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ISSN 2238-0450 Volume 1 n° 2 Dezembro / 2012 BOLETIM CIENTÍFICO 2012 no 2 DE PEDIATRIA EDITORIAL Incentivando a publicação científica .............................. 41 Epifanio M. Entendendo a triagem auditiva neonatal e as causas de perda auditiva na infância ....................... 51 Ogando P.B. & Lubianca Neto J.F. ARTIGOS DE REVISÃO Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença . ......... 42 Motta F. & Cunha J. Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos e inflamatórios e suas relações com obesidade em crianças e adolescentes – fisiopatologia e aspectos clínicos ......................................................... 47 Pitrez Filho M.S., Santana J.C., Hauschild J.A., Vargas L.T.R., Pinto L.A., Oliveira J.R., Bruscato N.M. RELATOS DE CASOS Tuberculose pleural na infância: relato de caso e revisão .................................................. 58 Brust M.C., Lumertz M.S., Salerno M., Pinto L.A. Repercussões neonatais do uso materno de crack ................................................ 63 Renner F.W., Gottfried J.A., Welter K.C. ISSN 2238-0450 DEZEMBRo / 2012 Bol Cient Pediatr Volume 1, Nº 2 EDITORIAL / EDITORIAL Incentivando a publicação científica ....................................................................................................................... 41 Encouraging scientific publication Matias Epifanio ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença ................................................................................................ 42 Pertussis: current revision of an old disease Fabrizio Motta, Juarez Cunha Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos e inflamatórios e suas relações com obesidade em crianças e adolescentes – fisiopatologia e aspectos clínicos ....................................... 47 Cardiovascular, metabolic and inflammatory risk factors and their relationships with obesity in children and adolescents – patophyisiology and clinical aspects Manoel Soares Pitrez Filho, João Carlos Santana, Jorge Antônio Hauschild, Luiz Telmo Romor Vargas, Leonardo Araújo Pinto, Jarbas Rodrigues Oliveira, Neide Maria Bruscato Entendendo a triagem auditiva neonatal e as causas de perda auditiva na infância . ................................. 51 Understanding the newborn hearing screening and causes of hearing loss in childhood Patrícia Barcelos Ogando, José Faibes Lubianca Neto RELATOS DE CASOS / CASE REPORTS Tuberculose pleural na infância: relato de caso e revisão .................................................................................. 58 Pleural tuberculosis in childhood: case report and review Marília Comissoli Brust, Magali Santos Lumertz, Margareth Salerno, Leonardo Araújo Pinto Repercussões neonatais do uso materno de crack . ............................................................................................. 63 Repercussions of neonatal maternal use of crack Fabiani Waechter Renner, Jéssica Alessio Gottfried, Kelly Caroline Welter O Boletim Científico de Pediatria é a publicação científica oficial da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul destinada à publicação de artigos científicos de revisão referentes à Pediatria e suas áreas de atuação. Toda correspondência deve ser enviada para: Av. Carlos Gomes, 328 - conj. 305, Porto Alegre, RS, CEP 90480-000 - Fone (51) 3328.4062 - E-mail: [email protected] Editor: Leonardo A. Pinto Editores Associados: Matias Epifanio Andrea Mendonça Rodrigues Conselho Editorial: Patricia Miranda do Lago Marcelo Pavese Porto Érico José Faustini Cristina Helena Targa Ferreira Rosangela Silveira D’Avila Célia Maria Magalhães Cristiane Traiber Ilson Enk Helena Muller Renata Rostirola Guedes Benjamin Roithman Lucia Diehl da Silva Renato Soibelmann Procianoy Rita de Cassia Silveira Carlos Humberto Bianchi e Silva Lucia Diehl da Silva O Boletim Científico de Pediatria é publicado trimestralmente pela Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul - SPRS, Av. Carlos Gomes, 328 conj. 305, Porto Alegre, RS, CEP 90480-000 - E-mail: [email protected]. O Boletim Científico de Pediatria reserva-se todos os direitos, inclusive os de tradução, em todos os países signatários da Convenção Panamericana e da Convenção Internacional sobre Direitos Autorais. O Boletim Científico de Pediatria não se responsabiliza por conceitos emitidos em matéria assinada. A publicação de propaganda não significa garantia ou apoio do Boletim Científico de Pediatria ou da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul ao produto ou serviço anunciado, assim como às alegações feitas pelo anunciante. O Boletim Científico de Pediatria não aceita matéria paga em seu espaço editorial. Os trabalhos publicados terão seus direitos autorais resguardados por © Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, que em qualquer circunstância agirá como detentora dos mesmos. Projeto gráfico e produção: arte&composição - [email protected] / Impressão: Gráfica Solidus. Av. Carlos Gomes, 328 - conj. 305 – Porto Alegre, RS – CEP 90480-000 Telefones: (51) 3328.4062 / 3328.6337 www.sprs.com.br – e-mail: [email protected] Filiada da: Diretoria DA sprs Presidente: Patricia Miranda do Lago 1º Vice-Presidente: Marcelo Pavese Porto 2º Vice-Presidente: Erico José Faustini Secretário-Geral: Cristina Helena Targa Ferreira 1º Secretário: Rosângela Silveira DAvila 2º Secretário: Célia Maria Boff de Magalhães 1º Tesoureiro: Cristiane Traiber 2º Tesoureiro: Matias Epifanio Diretoria de Patrimônio: Cláudia Pires Ricachinevsky Diretoria Científica/ Coordenação Comitês: Helena Muller Ilson Enk Renata Rostirola Guedes Diretoria de Defesa Profissional: Benjamim Roithman José Carlos Diniz Barradas (Biênio 2012/13) Assessores da Presidência: Carlos Eduardo Nery Paes Ercio Amaro de Oliveira Filho Jefferson Pedro Piva José Paulo V. Ferreira Lúcia Diehl da Silva Renato Soibelmann Procianoy Editoria Boletim Científico: Leonardo de Araújo Pinto Andrea Mendonça Rodrigues Programa Educação Permanente em Pediatria: Rita de Cássia Silveira Carlos Humberto Bianchi e Silva Escritório Regional Nordeste: Breno Fauth de Araújo Darci Luiz Bortolini Coordenação dos Cursos de Reanimação Neonatal: Helen Zatti Marcelo Pavese Porto Coordenação dos Cursos de Reanimação Pediátrica: Paulo Roberto Mousquer Kunde Luiz Fernando Loch Coordenação do Curso de Nutrologia Pediátrica: Elza Daniel de Mello Claudia Hallal Alves Gazal Coordenação da Rede Gaúcha de Neonatologia: Helen Zatti Manoel Antonio da Silva Ribeiro Diretoria de Comunicação Jornal SPRS e mídia: Lúcia Diehl da Silva Eduardo Montagner Dias Escritório Regional Noroeste: Wania Eloisa Ebert Cechin Oromar Vasconcelos Suertegaray Escritório Regional Centro Ocidental: José Carlos Diniz Barradas Beatriz Silvana da S. Porto Escritório Regional Centro Oriental: Fabiani Waechter Renner João Paulo Weiand Escritório Regional Sudoeste: Fernanda Rostirola Guedes Cledinara Rodrigues Salazar Escritório Regional Sudeste: Luiza Helena Vinholes Siqueira Novaes Marilice Magroski Gomes da Costa Conselho Fiscal: Juarez Cunha Patrícia Martins Moura Barrios Themis Reverbel da Silveira Suplentes: Lauro Luís Hagemann, João Carlos Batista Santana Ruy Pezzi de Alencastro NORMAS PARA PUBLICAÇÃO INSTRUÇÕES AOS AUTORES O Boletim Científico de Pediatria (Bol Cient Ped) ISSN 22380450, publicado trimestralmente, é a publicação científica oficial da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, destinado à publicação de artigos científicos de revisão referentes à pediatria e suas áreas de atuação. Os artigos, após aprovação pelo Conselho Editorial, serão avaliados por revisores, sendo o anonimato garantido em todo o processo de julgamento. Os artigos que não apresentarem mérito, ou não se enquadrem na política editorial do boletim, serão rejeitados diretamente pelo Conselho Editorial, não cabendo recurso. Os artigos devem ser escritos em português. Na versão eletrônica do peródico (www.sprs. com.br), todos os artigos serão disponibilizados livremente. APRESENTAÇÃO E SUBMISSÃO DOS MANUSCRITOS Os manuscritos deverão ser obrigatoriamente encaminhados via eletrônica a partir do email [email protected]. As instruções e o processo de submissão estarão disponíveis no endereço www.sprs. com.br. Pede-se aos autores que sigam rigorosamente as normas editoriais da revista, particularmente no tocante ao número máximo de palavras, tabelas e figuras permitidas, bem como às regras para confecção das referências bibliográficas. A não observância das instruções redatoriais implicará na devolução do manuscrito pela equipe editorial da revista para que os autores façam as correções pertinentes antes de submetê-lo aos revisores. PREPARO DO MANUSCRITO Artigos de Revisão A página de identificação deve conter o título do trabalho, em português e inglês, nome completo e titulação dos autores, instituições a que pertencem, endereço completo, inclusive telefone, fax e e-mail do autor principal. Resumo: deve conter informações facilmente compreendidas, sem necessidade de recorrer-se ao texto, não excedendo 250 palavras. Para metanálises, deve ser feito na forma estruturada com: Objetivo, Métodos, Resultados e Conclusões. Quando tratar-se de artigos de Revisão e Relatos de Casos o resumo não deve ser estruturado. Abstract: uma versão em língua inglesa, correspondente ao conteúdo do resumo deve ser fornecida. Descritores e Keywords: devem ser fornecidom de três a seis termos em português e inglês, que definam o assunto do trabalho. Devem ser obrigatoriamente baseados nos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) publicados pela Bireme e disponíveis no endereço eletrônico: http://decs.bvs.br, enquanto as keywords em inglês devem ser baseadas nos MeSH (Medical Subject Headings) da National Library of Medicine, disponíveis no endereço eletrônico www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html. Revisões e Atualizações: o texto não deve ultrapassar 2.000 palavras, excluindo referências e tabelas. O número total de ilustrações e tabelas não deve ser superior a 4. O número de referências bibliográficas deve se limitar a 30. Relatos de Casos Assim como nos artigos de revisão, o texto não deve ultrapassar 2.000 palavras, excluídas as referências e figuras. Deve ser composto por Introdução, Relato do Caso, Discussão e Referências. Recomenda-se não citar as iniciais do paciente e datas, sendo mostrados apenas os exames laboratoriais relevantes para o diagnóstico e discussão. O número total de ilustrações e/ou tabelas não deve ser superior a 4 e o limite de referências bibliográficas é 30. Tabelas e Figuras Tabelas e gráficos devem ser apresentados em preto e branco, com legendas e respectivas numerações impressas ao pé de cada ilustração. As tabelas e figuras devem ser enviadas no seu arquivo digital original, as tabelas preferencialmente em arquivos Microsoft Word e as figuras em arquivos Microsoft Excel, Tiff ou JPG. Fotografias de exames, procedimentos cirúrgicos e biópsias onde foram utilizadas colorações e técnicas especiais serão consideradas para impressão colorida, sem custo adicional aos autores. As grandezas, unidades e símbolos devem obedecer às normas nacionais correspondentes (ABNT: http://www.abnt.org.br). Legendas Legendas deverão acompanhar as respectivas figuras (gráficos, fotografias e ilustrações) e tabelas. Cada legenda deve ser numerada em algarismos arábicos, correspondendo a suas citações no texto. Além disso, todas as abreviaturas e siglas empregadas nas figuras e tabelas devem ser definidas por extenso abaixo das mesmas. Referências Devem ser indicadas apenas as referências utilizadas no texto, numeradas com algarismos arábicos e na ordem em que foram citadas. A apresentação deve estar baseada no formato Vancouver Style, atualizado em outubro de 2004. Para todas as referências, cite todos os autores até seis. Acima desse número, cite os seis primeiros autores seguidos da expressão et al. Abreviaturas Com relação as abreviaturas, sempre defini-las na primeira vez em que forem citadas, por exemplo: proteína C reativa (PCR). Após a definição da abreviatura, o termo completo não deverá