O ENSINO DE ARTES VISUAIS EM PROJETOS SOCIAIS: A
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O ENSINO DE ARTES VISUAIS EM PROJETOS SOCIAIS: A
Modalidade: Comunicação Oral GT: Artes Visuais Eixo Temático: Educação em Artes Visuais em Projetos Sociais O ENSINO DE ARTES VISUAIS EM PROJETOS SOCIAIS: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO AMORBASE. Najla de Oliveira Azevedo (IFCE – Campus Fortaleza, Ceará, Brasil) Gilberto de Andrade Machado (IFCE – Campus Fortaleza, Ceará, Brasil) RESUMO: Pesquisa em ensino de artes visuais que analisa práticas de ensino-aprendizagem em contextos educativos não formais desenvolvidas na disciplina de Projetos Sociais por alunos do Curso de Licenciatura em Artes Visuais - CLAV do Instituto Federal do Ceará – IFCE. A disciplina propõe entre outras coisas aplicar e desenvolver atividades sociais em comunidades cearenses para melhor compreender algumas relações que se estabelecem entre os grupos humanos nos diferentes espaços urbanos. Diante da problemática da desigualdade social e o fato de o Estado ter dificuldade em atender as carências de comunidades em situação de vulnerabilidade fez surgir a participação da sociedade civil organizada como ONG´s e associações comunitárias. A educação não formal em comunidades de vulnerabilidade social muitas vezes aparece como uma forma eficaz de ensino-aprendizagem. Nesses contextos as atividades artísticas tem sido a diretriz educativa mais utilizada. A pesquisa desenvolveu-se em formato de oficinas para as crianças da AMORBASE- Associação de Moradores da Serrinha, periferia de Fortaleza. Dentre outros procedimentos, desenvolveram-se atividades com desenho e pintura em stencil. Reitera-se o ensino de arte como um direito que promove oportunidades educativas e amplia a noção de cidadania. Entretanto, exige abordagens pedagógicas coerentes com a situação educacional em que será aplicada. Palavras-Chave: Artes Visuais; Projetos sociais; Cidadania L’ENSEIGNEMENT DES ARTS VISUELS DANS DES PROJETS SOCIAUX: I’EXPÉRIENCE DE LA AMORBASE DE PROJET SOMMAIRE: Recherche de l'enseignement des arts visuels qui examine les pratiques d'enseignement et d'apprentissage dans des contextes éducatifs non formels dans la discipline de projets sociaux développés par les étudiants du cours de diplôme en Arts Visuel – CLAV de l´Instituto Federal do Ceara - IFCE. La discipline propose entre autres choses expliquer et développer des activités sociales dans les communautés de l'Etat de Ceará afin de mieux comprendre certaines relations qui sont établissent entre des groupes humains dans les différents espaces urbains. Confrontés au problème des inégalités sociales et le fait que l'État a rencontre des difficultés aux besoins des communautés vulnérables a suscité la participation de la société civile organisée des organizations non gouvernamental ONG et associations communautaires. L'éducation non formelle dans les communautés socialement vulnérables souvent apparaît comme un moyen efficace d'enseignement et d'apprentissage. Dans ces contextes, les activités artistiques a été l'orientation éducative plus utilisée. La recherche a été développée sous la forme d'ateliers pour les enfants de AMORBASE-Association des habitants de Serrinha, périphérie de Fortaleza. Entre autres activités, élaboré des procédures avec le dessin et la peinture au pochoir. Réitère l'éducation artistique comme un droit qui fait la promotion des possibilités d'éducation et élargit la notion de citoyenneté. Cependant, nécessite des approches pédagogiques conformes à la situation éducative dans laquelle elle sera appliquée. Mot-clés: Les arts visuels; Projets sociaux; Citoyenneté Introdução Este artigo traz um relato de experiência, animado por algumas considerações sobre a formação do professor de artes visuais, tendo como foco práticas de ensinoaprendizagem desenvolvidos em contextos educativos não formais. Foi organizado um projeto de curta duração para qualificação profissional de jovens e adultos numa associação de moradores na periferia de fortaleza. O projeto foi idealizado durante a disciplina de Projeto Social do Curso de Licenciatura em Artes Visuais – CLAV