco (2002) e
pela CEPAL (2004) são necessárias, em âmbitos local, nacional e regional.
7. BIBLIOGRAFIA
ABRACAVE (2002). Anuário 2001. Associação Brasileira de Floresta Renováveis, Belo Horizonte (Brasil).
ANEEL(2003). Banco de informações da Geração. Agência Nacional de Energia Elétrica, Brasília (Brasil).
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y el Caribe, Santiago (Chile).
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ELETROBRAS (1999). Evaluation of Cogeneration Opportunities in Brazil. Centrais Elétricas Brasileiras S. A., Rio de Janeiro (Brazil).
Geller, H., R. Schaeffer, A. Sklo and M. T. Tolmasquim (2004). Policies for advancing energy efficiency and renewable energy use
in Brazil. Energy Policy, vol. 32, pp. 1437-1450.
Goldemberg, J.(2004a). Targets and timetables for “new renewables”.
_______ (2004b)(2004a). Targets and timetables for “new renewables”.
Goldemberg, J.(2004a). Targets and timetables for “new renewables”.
_______ (2004b)(2004b). Bonn e o fim do multilateralismo. O Estado de São Paulo, 15 de junho.
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MME (2003). Brazilian Energy Balance 2003. Secretaria de Energia, Ministério das Minas e Energia, Brasília (Brasil).
MME (2004). Governo Regulamenta o Proinfa. Ministério das Minas e Energia, Brasília (Brasil). http://www.mme.gov.br/
noticias.asp?url=Noticias/2004/marco/30.03.2004.htm
Paim, A. (2002). A Potencialidade Inexplorada do Setor Florestal Brasileiro. Sociedade Brasileira de Silvicultura, São Paulo (Brasil).
Patusco. J. A. M. (2002). A lenha na matriz energética brasileira. Departamento Nacional de Política Energética. Ministério
das Minas e Energia, Brasília (Brasil).
Renewables 2004 Conference (2004) www.renewables2004.de
Tolmasquim, M. T., L. P. Rosa, A. S. Sklo, M. Schüller and M. A. Delgado (1998). Tendências da eficiência energética no
Brasil. ENERGE
2231
AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
DOS FORNECEDORES DA
INDÚSTRIA DO PETRÓLEO
E GÁS NATURAL
RESUMO
O objetivo principal do presente trabalho é desenvolver uma metodologia de avaliação
que compreende uma estrutura de competências e indicadores para medir os níveis dessas
competências. A metodologia de avaliação abrange as seguintes competências principais:
tecnológicas, organizacionais e relacionais. Cada competência é constituída de sub-competências, sendo estas analisadas através de indicadores criados para medir o nível das competências principais. Essa metodologia de avaliação de competências foi aplicada a dois grupos de fornecedores locais de bens e serviços para a indústria do petróleo, sendo constituídos por empresas do setor de bens de capital mecânicos. O primeiro segmento são os
fornecedores de válvulas e bombas industriais, totalizando seis empresas. O segundo é
constituído por quatro empresas fornecedoras de árvore de natal molhada. A pesquisa de
campo foi realizada nessas dez empresas através de entrevistas, na qual foi aplicado um
questionário elaborado com base na metodologia de avaliação criada. Ao final do estudo
foram obtidas as características estruturais das competências por segmento.
1. INTRODUÇÃO
Desenvolver competências tecnológicas, organizacionais e relacionais é fundamental para
as empresas sobreviverem em mercados cada vez mais dinâmicos e competitivos. Isto significa que elas devem ter condições de acompanhar e, quando possível, antecipar-se às mudanças para atender às demandas do mercado e fazer frente à concorrência. Sendo assim,
mais que usar uma tecnologia, as empresas precisam incorporar em suas rotinas o atendimento das necessidades de investimentos para aprimorar seus recursos técnicos e humanos,
e buscar soluções organizacionais que primem pela eficácia, além de aperfeiçoar os canais
de comunicação com seus clientes e com o ambiente externo.
Desta forma, estas três competências, tecnológicas, organizacionais e relacionais, são
essenciais à sobrevivência das empresas em mercados, onde prevalece o acirramento da
concorrência. Este artigo objetiva apresentar o desenvolvimento de uma metodologia de
avaliação de competências, tanto tecnológicas quanto organizacionais e relacionais em empresas, as quais, apesar de estarem separadas analiticamente, possuem determinado nível de
interface que contribui para seu dinamismo.
2232
Além de criar a metodologia de avaliação de competências, esta é aplicada em dois grupos de
fornecedores locais de bens e serviços para a indústria do petróleo. Os fornecedores envolvidos
nessa pesquisa são formados por dois segmentos do setor de bens de capital mecânicos. O
primeiro segmento são os fornecedores de segunda linha, que são fabricantes de válvulas e
bombas industriais. Essas empresas além de destinarem a sua produção à Petrobras, fornecem
também a outras empresas do setor de bens de capital que abastecem a indústria do petróleo. O
segundo segmento é constituído por fornecedores de primeira linha, fabricantes de árvore de
natal molhada que atendem diretamente à indústria do petróleo. A amostra é constituída de dez
empresas, sendo seis fabricantes de válvulas e bombas e quatro de árvore de natal molhada.
A indústria do petróleo e gás natural, em linhas gerais, é constituída pela exploração,
produção, transporte, refino do petróleo e distribuição de seus numerosos derivados. Essa
indústria é caracterizada por uma grande variedade de processos produtivos que utilizam
uma gama variada de tecnologias, o que ocasiona a necessidade de fornecedores
especializados. A indústria do petróleo movimenta centenas de bilhões de dólares anualmente e gera centenas de milhares de empregos diretos e indiretos.
No Brasil a indústria do petróleo e gás natural contribui de maneira significativa para o
crescimento da economia do país, sendo responsável por 5,9% do Produto Interno Bruto
nacional no ano de 2001, além de proporcionar importantes encadeamentos sobre a produção de bens e serviços na economia (ANP, 2003). A contribuição para o PIB é maior do que
a de outros segmentos incluídos entre os mais dinâmicos da indústria. A indústria do petróleo desempenha um importante papel para o dinamismo da economia brasileira.
Desta forma, o presente artigo está dividido em 4 partes. A seção 2 é dedica à apresentação da
metodologia de avaliação de competências tecnológicas, organizacionais e relacionais. Na seção
3, o objetivo é relatar os resultados obtidos através da aplicação da metodologia de avaliação à
amostra de empresas. E por fim, na seção 4, são apresentados aspectos conclusivos.
2. Metodologia de Avaliação de Competências em Empresas
O trabalho metodológico, desenvolvido neste artigo, compreende três dimensões de competências: tecnológicas, organizacionais e relacionais. Sendo estas desdobradas em sub-competências que, por suas vez, são formadas por variáveis. A partir de algumas variáveis, compreendidas
pelas sub-competências, são criados indicadores quantitativos para medir os níveis alcançados
pelas competências. As demais variáveis auxiliam em análises qualitativas. Esta metodologia de
avaliação foi criada com base em trabalho de vários autores, tais como: Lall (1992), Kim (1993),
Furtado et al. (1994), Tacla e Figueiredo (2002) e Nelson e Winter (1982), Dosi (1988), Prahalad
e Hamel (1998), Teece e Pisano (1998), Fleury e Fleury (2000) e Munier (1999).
A competência tecnológica compreende as seguintes sub-competências: pesquisa e
desenvolvimento (P&D), investimentos, equipamentos, processo produtivo e engenharia
de produto. Os indicadores criados para medir a competência tecnológica são os seguintes: Número de Patentes Requeridas (NPR); Gastos em P&D (GP&D); Pessoal Efetivo
em P&D (PEP&D); Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica (EVTE); Qualidade da
Maquinaria (QM); Esforços em Maquinaria (EM); Atualização do Processo Produtivo
(APP); Inovações Incrementais no Processo Produtivo (IIPP); Inovações Radicais no
Processo Produtivo (IRPP); Inovações Incrementais na Engenharia de Produto (IIEP); e
Inovações Radicais na Engenharia de Produto (IREP).
2233
Na competência organizacional, as sub-competências são: estrutura organizacional
e recursos humanos. Os indicadores são os seguintes: Competências Organizacionais
(CO); Recursos Humanos com Curso Superior (RHCS); e Gastos com Treinamento
por Funcionários (GTF). Esses indicadores têm o objetivo de mensurar o nível das
competências organizacionais no que tange aos métodos e a gestão nas empresas, além
de medir o nível educacional dos funcionários e a preocupação das empresas com o
treinamento desses funcionários.
Nas competências relacionais são compreendidas as relações das empresas com outras
organizações, fornecedores, clientes e concorrentes. Para a mensuração das competências
relacionais os indicadores são os seguintes: Cooperação com Outras Organizações (COO);
Relação com Fornecedor (RF); Relação com Cliente – Desenvolvimento (RCD); e Relação
com Cliente – Organizacional (RCO). A partir desses indicadores é possível mensurar os
níveis das seguintes relações: com outras organizações, clientes e fornecedores.
A partir dessa metodologia de avaliação de competências em empresas, que engloba três
dimensões de competências, foi criado um questionário. Este questionário foi aplicado às
empresas selecionadas para a amostra, através de entrevistas. As empresas que fazem parte
da amostra são fornecedoras de bens e serviços para a industria do petróleo e gás natural,
sendo que todas são do setor de bens de capital mecânicos. As empresas da amostra são
fabricantes de válvulas e bombas (segmento Válvulas e Bombas) e os fabricantes de árvore
de natal molhada (segmento ANM).
As empresas do segmento Válvulas e Bombas são consideras de segunda linha, pois além
de destinarem a sua produção às operadoras, fornecem também a outras empresas do setor
de bens de capital, cujo mercado é a indústria do petróleo e gás natural. Nesse segmento são
encontradas importantes empresas de capital nacional, além de empresas de capital estrangeiro. O segundo segmento selecionado é formado por empresas fornecedoras de primeira
linha que representam uma importante produção nacional, os fornecedores de árvore de
natal molhada1 . Nesse segmento todas as empresas são de capital estrangeiro.
3. Análise dos Resultados
O objetivo desta seção é apresentar a análise dos dados, obtidos através da aplicação da
metodologia de avaliação de competências à amostra de empresas. Essas análises são realizadas contrapondo ambos os segmentos pesquisados. Desta forma é possível traçar um
diagnóstico das empresas em estudo através do mapeamento de competências.
Desta forma, a seção está dividida em três partes. Na parte 1, 2 e 3 são apresentadas,
respectivamente, as análises dos dados referente às competências tecnológicas,
organizacionais e relacionais.
1
Árvore de natal é um conjunto de conectores e válvulas usados para controlar o fluxo dos fluídos produzidos ou injetados,
instalado em cima da cabeça do poço.
2234
3.1 Competências Tecnológicas
Iniciam-se as análises das competências tecnológicas pelos esforços P&D. Conforme informações contidas no quadro 1, no segmento Válvulas e Bombas, apenas uma empresa não
realiza P&D, desta forma, a avaliação refere-se às cinco empresas que fazem P&D nesse
segmento. No segmento ANM, todas as empresas realizam P&D. Através dos dados evidencia-se a grande importância dispensada às atividades de P&D, exceto para uma empresa do
segmento ANM (empresa 1), que considera baixa a importância dessas atividades para a empresa, o que pode ser confirmado pelo fato da mesma não possuir um departamento próprio
de P&D, sendo as atividades de P&D realizadas em outros departamentos da empresa e
também em outras empresas do grupo. Nessa mesma empresa, os funcionários, envolvidos
nas atividades de P&D, dedicam apenas 20% dos seus tempos de trabalho a essas atividades.
Ao falar da natureza das atividades de P&D, observa-se que o foco em ambos os segmentos está no projeto de produto original, sendo as atividades realizadas principalmente
em departamentos de P&D próprios das empresas. A utilização dos departamentos de
P&D para o desenvolvimento de projeto de produto original é um importante instrumento
para a inovação. O que corresponde a uma capacidade tecnológica que poderá afetar o
desempenho competitivo das empresas.
Nesta sub-competência sobre a P&D são mensurados três indicadores: o Número de
Patentes Requeridas (NPR), Gastos em P&D (GP&D) e Pessoal Efetivo em P&D (PEP&D).
No segmento Válvulas e Bombas não foi registrado nenhum requerimento de patentes nos
últimos três anos (2000 – 2002), enquanto que no segmento ANM foram requeridas um
total de cinco patentes por duas empresas. Esse indicador mostra que mesmo quando as
empresas realizam P&D interna, elas não requerem patentes, pois na maioria dos casos,
estas são requeridas pela matriz ou por outras empresas do grupo. Das dez empresas
pesquisadas oito fazem parte de um grupo maior.
Quanto ao indicador Gastos em P&D, a média dos investimentos em P&D em relação
ao faturamento das empresas nos últimos cinco anos (1998-2002), para o segmento Válvulas e Bombas é de 2,34% e para o segmento ANM é de 3,5%. O indicador de Pessoal
Efetivo em P&D leva em consideração o percentual de empregados envolvidos nas atividades de P&D com relação ao número total de empregados, além de considerar o tempo
efetivo de dedicação dos empregados a essas atividades. Desta forma, tem-se um percentual
de 3,21% de funcionários envolvido nas atividades de P&D para o segmento Válvulas e
Bombas e de 4,28% para o segmento ANM.
O segmento ANM apresenta um maior indicador de gastos em P&D, em relação ao segmento Válvulas e Bombas, e também um maior percentual de profissionais efetivos nas atividades de
P&D, em relação ao número total de funcionários. Características que podem ser justificadas
pela complexidade e criticidade das tecnológicas desenvolvidas pelo segmento ANM.
Foi criado um indicador para medir a realização de Estudos de Viabilidade TécnicoEconômica (EVTE), no que tange a construção de uma nova planta industrial, projetos de
expansão e novos produtos ou processos. Assim sendo, o indicador EVTE é de 57 para o
segmento Válvulas e Bombas e de 88 para o segmento ANM. O que demonstra uma maior
estruturação do segmento ANM com relação à realização de estudos de viabilidade técnicoeconômica, inclusive para a construção de uma nova planta industrial.
2235
Na sub-competência equipamentos são analisadas questões sobre a avaliação da qualidade da maquinaria e os esforços em equipamentos (quadro 2). O indicador Qualidade da
Maquinaria (QM) que mede a qualidade média dos equipamentos, para o segmento Válvulas e Bombas ele é de 83, numa escala de 0 a 100, para o segmento ANM, este valor não
varia muito, passando para 88. Desta forma, em ambos os segmentos a maquinaria é avaliada entre altamente-avançada e classe mundial.