ser mais utilizado. Com exceção das abreviaturas aceitas sem definição, elas não devem ser utilizadas nos títulos e evitadas no resumo dos manuscritos se possível. Ao longo do texto igualmente evitar a menção ao nome de autores, dando-se sempre preferência às citações numéricas apenas. Toda correspondência para a revista deve ser encaminhada para o e-mail do Boletim Científico de Pediatria: [email protected] (a/c secretárias Marta ou Betina). Leonardo A. Pinto Editor do Boletim Científico de Pediatria 2238-0450/12/01-02/41 Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Editorial Incentivando a publicação científica Encouraging scientific publication Matias Epifanio1 Seguindo nosso objetivo de transformar o novo Boletim Científico de Pediatria em um meio de atualização para colaborar especialmente com o pediatra, é que queremos convidar e estimular os colegas a submeter e publicar neste periódico. A oficialização do boletim como periódico científico no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e a obtenção de um International Standard Serial Number (ISSN) podem contribuir e estimular para que todos possam colocar suas experiências e conhecimentos em uma publicação de ampla divulgação regional. Como novidade a partir desta edição, temos a inclusão de Relatos de Casos, que permitem uma visão rápida de casos de doenças mais raras ou casos de difícil manejo. Acreditamos que este tipo de publicação contribui muito também, além dos artigos de revisão, para o pediatra em consultório ou no manejo hospitalar. Este tipo de publicação também deverá seguir algumas normas de publicação e ter como foco temas importantes para a prática clínica. Outra mudança realizada pela editoria é em relação à periodicidade do nosso Boletim, que tinha um planejamento trimestral e a partir desta edição passa a ser quadrimestral. Portanto, já em 2013, teremos três publicações referentes aos meses de janeiro a abril, maio a agosto e setembro a dezembro. Acreditamos que com este formato o interesse pelo boletim se intensificará dado o número expressivo de publicações em cada edição. Além disso, teremos artigos de um nível científico de excelência, e com grande relevância clínica. Dessa forma, todos os pediatras ou outros profissionais que trabalham com a saúde da criança estão convidados a submeter artigos para avaliação por pares, apenas seguindo as normas de redação da revista, que estão publicadas em todas as edições do novo modelo. O grande desafio para 2013 será a criação do novo formato virtual, disponível a partir do site da SPRS, facilitando o acesso a todos, mas especialmente aos sócios. Finalmente, desejamos um feliz 2013, com realizações, saúde e muitas alegrias para todos. 1. Editor associado do Boletim Científico de Pediatria. Como citar este editorial: Epifanio M. Incentivando a publicação científica. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):41. 41 2238-0450/12/01-02/42-6 Artigo de Revisão Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença Pertussis: current revision of an old disease Fabrizio Motta1, Juarez Cunha2 RESUMO A coqueluche é a doença causada pela Bordetella pertussis, ocorrendo mesmo após o advento da vacinação em pequenas epidemias a cada 2-3 anos. Cursa com 3 fases clínicas, sendo a fase paroxística a fase onde o diagnóstico fica evidente em virtude da tosse clássica. O tratamento deve ser realizado logo que houver suspeita clínica, sem necessidade de aguardar o testes confirmatórios. Os antibióticos de eleição são os macrolídeos, preferencialmente a azitromicina, por 5 dias. Todos os contactantes devem receber profilaxia com antibiótico; deve-se também revisar a situação vacinal do caso index e de seus contatos. É doença de notificação compulsória assim que existir suspeita clínica. Descritores: Coqueluche, Bordetella pertussis, crianças. ABSTRACT Pertussis is a disease caused by Bordetella pertussis, occurring even after the advent of vaccination in small epidemics every 2-3 years. There are 3 clinical phases, and in the paroxysmal stage the diagnosis is evident due to the classical paroxysmal cough. The treatment should be performed without waiting for the confirmatory tests. The first line treatment is the macrolides, rather azithromycin for 5 days. All contacts should receive prophylaxis with antibiotics. One should also review the vaccination status of the index case and their contacts. Pertussis is a compulsory reportable disease. Keywords: Pertussis, Bordetella pertussis, children. Epidemiologia A coqueluche é uma doença infecciosa causada pela Bordetella pertussis, e em casos raros pela Bordetella parapertussis. A Bordetella é um bacilo aeróbico gramnegativo, pleomórfico1. Após a década de 40, com o advento da vacinação (difteria, tétano e pertussis - DTP), o número de casos caiu drasticamente, porém aumento de casos são identificados a cada 2-3 anos.1 A doença ocorre em todo o mundo, aparentemente sem padrão sazonal. Alguns autores sugerem uma maior ocorrência no verão e outono. O número de casos vem aumentando de forma assustadora 1. Mestre em Saúde da Criança e Adolescente pela HC-FMRP-USP. Infectologista Pediátrico pela SBP. Médico da CCIH da Santa Casa de MIsericória de Porto Alegre e do Instituto de Cardiologia - Hospital Viamão. Presidente do Comitê de Infectologia Pediátrica da SPRS – gestão 2012/2013. 2. Médico do Núcleo de Pesquisa em Vacinas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS, Brasil. Médico pediatra, Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, RS, Brasil. Como citar este artigo: Motta F, Cunha J. Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):42-6. Artigo submetido em 30.11.12, aceito em 12.12.12. 42 Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J nos últimos 2 anos no Rio Grande do Sul (RS), no Brasil e no mundo. Cada vez mais deve-se buscar o diagnóstico precoce, o controle de contactantes com profilaxia e a vacinação das populações atualmente não vacinadas ou pouco vacinadas (adolescentes, adultos e gestantes). As Figuras 1 e 2 evidenciam os coeficiente de incidência e letalidade dos últimos 12 anos no RS2. A definição de caso segue os critérios a seguir: Tosse por pelo menos 2 semanas e: – paroxismos; ou – guincho inspiratório com vômitos após, sem causa aparente. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 43 Critério laboratorial: – Bordetella pertussis isolada em espécime clínica; ou – reação de cadeia da polimerase positiva para B. pertussis. Quadro clínico A coqueluche tem duração de aproximadamente 6 a 12 semanas, e apresenta três estágios clínicos:1,3 – Fase catarral, com duração de 7 a 14 dias: cursa com rinorreia, lacrimejamento, febre baixa, e no final desta fase inicia a tosse seca. Fonte: Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS. Figura 1 - Coeficiência de incidência (por 100.000 habitantes) no Estado do Rio Grande do Sul, de 2000 a 2012 (até a semana epidemiológica 42) Fonte: Centro Estadual de Vigilância em Saúde do RS. Figura 2 - Coeficiência de letalidade (%) no Estado do Rio Grande do Sul, de 2000 a 2012 (até a semana epidemiológica 42) 44 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 – Fase paroxística, com duração de 1 a 4 semanas: cursa com 5-10 episódios de tosse durante uma expiração, guincho na inspiração forçada, vômitos pós-tosse, paroxismos em torno de 30 episódios a cada 24 h (espontâneos ou por estímulo). Durante o paroxismo pode ocorrer cianose, olhos salientes, salivação, lacrimejamento e distensão das veias do pescoço. Normalmente a criança fica assintomática entre os episódios de tosse. – Fase de convalescença, com duração de 1 a 2 semanas: cursa com diminuição da frequência e gravidade da tosse. Neste período o epitélio do paciente fica susceptível e pode ocorrer paroxismos novamente se o paciente apresentar uma infecção respiratória concomitante. É importante lembrar que lactentes menores de 6 meses podem apresentar uma clínica atípica, sem guincho. Muitas vezes apenas apresentando uma fase catarral mais curta, paroxismos sem guincho, cianose e ou apneia. Os pacientes maiores de 10 anos também apresentam uma clínica não tão intensa com paroxismos sem guincho. A vacinação prévia também pode atenuar o quadro clínico. As complicações em adultos e adolescentes são incomuns, mas incluem desde síncope e distúrbios do sono até Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J fratura de costela. Lactentes podem apresentar quadros mais graves com pneumonia (22%), convulsões (2%) e encefalopatia (< 0,5%). Óbitos são raros e afetam principalmente menores de 6 meses. Pacientes no pós-coqueluche podem reapresentar tosse paroxística mesmo após estarem assintomáticos, caso apresentem uma nova infecção na via área (exemplo: Influenza), em virtude das alterações que persistem no epitélio do trato respiratório nos meses que seguem à coqueluche. Diagnóstico laboratorial A cultura é um método de alta especificidade, porém vários fatores interferem na sua sensibilidade. Seu uso tem grande importância epidemiológica para a vigilância da sensibilidade da bactéria aos macrolídeos. A Tabela 1 mostra as características dos métodos disponíveis para o diagnóstico laboratorial da coqueluche1,3,9. O meio mais fácil e sensível para o diagnóstico é através da PCR da secreção respiratória, mas a cultura também pode ser utilizada, porém esta pode ter sua sensibilidade diminuída caso o paciente já esteja em uso de Tabela 1 - Características dos métodos diagnósticos disponíveis para o diagnóstico laboratorial da coqueluche Métodos Vantagens Desvantagens Cultura Especificidade 100% Sensibilidade variável 30-60% Antibiograma Sensibilidade baixa: em vacinados uso de antimicrobiano coletado após 3 semanas de tosse Negativo não afastada doença, em virtude da baixa sensibilidade do método Demora 7-10 dias DFA Teste rápido Meio de cultivo específico Sensibilidade e especificidade baixas Falso positivo com Haemophilus e Mycoplasma Sorologia (IgA/IgG) Especificidade boa Necessita amostras pareadas Sensibilidade baixa 1° teste após início doença Diagnóstico tardio, sem auxílio clínico Imunizados a menos de 2 anos não podem realizar PCR Especificidade > 95% Resultado rápido < 48 h Sensibilidade > cultura Falso positivos Detecção ou infecção? Sensibilidade diminuída em vacinados DFA (direct fluorescente antibody), PCR (reação em cadeia da polimerase). Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 antimicrobianos ou em pacientes vacinados. A sorologia só tem benefício em pacientes vacinados há mais de 2 anos, e deve ser colhida em duas etapas, sendo a primeira amostra preferencialmente colhida na fase catarral. Com relação à PCR é importante ressaltar que ela detecta bactérias mortas e vivas. Podemos estar apenas diante de detecção de uma bactéria morta que causou infecção há algumas semanas. Por isso o teste deve ser indicado somente quando a sintomatologia é condizente com coqueluche. Tratamento O tratamento e a profilaxia devem ser realizados com a mesma dose e o mesmo tempo indicados na Tabela 24,5. É importante ressaltar que a evolução da doença só é modificada pelo antimicrobiano se iniciado na fase catarral. Quando iniciado tardiamente o antibiótico só evita que o paciente siga transmitindo a doença1. Com relação aos macrolídeos, a resistência é rara, não devendo nos dias de hoje ser ainda motivo de preocupação. Pacientes menores de 6 meses que utilizaram macrolídeo no tratamento devem ser observados durante 30 dias, pelo risco de desenvolver estenose hipertrófica de piloro4,5. O tratamento da tosse com outros medicamentos (corticoides, salbutamol) não se mostrou eficaz, conforme revisão da Cochrane de maio de 20126. 