do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE no segundo semestre de 2013. A disciplina propunha aplicar e desenvolver atividades sociais em comunidades cearenses e tinha como objetivo compreender as relações que se estabelecem entre os grupos humanos nos diferentes espaços; entender as diversas e múltiplas possibilidades existentes na sociedade a partir da experiência do presente; desenvolver a criatividade e a capacidade de debater problemas; reconhecer direitos e responsabilidades como o agente de mudanças mediante situações que permitam o exercício da crítica e construir laços de identidade pessoal e social consolidando a formação da cidadania. Dessa forma, foi solicitado um projeto social que fosse elaborado sob orientação para ser executado de forma voluntária em uma comunidade, com carga horária de 20 horas, em que os alunos tiveram liberdade para escolher o formato de execução de atividades, o conteúdo, a metodologia e o local de execução. Diante da problemática da desigualdade social e o fato de o Estado ter dificuldade em atender as carências de comunidades em situação de vulnerabilidade fez surgir a participação da sociedade civil organizada como organizações não governamentais – ONGs, associações comunitárias, entre outros. Estas organizações procuram atender as necessidades das classes mais populares assim como propiciar um espaço que promova a mudança social. O sistema educacional brasileiro não conseguiu suprir as demandas sociais, então muitas organizações não formais vêm utilizando as práticas educativas como reação à carência do ensino formal, através de projetos e ações pedagógicas. Essas organizações, ainda que suas identidades encontrem-se em processo de construção, representam um novo espaço organizativo da sociedade civil. A despeito de terem interesses e objetivos bastante diversos, em geral são voltadas para a promoção dos direitos de setores populares. As ONGs são hoje uma realidade sociológica no Brasil. Muitas dessas entidades têm obtido admirável êxito ao criar alternativas e facilitar a inclusão social, ao prestar serviços de educação integral e a trabalhar em favor da defesa de direitos das crianças e dos adolescentes que vivem em circunstâncias especialmente difíceis. Examinando as diversas propostas pedagógicas desenvolvidas em seus programas, observa-se um traço comum: praticamente todas utilizam atividades artísticas em suas diretrizes educacionais. (CARVALHO, 2008, p.16) Essas instituições procuram complementar as práticas do ensino básico assim como oferecer atividades educativas focando no desenvolvimento humano e suas potencialidades, promovendo a consciência dos indivíduos sobre seus direitos e deveres, e o exercício da cidadania. Segundo Carvalho (2008) muitas destas instituições utilizam o ensino/aprendizagem de arte com o objetivo de trabalhar o desenvolvimento cognitivo, intelectual e afetivo, assim como tornar a arte e os bens culturais mais acessíveis ao público frequentador dessas organizações. Rodrigues (2012) em sua pesquisa sobre práticas de arte-educação através de ONGs menciona pontos relevantes em relação a metodologias e objetivos da educação formal e não-formal. Diante das complexas relações sociais, culturais e econômicas que permeiam nossa sociedade, não sabemos ainda como avançar em relação às dicotomias metodológicas usados na educação formal e não-formal, no que diz respeito principalmente ao padrão de medir ou não o aprendizado através de notas; as construções de propostas curriculares que tenham como intenção abarcar a diversidade cultural e social; e sobre a competitividade no sistema escolar, que em suma, visa encarar o mercado de trabalho versus a construção dos processos cooperativos instalados pelas práticas educativas de diversas ONGs. (RODRIGUES, 2012, p.11) A educação não-formal em comunidades de vulnerabilidade social muitas vezes aparece como uma forma mais eficaz de ensino/aprendizagem, pois leva em consideração o estudo da comunidade e como oferecer a esse público uma educação mais acessível e prazerosa, desenvolvendo novas metodologias e objetivando valores mais específicos do desenvolvimento do indivíduo visando a transformação social. A Arte