Um outro indicador criado para mensurar a sub-competência equipamentos, chamado
de Esforços em Maquinaria (EM), engloba as questões sobre: desenvolvimento de equipamentos para a utilização na planta; fabricação de peças de reposição quando necessário;
treinamento dos funcionários pela empresa para utilizarem novos equipamentos; e sistema
de manutenção. Nesta perspectiva, a média do esforço em maquinaria para o segmento
Válvulas e Bombas é de 63 e 50 para o segmento ANM. Uma característica interessante,
observada no segmento Válvulas e Bombas, é o fato da empresa 4 considerar a qualidade
média de seus equipamentos não muito avançada (25) e possui um indicador com valor 100
em Esforços em Maquinaria, ou seja, a empresa considera a sua maquinaria não muito
avançada e tem o maior indicador em Esforço em Maquinaria do segmento Válvula e Bombas. Essa é uma característica de países em desenvolvimento, as empresas necessitam aperfeiçoar determinadas competências, como desenvolver equipamentos e peças de reposição,
pois não estão inseridas em um ambiente que atenda todas essas necessidades. A escassez
de recursos provoca a necessidade de criar determinadas competências.
Também no âmbito desta sub-competência é analisado o último ano da ocorrência de
aquisição de equipamentos, montagem de uma nova linha de produção e introdução de um
novo sistema de produção. Para ambos os segmentos a última ocorrência, dos itens já citados, está entre 2001 e 2002. A partir dessas informações cabe retomar uma análise realizada
anteriormente. Na empresa 4, do segmento Válvulas e Bombas que possui o maior Esforço
em Maquinaria e a menor avaliação da Qualidade da Maquinaria (não muito avançada),
constata-se também que seus equipamentos não são muito recentes. O que é evidenciado
através da variável que se refere ao último ano da aquisição de novos equipamentos, montagem de uma nova linha e introdução de um novo sistema de produção, que é avaliada em 8
(numa escala de 100). Isso evidencia que os maiores esforços em maquinaria se aplicam a
certas empresas com equipamentos menos recentes.
No segmento ANM encontra-se a mesma correlação entre a qualidade da maquinaria e o
ano da última ocorrência das atividades previamente citadas. A empresa 1 que considera a
qualidade da sua maquinaria como avançada (sendo a menor avaliação entre as empresas
desse segmento), avalia em 25 o último ano da ocorrência da aquisição de novos equipamentos, sendo esta também a menor avaliação entre as empresas do segmento ANM.
A analise dos dados sobre o processo produtivo, a partir das informações contidas no
quadro 2, inicia pelo tempo médio de vida do processo produtivo mais importante da empresa, até que o mesmo seja substituído ou substancialmente aprimorado ou modificado,
chamado de indicador de Atualização do Processo Produtivo (APP). No segmento Válvulas e Bombas, esse indicador é avaliado em 75 e 81 para o segmento ANM, com uma média
de três anos até que o processo produtivo seja substituído ou substancialmente aprimorado
ou modificado, conforme escala do quadro 2.
2236
Um outro indicador para analisar o processo produtivo está relacionado com a realização
ou não de inovações incrementais e/ou radicais. Todas as empresas dos dois segmentos realizam alguma inovação incremental no processo produtivo (Indicador - Inovações Incrementais
Processo Produtivo - IIPP). No que diz respeito às inovações radicais (Indicador – Inovações
Radicais Processo Produtivo - IRPP), apenas duas empresas do segmento Válvulas e Bombas
realizam tais inovações e no segmento ANM, três empresas. O percentual de 75% de empresas do segmento ANM que realizam inovações radicais é superior ao de empresas do segmento Válvulas e Bombas (30%). Para ambos os segmentos as principais fontes de conhecimentos externas para a realização de tais inovações são outras empresas do grupo e clientes.
As mesmas questões sobre as inovações incrementais e radicais examinadas no processo
produtivo são analisadas, também, para a engenharia de produto (Quadro 2). Todas as
empresas realizam inovações incrementais (Indicador – Inovações Incrementais Engenharia de Produto - IIEP) na engenharia de produto. Paras as inovações radicais (Indicador –
Inovação Radical Engenharia de Produto - IREP) três empresas do segmento Válvulas e
Bombas e também três empresas do segmento ANM realizam tais inovações. As principais
fontes de conhecimento externas são os clientes, seguidos por outras empresas do grupo e
concorrentes. Novamente é evidenciada a realização de inovações radicais mais no segmento ANM (75%) do que no segmento Válvulas e Bombas (50%).
Evidencia-se a realização de inovações radicais, tanto no processo produtivo como
engenharia de produto, mais no segmento ANM, em comparação ao segmento Válvulas
e Bombas, o que vem ao encontro com os maiores esforços em P&D constatados no
segmento ANM. Outro fator marcante é a realização de tais inovações, tanto incrementais
quanto radicais, impulsionadas pelos clientes.
3.2 Competências Organizacionais
Para analisar a estrutura organizacional faz-se uso de um indicador, denominado de Competências Organizacionais (CO), que engloba as questões sobre just in time, certificação de garantia de
qualidade, controle de qualidade, kaizen, sistema de memória organizacional e marketing. Esse
indicador para o segmento Válvulas e Bombas é de 71 e para o segmento ANM é de 86. Essa
diferença se dá pelas questões referentes ao marketing. No segmento ANM faz-se mais uso do
marketing externo, além de praticamente todas as empresas possuírem um departamento de
marketing. O que não ocorre no segmento Válvulas e Bombas, no qual apenas 30% das empresas
utilizam o marketing externo e 66% possuem departamento próprio de marketing (quadro 3).
Outro ponto importante nestas análises é o uso de sistemas de informação integrados, que
são utilizados por nove das dez empresas pesquisadas. Para ambos os segmentos o sistema
mais utilizado é o ERP (Enterprise Resource Planning). Segundo Souza e Zwicker (2000), a
utilização do sistema ERP constitui uma alternativa muito interessante para as empresas que
desejam construir um sistema de informação integrado. Além dos benefícios do uso do sistema, existem outros decorrentes da terceirização do desenvolvimento de sistemas.
Na análise dos dados sobre os recursos humanos (quadro 4), inicia-se pela formação
acadêmica dos funcionários. Um indicador criado para mensurar a formação dos recursos
humanos, denominado de Recursos Humanos com Curso Superior (RHCS), considera o
percentual total de funcionários com nível superior, abrangendo a especialização, o mestrado
e o doutorado, sobre o total de funcionários. Para o segmento Válvulas e Bombas esse
percentual é de 18,14% e, para o segmento ANM, de 23,94%.
2237
A evidência de um melhor nível de escolaridade dos funcionários, das empresas do segmento ANM, é justificada pelo fato dessas empresas considerarem o nível educacional e a
experiência acadêmica como fatores importantes no processo de seleção dos funcionários,
o que não é considerado tão relevante para as empresas do outro segmento. Desta forma,
são examinados os fatores que seriam considerados importantes pelas empresas durante o
processo de seleção dos funcionários, tais como: nível educacional e experiência acadêmica,
escola ou universidade de origem, experiência profissional, proficiência em idiomas, recomendação, atitudes pessoais e pessoas com a capacidade de trabalhar em grupo. No segmento Válvulas e Bombas, os itens considerados mais importantes para as empresas são a
experiência profissional, pessoas com a capacidade de trabalhar em grupo e com propensão
para inovar, e atitudes pessoais. Para o segmento ANM a importância é para o nível educacional, a experiência acadêmica e a proficiência em idiomas. Conclui-se que, no segmento
Válvulas e Bombas, a prioridade é dada à experiência profissional no momento da seleção
dos funcionários, já no segmento ANM a prioridade é o nível educacional.
Os investimentos em treinamento, do segmento Válvulas e Bombas, são em média de
R$ 175,83 gastos por funcionários/ano-2002, para o segmento ANM, esse gasto é maior,
passando para R$ 498,79 gastos por funcionários/ano-2002, gasto duas vezes superior ao
gasto do segmento Válvulas e Bombas por empregado. O tempo de treinamento por funcionário durante o ano de 2002 foi de 26 horas por funcionário, para o segmento Válvulas e
Bombas, e de 45 horas para o segmento ANM. É interessante observar a correlação que
existe entre o nível de escolaridade dos empregados com os investimentos em treinamento.
As empresas que possuem o maior percentual de empregados com nível superior, geralmente, são as que investem mais em treinamento.
3.3 Competências Relacionais
Os dados mostram que todas as empresas pesquisadas desenvolvem algum tipo de cooperação com outras organizações, desta forma, é avaliada a importância de algumas categorias de
parceiros, tais como: universidades, institutos de pesquisa, instituições de serviços financeiros,
distribuidores, fornecedores de matéria-prima e serviços, clientes e alianças estratégicas. A
cooperação com outras organizações é valorizada mais pelo segmento Válvulas e Bombas,
constatado pelo indicador Cooperação com Outras Organizações (COO) que é mensurado
em 66 para o segmento ANM e 49 para o de Válvulas e Bombas. No segmento Válvulas e
Bombas, as cooperações consideradas mais importantes são com os clientes, seguidas pelas
alianças estratégicas e pelas cooperações com fornecedores de matérias-primas. No segmento
ANM, os clientes também são considerados muito importantes, seguidos pelos fornecedores
de matérias-primas e pelos fornecedores de serviços. Para ambos os segmentos a importância
da cooperação com os clientes é avaliada como muito importante (100) (quadro 5).
Observa-se uma diferença de avaliação entre os segmentos em relação à importância das
cooperações para as organizações. As alianças estratégicas são consideradas mais importantes para o segmento Válvulas e Bombas, avaliadas em segundo lugar, depois dos clientes.
Isso pode ser correlacionado com as características das empresas desse segmento, incluindo
a origem do capital e a natureza dos produtos fabricados, que requer mais interação com os
fornecedores. Desta forma, essas empresas desenvolvem mais pesquisa de forma conjunta
com seus fornecedores que as empresas do segmento ANM, sendo assim, as alianças estratégicas podem se fazer presentes.
2238
A interação das empresas com o ambiente externo pode ser realizada, também, através
da troca de informação com os fornecedores. O indicador Relação com Fornecedor (RF)
engloba questões sobre a empresa possuir ou não um cadastro atualizado dos fornecedores;
a seleção criteriosa dos fornecedores; a pesquisa de forma conjunta com seus fornecedores;
a pesquisa para os fornecedores; e o controle de qualidade dos fornecedores. A mensuração
desse indicador é equivalente, em ambos os segmentos, sendo de 87 para o segmento Válvulas e Bombas e 90 para o segmento ANM (quadro 5).
Uma forma de disseminação das informações, sobre o mercado, é o desenvolvimento de
pesquisa em conjunto e/ou para os fornecedores, além das empresas estarem trocando habilidades e aumentando os seus conhecimentos de forma mais interativa com o meio ambiente.
No segmento Válvulas e Bombas, todas as empresas realizam pesquisa de forma conjunta
com seus fornecedores e três empresas realizam pesquisa para seus fornecedores. No segmento ANM, este número se altera, metade das empresas realiza pesquisa de forma conjunta
com seus fornecedores, mas todas as empresas realizam pesquisa para seus fornecedores. O
foco do segmento ANM é a realização de pesquisa para seus fornecedores e no segmento
Válvulas e Bombas a pesquisa é realizada de forma conjunta com os fornecedores.
Os percentuais de importação de matéria-prima e equipamentos são relativamente baixos em comparação com as aquisições locais para ambos os segmentos. Porém no segmento ANM identifica-se um percentual maior em relação ao segmento Válvulas e Bombas. O
segmento Válvulas e Bombas apresenta para as compras no país, os seguintes percentuais:
87% na aquisição de matérias-primas e 92% na aquisição de equipamentos. No segmento
ANM estes percentuais se reduzem para 71% na aquisição de matérias-primas e 79% na
aquisição de equipamentos no país.
O fato do segmento Válvulas e Bombas realizar mais pesquisa de forma conjunta com os
fornecedores pode ser correlacionado com os maiores percentuais de aquisição local tanto
de matérias-primas como de equipamentos, em comparação com o segmento ANM. Desta
forma, a pesquisa em conjunto com os fornecedores pode ser facilitada por esses altos
percentuais de aquisição local, em junção com outras características das empresas, como
tecnologia e capital, conforme mencionado anteriormente. Já os maiores percentuais de
importação do segmento ANM, talvez, sejam justificados pelo fato das empresas do segmento ANM serem detentoras de tecnologias mais complexas e por fazerem parte de grandes grupos. Sendo assim, a pesquisa em conjunto com os fornecedores é menos difundida
que a pesquisa para os fornecedores nas empresas do segmento ANM.
A relação das empresas com seus clientes (quadro 6) é mensurada através de dois indicadores: Relação com o Cliente – Desenvolvimento (RCD) e Relação com o Cliente –
Organizacional (RCO). O indicador Relação com o Cliente - Desenvolvimento diz respeito
à empresa realizar determinadas atividades conforme a necessidade de seus clientes, tais
como: desenvolvimento de novos produtos, processos, modificações de produtos e processos e manutenção em equipamentos. No segmento ANM esse indicador é mensurado em
100 e para o segmento Válvulas e Bombas ele é 87, sendo o foco no desenvolvimento de
novos produtos e modificações em produtos. No segmento ANM, as empresas realizam
todas as atividades mencionadas, conforme a necessidade do cliente. Isso pode ser justificado pelo fato dessas empresas possuírem apenas um cliente, Petrobras, desta forma, todas as
atividades, desde as pesquisas até a produção, são direcionadas a esse cliente.
2239
O indicador Relação com o Cliente – Organizacional (RCO) analisa a realização das
seguintes atividades: uso de just in time entre a empresa e seus clientes, contratos de longo
prazo com os clientes, serviços pós-venda, pesquisa para identificar a satisfação dos clientes, sistema e-commerce entre a empresa e o cliente e participação da empresa no controle de
qualidade do cliente. Para o segmento Válvulas e Bombas esse indicador é de 69 e para o
segmento ANM ele é de 67. Os contratos de longo prazo entre as empresas e seus clientes
são bastante difundidos, tanto contratos de fornecimento de equipamentos como contratos de reparos e manutenção. Todas as empresas de ambos os segmentos possuem contratos de longo prazo com os seus clientes, sendo o principal deles a Petrobras. O período de
tempo desses contratos varia para o segmento Válvulas e Bombas de um até três anos e, no
segmento ANM, esses contratos podem chegar até cinco anos, para os reparos.
Na questão sobre a relação das empresas com seus concorrentes no que diz respeito às
práticas de benchmarking e monitoramento das tecnologias dos concorrentes, todas as empresas
de ambos os segmentos monitoram as tecnologias de seus concorrentes através do acompanhamento em campo da sua performance, além de outros meios, tais como: mídia, feiras e exposições. No segmento Válvulas e Bombas, cinco empresas realizam as práticas de benchmarking e no
segmento ANM todas as empresas fazem uso desta prática. Através das entrevistas foi evidenciada a importância da prática do benchmarking para as empresas do segmento ANM. As empresas
concorrentes são monitoradas com freqüência, sendo esse um fator considerado estratégico.