45 Prevenção, isolamento, quimioprofilaxia A transmissão ocorre através de gotículas produzidas durante o acesso de tosse, atingindo a via área do contactante susceptível1. O paciente deve ficar afastado da escola ou do trabalho durante pelo menos cinco dias do início dos antibióticos descritos na Tabela 2. Na hospitalização, o mesmo período deve ser observado. A coqueluche tem uma taxa de ataque que varia de 70-100%, assemelhando-se a doenças de alta contagiosidade, como a varicela1,3. Nem a infecção, nem a imunização conferem imunidade duradoura, portanto mesmo os pacientes com coqueluche devem revisar sua carteira de vacinação1,3. A quimioprofilaxia, que é feita com os mesmos medicamentos e pelo mesmo tempo que o tratamento, deve ser indicada conforme abaixo:3 – Independentemente da vacinação, mas até 21 dias do início da tosse no caso index: Para todos contactantes domiciliares, e contactantes próximos (creches). – Após 21 dias do início da tosse no caso index somente nos de alto risco: Lactentes, gestantes, contactantes de lactentes. Com relação à vacinação, as crianças devem receber a vacina DTP de células inteiras da pertussis ou DTPa com Tabela 2 - Tratamento e a profilaxia da coqueluche Idade < 1 mês 1 a 5 meses > 6 meses Adolescentes e adultos Drogas recomendadas Alternativa Azitromicina Eritromicina Clindamicina SMX-TMP 10 mg/kg/d 1x/dia por 5 dias 40-50 mg/kg/d 4x/d por 14 dias* Não recomendada Contraindicada em menores de 2 meses Veja acima Veja acima 15 mg/kg/d 2x/dia por 7 dias > 2 meses: TMP 8 mg/kg/d 2x/d por 14 dias 10 mg/kg/d 1x/dia por 5 dias 40-50 mg/kg/d 4x/d por 14 dias Veja acima (max 1g/d) Veja acima 500 mg 1x/dia por 5 dias 500 mg 4x/d por 14 dias 500 mg 2x/d por 7 dias TMP 160 mg 2x/d por 14 dias * Em menores de 1 mês, preferir azitromicina pelo risco maior de estenose hipertrófica de piloro com eritromicina. 46 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 componente pertussis acelular aos 2, 4, 6 meses; primeiro reforço com 15 meses, e segundo reforço com 4-6 anos. É recomendado que o reforço entre 10 e 14 anos seja feito com a tríplice bacteriana acelular do tipo adulto (dTpa), e não apenas com a forma dupla (difteria e tétano)1,3. Outras estratégias visam diminuir a circulação da Bordetella entre os adultos, como a vacinação dos profissionais da saúde, a vacinação das gestantes (após 20 semanas), e a vacinação dos adultos (pais, avós, irmãos, babás, etc.), que irão ter contato com crianças menores de 1 ano (estratégia cocoon/casulo)7,8. A coqueluche é uma doença de notificação compulsória, e sempre que o médico suspeitar do diagnóstico deve comunicar a Vigilância do município. Coqueluche: revisão atual de uma antiga doença - Motta F & Cunha J 3. Red Book: 2012 Report of the Committee on Infectious Diseases. 4. Morrison W. Infantile hypertrophic pyloric stenosis in infants treated with azithromycin. Pediatric Infect Dis J. 2007;26(2):186-8. 5. Mahon BE, et al. Maternal and infant use of erythromycin and other macrolide antibiotics as risk factors for infantilehypertrophic pyloric stenosis. J Pediatric. 2001;139(3):380-4. 6. Bettiol S, Wang K, Thompson MJ, et al. Symptomatic treatment of the cough in whooping cough. Cochrane Database Syst Rev. 2012; May 16:5. 7. Skowronski DM, et al. The number needed to vaccinate to prevent infant pertussis hospitalization and death through parent cocoon immunization. Clinical Infectious Disease. 2012;54(3):318-27. 8. Gall SA. Prevention of pertussis, tetanus and diphtheria among pregnant, postpartum women, and infants. Clinical Obstetrics and Gynecology. 2012;55(2):498-509. 9. Soares JLMF, et al. Métodos diagnósticos: consulta rápida. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2012. Referências 1. Feigin and Cherrys´s: Textbook of Pediatric Infectious Diseases. 6a ed.; 2009. 2. Centro Estadual de Vigilância em Saúde – RS. http://www.saude. rs.gov.br/ Correspondência: Fabrizio Motta [email protected] 2238-0450/12/01-02/47-50 Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Artigo de Revisão Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos e inflamatórios e suas relações com obesidade em crianças e adolescentes – fisiopatologia e aspectos clínicos Cardiovascular, metabolic and inflammatory risk factors and their relationships with obesity in children and adolescents – patophyisiology and clinical aspects Manoel Soares Pitrez Filho1, João Carlos Santana2, Jorge Antônio Hauschild1, Luiz Telmo Romor Vargas1, Leonardo Araújo Pinto2, Jarbas Rodrigues Oliveira3, Neide Maria Bruscato4 RESUMO A incidência de sobrepeso e obesidade está aumentando na população pediátrica, assim como na população adulta. Em paralelo com o crescente problema mundial da obesidade, vários estudos observaram um aumento da prevalência dessa enfermidade em crianças e adolescentes latino-americanas e brasileiras. Existe uma significativa preocupação devido ao fato de a epidemia da obesidade aumentar o risco de morbidade e mortalidade em adultos jovens, especialmente relacionadas com a diabetes, hipertensão arterial e doenças metabólicas e cardiovasculares. O aumento da prevalência da obesidade em crianças e adolescentes e seu alto impacto epidemiológico na saúde humana explica o interesse atual nas possíveis associações entre crescimento no início da vida e o posterior desenvolvimento de obesidade e de enfermidades associadas à obesidade, incluindo a síndrome metabólica. O impacto que a obesidade infantil tem na saúde de um indivíduo a curto e a longo prazos e seu potencial efeito sobre o sistema de saúde no futuro é tão grande que a obesidade na infância se tornou um dos mais discutidos temas em saúde pública nos dias atuais. O objetivo dessa revisão é discutir a obesidade e sua relação com fatores de risco para o desenvolvimento de enfermidades cardiovasculares e metabólicas na infância e adolescência. Descritores: Fator de risco cardiovascular, obesidade na criança, sobrepeso. ABSTRACT The incidence of overweight and obesity is rising in the pediatric population, just as in the adult population. In parallel with the worldwide growing problem of obesity, several reports have observed an increasing prevalence of obesity in Latin American and Brazilian children and adolescents. There is an important concern that epidemic obesity increases the risk of young adult morbidity and mortality especially related to diabetes, arterial hypertension and metabolic and cardiovascular diseases. The rise in the prevalence in the obesity in the children and adolescents and its high epidemiological impact in human health explain interest currently in the associations between growth in early life and the later development of obesity and obesity-related disease including metabolic syndrome. The impact that childhood obesity has on an individual’s health both in the short and long term, and the potential effect on the health care system in the future is so great that it has become one of the most critical public health issues today. The aim of this review is to discuss obesity and its relationship with risk factors for the development of cardiovascular and metabolic diseases in childhood and adolescence. Keywords: Cardiovascular risk factor, children obesity, overweight. 1. Mestre. Departamento de Pediatria, Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUCRS), Porto Alegre, Brasil. 2. Doutor. Departamento de Pediatria, HSL-PUCRS, Porto Alegre, Brasil. 3. Doutor. Departamento de Biofísica, Instituto de Biociências, PUCRS, Porto Alegre, Brasil. 4. Mestre. Projeto Longevidade de Veranópolis, Veranópolis, Rio Grande do Sul, Brasil. Como citar este artigo: Pitrez Filho MS, Santana JC, Hauschild JA, Vargas LT, Pinto L, Oliveira JR, Bruscato NM. Fatores de risco cardiovasculares, metabólicos e inflamatórios e suas relações com obesidade em crianças e adolescentes - fisiopatologia e aspectos clínicos. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):47‑50. Artigo submetido em 14.11.12, aceito em 07.12.12. 47 48 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 A prevalência de sobrepeso e obesidade tem aumentado em crianças e adolescentes em todo o mundo, indicando a possibilidade de elevação de doenças crônico-degenerativas e comprometimento da qualidade de vida em populações de adultos e idosos. A grande preocupação dos especialistas é que, entre as condições mórbidas associadas à obesidade, as doenças cardiovasculares, metabólicas e inflamatórias (DCVMI) parecem ser diretamente responsáveis por significativas morbidade e mortalidade em adultos1-4. A obesidade é uma enfermidade inflamatória, crônica, multicausal e resultante da combinação de influências ambientais e predisposição genética. As consequências da obesidade na infância são de grande importância clínica e podem ser observadas precocemente (desordens ortopédicas, hipertensão arterial, dislipidemias e hiperglicemia, além de distúrbios respiratórios e do sono). Por sua vez, diversos estudos têm demonstrado que crianças com obesidade ou sobrepeso são mais predispostas a terem obesidade futura e, por consequência, desenvolverem complicações clínicas, especialmente hipertensão arterial sistêmica, arritmias cardíacas, aterosclerose, infarto do miocárdio, coronariopatias, acidente vascular cerebral, hipercolesterolemia, dislipidemia, diabete, hepatopatia gordurosa não alcoólica (esteatose, esteato-hepatite, fibrose ou cirrose), síndrome metabólica, apneia, dores musculoesqueléticas e distúrbios psicossociais3,5-9. Fatores genéticos, como hereditariedade e etnia, também têm sua relevância no desenvolvimento de DCVMI. Obesidade, resistência à insulina, doença cardiovascular e diabete comprometem desproporcionalmente mais crianças negras e hispânicas do que caucasoides em todo o mundo. Alguns estudos demonstraram que crianças com sobrepeso, cujos pais haviam tido coronariopatia, apresentaram níveis séricos mais elevados de colesterol total, colesterol LDL (low-density lipoprotein) e glicose. Na mesma linha, crianças com um dos pais tendo síndrome metabólica, exibiram maiores índices de obesidade central e resistência à insulina10,11. As principais fases em que se pode influenciar na evolução da obesidade são justamente infância e adolescência, quando são incorporados hábitos sociais e culturais relacionados com dieta, atividades físicas, sono e consumo de cigarros e álcool. A associação entre dieta inadequada (distúrbios metabólicos, balanço energético positivo e ganho ponderal) e sedentarismo (pouca atividade física e aquisição de alguns hábitos modernos, como a permanência prolongada diante de jogos eletrônicos, televisão, computadores e tabletes) tem colaborado para aumentos de peso, de índice Obesidade infantil e fatores de risco para enfermidades – Pitrez Filho MS et al. de massa corporal, de cintura abdominal e de depósitos de gordura em órgãos e na circulação. Destacadamente, esses achados clínicos são mais significativos em indivíduos com antecedentes familiares de doença arterial coronariana. Estudos populacionais revelaram que diversos fatores de risco estariam relacionados com a gênese e a evolução das DCVMI, podendo se iniciar no período perinatal, na infância e na adolescência e progredir lentamente até a idade adulta. Contudo, há a necessidade de exposição a um hábito ou comportamento para que sua expressão seja efetiva, ou seja, a influência do meio é importante, nunca determinante11-15. A presença de dislipidemias em crianças e adolescentes, destacadamente aumento de triglicerídios e diminuição de colesterol HDL (high-density lipoprotein), está relacionada com resistência à insulina e, consequentemente, com o aumento do depósito hepático de ácidos graxos livres. A elevação dos níveis de colesterol VLDL (very-low-density lipoprotein), através da ativação da lipase hepática, diminui a circulação do colesterol HDL, que é considerada uma lipoproteína protetora contra eventos cardiovasculares. Por sua vez, o aumento de colesterol LDL (low-density lipoprotein), envolvido na aterogênese, está associado com obesidade abdominal, gordura visceral e resistência à insulina em adultos e crianças10,14-17. A aterosclerose tem uma evolução lenta, progressiva e silenciosa, com manifestações de sinais e sintomas clínicos típicos somente na idade adulta. Até duas décadas atrás, a aterosclerose era considerada uma consequência inevitável do envelhecimento. Atualmente, pode-se observar que se trata de um processo inflamatório e fibroproliferativo crônico que desencadeia diversos eventos clínicos pela ruptura da placa aterosclerótica. A lesão básica da aterosclerose é o ateroma, uma placa focal elevada, no interior da camada íntima da artéria, contendo