está e sempre esteve presente no cotidiano do ser humano, porém o desenvolver das sociedades e a segregação de valores tornou-a um artigo de deleite para classes economicamente superiores, segundo os parâmetros capitalistas, e a distanciou das classes mais populares, distorcendo seus conceitos. Segundo Candau (2002) isso explica-se pelo fato de que muitas vezes as relações culturais são atravessadas por questões de poder e hierarquização. No ensino de artes visuais a abordagem eurocêntrica é utilizada com frequência, exaltando-a e diferenciando-a das outras culturas. Acredita-se que por meio do ensino de arte intercultural é possível enriquecer e deslocar o olhar dos alunos para outras culturas, permitindo uma nova visão de mundo. Esse fator deve ser levado em consideração na educação objetivando redirecionar os pensamentos sobre estas relações de poder e hierarquias. O estudo contextualizado de produções artísticas de culturas diferentes permite uma compreensão de questões de vivencias daqueles grupos, considerando seus valores e modos de instauração de arte. Essa apreensão de conhecimentos interculturais contribui também para uma nova visualidade dos fatores que permeiam seus cotidianos. O ensino de arte possibilita aos artistas contemporâneos uma tentativa de aproximação com classes mais populares através de experimentos com a arte urbana, e o uso de novos suportes. O artista-professor-pesquisador por sua vez tem se esforçado para chegar mais próximo das comunidades populares cujo conhecimento sintetizado da arte pode desenvolver competências, habilidades e conhecimentos necessários à compreensão de diversos fatores que nos cercam. A arte constitui uma forma ancestral de manifestação, e sua apreciação pode ser cultivada por intermédio de oportunidades educativas. Quem conhece arte amplia sua participação como cidadão, pois pode compartilhar de um modo de interação único no meio cultural. (IAVELBERG, 2003, p.9) Na formação inicial do artista-professor-pesquisador evidencia-se as transformações no ensino de artes visuais e no entendimento de sua importância para a formação de indivíduos mais críticos e reflexivos. A leitura de imagens permite estabelecer relações com a produção sociocultural e partir do que já é conhecido. Nesse sentido o projeto inicial propunha atividades práticas que abrissem oportunidades de questionamentos e reflexões que ampliassem nos participantes sua atuação no espaço de cidadania. Foram essas reflexões que motivaram a pesquisadora a pensar em ações que propiciassem, ainda que de forma breve, uma ação transformadora, não só do espaço, mas de pensamentos. Assim, o projeto surgiu no formato de oficinas, sob o título ARTE TRANSFORMA: Expandindo espaços e pensamentos para a AMORBASE (Associação de Moradores do Bairro da Serrinha). Percurso metodológico Esse estudo associa algumas possibilidades de pesquisa e de fontes que o caracteriza como pesquisa participante, uma vez que o envolvimento e identificação da pesquisadora com a comunidade pesquisada gerou o procedimento metodológico que determinou a coleta e a análise dos dados. De fato, a observação participante é prática comum quando se trabalha com as camadas populares (MATOS & VIEIRA, 2002). Tanto a pesquisa bibliográfica inicial, como as atividades e registros de coleta apontavam para a exploração do campo no sentido de verificar possibilidades de atuação de uma artistaprofessora-pesquisadora. Isso implicava em conhecer o grupo comunitário para compartilhar conhecimentos entre os envolvidos e não necessariamente para sanar problemas. A AMORBASE existe a mais de 25 anos no bairro da Serrinha e por muito tempo prestou serviços à comunidade funcionando como uma creche. Esteve fechada por quatro anos (2008 a 2012), por falta de recursos e desinteresse de algumas lideranças. Em 2012 a associação foi reativada e movimentada por iniciativa de algumas jovens conhecedoras da situação e conscientes do quanto a associação era importante para a comunidade. Com ajuda dos moradores, em 2013 uma nova chapa foi eleita, continuando a luta em prol da comunidade da Serrinha. O bairro da Serrinha está localizado na periferia de Fortaleza, e é composto por