o ideal de cavalaria na tapeçaria de bayeux
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o ideal de cavalaria na tapeçaria de bayeux
O IDEAL DE CAVALARIA NA TAPEÇARIA DE BAYEUX Lúcio Carlos Ferrarese (UEM) Jaime Estevão dos Reis (UEM) Por meio deste trabalho propomos uma pesquisa acerca da Tapeçaria de Bayeux, utilizada como instrumento para a justificação da Cavalaria de Guilherme, o Conquistador, diante dos povos conquistados da Inglaterra após a Batalha de Hastings de 1066. Esta fonte foi bordada na contemporaneidade da referida batalha para representar a vitória de Guilherme contra Haroldo Godwinson, rei da Inglaterra. Nela, observamos a narração dos fatos conforme a visão de seus criadores, dos motivos que levaram a contestação de Haroldo pela coroa até a sua vitória em Hastings. Interessante notar, entretanto, que durante toda a narrativa da fonte existe uma forma particular de se representar os cavaleiros, seus cavalos, equipamentos, atos e táticas, expressando e inferindo-lhes uma grande importância, como figuras de grande status e poder. Da mesma forma, a narrativa segue uma linha na qual a própria idéia de cavalaria, já presente no imaginário social, tem significância e é justificada, demonstrando também as ações que seriam próprias e impróprias aos cavaleiros, e tentando incutir tais idéias nas populações conquistadas da Inglaterra. Dessa maneira, observamos a importância da instituição da Cavalaria em seu período, e os ideais que estes homens almejavam exercer e incutir aos outros. Palavras-Chave: Tapeçaria, Bayeux, Cavalaria, Guilherme. O IDEAL DE CAVALARIA NA TAPEÇARIA DE BAYEUX Lúcio Carlos Ferrarese (UEM) Jaime Estevão dos Reis (UEM) A Inglaterra medieval apresenta uma história essencial para a compreensão da história moderna, visto a influência do Império Britânico que, quase não é necessário relembrar, foi um dos mais vastos impérios da civilização humana. Seus levantes populares e aristocráticos, guerras e batalhas, decisões políticas, econômicas e culturais, entre tantas outras, influenciaram e influenciam muitos países mesmo hodiernamente, o que torna o estudo de sua época medieval tão necessário quanto de suas épocas mais recentes. Deveras, a Inglaterra medieval apresenta episódios únicos, comparativamente aos reinos contemporâneos da Europa continental, e podemos notar um destes acontecimentos únicos exatamente em uma fonte, de raridade ímpar, que ficou conhecida como Tapeçaria de Bayeux. Esta fonte é um longo trabalho artesanal, criado no século XI, que retrata a história de como um Duque da Normandia, chamado Guilherme o Bastardo, tornou-se o rei da Inglaterra através de seus atos e sua vitória na Batalha de Hastings, que ocorreu no ano de 1066, e vindo a tornar-se Guilherme o Conquistador. Essa conquista levaria à introdução de uma importante instituição nas terras anglo-saxônicas: a Cavalaria, assim como a entendia os nobres franceses de sua época. Essa instituição estava firmemente unida à autoridade do rei que, diferentemente dos reis continentais, centralizaria o poder ao redor de sua figura com muito mais força. Apesar dessa centralização, no entanto, a Cavalaria enquanto grupo militar e instituição tornou-se um dos sustentáculos do poder real nessa primeira oportunidade, e sua exaltação e justificação, presentes na Tapeçaria de Bayeux, demonstram sua importância, mesmo que implícita. A vitória real de 1066 é, portanto, a vitória de um rei Cavaleiro, e seus vassalos guerreiros foram muito bem recompensados. A vitória de Guilherme no ano de 1066 não foi uma simples aventura militar de invasão que terminou com sua coroação. Sua conquista tinha um propósito oficialmente reconhecido pelas autoridades do continente e para seus vassalos, de que ele era o herdeiro legítimo de Eduardo o Confessor e do reino inglês, contra o ilegítimo Haroldo Godwinson. O contexto histórico nos ajuda a compreender as dificuldades acerca do trono. Eduardo, rei da Inglaterra, era tio em segundo grau de Guilherme. Filho do deposto rei Ethelred, ele teve que arcar com as conseqüências dos atos de seu progenitor, que fora considerado injusto, inepto e tirânico pelos nobres ingleses. Estes não eram favoráveis ao reinado de Eduardo, inclusive porque ele mantivera relações com a