um núcleo lipídico e uma placa fibrosa de revestimento. A estria gordurosa juvenil é a lesão aterosclerótica mais precoce, encontrada mesmo em crianças com poucos anos de vida. Curiosamente, essas estrias gordurosas são observadas com frequência semelhante em pessoas de até 20 anos em todos os países em que foram realizados tais estudos, inclusive naqueles em que a prevalência de aterosclerose e de DCVMI eram baixas em adultos10,18-21. O espessamento da camada íntima de artérias coronárias foi encontrado em autópsias de crianças menores de 1 ano que morreram por diferentes causas, destacadamente naquelas com história familiar de doença coronariana. O surgimento de métodos não invasivos, como o ultrassom, Obesidade infantil e fatores de risco para enfermidades – Pitrez Filho MS et al. permitiu avaliar as estruturas vasculares in vivo. O espessamento da íntima e da média das carótidas é uma alteração vascular precoce que precede a formação da placa e tem sido utilizado como um marcador subclínico de aterosclerose. A ultrassonografia de alta resolução vem demonstrando a existência de um aumento no espessamento médio-intimal (EMI) das carótidas em crianças e adolescentes com hipercolesterolemia. Esse aumento estaria correlacionado com a gravidade da aterosclerose coronariana, predizendo eventos cardiovasculares na população adulta. Além do EMI, o endotélio e sua eventual disfunção parecem apresentar importante papel na formação da placa de ateroma e no curso clínico da aterosclerose. O endotélio controlaria o tônus vascular, a coagulação e a resposta inflamatória de tal forma que a sua disfunção poderia representar um evento precoce na aterosclerose, talvez até precedendo as alterações morfológicas na parede dos vasos22,23. Atualmente, a função endotelial pode ser avaliada pelo teste de reatividade da artéria braquial (braquial artery reactive test - BART), permitindo avaliação funcional adequada e não invasiva e através da resposta vascular pós-oclusiva ao óxido nítrico, liberado pelo endotélio na presença de vasodilatação. Embora a presença de disfunção endotelial e o EMI tenham valor prognóstico demonstrado como preditivos independentes de eventos cardiovasculares futuros (infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e óbito), o emprego clínico desses métodos como indicadores de possível doença arterial coronariana ainda não está bem definido, especialmente em população pediátrica e de adultos jovens22-24. Além da avaliação por ultrassom, a medida da obesidade abdominal estaria relacionada com hipertensão arterial e com aumento na incidência de doenças cardiovasculares e na mortalidade. A avaliação do acúmulo de gordura intra-abdominal tem sido implicada como um importante agente etiológico nessas relações. A tomografia computadorizada tem sido destacada como uma excelente técnica para quantificar a gordura intra-abdominal (gordura visceral)22-25. Existem diversas alterações fisiopatológicas que estão relacionadas com hiperglicemia ou resistência à insulina (secreção insuficiente, defeitos na ação, maior clearance ou combinação de todos esses fatores) e que se configuram como fatores de risco para o desenvolvimento de DCVMI. Assim, com o progressivo crescimento das taxas de obesidade, é obrigatória a identificação precoce de hiperglicemia na infância e na adolescência, mesmo quando assintomática. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 49 A relação entre resistência à insulina e HAS parece estar bem estabelecida, ainda que os mecanismos envolvidos não estejam totalmente elucidados. A insulina se comporta como um vasodilatador endotelial, efeito que pode ser resultante da ação do óxido nítrico, da reabsorção de sódio, do aumento do tônus simpático e da vasodilatação causada pela presença de ácidos graxos. A grande maioria dos estudos tem demonstrado que o conjunto de anormalidades associadas à síndrome metabólica tem um efeito deletério sobre a pressão arterial bem maior do que cada um desses fatores individualmente26,27. Alguns autores têm demonstrado que, nos pacientes mais obesos, ocorre uma inflamação persistente do tecido adiposo, provavelmente resultante da ativação crônica do sistema imune. Nesse tecido gorduroso, pode se observar aumento da produção e da secreção de diversos mediadores inflamatórios, destacando-se a interleucina-6 (IL-6), a interleucina-18 (IL-18) e o fator de necrose tumoral-alfa (FNT-α). A gordura visceral é a principal fonte de IL-6; ela também é secretada no hipotálamo, desempenhando papel na regulação do apetite e no gasto energético, inibindo a lipoproteína lípase, induzindo a lipólise e aumentando a captação da glicose. Ainda, a IL-6 pode induzir a síntese hepática da proteína C-reativa e aumentar os riscos de complicações cardiovasculares28. O FNT-α, em conjunto com a produção aumentada de leptina e resistina, parece ter desempenho importante na patogenia da resistência à insulina. Por outro lado, em indivíduos obesos, são diminuídos os níveis plasmáticos de adiponectina, um efetor insulino-sensibilizante. Assim, ficam antagonizados importantes efeitos antiateroscleróticos da adiponectina: a gliconeogênese hepática, a oxidação de ácidos graxos no músculo esquelético e a neutralização do FNT-α28-30. Em termos fisiopatológicos e clínicos deve-se considerar que a obesidade corresponde a uma condição inflamatória subclínica que promove cronicamente a produção de fatores pró-inflamatórios envolvidos na patogênese da resistência à insulina e, consequentemente, da síndrome metabólica. A elevação de proteína C-reativa, adipocininas, IL-6, IL-18 e FNT-α, entre outros, tem se mostrado associada com a obesidade, resistência à insulina e dislipidemia na infância e na adolescência. O reconhecimento do papel da inflamação e sua associação com síndrome metabólica é essencial para a percepção de que muitas dessas manifestações clínicas que ocorrem precocemente vão repercutir na vida adulta futura. 50 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 Obesidade infantil e fatores de risco para enfermidades – Pitrez Filho MS et al. Referências 1. Gupta N, Goel K, Shah P, Misra A. Childhood obesity in developing countries: epidemiology, determinants, and prevention. Endocr Rev. 2012;33:48-70. 2. Ogden CL, Carrol MD, Kit BK, Flegal KM. Prevalence of obesity and trends in body mass index among US children and adolescents, 1999-2010. JAMA. 2012;307:483-90. 3. Braga-Tavares H, Fonseca H. Prevalence of metabolic syndrome in a Portuguese obese adolescent population according to three different definitions. Eur J Pediatr. 2010;169(8):935-40. 4. Kolle E, Steene-Johannessen J, Holme I, Andersen LB, Anderssen AS. Secular trends in adiposity in Norwegian 9-year-olds from 1999-2000 to 2005. BMC Public Health. 2009;9:389-99. 5. Lin WY, Lee LT, Chen CY, et al. Optimal cut-off values for obesity: using simple anthropometric indices to predict cardiovascular risk factors in Taiwan. Int J Obes Relat Metab Disord. 2002;26:1232-8. 6. Freedman DS, Khan LK, Serdula MK, Dietz WH, Srinivasan SR, Berenson GS. The relation of childhood BMI to adult adiposity: The Bogalusa Heart Study. Pediatrics. 2005;115;22-7. 7. Whitaker RC, Wright JA, Pepe MS, Seidel KD, Dietz WH. Predicting obesity in young adulthood from childhood and parental obesity. N Engl J Med. 1997;337:869-73. 8. Freedman DS, Khan LK, Serdula MK, Dietz WH, Srinivasan SR, Berenson GS. Interrelationships among childhood BMI, childhood height, and adult obesity: the Bogalusa Heart Study.Int J Obes Relat Metab Disord. 2004;28:10-6. 9. Kuk JL, Katzmarzyk PT, Nichaman MZ, Church TS, Blair SN, Ross R. 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Correspondência: João Carlos Santana E-mail: [email protected]; [email protected] 2238-0450/12/01-02/51-7 Artigo de Revisão Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Entendendo a triagem auditiva neonatal e as causas de perda auditiva na infância Understanding the newborn hearing screening and causes of hearing loss in childhood Patrícia Barcelos Ogando1, José Faibes Lubianca Neto2 RESUMO A triagem auditiva neonatal (TAN) permite a identificação de recém-nascidos com perda auditiva, os quais tratados adequadamente e estimulados precocemente são capazes de desenvolver a fala e linguagem. A TAN deve ser universal e o médico que se dedica ao atendimento da população pediátrica deve ter conhecimento das formas de triagem auditiva utilizadas e do significado de cada resultado. Saber identificar os fatores de risco e saber orientar adequadamente os pais de crianças reprovadas na TAN tornou-se fundamental e faz parte do cotidiano do pediatra. O objetivo desta revisão é fornecer um panorama sobre os métodos de triagem utilizados atualmente, como interpretar os resultados de cada exame e qual o caminho a ser seguido após o diagnóstico de deficiência auditiva. Descritores: Perda auditiva, surdez, implante coclear. ABSTRACT Neonatal hearing screening (NHS) allow the identification of infants with hearing loss, that when correctly treated and stimulated are capable to develop adequate language and effective communication. NHS must be universal, and the physicians that works with pediatric population should have the knowledge about the hearing screening methods and the meaning of the results. It is crucial and became a daily routine to identify the risk factors and be able to advise the parents when the child is reproved during the screening. The aim of this review is giving a panoramic view of the methods of screening, how to analyze the results and how to conduct these children and families to early intervention. Keywords: Hearing loss, deafness, cochlear implant. Introdução A perda auditiva em crianças é um problema silencioso, com repercussões graves no desenvolvimento da fala, cognitivo e educacional. Três em cada 1.000 nascidos vivos apresentam perda auditiva bilateral, e este número aumenta para 2 a 4% nos tratados em unidade de terapia intensiva neonatal1. Aproximadamente 126.000-500.000 crianças nascem com perda auditiva significante no mundo, e 90% dessas crianças estão em países em desenvolvimento como o Brasil2. Estes valores superam em prevalência qualquer uma das alterações diagnosticadas no Teste do Pezinho, como hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria ou anemia falciforme. 1. Médica otorrinolaringologista do Complexo Hospitalar Santa Casa (CHSCPA) – Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA) de Porto Alegre. Especialização em otologia pediátrica pelo Children’s Hospital Boston. 2. Médico otorrinolaringologista, Professor Associado Doutor e regente da disciplina de otorrinolaringologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da UFCSPA. Chefe da Divisão de Otorrinolaringologia Pediátrica do HCSA do CHSCPA, Presidente da Academia Brasileira de Otorrinolaringologia Pediátrica. Como citar este artigo: Ogando PB, Lubianca Neto JF. Entendendo a triagem auditiva neonatal e as causas de perda auditiva na infância. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):51-7. Artigo submetido em 14.08.12, aceito em 26.12.12. 