2240
2241
0
0
5
0
95
0
0
0
100
0
0
0
Construção de uma nova planta industrial (Peso 2) (a)
0
1
0
0
0
0
0
1
1
1
Projeto de expansão (Peso 2) (a)
1
1
0
0
0
1
1
1
1
1
Desenvolvimento de um novo produto (Peso 1) (a)
1
1
1
0
1
1
1
1
1
1
Desenvolvimento de um novo processo (Peso 1) (a)
1
1
1
0
0
1
0
1
1
1
(a) 1- Sim; 0 - Não (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
(b) Alta - 100, Média - 50, Baixa - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(c) NPR = Somatório de Patentes Requeridas no Brasil e no Exterior nos anos de 2000 a 2002 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
(d) GP&D = (somatório (Gastos em P&D/Faturamento))/5 - dados de 1998 a 2002 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(e) PEP&D = (Nº de Prof. Em P&D / Total de Func.) * Percentual do Tempo de Dedicação (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
NRA - Não realiza tal atividade
(f) EVTE = Média Ponderada transformado para a escala 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
80
NR
50
0
70
0
NR
0
20 10 NR 50 10 10 NR 0
0
0
3
0
0
0
2
0
0
0
15 70
0
30
0
15 6XEFRPSHWrQFLD±,QYHVWLPHQWRV
(VWXGRVGH9LDELOLGDGH7pFQLFR(FRQ{PLFD(97(I
15$ 0
0
0
0
*DVWRVHP3'*3'G
3HVVRDO(IHWLYRHP3'3(3'H
1~PHURGH3DWHQWHV5HTXHULGDVQRV~OWLPRVDQRV135F No Brasil
No Exterior
100
0
0
0
70
0
0
30
(PSUHVDV
0pGLD
0pGLD
6HJPHQWR9iOYXODVH%RPEDV
6HJPHQWR$10
6RPD
6RPD
GR6HJ GR6HJ
6XEFRPSHWrQFLD3HVTXLVDH'HVHQYROYLPHQWR
100
100
100
100
100
0 100 100 100 1
1
1
1
1
0
1
1
1
1DWXUH]DGDVDWLYLGDGHVD
1
1
1
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0
0
1
0
1
0
0
0
0
% Departamento de P&D da empresa
% Outros departamentos da empresa
% Outras empresas do grupo
% P&D externa
'LVWULEXLomRGDVDWLYLGDGHVGH3'
Controle de qualidade
Engenharia reversa
Projeto de produto original
Projeto de processo original
Importância das atividades de P&D (b)
Departamento próprio de P&D (a)
(PSUHVDVTXHGHVHQYROYHP3'D
&RPSHWrQFLDV7HFQROyJLFDV
4XDGUR±&RPSHWrQFLDV7HFQROyJLFDV
2242
(f) APP = Até 3 anos - 100; 4 a 6 anos - 50; 7 a 9 anos - 25; Mais de 9 anos - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(e) 2003 - 100; 2002 - 75; 2001 - 50; 2000 - 25; <1999 - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(d) Média da avaliação dos itens (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(c) Realiza - 1; Não realiza - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
(b) EM = Somatório da realização dos itens, transformado para a escala 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(a) QM = Classe Mundial - 100; Altamente Avançada - 75; Avançada - 50; Não muito Avançada - 25; Obsoleta - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi
considerada a média)
4XDGUR±&RPSHWrQFLDV7HFQROyJLFDVFRQWLQXDomR
(PSUHVDV
6HJPHQWR9iOYXODVH%RPEDV
0pGLD
6HJPHQWR$10
0p
&RPSHWrQFLDV7HFQROyJLFDV
6RPD
6R
GR
GR6HJ 6XEFRPSHWrQFLD±(TXLSDPHQWRV
4XDOLGDGHGD0DTXLQDULD40D
(VIRUoRHP0DTXLQDULD(0E
Desenvolvimento de equip. para a utilização na planta (c)
1
1
1
1
0
1
0
0
0
1
Fabricação de peças de reposição (c)
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
Treinamento de RH pela empresa para novos equipamentos (c)
1
1
0
1
1
0
1
1
0
1
Sistema de manutenção (c)
1
1
1
1
0
1
1
1
1
1
ÒOWLPRDQRGDRFRUUrQFLDGDVDWLYLGDGHVG
Aquisição de equipamento de produção (e)
100
25
100
0
75
75
25 75 100 75 Montou uma nova linha de produção (e)
100
25
0
0
75
100
25 100 100 75 Introduziu um novo sistema de produção (e)
100
50
0
25
75
75
25 100 100 75 6XEFRPSHWrQFLD3URFHVVR3URGXWLYR
$WXDOL]DomRGR3URFHVVR3URGXWLYR$33I
Percentual de terceirização do processo produtivo
0
10
90
20
10
30
20 30 30 30 5HDOL]DomRGH,QRYDo}HV,QFUHPHQWDLV,,33F
5HDOL]DomRGHLQRYDo}HVUDGLFDLV,533F
6XEFRPSHWrQFLD(QJHQKDULDGH3URGXWR
5HDOL]DomRGH,QRYDo}HV,QFUHPHQWDLV,,(3F
5HDOL]DomRGH,QRYDo}HV5DGLFDLV,5(3F
2243
1
1
1
1
1
0
0
0
1
Certificação de garantia de qualidade ISO 9001 (a)
Sistema de controle de qualidade (a)
Práticas de Kaizen (a)
Sistema de memória organizacional (a)
Departamento de marketing (a)
Uso de apoio de marketing externo (a)
6LVWHPDVLQWHJUDGRVHVSHFtILFRVF
MRP (a)
MRP II (a)
ERP (a)
1
0
1
1
1
1
1
1
1
0
1
0
0
0
0
1
1
1
1
0
0
0
0
0
0
1
0
1
1
0
0
1
0
0
1
1
1
1
1
0
1
0
1
1
1
1
1
1
1
0
(c) Somatório da realização dos itens
(b) Soma da realização dos itens, transformado para escala 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(a) Sim - 1; Não - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
1
Uso de Just in Time (a)
6XEFRPSHWrQFLD(VWUXWXUD2UJDQL]DFLRQDO
&RPSHWrQFLDV2UJDQL]DFLRQDLV&2PD[E
&RPSHWrQFLDV2UJDQL]DFLRQDLV
1
0
0
1
1
1
1
1
1
0
(PSUHVDV
6HJPHQWR9iOYXODVH%RPEDV
0pGLD
6RPD
GR6HJ 4XDGUR&RPSHWrQFLDV2UJDQL]DFLRQDLV
2244
0,00
0,15
0,00
9,23
0,00
15,38
75,23
0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00
0,00 0,00 0,79 0,00 0,00 0,00
0,34 0,00 2,38 1,18 4,62 0,29
8,28 12,66 19,05 9,41 34,10 15,71
2,07 3,80 13,49 2,94 14,16 8,00
21,03 34,18 48,41 61,76 29,77 30,71
61,03 20,25 15,87 24,71 17,34 9,86
(a) Sim - 1; Não - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
5+FRP&XUVR6XSHULRUE
*DVWRVFRPWUHLQDPHQWRSRUIXQFLRQiULR5*7)F 56,64 223,23 NR 47,79 303,47 248,03 175,83 307,69
)RUPDGHUHDOL]DomRRWUHLQDPHQWRD
Departamento próprio da empresa
0
0
0
1
1
1
1
Por equipes da empresa
0
0
1
0
0
0
0
Empresa terceirizada
1
1
1
1
1
1
1
Treinamento externo
1
0
1
1
1
1
1
Intercâmbio de funcionários
0
0
0
0
1
1
1
7HPSRGHWUHLQDPHQWRSRUIXQFLRQiULRKRUDVIXQFDQR
15 15 15 $WULEXWRVFRQVLGHUDGRVLPSRUWDQWHVQRSURFHVVRGHVHOHomRG
Nível educacional e experiência acadêmica
50
0
100
50
100
50
100
Escola ou universidade de origem
0
0
0
50
0
50
50
Experiência profissional
100
50
100
100
50
100
100
Proficiência em idiomas
0
50
50
50
100
50
100
Idade
0
0
50
0
50
0
0
Recomendação
50
100
50
0
50
0
50
Atitudes pessoais
100
50
100
50
100
50
100
Pessoas com a capac. de trab. em grupo e propensão para inov.
50
50
100
100
100
100
100
%Doutorado
%Mestrado
%Especialização
%Universitário Completo
%Universitário Incompleto
%2º Grau Completo
%1º Grau Incompleto
6XEFRPSHWrQFLD5HFXUVRV+XPDQRV
(VFRODULGDGHGRV)XQFLRQiULRVGRWRWDOGHIXQFLRQiULRV
&RPSHWrQFLDV2UJDQL]DFLRQDLV
(PSUHVDV
0pGLD 6HJP
6HJPHQWR9iOYXODVH%RPEDV
6RPD GR6HJ
4XDGUR&RPSHWrQFLDV2UJDQL]DFLRQDLVFRQWLQXDomR
2245
(c) Sim - 1; Não - 0 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
0pGLD
6RPD
GR6HJ
(b) Nula - 0; Pouca Importância - 25; Nem pouco, nem muito importante - 50; Importante - 75; Muito Importante - 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi
considerada a média)
(a) COO = Média das avaliações atribuídas aos itens, transformada em escala 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(PSUHVDV
6HJPHQWR9iOYXODVH%RPEDV
0pGLD
6HJPHQWR$10
&RPSHWrQFLDV5HODFLRQDLV
6RPD
GR6HJ 6XEFRPSHWrQFLDV&RRSHUDomRFRP2XWUDV2UJDQL]Do}HV
&RRSHUDomRFRP2XWUDV2UJDQL]Do}HV&22D
Universidades (b)
100
25
0
75
100
50
0
0
0
25
Institutos de pesquisa (b)
100
100
75
0
75
0
0
0
100
75
Instituições de serviços financeiros (b)
50
100
100
0
25
0
0
25
0
100
Distribuidores (b)
75
50
100
0
25
100
0
0
0
0
Fornecedores de matéria-prima (b)
100
75
100
100
25
75
50 100 75 100
Fornecedores de serviços (b)
50
75
0
100
25
0
100 100 0 100
Clientes (b)
100
100
100
100
100
100
100 100 100 100
Alianças estratégicas (b)
100
100
75
75
100
75
100 25
0
100
Convênio com universidades (c)
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
6XEFRPSHWrQFLDV)RUQHFHGRUHV
5HODomRFRP)RUQHFHGRU5)G
Cadastro atualizado dos fornecedores (c)
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Seleção criteriosa dos fornecedores (c)
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Pesquisa de forma conjunta com os fornecedores (c)
1
1
0
1
1
1
1
0
0
1
Pesquisa para os fornecedores (c)
1
1
0
0
1
0
1
1
1
1
Controle de qualidade dos fornecedores (c)
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
&RPSRVLomRGDVFRPSUDVLQVXPRVSDUDDSURGXomR
No País (%)
100
90
60
98
85
90
70 65 70 80
Importado (%)
0
10
40
2
15
10
30 35 30 20
&RPSRVLomRGDVFRPSUDV±HTXLSDPHQWRV
No País (%)
100
100
100
100
85
70
80 75 80 80
Importado (%)
0
0
0
0
15
30
20 25 20 20
4XDGUR&RPSHWrQFLDV5HODFLRQDLV
2246
1
1
Modificações em produtos (a)
Modificações em processos (a)
Manutenção de equipamentos (a)
0
1
Sistema e-commerce entre a empresa e o cliente (a)
Participação da empresa no controle de qualidade do cliente (a)
1
0
1
1
1
0
1
1
1
1
1
1
0
1
1
1
0
1
1
1
1
1
1
0
1
1
1
0
1
0
1
0
1
1
0
1
1
1
0
1
1
1
1
1
1
Monitoramento das tecnologias dos concorrentes (a)
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0
1
1
1
0
0
0
1
1
1
1
0
1
1
1
1
1
1
1
0
1
1
1
0pGLD
6RPD
GR6HJ
(c) Soma das atividades realizadas com o cliente, transformada em escala 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a
(b) Somatório da realização dos itens transformado para a escala 100 (Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a média)
(a) Sim - 1; Não - 0 (- Na coluna Média/Soma do Seg. foi considerada a soma)
0
Uso das práticas de benchmarking (a)
6XEFRPSHWrQFLDV&RQFRUUHQWHV
1
1
Pesquisa para identificar a satisfação dos clientes (a)
1
Contratos de longo prazo com os clientes (a)
Serviços pós-venda (a)
1
Uso de sistema Just In Time entre a empresa e o cliente (a)
1
1
Novos processos (a)
1
5HODomRFRP&OLHQWH2UJDQL]DFLRQDO5&2F
6HJPHQWR9iOYXODVH%RPEDV
6XEFRPSHWrQFLDV&OLHQWHV
Novos produtos (a)
5HODomRFRP&OLHQWH'HVHQYROYLPHQWR5&'E
&RPSHWrQFLDV5HODFLRQDLV
4XDGUR&RPSHWrQFLDV5HODFLRQDLVFRQWLQXDomR
4. Considerações Finais
A partir do estudo realizado percebe-se, ao comparar ambos os segmentos, que o
segmento ANM apresenta um melhor desempenho na mensuração dos indicadores,
exceto para o indicador Esforço em Maquinaria e Cooperação com Outras Organizações, como que já foi relatado anteriormente, ou seja, algumas empresas que apresentam o indicador Qualidade da Maquinaria, com uma menor avaliação, em contrapartida,
possuem uma melhor mensuração do indicador Esforços em Maquinaria. Na questão
Cooperação com Outras Organizações, o segmento Válvulas e Bombas apresenta um
melhor desempenho comparado com o segmento ANM. As empresas deste segmento
consideram essencial a cooperação com o cliente seguido pelos fornecedores, mas não
consideram as universidades e institutos de pesquisa como uma importante fonte externa de conhecimento, como é constatado no segmento Válvulas e Bombas. Este segmento considera as universidades uma importante fonte de conhecimento externo,
embora apenas uma empresa apresente convênio formal.
Mas exceto por estes dois indicadores (Esforços em Maquinaria – EM e Cooperação
com Outras Organizações – COO), o segmento ANM apresenta uma melhor avaliação
de suas capacitações. Portanto, esta melhor estruturação por parte das empresas do
segmento ANM, pode ser evidenciada pela complexidade e criticidade dos equipamentos que produzem, requerendo atenção redobrada em todos os âmbitos das competências estudadas. Além do fato de serem sustentadas por uma grande estrutura
organizacional e tecnológica proveniente das grandes corporações multinacionais. As
quatro empresas pesquisadas no segmento ANM constituem a população de fabricante
de árvore de natal molhada, localizadas no país. Desta forma, existe um grande acirramento na competitividade entre estas empresas. A elas não são permitidas falhas, pois
isso pode representar a redução de encomendas por parte da operadora principal, a
Petrobras, o que viria a comprometer o posicionamento das empresas no mercado,
visto que possuem a Petrobras como principal cliente.
As empresas do segmento Válvulas e Bombas também fabricam equipamentos críticos para a produção offshore, a diferença está no fato desses fornecedores serem de
segunda linha, ou seja, abastecem outras empresas do setor de bens de capital, além da
operadora principal. Ao contrapor ambos os segmentos estudados, observa-se uma
diferença, por parte do segmento Válvulas e Bombas, na avaliação das competências,
conforme já relatado no decorrer das apresentações das análises. Esta avaliação pode
ter sofrido influencia pelo fato desse segmento ser constituído por empresas que estão
passando por uma reestruturação, em decorrência da abertura da economia (década de
90), na qual passaram a perder mercado por conta dos contratos EPC, que são responsáveis pela importação de parte desses equipamentos.