Normandia de forma tão intensa que muitos ingleses o consideraram quase um estrangeiro em seu reino. Durante seu reinado, que se iniciou em 1042 e durou até 1066, houve um aumento da participação normanda na administração da ilha britânica, o que causou certas dificuldades entre ele e seus súditos, em especial o Conde Godwin, e seu filho, Haroldo Godwinson, Conde de Wessex. Enquanto isso, na Normandia, Guilherme foi indicado por seu pai, Roberto I, como seu legítimo sucessor, o que veio a ocorrer quando este morreu em peregrinação à Terra Santa, Conde Haroldo Godwinson, representado cavalgando no ano de 1035. Haroldo foi criado com seu falcão e seus cães de caça. Imagem retirada de: http://www.hsjuntamente com seu tio em segundo augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost11/Bayeux/bay grau, Eduardo o Confessor, que o _tama.html considerou como herdeiro do trono inglês quando falecesse, já que não possuía herdeiros. Embora posteriormente rivais, Guilherme e Haroldo nem sempre foram inimigos. Entre os anos de 1063 e 1064, Haroldo Godwinson pediu permissão ao rei Eduardo para velejar pelo Canal da Mancha, e possivelmente atracar na Normandia. Essa viagem não termina bem para esse homem poderoso, já que uma tempestade fez com que seu navio naufragasse na costa de Ponthieu, na Normandia, e ele foi aprisionado pelo conde local de nome Guy, um vassalo de Guilherme, para ser usado como um refém de resgate. O Duque normando, no entanto, ordena que Haroldo seja libertado, seja por bondade ou por vantagem política, conforme as díspares visões do acontecimento. Haroldo conviveu com Guilherme como um hóspede agradecido, embora conhecesse muito bem que a qualquer momento poderia ser considerado como um prisioneiro. Enquanto permaneceu com Guilherme, o Conde inglês participou da campanha contra os Bretões localizados ao leste da Normandia, e recebeu armas típicas da cavalaria conforme a tradição normanda. Não apenas isso, ao fim da campanha, Haroldo participou de uma cerimônia de juramento, onde prometia ajudar o Duque normando a garantir o seu trono inglês, e se submetia a ele como um vassalo nessa ocasião, juramento este feito sobre relíquias sagradas possuídas por Guilherme. Com a promessa feita, o conde inglês recebeu permissão e provisões para retornar à Inglaterra. Em Janeiro de 1066, Eduardo o Confessor faleceu sem descendentes. Sua saúde já estava frágil desde o final do ano de 1065, o que tornava sua situação conhecida na Inglaterra e na Normandia. Em seus últimos momentos, junto a sua esposa e súditos mais próximos, Eduardo proferiu seus últimos desejos. Neste ponto existem divergências. Em uma visão pró-normanda, Eduardo teria “confiado” a Haroldo seu reino e de sua rainha, para que fossem mantidos seguros enquanto Guilherme não fosse oficialmente coroado. A visão pró-inglesa argumenta que o último desejo do rei Eduardo era de que Haroldo tinha sido confiado o reino para se tornar, sim, o seu governante. Ademais, logo após o falecimento de Eduardo, o conselho dos nobres ingleses, conhecido como witenagemot ou witan, se reuniu e resolveu eleger Haroldo como líder real, em oposição a escolher um normando, um estrangeiro, como seu senhor. Haroldo foi então coroado, completamente ciente de que deveria enfrentar muitos opositores desejosos do seu trono. Guilherme logo tomou conhecimento desses acontecimentos, e rapidamente contestou a coroação de Haroldo. Tentou diplomaticamente garantir seu trono, relembrando as declarações anteriores de Eduardo, o juramento feito for Haroldo sobre as relíquias sagradas, e o fato de ser o sobrinho em segundo grau de Eduardo, o mais velho e mais próximo parente consangüíneo masculino. Para Haroldo, no entanto, pela tradição inglesa os desejos finais do rei eram o seu último juízo de valor, o juramento prestado a Guilherme havia sido feito sob coação e era nulo, e ele também apoiava a autoridade do witan, que o havia apontado como rei. Sem resolução pacífica, Guilherme passou à obtenção da coroa através do uso de armas. Ele enviou emissários para explicar sua posição para o Papa Alexandre II, demonstrando os seus argumentos de que estaria cumprindo uma “guerra justa”. O Papa concorda com a posição de Guilherme, e até mesmo envia a ele um estandarte