51 52 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF Na última década, a triagem auditiva neonatal (TAN) vem sendo adotada em vários países e, em 2010, tornou-se obrigatória no Brasil3. O país ainda encontra-se em fase de implementação e estudos apontam a falta de equipamentos e profissionais capacitados para a realização deste procedimento4. Além disso, observa-se um desconhecimento por parte dos profissionais de saúde quanto às técnicas utilizadas e indicações da TAN5. O objetivo desta revisão é esclarecer alguns pontos chaves no processo da TAN e na avaliação da população pediátrica quanto a desordens da audição, orientando pediatras no manejo destes pacientes. Definição de perda auditiva A deficiência auditiva (DA) é definida com base no nível de perda, medido em decibéis em diferentes frequências de 126 Hz (sons graves) a 8.000 Hz (sons agudos) (Tabela 1). É classificada de acordo com o local da lesão como sensório-neural (lesão na cóclea em mais de 90% das vezes), condutiva (líquido na caixa timpânica ou lesão no meato acústico externo, lesões de membrana timpânica ou cadeia ossicular) ou mista6. Fatores de risco Na Tabela 2 listam-se os fatores de risco definidos pelo Joint Comitte on Infant Hearing de 20078. Uma maneira fácil de lembrar dos principais fatores de risco é o mneumônico HEARING (do inglês, audição). Cada uma das letras corresponde a um fator, assim o “H” vem de Hereditary (hereditariedade); o “E” de Ear, head and jaws malfomations (malformações de ouvido e crânio-faciais); o “A” de anoxy (anóxia neonatal); o “R” de Rx (maneira que se abrevia tratamento nos EUA, equivalendo ao uso de medicações ototóxicas); o “I” de Infections (infecções); o “N” de Neonatal intensive care (cuidado intensivo neonatal); e o “G” de Growth retardation (retardo de crescimento, peso < 1,5 kg ao nascimento). Vale lembrar que a preocupação dos pais e cuidadores quanto à audição da criança é considerada fator de risco independente e deve ser investigada. Apenas metade das crianças com perda auditiva apresentam algum fator de risco identificável e, por isso, a triagem deve ser universal. Para atingir os 95% de abrangência da população neonatal, recomenda-se que a mesma seja realizada antes da alta hospitalar4,8. Tabela 2 - Fatores de risco para perda auditiva Tabela 1 - Classificação da perda auditiva de acordo com a ASHA (American Speech-Language-Hearing Association) História familiar Níveis auditivos (dB HL) Anomalias craniofaciais, inclusive aquelas envolvendo a orelha externa Normal -10-15 Infecções congênitas, inclusive meningite bacteriana, citomegalovirose, toxoplasmose, rubéola, hérpes e sífilis Discreta 16-25 Leve 26-40 Moderada 41-55 Moderada-grave 56-70 Grave 71-90 Grau de perda auditiva Profunda > 90 No período neonatal, o principal tipo de PA é sensório-neural e relacionado a danos nas células ciliadas da cóclea. Em países desenvolvidos, estima-se que 50 a 60% dos casos já sejam de etiologia genética, e, destes, 70% sejam não sindrômicos7. No Brasil, as causas infecciosas, como a rubéola congênita e a meningite neonatal são as principais causas. Achados físicos relacionados a síndromes associadas à perda auditiva Permanência em UTI neonatal por mais de 2 dias OU qualquer um dos fatores abaixo, independentemente do tempo de permanência: • • • • circulação extracorpórea ventilação assistida uso de medicações ototóxicas hiperbilirrubinemia com necessidade de exsanguineotransfusão Importância da TAN O primeiro ano na vida de uma criança é fundamental para o seu desenvolvimento auditivo. Sabe-se que o sistema nervoso central apresenta grande plasticidade quando estimulado antes dos seis meses de idade, podendo aumentar o Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF número de conexões nervosas e melhorar a reabilitação das vias auditivas9. Por outro lado, a deprivação de sons leva à uma reorganização em nível cortical tanto estrutural quanto funcional. O impacto na fala e na linguagem é diretamente proporcional ao grau de perda auditiva8,9. O diagnóstico precoce e a intervenção imediata são fundamentais no desenvolvimento das crianças com perda auditiva. O diagnóstico deve estar firmado aos 3 meses de vida e a intervenção deve iniciar-se até o 6° mês de vida. Quando a triagem não é realizada, o diagnóstico de deficiência auditiva tende a ser feito apenas em torno dos 24 meses, quando a criança já apresenta déficit de linguagem6,9. Tanto para médicos quanto para pais e cuidadores, os sinais e sintomas da perda auditiva são sutis, considerando-se que as crianças com perda auditiva são extremamente vigilantes quanto a outros fatores ambientais. Perdas leves a moderadas podem passar despercebidas até a idade escolar10-14. Métodos de triagem auditiva Historicamente, a triagem auditiva em neonatos e lactentes era realizada através da observação clínica da resposta ao estímulo sonoro (reflexo cócleo-palpebral, audiometria Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 53 comportamental, audiometria de respostas condicionadas). Nenhum estudo foi capaz de comprovar eficácia e acurácia suficientes destes métodos7. Atualmente, a TAN é realizada através de testes fisiológicos como as Emissões Otoacústicas (EOA) e o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) convencional ou automatic (PEATEa). As características de cada um destes testes estão listadas na Tabela 36. Estes testes estão disponíveis para pacientes do SUS nos hospitais de escola de Porto Alegre e também em várias clínicas para pacientes privados e de convênios. As EOAs correspondem a energia sonora emitida pelas células ciliadas externas da cóclea, em resposta a um estímulo sonoro. Elas podem ser detectadas em 99% das orelhas sem alterações. A resposta geralmente está ausente em casos de perda auditiva maior ou igual a 30 dB6. O PEATEa analisa a atividade cerebral elétrica em resposta ao estímulo sonoro. Ao contrário da EOA, ele é capaz de avaliar a via auditiva neural, possibilitando o diagnostico de recém-nascidos com neuropatia auditiva (NA). Nestes casos, as células ciliadas externas funcionam normalmente, porém as células ciliadas internas ou o nervo Tabela 3 - Características da EOA e PEATEa EOA PEATEa Realizado por um fonoaudiólogo ou médico Realizado por um fonoaudiólogo ou médico 10-15 min 15-20 min Equipamento portátil Equipamento portátil Idealmente realizado em neonatos com mais de 24 h de vida e mais de 34 semanas gestacionais Idealmente realizado em neonatos com mais de 24 h de vida e mais de 34 semanas gestacionais Resultado podem ser afetado pelo movimento, barulho ambiental, alterações de orelha média ou externa Resultados podem ser afetados pelo movimento, barulho ambiental, alterações de orelha média ou externa Não invasivo, probe colocado no conduto auditivo externo Não invasivo, três eletrodos são colocados na cabeça, fones de ouvidos são colocados no conduto auditivo Ambos ouvidos podem ser testados simultaneamente Ambos ouvidos podem ser testados simultaneamente Identifica perda auditiva condutiva e coclear. Avalia o conduto auditivo externo, a orelha média e a cóclea, até o nível das células ciliadas externas Identifica perda auditiva neural. Pode ser normal em perda condutiva ou coclear em frequências baixas Detecta perdas a partir de 30 a 40 dB Detecta perdas a partir de 30 a 40 dB 54 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF auditivo foi danificado. A etiologia da NA ainda não está bem estabelecida, sendo possivelmente multifatorial14. Observa-se uma tendência mundial em se realizar a triagem auditiva combinada, utilizando-se tanto as EOAs, quanto o PEATEa. As EOAs são indicadas como primeiro teste. O PEATEa, realizado em casos de falha nas EOAs ou em pacientes de alto risco para neuropatia auditiva, como pacientes com internação em UTI neonatal, prematuros extremos, história de hiperbilirrubinemia, entre outros15. As crianças reprovadas em qualquer etapa da TAN devem ser encaminhadas para diagnóstico da DA. O diagnóstico definitivo se dá através da aplicação de testes como o Potencial auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) com pesquisa de limiares auditivos, imitanciometria com sonda de 1.000 Hz e das emissões otoacústicas (transientes e produto de distorção). Para que o diagnóstico seja firmado deve-se testar o lactente em mais de um momento. As Figuras 1 e 2 apresentam os algoritmos utilizados no Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio. Cabe ressaltar que a TAN é uma abordagem de rastreamento e que os testes fisiológicos utilizados não são 100% sensíveis nem específicos. A taxa de falso positivo gira em torno de 2-4%, ou seja, a criança pode ser reprovada na triagem auditiva e ser normo-ouvinte. Existem também casos de falso negativo, com diagnóstico tardio de comprometimento da audição. Isto se deve às limitações dos métodos e a experiência do examinador, sendo mais frequente nas fases iniciais da implementação do programa em cada instituição8,16. Crianças com perda auditiva leve, menor do que 30 dB, podem ser aprovadas na TAN. Além disso, crianças com perda progressiva, como ocorre em crianças infectadas pelo citomegalovírus ou em algumas causas genéticas podem EOAT = emissões otoacústicas transientes, PEATE-AUT = potencial evocado auditivo de tronco encefálico automatizado, PEATE-dx = potencial evocado auditivo de tronco encefálico diagnóstico, ORL = otorrinolaringologista. Figura 1 - Protocolo de TAN do HCSA – RN sem fatores de risco Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 55 * Acompanhamento audiológico 6, 12, 18 e 24 meses quando presença de fatores de risco. EOAT = emissões otoacústicas transientes, PEATE-AUT = potencial evocado auditivo de tronco encefálico automatizado, PEATE-dx = potencial evocado auditivo de tronco encefálico diagnóstico, ORL = otorrinolaringologista. Figura 2 - Protocolo de TAN do HCSA – RN com fator de risco ser normo-ouvintes no momento em que são submetidas ao teste16. Programas de triagem que utilizam apenas as EOAs podem não diagnosticar os casos de NA. Devemos ter conhecimento de tais particularidades, para adequada orientação de pais e familiares. As crianças com fatores de risco (Tabela 1), mesmo que aprovadas na triagem auditiva, devem ser reavaliadas antes dos 30 meses de idade8,9. Avaliações periódicas e mais precoces devem ser realizada naquelas crianças com diagnóstico de citomegalovirose, síndromes associadas à perda auditiva progressiva, desordens neurodegenerativas, trauma, diagnóstico de infecções associadas à DA sensórioneural, crianças submetidas à circulação extracorpórea ou quimioterapia. Em casos de preocupação por parte dos pais ou educadores, a criança deve ser reavaliada através de audiometria e avaliação com otorrinolaringologista. Intervenção A abordagem da DA na infância deve ser multidisciplinar e realizada por grupo composto por otorrinolaringologista, pediatra, fonoaudióloga, geneticista, pedagogo, psicólogo e assistente social. As crianças com diagnóstico firmado de perda auditiva devem ser avaliadas por um otorrinolaringologista com experiência em perda auditiva na infância. Deve-se encaminhar tais crianças para avaliação com oftalmologista, pois os defeitos de refração e a retinite pigmentosa são mais comuns nessa população. A forma de intervenção dependerá do grau de perda auditiva e da etiologia. É importante ressaltar que a investigação da etiologia não deve atrasar o tratamento. Pacientes com perda auditiva unilateral devem ser orientados quanto a maneiras de amenizar a dificuldade auditiva. Por exemplo, direcionar a orelha ouvinte para a 56 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF professora quando em sala de aula. O uso de sistemas que amplificam o som ambiental, também chamados sistema FM, pode beneficiá-los. Sistemas FM são sistemas de envio de informação sonora sem fio que permitem que o sinal captado pelo microfone do transmissor sejam enviados diretamente a caixas de som que ficam próximo ao aluno ou até mesmo ao aparelho auditivo utilizado pela criança. Deve-se orientar os pais sobre o fato de que seus filhos terão plenas condições de desenvolver a fala e linguagem, mas que os mesmos poderão necessitar estimulação e acompanhamento com fonoterapeuta. Pacientes com perda auditiva bilateral leve, com perda moderada ou grave uni ou bilaterais são candidatos à amplificação sonora. Não existe idade mínima para o uso de aparelhos de amplificação sonora individuais (próteses acústicas). Os mesmos são indicados assim que a perda auditiva é confirmada e devem ser usados o máximo de horas possível. Crianças com diagnóstico firmado ou suspeita de neuropatia auditiva devem ser acompanhadas com muita cautela. Pode-se observar, nestes casos, melhora nos níveis de audição à medida que a via auditiva amadurece, e os pais devem ser orientados quanto a esta possibilidade15. O tratamento com fonoaudiólogo é fundamental para desenvolvimento da linguagem. Esta pode ocorrer de diversas formas, através da linguagem oral, uso de linguagem dos sinais (LIBRAS) e inclusive a associação de ambas. Tais pacientes devem ser monitorados pelo otorrinolaringologista a fim de se evitar acúmulo de cerúmen que comprometa o funcionamento do aparelho de amplificação sonora ou otites com