BIBLIOGRAFIA
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– SEE. Rio de Janeiro, n. 23, Ago. / Out. 2003.
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TEECE, D.; PISANO, G. The dynamic capabilities of firms: an introduction. In: DOSI, G., Teece, D.; Chytry J. Technology,
organization and competitiveness. Oxford: Oxford University Press, 1998.
Agradecimento
À ANP – Agência Nacional do Petróleo pelo suporte financeiro na forma de Bolsa de Estudo.
2248
SOBRE A DEFINIÇÃO DE UMA
POLÍTICA PARA O HIDROGÊNIO
Joaquim Francisco de Carvalho*
RESUMO
Ultimamente vem-se depositando muita esperança no hidrogênio, como “solução para o
problema da escassez de energia”.
Há nisso um excesso de otimismo, até porque o hidrogênio não é uma fonte de energia:
gasta-se muita energia para produzi-lo.
Hidrogênio é apenas um vetor energético que, juntamente com a eletricidade, poderá
tornar mais eficientes e menos poluidores os sistemas de transporte coletivo nas grandes
cidades e os sistemas de geração distribuída de energia elétrica. Para isso, entretanto, devem
ser resolvidos alguns problemas fundamentais.
Uma das vantagens do hidrogênio, freqüentemente citadas, seria o fato de que sua combustão não gera CO2. Na realidade, essa vantagem só aparece se o hidrogênio for produzido a partir de fontes primárias renováveis e não-poluidoras. Ocorre que atualmente quase
todo o hidrogênio consumido no mundo é produzido por reforma de combustíveis fósseis,
como o carvão mineral, os derivados de petróleo e o gás natural, que respondem pela maior
parte do CO2 colocado na atmosfera, gerando o que talvez seja a mais grave ameaça à
preservação da vida em nosso planeta.
Este artigo discute alguns aspectos básicos e sugere questões importantes a serem consideradas na formulação de uma política de hidrogênio para o Brasil.
INTRODUÇÃO
Ao lado da eletricidade e dos combustíveis sólidos, líquidos e gasosos de origem fóssil,
o hidrogênio poderá vir a se tornar um importante vetor energético, mas a transição
ficará subordinada, por um lado, à duração das reservas de combustíveis fósseis economicamente exploráveis, por outro, ao prazo para o desenvolvimento de tecnologias e
engineering para o conjunto de sistemas envolvidos na produção, armazenamento, distribuição e usos finais do hidrogênio.
Os combustíveis fósseis têm limitações que vão se tornando cada vez mais evidentes,
não apenas por serem esgotáveis, mas, principalmente, porque são os principais responsáveis pelo aumento da taxa de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera.
Membro do Conselho de Energia da FIRJAN e do Conselho Consultivo do ILIMINA - Diretor Técnico da Lightpar.
*
2249
Diga-se de passagem que, embora em escala menor, a eletricidade também enfrenta obstáculos – nem tanto em países como o Brasil e o Canadá, favorecidos por grandes potenciais
hidrelétricos – mas principalmente naqueles fortemente dependentes de geração termelétrica.
Por outro lado, independentemente da fonte primária empregada (hidráulica ou térmica), as
usinas elétricas requerem sistemas de transmissão que também podem acarretar impactos
ambientais não desprezíveis, particularmente sobre ecossistemas que devam ser preservados
(Amazônia, por exemplo), ou em regiões densamente exploradas pela agricultura.
Em princípio, o hidrogênio apresenta algumas vantagens importantes, sendo a mais citada o
fato de que sua combustão não gera CO2. Mas essa vantagem deve ser considerada em termos
relativos pois, tomando-se o ciclo completo, da produção à combustão, ela só prevalece se o
hidrogênio não for produzido como o é atualmente em sua quase totalidade, ou seja, por reforma
de combustíveis fósseis, como o gás natural, o carvão mineral e alguns derivados do petróleo.
Outra vantagem freqüentemente lembrada seria o alto poder calorífico do hidrogênio
(120 MJ/kg, ou cerca de 28.700 kcal/kg), em comparação com a gasolina automotiva (45
MJ/kg, ou 10.800 kcal/kg). Aí as coisas devem ser examinadas com a devida cautela, pois
sua densidade energética é baixa, em termos volumétricos: 1 litro de gasolina equivale a 4,6
litros de hidrogênio comprimido a 700 bar.
Na definição de uma política para o hidrogênio, é natural que se subdivida a questão em
quatro linhas, a saber:
l
Produção de hidrogênio em larga escala. Análise comparativa entre as linhas de pro
dução de hidrogênio a partir hidrocarbonetos e de biomassas, relativamente aos impactos sociais (criação de empregos em zona rural, etc.) e ambientais (redução das
emissões de CO2);
l
Infra-estrutura de transporte, distribuição e armazenamento (este é o ponto crítico);
l
Usos finais do hidrogênio, seja como vetor energético associado à eletricidade, seja
em aplicações diretas, o que implica atividades de pesquisa e desenvolvimento de sistemas e equipamentos apropriados, sem esquecer a necessidade de se promoverem,
desde já, estudos voltados para a implantação, na época oportuna, de um sistema de
normas, códigos e padrões específicos para o Brasil;
l
Aspectos sócio-culturais de uma futura economia do hidrogênio: divulgação, ensino
técnico de temas correlatos, legislação, etc.
Considerações de caráter estratégico
O planejamento de uma política para o hidrogênio deve partir da definição das prioridades a serem observadas nos campos da produção, armazenamento, distribuição e usos
finais do hidrogênio.
Em países densamente motorizados – que enfrentam sérios problemas de poluição atmosférica nas regiões metropolitanas – a opinião pública exerce crescentes pressões para
antecipar o uso do hidrogênio em veículos leves (automóveis). Daí a prioridade atribuída à
etapa de transição do petróleo para o hidrogênio, o que implica a produção em larga escala
de hidrogênio a partir de combustíveis fósseis, pelos processos clássicos, em uso há quase
um século nos países industrializados, que detêm ou controlam grandes reservas de gás e de
carvão de boa qualidade.
2250
Independentemente de considerações de caráter ambiental, a produção de hidrogênio a
partir de combustíveis fósseis é simples e eficiente, de sorte que, nos países industrializados, somam-se os interesses – e os lobbies – das indústrias automobilística, do gás e do
carvão, para pressionar os respectivos governos a criar a infra-estrutura básica para a implantação de sistemas (ou redes) nacionais de distribuição de hidrogênio para automóveis, o
que requer o desenvolvimento, em curto prazo, de um completo sistema de códigos, normas e padrões, inclusive para a implantação e operação de postos de distribuição de hidrogênio. Para o Brasil, não há interesse na adoção dessas prioridades.
Diante de vantagens relativas tipicamente regionais, tais como o potencial hidroelétrico,
o clima favorável (horas de insolação, no caso) e a extensão de terras apropriadas para o
plantio de culturas adequadas, fica evidente que, no Brasil, a referida transição pode, com
vantagem, passar por uma etapa intermediária, que seria a substituição dos derivados de
petróleo pelo etanol, pura e simplesmente. Para isso já se desenvolveram tecnologias e
acumulou-se uma considerável experiência com o Proálcool, programa notoriamente bem
sucedido e até admirado por especialistas de países industrializados.
O Proálcool foi inexplicavelmente abandonado pelo governo brasileiro a partir de meados
da década de 1.980, mas é claro que, em vez de imitar a etapa de transição para o hidrogênio,
que é estratégica para os países industrializados, devemos restabelecer o Proálcool. Paralelamente a isso, realizar-se-iam, nas instituições que já se tenham iniciado na linha
dos sistemas automotivos a hidrogênio, pesquisas voltadas para o desenvolvimento industrial desses sistemas. Especial atenção seria dispensada aos veículos de transporte coletivo
(ônibus). Contudo, o maior interesse é no uso do hidrogênio em instalações de geração
distribuída de energia elétrica.
Produção de hidrogênio em larga escala
Atualmente quase todo o hidrogênio usado no mundo é produzido a partir de
hidrocarbonetos. Aí se inclui a rota do gás natural (metano), que é a mais eficiente, por ser
o metano o composto de maior conteúdo mássico de hidrogênio. De fato, tomando-se os
pesos atômicos do carbono (12) e do hidrogênio (1), vê-se que o metano (CH4) contem
hidrogênio na proporção de 4 para 16, isto é, 25%.
A simplicidade e eficiência da rota de produção de hidrogênio a partir do metano tornará
difícil viabilizar economicamente outros processos, em curto prazo.
É interessante conhecer em linhas gerais essa rota, para prever que, diante dos grandes
investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) que vêm sendo feitos para aperfeiçoála, particularmente nos Estados Unidos, a produção de hidrogênio a partir de fontes
renováveis ficará para um futuro relativamente distante, delimitado, de um lado, pelo prazo
de duração das reservas economicamente aproveitáveis de combustíveis fósseis, de outro,
por restrições de caráter ambiental.
Esquematicamente, a rota em questão consiste na reforma do metano para a produção
de gás de síntese. Este, reagindo em seguida com mais vapor de água, num conversor
aquecido a cerca de 500°C, converte em dióxido o monóxido de carbono formado, liberando mais hidrogênio, assim:
2251
CH4 + H2O ? CO + 3H2
CO + H2O ? CO2 + H2
Passando-se essa mistura por uma torre de absorção, retira-se parte do CO e do CO2
e, naturalmente, dos resíduos do próprio metano e do nitrogênio (N2) do ar, daí resultando uma mistura com a seguinte composição, aproximadamente: 69% de H2; 24% de N2;
4,6% de CO; 1,7% de CO2 e 0,7% de CH4. A obtenção de hidrogênio puro a partir dessa
mistura ainda é economicamente inviável, embora venha sendo objeto de importantes
investimentos em projetos de P&D, nos países industrializados.
A gaseificação de derivados de petróleo de cadeia mais complexa, ou mesmo de carvão, também produz gás de síntese, mas nesse caso, evidentemente, para se produzir a
mesma quantidade de hidrogênio, coloca-se mais CO2 na atmosfera.
Pode-se entrar na mesma rota a partir das biomassas, sem desequilibrar o balanço de
CO2 na atmosfera, já que, no processo de fotossíntese pelo qual crescem as plantas, estas
retiram da atmosfera a mesma quantidade de CO2 que é posteriormente reemitida, quando
se recomeça o ciclo, a partir da pirólise da biomassa formada no referido processo.
Esta é uma das razões pelas quais, no Brasil, devem ser adotadas, como premissas de
planejamento, as vantagens relativas que possam dar ao país boas condições para avançar
no desenvolvimento de processos de produção de hidrogênio, independentemente das prioridades de países industrializados, que não disponham, nas mesmas proporções, dos recursos naturais de que dispõe o Brasil.
Examinemos resumidamente os processos de produção do hidrogênio a partir da água,
que aliás permitem a obtenção direta de hidrogênio puro.
Pelo menos três linhas são objeto de pesquisas em diversos países: a eletrólise, a dissociação
termoquímica da água e os processos fotobioquímicos. Estes ainda estão em estágio de
pesquisa básica.
A eletrólise não é novidade. Nesse campo, as pesquisas orientam-se para o aperfeiçoamento técnico-econômico de soluções existentes, e para o desenvolvimento de tecnologias
mais eficientes, como, por exemplo, a eletrólise a alta temperatura (associada a reatores
nucleares que operem à temperatura adequada).
A decomposição termoquímica processa-se a temperaturas próximas de 1.000°C, através de seqüências de reações entre compostos que liberam oxigênio a alta temperatura e,
depois, oxidam-se a temperaturas mais baixas, liberando hidrogênio, num ciclo que pode se
repetir indefinidamente, pelo menos em teoria. Este processo envolve menos intermediários que a eletrólise clássica e conduz a uma utilização mais racional da energia primária,
permitindo rendimentos teóricos mais elevados (70% a 80%). Além disso, a produção simultânea de oxigênio é um fator economicamente muito favorável. O processo baseia-se na
idéia de se transferir energia livre ao sistema por meio de um número limitado de reações
químicas, realizadas a temperaturas da ordem de 600°C a 1.100°C, seguidas de outras, a
temperaturas em torno de 250°C, de modo a decompor a molécula de água em seus elementos e regenerar os elementos intermediários do ciclo.
2252
Por força de limitações impostas pelos materiais usados, foram estudados ciclos
que se processam a temperaturas inferiores a 1.000°C, que podem ser suportadas pelos
materiais disponíveis e poderiam, na prática, ser obtidas nos reatores a alta temperatura,
cujos elementos combustíveis chegam a temperaturas da ordem de 1.400°C e o fluido
refrigerante, que é o hélio, atinge cerca de 900°C a 1.000°C na saída do circuito primário.
Também foram considerados os reatores regeneradores, nos quais o fluido refrigerante,
que é o sódio, atinge 600°C a 700°C.
Com a desaceleração da maioria dos programas eletronucleares, as pesquisas sobre a
dissociação termoquímica prosseguem em ritmo lento, independentemente de considerações sobre a fonte de calor a ser empregada, para se obterem as temperaturas necessárias. É
importante assinalar que uma das alternativas para se obterem essas temperaturas seriam
coletores termosolares parabólicos, que concentrem as radiações sobre reatores especialmente projetados para a realização de reações de dissociação termoquímica.
Milhares de ciclos de dissociação termoquímica já foram testados e, à vista do número
extremamente elevado de combinações possíveis, optou-se por considerar apenas algumas
dezenas, em função de critérios técnicos, tais como os valores da energia livre, os rendimentos dos ciclos termoquímicos, o número de reações e as perdas de matéria, que são
inevitáveis, mesmo em ciclos fechados.
Com a introdução de limitações de caráter econômico, foi-se reduzindo esse número,
até chegar-se à conclusão de que apenas pouco mais de vinte mereceriam atenção, pelo
menos por enquanto.
Alguns desses ciclos utilizam reações separadas pela adição de água e retirada do hidrogênio e oxigênio, outros implicam adição de água na mesma reação que a retirada de um dos
elementos. Combinando-se todas as combinações adequadas das três etapas, isto é, adição
de água, retirada de hidrogênio e retirada de oxigênio, observa-se que a maior parte dos
ciclos têm apenas uma reação com cinco componentes, e apenas um ciclo tem uma reação
com seis componentes.
O quadro a seguir ilustra três desses ciclos.
EXEMPLOS DE CICLOS DE DISSOCIAÇÃO TERMOQUÍMICA DA ÁGUA
De duas reações
(1) H2O + 2K ? K2O + H2?
(2) K2O ? 2K + 1/2O 2?
_______________________________
H2O ? H2 + 1/2O 2 (dissociação final)
De quatro reações
De três reações
(1) 6FeC2 + 8H2O ? 2F3O 4+ 12HCI + 2H2
(2) 2F3O4 + 3Cl2 + 12HCl ? 6FeCl3 +6H2O + O2?
(3) 6FeCl3 ? 6FeCl2+ 3Cl 2
_______________________________
2H2O ? 2H2 + O2 ? (dissociação final)
2253
(1) CaBr2 + 2H 2O ? Ca(OH)2 + 2HBr
(2) Hg+2HBr ? HgBr2+ H2
(3) HgBr2 + Ca(OH) 2 ? CaBr2 + HgO + H2O
(4) HgO ? Hg + 1/2 O2?