abençoado e um anel com uma relíquia sagrada, um fio de cabelo de São Pedro. Após, o futuro Conquistador começou suas preparações convencendo os seus vassalos um a um de que a luta pela Inglaterra era digna e de que traria grandes ganhos aos vencedores, prometendo aos seus cavaleiros porções justas das terras inglesas em caso de vitória, bem como eles não estariam entrando em uma luta injusta da qual teriam de se penitenciar depois. Enquanto isso ocorria, Tostig Godwinson e Haroldo Godwinson, irmãos, discutem e combatem pela sucessão do trono entre eles, sendo que Haroldo surge como vencedor dessa peleja, ao custo da vida de Tostig. Esse fratricídio daria ainda mais peso à causa de Guilherme, que já argumentava que Haroldo era um vassalo perjuro e um rei ilegitimamente coroado. Pouco tempo depois, o Duque normando conseguiu cruzar o Canal da Mancha com suas forças, e Haroldo alcançou o exército invasor próximo à região de Hastings. Uma última tentativa diplomática foi feita, porém infrutífera, e a Batalha de Hastings iniciou-se em 14 de Outubro de 1066. A batalha foi difícil para ambos os lados, que apresentava apenas uma pequena vantagem numérica para Haroldo, porém o uso da arquearia e de táticas avançadas de cavalaria contra os ingleses que não detinham essas mesmas capacidades conquistou a vitória de Guilherme (BRIGGS, 1998, pág. 59). O Duque normando derrotou o único homem com força o bastante para contestar seu trono, e com suas forças ele continuou a combater quaisquer nobres ingleses que se opuseram a seu reinado. Guilherme foi coroado em Londres no Natal de 1066 e a atuação normanda mudaria os destinos da Inglaterra, sobretudo no que se refere às relações feudovassálicas, submetidas a uma política mais centralizadora por parte do rei. Em última instância, todas as terras do reino pertenciam ao rei (BRIGGS, 1998, p. 64). Sua vitória também foi uma vitória da Cavalaria, tanto como instituição quanto grupo armado, mesmo que seus nobres acabassem por ter menos poder que os seus contemporâneos continentais. Esses eventos e ideais, de fato, encontram-se retratados na fonte da presente pesquisa, a Tapeçaria de Bayeux. A Tapeçaria de Bayeux é uma interessante e rara fonte medieval. Trata-se de um longo trabalho em linho e lã, com cerca de 70 metros de comprimento por ½ metro de largura, de cores diferenciadas. Nele está contido uma série de eventos em imagens, demonstrando desde o momento em que Haroldo Godwinson fala com o rei Eduardo o Confessor antes de viajar para a Normandia, até a fuga dos ingleses do campo de batalha de Hastings. Todas estas passagens são assistenciadas por frases e palavras escritas em latim, possivelmente para leitura dos letrados para os iletrados, assim como servir de lembrete para os próprios leitores. Além disso, as bordas superiores e inferiores apresentam pequenas histórias, imagens e fábulas que também ajudam a compreender a história principal, embora de uma maneira indireta. Não existem registros de onde, quando e por quem a Tapeçaria foi costurada, embora a maioria dos historiadores concorde que a Tapeçaria foi criada ainda na contemporaneidade da Batalha de Hastings e dos outros eventos narrados (ou ao menos no tempo das testemunhas oculares destes), preferindo-se a possibilidade de que este documento foi cosido por uma oficina de artistas inglesas, possivelmente religiosas. Referente a quem ordenou à criação da Tapeçaria, especula-se que o meio-irmão de Guilherme, o Bispo Odo de Bayeux, seja o principal suspeito (BARTHÉLEMY, 2010, p. 249). A narrativa apresentada nesse documento teria sido uma forma de adquirir prestígio e favorecimento de seu meio-irmão, embora também apresente uma participação importante do próprio Bispo na história contada, sendo um dos motivos pelo qual se suspeita desse homem, bem como pelo fato de que a Tapeçaria se tornou uma das possessões da Catedral de Bayeux, local de seu prelado. A Tapeçaria apresenta a conquista de Guilherme de um ponto de vista normando, servindo como justificação da conquista. O público alvo de sua narrativa é Guilherme e seus cavaleiros normandos, exaltando-os, e seus novos súditos ingleses, apresentando a estes uma história onde sua conquista aparece como um desígnio divino e uma punição pela traição