moradores de várias classes econômicas, porém a maioria tem baixa renda. O bairro enfrenta problemas comuns aos das demais periferias do Brasil. Falta de saneamento básico, consumo de drogas e escolas públicas defasadas contribuem para uma crescente bola de neve de gerações menos favorecidas e cada vez mais sem oportunidade. Desacreditados e desmotivados os moradores desses bairros sentem-se cada vez mais incrédulos de melhorias, entregando-se à aceitação. O cotidiano sofrido esconde e inibe estratégias e possibilidades de melhorias. A união, o trabalho coletivo e a vontade de transformar seus pensamentos e espaços são pequenos gestos que podem iniciar uma grande luta contra o descaso social. Nesse sentido, através do trabalho social, a AMORBASE, entre outras organizações, atua no bairro tentando mudar essa realidade, focando nas crianças e jovens. Como as dificuldades são muitas, a associação se mantém de forma precária, sem recursos financeiros, apenas com trabalho voluntário. Devido a alguns débitos pendentes da antiga gestão a AMORBASE funciona hoje sem energia e sem água. Mesmo com dificuldades a associação presta serviços à comunidade através de trabalhos realizados por voluntários como oficinas diversas, reforço escolar, mini biblioteca, disponibilizando o espaço para eventos comunitários e principalmente tentando aproximar os moradores, fazendo com que estes percebam o valor e o poder da união. O projeto analisado tinha como objetivo sensibilizar os participantes a se perceberem enquanto indivíduos atuantes em um espaço físico e evidenciar a sua importância cidadã como agentes modificadores de uma realidade a favor de um bem comum. Tentou-se integrar e motivar a união dos frequentadores da AMORBASE, esclarecendo o quanto a coletividade é importante para uma comunidade. Iniciou-se uma identificação dos bens culturais pertencentes à comunidade da Serrinha, em especial à AMORBASE, fortalecendo as motivações de união dos participantes. Propôs-se o pensamento artístico e o processo criativo através de ações com desenho, pintura, stencil e composição modular. Modificando o próprio espaço físico da AMORBASE, como produto final das reflexões abordadas nas oficinas. A transformação do ambiente além de embelezar o espaço é fundamental para uma boa harmonia dos indivíduos que ali circulam, pois provoca respostas variadas no nosso sistema nervoso e alteram emoções e humor. De acordo com Farina (2003) as cores são responsáveis pelas sensações que o ambiente provoca, elas interferem de forma psicológica alterando a atenção e percepção do indivíduo, e podem influenciar tornando um ambiente agradável ou desagradável. É possível também perceber em um espaço modificado elementos que identificam um indivíduo ou um grupo de pessoas. O ambiente pode ser modificado de várias formas, através de artigos decorativos, arquitetura, artesanatos, artes plásticas e etc. Porém, são as cores utilizadas que provocam um maior impacto nas sensações humanas. Percebendo a necessidade de transformação em um espaço físico na AMORBASE, a pesquisadora procurou aliar esta ação ao poder cognitivo da Arte, através da produção do desenho e estudo de cores, e de uma forma prazerosa ativar o pensamento dos participantes do projeto a ampliar suas capacidades de reflexões sobre seu cotidiano social, e de possíveis transformações positivas em suas vidas e na comunidade em geral. A Arte além de desenvolver a percepção estética, criatividade e uma nova forma de se expressar no mundo, faz nascer em cada indivíduo um modo próprio de refletir, ordenar e dar sentido à vivencia humana. Podemos pensar na arte como objeto de conhecimento e leitura sensível do mundo, uma forma de ver além da superfície tornando o olhar mais curioso, lúdico e generoso. Um ponto negativo recorrente em comunidades populares, e também na comunidade da Serrinha, é o desconhecimento dos próprios bens culturais desses grupos. Uma comunidade conhecedora de seus bens culturais a identifica e a fortalece perante os demais. Ao pesquisar nuances do nosso bairro e da nossa comunidade, buscaremos desvendar as histórias individuais e coletivas de homens, mulheres, crianças e velhos que fazem