_______________________________
H2O ? H2 + 1/2O2? (dissociação final)
No que diz respeito ao rendimento dos ciclos termoquímicos, pesquisas realizadas no
Instituto de Tecnologia do Gás, de Chicago, mostraram que ciclos operados a 925°C, podem alcançar rendimentos de 61%, e ciclos operados a 700°C podem chegar a rendimentos
de 45%. Em comparação, o rendimento dos processos eletrolíticos a alta temperatura,
alcança apenas 46%, a 925°C; caindo para 42%, a 700°C.
Abaixo de 700°C, entretanto, o rendimento da decomposição termoquímica é sempre
inferior ao dos processos eletrolíticos.
Teoricamente, poder-se-ia pensar também em decomposição térmica direta da água,
mas isso exigiria temperaturas da ordem de 2.500°C, que não são disponíveis na prática.
Para a produção de hidrogênio a partir de biomassas, as pesquisas seguem duas linhas.
A primeira é a da produção de etanol (ou de metano, por pirólise de resíduos vegetais),
seguindo-se a obtenção de hidrogênio por reforma. Esta linha encontra-se já bem próxima
da viabilidade prática.
A segunda é a da produção direta, por processos fotobioquímicos, mediante a ação de
enzimas hidrogenases. Aqui, as pesquisas estão ainda em estágio fundamental, mas as perspectivas são promissoras.
***
À vista do exposto, é natural que, para o Brasil, serão mais vantajosas as seguintes rotas
para a produção de hidrogênio em larga escala:
l
Eletrólise de água, usando eletricidade gerada em usinas hidroelétricas, nas horas offpeack. Em princípio, a produção de hidrogênio por esta rota faria mais sentido em
usinas que operem a fio d’água, (Itaipu, por exemplo). No entanto, em função de
estudos hidrológicos abrangentes, pode-se pensar em parques hidráulicos interligados, nos quais a água, que seria vertida em determinados períodos hidrológicos, pudesse ser turbinada para alimentar eletrolisadores. Para escalas menores, os
eletrolisadores poderiam ser alimentados com eletricidade gerada em fazendas eólicas,
ou em sistemas fotovoltaicos.
l
Reforma do gás obtido pela pirólise de biomassas (resíduos agrícolas e da indústria
madeireira, por exemplo) ou reforma direta de álcool etílico.
l
É claro que, se a Petrobrás for bem sucedida na descoberta de novas e suficientemente extensas reservas de gás natural, deve-se acompanhar o desenvolvimento dos processos de produção de hidrogênio a partir desse insumo, lembrando entretanto que o
programa de geração termelétrica a gás natural poderá absorver grande parte, senão a
totalidade, da produção brasileira de gás natural. Por outro lado, seria um contrasenso produzir hidrogênio a partir de gás importado.
Infra-estrutura de armazenagem, transporte e distribuição
Em última análise, as soluções para os problemas da armazenagem, transporte e distribuição de hidrogênio repousam sobre tecnologias desenvolvidas há quase um século, para
o gás de rua, que era fabricado essencialmente a partir de carvão, continha cerca de 40% a
70% de hidrogênio e era usado nas indústrias e redes urbanas. Mas não se pode afirmar, em
termos realistas, que, para o hidrogênio puro, aquelas soluções sejam ideais.
2254
Dependendo da finalidade, o hidrogênio pode ser armazenado sob as formas líquida
(técnicas criogênicas), gasosa (cilindros de gás comprimido) ou sólida (hidretos metálicos).
Em função das quantidades e distâncias em jogo, o transporte também pode ser feito em
forma sólida, líquida ou gasosa, inclusive em gasodutos, a pressões menores do que a usada
nos cilindros. A prática tem demonstrado que, para grandes quantidades, o transporte em
gasoduto é mais vantajoso que os outros. E para as menores distâncias, a vantagem fica
com o transporte em forma líquida.
Especialmente para a armazenagem, além das linhas de pesquisa que vêm sendo exploradas em diversas instituições acadêmicas, dever-se-ia acompanhar o desenvolvimento das
pesquisas que se fazem na França, nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão, com
alumínio e polímeros reforçados com fibras de carbono e também (embora em estágio
incipiente) no campo de determinados materiais nanoestruturados, tais como nanotubos
de carbono, além de hidretos metálicos e metalorgânicos.
Cumpre assinalar que a armazenagem é mais importante para os usos veiculares do hidrogênio em larga escala. Para a utilização na geração distribuída, o hidrogênio pode ser
produzido localmente (a partir de etanol, por exemplo) na medida do consumo do equipamento de uso final. Com isso, o problema passaria a ser o do transporte e armazenamento
de etanol, que já foi resolvido no contexto do Proálcool.
Usos finais do hidrogênio
Embora haja muitas aplicações de hidrogênio para as quais já existe tecnologia desenvolvida industrialmente (turbinas a gás, motores térmicos, caldeiras, etc.), é de se prever que –
exceto na indústria química – a viabilidade do uso de hidrogênio, em escala significativa,
será como vetor energético, principalmente em células a combustível, quer para veículos de
transporte coletivo (talvez em prazo relativamente curto), quer para aplicações estacionárias, tais como a geração distribuída de eletricidade.
A tecnologia das células a combustível, assim como a de reformadores, tem avançado
rapidamente. Recentemente, um grupo da Universidade de Minnesota apresentou um
reformador de etanol compacto e de alta eficiência, no qual mais de 95% do etanol é convertido em hidrogênio. Num veículo leve, isso conduz a uma eficiência global de 60%, ou
seja, mais do que o dobro da eficiência de um motor de combustão, operando a combustível derivado de petróleo.
Atualmente, o consumo de hidrogênio no mundo é da ordem de 25 milhões de toneladas
por ano. Esse consumo deverá multiplicar-se várias vezes, se progredirem os planos dos
Estados Unidos de converter, até por volta do ano 2.030, sua frota de automóveis de passageiros para o uso de hidrogênio.
Já assinalei que, nos países industrializados, as populações – crescentemente mobilizadas
em torno dos problemas da poluição atmosférica nas cidades, assim como das emissões de
gases de estufa e do aquecimento global – pressionam os respectivos governos para acelerar
a etapa de transição do petróleo para o hidrogênio, para uso em veículos leves.
O Brasil dispõe de tempo suficiente para investir num programa de pesquisa básica voltado
para os usos finais do hidrogênio, pois tem a vantagem de poder passar pela etapa intermediária do etanol, que é ambientalmente muito menos agressivo do que os derivados de petróleo.
2255
A grande flexibilidade do hidrogênio, sob forma gasosa, líquida ou sólida, permite prever uma extraordinária diversidade de aplicações futuras. No presente, são bem conhecidos
os usos do hidrogênio na indústria química e, como redutor, na siderurgia.
Havendo recursos para pesquisa industrial e se os pesquisadores forem criativos e bem
preparados, nada impede que se desenvolvam novas aplicações para o hidrogênio, que tirem partido de algumas de suas propriedades físicas. À guisa de exemplo, lembremos que o
hidrogênio, em contacto com alguns compostos de fósforo, na presença de oxigênio, fornece uma luz viva, a baixa temperatura e sem chama, o que sugere o desenvolvimento de
novas tecnologias para a iluminação interna das residências e locais de trabalho. E, em
contacto com determinadas cerâmicas, o hidrogênio libera calor, sem produzir chama, podendo-se daí desenvolver chapas especiais de aquecimento, para fogões de uso residencial.
Por fim, certos aparelhos eletrodomésticos poderiam ser alimentados por células a combustível de pequeno porte, e assim por diante.
Conclusão
O hidrogênio não é uma fonte de energia, mas apenas um vetor energético, que poderá
tornar mais eficientes e menos poluidores os sistemas de transporte coletivo nas grandes
cidades e os sistemas de geração distribuída de energia elétrica. Para isso, entretanto, devem
ser resolvidos alguns problemas fundamentais.
Nos países industrializados, somam-se pressões da indústria automobilística e da opinião pública, para que se criem sistemas (ou redes) nacionais de distribuição de hidrogênio
para automóveis. O Brasil não tem interesse imediato nisso, pois – diante de vantagens
relativas tipicamente regionais, como o potencial hidroelétrico, o clima favorável (horas de
insolação, no caso) e a extensão de terras apropriadas para o plantio de culturas adequadas
– fica evidente que a transição dos combustíveis fósseis para o hidrogênio pode, com vantagem, passar por uma etapa intermediária, que seria a substituição dos derivados de petróleo pelo etanol. E dispomos de tempo suficiente para investir em programas de P&D voltados para a produção de hidrogênio em larga escala e para a implantação de infra-estruturas de transporte, distribuição e armazenamento, adequada aos usos finais de hidrogênio
que efetivamente atendam, na forma correta, às demandas da sociedade, aos requisitos da
preservação ambiental e às necessidades da economia.
BIBLIOGRAFIA
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2. Vermeglio, A. et alii - “Produire de l’hydrogène à partir d’eau et de lumière grace aux
14/01, Commissariat à l’énergie atomique, 2001.
microorganismes”, in Clefs CEA n°
3. Alleau, T. et alii - “L’Avenir des véhicules à pile à combustible”, in Clefs CEA n° 14/96,
atomique, 1996.
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Inc., 2001.
Commissariat à l’énergie
Energy Laboratory, 1998.
5. “Zur friedlichen Nutzung der Kernenergie” - Publicação do Ministério da Pesquisa e Tecnologia da Alemanha, 1977.
6. Reid. W. T. -”The energy explosion”, in Journal of the Institute of Fuel, fevereiro, 1970.
2256
ANÁLISE DOS ASPECTOS TÉCNICOS,
SOCIAIS, ECONÔMICOS E AMBIENTAIS
DO USO DE BIODIESEL CONSORCIADO AO
BIOGÁS PARA GERAÇÃO DE ELETRICIDADE
Carolina Dubeux1
Luciano Basto Oliveira2
Emilio Lèbre La Rovere
1. RESUMO
O presente trabalho avalia os impactos técnicos, sociais, econômicos e ambientais do aproveitamento energético de biogás recuperado do lixo consorciado a biodiesel de óleo de fritura,
projeto em curso no aterro de Gramacho, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
2. INTRODUÇÃO
O aquecimento global é uma problemática que suscita vários desafios à sociedade
contemporânea seja para a redução das emissões de gases que aumentam o efeito estufa
ou para o seqüestro destes gases da atmosfera, seja para a adaptação da sociedade e dos
biomas aos impactos que dele serão decorrentes.
No que diz respeito à redução das emissões, o maior desafio se refere à diminuição do
consumo de derivados de petróleo, este o grande responsável pelas emissões antropogênicas
que vêm resultando no aumento do efeito estufa desde a revolução industrial. Como segunda fonte emissora em importância nas cidades, o tratamento de resíduos requer atenção
especial tanto por emanar gases mais impactantes que os provenientes do consumo do
petróleo, quanto pela facilidade de implantação de soluções.
Neste contexto, a substituição de combustíveis de origem fóssil com alto impacto no
clima por combustíveis também fósseis, mas de menor impacto ou por combustíveis de
fonte renovável, categoria na qual inserem-se os combustíveis produzidos com a parte orgânica dos resíduos urbanos, é uma necessidade que emergiu com o conhecimento científico recente a respeito da dinâmica do clima e das causas de seu aquecimento.
[email protected]
[email protected]
CENTROCLIMA/COPPE/UFRJ – IVIG/COPPE/UFRJ – LIMA/COPPE/UFRJ
1
2
2257
Os países desenvolvidos signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas deverão, por ocasião da implementação do Protocolo de Quioto que
regulamenta a própria Convenção, reduzir suas emissões líquidas (emissões menos seqüestro), enquanto a mesma restrição não precisa ser observada pelos países em desenvolvimento. Para que o custo global desta redução possa ser minimizado, o Procotolo institui
mecanismos pelos quais os países desenvolvidos podem alcançar suas metas de redução por
intermédio de reduções em outros países com custo marginal de abatimento menor. Nesta
perspectiva, mesmo ainda por ser implementado, o Protocolo de Quioto suscitou o
surgimento de um mercado internacional para o carbono não emitido (ou seqüestrado).
Desta forma, projetos que reduzam emissões de GEE em países em desenvolvimento
podem obter recursos adicionais no mercado internacional de carbono vendendo emissões
de carbono evitadas aos países que devem limitar suas emissões, por intermédio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL, criado pelo Protocolo de Quioto. Isto torna
possível a países em desenvolvimento a execução de projetos que não atendem as exigências de mercado no que se refere à eficiência econômica ou encontrem outras barreiras que
não somente aquelas desta natureza, incluídos, neste grupo, projetos de desenvolvimento
tecnológico. Ressalte-se que um dos pré-requisitos do MDL é que os projetos contribuam
para o desenvolvimento sustentável dos países onde forem executados.
O projeto de desenvolvimento tecnológico “Queima de Biogás de Aterro e Uso de Biogás
e Biodiesel para Geração de Energia no Aterro Sanitário de Gramacho”, em fase de elaboração pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb) e os Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ (COPPE/UFRJ), por intermédio de seu
centro de pesquisa Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG), vem testando o uso de um consórcio de combustíveis para a geração de eletricidade que não interferem
no clima. O projeto pretende empregar os recursos provenientes do mercado internacional de
carbono para enfrentar, paralelamente à problemática do clima, questões como redução de
custos de energia elétrica, aproveitamento e revitalização de áreas destinadas a aterros sanitários, melhoria da qualidade de vida dos catadores de lixo, entre outros benefícios.
O projeto tem por objetivo primeiro tornar auto-suficiente em termos de energia elétrica, a estação de tratamento de chorume3 e demais equipamentos do Aterro Sanitário de
Jardim Gramacho, gerenciado pela COMLURB, a partir do uso de um grupo-gerador ciclo
Diesel alimentado por um consórcio de biogás de lixo e biodiesel de óleos usados. Estes
combustíveis são oriundos de resíduos orgânicos renováveis e, portanto, não contribuem
para o aumento do efeito estufa.
Resíduo líquido do lixo
3
2258
A eletricidade total a ser produzida pelo projeto é de 1.261.440 kWh ou 105.120 kWh por
mês. Como a demanda do aterro está estimada em 50.000 kWh por mês, a energia excedente será disponibilizada para uma escola pública e um centro público de saúde que atendem
à comunidade em torno do aterro.
No âmbito do MDL, o Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças
Climáticas (Centro Clima), da COPPE/UFRJ, analisou como pertinente a candidatura deste
projeto às Reduções Certificadas de Emissões (RCEs), também conhecidas como “créditos
de carbono”, e elaborou toda a documentação necessária para atender aos requisitos das Nações Unidas (ONU). No momento a metodologia utilizada está sendo avaliada pelo Painel
Metodológico da ONU, simultaneamente à apreciação do projeto pelo governo brasileiro.
