valores humanos, preferência musical, identificação grupal
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valores humanos, preferência musical, identificação grupal
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, IDENTIFICAÇÃO GRUPAL E COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL CARLOS EDUARDO PIMENTEL João Pessoa – PB 2004 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, IDENTIFICAÇÃO GRUPAL E COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL Carlos Eduardo Pimentel, Mestrando Prof. Dr. Valdiney Veloso Gouveia, Orientador João Pessoa, fevereiro de 2004 ii2 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, IDENTIFICAÇÃO GRUPAL E COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL Carlos Eduardo Pimentel Dissertação submetida ao Programa de PósGraduação em Psicologia Social (Mestrado) como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia Social 3 iii VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, IDENTIFICAÇÃO GRUPAL E COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL Carlos Eduardo Pimentel Banca Avaliadora: _______________________________________________________ Prof. Dr. Valdiney Veloso Gouveia, Orientador _______________________________________________________ Prof. Dr. Francisco José B. de Albuquerque _______________________________________________________ Prof. Dr. Genário Alves Barbosa _______________________________________________________ Prof. Dr. Maria da Penha de Lima Coutinho (Suplente) 4iv DEDICATÓRIA Dedico este trabalho, em primeiro lugar, ao meu bom Deus que sempre esteve comigo em todas as horas (Deus lhe salve! E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir). Ao meu pai, Eduardo C. Pimentel, pela seriedade em minha educação, por ter pugnado na revolução de 68 no Rio de Janeiro, em plena ditadura militar, e por me apresentar à vida e à psicologia. A minha mãezinha querida, por ter me dado a vida, Maria Lúcia Bernardo Pimentel, meu baluarte, minha amiga, meu amor; minha mãe, pelos beijos de boa noite e pelas manhãs que me acordava para ir às aulas. A toda minha família. 5v AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, pelo apoio, orientação e confiança que me depositou: Prof. Valdiney V. Gouveia, assim como sua acolhida no seu núcleo de pesquisa. Ao Prof. Francisco José Batista de Albuquerque, que foi, oficialmente, meu primeiro professor de psicologia social, e que, a parte desta, como diria o G.W. Allport; muito excitante disciplina, tem me ensinado a atingir o status de adulto. Ao Prof. José Angel Vera Noriega que – na condição de professor visitante – marcou indelevelmente o começo de minha carreira como pesquisador em psicologia. Por outro lado, não seria honesto de minha parte olvidar a influência dos ensinamentos, bem humorados, porém não menos seguros do querido Prof. Mardônio Rique Dias. Também, ao Prof. Genário Alves Barbosa por ter participado da banca e pelas sugestões. Agradeço extremamente ao meu amigo, filósofo e lógico: o genial Leonardo Weber. Por tudo que ele mais do que qualquer um sabe, e por ser verdadeiramente quem é. Ao Prof. Wolfgang Bilsky pelo estímulo inicial quando da elaboração deste projeto, e por me ouvir com paciência. A Fernando Figueiredo pelo apóio nas horas que precisei. Ao Prof. Jorge da Silva Raymundo, pela revisão do texto e pelo incentivo. Ao Prof. José Luís Álvaro Estramiana pela sua atenção e fidalguia, pelo envio de artigos. Ao Prof. Hélder Pordeus pelos material sobre culturas juvenis e Prof. Zivanilson (Paqui) pelo mesmo motivo. A Alessandra Dantas (Sandra) por sempre me passar forças em momentos difícies desta jornada, pelo seu carinho e sensibilidade, e por ser quem é. A Adriana, Isabella e Liana por estarem comigo no começo, passando-me força. A Tatiana Vasconcelos pelo apóio estatístico e momentos de amizade, a Artur, ao Núcleo de Pesquisa DRVS, ao meu amigo Carlos Cirino. Aos camaradas companheiros Carlos Tyrone e Ferbson, Marcos e Márcio, Fred Giullieti, Tiago Penna, Sacal e todos os meus amigos. A minha querida Girlene, Maja, Fabiana e Taciano pelo envio dos textos. A Carmem, Raquel, Roberta, Ruy, Sylvana e Thaís pela colaboração na coleta dos dados, pelos bons momentos de amizade e pelo incentivo. A Viviane Pessoa pelo trabalho realizado e ao núcleo de pesquisa BNCS, como atualmente constituído, pela ajuda na digitação dos dados. Ao curso de Psicologia da UFPB. Às secretárias do mestrado, Vitória e Graça, pela solicitude e simpatia. A todos os adolescentes/participantes anônimos voluntários desta pesquisa, pois sem eles nada seria possível. A CAPES pela bolsa de mestrado e todas as vantagens oferecidas. 6 vi RESUMO Os comportamentos anti-sociais incluem tanto os comportamentos que ferem as normas sociais, como fazer brincadeiras chatas ou bagunçar na sala-de-aula (anti-sociais, no sentido estrito) como aqueles que infrigem diretamente o código penal, como o uso de drogas e violência (delitivos). A propósito da explicação destes comportamentos, os autores são consensuais em afirmar que se trata de um problema em que vários fatores concorrem para sua manifestação. Considerando uma contribuição desde um enfoque psicossocial, a presente pesquisa objetivou conhecer as relações dos valores humanos, da preferência musical e da identificação grupal com as atitudes frente ao uso de maconha e os comportamentos anti-sociais. Algumas pesquisas, neste sentido, relatam associações entre valores específicos e comportamentos anti-sociais, como os valores de experimentação e o uso de drogas. Outras têm apresentado relações com diversos destes comportamentos e a preferência por estilos musicais anticonvencionais, como o heavy metal e o rap. Considerando também a identificação grupal, têm-se encontrado relações entre comportamentos anti-sociais e identificação com grupos alternativos. É importante chamar a atenção que as variáveis antes descritas ainda são escassamente abordadas na literatura psicossocial e psicológica, principalmente no Brasil, de maneira que se torna relevante melhor conhecer sua influência nos comportamentos socialmente desviantes. Participaram da pesquisa 548 estudantes do ensino médio, que responderam as seguintes medidas: Questionário dos Valores Básicos, Escala de Preferência Musical, Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento, Escala de Identificação com Grupos Alternativos, Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha e Escala de Condutas AntiSociais e Delitivas. A média de idade foi de 16 anos e a maioria da amostra se constituiu de mulheres (54,9%). Observou-se que os valores normativos se relacionaram inversamente com os comportamentos anti-sociais e com as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Por outro lado, correlacionaram-se diretamente com os valores de experimentação. Com relação à preferência musical, verificou-se uma relação inversa entre música convencional e estas mesmas variáveis. Já a preferência por música anticonvencional se relacionou diretamente com estes comportamentos e atitudes. Por fim, a identificação com grupos de relacionamento se associou inversamente com os comportamentos anti-sociais e atitudes positivas frente ao uso de maconha. Coerentemente, a identificação com grupos alternativos se relacionou diretamente com estas variáveis. Estes resultados corroboram pesquisas em outras realidades. Por fim, destaca-se a importância de se entender melhor o papel dos valores para explicação dos comportamentos anti-sociais, assim como a preferência musical, como elemento configurador de culturas juvenis, nas quais diversos comportamentos socialmentes desviantes são reforçados. Palavras-chave: Valores Humanos, Comportamentos Anti-Sociais. Preferência Musical, Identificação Grupal, 7 vii ABSTRACT Anti-social conduct comprises behavior that goes against the so-called social norms – such as playing tricks or high jinks in the classroom (an anti-social conduct in its strict sense) and behavior that contravene the law – such as drug addiction and violence (felony). By way of explanation, authors agree among themselves when they say that there must be a number of factors that trigger such behavior. Taking into account a psycho-social approach, the present research sought to determine the relationship between human values, music taste, and group identification with the use of marijuana and anti-social behavior. Some researches, conducted on this subject, associate specific values to anti-social behavior, such as experimentation values and drug use. However, other researches reveal a connection between a number of these patterns and the individual preference for certain unconventional music styles, such as heavy metal and rap. Considering group identification as well, one could establish a relationship between anti-social behavior and alternative group styles. Attention should be drawn to the fact that the variables previously described are still seldom referred to in the psychosocial and psychological literature, mainly in Brazil. For this reason, one sees the necessity of better understanding their influence on social deviating behavior. Secondary school pupils – 548 in all – responded to the following ׃Basic Values Questionnaire, Music Preference Scale, Identification Scale for Group Relationship, Identification Scale for Alternative Groups, Attitude Scale on the use of marijuana, and Anti-Social, Criminal Conduct Scale. The average age of those interviewed was 16 - 54.9% of them were women. One could see that the normative values were inversely related to anti-social behavior and to a positive attitude concerning marijuana. On the other hand, there was a direct correlation between those values and the experimentation values. As for music preference, a conversed relation became noticeable between conventional music and those variables. The unconventional music preference had a lot to do with this behavior and attitude. Finally, relationship involving group identification was inversely related to anti-social behavior and positive attitude regarding the use of marijuana. The identification with alternative groups was – as expected – related directly to these variables. The results will certainly substantiate researches in other settings. The necessity for further implementation of the understanding of the role of these values so as to explain anti-social behavior and the music preference as a descriptive element of youth culture is highlighted. Key words: Human Values, Music Preference, Group Identification, Anti-Social Behavior. viii8 ÍNDICE INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... Capítulo I DESENVOLVIMENTO DAS EXPLICAÇÕES PARA O COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL .................................................................................................................... 1.1. A PERSPECTIVA INDIVIDUALISTA ................................................................ 1.2. PERSPECTIVAS DE ÊNFASE NO GRUPO E NA SOCIEDADE .................... 1.3. (AB) USO DE DROGAS ENTRE ADOLESCENTES ......................................... 1.3.1 Teorias Afetivo-Cognitiva .................................................................................. 1.3.2 Teorias de Aprendizagem Social ........................................................................ Capítulo II MÚSICA, GRUPOS JUVENIS E COMPORTAMENTO (ANTI)SOCIAL .................. 2.1. MÚSICA E COMPORTAMENTO ........................................................................ 2.2. GRUPOS, INDIVÍDUOS E COMPORTAMENTOS ........................................... Capítulo III OS VALORES HUMANOS NA PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA E SUA RELAÇÃO COM OS COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS .......................... 3.1. O ESTUDO DOS VALORES DESDE A PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA ..................................................................................................... 3.2. VALORES HUMANOS E COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS ................ Capítulo IV MÉTODO ............................................................................................................................. 4.1. DELINEAMENTO E HIPÓTESES ....................................................................... 4.2. AMOSTRA ............................................................................................................... 4.3. INSTRUMENTOS ................................................................................................... 4.4. PROCEDIMENTO .................................................................................................. 4.5. ANÁLISES ESTATÍSTICAS ................................................................................ Capítulo V RESULTADOS .................................................................................................................... 5.1. PARÂMETROS PSICOMÉTRICOS DAS SALAS ............................................. 5.1.1. Escala de Identificação com Grupos Alternativos ............................................. 5.1.2. Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento .................................. 5.1.3. Escala de Preferência Musical ........................................................................... 5.1.4. Escala de Atitudes Frente ao Uso da Maconha .................................................. 5.1.5. Escala de Atitudes Frente ao Não Uso de Drogas .............................................. 5.2. VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA E COMPORTAMENTOS DESVIANTES ............................. 5.2.1. Orientação Social dos Adolescentes .................................................................. 5.2.2. Convergência dos Fatortes de Risco e Proteção de Condutas Desviantes ......... 5.3. EXPLICANDO OS COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE DESVIANTES ............................................................................................................................................ Capítulo VI DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 6.1. COMPROVAÇÃO DOS PARÂMETROS PSICOMÉTRICOS ......................... 6.2. VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, IDENTIFICAÇÃO GRUPAL, ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA E COMPORTAMENTOS 9 ix 12 28 29 41 54 55 57 65 66 79 89 90 108 112 113 114 114 117 117 118 119 119 120 121 123 124 125 126 128 135 142 144 SOCIALMENTE DESVIANTES .................................................................................. 146 6.3. PREDITORES DOS COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE DESVIANTES E ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA ........................... 150 Capítulo VII CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 7.1. LIMITAÇÕES DA PESQUISA .............................................................................. 7.2. PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA ............................................. 7.3. POSSIBILIDADE DE PESQUISAS FUTURAS .................................................. 7.4. APLICABILIDADE DA PESQUISA ..................................................................... 164 165 171 176 178 REFERENCIAS .................................................................................................................. 182 10 x INDICE DE QUADROS, TABELAS E FIGURAS QuadroI Teorias psicológicas e sociológicas e comportamentos anti-sociais específicos que podem ser explicados por elas................................................................53 Quadro II – Os 10 tipos de valores universais de Schwartz (1994)...............................91 Figura 1 – Estrutura circular dos valores........................................................................96 Figura 2 – Organização dos valores humanos básicos segundo o critério de orientação psicossocial a que atendem (Gouveia, 2001)..................................................................107 Tabela 1 – Estrutura formal da Escala de Identificação com Grupos Alternativos..120 Tabela 2 – Estrutura formal da Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento................................................................................................................121 Tabela 3 – Estrutura formal da Escala de Preferência Musical..................................122 Tabela 4 – Estrutura formal da Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha........124 Tabela 5 – Estrutura formal da Escala de Atitudes frente ao Não Uso de Drogas....125 Tabela 6 – Correlações entre Valores, Preferência Musical, Identificação Grupal, Atitudes frente ao Uso de Drogas e Condutas Desviantes............................................134 Tabela 8 – Regressão Múltipla para as Condutas Anti-Sociais...................................136 Tabela 9 – Regressão Múltipla para as Condutas Delitivas.........................................138 Tabela 10 – Regressão Múltipla para as Atitudes frente ao Uso de Maconha...........140 11 xi Introdução 12 Foram adotadas e proclamadas, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, na resolução 45/112, de 14 de dezembro de 1990, as diretrizes para a prevenção da delinqüência juvenil (Oficina del Ato Comisionado de los Derechos Humanos, 2002). No tópico V, especificamente no ponto 48 do referido documento, referente à política social, lê-se que “os programas de prevenção da delinqüência deverão planificar-se e executar-se sobre a base de conclusões confiáveis que sejam resultado de pesquisa científica...” (p. 7). Quando se revisa este tema na psicologia, vê-se que ele vem despertando a atenção de um número substancial de pesquisadores. Por exemplo, em consulta ao buscador PsycARTICLES (American Psychological Association, 2002), sem especificar intervalo de tempo, identificaram-se 208 artigos cujas palavras-chave eram delinqüência juvenil, 216 com as palavras comportamento anti-social adolescente, 223 relacionados com a expressão comportamento de risco do adolescente e 244 com o termo comportamento delinqüente. Esta diversidade de conceitos utilizados, embora estreitamente relacionados, sendo empregados quase como se fossem sinônimos, não deve confundir o leitor. Em realidade, para sua maior compreensão, é necessário que se atenha à literatura especializada, que procura estabelecer algumas distinções. A propósito, Scaramella, Conger, Spoth e Simons (2002) explicam que o comportamento anti-social difere do delinqüente, visto que o primeiro pode ou não incluir violações legais, enquanto que a delinqüência se refere mais especificamente a violações do Código Penal, como o roubo, o vandalismo ou a violência; podendo, neste sentido, ser também classificada como comportamento criminal (Mills, Kroner & Forth, 2002). Considerando o anterior, dando continuidade à tentativa de maior clareza entre os conceitos, é imprescindível definir os conceitos de comportamentos agressivo e violento, visto não serem poucas as referências a estes termos na área em que o presente trabalho se insere. 13 Fundamentando-se na revisão de Anderson e Bushman (2002), considera-se o comportamento agressivo (ou simplesmente agressão) como aquele direcionado para outro indivíduo que represente uma intenção imediata para ferir, em que o perpetrador acredite que irá atingir o alvo (o outro) e que este se motive a esquivar. Já quanto ao comportamento violento, ou a violência propriamente, indica uma agressão cuja meta consiste em um dano extremo (por exemplo, a morte). Os autores ainda explicam que toda violência é agressão, mas nem toda agressão pode ser classificada como violência. E exemplificam que uma criança empurrando outra de um triciclo é um ato de agressão, porém não de violência 1 . Voltando às distinções iniciais, pode-se incluir as condutas delitivas no comportamento anti-social, de forma geral, já que estas, além de serem delitivas também são anti-sociais. No entanto, nem todo comportamento anti-social, como fazer “brincadeiras chatas” ou chegar propositadamente atrasado em uma reunião social pode ser classificado como delitivo, pois não é considerado um ato criminoso. Pode-se aplicar o mesmo raciocínio para quem faz gestos obscenos no trânsito, pois esse comportamento “anti-social” não é considerado delitivo, segundo o código penal vigente. O termo comportamento de risco é usado para definir comportamentos específicos, como o uso de substâncias, lícitas ou não (por exemplo, maconha, álcool), o consumo de tabaco e comportamento sexual arriscado (Arnett & Balle-Jensen, 1993) e também comportamento juvenil violento (González, García, Lopéz & Carrasco, 1997). Empregam-se ainda outros conceitos, como, por exemplo: o de comportamentodisruptivo (Dobkin, Tremlay, Mâsse & Vitaro, 1995), que pode abranger desde a agressão física, a desobediência e até mesmo o comportamento de não partilhar brinquedos; a conduta-desordem (Dodge, 1990), denotando também comportamento agressivo; ou o 1 Alerta-se, todavia, que o leitor não deve esperar que este conceito englobe toda referência às pesquisas citadas subseqüentemente, dado que, aparece num sentido mais elástico no decorrer do texto. 14 comportamento-problema (Ludwig & Pittman, 1999), que engloba o uso de substâncias ilícitas, a delinqüência e o comportamento sexual de risco, podendo ser considerado também como sinônimo de comportamento anti-social, em geral. Outros comportamentos, como dirigir embriagado ou participar em gangs, constituem violações jurídicas, as quais quando cometidas por menores de idade, considerando, necessariamente, o sistema penal de cada país, classifica-se como comportamentos de delinqüência juvenil, que também são comportamentos anti-sociais ou comportamentos-problema ou mesmo comportamentos socialmente desviantes, isto é, que apresentam desviância (deviancy) 2 . Rhee e Waldman (2002) explicam que o comportamento anti-social tem sido estudado, e, portanto, operacionalizado, desde três grandes perspectivas: 1) numa perspectiva psiquiátrica, que usa os conceitos de desordem de personalidade anti-social (ASPD) e desordem de conduta (CD); 2) em termos de violação da lei e/ou das normas sociais; e 3) através do conceito de agressão. Apesar dos esforços para definir estes termos, muitos deles se superpõem ou apresentam definições pouco claras, que dificultam diferenciações precisas. Vê-se que muitos são utilizados de forma intercambiável. Vários termos, como comportamentos de risco, comportamentos desviantes, comportamentos delinqüentes, comportamentos criminais, comportamentos problemas ou anti-sociais fazem referência à mesma classe de comportamentos. As distinções que propõem Scaramella e cols. (2002), entretanto, parecem ser menos confusas e poderiam se enquadrar na segunda perspectiva, citada por Rhee e Waldman (2002). Aquelas oferecidas por Anderson e Bushman (2002) acerca do comportamento agressivo e violento, também são bastante úteis e, seguramente, já 2 Deviancy, no sentido empregado por Freedman e Doob (1968), inclui aqueles comportamentos de indivíduos que se sentem desviantes ou diferentes do grupo. Esta definição lata pode abarcar, por exemplo, o comportamento do gênio ou qualquer outro em que a excepcionalidade esteja presente, servindo de diferencial na relação indivíduo-grupo. No presente trabalho, todavia, usa-se a expressão como sinônimo de delinqüência. 15 consensuais na área. Deste amálgama conceitual pode-se concluir que tanto as condutas anti-sociais, em sentido restrito, como as delitivas ferem as normas sociais. Mas, apenas as delitivas ferem a norma jurídica. Em suma, pode-se classificar os comportamentos antes relacionados em 1) comportamentos anti-sociais (no sentido específico): que ferem unicamente as normas jurídicas e/ou sociais e 2) os comportamentos anti-sociais (no sentido geral): que englobam os dois tipos antes mencionados. De fato, várias são as variáveis relacionadas ao comportamento anti-social. Estes diversos tipos de comportamentos têm geralmente como cenário, ao menos na adolescência, a escola. Dadas as exigências prescritas pela sociedade moderna, este é um ambiente em que o jovem, nesta faixa etária, passa grande parte do seu tempo, rivalizando inclusive com sua presença no ambiente familiar. É na escola também onde muitas vezes acontecem delitos juvenis, como a violência adolescente, a qual é considerada como sendo um elemento constituinte da delinqüência ou uma das formas que assume, como ameaçar verbalmente, ferir alguém fisicamente ou participar de brigas em gangs (ver Herrenkohl & cols., 2000; Saner & Ellickson, 1996). Suficiente evidência empírica demonstra a importância do contexto escolar e da vizinhança no uso de substâncias psicoativas entre os adolescentes (Allison, Crawford, Leone, Trickett, Perez-Febles, Burton & Blanc, 1999). Depreende-se, pois, que tanto no contexto escolar como na vizinhança a influência que os pares desviantes exercem no comportamento do adolescente resulta decisiva, em grande parte, para o engajamento dos jovens adolescentes em atividades ilícitas, como o uso e abuso de drogas ou atos de vandalismo. Deve-se ressaltar que somadas às já consensuais correlações entre o álcool e a violência, surgem outras, que mostram a ligação do comportamento violento com o abuso e a distribuição de crack e cocaína (La Rosa, Lambert & Grooper, 1990). Sobre este 16 aspecto, Burnett (1998) comenta que a violência escolar se define como a violência cometida por crianças e adolescentes no domínio da escola, que vem sendo cada dia mais foco de diversas pesquisas e preocupação social, sobretudo, nos Estados Unidos. Certamente, este conjunto de indícios motivou a que, em junho de 1999, o Governo Federal do Brasil criasse uma comissão de especialistas com o objetivo de elaborar diretrizes para combater a violência nas escolas. Porém, apesar de pertinente a preocupação, não pode ser considerada tão freqüente e alarmante como outros delitos correlatos entre estudantes (por exemplo, o uso e venda de drogas e a agressão). Frente a este contexto, vê-se o surgimento de vários projetos e campanhas sociais como um esforço em minorar a gravidade do quadro que se apresenta. O Ministério da Educação e Cultura, por exemplo, aliado a outros órgãos, organizou uma campanha pela “Educação para a Paz”. Além das campanhas que vêm sendo realizadas nas escolas, observa-se igualmente, na sociedade civil, um esforço para lograr um ambiente mais tranqüilo, com menos violência e demais delitos. No Brasil, considerando o aumento da violência em várias cidades, este movimento de combate à violência é retratado em campanhas como “Sou da Paz” e no projeto “Se Liga Galera”. Em outra realidade, nos Estados Unidos, mais especificamente, a onda de mortes envolvendo adolescentes, tanto perpetradores como vítimas, fez com que a MTV (Music Television) e a APA (American Psychological Association) conjugassem esforços para um apelo à paz (Peterson & Newman, 2000). Apesar da expressão “delinqüente juvenil” evocar, na maioria das vezes, a imagem do adolescente masculino e geralmente oriundo de bairros urbanos e desfavorecidos economicamente, algumas tragédias recentes em contextos economicamente favorecidos, como em Littleton, no Colorado, têm demonstrado que não se trata de um problema unicamente ligado à pobreza (Beyers, Loeber, Wikstrom & Stouthamer-Loeber, 2001). 17 Outros episódios criminosos ocorreram também no Brasil, perpetrados por jovens e adolescentes de classe alta. Podem-se destacar, entre outros, o assassinato do índio Patachó por jovens de classe média e o tiroteio em um cinema paulista, realizado por um jovem estudante de Medicina (ver Formiga, 2002). O anteriormente comentado justifica que se estude o fenômeno da delinqüência juvenil e alguns dos seus aspectos específicos, como a violência e o uso de drogas, procurando conhecer as variáveis que poderiam explicá-los eficientemente. Isso, por suposto, permitiria o entendimento de causas, correlatos e conseqüências destes fenômenos sociais, que são de importância reconhecida para o desenvolvimento de políticas de saúde e estratégias legislativas para a prevenção e controle de tais problemas (La Rosa, Lambert & Gropper, 1990). Cabe lembrar que a delinqüência é um “problema multidimensional”, tendo, como a maioria dos comportamentos (as) sociais, raízes complexas (Gibbons, 1976). Coerentemente com esta visão, alguns pesquisadores na psicologia social, na psicologia do desenvolvimento, na psicologia jurídica, na psiquiatria, na criminologia e na sociologia, entre outras disciplinas, vêm empreendendo estudos inter-relacionando variáveis de diversos tipos, objetivando conhecer sua contribuição para o fenômeno em foco. No âmbito da psicologia, por exemplo, Hawkins, Catalano e Miller (1992) apresentam um excelente, e extenso, artigo sobre os fatores de risco e proteção para uso de álcool, drogas e problemas comportamentais entre adolescentes. Dentre os fatores de risco (chamados de precursores, ou aqueles que aumentam as chances de ocorrência do comportamento anti-social) são incluídas as leis e normas favoráveis para o uso de drogas, a disponibilidade da droga, a deprivação econômica extrema, a desorganização da vizinhança, as características psicológicas, os problemas comportamentais persistentes, a hiperatividade, o histórico familiar, as práticas parentais ineficazes, o conflito familiar, o 18 fracasso escolar, a rejeição dos pares, a alienação e rebeldia, as atitudes favoráveis para o uso de drogas e a tenra iniciação no uso de drogas (do adolescente menor de 15 anos). Os autores congregam quatro elementos que se têm demonstrado como fatores de proteção (chamados de precursores, ou aqueles que diminuem as chances de ocorrência do comportamento anti-social) para o uso de drogas, os quais são: 1) a forte atração pelos pais; 2) o comprometimento escolar; 3) o envolvimento regular em atividades religiosas; e 4) a crença prescritiva nas normas e valores da sociedade. Outro trabalho que reúne várias hipóteses, demonstrando um caráter heurístico, é o de Herrenkohl e cols. (2000). Numa pesquisa de caráter longitudinal, e desde uma perspectiva que põe ênfase na influência dinâmica dos fatores de risco entre diferentes períodos do desenvolvimento, aqueles autores estudaram o efeito de cinco domínios de variáveis importantes (fatores de risco) na violência juvenil, a saber: individual, familiar, escolar, dos pares e da comunidade. No domínio individual, encontraram forte influência das variáveis: gênero, hiperatividade, tomada de risco, venda de drogas, iniciação precoce à violência e atitudes pró-violência. No domínio familiar verificaram, como fortes preditores, a influência da violência e criminalidade parental, da administração familiar ineficaz, dos conflitos familiares, das atitudes parentais favoráveis à violência e da mobilidade residencial. Já no domínio escolar, evidenciou-se a influência do baixo desempenho, da aspiração e do comprometimento acadêmicos, das mudanças de escola e do comportamento anti-social. Com relação à influência dos iguais (pares), observaram que ter amigos delinqüentes e membros de gangs prediz significativamente a violência. Além destas variáveis, contribuíram para a explicação deste fenômeno a deprivação econômica, a desorganização da comunidade, a baixa união da vizinhança, a disponibilidade de drogas, os vizinhos adultos envolvidos com crimes e as sanções da lei 19 contra a violência. Windle (1990) verificou que a tenra iniciação na delinqüência geral (caracterizada pelo autor por atos delitivos que não incluem o uso de drogas), aumenta o risco para o abuso de substâncias psicoativas no futuro. Entretanto, o envolvimento precoce com tais substâncias, como consumo de álcool sem a permissão dos pais, uso de maconha e “drogas pesadas”, se revelou como o mais forte preditor para estas variáveis. Incontestavelmente, o uso de álcool e de drogas ilícitas vem sendo considerado como um dos principais correlatos da violência, da delinqüência, do comportamento antisocial, em geral (Adalbjarnardottir & Rafnsson, 2002; Barnes, Welt & Hoffman, 2002; Friedman, 1998; Grunbaum, Basen-Enguist & Pandey, 1998; Hunt & Laidler, 2001; Sussman, Dent & Stacy, 1999; Wagner, 1996). Richard, Bond e Stokes-Zoota (2003) também chegam a conclusões acerca do papel do álcool na agressividade; comprovando que quando as pessoas bebem ácool tornan-se agressivas e que quando elas pensam que estão bebendo álcool também se tornam agressivas. Saner e Ellickson (1996) encontraram que fatores de risco comportamentais, como a venda de drogas e a alta percepção de seu uso pelos amigos e pais, estão consistentemente relacionados com seis tipos de violência: 1) combater em gangs; 2) usar da força e/ou outros métodos para conseguir dinheiro de outras pessoas; 3) portar uma arma escondida; 4) atacar alguém com intenção de ferir ou matar; 5) provocar dano físico ou ameaçar alguém da própria família; e 6) provocar dano ou ameaçar algum estranho. Segundo Miller (1997), alguns estudos encontraram que crianças criadas em ambiente familiar com um dos pais ausentes têm maior probabilidade de usar substâncias ilícitas. No entanto, assim como os outros, não se deve considerar este como um dado isolado. Considerando esta fonte de influência, observa-se que outros estudos buscam avaliar a influência dos pais com histórico de uso de álcool (Goodwin, 1985), da eficácia parental (Whright & Cullen, 2001), da disciplina negativa na família (Fisher & Fagot, 20 1993) ou do monitoramento parental percebido (Li, Feigelman & Stanton, 2000). Vuchinich, Bank e Patterson (1992) observaram que a relação entre disciplina parental e comportamento anti-social na infância se dá de forma bidirecional, e que as disciplinas parentais se relacionam com a estabilidade do comportamento anti-social em préadolescentes. Vitaro, Brendgen e Tremblay (2000) analisaram o papel de variáveis moderadoras, como o monitoramento dos pais e as atitudes frente à delinqüência, na influência de amigos desviantes com relação à delinqüência. Seus resultados apoiaram o Modelo da Interação Social, o qual defende que o comportamento ou a orientação antisocial, os amigos desviantes e o monitoramento parental ineficaz contribuem para a predição da delinqüência. De acordo com este modelo, as atitudes desfavoráveis frente à delinqüência reduzem a influência dos pares desviantes e as experiências familiares moderam esta influência. Estas variáveis antecedentes se inter-relacionam fortemente, jogando um papel importante na explicação dos comportamentos anti-sociais e delitivos, assim como com respeito ao uso de drogas, formando assim uma gama comum de influência. Além da influência ambiental, tem-se analisado também a magnitude da influência de variáveis genéticas, a exemplo dos trabalhos de Taylor, Iacono, e McGue (2000; ver também Dodge, 1990; Rhee & Waldman, 2002; Taylor, Loney, Bobadila, Iacono & McGue, 2003), considerando-se, também, grandes amostras de adultos (Slutske & cols., 1997). Taylor, Iacono e McGue (2000), a partir de uma análise longitudinal, defendem que o início precoce na delinqüência é mais influenciado por um componente genético subjacente, enquanto que o início tido como tardio encontra-se mais mediado por fatores ambientais. Richard, Bond e Stokes-Zoota (2003), recentemente, analisaram numerosos estudos sobre agressão e constataram a forte influência de fatores hormônais. Os autores chegam às 21 seguintes conclusões acerca destes fatores biológicos: 1) existem influências genéticas na agressividade e 2) homens altamente agressivos têm altos níveis de testosterona. Entre os fatores ambientais mais estudados pelos psicólogos sociais, especificamente, para se entender melhor o comportamento anti-social de agressão, estão o clima, a relação do calor com taxas de criminalidade (aumento de homicídios) e a densidade social (superpopulação). Sobre esta última variável são um exemplo claro cidades como Recife, Rio e São Paulo. Adite-se a isso o desencadeamento de atos violentos influenciados pelo crowding, isto é, o sentimento subjetivo de falta de espaço, decorrente do excesso de pessoas em um ambiente (ver Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2000). Através de pesquisas com variáveis intrapsíquicas, Petraits e colaboradores (1995), e também Trad (1994), observam que a auto-estima se encontra relacionada aos comportamentos desviantes, estando relacionados tanto com a alta como com a baixa autoestima. Ainda nesta perspectiva, Greene, Krcmar, Walters, Rubin e Hale (2000) assinalam a importância do traço de busca de sensações; dando apoio ao encontrado por Romero, Luengo e Sobral (2001), em uma amostra espanhola. Neste mesmo nível de análise o coping é outro aspecto/processo que tem sido levado em consideração (Myers, Stice & Wagner, 1998; Petraits & cols., 1995). Outras variáveis apontadas na literatura que têm sido relacionadas com diversos comportamentos anti-sociais são: a depressão (Wiesner, 2003), a percepção de controle (López & García, 1997; Newcomb & Harlow, 1986), o psicoticismo, a impulsividade, o neuroticismo (Heaven & Cols, 2000; O’Connor & Dvorak, 2001; Romero, Luengo & Sobral, 2001; Tarter, 1988) o estresse (Hagan & Foster, 2003) e o rendimento acadêmico (Barriga & cols., 2002). 22 Além das variáveis já referidas, outros pesquisadores têm procurado estudar possíveis diferenças étnicas em relação a esses comportamentos. Por exemplo, Grunbaum, Basen-Enguist e Pandey (1998) estudaram diferenças étnicas e de gênero na prevalência do uso de álcool, cocaína e esteróides e os comportamentos violentos entre estudantes xicanos (pessoas nascidas no México, mas que viveram a maior parte das suas vidas nos Estados Unidos) e brancos não-hispânicos. Os dados demonstraram uma maior probabilidade dos adolescentes, de ambos os gêneros e brancos não-hispânicos, apresentarem maior uso (e também abuso) de álcool no mês anterior à realização da pesquisa do que fizeram os xicanos. Por outro lado, encontrou-se maior probabilidade de que os xicanos, de ambos os gêneros, tivessem fumado maior quantidade de maconha no mês passado do que os brancos não-hispânicos. Outros dados importantes referentes ao gênero e à etnia foram apresentados por Grunbaum, Basen-Enguist e Pandey (1998). Estes autores observaram que cerca de 40% dos homens relataram ter carregado uma arma, enquanto que menos de 10% das mulheres indicaram tê-lo feito. Entre homens e mulheres xicanas, tais autores verificaram que o uso de álcool, maconha, cocaína e esteróides se associou significativamente com o aumento do risco de carregar uma arma. O uso de cocaína e esteróides se correlacionou com o aumento de risco de carregar uma arma entre os nãohispânicos brancos, independentemente do gênero. Como antes se comentou, o fenômeno da delinqüência juvenil é consensualmente considerado como sendo de natureza multidimensional. Melhor exemplo disto é apresentado no Handbook of Antisocial Behavior (Stoff, Breiling & Maser, 1997) pela diversidade de campos relacionados. Muitos autores, de várias áreas na psicologia, coincidem em afirmar esta complexidade, que escusa a utilização de diversos tratamentos estatístico-metodológicos, considerando diferentes variáveis explicadoras, mediadoras e moderadoras, desde o nível hormonal, a testosterona, até a classe social, as relações entre 23 áreas desfavorecidas economicamente, as taxas de criminalidade e a cultura (Allison & cols., 1999; Arnett & Balle-Jensen, 1993; Grunbaum, Basen-Enguist & Pandey, 1998; Saner & Ellickson, 1996; Stueve, O`Donnell & Link, 2001). Portanto, é prudente reconhecer que não existe uma explicação unívoca para este problema, fazendo pensar a presente pesquisa como uma contribuição a respeito. Certamente, são importantes as pesquisas que procuram estimar a contribuição dos diversos fatores na explicação da delinqüência juvenil, incluindo variáveis genéticas, demográficas e de ordem econômica. Não obstante, considerando a natureza da presente dissertação, desenvolvida no âmbito da psicologia social, resulta pertinente enfocar aspectos constitutivos desta disciplina, como aqueles que se referem às relações interpessoais e às orientações sociais dos jovens. A propósito, a Teoria da Aprendizagem Social possibilita uma explicação complementar para o uso de drogas e os comportamentos delinqüentes entre adolescentes. Pauta-se na influência que exercem os modelos sociais, grupos de referência, pessoas importantes para os jovens, sobretudo amigos e pais, na aprendizagem da delinqüência e dos padrões comportamentais que visam “romper as normas” e quebrar as leis sociais em pequenos grupos informais (ver Petraits, Flay & Miller, 1995). Baseado nos quatro elementos que se têm demonstrado como fatores de proteção para o uso de drogas (Hawkins, Catalano & Miller, 1992) que traduzem princípios fundamentais da Teoria do Controle ou Comprometimento Social (TCS) e da Teoria da Aprendizagem Social (TAS) (propostas, respectivamente, por Hirschi, 1969 e Bandura, 1979; citados em Hawkins, Catalano & Miller, 1992) os autores propõe um modelo integrado: o Modelo do Desenvolvimento Social (MDS), proposto inicialmente por Hawkins e Weiss (1985, citado por Hawkins & cols., 1992). O MDS e a TCS são teorias de identificação social e comprometimento convencional (Petraits, Flay & Miller, 1995) e 24 compartilham de princípios teóricos que parecem verdadeiramente úteis para delinear programas de prevenção de problemas escolares, uso de drogas e demais problemas comportamentais entre adolescentes e jovens. A despeito do grande número de fatores concorrentes para a sua manifestação, os comportamentos anti-sociais demonstram ser ainda mais multideterminados. Visto que, dentre o conjunto de variáveis que entram na explicação destes comportamentos entre crianças e adolescentes, ainda se pode destacar o papel da mídia. Com relação a este tema, mais especificamente buscando melhor entender a agressão, tem-se verificado uma forte atuação do grupo de C. A. Anderson e B. J. Bushman, os quais propuseram o Modelo Geral da Agressão (GAM – General Agression Model) acerca dos efeitos da mídia violenta no comportamento agressivo, através, sobretudo, de pesquisas experimentais (Anderson & Bushman, 2001; Anderson & Bushman, 2002; Bushman & Anderson, 2002). O GAM foi empregado em diversas pesquisas, considerando diferentes categorias de mídia. Por exemplo, para explicar o efeito de filmes violentos 3 em pensamentos e sentimentos agressivos (Anderson, 1997), de vídeo games (jogos eletrônicos) violentos, tanto no pensamento como no comportamento agressivo (Bushman & Anderson, 2002) e, mais especificamente, de estilos e letras musicais (Anderson, Carnagey & Eubanks, 2003) tendo como variáveis dependentes pensamentos e sentimentos agressivos. Neste sentido, tem-se destacado a relação entre o rock e outros gêneros específicos, como principalmente o heavy metal e o rap. McNamara e Ballard (1999) comentam que tais estilos são tipicamente preferidos por pessoas jovens, despertando a atenção de pais e outros grupos preocupados com suas influências negativas. Estes autores ainda relatam que “a influência da música rock no comportamento tem sido assunto de debate desde seu 3 Vale destacar que vários estudos sobre a influência de modelos agressivos nos meios de comunicação, mass media, mais especificamente nos programas da TV e no cinema, já têm tido seu lugar na psicologia desde a década de 50 (ver Weiss, 1968), os quais podem ser incluídos no tópico geral de influência social e mudança de atitudes. 