a história nossa de cada dia. Tentando perceber como esses diversos lugares podem fornecer pistas para compreender melhor os processos sociais que originam nossa cidade, verificando as heranças e permanências dos outros tempos em nosso cotidiano. Conhecer, preservar e valorizar nosso patrimônio cultural é imprescindível, na medida em que se constitui num referencial físico, simbólico e afetivo para pensarmos de forma crítica a nossa vida e o mundo que nos cerca. (CEARÁ, 2013, p. 30) A discussão sobre os bens culturais dos moradores da Serrinha e a identidade cultural foi o ponto de partida para a produção de desenhos que posteriormente foram pintados com stencil nas paredes da associação. Por fim, visando a coletividade e união dos participantes dinamizou-se discussões sobre autoria coletiva, que foram oportunizadas nos momentos práticos da oficina. Momento em que foi realizada uma composição pictórica em uma das paredes da associação que necessitou da participação e da ajuda de todos os envolvidos, proporcionando um momento coletivo, enfatizando a importância do trabalho em grupo e o quanto ele pode ser prazeroso e gratificante. As oficinas As oficinas aconteceram entre abril e maio de 2013, sendo cinco encontros de quatro horas cada, totalizando vinte horas. O projeto foi elaborado para um público de jovens e adultos da comunidade pelo fato de que a pesquisadora idealizou uma atividade que necessitava de força física como a pintura em parede e utilizariam alguns instrumentos impróprios para crianças, como estiletes. A oficina foi divulgada junto à direção da AMORBASE, na comunidade e nas redes sociais, porém não houve um número de inscrições suficientes. É uma realidade constatada que os jovens e adultos que residem próximos à associação não se interessam em participar de oficinas e cursos que são ofertados gratuitamente, suas participações se limitam aos raros serviços médicos que a associação oferece, ou eventos em que acontecem a distribuição de brindes. Quem usufrui da maioria dos serviços e oficinas oferecidos pela AMORBASE, e até ajudando voluntariamente em algumas atividades, são as crianças do bairro. Assim, o projeto foi adaptado para o público infantil, no qual a metodologia fosse de acordo com a idade e algumas atividades fossem realizadas com a supervisão da pesquisadora. Dezesseis crianças de oito a quatorze anos se inscreveram e participaram das oficinas. Durante a execução do projeto apareceram algumas dificuldades que já haviam sido previstas como falta de água e energia. Em alguns momentos o local onde se dava aula ficava muito quente, porém, como as crianças já estavam acostumadas com o espaço e as atividades eram prazerosas para elas, não havia muitas reclamações. Permaneceram sempre atentas e participativas nas aulas. A pesquisadora iniciou o projeto com um acolhimento feito pela presidente da AMORBASE. No momento fez-se uma roda no pátio da associação com as crianças participantes da oficina. A presidente deu as boas-vindas para os participantes, falou sobre o trabalho voluntário e os valores que a comunidade ganha ao receber projetos assim. Em seguida, a pesquisadora se apresentou, falou dos objetivos do projeto e explicou como ele seria executado. Por fim, ainda em roda, fizeram uma dinâmica de apresentações onde cada criança falava seu nome e o que esperava da oficina. As oficinas foram iniciadas conversando com as crianças sobre as transformações de espaços e como essas transformações influenciam o ambiente e o nosso dia-a-dia. As crianças eram muito participativas, davam alguns exemplos sobre como seus pais pintavam suas casas, e de quando voltaram das férias e viram uma escola diferente porque estava toda pintada. O vídeo Autoria Compartilhada – Mônica Nador (2011) foi apresentado para contextualizar esse diálogo e dar uma noção mais didática sobre a proposta da oficina. Ele mostra o processo de construção da exposição Autoria Compartilhada da artista plástica Mônica Nador. A exposição aconteceu no Pavilhão das Culturas Brasileiras em São Paulo, e foi montada e produzida coletivamente, através de oficinas, objetivando a vivência artística dos indivíduos participantes. Após a exibição