3 – Características Tecnológicas do Projeto
A tecnologia a ser utilizada se constitui de um motor ciclo Diesel de 200 kVA cujos
combustíveis serão o biogás proveniente de aterro sanitário e o biodiesel - derivado monoalquil éster de ácidos graxos de cadeia longa – produzido com a transesterificação de óleos
vegetais ou de gordura animal. Serão utilizados, consorciadamente, o metano do biogás
extraído do próprio aterro, no limite técnico máximo suportado pelo gerador, complementado
por biodiesel de óleos usados. A expectativa é que 70% da energia gerada venham do biogás
e 30% venham do biodiesel em todas as fases do projeto. Embora o projeto use um grupo
gerador de 200 kVA, para efeitos de cálculo, somente 90% desta capacidade, 180 kVA, serão
considerados, assumindo-se, assim, uma postura conservadora no que se refere à solicitação de créditos de carbono.
A tecnologia proposta é perfeitamente dominada pelos executores do projeto, não sendo
necessária qualquer transferência de tecnologia. A tecnologia de produção de biodiesel já vem
sendo testada na COPPE desde 2000, enquanto o consórcio de diesel e biogás vem sendo
usado pela COMLURB em um motor Scania ciclo Diesel de quatro cilindros, muito antigo,
acoplado a um gerador de 25 kVA que funciona como projeto piloto já há algum tempo.
Apesar do projeto não atender ao modelo tradicional de aproveitamento energético do
gás do lixo de forma exclusiva, está sendo proposto porque a Companhia deseja desenvolver e testar uma tecnologia alternativa que, se utilizada em escala de produção, deverá
apresentar ganhos de eficiência de geração elétrica em torno de 50% em relação às
tecnologias convencionais. Isto decorre da diferença entre as eficiências dos motores
ciclo Diesel (35%) e ciclo Otto (23%).
O BIOGÀS
O gás de lixo (GDL) é produzido pela degradação anaeróbia da matéria orgânica. É,
usualmente, composto por uma mistura de 50% de CH4, 45% de CO2 e 5% de H2S e outros
gases e apresenta potencial de aproveitamento energético dado seu poder calorífico de 5.800
kcal/m3. Um sistema padrão de coleta de GDL tem três componentes centrais: poços de
coleta e tubos condutores, um sistema de tratamento, e um compressor. Além disto, a maioria dos aterros sanitários com sistema de recuperação energética tem um flare para queima
do excesso de gás ou para uso durante os períodos de manutenção dos equipamentos.
O ciclo de aproveitamento do biogás está apresentado na Figura 1, a seguir:
2259
Figura 1 - Ciclo de Aproveitamento do Biogás
O Biodiesel
O biodiesel é obtido através da reação de óleos vegetais ou animais com um intermediário ativo formado pela reação de um álcool com um catalisador, processo conhecido como
transesterificação. Os produtos da reação química são um éster4 (biodiesel) e glicerol. Os
ésteres têm características físico-químicas muito semelhantes às do diesel, conforme demonstram as experiências realizadas em diversos países, o que possibilita a utilização destes
ésteres em motores de ignição por compressão (motores do ciclo Diesel).
A reação de transesterificação pode empregar diversos tipos de álcoois, sendo os mais
estudados os álcoois metílico e etílico. Freedman (1986)5 e colaboradores demonstraram
que a reação com metanol possui rendimento maior que com etanol, principalmente se este
for hidratado. A separação da glicerina obtida como subproduto, no caso da síntese do éster
metílico é resolvida mediante simples decantação, bem mais facilmente do que com o éster
etílico, processo que requer um maior número de etapas.
Quanto ao catalisador, a reação de síntese pode utilizar os do tipo ácido ou alcalino. Entretanto, geralmente a reação empregada na indústria é feita em meio alcalino, uma vez que esta
apresenta melhor rendimento e menor duração do que em meio ácido (Freedman 1986)6 .
Derivado da reação química entre um ácido carboxílico e um álcool, na qual o hidrogênio do grupamento carboxila é
substituído pela cadeia carbônica do álcool, formando o éster.
5
Freedman, B; Butterfield, R.O.; Pryde, E.H.; J. Am. Oil Chem. Soc. 1986, 63, 1375.
6
Ibid idem.
4
2260
Por questões de logística, o projeto optou por empregar, num primeiro momento, álcool
metílico e hidróxido de potássio (catalisador alcalino) para a reação de transesterificação do
óleo vegetal usado. Entretanto, cabe ressaltar que a planta a ser construída pela empresa
Hidroveg, fornecedora do biodiesel ao projeto, possibilita o emprego de outros tipos de
álcool ou de catalisador, como, por exemplo, o álcool etílico oriundo de fonte renovável.
Esquema 1 - Reação de Transterificação
H2C-O-(C=O)-R1
H2C-OH
HC-O-(C=O)-R2 + 3 H3C-OH à 3 H3C-O-(C=O)-R´+ HC-OH
H2C-O-(C=O)-R3
H2C-OH
Onde R1, R2 e R3 representam as cadeias carbônicas dos ácidos graxos e R’ a cadeia
carbônica do álcool reagente.
O fluxograma apresentado na Figura 2, a seguir, mostra o esquema da reação de
transesterificação. Em um tanque com agitação magnética, o catalisador (hidróxido de potássio) é adicionado ao álcool metílico. Esta mistura é transferida, com agitação contínua, ao
reator contendo o óleo, onde se processa a transesterificação. Findo o tempo de reação, a
mistura é transferida a um tanque de decantação, onde se processa a separação da glicerina.
Figura 2 - Fluxograma do Processo de Transesterificação em Batelada
Misturador
KOH (catalisador)
CH3OH (metanol)
Reator
Metanol+KOH
Óleo de rejeito
H2COOCR’
HCOOCR”
H2COOCR’”
Óleo transesterificado
Óleo transesterificado
glicerina
glicerina
Tanques de decantação
2261
H3COOCR’
H3COOCR” (ÉSTERES)
H3COOCR’”
H2COHCHOHCH2OH (glicerina)
Na reação de transesterificação, o óleo proveniente de biomassa é transformado em éster
metílico e em glicerol. O éster pode substituir o diesel mineral e o glicerol é um produto
com diversas aplicações, por exemplo, como insumo para a indústria de cosméticos, ou para
a geração de energia elétrica através de pilha a combustível7 .
Segundo os dados de reação obtidos na planta piloto de produção de biodiesel, em operação na UFRJ, a transformação de óleo vegetal usado em biodiesel tem aproveitamento de
98% em volume, ou seja, 1 litro do triglicerídeo é convertido em 980 mililitros de éster. Com
relação à eficiência energética do biodiesel, esta corresponde a 90% do diesel mineral, resultado de um balanço entre o maior número de cetano e menor poder calorífico do biodiesel.
Considerando-se os dados de reação e a eficiência energética, pode-se dizer que, aproximadamente, 1 litro de óleo vegetal corresponde à cerca de 0,88 litros de óleo diesel (em média).
Esta técnica contribui para aumentar a oferta de energia de fonte renovável, uma vez que
parte dos reagentes é oriunda da biomassa. A reação que utiliza metanol consome, no máximo, 22% em volume deste álcool oriundo de fonte fóssil (gás natural), sendo 10% o valor mais
utilizado. Há, portanto, uma grande redução nos volumes de combustível fóssil consumido.
A figura 3, abaixo, mostra o sistema de coleta do biogás e o motor onde os combustíveis
são consorciados.
Figura 3 - Sistema de Coleta de Biogás, Local onde motor está instalado,
Motor onde combustíveis são consorciados e placa de identificação.
7
Referência: Silvio Almeida, CBE 2002.
2262
4 - A Sustentabilidade do Projeto
A sustentabilidade do projeto foi primeiramente estimada quando da escolha do projeto
a ser desenvolvido, aplicando-se uma metodologia de indicadores formulada para tal fim
pela COPPE. Posteriormente, quando definidos todos os parâmetros do projeto, para elevar ainda mais seu potencial em termos de credibilidade junto ao mercado de carbono,
utilizou-se uma matriz de indicadores de sustentabilidade contida no formulário da WWF
de elaboração de projetos MDL que permite ao projeto obter o selo de qualidade Gold
Standard desta renomada instituição. A tabela 1, a seguir, apresenta a matriz aplicada a este
projeto cuja escala de pontuação varia de –3 a +3. Esta matriz consubstancia os principais
impactos sociais, econômicos e ambientais do projeto.
Tabela 1 - Matriz de WWF de Sustentabilidade Aplicada ao Projeto
$±/RFDOL]DomRVXVWHQWDELOLGDGH
DPELHQWDOJOREDO
1RWD
-XVWLILFDWLYD
•
Quantidade de água
0
Nenhum impacto
•
Qualidade de água
0
Nenhum impacto
•
Qualidade do ar
0
Haverá emissões insignificantes de SOx,
NOx e material particulado que ficarão muito
abaixo dos limites dos padrões para estes
poluentes. Além disto, o projeto que se
localiza no centro do terreno é muito pequeno
em relação à área do aterro sanitário (189 ha),
o que indica que qualquer poluente gasoso
será facilmente dispersado na atmosfera local,
sem alcançar a população.
•
Outros poluentes
0
Nenhum impacto
•
Condições do solo
0
Nenhum impacto
•
Contribuição para a
biodiversidade
0
Nenhum impacto
2263
%±6XVWHQWDELOLGDGH6RFLDOH
'HVHQYROYLPHQWR
•
Qualidade do emprego
1RWD
0
-XVWLILFDWLYD
Quase nenhum impacto
+DELWDomRSDUDEDL[DUHQGD
•
Diminuição da pobreza
•
Habitação popular:
contribuição para a
equidade e novas
oportunidades para os
setores menos favorecidos.
•
•
Acesso a serviços
essenciais (água, saúde
educação, etc.)
Acesso a energia de fontes
limpas
0
Nenhum impacto
0
Nenhum impacto
0
Nenhum impacto
A energia que exceder o consumo do aterro
será direcionada gratuitamente para um
posto de saúde e uma escola comunitários
situados nas vizinhanças do aterro sanitário.
1
&DSDFLWDomRGHSHVVRDO
•
Treinamento
0
Nenhum impacto
•
Educação
0
Nenhum impacto
•
Igualdade de gêneros
0
Nenhum impacto
Nenhum impacto
Como todos os equipamentos deste tipo de
processo são produzidos no Brasil, não
haverá pagamento de royalties ou qualquer
remessa de lucros ao exterior. Isto reduz o
impacto do cenário original da linha de base,
que tem um índice de 30% de equipamentos
importados.
A geração de energia a partir de resíduos irá
encorajar a produção e a comercialização de
equipamentos produzidos internamente. Isto
reduzirá o pagamento de royalties com a
geração de equipamentos para a produção de
energia elétrica, particularmente turbinas.
A tecnologia do projeto tem um grande
potencial de utilização em grandes e médias
cidades e pequeno potencial em pequenas
cidades.
&±'HVHQYROYLPHQWRHFRQ{PLFRH
WHFQROyJLFR
•
Número de empregos
0
•
Sustentabilidade do
balanço de pagamentos
1
•
Grandes despesas com
tecnologia, potencial de
reprodução e contribuição
para a autonomia
tecnológica.
7RWDO
2
2264
5 – Os Impactos da Tecnologia na Redução das Emissões de Gases de Efeito
Estufa e Receita Potencial dos Créditos de Carbono
Este projeto usa técnica que contribui para aumentar a oferta de energia de fonte
renovável, uma vez que grande parte dos reagentes é proveniente da biomassa. O
biodiesel e o biogás estarão substituindo a energia elétrica da rede a ser utilizada na
estação de tratamento de chorume, demais equipamentos do aterro de Jardim Gramacho,
na escola e no posto municipais. Portanto, a redução das emissões é calculada comparando-se a situação em que haveria consumo de energia elétrica da rede, emanação de
biogás do aterro de Gramacho e da decomposição do óleo de fritura usado na produção do biodiesel (linha de base) versus a situação em que haverá a utilização destes
biocombustíveis na produção de energia elétrica. Ou seja, as emissões da linha de base
menos as emissões do projeto resultarão em um volume de carbono não emitido e que
poderá ser negociado no mercado internacional.
No que se refere às emissões da linha de base, estão consideradas apenas as emissões
do biogás do aterro. As emissões devidas à produção de energia elétrica ofertada no
grid e que deixarão de ocorrer devido ao menor consumo desta energia pelo aterro
sanitário não estão incluídas nos cálculos devido à matriz energética ser basicamente de
fonte hidráulica. Também não estão incluídas as emissões que decorreriam da degração
do óleo usado na ausência do projeto, tendo em vista a dificuldade de se mapear sua
destinação final.
Com relação às emissões do projeto, não estão incluídas algumas fontes por ser este
um projeto de pequena escala1 e, de acordo com as regras estabelecidas para o MDL,
deve-se somente computar as emissões ocorridas dentro da fronteira física do projeto.
A tabela 2, a seguir, apresenta uma síntese de todas as fontes de emissão computadas
bem como as não computadas, mas que ocorrem de fato, e que deverão ser consideradas numa escala de projeto comercial.
8
Menos que 15 MW
2265
Tabela 2 - Emissões da Linha de Base versus Emissões do Projeto
2ULJHPGDV
(PLVV}HV
At e r r o
Bi od i e s e l
E l e t ri ci d a d e
s u b s t it u íd a
p e l o p r oj e t o
Ó l e o ve ge t a l
usado
( ma t é ri a p r i ma p ar a
p r od u ç ã o d o
b i od i e s e l )
Gl i ce r i n a
( s u b p r od u t o
d e p r od u ç ã o
d e b i od i e s el )
(PLVV}HVGD/LQKD
GH%DVH
Con t a b i l i za
-d a s e m
p r oj e t os
d e p e q u e na
e s ca l a e
d e gr a n d e
e s ca l a
(PLVV}HVGDV$WLYLGDGHVGR3URMHWR
Con t a b i l i za -d a s
Con t a b i l i za e m p r oj e t os d e
das em
p e q u e n a e s ca l a
p r oj e t os d e
e d e gr a n d e
gr a n d e e s ca l a
e s ca l a
Con t a b i l i za d a s e m
p r oj e t os d e gr a n d e
e s ca l a
-
-
CO 2 d e fon t e s
r e n ová ve i s ,
p or t a n t o, com
b a l a n ç o ze r o
-
-
CO 2 d o me t a n ol
usado na
p r od u ç ã o d e
b i od i e s e l
-
-
CH 4 e CO 2
-
-
-
CH 4
d e d i sp os i ç ã o
de óleo
or gâ n i c o
-
-
De fon t e r e n ová ve l ,
a gl i ce r i n a s e r á
u s a d a com o u m
fl u i d o p e r fu r a n t e
q u e s u b st it u i o
fl u i d o s i n t ét i co
a t u a l me nt e us a d o
e m p oç os d e
p e t r ól e o, s e m
e mi s s õ e s
c omp u t á ve i s .
CH 4
-
Em termos de cálculo das emissões, as emissões da linha de base correspondem às emissões fugitivas de biogás em quantidades equivalentes ao biogás que será consumido pelo
projeto (para geração de energia ou a ser queimado no flare). Estas emissões decorrem da
decomposição do lixo. O metano, um dos principais componentes do biogás, tem potencial
de aquecimento global (GWP, da sigla em inglês) 21 vezes maior que o do dióxido de carbono, para o período de 100 anos9 .