25 início. Os esforços para censurar a música rock começaram nos anos 60, quando as letras iniciavam as referências a Satanás, ao sexo, às drogas, à violência e ao protesto” (p. 231). Esta preocupação tem sido algumas vezes referendada. Por exemplo, pesquisadores da American Academy of Pediatrics (Hogan & cols., 1996) indicam “numerosos estudos” que encontraram relação significativa entre preferência por heavy metal e alienação, abuso de substâncias, desordens psiquiátricas, risco de suicídio, estereótipos de papel sexual e comportamentos de tomada de risco. Em resumo, a influência musical extrapola os limites sonoros, incluindo também a identificação com bandas e grupos de jovens, que alimentam culturas juvenis que, muitas vezes, exercem mais poder de decisão que a própria família – considerando, obviamente, todas as peculiaridades do período da adolescência. Esta influência provavelmente se vê pautada nos valores assumidos por esses jovens, contribuindo conjuntamente para explicar as atitudes que podem ter em relação a comportamentos anti-sociais específicos (por exemplo, o uso de maconha), o que poderia fundamentar também as condutas anti-sociais em geral. Estas suposições ou simplesmente peças do “quebra-cabeças” procuram explicar os comportamentos desviantes dos jovens adolescentes, considerando como bases teóricas as teorias de comprometimento convencional e da atração social. Estas teorias serão posteriormente detalhadas, servindo como referências para compreender a influência da identificação grupal, assim como dos valores nos comportamentos anti-sociais e delitivos. Serão tidas em conta três principais variáveis antecedentes: valores humanos, preferência musical e identificação grupal. Em termos de organização didática, esta dissertação, apresenta três capítulos principais para estruturar o marco de referência teórico. O Capítulo I, intitulado “Desenvolvimento das explicações para o comportamento anti-social”, apresenta o desenvolvimento histórico das explicações sobre a delinqüência juvenil e as principais 26 teorias na psicologia contemporânea acerca do uso de substâncias ilícitas e demais comportamentos anti-sociais na adolescência. No Capítulo II, denominado “Música, grupos juvenis e comportamento (anti) social”, discute-se a influência que exerce a música no comportamento dos adolescentes. Este capítulo reúne pesquisas empíricas concernentes à influência da música, considerada como um elemento crucial para a formação de identidades sociais e de grupos juvenis alternativos no comportamento desviante. No Capítulo III, cujo título é “Os valores humanos na psicologia social contemporânea e sua relação com os comportamentos anti-sociais”, discorre-se inicialmente acerca das principais teorias de valores nesta área. Apresenta-se ainda o modelo de valores adotado nesta dissertação, arrolando-se pesquisas empíricas que deixam ver em que medida os valores humanos podem servir como uma explicação para os comportamentos anti-sociais. Os demais capítulos compreendem a pesquisa empírica propriamente dita, retratando o Método (Capítulo IV), os Resultados (Capítulo V), a Discussão (Capítulo VI) e, finalmente, as Conclusões (Capítulo VII). O Capítulo VIII (Referências), juntamente com os anexos que o seguem, encerram esta dissertação. Apesar dos temas abordados serem passíveis de tratamento a partir de diferentes marcos teóricos e métodos, inclusive de diferentes perspectivas (por exemplo, literária, jornalística e outras), optou-se aqui por uma análise desde a psicologia social, com incursões sociológicas. Neste sentido, procurou-se dar um sentido mais empírico a esta obra, utilizando-se uma amostra de jovens adolescentes, que têm sido considerados como potencialmente desviantes das normas sociais (Coelho Júnior, 2001). 27 Capítulo I DESENVOLVIMENTO DAS EXPLICAÇÕES PARA O COMPORTAMENTO ANTI-SOCIAL 28 As raízes para a explicação do comportamento anti-social, na sua acepção abrangente, respeitante à segunda perspectiva referenciada por Rhee e Waldman (2002), que trata da questão em termos da violação da lei e/ou das normas sociais, podem ser encontradas em vários estudos, muitos de cunho especulativo, acerca da “delinqüência juvenil” que remontam à Idade Média. Numa análise etimológica do termo, verifica-se que a palavra juvenil vem do latim Juvenile, que significa o que é relativo a ou próprio da juventude. Já juventude, do latim juventute, significa idade moça, mocidade e adolescência. A palavra delinqüência, também do latim, delinquentia, significa o ato de delinqüir, estado, qualidade ou caráter de delinqüente. Delinqüir, por sua vez, significa cometer falta, crime, delito. Com o objetivo de sintetizar o desenvolvimento das explicações para o comportamento anti-social, buscou-se relatar os principais pontos de vista de importantes teorias psicológicas e sociológicas. Este esforço se divide em duas partes principais: A Perspectiva Individualista e A Perspectiva Sociológica, que descrevem contribuições relevantes para tratar da complexidade das questões tratadas. Para a concreção deste objetivo, recorre-se aos sociólogos Haskell e Yablonsky (1974), mais especificamente sua obra Juvenile Delinquence. 1.1- A PERSPECTIVA INDIVIDUALISTA Pretende-se aqui situar as diversas explicações sobre comportamentos desviantes desde uma perspectiva que focaliza os aspectos individuais. Os pontos desenvolvidos nesta primeira parte compreendem o conjunto das explicações baseadas na possessão demoníaca, na escola clássica da criminologia, no positivismo italiano, em outros estudos posteriores sobre tipos físicos e crimes, nos estudos sobre cromossomos e criminalidade, no positivismo moderno, na visão psicanalítica, na teoria do reforço, na teoria da associação 29 diferencial, na teoria da alienação social, na teoria de Reclkless e na teoria do grupo de referência. Possessão Demoníaca Durante a Idade Média, sob influência do pensamento cristão na vida do homem ocidental, o delinqüente juvenil era entendido como estando sob posse de uma força diabólica. Esta concepção cristã influiu nos períodos subseqüentes e talvez ainda perdure nos dias de hoje. Com relação a isto, foi enunciada nos Estados Unidos, no ano de 1862, na Suprema Corte, a seguinte declaração: “conhecer o certo e ainda permanecer errado procede de algo perverso que está sendo conduzido pela sedução do maligno” (Haskell & Yablonsky, 1974, p. 553). Em 29 de novembro de 1972, em discurso para mais de 6.000 pessoas, o Papa Paulo VI afirmou que Satanás está dominando comunidades e entidades sociais inteiras pelo sexo, narcóticos e erros doutrinais, entendam-se estes como condutas socialmente desviantes. Apesar desta explicação para o crime ainda vigorar em determinados âmbitos, como na igreja e na família, ela não tem lugar no âmbito científico. A Escola Clássica da Criminologia Ainda numa perspectiva que põe ênfase no individual, denominada de Escola Clássica da Criminologia, Cesare Beccaria, tido como seu fundador, baseou-se na doutrina cristã segundo a qual todos são livres para escolher entre o bem e o mal. A tal explicação se adiciona o pressuposto de que o homem é essencialmente hedonista, buscando o máximo de prazer e se esquivando da dor. Considerado o maior proponente desta escola, Jeremy Bentham publicou, em 1825, An Introduction to the Principles of Moral and Legislation, na qual prescreve punições para crimes específicos. Para Bentham, o homem escolhe se é pessoalmente proveitoso cometer um crime. 30 A Escola do Positivismo Italiano Ao médico italiano Cesare Lombroso é creditado ter desafiado as explicações forjadas pela Escola Clássica da Criminologia. No final do século XIX, Lombroso e seus seguidores buscaram explicações para o crime e o comportamento delinqüente a partir da análise de dados empíricos. Suas conclusões falam de tendências criminais herdadas e de características físicas que distinguiam os criminosos. As principais foram as seguintes: 1) os criminosos nascem com um tipo físico distinto; 2) podem ser identificados através de certos estigmas físicos, como a mandíbula alongada, barba escassa e baixa sensibilidade à dor, entre outros; 3) tais características não causam crime, mas servem para identificar os “tipos criminosos”; e 4) apenas através de intervenção social severa o comportamento criminoso pode ser reprimido. Esta tipologia física de Lombroso foi criticada por não contemplar características culturais que propiciam o crime. Contudo, ele e seus colaboradores, como Ferri e Garofalo, entre outros, acrescentaram posteriormente fatores sociais na sua análise criminológica. Haskell e Yablonsky (1974) afirmam que, apesar de postular uma tese errada sobre o nascimento dos criminosos, Lombroso aportou significativa contribuição para o campo da criminologia, pois: 1) mudou o foco dos estudos sobre o tema, de uma postura filosófica para uma análise desde pesquisas empíricas; 2) ampliou a discussão acerca das causas do crime; 3) atraiu alguns distintos estudantes para a sua escola de criminologia; e 4) produziu uma reforma na escola clássica Beccaria-Benthan. Tipos Físicos e Crime: Estudos posteriores Na década de 1940, Willian Sheldon concluiu que existe uma relação entre características físicas e temperamentos. Ele classificou o homem em quatro tipos físicos, com seus respectivos temperamentos: 1) endomorfo – o qual tende a ser gordo, descrito 31 como viscerotônico, que é pouco interessado em atividades físicas e aventuras; 2) mesomorfo – cuja tendência é de ser um tipo musculoso, com ossos grossos, porte atlético; em termos de temperamento é considerado somatotônico, ativo fisicamente, com assertividade alta e corajoso; 3) ectomorfo – inclinado a ser magro e frágil, caracterizado como cerebrotônico, inibido e introvertido; e 4) tipos balanceados – uma categoria mista que serve para classificar aqueles que não se encaixariam em uma única das categorias descritas. Num estudo com dois mil delinqüentes juvenis, este autor encontrou que 60% deles se enquadravam na categoria mesomorfo. Estes tipos poderiam ser classificados como oficiais de polícia ou do exército, jogadores de futebol e demais líderes que podem ser identificados na sociedade. Cromossomos e Comportamento Criminal Na década de 1970, alguns estudos buscavam demonstrar uma correlação entre o comportamento criminoso e um desvio nos cromossomos, que era dado pelo acréscimo de um Y no par XY (normal). Os diversos estudos mostraram inconsistência nos resultados, o que, todavia, não impossibilitou uma conclusão a favor da hipótese do cromossomo extra. Defendeu-se, porém, que os criminosos tinham seis vezes mais chance de possuírem este padrão cromossômico. Haskell e Yablonsky (1974) assinalam que, inicialmente, se defendia que o comportamento dos criminosos era determinado biológica e hereditariamente, existindo assim uma relação direta entre estes componentes. Posteriormente, passou-se a argumentar que o que era geneticamente transmitido era uma tendência geral para o mal-ajustamento. Esta suposição, mais parcimoniosa, considerava que, sob certas pressões ambientais, tal tendência geral conduziria ao comportamento criminoso. Entretanto, o crime era então tido apenas como um dos resultados comportamentais que podem decorrer do defeito na estrutura fisiológica. 32 Positivismo Moderno A tensão entre as concepções positivistas (Lombroso) e livre-arbitristas (BenthanBecaria), acerca do comportamento criminoso e delinqüente, provavelmente influenciou Matza, em meados dos 1970, a rever o ponto de vista da escola clássica. Sua revisão possibilitou suavizar o propalado conceito de determinismo, propondo o que se denominou de determinismo “soft”, apontando que as teorias contemporâneas, no campo da criminologia, vêm-se distanciando do conceito de determinismo rígido. Depreende-se, desta forma, que a visão adotada de homem é que ele nem é totalmente determinado, nem tampouco totalmente livre. A influência desta visão na explicação do comportamento antisocial adolescente, mais especificamente, é que este não pode ser entendido como totalmente um “fora da lei”, mas que tenderia para o comportamento delinqüente. O Ponto de Vista da Psicanálise Considerando sua formulação inicial, dada por Sigmund Freud, a psicanálise também oferece explicações para o comportamento delitivo, como, por exemplo, matar. Existem dois instintos básicos em função dos quais existimos: Eros, o instinto de vida e Thanatos 4 , o de morte. Outra suposição basilar desta teoria corresponde à composição da personalidade adulta pelo Id, Ego e Superego. O Id busca gratificação imediata, fundamentada no “princípio do prazer”, segundo o qual se busca maximizar o prazer e evitar a dor. Desta forma, é considerado como prazer também o que proporciona o ato de matar. No entanto, este ato é recriminado socialmente, devendo assim ser reprimido. O papel que desempenha o Superego, portanto, é crucial, pois estaria sob cargo desta instância o desenvolvimento da moralidade, do remorso, das normas sociais para o funcionamento “normal” da sociedade. Quanto ao Ego, seria a parte 4 É importante destacar que Freud só acrescenta o instinto de morte como impulso motivador do comportamento humano, no caso, comportamento agressivo/violento, após a grande guerra mundial (ver Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2000). 33 que está em maior contato com a realidade, agindo sob o “princípio da realidade” e, possibilitando, desde sua racionalidade, adiar recompensas. Sinteticamente, pode-se aduzir as explicações que dá a psicanálise para o crime ou delinqüência juvenis em três pontos: (1) inabilidade para controlar os impulsos do Id, devida a um déficit no desenvolvimento do ego e superego; (2) portanto, o caráter antisocial resultaria de um distúrbio no Ego, que ocorreria durante os três primeiros anos de vida; e (3) um super desenvolvimento do Superego não possibilitaria prover as demandas do Id e o sujeito desenvolveria uma neurose. Freudianos, neofreudianos e outras escolas da psicanálise coincidem em defender que o problema da criminalidade pode ser explicado mediante o estudo de conflitos internos, problemas emocionais, sentimentos inconscientes de insegurança, inadequação e inferioridade. Teoria do Reforço e Comportamento Criminal A Teoria do Reforço, clássica na história da psicologia, também oferece uma explicação para o crime e outros comportamentos anti-sociais. Com base em alguns pressupostos desta teoria, o comportamento criminal é entendido como resultante de um conjunto de estímulos reforçadores desta conduta, e que podem ser punitivos ou recompensadores. Desta maneira, entende-se o comportamento delinqüente como sendo socialmente aprendido em função das contingências do meio. Tendo em conta este aporte teórico, Trasler verificou experimentalmente sua hipótese de que as pessoas não se tornavam criminosas por inibirem uma classe específica de comportamentos, os quais eram passíveis de punição. Decorrente disso, o sujeito era condicionado a se sentir ansioso em vislumbrar a punição cabível ao seu ato. Para os psicólogos que esposam as explicações comportamentalistas, o jovem que manifesta comportamento criminoso não recebeu, desde o início da sua socialização, a punição adequada para seus atos anti-sociais. 34 Teoria da Associação Diferencial Pode-se considerar a Teoria da Associação Diferencial, de Edwin H. Sutherland e Donald Cressey, formulada inicialmente no fim da década de 1930, como altamente importante para o entendimento de teorias contemporâneas na psicologia para explicação de diversos comportamentos desviantes. Utiliza-se aqui da constatação básica de Gabriel Tarde, segundo a qual o crime é aprendido, assim como outros comportamentos, pelo processo de imitação de modelos sociais. Os princípios gerais desta teoria podem ser sumarizados em nove pontos: 1) O comportamento criminoso é aprendido. Apesar de parecer bastante simples a afirmação, sua antítese, segundo a qual o comportamento delitivo é considerado como sendo herdado, ainda não pode ser tida como completamente refutada, rivalizando assim com explicações que focam o entendimento nos aspectos de interação social; 2) O comportamento criminoso é aprendido através da interação com outras pessoas no processo de comunicação. Reputa-se que a comunicação, sobretudo verbal, mas também nos seus aspectos gestuais, reveste-se de capital importância para o processo de socialização, sendo assim necessária para o indivíduo na sociedade; 3) A parte principal da aprendizagem do comportamento criminoso ocorre nos grupos informais. Isso estabelece que os grupos de amigos, turmas, “galeras” ou gangs de adolescentes exercem mais influência na gênese do comportamento criminoso do que os meios de comunicação, como cinemas e jornais; 4) A aprendizagem do comportamento criminoso inclui (a) técnicas para a prática do crime, que podem ser complexas ou simples e (b) uma direção específica de motivos, racionalizações, atitudes e drives; 35 5) A direção dos motivos, racionalizações, atitudes e drives é aprendida das definições do código legal em termos de favorabilidade e desfavorabilidade. A violação do código é definida, em algumas sociedades, de modo favorável para que surjam condições para o seu não-cumprimento. Isso se deve, obviamente, a uma formulação inadequada da lei; 6) Uma pessoa torna-se delinqüente devido a um excesso de condições favoráveis para a violação das leis. Este é considerado o princípio da teoria em apreço, segundo o qual uma pessoa se torna criminosa devido às associações com padrões de comportamentos criminosos e o isolamento, ou a não associação, com padrões anticriminosos; 7) As associações diferenciais variam em freqüência, duração, prioridade e intensidade. Estas modalidades (freqüência, duração, prioridade e intensidade) se manifestam de várias maneiras no processo de associação diferencial. Neste sentido, a análise deste fenômeno deve ter em conta a inerência destes aspectos. Por exemplo, pode-se verificar a duração de padrões anti-sociais, cujo início pode dar-se na infância e perdurar até a fase adulta. Já a intensidade seria mais explicada em termos da experiência emotiva que estaria relacionada com a manutenção de um determinado padrão ou repertório comportamental; 8) O processo de aprendizagem do comportamento criminoso por associação com padrões anti e pró-crime envolvem os mecanismos que têm lugar na aprendizagem de outros tipos de comportamentos. Isso permite concluir que a aprendizagem do comportamento criminoso não pode ser explicada unicamente pela imitação. Por exemplo, argumenta-se que uma pessoa seduzida a delinqüir não aprende o comportamento delitivo por imitação, mas sim pelo processo de associação; 36 9) O comportamento criminoso é uma expressão de necessidades e valores. De acordo com a presente teoria, não se poderia classificar os valores de um ladrão ou de um trabalhador honesto, no sentido de saber quais estariam explicando o comportamento criminoso. Argumenta-se, como exemplo, que um ladrão poderia ter seu ato de roubar motivado pelo mesmo valor cultivado pelo trabalhador que visa segurança financeira. Teoria da Alienação Social A contribuição de Clarence R. Jeffery para a criminologia, datada de 1970, consistiu de sua Teoria da Alienação Social. De acordo com esta teoria a origem do comportamento criminoso pode ser explicada em termos de estrutura institucional. Tenciona-se, com isso, responder a questão do por quê o comportamento é considerado criminal. Neste sentido, entende-se que o comportamento anti-social só pode ser considerado como delitivo quando do surgimento de um sistema de leis criminais que o justifique como tal. Seguindo Jeffery, a lei se escusa pela despersonalização e declínio na coesão social, representando uma conseqüência da urbanização e da ineficácia das relações sociais em servir de instrumento para o controle social. O autor identifica duas vertentes para as explicações do comportamento delitivo, que se referem às escolas psicológica e sociológica. Para a primeira, os problemas com a delinqüência juvenil seriam advindos de problemas internos, conflitos mentais e emotivos. Para a segunda, representada pelos sociólogos da Teoria da Associação Diferencial, tais problemas se explicariam por processos de identificação grupal. Jeffery aponta as seguintes críticas em relação a esta última escola: 1) Na Teoria da Associação Diferencial não há uma preocupação em explicar como se origina a criminalidade; 2) Por outro lado, esta teoria não explica crimes passionais e acidentais; 37 3) Outro ponto tido como fraco é que não se explicam aqueles crimes cujos perpetradores não tinham contato prévio com atitudes criminais; 4) Não se explica, ademais, como não-criminosos vivem em um mesmo ambiente com criminosos e não se “contaminam” por eles; 5) Não existe tampouco uma diferenciação entre comportamentos criminosos e nãocriminosos; 6) A teoria não considerou também aspectos motivacionais e padrões diferenciais de resposta, os quais levam a que as pessoas reajam diferentemente a situações similares; e 7) Por fim, a teoria não tratou de examinar as variações nas taxas de criminalidade tendo em vista variáveis sócio-demográficas, tais como a idade, o sexo, as áreas residenciais (urbanas vs. rurais) e os grupos minoritários. A Teoria da Alienação Social resultou do intento de integrar as visões psicológica e sociológica sobre o crime e a delinqüência. Ela estabelece que as taxas de criminalidade são mais acentuadas em grupos cujo processo de interação se caracteriza por isolação, anonimato, despersonalização e anomia. Para Jeffery, as relações interpessoais e os sentimentos que se originam delas são essenciais para explicar o comportamento que viola a lei. Conclui-se daí que o “criminoso típico” falhou em estabelecer relações interpessoais satisfatórias e tem, por isso, sentimentos negativos, como se sentir indesejado no grupo e ter um senso de existência inadequado. Como se constata, a Teoria da Alienação Social coincide com o pensamento psicológico que utiliza vários conceitos referentes a estados internos para explicação das condutas socialmente desviantes, como os conceitos de sentimento de rejeição, apatia, isolamento psicológico, entre outros. Por outro lado, a despeito das críticas, a proposta de Jeffery se harmoniza com a importância que Sutherland atribuiu à interação social nos chamados grupos primários. 38 Todavia, diferencia-se em alguns pontos, dado que a teoria da alienação social explica: 1) crimes acidentais passionais; 2) como indivíduos não-criminosos conseguem viver em “sub-culturas delinqüentes” e ainda assim mantêm-se isolados de padrões criminais; 3) por que indivíduos que não têm histórico de associações com criminosos podem vir a cometer atos delitivos; e 4) que o comportamento criminal tem lugar em áreas caracterizadas pelo anonimato e relações impessoais. Em suma, tentou-se conciliar aspectos sociológicos e psicológicos para a explicação das condutas desviantes. Enfatiza-se a importância da interação social e dos conteúdos emotivos que podem surgir a partir dela, considerando obviamente o tipo dessas relações. Teoria da Contenção Walter Reckless toma em consideração um conjunto de fatores para a explicação do comportamento criminoso. Os pontos cardeais da sua análise são: 1) Pressões sociais. Reckless inicia sua análise fazendo uso do conceito de pressões sociais, o que inclui aqueles fatores que se encontram no topo da influência supraindividual. Entre tais fatores de pressão, estão viver sob condições adversas, status do grupo minoritário, falta de oportunidades e presença de conflitos familiares; 2) Fatores influenciadores. Dizem respeito à influência de “más companhias”, subcultura criminal ou delinqüentes e grupos desviantes; 3) Estrutura de contenção externa. Esta pode ser efetiva ou não. Uma estrutura de contenção externa efetiva é representada por viver em uma família efetiva, cujas práticas parentais são tidas como adequadas, e em grupos de apoio social, no qual o indivíduo desenvolva o comportamento pró-social; 4) Auto-contenção. Resulta de internalização eficaz ou pobre. Quando a contenção externa é falha, a contenção interna deve ser forte o suficiente para reprimir os “impulsos de dentro” e as “pressões de fora”; 39 5) Impulsos ou disposições. Considera-se como a camada mais profunda de influência para a manifestação do comportamento criminoso. O que inclui tensões internas, hostilidade, agressividade, sentimentos de inferioridade e de não se sentir adequado e enfraquecimentos orgânicos. A teoria explica que a falha na contenção externa pode ser patenteada através de comportamentos sem limites bem definidos, o declínio de regras e normas, a ausência de papéis definidos para os adolescentes e o fracasso da família em imprimir limites e regras adequadas para os mesmos. Teoria do Grupo de Referência Apesar dos autores incluírem as três últimas teorias descritas na perspectiva individualista, deve-se ressaltar que suas explicações podem se situar nos níveis interpessoal e intergrupal de análise, classicamente empregados na psicologia social. Torna-se claro, neste sentido, a influência dessas teorias em modelos atuais nesta área. A Teoria do Grupo de Referência põe ênfase em agentes de socialização primários e nas chamadas “sub-culturas delinqüentes”, para a explicação do engajamento dos jovens em atividades anti-sociais. Para tanto, têm-se as seguintes proposições: 1) A família é o primeiro “grupo de referência pessoal” para a criança. É considerada como um “psico-grupo”, visto que tem a função de prover à criança e ao adolescente reconhecimento, aprovação e apreciação. No “psico-grupo”, o elemento mais valorizado diz respeito ao relacionamento emocional. No entanto, também age como “sócio-grupo”, pois possibilita o alcance de objetivos que seriam difíceis de serem atingidos sem o grupo. Ambos os tipos de grupos são considerados grupos face-aface e cumprem importante papel na socialização; e 2) A família é um grupo de referência normativo. Designa-se de grupo de referência aquele no qual o indivíduo é motivado a manter relações. Quando um grupo de 40 relações (por exemplo, os colegas de trabalho) torna-se um grupo de referência, este passa a desempenhar um papel normativo no comportamento do indivíduo. Vale salientar, ainda, que um grupo normativo tem a função de imprimir aos seus membros valores e normas amplamente compartilhados pela sociedade. Ademais, mesmo sendo uma família em que os pais tenham comportamento criminal, eles serão motivados a punir o comportamento desviante dos seus filhos. Em resumo, pode-se perceber, na psicologia hodierna, a influência de algumas dessas explicações sociológicas para o comportamento criminal. Para a psicologia social, sobretudo, vê-se que a teoria do reforço, a teoria da associação diferencial, a teoria da alienação social, a teoria da contenção e a teoria do grupo de referência, são particularmente importantes para uma explicação psicossocial de comportamentos socialmente desviantes. A influência de variáveis genéticas e hormonais (testosterona) segue sendo estudada atualmente (ver, por exemplo, Rhee & Waldman, 2002) e sua importância foi fortemente corroborada em uma meta-análise que reuniu 100 anos de pesquisa em psicologia social (Richard, Bond & Stokes-Zoota, 2003). Todavia, aqui só importa reconhecer sua importância, dada a natureza da análise proposta. 1.2.- PERSPECTIVAS DE ÊNFASE NO GRUPO E NA SOCIEDADE Esta segunda parte reuniu contribuições de Èmile Durkheim, Robert Merton, Willian Bonger, Clifford Shaw, Donald Taft, Albert Cohen, Cloward e Ohlin, Walter Miller, Bloch e Niederhoffer, Howard Becker, Richard Quinney e Jeffery cuja iniciativa de apresentá-la, num trabalho de psicologia social, representa, mais uma vez, a consciência de fatores macrossociais na explicação do fenômeno em questão. Mais uma vez também vale a ressalva de que se trata apenas de um intento de apresentar várias visões sobre o comportamento anti-social sem aprofundamentos teóricos, posto que tal extrapolaria o escopo deste capítulo. 41 Durkheim No final do século XIX, o insigne sociólogo francês Émile Durkheim publicou duas obras extremamente importantes para a visão sociológica do crime (As Regras do Método Sociológico, de 1895, e O Suicídio, de 1897), nas quais considerou o crime como parte integrante das sociedades. E explicou que é o grupo dominante que define o ato como criminoso, não sendo o crime, portanto, uma característica inerente ao ato. Seguindo esta visão, o crime sempre está presente em todas as sociedades, mudando, todavia, suas formas de manifestação. Para Durkheim, alguns comportamentos, talvez por serem patológicos, são mais facilmente rotulados, como o assassinato, por exemplo. Continuando a análise, explica-se que nas sociedades em que se permite que os indivíduos difiram do tipo coletivo, torna-se inevitável que alguns atos sejam tidos como criminais. Entretanto, alerta-se que nada é indefinidamente “bom” e que as pessoas devem ser livres para desviar, senão a mudança social seria uma ficção. Este argumento é exemplificado pelo fato de que na colonização dos Estados Unidos, os seus pais fundadores foram classificados como, legalmente, criminosos no império britânico. Durkheim, portanto, conclui que “o crime é uma força valiosa para a mudança social”. Por fim, salienta-se que a sociedade é a única instância superior ao indivíduo, sendo, neste sentido, capaz de lhe impor limitações, regulando seus desejos e definindo restrições. Comportamento Desviante e Deslocação no Sistema Social Outro nome valioso na sociologia, Robert K. Merton, em meados dos anos 1950, utilizando a noção de deslocação social, analisou como a estrutura social exerce pressão nas pessoas para o comportamento não-conformista. De acordo com Merton, o comportamento desviante resulta de discrepâncias entre as metas culturalmente definidas e os meios socialmente estruturados para alcançá-las. 42 Seguindo a análise do crime com ênfase explicativa no conceito de metas, as quais são ambicionadas socialmente e podem ser alcançadas através dos deslocamentos sociais, o autor ressalta que a sociedade norte-americana estadunidense define o sucesso como uma meta para qualquer um e que existem alguns dos meios socialmente aprovados para se obter sucesso, tais como o trabalho duro, a educação e a economia. Entretanto, a ênfase da sociedade recai fundamentalmente no quê conseguir, nas metas, ou seja, vencer o jogo, e não no como conseguir, isto é, nos meios pelos quais conseguir. Visto que muitas pessoas não têm os meios para isso, elas têm menos chances de lograr êxito, a menos que se desviem. Merton descreve cinco modos básicos de adaptação para as metas e meios aprovados pela sociedade. Esses meios de adaptação incluem: 1) Conformidade. Trata-se da conformidade mais comumente observada; aquela que se dirige aos meios e metas sociais; 2) Inovação. Quando a ênfase nas “metas” de se obter sucesso não acompanha a internalização das normas referentes aos “meios” de se lograr êxito, aquele guiado mais pela inovação pode optar por “meios ilegais” e vir assim a delinqüir; 3) Ritualismo. A rejeição das metas definidas culturalmente acompanhada da conformidade aos meios mais enfatizados, leva a que o indivíduo se comporte de forma ritualística, sem variabilidade no repertório comportamental; 4) Retraimento. Trata-se da rejeição das metas culturalmente definidas e a institucionalização dos meios. O indivíduo se esquiva, tornando-se um adicto, um alcoólatra ou um psicótico, entre outros; 5) Rebelião. Diz respeito à negação das metas e dos meios de alcançá-las. O rebelde se esforça para introduzir uma “nova ordem social”. Ao analisar esse esquema conceitual, Haskell e Yablonsky (1974) acrescentam outro conceito de adaptação aos cinco postulados por Merton, trata-se do dropout. O conceito de dropout se aplica àquele adolescente que “espera acontecer” ou, mais apropriadamente nos dias de hoje, “que deixa rolar”. Esse comportamento pode ser classificado como vadiagem 43 e segundo a legislação de vários países, pode ser reputado como criminal. Vale salientar que os autores também fazem uso deste conceito, numa apreciação da teoria da alienação social de Jeffery, para explicar o uso de drogas, referindo-se mais especificamente ao uso de maconha e LSD, nas áreas pobres, e também ao comportamento violento de jovens de classe média e grupos minoritários de classe baixa. Determinismo Econômico O criminologista holandês, de índole marxista, Willian A Bonger, foi o principal proponente da teoria da causação econômica do crime, cujos princípios datam de 1901. Bonger atribuiu os atos criminosos, particularmente os crimes contra a propriedade, diretamente à pobreza do proletariado no sistema capitalista competitivo. A pobreza, que é fruto de um fracasso na competição econômica, conduz à desorganização das pessoas, sendo parte integrante da sociedade capitalista. A solução para o crime, portanto, deve passar por uma mudança nos meios de produção para o desenvolvimento das classes desfavorecidas. Desorganização Social e Crime Buscar relações entre áreas residenciais e grupos naturais que nelas habitam é, grosso modo, a função dos ecologistas. Num estudo realizado em Chicago, em meados de 1920, Burgers, e posteriormente Shaw, evidenciaram maiores taxas de delinqüência em áreas de mais alarmante desorganização social. Ressalte-se que nas áreas de desorganização social existe um “conflito cultural”. Em uma área de pobreza, por exemplo, desenvolvem-se valores que não se harmonizam com aqueles esposados pela sociedade em geral. Essa asserção, todavia, pode ser pensada em termos de diferenças nas prioridades no sistema de valores da classe baixa e da classe média. A influência dessa perspectiva pode ser sentida em vários estudos atuais que buscam conhecer a influência do background social na manifestação do comportamento anti-social. Pode-se considerar, por exemplo, a 44 influência da vizinhança na qual o indivíduo desenvolveu-se, com amostras de bairros favorecidos e desfavorecidos economicamente. Dimensões Culturais da Criminalidade Outro ponto que merece destaque, numa macro-análise do comportamento antisocial, diz respeito às diferenças com respeito a distintas culturas. Com relação a isto, os estudos na esfera da psicologia trans-cultural são bastante importantes (ver, por exemplo, Arnett & Balle-Jensen, 1993). a) Teoria Social do Crime Donald R. Taft, no início dos anos 1940, no intento de explicar as altas taxas de criminalidade na sociedade estadunidense e demais sociedades ocidentais, combinou vários aspectos da cultura, da seguinte maneira: 1) A cultura americana é dinâmica. Isso decorre das constantes mudanças nos padrões sociais que implicam em inconsistência no que é considerado certo ou errado; 2) A cultura americana é complexa. O crime resulta do conflito cultural que, por sua vez, é considerado como resultante da migração e da imigração interna; 3) A cultura americana é materialista. Aqueles que não alcançaram sucesso (econômico) priorizam os mesmos valores daqueles que lograram êxito, na tentativa de também serem exitosos; 4) As relações na sociedade americana são cada vez mais impessoais. Dado o declínio nas relações com grupos primários, família e vizinhança, o anonimato propicia a alienação, aumentando as possibilidades de engajamento no crime e na delinqüência; 5) A cultura americana favorece a formação de grupos restritos. A fidelidade que se instala em grupos que se dividem por vários aspectos, como classe, credo ou raça, 45 não difere essencialmente da fidelidade nas gangs. Isso leva à hostilidade e ao conflito entre os grupos; 6) Sobrevivência de valores limítrofes. A tradição do individualismo extremo, entre os valores limítrofes, tenciona alguns grupos autoritários a irem contra a lei, chegando a ponto de fazê-la com “as próprias mãos”. b) Sub-cultura da Delinqüência Pelo ponto de vista de Albert Cohen, também estabelecida em meados dos 1950, a delinqüência juvenil inclui uma sub-cultura que desenvolve e mantém um sistema de valores que difere do sistema valorativo da cultura dominante, considerando até mesmo toda a cultura de um país. Ressalte-se que as crianças da classe baixa usam a sub-cultura delinqüente como uma maneira de reagir e ajustar-se à classe média dominante. Esse conflito, que se instala na classe baixa, designa-se de “Frustração de Status”. Existem, segundo Cohen, nove valores que são desejados pela classe baixa, que são: 1) ambição; 2) responsabilidade; 3) o cultivo de habilidades e realizações tangíveis; 4) adiamento de satisfação imediata e auto-indulgência, no interesse de metas a longo prazo; 5) racionalidade no senso de prevenção e no planejamento do tempo; 6) o cultivo racional de modos, cortesia e “personalidade”; 7) a necessidade de controle da agressão e violência; 8) a necessidade de recreação salutar; e 9) o respeito e cuidado à propriedade. Por fim, conclui-se que, através do envolvimento em gangs, o comportamento desviante é considerado como uma atividade legítima para o adolescente resolver os problemas causados pela “frustração de status”. c) Sistema de Oportunidade Delinqüente Cloward e Ohlin, na sua análise clássica sobre a delinqüência da década de 1970, planteiam duas questões básicas. Preliminarmente, questionam-se sobre por que as normas 46 da delinqüência se desenvolvem e quais as condições em que são avaliadas as normas da delinqüência, tais como as que prescrevem a violência, o roubo ou o uso de drogas. Estes autores tencionam responder essas questões apoiando-se no conceito de subcultura delinqüente. Para eles, existem três classes dominantes de sub-culturas delinqüentes, a saber: 1) a criminal; 2) a conflitiva e 3) a reteativa. Na criminal, seus membros dedicam-se ao roubo, extorsão e outros meios ilegais de se obter dinheiro, podendo chegar a crimes mais “sofisticados”, como os crimes organizado e profissional. Na conflitiva, verifica-se que seus membros se metem em atos violentos em função do status que essa atividade proporciona. A sub-cultura retrativa, considerada a mais enigmática de todas, é descrita como um grupo em que o uso de drogas é enfatizado e o vício é prevalente. Cloward e Ohlin explicam o surgimento dessas sub-culturas reportando-se a Durkheim e a Merton. Nesse sentido, as metas culturalmente estabelecidas são tidas como importantes, visto que, para Durkheim, as necessidades sociais, diferentemente das físicas, são responsáveis por motivar uma gratificação insaciável, podendo levar à anomia. A visão de Merton adiciona outro fator ao ponto de vista durkheimiano. Mais especificamente, porque explicita que vários padrões de desviância podem ser explicados pela falta de ajuste entre as metas e os meios de realização. Segundo Haskell e Yablonsky (1974), Merton admite que “o comportamento aberrante (desviante) pode ser sociologicamente considerado como um sintoma da dissociação entre as aspirações culturalmente prescritas e as avenidas socialmente estruturadas para a realização dessas aspirações” (p.370). Segundo Cloward e Ohlin, a formulação de Merton permite explicação plausível para a ampla proporção de delinqüentes nas populações de baixa renda. Dado que o acesso ao sistema de oportunidade social normativo foi negado (ou é percebido como) a esse segmento populacional, observa-se forte motivação para a desviância. 