vassálica de Haroldo (LEWIS, 1999, p. 22). A narrativa faz uso de várias táticas para isso, desde a afirmação direta através de texto e imagem, até as representações das fábulas e criaturas no cabeçalho e rodapé da história, e passando por momentos de ausência de explicações, de “silêncio”, que os contemporâneos compreenderiam tacitamente (LEWIS, 1999, p. 32). Todos estes detalhes fazem com que a Tapeçaria, apesar de seu grande tamanho, seja uma obra que deve ser apreciada a uma distância bem próxima, e que o leitor deve possuir o conhecimento da contemporaneidade de sua criação para apreciá-lo em plenitude. A história apresentada nesta fonte não oferece todos os detalhes dos acontecimentos ingleses, focando-se mais na relação entre Guilherme e Haroldo (LEWIS, 1999, p. 1). Por exemplo, a luta entre Tostig e Haroldo Godwinson, apesar de ter sido um fator para a derrota deste último, e ser um motivo a mais para destronar Haroldo – fratricídio –, não é mencionada. A hereditariedade de Guilherme também não é dita, sendo um conhecimento anteriormente presumido por parte dos autores e leitores. Pequenos episódios que não possuem qualquer explicação textual, como o fato de Haroldo estar entrando em uma igreja na Inglaterra, ou um interlúdio de um homem tonsurado religioso tocando uma mulher chamada Aelfgyva, mostram novamente estes “silêncios” onde o conhecimento prévio dos leitores era presumido e necessário. Isto posto, a Tapeçaria serviu como fonte para inúmeras pesquisas, sendo possível pensá-la através da narrativa do poder de Guilherme, de Haroldo e de Odo, das representações das armas, armaduras, cavalos e técnicas militares, e mesmo analisandoa enquanto obra técnica da tecelaria e da química das cores durante a Idade Média. Entretanto, a proposta deste trabalho é que a Tapeçaria de Bayeux representa um símbolo do poder da instituição da Cavalaria, e de seus membros, os cavaleiros, entre os quais figuram os próprios Guilherme e Odo. A narrativa se inicia com um encontro entre Haroldo e Eduardo. Dentro da ótica normanda, Eduardo está enviando Haroldo como mensageiro à Normandia afirmando a herança de Guilherme – na ótica inglesa, Eduardo adverte Haroldo para que não viaje, para não ser preso por Guilherme. Enquanto a narrativa se encontra na Inglaterra, Haroldo é demonstrado como um homem poderoso, com um séquito de cavaleiros, praticante da falcoaria e da caça com vários cães, e participando de um banquete antes de sua viagem. Quando esta ocorre, os barcos encontram-se apinhados de homens, porém ao seu final resta apenas um barco com Haroldo sozinho, aportando nas terras do Conde Guy e sendo capturado. Neste ínterim, um dos companheiros ingleses de Haroldo chega até Guilherme, e este logo envia cavaleiros armados a todo galope para Guy, para que liberte o refém. Seu desejo é rapidamente cumprido. Enquanto Haroldo é convidado de Guilherme, ele se apresenta como um anfitrião tão bom que Haroldo dispõe a si e a seus homens armados ao Duque. A narrativa prossegue para a campanha contra os bretões, onde Haroldo aparece exibindo sua força novamente ao retirar dois cavaleiros armados que aparentemente atolaram na areia ao cruzarem um rio. O fato de que Haroldo é demonstrado com tantas capacidades – bens, vassalos, força – serve como uma posterior exaltação da vitória de Guilherme, pois quanto mais forte seu oponente, maior sua glória (THORPE, 1973, p. 60). A batalha contra os bretões aparece como um sucesso, com o principal inimigo, Conan, fugindo de sua fortaleza, e a fortaleza de Dinan tendo sua chave entregue em sinal de rendição. Aqui Guilherme arma Haroldo. Imagem retirada de: http://www.hsaugsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspos t11/Bayeux/bay_tama.html Após esse episódio, vemos uma importante cena onde Guilherme entrega armas a Haroldo. Não apenas no sentido de dispor a ele ferramentas para a luta, mas como um implícito cerimonial cavaleiresco normando. Isso ocorrido, ambos se dirigem armados como cavaleiros à Bayeux, onde Haroldo faz um juramento para Guilherme, colocando suas mãos por cima de duas relíquias sagradas, e por fim veleja novamente para a Inglaterra, onde encontra o rei Eduardo com uma postura submissa. Um novo episódio se inicia o falecimento de Eduardo, e