do vídeo foi dada uma introdução básica sobre as cores, e como estas transformavam o ambiente. Esse assunto foi trabalhado com a produção de desenhos coloridos com tinta guache, identificando as cores quentes e frias. Ao fim da aula as crianças escolheram três cores para fazer a pintura na parede. Foram dadas três combinações de cores e por votação elas escolheram amarelo, azul e branco. O local onde a pintura foi realizada, a parede de fundo do mini palco, foi escolhida pela presidente da associação. Num segundo momento a pesquisadora abordou alguns aspectos da linguagem visual, como as imagens e símbolos podem representar pessoas, lugares e instituições. Apresentou também algumas imagens de logotipos conhecidos popularmente que foram imediatamente reconhecidos e comentados pelos alunos. Então foi proposto que as crianças construíssem uma imagem para representar a comunidade da Serrinha. Para a construção dessa imagem, a pesquisadora abordou o assunto da identidade cultural, buscando identificar com as crianças ícones, lugares e manifestações do bairro conhecidos por elas. Logo foram surgindo exemplos como: a igreja católica, a feira, o grupo de capoeira Ginga Maré, a AMORBASE, a Associação de Catadores – ACORES, entre outros. Essa reflexão deu início a uma discussão sobre os valores daqueles bens para a comunidade, então a pesquisadora propôs que as crianças desenhassem esses ícones. A igreja católica foi representada como ícone de referência histórica do bairro, local que todos os moradores conhecem, sendo frequentadores ou não. (Vide figura 1). Figura 1 – Desenho criado por aluna do projeto. Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora As atividades do grupo de capoeira Ginga Maré também foram desenhadas e compreendidas como bem cultural da comunidade. Esse grupo é muito querido pelas crianças sendo conhecido na comunidade por oferecer aulas de capoeira e por realizar alguns eventos em locais públicos do bairro. (Vide figura 2). Figura 2 – Desenho criado por aluna do projeto. Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora No terceiro encontro, juntamente com os alunos, a pesquisadora selecionou elementos de cada desenho para compor uma única imagem (Vide figura 3), esta imagem foi transferida para o acetato e a partir daí foi criado um stencil para fazer a pintura na parede. Figura 3 – Alunos do projeto trabalhando na criação do stencil. Fotografia de Najla de Oliveira Azevedo Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora Embora todos os alunos quisessem realizar a atividade de corte do acetato, com o estilete, por questões de segurança apenas dois alunos mais velhos, que possuíam melhor adestramento motor, realizaram algumas partes da atividade sob supervisão da pesquisadora. No quarto e quinto momento foi iniciado e finalizado o processo de pintura da parede de fundo do mini palco. Nem todas as crianças puderam participar de forma prática do momento da pintura, mas estavam sempre presentes ajudando em pequenas atividades e dando muito apoio e opiniões. O molde em acetado realizado a partir dos desenhos delas possuía formato circular (vide fig. 4). Consistia numa imagem rebatida e espelhada que na fala das crianças tinha formato de pizza. Unindo os vértices construiuse uma espécie de fractal em que os ícones da igreja, dos jogadores de capoeira e das próprias crianças circulavam de forma positiva com o nome da associação. Figura 4 – Pintura criada pelos alunos do projeto Fotografia de Najla de Oliveira Azevedo Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora A pintura da parede foi preparada e serviu de base para receber os fractais. Situada no fundo do palco da associação (vide fig. 5) essa parede foi alvo de apreciação e discussão do estudo de cores com as crianças. Essa conversa consistia num encaminhamento pedagógico que se fundamentava mais num fazer e numa compreensão de arte, colocando num mesmo patamar de importância o conhecimento e a percepção. As crianças comentaram sobre as sensações que as cores da parede traziam para o ambiente e relembraram como a parede era anteriormente, fazendo uma comparação e refletindo sobre como elas podem modificar espaços através