efusão, que por si só, são responsáveis por uma queda de 20 a 30 dB nos limiares auditivos. Os pacientes com perda profunda bilateral, que não se beneficiam de aparelhos de amplificação sonora, são candidatos a implante coclear, já a partir do segundo semestre de vida (maioria dos serviços atualmente implantam crianças com pelo menos 1 ano de idade). Estes são aparelhos eletrônicos, implantáveis cirurgicamente na cóclea, que oferecem estímulo direto ao nervo auditivo. As crianças submetidas a implante coclear necessitam um acompanhamento prolongado por equipe multidisciplinar. No Rio Grande do Sul crianças já podem ser implantadas, inclusive pelo SUS, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e, numa fase preliminar e somente para pacientes particulares e de convênios, no Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio. As crianças diagnosticadas precocemente, com perda auditiva profunda, desde que recebam estímulo precoce e terapia multidisciplinar, são perfeitamente capazes de desenvolver a fala e linguagem. Investigação da causa A causa da perda auditiva deve ser investigada. Só assim podem-se detectar doenças potencialmente fatais, como a Síndrome do intervalo QT longo do eletrocardiograma, que pode levar à morte súbita, ou a infecções congênitas como citomegalovirose e sífilis que, quando precocemente tratadas, levam a recuperação dos níveis de audição. Ao se identificar a causa, pode-se orientar quanto ao risco de DA em outros familiares, evitar o uso de medicações potencialmente ototóxicas (há crianças com mutações conhecidas em DNA mitocondrial que são propensas à ototoxicidade) e orientar, por exemplo, quanto à atividade física e risco de decréscimo dos níveis auditivos quando ocorrer traumatismo encefálico naqueles com malformação anatômica de orelha interna. A investigação da causa deve iniciar com uma boa anamnese, questionando-se a possibilidade de infecções gestacionais, história familiar, permanência em UTI neonatal, uso de mediações ototóxicas. A realização de exames laboratoriais de rotina já se mostrou pouco custo-efetiva7. Dois são os exames iniciais mais úteis, a detecção de mutações no gene da conexina 26 (realizado em Porto Alegre para pacientes conveniados e pelo SUS através de associações de alguns hospitais-escola com centros de São Paulo) e os exames de imagem. Enquanto que a pesquisa da mutação na conexina 26 deve ser feita em todos deficientes auditivos não sindrômicos sem história familiar ou naqueles com perdas recessivas não sindrômicas (responsável por cerca de 20% de todas perdas auditivas presentes ao nascimento), os exames de imagem são indicados como exames iniciais em casos de perda auditiva unilateral ou perda auditiva condutiva. Existem controvérsias quanto ao momento de sua realização e qual o melhor exame, quando comparado tomografia e ressonância17. Conclusões É importante ressaltar que o diagnóstico de perda auditiva de uma criança é um momento de grande sofrimento para os pais. Tal fato não deve ser menosprezado. É comum a busca inadequada e infrutífera de um responsável ou culpado pelo acontecido. Deve-se lembrar da importância que o profissional da saúde tem em dar suporte familiar16, Triagem auditiva neonatal e perda auditiva na infância – Ogando PB & Lubianca Neto JF esclarecer as dúvidas e enfatizar que, quando bem estimulada e conduzida, a criança poderá ser capaz de desenvolver fala e linguagem. Além disso, é fundamental a desmistificação do uso do aparelho auditivo, mostrando que tais equipamentos podem ser divertidos e extremamente úteis para a criança. Referências 1. Bergstrom L, Hemenway WG, Downs MP. A high risk registry to find congenital deafness. Otolaryngol Clin North Am. 1977;4:369-99. 2. WHO Fact sheet No. 300, April 2010. Deafness and Hearing impairment. 3. Projeto de Lei 3842/97 - 02/08/2010. 4. Griza S, Mercês G, Menezes D, Lima MLT. Newborn hearing screening: an outpatient model. 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Is computed tomography (CT) or magnetic resonance imaging (MRI) more useful in the evaluation of pediatric sensorineural hearing loss? Laryngoscope. 2010;120:2358-9. Correspondência: Patrícia Barcelos Ogando E-mail: [email protected] 2238-0450/12/01-02/58-62 Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Relato de Caso Tuberculose pleural na infância: relato de caso e revisão Pleural tuberculosis in childhood: case report and review Marília Comissoli Brust1, Magali Santos Lumertz2, Margareth Salerno3, Leonardo Araújo Pinto3 RESUMO Introdução: O objetivo deste relato é descrever uma situação clínica relevante e que deve ser lembrada pelos pediatras quando do atendimento de crianças e adolescentes com febre ou sintomas respiratórios prolongados. Relato do caso: Paciente feminina, 18 anos, procurou atendimento em consultório de pediatra com relato de febre, até 38,8 ºC, há 4 dias. Realizado exame físico, onde se observou redução do murmúrio vesicular em hemitórax direito à ausculta pulmonar, sem sinais de esforço respiratório ou hipoxemia. A radiografia de tórax demonstrou opacidade associada a extenso derrame pleural em hemitórax direito. Análise do líquido pleural (LP) apresentou: 300 células (84% de linfócitos, 4% monócitos, 12% macrófagos), glicose menor que 20 mg/dL, proteínas 4,9 g/dL, pH 7,20. Paciente permaneceu em acompanhamento ambulatorial, tendo resultados de adenosina deaminase no LP de 405 U/L e 407 U/L respectivamente, e cultura para micobactéria positiva (M. tuberculosis). Foi realizado tratamento com rifampicina/isniazida/pirazinamida/ etambutol, com boa resposta. Conclusões: Este caso demonstra uma apresentação clínica relevante de tuberculose (TB) na infância. Considerando as elevadas taxas de incidência em nosso país, e especialmente em Porto Alegre, é fundamental que médicos da rede de atenção primária e pediatras conheçam as diferentes formas de apresentação da doença em crianças e adolescentes, e as características clínicas da TB pleural. Descritores: Tuberculose pleural, M. tuberculosis, infância. ABSTRACT Introduction: The aim of this report is to describe a relevant clinical situation that should be considered by the pediatricians when treating children and adolescents with prolonged fever or respiratory symptoms. Case report: A female patient, 18 years old, came to the clinic with reported fever of 38.8 °C for 4 days. In the physical examination, decreased breath sounds in the right hemithorax was detected on auscultation, with no signs of respiratory distress or hypoxemia. Chest x-ray showed extensive opacity associated with pleura effusion in the right hemithorax. Pleural liquid analysis showed: 300 cells (84% lymphocytes, 4% monocytes, macrophages, 12%), glucose less than 20 mg/dl, Protein 4,9 g/dl, pH 7,20. The patient remained in outpatient clinic, where further labs were evaluated: ADA results in the pleural liquid of 405 U/L and 407 U/L respectively and positive culture for mycobacteria (M. tuberculosis). The patient received treatment for tuberculosis with good response. Conclusions: This case demonstrates a significant clinical presentation of tuberculosis in childhood. Considering the high incidence rates in our country and especially in Porto Alegre, it is essential that the primary care physicians and pediatricians be aware of the different forms of tuberculosis in children and adolescents, and the clinical features of pleural infection by M. tuberculosis. Keywords: Pleural tuberculosis, M. tuberculosis, childhood. 1. Médica Infectologista Pediátrica, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Pediatria e Saúde da Criança, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, Brasil. 2. Médica Pediatra e aluna do Curso de Especialização em Pneumologia Pediátrica, PUCRS, Porto Alegre, Brasil. 3. Professor da Faculdade de Medicina da Faculdade de Medicina, PUCRS, Porto Alegre, Brasil. Como citar este artigo: Tuberculose pleural na infância: relato de caso e revisão. Brust MC, Lumertz MS, Salerno M, Araújo Pinto L. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):58-62. Artigo submetido em 06.11.12, aceito em 04.12.12. 58 Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al. Introdução Tuberculose (TB) é uma doença causada pelo Mycobacterium tuberculosis, bacilo de crescimento lento, aeróbio estrito, álcool-ácido resistente (BAAR). Geralmente afeta os pulmões (TB pulmonar), podendo atingir outros órgãos e sistemas (TB extrapulmonar), determinando altos índices de morbidade e mortalidade, sendo sério problema de saúde pública em países desenvolvidos e em desenvolvimento1-4. A infecção na criança ocorre por inalação do bacilo em aerossol de gotículas respiratórias derivadas de um caso bacilífero de TB pulmonar (caso fonte), geralmente um adulto com doença pulmonar cavitária, mas crianças mais velhas também podem ser bacilíferas2,3,5,6. O risco de infecção depende da duração e exposição ao caso fonte, de fatores sociais, prevalência da doença na comunidade e da idade do paciente. O estado nutricional, imunológico e vacinal também influenciam no risco de progressão da infecção latente (TBL) para a doença ativa (TB)2,3,5,6. Crianças têm risco maior de progressão para doença, disseminação extrapulmonar e mortalidade, principalmente nos dois primeiros anos de vida5-7. Diferenças na fisiopatologia e na apresentação clínica na infância tornam o diagnóstico mais difícil7-9. As lesões pulmonares são pobres em bacilos (paucibacilar), e cerca de 20% dos casos de TB têm apresentação extrapulmonar (ganglionar, pleural, óssea, meningoencefálica)3,9,10. A TB pleural ocorre em até dois anos como complicação da TB primária, ou após décadas como reativação endógena. Quando um foco parenquimatoso justapleural ou um gânglio mediastinopulmonar se rompe para a cavidade pleural, os bacilos desencadeiam uma reação de hipersensibilidade, resultando na formação de derrame pleural (DP). Raramente associado à TB miliar, costuma ser unilateral e ter volume variado. Geralmente as crianças iniciam com quadro abrupto de febre, dor torácica e dispneia quando o DP é de grande volume, podendo simular uma pneumonia bacteriana1,2,10,11. A toracocentese revela exsudato, com aumento de celularidade e predomínio de linfócitos1,2,10‑12. A baciloscopia costuma ser negativa e a dosagem de adenosinadeaminase (ADA) > 40 U/L (sensibilidade de 95% e especificidade de 90% em líquido pleural - LP)11-14. Biópsia pleural permite diagnóstico em cerca de 90% dos casos, associando cultura e exame histopatológico (granuloma com ou sem necrose caseosa)10,11. A combinação de imunoensaio (Interferon-Gamma Release Assay - IGRA) e detecção molecular (Polymerase Chain Reaction - PCR) é uma promessa para o diagnóstico clínico de TB pleural15-19. O objetivo deste relato é descrever uma situação clínica Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 59 relevante e que deve ser lembrada pelos pediatras quando do atendimento de crianças e adolescentes com febre ou sintomas respiratórios prolongados. Relato do caso Paciente feminina, branca, 18 anos, procurou atendimento em consultório de pediatra com relato de febre, até 38,8 ºC, há 4 dias. Responsável pela paciente relata ter feito uso de azitromicina nos últimos 3 dias, sem modificação da curva térmica. Além disso, a paciente apresentava tosse discreta intermitente e se encontrava em bom estado geral. Realizado exame físico (EF), onde se observou redução do murmúrio vesicular (MV) em hemitórax direito à ausculta pulmonar (AP), sem sinais de esforço respiratório ou hipoxemia. Considerando-se a hipótese de pneumonia bacteriana, foi prescrito amoxicilina com clavulanato e solicitada radiografia (RX) de tórax, o qual foi realizado dois dias após. Na história médica pregressa, a paciente apresentava retardo no desenvolvimento neuropsicomotor (RDNPM), possivelmente associado a crises convulsivas de início precoce e hipoglicemia neonatal. Nasceu a termo; peso de nascimento de 4.200 g. Imunizada com BCG neonatal, com cicatriz presente. Apresentava internações prévias por crises convulsivas e por infecção de trato urinário, porém nenhuma recente. Havia relato de episódios recorrentes de otite média