seus últimos momentos em seu leito de morte. As palavras de Eduardo não são mencionadas, presumindo-se na narrativa normanda que o defunto rei teria dado a Haroldo o controle, mas não a coroa, da Inglaterra, salvaguardando o reino para Guilherme. Entretanto, os vassalos de Eduardo oferecem a Haroldo a coroa, e este é coroado pelo Arcebispo Stigant nesta narrativa. Em realidade, a coroação não foi feita por Stigant, e sim por Earldred de York, mas Stigant, por ter sido excomungado pela Igreja Católica, serve como propaganda para demonstrar a invalidez da coroação em si. Isso é tão válido que a Tapeçaria mostra um sinal, um augúrio, através da aparição de uma estrela, muito possivelmente o Cometa Halley, e que dentro da narrativa normanda é um sinal divino de que algo ruim aconteceria com o reino por causa da coroação. O episódio seguinte mostra um navio indo até Guilherme, trazendo as notícias do ocorrido, e logo em seguida Guilherme ordena a construção de navios para a invasão. Com a construção destes, aparecem as provisões sendo carregadas, bebidas, armas, armaduras, e finalmente cavaleiros e cavalos. Muitos navios são desenhados, juntamente com cavalos e homens dentro deles, e muitos navios também aportam na Inglaterra. Em terra, os cavaleiros vão em busca de comida através da pilhagem, e após os servos aparecem cozinhando e servindo o alimento num banquete, com a participação do Bispo Odo abençoando a comida. Após esse episódio inicial na Inglaterra, Guilherme começa os preparativos para a guerra. Ele se reúne com seus conselheiros, e ordena a construção de uma fortaleza em Hastings. Enquanto isso, Haroldo é informado destes acontecimentos, e vemos uma casa inglesa sendo incendiada. Esta passagem é provavelmente uma alusão ao teor da notícia recebida por Haroldo, de que suas terras estavam sendo destruídas, o que o faria se apressar contra o “invasor” Guilherme. Ao fim desse interlúdio, vemos muitos cavaleiros de Guilherme armados dirigindo-se para a batalha. Ambos os líderes são informados do inimigo por batedores. O Duque normando exalta seus cavaleiros para se prepararem para a batalha, e muitos destes já aparecem correndo em direção ao inimigo. O foco principal é, com certeza, a cavalaria, não havendo nenhum guerreiro desmontado no exército normando, com exceção de alguns arqueiros. Do outro lado, o exército inglês é composto apenas por combatentes a pé, com ainda menos arqueiros demonstrados. Os guerreiros ingleses encontram-se um ao lado do outro de maneira bem próxima, formando uma parede de escudos, enquanto os cavaleiros normandos atacam de todas as direções, com espaços entre eles, empunhando as lanças ora como dardos, ora usando-as para golpear com a mão levantada, e em outros momentos mantendo-as abaixadas e em riste em uma investida, muito mais individualizados que os defensores. A batalha é encarniçada, com vários desenhos de corpos ocupando o rodapé da Tapeçaria. Os irmãos de Haroldo e líderes na batalha, Leofwine e Gyrth, são mortos, e normandos e ingleses caem lado a lado. Alguns cavaleiros aparecem como que fugindo, mas sendo impedidos e encorajados pelo Bispo Odo a continuarem lutando, enquanto Guilherme mostra o seu rosto à seus seguidores para mostrar que ainda está vivo, já que a fuga era causada por um rumor de sua morte. Os cavaleiros normandos retornam à batalha, e chegam até o rei Haroldo, que primeiramente aparece retirando uma flecha do olho – um ferimento quase sempre fatal – para logo em seguida ser morto por um cavaleiro que está cortando suas pernas. Com a morte do rei, os ingleses começam a fugir da batalha, enquanto os homens mortos têm suas armaduras retiradas. A Tapeçaria termina neste momento, com algumas imagens incompletas, compreendendo-se que parte de seu final foi perdido com o tempo. Presume-se que o evento final seria a coroação de Guilherme, embora não existam quaisquer registros cabíveis para essa teoria. A Tapeçaria demonstra em vários momentos a importância da conquista de Guilherme. Mas, não apenas isso, apesar de sua criação ter sido possivelmente para a exaltação de Guilherme e de Odo, vemos também a importância da Cavalaria em todo o seu discurso. Não apenas em batalha, onde afinal reside a vida e função do cavaleiro, mas em toda