As emissões do projeto são aquelas devidas à utilização do biodiesel como insumo na
produção de eletricidade, uma vez que a reação no processo de produção de um litro de
biodiesel utiliza (no máximo) 22% de metanol oriundo de fonte fóssil (gás natural). As
9
Apesar do GWP do metano ter passado a 23 no Third Assessment Report do IPCC (2001), os projetos negociados
no âmbito do Protocolo de Quioto (1997) devem observar os valores do Second Assessment Report (1995) no
qual o GWP do metano é 21.
2266
emissões de dióxido de carbono devidas à queima da parte do biodiesel não referente ao metanol,
mas ao óleo de biomassa usado, são reabsorvidas pela nova safra agrícola, permitindo, assim,
considerar nulas estas emissões. O mesmo raciocínio é válido para o CO2 resultante da queima
do metano que, também por ser renovável, não contribui para o aumento do efeito estufa.
Em síntese, os cálculos de redução de emissão com a implantação do projeto observam
a seguinte lógica:
EE = ELB – EP (ver fórmulas no apêndice ao final do texto)
Onde,
EE = emissões evitadas
ELB = emissões da linha de base = emissões do metano do aterro na ausência do projeto (em quantidade equivalente àquela a ser utilizada no projeto)
EP = emissões do projeto = emissões do metanol contido no biodiesel (em quantidade
equivalente àquela que será consumida no projeto)
As emissões evitadas pelo projeto em pequena escala são de pouca monta. Mesmo
assim podem render recursos importantes no mercado internacional que contribuam para
a redução dos custos do teste tecnológico. A tabela 3, a seguir, apresenta as emissões
evitadas com o projeto de pequena escala em teste pela Comlurb e utiliza um valor de
US$ 10/t CO2 em uma hipótese de médio prazo plausível10 , para simular a receita potencial devido à venda dos créditos de carbono.
Tabela 3 - Emissões evitadas com o projeto e receita potencial
(PLVV}HV
(PLVV}HV
3RWHQFLDOGH
(PLVV}HV
GD/LQKD
5HFHLWD7RWDO
GR3URMHWR
$QR
GH%DVH
(YLWDGDV
W&2 W&2 W&2 HTXLYDOHQWH 86W&2
HTXLYDOHQWH
HTXLYDOHQWH HTXLYDOHQWH
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491.83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
37,39
3.529,22
3.491,83
34,981.80
7RWDO O Edital do Programa Holandês CERUPT (2002) fixou em US$ 5/t CO2 eq o preço máximo a ser pago, enquanto a Bolsa
de Chicago (CCX, 2004) paga em torno de US$ 1/t CO2 eq.
10
2267
Estima-se que esta tecnologia apresente um resultado de mitigação de cerca de 2,76 t CO2
/ MWh10 , o que pode representar em termos financeiros US$ 27,60/MWh, de acordo com a
simulação feita acima. É importante ressaltar que não se pode simplesmente transpor as emissões evitadas deste para outro projeto de mesma natureza, a partir da mera divisão do número
de créditos pelo total da energia produzida (tCO2 / MWh), pois cada projeto tem uma linha
de base e características particulares. Este exercício serve apenas como um indicador aproximado do potencial da tecnologia no mercado internacional de carbono. Além do mais, como
é possível observar na tabela 2, quando se passa de pequena para grande escala, outras fontes
de emissão devem ser consideradas e variam, também, de projeto a projeto.
6 – Conclusões
A análise das características técnicas, sociais, econômicas e ambientais do uso consorciado de biodiesel de óleos usados e biogás de aterro sanitário na geração de eletricidade, como
no caso do presente projeto, demonstra que a adoção desta prática pode resultar em ganhos
importantes sob diversas óticas. Do ponto de vista da sustentabilidade social, econômica e
ambiental, este pode ser considerado um projeto experimental de utilização de resíduos que
contribui para o desenvolvimento sustentável do país na medida em que:
l
Desenvolve tecnologia de utilização e aproveitamento de resíduos, diminuindo a
pressão sobre os recursos naturais, em particular os derivados de petróleo que contribuem para o aumento do efeito estufa;
l
Evita a emissão de metano, um poderoso gás de efeito estufa, que compõe grande
parte do biogás produzido em aterro sanitário;
l
Gera empregos na coleta de óleos usados para a produção de biodiesel ou, no caso
de biodiesel de óleos virgens, gera empregos na cultura agrícola; e
l
Diminui os custos municipais com a geração de energia elétrica, ou aumenta sua
receita no caso da opção econômica mais eficiente ser a venda de energia à concessi
onária local.
Apêndice:
a) Emissões da Linha de Base
Fórmula 1: fator de emissão = a * b * c
Onde:
a = volume de metano necessário para gerar 1 Wh = 0,26582 m3/kWh
b = densidade do metano = 0,716 g / l
c = Fator de conversão de metano para CO2 (GWP) = 21
Resultado = 3,996 g CO2/Wh
11
Energia a ser produzida = 180 kVa X 7008 horas/ano = 1261440 kWh, ou 1261,44 MWh.
2268
Fórmula 2: emissões totais = a * b * 1000
Onde:
a = um gerador de 200 kVA –10% * 7008 horas/ano * 70% (participação do biogás na
composição de combustíveis no projeto)
b = fator de emissão de metano (obtido da fórmula 1)
B) Emissões de Biodiesel de Óleo Usado:
Fórmula 3: emissões = a *[ b / (c * 1.000)]
Onde:
a= conteúdo de carbono do biodiesel (244,47 gCO2/L)
b = consumo de biodiesel (0,35 g/Wh)
c = densidade do biodiesel (0,88 kg/l)
Resultado = 0,098 g CO2 / Wh de energia elétrica gerada a partir do biodiesel de óleo usado.
As emissões anuais do consumo de biodiesel nos dez anos do projeto ocorrem devido à
combustão do metanol cuja equação é a seguinte:
CH3OH + 3/2 O2 ? CO2 + 2 H2O
Pela equação anterior, depreende-se que a queima de 1 mol de metanol gera 1 mol de
dióxido de carbono. Considerando-se os pesos moleculares destes, bem como a densidade
do metanol (0,792kg/L), tem-se que a combustão de 1 litro de metanol produz 1089gCO2.
(1 L CH3OH = 792g CH3OH ? (792 * 44 / 32)gCO2).
Pelas considerações feitas, pode-se inferir que a queima de 1 litro de biodiesel, em cuja
produção são consumidos 224,5 mililitros de metanol, gera 244,47gCO2.
Para se calcular o total anual das emissões, utiliza-se a seguinte fórmula:
Fórmula: emissões totais = a * b
Onde:
a = meta de geração com biodiesel (30%) = 378.432 kWh/ano
b = obtido da fórmula 3
Resultado = 37,38 tCO2/ano ou a aproximadamente 373,8 tCO2 em um período de 10 anos.
BIBLIOGRAFIA
CCX; 2004. Chicago Climate Exchange. Disponível em www.chicagoclimatex.com.
CERUPT; 2002. Edital para aquisição de créditos de carbono. Disponível em www.senter.nl.
FREEDMAN, B.; BUTTERFIED, R. O.; PRYDE, E. H.; 1986. J. Am. Oil Chem. Soc. 63, 1375
IPCC (1996). Intergovernmental Panel on Climate Change Greenhouse gas inventory reference Manual, revised – chapter 6
– Waste, 1996.
OLIVEIRA, L. B. & ROSA, L.P. (2003). “Brazilian waste potential: energy, environmental, social and economics benefits”.
Energy Policy. 31.15 p.
2269
A INDÚSTRIA MINERAL
BRASILEIRA NO FINAL
DO SÉCULO XX1
Aspectos energéticos,
sociais e econômicos
Zuccolotto P. A. G. L2
Canton G.3
Dias J. C.4
Guerra S. M. G.5
RESUMO
Este artigo procura discutir a evolução da indústria de mineração no Brasil ao final do
século XX e a sua contribuição para desenvolvimento econômico e social do país procurando estabelecer um balanço entre os benefícios trazidos e os custos sociais incorridos por
conta do destaque alcançado. A partir da evolução no comportamento do faturamento, do
emprego, e do consumo de energia no período entre 1996 e 2000 são estabelecidos indicadores de produtividade procurando analisar criticamente os impactos causados por esta
importante atividade econômica que hoje é responsável por 2% do PIB.
INTRODUÇÃO
Vários aspectos são considerados na discussão sobre as atividades econômicas de modo
geral. Especificamente na mineração, a compreensão sobre os benefícios que podem resultar os investimentos, dos mecanismos legais e tributários disponíveis, e as inquietantes questões envolvendo política, sociedade e meio ambiente tornam as discussões mais amplas e
repletas de vieses e controvérsias.
1
Este artigo é parte integrante da pesquisa “Consumo de energia e desempenho industrial”, tendo contado para seu
desenvolvimento com o apoio do CNPq conforme o processo PQ 302237/02-0
2
Diretor e professor do CEA/PUC-Campinas, Doutorando em Planejamento Energético/Unicamp, Mestre em Engenharia
de Produção/UFSCAR.
3
Coordenador e Professor do CEA/PUC-Campinas, Doutorando e Mestre em Planejamento Energético/Unicamp .
4
Doutorando em Planejamento Energético/Unicamp e Mestre em Educação/USF.
5
Professor Livre Docente do DE/FEM/UNICAMP, [email protected].
2270
Este trabalho optou por dar uma contribuição no sentido de adicionar elementos à
discussão que considerem os aspectos energéticos como o foco uma vez que a atividade de
mineração, especificamente a indústria de transformação mineral, é intensiva na utilização
de energia nos seus processos de exploração e processamento do minério.
O trabalho está estruturado em quatro etapas. A primeira delas cuida de destacar a
importância do bem mineral para a vida moderna e quais são os regimes legais para o
aproveitamento dos bens minerais. Na segunda etapa discute-se a produção mineral brasileira, suas características, evolução e perspectivas. A terceira etapa está circunscrita à
apresentação de um estudo de caso da mineração de bauxita procurando reconhecer os
esforços empreendidos pelas organizações que exploram o minério dentro de uma preocupação com as reduções de impactos ambientais e sociais e, a quarta etapa está reservada
as conclusões e contribuições do artigo.
1 - Mineração e sua importância para a vida moderna.
A complexidade da vida moderna e a consolidação das economias mundiais reconhecidas pelo foco central da competitividade e produtividade têm direcionado a preocupação
com os termos em que estes focos tem sido abordados pelo homem.
Dentre os vários aspectos, algumas questões são freqüentemente debatidas nas diversas
atividades relacionando, principalmente, o entendimento básico da importância do setor
estudado para a sociedade e no contexto econômico local, nacional e internacional. Entretanto questões como energia e meio ambiente está no topo de qualquer discussão que
queira trazer para a compreensão ou proposição do desenvolvimento econômico e social de
uma nação ou continente.
Para GUERRA (2003), a partir dos momentos nos quais a resposta da microeconomia
prevaleceu na busca do processo de reprodução e acumulação das empresas que compõem o universo comercial industrial de energia a relação entre energia, economia e
meio ambiente, na maioria das vezes, dá lugar ao descompasso no que se convencionou
chamar por custo/benefício. Conclui, o mesmo autor, que da busca de solução para a
contradição no conflito de interesse existente emergiram linhas de pensamento que
seguem na direção da eficiência no consumo de energia e na análise de seus efeitos e
impactos sobre o meio ambiente.
Nesse contexto o setor mineral é, junto com os setores químicos, reconhecidos pelos
autores como os gêneros industriais mais importantes e presentes na vida cotidiana das
pessoas. A vida do homem moderno é totalmente dependente dos insumos providos da
mineração e da industria de transformação mineral.
Por definição, segundo SUDELPA (1986), todas as substâncias sólidas de origem
inorgânica, homogenia encontrada naturalmente na Terra é denominada mineral. O minério deriva, geralmente, de um agregado chamado rocha e seu valor é resultante da importância econômica ou social que representa.
O beneficiamento ou tratamento primário do minério dá origem ao bem mineral que
poderá ser aproveitado imediatamente ou, ainda, passar por processos industriais que o
transformarão em insumos para outras industrias. O quadro 1, a seguir, mostra algumas
dependências minerais do homem e áreas de consumos.
2271
Quadro 1 - Área de aplicação e consumo de alguns bens minerais
È5($'(
&216802
68%È5($
(035(*2
$OLPHQWDomR
Agricultura
Salina
Indústria alimentar
Fertilizantes
Tempero culinário
Embalagens
Fosfato, potássio, nitrato, cálcio, etc.
Sal de cozinha.
Estanho, ferro, etc. (latas). Caulin, talco,
etc. (caixas).
Indústria de cosméticos
Indústria Farmacêutica
Higiene Pessoal
Remédios
Caulim, talco alumínio, quartzo, chumbo,
calcário, sais minerais, petróleo, etc.
Automóveis, gás de
cozinha, indústrias.
Iluminação,
Eletrodomésticos,
indústrias, etc.
Petróleo, gás natural, carvão, etc.
Cobre, ferro, alumínio, areia, brita,
calcário, petróleo, etc.
Moradia
Ferro, zinco, areia, brita, chumbo, cobre,
etc.
6D~GHH+LJLHQH
(QHUJLD
Combustíveis sólidos,
líquidos e gasosos.
Energia elétrica
&RQVWUXomR
&LYLO
Habitação
%(160,1(5$,6
Fonte: apud ABC da Mineração – aspectos legais e tributários. (1986:3)
Dada a importância e abrangências de utilização para as sociedades, é natural que no
processo de aproveitamento desses produtos minerais se criem regras e, neste caso, são
chamados por regimes legais.
No Brasil são cinco os regimes legais que regulam a pesquisa, exploração e aproveitamento de bens minerais. São eles: Monopólio Estatal (União), Licenciamento (Prefeituras
Municipais/União), Matrícula (União), Autorização (União) e Concessão (União). Ao contrário do que muitos imaginam o recurso mineral não pertence ao proprietário da terra
onde está localizado o minério. No Brasil há distinção entre a propriedade de solo e do subsolo. Há um processo legal de autorização para a exploração das jazidas e alguns minérios
são de exploração exclusiva do estado. Entretanto ao longo da última década o congresso
nacional tem discutido essas questões que vem sendo flexibilizadas facilitando sobremaneira a entrada e a exploração por empresas internacionais. Substâncias minerais como o petróleo e o gás natural que até pouco tempo eram de exploração exclusiva da União já são
explorados por companhias privadas, incluindo multinacionais.
2 - A produção mineral brasileira.
Em 1995 o Congresso Nacional revogou a restrição constitucional que impedia a participação do capital estrangeiro na mineração brasileira. Isso acabou ampliando a perspectiva do desenvolvimento da mineração no Brasil uma vez que possibilitou a entrada de empresas e recursos internacionais nesta atividade restrita até então a companhias de capital nacional. Para
Tolmasquim e Szklo (2000) o país apresentava boas perspectivas de investimentos na ampliação
das minas existentes, em novas prospecções, pesquisas geológicas, troca de equipamentos e
tecnologia para o ganho de eficiência por parte das principais empresas atuantes ou que viriam
atuar no Brasil. A perspectiva dos autores se fundamentava no Plano Plurianual para o Desenvolvimento Mineral (DNPM/1994) que estabeleceu as seguintes previsões para o setor até 2010:
investimentos de US$ 31 x 109 em lavra, beneficiamento e produção das minas; aplicação de US$
4,0 x 109 em pesquisa e prospecção mineral e; geração, no setor mineral, de aproximadamente
200 mil novos empregos diretos e 2 milhões de empregos indiretos.