aguda. Faz uso de dieta pastosa, por dificuldade de deglutição, porém negava pneumonias de repetição. Apresenta desnutrição crônica grave, realizava fonoterapia e fisioterapia motora em centro de atendimento a crianças com necessidades especiais. Medicamentos de uso contínuo: carbamazepina, divalproato de sódio e fluoxetina. Após visualização do Rx de tórax (Figura 1) com opacidade associada a extenso DP em hemitórax direito, optou-se por hospitalização da paciente e troca do antibiótico para cefuroxima endovenoso. EF semelhante ao previamente descrito. Realizada ecografia torácica que apresentava volumoso DP à direita com vários septos e volume estimado de 350 a 400 mL, com pouca área de consolidação. No seguimento, exames laboratoriais (6.860 leucócitos totais, 52% segmentados, 3% bastões, 26% linfócitos, 17% monócitos; velocidade de hemossedimentação - VSG 89 mm/h; proteína C-reativa 18,1 mg/L; antiHIV não reagente; hemocultura, que finalizou negativa); e toracocentese, com drenagem de 195 mL de líquido amarelo citrino. Análise do LP demonstrou: 300 células (84% de linfócitos, 4% monócitos, 12% macrófagos), glicose menor que 20 mg/dL, proteínas 4,9 g/dL, pH 60 Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 7,20, lactato desidrogenase (LDH) 6128 U/L, pesquisa de BAAR negativo e bacteriológico negativo. No dia seguinte, devido história clínica e exames realizados até aquele momento (aguardava resultado de ADA, e de cultura para micobactéria no LP), foi iniciado tratamento com rifampicina-isoniazida-pirazinamida-etambutol (RHZE) por provável TB pleural. Foi conversado com família que, embora negasse contato com indivíduo com tosse crônica, concordou com tratamento. Paciente permanece em acompanhamento ambulatorial com sua médica pediatra, tendo resultados de ADA no LP de 405 U/L e 407 U/L respectivamente e cultura para micobactéria positiva (M. tuberculosis). Descrição do controle radiológico: pequeno espessamento seio costofrênico à direita; demais, sem evidência de alterações. Não foi identificado o contato bacilífero transmissor da doença. Discussão O DP é a uma das apresentações mais comuns de TB em adultos jovens HIV negativos20. Apesar de a TB ser uma doença de evolução subaguda à crônica, o DP pode se apresentar com sintomatologia aguda de febre, dor torácica, tosse predominantemente seca e diferentes graus de dispneia, conforme seu volume e tempo de instalação, sendo diretamente proporcional ao volume e inversamente proporcional ao tempo de instalação20,21. Estudo radiológico auxilia no diagnóstico de DP, geralmente unilateral com presença de lesão parenquimatosa concomitante em 20 a 50% dos casos de derrame tuberculoso22,23. Em crianças, o diagnóstico deve ser considerado em DP isolado na ausência de toxemia22. Figura 1 - Rx de tórax evidenciando opacidade associada a extenso DP em hemitórax direito Paciente evoluiu com manutenção dos picos febris, progressivamente mais espaçados e de menor monta até 5 dias após associação do RHZE. Tentativa de coleta de escarro, sem sucesso. Teste tuberculínico (TT) não reator. Pela persistência da imagem radiológica, optado por realização da nova ecografia torácica (demonstrou DP com septos, em hemitórax direito, com pelo menos 331 mL) e biópsia de pleura por videotoracoscopia (após 7 dias da toracocentese), cujas características do líquido drenado evidenciavam: 320 células (38% de linfócitos, 16% monócitos, 45% neutrófilos), ausência de células neoplásicas, glicose menor que 20 mg/dL, proteínas 3,9 g/dL, pH 7,27, LDH 6311 U/L, BAAR negativo, e bacteriológico negativo (também havia resultado de ADA e cultura para micobactéria pendentes). Anatomopatológico da biópsia pleural demonstrou presença de granuloma, ausência de BAAR e de fungos. Após 12 dias de internação, paciente recebeu alta hospitalar em uso de RHZE e apirética há 7 dias (Figura 2). A paciente apresentou quadro agudo de febre, tosse, alteração unilateral da ausculta pulmonar e estudo radiológico com derrame pleural associado à lesão parenquimatosa pulmonar sugestivo de pneumonia bacteriana, mantendo-se sempre em bom estado geral, apesar da persistência da febre em vigência de antibioticoterapia, tornando a punção do DP ainda mais necessária para seguimento da investigação diagnóstica26. A análise de ADA e biópsia pleural são as principais ferramentas à confirmação do diagnóstico de DP tuberculoso10,12,18,22. ADA > 40U/L é o principal método acessório, em conjunto com exsudato com > 75% de linfócitos e ausência de células malignas no DP, para autorizar início de tratamento para TB10,12,18,24,25. Pelo DP ser uma Figura 2 - Rx de tórax na alta hospitalar Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al. reação de hipersensibilidade ao bacilo na cavidade pleural, o rendimento da baciloscopia direta no DP é praticamente nulo e da cultura, de 12 a 25%11,20. Apesar do atraso no resultado de ADA, pela evolução clínica, radiológica e possível infecção pulmonar pelo sistema de pontuação do escore de TB pulmonar para crianças (< 10 anos) e adolescentes (com BAAR negativo no escarro) e demais achados do DP, optou-se por iniciar tratamento para TB preconizado para > 10 anos de idade (2 meses de RHZE e mais 4 de RH)10. Apesar do baixo peso e estatura, a paciente tem 18 anos e radiologia sugestiva de TB pulmonar. Adolescentes geralmente apresentam padrão radiológico semelhante a adultos. A pesquisa de BAAR no escarro apresenta valor preditivo positivo > 95% no nosso meio, mas baixa sensibilidade (40-60%)10. Entretanto, não foi possível coletar pela dificuldade de expectoração associada ao RDNPM. Em criança, lavado gástrico para pesquisa de BAAR e cultura não é realizado de rotina (sensibilidade de 10 a 15% e de 30 a 50% respectivamente), sendo indicado se a pontuação do sistema de escore para diagnóstico de TB pulmonar em criança (< 10 anos) for negativa e houver possibilidade de solicitar cultura para micobactéria. O mesmo sistema de pontuação pode ser utilizado em adolescentes com BAAR no escarro negativo10,27. No caso, a adolescente somou 35 pontos (febre > 2 semanas + alteração radiológica > 2 semanas em tratamento para germes comuns + desnutrição grave = 15 +15 +5). A paciente não somou pontos para contato com adulto com TB nos últimos 2 anos e teste tuberculínico (< 5 mm). Contato com adulto com TB pulmonar reforçaria a suspeita de TB no DP6,7,10,11,22. No caso não foi identificado contato bacilífero domiciliar ou na instituição que frequentava, porém, procede de município com alta incidência de TB. O Brasil é um dos 22 países que abrangem 80% dos casos mundiais de TB, ocupando a 19ª posição com taxa de incidência de 37/100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul é o sexto estado e Porto Alegre a primeira capital brasileira em incidência de TB, com taxas de 47 e 109/100 mil habitantes, respectivamente3. O TT não exclui diagnóstico de TB. Este representa reação de hipersensibilidade cutânea tardia, que faz com que o indivíduo previamente sensibilizado (por infecção ou vacina) seja capaz de reagir com formação de induração no local de injeção intradérmica do antígeno micobacteriano. Considerar a prevalência de infecção tuberculosa, além do passado vacinal e do estado imunológico na interpretação do TT. Um terço dos pacientes pode apresentar TT nega- Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 61 tivo na vigência de infecção, principalmente aqueles com imunodepressão grave pelo HIV e em até 40% das crianças HIV-negativas com TB extrapulmonar5,6,10,22. Exceto pelo anti-HIV, a paciente não possuia avaliação imunológica complementar. A biópsia confirmou o dignóstico de TB, pela associação de granuloma no exame anatomopatológico e cultura positiva para M. tuberculosis no fragmento pleural10,11,21. Até o momento a biópsia de pleura parietal é o teste mais sensível de diagnóstico para DP tuberculoso. Apresenta granulomas em 50 a 97% dos casos, cultura de micobactéria positiva em 39 a 80%, e quando combinados o diagnóstico é de 60 a 95%21. PCR e interferon-gama (IFN-γ) estão sendo avaliados para o diagnóstico clínico de TB pleural. Por ser o DP paucibacilar, o PCR pode melhorar a sensibilidade (20 a 90%) e especificidade (78 a 100%), mas depende da sensibilidade da técnica de amplificação, do número de micobactérias e de sua distribuição na amostra. Não exige imunocompetência e é mais rápido que a cultura. É positivo em 100% dos DP com cultura positiva e em apenas 30 a 60% com cultura negativa. A sensibilidade (90%) e especificidade (~100%) do PCR na biópsia pleural é semelhante à da cultura associada ao exame anatomopatológico. Desvantagens do PCR incluem alto custo, tecnologia ainda pouco disponível para rotina e risco de contaminação3,15,16,21. Exames para detecção de IFN-γ no sangue têm se mostrado mais precisos que o TT para diagnóstico de infecção por TB. O INF-γ, produzido por linfócitos T, ativa macrófagos, aumentando a capacidade bactericida contra M. tuberculosis e está envolvido na formação de granulomas. Sua produção pelas células T efetoras na cavidade pleural elevam sua concentração no DP tuberculoso, com sensibilidade de 78 a 100% e especificidade de 95 a 100%. Em alguns estudos o IFN-γ foi mais sensível e específico que ADA, porém mais caro e menos disponível em relação a este. Estudos adicionais estão sendo realizados para avaliar IFN-γ em crianças e imunossuprimidos. Estes têm apresentado níveis semelhantes aos imunocompetentes18,19,21,22. Este caso demonstra uma apresentação relativamente frequente de TB na infância. Considerando as elevadas taxas de incidência em nosso país, e especialmente em Porto Alegre, é fundamental que médicos da rede de atenção primária e pediatras conheçam as diferentes formas de apresentação da doença em crianças e adolescentes. 62 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 Tuberculose pleural na infância – Brust MC et al. Referências 1. Pickering LK, Baker CJ, Kimberlin DW, Long SS. Red Book: Report of the Committee on Infectious Diseases, 2th ed. American Academy of Pediatrics; 2012. 2. Feigin RD, Cherry JD, Demmler-Harrison GJ, Kaplan SL. Feigin and Cherry’s Textbook of Pediatric Infectious Diseases, 6th ed. Philadelphia: Sauders Elsevier; 2009. 3. World Health Organization. Global tuberculosis control: WHO report 2011. Geneva: WHO; 2011. 4. Farhat CK, Carvalho LHFR, Succi RCM. Infectologia Pediátrica, 3ª ed. São Paulo: Atheneu; 2007. 5. 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Pinto E-mail: [email protected] 2238-0450/12/01-02/63-6 Copyright © by Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul Relato de Caso Repercussões neonatais do uso materno de crack Repercussions of neonatal maternal use of crack Fabiani Waechter Renner1, Jéssica Alessio Gottfried2, Kelly Caroline Welter2 RESUMO Introdução: A prevalência do uso da cocaína e do crack tem aumentado dramaticamente na população obstétrica durante as últimas décadas, trazendo graves consequências para a saúde fetal. Este trabalho apresenta um caso de recém-nascido de gestante usuária de crack e aborda os aspectos de relevância do assunto, como parto pré-termo, malformações fetais, retardo de crescimento intrauterino, dentre outros, auxiliando os profissionais de saúde na conduta frente esta realidade. Relato de caso: Recém-nascido masculino, parto normal, prematuro de 25 semanas, peso ao nascer 700 g, Apgar 4/8, com ecografia obstétrica apresentando diagnóstico de hérnia diafragmática volumosa. Mãe 23 anos, usuária de crack, com duas consultas pré-natais, e VDRL positivo no dia anterior ao parto. Após o parto o paciente necessitou de ventilação mecânica e cuidados intensivos, evoluindo ao óbito em 48 horas devido à prematuridade extrema, doença da membrana hialina, insuficiência respiratória e hérnia diafragmática volumosa. Discussão: O cuidado de gestantes dependentes de drogas é complexo, difícil e exige um preparo especial dos profissionais de saúde, os quais devem estar conscientes dos aspectos psicológicos e sociais, assim como das ramificações éticas e legais destes comportamentos. No entanto, a gestação é um período facilitador de sensibilização ao tratamento. Se houver preparo da equipe cuidadora, é exatamente nesta fase que se consegue abstinência completa e duradoura de todas as drogas, desejo da maioria das mães para não prejudicar e poder cuidar melhor do seu filho. Descritores: Cocaína crack, anormalidades congênitas, recém-nascido. ABSTRACT Introduction: The prevalence of cocaine use and crack has increased dramatically in the obstetric population during the last decades and has severe consequences for fetal health. This paper presents a case of newborn pregnant users of crack and addresses the relevance of the subject, such as pre-term delivery, fetal malformations, and retarded intrauterine growth. Case report: Newborn male, normal birth, 25 weeks premature, 700 g birth weight, Apgar 4/8, presenting with obstetric ultrasound diagnosis of diaphragmatic hernia. Mother 23 years, crack addicted, two prenatal visits, and VDRL positive on the day before delivery. After delivery the patient required mechanical ventilation and intensive care, progressing to death within 48 hours due to extreme prematurity, respiratory failure and massive diaphragmatic hernia. Discussion: The care of pregnant women addicted to drugs is complex, difficult and requires a special preparation of health professionals, who must be aware of the psychological and social aspects, as well as the ethical and legal consequences. However, pregnancy period may be a treatment facilitator. If preparation of the care professionals works, it is exactly at this point that if one can achieve sustained abstinence. Keywords: Crack cocaine, congenital abnormalities, newborn. 