a justificação da vitória e coroação de Guilherme. A vantagem técnica da cavalaria foi a chave da vitória normanda em Hastings, enquanto que a instituição da cavalaria esperava ser a chave da conquista dos corações ingleses após a conquista. Toda a narrativa da Tapeçaria de Bayeux está centrada num ponto importante das relações entre a nobreza medieval, que é a relação de suserania e vassalagem. Esta fonte retrata os acontecimentos pela ótica normanda, ou seja, como o poderoso Haroldo Godwinson, Conde inglês, foi punido por desígnio divino por ter quebrado os juramentos vassálicos ao qual prestou a seu rei e a Guilherme. Este nobre, que era um cavaleiro, vassalo de dois homens, um Rei e um Duque, também cavaleiro. Embora para o mundo inglês a relação entre cavalaria e nobreza fosse ainda uma relação difusa e não automática, tendo em vista a tradição do combate a pé, para o mundo normando, criador da Tapeçaria, a relação entre nobreza e cavalaria era muito mais estreita e aparente. Para estes, Haroldo era, enfim, um cavaleiro, embora não fosse um cavaleiro da verdadeira tradição normanda. Ele possui as relações feudo-vassálicas com o rei Eduardo o Confessor, as quais não podem ser desassociadas do próprio conceito da Cavalaria, e vem a prestar juramento vassálico a Guilherme por sobre relíquias sagradas, ideal religioso este que começava a se tornar também indissociável dos juramentos cavaleirescos. Podemos ver esses fatos claramente em vários pontos da narrativa da Tapeçaria. Já na primeira cena, onde Eduardo está conversando com Haroldo, podemos observar isso tanto na visão normanda quanto na inglesa. De acordo com a narrativa pró-inglesa, Haroldo desejava visitar parentes seus que se encontravam na Normandia, mas fora impedido por Eduardo, sob pena de que traria grande desgraça ao reino inglês ao estar sob a mercê de Guilherme. Nessa ótica, se Haroldo finge uma viagem de prazer para em realidade visitar os seus parentes em segredo, ele já comete a primeira falha, ao desobedecer a ordem expressa de seu suserano. Na narrativa normanda, Eduardo está enviando a Haroldo como mensageiro para Guilherme, prometendo o seu reino a este. Isso torna o Conde inglês novamente um vassalo infiel quando ele, ao contrário do primeiro desejo de seu rei na narrativa, se torna o próprio rei da Inglaterra. Nas duas óticas, Haroldo já se demonstra um homem que não cumpre seu papel, sua palavra e sua posição subordinada ao rei, que fora apontado por Deus como líder daquele povo. Na cena seguinte, podemos observar Haroldo cavalgando com seus homens, seu falcão e seus cães de caça, demonstrando o seu poder. Essa cena tem por objetivo demonstrar o Conde inglês como um grande homem, um cavaleiro líder entre os ingleses. Mas essa demonstração tem por objetivo não apelar a algum senso de poder desmedido ou tirânico – já que na cena seguinte Haroldo aparece em flexão diante de uma igreja –, mas sim para exaltar o outro cavaleiro que o derrotaria apesar dessa força, o próprio Guilherme. Apesar de suas falhas, Haroldo ainda era um cavaleiro com certa nobreza, e seria necessário alguém mais nobre, mais cavaleiresco, para derrotá-lo. As cenas seguintes todas demonstram cavaleiros em posição de destaque. Quando Haroldo é capturado por Guy, este está montado e acompanhado de guerreiros montados. Quando Haroldo é levado para sua prisão, ele está novamente montado, e levando mais uma vez um falcão, usado no nobre esporte da falcoaria. Os mensageiros de Guilherme para libertar Haroldo são também cavaleiros, assim como sua comitiva para receber e acompanhar o Conde inglês até sua residência. Num ponto interessante, devemos citar que os cavalos demonstrados na Tapeçaria são todos garanhões. Essa é uma alusão interessante, não apenas porque garanhões são mais violentos que cavalos castrados ou éguas, mas também serve como uma demonstração do poder do cavaleiro sobre o cavalo. O cavalo selvagem é como que uma besta, uma fera, e é algo que deve ser domado, mas possui uma força superior à dos homens. Então, o fato de um homem, um cavaleiro, estar montado em uma dessas criaturas demonstra a superioridade de seu poder, sua força e sua vontade sobre a força e a vontade desse animal perigoso, capaz de matar com um coice. Essa