47 A gang, nessa análise, é entendida como uma alternativa “não-conformista”, explorada pela liberdade de expressão do adolescente que tenta proceder o deslocamento no sistema social hierarquizado. Por fim, Cloward e Ohlin minimizam a importância dos fatores de personalidade na explicação do comportamento anti-social adolescente. d) Baixa Classe Cultural e Delinqüência Normal Walter Miller projetou sua teoria sobre a classe baixa e o adolescente para explicar, especificamente, o comportamento desviante de participação em gangs. No final da década de 50, Miller postulou que a desviância está diretamente relacionada com os valores da classe baixa, os quais “naturalmente” defeririam daqueles mantidos pela classe média. Segundo tal ponto de vista, o jovem que se conformasse com os valores defendidos pela classe baixa, seria “automaticamente” classificado como delinqüente. O autor ainda lista algumas características da cultura da classe baixa que tenderiam a levar o jovem ao comportamento delitivo, como preocupações, obstinação, vivacidade e excitação. Ademais, explica que a participação em gangs pode ser explicada através da busca do adolescente pela masculinidade. Esta mesma necessidade motivaria também o adolescente a considerar garotas como “objetos sexuais”. Finalmente, Miller conclui que os adolescentes da classe baixa, por se defrontarem com o hiato existente entre as aspirações e as possibilidades de realização, estariam mais proclives às atividades delinqüentes. Vale destacar que essas atividades são realizadas na tentativa do adolescente obter status e prestígio. e) A Busca Adolescente pelo Status de Adulto Bloch e Niederhoffer entendem o comportamento delitivo como fazendo parte da busca que o adolescente empreende no intuito de ascender ao status de adulto. Os autores comentam que vários fatores entram em jogo nesse processo, como atitudes frente à adolescência, a sua própria duração, padrões institucionalizados, cerimônias, ritos, rituais, 48 suporte emocional e preparação intelectual. Seguindo esta perspectiva, quando a sociedade falha, em prover adequada preparação para o jovem se tornar adulto, outros tipos de comportamento vêm à tona, como, por exemplo, o comportamento violento que se verifica nas gangs juvenis. Para os autores, o envolvimento na gang é uma “evidência simbólica” da urgência verificada na busca do adolescente em atingir o estatuto de adulto. Teoria da Rotulação Segundo a Teoria da Rotulação, cujo principal expoente foi Howard S. Becker, quando uma pessoa comete um crime e é, conseqüentemente, rotulada de criminosa, a ela se imputam características sócio-culturalmente construídas e associadas ao rótulo. Desta forma, esse processo de rotulação pode sujeitar o indivíduo ao isolamento, segregação, degradação, prisão e tratamento químico e psicológico. Esse processo ocorre mesmo sendo o indivíduo um ex-criminoso, visto que isso se entende como justa punição para o comportamento anti-social, no caso, anti-social e criminal. Para esta teoria, portanto, o indivíduo que apresenta comportamento desviante se tornou delinqüente por uma aplicação bem-sucedida do rótulo imputado pelos grupos e instituições na sociedade. Nesse sentido, aponta-se a escola como sendo uma das instituições mais importantes para a manutenção desse rótulo. Por fim, esta mesma linha de raciocínio pode ser aplicada a outros rótulos relacionados, como os de delinqüente juvenil, infrator, pivete e trombadinha, entre outros. Teoria do Conflito do Comportamento Criminoso A explicação da criminalidade como uma forma de comportamento desviante deve tratar, no mínimo, com dois problemas: 1) o processo pelo qual indivíduos cometem atos que são definidos pela sociedade como crime; e 2) os tipos de grupos e áreas que produzem certos tipos de criminalidade. 49 A teoria do conflito tem a predileção dos criminalistas que buscam entender porque certos comportamentos são definidos como crime. Segundo esta teoria, a definição do comportamento criminal sofre influência direta dos valores e interesses do grupo dominante. Aqueles indivíduos de grupos que mantêm um conjunto de normas e regras discrepantes daquelas esposadas pela lei criminal social seriam submetidos ao chamado “conflito cultural”. A teoria do conflito também pode ser aplicada para o comportamento de imigração, em que os indivíduos se defrontam com tradições e costumes diferentes dos da sua terra natal. O conflito cultural ocorreria numa sub-cultura seguidora de normas opostas àquelas da sociedade como um todo. Pode-se, portanto, aplicar o mesmo raciocínio às sub-culturas delinqüentes, cujos padrões comportamentais conflitam com aqueles defendidos pela sociedade em geral. a) Conflito Cultural e Crime Georg B. Vold, utilizando hipóteses da sociologia, desenvolveu a teoria do conflito grupal como explanação do crime. Vold parte das suposições básicas de que o indivíduo se encontra permanentemente imerso em grupos e que as ações intra e intergrupais sofrem influência de importantes interesses dos grupos e dos indivíduos. Sendo assim, a sociedade é considerada como sendo uma coleção de grupos em equilíbrio, pois os interesses estão sendo gerenciados. No entanto, esse equilíbrio não é absoluto, visto que, quando os interesses e propósitos do grupo são suplantados, gera-se competição e conflito. Neste sentido, o conflito intergrupal, além de intensificar lealdades e compromissos, propicia a vitória ou o fracasso, levando a sentimentos hostis e comportamentos discriminatórios. Além do mais, o analista do conflito intergrupal explica que os grupos majoritários, cuja atuação específica, neste caso, foi a de construir as leis criminais, entra em conflito com o grupo minoritário, pois este repudia esse conjunto de leis e, conseqüentemente, 50 comporta-se de modo anti-social através do comportamento criminoso. Para a teoria em apreço, assumir um comportamento delitivo deduz-se do princípio segundo o qual “os fins justificam os meios”. Neste contexto, os fins se traduziriam pela posição almejada pelo grupo majoritário. b) Teoria da Realidade Social do Crime Quinney, apoiando-se na teoria do conflito grupal, expõe a Teoria da Realidade Social do crime, a qual se baseia em quatro hipóteses acerca do indivíduo na sociedade. Inicialmente, defende-se que a análise dos “processos sociais” deve ter em conta seu aspecto dinâmico, dado que as relações sociais estão em contínua mudança. Em segundo lugar, o conflito entre pessoas, assim como entre unidades sociais e elementos culturais, é um colorário natural da vida social. Além disso, considera-se que os elementos da vida social contribuem para a mudança e que o crime não deve ser visto como algo maligno, mas sim como uma realidade. Por fim, na definição dessa realidade, um elemento determinante é, mais uma vez, o poder, entendido como a habilidade de definir a conduta dos demais. As idéias centrais da Teoria da Realidade Social podem ser demonstradas em seis proposições: 1) Definição do crime. O crime é entendido como uma determinação de agentes autorizados numa sociedade organizada politicamente. Como se percebe, a explicação de Jeffery para a gênese do crime encontra eco também aqui; 2) Formulação das definições criminais. As definições criminais descrevem comportamentos que conflitam com os interesses de segmentos da sociedade que têm tido o poder para influir nas políticas públicas. Estes interesses têm como alicerce valores, desejos e normas que acabam se infiltrando e moldando as leis criminais; 3) Aplicação de definições criminais. As definições criminais são aplicadas por segmentos da sociedade que podem modelar a coação e a administração da lei criminal. E, 51 decorrente disso, a probabilidade de que as definições criminais sejam aplicadas vai variar na medida em que o comportamento daqueles que não detêm o poder esbarre nos interesses dos grupos poderosos; 4) Desenvolvimento de padrões comportamentais em relação a definições criminais. As pessoas nos segmentos sociais, cujos padrões comportamentais não estão representados na formulação da lei criminal, são tidas como mais propensas a agir de modo que seu comportamento seja classificado como criminal, do que as pessoas (do grupo dominante) que participam da formulação e aplicação da lei; 5) A construção de concepções criminais. As concepções do crime são construídas e difundidas nos grupos sociais através dos meios de comunicação. Seguindo o postulado básico que assume o “mundo real” como socialmente construído, deriva-se que o crime também faz parte dessa construção e que os meios midiáticos jogam um papel fundamental nesse processo; 6) A realidade social do crime. A realidade social do crime se constitui pela formulação e aplicação de definições criminais, e pelo desenvolvimento de padrões comportamentais relacionados às definições criminais. Na tentativa de resumir as considerações desenvolvidas neste tópico, expõem-se, no Quadro 1, as teorias de acordo com os comportamentos anti-sociais específicos por elas explicados (Haskell & Yablonsky, 1976). 52 Teorias Teoria Psicanalítica Teoria do Reforço Teoria da Contenção Comportamentos Uso de drogas Crime sexual Sociopatia Violência e Delinqüência Juvenil Teorias Comportamentos Teoria da Associação Diferencial Teoria do Grupo de Referência Sub-cultura da delinqüência (Cohen) Busca adolescente da masculinidade (Bloch e Niedehoffer) Delinqüência e oportunidade (Cloward e Ohlin) Cultura da Baixa Classe (Miller e Kvaraleus). Delinqüência Normal Os que usam, esse conceito, consideram o comportamento delinqüente como universal. A delinqüência é entendida como uma característica de todos os grupos de adolescentes. Teorias Teoria da associação diferencial, Teorias da anomia, (Durkheim e Merton) Alienação Social, Teoria do Grupo de Referência, Positivismo Moderno, Teoria da Dimensão Cultural (Taft) Determinismo econômico, Desorganização social Teoria do Conflito Cultural, Teorias do Conflito Grupal Teorias Teorias do Conflito Grupal, Realidade Social do Crime (Quinney) e Teoria da Alienação Social (Jeffery). Comportamentos Crime Profissional, Crime de “Colarinho Branco”, Crimes de Responsabilidade Comportamentos Crime Político, Crime de “Colarinho Branco” e Crime Organizado. Quadro I: Teorias psicológicas e sociológicas e comportamentos anti-sociais específicos que podem ser explicados por elas. As teorias psicológicas e sociológicas desenvolveram-se para orientar a atividade de pesquisa, assim como as intervenções. Neste sentido, seu poder heurístico pode ser entendido quando se observa a influência destas teorias em teorias, micro-teorias ou modelos atualmente utilizados pela psicologia científica no estudo do comportamento antisocial adolescente. Considerando o anteriormente dito, objetivou-se, no próximo tópico, além de se descrever algumas pesquisas empíricas sobre o comportamento anti-social específico de 53 uso de drogas na adolescência, apresentar, mesmo que brevemente, teorias a respeito do uso de drogas e do comportamento anti-social. 1.3 (AB) USO DE DROGAS ENTRE ADOLESCENTES O uso e o abuso de drogas constituem um problema de magnitude mundial. Tem sido considerado, reiteradamente, um problema de saúde pública da maior gravidade (La Rosa Lambert & Grooper, 1990) que afeta, sobretudo, jovens e adolescentes (De Micheli & Formigoni, 2000). Newcomb e Bentler (1988 citado por Wagner, 1996) afirmaram que o uso de substâncias psicoativas “pode ser considerado um comportamento normativo entre os adolescentes dos Estados Unidos, em termos de prevalência” (p. 375). E Shedler e Block (1990) reputam o problema do abuso de drogas entre pessoas jovens como “um dos maiores desafios de nossos tempos” (p.612). Com o intento de aplacar a gravidade do quadro que se apresenta, diversos pesquisadores, num esforço coordenado, têm buscado explorar as possíveis causas do uso de drogas. Com relação a este aspecto, percebe-se, a partir de vários estudos empíricos, que o uso de substâncias ilícitas na adolescência tem sido relacionado com outros problemas comportamentais de nomeada importância e gravidade sociais. Por exemplo, verifica-se uma relação bem documentada entre uso e abuso de drogas e comportamento violento (Adalbjarnardottir & Rafnsson, 2002; Friedman, 1998; Wagner, 1996), ataque de pânico (Katerndahl & Realini, 1999), comportamento agressivo, delinqüente, ansiedade, depressão (Steinhausen & Metzke, 1998), envolvimento com pares desviantes (Hays & Ellickson, 1996), fatores demográficos, como viver com ambos os pais e status sócioeconômico (Sussman, Dent & Stacy, 1999), além do contexto escolar, familiar e da vizinhança (Allison & cols., 1999). Conclui-se, com base nestes dados, que o comportamento agressivo, interpessoal ou grupal e, especificamente, o uso de drogas, podem ser considerados como constituintes de 54 uma “constelação” comum de problemas comportamentais na adolescência. Para explicação dessa natureza de problemas, algumas teorias psicológicas têm sido propostas desde diferentes enfoques. Para efeito do presente trabalho, serão focalizadas as teorias que dão ênfase às causas cognitivas do ESU (Uso Experimental de Substâncias), nos processos de aprendizagem social e no fraco comprometimento com os valores tradicionais e a família, de acordo com a revisão efetuada por Petraits e cols. (1992). 1.3.1 TEORIAS AFETIVO-COGNITIVAS Diversas teorias no âmbito da psicologia científica têm objetivado conhecer como as crenças sobre as conseqüências do ESU contribuem para o ESU. Trata-se de conhecer, em específico, de que forma as percepções sobre os custos e benefícios do ESU contribuem para a tomada de decisões dos adolescentes para experimentarem substâncias ilícitas, drogas. Pode-se observar, que essas diferentes teorias apresentam como hipóteses comuns, que as causas primárias das decisões para usar drogas reside nas percepções e expectativas específicas mantidas pelos adolescentes e que os efeitos de todas as outras variáveis, como traços de personalidade ou o envolvimento com pares que usam drogas, são mediados pelos efeitos das cognições, avaliações e decisões específicas sobre o uso de drogas. Entre as teorias mais relacionadas, ressaltam-se os modelos da Teoria da Ação Racional, formulado por Fishbein e Ajzen em 1975 e Ajzen e Fishbein em 1980, assim como o da Teoria do Comportamento Planejado, proposto por Ajzen em 1985 e 1988. Petraits e cols (1992) avaliam que, além da utilização desses modelos de custobenefício/tomada de decisões para comportamentos em geral, eles vêm mostrando sua pertinência na predição dos comportamentos de adição. 55 a) Teoria da Ação Racional (TAR) De acordo com a TAR, o ESU determina-se exclusivamente por dois fatores cognitivos. Primeiro, a TAR observa que as intenções são influenciadas pelas próprias atitudes dos adolescentes frente ao comportamento de ESU. Adotando uma abordagem de expectativa-avaliação, Ajzen e Fishbein explicitam que as atitudes específicas para as drogas são uma função matemática de conseqüências pessoais (custos e benefícios) que os adolescentes esperam do ESU e a avaliação afetiva em relação a essas conseqüências. Em função disso, pode-se presumir que quando os adolescentes conservam atitudes positivas frente às drogas, verifica-se uma maior valorização dos benefícios em detrimento dos custos. Deriva-se, também, que as crenças sobre as normas sociais afetam as decisões em se utilizar drogas, dado que as crenças sociais normativas estão alicerçadas na percepção que os adolescentes têm do que pessoas importantes querem para eles e a motivação para conformar-se a esses referentes. Petraits e cols. (1995) argumentam que os jovens sentirão forte pressão para usar drogas, se acreditarem, corretamente ou não, que os amigos importantes ou os próprios membros da família endossam esse comportamento. b) Teoria da Ação Planejada (TAP) Uma modificação da TAR, realizada por Ajzen, postula que três fatores, ao invés de dois, afetam as intenções comportamentais. Adicionalmente às atitudes e crenças normativas, a TAP pontua que a auto-eficácia - concebida como as percepções de controle, de eficácia, acerca de um comportamento bem-sucedido, ou seja, se o sujeito é capaz de realizar seguramente o comportamento - afetará diretamente as intenções e o comportamento. Representa, especificamente, a “facilidade ou dificuldade percebida na performance comportamental” (Petraits e cols., 1995, p.70). De acordo com a TAP, a autoeficácia joga um papel crucial e independente na modelagem de intenções 56 comportamentais, visto que as pessoas darão pouca atenção em realizar um comportamento que sentem fugir ao controle, ainda quando mantidas as expectativas e atitudes positivas para o comportamento de aprovação. Quando se pensa na aplicação para o ESU, verifica-se a plausibilidade de se empregar duas formas de auto-eficácia: a auto-eficácia de uso e a auto-eficácia de recusa. A primeira representa as crenças dos adolescentes em suas habilidades para se conseguir e ser bem-sucedido ao usar drogas. A TAP argumenta que, em parte, os jovens iniciam no uso de álcool e substâncias ilícitas por saberem onde conseguir e utilizar tais substâncias visto que não saber como misturar drinks ou enrolar cigarros de maconha pode deter, ou ao menos protelar, o uso dessas substâncias. Já a auto-eficácia de recusa representa as crenças dos adolescentes nas habilidades para resistir à pressão social para encetar o uso de drogas. Seguindo este aporte, os adolescentes podem não ter ainda planos para iniciar nas substâncias, mas ainda não têm as habilidades necessárias para a recusa, quando se defrontam com as pressões dos pares para se engajarem no uso de substâncias. Nestes exemplos, as habilidades para controlar, independentemente, seus comportamentos, contribuem para o ESU. 1.3.2 TEORIAS DE APRENDIZAGEM SOCIAL Vários pesquisadores têm mudado a atenção das crenças dos adolescentes específicas sobre substâncias para as possíveis causas dessas crenças. Neste contexto, verifica-se a importância do sociólogo Edward Sutherland, que, em 1939, identificou uma das causas que sugere que os comportamentos delitivos (tal como ESU ou crime) são socialmente aprendidos em pequenos grupos informais. Subseqüentemente, outros sociólogos (como, por exemplo, Akers em 1977) e psicólogos cognitivamente orientados (por exemplo, Bandura em 1977 e 1986) têm trabalhado com base na asserção de Sutherland, segundo a qual os adolescentes adquirem suas crenças baseadas em 57 comportamentos delitivos de seus “modelos sociais”, especialmente amigos próximos e pais. Portanto, quando comparadas a teorias afetivo-cognitivas, as teorias da aprendizagem social de ESU comungam o postulado das influências sociais e interpessoais, assim como de influências cognitivo-afetivas. a) Teoria da Aprendizagem Social (TAS) Como as teorias afetivo-cognitivas, a Teoria da Aprendizagem Social de Akers assume que as cognições específicas para substâncias (definições) são fortes preditores do ESU. Entretanto, a TAS não concorda que as raízes do ESU se originam nas próprias cognições dos adolescentes sobre substâncias específicas. Antes, a TAS começa sua análise num ponto considerado mais “distal”, pois assume que o ESU tem origem em atitudes para substâncias específicas e comportamentos de pessoas que servem como modelos para os adolescentes. A TAS considera que o envolvimento com modelos sociais que usam substâncias têm três efeitos seqüenciais, iniciando com a observação e imitação de comportamentos específicos em relação às drogas, continuando com reforçamentos sociais (isto é, encorajamento e suporte) para o ESU e culminando em conseqüências sociais e fisiológicas de futuro ESU. As conseqüências antecipadas de ESU podem ser tidas como de natureza social (considerando a forma de reações fisiológicas positivas ou negativas para as substâncias), assim como ocorre com as teorias afetivo-cognitivas. As teorias de aprendizagem social, por sua vez, concluem por insistir que a expectativa em benefícios pessoais, em detrimento dos custos, pode ser um risco para o ESU. b) Teoria da Aprendizagem Sócio-Cognitiva A teoria da Aprendizagem Sócio-Cognitiva, formulada por Bandura em 1986, quando aplicada para o ESU, admite que os adolescentes adquirem suas crenças sobre o ESU de seus modelos sociais, principalmente de amigos próximos e pais que usam 58 substâncias. A teoria postula que a exposição a amigos e pais que usam substâncias modela o ESU, por modelar suas crenças específicas para substâncias. A identificação com os modelos que experimentam substâncias afeta diretamente as expectativas de resultados, que engloba crenças sobre as mais imediatas e prováveis conseqüências sociais, pessoais e físicas de ESU. Observar pais que usam álcool ou pares que fumam maconha influencia as crenças e atitudes dos adolescentes sobre as conseqüências de seu próprio ESU. A Teoria da Aprendizagem Sócio-Cognitiva vai além da Teoria da Aprendizagem Social, por incluir o conceito de auto-eficácia, tanto de uso como de recusa. Por fim, a importância da influência dos pares na modelagem da auto-eficácia é ressaltada, notadamente, no modelo de Bandura. Petraits e cols. (1995) oferecem evidência empírica a favor do modelo descrito, demonstrando sua importância para a explicação do comportamento adolescente de uso de álcool e substâncias ilícitas. Nesta perspectiva, o papel dos processos de imitação para aquisição de padrões comportamentais já foi experimentalmente comprovado para outro comportamento anti-social, o comportamento agressivo. Quando se revisa o desenvolvimento dos estudos sobre agressão, é lugar-comum encontrar os estudos desenvolvidos por Bandura que adicionam aos processos de aprendizagem por reforçamento e punição o papel da aprendizagem por observação. Bandura e seus colaboradores pesquisaram este fenômeno através da verificação, em um estudo experimental de laboratório bastante criativo, da influência à exposição de modelos agressivos no comportamento de crianças (Bandura, Ross & Ross, 1961). Constataram, pois, a influência dos modelos agressivos no comportamento anti-social, especificamente na agressão. O papel relevante da identificação dos modelos e a força destes na modelagem comportamental são aspectos absorvidos pelas teorias de comprometimento convencional e identificação social. 59 c) Teoria de Comprometimento Convencional e Identificação Social Assim como as teorias de aprendizagem, a Teoria do Controle Social (TCS) de Elliott, proposta em 1985 e 1989 e o Modelo do Desenvolvimento Social (MDS) de Hawkins e Weis, formulado inicialmente em 1985 (Petraits & cols., 1995) assumem que a identificação com pares que usam substâncias é causa primária do ESU. Porém, diferentemente das teorias da aprendizagem social, estas teorias se concentram nas causas dessas identificações. Acreditam que são os “frágeis vínculos” com a sociedade, instituições e indivíduos, que transmitem normas e valores para padrões socialmente desejáveis de comportamento, que desencadeiam o comportamento desviante (com o ESU). Cabe lembrar que esses modelos se baseiam em teorias de clássicas de controle social da sociologia, como as de Hirshi (1968) e Reckless (1961, citadas por Petraits & cols. 1995), que argumentam que os impulsos para a desviância se explicam pelos vínculos estabelecidos com a sociedade convencional, família, escolas e religiões. Saliente-se que os indivíduos que não se sentem compromissados com essas instâncias não se sentirão motivados para seguir os padrões convencionais de comportamento. Nestas teorias, os “frágeis vínculos convencionais” podem ser entendidos como falta de comprometimento com a sociedade, com os seus valores normativos, instituições e forças socializadoras, sobretudo com a escola e a religião. Em decorrência disso, aqueles adolescentes que não se sentem envolvidos por esses vínculos, que não internalizaram esses valores sociais e padrões convencionais de comportamento, estarão mais propensos para o ESU e demais tipos de comportamentos desviantes. Outro sentido para os “frágeis vínculos convencionais” diz respeito à não-identificação ou baixa identificação com modelos sociais tradicionais (convencionais), que seriam responsáveis por transmitir 60 padrões de comportamentos socialmente aceitáveis, como os professores, os membros da família e, especialmente, os pais. Petraits e cols. (1995) apresentam estudos que apóiam empiricamente estas teorias, e esclarecem que elas compartilham a hipótese de que o fraco comprometimento social e a baixa identificação com professores, familiares e (sobretudo) os pais se relacionam com a atração por pares desviantes, levando ao comportamento anti-social. Este comportamento pode consistentemente ser nutrido pelos processos de reforçamento social, como, por exemplo, através da aprovação social em grupos que se comportam de modo anti-social. d) Teoria do Controle Social (TCS) A Teoria do Controle Social (TCS) de Elliott foca em três possíveis causas de fraco comprometimento para a sociedade convencional e para a identificação com modelos convencionais. Uma primeira das causas é a “pressão”, a qual define-se como a discrepância entre as aspirações dos adolescentes (por exemplo, metas acadêmicas ou ocupacionais) e suas percepções das oportunidades para alcançar essas aspirações. A TCS assevera que os adolescentes que sentem que suas aspirações acadêmicas ou de emprego estão sendo frustradas por suas opções irão sentir-se pouco compromissados para com a sociedade convencional e, conseqüentemente, irão tornar-se mais atraídos para manter relações com pares desviantes que usam de substâncias e/ou encorajam o uso. Entretanto, alguns adolescentes podem sentir-se pressionados em casa por quererem, mas não estarem, se relacionando mais proximamente com seus pais. De acordo com a TCS, a pressão em casa gera (a) fraca identificação com os pais que geralmente se opõem ao ESU, além de (b) encorajar a identificação com pares que mais freqüentemente encorajam o ESU. Portanto, a TCS inclui a pressão em diversos âmbitos, como na escola, no trabalho e no lar, entre as causas do fraco comprometimento para a sociedade convencional. 61 Uma segunda causa é a desorganização social, a qual representa “a fragilidade ou o colapso das instituições estabelecidas” ou a inabilidade das instituições locais para controlar o comportamento. A TCS sugere que os adolescentes que não se sentem compromissados com a sociedade convencional, são oriundos de vizinhanças desorganizadas, nas quais são comuns o crime e o desemprego, onde as escolas são ineficazes e as instituições oferecem poucas expectativas para o futuro do adolescente são mais vulneráveis a não desenvolverem um vínculo adequado com a “sociedade convencional”. Além disso, eles podem se sentir menos identificados com os pais e a seguir os padrões de comportamentos socialmente desejáveis se virem de famílias desorganizadas, nas quais, por exemplo, somente um dos pais está presente ou os pais estão divorciados. Isto também faz com que estejam mais propensos a desenvolver frágeis vínculos convencionais. Finalmente, a TCS assume que os comprometimentos convencionais e as identificações com os “modelos sociais” resultam da socialização efetiva na sociedade convencional. Se os adolescentes (a) não se sentem pressionados por oportunidades interpessoais, educacionais e ocupacionais frustradas e (b) não são oriundos de vizinhanças e famílias desorganizadas, eles podem ainda se tornar atraídos por pares que usam substâncias se não têm sido socializados para adotar padrões convencionais. Compreendese que a família que fomenta uma orientação pró-social, baseada em valores normativos e atitudes negativas frente a comportamentos delitivos (por exemplo, o uso de drogas, a violência física), assim como a associação com amigos que seguem esta pauta social, revelam-se como fatores protetores preponderantes para comportamentos anti-sociais e delitivos. 62 e) O Modelo do Desenvolvimento Social (MDS) Assim como verificado na TCS de Elliot, o MDS sugere que os adolescentes se tornam atraídos por pares que usam substâncias se não se sentem compromissados para seguir os padrões adotados pela sociedade convencional ou não se identificam com seus pais e outros modelos convencionais. Entretanto, as causas da identificação e comprometimento diferem nestes dois modelos. A TCS se concentra, de forma ampla, porém não exclusiva, nos sistemas sociais que enfatizam pressões acadêmicas e de emprego, a desorganização entre instituições sociais (economia local, escola e família) e a socialização inadequada. De modo contrastante, o MDS dá mais ênfase aos indivíduos, no seu desenvolvimento social, e às suas interações sociais imediatas. Este foco é alcançado por se admitir que a influência relativa da família, da escola e dos pares, na mudança do comportamento adolescente, muda, desde uma perspectiva dinâmica, com os pais influindo mais nos anos pré-escolares, os professores nos anos da pré-adolescência e os pares, nos comportamentos durante a adolescência. O MDS também focaliza as habilidades dos adolescentes, as oportunidades e os reforçamentos para o envolvimento com os pais e a escola, agentes de socialização que, provavelmente, desencorajam o ESU. Particularmente, o MDS põe em relevo o fato de que os adolescentes estão especialmente vulneráveis para o envolvimento com pares que usam substâncias se, durante estágios iniciais do desenvolvimento, eles (a) tiverem menos oportunidades para retribuírem a interação no lar e na escola, (b) menos habilidades acadêmicas e interpessoais para o sucesso e para retribuir interações no lar e na escola e (c) receberam pouco reforçamento durante suas interações com professores e pais. Neste sentido, o papel das interações positivamente reforçadas e das habilidades interpessoais e acadêmicas têm recebido apoio empírico considerável. Verifica-se que, particularmente, o ESU é mais comum entre adolescentes e jovens que demonstram sentimentos de rejeição por seus pais, 63 esperam relações íntimas de seus familiares, são interpessoalmente agressivos e hostis, apresentam dificuldades de concordar com os outros e têm fracas habilidades acadêmicas. Esta ênfase nas habilidades acadêmicas e interpessoais do adolescente é importante por três razões: 1) diferentemente das teorias prévias, o MDS implica que a prevenção do ESU requer a educação de habilidades acadêmicas e interpessoais entre crianças, ao longo da qual se formam crenças específicas sobre substâncias e sobre o envolvimento com pares que usam substâncias; 2) este foco sugere que algumas origens do ESU podem ser encontradas em diferenças individuais entre os próprios adolescentes e não exclusivamente nas diferenças entre suas instituições sociais, condições econômicas, escolas e vizinhanças. Conseqüentemente, o MDS apresenta um modelo dinâmico de ESU, no qual as características individuais dos adolescentes, simultaneamente, influenciam e são influenciadas por interações com modelos desviantes e convencionais. Quando falham nas habilidades interpessoais e acadêmicas, ou quando estas habilidades não são recompensadas por pais e professores, os adolescentes podem se sentir um pouco perdidos por se tornarem envolvidos com pares desviantes que encorajam o ESU; 3) este foco nas habilidades acadêmicas também estabelece o estágio para outras teorias para ESU (Petraits & cols. 1995), que se baseiam nas características intrapessoais e diferenças individuais entre adolescentes, que também são importantes para a compreensão do fenômeno. Não obstante, não seram tratadas no presente trabalho. 64 Capítulo II MÚSICA, CULTURAS JUVENIS E COMPORTAMENTO (ANTI) SOCIAL 65 Este capítulo é dividido em duas partes. Na primeira, discute-se a importância da música para o comportamento social, chamando a atenção para a escassez de estudos sobre este tema na literatura psicológica e psicossocial, além de apresentar vários fatos trágicos que ganharam repercução na mídia, acerca da influência de estilos musicais, tidos como agressivos, no comportamento de adolescentes. Por fim, finaliza-se esta primeira parte apresentando alguns estudos na psicologia a propósito da relação entre música e comportamento anti-social. Na segunda parte, expõe-se a importância da identificação grupal no comportamento anti-social, apresentando-se algumas pesquisas sobre a relação entre grupos alternativos, também designados de culturas juvenis, nas quais a preferência por estilos musicais anticonvencionais é um traço bastante característico, e comportamentos socialmente desviantes. 2.1. MÚSICA E COMPORTAMENTO A música tem sido considerada, entre a miríade das variáveis em jogo, como sumamente importante na explicação do comportamento social (Anderson & Bushman, 2001; Chacon, 1995; Rentfrow & Gosling, 2003; Friedlander, 2002; Pais, 1998). Contudo, apesar da sua relevância para a explicação de aspectos comportamentais e afetivos, não se verifica um lugar na psicologia social para o entendimento da influência da preferência musical no comportamento ou nos construtos básicos da área, como o self, a cultura, as crenças, as atitudes ou os valores. Isto pode ser notado, prontamente, em diversos relatos acerca da história da disciplina (ver, por exemplo, Allport, 1968; McGrath, 1963; Farr, 1999). Esta lacuna, em artigo recente, foi explicitamente denunciada por Rentfrow e Gosling (2003). Em exaustiva revisão de aproximadamente 11.000 artigos em revistas especializadas de psicologia social e da personalidade, publicadas entre 1965 e 2002, estes autores encontraram apenas 7 artigos que fizeram referência à música. 66 Não obstante, pode-se encontrar referência a uma inserção mais saliente da sociologia e outras disciplinas específicas no estudo do conjunto das ligações existentes entre a música, a sociedade e a cultura. Isto se verifica no relato histórico de Outhwaite e Bottomore (1996, p. 505): “Ao mesmo tempo em que a relação entre a música e a sociedade foi estudada por musicólogos, etnomusicólogos e sociólogos, o progresso nessas três abordagens foi, em maior ou menor extensão, fragmentário e caracterizado por problemas teóricos fundamentais. A musicologia e a análise musical, concentrando-se no estudo da música erudita ocidental, foram orientadas para a explicação das propriedades formais inerentes à obra musical. Essa preocupação com a estrutura levou a uma concepção da obra musical como divorciada de seu contexto social ou cultural. Conseqüentemente, o pesquisador social deve estabelecer algum elo explicativo ou analítico entre as estruturas musicais e a sociedade ou redefinir e marginalizar, o conceito da música autônoma”. De acordo com estes autores, o formalismo e a ênfase nas propriedades estruturais dificultaram a compreensão da música desde uma perspectiva social. No entanto, essa ênfase mudou, ocorrendo um declínio no interesse pelo formalismo e deslocando-se “... para a consideração da música dentro de uma ‘teia de cultura’” (Tomlinson, 1984, citado em Outhwaite & Bottomore, 1996, p. 506). Na história do pensamento ocidental, particularmente na filosofia da Grécia antiga, pode-se comprovar que este tema teve um lugar destacado. Aristóteles, por exemplo, em sua obra “Poética”, já estava convencido da influência da música no caráter e Platão, por sua vez, registrou, na sua “República”, que a música pode servir como um instrumento capaz de mudar sociedades inteiras. Abdounur (2002), dissertando acerca das origens da música, afirma que “...o poder conquistador supra-humano da música já se expressa na mitologia grega em Orfeu, cujo canto acompanhado de lira sustava rios, amansava feras e movia pedras” (p.3). Quanto à importância da música para as ciências sociais, contrariamente ao que ocorreu na psicologia, vê-se que importantes autores na constituição e popularização da 67 sociologia, como é o caso de Max Weber e Theodor Adorno, devotaram obras significativas para o entendimento social da música. Veja-se, como exemplo, as obras The Rational and Social Foundations of Music, publicada em 1958, de Weber, e Introduction to the Sociology of Music editada em 1976, de Adorno (ver Outhwaite & Bottomore, 1996). Não obstante serem escassos os estudos na psicologia social, contemplam-se alguns esforços em estabelecer uma sistematização teórica que enfatize a música como uma variável constituinte da personalidade e, conseqüentemente, do comportamento humano. Nesse sentido, apesar de poder ser considerado como de pouca notoriedade e relevância para a sedimentação e definição da disciplina, verifica-se a existência de Social Psychology of Music de Paul Randolph Farnsworth, publicado em 1969, possivelmente o primeiro manual a explorar a música na psicologia social contemporânea. Além dessa obra, encontra-se The Social Psychology of Music editada por David J. Hargreaves e Adrian C. North, em 1997, como sendo outra obra inserida explicitamente na área psicossocial. Este manual consistiu no primeiro esforço, em 25 anos, no sentido de definir sistematicamente o campo de estudos que abarca diferenças individuais, situações e grupos sociais, influências sociais e culturais e aplicações na promoção de saúde, marketing e educação. 4 Utilizando a Teoria da Identidade Social, uma das mais representativas do paradigma europeu, Tekman e Hortaçsu (2002) iniciam seu artigo sobre música e identidade, reportando-se à influência da identificação com estilos musicais na configuração da identidade pessoal e social. Segundo estes autores, os indivíduos utilizam a música para propósitos avaliativos e processos de identificação grupal. Isto, conseqüentemente, atesta a importância deste veículo de comunicação de massa nas mais diversas situações em que o jovem se encontra no dia-a-dia, permeando o relacionamento 4 Página na internet: www.amazon.com/exec/obidos/ consultada em 05/03/03. 68 interpessoal, podendo influenciar desde a escolha do vestuário até a atração e rejeição por determinados grupos. Como argumenta o sociólogo José Machado Pais, analisando culturas juvenis, “...as preferências musicais são acompanhadas de atitudes específicas que reforçam – mas também ultrapassam – os gostos musicais” (Pais, 1998, p. 104). O autor ainda explica que a música, o vestuário, a aparência e a linguagem são “elementos simbólicos” que dão coerência interna aos grupos, servindo para formar e consolidar uma identidade grupal e, conseqüentemente, diferenciações com outros grupos. Nesta análise, a música é considerada um “signo juvenil geracional”, pois é universal aos grupos de jovens, em oposição aos “signos juvenis grupais”, que seriam elementos peculiares a certos grupos, agindo como elemento diferenciador. No entanto, um determinado estilo musical, como o heavy metal ou o punk rock, por exemplo, pode agir como “signo de diferenciação grupal”, por opor grupos de jovens que atribuem à preferência musical um papel crucial nos processos de formação da identidade social. Por outro lado, considerando-se a influência das pressões grupais em diferentes domínios do comportamento adolescente, pode-se observar que a relação entre preferência musical e identificação com os pares deve ser analisada de forma bidirecional, visto que estes estilos são fortemente influenciados pela pressão dos pares manifesta através das normas grupais (Sim & Koh, 2003). Deve-se levar em conta, a paritr de uma análise psicossocial, que a preferência musical é mais um aspecto importante do comportamento do indivíduo na sociedade e que deve ser analisada considerando-se a força da identificação grupal, tanto na escolha como na manutenção de preferência por estilos específicos. 69 a) Música Agressiva vs Comportamento Agressivo “666 é o número da besta, inferno e fogo foram criados para serem libertados [refrão]... Eu estou voltando, eu irei retornar, e possuir seu corpo e fazer você queimar. Eu tenho o fogo, eu tenho a força, eu tenho o poder para fazer meu mal tomar seu curso [fim da música]”. O texto acima corresponde à tradução de trechos da música “The Number of The Beast”, do disco homônimo, que alcançou o nº 1 na parada inglesa (terceiro da banda, precedido por Killers-1981 e Iron Maiden-1980), da banda de heavy metal Iron Maiden, formada em 1975 e que até hoje é considerada uma das mais escutadas por adolescentes de todo o mundo. Uma curiosidade é que em 1992, a banda foi proibida de tocar em um show que seria realizado no Chile, após solicitação da Igreja Católica, argumentando que a música Bring Your Daughter to the Slaughter incitava ao assassinato e The Number of The Beast incitava ao satanismo e ao assassinato. Músicas como estas, e inúmeras outras na história da música heavy e do rock, têm despertado a atenção de pais, educadores, políticos, psicólogos, líderes religiosos, cientistas sociais e diversos estudiosos, sobre a intrigante relação música-comportamento. Quando se revisam alguns fatos ocorridos na história do rock, pode-se escusar esse interesse, que consiste em saber qual a potencial influência da música na vida dos jovens. O que ela é capaz de fazer, ou ao menos inspirar, são duas das indagações comuns. Mesmo antes do surgimento do heavy metal, alguns estilos musicais já preocupavam a sociedade, no tocante à influência perniciosa que poderia ser para os adolescentes. A este respeito, Friedlander (2002) comenta que, em meados dos 1950, o rhythm and blues e o rock clássico já surgem como alvo de críticas de muitos pais, representantes governamentais, religiosos e educadores. Com o surgimento do heavy metal, as preocupações se tornaram mais pronunciadas e talvez não tão injustificadas como se pensa. A fim de contribuir para a discussão, procurou-se reunir alguns acontecimentos que ganharam destaque na impressa. Entretanto, 70 como adverte Andrade (2003) 5 , deve-se ter em conta que tais fatos podem ter sido distorcidos, exagerados ou podem resultar de meias-verdades. Além do mais, alerta-se que muitos deles foram retirados de livros evangélicos norte-americanos. Mesmo assim, apesar da suspeita sobre sua fidedignidade, os relatos ganharam popularidade na mídia impressa e eletrônica. Inicialmente, diz Andrade, o satanista Richard Ramirez, de codinome Night Stalker (Rastreador Noturno), que aterrorizou o estado da Califórnia nos anos 1980, matando mais de 14 pessoas, declarou ser fã e matar inspirado em músicas da famosa banda australiana Hard Rock/Heavy Metal AC/DC. Com relação à mesma banda, os pais do garoto Steve Boucher tentaram processa-la afirmando que a música Shoot to Thrill teria influenciado Steve a se suicidar com um tiro na cabeça. Vale ressaltar, que o garoto se suicidou sentado sobre um poster do AC/DC. Dennis Bartts, 16 anos, de Center Point, Texas, informou a um amigo que pretendia encontrar Satan, foi ao campo de futebol da escola e se enforcou na trave enquanto ouvia em um walkman o disco Highway to Hell (Auto-estrada para o Inferno), também da mesma banda. Em fevereiro de 1986 foi encontrado o corpo enforcado do garoto Phillip Morton, enquanto escutava músicas do disco The Wall (com as músicas Goodbye Cruel World e Waiting for the Worms) de uma das mais famosas bandas de Rock progressivo do mundo; o Pink Floyd, que aborda temas psicodélicos e melancólicos em suas letras. Já em San Antonio, Texas, outro garoto de 16 anos matou uma tia a punhaladas, relatando à polícia que no momento do crime estava hipnotizado pela música do Pink Floyd, não lembrando sequer do ocorrido. Adicionalmente, em outubro de 1984, John McCollum, de 19 anos, cometeu suicídio com um tiro na cabeça, na ocasião ouvia Suicide Solution de Ozzy Osbourne (ex5 Matéria de João Paulo Andrade intitulada “Ocultismo no Rock” exibidad no site htpp://www.wiplash.net consultado em 15/08/03. 