do conhecimento de alguns conteúdos da arte. Ao se compartilhar ideias, ativavam-se elementos até então vivenciados no cotidiano, mas não percebidos como educativos, no caso, o uso de cores frias e quentes. [...] as significações que encontramos para nossa vida se desenvolvem em conformidade com a maneira de ser de nosso grupo social. [...] nossa postura humana é aprendida. Aprendemos a ser humanos: a perceber e a vivenciar o mundo como homens, através da comunidade. (DUARTE, 2009, p. 26) Figura 5 – Pintura finalizada. Fotografia de Najla de Oliveira Azevedo Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora Ao termino das oficinas houve de um momento de reflexão sobre o projeto e o seu produto final. Foi possível identificar elementos dos desenhos de cada criança participante na composição pintada na parede. A pintura finalizada guardou em si, elementos que representam a associação e a comunidade, e ainda compreende uma autoria coletiva das crianças. Essa identificação ativa um sentimento de pertencimento à associação e à comunidade, contribuindo para um deslocamento de pensamentos e atitudes. Nessa conversa confirmou-se que através da atividade prática e estudos de conteúdo das artes visuais foi possível tocar em alguns pontos reflexivos, como o trabalho coletivo e o reconhecimento de alguns bens culturais do bairro. Nesse momento a presidente da associação agradeceu e falou sobre a importância do projeto para aquelas crianças. [...] só o fato de podermos estar entre pessoas compartilhando experiências, já é muito válido. O projeto além de ensinar, proporcionou uma introdução dos pequenos a alguns assuntos pertinentes à comunidade. É importante que as crianças se acostumem a pensar sobre cultura, cooperação e crescimento comunitário desde cedo. E além de tudo fizeram uma grande arte em nosso palco [...] (Geni Sobreira– Presidente da AMORBASE) Foi importante para a pesquisadora ouvir essas palavras, pois nesse momento foi percebido que o projeto conseguiu atingir seus objetivos. A presidente da associação foi de fundamental importância para a realização do projeto, mantendo uma atitude colaborativa, ajudando a vencer algumas dificuldades em relação à estrutura física da associação. Considerações finais O projeto foi realizado com algumas alterações da proposta inicial, contudo, mesmo com as dificuldades previstas, a pesquisadora conseguiu executar um bom trabalho, alcançando os objetivos propostos no projeto e realizando uma experiência em projeto social enquanto artista-professora-pesquisadora em formação. Essa experiência possibilitou uma compreensão da prática de ensinoaprendizagem em outros espaços educativos. Deve-se levar em consideração a importância da experiência em espaços não formais de educação para os licenciandos, pois essa vivência, além de expandir os espaços de atuação de professores, permite uma análise e reflexão sobre as práticas educativas adotadas segundo as propostas curriculares de educação formais. A oficina para a AMOBASE foi elaborada segundo uma vivência da pesquisadora na comunidade, permitindo o conhecimento de algumas problemáticas frequentes. Essa aproximação favoreceu a elaboração de uma metodologia livre de parâmetros curriculares formais, focada na necessidade da comunidade, não deixando de abordar conteúdos das artes visuais e cidadania, uma vez que estes dialogavam com assuntos do cotidiano da comunidade. Essa possibilidade de elaboração de metodologias de ensino de artes visuais em diferentes espaços de educação contribui de forma significativa para a formação do professor que, segundo suas experiências, terá condições de analisar, comparar e discutir as propostas de educação em outros espaços. A pesquisadora considera que os conteúdos relacionados à identidade cultural e autoria coletiva poderiam ter sido trabalhados com mais ênfase, buscando uma reflexão crítica, se tivesse sido abordado com o público jovem e adulto, como foi mencionado na primeira proposta do projeto. A adaptação do plano de aula para o público infantil conservou o conteúdo, porém devido à idade não foi possível um diálogo mais aprofundado sobre as realidades da comunidade, a perda das heranças