é, também, uma exaltação do cavaleiro em si. Retornando à narrativa, Haroldo participa da campanha contra os bretões conduzida por Guilherme. Nesta, os atacantes normandos consistem unicamente de cavaleiros, montados, com as armaduras pesadas da cavalaria, as espadas típicas do cavaleiro – os únicos cavaleiros desmontados são aqueles que ateiam fogo à fortificação de Conan, onde os homens lutam a pé. Depois dessa vitória, vemos a primeira ligação contratual entre Guilherme e Haroldo. A Tapeçaria expressa claramente que Guilherme deu a Haroldo “armas”, remetendo a um silêncio que o leitor contemporâneo deveria preencher com seu conhecimento. Ora, Guilherme concede às armas a Haroldo ao final da luta contra os bretões. Mas Haroldo tinha se voluntariado à luta com seus homens anteriormente, já armado, o que significa que essas armas concedidas não foram simples instrumentos de trabalho para o conflito. Guilherme coloca uma mão sobre o elmo e outra sobre o peito do Conde inglês, dando-lhe as armas ou colocando-lhe a armadura. Esse serviço seria de qualquer outro servo em outro momento, mas a Tapeçaria o designa como feito pelo próprio Duque normando. Podemos afirmar, portanto, que Guilherme está concedendo a Haroldo as “armas” da Cavalaria, o ritual através do qual fazia a outro homem um guerreiro, um cavaleiro a seu serviço (BARTHÉLEMY, 2010, pág. 217). Haroldo presta seu juramento de que será o vassalo do futuro rei Guilherme. Imagem retirada de: http://www.hs-augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost11/Bayeux/bay_tama.html Haroldo está agora ligado a Guilherme não apenas como um hóspede, mas também como um de seus homens, um de seus cavaleiros. E é neste sentido que Guilherme é capaz de obter de Haroldo um juramento de ajudá-lo a se tornar rei da Inglaterra e se tornar seu vassalo, tendo este sido feito sobre duas relíquias sagradas que o Duque normando possui. Novamente a dupla narrativa surge. Na visão inglesa, o juramento seria inválido pelo fato de que Haroldo era um prisioneiro, porém o fato de que esta jura foi feita com as relíquias selou um contrato religioso, um verdadeiro acordo testemunhado pelos céus, pelos santos e por Deus. Se Haroldo estava mentindo durante esta cerimônia ele deveria arcar com a conseqüente fúria divina, que viria pela conquista e a morte em batalha. Se Haroldo estava injustiçado e preso, ele não deveria ter mentido para se safar, pois levantar falso testemunho é pecado, e se alguma injustiça era feita contra ele cabia a Deus providenciar para castigar o injusto anfitrião, fosse direta ou indiretamente. Na visão normanda, o acordo era óbvia e completamente legítimo, e como um cavaleiro de Guilherme ele deveria ter cumprido sua parte do acordo, ou seja, de entregar o trono inglês a Guilherme. Sua falha o tornará, portanto, um perjuro, alguém que quebra a própria palavra dada, e a conquista da Inglaterra se apresenta não apenas como um desígnio divino, mas uma punição para a quebra da palavra de um cavaleiro. Na morte de Eduardo, temos novamente outra diferença de opiniões. Para os normandos, não existe dúvida de que Eduardo deixara seu reino para Guilherme, e o fato dos nobres ingleses terem escolhido Haroldo como rei – e esse não ter se recusado – demonstra seu perjúrio. Para os ingleses, Eduardo confiara o reino a Haroldo com sua morte, mas o fato de ter jurado que seria o vassalo de Eduardo e o vassalo de Guilherme, com dois desejos antagônicos, tornava-o um homem também dividido em seus deveres. Ele teria optado, afinal, por cumprir a palavra do seu rei, embora nesse meio termo não se tenha esquecido o juramento sagrado feito a Guilherme, relembrado pelo presságio da estrela que aparece, trazendo más notícias ao reino. Os cavaleiros retornam ao centro das atenções após a morte de Eduardo, a coroação de Haroldo e o plano de invasão de Guilherme. A Tapeçaria mostra uma verdadeira procissão de armas e armaduras até os navios: bruneas, lanças, capacetes, espadas, escudos, cavaleiros e cavalos. Não vemos em nenhum momento os arqueiros e a infantaria, ou suas armas. Novamente, são os cavaleiros quem conduzem os acontecimentos, e tem o foco principal. Após a chegada à Inglaterra, a Tapeçaria também começa a delinear e a apontar cada vez mais cavaleiros