71 vocalista da banda Black Sabbath). Relata-se que quando fora encontrado morto ainda estava com os headphones. Um ano após esse fato trágico, em 1985, no mês de dezembro, dois garotos de 18 anos, Raymond Belknap e James Vance, depois de ouvir Beyond the Realms of Death (da banda de heavy metal Judas Priest), foram ao playground de uma igreja próxima e se suicidaram com tiros de espingarda. Os pais tentaram mover uma ação contra a banda. Em 12 de abril de 1985, um garoto fanático por heavy metal, de 14 anos, matou três pessoas. O garoto, que tinha uma grande tatuagem do número 666 no peito, informou estar dominado por Eddie - mascote do Iron Maiden, que dizem ser um demônio - quando cometeu os assassinatos. Já em 9 de janeiro de 1988, Thomas Sullivan, de apenas 14 anos, outro fã de Ozzy Osbourne, corta a garganta da mãe e se suicidou em seguida. Por fim, o autor da matéria, relata que, em 1987, foi capturado o serial killer, ocultista e canibal, Gary Heidnik, em sua casa na Philadelfia. O fato que chamou a atenção, por coincidência ou não, é que os seus vizinhos escutavam heavy metal durante todo o dia. Certamente, pode-se inferir que estas notícias quando se propagaram na mídia causaram forte impacto e mal-estar social. Nesse contexto, a propósito, um grupo de mães em Washington, auto-intituladas Parents’ Music Resource Center (PMRC), em que se buscava testificar para os membros do Comitê Legislativo de Ciência, Transporte e Comércio dos Estados Unidos o teor das composições das músicas de rock, mais especificamente de heavy metal, consideradas pelo grupo como pornográficas e violentas, incluindo temas que vão da exaltação ao demônio a comportamentos de suicídio, uso de drogas, ocultismo e antipatriotismo. É importante destacar que este grupo formou-se em setembro de 1985, quando vários dos episódios acima ainda não haviam ocorrido. Após cinco anos, a mesma preocupação, sendo que agora com as letras de rap, levou a Corte da 72 Flórida a julgar, como obsceno, em três municípios, o disco As Nasty as They Wanna Be, da banda 2 Live Crew (Binder, 1993). Além dos vários episódios trágicos envolvendo adolescentes e jovens relacionados à música heavy nos anos 1980, ainda se podem encontrar diversos outros, nos anos 90, agora tendo como principal influência sua vertente tida como mais perigosa, de ênfase explicitamente satanista, ou seja, o black metal. Os fatos que serão relatados figuram no livro de Michael Moynihan, Lord of Chaos: The Blood Rise of the Satanic Metal Underground, em que se relata a violência e o ocultismo no death/black metal 6 . Segundo Moynihan, na Escandinávia, desde 1992, à cena black metal, considerando fãs e integrantes de bandas, têm sido relacionados vários incêndios de igrejas. Relata o autor que no mínimo 45 a 60 igrejas que sofreram ataques incendiários e aproximadamente uma dúzia de igrejas foram incendiadas na Alemanha, atribuindo-se estes crimes à cena black metal. Vários outros crimes são relatados no livro, como, por exemplo, aquele cometido por Bard Eithun do grupo Emperor em agosto de 1992. Atualmente, ele se encontra preso por ter assassinado um homossexual com 37 facadas. De acordo com o depoimento de outro integrante da banda, Eithun era fascinado por “serial killers” há muito tempo e um dia, após o assassinato, ele teria participado de um incêndio a uma igreja. Em abril de 1993, outro fato associado com o tema em questão merece destaque. Dessa vez, os três integrantes da banda de death metal alemã Absurd, assassinaram um colega de classe de 15 anos de idade. O grupo se autodenominou de “Filhos de Satã”. Além deste trágico fato, ocorreu outro relacionado também com o death metal. Na Suécia, um membro da banda Dissection é preso por violar 250 sepulturas. Em 1992, outro episódio ocorreu também envolvendo a banda Dissection e outra sueca, intitulada Abruptum. Em uma festa do “Dia das Bruxas” (Halloween), um jovem esfaqueou um ancião no pescoço, após ser 6 Consultado no site www.wayoflife.or/fbns/deathmetal.htm em 03/04/2003. 73 incitado a provar sua capacidade de matar sem escrúpulo por membros das bandas acima citadas. Em 1997, outro membro da banda Dissection, Jon Nodtveidt, se meteu em problemas. A acusação foi a de assaltar, juntamente com outro jovem satanista. Em 1994, membros da banda de death metal britânica, Necrópolis, são acusados por assaltarem igrejas e cemitérios. Em agosto de 1993, na Noruega, aconteceu outro fato lamentável para a cena black metal. Trata-se do divulgado assassinato de Oystein Aarseth, da banda de black metal Mayhem, cometido por Vark Vikerness, seu antigo pupilo, da banda de mesmo estilo, Burzum. Além desse homicídio, Vikerness foi acusado por roubo e possessão de 125 kg de dinamite e 26 kg de glinite (outro tipo de explosivos); e pelo incêndio premeditado de quatro templos judeus (igrejas), dos quais três queimaram até virarem cinzas e três casos de invasão de propriedades privadas. O astro cumpre pena de 21 anos na prisão de Vestfold. Na Flórida, a violência tem sido associada a vários fãs da popular banda de death metal Deicide. Em janeiro de 1993, por exemplo, em Tampa, dois garotos de 15 anos mutilaram o cachorro do vizinho. Os adolescentes relataram à polícia que a fascinação que sentiam pelo Deicide levou a que fizessem isso. Em 1994, uma atendente de uma loja de conveniência em Eugene, Oregon, foi brutalmente assassinada por dois adolescentes. De acordo com os familiares da moça, os jovens foram fortemente influenciados pela música das bandas Deicide e Cannibal Corpse. Um dos assassinos relatou o seguinte à polícia: “Eu fiz isso pela alma de Glen Beton e Chris Barnes” (líderes do Cannibal Corpse). Também nos Estados Unidos, em julho de 1995, três adolescentes, na Califórnia, membros da banda de death metal Hatred, que eram fanáticos pela banda thrash metal americana Slayer, assassinaram o adolescente Elyse Pahler de 15 anos, em um sacrifício satânico. Os três chamam-se Royce Casey, Jacob Delashmutt e Joseph Fiorella os mesmo disseram o 74 seguinte ao justificar a escolha pelo garoto: “seus cabelos loiros, olhos azuis e virgindade, o fizeram ser perfeito para o sacrifício”. Quando interrogados pelo delegado de polícia, os jovens disseram que cometeram o crime para que o Diabo melhorasse suas performances ao tocar guitarra. Outro crime, em solo americano, ocorreu na Pennsylvania. Um fã da banda de death metal de Wiscosin, Eletric Hellfire Club, chamado Caleb Fairley, assassinou uma mulher e sua filha e violou seus cadáveres, em 1995. Um ano depois, um grupo de jovens com íntima relação com o death metal, que se intitulavam de “Lords of Chaos”, queimaram uma igreja batista e um aviário contendo uma coleção de aves raras, além de matarem o diretor da escola em que estudavam, porque o homem havia tentado impedir os garotos de cometerem vandalismo na escola. Em outubro de 1997, outro adolescente, Luke Woodham, fã de death metal, de 16 anos, no Mississipe, matou sua mãe com um taco de baseball. Quando o mesmo jovem foi, tranqüilamente, para a escola ele ainda atirou com um rifle em estudantes, matando duas garotas e deixando sete feridas. Relata-se que Woodham faz parte de um grupo de fanáticos por death metal, que rezam para Satã, admiram Hitler, torturam animais e defendem a visão do anticristo do filósofo alemão Nietzsche. Em dezembro do mesmo ano, Michael Carneal, 14 anos, atirou e matou três estudantes, deixando cinco outros feridos numa escola em Paducach, Kentucky. De acordo com o processo judicial para averiguar o caso, o jovem fora influenciado por músicas, videoclipes e filmes violentos. Um ano após, em março de 1998, Mitchel Johnson, de 13 anos, amante do black metal, e seu amigo Andrew Golden, de 11 anos, mataram quatro garotas e um professor e deixaram 10 outros alunos feridos em uma escola em Jonesboro, Arkansas. Mais recentemente, talvez o fato que mais tenha chamado a atenção da mídia, ocorreu em abril de 1999, também nos Estados Unidos. Eric Harris e Dylan Kleybold mataram 12 de seus pares, um professor e depois a si mesmos, no Columbine High School 75 em Littleton, no Colorado. Alguns dias mais tarde, o então Governador do Colorado, Bill Owens, alertou em um discurso: “um vírus está livre dentro de nossa cultura”. Isso se deveu ao fato de que, após cinco dias do crime trágico, descobriu-se que os jovens assassinos idolatravam o pop rock Marilyn Manson, descrito como um “ultra-violent satanic rock monstrosity” e que combina o nome de uma das mais famosas sex symbol de todos os tempos, Marilyn Monroe e do famoso serial killer, Charles Manson (fanático pela música dos Beatles e que acreditava que as letras das músicas eram mensagens para ele). Além de serem fãs da música do Marilyn Manson, os jovens também gostavam de música eletrônica, techno germânico e de grupos de death metal. Relatou-se que os jovens perguntaram a uma das vítimas, chamada Cassie Bernall, se ela acreditava em Deus e, após responder que sim, eles atiraram nela e que as outras vítimas morreram pelo fato de serem cristãs. É surpreendente saber que crimes como esses se repetiram, com o ponto em comum de terem sido realizados por adolescentes “fanáticos” por bandas de heavy metal, de maneira a suscitar a seguinte questão: A música heavy metal e/ou algumas de suas ramificações como o death metal ou black metal, teriam constituído o fator crucial que motivou estes assassinatos? É tão forte assim a influência da música, a ponto de estimular a criança ou o adolescente a cometer assassinatos e suicídios? Não obstante, apesar dos delitos registrados, parece que esta questão permanece controversa, uma vez que outros fatores poderiam estar exercendo influência nestas relações, como a própria suscetibilidade e sugestibilidade típicas do adolescente. Certamente, foi pelo interesse de melhor entender histórias como estas e outras, tendo em conta o fator gerador de forte influência, às vezes mesmo de “alienação”, produzido por bandas e astros do mundo rock, que vários pesquisadores, preocupados com 76 problemas na adolescência, se prontificaram a pesquisar a influência da música no comportamento. Com efeito, algumas pesquisas já demonstraram a existência de correlação positiva entre preferência musical, mais especificamente pelo heavy metal e vários tipos de comportamento anti-social (ver Ballard, Dodson & Bazzini, 1999). Relata-se também correlação positiva, porém moderada, entre preferência por heavy metal, uso de álcool, drogas ilícitas e atitudes positivas frente ao sexo pré-marital (ver Myers, 2000). Singer, Levine e Jou (1993) encontraram maiores níveis de comportamento anti-social em adolescentes que mostraram maior preferência pelo estilo musical heavy metal, no entanto essa relação foi mediada pelo nível de supervisão parental. Outros pesquisadores, como Lacourse, Claes e Villeneuve (2001), investigam a influência desse gênero musical no risco de suicídio na adolescência. Os autores citam algumas pesquisas empíricas sob esta relação. Por exemplo, Lester e Whipple (1996) encontraram relação significativa entre preferência pelo heavy metal e ideação suicida no passado. Stack e Gundlach (1992), por sua vez, encontraram, num estudo que considerou 49 áreas metropolitanas, que a taxa de suicídio entre brancos era maior nas áreas onde se escutava mais música country 7 . Em uma amostra com 248 estudantes, Arnett (1992, citado por Villani, 2001) encontrou uma clara relação entre preferência musical e comportamento imprudente (ou arriscado). Seus dados mostram uma relação entre preferência por heavy metal e comportamentos de alto risco, como dirigir intoxicado, dirigir em alta velocidade (velocidade maior que 80 km/h), uso de drogas, comportamento sexual de risco e vandalismo. Outras pesquisas também verificaram correlações entre preferência por heavy metal e outros fatores de risco, como pobres relações parentais, depressão, sentimentos de alienação e anonimato e abuso de substâncias ilícitas (Lacourse, Claes & Villeneuve, 7 Críticas endereçadas a Stack e Gundlach (1992) no tocante a aspectos metodológicos e quanto à explicação dos resultados podem ser encontrada em Mauk, Taylor, White e Allen (1994). 77 2001). Entretanto, alguns estudos não têm confirmado que a música rock exerce influência no comportamento agressivo entre crianças e adolescentes (McNamara & Ballard, 1999). Verificaram-se também correlações entre preferência por heavy metal e outros fatores de risco como pobres relações parentais, depressão, sentimentos de alienação e anonimato, uso de substâncias ilícitas, e outros comportamentos perigosos ou que envolvem risco (Arnett, 1991, 1996; Martin, 1993; King, 1998 citados por Lacourse, Claes & Villeneuve, 2001). Tais estudos não atribuíram, unicamente, um papel à música, mas também a características disposicionais, como níveis de excitação neurofisiológica. Segundo alguns pesquisadores (por exemplo, McNamara & Ballard, 1999) os adolescentes fãs de rock e heavy metal tendem a pontuar alto em escalas que avaliam a busca de sensações. McNamara e Ballard (1999), fazendo mensurações fisiológicas, através da verificação da pressão sanguínea, endossam resultados prévios. As autoras encontraram correlações entre níveis de excitação fisiológica (arousal), preferência musical, busca de sensações e comportamento anti-social em homens, não se encontrando este mesmo padrão nas mulheres. Ademais, foi verificado que os homens têm maior preferência por estilos musicais excitantes, como o heavy metal. De acordo com os dados de Arnett (1991, 1996, citado em McNamara & Ballard, 1999), em comparação àqueles que não mostraram preferência pelo heavy metal, os adolescentes que preferem este estilo musical mostraram mais propensão a fazer uso, porém não abuso, de drogas e a se envolverem em atividades perigosas e imprudentes. Dentre as diversas questões em torno da música, a que vem provocando maior interesse é a de saber se devido à exposição e preferência de adolescentes e jovens por músicas que abordam comportamentos violentos, como vandalismo, homicídio ou até mesmo genocídio, os fãs se tornam mais agressivos. Neste sentido, podem ser citados alguns estudos que não têm confirmado a influência desses estilos musicais (rock, heavy 78 metal e outras ramificações) no comportamento agressivo de crianças e adolescentes (McNamara & Ballard, 1999). Em suma, as pesquisas de tipo correlacional, com relação à temática, têm seu valor, mas são criticadas, sobretudo por não serem capazes de indicar relações mais precisas entre as variáveis (ver Anderson & Bushman, 2001). Problemas já bastante relatados quando se fala das desvantagens ou aspectos críticos do método correlacional (ver, por exemplo, Rodrigues, Assmar & Jablonsky, 2000). Ademais, como se verificou na literatura, há muito ainda que se pesquisar, na psicologia social e da personalidade, com relação à preferência musical (Rentfrow & Gosling, 2003). 2.2. GRUPOS, INDIVÍDUOS E COMPORTAMENTOS Como se afirmou anteriormente, as preferências musicais servem como características próprias de vários grupos juvenis. Nas chamadas tribos urbanas ou culturas juvenis, as preferências musicais jogam um papel fundamental, mostrando sua importância nos processos grupais, como os de identificação, coesão e formação de identidades. Podese verificar isto na cultura hip-hop, por exemplo, em que se verifica a presença de expressões artísticas diversas, que se manifestam na figura do DJ, através dos truques que faz no pick up, com o disco de vinil, tocando a música rap, do b-boy mediante a dança, em passos ensaiados ou no freestyle, complementando-se na arte dos grafiteiros, como a configuração de uma autêntica cultura juvenil. É importante, neste sentido, chamar a atenção para a crítica ao establishment (no sentido de ordem vigente), presente nas mais diversas culturas juvenis, seja ela hippie, punk ou skinhead. Sobre estas últimas, parece que vêm despertando a atenção da mídia, sobretudo, pelo conflito intergrupal, considerados na literatura especializada como grupos rivais (ver Costa, 1993; Salem, 1996). É, portanto, com o fim de trazer dados de pesquisas empíricas específicas sobre vários desses grupos, considerando sua relação com a música e alguns 79 comportamentos de risco, como o uso de drogas e a violência, que se desenvolve este tópico específico. Contudo, faz-se necessário comentar um pouco sobre o papel dos grupos na psicologia social e a influência que exercem nos comportamentos anti-sociais. a) Psicologia Social e Grupos: Um tema clássico Quando, nos princípios dos 30, enunciou sua equação básica: C = f (PA), Kurt Lewin estava, na verdade, enunciando o postulado psicossocial fundamental que mais tarde iria constar em centenas de manuais que apareceram na psicologia social, intentando mostrar a necessidade de se estudar traços disposicionais que motivam o comportamento, assim como as características ambientais, que formam a situação psicológica (Lewin, 1936). A equação, explica, pois, que o comportamento é uma função da pessoa e do ambiente. E que esse ambiente, na verdade, é o ambiente psicológico, formado pelas percepções acerca dos pais, irmãos, família em geral, colegas de trabalho, namorada (o) entre outros. Sendo assim, é constituído pelas percepções das interações com os diversos atores sociais, que o indivíduo tem no dia-a-dia. No centro desse campo, encontra-se o indivíduo, com todos os seu atributos próprios e autopercepções. Com efeito, o postulado lewiniano torna a expressão perfeita do que se chama nível psicossocial de análise. O autor dessa dissertação, portanto, considera mais escusável a consulta de vários manuais no âmbito da disciplina para quem objetive se aproximar à psicologia social desde um dos seus tópicos mais interessantes e fundamentais. Por isso, não se delongará mais sobre este tema, haja vista que a fonte de influência que exerce os grupos no comportamento individual é extremamente bem documentada na disciplina, podendo já ser considerada como um dos seus pressupostos básicos. Neste terreno, vários nomes importantes no desenvolvimento dessa disciplina se preocuparam em estudar a influência dos grupos na vida social. Teve marcada importância para a teoria de grupos os estudos de influência social, os experimentos clássicos de Sheriff, Asch, Milgran e Moscovici, além 80 de outras contribuições nomeadamente importantes como aquelas dadas por nomes tão conhecidos como os de Cartwhrite, Zander, Thibaut, Kelley, Tajfel, entre outros. Em um estudo clássico, que se reputa relevante para a presente pesquisa, Siegel e Siegel (1957) verificaram que a identificação tanto com os grupos de referência (aqueles que servem de modelo para os indivíduos) como com os grupos de relacionamento (grupos do dia-a-dia, como colegas de trabalho) exerceram influência significativa na mudança de atitudes dos sujeitos no experimento. b) Influência Grupal nos Comportamentos Anti-Sociais No conjunto de variáveis pertinentes à explicação dos comportamentos anti-sociais, a influência dos modelos sociais, formados por pessoas importantes para o jovem, como os amigos, a associação com pares desviantes e a família, tem-se destacado marcantemente (Dishion, Patterson, Stoolmiller & Skinner, 1991; Fisher & Fagot, 1993; Miller, 1997; Scaramella & cols. 2002; Vitaro, Brendgen & Tremblay, 2000; Vuchinich, Bank, & Patterson, 1992; Whright & Cullen, 2001). De notória relevância nesses estudos, encontrase o (MDS) para a explicação do uso de drogas e álcool, mas também para a explicação da delinqüência e da violência juvenis (ver Benda & Corwyn, 2000; Herrenkohl & cols. 2000; Saner & Ellickson, 1996). Este quadro explicativo incorpora o pressuposto segundo o qual o tipo de relação com os grupos de referência, aqueles que servem para a modelagem do comportamento social, constituem fatores de risco e proteção para estas condutas. Vários resultados de pesquisas apóiam a hipótese do compromisso social ou com a sociedade convencional, segundo a qual o compromisso com grupos normativos (por exemplo, familiares, pais, professores), os quais assumem a função de transmissão dos valores sociais que garantem a harmonia social é considerado como um fator de proteção de condutas anti-sociais e delitivas (Benda & Corwyn, 2000; Petraitis, Flay & Miller, 1995; Sussman, Dent & McCullar, 2000; Tarter, 1988). Postula-se que este compromisso tem 81 início com o processo de identificação grupal. A identificação grupal, neste sentido, pode ser entendida como “a importância subjetiva do grupo para o indivíduo” (Kiesner, Cadinu, Poulin & Bucci, 2002, p. 197). Esta importância, por sua vez, modera a influência dos pares no comportamento (anti-social) do indivíduo. Malek, Chang e Davis (1998), numa pesquisa com estudantes de Massachustes e Lousiana, deram apoio empírico à crença segundo a qual os valores mantidos pelos pais e as estratégias disciplinares afetam diretamente a tendência dos filhos para o comportamento violento. Dentre vários outros estudos neste campo, têm-se verificado que é lugar comum analisar a identificação com grupos não-normativos ou desviantes (gangs, companheiros que usam drogas, praticam delitos, familiares que têm atitudes ou comportamentos anti-sociais), procurando-se estimar em que medida explicaria comportamentos desviantes em adolescentes (Hawkins, Catalano & Miller, 1992; Herrenkohl & cols., 2000). Heaven e cols. (2000) comprovaram que as condutas delitivas estavam positivamente correlacionadas com dois fatores de identidade juvenil delinqüente: companherismo delinqüente (r = 0,46, p < 0,001) e normas condutuais delinqüentes (r = 0,35, p < 0,001). Cotton, Resnick e Bronne (1995), num estudo em colégios de estudantes de classe baixa na Carolina do Norte, evidenciaram que a percepção das atitudes e comportamentos da família frente à violência influencia direta e significativamente o comportamento agressivo dos filhos. Brook, Brook, Arencibia-Mireles, Richter e Whiteman (2001), utilizando dados de três estudos, sendo duas amostras de adolescentes estadunidenses e uma de colombianos, verificaram, através de análises integradas, que a identificação parental (com o pai e a mãe) diminuiu a probabilidade de uso de maconha nos adolescentes. Além disso, tanto nas análises dos estudos individuais como nas integradas, o uso de maconha pelo grupo de iguais predisse significativamente o uso de 82 maconha entre os adolescentes. Consistente com estes resultados, Vitaro, Brendgen e Tremblay (2000) observaram que o fato de ter como melhor amigo alguém que se desvia das normas sociais se correlacionou positivamente com indicadores de delinqüência e atitudes em relação à delinqüência (r = 0,15, p < 0,05 para ambos). Com amostras de adolescentes do Nordeste brasileiro, mais especificamente no contexto paraibano, dois estudos recentes trataram de conhecer a correlação entre a identificação com grupos normativos e o comportamento anti-social. Coelho Júnior (2001) observou que a pontuação total de identificação com nove grupos normativos (por exemplo, família, familiares, vizinhos, professores) se correlacionou inversamente com os fatores de condutas anti-sociais e delinqüência juvenil compartilhada (r = -0,15, p < 0,001 para ambos), e com um índice de potencial consumo de drogas (r = -0,15, p < 0,001). Consistentemente, a identificação com as pessoas que formam o grupo de pertença primário (pai, mãe e irmãos) se correlacionou igualmente com estes três indicadores (r = 0,10, -0,18 e -0,17, respectivamente; p < 0,001 para todos). Resultados muito parecidos foram relatados por Formiga (2002). Este autor comprovou que a pontuação total de identificação com cinco grupos normativos (família, familiares, companheiros de estudo, vizinhos e professores) se correlacionou negativamente com as condutas anti-sociais (r = 0,16, p < 0,001) e delitivas (r = -0,13, p < 0,001). Neste último estudo, a identificação com os professores apresentou maior correlação negativa com as condutas anti-sociais (r = 0,14, p < 0,001), enquanto que a identificação com a família (pai, mãe e irmãos) o fez em relação às condutas delitivas (r = -0,10, p < 0,01). Frente ao apresentado, caberia esperar que a identificação com grupos normativos atuasse como protetor de condutas anti-sociais e delitivas. Nesta perspectiva, Gouveia, Albuquerque, Clemente e Espinosa (2002) têm alertado para a necessidade de se entender melhor o papel dos valores e das identidades sociais em programas de prevenção do uso de 83 drogas na adolescência. Similarmente, deriva-se também, tanto de especulações teóricas como de resultados de pesquisa, que a identificação com grupos não convencionais, que formam culturas juvenis (ver Pais, 1998), como grupos de hippies, headbangers, punks ou skinheads pode ser importante para jogar luz nessa questão. Isto é compreensível, uma vez que com o declínio da supervisão parental na adolescência, a influência destes grupos pode ser decisiva, pois já fazem parte do mundo adolescente, sobretudo nos centros urbanos. A despeito de não se poder contar com o corpo de pesquisa que se possa considerar substantivo para endossar o supramencionado, pode ser interessante aludir alguns fatos, especulações e resultados de pesquisa. De início, vale lembrar que o emérito psicólogo sócio-cognitivamente orientado, Albert Bandura, em 1969, em uma análise da rotulação do comportamento social desviante, já chamava a atenção para o entendimento destes grupos, com características próprias e com percepções distintas de normalidade, quando analisa que: “...subgrupos classificados como desviantes socialmente e, portanto, como ‘doentes’ ou ‘loucos’, não porque eles aderem a meios culturalmente condenados de obter objetivos altamente valorizados, mas porque se afastam do sistema social dominante e rejeitam os próprios alvos culturais básicos. A maioria conformista numa sociedade pode rotular grupos não-conformistas, como ‘boêmios’, ‘beatniks’ e ‘hippies’, que recusam a esforçar-se para obter alvos muito valorizados na cultura, como exibindo um comportamento desadaptativo. Da perspectiva dos desviantes, o estilo de vida dos membros conformistas é uma manifestação sintomática de uma sociedade supercomercializada, ‘doente’” (Bandura, 1979, p. 2). Em pesquisa empírica, Sussman, Dent e McCullar (2000) comparam diferenças com relação à auto-identificação, sentimento de pertença, de 681 estudantes secundaristas, de várias escolas na Califórnia com grupos juvenis com relação a uso de drogas e violência. Verificaram que, considerando “grupos de alto risco”, no caso membros de gang, “drogados”, pixadores, rappers e metaleiros (roqueiros ou headbangers), grupo de “jocks”, formado por atletas e alunos muito inteligentes e “grupos específicos regulares”, 84 categoria que inclui skatistas, progressivos (fãs de música techno) e surfistas, os adolescentes que se sentiam mais pertencer aos “grupos de alto risco” tiveram médias mais altas nas escalas que avaliam uso de álcool e maconha. De acordo com as comparações, verificaram também que estes grupos obtiveram os mais altos escores em abuso de drogas e que o grupo de “jocks” mostraram menor intenção em usar maconha do que os outros grupos. Quanto às diferenças nas variáveis relacionadas à violência, os que se autoidentificavam com “os grupos de alto risco” mostraram ser os mais prováveis de agir de forma violenta, menos prováveis de se esquivar de pessoas e situações perigosas e mais prováveis de portarem uma arma. Já os que se sentiam mais como pertencentes ao grupo dos “jocks” foram os mais prováveis de se esquivar de perigos. Todas as diferenças foram estatisticamente significativas. López e Garcia (1997), numa pesquisa sobre vários fatores que incidem em comportamentos de risco, em uma amostra de jovens representativa da Comunidade Autônoma de Madrid, encontraram “uma marcada tendência dos sujeitos que consomem drogas ilegais a simpatizar ou pertencer a grupos ou tribos urbanas” (p. 170). Segundo estes autores, foi verificada também uma tendência, em menor grau, entre uso intenso de álcool e substâncias ilegais naqueles que simpatizam ou pertenciam a tribos urbanas. Conforme as análises descritivas, relatou-se que 91,3% dos jovens afirmaram não simpatizar com alguma tribo urbana e não beber (consumir álcool) nem usar drogas ilegais, ao passo que apenas 8,7% da amostra, que disseram simpatizar com alguma tribo, disseram não fazer uso de álcool e drogas ilícitas. 96,4%, que afirmaram não pertencer a alguma tribo urbana relataram não beber nem usar drogas ilegais, enquanto apenas 3,6%, que relataram pertencer a alguma tribo, informaram não fazer uso de álcool e drogas ilegais. Por outro lado, 31,6 % dos jovens entrevistados, que reportaram pertença e simpatia a alguma tribo, afirmaram fazer uso de álcool e substâncias ilícitas (López & Garcia, 1997). 85 Desafortunadamente, os autores não relataram quais as tribos urbanas, unicamente fizeram referência às tribos, sem especificar nenhuma. A cientista social Márcia Regina da Costa, em um livro derivado da sua tese de doutoramento, fez uma análise dos “carecas do subúrbio”, grupo do subúrbio paulista que sofre influência dos skinheads ingleses, a partir de diversas entrevistas com membros do grupo dos carecas, caracterizados como violentos, autoritários, antidrogas e preocupados em manter um corpo musculoso. Em vários trechos do livro, a autora relata conflitos intergrupais, sobretudo com os punks. Mas também com outros grupos, como relata: “É o caráter de seriedade, de pureza e de firme afirmação de seus valores que faz com que os carecas considerem como inimigos todos aqueles que não são como eles. E é contra os outros, os diferentes, que, com freqüência, ocorrem as violências, as tretas. Os punks, por exemplo, são odiados por terem traído as características e posturas que eles consideraram como fundamentais; os hippies, por serem drogados, pacifistas e não trabalharem no pesado; os roqueiros, por terem aderido a um tipo de comportamento e música alienada; os boys, por serem ricos, viverem de mesada e por provocarem e esnobarem os pobres etc. Dessa forma, eles projetam nesses grupos os pecados e vícios que alegam não ter’’(Costa, 1993, p. 143). Adicionalmente, Salem (1996) registrou, em um trabalho onde atesta a violência de grupos de skins, neonazistas, pelo mundo e no Brasil, como exemplo da atuação desses grupos, a morte de uma pessoa e o ferimento de duas outras, a tiro, em um dos primeiros shows punk em São Paulo, em 3 de junho de 1979. Já em 23 de setembro de 1992, também em show da famosa banda punk norte-americana Ramones 8 , dessa vez no Rio de Janeiro, no Canecão, sete feridos e doze carecas foram presos como suspeitos de provocar atos de arruaça. Posteriormente, esses carecas são identificados como integrantes da facção carioca dos Carecas do Subúrbio: os Carecas do Brasil. A autora afirma que existem cerca de 12 grupos neonazistas no Brasil, que se encontram, sobretudo, em São Paulo, Espírito Santo, 8 É interessante o depoimento de Johnny Ramones, guitarrista da banda, irritado com o tumulto ocorrido, conta que: “Nesses quase 20 anos de rock’n’roll, já vivi muita coisa, mas nunca tinha visto uma bomba de gás lacrimogêneo explodir em frente ao palco” (ver Salem, 1996, p. 55). 86 Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Ela também afirma que muitos desses grupos são racistas, principalmente hostis com nordestinos, homossexuais e usuários de drogas. Os carecas, para levar a efeito seus atos de violência, portam correntes, soco-inglês e revolveres, praticam halterofilismo, musculação, artes marciais e são, de forma geral, contra o álcool e as drogas (Salem, 1996). Por fim, a autora explica que a existência dos carecas, no Brasil, Europa ou Estados Unidos, sempre esteve associada à violência e que, dentre os cenários preferidos para tal, estão os shows de música. Como exemplo, menciona que das quatro turnês que o grupo Ramones fez no Brasil (São Paulo, 1987 e 1991; Rio de Janeiro, 1992 e 1994), três redundaram em caos. Na segunda, em São Paulo, um rapaz de 21 anos, Rogério Ramalho de Souza, foi brutalmente esfaqueado e morreu no meio do tumulto. Wood (1999), em análise qualitativa da cultura americana skinhead, confirma a posição de Costa (1993), afirmando que os skinheads são violentos e, em geral, racistas. Os punks podem ser considerados como um dos grupos mais rebeldes e anticonformistas, posicionando-se de forma hostil contra “figuras e símbolos” de autoridade, como os pais e as gerações mais velhas. São permissivos com relação às drogas e ao sexo e “revoltados”, chegando a se auto-mutilarem (ver Wood, 1999). Conforme o autor, os punks exibem uma tendência ao niilismo, quando afirmam em documentário: “Nós não acreditamos na família, nós não acreditamos na religião...nós não acreditamos em nada (Wood, 1999, p. 139). É importante destacar que muitos destes grupos são rígidos com relação às normas grupais. Como sublinhou Arnett, o grupo de adolescentes fãs de heavy metal, considerando estadunidenses (head bangers ou batedores de cabeça), é tido como um dos grupos mais “extremos”. Grupo “extremo” tem a conotação de um grupo mais radical ou fanático, quando comparado com fãs de outras ramificações do rock. 87 Portanto, conclui-se que conhecer a influência que exercem estes grupos (ou tribos juvenis) propicia um melhor entendimento de diversos comportamentos anti-sociais reforçados e mantidos por seus membros, que agem como uma forte fonte de influencia social para adolescentes, por fazerem parte ou mesmo por apenas se identificarem com tais grupos. Pesquisar esta fonte de influência é estar atento ao fenômeno de influência grupal nos comportamentos desviantes, considerando um conjunto de crenças, atitudes, normas, valores e comportamentos que têm tido lugar nestes grupos informais. Com relação aos valores humanos, por exemplo, que é um construto que vem sendo relacionado com vários outros, cumpre assinalar que, até então, apenas se encontrou referência a um trabalho, desenvolvido por Leming (1987 citado por McNamara & Ballard, 1999), que se intitula: “Rock music and the socialization of moral values in early adolescence”, em que se discute a influência da preferência pelo rock no uso de drogas e nos valores mantidos por adolescentes. Por fim, apesar de não se contar com um corpo suficientemente substantivo de pesquisas, na psicologia pode-se já ser contemplado um interesse que objetiva melhor entender o papel destes grupos no comportamento adolescente. Alguns autores interessados em problemas da adolescência, como, por exemplo, o professor Jeffrey Jersen Arnett, da University Park (Maryland-EUA), vêm realizando pesquisas, sistematicamente, que objetivam o entendimento da cultura heavy metal (HM). Adicionalmente, cumpre lembrar que vários estudos já foram desenvolvidos, fundamentalmente, no campo da antropologia cultural e da sociologia urbana e que podem também aportar uma quantiosa contribuição para o psicólogo social que deseje melhor entender o papel das culturas juvenis no uso de drogas e outros comportamentos anti-sociais na adolescência e juventude. 88 Capítulo III OS VALORES HUMANOS NA PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA E SUA RELAÇÃO COM OS COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS 89 O presente capítulo apresenta as principais teorias no campo dos valores humanos, assim como expõe o modelo de valores utilizado nesta dissertação. Além disso, reúne pesquisas empíricas acerca das associações entre os valores e diversos comportamentos anti-sociais entre adolescentes. 