2272
Outras evidências são encontradas no Sumario Mineral 2003 que ratificam aquelas previsões. Segundo o DNPM (2003), em 2002, o Brasil apresentava as seguintes posições: era o
5º. País em área, o 6º. em população, estava entre as 15 maiores economias mundiais com
um PIB de US$ 450 x 109 aproximadamente; as atividades minerais, incluindo o petróleo e
o gás natural, correspondiam, em 2002, em torno de 2,9% do PIB (8,9% do PIB incluindo
a transformação de minerais) e; a exportação do setor mineral foi de US$ 14,2 x 109 contra
a importação de US$ 11,3 x 109 gerando um saldo favorável de US$ 2,9 x109
O Brasil ostentou, ainda, uma posição expressiva como grande detentor de matérias
primas de origem mineral, no contexto mundial como demonstra o Quadro 3 abaixo:
Quadro 3 - Posição do Brasil nas Reservas e Produção Mundiais em 2002
Reservas
Produção
Mineral
Mineral
Posição
Nióbio(1)
Participação
Posição
Participação
1º
95,1%
97,8%
Nióbio
Tantalita(2)
52,1%
Ferro
Estanho
22,4%
Tantalita
16,1%
Grafita
25,9%
Alumínio
9,4%
Alumínio
7,6%
Caulim
7,9%
1º.
19,1%
2
2º.
3º
3
Caulim( )
28,5%
Grafita
8,0%
Talco
17,0%
Manganês
13,3%
Vermiculita( 4)
10,3%
Magnesita
8,5%
Magnesita
7,8%
Vermiculita
3º.
4º
Manganês
Ferro
4º
5º.
6,2%
2,9%
Cristoia(5)
9,4%
Estanho
4,4%
Rocha
6,4%
Ornamentais
Taclco
Fonte: apud Sumário Mineral 2003 (XI), apud Sumário Mineral 2003 (XII)
2273
5º
4,7%
6,4
Sobre a indústria de extração mineral no Brasil cabe destacar ainda alguns dados
relevantes para este estudo. No período analisado, a partir 1996, o nível de ocupação de
mão-de-obra vem crescendo, bem como as receitas com vendas, os custos operacionais
e o consumo de energia elétrica. Entretanto os gastos com pessoal, comparados com o
Custo Total das Operações decrescem de uma participação de 22,1% (1996) dos custos
totais para 9,2% em 2000.
Relativizando estes dados com as receitas líquidas do setor têm-se um faturamento médio por empregado/ano de aproximadamente R$ 140 x 103, em 2000, contra R$ 75 103 em
1996. Outro detalhe a esse respeito é que no período dos cinco anos analisados a receita
líquida foi superior às despesas numa única ocasião, em 2000, nos demais períodos essa o
esta relação foi sempre negativa. A tabela – 1, abaixo, mostra tais dados.
Tabela 1 - Dados Gerais da Indústria de mineração – (extrativa mineral)
3HVVRDO
$QR RFXSDGR
5HFHLWD
*DVWRV *DVWRV
5HFHLWD
&XVWR
5HFHLWD
OtTXLGD &RQVXPRGH
OtTXLGDGH (PSUHJDGR FRP 3HVVRDO 7RWDO
VREUHR HQHUJLDHP
&XVWRV
3HVVRDO
YHQGDV
2SHUDomR &XVWR
W(3
5[ 5[ 5[ WRWDO
93.387
13.019
140
1.117
9,2%
12.123
7,4%
6.156
89.500
11.002
123
1.598
13,4%
11.938
(-7,8%)
5.874
87.123
8.564
98
1.702
19,6%
8.700
(-1,6%)
5.454
1'
1'
1'
1'
5.262
101.762
7.606
75
1.812
22,1%
8.212
(-7,4%)
5.459
BEN 2002 Fontes: Anuários Estatísticos do Brasil vol. 57 a 61. Adaptados pelos autores
*
Elemento metálico da cor de platina cinza , que ocorre combinado com vários outros minerais raros, mas quase
sempre associado com o tantálio. É usado especialmente em ligas (aços inoxidáveis, para inibir a corrosão)
2
Elemento metálico de lustre de platina cinza, duro, de alto ponto de fusão 2.850oC, ocorre quase sempre associado ao nióbio.
É usado no sobretudo no fabrico de aparelhos e equipamentos de processamento resistentes à corrosão química, em capacitores
e retificadores eletrolíticos, em cirurgia como fia para suturas e como placa para reparos de ossos, e em várias ligas.
3
Substância argilosa friável e refratária, que serve para o fabrico da porcelana; argila branca.
4
Nome comum a vários minerais micáceos (mica), que consistem em silicatos(sal, silício) hidratados incombustíveis e inalteráveis
pela água, e por isso usados como material isolante em paredes, assoalhos e tetos e para outros fins congêneres
1
2274
A Tabela – 2, abaixo, mostra o consumo de energia por fonte no balaço energético do
setor de mineração e pelotização de minerais e minerais não ferrosos.
Tabela 2 - Consumo de Energia - Indústria de Mineração - por Fonte em tEP 106
$QR
*iV
1DWXUDO
&DUYmR
0HWDO~UJLFR
ÏOHR
'LHVHO
ÏOHR&RPEXVWtYHO
(OHWULFLGDGH
2XWURV
498
577
152
1591
2684
654
180
453
154
1669
2802
611
128
339
161
1437
2816
573
185
368
144
1218
2743
604
132
391
146
1284
2763
743
Fonte: Balanço Energético Nacional – BEN 2002
Neste aspecto chama à atenção o crescimento do Gás Natural no período - 277,2%
se comparado com o Óleo Diesel – 4,1%, Óleo Combustível – 23,9%, Eletricidade –
(2,8%), apesar do Gás Natural ainda ter uma participação pífia no Consumo Total de
Energia – 8% (em 2000).
Os dados do gráfico 1, abaixo, ajudam a ilustrar o desempenho do setor mineral na
balança comercial. No período em análise verifica-se que o ano de 2000 que apresentava seu
desempenho em receita líquida (tabela 1) superior aos custos totais de operação, do ponto
de vista de exportações e importações o saldo foi negativo.
Gráfico 1 - Balança Comercial do Setor de Extração Mineral - US$
([SRUWDo}HV
,PSRUWDo}HV
6DOGR
Fonte: Departamento Nacional de Produção Mineral - MME
Nome comum a vários minerais micáceos(mica), que consistem em silicatos(sal, silício) hidratados incombustíveis e inalteráveis
pela água, e por isso usados como material isolante em paredes, assoalhos e tetos e para outros fins congêneres
10
2275
Quanto à arrecadação da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais, devida pelas empresas mineradoras aos Estados (23%), Municípios (65%) e aos órgãos
da Administração Direta da União (12%), como contraprestação pelo aproveitamento econômico dos minerais o gráfico 2 mostra uma evolução crescente no período entre 1997 e 2002.
Gráfico 2 - Evolução da Arrecadação CFEM - 1997/2002
0LOK}HV
GH5HDLV
3 – Estudo de Caso
Como estudo de caso procede-se uma análise de dados de uma empresa, localizada no
complexo de Porto Trombetas, no município de Oriximiná, no oeste do Estado do Pará, a
880 Km de Belém. É uma empresa de capital fechado, sendo 50% de capital nacional e
outros 50% cento em capital estrangeiro. Suas atividades consistem na extração, no
beneficiamento e na venda de minério de bauxita (matéria-prima do alumínio), foi constituída em 1974 e hoje corresponde à maior empresa de mineração de bauxita do mundo.
A Tabela 3 abaixo apresenta uma série de dados sobre a empresa caso no período 1994/2001.
Tabela 3 - Dados sobre a Empresa Caso
$QR
'HVFULomR
$+ Produção
6.745
8.536
9.603
9.314
10.101
10.952
11.211
10.708
58,8
(Mil Ton.)
Vendas
7.020
8.439
9.636
9.423
9.966
10.884
11.242
10.953
56,0
(Mil Ton.)
Receita
Líquida de
142.547
165.913 214.121 202.976 224.170 205.204 217.040 210.635
47,8
Vendas –
3
US$x10
Lucro
32.011
33.9816
72.984
71.191
87.112
90.365
92.661
95.749
199,1
Operacional US$x103
Quantidade
Média de
1.040
996
1.000
986
946
951
955
987
(0,05)
Empregados
Tonel/
6.486
8.570
9.603
9.446
10.678
11.516
11.739
10.849
67,3
Homem/Ano
Consumo de
103,4
119,1
130,0
136,6
140,2
147,1
149,2
142,4
37,7
Energia GWh
Investimentos
Ambient
1.510
2.242
4.716
5.089
2/925
2.428
1.994
1.409
(0,07)
US$x 103
Fonte: Relatório Anual da Administração de 2002 da Mineração Rio do Norte e dados fornecidos pela mesma empresa via email em 14/04/04
2276
A análise dos dados da Tabela 3 acima permite algumas considerações:
A primeira consideração está vinculada aos dos físicos. Enquanto a produção, Vendas e Tonelada/Homem crescem no período, respectivamente 58,8%, 56,0% e 67,3%,
o consumo de energia cresce 37,3 % e a quantidade média de empregados decresce
em torno 5%. Comparando estes dados verifica-se que com relação à energia elétrica
houve um significativo aumento de eficiência e racionalização na utilização, e em
relação à quantidade dos empregados houve uma grande aumento de produtividade.
Este aumento de produtividade segundo informações da empresa deveu-se basicamente à capacitação profissional (investimento em treinamento) e aplicação de novas
tecnologias no processo produtivo.
Outro aspecto a ser destacado, é que se comparando os dados financeiros com os
dados já citados acima, de um lado verifica-se que a receita líquida de vendas, cresceu
menos (47,8%) no período do que por exemplo as vendas físicas, mostrando que os
preços não acompanharam os outros indicadores; e de outro o lucro operacional apresenta no período o melhor desempenho (199,1%), demonstrando que a empresa reduziu os custos operacionais (pessoal principalmente) e aumentou a margem e eficiência.
Sob o enfoque ambiental, passados os impactos iniciais inevitáveis na implantação
de um empreendimento deste porte, e aqueles decorrentes de própria exploração do
minério, observa-se que a empresa tem procurado minimizar os efeitos ambientais
através investimentos, aproximadamente 22,2 x 106 de US$, no período. Segundo
relatório da Empresa desde o inicio do projeto ela tem investido em média 6,0 x 106
de US$/Ano, envolvendo: reflorestamento com plantas nativas das áreas desmatadas;
a recuperação do lago Batata que até 1989 recebia o rejeito do processo de
beneficiamento da bauxita; o tratamento do esgoto biologicamente e triagem,
compostagem e aterro sanitário do lixo doméstico.
Com relação às Ações Sociais, além de manter toda uma infra-estrutura urbana em
Porto Trombetas, composta de escola, hospital, atividades recreativas e esportivas,
visando o bem-estar dos moradores de seu núcleo urbano, a Empresa Caso investe
seguidamente em atividades voltados à saúde, educação e desenvolvimento auto-sustentável da região, principalmente nas comunidades ribeirinhas localizadas em sua
área de influência. Destacam-se alguns desses programas em andamento em 2002:
combate à malária e promoção de saúde junto à população ribeirinha; desenvolvimento de fornecedores do Baixo Amazonas; compra de sementes e de mudas
fornecidas por comunidades ribeirinhas, para o reflorestamento; incentivo à piscicultura; incentivos à cultura regional e; criação de quelônios; etc.
Quanto à energia, a Empresa Caso por estar localizada numa região bem distante
de centros populosos e conseqüentemente sem alternativas energéticas, optou pela
utilização do que melhor se adapta nestes casos – usinas termoelétricas a óleo BPF.
Conforme se verifica pelos dados, a Produção cresce em um determinado patamar,
enquanto o consumo de energia tem um crescimento menor. Isso se deve à preocupação da empresa em implementar medidas com vistas a aumento de eficiência
energética, racionar o uso da energia e reduzir impactos ambientais, a principal medida recente é o investimento na construção de uma nova usina equipada com 5 moto2277
res de ultima geração que possuem menor consumo de combustível por MW gerado,
menor emissão de particulados e menor ruído. Não satisfeita com isso e buscando
alternativas energéticas, menos poluidora, mais eficiente e com custos menores, segundo a empresa os estudos estão avançados com a possibilidade de trazer gás natural de Urucu (Rio Amazonas), o qual seria armazenado e transportado em barcaças,
por via fluvial. A substituição do energético já apontava como benefício, além das
vantagens ambientais, a substancial redução de custos com a limpeza de equipamentos do parque gerador de energia.
4 - Conclusões/Considerações
A atividade de mineração por suas próprias características intrínsecas é uma das
que gera impactos ambientais, pois não existe forma de explorar minérios sem remover o subsolo e conseqüentemente desmatar. Além disso, o pr ocesso de
beneficiamento, incluindo britagem, lavagem e secagem geram emissões e rejeitos
para a o meio ambiente.
Por outro lado, a atividade de mineração em geral é também chamada de energointensiva, por exigir quantidades significativas de energia no processo de beneficiamento
e transformação. E como agravante normalmente a energia utilizada é altamente
poluidora (usinas térmicas a óleo), pelo fato das jazidas estarem distantes de centros
que produzem energia mais limpa, e o custo beneficio não justificar o investimento em
uma planta energética mais limpa (No Brasil a exceção foi Tucurui/Carajás).
Em que pese as condições acima, o exame dos dados tanto do Brasil como da
Empresa Caso, verifica-se que são constantes e crescentes a preocupação e o investimento nesses aspectos, com vistas a minimizar os impactos e encontrar saídas mais
condizentes com as exigências cada vez maiores da sociedade.
Por outro lado, com relação ao emprego, segundo Tolmasquim e Szklo (2000), com
um investimento de US$ 31 x 10 9 em lavra, beneficiamento e produção mineral, que
constou no Plano Plurianual para o Desenvolvimento Mineral (DNPM, 1994 / previsões até 2010), geraria no setor mineral, aproximadamente 200 mil novos empregos
diretos e cerca de 2 milhões de empregos indiretos, números esses nada desprezíveis.
Analisando os dados de emprego do Brasil e da Empresa Caso, observa-se redução ao
longo dos anos, entretanto, essa redução é decorrente de aplicação de novas tecnologias
e de aperfeiçoamento profissional, o que é perfeitamente compreensível em qualquer
atividade econômica, porém, inquietante do ponto de vista social. Ser eficiente requer
uma reflexão sobre a responsabilidade em que se está inserido para compreender que
reduzir impactos significa prolongar a vida e reconhecer que o preço do desenvolvimento não pode ser incompatível com os benefícios para a sociedade.
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2280