culturais e a contribuição da transformação de pensamentos para o crescimento da mesma, como o projeto propunha. Todos esses assuntos foram abordados na oficina realizada com as crianças, porém de uma maneira mais branda. Mesmo que a pesquisadora estivesse ciente sobre as dificuldades da AMORBASE em relação à associação se manter sem água, energia e qualquer movimentação financeira, apenas com o trabalho voluntário, é válido relatar o quanto é difícil realizar algum trabalho em um local assim. O ato comunitário não é feito só por um indivíduo. A presidente da associação tem boa vontade, porém precisa de maiores contribuições, no sentido de união e cooperação dos jovens e adultos do bairro, para que a associação possa sair desta realidade. É desmotivador pensar que o trabalho realizado pela presidente e alguns voluntários possa ser em vão, já que não é visível a contribuição da comunidade adulta. Por outro lado, a pesquisadora percebeu que esse trabalho cooperativo em prol do desenvolvimento comunitário realizado por poucos está refletindo na atitude das crianças. As crianças são, de fato, o maior público frequentador da associação e foi possível perceber com o Projeto Arte Transforma o quanto as crianças são conscientes sobre a importância da AMORBASE para a comunidade. Elas expressam um apreço pela associação, e em todos os momentos colaboram como podem para a realização das atividades. Pensando assim surge a esperança de que aqueles futuros cidadãos cresçam conscientes de seu papel em prol de um bem comum. Apesar de obstáculos, dificuldades e desmotivações a pesquisadora concluiu ao finalizar o projeto que a grande retribuição do trabalho voluntário é esse sentimento de esperança de melhorias para o próximo e para o mundo. Segundo Duarte (2009) já não precisamos tanto de fórmulas e receitas educacionais precisamos de engajamentos, com a educação e a nação. É importante que os artistas-professores em formação acessem diferentes códigos das realidades sociais, pesquisando sobre como as bases teóricas das artes visuais podem contribuir com o trabalho comunitário. Referências CARVALHO, Lívia M. O ensino de arte em ONGs: tecendo a reconstrução pessoal. 2005. 143f. Tese (doutorado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2005. CEARÁ. Governo do Estado. Projeto Patrimônio para todos: uma aventura através das memórias – Fortaleza: Flex editora e gráfica, 2013. CANDAU, Vera Maria. Direitos Humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. In: Revista Brasileira de Educação v.13,n.37,2008. DUARTE, Júnior, João Francisco. O artista expectador. In: Porque arte-educação? 20 edição. São Paulo. Papirus, 2009. IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: Sala de aula e formação de professores. Porto Alegre. Artmed, 2003. FARINA, Modesto. Psicodinâmica das cores em comunicação. 4 ed. São Paulo: Edgard, Bluchor, 2003. MATOS, Kelma & VIEIRA, Sofia Lerche. Pesquisa educacional: o prazer de conhecer. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002. NADOR, Mônica. Autoria Compartilhada – Mônica Nador. Vídeo, 14 min, 2011. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=v2fYQTlzDwY> Acesso em 25 fev. 2014. RODRIGUES, Judivânia M. Surgimento de Práticas de Arte-Educação através de ONGs como necessidade de transformação social. Florianópolis, 2012. Disponível em: <http://ppgav.ceart.udesc.br/ciclo7/13-Surgimento_de_Praticas_de_ArteEducacao_Atraves_de_ONGs_como_Necessidade_de_Transformacao_Social.pdf> Acesso em 10 mar. 2014. Najla de Oliveira Azevedo Graduanda em Licenciatura em Arte Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE Campus Fortaleza (6º semestre); Bolsista CAPES do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID Subprojeto Artes Visuais IFCE. http://lattes.cnpq.br/0442264522552412. Gilberto de Andrade Machado Doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (2008). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - IFCE, lecionando no curso de Licenciatura em Artes Visuais. Coordenador do IRIS - Grupo de Estudos da Formação de Professores de Artes Visuais. Coordenador de área de gestão de processos educacionais PIBID/IFCE. http://lattes.cnpq.br/3764709459727514