3.1. O ESTUDO DOS VALORES DESDE A PSICOLOGIA SOCIAL CONTEMPORÂNEA O estudo dos valores humanos pode ser identificado desde tempos longínquos na história do pensamento social. Grandes pensadores na filosofia - como Platão e Aristóteles - consideravam os valores e sugeriam seu ensino, no entanto, tal retorno histórico extrapolaria o objetivo proposto. Conseqüentemente, dada à natureza da pesquisa, focalizar-se-á o estudo dos valores desde a psicologia social contemporânea. Sendo assim, a formulação operada por Rokeach, em torno do conceito de valor, resulta extremamente importante expor. Segue também como fundamental a exposição do modelo de Shalom H. Schwartz, dada sua relevância e utilização corrente na psicologia social. Outro autor que neste tema tem se destacado - oriundo da sociologia, mas de marcado reconhecimento na psicologia social - é Ronald Inglehar. Sendo assim, também faz parte do objetivo deste capítulo aduzir suas principais idéias. Por fim, apresentando algumas críticas aos modelos anteriores e com o afã de propor uma alternativa viável para o estudo dos valores na psicologia social, expõe-se o modelo desenvolvido por Gouveia (1998), o qual é utilizado nesta dissertação. a) A Natureza dos Valores em Rokeach A obra clássica de Milton Rokeach (1973), The Nature of Human Values, é considerada como representante da maturidade da sua teoria dos valores, assim como “necessária” e “fundamental” para o desenvolvimento do estudo dos valores na psicologia 90 social (Gouveia, 1998). Buscando cumprir critérios de cientificidade para formulação de sua teoria sobre os valores, Rokeach (1973) chama atenção, em primeiro lugar, para a necessidade de definição operacional. Afirma que o conceito de valor deve ser diferenciado e sistematicamente relacionado a outros conceitos, tais como os de atitudes, normas e necessidades; deve igualmente evitar termos circulares e possibilitar a replicação dos seus achados. Sua formulação sobre a natureza dos valores se sustenta em cinco pressupostos iniciais: 1) o número total de valores que uma pessoa possui é relativamente pequeno; 2) todos possuem os mesmos valores em diferentes graus; 3) os valores se organizam em sistemas de valores; 4) os antecedentes dos valores podem ser encontrados na cultura, sociedade, instituições e na personalidade; e 5) as conseqüências dos valores humanos devem se manifestar virtualmente em todos os fenômenos de interesse para as ciências sociais (Rokeach, 1973). Um valor, portanto, seria uma “crença duradoura que um modo de conduta específico ou estado final de existência é pessoal e socialmente preferível em oposição a um outro modo de conduta ou estado final de existência” (Rokeach, 1973, p. 4). Quando Rokeach assinala que os valores se organizam num sistema de valores, este sistema deve ser entendido como uma organização dessas crenças, e quando menciona os diferentes graus, isto significa uma organização hierárquica num contínuo de importância. Com tais pressupostos, Rokeach explicita informações relevantes para o entendimento de sua concepção de valores humanos. Percebe-se o interesse pelos estudos interdisciplinares, de unificação ou aproximação da psicologia social com as demais ciências sociais, representados pela ênfase no social e na personalidade, bem como na possibilidade de pesquisas trans-culturais. Para Ros (2001), a aportação mais relevante de Rokeach foi o desenvolvimento de um instrumento para medir os valores (Rokeach Value Survey - RVS). Os interesses deste autor, todavia, não param por aí; Rokeach (1981) 91 argumentou que o conceito de valores deveria ocupar a posição central do clássico conceito de atitudes, e para isso advogou algumas considerações: “Primeiro, o valor parece ser mais dinâmico, uma vez que ele tem um forte componente motivacional, tanto quanto os componentes cognitivo, afetivo e comportamental. Segundo, embora a atitude e o valor sejam ambos amplamente admitidos como determinantes do comportamento social, o valor é um determinante de atitude, tanto quanto de comportamento. Terceiro, se admitirmos que uma pessoa possui consideravelmente menos valores do que atitudes, então o conceito de valor fornece-nos um instrumento analítico mais econômico para descrever e explicar as semelhanças e diferenças entre as pessoas, grupos, nações e culturas” (p.130). Além disso, Rokeach (1981) destaca que o conceito de valor tem sido estudado por várias disciplinas, como a filosofia, educação, ciência política, economia, antropologia e teologia, bem como a psicologia e a sociologia, contrastando, assim, com o estudo mais especializado das atitudes. Rokeach (1973) classifica os valores em instrumentais, quando se referem a modos de conduta e terminais, quando tratam de estados finais de existência. Ao todo, são 18 valores instrumentais e 18 terminais que compõem seu instrumento específico para medir valores. Os valores instrumentais são concebidos como meios para alcançar o desejável e os valores terminais são aqueles que representam o desejável, referindo-se, respectivamente, aos modos de conduta e aos estados finais de existência. Os valores instrumentais podem ser morais e de competência. Estes últimos independem da moralidade e sua violação provoca sentimentos de vergonha ou de inadequação pessoal; já os morais correspondem a uma perspectiva interpessoal, provocando sentimentos de culpa quando de sua transgressão. Os valores terminais também apresentam duas tendências, podendo estar centrados no indivíduo (intrapessoal) ou na sociedade (interpessoal). Os valores que compõem a teoria e a medição, através do Rokeach Value Survey (RVS) são os terminais: a) felicidade, auto-respeito, tempo livre, salvação, segurança familiar, satisfação com a tarefa realizada, uma vida confortável, 92 amizade verdadeira, harmonia interna, maturidade, um mundo de paz, igualdade, reconhecimento social, amor maduro, segurança nacional, um mundo de beleza, liberdade, uma vida excitante; e os instrumentais: b) valente, educado, intelectual, honrado, obediente, lógico, imaginativo, capaz, alegre, autocontrolado, capaz de perdoar, capaz de amar, responsável, independente, limpo, ambicioso, liberal, serviçal (ver Rokeach, 1973). Para a seleção dos 18 valores terminais, Rokeach levou em conta a literatura sobre valores, sua experiência pessoal e um levantamento feito com 100 pessoas de uma cidade estadunidense. Quanto aos valores instrumentais, foram escolhidos de uma lista de 555 traços de personalidade, identificados no vocabulário psicológico. Outro ponto de interesse para o desenvolvimento do campo dos valores é, precisamente, aquele que diz respeito à sua Mudança e Função. Mudança de valores significa uma reordenação de prioridades. Segundo este autor, este fenômeno é de grande importância para se poder compreender as mudanças sociais. As funções principais mencionadas em Rokeach (1973), são as seguintes: (1) ego-defensiva: algumas necessidades, sentimentos, ou ações que não são bem aceitas pessoal ou socialmente, podem se transformar, através de processos de mecanismos de defesa, em algo mais aceitáveis, de modo que socialmente, sob a forma de valores, representem conceitos culturalmente justificáveis; (2) de conhecimento ou auto-realização: alguns valores, implícita ou explicitamente, levam a uma busca de significado, a uma busca de compreensão, de conhecimento, de ser competente. Valores tais como sabedoria e competência, representam esta categoria; (3) guias de conduta: representam critérios multifacetados que orientam a conduta de vários modos, tais como: tomar uma posição particular diante de um problema 93 qualquer, predisposição favorável ou não perante uma ideologia política ou religiosa em comparação com outra, tarefas tais como avaliar, julgar, emitir elogios ou recriminações a si ou a outrem, comparar, persuadir, influenciar, racionalizar crenças, atitudes e comportamentos, que de outro modo seriam pessoal ou socialmente condenados moralmente ou necessários à manutenção da auto-estima; (4) motivadores de conduta: guiam as ações humanas em todas as situações do diaa-dia e fornecem expressão às necessidades humanas básicas; e (5) adaptativa ou orientada para a utilidade: o conteúdo de certos valores acentua diretamente modos de conduta ou estados finais que são de orientação adaptativa, ou orientados para a utilidade. Como exemplos de valores orientados para a adaptabilidade, tem-se a obediência, a cordialidade e o autocontrole, entre outros. Não obstante sua reconhecida relevância para o campo de pesquisas empíricas com valores, Rokeach recebeu várias críticas relativas à sua mensuração e aos aspectos teóricos (Gouveia, 1998; Ros, 2001). Segundo Ros (2001), pode-se encontrar em Schwartz e Bilsky (1987) as principais críticas sobre a estrutura e a organização dos valores, as diferenças entre os valores instrumentais e finais e a concepção de ser humano subjacente. b) Os Tipos Motivacionais de Schwartz Outro modelo que merece ser apresentado na picologia social é o de Shalom H. Schwartz, que concebe os valores como desejáveis, com objetivos trans-situacionais, variando em importância e servindo como princípios-guia na vida das pessoas (Schwartz, 1992). Recuperando as idéias iniciais de Rokeach (1973), Schwartz (1994) propõe uma teoria sobre o conteúdo e a estrutura dos tipos motivacionais de valores. Não apresenta nenhuma teoria específica sobre a origem dos valores humanos, sendo a maioria dos que compõe sua escala retirados do Rokeach Value Survey (RVS). Sua idéia básica é a de que 94 existem alguns elementos, itens ou valores específicos que se reúnem, em função do tipo motivacional que cumprem, dando origem ao que se chama de tipos motivacionais de valores. Seguramente, nenhum outro pesquisador na psicologia social goza do reconhecimento, no tema dos valores, que tem Schwartz; todavia, possivelmente “nenhum outro” dispõe de tantos colaboradores. Estudos empíricos, realizados em mais de sessenta culturas, sugerem a presença de dez tipos motivacionais, com alguns dos valores descritivos entre parênteses: autodireção (independente, curioso), estimulação (uma vida excitante, atrevido), hedonismo (prazer, desfrutar da vida), êxito (ambicioso, capaz), poder (poder social, autoridade), benevolência (amável, honesto), conformidade (educado, obediente), tradição (devoto, respeito pela tradição), segurança (segurança familiar, ordem social) e universalismo (aberto, um mundo de beleza). Tais tipos moticacionais são comprovadamente universais, existindo uma estrutura interna de compatibilidades e conflitos. Por exemplo, as pessoas que dão importância ao poder tendem a fazê-lo também em relação ao êxito; esta mesma pessoa daria pouca importância, por exemplo, aos valores de tradição (Schwartz, 1992,1994). No centro desta abordagem, situa-se a idéia de uma estrutura circular dos tipos motivacionais de valores, desenvolvida por Schwartz (1992). Esta estrutura considera que os valores são concepções desejáveis, metas trans-situacionais, que variam de importância e que servem como princípios-guia no cotidiano das pessoas (Figura 1). 95 AUTOTRANSCENDÊNCIA Benevolência Tradição Autodireção Conformidad Estimulação Segurança CONSERVAÇÃO ABERTURA À MUDANÇA Universalismo Hedonism Realização Poder AUTOPROMOÇÃO Figura 1. Estrutura circular dos valores (Schwartz & Bilsky, 1987) A tipologia proposta por Schwartz parte de três requisitos fundamentais para a existência humana: (1) as necessidades biológicas; (2) as necessidades de interação social; e (3) as necessidades de sobrevivência e funcionamento grupal. Tanto os indivíduos como os grupos apresentam estas necessidades como valores específicos, sobre os quais eles organizam, coordenam e executam seus comportamentos. Como conseqüência destes pressupostos, Schwartz definiu uma lista de dez tipos de valores, os quais podem ser encontrados em qualquer cultura, sendo por isso, considerados como universais (Quadro 2). 96 Poder. Status social, prestígio, controle sobre pessoas ou objetos, autoridade, poder econômico, riqueza; Realização. Sucesso pessoal, demonstração de competência, realização da ambição, ser bem sucedido; Hedonismo. Gozo, prazer, gratificações sensuais, gozar a vida; Estimulação. Busca de novidades, de mudanças, audácia, espírito de aventura, busca de novos desafios; Autodireção. Independência, liberdade, criatividade, curiosidade; Universalismo. Ações orientadas para o bem estar de todos, tolerância, justiça social, igualdade, paz, beleza, proteção e preservação da ecologia; Benevolência. Ser prestativo, honestidade, ajuda fraterna, lealdade, amizade; Tradição. Aceitação e respeito pelos costumes e tradições culturais e religiosas moderação, devoção; Conformidade. Obediência, autodisciplina, polidez, conformidade às expectativas sociais, não causar mal ou sofrimentos, honrar os mais velhos; Segurança. Estabilidade pessoal e social, saúde e sobrevivência econômica garantidas, segurança nacional, harmonia social. Quadro 2. Os 10 tipos de Valores Universais de Schwartz (1994) Este conjunto de tipos motivacionais ou tipos de valores são trans-culturalmente válidos (Sagiv & Schwartz, 1995). Em 1994, Schwartz apresentou duas teses centrais, partindo de uma representação espacial (SSA) dos valores específicos: (1) estes aparecem no grupo ou tipo motivacional teórico esperado (por exemplo, desfrutar a vida e uma vida prazerosa ocupam uma mesma região, definida como hedonismo). Isto corresponde à tese do conteúdo universal dos valores; e (2) aqueles tipos de valores compatíveis figuram próximos uns dos outros, enquanto que os que estão em conflito se localizam em regiões adjacentes (por exemplo, auto-direção e estimulação estão próximos entre si, e afastados de conformidade, tradição e segurança). Esta configuração para apresentar os valores sob um modo espacial foi uma estratégia metodológica utilizada para interpretação de resultados e para provar, mais especificamente, sua tese da estrutura dos valores. 97 Um aspecto original da teoria de Schwartz é a concepção de que a estrutura dos valores assume uma forma circular. Os valores que se opõem se afastam em direções opostas a partir do centro do círculo, e os tipos de valores que se complementam estão avizinhados. Este protótipo permite conceitualizar uma estrutura de sistemas de valores organizado segundo duas dimensões básicas: A primeira dimensão opõe Abertura a Mudanças (combinando Autodireção e Estimulação) versus Conservação (combinando Segurança, Conformidade e Tradição). Esta dimensão reflete um conflito entre colocar ênfase na própria independência e favorecimento de mudanças versus submissão, tradição e estabilidade. A segunda dimensão opõe Auto-Promoção (combinando Poder e Realização) versus Auto Transcendência (combinando Universalismo e Benevolência). Esta dimensão reflete um conflito entre a aceitação dos outros como iguais, trabalhar pelo bem de todos versus trabalhar pelo próprio sucesso e domínio sobre os outros. O tipo Hedonismo, compartilha elementos das dimensões Abertura a Mudanças e Auto Promoção. Este protótipo de sistema de valores, como “estruturas integradas”, apresenta a vantagem de facilitar a tarefa de geração de hipóteses sistemáticas e coerentes, observando-se as relações da série completa das prioridades de valores com respeito a outras variáveis, como o comportamento religioso, por exemplo (Gouveia, Clemente & Vidal, 1998). Este protótipo também facilita a interpretação das relações observadas sobre séries de valores com respeito a outras variáveis. Não obstante, embora proporcione estas vantagens, este modelo não expressa exatamente uma elaboração teórica consistente, traduzindo recortes da literatura que fundamentam uma concepção sem um indicador da natureza humana (ver Gouveia, 1998). Igualmente, tem-se comentado que não existe uma fonte específica e clara para seus elementos ou valores específicos. Cerca de 40% destes derivam de Rokeach (1973), que assume como intuitiva a eleição dos valores humanos que 98 compõem seu instrumento. Sendo assim, Schwartz também herda algumas críticas originalmente aplicadas a Rokeach. c) Os Valores Materialistas e Pós-materialistas de Inglehart Inglehart (1991), outro teórico de destaque no tema dos valores, propõe uma teoria sobre os valores humanos fundamentada na idéia de escassez e socialização. A partir da teoria da hierarquia das necessidades de Maslow, Inglehart define duas dimensões através das quais pretende identificar as mudanças geracionais e comparar as culturas nacionais: materialismo (diz respeito à satisfação de necessidades mais básicas e de segurança, isto é, valores materiais) e pós-materialismo (origina-se a partir da satisfação materialista, desencadeando os valores espirituais). Segundo Inglehart (1991), naquelas sociedades onde não estão satisfeitas as necessidades de segurança (física ou econômica), o materialismo seria o padrão valorativo predominante. Contrariamente, nas sociedades mais ricas, as quais ele chama de sociedades industriais avançadas, seria imperativa a dimensão valorativa denominada de pós-materialismo. Estas conjecturas, que são em princípio simples, não necessariamente correspondem à realidade. É possível que países ricos ou pessoas que na atualidade gozem de estabilidade, sigam dando importância à orientação materialista. A explicação para tanto reside no processo de socialização por que passaram as pessoas. É, portanto, necessário atentar para o período e o contexto em que estas foram socializadas, correspondendo aos anos de infância e adolescência. Alguém que viveu em um contexto de escassez, por exemplo, durante uma guerra, pode seguir dando importância à segurança física e econômica, ainda que tenha garantido a satisfação destas necessidades. Frente aos modelos existentes e reconhecendo a necessidade de diferenciar os valores de outros construtos com os quais costumam ser confundidos, Gouveia (1998) pensou na possibilidade de elaborar uma tipologia alternativa e mais parcimoniosa. Talvez 99 seu aspecto mais inovador seja assumir a natureza humana como benévola, e identificar uma teoria específica a partir da qual deriva sua lista de valores. Este modelo servirá, neste estudo, de base teórica para compreender os valores, exigindo assim que se faça um maior detalhamento do modelo. d) Tipologia dos Valores Humanos Básicos Gouveia (1998) apresenta sua tipologia dos valores humanos básicos, conceituando-os como: “... categorias de orientação que são desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, sendo adotadas por atores sociais. Tais valores apresentam diferentes magnitudes e seus elementos constitutivos podem variar a partir do contexto social ou cultural em que a pessoa está inserida (p. 293)”. Esta definição é tratada considerando os seus principais componentes constitutivos, como descritos a seguir: • Categorias de orientação. Este elemento serve para delimitar os valores a partir de um conceito próprio, sem misturá-lo com atitudes e crenças, por exemplo, e permite concebê-los como construtos latentes passíveis de operacionalização através de itens. • Considerados como desejáveis. O caráter desejável dos valores implica serem corretos e justificáveis do ponto de vista moral ou racional, e referirem-se tanto a um desejo pessoal como a uma orientação socialmente desejável. • Baseados nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las. Os valores seriam representações destes dois componentes, mas sem que exista um isomorfismo. Assume-se a existência de um número limitado de valores, que seria superior ao de necessidades. Também se afirma o caráter dos valores como elementos de socialização, não sendo resultado estrito da escassez; não se dá importância simplesmente ao que não se tem, mas ao que, sendo reconhecido como fundamental na vida da pessoa, se deseja ou se receia perder. 100 • Adotadas por atores sociais. Os valores são concebidos como parte do repertório dos indivíduos, que definem e ao mesmo tempo assumem os padrões desejáveis dentro da sociedade. Através de uma argumentação moral e/ou racional, as pessoas justificam o caráter desejável ou preferível do valor assumido diante de outras pessoas. Esta expressão também assinala que os valores são percebidos como algo pessoal, isto é, são adotados (não construídos) por cada pessoa individualmente, embora a pessoa o faça geralmente orientada por forças sociais. Assim como Inglehart (1991), para identificar cada valor básico Gouveia tomou como referência à teoria das necessidades de Maslow, cujos principais fundamentos são: (1) as necessidades humanas são relativamente universais; (2) são neutras ou positivas; (3) obedecem a uma hierarquia; (4) o homem caminha em direção à auto-realização; e (5) a pessoa é um todo integrado e organizado. Em função da teoria das necessidades, foi identificado cada um dos 24 valores básicos, descritos a seguir: 01. Sobrevivência: representa as necessidades mais básicas, como comer ou beber, cuja privação duradoura resultaria letal. Sua relevância parece evidente como um princípio-guia de pessoas ou culturas socializadas em um contexto de escassez ou que não dispõem na atualidade dos recursos básicos. 02. Sexual: representa a necessidade fisiológica que o organismo tem de sexo. Mostra-se como um padrão de orientação sobretudo para jovens adolescentes ou pessoas que foram ou são privadas deste estímulo. 03. Prazer: corresponde à necessidade que o organismo tem de satisfação, entendida em termos amplos (comer, beber, se divertir etc.). Ainda que este valor esteja relacionado ao anterior, sua especificidade radica em não ter uma fonte única e definida de satisfação. 101 04. Estimulação: as necessidades fisiológicas de movimento, variedade e novidade de estímulos são representadas por este valor. Tem de peculiar a ênfase em estar sempre ativo e ocupado, descrevendo alguém impulsivo. 05. Emoção: representa as necessidades fisiológicas de ter excitação e buscar experiências arriscadas. Difere do anterior principalmente pela ênfase no aspecto risco, que precisa estar presente neste último valor. As pessoas que o adotam são menos dadas a conformar-se às regras sociais. 06. Estabilidade pessoal: a necessidade de segurança é parcialmente representada por este valor. Acentua ter uma vida organizada e planejada. Quem assume esta orientação procura assegurar sua própria existência. 07. Saúde: também representa a necessidade de segurança. A idéia é de procurar não estar doente. Justifica-se na medida em que alguém percebe o drama pessoal da incerteza que a doença implica, estando, portanto, orientado a buscar um nível ótimo de saúde que não ameace sua existência. 08. Religiosidade: mais um que representa a necessidade de segurança. É independente de preceito religioso, abarcando conteúdos como: crer em Deus como o salvador da humanidade ou cumprir a vontade de Deus. Busca-se a certeza das coisas e a harmonia social suficiente para uma vida tranqüila. 09. Apoio social: igual aos três valores antes descritos, este também representa a necessidade de segurança. A ênfase é em obter ajuda quando a necessite e sentir que não está só no mundo. Significa encontrar apoio no seu contexto social, sem que exatamente exista implicação e relação íntima. 10. Ordem social: com este valor se completa a representação da necessidade de segurança. Destaca viver em um país ordenado e estruturado, e ter um governo 102 estável e eficaz. Representa a escolha de uma pessoa orientada para a manutenção dos padrões sociais que assegurem a possibilidade de viver dia após dia. 11. Afetividade: este valor e o seguinte representam a necessidade de amor e afiliação. Neste se acentuam as amizades íntimas, as relações familiares e próximas, com troca de carinhos, afetos, prazeres e tristezas. Corresponde a uma esfera mais íntima da vida social. 12. Convivência: diferente do anterior, que descreve relações pessoa-pessoa com uma ênfase no aspecto íntimo, este valor se centra na dimensão pessoa-grupo e tem um sentido socializador: fazer parte de grupos sociais, conviver com os vizinhos. 13. Êxito: a necessidade de estima é representada por este valor e pelos dois seguintes. Seu conteúdo destaca a idéia de ser prático e alcançar as metas autoimpostas. As pessoas que o adotam têm claro um ideal de triunfo, e tendem a se orientar nesta direção. 14. Prestígio: este valor tem de próprio a importância que se atribui ao contexto social; não é uma questão de ser aceito pelos demais, mas sim de ser reconhecido publicamente. Neste sentido, quem o adota reconhece a importância dos demais, ainda que seja para seu proveito próprio. 15. Poder: define a noção estrita de poder (ter poder para influenciar os demais e controlar as decisões) e autoridade (saber que é o chefe de uma equipe). É menos social que o anterior; quem dá importância a este valor pode prescindir da noção de poder legitimamente constituído. 16. Maturidade: a necessidade de auto-realização é representada por este valor. Trata de descrever um sentido de auto-satisfação ou cumprimento como ser humano (desenvolver todas suas capacidades). A pessoa que o considera importante como 103 um princípio–guia tende a apresentar uma orientação social que transcende a pessoa ou o grupo. 17. Autodireção: este valor e o que vem a continuação representam a pré-condição de liberdade para satisfazer as necessidades básicas. Sua especificidade radica em destacar uma condição da natureza humana: a liberdade (se sentir livre para vestir como queira, estar livre para mover-se, ir e vir sem empecilhos). Adotá-lo significa, em certa medida, reconhecer-se como auto-suficiente. 18. Privacidade: mais relacionado com o estilo de vida, este valor destaca a liberdade de ter um espaço privado, onde se mantêm separados diferentes aspectos da vida (ter uma vida privada sem que os assuntos ou as pessoas da comunidade o incomode, ter sua própria casa e receber nela só a quem deseja). A pessoa que o adota não nega nem menospreza os demais, simplesmente reconhece os benefícios de ter seu próprio espaço. 19. Justiça social: representa a pré-condição de justiça para satisfazer as necessidades básicas, definindo condições mínimas de igualdade entre as pessoas. Contempla elementos como: lutar por uma menor diferença entre ricos e pobres ou permitir que cada pessoa seja tratada como alguém valioso. O indivíduo é considerado como um exemplar da espécie, tendo os mesmos direitos e deveres que correspondem a levar uma vida social digna. 20. Honestidade: este valor representa a pré-condição de honestidade para satisfazer as necessidades. Destaca o compromisso da pessoa frente às demais, permitindo que se mantenha um contexto adequado para as relações pessoais (agir responsavelmente quando dá sua palavra, ser honesto e honrado). Com este valor se estabelecem condições ótimas para que as relações pessoais subsistam como um fim. 104 21. Tradição: este valor representa a pré-condição de disciplina no grupo ou na sociedade para satisfazer as necessidades humanas básicas. Neste caso específico, sugere a idéia de se conformar com os padrões morais seculares, favorecendo um mínimo de harmonia no âmbito social. A pessoa deve respeitar os símbolos e padrões culturais. 22. Obediência: destaca-se com este valor a importância de cumprir seus deveres e obrigações do dia-a-dia e respeitar aos seus pais e aos mais velhos. É uma questão de conduta do indivíduo, que deve assumir um papel e se conformar à hierarquia social tradicionalmente imposta. 23. Conhecimento: as necessidades cognitivas são representadas por este valor. Tem um caráter extra-social, não compreendendo exatamente o interesse de obter benefícios pessoais. Pretende-se ter conhecimentos atuais, e sobre temas pouco conhecidos. 24. Beleza: este valor representa as necessidades de estética. Compreende uma orientação global sem interesses muito delimitados quanto aos benefícios. Dois dos seus elementos são: ser capaz de apreciar o melhor da arte, da música e da literatura, e ir a museus ou exposições onde possa ver coisas belas. Teoricamente, estes valores humanos básicos conformam um sistema valorativo fundamentado em três critérios de orientação: Valores Pessoais. Dá-se prioridade aos próprios benefícios ou às condições nas quais possam ser obtidos sem um marco de referência particular. Na tipologia de Rokeach (1973), compreendem os valores de foco intra-pessoal, centrados na própria pessoa. Dividem-se em: (a) valores de experimentação: descobrir e apreciar novos estímulos, enfrentar situações limite, assim como buscar satisfação sexual (estimulação, emoção, prazer e sexual); e (b) valores de realização: além experimentar novos estímulos, a 105 realização, o sentimento de ser importante e poderoso, ser uma pessoa com identidade e espaço próprio é algo que também deve orientar seu comportamento. Quem assume este padrão de valores costuma manter relações pessoais contratuais, com o fim de obter benefícios (autodireção, êxito, poder, prestígio e privacidade). Valores Centrais. Indicam o caráter central ou neutro destes valores; eles figuram entre os valores pessoais e sociais e são compatíveis com eles. Em termos da tipologia de Schwartz (1994), tais valores serviriam a interesses mistos (individualistas e coletivistas). Os valores centrais podem ser divididos em dois conjuntos de valores, considerando suas funções psicossociais: (a) valores de existência: expressam uma preocupação por garantir a sua própria existência orgânica (estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência). A ênfase não é sobre a individualidade pessoal, mas sobre a existência individual. Neste sentido, tais valores não são incompatíveis com aqueles denominados de pessoais ou sociais. Eles são importantes para todas as pessoas, principalmente em contextos de escassez; e (b) valores suprapessoais: estes descrevem alguém que é maduro, tem menos preocupações materiais, que é menos limitado a características descritivas ou traços específicos para iniciar uma relação ou promover benefícios (beleza, conhecimento, justiça social e maturidade). Tais valores enfatizam a importância de todas as pessoas, não exclusivamente dos indivíduos que compõem o grupo de pertença. Deste modo, são perfeitamente compatíveis com os valores pessoais e sociais. Embora Rokeach (1973) utilize a expressão valores supraindividuais, ele não expressa a mesma idéia aqui tratada. Espera-se que os tipos motivacionais segurança e universalismo (Schwartz, 1994) se correlacionem com os valores de existência e suprapessoais, respectivamente. Valores Sociais. Quem assume este padrão valorativo se orienta em direção aos demais.Seu comportamento pode traduzir o desejo de sentir-se considerado, assegurar sua aceitação e integração no seu grupo, ou manter um nível indispensável de harmonia 106 entre os diversos atores sociais de um contexto específico. Esta orientação de valores se divide em duas categorias: (a) normativos: ênfase na vida social, na busca de estabilidade do grupo, nos comportamentos socialmente corretos e no respeito pelos símbolos e padrões culturais que prevaleceram durante anos; estima-se a ordem acima de qualquer outra coisa (obediência, ordem social, religiosidade e tradição); e (b) interacionais: o sentido comum é o foco de atenção, que neste caso são as demais pessoas. Sua especificidade enquanto conjunto fundamenta-se no interesse por sentir-se querido, ter uma amizade verdadeira e uma vida social. São valores relacionais com marcos de referência certamente específicos, como pode ser um amigo, um namorado ou um grupo de vizinhos (afetividade, apoio social, convivência e honestidade). Na Figura SOCIAL Normativo Religiosidade Ordem Social Tradição Obediência Interacional Afetividade Apoio Social Convivência Honestidade CENTRAL Existência Sobrevivência Saúde Estabilidade Pessoal Suprapessoal Justiça Social Sabedoria Beleza Maturidade PESSOAL 2, abaixo, se apresenta uma melhor visualização da tipologia em questão. Experimentação Estimulação Emoção Sexual Prazer Realização Êxito Poder Prestígio Autodireção Privacidade Figura 2: Organização dos Valores Humanos Básicos, segundo o critério de orientação e a função psicossocial a que atendem (Gouveia, 2001). 107 Algumas pesquisas, utilizando o modelo de valores descrito, demonstram a pertinência da utilização deste construto para a explicação de comportamentos sociais e, conseqüentemente, para a explicação de alguns comportamentos e atitudes consideradas como problemas sociais, como o preconceito e atitudes ambientais. 3.2. VALORES HUMANOS E COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS É provável que os valores humanos compreendam uma das mais mencionadas variáveis relacionadas às condutas anti-sociais e delitivas (Coelho Júnior, 2001; Formiga, 2002; Tamayo & cols., 1995). Não obstante, a menção que se faz a este construto é geralmente muito vaga, como se observa em Petraits, Flay e Miller (1995). De acordo com o que se observa na literatura, os valores surgem como um fator de proteção no marco das teorias sociológicas clássicas de controle social. Estes passam então a ser contemplados em diversos estudos da área, mas sempre de modo superficial e auto-explicativo, como se a própria menção aos valores não carecesse de uma estruturação teórica. Fala-se em sistemas de valores que distinguiriam os delinqüentes dos não delinqüentes, mas sem indicar especificamente de quais valores se está tratando (ver Gordon, Short Jr., Cartwright & Strodtbeck, 1970; Korbin, 1970). No campo da psicologia os valores têm recebido, relativamente, pouca atenção na explicação das condutas socialmente desviantes. Porém, nos últimos dez anos este quadro começou a se modificar, com o aparecimento de alguns estudos mais sistemáticos. Por exemplo, Romero e cols. (2001) consideraram os valores humanos como um explicador direto das condutas anti-sociais entre os adolescentes espanhóis. Sua abordagem, não obstante, foi tipicamente exploratória, derivando os valores em função das amostras consideradas (adolescentes delinqüentes vs. não delinqüentes), dificultando comparações e mesmo a replicação dos seus resultados. Apesar desta limitação, seu estudo teve o mérito 108 de considerar jovens não institucionalizados, enquanto muitas das pesquisas se limitam a um delineamento “known-groups”, comparando adolescentes institucionalizados e nãoinstitucionalizados, e assumindo que estes não são delinqüentes. Em resumo, seus resultados evidenciam a importância dos valores para entender as condutas anti-sociais. Especificamente, os fatores religiosidade (amostra de rapazes, n = 435) e convencionalismo (amostra de moças, n = 529) se correlacionaram negativamente com a pontuação total da medida de condutas anti-sociais (r = -0,20 e -0,30, respectivamente). Em consonância com os resultados descritos, Ludwig e Pittman (1999) verificaram que os valores pró-sociais, medidos através da Lista de Valores de Kahle, predisseram inversa e significativamente três tipos de comportamentos-problema numa amostra de 2.146 estudantes entre 12 e 19 anos, em comunidades rurais. Foi observado que quanto mais os adolescentes enfatizavam valores pró-sociais menos expressavam comportamento delinqüente, risco sexual e uso de drogas. Sendo que os valores predisseram melhor o comportamento delinqüente e a variável idade moderou esta influência, visto que seu poder explicativo foi maior entre adolescentes mais velhos. No Brasil, Tamayo e cols. (1995) também procuraram conhecer a importância dos valores para explicar um tipo específico de conduta socialmente desviante: o consumo de drogas. Sua amostra foi composta por estudantes universitários que faziam uso de droga ao menos uma vez durante a semana (grupo experimental, n = 92) e aqueles que relataram que nunca tinham consumido drogas (grupo controle, n = 102). Comparando a pontuação destes grupos em relação aos tipos motivacionais de valores de Schwartz (Tamayo & Schwartz, 1993), os autores observaram que um tipo tinha um papel de proteção da conduta de consumir drogas: a conformidade. Portanto, pessoas que assumem como prioritários em suas vidas valores desta natureza (por exemplo, autodisciplina, bons modos e obediência), procuram limitar suas ações, inclinações e impulsos que possam prejudicar 109 outros e violar expectativas ou normas sociais, sendo menos prováveis de apresentarem condutas anti-sociais e delitivas. Percebe-se, pois, que não são todos os valores que podem atuar como um fator de proteção de condutas socialmente desviantes, mas sim aqueles que põem ênfase na manutenção do status quo (convencionalismo, religiosidade e conformidade). Estes resultados são reforçados com as pesquisas de Coelho Júnior (2001) e Formiga (2002). Numa pesquisa no nordeste brasileiro, Coelho Júnior (2001) verificou, em uma amostra de 1,345 estudantes secundaristas, que fatores para o uso potencial de drogas se correlacionavam significativa e diretamente com valores pessoais, como experimentação (r = 0,19, p = 0,001), emoção (r = 0,19, p = 0,001), sexual (r = 0,23, p = 0,001) e prazer (r = 0,10, p = 0,001) e que valores normativos se correlacionaram de modo inverso com estes fatores, como ordem social (r = -0,25, p = 0,001), religiosidade (r = -0,11, p = 0,001), tradição (r = -0,22, p = 0,001) e obediência (r = -0,19, p = 0,001). Formiga (2002) demonstrou que os valores de experimentação predisseram direta e significativamente as condutas anti-sociais (β = 0,26, p < 0,01) e delitivas (β = 0,25, p < 0,01). Já os normativos predisseram negativamente as condutas anti-sociais (β = -0,13, p = 0,01), o mesmo acontecendo com os valores supra-pessoais (β = -015, p = 0,01). Neste sentido, os estudos a respeito deveriam se centrar neste conjunto de valores, procurando conhecer em que medida poderia agir como fatores de proteção para as condutas antisociais e delitivas, incluindo o uso de drogas. Chegando a este ponto e buscando um nível psicossocial para a explicação dos comportamentos desviantes entre adolescentes, objetivou-se conhecer a relação dos valores humanos, da identificação grupal e da preferência musical com os comportamentos antisociais e delitivos e as atitudes frente ao uso de maconha. Para a consecução deste objetivo geral, procurou-se, inicialmente, comprovar os parâmetros psicométricos de algumas das 110 medidas utilizadas, a saber: Escala de Preferência Musical, Escala de Identificação com Grupos Alternativos, Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento, Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha e Escala de Atitudes frente ao Não-Uso de Drogas. O propósito maior é conhecer o papel preditivo do conjunto de variáveis antecedentes em relação aos comportamentos socialmente desviantes, permitindo propor um modelo explicativo a respeito. 111 Capítulo IV MÉTODO 112 4.1. Delineamento e Hipóteses O presente estudo obedeceu a um delineamento do tipo correlacional. Foi utilizado um modelo que considerou os valores humanos, a identificação grupal e a preferência musical como variáveis preditoras para as atitudes frente ao uso de maconha e das condutas anti-sociais e delitivas. Com base nesta distinção entre variáveis-critério (as que se pretende explicar) e variáveis preditoras (as que entram no modelo como explicadoras ou preditoras), foram formuladas as seguintes hipóteses: Hipótese 1. Os valores normativos predirão inversamente as condutas anti-sociais e delitivas. Hipótese 2. Os valores de experimentação predirão diretamente as condutas anti-sociais e delitivas. Hipótese 3. A maior preferência por estilos musicais convencionais predirá inversamente as condutas anti-sociais e delitivas. Hipótese 4. A maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais predirá diretamente as condutas anti-sociais e delitivas. Hipótese 5. A identificação com grupos de relacionamento predirá inversamente as condutas anti-sociais e delitivas. Hipótese 6. A identificação com grupos alternativos predirá diretamente as condutas antisociais e delitivas. Hipótese 7. Os valores normativos predirão inversamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 8. Os valores de experimentação predirão diretamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 9. A identificação com grupos de relacionamento predirá inversamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 10. A identificação com grupos alternativos predirá diretamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 11. A maior preferência pelos estilos convencionais predirá inversamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 12. A maior preferência por estilos anticonvencionais predirá diretamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. 113 4.2. Amostra Tratou-se de uma amostra não-casual (ou acidental). Sua extração seguiu o método de amostragem por quotas. As cotas foram definidas em função do tipo de escola (pública e privada) e da série (as três do ensino médio). Participaram 548 estudantes provenientes de escolas públicas (46,4%) e privadas (53,6%), sendo a maioria do sexo feminino (54,9%). Da amostra total, 201 (36,7%) cursavam o primeiro ano, 158 (28,8%) o segundo e 189 (34,5%) o terceiro ano do ensino médio. A maioria (97,6%) apresentou idades entre 13 e 19 anos (M = 16,24 e DP = 1,74) e reportou ser solteiro (93,6%). 4.3. Instrumentos Os participantes responderam um bloco de instrumentos, composto pelas seguintes medidas, todas auto-aplicáveis, tipo lápis e papel: Escala de Condutas Anti-sociais e Delitivas. Proposta por Seisdedos (1988) e adaptada para o contexto brasileiro por Formiga (2002), consiste em uma medida de comportamentos anti-sociais e delitivos. Estes são representadas por um total de 40 itens, sendo 20 referentes ao fator condutas anti-sociais e 20 concernentes ao fator condutas delitivas. Os itens do primeiro fator representam comportamentos que desafiam a norma e a ordem social (por exemplo, como tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo ou jogar lixo no chão); já aqueles referentes ao segundo fator são relativos a comportamentos delitivos, pois infringem a lei vigente (por exemplo, roubar objetos ou dinheiro ou usar drogas). Cada item é respondido em escala tipo Likert, a partir da avaliação da realização de cada comportamento pelo sujeito, com pontuações variando de 0 = Nunca a 9 = Sempre (Anexo 1). Questionário dos Valores Básicos. Inicialmente, Gouveia (1998) propôs uma versão em espanhol e português, formada por 66 itens, sendo três itens para medir cada valor. No entanto, utilizou-se a versão modificada e resumida, cujos parâmetros 114 psicométricos já foram comprovados na população brasileira (Maia, 2000) e constituindose por 24 itens-valores. Estes são respondidos em uma escala que visa medir inicialmente o grau de importância de cada valor como um princípio-guia na vida da pessoa, variando de 1 = Nada importante a 7 = Muito importante. Após a avaliação destes 24 valores, solicitase ao respondente que eleja qual valor considera como o mais importante de todos, mediante atribuição da pontuação máxima (8) e também qual o valor percebido como menos importante de todos, utilizando para isso a mínima pontuação (0) (Anexo 2). Escala de Atitudes Frente ao Uso De Maconha. Baseia-se em escalas de diferencial semântico, desenvolvida por Crites, Fabrigar e Petty (1994). Consiste em saber a avaliação global de estar sob o efeito de maconha, numa escala tipo diferencial semântico de 9 pontos, com quatro itens compostos pelos adjetivos bipolares: positivo / negativo; agradável / desagradável; bom / ruim e desejável / indesejável. Estes adjetivos servem para expressar como a pessoa avalia (sua atitude) estar sob o efeito de maconha. O instrumento tem a frase estímulo: “Considero estar sob o efeito de maconha...” que é complementada pela avaliação que o respondente faz com base nos pares de adjetivos descritos, que dizem respeito ao conteúdo dos quatro itens (Anexo 3). Escala de Atitudes Frente ao Não-Uso de Drogas. Desenvolvida também por Crites, Fabrigar e Petty (1994). Pretende mensurar a avaliação global da experiência sem drogas (psicoativas e álcool), numa escala de diferencial semântico de 9 pontos, com os mesmos quatro itens compostos pelos adjetivos bipolares descritos na escala acima. A frase-estímulo desta medida é: “Considero não estar sob o efeito de drogas...” (Anexo 4). Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento. A referida escala objetiva aferir a identificação do sujeito com grupos e pessoas considerados como importantes para os adolescentes. Assim, inclui nas instruções uma solicitação para que o respondente indique, em uma escala de 5 pontos, em que medida se identifica com: pais, irmãos, 115 familiares em geral, professores, vizinhos e companheiros de estudo, tendo como extremos Nada (0) e Totalmente (4). Cada grupo ou pessoa representa itens da escala, que fica formada, portanto, por 7 itens (Anexo 5). Escala de Identificação com Grupos Alternativos. Segue o mesmo formato da escala anterior, com a diferença de que se trata de pessoas ou grupos que são tidos como não-tradicionais. Numa escala também de 5 pontos, o respondente deve identificar em que medida se identifica com hippies, punks, skinheads, headbangers, skatistas, surfistas e funkeiros. Cada grupo é representado em um item, completando ao todo 7 itens (Anexo 6). Escala de Preferência Musical. Visa saber o grau de preferência com relação a 13 estilos ou gêneros musicais. Cada item representa um estilo e as respostas são dadas numa escala que vai de 1 = Detesto a 5 = Gosto Muito. O questionário compreende os seguintes estilos: Rap/hip-hop, Sertaneja, MPB, Pagode, Pop Music, Punk/Hard Core, Funk, Heavy Metal, Forró, Samba, Música Clássica, Música Religiosa e Reggae. Para cada estilo musical se apresentam alguns exemplos de bandas, como por exemplo, heavy metal (ex.: Black Sabbath, Iron Maiden, Slayer, Metallica), música clássica (Beethoven, Mozart, Vivaldi, Chopin), rap (Beastie Boyes, Faces do Subúrbio, Public Enemy), música religiosa (Padre Marcelo, Aline Barros, Melissa, Kléber Lucas) etc (Anexo 7). Finalmente, foram incluídas algumas perguntas com o objetivo de caracterizar o perfil sócio-demográfico (sexo, estado civil, classe social, bairro) dos participantes no final do questionário. 