1. Médica Pediatra e Professora de Pediatria – Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil. 2. Acadêmica do curso de Medicina – UNISC, Santa Cruz do Sul, RS, Brasil. Como citar este artigo: Repercussões neonatais do uso materno de crack. Renner FW, Gottfried JA, Welter KC. Bol Cient Pediatr. 2012;01(2):63-6. Artigo submetido em 29.08.12, aceito em 29.10.12. 63 64 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 Introdução O abuso de substâncias ilícitas tem atravessado as fronteiras sociais, econômicas e geográficas, e continua sendo um dos maiores problemas que a sociedade moderna enfrenta em todo o mundo. A prevalência do uso da cocaína, assim como de seu produto alcalinizado (crack), tem aumentado dramaticamente na população obstétrica durante as últimas décadas. Estima-se que até 10% das mulheres norte-americanas tenham utilizado cocaína durante a gravidez, tendo ocorrido parto pré-termo ou descolamento prematuro de placenta na maioria dessas pacientes, além de outras complicações, tanto maternas quanto neonatais1,2. A identificação do problema deve ser realizada durante o pré-natal, mas muitas vezes é difícil o reconhecimento dessas pacientes, visto que muitas negam a utilização da droga e também realizam poucos exames pré-natais3. A clínica observada em pacientes usuárias de cocaína/ crack mostra sinais e sintomas de exacerbação do sistema simpático, como hipertensão, taquicardia, arritmias e até falência miocárdica. A cocaína/crack atravessa rapidamente a barreira placentária sem sofrer metabolização, agindo diretamente na vasculatura fetal, determinando vasoconstrição, além de malformações urogenitais, cardiovasculares e do sistema nervoso central4. Além disso, como o fluxo sanguíneo uterino não é autorregulado, a sua diminuição provoca insuficiência útero-placentária, hipoxemia e acidose fetal5. Repercussões neonatais do uso materno de crack – Renner FW et al. Paciente evoluiu para ventilação mecânica com tubo número 2,0 devido à prematuridade extrema (24-25 semanas de gestação, pequeno para idade gestacional (PIG), sem abertura ocular ao exame físico), desconforto respiratório associado à cianose e ao diagnóstico precoce de hérnia diafragmática. Necessitou de parâmetros altos de ventilação mecânica, recebeu duas doses de surfactante (170 mg/kg cada dose). Foram cateterizados vasos umbilicais para preservar membros para posterior passagem de cateter central de inserção periférica (PICC). A radiografia de tórax após a primeira dose de surfactante apresentava-se pouco penetrada, sem visualização do parênquima pulmonar, sendo refeito mais uma dose do surfactante. Associado a esse quadro respiratório foi iniciado com penicilina G cristalina e gentamicina devido ao VDRL positivo na mãe. Exames no período da internação, logo após o nascimento: Radiografia de tórax (Figura 1) – opacidade em hemitórax esquerdo, comprimindo pulmão esquerdo e determinando desvio contralateral do mediastino (observe a posição da sonda nasogástrica). Hemograma: ausência de anemia (hemoglobina 12,6), ausência de leucocitose ou leucopenia, leve plaquetopenia, PCR e VDRL negativos. Evoluiu ao óbito em 48 horas devido à prematuridade extrema, doença da membrana hialina, insuficiência respiratória e hérnia diafragmática volumosa. O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de recém-nascido (RN) de gestante usuária de crack e abordar os aspectos de relevância do assunto, como parto pré-termo, malformações fetais, retardo de crescimento intrauterino (RCIU) e outras complicações fetais/neonatais, auxiliando os profissionais de saúde na conduta frente a esta realidade. Relato do caso RN masculino, nascido de parto normal, prematuro (PMT) de 25 semanas, peso ao nascer (PN) 700 g, altura 31 cm, perímetro cefálico (PC) 24 cm, perímetro torácico (PT) 21 cm, Apgar 4/8, com uma ecografia obstétrica apresentando diagnóstico de hérnia diafragmática volumosa. Mãe 23 anos, Gesta 4 Parto 3, usuária de crack, fez duas consultas pré-natais com sorologias: VDRL, anti-HIV, toxoplasmose e HbsAg, estando todas negativas; porém apresentava VDRL positivo no dia anterior ao parto e infecção do trato urinário (ITU) por Pseudomonas dois meses anteriores ao parto. Figura 1 - Radiografia evidenciando hérnia diafragmática Repercussões neonatais do uso materno de crack – Renner FW et al. Discussão O abuso materno de substâncias ilícitas é visto em todas as classes socioeconômicas, idades e raças6,7, porém existe um risco aumentado em mulheres mais jovens, mulheres solteiras, e as mulheres com menor rendimento escolar8,9. Muitas gestantes utilizam mais de uma droga8,9, a exemplo disto, no estudo National Household Survey on Drug Abuse (NHSDA)8, metade das mães que usaram drogas ilícitas também usavam cigarros e/ou álcool. O uso de múltiplas drogas apresenta um desafio crescente para o cuidado de RN de mãe com policonsumo por causa da necessidade de identificar e determinar as consequências de cada substância específica. Adicionalmente ao amplo espectro de problemas de saúde que acarreta o uso de drogas ilícitas, o uso de drogas na gravidez gera riscos únicos tanto para a gestante como para o feto, sendo que diversas consequências negativas decorrentes do uso de drogas ilícitas, como desnutrição, suscetibilidade a infecções e disfunções orgânicas podem ser transmitidas ao feto em desenvolvimento10. No entanto, o grande problema para se avaliar os efeitos diretos das drogas ilícitas sobre o feto é a enorme quantidade de fatores de risco psicossociais, sociodemográficos, comportamentais e biológicos que se relacionam com as drogas e com as consequências da gravidez quando indesejada, tais como pobreza, falta de cuidado pré-natal, doenças sexualmente transmissíveis e desnutrição. Entre as drogas ilícitas, a cocaína tem sido uma das mais estudadas, com o objetivo de apurar seus efeitos sobre os fetos a ela expostos durante a gestação10. A cocaína se relaciona com RCIU como consequência da vasoconstrição materna, com trabalho de parto prematuro e com a rotura prematura de membranas. Muitos estudos encontram baixo peso ao nascer, baixa estatura, diminuição do PC e alterações neuro-comportamentais (todos estes efeitos dose-dependentes). O caso relatado ilustra esta realidade, com idade gestacional de 25 semanas, PN de 700 g e demais características que remetem à prematuridade10. Durante a gestação o uso da cocaína pode provocar malformação do feto, pois a droga diminui a oxigenação cerebral deste RN. Os efeitos podem ser: fetos natimortos, microcefalia, retardo mental, alterações ósseas, baixo peso, irritabilidade, atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor e algumas vezes nascem com crises convulsivas, ainda sob efeito da droga passada através da mãe. O RN deste caso relatado apresentou hérnia diafragmática como malformação principal, que foi diagnosticada ainda no período pré-natal11. Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 65 A hérnia diafragmática congênita é uma anomalia da embriogênese do diafragma, com consequente herniação das vísceras abdominais para o tórax. A incidência é de 1:2.000 a 1:5.000 partos, sendo 80% à esquerda, 15% à direita, e 5% bilateral. O diagnóstico é geralmente feito pela ultrassonografia fetal. A vantagem desse diagnóstico prénatal está em preparar os pais sobre possíveis prognósticos e possibilitar uma transferência materna para um centro terciário, onde a possibilidade de uma terapia precoce pode melhorar a sobrevida12. Na grande maioria dos casos, os RNs apresentam sintomas nas primeiras 24 horas de vida, pois geralmente está presente uma grande hérnia diafragmática com hipoplasia pulmonar severa. Logo após o nascimento, pode ocorrer dificuldade respiratória grave, bradicardia e cianose persistente. Frequentemente o abdome está escavado, e o tórax distendido de um só lado. A ausculta revela diminuição ou abolição dos sons pulmonares no lado atingido, borborigmo e desvio do mediastino para o lado oposto12. A respiração distende as alças intestinais e piora o quadro respiratório. A assistência ventilatória, quando necessária após o nascimento, deve ser feita com a intubação endotraqueal, pois está contraindicada a ventilação com máscara e bolsa. Uma sonda orogástrica para aspiração contínua deve ser introduzida após o nascimento, quando o diagnóstico tiver sido feito no pré-natal, ou no momento do diagnóstico pós-natal. O recém-nascido deve ser transferido para a unidade de terapia intensiva neonatal para cuidados pré-operatórios que visem minimizar a hipertensão pulmonar, pesquisar outras malformações e, logo que possível, a correção cirúrgica12. O cuidado de gestantes dependentes de drogas é complexo, difícil e exige um preparo especial por parte dos profissionais de saúde, os quais devem estar conscientes das características únicas psicológicas e sociais, assim como com as ramificações éticas e legais destes comportamentos. A principal barreira para o tratamento das mulheres dependentes, em geral, é o preconceito que sofrem por parte da sociedade. Quando estas mulheres estão grávidas, esse preconceito se multiplica, tornando ainda mais difícil um pedido de ajuda. Diante disto, essas gestantes raramente fazem acompanhamento pré-natal e, quando o fazem, não relatam espontaneamente seu problema com as drogas10. Quanto à falta ou ao número escasso de consultas prénatais realizadas, em pesquisa feita com mulheres usuárias de crack13, a discriminação, o racismo e o preconceito são observados repetidamente como barreiras para a procura pelos serviços de saúde. Esta realidade engloba não ape- 66 Boletim Científico de Pediatria - Vol. 1, N° 2, 2012 nas as consultas pré-natais, mas também a procura por tratamento para o abuso da substância e para resolução de problemas de saúde14. Por outro lado, a gestação é um período facilitador de sensibilização ao tratamento. Se houver preparo por parte da equipe cuidadora, é exatamente nesta fase que se consegue uma abstinência completa e duradoura de todas as drogas10. Referências 1. Delaney DB, Larrabee KD, Monga M. Preterm premature rupture of membranes associated with recent cocaine use. Am J Perinatol. 1997;14:285-8. 2. Rozenak D, Diamant YZ, Yaffe H, Hornstein E. Cocaine: maternal use during pregnancy and its effects on the mother, the fetus and the infant. Obstet Gynecol Survey. 1990; 45:348-59. 3. Birnbach DJ, Stein DJ, Thomas K, Grunebaum A, Thys DM. Cocaine abuse in the parturient. What are the anesthetic implications? Anesthesiology 1993;79:A988.. 4. Krishna RB, Levitz M, Dancis J. 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