individuais, chamando-os pelos nomes ou mostrando os seus estandartes de batalha. Temos como exemplo o cavaleiro Wadard, o Bispo e cavaleiro Odo, e o cavaleiro Eustácio, além dos cavaleiros que carregavam estandartes, reconhecidos pelos contemporâneos, pois esta era uma das formas de reconhecer a alguém numa época antes do surgimento da heráldica. Pouco antes da batalha se iniciar, Guilherme está discursando a seus homens, que tem suas costas viradas para ele em direção ao inimigo, com exceção de um cavaleiro que, virado de costas, ainda olha para seu líder. Esta é uma passagem interessante que poderíamos comparar com outros autores contemporâneos para entendê-la: relata-se que Guilherme começara a fazer um discurso de encorajamento tão longo e enfadonho que seus cavaleiros, ávidos pela batalha e pelos feitos gloriosos, começaram o ataque enquanto ele continuava a discursar (THORPE, 1973, pág. 18). Que melhor demonstração seria da individualidade desses cavaleiros que, embora mesmo sendo vassalos, ainda tinham iniciativa para buscar os ideais de grandes feitos da cavalaria por conta própria? Estes eram os homens que o futuro Conquistador teve que lidar e aprazer em sua jornada. Com a batalha iniciada, a Tapeçaria se ocupa em retratar os cavaleiros normandos contra os guerreiros ingleses. A única exceção das forças normandas são os arqueiros que aparecem sem fazer grande estrago às defesas do inimigo. As primeiras mortes de homens importantes, os irmãos Leofwine e Gyrth Godwinson, são pelas mãos dos cavaleiros. A luta é dura, até mesmo os cavalos caem e morrem diante da defesa inglesa, e o Bispo Odo, montado em um cavalo, encoraja os soldados a continuar lutando enquanto Guilherme mostra o seu rosto para dizer que está vivo, sendo apontado pelo cavaleiro Eustácio. A luta continua até a morte de Haroldo. Esta tem dois episódios, e no primeiro vemos Haroldo tentando retirar uma flecha do olho. Vitória da arquearia! Um ferimento desses era quase sempre fatal, e se não o era naquele momento, as chances de sobreviver às infecções eram baixas. De fato, para todos os efeitos, ao receber uma flechada no olho, Haroldo estava fora de combate, e as forças remanescentes estariam gravemente desencorajadas com isso. A flecha também serve como uma alusão ao castigo divino da cegueira, castigo esse provocado pela quebra do juramento cavaleiresco vassálico que Haroldo tinha feito a Guilherme. Entretanto, o rei tomba não com a flecha, mas com o ataque de um cavaleiro, que corta suas pernas com uma espada. A vitória que antes era da arquearia retorna às estrelas do campo de batalha, os cavaleiros. Embora esse ataque, mirado nas pernas, tenha sido considerado inglório, ainda assim ele é o golpe fatal: apenas alguém com status de cavaleiro tinha o nível apropriado para derrubar o rei, também um cavaleiro. A vitória da cavalaria está, enfim, completa. Todos esses episódios demonstram como os cavaleiros e a cavalaria em si foram importantes, o que se tornou claro dentro da narrativa da Tapeçaria de Bayeux. Apesar de ser obviamente uma peça de exaltação da conquista de Guilherme, e possivelmente da exaltação de Odo, eles ainda assim A morte de Haroldo Godwinson. Imagem retirada de: http://www.hsestão inseridos dentro dessa realidade augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost11/Bayeux/bay_ onde Deus era o último suserano, tama.html primeiro entre os reis e guerreiros, e todos os reis e seus cavaleiros eram seus vassalos e cavaleiros em variados graus. Os juramentos de vassalagem e cavalaria eram, ultima ratio, um juramento não apenas a seu senhor, como também a Deus, e a quebra desse juramento era não apenas uma afronta à própria cavalaria, mas à própria divindade. Haroldo seria, portanto, um exemplo do que acontece com os cavaleiros poderosos que não cumprem seus votos de cavalaria, pagando o preço final por sua traição, e os eventos narrados na Tapeçaria seriam uma história exemplar de como o cavaleiro deve e não deve agir. REFERÊNCIAS: Fontes Impressas: GRAPE, W. (Ed.). The Bayeux Tapestry: monument to a Norman triumph. Munich/New York, s.d. WILSON, D. M. (Ed.). The Bayeux Tapestry: London: Thames & Hudson, 2004. Bibliografia: ABBOTT, J. 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