116 4.4. Procedimento O procedimento inicial seguiu os passos básicos para survey 9 . Consistiu, assim, na realização de um teste-piloto com 10 alunos de escolaridade referente à 7ª série do ensino fundamental. Ao se proceder a análise semântica, pôde-se concluir a favor da compreensibilidade geral do questionário. Para a realização da coleta de dados, contactaram-se inicialmente as direções das escolas escolhidas, com o fim de obter permissão para a aplicação dos questionários. Após o consentimento da direção, a aplicação foi efetuada por alunos de Iniciação Científica (IC) da graduação em psicologia (UFPB), com o acompanhamento do proponente desta dissertação. Ainda foi realizado um treinamento com o objetivo de se conseguir um procedimento padrão. As salas de aula foram previamente escolhidas e as informações básicas para o andamento do processo de coleta foram expressas oralmente. Os colaboradores permaneceram na aplicação em sala atentos para possíveis dúvidas quanto à forma de resposta. Depois de coletados e verificados os questionários respondidos, foram dirigidos os agradecimentos de praxe pela colaboração voluntária da turma. 4.5. Análises estatísticas Tanto a tabulação dos dados como as subseqüentes análises estatísticas foram realizadas no SPSS (Statistical Package for the Social Science) para Windows. Foram efetuadas estatísticas descritivas (média, tendência central, dispersão), análises fatoriais (Componentes Principais), correlações de Pearson (r) e análises de regressão múltipla. 9 Usa-se aqui o termo para designar a pesquisa de levantamento de dados por amostragem (ver Günther, 1999). 117 Capítulo V RESULTADOS 118 5.1.- PARÂMETROS PSICOMÉTRICOS DAS ESCALAS Inicialmente, com o fim de avaliar a adequação psicométrica dos instrumentos utilizados, procurou-se comprovar sua validade de construto e consistência interna. Concretamente, apresentam-se os parâmetros para as seguintes medidas: Escala de Identificação com Grupos Alternativos, Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento, Escala de Preferência Musical, Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha e Escala de Atitudes frente ao Não Uso de Drogas. Deve-se ressaltar que a Escala de Condutas Anti-sociais e Delitivas (CAD) e o Questionário dos Valores Básicos (QVB) já foram validados previamente para este contexto. 5.1.1- ESCALA DE IDENTIFICAÇÃO COM GRUPOS ALTERNATIVOS Previamente, considerando a possibilidade de realizar uma análise fatorial com a matriz de correlações entre os itens desta medida, procedeu-se à comprovação do índice KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) e do Teste de Esfericidade de Bartlett. O primeiro trabalha com as correlações parciais das variáveis, devendo ser aceitos índices iguais ou superiores a 0,60 (Tabachnick & Fidell, 1996). O segundo, por outro lado, comprova a hipótese de que a matriz de covariâncias é uma matriz de identidade. Os resultados observados apóiam a adequação de se utilizar a análise fatorial, pois o KMO foi de 0,85 e o Teste de esfericidade de Bartlett permitiu rejeitar a hipótese desta matriz ser de identidade, χ2 (21) = 1646,75 p < 0,001. Neste sentido, procedeu-se à análise de Componentes Principais (PC), sem fixar o número de fatores a serem extraídos. Os resultados a respeito são apresentados na Tabela 1. 119 Tabela 1: Estrutura Fatorial da Escala de Identificação com Grupos Alternativos FATOR Grupos de Identificação Punk Skatistas Metaleiros Hippies Surfistas Skin heads Funkeiros Número de Itens Eigenvalue % Variância Alfa de Cronbach I h² 0,83* 0,81* 0,78* 0,75* 0,73* 0,68* 0,65* 0,69 0,66 0,60 0,57 0,53 0,46 0,43 7 4,02 56,40 0,87 Nota: * carga fatorial considerada satisfatória |0,40|. Conforme era esperado, a análise PC demonstrou um único fator, com eigenvalue igual a 4,02, explicando 56% da variância total. Todos os itens saturaram satisfatoriamente, isto é, com escore superior a |0,40|. Claramente, refletem uma identificação com grupos alternativos, portanto assim denominou-se este fator. Sua consistência interna (Alfa de Cronbach) é também satisfatória (0,87). Deste modo, assegura-se que esta é uma medida que pode ser empregada com fins de pesquisa. 5.1.2.- ESCALA DE IDENTIFICAÇÃO COM GRUPOS DE RELACIONAMENTO Adotou-se o mesmo procedimento para verificar a adequação de se efetuar uma análise fatorial, isto é, observar o índice KMO e o Teste de Especificidade de Bartlett. Os resultados corroboram também o emprego desta técnica estatística: KMO = 0,84 e Teste de Esfericidade de Bartlett, χ² (21) = 739,32, p < 0,001. Deste modo, justifica-se o emprego da análise de Componentes Principais (PC) para o conjunto de itens desta medida. Neste caso, decidiu-se igualmente não fixar o número de fatores a serem extraídos. Os resultados desta análise podem ser observados na Tabela 2 a seguir. 120 Tabela 2: Estrutura Fatorial Escala Identificação Grupos de Relacionamento FATOR Grupos de Identificação h² I Familiares Vizinhos Professores Irmãos Companheiros de Estudo Mãe Pai 0,74* 0,73* 0,72* 0,63* 0,65* 0,57* 0,46* Número de Itens Eigenvalue % Variância Alfa de Cronbach 7 2,97 42,2 0,76 0,54 0,53 0,52 0,40 0,43 0,32 0,21 Nota: * carga fatorial considerada satisfatória |0,40|. Comprova-se aqui a unidimensionalidade desta medida. Todos os itens saturaram satisfatoriamente |0,40|; este único fator pode ser denominado grupos de relacionamento, com eigenvalue igual a 2,97, tendo explicado 42% da variância total. A consistência interna desta medida, avaliada através do Alfa de Cronbach, foi de 0,76, reforçando sua adequação. 5.1.3.- ESCALA DE PREFERÊNCIA MUSICAL O índice KMO (0,79) e o Teste de Esfericidade de Bartlett [χ² (78) = 2057,782, p < 0,001] podem ser considerados satisfatórios, justificando a realização de uma análise de Componentes Principais (PC), não tendo sido estabelecidas restrições. Esta análise sugeriu a presença de quatro fatores com valores próprios (eigenvalues) maiores que 1, explicando conjuntamente 66% da variância total. Com o fim de interpretar os respectivos componentes, considerou-se que o item deveria apresentar carga fatorial positiva e igual ou superior a |0,40| no seu fator respectivo. Os resultados desta análise são apresentados na Tabela 3 a seguir. 121 Tabela 3: Estrutura Fatorial da Escala de Preferência Musical FATORES Estilos Musicais Pagode Forró Funk Samba Rap / Rip-hop Punk Hard core Heavy Metal Reggae MPB Clássica Pop Music Religiosa Sertaneja Número de Itens Eigenvalue % Variância Alfa de Cronbach I 0,81* 0,79* 0,73* 0,71* 0,00 -0,24 -0,25 0,22 0,01 -0,15 0,28 0,00 0,47* 5 2,81 21,6 0,80 II III IV h² -0,16 -0,17 0,14 -0,01 0,78* 0,78* 0,72* 0,63* 0,00 0,00 -0,01 -0,21 -0,25 0,01 -0,01 -0,31 0,46* -0,01 -0,01 -0,01 0,32 0,83* 0,77* 0,00 0,10 0,10 0,29 0,23 0,01 -0,12 -0,01 -0,16 -0,16 -0,01 0,01 0,01 0,79* 0,77* 0,49* 0,76 0,70 0,65 0,72 0,61 0,70 0,61 0,55 0,69 0,61 0,70 0,64 0,53 4 2,31 17,8 0,73 3 1,73 13,3 0,57 3 1,68 12,9 0,63 Notas: * carga fatorial considerada satisfatória |0,40|. Os itens respectivos foram considerados no cálculo da consistência interna (Alfa de Cronbach) do fator. A descrição e a interpretação de cada um dos fatores é feita como segue: Fator I - Este primeiro fator, com eigenvalue de 2,81, agrupou 5 itens (estilos musicais), a saber: pagode, forró, funk, samba e sertaneja. Este fator pode ser denominado de música de massa. A maior carga foi apresentada pelo estilo pagode (0,81) e a menor pelo estilo sertaneja (0,47). Como se observa, tal fator foi responsável pela explicação de 21,6% da variância total, apresentando um índice de consistência interna (Alfa de Cronbach, ∝) de 0,80, que pode ser considerado satisfatório. Fator II - Este segundo fator, com eigenvalue de 2,31, agrupou 4 itens / estilos musicais: rap, punk, heavy metal e reggae. Este fator foi rotulado como representando um estilo anticonvencional. A maior saturação se deu nos estilos rap e punk, ambos com 122 cargas fatoriais de 0,78. Tal fator responde por 17,8% da variância total explicada. O Alfa para esta sub-escala (este fator) foi de 0,73, indicando uma consistência interna satisfatória. Fator III – Este terceiro fator, com eigenvalue igual a 1,73, agregou os seguintes estilos musicais: samba, música clássica e MPB, todas com saturações maiores do que |0,40|. Considerando o conteúdo das musicas deste estilo, o presente fator pode ser denominado de refinado, tendo sido responsável por explicar 13,3% da variância. Seu índice de consistência interna, Alfa de Cronbach, pode ser dito limítrofe (0,57). Fator VI – Este quarto fator, com eigenvalue de 1,68, foi representado pelos estilos musicais: pop music, música religiosa e música sertaneja. Considerando o conteúdo das músicas reunidas neste fator, pode ser denominado de estilo convencional. Apresentou um Alfa de Cronbach de 0,63, que também pode ser considerado limítrofe. Em resumo, embora os dois últimos fatores desta medida tenham apresentado índices de consistência interna pouco adequados, considerando que ambos reúnem apenas três itens e tendo em conta a utilização desta medida para fins de pesquisa, sugere-se sua adequação. 5.1.4.- ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA De modo análogo aos procedimentos descritos anteriormente, procederam-se os passos básicos para se conhecer a validade de construto desta medida. Portanto, inicialmente se verificou a possibilidade de realizar uma análise fatorial com a matriz de correlações correspondente, tendo sido observados índices que suportam tal análise estatística: KMO = 0,86 e Teste de Esfericidade de Bartlett, χ² (6) = 1860, 637, p < 0,001. Neste sentido, procedeu-se a uma análise de Componentes Principais (PC) para o conjunto de quatro itens desta escala. Os resultados a respeito são apresentados na Tabela 4. 123 Tabela 4:. Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha FATOR Atitudes Positivas I Positivo Agradável Bom Desejável 0,94* 0,93* 0,90* 0,90* Número de Itens Eigenvalue % Variância Alfa de Cronbach 04 3,36 84,1 0,94 h² 0,88 0,86 0,81 0,81 Nota: * carga fatorial considerada satisfatória |0,40|. Conforme a tabela acima, a análise PC confirmou a unidimensionalidade da Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha, com eigenvalue de 3,36. Este valor correspondeu à explicação de 84% da variância total. Todos os itens apresentaram saturações bastante elevadas, variando de 0,90 a 0,94. O Alfa de Cronbach se mostrou igualmente adequado (∝ = 0,94), apoiando o uso deste instrumento na presente pesquisa. Este fator geral pode ser denominado de atitudes positivas frente ao uso de maconha. 5.1.5- ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO NÃO USO DE DROGAS A possibilidade de realizar uma análise de Componentes Principais (PC) com o conjunto de itens desta escala foi plenamente confirmada: KMO = 0,85 e Teste de Esfericidade de Bartlett, χ² (6) = 3023,734, p < 0,001. Sendo assim, procedeu-se a esta análise, cujos resultados são resumidos na Tabela 5 a seguir. 124 Tabela 5:. Escala de Atitudes frente ao Não Uso de Drogas FATOR Atitudes Positivas I Positivo Agradável Bom Desejável 0,97* 0,97* 0,95* 0,94* Número de Itens Eigenvalue % Variância Alfa de Cronbach 04 3,68 91,9 0,97 h² 0,94 0,94 0,90 0,88 Nota: * carga fatorial considerada satisfatória |0,40|. O fator único apresentou eigenvalue de 3,68, explicando 92% da variância total. Todos os itens saturaram satisfatoriamente, muito próximos do coeficiente ideal de 1. Por conseguinte, seu índice de consistência interna (Alfa de Cronbach) foi igualmente adequado (0,97). Neste sentido, confirma-se a propriedade de se utilizar esta escala nas análises subseqüentes. Este fator geral pode ser denominado de atitudes positivas frente ao não-uso de drogas. 5.2.- VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA E COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE DESVIANTES Com o propósito de conhecer mais acerca dos participantes deste estudo e contemplar as múltiplas e complexas relações que podem ser estabelecidas entre as variáveis antecedentes e critérios analisadas, o presente tópico foi dividido em dois subtópicos, considerando as especificidades de cada um. No primeiro, são descritas as orientações valorativas dos jovens, sua identificação com os diversos grupos, sua preferência musical, suas atitudes frente ao uso de drogas e seus comportamentos antisociais e delitivos. No segundo, correlacionaram-se entre si todas as variáveis de interesse. 125 Embora o marco teórico permita estabelecer hipóteses específicas a respeito, esta divisão em sub-tópicos possibilitou perceber e pensar sobre explicações complementares que contribuiram para a discussão da presente dissertação. 5.2.1.- ORIENTAÇÃO SOCIAL DOS ADOLESCENTES Apesar do título deste tópico ser muito amplo, pareceu adequado para resumir um conjunto de variáveis antecedentes e critérios, que ajudam a situar o jovem diante da questão dos comportamentos socialmente de risco. Estas variáveis serão descritas em termos percentuais, logrando alcançar, assim, uma visão geral do perfil dos estudantes utilizados na amostra. Buscou-se, portanto, apresentar quais valores estes adolescentes consideraram mais importantes, quais os estilos que apresentam maior aceitação, ou que mais preferem, quais os grupos que mais identificação despertam, assim como o percentual de atitudes positivas frente ao uso de drogas e de uso efetivo (considerando ter já provado maconha ou se embriagado). Para facilitar a compreensão, cada construto foi descrito separadamente. Valores Humanos Básicos Para a descrição da amostra com relação à dimensão valorativa, foram consideradas as respostas ancoradas nos pontos 5 (importante), 6 (muito importante) e 7 (totalmente importante). Estas respostas indicam em que medida os participantes consideram cada um dos valores como sendo importante. Visando simplificar a apresentação dos resultados, procurou-se agrupar os valores segundo a função psicossocial a que pertencem. Em resumo, os jovens priorizaram como mais importantes as seguintes funções, segundo sua ordem decrescente: existência (95,7%), interacionais (88,8%), suprapessoais (81%), normativos (80,6%), experimentação (52%) e realização (51,9%). 126 Preferência Musical Com relação à preferência musical, consideraram-se apenas as pontuações de favorabilidade, isto é, 6 (gostar) e 7 (gostar muito). Organizando-se as preferências por ordem decrescente de importância, observou-se o seguinte perfil: forró (50,6%), MPB (46,1%), música religiosa (43%), pop music (39,5%), samba (33,4%), pagode (33,2%), reggae (33,2%), heavy metal (25,9%), funk (20,8%), punk / hardcore (19,9%), música clássica (17,3%), música sertaneja (17,2%) e, finalmente, rap (15,9%). Identificação com Grupos de Relacionamento Com relação à identificação com os grupos de relacionamento, considerando apenas as pontuações que indicam alta identificação, isto é, 3 e 4, observou-se que os jovens apresentaram a seguinte magnitude de identificação com os diversos grupos (pessoas) considerados: mãe (93,2%), pai (74,1%), irmãos (73,8%), familiares em geral (66,6%), companheiros de estudo (58,2%), professores (43,8%) e, por fim, vizinhos (35,4%). Identificação com Grupos Alternativos A definição da magnitude de identificação com os grupos alternativos seguiu o mesmo procedimento adotado para o item anterior. Considerando os sete grupos listados, observou-se a seguinte ordem de identificação: surfistas (25,3%), skatistas (24%), hippies (18,1%), headbangers (14,5%), punks (12%), funkeiros (10,1%) e, por último, skinheads (4,3%). Atitudes frente ao Uso de Drogas Embora tratadas como duas escalas independentes, as medidas de atitudes frente ao uso / não uso de drogas foram consideradas conjuntamente. Mais precisamente, 73,9% dos respondentes reportaram atitudes desfavoráveis frente ao uso de maconha, enquanto que 127 47,7% exibiram atitudes favoráveis frente ao não uso de drogas (considerando também uso de álcool). Uso de Drogas Quanto a ter feito uso de bebidas alcoólicas, 39,5% responderam que já se embriagaram, enquanto 60,5% afirmaram que isso nunca ocorreu. No que se refere a ter fumado maconha, 6,6% responderam que já experimentaram esta droga, ao passo que 93,4% responderam que nunca o fizeram. Em resumo, percebe-se que os jovens desta pesquisa são majoritariamente orientados por princípios de existência, enfatizando sua sobrevivência, saúde e estabilidade pessoal. Preferem músicas mais regionais e convencionais, a exemplo do forró e da MPB. Os familiares mais próximos (mãe, pai e irmãos) foram aqueles com quem mais os jovens disseram que se identificavam, e entre os grupos alternativos, a identificação foi maior com os surfistas e skatistas. Suas atitudes indicaram uma desfavorabilidade ao uso de drogas e, quando considerados o álcool e a maconha, percebeu-se que foi minoria os que dissertam ter tido problemas a respeito. 5.2.2.- Convergência dos Fatores de Risco e Proteção de Comportamentos Socialmente Desviantes Com o fim de conhecer as relações entre os valores humanos, preferências musicais, atitudes frente ao uso de maconha, atitudes frente à experiência sem drogas e comportamentos socialmente deviantes (para referir-se a comportamentos anti-sociais no sentido geral, como especificado na Introdução, ver p. 15), computaram-se as correlações de Pearson entre tais construtos. Os resultados desta análise estatística são apresentados na Tabela 6 a seguir. Considerou-se o conjunto de variáveis antecedentes (valores, preferência musical e identificação grupal) em função daquelas previamente identificadas como 128 critérios, ou seja, as condutas anti-sociais e delitivas e as atitudes frente ao uso de maconha. 129 Tabela 6. Correlações entre valores, preferência musical, identificação grupal, atitudes frente ao uso de maconha, atitudes frente ao não uso de drogas e condutas desviantes M DP 1. C A 1,71 1,43 2. C D 0,29 0,58 0,68*** 3. AM 8,25 1,67 0,29*** 0,34*** 4. NU 2,95 2,35 -0,21*** 0,15** -0,23*** 5. GC 2,73 0,70 -0,29*** -0,20*** -0,21*** 0,04 6. GA 0,93 0,91 0,23*** 0,21*** 0,15*** 0,11* 7. MM 2,73 0,70 -0,10* -0,08 0,12** 0,05 0,21*** 0,17*** -0,17*** 8. MA 2,57 0,92 0,21*** 0,23*** 0,27***-0,11* -0,06 0,49*** -0,25*** 9. MR 2,85 0,87 -0,19*** -0,14** -0,06 -0,14** 0,33*** -0,16 0,08 0,05 10. MC 2,84 0,98 -0,31*** -0,29*** -0,21*** 0,13** 0,21***-0,24*** 0,58***-0,35*** 0,18*** 11. VE 8,25 1,67 0,24*** 0,21*** 0,15*** -0,11** 0,04 0,21*** 0,01 0,19*** 0,04 -0,23*** 12. VR 4,95 0,90 0,11** 0,10* 0,08 -0,08 0,00 0,12** 0,09* 0,05 0,01 -0,03 0,36*** 13. VX 6,27 0,73 -0,07 -0,11* -0,05 0,06 -0,02 0,13** 0,00 0,05 0,06 0,28*** 0,35*** 14. VS 5,69 0,81 -0,21*** -0,16*** -0,06 0,08 0,10* 0,00 0,11* 0,35*** 0,13** 0,14** 15. VI 5,90 0,79 -0,22*** -0,19*** -0,17** 0,16*** 0,24***-0,01 16. VN 5,71 0,92 -0,30*** -0,23*** -0,30** 0,16*** 0,24***-0,13** 0,19*** -0,21*** 0,07 1 -0,03 2 3 4 5 6 -0,01 0,04 0,19** 0,19*** -0,09* 0,24*** 0,25*** 0,16*** 0,10* -0,17*** 0,36*** 7 8 9 0,39*** -0,10* 10 11 -0,04 12 0,23** * 0,18*** 0,35*** 13 14 15 Notas: * p < 0,05, ** p < 0,01 e *** p < 0,001 (teste unilateral; eliminação pairwise de casos em branco). Identificação das variáveis: CA = Condutas Antisociais; CD = Condutas Delitivas; AM = Atitudes frente ao Uso de Maconha; NA = Atitudes frente ao Não-Uso de Drogas; GC = Grupos de Relacionamento; GA = Grupos Alternativos; MM = Música de Massa; MA = Música Anticonvencional; MR = Música Refinada; MC = Música Convencional; VE = Valores de Experimentação; VR = Valores de Realização; VX = Valores de Existência; VS = Valores Suprapessoais; VI = Valores Interacionais; VN = Valores Normativos. 130 Comportamentos Socialmente Desviantes Inicialmente, cabe assinalar que os fatores que representam estes tipos de condutas se correlacionaram direta e significativamente entre si (r = 0,68, p < 0,001). No caso das condutas anti-sociais, também se correlacionaram com atitudes favoráveis frente ao uso de maconha (r = 0,29, p < 0,001), atitudes favoráveis ao não-uso de drogas (r = -0,21, p < 0,001), identificação com grupos de relacionamento (r = -0,29, p < 0,001), identificação com grupos alternativos (r = 0,23, p < 0,001), preferência por música de massa (r = -0,10, p < 0,05), preferência por música anticonvencional (r = 0,21, p < 0,001), preferência por música refinada (r = -0,19, p < 0,001), preferência por música convencional (r = -0,31, p < 0,001), valores de experimentação (r = 0,24, p < 0,001), valores de realização (r = 0,11, p < 0,01), valores suprapessoais (r = -0,21, p < 0,001), valores interacionais (r = -0,22, p < 0,001) e valores normativos (r = -0,30, p < 0,001). Por outro lado, as condutas delitivas se correlacionaram com as seguintes variáveis: atitudes favoráveis frente ao uso de maconha (r = 0,34, p < 0,001), atitudes favoráveis ao não- uso de drogas (r = -0,15, p < 0,01), identificação com grupos de relacionamento (r = -0,20, p < 0,001), identificação com grupos alternativos (r = 0,21, p < 0,001), preferência por música alternativa (r = 0,23, p < 0,001), preferência por música refinada (r = -0,14, p < 0,01), preferência por música convencional (r = -0,29, p < 0,001), valores de experimentação (r = 0,21, p < 0,001), valores de realização (r = 0,10, p < 0,05), valores suprapessoais (r = -0,16, p < 0,001), valores interacionais (r = -0,19, p < 0,001) e valores normativos (r = -0,21, p < 0,001). Atitudes frente ao Uso de Maconha As atitudes frente ao uso de maconha e frente ao não-uso de drogas, como poderia ser esperado, correlacionaram-se negativa e significativamente (r = -0,23, p < 0,01). Não obstante, para facilitar a compreensão do leitor, ambos os tipos de atitudes são tratados aqui 131 separadamente. Em relação às atitudes positivas frente ao uso de maconha, estas se correlacionaram com as seguintes variáveis: identificação com grupos de relacionamento (r = -0,21, p < 0,001), identificação com grupos alternativos (r = 0,15, p < 0,001), preferência por música de massa (r = 0,12, p < 0,01), preferência por música anticonvencional (r = 0,27, p < 0,001), preferência por música convencional (r = -0,21, p < 0,001), valores de experimentação (r = 0,15, p < 0,001), valores de existência (r = -0,11, p < 0,005), valores interacionais (r = -0,17, p < 0,01) e valores normativos (r = -0,30, p < 0,01). Um padrão de correlação contrário foi observado para as atitudes favoráveis frente ao não-uso de drogas, como segue: identificação com grupos alternativos (r = -0,11, p < 0,05), preferência por música anticonvencional (r = -0,11, p < 0,05), preferência por música convencional (r = 0,13, p < 0,01), valores de experimentação (r = - 0,11, p < 0,001), valores interacionais (r = 0,16, p < 0,001) e valores normativos (r = 0,16, p < 0,001). Para complementar os resultados, optou-se ainda por apresentar as correlações entre as demais variáveis antecedentes, excluindo-se as correlações entre os valores humanos em si. Neste caso concreto, existem suficientes informações sobre o seu padrão de correlação (Gouveia, 1998; Maia, 2000). Quanto às demais variáveis, observou-se o seguinte: • A identificação com os grupos de relacionamento se correlacionou positivamente com a identificação com os grupos alternativos (r = 0,21, p < 0,001), com a preferência por música de massa (r = 0,17, p < 0,001) e música convencional (r = 0,21, p < 0,001), e com os valores suprapessoais (r = 0,10, p < 0,05), interacionais (r = 0,24, p < 0,001) e normativos (r = 0,24, p < 0,001). • A identificação com grupos alternativos se correlacionou com a preferência por música de massa (r = -0,17, p < 0,001), música anticonvencional (r = 0,49, p < 0,001), 132 música refinada (r = -0,14, p < 0,01) e música convencional (r = -0,24, p < 0,001); a identificação com tais grupos também se correlacionou com os valores de experimentação (r = 0,21, p < 0,001), realização (r = 0,12, p < 0,01) e normativo (r = 0,13, p < 0,01). • A preferência por música de massa se correlacionou com as seguintes variáveis: preferência por música anticonvencional (r = -0,25, p < 0,001), música refinada (r = 0,33, p < 0,001) e música convencional (r = 0,58, p < 0,001). A preferência por música de massa também se correlacionou com algumas funções psicossociais dos valores humanos, a saber: existência (r = 0,13, p < 0,01), suprapessoal (r = 0,11, p < 0,05), interacional (r = 0,19, p < 0,001) e normativo (r = 0,19, p < 0,001). • A preferência por música anticonvencional se correlacionou com a preferência por música convencional (r = -0,35, p < 0,001), assim como com os valores de experimentação (r = 0,19, p < 0,001) e normativos (r = -0,21, p < 0,001). • A preferência por música refinada se correlacionou com a importância atribuída aos valores suprapessoais (r = 0,35, p < 0,001) e interacionais (r = 0,24, p < 0,001), e com a preferência por música convencional (r = 0,18, p < 0,001). Esta última, por sua vez, correlacionou-se com os valores de experimentação (r = -0,23, p < 0,001), suprapessoais (r = 0,13, p < 0,01), interacionais (r = 0,25, p < 0,001) e normativos (r = 0,39, p < 0,001). Além dos resultados apresentados, considerou-se oportuno obter informações mais precisas acerca da variável identificação grupal, isto é, da identificação com os grupos de relacionamento (pai, mãe, irmãos etc.). Apesar de não ter sido elaborada nenhuma hipótese a respeito, considerando o contexto em que este estudo foi realizado, correspondendo a uma 133 cultura eminentemente coletivista (Gouveia, Albuquerque, Clemente & Espinosa, 2002), pareceu relevante compreender o papel da identidade social para explicar as condutas potencialmente anti-sociais. Neste sentido, na Tabela 7 são apresentadas as correlações entre a identificação com os sete grupos considerados e as duas dimensões de condutas socialmente desviantes. Tabela 7: Correlação entre a identificação grupal e as condutas desviantes Condutas Desviantes Grupos/Pessoas Professores Familiares em geral Irmãos Vizinhos Mãe Pai Companheiros de estudo Anti-sociais -0,25*** -0,25*** -0,23*** -0,16** -0,13** -0,12** -0,08* Delitivas -0,21*** -0,18*** -0,11** -0,14** -0,06 -0,07* -0,08* Notas: * p < 0,05, ** p < 0,01, p < 0,001 (teste unilateral; eliminação pairwise de casos em branco). De acordo com esta tabela, percebe-se que, excetuando a correlação entre a identificação com a mãe e as condutas delitivas, todas as demais são significativas (p < 0,05) e negativas, isto é, quanto maior a identificação com os diversos grupos (pessoas) de relacionamento, menor a probabilidade do adolescente apresentar comportamentos socialmente desviantes. Esta situação é mais evidente no caso da identificação com os professores (rmédio = -0,23, p < 0,001), familiares em geral (rmédio = -0,21, p < 0,001) e irmãos (rmédio = -0,17, p < 0,001). Em resumo, as condutas anti-sociais e delitivas apresentaram, geralmente, um padrão de correlação coerente com as variáveis antecedentes que foram tratadas. Correlacionaram-se 134 diretamente com a favorabilidade ao uso de drogas e a identificação com os grupos e músicas alternativas. Sua correlação foi inversa com a identificação com os grupos de relacionamento e com a preferência por músicas refinadas e convencionais. Consistentemente, as condutas socialmente desviantes foram mais prováveis entre os jovens que endossam os valores de experimentação, e menos entre aqueles que se guiam por valores normativos, interacionais e suprapessoais. 5.3.- EXPLICANDO OS COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE DESVIANTES Neste momento, cabe uma consideração sobre as variáveis analisadas. A Tabela 6 permitiu contemplar que, entre as variáveis-critério, ao menos uma se mostrou pouco relevante: as atitudes positivas frente ao não-uso de drogas. Embora a escala correspondente tenha apresentado bons parâmetros psicométricos (validade de construto e consistência interna), sua correlação fraca com as variáveis antecedentes, todas iguais ou inferiores a |0,16|, e sua correlação inversa e significativa com a medida de atitudes positivas frente ao uso de maconha, torna possível excluí-la das análises aqui efetuadas. É importante lembrar que não foram formuladas hipóteses para esta variável. Neste sentido, serão consideradas três variáveis-critérios: condutas anti-sociais, condutas delitivas e atitudes positivas frente ao uso de maconha, para as quais se realizaram análises independentes de regressão múltipla, considerando o conjunto das seis variáveis antecedentes para as quais foram formuladas hipóteses: valores de experimentação, valores normativos, identificação com grupos de relacionamento, identificação com grupos alternativos, preferência por músicas convencionais e, finalmente, preferência por músicas anticonvencionais. Condutas Anti-Sociais Foram elaboradas seis hipóteses para a variável condutas anti-sociais: 135 Hipótese 1.1. Os valores normativos predirão inversamente as condutas anti-sociais. Hipótese 2.1. Os valores de experimentação predirão diretamente as condutas antisociais. Hipótese 3.1. A maior preferência por estilos musicais convencionais predirá inversamente as condutas anti-sociais. Hipótese 4.1. A maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais predirá diretamente as condutas anti-sociais. Hipótese 5.1. A identificação com grupos de relacionamento predirá inversamente as condutas anti-sociais. Hipótese 6.1. A identificação com grupos alternativos predirá diretamente as condutas anti-sociais. Fixou-se o método enter na análise de regressão que foi efetuada com este conjunto de variáveis. O modelo teórico resultante permitiu explicar cerca de 24% (R² = 0,237) da variância total (R = 0,49). Assim, este pode ser considerado satisfatório, F (6, 448) = 23,13, p < 0,001. Não obstante, com o fim de testar as hipóteses específicas que foram formuladas, deve-se considerar o papel de cada variável antecedente neste modelo, como descrito na tabela seguir. Tabela 8: Regressão Múltipla para as Condutas Anti-Sociais (método enter) Condutas Desviantes Anti-Sociais Preditores Grupos de Relacionamento Grupos Alternativos Valores de Experimentação Valores Normativos Música Convencional Música Anti-convencional β -0,29 0,21 0,15 -0,14 -0,07 0,02 t -6,36*** 4,26*** 3,57*** -3,05** -1,41 0,31 Notas: ** p < 0,01; *** p < 0,001. Considerando a Tabela 8, é possível dizer que a identificação com grupos alternativos (β = 0,21) e a orientação proporcionada pelos valores de experimentação (β = 0,15) fizeram mais provável a apresentação de condutas anti-sociais nos jovens. Por outro lado, aqueles que 136 se identificaram com grupos de relacionamento (β = -0,29) e se guiaram por valores normativos (β = -0,14) apresentaram menor possibilidade de manifestar tais tipos de condutas. Levando em conta as hipóteses apresentadas, pode-se concluir que as duas primeiras hipóteses (Hipótese 1.1 e 2.1) foram confirmadas, pois os valores normativos predisseram inversamente as condutas anti-sociais, e os de experimentação o fizeram diretamente. Contrariamente, as duas hipóteses seguintes (Hipótese 3.1 e 4.1) não foram confirmadas, isto é, a preferência pelos estilos musicais convencionais e anticonvencionais não predisseram as condutas anti-sociais. Finalmente, as duas últimas hipóteses (Hipótese 5.1 e 6.1) foram corroboradas. Especificamente, a identificação com grupos de relacionamento conseguiu predizer inversamente as condutas anti-sociais, enquanto que a identificação com grupos alternativos pôde predizê-las diretamente. Condutas Delitivas Assim como para as condutas anti-sociais, adotou-se o método enter para a análise de regressão múltipla para as condutas delitivas. Foi verificado que o modelo de variáveis testadas também se mostrou adequado para a explicação do comportamento delitivo. As variáveis antecedentes que entraram na explicação desta variável-critério (condutas delitivas) explicaram cerca de 15% (R² = 0,155) da sua variância (R = 0,39). No geral, reputa-se o modelo utilizado como satisfatório, F (6, 440) = 13, 47 p < 0,001. Cabe lembrar que, para estas condutas, foram formuladas as hipóteses reproduzidas a seguir: Hipótese 1.2. Os valores normativos predirão inversamente as condutas delitivas. Hipótese 2.2. Os valores de experimentação predirão diretamente as condutas delitivas. Hipótese 3.2. A maior preferência por estilos musicais convencionais predirá inversamente as condutas delitivas. Hipótese 4.2. A maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais predirá diretamente as condutas delitivas. 137 Hipótese 5.2. A identificação com grupos de relacionamento predirá inversamente as condutas delitivas. Hipótese 6.2. A identificação com grupos alternativos predirá diretamente as condutas delitivas. Os resultados da análise de regressão podem ser vistos a seguir, na Tabela 9. Tabela 9: Regressão Múltipla para as Condutas Delitivas (método enter) Condutas Desviantes Delitivas Preditores Grupos de Relacionamento Grupos Alternativos Música Convencional Valores de Experimentação Valores Normativos Música Anti-convencional β -0,19 0,15 -0,13 0,11 -0,07 0,06 t -3,89*** 2,74** -2,61** 2,31* -1,38 1,09 Notas: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001. Analisando a tabela acima, verifica-se que as condutas delitivas foram preditas inversamente pela identificação com grupos de relacionamento (β = -0,19) e pela preferência por música convencional (β = -0,13). Contrariamente, a identificação com grupos alternativos (β = 0,15) e a importância atribuída aos valores de experimentação (β = 0,11) predisseram diretamente esta variável-critério. Com relação às hipóteses propostas, não foi possível corroborar a primeira (Hipótese 1.2), pois a importância atribuída aos valores normativos não foi eficaz para predizer as condutas delitivas. Por outro lado, comprovou-se que estas foram satisfatoriamente explicadas pelos valores de experimentação, corroborando a segunda hipótese (Hipótese 2.2.), isto é, os jovens que deram mais importância a estes valores apresentaram mais condutas delitivas. A terceira hipótese (Hipótese 3.2) previa que a maior preferência por estilos musicais convencionais se relacionaria inversamente com as condutas delitivas, o que pôde ser corroborado. Porém, não foi possível corroborar a quarta hipótese (Hipótese 4.2), que sugeria 138 que a maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais prediria diretamente as condutas delitivas. Tal variável antecedente foi irrelevante para explicar este tipo de conduta. As duas últimas hipóteses (Hipótese 5.2 e 6.2) foram corroboradas, já que a identificação com grupos de relacionamento predisse inversamente as condutas delitivas, enquanto que a identificação com grupos alternativos o fez diretamente. Atitudes frente ao Uso de Maconha Com o objetivo de explicar as atitudes positivas frente ao uso de maconha, considerando as mesmas variáveis antecedentes previamente abordadas. A propósito, fixou-se o método enter, e procurou-se igualmente definir seis hipóteses, resgatadas a seguir: Os valores normativos predirão inversamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 8. Os valores de experimentação predirão diretamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 9. A identificação com grupos de relacionamento predirá inversamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 10. A identificação com grupos alternativos predirá diretamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 11. A maior preferência pelos estilos convencionais predirá inversamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 12. A maior preferência por estilos anticonvencionais predirá diretamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Hipótese 7. Os dados referentes a esta análise são expostos na Tabela 10. Cabe ressaltar que o conjunto das seis variáveis antecedentes permitiu explicar cerca de 16% (R² = 0,159) da variância das atitudes frente ao uso de maconha (R = 0,40). De modo geral, o modelo proposto pode ser tido como satisfatório, F (6, 439) = 13, 84 p < 0,001. 139 Tabela 10: Regressão Múltipla para as Atitudes Positivas frente ao Uso de Maconha (método enter) Atitudes Desviantes Uso de Maconha Preditores Valores Normativos Música Anti-convencional Grupos de Relacionamento Valores de Experimentação Grupos Alternativos Música Convencional β -0,19 0,18 -0,15 0,07 0,04 -0,03 t 3,84*** -3,39** 3,12** 1,55 -0,73 -0,58 Notas: ** p < 0,01; *** p < 0,001. Como pode ser contemplado nesta tabela, a importância conferida aos valores normativos (β = -0,19) e a identificação dos adolescentes com grupos de relacionamento (β = -0,15) se correlacionaram inversamente com as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Por outro lado, os jovens que preferem músicas anticonvencionais pontuaram mais neste fator atitudinal (β = 0,18). Estes resultados permitem corroborar três das seis hipóteses formuladas. Especificamente, as que previam que as atitudes positivas frente ao uso de maconha se correlacionariam diretamente com a preferência por música anticonvencionais (Hipótese 3.3), e o fariam negativamente com a importância atribuída aos valores normativos (Hipótese 1.3) e a identificação com os grupos de relacionamento (Hipótese 6.3). Em síntese, os resultados parecem claros quanto à importância da identificação com grupos de relacionamento para explicar as condutas e atitudes socialmente desviantes. A identificação com grupos alternativos foi também relevante na explicação das condutas antisociais e delitivas, tornando-as mais prováveis. A preferência musical se revelou igualmente uma variável importante neste contexto; enquanto a preferência por músicas convencionais diminuiu a probabilidade de condutas delitivas, a preferência por músicas anticonvencionais fez com que os jovens apresentassem atitudes mais positivas frente ao uso da maconha. 140 Finalmente, os valores humanos tiveram um papel importante na explicação tanto das atitudes como das condutas socialmente desviantes. Especificamente, os jovens que deram importância aos valores normativos apresentaram atitudes mais positivas frente ao uso de maconha e demonstraram mais condutas anti-sociais, enquanto que aqueles que priorizaram os valores de experimentação tenderam a apresentar mais condutas anti-sociais e delitivas. 141 Capítulo VI DISCUSSÃO 142 A presente dissertação teve como objetivo principal conhecer a relação dos valores humanos, da identificação grupal e da preferência musical com as atitudes frente ao uso de maconha e os comportamentos anti-sociais e delitivos. Neste sentido, exigiu-se previamente conhecer os parâmetros psicométricos das seguintes medidas: Escala de Preferência Musical, Escala de Identificação com Grupos Alternativos, Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento, Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha e Escala de Atitudes frente ao Não Uso de Drogas. Especificamente, pretendeu-se conhecer o papel preditivo do conjunto de variáveis antecedentes em relação a estes comportamentos socialmente desviantes, o que permitiria propor um modelo explicativo a respeito. Espera-se que estes objetivos tenham sido alcançados. Antes de principiar a discussão dos resultados, faz-se mister reiterar que a explicação dos comportamentos socialmente desviantes se trata de um problema cujas raízes devem ser consideradas, indiscutivelmente, complexas (Stoff, Breiling & Maser, 1997); como bem salienta Gibbons (1976), trata-se de um “problema multidimensional” - o que pode, em parte, explicar a força das correlações encontradas. Com base nesta asserção, pode-se iniciar um longo debate em que se discuta a contribuição de influências biológicas, psicológicas, econômicas, sociais, culturais e políticas. Como se viu ao longo desta dissertação, as explicações podem comportar diversos níveis de análise, indo desde a ênfase em traços de personalidade, como a busca de sensações, ou em variáveis de influência genética, até explicações mais sociais, como a influência de modelos sociais, as pressões sociais por êxito, a busca pela ascensão social (financeira), a busca de status e o reconhecimento do grupo de pertença, caracterizando, enfim, tentativas de suprir necessidades sociais. Frente a este marco, considerou-se que também ajudariam na explicação dos comportamentos socialmente desviantes e atitudes frente ao uso de maconha, os valores 143 humanos, a preferência musical e a identificação grupal. Estas relações foram estabelecidas com base numa revisão da literatura realizada ao longo deste estudo. Antes de iniciar a análise destas variáveis propriamente, discutem-se as características psicométricas de algumas das escalas empregadas. 6.1. COMPROVAÇÃO DOS PARÂMETROS PSICOMÉTRICOS De início, ressalta-se que todas as medidas apresentaram parâmetros psicométricos adequados. Disto decorre que os resultados apresentados podem ser considerados fidedignos, além de que se pode reutilizar estas medidas em pesquisas futuras. Não obstante, não se pretende afirmar que os resultados apresentados sejam generalizáveis para além do escopo da amostra considerada. Como indicado no método, tratou-se de uma amostra não-probabilística. Novos estudos poderiam ser úteis para confirmar a adequação dos índices aqui descritos. Em relação a cada instrumento específico, seguem algumas considerações: • Escala de Identificação com Grupos Alternativos. Nenhum estudo foi encontrado em que este tipo de instrumento foi empregado. Como antes descrito, trata-se de averiguar em que medida os jovens se identificam com alguns grupos alternativos, não-convencionais (por exemplo, skinheads, punks, headbangers). Comprovou-se que este construto pode ser expresso como uma única dimensão, com índice de consistência interna aceitável (∝ = 0,87). • Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento. Esta medida também avalia a identificação com grupos e/ou pessoas do dia-a-dia. Diferentemente dos exemplos anteriores, estes são personagens mais convencionais, que expressam grupos de convivência / relacionamento cotidiano (por exemplo, pais, irmãos, professores). Embora tenham sido consideradas medidas prévias a respeito (Coelho Júnior, 2001; Formiga, 2002; Gouveia, 144 Albuquerque, Clemente & Espinosa, 2002), em que a ênfase foi sobre uma estrutura bidimensional. Na presente pesquisa se assumiu uma estrutura unidimensional, que foi corroborada, inclusive com um índice de consistência interna aceitável (∝ = 0,76). Caberia, porém, contrastar futuramente estes dois modelos quanto à estrutura fatorial, decidindo pelo mais adequado. • Escala de Preferência Musical. Na época em que foi delineada a presente pesquisa, não foi encontrado nenhum instrumento que permitisse avaliar a preferência musical dos jovens. Neste sentido, concebeu-se esta escala, cuja variável correspondente vem sido considerada em pesquisas que tentam explicar o uso de drogas e demais comportamentos antisociais. Esta escala se revelou multi-fatorial, agregando os itens / estilos musiciais em música de massa, anticonvencional, convencional e refinado, com Alfa médio de 0,68, o que pode ser considerado aceitável. Uma explicação para este índice pode se dever ao número reduzido de itens que compõem cada fator (em média 4 itens). • Escalas de Atitudes frente ao Uso de Maconha. Em revisão realizada no tocante a instrumentos de avaliação de atitudes frente ao uso de maconha, não se verificou nenhuma escala na realidade brasileira para a medir adequadamente este construto. Neste sentido, decidiu-se ampliar a busca, encontrando uma medida, fundamentada no diferencial semântico (Simons & Carey, 2000). Coerente com os resultados prévios para esta medida, encontrou-se uma estrutura unifatorial, com Alfa de Cronbach adequado (0,97). Portanto, embora contando com apenas quatro itens, esta é uma medida satisfatória, adaptada para o contexto brasileiro, que poderá ser utilizada em pesquisas futuras. • Escalas de Atitudes frente ao Não-Uso de Drogas. Do mesmo modo que o instrumento anterior, este se baseou no diferencial semântico, contendo também quatro itens. 145 De acordo com pesquisa prévia em que foi empregado (Simons & Carey, 2000), caberia esperar uma estrutura unifatorial, o que realmente ocorreu. Seu índice de consistência interna pode ser considerado satisfatório (∝ = 0,94), justificando seu uso para fins de pesquisa. Cabe lembrar que Coelho Júnior (2001) adaptou um questionário para avaliar o uso potencial de drogas. No entanto, tal questionário não avalia as atitudes dos jovens, mas sim as respostas que podem sugerir comportamentos de risco para o uso de drogas. Neste sentido, a medida deste autor tem a função de triagem, apresentando itens comportamentais que são respondidos em formato dicotômico (sim vs. não). Diferentemente, as duas medidas de atitudes antes descritas podem ser consideradas como uma forma mais sutil de pesquisar o problema de uso de drogas entre os adolescentes. Em resumo, corrobora-se a adequação de empregar as medidas antes descritas. Ressalte-se que aquelas destinadas a avaliar os valores humanos e os comportamentos antisociais e delitivos foram previamente validadas. 6.2. VALORES HUMANOS, PREFERÊNCIA MUSICAL, IDENTIFICAÇÃO GRUPAL, ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA E COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE DESVIANTES Como foi verificado na pesquisa levada a cabo por Formiga (2002), neste mesmo contexto, os valores normativos apresentam uma relação inversa com as condutas anti-sociais (r = -0,22, p < 0,001) e delitivas (r = -0,16, p < 0,001). Os dados aqui encontrados são bastante semelhantes a estes, posto que foi encontrado o mesmo padrão de correlação, ainda com coeficientes mais altos tanto para a relação com as condutas anti-sociais (r = -0,30, p < 0,001) como para as delitivas (r = -0,23, p < 0,001). Outro aspecto que merece atenção é que, 146 de modo análogo à pesquisa inicialmente citada, os valores normativos mostraram estar mais relacionados com as condutas anti-sociais. Por outro lado, comprovou-se que os valores de experimentação apresentaram uma relação direta com as condutas anti-sociais (r = 0,24, p < 0,001) e delitivas (r = 0,21, p < 0,001), resultados também muito similares aos encontrados na pesquisa de Formiga (2002). Nesta, verificou-se que os valores de experimentação se relacionam de forma consistente com as condutas anti-sociais (r = 0,24, p < 0,001) e delitivas (r = 0,21, p < 0,001). Além destes resultados, partindo-se de um paralelismo entre valores de experimentação e valores de hedonismo, e assumindo a compatibilidade dos valores normativos com os de convencionalismo, pode-se afirmar que os achados da pesquisa levada a cabo por Romero e cols. (2001) são consoantes com estes resultados, uma vez que estes autores encontraram uma relação direta entre os valores de hedonismo e condutas anti-sociais, sendo esta relação inversa com os de convencionalismo. Foi verificado também que os adolescentes que priorizam valores normativos estão menos propensos a preferir estilos musicais anticonvencionais, como o heavy metal, o punk/hardcore e o rap. E os que dão mais importância aos valores normativos tendem a preferir estilos convencionais, como as músicas religiosa e sertaneja. Estas relações permitem pensar que, de fato, as preferências musicais refletem os valores mantidos pelos jovens (Schwartz & Fouts, 2003). Este dado fica mais claro quando se percebe que os valores normativos se relacionaram diretamente com a identificação com os grupos de relacionamento, como pais e professores, e inversamente com a identificação com os grupos alternativos, como punks ou headbangers. Os estilos musicais anticonvencionais são bastante apreciados nestes grupos alternativos, servindo mesmo como um aspecto de diferenciação grupal e configuração de identidades sociais. Adite-se a isso outras características próprias dessas sub-culturas juvenis, como o vestuário, tipos de cabelo, gírias (Pais, 1998), ou seja, um 147 conjunto de elementos que cumprem seu papel nos processos de categorização e diferenciação intergrupal. Quanto às atitudes frente ao uso de maconha, os valores normativos se relacionaram inversamente com as atitudes positivas frente ao uso e diretamente com as atitudes positivas frente ao não-uso de drogas. O que também pode ser facilmente explicado. Considerando a relação valores → atitudes, pode-se compreender a relação supracitada com base nas explicações reunidas por Petraits, Flay e Miller (1995) para o comportamento anti-social de uso de drogas. Depreende-se que quando os autores apontam a adesão às normas sociais e valores morais como fatores importantes para prevenir o uso de drogas e demais comportamentos anti-sociais, permitem incluir na categoria “valores morais” aqueles normativos, como religiosidade, tradição, ordem social e obediência. Estes valores, por sua vez, constituem o alicerce para o desenvolvimento de atitudes desfavoráveis ao uso de drogas. Por outro lado, observou-se que os valores de experimentação se relacionam positivamente com estas condutas. Por sua vez, estas condutas se relacionaram com preferência por estilos anticonvencionais, que se relacionaram com as atitudes positivas frente ao uso de maconha e as condutas desviantes (anti-sociais e delitivas). Estes valores também estão relacionados com os valores de experimentação, assim como com os grupos alternativos e com as atitudes frente ao uso de maconha. É interessante verificar que este conjunto de variáveis diretamente inter-relacionadas serve para pintar o quadro típico do público majoritariamente fã desses estilos: adolescentes que querem se divertir, ser notados como diferentes e quebrar as normas. Note-se que isso compreende uma filosofia (ou estilo) de vida calcada no hedonismo e individualismo. 148 Na música, podemos contemplar isso no rock, ou no punk, que vem sendo historicamente relacionado com adolescência, protesto, rebeldia e delinqüência (ver Chacon, 1995, Bivar, 2001). Trata-se da representação forte de um desejo de “curtir a vida adoidado”, que encontra abrigo num sistema de valores pessoais, cujos conteúdos enfocam bem esse perfil. São valores de experimentação, como emoção, prazer e sexual. Acrescente-se a isso, a ênfase na competição, na lei do cada um por si, cada vez mais recrudescente nos dias de hoje. Paradoxalmente, um padrão de correlação inverso foi verificado em relação a uma maior preferência pelos estilos do fator música refinada, como música clássica e MPB, e pelas condutas anti-sociais e delitivas. Com base nisto, as relações antes assinaladas podem ser moderadas pela maior preferência por estes estilos. Vale lembrar que Arnett (1991 citado por McNamara & Ballard, 1999) chama a atenção para o caráter radical dos fãs do heavy metal (headbangers). Não se pode, com base nesta pesquisa, falar de fãs, pois não foi utilizado nenhum instrumento específico para detectá-los. Contudo, supõe-se que os que mostraram mais preferência por estes estilos podem ser considerados fãs, mesmo que não se percebam como headbangers. Ainda quanto à variável identificação grupal, agora com relação aos grupos de relacinamento, nas comparações com resultados previamente encontrados neste contexto, pode-se comprovar que a identificação com tais grupos/pessoas corrobora as relações encontradas por Formiga (2002), assim como os achados descritos por Coelho Júnior (2001). Estes autores verificaram uma relação negativa entre a identificação com estes grupos e comportamentos socialmente desviantes. Especificamente, Formiga (2002) encontrou correlação negativa entre identificação endogrupal primária (pai, mãe e irmãos) e secundária (vizinhos e professores) as condutas anti-sociais (r = -0,16, p < 0,001) e delitivas (r = -0,13, p < 0,001). Coerentemente, Coelho Júnior (2001) também verificou que a identificação com 149 estes grupos se relacionou inversamente com vários fatores que representam condutas desviantes, como delinqüência juvenil compartilhada (r = -0,15), conduta anti-social (r = 0,15), dificuldades no relacionamento com os pais/responsáveis (r = -0,23) e dificuldades de aprendizagem (r = -0,12), todas significativas (p < 0,001). A presente pesquisa mostrou correlações ainda mais fortes. Deve-se ressaltar que também foram computadas aqui as relações entre a identificação com as pessoas / grupos específicos e os comportamentos socialmente desviantes. Do conjunto de correlações estatisticamente significativas, destacam-se as que foram observadas entre as condutas anti-sociais e delitivas e a identificação com os professores (r = -0,25 e –0,21, respectivamente; p < 0,001 para ambos) e familiares em geral (r = -0,25 e –0,18, respectivamente; p < 0,001 para ambos). Estes resultados são coerentes com a hipótese geral de compromisso social convencional (Pertraits, Flay & Miller, 1995) e dão suporte aos achados de Formiga (2002). Em sua pesquisa, este autor destacou a importância da identificação com os professores como fator de proteção para os comportamentos socialmente desviantes nos adolescentes. 6.3. PREDITORES DOS COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE DESVIANTES E ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA Uma vez comprovada a adequação das cinco medidas descritas, justifica-se considerálas para compreender os antecedentes dos comportamentos socialmente desviantes e das atitudes em relação ao uso de drogas. Isso deve resultar na proposta de um modelo causal explicativo, considerando o poder explicativo de cada variável antecedente. Neste tópico específico, discutem-se as hipóteses da pesquisa, que foram formuladas com o fim de avaliar o 150 papel dos valores, da identificação grupal e da preferência musical para explicar as atitudes frente ao uso de maconha, assim como os comportamentos socialmente desviantes. Considerando o anterior, foram formuladas hipóteses para os valores, a preferência musical e a identificação grupal como preditores dos comportamentos desviantes e para as atitudes frente ao uso de maconha. Pretendeu-se verificar as hipóteses iniciais de que os valores entrariam na equação de predição para os comportamentos desviantes. Pode-se confirmar que os valores normativos compuseram a equação de predição apenas para as condutas anti-sociais, com um peso razoável de explicação. Verificou-se uma relação inversa com estas condutas, o que leva a pensar que estes valores podem ser tidos como fatores de proteção para estas variáveis. Ludwig e Pittman (1999), por sua vez, verificaram que os adolescentes que enfatizavam valores pró-sociais apresentavam menos níveis de comportamento delinqüente, risco sexual e uso de drogas. Portanto, os resultados aqui aduzidos suportam a chamada hipótese do compromisso convencional (ver Hawkins, Catalano & Miller, 1992; Petraits, Flay & Miller, 1995), segundo a qual o compromisso com a sociedade convencional, com as instituições tradicionais, normativas, como a religião e a escola, fomenta o compromisso com os “valores morais”, com os princípios que norteiam padrões socialmente aceitos de comportamentos, agindo como um obstáculo para o desenvolvimento do comportamento anti-social. Estes resultados reforçam aqueles encontrados por Romero e cols. (2001), em que se verificou uma relação inversa entre os valores de convencionalismo e religiosidade e as condutas anti-sociais. Contudo, não pôde ser confirmada a segunda hipótese, ou seja, que os valores normativos prediriam inversamente as condutas delitivas. A despeito disso, foi verificada uma relação negativa entre estes valores e tais condutas (ver Tabela 6). Em outras palavras, pode-se confirmar que, realmente, “a alienação dos valores dominantes da sociedade 151 tem se mostrado positivamente relacionada com o uso de drogas e comportamento delinqüente” (Hawkins, Catalano & Miller, 1992, p. 85). No entanto, como aponta Formiga (2001), e que também se verificou no presente estudo, os valores parecem ser especialmente importantes para o entendimento das condutas anti-sociais. Como pode ser visto nos resultados, os valores de experimentação mostraram seu poder preditivo na explicação das condutas anti-sociais. Estes valores predisseram diretamente tais condutas, levando a pensar que quanto mais os adolescentes dão importância a valores como estimulação, emoção, sexual e prazer, mais provável será o engajamento em condutas anti-sociais. Os valores de experimentação também explicaram satisfatoriamente as condutas delitivas, de forma direta, levando a assumir que estes valores também podem ser considerados como fatores de risco para as condutas desviantes em questão. Neste sentido, Romero e cols. (2001) encontraram resultados bastante semelhantes a estes, pois verificaram uma relação entre valores de hedonismo e condutas anti-sociais. Pode-se concluir que os valores de experimentação estariam mais ligados à satisfação do self, sem grandes preocupações com o social. Também se pode especular que tais valores estariam relacionados com características disposicionais que são mais salientes durante a adolescência, como a busca de sensações e a realização de comportamentos arriscados. Vários autores que estudam problemas comportamentais e afetivos na adolescência (ver, por exemplo, Jessor & Jessor, 1977, citado em Petraits, Flay & Miller; Pfrom Neto, 1979; Silva, 2000) têm caracterizado esta faixa, por si mesma, como digna de atenção com relação a problemas diversos, como o uso de drogas. Arnett e Taber (1993), numa perspectiva cultural, caracterizam a adolescência como por uma menor complexidade e auto-suficiência cognitiva, autoconfiança emocional e controle comportamental em relação ao período que denomina de “emergência da fase adulta”. 152 Com relação à preferência musical, foram formuladas hipóteses em termos dos estilos convencional e anticonvencional. Considerando o modelo de variáveis analisadas, não se pôde corroborar a hipótese de que a maior preferência por estilos musicais convencionais prediria inversamente as condutas anti-sociais. Como se percebeu, esta variável não entrou na explicação da critério, apesar de mostrar-se relacionada negativamente com ela (ver Tabela 6). No entanto, foi verificado que as condutas delitivas foram explicadas satisfatoriamente em função da preferência pelos estilos do fator música convencional (ver Tabela 8). Esta variável mostrou um peso negativo para predizer a critério, o que permite concluir acerca de seu papel de proteção para tais condutas desviantes. Em outras palavras, os adolescentes que mostraram maior preferência por estilos convencionais (por exemplo, Pop Music, Música Religiosa e Música Sertaneja) mostraram menor probabilidade de apresentar condutas delitivas. Não se pode afirmar que a maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais prediz diretamente as condutas anti-sociais, pois esta variável não entrou no modelo para explicação da variável-critério, a despeito de ter se relacionado positivamente com ela (ver Tabela 6). Esperava-se também que a maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais predissesse diretamente as condutas delitivas. Não obstante esta hipótese não ter sido corroborada, verificou-se uma relação positiva entre a preferência por estilos musicais anticonvencionais e as condutas delitivas, como se pode verificar na Tabela 6. Esta relação positiva tem sido documentada na literatura. Como visto no segundo capítulo, existem pesquisas empíricas em que se relatam uma relação positiva entre preferência musical, mais especificamente o gênero heavy metal (estilo anticonvencioanl) e diversos comportamentos anti-sociais (Ballard, Dodson & Bazzini, 1999). As condutas anti-sociais foram explicadas satisfatoriamente pela identificação com os grupos de relacionamento (ver Tabela 8). Isto indicou que a identificação com os pais, os 153 irmãos, os familiares em geral, os professores e os companheiros de estudos, predisse inversamente as condutas anti-sociais. Desta forma, pode-se afirmar que quanto maior foi a identificação com estes grupos, menor foi a probabilidade dos adolescentes apresentarem condutas anti-sociais. Estes grupos estariam reforçando atitudes desfavoráveis ao comportamento anti-social e transmitindo padrões de comportamento desejáveis socialmente. Conseqüentemente, considera-se que tais grupos estariam agindo como fator de proteção para as condutas anti-sociais. Da mesma forma, os adolescentes que mostraram maior identificação com grupos de relacionamento se apresentaram como menos prováveis de apresentar condutas delitivas, o que permite, também, concluir que estes grupos estariam agindo como fator de proteção para tais condutas. De acordo com o MDS, concentrando-se em aspectos de interação social, pode-se explicar que a identificação com estes grupos diminui a probabilidade de envolvimento de adolescentes com pares desviantes. Estes grupos servem como modelos sociais que estimulam crenças contrárias ao uso de drogas e demais comportamentos antisociais. Isto mais fortemente se evidencia quando se percebem as relações negativas entre a identificação com familiares em geral e as condutas desviantes. Como se viu nos resultados das análises de correlação (ver Tabela 6 e 7) e na pesquisa de Formiga (2001), as relações negativas entre professores e os comportamentos desviantes apóiam o princípio teórico adotado. Neste sentido, somados aos de outras pesquisas (ver Petraits, Flay & Miller, 1995), estes dados dão apoio empírico ao MDS, pois verificam a influência positiva de “modelos sociais convencionais” no comportamento adolescente. Ainda com relação à identificação grupal, foi verificado que a identificação com grupos alternativos entrou no modelo explicando satisfatória e positivamente as condutas antisociais. Em outras palavras, comprovou-se que a identificação com grupos alternativos, como headbangers, punks e skinheads, explicou diretamente a variável critério. Significa dizer que 154 os adolescentes que reportaram maior identificação com tais grupos são mais prováveis de apresentarem condutas anti-sociais. Desta forma, esta variável mostrou atuar como um fator de risco para tais condutas. O mesmo se pode falar para as condutas delitivas, uma vez que a identificação com grupos alternativos as predisse positivamente, demonstrando que a identificação com tais grupos pode ser percebida como um fator de risco para as condutas delitivas. Com respeito a estes resultados, pode-se especular que o peso explicativo da identificação com grupos alternativos suplantou a importância da preferência por música anticonvencional, embora estas variáveis se mostrem estar bastante relacionadas. Adicionalmente, quando o MDS indica que durante a adolescência os grupos de pares têm mais importância do que pais e professores, infere-se que a identificação com jovens anticonvencionais, que formam culturas alternativas, em que muitas vezes se verifica o envolvimento em comportamentos anti-sociais, agiria de modo a tornar os jovens mais vulneráveis para ter seus comportamentos modelados por membros destas culturas. É possível também refletir que, na relação entre a identificação com grupos alternativos e os comportamentos socialmente desviantes, a preferência por música anticonvencional seja mais bem entendida como uma variável mediadora. Todavia isto deve ser estatisticamente averiguado. Voltando à relação entre a identificação com grupos juvenis e comportamentos desviantes, mais uma vez pode-se apelar ao MDS para a explicação dos resultados. Com base neste modelo, pode-se concluir que a identificação com grupos alternativos, como punks, headbangers ou funkeiros, joga um papel importante na predição do comportamento antisocial. Não parece desarrazoado pensar que estes grupos já têm um estereótipo negativo no contexto brasileiro. É também razoável inferir que a clássica trilogia, “sexo, drogas e rock’n’roll”, certamente, tem seu papel na formação de crenças sociais, considerando, 155 obviamente, a clara relação entre os grupos e a música. Além deste aspecto histórico, os resultados aqui reportados mostram-se coerentes com aqueles encontrados por Martinez, López e Carrasco (1997) em solo espanhol, assim como os de Sussman, Dent e McCullar (2000), com estudantes secundaristas de várias escolas da Califórnia. Estes autores dão apoio à crença de que a identificação com grupos juvenis alternativos (ou tribos urbanas) pode indicar um fator de vulnerabilidade para vários comportamentos de risco na adolescência, como a violência e o uso de álcool e de drogas ilícitas. Com relação às atitudes favoráveis frente ao uso de maconha, inicia-se assumindo que as atitudes frente ao uso de drogas predizem consistentemente o comportamento de uso (ver Petraits, Flay & Miller, 1995; Hawkins, Catalano & Miller, 1992) e mais especificamente o uso de maconha (Holland, Verplanken & van Knippenberg, 2002). Também se pode verificar, que o construto em questão pode ser tido como um fator de risco para o comportamento antisocial e para o uso de drogas. Considerando a relação de dependência com o construto de valores, verificou-se que os valores normativos explicaram estas atitudes, estando a elas inversamente relacionados (ver Tabela 10). Isto significa dizer que os adolescentes que deram mais importância a valores normativos tiveram menor probabilidade de pontuarem positivamente na escala de atitudes frente ao uso de maconha. Conseqüentemente, os adolescentes que priorizam valores deste tipo (por exemplo, tradição e religiosidade) tendem mais a apresentar atitudes negativas frente ao uso de maconha. Esta relação se mostra consoante com as considerações que fizeram outros autores (ver Atkinson, Atkinson, Smith & Bem, 1995) sobre os efeitos do uso de substâncias ilícitas em jovens. Os autores explicam que um estilo de vida que envolve o uso regular de drogas acompanha o que chamam de “nãoconformidade aos valores tradicionais” que, por sua vez, se relaciona com outros comportamentos socialmente desviantes. 156 No que concerne aos valores de experimentação, observa-se que não entram no modelo para explicação das atitudes favoráveis ao uso de maconha. Apesar disso, tais valores se mostraram positivamente relacionados a estas atitudes. Verificou-se, também, que aqueles que se identificaram mais com os grupos de relacionamento mostraram uma tendência maior a não apresentarem atitudes positivas frente ao uso de maconha. Portanto, a identificação com estes grupos mostrou ser uma influência positiva com relação à manutenção destas atitudes. Por outro lado, foi verificado que a identificação com grupos alternativos não entrou na equação de predição, mas mostrou estar relacionada positivamente com estas atitudes (ver Tabela 6), o que também endossa pesquisas prévias (López & Carrasco, 1997; Sussman, Dent & McCullar, 2000). De acordo com o encontrado em outra realidade (ver Atkinson, Atkinson, Smith & Bem, 1995), membros de sub-culturas não-conformistas podem encorajar o uso de substâncias ilícitas. Esta asserção pode ser entendida mais claramente quando se verifica, no estudo de Tamayo e colaboradores (1995), utilizando o modelo de valores dos tipos motivacionais de Schwartz, que os não-usuários, em comparação com os usuários de drogas, deram mais importância ao tipo motivacional conformidade. Quanto à preferência musical, foi observado que o fator anticonvencional explicou satisfatoriamente as atitudes positivas frente ao uso de maconha. Desta forma, é permitido afirmar que os adolescentes que mostraram uma maior preferência pelos estilos musicais anticonvencionais (rap, punk rock, heavy metal, reggae) reportaram mais atitudes positivas frente ao uso de maconha. Assumindo que as atitudes frente ao uso de drogas predizem consistentemente o comportamento de uso (Simons & Carey, 2002), pode-se conceber que estes dados estão consoantes com os de Arnett. Segundo este autor, em comparação com aqueles que não apresentaram preferência pelo heavy metal, os adolescentes que reportaram maior preferência por este estilo musical mostraram estar mais proclives a fazer uso de drogas. 157 No entanto, os dados da presente pesquisa são mais consoantes com os resultados encontrados por Sussman, Dent e McCullar (2000), em que se verifica que os adolescentes que indicaram se auto-identificaram com grupos de alto-risco, que incluem metaleiros (jovens fanáticos pela heavy metal), em comparação com os que se auto-identificaram com outros grupos, obtiveram médias mais altas em escalas que avaliam intenção de uso de maconha e álcool. Na mesma direção destes estudos, Leming (1987, citado por McNamara & Ballard, 1999) verificou a influência da preferência pelo rock no uso de drogas por adolescentes. Encontram-se também outras pesquisas em que se constata uma relação entre a preferência musical, mais especificamente do heavy metal, e o uso (Villani, 2001; Lacourse, Claes & Villeneuve, 2000) e abuso (Lacourse, Claes & Villeneuve, 2000) de drogas ilícitas, além de outros comportamentos que envolvem risco. No que tange ao fator música convencional, observou-se que este não entrou na equação de predição, apesar de ser verificada uma correlação inversa entre a maior preferência pelos estilos do fator música convencional e as atitudes positivas frente ao uso de maconha (ver Tabela 6). Estes dados corroboram os resultados discutidos no parágrafo anterior. Considerando a correlação negativa entre este estilo musical e o anticonvencional, pode-se admitir que o estilo musical preferido pelo jovem adolescente tem um papel preponderante para explicar seu potencial envolvimento com drogas, ou pelo menos sua aceitação como algo legítimo para a obtenção de prazer. Cabe ressaltar a influência da preferência pela música religiosa, que certamente deve instilar em seu público o fortalecimento de padrões convencionais de comportamento, de respeito ao corpo como algo “sagrado” e que não deve ser contaminado pelo consumo de substâncias ilícitas. Pode representar, também, um compromisso com a religião. Assim como ocorre com outras instituições convencionais como a família e a escola, atua de maneira a 158 normatizar o comportamento do indivíduo na sociedade, fazendo, pois, menos presumível que se revele anti-social. Como se assinalou antes, estes são princípios básicos das teorias de identificação social e comprometimento convencional (ver Petraits, Flay & Miller, 1995). Como se verificou no primeiro capítulo, é importante pensar no problema do comportamento anti-social considerando diversos fatores para a sua explicação. Este ponto é tido como de importância capital e, seguramente, assaz consensual entre os estudiosos na área. Como já assinalado, intentou-se uma aproximação psicossocial ao problema, considerando variáveis que retratam bem tal investida. Como se verificou, existem relações, que foram empiricamente observadas, entre os valores humanos, a preferência musical, a identificação grupal, as atitudes frente ao uso de maconha e os comportamentos socialmente desviantes. A respeito das várias relações encontradas, parece adequado entendê-las pensando em formação de grupos específicos que servem de modelo para vários comportamentos sociais. Neste processo, entra em jogo o papel da aprendizagem vicária, cujos modelos sociais têm um lugar central. Além de padrões comportamentais, tais modelos transmitem normas e valores que modelam o comportamento social. Em grupos de adolescentes, a propósito, a norma pode ser preferir determinado estilo musical em detrimento de outros. Como se viu, esta variável também tem mostrado seu valor para a explicação dos fenômenos em pauta. De um ponto de vista histórico, visando um entendimento mais ampliado acerca das culturas juvenis, é importante lembrar o movimento beat, tido como precursor dos hippies. Este grupo, que virou movimento literário e social, deu origem à expressão “mochileiros”, que retratam jovens viajantes em busca de emoções, de um sentido para suas vidas ou simplesmente um “encontro espiritual consigo mesmo”. O movimento beat tem sua gênese nos meados dos anos de 1940, nos Estados Unidos, cujos expoentes principais foram Allen Ginsberg, Gary Snyder, Gregory Corso, Jack Kerouac e William Burroughs. Formou-se por 159 jovens brancos escritores, poetas, ex-universitários de classe média anticonformistas, extremamente críticos sociais, que escreviam acerca das aventuras próprias, incluindo “comportamentos anti-sociais” e diversos temas existenciais. Relata-se que este movimento ou geração beat provocou as maiores e mais significativas mudanças no comportamento dos jovens do mundo inteiro. Pode ser bem representado pelo best-seller, livro de Jack Kerouac, intitulado On the Road (Bivar & cols. 1984; Kerouac, 2004). Com relação aos seus integrantes, foram registradas ligações com a rebeldia e a delinqüência, de forma geral, assim como com as drogas (Moraes, 1984) e com o jazz, considerado o “som beat” (Muggiati, 1984). Entre as diversas obras divulgadas, encontram-se aquelas em que os próprios integrantes escreviam sobre as aventuras com drogas e a vida na estrada. Todos estes elementos retratados, que caracterizavam os beats, certamente agiram no sentido de dar uma configuração própria ao grupo, distinguindo-o de grupos de jovens convencionais. Com relação ao mesmo fenômeno de constituição grupal, os resultados aqui aduzidos permitem concluir que a música pode ser um elemento importante para a configuração de identidades sociais. Isto foi observado por Fridlander (1995), com relação, especificamente, ao rock, e Tekman e Hortaçsu (2002), no que afeta a música, em geral e como se observou acima, relacionando o jazz com os beats. Tudo isto reforça a influência da música no que concerne ao campo das relações sociais. Tendo em conta seu poder de comunicação, através da execução em rádios ou programas e canais televisivos, como a MTV, pode-se concluir que a música representa mais um meio que veicula e reforça valores, normas e atitudes (para uma discussão geral ver Weiss, 1968), entre diferentes grupos juvenis. Este processo de influência inclui também outras “categorias midiáticas”, como a Internet, os jornais, as revistas e os livros. São também dignos de comentário as relações positivas entre valores de experimentação, preferências por estilos musicais anticonvencionais, identificação com 160 grupos alternativos, comportamentos desviantes (anti-sociais e delitivos) e atitudes favoráveis ao uso de maconha. Quando se analisam estas relações, vê-se que a imagem característica de diversos grupos sociais, como a dos roqueiros, é representada no universo cognitivo dos adolescentes. Neste sentido, apesar de se afigurar como algo já estereotipado e de senso comum, torna-se necessário averiguar, empiricamente, essa representação. Adite-se a isto a escassez de pesquisas desde uma abordagem psicossocial, que tenham tido em conta estas relações. Richard, Bond e Stokes-Zoota (2003), através da apreciação de numerosos estudos de meta-análises, concluem fortemente acerca da influência dos meios de comuincação de massa no comportamento agressivo. Segundo as pesquisas analisadas, chegou-se a tais conclusões meta-analíticas, em ordem de frequência: 1) “a exposição aos mass media violence aumenta a agressão” e 2) as pessoas agem de modo anti-social após assistirem uma programação violenta na TV. Entretanto, como salientam Arderson, Carnagey e Eubanks (2003), os estudos que visam conhecer a influência de estilos musicais que enfocam a violência, como o rap e o heavy metal, ainda estão num “estágio infantil”, assim como aqueles que enfocaram o efeito de vídeo-clips agressivos (rap e heavy metal) em cognições e pensamentos agressivos são bastante escassos (Huesmann, Moise & Podolski, 1997). O mesmo se pode dizer com relação aos valores, quando tratados em estudos que visam estimar a influência de variáveis comumente manejadas pelo psicólogo social para a explicação do comportamento anti-social. Encontra-se vasta literatura em que apenas se especula o papel deste construto, sem se especificar quais valores estariam relacionados diretamente com tais condutas. Por exemplo, na literatura sociológica as referências sobre o papel dos valores carecem de precisão para que se possa levar a cabo estudos no âmbito da intervenção (ver Gordon, Short Jr., Cartwright & Strodtbeck, 1970; Kobrin, 1970). 161 Com base nos resultados antes descritos, pode-se inferir que algumas das características próprias dos adolescentes, como se aventurarem em atividades que envolvam risco ou mostrarem contestação em relação aos padrões estabelecidos pelos adultos, refletem um sistema de relações. Os valores de experimentação, como prazer, emoção e sexual, guardam relações com grupos que os reforçam, através de normas que conferem coesão a tais grupos (por exemplo, definindo padrões do que escutar, como se vestir ou se comportar numa situação particular). Neste sentido, se o próprio período da “adolescência” é tido como merecedor de atenção especial, os dados apresentados fazem pensar que existem variáveis atuantes no sentido de intensificar associações já tão propaladas, como as que se fazem entre os adolescentes e diversos problemas afetivo-comportamentais. Em suma, os resultados aqui encontrados dão apoio empírico aos princípios teóricos das teorias de identificação social (MDS) e comprometimento convencional (TCS). Ambas teorias comungam do princípio segundo o qual os adolescentes que mostram pouco comprometimento com a sociedade, com os seus valores normativos, instituições e forças socializadoras, sobretudo com a escola e a religião e fraca identificação com os modelos sociais convencionais, como os professores e os pais, tendem a sentir atração por pares desviantes e a apresentar padrões de comportamento anti-social. O MDS e a TCS absorvem a contribuição da Teoria Sócio-Cognitiva, de Bandura, que, em linhas gerais, estabelece que a exposição aos modelos sociais que apresentam comportamentos anti-sociais modela o uso experimental de drogas, moldando as crenças específicas em relação às drogas e demais comportamentos anti-sociais. Como pode se observar nos resultados, a identificação com os grupos de relacionamento, pais, familiares em geral, mas, sobretudo, com os professores, se relacionou inversamente com as condutas anti-sociais e delitivas. 162 Como foi salientado, os achados aqui apresentados parecem suportar princípios fundamentais do MDS e da TCS, especificamente a hipótese segundo a qual a forte atração pelos pais e a crença prescritiva nas normas e valores da sociedade agem como fatores de proteção contra o uso de drogas e demais comportamentos socialmente desviantes. Com relação a estes modelos tidos como convencionais, é de se esperar que transmitam valores sociais que normatizem o comportamento do adolescente. Os proponentes destes modelos destacam o papel do comprometimento escolar e do envolvimento regular em atividades religiosas. Os dados aqui coligidos, entretanto, não permitem confirmar a importância destas variáveis, pois não foi realizada nenhuma mensuração específica a respeito. Por outro lado, foi corroborado o papel do valor religiosidade e demais valores normativos e da identificação com os professores. Em última instância, pode ser que a identificação com os professores acene para um comprometimento acadêmico, apesar de tal suposição parecer forçada. Todavia, esta identificação, por si só, parece ser importante para a proteção de comportamentos socialmente desviantes. Neste sentido, os dados aqui coligidos se mostram consoantes com os resultados encontrados por Formiga (2002). Este fato específico, quando relacionado com a identificação com os pais, assinala a função de relevo que têm os modelos sociais convencionais como agentes socializadores para o não envolvimento com pares desviantes e, conseqüentemente, para o aprendizado de padrões de comportamento socialmente desejáveis. Em resumo, a presente dissertação oferece subsídios para delinear um modelo explicativo dos comportamentos socialmente desviantes (anti-sociais e delitivos) e das atitudes frente ao uso de maconha. A ênfase principal deste modelo deve recair na identificação grupal, nos valores humanos e na preferência musical, considerando alguns dos seus atributos específicos. 163 Capítulo VII CONCLUSÃO 164 Inegavelmente, pode-se tecer algumas considerações críticas a respeito deste empreendimento, assinalando limitações. Destaco, por outro lado, suas principais contribuições, apontando para algumas possíveis aplicações dos resultados e sugerindo questões para pesquisas futuras. 7.1 LIMITAÇÕES DA PESQUISA Principia-se este tópico apontando para algumas possíveis fragilidades no que concerne à instrumentação utilizada, a saber: • Escala de Condutas Anti-Sociais e Delitivas (CAD). De início é oportuno registrar algumas ponderações com relação a esta medida, propostas por Seisdedos (1998). Apesar de mostrar parâmetros psicométricos adequados em amostras do Brasil (ver Formiga, 2002), esta medida sugere algumas dificuldades na redação dos seus itens. Por exemplo, faz menção a mais de um comportamento, em um item, tornando-o algo confuso; um caso típico a respeito é o seguinte: “Responder mal a um superior ou autoridade (no trabalho, na escola ou na rua)”. Neste item, que faz parte do fator conduta anti-social, os termos superior e autoridade podem significar, ao menos no contexto de “rua”, um policial. Neste sentido, este item passaria a ser avaliado como expressando um conteúdo delitivo, sugerindo “desacato à autoridade”. Por outro lado, se tem como referência outro cenário, como a escola, tal comportamento é, de fato, tido como anti-social, pois reflete não a ruptura com uma norma legal, mas com uma norma socialmente definida, representada pelas figuras do professor e do diretor da escola. A ambigüidade pode igualmente ser percebida em outros itens, como por exemplo: “Incomodar pessoas desconhecidas ou fazer desordens em lugares públicos”. Pode-se classificar o primeiro comportamento (Incomodar pessoas desconhecidas) como, de fato, um comportamento anti- 165 social. Todavia, o mesmo não se pode dizer com relação ao segundo elemento da frase (fazer desordens em lugares públicos), pois este reflete um comportamento que pode ser classificado como vandalismo, que constitui um comportamento delitivo. Outro aspecto relacionado a este instrumento, é que foram verificadas muitas respostas “zero” (a escala de resposta varia de 0 = Nunca a 10 = Sempre) para os itens do fator de condutas delitivas. Isto leva a identificar vários outliers no banco de dados, quando, na realidade, refletem a condição dos participantes do estudo, todos estudantes do ensino médio. O próprio fato de estar matriculado e freqüentando as aulas pode ser um indicativo de que se trata de pessoas com baixo índice de envolvimento com comportamentos socialmente desviantes (Petraits, Flay & Miller, 1995). Não se descarta, igualmente, a influência da natureza do conteúdo avaliado por esta medida: condutas anti-sociais e delitivas. As médias baixas observadas para ambas podem espelhar uma recusa dos jovens a se mostrarem como realmente podem ser no cotidiano. Neste sentido, infere-se que este instrumento moderou as condutas socialmente desviantes dos adolescentes (ver Rhee & Waldman, 2002). • Escala de Identificação com Grupos de Relacionamento. Esta medida já foi utilizada em pesquisas passadas (Coelho Júnior, 2001; Formiga, 2002), em que se pretendia avaliar a influência da identificação grupal nos comportamentos anti-sociais. Embora este instrumento tenha funcionado adequadamente e se mostrado válido, é possível que a reformulação de alguns dos seus itens os tornasse mais eficaz. Por exemplo, em vez de se perguntar acerca da identificação com os companheiros de estudo, seria mais conveniente, perguntar o quanto o adolescente se identifica com aqueles companheiros de estudo que são mais estudiosos, que são mais compromissados com as aulas, que faltam menos, são mais obedientes, mais reverentes durante as aulas e que mostram mais respeito aos mais velhos e aos próprios 166 colegas de turma. Estes aspectos são importantes para indicar o compromisso do jovem com o padrão convencional, no caso refletido no âmbito escolar (Hawkins, Catalano & Miller, 1992). Este procedimento de especificar grupos e/ou pessoas com as quais o adolescente poderia se identificar deveria estimular a elaboração de uma versão melhorada desta escala. Tal empreendimento deveria ocupar os pesquisadores interessados na influência da identificação grupal em relação à explicação dos comportamentos socialmente desviantes. • Escala de Identificação com Grupos Alternativos. Com relação a esta escala, por outro lado, pode-se depreender que já representa uma imagem do adolescente que busca “ser diferente” e uma das formas de sê-lo é participar em atividades “emocionantes”, que provem a adrenalina, como em esportes radicais (por exemplo, o skate) ou os grupos tidos como desviantes, antiautoritários, ou que mostrem repúdio à família, aos “valores morais”, a ordem estabelecida, ao sistema dominante etc. (por exemplo, os punks ou hippies). Como se verificou em alguns estudos, a identificação com estes grupos pode ser entendida como um fator de vulnerabilidade (ou de risco) para comportamentos socialmente desviantes. A estes grupos podem ser ainda acrescentados outros, como por exemplo, os clubbers. Assim como os outros, estes grupos podem ser caracterizados em função da música que mais gostam, entre outros elementos, como a roupa, o tipo de cabelo, um estilo próprio que também diz respeito à manutenção de atitudes e crenças normativas peculiares. Os integrantes destes grupos participam, juntamente com outros indivíduos que conformam outros grupos, de festas noturnas em boites, ao ritmo da música techno, nas chamadas festas rave (do inglês: delírio). Nestas festas são bastante comuns, sobretudo, em grandes cidades, o abuso de álcool e a utilização de drogas sintéticas, como o ecstasy (ver Artoni, 2003). 167 A propósito desta medida, foi verificado, durante a coleta de dados, que o grupo skinheads é o mesmo conhecido pelos adolescentes, pois suscitou alguns questionamentos. Isso certamente se deveu ao contexto cultural em que a pesquisa foi realizada. Provavelmente, este item não apresentaria problemas em amostras do Sul ou Sudeste do país. Se esta pesquisa fosse realizada em São Paulo, por exemplo, a denominação skinheads teria sido identificada e compreendida mais facilmente. Por fim, os resultados aqui apresentados sugerem a recomendação desta escala, mas é importante considerar as ressalvas feitas. • Escala de Atitudes frente ao Uso de Maconha e Escala de Atitudes frente ao NãoUso de Drogas. Embora compreendam duas medidas, estas se fundamentam em estímulos idênticos, expressos como adjetivos bipolares. Ambas mostraram parâmetros psicométricos adequados, porém revelam uma limitação evidente: compreendem medidas que contemplam especialmente aspectos afetivos das atitudes (positivo-negativo, bom-ruim, desejávelindesejável e agradável-desagradável). Com relação à Escala de Atitudes frente ao Uso de Drogas, sugere-se que seja utilizada sem fazer referência ao álcool, uma vez que, apesar de ser considerado uma droga, trata-se de uma droga lícita. Talvez fosse melhor considerar escalas com relação a drogas específicas ou não considerar, numa mesma escala, drogas lícitas e ilícitas, uma vez que se considera existir grande diferença entre usar cocaína e ingerir bebidas alcoólicas. •Escala de Preferência Musical. Esta medida foi construída para esta dissertação, pelo fato de não se ter podido contar com uma escala válida para mensurar o construto em questão. As pesquisas revistas, quando da seleção das medidas para esta pesquisa, não apresentavam uma escala com parâmetros psicométricos adequados. Para o presente trabalho, intentou-se abarcar, na medida, estilos que teoricamente eram mais conhecidos dos adolescentes da região 168 em que esta pesquisa se insere, o Nordeste brasileiro, considerando que os estilos variam muito de acordo com o contexto cultural. Atualmente, sabe-se que nos Estados Unidos da América foi desenvolvida uma escala para apurar a preferência musical (Rentfrow & Gosling, 2003) que conta com o mesmo inconveniente para a elaboração desta, que se refere à ausência de teoria para o construto. Mesmo assim, pretendeu-se avaliar a influência desta variável para os comportamentos desviantes, dado que algumas pesquisas falam da sua importância. Apesar da mencionada dificuldade, acredita-se ter contribuído para uma primeira aproximação a estrutura dimensional do construto, devendo sua consistência ser averiguada em pesquisas futuras. Vista desta maneira, esta escala pode tanto ser incluída no tópico acerca das limitações da pesquisa como também ser entendida como uma contribuição relevante do estudo. Outra limitação é que, apesar de se ter falado sobre o papel de variáveis moderadoras e mediadoras para um entendimento mais preciso das diversas relações que se estabelecem para a explicação dos comportamentos socialmente desviantes, não se averiguou esses tipos de relações. Este trabalho apenas especulou sobre relações deste tipo, não tendo buscado a detecção de variáveis moderadoras e mediadoras. O que, com efeito, seria extremamente relevante para uma discussão mais adequada do modelo de variáveis preditoras. Como exemplo, a questão segundo a qual melhor seria entender a relação entre a identificação com grupos alternativos e os comportamentos desviantes como sendo mediatizada pela preferência por música anticonvencional poderia ser verificada empiricamente, através de procedimentos estatísticos mais arrojados. Especulando estas relações, no presente caso ou em pesquisas futuras, poderia se utilizar modelos de regressão hierárquica, path analisys ou modelos de equações estruturais, uma vez que nas correlações bivariadas foi verificada uma relação positiva desta variável tanto com as condutas anti-sociais como com as delitivas. Apesar da 169 verificação das variáveis mediadoras não ter entrado nos objetivos deste trabalho, pode-se sugerir que essa relação hipotetizada seja empiricamente observada para explicação desses resultados, por exemplo, através do procedimento, comumente utilizado, recomendado por Baron e Kenny (1986). Como geralmente ocorre, as pesquisas não se limitam ao que é relatado numa primeira apresentação pública dos resultados, como no caso de uma dissertação. Por isso, espera-se que o conjunto de dados aqui utilizados sirva para se verificar várias relações que não entraram no escopo deste empreendimento, quando se poderá, ulteriormente, melhor explorar as possibilidades de análises. Outro aspecto que merece destaque, diz respeito à relação entre preferência musical e comportamento anti-social. É importante assumir que esses estudos ainda não são suficientes para se dar uma resposta definitiva. Embora já se tenha avançado muito na compreensão do fenômeno, as pesquisas têm suas limitações, tanto de ordem metodológica quanto em relação ao âmbito teórico. Em termos metodológicos, deve-se atentar para o fato de que esta pesquisa, por ser do tipo correlacional, não permite constatar relações de causa e efeito (do tipo se A então B) entre as variáveis (a) preferência musical, mais especificamente preferência por heavy metal e rap music e (b) comportamento anti-social, como agressão ou uso de drogas e outras variáveis correlatas, assim como com fatores de risco para o adolescente, como baixa auto-estima e ideação suicida. Além de outras dificuldades metodológicas – que são respeitantes tanto ao design experimental, como às investigações correlacionais (Aronson & Calrsmith, 1968). Teoricamente, talvez estas relações hipotetizadas pudessem ser mais adequadamente explicadas por um terceiro fator, como a hiperatividade, a busca de sensações, os conflitos familiares etc. Com relação a esta discussão, vários pesquisadores coincidem em afirmar que a preferência pelo estilo heavy metal atrai adolescentes com problemas afetivo170 comportamentais, como uso de drogas, delinqüência, depressão e problemas nas relações familiares, ao invés de causar estes problemas na adolescência (Arnett, 1991; Gaines, 1991; Gross, 1990; Martin & cols. 1993; Stack & cols. 1994, Weinstein, 1991, citados por Schell & Westefeld, 1999). Schell e Westefeld (1999) explicam que os adolescentes com problemas pré-existentes (neste caso, psicopatologia pessoal e familiar) podem procurar ou se identificar com a música rock / heavy metal por este estilo refletir temas cujos próprios sentimentos dos jovens adolescentes estariam sendo representados. Se os estudos correlacionais não permitem relações de causa e efeito, por outro lado, possibilitam detectar em grandes amostras, possíveis variáveis associadas em uma situação natural, diferente da situação artificial e restrita como a que se tem nas pesquisas experimentais de laboratório. Em contraste, os estudos experimentais, apesar de poderem testar relações de causalidade, ainda são muito escassos e os resultados tidos como artificiais e pouco generalizáveis para situações em que os fenômenos ocorrem naturalmente. Leve-se em conta, ainda, que a informação sobre as relações de causa e efeito que provém desses estudos não permite concluir que esses tipos de música violenta sejam tido como um precursor da agressão (ver Anderson & Bushman, 2001). Além do mais, deve-se entender melhor o efeito de variáveis moderadoras, como gênero, idade e a cultura, assim como mediadoras, como a influência de estilos parentais, pressões grupais e outras influências ambientais; adite-se a isso a necessidade de se contar com uma teoria adequada para a interpretação dos resultados. 7.2 PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA As principais teorias utilizadas para explicar o uso de drogas e comportamentos antisociais consistentemente fazem referência à importância dos valores humanos, seja considerando a literatura psicológica ou sociológica. No entanto, falam dessa variável de 171 forma vaga. Na pesquisa se intentou uma aproximação mais adequada, uma vez que contou com uma teoria específica de valores (Gouveia, 1998, 2001), que possibilitou tratar de valores específicos. Com base nas principais fontes consultadas (ver Hawkins Catalano & Miller, 1992; Petraits, Flay & Miller, 1995), pode-se dizer que esta variável foi bem representada pelos valores normativos, como representando aqueles da “Sociedade Tradicional”, considerando a tipologia empregada. Estes valores mostraram sua importância para a predição dos comportamentos e atitudes desviantes. Evidenciou-se que os valores normativos podem ser considerados como fator de proteção contra os comportamentos socialmente indesejáveis, como o vandalismo e o roubo. Todavia, considerando as análises de regressão, verificou-se que estes valores foram melhores preditores das atitudes frente ao uso da maconha do que dos comportamentos socialmente desviantes. Estas relações encontram respaldo na já clássica estrutura teórica valores-atitudes-comportamentos (Rokeach, 1981). Em contraste, pode-se considerar os valores de experimentação como fatores de risco para estes comportamentos, visto que se relacionaram positivamente com estes. Isto se revela particularmente significativo, pois constata empiricamente o que muito se especula, além de se especificar os valores. É importante, a propósito, lembrar que poucos pesquisadores incluíram esta variável na pauta de seus trabalhos. Por outro lado, as poucas pesquisas realizadas encontraram resultados consistentes com os aqui evidenciados (Coelho Júnior, 2001; Formiga, 2002; Ludwig & Pittman, 1999; Romero & cols. 2001; Tamayo & cols. 1995). Por fim, verificou-se que, apesar de sua importância para se entender o comportamento delituoso, esta variável parece ser notadamente importante para o entendimento dos comportamentos antisociais. Esta hipótese também foi corroborada por Formiga (2002), em pesquisa realizada neste mesmo contexto. 172 Os achados aqui encontrados asseveram a importância de se entender os comportamentos socialmente desviantes entre adolescentes considerando-se a fonte de pressão que os pares exercem. A variável identificação grupal mostrou-se adequada para a predição dos comportamentos desviantes e das atitudes positivas frente ao uso de maconha. No entanto, foi mais adequada para a predição dos comportamentos. Na verdade se revelaram os melhores preditores para os comportamentos desviantes do que das atitudes. E, a exemplo do que aconteceu com os valores de experimentação, a identificação grupal predisse melhor as condutas anti-sociais do que as delitivas. Além disso, a identificação com os grupos de relacionamento mostrou maior peso na predição dos comportamentos desviantes do que a identificação com os grupos alternativos. Isto pode ser interpretado como uma substantiva contribuição das teorias de aprendizagem social para explicar padrões comportamentais e atitudinais de desviância através da imitação de padrões comportamentais. A alta identificação com estes grupos de relacionamento, sobretudo pais e professores, é um fator crucial para tal processo. Outra contribuição desta pesquisa diz respeito à verificação empírica das relações entre preferência musical, identificação com grupos alternativos e comportamentos socialmente desviantes e atitudes positivas frente ao uso de maconha. Na revisão empreendida, foi verificado que estas duas variáveis são raramente tratadas na literatura psicológica e psicossocial. Além disso, as pesquisas realizadas sobre a relação entre a preferência musical e o comportamento anti-social foram realizadas, em sua maioria, em países de língua inglesa, principalmente nos EUA. As pesquisas sobre identificação com grupos alternativos, de forma análoga, são bastante raras. No levantamento realizado, foram verificadas apenas duas pesquisas que trata desta variável, uma nos EUA (Sussman, Dent & McCullar, 2000) e outra 173 na Espanha (López & Carrasco, 1997). As demais foram encontradas em outras áreas, como sociologia e antropologia. Quando se verifica que tanto a preferência musical como a identificação com grupos alternativos, em país de língua portuguesa, possibilita pensar alguns fatores associados. Com relação à preferência musical, pode-se sugerir que ela seja devida à grande popularidade do rock e de outros estilos que se desenvolveram subseqüentemente, como o heavy metal e o rap. Outrossim, também podem ser entendidos pelo papel secundário das letras para os fãs (Fridlander, 1995) e que a influência musical extrapola barreiras, pois parece englobar outros elementos que servem para caracterizar as culturas juvenis, conformando assim um estilo de vida peculiar para os fãs. Certamente, é com base nesta asserção que o Professor Arnett estuda a cultura heavy metal (HM). Esta cultura encerra elementos próprios que as distingue de outras, o que inclui regras e normas comportamentais, crenças que prescrevem o vestuário, linguagem, tipo de cabelo, entre outros (Pais, 1998). Os dados aqui apresentados são coerentes com o supramencionado. As associações entre preferência musical, comportamento anti-social e atitudes frente ao uso de maconha, possibilitam comprovar que a preferência musical deve ser entendida como mais uma característica relevante para a formação de grupos adolescentes. As relações entre identificação com grupos alternativos e preferência por música anticonvencional reforçam esta idéia, permitindo pensar que as preferências musicais devem ser entendidas como elementos fundamentais para a formação de culturas juvenis. As preferências musicais, nesta linha de pensamento, devem ser entendidas como importantes na formação e consolidação de identidades, podendo ser interpretadas a partir da Teoria da Identidade Social de Tajfel (ver Tekman & Hortaçsu, 2002). O fato de a maioria das pesquisas sobre preferência musical e comportamento antisocial ter sido realizada em solo americano é consoante com a avaliação que faz Triandis 174 (1995) e Markus e Kitayama (1991) acerca do conhecimento angariado pela psicologia, em geral, e psicologia social, em particular. Markus e Kitayama (1991), num artigo de extremo impacto, criticam a teorização nas áreas da cognição, emoção e motivação, argumentando a influência da visão psicologizante, do cartesianismo e, em particular do que chamam de self independente (noção ocidental do eu). Por seu turno, e consoante com os autores anteriormente citados, Triandis (1995) explicita que a maior parte do conhecimento psicológico proveio de pesquisas em que os respondentes eram da Europa e da América do Norte. Dessa maioria, mais de 90% do conhecimento acumulado na área foi gerado na América do Norte (incluindo o México), o que, por seu turno, representa menos que 7% da humanidade. Para melhor entender este dado, em termos proporcionais, continua o autor, considerando o planeta Terra formado por 100 pessoas, 55 seriam então da Ásia, 21 da Europa, 9 da África, 8 da América do Sul e 7, apenas, da América do Norte. Este dado serve para ressaltar a importância das contribuições trazidas pelo presente estudo. Em resumo, foi verificado um maior poder preditivo da identificação grupal na explicação dos comportamentos desviantes. A identificação com grupos de relacionamento foi o melhor preditor para as condutas, sobretudo as anti-sociais. A identificação com grupos alternativos também se mostrou mais adequada para predizer as condutas anti-sociais. Os valores, especificamente os normativos, mostraram ser os melhores preditores para as atitudes frente ao uso de maconha, seguidos pela preferência por música anticonvencional. Com relação a esta última variável, diferentemente do que se verificou com relação às outras variáveis, observou-se uma correlação ligeiramente mais forte com as condutas delitivas (r = 0,23) em comparação com as anti-sociais (r = 0,21). 175 7.3 POSSIBILIDADE DE PESQUISAS FUTURAS As teorias de identificação social e comprometimento social focalizam, marcantemente, os aspectos psicossociais dos comportamentos socialmente desviantes. Todavia existem teorias em que aspectos intrapsíquicos jogam um papel importante para explicação do problema. Em função disso pode-se plantear questões para pesquisas futuras que combinem aspectos sociais e aspectos individuais. Considerando que estas variáveis complementam o entendimento de diversos comportamentos anti-sociais, sugerem-se algumas que já têm mostrado sua relevância. Aspectos do self. Em estudo levado a cabo na Espanha, os resultados que López e García (1998) encontraram sugerem que os adolescentes violentos apresentam auto-estima e auto-imagem negativa, quando comparados com os não-violentos. A auto-estima também é apontada por Petraits e cols (1995) como uma variável importante para se entender o envolvimento com pares desviantes e o uso de drogas. De acordo com Trad (1994), a baixa auto-estima pode ser usada para predizer o consumo de álcool e o uso de drogas entre os adolescentes, visto que estas substâncias diminuem a percepção de baixa auto-estima e de sentimentos de inferioridade. Segundo Levy (1997), aspectos do autoconceito como insegurança, negativa auto-imagem e baixa autoconfiança têm sido relacionados com comportamento delinqüente adolescente. Considerando esta variável, Youngstrom, Weist e Albus (2003), utilizando a Escala de Auto-estima de Rosenberg, encontraram que o aumento no autoconceito positivo foi um poderoso preditor para a diminuição da externalização de comportamentos problema, como o comportamento violento (β = -0,36, p < 0,005). Coping. López e García (1998) também encontraram entre os adolescentes mais violentos, uma maior freqüência no uso de estratégias de coping, que podem ser classificadas 176 como de negação, pois os adolescentes tendiam a utilizar mais da estratégia de negação dos problemas. Petraits e cols. (1995) também relatam a importância das “habilidades inadequadas de coping”, nas teorias que descrevem para se entender o comportamento de uso de drogas. Além da importância para se entender a violência, Myers, Stice e Wagner (1998) afirmam que várias pesquisas têm usado o conceito de coping para entender o desenvolvimento do uso e abuso de álcool e drogas entre adolescentes. De fato, parece que este construto vem sido utilizado principalmente nas pesquisas sobre o uso de drogas (Beldin, Martin, Lamb, Lakin & Terry, 1996, Krebs, Weyers & Janke, 1998, Pieper, Szczepaniak & Templin, 2000). Controle sobre os eventos vitais. Outra variável que se verificou estar relacionada com o comportamento anti-social de violência diz respeito ao controle sobre os eventos vitais. López e García (1998) concluem que os adolescentes violentos mostram menos controle sobre os eventos vitais. Newcomb e Harlou (1986) já haviam encontrado uma relação entre uso de drogas e percepção de controle, concluindo que o uso de drogas é uma resposta dos adolescentes à falta de controle percebida com relação a eventos importantes para suas vidas. Deve-se ressaltar que esta falta de controle se relaciona com o estresse e que as pessoas, de forma geral, desenvolvem maneiras distintas de enfrentar as situações estressantes, podendo o uso de drogas ser uma delas. É nesta perspectiva que se inserem os trabalhos sobre estilos e estratégias de coping. Estresse. Entre outras variáveis pessoais importantes para se entender o comportamento anti-social, como a violência, por exemplo, encontra-se o estresse (Youngstrom, Weist, & Albus, 2003) em geral, e o estresse especificamente relacionado com o ambiente escolar. Kumpfer e Turner (1990, 1991 citados por Petraits & cols. 1995) defendem este ponto de vista no seu Modelo Social Ecológico. Hagan e Foster (2003) explicam que o comportamento anti-social pode ser entendido como uma resposta adaptativa 177 para o estresse. O estresse nesta perspectiva é entendido como uma causa emocional dos comportamentos socialmente desviantes, como agressão e violência. Os autores chamam a atenção para a necessidade de se suprir a lacuna que se observa nesta área desde pesquisas quantitativas, pois a grande parte dos trabalhos prévios são de índole qualitativa. Realização acadêmica. Outra variável bastante citada nas pesquisas sobre preditores do comportamento anti-social é a realização acadêmica. Os proponentes do MDS destacam o papel do comprometimento escolar como um fator de proteção para comportamentos socialmente desviantes. Neste sentido, é justificável que se realize estudos em nossa realidade com esta variável. Barriga e cols. (2002), recentemente, encontraram uma relação negativa entre performance acadêmica e comportamento delinqüente (r = -0,24) e agressivo (r = -0,33). Os autores ainda chamam atenção para o papel mediador de problemas de atenção para melhor entender estas relações. 7.4. APLICABILIDADE DA PESQUISA A despeito de não ter sido considerado como objetivo apontar possíveis aplicabilidades dos resultados aqui encontrados considerou-se conveniente propor algumas sugestões que podem ajudar a refletir um caminho viável para aplicação. Tendo em vista, naturalmente, a diminuição dos comportamentos socialmente desviantes. Primeiramente, uma vez evidenciado que os valores normativos podem agir como fatores de proteção contra os comportamentos anti-sociais e delitivos, além de mostrarem sua adequação na predição de atitudes frente ao uso de maconha, vários agentes importantes para a socialização dos adolescentes, como pais e professores, podem conscientemente estimular o desenvolvimento e a solidificação destes valores, reforçando-os quotidianamente e relacionando-os a comportamentos pró-sociais, por exemplo. Estes valores também podem ser 178 úteis em programas de recuperação de usuários de drogas, assim como na prevenção do seu uso. Além disso, podem agir como moderadores da influência dos valores de experimentação que, como se verificou, encontram-se relacionados aos comportamentos anti-sociais e atitudes frente ao uso de maconha. Já existem, na literatura sobre os valores humanos, pesquisas desenvolvidas no âmbito da intervenção nos valores, mostrando, assim, ser factível operar resultados em prol da promoção do bem-estar social (Ball-Rokeach, Rokeach & Grube, 1984; Rokeach, 1973). Outra variável que pode ser utilizada para os mesmos fins, é a identificação com os grupos de relacionamento, que têm uma força considerável para prever comportamentos socialmente desviantes. Com relação a isto cabe lembrar que quão mais consistente com os valores sociais normativos, os comportamentos desempenhados no dia-a-dia de, sobretudo, pais e professores, mais estes teriam uma influência positiva para o comportamento social do adolescente. Comprovou-se que os próprios pares desempenham importante papel, o que é plenamente consensual com a literatura especializada. Neste sentido, as associações com pares que seguem padrões socialmente desejáveis de comportamento devem ser estimuladas. Isto pode ser incorporado por profissionais que trabalham na recuperação de dependentes de drogas. Ainda no tocante a influência dos grupos, parece que a identificação com os grupos alternativos ou a afiliação a eles pode ser considerado um fator de vulnerabilidade para comportamentos socialmente desviantes. No entanto, este dado deve ser considerado com cautela, de vez que o preconceito para com estes grupos poderia vir a atrapalhar qualquer tentativa de prevenção de problemas comportamentais. E muito sobre estas culturas, em que a música desempenha um papel primordial, como as culturas HM, ainda deve ser estudado (Lacourse, Claes & Villeneuve, 2000) para que se possa fazer recomendações mais precisas. 179 Por isso, deve-se ter cuidado para não cercear a liberdade dos adolescentes, pois estes podem agir de modo inteiramente indesejável, o que pode ser explicado, por exemplo, em termos da Teoria da Reatância Psicológica de Brehm (ver Rodrigues, Assmar & Jablonsky, 2000). Com relação às preferências musicais, reitera-se que também muitos trabalhos científicos devem ser realizados, considerando a lacuna averiguada na literatura da psicologia (Rentfrow & Gosling, 2003). Além de se entender que o pesquisar a preferência musical revela-se como uma atividade extremamente pertinente para que se possa amplificar o conhecimento acerca do comportamento social, em geral. E, particularmente, para se melhor compreender o mundo adolescente. Neste sentido, apesar de se contar com escasso conhecimento a propósito das relações entre preferência musical, personalidade e comportamento social, talvez fosse profícuo sugerir uma “cautelosa” supervisão parental com relação aos estilos musicais, visto que já se averiguou o papel mediador desta variável na relação entre preferência por heavy metal e comportamento anti-social (ver Singer, Levine & Jou, 1993). Considerando que vários estudos coincidem em afirmar que os adolescentes que preferem o heavy metal geralmente apresentam dificuldades nas relações familiares, desenvolvem sentimentos de alienação e anomia, e fazem uso e abuso de substâncias ilícitas (Lacourse, Claes & Villeneuve, 2000), agindo como um fator de risco para o suicídio; os achados deste empreendimento podem prover subsídios importantes para a psicologia clínica lidar melhor com problemas afetivo-comportamentais na adolescência. Por fim, vale destacar que não se trata de proibir que o adolescente escute determinados estilos que enfocam temas como a violência e o uso de drogas, como o heavy metal e o rap. Mas, considerando-se que, muitos jovens e adolescentes fãs de estilos musicais não convencionais parecem conferir um lugar proeminente a tais tendências nas suas vidas, torna-se oportuno que os pais tentem introduzir ou enfatizar variabilidades no repertório de 180 preferências musicais dos seus filhos desde tenra idade. Com efeito, isto pode evitar alienações a estilos específicos, reforçados socialmente, e que podem representar um fator de risco à saúde e bem estar-social deles, associando-se com diversos comportamentos antisociais. 181 Referências 182 Abdounur, O. J. (2002). Matemática e música: O pensamento analógico na construção de significados. São Paulo, SP: Editora Escrituras. Adalbjarnardottir, S. & Rafnsson, F.D. (2002). Adolescent antisocial behavior and substance use longitudinal analyses. Addictive Behaviors, 27, 227-240. Allison, K. W., Crawford, I., Leone, P.E., Trickett, E., Perez-Febles, A., Burton, L. M. & Blanc, R.L. (1999). Adolescent substance use: preliminary examinations of school and neighborhood. American Journal of Community Psychology, 27, 111-129. Allport, G. W. (1968). The historical background of modern social psychology. Em G. Lindzey e E. Aronson (Eds.). The handbook of social psychology (pp. 1-80). USA: California, Addison-Wesley Publishing Company. Anderson, C. 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Utilizando a escala de resposta abaixo, indique com um número ao lado de cada valor o grau de importância que este tem como princípio que guia sua vida. 1 Totalment e Não Importante 2 Não importante 3 Pouco importante 4 Mais ou menos importante 5 Importante 6 Muito importante 7 Totalmente Importante 01.____JUSTIÇA SOCIAL. Lutar por menor diferença entre ricos e pobres; permitir que cada indivíduo seja tratado como alguém valioso. 02.____SEXUAL. Ter relações sexuais; obter prazer sexual. 03.____ÊXITO. Obter o que se propõe; ser eficiente em tudo que faz. 04.____APOIO SOCIAL. Obter ajuda quando a necessite; sentir que não está só no mundo. 05.____HONESTIDADE. Agir responsavelmente quando dá sua palavra; ser honesto e honrado. 06.____CONHECIMENTO. Procurar notícias atualizadas sobre assuntos pouco conhecidos; tentar descobrir coisas novas sobre o mundo. 07.____EMOÇÃO. Desfrutar desafiando o perigo; buscar aventuras. 08.____PODER. Ter poder para influenciar os outros e controlar decisões; ser o chefe de uma equipe. 09.____AFETIVIDADE. Ter uma relação de afeto profunda e duradoura; ter alguém para compartilhar seus êxitos e fracassos. 10.____RELIGIOSIDADE. Crer em Deus como o salvador da humanidade; cumprir a vontade de Deus. 11.____AUTODIREÇÃO. Sentir-se livre para vestir-se como queira; estar livre para se mover, ir e vir sem impedimentos. 12.____ORDEM SOCIAL. Viver em um país ordenado e estruturado; ter um governo estável e eficaz. 13.____SAÚDE. Preocupar-se com sua saúde antes de ficar doente; não estar enfermo. 14.____PRAZER. Desfrutar da vida; satisfazer todos os seus desejos. 15.____PRESTÍGIO. Saber que muita gente lhe conhece e admira; quando velho receber uma homenagem por suas contribuições. 16.____OBEDIÊNCIA. Cumprir seus deveres e obrigações do dia a dia; respeitar aos seus pais e aos mais velhos. 17.____ESTABILIDADE PESSOAL. Ter certeza de que amanhã terá tudo o que tem hoje; ter uma vida organizada e planificada. 18.____ESTIMULAÇÃO. Fazer coisas que lhe permitam estar em movimento, ocupado; participar em tantas atividades como seja possível. 19.____CONVIVÊNCIA. Conviver diariamente com os vizinhos; fazer parte de algum grupo, como: social, religioso, esportivo, entre outros. 20.____BELEZA. Ser capaz de apreciar o melhor da arte, música e literatura; ir a museus ou exposições onde possa ver coisas belas. 21.____TRADIÇÃO. Seguir as normas sociais do seu país; respeitar as tradições da sua sociedade. 22.____SOBREVIVÊNCIA. Ter água, comida e poder dormir bem todos os dias; viver em um lugar com abundância de alimentos. 23.____MATURIDADE. Desenvolver todas as suas capacidades; sentir que conseguirá alcançar seus objetivos na vida. 24.____PRIVACIDADE. Ter uma vida privada sem que os assuntos ou as pessoas da comunidade interfiram; ter sua própria moradia e receber nela só a quem deseja. Agora reconsidere a lista de valores acima. Escreva o nome de um único valor que você pensa que é o MAIS IMPORTANTE como um princípio-guia na sua vida: __________________. Embora todos possam ser importantes, qual julga ser o MENOS IMPORTANTE DE TODOS: ____________________. ANEXO II – ESCALA DE CONDUTAS ANTI-SOCIAIS E DELITIVAS (CAD) INSTRUÇÕES. A seguir são apresentados alguns comportamentos que as pessoas podem apresentar no seu dia a dia. Por favor, pedimo-lhe que indique com que freqüência já os fez em algum momento da sua vida. Utilize a seguinte escala de resposta, anotando ao lado de cada frase o número que melhor expressa a intensidade do seu comportamento. Nunca 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Sempre 01.____ Fazer brincadeiras pesadas com as pessoas, como empurrá-las na lama ou tirar-lhes a cadeira quando vão sentar. 02.____ Sair sem permissão (do trabalho, de casa ou do colégio). 03.____ Pegar escondido o carro ou a moto de um desconhecido para dar um passeio, com a única intenção de se divertir. 04.____ Comer em locais proibidos (trabalho, escola, cinema, etc.). 05.____ Bagunçar ou assobiar em uma reunião, lugar público ou de trabalho. 06.____ Roubar roupas de um varal ou objetos dos bolsos de uma roupa pendurada em um cabide. 07.____ Conseguir dinheiro ameaçando pessoas mais fracas. 08.____ Destruir ou danificar coisas em lugares públicos. 09.____ Responder mal a um superior ou autoridade (no trabalho, na escola ou na rua). 10.____ Arrancar ou pisar flores ou plantas em parques ou jardins. 11.____ Incomodar pessoas desconhecidas ou fazer desordens em lugares públicos. 12.____ Chegar de propósito mais tarde do que o permitido (em casa, trabalho, compromisso, etc.). 13.____ Gastar freqüentemente no jogo mais dinheiro do que pode. 14.____ Portar uma arma (faca ou canivete) caso considere necessário em uma briga. 15.____ Dizer palavrões ou expressões pesadas. 16.____ Roubar coisas de grandes armazéns, supermercados, entre outros, estando abertos. 17.____ Roubar objetos dos carros. 18.____ Entrar em um local proibido (jardim privado, casa vazia, etc.). 19.____ Entrar em uma loja que está fechada, roubando algo ou não. 20.____ Resistir ou brigar para escapar de um policial. 21.____ Jogar lixo no chão (quando há perto um cesto de lixo). 22.____ Entrar em um apartamento ou casa e roubar algo (sem ter planejado antes). 23.____ Planejar de antemão entrar em uma casa ou apartamento para roubar coisas de valor. 24.____ Apanhar frutas em um jardim ou pomar alheio. 25.____ Pegar escondido a bicicleta de um desconhecido e ficar com ela. 26.____ Quebrar ou jogar no chão coisas dos outros. 27.____ Roubar coisas ou dinheiro em máquinas de refrigerantes, telefones públicos, etc. 28.____ Chegar tarde ao trabalho, colégio ou reunião. 29.____ Negar-se a fazer as tarefas solicitadas (no trabalho, na escola ou em casa). 30.____ Brigar com os outros (com golpes, insultos ou palavras ofensivas). 31.____ Roubar coisas de um lugar público (trabalho ou colégio) com um valor de mais de R$ 10,00. 32.____ Roubar materiais ou ferramentas de pessoas que estão trabalhando. 33.____ Usar drogas. 34.____ Trapacear (em provas, competição importante, gabarito de resultado, etc.). 35.____ Sujar as ruas ou calçadas quebrando garrafas ou virando depósitos de lixo. 36.____ Entrar em um clube proibido ou comprar bebidas proibidas. 37.____ Tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo. 38.____ Riscar em lugares proibidos (paredes, mesas, etc.). 39.____ Forçar a entrada em um armazém, garagem, depósito ou mercearia. 40.____ Pertencer a uma turma que arma confusões, se mete em briga ou cria badernas. ANEXO III – ESCALA DE PREFERÊNCIA MUSICAL (EPM) INSTRUÇÕES. Agora, gostaríamos que você indicasse o quanto gosta (ou não) dos gêneros musicais abaixo. Para isso, por favor, para cada um dos gêneros (estilos) musicais, faça um circulo no número que melhor representa seu gosto. Utilize a seguinte escala de resposta: 5 = Gosto Muito 4 = Gosto 3 = Mais ou Menos 2 = Não Gosto 1 = Detesto 01. Heavy metal 1 (ex.: Black Sabbath, Iron Maiden, Slayer, Metallica, Sepultura, Angra) 2 3 4 5 02. Rap/hip-hop (ex.: Limp Bizkit, Beastie Boys, Racionais, Faces do Subúrbio) 1 2 3 4 5 03. Sertaneja (ex.: Leonardo, Chitãozinho e Xoróro, Zezé di Camargo e Luciano) 1 2 3 4 5 04. MPB (ex.: Chico Buarque, Vinicius, Elis Regina, Tom Jobim, Caetano) 1 2 3 4 5 05. Pagode (ex.: É o Tchan, Molejo, Os travessos, Só Pra Contrariar) 1 2 3 4 5 06. Pop Music (ex.: Britney Spears, Back Street Boys, Sandy e Júnior, Five) 1 2 3 4 5 07. Punk/Hard Core (ex.: Ramones, NOFX, Dead Kennedys, Circle Jerks, Pennywise) 1 2 3 4 5 08. Funk (ex.: Bonde do Tigrão, Furacão 2000, Serginho, As Preparadas) 1 2 3 4 5 09. Forró (ex.: Mastruz com Leite, Limão com Mel, Calcinha Preta, Aveloz) 1 2 3 4 5 10. Samba (ex.: Martinho da Vila, Alcione, Zeca Pagodinho, Leci Brandão) 1 2 3 4 5 11. Música Clássica 1 2 3 4 5 12. Música Religiosa (ex.: Padre Marcelo, Aline Barros, Melissa, Kléber Lucas) 1 2 3 4 5 13. Reggae (ex.: Bob Marley, Peter Tosh, Tribo de Jah, Cidade Negra) 1 2 3 4 5 (ex.: Beethoven, Mozart, Bach, Wagner, Chopin, Vivaldi) ANEXO IV - ESCALA DE IDENTIFICACAO COM GRUPOS DE RELACIONAMENTO INSTRUÇÕES. Dos grupos ou pessoas listados a seguir, indique em que medida você se identifica com cada um(a) deles (as) (circule um dos números na escala de resposta ao lado). 01. Seu Pai Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 02. Seus companheiros de estudo Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 03. Seus familiares em geral (tios, primos etc.) Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 04. Sua Mãe Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 05. Seus Irmãos Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 06. Seus vizinhos Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 07. Seus professores Nada 0 1 2 3 4 Totalmente ANEXO V - ESCALA DE IDENTIFICACAO COM GRUPOS ALTERNATIVOS INSTRUÇÕES. Dos grupos listados abaixo, indique em que medida você se identifica com cada um deles (circule um dos números na escala de resposta ao lado). 01. Punks Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 02. Skatistas Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 03. Surfistas Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 04. Funkeiros Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 05. Hippies Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 06. Head bangers (Metaleiros) Nada 0 1 2 3 4 Totalmente 07. Skin heads (Carecas) Nada 0 1 2 3 4 Totalmente ANEXO VI – ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO USO DE MACONHA INSTRUÇÕES. A seguir gostaríamos que indicasse sua opinião acerca de “estar sob a influência da maconha”, o que inclui várias formas de uso, como fumar, mascar ou comer. Inclui também uso leve, moderado ou pesado. Você não precisa ter tido experiência com maconha para responder essas questões. Por favor, indique sua avaliação global de “estar sob a influência da maconha”. Marque um X no quadro que melhor representar sua resposta. Considero “estar sob a influência da maconha”... Positivo Negativo Gosto Desgosto Agradável Desagradável Desejável Indesejável ANEXO VII – ESCALA DE ATITUDES FRENTE AO NÃO-USO DE DROGAS INSTRUÇÕES. Nesta oportunidade, gostaríamos que indicasse sua opinião acerca de “não estar sobre a influência de nenhuma droga”, incluindo as bebidas alcoólicas. Excetua-se o uso prescrito de medicamentos. Por favor, responda os itens abaixo segundo sua opinião pessoal. Considero “não estar” sob o efeito de drogas... Positivo Negativo Gosto Desgosto Agradável Desagradável Desejável Indesejável ANEXO VIII – QUESTIONÁRIO SÓCIO-DEMOGRÁFICO Finalmente, para obter um perfil dos participantes deste estudo, pedimo-lhes que responda às seguintes perguntas: 1. Idade: _____ anos 2. Sexo: Masculino 3. Estado Civil: Solteiro Feminino Casado Separado Outro (Indique:_________________________) 4. Em comparação com as pessoas do seu país, você diria que sua família é da classe sócio-econômica (circule): 5. Em Baixa que Média-Baixa bairro você Média viveu Média-Alta a maior Alta parte da vida?___________________________________________ 6. Você já se embriagou com bebida alcoólica? Sim Não 7. Você já provou maconha? Sim Não POR FAVOR, CONFIRA SE NÃO DEIXOU NENHUM ITEM SEM RESPOSTA. sua
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